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LITERATURA INFANTIL LITERATURA INFANTIL Literatura infantil João Olinto Trindade Junior João Olinto Trindade Junior GRUPO SER EDUCACIONAL gente criando o futuro Nesta disciplina abordaremos os conceitos sobre um tipo particular de literatura a infantil bem como os demais conceitos relacionados a ela Analisaremos estudos e linhas de pesquisa que lançam múltiplos olhares sobre esses textos levando em consideração sua relação diacrônica e anacrônica para a formação de crianças e adolescentes Isso posto podese af rmar que há toda uma tradição literária voltada para promover a interação do indivíduo com o mundo fantástico e imaginário e mostrar de que for ma isso auxilia na percepção do real do sujeito que vai sendo construída Por esse viés ref etiremos sobre como essa vertente literária tem potencial para fa vorecer o desenvolvimento cognitivo do indivíduo em formação de maneira lúdica e criativa Além disso iremos explorar como uma série de estratégias de leitura podem ser desenvolvidas logo nas primeiras etapas da vida no âmbito familiar e escolar Além da discussão sobre o que def ne uma literatura como infantil e qual sua função na sociedade em que é produzida discorreremos sobre uma rica tradição de textos tanto no Brasil quanto no mundo que surgiu e continua se reinventando com o decorrer das épocas Bons estudos SERPEDALITECAPAindd 13 161020 1734 Ser Educacional 2020 Rua Treze de Maio nº 254 Santo Amaro RecifePE CEP 50100160 Todos os gráficos tabelas e esquemas são creditados à autoria salvo quando indicada a referência Informamos que é de inteira responsabilidade da autoria a emissão de conceitos Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem autorização A violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela Lei nº 961098 e punido pelo artigo 184 do Código Penal Imagens de íconescapa Shutterstock Presidente do Conselho de Administração Diretorpresidente Diretoria Executiva de Ensino Diretoria Executiva de Serviços Corporativos Diretoria de Ensino a Distância Autoria Projeto Gráfico e Capa Janguiê Diniz Jânyo Diniz Adriano Azevedo Joaldo Diniz Enzo Moreira João Olinto Trindade Junior DP Content DADOS DO FORNECEDOR Análise de Qualidade Edição de Texto Design Instrucional Edição de Arte Diagramação Design Gráfico e Revisão SERPEDALITEUNID1indd 2 161020 1733 Boxes ASSISTA Indicação de filmes vídeos ou similares que trazem informações comple mentares ou aprofundadas sobre o conteúdo estudado CITANDO Dados essenciais e pertinentes sobre a vida de uma determinada pessoa relevante para o estudo do conteúdo abordado CONTEXTUALIZANDO Dados que retratam onde e quando aconteceu determinado fato demonstrase a situação histórica do assunto CURIOSIDADE Informação que revela algo desconhecido e interessante sobre o assunto tratado DICA Um detalhe específico da informação um breve conselho um alerta uma informação privilegiada sobre o conteúdo trabalhado EXEMPLIFICANDO Informação que retrata de forma objetiva determinado assunto EXPLICANDO Explicação elucidação sobre uma palavra ou expressão específica da área de conhecimento trabalhada SERPEDALITEUNID1indd 3 161020 1733 Unidade 1 Literatura infantil conceitos e origens Objetivos da unidade 12 O estatuto da literatura infantil 13 A função da literatura infantil 15 A origem da literatura infantil 23 Contos de fadas dos primórdios aos dias de hoje 30 A literatura infantil brasileira 36 Sintetizando 42 Referências bibliográficas 43 Sumário SERPEDALITEUNID1indd 4 161020 1733 Sumário Unidade 2 Ideologia no Texto Infantil Objetivos da unidade 46 Representação da sociedade normas e valores 47 Representação da criança no texto literário infantil 53 Sensibilização e aproximação lúdica da criança com a linguagem poética 59 A importância da exteriorização personagens e acontecimentos fantásticos 66 O sobrenatural familiar 68 Literatura e amadurecimento 69 Sintetizando 78 Referências bibliográficas 79 SERPEDALITEUNID1indd 5 161020 1733 Sumário Unidade 3 Escola e formação do leitor Objetivos da unidade 82 Escola e formação do leitor 83 A importância da leitura e da literatura na escola 85 Estratégias de leitura em sala de aula 90 Brincadeiras com palavras sons e imagens 93 Leitura e leitores 95 Didática da literatura infantil 97 Responsabilidade da escola e do professor na formação do leitor 107 A sala de aula enquanto espaço de construção 108 O ensino da literatura 112 Políticas e práticas educacionais 113 Sintetizando 116 Referências bibliográficas 117 SERPEDALITEUNID1indd 6 161020 1733 Sumário Unidade 4 Métodos de ensino favoráveis à formação do leitor Objetivos da unidade 120 O papel da família da escola e da sociedade na promoção da leitura 121 A formação de leitores no Brasil 123 Processos lúdicos 127 Leitura e formação 129 Biblioteca escolar 131 A função formadora 133 A animação de uma biblioteca infantil 135 Fisiologia da biblioteca infantil 139 A natureza da leitura em ambientes escolares 141 Sintetizando 150 Referências bibliográficas 151 SERPEDALITEUNID1indd 7 161020 1733 SERPEDALITEUNID1indd 8 161020 1733 Olá alunosas Nesta disciplina abordaremos os conceitos sobre um tipo particular de li teratura a infantil bem como os demais conceitos relacionados a ela Analisa remos estudos e linhas de pesquisa que lançam múltiplos olhares sobre esses textos levando em consideração sua relação diacrônica e anacrônica para a formação de crianças e adolescentes Isso posto podese afi rmar que há toda uma tradição literária voltada para promover a interação do indivíduo com o mundo fantástico e imaginário e mos trar de que forma isso auxilia na percepção do real do sujeito que vai sendo construída Por esse viés refl etiremos sobre como essa vertente literária tem potencial para favorecer o desenvolvimento cognitivo do indivíduo em formação de ma neira lúdica e criativa Além disso iremos explorar como uma série de estraté gias de leitura podem ser desenvolvidas logo nas primeiras etapas da vida no âmbito familiar e escolar Além da discussão sobre o que defi ne uma literatura como infantil e qual sua função na sociedade em que é produzida discorreremos sobre uma rica tradição de textos tanto no Brasil quanto no mundo que surgiu e continua se reinventando com o decorrer das épocas Bons estudos LITERATURA INFANTIL 9 Apresentação SERPEDALITEUNID1indd 9 161020 1733 Dedico esta disciplina aos professores nos seus mais variados perfi s vocações e ciclos de ensino que buscam desenvolver estratégias para trazer seus alunos ao mundo maravilhoso da leitura O professor João Olinto Trindade Ju nior é doutor em Teoria da Literatura e Literatura comparada pela UERJ 2019 é especialista em Planejamento Imple mentação e Gestão da EaD pela UFF 2016 e possui mestrado em Literatura Portuguesa pela UERJ 2013 Além dis so é graduado em Letras PortuguêsLi teratura pela Unisuam 2010 Como professor atua nos seguintes segmentos educacionais Educação Bá sica Superior e Pósgraduação presen cial e EaD EJA e Pronatec Como produtor de conteúdos atua como conteudista revisor parecerista e designer educacional É parecerista de revistas acadêmicas da área de Letras Educação e Direito Currículo Lattes httplattescnpqbr2506819258004448 LITERATURA INFANTIL 10 O autor SERPEDALITEUNID1indd 10 161020 1734 LITERATURA INFANTIL CONCEITOS E ORIGENS 1 UNIDADE SERPEDALITEUNID1indd 11 161020 1736 Objetivos da unidade Tópicos de estudo Conceituar a literatura infantil Abordar a existência da literatura voltada para o público infantil bem como sua função sociocultural O estatuto da literatura infantil A função da literatura infantil A origem da literatura infantil Contos de fadas dos primór dios aos dias de hoje A literatura infantil brasileira LITERATURA INFANTIL 12 SERPEDALITEUNID1indd 12 161020 1737 O estatuto da literatura infantil Literatura infantil juvenil infantojuvenil essas terminologias são relativa mente comuns e participam do vocabulário de muitos No entanto o concei to precede a nomenclatura A maioria das pessoas ao serem questionadas sobre o que vem a ser literatura infantil provavelmente responderia que se trata de textos voltados para crianças e adolescentes abrangendo contos fábulas romances e outras manifestações fi ccionais Todavia alguns poderiam alegar que os livros da saga Harry Potter da es critora J K Rowling por exemplo não podem ser meramente taxados de lite ratura infantil Apesar da abordagem da temática adolescente e do processo de descoberta temos uma sequência de livros infl uenciados pela tradição da literatura inglesa e até mesmo pelos romances de cavalaria como o impor tantíssimo A demanda do Santo Graal Da mesma forma apresentar os mundos extraordinários de L Frank Baum O mágico de Oz e de Lewis Carroll Alice no país das maravilhas como apenas literatura infantil é um reducionismo mesmo em se tratando de escritores que são comumente associados a esse tipo de produção Assim pensar o estatuto da literatura infantil abrange necessariamente essa discussão o que a difere de outras que também recebem o título de li teratura De acordo com Antonio Candido a literatura infantil pode ser con siderada um gênero literário como todos os demais já que para ele o texto literário abrange criações dotadas de elementos poéticos em todas as culturas e sociedades o que inclui folclore lenda chiste e até as formas mais comple xas e difíceis da produção escrita das grandes civilizações 1989 p 112 Dessa maneira há uma produção fi ccional que objetiva desen volver nos mais novos o hábito da leitura a partir de textos que buscam criar estratégias de leitura e facilitação É nesse ponto que nos deparamos com a literatu ra infantil como um instrumento que auxilia na formação do sujeito posto que ela atua como veículo educativo em prol do efeito que gera no comportamento do leitor em fase de for mação CARVALHO 1989 p 194 LITERATURA INFANTIL 13 SERPEDALITEUNID1indd 13 161020 1737 Mas qual é a abordagem dada a essa literatura em sala de aula É comum aquela crença de que o indivíduo deve começar sua leitura por obras descri tas como mais leves partindo posteriormente para outras mais significativas Entretanto essa dita leveza também é abordada como sinônimo de valora ção o que ocorre porque somos levados a taxar textos literários como maio res e menores introdutórios e avançados Esbarramos então no estatuto da literatura infantil real e de fato nos dias de hoje a criança gosta de O menino maluquinho de Ziraldo mas aprende que literatura de verdade é Memórias póstumas de Brás Cubas de Machado de Assis Já no ensino médio na disciplina de literatura passará longe de uma Lygia Bojunga com sorte abordará Monteiro Lobato dividido ente produção adulta e infantil lerá Gabriela em vez de O gato malhado e a andorinha Sinhá ambos de Jorge Amado ou transitará por A hora da estrela sem nunca ter a chance de discutir em sala Como nasceram as estrelas parte de uma pro dução de Clarice Lispector voltada para crianças Abordamos o estatuto da literatura infantil ao questionar sua recepção e classificação literatura apenas para crianças A que é indicada nos livros paradidáticos Ou talvez aquela indicada pelo Ministério da Educação para a formação da capacidade crítica e analítica da criança durante o desenvolvi mento da capacidade de leitura Figura 1 O contato da criança com a leitura Fonte Shutterstock Acesso em 04092020 LITERATURA INFANTIL 14 SERPEDALITEUNID1indd 14 161020 1738 A função da literatura infantil Não faz muito sentido dizer para uma criança por exemplo que Peri é mais esperto que Emília O infante é constantemente confrontado com uma literatura que por vezes foge de sua capacidade interpretativa ao passo que aquela que se adequa ao seu nível de formação crítica é depreciada É em uma época como a atual quando a criança se vê cercada por um tur bilhão tecnológico que a literatura infantil oferece um brilhante caminho para crianças e adolescentes CURIOSIDADE Você já parou para pensar sobre a infl uência dos demais meios de comu nicação no processo de leitura das crianças Se antes conhecíamos os contos de fadas por intermédio de nossos pais por exemplo hoje há toda uma geração que teve contato com essas mesmas histórias por intermé dio de fi lmes e animações os quais por si só agregam novas leituras aos mesmos textos permeados de valores novos e ressignifi cados Uma vez que determinada produção literária é adjetivada como infantil e en tendendo que esse termo não signifi ca ao pé da letra uma literatura menor surge a dúvida qual a sua fi nalidade Esse título advém do fato de muitos acharem que ela é somente lida por crianças Tendo isto em mente podese arriscar e afi rmar que muitos adultos leram Artemis Fowl o menino prodígio do crime 2013 por exemplo livro no qual há um resgate dos contos de fadas nos dias de hoje Talvez o termo infantil se refi ra aos textos separados para serem publi cados em livros paradidáticos como já apontado anteriormente ou sancio nados pelo MEC para auxiliar no desenvolvimento da formação de leitores críticos Mas devemos destacar que entre explicações motivações e contri buições essa é uma literatura que pode ser utilizada como agente formador do indivíduo em uma idade específi ca de forma espontânea e direcionada é a criança que aprende a ler com os pais recebe contos de presente de seus avós ou participa de rodas de leitura em sala de aula A literatura in fantil vai além inclusive ao contribuir para a formação da consciência de mundo em crianças e jovens Ao pensar em função é comum evocar os conceitos de planejamento meta objetivo E é nesse ponto que entra a escola espaço de aprendizagem LITERATURA INFANTIL 15 SERPEDALITEUNID1indd 15 161020 1738 formal por excelência Atualmente há inúmeras críticas sobre o modelo atual da escola bem como suas heran ças oriundas do século XIX época na qual havia necessidade de capacitação massiva da população Todavia é na escola que a criança interage de ma neira sistemática com a cultura for mal o que agrega à instituição uma importância histórica vindo a ser um espaço privilegiado para impulsionar mudanças significativas na sociedade devido a responsabilidade que lhe é atribuída na formação do indivíduo A escola é um espaço que foi criado para dar respostas aos anseios e ne cessidades da sociedade e pouco mudou desde então Para fins de compara ção observe como determinados institutos federais oferecem um ensino mé dio técnico diferenciado de acordo com a região de modo que cursos como Educação do Campo e Meio Ambiente serão mais encontrados em regiões interioranas do que nas grandes capitais litorâneas Já nessas capitais os ins titutos tendem a oferecer cursos de eletrotécnica e mecânica por exemplo O ensino de literatura em sala de aula segue essa premissa Como aponta Coelho 2000 o ensino da literatura está associado ao da língua de modo que ter contato com o texto literário objetiva possibilitar ao aluno o domínio das variedades do discurso verbal a fim de que ele possa ser um sujeito pleno Isso ocorre pelo fato desse indivíduo ter acesso por meio do discurso literário ao arcabouço sociocultural do meio em que vive Recorde seu aprendizado sobre os ciclos econômicos no Brasil O que aconteceu com São Paulo após os ciclos do algodão e do café Neste caso você pode ler Cidades mortas 2009 de Monteiro Lobato e compreender melhor o que ocorreu com várias cidades do Vale do Paraíba que dependiam de determinados produtos influenciados por ciclos econômicos Ou pode ler Caçadas de Pedrinho 2003 do mesmo autor para compreender que um país não é feito apenas de ciclos econômicos mas de hábitos e costumes de um povo os quais perduram através dos tempos LITERATURA INFANTIL 16 SERPEDALITEUNID1indd 16 161020 1740 É por meio do texto literário e desse confronto entre o fatual e o factual que o leitor pode refletir entre o real e o imaginado desenvolvendo suas leituras do mundo Nesse ponto tornase necessária uma literatura que atenda aos aceitos de determinada parcela da população Aqui podese pensar mas eu escutei histórias do meu pai ou minha avó contava histórias da carochinha pra mim quando criança Isso poderia significar que há uma literatura infantil anterior à sua variedade escrita e podese dizer antes de se conceber a noção de infância No que a literatura infantil da maneira que a concebemos atualmente é diferente das histórias tradicionais Essa é uma questão em discussão até os dias de hoje Contudo é necessário chamar a atenção para um ponto o impulso para ler observar e compreender o espaço em que vive e os seres e coisas com que convive é condição básica do ser humano Desde que a inteligência hu mana teve condições para organizar em conjunto coerente as formas e si tuações enfrentadas pelos homens em seu dia a dia estes foram impelidos a registrar em algo durável aquelas experiências marcantes Estudando a história das culturas observamos como a literatura foi um veículo essencial seja de maneira oral ou escrita para as principais formas pela qual essa herança foi transmitida Desta maneira a tradição transmiti da e retransmitida é um poderoso elemento para a mudança da sociedade É nesse sentido que vemos na literatura infantil o agente ideal para a forma ção de uma mentalidade crítica Essa afirmação faz parecer que por literatura infantil queremos dizer literatura didática De certa forma não é algo de todo equivocado Porém conforme atesta O estatuto da literatura infantil 2003 devese pensar na dupla função desse tipo de discurso literário principalmente por seu viés pedagógico tanto transmite normas morais quanto possibilita a compreen são do real das experiências existentes por meio da contação de histórias É por isso que o chamado livro para crianças não tem forma fixa podendo abordar até mesmo temáticas adultas como a perda a morte e o sofrimento O livro infantil não envolve apenas a história sendo contada mas também sua forma e seu elemento estético É por isso que pode ser considerado como uma forma de manifestação artística que possibili LITERATURA INFANTIL 17 SERPEDALITEUNID1indd 17 161020 1740 ta a produção de um espaço carregado de textualidades plurissignificativas para o leitor colaborando com sua forma de interagir com o mundo Todavia há um contraponto entre o fazer literário pelo viés da estética para a criança É por isso que para dar continuidade à discussão é impor tante observar que em Seis passeios pelo bosque da ficção 1994 Umberto Eco aborda o conceito de autormodelo e como este em seu processo de construção ficcional cria um leitormodelo presumível Em suma todo tex to possui seu leitor seu públicoalvo Dentre as questões culturais estéticas e morais permanece uma pergunta quem é o autormodelo da literatura infantil e qual é o leitormodelo que ele busca conceber diante do seu pro cesso de criação ficcional Antes de dar prosseguimento ao conteúdo cabe evidenciar como esse assunto abre cada vez mais espaço para outras perguntas Pensar na função da literatura infantil envolve isso quem é o leitor qual seu contexto como se dá a divulgação de determinado conteúdo Uma série de pesquisadores se debruçou nisso visto que não se trata somente de falar sobre uma lite ratura voltada para crianças mas sim abordar conceitos mais essenciais como o que seria de fato a criança por exemplo Pode parecer estranho mas na Grécia antiga as crianças eram alfabetiza das por meio da Ilíada obra de Homero que discorre sobre a guerra de Troia Contudo tratavase de uma parte muito restrita da população Por meio des sa obra esses indivíduos também aprendiam os princípios da cultura grega seus elementos e suas marcas culturais Claro toda essa prática só foi possí vel por causa de uma habilidade fundamental do ser humano a leitura O ato de ler é uma conquista do processo evolutivo da humanidade pois é a fonte de toda a memória de um povo como cultura ideias e todas as outras coisas elaboradas e conservadas pelo homem Assim a palavra é caminho fundamental para evolução de um povo Em face da realidade em constante transformação tornase cada vez mais urgente uma reflexão sobre a educação e o ensino uma vez que é nessa área que os novos princípios ordenadores da sociedade serão definidos É uma discussão profícua que atinge principalmente o âmbito da língua e da lite ratura Embora pareça pouco provável que a palavra seja a responsável pela evolução de um povo devemos nos lembrar de que segundo Coelho LITERATURA INFANTIL 18 SERPEDALITEUNID1indd 18 161020 1740 O verdadeiro impulso evolutivo de um grupo sociocultural ocorre ao nível da mente ao nível da percepção de mundo que cada indivíduo vai apreendendo desde os primeiros anos como membro de uma comunidade Muitos porém tardaram a des cobrir ou ainda não o fizeram que o caminho fundamental para se atingir este nível é a Palavra Ou melhor é a Literatura imagem abreviada de algo mais amplo a vida real que passa a ser demudada em arte 2010 p 14 A literatura e em especial a in fantil tem uma tarefa fundamental a cumprir nesta sociedade em trans formação a de servir como agente de formação seja no espontâneo convívio leitorlivro seja no diálogo leitortexto estimulado pela escola É ao livro à palavra escrita que atri buímos a maior responsabilidade na formação da percepção de mundo das crianças e jovens Leitura presume escrita registro Transmissão de saberes A partir do mo mento em que passa a dominar o código escrito o indivíduo pode executar habilidades que antes quando as possuía eram limitadas como a reflexão mãe da filosofia Ao escrever podese registrar ideias e depois consultálas aumentando a quantidade de informação para além das limitações da mente Vale destacar que o ato de ler envolve um processo de adaptação e in serção em um campo diferente para as crianças que é o dos significados e signos que a palavra pode transmitir Sobre esse processo de apropriação dos códigos e signos de leitura Yunes e Pondé afirmam que Para a criança o processo psíquico de identificação a interação de subjetividade que nos lança para dentro dos livros é ain da mais forte daí a necessidade de o escritor ter consciência plena do seu mistério Os papéis propostos pelos personagens são vividos pela imaginação infantil com a força de um drama real Por esta via texto e leitor se fundem o que acentua a LITERATURA INFANTIL 19 SERPEDALITEUNID1indd 19 161020 1741 possibilidade de impressão sobre a consciência do leitor dos modelos de comportamento e dos conflitos vividos ideologia no universo A leitura para a criança bem mais que um meio de evasão ou de socialização é um meio de representação do real Desse modo o texto ajudaa a reelaborar o real sob a forma do jogo e da ficção 1996 p 41 Ou seja ao ler crianças e adolescentes estão se apropriando dos códigos da leitura e codificando as mensagens presentes de maneira explícita e implícita nos textos literários infantis de modo a reelaborar o seu mundo real Logo o texto infantil passa a ser um instrumento importante para pro porcionar à criança eou adolescente a descoberta do mundo real a partir do mundo lúdico O ato de ler não corresponde somente ao entendimento de um tex to escrito ou não Assim a leitura necessita que o leitor mobilize o seu universo para atualizar o universo do texto e assim fazer sentido Eliana Yunes 1989 afirma ainda que aprender a ler é se familiarizar com textos de diferentes esferas sociais a fim de desenvolver uma atitude crítica perceber as diferentes vozes dos textos e desse modo ser capaz de se apropriar de cada ideia ou palavra apresentada A palavra lúdico está muito presente nos dias de hoje trabalho compro missos aprendizagem e mesmo na EaD quando tratamos do princípio de gamificação da aprendizagem Há um sentido para isso posto que muito do que aprendemos na medida em que somos uma espécie de animais sociais o fazemos por meio de jogos e brincadeiras Das partidas de futebol nas quais os times precisam dividir os papéis até os jogos de videogame que propiciam uma diversão maior quando reúnem duas ou mais pessoas internalizamos melhor determinados saberes quando os associamos a atividades lúdicas Não é estranho imaginar dessa maneira a literatura infantil como um espaço de terapia e recreação CARVALHO 1989 pois é um ambiente que por meio de sua estrutura comunicativa transmite a cultura de um grupo sociocultural além de propiciar uma interação entre o discurso do adulto e o da criança em uma troca intersemiótica Se faça a seguinte pergunta é possível ensinar Filosofia para uma crian ça discorrendo sobre Sócrates Aristóteles e Platão Jostein Gaarder escri LITERATURA INFANTIL 20 SERPEDALITEUNID1indd 20 161020 1741 tor norueguês procurou de maneira divertida realizar essa tarefa por meio do livro O mundo de Sofia 2007 Curiosamente a maneira lúdica e didática por meio da qual ele escreveu um romance sobre a história da Filosofia faz com que o livro seja lido por pessoas de todas as idades Ocorreu nesse caso uma negociação intersemiótica na qual um escri tor e professor de filosofia remodelou seu discurso para transmitir seus saberes para um outro tipo de leitor uma criança Ou seja uma linguagem direcionada para a criança mas construída a partir das concepções de mun do de um adulto com suas morais e condutas adquiridas ao longo da vida Dessa maneira a literatura infantil atua tanto como objeto de diversão como ferramenta que contribui para o processo formativo o desenvolvi mento da cognição e o amadurecimento crítico da criança e do adolescente Nesse sentido as estudiosas literárias Lajolo e Zilberman 1985 refletem sobre a literatura infantil como uma ferramenta de construção sociocultu ral do sujeito Essa literatura atua em uma sociedade constantemente em evolução com o papel de agente intermediário na concepção de mundo real por meio de questionamentos sobre valores morais sociais e culturais que estão presentes na sociedade Assim a literatura infantil nessa medida é levada a praticar seu engano formativo o qual não se confunde com uma incumbência pedagógica Com efeito ela dá conta de uma atividade a que está voltada toda a cultura a de conhecimento do mundo e do ser p 25 É por isso que há toda uma tradição de pesquisadores que considera útil e pedagógico o desenvolvimento de metodologias a partir do uso da literatura infantil visando a formação do indivíduo uma vez que propicia o contato com questões sociais levandoo a interagir com a função social do texto literário Os livros infantis são pontes que ligam o mundo imaginário ao real de maneira a proporcionar novas descobertas ao sujeito quanto ao mundo que o rodeia bem como inserilo na magia e fantasia sem se desconec tar do real Assim as histórias infantis são mecanismos para crianças e jovens abrirem as janelas da curiosidade de forma a descobrirem o novo com prazer e entusias mo visto que a literatura possui essa artimanha de proporcionar descobertas reais por meio do lúdico LITERATURA INFANTIL 21 SERPEDALITEUNID1indd 21 161020 1741 Figura 2 Criança lendo Fonte Shutterstock Acesso em 03092020 Desse modo a leitura é considerada há séculos o mais importante meio de passatempo divertimento e principalmente fonte de informação e co nhecimento Isso porque é por meio dela que o sujeito se constrói e se de senvolve social e culturalmente a partir do momento em que compreende o universo que está entreposto Assim segundo Zilberman e Magalhães uma leitura lúdica e desconjuntada de finalidades pedagógicas pode ser um importante mecanismo para os alunos aprende rem a gostar de ler e interpretar os diferentes discursos lite rários O texto literário pode ser uma atividade lúdica quando dirigida à ficção e à poesia 1982 p 57 Percebese que a leitura literária pode trazer conceitos da vida real da criança por representar em suas histórias infantis aspectos do cotidiano bem como o conhecimento prévio de mundo da criança proporcionando a ela descobrir sentidos e contextos que fazem parte da formação de si e do universo Vale destacar que a base teóricobibliográfica sobre literatura infantil é vasta com vários teóricos que discutem essa literatura em diferentes vertentes como no campo pedagógico eou da arte Essas duas vertentes são válidas na discussão literária uma vez que a literatura como arte está relacionada ao papel que assume configurandose como lúdica interati LITERATURA INFANTIL 22 SERPEDALITEUNID1indd 22 161020 1742 va ilustrativa e de receptividade com o público infantil Ademais pode ser pedagógica no sentido de contribuir com a formação do sujeito mas é importante ressaltar que o livro literário infan til vai muito além dos conceitos pedagógicos A origem da literatura infantil Até o presente momento muito foi dito sobre a função da literatura infantil sua relação com as práticas cotidianas e escolares e como essa produção textual é alvo de análise estética e pedagógica Entretanto você já deve ter ouvido falar da expressão formafunção na qual a função de determinada coisa delimita sua forma E por formação também que remos dizer a origem de determinada coisa o porquê de ela ter certas características É por isso que precisamos aqui abordar o processo formativo da lite ratura infantil desde suas primeiras manifestações até o surgimento da quelas que serão responsáveis pela atribuição do termo literatura infan til Queremos com isso tentar responder a uma grande questão contos de fadas sempre foram considerados literatura infantil Todo conceito agrega um significado devendo ser utilizado em um con texto específico É por isso que é possível afirmar que o termo literatura infantil é recente e o que pode ser evocado por essa nomenclatura nas delimitações estabelecidas remete ao século XVII Este era um tipo de li teratura que tinha forma mais estética eou educacional em virtude de a criança dessa época ser considerada como um ser pequeno sem suas próprias concepções de mundo e seu período infantil configuravase so mente como uma fase que o indivíduo deveria percorrer até chegar a fase produtiva de adulto Em suma nesse período a literatura infantil ainda não era uma litera tura tão específica visto que não havia distinção de faixa etária ou desen volvimento cognitivo para se abordar o discurso literário Observe o que foi dito anteriormente sobre a resposta social cobrada das instituições de ensino segundo Lajolo e Zilberman 2007 o mesmo se esperava da literatura associada a determinado estrato social LITERATURA INFANTIL 23 SERPEDALITEUNID1indd 23 161020 1742 ASSISTA A relação entre escola e literatura é tão antiga quanto é produtiva Com a centralização dos processos edu cacionais por meio de diferentes órgãos que ditam as ementas gradativamente surgem projetos de leitura que interligam escola e literatura infantil Recomendamos o excelente documentário Ler para sonhar O mundo da literatura infantil produzido pela TV Justiça Nele nos deparamos com os usos e opiniões desse gênero literário em sala de aula por aqueles que desenvolvem projetos de leitura os professores Como revela Samuel 2002 Aristóteles já apontava as funções cogni tivas estéticas e catárticas da literatura Posteriormente foi engendrada a função políticosocial que seria a forma de conceber a sociedade e rea lizar críticas à mesma E bem mais adiante a função lúdica voltada para o entretenimento No entanto todas elas estão intrinsecamente ligadas a um elemento que será desenvolvido com o passar dos séculos o conceito de público Embora seja possível apontar a função políticosocial desde textos como Édipo Rei muito de sua reflexão atual tem origem em uma produção literária que começa a surgir como resultado de um movimento estético filosófico conhecido como Renascimento Entre os séculos XIV e o século XVI surge um movimento que representou o rompimento com os valores religiosos e filosóficos predominantes no período da Idade Média e conse quentemente consolidou a imagem do homem como o universo da ciência antes imperceptível nas ciências anteriores Assim com a valorização do pensamento cientifico e racional alicerçada à cultura europeia os modelos de comportamento humano e de conhecimento se transformam A isso se somou a Revolução Francesa iniciada no século XVIII que também contribuiu com a formação de um novo conceito de indivíduo além de visar a produtividade e o lucro para a sociedade Assim o pensamento renascentistaindustrial influenciou toda uma forma de conceber o mundo se antes estudar era reservado aos abastados agora se torna uma necessidade para alcançar um mundo melhor É preciso capacitar toda uma população para que a sociedade transcenda suas dificuldades LITERATURA INFANTIL 24 SERPEDALITEUNID1indd 24 161020 1742 Desse modo com a Revolução Industrial foi necessário criar mão de obra especializada e qualificada para desenvolver diversos tipos de ser viços no meio industrial e com isso a escola se adequou a esse papel de qualificar o sujeito proporcionando ensinamentos voltados ao ato de ler escrever e de contar Portanto o ensino germanizado das escolas em vir tude da Revolução Francesa que foi um movimento políticosocial pro porcionou o caminho para a modernidade bem como o acesso aos meios de produção Esse foi um dos contextos que mais influenciaram o desen volvimento da literatura infantil Lajolo e Zilberman 2007 apontam isso ao evidenciar como a Revolu ção Industrial instigou o surgimento do que viríamos a chamar de uma literatura voltada para crianças A partir dela decorreram transformações significativas no alicerce social em todas as seções Por meio da industria lização a sociedade homeopaticamente experienciou a modernização e este foi um reflexo da necessidade de se adaptar aos modelos modernos emergentes no campo da educação Isso gerou maior atenção ao merca do de livros desenvolvendo conceitos como layout e aperfeiçoamento do material como um todo Observe como o aumento da população letrada também possibilita o surgimento de tipos de leitores e ainda mais de segmentos É provável que um dia seus pais tenham lhe dito para estudar se quiser ser alguém na vida Contudo estudar prática dos religiosos e da elite letrada passa a ser um objeto de desejo um anseio da população como um todo Se an tes muito do capital simbólico dessa elite envolvia o domínio dos recursos e de uma formação clássica agora essa formação passa a ser vista como mecanismo de ascensão social O sucesso da Revolução Industrial será um dos motores da Revolução Francesa Devido ao comprometimento com as ideias racionais e a valori zação do pragmatismo segundo Carvalho 1989 há uma espécie de ojeriza com a abordagem da fantasia na literatura produzida nessa época visto que contrapunha o mo delo da revolução científica Nesse momento a questão da criança não é abordada pois ela não existia à época enquanto um LITERATURA INFANTIL 25 SERPEDALITEUNID1indd 25 161020 1742 conceito Se Piaget discorre sobre a questão da aprendizagem da criança em meados do século XX podese dizer que ele é um herdeiro direto de Jean Jacques Rousseau que publicou Emílio ou da educação 1762 obra que permitiu que a literatura infantil trilhasse novos caminhos e se envol vesse com a ética e questões pedagógicas CARVALHO 1989 Esse livro mudou a concepção que se tinha à época por abordar a criança como um ser para além de um adulto em formação com suas capacidades crítica criativa e cognitiva em processo e formação Foi necessário analisar um determinado período transitando por épo cas anteriores e posteriores ao Renascimento para delimitar uma deter minada produção literária É necessário entender o pensamento do es critor e o contexto de sua formação para abordar uma produção literária concebida ao longo das épocas Isso porque os primórdios do que se convencionou chamar de literatu ra infantil ocorre pelo resgate de histórias anteriores que remetem a tex tos gregos e romanos podese dizer que isso é um efeito do Renascimen to influenciando a literatura europeia e posteriormente com reflexos no Brasil até o período posterior ao Modernismo Tal fato ocorreu com a produção de Monteiro Lobato um marco na história da literatura infantil brasileira Podese com isso apontar que o surgimento da literatura infantil ocor reu no século XVII na Europa embora existam alguns teóricos que apon tam que essa literatura surgiu primeiramente na Índia Egito ou Oriente COELHO 2010 Essa produção literária conhecida como clássica pode ser rastreada até seus ancestrais como a novelística popular medieval que por sua vez tem suas raízes mais remotas em certas fontes orientais Índia ou mais precisamente indoeuropeias Muito da literatura infantil recebeu essa influência das fábulas greco latinas que continham narrativas de personagens antropomorfizados com o intuito de transmitir ao leitor mirim a imagem do ser humano com suas verdadeiras características ou seja suas virtudes e defeitos bem como apresentando uma narrativa de vertente moralizadora Há uma sé rie de textos que são reflexo de sua época e se alimentam desse material fabulesco conforme afirma Coelho LITERATURA INFANTIL 26 SERPEDALITEUNID1indd 26 161020 1742 como exemplo dessas influências podemos citar As fábulas 1668 de La Fontaine os Contos da mãe gansa 16911697 de Charles Perrault Os contos de fadas 8 vols 16961699 de Mme DAulnoy e Telemaco 1699 de Fénelon Esses foram os livros pio neiros do mundo literário infantil à sua época 2010 p 75 Muitos desses textos produzidos mantinham uma forte intertextuali dade com as pontes grecolatinas a exemplo das Fábulas de Esopo Isso permitiu o surgimento de textos que por meio de suas fábulas populares proporcionaram uma ampliação da literatura porém mantendo o caráter moralizador Jean La Fontaine 16211695 foi um escritor do período do classicismo francês que com um pensamento intelectual rebelde para sua época contribuiu para a Revolução Francesa após um século de sua mor te Curiosamente esses textos eram apreciados nas cortes e nos saraus literários promovidos pela elite francesa de modo que termos como es critor de textos infantis é um título posterior EXPLICANDO La Fontaine foi um poeta e fabulista francês autor de diversas fábulas conhecidas Iniciou sua carreira de escritor em 1650 escrevendo peças de teatro e tentando em seguida a poesia Inspirado em Marot Malherbe e Ovídio publicou madrigais baladas e epístolas em que mistura poesia e prosa Influenciado por Boccaccio e Ariosto escreveu Contes et nouvelles en vers 1664 obra que por seu imoralismo não foi bem aceita Entretanto apesar da variedade dessas formas ou gêneros nobres La Fontaine se imortalizou com uma forma literária popular então considerada menor a fábula Esses primeiros textos foram escritos entre os séculos XVII e XVIII período em que não havia a concepção de infância Ocorre que o conceito de infância viria a surgir nessa época como consequência da Revolução Francesa e na onda dos valores burgueses que passariam a estar em voga o conceito de fa mília nuclear mais limitado e restrito ZILBERMAN 2003 Ao valorizar núcleos menores valorizase também o tempo de formação as fases da vida e a ligação entre os membros Isso é reflexo de uma mudança de paradigmas enquanto em Romeu e Julieta de Shakespeare há um conflito entre grupos familiares ri vais em Senhora de José de Alencar temos uma discussão sobre validade do amor diante do casamento por conveniência LITERATURA INFANTIL 27 SERPEDALITEUNID1indd 27 161020 1742 Segundo Zilberman a valorização da família trouxe uma nova concepção de infância o que proporcionou a educação para os pequenos A nova valorização da infância gerou maior união familiar mas igualmente os meios de controle do desenvolvimento intelectual da criança e a manipulação de suas emoções Literatura infantil e escola inventada a primeira e reformada a segunda são convoca das para cumprir essa missão 2003 p 15 Um escritor importantíssimo desse período foi Charles Perrault 1628 1703 Sua escrita aproximou o público infantil incluindo também o con ceito de leitorcriança das obras literárias ao apresentar textos que mes clavam elementos da cultura popular à época Sua obra mais conhecida Contos da mãe gansa teve ampla divulgação entre o público infantil Assim como La Fontaine Perrault não entra para a história literária como poeta clássico mas sim criador de uma literatura popular pouco apreciada pelo gosto estético de sua época porém que ao mesmo tempo o perpetua entre os grandes escritores da literatura infantil O século XIX fruto cultural das revoluções burguesas trouxe uma nova for ma de entender o mundo o que gerou reflexos na literatura Conceitos imate riais como o sonhar o imaginar a religião a crença a esperança o gênio criati vo a liberdade estética e o apreço pelos elementos da cultura local a chamada cor local trouxeram novos elementos para o discurso literário daquela época É aqui que irá surgir muito daquilo que chamamos de tradição com o surgi mento e amadurecimento dos modernos estados nacionais há a busca pelos valores originais de determinado povo o que agregará valores considerados legítimos da terra COELHO 2010 Assim no campo dos estudos literários é durante o período do Romantismo que se pode evidenciar a produção dos irmãos Grimm a qual mescla caracterís ticas românticas e folclóricas recolhendo lendas e contos orais registrandoos e transmitindoos para a população em geral Esse material de teor folclórico foi recolhido entre os anos de 1812 e 1822 dando origem à obra Contos de fadas para crianças e adultos Kinder und Hausmarchen Foi uma verdadeira recolha etnográfica com elementos culturais alemães além de outras lendas que faziam parte da cultura europeia mas que foram assimiladas pelos alemães LITERATURA INFANTIL 28 SERPEDALITEUNID1indd 28 161020 1742 Mas como tratase de uma litera tura que aponta a emergência dos no vos valores burgueses essa literatura trará questões inéditas para o texto literário como o sentimentalismo e o individualismo Uma vez que a litera tura gradativamente passa a se par ticionar representar um novo tipo de indivíduo e suas frações esses valores também são redistribuídos Há por exemplo narrativas que promovem uma relação entre os conflitos do cotidiano e o embate com a natureza Exemplo disso é como muitas obras direcionadas atualmente para crianças mas que não o eram especificamente em suas épocas agregam o ar românti co da superação e da aventura como em Aventuras de Robinson Crusoé 1719 de Daniel Defoe Vinte mil léguas submarinas 1870 de Júlio Verne e Pinóquio 1883 de Carlo Collodi Outras como Viagens de Gulliver 1726 de Jonathan Swift abordam a crítica social do século XVIII a obra Novos contos de fadas 1856 da Condessa de Ségur traz uma visão mais realista e menos crua como nos contos dos irmãos Grimm dessas narrativas e Coração 1886 de Edmondo De Amicis representa o princípio do romance moderno no século XIX com a tentativa de fomentar a identidade nacional italiana Muitos desses escritores buscavam por meio dos seus textos criar ou me lhor expor a identidade cultural de seus povos de maneira que o Estado Nacio nal pudesse ter a legitimidade de ser a continuidade de uma naçãopovocultura Essa iminência do homem europeu sobre as forças da natureza começa a ser revista no século XX com vertentes que promovem um diálogo cultural mais equidado com outras culturas A literatura infantil de aventura reinventa se e ao negociar espaços produz novas obras É o surgimento de uma nova safra de narrativas associadas ao chamado realismo maravilhoso no qual há histórias que decorrem no mundo real que nos é familiar ou bem conhecido e no qual irrompe de repente algo de mágico ou de maravilhoso ou de absurdo e passam a acontecer coisas que alteram por completo as leis ou regras vigen tes no mundo normal COELHO 2010 p 170 LITERATURA INFANTIL 29 SERPEDALITEUNID1indd 29 161020 1743 Lembrese muitas das narrativas clássicas infantis de cunho sobrenatural ou não apresentavam ou um mundo que possuía características insólitas a exemplo de narrativas como Branca de Neve na qual a magia já faz parte do sta tus quo ou levavam o indivíduo para um lugar além do costumeiro como em As viagens de Gulliver Nessa nova leva de textos que exploram percepções do real em que aquilo que chamamos de comum apresenta caracteres incomuns teremos obras como Alice no país das maravilhas de Lewis Carroll na qual há a valorização de um mundo mágico que é ao mesmo templo um refl exo de nossa realidade De maneira surpreendente o maravilhoso se confunde com o racio nal ou seja a narrativa traz aspectos do fantástico fazendo críticas à realidade de sua época Essa mescla entre real e sobrenatural será uma das vertentes da literatura infantil mais exploradas no século XX infl uenciando uma geração de escritores até os dias de hoje Carroll em suas obras abordou as opções dessa fusão de mundos agregando ao texto infantil elementos do absurdo da falta de sen tido da graça e do lúdico É curioso imaginar que em pleno século XIX havia escritores que produziam discursos literários na contramão das narrativas ro mânticas nacionalistas de modo a inclusive resgatar o elemento sombrio e cru de muitos contos de fadas É por isso que obras como Pinóquio de Collodi e Peter Pan de Barrie incluemse nessa tendência promovendo uma crítica ao próprio modelo vigente da literatura infantil COELHO 2010 Contos de fadas dos primórdios aos dias de hoje Vivemos em uma época na qual o mercado se especializou em escri tores por nicho Peças de teatro Infantil novelas infantis filmes infantis músicas infantis romances infantis a descoberta e desenvolvimento do conceito de criança impulsionou a sociedade para novos caminhos E essa origem está nos contos de fadas os quais originariamente tinham um caráter oral É relativamente comum ouvirmos que determinada história tem uma versão diferente na qual as coisas acontecem de outra forma Isso ocorre porque na origem esses contos possuíam variações Há contos que eram transmitidos de maneira diferente de acordo com a região acrescentando LITERATURA INFANTIL 30 SERPEDALITEUNID1indd 30 161020 1743 um detalhe ou outro como aquelas versões de Chapeuzinho Vermelho que você provavelmente já ouviu mas desacreditou São contos muito antigos associados ao folclore de um povo e por isso ancestrais Ocorre que à medida que passam a ser registrados na modalidade escrita determina das versões começam a ser cristalizadas CURIOSIDADE Você já assistiu ao filme Malévola da Disney No final o narrador da his tória diz e foi assim que aconteceu embora talvez com o tempo mudem um detalhe ou outro O texto brinca com esse conceito pois apresenta a história da Bela Adormecida sob o ponto de vista da Malévola Tratase de um filme revisionista na medida em que mostra o passado com base em valores contemporâneos Porém também mostra como certas versões dos contos de fadas passaram a ser mais aceitas do que outras e consequen temente se perpetuaram Com base nisso é possível afirmar que a publicação de Contos da mãe gansa de Perrault proporcionará o surgimento da produção literária in fantil nos moldes como a conhecemos e concebemos até os dias de hoje Muitas dessas histórias chegaram ao conhecimento do escritor por parte de sua mãe e nos salões de paris o que já aponta como ele estava tendo acesso a versões de outros textos Originalmente esses textos tinham raízes em narrativas célticas bre tãs e indianas as quais gradativamente foram se mesclando com outras fontes e sofrendo adaptações e em alguns casos perdendo seu sentido original COELHO 2012 Assim posteriormente o escritor lançará outras obras igualmente importantes como A bela adormecida no bosque Chapeu zinho vermelho O barba azul O gato de botas As fadas A gata borralheira Henrique do topete e O pequeno polegar Com isso podemse apontar dois acontecimentos fundamentais cau sados pela produção literária de Perrault pela primeira vez na história ocorre um surto na produção de literatura infantil a ponto de à posteriori outros escritores também receberem esse título o de escritores de litera tura infantil como La Fontaine o outro foi a ascendência do gênero conto de fadas como o preferido por outros escritores para a produção de uma literatura direcionada para crianças Soa estranho falar em surto mas LITERATURA INFANTIL 31 SERPEDALITEUNID1indd 31 161020 1743 lembrese que a prensa móvel foi criada por Gutenberg no século XV o que propiciou uma liberação da inteligência criativa dos indivíduos Portanto percebese que Perrault trouxe para a literatura infantil o mundo de sonho e magia o que caracterizou em sua época o enfraque cimento do racionalismo clássico que valorizava a razão Com o enalteci mento do imaginário do impossível do sonho essa literatura se fortale ceu e se tornou um gênero literário oficial Essa produção literária passará por um novo momento no século XIX devido ao advento do Romantismo e a busca pela cultura local Aqui as narrativas folclóricas voltaram a ser presença marcante no campo da lite ratura infantil no momento em que o Romantismo e Realismo disputavam o mesmo espaço trazendo a valorização da reconstrução do mundo ima ginário e maravilhoso Desse modo a literatura se alicerça com novo estilo e técnica Esse período foi denominado o século do ouro da literatura in fantil visto que esta passou a atingir todos os tipos de classe social tendo contato com os mais importantes entretenimentos literários No começo do século XIX a literatura infantil ganhou novos rumos e alcançou uma expansão significativa com textos literários de sucesso gra ças aos irmãos Grimm Ambos eram linguistas que realizavam pesquisas sobre o folclore alemão e um de seus objetivos era conceber o estudo do que viria a ser a língua alemã Um de seus resultados foi o recolhimento de contos orais que posteriormente em 1812 no espírito do Romantismo foram lançados em uma coleção de contos de fadas É a partir desse mo mento que o termo contos de fadas passa a significar literatura infantil Podese dizer que a partir disso o gênero começou a se consolidar uma vez que já delimitava um leitormodelo estabelecido o público in fantil Isso também influenciou suas principais característi cas como a preferência por histórias que emanam fantasia e magia É esse modelo que será seguido poste riormente por escritores como Hans Christian Andersen em Contos 1833 Lewis Carroll em Alice no país das maravilhas 1863 Collodi em Pinóquio 1883 e James Barrie em Peter Pan 1911 LAJOLO ZILBERMAN 2007 LITERATURA INFANTIL 32 SERPEDALITEUNID1indd 32 161020 1743 Foi com as obras dos irmãos Grimm que a literatura infantil chegou ao leitor mirim com suas narrativas baseadas no folclore e nas tradições populares revelando um mundo de fantasia para todas as crianças de vá rios lugares do mundo Consequentemente suas obras se tornaram uma literatura universal É possível apontar dentre as obras dos irmãos contos como Branca de neve e os sete anões Cinderela A gata borralheira A touca mágica O pequeno polegar O pássaro de ouro entre outros Figura 3 A popularização dos contos de fadas Fonte Shutterstock Acesso em 04092020 Talvez tenha gerado estranhamento A gata borralheira ter sido referencia da como um texto dos irmãos Grimm e anteriormente de Perrault Lem brese do que foi dito são contos presentes na tradição oral no folclore dos povos Ocorre que muitos foram suavizados nos salões parisienses mas mantiveram seu caráter mais cru nas versões alemãs E com o adven to do mercado editorial infantil até mesmo as versões dos irmãos Grimm atingem o público mirim com suas devidas adaptações No século XIX com o aumento dos jornais surge o romance de folhe tim obra literária publicada em capítulos até atingir sua conclusão Muitos clássicos que conhecemos hoje foram lançados assim e posteriormente em formato de livro O mesmo ocorre com obras que hoje possuem o for mato de novelas e romances mas originalmente eram publicados em jor LITERATURA INFANTIL 33 SERPEDALITEUNID1indd 33 161020 1743 nais como uma sequência de contos interligados Cada história em si era independente mas o escritor precisava finalizar aquele trecho de forma que o leitor desejaria ler a continuação na semana seguinte Foi assim que surgiram clássicos como Pinóquio do italiano Carlo Col lodi considerado um livro literário universal por trazer uma obra ficcional de cunho filosófico que retrata o sentimento existente entre pai e filho de monstrando o arrependimento de um filho alicerçado a questões morais e o antagonismo entre o bem o mal entre outros aspectos que demarcam universalidade A inovação estética e experimental promovida pelo autor de Pinóquio fez com que surgisse uma obra fundamentalmente desenvol vida e polissêmica em todo o seu dualismo filosófico boneco de pau filho humano no seu pluralismo despretensioso de reações humanas na rea lização de uma verdadeira obra de ficção Pinóquio é um tipo de literário universal CARVALHO 1989 p 112 Figura 4 Pinóquio um arquétipo literário Fonte Shutterstock Acesso em 04072020 As proposições apresentadas em Pinóquio não são aleatórias perceba que há um trajeto que considera o caráter pedagógico do texto literário culminan do em uma produção literária pósRevolução Francesa que precisa dar conta de uma crescente população letrada Porém uma população letrada que não tem tradição literária não está plenamente habituada à leitura dos clássicos E uma vez que há direcionamento para uma parte da população é por meio LITERATURA INFANTIL 34 SERPEDALITEUNID1indd 34 161020 1744 da narrativa curta que determinadas questões passam a ser abordadas na brevidade de um jornal Outro clássico infantil foi Alice no país das maravilhas 1865 de Lewis Carroll Nessa obraprima da literatura inglesa o autor traz um mundo mágico por meio de uma aventura fantástica em um lugar no qual tudo acontece ao contrário do mundo real Essa obra correu o mundo por meio de várias adaptações e demar cou o mundo da fantasia embora Carroll tivesse outra intenção a de ridiculari zar o esnobismo as arbitrariedades e os vícios de uma época CARVALHO 1989 p 113 Se debates literários ocorriam livremente em saraus o autor trazia essas mesmas discussões para o texto infantil Segundo Coelho a importância da obra reside na seguinte constatação Ao se divulgar como obraprima da Literatura Infantil Alice no país das maravilhas perdeu o estilo peculiar de Carroll a verdadeira in tencionalidade da criação realizada desapareceu completamente O que ficou foi o sentido do mágico do maravilhoso ou do absur do que pode ser encontrado dentro do cotidiano comum e prosai co e que Carroll foi um dos que primeiro que o descobriram para o mundo de ontem e de hoje 2010 p 173 Outra obra igualmente significativa e um dos motivos desse período ser conhecido como século de ouro da literatura infantil será a obra Peter Pan de James M Barrie que ficou conhecido no mundo todo encantando as crian ças com suas aventuras na Terra do Nunca Peter Pan o menino que não que ria crescer e que desejava viver apenas em aventuras trouxe fantasia magia e humor tornandose um sucesso imediato entre o público infantil Essa obra tem como característica apresentar a existência de uma tradição já consolidada de escritores de literatura infantil Barrie era leitor dos textos de vários escritores como Charles Dickens Embora tenha sido um escritor e dramaturgo profícuo o que o consagrou mundialmente foi a criação de Peter Pan Essa encantadora personagem do universo literário infantil aparece pela primeira vez no conto O pequeno pássaro branco escrito em 1896 e publicado em 1902 Por influência do empresário de suas peças esse conto é transfor mado em peça teatral Peter Pan o menino que não queria crescer O sucesso da personagem levou Barrie a escrever outros contos Peter Pan nos jardins de Kessington em 1907 e Peter Pan e Wendy em 1911 LITERATURA INFANTIL 35 SERPEDALITEUNID1indd 35 161020 1744 Figura 5 Peter Pan ícone da liberdade na Londres vitoriana Fonte Shutterstock Acesso em 04072020 Essa tradição literária que trabalha e reinventa o gênero do conto de fadas perdura até os dias de hoje Uma das mais belas obras literárias da literatura infantil O Pequeno Príncipe do escritor francês Antoine de SaintExupéry ca racterizase como um livropoema universal Tratase de uma obraprima em todos os seus aspectos permeada por um lirismo subjetivo e crítico O texto possui uma abordagem de extraordinária beleza e delicadeza além de estar carregado de um grau de originalidade sem igual na fi cção cuja fantasia está explícita gerando absoluta felicidade e sentimento crítico em cada página Os contos de fadas ora como histórias isoladas ora como textos seriados perduraram e por sua estrutura mercadológica continuam até os dias de hoje Abordaremos em outras unidades como outros te mas vão sendo explorados e como esses textos tornamse signi fi cativos em suas épocas A literatura infantil brasileira É a partir do Romantismo e da independência do Brasil que se torna uma questão a busca por uma literatura nacional e que representasse um estado recémformado É também nesse período que surge uma literatura infantil influenciada por exemplo pela literatura francesa de La Fontaine e Perrault apresentados ao Brasil por intermédio de Portugal Assim a LITERATURA INFANTIL 36 SERPEDALITEUNID1indd 36 161020 1744 literatura infantil no Brasil começou a se consolidar a partir do século XIX conscientizando os leitores so bre uma literatura específica para a criança Carvalho 1989 atesta que Contos da Carochinha de Alberto Figueiredo Pimentel teria sido a primeira publi cação do gênero Entretanto a autora também ressalta a relação com a esco la ao afirmar em seus estudos sobre li teratura infantil no Brasil por meio de um traçado histórico que foi a partir de 1820 mesmo ano de formação do Co légio Caraça que a literatura e a escola se tornaram restritas ou seja somente as classes social e economicamente dominantes tinham acesso à educação e às obras infantis consideradas clássicas Segundo Cunha 1999 p 20 no Brasil a produção literária para crian ças se inicia com obras de teor pedagógico e ainda por cima são adap tações de textos portugueses o que demonstra a subserviência cultural colonial Vale destacar que para a autora a legítima literatura infantil brasileira foi iniciada efetivamente com o surgimento das obras de Mon teiro Lobato por ele ser um escritor que proporcionou a diversidade de te mas contextos e gênero literário trazendo personagens que ultrapassam os estilos convencionais literários e criando com isso seu próprio estilo e universo ficcional Nesse sentido surge José Bento Monteiro Lobato na literatura infantil brasileira com suas obras Narizinho arrebitado Sítio do Picapau Amarelo Reinações de Narizinho e outras que revolucionaram o campo da literatura infantil no país com textos que retratavam a realidade social e cultural e com personagens contemporâneos como a boneca de pano Emília Em O Sítio do Picapau Amarelo por exemplo Lobato por meio de uma série de histórias trouxe aspectos da vida rural como fazendas de café com intuito de revelar as questões nacionais do País bem como histórias com aspectos folclóricos narradas por uma cozinheira negra que repre LITERATURA INFANTIL 37 SERPEDALITEUNID1indd 37 161020 1745 sentavam os valores morais e culturais de um povo E logo em seguida adotando postura iconoclasta perante os valores culturais populares Monteiro Lobato promove a cozinheira do sítio a narradora titular em His tórias da Tia Nastácia LAJOLO ZILBERMAN 1985 p 65 Figura 6 O Saci elemento do folclore brasileiro resgatado na obra de Lobato Fonte Shutterstock Acesso em 04072020 Observe como Histórias da Tia Nastácia tem uma proximidade temática com a obra de Perrault Contos da mãe gansa Não é aleatório uma geração de escritores lia nos jornais brasileiros os contos de Perrault traduzidos por Machado de Assis As histórias da Tia Nastácia seguiam o mesmo estilo de contação de histórias como causos populares e regionais resgatando elementos do folclore e da cultura oral Cabe então a discussão literatura infantil no Brasil ou do Brasil Para Nely Novaes Coelho 2010 essa separação é feita por Monteiro Lobato O autor promove uma ruptura com os estereótipos literários por meio da adaptação das narrativas europeias ao contexto brasileiro e abre possibi lidades para novas ideias que circulavam pelo ambiente Assim o mesmo Lobato realizou adaptações dos clássicos europeus fa zendo com que interagissem com a cultura brasileira Personagens como Peter Pan inclusive visitavam o Sítio do Picapau Amarelo Monteiro Lobato ao realizar adaptações de obras clássicas apresentava a intenção de levar às crianças o conhecimento da tradição seja com seus heróis reais ou fictí LITERATURA INFANTIL 38 SERPEDALITEUNID1indd 38 161020 1745 cios as conquistas da ciência entre outros e também questionar com elas as verdades concebidas No entanto Lobato propõe no campo literário infantil a ficção e a magia a partir do contexto da realidade nacional lan çando mão da representação da relação familiar da vida no campo e do folclore afrobrasileiro Portanto vale ressaltar que na literatura infantil brasileira além de Monteiro Lobato vários outros autores dessa época se destacaram a exemplo de Coelho Neto e Olavo Bilac Contos pátrios Tales de Andrade Saudade Arnaldo de Oliveira Barreto A festa das aves entre outros LA JOLO ZILBERMAN 2007 p 2728 Figura 7 Emília e Visconde de Sabugosa Fonte Shutterstock Acesso em 04072020 Assim a partir de Lobato sugiram novos escritores de narrativas infan tis com perfil inovador como ocorre com as revistas em quadrinhos que trouxeram outra forma de leitura bem como a televisão que transformou as leituras dos livros infantis em seriados de entretenimento para crianças e jovens Um exemplo é a inesquecível série infantil O sitio do picapau Amarelo adaptada da obra de Monteiro Lobato e produzida pela Rede Glo bo Nely Novaes aponta que em 1950 a revista em quadrinhos Pato Donald é introduzida no Brasil a Ed Abril SP cria o sistema de postos de venda para distri buição em quase todo o território nacional A partir daí abrese LITERATURA INFANTIL 39 SERPEDALITEUNID1indd 39 161020 1746 o nosso mercado às Produções de Walt Disney Registrese tam bém no âmbito da literatura quadrinizada a voga das revistas de terror cuja popularidade se mantém até hoje não só em revistas como em filmes no cinema e na televisão 2010 p 275 Atualmente a literatura infantil brasileira encontrase alinhada aos no vos tempos mostrandose preocupada com as questões sociais culturais políticas e especialmente com as diferenças sociais uma vez que todo o tipo de diversidade gêneros etnias raças está inserida na sociedade bra sileira possibilitando ao indivíduo a busca para compreender o diferente Assim percebese que os escritores do nosso século apresentam em suas narrativas um contexto voltado a essas questões de maneira a proporcio nar à criança ou ao jovem a oportunidade de vivenciar histórias do mundo mágico que lhes aproximem da sua própria realidade Nesse sentido para Zilberman a literatura infantil contemporânea bra sileira apresentase no seu melhor tempo A literatura brasileira experimenta um momento particularmen te favorável estatisticamente cresceu o número de publicações originadas de autores nascidos no Brasil diversificaramse os gê neros em que um escritor pode se manifestar estendendose as opções dos modelos mais elevados da ficção e da poesia à pro dução para a imprensa para o cinema ou para o público jovem profissionalizamse os criadores de arte adotando a prática de agentes literários que medeiam as relações com editores tradu tores e divulgadores no campo cultural 2007 p 183 Desse modo observase que os literatos infantis estão se adequando à nova criança da atualidade inserida na era da tecnologia digital da internet e dos jo gos interativos de maneira a buscar meios de interagir e conquistar os pequenos leitores por meio das mídias sociais como a hipermídia que é a encadeação eletrônica de palavras sons e imagens e o hipertexto múltiplos textos em po tencial que só se completam pela ação do leitor NASCIMENTO 2007 p 8 O hipertexto possibilita ao leitor a liberdade de interação com o texto e incorpora vários elementos eletrônicos com a diferença de que o foco parece estar em técnicas exclusivas como por exemplo o site Glide que apresenta uma exploração interativa da linguagem visual LITERATURA INFANTIL 40 SERPEDALITEUNID1indd 40 161020 1746 Desse modo percebese que a literatura infantil no Brasil passou por uma significativa mudança desde os tempos idos do século XX e ao chegar ao século XXI adequouse às inovações tecnológicas assim como acom panhou o progresso na área educacional continuando assim a ser uma ferramenta fundamental para o desenvolvimento cognitivo da criança Mesmo a literatura infantil alicerçada a novas tecnologias continuará proporcionando ao leitor mirim o contato com o mundo mágico e com o maravilhoso de forma a conceber o seu mundo real a partir de uma cons trução crítica e reflexiva do contexto social em que está inserida DICA Um exemplo está disponível no portal Literatura Digital em O jogo do gato poeta um projeto de literatura digital de Ana Mello que incentiva a crian ça a ter o gosto pela leitura Uma imagem 80 textos descubra em qual deles está o nome do gato Mas cuidado você só tem sete vidas Quer dizer sete chances LITERATURA INFANTIL 41 SERPEDALITEUNID1indd 41 161020 1746 Sintetizando Nessa unidade abordamos a literatura infantil enquanto instrumento de formação da criança uma vez que a mesma tem um papel importante no de senvolvimento do indivíduo como ser social A função de contar histórias para os pequenos pressupõe uma influência direta na construção de cada indivíduo e da sociedade pois é por meio dos livros infantis que a sociedade transmite normas conceitos valores e cultura perpassando diversas gerações Desse modo percebese que a literatura infantil deve exercer um papel de intermédio entre o real e o imaginário de maneira a permitir que o leitor reflita e questione o seu papel social e sobre si mesmo As premissas abordadas consideram o trajeto histórico da literatura infan til de suas origens até a atualidade no Brasil e no mundo Abordouse dessa maneira sua inserção no mercado editorial bem como seu reflexo para toda a sociedade e principalmente como nos dias de hoje ela é utilizada cada vez mais como um instrumento para ampliar a capacidade criativa da criança e inserila no universo da leitura LITERATURA INFANTIL 42 SERPEDALITEUNID1indd 42 161020 1746 Referências bibliográficas CANDIDO A Direitos Humanos e literatura In FESTER A C R Org FES TER A C R org Direitos humanos e São Paulo Brasiliense Comissão de Justiça e Paz de São Paulo 1989 COELHO N N Literatura infantil teoria análise didática São Paulo Mo derna 2000 COELHO N N O conto de fadas São Paulo Ática 2012 COELHO N N Panorama histórico da literatura infantiljuvenil das origens indoeuropeias ao Brasil contemporâneo São Paulo Manole 2010 COLFER E Artemis Fowl o menino prodígio do crime 16 ed Rio de Janeiro Record 2013 CUNHA M A A Literatura infantil teoria e prática 18 ed São Paulo Ática 1999 DE CARVALHO B V A literatura infantil visão histórica e crítica 3 ed São Paulo Global 1989 DOCUMENTÁRIO Ler para sonhar O mundo da literatura infantil Postado por TV Justiça Oficial 33min 15s son color port Disponível em httpswwwyoutu becomwatchvMGGOS2XoVkY Acesso em 03 set 2020 ECO U Seis passeios pelos bosques da ficção São Paulo Cia das Letras 1994 GAARDER J O mundo de Sofia romance da história da filosofia São Paulo Com panhia das Letras 2007 LAJOLO M ZILBERMAN R A formação da leitura no Brasil São Paulo Ática 1985 LOBATO M Caçadas de Pedrinho São Paulo Globo 2003 LOBATO M Cidades mortas São Paulo Brasiliense 2009 MELLO A O jogo do gato poeta sd Disponível em httpwwwliteraturadigital combrjogodogato Acesso em 04 jul 2020 NASCIMENTO J A A A leitura hipermídia formando os leitores do século XXI 2007 Disponível em httpsdocplayercombr9969385Aleiturahipermidiafor mandoosleitoresjoseaugustodeabreunascimentouspresumohtml Acesso em 04 set 2020 SAMUEL R Novo manual de teoria literária Petrópolis Vozes 2002 YUNES E PONDÉ G Leitura e leituras da literatura infantil São Paulo FTD 1996 ZILBERMAN R O estatuto da literatura infantil In A literatura infantil na escola 11 ed São Paulo Global 2003 LITERATURA INFANTIL 43 SERPEDALITEUNID1indd 43 161020 1746 ZILBERMAN R Literatura infantil brasileira histórias histórias São Paulo Ática 2007 ZILBERMAN R MAGALHÃES R C Literatura infantil autoritarismo e emancipa ção São Paulo Ática 1982 LITERATURA INFANTIL 44 SERPEDALITEUNID1indd 44 161020 1746 IDEOLOGIA NO TEXTO INFANTIL 2 UNIDADE SERPEDALITEUNID2indd 45 161020 1734 Objetivos da unidade Tópicos de estudo Apontar os elementos ideológicos inerentes ao texto infantil Delimitar uma série de estratégias ficcionais utilizadas para a construção do texto direcionado ao público infantil Representação da sociedade normas e valores Representação da criança no texto literário infantil Sensibilização e aproximação lúdica da criança com a lingua gem poética A importância da exteriorização personagens e acontecimentos fantásticos O sobrenatural familiar Literatura e amadurecimento LITERATURA INFANTIL 46 SERPEDALITEUNID2indd 46 161020 1734 Representação da sociedade normas e valores A palavra ideologia nos soa estranha somos capazes de associála a pon tos diferentes e divergentes políticos científi cos religiosos mas ignoramos sua essência visão de mundo A forma de compreender um discurso o funil por meio do qual todo entendimento a nós chega Assim ideologia pode ser defi nida como a forma de se ver e interpretar o mundo e por meio de ambos a realidade nos atinge Porém e nos apropriaremos de um princípio de Roland Barthes vivemos em um mundo feito de palavras Os conceitos a forma de compreender o mundo o sentido que damos às coisas tudo isso chega até nós por meio das palavras dos discursos que construímos Damos sentido criamos conceitos partimos para outros pressupostos tudo por meio dos sentidos ali implícitos Outro pesquisador Mikhail Bakhtin aponta como as práticas culturais do minantes se diluem na comunicação 2008 ou seja como há ideologias dentro da língua que são por si só formas de perpetuação do status quo É por isso que a palavra signo linguístico por excelência é inerentemente ideológico Barthes vai mais além e afi rma que os signos de que a língua é feita os signos só existem na medida em que são reconhecidos isto é na medida em que se repetem o signo é seguidor gregário em cada signo dorme este monstro um estereótipo nunca posso falar senão recolhendo aquilo que se ar rasta na língua Assim que enuncio essas duas rubricas se juntam em mim sou ao mesmo tempo mestre e escravo não me contento com repetir o que foi dito com alojarme confortavelmente na ser vidão dos signos digo afi rmo assento o que repito 1987 p 15 É ai que habita esse servilismo da própria língua Ela não apenas nos faz dizer mas nos obriga toda forma de discurso de contação de algo está im bricado de uma série de ideologias e discursos dominantes ou não Estes são representativos de determinadas visões de mundo sejam elas vitoriosas ou ignoradas Dessa maneira há um conjunto de valores que se perpetuam nas mais diversas formas O texto literário não escapa desse princípio Até mesmo um texto que se propõe a ser um contradiscurso por defi nição um movimento contra ideoló LITERATURA INFANTIL 47 SERPEDALITEUNID2indd 47 161020 1734 gico já carrega em si uma visão de mundo outra ideologia O que são textos clássicos como A Ilíada ou Os Lusíadas senão o discurso dos vitoriosos O que é então uma obra como Tarzan com o discurso das narrativas de aventura que serve como contação da vitória da empreitada colonial inglesa Ou as diversas narrativas românticas brasileiras do período indianista senão uma tentativa de justificar o discurso do país recémformado em busca do que viria a ser a brasilidade Esse princípio claro não se desassocia do texto literário infantil mesmo antes de sua delimitação Uma vez que o texto literário é a arte da palavra que representa a variedade ficcional do discurso dominante há uma produção ficcional para a criança em diferentes períodos que não se desassocia de seu teor ideológico Na Grécia Antiga a obra A Ilíada na qual é contada a guerra de Troia era lida em sala de aula como se fosse um evento histórico Nós mesmos não sabemos de fato o quanto da história é fato ou ficção mas o ponto é o texto ensinado foi escrito séculos antes e mesmo durante sua escritura relatava um evento presumivelmente ocorrido em tempos bem anteriores Porém todos os ele mentos do que seria apresentado como parte da cultura helênica estava ali o ideal do guerreiro a hospedagem o culto aos deuses o poema de Homero na verdade promove uma transmissão de valores O mesmo ocorre com Os Lusíadas de Camões no qual são transmiti dos os valores idealizados dos portugueses durante a época das Grandes Navegações Havia ainda o ideal do português que conquistava o mundo à semelhança de Ulisses em A Odisseia Mesmo após o domínio espanhol durante o período barroco e após a perda das colônias há portugueses e descendentes no mundo todo que leem a obra de Camões como forma de matar a saudade da pátria Assim é por meio do texto literário que o autor transmite e perpetua uma série de valores Como aponta Barthes 1987 a língua é um mecanismo de perpetuação do poder mas ela própria se perpetua através do jogo linguístico que propaga no qual atua por meio da dramaticidade Para Barthes o texto literário está associado nos últimos séculos a um ideal herdado do período do Renascimento no qual havia a imagem das artes como forma de emancipação do indivíduo ou melhor um perfil de emancipação LITERATURA INFANTIL 48 SERPEDALITEUNID2indd 48 161020 1734 Certos valores se perpetuam no tempo devido a seu registro há o registro oral mas também o escrito se determinados valores se revitalizam o texto escrito permite uma maior interpretação destes Um livro como Os miseráveis de Victor Hugo é carregado do desejo romântico de luta pelas causas sociais da mesma forma que um Navio Negreiro de Castro Alves é uma ode aos movi mentos abolicionistas Essas obras que surgem na modalidade escrita da lín gua atingem o status de narrativa oral uma vez que seu sentido se perpetua para além do seu formato original No século XIX surgiram autores que trouxeram uma nova concepção de li teratura para o campo literário infantil valorizando o lirismo e o sentimentalis mo Citemos como exemplo Olavo Bilac cujos poemas retratavam os valores ideológicos de sua época Havia a visão cientificista de transformar a sociedade e principalmente divulgar esses valores O prefácio do livro Através do Brasil de Bilac e Manuel Bonfim explicita a ideologia vigente à época E também queremos que este livro seja uma grande lição de energia em grandes lances de afeto Suscitar a coragem harmonizar os esforços e cultivar a bondade eis a fórmula da educação humana COELHO 2012 p 239 Esse apontamento indica o lastro ideológico que irá influenciar e se perpe tuar em praticamente toda a produção literária infantil das épocas posteriores e em grande parte repetindo fórmulas préconstruídas durante esse período Observe alguns desenhos animados infantis da Disney os quais por sua vez apresentam adaptações de textos infantis clássicos em geral há a figura da princesa do príncipe do monstro a ser enfrentado por exemplo Talvez você tenha se lembrado de uma animação chamada Shrek dos estúdios DreamWorks e como a obra é uma sátira aos contos de fadas abordando seus elementos mais icôni cos Porém observe como os mesmos elemen tos estão ali presentes Shrek o ogro que res gata a princesa e no final da história eles irão habitar o bosque e ter o seu felizes para sempre Salvo elementos de outros contos é o mesmo que ocorre na obra origi nal de William Steig na qual o ogro encontra uma princesa ogra LITERATURA INFANTIL 49 SERPEDALITEUNID2indd 49 161020 1734 Figura 1 Shrek e Fiona Fonte Shutterstock Acesso em 21092020 É possível observar mesmo nos tempos atuais a exemplo do livro e da ani mação esses mesmos elementos O ogro paulatinamente vai descobrindo coi sas que para ele não fazem sentido como amor família e amigos Em suma até os dias de hoje no texto literário seja ele infantil ou não estamos presos a esse servilismo linguístico essa herança da época na qual o texto era um perpetuador dos valores vigentes sem um foco maior no lado lúdico da sua produção Em um período prélobatiano e até posterior per petuouse a ideia de que o texto infantil é o laboratório dos valores vigentes E é nesse ponto que resulta até os dias de hoje muito da crítica que conside ra o texto infantil menor apontase esse texto como detentor de um caráter mais didático pedagógico ao passo que as demais obras da literatura universal tem o valor de abordar as grandes questões Podemos dizer até político Gilles Deleuze e Félix Guattari apontam sobre a menoridade de certas li teraturas não no sentido de importância mas de particularidade Isso significa dizer que a literatura infantil em relação às demais corre o risco de ter valor apenas político ao utilizar seu espaço para ter como objetivo não o lúdico mas a transmissão ideológica Uma coisa não anula a outra mas sua exclusividade tornase um problema para esses textos LITERATURA INFANTIL 50 SERPEDALITEUNID2indd 50 161020 1735 O problema de se pensar o texto literário como mero perpetuador de valo res ou apenas como instrumento de entretenimento reside segundo Antônio Candido no seguinte problema A literatura pode formar mas não segundo a pedagogia oficial conforme os interesses dos grupos dominantes para re forço da sua concepção de vida Longe de ser um apêndice da instrução moral e cívica ela age com o impacto indiscrimi nado da própria vida e educa como ela com altos e baixos luzes e sombras Daí as atitudes ambivalentes que suscita nos moralistas e nos educadores ao mesmo tempo fascinados pela sua força humanizadora e temerosos da sua indiscriminada ri queza E daí as duas atitudes tradicionais que eles desenvolve ram expulsála como fonte de perversão e subversão ou tentar acomodála na bitola ideológica dos catecismos Dado que a literatura como a vida ensina na medida em que atua com toda a sua gama é artificial querer que ela funcione como os manuais de virtude e boa conduta E a sociedade não pode se não escolher o que em cada momento lhe parece adaptado aos seus fins pois mesmo as obras consideradas indispensáveis para a formação do moço trazem frequentemente o que as con venções desejariam banir Aliás essa espécie de inevitável contrabando é um dos meios por que o jovem entra em contacto com realidades que se tenciona escamotearlhe 1999 p 8485 Essa crítica relativa ao uso direcionado é inerente a toda literatura não apenas à infantil Porém podese apontar como historicamente a literatura de adulto se é que podemos utilizar o termo foi capaz de promover críti cas dentro do próprio espaço ideológico Durante o período do século XIX por exemplo iriam surgir obras que promoviam à sua maneira críticas às mazelas sociais como O Cortiço de Aluísio de Azevedo ou O Ateneu de Raul Pompeia Dessa forma possibilitouse a representação de visões diferentes do Brasil mostrando um país multifacetado com descrições e abordagens registradas de diferentes formas pela elite letrada da época como Euclides da Cunha Lima Barreto e Monteiro Lobato Este por sinal com uma produção direcionada para a criança conforme evidencia Andrade em sua obra Literatura infantil de 2014 LITERATURA INFANTIL 51 SERPEDALITEUNID2indd 51 161020 1735 Outro aspecto importante a ser destacado é que o Brasil na primeira meta de do século XX passava por significativas mudanças sociais e políticas insta landose assim a modernização e a transformação econômica e cultural no país e consequentemente na arte A literatura infantil quebra os paradigmas dos conceitos tradicionais so ciais revelando uma nova concepção literária por meio de temas que libertam o nacionalismo e o moralismo da época O ideal de uma pátria emancipada formada por uma elite intelectual e citadina passa a ser revisto pelo espaço da sátira promovida pelo jogo discursivo inerente ao espaço literário de determinadas produções literárias Figura 2 Monteiro Lobato e Emília Fonte Shutterstock Acesso em 21092020 É por esse viés que surge uma literatura infantil que busca quebrar a ideolo gia do discurso dominante promovendo uma discussão sobre os valores trans mitidos na produção literária infantil à época E apesar de escritores anterior mente já terem publicados obras voltadas para o público infantil foi Monteiro Lobato o grande divisor de águas separando o que era produzido antes e o que se passou a produzir em termos de literatura para crianças no Brasil AN DRADE 2014 p 40 LITERATURA INFANTIL 52 SERPEDALITEUNID2indd 52 161020 1737 Lobato além de suas obras originais também realizou adaptações e recria ções de fábulas o que na época não foi muito bemvisto pelo campo educacio nal uma vez que ultrapassava os conceitos pedagógicos didáticos e educacio nais por incentivar a liberdade interior e de ação Nesse sentido suas adaptações promoviam às crianças a curiosidade intelectual a descoberta e a criatividade o que proporcionou o encantamento por suas obras até hoje lidas Muito se é falado sobre a obra adulta de Lobato a saber dentre outras Urupês que traz uma visão regionalista do interior do Brasil sem a idealização romântica bem como Cidades Mortas sobre a decadência de cidades que em pobreceram Essas obras assim como outros romances e coletâneas apresen tam uma crítica sóbria com relação às transformações sociais Sua obra infantil ocupava um espaço diferente Embora tenha realizado di versas traduções a coleção de livros que gira em torno do Sítio do Picapau Amarelo o que inclui as histórias contadas por Dona Benta a seus netos como Os Doze Trabalhos de Hércules Hans Staden e até Peter Pan é o espaço lobatiano por excelência seu tão tão distante É nesse lugar que por meio de personagens alguns mágicos o escritor utiliza o elemento surreal para trazer de maneira lúdica sua crítica social CURIOSIDADE É comum na crítica literária a análise de como o autor se insere em um texto promovendo uma polifonia por meio das personagens É conhecida a discussão sobre como esse recurso é utilizado por Monteiro Lobato através da boneca Emília personagem do Sítio do picapau amarelo O humor ácido e a atitude debochada da boneca carregariam muito da per sonalidade de Lobato além de como ela interpreta as coisas da vida Representação da criança no texto literário infantil É diante desses parâmetros que nos deparamos com a representação da criança no texto literário infantil Porém isso não se limita a uma mera criação de personagens com traços infantis Tocamos aqui na grande questão a com preensão do que viria a ser um público infantil Uma vez que o conceito de infância ainda era uma ideia recente como se dá a representação do indivíduo em uma obra feita por adultos Há um longo trajeto a ser percorrido e um exemplo é que a princípio havia a utilização de LITERATURA INFANTIL 53 SERPEDALITEUNID2indd 53 161020 1737 textos para a construção de modelos de comportamento infantil a serem re produzidos pelo leitor GOUVÊA 2000 p 1 Mesclando elementos do pedagógico e do lúdico a produção lobatiana re presentará a emergência de um novo tipo de discurso o qual influenciado pe los movimentos intelectuais da época passará a conceber o texto infantil como uma das possibilidades da formação do indivíduo Talvez você se pergunte a quem se dirige Peri personagem do romance O Guarani de José de Alencar Para uma elite burguesa citadina do século XIX Porém este não se distanciava muito dos textos voltados para o público infan til da época e a posteriori uma vez que entravam em contato com uma visão idealizada da criança como uma tábula rasa Eram obras literárias feitas por e para um público adulto e a criança configuravase mais como uma representa ção idealizada do que factível Outra personagem Emília está mais próxima de nosso contexto formativo debochada sarcástica e engenhosa é uma boneca de pano com traquinagens de criança e mentalidade de adulto Para muitos seria uma representação do próprio Lobato LAJOLO ZILBERMAN 2007 e mais do que isso uma repre sentação de um discurso que considera as particularidades de um leitor em especial a criança Segundo Piaget em seu livro A representação do mundo na criança de 2005 desde a compreensão da ideia de infância de criança passase a conceber determinados elementos sociais em consonância com o processo formativo Dentro desse contexto nas décadas de 1960 a 1990 a literatura infantil pas sou a apresentar um novo modo narrativo voltado tanto às questões da vida cotidiana social como à nova configuração econômica e sociocultural do Brasil com temáticas que representavam a visão crítica da época Portanto a literatura infantil passa a representar a vida cotidiana das crian ças alicerçada a temas atuais da época o que valorizou as ilustrações nos livros infantis retratando o contexto literário da obra Como exemplo é possível citar alguns renomados ilustradores dos anos 1980 e 1990 como Ângela Lago Ciça Fittipaldi Helena Alexandrino Ricardo Azevedo e Ziraldo ANDRADE 2014 Isso posto na década de 1960 houve uma nova demanda de textos literá rios para o sistema educacional visto que com a implantação da Lei de Dire trizes e Bases da Educação Nacional LDB exigiase o ensino de literatura para LITERATURA INFANTIL 54 SERPEDALITEUNID2indd 54 161020 1737 crianças de no mínimo 8 anos sendo este voltado para o ensinoaprendizagem da leitura utilizando o texto literário como subsídio para o ensino da gramática Desse modo surge nos anos de 1970 uma grande necessidade de novos textos literários pautados na LDB e autores como Francisco Martins Maria Heloísa Penteado Maria José Dupré e Clarice Lispector passam a atender essa nova proposta de literatura infantil É importante ressaltar que Clarice Lispector possui experimentações no campo da literatura infantil como no clássico Doze lendas brasileiras obra na qual várias lendas brasileiras são recontadas pela escritora Embora não hou vesse uma plena dedicação uma série de escritores realizaram também as de vidas experimentações O cenário dessa época tornouse então oportuno para o surgimento de outras modalidades literárias direcionadas ao público infantil como o teatro e as histórias em quadrinhos cujos principais títulos são O menino maluquinho de Ziraldo e A turma da Mônica de Maurício de Souza ANDRADE 2014 p 43 É uma época na qual gradativamente há o surgimento de protagonistas crian ças cheias de vida e reflexos das crianças de sua época Figura 3 As criações de Ziraldo Fonte Shutterstock Acesso em 22092020 LITERATURA INFANTIL 55 SERPEDALITEUNID2indd 55 161020 1738 Não é uma exclusividade da literatura infantil a representação da criança em meio a uma sociedade crua Menino de engenho de José Lins do Rego procu ra mostrar a vida de uma personagem que vive com o avô durante a decadência do ciclo dos engenhos O texto porém carregado de elementos memorialísti cos procura transmitir a interpretação desse ciclo pelos olhos do protagonista ou melhor suas experiências de vida Outra obra anterior O ateneu de Raul Pompeia aborda um caminho parecido as memórias de uma criança que estu dou em um colégio interno com uma narração carregada de elementos impres sionistas e influenciada pelas sensações que as memórias evocam A concepção de literatura infantil passa a visar o desenvolvimento crítico e cognitivo da criança e as obras literárias a valorizála como um ser atuante no meio social Os autores da atualidade entendem que o papel da criança não é somente o de um leitor mirim mas também de um sujeito em formação que precisa ser estimulado a buscar o gosto pela leitura para desenvolver o senso crítico e analítico dos acontecimentos cotidianos que o rodeiam e consequen temente seu autoconhecimento Portanto as obras contemporâneas representam aspectos cotidianos mas transformados de maneira lúdica e ficcional para que haja uma interação com o leitor Assim quando falamos da representação da criança na literatura infan til abordarmos também sua inserção a concepção de um texto literário que promove uma interação com seu leitormodelo ECO 1994 Ao falar sobre leitormodelo abordamos elementos literários que são an teriores à divisão da literatura de acordo com seu público Há um escritor que cria uma categoria ficcional um autor de determinada obra E da mesma forma que temos escritores que possuem fases obra de suspense obra crítica obra infantil há o escritor que para sua experimentação cria um autormodelo que se adequa a produzir um determinado tipo de texto direcionado para um leitormodelo Ou seja uma criança Ou melhor um leitor criança implícito deduzível presumível Quando falamos na inserção da criança no texto literário infantil não nos limitamos a protagonistas infantis e suas aventuras mas ao texto literário que utiliza uma linguagem direcionada à criança que a concebe dentro da produ ção ficcional como um leitor alguém que participa do processo de produção do texto LITERATURA INFANTIL 56 SERPEDALITEUNID2indd 56 161020 1739 E é ao concebêlo que esse autormodelo direciona seu texto É por isso que há uma série de escritores os quais utilizam as mais diferentes linguagens como verbal mista digital entre outras que realizam tais experimentações ao conceberem essa particularidade textual em suas obras Alguns escritores como Ângela Lago Ziraldo Adélia Prado e Maurício de Souza ainda são considerados contemporâneos por proporcionarem temas atuais e que estimulam o desenvolvimento psíquico e cognitivo da criança Nesse sentido as obras contemporâneas retratam aspectos culturais inseridos nas narrativas como crenças valores costumes preconceitos hábitos reli giões mitos entre outros que revelam o universo cultural de uma sociedade afirmando assim a existência de uma identidade cultural Conceber a criança representála textualmente significa abordar também os temas que lhe são significativos as obras literárias infantis da contempora neidade valorizam questões sociais bem como a diversidade cultural a partir das questões de gênero identidade e alteridade temas importantes para a formação da criança como sujeito autônomo na sociedade Um exemplo comum é a série de livros Diário de um banana de Jeff Kinney na qual são abordadas questões como inserção social em um contexto mais contemporâneo Greg o protagonista busca ser popular na escola uma for ma contemporânea de ocupar espaços principalmente em uma sociedade de informação Outra série que trata de temas similares mas com rumos diferen tes é a série Fala sério na qual são abordadas as interações entre Malu e as pessoas que fazem parte do seu convívio pais professor amigas irmã bem como suas respectivas experiências de vida Figura 4 Personagens de Fala sério mãe de Thalita Rebouças Fonte Shutterstock Acesso em 22092020 LITERATURA INFANTIL 57 SERPEDALITEUNID2indd 57 161020 1739 É vasto o número de escritores da atualidade que proporcionam por meio de suas histórias uma literatura juvenil alicerçada às questões socioculturais valorizando o desenvolvimento cognitivo e intelectual da criança sem perder a ludicidade do mundo imaginário em sua fase de evolução No entanto é percor rendo o tempo e o espaço que a literatura se constitui como recurso ao mundo imaginário assim como proporciona o amadurecimento psíquico da criança Nessa experimentação há autores que buscam reinventar o texto ao con ceberem temas atuais para crianças atuais utilizando ilustrações interativas e por se preocuparem em escrever para crianças ou seja pensando na contri buição que podem proporcionar para a formação de sujeitos sociais e culturais Como exemplo temos Marcelo marmelo martelo e outras histórias de Ruth Ro cha A bruxinha atrapalhada de Eva Furnari Uni Duni Tê de Ângela Lago A vida íntima de Laura de Clarice Lispector Vovô fugiu de casa de Sérgio Capparelli e Dois chapéus vermelhinhos de Ronaldo Simões Coelho É importante ressaltar que o ato de ler não corresponde somente ao en tendimento de um texto escrito ou não Assim a leitura necessita que o leitor mobilize seu universo para atualizar o universo do texto e assim fazer sentido Eliana Yunes 1989 afirma ainda que aprender a ler é se familiarizar com textos de diferentes esferas sociais a fim de se desenvolver uma atitude crítica e per ceber as diferentes vozes dos textos sendo desse modo capaz de se apropriar de cada ideia ou palavra apresentada Atualmente a literatura infantil brasileira é bastante valorizada e conta com um tradicional reconhecimento literário o Prêmio Jabuti que tem como intui to consagrar as melhoras obras literárias brasileiras dentro de cada tipo seja poesia conto ou romance entre outros Vários autores foram premiados na ca tegoria Literatura Infantil desde seu início em 1959 como Lúcia Machado de Al meida Bartolomeu Campos de Queirós Lygia Bojunga Ângelo Machado José Paulo Paes Ângela Lago Ana Maria Machado e Manoel de Barros entre outros A literatura infantil ao longo dos tempos procurou se atualizar com rela ção às tendências muitas vezes seguidas pelos autores em suas respectivas épocas Isso trouxe contribuições para o desenvolvimento literário infantil no Brasil e no mundo de maneira a valorizar a criança como ser social É possível perceber que há uma literatura voltada para esse público que possui seu respectivo leitor e que pode ser abordada de diferentes maneiras LITERATURA INFANTIL 58 SERPEDALITEUNID2indd 58 161020 1739 e para diferentes fi ns evasão crítica social deleite aprendizagem lazer e para preencher a necessidade que crianças jovens e adultos têm de ao conhecerem o outro também se conhecerem Dessa forma há uma série de escritores contemporâneos que valorizam em seus textos a concepção da criança como um sujeito em formação contri buindo por meio de suas histórias para o desenvolvimento de seu cognitivo e seu senso crítico social e cultural Sensibilização e aproximação lúdica da criança com a linguagem poética Você já percebeu como utilizamos a palavra literatura para indicar textos não fi ccionais Isso ocorre porque em seu sentido a literatura é a arte da pa lavra Observe como em uma aula sobre a literatura portuguesa apontamos que a crônica de Fernão Lopes dá início à moderna prosa portuguesa uma vez que ele utiliza vários elementos literários para contar a historiografi a nacional Os sermões do Padre António Vieira por exemplo até hoje são objetos de es tudo em cursos de direito No entanto é comum avaliarmos esses textos por seu valor fi ccional Há um efeito de transformação possibilitado pela palavra escrita e a forma como o escritor manipula o texto literário Isso se dá desde a origem do texto no início dos tempos pela narração oral poética Quando em tempos antigos o ancião contava as histórias e lendas do seu povo para as crianças narravaas de maneira lírica agregando mais do que memórias mas emoções por meio da manipulação discursiva o indivíduo pode captar algo que vai além do essen cial enxerga além do visível Quem é Quindim rinoceronte que aparece nas obras de Monteiro Lobato Para o escritor mais do que um paquiderme onde muitos veem um animal lobato vê uma criatura que supostamente devora um livro de gramática e se torna um sábio E é graças a isso que ele leva as crianças para diversas aventu ras como um passeio pelo país da gramática No mundo visível onde vemos pedras e objetos sem valor mera manipulação de palavras o escritor dobra o texto escrito criando obras plurissignifi cativas como A bolsa amarela de Lygia Bojunga ou O menino que escrevia versos de Mia Couto LITERATURA INFANTIL 59 SERPEDALITEUNID2indd 59 161020 1739 O conto O menino que escrevia versos de Mia Couto é uma brincadeira lin guística com as palavras ele narra a história de um menino que frequenta a es cola e começa a escrever versos e isso muda sua percepção da vida Seus pais ficam assustados pois não são da leitura Mas há toda uma relação simbólica entre o ato da escrita e o da descoberta O mesmo ocorre com outro escritor José J Veiga Em Tajá e sua gente há a história de um garoto cadeirante que arruma trabalho em um sítio e passa a experimentar uma série de situações com seus amigos Há a representação de vários ciclos pelos quais passamos descoberta amadurecimento tristeza desilusão felicidade Com prosa simples e direta seu sentido não é ampla mente revelado uma vez que cada leitor em cada época alimentase dessa linguagem poética e a reverbera em sua época específica Daí o efeito catártico da palavra poética plurissígnica permitindo a reinvenção da palavra literária O ludismo inerente ao texto literário atinge a criança de várias maneiras figuras de linguagem associações rimas e jogos de palavras Lembrase como os contos de fada sempre começavam com um Era uma vez buscando intro duzir o elemento mítico ao texto e trazendo a criança a uma época antiga a uma história que se perde no tempo As cantigas de ninar por exemplo eram uma forma de atrair a atenção da criança uma forma de descobrir o mundo Observe como exemplo o seguinte trecho Minha avó que braços grandes você tem É para abraçar você melhor minha neta Minha avó que pernas grandes você tem É para correr melhor minha filha Minha avó que orelhas grandes você tem É para escutar melhor minha filha Minha avó que olhos grandes você tem É para enxergar você melhor minha filha Minha avó que dentes grandes você tem É para comer você MACHADO 2010 p 4445 Trazemos um exemplo clássico dos Grimm sabemos que o lobo está vesti do de vovó pois desde antes já somos apresentados à sua artimanha em que o mesmo despista Chapeuzinho Vermelho para chegar antes Porém o elemento lúdico manifestase pela experiência da descoberta o leitor se coloca no lugar LITERATURA INFANTIL 60 SERPEDALITEUNID2indd 60 161020 1739 da menina e participa do jogo de descobrir palavra por palavra a identidade da vovólobo Usamos os sentidos da criatura e a forma como a menina enxer ga o mundo e descobre as inconsistências do animal O lobo por sua vez entra no jogo utiliza elementos visuais olhos para enxergar melhor olfativos nariz para cheirar melhor e outros como a audição e o paladar O uso dessa descrição detalhada fará com que o ouvinte sinta o cheiro das flores visualize a gra ma verdinha e se encante com o cavalo alado que voa pelo céu estreladoPorém essa descrição não deve ser exagerada a fim de permitir que o ouvinte coloque a sua própria cor do céu en feite o campo com arvores FARIAS RUBIO 2012 p 5 No mesmo conto essas experiências vão sendo construídas paulatinamen te e passamos a associar os sentidos do lobo e seus órgãos exagerados às suas características e atitudes seus olhos à astúcia suas orelhas à atenção seu nariz à percepção e sua boca à gula e ousadia Cada um desses elementos promove uma transfiguração das imagens por meio da linguagem poética a qual atua de maneira particular diante dos jovens leitoresouvintes Mais do que um conto de fadas uma história de entretenimento Chapeu zinho Vermelho é um exemplo de como determinadas narrativas contribuem para o desenvolvimento da imaginação e da intuição do infante posto que colaboram para a forma como ele descobre a realidade há morais implícitas como não fale com estranhos e obedeça seus pais do contrário as quais vão sendo transmitidas por meio das imagens poéticas que constroem Figura 5 Chapeuzinho vermelho Fonte Shutterstock Acesso em 22092020 LITERATURA INFANTIL 61 SERPEDALITEUNID2indd 61 161020 1740 Não é por acaso que esses contos foram banidos durante muito tempo BETTELHEIM 2002 sua ação pedagógica utilizava uma linguagem poética para criar a experiência da magia a qual oferecia respostas alternativas aos grandes problemas do mundo É por meio dessa série de estímulos sensoriais via linguagem poética que a criança desenvolve sua forma de interagir com o mundo alimentase e de senvolve uma série de experimentações para conceber o mundo ao seu redor Recorrendo à histórias aparentemente simples mas igualmente complexas e lúdicas o texto transmite essas imagens Podemos observar isso nas aventuras da Turma do Gordo no livro O Gênio do Crime de João Carlos Martinho Ao investigarem um crime de falsificação de figurinhas de futebol Bolachão Edmundo Pituca e Berenice desbravam a ci dade de São Paulo fazem as vezes de detetives e buscam solucionar um crime O sentimento de aventura as relações de amizade a experimentação da vida diante do que lhes é importante tudo vai sendo paulatinamente transmitido e construído por meio do narrador ASSISTA Vale a pena assistir a entrevista do escritor João Carlos Marinho sobre a obra O Gênio do Crime bem como a relação entre escritor e obra Na entrevista Marinho aborda como certos trabalhos atraem os mais jovens fascinandoos O escritor cria uma São Paulo ficcional que parasita a sua homônima no mundo real além de conceber personagens que se utilizam do raciocínio para resolver o grande mistério da obra as figurinhas falsificadas Atra vés disso recorrese a uma linguagem que transporta o mundo da criança para o da fantasia na qual as personagens ex ploram sua sagacidade inteligência noções de dever moral e outras habilidades de modo que aqui não são protegidas ou agraciadas por forças superiores mas heroínas absolutas da trama Sua fada madri nha aqui é sua capacidade de resolver os problemas por meio do seu olhar de criança LITERATURA INFANTIL 62 SERPEDALITEUNID2indd 62 161020 1741 DICA Vale a pena refletir sobre como há toda uma crítica literária que estuda o caráter psicológico sociológico e antropológico dos contos de fadas No livro Reis Moscas e um gole de astúcia contos de fadas para pensar so bre justiça as escritoras Helena Gomes e Susana Ventura abordam como os contos de fadas em suas revisitações do folclore abordam conceitos atemporais como ética e justiça A linguagem poética mais pelo que induz do que pelo que mostra destaca se como uma forma de instrumento didática que explora no texto literário a aproximação com o público infantil Ocorre que a linguagem poética literária é uma forma de expressar experiências de mundo do autor para o leitor o qual tem sua própria experiência afetada pelas leituras A literatura infantil em sua formação destinada para crianças também já fora mais voltada para adultos Muitas obras de aventura carregavam uma lin guagem míticosimbólica e o faziam como forma de produção literária como as aventuras de Robinson Crusoé Curiosamente consideramos As viagens de Gulliver uma obra adulta mas sua linguagem líricofantástica tomada de representações absurdas como os homens diminutos de Liliput passou a ser utilizada para avaliar uma espécie de paródia do mundo dos adultos voltada para a criança Muitos pesquisadores apontam haver motivos para que certas obras em sua origem voltadas para o público adulto passassem a interessar às crian ças Para muitos a manipulação da linguagem poética em determinadas obras as aproximaria do público infantil BETTELHEIM 2002 ao passo que outras causaria certo distanciamento Muitos textos em sua origem eram histórias populares contos e causos que circulavam por meio da população antes de ga nharem sua adaptação escrita cristalizada Independente da motivação dos escritores em resgatar elementos do folclore para transmitir novos valores es ses textos já eram carregados de valores a serem transmitidos Veja o caso do conto Os três porquinhos de Joseph Jacobs a história con forme Prado 2012 traz elementos do folclore inglês associados a tempos mais modernos já que em uma de suas versões não são três porcos mas três duendes Os três irmãos Prático Heitor e Cícero podem ser vistos como uma representação da força de trabalho ou seja do esforço e do trabalho bem feito estes encarnados em Prático o qual constrói uma casinha de tijolos A própria LITERATURA INFANTIL 63 SERPEDALITEUNID2indd 63 161020 1741 escolha do nome já denota isto pelo menos em língua portuguesa Tal qual a ideia do século XIX do burguês que cria empresas e funda impérios temos a imagem do porco que supera a astúcia do lobo por meio do trabalho duro Essa transmissão de valores vai sendo produzida linguísticamente por meio da estrutura apresentada pela forma como o autor utiliza a regra de três são três os porquinhos são três as casas construídas E a cada embate entre o lobo e um dos porcos o predador emite um provérbio formado por três versos Porquinho porquinho deixeme entrar Não não pelos fios da minha barba aqui você não vai pisar Então vou soprar e vou bufar e sua casa rebentar MACHADO 2010 p 144 É a casa de tijolos do terceiro porco a única adequada para impedir o lobo que em algumas versões devora os dois irmãos encerrando a história DICA A regra de três é um recurso narrativo através do qual a história progri de por meio de três elementos três repetições de modo a se atingir um resultado ou no caso aprender uma lição Muitos contos de fadas e outras produções textuais seguem essa estrutura devido à facilidade de se lembrar dos elementos Três porquinhos três duendes o conto escrito herdeiro de uma variedade oral carrega valores já conhecidos da população Mesmo a população que não era de ori gem popular conhecia essas histórias Esses primeiros textos transcendem o campo da escrita tendo origem no mito dos povos nas lendas Podese ainda resgatando a regra de três avaliar como há uma relação entre os três irmãos e as temporalidades da infância na qual a saída de casa a construção das novas casas e as experiências enfrentadas representam suas etapas de amadurecimento PRADO 2012 Importante destacar que literatura oral é o conjunto de manifestações lite rárias de uma sociedade ou civilização preservadas por meio da palavra falada eou cantada A literatura produzida na vasta área subsaariana do continente africano por exemplo distinguese da literatura escrita em línguas europeias a qual tem como fonte suas próprias tradições orais Essa linguagem simbólica vai sendo construída e carrega elementos da for mação humana Como aponta Prado 2012 a relação entre infância e forma LITERATURA INFANTIL 64 SERPEDALITEUNID2indd 64 161020 1741 çãoemancipação se encontram nessas narrativas É na criança uma metoní mia do homem primitivo do povo em suas origens que a sociedade vai sendo descoberta Muitos desses escritores antes não considerados como escritores de literatura infantil abordavam o mito em sua versão literária como forma de atingir os processos formativos do ser humano Estes concebiam textos em que a personagem conhece o mundo por meio do sentidos das emoções não dos conhecimentos mais racionais ou seja da experiência Dessa maneira predomina nos contos de fadas uma linguagem di ferente singular mágica É por isso que há essa relação entre infantil e popular posto que ambos compreendem o mundo de uma outra maneira e seguindo uma lógica não convencional Habita aí o motivo da linguagem poética em sua variedade escrita estar as sociada à transmissão de saberes desde o início dos tempos uma vez que era por meio destes que se transmitia a ideologia de dada sociedade Como aponta Zilberman 2007 esses contos em sua origem eram transmitidos entre a po pulação adulta e para eles produzidos mas não faziam parte da formação da burguesia pelo contrário foram posteriormente declamados em salões como forma de entretenimento Com o avançar das épocas esses textos passam a sofrer alterações e re ceber um encapamento de linguagem burguesa e um novo senso de ética moral e visão religiosa que por sua vez utilizam os textos infantis como forma de conformação aos papeis sociais Esses contos utilizam uma linguagem que explana sua função pedagógica de transmitir esses novos valores aos peque nos leitores Diferente escritores farão uso dessa linguagem mítico simbólica em con fronto a uma outra de lógica racionalista como forma de transmissão de ima gens É por meio dessa linguagem que o escritor transforma o abstrato em algo concreto O conto A gata borralheira por exemplo busca transmitir uma história sobre conflitos sociais a protagonista precisa superar os maus tratos das irmãs e mãe e somente nos sonhos encontra sua liberdade A fada madri nha representa o ideal de que as pessoas boas possuem um caminho maior a trilhar independentemente da sua classe social Por meio da história da gata borralheira as classes mais pobres transfor mam o seu desejo abstrato em algo concreto dando forma nome e continuida LITERATURA INFANTIL 65 SERPEDALITEUNID2indd 65 161020 1741 de aos seus desejos É por meio dessas obras da transmissão dessa linguagem poética que o texto literário auxilia na formação do pensamento do indivíduo e em sua formação cognitiva Assim produzse uma linguagem que auxilia a criança em sua etapa de amadurecimento é por meio do texto literário que ele aprende imagina e idealiza as situações do cotidiano A importância da exteriorização personagens e acon tecimentos fantásticos Literatura infantil e elementos fantásticos são quase sinônimos em meio a gatos falantes gansos que colocam ovos de ouro e lobos malintencionados temos personagens que desbravam o mundo e vencem as difi culdades da vida recorrendo à sua astúcia Isso ocorre porque muito dessa literatura como abordado encena elementos morais os utilizando para mostrar como os ele mentos sobrenaturais são uma forma de se reinterpretar o mundo É por isso que para abordarmos como os elementos sobrenaturais perdu ram mesmo diante de uma literatura que em sua forma contemporânea surge como maneira de doutrinação dos adultos em formação precisamos abordar a sofi sticação do texto literário a qual ocorre de tal forma que até o elemento sobrenatural nele perdura Figura 6 A fábula da lebre e da tartaruga Fonte Shutterstock Acesso em 22092020 LITERATURA INFANTIL 66 SERPEDALITEUNID2indd 66 161020 1741 Para tanto devemos falar das fábulas e de um dos mais famosos escritores de literatura infantil que irá polir esse gênero La Fontaine Gênero muito utili zado na história da literatura ocidental desde a Grécia antiga por seu caráter didático vai sendo retomada durante o período do Humanismo No século XV escritores franceses e italianos a redescobrem por meio das fábulas de Esopo transmitindo diversas de suas versões Assim 200 anos depois há fábulas orientais como O livro das luzes ou A con duta dos reis traduzidas por David Sahib e Modelo da sabedoria dos antigos in dianos traduzida por Pussines O gênero perdura durante vários séculos man tendo seu formato sem grandes alterações Porém assim como os grandes escritores que foram responsáveis por re novar constantemente a língua portuguesa em pleno século XX a exemplo de Guimarães Rosa La Fontaine resgata todo o elemento lírico da fábula ali mentandoa com valores filosóficos que mesclavam elementos das narrativas populares Dotado de formação literária sob influência dos clássicos grecola tinos e renascentistas entre outros e tendo realizado experiências com vários textos foi por meio das fábulas que Fontaine se consagrou um gênero literário de origem popular A produção de La Fontaine reúne uma miríade de fontes as quais tanto negociam com a cultura popular quanto se alimentam de uma tradição de pa rábolas das mais variadas matizes Além destas ele produziu contos alegorias e histórias curtas O grande diferencial é que as obras das cotidianas às sobre naturais encerram valores morais o que singularizou sua produção Dessa forma muitas de suas criações originais passaram à categoria de contos de fadas como as narrativas folclóricas das quais ele se alimentou para produzir seus textos Eis o valor do escritor as situações humanas que ali são transfiguradas em detrimento das intenções do escritor Essa transfigura ção muitas vezes de teor sobrenatural atrai o público infantil Quando abordamos o elemento sobrenatural nos contos de fadas devemos lembrar que suas origens já incluíam elementos maravilhosos Isso influenciou à época uma série de indivíduos a conceber uma outra realidade ocupada por seres mágicos e mitológicos os quais contribuíram para o desenvolvimento crítico desses leitores O que seria a Rainha Má da Branca de Neve se não uma revisitação do mito de Caim e Abel a inveja adaptado para os infantes LITERATURA INFANTIL 67 SERPEDALITEUNID2indd 67 161020 1741 Ademais é importante evidenciar que muito desse elemento sobrenatural não é gratuito uma vez que agrega signifi cantes e signifi cados familiares à so ciedade O sobrenatural familiar Exemplo disso está nas lendas Atualmente há uma gama variada de pes quisas sobre manifestações populares que misturam fatos reais e fi ctícios con tados oralmente como as lendas ou expressos em narrativas escritas que ten tam explicar fenômenos da natureza física e humana além de outros sentidos do mundo com base em símbolos como os mitos A lenda é uma narrativa popular que pode ser escrita ou oral Ela pode contar histórias de seres mara vilhosos ou encantados de origem humana ou não Uma lenda também pode trazer fatos JOVINO 2006 apud SOUZA LIMA 2006 p 212 Exemplo disso está na nossa própria cultura o folclore brasileiro é vasto e possui várias personagens representativas da região a que pertencem cujas histórias são transmitidas de geração a geração O Boto da região amazônica por exemplo é uma lenda que persiste até os dias de hoje neste local Figura 7 O boto personagem do folclore brasileiro Fonte Shutterstock Acesso em 22092020 LITERATURA INFANTIL 68 SERPEDALITEUNID2indd 68 161020 1742 Em Menina Flor e o Boto de Dira Paes temos a recontação da lenda desta criatura mágica através da vida de Flor garota que cresce na fl oresta amazô nica e para a qual essas lendas são na verdade elementos culturais de sua vivência Há uma série de livros que têm buscado representar os elementos autóctones das várias culturas brasileiras sem estereotipação Lendas do norte do país podem assim contribuir para conhecermos outros olhares sobre nos so país SOUZA LIMA 2006 Já o mito por sua vez possui um caráter diferenciado De acordo com Mir cea Eliade este conta uma história sagrada ele relata um acontecimento ocor rido no tempo primordial o tempo fabuloso do princípio Em outros termos o mito narra como graças às façanhas dos Entes Sobrenaturais uma realidade passou a existir seja uma reali dade total o Cosmo ou apenas um fragmento uma ilha uma espécie vegetal um comportamento humano uma instituição É sempre portanto a narrativa de uma criação 1971 p 11 O mito tem como característica principal a oralidade Como em muitos ca sos não há registro escrito os mitos vão transformandose ao serem passados de uma pessoa a outra de geração em geração Para LéviStrauss apud ZUCON BRAGA 2013 o mito faz parte de uma forma de linguagem que também incorpora o sentimento de quem o conta e que nele acredita Isso porque a cada nova narração vão sendo adicionados elementos ou histórias diferentes que retratam crenças e costumes da gente pertencente à região do narrador Literatura e amadurecimento Desta maneira é por meio dessa transmissão de saberes via tradição oral que os eventos são relatados uma vez que é através da voz dos narradornarradores que os mitos e os modos de organização dos rituais são transmitidos Os mitos são consti tuídos de palavras organizadoras dos caminhos e vivências de cada um em particular e da comunidade 2006 apud SOUZA LIMA 2006 p 80 LITERATURA INFANTIL 69 SERPEDALITEUNID2indd 69 161020 1742 Em geral os mitos são histórias com elementos de fantasia mas não podem ser classificados como apenas isso Eles possuem forte caráter moralizador carregado de emoções e sentimentos que reforçam e instigam a crença nes sas narrativas provocando muitas vezes medo de algum castigo ou punição decorrentes de determinada ação O mito tem a função de explicar a origem das coisas ou apresentar uma questão moral As populações do período Antigo Oriental e Ocidental assim como as populações indígenas possuíam mitos para explicar sua visão de mun do por meio dos quais podemos hoje perceber os valores dessas sociedades Por exemplo o mito da Caixa de Pandora conta que Pandora foi a primeira mulher criada por Zeus e que a ela foi confiada uma caixa com uma única ins trução nunca ser aberta Por curiosidade e contrariando as ordens de Zeus Pandora abriu a caixa permitindo que todos os males da humanidade nela aprisionados escapassem e se espalhassem pelo mundo Esse mito exemplifica os valores da sociedade grega em que as mulheres viviam confinadas em suas casas e tinham pouco poder sendo submetidas aos homens O mito indica também uma culpabilização das mulheres pelas maze las do mundo tornandoas responsáveis pelos males que acometiam as socie dades da antiguidade Os mitos são ensinados e vivenciados ritualisticamente no processo de ini ciação e ao longo da vida Em algumas regiões do continente africano o mito da criação do universo e do homem é ensinado pelo Doma que imprime em sua narração princípios e valores do conhecimento da tradição É certo que muitos conhecimentos são transmitidos pela necessidade daquele que aprende portan to é um conhecimento desejado e não fragmentado criado por histórias míticas que traduzem o conhecimento e resumem a sabedoria SOUZA LIMA 2006 p 84 DICA Vladimir Propp em Morfologia do Conto Maravilhoso evidencia como as narrativas se reinventam com o pas sar do tempo e como muitas histórias são contadas com base em um elemento comum motivo pelo qual lendas com duendes são com o passar do tempo convertidas em contos sobre porcos Recomendase a leitura de seu livro a fim de entendermos as estruturas essenciais da estrutura dos contos de fadas LITERATURA INFANTIL 70 SERPEDALITEUNID2indd 70 161020 1742 Essa recorrência ao mito mostra como nas narrativas as personagens es tão a sua maneira recriando o mundo Em A chuva pasmada de Mia Couto as personagens um dia se deparam com uma chuva que não cai está parada no céu pasmada Não há uma explicação plausível pelo menos para nós en quanto leitores para o que ocorre mas as personagens não tardam a agregar explicações sobrenaturais de seu cotidiano Durante o processo para resolver o problema e sanar as dúvidas ocorre o resgate da lenda da fundação daquele vilarejo e quando isso se sucede o passado se manifesta no presente de ma neira que a chuva volta a cair normalmente Ao recorrerem ao elemento sobrenatural esses escritores ampliam a pos sibilidade do discurso literário manipulando uma linguagem poética de tal ma neira que abre espaço para a imaginação a criança tornase um protagonista e consegue conceber a possibilidade de superar pelo menos no mundo da fan tasia as dificuldades do cotidiano Assim criouse um mundo que complementa o desenvolvimento da imagi nação da criança pois diante de uma realidade cruel é no elemento mágico do conto de fadas que ele se complementa Criase um mundo a parte mas ao mesmo tempo irmão semiótico de nossa realidade no qual as situações são narradas à sua essência Em O gato de botas não há a discussão sobre o sentimento de perda dos três filhos após a morte do pai ou do abandono quando os irmãos se separam Há o uso de um termo caro ao leitor o que faz com que se prenda sua atenção sem que se permita deixar escapar os elementos essenciais Daí a relação entre a utilização de um mundo mágico e o desenvolvimento do sujeito Essas narrativas em sua origem levam os leitores a um mundo encantado em que não há o conceito de mentira ou verdade apenas a fantasia apesar de todas as suas artimanhas o Gato de Botas representa o bem e o ogro que tem seu castelo tomado o mal Lembremos do elemento sobrenatural em Chapeuzinho Vermelho que apre senta a história de um lobo falante para que atinjamos o caráter mágicoterrífico do lobo que devorará a protagonista é preciso declarar as perguntas e respostas em voz alta Como aponta Bettelheim o valor simbólico dessas narrativas é atin gido quando narrado em voz alta e demonstrando todo um envolvimento por parte do narrador para levar um significado à criança 2002 p 185 LITERATURA INFANTIL 71 SERPEDALITEUNID2indd 71 161020 1742 Isso decorre de uma herança de muitas dessas narrativas originárias ou adaptadas como vindas de um folclore antes de serem contadas apenas para crianças Escritores como Perrault e outros adaptaram esses elementos de mi tos lendas e outros textos Cabe observar que mesmo o maravilhoso nas histórias associase a um elemento moral na época de sua concepção esses contos transmitiam os valo res da sociedade do século XIX muitos deles em detrimento de uma sociedade industrial Havia uma castração da infância ainda a ser descoberta em prol da formação social Era nos contos de fadas que a fantasia e o desejo poderiam ser alcançados se Cinderela tem uma Fada Madrinha que lhe concede um pouco de diversão após um dia de trabalho Aurora do conto A gata borralheira possui três fadas madrinhas as quais estão ali para que seu destino antes tomado por uma fada madrinha má Malévola se concretize No mundo da fantasia a fada madrinha ou um gato de botas realiza os sonhos e desejos da protagonista geralmente inalcançáveis é na casa dos sete anões que Branca de Neve tem praz tranquilidade e uma família que a acolhe O maligno também é mágico temos rainhas más fadas madrinhas perversas e madrastas invejosas isso sem mencionar claro gigantes bruxos e outros Esses seres sobrenaturais representam o desafio impossível seja por pode res mágicos seja por determinação coragem ou astúcia sobrenatural é pelo recurso às fadas e outros mediadores que as dificuldades são superadas Ocor re um grande conflito no qual o herói representante do bem vence o mal Os contos de fada apresentam uma organização narrativa comumente co nectada ao nosso mundo problema esse que desequilibra o status quo Dai o confronto entre o Bem e o Mal como resolução do conflito Diferentemente de um problema do mundo real aqui a solução encontrase na magia é ela que tira a gata borralheira do seu trabalho ou que faz com que o dono do gato de botas possa atingir a riqueza ainda é o beijo da princesa que faz o príncipe deixar de ser um sapo É nesse ponto que se retorna ao mundo real de modo que o elemento sobrenatural tem uma função lúdica no universo das narrativas infantis pro piciando que todos retornem ao seu felizes para sempre Conforme aponta Cunha LITERATURA INFANTIL 72 SERPEDALITEUNID2indd 72 161020 1742 Se o adulto é capaz de ler um livro ou ver um filme que acabe mal sem deixar de apreciar o livro ou o filme pelo aspecto pura mente artístico ou pela realidade da vida neles apresentada tal não se pode esperar da criança Normalmente ela vive a histó ria identificase com a personagem simpática e o final desagra dável a feriria inutilmente 1999 p 77 É a magia em muitas situações o ponto de partida para o enredo Sem isso Rapunzel seria uma princesa aleatória sem motivação ou algo que interfira em sua vida como uma bruxa uma fada má ou uma madrasta invejosa Se não fosse a crença no elemento sobrenatural João não trocaria sua vaca por feijões mágicos que ele saberia de antemão que não existem Assim como uma certa princesa mimada nunca hospedaria um sapo em seu quarto pois desprovido da irrupção do insólito ele não falaria Figura 8 A princesa e o sapo Fonte Shutterstock Acesso em 22092020 Para o desenvolvimento cognitivo e a superação dos desafios a magia é fundamental ao receber uma pílula falante Emília personagem de Monteiro Lobato ganha vida e começa a falar pelos cotovelos É personagemobjeto má gico e segundo alguns representação do autor Monteiro Lobato Assim O sítio do Picapau Amarelo é um verdadeiro mundo fora do mun do rinocerontes falantes personagens encantados e monstros como a Cuca uma bruxa surgem a todo instante Nesse mesmo espaço Pedrinho aproveita as férias com a avó Dona Benta nossa versão brasileira de fadamadrinha LITERATURA INFANTIL 73 SERPEDALITEUNID2indd 73 161020 1742 que supera todas as dificuldades por meio da contação de histórias Essas his tórias ajudam o jovem neto a se tornar mais forte corajoso e destemido Os conflitos que perpassam a vida dos seres humanos se resolvem pela superação dos conflitos ficcionais as dúvidas das crianças sobre a língua por tuguesa são solucionadas quando estas magicamente visitam o País da Gra mática uma forma lúdica e afirmativa de transmitir valores e conhecimentos para o público infantil utilizando a magia as palavras e letras que tinham vida própria para enfrentar as dificuldades Esse mundo sobrenatural é carregado de uma narrativa simbólica nela apresentamse o sofrimento o medo a alegria o nascimento e o fim É uma escolha simbólica que por isso vai além do conceito de bem e mal os senti mentos humanos são parte do processo iniciativo e psicológico dos indivíduos personagens das histórias e seus leitores por meio dos desafios enfrentados Desta maneira o enfrentamento do mau é portanto uma simbologia da castração das dificuldades do mundo cotidiano conforme afirma Bettelheim 2002 Já a vitória do bem configurase como uma representação do felizes para sempre do ato de se atingir o sonho Observe por exemplo o caso de O mundo de Sofia Sofia é uma menina que recebe um livro com um curso de Filosofia à distância Na verdade sem saber ela é a protagonista de uma história outra pessoa Albert Knag está escreven do um livro para dar de presente a sua filha para ensinarlhe filosofia É uma forma de superar a distância já que ele é militar e sempre está em viagem Há uma brincadeira mágica com isso pois contestase que o próprio autor da his tória é na verdade uma outra criação ficcional O elemento sobrenatural nessas narrativas é providencial magos anões gatos gênios todos esses elementos apresentamse em um núcleo de aventu ras que mescla elementos culturais e sociais nas quais o protagonista tem a seu recurso elementos não disponíveis no mundo real Curiosa é a relação do mediador mágico o ser que traz a solução Em uma de suas origens fada vem de fatum ou destino segundo Coelho 2012 As sim como na tragédia grega havia o Deus ex machina o recurso do narrador para solucionar algum problema a fada proveniente da novelas medievais de cavalaria interfere no destino das personagens ou melhor é o próprio destino representado LITERATURA INFANTIL 74 SERPEDALITEUNID2indd 74 161020 1742 Cinderela é um exemplo de virtude e serve à madrasta e suas irmãs sem pestanejar Nas histórias infantis toda boa ação não fica sem premiação e o elemento mágico novamente uma fada um gato falante ou um gênio repre sentam o próprio destino que se vira a favor da personagem Não é a toa que as grandes dificuldades da vida se equiparam às fadas más demônios feiticeiros e outras criaturas que estão dispostas a prejudicar ativamente as personagens O elemento sobrenatural não tem uma explicação para deleite das crian ças que buscam no sonho e na ilusão o sobrenatural é elemento principal e ao mesmo tempo coadjuvante age sempre a favor de um indivíduo É por isso que seus elementos vão além das culturas Daí a importância da relação da literatura infantil com a formação da crian ça há a narração de uma série de histórias em um mundo que não o nosso cheio de encantos e um ar misterioso e surpreendente mas igualmente capaz de despertar o interesse e a curiosidade e com capacidade de ensinar a al guém É nesse processo que ocorre a formação do leitor e é na forma como se explora o elemento fantástico em consonância com a imaginação que se desenvolve a relação entre leitor e texto Nas palavras de Carvalho 2011 a criança contemporânea experimenta uma sé rie de sensações espaciais aparelhos eletrônicos internet mundo 3D entre outros Assim como fornecer algo diferente em um texto que mescla o elemento fantástico com o real de forma a retomar situações ancestrais e fornecer a apreensão que essa criança necessita Não há temas ruins ou bons contemporâneos ou desgasta dos a obra preza pela sua perfeição e atinge sua plenitude por sua proposta Os indivíduos em seu processo formativo cercamse de problemas con vivem em uma visão do real tomada por dificuldades que os levam a desen volver a imaginação e a busca por soluções fáceis mágicas Essa é a base de um pensamento reflexivo de curiosidade Muitas dessas dúvidas são sanadas pelas explicações de sua respectiva época discursos narrativas experimentos científicos muitos influenciados por causos e acontecimentos Porém nem sempre bastam uma vez que aquilo que nos é certo seguro literal não basta para a criança sua forma de pensar transita pelo campo do simbólico Nessas narrativas infantis o que o leitor encontra são valores pere nes cujo conteúdo conceitos como bom certo errado ou mau vão sofrendo modificações com o passar dos tempos COELHO 2012 LITERATURA INFANTIL 75 SERPEDALITEUNID2indd 75 161020 1742 Diferentemente do adulto o processo de identificação psíquica da crian ça o modo de interação que a lança para dentro do universo de fantasia das histórias de faz de conta é ainda mais intenso é por isso que o escritor deve ter a compreensão do uso do elemento sobrenatural nessas histórias As possi bilidades do texto e a manifestação do sobrenatural passam a ser vividos pelo leitor por meio da sua imaginação como parte do real Há uma fusão entre leitor e texto bem como a forma de interpretar o mun do texto literário tornase forma de interpretação do cotidiano Daí que a leitu ra vai além de uma evasão ou estratégia social mas tornase forma de apren der a compreender o real E isso é feito por meio do elemento sobrenatural o que possibilita que o real passe a ser interpretado através do jogo ficcional YUNES PONDÉ 1998 Por esse viés apontase a forma como a criança cria uma realidade ao seu redor para suportar as situações de conflito do cotidiano É nessa área que ela busca imagisticamente a resolução de seus problemas e pormenores No campo da imaginação essa solução de problemas é dada pelo texto literário e como exemplo na literatura infantil voltada para atingir o universo infantil Isto permite a criança enfrentar e superar seu próprio universo de conflitos de modo a criar um espaço no qual a tempestade tornase calmaria possi bilitando que o indivíduo encontre um local no qual possa se desenvolver e amadurecer para enfrentar as circunstâncias sociais que atravessam todas as etapas de sua formação Nas palavras de Zilberman apontamse em elementos fulcrais associadas à formação do infante e desenvolvese uma relação empática com a forma des tes ver o mundo de forma a se valorizar a percepção infantil de ver a vida e como estes compreenderm as transformações por um olhar simbólico tomado de liberdade e criatividade Assim ao irromper a magia nas narrativas infantis o elemento fantásti co dáse a criança a chance de presenciar o ato imaginativo em sua função vital tomando vida Da mesma forma permitese à criança usufruir dos meios para subverter o poder vigente de modo que pela leitura do simbólico através de uma linguagem poética direcionada para esse tipo de leitor a criança entende como funciona o mundo 2003 p 82 LITERATURA INFANTIL 76 SERPEDALITEUNID2indd 76 161020 1742 Observe que nas histórias infantis a bruxa o ogro o dragão todos eles são adultos e em alguns casos velhos e rabugentos Há assim uma relação entre a idade a personalidade e suas atitudes A vilã de João e Maria é uma bruxa que em algumas versões é cega Uma das responsáveis pelo ocorrido com os irmãos a madrasta morre como retorno pelos seus feitos Não deixa de ser curioso o detalhe que a personalidade das duas madrasta e bruxa está ma gicamente interligada a madrasta manda as crianças para a floresta por não querer passar fome ao passo que a bruxa deseja comer as crianças Há casos onde a magia de um vilãoadulto é sugestionável Conde Olaf ar quiinimigo dos irmãos Baudelaire tem a capacidade de se disfarçar e não ser reconhecido como se fosse mágica Infelizmente para ele esse feitiço só fun ciona com as crianças cuja fortuna ele quer roubar Porém como uma revitalização de valores as versões estilizadas do conto utilizam os elementos mágicos para representar realidades diferentes Em uma sociedade do século XIX com o advento da família nuclear burguesa ignorase que em algumas versões mais antigas não é a madrasta mas sim a mãe quem expulsa as crianças representando a dureza da época de origem do conto a Idade Média Mais uma vez o próprio elemento míticosimbólico carrega traços que vão além do tempo a criança que adentra na casa busca saciar sua fome conseguir todas as suas guloseimas mas precisa descobrir as consequências de suas escolhas Se por um lado as histórias da literatura infantil rompem com a percepção empírica da realidade ainda sim seguem toda a rede da verossimilhança narra tiva apresentando um mundo de acordo com a enunciação de quem narra e o desdobrar coerente das ações além de um erro que se alimenta de uma série de casualidades ZILBERMAN 1987 LITERATURA INFANTIL 77 SERPEDALITEUNID2indd 77 161020 1742 Sintetizando Nesta unidade abordouse a relação entre o texto literário infantil e a trans missão de valores Ao se pensar a representação da criança no texto infantil aprofundarmos e delimitamos a seguinte pergunta qual criança estaria sendo idealizada Dessa maneira observouse como em diferentes épocas concebeuse mo delos de crianças mais imaginários do que reais que deveriam ser o exemplo a ser imitado a norma Abordouse também como toda uma tradição de escritores ao concebe rem o conceito de infância passaram a abordar tanto a inserção da criança no texto literário como a elaboração de uma linguagem que a representasse Nesse caminho foi resgatada uma extensa linguagem míticosimbólica através da qual os textos passaram a criar mundos que mesclavam elementos do real e do irreal agregando características que seriam igualmente significati vas para esse tipo de produção textual LITERATURA INFANTIL 78 SERPEDALITEUNID2indd 78 161020 1742 Referências bibliográficas ANDRADE G Literatura infantil São Paulo Pearson Education do Brasil 2014 BARTHES R Aula São Paulo Cultrix 1987 BETTELHEIM B A psicanálise dos contos de fadas São Paulo Paz e Terra 2002 CANDIDO A A literatura e a formação do homem 1999 Disponível em ht tpsperiodicossbuunicampbrojsindexphprematearticleview8635992 Acesso em 13 jul 2017 CARVALHO B V A literatura infantil visão histórica e crítica São Paulo Global 2011 COELHO N N Dicionário crítico da literatura infantil e juvenil brasileira São Paulo EDUSP 1995 COELHO N N O conto de fadas São Paulo Ática 2012 CUNHA M A A Literatura infantil teoria e prática 18 ed São Paulo Ática 1999 DELEUZE G GUATTARI F Kafka para uma literatura menor Lisboa Assírio Alvim 2003 ECO U Seis passeios pelos bosques da ficção São Paulo Cia das Letras 1994 ELIADE M Mito e realidade São Paulo Perspectiva 1971 FARIAS F R A RUBIO J A S Literatura infantil a contribuição dos contos de fadas para a construção do imaginário infantil 2012 Disponível em httpdocsuninove brartefacpublicacoespdfv3n12012Francypdf Acesso em 17 jul 2020 GOUVÊA M C A construção do infantil na literatura brasileira 2000 Dis ponível em httpswwwepublicacoesuerjbrindexphprevistateiasarticle download2384816821 Acesso em 17 jul 2020 JOÃO Carlos Marinho O Gênio do Crime Postado por Grupo Editorial Global 05min 24s son color port Disponível em httpswwwyoutubecomwat chvHS5UHkVw1rwfeatureemblogo Acesso em 22 set 2020 LAJOLO M ZILBERMAN R Literatura infantil brasileira São Paulo Ática 2007 MACHADO A M org Contos de fadas de Perrault Grimm Andersen e ou tros Rio de Janeiro Zahar 2010 PIAGET J A representação do mundo na criança São Paulo Ideias e Letras 2005 PRADO P D Os três porquinhos e as temporalidades da infância Cad Cedes LITERATURA INFANTIL 79 SERPEDALITEUNID2indd 79 161020 1742 Campinas v 32 n 86 p 8196 2012 PROPP V I Morfologia do conto maravilhoso 2001 Disponível em https monoskoporgimages33dProppVladimirMorfologiadocontomaravilho sopdf Acesso em 22 set 2020 SOUZA F LIMA M N org Literatura afrobrasileira Salvador Centro de Estudos AfroOrientais Brasília Fundação Cultural Palmares 2006 YUNES E PONDÉ G Leitura e leituras da literatura infantil São Paulo FTD 1996 ZILBERMAN R A literatura infantil na escola 11 ed São Paulo Global 2003 ZILBERMAN R Literatura infantil brasileira histórias histórias São Paulo Ática 2007 ZUCON O BRAGA G G Introdução às culturas populares no Brasil Curitiba InterSaberes 2013 LITERATURA INFANTIL 80 SERPEDALITEUNID2indd 80 161020 1742 ESCOLA E FORMAÇÃO DO LEITOR 3 UNIDADE SERPEDALITEUNID3indd 81 161020 1735 Objetivos da unidade Tópicos de estudo Escola e formação do leitor A importância da leitura e da literatura na escola Estratégias de leitura em sala de aula Brincadeiras com palavras sons e imagens Leitura e leitores Didática da literatura infantil Responsabilidade da escola e do professor na formação do leitor A sala de aula enquanto espaço de construção O ensino da literatura Políticas e práticas educacionais Apontar a importância de estratégias na escola para a formação de leitores Destacar as possibilidades do uso do texto infantil em sala de aula LITERATURA INFANTIL 82 SERPEDALITEUNID3indd 82 161020 1736 Escola e formação do leitor Abordaremos nesse material a relevância da leitura na formação de leitores e cidadãos Para tal nos questionemos o que é a leitura Qual a relevância des ta para abordar exatamente o conceito de leitor Acreditamos que ao lermos textos lemos a vida personalidades e realidades Quando a palavra leitura é pronunciada uma das associações mais comuns é o ato de ler um livro e con sequentemente uma resistência É curioso pois muitos alunos principalmen te nos dias atuais leem histórias em quadrinhos em mídia digital Mais curioso ainda é que essas histórias possuem os mesmos elementos do texto publicado em livros ou seja enredos aventuras personagens espaços fi ccionais focos narrativos A própria palavra leitura é polissêmica possibilitando signifi car diversas outras ideias Zilberman nos dá uma explicação mais lúdica Para ela no es paço entre a fala e a escrita surge um código que tem como uma de suas marcas a capacidade de produzir vários sentidos de acordo com sua organi zação ZILBERMAN 2003 p 18 Em suma o texto por excelência tem a parti cularidade de promover saberes quase infi nitos e alguns infi nitos Isto é ler envolve interpretar sentidos E o texto por defi nição é um todo de sentido FIORIN SAVIOLI 2006 Portanto ler não envolve apenas a ação Abrange uma compreensão mais ampla já que está associado à interação entre o ser e a sociedade É por meio da leitura que damos sentido ao mundo organizando todo o caos que nos cerca Até as inconstâncias da vida se transformam em uma forma de texto Observe uma obra como Triste Fim de Policarpo Quaresma de Lima Barreto A convulsão da nova república bem como as revoltas e confl itos que hoje nos parecem tão distantes como se fossem apenas estatísticas passam a ser mais esclarecidos pela pena literária A narrativa que era apenas um re gistro tornase mais próxima a todos nós A voz do poeta organiza os eventos por meio das possibilidades do jogo de fi ngi mento Seria isso muito diferente de narrativas como O Conde de Monte Cristo de Alexandre Dumas em que a pior das punições também vem acompanhada de um processo de aprendizagem LITERATURA INFANTIL 83 SERPEDALITEUNID3indd 83 161020 1736 Mas o jovem leitor é capaz de traçar essa relação entre obras literárias tão diferentes Como exigir que um indivíduo durante os primeiros momentos da vida tenha um grau suficiente de leituras acumuladas que possa identificar es ses elementos em diferentes textos Nós lemos e nos lemos Em primeiro lugar tudo o que fazemos é realizado por meio de uma forma de comunicação uma linguagem E esta envolve o uso de uma língua Se pensarmos por esse lado alguns cursos universitários como Medicina e Enfermagem bem como Marketing e Letras possuem uma disciplina para aprender a interpretar tanto os sinais do corpo como dos códigos deno minada semiologia Já ouviu a expressão o corpo fala Bem acontece que em geral dizemos mais do que realmente colocamos em palavras A leitura pode ser compreendida como um ato de criação de sentidos e por isso sua importância vai além da noção de alfabetização e do ato de leitura mecânica mas de interação social Todos ao nosso redor são leitores com dife rentes graus de proficiência Desde sempre há o fetiche da leitura como meca nismo de ascensão cultural a ideia de que se lermos determinados livros con siderados difíceis ficaremos mais inteligentes O problema nesse sofisma é que substituímos uma possibilidade por certa e desconsideramos o tipo de leitura e como o leitor se insere socialmente no cotidiano de quem adquire essas leituras Figura 1 O conde de Monte Cristo aventura e aprendizagem Fonte Shutterstock Acesso em 28092020 LITERATURA INFANTIL 84 SERPEDALITEUNID3indd 84 161020 1738 É por isso que há a necessidade da apreensão por parte dos alunos e dos pro fessores das práticas cotidianas de leitura Ler não se encerra como atividade uma vez que envolve entretenimento obrigação descoberta pesquisa revisão dentre outras práticas DICA Regina Zilberman em seu artigo A leitura no Brasil sua história e suas instituições faz um aporte dos mecanismos nacionais criados para o crescimento do público leitor bem como suas inconsistências É um texto essencial para enten der as propostas do ensino de literatura em sala de aula A importância da leitura e da literatura na escola Quando pensamos em leitura devemos considerar questões como para quê por quê como e o quê São pontos que direcionam a complementação dessa atividade O texto literário desde sempre é um excelente facilitador do desenvolvimento das competências associadas à leitura e é comum pensarmos que se a criança consegue ler as le tras formar as palavras identifi car os códigos então pode ser considerada um leitor competente Bom esclare cemos que ela pode ser alfabetizada mas não necessariamente um indiví duo letrado Isso ocorre porque o ato da leitura não está associado apenas ao texto literário ou de saber identi fi car os códigos textuais pois consiste em uma atividade mais ampla E den tro desse escopo há uma facilitação para se atingir essas habilitadas que são favorecidas pelo contato com o texto fi ccional o qual é uma das várias possibilidades textuais existentes Isso signifi ca que a competência para a leitura mesmo que superfi cial é prérequi sito para outras que virão a ser aprofundadas ao longo da vivência LITERATURA INFANTIL 85 SERPEDALITEUNID3indd 85 161020 1739 Se vamos tratar da questão das práticas de leitura em sala de aula deve mos considerar o seguinte há diversos tipos de textos Alguns podem ser lidos em trechos para sua compreensão outros demandam maior aprofundamen to Alguns podem ser lidos de um fôlego outros durante horas Alguns textos são simplórios enquanto outros promovem um verdadeiro jogo linguístico com o leitor Alguns são como histórias de aventuras enquanto outros roman ces policiais E há aqueles que possibilitam múltiplas interpretações que fazem sentido ao longo dos tempos são os textos literários diferentes de outros que cumprem uma função bem específica assim como roteiros livros didáticos e manuais Uma notícia de jornal e uma receita de bolo são textos válidos Nesse pro cesso de produção de saberes a partir do texto devese considerar que a lei tura informativa exige estratégias próprias que são muito importantes para realimentar nosso processo de aprendizagem Selecionar as informações que realmente interessam relacionálas com outras usálas de modo adequado percebêlas e ironizálas em sua parcialidade contextualizálas social e histo ricamente são algumas estratégias de produção de conhecimento por meio da leitura Porém a atividade da leitura nunca é igual visto que os textos dos quais se apropria abordam diferentes faculdades psíquicas do indivíduo Mui tas dessas são movimentadas por influência do texto literário fugindo do pa drão de outros textos que circulam cotidianamente Afinal é possível que con sigamos ler todos os livros da série O mundo de Oz da mesma maneira e com as mesmas estratégias apesar do estilo dos diferentes escritores que produ ziram todo esse universo E considerando que se trata de um amplo universo semiótico produzido por vários escritores cada um ampliando o universo original Podemos usar essa mesma premissa para histórias em quadrinhos como as criações de Mauricio de Sousa Existe todo um universo de roteiristas desenhistas e demais pro fissionais envolvidos nesse processo tex tual Se as primeiras produções da Turma da Mônica datam de mais de 60 anos também desenvolveram as temáticas e o tipo de leitor LITERATURA INFANTIL 86 SERPEDALITEUNID3indd 86 161020 1739 contextos diferentes referências variadas as quais vão sofrendo modificações com o passar do tempo Um exemplo bem explícito disso de como esses tex tos mistos vão sendo produzidos em negociação a leitores com competências diferentes são os personagens que vão sendo criados com o passar do tempo Além de Mônica Cebolinha Magali Cascão Astronauta e outros nos últimos anos surgiram personagens que dialogam com a visibilidade dada a outros per sonagens como André um menino que possui transtorno do espetro autista Figura 2 Dorinha personagem que é cega Luca que é paraplégico Figura 3 a dupla Igor e Vitória ambos soropositivos criados em uma parceria com a ONG Amigos da Vida dentre outros Vale destacar também o personagem Humberto menino mudo criado em meados dos anos 1980 Figura 2 Diálogo envolvendo os personagens André Cebolinha e Mônica Fonte BERNARDO 2019 Imagem divulgação Mauricio de Sousa ProduçõesSAÚDE é Vital LITERATURA INFANTIL 87 SERPEDALITEUNID3indd 87 161020 1741 Figura 3 O estabelecimento de um diálogo entre personagens inclusivos como os da Turma da Mônica e seus lei tores é fundamental no desenvolvimento de uma visão abrangente da realidade social dos alunos Fonte Wikimedia Commons Acesso em 28092020 Quando falamos em perfis literários devemos considerar a relação entre escritor obra e leitor No entanto estar fora do padrão não significa ques tionar todos os padrões de modo que os perfis literários também são fonte profícua de aprendizagem para os leitores A relação do texto literário com o universo verbal como um todo com os outros textos escritos já é pois objeto da necessária recriação por parte do leitor Porém a relação do texto literário com o universo extraverbal também passa por todas as transformações sele ções repetições rupturas apropriações que sejam possíveis É importante desta car que determinadas leituras exigem uma gama de conhecimentos para serem melhor aproveitadas e os próprios vão se transfor mando e retransformando a cada texto o qual amplia o re pertório sociocultural dos leitores LITERATURA INFANTIL 88 SERPEDALITEUNID3indd 88 161020 1741 Por que nossos alunos às vezes reclamam quando pedimos que leiam os clássicos modernistas como Gabriela cravo e canela de Jorge Amado mas pa recem se debruçar diante de Caçadas de Pedrinho autoria de Monteiro Lobato obras cronologicamente próximas entre si mas distantes do tempo dos leitores mais jovens Nos estudos literários abordamos muito a questão da universali dade de um texto e sua atemporalidade Mas isso é um critério do escritor da crítica literária ou do leitor É uma pergunta complexa tendo em vista que se um texto deixa de ser significativo para determinado leitor significa que deixou de ser significativo para todos os leitores ou perdeu sua capacidade de ser univer sal A universalidade de um texto está relacionada à sua capacidade de respon der a grandes questões do ser humano ou seja não é uma qualidade individual A leitura por outro lado é uma prática mais ampla Em sua essência ler é produzir conhecimento como se cada um ampliase uma biblioteca particular a cada livro que se lê É o que aponta Darnton 2011 ao abordar que o indivíduo não desenvolve a habilidade da leitura mas a capacidade de estabelecer rela ções de significado socialmente e culturalmente Ele o faz identificando reco nhecendo comparando analisando e interpretando os códigos que lhe chegam ou seja o processo de intertextualidade Imagine dois leitores o primeiro leu Sítio do Picapau Amarelo até suas últi mas obras publicadas na década de 1940 o segundo teve a chance de acompa nhar as diferentes encarnações da Turma da Mônica dos anos 1950 até os dias de hoje Qual desses precisou agregar mais leituras para entender os diferentes contextos de produção das respectivas obras Ambos O segundo teve a opor tunidade de acompanhar como a obra de Mauricio de Sousa e os diferentes artistas que com ela contribuíram foi representando uma sociedade em cons tante transformação com novos valores contextos e elementos Por outro lado aquele que teve contato com a obra de Lobato precisou à sua maneira amadu recer sua leitura para assim formular sentidos que negociassem não apenas com o passado mas com o presente Afinal se isso não fosse feito poderíamos facilmente abandonar nos anos 1970 O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá de Jorge Amado Porém cabe ao leitor em seu processo de produção de sentidos ou seja durante o ato de leitura contextualizar o texto com sua respectiva épo ca É dessa maneira que obras como A Droga da Obediência de Pedro Bandeira parecenos ter sempre algo a dizer LITERATURA INFANTIL 89 SERPEDALITEUNID3indd 89 161020 1741 EXEMPLIFICANDO Não há texto isolado do seu universo formativo Todo texto referencia seu espaço mesmo que por analogia Narrativas como Os Lusíadas foram produzidas durante a época das grandes navegações bem como Dom Quixote refl ete um período da modernidade e da ascensão da burguesia Os textos infantis de Monteiro Lobato por sua vez contextualizam a época de um Brasil rural e extremamente burocratizado Seja por livros descontinuados ou recorrentes obras antigas ou contempo râneas é por meio do contato com essas obras que o leitor vai desenvolvendo seu arcabouço intertextual Essa noção de intertextualidade é cunhada por Julia Kristeva para a qual há no texto o que considera como qualquer tipo de refe rência ao outro tomado como posição discursiva paródias alusões estiliza ções citações ressonâncias repetições reproduções de modelos de situações narrativas de personagens variantes linguísticas lugares comuns etc FIORIN SAVIOLI 2006 p 165 Intertextualidade portanto compreende o termo como escritura simultaneamente como subjetividade e como comunicabilidade KRISTEVA 1974 p 71 Estratégias de leitura em sala de aula O livro O Fantástico Mistério de Feiurinha de Pedro Bandeira 1997 aborda um bom exemplo dessa intertextualidade O autor resgata elementos dos con tos de fadas os quais por sua vez já resgatavam elementos do conto tradicio nal Acrescentase a isso como na obra temos uma continuação das histórias Branca de Neve Cinderela e as demais são mães que precisam resolver um mistério que fi m deu a Feiurinha Aliás quem é ela Há um processo lúdico com o próprio elemento dos contos de fadas na transição de suas versões orais para escritas elementos vão sendo adaptados Enquanto as narrativas francesas sofrem uma suavização as germânicas a exemplo das narrativas dos irmãos Grimm buscam mostrar a natureza mais crua Ambas não dei xam de ser adaptações que paulatinamente vão preservando determinadas versões para a variedade escrita Nesse ínterim como na história Os três por quinhos que antes eram três duendes BETTELHEIM 2007 elementos vão se transformando adaptandose aos contextos LITERATURA INFANTIL 90 SERPEDALITEUNID3indd 90 161020 1741 Por sua vez a obra brinca com esse elemento das narrativas infantis que em sua origem eram orais Algumas desaparecem outras sofrem transfor mações A Feiurinha era a princesa esquecida mas igualmente legítima pois segue os elementos do conto de fadas carrega seu elemento mágico sua lin guagem transformadora e leva aos mais jovens o mundo da magia mesmo que sendo uma leitura nos dias atuais Notamos uma intertextualidade não com o conto em si mas com os ele mentos do conto O leitor é quem dá autenticidade à nova princesa por reco nhecer nela variações de Branca de Neve Cinderela e Rapunzel O príncipe que completa o casal é por si mais um da família dos Encantados conjunto de príncipes parentes entre si herdeiros de uma família nobre A rainhamãe não reconhecer a maternidade desse novo príncipe não faz diferença uma vez que ele também passa a ser reconhecido como herdeiro de uma tradição mágica Ao escrever o livro o autor promove um jogo textual com os apontamentos de Aristóteles para quem a literatura era por definição um grande diálogo entre produções anteriores e posteriores PIAGET 2005 p 32 Podemos trabalhar em sala de aula a literatura como um amplo processo dialógico considerando compreender algo associado ao contexto de uma res posta em potencial É a partir disso que se constata como o texto literário exige um leitor que perceba essa relação textual de um texto com seus anteriores ou contemporâneos O texto não é apenas uma série de enunciados mas a per cepção dos diferentes significados da língua KRISTEVA 1974 p 20 Pelo contato com obras que fazem parte do escopo de leituras prévias da criança criase um espaço discursivo onde se conflitam quem escreve a quem se destina e os textos com que travam diálogo uma vez que esse pró prio destinatário atua como um discurso presumido e por vezes silenciado de maneira que todo texto permite a criação de um espaço em que se lê pelo menos dois textos Temos dessa maneira a palavra signo linguístico por excelência atuando e interagin do translinguisticamente e ininterruptamente entre sistemas semiológicos Dentre os vários tipos de textos o espaço por excelência é o literário para ativar a propriedade intertextual da linguagem verbal REIS 2008 p 183 LITERATURA INFANTIL 91 SERPEDALITEUNID3indd 91 161020 1741 É por isso que o leitor contemporâneo com muita dificuldade compreen de quando o faz esses entrecruzamentos discursivos entre o texto e seus elementos históricos Podemos considerar que está aí todo o potencial da lite ratura infantil pois ele negocia visões de mundo que muitas vezes não são per ceptíveis ao aprendiz mas contribui para que o mesmo possa paulatinamente formar sua biblioteca literária Como desenvolver no aluno essas competências de percepção Por meio do texto literário o qual possui uma dinâmica de atuação em um vasto universo textual o qual envolve inclusive textos literários e não literários que possi bilita essa interpretação constante de textos em e através de outros textos À medida que esse leitor se torna mais competente é realizada uma espécie de construção de sua competência ledora por meio de recortes das suas próprias leituras COMPAGNON 2007 p 12 adaptandose continuamente a novos con textos semióticos Talvez uma criança não consiga compreender como os elementos presentes na narrativa A demanda do Santo Graal influenciaram toda uma série de novelas de cavalaria Porém é possível guiálo de modo a traçar uma correlação en tre os elementos mágicos presentes no Cálice Sagrado e o sapatinho de cristal da Cinderela Da mesma forma que uma série de cavaleiros sai da cor te do Rei Arthur em busca do cálice o príncipe encantado sai em uma cruza da atrás da dona do pé no qual o sapa tinho de cristal se encaixaria É por isso que a prática da leitura em sala de aula deve privilegiar o seu receptor ou seja o leitor Dessa maneira podese atingir uma visão ampla e estruturada do processo da leitura seus percalços desenvolvimentos impedi mentos e consequências bem como o caráter pedagógico e ideológico dessa atividade Adentramos em conceitos pedagógicos da prática de leitura resga tamos as noções de gêneros textuais em prol da facilitação de práticas de lei tura e apresentamos questões essenciais do universo sociocultural do leitor enquanto figura física e abstrata LITERATURA INFANTIL 92 SERPEDALITEUNID3indd 92 161020 1742 Brincadeiras com palavras sons e imagens Uma pergunta que talvez incomode mais aos alunos do que seus respecti vos professores é que atividade é essa que muitos recomendam com afi nco mas tantos não a praticam com a mesma intensidade Por que apesar de ser considerada essencial há tantas ressalvas sobre como exercêla Vive mos em uma sociedade na qual a prática de leitura é desejada e promovida porém muitas vezes não praticada Debruçamonos sobre coleções literárias espalhadas em estantes de bibliotecas escolares as quais acumulam poeira diante de alunos que não as acessam Com o propósito de responder a esse e a outros questionamentos deparamonos com a necessidade de abordar vários aspectos da atividade desde a noção de atividade ledora até a de es paços propícios para tal Nely Novaes Coelho aponta que o texto literário e em particular a literatu ra infantil têm uma tarefa fundamental a cumprir nesta sociedade em trans formação a de servir como agente de formação seja no espontâneo conví vio leitorlivro seja no diálogo leitortexto estimulado pela escola COELHO 2000 p 15 Nesse sentido os educadores e as escolas são fundamentais para proporcionar a crianças e jovens o contato com a literatura de maneira que esses sujeitos compreendam e refl itam sobre si mesmos e a respeito do meio social em que estão inseridos Discutir essa literatura envolve abordar suas vertentes bem como suas linhas de pesquisas como a artística e psicológica e como desde cedo é atri buída a esta uma função pedagógica objetivando revelar que a literatura pode ser trabalhada sob diversos vieses apresentando em cada vertente sua importância e sua forma de interpretação no contexto sociocultural Essa re fl exão visa abordar como a literatura infantil pode ser um instrumento de construção do mundo real a partir do lúdico que os livros proporcionam às crianças e aos jovens Desse modo podemos observar a relevância do livro infantil na formação de jovens e crianças pois é por meio do livro que se torna possível explorar o mundo imaginário em que fantasias monstros fadas e mitos se fazem pre sentes nas lendas nos contos e fábulas proporcionando assim que o sujeito construa uma conexão do mundo real com o lúdico LITERATURA INFANTIL 93 SERPEDALITEUNID3indd 93 161020 1742 Merece destaque dentre as várias contribuições dessa literatura em parti cular o fato de servir como agente de formação tanto de forma espontânea como direcionada pela escola bem como a importância da literatura para a formação da consciência de mundo por crianças e jovens Figura 4 O fomento da leitura por crianças no ambiente escolar é imprescindível para o desenvolvimento visando alcançar a formação de cidadãos conscientes Fonte Shutterstock Acesso em 28092020 A escola é o espaço de aprendizagem por excelência O ensino de literatura em sala de aula visa transmitir ao indivíduo todo o arcabouço sociocultural do meio em que vive permitindo que este ao compreender as transformações estéticas pelas quais o homem transitou possa realizar uma profunda e profícua reflexão entre o mundo real e o imaginado a elaboração da consciência de si e do outro a criticidade em relação à leitura do mundo a língua como forma de expressão verbal significati va e consciente em suma a plena realidade do ser COELHO 2000 p 16 Isso nos permite resgatar o caráter lúdico das literaturas infantis Se por um lado há associação a textos de crianças por outro o termo agrega uma carga semântica significativa ao misturar jogos de palavras onomatopeias e imagens verbais Assim a imagem que a história infantil desde Chapeuzinho Vermelho até A Droga da Obediência apresenta para a criança tem implicitamente os sentimentos de um Era uma vez Desse modo a literatura contribui para formação da criança como sujeito e leitor LITERATURA INFANTIL 94 SERPEDALITEUNID3indd 94 161020 1743 O contato com a literatura infantil se faz inicialmente através de seu ângulo sonoro a criança ouve histórias narradas por adultos po dendo eventualmente acompanhálas com os olhos na ilustração É essa última que introduz a epiderme gráfi ca do livro de modo que a palavra escrita apresentase via de regra como o derradeiro elo de uma cadeia que une o indivíduo à obra literária Contudo tão logo ela instala o domínio cognitivo de um ser humano convertese em um leitor isto é modifi ca a sua condição Portanto é a posse dos códigos de leitura que muda o status da criança e integraa em um universo maior de signos o que nem a simples audição nem o deciframento das imagens visuais permitiam ZILBERMAN 2003 p 57 Vale destacar que a criança e o jovem são seres criativos e que gostam de fanta siar e a literatura infantojuvenil proporciona isso de maneira que consegue orga nizar o mundo mágico com o seu universo construindo e reconstruindo a realidade e realizando tudo o que desejam E o fazem por meio de imagens visuais criadas pelo recurso a imagens verbais orais e escritas Essa literatura deve ser inserida nos anos iniciais da criança pois é a partir dessa fase que se estimula a imaginação a interação do lúdico com o real bem como é por meio do ato de ouvir as histórias dos contos de fada que a criança reconstrói o seu mundo no momento em que ela reconta e recria sua própria história infantil Sendo assim é fundamental que o educador trabalhe a literatura infantil com os seus alunos principalmente nas séries iniciais de maneira a proporcionar o lúdico de forma prazerosa permitindo que as crianças se descubram no meio social em que estão inseridas Leitura e leitores É por meio da leitura literária que se desenvolvem capacidades imaginati vas sentimentos valores e as diferentes negociações por meio da qual o meio social coloca em discussão suas questões Entramos em outro terreno arenoso não estaria a literatura infantil no campo das chamadas literaturas de massa Em uma época em que vivemos a busca desenfreada pela cultura momento em que todos desejam que seus fi lhos sejam leitores independentemente da qualidade dessa leitura esse espectro sonda o texto literário infantil LITERATURA INFANTIL 95 SERPEDALITEUNID3indd 95 161020 1743 Muitos se perguntam sobre a importância da literatura no currículo escolar Deveríamos perguntar outra coisa o que foi feito da literatura nesses currí culos Reduzida à historiografia lite rária gravação de períodos estilos e marcas sem um aprofundamento O aluno ao concluir a educação básica pouca chance e incentivo teve para ler por completo os clássicos brasileiros E ao abordar os clássicos tomamos a liberdade de inserir no mesmo grupo a produção literária infantil brasileira passando até mesmo por escritores como Jorge Amado e Lygia Bojunga Embora haja uma série de percal ços para o acesso da leitura em sala em aula sua importância no currículo escolar dáse justamente pela capacidade imaginativa transmitida e desen volvida pela literatura para ter em mão os instrumentos que lhe propiciem atingir a plenitude de sua cidadania É no texto literário que o indivíduo atin ge as várias possibilidades da língua que transcendem os signos cotidianos ato possível pela acumulação de significados possibilitada por esse tipo de texto LAJOLO 2001 Essa acumulação transcende o imediatismo da cultura de massa de ma neira que a relação entre leitor e texto deve instigar uma pluralidade de repre sentações motivo pelo qual aqueles textos que promovem a indeterminação são os mais adequados por apresentarem um mundo ficcional a ser decifrado Afinal o que há de mais indeterminado do que a própria magia elemento recorrente nos textos infantis As regras do mundo dos adultos nosso mundo real são invertidas a magia é inconstante possibilita que o mundo sofra um revés Se por um lado é por meio dela que a Rainha Má se disfarça e envenena Branca de Neve é a mesma magia do beijo do amor verdadeiro do Príncipe Encantado que desperta a princesa A magia que desconcerta o mundo estará presente no conto da Gata Borralheira na qual mesmo após o efeito mágico das doze badaladas o príncipe é tomado por uma espécie de encantamento o que o faz buscar desesperadamente pela dona do sapatinho de cristal LITERATURA INFANTIL 96 SERPEDALITEUNID3indd 96 161020 1743 Podemos ir além considerando que o texto tem a capacidade de instigar no leitor por exemplo o princípio da comunidade nos dias de hoje há redes so ciais voltadas para esse intuito no qual as pessoas compartilham suas ideias sugestões conhecimentos e teorias sobre o que vivenciaram São levadas a construírem sentidos individuais e coletivos de modo que as conversas entre leitores ampliam cada vez mais essa percepção de modo que trabalhar com o texto passa a ser algo lúdico e prazeroso A obra fi ccional por sinal é a experiência de leitura por excelência uma vez que é simbolicamente uma imagem do mundo ou seja nunca está totalmente encerrada ZILBERMAN 2007 É o texto que fala mais pelas suas ausências pelos talvez e se e cabe ao leitor completar esses espaços decifrar seus enigmas por meio de sua capacidade imaginativa e vivência Desse modo não se pode considerar o livro como mero instrumento de preparação das séries iniciais de grau para leituras nas séries posteriores É por meio de uma interação duradou ra entre leitor e texto que se ampliam as possibilidades de um conhecimento real do mundo transcendendo as limitações que o próprio ensino escolar estabelece para poder generalizar o processo de ensinoaprendizagem A escola ao instruir os alunos padroniza os saberes independentemente do grau ou capacidade de cada um É por isso que esses limites são transcendidos pelo texto literário o qual não é limitado por essas barreiras possibilitando a descoberta de uma vivência singularizada em cada obra Se quem lê sabe mais então é por meio da obra de fi cção que o indivíduo melhor desenvolve sua capa cidade de problematização para enfrentar os grandes problemas da sociedade Didática da literatura infantil Uma vez que abordamos todo esse processo lúdico de formação do leitor qual é a responsabilidade da escola nessa série de etapas para o desenvolvi mento de sua capacidade de leitura Para isso precisamos abordar toda uma linha de saberes transversais que ampliam a discussão sobre a literatura infantil isto é a prática didática De terminadas concepções didáticas ampliaram o uso do texto infantil em sala de aula mas sem pensar nesse mesmo gênero textual em um primeiro momento O que seriam então essas práticas LITERATURA INFANTIL 97 SERPEDALITEUNID3indd 97 161020 1743 Para entender a didática devemos adentrar em um tripé os objetivos edu cacionais as estratégias de ensino e os mecanismos de avaliação Nesse campo a didática tem como objeto o ensino e ao realizar esta discussão acres cida dos saberes necessários ao professor e ainda às peculiaridades da sala de aula buscamos abordar um pouco da teoria sobre a prática pedagógica e o processo de ensino que têm como objetivo maior a aprendizagem E princi palmente como se intercala a relação entre didática e uso da literatura infantil em sala de aula em prol do desenvolvimento amplo das capacidades de leitura Você muito provavelmente enfrenta problemas para trabalhar o texto li terário em sala de aula usandoo além de recurso para exercícios de inter pretação textual O uso do texto literário exige de sua parte não apenas um desenvolvimento didático mas também no campo da autoformação Portanto busque ser um professor reflexivo pesquisador e investigador para que con siga transformar a sala de aula em um espaço de desenvolvimento não só dos alunos e também como um espaço de desenvolvimento pessoal profissional e organizacional Isso é fundamental para que você não seja um mero leitor de textos de sala de aula de maneira que o uso de textos literários se resuma a uma prática não reflexiva por parte dos alunos Ensinar em uma antiga interpretação era tido como mostrar como fazer anunciar assinalar Atualmente qual será o significado do verbo ensinar Troca de informações e dialogar seriam formas de ensinar Quando há um debate ou discussão podemos considerar que está havendo ensino Não é presumível que em todas essas ocasiões descritas seja possível considerar que informa ções e mesmo conhecimentos organizados estão sendo comunicados de uns para outros O processo de ensino em si pode ser explorado como uma mo dalidade específica do processo de comunicação que apresenta peculiaridades relativas aos seus propósitos e às suas dificuldades específicas Por exemplo uma emissora de televisão é um canal de comu nicação e pode tanto transmitir notícias ou filmes quanto uma aula A peculiaridade desta última é que ela é organizada e sistematizada apresen tando na maioria das vezes um desenvolvimen to linear e tem como intenção básica desenvolver aprendizagem ou seja ensinar LITERATURA INFANTIL 98 SERPEDALITEUNID3indd 98 161020 1743 O que diferirá em relação ao ensino é o público que pode tanto estar disposto a aprender quanto não estar com essa intenção ao assistir à aula Esquematizando melhor tal explicação podese considerar que a primeira peculiaridade do processo de ensinar é a intencionalidade Esta não é uma certeza do processo mas um esforço Dito isso você acha que é capaz de distinguir o que você aprendeu por esforço próprio e o que foi aprendido por você fruto do esforço de alguém Podemos re fletir ainda que existem aprendizados que são aprendidos sem que ninguém nos tenha ensinado e outros que precisam nos ser ensinados inúmeras vezes O auto didatismo é um exemplo da organização do processo de aprendizagem Do outro lado do autodidatismo estão os sujeitos que precisam de um sujeito ensinante não necessariamente um professor sendo alguém com a tarefa de ensinar Ensinar é um esforço e nem sempre uma certeza pois embora o ensinante ensine o outro lado muitas vezes aprende ou apreende pouco ou quase nada Para que haja sucesso entre o ensinar do ensinante e o aprender do aprendente entram em cena os procedimentos didáticos buscando que os dois processos ensi nar e aprender se encontrem e ambos tenham sucesso em sua jornada surgindo assim o campo da didática Todavia a prática didática não se limita apenas à sala de aula Esse é um dos motivos de termos pessoas que desenvolveram a prática de leitura muito precocemente e tantos outros que leram muito pouco ao longo de sua vida A própria atuação em casa e em outros espaços formativos é um exemplo de prática pedagógica direcionada para a leitura Retornando um pouco no conceito de ensinar ele é um verbo transitivo tanto direto ensinar o quê quanto indireto ensinar a quem Na escola o verbo ensinar assume formalmente seu papel e as situações didáticas são organizadas planeja das divididas em etapas e subdivididas conforme os objetivos de aprendizagem A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Lei nº 939496 BRASIL 1996 trabalha com instruções e princípios da educação nacional Expressas em seu arti go 27 as diretrizes estabelecem que os conteúdos curriculares da educação básica considerem dentre várias questões a difusão de valores fundamentais ao interesse da sociedade aos deveres e direitos dos cidadãos e às condições de escolaridade do aluno em cada instituição Tais princípios levam em conta a ética a política e a estética da educação em um nível mais concreto de valores Assim por meio do princípio de consideração da diversidade étnicoracial consideramse as condições específicas da sociedade brasileira LITERATURA INFANTIL 99 SERPEDALITEUNID3indd 99 161020 1743 Uma educação voltada para a particularidade do indivíduo é o nosso te mabase As premissas da literatura infantil aqui elencadas levam em conta esse ponto de vista uma vez que o texto literário oferece todo um potencial de atividade e desenvolvimento de competências em sala de aula Tendo em vista tais princípios e outros documentos legais que norteiam a educação brasileira ao discutirmos a didática e a escola como um todo precisamos ter em mente o projeto pedagógico da instituição que precisa considerar os valores princípios e diretrizes legais Outro aspecto relevante que a escola precisa pensar ao construir e imple mentar seu projeto são as diferenças Estas podem ser tanto de ordem indi vidual dos sujeitos alunos família e professores quanto cultural ou social da escola inserida no espaço social e comunitário Cada escola possui sua singu laridade Então não existe escola pública aquela que tem seu projeto político copiado de outra escola pública sem se considerar suas especificidades O que existe é uma escola que dentre todas as suas características está também o fato de ela ser pública Daí a importância da autonomia da escola na constru ção de seu projeto bem como da busca de sua identidade como espaço social inserido em uma comunidade Figura 5 Uma escola que singulariza e ao mesmo tempo diversifica alunos e professores garante a construção de um ambiente que insere a comunidade no projeto pedagógico Fonte Shutterstock Acesso em 28092020 LITERATURA INFANTIL 100 SERPEDALITEUNID3indd 100 161020 1744 Tal autonomia precisa considerar as características da comunidade em que a escola está inserida e dos alunos que a compõem Isso abrange a história da escola em termos de avaliações e da aprendizagem dos alunos a formação do seu corpo docente o tipo de gestão na qual a escola está inserida entre tantos outros aspectos singulares à escola Realizada a construção de um projeto pedagógico bem delimitado bem arranjado é preciso conhecer a relação da didática e do currículo ou seja o itinerário que a formação dos alunos percorrerá As Diretrizes Curriculares Nacionais DCNs como seu próprio nome diz são diretrizes parâmetros e fundamentos que auxiliam na construção do currículo personalizado ou individualizado das escolas As DCNs não são o currículo são caminhos a serem seguidos nortes a serem considerados no itinerário formativo de seus alunos Seguem resumidamente algumas questões elucidadas pelas DCNs o cur rículo precisa ser mais que enciclopédico ele precisa ensinar o sujeitoaluno a aprender a aprender pois se espera que ao entrar para o mercado de trabalho e exercer sua cidadania permaneça aprendendo intercalando sua experiência profissional com períodos de intensa aprendizagem mesmo depois de concluí da sua escolaridade EXPLICANDO Currículo na concepção tratada aqui referese à organização e articulação interna de um curso de estudos no seu conjunto Pensar o currículo é con siderar o momento histórico em que a escola e os sujeitos estão inseridos sem desconsiderar a necessidade de escolarização apresentar uma função educativa não informativa mas formativa De modo a estimular questões acerca do fomento à leitura consideremos a seguinte questão qual narrativa utilizar em sala de aula para abordar a ques tão da cidadania Os Três Porquinhos de Joseph Jacobs ou A Cigarra e a Formiga de La Fontaine Por um lado ambas abordam a discussão sobre valores libe rais Apenas o porquinho que trabalha mais tem uma casa forte para resistir ao lobo e a cigarra morre de fome porque não trabalhou durante o período mais quente Mas várias discussões podem irromper das narrativas como por exemplo a fábula da cigarra que possibilita o questionamento de que a LITERATURA INFANTIL 101 SERPEDALITEUNID3indd 101 161020 1744 dignidade está na pessoa não na profissão que ela exerce Por outro lado o porquinho que construiu a casa de tijolos exemplifica a noção de que vivemos em comunidade tendo em vista que é ele quem salva os irmãos quando estes mais precisam São elementos que podem ser resgatados pela construção de um currículo diferenciado voltado para esse viés Figura 6 Os três porquinhos As fábulas podem auxiliar a abordar temáticas como a cidadania Fonte Sutterstock Acesso em 28092020 Figura 7 A cigarra e a formiga As fábulas podem auxiliar a abordar temáticas como a cidadania Fonte Sutterstock Acesso em 28092020 LITERATURA INFANTIL 102 SERPEDALITEUNID3indd 102 161020 1745 O currículo precisa ser pensado e organizado por área de conhecimento e não mais por disciplina Essa é uma mudança difícil pois precisa não apenas da modifica ção da lógica do currículo mas também da organização dos sistemas educacionais e da formação dos professores que atualmente estão em sala de aula A sua formação está sendo compartimentada em disciplinas e trabalhar por área de conhecimento posteriormente em sua prática profissional pode se mostrar praticamente impossí vel devido à lógica em que você atualmente está inserido A identidade é um dos princípios pedagógicos mais fortes nas Diretrizes Curri culares Nacionais e deve ser prevista considerando tanto os sujeitos alunos profes sores e gestores quanto a comunidade em que a instituição se encontra bem como as famílias dos alunos No espaço escolar na medida em que cada ator assume sua identidade inerente ele pode contribuir para o seu próprio desenvolvimento Isso envolve a ideia de que é preciso decidir pela escola que se quer atingir partindo do princípio de que a escola atual envolve particularidades socioformativas A interdisciplinaridade como outro princípio necessário na construção do cur rículo também parte da premissa de que todo conhecimento é passível de diálogo com outro conhecimento seja um diálogo que complementa que nega que amplia ou que questiona o conhecimento anterior Essa premissa está presente nas adap tações de contos de fadas como os filmes da saga Shrek nos quais os contos de fada dialogam com acontecimentos contemporâneos e com novas visões de mundo Exemplo disso está na princesa Fiona que opta ao final por ser uma ogra Figura 8 A franquia dos filmes Shrek e a intertextualidade com os contos de fada Fonte Rede Globo 2015 LITERATURA INFANTIL 103 SERPEDALITEUNID3indd 103 161020 1745 A contextualização é um pressuposto que busca aproximar a teoria da prática buscando um ensino que parta de questões cotidianas e da experiên cia do aluno para efetivar o ensino de conceitos Essas questões são algumas considerações necessárias à reflexão durante a construção do caminho a ser seguido tanto pela escola quanto pelo professor em sala de aula Você enten derá mais sobre como tratar do saber do professor em sala de aula espaço menor em tamanho mas não tão diferente da escola como um todo espaço que apresenta diversidades individualidades interdisciplinaridades entre tantos outros aspectos Você pode estar se perguntando o que é preciso saber e fazer para ser um bom professor ou ainda como pode utilizar o texto literário em sala de aula em prol do processo formativo do alu no A primeira coisa a se pensar e que um professor precisa saber para ser um bom professor é saber o conteúdo que ensinará certo Nem sempre essa resposta é tão simples quanto parece O professor precisa conhecer o con teúdo que será transmitido mas pre cisa saber também como preparar au las redigir e aplicar atividades para os alunos interagir com os alunos com preendendo o que eles dizem avaliar os alunos e sua prática entre tantos outros saberes necessários Precisamos refletir acerca da necessidade de conhecer bem os conteúdos curriculares de uma disciplina para que se saiba dar aula sobre ela Será que apenas sabendo os conteúdos ensinados no ensino superior estamos preparados para lecionar no ensino fundamental e médio Será que para ensinar a esses níveis de ensino é neces sária uma mera simplificação do que aprendemos na fa culdade E será que ter uma vasta bagagem de leituras é o suficiente para saber contextualizálas e aplicálas em prol de um projeto pedagógico LITERATURA INFANTIL 104 SERPEDALITEUNID3indd 104 161020 1746 A simplificação dos conteúdos em livros didáticos pode tornálos mais di fíceis aos alunos pois esse método não traz o raciocínio ou o encadeamento de ideias que levam os cientistas a concluírem determinado conhecimento Observe como em muitos desses livros encontramos excertos de fábulas vi sando um ensinamento moral sem apresentar todo o encadeamento de ideias presente na obra original A leitura de O Gato de Botas por exemplo sem toda a sua contextualização sobre a questão da engenhosidade prejudica esses tipos de projetos Porém para que o professor faça uma crítica aos livros didáticos e à possível simplificação desses livros ele precisa saber os conceitos e meto dologias de sua área do conhecimento o que significa conhecer o raciocínio científico que levou à construção de cada um dos conceitos trabalhados às construções metodológicas às técnicas e à transdisciplinaridade em que uma disciplina pode ser inserida buscando interagir com outros campos do cconhe cimento tanto conceitual quanto metodologicamente Esta questão que envolve conhecer o conteúdo que será ensinado é nova para muitos docentes tendo em vista que não é comum encontrarmos nos cursos de formação de professores disciplinas que abordem essas questões e que façam ligação entre o conteúdo a ser ensinado e a linha de raciocínio cien tífica que levou à formação daquele conhecimento Na verdade os textos lite rários estudados nos cursos de licenciatura são em sua maioria utilizados em prol da compreensão de uma determinada estética literária como o romantis mo e o modernismo por exemplo Estudase mais como o texto se encaixa em determinado movimento literário do que seu valor em si A relação entre conhecer o conteúdo acadêmicocientífico que será ensi nado com o conteúdo escolar ou seja aquele que será trabalhado em sala de aula é fortemente necessária pois quando os professores conhecem o ma terial a fundo incluindo a linha científica para cons trução daquele conhecimento eles conseguem planejar o conteúdo escolar que será trabalha do abandonando a memorização repetitiva de fatos e conceitos buscando também a constru ção da linha científica de raciocínio por parte dos alunos no conteúdo escolar Tornase necessária uma integração dos saberes LITERATURA INFANTIL 105 SERPEDALITEUNID3indd 105 161020 1746 Os saberes integradores são relacionados ao ensino dos conteúdos esco lares sendo provenientes de pesquisas realizadas nacional ou internacional mente voltadas para a produção de conhecimentos acerca da compreensão de como se ensina e como se aprende um conteúdo específico bem como da detecção dos problemas enfrentados na formação de professores criativos dessas áreas Pesquisas apontam que uma das principais dificuldades para propiciar a formação criativa de professores além da falha do domínio do conteúdo são as ideias docentes de senso comum Os professores estão se formando mais por trazerem ideias preconcebidas de quando eram alunos do que as adqui rindoas cientificamente durante sua formação docente inicial e continuada É função do docente desenvolver a capacidade de avaliar de maneira crítica o sistema tradicional de ensino competência essa que envolve um esforço por parte do profissional visto que para tal prática é necessário que se rompa com a sua forma de conceber a docência aquilo que aprendeu em sala de aula Tendo isso como objetivo devese produzir uma série de atividades ainda na sua formação visando esse objetivo ou seja uma correlação intensa e que permita futuramente uma ruptura entre os saberes instituídos de modo que esse professor possa melhor interligar o saber e o saber fazer Essas concepções trazem uma nova linha de propostas de ensino que par tem de referências construtivistas que possibilitam a orientação da aprendiza gem dos discentes por meio de um processo no qual reconstroem os conhe cimentos partindo dos saberes iniciais que irão gradativamente evoluir para outros conceitos através de práticas de ensino problematizadoras e significati vas para os alunos A relação entre teoria e prática é imprescindível na construção do conheci mento a partir dessa proposta fazendose necessário que o professor prepare um programa de curso que leve os alunos à construção do conhecimento a partir de habilidades e atitudes com base no que se propõe ensinar Pensemos a partir do seguinte ponto o que Monteiro Lobato diz aos alu nos Sua leitura em sala de aula não pode ser igualmente aproveitada em uma aula sobre cidadania ou geografia E as personagens de Ziraldo Seria o Menino Maluquinho 2012 um espelho das crianças que moram nos subúrbios de cada cidade brasileira LITERATURA INFANTIL 106 SERPEDALITEUNID3indd 106 161020 1746 É preciso que o professor saiba ensinar a partir de questões problematiza doras para que os alunos explicitem suas concepções espontâneas e para que estas sejam tomadas como hipóteses que podem ser comprovadas ou refuta das mas que a construção do conhecimento aconteça dessa maneira Como fazêlo Deve haver aproximação com a linguagem dos alunos buscando no decorrer do curso que ela mude de cotidiana para científi ca Ao fazer com que a compreensão e o aprendizado ocorram o professor poderá avançar para ou tra linguagem Apropriarse de outro gênero discursivo faz parte da aquisição do conhecimento pelo aluno O saber pedagógico não é aqui o menos importante mas sim o que abran ge um aspecto mais amplo pois engloba o saber integrar ou seja o que é aprendido tanto nas disciplinas teóricas quanto nas disciplinas metodológicas Essa ponte é fundamental para o saber docente ou o saber fazer do professor Os saberes pedagógicos relacionamse com os campos da didática geral da psicologia da aprendizagem bem como com os acontecimentos de dentro da sala de aula Eles também podem ser considerados como saberes integra dores uma vez que aparecem com frequência em estudos na área de ensino e de aprendizagem sob diferentes aspectos tais como saber avaliar saber interagir conhecer ca ráter social da construção do conhecimento dentre outros Os saberes pedagógicos também estão rela cionados à violência na escola ao ambiente em que a escola está inserida ao clima da escola e às expecta tivas do profi ssional da educação Responsabilidade da escola e do professor na formação do leitor Em relação aos alunos outros saberes precisam ser considerados no pro cesso de ensino Os alunos não chegam até a escola vazios sem conhecimento anterior portanto todas essas relações precisam ser consideradas Isso ocorre porque cada aluno agrega sua própria narrativa sua percepção de mundo Se abordamos tanto as narrativas fabulosas devemos considerar a maneira como o aluno contextualiza sua existência por meio de suas próprias histórias LITERATURA INFANTIL 107 SERPEDALITEUNID3indd 107 161020 1746 A sala de aula enquanto espaço de construção O que é o espaço da sala de aula Espaço de ensino e de aprendizagem Espaço de interação de troca Mesmo com todo o desenvolvimento tecnoló gico vivenciado atualmente a sala de aula é ainda um espaço privilegiado de ensino de aprendizagem de interações e trocas É onde o aluno aprende a administrar seus instintos a pensar a elaborar seus posicionamentos a se posicionar a expressar suas ideias a ressignifi car seu conhecimento anterior e a introduzir saberes acadêmicos e científi cos analisando e interpretando a realidade em que está inserido A sala de aula também é um espaço em que o professor está se forman do Ela pelo menos precisa ser pensada desta forma como um espaço em que o professor complementa sua formação inicial assimilando na prática os desafi os que pode ter conhecido na teoria durante sua formação Essa formação em serviço só é possível quando o professor enxerga a sala de aula como um espaço de análise de sua prática de revisão de suas alternativas para que qualifi que o ensino que está sendo ministrado para assim melhorar a aprendizagem dos alunos Disciplinas de práticas durante a formação inicial de professores são funda mentais para o desenvolvimento do saber pedagógico uma vez que o docente também precisa construir continuamente seus próprios saberes em relação a outros e essa percepção potencializará sua apreensão de conceitos que for marão a base de sua didática Portanto evidenciamos a importância de ir para a sala de aula de preparar uma aula de dialogar com os alunos de conhecer a realidade do entorno daquela escola e de ver a sala de aula se construindo se formando E em particular no contexto do nosso conteúdo de apresentar obras que possam ser igualmente signifi cativas para esses alunos É comum a expressão vá ler um livro Mas a frase em si corre o risco de ter um efeito contrário na medida em que indicamos o ato da leitura pelo ato da leitura sem um direcionamento produtivo LITERATURA INFANTIL 108 SERPEDALITEUNID3indd 108 161020 1746 Enxergar a sala de aula como espaço de construção do conhecimento dos alunos e como espaço de interação e investigação do professor é o suficiente para melhorar a aprendizagem Desde os anos 1960 o estudo sobre a sala de aula tem sido recorrente em pesquisas acadêmicas Um desses modelos é o modelo processoproduto Você acha que existe um bom ensino ou uma forma de ensino adequa do Acredita que podemos encontrar competências e traços pessoais de al guém que pudéssemos distinguir como um professor eficiente Era isso que o modelo processoproduto buscava traçar ou definir Preponderante nas décadas de 1960 e 1970 o modelo processoproduto buscava definir as características do bom ensino e as estratégias ou técnicas de como ensi nar padronizando o processo de ensi no por acreditar na padronização do processo de aprendizagem ou seja por considerar que todos os alunos aprendiam de maneira igual ou muito próxima Buscavase padrões de com portamentos e estímulos utilizados pelos professores ou seja processos capazes de produzir melhores resul tados de aprendizagem nos alunos Em outros termos procuravase me lhores produtos para que fosse possível definir padronizações de comporta mentos capazes de garantir a eficiência do professor Já o modelo construtivista tinha como premissa a visão do professor como mediador na medida em que os processos de ensino e de aprendizagem nada mais são do que processos de interação Partindo do fato de que muitos alunos apresentavam dificuldade de compreender conceitos científicos estu dados percebese que a aprendizagem não é a simples aquisição do conhe cimento despejado pelo ensinante Verificase que a construção do conhe cimento não é feita pela transmissão do professor mas sim pelo aprendiz LITERATURA INFANTIL 109 SERPEDALITEUNID3indd 109 161020 1746 Esse modelo ganha força na década de 1980 a partir de uma constatação de que embora os alunos sejam capazes de reproduzir ou aplicar o que aprendem em contextos parecidos com a sala de aula eles dificilmente compreendem os conceitos científicos que estudam Essa constatação reforça que o aluno não é uma tábula rasa como acreditado no modelo processoproduto pois diante de um novo conhecimento o aluno realiza a assimilação sendo que o significa do não é transmitido pelo professor sendo construído pelo aluno O papel mediador do professor adota diferentes posturas sendo ele por exemplo um problematizador nos diálogos o que favorece a autonomia e au xilia na compreensão de conceitos ressignificando assim a construção do co nhecimento em sala de aula Não se pode assumir que essas propostas não tenham obstáculos ou limitações Muitos professores ainda são resistentes a elas tendo em vista a contradição entre práticas tradicionais e discursos ino vadores Há por fim o conceito de abordagem etnográfica da educação Essa linha de pesquisa explora questões menos visíveis da escola e da sala de aula Nas duas linhas anteriores o foco são as manifestações de interações em sala de aula nesta a abordagem é voltada para o que é analisado e o que não é dito não é feito não é notado não é examinado e muito menos problematizado O dito currículo oculto que tem o poder de favorecer ou de dificultar a aprendiza gem é o foco dessa linha Ao considerar essa linha verificamos que as propos tas pedagógicas não se resumem às dimensões didáticocurriculares enquan to práticas sociais comportam valores significados relações de poder ações de silenciamento e atitudes de resistência Pesquisa etnográfica ou etnografia é um termo da antropologia que denomi na trabalhos descritivointerpretativos de formas de vida usos costumes valo res e culturas que são observados durante algum tempo A abordagem etnográ fica perpassa a mesma linha de trabalho desvelando o que não está exposto nas interações ou seja a dimensão simbólica das relações em sala de aula Um dificultador da pesquisa etnográfica é que ela requer longos períodos de observação em campo principalmente para que o pesquisador passe a ser visto como um participante do processo e não como um ser externo aos pro cessos de ensino e de aprendizagem A atenção do pesquisador precisa estar voltada para pequenas ações e esquecimentos LITERATURA INFANTIL 110 SERPEDALITEUNID3indd 110 161020 1746 Tudo que foi estudado nesta unidade nos mostra que a profissão docen te é repleta de desafios de imprevistos de ambiguidade e de contradições tanto dentro quanto fora da sala de aula Professores familiares estudantes e profissionais que trabalham na escola todos são protagonistas de alguma forma nos processos de ensino e de aprendizagem A atividade docente é constantemente desafiada pela imprevisibilidade pela ambiguidade pelas particularidades do fazer docente pelas individualidades de cada aluno pela realidade do entorno em que a escola está inserida ou seja são muitas as variáveis possíveis para considerar negociar e decidir em seu trabalho Rea valiar sua prática enquanto professor e aperfeiçoarse profissionalmente são tarefas difíceis por diversos fatores como estes que foram elencados mas uma das formas mais práticas é observar sua sala de aula com algum distan ciamento tornandoa objeto a ser observado à luz de sua formação inicial e continuada As discussões apresentadas neste capítulo buscam auxiliar o professor neste distanciamento nesta reflexão sobre sua prática sobre sua realidade pois assim como não existe uma escola pública única não existe uma única forma de ser professor nem em escolas públicas nem em privadas Cada aula ministrada ainda que pelo mesmo professor é diferente Por fim salientamos como esse conteúdo apresentado possui uma função ainda mais essencial a de servir de arcabouço para as discussões seguin tes sobre o próprio texto infantil Ao longo do seu surgimento a discussão sobre o que seria esse tipo de texto bem como qual a sua função sempre foi presente Escritores consagrados como Olavo Bilac se lançaram à pro dução de narrativas infantis contem porâneas tendo em mente essas mes mas premissas de modo que a literatura infantil assume um papel que vai além do texto literário comum visto que muito do seu surgimento correlacio nase com o momento em que passamos a diferenciar embora tardiamente as noções de infância LITERATURA INFANTIL 111 SERPEDALITEUNID3indd 111 161020 1747 O que de fato ensinamos quando ensinamos literatura Talvez essa não seja sua experiência pessoal mas há diversos professores que na divisão de turmas e classes optam por não lecionar essa disciplina Os motivos podem ser vastos podendo ser por falta de didática desinteresse dos alunos e até mesmo menor carga horária direcionada para a disciplina Devemos pelo menos buscar respostas para essas questões tendo como referência o ensi no de literatura no ensino médio O ensino da literatura Por infl uência de uma gama de linhas teóricas o próprio estudo e aborda gem em sala de aula acaba por ser um refl exo do ensino superior Abordamos o texto literário por um viés linguístico antropológico sociológico fi losófi co mas na maioria das vezes não analisamos o texto pelo texto ou seja sua estrutura linguística seu sentido implícito Com o advento dos saberes trans disciplinares o texto literário é sempre o complemento de outra coisa Pas samos a ensinar José de Alencar como complemento da chegada da família real ao Brasil e Tomás António Gonzaga como fruto da Inconfi dência Mineira Qualquer livro de literatura possui minimamente mais referências aos movi mentos culturais do que à análise do texto Um dos principais refl exos é a historiografi a literária que se refl ete na educação básica Filha do nacionalismo literário sua presença é marcante uma vez que se centra em uma progressão cronológica de obras do cânone brasileiro e português O livro didático pouco faz para superar essa perspec tiva com marcas do positivismo do século XIX o qual agregava uma visão das ciências exatas aos livros em geral acrescido de uma visão materialista CANDIDO 1999 Questionamos o que difere esse material do livro de história uma vez que em muito se aproximam suas particularidades A aula resumese salvo a leitura oral de fragmentos por parte de professores eou alunos acrescido de perguntas ao fi m de cada sequência de textos O próprio livro do profes sor já carrega um padrão de respostas cabendolhe apenas ajustes às dos alunos Não há uma tentativa de depreciação mas considerando o rumo de muitos cursos de Letras que focam em produzir professores de português e LITERATURA INFANTIL 112 SERPEDALITEUNID3indd 112 161020 1747 revisores há relativa probabilidade de o professor não ter certeza de suas próprias respostas guiandose sempre pelo gabarito O professor copia no quadro trechos do livro responde às questões e para muitos alunos isso é considerado um exemplo de excelência de aula Em alguns casos é passada uma pesquisa na qual os alunos copiam os textos da internet sem um apro fundamento e refl exão do saber atingido quando ocorre Com base nessa breve exposição devemos nos questionar o que se ensi na na aula de literatura além de história da literatura É possível apontar uma contextualização grosseira que se limita a aglutinar pontos heterogêneos usando um texto fi ccional como arcabouço para outros acompanhamentos A aula de literatura tornase um verdadeiro mimetismo no qual se repete o que já está dado Os textos não são analisados para atingir conclusões mas para explicar a história dos movimentos literários apresentar dados momentos infl uências e com base em proposições já realizadas realizar atividades para atingir o conhecimento previamente determinado O problema dos estudos literários na educação básica indica que as inter pretações não são abertas mas reduzidas Passamos a ser limitados e a limi tar os demais pelas interpretações e leituras de grandes críticos produtores de material didático e teóricos da literatura Políticas e práticas educacionais Observe como nos últimos anos as secretarias de educação por todo o país ao fornecerem o material didático ou darem as devidas indicações in dicam uma série de materiais complementares O texto não se basta devese complementar sua leitura com fotos fi lmes e atividades paradidáticas As pro postas curriculares apontam um excedente de mídias que trazem prontas suas próprias interpretações dos acontecimentos Isso gera um ciclo vicioso que in centiva os alunos a procurarem as interpretações de terceiros Por exemplo pergunte aos seus alunos quem já leu o livro Senhora de José de Alencar ou quem procurou uma versão em vídeo resenha na internet versão em quadri nhos ou podcast que comentava a obra Mesmo nesse tipo de situação há as velhas inconstâncias como o não uso de material fazendo com que a aula se torne meramente expositiva precedendo o modelo mais tradicional LITERATURA INFANTIL 113 SERPEDALITEUNID3indd 113 161020 1747 O problema dessa prática existente desde o século XIX é que temos uma gama de alunos que como em ciclo aprendem a teorizar normativamente sobre livros que nunca leram criticar autores que desconhecem e decorar escolas literárias que conheciam CORSON VERRIER 2007 p 8 Não há nes sa situação aula O aluno não odeia literatura ele odeia o seu estudo tomando por aula uma monofonia progressivamente entediante Como mudar esse quadro Não se trata de um problema das práticas de ensino da disciplina em si mas das práticas escolares nas quais a literatura não está relegada à complementação de aulas de Português e Redação De vese assim reconfigurar a noção de leitura literária de maneira a ser uma atividade livre e constante possibilitan do uma autonomia por parte do aluno de modo que o mesmo se aproprie da obra formando assim leitores reais Nas práticas educacionais contemporâneas mesmo que as ações resis tam às novas perspectivas uma reconfiguração tem atingido os manuais aca dêmicos e determinações do Ministério da Educação paulatinamente a pon to de já se encontrar em não poucos documentos o termo leitura literária para abordar a leitura de textos literários tendo em vista sua potencialização cuja existência possibilita a inserção de mudanças em prol do ensino dessa disciplina Mas quais seriam suas implicações Nos dias de hoje seria um des locamento significativo na sua didática visto que move o foco para o texto li terário e a capacidade de promover uma interação significativa com o aluno É uma visão que possibilita ao aluno não se limitar aos sentidos indicados pelo professor e pelo próprio livro didático mas aos sentidos que vão construindo por meio das leituras Dessa maneira a prática da leitura literária necessita transcender a vi são muito comum de ser mero arcabouço complementar para a aplicação de teorias pedagógicas tendo o texto e a formação do indivíduo como fim não como espaço de transição LITERATURA INFANTIL 114 SERPEDALITEUNID3indd 114 161020 1747 Voltemos ao que fora apontado sobre o gosto de ler Alguém não gosta de ler A frase é ilógica O ato de leitura presumi uma aproximação isto é da mesma maneira que admiramos o padrão estético de outras obras ou que vamos ao cinema de acordo com nossos gostos somos lançados à leitura de livros que nos atraem Isso ocorre pela propaganda pela indicação de alguém pela busca por informação e por capacitação uma vez que profis sionais das mais variadas áreas leem porque precisam se capa citar A questão é que ao nos lançarmos à leitura sem uma obrigatoriedade gera uma identificação maior entre leitor e texto Da próxima vez que seu aluno alegar que não leu o livro que teria que apresentar em sala pergunte qual ele estava lendo naquele mo mento ou que acabara de ler LITERATURA INFANTIL 115 SERPEDALITEUNID3indd 115 161020 1747 Sintetizando Nesta unidade abordamos a importância das práticas de leituras em sala de aula enquanto projeto pedagógico bem como sugestões de interação entre livroleitor e professoraluno Trouxemos a pergunta fundamental quem é o indivíduo ao qual nos referimos como leitor e como podemos auxiliálo para uma prática de leitura que vai além da atividade descompromissada Com essas premissas tratamos da escola como espaço por excelência de in trodução às atividades de leitura bem como lugar propício para o surgimento e amadurecimento da capacidade ledora do indivíduo Além disso apontamos a importância de se desenvolver uma percepção intertextual dos elementos que transitam entre cotidiano livros e demais obras ficcionais tudo isso em prol do desenvolvimento e formação do sujeito LITERATURA INFANTIL 116 SERPEDALITEUNID3indd 116 161020 1747 Referências bibliográficas ALENCAR J Senhora São Paulo Penguin 2013 AMADO J O gato malhado e a andorinha Sinhá Rio de Janeiro Companhia das Letrinhas 2008 AMADO J Gabriela cravo e canela Rio de Janeiro Companhia das Letras 2012 BANDEIRA P O fantástico mistério de Feiurinha 20 ed São Paulo FTD 1997 BANDEIRA P A droga da obediência São Paulo Moderna 2014 BARRETO L Triste fim de Policarpo Quaresma São Paulo Moderna 2016 BAUM L F O mágico de Oz Rio de Janeiro Zahar 2013 BERNARDO A Os personagens especiais da Turma da Mônica Veja Saúde 30 abr 2019 Disponível em httpssaudeabrilcombrblogsaudeepoposper sonagensespeciaisdaturmadamonica Acesso em 28 set 2020 BETTELHEIM B A psicanálise dos contos de fadas 22 ed Rio de Janeiro Paz e Terra 2007 BRASIL Lei n 9394 de 20 de dezembro de 1996 Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional Diário Oficial da União Brasília DF Poder Executivo 23 dez 1996 Disponível em httpwwwplanalto govbrccivil03leisl9394htm Acesso em 28 set 2020 CAMÕES L Os Lusíadas São Paulo Melhoramentos 2013 CANDIDO A A literatura e a formação do homem Remate de Males Campi nas p 8189 mar 2012 Disponível em httpsperiodicossbuunicampbrojs indexphprematearticleview86359923701 Acesso em 29 set 2020 CERVANTES M Dom Quixote São Paulo Penguin 2012 COELHO N N Literatura infantil teoria análise didática São Paulo Moderna 2000 COMPAGNON A O trabalho da citação Belo Horizonte UFMG 2007 CORSON Y VERRIER N Emotions and false memories Valence or arousal Psychological Science Washington v 18 n 3 208211 2007 DARNTON R História da leitura In A escrita da história novas perspectivas BURKE P Org 2 ed São Paulo Editora Unesp 2011 DUMAS A O conde de Monte Cristo Rio de Janeiro Zahar 2012 FIORIN J L SAVIOLI F P Lições de texto leitura e redação São Paulo Ática 2006 LITERATURA INFANTIL 117 SERPEDALITEUNID3indd 117 161020 1747 GLOBO Desenho Especial traz as confusões do ogro Shrek neste sábado dia 1º Globo sl 28 jul 2015 Disponível em httpredegloboglobocomnovidades filmesnoticia201507desenhoespecialtrazconfusoesdoogroshrekneste sabadodia1html Acesso em 28 set 2020 KRISTEVA J Introdução à semanálise São Paulo Perspectiva 1974 LAJOLO M Literatura leitores e leitura São Paulo Moderna 2001 LOBATO M Caçadas de Pedrinho Rio de Janeiro Globinho 2016 PIAGET J A representação do mundo na Criança São Paulo Ideias e Letras 2005 REIS C O conhecimento da literatura Introdução aos estudos literários 2 ed Coimbra Edições Almedina 2008 ZILBERMAN R A literatura infantil na escola 11 ed São Paulo Global 2003 ZILBERMAN R A leitura no Brasil sua história e suas instituições Disponível em httpwwwunicampbrielmemoriaprojetosensaiosensaio32html Acesso em 28 set 2020 ZIRALDO O menino maluquinho São Paulo Melhoramentos 2012 LITERATURA INFANTIL 118 SERPEDALITEUNID3indd 118 161020 1747 MÉTODOS DE ENSINO FAVORÁVEIS À FORMAÇÃO DO LEITOR 4 UNIDADE SERPEDALITEUNID4indd 119 161020 1736 Objetivos da unidade Tópicos de estudo Correlacionar a importância da interação entre os agentes sociais em prol do desenvolvimento de atividades de leitura no ambiente escolar Apontar a importância de uma apropriação do espaço da biblioteca para além de um reservatório de livros O papel da família da escola e da sociedade na promoção da leitura A formação de leitores no Brasil Processos lúdicos Leitura e formação Biblioteca escolar A função formadora A animação de uma biblioteca infantil Fisiologia da biblioteca infantil A natureza da leitura em ambientes escolares LITERATURA INFANTIL 120 SERPEDALITEUNID4indd 120 161020 1736 O papel da família da escola e da sociedade na promoção da leitura Todo mundo quer ter um leitor em casa Há certo status social na frase meu fi lho lê muito como se a leitura excessiva fosse sinônimo de alta cultura Ademais muitos responsáveis sequer se preocupam com o conteúdo consumi do pela criança desde que ela leia por outro lado grandes exigências podem ser criadas durante o processo formativo da criança para que tenha contato com obras que muitos adultos sequer leram Eis um problema quando falamos em leitura nós a tratamos como se fosse uma atividade solitária quando na verdade é uma empreitada coletiva fruto da infl uência nos dias de hoje da família da escola e da sociedade como um todo Tenha isso em mente quando se perguntar por exemplo o porquê de você ter lido poucos livros de literatura infantil afrobrasileira quando criança enquanto os contos de fadas dos irmãos Grimm são reconhecidos e lidos mun dialmente Contudo antes de tratarmos dessa interação entre família escola e socie dade na promoção da leitura vamos defi nir esse elemento ao qual nos refe rimos o leitor Todo texto presume então uma espécie de leitor empirico im plicito a todo e qualquer texto literário Leitor por que é para ele que é direcionado presumivel na medida em que o autor trava um diálogo com o individuo que será seu alvo uma imagem não fisica mas prevista ECO 1994 p 17 Você já fi cou surpreso como aquele seu aluno que não lê Senhora de José de Alencar mas devora em menos de duas semanas um livro com mais de 500 páginas provavelmente sobre deuses e monstros como O Ladrão de raios de Rick Riordan Isso está intimamente associado ao gosto às formas de pensar ao campo de atuação à experiência e ao interesse do lei tor A ideia de um indivíduo que foge da realidade que prefere passar seu tempo com a leitura envolve a proxi midade com esse hábito e o texto em si O leitor habi tuado à sua prática desenvolve suas próprias estra tégias de leitura de acordo com sua individualidade LITERATURA INFANTIL 121 SERPEDALITEUNID4indd 121 161020 1736 A ironia é que a escola espaço de descobertas e saberes por excelência tor nase o lugar de padronização das descobertas todo ato realizado está inserido em um conteúdo programático ou em um currículo oculto O texto literário es tudado nesse contexto dá conta das premissas da escola mas não do amadu recimento do aluno embora isso não impeça por exemplo que transformações possam ocorrer uma vez que a escola também precisa ser um espaço de mudan ça É por isso que devemos observar os caminhos atuais e a serem seguidos para a proposição da mudança do atual ensino de literatura na escola O problema é que a família a sociedade e principalmente a escola tratam esse leitor presumível como se fosse um leitor generalizado como se todos tivessem os mesmos gostos os mes mos apreços e as mesmas experiências de leitura Talvez um estudante que se divirta com as aventuras de Percy Jack son não tenha apreço por outro livro in fantojuvenil como Meu namorado é um zumbi de Isaac Marion obra que mis tura aventura comédia e terror com dilemas juvenis Coloquemonos portanto nessa posição tripla família escola e socie dade Qual espécie de leitores estamos formando e incentivando a formar Considerando os 12 anos de educação básica qual a base que um aluno tem dos textos mais fundamentais da nossa literatura Por vezes muitos se formam sem ter contato até com autores mais populares ou quando muito tendo aces so a contos e trechos de poemas em suas provas A situação se agrava ainda mais quando pensamos no retorno dessas práti cas qual será o impacto dessas atividades desde a tenra infância na formação desses futuros adultos teremos uma geração futura que terá influência no surgi mento de novos leitores Ou sua experiência literária prévia será apenas voltada para o deleite artístico LITERATURA INFANTIL 122 SERPEDALITEUNID4indd 122 161020 1738 Se tradicionalmente o ensino fundamental tem a responsabilidade de des pertar o gosto pela leitura então o estudante já deveria ser um leitor competen te ao adentrar o ensino médio Nada mais longe da verdade na atual conjuntu ra educacional do país na qual o ENEM delimita os caminhos perseguidos por quem deseja aprovação nos melhores vestibulares o ensino de literatura aden tra sua fase mais tecnicista em que o aluno é um executor de tarefas limitado aos chavões e às decorebas Nós abordamos constantemente a necessidade de projetos peda gógicos que tenham como premissa o trabalho com literatu ras infantis A relação abordada pela escola pela família e pela sociedade nesse sentido passa por essa questão e por atividades refl exivas que contribuam para a forma ção dos discentes A formação de leitores no Brasil Essa é uma questão antiga no Brasil os inconfi dentes mineiros além de questionarem o aumento de impostos também criticavam a necessidade de uma educação de base pois desde sempre a formação intelectual do país era direcionada para atingir as mais proeminentes universidades Signifi cativo é o livro Contos de Escola 2015 de Machado de Assis o qual apresenta proble mas do cotidiano escolar como as provações cotidianas que infl uenciariam na formação dos indivíduos O colégio seguia uma premissa intensa de gravação de normas regras e padrões em todas as disciplinas Essa mesma premissa vai estar no romance O Ateneu de Raul Pompeia mas sob uma ótica voltada para um público mais adulto não infantil CURIOSIDADE O texto literário tem a capacidade de mimetizar o meio que o cerca Obras como Contos de escola de Machado de Assis refl etem uma sociedade voltada para o funcionalismo público na qual se procura os melhores colégios não para o desenvolvimento cívico do indivíduo mas para sua capacitação visando os melhores cargos do mercado Na obra a ironia machadiana está à serviço de uma linguagem lúdica voltada para um público específi co LITERATURA INFANTIL 123 SERPEDALITEUNID4indd 123 161020 1738 Parecelhe familiar essa situação Não é muito diferente da mentalidade dos preparatórios dos dias de hoje que levam o aluno a um acúmulo violento de conhecimentos por vezes instruindoos em um regime intensivo e extensi vo durante três anos não para atingirem os pilares da cidadania mas para se rem aprovados em uma dada avaliação O uso da literatura fica relegado a isto ao ensino de uma historiografia literária Para a sociedade aprovação para os pais investimento e para a escola reconhecimento Mas e para o aluno Considerando essa mentalidade que domina nosso país o que de fato po deria ser ensinado em uma situação de reavaliação do ensino de literatura partindo do princípio de que a base dessa revitalização o objeto de estudo seria o próprio texto literário Diferentes escritores produziram versões dos clássicos infantis como os contos dos irmãos Grimm que possuem versões nas mãos de La Fontaine Ou em alguns casos escritores consagrados criaram versões de clássicos adultos voltados para o público infantil a exemplo da obra Robinson Crusoé Figura 1 Cena do filme As aventuras de Robinson Crusoé 2016 adaptado do romance original escrito por Daniel Defoe O trabalho com a literatura infantil possibilita uma nova visão da aborda gem da literatura em sala de aula Vincent Jouve delimita alguns passos a serem seguidos para que se estruture minimamente um processo de modificação do status atual Para ele revertêlo envolveria antecipar o problema e reestru turálo interpretando os resultados obtidos 2002 p 18 A leitura deve ser LITERATURA INFANTIL 124 SERPEDALITEUNID4indd 124 161020 1739 interpretada como uma ação cognitiva por necessidade de dada competência ou seja como as capacidades mínimas que o leitor deve ter para seguir com uma determinada leitura Uma vez que temos o fenômeno dos analfabetos funcionais é preciso ao menos de uma progressão dos textos a serem lidos bem como dos códigos aos quais o aluno será apresentado visando o desen volvimento dessas capacidades Jouve prossegue apontando as particularidades e características que de vem ser desenvolvidas em prol desse processo de revitalização da leitura li terária em sala de aula a noção de afetividade argumentação e simbolismo 2002 p 1922 O texto deve ser abordado como parte de um processo afetivo ou seja a relação do eu pessoal para o auxílio da aproximação Como foi apontado que deve haver uma aproximação entre o leitor e o texto é impor tante também a relação entre o objeto e o que esse lhe diz Obviamente um livro sobre superação ou autoajuda sempre pode dizer algo ao leitor mas se coloca em questão o princípio da universalidade de um texto de uma obra que séculos depois ainda tem a capacidade de dizer algo e despertar a empatia do leitor Há também o processo da argumentação no qual todo texto levanta questões a serem respondidas levan do o indivíduo a buscar respostas Com certeza muitos conhecem a série As Aventuras de Sherlock Homes na qual Arthur Conan Doyle relatava vários dos casos fictícios soluciona dos pelo detetive britânico Porém observe como atualmente conhe cemos esses textos mais pelas suas adaptações cinematográficas do que pelos livros em si Falamos sobre os diferentes escritores de romances e contos policiais como Borges Aga tha Christie e Pepetela mas ignora mos que muitas vezes não tivemos contato com os livros originais e sim com suas adaptações Figura 2 Capa da edição inglesa do livro publicado em 1892 Fonte Wikimedia Commons Acesso em 06102020 LITERATURA INFANTIL 125 SERPEDALITEUNID4indd 125 161020 1741 ASSISTA Falando ainda sobre adaptações de clássicos adultos para contextos infantojuvenis recomendamos o filme O enigma da pirâmide de Barry Levinson No enredo temos a história de dois adolescentes que se conhe cem em um colégio interno britânico Sherlock Holmes e John Watson que buscam solucionar um caso envolvendo pessoas que sofrem de alucinações após serem atingidas por um misterioso dardo Porém com o passar do tempo surgirão escritores que farão mais do que uma adaptação e sim um processo de negociação com a época com o mo mento com a cultura e com a própria ideia de público leitor Exemplo disso são as famosas aventuras da turma do Gordo grupo criado por João Carlos Marinho Silva nas quais uma série de personagens desvendam mistérios e solucionam crimes Um dos livros mais famosos é O Gênio do crime no qual as personagens devem desvendar o mistério de uma falsificação de figurinhas de futebol Outra obra que também busca trabalhar essa negociação é a série de livros de Enola Holmes de Nancy Springer que revisita uma Londres vito riana por um ponto de vista de uma adolescente a irmã de Sherlock Holmes que também soluciona crimes Cada texto nesse sentido propõe diversas leituras e confrontos de pon tos de vista à medida que atinge leitores diferentes com os mais variados processos formativos E cada leitor dotado de seu devido capital simbólico confronta esse capital com o texto que lê Há uma negociação constante en tre os símbolos internos da criança com aqueles que a atingem de modo que ao se mesclarem e se transformarem também influenciarão nos símbolos de leituras futuras Essas práticas são estruturáveis e não contradizem a leitura de outros ti pos de texto Voltamos à expressão quem lê sabe mais O aluno só pode desenvolver essas habilidades à medida que tem contato com uma obra inteira e não apenas com trechos dela Ao se limitar ao livro paradidático e às respostas do quadro o aluno não desenvolve plenamente as competências que poderiam ser colocadas em prática du rante o processo de leitura Seria como ensinar alguém a nadar utilizando apenas um manual didático sem uma aula prática na piscina Sempre faltará algo LITERATURA INFANTIL 126 SERPEDALITEUNID4indd 126 161020 1741 Revitalização literária Afetividade Argumentação Simbolismo TABELA 1 FATORES PARA REVITALIZAÇÃO LITERÁRIA SEGUNDO VINCENT JOUVE Apontamos para o grande problema no desenvolvimento da prática de leitura particularizada na escola que não se centra no interesse do corpo discente mas na falta de tempo e espaço para o desenvolvimento de dadas atividades Muitas vezes isso ocorre por conta de um currículo escolar enri jecido oculto e desestruturado que não se atualiza e uma cultura escolar que não oferece possibilidades para a inserção de saberes que propiciariam novas práticas de leitura para os alunos Essas são as causas mais comuns que impedem a escola de elaborar novos conhecimentos desatrelados da es trutura didática tradicional Processos lúdicos Falamos sobre a responsabilidade da escola da família e da sociedade por tratar de uma questão fundamental o leitor se forma ou ele é formado por al guém Essa pergunta extremamente capciosa nos é cara e conveniente Faça o seguinte exercício quando adquiriu o hábito da leitura no sentido popular a ela atribuído ou seja gostar de ler livros Foi por curiosidade Na biblioteca esco lar Ou foi um presente que recebeu Temos um caso de que exemplifi ca isso Ligia Bojunga escritora de textos infantis relata em várias entrevistas que cresceu cercada por livros na casa da avó Outro escritor o moçambicano Mia Couto gosta de relembrar como na sua casa seu pai era um ávido colecionador de clássicos portugueses Camões Fer nando Pessoa Camilo Castelo Branco etc LITERATURA INFANTIL 127 SERPEDALITEUNID4indd 127 161020 1741 Atualmente há docentes que buscam capacitação para trabalhar a formação do leitor em sala de aula seja porque realizam uma pós graduação e são da área de letras seja porque possuem diferentes perfis nas mais variadas áreas de co municação Contemporaneamente entretanto a imagem mais recorrente é a do aluno afastado em sua maioria do devido material literário Isso ocorre porque há uma diferença entre o estudo teórico e a prática afinal podemos estudar o material didáticopedagógico exaustivamente mas o que realmente temos para desenvolver atividades em sala de aula Só depois de acessarmos esse resquício residual que assola a maioria dos alunos do país muitos de alta renda mas com carência de prática de leitura podemos conceber ações que abordem as relações entre a literatura e a for mação de leitores principalmente na concepção de que o texto ficcional é uma forma de se compreender o mundo ao passo em que aborda possibilidades e potencialidades da língua em prol da formação de leitores Ainda não respondemos à pergunta qual o processo formativo de um lei tor Podemos recorrer às considerações de alguns escritores e educadores para responder a essa dúvida como Fanny Abramovich para a qual a leitura era uma espécie de volúpia uma prática deliciosa realizada com as obras dos clássicos brasileiros Para ela geravase uma sensação totalizante 1995 p 11 que a preenchia e permitia a fruição de muitos saberes Por sua vez Ana Maria Macha do revela sua predileção por contos de fadas desde pequena por influência da mãe LAJOLO 1995 p 26 Os relatos denunciam um ponto crucial que nos servirá de primeiro passo em muitos casos a escola não foi responsável pelo desenvolvimento do hábi to de leitura nos indivíduos Podemos inclusive apontar como muitos desses escritores eram oriundos de espaços mais alfabetizados Porém qual fora a influência de Machado de Assis nosso maior escritor Que escolas frequen tou Quais liceus visitou Para além das histórias de que fora trabalhar em uma padaria de um francês para aprender o idioma é fato que o escritor não pos suía o perfil da elite carioca na época LITERATURA INFANTIL 128 SERPEDALITEUNID4indd 128 161020 1742 Leitura e formação É importante compreender o processo formativo do leitor como um ritual iniciativo através do qual ele passa a ter contato com um novo mundo Dividido em etapas possui a capacidade de possibilitar o crescimento e o amadureci mento desse indivíduo em formação É possível com base nas primeiras experiências observar o desenvolvi mento de um gosto pela prática em bora não sem o apoio de facilitadores como indivíduos que auxiliam e incen tivam a prática bem como o meio ou seja um contexto sociocultural que agregue as possibilidades de enriquecimento do indivíduo de modo a aproxi málo cada vez mais da leitura É nessa constatação que se observa o acesso ao texto literário e a presença de outros leitores que auxiliam na capacitação na infl uência e no reforço positivo dos futuros leitores Esses elementos possibili tam um despertar precoce e estimulam uma série de atividades que tão cedo agregam resultados prazerosos afetivos e que infl uenciam todo o processo formativo do estudante Observando os relatos anteriores podemos apontar como o meio em que cada escritor conviveu facilitou o desenvolvimento de sua atividade como lei tor bem como o desenvolvimento de um perfi l de leitura Observe por exemplo a série de livros Os mistérios de Enola Holmes de Nancy Springer Nas obras toda a sociedade vitoriana do século XIX é revista por uma ótica feminina e juvenil Mas isso só é possível em detrimento dos seguintes fatores a formação literária da autora sua capacidade de fazer inter relações com os textos sua habilidade de leitura intertextual e conhecimento da obra de Arthur Conan Doyle o que lhe possibilita resgatar per sonagens do universo fi ccional de outro escri tor e sua habilidade para reler velhos paradig mas e inserir novas leituras em temas passados mas contemporâneos LITERATURA INFANTIL 129 SERPEDALITEUNID4indd 129 161020 1743 Figura 3 Cena do filme Enola Holmes 2020 com os irmãos Sherlock Holmes à esquerda personagem vivido por Henry Cavill e Enola Holmes à direita personagem vivido por Millie Bobby Brown Tendo isso em vista devemos abordar o processo de leitura como uma prá tica significativa ou seja associada ao cotidiano de cada um de modo a des pertar o prazer pela atividade Ao abordarmos a afetividade focamos no ponto do vínculo entre o leitor e o texto um vínculo de afinidade Essas atividades motivadas por vários fatores como vínculos sociais e culturais que são estabe lecidos ao longo da vida promovem a aglutinação e a associação entre esses pontos tornando o ato de leitura desassociado de outras práticas cotidianas Não é por acaso que um contexto familiar é sempre um dos melhores espaços para esse desenvolvimento mesmo porque muitos dos leitores deram início à sua prática por meio de histórias que lhes foram contadas A leitura separa o ambiente para o leitor conceber sua identidade e consta tar sua fragilidade atos possibilitados pelo fazer ficcional inerente ao texto seu jogo de devaneio e experimentação Essa experiência tanto abre novos horizontes como amplia as percepções de cada um Contemporaneamente en tretanto o desenvolvimento desse gosto passou a ser um verdadeiro desafio Um dos principais motivos para isso é a inconstância dos facilitadores educa cionais da forma e dos tipos de textos que chegam ao aluno Ademais o acesso ao universo literário é limitado por vários fatores como a disponibilidade do material a infraestrutura os meios democráticos de acesso aos livros e os pro jetos de promoção de leitura por parte do governo Afinal que propostas estão sendo implementadas e quais são suas aplicabilidades LITERATURA INFANTIL 130 SERPEDALITEUNID4indd 130 161020 1743 Biblioteca escolar Iniciando a problemática da criação de novos leitores principalmente em um ambiente em que o próprio acesso à cultura é defi ciente Ezequiel Silva aponta que a formação de leitores depende do contexto nacional e da per cepção da falta de condições sociais e econômicas para promovermos a ca pacitação dos cidadãos brasileiros 2012 p 10 Dessa forma considerando a carência das bibliotecas em todo o Brasil que são próximas das grandes concentrações urbanas mas longe das regiões mais carentes resta à escola para além do seu papel de espaço de promoção da educação a responsabili dade do processo formativo dos leitores Figura 4 É importante garantir o acesso à biblioteca escolar principalmente em periferias Fonte Shutterstock Acesso em 08102020 Uma pergunta quando você na época em que frequentava a educação básica entrou em uma biblioteca escolar quais livros encontrava com mais frequência Obras como Capitães de areia de Jorge Amado ou O Menino do dedo verde de Maurice Druon Segure esse questionamento já que o retoma remos adiante LITERATURA INFANTIL 131 SERPEDALITEUNID4indd 131 161020 1744 Devemos porém resgatar os problemas da mercantilização do saber di ferente do desenvolvimento da leitura literária o protagonismo escolar pode ser suplantado pelo uso da velha metodologia que absorve livros didáticos e paradidáticos afastando o aluno do uso do texto literário integral Ocorre o erro da cristalização da leitura prendendo o aluno às receitas e fórmu las prontas muitas vezes disfarçadas de prazer estético também conhecido como prazer superficial Em suma trabalhar um texto estruturado e organi zado que evoca o lado lúdico da leitura mas que não atinge a função social da escola de promover o prazer essencial que flui do ato da leitura Nesse sen tido essas atividades de leitura direcionada cumprem sua função mas apre sentam um risco enorme o de castrar o leitor das possibilidades da literatura E o que difere o prazer essencial do superficial O prazer superficial está relacionado à leitura superficial do texto na qual a atividade se estrutura em torno da dinamização do texto literário limitandose a questões óbvias Esses aspectos estão presentes em textos que apontam as características mais comuns de dada obra dividindo as avaliações em formato objetivo uma prática não tão incomum uma vez que busca direcionar o aluno para uma formação específica Já o prazer essencial por sua vez envolve experiências de leitura focadas no aperfeiçoamento e na emancipação do indivíduo pos sibilitando a problematização dos temas apresentados Nesse segmento as respostas não são mais essencialmente corretas mas contextualizadas É comum o uso do prazer superficial para a realização de atividades que visam mais o uso da língua do que o sentido do texto de modo que o texto literário é tratado apenas como um fenômeno linguístico Já atividades que valorizam o prazer essencial são voltadas para a contextualização e o desen volvimento das habilidades lúdicas do aluno durante o processo de aprendi zagem Um exemplo disso seria uma atividade de contextualização entre Os Lusíadas de Camões e a obra direcionada para o público juvenil Por mares há muito navegados de Álvaro Cardoso Gomes O texto de Álvaro Cardoso Gomes leva o leitor a realizar um processo de interação ao traçar paralelos com o texto de Camões na obra um jovem pre cisa terminar de ler Os Lusíadas enquanto traça o mesmo caminho de Vasco da Gama em um veleiro Há uma exigência que força o leitor a realizar cone xões inter e paratextuais o que desenvolve sua capacidade de leitura LITERATURA INFANTIL 132 SERPEDALITEUNID4indd 132 161020 1744 Eis a questão apresentada e não percebida pelos educadores a incom preensão da diferença entre o gosto e a prática de leitura Há toda uma se quência de produções bem como de mercados voltados para uma prática constante robotizada Mas podemos falar de fato em leitor Se o hábito da leitura envolve antes de qualquer coisa afi nidade e gosto com a prática em que medida a obrigatoriedade de um exercício de leitura contribui para o seu desenvolvimento A função formadora O educadorprofessor deve ter em mente sua função de agente forma dor de leitores contribuindo para sanar as carências que surgem ao longo do processo formativo dos alunos Tornarse ciente desses questionamen tos contribui para a função do professor como participante do processo ini ciativo voltado para o desenvolvimento do gosto pela leitura bem como contribui com as instituições envolvidas na formação de leitores Formação nesse sentido envolve seleção e escolha Parece curioso para você Retomemos nossa pergunta inicial quais livros você encontrava com mais frequência Os clássicos da literatura brasileira ou alguns escritores mais associados ao público infantil independentemente de sua relevância Há algo retórico nessa pergunta visto que a maioria traz nomes como Jorge Amado e Guimarães Rosa quando idealizam o tipo de leitura que gostariam que seus filhos realizassem mesmo que eles mesmos não te nham lido essas obras E nesse caminho muitas vezes aquele que é con siderado o único espaço de leitura da criança carece de um melhor aporte para determinadas faixas etárias Afinal de que adianta compreendermos a relação entre a literatura infantil e a formação de leitores se criamos espaços voltados para a leitura que excluem uma série de obras propícias para essas idades De maneira que possamos apontar para os vários caminhos problema tizações e possibilidades dessa prática educativa em particular trazemos as observações de Fanny Abramovich sobre o processo de formação de leito res e como ele pode ser implementado em instituições que visam fomentar suas práticas LITERATURA INFANTIL 133 SERPEDALITEUNID4indd 133 161020 1744 Constame que a prioridade inicial deveria ser capacitar leitores inconsistentes determinados cheios de dúvidas atentos para o potencial que uma história pode abordar competentes para en tender o motivo de não terem aproveitado ao máximo determina da história Texto literário é arte é prazer e cabe à escola abraçar essa marca educativa o que envolve também ensinar a gostar e a criticar ABRAMOVICH 1995 p 148 Essas práticas quando relegadas atrapalham todo o processo de forma ção do leitor em vários níveis de forma que Abramovich defende que ambos literatura e escola comungam de um espaço de formação Sendo assim se a escola educa com fatos e registros o texto ficcional instrui com as possibili dades instigando o alunoleitor por meio dos questionamentos despertados São atividades que por sua atuação contestadora nunca deixam o indivíduo indiferente ao que o atinge Assim como a escola cria um ambiente em que transmite o saber acumula do a literatura parasita o meio social o meio do aluno Assim por mais dife renciada que uma obra possa estar do meio que parasita pode assim possuir a capacidade de se integrar ao leitor uma vez que busca salientar grandes questões a serem resolvidas como a relação entre a Terra Média de Tolkien e a Segunda Guerra Mundial Nesse exemplo ao atingir essa reflexão o leitor também realiza uma atividade de autorreflexibilidade pessoal Dessa forma os espaços construídos para propiciar a variedade de leitura na escola as bibliotecas também devem parasitar o ambiente ao seu redor devem ao passo que disponibilizam os clássicos brasileiros e mundiais pa rasitar o próprio contexto atual dando conta das representações simbóli cas de seus alunos ASSISTA O documentário A negação do Brasil o negro nas telenovelas brasileiras de Joel Zito Araújo promove uma análise profunda sobre a representação do negro nas telenovelas brasileiras do século XX e XXI Além disso o diretor apresenta como em diferentes produ ções artísticas música pintura literatura há uma representação da figura do negro que se perpetua para o imaginário nacional LITERATURA INFANTIL 134 SERPEDALITEUNID4indd 134 161020 1744 Essa mesma função não escapa à escola que auxilia o aluno a interpretar o mundo por meio dos conteúdos programáticos Mesmo assim é o texto literário o germinador da imaginação que possibilita o indivíduo desenvolver a capacida de de subverter as amarras da realidade e repensála em prol de seus objetivos Desse modo se analisarmos o valor da obra literária para a formação do lei tor o que a classifi caria como boa ou ruim não diverge tanto dos critérios que se aplicam à análise de qualquer outra obra de arte Em suma sua valoração está no princípio de favorecer um ponto de saída para uma percepção inovadora da realidade permitindo que o leitor possa compreender melhor o mundo em que vive por outras perspectivas Considere que um projeto voltado para a prática de leitura que tenha como base o uso da literatura infantil não se limite apenas às leituras trazidas para a sala de aula é necessário o conhecimento disponibilizado na própria biblioteca Esse espaço não deve ser apenas o repositório dos clássicos da pesquisa cien tífi ca e dos estudos de matemática deve carregar em si o potencial para desen volver a leitura do estudante Um espaço planejado e direcionado para o incentivo à leitura favorece a inte ração entre o leitor e a obra À medida que uma obra exige o domínio de um códi go cultural por parte do leitor além de sua participação ativa mais o livro agrega devido à capacidade da obra de abranger o meio social possibilitando o alarga mento do horizonte sociocultural dos leitores Sendo esse um processo cognitivo de intercâmbio instaurase o fenômeno da leitura É comum a acepção o que você absorveu de bom do texto quando na verdade se trata da compreensão do mundo real via o imaginário Assim a obra literária não se limita apenas ao conteúdo escrito mas alimenta a capacidade do leitor de assimilar a realidade Dessa maneira a leitura só se dá quando o processo de interpretação do mundo fi ccional se realiza em totalidade A animação de uma biblioteca infantil Como a criança utiliza e o que associa com o espaço da biblioteca Trabalho estudo ou diversão Abordamos a relação da literatura infantil com o desen volvimento do indivíduo bem como a criação de espaços lúdicos direcionados para a leitura mas como isso pode ser desenvolvido LITERATURA INFANTIL 135 SERPEDALITEUNID4indd 135 161020 1744 Devese ter em mente conforme apontam Bernardinelli e Carvalho a im portância que a criança dá para o senso de liberdade 2011 p 4 e como essa liberdade pode ser construída por atividades básicas como o próprio direito de escolher uma obra embora essa mesma prática de liberdade precise de direcionamento Pensase que o espaço escolar deve proporcionar através da literatura in fantil liberdade ao aluno entretanto é necessário enfatizar que essa liber dade deve ser orientada com atividades programadas em ambientes livres na biblioteca e na sala de aula estimulando e aumentando o potencial de cada aluno Além disso precisase levar em consideração as transformações sociais a própria biblioteca da escola não pode ser um lugar estático Lembrase de quando tocamos na questão dos livros que fazem parte do acervo de uma biblioteca Peço que tenha o seguinte em mente no ano de 1995 surgiu a internet e a sociedade passou por uma transformação de conceitos e conflitos sociais o que influenciou toda a dinâmica das mídias incluindo a produção do livro infantojuvenil Eis um dos grandes dilemas de nossa época o poder da Má quina da tecnologia em confronto com o poder da Mente da inteligencia A Máquina e o Homem Em sintese cresce a ne cessidade de que todos dominem desde cedo a instrumenta lização tecnológica para atuarem no cotidiano cibernético e ao mesmo tempo com igual ou maior intensidade que cada um adquira desde a infancia a consciencia de seu próprio Eu em relação ao Outro ao mundo à sua volta que o comple mentará Consciencia critica globalizante que só a linguagem da cultura da literatura e das artes proporcionam COELHO 2010 p 288 Desse modo essas mudanças sociais com o surgimento da tecnologia também modificaram a relação dos pequenos leitores com os livros bem como impactaram a literatura em geral Nesse sentido foi necessário que a literatura adquirisse um novo formato incorporando ferramentas de mídias tecnológicas como a ilustração e os livros em formato digital Nesse campo literário novo a imagem passa a ter uma significativa importância tanto quanto a letra por ser um meio de interação com o leitor virtualmente LITERATURA INFANTIL 136 SERPEDALITEUNID4indd 136 161020 1744 CITANDO Sabemos que o trabalho do professor com a leitura e produção de textos é uma atividade árdua principalmente porque os alunos hoje estão mais voltados para aspectos visuais e simbólicos do que propriamente para o texto escrito Por isso um livro que traga diversidade de ilustrações textos pequenos jogos letras de músicas textos em quadrinhos pala vras cruzadas poesias etc é sem dúvida mais atraente e desperta mais atenção e interesse pois esses recursos certamente abrirão novos horizontes para o aluno podendo aguçarlhe a imaginação e propiciarlhe condições para reflexão VERCEZE SILVINO 2008 p 97 O que é um biblioteca nos dias de hoje Espaço de leitura interação ou integração Diante de uma geração que é muito mais antenada às transfor mações midiáticas o que pode ser atrativo para os alunos nesse espaço Po demos ir além abordamos a carência socioeconômica o fato de que muitos estudantes sequer têm recursos básicos para ter acesso aos livros didáticos Mas o que dizer de uma sociedade na qual podemos ler praticamente todos os livros que queremos a um clique A esse respeito Kirchof afirma que Ao contrário do que apregoam tanto as previsões eufóricas quanto as pessimistas o que parece estar ocorrendo é uma convergência entre a cultura do suporte impresso e a dos meios digitais 2016 p 205 Isso nos releva como a literatura infantil ou adulta permane cerá no campo literário em quaisquer formas para o entretenimento para o ensinamento para o contentamento e para a crítica política e social Figura 5 A literatura tem relação com a tecnologia e com a afetividade Fonte Shutterstock Acesso em 08102020 LITERATURA INFANTIL 137 SERPEDALITEUNID4indd 137 161020 1744 Porém reafirmamos o desenvolvimento da leitura envolve acesso sen do que muito desse contato principalmente em relação à literatura infantil ocorre por meio da biblioteca Nesse sentido para termos em mente o tipo de atividades a serem desenvolvidas em uma biblioteca escolar devemos ter noção do perfil dos leitores conhecendo as leituras que eles realizam geral mente embora dependa de cada comunidade escolar a Recortes de livros muitos deles de obras infantojuvenis b Em geral livros nacionais com exceção de contos de fadas c Um número maior de textos no livro de Língua Portuguesa e redação mais voltados para exercícios textuais do que para a literatura A maioria dos livros didáticos se dividem em capítulos voltados para te mas que abordam por exemplo questões gramaticais Cada capítulo iniciado por um trecho de uma grande obra ou de um texto adaptado para se ade quar ao direcionamento do capítulo Não à toa diferentes leitores transfor mam em ficção sua prática de leitura nas escolas a exemplo do conto Estudar é viver de Bartolomeu Queiroz ou Cecília Meireles com o livro de poemas Ou isto ou aquilo Em suma os textos são trabalhados mais em seu caráter lin guísticointerpretativo do que pelo viés lúdico e catártico eis um dos motivos pelo qual a biblioteca não é vista como um espaço de diversão mas sim de continuidade da sala de aula Porém a correlação entre leitura infantil e biblioteca é muito rica o que acha de uma roda de leitura na qual cada aluno possa ler trechos dos contos dos irmãos Grimm Nos dias atuais as crianças são tomadas pela falta de concentração o que atrapa lha o desenvolvimento de diferentes tipos de atividades Nesse âmbito a biblioteca oferece um enorme poten cial pois pode desenvolver atividades extensivas que captam a atenção do aluno e trabalham o seu senso de liberdade ao oferecerlhes uma variedade de gêneros literários muitos voltados ao público infantil contos fábulas len das etc ANDRADE 2014 p 142 LITERATURA INFANTIL 138 SERPEDALITEUNID4indd 138 161020 1744 Em suma o problema não é a falta de literatura mas a falta de sua acessi bilidade lúdica Tratase de uma literatura prejudicada nos manuais didáticos por causa do nosso sistema educacional SILVA 2007 substituindo o deleite do texto pela sua castração pela delimitação do texto lido pelos sentidos prédefi nidos e pelo impedimento do aluno de desenvolver sua capacidade interpretativa Kleiman nesse sentido amplia a crítica É comumente sabido que há um préimpedimento diante do que ou é muito difícil ou muito complexo A simplifi cação dos textos e seu descaso durante esse periodo letivo contribuirão futura mente para a não formação do futuro leitor acostumado a ler enxertos e desacostumado a se lançar na leitura 2011 p 12 Essa afi rmação tem como base os seguintes pressupostos A interação desses conhecimentos segundo a perspectiva cog nitiva ocorre na mente do leitor ler é portanto uma ação indi vidual um ato estratégico de processamento da informação que não estabelece relação com os fatores externos ao texto Cada uma das palavras que compõem o texto representa entidades do mundo fisico havendo uma relação direta entre linguagem e mundo SANTOS 2017 p 2930 Fisiologia da biblioteca infantil Há a necessidade de todo um preparo para o pleno deleite da leitura prin cipalmente nos mais jovens a falta de relação entre o texto e o contexto causa um bloqueio no discente Não há o prazer do texto da mesma maneira que se impede o desenvolvimento da capacidade de interpretação literária do aluno Todo projeto de leitura deve propor uma visão ampliada para que o aluno entenda que a noção de leitura está relacionada a diferentes elementos o que inclui sua receptividade Analisamse muitos textos de acordo com sua classifi cação sintática morfológica histórica etc mas por vezes o caráter semântico do texto é negligenciado Cabe à escola o papel de auxiliar o aluno na prática de interpretação da plurissignifi cação literária Essa oposição sala de aula x biblioteca parece curiosa mas aborda as me mórias de escritores como Lya Luft para quem LITERATURA INFANTIL 139 SERPEDALITEUNID4indd 139 161020 1744 A escola era terrível seria melhor se ficássemos em casa no quintal lendo Mas era divertido quando brincávamos com os vocábulos na biblioteca havia livros e as palavras eram como doces infinitos que a gente guardava por um instante antes de se deliciar mas às vezes jogávamos na cara dos outros essas descobertas de propósito cuspindo LUFT 2006 p 52 Observe como a crônica nas mãos de Luft assume contornos de crônica literária promovendo um jogo lúdico de verdadefalsidade ela tanto gostava quanto odiava a prática de leitura na escola Quais seriam os livros Didáti cos Ou livros que ela não gostava Teria ela tido a opção de escolher obras como Turma da Mônica ou O Menino do dedo verde Provavelmente sim Isso porque na sala de aula a escritora estava à mercê das leituras obrigatórias aquelas associadas ao contexto do conteúdo programático A biblioteca por sua vez oferecia muitas opções de maneira que a escri tora discute sobre os textos literários a serem trabalhados em sala de aula Observemos como enraizada em uma série de estudos de ordem cronoló gica e em um curto espaço de tempo para realização de um conteúdo pro gramático a disciplina de Literatura se limita a textos que como primeiro contato para os leitores não contribui com sua função Compete hoje ao ensino da literatura não mais a transmissão de um patrimônio já constituido e consagrado mas a responsabilida de pela formação do leitor A execução dessa tarefa depende de se conceber a leitura não como o resultado satisfatório do proces so de alfabetização e decodificação da matéria escrita mas como atividade propiciadora de uma experiencia única com o texto lite rário A literatura se associa então à leitura do que advém a vali dade dessa A experiencia da leitura decorre das propriedades da literatura esse universo contudo se alimenta da fantasia do autor que elabora suas imagens interiores para se comunicar com o leitor Dúbia a literatura aciona sua fantasia mas suscita um posicionamento intelectual Nesse sentido o texto literário introduz um universo que por mais distanciado do coti diano leva o leitor a refletir sobre sua rotina e a incorporar novas experiencias ZILBERMAN SILVA 1990 p 19 LITERATURA INFANTIL 140 SERPEDALITEUNID4indd 140 161020 1744 Não cabe à escola portanto estruturar didaticamente o texto durante o processo de acessibilidade do texto literário tampouco pedagogizálo li mitando suas possibilidades semânticas aos limites do manual didático Em suma o que precisa ser abordado é o livro puro e simples de maneira que o leitor possa desenvolver e ampliar sua capacidade criativa por meio de es colhas intertextuais e paratextuais Essas escolhas por sua vez favorecem a comunicação e a apreensão das técnicas de leitura De fato o que apresenta mais potencial para se discutir o racismo na escola a leitura de O mulato de Aluízio de Azevedo ou O menino marrom de Ziraldo A pergunta parece enfadonha e tendenciosa mas é pedagógica o primei ro é um clássico brasileiro presente em coletâneas escolares e prérequisito para vestibulares e demais concursos o segundo pelo seu direcionamento infantil possui a liberdade de abordar determinados temas pela visão de um público infantil É nesse jogo de oposições que nos deparamos com o poten cial do trabalho com literatura infantil na biblioteca escolar ela não apenas apresenta uma linguagem diferenciada mas se aproveita do fato que muitas vezes estar à margem dos planos de ensino cria potencial para o desenvolvimento de práticas de leitura DICA É nesse contexto que algumas pesquisas abordam determinadas categorias da literatura infantil que em muitas situações estão fora dos bancos escolares É o caso do artigo Leituras de o gato e o escuro de Mia Couto de autoria de Flavio García e Luciana Silva O texto apresenta uma abordagem sobre a literatura in fantil africana de língua portuguesa mostrando como há uma série de escritores que realizam experiências lúdicas por meio do potencial discursivo propiciado pelo uso da linguagem infantil A natureza da leitura em ambientes escolares Após essa abordagem sobre o uso dos textos e seu problema de contex tualização fruto de uma estrutura engessada presente nos currículos esco lares abordaremos a natureza da leitura na biblioteca escolar qual seria sua prioridade LITERATURA INFANTIL 141 SERPEDALITEUNID4indd 141 161020 1744 Não é incomum a concepção cotidiana da leitura sobre a qual o texto deve emancipar o indivíduo ignorando todas as suas potencialidades Isso é tão fre quente ao ponto de criarmos estantes para literatura e literatura infantil delimitandoa de acordo com a faixa etária ao mesmo tempo que criamos hie rarquias de valor Mas o que é mais importante e significativo Hábito ou ludicidade Meta ou prazer A leitura avaliativa da sala de aula ou a liberdade propiciada por ativi dades em bibliotecas escolares Não é porque o espaço escolar é para grande parcela dos alunos o único lugar de acesso à leitura que podemos apresentar textos aleatórios sempre com a mesma metodologia O raciocínio é simples se você precisasse desen volver hábitos de leitura em uma turma qual estratégias utilizaria A pergunta pode ser ambígua uma vez que você precisaria considerar questões de meta disponibilidade praticidade objetividade e saberes a serem trabalhados Sen do assim coloquese no meio do caminho entre o aluno e o professor fazendo essa reflexão Enquanto se questiona podemos delimitar não a obra mas os métodos a serem utilizados nosso caminho deve favorecer o ato de pensar e de cons truir ou seja o ato de divagar em meio à leitura O aluno nesse caso tornase o protagonista de sua fala e de sua escrita Dessa forma esses exercícios pas sam a ser a base dos métodos a serem aplicados já que o discente é levado via leitura a compartilhar o que escreve ou seja a dar forma corporificar Imaginese na seguinte situação em uma roda de leitura dentro da biblio teca você reúne seu espaço para criar um clima com seus alunos e ao fazêlo convida um dos alunos para ler o texto O Menino Maluquinho de Ziraldo O Menino Maluquinho Era uma vez um menino bagunceiro Ele tinha o olho maior que a barriga tinha fogo no rabo tinha vento nos pés umas pernas enormes que davam para abraçar o mundo e macaquinhos no sótão embora nem soubesse o que significava macaquinho no sótão LITERATURA INFANTIL 142 SERPEDALITEUNID4indd 142 161020 1745 Ele era um menino impossivel Ele era muito sabido ele sabia de tudo a única coisa que ele não sabia era como ficar quieto Seu can to seu riso seu som nunca estavam onde ele estava Se quebrava um vaso aqui logo já estava lá Às vezes cantava lá e logo já estava aqui Pra uns era uirapuru pra outros era um saci Na turma em que ele andava ele era o menorzinho o mais esperti nho o mais bonitinho o mais alegrinho o mais maluquinho Era tan tas coisas terminadas em inho que os colegas não entendiam como é que ele podia ser um companheirão ZIRALDO 2012 np Se estivessem em uma sala de aula é provável que fizessem em primei ro lugar uma leitura que classificasse as classes gramaticais presentes como substantivos artigos adjetivos verbos advérbios etc Mas as relações no texto não são apenas sintáticas mas também semânticas É por isso que se deve aproveitar o aporte para abordar questões sobre quem narra quem são as personagens o enredo da história seu local e tempo Observase que se trata de um menino e muitos dizem que ele é malu quinho devido às suas peraltices Com base nisso podemos constatar que no texto o ponto crucial é o vocábulo menino uma vez que todas as outras categorias narrativas tempo espaço personagem enredo narrador dele falam a ele se referem Se mudássemos a palavra por exemplo modificando seu gênero para menina já seria outro texto pois falaria de outra pessoa Todos os adjetivos ao menino atribuídos os inhos bem como os advérbios que giram em torno dos verbos suas ações são informações fornecidas por uma leitura atenta para caracterizálo e apontar as particularidades e peculia ridades do garoto Sendo assim passamos a conhecer seus hábitos e até o que seus amigos acham dele Poderíamos mudar a ordem das palavras ou alterálas sem modificar o sujeito mas falaríamos de outra coisa de outra maneira Veja que no final do texto há a referên cia ao autor Ziraldo o que dá um indício de reaproveitamento e contextualização da obra Observe também como o texto apresenta a adjetivação como as palavras vento nos pés e pernas enormes que atribuem particularidades à personagem LITERATURA INFANTIL 143 SERPEDALITEUNID4indd 143 161020 1745 Observe que o texto exerce uma função dupla possibilita um processo de re leitura superficial e ao mesmo tempo aprofundada um espaço para uma du pla significação Nesse sentido o professor não pode se limitar a um uso que favoreça apenas as classes gramaticais mas também deve explorar a estrutura interna do texto Em suma esse tipo de atividade foge um pouco do velho esquema texto gramática embora seja apenas um dos usos essenciais para atividades de in terpretação Por outro lado esse é um tipo de atividade que envolve textos infantis e que não se limita à sala mesmo quando ela é transformada em uma biblioteca criando um novo espaço de leitura Figura 6 Espaços de leitura na sala de aula Fonte Shutterstock Acesso em 06102020 Imagine uma biblioteca infantil em sala de aula quais livros utilizar Quais atividades direcionar De fato ao englobar o livro no espaço da criança é tra zido novamente o sentimento de liberdade a obra literária é vista como um brinquedo qualquer como uma bolsa um quebracabeça ou uma folha de co lorir que ocupa seu devido espaço Diferentes atividades devem ser realizadas de forma que a criança selecione seus objetos de leitura em escolha feita pela turma ALBUQUERQUE FERREIRA 2020 LITERATURA INFANTIL 144 SERPEDALITEUNID4indd 144 161020 1745 Essa é uma prática didática interessante para se desenvolver em diferentes ciclos educacionais o trabalho como literatura e no caso apontado a infantil não pode ser limitar a uma prática repetitiva a um uso ad eternum do mesmo corpus teórico e ficcional Procure se lembrar dos seus anos na educação bási ca já passou por um docente que utilizava sempre a mesma técnica Imagine a situação do aluno quan do o esquema da aula é essencialmen te similar ao de outras Se o ensino da literatura vira rotina então não há de fato aprendizagem O aluno entrará em sala pegará o livro observará se estamos estudando o mesmo período literário ou se já adentramos em outro Se for o mesmo vai estudar os autores sempre pela mesma régua pelas mes mas características sem se aprofundar nas particularidades dos textos Além de não ser nem um pouco didático e também contraintuitivo há um problema maior do que a leitura como obrigação a rotina Sobre isso Geraldi 2002 discorre Nas sociedades regidas pelo capital nenhum saber é aleatório todas as atividades visam ao atendimento de uma demanda e a escola atua em sua grande maioria como espaço de perpetua ção de normas e valores Não se torna espaço propriamente de prazer e emancipação mas de capacitação Os textos a serem lidos são avaliados por resenhas ou resumos utilizados para a realização de testes ou até para evitar destinos piores na visão dos alunos como ler tal livro e fazer um relatório de x páginas GERALDI 2002 p 12 A necessidade de promover capacitação para um contingente o qual ocu pará os futuros postos de trabalho gera uma cultura de organização padroni zação e divisão de todos os saberes divididos em disciplinas Porém quando utilizamos a ideia de biblioteca em sala de aula rompemos uma barreira ao transmutála para um espaço de ensino formal e não formal LITERATURA INFANTIL 145 SERPEDALITEUNID4indd 145 161020 1746 A sala de aula enquanto espaço de leitura O texto em sala de aula já recortado nos livros didáticos é planejado para não ser um instrumento de emancipação Sua filosofia de produção por mais dinâmica inovadora e ousada que possa ser na realidade é reflexo de um meio social no qual os indivíduos são capacitados desde cedo para atuar ou seja para assumirem cargos não para agirem conscientemente como indivíduos so ciais A escola por sua vez reflete essa característica por meio de avaliações que à semelhança do patrão com seus funcionários são uma espécie de cobrança ou cota a ser atingida Essa situação não muda por exemplo devido à presença de avaliações obje tivas ou discursivas Como já apontamos muitas dessas questões possuem um direcionamento de resposta o que não é um problema em si já que nessa faixa etária há sim uma limitação de respostas a serem atingidas justamente pela ca pacidade discursiva dos alunos O problema por sua vez está relacionado ao uso disso como prática por professores que em sua época também não desen volveram sua capacidade como leitores e consequentemente não conseguem fazêlo em sala Logo o direcionamento de respostas se torna uma verdadeira amarra para ambos professor e aluno O docente se limita a apresentar as ca racterísticas dos períodos e o aluno responde da maneira que aprendera no livro didático Sua contextualização é perdida já que o texto não é significativo Em suma as atividades se tornam similares aos exercícios de matemática em se Lobato é um escritor prémodernista e o prémodernismo teve elementos de ruptura então Caçadas de Pedrinho é uma obra prémodernista Essas práticas precisam ser revistas e constantemente atualizadas evitando se assim a atividade da leitura em sala como algo silencioso e rotineiro limitada a abrir um livro responder questões e corrigilas Essas ações nos afastam da nossa meta que é formar leitores Dessa maneira o texto se torna um simulacro totalmente distante da realida de de tal forma que em uma aula de história o aluno conhece todos os pontos personagens e eventos que culminaram na Revolução Francesa mas não de senvolveu a habilidade de contextualizála no seu cotidiano por exemplo Sabe o que o significou a queda do Antigo Regime mas não como isso o influencia Dessa forma a leitura em sua apreensão deve transcender a categoria de ativi dade monótona LITERATURA INFANTIL 146 SERPEDALITEUNID4indd 146 161020 1746 Porém o elemento lúdico do texto literário quando agregado ao próprio espaço de aula possibilita uma série de vantagens uma aula de Sociologia por exemplo pode se tornar mais interessante se for realizada uma atividade intertextual com a obra Meu pé de laranja lima obra que aborda a questão da pobreza na sociedade brasileira Ou ao se tratar a questão da reforma agrária uma rápida pesquisa aos livros da sala para um debate sobre a obra Dez Dias de Cortiço livro de Ivan Jaff uma vez que essa mesma obra reconta o clássico por um viés infantojuvenil Devemos observar que na nossa função primordial como facilitadores da formação de leitores precisamos ir além das estruturas escolares propiciando um fazer que transcenda as práticas habituais O prazer atingido não pode ser meramente contabilizado ou detalhado em uma planilha de metas pois gera um capital simbólico incalculável O livro como algo próximo corriqueiro tem o potencial para desenvolver a capacidade de leitura no aluno Aliás aproveita mos para abordar o sentido da palavra gostar Sentido pelo qual se percebe o sabor das coisas paladar sabor prazer agrado simpatia inclinação pendor critério opinião maneira moda faculdade de julgar os valores estéticos segundo critérios subjetivos sem levar em conta normas preestabeleci das bom gosto FERREIRA 2019 np Etimologicamente gostar é a ca pacidade de julgar as propriedades de algo valorizandoas seja de maneira objetiva ou subjetiva Em suma ava liar apreciar dar critério opinar Outro sentido de gostar agradar promove o deleite estético ou não e é nes se ponto que se aproxima o sentido de leitura que buscamos atingir o de levar a sensação de deleite ao leitor Mas esse prazer não é algo que sim plesmente brota mas está associado ao nosso meio e às nossas experiên cias de vida LITERATURA INFANTIL 147 SERPEDALITEUNID4indd 147 161020 1746 Em outras palavras o prazer associado ao fazer relacionase ao nosso dia a dia Se o aluno gosta de rock você já parou para refletir que são essas as lei turas que lhe dão satisfação que Pitty e Skank lhe são mais prazerosos do que O Pequeno príncipe ou Emília no país da gramática São essas leituras que lhe dão o devido sabor e não outras São essas leituras que fazem parte do seu cotidiano e lhe dão sentido Dessa maneira devemos desenvolver uma série de práticas que aproximem cada vez mais o aluno do universo da leitura como a presença de atividades em bibliotecas e em salas de aula Isso por sua vez esbarra nas práticas escolares como aponta a escritora Myriam Scotti 2020 que associava o hábito da leitura ao de escovar dentes porque era um hábito incorporado em sua rotina quando criança Nessa ana logia fazemos a saúde bucal de maneira mecânica sem uma reflexão acerca de nossas ações e somos habituados desde cedo a fazêlo sob risco de puni ção pela falta de asseio Por outro lado muitos têm preguiça ou não gostam de escovar os dentes motivo pelo qual a expressão desenvolver hábitos de leitura soa ambígua como se estivéssemos desenvolvendo um sentimento de obrigação nas pessoas e não um prazer Para Ezequiel Silva o contato com espaços literários favorecem o desenvol vimento de hábitos de leitura Lembrome de corpo inteiro fisgado pelos ásperos tempos pela agonia da noite pela luz do túnel vivendo apaixonada mente os subterraneos da liberdade e sendo paulatinamente introduzido por minha própria vontade na arte da palavra E como a palavra com Jorge Amado comecei a cultivar o gosto pela leitura de ficção 2007 p 22 Criase um laço que circunda o leitor a literatura e o espaço de leitura esse laço de se lançar à leitura é um espaço privado que envolve tanto a escola os espaços de favorecimento da prática quanto o mundo imaginativo do indi víduo que permite o livre exercício do faz de conta Além disso ficção vem de fingere fingimento que dá início a um processo de descoberta ao ponto de o ato de ler trazer à tona ques tionamentos sociais Isso é feito pelos temas enredos estruturas escolhas linguísticas tipos de abordagem ou pelas ideias apresentadas pelo autor LITERATURA INFANTIL 148 SERPEDALITEUNID4indd 148 161020 1746 Criase assim um espaço de angústia saudável em que o texto literá rio mostra justamente a sua utilidade que é esvaziada em si A literatura não tem uma função um valor utilitarista porque é um espaço de descoberta de estar no mundo Assim alguns perguntam qual é a utilidade de um espaço de leitura com obras infantis em sala de aula principalmente nas escolas que possuem biblioteca O espaço de leitura a biblioteca infantil a seleção de obras esses são ele mentos que fazem parte de uma educação não formal Não é formal pois vai além do conteúdo programático não é informal pois não está diretamente as sociada aos espaços formativos informais como a família mas cria espaços de formação social diferenciados possibilitando ao aluno acessar outros saberes para além da estrutura dos livros escolares Assim criase um ponto dentro da própria sala no qual até versões infantis de clássicos consagrados atendem a um propósito didático e libertador levar o aluno para além da velha estrutura pedagógica possibilitando que ele utilize outros mecanismos para se tornar protagonista da própria aprendizagem LITERATURA INFANTIL 149 SERPEDALITEUNID4indd 149 161020 1746 Sintetizando Nesta unidade abordamos a relação entre práticas de incentivo à leitura a literatura infantil e o trabalho realizado em conjunto com escola professores e comunidade Tivemos a oportunidade de salientar toda uma relação entre a criação de projetos o potencial da literatura infantil e o seu uso para projetos que não se limitam à alfabetização É dentro do espaço formativo da escola por sua vez que uma tradição de projetos formativos foi desenvolvida sendo que muitos não atingiram sua ple nitude em razão das escolhas das leituras feitas e da forma equivocada de apli cação Por isso abordamos o desenvolvimento da leitura como um processo lúdico no qual o indivíduo transforma diferentes tipos de texto em elementos que lhe são significativos Dessa forma traçamos o conceito de espaço de lei tura o qual pode envolver tanto a biblioteca escolar uma biblioteca infantil como também a organização de espaços na própria sala de aula de forma a construir uma relação mais próxima entre o texto literário e o aluno em dife rentes atividades do cotidiano LITERATURA INFANTIL 150 SERPEDALITEUNID4indd 150 161020 1746 Referências bibliográficas ABRAMOVICH F Literatura infantil gostosuras e bobices São Paulo Scipione 1995 ALBUQUERQUE E B C FERREIRA A T B Práticas de ensino da leitura e da es crita na educação infantil no Brasil e na França e os conhecimentos das crianças sobre a escrita alfabética Educação em Revista Belo Horizonte v 36 n 01 p 133 jan 2020 ANDRADE G Literatura infantil São Paulo Pearson Education do Brasil 2014 A NEGAÇÃO do Brasil Postado por Cine Clube Dionel Lig and ospont os 1h 29m 07 s son color port ou leg Disponível em httpswwwyoutubecom watchvS5bgipo2Dic Acesso em 08102020 ASSIS M Contos da escola Belo Horizonte Editora Dimensão 2015 BERNARDINELLI L L CARVALHO V M G A importância da literatura infantil In Encontro Científico e Simpósio de Educação Unisalesiano 3 2011 Lins Anais Lins Unisalesiano 2011 np COELHO N N Panorama histórico da literatura infantiljuvenil das origens indoeuropeias ao Brasil contemporâneo São Paulo Manole 2010 ECO U Seis passeios pelos bosques da ficção São Paulo Companhia das Le tras 1994 FERREIRA A B H Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa São Paulo Fundação Dorina Nowill para Cegos 2019 versão digital GARCÍA F SILVA L M Leituras de O Gato e o Escuro de Mia Couto Nau Literá ria Crítica e Teoria de literaturas Porto Alegre v 09 n 01 p 116 janjun 2013 Disponível em httpsseerufrgsbrNauLiterariaarticleview38948 Acesso m 08 out 2020 GERALDI J W Org O texto na sala de aula São Paulo Ática 2002 JOUVE V A leitura São Paulo Editora UNESP 2002 KIRCHOF E R Como ler os textos literários na era da cultura digital Estudos de literatura brasileira contemporânea Brasília n 47 p 203228 janjun 2016 KLEIMAN A Leitura ensino e pesquisa Campinas Pontes Editores 2011 LAJOLO M Do mundo da leitura para a leitura do mundo São Paulo Ática 1995 LUFT L Senhores das palavras Em outras palavras Rio de Janeiro Record 2006 LITERATURA INFANTIL 151 SERPEDALITEUNID4indd 151 161020 1746 O ENIGMA da pirâmide Direção de Barry Levinson Estados Unidos Paramount Pictures 1985 109min son color SANTOS V O C Cognição referenciação e leitura reconstruindo a argumen tação no gênero capa de revista Entrepalavras Fortaleza v 7 p 26 44 janjun 2017 SCOTTI M Vulnerabilidade e literatura Bem viver blog sl 05 jul 2020 Dispo nível em httpswwwacriticacomblogsbemviverblogpostsvulnerabilida deeliteratura Acesso em 30 set 2020 SILVA E T Leitura na escola e na biblioteca Campinas Papirus 2007 SILVA E T A Formação do leitor no Brasil o novovelho desafio In PRADO J CONDINI P Org A Formação do leitor pontos de vista Rio de Janeiro Argus 2012 VERCEZE R M A N SILVINO E F M O livro didático e suas implicações na prá tica do professor nas escolas públicas de GuajaráMirim Práxis Educacional Vi tória da Conquista v 04 n 04 p 83102 janjun 2008 Disponível em http periodicos2uesbbrindexphppraxisarticleview562456 Acesso em 08 out 2020 ZILBERMAN R SILVA E T Literatura e pedagogia ponto e contraponto Porto Alegre Mercado Aberto 1990 ZIRALDO O Menino Maluquinho São Paulo Melhoramentos 2012 LITERATURA INFANTIL 152 SERPEDALITEUNID4indd 152 161020 1746 Diante do desafio de superar o analfabetismo funcional é fundamental que algumas abordagens sejam abordadas a fim de que ia alunos possam ir além da mera decodificação de palavras A integração de práticas sociais de leitura no currículo é essencial conectando os estudantes a contextos diversos A diversificação de gêneros textuais e a exploração de temas relevantes à vivência dos alunos corroboram à formação de um ambiente mais estimulante A contextualização do ensino associando a leitura à situações do cotidiano promove uma compreensão mais profunda e facilita a interpretação de enunciados fora do ambiente escolarizado Além disso estratégias que incentivam a expressão oral e escrita como debates e produções textuais livres fortalecem as habilidades linguísticas de forma integrada A formação de parcerias com bibliotecas locais escritores e a promoção de eventos literários na escola ampliam o contato com diferentes formas de expressão escrita Destarte a prática do letramento literário transcende o ensino técnico explorando o potencial transformador do texto na vida dos estudantes capacitandoos a enfrentar os desafios comunicativos com confiança e compreensão A despeito disso Ribeiro e Pessoa 1996 p 23 enfatiza que é imbuído ao educador detectar as dificuldades de aprendizagem que surgem em sua sala de aula principalmente nas escolas mais necessitadas e averiguar as causas de forma ampla que abranja os aspectos orgânicos neurológicos mentais psicológicos aliados à problemática ambiental em que a criança está situada Essa metodologia facilitará o encaminhamento da criança a um especialista que ao tratar da deficiência tem condições de orientar o professor a lidar com o aluno em salas normais ou se considerar necessário de indicar sua transferência para salas especiais REFERÊNCIAS RIBEIRO Telhma de Souza PESSOA Jacimara Oliveira da Silva EDUCAÇÃO E O ENSINO CONTEMPORÂNEO PRÁTICAS DISCUSSÕES E RELATOS DE EXPERIÊNCIAS 2 Tese de Doutorado Universidade Federal do Amazonas Disponível em httpsayaeditoracombrwpcontentuploadsLivrosL151C14pdf
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LITERATURA INFANTIL LITERATURA INFANTIL Literatura infantil João Olinto Trindade Junior João Olinto Trindade Junior GRUPO SER EDUCACIONAL gente criando o futuro Nesta disciplina abordaremos os conceitos sobre um tipo particular de literatura a infantil bem como os demais conceitos relacionados a ela Analisaremos estudos e linhas de pesquisa que lançam múltiplos olhares sobre esses textos levando em consideração sua relação diacrônica e anacrônica para a formação de crianças e adolescentes Isso posto podese af rmar que há toda uma tradição literária voltada para promover a interação do indivíduo com o mundo fantástico e imaginário e mostrar de que for ma isso auxilia na percepção do real do sujeito que vai sendo construída Por esse viés ref etiremos sobre como essa vertente literária tem potencial para fa vorecer o desenvolvimento cognitivo do indivíduo em formação de maneira lúdica e criativa Além disso iremos explorar como uma série de estratégias de leitura podem ser desenvolvidas logo nas primeiras etapas da vida no âmbito familiar e escolar Além da discussão sobre o que def ne uma literatura como infantil e qual sua função na sociedade em que é produzida discorreremos sobre uma rica tradição de textos tanto no Brasil quanto no mundo que surgiu e continua se reinventando com o decorrer das épocas Bons estudos SERPEDALITECAPAindd 13 161020 1734 Ser Educacional 2020 Rua Treze de Maio nº 254 Santo Amaro RecifePE CEP 50100160 Todos os gráficos tabelas e esquemas são creditados à autoria salvo quando indicada a referência Informamos que é de inteira responsabilidade da autoria a emissão de conceitos Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem autorização A violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela Lei nº 961098 e punido pelo artigo 184 do Código Penal Imagens de íconescapa Shutterstock Presidente do Conselho de Administração Diretorpresidente Diretoria Executiva de Ensino Diretoria Executiva de Serviços Corporativos Diretoria de Ensino a Distância Autoria Projeto Gráfico e Capa Janguiê Diniz Jânyo Diniz Adriano Azevedo Joaldo Diniz Enzo Moreira João Olinto Trindade Junior DP Content DADOS DO FORNECEDOR Análise de Qualidade Edição de Texto Design Instrucional Edição de Arte Diagramação Design Gráfico e Revisão SERPEDALITEUNID1indd 2 161020 1733 Boxes ASSISTA Indicação de filmes vídeos ou similares que trazem informações comple mentares ou aprofundadas sobre o conteúdo estudado CITANDO Dados essenciais e pertinentes sobre a vida de uma determinada pessoa relevante para o estudo do conteúdo abordado CONTEXTUALIZANDO Dados que retratam onde e quando aconteceu determinado fato demonstrase a situação histórica do assunto CURIOSIDADE Informação que revela algo desconhecido e interessante sobre o assunto tratado DICA Um detalhe específico da informação um breve conselho um alerta uma informação privilegiada sobre o conteúdo trabalhado EXEMPLIFICANDO Informação que retrata de forma objetiva determinado assunto EXPLICANDO Explicação elucidação sobre uma palavra ou expressão específica da área de conhecimento trabalhada SERPEDALITEUNID1indd 3 161020 1733 Unidade 1 Literatura infantil conceitos e origens Objetivos da unidade 12 O estatuto da literatura infantil 13 A função da literatura infantil 15 A origem da literatura infantil 23 Contos de fadas dos primórdios aos dias de hoje 30 A literatura infantil brasileira 36 Sintetizando 42 Referências bibliográficas 43 Sumário SERPEDALITEUNID1indd 4 161020 1733 Sumário Unidade 2 Ideologia no Texto Infantil Objetivos da unidade 46 Representação da sociedade normas e valores 47 Representação da criança no texto literário infantil 53 Sensibilização e aproximação lúdica da criança com a linguagem poética 59 A importância da exteriorização personagens e acontecimentos fantásticos 66 O sobrenatural familiar 68 Literatura e amadurecimento 69 Sintetizando 78 Referências bibliográficas 79 SERPEDALITEUNID1indd 5 161020 1733 Sumário Unidade 3 Escola e formação do leitor Objetivos da unidade 82 Escola e formação do leitor 83 A importância da leitura e da literatura na escola 85 Estratégias de leitura em sala de aula 90 Brincadeiras com palavras sons e imagens 93 Leitura e leitores 95 Didática da literatura infantil 97 Responsabilidade da escola e do professor na formação do leitor 107 A sala de aula enquanto espaço de construção 108 O ensino da literatura 112 Políticas e práticas educacionais 113 Sintetizando 116 Referências bibliográficas 117 SERPEDALITEUNID1indd 6 161020 1733 Sumário Unidade 4 Métodos de ensino favoráveis à formação do leitor Objetivos da unidade 120 O papel da família da escola e da sociedade na promoção da leitura 121 A formação de leitores no Brasil 123 Processos lúdicos 127 Leitura e formação 129 Biblioteca escolar 131 A função formadora 133 A animação de uma biblioteca infantil 135 Fisiologia da biblioteca infantil 139 A natureza da leitura em ambientes escolares 141 Sintetizando 150 Referências bibliográficas 151 SERPEDALITEUNID1indd 7 161020 1733 SERPEDALITEUNID1indd 8 161020 1733 Olá alunosas Nesta disciplina abordaremos os conceitos sobre um tipo particular de li teratura a infantil bem como os demais conceitos relacionados a ela Analisa remos estudos e linhas de pesquisa que lançam múltiplos olhares sobre esses textos levando em consideração sua relação diacrônica e anacrônica para a formação de crianças e adolescentes Isso posto podese afi rmar que há toda uma tradição literária voltada para promover a interação do indivíduo com o mundo fantástico e imaginário e mos trar de que forma isso auxilia na percepção do real do sujeito que vai sendo construída Por esse viés refl etiremos sobre como essa vertente literária tem potencial para favorecer o desenvolvimento cognitivo do indivíduo em formação de ma neira lúdica e criativa Além disso iremos explorar como uma série de estraté gias de leitura podem ser desenvolvidas logo nas primeiras etapas da vida no âmbito familiar e escolar Além da discussão sobre o que defi ne uma literatura como infantil e qual sua função na sociedade em que é produzida discorreremos sobre uma rica tradição de textos tanto no Brasil quanto no mundo que surgiu e continua se reinventando com o decorrer das épocas Bons estudos LITERATURA INFANTIL 9 Apresentação SERPEDALITEUNID1indd 9 161020 1733 Dedico esta disciplina aos professores nos seus mais variados perfi s vocações e ciclos de ensino que buscam desenvolver estratégias para trazer seus alunos ao mundo maravilhoso da leitura O professor João Olinto Trindade Ju nior é doutor em Teoria da Literatura e Literatura comparada pela UERJ 2019 é especialista em Planejamento Imple mentação e Gestão da EaD pela UFF 2016 e possui mestrado em Literatura Portuguesa pela UERJ 2013 Além dis so é graduado em Letras PortuguêsLi teratura pela Unisuam 2010 Como professor atua nos seguintes segmentos educacionais Educação Bá sica Superior e Pósgraduação presen cial e EaD EJA e Pronatec Como produtor de conteúdos atua como conteudista revisor parecerista e designer educacional É parecerista de revistas acadêmicas da área de Letras Educação e Direito Currículo Lattes httplattescnpqbr2506819258004448 LITERATURA INFANTIL 10 O autor SERPEDALITEUNID1indd 10 161020 1734 LITERATURA INFANTIL CONCEITOS E ORIGENS 1 UNIDADE SERPEDALITEUNID1indd 11 161020 1736 Objetivos da unidade Tópicos de estudo Conceituar a literatura infantil Abordar a existência da literatura voltada para o público infantil bem como sua função sociocultural O estatuto da literatura infantil A função da literatura infantil A origem da literatura infantil Contos de fadas dos primór dios aos dias de hoje A literatura infantil brasileira LITERATURA INFANTIL 12 SERPEDALITEUNID1indd 12 161020 1737 O estatuto da literatura infantil Literatura infantil juvenil infantojuvenil essas terminologias são relativa mente comuns e participam do vocabulário de muitos No entanto o concei to precede a nomenclatura A maioria das pessoas ao serem questionadas sobre o que vem a ser literatura infantil provavelmente responderia que se trata de textos voltados para crianças e adolescentes abrangendo contos fábulas romances e outras manifestações fi ccionais Todavia alguns poderiam alegar que os livros da saga Harry Potter da es critora J K Rowling por exemplo não podem ser meramente taxados de lite ratura infantil Apesar da abordagem da temática adolescente e do processo de descoberta temos uma sequência de livros infl uenciados pela tradição da literatura inglesa e até mesmo pelos romances de cavalaria como o impor tantíssimo A demanda do Santo Graal Da mesma forma apresentar os mundos extraordinários de L Frank Baum O mágico de Oz e de Lewis Carroll Alice no país das maravilhas como apenas literatura infantil é um reducionismo mesmo em se tratando de escritores que são comumente associados a esse tipo de produção Assim pensar o estatuto da literatura infantil abrange necessariamente essa discussão o que a difere de outras que também recebem o título de li teratura De acordo com Antonio Candido a literatura infantil pode ser con siderada um gênero literário como todos os demais já que para ele o texto literário abrange criações dotadas de elementos poéticos em todas as culturas e sociedades o que inclui folclore lenda chiste e até as formas mais comple xas e difíceis da produção escrita das grandes civilizações 1989 p 112 Dessa maneira há uma produção fi ccional que objetiva desen volver nos mais novos o hábito da leitura a partir de textos que buscam criar estratégias de leitura e facilitação É nesse ponto que nos deparamos com a literatu ra infantil como um instrumento que auxilia na formação do sujeito posto que ela atua como veículo educativo em prol do efeito que gera no comportamento do leitor em fase de for mação CARVALHO 1989 p 194 LITERATURA INFANTIL 13 SERPEDALITEUNID1indd 13 161020 1737 Mas qual é a abordagem dada a essa literatura em sala de aula É comum aquela crença de que o indivíduo deve começar sua leitura por obras descri tas como mais leves partindo posteriormente para outras mais significativas Entretanto essa dita leveza também é abordada como sinônimo de valora ção o que ocorre porque somos levados a taxar textos literários como maio res e menores introdutórios e avançados Esbarramos então no estatuto da literatura infantil real e de fato nos dias de hoje a criança gosta de O menino maluquinho de Ziraldo mas aprende que literatura de verdade é Memórias póstumas de Brás Cubas de Machado de Assis Já no ensino médio na disciplina de literatura passará longe de uma Lygia Bojunga com sorte abordará Monteiro Lobato dividido ente produção adulta e infantil lerá Gabriela em vez de O gato malhado e a andorinha Sinhá ambos de Jorge Amado ou transitará por A hora da estrela sem nunca ter a chance de discutir em sala Como nasceram as estrelas parte de uma pro dução de Clarice Lispector voltada para crianças Abordamos o estatuto da literatura infantil ao questionar sua recepção e classificação literatura apenas para crianças A que é indicada nos livros paradidáticos Ou talvez aquela indicada pelo Ministério da Educação para a formação da capacidade crítica e analítica da criança durante o desenvolvi mento da capacidade de leitura Figura 1 O contato da criança com a leitura Fonte Shutterstock Acesso em 04092020 LITERATURA INFANTIL 14 SERPEDALITEUNID1indd 14 161020 1738 A função da literatura infantil Não faz muito sentido dizer para uma criança por exemplo que Peri é mais esperto que Emília O infante é constantemente confrontado com uma literatura que por vezes foge de sua capacidade interpretativa ao passo que aquela que se adequa ao seu nível de formação crítica é depreciada É em uma época como a atual quando a criança se vê cercada por um tur bilhão tecnológico que a literatura infantil oferece um brilhante caminho para crianças e adolescentes CURIOSIDADE Você já parou para pensar sobre a infl uência dos demais meios de comu nicação no processo de leitura das crianças Se antes conhecíamos os contos de fadas por intermédio de nossos pais por exemplo hoje há toda uma geração que teve contato com essas mesmas histórias por intermé dio de fi lmes e animações os quais por si só agregam novas leituras aos mesmos textos permeados de valores novos e ressignifi cados Uma vez que determinada produção literária é adjetivada como infantil e en tendendo que esse termo não signifi ca ao pé da letra uma literatura menor surge a dúvida qual a sua fi nalidade Esse título advém do fato de muitos acharem que ela é somente lida por crianças Tendo isto em mente podese arriscar e afi rmar que muitos adultos leram Artemis Fowl o menino prodígio do crime 2013 por exemplo livro no qual há um resgate dos contos de fadas nos dias de hoje Talvez o termo infantil se refi ra aos textos separados para serem publi cados em livros paradidáticos como já apontado anteriormente ou sancio nados pelo MEC para auxiliar no desenvolvimento da formação de leitores críticos Mas devemos destacar que entre explicações motivações e contri buições essa é uma literatura que pode ser utilizada como agente formador do indivíduo em uma idade específi ca de forma espontânea e direcionada é a criança que aprende a ler com os pais recebe contos de presente de seus avós ou participa de rodas de leitura em sala de aula A literatura in fantil vai além inclusive ao contribuir para a formação da consciência de mundo em crianças e jovens Ao pensar em função é comum evocar os conceitos de planejamento meta objetivo E é nesse ponto que entra a escola espaço de aprendizagem LITERATURA INFANTIL 15 SERPEDALITEUNID1indd 15 161020 1738 formal por excelência Atualmente há inúmeras críticas sobre o modelo atual da escola bem como suas heran ças oriundas do século XIX época na qual havia necessidade de capacitação massiva da população Todavia é na escola que a criança interage de ma neira sistemática com a cultura for mal o que agrega à instituição uma importância histórica vindo a ser um espaço privilegiado para impulsionar mudanças significativas na sociedade devido a responsabilidade que lhe é atribuída na formação do indivíduo A escola é um espaço que foi criado para dar respostas aos anseios e ne cessidades da sociedade e pouco mudou desde então Para fins de compara ção observe como determinados institutos federais oferecem um ensino mé dio técnico diferenciado de acordo com a região de modo que cursos como Educação do Campo e Meio Ambiente serão mais encontrados em regiões interioranas do que nas grandes capitais litorâneas Já nessas capitais os ins titutos tendem a oferecer cursos de eletrotécnica e mecânica por exemplo O ensino de literatura em sala de aula segue essa premissa Como aponta Coelho 2000 o ensino da literatura está associado ao da língua de modo que ter contato com o texto literário objetiva possibilitar ao aluno o domínio das variedades do discurso verbal a fim de que ele possa ser um sujeito pleno Isso ocorre pelo fato desse indivíduo ter acesso por meio do discurso literário ao arcabouço sociocultural do meio em que vive Recorde seu aprendizado sobre os ciclos econômicos no Brasil O que aconteceu com São Paulo após os ciclos do algodão e do café Neste caso você pode ler Cidades mortas 2009 de Monteiro Lobato e compreender melhor o que ocorreu com várias cidades do Vale do Paraíba que dependiam de determinados produtos influenciados por ciclos econômicos Ou pode ler Caçadas de Pedrinho 2003 do mesmo autor para compreender que um país não é feito apenas de ciclos econômicos mas de hábitos e costumes de um povo os quais perduram através dos tempos LITERATURA INFANTIL 16 SERPEDALITEUNID1indd 16 161020 1740 É por meio do texto literário e desse confronto entre o fatual e o factual que o leitor pode refletir entre o real e o imaginado desenvolvendo suas leituras do mundo Nesse ponto tornase necessária uma literatura que atenda aos aceitos de determinada parcela da população Aqui podese pensar mas eu escutei histórias do meu pai ou minha avó contava histórias da carochinha pra mim quando criança Isso poderia significar que há uma literatura infantil anterior à sua variedade escrita e podese dizer antes de se conceber a noção de infância No que a literatura infantil da maneira que a concebemos atualmente é diferente das histórias tradicionais Essa é uma questão em discussão até os dias de hoje Contudo é necessário chamar a atenção para um ponto o impulso para ler observar e compreender o espaço em que vive e os seres e coisas com que convive é condição básica do ser humano Desde que a inteligência hu mana teve condições para organizar em conjunto coerente as formas e si tuações enfrentadas pelos homens em seu dia a dia estes foram impelidos a registrar em algo durável aquelas experiências marcantes Estudando a história das culturas observamos como a literatura foi um veículo essencial seja de maneira oral ou escrita para as principais formas pela qual essa herança foi transmitida Desta maneira a tradição transmiti da e retransmitida é um poderoso elemento para a mudança da sociedade É nesse sentido que vemos na literatura infantil o agente ideal para a forma ção de uma mentalidade crítica Essa afirmação faz parecer que por literatura infantil queremos dizer literatura didática De certa forma não é algo de todo equivocado Porém conforme atesta O estatuto da literatura infantil 2003 devese pensar na dupla função desse tipo de discurso literário principalmente por seu viés pedagógico tanto transmite normas morais quanto possibilita a compreen são do real das experiências existentes por meio da contação de histórias É por isso que o chamado livro para crianças não tem forma fixa podendo abordar até mesmo temáticas adultas como a perda a morte e o sofrimento O livro infantil não envolve apenas a história sendo contada mas também sua forma e seu elemento estético É por isso que pode ser considerado como uma forma de manifestação artística que possibili LITERATURA INFANTIL 17 SERPEDALITEUNID1indd 17 161020 1740 ta a produção de um espaço carregado de textualidades plurissignificativas para o leitor colaborando com sua forma de interagir com o mundo Todavia há um contraponto entre o fazer literário pelo viés da estética para a criança É por isso que para dar continuidade à discussão é impor tante observar que em Seis passeios pelo bosque da ficção 1994 Umberto Eco aborda o conceito de autormodelo e como este em seu processo de construção ficcional cria um leitormodelo presumível Em suma todo tex to possui seu leitor seu públicoalvo Dentre as questões culturais estéticas e morais permanece uma pergunta quem é o autormodelo da literatura infantil e qual é o leitormodelo que ele busca conceber diante do seu pro cesso de criação ficcional Antes de dar prosseguimento ao conteúdo cabe evidenciar como esse assunto abre cada vez mais espaço para outras perguntas Pensar na função da literatura infantil envolve isso quem é o leitor qual seu contexto como se dá a divulgação de determinado conteúdo Uma série de pesquisadores se debruçou nisso visto que não se trata somente de falar sobre uma lite ratura voltada para crianças mas sim abordar conceitos mais essenciais como o que seria de fato a criança por exemplo Pode parecer estranho mas na Grécia antiga as crianças eram alfabetiza das por meio da Ilíada obra de Homero que discorre sobre a guerra de Troia Contudo tratavase de uma parte muito restrita da população Por meio des sa obra esses indivíduos também aprendiam os princípios da cultura grega seus elementos e suas marcas culturais Claro toda essa prática só foi possí vel por causa de uma habilidade fundamental do ser humano a leitura O ato de ler é uma conquista do processo evolutivo da humanidade pois é a fonte de toda a memória de um povo como cultura ideias e todas as outras coisas elaboradas e conservadas pelo homem Assim a palavra é caminho fundamental para evolução de um povo Em face da realidade em constante transformação tornase cada vez mais urgente uma reflexão sobre a educação e o ensino uma vez que é nessa área que os novos princípios ordenadores da sociedade serão definidos É uma discussão profícua que atinge principalmente o âmbito da língua e da lite ratura Embora pareça pouco provável que a palavra seja a responsável pela evolução de um povo devemos nos lembrar de que segundo Coelho LITERATURA INFANTIL 18 SERPEDALITEUNID1indd 18 161020 1740 O verdadeiro impulso evolutivo de um grupo sociocultural ocorre ao nível da mente ao nível da percepção de mundo que cada indivíduo vai apreendendo desde os primeiros anos como membro de uma comunidade Muitos porém tardaram a des cobrir ou ainda não o fizeram que o caminho fundamental para se atingir este nível é a Palavra Ou melhor é a Literatura imagem abreviada de algo mais amplo a vida real que passa a ser demudada em arte 2010 p 14 A literatura e em especial a in fantil tem uma tarefa fundamental a cumprir nesta sociedade em trans formação a de servir como agente de formação seja no espontâneo convívio leitorlivro seja no diálogo leitortexto estimulado pela escola É ao livro à palavra escrita que atri buímos a maior responsabilidade na formação da percepção de mundo das crianças e jovens Leitura presume escrita registro Transmissão de saberes A partir do mo mento em que passa a dominar o código escrito o indivíduo pode executar habilidades que antes quando as possuía eram limitadas como a reflexão mãe da filosofia Ao escrever podese registrar ideias e depois consultálas aumentando a quantidade de informação para além das limitações da mente Vale destacar que o ato de ler envolve um processo de adaptação e in serção em um campo diferente para as crianças que é o dos significados e signos que a palavra pode transmitir Sobre esse processo de apropriação dos códigos e signos de leitura Yunes e Pondé afirmam que Para a criança o processo psíquico de identificação a interação de subjetividade que nos lança para dentro dos livros é ain da mais forte daí a necessidade de o escritor ter consciência plena do seu mistério Os papéis propostos pelos personagens são vividos pela imaginação infantil com a força de um drama real Por esta via texto e leitor se fundem o que acentua a LITERATURA INFANTIL 19 SERPEDALITEUNID1indd 19 161020 1741 possibilidade de impressão sobre a consciência do leitor dos modelos de comportamento e dos conflitos vividos ideologia no universo A leitura para a criança bem mais que um meio de evasão ou de socialização é um meio de representação do real Desse modo o texto ajudaa a reelaborar o real sob a forma do jogo e da ficção 1996 p 41 Ou seja ao ler crianças e adolescentes estão se apropriando dos códigos da leitura e codificando as mensagens presentes de maneira explícita e implícita nos textos literários infantis de modo a reelaborar o seu mundo real Logo o texto infantil passa a ser um instrumento importante para pro porcionar à criança eou adolescente a descoberta do mundo real a partir do mundo lúdico O ato de ler não corresponde somente ao entendimento de um tex to escrito ou não Assim a leitura necessita que o leitor mobilize o seu universo para atualizar o universo do texto e assim fazer sentido Eliana Yunes 1989 afirma ainda que aprender a ler é se familiarizar com textos de diferentes esferas sociais a fim de desenvolver uma atitude crítica perceber as diferentes vozes dos textos e desse modo ser capaz de se apropriar de cada ideia ou palavra apresentada A palavra lúdico está muito presente nos dias de hoje trabalho compro missos aprendizagem e mesmo na EaD quando tratamos do princípio de gamificação da aprendizagem Há um sentido para isso posto que muito do que aprendemos na medida em que somos uma espécie de animais sociais o fazemos por meio de jogos e brincadeiras Das partidas de futebol nas quais os times precisam dividir os papéis até os jogos de videogame que propiciam uma diversão maior quando reúnem duas ou mais pessoas internalizamos melhor determinados saberes quando os associamos a atividades lúdicas Não é estranho imaginar dessa maneira a literatura infantil como um espaço de terapia e recreação CARVALHO 1989 pois é um ambiente que por meio de sua estrutura comunicativa transmite a cultura de um grupo sociocultural além de propiciar uma interação entre o discurso do adulto e o da criança em uma troca intersemiótica Se faça a seguinte pergunta é possível ensinar Filosofia para uma crian ça discorrendo sobre Sócrates Aristóteles e Platão Jostein Gaarder escri LITERATURA INFANTIL 20 SERPEDALITEUNID1indd 20 161020 1741 tor norueguês procurou de maneira divertida realizar essa tarefa por meio do livro O mundo de Sofia 2007 Curiosamente a maneira lúdica e didática por meio da qual ele escreveu um romance sobre a história da Filosofia faz com que o livro seja lido por pessoas de todas as idades Ocorreu nesse caso uma negociação intersemiótica na qual um escri tor e professor de filosofia remodelou seu discurso para transmitir seus saberes para um outro tipo de leitor uma criança Ou seja uma linguagem direcionada para a criança mas construída a partir das concepções de mun do de um adulto com suas morais e condutas adquiridas ao longo da vida Dessa maneira a literatura infantil atua tanto como objeto de diversão como ferramenta que contribui para o processo formativo o desenvolvi mento da cognição e o amadurecimento crítico da criança e do adolescente Nesse sentido as estudiosas literárias Lajolo e Zilberman 1985 refletem sobre a literatura infantil como uma ferramenta de construção sociocultu ral do sujeito Essa literatura atua em uma sociedade constantemente em evolução com o papel de agente intermediário na concepção de mundo real por meio de questionamentos sobre valores morais sociais e culturais que estão presentes na sociedade Assim a literatura infantil nessa medida é levada a praticar seu engano formativo o qual não se confunde com uma incumbência pedagógica Com efeito ela dá conta de uma atividade a que está voltada toda a cultura a de conhecimento do mundo e do ser p 25 É por isso que há toda uma tradição de pesquisadores que considera útil e pedagógico o desenvolvimento de metodologias a partir do uso da literatura infantil visando a formação do indivíduo uma vez que propicia o contato com questões sociais levandoo a interagir com a função social do texto literário Os livros infantis são pontes que ligam o mundo imaginário ao real de maneira a proporcionar novas descobertas ao sujeito quanto ao mundo que o rodeia bem como inserilo na magia e fantasia sem se desconec tar do real Assim as histórias infantis são mecanismos para crianças e jovens abrirem as janelas da curiosidade de forma a descobrirem o novo com prazer e entusias mo visto que a literatura possui essa artimanha de proporcionar descobertas reais por meio do lúdico LITERATURA INFANTIL 21 SERPEDALITEUNID1indd 21 161020 1741 Figura 2 Criança lendo Fonte Shutterstock Acesso em 03092020 Desse modo a leitura é considerada há séculos o mais importante meio de passatempo divertimento e principalmente fonte de informação e co nhecimento Isso porque é por meio dela que o sujeito se constrói e se de senvolve social e culturalmente a partir do momento em que compreende o universo que está entreposto Assim segundo Zilberman e Magalhães uma leitura lúdica e desconjuntada de finalidades pedagógicas pode ser um importante mecanismo para os alunos aprende rem a gostar de ler e interpretar os diferentes discursos lite rários O texto literário pode ser uma atividade lúdica quando dirigida à ficção e à poesia 1982 p 57 Percebese que a leitura literária pode trazer conceitos da vida real da criança por representar em suas histórias infantis aspectos do cotidiano bem como o conhecimento prévio de mundo da criança proporcionando a ela descobrir sentidos e contextos que fazem parte da formação de si e do universo Vale destacar que a base teóricobibliográfica sobre literatura infantil é vasta com vários teóricos que discutem essa literatura em diferentes vertentes como no campo pedagógico eou da arte Essas duas vertentes são válidas na discussão literária uma vez que a literatura como arte está relacionada ao papel que assume configurandose como lúdica interati LITERATURA INFANTIL 22 SERPEDALITEUNID1indd 22 161020 1742 va ilustrativa e de receptividade com o público infantil Ademais pode ser pedagógica no sentido de contribuir com a formação do sujeito mas é importante ressaltar que o livro literário infan til vai muito além dos conceitos pedagógicos A origem da literatura infantil Até o presente momento muito foi dito sobre a função da literatura infantil sua relação com as práticas cotidianas e escolares e como essa produção textual é alvo de análise estética e pedagógica Entretanto você já deve ter ouvido falar da expressão formafunção na qual a função de determinada coisa delimita sua forma E por formação também que remos dizer a origem de determinada coisa o porquê de ela ter certas características É por isso que precisamos aqui abordar o processo formativo da lite ratura infantil desde suas primeiras manifestações até o surgimento da quelas que serão responsáveis pela atribuição do termo literatura infan til Queremos com isso tentar responder a uma grande questão contos de fadas sempre foram considerados literatura infantil Todo conceito agrega um significado devendo ser utilizado em um con texto específico É por isso que é possível afirmar que o termo literatura infantil é recente e o que pode ser evocado por essa nomenclatura nas delimitações estabelecidas remete ao século XVII Este era um tipo de li teratura que tinha forma mais estética eou educacional em virtude de a criança dessa época ser considerada como um ser pequeno sem suas próprias concepções de mundo e seu período infantil configuravase so mente como uma fase que o indivíduo deveria percorrer até chegar a fase produtiva de adulto Em suma nesse período a literatura infantil ainda não era uma litera tura tão específica visto que não havia distinção de faixa etária ou desen volvimento cognitivo para se abordar o discurso literário Observe o que foi dito anteriormente sobre a resposta social cobrada das instituições de ensino segundo Lajolo e Zilberman 2007 o mesmo se esperava da literatura associada a determinado estrato social LITERATURA INFANTIL 23 SERPEDALITEUNID1indd 23 161020 1742 ASSISTA A relação entre escola e literatura é tão antiga quanto é produtiva Com a centralização dos processos edu cacionais por meio de diferentes órgãos que ditam as ementas gradativamente surgem projetos de leitura que interligam escola e literatura infantil Recomendamos o excelente documentário Ler para sonhar O mundo da literatura infantil produzido pela TV Justiça Nele nos deparamos com os usos e opiniões desse gênero literário em sala de aula por aqueles que desenvolvem projetos de leitura os professores Como revela Samuel 2002 Aristóteles já apontava as funções cogni tivas estéticas e catárticas da literatura Posteriormente foi engendrada a função políticosocial que seria a forma de conceber a sociedade e rea lizar críticas à mesma E bem mais adiante a função lúdica voltada para o entretenimento No entanto todas elas estão intrinsecamente ligadas a um elemento que será desenvolvido com o passar dos séculos o conceito de público Embora seja possível apontar a função políticosocial desde textos como Édipo Rei muito de sua reflexão atual tem origem em uma produção literária que começa a surgir como resultado de um movimento estético filosófico conhecido como Renascimento Entre os séculos XIV e o século XVI surge um movimento que representou o rompimento com os valores religiosos e filosóficos predominantes no período da Idade Média e conse quentemente consolidou a imagem do homem como o universo da ciência antes imperceptível nas ciências anteriores Assim com a valorização do pensamento cientifico e racional alicerçada à cultura europeia os modelos de comportamento humano e de conhecimento se transformam A isso se somou a Revolução Francesa iniciada no século XVIII que também contribuiu com a formação de um novo conceito de indivíduo além de visar a produtividade e o lucro para a sociedade Assim o pensamento renascentistaindustrial influenciou toda uma forma de conceber o mundo se antes estudar era reservado aos abastados agora se torna uma necessidade para alcançar um mundo melhor É preciso capacitar toda uma população para que a sociedade transcenda suas dificuldades LITERATURA INFANTIL 24 SERPEDALITEUNID1indd 24 161020 1742 Desse modo com a Revolução Industrial foi necessário criar mão de obra especializada e qualificada para desenvolver diversos tipos de ser viços no meio industrial e com isso a escola se adequou a esse papel de qualificar o sujeito proporcionando ensinamentos voltados ao ato de ler escrever e de contar Portanto o ensino germanizado das escolas em vir tude da Revolução Francesa que foi um movimento políticosocial pro porcionou o caminho para a modernidade bem como o acesso aos meios de produção Esse foi um dos contextos que mais influenciaram o desen volvimento da literatura infantil Lajolo e Zilberman 2007 apontam isso ao evidenciar como a Revolu ção Industrial instigou o surgimento do que viríamos a chamar de uma literatura voltada para crianças A partir dela decorreram transformações significativas no alicerce social em todas as seções Por meio da industria lização a sociedade homeopaticamente experienciou a modernização e este foi um reflexo da necessidade de se adaptar aos modelos modernos emergentes no campo da educação Isso gerou maior atenção ao merca do de livros desenvolvendo conceitos como layout e aperfeiçoamento do material como um todo Observe como o aumento da população letrada também possibilita o surgimento de tipos de leitores e ainda mais de segmentos É provável que um dia seus pais tenham lhe dito para estudar se quiser ser alguém na vida Contudo estudar prática dos religiosos e da elite letrada passa a ser um objeto de desejo um anseio da população como um todo Se an tes muito do capital simbólico dessa elite envolvia o domínio dos recursos e de uma formação clássica agora essa formação passa a ser vista como mecanismo de ascensão social O sucesso da Revolução Industrial será um dos motores da Revolução Francesa Devido ao comprometimento com as ideias racionais e a valori zação do pragmatismo segundo Carvalho 1989 há uma espécie de ojeriza com a abordagem da fantasia na literatura produzida nessa época visto que contrapunha o mo delo da revolução científica Nesse momento a questão da criança não é abordada pois ela não existia à época enquanto um LITERATURA INFANTIL 25 SERPEDALITEUNID1indd 25 161020 1742 conceito Se Piaget discorre sobre a questão da aprendizagem da criança em meados do século XX podese dizer que ele é um herdeiro direto de Jean Jacques Rousseau que publicou Emílio ou da educação 1762 obra que permitiu que a literatura infantil trilhasse novos caminhos e se envol vesse com a ética e questões pedagógicas CARVALHO 1989 Esse livro mudou a concepção que se tinha à época por abordar a criança como um ser para além de um adulto em formação com suas capacidades crítica criativa e cognitiva em processo e formação Foi necessário analisar um determinado período transitando por épo cas anteriores e posteriores ao Renascimento para delimitar uma deter minada produção literária É necessário entender o pensamento do es critor e o contexto de sua formação para abordar uma produção literária concebida ao longo das épocas Isso porque os primórdios do que se convencionou chamar de literatu ra infantil ocorre pelo resgate de histórias anteriores que remetem a tex tos gregos e romanos podese dizer que isso é um efeito do Renascimen to influenciando a literatura europeia e posteriormente com reflexos no Brasil até o período posterior ao Modernismo Tal fato ocorreu com a produção de Monteiro Lobato um marco na história da literatura infantil brasileira Podese com isso apontar que o surgimento da literatura infantil ocor reu no século XVII na Europa embora existam alguns teóricos que apon tam que essa literatura surgiu primeiramente na Índia Egito ou Oriente COELHO 2010 Essa produção literária conhecida como clássica pode ser rastreada até seus ancestrais como a novelística popular medieval que por sua vez tem suas raízes mais remotas em certas fontes orientais Índia ou mais precisamente indoeuropeias Muito da literatura infantil recebeu essa influência das fábulas greco latinas que continham narrativas de personagens antropomorfizados com o intuito de transmitir ao leitor mirim a imagem do ser humano com suas verdadeiras características ou seja suas virtudes e defeitos bem como apresentando uma narrativa de vertente moralizadora Há uma sé rie de textos que são reflexo de sua época e se alimentam desse material fabulesco conforme afirma Coelho LITERATURA INFANTIL 26 SERPEDALITEUNID1indd 26 161020 1742 como exemplo dessas influências podemos citar As fábulas 1668 de La Fontaine os Contos da mãe gansa 16911697 de Charles Perrault Os contos de fadas 8 vols 16961699 de Mme DAulnoy e Telemaco 1699 de Fénelon Esses foram os livros pio neiros do mundo literário infantil à sua época 2010 p 75 Muitos desses textos produzidos mantinham uma forte intertextuali dade com as pontes grecolatinas a exemplo das Fábulas de Esopo Isso permitiu o surgimento de textos que por meio de suas fábulas populares proporcionaram uma ampliação da literatura porém mantendo o caráter moralizador Jean La Fontaine 16211695 foi um escritor do período do classicismo francês que com um pensamento intelectual rebelde para sua época contribuiu para a Revolução Francesa após um século de sua mor te Curiosamente esses textos eram apreciados nas cortes e nos saraus literários promovidos pela elite francesa de modo que termos como es critor de textos infantis é um título posterior EXPLICANDO La Fontaine foi um poeta e fabulista francês autor de diversas fábulas conhecidas Iniciou sua carreira de escritor em 1650 escrevendo peças de teatro e tentando em seguida a poesia Inspirado em Marot Malherbe e Ovídio publicou madrigais baladas e epístolas em que mistura poesia e prosa Influenciado por Boccaccio e Ariosto escreveu Contes et nouvelles en vers 1664 obra que por seu imoralismo não foi bem aceita Entretanto apesar da variedade dessas formas ou gêneros nobres La Fontaine se imortalizou com uma forma literária popular então considerada menor a fábula Esses primeiros textos foram escritos entre os séculos XVII e XVIII período em que não havia a concepção de infância Ocorre que o conceito de infância viria a surgir nessa época como consequência da Revolução Francesa e na onda dos valores burgueses que passariam a estar em voga o conceito de fa mília nuclear mais limitado e restrito ZILBERMAN 2003 Ao valorizar núcleos menores valorizase também o tempo de formação as fases da vida e a ligação entre os membros Isso é reflexo de uma mudança de paradigmas enquanto em Romeu e Julieta de Shakespeare há um conflito entre grupos familiares ri vais em Senhora de José de Alencar temos uma discussão sobre validade do amor diante do casamento por conveniência LITERATURA INFANTIL 27 SERPEDALITEUNID1indd 27 161020 1742 Segundo Zilberman a valorização da família trouxe uma nova concepção de infância o que proporcionou a educação para os pequenos A nova valorização da infância gerou maior união familiar mas igualmente os meios de controle do desenvolvimento intelectual da criança e a manipulação de suas emoções Literatura infantil e escola inventada a primeira e reformada a segunda são convoca das para cumprir essa missão 2003 p 15 Um escritor importantíssimo desse período foi Charles Perrault 1628 1703 Sua escrita aproximou o público infantil incluindo também o con ceito de leitorcriança das obras literárias ao apresentar textos que mes clavam elementos da cultura popular à época Sua obra mais conhecida Contos da mãe gansa teve ampla divulgação entre o público infantil Assim como La Fontaine Perrault não entra para a história literária como poeta clássico mas sim criador de uma literatura popular pouco apreciada pelo gosto estético de sua época porém que ao mesmo tempo o perpetua entre os grandes escritores da literatura infantil O século XIX fruto cultural das revoluções burguesas trouxe uma nova for ma de entender o mundo o que gerou reflexos na literatura Conceitos imate riais como o sonhar o imaginar a religião a crença a esperança o gênio criati vo a liberdade estética e o apreço pelos elementos da cultura local a chamada cor local trouxeram novos elementos para o discurso literário daquela época É aqui que irá surgir muito daquilo que chamamos de tradição com o surgi mento e amadurecimento dos modernos estados nacionais há a busca pelos valores originais de determinado povo o que agregará valores considerados legítimos da terra COELHO 2010 Assim no campo dos estudos literários é durante o período do Romantismo que se pode evidenciar a produção dos irmãos Grimm a qual mescla caracterís ticas românticas e folclóricas recolhendo lendas e contos orais registrandoos e transmitindoos para a população em geral Esse material de teor folclórico foi recolhido entre os anos de 1812 e 1822 dando origem à obra Contos de fadas para crianças e adultos Kinder und Hausmarchen Foi uma verdadeira recolha etnográfica com elementos culturais alemães além de outras lendas que faziam parte da cultura europeia mas que foram assimiladas pelos alemães LITERATURA INFANTIL 28 SERPEDALITEUNID1indd 28 161020 1742 Mas como tratase de uma litera tura que aponta a emergência dos no vos valores burgueses essa literatura trará questões inéditas para o texto literário como o sentimentalismo e o individualismo Uma vez que a litera tura gradativamente passa a se par ticionar representar um novo tipo de indivíduo e suas frações esses valores também são redistribuídos Há por exemplo narrativas que promovem uma relação entre os conflitos do cotidiano e o embate com a natureza Exemplo disso é como muitas obras direcionadas atualmente para crianças mas que não o eram especificamente em suas épocas agregam o ar românti co da superação e da aventura como em Aventuras de Robinson Crusoé 1719 de Daniel Defoe Vinte mil léguas submarinas 1870 de Júlio Verne e Pinóquio 1883 de Carlo Collodi Outras como Viagens de Gulliver 1726 de Jonathan Swift abordam a crítica social do século XVIII a obra Novos contos de fadas 1856 da Condessa de Ségur traz uma visão mais realista e menos crua como nos contos dos irmãos Grimm dessas narrativas e Coração 1886 de Edmondo De Amicis representa o princípio do romance moderno no século XIX com a tentativa de fomentar a identidade nacional italiana Muitos desses escritores buscavam por meio dos seus textos criar ou me lhor expor a identidade cultural de seus povos de maneira que o Estado Nacio nal pudesse ter a legitimidade de ser a continuidade de uma naçãopovocultura Essa iminência do homem europeu sobre as forças da natureza começa a ser revista no século XX com vertentes que promovem um diálogo cultural mais equidado com outras culturas A literatura infantil de aventura reinventa se e ao negociar espaços produz novas obras É o surgimento de uma nova safra de narrativas associadas ao chamado realismo maravilhoso no qual há histórias que decorrem no mundo real que nos é familiar ou bem conhecido e no qual irrompe de repente algo de mágico ou de maravilhoso ou de absurdo e passam a acontecer coisas que alteram por completo as leis ou regras vigen tes no mundo normal COELHO 2010 p 170 LITERATURA INFANTIL 29 SERPEDALITEUNID1indd 29 161020 1743 Lembrese muitas das narrativas clássicas infantis de cunho sobrenatural ou não apresentavam ou um mundo que possuía características insólitas a exemplo de narrativas como Branca de Neve na qual a magia já faz parte do sta tus quo ou levavam o indivíduo para um lugar além do costumeiro como em As viagens de Gulliver Nessa nova leva de textos que exploram percepções do real em que aquilo que chamamos de comum apresenta caracteres incomuns teremos obras como Alice no país das maravilhas de Lewis Carroll na qual há a valorização de um mundo mágico que é ao mesmo templo um refl exo de nossa realidade De maneira surpreendente o maravilhoso se confunde com o racio nal ou seja a narrativa traz aspectos do fantástico fazendo críticas à realidade de sua época Essa mescla entre real e sobrenatural será uma das vertentes da literatura infantil mais exploradas no século XX infl uenciando uma geração de escritores até os dias de hoje Carroll em suas obras abordou as opções dessa fusão de mundos agregando ao texto infantil elementos do absurdo da falta de sen tido da graça e do lúdico É curioso imaginar que em pleno século XIX havia escritores que produziam discursos literários na contramão das narrativas ro mânticas nacionalistas de modo a inclusive resgatar o elemento sombrio e cru de muitos contos de fadas É por isso que obras como Pinóquio de Collodi e Peter Pan de Barrie incluemse nessa tendência promovendo uma crítica ao próprio modelo vigente da literatura infantil COELHO 2010 Contos de fadas dos primórdios aos dias de hoje Vivemos em uma época na qual o mercado se especializou em escri tores por nicho Peças de teatro Infantil novelas infantis filmes infantis músicas infantis romances infantis a descoberta e desenvolvimento do conceito de criança impulsionou a sociedade para novos caminhos E essa origem está nos contos de fadas os quais originariamente tinham um caráter oral É relativamente comum ouvirmos que determinada história tem uma versão diferente na qual as coisas acontecem de outra forma Isso ocorre porque na origem esses contos possuíam variações Há contos que eram transmitidos de maneira diferente de acordo com a região acrescentando LITERATURA INFANTIL 30 SERPEDALITEUNID1indd 30 161020 1743 um detalhe ou outro como aquelas versões de Chapeuzinho Vermelho que você provavelmente já ouviu mas desacreditou São contos muito antigos associados ao folclore de um povo e por isso ancestrais Ocorre que à medida que passam a ser registrados na modalidade escrita determina das versões começam a ser cristalizadas CURIOSIDADE Você já assistiu ao filme Malévola da Disney No final o narrador da his tória diz e foi assim que aconteceu embora talvez com o tempo mudem um detalhe ou outro O texto brinca com esse conceito pois apresenta a história da Bela Adormecida sob o ponto de vista da Malévola Tratase de um filme revisionista na medida em que mostra o passado com base em valores contemporâneos Porém também mostra como certas versões dos contos de fadas passaram a ser mais aceitas do que outras e consequen temente se perpetuaram Com base nisso é possível afirmar que a publicação de Contos da mãe gansa de Perrault proporcionará o surgimento da produção literária in fantil nos moldes como a conhecemos e concebemos até os dias de hoje Muitas dessas histórias chegaram ao conhecimento do escritor por parte de sua mãe e nos salões de paris o que já aponta como ele estava tendo acesso a versões de outros textos Originalmente esses textos tinham raízes em narrativas célticas bre tãs e indianas as quais gradativamente foram se mesclando com outras fontes e sofrendo adaptações e em alguns casos perdendo seu sentido original COELHO 2012 Assim posteriormente o escritor lançará outras obras igualmente importantes como A bela adormecida no bosque Chapeu zinho vermelho O barba azul O gato de botas As fadas A gata borralheira Henrique do topete e O pequeno polegar Com isso podemse apontar dois acontecimentos fundamentais cau sados pela produção literária de Perrault pela primeira vez na história ocorre um surto na produção de literatura infantil a ponto de à posteriori outros escritores também receberem esse título o de escritores de litera tura infantil como La Fontaine o outro foi a ascendência do gênero conto de fadas como o preferido por outros escritores para a produção de uma literatura direcionada para crianças Soa estranho falar em surto mas LITERATURA INFANTIL 31 SERPEDALITEUNID1indd 31 161020 1743 lembrese que a prensa móvel foi criada por Gutenberg no século XV o que propiciou uma liberação da inteligência criativa dos indivíduos Portanto percebese que Perrault trouxe para a literatura infantil o mundo de sonho e magia o que caracterizou em sua época o enfraque cimento do racionalismo clássico que valorizava a razão Com o enalteci mento do imaginário do impossível do sonho essa literatura se fortale ceu e se tornou um gênero literário oficial Essa produção literária passará por um novo momento no século XIX devido ao advento do Romantismo e a busca pela cultura local Aqui as narrativas folclóricas voltaram a ser presença marcante no campo da lite ratura infantil no momento em que o Romantismo e Realismo disputavam o mesmo espaço trazendo a valorização da reconstrução do mundo ima ginário e maravilhoso Desse modo a literatura se alicerça com novo estilo e técnica Esse período foi denominado o século do ouro da literatura in fantil visto que esta passou a atingir todos os tipos de classe social tendo contato com os mais importantes entretenimentos literários No começo do século XIX a literatura infantil ganhou novos rumos e alcançou uma expansão significativa com textos literários de sucesso gra ças aos irmãos Grimm Ambos eram linguistas que realizavam pesquisas sobre o folclore alemão e um de seus objetivos era conceber o estudo do que viria a ser a língua alemã Um de seus resultados foi o recolhimento de contos orais que posteriormente em 1812 no espírito do Romantismo foram lançados em uma coleção de contos de fadas É a partir desse mo mento que o termo contos de fadas passa a significar literatura infantil Podese dizer que a partir disso o gênero começou a se consolidar uma vez que já delimitava um leitormodelo estabelecido o público in fantil Isso também influenciou suas principais característi cas como a preferência por histórias que emanam fantasia e magia É esse modelo que será seguido poste riormente por escritores como Hans Christian Andersen em Contos 1833 Lewis Carroll em Alice no país das maravilhas 1863 Collodi em Pinóquio 1883 e James Barrie em Peter Pan 1911 LAJOLO ZILBERMAN 2007 LITERATURA INFANTIL 32 SERPEDALITEUNID1indd 32 161020 1743 Foi com as obras dos irmãos Grimm que a literatura infantil chegou ao leitor mirim com suas narrativas baseadas no folclore e nas tradições populares revelando um mundo de fantasia para todas as crianças de vá rios lugares do mundo Consequentemente suas obras se tornaram uma literatura universal É possível apontar dentre as obras dos irmãos contos como Branca de neve e os sete anões Cinderela A gata borralheira A touca mágica O pequeno polegar O pássaro de ouro entre outros Figura 3 A popularização dos contos de fadas Fonte Shutterstock Acesso em 04092020 Talvez tenha gerado estranhamento A gata borralheira ter sido referencia da como um texto dos irmãos Grimm e anteriormente de Perrault Lem brese do que foi dito são contos presentes na tradição oral no folclore dos povos Ocorre que muitos foram suavizados nos salões parisienses mas mantiveram seu caráter mais cru nas versões alemãs E com o adven to do mercado editorial infantil até mesmo as versões dos irmãos Grimm atingem o público mirim com suas devidas adaptações No século XIX com o aumento dos jornais surge o romance de folhe tim obra literária publicada em capítulos até atingir sua conclusão Muitos clássicos que conhecemos hoje foram lançados assim e posteriormente em formato de livro O mesmo ocorre com obras que hoje possuem o for mato de novelas e romances mas originalmente eram publicados em jor LITERATURA INFANTIL 33 SERPEDALITEUNID1indd 33 161020 1743 nais como uma sequência de contos interligados Cada história em si era independente mas o escritor precisava finalizar aquele trecho de forma que o leitor desejaria ler a continuação na semana seguinte Foi assim que surgiram clássicos como Pinóquio do italiano Carlo Col lodi considerado um livro literário universal por trazer uma obra ficcional de cunho filosófico que retrata o sentimento existente entre pai e filho de monstrando o arrependimento de um filho alicerçado a questões morais e o antagonismo entre o bem o mal entre outros aspectos que demarcam universalidade A inovação estética e experimental promovida pelo autor de Pinóquio fez com que surgisse uma obra fundamentalmente desenvol vida e polissêmica em todo o seu dualismo filosófico boneco de pau filho humano no seu pluralismo despretensioso de reações humanas na rea lização de uma verdadeira obra de ficção Pinóquio é um tipo de literário universal CARVALHO 1989 p 112 Figura 4 Pinóquio um arquétipo literário Fonte Shutterstock Acesso em 04072020 As proposições apresentadas em Pinóquio não são aleatórias perceba que há um trajeto que considera o caráter pedagógico do texto literário culminan do em uma produção literária pósRevolução Francesa que precisa dar conta de uma crescente população letrada Porém uma população letrada que não tem tradição literária não está plenamente habituada à leitura dos clássicos E uma vez que há direcionamento para uma parte da população é por meio LITERATURA INFANTIL 34 SERPEDALITEUNID1indd 34 161020 1744 da narrativa curta que determinadas questões passam a ser abordadas na brevidade de um jornal Outro clássico infantil foi Alice no país das maravilhas 1865 de Lewis Carroll Nessa obraprima da literatura inglesa o autor traz um mundo mágico por meio de uma aventura fantástica em um lugar no qual tudo acontece ao contrário do mundo real Essa obra correu o mundo por meio de várias adaptações e demar cou o mundo da fantasia embora Carroll tivesse outra intenção a de ridiculari zar o esnobismo as arbitrariedades e os vícios de uma época CARVALHO 1989 p 113 Se debates literários ocorriam livremente em saraus o autor trazia essas mesmas discussões para o texto infantil Segundo Coelho a importância da obra reside na seguinte constatação Ao se divulgar como obraprima da Literatura Infantil Alice no país das maravilhas perdeu o estilo peculiar de Carroll a verdadeira in tencionalidade da criação realizada desapareceu completamente O que ficou foi o sentido do mágico do maravilhoso ou do absur do que pode ser encontrado dentro do cotidiano comum e prosai co e que Carroll foi um dos que primeiro que o descobriram para o mundo de ontem e de hoje 2010 p 173 Outra obra igualmente significativa e um dos motivos desse período ser conhecido como século de ouro da literatura infantil será a obra Peter Pan de James M Barrie que ficou conhecido no mundo todo encantando as crian ças com suas aventuras na Terra do Nunca Peter Pan o menino que não que ria crescer e que desejava viver apenas em aventuras trouxe fantasia magia e humor tornandose um sucesso imediato entre o público infantil Essa obra tem como característica apresentar a existência de uma tradição já consolidada de escritores de literatura infantil Barrie era leitor dos textos de vários escritores como Charles Dickens Embora tenha sido um escritor e dramaturgo profícuo o que o consagrou mundialmente foi a criação de Peter Pan Essa encantadora personagem do universo literário infantil aparece pela primeira vez no conto O pequeno pássaro branco escrito em 1896 e publicado em 1902 Por influência do empresário de suas peças esse conto é transfor mado em peça teatral Peter Pan o menino que não queria crescer O sucesso da personagem levou Barrie a escrever outros contos Peter Pan nos jardins de Kessington em 1907 e Peter Pan e Wendy em 1911 LITERATURA INFANTIL 35 SERPEDALITEUNID1indd 35 161020 1744 Figura 5 Peter Pan ícone da liberdade na Londres vitoriana Fonte Shutterstock Acesso em 04072020 Essa tradição literária que trabalha e reinventa o gênero do conto de fadas perdura até os dias de hoje Uma das mais belas obras literárias da literatura infantil O Pequeno Príncipe do escritor francês Antoine de SaintExupéry ca racterizase como um livropoema universal Tratase de uma obraprima em todos os seus aspectos permeada por um lirismo subjetivo e crítico O texto possui uma abordagem de extraordinária beleza e delicadeza além de estar carregado de um grau de originalidade sem igual na fi cção cuja fantasia está explícita gerando absoluta felicidade e sentimento crítico em cada página Os contos de fadas ora como histórias isoladas ora como textos seriados perduraram e por sua estrutura mercadológica continuam até os dias de hoje Abordaremos em outras unidades como outros te mas vão sendo explorados e como esses textos tornamse signi fi cativos em suas épocas A literatura infantil brasileira É a partir do Romantismo e da independência do Brasil que se torna uma questão a busca por uma literatura nacional e que representasse um estado recémformado É também nesse período que surge uma literatura infantil influenciada por exemplo pela literatura francesa de La Fontaine e Perrault apresentados ao Brasil por intermédio de Portugal Assim a LITERATURA INFANTIL 36 SERPEDALITEUNID1indd 36 161020 1744 literatura infantil no Brasil começou a se consolidar a partir do século XIX conscientizando os leitores so bre uma literatura específica para a criança Carvalho 1989 atesta que Contos da Carochinha de Alberto Figueiredo Pimentel teria sido a primeira publi cação do gênero Entretanto a autora também ressalta a relação com a esco la ao afirmar em seus estudos sobre li teratura infantil no Brasil por meio de um traçado histórico que foi a partir de 1820 mesmo ano de formação do Co légio Caraça que a literatura e a escola se tornaram restritas ou seja somente as classes social e economicamente dominantes tinham acesso à educação e às obras infantis consideradas clássicas Segundo Cunha 1999 p 20 no Brasil a produção literária para crian ças se inicia com obras de teor pedagógico e ainda por cima são adap tações de textos portugueses o que demonstra a subserviência cultural colonial Vale destacar que para a autora a legítima literatura infantil brasileira foi iniciada efetivamente com o surgimento das obras de Mon teiro Lobato por ele ser um escritor que proporcionou a diversidade de te mas contextos e gênero literário trazendo personagens que ultrapassam os estilos convencionais literários e criando com isso seu próprio estilo e universo ficcional Nesse sentido surge José Bento Monteiro Lobato na literatura infantil brasileira com suas obras Narizinho arrebitado Sítio do Picapau Amarelo Reinações de Narizinho e outras que revolucionaram o campo da literatura infantil no país com textos que retratavam a realidade social e cultural e com personagens contemporâneos como a boneca de pano Emília Em O Sítio do Picapau Amarelo por exemplo Lobato por meio de uma série de histórias trouxe aspectos da vida rural como fazendas de café com intuito de revelar as questões nacionais do País bem como histórias com aspectos folclóricos narradas por uma cozinheira negra que repre LITERATURA INFANTIL 37 SERPEDALITEUNID1indd 37 161020 1745 sentavam os valores morais e culturais de um povo E logo em seguida adotando postura iconoclasta perante os valores culturais populares Monteiro Lobato promove a cozinheira do sítio a narradora titular em His tórias da Tia Nastácia LAJOLO ZILBERMAN 1985 p 65 Figura 6 O Saci elemento do folclore brasileiro resgatado na obra de Lobato Fonte Shutterstock Acesso em 04072020 Observe como Histórias da Tia Nastácia tem uma proximidade temática com a obra de Perrault Contos da mãe gansa Não é aleatório uma geração de escritores lia nos jornais brasileiros os contos de Perrault traduzidos por Machado de Assis As histórias da Tia Nastácia seguiam o mesmo estilo de contação de histórias como causos populares e regionais resgatando elementos do folclore e da cultura oral Cabe então a discussão literatura infantil no Brasil ou do Brasil Para Nely Novaes Coelho 2010 essa separação é feita por Monteiro Lobato O autor promove uma ruptura com os estereótipos literários por meio da adaptação das narrativas europeias ao contexto brasileiro e abre possibi lidades para novas ideias que circulavam pelo ambiente Assim o mesmo Lobato realizou adaptações dos clássicos europeus fa zendo com que interagissem com a cultura brasileira Personagens como Peter Pan inclusive visitavam o Sítio do Picapau Amarelo Monteiro Lobato ao realizar adaptações de obras clássicas apresentava a intenção de levar às crianças o conhecimento da tradição seja com seus heróis reais ou fictí LITERATURA INFANTIL 38 SERPEDALITEUNID1indd 38 161020 1745 cios as conquistas da ciência entre outros e também questionar com elas as verdades concebidas No entanto Lobato propõe no campo literário infantil a ficção e a magia a partir do contexto da realidade nacional lan çando mão da representação da relação familiar da vida no campo e do folclore afrobrasileiro Portanto vale ressaltar que na literatura infantil brasileira além de Monteiro Lobato vários outros autores dessa época se destacaram a exemplo de Coelho Neto e Olavo Bilac Contos pátrios Tales de Andrade Saudade Arnaldo de Oliveira Barreto A festa das aves entre outros LA JOLO ZILBERMAN 2007 p 2728 Figura 7 Emília e Visconde de Sabugosa Fonte Shutterstock Acesso em 04072020 Assim a partir de Lobato sugiram novos escritores de narrativas infan tis com perfil inovador como ocorre com as revistas em quadrinhos que trouxeram outra forma de leitura bem como a televisão que transformou as leituras dos livros infantis em seriados de entretenimento para crianças e jovens Um exemplo é a inesquecível série infantil O sitio do picapau Amarelo adaptada da obra de Monteiro Lobato e produzida pela Rede Glo bo Nely Novaes aponta que em 1950 a revista em quadrinhos Pato Donald é introduzida no Brasil a Ed Abril SP cria o sistema de postos de venda para distri buição em quase todo o território nacional A partir daí abrese LITERATURA INFANTIL 39 SERPEDALITEUNID1indd 39 161020 1746 o nosso mercado às Produções de Walt Disney Registrese tam bém no âmbito da literatura quadrinizada a voga das revistas de terror cuja popularidade se mantém até hoje não só em revistas como em filmes no cinema e na televisão 2010 p 275 Atualmente a literatura infantil brasileira encontrase alinhada aos no vos tempos mostrandose preocupada com as questões sociais culturais políticas e especialmente com as diferenças sociais uma vez que todo o tipo de diversidade gêneros etnias raças está inserida na sociedade bra sileira possibilitando ao indivíduo a busca para compreender o diferente Assim percebese que os escritores do nosso século apresentam em suas narrativas um contexto voltado a essas questões de maneira a proporcio nar à criança ou ao jovem a oportunidade de vivenciar histórias do mundo mágico que lhes aproximem da sua própria realidade Nesse sentido para Zilberman a literatura infantil contemporânea bra sileira apresentase no seu melhor tempo A literatura brasileira experimenta um momento particularmen te favorável estatisticamente cresceu o número de publicações originadas de autores nascidos no Brasil diversificaramse os gê neros em que um escritor pode se manifestar estendendose as opções dos modelos mais elevados da ficção e da poesia à pro dução para a imprensa para o cinema ou para o público jovem profissionalizamse os criadores de arte adotando a prática de agentes literários que medeiam as relações com editores tradu tores e divulgadores no campo cultural 2007 p 183 Desse modo observase que os literatos infantis estão se adequando à nova criança da atualidade inserida na era da tecnologia digital da internet e dos jo gos interativos de maneira a buscar meios de interagir e conquistar os pequenos leitores por meio das mídias sociais como a hipermídia que é a encadeação eletrônica de palavras sons e imagens e o hipertexto múltiplos textos em po tencial que só se completam pela ação do leitor NASCIMENTO 2007 p 8 O hipertexto possibilita ao leitor a liberdade de interação com o texto e incorpora vários elementos eletrônicos com a diferença de que o foco parece estar em técnicas exclusivas como por exemplo o site Glide que apresenta uma exploração interativa da linguagem visual LITERATURA INFANTIL 40 SERPEDALITEUNID1indd 40 161020 1746 Desse modo percebese que a literatura infantil no Brasil passou por uma significativa mudança desde os tempos idos do século XX e ao chegar ao século XXI adequouse às inovações tecnológicas assim como acom panhou o progresso na área educacional continuando assim a ser uma ferramenta fundamental para o desenvolvimento cognitivo da criança Mesmo a literatura infantil alicerçada a novas tecnologias continuará proporcionando ao leitor mirim o contato com o mundo mágico e com o maravilhoso de forma a conceber o seu mundo real a partir de uma cons trução crítica e reflexiva do contexto social em que está inserida DICA Um exemplo está disponível no portal Literatura Digital em O jogo do gato poeta um projeto de literatura digital de Ana Mello que incentiva a crian ça a ter o gosto pela leitura Uma imagem 80 textos descubra em qual deles está o nome do gato Mas cuidado você só tem sete vidas Quer dizer sete chances LITERATURA INFANTIL 41 SERPEDALITEUNID1indd 41 161020 1746 Sintetizando Nessa unidade abordamos a literatura infantil enquanto instrumento de formação da criança uma vez que a mesma tem um papel importante no de senvolvimento do indivíduo como ser social A função de contar histórias para os pequenos pressupõe uma influência direta na construção de cada indivíduo e da sociedade pois é por meio dos livros infantis que a sociedade transmite normas conceitos valores e cultura perpassando diversas gerações Desse modo percebese que a literatura infantil deve exercer um papel de intermédio entre o real e o imaginário de maneira a permitir que o leitor reflita e questione o seu papel social e sobre si mesmo As premissas abordadas consideram o trajeto histórico da literatura infan til de suas origens até a atualidade no Brasil e no mundo Abordouse dessa maneira sua inserção no mercado editorial bem como seu reflexo para toda a sociedade e principalmente como nos dias de hoje ela é utilizada cada vez mais como um instrumento para ampliar a capacidade criativa da criança e inserila no universo da leitura LITERATURA INFANTIL 42 SERPEDALITEUNID1indd 42 161020 1746 Referências bibliográficas CANDIDO A Direitos Humanos e literatura In FESTER A C R Org FES TER A C R org Direitos humanos e São Paulo Brasiliense Comissão de Justiça e Paz de São Paulo 1989 COELHO N N Literatura infantil teoria análise didática São Paulo Mo derna 2000 COELHO N N O conto de fadas São Paulo Ática 2012 COELHO N N Panorama histórico da literatura infantiljuvenil das origens indoeuropeias ao Brasil contemporâneo São Paulo Manole 2010 COLFER E Artemis Fowl o menino prodígio do crime 16 ed Rio de Janeiro Record 2013 CUNHA M A A Literatura infantil teoria e prática 18 ed São Paulo Ática 1999 DE CARVALHO B V A literatura infantil visão histórica e crítica 3 ed São Paulo Global 1989 DOCUMENTÁRIO Ler para sonhar O mundo da literatura infantil Postado por TV Justiça Oficial 33min 15s son color port Disponível em httpswwwyoutu becomwatchvMGGOS2XoVkY Acesso em 03 set 2020 ECO U Seis passeios pelos bosques da ficção São Paulo Cia das Letras 1994 GAARDER J O mundo de Sofia romance da história da filosofia São Paulo Com panhia das Letras 2007 LAJOLO M ZILBERMAN R A formação da leitura no Brasil São Paulo Ática 1985 LOBATO M Caçadas de Pedrinho São Paulo Globo 2003 LOBATO M Cidades mortas São Paulo Brasiliense 2009 MELLO A O jogo do gato poeta sd Disponível em httpwwwliteraturadigital combrjogodogato Acesso em 04 jul 2020 NASCIMENTO J A A A leitura hipermídia formando os leitores do século XXI 2007 Disponível em httpsdocplayercombr9969385Aleiturahipermidiafor mandoosleitoresjoseaugustodeabreunascimentouspresumohtml Acesso em 04 set 2020 SAMUEL R Novo manual de teoria literária Petrópolis Vozes 2002 YUNES E PONDÉ G Leitura e leituras da literatura infantil São Paulo FTD 1996 ZILBERMAN R O estatuto da literatura infantil In A literatura infantil na escola 11 ed São Paulo Global 2003 LITERATURA INFANTIL 43 SERPEDALITEUNID1indd 43 161020 1746 ZILBERMAN R Literatura infantil brasileira histórias histórias São Paulo Ática 2007 ZILBERMAN R MAGALHÃES R C Literatura infantil autoritarismo e emancipa ção São Paulo Ática 1982 LITERATURA INFANTIL 44 SERPEDALITEUNID1indd 44 161020 1746 IDEOLOGIA NO TEXTO INFANTIL 2 UNIDADE SERPEDALITEUNID2indd 45 161020 1734 Objetivos da unidade Tópicos de estudo Apontar os elementos ideológicos inerentes ao texto infantil Delimitar uma série de estratégias ficcionais utilizadas para a construção do texto direcionado ao público infantil Representação da sociedade normas e valores Representação da criança no texto literário infantil Sensibilização e aproximação lúdica da criança com a lingua gem poética A importância da exteriorização personagens e acontecimentos fantásticos O sobrenatural familiar Literatura e amadurecimento LITERATURA INFANTIL 46 SERPEDALITEUNID2indd 46 161020 1734 Representação da sociedade normas e valores A palavra ideologia nos soa estranha somos capazes de associála a pon tos diferentes e divergentes políticos científi cos religiosos mas ignoramos sua essência visão de mundo A forma de compreender um discurso o funil por meio do qual todo entendimento a nós chega Assim ideologia pode ser defi nida como a forma de se ver e interpretar o mundo e por meio de ambos a realidade nos atinge Porém e nos apropriaremos de um princípio de Roland Barthes vivemos em um mundo feito de palavras Os conceitos a forma de compreender o mundo o sentido que damos às coisas tudo isso chega até nós por meio das palavras dos discursos que construímos Damos sentido criamos conceitos partimos para outros pressupostos tudo por meio dos sentidos ali implícitos Outro pesquisador Mikhail Bakhtin aponta como as práticas culturais do minantes se diluem na comunicação 2008 ou seja como há ideologias dentro da língua que são por si só formas de perpetuação do status quo É por isso que a palavra signo linguístico por excelência é inerentemente ideológico Barthes vai mais além e afi rma que os signos de que a língua é feita os signos só existem na medida em que são reconhecidos isto é na medida em que se repetem o signo é seguidor gregário em cada signo dorme este monstro um estereótipo nunca posso falar senão recolhendo aquilo que se ar rasta na língua Assim que enuncio essas duas rubricas se juntam em mim sou ao mesmo tempo mestre e escravo não me contento com repetir o que foi dito com alojarme confortavelmente na ser vidão dos signos digo afi rmo assento o que repito 1987 p 15 É ai que habita esse servilismo da própria língua Ela não apenas nos faz dizer mas nos obriga toda forma de discurso de contação de algo está im bricado de uma série de ideologias e discursos dominantes ou não Estes são representativos de determinadas visões de mundo sejam elas vitoriosas ou ignoradas Dessa maneira há um conjunto de valores que se perpetuam nas mais diversas formas O texto literário não escapa desse princípio Até mesmo um texto que se propõe a ser um contradiscurso por defi nição um movimento contra ideoló LITERATURA INFANTIL 47 SERPEDALITEUNID2indd 47 161020 1734 gico já carrega em si uma visão de mundo outra ideologia O que são textos clássicos como A Ilíada ou Os Lusíadas senão o discurso dos vitoriosos O que é então uma obra como Tarzan com o discurso das narrativas de aventura que serve como contação da vitória da empreitada colonial inglesa Ou as diversas narrativas românticas brasileiras do período indianista senão uma tentativa de justificar o discurso do país recémformado em busca do que viria a ser a brasilidade Esse princípio claro não se desassocia do texto literário infantil mesmo antes de sua delimitação Uma vez que o texto literário é a arte da palavra que representa a variedade ficcional do discurso dominante há uma produção ficcional para a criança em diferentes períodos que não se desassocia de seu teor ideológico Na Grécia Antiga a obra A Ilíada na qual é contada a guerra de Troia era lida em sala de aula como se fosse um evento histórico Nós mesmos não sabemos de fato o quanto da história é fato ou ficção mas o ponto é o texto ensinado foi escrito séculos antes e mesmo durante sua escritura relatava um evento presumivelmente ocorrido em tempos bem anteriores Porém todos os ele mentos do que seria apresentado como parte da cultura helênica estava ali o ideal do guerreiro a hospedagem o culto aos deuses o poema de Homero na verdade promove uma transmissão de valores O mesmo ocorre com Os Lusíadas de Camões no qual são transmiti dos os valores idealizados dos portugueses durante a época das Grandes Navegações Havia ainda o ideal do português que conquistava o mundo à semelhança de Ulisses em A Odisseia Mesmo após o domínio espanhol durante o período barroco e após a perda das colônias há portugueses e descendentes no mundo todo que leem a obra de Camões como forma de matar a saudade da pátria Assim é por meio do texto literário que o autor transmite e perpetua uma série de valores Como aponta Barthes 1987 a língua é um mecanismo de perpetuação do poder mas ela própria se perpetua através do jogo linguístico que propaga no qual atua por meio da dramaticidade Para Barthes o texto literário está associado nos últimos séculos a um ideal herdado do período do Renascimento no qual havia a imagem das artes como forma de emancipação do indivíduo ou melhor um perfil de emancipação LITERATURA INFANTIL 48 SERPEDALITEUNID2indd 48 161020 1734 Certos valores se perpetuam no tempo devido a seu registro há o registro oral mas também o escrito se determinados valores se revitalizam o texto escrito permite uma maior interpretação destes Um livro como Os miseráveis de Victor Hugo é carregado do desejo romântico de luta pelas causas sociais da mesma forma que um Navio Negreiro de Castro Alves é uma ode aos movi mentos abolicionistas Essas obras que surgem na modalidade escrita da lín gua atingem o status de narrativa oral uma vez que seu sentido se perpetua para além do seu formato original No século XIX surgiram autores que trouxeram uma nova concepção de li teratura para o campo literário infantil valorizando o lirismo e o sentimentalis mo Citemos como exemplo Olavo Bilac cujos poemas retratavam os valores ideológicos de sua época Havia a visão cientificista de transformar a sociedade e principalmente divulgar esses valores O prefácio do livro Através do Brasil de Bilac e Manuel Bonfim explicita a ideologia vigente à época E também queremos que este livro seja uma grande lição de energia em grandes lances de afeto Suscitar a coragem harmonizar os esforços e cultivar a bondade eis a fórmula da educação humana COELHO 2012 p 239 Esse apontamento indica o lastro ideológico que irá influenciar e se perpe tuar em praticamente toda a produção literária infantil das épocas posteriores e em grande parte repetindo fórmulas préconstruídas durante esse período Observe alguns desenhos animados infantis da Disney os quais por sua vez apresentam adaptações de textos infantis clássicos em geral há a figura da princesa do príncipe do monstro a ser enfrentado por exemplo Talvez você tenha se lembrado de uma animação chamada Shrek dos estúdios DreamWorks e como a obra é uma sátira aos contos de fadas abordando seus elementos mais icôni cos Porém observe como os mesmos elemen tos estão ali presentes Shrek o ogro que res gata a princesa e no final da história eles irão habitar o bosque e ter o seu felizes para sempre Salvo elementos de outros contos é o mesmo que ocorre na obra origi nal de William Steig na qual o ogro encontra uma princesa ogra LITERATURA INFANTIL 49 SERPEDALITEUNID2indd 49 161020 1734 Figura 1 Shrek e Fiona Fonte Shutterstock Acesso em 21092020 É possível observar mesmo nos tempos atuais a exemplo do livro e da ani mação esses mesmos elementos O ogro paulatinamente vai descobrindo coi sas que para ele não fazem sentido como amor família e amigos Em suma até os dias de hoje no texto literário seja ele infantil ou não estamos presos a esse servilismo linguístico essa herança da época na qual o texto era um perpetuador dos valores vigentes sem um foco maior no lado lúdico da sua produção Em um período prélobatiano e até posterior per petuouse a ideia de que o texto infantil é o laboratório dos valores vigentes E é nesse ponto que resulta até os dias de hoje muito da crítica que conside ra o texto infantil menor apontase esse texto como detentor de um caráter mais didático pedagógico ao passo que as demais obras da literatura universal tem o valor de abordar as grandes questões Podemos dizer até político Gilles Deleuze e Félix Guattari apontam sobre a menoridade de certas li teraturas não no sentido de importância mas de particularidade Isso significa dizer que a literatura infantil em relação às demais corre o risco de ter valor apenas político ao utilizar seu espaço para ter como objetivo não o lúdico mas a transmissão ideológica Uma coisa não anula a outra mas sua exclusividade tornase um problema para esses textos LITERATURA INFANTIL 50 SERPEDALITEUNID2indd 50 161020 1735 O problema de se pensar o texto literário como mero perpetuador de valo res ou apenas como instrumento de entretenimento reside segundo Antônio Candido no seguinte problema A literatura pode formar mas não segundo a pedagogia oficial conforme os interesses dos grupos dominantes para re forço da sua concepção de vida Longe de ser um apêndice da instrução moral e cívica ela age com o impacto indiscrimi nado da própria vida e educa como ela com altos e baixos luzes e sombras Daí as atitudes ambivalentes que suscita nos moralistas e nos educadores ao mesmo tempo fascinados pela sua força humanizadora e temerosos da sua indiscriminada ri queza E daí as duas atitudes tradicionais que eles desenvolve ram expulsála como fonte de perversão e subversão ou tentar acomodála na bitola ideológica dos catecismos Dado que a literatura como a vida ensina na medida em que atua com toda a sua gama é artificial querer que ela funcione como os manuais de virtude e boa conduta E a sociedade não pode se não escolher o que em cada momento lhe parece adaptado aos seus fins pois mesmo as obras consideradas indispensáveis para a formação do moço trazem frequentemente o que as con venções desejariam banir Aliás essa espécie de inevitável contrabando é um dos meios por que o jovem entra em contacto com realidades que se tenciona escamotearlhe 1999 p 8485 Essa crítica relativa ao uso direcionado é inerente a toda literatura não apenas à infantil Porém podese apontar como historicamente a literatura de adulto se é que podemos utilizar o termo foi capaz de promover críti cas dentro do próprio espaço ideológico Durante o período do século XIX por exemplo iriam surgir obras que promoviam à sua maneira críticas às mazelas sociais como O Cortiço de Aluísio de Azevedo ou O Ateneu de Raul Pompeia Dessa forma possibilitouse a representação de visões diferentes do Brasil mostrando um país multifacetado com descrições e abordagens registradas de diferentes formas pela elite letrada da época como Euclides da Cunha Lima Barreto e Monteiro Lobato Este por sinal com uma produção direcionada para a criança conforme evidencia Andrade em sua obra Literatura infantil de 2014 LITERATURA INFANTIL 51 SERPEDALITEUNID2indd 51 161020 1735 Outro aspecto importante a ser destacado é que o Brasil na primeira meta de do século XX passava por significativas mudanças sociais e políticas insta landose assim a modernização e a transformação econômica e cultural no país e consequentemente na arte A literatura infantil quebra os paradigmas dos conceitos tradicionais so ciais revelando uma nova concepção literária por meio de temas que libertam o nacionalismo e o moralismo da época O ideal de uma pátria emancipada formada por uma elite intelectual e citadina passa a ser revisto pelo espaço da sátira promovida pelo jogo discursivo inerente ao espaço literário de determinadas produções literárias Figura 2 Monteiro Lobato e Emília Fonte Shutterstock Acesso em 21092020 É por esse viés que surge uma literatura infantil que busca quebrar a ideolo gia do discurso dominante promovendo uma discussão sobre os valores trans mitidos na produção literária infantil à época E apesar de escritores anterior mente já terem publicados obras voltadas para o público infantil foi Monteiro Lobato o grande divisor de águas separando o que era produzido antes e o que se passou a produzir em termos de literatura para crianças no Brasil AN DRADE 2014 p 40 LITERATURA INFANTIL 52 SERPEDALITEUNID2indd 52 161020 1737 Lobato além de suas obras originais também realizou adaptações e recria ções de fábulas o que na época não foi muito bemvisto pelo campo educacio nal uma vez que ultrapassava os conceitos pedagógicos didáticos e educacio nais por incentivar a liberdade interior e de ação Nesse sentido suas adaptações promoviam às crianças a curiosidade intelectual a descoberta e a criatividade o que proporcionou o encantamento por suas obras até hoje lidas Muito se é falado sobre a obra adulta de Lobato a saber dentre outras Urupês que traz uma visão regionalista do interior do Brasil sem a idealização romântica bem como Cidades Mortas sobre a decadência de cidades que em pobreceram Essas obras assim como outros romances e coletâneas apresen tam uma crítica sóbria com relação às transformações sociais Sua obra infantil ocupava um espaço diferente Embora tenha realizado di versas traduções a coleção de livros que gira em torno do Sítio do Picapau Amarelo o que inclui as histórias contadas por Dona Benta a seus netos como Os Doze Trabalhos de Hércules Hans Staden e até Peter Pan é o espaço lobatiano por excelência seu tão tão distante É nesse lugar que por meio de personagens alguns mágicos o escritor utiliza o elemento surreal para trazer de maneira lúdica sua crítica social CURIOSIDADE É comum na crítica literária a análise de como o autor se insere em um texto promovendo uma polifonia por meio das personagens É conhecida a discussão sobre como esse recurso é utilizado por Monteiro Lobato através da boneca Emília personagem do Sítio do picapau amarelo O humor ácido e a atitude debochada da boneca carregariam muito da per sonalidade de Lobato além de como ela interpreta as coisas da vida Representação da criança no texto literário infantil É diante desses parâmetros que nos deparamos com a representação da criança no texto literário infantil Porém isso não se limita a uma mera criação de personagens com traços infantis Tocamos aqui na grande questão a com preensão do que viria a ser um público infantil Uma vez que o conceito de infância ainda era uma ideia recente como se dá a representação do indivíduo em uma obra feita por adultos Há um longo trajeto a ser percorrido e um exemplo é que a princípio havia a utilização de LITERATURA INFANTIL 53 SERPEDALITEUNID2indd 53 161020 1737 textos para a construção de modelos de comportamento infantil a serem re produzidos pelo leitor GOUVÊA 2000 p 1 Mesclando elementos do pedagógico e do lúdico a produção lobatiana re presentará a emergência de um novo tipo de discurso o qual influenciado pe los movimentos intelectuais da época passará a conceber o texto infantil como uma das possibilidades da formação do indivíduo Talvez você se pergunte a quem se dirige Peri personagem do romance O Guarani de José de Alencar Para uma elite burguesa citadina do século XIX Porém este não se distanciava muito dos textos voltados para o público infan til da época e a posteriori uma vez que entravam em contato com uma visão idealizada da criança como uma tábula rasa Eram obras literárias feitas por e para um público adulto e a criança configuravase mais como uma representa ção idealizada do que factível Outra personagem Emília está mais próxima de nosso contexto formativo debochada sarcástica e engenhosa é uma boneca de pano com traquinagens de criança e mentalidade de adulto Para muitos seria uma representação do próprio Lobato LAJOLO ZILBERMAN 2007 e mais do que isso uma repre sentação de um discurso que considera as particularidades de um leitor em especial a criança Segundo Piaget em seu livro A representação do mundo na criança de 2005 desde a compreensão da ideia de infância de criança passase a conceber determinados elementos sociais em consonância com o processo formativo Dentro desse contexto nas décadas de 1960 a 1990 a literatura infantil pas sou a apresentar um novo modo narrativo voltado tanto às questões da vida cotidiana social como à nova configuração econômica e sociocultural do Brasil com temáticas que representavam a visão crítica da época Portanto a literatura infantil passa a representar a vida cotidiana das crian ças alicerçada a temas atuais da época o que valorizou as ilustrações nos livros infantis retratando o contexto literário da obra Como exemplo é possível citar alguns renomados ilustradores dos anos 1980 e 1990 como Ângela Lago Ciça Fittipaldi Helena Alexandrino Ricardo Azevedo e Ziraldo ANDRADE 2014 Isso posto na década de 1960 houve uma nova demanda de textos literá rios para o sistema educacional visto que com a implantação da Lei de Dire trizes e Bases da Educação Nacional LDB exigiase o ensino de literatura para LITERATURA INFANTIL 54 SERPEDALITEUNID2indd 54 161020 1737 crianças de no mínimo 8 anos sendo este voltado para o ensinoaprendizagem da leitura utilizando o texto literário como subsídio para o ensino da gramática Desse modo surge nos anos de 1970 uma grande necessidade de novos textos literários pautados na LDB e autores como Francisco Martins Maria Heloísa Penteado Maria José Dupré e Clarice Lispector passam a atender essa nova proposta de literatura infantil É importante ressaltar que Clarice Lispector possui experimentações no campo da literatura infantil como no clássico Doze lendas brasileiras obra na qual várias lendas brasileiras são recontadas pela escritora Embora não hou vesse uma plena dedicação uma série de escritores realizaram também as de vidas experimentações O cenário dessa época tornouse então oportuno para o surgimento de outras modalidades literárias direcionadas ao público infantil como o teatro e as histórias em quadrinhos cujos principais títulos são O menino maluquinho de Ziraldo e A turma da Mônica de Maurício de Souza ANDRADE 2014 p 43 É uma época na qual gradativamente há o surgimento de protagonistas crian ças cheias de vida e reflexos das crianças de sua época Figura 3 As criações de Ziraldo Fonte Shutterstock Acesso em 22092020 LITERATURA INFANTIL 55 SERPEDALITEUNID2indd 55 161020 1738 Não é uma exclusividade da literatura infantil a representação da criança em meio a uma sociedade crua Menino de engenho de José Lins do Rego procu ra mostrar a vida de uma personagem que vive com o avô durante a decadência do ciclo dos engenhos O texto porém carregado de elementos memorialísti cos procura transmitir a interpretação desse ciclo pelos olhos do protagonista ou melhor suas experiências de vida Outra obra anterior O ateneu de Raul Pompeia aborda um caminho parecido as memórias de uma criança que estu dou em um colégio interno com uma narração carregada de elementos impres sionistas e influenciada pelas sensações que as memórias evocam A concepção de literatura infantil passa a visar o desenvolvimento crítico e cognitivo da criança e as obras literárias a valorizála como um ser atuante no meio social Os autores da atualidade entendem que o papel da criança não é somente o de um leitor mirim mas também de um sujeito em formação que precisa ser estimulado a buscar o gosto pela leitura para desenvolver o senso crítico e analítico dos acontecimentos cotidianos que o rodeiam e consequen temente seu autoconhecimento Portanto as obras contemporâneas representam aspectos cotidianos mas transformados de maneira lúdica e ficcional para que haja uma interação com o leitor Assim quando falamos da representação da criança na literatura infan til abordarmos também sua inserção a concepção de um texto literário que promove uma interação com seu leitormodelo ECO 1994 Ao falar sobre leitormodelo abordamos elementos literários que são an teriores à divisão da literatura de acordo com seu público Há um escritor que cria uma categoria ficcional um autor de determinada obra E da mesma forma que temos escritores que possuem fases obra de suspense obra crítica obra infantil há o escritor que para sua experimentação cria um autormodelo que se adequa a produzir um determinado tipo de texto direcionado para um leitormodelo Ou seja uma criança Ou melhor um leitor criança implícito deduzível presumível Quando falamos na inserção da criança no texto literário infantil não nos limitamos a protagonistas infantis e suas aventuras mas ao texto literário que utiliza uma linguagem direcionada à criança que a concebe dentro da produ ção ficcional como um leitor alguém que participa do processo de produção do texto LITERATURA INFANTIL 56 SERPEDALITEUNID2indd 56 161020 1739 E é ao concebêlo que esse autormodelo direciona seu texto É por isso que há uma série de escritores os quais utilizam as mais diferentes linguagens como verbal mista digital entre outras que realizam tais experimentações ao conceberem essa particularidade textual em suas obras Alguns escritores como Ângela Lago Ziraldo Adélia Prado e Maurício de Souza ainda são considerados contemporâneos por proporcionarem temas atuais e que estimulam o desenvolvimento psíquico e cognitivo da criança Nesse sentido as obras contemporâneas retratam aspectos culturais inseridos nas narrativas como crenças valores costumes preconceitos hábitos reli giões mitos entre outros que revelam o universo cultural de uma sociedade afirmando assim a existência de uma identidade cultural Conceber a criança representála textualmente significa abordar também os temas que lhe são significativos as obras literárias infantis da contempora neidade valorizam questões sociais bem como a diversidade cultural a partir das questões de gênero identidade e alteridade temas importantes para a formação da criança como sujeito autônomo na sociedade Um exemplo comum é a série de livros Diário de um banana de Jeff Kinney na qual são abordadas questões como inserção social em um contexto mais contemporâneo Greg o protagonista busca ser popular na escola uma for ma contemporânea de ocupar espaços principalmente em uma sociedade de informação Outra série que trata de temas similares mas com rumos diferen tes é a série Fala sério na qual são abordadas as interações entre Malu e as pessoas que fazem parte do seu convívio pais professor amigas irmã bem como suas respectivas experiências de vida Figura 4 Personagens de Fala sério mãe de Thalita Rebouças Fonte Shutterstock Acesso em 22092020 LITERATURA INFANTIL 57 SERPEDALITEUNID2indd 57 161020 1739 É vasto o número de escritores da atualidade que proporcionam por meio de suas histórias uma literatura juvenil alicerçada às questões socioculturais valorizando o desenvolvimento cognitivo e intelectual da criança sem perder a ludicidade do mundo imaginário em sua fase de evolução No entanto é percor rendo o tempo e o espaço que a literatura se constitui como recurso ao mundo imaginário assim como proporciona o amadurecimento psíquico da criança Nessa experimentação há autores que buscam reinventar o texto ao con ceberem temas atuais para crianças atuais utilizando ilustrações interativas e por se preocuparem em escrever para crianças ou seja pensando na contri buição que podem proporcionar para a formação de sujeitos sociais e culturais Como exemplo temos Marcelo marmelo martelo e outras histórias de Ruth Ro cha A bruxinha atrapalhada de Eva Furnari Uni Duni Tê de Ângela Lago A vida íntima de Laura de Clarice Lispector Vovô fugiu de casa de Sérgio Capparelli e Dois chapéus vermelhinhos de Ronaldo Simões Coelho É importante ressaltar que o ato de ler não corresponde somente ao en tendimento de um texto escrito ou não Assim a leitura necessita que o leitor mobilize seu universo para atualizar o universo do texto e assim fazer sentido Eliana Yunes 1989 afirma ainda que aprender a ler é se familiarizar com textos de diferentes esferas sociais a fim de se desenvolver uma atitude crítica e per ceber as diferentes vozes dos textos sendo desse modo capaz de se apropriar de cada ideia ou palavra apresentada Atualmente a literatura infantil brasileira é bastante valorizada e conta com um tradicional reconhecimento literário o Prêmio Jabuti que tem como intui to consagrar as melhoras obras literárias brasileiras dentro de cada tipo seja poesia conto ou romance entre outros Vários autores foram premiados na ca tegoria Literatura Infantil desde seu início em 1959 como Lúcia Machado de Al meida Bartolomeu Campos de Queirós Lygia Bojunga Ângelo Machado José Paulo Paes Ângela Lago Ana Maria Machado e Manoel de Barros entre outros A literatura infantil ao longo dos tempos procurou se atualizar com rela ção às tendências muitas vezes seguidas pelos autores em suas respectivas épocas Isso trouxe contribuições para o desenvolvimento literário infantil no Brasil e no mundo de maneira a valorizar a criança como ser social É possível perceber que há uma literatura voltada para esse público que possui seu respectivo leitor e que pode ser abordada de diferentes maneiras LITERATURA INFANTIL 58 SERPEDALITEUNID2indd 58 161020 1739 e para diferentes fi ns evasão crítica social deleite aprendizagem lazer e para preencher a necessidade que crianças jovens e adultos têm de ao conhecerem o outro também se conhecerem Dessa forma há uma série de escritores contemporâneos que valorizam em seus textos a concepção da criança como um sujeito em formação contri buindo por meio de suas histórias para o desenvolvimento de seu cognitivo e seu senso crítico social e cultural Sensibilização e aproximação lúdica da criança com a linguagem poética Você já percebeu como utilizamos a palavra literatura para indicar textos não fi ccionais Isso ocorre porque em seu sentido a literatura é a arte da pa lavra Observe como em uma aula sobre a literatura portuguesa apontamos que a crônica de Fernão Lopes dá início à moderna prosa portuguesa uma vez que ele utiliza vários elementos literários para contar a historiografi a nacional Os sermões do Padre António Vieira por exemplo até hoje são objetos de es tudo em cursos de direito No entanto é comum avaliarmos esses textos por seu valor fi ccional Há um efeito de transformação possibilitado pela palavra escrita e a forma como o escritor manipula o texto literário Isso se dá desde a origem do texto no início dos tempos pela narração oral poética Quando em tempos antigos o ancião contava as histórias e lendas do seu povo para as crianças narravaas de maneira lírica agregando mais do que memórias mas emoções por meio da manipulação discursiva o indivíduo pode captar algo que vai além do essen cial enxerga além do visível Quem é Quindim rinoceronte que aparece nas obras de Monteiro Lobato Para o escritor mais do que um paquiderme onde muitos veem um animal lobato vê uma criatura que supostamente devora um livro de gramática e se torna um sábio E é graças a isso que ele leva as crianças para diversas aventu ras como um passeio pelo país da gramática No mundo visível onde vemos pedras e objetos sem valor mera manipulação de palavras o escritor dobra o texto escrito criando obras plurissignifi cativas como A bolsa amarela de Lygia Bojunga ou O menino que escrevia versos de Mia Couto LITERATURA INFANTIL 59 SERPEDALITEUNID2indd 59 161020 1739 O conto O menino que escrevia versos de Mia Couto é uma brincadeira lin guística com as palavras ele narra a história de um menino que frequenta a es cola e começa a escrever versos e isso muda sua percepção da vida Seus pais ficam assustados pois não são da leitura Mas há toda uma relação simbólica entre o ato da escrita e o da descoberta O mesmo ocorre com outro escritor José J Veiga Em Tajá e sua gente há a história de um garoto cadeirante que arruma trabalho em um sítio e passa a experimentar uma série de situações com seus amigos Há a representação de vários ciclos pelos quais passamos descoberta amadurecimento tristeza desilusão felicidade Com prosa simples e direta seu sentido não é ampla mente revelado uma vez que cada leitor em cada época alimentase dessa linguagem poética e a reverbera em sua época específica Daí o efeito catártico da palavra poética plurissígnica permitindo a reinvenção da palavra literária O ludismo inerente ao texto literário atinge a criança de várias maneiras figuras de linguagem associações rimas e jogos de palavras Lembrase como os contos de fada sempre começavam com um Era uma vez buscando intro duzir o elemento mítico ao texto e trazendo a criança a uma época antiga a uma história que se perde no tempo As cantigas de ninar por exemplo eram uma forma de atrair a atenção da criança uma forma de descobrir o mundo Observe como exemplo o seguinte trecho Minha avó que braços grandes você tem É para abraçar você melhor minha neta Minha avó que pernas grandes você tem É para correr melhor minha filha Minha avó que orelhas grandes você tem É para escutar melhor minha filha Minha avó que olhos grandes você tem É para enxergar você melhor minha filha Minha avó que dentes grandes você tem É para comer você MACHADO 2010 p 4445 Trazemos um exemplo clássico dos Grimm sabemos que o lobo está vesti do de vovó pois desde antes já somos apresentados à sua artimanha em que o mesmo despista Chapeuzinho Vermelho para chegar antes Porém o elemento lúdico manifestase pela experiência da descoberta o leitor se coloca no lugar LITERATURA INFANTIL 60 SERPEDALITEUNID2indd 60 161020 1739 da menina e participa do jogo de descobrir palavra por palavra a identidade da vovólobo Usamos os sentidos da criatura e a forma como a menina enxer ga o mundo e descobre as inconsistências do animal O lobo por sua vez entra no jogo utiliza elementos visuais olhos para enxergar melhor olfativos nariz para cheirar melhor e outros como a audição e o paladar O uso dessa descrição detalhada fará com que o ouvinte sinta o cheiro das flores visualize a gra ma verdinha e se encante com o cavalo alado que voa pelo céu estreladoPorém essa descrição não deve ser exagerada a fim de permitir que o ouvinte coloque a sua própria cor do céu en feite o campo com arvores FARIAS RUBIO 2012 p 5 No mesmo conto essas experiências vão sendo construídas paulatinamen te e passamos a associar os sentidos do lobo e seus órgãos exagerados às suas características e atitudes seus olhos à astúcia suas orelhas à atenção seu nariz à percepção e sua boca à gula e ousadia Cada um desses elementos promove uma transfiguração das imagens por meio da linguagem poética a qual atua de maneira particular diante dos jovens leitoresouvintes Mais do que um conto de fadas uma história de entretenimento Chapeu zinho Vermelho é um exemplo de como determinadas narrativas contribuem para o desenvolvimento da imaginação e da intuição do infante posto que colaboram para a forma como ele descobre a realidade há morais implícitas como não fale com estranhos e obedeça seus pais do contrário as quais vão sendo transmitidas por meio das imagens poéticas que constroem Figura 5 Chapeuzinho vermelho Fonte Shutterstock Acesso em 22092020 LITERATURA INFANTIL 61 SERPEDALITEUNID2indd 61 161020 1740 Não é por acaso que esses contos foram banidos durante muito tempo BETTELHEIM 2002 sua ação pedagógica utilizava uma linguagem poética para criar a experiência da magia a qual oferecia respostas alternativas aos grandes problemas do mundo É por meio dessa série de estímulos sensoriais via linguagem poética que a criança desenvolve sua forma de interagir com o mundo alimentase e de senvolve uma série de experimentações para conceber o mundo ao seu redor Recorrendo à histórias aparentemente simples mas igualmente complexas e lúdicas o texto transmite essas imagens Podemos observar isso nas aventuras da Turma do Gordo no livro O Gênio do Crime de João Carlos Martinho Ao investigarem um crime de falsificação de figurinhas de futebol Bolachão Edmundo Pituca e Berenice desbravam a ci dade de São Paulo fazem as vezes de detetives e buscam solucionar um crime O sentimento de aventura as relações de amizade a experimentação da vida diante do que lhes é importante tudo vai sendo paulatinamente transmitido e construído por meio do narrador ASSISTA Vale a pena assistir a entrevista do escritor João Carlos Marinho sobre a obra O Gênio do Crime bem como a relação entre escritor e obra Na entrevista Marinho aborda como certos trabalhos atraem os mais jovens fascinandoos O escritor cria uma São Paulo ficcional que parasita a sua homônima no mundo real além de conceber personagens que se utilizam do raciocínio para resolver o grande mistério da obra as figurinhas falsificadas Atra vés disso recorrese a uma linguagem que transporta o mundo da criança para o da fantasia na qual as personagens ex ploram sua sagacidade inteligência noções de dever moral e outras habilidades de modo que aqui não são protegidas ou agraciadas por forças superiores mas heroínas absolutas da trama Sua fada madri nha aqui é sua capacidade de resolver os problemas por meio do seu olhar de criança LITERATURA INFANTIL 62 SERPEDALITEUNID2indd 62 161020 1741 DICA Vale a pena refletir sobre como há toda uma crítica literária que estuda o caráter psicológico sociológico e antropológico dos contos de fadas No livro Reis Moscas e um gole de astúcia contos de fadas para pensar so bre justiça as escritoras Helena Gomes e Susana Ventura abordam como os contos de fadas em suas revisitações do folclore abordam conceitos atemporais como ética e justiça A linguagem poética mais pelo que induz do que pelo que mostra destaca se como uma forma de instrumento didática que explora no texto literário a aproximação com o público infantil Ocorre que a linguagem poética literária é uma forma de expressar experiências de mundo do autor para o leitor o qual tem sua própria experiência afetada pelas leituras A literatura infantil em sua formação destinada para crianças também já fora mais voltada para adultos Muitas obras de aventura carregavam uma lin guagem míticosimbólica e o faziam como forma de produção literária como as aventuras de Robinson Crusoé Curiosamente consideramos As viagens de Gulliver uma obra adulta mas sua linguagem líricofantástica tomada de representações absurdas como os homens diminutos de Liliput passou a ser utilizada para avaliar uma espécie de paródia do mundo dos adultos voltada para a criança Muitos pesquisadores apontam haver motivos para que certas obras em sua origem voltadas para o público adulto passassem a interessar às crian ças Para muitos a manipulação da linguagem poética em determinadas obras as aproximaria do público infantil BETTELHEIM 2002 ao passo que outras causaria certo distanciamento Muitos textos em sua origem eram histórias populares contos e causos que circulavam por meio da população antes de ga nharem sua adaptação escrita cristalizada Independente da motivação dos escritores em resgatar elementos do folclore para transmitir novos valores es ses textos já eram carregados de valores a serem transmitidos Veja o caso do conto Os três porquinhos de Joseph Jacobs a história con forme Prado 2012 traz elementos do folclore inglês associados a tempos mais modernos já que em uma de suas versões não são três porcos mas três duendes Os três irmãos Prático Heitor e Cícero podem ser vistos como uma representação da força de trabalho ou seja do esforço e do trabalho bem feito estes encarnados em Prático o qual constrói uma casinha de tijolos A própria LITERATURA INFANTIL 63 SERPEDALITEUNID2indd 63 161020 1741 escolha do nome já denota isto pelo menos em língua portuguesa Tal qual a ideia do século XIX do burguês que cria empresas e funda impérios temos a imagem do porco que supera a astúcia do lobo por meio do trabalho duro Essa transmissão de valores vai sendo produzida linguísticamente por meio da estrutura apresentada pela forma como o autor utiliza a regra de três são três os porquinhos são três as casas construídas E a cada embate entre o lobo e um dos porcos o predador emite um provérbio formado por três versos Porquinho porquinho deixeme entrar Não não pelos fios da minha barba aqui você não vai pisar Então vou soprar e vou bufar e sua casa rebentar MACHADO 2010 p 144 É a casa de tijolos do terceiro porco a única adequada para impedir o lobo que em algumas versões devora os dois irmãos encerrando a história DICA A regra de três é um recurso narrativo através do qual a história progri de por meio de três elementos três repetições de modo a se atingir um resultado ou no caso aprender uma lição Muitos contos de fadas e outras produções textuais seguem essa estrutura devido à facilidade de se lembrar dos elementos Três porquinhos três duendes o conto escrito herdeiro de uma variedade oral carrega valores já conhecidos da população Mesmo a população que não era de ori gem popular conhecia essas histórias Esses primeiros textos transcendem o campo da escrita tendo origem no mito dos povos nas lendas Podese ainda resgatando a regra de três avaliar como há uma relação entre os três irmãos e as temporalidades da infância na qual a saída de casa a construção das novas casas e as experiências enfrentadas representam suas etapas de amadurecimento PRADO 2012 Importante destacar que literatura oral é o conjunto de manifestações lite rárias de uma sociedade ou civilização preservadas por meio da palavra falada eou cantada A literatura produzida na vasta área subsaariana do continente africano por exemplo distinguese da literatura escrita em línguas europeias a qual tem como fonte suas próprias tradições orais Essa linguagem simbólica vai sendo construída e carrega elementos da for mação humana Como aponta Prado 2012 a relação entre infância e forma LITERATURA INFANTIL 64 SERPEDALITEUNID2indd 64 161020 1741 çãoemancipação se encontram nessas narrativas É na criança uma metoní mia do homem primitivo do povo em suas origens que a sociedade vai sendo descoberta Muitos desses escritores antes não considerados como escritores de literatura infantil abordavam o mito em sua versão literária como forma de atingir os processos formativos do ser humano Estes concebiam textos em que a personagem conhece o mundo por meio do sentidos das emoções não dos conhecimentos mais racionais ou seja da experiência Dessa maneira predomina nos contos de fadas uma linguagem di ferente singular mágica É por isso que há essa relação entre infantil e popular posto que ambos compreendem o mundo de uma outra maneira e seguindo uma lógica não convencional Habita aí o motivo da linguagem poética em sua variedade escrita estar as sociada à transmissão de saberes desde o início dos tempos uma vez que era por meio destes que se transmitia a ideologia de dada sociedade Como aponta Zilberman 2007 esses contos em sua origem eram transmitidos entre a po pulação adulta e para eles produzidos mas não faziam parte da formação da burguesia pelo contrário foram posteriormente declamados em salões como forma de entretenimento Com o avançar das épocas esses textos passam a sofrer alterações e re ceber um encapamento de linguagem burguesa e um novo senso de ética moral e visão religiosa que por sua vez utilizam os textos infantis como forma de conformação aos papeis sociais Esses contos utilizam uma linguagem que explana sua função pedagógica de transmitir esses novos valores aos peque nos leitores Diferente escritores farão uso dessa linguagem mítico simbólica em con fronto a uma outra de lógica racionalista como forma de transmissão de ima gens É por meio dessa linguagem que o escritor transforma o abstrato em algo concreto O conto A gata borralheira por exemplo busca transmitir uma história sobre conflitos sociais a protagonista precisa superar os maus tratos das irmãs e mãe e somente nos sonhos encontra sua liberdade A fada madri nha representa o ideal de que as pessoas boas possuem um caminho maior a trilhar independentemente da sua classe social Por meio da história da gata borralheira as classes mais pobres transfor mam o seu desejo abstrato em algo concreto dando forma nome e continuida LITERATURA INFANTIL 65 SERPEDALITEUNID2indd 65 161020 1741 de aos seus desejos É por meio dessas obras da transmissão dessa linguagem poética que o texto literário auxilia na formação do pensamento do indivíduo e em sua formação cognitiva Assim produzse uma linguagem que auxilia a criança em sua etapa de amadurecimento é por meio do texto literário que ele aprende imagina e idealiza as situações do cotidiano A importância da exteriorização personagens e acon tecimentos fantásticos Literatura infantil e elementos fantásticos são quase sinônimos em meio a gatos falantes gansos que colocam ovos de ouro e lobos malintencionados temos personagens que desbravam o mundo e vencem as difi culdades da vida recorrendo à sua astúcia Isso ocorre porque muito dessa literatura como abordado encena elementos morais os utilizando para mostrar como os ele mentos sobrenaturais são uma forma de se reinterpretar o mundo É por isso que para abordarmos como os elementos sobrenaturais perdu ram mesmo diante de uma literatura que em sua forma contemporânea surge como maneira de doutrinação dos adultos em formação precisamos abordar a sofi sticação do texto literário a qual ocorre de tal forma que até o elemento sobrenatural nele perdura Figura 6 A fábula da lebre e da tartaruga Fonte Shutterstock Acesso em 22092020 LITERATURA INFANTIL 66 SERPEDALITEUNID2indd 66 161020 1741 Para tanto devemos falar das fábulas e de um dos mais famosos escritores de literatura infantil que irá polir esse gênero La Fontaine Gênero muito utili zado na história da literatura ocidental desde a Grécia antiga por seu caráter didático vai sendo retomada durante o período do Humanismo No século XV escritores franceses e italianos a redescobrem por meio das fábulas de Esopo transmitindo diversas de suas versões Assim 200 anos depois há fábulas orientais como O livro das luzes ou A con duta dos reis traduzidas por David Sahib e Modelo da sabedoria dos antigos in dianos traduzida por Pussines O gênero perdura durante vários séculos man tendo seu formato sem grandes alterações Porém assim como os grandes escritores que foram responsáveis por re novar constantemente a língua portuguesa em pleno século XX a exemplo de Guimarães Rosa La Fontaine resgata todo o elemento lírico da fábula ali mentandoa com valores filosóficos que mesclavam elementos das narrativas populares Dotado de formação literária sob influência dos clássicos grecola tinos e renascentistas entre outros e tendo realizado experiências com vários textos foi por meio das fábulas que Fontaine se consagrou um gênero literário de origem popular A produção de La Fontaine reúne uma miríade de fontes as quais tanto negociam com a cultura popular quanto se alimentam de uma tradição de pa rábolas das mais variadas matizes Além destas ele produziu contos alegorias e histórias curtas O grande diferencial é que as obras das cotidianas às sobre naturais encerram valores morais o que singularizou sua produção Dessa forma muitas de suas criações originais passaram à categoria de contos de fadas como as narrativas folclóricas das quais ele se alimentou para produzir seus textos Eis o valor do escritor as situações humanas que ali são transfiguradas em detrimento das intenções do escritor Essa transfigura ção muitas vezes de teor sobrenatural atrai o público infantil Quando abordamos o elemento sobrenatural nos contos de fadas devemos lembrar que suas origens já incluíam elementos maravilhosos Isso influenciou à época uma série de indivíduos a conceber uma outra realidade ocupada por seres mágicos e mitológicos os quais contribuíram para o desenvolvimento crítico desses leitores O que seria a Rainha Má da Branca de Neve se não uma revisitação do mito de Caim e Abel a inveja adaptado para os infantes LITERATURA INFANTIL 67 SERPEDALITEUNID2indd 67 161020 1741 Ademais é importante evidenciar que muito desse elemento sobrenatural não é gratuito uma vez que agrega signifi cantes e signifi cados familiares à so ciedade O sobrenatural familiar Exemplo disso está nas lendas Atualmente há uma gama variada de pes quisas sobre manifestações populares que misturam fatos reais e fi ctícios con tados oralmente como as lendas ou expressos em narrativas escritas que ten tam explicar fenômenos da natureza física e humana além de outros sentidos do mundo com base em símbolos como os mitos A lenda é uma narrativa popular que pode ser escrita ou oral Ela pode contar histórias de seres mara vilhosos ou encantados de origem humana ou não Uma lenda também pode trazer fatos JOVINO 2006 apud SOUZA LIMA 2006 p 212 Exemplo disso está na nossa própria cultura o folclore brasileiro é vasto e possui várias personagens representativas da região a que pertencem cujas histórias são transmitidas de geração a geração O Boto da região amazônica por exemplo é uma lenda que persiste até os dias de hoje neste local Figura 7 O boto personagem do folclore brasileiro Fonte Shutterstock Acesso em 22092020 LITERATURA INFANTIL 68 SERPEDALITEUNID2indd 68 161020 1742 Em Menina Flor e o Boto de Dira Paes temos a recontação da lenda desta criatura mágica através da vida de Flor garota que cresce na fl oresta amazô nica e para a qual essas lendas são na verdade elementos culturais de sua vivência Há uma série de livros que têm buscado representar os elementos autóctones das várias culturas brasileiras sem estereotipação Lendas do norte do país podem assim contribuir para conhecermos outros olhares sobre nos so país SOUZA LIMA 2006 Já o mito por sua vez possui um caráter diferenciado De acordo com Mir cea Eliade este conta uma história sagrada ele relata um acontecimento ocor rido no tempo primordial o tempo fabuloso do princípio Em outros termos o mito narra como graças às façanhas dos Entes Sobrenaturais uma realidade passou a existir seja uma reali dade total o Cosmo ou apenas um fragmento uma ilha uma espécie vegetal um comportamento humano uma instituição É sempre portanto a narrativa de uma criação 1971 p 11 O mito tem como característica principal a oralidade Como em muitos ca sos não há registro escrito os mitos vão transformandose ao serem passados de uma pessoa a outra de geração em geração Para LéviStrauss apud ZUCON BRAGA 2013 o mito faz parte de uma forma de linguagem que também incorpora o sentimento de quem o conta e que nele acredita Isso porque a cada nova narração vão sendo adicionados elementos ou histórias diferentes que retratam crenças e costumes da gente pertencente à região do narrador Literatura e amadurecimento Desta maneira é por meio dessa transmissão de saberes via tradição oral que os eventos são relatados uma vez que é através da voz dos narradornarradores que os mitos e os modos de organização dos rituais são transmitidos Os mitos são consti tuídos de palavras organizadoras dos caminhos e vivências de cada um em particular e da comunidade 2006 apud SOUZA LIMA 2006 p 80 LITERATURA INFANTIL 69 SERPEDALITEUNID2indd 69 161020 1742 Em geral os mitos são histórias com elementos de fantasia mas não podem ser classificados como apenas isso Eles possuem forte caráter moralizador carregado de emoções e sentimentos que reforçam e instigam a crença nes sas narrativas provocando muitas vezes medo de algum castigo ou punição decorrentes de determinada ação O mito tem a função de explicar a origem das coisas ou apresentar uma questão moral As populações do período Antigo Oriental e Ocidental assim como as populações indígenas possuíam mitos para explicar sua visão de mun do por meio dos quais podemos hoje perceber os valores dessas sociedades Por exemplo o mito da Caixa de Pandora conta que Pandora foi a primeira mulher criada por Zeus e que a ela foi confiada uma caixa com uma única ins trução nunca ser aberta Por curiosidade e contrariando as ordens de Zeus Pandora abriu a caixa permitindo que todos os males da humanidade nela aprisionados escapassem e se espalhassem pelo mundo Esse mito exemplifica os valores da sociedade grega em que as mulheres viviam confinadas em suas casas e tinham pouco poder sendo submetidas aos homens O mito indica também uma culpabilização das mulheres pelas maze las do mundo tornandoas responsáveis pelos males que acometiam as socie dades da antiguidade Os mitos são ensinados e vivenciados ritualisticamente no processo de ini ciação e ao longo da vida Em algumas regiões do continente africano o mito da criação do universo e do homem é ensinado pelo Doma que imprime em sua narração princípios e valores do conhecimento da tradição É certo que muitos conhecimentos são transmitidos pela necessidade daquele que aprende portan to é um conhecimento desejado e não fragmentado criado por histórias míticas que traduzem o conhecimento e resumem a sabedoria SOUZA LIMA 2006 p 84 DICA Vladimir Propp em Morfologia do Conto Maravilhoso evidencia como as narrativas se reinventam com o pas sar do tempo e como muitas histórias são contadas com base em um elemento comum motivo pelo qual lendas com duendes são com o passar do tempo convertidas em contos sobre porcos Recomendase a leitura de seu livro a fim de entendermos as estruturas essenciais da estrutura dos contos de fadas LITERATURA INFANTIL 70 SERPEDALITEUNID2indd 70 161020 1742 Essa recorrência ao mito mostra como nas narrativas as personagens es tão a sua maneira recriando o mundo Em A chuva pasmada de Mia Couto as personagens um dia se deparam com uma chuva que não cai está parada no céu pasmada Não há uma explicação plausível pelo menos para nós en quanto leitores para o que ocorre mas as personagens não tardam a agregar explicações sobrenaturais de seu cotidiano Durante o processo para resolver o problema e sanar as dúvidas ocorre o resgate da lenda da fundação daquele vilarejo e quando isso se sucede o passado se manifesta no presente de ma neira que a chuva volta a cair normalmente Ao recorrerem ao elemento sobrenatural esses escritores ampliam a pos sibilidade do discurso literário manipulando uma linguagem poética de tal ma neira que abre espaço para a imaginação a criança tornase um protagonista e consegue conceber a possibilidade de superar pelo menos no mundo da fan tasia as dificuldades do cotidiano Assim criouse um mundo que complementa o desenvolvimento da imagi nação da criança pois diante de uma realidade cruel é no elemento mágico do conto de fadas que ele se complementa Criase um mundo a parte mas ao mesmo tempo irmão semiótico de nossa realidade no qual as situações são narradas à sua essência Em O gato de botas não há a discussão sobre o sentimento de perda dos três filhos após a morte do pai ou do abandono quando os irmãos se separam Há o uso de um termo caro ao leitor o que faz com que se prenda sua atenção sem que se permita deixar escapar os elementos essenciais Daí a relação entre a utilização de um mundo mágico e o desenvolvimento do sujeito Essas narrativas em sua origem levam os leitores a um mundo encantado em que não há o conceito de mentira ou verdade apenas a fantasia apesar de todas as suas artimanhas o Gato de Botas representa o bem e o ogro que tem seu castelo tomado o mal Lembremos do elemento sobrenatural em Chapeuzinho Vermelho que apre senta a história de um lobo falante para que atinjamos o caráter mágicoterrífico do lobo que devorará a protagonista é preciso declarar as perguntas e respostas em voz alta Como aponta Bettelheim o valor simbólico dessas narrativas é atin gido quando narrado em voz alta e demonstrando todo um envolvimento por parte do narrador para levar um significado à criança 2002 p 185 LITERATURA INFANTIL 71 SERPEDALITEUNID2indd 71 161020 1742 Isso decorre de uma herança de muitas dessas narrativas originárias ou adaptadas como vindas de um folclore antes de serem contadas apenas para crianças Escritores como Perrault e outros adaptaram esses elementos de mi tos lendas e outros textos Cabe observar que mesmo o maravilhoso nas histórias associase a um elemento moral na época de sua concepção esses contos transmitiam os valo res da sociedade do século XIX muitos deles em detrimento de uma sociedade industrial Havia uma castração da infância ainda a ser descoberta em prol da formação social Era nos contos de fadas que a fantasia e o desejo poderiam ser alcançados se Cinderela tem uma Fada Madrinha que lhe concede um pouco de diversão após um dia de trabalho Aurora do conto A gata borralheira possui três fadas madrinhas as quais estão ali para que seu destino antes tomado por uma fada madrinha má Malévola se concretize No mundo da fantasia a fada madrinha ou um gato de botas realiza os sonhos e desejos da protagonista geralmente inalcançáveis é na casa dos sete anões que Branca de Neve tem praz tranquilidade e uma família que a acolhe O maligno também é mágico temos rainhas más fadas madrinhas perversas e madrastas invejosas isso sem mencionar claro gigantes bruxos e outros Esses seres sobrenaturais representam o desafio impossível seja por pode res mágicos seja por determinação coragem ou astúcia sobrenatural é pelo recurso às fadas e outros mediadores que as dificuldades são superadas Ocor re um grande conflito no qual o herói representante do bem vence o mal Os contos de fada apresentam uma organização narrativa comumente co nectada ao nosso mundo problema esse que desequilibra o status quo Dai o confronto entre o Bem e o Mal como resolução do conflito Diferentemente de um problema do mundo real aqui a solução encontrase na magia é ela que tira a gata borralheira do seu trabalho ou que faz com que o dono do gato de botas possa atingir a riqueza ainda é o beijo da princesa que faz o príncipe deixar de ser um sapo É nesse ponto que se retorna ao mundo real de modo que o elemento sobrenatural tem uma função lúdica no universo das narrativas infantis pro piciando que todos retornem ao seu felizes para sempre Conforme aponta Cunha LITERATURA INFANTIL 72 SERPEDALITEUNID2indd 72 161020 1742 Se o adulto é capaz de ler um livro ou ver um filme que acabe mal sem deixar de apreciar o livro ou o filme pelo aspecto pura mente artístico ou pela realidade da vida neles apresentada tal não se pode esperar da criança Normalmente ela vive a histó ria identificase com a personagem simpática e o final desagra dável a feriria inutilmente 1999 p 77 É a magia em muitas situações o ponto de partida para o enredo Sem isso Rapunzel seria uma princesa aleatória sem motivação ou algo que interfira em sua vida como uma bruxa uma fada má ou uma madrasta invejosa Se não fosse a crença no elemento sobrenatural João não trocaria sua vaca por feijões mágicos que ele saberia de antemão que não existem Assim como uma certa princesa mimada nunca hospedaria um sapo em seu quarto pois desprovido da irrupção do insólito ele não falaria Figura 8 A princesa e o sapo Fonte Shutterstock Acesso em 22092020 Para o desenvolvimento cognitivo e a superação dos desafios a magia é fundamental ao receber uma pílula falante Emília personagem de Monteiro Lobato ganha vida e começa a falar pelos cotovelos É personagemobjeto má gico e segundo alguns representação do autor Monteiro Lobato Assim O sítio do Picapau Amarelo é um verdadeiro mundo fora do mun do rinocerontes falantes personagens encantados e monstros como a Cuca uma bruxa surgem a todo instante Nesse mesmo espaço Pedrinho aproveita as férias com a avó Dona Benta nossa versão brasileira de fadamadrinha LITERATURA INFANTIL 73 SERPEDALITEUNID2indd 73 161020 1742 que supera todas as dificuldades por meio da contação de histórias Essas his tórias ajudam o jovem neto a se tornar mais forte corajoso e destemido Os conflitos que perpassam a vida dos seres humanos se resolvem pela superação dos conflitos ficcionais as dúvidas das crianças sobre a língua por tuguesa são solucionadas quando estas magicamente visitam o País da Gra mática uma forma lúdica e afirmativa de transmitir valores e conhecimentos para o público infantil utilizando a magia as palavras e letras que tinham vida própria para enfrentar as dificuldades Esse mundo sobrenatural é carregado de uma narrativa simbólica nela apresentamse o sofrimento o medo a alegria o nascimento e o fim É uma escolha simbólica que por isso vai além do conceito de bem e mal os senti mentos humanos são parte do processo iniciativo e psicológico dos indivíduos personagens das histórias e seus leitores por meio dos desafios enfrentados Desta maneira o enfrentamento do mau é portanto uma simbologia da castração das dificuldades do mundo cotidiano conforme afirma Bettelheim 2002 Já a vitória do bem configurase como uma representação do felizes para sempre do ato de se atingir o sonho Observe por exemplo o caso de O mundo de Sofia Sofia é uma menina que recebe um livro com um curso de Filosofia à distância Na verdade sem saber ela é a protagonista de uma história outra pessoa Albert Knag está escreven do um livro para dar de presente a sua filha para ensinarlhe filosofia É uma forma de superar a distância já que ele é militar e sempre está em viagem Há uma brincadeira mágica com isso pois contestase que o próprio autor da his tória é na verdade uma outra criação ficcional O elemento sobrenatural nessas narrativas é providencial magos anões gatos gênios todos esses elementos apresentamse em um núcleo de aventu ras que mescla elementos culturais e sociais nas quais o protagonista tem a seu recurso elementos não disponíveis no mundo real Curiosa é a relação do mediador mágico o ser que traz a solução Em uma de suas origens fada vem de fatum ou destino segundo Coelho 2012 As sim como na tragédia grega havia o Deus ex machina o recurso do narrador para solucionar algum problema a fada proveniente da novelas medievais de cavalaria interfere no destino das personagens ou melhor é o próprio destino representado LITERATURA INFANTIL 74 SERPEDALITEUNID2indd 74 161020 1742 Cinderela é um exemplo de virtude e serve à madrasta e suas irmãs sem pestanejar Nas histórias infantis toda boa ação não fica sem premiação e o elemento mágico novamente uma fada um gato falante ou um gênio repre sentam o próprio destino que se vira a favor da personagem Não é a toa que as grandes dificuldades da vida se equiparam às fadas más demônios feiticeiros e outras criaturas que estão dispostas a prejudicar ativamente as personagens O elemento sobrenatural não tem uma explicação para deleite das crian ças que buscam no sonho e na ilusão o sobrenatural é elemento principal e ao mesmo tempo coadjuvante age sempre a favor de um indivíduo É por isso que seus elementos vão além das culturas Daí a importância da relação da literatura infantil com a formação da crian ça há a narração de uma série de histórias em um mundo que não o nosso cheio de encantos e um ar misterioso e surpreendente mas igualmente capaz de despertar o interesse e a curiosidade e com capacidade de ensinar a al guém É nesse processo que ocorre a formação do leitor e é na forma como se explora o elemento fantástico em consonância com a imaginação que se desenvolve a relação entre leitor e texto Nas palavras de Carvalho 2011 a criança contemporânea experimenta uma sé rie de sensações espaciais aparelhos eletrônicos internet mundo 3D entre outros Assim como fornecer algo diferente em um texto que mescla o elemento fantástico com o real de forma a retomar situações ancestrais e fornecer a apreensão que essa criança necessita Não há temas ruins ou bons contemporâneos ou desgasta dos a obra preza pela sua perfeição e atinge sua plenitude por sua proposta Os indivíduos em seu processo formativo cercamse de problemas con vivem em uma visão do real tomada por dificuldades que os levam a desen volver a imaginação e a busca por soluções fáceis mágicas Essa é a base de um pensamento reflexivo de curiosidade Muitas dessas dúvidas são sanadas pelas explicações de sua respectiva época discursos narrativas experimentos científicos muitos influenciados por causos e acontecimentos Porém nem sempre bastam uma vez que aquilo que nos é certo seguro literal não basta para a criança sua forma de pensar transita pelo campo do simbólico Nessas narrativas infantis o que o leitor encontra são valores pere nes cujo conteúdo conceitos como bom certo errado ou mau vão sofrendo modificações com o passar dos tempos COELHO 2012 LITERATURA INFANTIL 75 SERPEDALITEUNID2indd 75 161020 1742 Diferentemente do adulto o processo de identificação psíquica da crian ça o modo de interação que a lança para dentro do universo de fantasia das histórias de faz de conta é ainda mais intenso é por isso que o escritor deve ter a compreensão do uso do elemento sobrenatural nessas histórias As possi bilidades do texto e a manifestação do sobrenatural passam a ser vividos pelo leitor por meio da sua imaginação como parte do real Há uma fusão entre leitor e texto bem como a forma de interpretar o mun do texto literário tornase forma de interpretação do cotidiano Daí que a leitu ra vai além de uma evasão ou estratégia social mas tornase forma de apren der a compreender o real E isso é feito por meio do elemento sobrenatural o que possibilita que o real passe a ser interpretado através do jogo ficcional YUNES PONDÉ 1998 Por esse viés apontase a forma como a criança cria uma realidade ao seu redor para suportar as situações de conflito do cotidiano É nessa área que ela busca imagisticamente a resolução de seus problemas e pormenores No campo da imaginação essa solução de problemas é dada pelo texto literário e como exemplo na literatura infantil voltada para atingir o universo infantil Isto permite a criança enfrentar e superar seu próprio universo de conflitos de modo a criar um espaço no qual a tempestade tornase calmaria possi bilitando que o indivíduo encontre um local no qual possa se desenvolver e amadurecer para enfrentar as circunstâncias sociais que atravessam todas as etapas de sua formação Nas palavras de Zilberman apontamse em elementos fulcrais associadas à formação do infante e desenvolvese uma relação empática com a forma des tes ver o mundo de forma a se valorizar a percepção infantil de ver a vida e como estes compreenderm as transformações por um olhar simbólico tomado de liberdade e criatividade Assim ao irromper a magia nas narrativas infantis o elemento fantásti co dáse a criança a chance de presenciar o ato imaginativo em sua função vital tomando vida Da mesma forma permitese à criança usufruir dos meios para subverter o poder vigente de modo que pela leitura do simbólico através de uma linguagem poética direcionada para esse tipo de leitor a criança entende como funciona o mundo 2003 p 82 LITERATURA INFANTIL 76 SERPEDALITEUNID2indd 76 161020 1742 Observe que nas histórias infantis a bruxa o ogro o dragão todos eles são adultos e em alguns casos velhos e rabugentos Há assim uma relação entre a idade a personalidade e suas atitudes A vilã de João e Maria é uma bruxa que em algumas versões é cega Uma das responsáveis pelo ocorrido com os irmãos a madrasta morre como retorno pelos seus feitos Não deixa de ser curioso o detalhe que a personalidade das duas madrasta e bruxa está ma gicamente interligada a madrasta manda as crianças para a floresta por não querer passar fome ao passo que a bruxa deseja comer as crianças Há casos onde a magia de um vilãoadulto é sugestionável Conde Olaf ar quiinimigo dos irmãos Baudelaire tem a capacidade de se disfarçar e não ser reconhecido como se fosse mágica Infelizmente para ele esse feitiço só fun ciona com as crianças cuja fortuna ele quer roubar Porém como uma revitalização de valores as versões estilizadas do conto utilizam os elementos mágicos para representar realidades diferentes Em uma sociedade do século XIX com o advento da família nuclear burguesa ignorase que em algumas versões mais antigas não é a madrasta mas sim a mãe quem expulsa as crianças representando a dureza da época de origem do conto a Idade Média Mais uma vez o próprio elemento míticosimbólico carrega traços que vão além do tempo a criança que adentra na casa busca saciar sua fome conseguir todas as suas guloseimas mas precisa descobrir as consequências de suas escolhas Se por um lado as histórias da literatura infantil rompem com a percepção empírica da realidade ainda sim seguem toda a rede da verossimilhança narra tiva apresentando um mundo de acordo com a enunciação de quem narra e o desdobrar coerente das ações além de um erro que se alimenta de uma série de casualidades ZILBERMAN 1987 LITERATURA INFANTIL 77 SERPEDALITEUNID2indd 77 161020 1742 Sintetizando Nesta unidade abordouse a relação entre o texto literário infantil e a trans missão de valores Ao se pensar a representação da criança no texto infantil aprofundarmos e delimitamos a seguinte pergunta qual criança estaria sendo idealizada Dessa maneira observouse como em diferentes épocas concebeuse mo delos de crianças mais imaginários do que reais que deveriam ser o exemplo a ser imitado a norma Abordouse também como toda uma tradição de escritores ao concebe rem o conceito de infância passaram a abordar tanto a inserção da criança no texto literário como a elaboração de uma linguagem que a representasse Nesse caminho foi resgatada uma extensa linguagem míticosimbólica através da qual os textos passaram a criar mundos que mesclavam elementos do real e do irreal agregando características que seriam igualmente significati vas para esse tipo de produção textual LITERATURA INFANTIL 78 SERPEDALITEUNID2indd 78 161020 1742 Referências bibliográficas ANDRADE G Literatura infantil São Paulo Pearson Education do Brasil 2014 BARTHES R Aula São Paulo Cultrix 1987 BETTELHEIM B A psicanálise dos contos de fadas São Paulo Paz e Terra 2002 CANDIDO A A literatura e a formação do homem 1999 Disponível em ht tpsperiodicossbuunicampbrojsindexphprematearticleview8635992 Acesso em 13 jul 2017 CARVALHO B V A literatura infantil visão histórica e crítica São Paulo Global 2011 COELHO N N Dicionário crítico da literatura infantil e juvenil brasileira São Paulo EDUSP 1995 COELHO N N O conto de fadas São Paulo Ática 2012 CUNHA M A A Literatura infantil teoria e prática 18 ed São Paulo Ática 1999 DELEUZE G GUATTARI F Kafka para uma literatura menor Lisboa Assírio Alvim 2003 ECO U Seis passeios pelos bosques da ficção São Paulo Cia das Letras 1994 ELIADE M Mito e realidade São Paulo Perspectiva 1971 FARIAS F R A RUBIO J A S Literatura infantil a contribuição dos contos de fadas para a construção do imaginário infantil 2012 Disponível em httpdocsuninove brartefacpublicacoespdfv3n12012Francypdf Acesso em 17 jul 2020 GOUVÊA M C A construção do infantil na literatura brasileira 2000 Dis ponível em httpswwwepublicacoesuerjbrindexphprevistateiasarticle download2384816821 Acesso em 17 jul 2020 JOÃO Carlos Marinho O Gênio do Crime Postado por Grupo Editorial Global 05min 24s son color port Disponível em httpswwwyoutubecomwat chvHS5UHkVw1rwfeatureemblogo Acesso em 22 set 2020 LAJOLO M ZILBERMAN R Literatura infantil brasileira São Paulo Ática 2007 MACHADO A M org Contos de fadas de Perrault Grimm Andersen e ou tros Rio de Janeiro Zahar 2010 PIAGET J A representação do mundo na criança São Paulo Ideias e Letras 2005 PRADO P D Os três porquinhos e as temporalidades da infância Cad Cedes LITERATURA INFANTIL 79 SERPEDALITEUNID2indd 79 161020 1742 Campinas v 32 n 86 p 8196 2012 PROPP V I Morfologia do conto maravilhoso 2001 Disponível em https monoskoporgimages33dProppVladimirMorfologiadocontomaravilho sopdf Acesso em 22 set 2020 SOUZA F LIMA M N org Literatura afrobrasileira Salvador Centro de Estudos AfroOrientais Brasília Fundação Cultural Palmares 2006 YUNES E PONDÉ G Leitura e leituras da literatura infantil São Paulo FTD 1996 ZILBERMAN R A literatura infantil na escola 11 ed São Paulo Global 2003 ZILBERMAN R Literatura infantil brasileira histórias histórias São Paulo Ática 2007 ZUCON O BRAGA G G Introdução às culturas populares no Brasil Curitiba InterSaberes 2013 LITERATURA INFANTIL 80 SERPEDALITEUNID2indd 80 161020 1742 ESCOLA E FORMAÇÃO DO LEITOR 3 UNIDADE SERPEDALITEUNID3indd 81 161020 1735 Objetivos da unidade Tópicos de estudo Escola e formação do leitor A importância da leitura e da literatura na escola Estratégias de leitura em sala de aula Brincadeiras com palavras sons e imagens Leitura e leitores Didática da literatura infantil Responsabilidade da escola e do professor na formação do leitor A sala de aula enquanto espaço de construção O ensino da literatura Políticas e práticas educacionais Apontar a importância de estratégias na escola para a formação de leitores Destacar as possibilidades do uso do texto infantil em sala de aula LITERATURA INFANTIL 82 SERPEDALITEUNID3indd 82 161020 1736 Escola e formação do leitor Abordaremos nesse material a relevância da leitura na formação de leitores e cidadãos Para tal nos questionemos o que é a leitura Qual a relevância des ta para abordar exatamente o conceito de leitor Acreditamos que ao lermos textos lemos a vida personalidades e realidades Quando a palavra leitura é pronunciada uma das associações mais comuns é o ato de ler um livro e con sequentemente uma resistência É curioso pois muitos alunos principalmen te nos dias atuais leem histórias em quadrinhos em mídia digital Mais curioso ainda é que essas histórias possuem os mesmos elementos do texto publicado em livros ou seja enredos aventuras personagens espaços fi ccionais focos narrativos A própria palavra leitura é polissêmica possibilitando signifi car diversas outras ideias Zilberman nos dá uma explicação mais lúdica Para ela no es paço entre a fala e a escrita surge um código que tem como uma de suas marcas a capacidade de produzir vários sentidos de acordo com sua organi zação ZILBERMAN 2003 p 18 Em suma o texto por excelência tem a parti cularidade de promover saberes quase infi nitos e alguns infi nitos Isto é ler envolve interpretar sentidos E o texto por defi nição é um todo de sentido FIORIN SAVIOLI 2006 Portanto ler não envolve apenas a ação Abrange uma compreensão mais ampla já que está associado à interação entre o ser e a sociedade É por meio da leitura que damos sentido ao mundo organizando todo o caos que nos cerca Até as inconstâncias da vida se transformam em uma forma de texto Observe uma obra como Triste Fim de Policarpo Quaresma de Lima Barreto A convulsão da nova república bem como as revoltas e confl itos que hoje nos parecem tão distantes como se fossem apenas estatísticas passam a ser mais esclarecidos pela pena literária A narrativa que era apenas um re gistro tornase mais próxima a todos nós A voz do poeta organiza os eventos por meio das possibilidades do jogo de fi ngi mento Seria isso muito diferente de narrativas como O Conde de Monte Cristo de Alexandre Dumas em que a pior das punições também vem acompanhada de um processo de aprendizagem LITERATURA INFANTIL 83 SERPEDALITEUNID3indd 83 161020 1736 Mas o jovem leitor é capaz de traçar essa relação entre obras literárias tão diferentes Como exigir que um indivíduo durante os primeiros momentos da vida tenha um grau suficiente de leituras acumuladas que possa identificar es ses elementos em diferentes textos Nós lemos e nos lemos Em primeiro lugar tudo o que fazemos é realizado por meio de uma forma de comunicação uma linguagem E esta envolve o uso de uma língua Se pensarmos por esse lado alguns cursos universitários como Medicina e Enfermagem bem como Marketing e Letras possuem uma disciplina para aprender a interpretar tanto os sinais do corpo como dos códigos deno minada semiologia Já ouviu a expressão o corpo fala Bem acontece que em geral dizemos mais do que realmente colocamos em palavras A leitura pode ser compreendida como um ato de criação de sentidos e por isso sua importância vai além da noção de alfabetização e do ato de leitura mecânica mas de interação social Todos ao nosso redor são leitores com dife rentes graus de proficiência Desde sempre há o fetiche da leitura como meca nismo de ascensão cultural a ideia de que se lermos determinados livros con siderados difíceis ficaremos mais inteligentes O problema nesse sofisma é que substituímos uma possibilidade por certa e desconsideramos o tipo de leitura e como o leitor se insere socialmente no cotidiano de quem adquire essas leituras Figura 1 O conde de Monte Cristo aventura e aprendizagem Fonte Shutterstock Acesso em 28092020 LITERATURA INFANTIL 84 SERPEDALITEUNID3indd 84 161020 1738 É por isso que há a necessidade da apreensão por parte dos alunos e dos pro fessores das práticas cotidianas de leitura Ler não se encerra como atividade uma vez que envolve entretenimento obrigação descoberta pesquisa revisão dentre outras práticas DICA Regina Zilberman em seu artigo A leitura no Brasil sua história e suas instituições faz um aporte dos mecanismos nacionais criados para o crescimento do público leitor bem como suas inconsistências É um texto essencial para enten der as propostas do ensino de literatura em sala de aula A importância da leitura e da literatura na escola Quando pensamos em leitura devemos considerar questões como para quê por quê como e o quê São pontos que direcionam a complementação dessa atividade O texto literário desde sempre é um excelente facilitador do desenvolvimento das competências associadas à leitura e é comum pensarmos que se a criança consegue ler as le tras formar as palavras identifi car os códigos então pode ser considerada um leitor competente Bom esclare cemos que ela pode ser alfabetizada mas não necessariamente um indiví duo letrado Isso ocorre porque o ato da leitura não está associado apenas ao texto literário ou de saber identi fi car os códigos textuais pois consiste em uma atividade mais ampla E den tro desse escopo há uma facilitação para se atingir essas habilitadas que são favorecidas pelo contato com o texto fi ccional o qual é uma das várias possibilidades textuais existentes Isso signifi ca que a competência para a leitura mesmo que superfi cial é prérequi sito para outras que virão a ser aprofundadas ao longo da vivência LITERATURA INFANTIL 85 SERPEDALITEUNID3indd 85 161020 1739 Se vamos tratar da questão das práticas de leitura em sala de aula deve mos considerar o seguinte há diversos tipos de textos Alguns podem ser lidos em trechos para sua compreensão outros demandam maior aprofundamen to Alguns podem ser lidos de um fôlego outros durante horas Alguns textos são simplórios enquanto outros promovem um verdadeiro jogo linguístico com o leitor Alguns são como histórias de aventuras enquanto outros roman ces policiais E há aqueles que possibilitam múltiplas interpretações que fazem sentido ao longo dos tempos são os textos literários diferentes de outros que cumprem uma função bem específica assim como roteiros livros didáticos e manuais Uma notícia de jornal e uma receita de bolo são textos válidos Nesse pro cesso de produção de saberes a partir do texto devese considerar que a lei tura informativa exige estratégias próprias que são muito importantes para realimentar nosso processo de aprendizagem Selecionar as informações que realmente interessam relacionálas com outras usálas de modo adequado percebêlas e ironizálas em sua parcialidade contextualizálas social e histo ricamente são algumas estratégias de produção de conhecimento por meio da leitura Porém a atividade da leitura nunca é igual visto que os textos dos quais se apropria abordam diferentes faculdades psíquicas do indivíduo Mui tas dessas são movimentadas por influência do texto literário fugindo do pa drão de outros textos que circulam cotidianamente Afinal é possível que con sigamos ler todos os livros da série O mundo de Oz da mesma maneira e com as mesmas estratégias apesar do estilo dos diferentes escritores que produ ziram todo esse universo E considerando que se trata de um amplo universo semiótico produzido por vários escritores cada um ampliando o universo original Podemos usar essa mesma premissa para histórias em quadrinhos como as criações de Mauricio de Sousa Existe todo um universo de roteiristas desenhistas e demais pro fissionais envolvidos nesse processo tex tual Se as primeiras produções da Turma da Mônica datam de mais de 60 anos também desenvolveram as temáticas e o tipo de leitor LITERATURA INFANTIL 86 SERPEDALITEUNID3indd 86 161020 1739 contextos diferentes referências variadas as quais vão sofrendo modificações com o passar do tempo Um exemplo bem explícito disso de como esses tex tos mistos vão sendo produzidos em negociação a leitores com competências diferentes são os personagens que vão sendo criados com o passar do tempo Além de Mônica Cebolinha Magali Cascão Astronauta e outros nos últimos anos surgiram personagens que dialogam com a visibilidade dada a outros per sonagens como André um menino que possui transtorno do espetro autista Figura 2 Dorinha personagem que é cega Luca que é paraplégico Figura 3 a dupla Igor e Vitória ambos soropositivos criados em uma parceria com a ONG Amigos da Vida dentre outros Vale destacar também o personagem Humberto menino mudo criado em meados dos anos 1980 Figura 2 Diálogo envolvendo os personagens André Cebolinha e Mônica Fonte BERNARDO 2019 Imagem divulgação Mauricio de Sousa ProduçõesSAÚDE é Vital LITERATURA INFANTIL 87 SERPEDALITEUNID3indd 87 161020 1741 Figura 3 O estabelecimento de um diálogo entre personagens inclusivos como os da Turma da Mônica e seus lei tores é fundamental no desenvolvimento de uma visão abrangente da realidade social dos alunos Fonte Wikimedia Commons Acesso em 28092020 Quando falamos em perfis literários devemos considerar a relação entre escritor obra e leitor No entanto estar fora do padrão não significa ques tionar todos os padrões de modo que os perfis literários também são fonte profícua de aprendizagem para os leitores A relação do texto literário com o universo verbal como um todo com os outros textos escritos já é pois objeto da necessária recriação por parte do leitor Porém a relação do texto literário com o universo extraverbal também passa por todas as transformações sele ções repetições rupturas apropriações que sejam possíveis É importante desta car que determinadas leituras exigem uma gama de conhecimentos para serem melhor aproveitadas e os próprios vão se transfor mando e retransformando a cada texto o qual amplia o re pertório sociocultural dos leitores LITERATURA INFANTIL 88 SERPEDALITEUNID3indd 88 161020 1741 Por que nossos alunos às vezes reclamam quando pedimos que leiam os clássicos modernistas como Gabriela cravo e canela de Jorge Amado mas pa recem se debruçar diante de Caçadas de Pedrinho autoria de Monteiro Lobato obras cronologicamente próximas entre si mas distantes do tempo dos leitores mais jovens Nos estudos literários abordamos muito a questão da universali dade de um texto e sua atemporalidade Mas isso é um critério do escritor da crítica literária ou do leitor É uma pergunta complexa tendo em vista que se um texto deixa de ser significativo para determinado leitor significa que deixou de ser significativo para todos os leitores ou perdeu sua capacidade de ser univer sal A universalidade de um texto está relacionada à sua capacidade de respon der a grandes questões do ser humano ou seja não é uma qualidade individual A leitura por outro lado é uma prática mais ampla Em sua essência ler é produzir conhecimento como se cada um ampliase uma biblioteca particular a cada livro que se lê É o que aponta Darnton 2011 ao abordar que o indivíduo não desenvolve a habilidade da leitura mas a capacidade de estabelecer rela ções de significado socialmente e culturalmente Ele o faz identificando reco nhecendo comparando analisando e interpretando os códigos que lhe chegam ou seja o processo de intertextualidade Imagine dois leitores o primeiro leu Sítio do Picapau Amarelo até suas últi mas obras publicadas na década de 1940 o segundo teve a chance de acompa nhar as diferentes encarnações da Turma da Mônica dos anos 1950 até os dias de hoje Qual desses precisou agregar mais leituras para entender os diferentes contextos de produção das respectivas obras Ambos O segundo teve a opor tunidade de acompanhar como a obra de Mauricio de Sousa e os diferentes artistas que com ela contribuíram foi representando uma sociedade em cons tante transformação com novos valores contextos e elementos Por outro lado aquele que teve contato com a obra de Lobato precisou à sua maneira amadu recer sua leitura para assim formular sentidos que negociassem não apenas com o passado mas com o presente Afinal se isso não fosse feito poderíamos facilmente abandonar nos anos 1970 O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá de Jorge Amado Porém cabe ao leitor em seu processo de produção de sentidos ou seja durante o ato de leitura contextualizar o texto com sua respectiva épo ca É dessa maneira que obras como A Droga da Obediência de Pedro Bandeira parecenos ter sempre algo a dizer LITERATURA INFANTIL 89 SERPEDALITEUNID3indd 89 161020 1741 EXEMPLIFICANDO Não há texto isolado do seu universo formativo Todo texto referencia seu espaço mesmo que por analogia Narrativas como Os Lusíadas foram produzidas durante a época das grandes navegações bem como Dom Quixote refl ete um período da modernidade e da ascensão da burguesia Os textos infantis de Monteiro Lobato por sua vez contextualizam a época de um Brasil rural e extremamente burocratizado Seja por livros descontinuados ou recorrentes obras antigas ou contempo râneas é por meio do contato com essas obras que o leitor vai desenvolvendo seu arcabouço intertextual Essa noção de intertextualidade é cunhada por Julia Kristeva para a qual há no texto o que considera como qualquer tipo de refe rência ao outro tomado como posição discursiva paródias alusões estiliza ções citações ressonâncias repetições reproduções de modelos de situações narrativas de personagens variantes linguísticas lugares comuns etc FIORIN SAVIOLI 2006 p 165 Intertextualidade portanto compreende o termo como escritura simultaneamente como subjetividade e como comunicabilidade KRISTEVA 1974 p 71 Estratégias de leitura em sala de aula O livro O Fantástico Mistério de Feiurinha de Pedro Bandeira 1997 aborda um bom exemplo dessa intertextualidade O autor resgata elementos dos con tos de fadas os quais por sua vez já resgatavam elementos do conto tradicio nal Acrescentase a isso como na obra temos uma continuação das histórias Branca de Neve Cinderela e as demais são mães que precisam resolver um mistério que fi m deu a Feiurinha Aliás quem é ela Há um processo lúdico com o próprio elemento dos contos de fadas na transição de suas versões orais para escritas elementos vão sendo adaptados Enquanto as narrativas francesas sofrem uma suavização as germânicas a exemplo das narrativas dos irmãos Grimm buscam mostrar a natureza mais crua Ambas não dei xam de ser adaptações que paulatinamente vão preservando determinadas versões para a variedade escrita Nesse ínterim como na história Os três por quinhos que antes eram três duendes BETTELHEIM 2007 elementos vão se transformando adaptandose aos contextos LITERATURA INFANTIL 90 SERPEDALITEUNID3indd 90 161020 1741 Por sua vez a obra brinca com esse elemento das narrativas infantis que em sua origem eram orais Algumas desaparecem outras sofrem transfor mações A Feiurinha era a princesa esquecida mas igualmente legítima pois segue os elementos do conto de fadas carrega seu elemento mágico sua lin guagem transformadora e leva aos mais jovens o mundo da magia mesmo que sendo uma leitura nos dias atuais Notamos uma intertextualidade não com o conto em si mas com os ele mentos do conto O leitor é quem dá autenticidade à nova princesa por reco nhecer nela variações de Branca de Neve Cinderela e Rapunzel O príncipe que completa o casal é por si mais um da família dos Encantados conjunto de príncipes parentes entre si herdeiros de uma família nobre A rainhamãe não reconhecer a maternidade desse novo príncipe não faz diferença uma vez que ele também passa a ser reconhecido como herdeiro de uma tradição mágica Ao escrever o livro o autor promove um jogo textual com os apontamentos de Aristóteles para quem a literatura era por definição um grande diálogo entre produções anteriores e posteriores PIAGET 2005 p 32 Podemos trabalhar em sala de aula a literatura como um amplo processo dialógico considerando compreender algo associado ao contexto de uma res posta em potencial É a partir disso que se constata como o texto literário exige um leitor que perceba essa relação textual de um texto com seus anteriores ou contemporâneos O texto não é apenas uma série de enunciados mas a per cepção dos diferentes significados da língua KRISTEVA 1974 p 20 Pelo contato com obras que fazem parte do escopo de leituras prévias da criança criase um espaço discursivo onde se conflitam quem escreve a quem se destina e os textos com que travam diálogo uma vez que esse pró prio destinatário atua como um discurso presumido e por vezes silenciado de maneira que todo texto permite a criação de um espaço em que se lê pelo menos dois textos Temos dessa maneira a palavra signo linguístico por excelência atuando e interagin do translinguisticamente e ininterruptamente entre sistemas semiológicos Dentre os vários tipos de textos o espaço por excelência é o literário para ativar a propriedade intertextual da linguagem verbal REIS 2008 p 183 LITERATURA INFANTIL 91 SERPEDALITEUNID3indd 91 161020 1741 É por isso que o leitor contemporâneo com muita dificuldade compreen de quando o faz esses entrecruzamentos discursivos entre o texto e seus elementos históricos Podemos considerar que está aí todo o potencial da lite ratura infantil pois ele negocia visões de mundo que muitas vezes não são per ceptíveis ao aprendiz mas contribui para que o mesmo possa paulatinamente formar sua biblioteca literária Como desenvolver no aluno essas competências de percepção Por meio do texto literário o qual possui uma dinâmica de atuação em um vasto universo textual o qual envolve inclusive textos literários e não literários que possi bilita essa interpretação constante de textos em e através de outros textos À medida que esse leitor se torna mais competente é realizada uma espécie de construção de sua competência ledora por meio de recortes das suas próprias leituras COMPAGNON 2007 p 12 adaptandose continuamente a novos con textos semióticos Talvez uma criança não consiga compreender como os elementos presentes na narrativa A demanda do Santo Graal influenciaram toda uma série de novelas de cavalaria Porém é possível guiálo de modo a traçar uma correlação en tre os elementos mágicos presentes no Cálice Sagrado e o sapatinho de cristal da Cinderela Da mesma forma que uma série de cavaleiros sai da cor te do Rei Arthur em busca do cálice o príncipe encantado sai em uma cruza da atrás da dona do pé no qual o sapa tinho de cristal se encaixaria É por isso que a prática da leitura em sala de aula deve privilegiar o seu receptor ou seja o leitor Dessa maneira podese atingir uma visão ampla e estruturada do processo da leitura seus percalços desenvolvimentos impedi mentos e consequências bem como o caráter pedagógico e ideológico dessa atividade Adentramos em conceitos pedagógicos da prática de leitura resga tamos as noções de gêneros textuais em prol da facilitação de práticas de lei tura e apresentamos questões essenciais do universo sociocultural do leitor enquanto figura física e abstrata LITERATURA INFANTIL 92 SERPEDALITEUNID3indd 92 161020 1742 Brincadeiras com palavras sons e imagens Uma pergunta que talvez incomode mais aos alunos do que seus respecti vos professores é que atividade é essa que muitos recomendam com afi nco mas tantos não a praticam com a mesma intensidade Por que apesar de ser considerada essencial há tantas ressalvas sobre como exercêla Vive mos em uma sociedade na qual a prática de leitura é desejada e promovida porém muitas vezes não praticada Debruçamonos sobre coleções literárias espalhadas em estantes de bibliotecas escolares as quais acumulam poeira diante de alunos que não as acessam Com o propósito de responder a esse e a outros questionamentos deparamonos com a necessidade de abordar vários aspectos da atividade desde a noção de atividade ledora até a de es paços propícios para tal Nely Novaes Coelho aponta que o texto literário e em particular a literatu ra infantil têm uma tarefa fundamental a cumprir nesta sociedade em trans formação a de servir como agente de formação seja no espontâneo conví vio leitorlivro seja no diálogo leitortexto estimulado pela escola COELHO 2000 p 15 Nesse sentido os educadores e as escolas são fundamentais para proporcionar a crianças e jovens o contato com a literatura de maneira que esses sujeitos compreendam e refl itam sobre si mesmos e a respeito do meio social em que estão inseridos Discutir essa literatura envolve abordar suas vertentes bem como suas linhas de pesquisas como a artística e psicológica e como desde cedo é atri buída a esta uma função pedagógica objetivando revelar que a literatura pode ser trabalhada sob diversos vieses apresentando em cada vertente sua importância e sua forma de interpretação no contexto sociocultural Essa re fl exão visa abordar como a literatura infantil pode ser um instrumento de construção do mundo real a partir do lúdico que os livros proporcionam às crianças e aos jovens Desse modo podemos observar a relevância do livro infantil na formação de jovens e crianças pois é por meio do livro que se torna possível explorar o mundo imaginário em que fantasias monstros fadas e mitos se fazem pre sentes nas lendas nos contos e fábulas proporcionando assim que o sujeito construa uma conexão do mundo real com o lúdico LITERATURA INFANTIL 93 SERPEDALITEUNID3indd 93 161020 1742 Merece destaque dentre as várias contribuições dessa literatura em parti cular o fato de servir como agente de formação tanto de forma espontânea como direcionada pela escola bem como a importância da literatura para a formação da consciência de mundo por crianças e jovens Figura 4 O fomento da leitura por crianças no ambiente escolar é imprescindível para o desenvolvimento visando alcançar a formação de cidadãos conscientes Fonte Shutterstock Acesso em 28092020 A escola é o espaço de aprendizagem por excelência O ensino de literatura em sala de aula visa transmitir ao indivíduo todo o arcabouço sociocultural do meio em que vive permitindo que este ao compreender as transformações estéticas pelas quais o homem transitou possa realizar uma profunda e profícua reflexão entre o mundo real e o imaginado a elaboração da consciência de si e do outro a criticidade em relação à leitura do mundo a língua como forma de expressão verbal significati va e consciente em suma a plena realidade do ser COELHO 2000 p 16 Isso nos permite resgatar o caráter lúdico das literaturas infantis Se por um lado há associação a textos de crianças por outro o termo agrega uma carga semântica significativa ao misturar jogos de palavras onomatopeias e imagens verbais Assim a imagem que a história infantil desde Chapeuzinho Vermelho até A Droga da Obediência apresenta para a criança tem implicitamente os sentimentos de um Era uma vez Desse modo a literatura contribui para formação da criança como sujeito e leitor LITERATURA INFANTIL 94 SERPEDALITEUNID3indd 94 161020 1743 O contato com a literatura infantil se faz inicialmente através de seu ângulo sonoro a criança ouve histórias narradas por adultos po dendo eventualmente acompanhálas com os olhos na ilustração É essa última que introduz a epiderme gráfi ca do livro de modo que a palavra escrita apresentase via de regra como o derradeiro elo de uma cadeia que une o indivíduo à obra literária Contudo tão logo ela instala o domínio cognitivo de um ser humano convertese em um leitor isto é modifi ca a sua condição Portanto é a posse dos códigos de leitura que muda o status da criança e integraa em um universo maior de signos o que nem a simples audição nem o deciframento das imagens visuais permitiam ZILBERMAN 2003 p 57 Vale destacar que a criança e o jovem são seres criativos e que gostam de fanta siar e a literatura infantojuvenil proporciona isso de maneira que consegue orga nizar o mundo mágico com o seu universo construindo e reconstruindo a realidade e realizando tudo o que desejam E o fazem por meio de imagens visuais criadas pelo recurso a imagens verbais orais e escritas Essa literatura deve ser inserida nos anos iniciais da criança pois é a partir dessa fase que se estimula a imaginação a interação do lúdico com o real bem como é por meio do ato de ouvir as histórias dos contos de fada que a criança reconstrói o seu mundo no momento em que ela reconta e recria sua própria história infantil Sendo assim é fundamental que o educador trabalhe a literatura infantil com os seus alunos principalmente nas séries iniciais de maneira a proporcionar o lúdico de forma prazerosa permitindo que as crianças se descubram no meio social em que estão inseridas Leitura e leitores É por meio da leitura literária que se desenvolvem capacidades imaginati vas sentimentos valores e as diferentes negociações por meio da qual o meio social coloca em discussão suas questões Entramos em outro terreno arenoso não estaria a literatura infantil no campo das chamadas literaturas de massa Em uma época em que vivemos a busca desenfreada pela cultura momento em que todos desejam que seus fi lhos sejam leitores independentemente da qualidade dessa leitura esse espectro sonda o texto literário infantil LITERATURA INFANTIL 95 SERPEDALITEUNID3indd 95 161020 1743 Muitos se perguntam sobre a importância da literatura no currículo escolar Deveríamos perguntar outra coisa o que foi feito da literatura nesses currí culos Reduzida à historiografia lite rária gravação de períodos estilos e marcas sem um aprofundamento O aluno ao concluir a educação básica pouca chance e incentivo teve para ler por completo os clássicos brasileiros E ao abordar os clássicos tomamos a liberdade de inserir no mesmo grupo a produção literária infantil brasileira passando até mesmo por escritores como Jorge Amado e Lygia Bojunga Embora haja uma série de percal ços para o acesso da leitura em sala em aula sua importância no currículo escolar dáse justamente pela capacidade imaginativa transmitida e desen volvida pela literatura para ter em mão os instrumentos que lhe propiciem atingir a plenitude de sua cidadania É no texto literário que o indivíduo atin ge as várias possibilidades da língua que transcendem os signos cotidianos ato possível pela acumulação de significados possibilitada por esse tipo de texto LAJOLO 2001 Essa acumulação transcende o imediatismo da cultura de massa de ma neira que a relação entre leitor e texto deve instigar uma pluralidade de repre sentações motivo pelo qual aqueles textos que promovem a indeterminação são os mais adequados por apresentarem um mundo ficcional a ser decifrado Afinal o que há de mais indeterminado do que a própria magia elemento recorrente nos textos infantis As regras do mundo dos adultos nosso mundo real são invertidas a magia é inconstante possibilita que o mundo sofra um revés Se por um lado é por meio dela que a Rainha Má se disfarça e envenena Branca de Neve é a mesma magia do beijo do amor verdadeiro do Príncipe Encantado que desperta a princesa A magia que desconcerta o mundo estará presente no conto da Gata Borralheira na qual mesmo após o efeito mágico das doze badaladas o príncipe é tomado por uma espécie de encantamento o que o faz buscar desesperadamente pela dona do sapatinho de cristal LITERATURA INFANTIL 96 SERPEDALITEUNID3indd 96 161020 1743 Podemos ir além considerando que o texto tem a capacidade de instigar no leitor por exemplo o princípio da comunidade nos dias de hoje há redes so ciais voltadas para esse intuito no qual as pessoas compartilham suas ideias sugestões conhecimentos e teorias sobre o que vivenciaram São levadas a construírem sentidos individuais e coletivos de modo que as conversas entre leitores ampliam cada vez mais essa percepção de modo que trabalhar com o texto passa a ser algo lúdico e prazeroso A obra fi ccional por sinal é a experiência de leitura por excelência uma vez que é simbolicamente uma imagem do mundo ou seja nunca está totalmente encerrada ZILBERMAN 2007 É o texto que fala mais pelas suas ausências pelos talvez e se e cabe ao leitor completar esses espaços decifrar seus enigmas por meio de sua capacidade imaginativa e vivência Desse modo não se pode considerar o livro como mero instrumento de preparação das séries iniciais de grau para leituras nas séries posteriores É por meio de uma interação duradou ra entre leitor e texto que se ampliam as possibilidades de um conhecimento real do mundo transcendendo as limitações que o próprio ensino escolar estabelece para poder generalizar o processo de ensinoaprendizagem A escola ao instruir os alunos padroniza os saberes independentemente do grau ou capacidade de cada um É por isso que esses limites são transcendidos pelo texto literário o qual não é limitado por essas barreiras possibilitando a descoberta de uma vivência singularizada em cada obra Se quem lê sabe mais então é por meio da obra de fi cção que o indivíduo melhor desenvolve sua capa cidade de problematização para enfrentar os grandes problemas da sociedade Didática da literatura infantil Uma vez que abordamos todo esse processo lúdico de formação do leitor qual é a responsabilidade da escola nessa série de etapas para o desenvolvi mento de sua capacidade de leitura Para isso precisamos abordar toda uma linha de saberes transversais que ampliam a discussão sobre a literatura infantil isto é a prática didática De terminadas concepções didáticas ampliaram o uso do texto infantil em sala de aula mas sem pensar nesse mesmo gênero textual em um primeiro momento O que seriam então essas práticas LITERATURA INFANTIL 97 SERPEDALITEUNID3indd 97 161020 1743 Para entender a didática devemos adentrar em um tripé os objetivos edu cacionais as estratégias de ensino e os mecanismos de avaliação Nesse campo a didática tem como objeto o ensino e ao realizar esta discussão acres cida dos saberes necessários ao professor e ainda às peculiaridades da sala de aula buscamos abordar um pouco da teoria sobre a prática pedagógica e o processo de ensino que têm como objetivo maior a aprendizagem E princi palmente como se intercala a relação entre didática e uso da literatura infantil em sala de aula em prol do desenvolvimento amplo das capacidades de leitura Você muito provavelmente enfrenta problemas para trabalhar o texto li terário em sala de aula usandoo além de recurso para exercícios de inter pretação textual O uso do texto literário exige de sua parte não apenas um desenvolvimento didático mas também no campo da autoformação Portanto busque ser um professor reflexivo pesquisador e investigador para que con siga transformar a sala de aula em um espaço de desenvolvimento não só dos alunos e também como um espaço de desenvolvimento pessoal profissional e organizacional Isso é fundamental para que você não seja um mero leitor de textos de sala de aula de maneira que o uso de textos literários se resuma a uma prática não reflexiva por parte dos alunos Ensinar em uma antiga interpretação era tido como mostrar como fazer anunciar assinalar Atualmente qual será o significado do verbo ensinar Troca de informações e dialogar seriam formas de ensinar Quando há um debate ou discussão podemos considerar que está havendo ensino Não é presumível que em todas essas ocasiões descritas seja possível considerar que informa ções e mesmo conhecimentos organizados estão sendo comunicados de uns para outros O processo de ensino em si pode ser explorado como uma mo dalidade específica do processo de comunicação que apresenta peculiaridades relativas aos seus propósitos e às suas dificuldades específicas Por exemplo uma emissora de televisão é um canal de comu nicação e pode tanto transmitir notícias ou filmes quanto uma aula A peculiaridade desta última é que ela é organizada e sistematizada apresen tando na maioria das vezes um desenvolvimen to linear e tem como intenção básica desenvolver aprendizagem ou seja ensinar LITERATURA INFANTIL 98 SERPEDALITEUNID3indd 98 161020 1743 O que diferirá em relação ao ensino é o público que pode tanto estar disposto a aprender quanto não estar com essa intenção ao assistir à aula Esquematizando melhor tal explicação podese considerar que a primeira peculiaridade do processo de ensinar é a intencionalidade Esta não é uma certeza do processo mas um esforço Dito isso você acha que é capaz de distinguir o que você aprendeu por esforço próprio e o que foi aprendido por você fruto do esforço de alguém Podemos re fletir ainda que existem aprendizados que são aprendidos sem que ninguém nos tenha ensinado e outros que precisam nos ser ensinados inúmeras vezes O auto didatismo é um exemplo da organização do processo de aprendizagem Do outro lado do autodidatismo estão os sujeitos que precisam de um sujeito ensinante não necessariamente um professor sendo alguém com a tarefa de ensinar Ensinar é um esforço e nem sempre uma certeza pois embora o ensinante ensine o outro lado muitas vezes aprende ou apreende pouco ou quase nada Para que haja sucesso entre o ensinar do ensinante e o aprender do aprendente entram em cena os procedimentos didáticos buscando que os dois processos ensi nar e aprender se encontrem e ambos tenham sucesso em sua jornada surgindo assim o campo da didática Todavia a prática didática não se limita apenas à sala de aula Esse é um dos motivos de termos pessoas que desenvolveram a prática de leitura muito precocemente e tantos outros que leram muito pouco ao longo de sua vida A própria atuação em casa e em outros espaços formativos é um exemplo de prática pedagógica direcionada para a leitura Retornando um pouco no conceito de ensinar ele é um verbo transitivo tanto direto ensinar o quê quanto indireto ensinar a quem Na escola o verbo ensinar assume formalmente seu papel e as situações didáticas são organizadas planeja das divididas em etapas e subdivididas conforme os objetivos de aprendizagem A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Lei nº 939496 BRASIL 1996 trabalha com instruções e princípios da educação nacional Expressas em seu arti go 27 as diretrizes estabelecem que os conteúdos curriculares da educação básica considerem dentre várias questões a difusão de valores fundamentais ao interesse da sociedade aos deveres e direitos dos cidadãos e às condições de escolaridade do aluno em cada instituição Tais princípios levam em conta a ética a política e a estética da educação em um nível mais concreto de valores Assim por meio do princípio de consideração da diversidade étnicoracial consideramse as condições específicas da sociedade brasileira LITERATURA INFANTIL 99 SERPEDALITEUNID3indd 99 161020 1743 Uma educação voltada para a particularidade do indivíduo é o nosso te mabase As premissas da literatura infantil aqui elencadas levam em conta esse ponto de vista uma vez que o texto literário oferece todo um potencial de atividade e desenvolvimento de competências em sala de aula Tendo em vista tais princípios e outros documentos legais que norteiam a educação brasileira ao discutirmos a didática e a escola como um todo precisamos ter em mente o projeto pedagógico da instituição que precisa considerar os valores princípios e diretrizes legais Outro aspecto relevante que a escola precisa pensar ao construir e imple mentar seu projeto são as diferenças Estas podem ser tanto de ordem indi vidual dos sujeitos alunos família e professores quanto cultural ou social da escola inserida no espaço social e comunitário Cada escola possui sua singu laridade Então não existe escola pública aquela que tem seu projeto político copiado de outra escola pública sem se considerar suas especificidades O que existe é uma escola que dentre todas as suas características está também o fato de ela ser pública Daí a importância da autonomia da escola na constru ção de seu projeto bem como da busca de sua identidade como espaço social inserido em uma comunidade Figura 5 Uma escola que singulariza e ao mesmo tempo diversifica alunos e professores garante a construção de um ambiente que insere a comunidade no projeto pedagógico Fonte Shutterstock Acesso em 28092020 LITERATURA INFANTIL 100 SERPEDALITEUNID3indd 100 161020 1744 Tal autonomia precisa considerar as características da comunidade em que a escola está inserida e dos alunos que a compõem Isso abrange a história da escola em termos de avaliações e da aprendizagem dos alunos a formação do seu corpo docente o tipo de gestão na qual a escola está inserida entre tantos outros aspectos singulares à escola Realizada a construção de um projeto pedagógico bem delimitado bem arranjado é preciso conhecer a relação da didática e do currículo ou seja o itinerário que a formação dos alunos percorrerá As Diretrizes Curriculares Nacionais DCNs como seu próprio nome diz são diretrizes parâmetros e fundamentos que auxiliam na construção do currículo personalizado ou individualizado das escolas As DCNs não são o currículo são caminhos a serem seguidos nortes a serem considerados no itinerário formativo de seus alunos Seguem resumidamente algumas questões elucidadas pelas DCNs o cur rículo precisa ser mais que enciclopédico ele precisa ensinar o sujeitoaluno a aprender a aprender pois se espera que ao entrar para o mercado de trabalho e exercer sua cidadania permaneça aprendendo intercalando sua experiência profissional com períodos de intensa aprendizagem mesmo depois de concluí da sua escolaridade EXPLICANDO Currículo na concepção tratada aqui referese à organização e articulação interna de um curso de estudos no seu conjunto Pensar o currículo é con siderar o momento histórico em que a escola e os sujeitos estão inseridos sem desconsiderar a necessidade de escolarização apresentar uma função educativa não informativa mas formativa De modo a estimular questões acerca do fomento à leitura consideremos a seguinte questão qual narrativa utilizar em sala de aula para abordar a ques tão da cidadania Os Três Porquinhos de Joseph Jacobs ou A Cigarra e a Formiga de La Fontaine Por um lado ambas abordam a discussão sobre valores libe rais Apenas o porquinho que trabalha mais tem uma casa forte para resistir ao lobo e a cigarra morre de fome porque não trabalhou durante o período mais quente Mas várias discussões podem irromper das narrativas como por exemplo a fábula da cigarra que possibilita o questionamento de que a LITERATURA INFANTIL 101 SERPEDALITEUNID3indd 101 161020 1744 dignidade está na pessoa não na profissão que ela exerce Por outro lado o porquinho que construiu a casa de tijolos exemplifica a noção de que vivemos em comunidade tendo em vista que é ele quem salva os irmãos quando estes mais precisam São elementos que podem ser resgatados pela construção de um currículo diferenciado voltado para esse viés Figura 6 Os três porquinhos As fábulas podem auxiliar a abordar temáticas como a cidadania Fonte Sutterstock Acesso em 28092020 Figura 7 A cigarra e a formiga As fábulas podem auxiliar a abordar temáticas como a cidadania Fonte Sutterstock Acesso em 28092020 LITERATURA INFANTIL 102 SERPEDALITEUNID3indd 102 161020 1745 O currículo precisa ser pensado e organizado por área de conhecimento e não mais por disciplina Essa é uma mudança difícil pois precisa não apenas da modifica ção da lógica do currículo mas também da organização dos sistemas educacionais e da formação dos professores que atualmente estão em sala de aula A sua formação está sendo compartimentada em disciplinas e trabalhar por área de conhecimento posteriormente em sua prática profissional pode se mostrar praticamente impossí vel devido à lógica em que você atualmente está inserido A identidade é um dos princípios pedagógicos mais fortes nas Diretrizes Curri culares Nacionais e deve ser prevista considerando tanto os sujeitos alunos profes sores e gestores quanto a comunidade em que a instituição se encontra bem como as famílias dos alunos No espaço escolar na medida em que cada ator assume sua identidade inerente ele pode contribuir para o seu próprio desenvolvimento Isso envolve a ideia de que é preciso decidir pela escola que se quer atingir partindo do princípio de que a escola atual envolve particularidades socioformativas A interdisciplinaridade como outro princípio necessário na construção do cur rículo também parte da premissa de que todo conhecimento é passível de diálogo com outro conhecimento seja um diálogo que complementa que nega que amplia ou que questiona o conhecimento anterior Essa premissa está presente nas adap tações de contos de fadas como os filmes da saga Shrek nos quais os contos de fada dialogam com acontecimentos contemporâneos e com novas visões de mundo Exemplo disso está na princesa Fiona que opta ao final por ser uma ogra Figura 8 A franquia dos filmes Shrek e a intertextualidade com os contos de fada Fonte Rede Globo 2015 LITERATURA INFANTIL 103 SERPEDALITEUNID3indd 103 161020 1745 A contextualização é um pressuposto que busca aproximar a teoria da prática buscando um ensino que parta de questões cotidianas e da experiên cia do aluno para efetivar o ensino de conceitos Essas questões são algumas considerações necessárias à reflexão durante a construção do caminho a ser seguido tanto pela escola quanto pelo professor em sala de aula Você enten derá mais sobre como tratar do saber do professor em sala de aula espaço menor em tamanho mas não tão diferente da escola como um todo espaço que apresenta diversidades individualidades interdisciplinaridades entre tantos outros aspectos Você pode estar se perguntando o que é preciso saber e fazer para ser um bom professor ou ainda como pode utilizar o texto literário em sala de aula em prol do processo formativo do alu no A primeira coisa a se pensar e que um professor precisa saber para ser um bom professor é saber o conteúdo que ensinará certo Nem sempre essa resposta é tão simples quanto parece O professor precisa conhecer o con teúdo que será transmitido mas pre cisa saber também como preparar au las redigir e aplicar atividades para os alunos interagir com os alunos com preendendo o que eles dizem avaliar os alunos e sua prática entre tantos outros saberes necessários Precisamos refletir acerca da necessidade de conhecer bem os conteúdos curriculares de uma disciplina para que se saiba dar aula sobre ela Será que apenas sabendo os conteúdos ensinados no ensino superior estamos preparados para lecionar no ensino fundamental e médio Será que para ensinar a esses níveis de ensino é neces sária uma mera simplificação do que aprendemos na fa culdade E será que ter uma vasta bagagem de leituras é o suficiente para saber contextualizálas e aplicálas em prol de um projeto pedagógico LITERATURA INFANTIL 104 SERPEDALITEUNID3indd 104 161020 1746 A simplificação dos conteúdos em livros didáticos pode tornálos mais di fíceis aos alunos pois esse método não traz o raciocínio ou o encadeamento de ideias que levam os cientistas a concluírem determinado conhecimento Observe como em muitos desses livros encontramos excertos de fábulas vi sando um ensinamento moral sem apresentar todo o encadeamento de ideias presente na obra original A leitura de O Gato de Botas por exemplo sem toda a sua contextualização sobre a questão da engenhosidade prejudica esses tipos de projetos Porém para que o professor faça uma crítica aos livros didáticos e à possível simplificação desses livros ele precisa saber os conceitos e meto dologias de sua área do conhecimento o que significa conhecer o raciocínio científico que levou à construção de cada um dos conceitos trabalhados às construções metodológicas às técnicas e à transdisciplinaridade em que uma disciplina pode ser inserida buscando interagir com outros campos do cconhe cimento tanto conceitual quanto metodologicamente Esta questão que envolve conhecer o conteúdo que será ensinado é nova para muitos docentes tendo em vista que não é comum encontrarmos nos cursos de formação de professores disciplinas que abordem essas questões e que façam ligação entre o conteúdo a ser ensinado e a linha de raciocínio cien tífica que levou à formação daquele conhecimento Na verdade os textos lite rários estudados nos cursos de licenciatura são em sua maioria utilizados em prol da compreensão de uma determinada estética literária como o romantis mo e o modernismo por exemplo Estudase mais como o texto se encaixa em determinado movimento literário do que seu valor em si A relação entre conhecer o conteúdo acadêmicocientífico que será ensi nado com o conteúdo escolar ou seja aquele que será trabalhado em sala de aula é fortemente necessária pois quando os professores conhecem o ma terial a fundo incluindo a linha científica para cons trução daquele conhecimento eles conseguem planejar o conteúdo escolar que será trabalha do abandonando a memorização repetitiva de fatos e conceitos buscando também a constru ção da linha científica de raciocínio por parte dos alunos no conteúdo escolar Tornase necessária uma integração dos saberes LITERATURA INFANTIL 105 SERPEDALITEUNID3indd 105 161020 1746 Os saberes integradores são relacionados ao ensino dos conteúdos esco lares sendo provenientes de pesquisas realizadas nacional ou internacional mente voltadas para a produção de conhecimentos acerca da compreensão de como se ensina e como se aprende um conteúdo específico bem como da detecção dos problemas enfrentados na formação de professores criativos dessas áreas Pesquisas apontam que uma das principais dificuldades para propiciar a formação criativa de professores além da falha do domínio do conteúdo são as ideias docentes de senso comum Os professores estão se formando mais por trazerem ideias preconcebidas de quando eram alunos do que as adqui rindoas cientificamente durante sua formação docente inicial e continuada É função do docente desenvolver a capacidade de avaliar de maneira crítica o sistema tradicional de ensino competência essa que envolve um esforço por parte do profissional visto que para tal prática é necessário que se rompa com a sua forma de conceber a docência aquilo que aprendeu em sala de aula Tendo isso como objetivo devese produzir uma série de atividades ainda na sua formação visando esse objetivo ou seja uma correlação intensa e que permita futuramente uma ruptura entre os saberes instituídos de modo que esse professor possa melhor interligar o saber e o saber fazer Essas concepções trazem uma nova linha de propostas de ensino que par tem de referências construtivistas que possibilitam a orientação da aprendiza gem dos discentes por meio de um processo no qual reconstroem os conhe cimentos partindo dos saberes iniciais que irão gradativamente evoluir para outros conceitos através de práticas de ensino problematizadoras e significati vas para os alunos A relação entre teoria e prática é imprescindível na construção do conheci mento a partir dessa proposta fazendose necessário que o professor prepare um programa de curso que leve os alunos à construção do conhecimento a partir de habilidades e atitudes com base no que se propõe ensinar Pensemos a partir do seguinte ponto o que Monteiro Lobato diz aos alu nos Sua leitura em sala de aula não pode ser igualmente aproveitada em uma aula sobre cidadania ou geografia E as personagens de Ziraldo Seria o Menino Maluquinho 2012 um espelho das crianças que moram nos subúrbios de cada cidade brasileira LITERATURA INFANTIL 106 SERPEDALITEUNID3indd 106 161020 1746 É preciso que o professor saiba ensinar a partir de questões problematiza doras para que os alunos explicitem suas concepções espontâneas e para que estas sejam tomadas como hipóteses que podem ser comprovadas ou refuta das mas que a construção do conhecimento aconteça dessa maneira Como fazêlo Deve haver aproximação com a linguagem dos alunos buscando no decorrer do curso que ela mude de cotidiana para científi ca Ao fazer com que a compreensão e o aprendizado ocorram o professor poderá avançar para ou tra linguagem Apropriarse de outro gênero discursivo faz parte da aquisição do conhecimento pelo aluno O saber pedagógico não é aqui o menos importante mas sim o que abran ge um aspecto mais amplo pois engloba o saber integrar ou seja o que é aprendido tanto nas disciplinas teóricas quanto nas disciplinas metodológicas Essa ponte é fundamental para o saber docente ou o saber fazer do professor Os saberes pedagógicos relacionamse com os campos da didática geral da psicologia da aprendizagem bem como com os acontecimentos de dentro da sala de aula Eles também podem ser considerados como saberes integra dores uma vez que aparecem com frequência em estudos na área de ensino e de aprendizagem sob diferentes aspectos tais como saber avaliar saber interagir conhecer ca ráter social da construção do conhecimento dentre outros Os saberes pedagógicos também estão rela cionados à violência na escola ao ambiente em que a escola está inserida ao clima da escola e às expecta tivas do profi ssional da educação Responsabilidade da escola e do professor na formação do leitor Em relação aos alunos outros saberes precisam ser considerados no pro cesso de ensino Os alunos não chegam até a escola vazios sem conhecimento anterior portanto todas essas relações precisam ser consideradas Isso ocorre porque cada aluno agrega sua própria narrativa sua percepção de mundo Se abordamos tanto as narrativas fabulosas devemos considerar a maneira como o aluno contextualiza sua existência por meio de suas próprias histórias LITERATURA INFANTIL 107 SERPEDALITEUNID3indd 107 161020 1746 A sala de aula enquanto espaço de construção O que é o espaço da sala de aula Espaço de ensino e de aprendizagem Espaço de interação de troca Mesmo com todo o desenvolvimento tecnoló gico vivenciado atualmente a sala de aula é ainda um espaço privilegiado de ensino de aprendizagem de interações e trocas É onde o aluno aprende a administrar seus instintos a pensar a elaborar seus posicionamentos a se posicionar a expressar suas ideias a ressignifi car seu conhecimento anterior e a introduzir saberes acadêmicos e científi cos analisando e interpretando a realidade em que está inserido A sala de aula também é um espaço em que o professor está se forman do Ela pelo menos precisa ser pensada desta forma como um espaço em que o professor complementa sua formação inicial assimilando na prática os desafi os que pode ter conhecido na teoria durante sua formação Essa formação em serviço só é possível quando o professor enxerga a sala de aula como um espaço de análise de sua prática de revisão de suas alternativas para que qualifi que o ensino que está sendo ministrado para assim melhorar a aprendizagem dos alunos Disciplinas de práticas durante a formação inicial de professores são funda mentais para o desenvolvimento do saber pedagógico uma vez que o docente também precisa construir continuamente seus próprios saberes em relação a outros e essa percepção potencializará sua apreensão de conceitos que for marão a base de sua didática Portanto evidenciamos a importância de ir para a sala de aula de preparar uma aula de dialogar com os alunos de conhecer a realidade do entorno daquela escola e de ver a sala de aula se construindo se formando E em particular no contexto do nosso conteúdo de apresentar obras que possam ser igualmente signifi cativas para esses alunos É comum a expressão vá ler um livro Mas a frase em si corre o risco de ter um efeito contrário na medida em que indicamos o ato da leitura pelo ato da leitura sem um direcionamento produtivo LITERATURA INFANTIL 108 SERPEDALITEUNID3indd 108 161020 1746 Enxergar a sala de aula como espaço de construção do conhecimento dos alunos e como espaço de interação e investigação do professor é o suficiente para melhorar a aprendizagem Desde os anos 1960 o estudo sobre a sala de aula tem sido recorrente em pesquisas acadêmicas Um desses modelos é o modelo processoproduto Você acha que existe um bom ensino ou uma forma de ensino adequa do Acredita que podemos encontrar competências e traços pessoais de al guém que pudéssemos distinguir como um professor eficiente Era isso que o modelo processoproduto buscava traçar ou definir Preponderante nas décadas de 1960 e 1970 o modelo processoproduto buscava definir as características do bom ensino e as estratégias ou técnicas de como ensi nar padronizando o processo de ensi no por acreditar na padronização do processo de aprendizagem ou seja por considerar que todos os alunos aprendiam de maneira igual ou muito próxima Buscavase padrões de com portamentos e estímulos utilizados pelos professores ou seja processos capazes de produzir melhores resul tados de aprendizagem nos alunos Em outros termos procuravase me lhores produtos para que fosse possível definir padronizações de comporta mentos capazes de garantir a eficiência do professor Já o modelo construtivista tinha como premissa a visão do professor como mediador na medida em que os processos de ensino e de aprendizagem nada mais são do que processos de interação Partindo do fato de que muitos alunos apresentavam dificuldade de compreender conceitos científicos estu dados percebese que a aprendizagem não é a simples aquisição do conhe cimento despejado pelo ensinante Verificase que a construção do conhe cimento não é feita pela transmissão do professor mas sim pelo aprendiz LITERATURA INFANTIL 109 SERPEDALITEUNID3indd 109 161020 1746 Esse modelo ganha força na década de 1980 a partir de uma constatação de que embora os alunos sejam capazes de reproduzir ou aplicar o que aprendem em contextos parecidos com a sala de aula eles dificilmente compreendem os conceitos científicos que estudam Essa constatação reforça que o aluno não é uma tábula rasa como acreditado no modelo processoproduto pois diante de um novo conhecimento o aluno realiza a assimilação sendo que o significa do não é transmitido pelo professor sendo construído pelo aluno O papel mediador do professor adota diferentes posturas sendo ele por exemplo um problematizador nos diálogos o que favorece a autonomia e au xilia na compreensão de conceitos ressignificando assim a construção do co nhecimento em sala de aula Não se pode assumir que essas propostas não tenham obstáculos ou limitações Muitos professores ainda são resistentes a elas tendo em vista a contradição entre práticas tradicionais e discursos ino vadores Há por fim o conceito de abordagem etnográfica da educação Essa linha de pesquisa explora questões menos visíveis da escola e da sala de aula Nas duas linhas anteriores o foco são as manifestações de interações em sala de aula nesta a abordagem é voltada para o que é analisado e o que não é dito não é feito não é notado não é examinado e muito menos problematizado O dito currículo oculto que tem o poder de favorecer ou de dificultar a aprendiza gem é o foco dessa linha Ao considerar essa linha verificamos que as propos tas pedagógicas não se resumem às dimensões didáticocurriculares enquan to práticas sociais comportam valores significados relações de poder ações de silenciamento e atitudes de resistência Pesquisa etnográfica ou etnografia é um termo da antropologia que denomi na trabalhos descritivointerpretativos de formas de vida usos costumes valo res e culturas que são observados durante algum tempo A abordagem etnográ fica perpassa a mesma linha de trabalho desvelando o que não está exposto nas interações ou seja a dimensão simbólica das relações em sala de aula Um dificultador da pesquisa etnográfica é que ela requer longos períodos de observação em campo principalmente para que o pesquisador passe a ser visto como um participante do processo e não como um ser externo aos pro cessos de ensino e de aprendizagem A atenção do pesquisador precisa estar voltada para pequenas ações e esquecimentos LITERATURA INFANTIL 110 SERPEDALITEUNID3indd 110 161020 1746 Tudo que foi estudado nesta unidade nos mostra que a profissão docen te é repleta de desafios de imprevistos de ambiguidade e de contradições tanto dentro quanto fora da sala de aula Professores familiares estudantes e profissionais que trabalham na escola todos são protagonistas de alguma forma nos processos de ensino e de aprendizagem A atividade docente é constantemente desafiada pela imprevisibilidade pela ambiguidade pelas particularidades do fazer docente pelas individualidades de cada aluno pela realidade do entorno em que a escola está inserida ou seja são muitas as variáveis possíveis para considerar negociar e decidir em seu trabalho Rea valiar sua prática enquanto professor e aperfeiçoarse profissionalmente são tarefas difíceis por diversos fatores como estes que foram elencados mas uma das formas mais práticas é observar sua sala de aula com algum distan ciamento tornandoa objeto a ser observado à luz de sua formação inicial e continuada As discussões apresentadas neste capítulo buscam auxiliar o professor neste distanciamento nesta reflexão sobre sua prática sobre sua realidade pois assim como não existe uma escola pública única não existe uma única forma de ser professor nem em escolas públicas nem em privadas Cada aula ministrada ainda que pelo mesmo professor é diferente Por fim salientamos como esse conteúdo apresentado possui uma função ainda mais essencial a de servir de arcabouço para as discussões seguin tes sobre o próprio texto infantil Ao longo do seu surgimento a discussão sobre o que seria esse tipo de texto bem como qual a sua função sempre foi presente Escritores consagrados como Olavo Bilac se lançaram à pro dução de narrativas infantis contem porâneas tendo em mente essas mes mas premissas de modo que a literatura infantil assume um papel que vai além do texto literário comum visto que muito do seu surgimento correlacio nase com o momento em que passamos a diferenciar embora tardiamente as noções de infância LITERATURA INFANTIL 111 SERPEDALITEUNID3indd 111 161020 1747 O que de fato ensinamos quando ensinamos literatura Talvez essa não seja sua experiência pessoal mas há diversos professores que na divisão de turmas e classes optam por não lecionar essa disciplina Os motivos podem ser vastos podendo ser por falta de didática desinteresse dos alunos e até mesmo menor carga horária direcionada para a disciplina Devemos pelo menos buscar respostas para essas questões tendo como referência o ensi no de literatura no ensino médio O ensino da literatura Por infl uência de uma gama de linhas teóricas o próprio estudo e aborda gem em sala de aula acaba por ser um refl exo do ensino superior Abordamos o texto literário por um viés linguístico antropológico sociológico fi losófi co mas na maioria das vezes não analisamos o texto pelo texto ou seja sua estrutura linguística seu sentido implícito Com o advento dos saberes trans disciplinares o texto literário é sempre o complemento de outra coisa Pas samos a ensinar José de Alencar como complemento da chegada da família real ao Brasil e Tomás António Gonzaga como fruto da Inconfi dência Mineira Qualquer livro de literatura possui minimamente mais referências aos movi mentos culturais do que à análise do texto Um dos principais refl exos é a historiografi a literária que se refl ete na educação básica Filha do nacionalismo literário sua presença é marcante uma vez que se centra em uma progressão cronológica de obras do cânone brasileiro e português O livro didático pouco faz para superar essa perspec tiva com marcas do positivismo do século XIX o qual agregava uma visão das ciências exatas aos livros em geral acrescido de uma visão materialista CANDIDO 1999 Questionamos o que difere esse material do livro de história uma vez que em muito se aproximam suas particularidades A aula resumese salvo a leitura oral de fragmentos por parte de professores eou alunos acrescido de perguntas ao fi m de cada sequência de textos O próprio livro do profes sor já carrega um padrão de respostas cabendolhe apenas ajustes às dos alunos Não há uma tentativa de depreciação mas considerando o rumo de muitos cursos de Letras que focam em produzir professores de português e LITERATURA INFANTIL 112 SERPEDALITEUNID3indd 112 161020 1747 revisores há relativa probabilidade de o professor não ter certeza de suas próprias respostas guiandose sempre pelo gabarito O professor copia no quadro trechos do livro responde às questões e para muitos alunos isso é considerado um exemplo de excelência de aula Em alguns casos é passada uma pesquisa na qual os alunos copiam os textos da internet sem um apro fundamento e refl exão do saber atingido quando ocorre Com base nessa breve exposição devemos nos questionar o que se ensi na na aula de literatura além de história da literatura É possível apontar uma contextualização grosseira que se limita a aglutinar pontos heterogêneos usando um texto fi ccional como arcabouço para outros acompanhamentos A aula de literatura tornase um verdadeiro mimetismo no qual se repete o que já está dado Os textos não são analisados para atingir conclusões mas para explicar a história dos movimentos literários apresentar dados momentos infl uências e com base em proposições já realizadas realizar atividades para atingir o conhecimento previamente determinado O problema dos estudos literários na educação básica indica que as inter pretações não são abertas mas reduzidas Passamos a ser limitados e a limi tar os demais pelas interpretações e leituras de grandes críticos produtores de material didático e teóricos da literatura Políticas e práticas educacionais Observe como nos últimos anos as secretarias de educação por todo o país ao fornecerem o material didático ou darem as devidas indicações in dicam uma série de materiais complementares O texto não se basta devese complementar sua leitura com fotos fi lmes e atividades paradidáticas As pro postas curriculares apontam um excedente de mídias que trazem prontas suas próprias interpretações dos acontecimentos Isso gera um ciclo vicioso que in centiva os alunos a procurarem as interpretações de terceiros Por exemplo pergunte aos seus alunos quem já leu o livro Senhora de José de Alencar ou quem procurou uma versão em vídeo resenha na internet versão em quadri nhos ou podcast que comentava a obra Mesmo nesse tipo de situação há as velhas inconstâncias como o não uso de material fazendo com que a aula se torne meramente expositiva precedendo o modelo mais tradicional LITERATURA INFANTIL 113 SERPEDALITEUNID3indd 113 161020 1747 O problema dessa prática existente desde o século XIX é que temos uma gama de alunos que como em ciclo aprendem a teorizar normativamente sobre livros que nunca leram criticar autores que desconhecem e decorar escolas literárias que conheciam CORSON VERRIER 2007 p 8 Não há nes sa situação aula O aluno não odeia literatura ele odeia o seu estudo tomando por aula uma monofonia progressivamente entediante Como mudar esse quadro Não se trata de um problema das práticas de ensino da disciplina em si mas das práticas escolares nas quais a literatura não está relegada à complementação de aulas de Português e Redação De vese assim reconfigurar a noção de leitura literária de maneira a ser uma atividade livre e constante possibilitan do uma autonomia por parte do aluno de modo que o mesmo se aproprie da obra formando assim leitores reais Nas práticas educacionais contemporâneas mesmo que as ações resis tam às novas perspectivas uma reconfiguração tem atingido os manuais aca dêmicos e determinações do Ministério da Educação paulatinamente a pon to de já se encontrar em não poucos documentos o termo leitura literária para abordar a leitura de textos literários tendo em vista sua potencialização cuja existência possibilita a inserção de mudanças em prol do ensino dessa disciplina Mas quais seriam suas implicações Nos dias de hoje seria um des locamento significativo na sua didática visto que move o foco para o texto li terário e a capacidade de promover uma interação significativa com o aluno É uma visão que possibilita ao aluno não se limitar aos sentidos indicados pelo professor e pelo próprio livro didático mas aos sentidos que vão construindo por meio das leituras Dessa maneira a prática da leitura literária necessita transcender a vi são muito comum de ser mero arcabouço complementar para a aplicação de teorias pedagógicas tendo o texto e a formação do indivíduo como fim não como espaço de transição LITERATURA INFANTIL 114 SERPEDALITEUNID3indd 114 161020 1747 Voltemos ao que fora apontado sobre o gosto de ler Alguém não gosta de ler A frase é ilógica O ato de leitura presumi uma aproximação isto é da mesma maneira que admiramos o padrão estético de outras obras ou que vamos ao cinema de acordo com nossos gostos somos lançados à leitura de livros que nos atraem Isso ocorre pela propaganda pela indicação de alguém pela busca por informação e por capacitação uma vez que profis sionais das mais variadas áreas leem porque precisam se capa citar A questão é que ao nos lançarmos à leitura sem uma obrigatoriedade gera uma identificação maior entre leitor e texto Da próxima vez que seu aluno alegar que não leu o livro que teria que apresentar em sala pergunte qual ele estava lendo naquele mo mento ou que acabara de ler LITERATURA INFANTIL 115 SERPEDALITEUNID3indd 115 161020 1747 Sintetizando Nesta unidade abordamos a importância das práticas de leituras em sala de aula enquanto projeto pedagógico bem como sugestões de interação entre livroleitor e professoraluno Trouxemos a pergunta fundamental quem é o indivíduo ao qual nos referimos como leitor e como podemos auxiliálo para uma prática de leitura que vai além da atividade descompromissada Com essas premissas tratamos da escola como espaço por excelência de in trodução às atividades de leitura bem como lugar propício para o surgimento e amadurecimento da capacidade ledora do indivíduo Além disso apontamos a importância de se desenvolver uma percepção intertextual dos elementos que transitam entre cotidiano livros e demais obras ficcionais tudo isso em prol do desenvolvimento e formação do sujeito LITERATURA INFANTIL 116 SERPEDALITEUNID3indd 116 161020 1747 Referências bibliográficas ALENCAR J Senhora São Paulo Penguin 2013 AMADO J O gato malhado e a andorinha Sinhá Rio de Janeiro Companhia das Letrinhas 2008 AMADO J Gabriela cravo e canela Rio de Janeiro Companhia das Letras 2012 BANDEIRA P O fantástico mistério de Feiurinha 20 ed São Paulo FTD 1997 BANDEIRA P A droga da obediência São Paulo Moderna 2014 BARRETO L Triste fim de Policarpo Quaresma São Paulo Moderna 2016 BAUM L F O mágico de Oz Rio de Janeiro Zahar 2013 BERNARDO A Os personagens especiais da Turma da Mônica Veja Saúde 30 abr 2019 Disponível em httpssaudeabrilcombrblogsaudeepoposper sonagensespeciaisdaturmadamonica Acesso em 28 set 2020 BETTELHEIM B A psicanálise dos contos de fadas 22 ed Rio de Janeiro Paz e Terra 2007 BRASIL Lei n 9394 de 20 de dezembro de 1996 Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional Diário Oficial da União Brasília DF Poder Executivo 23 dez 1996 Disponível em httpwwwplanalto govbrccivil03leisl9394htm Acesso em 28 set 2020 CAMÕES L Os Lusíadas São Paulo Melhoramentos 2013 CANDIDO A A literatura e a formação do homem Remate de Males Campi nas p 8189 mar 2012 Disponível em httpsperiodicossbuunicampbrojs indexphprematearticleview86359923701 Acesso em 29 set 2020 CERVANTES M Dom Quixote São Paulo Penguin 2012 COELHO N N Literatura infantil teoria análise didática São Paulo Moderna 2000 COMPAGNON A O trabalho da citação Belo Horizonte UFMG 2007 CORSON Y VERRIER N Emotions and false memories Valence or arousal Psychological Science Washington v 18 n 3 208211 2007 DARNTON R História da leitura In A escrita da história novas perspectivas BURKE P Org 2 ed São Paulo Editora Unesp 2011 DUMAS A O conde de Monte Cristo Rio de Janeiro Zahar 2012 FIORIN J L SAVIOLI F P Lições de texto leitura e redação São Paulo Ática 2006 LITERATURA INFANTIL 117 SERPEDALITEUNID3indd 117 161020 1747 GLOBO Desenho Especial traz as confusões do ogro Shrek neste sábado dia 1º Globo sl 28 jul 2015 Disponível em httpredegloboglobocomnovidades filmesnoticia201507desenhoespecialtrazconfusoesdoogroshrekneste sabadodia1html Acesso em 28 set 2020 KRISTEVA J Introdução à semanálise São Paulo Perspectiva 1974 LAJOLO M Literatura leitores e leitura São Paulo Moderna 2001 LOBATO M Caçadas de Pedrinho Rio de Janeiro Globinho 2016 PIAGET J A representação do mundo na Criança São Paulo Ideias e Letras 2005 REIS C O conhecimento da literatura Introdução aos estudos literários 2 ed Coimbra Edições Almedina 2008 ZILBERMAN R A literatura infantil na escola 11 ed São Paulo Global 2003 ZILBERMAN R A leitura no Brasil sua história e suas instituições Disponível em httpwwwunicampbrielmemoriaprojetosensaiosensaio32html Acesso em 28 set 2020 ZIRALDO O menino maluquinho São Paulo Melhoramentos 2012 LITERATURA INFANTIL 118 SERPEDALITEUNID3indd 118 161020 1747 MÉTODOS DE ENSINO FAVORÁVEIS À FORMAÇÃO DO LEITOR 4 UNIDADE SERPEDALITEUNID4indd 119 161020 1736 Objetivos da unidade Tópicos de estudo Correlacionar a importância da interação entre os agentes sociais em prol do desenvolvimento de atividades de leitura no ambiente escolar Apontar a importância de uma apropriação do espaço da biblioteca para além de um reservatório de livros O papel da família da escola e da sociedade na promoção da leitura A formação de leitores no Brasil Processos lúdicos Leitura e formação Biblioteca escolar A função formadora A animação de uma biblioteca infantil Fisiologia da biblioteca infantil A natureza da leitura em ambientes escolares LITERATURA INFANTIL 120 SERPEDALITEUNID4indd 120 161020 1736 O papel da família da escola e da sociedade na promoção da leitura Todo mundo quer ter um leitor em casa Há certo status social na frase meu fi lho lê muito como se a leitura excessiva fosse sinônimo de alta cultura Ademais muitos responsáveis sequer se preocupam com o conteúdo consumi do pela criança desde que ela leia por outro lado grandes exigências podem ser criadas durante o processo formativo da criança para que tenha contato com obras que muitos adultos sequer leram Eis um problema quando falamos em leitura nós a tratamos como se fosse uma atividade solitária quando na verdade é uma empreitada coletiva fruto da infl uência nos dias de hoje da família da escola e da sociedade como um todo Tenha isso em mente quando se perguntar por exemplo o porquê de você ter lido poucos livros de literatura infantil afrobrasileira quando criança enquanto os contos de fadas dos irmãos Grimm são reconhecidos e lidos mun dialmente Contudo antes de tratarmos dessa interação entre família escola e socie dade na promoção da leitura vamos defi nir esse elemento ao qual nos refe rimos o leitor Todo texto presume então uma espécie de leitor empirico im plicito a todo e qualquer texto literário Leitor por que é para ele que é direcionado presumivel na medida em que o autor trava um diálogo com o individuo que será seu alvo uma imagem não fisica mas prevista ECO 1994 p 17 Você já fi cou surpreso como aquele seu aluno que não lê Senhora de José de Alencar mas devora em menos de duas semanas um livro com mais de 500 páginas provavelmente sobre deuses e monstros como O Ladrão de raios de Rick Riordan Isso está intimamente associado ao gosto às formas de pensar ao campo de atuação à experiência e ao interesse do lei tor A ideia de um indivíduo que foge da realidade que prefere passar seu tempo com a leitura envolve a proxi midade com esse hábito e o texto em si O leitor habi tuado à sua prática desenvolve suas próprias estra tégias de leitura de acordo com sua individualidade LITERATURA INFANTIL 121 SERPEDALITEUNID4indd 121 161020 1736 A ironia é que a escola espaço de descobertas e saberes por excelência tor nase o lugar de padronização das descobertas todo ato realizado está inserido em um conteúdo programático ou em um currículo oculto O texto literário es tudado nesse contexto dá conta das premissas da escola mas não do amadu recimento do aluno embora isso não impeça por exemplo que transformações possam ocorrer uma vez que a escola também precisa ser um espaço de mudan ça É por isso que devemos observar os caminhos atuais e a serem seguidos para a proposição da mudança do atual ensino de literatura na escola O problema é que a família a sociedade e principalmente a escola tratam esse leitor presumível como se fosse um leitor generalizado como se todos tivessem os mesmos gostos os mes mos apreços e as mesmas experiências de leitura Talvez um estudante que se divirta com as aventuras de Percy Jack son não tenha apreço por outro livro in fantojuvenil como Meu namorado é um zumbi de Isaac Marion obra que mis tura aventura comédia e terror com dilemas juvenis Coloquemonos portanto nessa posição tripla família escola e socie dade Qual espécie de leitores estamos formando e incentivando a formar Considerando os 12 anos de educação básica qual a base que um aluno tem dos textos mais fundamentais da nossa literatura Por vezes muitos se formam sem ter contato até com autores mais populares ou quando muito tendo aces so a contos e trechos de poemas em suas provas A situação se agrava ainda mais quando pensamos no retorno dessas práti cas qual será o impacto dessas atividades desde a tenra infância na formação desses futuros adultos teremos uma geração futura que terá influência no surgi mento de novos leitores Ou sua experiência literária prévia será apenas voltada para o deleite artístico LITERATURA INFANTIL 122 SERPEDALITEUNID4indd 122 161020 1738 Se tradicionalmente o ensino fundamental tem a responsabilidade de des pertar o gosto pela leitura então o estudante já deveria ser um leitor competen te ao adentrar o ensino médio Nada mais longe da verdade na atual conjuntu ra educacional do país na qual o ENEM delimita os caminhos perseguidos por quem deseja aprovação nos melhores vestibulares o ensino de literatura aden tra sua fase mais tecnicista em que o aluno é um executor de tarefas limitado aos chavões e às decorebas Nós abordamos constantemente a necessidade de projetos peda gógicos que tenham como premissa o trabalho com literatu ras infantis A relação abordada pela escola pela família e pela sociedade nesse sentido passa por essa questão e por atividades refl exivas que contribuam para a forma ção dos discentes A formação de leitores no Brasil Essa é uma questão antiga no Brasil os inconfi dentes mineiros além de questionarem o aumento de impostos também criticavam a necessidade de uma educação de base pois desde sempre a formação intelectual do país era direcionada para atingir as mais proeminentes universidades Signifi cativo é o livro Contos de Escola 2015 de Machado de Assis o qual apresenta proble mas do cotidiano escolar como as provações cotidianas que infl uenciariam na formação dos indivíduos O colégio seguia uma premissa intensa de gravação de normas regras e padrões em todas as disciplinas Essa mesma premissa vai estar no romance O Ateneu de Raul Pompeia mas sob uma ótica voltada para um público mais adulto não infantil CURIOSIDADE O texto literário tem a capacidade de mimetizar o meio que o cerca Obras como Contos de escola de Machado de Assis refl etem uma sociedade voltada para o funcionalismo público na qual se procura os melhores colégios não para o desenvolvimento cívico do indivíduo mas para sua capacitação visando os melhores cargos do mercado Na obra a ironia machadiana está à serviço de uma linguagem lúdica voltada para um público específi co LITERATURA INFANTIL 123 SERPEDALITEUNID4indd 123 161020 1738 Parecelhe familiar essa situação Não é muito diferente da mentalidade dos preparatórios dos dias de hoje que levam o aluno a um acúmulo violento de conhecimentos por vezes instruindoos em um regime intensivo e extensi vo durante três anos não para atingirem os pilares da cidadania mas para se rem aprovados em uma dada avaliação O uso da literatura fica relegado a isto ao ensino de uma historiografia literária Para a sociedade aprovação para os pais investimento e para a escola reconhecimento Mas e para o aluno Considerando essa mentalidade que domina nosso país o que de fato po deria ser ensinado em uma situação de reavaliação do ensino de literatura partindo do princípio de que a base dessa revitalização o objeto de estudo seria o próprio texto literário Diferentes escritores produziram versões dos clássicos infantis como os contos dos irmãos Grimm que possuem versões nas mãos de La Fontaine Ou em alguns casos escritores consagrados criaram versões de clássicos adultos voltados para o público infantil a exemplo da obra Robinson Crusoé Figura 1 Cena do filme As aventuras de Robinson Crusoé 2016 adaptado do romance original escrito por Daniel Defoe O trabalho com a literatura infantil possibilita uma nova visão da aborda gem da literatura em sala de aula Vincent Jouve delimita alguns passos a serem seguidos para que se estruture minimamente um processo de modificação do status atual Para ele revertêlo envolveria antecipar o problema e reestru turálo interpretando os resultados obtidos 2002 p 18 A leitura deve ser LITERATURA INFANTIL 124 SERPEDALITEUNID4indd 124 161020 1739 interpretada como uma ação cognitiva por necessidade de dada competência ou seja como as capacidades mínimas que o leitor deve ter para seguir com uma determinada leitura Uma vez que temos o fenômeno dos analfabetos funcionais é preciso ao menos de uma progressão dos textos a serem lidos bem como dos códigos aos quais o aluno será apresentado visando o desen volvimento dessas capacidades Jouve prossegue apontando as particularidades e características que de vem ser desenvolvidas em prol desse processo de revitalização da leitura li terária em sala de aula a noção de afetividade argumentação e simbolismo 2002 p 1922 O texto deve ser abordado como parte de um processo afetivo ou seja a relação do eu pessoal para o auxílio da aproximação Como foi apontado que deve haver uma aproximação entre o leitor e o texto é impor tante também a relação entre o objeto e o que esse lhe diz Obviamente um livro sobre superação ou autoajuda sempre pode dizer algo ao leitor mas se coloca em questão o princípio da universalidade de um texto de uma obra que séculos depois ainda tem a capacidade de dizer algo e despertar a empatia do leitor Há também o processo da argumentação no qual todo texto levanta questões a serem respondidas levan do o indivíduo a buscar respostas Com certeza muitos conhecem a série As Aventuras de Sherlock Homes na qual Arthur Conan Doyle relatava vários dos casos fictícios soluciona dos pelo detetive britânico Porém observe como atualmente conhe cemos esses textos mais pelas suas adaptações cinematográficas do que pelos livros em si Falamos sobre os diferentes escritores de romances e contos policiais como Borges Aga tha Christie e Pepetela mas ignora mos que muitas vezes não tivemos contato com os livros originais e sim com suas adaptações Figura 2 Capa da edição inglesa do livro publicado em 1892 Fonte Wikimedia Commons Acesso em 06102020 LITERATURA INFANTIL 125 SERPEDALITEUNID4indd 125 161020 1741 ASSISTA Falando ainda sobre adaptações de clássicos adultos para contextos infantojuvenis recomendamos o filme O enigma da pirâmide de Barry Levinson No enredo temos a história de dois adolescentes que se conhe cem em um colégio interno britânico Sherlock Holmes e John Watson que buscam solucionar um caso envolvendo pessoas que sofrem de alucinações após serem atingidas por um misterioso dardo Porém com o passar do tempo surgirão escritores que farão mais do que uma adaptação e sim um processo de negociação com a época com o mo mento com a cultura e com a própria ideia de público leitor Exemplo disso são as famosas aventuras da turma do Gordo grupo criado por João Carlos Marinho Silva nas quais uma série de personagens desvendam mistérios e solucionam crimes Um dos livros mais famosos é O Gênio do crime no qual as personagens devem desvendar o mistério de uma falsificação de figurinhas de futebol Outra obra que também busca trabalhar essa negociação é a série de livros de Enola Holmes de Nancy Springer que revisita uma Londres vito riana por um ponto de vista de uma adolescente a irmã de Sherlock Holmes que também soluciona crimes Cada texto nesse sentido propõe diversas leituras e confrontos de pon tos de vista à medida que atinge leitores diferentes com os mais variados processos formativos E cada leitor dotado de seu devido capital simbólico confronta esse capital com o texto que lê Há uma negociação constante en tre os símbolos internos da criança com aqueles que a atingem de modo que ao se mesclarem e se transformarem também influenciarão nos símbolos de leituras futuras Essas práticas são estruturáveis e não contradizem a leitura de outros ti pos de texto Voltamos à expressão quem lê sabe mais O aluno só pode desenvolver essas habilidades à medida que tem contato com uma obra inteira e não apenas com trechos dela Ao se limitar ao livro paradidático e às respostas do quadro o aluno não desenvolve plenamente as competências que poderiam ser colocadas em prática du rante o processo de leitura Seria como ensinar alguém a nadar utilizando apenas um manual didático sem uma aula prática na piscina Sempre faltará algo LITERATURA INFANTIL 126 SERPEDALITEUNID4indd 126 161020 1741 Revitalização literária Afetividade Argumentação Simbolismo TABELA 1 FATORES PARA REVITALIZAÇÃO LITERÁRIA SEGUNDO VINCENT JOUVE Apontamos para o grande problema no desenvolvimento da prática de leitura particularizada na escola que não se centra no interesse do corpo discente mas na falta de tempo e espaço para o desenvolvimento de dadas atividades Muitas vezes isso ocorre por conta de um currículo escolar enri jecido oculto e desestruturado que não se atualiza e uma cultura escolar que não oferece possibilidades para a inserção de saberes que propiciariam novas práticas de leitura para os alunos Essas são as causas mais comuns que impedem a escola de elaborar novos conhecimentos desatrelados da es trutura didática tradicional Processos lúdicos Falamos sobre a responsabilidade da escola da família e da sociedade por tratar de uma questão fundamental o leitor se forma ou ele é formado por al guém Essa pergunta extremamente capciosa nos é cara e conveniente Faça o seguinte exercício quando adquiriu o hábito da leitura no sentido popular a ela atribuído ou seja gostar de ler livros Foi por curiosidade Na biblioteca esco lar Ou foi um presente que recebeu Temos um caso de que exemplifi ca isso Ligia Bojunga escritora de textos infantis relata em várias entrevistas que cresceu cercada por livros na casa da avó Outro escritor o moçambicano Mia Couto gosta de relembrar como na sua casa seu pai era um ávido colecionador de clássicos portugueses Camões Fer nando Pessoa Camilo Castelo Branco etc LITERATURA INFANTIL 127 SERPEDALITEUNID4indd 127 161020 1741 Atualmente há docentes que buscam capacitação para trabalhar a formação do leitor em sala de aula seja porque realizam uma pós graduação e são da área de letras seja porque possuem diferentes perfis nas mais variadas áreas de co municação Contemporaneamente entretanto a imagem mais recorrente é a do aluno afastado em sua maioria do devido material literário Isso ocorre porque há uma diferença entre o estudo teórico e a prática afinal podemos estudar o material didáticopedagógico exaustivamente mas o que realmente temos para desenvolver atividades em sala de aula Só depois de acessarmos esse resquício residual que assola a maioria dos alunos do país muitos de alta renda mas com carência de prática de leitura podemos conceber ações que abordem as relações entre a literatura e a for mação de leitores principalmente na concepção de que o texto ficcional é uma forma de se compreender o mundo ao passo em que aborda possibilidades e potencialidades da língua em prol da formação de leitores Ainda não respondemos à pergunta qual o processo formativo de um lei tor Podemos recorrer às considerações de alguns escritores e educadores para responder a essa dúvida como Fanny Abramovich para a qual a leitura era uma espécie de volúpia uma prática deliciosa realizada com as obras dos clássicos brasileiros Para ela geravase uma sensação totalizante 1995 p 11 que a preenchia e permitia a fruição de muitos saberes Por sua vez Ana Maria Macha do revela sua predileção por contos de fadas desde pequena por influência da mãe LAJOLO 1995 p 26 Os relatos denunciam um ponto crucial que nos servirá de primeiro passo em muitos casos a escola não foi responsável pelo desenvolvimento do hábi to de leitura nos indivíduos Podemos inclusive apontar como muitos desses escritores eram oriundos de espaços mais alfabetizados Porém qual fora a influência de Machado de Assis nosso maior escritor Que escolas frequen tou Quais liceus visitou Para além das histórias de que fora trabalhar em uma padaria de um francês para aprender o idioma é fato que o escritor não pos suía o perfil da elite carioca na época LITERATURA INFANTIL 128 SERPEDALITEUNID4indd 128 161020 1742 Leitura e formação É importante compreender o processo formativo do leitor como um ritual iniciativo através do qual ele passa a ter contato com um novo mundo Dividido em etapas possui a capacidade de possibilitar o crescimento e o amadureci mento desse indivíduo em formação É possível com base nas primeiras experiências observar o desenvolvi mento de um gosto pela prática em bora não sem o apoio de facilitadores como indivíduos que auxiliam e incen tivam a prática bem como o meio ou seja um contexto sociocultural que agregue as possibilidades de enriquecimento do indivíduo de modo a aproxi málo cada vez mais da leitura É nessa constatação que se observa o acesso ao texto literário e a presença de outros leitores que auxiliam na capacitação na infl uência e no reforço positivo dos futuros leitores Esses elementos possibili tam um despertar precoce e estimulam uma série de atividades que tão cedo agregam resultados prazerosos afetivos e que infl uenciam todo o processo formativo do estudante Observando os relatos anteriores podemos apontar como o meio em que cada escritor conviveu facilitou o desenvolvimento de sua atividade como lei tor bem como o desenvolvimento de um perfi l de leitura Observe por exemplo a série de livros Os mistérios de Enola Holmes de Nancy Springer Nas obras toda a sociedade vitoriana do século XIX é revista por uma ótica feminina e juvenil Mas isso só é possível em detrimento dos seguintes fatores a formação literária da autora sua capacidade de fazer inter relações com os textos sua habilidade de leitura intertextual e conhecimento da obra de Arthur Conan Doyle o que lhe possibilita resgatar per sonagens do universo fi ccional de outro escri tor e sua habilidade para reler velhos paradig mas e inserir novas leituras em temas passados mas contemporâneos LITERATURA INFANTIL 129 SERPEDALITEUNID4indd 129 161020 1743 Figura 3 Cena do filme Enola Holmes 2020 com os irmãos Sherlock Holmes à esquerda personagem vivido por Henry Cavill e Enola Holmes à direita personagem vivido por Millie Bobby Brown Tendo isso em vista devemos abordar o processo de leitura como uma prá tica significativa ou seja associada ao cotidiano de cada um de modo a des pertar o prazer pela atividade Ao abordarmos a afetividade focamos no ponto do vínculo entre o leitor e o texto um vínculo de afinidade Essas atividades motivadas por vários fatores como vínculos sociais e culturais que são estabe lecidos ao longo da vida promovem a aglutinação e a associação entre esses pontos tornando o ato de leitura desassociado de outras práticas cotidianas Não é por acaso que um contexto familiar é sempre um dos melhores espaços para esse desenvolvimento mesmo porque muitos dos leitores deram início à sua prática por meio de histórias que lhes foram contadas A leitura separa o ambiente para o leitor conceber sua identidade e consta tar sua fragilidade atos possibilitados pelo fazer ficcional inerente ao texto seu jogo de devaneio e experimentação Essa experiência tanto abre novos horizontes como amplia as percepções de cada um Contemporaneamente en tretanto o desenvolvimento desse gosto passou a ser um verdadeiro desafio Um dos principais motivos para isso é a inconstância dos facilitadores educa cionais da forma e dos tipos de textos que chegam ao aluno Ademais o acesso ao universo literário é limitado por vários fatores como a disponibilidade do material a infraestrutura os meios democráticos de acesso aos livros e os pro jetos de promoção de leitura por parte do governo Afinal que propostas estão sendo implementadas e quais são suas aplicabilidades LITERATURA INFANTIL 130 SERPEDALITEUNID4indd 130 161020 1743 Biblioteca escolar Iniciando a problemática da criação de novos leitores principalmente em um ambiente em que o próprio acesso à cultura é defi ciente Ezequiel Silva aponta que a formação de leitores depende do contexto nacional e da per cepção da falta de condições sociais e econômicas para promovermos a ca pacitação dos cidadãos brasileiros 2012 p 10 Dessa forma considerando a carência das bibliotecas em todo o Brasil que são próximas das grandes concentrações urbanas mas longe das regiões mais carentes resta à escola para além do seu papel de espaço de promoção da educação a responsabili dade do processo formativo dos leitores Figura 4 É importante garantir o acesso à biblioteca escolar principalmente em periferias Fonte Shutterstock Acesso em 08102020 Uma pergunta quando você na época em que frequentava a educação básica entrou em uma biblioteca escolar quais livros encontrava com mais frequência Obras como Capitães de areia de Jorge Amado ou O Menino do dedo verde de Maurice Druon Segure esse questionamento já que o retoma remos adiante LITERATURA INFANTIL 131 SERPEDALITEUNID4indd 131 161020 1744 Devemos porém resgatar os problemas da mercantilização do saber di ferente do desenvolvimento da leitura literária o protagonismo escolar pode ser suplantado pelo uso da velha metodologia que absorve livros didáticos e paradidáticos afastando o aluno do uso do texto literário integral Ocorre o erro da cristalização da leitura prendendo o aluno às receitas e fórmu las prontas muitas vezes disfarçadas de prazer estético também conhecido como prazer superficial Em suma trabalhar um texto estruturado e organi zado que evoca o lado lúdico da leitura mas que não atinge a função social da escola de promover o prazer essencial que flui do ato da leitura Nesse sen tido essas atividades de leitura direcionada cumprem sua função mas apre sentam um risco enorme o de castrar o leitor das possibilidades da literatura E o que difere o prazer essencial do superficial O prazer superficial está relacionado à leitura superficial do texto na qual a atividade se estrutura em torno da dinamização do texto literário limitandose a questões óbvias Esses aspectos estão presentes em textos que apontam as características mais comuns de dada obra dividindo as avaliações em formato objetivo uma prática não tão incomum uma vez que busca direcionar o aluno para uma formação específica Já o prazer essencial por sua vez envolve experiências de leitura focadas no aperfeiçoamento e na emancipação do indivíduo pos sibilitando a problematização dos temas apresentados Nesse segmento as respostas não são mais essencialmente corretas mas contextualizadas É comum o uso do prazer superficial para a realização de atividades que visam mais o uso da língua do que o sentido do texto de modo que o texto literário é tratado apenas como um fenômeno linguístico Já atividades que valorizam o prazer essencial são voltadas para a contextualização e o desen volvimento das habilidades lúdicas do aluno durante o processo de aprendi zagem Um exemplo disso seria uma atividade de contextualização entre Os Lusíadas de Camões e a obra direcionada para o público juvenil Por mares há muito navegados de Álvaro Cardoso Gomes O texto de Álvaro Cardoso Gomes leva o leitor a realizar um processo de interação ao traçar paralelos com o texto de Camões na obra um jovem pre cisa terminar de ler Os Lusíadas enquanto traça o mesmo caminho de Vasco da Gama em um veleiro Há uma exigência que força o leitor a realizar cone xões inter e paratextuais o que desenvolve sua capacidade de leitura LITERATURA INFANTIL 132 SERPEDALITEUNID4indd 132 161020 1744 Eis a questão apresentada e não percebida pelos educadores a incom preensão da diferença entre o gosto e a prática de leitura Há toda uma se quência de produções bem como de mercados voltados para uma prática constante robotizada Mas podemos falar de fato em leitor Se o hábito da leitura envolve antes de qualquer coisa afi nidade e gosto com a prática em que medida a obrigatoriedade de um exercício de leitura contribui para o seu desenvolvimento A função formadora O educadorprofessor deve ter em mente sua função de agente forma dor de leitores contribuindo para sanar as carências que surgem ao longo do processo formativo dos alunos Tornarse ciente desses questionamen tos contribui para a função do professor como participante do processo ini ciativo voltado para o desenvolvimento do gosto pela leitura bem como contribui com as instituições envolvidas na formação de leitores Formação nesse sentido envolve seleção e escolha Parece curioso para você Retomemos nossa pergunta inicial quais livros você encontrava com mais frequência Os clássicos da literatura brasileira ou alguns escritores mais associados ao público infantil independentemente de sua relevância Há algo retórico nessa pergunta visto que a maioria traz nomes como Jorge Amado e Guimarães Rosa quando idealizam o tipo de leitura que gostariam que seus filhos realizassem mesmo que eles mesmos não te nham lido essas obras E nesse caminho muitas vezes aquele que é con siderado o único espaço de leitura da criança carece de um melhor aporte para determinadas faixas etárias Afinal de que adianta compreendermos a relação entre a literatura infantil e a formação de leitores se criamos espaços voltados para a leitura que excluem uma série de obras propícias para essas idades De maneira que possamos apontar para os vários caminhos problema tizações e possibilidades dessa prática educativa em particular trazemos as observações de Fanny Abramovich sobre o processo de formação de leito res e como ele pode ser implementado em instituições que visam fomentar suas práticas LITERATURA INFANTIL 133 SERPEDALITEUNID4indd 133 161020 1744 Constame que a prioridade inicial deveria ser capacitar leitores inconsistentes determinados cheios de dúvidas atentos para o potencial que uma história pode abordar competentes para en tender o motivo de não terem aproveitado ao máximo determina da história Texto literário é arte é prazer e cabe à escola abraçar essa marca educativa o que envolve também ensinar a gostar e a criticar ABRAMOVICH 1995 p 148 Essas práticas quando relegadas atrapalham todo o processo de forma ção do leitor em vários níveis de forma que Abramovich defende que ambos literatura e escola comungam de um espaço de formação Sendo assim se a escola educa com fatos e registros o texto ficcional instrui com as possibili dades instigando o alunoleitor por meio dos questionamentos despertados São atividades que por sua atuação contestadora nunca deixam o indivíduo indiferente ao que o atinge Assim como a escola cria um ambiente em que transmite o saber acumula do a literatura parasita o meio social o meio do aluno Assim por mais dife renciada que uma obra possa estar do meio que parasita pode assim possuir a capacidade de se integrar ao leitor uma vez que busca salientar grandes questões a serem resolvidas como a relação entre a Terra Média de Tolkien e a Segunda Guerra Mundial Nesse exemplo ao atingir essa reflexão o leitor também realiza uma atividade de autorreflexibilidade pessoal Dessa forma os espaços construídos para propiciar a variedade de leitura na escola as bibliotecas também devem parasitar o ambiente ao seu redor devem ao passo que disponibilizam os clássicos brasileiros e mundiais pa rasitar o próprio contexto atual dando conta das representações simbóli cas de seus alunos ASSISTA O documentário A negação do Brasil o negro nas telenovelas brasileiras de Joel Zito Araújo promove uma análise profunda sobre a representação do negro nas telenovelas brasileiras do século XX e XXI Além disso o diretor apresenta como em diferentes produ ções artísticas música pintura literatura há uma representação da figura do negro que se perpetua para o imaginário nacional LITERATURA INFANTIL 134 SERPEDALITEUNID4indd 134 161020 1744 Essa mesma função não escapa à escola que auxilia o aluno a interpretar o mundo por meio dos conteúdos programáticos Mesmo assim é o texto literário o germinador da imaginação que possibilita o indivíduo desenvolver a capacida de de subverter as amarras da realidade e repensála em prol de seus objetivos Desse modo se analisarmos o valor da obra literária para a formação do lei tor o que a classifi caria como boa ou ruim não diverge tanto dos critérios que se aplicam à análise de qualquer outra obra de arte Em suma sua valoração está no princípio de favorecer um ponto de saída para uma percepção inovadora da realidade permitindo que o leitor possa compreender melhor o mundo em que vive por outras perspectivas Considere que um projeto voltado para a prática de leitura que tenha como base o uso da literatura infantil não se limite apenas às leituras trazidas para a sala de aula é necessário o conhecimento disponibilizado na própria biblioteca Esse espaço não deve ser apenas o repositório dos clássicos da pesquisa cien tífi ca e dos estudos de matemática deve carregar em si o potencial para desen volver a leitura do estudante Um espaço planejado e direcionado para o incentivo à leitura favorece a inte ração entre o leitor e a obra À medida que uma obra exige o domínio de um códi go cultural por parte do leitor além de sua participação ativa mais o livro agrega devido à capacidade da obra de abranger o meio social possibilitando o alarga mento do horizonte sociocultural dos leitores Sendo esse um processo cognitivo de intercâmbio instaurase o fenômeno da leitura É comum a acepção o que você absorveu de bom do texto quando na verdade se trata da compreensão do mundo real via o imaginário Assim a obra literária não se limita apenas ao conteúdo escrito mas alimenta a capacidade do leitor de assimilar a realidade Dessa maneira a leitura só se dá quando o processo de interpretação do mundo fi ccional se realiza em totalidade A animação de uma biblioteca infantil Como a criança utiliza e o que associa com o espaço da biblioteca Trabalho estudo ou diversão Abordamos a relação da literatura infantil com o desen volvimento do indivíduo bem como a criação de espaços lúdicos direcionados para a leitura mas como isso pode ser desenvolvido LITERATURA INFANTIL 135 SERPEDALITEUNID4indd 135 161020 1744 Devese ter em mente conforme apontam Bernardinelli e Carvalho a im portância que a criança dá para o senso de liberdade 2011 p 4 e como essa liberdade pode ser construída por atividades básicas como o próprio direito de escolher uma obra embora essa mesma prática de liberdade precise de direcionamento Pensase que o espaço escolar deve proporcionar através da literatura in fantil liberdade ao aluno entretanto é necessário enfatizar que essa liber dade deve ser orientada com atividades programadas em ambientes livres na biblioteca e na sala de aula estimulando e aumentando o potencial de cada aluno Além disso precisase levar em consideração as transformações sociais a própria biblioteca da escola não pode ser um lugar estático Lembrase de quando tocamos na questão dos livros que fazem parte do acervo de uma biblioteca Peço que tenha o seguinte em mente no ano de 1995 surgiu a internet e a sociedade passou por uma transformação de conceitos e conflitos sociais o que influenciou toda a dinâmica das mídias incluindo a produção do livro infantojuvenil Eis um dos grandes dilemas de nossa época o poder da Má quina da tecnologia em confronto com o poder da Mente da inteligencia A Máquina e o Homem Em sintese cresce a ne cessidade de que todos dominem desde cedo a instrumenta lização tecnológica para atuarem no cotidiano cibernético e ao mesmo tempo com igual ou maior intensidade que cada um adquira desde a infancia a consciencia de seu próprio Eu em relação ao Outro ao mundo à sua volta que o comple mentará Consciencia critica globalizante que só a linguagem da cultura da literatura e das artes proporcionam COELHO 2010 p 288 Desse modo essas mudanças sociais com o surgimento da tecnologia também modificaram a relação dos pequenos leitores com os livros bem como impactaram a literatura em geral Nesse sentido foi necessário que a literatura adquirisse um novo formato incorporando ferramentas de mídias tecnológicas como a ilustração e os livros em formato digital Nesse campo literário novo a imagem passa a ter uma significativa importância tanto quanto a letra por ser um meio de interação com o leitor virtualmente LITERATURA INFANTIL 136 SERPEDALITEUNID4indd 136 161020 1744 CITANDO Sabemos que o trabalho do professor com a leitura e produção de textos é uma atividade árdua principalmente porque os alunos hoje estão mais voltados para aspectos visuais e simbólicos do que propriamente para o texto escrito Por isso um livro que traga diversidade de ilustrações textos pequenos jogos letras de músicas textos em quadrinhos pala vras cruzadas poesias etc é sem dúvida mais atraente e desperta mais atenção e interesse pois esses recursos certamente abrirão novos horizontes para o aluno podendo aguçarlhe a imaginação e propiciarlhe condições para reflexão VERCEZE SILVINO 2008 p 97 O que é um biblioteca nos dias de hoje Espaço de leitura interação ou integração Diante de uma geração que é muito mais antenada às transfor mações midiáticas o que pode ser atrativo para os alunos nesse espaço Po demos ir além abordamos a carência socioeconômica o fato de que muitos estudantes sequer têm recursos básicos para ter acesso aos livros didáticos Mas o que dizer de uma sociedade na qual podemos ler praticamente todos os livros que queremos a um clique A esse respeito Kirchof afirma que Ao contrário do que apregoam tanto as previsões eufóricas quanto as pessimistas o que parece estar ocorrendo é uma convergência entre a cultura do suporte impresso e a dos meios digitais 2016 p 205 Isso nos releva como a literatura infantil ou adulta permane cerá no campo literário em quaisquer formas para o entretenimento para o ensinamento para o contentamento e para a crítica política e social Figura 5 A literatura tem relação com a tecnologia e com a afetividade Fonte Shutterstock Acesso em 08102020 LITERATURA INFANTIL 137 SERPEDALITEUNID4indd 137 161020 1744 Porém reafirmamos o desenvolvimento da leitura envolve acesso sen do que muito desse contato principalmente em relação à literatura infantil ocorre por meio da biblioteca Nesse sentido para termos em mente o tipo de atividades a serem desenvolvidas em uma biblioteca escolar devemos ter noção do perfil dos leitores conhecendo as leituras que eles realizam geral mente embora dependa de cada comunidade escolar a Recortes de livros muitos deles de obras infantojuvenis b Em geral livros nacionais com exceção de contos de fadas c Um número maior de textos no livro de Língua Portuguesa e redação mais voltados para exercícios textuais do que para a literatura A maioria dos livros didáticos se dividem em capítulos voltados para te mas que abordam por exemplo questões gramaticais Cada capítulo iniciado por um trecho de uma grande obra ou de um texto adaptado para se ade quar ao direcionamento do capítulo Não à toa diferentes leitores transfor mam em ficção sua prática de leitura nas escolas a exemplo do conto Estudar é viver de Bartolomeu Queiroz ou Cecília Meireles com o livro de poemas Ou isto ou aquilo Em suma os textos são trabalhados mais em seu caráter lin guísticointerpretativo do que pelo viés lúdico e catártico eis um dos motivos pelo qual a biblioteca não é vista como um espaço de diversão mas sim de continuidade da sala de aula Porém a correlação entre leitura infantil e biblioteca é muito rica o que acha de uma roda de leitura na qual cada aluno possa ler trechos dos contos dos irmãos Grimm Nos dias atuais as crianças são tomadas pela falta de concentração o que atrapa lha o desenvolvimento de diferentes tipos de atividades Nesse âmbito a biblioteca oferece um enorme poten cial pois pode desenvolver atividades extensivas que captam a atenção do aluno e trabalham o seu senso de liberdade ao oferecerlhes uma variedade de gêneros literários muitos voltados ao público infantil contos fábulas len das etc ANDRADE 2014 p 142 LITERATURA INFANTIL 138 SERPEDALITEUNID4indd 138 161020 1744 Em suma o problema não é a falta de literatura mas a falta de sua acessi bilidade lúdica Tratase de uma literatura prejudicada nos manuais didáticos por causa do nosso sistema educacional SILVA 2007 substituindo o deleite do texto pela sua castração pela delimitação do texto lido pelos sentidos prédefi nidos e pelo impedimento do aluno de desenvolver sua capacidade interpretativa Kleiman nesse sentido amplia a crítica É comumente sabido que há um préimpedimento diante do que ou é muito difícil ou muito complexo A simplifi cação dos textos e seu descaso durante esse periodo letivo contribuirão futura mente para a não formação do futuro leitor acostumado a ler enxertos e desacostumado a se lançar na leitura 2011 p 12 Essa afi rmação tem como base os seguintes pressupostos A interação desses conhecimentos segundo a perspectiva cog nitiva ocorre na mente do leitor ler é portanto uma ação indi vidual um ato estratégico de processamento da informação que não estabelece relação com os fatores externos ao texto Cada uma das palavras que compõem o texto representa entidades do mundo fisico havendo uma relação direta entre linguagem e mundo SANTOS 2017 p 2930 Fisiologia da biblioteca infantil Há a necessidade de todo um preparo para o pleno deleite da leitura prin cipalmente nos mais jovens a falta de relação entre o texto e o contexto causa um bloqueio no discente Não há o prazer do texto da mesma maneira que se impede o desenvolvimento da capacidade de interpretação literária do aluno Todo projeto de leitura deve propor uma visão ampliada para que o aluno entenda que a noção de leitura está relacionada a diferentes elementos o que inclui sua receptividade Analisamse muitos textos de acordo com sua classifi cação sintática morfológica histórica etc mas por vezes o caráter semântico do texto é negligenciado Cabe à escola o papel de auxiliar o aluno na prática de interpretação da plurissignifi cação literária Essa oposição sala de aula x biblioteca parece curiosa mas aborda as me mórias de escritores como Lya Luft para quem LITERATURA INFANTIL 139 SERPEDALITEUNID4indd 139 161020 1744 A escola era terrível seria melhor se ficássemos em casa no quintal lendo Mas era divertido quando brincávamos com os vocábulos na biblioteca havia livros e as palavras eram como doces infinitos que a gente guardava por um instante antes de se deliciar mas às vezes jogávamos na cara dos outros essas descobertas de propósito cuspindo LUFT 2006 p 52 Observe como a crônica nas mãos de Luft assume contornos de crônica literária promovendo um jogo lúdico de verdadefalsidade ela tanto gostava quanto odiava a prática de leitura na escola Quais seriam os livros Didáti cos Ou livros que ela não gostava Teria ela tido a opção de escolher obras como Turma da Mônica ou O Menino do dedo verde Provavelmente sim Isso porque na sala de aula a escritora estava à mercê das leituras obrigatórias aquelas associadas ao contexto do conteúdo programático A biblioteca por sua vez oferecia muitas opções de maneira que a escri tora discute sobre os textos literários a serem trabalhados em sala de aula Observemos como enraizada em uma série de estudos de ordem cronoló gica e em um curto espaço de tempo para realização de um conteúdo pro gramático a disciplina de Literatura se limita a textos que como primeiro contato para os leitores não contribui com sua função Compete hoje ao ensino da literatura não mais a transmissão de um patrimônio já constituido e consagrado mas a responsabilida de pela formação do leitor A execução dessa tarefa depende de se conceber a leitura não como o resultado satisfatório do proces so de alfabetização e decodificação da matéria escrita mas como atividade propiciadora de uma experiencia única com o texto lite rário A literatura se associa então à leitura do que advém a vali dade dessa A experiencia da leitura decorre das propriedades da literatura esse universo contudo se alimenta da fantasia do autor que elabora suas imagens interiores para se comunicar com o leitor Dúbia a literatura aciona sua fantasia mas suscita um posicionamento intelectual Nesse sentido o texto literário introduz um universo que por mais distanciado do coti diano leva o leitor a refletir sobre sua rotina e a incorporar novas experiencias ZILBERMAN SILVA 1990 p 19 LITERATURA INFANTIL 140 SERPEDALITEUNID4indd 140 161020 1744 Não cabe à escola portanto estruturar didaticamente o texto durante o processo de acessibilidade do texto literário tampouco pedagogizálo li mitando suas possibilidades semânticas aos limites do manual didático Em suma o que precisa ser abordado é o livro puro e simples de maneira que o leitor possa desenvolver e ampliar sua capacidade criativa por meio de es colhas intertextuais e paratextuais Essas escolhas por sua vez favorecem a comunicação e a apreensão das técnicas de leitura De fato o que apresenta mais potencial para se discutir o racismo na escola a leitura de O mulato de Aluízio de Azevedo ou O menino marrom de Ziraldo A pergunta parece enfadonha e tendenciosa mas é pedagógica o primei ro é um clássico brasileiro presente em coletâneas escolares e prérequisito para vestibulares e demais concursos o segundo pelo seu direcionamento infantil possui a liberdade de abordar determinados temas pela visão de um público infantil É nesse jogo de oposições que nos deparamos com o poten cial do trabalho com literatura infantil na biblioteca escolar ela não apenas apresenta uma linguagem diferenciada mas se aproveita do fato que muitas vezes estar à margem dos planos de ensino cria potencial para o desenvolvimento de práticas de leitura DICA É nesse contexto que algumas pesquisas abordam determinadas categorias da literatura infantil que em muitas situações estão fora dos bancos escolares É o caso do artigo Leituras de o gato e o escuro de Mia Couto de autoria de Flavio García e Luciana Silva O texto apresenta uma abordagem sobre a literatura in fantil africana de língua portuguesa mostrando como há uma série de escritores que realizam experiências lúdicas por meio do potencial discursivo propiciado pelo uso da linguagem infantil A natureza da leitura em ambientes escolares Após essa abordagem sobre o uso dos textos e seu problema de contex tualização fruto de uma estrutura engessada presente nos currículos esco lares abordaremos a natureza da leitura na biblioteca escolar qual seria sua prioridade LITERATURA INFANTIL 141 SERPEDALITEUNID4indd 141 161020 1744 Não é incomum a concepção cotidiana da leitura sobre a qual o texto deve emancipar o indivíduo ignorando todas as suas potencialidades Isso é tão fre quente ao ponto de criarmos estantes para literatura e literatura infantil delimitandoa de acordo com a faixa etária ao mesmo tempo que criamos hie rarquias de valor Mas o que é mais importante e significativo Hábito ou ludicidade Meta ou prazer A leitura avaliativa da sala de aula ou a liberdade propiciada por ativi dades em bibliotecas escolares Não é porque o espaço escolar é para grande parcela dos alunos o único lugar de acesso à leitura que podemos apresentar textos aleatórios sempre com a mesma metodologia O raciocínio é simples se você precisasse desen volver hábitos de leitura em uma turma qual estratégias utilizaria A pergunta pode ser ambígua uma vez que você precisaria considerar questões de meta disponibilidade praticidade objetividade e saberes a serem trabalhados Sen do assim coloquese no meio do caminho entre o aluno e o professor fazendo essa reflexão Enquanto se questiona podemos delimitar não a obra mas os métodos a serem utilizados nosso caminho deve favorecer o ato de pensar e de cons truir ou seja o ato de divagar em meio à leitura O aluno nesse caso tornase o protagonista de sua fala e de sua escrita Dessa forma esses exercícios pas sam a ser a base dos métodos a serem aplicados já que o discente é levado via leitura a compartilhar o que escreve ou seja a dar forma corporificar Imaginese na seguinte situação em uma roda de leitura dentro da biblio teca você reúne seu espaço para criar um clima com seus alunos e ao fazêlo convida um dos alunos para ler o texto O Menino Maluquinho de Ziraldo O Menino Maluquinho Era uma vez um menino bagunceiro Ele tinha o olho maior que a barriga tinha fogo no rabo tinha vento nos pés umas pernas enormes que davam para abraçar o mundo e macaquinhos no sótão embora nem soubesse o que significava macaquinho no sótão LITERATURA INFANTIL 142 SERPEDALITEUNID4indd 142 161020 1745 Ele era um menino impossivel Ele era muito sabido ele sabia de tudo a única coisa que ele não sabia era como ficar quieto Seu can to seu riso seu som nunca estavam onde ele estava Se quebrava um vaso aqui logo já estava lá Às vezes cantava lá e logo já estava aqui Pra uns era uirapuru pra outros era um saci Na turma em que ele andava ele era o menorzinho o mais esperti nho o mais bonitinho o mais alegrinho o mais maluquinho Era tan tas coisas terminadas em inho que os colegas não entendiam como é que ele podia ser um companheirão ZIRALDO 2012 np Se estivessem em uma sala de aula é provável que fizessem em primei ro lugar uma leitura que classificasse as classes gramaticais presentes como substantivos artigos adjetivos verbos advérbios etc Mas as relações no texto não são apenas sintáticas mas também semânticas É por isso que se deve aproveitar o aporte para abordar questões sobre quem narra quem são as personagens o enredo da história seu local e tempo Observase que se trata de um menino e muitos dizem que ele é malu quinho devido às suas peraltices Com base nisso podemos constatar que no texto o ponto crucial é o vocábulo menino uma vez que todas as outras categorias narrativas tempo espaço personagem enredo narrador dele falam a ele se referem Se mudássemos a palavra por exemplo modificando seu gênero para menina já seria outro texto pois falaria de outra pessoa Todos os adjetivos ao menino atribuídos os inhos bem como os advérbios que giram em torno dos verbos suas ações são informações fornecidas por uma leitura atenta para caracterizálo e apontar as particularidades e peculia ridades do garoto Sendo assim passamos a conhecer seus hábitos e até o que seus amigos acham dele Poderíamos mudar a ordem das palavras ou alterálas sem modificar o sujeito mas falaríamos de outra coisa de outra maneira Veja que no final do texto há a referên cia ao autor Ziraldo o que dá um indício de reaproveitamento e contextualização da obra Observe também como o texto apresenta a adjetivação como as palavras vento nos pés e pernas enormes que atribuem particularidades à personagem LITERATURA INFANTIL 143 SERPEDALITEUNID4indd 143 161020 1745 Observe que o texto exerce uma função dupla possibilita um processo de re leitura superficial e ao mesmo tempo aprofundada um espaço para uma du pla significação Nesse sentido o professor não pode se limitar a um uso que favoreça apenas as classes gramaticais mas também deve explorar a estrutura interna do texto Em suma esse tipo de atividade foge um pouco do velho esquema texto gramática embora seja apenas um dos usos essenciais para atividades de in terpretação Por outro lado esse é um tipo de atividade que envolve textos infantis e que não se limita à sala mesmo quando ela é transformada em uma biblioteca criando um novo espaço de leitura Figura 6 Espaços de leitura na sala de aula Fonte Shutterstock Acesso em 06102020 Imagine uma biblioteca infantil em sala de aula quais livros utilizar Quais atividades direcionar De fato ao englobar o livro no espaço da criança é tra zido novamente o sentimento de liberdade a obra literária é vista como um brinquedo qualquer como uma bolsa um quebracabeça ou uma folha de co lorir que ocupa seu devido espaço Diferentes atividades devem ser realizadas de forma que a criança selecione seus objetos de leitura em escolha feita pela turma ALBUQUERQUE FERREIRA 2020 LITERATURA INFANTIL 144 SERPEDALITEUNID4indd 144 161020 1745 Essa é uma prática didática interessante para se desenvolver em diferentes ciclos educacionais o trabalho como literatura e no caso apontado a infantil não pode ser limitar a uma prática repetitiva a um uso ad eternum do mesmo corpus teórico e ficcional Procure se lembrar dos seus anos na educação bási ca já passou por um docente que utilizava sempre a mesma técnica Imagine a situação do aluno quan do o esquema da aula é essencialmen te similar ao de outras Se o ensino da literatura vira rotina então não há de fato aprendizagem O aluno entrará em sala pegará o livro observará se estamos estudando o mesmo período literário ou se já adentramos em outro Se for o mesmo vai estudar os autores sempre pela mesma régua pelas mes mas características sem se aprofundar nas particularidades dos textos Além de não ser nem um pouco didático e também contraintuitivo há um problema maior do que a leitura como obrigação a rotina Sobre isso Geraldi 2002 discorre Nas sociedades regidas pelo capital nenhum saber é aleatório todas as atividades visam ao atendimento de uma demanda e a escola atua em sua grande maioria como espaço de perpetua ção de normas e valores Não se torna espaço propriamente de prazer e emancipação mas de capacitação Os textos a serem lidos são avaliados por resenhas ou resumos utilizados para a realização de testes ou até para evitar destinos piores na visão dos alunos como ler tal livro e fazer um relatório de x páginas GERALDI 2002 p 12 A necessidade de promover capacitação para um contingente o qual ocu pará os futuros postos de trabalho gera uma cultura de organização padroni zação e divisão de todos os saberes divididos em disciplinas Porém quando utilizamos a ideia de biblioteca em sala de aula rompemos uma barreira ao transmutála para um espaço de ensino formal e não formal LITERATURA INFANTIL 145 SERPEDALITEUNID4indd 145 161020 1746 A sala de aula enquanto espaço de leitura O texto em sala de aula já recortado nos livros didáticos é planejado para não ser um instrumento de emancipação Sua filosofia de produção por mais dinâmica inovadora e ousada que possa ser na realidade é reflexo de um meio social no qual os indivíduos são capacitados desde cedo para atuar ou seja para assumirem cargos não para agirem conscientemente como indivíduos so ciais A escola por sua vez reflete essa característica por meio de avaliações que à semelhança do patrão com seus funcionários são uma espécie de cobrança ou cota a ser atingida Essa situação não muda por exemplo devido à presença de avaliações obje tivas ou discursivas Como já apontamos muitas dessas questões possuem um direcionamento de resposta o que não é um problema em si já que nessa faixa etária há sim uma limitação de respostas a serem atingidas justamente pela ca pacidade discursiva dos alunos O problema por sua vez está relacionado ao uso disso como prática por professores que em sua época também não desen volveram sua capacidade como leitores e consequentemente não conseguem fazêlo em sala Logo o direcionamento de respostas se torna uma verdadeira amarra para ambos professor e aluno O docente se limita a apresentar as ca racterísticas dos períodos e o aluno responde da maneira que aprendera no livro didático Sua contextualização é perdida já que o texto não é significativo Em suma as atividades se tornam similares aos exercícios de matemática em se Lobato é um escritor prémodernista e o prémodernismo teve elementos de ruptura então Caçadas de Pedrinho é uma obra prémodernista Essas práticas precisam ser revistas e constantemente atualizadas evitando se assim a atividade da leitura em sala como algo silencioso e rotineiro limitada a abrir um livro responder questões e corrigilas Essas ações nos afastam da nossa meta que é formar leitores Dessa maneira o texto se torna um simulacro totalmente distante da realida de de tal forma que em uma aula de história o aluno conhece todos os pontos personagens e eventos que culminaram na Revolução Francesa mas não de senvolveu a habilidade de contextualizála no seu cotidiano por exemplo Sabe o que o significou a queda do Antigo Regime mas não como isso o influencia Dessa forma a leitura em sua apreensão deve transcender a categoria de ativi dade monótona LITERATURA INFANTIL 146 SERPEDALITEUNID4indd 146 161020 1746 Porém o elemento lúdico do texto literário quando agregado ao próprio espaço de aula possibilita uma série de vantagens uma aula de Sociologia por exemplo pode se tornar mais interessante se for realizada uma atividade intertextual com a obra Meu pé de laranja lima obra que aborda a questão da pobreza na sociedade brasileira Ou ao se tratar a questão da reforma agrária uma rápida pesquisa aos livros da sala para um debate sobre a obra Dez Dias de Cortiço livro de Ivan Jaff uma vez que essa mesma obra reconta o clássico por um viés infantojuvenil Devemos observar que na nossa função primordial como facilitadores da formação de leitores precisamos ir além das estruturas escolares propiciando um fazer que transcenda as práticas habituais O prazer atingido não pode ser meramente contabilizado ou detalhado em uma planilha de metas pois gera um capital simbólico incalculável O livro como algo próximo corriqueiro tem o potencial para desenvolver a capacidade de leitura no aluno Aliás aproveita mos para abordar o sentido da palavra gostar Sentido pelo qual se percebe o sabor das coisas paladar sabor prazer agrado simpatia inclinação pendor critério opinião maneira moda faculdade de julgar os valores estéticos segundo critérios subjetivos sem levar em conta normas preestabeleci das bom gosto FERREIRA 2019 np Etimologicamente gostar é a ca pacidade de julgar as propriedades de algo valorizandoas seja de maneira objetiva ou subjetiva Em suma ava liar apreciar dar critério opinar Outro sentido de gostar agradar promove o deleite estético ou não e é nes se ponto que se aproxima o sentido de leitura que buscamos atingir o de levar a sensação de deleite ao leitor Mas esse prazer não é algo que sim plesmente brota mas está associado ao nosso meio e às nossas experiên cias de vida LITERATURA INFANTIL 147 SERPEDALITEUNID4indd 147 161020 1746 Em outras palavras o prazer associado ao fazer relacionase ao nosso dia a dia Se o aluno gosta de rock você já parou para refletir que são essas as lei turas que lhe dão satisfação que Pitty e Skank lhe são mais prazerosos do que O Pequeno príncipe ou Emília no país da gramática São essas leituras que lhe dão o devido sabor e não outras São essas leituras que fazem parte do seu cotidiano e lhe dão sentido Dessa maneira devemos desenvolver uma série de práticas que aproximem cada vez mais o aluno do universo da leitura como a presença de atividades em bibliotecas e em salas de aula Isso por sua vez esbarra nas práticas escolares como aponta a escritora Myriam Scotti 2020 que associava o hábito da leitura ao de escovar dentes porque era um hábito incorporado em sua rotina quando criança Nessa ana logia fazemos a saúde bucal de maneira mecânica sem uma reflexão acerca de nossas ações e somos habituados desde cedo a fazêlo sob risco de puni ção pela falta de asseio Por outro lado muitos têm preguiça ou não gostam de escovar os dentes motivo pelo qual a expressão desenvolver hábitos de leitura soa ambígua como se estivéssemos desenvolvendo um sentimento de obrigação nas pessoas e não um prazer Para Ezequiel Silva o contato com espaços literários favorecem o desenvol vimento de hábitos de leitura Lembrome de corpo inteiro fisgado pelos ásperos tempos pela agonia da noite pela luz do túnel vivendo apaixonada mente os subterraneos da liberdade e sendo paulatinamente introduzido por minha própria vontade na arte da palavra E como a palavra com Jorge Amado comecei a cultivar o gosto pela leitura de ficção 2007 p 22 Criase um laço que circunda o leitor a literatura e o espaço de leitura esse laço de se lançar à leitura é um espaço privado que envolve tanto a escola os espaços de favorecimento da prática quanto o mundo imaginativo do indi víduo que permite o livre exercício do faz de conta Além disso ficção vem de fingere fingimento que dá início a um processo de descoberta ao ponto de o ato de ler trazer à tona ques tionamentos sociais Isso é feito pelos temas enredos estruturas escolhas linguísticas tipos de abordagem ou pelas ideias apresentadas pelo autor LITERATURA INFANTIL 148 SERPEDALITEUNID4indd 148 161020 1746 Criase assim um espaço de angústia saudável em que o texto literá rio mostra justamente a sua utilidade que é esvaziada em si A literatura não tem uma função um valor utilitarista porque é um espaço de descoberta de estar no mundo Assim alguns perguntam qual é a utilidade de um espaço de leitura com obras infantis em sala de aula principalmente nas escolas que possuem biblioteca O espaço de leitura a biblioteca infantil a seleção de obras esses são ele mentos que fazem parte de uma educação não formal Não é formal pois vai além do conteúdo programático não é informal pois não está diretamente as sociada aos espaços formativos informais como a família mas cria espaços de formação social diferenciados possibilitando ao aluno acessar outros saberes para além da estrutura dos livros escolares Assim criase um ponto dentro da própria sala no qual até versões infantis de clássicos consagrados atendem a um propósito didático e libertador levar o aluno para além da velha estrutura pedagógica possibilitando que ele utilize outros mecanismos para se tornar protagonista da própria aprendizagem LITERATURA INFANTIL 149 SERPEDALITEUNID4indd 149 161020 1746 Sintetizando Nesta unidade abordamos a relação entre práticas de incentivo à leitura a literatura infantil e o trabalho realizado em conjunto com escola professores e comunidade Tivemos a oportunidade de salientar toda uma relação entre a criação de projetos o potencial da literatura infantil e o seu uso para projetos que não se limitam à alfabetização É dentro do espaço formativo da escola por sua vez que uma tradição de projetos formativos foi desenvolvida sendo que muitos não atingiram sua ple nitude em razão das escolhas das leituras feitas e da forma equivocada de apli cação Por isso abordamos o desenvolvimento da leitura como um processo lúdico no qual o indivíduo transforma diferentes tipos de texto em elementos que lhe são significativos Dessa forma traçamos o conceito de espaço de lei tura o qual pode envolver tanto a biblioteca escolar uma biblioteca infantil como também a organização de espaços na própria sala de aula de forma a construir uma relação mais próxima entre o texto literário e o aluno em dife rentes atividades do cotidiano LITERATURA INFANTIL 150 SERPEDALITEUNID4indd 150 161020 1746 Referências bibliográficas ABRAMOVICH F Literatura infantil gostosuras e bobices São Paulo Scipione 1995 ALBUQUERQUE E B C FERREIRA A T B Práticas de ensino da leitura e da es crita na educação infantil no Brasil e na França e os conhecimentos das crianças sobre a escrita alfabética Educação em Revista Belo Horizonte v 36 n 01 p 133 jan 2020 ANDRADE G Literatura infantil São Paulo Pearson Education do Brasil 2014 A NEGAÇÃO do Brasil Postado por Cine Clube Dionel Lig and ospont os 1h 29m 07 s son color port ou leg Disponível em httpswwwyoutubecom watchvS5bgipo2Dic Acesso em 08102020 ASSIS M Contos da escola Belo Horizonte Editora Dimensão 2015 BERNARDINELLI L L CARVALHO V M G A importância da literatura infantil In Encontro Científico e Simpósio de Educação Unisalesiano 3 2011 Lins Anais Lins Unisalesiano 2011 np COELHO N N Panorama histórico da literatura infantiljuvenil das origens indoeuropeias ao Brasil contemporâneo São Paulo Manole 2010 ECO U Seis passeios pelos bosques da ficção São Paulo Companhia das Le tras 1994 FERREIRA A B H Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa São Paulo Fundação Dorina Nowill para Cegos 2019 versão digital GARCÍA F SILVA L M Leituras de O Gato e o Escuro de Mia Couto Nau Literá ria Crítica e Teoria de literaturas Porto Alegre v 09 n 01 p 116 janjun 2013 Disponível em httpsseerufrgsbrNauLiterariaarticleview38948 Acesso m 08 out 2020 GERALDI J W Org O texto na sala de aula São Paulo Ática 2002 JOUVE V A leitura São Paulo Editora UNESP 2002 KIRCHOF E R Como ler os textos literários na era da cultura digital Estudos de literatura brasileira contemporânea Brasília n 47 p 203228 janjun 2016 KLEIMAN A Leitura ensino e pesquisa Campinas Pontes Editores 2011 LAJOLO M Do mundo da leitura para a leitura do mundo São Paulo Ática 1995 LUFT L Senhores das palavras Em outras palavras Rio de Janeiro Record 2006 LITERATURA INFANTIL 151 SERPEDALITEUNID4indd 151 161020 1746 O ENIGMA da pirâmide Direção de Barry Levinson Estados Unidos Paramount Pictures 1985 109min son color SANTOS V O C Cognição referenciação e leitura reconstruindo a argumen tação no gênero capa de revista Entrepalavras Fortaleza v 7 p 26 44 janjun 2017 SCOTTI M Vulnerabilidade e literatura Bem viver blog sl 05 jul 2020 Dispo nível em httpswwwacriticacomblogsbemviverblogpostsvulnerabilida deeliteratura Acesso em 30 set 2020 SILVA E T Leitura na escola e na biblioteca Campinas Papirus 2007 SILVA E T A Formação do leitor no Brasil o novovelho desafio In PRADO J CONDINI P Org A Formação do leitor pontos de vista Rio de Janeiro Argus 2012 VERCEZE R M A N SILVINO E F M O livro didático e suas implicações na prá tica do professor nas escolas públicas de GuajaráMirim Práxis Educacional Vi tória da Conquista v 04 n 04 p 83102 janjun 2008 Disponível em http periodicos2uesbbrindexphppraxisarticleview562456 Acesso em 08 out 2020 ZILBERMAN R SILVA E T Literatura e pedagogia ponto e contraponto Porto Alegre Mercado Aberto 1990 ZIRALDO O Menino Maluquinho São Paulo Melhoramentos 2012 LITERATURA INFANTIL 152 SERPEDALITEUNID4indd 152 161020 1746 Diante do desafio de superar o analfabetismo funcional é fundamental que algumas abordagens sejam abordadas a fim de que ia alunos possam ir além da mera decodificação de palavras A integração de práticas sociais de leitura no currículo é essencial conectando os estudantes a contextos diversos A diversificação de gêneros textuais e a exploração de temas relevantes à vivência dos alunos corroboram à formação de um ambiente mais estimulante A contextualização do ensino associando a leitura à situações do cotidiano promove uma compreensão mais profunda e facilita a interpretação de enunciados fora do ambiente escolarizado Além disso estratégias que incentivam a expressão oral e escrita como debates e produções textuais livres fortalecem as habilidades linguísticas de forma integrada A formação de parcerias com bibliotecas locais escritores e a promoção de eventos literários na escola ampliam o contato com diferentes formas de expressão escrita Destarte a prática do letramento literário transcende o ensino técnico explorando o potencial transformador do texto na vida dos estudantes capacitandoos a enfrentar os desafios comunicativos com confiança e compreensão A despeito disso Ribeiro e Pessoa 1996 p 23 enfatiza que é imbuído ao educador detectar as dificuldades de aprendizagem que surgem em sua sala de aula principalmente nas escolas mais necessitadas e averiguar as causas de forma ampla que abranja os aspectos orgânicos neurológicos mentais psicológicos aliados à problemática ambiental em que a criança está situada Essa metodologia facilitará o encaminhamento da criança a um especialista que ao tratar da deficiência tem condições de orientar o professor a lidar com o aluno em salas normais ou se considerar necessário de indicar sua transferência para salas especiais REFERÊNCIAS RIBEIRO Telhma de Souza PESSOA Jacimara Oliveira da Silva EDUCAÇÃO E O ENSINO CONTEMPORÂNEO PRÁTICAS DISCUSSÕES E RELATOS DE EXPERIÊNCIAS 2 Tese de Doutorado Universidade Federal do Amazonas Disponível em httpsayaeditoracombrwpcontentuploadsLivrosL151C14pdf