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Texto de pré-visualização

conceitos praticas é l i a r a m Leandro Karnal o rg Carla Bassanezi Pinsky Circe Bittencourt Elíane Moura da Siiva Holien Gonçalves Bezerra Jaime Pinsky Janice Theodoro José Alves de Freitas Neto José Rivair Macedo Luiz Estevam Fernandes Marcos Napolitano Marcus Vinícius de Morais Pedro Paulo Funari t A Rafael Ruiz NCharn 907 H673 5 ed Título História na sala de aula práticas e propostas conceitos 71441 Ex2 UFRRJ Ac 28303 N Pat39882008 SR I É comum ver professores frustrados porque não conse guiram dar toda a matéria ao longo do ano letivo Mas será que sobrecarregar os alunos com uma profusão de datas e nom es é o m elhor caminho Este livro defende uma forma mais eficaz de lecionar Histó ria estabelecendo um vínculo entre o patrimônio cultural da humanidade e o universo cul tural do aluno É possível de monstrar a atualidade de fatos tão cronologicamente remotos quanto a situação das mulhe res na Idade Média a insatisfa ção dos plebeus na Roma Anti ga ou as aspirações ambíguas dos burgueses no século XVIII Basta selecionar conteúdos que realmente fazem sentido A informação só se transfor ma em conhecimento quando selecionada depurada discuti da organizada assimilada E pro duzir conhecimento é o grande desafio do professor de Histó ria A presente obra sugere e discute estratégias para que esse objetivo seja cumprido O pri meiro capítulo Por uma Histó ria prazerosa e conseqüente critica a superficialidade do en sino na era da informação ins tantânea e prega a necessidade de valorizar o conhecim ento humanista Ensino de História conteúdos e conceitos básicos ajuda o professor a estabelecer critérios para selecionar os con teúdos das aulas enquanto H I S T Ó R I A N A S A L A DE A U L A H i s t ó r i a NA S A L A D E A U L A Conceitos práticas e propostas L e a n d ro K a rn a l o r g editoracontexto Copyright 2003 dos autores História na sala de aula conceitos práticas epropostas Todos os direitos desta edição reservados à Editora Contexto Editora Pinsky Ltda Preparação de originais I eonardo Seiji Miyahara Revisão Vera Quintanilha Capa Antonio Kehl Diagramação Carla Castilho Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Câmara Brasileira do Livro SP Brasil História na sala de aula conceitos práticas e propostas Leandro Karnal org 5ed São Paulo Contexto 2007 030545 Bibliografia ISBN 8572442162 1 História Estudo e ensino 2 Sala de aula Direção 3 Prática de ensino I Karnal Leandro CD D 907 índice para catálogo sistemático 1 História Estudo e ensino 907 FRRJBiblii Registro a ta D À O 3 0 BC E d i t o r a C o n t e x t o Diretor editorial Jaime Pinsky ua Dr José Elias 520 Alto da Lapa 05083030 São Paulo s p p a b x 11 3832 5838 contextoeditoracontextocombr www ed i toraco n texto com br 2 0 0 7 Proibida a reprodução total ou parcial Os infratores serão processados na forma da lei W U t A a W B IM WÇWlUWXit S u m á r i o 7 I n tr o d u ç ã o Leandro Karnal P a r t e I A b o r d a g e n s 17 O QUE E CO M O ENSINAR Por um a H istória prazerosa e conseqüente Jaime Pinsky e Carla Bassanezi Pinsky 3 7 CONCEITOS BÁSICOS Ensino de H istória conteúdos e conceitos básicos Holien Gonçalves Bezerra 4 9 EDUCAÇÃO Educação para um m undo em transformação Janice Theodoro 57 TRANSVERSALIDADE A transversalidade e a renovação no ensino de H istória José Alves de Freitas Neto 75 LITERATURA N ovas fo rm as d e a b o r d a r o e n sin o d e H is tó r ia Rafael Ruiz Pa r t e II R e c o r t e s 95 HISTÓRIA ANTIGA A RENOVAÇÃO DA HlSTÓRIA ANTIGA Pedro Paulo Funari 109 HISTÓRIA MEDIEVAL R epensando a Idade M édia no ensino de H istória José Rivair Macedo 127 HISTÓRIA MODERNA A H is tó ria M o d e rn a e a s a la d e a u la Leandro Karnal 143 HISTÓRIA DA AMÉRICA R enovação da H istória da América Luiz Estevam Fernandes e Marcus Vinícius de Morais i 63 HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA P ensando a e stra n h a h istó ria sem fim Marcos Napolitano 185 HISTÓRIA DO BRASIL Identidade nacional e ensino de H istória do B rasil Circe Bittencourt 205 RELIGIÃO E stu d o s d e R e lig iã o p ara um n o v o m ilên io Eliane Moura da Silva 216 O S AUTORES I n t r o d u ç ã o Leandro Karnal Podemos entender o exercício profissional da História de mui tas formas Vamos optar pela seguinte possibilidade fazer um texto de História é estabelecer o diálogo entre o passado e o presente Isso sig nifica que não há um passado puro total que possa ser reconsti tuído exatamente como era Também significa que não podemos fa zer um texto ou dar uma aula de História baseados apenas na concepção atual pois isso leva a projeções do presente no passado os famosos anacronismos Existe o passado Porém quem recorta escolhe dimensiona e narra este passado é um homem do presente Assim uma vez produzi do todo texto histórico tornase ele mesmo objeto de História pois passa a representar a visão de um indivíduo sobre o passado Conto para os alunos de graduação de História uma ficção pa ra ilustrar esse fato Imaginemos uma menina de 15 anos que esteja no seu baile de debutantes será que ainda existem no século XXI Vesti da de branco emocionada ela vive um momento muito especial M ú sica amigas um possível namorado comida e muitos fatos para guar dar e comentar A festa é densamente fotografada e filmada Passados dez anos nossa protagonista ficcional chegou aos 25 Ela olha os íil ines e as fotos e pode vir a considerar tudo de extremo mau gosto Abrindo o álbum em meio a suspiros poderia dizer Por que não fiz uma viagem com esse dinheiro Passado mais meio século do baile ri nossa personagem aos 65 anos Já de cabelos brancos ela abre o álbum 7 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a amarelado e comenta com seus netos Olhem como eu era bonita Que noite maravilhosa foi aquela Observese que houve um fato o baile de debutantes Ele ocor reu Não foi inventado como fato ainda que invenção de fatos seja uma constante em História Porém a memória para esse baile vai se transformando bastante conforme a realidade do presente traz novas reflexões e imperativos Em outras palavras escolher qual o fato que queremos destacar e como trabalharemos a memória é uma atividade de todos e que o historiador tenta tornar consciente e crítica Assim dizer que a História necessita ser reescrita não é apenas um imperativo derivado das descobertas constantes de documentos no seu sentido amplo mas também da mudança de significação que damos a docu mentos antigos A representação do passado e do que consideramos importante representar é um processo constante de mudança Se a memória muda sobre fatos concretos e protagonizados por nós também muda para fa tos mais amplos A História está envolvida em um fazer orgânico é vi va e mutável Um livro sobre uma guerra escrito há cem anos continua válido como documento mas é muito provável que a visão de quem o escreveu esteja superada Por superação entendemos o que não é mais compartilhado pela maioria Se tais constatações fizeram com que a visão do velho Leopold Van Ranke sobre uma verdade histórica e objetiva ficasse abalada também devemos constatar que a total relativização proposta por teó ricos como Hayden White também não é uma solução muito confor tável Aceitar as transformações nas formas de representação do passa do não significa expressar de forma maniqueísta que o historiador seria um romancista com notas de p é de página Parece que o salto da concepção de ciência positiva para um pósestruturalismo inorgânico foi rápido demais Ora sendo o fazer histórico mutável no tempo seu exercício pedagógico também o é Eu diria que ensinar História é uma ativida de submetida a duas transformações permanentes do objeto em si e da ação pedagógica O objeto em si o fazer histórico é transformado pelas mudanças sociais pelas novas descobertas arqueológicas pelo de 8 I bate metodológico pelo surgimento de novas documentações e por muitos outros motivos A ação pedagógica muda porque mudam seus agentes mudam os professores mudam os alunos mudam as conven ções de administração escolar e mudam os anseios dos pais Ainda que a percepção sobre as mudanças na escola sejam mais lentas do que as de outras instituições da sociedade ela certamente muda e eventual mente até para melhor Bem se estamos concluindo que o fazer histórico muda bas tante se estamos concluindo que a escola muda também é imperativo pensar que a renovação do ensino de História deve ser trazida constan temente à tona Só um debate claro e franco pode ajudar a quebrar a inércia inerente a quase toda concepção educacional Há algumas décadas houve um equívoco expressivo na moder nização do ensino Julgouse que era necessário introduzir máquinas para se ter uma aula dinâmica Multiplicaramse os retroprojetores os projetores de slides e posteriormente os filmes em sala de aula O re troprojetor em particular ganhou uma popularidade extraordinária no ensino médio fundamental e superior Mais do que modernizar o que implica um ar de mera reforma tratase de pensar se a mensagem apresenta validade tenha ela cara nova ou velha Que seja dito e repetido à exaustão uma aula pode ser extrema mente conservadora e ultrapassada contando com todos os mais moder nos meios audiovisuais Uma aula pode ser muito dinâmica e inovadora utilizando giz professor e aluno Em outras palavras podemos utilizar meios novos mas é a própria concepção de História que deve ser repen sada O recorte que o professor faz é uma opção política Por mais anti ga que pareça essa afirmação ela se tornou muito importante num país como o nosso redemocratizado nos aspectos formais mas com padrões de desigualdade de fazer inveja aos genocídios clássicos do passado Falando do ensino de História no Brasil o jornalista Gilberto Dimenstein afirma que Educadores têm notado como os alunos percebem cada vez mais a política como uma atividade sem princípios orientada basicamente pela digamos ética da vitória Tal visão é uma das L e a n d r o K a r n a l 9 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a muitas razões que tornam difícil a tarefa de fazer o jovem se in teressar pela História do Brasil esta muitas vezes encarada co mo um encadeamento de fatos e nomes oficiais1 Talvez pela concepção de tempo e uma sensibilidade específica para o social os professores da área de Humanas parecem muito an gustiados com sua atuação A boa vontade da mudança esbarra tanto nos vícios tradicionais da escola como na resistência multifacetada de pais direção colegas e alunos O inovador que espera ser saudado messianicamente acaba com mais freqüência encontrando comentá rios como Pára de enrolar e começa a dar aula Muitas iniciativas são abortadas porque o renovador não consegue ver ou avaliar o peso extraordinário da tradição Rompendo abruptamente com ela corre o risco de perder contato com o real na sala e no limite perder seu em prego caso trabalhe no setor privado Não rompendo com a tradição o professor angustiase com o indescritível rosto de tédio do seu alu no que espelha uma monotonia crescente a cada ano de magistério Ao escrever pelo décimo ano seguido a frase no quadro O Egito é uma dádiva do Nilo e tentar explicála para uma buliçosa quinta sé rie inicia um surdo questionamento sobre a validade de tudo aquilo Pensa quem sabe e se eu afirmasse O Egito é uma dádiva do Tietê ou se eu dissesse que tal frase é de autoria do roqueiro Supla em visi ta ao Cairo mudaria algo No fundo repetimos a angústia expressa no Hamlet de Shakespeare Quem é Hécuba para eles quem são eles para Hécuba Esta frase shakespeariana poderia ser entendida de ou tra forma qual a validade de uma cultura formal para eles Em nosso contexto esta frase eqüivale a indagar qual a validade da História e do que eu faço para meu aluno e para mim Como eu posso desper tar no jovem tanto o interesse pela cultura mais formal como a capa cidade e os instrumentos para analisar o mundo que o cerca Talvez a pior pergunta seja a inversão desta como eu vou descobrir qual a va lidade de tudo isso Sim porque é possível que o desânimo de um alu no seja apenas parte de um complexo maior que me inclua O maior objetivo deste livro é fazer o leitor possivelmente um professor ou candidato a professor perceber que sem uma reflexão so 10 L e a n d r o K a r n a l bre a mudança contínua e as permanências necessárias a atividade do professor tornase insuportável com o passar dos anos Todas as profis sões têm sua perda de aura no enfrentamento entre a pluma do ideal e o aço do real mas aquelas que trabalham com a formação de pessoas parecem tornar esse desgaste ainda mais gritante pois contrariam a descoberta que uma aula deve ser Continuar descobrindo coisas em nossa área pode ser uma forma de diminuir bastante esse desgaste Ler criticar discutir reunirse com outras pessoas interessadas em não morrer profissional e pessoalmente podem ser caminhos para atenuar esse desgaste Diversos educadores têm refletido sobre os caminhos do educar e neste livro alguns deles demonstram o fruto dessas reflexões No en tanto a autonomia da condução do processo educacional é do profes sor Considerando a diversidade e a pluralidade da realidade brasileira não pretendemos com essas indicações limitar a criatividade e a capa cidade de cada educador mas antes partilhar reflexões e experiências sobre o ensino de História Assim ninguém pode dizer com precisão qual o melhor caminho para suas turmas Porém ouvindo pessoas en volvidas na prática da sala de aula e da pesquisa histórica você pode oferecer uma resposta mais criativa a seus desafios diários Poderá dizer com tranqüilidade Isto não serve para minha sétima série ou Isso é perfeito para meu segundo ano do ensino médio A primeira lição da experiência em sala de aula é que as fórmulas só servem quando são idealizadas numa aula estática Nesta obra trouxemos a palavra de especialistas em diversos re cortes históricos e que pensam seriamente no problema da renovação do enfoque da História A condição para o convite foi dupla autorau tora não apenas deveria ser alguém capaz de elaborar uma reflexão séria sobre sua área mas também um profissional preocupado com o exer cício do magistério Os textos tentam estabelecer um triângulo curio so a reflexão de um autor a experiência de vida do leitor e a prática mutante de um universo educacional Seria inútil imaginar sucesso sem esses três ângulos Este livro é uma coletânea óbvio tendo em vista que foram li gados diversos autores sob diversas perspectivas Porém não é uma i i H i s t ó r i a h a s a l a d e a u l a simples sobreposição cie textos Preservadas as idiossincrasias de cada historiador todos seguiram os objetivos da coletânea e suas propostas A primeira parte Abordagens trata de questões mais gerais e com reflexões teóricas importantes para a sala de aula Não são refle xões vazias ou aquele tradicional amontoado de exortações pedagógi cas que povoam cartões do dia 15 de outubro São reflexões diretas e concretas que se lidas e analisadas transformam de fato a prática de ensinar Nós professores precisamos ter cada vez mais consciência de que qualquer prática em sala nasce de uma concepção teórica Os textos começam com um verdadeiro manifesto de autoria de Jaime e Carla Pinsky Tratase de um texto que deve ser lido e reli do pelos profissionais que procuram conjugar a tradição humanística com a necessidade de educar jovens no século XXI Fiéis à tradição re forçada por M arc Bloch na sua obra de introdução à História os auto res defendem o resgate do legado da reflexão e da leitura O artigo do professor Holien Gonçalves Bezerra atende a uma pergunta que todo professor de História fez antes de elaborar um programa ou uma aula o que selecionar e quais conceitos enfatizar A reflexão do texto indica a ênfase no tempo no próprio conceito de História e na historicidade dos indivíduos que fizeram parte do pro cesso histórico O terceiro texto de Janice Theodoro aponta para o caminho que as avaliações em História têm seguido cada vez mais o ensino por conceitos Assim tratase de texto fundamental para todos os que questionam o uso exclusivo da memória no ensino de História O quarto texto de José Alves de Freitas Neto mostra como po de ser útil e prática a diretriz do MEC sobre interdisciplinaridade con ceito tão tocado e tão pouco desenvolvido No final do texto com preendemos como deve ser rompido o anel de aço entre as zonas de conhecimento Em seqüência direta com os textos anteriores Rafael Ruiz dá inúmeros exemplos concretos de como uma área como Literatura po de enriquecer o ensino de História Não se trata de usar um livro co mo fonte para o pensamento histórico mas repensar a História tendo como base a tradição literária na qual ela nasceu 12 L e a n d r o K a r n a l A segunda parte Recortes atende à justa demanda por propostas reais que se estampa no rosto dos professores quando de uma semana de planejamento Partimos do pressuposto de que um número expressivo de historiadores estudou na graduação os recortes clássicos tradicionais Antiga América etc mas não conseguiu por pressão do número de aulas manterse no padrão de atualização desejável Especialistas de di versos recortes históricos deram sugestões bibliográficas de internet de filmes de atitudes e de projetos que podem surtir efeito na renovação da disciplina O professor Pedro Paulo Funari reconhecido especialista em História Antiga e Arqueologia inicia a segunda parte propondo ques tões muito importantes para pensar um dos pontos que mais necessita de renovação em sala de aula O caminho prossegue com o medievalista José Rivair Macedo que em texto agradável e consciente das dificul dades do professor faz indicações fundam entais para estudar os tempos medievais Na História Moderna de minha autoria fiz propostas bibliográ ficas e sugestões de atividades para os temas clássicos como o início dos tempos modernos ou a Reforma O livro didático de História foi muito bem trabalhado no tema América pelos autores Luiz Estevam Fernandes e Marcus Vinícius de Morais Os leitores atentos notarão que houve um esforço de de strinçam ento da concepção de H istória que se traduz nos nossos manuais especialmente nos textos sobre a América A História Contemporânea normalmente a mais sacrificada pelo programa encontrou em Marcos Napolitano um arguto pensador para a história sem fim No texto o professor fará uma bela reflexão sobre como proceder a partir do ambíguo conceito contemporâneo A história da História do Brasil ficou a cargo da conhecida auto ra Circe Bittencourt No texto a professora lança um verdadeiro olhar histórico sobre o que foi e como tem sido ensinar a História do país nas salas de aula Por fim valorizando recortes novos a professora Eliane Moura da Silva faz uma bela reflexão sobre o conceito de Religião em sala de aula Tema polêmico que retorna aos currículos em vários estados em 13 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a função das Constituições Estaduais aprovarem ensino religioso no en sino mais do que nunca urge refletir sobre o assunto e sua importân cia como legado histórico Assim meu colega professor ao final da leitura atenta todos se remos convidados a colocar em análise aqueles esquemas aos quais es tamos acostumados a lançar no quadro a cada novo item Possivelmen te se você dá aula há algum tempo como eu já terá esquematizado na cabeça o que deve ser tratado em feudalismo ou em Estado Novo Por um lado essa esquematização é boa por dar segurança ao profes sor Por outro ela congela o que nunca pode ser congelado o caráter vibrante e variável do saber humano Aos que nunca deram aula o li vro murmura quais os caminhos possíveis para eu constituir uma boa aula Aos que dão aula há mais tempo o livro questiona e pede será possível mudar com efeito aquilo que eu venho fazendo Por fim a to dos nós ele sugere o impacto emocionante de toda boa leitura deci frame e eu te transformo Agradecimento Todo agradecimento comete a injustiça de omitir nomes Qual quer obra é fruto do esforço de muitas pessoas Para agradecer a todas eu gostaria de destacar um nome em particular Carla B Pinsky Des de o início ela trabalhou mais do que o simples tecer editorial já bas tante complexo e tornouse uma verdadeira coautora da obra Mui tas pessoas se esforçaram mas sem a Carla este texto não existiria Muito obrigado Nota 1 Folha de São Paulo São Paulo 14072002 Caderno Cotidiano p 10 PARTE I ABORDAGENS P o r u m a H i s t ó r i a P R A Z E R O S A E C O N S E Q Ü E N T E Jaime Pinsky e Carla Bassanezi Pinsky 0 PROBLEMA As grandes mudanças políticas e econômicas ocorridas no final cio século XX causaram muita perplexidade entre professores e estudan tes de História em geral criando em certos círculos atitudes de ceti cismo com relação ao próprio conhecimento histórico o valor do en sino de História nas escolas e seu potencial transformador Por outro lado diante da difusão das novas tecnologias globais uestionase e até duvidase da eficácia educacional dos livros consi derados com freqüência um meio de comunicação desinteressante e obsoleto 1 da utilidade dos professores como agentes de ensino tidos mino comunicadores inábeis e incompetentes e das propostas curri ulares ligadas às realidades nacional e local vistas como inadequadas ultrapassadas Procurando acompanhar as mudanças os novos tempos muitos 1 i i ilrssores acabam comprando a idéia de que tudo que não é muito veloz i i liato Na sala de aula o pensamento analítico é substituído por achis m i o s alunos trocam a investigação bibliográfica por informações super Ii tais tios sites de pesquisa pasteurizados vídeos são usados para subs 11111 i i e não complementar livros E o passado visto como algo passado Miiimto superado tem tanto interesse quanto o jornal do dia anterior 7 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a Em resposta às decepções com o socialismo seja o real seja o idealizado e ao avanço sem grandes obstáculos da ideologia neoliberal o desencanto com qualquer projeto ideológico que contemple um com prometimento com a diminuição das desigualdades sociais e os valores humanistas parece tomar conta de grande parte dos profissionais ocupa dos com o ensinoaprendizagem particularmente na área de História Nos meios mais inquietos dos anos 60 e 70 acreditavase que convicções políticas bastavam para fornecer todas as respostas e nortear as práticas de ensino Não havia por que perder tempo com investiga ções cansativas e análise de situações concretas pois em qualquer pe ríodo da História em qualquer latitude do planeta era possível iden tificar os bons e os maus quem era nosso e quem era deles Crítica e política stricto sensu valiam mais que o estudo Hoje tais posturas es tão superadas e temos consciência de que pagamos todos muito caro pela nossa leviandade o conteúdo da disciplina foi deixado de lado a erudição foi considerada coisa de esnobes e a leitura da História foi du ramente prejudicada por tal simplismo Hoje se sabe que estudar His tória interpretála ensinála não é tão fácil como parecia um mero instrumento de propaganda ideológica ou revolução Porém no lugar da utopia abandonada parece ter ficado um vazio Tudo bem acusamos a pancada que recebemos com o fim de cer tas utopias e a aparente vitória de um modelo de mundo voltado para o consumismo desenfreado a existência de uma única potência hegemô nica o comprometimento de modelos teóricos tidos como catecismo pa ra muitos Mas após o atordoamento inicial não podemos correr o pe rigo de junto com a água do banho jogar fora também o bebê abandonando juntamente com as utopias ultrapassadas o idealismo de educador e a utopia da mudança descartando toda leitura junto com os materiais didáticos ine ficazes e apostando todas as fichas na redenção dos computadores e audiovisuais de qualidade discutível atirando na mesma lata de lixo do conteúdo ensinado o dog matismo simplista do marxismo ortodoxo e a noção de processo histó rico ou a concepção de seres humanos como sujeitos da História 18 3a i m e P i n s k y e C a r l a B a s s a n e z i P i n s k y O grande desafio que se apresenta neste novo milênio é ade quar nosso olhar às exigências do mundo real sem sermos sugados pela onda neoliberal que parece estar empolgando corações e m en tes E preciso nesse momento mostrar que é possível desenvolver uma prática de ensino de História adequada aos novos tempos e alunos rica de conteúdo socialmente responsável e sem ingenuida de ou nostalgia Historiadorprofessor sem utopia é cronista e sem conteúdo nem cronista pode ser A PROPOSTA A favor do conhecimento humanista Ao mesmo tempo em que condenam no discurso o pragmatis mo e o materialismo dos novos tempos as escolas parecem ter esque cido sua parcela de responsabilidade na formação hum anista dos alu nos Como estabelecer contrapesos ao materialismo irresponsável da sociedade tendo como m eta apenas a preparação de máquinas de res ponder perguntas no vestibular Ao substituir aulas de História dras ticamente reduzidas em muitas escolas por disciplinas mais práticas e mais úteis como com putação ou gram ática norm ativa por exem plo abrese mão de um instrumento precioso para a formação inte gral do aluno Queiram ou não é impossível negar a importância sempre atual do ensino de História Nas palavras do historiador Eric Hobs bawm Ser membro da comunidade humana é situarse com relação a seu passado passado este que é uma dimensão permanente da consciência hum ana um componente inevitável das instituições valores e padrões da sociedade1 A História é referência E preciso portanto que seja bem ensinada Num momento em que relevantes mudanças vêm ocorrendo na área de História o historiador está sendo cada vez mais valorizado 19 I l r l Ò H I A N A S A L A D E A U L A as pesquisas dão conta de objetos cada vez mais amplos a informática e a internet facilitam imensamente a parte mecânica do trabalho de in vestigação profissionais são chamados para explicar o mundo na mí dia historiadores são convidados a trabalhar com planejamento urba no com projetos turísticos como consultores editoriais e empresariais certos livros de História tornamse bestsellers e novelas e filmes de época alcançam grande sucesso de público muitas escolas parecem caminhar na contramão da História em todos os sentidos A contramão é perceptível principalmente no ensino médio de certas escolas nas quais se percebe um perigoso movimento que no li mite tende a substituir o ensino de História por uma outra disciplina algo que com boa vontade poderíamos chamar de realidade mundial muitos professores abandonam tudo o que aconteceu antes do século XIX alegando não ser possível dar tudo daí terem que se concentrar no passado mais próximo em detrimento do remoto Claro que uma parte da responsabilidade disso cabe aos diretores aos pais e à sociedade de consumo que exercem pressões sobre o que deve ser dado ou não em sala de aula Não pouparíamos contudo muitos colegas que equi vocadamente em nome de um ensino crítico acabam alienando seus próprios alunos ao não lhes dar oportunidade de adquirir uma visão mais abrangente de História Assim nada de processo civilizatório na da de monoteísmo ético dos hebreus base do cristianismo nada de fi lósofos gregos base do pensamento ocidental nada de direito roma no base do nosso nada de Europa Medieval de Renascimento de Mercantilismo e descobrimentos nada de Bach e Mozart de Dante e Camões Parece que nos conformamos mesmo em abrir mão do co nhecimento e da formação em troca de míseras informações E mais grave desistimos de ao menos nos aproximar do pa trimônio cultural da humanidade E qual é o papel do professor senão estabelecer uma articulação entre o patrimônio cultural da humanida de e o universo cultural do aluno Ora a presença do homem civilizado neste planeta tem poucos milhares de anos e tem causado terríveis males destruímos sem dó a natureza submetemos os mais fracos matamos por atacado e a varejo deixamos um terço da população mundial com fome queimamos ín 20 3a i m e P i n s k y e C a r l a B a s s a n e z i P i n s k y dios e por aí afora Mas nossa presença não foi escrita apenas com san gue Escrevemos poesia sublime teatro envolvente e romances maravi lhosos Criamos deuses e categorias de pensamento complexos para compreender o que nos cerca O professor de História não pode ficar preso apenas a modos de produção e de opressão embora isso seja fun damental mas pode e deve mostrar que graças à cultura que nós membros da espécie humana produzimos temos tido talento para nos vestir mais adequadamente que os ursos construir casas melhores que o joãodebarro combater com mais eficiência que o tigre embora ca da um de nós seres humanos tenha vindo ao mundo desprovido de pêlos espessos bicos diligentes ou garras poderosas Cada estudante precisa se perceber de fato como sujeito histórico e isso só se conse gue quando ele se dá conta dos esforços que nossos antepassados fize ram para chegarmos ao estágio civilizatório no qual nos encontramos Para o mal mas também para o bem afinal de contas Humanizar o homem é percebêlo em sua organização social de produção mas tam bém no conteúdo específico dessa produção E para o momento espe cífico em que vivemos no começo do século XXI isso é particularmen te importante Para entender ainda melhor a importância das humanidades nos dias de hoje é preciso ter bem claro que devemos estar preparados para ocupar um espaço na sociedade globalizada sob o risco de sermos sufocados por ela A percepção do conjunto de movimentos que estão sendo executados no mundo exige por parte dos nossos jovens uma cultura que vá alem da técnica Portanto História neles No Brasil diante do panorama atual só uma educação de qua lidade que tenha o ser humano e suas realizações como eixo central pode nos fazer como nação dar o salto qualitativo a que tanto aspira mos por meio da qualificação de nossos jovens Um país cuja popula ção não sabe ler que quando sabe lê pouco e quando finalmente lê pouco entende segundo a constatação insuspeita de um órgão da pró pria ONU não tem muitas chances num mundo competitivo e exigen te de qualificação de sua força de trabalho Há mais a era de comuni cação e serviços cm que estamos prestes a viver tende a substituir a 21 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a força física pela sutileza e pela educação formal Os países que não agirem a favor da História ficarão fadados a distanciar cada vez mais daqueles outros ricos ou não que colocam a educação e a cultura incluindo a histórica como prioridade real O papel do professor de História E necessário portanto que o ensino de História seja revaloriza do e que os professores dessa disciplina conscientizemse de sua res ponsabilidade social perante os alunos preocupandose em ajudálos a compreender e esperamos a melhorar o mundo em que vivem Para isso é bom não confundir informação com educação Pa ra informar aí estão bem à mão jornais e revistas a televisão o cine ma e a internet Sem dúvida que a informação chega pela mídia mas só se transforma em conhecimento quando devidamente organizada E confundir informação com conhecimento tem sido um dos grandes problemas de nossa educação Exatamente porque a informação che ga aos borbotões por todos os sentidos é que se torna mais importan te o papel do bom professor Um professor mal preparado e desmotivado não consegue dar boas aulas nem com o melhor dos livros ao passo que um bom profes sor pode ate aproveitarse de um livro com falhas para corrigilas e de senvolver o velho e bom espírito crítico entre os seus alunos Mais do que o livro o professor precisa ter conteúdo Cultura Até um pouco de erudição não faz mal algum Sem estudar e saber a matéria não pode haver ensino É inadmissível um professor que qua se não lê Se o tempo é curto se as condições de trabalho são precárias se o salário é baixo se o Estado não cumpre a sua parte discutase tu do isso nas esferas competentes e lutese para melhorar a situação dos docentes em vez de usar isso tudo como desculpa para a falta de em penho pessoal em adquirir conhecimento entrar em contato com uma bibliografia atualizada conhecer novas linhas de pensamento e discu tir com os colegas estratégias para melhor operacionalizar nas salas de aula o patrimônio cultural e histórico 22 í a i m e P i n s k y e C a r l a B a s s a n e z i P i n s k y Afinal se o professor é o elemento que estabelece a intermedia ção entre o patrimônio cultural da humanidade e a cultura do educan do é necessário que ele conheça da melhor forma possível tanto um quanto outro O professor precisa conhecer as bases de nossa cultura as formas de organização das sociedades humanas a evolução das civi lizações as cidadesestado da Antigüidade a Revolução Francesa a es cravidão no Brasil o desenvolvimento do capitalismo os movimentos sociais as condições de vida das populações no passado sua cultura material e suas idéias a música de Beethoven o cinema de Charlie Chaplin a literatura de Machado de Assis e por aí afora Noutras pa lavras cada professor precisa necessariamente ter um conhecimento sólido do patrimônio cultural da humanidade Por outro lado isso não terá nenhum valor operacional se ele não conhecer o universo socio cultural específico do seu educando sua maneira de falar seus valores suas aspirações A partir desses dois universos culturais é que o profes sor realiza o seu trabalho em linguagem acessível aos alunos Digase de passagem que linguagem acessível não é sinônimo de banalização Valendose dessas considerações é preciso que o professor tenha claro o quê e como ensinar Pela volta do conteúdo nas aulas de História Opassado deve ser interrogado a partir de questões que nos in quietam no presente caso contrário estudálo fica sem sentido Por tanto as aulas de História serão muito melhores se conseguirem esta belecer um duplo compromisso com o passado e o presente Compromisso com o presente não significa contudo presentis mo vulgar ou seja tentar encontrar no passado justificativas para ati tudes valores e ideologias praticados no presente Hitler queria provar pelo passado a existência de uma pretensa raça ariana superior às de mais Significa tomar como referência questões sociais e culturais as sim como problemáticas humanas que fazem parte de nossa vida te mas como desigualdades sociais raciais sexuais diferenças culturais 23 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a problemas materiais e inquietações relacionadas a como interpretar o mundo lidar com a morte organizar a sociedade estabelecer limites sociais mudar esses limites contestar a ordem consolidar instituições preservar tradições realizar rupturas Compromisso com o passado não significa estudar o passado pelo passado apaixonarse pelo objeto de pesquisa por ser a nossa pes quisa sem pensar no que a humanidade pode ser beneficiada com is so Compromisso com o passado é pesquisar com seriedade basearse nos fatos históricos não distorcer o acontecido como se esse fosse uma massa amorfa à disposição da fantasia de seu manipulador Sem o res peito ao acontecido a História vira ficção Interpretar não pode ser con fundido com inventar E isso vale tanto para fatos como para processos Aqui mesmo no Brasil não inventaram um anacrônico modo de produção feudal pois segundo o modelo deveria haver algo entre o escravismo e o capitalismo Afirmações baseadas apenas em filiações ideológicas são no mí nimo desprezíveis podendo tornarse perigosas quando além de não verdadeiras acabam se tornando veículos do preconceito e da segrega ção É o caso de por exemplo verdades como os índios não são bons trabalhadores as mulheres são inferiores os jovens são sem pre revolucionários o Holocausto não ocorreu ou o Brasil é um país pacífico e assim por diante Além dessas questões estruturais há alguns vícios muito disse minados que contribuem para a queda da qualidade do ensino em ge ral mas que afetam de forma particular as aulas de História Um deles é o hábito freqüente em nossas universidades mas já popular em muitas escolas de ensino médio da crítica sem base Antes de entender um texto uma questão uma conjuntura profes sores e alunos já lançam a crítica Ela já está na ponta da língua ou seja precede a compreensão da complexidade do fenômeno históri co Tal autor Está superado dizem alunos e professores que nun ca se deram ao luxo de lêlos mas se permitem julgamentos definiti vos com base em algo ouvido em um corredor ou lido às pressas em 24 J a i m e P i n s k y e C a r l a B a s s a n e z i P i n s k y uma página de uma revista semanal de informações Defendemos pois a volta do conteúdo às salas de aula da seriedade E do ób vio a tentativa de interpretação deve necessariamente ser precedida pelo entendimento do texto Outra tendência é a supervalorização do desconstrutivismo Não que a desconstrução não tenha sido um avanço importante O en tendimento das motivações dos discursos e de seu papel instaurador a compreensão dos jogos de poder envolvidos na elaboração das versões em torno dos fatos históricos a análise dos discursos o desmonte dos argumentos podem ser perfeitamente utilizados como instrumento de análise histórica e ocupam hoje boa parte das pesquisas acadêmicas Porém como proposta de ensino o desconstrutivismo deve ser utiliza do com cautela mesmo que o professor tenha um grande domínio das versões e dos discursos em jogo e esteja familiarizado com as operações desconstrutivistas Só a desconstrução não basta além do vazio provo cado deixa um gostinho de insatisfação e niilismo no ar no limite supervaloriza o relativismo e tira o poder de ação das mãos dos sujei tos históricos é preciso que os alunos tenham acesso a algum conteú do histórico e que entendam sua contextualização Além de tudo um aviso aos desconstrutivistas pelo amor ao novo essa história de relati vismo está ficando fora de moda Um modo mais construtivo sem trocadilhos seria adotar co mo postura de ensino que se quer crítico a estratégia de abordar a His t tória a partir de questões temas e conceitos Quais seriam as questões relevantes que podem ser feitas ao presente e por extensão ao passa do Qual a relevância dos recortes temáticos tradicionais e novos feitos pela historiografia Quais os conceitos importantes a serem discutidos com os alunos Tendo respostas mais ou menos claras sobre esses as suntos o professor poderá despertar o interesse dos alunos demonstrando a atualidade de coisas tão cronologicamente remotas quanto a situação das mulheres na Idade M édia a insatisfação dos plebeus na Rom a Antiga ou as is pirações ambíguas dos burgueses no século XVIII capacitar os estudantes no sentido de perceberem a liisioiii 1 dade de conceitos como democracia cidadania beleza como jmii 25 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a que mudaram muito ao longo do tempo práticas como a manifesta ção de religiosidade afetividade e sexualidade idéias como a inferiori dade racial cultural e moral fazer com que os alunos não só reconheçam preconceitos mas compreendam seu desenvolvimento e mecanismos de atuação para poder criticálos com bases e argumentos mais sólidos2 demonstrar com clareza certos usos e abusos da História per petrados por grupos políticos nações e facções adversários de um es tado nacional são freqüentemente apresentados nos manuais escolares como inimigos da pátria revolucionários como traidores minorias co mo gente não patriota e assim por diante possibilitar a crítica a dogmatismos e verdades absolutas com base no reconhecimento da historicidade de situações e formas de pensamento talvez não seja o caso de entender as razões dos leões que devoravam cristãos nas arenas romanas mas pelo menos dos here ges que foram massacrados impiedosamente pela Igreja Católica E quais seriam as abordagens mais adequadas à prática de ensi no de História em sala de aula Uma questão de abordagem Tendo como paradigma o ensino de História simplificador e esquemático de algumas décadas atrás criouse um certo malestar com relação à História Social apoiada na concepção materialista da História Colocase no mesmo saco os vulgarizadores que buscavam o econômico em tudo e os historiadores do porte de um Eric Hobs bawm Ora é muito difícil fazer boa História sem ter noção de pro cesso a idéia do devir histórico a percepção dos modos de vida e da cultura material o conhecimento das relações sociais e a apreensão da complexa e imbricada dialética que se estabelece entre determinações históricas e ação humana Por outro lado não há porque não dar con ta dos novos objetos e abordagens que o método histórico incorporou nos últimos anos em que tendo como destaque o quadro cultural es 26 3a i m e P i n s k y e C a r l a B a s s a n e z i P i n s k y tudamse aspectos mais íntimos como a vida privada e as dimensões da experiência hum ana ligadas à sexualidade aos costumes aos afetos e às crenças Assim não vemos uma incompatibilidade entre a História So cial e a História das Mentalidades e do Cotidiano Na verdade as duas abordagens não apenas não se opõem necessariamente como se complementam A abordagem da corrente da História Social busca a percepção das relações sociais do papel histórico dos indivíduos e dos limites e possibilidades de cada contexto e processo histórico A das M entalidades privilegia cortes temáticos Freqüentemente a primeira busca a floresta a segunda a árvore uma o telescópio outra o microscópio Bem utilizados ambos os procedimentos são recomendáveis Se trabalhados de forma integrada chegase ao melhor dos mundos olhase a partir de diferentes pontos de vista Além disso por meio desses olhares poderá o professor reaproximar o aluno do estudo da História E quem sabe explorar muitas das possibilidades que o contato com nossa disciplina permite inclusive a de nos percebermos de fato como sujeitos da História por mais batida que a fórmula se apresente O potencial transformador do ensino de História Este é um assunto que provoca protestos indignados ou aplau sos emocionais mas quase sempre uma enorme dificuldade para o pro fessor situarse racionalmente Para uns a frase de Marx anunciando que não era mais hora de apenas entender o mundo mas de mudálo tem justificado arroubos de magógicos em sala de aula discursos políticos permeados de declarações devoto e até propaganda explícita para um ou outro candidato em perío dos préeleitorais Sob o pretexto de saber qual a mudança que o mundo deve merecer e fingindo acreditar que o potencial transformador do ensi no de História consiste em colocar no governo representantes dos parti dos que o mestre acredita que possam promover a transformação social tão sonhada o professor perde sua dignidade ao apresentarse como umi 27 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a espécie de cabo eleitoral privilegiado Privilegiado sim pois se aproveita da ascendência que tem sobre a turma de alunos e em vez de lhes dar ins trumentos para decidir sozinhos os pressiona para que aceitem sua ver dade constrangendo por outro lado aqueles que por uma razão ou ou tra não se curvam aos seus argumentos Não se trata de se despolitizar o discurso do professor uma vez que não há discurso apolítico mas de do tálo de equilíbrio e ponderação O conhecimento histórico por si pró prio carrega profundo potencial transformador dispensando interpreta ções apressadas feitas sob o impacto de circunstâncias acaloradas Nosso aluno cada aluno tem de se perceber como um ser social alguém que vive numa determinada época num determinado país ou re gião oriundo de determinada classe social contemporâneo de determina dos acontecimentos Ele precisa saber que não poderá nunca se tornar um guerreiro medieval ou um faraó egípcio Ele é um homem de seu tempo e isso é uma determinação histórica Porém dentro do seu tempo dentro das limitações que lhe são determinadas ele possui a liberdade de optar Sua vida é feita de escolhas que ele com grau maior ou menor de liberda de pode fazer como sujeito de sua própria história e por conseguinte da História Social do seu tempo Cabe ao professor utilizandose dos méto dos históricos descritos acima aproximar o aluno dos personagens concre tos da História sem idealização mostrando que gente como a gente vem fazendo História Quanto mais o aluno sentir a História como algo próxi mo dclc mais terá vontade de interagir com ela não como uma coisa ex terna distante mas como uma prática que ele se sentirá qualificado e in clinado a exercer O verdadeiro potencial transformador da História é a oportunidade que ela oferece de praticar a inclusão histórica O que ensinar do abstrato para exemplos concretos Vemos com freqüência professores preocupados em dar toda a matéria e frustrados com o fracasso diante dessa tarefa impossível Há es tudantes que saem do ensino médio sem nunca ter estudado em História nada que ocorreu depois de 1945 Outros ficam frustrados porque nada 28 J a i m e P i n s k y e C a r l a B a s s a n e z i P i n s k y sabem sobre as antigas civilizações apesar de conhecerem de cor o nome dos donatários das capitanias hereditárias do Brasil Colônia Como ele mentos complicadores temos os exames vestibulares ao final do ensino médio e exames nacionais ou estaduais a cada final de ano Professores que adotam livros didáticos sentemse obrigados a seguir de cabo a rabo seu conteúdo pressionados por diretores coordenadores e pais Com o número baixo de aulas de História oferecidas quaisquer assuntos e dis cussões que embora importantes atrasariam a matéria são deixados de lado O resultado de tudo isso é a transformação do conhecimento histó rico numa maçaroca de informações desconectadas ou articuladas à for ça mas sempre desinteressantes e freqüentemente inúteis A medida dis so é dada pela dificuldade que muitos professores têm em responder à mais banal e óbvia pergunta dos alunos Professor para que serve isso Como ninguém é uma enciclopédia a primeira coisa a fazer ao montarmos um curso é selecionar conteúdos O professor não deve ter dó de abandonar assuntos quando não conseguir uma resposta satisfatória à questão do porquê às vezes mos trase muito mais interessante pular algumas páginas do livro didáti co ou da História seja lá o que isso quer dizer e dedicar o tempo infelizmente cada vez mais curto das aulas a temas como a situação do índio no Brasil colonial ao invés de capitanias hereditárias e go vernadores gerais os movimentos sociais que ajudaram a derrubar a ditadura militar no Brasil ao invés de lista de presidentes da Repúbli ca e suas realizações os efeitos deletérios do nazismo ao invés de um histórico detalhado das batalhas da Segunda Guerra Mundial Outras vezes vale a pena dedicar um tempo maior à leitura cui dadosa de um determinado documento histórico tanto pelo seu signi ficado intrínseco como pela validade do próprio exercício de ler uma fonte primária o traquejo adquirido com tal exercício pode ser aplica do pelo aluno na leitura de vários outros textos e documentos que che carem às suas mãos E o que é válido A matéria escolar pode estar relacionada a vários recortes da I listória Entre outros citamos 29 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a 1 um acontecimento ou evento histórico a Revolução Fran cesa a Segunda Guerra Mundial a Proclamação da República 2 uma instituição social a escravidão no Brasil o imperialis mo o mundo globalizado 3 um processo de longa duração o desenvolvimento das pri meiras civilizações 4 uma interação de culturas o encontro entre europeus e in dígenas no tempo do descobrimento da América 5 um tema monográfico a mulher na Idade Média Todos esses recortes são válidos desde que façam sentido no programa específico de cada escola Seria até aconselhável que diferen tes recortes fossem utilizados o que permitiria ao aluno afastarse da visão monocromática dos materiais didáticos e incolor das pseudopes quisas eletrônicas Quanto aos assuntos é preciso que se encontre uma boa justificativa para incluílos no programa de curso Damos a seguir alguns exemplos e sugestões bem variados e potencialmente úteis além de muito atraentes 1 Revolução Russa Revolução Chinesa e Revolução Cubana As três revoluções são movimentos ocorridos no século XX com al gumas características comuns mudança de estrutura econômica e política em ritmo acelerado filiação marxistaleninista eliminação da propriedade particular de bens de produção etc apesar de suas particularidades e po dem ser estudadas juntas sob o título Revoluções do século XX Por que é um conteúdo importante a ser tratado em sala de au la Porque diz respeito a acontecimentos que marcaram o século XX com conseqüências e desdobramentos até os dias de hoje Também porque é um bom gancho para se apresentar e discutir a idéia da continuidade e da ruptura histórica a História é um processo mas que sofre rupturas Há fatos históricos que mudaram a ordem mundial os desenvolvimentos políticos sociais e culturais de países in 30 J a i m e P i n s k y e C a r l a B a s s a n e z i P i n s k y seridos no contexto mundial sem deixar de lado a discussão sempre relevante sobre o lugar dos sonhos de igualdade e justiça social nos co rações e mentes do tempo presente exemplos de revolta contra a ordem estabelecida e de tentati va de reconstrução social assim como dos problemas que impediram que os objetivos fossem alcançados 2 Escravidão no Brasil Esse assunto se justifica no currículo dos alunos ao contribuir para a compreensão das bases da sociedade brasileira a situação dos ne gros a origem de preconceitos raciais contra o trabalho braçal etc as relações sociais com base no entendimento de um fenômeno que marcou a sociedade brasileira com conseqüências até hoje Questões a serem tratadas o sistema escravista no contexto do capitalismo mercantil o tráfico negreiro a escravidão em terras brasileiras vida de escravo o cotidiano dos escravos no trabalho e na sen zala a sexualidade as revoltas e a resistência contra a escravidão exem plos de formas concretas de submissão e resistência O tema deve ser abordado de forma a aguçar o espírito crítico dos estudantes levandoos no final a entender e combater preconceitos dentro e fora da sala de aula O professor pode completar o trabalho de leitura sugerindo pesquisas atuais sobre o preconceito racial ou a si tuação dos negros no Brasil por exemplo 3 Primeiras civilizações homens préhistóricos mesopotâmicos egípcios e hebreus É muito importante estudar o assunto de forma a procurar compreender como se começou a construir o patrimônio cultural da humanidade do qual somos todos herdeiros permitindo que os alunos se percebam como seres históricos para cuja formação valores como monoteísmo ético dos hebreus organização das cidades mesopotâ inicas e relação entre religião e estado egípcios estão presentes Esse recorte da História permite também que se estude em sala de aula a diferença entre História Natural e História Social o animal 31 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a homem em sua relação com a natureza dos primitivos homo sapiens aos mesopotâmicos egípcios e hebreus Além disso partindo da Pré História focaliza o momento em que o homem em sua estreita re lação com a natureza se humaniza realiza importantes conquistas materiais passa a criar cultura e tornase civilizado O próprio estu do dos pitecantropídeos e homo sapiens das sociedades tribais aos po vos egípcios mesopotâmicos e hebreus pode ser uma forma de ques tionar os termos humano e civilizado Tendo em mente a necessidade de levar os alunos a compreender a questão da relação do homem com o meio ambiente e suas condições materiais de existência o professor pode abordar o tema das primeiras ci vilizações de modo a mostrar as diferentes maneiras em lidar com tais condições dos povos caçadores e coletores aos grandes construtores de diques e dominadores da força das águas como os mesopotâmicos Além disso pode ampliar o tema demonstrando os efeitos de condicionamen tos naturais em estruturas sociais modos de vida e organizações religiosas e políticas De maneira instigante é possível discutir os presentes da na tureza e as formas de sua apropriação pelo homem ao longo de sua aven tura na terra em milhares de anos desde sua constituição como tal Ensinar sobre as primeiras civilizações de maneira prazerosa e conseqüente também consiste em procurar abordar as transformações na qualidade de vida dos seres humanos ao longo do processo civiliza tório que conduziu nossos ancestrais à conquista da fala dos territó rios do fogo da agricultura da escrita ao controle e aproveitamento dós recursos naturais à criação das cidades e dos impérios ao desen volvimento de civilizações Por meio desse estudo os alunos poderão encontrar respostas a algumas das perplexidades que têm diante de si mesmos da História e da humanidade e adotar posturas mais colaborativas no processo de ensinoaprendizagem em seu conjunto 4 O Brasil nos primeiros tempos da colonização séculos XVI e XVII Uma das formas mais interessantes de abordar o tema é tomar por base a problemática da pluralidade cultural e do encontro de cul turas Assim é preciso destacar o patrimônio cultural dos primeiros 32 J a i m e P i n s k y e C a r l a B a s s a n e z i P i n s k y habitantes do Brasil que depois foi transformado nos primeiros tem pos da colonização portuguesa na América É importante também res saltar os usos e abusos do patrimônio natural e humano do Brasil na época colonial Assuntos interessantes relacionados o estilo de vida dos europeus e suas esperanças com relação ao Novo Mundo as compatibilidades e contradições entre interesses e visões de mundo de colonos mercadores e jesuítas a mentalidade dos portugueses jesuítas e colonos e sua rela ção com o meio ambiente as riquezas e os habitantes da América in cluindo os europeus que foram seduzidos pela qualidade da vida sel vagem dos índios e abandonaram antigos costumes as condições e a qualidade de vida dos índios vida material e pensamento Semelhanças e diferenças culturais entre povos indíge nas Suas relações com os bens materiais a propriedade privada e o tra balho Costumes incluindo banhos e festas Família sexualidade mulher criança Organização social fé leis e autoridade O papel das guerras nas sociedades indígenas armas táticas canibalismo o choque de culturas Transformações na qualidade de vida dos índios no encontro com colonos e jesuítas aprendizados cateque se resistência exploração sexual escravidão Práticas e costumes ree laborados no Novo Mundo Porser um tema com vasta documentação primária editada e pu blicada no Brasil pode ser também um ponto de partida para apresentar aos estudantes questões básicas relacionadas ao tratamento das fontes de pesquisa histórica ensinandoos na prática a fazer crítica de documentos e análise de discurso por exemplo cartas jesuíticas ou documentos deixa dos por viajantes e cronistas podem ser analisados em sala de aula levan dose em conta a posição social os interesses e as visões de mundo fa lalmente enviesadas e por vezes preconceituosas de seus autores Esse também é um tema que permite dar à questão do meio mibiente o destaque que merece Basta adotar uma postura diferen da de abordagens tradicionais que tratam dos primeiros tempos da conquista e colonização portuguesa como se a natureza fosse algo Ü F R R JB ib lio teca C e n jra í 33 RG 9 p X o W m AC i j f t Ê L H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a inexistente ou secundária É possível dedicar o tempo de algumas aulas às condições naturais às diferentes formas de europeus e ín dios conceberem e lidarem com o meio ambiente às dificuldades e às possibilidades oferecidas pelas riquezas naturais clima terra flo ra e fauna na época do descobrimento às opções de cada povo e ao encontro de culturas observações sobre heranças de antigos hábitos indígenas e europeus no trato com o meio ambiente que nos afe tam até hoje 5 Mulheres no Brasil colonial Um estudo monográfico das mulheres no Brasil colonial abor da a qualidade de vida de tais mulheres praticamente em toda sua ex tensão abrangendo manifestações femininas relativas à religiosidade maternidade sexualidade luta pela sobrevivência solidariedade saúde e trabalho Abrange grupos sociais distintos mas com várias experiên cias em comum como índias escravas pobres bruxas prostitutas religiosas senhoras brancas jovens e velhas apresentando aos estu dantes um quadro rico variado e complexo da condição feminina nos tempos coloniais abrindolhes também possibilidades para novas ma neiras de olhar a vida e a história das mulheres em geral O estudo do tema Mulheres no Brasil colonial ao tratar das vivências de nossas antepassadas de diferentes grupos sociais e trajetó rias seu cotidiano e as representações que delas se fizeram também é um exemplo de recorte monográfico interessante para a compreensão de aspectos importantes da disciplina histórica A estratégia consiste em caminhar do micro para o macro Ou seja a partir de um tema es pecífico como esse adotando é claro uma linguagem compatível com o nível dos estudantes o professor em sala de aula pode introduzir seus alunos na discussão de questões mais amplas pensadas pelos his toriadores tais como o imaginário social as representações as mentalidades moldan do atitudes e comportamentos e sendo por sua vez moldados por eles as diferenças socialmente construídas entre sexos as interações entre as categorias de classe e gênero 34 J a i m e P i n s k y e C a r l a B a s s a n e z i P i n s k y CONCLUSÃO Como se vê diferentes recortes da História permitem que o aluno abra enormes horizontes que podem acolher inicialmente sua curiosidade depois sua análise e finalmente sua identificação com essa gente como a gente que construiu o processo histórico do qual ele mesmo faz parte Acreditamos a tal ponto na capacidade de a História bem ensi nada desempenhar esse papel que questionamos certas facilitações que no limite levam à descontextualização dos acontecimentos como a tentativa de fazer uma História mal comparada ou de forçar uma transversalidade um pouco oblíqua A condição da mulher na Idade Média comparada com a das ocidentais ou das islâmicas dos dias de hoje perde o sentido se vista fora de seu tempo Da mesma forma identificar certos tipos de exploração de trabalho no capitalismo ao es cravismo qual O colonial O antigo O dos povos do deserto impe de que se tenha uma dimensão exata do caráter de cada tipo de relação de produção historicamente determinada O problema em termos do processo de ensinoaprendizagem é que o abandono da diacronia da idéia de processo pode transformar 0 conhecimento histórico numa sabedoria de almanaque mal digerida em que acontecimentos instituições e movimentos ocorrem do nada para o nada Será que é isso o que mais nos interessa com relação à dis ciplina História Misturar Galileu e Einstein ou Espártaco e Zumbi unidos por afgum tema transversal como se fossem contemporâ neos prontos a dialogar pode desistoricizar suas práticas e formas de pensamento se não estivermos muito atentos E finalmente mas não menos importante é preciso que se vol ic aos livros A moda atual de substituílos por pesquisas virtuais para lernálias tecnológicas e debates sem conteúdo está levando a um pro gressivo empobrecimento cultural de alunos e professores O pensamento crítico não se sustenta sem leitura vício silencioso lento e profundo Só depois de ter a mente e o espírito alimentados pela leitu 1 i c que ilustrações computadorizadas ou filmadas podem fazer algum ni ido Da mesma forma só se debatem idéias se antes as temos Do 35 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a contrario nossas classes se transformam em espaços de debates óbvios e inconseqüentes iguais àqueles de que a televisão está cheia Acreditar na História é apenas uma postura de fé Insuficiente portanto para um professor de quem se espera um envolvimento tal que o permita superar suas condições de trabalho eventualmente difí ceis assim como a desvalorização social de sua profissão Este artigo tem por objetivo abrir um debate franco e construtivo a fim de valori zar o ensino da História colaborar com o professor e propiciar ao alu no uma aprendizagem mais prazerosa e conseqüente Notas 1 Eric Hobsbawm O sentido do passado Sobre História São Paulo Cia das Letras 1998 2 Leia a respeito em Pinsky Jaime org 12 faces do preconceito São Paulo Contexto 1999 Sugestões de leitura para o trabalho em sala de aula D e l PRIORE Mary Mulheres no Brasil Colonial São Paulo Contexto 2000 D el P r io r e Mary org e PiNSKY Carla Bassanezi coord de texto História das mulheres no Brasil São Paulo Contexto 2002 Fa r ia Ricardo Moura As revoluções do século XX São Paulo Contexto 2002 F u n a r i Pedro Paulo e N o e l i Francisco Silva Préhistória no Brasil São Pau lo Contexto 2002 M e sg r a v is Laima e PlNSKY Carla Bassanezi O Brasil que os europeus encon traram 2a edição São Paulo Contexto 2002 PlNSKY Jaime Escravidão no Brasil São Paulo Contexto 2000 edição revista e atualizada As primeiras civilizações São Paulo Contexto 2001 nova edição PlNSKY Jaime org Ensino de História e criação do fato São Paulo Contexto 1986 36 E n s i n o d e H i s t ó r i a C O N T E Ú D O S E C O N C E I T O S B Á S I C O S H olien Gonçalves Bezerra A lei 939496 que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional em seu artigo 22 aponta o caminho a perseguir na educa ção básica desenvolver o educando assegurarlhe a formação co mum indispensável para o exercício da cidadania e fornecerlhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores Assim as dire trizes os princípios pedagógicos os valores a serem transmitidos as competências e capacidades visualizadas a seleção dos conteúdos das diversas áreas de conhecimento os conceitos fundamentais as estraté gias de trabalho e as propostas de intervenção do professor estão todas pautadas por esse princípio maior que vincula a educação à prática so cial do aluno ao mundo do trabalho à formação para a cidadania A tônica incide sobre o desenvolvimento da capacidade de aprender e de adquirir conhecimentos e habilidades e sobre a formação de valores Portanto os objetivos da escola básica segundo essa lei não se restrin gem à assimilação maior ou menor de conteúdos prefixados mas se comprometem a articular conhecimento competências e valores com a finalidade de capacitar os alunos a utilizaremse das informações pa ra a transformação de sua própria personalidade assim como para ituar de maneira efetiva na transformação da sociedade Tendo como referência essas observações mais gerais nos per guntamos como vincular a elas os conteúdos e os conceitos básicos pa 37 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a ra o ensino de História O que propor em nossa área para favorecer aprendizagens essenciais que auxiliem os alunos em sua formação de cidadãos autônomos críticos participativos que possam atuar na so ciedade com competência dignidade e responsabilidade SELEÇÃO E ORGANIZAÇÃO DOS CONTEÚDOS É dever da escola e direito dos alunos do ensino fundamental e médio oferecer e trabalhar os conjuntos de conhecimentos que foram socialmente elaborados e que os estudiosos consideram necessários pa ra o exercício da cidadania No entanto as dificuldades acentuamse quando se trata de explicitar o que está sendo entendido como neces sário como aquilo que é comum a todos os alunos brasileiros Já é con senso que a escola não tem por finalidade apenas transmitir conheci mentos Passa a ser consenso também entre os profissionais da História ainda que com menor intensidade que os conteúdos a serem trabalhados em qualquer dos níveis de ensinopesquisa básico médio superior pósgraduado não é todo o conhecimento socialmente acu mulado e criticamente transmitido a respeito da trajetória da humani dade Forçosamente devem ser feitas escolhas e seleções Por outro la do em vista da diversidade dos enfoques teóricometodológicos que foram sendo construídos especialmente nas últimas décadas não é possível pensar em uma metodologia única para a pesquisa e para a ex posição dos resultados nem mesmo para a prática pedagógica do ensi no de História Seleção de conteúdos A necessária seleção de conteúdos faz parte de um conjunto for mado pela preocupação com o saber escolar com as capacidades e com as habilidades e não pode ser trabalhada independentemente Os con teúdos curriculares não são fim em si mesmos como vem sendo cons tantemente lembrado mas meios básicos para constituir competên 38 H o l i e n G o n ç a l v e s B e z e r r a i ias cognitivas ou sociais priorizandoas sobre as informações Dire trizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio artigo quinto I São considerados meios para a aquisição de capacidades que auxiliem os alunos a produzir bens culturais sociais e econômicos e deles usufruir Nesse sentido os conteúdos ocupam papel central no processo de en sinoaprendizagem e sua seleção e escolha devem estar em consonân cia com as problemáticas sociais marcantes em cada momento históri co Além disso eles são concebidos não apenas como a organização dos fenômenos sociais historicamente situados na exposição de fatos e conceitos mas abrangem também os procedimentos os valores as normas e as atitudes Esse conjunto de especificidades explica a grande variedade de propostas curriculares desde as mais clássicas até as mais recentes ten tativas de inovações que despontam como promissoras possibilidades cie caminhar para melhorias cada vez mais substantivas Diversidade na apresentação dos conteúdos O exemplo clássico de organização dos conteúdos é o que se constituj a partir das temporalidades Preponderante ainda na maioria das escolas brasileiras o tempo considerado em sua dimensão crono lógica conjtinua sendo a medida utilizada para explicar a trajetória da Immanidade A periodização que se impôs desde o século XIX His lória Antiga Medieval Moderna e Contemporânea está presente cm grande parte dos livros didáticos retrocedese às origens estabele cendose trajetórias homogêneas do passado ao presente e a organiza çiío dos acontecimentos é feita com base na perspectiva da evolução O iue caracteriza a organização dos conteúdos nessa perspectiva é a li nearidade e a seqüencialidade Mais recentemente encontrase uma tentativa de superação da seqüencialidade e linearidade em obras que tomam como fio condutor da exposição a chamada História integrada cm que América e Brasil figuram juntamente com povos da PréHistó i ia assim como a presença da História da África 39 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a Há propostas diferenciadas em que os conteúdos são organiza dos tendo como referências temas selecionados ou eixos temáticos es perandose maior liberdade e criatividade dos professores A organiza ção dos conteúdos e sua seleção com base em uma concepção ampliada de currículo escolar foram assumidas de forma mais sistematizada e aprofundada nas propostas já amplamente conhecidas dos Parâme tros Curriculares Nacionais PCNs Notase ainda uma via intermediária mantémse a opção pela exposição cronológica dos eventos históricos consagrados pela historio grafia mas agora intercalada ou informada por exercícios e atividades chamadas estratégias por meio dos quais os alunos são levados a perce ber todos os meandros da construção do conhecimento histórico ins tados a envolverse nas problemáticas comuns ao presente e ao passado estudado e encorajados a assumir atitudes que levam ao posicionamen to como cidadãos Aproximamse assim as preocupações com a se qüencialidade dos conteúdos e as finalidades da educação na formação de indivíduos conscientes e críticos com autonomia intelectual Por fim a organização dos conteúdos em muitos casos é assu mida de forma responsável pelos professores tendo como referência suas experiências docentes ou as orientações dos órgãos responsáveis pelas políticas educacionais dos estados e dos municípios Cuidados especiais Seja qual for a proposta apresentada há cuidados especiais que merecem ser lembrados O primeiro se refere ao envolvimento do alu no com o objeto de estudo que está sendo trabalhado Na exposição factual e linear que supõe o aluno como receptáculo de ensinamentos além dos textos expositivos e detalhados estão presentes exercícios vol tados especificamente para o teste de compreensão e fixação de conteú dos A preocupação com o desenvolvimento de competências e habili dades não faz parte dos horizontes dessas propostas pedagógicas 40 H o l i e n G o n ç a l v e s B e z e r r a Já as propostas curriculares que concebem o currículo e a edu cação dentro dos padrões mais atualizados constroem a trama exposi i iva procurando envolver o aluno por meio da problematização dos te mas de sua abordagem da relação necessária com o mundo cultural tio aluno as atividades constituem o cerne do trabalho pedagógico apresentado pensado sempre do ponto de vista da construção de um conhecimento escolar significativo A preocupação não é com a quan i idade dos conteúdos a serem apresentados ou com as lacunas de con icúdo de História que ficariam por ser preenchidas de acordo com a lista de assuntos que tradicionalmente fazem parte dos conteúdos a se rem transmitidos pela escola O que está em evidência é o modo de tra balhar historicamente os temasassuntosobjetos em pauta CONCEITOS FUNDAMENTAIS PARA O liNSINO DE HISTÓRIA NA ESCOLARIDADE BÁSICA Alguns conceitos fazem parte do arcabouço que foi se consti mindo através dos tempos pela prática dos historiadores Construiu m uma lógica da História que pode ser concebida como um conjun to de procedimentos e conceitos em torno dos quais devem girar as IHcocupaçÕes dos historiadores Independentemente das mais variadas i oncepçÕes de mundo posicionamentos ideológicos ou proposições de nrdem metodológica não há como não trabalhar com esses conceitos ii pelo menos com uma parte importante deles As propostas pedagó lu as sejam elas quais forem têm um compromisso implícito com es is práticas historiográficas ao produzirem o conhecimento histórico si o lar com suas especificidades e particularidades O que diferencia as livtrsas concepções de História é a forma como esses conceitos e pro ilimentos são entendidos e trabalhados Importa tentar perceber quais são os conceitos que são impres iiulfveis para que os alunos saídos da escola básica tenham uma for iii ii10 histórica que os auxilie em sua vivência como cidadãos A títu I dc sugestão e como início de discussão propõese uma reflexão 4 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a sobre alguns conceitos considerados fundamentais e sobre os desdobra mentos contidos em sua abrangência História O objetivo primeiro do conhecimento histórico é a compreen são dos processos e dos sujeitos históricos o desvendamento das rela ções que se estabelecem entre os grupos humanos em diferentes tem pos e espaços Os historiadores estão atentos às diferentes e múltiplas possibilidades e alternativas apresentadas nas sociedades tanto nas de hoje quanto nas do passado que emergiram da ação consciente ou in consciente dos homens procuram apontar para os desdobramentos que se impuseram com o desenrolar das ações desses sujeitos A aprendizagem de metodologias apropriadas para a construção do conhecimento histórico seja no âmbito da pesquisa científica seja no do saber histórico escolar tornase um mecanismo essencial para que o aluno possa apropriarse de um olhar consciente para sua pró pria sociedade e para si mesmo Ciente de que o conhecimento é provi sório o aluno terá condições de exercitar nos procedimentos próprios da História problematização das questões propostas delimitação do objeto exame do estado da questão busca de informações levanta mento e tratamento adequado das fontes percepção dos sujeitos histó ricos envolvidos indivíduos grupos sociais estratégias de verificação e comprovação de hipóteses organização dos dados coletados refina mento dos conceitos historicidade proposta de explicação para os fe nômenos estudados elaboração da exposição redação de textos Dada a complexidade do objeto de conhecimento é imprescindível que seja incentivada a prática interdisciplinar Faz parte da construção do conhecimento histórico no âmbito dos procedimentos que lhe são próprios a ampliação do conceito de fontes históricas que podem ser trabalhadas pelos alunos documentos oficiais textos de época e atuais mapas ilustrações gravuras imagens 42 H o l i e n G o n ç a l v e s B e z e r r a de heróis de histórias em quadrinhos poemas letras de música litera mra manifestos relatos de viajantes panfletos caricaturas pinturas lotos rádio televisão etc O importante é que se alerte para a necessi dade de que as fontes recebam um tratamento adequado de acordo com sua natureza É preciso deixar claro porém que não é proposta do ensino bá sico a formação de pequenos historiadores O que importa é que a or ganização dos conteúdos e a articulação das estratégias para trabalhar com eles leve em conta esses procedimentos para a produção do conhe cimento histórico Com isso evitase passar para o educando a falsa sensação de que os conhecimentos históricos existem de forma acaba da e assim são transmitidos Processo histórico Para além da descrição factual e linear a História busca explicar iuito as uniformidades e as regularidades das formações sociais quan i as rupturas e diferenças que se constituem no embate das ações hu manas Na verdade o passado humano não é uma agregação de ações siparadas mas um conjunto de comportamentos intimamente interli gados que têm uma razão de ser ainda que na maioria das vezes im perceptível para nossos olhos O processo histórico constituise dessas pi ii icas ordenadas e estruturadas de maneiras racionais São os proble mas colocados constantemente na indeterminação do social que fazem que os homens se definam pelos caminhos possíveis e desenhem i is acontecimentos que passam a ser registrados Os registros ou as evi dencias da luta dos agentes históricos são o ponto de partida para en i udermos os processos históricos Devese ressaltar igualmente que o conceito de processo histó iii it supõe que sua enunciação resulta de uma construção cognitiva dos amliosos No entanto embora os processos não existiram exatamen ii i oino estão sendo descritos eles têm uma sedimentação na realidade 43 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a social Podese dizer que o status ontológico do passado garante a com preensibilidade do processo A dimensão de elaboração de construção cognitiva nos leva a entender a possibilidade das diversas interpreta ções do passado histórico dependentes de posicionamentos teóricos e metodológicos diferenciados Assim a História concebida como processo busca aprimorar o exercício da problemalizaçao da vida social como ponto dc partida pa ra a investigação produtiva e criativa buscando identificar as relações sociais de grupos locais regionais nacionais e de outros povos perce ber as diferenças e semelhanças os conflitoscontradições e as solida riedades igualdades e desigualdades existentes nas sociedades compa rar problemáticas atuais e de outros momentos posicionarse de forma crítica no seu presente e buscar as relações possíveis com o passado Nesse quadro conceituai de processo se dimensiona a com preensão do conceito de fato histórico de acontecimento que têm sua importância como ponto referencial das relações sociais no coti diano da História no entanto o sentido pleno dos acontecimentos em sua dimensão micro se resolve quando remetido aos processos que lhes emprestam as possibilidades explicativas Enfim o fato histórico toma sentido se considerado como constitutivo dos processos históri cos e nessa escala deve ser considerado Tempo temporalidades históricas A dimensão da temporalidade é considerada uma das catego rias centrais do conhecimento histórico Não se trata de insistir nas definições dos diversos significados de tempo mas de levar o aluno a perceber as diversas temporalidades no decorrer da História e ter cla ro sua importância nas formas de organização social e seus conflitos Sendo um produto cultural forjado pelas necessidades concretas das sociedades historicamente situadas o tempo representa um conjunto complexo de vivências humanas Daí a necessidade de relativizar as di 44 H o l i e n G o n ç a l v e s B e z e r r a ferentes concepções de tempo e as periodizações propostas de situar os acontecimentos históricos nos seus respectivos tempos O conceito de tempo supõe também que se estabeleçam relações entre continui dade e ruptura permanências e mudançastransformações sucessão e simultaneidade o antesagoradepois Levanos a estar atentos e fazer ver a importância de se considerarem os diversificados ritmos do tem po histórico quando o situamos na duração dos fenômenos sociais e naturais E justamente a compreensão dos fenômenos sociais na dura ção temporal que permite o exercício explicativo das periodizações que são frutos de concepções de mundo de metodologias e até mes mo de ideologias diferenciadas As considerações sobre a riqueza e complexidade do conceito de tempo são imprescindíveis para que sejam evitados os anacronis mos não tão raros nas explicações históricas O anacronismo consis te em atribuir a determinadas sociedades do passado nossos próprios sentimentos ou razões e assim interpretar suas ações ou aplicar cri térios e conceitos que foram elaborados para uma determinada épo ca em circunstâncias específicas para outras épocas com caracterís icas diferentes Sujeito histórico é Perceber a complexidade das relações sociais presentes no coti diano e na organização social mais ampla implica indagar qual o lugar que o indivíduo ocupa na trama da História e como são construídas as identidades pessoais e as sociais em dimensão temporal O sujeito histórico que se configura na interrelação complexa duradoura e c ontraditória entre as identidades sociais e as pessoais é o verdadeiro construtor da História Assim é necessário acentuar que a trama da I Iistória não é o resultado apenas da ação de figuras de destaque con sagradas pelos interesses explicativos de grupos mas sim a construção conscienteinconsciente paulatina e imperceptível de todos os agentes sociais individuais ou coletivos 45 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a Conceber a História como o resultado de sujeitos históricos implica não atribuir o desenrolar do processo como sendo ação da vontade de instituições como o estado os países a escola etc ou re sultante do jogo de categorias de análise ou conceitos como siste mas capitalismo socialismo etc Perceber que a trama histórica não se localiza nas ações individuais mas no embate das relações sociais no tempo Cultura A ampliação do conceito de cultura fruto da aproximação en tre História e Antropologia enriquece o âmbito das análises cami nhando de forma positiva para a abertura do campo científico da His tória Cultural As representações sociais dão unidade a todas as manifestações da vida quer individual quer social Cultura não é ape nas o conjunto de manifestações artísticas Envolve as formas de orga nização do trabalho da casa da família do cotidiano das pessoas dos ritos das religiões das festas etc Assim o estudo das identidades so ciais no âmbito das representações culturais adquire significado e im portância para a caracterização de grupos sociais e de povos Historicidade dos conceitos Os conceitos históricos somente podem ser entendidos na sua historicidade Isso quer dizer que os conceitos criados para explicar certas realidades históricas têm seu significado voltado para essas rea lidades não sendo possível empregálos indistintamente para toda e qualquer situação semelhante Dessa forma os conceitos quando to mados em sua acepção mais ampla não podem ser utilizados como modelos mas apenas como indicadores de expectativas analíticas Ajudamnos e facilitam o trabalho a ser realizado no processo de co nhecimento na indagação das fontes e na compreensão de realidades históricas específicas 46 H o l i e n G o n ç a l v e s B e z e r r a Registrese que é possível distinguir os conceitos na escala de sua compreensão entre aqueles que são mais abrangentes e os que se refe rem a realidades mais especificamente determinadas Quando o concei to tem uma compreensão geral que se aplica a realidades históricoso ciais semelhantes pode receber a denominação de categoria Por exemplo a categoria trabalho homem continente revolução etc Nesse sentido os conceitos ou categorias são abertos são vetores à es pera de concretizações com base na elaboração de conhecimentos espe cíficos de acordo com os procedimentos próprios da disciplina Histó ria No momento em que se atribui a essas categorias as determinações históricas e suas especificidades como trabalho assalariado trabalho servil trabalho escravo por exemplo já estamos lidando com conceitos que por sua vez poderão receber ainda mais especificações como tra balho servil na Germânia na Francônia e assim por diante a revolução socialista a revolução industrial etc Não há uma democracia consi derada em sua essência mas democracias na Grécia no século XIX a democracia liberal a socialista a atual brasileira etc Seriam então os conceitos propriamente ditos considerados como representações de um objeto ou fenômeno histórico por meio de suas características Para efeito dessa análise estamos empregando a denominação conceito na acepção mais ampla e abrangente Cidadania O conjunto de preocupações que informam o conhecimento histórico e suas relações com o ensino vivenciado na escola levam ao aprimoramento de atitudes e valores imprescindíveis para o exercício pleno da cidadania como exercício do conhecimento autônomo e crí tico valorização de si mesmo como sujeito responsável da História respeito às diferenças culturais étnicas religiosas políticas evitando qualquer tipo de discriminação busca de soluções possíveis para os problemas detectados em sua comunidade de forma individual e cole tiva atuação firme e consciente contra qualquer tipo de injustiça e 47 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a mentiras sociais valorização do patrimônio sociocultural próprio e de outros povos incentivando o respeito à diversidade valorização dos di reitos conquistados pela cidadania plena aí incluídos os corresponden tes deveres sejam dos indivíduos dos grupos e dos povos na busca da consolidação da democracia CONCLUSÃO Ao desenvolver a discussão sobre algumas das questões básicas que se colocam para o ensino de História optamos por sugerir uma sé rie de considerações a respeito de dois blocos de questões os conteú dos e os conceitos Com certeza não são questões consensuais entre historiadores e professores de História Não foi intenção definir con ceitos ou sugerir os conteúdos que os alunos deverão dominar no transcorrer da escolaridade básica Mas sim a de constatar aquilo que está mais consolidado na área tanto em relação à necessidade de se rea lizarem seleções de conteúdos o que já é feito de forma concreta e diversificada na prática da organização escolar quanto em relação às considerações sobre os conceitos mais usuais na área de História A partir dessas considerações é possível iniciar um debate construtivo pa ra corrigir confirmar ampliar e sugerir outras possibilidades 48 E d u c a ç ã o p a r a u m M U N D O EM T R A N S F O R M A Ç Ã O Janice T heodoro A MUDANÇA Tudo muda a cada momento no mundo contemporâneo Por tanto o conceito com o qual precisamos trabalhar atualmente com muita desenvoltura é o de mudança Muitos pensam que a comunicação e a tecnologia são a pedra dc toque da sociedade contemporânea Eu diria que ambas são partes de um profundo processo de transformação Os avanços tecnológicos Io ram constantes na história da humanidade As invenções do fogo da crâmiça da roda do aqueduto do uso do vapor etc marcaram a vida de diferentes civilizações mas foram alterando os hábitos lentamente Hoje tudo muda a toda hora tornando difícil a sobrevivência dos homens que constituíram hábitos costumes tradições e que re sistem a formas diferentes de vida Hoje o homem pode trabalhar e iii muitas dificuldades mudar de profissão Essas mudanças são di lii eis mas possíveis de viver e compreender Difícil mesmo conviver nm a idéia por exemplo do fim do emprego Difícil porque o que muda é a premissa O homem pode aposentarse mas não deve entregarse aos so nhos de uma vida tranqüila de aposentado Não se trata de discutir o ilor da pensão mas a idéia de previdência Se o homem não foi treina do para perceber quais são as premissas que regem seu comportamento 49 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a terá dificuldade em responder aos desafios contemporâneos Se por exemplo não se compreender como funciona o sistema previdenciário quem o garante quem pode criálo e desmontálo qual a lógica que presidiu o surgimento de uma previdência privada quem não enten deu tudo isso pode ter pesadelos O homem pode também viajar muito tirar muitas fotografias sem ver o mundo É a cegueira contemporânea Pode trocar objetos desenvolver tecnologias e ao mesmo tempo transformarse em prisio neiro de uma série de objetos totalmente inúteis sem saber bem por que os comprou Esse homem parece ter desenvolvido tanto a razão mas vive num mundo cada dia mais irracional O homem pode mostrar no cinema nos livros na arquitetura que o mundo mudou concentrou riquezas aproximou apenas espa cialmente os homens Mas é difícil preparar o homem para esse desa fio contemporâneo um desafio onde nada nunca está no mesmo lu gar onde as relações de causa e efeito não fazem mais sentido porque a mudança cria uma infinidade de variáveis que nos obriga a trabalhar com as idéias de sistema ou de rede Depois de tanta mudança o homem pode também se perguntar se essa modernidade tão aclamada pela mídia criou condições para que ele aprofundasse a consciência de si mesmo e do outro Para isso ele pre cisaria criticar as premissas precisaria aprender a ver Por que as propa gandas são repletas de crianças e por que os adolescentes não entram na cena de uma venda de sabão em pó ou de molho de tomate As crian ças são passivas os adolescentes críticos ativos incômodos E possível aprender a reconhecer premissas estabelecer relações observando presenças ausências e repetições Por que se repete tanto a mesma propaganda O RESULTADO DAS MUDANÇAS A CRISE Estamos assistindo na sociedade moderna a crise dos modelos a crise do modelo de Estado do emprego da família enfim a crise do homem moderno Diante de tantos desafios o nosso papel enquanto 50 3a n i c e T h e o d o r o educadores é auxiliar os jovens a compreender melhor esse mundo re pleto de tantas variáveis Os benefícios da ciência são sem dúvida visíveis quantificá veis mas todas essas mudanças não geraram no homem moderno uma maior capacidade de compreensão dos desafios que o cercam E isso gera em todos nós uma estranha sensação de que estamos sós apesar de cercados de pessoas e que somos muito frágeis perante o desafio que devemos enfrentar para que possamos nos considerar minimamen te vencedores Afinal o que é vencer ou o que é perder Quando vencemos ganhamos o quê Quando perdemos perdemos o quê Os amigos a família o amor Um indício desse processo em que a mudança troca tudo a to do o momento do lugar em que estava para um outro é a própria cri se das utopias crise das ciências humanas crise do homem A SOLUÇÃO DO IMPASSE APRENDER A RESOLVER SITUAÇÕESPROBLEMAS Se estamos vivendo um período de crise temos que encontrar soluções Esse é o nosso maior desafio Quais são as armas de que dispomos para vencer o desafio Pensar Mas é necessário aprender a pensar Como somos historiadores iodemos abrir caminho observando que só há um fato histórico no in inior de uma situaçãoproblema Se não há questão não nos resta na da ou quase nada a fazer Portanto para que possamos vencer o desafio li vida contemporânea temos que problematizar a realidade que nos eiva Para problematizar o primeiro passo é conhecer O CONHECIMENTO O conhecimento antigamente era estável as transformações n ornam muito lentamente Para obter conhecimento o homem se 51 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a dedicava a uma série dc exercícios mentais que se repetiam em livros na sala de aula e no cotidiano Podíamos memorizar uma série de informações aprender regras de retórica decorar tabuadas e seriamos reconhecidos pela comunidade como homens cultos ponderados nas de cisões prováveis vencedores Nesse mundo marcado pela tran dade pela repetição pelas relações sensoriais e não virtuais nesse mun do antigo sobrava tempo até para amar Os ancestrais deixavam como herança modelos que serviam de modelo para uma vida Não era di nheiro mas gerava tranqüilidade Existia nesse velho mundo um hori zonte seguro para onde devíamos caminhar Hoje é assim Não Como as mudanças eram lentas o homem podia perpetuar for mas de comportamento podia ensinar fórmulas sugerir procedimen tos ou ainda contar fábulas exemplares Casamento era para a vida to da emprego público significava segurança na velhice diploma um eterno segurodesemprego Como cada coisa ocupava por muito tempo o mesmo lugar nós podíamos ensinar uma receita adequada para o sucesso estude Te nha um diploma Vá para a cidade Tome Biotônico Fontoura A rela ção entre expectativa e resultado era quase linear Antes o professor podia dizer sem medo de errar que Portugal foi o responsável pelas Grandes Navegações Ninguém perguntava se existiam outros povos que navegavam qual o tamanho das embarcações se os chi neses não foram mais longe A pesquisa histórica atividade de iniciados não interferia em modelos de interpretação memorizados sucessivamente Antes o professor podia dizer que existiam apenas dois tipos de colônias Ou eram de exploração ou eram de povoamento Essa afir mativa foi por muito tempo tratada como uma verdade acabada As colônias de exploração reuniam os colonos que queriam enriquecer ex plorar e voltar para a metrópole e as de povoamento eram as colônias aonde se ia sem poder retornar Repetiase essa hipótese sem que se fi zesse um esforço para conhecer onde estava ancorada a reflexão se ela tinha ou nao bases documentais para ser comprovada Esta era uma verdade histórica portanto acabada 52 3ANICE THEODORO Hoje sabemos que o português vinha para a América e sem or dem da metrópole não podia voltar Portanto tanto o português co mo o inglês vinham para ficar Portanto um e outro povoavam E agora como ficam os modelos Primeiro nós temos que descobrir o que são modelos E isso re presenta um longo aprendizado tarefa para um professor Qual foi o resultado da repetição Como mudar o processo de aprendizagem Se não sabemos colocar o problema observar uma situação por di ferentes ângulos trabalhar inúmeras variáveis estabelecer relações discutir as premissas não encontraremos o campo da provável solução Se não sa bemos questionar hipóteses também não saberemos enfrentar mudanças Como enfrentar a mudança Identificando comparando relacionando traduzindo e abstraindo IDENTIFICAR A identificação é um momento importante no trabalho do pro fessor Observar a arquitetura colonial sua estrutura dimensões ma terial localização uso relacionando tudo no tempo e no espaço é tare fa difícil O aluno deve aprender a observar olhar para um objeto Como desvendar seus significados Vamos selecionar um exemplo bem simples uma poltrona Sempre existiu uma poltrona Não Ela surge num determinado momento histórico em função de uma determinada concepção de casa e de conforto A poltrona é um objeto do pósguerra Vamos agora para um outro exemplo com conotação histórica Construir e reformar uma catedral como a do México durante três sé culos significa alguma coisa Ao identificar um objeto as circunstâncias em que foi produzi do e seus usos podemos supor que no caso da catedral existia na l calidade inúmeras pessoas capazes de fazer uma construção daqurli 53 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a envergadura e que em função das características do objeto tinham a intenção de fixar raízes naquele espaço Uma catedral é um objeto fei to para durar muito tempo um objeto cujo significado espiritual ou material sem dúvida é grande A catedral do México não sugere pe lo material em que foi construída e pelo seu peso transição Portanto a palavra colônia de exploração aplicada ao México não dá conta da complexidade do processo em questão ou seja não explica a infinida de de igrejas construídas não significa passagem Outro exemplo Simón Bolívar no século XIX teve dificuldade em estudar na Europa Sua família veio e ficou Portanto sua história está mais voltada para o lado do povoamento do que da exploração Mais um exemplo bem conhecido vencedores e vencidos é uma estrutura binária Os espanhóis conquistaram o México Portanto são os homens maus Os índios foram conquistados Portanto são os ho mens bons Esse raciocínio dual é um mau caminho para a compreen são de um fenômeno histórico Só podemos analisar a conquista da América por meio de uma complexa política de alianças Sem o apoio de grupos indígenas Cortés não teria conquistado a cidade do Méxi co Portanto a estrutura de reflexão não é binária Concluindo não podemos repetir modelos Temos de retomar os documentos históricos as narrativas coloniais e aprender a identifi car as origens de diferentes abordagens A repetição de uma determi nada estrutura sem que levemos em conta as especificidades históricas pode negar a razão do próprio conhecimento histórico Nesse sentido identificar é um trabalho importante a ser desenvolvido pelo aluno COMPARAR Perceber relações que envolvem quantidades às vezes pode ser muito significativo Por exemplo Hernán Cortés contava com 11 navios 508 ho mens 17 cavalos 32 arqueiros 13 portadores de escopetas e dez ca nhões de bronze para conquistar a cidade do México Naquele mo mento a população indígena do México era provavelmente de vinte 54 3a n i c e T h e o d o r o milhões de pessoas Só a cidade possuía quinhentos mil habitantes Pa ra termos uma base de comparação basta lembrar que Paris na mesma época ou seja no século XVI possuía duzentos mil habitantes Vene za 105 mil e Sevilha noventa mil Comparar esses números é um exercício importante Quantos índios haviam para quantos espanhóis RELACIONAR A diferença identificada pode nos levar a perceber por exemplo dois ou três conjuntos Por exemplo Marco Polo viaja e conta sua via gem para um amigo que escreve a história que ouviu Mais tarde po demos ter duas histórias a contada por Marco Polo e a contada pelo amigo Mas acontece que na região visitada também existia uma pes soa que contou o que viu de tal forma que teremos de uma mesma história inúmeras narrativas que nem sempre confluem para o mesmo lugar Onde elas se encontram e onde se desencontram Por que se en contram e por que se desencontram É importante traduzir as diferenças François Hartog estudioso francês nos lembra de uma imagem presente na literatura grega sobre os egípcios Entre eles as mulheres vão ao mercado e fazem negócios os homens ficam em casa e tecem Ao tecer nos outros países pu xase a tram a para o alto no Egito ela é puxada para baixo No Egito os homens levam fardos na cabeça as m ulheres nos om bros As mulheres urinam de pé os hom ens agachados O que essas diferenças indicam A pretendida universalidade da regra é uma maneira de a narra tiva mascarar o procedimento da inversão É importante compreender que primeiro temos definida a diferença e depois a diferença é traduzi da num esquema de inversão ou seja os egípcios são o inverso de todos os homens e os gregos se transformam assim num modelo universal 55 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a A análise desses procedimentos exige num primeiro momento a identificação depois a comparação e numa operação mental mais complicada relação e abstração aumentando a consciência do homem sobre os diferentes fenômenos do mundo que o cerca Como preparar um aluno para realizar o caminho do mais sim ples do mais concreto para o mais complexo o mais abstrato A busca do saber da compreensão do mundo que nos cerca é um exercício do historiador do geógrafo do literato do filósofo do professor de línguas Faço história no sentido grego de testemunho Nas línguas romãnicas a 1 listória significa essa procura das ações reali zadas pelos liomcns I leródoto ou a narração de uma série de acon tecimentos Paul Veyne ou ainda a História pode ser a narração comprometida tanto com a veracidade uma modalidade do discurso ou com a fia ionalidade outra modalidade do discurso O historiador constrói nanitivas assim como o ensaísta ou romancista Todo o co nhecimento sc mistura se transforma Para responder a esse desafio de vemos procurar as raízes das disciplinas aglomeradas no espaço das chamadas ciências humanas Seguindo esse mesmo trajeto da busca de temas transversais po deríamos também falar das representações do espaço mítico planetá rio cartográfico ou ainda das diversas formas de percepção de um espa ço tridimensional e suas relações com a escrita fonética ou iconográfica Qualquer uma dessas portas nomeadas tradicionalmente como História Geografia ou Língua nos leva igualmente a pensar sobre os mesmos desafios que enfrentam o homem contemporâneo São apenas portas de entrada para reflexões 56 A T R A N S V E R S A L I D A D E E A R E N O V A Ç Ã O NO E N S I N O d e H i s t ó r i a J osé Alves de Freitas Neto O ato de educar é um desafio constante Desde os fundamen tos filosóficos acerca do modo de conhecer até os procedimentos con tínuos em sala de aula é comum supor que educadores e educandos se confrontem e questionem sobre as ações e conteúdos trabalhados e apreendidos pelos estudantes O mundo em contínua transformação as constantes alterações das diretrizes e orientações legais o controle burocrático cada vez mais eficiente e alunos pouco dispostos a aceita rem o universo escolar como algo útil e aplicável ao seu cotidiano pro vocam no educador a necessidade contínua de discussão e alteração pa ra que a esoola em sua tarefa de educar não se esvazie e com ela sua própria profissão Os discursos de valorização da educação pautados nas mais dife rentes concepções e orientações por ser condição de cidadania pela necessidade econômica para ficar nas mais comuns trazem consigo uma idéia de redenção e grandeza que se choca com a expectativa do alu no Passadas as séries iniciais logo no ensino fundamental e sobretudo no médio vem a inevitável pergunta por que eu devo estudar isso O argumento da autoridade e de que os conhecimentos produ zidos na literatura nas ciências e nas artes são clássicos importantes que se constituem em fundamentos da civilização dentre outros si insuficientes e muitas vezes incompreensíveis para o estudante 57 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a A dificuldade para mostrar o que se pretende com os diversos conteúdos e com a proposta de aprendizagem num mundo com pre domínio da prática e do militarismo tem afastado o interesse de crian ças e jovens pelo conhecimento Diversas são as causas e múltiplas as tentativas de explicar esse distanciamento entre a vida do aluno e o seu cotidiano escolar No entanto podemos afirmar que muitas vezes os educadores com todo seu empenho e vontade têm falhado na ca pacidade de dizer e construir com o aluno o espírito investigativo que leva por exemplo à exploração da realidade e à descoberta do mundo científico No caso específico das humanidades em particular da His tória essas dificuldades surgem por exemplo na abordagem e escolha de conteúdos Mantendose num modelo que pretende explicar o pre sente pelo passado o professor tem valorizado excessivamente os fatos do passado sem instigar a reflexão sobre a produção da memória e a ação do aluno como construtor da História e a necessidade de com preender os processos e intersecções entre sua história e a de seu povo sua civilização Indivíduo e civilização parecem noções estanques e até mesmo opostas A fragmentação dos conteúdos dos horários e da estrutura bu rocrática das escolas dificultou o aspecto investigativo e explorador da realidade que cerca o estudante e o professor Para o aluno que tem acesso às novas tecnologias como a rede de computadores explorar significa navegar ir atrás pegar links constituir atalhos e chegar a de terminado lugar Para aquele que é excluído desse processo dadas as condições socioeconômicas investigar a realidade pode supor a busca da sobrevivência num mundo marcado por violência e violação de dig nidade e direitos Para um e outro a realidade é mais dinâmica e mais urgente do que a exposição de uma aula Como superar esse problema A resposta é complexa e não teríamos condições de esgotála de encontrar uma solução definitiva ou ainda de pretender obter uma única solução ou modelo A resposta é plural e deve ser encontrada na prática e na realidade de cada educador Há diversas formas e experiên cias vividas e produzidas provavelmente em cada uma das unidades 58 J o s é A l v e s d e F r e i t a s N e t o escolares existentes No entanto desde 1995 os professores brasileiros têm convivido com a proposta de transversalidade atrelada aos Parâ metros Curriculares Nacionais PCNs A TRANSVERSALIDADE E OS DESAFIOS DO ENSINO BRASILEIRO A transversalidade apresenta uma proposta que ultrapassa a fragmentação dos conteúdos e disciplinas prevendo um trabalho cujo conhecimento seja construído em função dos temas e propostas apre sentados Atrelado aos PCNs publicados pelo Ministério da Educação onde se pretende obter um referencial de conteúdos das diversas disci plinas são apresentados temas que devem nortear a elaboração dos ob jetivos programas e conteúdos que serão desenvolvidos por professo res e alunos nas escolas brasileiras A partir de análises sobre a realidade brasileira especialistas de diversas áreas de ensino apresentaram os cinco temas transversais para a educação nacional ética pluralidade cultural saúde orientação sexual e meio ambiente Ou seja a partir da constatação da necessidade de dis cutir questões presentes no cotidiano dos brasileiros como por exem plo os permanentes casos de corrupção e de desrespeito à pessoa e à no ção de cidadania o preconceito contra grupos étnicos de gênero e de orientação sexual as precárias condições de saúde de parte considerável da população a desinformação sobre a educação sexual visível em mui tas escolas no alto número de adolescentes grávidas e na necessidade de preservação dos recursos naturais e da contenção da degradação do meio ambiente como forma de garantir a própria sobrevivência Esses temas presentes na realidade dos brasileiros devem ser re ferências constantes na prática escolar dos alunos de ensino fundamen tal e médio A proposta é estabelecêlos como objetivos finais que se rão tratados em todas as disciplinas aproximandoas do cotidiano dos alunos para que se evite de alguma forma o distanciamento entre os conhecimentos apresentados pelo professor e a expectativa e a necessi dade dos alunos 5 9 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a COMO TRABALHAR A TRANSVERSALIDADE Por tratarse clc temas que ultrapassam as visões disciplinares as experiências docentes têm apontado para algumas práticas que de monstram a aplicação da transversalidade Essas experiências trazem consigo concepções c práticas a serem questionadas e eventualmente assimiladas Se o que se busca 6 um conhecimento aplicável à realida de e à construção por alunos c professores não se trata de apontar fór mulas e soluções mas de identificar procedimentos e visualizar possi bilidades e limites da transversalidade Vejamos três situações de aplicação da transversalidade nesses primeiros anos de experiência com os temas transversais a Trabalho interdisciplinar é a forma mais praticada por profes sores Geralmente a partir de uma proposta temática comum professores de duas ou mais disciplinas afins trabalham por um determinado perío do semanamêsbimestre no tema indicado levantando as contribui ções e especificidades de sua disciplina para o que está sendo tratado Nesse caso optase por um tema e todos os professores apre sentam elementos para compreendêlo a partir da perspectiva de sua disciplina O risco e a dificuldade dessa forma de trabalho está na manu tenção de uma visão disciplinar sobre um tema abrangente ao invés de superar barreiras dadas pelo modelo escolar tentase unificar a partir dos fragmentos como se a perfeita colagem de peças dadas pela His tória Geografia Língua Matemática e Ciências Naturais pudesse res ponder à indagação e à proposta de trabalho Exemplificando a questão num suposto trabalho sobre os ín dios e a questão ética de preservação de seu universo cultural os pro fessores propõem discutir a cultura indígena seus valores e permanência dentro da sociedade brasileira Como realizarão o mesmo Provavel mente o professor de História falará de hábitos retomará o processo de colonização e resistência indígena na Geografia fará um levantamento demográfico áreas ocupadas Em Língua Portuguesa procurará identi ficar palavras e relatos literários sobre os índios Na Matemática traba lhará com conhecimentos supostamente utilizados pelos índios ou 6o 3osé A l v e s de F r e i t a s N e t o aplicará cálculos a partir de números e dados apresentados pelos textos apresentados Nas Artes proporá aos alunos a atividade de reproduzir o artesanato e a manifestação artística dos índios brasileiros Esse procedimento tem uma grande virtude tentar englobar to dos na busca de uma compreensão ampla sobre um determinado tema no caso o universo indígena porém nos apresenta algumas dificulda des a primeira delas é a manutenção da visão fragmentada o que a minha disciplina tem a ver com isso o outro obstáculo será marca do pela artificialidade e overdose dessa sobreposição de informações produzidas e trabalhadas com os alunos Para evitar esses riscos devese buscar um outro modelo para a composição das disciplinas conforme veremos no terceiro exemplo b Espaço dentro da grade horária a ilusão de que a escola de ve reservar um momento para discutir os temas transversais Criase dentro da grade curricular e do horário semanal dos alunos um espa ço para discutir os temas transversais Dessa forma por cinqüenta mi nutos o aluno sai de sua rotina de aulas para uma aula diferente O te ma dessa aula será a ética a educação sexual a pluralidade cultural o meio ambiente e a saúde Dentre as muitas experiências na tentativa de aproximar a esco la da realidade do aluno e de valorizar o conhecimento como algo ne cessário para a vida e não para a erudição parece ser essa a medida mais inadequada por dois motivos principais Primeiro porque ao criar um instante especial para discutir os temas transversais contraria o princípio da transversalidade o as sunto não estará ligado ao conteúdo das disciplinas tradicionais transversalmente mas será uma aula a mais reproduzindo a visão fragmentária Segundo por manter as disciplinas isoladas e a neces sidade de ter um espaço próprio para o trabalho com os temas propostos indicam a visão da escola sobre as disciplinas elas estão distante da realidade e não se adaptam a essa aproximação com o mundo coti diano Dessa forma refórçase no professor e aluno a visão de uma escola distante com conhecimentos repetidos e descontextualizados não valendo grande esforço para aprender o que não será usado Nessa 61 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a maneira de real iar a proposta dos temas transversais separandoos dentro da grade curricular talvez não obtenha nem o entusiasmo nem a participação de alunos que enxergarão essa atividade como enrolação porque não será como as outras disciplinas que por exemplo têm provas Nesse formato de abordagem da transversalidade a proposta fi ca inconcebível e a separação entre a escola e o mundo do estudante ampliase c As disciplinas como meios e a transversalidade como fim apresentando temas que ultrapassam as diferentes áreas do conheci mento a proposta de trabalho transversal requer uma nova concepção das disciplinas dentro da escola Não se trata de extinguir ou criar novas disciplinas mas de mu dar a abordagem sobre as disciplinas atuais Estas deixarão de buscar ob jetivos em si mesmas como tradicionalmente é feito para se mostrarem como meios necessários para a realização dos objetivos expressos por meio dos temas transversais e dos PCNs A construção e valorização da cida dania por exemplo expressa nos objetivos da educação brasileira não pode ser contemplada como algo abstrato ou distante nem tampouco abordada por uma única disciplina mas é uma proposta que supera a particularidade de cada uma das áreas do conhecimento Devese buscar uma transformação pedagógica onde o papel do professor supere a compreensão e prática sobre sua disciplina abrangen do uma reflexão sobre os conteúdos e valores a ele associados amplian do a responsabilidade do educador com a formação dos alunos Ou se ja com base nos temas transversais propostos e na necessidade de cada realidade escolar o professor deve aproximar seus conteúdos e sua prá tica escolar para o desenvolvimento da capacidade de o aluno ler e in terpretar a realidade contextualizandoa aprendendo a aprender Des sa forma não se trata de aprender que houve escravidão no Brasil mas de que o aluno saiba se perguntar sobre as formas de organização da produção dos problemas decorrentes de um ou outro modelo de ques tionar sobre os valores que os permeiam e como estes estão presentes em nossa sociedade atual 62 3osé A l v e s de F r e i t a s N e t o É do conhecimento do aluno mesmo que por caminhos tor tuosos do chiste e da piada preconceituosa a existência da escravidão Nesse exemplo estamos alertando para que o professor vá além da apre sentação das condições históricas sobre o escravismo no Brasil e apro xime a temática ao aluno de hoje Ao desenvolver no aluno a capaci dade de refletir sobre o período histórico em que houve a escravidão deve proporcionar a análise sobre a questão racial e a desigualdade no Brasil buscando na questão da escravidão uma das possibilidades de interpretação para os problemas vividos ainda hoje A transversalidade pressupõe um objetivo maior que pode ser inclusive a questão do pre conceito racial e condições econômicas no Brasil do século XXI por meio de um recurso clássico o estudo de um dos principais elementos da colonização brasileira O aluno deve aprender mais do que conteú dos e incorporar a reflexão crítica e a aquisição de valores por inter médio dos temas apresentados pelos professores para que sua com preensão da realidade seja mais abrangente e menos preconceituosa como no caso da discussão com base no tema proposto Em outras pa lavras valendose uma aula sobre escravidão o aluno deve refletir sobre a pluralidade e diversidade cultural presentes na sociedade brasileira Ao realizar essa tarefa evidentemente o professor não estará desprezando seu conteúdo a abordagem histórica e as críticas historiográficas a esse ou qualquer outro tema mas antes destacando como através desses pontos ele pode contribuir para a formação cidadã de seu aluno O desenvolvimento dessa capacidade habilitará o estudante a relacionar as informações e instrumentalizálas na sua leitura de mundo e esta deverá ser menos preconceituosa mais plural e ética conforme os temas propostos na transversalidade Para chegar a essa realização todas as áreas têm compromissos que implicam em maior participação no processo de formação dos alunos O debate sobre os valores que norteiam a formação dos estudan tes é muitas vezes acompanhado de um discurso de menosprezo dos sa beres tradicionais como se a presença de um desses elementos forma ção ética e cidadã signifique a ausência de outro domínio de conteúdos e das ciências Essa é uma questão complexa porém ilusória Muiio dos que criticam propostas que têm como fundamento a aproximaçio 63 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a dos alunos com a realidade acusandoas de favorecerem a superficialida de o fazem em nome de uma visão conteudista Ou seja acreditam que a autoridade e a validade do conhecimento estão nas questões formuladas por grandes pensadores e inventores das mais diferentes áreas indepen dente do tempo e das pessoas que lidam com o mesmo Desse modo vêem as grandes figuras da História das ciências e das artes como seres extraordinários em detrimento dos alunos e seu mundo ordinário Abordar conteúdos dessa maneira é preservar a exclusão e invia bilizar a curiosidade e a participação dos alunos Por outro lado os que desprezam as formulações feitas ao lon go da tradição ocidental em nome de exclusivamente uma discussão atual correm o risco de ficar num discurso inconsistente É preciso que o professor se lembre que o saber não surge espontaneamente nem é algo dado mas adquirido produzido e transformado pelos homens Dessa forma não se pode menosprezar formulações e questionamen tos que tenham surgido em qualquer tempo ou lugar A solução para essa falsa dicotomia deve estar num outro lugar Fazer com que o aluno visualize a importância do saber dentro de sua realidade Ser capaz de resgatar não a informação por si mesma mas o que levou um Platão um Galileu um Einstein um Picasso um Marc Bloch um Fernando Pessoa às formulações e expressões que deram em suas áreas Apresentar o ponto de partida apresentar um problema é dar condições de verificar e comparar condições para que o mesmo possa ser apreendido pelo aluno a partir de sua própria atuação de vendo o professor atuar como estimulador desse processo Os temas transversais nao devem ser vistos como opositores dos saberes considerados clássicos mas necessidades e questões do presen te de grande importância que não podem ser ignorados pelos educa dores Se o mundo a família os modelos mudaram fazse necessário uma nova prática escolar que atualize e valorize a própria escola e os que nela estão Considerar as questões trazidas pelas crianças e jovens dos ensinos fundamental e médio como questões menores significa reduzir suas preocupações e sua própria existência O mundo deles e o nosso têm questões que não são menores dos que as apresentadas em outras épocas por outros pensadores São diferentes Não permitir que 64 J o s é A l v e s d e F r e i t a s N e t o os temas do cotidiano se façam presentes em sala de aula em detrimen to dos grandes feitos do passado é ignorar a angústia dos alunos e edu car com o olho voltado para trás com um saudosismo injustificável que significa dizer que as questões de outras gerações foram mais im portantes que as da atualidade Portanto a proposta da transversalidade não significa excluir disciplinas ou introduzir outras mas mudar a prática escolar Introduzir no ensino as preocupações mais agudas da socieda de atual não significa deslocar as matérias curriculares em bo ra a vigência e a adequação de m uitos dos seus conteúdos sem dúvida deverão ser revisadas em alguns casos porque são de valor form ativo duvidoso e em outros porque contradizem cla ram ente os princípios subjacentes aos temas transversais não se pode valorizar a paz e exaltar a guerra ao mesmo tem po nem fom entar a igualdade entre os sexos destacando apenas as ações realizadas p or homens por exem plo1 A TRANSVERSALIDADE E O ENSINO DE HISTÓRIA A implantação da transversalidade pressupõe alterações no ensi no de História Para muitos acompanhando as discussões da historio grafia não chega a ser novidade as mudanças e concepções propostas Para outros presos a um modelo de ensino tradicional é preciso rever conceitos e procedimentos sobre a própria História e o seu papel den tro de uma proposta de ensino transversal Por isso podemos afirmar que a implantação dos temas trans versais não se refere apenas a mudanças didáticopedagógicas mas também conceituais sobre o ato de educar e a própria História Muitos brasileiros foram e são educados com uma visão da disc i plina de História marcada por grandes acontecimentos numa linearida de e composição seqüencial que se encaixam e apresentam como dou das de um sentido que chegamos ao que somos hoje Ou seja ordenulos dentro de uma cronologia apresentamse fatos como dcsdobiimenio 65 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a de um anterior e gerador de um terceiro como se mecanicamente as coisas se simplificassem e os alunos compreendessem a História e com ela sua própria história Essa prática conhecida por muitos gerou em grande parte dos estudantes sobretudo das séries iniciais um distanciamento e in diferença ao ensino de História gerando o senso comum de que a disciplina só trata de coisas antigas e que não tem nada a ver com o nosso diaadia De fato um modelo de ensino histórico que lida com uma narrativa feita apenas com heróis e sujeitos fundadores da civilização é algo que se separa do universo dos alunos e os exclui desse processo Para exemplificar basta olhar a produção de textos di dáticos Houve inovações nos últimos anos introduzindo noções que a historiografia já discute há muito tempo como a história do coti diano mas a maior parte dos textos ainda reproduz a menção aos mi tos fundacionais aos nomes e tópicos consagrados Muitas vezes es se conteúdo tradicional aparece revestido de inovações e layout diferenciados mas a análise do texto demonstra a reprodução de um modelo já conhecido e em grande parte rejeitado pelos alunos por seu distanciamento A inserção dos temas transversais deve ser considerada nesse contexto de questionamento aos procedimentos escolares Alterar a compreensão de que a disciplina não é um fim em si mesma mas um meio para chegar a outros objetivos refletindo e atuando na educação de valores e atitudes dos alunos e cidadãos é condição fundamental para a renovação do ensino Devese abandonar a visão do conheci mento específico da disciplina sem abrir mão dos repertórios e recur sos de cada área de conhecimento e ao mesmo tempo incorporar o papel de formação exercido pelo educador tratando de temas e ques tões que ultrapassam o conteúdo programático por meio dos temas transversais A busca da compreensão da realidade e a efetiva participa ção do indivíduo a partir de dados e noções relativos ao seu cotidiano ao seu universo fazem com que a escola passe a ser considerada como um espaço de conhecimento e reconhecimento onde por intermédio das diversas disciplinas e de sua nova abordagem o aluno seja capaz de ver e vislumbrarse como construtor de sua própria história 6 6 3osé A l v e s de F r e i t a s N e t o Dessa forma o ensino de História deve atrelarse aos temas pro postos pela comunidade escolar a fim de tornarse presente e capaz de dizer qual sua função dentro do processo escolar Na prática escolar dois procedimentos são mais usuais no ensino de História o primeiro dividido por temas eou períodos História do Brasil História Geral ou da América o segundo por ei xos temáticos como por exemplo a organização do trabalho indus trialização formação de cidades e a vida urbana elencando diversos aspectos a eles relacionados Em ambas as práticas podese trabalhar com os temas transversais A proposta de renovação e de visão da His tória que supere a divisão cronológica aponta para o segundo proce dimento como o mais adequado para o ensino transversal embora não exclua a primeira opção desde que inserida dentro dos objetivos da transversalidade Vejamos dois exemplos 1 Abordagem do ensino de História através de eixo temático Suponhamos que uma determinada escola opte pela discussão relativa ao tema da pluralidade cultural Todas as disciplinas devem en volverse e direcionar seus esforços para a compreensão e valorização da diversidade etnoculturai apresentando riquezas e contrastes dessa rea lidade combatendo preconceitos e discriminações Dentro da História o professor deverá estabelecer um eixo te mático que contemple a proposta transversal da escola Valendose dela podese livremente organizar um eixo temático ou acatar as sugestões dadas por exemplo nos PCNs de História para o ensino fundamental História das representações e das relações de poder subdividindose em outros dois subtemas Nações povos lutas guerras e revoluções e Cidadania e cultura no mundo contemporâneo O professor ao definir os conteúdos a serem contemplados em sua proposta de trabalho deve ter pleno conhecimento dos objetivos e da problemática que pretende abordar e a relevância dessa na realidade dos alunos em seus múltiplos planos A partir do aluno de sua pró pria história e referências locais o trabalho deve desdobrarse para 67 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a inserir essa realidade em questões regionais e globais aguçando a cu riosidade e a compreensão da necessidade de uma visão mais ampla pa ra a questão do que a sua particularidade Dessa forma as questões de vem ser selecionadas com a intencionalidade de fornecer aos alunos a form ação de um repertório intelectual e cultural para que possam estabe lecer identidades e diferenças com outros indivíduos e com grupos sociais presentes na realidade vivida no âm bito fa m iliar no convívio da escola nas atividades de lazer nas re lações econômicas políticas artísticas religiosas sociais e culturais E sim ultaneam ente perm itir a introdução dos alunos na compreensão das diversas form as de relações so ciais e a perspectiva de que as histórias individuais se inte gram e fazem parte do que se denom ina H istória nacional e de outros lugares2 A articulação entre a história vivida pelo aluno e os conteúdos apre sentados pelo professor exige planejamento e capacidade de fazer um diag nóstico da realidade de onde se parte e as interações com os conteúdos pa ra chegar aos objetivos apresentados pela proposta transversal É um trabalho mais dinâmico e desafiador professores e alunos são agentes da aprendizagem e os recursos didáticos devem ser manipulados por ambos Retomando o exemplo da pluralidade cultural e o estabeleci mento de um eixo temático e os conteúdos podemos apresentar o se guinte à guisa de exemplificação reconhecendo a sala de aula a pró pria escola e a comunidadebairro onde se vive o aluno será capaz de identificar o conceito de diversidade cultural e a partir deste analisar como essa diversidade é representada e lida pelos mesmos Ou seja o aluno será capaz de dizer como a mídia a escola os livros os pais a polícia o jornal as brincadeiras e as piadas retratam os diversos grupos culturais que compõem o mundo que o cerca Com base nesse levantamento o professor deve conduzir a um questionamento dessas leituras fazêlos desconfiar do que se narra e como se narra identificando e visualizando interesses e manipulações 68 J o s é A l v e s d e F r e i t a s N e t o dentro da sociedade Conduzir a discussão valorizar a oralidade sobre tudo daqueles que pela proposta apresentada se sentem prejudi cados ou vitimados por preconceitos Essa atividade dinamizará a aula e o professor poderá introduzir conceitos e discussões por meio da História levantando por exemplo momentos de tensão e conflitos por conta da diversidade cultural de forma direta ou indireta Dessa maneira ele pode partir da apresenta ção feita pelos próprios alunos e buscar na História do Brasil situações de confronto e negociação na formação do país Dos conflitos agrários envolvendo os índios e suas reservas da década de 1990 à origem da co lonização o professor poderá despertar o aluno para os modos de orga nização econômica e política e sua relação com a questão cultural Ain da dentro desse mesmo tema observar as relações entre os índios negros e portugueses contra as invasões holandesas e francesas discutin do o que leva a união de índios e colonizadores e o que resulta para am bos e para a própria concepção de identidade cultural brasileira Para que a análise não fique cronologicamente distante o pro fessor pode estabelecer como um dos momentos de seu eixo temático da questão da diversidade cultural tensões e conflitos recentes De um dado jornalístico sobre um acontecimento nacional ou internacional movido pelos conflitos etnoculturais aos conflitos armados da Bósnia das tensas relações entre árabesjudeus da coalizão antiterrorista forma da pelos Estados Unidos no pós11 de setembro de 2001 do acesso dos negros à universidade e as discussões sobre cotas e políticas afirmativas no Brasil e no mundo das rivalidades regionais dos brasileiros com atgentinos Ou seja a partir de uma infinidade de questões que pode riam ser elencadas o professor pode despertar o aluno para a reflexão sobre o outro discutindo a alteridade e a sua maneira de ver o mundo em um universo imediato o da própria escola ou nem tanto co mo nos acontecimentos internacionais Nesse caso a preocupação é a discussão sobre a alteridade O tema é áspero e difícil de ser incorpora do por qualquer aluno do ensino fundamental ou médio No entanto a discussão sobre o outro sobre as diferenças e semelhanças podem e devem ser feitas pelo professor Os assuntos que servirão como ponto de partida são muitos mas o professor não pode abdicar dessa discussão 69 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a sobre o outro Falar do mundo islâmico ou cristão do mundo rural ou urbano de comunidades indígenas ou das megalópoles ou ainda da era tecnológica é estabelecer um local de enunciação para se discutir sobre as diferenças Nesse sentido utilizandose das noções apresentadas pelo historiador francês François Hartog podese comparar traduzir no mear classificar descrever estabelecer fronteiras e proximidades3 ü professor de História pode articular seus conteúdos para que o aluno visualize a expressão de preconceitos e como eles surgem ou podem ser amenizados em diversos instantes da História Ele não dará lições mas apresentará reflexões sobre as diferentes sociedades e grupos culturais como eles se relacionaram entre si com a necessidade de so brevivência e a articulação da produção Apresentará as diferenças cul turais étnicas de gênero suas implicações em sistemas políticos e ideológicos os papéis da religião a composição do imaginário o im pacto da tecnologia as inclusões e exclusões que se associam a elas etc Muitos são os temas e perspectivas do que poderia ser trabalha do valendose da transversalidade sobretudo com o trabalho baseado em eixos temáticos Apresentamos alguns e ignoramos outros mas o fundamental é que o professor tenha clareza do seu papel do papel dos alunos e dos conteúdos e temas que devem ser submetidos a objetivos mais amplos do que o domínio de conteúdos 2 Abordagem do ensino de História por meio de temas ou períodos A proposta da transversalidade não exclui a manutenção do en sino de História por meio das divisões clássicas entre História Geral da América e do Brasil ou ainda divisão de História Geral em Antiga Medieval Moderna e Contemporânea No entanto essa concepção deve ser reinterpretada com base na introdução dos temas transversais Manter essa divisão clássica separando entre as séries o que vai ser en sinado em cada uma é legítimo desde que nessa separação não tenha a concepção de que o aluno só compreenderá um determinado fato por exemplo do Brasil se compreender a História Geral Se o professor continuar a atuar assim significa que para ele a História é um fim em si mesma e há necessidade de expôla em seu suposto caráter evolutivo 70 J o s é A l v e s d e F r e i t a s N e t o das cavernas à era da tecnologia digital Além das conseqüências histo riográficas que não nos cabe discutir aqui há um equívoco em relação ao aluno e seu papel como sujeito da aprendizagem Ressalvandose esse aspecto e justificando como fazer um traba lho transversal baseado na divisão clássica da História temse a favor dessa prática de ensino a grande quantidade de textos e o amparo a professores e estudantes Como o maior recurso dos professores ainda continua sendo o livro didático estes com raríssimas exceções apre sentamse dentro dessa ordem de divisão do conteúdo da História O problema é quando o professor não planeja seu conteúdo e trabalho mas segue fielmente a divisão capitular do livro didático ficando dis tante dos alunos e sua vivência inviabilizando propostas de renovação do ensino Porém se o professor tiver clareza da importância e relevância dos temas transversais ele será capaz de articular sua prática do mesmo modo que o professor que optou pelos eixos temáticos Com base no universo local dos estudantes o professor será capaz de indagar per guntar sobre os procedimentos e costumes despertando para a reflexão em outros povos e tempos fazendo analogias com o momento pro pondo uma construção ao aluno que não seja a repetição de fatos mas a capacidade de refletir e compreender os acontecimentos como fruto da ação de indivíduos em um determinado momento dentro das cir cunstâncias por eles vivenciadas Esses alunos serão capazes de obser var e ler suá realidade com um olhar crítico e analítico sobre o seu pró prio papel e momento histórico interpretando as diversas narrativas e suas implicações O fato de começar a estudar a História do Brasil por meio das chamadas Grandes Navegações e a busca de um mundo que se expan dia ao final do século XV não torna menos importante do que estudar o processo de globalização O professor pode articular os conhecimen tos e momentos vividos pelos alunos questionando por exemplo o pa pel do país dentro do mercado internacional hoje ou no século XVI percebendo as diferenças c semelhanças dos dois períodos Considerando a temática da pluralidade cultural que escolhe mos como exemplificação anteriormente podemos retomála e levála 7 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a adiante nessa abordagem por temas e períodos Ao tratar de hierarqui zação de culturas e desrespeito aos povos podemos questionar esse princípio entre os gregos entre os astecas entre portugueses entre os próprios brasileiros com suas diferenças regionais e raciais entre a América Latina e os Estados Unidos ou a Europa Ou seja na Grécia Antiga ou na 1 listória da primeira década do século XXI podemos tra tar a questão da pluralidade cultural do como ela se perpetua e onde ela é oprimida e resiste e de que forma Entre o conceito de bárbaro usado pelo grego aos povos que não pertenciam à sua civilização a seu padrão cultural à idéia de atrasados e subdesenvolvidos dirigidos a de terminados grupos culturais religiosos ou nacionalidades de hoje po demos inferir que a diversidade cultural existente entre nós e os gregos não é grosso modo muito distinta Dessa forma é plausível a articulação dos conteúdos divididos de forma tradicional à inovação representada pela transversalidade O que deve mudar é a atitude do professor diante dos conteúdos e alu nos identificando o que se busca e como se busca preservando o pa pel dos estudantes como sujeitos da aprendizagem CONCLUINDO Sabendo que o ensino é algo dinâmico e necessita adaptarse às diversas realidades e alunos vimos que tanto numa abordagem tradicional como na implantação de eixos temáticos o professor po de e deve renovar o ensino de História Desse modo apresentamos al guns pontos que sintetizam a proposta de trabalho com os temas transversais e devem ser claros para os professores que se dispõem a realizálo valorização do aluno e de seu universo estimular a oralidade e com base nela a produção textual e a análise de documentos textos vídeos mapas acervos não é possível estudar tudo Em nenhum momento em ne nhum modelo poderá o professor contemplar toda a História até mesmo porque ninguém possui esse saber ou pretensão por isso é 72 J o s é A l v e s d e F r e i t a s N e t o preciso saber selecionar o que falar e como falar para que o aluno pos sa fazer a articulação entre sua individualidade e a história coletiva saber identificar o esgotamento ou a necessidade de aprofun damento de um tópico pela maturidade envolvimento e proximidade com o que é vivido pelos alunos devendo estar atento ao ritmo dos mesmos e do que se busca em detrimento de um calendário rígido que muitas vezes esvazia o esforço do professor expor ao aluno o que se ensina por que se ensina e onde quer chegar para que eles reajam e discutam em torno desses mesmos obje tivos sendo partícipes desse processo de aprendizagem dar a dimensão que o conhecimento histórico é um meio pa ra compreender o mundo as questões da atualidade suas origens as diversas respostas e explicações para um determinado fato levando o aluno a ver que há diversas explicações para uma mesma realidade devendo abrirse para ouvilas e questionálas numa prática que per mitirá maior lucidez e discernimento diante da sociedade e da pró pria vida Notas 1 Montserrat Moreno Temas transversais em educação p 36 2 Mec Secretaria de Educação Fundamental Parâmetros Curriculares Na cionais História e Geografia p 43 3 François Hartog O espelho de Heródoto p 229272 Bibliografia A N PU H Memória História Historiografia dossiê ensino de História Revista Brasileira de História São Paulo v 13 set 1992ago 1993 n 2526 A Q U IN O J G org Diferenças epreconceito na escola alternativas teóricas e práticas São Paulo Summus 1998 BUSQUETS M D et al Temas transversais em educação bases para uma forma ção integral 2 a ed São Paulo Á tica 1 9 9 8 CO RTELLA M S A escola e o conhecimento fundamentos epistemológicos e políticos 3a ed São Paulo CortezInstituto Paulo Freire 2000 FAZENDA I C A Práticas interdisciplinares na escola São Paulo CorteAuto res Associados 1991 73 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a HarTOG F 0 espelho cie Hcródoto ensaio sobre a representação do outro Be lo Horizonte Ed UFMG 1999 JEN KIN S K A História repensada São Paulo Contexto 2001 SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL Parâmetros curriculares nacionais História e Geografia 2a ed Rio de Janeiro DPA 2000 74 N o v a s f o r m a s d e A B O R D A R O ENSINO DE H l S T Ó R I A Rafael Ruiz A QUEBRA DOS MODELOS O processo de conhecimento é a grande aventura e o grande de safio que o educador enfrenta quando prepara as suas aulas e quando as desenvolve com os seus alunos É dentro dessa perspectiva que serão feitas as considerações aqui apresentadas partindo de uma pergunta simples de ser feita e difícil de ser respondida qual é o modelo que devemos procurar como historia dores e como professores de História Partindo de uma conferência proferida pelo historiador francês François Hartog publicada em 1996 poderíamos dizer que houve três modos de entender a História e o papel do historiador O modelo clássico inaugurado por Tucídides e Cícero quando entendiam a História como magistra vita uma velha mestra que edu cando com os seus exemplos do passado poderia preparar nosso cami nho no futuro Esse modelo histórico predominou com altos e baixos até a me tade do século XVIII quando a Revolução na França e o Iluminismo na Alemanha exigiram uma nova conceituação Essa nova conceitua ção carregava consigo a descoberta da História como processo Um processo que era ao mesmo tempo progressivo e teleoló gico que leva a algum lugar que tem objetivo A História seria uma 75 H i s t ó r i a na s a l a d e a u l a história do futuro como o próprio Chateaubriand escritor fran cês afirmava eu escrevia História Antiga e a História Moderna es tava a bater à minha porta Chateaubriand estava se referindo ao fato de que pretendia es crever História precisamente no momento em que se estava dando a Revolução Francesa Griteilhe em vão Espera já vou Ela passava ao estrondo do canhão levando três gerações de reis completava Chateaubriand Por outras palavras o historiador estaria imerso no próprio tempo em que escreve e à medida que escreve tenta escrever sobre o passado procurando vislumbrar o futuro querendo entender a Revo lução e prever simultaneamente o seu destino Um terceiro modelo surgiu no período entre guerras quando a partir do final da Segunda Guerra Mundial o futuro começava a per der terreno à medida que o presente e nada mais do que o presente tornavase importante De certa forma como afirmava Hartog na sua conferência o que temos experimentado no Ocidente ao longo do sé culo XX é uma ênfase crescente no presente enquanto tal Portanto até o começo dos anos 80 tínhamos três linhas de pensamento que configuravam a História a história mestra da vida voltada para o passado a história teleológica voltada para o futuro e a história do presente situada no hoje aqui e agora E contudo con forme Hartog afirmava esses três modelos quebraram definitivamente e não conseguem mais dar conta da História A PROCURA DE UM NOVO MODELO PARA A HISTÓRIA O que mudou nesses últimos anos Por que esses modelos não dão mais conta da realidade histórica Hartog defende a hipótese de que o ano de 1989 com a queda do Muro de Berlim simboliza o mo mento de quebra ou pelo menos o momento de mudança O que simboliza esse momento para o conhecimento histórico Simboliza nas palavras de Hartog que não é mais possível escrever 76 R a f a e l R u i z História do ponto de vista do futuro e que o passado mesmo e não apenas o futuro tornouse imprevisível ou mesmo opaco Não é mais possível falar do futuro porque as velhas teorias de terministas de uma história positiva uma sucessão linear e progressi va não passavam de uma ilusão Não é mais possível ver o passado por que depois da queda do muro é mais fácil perceber que há muitos pontos de vista convergindo sobre esse passado e narrandoo de formas muito diferentes Qual deveria ser então o novo modelo para a História Que perguntas deveríamos fazer ao nosso passado ao nosso presente e ao nosso futuro Qual poderá ser a tábua à qual possamos nos agarrar diante desse naufrágio dos vários modelos A resposta de Hartog lança uma luz penetrante para reorgani zarmos nossa maneira de estudar e de ensinar a História Diz ele que precisamos nos basear em dois princípios 1 edificar o próprio ponto de vista tão explicitamente quanto possível e 2 realizar sempre uma abordagem comparativa Tratase portanto de ensinar aos alunos não a contemplar o edifício da História como algo já pronto mas de ensinarlhes a edi ficar o próprio edifício Até agora a História era ensinada como se se tratasse de quadros já acabados Cenas que eram apresentadas aos alunos como se fossem sli des para apartir daí tecer algumas considerações sobre como se chegou a essas mesmas cenas o Renascimento os descobrimentos a Conquis ta a Reforma a ContraReforma E as suas conceituações paralelas o individualismo o desejo de expansão os novos mercados o extermínio das populações indígenas o espírito protestante e o católico Ensinar a edificar o próprio ponto de vista não significa ensinar as soluções nem significa mostrar aonde se chegou num determinado momento histórico nem sequer significa dar algumas explicações so bre como e por quê se chegou naquele ponto Isso é importante mas como ressalta Hartog hoje já não é suficiente Ensinar a edificar o próprio ponto de vista histórico significa ensinar a construir conceitos e aplicálos diante das variadas situações 77 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a e problemas significa ensinar a selecionar relacionar e interpretar dados e informações de maneira a ter uma maior compreensão da realidade que estiver sendo estudada ensinar a construir argumentos que permitam explicar a si próprios e aos outros de maneira convin cente a apreensão e compreensão da situação histórica significa enfim ensinar a ter uma percepção o mais abrangente possível da condição humana nas mais diferentes culturas e diante dos mais va riados problemas O nosso desafio portanto consiste não em saber se é possível fazer isso ensinando História mas em responder positivamente com um método adequado à pergunta sobre como é possível fazer isso en sinando História UM NOVO MÉTODO HISTÓRIA E LITERATURA Se conforme dizia Hartog a forma mais acertada para cons truir o próprio ponto de vista seria adotar uma abordagem comparati va poderíamos tentar encontrar uma nova fonte de análise e de traba lho a partir da Literatura A convenção da veracidade própria da História e a convenção da ficcionalidade própria da Literatura permitemnos estabelecer um método que seguindo as diretrizes de Hartog poderá ajudarnos a ela borar essa abordagem comparativa Podemos trabalhar os diferentes modelos históricos através de um documento ou de um texto literário clássico Podemos usar como método de trabalho e em salas de aulas tanto um texto de Tucídides para mostrar a História mestra da vida como um texto do A vida e as estranhas aventuras de Robinson Crusoé de Daniel Defoe tanto um texto de Marx para identificar uma história teleológica como a Uto pia de Thomas More tanto um documento da história presente co mo uma leitura de Palomar de ítalo Calvino 78 R a f a e l R u i z R obinson C rusoé e a História mestra da vida O objedvo de trabalhar com a leitura do texto de Defoe pode ria ser tentar perceber como é difícil captar a diferença e como é fácil ver no outro a projeção daquilo que somos Robinson está no Novo Mundo pretendendo moldálo confor me ao já conhecido conforme ao estilo europeu O grande erro de Ro binson consistirá em não olhar para a realidade que o cerca sem deixar de lado a herança do passado já vivido Quando quis semear para re solver o problema da fome foi incapaz de prestar atenção aos ritmos climáticos do lugar onde estava Soube apenas pensar nos mesmos moldes e com os mesmos ritmos que se viviam na Inglaterra Guardei todos os grãos que pude com a intenção de os semear de novo na esperança de conseguir com o tempo quantidade suficiente para me prover de pão Todavia não pude comer um só grão antes do quarto ano e mesmo depois desse tem po usei de m uita economia como veremos a seu tempo Com efeito perdi toda a primeira sementeira porque não escolhi a época apropriada Qual é o princípio epistemológico que Robinson está usando A analogia Olha para a nova realidade em que se encontra e enxerga a através dó filtro do que já conhece Por isso o primeiro contato com o outro dáse de maneira prag mática e individualista É a melhor forma que Robinson imaginara pa ra conseguir sair da ilha em mais uma nova tentativa que realizara Uma noite durante a estação chuvosa no mês de março do 24 ano da minha permanência na ilha sonhei que ao sair de casa pela manhã com o de costume vi duas canoas na praia e 11 selvagens que traziam outro prisioneiro para assar e devo rar Tornouse assim meu criado Logo que o arranjei disse para comigo Posso agora tentar atingir o c o n t i n e n t e pois esse camarada me servirá de guia dizendome o q u e lazer 79 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a aonde ir para obter víveres que lugares evitar para não ser de vorado Acordei com esse pensamento Tamanha me fora a alegria ante a perspectiva de escapar da ilha que ao ver que tu do não passava de um sonho o desapontamento me lançou no mais profundo desânimo O seu sonho somente se realizou um ano e meio depois Foi assim que salvou SextaFeira Era a primeira vez em 25 anos que conseguia relacionarse com outro ser humano E contudo o seu modo de olhar continua preso ao passado continua sendo um modo de olhar europeu Era um belo tipo elegante bem proporcionado alto robusto e segundo me pareceu de uns 26 anos de idade Tinha aspec to agradável e não feroz ou brutal A fisionomia era varonil embora não lhe faltasse a doçura e a suavidade do semblante europeu máxime quando sorria A pele não era negra re tinta porém acobreada mas não daquele horrível acobreado amarelecido e nojento dos índios do Brasil da Virgínia e de outras regiões da América E as primeiras duas coisas que Robinson lhe ensinou foi que seu nome seria SextaFeira dia em que o salvara e a dizer Senhor e em seguida deilhe a conhecer que esse seria meu nome Todo o processo de aculturação seria portanto uma imitação do estilo europeu O americano seria um remedo do europeu sem apa rência própria Depois disso voltamos ao nosso castelo onde dei a Sexta Feira antes de mais nada um par de ceroulas de linho que en contrara na arca do infeliz artilheiro do navio naufragado Ser viulhe muito bem com pequenos ajustes Fiz para ele depois da m elhor maneira que pude uma jaqueta de pele de cabra Deilhe também um gorro de lebre Ficou dessa maneira to leravelmente vestido M ostrouse muito contente com a indu mentária quase tão boa quanto a do seu senhor Não se ajei 8o R a f a e l R u i z tou bem a princípio As ceroulas eramlhe m uito incômodas e as mangas da jaqueta feriam lhe os ombros e a face interna dos braços Não tardou porém a acostumarse A própria alimentação seria como na Inglaterra Resolvi regalálo no dia seguinte com um pedaço de ca brito assado Preparei a carne pendurandoa de um cordel so bre a fogueira conform e vira fazer muitas vezes na Inglaterra Q uando lhe dei a com er um pedaço de carne usou de tantos gestos para dizerme quanto a apreciava que não pude deixar de entendêlo Acabou por me afiançar que nunca mais comeria carne humana o que me alegrou bastante Por isso não é de se estranhar que Robinson na segunda parte do livro pretenda criar as bases da sua nova colônia a partir do exem plo da antiga A seguir reparti uma espécie de tela inglesa m uito fina de que já fiz menção dandolhes o bastante para fazer uma tela am pla e leve à guisa de túnica traje fresco e côm odo que me pa receu mais próprio para aquele clima Da mesma form a dispuj quanto aos sapatos chinelos e chapéus É impossível descrever o prazer e a satisfação que dem onstrou aquela pobre gente ao ver meu interesse por eles Cham a ramme seu pai Apresentei então o pessoal que havia levado comigo principalm ente o alfaiate o ferreiro e dois carpinteiros Robinson Crusoé é um bom exemplo de como o passado pode ser modelo para o presente como de fato a história pode ser mes tra da vida Daniel Defoe propõe com a sua personagem uma Novi Inglaterra no Novo Mundo e para tanto levará do velho continente alfaiates carpinteiros roupas tecidos Enfim tudo aquilo que l necessário para fazer da América um espelho da Europa 81 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a More e Maquiavel as utopias em choque A utopia é uni dos temas mais importantes da História Mo derna freqüentemente tratado como um apêndice literário num mo mento marginal da aula sobre o Renascimento ou os descobrimentos Contudo a análise desses textos literários permite relacionar e estabelecer conexões entre m u itas áreas do conhecimento política sociedade religião representações sociais aspirações Dessa forma tornase mais simples fugir do sistema bipolar já comentado indivi dualismoexpansão novos mercadosextermínio calvinismocatolicis m o e adentrarse na proposta comentada por François Hartog de nominada por ele de história teleológica Por que a utopia surge como um modelo no mundo moder no Porque ó pensamento moderno é um pensamento ativo Tanto Francis Bacon quanto a Companhia de Jesus por citar apenas dois exemplos bem diferentes são caracterizados por esse componente Para Bacon a finalidade do conhecimento já não é mais como nos tempos clássicos a contemplação teoria da realidade mas a trans formação da mesma Saber é dominar Dominar a natureza e as suas leis para transformála Para a Companhia de Jesus a tarefa mais importante é a trans formação do homem de um homem velho para um homem novo de um homem pecador num santo E para isso seria necessário um no vo espaço um novo tempo uma nova sociedade Por isso o modelo utópico será tão utilizado na Idade Moder na porque servirá como crítica do atual modelo de vida e proposta do futuro E a América será o campo fértil para servir de modelo para uma nova proposta de sociedade Nessa perspectiva entendese melhor por que a nova realidade descoberta foi chamada de Novo Mundo Nova Es panha ou Nova Inglaterra Onde está a diferença principal entre a Utopia dc More e o Príncipe de Maquiavel Na sua diferente concepção do ser e do de ver ser E essa distinção é precisamente um divisor de águas entre o mundo clássicomedieval e o mundo moderno 82 R a f a e l R u i z More embora renascentista é um humanista clássico Sua tra dição está ancorada nos gregos Maquiavel rompe com o mundo gre go e prepara as bases do mundo moderno Os gregos tinham visões muito diferentes sobre a educação mas partiam de um princípio ordenador que é contestado pelo mundo mo derno e especificamente por Maquiavel Para os gregos o ser e o de ver implicamse mutuamente Para More só poderá haver uma boa sociedade se os homens forem bons ou seja se forem convenientemente educados Para Ma quiavel basta apenas que os homens representem o seu papel Quando Thomas More explica a Rafael como deveria ser o pro cesso educativo na nova sociedade advertia que não é possível que tudo seja bom e perfeito até que os próprios homens consigam atingir a perfeição coisa que na minha opinião não acontecerá nos anos mais próximos de nós Para More a educação da nova sociedade teria um ritmo len to porque seria preciso tempo para extrair dos homens aquilo que de melhor podem dar de si Por isso propõe jogos e costumes que permi tam criar hábitos Um dos jogos é o combate dos vícios e das virtudes em jeito de batalha sobre um tabuleiro Este jogo mostra com clareza a dis córdia e a anarquia que reina entre os vícios e o seu perfeito acor do e unidade quando se opõem às virtudes M ostra ainda os ví cios que se opõem a cada uma das virtudes como as atacam astuciosamente e por processos indiretos e a dureza e violência com que as enfrentam em campo aberto Evidencia este jogo co mo a virtude resiste ao vício e o domina como frustra os seus in tentos e finalmente como um dos dois partidos alcança a vitória More inserese em uma corrente do pensamento humanista clássico que estabelece a necessidade da virtude pessoal para que a re pública funcione corretamente Por isso em Utopia vivese de acordo com costumes bem dife rentes dos da nossa sociedade Para evitar os graves problemas sociais 83 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a que decorrem do uso do dinheiro do ouro e da prata da avareza e am bição humanas os utopianos encontraram um método que o próprio Rafael diz ser difícil de acreditar Utilizam o ouro e a prata para fazer vasos de noite e outros re cipientes de uso mesquinho não só nos edifícios comuns co mo nas casas particulares Por todos esses meios procuram manter o uso do ouro e da prata como infamante e reprovável e esses metais cuja perda nos outros povos é tão senrida como a da própria vida no caso dos utopianos se toda a riqueza desaparecesse num repente ninguém sentiria a sua falta O autor volta a repetir que para conseguir tudo isso é preci so que haja um sistema educativo bem organizado de maneira que os próprios costumes sociais estejam de acordo com o que é ensina do nas escolas More como bom humanista de corte grego preocupase não apenas com o fato de que se entendam e se aceitem racionalmente as normas e os princípios de ação prática indispensáveis para a vida pessoal e a vida em sociedade mas que esses princípios despertem nos homens bons sentimentos ou melhor os sentimentos adequados A prática dos atos o costume facilita que na pessoa surjam os sentimentos ade quados quando algumas práticas possam tornarse custosas Os utopianos concebem tais sentimentos em parte pela educa ção recebida no seio de uma república cujos costumes tão fortemente se opõem a essas loucuras e também pelo estudo das letras Estamos perante o que sempre se entendeu como formação clás sica ler e ver Teoria e estética Argumentos e costumes Razão e senti mento Tudo junto sem a separação que será estabelecida por Maquiavel A tese fundamental da utopia é que é preciso ser educado para enxergar os valores para assumir os valores Ou seja só quem é bom reconhece o valor do que é bom Fora disso é preciso a imposição ou da força bruta ou da força da lei Maquiavel por seu lado proporá um modelo completamente diferente É o momento mais significativamente moderno É o come 84 R a f a e l R ui z ço da separação da fragmentação da realidade Ser e dever estão em mundos diferentes No Cap XV ao tratar das razões por que os homens e espe cialmente os príncipes são louvados ou vituperados Maquiavel ma nifesta seu intuito de falar sobre o comportamento que os príncipes de vem ter com relação aos seus súditos e esclarece que não pretende fazer como tantos outros autores que já têm tratado desse tema Todavia como é meu intento escrever coisa útil para os que se interessarem pareceume mais conveniente procurar a verdade pelo efeito das coisas do que pelo que delas se possa imaginar Tratase portanto de inaugurar uma ética de resultados on de a verdade se conclua da utilidade ou inutilidade das ações É neste capítulo que Maquiavel estabelece mais claramente a separação entre o c íc j ser e o dever ser Vai tanta diferença entre o como se vive e o modo por que se de veria viver que quem se preocupar com o que se deveria fazer em vez do que se faz aprende antes a ruína própria do que o modo de se preservar e um homem que quiser fazer profissão de bondade é natural que se arruine entre tantos que são maus O critério ético fica deslocado a partir desse momento O que interessa não é a bondade ou praticar atos justos mas a utilidade e pra ticar atos que produzam um rendimento que beneficie ao autor Ma quiavel não afirma que essa atitude seja boa simplesmente constata como o fará repetidamente nos outros capítulos que é a única ati tude possível para sobreviver neste mundo O que há de moderno e de diferente nessa postura Na raiz des sa postura encontrase uma visão moderna do conceito de lei embora Maquiavel não fale expressamente A lei é vista como um instrumento do poder para imperar coativamente uma conduta determinada O mundo do ser é natural é sentimental é subjetivo É um mundo onde o homem precisa ser educado Mas o mundo do de ver ser é voluntário é objetivo pode ser imperado O homem moderno pode ser induzido A tese fundamental do mundo moderno 85 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a é que mesmo as pessoas sendo ruins podem praticar atos bons por que imperados É importante perceber a diferença entre Utopia e Príncipe na Utopia eu preciso convencer educar as pessoas a serem boas a lei é uma ajuda junto com outros fatores no Príncipe não as pessoas po dem ser até ruins o importante é que a lei seja coativa que force a agir Para Maquiavel haveria dois mundos separados o mundo da éticamoral onde se afirma uma lei interna e privada e até certo pon to abstrata o espaço do ser e da bondade e o mundo do direitojus tiça onde se afirma uma lei externa pública e concreta o espaço do dever ser e do jurídico O dever ser de Maquiavel não olha para a bondade dos atos mas para a utilidade Por isso em política não se pergunta mais se é bom mas se é necessário ou útil Partindo dessa dicotomia para Maquiavel o mais importante portanto é disfarçar muito bem essa qualidade e ser bom simulador e dissimulador E tão simples são os homens e obedecem tanto às neces sidades presentes que aquele que engana sempre encontrará quem se deixe enganar Dentro deste contexto Maquiavel introduz definitivamente a distinção entre o ser e a aparência O Príncipe não precisa possuir todas as qualidades acima cita das bastando que aparente possuílas Antes teria eu a audá cia de afirm ar que possuindoas e usandoas todas essas qua lidades seriam prejudiciais ao passo que aparentando possuílas são benéficas por exemplo de um lado parecer ser efetivam ente piedoso fiel hum ano íntegro religioso e de ou tro ter o ânim o de sendo obrigado pelas circunstâncias a não o ser tornarse o contrário Maquiavel portanto vai contra a corrente de pensamento clás sico inaugurado pelos gregos e renovada por More que estimulavam o homem a tornarse aquele que podia chegar a ser ou a ser si pró prio Maquiavelnão acredita na capacidade de desenvolvimento per 86 R a f a e l R u i z fectivo do ser humano Olha e aceita o homem como é completa mente desvinculado do que pode vir a ser bastando apenas que pos sa aparentar o que deveria ser Maquiavel introduz na esfera política do Renascimento uma cosmovisao de ética muito diferente da introduzida por um More com a sua Utopia Tratase de uma ética de resultados que terá conseqüên cias a curto prazo no âmbito da conquista e colonização do Novo Mundo não se pode esquecer que provavelmente Hernán Cortés te nha recebido influências de Maquiavel e a longo prazo no âmbito do que hoje conhecemos como mundo da política ítalo Calvino e a fragmentação do presente Em sua conferência François Hartog apontava para a impossi bilidade de o historiador dar conta da História do presente num mo mento em que se verifica não apenas que a realidade está fragmentada mas que a própria narrativa permite inúmeras possibilidades ítalo Calvino com o seu Palomar caminha na mesma direção começando pela própria questão do método histórico Como se dá o acesso à realidade O que se pode fazer perante um documento peran te um objeto material se não soubermos formular a pergunta acerta da aquela que precisa ser feita Qual deverá ser o modelo que nos per mita entender a realidade histórica Para ter uma boa compreensão do que estamos analisando é preciso saber o que se está procurando é imprescindível para o histo riador ter uma atitude ativa inquisitiva que o leve a determinar pre viamente a pergunta que focalize o seu olhar sobre o documento so bre o período que está estudando É isso que ítalo Calvino procura nos lembrar no seu livro Palomar Uma das primeiras dificuldades que encontra Palomar na sua tentativa de conhecer o mundo é a dificuldade para isolar o objeto a ser conhecido Enquanto contempla o mar e procura analisar uma onda per cebe que não se pode observar uma onda sem levar em conta os as pectos complexos que concorrem para formála e aqueles também 87 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a complexos a que essa dá ensejo Há uma dificuldade inerente à reali dade que dificilmente Palomar consegue superar A realidade não se deixa objetivizar No momento em que a objetivizamos destruímos seu ser em movimento real e a transformamos em uma peça de mu seu objetiva sim mas já não mais real É uma realidade mumificada Palomar tenta limitar seu campo de observação É como se houvesse realidade demais para cie Tanta realidade que se torna im possível estudála atenta e objetivamente De certa forma o que a per sonagem de Calvino está tentando fazer como o historiador é um re corte da realidade Um recorte no espaço e no tempo para assim poder debruçarse sobre esse objeto produzido Palomar tenta recortar um quadrado de digamos dez metros de praia por dez metros de mar para poder levantar um inventário de todos os movimentos de ondas que ali se repetem com freqüência variada dentro de um dado intervalo de tempo Mas não é tarefa fácil O mar não se deixa circunscrever dentro desse espaço recortado por Palomar E pior o próprio Palomar não consegue prestar atenção apenas àqueles aspectos previamente demar cados por ele É como se a realidade a ser estudada puxasse do investi gador continuamente para outros aspectos e parcelas daquela mesma realidade que ficam para muito além do recorte estabelecido Prestar atenção em um aspecto faz com que este salte para o primeiro plano invadindo o quadro Além do mais nesse entrecruzarse de cristas diversamente orientadas o desenho de conjunto se torna fragmentado em espços quadrados que afloram e se desvanecem O historiador tal como Palomar na sua ânsia de conhecer a rea lidade histórica e defrontandose com as mesmas dificuldades que o herói de Calvino encontra na sua tarefa deixase levar pela mão de Pa lomar à conclusão de que precisa de um método Palomar decidiu optar por um modelo cartesiano racionalista o mais perfeito lógico geométrico possível Esse modelo traz a vantagem de ter sido sistematizado por um filósofo da categoria de Descartes e car 88 R a f a e l R u i z rega em si toda a força e tranqüilidade para o espírito inquisidor do in vestigador de garantir a certeza e a objetividade dos resultados É um modelo que foi sendo alinhavado na Europa já no come ço do Renascimento Físicos astrônomos artistas arquitetos até mes mo políticos e homens da corte foram procurar na Natureza as leis ob jetivas que mostrassem as bases estruturais do método Tratavase então de conseguir ter presente por um lado a realidade inform e e de mente da convivência humana que só gera monstruosidades e desastres e por outro lado um modelo de organismo social perfeito desenhado com linhas nitidamente traçadas retas e círculos e elipses paralelogramas de forças diagramas com abscissas e ordenadas O modelo pronto e acabado não é patrimônio exclusivo de Pa lomar nem de muitos cientistas e pesquisadores Foi assim por exem plo que os espanhóis se aproximaram da América com um modelo de cidade um modelo de rei um modelo de súdito um modelo de re pública e polícia como eles próprios gostavam de repetir enquanto olhavam para os indígenas e levavam as mãos à cabeça afirmando que viviam como brutos sem um mínimo de civilidade O problema do modelo é que para ser modelo tem de fun cionar comperfeição ao passo que a realidade vemos bem que ela não funciona e que se esfrangalha por todos os lados Mas Palomar como os espanhóis à época da conquista e como curiosamente o pró prio historiador tantas vezes não desiste e não será por isso que ele vai deixar de lado o seu modelo Se é assim que as coisas se passam res ta apenas obrigar a realidade a adquirir a forma do modelo por bem ou por mal A tarefa não resultou fácil para Palomar nem para os espanhóis nem para os historiadores A realidade recusavase a adaptarse ao mé lodo Calvino comenta que sua personagem bem que tentou procu inulo desconsiderar tudo aquilo que sobrava da realidade todas as la ci iições e contorções e compressões que a realidade humana deve sofrer 89 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a para identificarse com o modelo deviam ser consideradas acidentes momentâneos e irrelevantes ítalo Calvino ajudanos a concluir que a realidade é de fato ina barcável Mas nem por isso o seu personagem deixa de querer entendêla O momento mais significativo dessa tensão tensão entre a im possibilidade de compreender totalmente a realidade e a necessidade de querer entendêla fica maravilhosamente retratado quando Palomar viaja ao México até as ruínas de Tula Palomar encontrase lá na companhia de um amigo com mo numentos antigos Diante de um chacmool uma figura humana se miestendida que segura um vaso o amigo de Palomar dá inúmeras explicações que de certa forma fazem sentido Contudo um profes sor mexicano olhando para a estátua e para os seus alunos diz apenas Esto es un chacmool No se sabe qué quiere decir Palomar fica perplexo e fascinado Perante a riqueza das explica ções do amigo e a singeleza da afirmação do professor Palomar não sa be que partido tomar As coisas realmente se passaram assim como ex plica o amigo ou não há o que se possa dizer perante aquelas estátuas Que quereria dizer morte vida continuidade passagem para os antigos toltecas e que poderá querer dizer para esses garotos E para mim Palomar toma consciência de que não consegue dar conta de to da a realidade passada de que no momento presente que vivemos não dispõe do arcabouço lingüístico nem conceituai que lhe permita enten dêla completamente E mesmo assim procura lançar as perguntas que considera oportunas procura fazer as questões que lhe ajudem a entender melhor essa mesma realidade Por quê Calvino responde com a resposta que o historiador é também capaz de dar diante da realidade fragmentada do mundo moderno Contudo sabe que não poderia jamais sufocar em si a necessi dade de traduzir de passar de uma linguagem a outra de uma figura concreta a palavras abstratas de símbolos abstratos a ex periências concretas de tecer e tornar a tecer uma rede de ana logias Não interpretar é impossível como é impossível abster se de pensar 90 R a f a e l R u i z ítalo Calvino como François Hartog e como qualquer histo riador neste começo de século XXI sabem que o tecido da História es tá feito de uma rede de analogias e interpretações que partem do tex to do objeto material do documento mas que são abstrações interpretativas porque no limite da verificabilidade não sabemos o que aqueles textos e estátuas querem dizer mas podemos explicitar o nosso ponto de vista e tentar estabelecer uma rede de relações e analo gias o mais abrangente possível que possam vir a darnos uma não to da explicação de aquela realidade histórica Por isso um dos modelos que devemos procurar perante os de safios que já estão colocados neste começo do século XXI é o modelo narrativo Um modelo narrativo que contemple as duas condições pré vias as duas premissas necessárias que Hartog apontava na sua confe rência o ponto de vista do narrador e uma abordagem comparativa A Literatura Universal sempre nos proporcionará o acesso a es sas duas premissas básicas O narrador pelo fato de narrar posicionase a partir de um ponto de vista que fica explícito na própria narrativa E esse mesmo narrador quando a obra literária é um clássico sempre adotará uma cosmovisão abrangente sempre nos per mitirá olhar para as personagens e para o fio condutor da sua história com um olhar mais amplo mais relacionai onde tudo ou quase tudo o político o social o individual o íntimo o econômico o religioso o explícito e o im plícito tudo enfim o que compõe a estrutura do humano possa ser compreen dido num único golpe de vista o golpe de vista do leitor que será ao mesmo tempo espectador da história que está sendo contada e que lhe permitirá adquirir uma visão muito além do que até agora lhe permitiam os antigos modelos da História 91 PARTE II RECORTES PARTE II RECORTES A RENOVAÇÃO DA H l S T Ó R IA A N T I G A Pedro Paulo Funari A História Antiga na sala de aula constitui desde longa data uma grande preocupação para o professor Há mais de 15 anos quan do o restabelecimento dos civis no poder trouxe à tona uma grande efer vescência nas discussões sobre o ensino de História na escola fundamen tal e média a História Antiga já se apresentava como um grande tema Em reuniões da Anpuh havia mesasredondas sobre isso assim como fervilhavam as propostas curriculares que tinham de haver com os pe ríodos da História Os parâmetros curriculares de História do início da década de 1960 estabeleciam os temas de História Antiga que deveriam ser conhecidos por professores assim como os livros didáticos então como agora dedicavam atenção ao mundo antigo Todos os cursos su periores de História deviam ministrar História Antiga para formar os futuros mestres mas pouquíssimos tinham docentes pesquisadores da Antigüidade de modo que a disciplina estava relegada na universida de àqueles cujo conhecimento do tema era muito superficial e cujo in teresse muitas vezes se distanciava do mundo antigo Nas últimas duas décadas a situação mudou muito tanto no ensino superior e na formação dos professores como nos livros didáti cos e de apoio e na própria prática da sala de aula Se o estudo da Antigüidade tantas vezes parecia antes esotérico distante e só even tualmente prazeroso e atrativo hoje o quadro é outro e as perspectivas sío ainda mais alentadoras Neste capítulo mostrarei como a História 95 H i s t ó r i a n a s a l a de a u l a Antiga pode ser não somente muito útil para a vida do futuro cidadão como também procurarei ressaltar aqueles recursos e estratégias à dis posição do professor para que ele ministre aulas agradáveis e que lhe tragam prazer e recompensa intelectual O ESTUDO DA ANTIGÜIDADE NO BRASIL E A FORMAÇÃO DO PROFESSOR Em duas décadas o país testemunhou uma grande expansão da pesquisa sobre o mundo antigo Muitas universidades possuem profes sores estudiosos do mundo antigo mestres e doutores com pesquisa própria sobre a Antigüidade A importância do conhecimento das fon tes antigas gregas latinas mas também hebraicas egípcias e mesopo tâmicas levou ao estudo de línguas pelos estudiosos A História se faz com documentos e o conhecimento em primeira mão dos documen tos permite que o historiador formule suas próprias interpretações do passado A História em especial a Antiga não se faz apenas com do cumentos escritos mas também com a cultura material com o estudo arqueológico de edifícios estátuas cerâmica pintura entre outras ca tegorias de artefatos A arqueologia do Mediterrâneo antigo também desenvolveuse no Brasil com estudos tão originais e variados como a vida rural na Grécia antiga a cultura popular antiga as imagens dos vasos gregos para citar apenas uns poucos tópicos Dezenas de profissionais qualificados formaramse nesse período e puderam expandir de forma significativa o ensino especializado de História Antiga As pesquisas científicas resultaram logo em uma gran de quantidade de publicações livros e artigos de revista lidos pelos alunos futuros mestres e pelos próprios professores Assim ao lado da literatu ra historiográfica internacional traduzida expandiuse a possibilidade de acesso a uma produção nacional muito próxima das preocupações e an seios dos nossos professores e alunos Além dos livros para professores multiplicaramse as coleções de apoio didático com livros voltados para os jovens do ensino fundamental com muitas ilustrações excelente pro 96 P e d r o P a u l o F u n a r i jeto gráfico atrativos e instrutivos Produzidos por autores brasileiros tratam das inquietações de jovens brasileiros Publicaramse também muitas obras antigas traduzidas das línguas originais ao português seja na forma de obras integrais seja na forma de coletâneas 05 LIVROS DIDÁTICOS E A RENOVAÇÃO DA HISTÓRIA ANTIGA Os livros didáticos também foram afetados pela profissionaliza ção do estudo da Antigüidade no país Cada vez mais os livros tratam não só dos temas e das explicações historiográficas tradicionais mas procuram diversificar os objetos e as abordagens assim como inserir o estudo da Antigüidade na realidade brasileira A visão eurocêntrica es tereotipada já não é a única encontrada ao contrário Surgida no sécu lo XIX europeu a postura tradicional identificava a História como o es tudo do Ocidente racional e dominador do mundo que teria surgido na forma de civilização às beiras do Nilo Tigre e Eufrates passado como se fosse uma tocha para a Grécia depois Roma para ressurgir no mun do moderno Essa visão tão profundamente elitista e européia tem ce dido passo a concepções menos limitadas do mundo antigo O Egito já não são apenas os faraós mas também as muitas e mui tas aldeias nao há apenas continuidade mas mudança mostrase que ali conviviam povos e culturas variadas egípcios núbios hícsos hebreus gregos romanos A Mesopotâmia já não é apenas o mundo dos déspotas precursores de Saddam Hussein mas um local onde a variedade cultural produziu uma infinidade de reflexões muitas delas profundamente enrai zadas em nossa própria cultura Os hebreus já não são apenas precursores do cristianismo mas fazem parte de nossa própria maneira de conceber o mundo A Antigüidade tampouco iniciase com a escrita mas cada vez mais buscase mostrar como o homem possui uma 1 listória Antiga mul timilenar anterior à escrita em milhares de anos A Grécia idealizada como a inventora da democracia e da filo sofia cede passo para interpretações mais abrangentes que recuam a 97 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a Grécia para muito antes de Homero e que mostram as ligações umbi licais entre os helenos e o Mediterrâneo Oriental Na Atenas democrá tica descobrese uma massa de camponeses pobres na base do regime assim como artesãos humildes que forjam uma cultura muito menos elitista do que aquela ensinada a nossos avós e tantas vezes rejeitada co mo incompreensível A cidade grega a pólis volta a adquirir seu sen tido original ao apresentarse a vida no campo onde vivia a grande maioria dos gregos Os romanos caracterizados como brutos violen tos cruéis e preguiçosos e sua história como uma sucessão de sandices de seus governantes têm cada vez menos espaço O cotidiano dos ro manos suas labutas diárias sua religiosidade e apego à lei passam a ex plicar os jogos de gladiadores como prática inteligível antes que sim plesmente condenável A sua História é aquela da diversidade da absorção e da interação cultural Logo se chega a Darcy Ribeiro e sua caracterização do Brasil como a nova Roma NOVAS POSSIBILIDADES ANALÍTICAS Quais as principais inovações interpretativas que influenciam de forma positiva o ensino de História Antiga Em primeiro lugar a apresentação de uma Antigüidade construída pela historiografia an tes que uma História dada acabada a ser decorada pelo aluno Os grandes temas e acontecimentos da Antigüidade as próprias periodi zaçoeSj começam a aparecer como construções historiográflcas Na História Antiga a tradicional dicotomia entre Oriente e Ocidente constitui uma grande narrativa que estrutura toda uma visão euro cêntrica da História Cada vez mais apresentase essa oposição no contexto histórico do moderno imperialismo do século XIX e X X a mostrar como o Ocidente se cria como uma supercivilização domi nadora do mundo Em um primeiro momento esse Ocidente é niti damente racista arianista antisemita ao criar um homem ariano ocidental racional guerreiro e conquistador do oriental irracional trapaceiro indolente pronto a ser civilizado pelos arianos alemães ingleses franceses depois americanos No bojo da derrota nazista e 98 P e d r o P a u l o F u n a r i da forja de um novo Ocidente antiracista criase o novo conceito muito presente nas interpretações tradicionais da Antigüidade da su perioridade cultural da civilização judaicocristã ocidentalizando em parte tanto o judaísmo como o cristianismo reconhecidos como de origem oriental Como isso se apresenta na prática concreta de sala de aula Em grande parte o que se apresenta são discursos diversos conflitantes e contraditórios sobre os temas tratados a mostrar como são os historia dores a escrever a História em contextos históricos e sociais muito pre cisos Com isso chegamos à segunda grande novidade analítica o rela cionamento entre a Antigüidade e o mundo contemporâneo em que vivemos De fato para que se possa tratar da invenção do conceito de plebe ociosa termo aplicado para designar os cidadãos atenienses e a plebe romana impõese tratar da invenção no século XVIII da noção de plebe ociosa usada para designar aqueles que no capitalismo industrial nascente não eram assalariados Da mesma forma separar razão e mito como se os gregos houvessem operado um milagre a descoberta da ra zão impõe uma lógica iluminista de novo do século XVIII para uma outra realidade histórica e social Os alunos ficam fascinados quando descobrem gregos que não eram milagrosos e geniais mas que havia cul turas variadas diversas entre si mas também diferentes de nós Os he breus já não são os inventores do nosso monoteísmo ocidental mas acre ditaram em muitos deuses inventaram um deus nacional na monolatria javista influenciados também pelos próprios egípcios As novas possi bilidades analíticas dependem em última instância da ativação da capa c idade de reflexão do aluno diante da diversidade de interpretações e do aguçamento de sua curiosidade intelectual NOVOS TEMAS E NOVAS I iSTRATÉGlAS EM SALA DE AULA Os temas tradicionais da História Antiga continuam a consti iiiir elemento central no estudo da Antigüidade pois são aqueles que 99 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a fundamentam a relação entre a nossa sociedade contemporânea e a An tigüidade Para que se possa contextualizar os discursos historiográfi cos é necessário estudar tanto as fontes antigas como a historiografia moderna sobre temas como o nascimento do Ocidente ou o surgi mento da Filosofia A própria narrativa histórica não pode deixar de passar por acontecimentos às vezes tão simplórios mas significativos para a invenção de nossa sociedade contemporânea como pode ser o cruzamento do Rubicão por Júlio César ou a monarquia de Davi e Salomão Ora se nossos alunos não souberem quem foi Júlio César e o que significou a passagem pelo Rubicão como poderão entender o papel das armas na História em geral e na nossa História em particu lar Se não conhecerem os monarcas hebreus como poderão interpre tar de forma menos superficial as religiões contemporâneas tão im portantes como o Judaísmo Cristianismo e Islamismo Isso não significa que não se devam tratar de novos temas mas que os grandes tópicos continuam a ser essenciais vistos como nar rativas historiográficas a serem conhecidas pelos alunos e que os per mitam refletir sobre temas da atualidade como são tanto o papel das armas na História como das religiões mencionadas acima Sem dú vida entretanto novos temas também podem e devem ser utilizados Os novos temas surgem em grande parte da atualidade também As sim em um mundo em que as mulheres têm cada vez mais sua atua ção na vida social posta em evidência a apresentação das mulheres e das relações de gênero apresenta interesse evidente As mulheres egíp cias com sua grande importância constituem um grande tema Ne fertiti e Cleópatra como instigadoras de um estudo crítico do papel da mulher e das relações de gênero na sociedade Em seguida a reli giosidade outro grande tema atual que pode levar ao estudo de ou tras formas de manifestação religiosa A mitologia grega sempre será um grande tema visto pelo olhar das variadas correntes historiográ ficas sobre a questão mas também a religiosidade romana cujos ecos se encontram em toda a concepção posterior de respeito às regras e às formas rituais Os jogos de gladiadores como ato religioso dá no vo sentido à própria condenação dos cristãos nas arenas o que per 100 P e d r o P a u l o F u n a r i mite ao aluno refletir de forma muito mais profunda sobre a histori cidade da religião As estratégias de sala de aula incrementaramse muito nos últi mos anos mas há recursos já conhecidos e que buscam incentivar o as pecto lúdico da atividade intelectual e que devem ser incrementados Fornecer e orientar o desenvolvimento de um tema a ser pesquisado e indicar caminhos lúdicos de reflexão revelase uma estratégia excelente Criar uma história em quadrinhos e para isso podese usar os re cursos informáticos o recorte de revistas ou mesmo desenhos feitos pe los alunos ou uma palavracruzada por triviais que possam parecer consegue fazer com que o aluno se interesse pela questão e reflita com resultados portanto muito melhores do que a simples memorização sempre enganosa temporária de conteúdos A produção de textos constitui elemento essencial para que o aluno possa aprender a redigir e a concatenar suas idéias e nos dias atuais isso pode tornarse ainda mais atrativo e instigante se o aluno for desafiado a montar um site sobre o tema onde estarão naturalmente também textos No ensino médio tanto mais se poderá usar de recursos lúdicos e pedagógicos como podem ser as leituras dramáticas de comédias la tinas ou gtegas adaptadas para isso Uma leitura dramática envolve tan to os alunos que se apresentam como os que assistem à apresentação Exige uma pesquisa sobre a obra autor contexto histórico e social de senvolve os talentos dos leitores dramáticos e produzem efeitos muitís simo duradouros nas mentes dos educandos A escravidão antiga uma abstração tão distante do aluno tornase muito palpável na encenação assim como o direito romano tema árido e pouco atraente à primei ra vista adquire contornos muito claros em uma peça de Plauto Tam bém muito pode ser obtido do conhecimento com a execução de mú sica grega e com a exibição e discussão de filmes sobre a Antigüidade Assistir ao filme O Gladiador ler alguns documentos sobre a arena ro mana assim como ver pinturas grafites e inscrições romanas a respei to torna a discussão sobre a construção do discurso historiográfico so bre Roma muito concreta e interessante 101 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a Outra grande e importante estratégia em sala de aula em qual quer dos níveis constitui a integração com outras disciplinas Trabalhos com língua e literatura vernáculas permitem a leitura por exemplo de traduções poéticas de obras antigas como Safo e Ovídio para citar dois autores de obras que permitem tratar das relações de gênero tanto na Antigüidade como nos dias de hoje A paquera e as relações entre pes soas do mesmo sexo são questões que interessam de perto os adolescen tes e que podem muito bem ser tratados com a leitura desses dois auto res A língua inglesa também pode ser bem aproveitada como no caso famoso de Júlio César de Shakespeare mas também pelo uso de sites in ternacionais sobre a Antigüidade em inglês O mesmo se aplica à Geo grafia mas também a áreas como Matemática números e cálculos em diversas civilizações antigas ou Física A integração de diversas discipli nas em projetos comuns produz resultados excepcionais como pode ser um projeto integrado sobre as pirâmides do Egito ou os edifícios gregos ONDE ENCONTRAR LITERATURA SOBRE A RENOVAÇÃO DA HISTÓRIA ANTIGA Depois de tudo que se disse a pergunta que surge naturalmen te é onde encontrar material para tantas e tão variadas atividades Os temas sobre a Antigüidade estabelecidos na década de 1960 explici tam aquilo que chamei de temas tradicionais de História Antiga as ex periências históricas das civilizações do Oriente Próximo na Antigüida de política sociedade economia e cultura o legado para o Ocidente a formação do povo grego a expansão grega pela bacia do Mediterrâ neo política sociedade economia e cultura mito e história a heleni zação a formação e expansão do mundo romano a crise políticoso cial e as lutas civis o mundo romano sob o Império a expansão pela Europa e Oriente a Pax Romana e as influências orientais política so ciedade economia e cultura a desagregação do Império O estudo da História Antiga no Brasil espalhouse e hoje o pro fessor pode contar com centros de excelência com publicações de revis tas informativos e sites que podem ser muito úteis O Centro do Pen 102 P e d r o P a u l o F u n a r i sarnento Antigo da Unicamp publica a revista semestral Boletim do CPA desde 1996 assim como mantém um site httpwwwunicamp ifchcpa com muitos dos artigos Ali encontramse reflexões que po dem ser apropriadas para o professor reavaliar questões centrais como Nero o estoicismo e a historiografia romana de Norberto Luiz Gua rinello BCPA 1 p 5364 1996 Classe e cultura no Alto Império Ro mano de Claudiomar dos Reis Gonçalves BCPA 56 p 235257 1998 Relações de gênero na sociedade romana de Lourdes Conde Feitosa BCPA 7 p 157168 1999 Gladiadores e transgressão so cial de Renata Senna Garraffoni BCPA 7 p 201210 1999 O pa pel do nacionalismo nas construções discursivas da Grécia Antiga de Fábio Adriano Hering BCPA 10 p 5768 2000 Uma cidade de participação controlada a cidade grega segundo os positivistas de José Antônio Dabdab Trabulsi BCPA 10 p 97133 2000 para citar ape nas aqueles cujos temas foram mencionados no decorrer deste capítulo O Laboratório de História Antiga da UFRJ publica a revista anual de História Antiga Phoinix assim como o site httpwww lhiaufrjcombr com muitos textos que podem ser úteis para o profes sor como Nossos contemporâneos e o amor dos antigos de Ciro Flamarion Santana Cardoso Phoinix 1 p 3952 1995 O cotidia no dos operários faraônicos de Margareth Bakos Phoinix 3 1997 pp 211224 Rompendo o silêncio vozes femininas em Atenas de Fábio de Souza Lessa Phoinix 5 p 155162 1999 Aristófanes e o tema da participação política da mulher em Atenas de Marta Mega de Andrade Phoinix 5 p 263280 1999 Práticas religiosas nas ci dades romanoafricanas identidade e alteridade de Regina Busta mante Phoinix 5 p 325348 1999 A construção da imagem do outro romanos e germanos de Ana Teresa Gonçalves Phoinix 6 p 5162 2000 Riqueza pobreza e cultura na Esparta romana de José Francisco de Moura Phoinix 7 p 180189 2001 Homero empo mito e magia de Maria Regina Cândido Phoinix 7 p 254 61 2001 Paulo de Tarso e a abertura do cristianismo à gentilida ilc de Monica Selvatici Phoinix 7 p 271283 2001 ainda para mencionar apenas os títulos que tratam de aspectos apontados neste 03 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a capítulo Entre as outras revistas relevantes para a História Antiga deve citarse Classica publicada pela Sociedade Brasileira de Estudos Clássi cos assim como muitas outras publicações de História também abrem suas páginas à História Antiga Publicamse ainda revistas eletrônicas de História Antiga como a Hélade httpwwwheladecombr e o jor nal Philia U E R j Há coletâneas de documentos antigos para uso do professor co mo o clássico de Jaime Pinsky Cem textos de História Antiga São Pau lo Contexto httpwwweditoracontextocombr e Antigüidade Clás sica a História e a cultura a partir dos documentos de Pedro Paulo Funari Campinas Editora da Unicamp httpwwweditorauni campbr Para uso com os alunos de ensino fundamental e médio há a coleção da editora Atual httpwwweditorasaraivacombr Histó ria geral em documentos onde se encontram textos e documentos ma teriais e iconográficos comentados para uso em sala de aula sobre Gré cia Teresa van Acker e Roma Pedro Paulo Funari Surgiram nos últimos anos muitas publicações de traduções do original de obras an tigas e que podem ser importantes para o professor e para uso com os alunos como Variações sobre a lírica de Safo Texto grego e variações li vres de Joaquim Brasil Fontes São Paulo Estação Liberdade Arte de amar de Ovídio São Paulo Ars Poética Editora O livro de Catulo com tradução introdução e notas de João Angelo Oliva Neto São Paulo Edusp para citar apenas algumas obras que tratam da temáti ca das relações de gênero Há hoje boas obras disponíveis em portu guês e que podem trazer bons frutos em sala de aula como as Fábulas de Esopo Porto Alegre LPM httpwwwlpmcombr ou para o ensino médio a coleção da Martin Claret httpwwwmartincla retcombr com obras como o Satyricon de Petrônio que pode ser muito bem acoplado ao filme de Federico Fellini Satyricon A arqueologia do mundo antigo pode ser encontrada em obras estrangeiras e nacionais como na bela coleção Grandes Impérios e Ci vilizações Edições dei Prado com boas traduções de obras originais britânicas ou na coleção para uso em sala de aula Atlas visuais Edito ra Ática História das coisas do cotidiano Melhoramentos Obras na 104 P e d r o P a u l o F u n a r i cionais também devem ser destacadas para o aprofundamento do pro fessor como Fatos e mitos do Antigo Egito de Margaret Bakos Porto Alegre Edipucrs O Povo da Esfinge de M Bakos e Adriana Barrios Porto Alegre Editora da U FRGS httpwwwufrgsbreditora As an tigas civilizações de Jaime Pinsky Contexto O espaço rural da pólis grega de André Leonardo Chevitarese Rio de Janeiro Fábrica de Li vros Grécia e Roma de Pedro Paulo Funari Contexto Cultura popular em Atenas de Alexandre Carneiro Cerqueira Lima Rio de Ja neiro 7Letras httpwwwheladewebcom A cidade das mulheres de Marta Mega de Andrade Rio de Janeiro LH IA httpwww lhiaufrjcombr Mulheres de Atenas de Fábio de Sousa Lessa Rio de Janeiro LH IA O público e o privado na Grécia de Neyde Theml Rio de Janeiro 7Letras Imagens de Esparta de José Francisco de Moura Rio de Janeiro LH IA Ensaio sobre a mobilização política na Grécia an tiga de José Antônio Dabdab Trabulsi Belo Horizonte Ed U FM G httpwwweditoraufmgbr O sistema imperial romano de Norma Musco Mendes Rio de Janeiro LH IA Bandidos e salteadores na Roma Antiga de Renata Senna Garraffoni São Paulo AnnablumeFapesp httpwwwannablumecombr para citar obras que tratam de temas inovadores e ainda pouco usuais Alguns estudiosos produziram mui tos livros sobre o mundo antigo todos relevantes como é o caso em particular de Ciro Flamarion Santana Cardoso O Egito Antigo Socie dades do Antigo Oriente Próximo CidadeEstado Antiga entre outros Existem também excelentes obras sobre temas tradicionais da História Antiga como as obras de JeanPierre Vernant Mito epensamento entre os gregos e Geza Aifõldy História social de Roma ou o livro Ética epo lítica no mundo antigo organizado por Hector Benoit e Pedro Paulo Funari iFCHUnicampFapesp httpwwwunicampbrifchpublk a coes Há também livros voltados para a sala de aula como na coleçao A vida no tempo dos deuses Editora Atual com volumes sobre O hyj to dos Faraós e Sacerdotes de Raquel dos Santos Funari e sobre lmté rio e Família em Roma de Pedro Paulo Funari Dentre os livros para aprofundamento do professor ninei destaque Orientalismo de Edward Said Companhia das I nu m 105 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a tratar da oposição OcidenteOriente aludida neste capítulo Estudos mais recentes sobre a renovação no estudo da Antigüidade começam a ser traduzidos como Repensando o mundo antigo com textos inédi tos de JeanPierre Vernant e Richard Hingley iFCHUnicamp httpwwwunicampbrifchpublicacoes assim como estudos sobre temas referentes à identidade religiosa como Jesus dentro do Judaísmo de James H Charlesworth Rio de Janeiro Imago A História como se disse já não começa com a escrita e o crescente interesse pela Pré História e conta com bons livros de síntese como Arqueologia Brasilei ra de André Prous Editora da UnB PréHistória do Brasil de Pedro Paulo Funari e Francisco Silva Noelli Contexto e para a escola funda mental Os primeiros habitantes do Brasil de Norberto Luiz Guarinello Editora Atual e para as séries iniciais Os antigos habitantes do Brasil de Pedro Paulo Funari Editora da Unesp httpwwweditora unespbr Algumas obras satíricas para uso no ensino médio têm sido traduzidas e publicadas como a coleção Histórias Horríveis Editora Ática Comédias antigas adaptadas para leitura dramática publicadas pela Unesp de Araraquara podem ser muito úteis httpwww unespbr Boas informações podem ser obtidas nos números da revis ta National Geographic agora publicada em português CONCLUSÃO A renovação da História Antiga vem se processando há algum tempo e os resultados têm sido os mais animadores Muitas vezes os professores em sala de aula não têm acesso às discussões historiográ ficas ou aos novos recursos que estão à sua disposição e neste capítu lo procurei fornecer um guia prático útil para o professor interessado em renovar o ensino de História Antiga A História Antiga é cada vez mais popular com um número substancial de estudiosos dedicados a seu estudo jovens que se iniciam na pesquisa e professores de cursos superiores de História Também o interesse dos alunos é notável a jul gar não só pelas coleções de livros de apoio didático mas até mesmo pela presença da temática nas revistas científicas populares como Ga 106 P e d r o P a u l o F u n a r i lileu e Superinteressante e na venda em bancas de jornais de fascícu los sobre o mundo antigo como no caso da coleção Egiptomania A re novação da História Antiga portanto responde a esse interesse e per mite antever uma prática em sala de aula cada vez mais agradável e prazerosa Este capítulo espera ter contribuído para isso Agradecimentos Agradeço a Raquel dos Santos Funari aos colegas Marta Mega de Andrade Margareth Bakos Renata Beleboni Regina Bustamante Maria Regina Cândido André Leonardo Chevitarese José Antônio Dabdab Trabulsi Lourdes Conde Feitosa Joaquim Brasil Fontes Re nata Senna Garraffoni Norberto Luiz Guarinello Fábio Lessa Ale xandre Lima José Francisco de Moura Francisco Silva Noelli João Angelo Oliva Neto Jaime Pinsky Glaydson José da Silva Neyde Theml ao Centro de Pensamento Antigo da Unicamp e ao Laborató rio de História Antiga da UFRJ A responsabilidade pelas idéias restrin gese ao autor 107 No text found R e p e n s a n d o a I d a d e M é d i a n o e n s i n o d e H i s t ó r i a José Rivair M acedo A historiadora Régine Pernoud contanos uma anedota exemplar a respeito da banalização da imagem da Idade Média no século XX Em certa ocasião acompanhava um sobrinho seu a um desses cursos em que os pais são admitidos para poderem depois obrigar os filhos a trabalhar quando ouviu a professora conduzir a aula de História da seguinte maneira A professora Como se chamavam os camponeses na Idade Média A classe em coro Chamavamse servos A professora E que é que eles faziam Que é que eles tinham A classe Tinham doenças A professora Que doenças Jêrome Jêrome grave A peste A professora E mais Emmanuel Emmanuel entusiasta A cólera A professora Vocês sabem muito bem a lição de História concluiu placidamente Passemos à Geografia1 No livro O mito da Idade Média a historiadora francesa Régine Pernoud procura desfazer uma série de malentendidos preconceitos juízos apressados e lugarescomuns relativos aos mil anos de história eu ropéia situados entre os séculos V e XV Entretanto em que pesem os 109 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a reiterados esclarecimentos de historiadores especializados na pesquisa sobre a Idade Média a respeito dos estereótipos que envolvem aquele período muitos preconceitos ainda persistem MIL ANOS DE TREVAS Sabese hoje que a visão retrospectiva da Europa medieval co mo uma idade das trevas foi elaborada por eruditos renascentistas e sobretudo por eruditos iluministas Sabese que essa visão esteve con dicionada por uma perspectiva racionalista liberal e anticlerical num momento em que ser humanista significa colocar em questão os pres supostos teocêntricos defendidos pelos representantes da Igreja defen der o avanço das luzes da razão e do progresso Ocorre que desde pelo menos o princípio do século XX as pes quisas acadêmicas sobre História Política Social Econômica e Cultu ral as pesquisas no campo da Filologia e da Literatura da Filosofia e das Artes têm demonstrado inúmeros traços originais da Europa du rante a Idade Média e tais pesquisas contribuíram decisivamente para reabilitar aquele período aos olhos dos estudiosos Hoje nenhum eru dito defenderia com seriedade aqueles velhos chavões Isso não quer dizer que os estereótipos relacionados com a Ida de Média tenham desaparecido Estes explicam inclusive um certo fascínio da arte e da cultura de massas por essa obscura Idade Média na qual pululam magos e fadas duendes e elfos dragões cavaleiros er rantes e aventuras fabulosas Explica o sucesso de obras romanescas en volvendo os mistérios e segredos da poderosa Igreja o outro lado da ca valaria com seu código de ética e com os nobres sentimentos dos cavaleiros andantes Explica o sucesso de jogos de videogame e de com putador relativos às conquistas de territórios por príncipes guerreiros com a ação de forças sobrenaturais de caráter mágico Em todos esses casos a Idade Média constitui apenas um pretexto para a criação fic cional a imaginação e o divertimento Uma certa idéia de Idade Média subsiste entre nós por esse viés Mas qual o papel da escola e da História que aí é ensinada na di 110 Do s é R i v a i r M a c e d o fusão de conhecimentos relativos ao período Antes caberia perguntar qual Idade Média vem a ser divulgada nos bancos escolares e qual a pertinência de seu ensino num país como o Brasil que não participou diretamente de uma experiência histórica propriamente medieval Na perspectiva aberta pelos Parâmetros Curriculares Nacionais PCNs para a área de História pouco espaço está reservado ao trata mento cronológico dos eventos situados entre os séculos V e XV da His tória Européia Nada a estranhar uma vez que se sabe que de acordo com os PCNs os eventos e os sujeitos históricos encontramse incluídos em contextos variados subordinados a pressupostos pedagógicos e conceitos muito abrangentes destinados a promover a apreensão da realidade social com base nas múltiplas dimensões temporais na diver sidade étnica e cultural Entretanto embora ausente na listagem de conteúdos do ter ceiro e quarto ciclos do ensino fundamental porque a ênfase deixou de recair na noção de período histórico certas questões relativas à Idade Média podem perfeitamente vir a ser exploradas em sala de au la como apontaremos páginas adiante Não obstante os PCNs quando se observam os programas e pla nos contidos nos livros didáticos destinados ao estudo da História no ensino fundamental e médio temse que as linhas de rumo que nor teiam a reprodução do conhecimento relativo à Idade Média européia estão ligadas à evolução das formas de governo isto é o governo tem poral dos remos e do império e o governo espiritualtemporal da Igre ja Prendemse também à configuração dos grupes sociais com parti cular ênfase nas relações de dominação entre senhores feudais e camponeses ou então na formação e decadência do feudalismo e a ger minação do capitalismo moderno No que respeita às formas de governo os livros apresentam a ca racterização de tratados conflitos diplomáticos e batalhas ou seja os marcos temporais tradicionais da história política Quanto aos aspec tos mais gerais quer dizer aqueles empregados na identificação de es truturas sociais e econômicas prepondera um certo mecanicismo e um certo maniqueísmo Diferentemente da posição vigente entre os espe cialistas em História Medieval para quem o feudalismo a sociedade iii H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a feudal ou o sistema feudal não passam de conceitos operatórios de análise nos livros didáticos esses conceitos acabam conferindo uma ló gica ao desenvolvimento histórico de toda a Europa como se houves se um mesmo feudalismo ou uma mesma sociedade feudal nos quatro cantos do continente ficando a sugestão de que o ingresso na Era Moderna dependeu da superação do atraso feudal Nesse tipo de abordagem do feudalismo o rei aparece sempre fraco e os senhores feudais fortes as regras do jogo vindo a se alterar apenas no momento a partir do qual o rei aliase com a burguesia Nas relações de dominação entre senhores e camponeses por outro lado am bos os grupos parecem compactos e claramente definidos os senhores co mo arrogantes e opressores os camponeses às vezes confundidos pura e simplesmente com servos como oprimidos e passivos inermes e inertes Não se reivindica aqui necessariamente a renovação conceituai e temática resultante do avanço dos estudos medievais É evidente que nos últimos trinta anos muito se pesquisou a respeito das especificida des nacionais e regionais da Europa Medieval dos grupos sociais etá rios e de gênero na Idade Média muito se debateu a respeito dos sis temas de valores das formas culturais das representações e dos traços do imaginário medieval A Idade Média ensinada na escola todavia não é a Idade Média dos pesquisadores Nesse caso a função social da História tem estatuto diferente do conhecimento erudito e acadêmico continuando a estar ligado à constituição da memória da nação do Es tado moderno e da supremacia ocidental no mundo2 Seu objetivo úl timo é demonstrar as razões explícitas ou implícitas pelas quais os su cessores dos bárbaros que saquearam o Império Romano no século V ou seja a maior unidade política constituída até aquele momento viessem a se tornar mil anos depois os descobridores e conquista dores da África do Extremo Oriente e da América UMA HISTÓRIA VISTA DE CIMA E DO CENTRO Em meados do século XVI a representação plana da terra elabo rada pelo humanista Gerhard Mercator 15121594 que inspirou o 112 J o s é R i v a i r M a c e d o atual planisfério situava geograficamente a Europa no centro do mun do não obstante a forma esférica da Terra Algum tempo depois o eru dito alemão Christophe Keller publicou um livro denominado Histó ria da Idade Média desde os tempos de Constantino o Grande até a tomada de Constantinopla pelos turcos inventando desse modo o rótu lo e a delimitação cronológica do período e situando a Europa no cen tro da linha de tempo da humanidade que daí em diante passaria a se confundir com os desígnios europeus naquilo que alguns ensaístas de nominaram ocidentalização do mundo3 Com efeito para os europeus a Idade Média corresponde às ori gens ao momento em que aquilo que um dia viria a ser chamado de Europa ganhou seus contornos políticos e culturais Numa visão em restrospecto ali estão os traços originais das nações contemporâneas sua diversidade étnicocultural seus problemas de delimitação de fron teiras suas instituições representativas cortes assembléias parlamen tos Embora herdeiros das noções grecoromanas de política e de cidadania os Estados europeus não se confundiram com as cidadeses tado nem com os impérios da Antigüidade mas organizaramse com base no modelo do reino cristão Para o medievalista Jacques Heers nunca existiu uma Idade Média francesa Aquilo que se convencionou chamar por esse nome teria sido a elaboração de eruditos dos séculos XVIXVIII dos criadores de programas escolares e autores de manuais didáticos dos séculos XIX e XX A linha de rumo básica a orientar a imagem da Idade Média teria se desenvolvido em função da existência de poderes centrais unitários e fortes Ao estudar aquele período recuado no tempo o que interessa va em última instância era valorizar o modelo de governo contempo râneo ao estudo quer dizer a república e sua capacidade de oferecer paz e segurança social aos cidadãos Os méritos desse Estado rigida mente estruturado acabavam sendo ressaltados quando seu modelo de organização vinha a ser comparado com aquilo que parecia o seu con trário a anarquia feudal Nas próprias palavras do historiador a ima gem do feudalismo sempre foi manchada pelo vício abominável da completa dissolução do poder e todo o sistema tem sido acusado e con denado devido à sua própria natureza fonte de anarquias e desgraças4 113 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a Tratase pois de julgamentos a posteriori cuja função é mirandose no passado enaltecer o presente Além disso para os europeus a Idade Média eqüivale ao perío do de formação de uma identidade supranacional de fundo cristão momento em que se alicerçam costumes e práticas coletivas orientadas por uma fé que se quer única e una Em nome dessa fé os ocidentais fizeram as cruzadas e cortaram os oceanos Foi essa mesma fé que as sociada à razão entendase à razão aristotélica promoveu desde pelo menos o século XIII o nascimento do pensamento científico moderno articulando o saber e a técnica responsável por sua supremacia dian te de diversas culturas por ocasião das grandes navegações Essa supre macia diante de outros povos e a pretensão de estar no centro do mun do teve conseqüências inclusive para a Europa Conforme um dos grandes medievalistas da atualidade Jacques Le Goff É notório pareccme através destas propostas onde o histo riador se alia ao cidadão que o debate pela Europa não está entre a tradição e a modernidade Está no bom uso das tradi ções no recurso às heranças como força de inspiração como ponto de apoio para manter e renovar uma outra tradição eu ropéia a da criatividade Um dos maus demônios da Europa tentoua com demasiada freqüência a confundir a civilização européia com a civilização universal a querer um mundo à sua imagem Se a Europa quer ser um modelo para o mundo moderno deve respeitar o próximo abrirse aos outros Foi abrindose aos outros que desde os gregos antigos ela fez grandes coisas5 PARA UMA DESCOLONIZAÇÃO DO ENSINO DA IDADE MÉDIA Marc Ferro nos relata os vínculos profundos existentes entre a História transmitida nas escolas e a formação ou deformação da cons ciência social e política em áreas coloniais Entre outros exemplos ca 4 3osÉ R i v a i r M a c e d o be destacar o caso da África negra sob domínio francês em que até pe lo menos meados do século XX aos brancos e aos primeiros negros ad mitidos às escolas a História ensinada dizia respeito aos antepassados gauleses romanos e francos No ensino de tipo metropolitano salvo pela cor da pele o negro de cultura francesa é francês em tudo Nesse ponto a Idade Média cumpria bem o seu papel de formadora de uma consciência européia e a França colonizadora aparecia como promo tora do progresso e da civilização Uma anedota curiosa indicanos as dimensões da relação pas sadopresente no ensino que nunca é neutro Quando o professor francês Franz Fanon iniciava o ano letivo de 1948 com seus alunos da cidade de Oran na Argélia apresentoulhes o programa que iria de senvolver em História No momento em que afirmou aos quarenta piednoirs6 que depois da queda do Império Romano e dos reinos bárbaros houve o florescimento da civilização árabe os ouvintes que pertenciam a uma cultura muçulmana começaram a rir civilização e árabe eram duas palavras que pareciam não poder andar juntas7 O episódio nos indica algumas pistas sobre os efeitos de uma História centrada na Europa quando ensinada em territórios nãoeu ropeus Ele nos ajuda a repensar alguns pontos sobre o que ensinar de História Medieval no Brasil Antes de tudo é preciso que fique bem claro de que Europa se fala e de que Europa convém falar Porque na realidade embora ao ser ensinado Idade Média se pretenda tratar da realidade européia em verdade a experiência incorporada aos fatos e processos tradicionalmente evocados diz respeito a apenas uma parte daquele continente justamente a parte na qual situavamse os povos que na atualidade ocupam posição hegemônica no continente Em outras palavras ao falarmos de Europa Medieval tratamos quase sempre de França Inglaterra Alemanha e Itália Outra seria a Europa do Leste Europeu a Europa Nórdica e segundo nos interessa ria mais saber a Europa Ibérica Descolonizar o ensino de História sig nifica portanto reconhecer identidades em geral deixadas por nós em segundo plano Desse modo repensar o ensino da Idade Média implica em pri meiro lugar na reflexão sobre a propriedade de continuarmos a transferir 5 H i s t ó r i a na s a l a d e a u l a conhecimentos relativos a uma Europa que na verdade se restringe à par te ocidental França Inglaterra Alemanha Itália daquele continente mantendo em segundo plano os dados relativos ao Norte países escandi navos o Leste países eslavos e a Península Ibérica Portugal e Espanha Para nós faz muito sentido compreender a formação dos povos ibéricos pois isso nos permite compreender melhor nossas características herdadas parte de nosso modo de ser e de pensar Tendo isso em mente aliás o en sino de História Medieval ganha outra dimensão A ênfase no ensino de aspectos históricos da Península Ibérica te ria muito mais propriedade educativa do que o ensino da História mo delada na França ou na Inglaterra pelo simples fato de pertencermos a um conjunto cultural específico no caso o iberoamericano Ao tomar a Península Ibérica como núcleo gerador da consciência histórica a res peito da Idade Média o ensino de História cumpriria melhor o seu pa pel de revelar aos estudantes aspectos de nosso passado que continuam a interagir com o presente Com efeito é na especificidade da formação dos reinos cristãos ibéricos que se encontram os elementos explicativos do por que a Portugal e Espanha esteve reservado o papel de alargamen to marítimo do mundo europeu o que nos diz respeito diretamente No mesmo sentido compreender o papel desempenhado por grupos de diferentes etnias no processo de formação medieval da Pe nínsula Ibérica poderia nos ajudar a compreender traços da coloniza ção ibérica posterior e da constituição de identidades coletivas na Amé rica Latina inclusive no Brasil Isso estaria em conformidade com a proposta dos PCNs de subtemas do eixo temático História das relações sociais da cultura e do trabalho proposto para o terceiro ciclo do en sino fundamental relacionados com a questão da construção das iden tidades e alteridades em outras temporalidades Referimonos aqui ao problema da coexistência étnicoreligiosa entre muçulmanos judeus e cristãos na Espanha e em Portugal tanto no período de domínio islâmico nos séculos VIIIXI quanto no perío do de Reconquista cristã nos séculos XIXIII A questão da convivên cia entre os adeptos das três grandes religiões monoteístas revelanos inclusive uma particularidade ibérica que nada deveu a outros povos nem mesmo à Igreja Sem essa convivência não teriam havido trocas 116 J o s é R i v a i r M a c e d o culturais tão profícuas cujo melhor exemplo no campo intelectual é a conhecida Escola de Tradutores de Toledo em boa parte responsável pela difusão do conhecimento grego no Ocidente por meio de obras árabes convertidas ao latim por tradutores judeus Para o professor de História e seus alunos o panorama histórico da Europa pode vir a ser um excelente laboratório de estudo das razões e circunstâncias do desenvolvimento técnico e cultural Com efeito não deixa de ser interessante propor reflexões a respeito daquele período re cuado de nós por pelo menos meio milênio quando a parte européia que hoje constitui um centro econômico mundial viase às voltas com proble mas perfeitamente atuais vividos pelos países pobres como fome e crises de abastecimento periódicos baixo nível tecnológico e surtos recorrentes de doenças infectocontagiosas Para nós será sempre importante refletir sobre as alternativas encontradas para problemas como a desigualdade so cial entre ricos e pobres e o problema do abandono infantil cujas raí zes históricas ultrapassam os limites cronológicos da própria Idade Média Dessa perspectiva aquele tempo poderá vir a constituir um importante referencial de estudo para compreendermos por aproximação ou por dis tanciamento como nós próprios lidamos com nossos dilemas sociais8 A IMAGEM E A PALAVRA NO ENSINO DA IDADE MÉDIA Outra maneira de escapar da camisadeforça dos fatos exclusiva mente políticos é refletir a respeito da atualidade do legado cultural da Idade Média Aparentemente distante se observada do ponto de vista po lítico social e econômico ela nos parece muito mais próxima quando le vamos em conta os comportamentos e atitudes mentais coletivos Aos es tudantes de ensino fundamental e médio em geral adolescentes talvez seria interessante e motivador saber que algumas concepções afetivas que lhes são caras como o amor e a amizade têm também uma histo ricidade e que suas raízes podem ser buscadas no medievo ou que cer tos padrões de conduta valorizados por eles como a honra e a fideli dade guardam algo do mundo feudal em que apareceram9 7 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a A comunicação eletrônica e a informática têm sido as responsá veis por importante divulgação da Idade Média e dos estudos medie vais A edição eletrônica de textos tem colocado à disposição dos pes quisadores uma quantidade impressionante de fontes primárias relativas ao período histórico sobretudo aquelas fontes produzidas pe los membros da Igreja10 Na internet estão disponíveis páginas de ins tituições que se dedicam a preservar a memória medieval entre elas a Ordem de Cavalaria do Sagrado Portugal httpwwwocsppt que organiza encontros periódicos de recriação histórica em Portugal in clusive promovendo torneios e espetáculos Estão também disponíveis na rede informações a respeito de pesquisadores e instituições ligadas ao estudo do medievo como a As sociação Brasileira de Estudos Medievais fundada em 1995 e respon sável pela promoção de publicações e eventos acadêmicos periódicos ao estudo e à pesquisa de História Filosofia Literatura e Arte da Idade Média httpwwwabremhecombr Devese ainda mencionar a existência de revistas eletrônicas dedicadas especialmente ao período histórico como Brathair Revista Eletrônica de Estudos Celtas e Germâ nicos httpwwwbrathaircjbnet e a Revista Mirabilia na qual cons tam publicações de artigos científicos sobre a Antigüidade e a Idade Média httprevistamirabiliacom11 Mas para o contato com o universo medieval em sala de aula convém repensar a própria linguagem Nada mais estranho do que valer se exclusivamente do escrito para se ter acesso ao modo de vida de uma época em que a maioria das pessoas era analfabeta Por isso houve quem defendesse tratarse a Idade Média de uma civilização dos gestos ou de uma civilização da palavra e da voz Um bom caminho para se com preender essas proposições é segundo pensamos explorar no ensino ou tras possibilidades de comunicação como a imagem e a oralidade Nem sempre o objetivo da História é buscar estabelecer seme lhanças e identidades com o presente O confronto com as diferenças e a diversidade dos modos de vida dos seres humanos ao longo de outros períodos da História em outras civilizações ou regiões culturais pode nos revelar nossa própria originalidade e nos capacitar melhor a ver o lugar que ocupamos na história da humanidade Confrontados com as n8 J o s é R i v a i r M a c e d o diferenças e com a diversidade dos modos de vida das pessoas de outros tempos e lugares teríamos como discernir melhor nossa própria origi nalidade e perceber melhor nossa própria posição no processo históri co universal Como nos ensina o medievalista russo Aron Gurevich O conhecimento histórico é sempre de uma maneira ou de outra uma consciência de si mesmo ao estudar a história de uma outra época os homens não podem deixar de a comparar com o seu próprio tem po Mas ao comparar a nossa época e a nossa civilização com as outras épocas e civilizações corre mos o risco de lhes aplicar a nossa própria medida o que é quase inevitável Há que ter consciência do perigo Aquilo que o homem m oderno considera hoje como um valor fundamen tal da existência pode muito bem não o ter sido para as pessoas de uma outra época e de uma outra cultura e inversamente aquilo que nos parecem falso ou secundário pode ter sido ver dadeiro e primordial para o homem de uma outra sociedade12 Todos conhecemos as potencialidades do cinema ficção e do cumentário na criação de recursos pedagógicos para aproximarse do histórico Ninguém desconhece entretanto a natureza ficcional os compromissos estéticos e as vinculações ideológicas de determinadas obras cinematográficas Ao valerse de filmes o professor deve estar ciente de que o bom aproveitamento da projeção dependerá do quanto seu conteúdo for colocado em discussão e do quanto se pu der esclarecer a respeito da distinção entre o real e o imaginário da época enfocada Por vezes um filme tem mais a dizer sobre o mo mento em que foi produzido do que a época que pretende retratar Por vezes a Idade Média tornase apenas um pretexto para se contar uma história contemporânea A eficácia da linguagem cinematográfica parece ser maior quan do se trata do emprego de filmes com o fim de sugerir ao estudante a possibilidade de pensar em diferentes temporalidades O filme deixa dc ter o papel de fixar determinada imagem de uma época mas passa a apontar mudanças ou permanências continuidades ou rupturas Nesse 119 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a caso parecenos positiva a projeção de filmes cuja trama sugere o con fronto entre o passado e o presente isto é quando personagens de di ferentes épocas entram em contato como vem a ocorrer com o bem elaborado Navigator uma odisséia 110 tempo dirigido por Vincent Ward Distribuição Look Vídeo 011 com a excelente comédia Os vi sitantes eles não nasceram ontem do diretor francês JeanMarie Poi rée Distribuição Abril Vídeo No caso de trabalho didático com o filme Os visitantes o professor poderá com bastante proveito estimular a discussão a respei to das mudanças e continuidades em diferentes temporalidades uma vez que a película tem em seu enredo a história de dois indivíduos do século XII um nobre e um servo transportados involuntariamente pa ra o século XX Tornase possível pois confrontar certos problemas do século XII desigualdade social no feudalismo com problemas contem porâneos desequilíbrios sociais desequilíbrio ambiental desequilíbrio urbano verificar as possíveis reações de pessoas de diferentes épocas diante de situações novas e inusitadas observar os condicionamentos históricos no comportamento das pessoas e grupos O universo medieval pode ser retratado contudo por meio da iconografia quer dizer das imagens de pinturas e esculturas e da ar quitetura Na Idade Média ninguém duvidava que além de serem beías as obras de arte tinham também uma função didática Na opi nião dos letrados aquilo que as pessoas simples não pudessem enten der por meio da escrita deveria ser aprendido com as figuras Para Honório de Autun respeitável pensador do século XII o objetivo da pintura era triplo servia antes de tudo para embelezar a casa de Deus as igrejas mas também para rememorar a vida dos santos e por fim para o deleite dos incultos porque a pintura em suas pala vras era a literatura dos laicos13 As imagens desse modo reves tiamse de caráter educativo pedagógico A linguagem adotada pro curava colocar em evidência símbolos e signos dotados de mensagens explícitas ou implícitas traduzindo o sistema ideológico do qual a Igreja se fazia a guardiã Trabalhar hoje com as imagens produzidas na Idade Média sig nifica entrar em contato com um importante código de comunicação 120 J o s é R i v a i r M a c e d o visual Assim sendo uma atividade proveitosa seria a coleta e seleção de imagens significativas do cotidiano medieval por meio da reprodu ção de miniaturas e iluminuras vitrais afrescos e tímpanos de igrejas alguns facilmente encontrados em livros ou em materiais de multimí dia Ao serem priorizadas no ensino elas deixam de ser vistas apenas como suporte da informação escrita passando a ser um testemunho di reto do mundo medieval O caminho inverso também pode vir a ser promissor quer dizer o estímulo para que os estudantes se aproximem do universo medieval praticando a comunicação por imagens expres sando suas idéias sentimentos e valores relativos ao medievo valendo se igualmente do desenho e da pintura Civilização dos gestos e da imagem a Idade Média foi também uma civilização da palavra e da voz Diferente do pensamento moder no que valoriza a inovação e a mudança e que concebe o velho como algo ultrapassado o pensamento medieval valoriza a constância e a per manência vendo o passado como algo a ser imitado Por isso os me dievais buscavam sempre estabelecer conexões entre o velho e o novo entre o que passou e o que estava por vir Na bela expressão de Bernar do de Chartres eminente professor do princípio do século XII Somos anões nos ombros de gigantes Quer dizer que embora menos impor tantes do que os antigos os contemporâneos podiam ver mais longe devido ao conhecimento acumulado que receberam Entre os letrados o texto era invocado como um meio de se es tabelecer o conhecimento e a verdade mas para os integrantes das ca madas populares era a palavra o principal meio de comunicação Por ela é que se garantiam pactos e se estabeleciam compromissos que se expressavam os modos de existência que se preservava a memória co letiva Herdamos da Idade Média nosso gosto por ouvir boas histórias boas narrativas boas canções Aquele foi o tempo da oralidade da pa lavra transmitida de boca em boca dos costumes transmitidos e pre servados de geração em geração Foi também o tempo da vocal idade isto é da valorização do emprego da voz e sua sonoridade A vocalida de estava no uso da voz e dos gestos por parte dos jograis recitadores de poesia cantores instrumentistas dos artistas das cortes principes cas e das ruas atores de comédias contadores de estórias14 121 H i s t ó r i a na s a l a d e a u l a Parte significativa daquilo que se convencionou chamar de li teratura medieval tem sua raiz na oralidade quer se trate de canções de gesta ou das cantigas dos trovadores o próprio nome diz canti gas canções ou dos contos narrativos de conteúdo moral Há al guns repertórios de contos fábulas e romances medievais traduzidos para o português moderno Que melhor maneira de aproximarse do universo mental de uma época do que ter acesso ao que se contava e ao que se ouvia Uma boa proposta de estudo das formas de sensibilidade e do imaginário medieval consiste na leitura e posterior dramatização dos contos narrativos Algumas coletâneas deles como os Contos de Can tuária escritos no século XIV por Geoffrey Chaucer apresentamnos situações romanescas envolvendo os diferentes grupos sociais do perío do nobres cavaleiros burgueses camponeses Há ainda os contos de aventura e amor escritos por Maria de França no século XII ou os con tos cômicos denominados fabliaux que eram contados nas feiras es tradas castelos portas de igrejas15 Tratase de testemunhos importan tes das representações coletivas da Idade Média Por seu intermédio o leitor certamente reconhecerá situações que lhe permitirão refletir um pouco mais acerca do modo de agir e de pensar medieval Com propósito didático o professor poderá selecionar uma dessas histórias e oferecêla aos alunos Na leitura e apresentação de verá instigálos a imaginar as cenas e personagens estimular questiona mentos destacar detalhes orientálos para que formulem idéias gerais a respeito da história e do contexto para que confrontem os dados nar rados com as características ou particularidades do período a que se refere A seguir os alunos poderão com proveito apropriarse do con teúdo e do enredo da história e reformular sua linguagem teatralizan doa ou transformandoa em imagem visual Vejamos por exemplo a fábula intitulada o Livro das bestas es crito no final do século XIII pelo filósofo catalão Raimundo Lúlio 13121316 Tratase de uma grande alegoria da sociedade medieval através de uma história do tempo em que os bichos falavam Na cor te do leão estão a raposa o urso o leopardo a serpente o lobo en tre outros animais Eles representam os diferentes grupos do reino e 122 3osé R i v a i r M a c e d o suas ações alianças e confrontos variam de acordo com os interesses e as posições que ocupam em relação ao rei16 Assim a fábula animal pode vir a ser uma boa entrada para chegarse aos problemas da socie dade medieval O recurso da alegoria como um meio de estabelecer a crítica social continua a ser empregado na modernidade como se po de ver na fábula política escrita por Georges Orwell chamada A revo lução dos bichos Para encerrar cumpre reconhecer o alcance das proposições ante riores Antes de serem fórmulas prontas ou o fruto de uma reflexão teó rica aprofundada sobre o assunto são apenas considerações feitas à luz da experiência pessoal em sala de aula Esperase que possam contribuir de algum modo para o repensar do ensino desse período tao pouco co nhecido entre nós mas que muito tem a nos oferecer e a nos ensinar Notas 1 Regine Pernoud O mito da Idade Média Mem Martins Publicações Eu ropaAmérica sd p 6 2 Jean Chesneaux Devemos fazer tabula rasa do passado obre a história e os historiadores São Paulo Ed Ática 1995 Ver especialmente o capítulo As armadilhas do quadripartismo histórico 3 Serge Latouche A ocidentalização do mundo Petrópolis Ed Vozes 1994 4 Jacques Heers La invencion de la Edad Media Barcelona Editorial Críti ca 1885 p 112 5 Jacques Te Goff A velha Europa e a nossa Lisboa Ed Gradiva 1995 p 64 6 aPésnegros designação dos franceses nascidos na Argélia 7 M arc Ferro A manipulação da história no ensino e nos meios de comunicação de massa São Paulo IBRASA 1983 p 41 8 Eis alguns bons exemplos de trabalhos que vão nessa direção Georges Duby Ano 1000 ano 2000 na pista de nossos medos São Paulo Ed da Unesp 1998 M aria Luiza M arcílio História social da criança abandonada São Paulo Ed Hucitec 1998 M ichel M ollat Os pobres na Idade M édia Rio de Janeiro Ed Cam pus 1989 9 Neste sentido veja Georges Duby Philippe Ariès Dir História da vida privada São Paulo Companhia das Letras 1990 v 12 VVAA Amor e sexualidade no Ocidente Porto Alegre LPM 1995 10 João Pedro Mendes Fontes para o estudo da Idade Média a informática i serviço da pesquisa e os novos horizontes metodológicos In A vida na Idade Média Brasília Ed da UnB 1997 p 1932 13 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a 11 Se desejar conhecer outros endereços eletrônicos além dos motores de busca da própria internet vale a pena consultar publicações especializadas de pesquisa como o livro de Ivan Esperança Rocha M il sites de História Antiga e Arqueologia São Paulo Arte e Ciência 1997 12 Aron Gurevich As categorias da cultura medieval Lisboa Editorial Cam kinho 1990 p 15 13 Umberto Eco Arte e beleza na estética medieval Porto Alegre Ed Globo 1989 p 29 14 Paul Zumthor A letra e a voz a literatura medieval São Paulo Com panhia das Letras 1993 15 Eis alguns textos medievais traduzidos Lais de M aria de França São Pau lo Martins Fontes 1993 Pequenas fábulas m edievais fabliaux dos séculos XIII e XIV Trad Rosemary C Abílio São Paulo Martins Fontes 1995 Poema do Cid Trad M a ria do Socorro Almeida Rio de Janeiro Livraria Francisco Alves 1988 Alcassino e Ni coleta Trad Marcela Mortara Rio de Janeiro Ed Francisco Alves 1989 Chrétien de Troyes Romances da Távola Redonda Trad Rosemary C Abílio São Paulo Martins Fontes 1991 Geoffrey Chaucer Os contos de Cantuária São Paulo T A Queiroz Editor 1991 16 Raimundo Lúlio Livro das bestas Trad Cláudio Giordano e Esteve Jaulent São Paulo Edições LoyolaEditora Giordano 1990 Sugestões de leitura 1 Dicionários e documentos LOYN H R Dicionário da Idade Média Rio de Janeiro Jorge Zahar Editor 1989 L e G o ff Jacques SCHM FIT JeanClaude Orgs Dicionário temático do Oci dente Medieval S ã o Paulo E D U SC Im prensa Oficial do Estado 2002 MCEVEDY Colin Atlas de História Medieval São Paulo Edusp 1983 PEDREROSÁNCHEZ Maria Guadalupe Org História da Idade M édia textos e testemunhas São Paulo Ed da Unesp 2000 E s p in o s a Fernanda Aitologia de textos históricos medievais Lisboa Livraria Sá da Costa 1972 M o n g e l l i Lênia Márcia de Medeiros Org Fontes primárias da Idade Média São Paulo Ed íbis 1999 2 v 2 Obras gerais FRANCO J r Hilário A Idade Média nascimento 2a ed rev e aum São Pau lo Brasiliense 2000 BATISTA N eto Jônatas História da Baixa Idade Média São Paulo Ed Ática 1992 24 3osé R i v a i r M a c e d o RUCQUO I Adeline História M edieval da Península Ibérica Lisboa Editorial Estampa 1995 Le G o ff Jacques Org O homem medieval Lisboa Editorial Estampa 1989 DüBY Georges A Europa na Idade Média São Paulo Martins Fontes 1989 3 Livros paradidáticos M a c e d o José Rivair M ovimentos populares na Idade Média 1 3 a reimp São Paulo Contexto 1 9 9 9 MACEDO José Rivair Viver nas cidades medievais São Paulo Editora Moder na 1999 Coleção Desafios VALLE RIBEIRO Daniel A cristandade do Ocidente M edieval São Paulo Atual Editora 1998 Discutindo a História ANDRADE Filho Ruy Os muçulmanos na Península Ibérica São Paulo Ec Contexto 1989 Coleção Repensando a História FRANCO J r H ilário Feudalismo uma sociedade religiosa guerreira e cam ponesa São Paulo Editora M oderna 1999 Coleção Polêmica Fau stin o Evandro M entalidade medieval São Paulo Editora Moderna 2001 Coleção Desafios REZENDE Cyro de Barros Guerra e guerreiros na Idade Média São Paulo Ed Contexto 1989 Coleção Repensando a História 4 Material audiovisual REVISTA CARAS Enciclopédia multimídia de arte universal Volume 4 Arte bárbara bizantina e islâmica volume 5 Românico e gótico 2 CDsROM Secretos quero descuvrir música ibérica da Idade M édia e do Renascimento Cancioneiro Sepharadita judaicoespanhol Trovadores medievais Conjunto de Câmara de Porto Alegre Porto Alegre Pre feitura de Porto AlegreFUMPROARTE 1996 Tempo de descobertas Conjunto de Câmara de Porto Alegre Porto Alegre Pre feitura de Porto AlegreFUMPROARTE 1999 História da humanidade 5 os tempos medievais Distribuidora SBJ 1994 História geral da a rte Gênios da pintura Bosch e Brueghel IM ASO LEdicio nes dei Prado 1995 25 Sorry the text in the image is too blurred for me to accurately extract A H i s t ó r i a M o d e r n a E A SALA DE AULA Leandro Karnal EM BUSCA DE CERTIDÃO DE NASCIMENTO E ÓBITO A concepção de moderno certamente causa um hiato profundo entre o discurso do professor e do aluno Esse hiato não é acidental pois a própria palavra moderno apresenta a ambigüidade de referir se tanto ao que é atual como ao período imediatamente posterior à Ida de Média Ocidental Tomando o ponto de vista da classificação cronológica enten deu se o moderno como algo que iniciava com a queda de Constan tinopla maio de 1453 até a Revolução Francesa 1789 Sabemos das imensas limitações desses marcos Primeiramente referemse apenas à Europa e unicamente a partir do ponto de vista político Assim guardam o duplo defeito do europocentrismo e da ên fase numa histórica factual e narrativa Nem em relação à Europa esse recorte é válido pois não con templa imensas áreas européias para as quais a queda de uma quase ci dadeestado como Constantinopla pouco ou nada significava O problema aprofundase se pudermos levar em conta que pro cessos tidos como típicos da Idade Moderna como o Renascimento já estavam em pleno curso quando da queda de Constantinopla e que o poder burguês associado à Revolução Francesa já era uma realidade em locais como Inglaterra e Holanda um século antes do marco francês 127 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a Igualmente se levarmos em conta navegações portuguesas a data deve ria ser 1415 tomada de Ceuta e as espanholas poderiam ter como marco 1492 o descobrimento da América Se por fim tomarmos a ruptura religiosa como marca do fim da unidade católica do Ociden te Medieval a Idade Moderna deveria iniciar em 1517 início do pro testo de Lutero A historiografia soviética sugeriu uma classificação bastante dis tinta a Idade Moderna vai de 1789 até 1917 começando aí a Idade Contemporânea Por fim trabalhos como o de Arno Mayer estabele cem uma sobrevivência do poder e influência da nobreza tradicional mente associados à Idade Média até a Primeira Guerra Mundial Tais reflexões são úteis e constam hoje de vários livros didáti cos Deveríamos com elas questionar a maneira de realizar recortes em História e evidenciar o caráter bastante aleatório dos mesmos para os alunos para que ficasse evidente que há uma construção na historio grafia que atende a variáveis como nacionalidade classe social objeti vos políticos etc Há muito tempo um grande clássico de leitura indispensável para qualquer professor de História O declínio da Idade Média de J Huizinga já advertia que as mudanças nascem mais de convenções do que da realidade histórica A transição da Idade Média para o Huma nismo foi segundo o professor Huizinga mais simples do que se ima gina e o Classicismo Renascentista cresceu entre a vegetação luxurian te da Idade Média A primeira questão a levantar é que os recortes existem e que substituir os antigos por novos não resolve muita coisa Não há um fa to mundial no século XV ou XVIII que consiga reunir a totalidade do planeta Além de analisar esse item em algum momento do seu curso de História o professor poderia propor a uma turma de adolescentes a seguinte questão quando alguém deixa de ser criança e passa a ser ado lescente ou quando alguém passa a ser adulto A turma ficaria dividi da e é provável que surgissem explicações com ênfase na sexualidade outros na autonomia financeira e outros na pura cronologia etária As sim como não é possível datar com precisão tais transformações fica impossível identificar se um único fato é uma referência válida Acima 128 L e a n d r o K a r n a l de tudo uma aula de História não deveria apresentar apenas dados acabados mas evidenciar em algum momento o processo de constru ção da verdade histórica e trabalhar com a dúvida dado comum a to das as ciências Por fim o marco cronológico pode ser transformado de sua fi xidez em objeto dinâmico Por exemplo a queda de Constantinopla O excelente livro de Steven Runciman A Queda de Constantinopla 1453 traz um relato que despertaria entusiasmo em leitores jovens e poderia ser o início de um debate atual sobre as relações IslãOcidente ou sobre a geopolítica balcânica que acompanha a História da Grécia Clássica até a crise da Bósnia O fato de uma referência ter sido usa da de forma que hoje condenamos não quer dizer que ela não possa ser trabalhada de forma dinâmica OS TEMAS RECORRENTES Mesmo que não exista uma unanimidade sobre os marcos to dos sabemos que há uma ênfase em certos temas tradicionais Podería mos identificálos como Renascimento Reforma e ContraReforma Antigo Regime Absolutismo Mercantilismo e Sociedade Es tamental Grandes Navegações e Conquista da América Revoluções Inglesas Num esforço bastante louvável muitos professores e livros têm tentado quebrar o caráter ocidental europeu desse elenco clássico e in troduzem temas como a China do século XVI ou o Japão do início do xogunato Sempre é bom quebrar o monopólio das significações euro péias mas é útil recomendar um cuidado particular História perdeu muitas horasaula desde sua instituição como disciplina escolar e há pouco tempo para analisar questões mesmo as centrais Assim aumentar 129 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a itens do currículo pode resolver o problema do europocentrismo mas cria novos desafios como a superficialidade da análise ou a irrelevância de certos temas em comparação com outros Para um aluno brasileiro a Sociedade Estamental do Ocidente Europeu tem mais relações na formação da nossa cultura do que a japonesa do mesmo período Pare ce sempre útil repetir que estamos ensinando História para jovens e não formando historiadores As duas coisas são muito distintas e im plicam atitudes diversas Todo equilíbrio de uma atividade didática está na dose Nunca fazer referências a processos historiográficos pode levar um jóvem alu no a supor a História uma ciência estática ou pior positivista Enfati zar muito métodos e técnicas historiográficas pode desviar o aluno do seu alvo que não é a rigor o da formação profissional na área Apenas trabalhar com Europa e Brasil pode limitar o universo do alu n o mas desenvolver longamente a sociedade tailandesa do século XVIII pode causar outros problemas Como dizem os homeopatas a diferença en tre remédio e veneno está na dose O mesmo deve ser dito do estudo das excepcionalidades em sa la de aula Por exemplo para fugir ao senso comum do Renascimento muitos professores gostam de discorrer sobre pintores atípicos como H Bosch Tal ênfase pode ajudar o aluno a perceber que a uniformi dade não existe de fato mas jamais poderia substituir a regra pela ex ceção Assim na diversidade religiosa das reformas por exemplo seria importante perceber que os calvinistas são mais expressivos em vários sentidos do que os quacres ainda que os últimos possam ser mais pa latáveis aos ideais contemporâneos de tolerância Ao defrontarse com os temas clássicos da História Moderna o professor deve estar apto a realizar cortes ou acréscimos jamais supon do um direito sagrado do texto em ditar o procedimento exato para ca da sala e para cada escola Saber cortar ou adicionar é uma das habili dades mais desejáveis no magistério de História Além dos recortes necessários e indispensáveis o professor também pode sentirse inclinado a acréscimos Por exemplo pode de cidir incluir um texto de vida cotidiana a partir da coleção História da vida privada Os volumes 2 e 3 apresentam ricas e interessantes análi 130 L e a n d r o K a r n a l ses de uma História mais sociológica sem ênfase na enunciação de nomes O mesmo pode ser dito se a escolha recair sobre uma Histó ria dos jovens Em todos esses casos temáticos o importante seria pla nejar bem o acréscimo para que ele não pareça adereço ou ilustração pura e simples Jamais pode ficar a impressão de que o importante mesmo é o Concilio de Trento e que a vida cotidiana da nobreza na Itália do século XVI é apenas uma pausa em temas pesados ou cansati vos Nunca devemos subestimar a intuição e a percepção dos alunos Eles geralmente captam com rapidez se nós consideramos tal tema im portante ou não E NA FRENTE DE BATALHA COMO EU FAÇO Quase todo professor já se irritou com algum texto pedagógico que estabelece princípios gerais e maravilhosos mas que não levam em conta a realidade da trincheira A metáfora da trincheira para a sala de aula é muito boa pois tal como as grandes teorias estratégicas e geopo líticas afetam a vida do exército a atenção do soldado está voltada para o frio nos pés ou a qualidade da comida Assim com toda razão os professores reclamam que generais estabelecem em cúpulas douradas princípios maravilhosos e válidos mas que o diaadia na frente de guer ra é mais árduo do que os teóricos da educação possam supor Esseitem procura estabelecer sugestões que buscam associar a teoria e a prática e como sempre cabe a cada profissional da educação saber se tal item é válido para a realidade de cada colégio ou de cada sala de aula Sugerimos a seguir algumas linhas concretas A LEITURA Um professor de História deve tentar na medida do possível estar atento aos lançamentos da sua área Em meio às limitações de tempo e de dinheiro o professor precisa estar ciente de que a partir do momento em que ele não lê mais passa a morrer profissionalmente 131 H i s t ó r i a na s a l a d e a u l a Isso não se deve à quantidade de conteúdo dominada que quase to dos percebem costuma estar sempre adiante do nível médio das salas Há uma questão mais importante ler renova a maneira de ver as coi sas dá uma injeção de ânimo em conteúdos desgastados que repetimos há muitos anos e ainda introduz um elemento dinâmico que pode combater a monotonia As leituras de Idade Moderna poderiam ser classificadas em dois tipos distintos Um tipo importante é ler o que há de novo como o li vro de Serge Gruzinski da coleção Virando Séculos A passagem do sé culo 14801520 que narra a passagem do século XV para o XVI Ne le veremos associações inéditas e junções muito originais entre a História da Europa e da América Da mesma forma um texto denso e inovador é Tempos Modernos ensaios de História Cultural de Antônio Edmilson Rodrigues e Francisco José Calazans Falcon Na obra encon tramos diversas discussões sobre a idéia da crise de valores do mundo moderno ou a preocupação renascentista com as cidades utópicas Além das novidades é útil ao professor ler ou reler clássicos pa ra repensar sua concepção de História Norbert Elias por exemplo es tá sendo publicado novamente em português e fornece riquíssimas análises sobre a civilização dos costumes na sociedade especialmen te no texto O processo civilizador Da mesma forma é impossível pensar a Inglaterra Moderna sem as obras de Christopher Hill O mundo depontacabeça ou Keith Thomas Religião e o declínio da ma gia Da mesma forma a historiadora Nathalie Z Davis é uma refe rência fundamental para a França Moderna em obras como Histórias de perdão ou O retorno de Martin Guerré Sua aula de ContraRefor ma ganhará um brilho novo com a leitura de livros de Carlos Ginz burg como O queijo e os vermes e Os andarilhos do bem Provavelmen te você deixaria considerar a ContraReforma como um conteúdo espremido ao final da aula de Reforma na qual você expôs bem Lute ro correu mais rápido com Calvino foi inacreditavelmente rápido com Henrique VIII e dedicou o minuto final ao Index e à Inquisição Os clássicos como Jacob Burckhardt A civilização do Renascimen to na Itália não podem ser abandonados mas devem ser lidos com ilu minações mais recentes como o Renascimento Italiano de Peter Burke 132 L e a n d r o K a r n a l As coletâneas documentais ajudam a escolher trechos importan tes e úteis para discussão em sala ou uso em provas e exercícios É o ca so por exemplo da coletânea de Ricardo Faria e outros História Mo derna através de textos Da mesma forma o professor deve sempre se perguntar se não estaria na hora de reler documentos fundamentais que ele cita todos os anos como por exemplo as 95 teses de Lutero ou a Bill o f Rights inglesa Algumas vezes lemos esses documentos em sua forma completa na graduação e noutras sequer tomamos contato direto com eles Faça a experiência de ler tais textos novamente ou pe la primeira vez Por fim de uma forma acessível e renovada o professor pode indicar para os alunos ou apenas ler para colaborar na elaboração das aulas os paradidáticos O paradidático pode colaborar para trazer uma visão nova sobre um tema antigo como a crítica que fiz contra a idéia perversa de colônias de povoamento e de exploração na Idade Moder na no livro Estados Unidos a formação da nação Diante de tantas indicações e muitas outras que poderiam ser feitas a primeira reação de um profissional com muitas turmas e cen tenas de provas para corrigir é desanimar Eu não tenho tempo nem para ler o jornal quanto mais tantos livros Calma Não precisa imaginar que vai ler tudo em poucas semanas mas precisa colocar a lei tura como um tema central especialmente para que você não ecoe a voz de desânimo dos alunos O mais curioso é que nós professores diante de vários livros e textos temos a mesma reação dos alunos ah mais texto Use então para você o discurso que faz em sala de aula para eles ARTE Período privilegiado para a análise da arte a Idade Moderna apresenta o Renascimento e o Barroco como focos centrais O profes sor pode e deve analisar quadros do período bem como a arquitetura c outras formas de expressão artística Uma solução bastante prática é lazer uma transparência colorida de quadros prédios ou estátuas pois 33 H i s t ó r i a n a s a l a de a u l a o retroprojetor é muito difundido nas escolas As transparências colo ridas são caras mas ficam como material didático permanente do pro fessor ou para o acervo da escola Os slides são mais difíceis de ser ob tidos mas são igualmente úteis O mais importante não é passar uma grande quantidade de obras mas estimular a análise de obras importantes O professor deve preparar muito bem a aula mesmo que seja sobre um ou dois quadros Podemos seguir um caminho mais intuitivo mostrando a obra e fazen do um debate sobre o que o aluno percebe nela e a partir daí estabe lecer a análise ou o contrário Não se deve estabelecer na análise artística uma leitura de re flexo da sociedade pois significaria negar o estatuto da própria arte A arte não é um reflexo mas constitui também a maneira de perceber o mundo e passa a constituir este mesmo mundo A análise pode ser mais técnica a princípio Por exemplo fazer um aluno notar o que é a perspectiva no Renascimento e a matematização do espaço Fazer um aluno perceber a busca de equilíbrio os ideais antro pocêntricos as referências mitológicas a releitura do Cristianismo Uma atividade muito produtiva na análise de arte em saia de aula é contrapor duas imagens de períodos distintos um Cristo me dieval magro abatido com o Cristo do Juízo Final da Capela Sistina hercúleo poderoso e mostrar como o mesmo tema é lido de for ma distinta nos dois períodos Quase todos nós fomos formados com ênfase em documentos escritos Assim o próprio professor sente dificuldades na análise de imagens Bem a solução desse impasse está mais uma vez na pesqui sa e na leitura Podemos iniciar nossa jornada com clássicos como Er win Panofsky especialmente Significado nas artes visuais e Estudos de Iconologia temas humanísticos na arte do Renascimento ou o inte ressantíssimo livro de Gustav R Hocke Maneirismo o mundo co mo labirinto Sempre clássico e importante o texto de Pierre Francas tel pode trazer muitas reflexões inovadoras A realidade figurativa Caso o professor necessite de livros mais descritivos ou de fon tes para imagens para fazer transparências pode utilizar a série publi cada pela Martins Fontes Como reconhecer O volume de Flavio Con 34 L e a n d r o K a r n a l ti trata do tema Como reconhecer a arte do Renascimento Para a ar quitetura os dois volumes de Wilfried Koch Estilos de arquitetura também fornecem preciosas imagens A pesquisa na internet pode também dar acesso a muitos sites de museus que os alunos experimen tam como verdadeiras visitas virtuais Em época de sobrecarga de ima gens a atividade de História em sala de aula não pode ficar indiferen te mas insistimos neste ponto nunca como ilustração ou distração mas como fonte de reflexão Imagem por imagem o cinema de ação e televisão fornecem em excesso para nossos alunos LITERATURA Período de intensa produção literária a Idade Moderna fornece ao professor a oportunidade de explorar muitas fontes Essa atividade pode ser o aproveitamento do programa de Literatura para propor um trabalho interdisciplinar como uma análise do Canto I de Os Lusíadas de Camões O mesmo pode ocorrer quando tratamos do Barroco que pode encontrar a área de literatura através da obra genial de Vieira Muitos professores reclamam que estão dando Renascimento no segundo bimestre enquanto Literatura está tratando poesia trova doresca e que assim não é possível um trabalho em conjunto Tal vi são é muito estreita Devemos pensar um pouco além da linearidade positivista O objetivo da sala de aula é o conhecimento e o índice da seqüência do livro didático não pode ser um ditador Autores clássicos da Idade Moderna podem perfeitamente ser dados aos alunos Por exemplo os Ensaios do filósofo Montaigne são curtos claros e extremamente inteligentes O clássico ensaio XXXI do livro Primeiro Dos Canibais fornece um debate riquíssimo sobre as re lações da Europa com o outro Igualmente ricos são os textos teatrais como os de Molière que servem para estimular uma leitura lúdica e uma análise da crítica da Corte aos burgueses emergentes como O burguês fidalgo ou ao charlatanismo religioso como em Tartufó É inconcebível um jovem terminar o ensino médio sem saber algo sobre o gênio de William 35 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a Shakespeare Uma tragédia clássica como Romeu e Julieta ou mais den sa como Hamlet fornece muitos pontos de partida para o crescimento do aluno Caso seja muito difícil incorporar o texto ao programa um substituto parcial é um filme sobre uma peça de Shakespeare Como nosso objetivo é fazêlo pensar e como o aluno tem resistência a formas clássicas uma das formas de vencer a resistência é mostrar como o clás sico pode ser relido por exemplo na versão de Baz Luhrman sobre Ro meu e Julieta ambientados numa praia moderna Possivelmente o alu no ao ver atores contemporâneos como Leonardo DiCaprio e Claire Danes vai estabelecer a ligação com a cultura clássica e perceber como ela pode ser fascinante O desafio de tornar o clássico acessível é enor me hoje e parece crescente demandando profissionais cada vez mais flexíveis em sala de aula As obras ficcionais de Jonathan Swift Viagens de Gulliver por exemplo ou de Daniel Defoe A vida e as estranhas aventuras de Robin son Crusoê podem ser lidas por alunos jovens sem grandes dificulda des Se o professor vai recomendar a leitura integral selecionar apenas um capítulo ou apresentar apenas a obra para a sala é uma escolha a partir da realidade de cada turma e de cada escola É sempre importan te lembrar que bem possivelmente o aluno nunca mais ouvirá falar de tal obra a não ser na aula de História e de Literatura Também tem me incomodado a idéia de que os textos didáticos apresentam cada vez menos cuidado com a escrita e cada vez mais síntese de conteúdo sen do por isso mesmo textos frios O uso da literatura pode ser uma su peração dessa limitação UMA POSSIBILIDADE PRÁTICA O ABSOLUTISMO PARA O ENSINO MÉDIO Ao pensar em um tema obrigatório em História Moderna o professor sentese diante da tarefa de dar conta de uma enormidade de escolhas Apresentamos algumas possibilidades que cada profissional deve selecionar e adaptar de acordo com suas necessidades 136 L e a n d r o K a r n a l a O conceito será bom dar um conceito a princípio Muitas vezes começamos um conteúdo escrevendo no quadro a definição do concei to ou promovendo um falso debate do estilo o que vocês acham que seja Absolutismo Tratase de um falso debate porque a rigor não es tamos muito interessados na opinião dos alunos sobre o tema e vamos conduzindo a discussão para que se aproxime do nosso conceito Para iniciar um trabalho a postura deve ser mais socrática questionar to das as respostas insistir no óbvio para provocar reflexão estimular a tempestade cerebral como uma preparação do terreno Também é muito positivo que possamos trabalhar muito um te ma e ao final cada aluno elaborar o conceito central Se ele conseguir elaborar esse conceito o objetivo foi atingido Da mesma forma a pro va pode apresentar conceitos variados de Absolutismo e pedir a ele que note a diferença Claro que tal grau de abstração exige treinamento mas lembrese essa abstração ocorre em disciplinas como Matemática logo o aluno está apto a realizála também em História Não subestime a ca pacidade de abstração do aluno apenas seja realista sobre o caminho certo para chegar a ela e o tempo certo para que ele consiga realizála b Base teórica Muitos livros consagram a visão tradicional de que o Absolutismo foi a aliança do rei e da burguesia contra o clero e a no breza Assim a burguesia teria fornecido elementos materiais e humanos para que o rei estabelecesse um exército nacional uma justiça e moe das nacionais e unificasse o mercado nacional interesses da burguesia Tal visão generalizante apresenta problemas na maioria dos casos con cretos de análise do Absolutismo Uma visão contrastante é a do histo riador Perry Anderson que considera o Absolutismo como uma manei ra de a nobreza sobreviver O Absolutismo seria uma espécie de feudalismo transformado A nobreza abre mão do seu poder político para manter a essência do seu privilégio social Clássicos sobre a enunciação política do Absolutismo como Os dois corpos do rei de Ernest H Kantorowicz continuam indispensáveis Também interessantíssima é a análise de Peter Burke sobre o uso da imagem do reisol A fabricação do rei a construção da imagem pú blica de Luís XIV 37 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a A idéia tradicional de um rei todopoderoso que despacha or dens unilaterais e coordena todo o mundo colonial está duramente questionada em livros recentes como o de Luiz Filipe de Alencastro O trato dos viventes formação do Brasil no Atlântico Sul Jamais se imagine dar aos alunos tais textos mas eles existem para o estudo do professor e para que ele passe a questionar esquemas teóricos como Pacto Colonial e sociedade regida por um rei todopoderoso Após a leitura desses livros o esquema que muitos escreveram tantas vezes no quadro ao tratarem da economia moderna com a metrópole fornecen do produtos manufaturados e colônias bens primárias ficará muito abalado O abalo será maior ao ler a coletânea de João Fragoso et al O Antigo Regime nos trópicos a dinâmica imperial portuguesa Da obra emerge um novo Antigo Regime especialmente no que diz res peito ao sistema colonial tal como foi concebido tradicionalmente A partir dessas discussões o professor pode constatar que a ima gem que ele tem do Absolutismo é provavelmente da época do próprio Absolutismo e pouco mudou No momento em que o professor muda a base teórica da sua concepção de Absolutismo a aula ganha um di namismo bem maior e um novo entusiasmo Nunca devemos esquecer também dos teóricos do próprio Ab solutismo como Bossuet e Hobbes A leitura do próprio texto de época traz intuições muito importantes para a aula e supera o esque matismo de escrever no quadro que Bossuet defende o Absolutismo de direito divino c Novos enfoques o professor pode enfatizar a etiqueta como forma de produção do mundo do Antigo Regime e do Absolutismo O texto de Renato Janine Ribeiro A etiqueta no Antigo Regime é bom e aces sível Os alunos podem discutir a função social da etiqueta até hoje com seu corolário inevitável de demarcação do quem é quem A aula também pode ser construída a partir de um filme Em particular recomendamos dois Vatel FrançaReino Unido 2000 Diretor Roland Joffé narra a visita de Luís XIV ao príncipe de Condé e enfatiza a atividade das fes 138 L e a n d r o K a r n a l tas organizadas por Vatel Jantares luxuosos e cerimônias estilizadas tra zem à tona o mundo estamental e simbólico do século XVII Restauração O outro lado da nobreza EUA 1994 Diretor Mi chael Hoffman trata de um médico da corte de Carlos II da Inglater ra Apresenta também detalhes do incêndio de Londres das pragas e da vida dos quacres Enfatizo que não se trata de passar o filme ao final da aula so bre Absolutismo mas de analisar o filme e sua visão sobre o Absolutis mo Para isso o professor tem de ser criativo Os filmes são maiores do que uma aula e até do que duas aulas seguidas Assim ou o professor edita o filme com cenas expressivas ou marca um horário especial se leciona uma seqüência que considere adequada a seu programa O fil me deve ser preparado antes e jamais ser encarado como um descanso do professor para o fim do bimestre d Música Aqui vai um desafio permita aos alunos uma experiência no va escutar música erudita barroca Escolha um trecho expressivo de Bach Haendel ou Vivaldi e toque vários minutos em sala Prepare a tur ma antes e traga essa experiência nova ouvir música sem necessidade de ver nada apenas ouvir Os alunos escutam muita música mas sempre como som de fundo para outras atividades No início é provável que vo cê escute risadas que tenha que interromper para reprimir as conversas mais alteradas Insista dê essa chance à sensibilidade dos alunos A falta de um gosto geral por músicas eruditas pode nascer da falta de ousadia dos educadores Ninguém pode gostar do que nunca experimentou e uma primeira reação negativa não pode desanimar quem educa e Avaliação a ousadia final pode culminar na avaliação Ao invés de uma prova o relatório do filme a partir de um roteiro fixo ou mais aberto Po de ser apenas elaborar um conceito de Absolutismo que integre tudo o que foi tratado Se a faixa etária for mais baixa pode ser uma carta escri ta a alguém criticando a vida da Corte e a nota decorre da possibilidade 39 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a de a carta incluir dados trabalhados Você pode estimular um diálogo imaginário entre camponeses e nobres para perceber as facetas sociais do mundo do Antigo Regime Você pode igualmente fornecer aos alunos mais avançados uma coletânea das anedotas sobre Luís XIV e pedir que eles interpretem à luz das concepções de Absolutismo Finalmente pode encerrar com a discussão sobre o paradoxo das atuais democracias que têm mais chance de controle do indivíduo do que o rei absoluto do sé culo XVII e que afinal o romance 1984 não se refere a Luís X IV Pouco sentido existirá em renovar muito uma unidade e fazer uma prova com perguntas tradicionais Qualquer professor sabe que inovar custa mais do que ser conservador Repetir o mesmo tipo de questão e de enfoque causa tédio dificilmente uma crítica efetiva Aulas inovadoras e avaliações mais abertas causam murmúrio entre alunos pais colegas e a direção Aprenda também a equilibrar essa mudança e tenha paciência pois como tudo em História as mudanças na escola são muito lentas CONCLUSÃO A principal conclusão que se pode chegar é que um texto como o que você acabou de ler não é uma fórmula ortodoxa uma receita in falível ou conselhos de sabedoria inquestionáveis Só um professor de História pode saber o que você necessita e esse professor é você Mui tas vezes ouvindo outros professores com experiências distintas pode mos interagir e tentar obter caminhos que direcionem melhor nossa atividade Você não pode ler todos os livros indicados para cada aula Você não pode trabalhar tanto em cada aula especialmente dando muitas por dia Mas você pode incorporar a idéia central de que é pre ciso renovar aprofundar ler e discutir Inovação não é o uso de meios eletrônicos em sala inovação é uma atitude interna que atinge os que nos cercam A outra opção é jazer mumificado no fundo da pirâmi de sem ao menos ter o atrativo das riquezas faraônicas que possam se duzir os ladrões que afinal são sempre uma companhia As múmias historiográficas além de mortas ficam solitárias e despertam pouca atenção das pessoas 140 L e a n d r o K a r n a i Bibliografia Os livros mencionados ao longo do capítulo estão aqui nuln em forma completa Há muitos outros em todos os ternas cu poil riam ser acrescentados mas também as bibliografias são opções A m sência de um autor não quer dizer que ele foi considerado pouco im portante Obras de literatura e clássicos de filosofia não estão citado na bibliografia por apresentarem muitas edições ALENCASTRO Luiz Filipe de O trato dos viventes formação do Brasil no Adânuco Sul São Paulo Brasiliense 2000 ANDERSON Perry Linhagens do Estado Absolutista 3 a ed São Paulo Br asi liense 1995 A riÈS Philippe D u by Georges org História da vida privada São Paulo Companhia das Letras 19901991 vol 23 BURCKHARDT Jacob A civilização do Renascimento na Itália São Paulo Com panhia das Letras 1991 B ü RKE Peter Renascimento italiano São Paulo Ed Nova Alexandria 1999 A fabricação do rei a construção da imagem pública de Luís Xiv Rio de Janeiro Jorge Zahar Editores 1994 CONTI Flavio Como reconhecer a arte do Renascimento São Paulo Martins Fontes 1986 D AVIS Natalie Zemon O retorno de M artin Guerre Rio de Janeiro Paz e Terra 1987 Histórias de perdão São Paulo Companhia das Letras 2001 EliaS Norbert O processo civilizador Rio de Janeiro Jorge Zahar 1994 2 v FARIA Ricardo et al História M oderna através de textos São Paulo Contex to 2002 FRANCASTEL Pierre A realidade figurativa São Paulo Perspectiva 1 9 9 3 FRAGOSO João et al O Antigo Regime nos trópicos a dinâmica imperial por tuguesa Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2001 GlNZBURG O queijo e os vermes São Paulo Companhia das Letras 1987 Os andarilhos do bem Sao Paulo Companhia das Letras 1988 G r u z in s k i Serge A passagem do século 14801520 Sao Paulo Companhia das Letras 1999 Coleção Virando Séculos H O CKE Gustav M aneirismo o mundo como labirinto São Paulo Perspec tiva 1974 HUIZINGA J O declínio da Idade Média São Paulo Verbo Edusp 1978 KANTOROWICZ Ernest Os dois corpos do rei São Paulo Companhia das I i i as 1998 KARNAL Leandro Estados Unidos a formação da nação São Paulo loniex to 2001 ljl H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a K ü CH Wilfried Estilos de arquitetura LisboaSão Paulo PresençaMartins Fontes 1985 2 v LEVI Giovanni SCHMrrr Jcan Claude História dos jovens Sao Paulo Com panhia das Letras 1996 2 v M aykk Arno A força da tradição Sao Paulo Companhia das Letras 1987 M o n t a ig n k Michcl de Os ensaios São Paulo Martins Fontes 2000 PANOKSKY Hrwin Significado nas artes visuais Sao Paulo Perspectiva 1979 Estudos de Iconologia temas humanísticos na arte do Renasci mento Lisboa Imprensa Universitária 1986 RIBEIRO R enato Janinc A etiqueta no Antigo Regime São Paulo Editora M o derna 1999 RODRIGUES Antônio Edmilson FalCON Francisco José Calazans Tempos mo dernos ensaios de História Cultural Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2000 R u n c im a n Steven A queda de Constantinopla 1453 R io d e J a n e ir o Im a g o 2 0 0 2 u a R e n o v a ç ã o d a H i s t ó r í a d a A m é r i c a L u i z E s t e v a m F e r n a n d e s e M a r c u s V in í c iu s d e M o r a i s Os livros escolares cujo objetivo é ensinarnos a histó ria da nossa terra e do nosso povo são em geral escri tos num espírito maniqueísta seguindo as clássicas an títeses os bons e os maus os heróis e os covardes os santos e os bandidos Via de regra não se empregam nesses compêndios as co res intermediárias pois seus autores parecem desconhe cer a virtude dos matizes e o truísmo de que a História não pode ser escrita apenas em preto e branco1 INTRODUÇÃO A maneira de ler de uma época e os livros que sao lidos pelas pessoas podem mostrar no fundo de que modo elas se enxergam e de que modo elas se sentem O essencial é portanto compreender como os mesmos textos sob formas impressas possivelmente diferentes podem ser diver samente apreendidos manipulados compreendidos2 Mas quando se trata de livros didáticos a importância de pen sar seus conteúdos cresce vertiginosamente pois muitas vezes ele será o único livro que a criança tem em casa3 43 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a Somos formados e constituídos como sujeitos que devem dizer a verdade conceito carregado de efeitos morais e políticos Tendemos a ler com esse mesmo tipo de posicionamento mascaramos ou prote gemos problemas e incertezas impedindo que outros vieses e outras verdades sejam trazidos à luz O leitor é normalmente coagido a consentir com essa moral4 Uma vez lidos os livros didáticos farão parte das estantes empoei radas do canto da casa Ficarão escondidos restando apenas a leitura que sobre eles foi feita lançados à solidão dificilmente serão revisitados e essa imagem retida no pensamento pode ser perpetuada congelarse transfor mandose em memória Minhas lembranças sobre o que é Roma o que podem ser escravos e indígenas serão meus conhecimentos sobre esses temas Ao consultar meu arquivo pessoal para discutir ou falar sobre esses assuntos encontrarei os antigos livros perdidos e ao mesmo tempo guar dados sob a névoa dos pensamentos em algum lugar da inconsciência Com esses pressupostos foram analisados os seguintes livros História Geral de Cláudio Vicentino 1997 História e Consciência do Mundo de Gilberto Cotrim 1994 História Origens Estruturas e processos uma leitura da História ocidental para o Ensino Médio de Luiz Koshiba 20005 História da civilização ocidental Integrada de Antonio Pedro 1997 Oficina da História Historia Integrada de Flávio de Campos e Renan Garcia Miranda 2000 e Toda a História História Geral e do Brasil de José Jobson de A Arruda e Nelson Pi letti 20016 O critério escolhido para a seleção desses volumes foi o da vendagem expressiva desde seus lançamentos ou seja a amplitude e o alcance que tiveram no mercado escolar Para evitar um Tribunal das Belas Mentiras as citações que estão entre aspas mas sem notas de rodapé referemse todas aos manuais de História acima Essa postura foi romada uma vez que somos cientes de que a maioria dos autores formados em boas universidades muitos com titulação de mestre ou doutor têm que lidar com uma gama de temas normalmente em prazos exíguos estipulados pelas editoras comprometendo irremediavelmente suas pesquisas Além disso na ampla maioria deles há a predominância das mesmas visões o que mostra a falta de renovação nas pesquisas e interpretações 144 Luiz E s t e v a m F e r n a n d e s e M a r c u s V i n I c i u s d i H h k a i Sobre América hispânica há pouco material traduzido pni português Como nenhum dos autores analisados é especialista 111 ík i há que se inferir que leituras mais complexas e em outras línguas 1110 poderiam ser feitas dentro do calendário de trabalho das editoras o mo resultado os manuais escolares foram feitos sob a égide de livros de divulgação ou bestsellers panfletários Como nossa intenção não era esmiuçar livros didáticos atrás dc verdades e mentiras históricas pois até mesmo um planetário de erros pode fornecer uma boa aula se bem trabalhado mas sim estudálos co mo um veículo difusor de elementos culturais e da formação da cida dania delineamos três imagens da América O objetivo desse artigo portanto é mostrar quais imagens da his tória do continente latinoamericano em especial dos países de língua hispânica estão sendo construídas nos livros didáticos de ensino médio A narrativa da conquista e os seus traumas seguem um fluxo constante A História da América nos livros didáticos carrega uma cicatriz difícil de ser apagada que vai de Cortés a Bolívar de Pizarro a Hidalgo surgindo como sombra na imagem fantasmagórica de Pinochet O espectro dessa marca parece conceder a todo o continente uma imagem de sujeição de autoritarismo e de incapacidade de livrarse da condição de colônia Em nossos manuais escolares aparece a terra onde o massacre ocorreu em que culturas e sociedades foram mortas a golpes de espada lugar de veias aber tas pronto para receber a violência e a dominação estrangeiras o continen te vitimado Terra de bons e maus heróis e covardes santos e bandidos Essa mácula de sangue e essas visões de América no entanto apresentam também histórias particulares remontando a tradições his toriográficas bem definidas cujas raízes mais profundas datam das pró prias narrativas dos cronistas europeus Essas bases foram reforçadas no século XIX e durante todo o século XX Analisamos primeiramente a visão eurocêntrica evolucionista e cientificista que se utilizou dos re latos de Hernán Cortés e Francisco Pizarro Num segundo momento uma antítese necessária mas igualmente cega e torpe uma interpreta ção que enfatiza o sofrimento enaltece o indígena mostrandoo como vítima de um massacre incapaz de lutar e resistir que remonta aos textos do dominicano Las Casas 145 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a Verificamos que há entre elas um elemento conectivo muito forte o derrotismo Essa visão de morte pode ser bem entendida nas palavras do poeta mexicano Octávio Paz A história do México é a do homem que procura a sua filiação a sua origem Sucessivamente afrancesado hispanista indigenis ta pocho atravessa a história como um cometa de jade que de vez em quando relampagueia Na sua excêntrica carreira o que persegue Corre atrás da sua catástrofe quer voltar a ser sol voltar ao centro da vida de onde um dia na Conquista ou In dependência foi desligado Nossa solidão tem as mesmas raí zes que o sentimento religioso É uma orfandade uma confusa consciência de que fomos arrancados do todo e uma ardente busca uma fuga e um regresso tentativa de restabelecer os laços que nos uniam à criação7 Essa alcunha de orfandade gerou o mito dos vencedores e dos vencidos tema da terceira parte da análise Há que se dizer que enten der de que modo os livros didáticos atuais apropriamse dessas cons truções e reforçamnas muitas vezes misturandoas pode significar o início de um longo caminho capaz de superálas São muitas Américas dentro de uma América idiomas e tradições diferentes facilmente en contramse dispersos em um mesmo território Local da Pedra do Sol de Bariloche do Equador e dos Andes a imensidão de um con tinente América que não pode ser entendida como bloco único e que não pode apenas ser vista à sombra da Europa OS DIDÁTICOS E SUAS HISTÓRIAS A tradição cientiflcista Não é difícil encontrar nos livros didáticos expressões como Conquistadores e Conquistados Europeus destemidos para en frentar os mares desconhecidos opondose a índios entregues ao mais 146 Luiz E s t e v a m F e r n a n d e s e M a r c u s V i n I c i u s d e M o r a i s desolador sentimento de apatia diante das doenças encaradas como castigos de seus deuses Em vez de lutar o imperador Montezuma en viou emissários com presentes e pedidos para que o invasor se retiras se Cortez porém vinha para conquistar o império Em outras pala vras a superioridade das armas dos conquistadores sobre o equipamento de guerra dos nativos armas de fogo e aço em oposi ção a arcos pedras e flechas Parece haver uma tradição que une os trabalhos realizados pela História acadêmica do século XIX aos atuais manuais de História do ensino médio Obviamente quando falamos em tradição é preciso le var em consideração que as idéias seguem um fluxo ininterrupto de mudanças apropriações e significações Do século XIX aos dias de ho je o cientificismo ganhou novas roupagens novas cores e adereços distanciandose de seu ideal imperialista para adquirir tons de defesa da pluralidade De qualquer forma a boa intenção carrega uma série de preconceitos que analisaremos a seguir O famoso e covardemente atacado Leopold von Ranke em fins do século XIX escreveu um excelente artigo intitulado As colônias ame ricanas Cercado de fontes consideradas oficiais e mais importante espanholas o erudito alemão supôs que somente um tipo de escrita era justificável ao ofício do historiador a científica Dotado de um método empirista de uma série de técnicas de detecção da verdade his tórica Ranke imerso num mundo que ajudava a criar nacionalista e expansionista postulou ainda a idéia de uma cultura dominante na empresa colonizadora a espanhola Sendo assim o índio passou a figurar apenas como um ser pas sível de receber a civilização importada da Península Ibérica Isso seria uma benesse pois à barbárie oporseia a Europa Tanto o foi que as pa lavras e designações indígenas aparecem em seu texto somente na no menclatura de cidades e povos mantida pelos relatos da Coroa como a cidade de Tlaxcala o indígena chamado Guanca ou o rio Orinoco A passividade com que o índio teria recebido a nova fé é outro exemplo da inferioridade dos nativos Miscigenação física pode ter ocorrida sem problemas Mas nos textos de Ranke a mescla cultural não pode ser entendida a não ser pela suplantação da originalidade in 47 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a dígena pela européia A análise exclusivamente formal8 dos documen tos em As colônias americanas fez com que seu autor não enxergasse o outro levandoo à perplexidade diante da aparente falta de sentido de rebeliões de índios já convertidos contra seus tutores Essa mesma in capacidade que o fez adotar o lado do vencedor para explicar as Amé ricas e norteou todos os seus trabalhos anteriores e ulteriores Do outro lado do Oceano contemporâneo a Ranke o historia dor norteamericano William Prescott também escreve num momen to em que o sentimento de nacionalismo está presente Seu país estava em plena Guerra Civil 18611865 e a necessidade de unificação na cional bem como as tensões raciais apresentavamse como os principais temas do período Os domínios eram justificados pela ciência a orga nização racional do norte em oposição à instintiva e escravista mono cultura sulista Mais uma vez a díade civilização e barbárie Na obra de Prescott The conquest ofMexico diferença e supe rioridade convivem harmoniosamente Por um lado há a figura do bom selvagem dócil repleto de qualidades que é ao mesmo tempo estranho e inferior Por outro existe o discurso da razão da civilidade e da urbanização como elementos julgadores e hierarquizadores Opos tos que se chocam esta é a marca do autor visível desde o princípio Como ele mesmo diz instituições humanas quando não conec tadas com prosperidade e progresso devem cair pela violência in terna E quem lamentaria esta queda Nesse sentido Prescott va loriza o pensamento espanhol que é racional superior e irá vencer a superstição mágica dos indígenas A diferença na maneira de ver o mundo entre europeus e aste cas se transfere para a eficácia e qualidade das armas os canhões ven cerão os tacapes e Prescott já sabia disso A sociedade mexicana é va lorizada em muitos momentos da obra mas na medida em que se parece com a européia as construções os canais e a capacidade do ho mem em dominar a natureza no domínio da técnica É difícil supor que autores como Ranke e Prescott tenham in fluenciado diretamente a concepção dos livros didáticos atuais As mesmas idéias porém aparecem remodeladas e revestidas de outra roupagem quase cem anos depois na França ilustrada da década de 148 Luiz E s t e v a m F e r n a n d e s e M a r c u s V i n í c i u s d e M o r a i 1950 O etnólogo Jacques Soustelle publicou A vida cotidiana dos as tecas na véspera da conquista espanhola no mesmo ano em que assumiu o cargo de diretor do serviço secreto e o de governadorgeral da Argé lia Poucos anos depois Soustelle imenso conhecedor da cultura e idioma náhuatl após a tentativa de deposição do presidente francês Charles De Gaulle exilouse no Brasil tomandose conhecido do grande público O sucesso de sua obra devese também à imensa cir culação que obteve quando publicada pelo Círculo do Livro e encon trada em quaisquer esquinas a um preço acessível Na bibliografia utilizada por Soustele em meio a inúmeros có dices e documentos de época Ranke e Prescott aparecem amplamente citados mais uma vez a Europa como referência Em decorrência dis so Soustelle superestima o Estado asteca9 Como um colonizador ele pensava a conquista do México como uma fatalidade Valorizava a so ciedade asteca tornando a invasão espanhola uma tragédia na qual al go civilizado muito próximo da cultura européia fora destruído Todas as grandes culturas tendem a se distinguir das que cercam Gregos romanos chineses sempre opuseram sua civilização à bár barie dos outros povos O índio deTenochtitlán não se defi nia apenas como um membro de uma tribo cidadão de uma cidade mas como um homem civilizado participante de uma cultura superior10 Essas idéias de Soustelle serão lidas e transcritas em alguns livros didáticos São concepções nascidas a partir do modelo de estadonação e os manuais as reproduzem A sua estrutura política era altamente centralizada A maior autoridade asteca ara a do imperador ao qual ca bia dirigir a casta sacerdotal e as atividades religiosas políti cas e militares constituindo o que se denomina de império teocrático de regadio Ou em todos esses povos dispunham de um governo fortemen te centralizado Estado e de um exército conquistador Por intermédio de guerras os povos mais fracos eram submetidos política e miliiu mente e obrigados a trabalhar para os conquistadores ou a pajii lli 149 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a tributos certa forma os manuais escolares ainda espelham a Europa na América Assim se formaram os grandes impérios com suas famosas capitais Nínive Atenas Roma e na América Tenochti tlán astecas e Cuzco incas Para o autor francês existe o fatalismo da conquista e a tese de que a superioridade técnica dos europeus foi essencial para a vi tória espanhola No México ignorase o destino que já bate à porta Den tro de poucos anos o véu que separa dois mundos irá ser rom pido Eles vão se enfrentar espadas de aço contra espadas de obsidiana canhões contra flechas e propulsores de dardos el mos de metal contra capacetes de plumas tentemos sur preender antes do fim o reflexo reluzente o esplendor e as sombras de um mundo já condenado11 São frases como estas que encontramos em nossos livros didáticos A tradição lascasiana Outra das tradições presentes nos livros didáticos encontra suas origens nos escritos do padre dominicano Bartolomé de Las Casas Bispo de Chiapas por apenas um ano 1545 lutou contra o modo pelo qual os índios estavam sendo tratados sob a administra ção colonial Em seu primeiro livro impresso em 1552 Las Casas apresenta seus argumentos teóricos para o debate que travava com o cronista im perial Ginés Sepulveda sobre a natureza do indígena Las Casas em ne nhum momento questiona a dominação mas sim o modo como esta va sendo realizada Dedicou parte de sua vida em defesa dos indígenas porém para ele não interessava descrever costumes da vida dos índios ou procurar compreender seu universo ritual ou ainda o sentido dos mi 150 tos de fundação Interessava a ele vencer a polêmica ou se ja manipular com maestria a arte retórica para derrotar seu interlocutor12 O indígena deveria ser cristão um servo da Igreja e não do Esta do espanhol no lugar da violência física empregada pelos conquistado res Las Casas propôs outro modelo o católico13 Sua crítica no entan to enfatiza o sofrimento e a destruição da conquista o aniquilamento de um povo Na realidade os escritos lascasianos descrevem de forma apo calíptica e quase obsessiva a destruição o genocídio e a violên cia Só as frases cunhadas por Las Casas para denunciar esses fatos poderiam perfeitamente fazer parte de uma rica antologia da acusação em que os adjetivos se sucedem com uma variação notável a cruel e pestilencial tirania infelizes salteadores tiranos e destruidores do gênero humano inimigos da na tureza humana ladrões armados e salteadores de cruel truculência etc A violência nos escritos lascasianos pode ser dividida em duas grandes categorias a individual praticada pelos conquis tadores com os instrumentos de guerra que mata ou mutila fi sicamente os índios em pouco tempo e a institucional que os massacra lentamente no trabalho das minas com as novas obrigações sociais mediante a nova cultura14 Além de destacar o impulso assassino dos espanhóis o padre do minicano transforma o indígena em vítima de um processo Na tentati va de salvar os nativos Las Casas o imobiliza frente ao ataque europeu Em seus textos a fraqueza indígena assume proporções gigantescas criando a imagem de pessoas ocupadas em chorar e gemer suas calami dades incapazes de ter tempo ou coração para resistir presas fáceis para os conquistadores A releitura mais famosa dos escritos de Las Casas e referência dos livros didáticos deuse na década de 1970 As veias abertas da Luiz E s t e v a m F e r n a n d e s e M a r c u s V i n I c i u s d e M o r a i s 151 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a América Latina do jornalista uruguaio Eduardo Galeano Obra de imenso sucesso editorial15 As veias abertas tem um valor inegável pela riqueza da informação pela visão de conjunto pelo patético de sua mensagem e porque é sem lu gar para dúvidas o retrato fiel de uma história que tam bém não resistiu ao fascínio da imagem histórica do continen te herdada de Las Casas Já o título da obra nos diz tudo e nos coloca como latinoamericanos no triste papel dos índios de Las Casas isto é destruídos torturados estuprados sempre vencidos pelos colonizadores embora Galeano não faça refe rência nenhuma a qualquer escrito do frade dominicano16 O discurso competente e as metáforas ricas de imaginação en contradas no livro de Galeano por si sós já garantiriam uma boa acei tação de seu conteúdo aos olhos de ampla parcela do público de es querda na década de chumbo do continente latinoamericano A simplicidade de sua tese a América como um corpo aberto sangran do a alimentar sanguessugas estrangeiros sedentos de nossas matérias primas barateadas à custa de um banho de sangue Denúncia contundente da situação do continente o livro faz um traçado histórico para desenvolver uma tese central a exploração da América Latina desde o século XV provoca po breza fome e formas políticas autoritárias em associação ao ex plorador estrangeiro17 Essa análise teleológica que troca nossas metrópoles retroativa mente de EUA para Inglaterra e desta para Península Ibérica tem um forte cunho economicista influência de leituras do marxismo latino americano Por outro lado tal como Las Casas mostra os filhos desta terra como um povo perdedor uma massa acostumada ao autoritaris mo de quinhentos anos de derrota nas mãos do outro18 Essa postura derrotista aparece em nossos livros escolares em passa gens como Essa população européia lançavase sobre os índios co 152 Luiz E s t e v a m F e r n a n d e s e M a r c u s V i n í c i u s d e M o r a i s mo um bando de exploradores A produção colonial foi organizada a partir da exploração da mãodeobra indígena pois os europeus saquea ram suas riquezas dizimaram seus habitantes e destruíram suas culturas As noções de conquista e exploração são tão fortes nos manuais de História que até mesmo a palavra indígena sucumbe a um semnú mero de explicações sobre outras histórias sempre brancas e vencedo ras A sangria do continente predestinado aparentemente ao autori tarismo e às ditaduras continua no contexto de independências Do ponto de vista econômico a independência não rom peu os laços que prendiam as economias coloniais à Europa Esses países continuaram como exportadores de matériaprima e importadores de produtos industrializados Para os latinoamericanos contudo a independência não re sultou em desenvolvimento socioeconômico autônomo nos moldes do norteamericano e sim em dependências em rela ção aos centros dinâmicos do capitalismo especialmente In glaterra no início e Estados Unidos a seguir É impossível negar um massacre nos episódios do século XVI ou fechar os olhos para práticas imperialistas e para as ditaduras a que o con tinente latinoamericano foi submetido O problema reside em um redu cionismo de caráter econômico capaz de matar culturas e prover uma ori gem embrionária passiva ao nosso continente como que impedindo a visão de outras matizes em nossas histórias que não a da dor do sofrimen to da exploração e da negação Nesse tipo de interpretação as indepen dências são ineficazes ao passo que se distam do modelo norteamericano Entre o laboratório e a Igreja o mito dos vencedores e vencidos Nos livros atuais sejam eles escolares ou não negar i Amii i indígena e negra negar as vivências para ressaltar meras sobrcvivnn ic 153 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a ou pior aniquilamentos totais é criar a visão dos vencidos espécie de mescla de Galeano e Soustelle Las Casas e Prescott o sentimentalismo redentor e o reducionismo técnico Igreja e laboratório Essa interpretação da qual os livros escolares analisados são o fruto e a árvore mostram o invasor nocivo ora europeu ora norte americano contrapondose ao dono da terra ao estado indígena aba tido pelas doenças crendices e fraqueza de espírito a que os mestiços latinoamericanos atuais herdaram Ao mesmo tempo nos manuais de História vemos a tentativa de resgatar o lado do vencido do con quistado valorizálo Mas nas entrelinhas sonhase em ser o conquis tador o desenvolvido o branco Vemos uma mistura de ideais de con quista e de imaginário cristão cuja premissa é a piedade para com o menos favorecido No cerne dessa busca a necessidade de identidade ancestral um passado indígena e ao mesmo tempo colonizador Miguel LeónPortilla talvez seja a fonte inspiradora dessa ver tente ainda que não haja citações de seus textos nos manuais mencio nados apenas inferências de seu livro de divulgação A visão dos venci dos em bibliografias Esse livro traz uma rica coletânea de relatos indígenas reunidos por europeus anos após a conquista em que as vo zes dos mexicanos apareceriam sem filtros diante de nossos olhos LéonPortilla conhecido em tçdo o mundo por ser um dos maiores especialistas em cultura náhuatl inserese em um amplo grupo heterogêneo de historiadores do qual Jacques Soustelle também faz parte Essa historiografia guardadas as profundas diferenças nas moti vações de suas escritas orgulhase de ter em suas mãos o conhecimen to e o domínio de uma ampla temática sobre os astecas São autores que possuem em seus livros linguagem descritiva provavelmente fru to de uma concepção única da sociedade asteca algo fixo e definitivo que não deveria ser questionado19 Em LeónPortilla reforçase a tese do derrotismo pois seus argu mentos mostram a visão pessimista dos índios frente ao impacto da conquista mas também revelam que os presságios derrotistas os sinais negativos a opinião dos feiticeiros eram todos produtos de uma profunda crise precedente20 De qualquer maneira como escreveu Ciro Flama rion Cardoso 54 Luiz E s t e v a m F e r n a n d e s e M a r c u s V i n í c i u s d e M o r a i s o trauma da conquista e da colonização se prolonga até hoje expressandose na oposição entre hispanistas e indi genistas apologistas respectivamente da obra civilizadora ibé rica e do passado indígena Em ambos os casos são posições unilaterais distorcidas e idealizadas21 Os manuais didáticos pela tradicional abordagem economicista transformam seguindo essa tradição mescla das outras duas a América em sociedade de classes criam Estados utilizamse das crenças e pressá gios falam da importância da fé cristã aos europeus para no final con cluir a ocupação da América ganhou um caráter essencialmente econô mico Essa obviamente é uma interpretação possível não há defesa nem derrotas esmagadoras apenas a supremacia inconteste da economia sobre a vida de todos os seres humanos A determinação de Cortés em conquis tar territórios é retratada a destruição dos impérios é mostrada com parti darismo e bandeira erguida em prol dos indígenas Apesar disso a destrui ção imposta pelo invasor parece ter sido extremamente bem sucedida pois não há outra menção aos indígenas em todo o texto De fato após o de sembarque há um imenso hiato no qual formouse toda a sociedade colo nial americana para retornarmos ao antigo confortável e fácil etnocentris mo europeu Após as independências a América Latina só voltará a aparecer depois de um longo período de relativa docilidade em relação à liderança primeiro da Inglaterra mais tarde dos Estados Unidos quando ingressa eríi uma época de turbulências e experimentações políticas CONCLUSÃO A maneira que escolhemos para contar nosso passado pode di zer muito sobre nosso presente O resgate dos acontecimentos tem co mo objetivo legitimar ou explicar o momento a situação e as sensações presentes Desse modo a maneira de narrar a história da América tam bém poderá revelar que tipo de imagem se forma a partir do rosto la tinoamericano ao tentar enxergar através de métodos artificiais e tal vez únicos de reflexos em diversas épocas e em diferentes situações 55 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a Os acontecimentos sao repensados constantemente na tentativa de confeccionar essa visão de si mesmo individual que cria assim de uma história que sempre muda que é muitas vezes revisitada mas que é sempre a mesma coisa a busca da identidade Nas ruas nas escolas na infância e na velhice as datas e as se qüências dos acontecimentos se confundem com outras informações mas os principais heróis e a noção do que de fato ocorreu no passado está presente na mente de cada um que um dia pôde estudar ou que um dia pôde conversar com os amigos O senso comum formado nos colégios reforçado no cinema nas propagandas e na literatura ganha corpo nos batepapos de esquina e no modo que cada um escolhe pa ra dizer suas origens e suas ancestralidades um jogo de opostos22 no qual bem e mal estão em constante luta Assim essa noção de si mes mo é muitas vezes também uma construção que apresenta uma ori gem tudo aquilo que julguei ser a verdade didática é apenas uma par te de uma verdade fragmentada e espalhada pelos tempos23 Voltando e esperando encontrar respostas capazes de explicar a origem de nossa História deparamonos com as histórias da História do continente América índia mulher estendida nua presença não no meada da diferença corpo que desperta num espaço de vege tações e animais exóticos o conquistador irá escrever o corpo do outro e nele traçar sua própria história Fará dele o corpo historiado o brasão de seus trabalhos e de seus fantasmas24 Os relatos que sobraram desse continente dos povos que aqui habitavam e da conquista são de origem européia mostram uma ópti ca e enxergam o mundo de uma maneira específica utilizam a lente do europeu e vêem apenas aquilo que são capazes de perceber Essa não é apenas a conquista do território mas a conquista da escrita a conquista da História Nas três vertentes apresentadas parece existir no entanto um fio condutor que as une Dos conquistadores surgem dois grupos distintos que estão em constante diálogo os indí 156 Luiz E s t e v a m F e r n a n d e s e M a r c u s V i n I c i u s d e M o r a i s genas indefesos vítimas de um massacre a dramatização sangrenta to tal do episódio esta é a linha de Las Casas Eduardo Galeano e León Portilla a quem Galeano recorre muitas vezes O outro grupo é for mado pelos herdeiros diretos de Cortés Hanke e Prescott Esses cientificistas do século XIX leram as cartas do capitão con quistador como verdades absolutas informações inquestionáveis do epi sódio e de acordo com seus contextos escreveram a narrativa do precon ceito a superioridade européia a razão e as armas indestrutíveis frente à barbárie dos machados e pedras indígenas A vitória dos homens sobre as adversidades da natureza a razão que vence o instinto o triunfo do individualismo e a capacidade humana de dominar as forças naturais A tradição de Las Casas fez mais sucesso e ao invés de se cho car com a anterior parece completála A tragédia caracterizase pela formação de um grande eixo narrativo Na década de 1970 Eduardo Galeano resgatou as atrocidades feitas contra o continente ganhando um número imenso de leitores Seu texto está fundado numa narrativa trágica palatável ao gosto dos leitores certas obras reforçam conhecimentos e con cepções que o leitor já possui e apresentam narrativas e expli cações que são consideradas corretas sobre uma determinada realidade porque não introduzem uma ruptura 25 na maneira de se compreender o episódio A terceira tradição na tentativa de excluir a Europa e os Esta dos Unidos de seus textos para resgatar uma ancestralidade indígena sobrevivente ao massacre criou o mito dos vencedores e dos vencidos Esa oposição é o pior fruto dessa maneira de entender a América pois só se constitui como dualidade a partir do código europeu Freqüentemente analisamos o processo e a destruição das civiliza ções précolombianas como se dvéssemos diante de nós numa mesma batalha elementos capazes dc manipular as mesmas regras de modo igual Isso não ocorreu na América porque estávamos diante de uma outra cultura26 57 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a Na tentativa de superálas talvez fosse o caso de recusar sobre vivências e buscar novas vivências Por que aquelas rem iniscências visíveis não superaram o discurso da destruição Q uanto m ais vivia entre eles diver sos povos da A m érica Latina percebia que não pensavam com o europeus não eram frutos da terra arrasada não ha viam rom pido com suas tradições ancestrais Ao m esm o tem po partilhavam de um a form a de devoção cristã que não era bem aquela que eu conhecia e da qual era fruto T am bém não m e faziam crer serem apenas sobreviventes D ecididam ente eram viventes27 Romper com essas tradições no entanto poderia causar des confiança nos professores que deixariam de consumir tais livros Tra dições que resignificam a legislação vigente para elaborar novos ma nuais mas incluem ou excluem temas de acordo com sua incidência em vestibulares Tradições que impedem que se constitua qualquer ou tro eixo narrativo que não o cronológico político unidimensional e econômico Tradições que se autoreforçam Mesmo assim qualquer livro por ser ponto de partida e não de chegada das atividades do professor pode ser usado com muito proveito Afinal a aula é do professor e não do livro E o bom docente é livre au tônomo e procura sempre a melhor maneira de produzir conhecimento Eu penso que não existe a H istória de livros didáticos Existem m uitas histórias em livros didáticos posturas divergentes e em alguns casos conflitantes Por outro lado os livros têm m uitos defeitos podem ser m uito descritivos m uito frios es quem áticos e podem ter dados errados factualm ente equivo cados E para fazer o livro funcionar a prim eira coisa é ter pro fessores bons porque por pior que seja o livro ele pode ser lido com proveito Ele pode ser lido a contrapelo por exem plo Por pior que o livro seja m esm o sendo um a coletânea de absurdos o que nenhum deles chega a ser serve para você ler 158 Luiz E s t e v a m F e r n a n d e s e M a r c u s V i n I c i u s d e M o r a i s com o aluno e mostrar Olha o que ele está te falando sobre a Revolução Francesa Olha como nós estamos inventando uma Revolução Francesa Olha como nós estamos inventan do um romano que é um néscio um louco que é isso ou aquilo Não acho que o livro deva ser substituído joga do fora28 O livro didático acrescentese é bemvindo quanto mais coe rência e atualizações historiográficas trouxer mas mais do que isso quanto mais possibilidades de estudo puder abrir e quanto mais distan ciar cultura dos boxes e apêndices de curiosidade Sendo o professor quem mais conhece as necessidades de seus alunos e as circunstâncias espaçotemporais em que trabalha ele é o principal responsável pela concretização de qualquer proposta de ensino Com um bom profes sor o aluno deixaria de ver a figura de grandes heróis num passado morno diferente da vida de hoje Sendo assim a pequenez do aluno diante dos poderosos personagens dos livros de Flistória que aumentam sua impressão de estar fadado a uma existência menor e subalterna da rão lugar a opções abertas possibilidades e não verdades Num futuro próximo essas maneiras de contar a História se tor narão a memória de um passado comum lembranças coletivas de uma época que não se viveu mas na qual a grande maioria se identifica se corresponde por um cordão mágico a idéia de ser brasileiro de ser lati noamericano de pertencer a um grupo ou a uma nação Podese até pensai que essa nacionalidade é também construída como fantasia polí tica de acordo com interesses locais no entanto as pessoas se sentem e se vêem como americanas de algum modo se interagem com a história comum de sua região com os contos lendas e histórias do país vizinho Todas as versões e verdades sobre o tema são também constru ções Nesse sentido de maneira lenta e sutil essa noção de si mesmo aos poucos vai se alojando na inconsciência São também os livros didáticos essas tradições e o senso comum que aparecem no espelho mágico do passado de qualquer cidadão que procura seu reflexo pa ra ver e entender quem é e de onde vem Podese dizer que a memó ria é portanto confeccionada e não precisa ser apenas histórica Pode 59 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a partir de lendas e crônicas ou seja sua base pode ser ritual o que lhe garante um significado simbólico29 O latinoamericano em especial o brasileiro parece negar suas origens conta e seleciona o lado bom da História para se identificar com ela A origem negra é negada a indígena vista como covarde e a asiática deixada de lado É agradável lembrar de uma história onde eu servi a mesa Ou é agradável lembrar de uma outra onde estou à me sa cercada de uma baixela cheia de tradição30 Segundo essa interpre tação é necessário a existência de um conto bonito capaz de seguir em frente de resistir ao tempo aos julgamentos de valor e que possa per manecer intacto a quaisquer críticas e adversidades que certamente irão aparecer É preciso contar sobre os vencedores colocarse ao lado deles As férias de fim de ano devem ser passadas na Europa pois a América senão feia é inexpressível ao turismo do próprio latinoame ricano O que vem de fora é sempre melhor e o produto com rótulo importado é facilmente vendido No Brasil todos fogem da possibilidade de identificação com os negros e por isso talvez existam mil e uma cores para a etnia de quem certamente possui descendência africana mulato crioulo moreno e jambo mas nunca negro Essa palavra está impregnada de tom pejora tivo E quem nunca ouviu esse tipo de insulto Você é um índio Afirmar o contrário seria o mesmo que assinar o atestado de derrota do de inferior de menos capaz de passar para o lado de lá da história quando gostaríamos de fato de ser os conquistadores Esse tipo de imagem foi lentamente construída vive até hoje de maneira inconsciente no cotidiano de cada um escondida e trancada em algum lugar obscuro de nossos pensamentos na caixa de horrores Sua desconstrução é o primeiro passo para a sua necessária superação tarefa lenta e difícil que se propõe mexer nas origens do fenômeno Notas 1 Érico Veríssimo Incidente em Antares São Paulo Ed Globo 1994 p 24 2 Roger Chartier O mundo como representação In Estudos Avançados 11 5 1991 p 181 160 Luiz E s t e v a m F e r n a n d e s e M a r c u s V i n í c i u s d i M o im i 3 Marisa Lajolo IN Ricardo Prado Os bons companheiros Nova lísrola Sao Paulo Abril ano XVI n 140 mar 2001 p 20 4 Adaptado de Marc Poster Cultural History and Postmodernity disciplinary readings and challenges Nova York Columbia University Press 1997 p 51 5Até aqui tratasc dc livros dc História Geral ou seja os velhos conhecidos manuais de História Ocidental vista a partir da Europa 6 Livros de História Integrada reinvenção da História global Brasil Améri ca e mundo juntos no mesmo corpo discursivo mas sempre tratando de Ocidente 7 Octávio Paz O labirinto da solidão e post scriptum Rio de Janeiro Paz e Ter ra 1992 p 23 8 Peter Gay ressalta que Em Ranke a mão modeladora do artista literário nunca se distancia do labor construtivo do historiador portanto formalmente ele foi impecável Peter Gay O estilo na História Gibbon Ranke Macaulay Buckhardt São Paulo Companhia das Letras p 68 9 O que pode ser percebido em quase todos os capítulos do livro em passagens como ela a guerra constituía um meio de conquista para as cidades imperialistas e para tanto revestiase de noções jurídicas a justificála nas quais além de exaltar a partici pação do Estado o autor chega a afirmar que a cidade que se pretende incorpo rar ao império de certa forma já lhe pertencia de direito 10 Jacques Soustelle A vida cotidiana dos astecas na véspera da conquista espa nhola pp 243247 11 Jacques Soustelle A vida cotidiana dos astecas na véspera da conquista es panhola pp 1213 12 Janice Theodoro América Barroca tema e variações São Paulo EduspNova Fronteira 1992 p90 13 a obra de Las Casas é dirigida contra os conquistadores que pre tendem justificar suas guerras de conquista pelo objetivo almejado que é a evangeliza ção Las Casas recusa essa violência mas ao mesmo tempo para ele só há uma religião Verdadeira a sua E essa Verdade não é somente pessoal mas universal é válida para todos e por isso ela não rejeita o projeto evangelizador Ora já não há violência na con vicção de possuir a verdade ao passo que esse não é o caso dos outros e de que ainda por cima devese impôla aos outros TODOROV Tzvetan A Conquista da América a questão do outro São Paulo Martins Fontes 1993 pp 165166 14 Héctor Hernan Bruit Bartolomé de Las Casas e a simulação dos vencidos Campinas Editora da UnicampIluminuras 1995 p 74 15 Com a primeira edição em castelhano publicada em 1971 o livro do es critor uruguaio já estava em 1994 na 67a edição no vernáculo Em português tam bém em 1994 a Paz e Terra lançava a 36a edição Informações extraídas de Plinio Apu leyo Mendoza Org M anual do Perfeito Idiota LatinoAmericano Rio de Janeiro Bertrand Brasil 2000 pp 51 e 52 16 H Bruit América Latina quinhentos anos entre a Resistência e a Re volução Revista Brasileira de H istória A N PU H M arco ZeroCNPqFapesp V o l Re forma e Revolução p 156 17 Leandro Karnal As veias fechadas da América Latina disponível no endereço eletrônico httpwwwcevehcombr 161 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a 18 H Bruit América Latina quinhentos anos entre a Resistência e a Revo lução Revista Brasileira de História ANPUHM arco Z eroC N PqFapesp V o l Reforma e Revolução p 158 19 Na orelha da edição de 1988 de LosA7itiguos Mexicanos a través de sus crônicas y cantares de LeónPortilla encontramos A arqueologia nos possibilitou co nhecer a existência de centros cerimoniais no qual palácios e templos se acham decora dos com pinturas e sao exemplos de uma avançada urbanização os ideais guerreiros es tão inteligentemente expressados em O povo do Sol de Alfonso Caso Angel M Garibay K e Miguel LeónPortilla traduziram para nossa língua a literatura e o pensamento pré hispânicos os pormenores de A vida cotidiana dos astecas foram analisados por Jacques Soustelle da mesma forma que Justino Fernández abordou a estética indígena e Laurett Séjourné a simbologia dos murais teotihuacanos tradução livre dos autores 20 H Bruit América Latina quinhentos anos entre a Resistência e a Revolu ção Revista Brasileira de História ANPUHM arco ZeroCN PqFapesp Vol Reforma e Re volução p 151 21 Ciro Flamarion Cardoso América PréColombiana São Paulo Brasilien se 1981 p 8 22 Comentando o livro de Eduardo Galeano Leandro Karnal escreve sobre esse jogo de opostos Esta divisão em duplos índiosespanhóis ricospobres latinosan glosaxões etc é uma das chaves do sucesso da obra Torna fácil a compreensão e vai ao en contro pleno da compreensão do leitor Talvez pela própria tradição religiosa da América divisões perfeitas entre princípios antípodas sempre funcionam bem no palco ou no tex to KARNAL A s veias fechadas da América Latina 23 Este artigo não é exceção ao criar uma divisão arbitrária que não existe explicitada nos livros didáticos formulamos uma verdade uma maneira de analisar as tradições historiográficas que norteiam a produção escolar 24 Michel de Certau A escrita da história Rio de Janeiro Forense Univer sitária p 9 25 Leandro Karnal As veias fechadas da América Latina p 2 26 Janice Theodoro Op c i t p 33 27 Janice Theodoro América Barroca p 91 28 Pedro Paulo Funari Entrevista 29 J Theodoro 30 J Theodoro Memória e Esquecimento p 3 Bibliografia LEONPORTILLA Miguel A visão dos vencidos a tragédia da conquista narrada pelos astecas Porto Alegre LPM 1987 PRESCOTT W illiam Sir The Conquest o f Mexico San Antonio Texas Coro na Publishing Company 1988 SOUSTELLE Jacques A vida cotidiana dos astecas na véspera da conquista espa nhola São Paulo Companhia das Letras sd 162 PENSANDO A ESTRANHA HISTÓRIA SEM FIM M a r c o s N a p o l it a n o Olivier Dumoulin historiador francês afirmou que a História Contemporânea é uma história muito estranha1 Esse estranhamento segundo ele talvez tenha sua origem na contradição que marcava o sentido original dos dois termos história e contemporânea tal co mo foi pensado no século XIX sobretudo pelos historiadores metódi cos ou positivistas como são mais conhecidos o estudo da História era incompatível com o estudo das sociedades contemporâneas próxi mas cronologicamente do historiador Segundo Dumoulin o conceito de História Contemporânea foi confirmado na reforma do ensino se cundário francês ocorrido no último quarto do século XIX e desde en tão foi definida como o período posterior à Revolução Francesa de 1789 Consagravase assim a famosa periodização quadripartite da História AntigaMedievalModernaContemporânea construída com base na História européia2 Apesar de ainda estar presente como estruturadora dos currí culos de muitos cursos superiores e vestibulares no Brasil essa divi são tem contentado cada vez menos a pesquisadores e professores O surgimento de novos termos como História do Tempo Presente História Imediata ou a problematização das cronologias rigidamen te estabelecidas dos objetos consagrados e das fontes tradicionais 163 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a têm aberto novas perspectivas para a pesquisa histórica mas compli cado um pouco a vida do professor em sala de aula Não apenas dos professores do ensino básico mas também dos docentes de ensino superior que freqüentemente vêemse divididos entre a necessidade de ajudar na formação ampla dos seus alunos e ao mesmo tempo preparálos para o ofício altamente especializado da pesquisa históri ca Normalmente a maior parte dos currículos formais ainda está formatada nas ementas e nos programas sob a forma quadripartite da divisão historiográfica Mas o que estamos assistindo atualmente é a problematização do conceito e a subdivisão do período generica mente conhecido como História Contemporânea com base na refle xão sobre como analisar os anos posteriores à eclosão da Primeira Guerra Mundial Na estruturação do currículo escolar de História no Brasil Im perial ainda no século XIX a ênfase maior recaía sobre a História Uni versal um pouco nos moldes da Ilustração do século anterior No final daquele século a História Contemporânea foi confirmada como ma téria do sexto ano ginasial conforme decreto de 1895 e compreendia o período que ia da Revolução Francesa até o século XIX tendo como eixo central o estudo da civilização moderna O modelo dessa civiliza ção obviamente era a Europa O conceito de História Contemporâ nea adotado entre nós foi o francês e na época caracterizavase pelo enfoque do fato político e pelo elogio das formas de vida e cultura da civilização burguesa da Europa É curioso notar que o ensino de His tória do Brasil foi relegado a um segundo plano até os anos 30 do sé culo XX Em que pese a preocupação já presente desde a fundação do Instituto Histórico e Geográfico em 1838 com a pesquisa de Histó ria pátria o ensino priorizava muito mais o ensino de História Univer sal ou História da Civilização com ênfase na Antiguidade Idade Mé dia e parte da Época Moderna Para os metódicos Gabriel Monod Charles Seignobos Char les Langlois e outros grupo que marcou o nascimento da História acadêmica e consagrou a divisão quadripartite da História da Civili zação quanto mais próxima do presente a pesquisa histórica se pau tasse tanto mais sujeita a erros e distorções por parte do historiador 164 M a r c o s N a p o l i t a n o cujo ofício deveria idealmente ser apartado de todo engajamento nas questões políticoideológicas do seu tempo Para os historiadores me tódicos as maiores dificuldades em escrever uma História Contempo rânea eram a falta ou exigüidade de arquivos e o caráter aberto do pe ríodo contemporâneo ainda influente nos acontecimentos do presente de cada historiador Lembremos que no grande projeto his toriográfico dos metódicos tal como definido no manifesto publica do na Revue d Histoire em 1876 o estudo exaustivo da Hisrória de veria se deter no fim da era napoleònica 1815 Portanto boa parte dos conteúdos que chamamos de História Contemporânea estava au sente do projeto historiográfico que consolidou a historiografia acadê mica européia Os metódicos foram duramente criticados pelos presentistas na virada do século XIX para o XX cujo lema foi sintetizado na frase de Benedetto Croce a História é sempre contemporânea os quais tentavam afastarse do predomínio do tema políticoinstitucional centrando sua análise na história das idéias e das artes Posteriormen te com a hegemonia conquistada pela Escola dos Annales tornouse mais palatável a possibilidade do estudo da História Contemporânea uma vez que essa nova corrente historiográfica defendia que toda a História era uma história dos homens no tempo Apesar dessas críti cas a marca da História como ciência do passado bem passado ainda foi dominante na opinião média de profissionais e leigos Com os Annales a organização da pesquisa histórica passou a ser definida mais pelos seus objetos do que pela cronologia dos fatos políticos e institucionais Livros clássicos como Os Reis Taumaturgos de Marc Bloch ou O problema da descrença no século XVI de Lucien Febvre não se pautam pelas rígidas cronologias que separam a Idade Média da Idade Moderna A dificuldade no estabelecimento de fontes e na organização de arquivos já mencionada pelos historiadores metódicos sempre dificul tou a pesquisa sobre História Contemporânea mesmo com o surgi mento da chamada Nova História francesa ou das Mentalidades en tre os anos 60 e 70 Adepto do método serial e quantitativo portanto adequado a uma grande quantidade de fontes e corpus documentais 165 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a organizados o estudo do período contemporâneo ainda continuava problemático pois a documentação não estava plenamente estabeleci da e organizada Paradoxalmente o período contemporâneo sobretu do o século XX tem sido abundante na produção de informação sobre si mesmo proliferam as estatísticas o material jornalístico e editorial os documentos audiovisuais Portanto o desafio do historiador e ar quivista dedicados ao contemporâneo entendido como o estudo dos séculos XIX e XX não era a escassez e sim o excesso de informação O paradoxo reside no fato de que somente nos últimos anos do século XX a guarda e organização desse tipo de documentação por parte de arquivos direcionados à pesquisa histórica tem sido uma preocupação mais sistemática Não apenas no Brasil mas em outros paises com his toriografias tradicionais e bem estabelecidas AS MUDANÇAS HISTORIOGRÁFICAS E A HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA A partir dos anos 60 e 70 surgiram novas questões para pensar sobre o período contemporâneo dentro de uma outra perspectiva his toriográfica Destacamos brevemente algumas variáveis a História Social a História das Mentalidades a História do Tempo Presente e a Nova História Política A História Social inglesa de feição marxista submeteu o estu do da História Contemporânea ao estudo da classe operária do mundo do trabalho e dos movimentos sociais como um todo Os his toriadores ingleses sobretudo Edward Thompson e Eric Hobsbawn junto com a contribuição de Ernest Labrousse ajudaram a cunhar o termo História Social definindo um campo no qual a História Mo derna e Contemporânea tinham um lugar privilegiado Apesar do termo comum os métodos eram diferentes Os ingleses sobretudo analisaram os movimentos sociais e políticos de trabalhadores e cam poneses com base em sua autonomia política e cultural relativa re visando e matizando a importância do velho manual historiográfico de Engels excessivamente linear e determinista até então dominan 66 M a r c o s N a p o l i t a n o te no pensamento historiográfico marxista O contemporâneo em li nhas gerais foi pensado como processo social total nos termos mar xistas analisado não apenas valendose dos grandes eventos e estru turas políticas ou econômicas modo de produção mas também em termos socioculturais e ideológicos Já os trabalhos na França con centraramse no estudo sociodemográfico das populações operárias e camponesas e mesmo quando se voltavam para o político o com portamento dos grupos sociais específicos era submetido a um rigo roso método de análise exaustiva e serial de fontes históricas na bus ca dos ritmos e ciclos do processo históricos Neste caso a influência de Fernand Braudel foi determinante deslocandose o foco da His tória Econômica de recorte geográfico para a História Demográfi ca de recorte social Já a ênfase maior da escola das Mentalidades ou Nova Histó ria francesa desdobramento da Escola dos Annales nunca recaiu sobre a História Contemporânea mas sobre a História Medieval e Moderna do século XII ate o início do século XVIII sobretudo Pa ra essa corrente o recorte sociológico era direcionado para a análise das atitudes coletivas muitas vezes inconscientes e introjetadas diante de fenômenos socioculturais eventos e instituições marcan tes de uma dada época ou sociedade A ênfase na longa duração não foram incomuns pesquisas com recortes cronológicos de duzentos anos ou mais e na inércia das mentalidades coletivas mesmo quan do a política e a economia pareciam tomadas por um furacão de mu danças também se constituiu em outro obstáculo para o estudo da História Contemporânea Nesta a certidão de nascimento era uma das mais dramáticas revoluções da História a Francesa e o ro teiro dos fatos posteriores se parecia com um grande épico de ação com guerras rebeliões e revoluções sucessivas ou seja um conjunto de rupturas e mudanças rápidas nas sociedades temperadas pela dramática evolução técnicocientíficas das sociedades industriais Apesar de não se concentrar no estudo da História Contemporânea mesmo reconhecendo sua importância e legitimidade a Nova His toria abriu campos importantes pelos quais o contemporâneo pas sou a ser pensado Em alguns casos suas perspectivas metodológicas 167 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a e objetos inovadores foram matizados por uma História Social de in fluência marxista ou pela psicanálise Como decorrência seja pelo viés das mentalidades nem sempre utilizada nos livros didáticos dentro de uma conceituação rigorosa sendo muito confundida com o estudo de fatos diversos seja pelo viés de uma História da Vida Privada e Cotidiana a sociedade burguesa dos oitocentos vem sen do dissecada por inúmeros livros e pesquisas gerando novos conteú dos para a sala de aula3 Outros autores franceses como Pierre Nora por exemplo reto maram a preocupação acerca do estudo do tempo curto do evento que deve ser repensado na era da mídia e da informação Nora propôs a reflexão sobre a natureza do evento hiperdimensionado pela exposi ção midiática como uma das entradas para a análise da História pró xima ao historiador do século XX4 Outros autores radicalizaram ainda mais essa perspectiva propondo uma metodologia para se pensar a História imediata de uma sociedade alucinada por informações e no direito de exigir inteligibilidade histórica próxima5 Nas últimas duas décadas do século XX ainda na França para se diferenciar da História Contemporânea já estabelecida e fazer jus à voragem do tempo no século XX surge o conceito de História do Tem po Presente voltada para o estudo do período simultâneo e posterior à Segunda Guerra Mundial A diferença entre o velho conceito de His tória Contemporânea e História do Tempo Presente pode ser definida pela presença viva dos protagonistas e da memória ainda interagindo com o tempo do historiador como testemunhos vivos e dinâmicos do passado O estudo do tempo presente ganhou até o reconhecimento acadêmico institucional com a criação do Institut d histoire du temps present no CNRS Centre Nationale de Recherche Seientifique francês em 1980 O grande desafio desse tipo de pesquisa historiográfica é a separação epistemológica e metodológica daquilo que é memória identidade coletiva e prática sociocultural e do que é História ope ração intelectual de bases científicas Aqui abrimos um parêntese que diz respeito sobretudo ao estu do da História Contemporânea mais recente A presença atuante da memória e dos testemunhos dos eventos em estudo pode levar a uma 168 M a r c o s N a p o l i t a n o excessiva partidarizaçao da discussão sobre o passado Esse é um dos principais riscos do estudo do tempo presente ressaltado pelos historia dores que se especializaram nesse tipo de recorte gerando uma análise enviesada Se por um lado hoje em dia ninguém mais deve acreditar na pretensa neutralidade do historiador tão almejada pelos metódicos também não é aconselhável submeter a análise do passado ainda que recente às paixões e opções políticas do presente Esse é um problema ético e político que se coloca não apenas para o pesquisador mas tam bém para o professor O papel da História para a construção de uma consciência social e política de feições críticas não é necessariamente o resultado do sectarismo e da partidarização do estudo do passado Mes mo que o professor ou pesquisador se posicione e defenda princípios éticos e políticos é preciso evitar os anacronismos ou seja o julgamen to das ações e idéias do passado sem o cuidado de levar em conta os va lores processos e configurações específicas do período e da sociedade es tudados Apesar de parecer o contrário nem sempre é fácil encontrar mocinhos e bandidos ao longo do processo histórico e explicar a história pela luta do bem contra o mal Muitas vezes esse jogo mais mascara do que esclarece sobre as estruturas e processos históricos A Nova História Política abre uma outra perspectiva interes sante para a pesquisa e o ensino de História Contemporânea Essa perspectiva pode ser articulada inclusive com os temas políticos e culturais que marcam o discurso dos Parâmetros Curriculares Na cionais PCNs Esse campo desviou o estudo da esfera e das relações de poder na sociedade do fato político em si e por si tal como con sagrado pelos metódicos para a análise dos conceitos políticos das representações simbólicas e dos imaginários e dos sentimentos e pai xões catalisados pela política Esses novos problemas ampliaram o escopo das análises mais consagradas da História Política que se concentravam nas formas de Estado nos regimes políticos na ação das personalidades individuais na luta de classes e a ideologia O novo campo da História Política vem dando uma grande contribui ção à História Contemporânea uma vez que permite articular obje tos e problemas típicos do século XX como a ação da propaganda e dos meios de comunicação sobre a esfera política cultural e social 169 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a das sociedades em questão A abordagem comparativa dessas questões pode ajudar o professor a trabalhar com uma das tendências atuais particularmente forte no ensino de História Contemporânea que é a História Integrada aquela que articula as Histórias do Brasil América Geral Pela nova abordagem do fenômeno político podem surgir no vos temas para o pesquisador e para o professor Por exemplo o con ceito de esfera pública praticamente se confunde com a temporalidade clássica da História Contemporânea o estudo das paixões políticas a paixão revolucionária a paixão totalitária e seu contrário a apatia po lítica a análise do capitalismo administrado e seu corolário a indús tria cultural Essa nova pauta de questões da História Contemporâ nea trazidas pelo novo campo da História Política tem a vantagem de permitir a articulação de temas sociais políticos econômicos e cultu rais sem que o professor tenha que recorrer às instâncias didaticamen te fragmentadas Por outro lado implica uma certa dificuldade que a assimilação de conceitos e autores oriundos da Filosofia notadamente a Filosofia alemã contemporânea exige Em relação às fontes para a História do século XX e parte do XIX os estudos de História Contemporânea não apenas contribuíram com novos objetos e problemas mas sobretudo com novos documen tos primários As fontes audiovisuais cinema fotografia sonoras fo nogramas musicais registros radiofônicos e orais depoimentos vivos se juntaram às tradicionais e cultuadas fontes escritas acrescidas por sua vez do vasto material produzido pela imprensa diária As fontes audiovisuais sonoras e orais vêm ganhando desde os anos 60 e 70 um reconhecimento cada vez mais forte para o estudo do passado e dada a necessidade de uma abordagem específica dasua linguagem e conteúdo têm se constituído em um grande foco de debates Sua uti lização como fontes de ensino de História para as classes fundamentais também vem se consolidando já não mais como prática esporádica de um ou outro professor mas como sugestão nos próprios documentos da política educacional oficial 170 M a r c o s N a p o l i t a n o OBRAS E AUTORES DE REFERÊNCIA É necessário lembrar que ao longo dos anos 80 os cursos de História das universidades brasileiras formadoras não apenas de pro fessores e pesquisadores mas também de autores de materiais didáti cos ficaram divididos em linhas gerais entre autores franceses e ingle ses É claro essa é uma afirmação reducionista e que deve ser matizada caso o objetivo deste texto fosse aprofundar a análise das influências teóricas na historiografia recente do Brasil Se entre os ensaios histo riográficos mais instigantes sobre a História Contemporânea franceses e ingleses dividem a cena editorial brasileira não podemos esquecer al guns dos autores latinoamericanos Entre os manuais de formação a série de Hobsbawn tem sido a mais citada nos programas da disciplina de História Contemporânea das universidades brasileiras além de ser muito utilizada pelos profes sores sobretudo do ensino médio Nos quatro livros da série6 Hobs bawn aprofunda a discussão sobre a História Contemporânea valen do se de uma linguagem acessível mas nunca banal analisando os processos dentro de uma perspectiva marxista nãoeconomicista nem dogmática tornandose assim um verdadeiro bestseller na área No primeiro volume o autor parte da Revolução Francesa e vai até as Re voluções de 1848 No segundo ele analisa o auge do capitalismo libe ral entre 1848 e 1975 No terceiro volume o imperialismo europeu e as contradiçõès daí surgidas que levarão à catástrofe da Primeira Guer ra Mundial constituem o foco principal do livro No último e mais fa moso livro da série A era dos extremos Hobsbawn cunha o termo o curto século XX para analisar de maneira acurada o período de 1917 até 1989 marcado pela ascensão e queda do socialismo pela Segunda Guerra Mundial e pela emergência de novos movimentos sociais e cul turais Em todos os volumes os processos políticos e econômicos do minam o conteúdo mas as questões ligadas ao cotidiano aos movi mentos sociais e à cultura e às artes tem um grande espaço sem nunca estarem submetidas a explicações fáceis e deterministas Outro conjunto de manuais importantes é a coleção História da vida privada dirigida por Phillipe Ariès e Georges Duby Para o estudo 7 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a de História Contemporânea o mais interessante é o quarto volume or ganizado por Michelle Perrot que se concentra no período áureo da so ciedade burguesa clássica final do século XVIII todo o século XIX e pri meira década do século XX No quinto volume os coordenadores Antoine Proust e Gérard Vincent direcionaram o livro para a análise das diversas e heterogêneas sociabilidades multiculturais do século XX além de problematizar a separação clássica de espaços públicos e privados outra marca do século que terminou recentemente Ambas as coleções têm sido importantes para a formação de alunos do curso superior e como material de apoio para professores e pesquisadores7 Se Hobsbawn tende para a tradição marxista a coleção de origem francesa remete aos temas ligados à Escola dos Annales e das Mentalidades Em ambos porém notase uma boa articulação entre temas políticos econômicos sociais e culturais sem fragmentar os ob jetos de análise Dentre os ensaios lançados a partir do final dos anos 80 desta camos três autores que sugerem uma inovação do estudo dos fenôme nos políticos da sociedade contemporânea Arno Mayer Benedict An derson e Maurice Aguilhon Os dois primeiros ligados à tradição da História Social inglesa renovam os estudos sobre a sociedade contem porânea Mayer sugere uma inovadora e polêmica visão sobre o século XIX normalmente visto como o século de triunfo da burguesia contra o Antigo Regime Para o autor dáse o contrário os valores conserva dores do Antigo Regime ainda dão o tom da sociedade européia dos Oitocentos apesar de todo avanço industrial Anderson por sua vez renova um tema clássico os nacionalismos produzidos pelas sociedades contemporâneas mesclando um enfoque antropológico com as ques tões suscitadas pelo enfoque marxista em torno da consciência e da ideologia Já Maurice Aguilhon articula os conceitos de representações simbólicas linguagens e imaginário político para analisar a História Política francesa do século XIX a partir da revolução de 1848 e seus im pactos na cultura política republicana e socialista Ao lado desses ensaístas europeus mais conhecidos pelos estu dantes e professores de História destacamos alguns autores que po dem ajudar pesquisadores e professores a ampliarem seus conhcci 172 M a r c o s N a p o l i t a n o mentos sobre a História Contemporânea latinoamericana do século XX Sao eles Jesus Martin Barbero e Nestor Canclini Ambos lançam novas luzes sobre o fenômeno da mídia indústria cultural e da cul tura popular e da relação entre elites e povo ao longo da História Contemporânea latinoamericana com ênfase no século XX Esses autores ao lado de outros latinoamericanos e brasileiros cuja men ção escapa aos limites deste texto servem como um contraponto à predominância de autores e temas europeus franceses ingleses e em menor escala italianos e alemães na formação dos historiadores bra sileiros Além disso esses dois autores particularmente ajudam a construir temas e problemas que podem articular o ensino de Histó ria Contemporânea aos temas transversais pluralidades cultural e ci dadania principalmente TEMAS ABORDAGENS E FONTES DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA UMA BREVE REFLEXÃO Na periodização consagrada pela historiografia acadêmica coube à História Contemporânea o longo século XIX da Revolução Francesa à Primeira Guerra Mundial e o curto século XX da Revolu ção Russa à queda do Muro de Berlim Na pauta historiográfica que organiza a alocação das pesquisas e a organização dos currículos esco lares podemos perceber o quanto a historiografia mais tradicional ainda é forte mesmo com as mudanças teóricas e metodológicas que abalaram as certezas historiográficas ao longo da segunda metade do século XX Apesar de certas inovações dos anos 80 como a integração entre o ensino de História do Brasil América e História Geral e 90 com a tentativa de levar ao livro didático temas de cultura cotidiano e mentalidades boa parte dos manuais e livros didáticos segue uma pauta de temas clássicos ora com enfoque políticoeconômicosocial ora com maior tempero culturalista8 ainda que os capítulos em si já não sc organizem mais por ela O que necessariamente não é um pro blema mas deve ser objeto de reflexão dos profissionais da pesquisa e do ensino 73 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a Para o século XIX temos os seguintes temas clássicos Revolução Inglesa a partir do final dos anos 80 Revolução Francesa e Revolução Americana Revolução Industrial Guerras Napoleônicas e Congresso de Viena Liberalismo e Nacionalismo Revoluções de 1830 e 1848 Segunda Revolução Industrial Movimento operário e movimento socialista utópico e cien tífico Unificação italiana e alemã Comuna de Paris Imperialismo Em relação ao século XX a pauta também se repete em quase todos os manuais e livros didáticos variando o enfoque e o nível de de talhamento dos subtemas Primeira Guerra Mundial Revolução Russa Vanguardas artísticas EntreGuerras Crise de 29 e New Deai Totalitarismos nazifascismo e Crise do Liberalismo Segunda Guerra Mundial Guerra Fria blocos capitalista e soviético O Terceiro Mundo e a descolonização da Ásia e África Descolonização e revoluções no Terceiro Mundo Ásia índia China Vietnã África Argélia Angola Crise e guerras no Oriente Médio Movimentos de contestação cultural e política da década de 1960 Crise do socialismo e globalização em alguns casos A lógica historiográfica dessa pauta mais ou menos consagrada que vem norteando a abordagem do período na maior parte das esco 74 M a r c o s N a p o l i t a n o las brasileiras é bem reveladora sobre certos dilemas do ensino de His tória Contemporânea Geral Ressaltamos que as experiências e tentativas de articular esses subtemas assim sao chamados nos PCNs de modos diversos e alternativos além de incluir outras questões não contempla das por essa lista tem se tornado cada vez mais freqüentes ao menos nas escolas de ponta públicas ou privadas Em primeiro lugar notase uma sutil clivagem no eixo espacial que organiza essa pauta de eventos a Europa enfatizada no século XIX e na primeira metade do século XX vai perdendo espaço para os EUA e o Terceiro Mundo América Latina Ásia e África Em outras palavras os palcos da História contada nos livros nem sempre é muito constan te linear e simétrico Os EUA que normalmente são citados nos sécu los XVIII e XIX em tópicos específicos e nem sempre destacados Revo lução Americana e Guerra de Secessão ocupam a cena principal a partir da Crise de 1929 junto com os países subdesenvolvidos A Rús sia ou exUnião Soviética a rigor só entra na pauta como palco de guerras napoleônicas Guerra da Criméia Segunda Guerra Mundial ou por ocasião da Revolução Russa Pouco se enfatiza a dinâmica po lítica cultural social e econômica da sociedade imperial ou soviética De resto o palco privilegiado da História Contemporânea é a Europa e outros palcos nacionais ou continentais só entram em cena em fun ção de uma crise da presença européia no mundo substituída pela pre sença hegemônica norteamericana Os livros mais recentes têm feito um esforço nòtável para inserir a América Latina e o Brasil no ensino de História Contemporânea integrando nosso continente na pauta a ser discutida Em segundo lugar os campos de abordagem historiográfica ain da são dominados pelos temas dados pelo processo e pelos eventos da política incluindo ideologias movimentos políticos formação de Es tados nacionais formas de regime e governo guerras e revoluções Apesar de a pauta ainda ser definida paradoxalmente pela mistura de temas oriundos da História Política positivista e da História Social e econômica do marxismo é crescente a influência da Nova História Po lítica no material didático mais recente com sua ênfase em aspectos simbólicos e culturais das relações de poder 75 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a No plano da abordagem explicativa do processo histórico o mar xismo tende a prevalecer revelando a predominância de um ethos ou seria um pathosT esquerdista na área com o qual este autor também se identi fica digase de passagem A cultura ganha dois ou três tópicos específicos o romantismo no século XIX às vezes e principalmente as vanguardas dos anos 20 e os movimentos de contestação dos anos 60 Estes dois últi mos costumam ganhar capítulos à parte ou são matéria de destaque nos li vros e nas aulas isso quando o professor consegue ter tempo no ano leti vo para abordar os anos 60 Lembramos que até meados da década de 1990 temas marcadamente culturais ficavam relegados ao último tópico de cada capítulo definido pelo recorte políticoeconômicosocial Não es tou saudando a inversão do determinismo economicista para o determi nismo culturalista apenas apontando as dificuldades e os desafios na in corporação de novos temas da pesquisa historiográfica no ensino de História Contemporânea marcados em sua boa parte por objetos ligados à História Cultural à História da Cultura ou à História Política renovada Finalmente em relação ao uso das fontes a maioria dos livros di dáticos adotados pelas escolas de ponta vêm incorporando ao menos como sugestão de atividade ou registro informativo fontes típicas de História Contemporânea indicando sobretudo filmes de ficção cine matográfica Em alguns casos fornecem até roteiros de análise dos fil mes citados geralmente abordados ainda pelo conteúdo estória mais do que pela sua linguagem constitutiva Poucos livros incorporaram os depoimentos orais ou vem com elementos paratextuais que contenham registros sonoros CDROMs CDs ou fitas magnéticas Neste ponto os professores têm tomado a iniciativa de pesquisar e incluir em suas aulas e projetos didáticos documentos audiovisuais sonoros e depoimentos orais alguns ao vivo o que torna a atividade tanto mais interessante quanto delicada dado os elementos emocionais envolvidos Como conseqüência dessa ampla reforma curricular o M EC nos últimos anos tem se esforçado para nortear a revisão do livro didático em várias áreas Cada vez mais os livros são forçados a articular uma sé rie de elementos além dos capítulos de conteúdo e de atividades ilus trações articuladas ao texto explicativo e às legendas conceitos e valo res atitudinais diante do conteúdo janelas de texto complementares ao 176 M a r c o s N a p o l i t a n o texto principal aspectos metodológicos que permitam ao estudante entender como aqueles conteúdos expostos no livro foram gerados pe la historiografia fontes primárias e secundárias de várias origens ico nográficas literárias textos de apoio Em um documento recente norteador da avaliação dos livros didáticos lêse o seguinte o livro di dático não pode ser a exposição fria e mecânica de conhecimentos ad quiridos e transmitidos o texto deve ser capaz de envolver o aluno considerado como sujeito que tem consciência de estar a seu modo fa zendo história9 Portanto alunos e professores devem se assumir co mo agentes históricos contemporâneos para aprender a História segundo essa lógica Na prática o uso de livros didáticos e a elabora ção de projetos didáticos nem sempre tem bons resultados pois acima de tudo pedem boas condições de trabalho incluindo bons salários e tempo para preparação de aula e professores bem formados dois arti gos não tão comuns infelizmente Uma das características mais interessantes dos livros didáticos pro duzidos a partir do final dos anos 80 é o convívio entre a velha História Positivista com sua visão de fatos políticos datas e atores individuais a visão de modo de produção o conflito social e processo conceitos basica mente marxistas e a inclusão de temas do cotidiano da vida privada da cultura e mentalidades coletivas absorvidos em grande parte da historio grafia francesa em que pese a importância de autores como E Thompson para o estudo do cotidiano operário Essa abordagem marca não apenas o ensino de História Geral e Contemporânea mas o ensino de História como um todo devese menos à negligência na formação teórica dos pro fessores ou autores de livros didáticos mas às peculiaridades na formação do profissional de História no Brasil tradicionalmente eclética e bastante sensível a modismos intelectuais Também não podemos esquecer o lugar que ocupa o livro didático no Brasil Consumido ao mesmo tempo como ensaio e obra de referência como material explicativo sobre processos e estruturas e informativo sobre conteúdos factuais as políticas editoriais acabam sendo bastante conservadoras pois o livro acaba suprindo lacu nas de informações historiográficas básicas ao mesmo tempo em que são exigidos como elemento de reflexão sobre os fazeres e métodos da Histó ria Para não falar de outra pressão sobre o livro didático sobretudo no 77 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a ensino médio ligado à necessidade de preparar o aluno para o vestibular Muitos programas da prova de História dos vestibulares incluindo de universidades públicas10 ainda sao pautados pelos temas e cronologias tradicionais e num certo sentido dificultam a renovação ampla do ensi no e do material didático de História AS MUDANÇAS NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA E O ENSINO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA Com as mudanças no ensino brasileiro a partir das Leis de Di retrizes e Bases l d b dos PCNs e das novas perspectivas para o ensino médio mais elementos foram adicionados a esse quadro complexo No vos termos formam hoje um turbilhão de idéias que vêm modificando o conceito de escola professor aula e aluno ensino temático ensino transdisciplinar ensino por competências História Integrada História Retrospectiva História do Cotidiano projetos didáticopedagógicos conteúdos atitudinais conteúdos factuais etc Ainda é cedo para avaliar o resultado das mudanças no ensino brasileiro mas parece que há um certo consenso entre pedagogos e professores que não se deve fazer tá bula rasa das conquistas da historiografia ou transformar a História em um conjunto de curiosidades sobre o passado O desafio de qualquer re novação de ensino é não ser feita às custas do conteúdo informativo bá sico das disciplinas no caso da História o que quem onde e quando sem o qual as análises mais estruturais e processuais podem cair no va zio O legado dos historiadores metódicos pode ser criticado não pelo fato de enfatizar as informações factuais detalhadas mas porque não iam além dela Mas a História sendo um campo de conhecimento liga do atavicamente à erudição não pode prescindir de uma base infor mativa sólida em que os processos configurações estruturas e tempo ralidades devem ser percebidos criticamente Além dos novos conceitos e práticas pedagógicas os currículos tradicionais foram revisados pela proposta dos PCNs do ensino funda mental e médio Ainda que em muitos casos e nos faltam informações abrangentes e sistematizadas embora abundem os depoimentos con cretos os professores não tenham incorporado o cerne das propostas 178 M a r c o s N a p o l i t a n o sobretudo como otimizar o trabalho com os eixos temáticos propostos os PCNs estão interferindo na produção dos materiais didáticos sobre tudo o livro didático que são os verdadeiros guias de trabalho para muitos professores Obviamente as escolas com mais recursos equipe docente e pedagógica integrada e melhor nível de ensino estão bem avançadas nas propostas de renovação do ensino como um todo e de História em particular Para o quarto ciclo sétima e oitava séries a abordagem de His tória Contemporânea sofre uma modificação considerável Vários sub temas são agrupados sob o título de Cidadania e cultura no mundo contemporâneo e dois deles remetem diretamente a novos conteúdos os vários conceitos de cidadania no Brasil e no mundo com ênfase para os direitos humanos civis e de minorias problemáticas pertinentes à cultura contemporânea rádio tele visão jornais revistas cinema computador propaganda criação artística Esse último subtema por sua vez nos remete à necessidade de capacitação e elaboração de materiais de apoio e formação para ativi dades com novas linguagens em sala de aula e projetos didáticos Coin cidentemente como já ressaltamos essas matérias vêm se constituindo em fontes bastante valorizadas da pesquisa sobre temas do século XX Portanto abrese uma nova perspectiva de diálogo da pesquisa de pon ta com o ensino básico No contexto pedagógico atual a História Contemporânea ten do em vista qüe ela está mais próxima do cotidiano do aluno tem sido muito valorizada como ponte para o estudo do passado mais remoto Há o risco de o ensino e a pesquisa voltaremse para um certo presen tismo subjetivista e cometer um dos ou todos três pecados capitais da explicação histórica o anacronismo cobrar dos agentes do passado va lores que são contemporâneos nossos o voluntarismo teórico aplicar teorias e sistemas ideológicos a priori para explicar o passado desconsi derando processos sociais específicos e concretos e o descritivismo no minalista um risco m u ito com u m ao estudo enviesado da História do Cotidiano que consiste em supervalorizar o anedótico e o factual Portanto se a História Contemporânea tem novas perspecti vas em meio à reforma do ensino em curso sua eventual abordagem 79 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a subjetivista e espontaneísta pode diluir o conhecimento crítico em vez de aprimorálo Á título de privilegiar o que o aluno aprende e não o que o professor ensina muitos equívocos podem ser cometidos Um deles é não exigir do aluno um patamar mínimo de conhecimen to ou supervalorizar uma opinião aleatória e pouco articulada em nome do respeito a uma pretensa subjetividade ou liberdade opinati va em sala de aula O resultado pode ser uma segunda exclusão so cial sobretudo dos alunos mais carentes mais ainda do que na velha escola tradicionalista Essa advertência não diminui a necessidade e a importância das reformas em curso O único problema é o velho mo dismo intelectual que a cada dez anos tende a querer reinventar a ro da No caso da História uma área muito propensa a modismos to da e qualquer mudança de enfoque e perspectiva no campo da pesquisa e do ensino deve ser o resultado de um adensamento de conteúdos e análises e não de uma solene ignorância sobre o conhe cimento acumulado pela disciplina O professor ainda que não seja um professor conteudista deve ter um sólido e na medida do possí vel atualizado conhecimento dos conteúdos básicos da sua discipli na Caso contrário muitas idéias inovadoras da pedagogia podem se perder em práticas vazias e demagógicas A História tradicional descritiva e linear pode entrar pela por ta dos fundos não mais pelos fatos políticos chatos mas pelos agradá veis fatos do cotidiano Quando isso ocorre a abordagem da História Contemporânea pode ficar particularmente enviesada sugerindo uma falsa intimidade com aquele que a estuda pelo simples fato de estar mais próxima no tempo Abrese mão da mediação da reflexão crítica e do conhecimento acumulado no passado privilegiando discussões pseudocríticas superficiais e muitas vezes anacrônicas Penso que se es sa tendência triunfar a História Contemporânea deixará de tornarse estranha para tornarse simplesmente banal e ao invés de ajudar a vul garizar o saber histórico tornará o saber histórico vulgar 180 M a r c o s N a p o l i t a n o Notas 1 Olivier Dumoulin In Dicionário de Ciências Históricas Rio de Janeiro Imago 1993 p 172 2 Jean Chesneaux As armadilhas do quadripartismo histórico In Devemos fa zer tábula rasa do passado Sobre a história e os historiadores Sao Paulo Ed Ática 1995 3 Como exemplos dessas duas abordagens veja Michelle Perrot org Histó ria da vida privada São Paulo Cia das Letras 1995 v 4 e Peter Gay A experiência bur guesa da Rainha Vitória a Freud São Paulo Companhia das Letras 4 volumes 4 Pierre Nora O retorno do fato In J Le Goff org História novos pro blemas São Paulo Francisco Alves Editora 1982 5 Jean Lacouture A História Imediata In A História Nova São Paulo M ar tins Fontes 1990 p 238 6 A Era das revoluçoes A era do capital A era dos impérios e A era dos extremos Os três primeiros publicados pela Paz e Terra entre 1987 e 1988 relançados em 1996 na 5a edição e o último publicado pela Companhia das Letras em 1993 7 Outra coleção de manual que destacamos é a de Benz El siglo XX Ciudad do Mexico siglo xxi 1997 4 v 8 Foram analisados os seguintes livros e materiais didáticos José Martins Ferreira História 8 FTD 1997 José Jobson Arruda et al História M oderna e Contem porânea Coleção Objetivo Livro 29 São Paulo Sol Editora 1998 ElieteToledo e Ri cardo Dreguer História cotidiano e mentalidades 8a série São Paulo Atual Editora 2000 Nicolina Petta e Eduardo Ojeda História uma abordagem integrada ensino mé dio São Paulo Moderna 2000 M aria Helena Senise e Alceu Luiz Pazzinato História M oderna e Contemporânea São Paulo Ática 1993 9 MEC Guia do livro didático História Brasília 1998 p 459 10 Ver por exemplo os websites das universidades públicas brasileiras Bibliografia ADORNO Theodor et H o r k h e im e r Max A dialética do esclarecimento M ar tins Fontes São Paulo 1993 AGUILHON Maurice 1848 O aprendizado da República São Paulo Paz e Ter ra 1991 ANDRESON Benedict Nação e consciência nacional Sao Paulo Ática 1989 A n sa r t Pierre Lagestion dêspassionspolitiques Lausanne Lage dom m e 1983 A r e n d t Hannah Origens do Totalitarismo São Paulo Companhia das Le tras 1987 BACZO Bronislaw Imaginação social Enciclopédia Einaldi v 5 Lisboa Im prensa Nacional 1985 296332 BARBERO Jesus Martin Dos meios às mediações Rio de Janeiro Ed UFRJ 1997 BRESCIANI M aria S B r e p o h l Marion SEIXAS Jacy Razão e Paixão na Polí tica Brasília Ed UNB 2002 i8f H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a C a n c l in i Nestor Garcia Culturas Híbridas São Paulo Edusp 1996 e Con sumidores e Cidadãos Rio de Janeiro Ed UFRJ 1997 CAPELATO M aria Helena M ultidões em cena Propadanga política no varguismo e no peronismo Campinas Papirus 1998 ENGELS Fricdrich A origem da fam ília da propriedade privada e do Estado 13a edição Rio de Janeiro Bertrand Brasil 1995 H a b e r m a s Jurgen U espacepublic Paris Payot 1978 M a y e r Arno A força da tradição São Paulo Companhia das Letras 1987 MENESES Ulpiano B História cativa da memória Para um mapeamento do campo da memória nas ciências sociais Mimeo sd NADAI Elza O ensino de História no Brasil trajetória e perspectivas In RBH 132526 set 1992 a ago 1993 143162 PERROT Micheile História da vida privada Da Revolução Francesa à I Guer ra Mundial São Paulo Companhia das Letras 1995 PROUST Antoine e VlNCENT Gérard História da vida privada Da primeira guerra aos nossos dias São Paulo Companhia das Letras 1997 ROSANVALLON Pierre Pour une histoire conceptuelle du p o lit iq u e R e v u e d e Synthèse 12 1986 REMOND René org Pour une histoire politique Paris Ed du Seuil 1996 Sugestões de leitura 1 Manuais de História Contemporânea B e n z El siglo XX Ciudad do México Siglo XXI 1997 4 v BURGUIÉRE A D icionário das ciências históricas Rio de Janeiro Imago 1993 HOBSBAWM Eric A era das revoluções 5a ed São Paulo Paz e Terra 1996 HOBSBAWM Eric A era do capital São Paulo Paz e Terra 1996 HOBSBAWM Eric A era dos impérios São Paulo Paz e Terra 1996 HOBSBAWM Eric A era dos extremos São Paulo Companhia das Letras 1993 MAGALHÃES M Brepohl Paraná polídca e governo Curitiba SEEDPQE 2002 PERROT M org História da vida privada São Paulo Companhia das Letras 1995 v 4 2 Paradidáticos e manuais didáticopedagógicos B a r b o s a Alexandre de Freitas O mundo globalizado São Paulo Editora Con texto 2001 BRANDÃO Antonio Carlos Brandão DUARTE Milton Fernandes M ovimentos culturais da juventude São Paulo Editora Moderna 1990 BRUIT Hector O imperialismo São Paulo Atual 1994 182 M a r c o s N a p o l i t a n o CARM O Sonia Irene Silva e CARM O Valdizar Pinto A Rússia dos sovietes Im passes de um projeto socialista São Paulo Atual 1996 COGGIOLA Osvaldo Governos militares na América Latina São Paulo Edito ra Contexto 2001 F a r ia Ricardo Moura As revoluções do século X X São Paulo Editora Contex to 2001 FERREIRA Martins Como usar a música em sala de aula São Paulo Contexto 2001 JANOTTI M aria de Lourdes A Primeira Grande Guerra São Paulo Atual 1993 JUNQUEIRA M ary A Estados Unidos a consolidação da nação São Paulo Con texto 2001 MESGRAVIS Laima A expansão do imperialismo europeu no século XIX São Pau lo Atual 1994 N a p o lit a n o Marcos Como usara TV em sala de aula São Paulo Contexto 1999 NAPOLITANO Marcos Como usar o cinema em sala de aula São Paulo Contex to 2002 OLIC Nelson Bacic Oriente M édio uma região de conflitos São Paulo Editora Moderna 1997 PRADO M aria Ligia A form ação das nações latinoamericanas São Paulo A tual 1994 3 Ensaios historiográficos teóricos e filosóficos AGUILLON M 1848 O aprendizado da República São Paulo Paz e Terra 1991 ANDERSON Nação e consciência nacional São Paulo Ática 1989 AREND T H A s origens do totalitarismo São Paulo Companhia das Letras 1987 C a pe laTO M H M ultidões em cena Propaganda política no varguismo e no peronismo Campinas Ed Papirus 1998 C h e s n e a u x J C Devemos fazer tabula rasa do passado Sobre a história e os historiadores SaoPaulo Ed Ática 1995 CHAUVEAU A T éTARD Ph orgs Questões sobre a história do presente Bau ru e d u s c 1999 G a y P A experiência burguesa Da Rainha Vitória à Freud São Paulo Compa nhia das Letras 4 v LACOUTURE J A História Imediata In A História Nova São Paulo Martins Fontes 1990 p238 M a y e r A A força da tradição São Paulo Companhia das Letras 1987 4 Documentos MARQUES Adhemar BERUTTI Flávio e Fa r ia Ricardo orgs História Con temporânea através de textos São Paulo Contexto 2001 83 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a 5 Páginas de interesse na internet Cinemateca Brasileira httpwwwcinematecacombr Largo Senador Raul Cardoso 207 Vila Clementino Sao Paulo CEP 04021070 SP Tel 11 50842177 Centro de Pesquisa e Documentação em História da Fundação Getúlio Var gas Rio de Janeiro wwwfgvbrcpdoc Rua Praia de Botafogo 190 14 andar Rio de Janeiro RJ 22253900 Imperial War Museum Londres wwwiwmorguk Instituto do Tempo Presente do CNRS em francês httpwwwihtpcnrsensca chanfr Journal of Contemporary History wwwsussexacuk uma vez no portal da Universidade procure o link da revista Laboratório do Tempo Presente da UFRJ site com informação sobre o acer vo do Laboratório httpwwwifcsufrjbrtempo Links para História Contemporânea da UOL httpsitesuolcombrnec ufflinkshtml Portal de História Contemporânea site português especializado em I e II Guerras Mundiais com vários links httpwwwportaldehistoriawebpthistoriacon temporaneahtm 184 I d e n t i d a d e n a c i o n a l E ENSINO DE H l S T Ó R I A DO B R A S I L C ir c e B i t t e n c o u r t Para estudar o passado de um povo de uma institui ção de uma classe não basta aceitar ao pé da letra tu do quanto nos deixou a simples tradição escrita É pre ciso fazer falar a multidão imensa dos figurantes mudos que enchem o panorama da história e são mui tas vezes mais interessantes e mais importantes do que os outros os que apenas escrevem a história1 Sérgio Buarque de H olanda O ensifio de História do Brasil está associado inegavelmente à constituição da identidade nacional Nacionalismo patriótico cultos a heróis nacionais e festas cívicas são alguns dos valores que na escola se integram ao ensino da História do Brasil ou ao menos de uma certa História do Brasil E contra essa história patriótica existe uma série de críticas que buscam desmascarar seu caráter dogmático e muito distan te de um conhecimento sobre o país e seu povo Muitas das críticas ou a maioria delas buscam identificar o sen tido ideológico de uma história nacional elaborada a serviço de deter minados interesses e grupos Mas ao nos depararmos com tais críticas com as quais a maioria dos professores tende a concordar ficam dúvi das sobre a possível saída para se ensinar a história do nosso país É 185 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a possível outra abordagem para os estudos escolares da História do Bra sil É totalmente comprometedor e alienante um ensino voltado para o problema da identidade nacional No atual momento histórico da disciplina há um desconforto em tratar do problema da identidade nacional mas ele sem dúvida existe assim como persiste a necessidade de situar o papel da História do Brasil em sua constituição E é esse aspecto que privilegiamos neste texto Tratase de uma reflexão sobre ensino da História do Brasil re lacionado ao problema da identidade nacional no atual momento his tórico em que as histórias nacionais não apenas entre nós cabe ressal tar mas em todos os países do mundo ocidental têm sido questionadas e repensadas sobretudo no que se refere à produção escolar Optamos por situar as críticas feitas à História Nacional e aos va lores de nacionalidade delas decorrentes para que com base em tais críticas possamos identificar as perspectivas que existem para o ensino da Histó ria do Brasil e o lugar que precisa ocupar para que efetivamente possa contribuir na formação intelectual e humanística das atuais gerações OS DIFERENTES NACIONALISMOS NO ENSINO DA HISTÓRIA DO BRASIL As críticas ao ensino da História Nacional têm sido feitas so bretudo sob duas posturas diferentes Ambas entretanto é preciso sa lientar vinculadas ao papel da História enquanto disciplina escolar voltada para a formação política dos alunos O ato educacional é fun damentalmente um ato político nos advertiu sempre Paulo Freire e se tal prática é válida para qualquer disciplina escolar no caso de His tória esta é muito evidente sem poder jamais ocultar essa sua essência e base cultural O objetivo da História escolar tem sido o de entender as organizações das sociedades em seus processos de mudanças e per manências ao longo do tempo e nesse processo emerge o homem po lítico o agente da transformação entendido não somente como um in divíduo mas também como sujeito coletivo uma sociedade um Estado uma nação um povo 186 C i r c e B i t t e n c o u r t Uma das posturas atuais para se criticar a História do Brasil es tá articulada à relação entre o Brasil e a globalização Na era da mundialização da difusão do culto à globalização o nacionalismo aparece como um valor ultrapassado e muitas vezes con servador e limitador da modernização Modernização e tecnologia são fa cilmente associados ao mundo da globalização e tudo o que se refere a nacionalismo é entendido como a representação do atraso A política das privatizações a desnacionalização da economia em seus diversos setores incluindo os considerados à base da riqueza nacional que envolveram ou ainda envolvem por exemplo os confrontos em torno da Cia Vale do Rio Doce ou da Petrobrás evidenciam que o ideário nacionalista é retró grado perante projetos do moderno capitalismo globalizado A História do Brasil diante de tal postura é compreendida co mo parte menos substantiva e apenas complementar de um mundo ca pitalista maior e seu estudo visa sobretudo entender o papel que o país desempenha como nação emergente e os caminhos que tem per corrido nessa condição sob o impacto do denominado neoliberalismo Essa tendência fica evidenciada em projetos educacionais recen tes sendo facilmente percebida em determinadas propostas curricula res e está expressa em várias obras didáticas A História do Brasil é apresentada como integrada à História Geral sem as clássicas divisões História do Brasil História Geral ou das sociedades ou da América anteriormente especificadas e organizadas para cada série A História do Brasil aparece como apêndice da História global e sua existência devese ao desenvolvimento do capitalismo comercial com base na expansão marítima européia A macrohistória é a lógica e a chave para a compreensão da nossa condição de país permanente mente periférico do sistema econômico capitalista Em decorrência dessa corrente de análise surgiu uma produção didática denominada História Integrada Tratase de uma abordagem que apresenta inovações dentre elas a de procurar introduzir o tempo sincrônico que permite estabelecer novas posturas nas relações tem poespaço e contexto histórico apesar de manter a lógica de constru ção dos conteúdos pela ordenação cronológica Sem pretender aqui nos determos na História Integrada de forma mais aprofundada no que 187 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a se refere à organização dos conteúdos históricos é importante ressaltar como essa opção corre riscos e pode expressar vínculos contraditórios de identidade Uma análise de algumas obras didáticas recentes e com grande vendagem para o ensino fundamental e para o ensino médio permi te por exemplo identificar rápida e facilmente a diluição de conteú dos da História do Brasil Apenas para exemplificar em um rápido le vantamento quantitativo em um livro didático para o ensino médio confeccionado segundo o atual modelo de volume único para as três séries verificase que dos 42 capítulos apresentados apenas 12 são efe tivamente de conteúdos de História do Brasil O mesmo pode ser ob servado em coleção para o ensino fundamental no qual em um total de 168 capítulos organizados para quatro séries existem apenas trinta relativos à História brasileira Os dados quantitativos apresentados que mereceriam sem dú vida uma análise qualitativa mais cuidadosa colocam em relevo alguns aspectos importantes dos fundamentos da disciplina e apontam para problemas que merecem uma reflexão mais atenta sobre o papel da História Nacional e sobre os critérios relativos à seleção de conteúdos históricos escolares A seleção de conteúdos e a forma de organizálos não são aleatórios em nenhuma situação escolar e menos ainda nos li vros didáticos e nessa perspectiva estão intimamente ligados às con cepções da história ensinada e quanto aos objetivos identitários que pretende mobilizar ou alcançar como foi anteriormente ressaltado A diminuição de conteúdos de História do Brasil nas diferentes séries do ensino fundamental e médio possui um significado que não se situa na História Integrada enquanto possibilidade de organização e seleção de conteúdo mas na fundamentação teórica e na lógica que a sustenta Se a produção de História Integrada tem reservado pouca im portância à História Nacional isso se deve a uma postura teóricome todológica e a uma opção sobre as finalidades do ensino de História Dessa forma em sentido oposto à atual forma de organização de con teúdos poderia ser feita uma História Integrada inversa na qual a His tória brasileira constituísse a maioria dos tópicos e capítulos depen dendo da abordagem e da opção diante da problemática nacional e da 88 C i r c e B i t t e n c o u r t concepção sobre a posição econômica e política que o país ocupa na nova ordem mundial capitalista Entretanto da forma como grande parte dos livros de História tem apresentado a História Integrada correse o risco do retorno a ex plicações fundamentadas na teoria da dependência que no final dos anos 60 procurava analisar o atraso dos países latinoamericanos pela suces siva onda de situações de dependência dependência colonial dependên cia primárioexportadora dependência tecnológicofinanceira2 Para o caso brasileiro assim como para os demais países latinoamericanos as interpretações mais comuns passaram a ser feitas pelas determinações externas sobre os acontecimentos internos das nações e o peso do impe rialismo impedia de situar a dinâmica interna de cada país as relações entre Estado e sociedade Em uma crítica ao ensino de História dos anos 80 um estudo sobre essa teoria aplicada em muitas das obras di dáticas produzidas e utilizadas nas escolas desse período concluiu que se ignorava a realidade específica dos conflitos de classes do Brasil as sim como em todos os demais países latinoamericanos que passaram a ser entendidos apenas como resultantes da história européia e norte americana Justificavase o atraso sobretudo por intermédio das dife renciações do processo de colonização de espanhóis e portugueses de um lado e de outro lado dos ingleses As colônias de povoamento e as colônias de exploração eram apresentadas de maneira totalmente sepa radas sem que fossem estabelecidos vínculos entre os sistemas de colo nização Valórizavase exclusivamente a intervenção das potências hege mônicas na história da sociedade brasileira por meio das categorias desenvolvimento e subdesenvolvimento sob uma visão dualista que não expunha os problemas internos criados pelo poder institucional e a série de manobras e conflitos internos para a manutenção dos privilé gios das elites nacionais e dos desequilíbrios sociais econômicos e cul turais decorrentes desse sistema de poder3 Essa visão de ensino criava determinadas formas ambíguas de identidade saindo fortalecida a ideologia do modelo anglosaxão res ponsável pelo desenvolvimento norteamericano Para algumas tendên cias mais críticas surgia a possibilidade de uma integração ou uma cer ta identidade latinoamericana nós todos atrasados e dependentes da 189 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a política imperialista norteamericana Entretanto essa construção de identidade conduzia a um imobilismo político uma vez que estaríamos todos na rede de um poder maior e diante de um destino inexorável Tal risco para a formação da atual geração por intermédio do en sino de História pode estar acontecendo novamente se nos deixarmos le var por uma História Integrada que coloca em segundo plano os estudos históricos brasileiros Ao se enfatizar a integração constante do Brasil a uma história mundial sem situar devidamente os problemas nacionais e am pliar o conhecimento sobre a realidade brasileira podese reforçar a idéia de que os conflitos internos e seus agentes sociais desempenham um papel secundário na construção de uma nação Tais análises podem conduzir ainda a um desprestígio maior da própria História no ensino porque As explicações além do mais seriam todas exógenas isto é vi riam todas de fora da realidade brasileira inteiramente supra nacionais seja em termos de determinação real seja em termos do modelo interpretativo Mesmo aqueles que dizem não acre ditar no clichê do fim da história pensam e agem como se ela de fato tivesse sido congelada e fosse ocioso ou contrapro ducente recorrer ao exame dos processos históricos para equa cionar os desafios hodiernos Uma segunda postura crítica diante do ensino de História do Brasil e da identidade nacional situa a relação entre ensino de História do Brasil e nacionalismo identificando sobretudo os nacionalismos de direita das fases ditatoriais tanto de Getúlio Vargas como do perío do dos militares pós1964 O nacionalismo calcado em um ideário produzido por regimes ditatoriais é analisado sobretudo por intermédio da produção de li vros didáticos que têm a tendência em se transformar em um dos prin cipais instrumentos de difusão de uma História Nacional dogmática Essa tendência do ensino de uma História Nacional é importante lem brar não ocorreu apenas no caso brasileiro mas também em variados países que tiveram uma experiência política semelhante como países latinoamericanos e europeus Os estudos sobre livros didáticos cons 190 C i r c e B i t t e n c o u r t tatam a difusão de um nacionalismo xenófobo calcado na constituição de mitos e heróis nacionais com destaque para os chefes políticos e quase sempre enaltecedor de glórias militares5 Entre nós a difusão de uma idéia de nação que nega ou omite as diferenças sociais culturais e econômicas tem sido constante na tra jetória da disciplina de História As análises críticas sobre a difusão de um passado único e homogêneo nas fases ditatoriais mencionadas in dicam o cuidado do poder instituído em desenvolver sentimentos de valorização de um passado sempre harmonioso e com um povo con fiante no comando de líderes políticos capazes de conduzir a nação ru mo ao progresso O Brasil é apresentado sempre como o país do futu ro grandioso fadado a ser líder continental ou mesmo mundial O nacionalismo com tais características no entanto não esteve presente no ensino apenas no decorrer dos períodos ditatoriais ten do sido comum a construção de um ideário nacionalista patriótico nas fases liberais do nosso sistema político O nacionalismo associado ao sentimento patriótico ocorreu principalmente a partir do início do século XX A ampliação da rede es colar para os diversos setores sociais por intermédio do ensino primá rio foi acompanhada da difusão de sentimentos patrióticos exacerbados que conduziram no início do século XX em vários países europeus à preparação para a guerra Livros didáticos de História foram habilmen te confeccionados para a valorização da guerra inculcando sentimentos de amor a heróis guerreiros como ocorreu na França com a figura de Joana DArc e com a de Vercingentórix que posteriormente se trans formou cm símbolo da resistência nacional pela revista Asterix No Brasil até o início da República existia um sentimento pa triótico regional ou local mas sem conotações nacionais A idéia de pátria mantevese ambígua até mesmo depois da inde pendência Podia ser usada para denotar o Brasil ou as províncias Um deputado mineiro Bernardo Pereira de Vasconcelos insus peito de separatismo falando a seus conterrâneos referiase a M i nas Gerais como minha pátria em contraste com o Brasil que seria o Império A distinção é reveladora a identificação emotiva 19 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a era com a província O Brasil era uma construção política um ato de vontade movido antes pela mente do que pelo coração Para a criação de um sentimento nacional era necessário por tanto desenvolver a idéia do Brasil como pátria de todos de criar um sentimento de unidade de saber pertencente não apenas ao seu estado mas de todas as partes do território E essa tarefa tornouse central pa ra muitos intelectuais que entendiam perfeitamente a importância da escola para o sucesso da empreitada Em Por que me ufano de meu país obra que Affonso Celso escre veu para as crianças das escolas primárias em 1900 exprime com perfei ção o nacionalismo patriótico produzido e difundido por setores da elite intelectual O sentimento de amor à pátria era constituído por meio da difusão da beleza e da grandeza da terra brasileira O Brasil possuía rios enormes e grandiosas florestas clima ameno riquezas minerais sem fim e uma história sem feitos deprimentes ou vergonhosos Olavo Bilac Afrâ nio Peixoto dentre outros prosseguiram nessa tarefa e por essa trilha foi sendo construída uma galeria de heróis nacionais que passaram a ser cul tuados em festas cívicas de rituais cuidadosamente preparados7 Vários estudos historiográficos principalmente os relacionados à história da disciplina já mostraram a construção dos heróis nacio nais notadamente a figura contraditória de Tiradentes Estudos de caráter meramente ideológico ou os que se preocupam em estabelecer relações mais complexas entre a produção historiográfica e o conheci mento histórico escolar mostram o papel e a função dos heróis na cons trução da nacionalidade em sua vertente patriótica A identidade nacional e a difusão de um sentimento nacio nal patriótico nas escolas republicanas caracterizam dessa forma o que se chama de nacionalismo de direita Tratase de um naciona lismo voltado para atender aos interesses de determinados setores das elites nacionais voltados para projetos de manutenção de seu poder e privilégios Predominava a idéia de união que omitia qual quer tipo de manifestação de descontentamento interno das cama das sociais dominadas evitando tratar das diferenças regionais so ciais ou culturais 192 C i r c e B i t t e n c o u r t HISTÓRIA DO BRASIL NOS CURRÍCULOS DAS ESCOLAS SECUNDÁRIAS É bastante interessante observar a trajetória do ensino de Histó ria do Brasil na constituição da identidade nacional por intermédio de análises dos currículos nacionais do nível secundário Considerando que a História foi introduzida de forma obrigatória nos currículos das escolas com o objetivo político explícito de contribuir para a constru ção da idéia do Brasil ser uma nação de ter uma identidade nacional a situação da História do Brasil é no mínimo paradoxal A análise da trajetória da história escolar nos permite identificar que a História do Brasil paradoxalmente nunca ocupou um lugar significativo nos pro gramas curriculares brasileiros e menos ainda na prática escolar con forme mostram estudos da história da disciplina8 No Império a partir de 1838 quando se introduziu a discipli na de História no Colégio Pedro II os estudos de História do Brasil nunca ocuparam um lugar importante na carga didática surgindo co mo conteúdo autônomo após 1850 mas de forma polêmica Os Pro gramas de Ensino do Colégio eram produzidos de acordo com os pro gramas franceses assim como seus manuais escolares usados tanto em francês como traduzidos A criação de uma cadeira de História do Bra sil com professor especialmente contratado se fez por ordem do Im perador mas sua autonomia sempre foi questionada e teve sempre que concorrer com os demais conteúdos da História Universal e essa situa ção prevaleceu até a década de 1930 Predominou no período do Império o ensino de História Uni versal e de História Sagrada situação que facilmente se constata ao se comparar a carga didática das cadeiras de História Universal com a da História Nacional A História do Brasil acompanhada pela Geografia ou Corografia do Brasil era reservada para as séries finais sexta e séti ma sendo objeto de estudos de um número de alunos bastante redu zido lembrando que o ensino de nível secundário não era obrigatório para a entrada nos cursos superiores No início da fase republicana de forma aparentemente mais contraditória considerando a intensidade de debates sobre os projetos 93 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a para a nação a História do Brasil foi excluída como cadeira autônoma do Colégio Pedro II Em 1901 a História do Brasil passou a pertencer como apêndice da cadeira de História Universal com um conteúdo re lativamente extenso mas que dificilmente era ensinado porque o ano letivo terminava antes dos professores conseguirem chegar sequer até o final da colonização Nesse modelo de currículo de humanidades voltado para a formação de valores aristocráticos com uma concepção de um hu manismo excludente a identidade nacional era constituída quase que exclusivamente pela inserção do Brasil no mundo ocidental e cristão A identidade nacional se constituía pela apreensão de um Brasil per tencente ao mundo civilizado europeu de acordo com os valores ra cistas que colocavam ou ainda colocam o branco como superior O sentimento de pertencer a um mundo branco e seguidor de padrões estabelecidos por europeus cristãos predominava nos projetos de se tores das elites encarregadas de conduzir a educação escolar e tais projetos é importante destacar eram muito coerentes Tratavase de um conhecimento escolar organizado para a formação das elites en carregadas de dirigir a nação e seria ingenuidade e anacrônico imagi nar que tais elites estivessem interessadas em incluir em seus proje tos políticos a participação de camadas populares como exescravos trabalhadores rurais e urbanos A idéia educacional mantinha o pres suposto de que a educação secundária e a superior eram reservadas para uma fração da população os mais bem dotados economicamen te e esse grupo iluminado tinha a missão de governar o país e con duzir as massas A produção de História Nacional feita pelos intelectuais perten centes ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro ihgb era incor porada e divulgada por meio das aulas e de compêndios de História do Brasil como foi o caso de Joaquim Manuel de Macedo professor do Pedro II e autor do conhecido e bastante consumido Lições de História do Brasil A nação brasileira era uma dádiva da Europa de um Portugal famoso nos séculos XVI e XVII A civilização era fruto de dois setores principais os representantes do poder institucional os administrado res governadores donatários de capitanias vicereis e os representan tes do poder eclesiástico notadamente os jesuítas que se encarregaram de civilizar os indígenas antropófagos e selvagens 94 C i r c e B i t t e n c o u r t Tratavase de um projeto que evidentemente não foi conduzi do sem críticas e conflitos mas foi predominante até a década de 1950 A exclusão da cadeira de História do Brasil em 1901 provocou protestos veementes de Capistrano de Abreu que se recusou a ensinar a História do Brasil nessas condições situação que provocou seu afasta mento do ensino secundário Capistrano de Abreu João Ribeiro dentre outros historiadores nessa época empenhavamse em aprofundar estu dos sobre o Brasil buscando um conhecimento sobre suas singularida des sobretudo sobre a formação de uma população com sua diversidade étnica ou ainda como Manoel Bonfim que se preocupava em situar as características identitárias do Brasilcom o restante do continente ameri cano como expressa em sua obra de 1905 A América Latina Esse período de criação do novo regime republicano foi marcado por debates intensos no que se refere ao Nacionalismo e sobre os projetos do futuro da nação A concepção de cidadania se alterou passando as dis criminações e as exclusões a serem feitas sob novas bases após a abolição da escravatura As marcas e as heranças da escravidão estavam presentes e podiase optar por dois caminhos enfrentar esse passado e procurar for mas de encaminhamento sobre os problemas sociais decorrentes desse processo histórico ou omitir e deixar silenciado esse grupo e seu passado A opção por esse último caminho feita por intelectuais encarregados da educação explica em parte a pouca ou nenhuma importância dos estu dos da História Nacional no currículo da escola secundária brasileira A década de 1930 que representa um momento importante de mudanças educacionais começando pela reforma de Francisco Cam pos de 1930 que tornou obrigatório o ensino secundário para que se pudesse ingressar nos cursos superiores acarretou o crescimento desse nível de ensino Os currículos escolares passavam por mudanças signi ficativas em meio a conflitos entre as propostas voltadas para uma educação humanista ou para uma educação científica Tais conflitos si tuavam o ensino de História como responsável para a formação do ho mem moderno preparado para enfrentar o mundo urbano e tecnológi co dentro das concepções de progresso e civilização9 Nesse contexto a História da Civilização foi ainda mais valoriza da com obrigatoriedade para cada série do nível secundário A História do Mundo sob o modelo civilizatório de Charles Seignobos e posterior mente das obras do Cours dHistoire de Albert Mallet continuava a pre 95 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a dominar com algumas adaptações sobretudo as que estavam de acordo com alguns intelectuais católicos como Jonathas Serrano Nesse contex to de mudanças educacionais a História do Brasil permanecia como apêndice dessa história do homem civilizado moderno e por essa razão surgiram novamente inúmeras críticas que dessa vez foram feitas pelo setor mais conservador do grupo de intelectuais próximos ao poder Os deba tes em torno de projetos políticos nacionalistas do Estado Novo e propos tas sobretudo de intelectuais de cunho mais conservador provocaram o retorno da História do Brasil como cadeira autônoma nos currículos Foi nessa conjuntura que se fez a reforma de Capanema para o se cundário Lei Orgânica do Ensino Secundário de 1942 que correspon deu a uma fase de maior valorização da História do Brasil O ensino se cundário continuava destinado a preparar as elites guias e condutoras do povo mas dentre seus objetivos havia uma acentuada preocupação em formar o espírito de nacionalidade de uma verdadeira consciência pa triótica De acordo com os pressupostos educacionais a educação mo ral e cívica era objeto de regulamentação minuciosa e deveria ser mi nistrada obrigatoriamente em todos os ramos do ensino pois no curso secundário seria atribuição do professor de História do Brasil10 De uma maneira geral ao se acompanhar todo o percurso da disci plina podese verificar que até o início dos anos 70 predominou um estudo de História do Brasil vinculado a uma concepção de genealogia da nação com alternâncias entre uma valorização do político ao econômico Por inter médio dessa concepção a História do Brasil era ensinada após os alunos co nhecerem o berço da civilização iniciando os estudos pela Antigüidade clás sica a Idade Média nas duas séries iniciais do ginásio e ao se chegar na Idade Moderna a idade do nascimento do Brasil estudavase em aulas se paradas a História do Brasil e a Idade Moderna e a Contemporânea Predominava dessa forma uma continuidade na construção da identidade nacional por meio de um processo de mergulho no mundo branco ocidental e cristão Permaneciam os pressupostos de uma his tória política dentre as quais a figura quase que exclusiva do Estado nação como o sujeito principal assim como os feitos dos governantes e das elites responsáveis pela condução do país rumo ao seu futuro de país moderno industrial e urbano Os marcos de mudanças eram apre sentados sob essa concepção e relembrando a República Velha era es tudada apenas pelo desenrolar de feitos notadamente administrativos 196 C i r c e B i t t e n c o u r t dos presidentes da República iniciando por Deodoro da Fonseca o proclamador da República até o mais recente Mas ao longo dcssc pe ríodo sobretudo após os anos 50 surgiu uma história brasileira com explicações econômicas introduzindose estudos dos ciclos econômi cos da extração do paubrasil à industrialização sem alterar con tudo a lógica interna da organização dos conteúdos Nos anos 70 assistese a uma organização diferente de currículo criandose o primeiro grau de oito anos e um segundo grau profissiona lizante Um currículo de caráter científico mas entendido em sua for mulação apenas tecnicista consegue se impor e as áreas humanas passam por um amplo processo de descaracterização e perda de status A Histó ria do Brasil se mescla a estudos de Geografia Educação Moral e Cívica e Organização Social e Política do Brasil OSPB formando uma amálga ma de conhecimentos superficiais e sem base científica Os avanços da historiografia e a introdução da formação de professores por intermédio de estudos de nível superior foram diluídos e ignorados nesse processo assim como as tentativas de um estudo histórico capaz de contribuir pa ra um conhecimento maior da realidade brasileira e com um sentido de formação intelectual mais consistente para os jovens esboçados nos anos 60 Dentro de uma visão baseada em princípios de Piaget a organização curricular começava pelo estudo do mais próximo para se chegar ao mais distante Daí constituiuse o percurso para os estudos de História a his tória do bairro município cidade estado e Brasil e posteriormente nas séries finais do primeiro grau estudavase a História Geral da Antigüi dade ao mundo contemporâneo As reformulações curriculares iniciadas em meados da década de 1980 no momento dos intensos debates de redemocratização do país trouxeram novas perspectivas para o ensino da História do Brasil O au mento da produção historiográfica contemplando variados temas as críticas a uma determinada formulação da História Política a crescente produção da História Social e a mudança do perfil dos alunos criavam novas necessidades e possibilidades de repensar o ensino da História na cional e de seu papel na constituição da identidade nacional Algumas das atuais propostas curriculares expressam a preocupa ção em situar o conhecimento histórico do Brasil como central e como eixo para estabelecer um vínculo com a História Geral Debatese e cri ticase a História calcada ainda no europocentrismo sem pretender 97 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a evidentemente negar e omitir vínculos e o legado do passado europeu na história da sociedade brasileira No momento há uma discussão pro posta pelas reformas curriculares especialmente pelos Parâmetros Cur riculares Nacionais PCNs sobre a necessidade de estudar de forma mais consistente a História da América e introduzir a História da África em suas articulações com o Brasil Que país é esse exemplificando é a grande pergunta que permeia o currículo de Minas Gerais e do Rio de Janeiro A introdução de uma História por eixos temáticos que fornece ao professor uma maior autonomia no processo de seleção de conteúdos baseiase em fundamentação de propostas cujas problemáticas são aque las vividas pela sociedade brasileira E a questão que permanece é a de sa ber o papel que a História do Brasil deve ter na formação das novas ge rações sobretudo considerando que a escola se tornou um lugar mais democrático que visa atender a jovens provenientes de todas as camadas sociais e que evidentemente não se identificam com uma História res trita a um passado construído sob critérios de valorização de uma elite As propostas curriculares diversas e a produção didática forne cem elementos para uma reflexão sobre os desafios para a formulação de um conhecimento histórico significativo capaz de contemplar as diferenças do público escolar das escolas públicas diurnas e noturnas dos cursos supletivos das escolas privadas das elites das escolas indíge nas e outras mais espalhadas pelo país Os currículos procuram se organizar com base em critérios mais científicos que incluem os problemas de caráter epistemológico foca lizando as relações ensinoaprendizagem e as possibilidades em con templar conceitos como o de multiculturalismo essenciais para se re pensar a constituição de identidade IDENTIDADE NACIONAL E DEMOCRACIA RACIAL A crítica fundamental e que tem sido repetida inúmeras vezes por historiadores especialmente os que se dedicam ao ensino é a de que a História do Brasil tem sido ensinada visando construir a idéia de um passado único e homogêneo sem atentar para os diferentes setores sociais e étnicos que compõem a sociedade brasileira Constatam mui tas dessas críticas que a idéia de um povo homogêneo com um passa 198 C i r c e B i t t e n c o u r t do único se consolidou por intermédio da difusão de que somos um povo caracterizado pela democracia racial O pressuposto da democracia racial presente ainda em muitas das produções didáticas e incorporado pela tradição escolar é um as pecto crucial que demanda uma profunda reflexão sobre o seu signifi cado para que se possam transformar os estudos da História do Brasil fornecendolhes critérios científicos que ultrapassem o sentido dogmá tico de que tem sido revestido A teoria da democracia racial é preciso salientar foi criada para fundamentar uma homogeneização cultural e omitir as diferenças e de sigualdades sociais Serviu para fortalecer a idéia de uma História Na cional caracterizada pela ausência de conflitos porque afinal não so mos e nem fomos um povo guerreiro a própria Independência foi pacífica assim como a libertação dos escravos e internamente vive mos sem problemas decorrentes de racismos preconceitos étnicos ou ainda discriminações exclusões Em sua face mais perversa essa mes ma teoria serviu para dissimular as desigualdades sociais e econômicas e para justificar a situação de miséria de grande parte da população um povo mestiço que carrega os males de uma fusão de grupos selvagens indolentes índios que não queriam ser escravos e se rebelavam contra esse trabalho tão digno para a grandeza da pátria e de negros africanos submissos e sem vontade própria sem desejos de vencer na vida A pre guiça e a indolência frutos dessa mestiçagem democrática eram ou ain da são os responsáveis pela pobreza da maioria da população A ausência de grupos indígenas ou de escravos e seus descenden tes assim como trabalhadores em geral na História ensinada é decorren te de uma visão política e ideológica mas é preciso lembrar referendada por uma concepção de História Entre nós tem prevalecido a idéia de que esses grupos populacionais não possuem História e nessa perspectiva se torna difícil compreender ainda hoje que a História deles faz parte da História do Brasil E possível aceitar apenas que eles tiveram influências ou então deram algumas contribuições para a vida cultural como hábitos alimentares para a música ou em eventos esportivos principalmente o futebol um dos esportes de identificação da nacionalidade A introdução nos estudos históricos de grupos indígenas e de mais grupos étnicos que fazem parte da população brasileira ocorreu sempre de forma ambígua 199 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a Os índios começaram a povoar os livros escolares desde o século XIX simbolizando inicialmente o selvagem antropófago que dificulta va a civilização apesar dos esforços dos missionários Foi apenas a partir do século XX que pelo ideário do Romantismo o índio se tornou um dos símbolos da nacionalidade A figura do negro era omitida nas obras escolares e apenas começou a surgir após a Abolição associada à Aboli ção dos Escravos A partir desse momento significativo de mudanças as explicações da nacionalidade voltaramse para as raças formadoras do povo brasileiro O colonizador ariano impunha civilização e ordem às camadas inferiores formadas por negros índios e mestiços A visão pre dominante era a de uma aristocracia rural que efetivamente constituiu a nação e que carregava o pesado fardo de levar a civilização para uma massa submissa e incapaz composta de raças e subraças inferiores Os esforços de alguns setores da intelectualidade para introduzir em currí culos e obras didáticas a História dessas camadas sob outra óptica e ex plicar a escravidão e o racismo dela decorrente foram em vão A partir dos anos 20 do século passado o nacionalismo passou a ser entendido diferentemente por setores da elite cultural A Sema na de Arte Moderna foi um marco representativo de uma busca por grupos de intelectuais mais urbanizados de uma definição de identi dade nacional associada ao cultural Começavase a combater com mais vigor uma identidade nacional baseada nas teorias de eugenia eu ropéia sem negro e sem índio Apesar das críticas sobre a ausência do negro no movimento modernista dos anos 20 e a valorização ainda bastante romântica do ín dio a questão da identidade nacional passou a ser sobretudo cultural situação que deslocava a importância do fator racial Nessa perspecti va novos olhares permitiram incluir diferentemente as formas de par ticipação das camadas populares na constituição da nação A teoria da democracia racial iniciada pelo já comentado livro Por que me ufano de meu país consolidouse nesse período As interpre tações da obra de Gilberto Freire Casa Grande e Senzala passaram a ser introduzidas no ensino dc História do Brasil A miscigenação entre senhores e escravas as ações cristãs de senhores que concediam alforria a seus filhos nascidos nas senzalas entre outras características da vida na época da escravidão forneciam os elementos para provar a democra cia racial entre nós 200 C i r c e B i t t e n c o u r t Os combates a essa visão deturpadora da história social como os que Florestan Fernandes realizou veementemente a partir da déca da de 1960 não foram suficientes para interromper a difusão desse mi to na vida escolar Essa tarefa é ainda um dos grandes desafios para quem pretende ensinar a História do Brasil sobre outros fundamentos A superação do mito da democracia racial necessita de um refe rencial mais sólido que consiga sensibilizar e ser introduzido nas refle xões de professores e seus form ad ores O esfacelam ento de m itos que mascaram os problemas sociais os preconceitos as discriminações é o mais importante passo para que aflorem as diferenças o multicultura lismo a diversidade de ações que permitam fazer falar a multidão imensa dos figurantes mudos que enchem o panorama da História e que são muitas vezes mais interessantes e mais importantes do que os outros os que apenas escrevem a história Omitir ou ignorar os problemas não é evidentemente uma ta refa educadora Mas enfrentálos e apresentálos como objeto de estu do escolar requer uma série de cuidados Nessa perspectiva a História do Brasil deve ser o núcleo central dos estudos históricos nas escolas e jamais um apêndice da História Geral A centralidade da História do Brasil contudo merece uma re flexão e um aprofundamento em dois aspectos essenciais O primeiro aspecto referese aos critérios de seleção de conteú dos iniciando sobre a reflexão do que são os denominados conteúdos tradicionais para se consolidar uma seleção que responda às necessida des identitárias de todos os setores sociais do atuai público escolar Os critérios de seleção precisam obedecer às problemáticas do presente condição que requer um estudo atento sobre o Brasil atual O conheci mento sobre o Brasil atual exige o domínio da História do presente ou o entendimento do presente como História e dos métodos de abordá la A identificação dos problemas vividos ou próximos dos alunos torna possível estabelecer os objetos de estudo significativos que ordenarão os conteúdos a serem trabalhados tanto no tempo como no espaço A dimensão espacial e temporal corresponde ao segundo aspec to a ser destacado para o estudo centrado na História do Brasil Os es tudos do Brasil devem contemplar a história local e regional articulada à nacional situação que requer uma compreensão sobre microhistória e seus fundamentos teóricos A história local deve necessariamente estar 201 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a incluída nos estudos de História mas não exatamente na ordenação do mais próximo ao mais distante mas de forma a ser problematizada a ca da momento de estudo Assim exemplificando o estudo da história das populações indígenas deve partir dos grupos existentes no presente ou que já viveram na região para conhecer as singularidades históricas de cada grupo nativo e evitar a generalização índios Uma abordagem ge nérica sobre o índio brasileiro impede o entendimento da participação de cada grupo nativo na história local e em escala mais ampla assim co mo impossibilita o conhecimento da história das relações e formas de contato com o mundo branco diferente para cada população indígena e com conseqüências igualmente diversas para a História Nacional É emblemático o caso dos Terena população indígena que vive majoritariamente em Mato Grosso do Sul Professores Terena estavam reunidos em curso em São Paulo na USP para a elaboração de propos ta curricular para as escolas de suas aldeias e a dúvida maior recaía so bre a História apresentada pelos currículos oficiais Além da insatisfa ção de serem sempre tratados genericamente como índios a pergunta crucial do professor referiase à ausência de qualquer tipo de menção sobre a participação que tiveram na Guerra do Paraguai E efetivamente depois de uma pesquisa com os Terena por meio da tradição oral e em vários documentos por meio da tradição escrita constatouse que a participação dos Terena e de outros grupos indígenas foi muito significativa nessa guerra E mais ainda foi um momento crucial na história das populações indígenas de Mato Gros so tanto pelo número de mortos quanto pela perda e novas demarca ções de territórios que até na atualidade estão sendo objeto de dispu ta11 Esse caso demonstra que efetivamente é difícil para os Terena se identificarem com um ensino de História do Brasil que simplesmente os ignora que omite seu papel como um dos agentes na história da for mação territorial de Mato Grosso na época colonial e que após a guerra contra o Paraguai tornaramse a mãodeobra servil para os fa zendeiros e que estão portanto ligados à história dos trabalhadores e da escravidão indígena dos séculos XIX e XX A omissão e a negligência sobre a história indígena brasileira manifestam com maior precisão um dos aspectos do problema do pa pel da História escolar e da importância em se rever com cuidado quais conteúdos são significativos e como são introduzidos na escola Mas 202 C i r c e B i t t e n c o u r t igualmente revela a necessidade de refletirmos sobre a relação entre a micro e a macrohistória um dos desafios historiográficos e para a His tória escolar Os estudos da história local devem tentar buscar no re corte micro os sinais e as relações da totalidade social rastreandose por outro lado os indícios das particularidades os homens e as mu lheres de carne e osso 12 A História do Brasil se constitui assim por uma dimensão nacional local e regional Essa perspectiva conduz a um outro problema A História brasi leira não pode ser um estudo isolado e exclusivo voltado unicamente pa ra seus problemas internos Ser o objeto central do estudo escolar não sig nifica entender um Brasil contra o mundo e Sérgio Buarque de Holanda foi enfático sobre esse aspecto Sempre procurou saber qual o nosso lugar no mundo e dedicouse exatamente a investigar a civilização brasileira no contexto da civilização ocidental Nessa perspectiva acreditamos como esse grande historiador acreditou que o problema da identidade nacional não é uma questão arcaica ou superada e sem um sentido intelectual A questão do sentimento e da emoção é relevante para se configurar uma identidade nacional mas existe também uma atuação intelectual que de ve procurar sempre investigar as coisas e as gentes brasileiras A questão da História do Brasil na escola requer portanto um compromisso político e cultural para que a História Nacional seja cuida dosamente estudada que a seleção de conteúdos da História do Brasil se ja central e prioritária e que se obedeça a critérios metodológicos e com fundamentação teórica rigorosa tanto no que se refere à historiografia quanto à pedagogia para evitarse um ensino dogmático e ideológico Notas 1 Introdução às memórias de Thomas Davatz In M aria Odila Leite da Silva Dias org Sérgio Buarque de Holanda São Paulo Ática 1985 p174 2 Cf os principais críticos das teorias cepalinas Caio Navarro Toledo ISEB Fábrica de ideologias São Paulo Ática 1982 Guido Mantega A economia política brasileira São Paulo PolisPetrópolis Vozes 1984 3 José Luis Beired Kátia Gerab e M aria Angélica Resende Os problemas do ensino de História da América In Anais do I o Encontro Perspectivas do Ensino de História São Paulo FEUSP 1988 p 210228 4 Luiz Dulci A visão política de Sérgio Buarque de Holanda In Antonio Cândido org Sérgio Buarque de Holanda e o Brasil São Paulo Editora Fundação Perseu Abramo 1998 p 92 203 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a 5 Podese constatar por exemplo análises sobre livros de História em Portu gal na época do salazarismo Maria Cândida Proença Los manuales escolares reflejo cie influencias pedagógicas e intenciones políticas Una reflexión desde la experiencia portugue sa In Alejandro Tiana Ferrer El libro escolar reflejo de intenciones políticas e influen cias pedagógicas Madrid Universidad Nacional de Educación a Distancia 2000 p 319 325 na Espanha sobre a época franquista Alvarez Oses J Calfreire J Gonzalez Mu noz E Haro Sabater La Guerra Civil en los textos de bachillerato 19381935 Histo ria 16 n 63 Julio 1981 no Brasil na época do Estado Novo Rosely Marquetti Es pelhos do Brasil Discurso político e discurso didático no governo de Getúlio Vargas 19301945 Uma abordagem sociossemiótica da construção da imagem da nacionali dade São Paulo 307 p Dissertação de Mestrado FEUSP 2000 Anelise M M Carvalho Pregadores de idéias animadores de vontades Livros didáticos nos anos 193040 São Pau lo PUCSP 1992 Dissertação de Mestrado e da época do regime militar Décio Gatti Junior Dos antigos manuais escolares aos modernos livros didáticos de História no Brasil Dos anos sessenta aos dias atuais In ícone v 6 n 1 janjun 2000 Uberlândia Centro Universitário do Triângulo p 97 116 6 José M urilo de Carvalho Cidadania no Brasil o longo caminho Rio de Ja neiro Civilização Brasileira 2001 p 77 7 Sobre as festas e comemorações cívicas existe uma publicação de minha au toria Pátria civilização e trabalho O ensino de História nas escolas paulistas 1917 1939 São Paulo Loyola 1990 8 Comprovam essa condição do desprestígio da História do Brasil nas escolas de nível secundário os trabalhos de Arlette Gasparelo Construções de identidades os compêndios de História do Brasil do Colégio Pedro II 18381920 São Paulo PUCSP 2002 tese de doutorado e de Circe Bittencourt além do já citado Pátria civilização e trabalho o artigo Os confrontos de uma disciplina escolar da história sagrada à história profana Revista Brasileira de História v 13 n 2526 1992 p 193221 9 Os debates foram intensos predominando a versão de humanismo moder no de Gustavo Capanema formar nos adolescentes uma sólida cultura geral marcada pelo cultivo das humanidades antigas e humanidades modernas e não é possível desconhecer a irremovível vinculação de nossa cultura com as origens helênicas e lati nas Não seria conveniente romper com essas fontes Com esse rompimento perdería mos o contato e a influência de uma velha cultura que consubstanciou e elevou os va lores espirituais maiores da Antigüidade Perderíamos por outro lado os mais nobres vínculos de parentesco da cultura nacional com as mais ilustres culturas do nosso tem po Citação do livro Tempos de Capanema organizado por Simon Schwartzman Rio de Janeiro Paz e Terra São Paulo EDUSP 1984 p 192193 10 Simon Schwartzman org op cit p 183 11 O resultado da pesquisa foi publicado no livro de M aria Elisa Ladeira e CF Bittencourt História do Povo Terena Brasília MEC 2000 12 Ronaldo Vainfas Caminhos e descaminhos da História In C Cardoso R Vainfas orgs Domínios da História ensaios de teoria c metodologia Rio dc Janei ro Campus 1997 p 447 204 E s t u d o s d e R e l i g i ã o PARA UM NOVO MILÊNIO E l ia n e M o u r a d a S il v a INTRODUÇÃO Segundo o Censo brasileiro de 2000 somos uma nação cristã de maioria católica e com forte crescimento dos evangélicos pentecostais Em uma população de aproximadamente 174 milhões 123 milhões disseram ser católicos 738 e 26 milhões 154 evangélicos Cer ca de 123 milhões de pessoas afirmaram não pertencer a nenhuma for ma de religião organizada e o restante da população admitiu pertencer a movimentos religiosos variados como espiritismo kardecista budis mo judaísmo umbanda e candomblé entre outras opções Muhdialmente segundo os dados da BBC World Service temos dois bilhões de cristãos espalhados pelo mundo sendo 214 milhões de cristãos ortodoxos na Europa Oriental países eslavos e no mediterrâneo oriental principalmente na Grécia Os católicos são um bilhão desses cristãos e os protestantes aproximadamente quinhentos milhões Logo em seguida estão os muçulmanos com cerca de um bilhão e quatrocen tos milhões de fiéis Os hinduístas na índia formam um contingente de 750 milhões e os budistas cerca de quinhentos milhões Ao lado de religiões numericamente expressivas cabe destacar aquelas cuja importância cultural e política ultrapassa o número de adeptos É o caso do judaísmo com aproximadamente 12 milhões1 e do sikhismo na índia com vinte milhões de adeptos 205 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a Esses dados permitem avaliar a importância dos fenômenos reli giosos no mundo em que vivemos Freqüentemente uma desconhecida coberta dos pés à cabeça aparece de forma inquietante nos jornais e tele visões Em nome da fé religiosa aviões carregados de pessoas explodem nos arranhacéus de Nova York e nos trazem de forma assustadora uma outra visão de mundo de destino marcados por política fé e violência ImpÕese a necessidade de compreender o outro atrás de seus véus e templos rituais e orações Entender aspectos e a originalidade das religiões as formas de mobilização e como se situam no tempo e no espaço é tarefa urgente dos professores e educadores preocupados com a tolerância fundamental para o respeito entre pessoas e memória histórica Estudar os fenômenos religiosos em favor da Pedagogia in tegrandoos aos novos programas escolares As religiões raramente aparecem como objeto específico de es tudos sobretudo nos textos para o ensino básico Temas como Refor ma Protestante ContraReforma Católica religiões orientais judaís mo islamismo etc são tratados no contexto da História Geral Contudo devemos salientar que a disciplina de História das Reli giões com suas cátedras áreas de pesquisa e teorias surgiu na segunda me tade do século XIX sob a influência do orientalismo da filologia e da se cularização da sociedade O campo específico de estudo e pesquisas sobre temas religiosos foi então ocupando um importante espaço nas grandes universidades européias e americanas No Brasil esse movimento não aconteceu e os estudos de religião continuaram até um período muito re cente vinculados a instituições confessionais ou seminários teológicos Como estudo acadêmico e científico esteve atrelado e subordinado a di ferentes áreas de Ciências Humanas Essa situação está mudando aos pou cos e a História das Religiões começa a aparecer com autonomia Mas é preciso atenção como representações do mundo que as piram à universalidade e são determinadas por aqueles que as elabo ram as religiões não são neutras e impõem justificam legitimam pro jetos regras condutas determinantes nas identidades culturais de pessoas grupos países e sociedades Como vivemos em uma sociedade laica com total separação entre religião e Estado o que garante a liberdade de opção religiosa talvez não avaliemos devidamente a sua importância cultural e política dessa separação O processo de laicização das sociedades é recente e foi 206 E l i a n e M o u r a d a S i l v a implantado principalmente durante o século XIX No Brasil até a Pro clamação da República o catolicismo era a religião oficial do Estado Esse processo de autonomia e de independência dos Estados frente aos sistemas religiosos é o que garante a convivência democrática e o res peito necessário às opções religiosas individuais e privadas DEFINIÇÃO DE RELIGIÃO O conceito religião originase da palavra latina religio cujo sentido original indicava simplesmente um conjunto de regras obser vâncias advertências e interdições sem fazer referências a divindades mitos celebrações ou a qualquer outra manifestação que consideraría mos hoje como religiosas O termo religião foi construído histórica e culturalmente dentro do mundo ocidental adquirindo um sentido es treitamente ligado à tradição cristã Como categoria explicativa para os estudiosos dos fenômenos religiosos religião pode ser definida para efeitos de organização e aná lise como conjunto de crenças dentro de universos históricos e cul turais específicos Para estudar os fenômenos religiosos o historiador deve sempre estar atento ao uso e sentido dos termos que em determi nada situação geram crenças religiosas ações instituições livros con dutas mitos ritos teologias etc Apesar de sua extrema variedade os fenômenos religiosos apa recem como um tipo característico de esforço criador em diferentes so ciedades e condições que procurando colocar ao alcance da ação e compreensão humanas tudo o que é incontrolável sem sentido confe rindo valor e significado para a existência das coisas e seres As representações de Deus deuses ou seres sobrenaturais a or ganização da fé doutrinas ou instituições mundos do além salvação são fenômenos históricos criações específicas de impulsos e silêncios numa trama de acontecimentos e fatos singulares que variam grande mente tanto no tempo como no espaço Costumamos chamar de religiões de fenômenos religiosos sis temas extremamente complexos de idéias conceitos e é indispensável marcar as diferenças Reencarnação é diferente de ressurreição há siste mas religiosos associados a livros sagrados e outros que não possuem 207 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a tradição escrita algumas religiões possuem a marca de seus fundadores por exemplo Buda Cristo ou Maomé enquanto outras são animistas e naturalistas instituições religiosas com templos clero sacramentos coexistem com associações livres étnicas e tribais variadas Cada siste ma religioso deve ser compreendido e respeitado em sua singularidade Apesar da complexidade e diversidade os sistemas religiosos po dem ser agrupados segundo regras e pressupostos comuns para fins de estudo e pesquisa Em primeiro lugar historicamente falando não há religião individual e sim exclusivamente religiões de grupos sociais co letivos tribos Estado Igrejas etc O que é individual é a religiosida de como forma particular de participar e experimentar a religião pré constituída e supraindividual Esse movimento é dinâmico e nem mesmo os fundadores de uma religião escapam uma nova religião po de partir de uma relação particular da religiosidade de uma pessoa com uma religião anterior porém só se constituirá como religião se for ado tada por um grupo social uma coletividade dando assim nascimento a uma outra instituição sistema de crenças ritos organizações etc Estudar a história das religiões significa identificar conjuntos de idéias crenças comportamentos literatura arte e instituições que hoje chamamos de religiosos ao longo de determinado período de tempo A única afirmação segura que podemos fazer é que esses conjuntos podem ser identificados na PréHistória e estão presentes nas culturas de todos os grupos humanos embora não possamos cientificamente individuali zar ou reconstruir uma primeira forma de Religião da humanidade Entre a espécie humanóide Neanderthal desaparecida por volta de 30000 aC os mortos foram encontrados deitados sobre o lado di reito e com a cabeça voltada para o leste Os túmulos de todos os pe ríodos do Paleolítico continham instrumentos de pedra Algumas de formações nos cérebros sugerem que teriam sido extraídos antes do sepultamento Algum tipo de ritual era praticado e podemos pressupor a existência de crenças fúnebres Embora durante todo o período préhistórico possamos encon trar vestígios indicadores de crenças em poderes sobrenaturais sobre tudo nas esculturas em pedra de mulheres com formas avantajadas nas pinturas rupestres representando cenas de caçadas figuras mascaradas como animais em movimento somente mais tarde durante o período do Neolítico podemos encontrar sistemas religiosos mais elaborados 208 E l i a n e M o u r a d a S i l v a A partir de 8000 aC e principalmente por volta de 7000 aC quando a cultura de cereais se desenvolveu no Mediterrâneo na Penín sula Itálica em Creta Grécia no Sul do planalto da Anatólia Síria e Pa lestina surgem grandes alterações nas formas religiosas Os ritmos de vi da e as crenças religiosas se modificaram e representações de figuras femininas e dos ciclos naturais das estações gestações das luas e marés apareceram em grande quantidade ao longo de extensa região geográfica e por muitos séculos Proliferaram estatuetas de deusas representadas co mo mulherespássaros ou serpentes com nádegas avantajadas e seus companheiros eram representados na forma de animais diversos como o touro urso bode cervo sapo etc Estudiosos lêem nessas representações na abundância de estátuas femininas e com formas de animais estiliza dos uma sociedade matriarcal É uma interpretação sugestiva embora não seja unanimemente aceita por todos os pesquisadores Culturas neolíticas deixaram também como herança de crenças religiosas cerca de cinqüenta mil monumentos de pedras ao longo de toda a Europa na Inglaterra Espanha Portugal França Alemanha Suécia Compreendem templos túmulos menires esteias Embora seja difícil por meio de registros históricos tão indiretos conhecermos de fato a experiência religiosa dessas comunidades antigas alguns estudiosos fazem uma comparação entre as sociedades arcaicas e as tradicionais grupos aborígines indígenas entre outros e procuram che gar a algumas conclusões Basicamente afirmam que tanto as sociedades arcaicas como as tradicionais imaginam o mundo como um microcosmo e para além desses limites fica localizado o desconhecido uma região te mível dos demônios das larvas dos mortos dos estranhos a morte o caos a noite tudo enfim que colocasse em perigo a vida do grupo RELIGIÕES E HISTÓRIA A História das Religiões também se defronta com problemas va riados que diferem de acordo com a documentação disponível Se as re ligiões préhistóricas são pouco iluminadas por documentação direta alguns grupos indígenas contemporâneos sem escrita podem ter suas ex periências religiosas reconstruídas e estudadas graças aos métodos da comparação etnológica Há enfim religiões vivas ou mortas cuja his tória pode ser conhecida com maior ou menor grau de precisão 209 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a A maior parte das religiões é estudada a partir de dados diretos e tratam de sistemas já constituídos os textos da pirâmides do Antigo Egi to pressupõem uma estrutura religiosa bem definida os Vedas escritos arcaicos das primeiras formas de religião na índia tratam de um sistema articulado os deuses ritos e mitos da Grécia Clássica se encontram des critos nos poemas homéricos Ilíada e Odisséia em Roma a documen tação literária começou a surgir alguns séculos depois da organização do sistema religioso O fato de estarmos diante de sistemas religiosos estru turados contudo não significa que consigamos compreender o real sen tido dessas crenças nem esclarecer todas as suas contradições Vejamos o clássico exemplo da Religião egípcia Apesar de extre mamente conhecida como iconografia a Religião continua extrema mente enigmática Uma tal distância temporal nos separa desse passado fragmentado que a diversidade se torna contraditória Os deuses mitos e ritos se confundem mesmo quando a extrema repetição de deuses e heróis parece não ter mudado ao longo de milênios e dinastias escultu ras túmulos e hieróglifos Embora a profusão de amuletos fórmulas inscritas em sarcófagos nos templos e nas casas seja uma prova concre ta de crenças mágicas pouco se conhece desse substrato A documenta ção principal provém de uma massa documental característica chamada de literatura funerária tratando de períodos e sobre pessoas muito dife rentes mas revelando articulação e sistematização Normalmente quan do falamos de Religião egípcia não nos preocupamos em identificar suas diferenças históricas em um período tão longo e distante Os Textos das Pirâmides que consistem em aproximadamente 760 inscrições encontradas nas tumbas reais desde a V dinastia referem se aos rituais de inumaçao do Rei e a SLia instalação após um percurso longo num trono celeste onde reinaria por toda a eternidade os Textos dos Sarcófagos provenientes da IX à XIII dinastia são uma reinterpreta ção dos Textos das Pirâmides Apareceram no interior de sarcófagos de madeira correspondendo a uma mudança social importante desse perío do o surgimento de famílias ricas e nobres que puderam construir tum bas ornamentálas e se preocupar com o destino após a morte a partir da XVIII dinastia até o período romano temos o chamado Livro dos Mortos colocado nos ataúdes para fornecer ao morto segurança na sua viagem e julgamento Essas fórmulas eram extraídas dos textos dos sar cófagos e reinterpretadas conservando o conteúdo mágico e a preocupa ção em aplacar os seres sobrenaturais que viviam no mundo do alem 20 E l i a n e M o u r a d a S i l v a Assim temos uma estrutura muito variada e complexa que nor malmente é apresentada nos manuais didáticos e textos de divulgação científica e histórica de forma linear e contínua Esse exemplo serve pa ra mostrar a complexidade e especialização alcançada pelos estudos de História das Religiões JUDAÍSMO CRISTIANISMO E ISLAMISMO UMA PROPOSTA DE ESTUDO A História do judaísmo cristianismo e islamismo pode ser bas tante ilustrativa para os estudos comparados de História das Religiões São três religiões que surgiram em períodos históricos diferentes A his tória milenar do povo judeu é relatada ao longo do Antigo Testamento O cristianismo surgiu no início da era que recebeu seu nome na Pales tina sob a dominação do Império Romano e a história do seu messias Jesus Cristo foi narrada nos Evangelhos O islamismo apareceu na Pe nínsula Arábica por volta de 610 dC com a figura do profeta Maorné Contudo histórica e culturalmente esses sistemas religiosos es tiveram em contato constante Possuem imaginários religiosos especí ficos mas com vários elementos em comum dentro da diversidade de crenças teologia e culturas Afinal o cristianismo surgiu dentro da tra dição judaica helenística havia comunidades de judeus e cristãos na Arábia na época de Maomé Nao devemos também esquecer os sete sé culos de presença muçulmana na península ibérica que marcaram de finitivamente a vida de cristãos e judeus bem como o surgimento do mundo moderno Assim ao estudálas podemos trabalhar mostrando diferenças e similaridades contradições e concordâncias Tomemos como exemplo a idéia de Paraíso O Gênesis 2 8 17 foi a descrição para judeus e posteriormente cristãos do lugar on de Deus havia criado o Jardim das Delícias um lugar terrestre com todas as belezas desejadas e imaginadas para desfrute e deleite Os pro fetas judeus retomaram o tema tanto cm Isaías 51 3 como em Eze quiel 28 1314 47 12 Judeus e cristãos acrcditaram e acreditam que o Paraíso realmente existira e continuasse existindo como um lu gar de espera para os justos antes da ressurreição e do julgamento fi nal De acordo com diferentes concepçoes o Paraíso ou se localizava 211 num remoto lugar da Terra onde conservava o seu estado original ou havia sido transportado do solo terreno após o pecado original para o céu Ao longo dos séculos o Paraíso foi imaginado desejado pro curado e descrito conforme a própria História das Religiões Segundo algumas crenças cristãs Cristo reabrira o Paraíso após a promessa feita ao bom ladrão no momento da crucificação Na apo calíptica cristã o Paraíso aparece identificado como um lugar interme diário antes do Céu definitivo para os fiéis ao Senhor No Apocalipse de Paulo2 cap XXI e XXII o Paraíso é o lugar de recompensa dos justos de repouso das almas saídas dos corpos onde corre um rio de leite e mel e cada árvore frutifica 12 vezes por ano com dez frutos diferentes além de videiras de dez mil ramos e com um milhão de botões Esse Paraíso descerá dos céus para substituir a Terra quando esta for destruí da e os santificados o habitarão com Jesus por mil anos O Paraíso também alimentou as esperanças dos muçulmanos que combatiam pela expansão da fé Segundo o Alcorão livro sagrado do Is lã na Surata LVI o Paraíso é descrito como o lugar de descanso dos com panheiros da fé um jardim com árvores sem espinhos sombreado per to de fontes de água corrente fresca com frutos em abundância e forrado por magníficos tapetes e almofadas macias Nesse Paraíso mu lheres formosas e eternamente jovens pertenceriam aos homens de Alá Mundos espirituais tais como Céus Infernos Purgatórios via gens espirituais destino após a morte seres sobrenaturais rituais mi tos imagens etc existem em todos os sistemas religiosos Ao estudar e pesquisar podemos ir ampliando nossos conceitos e entendendo a di versidade religiosa É possível também explorar propostas temáticas comparativas e multidisciplinares Por exemplo em um estudo simultâneo do Islamismo Judaísmo e Cristianismo pode sugerir uma série de propostas didáticas 1 Os diferentes períodos históricos das três religiões 2 História do Judaísmo Cristianismo e Islamismo em suas cor rentes principais e movimentos místicos 3 Regiões geográficas distintas onde se originaram e espalha ram as três religiões 4 Os Livros Sagrados Bíblia e Alcorão Idiomas formas con teúdo interpretações 5 Crenças teologias templos rituais mitos imaginários H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a 212 E l i a n e M o u r a d a S i l v a É muito importante lembrar ao professor que o tema religião des perta paixões variadas em sala Deve existir uma sensibilização com a clas se para fazer uma distinção entre aula de catequese e um estudo sobre as religiões O professor deve dizer com clareza que para o historiador não existe uma religião mais correta do que a outra As questões devem evitar a apologética e tentar um estudo histórico efetivo É sempre importante frisar que há locais em que em nome de uma concepção de Deus as pes soas matam os adversários de outra concepção Assim o estudo compara tivo acaba sendo um exercício fundamental de tolerância e de convivên cia de culturas diversas Como o professor também possui uma convicção pessoal seja um católico um evangélico ateu ou outra ele deve igual mente perguntar se sua visão das outras religiões não é estereotipada ou preconceituosa Exemplo clássico no Brasil é a visão do mundo muçul mano como um mundo lascivo com odaliscas e danças do ventre ou violento com terroristas desviando de uma análise mais profunda da Religião muçulmana Filmes que mostram a convivência de dois grupos religiosos distintos que acabam descobrindo pontos de contato podem ser úteis como A testemunha 1985 Witness e Uma estranha entre nós 1992 A stranger among us O primeiro fala de um detetive que é obrigado a conviver em uma comunidade amish nos EUA e o segundo fala de uma policial que compartilha do cotidiano de judeus ortodoxos Ambos podem ser se o professor considerar que são adequados à sua sa la um ponto de partida ressaltando que se trata da visão do cinema nor teamericano para uma discussão sobre convivência religiosa e cultural O tema também é muito adequado a uma pesquisa que integre várias disciplinas Por exemplo na primeira série do ensino médio quan do geralmente a área de Literatura trata de Os Lusíadas o professor de História pode trabalhar o tema da intolerância religiosa na obra de Ca mões Da mesma forma a Geografia pode analisar a distribuição espa cial das religiões tocadas por Camões Um trabalho assim requer maior esforço de quem realiza e dos que corrigem e necessariamente implica maior reflexão do que um trabalho monográfico como O islamismo Com o advento da internet tais esforços transformaramse em esforço de recortar e copiar inútil para o aluno quanto ao aprendizado e tedioso pa ra o professor que lê A regra para um bom trabalho é que ele não possa ser copiado integralmente de fonte alguma pois apresenta um desafio que é claro deve ser proporcional à faixa etária do aluno 23 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a Lembremse sempre de que um trabalho que integre disciplinas não pode ser jamais um trabalho dividido em partes que cada profes sor vai corrigir Um trabalho integrado tem uma resposta integrada e representar não apenas um desafio de romper gavetasestanques na ca beça dos alunos mas também estabelecer o diálogo da unidade das ciências para os professores Romper barreiras é difícil para todos os envolvidos em educação inclusive nós professores TENDÊNCIAS ATUAIS DOS ESTUDOS DE HISTÓRIA DAS RELIGIÕES Atualmente os estudos sobre Religião e religiosidade valorizam os fenômenos religiosos de forma diversificada Há o reconhecimento de que as questões religiosas permeiam a vida cotidiana como religio sidade popular em formas de espiritualidade que fornecem elementos para construção de identidades de memórias coletivas de experiências místicas e correntes culturais e de intelectuais que não se restringem ao domínio das igrejas organizadas e institucionais Muitos movimentos religiosos procuram repensar os papéis de gênero opções sexuais a participação política engajada os conflitos em nome da fé novas práticas espirituais liturgias alternativas e revisões teo lógicas de acordo com as necessidades da modernidade com destaque para o papel das mulheres e das minorias dentro da sociedade e cultura Tratase portanto de privilegiar como objeto central de pesquisas correntes de pensamento movimentos tendências até então consideradas marginais à cultura religiosa oficial movimentos religiosos dos povos in dígenas latinoamericanos e africanos religiões orientais as centenas de igrejas evangélicas pentecostais neopentecostais avivadas o espiritualis mo a constituição de identidades religiosas nacionais e supranacionais a Nova Era as religiões afrobrasileiras como a umbanda e o candomblé Dessa forma é necessário ampliar os limites desmontando pre conceitos revendo cronologias e desenvolvendo análises comparativas numa área de estudos nova e emergente Repensar a Religião e a religiosidade numa perspectiva da His tória Cultural é acima de tudo integrar novos códigos em que gêne ro etnia classe façam parte das formas de expressão espiritual dos conflitos institucionais e dos novos movimentos religiosos 214 E l i a n e M o u r a d a S i l v a Notas 1 0 s números de adeptos de religiões são um pouco oscilantes Para o caso do Judaísmo uma boa fonte é o site httpwwwadherentscomlargecomcomjudaismhtml 2 O Apocalipse de Paulo não é uma obra considerada oficial e inspirada pela Igreja Católica ou pela maioria das Igrejas Cristãs As obras que estão fora da lista ofi cial de livros da Bíblia são chamadas de apócrifas e foram muito lidas pelos cristãos de todas as épocas Informações consagradas como o nome do Bom Ladrão ou dos avós de Jesus têm origem nos chamados apócrifos Assim na formação das crenças cristãs faz pouco sentido separar apócrifos de livros oficiais Recomendações de leitura Boa parte da bibliografia sobre História das Religiões não foi tra duzida para o português Ainda assim é possível encontrar trabalhos aca dêmicos e científicos A lista abaixo não pretende esgotar as possibilidades 1 Obras de caráter geral e dicionários ELIADE Mircea História das idéias e das crenças religiosas Rio de Janeiro Jorge Zahar Editores 1983 6 v COULIANO Ioan P ELIADE Mircea D icionário das religiões São Paulo M ar tins Fontes 1995 D e lu m e a u Jean De religiões e de homens São Paulo Loyola 2000 KONIG Franz Cardeal H a n s Waldenfels Léxico das religiões Petrópolis Vo zes 1998 Várias autoras D icionário de teologia fem inista Petrópolis Vozes 1997 GAARDER Jonstein HELLERN Victor NOTAKES Henry O livro das religiões Sao Paulo Companhia das Letras 2001 2 Obras específicas sobre a História e experiência religiosa ELIADE Mircea Imagens e símbolos Ensaio sobre o simbolismo mágicoreligio so Sao Paulo M artins Fontes 1991 ARMSTRONG Karen Em nom e de Deus o fundamentalismo no judaísmo no Cristianismo e no Islamismo São Paulo Companhia das Letras 2000 M aomé uma biografia do profeta São Paulo Companhia das Le tras 2002 Buda Rio de Janeiro Objetiva 2000 DELUiMEAU Jean M il anos de felicidade uma História do Paraíso São Paulo Companhia das Letras 1997 CHAIB Lidia RODRIGUES Elizabeth Ogum o rei das muitas faces São Paulo Companhia das Letras 2002 VALLA Victor Vincent org Religião e cultura popular Rio de Janeiro D P A 2001 n 17 Coleção O Sentido da Escola 215 O S AUTORES L e a n d ro K a r n a jl Doutor em História pela USP é professor de História da América da Unicamp Autor de Estados Unidos aformação da nação e coautor de História da cidadania ambos pela Contexto C a r l a B a s s a n e z i P in s k y Historiadora Doutora em História Social pela Unicamp e mestre em História Social pela USP Autora de Pássaros dã liberdade e organizadora de História da cidadania Fontes históricas e Faces do fanatismo Coautora de História das mulheres no Brasil 0 Brasil que os europeus encontraram entre outros todos esses pela Contexto C ir c e B it t e n c o u r t Doutora em História Social é professora da pósgraduação cm História da Educação e Ensino da História na USP Autora de O saber histórico na sala de aula e organizadora de Dicionário de datas da história do Brasil ambos pela Contexto E lia n e M o u r a d a S ilv a Professora do Departamento de História da Unicamp onde graduouse fez mestrado e doutorado cm História H o líe n G o n ç a lv e s B e z e r r a Doutor em História do Brasil pela USP e mestre em História da Teologia pela Pontifícia Universitas Gregoriana em Roma é professor da Universidade Federal de Goiás J a ih e P in s k y Historiador Doutor e livredocente pela USP e professor titular da Unicamp Autor de As primeiras civilizações O ensino de História e a criação do fato A escravidão no Brasil Cidadania e educação e 0 Brasil tem futuro e coautor de 12 faces do preconceito Brasileiroa é assim mesmo História da cidadania e Práticas de cidadania todos pela Contexto J a n íc e T h e o d o r o Mestre e doutora em História pela USP onde leciona a disciplina História da América J o s é A lv e s de F r e it a s N e t o Mestre em Filosofia pela PUCSP e doutor em História Social pela USP Professor de História Pedagogia e Relações Internacionais em universidades privadas Jo sé R ív a ir M a c e d o Doutor em História Social pela USP é professor do Departamento de História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS Autor de A mulher na Idade Média pela Contexto Luiz E stevam F e rn a n d e s Mestre e doutorando em História Cultural pela Unicamp E docente do programa de pósgraduação latu sensu da mesma instituição e professor de História de ensino fundamental e médio M a r c o s N a p o lit a n o Doutor em História Social pela USP é professor do Departamento de História da USP desde 2004 Autor de Cultura brasileira utopia e massificação 19501980 Como usar o cinema na sala de aula e Como usar a TV na sala de aulay todos pela Contexto M a r c u s V in íc iu s de M o r a is é mestre em História Cultural pela Unicamp professor do Ensino Médio na região de Campinas e do projeto Viver Arte em São Paulo P e d r o P a u lo F u n a r i Bacharel em História mestre em Antropologia Social e doutor em Arqueologia pela USP Livredocente em História Antiga na Unicamp é autor de Grécia e Roma e Arqueologia e coautor de PréHistória do Brasil História da cidadania Fontes históricas e História das guerras todos pela Contexto R a f a e l R u iz Professor de H istória da América Colonial na Unifesp cam pus Guarulhos é mestre em Direito Internacional pela FADUSP e doutor cm História Social pela FFLCHUSP 216 NChanu 97 H673 5 d Tílulo História na sak p ra tic a s c propostas ü 1 II p m i li n ll f 7 1 4 4 Ex2 U FRRi Prove que sabe honrar os sos devolvendo com pontualic Biblioteca da Universidade F Rio de Janeiro O prazo de empréstimo t podendo ser prorrogado por ig a obra não esteja reservada Educação para um mundo em transformação chama a aten ção para a necessidade de o professor estar atento e atuali zado sobre o que se passa no mundo A transversalidade e a renovação no ensino de Histó ria propõe a valorização do ensino por conceitos para que o aluno consiga relacio nar acontecimentos históricos de épocas diferentes Novas formas de abordar o ensino de H istó ria v islu m b ra as transformações e desafios que o professor terá pela frente A segunda parte do livro apre senta visões inovadoras para o ensino de temas essenciais no currículo do ensino fundamen tal e médio História Antiga Idade Média História Moderna História da América História Contemporânea História do Brasil e História das Religiões História na sala cie aula serve portanto ao professor interessado em aprimorar seu desem penho profissional e tornar as aulas mais proveito sas para os alunos Interrogar o passado a partir de ques tões que nos inquietam no presente é a chave para cum prir a missão de ajudar os es tudantes a entender o mundo em que vivem dandolhes condições de contribuir para tornálo melhor Promovendo a Circulação doSaber A presente obra é antes de tudo uma declaração de amor ao ofício de ensinar História Catorze profissionais reconhecidos da área unem suas experiências e concepções em um livro que lança novas luzes sobre o trabalho do professor tanto do ensino fundamental quanto do ensino médio E ao contrário de outras obras do gênero o livro não fica apenasna discussão de teorias a partir delas questiona certas práticas de sala de aula e propõe outras mais eficazes para despeitar o interesse dos alunos pela matéria e mais compatíveis com a responsabilidade social do historiador O livroé também um libelo em defesa dè História que em tempos de informação instantânea e alta competitividade profissional corre o risco de perder espaço para disciplinas tidas como mais práticas e úteis na preparação cio estudante para o mèrcado de trabalho Não podemos abrir mão de apresentar nossos jovens ao patrimônio cultural da humanidade E qual é o papel do professor senão estabelecer uma articulação entre o patrimônio cultural da humanidade e o universo cultural dó aluno j v y ÉÉ ISBN 8 5 7 2 4 1 mm 9 7 8 8 5 7 2 4 4 2 1 69 História na sala de aula

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conceitos praticas é l i a r a m Leandro Karnal o rg Carla Bassanezi Pinsky Circe Bittencourt Elíane Moura da Siiva Holien Gonçalves Bezerra Jaime Pinsky Janice Theodoro José Alves de Freitas Neto José Rivair Macedo Luiz Estevam Fernandes Marcos Napolitano Marcus Vinícius de Morais Pedro Paulo Funari t A Rafael Ruiz NCharn 907 H673 5 ed Título História na sala de aula práticas e propostas conceitos 71441 Ex2 UFRRJ Ac 28303 N Pat39882008 SR I É comum ver professores frustrados porque não conse guiram dar toda a matéria ao longo do ano letivo Mas será que sobrecarregar os alunos com uma profusão de datas e nom es é o m elhor caminho Este livro defende uma forma mais eficaz de lecionar Histó ria estabelecendo um vínculo entre o patrimônio cultural da humanidade e o universo cul tural do aluno É possível de monstrar a atualidade de fatos tão cronologicamente remotos quanto a situação das mulhe res na Idade Média a insatisfa ção dos plebeus na Roma Anti ga ou as aspirações ambíguas dos burgueses no século XVIII Basta selecionar conteúdos que realmente fazem sentido A informação só se transfor ma em conhecimento quando selecionada depurada discuti da organizada assimilada E pro duzir conhecimento é o grande desafio do professor de Histó ria A presente obra sugere e discute estratégias para que esse objetivo seja cumprido O pri meiro capítulo Por uma Histó ria prazerosa e conseqüente critica a superficialidade do en sino na era da informação ins tantânea e prega a necessidade de valorizar o conhecim ento humanista Ensino de História conteúdos e conceitos básicos ajuda o professor a estabelecer critérios para selecionar os con teúdos das aulas enquanto H I S T Ó R I A N A S A L A DE A U L A H i s t ó r i a NA S A L A D E A U L A Conceitos práticas e propostas L e a n d ro K a rn a l o r g editoracontexto Copyright 2003 dos autores História na sala de aula conceitos práticas epropostas Todos os direitos desta edição reservados à Editora Contexto Editora Pinsky Ltda Preparação de originais I eonardo Seiji Miyahara Revisão Vera Quintanilha Capa Antonio Kehl Diagramação Carla Castilho Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Câmara Brasileira do Livro SP Brasil História na sala de aula conceitos práticas e propostas Leandro Karnal org 5ed São Paulo Contexto 2007 030545 Bibliografia ISBN 8572442162 1 História Estudo e ensino 2 Sala de aula Direção 3 Prática de ensino I Karnal Leandro CD D 907 índice para catálogo sistemático 1 História Estudo e ensino 907 FRRJBiblii Registro a ta D À O 3 0 BC E d i t o r a C o n t e x t o Diretor editorial Jaime Pinsky ua Dr José Elias 520 Alto da Lapa 05083030 São Paulo s p p a b x 11 3832 5838 contextoeditoracontextocombr www ed i toraco n texto com br 2 0 0 7 Proibida a reprodução total ou parcial Os infratores serão processados na forma da lei W U t A a W B IM WÇWlUWXit S u m á r i o 7 I n tr o d u ç ã o Leandro Karnal P a r t e I A b o r d a g e n s 17 O QUE E CO M O ENSINAR Por um a H istória prazerosa e conseqüente Jaime Pinsky e Carla Bassanezi Pinsky 3 7 CONCEITOS BÁSICOS Ensino de H istória conteúdos e conceitos básicos Holien Gonçalves Bezerra 4 9 EDUCAÇÃO Educação para um m undo em transformação Janice Theodoro 57 TRANSVERSALIDADE A transversalidade e a renovação no ensino de H istória José Alves de Freitas Neto 75 LITERATURA N ovas fo rm as d e a b o r d a r o e n sin o d e H is tó r ia Rafael Ruiz Pa r t e II R e c o r t e s 95 HISTÓRIA ANTIGA A RENOVAÇÃO DA HlSTÓRIA ANTIGA Pedro Paulo Funari 109 HISTÓRIA MEDIEVAL R epensando a Idade M édia no ensino de H istória José Rivair Macedo 127 HISTÓRIA MODERNA A H is tó ria M o d e rn a e a s a la d e a u la Leandro Karnal 143 HISTÓRIA DA AMÉRICA R enovação da H istória da América Luiz Estevam Fernandes e Marcus Vinícius de Morais i 63 HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA P ensando a e stra n h a h istó ria sem fim Marcos Napolitano 185 HISTÓRIA DO BRASIL Identidade nacional e ensino de H istória do B rasil Circe Bittencourt 205 RELIGIÃO E stu d o s d e R e lig iã o p ara um n o v o m ilên io Eliane Moura da Silva 216 O S AUTORES I n t r o d u ç ã o Leandro Karnal Podemos entender o exercício profissional da História de mui tas formas Vamos optar pela seguinte possibilidade fazer um texto de História é estabelecer o diálogo entre o passado e o presente Isso sig nifica que não há um passado puro total que possa ser reconsti tuído exatamente como era Também significa que não podemos fa zer um texto ou dar uma aula de História baseados apenas na concepção atual pois isso leva a projeções do presente no passado os famosos anacronismos Existe o passado Porém quem recorta escolhe dimensiona e narra este passado é um homem do presente Assim uma vez produzi do todo texto histórico tornase ele mesmo objeto de História pois passa a representar a visão de um indivíduo sobre o passado Conto para os alunos de graduação de História uma ficção pa ra ilustrar esse fato Imaginemos uma menina de 15 anos que esteja no seu baile de debutantes será que ainda existem no século XXI Vesti da de branco emocionada ela vive um momento muito especial M ú sica amigas um possível namorado comida e muitos fatos para guar dar e comentar A festa é densamente fotografada e filmada Passados dez anos nossa protagonista ficcional chegou aos 25 Ela olha os íil ines e as fotos e pode vir a considerar tudo de extremo mau gosto Abrindo o álbum em meio a suspiros poderia dizer Por que não fiz uma viagem com esse dinheiro Passado mais meio século do baile ri nossa personagem aos 65 anos Já de cabelos brancos ela abre o álbum 7 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a amarelado e comenta com seus netos Olhem como eu era bonita Que noite maravilhosa foi aquela Observese que houve um fato o baile de debutantes Ele ocor reu Não foi inventado como fato ainda que invenção de fatos seja uma constante em História Porém a memória para esse baile vai se transformando bastante conforme a realidade do presente traz novas reflexões e imperativos Em outras palavras escolher qual o fato que queremos destacar e como trabalharemos a memória é uma atividade de todos e que o historiador tenta tornar consciente e crítica Assim dizer que a História necessita ser reescrita não é apenas um imperativo derivado das descobertas constantes de documentos no seu sentido amplo mas também da mudança de significação que damos a docu mentos antigos A representação do passado e do que consideramos importante representar é um processo constante de mudança Se a memória muda sobre fatos concretos e protagonizados por nós também muda para fa tos mais amplos A História está envolvida em um fazer orgânico é vi va e mutável Um livro sobre uma guerra escrito há cem anos continua válido como documento mas é muito provável que a visão de quem o escreveu esteja superada Por superação entendemos o que não é mais compartilhado pela maioria Se tais constatações fizeram com que a visão do velho Leopold Van Ranke sobre uma verdade histórica e objetiva ficasse abalada também devemos constatar que a total relativização proposta por teó ricos como Hayden White também não é uma solução muito confor tável Aceitar as transformações nas formas de representação do passa do não significa expressar de forma maniqueísta que o historiador seria um romancista com notas de p é de página Parece que o salto da concepção de ciência positiva para um pósestruturalismo inorgânico foi rápido demais Ora sendo o fazer histórico mutável no tempo seu exercício pedagógico também o é Eu diria que ensinar História é uma ativida de submetida a duas transformações permanentes do objeto em si e da ação pedagógica O objeto em si o fazer histórico é transformado pelas mudanças sociais pelas novas descobertas arqueológicas pelo de 8 I bate metodológico pelo surgimento de novas documentações e por muitos outros motivos A ação pedagógica muda porque mudam seus agentes mudam os professores mudam os alunos mudam as conven ções de administração escolar e mudam os anseios dos pais Ainda que a percepção sobre as mudanças na escola sejam mais lentas do que as de outras instituições da sociedade ela certamente muda e eventual mente até para melhor Bem se estamos concluindo que o fazer histórico muda bas tante se estamos concluindo que a escola muda também é imperativo pensar que a renovação do ensino de História deve ser trazida constan temente à tona Só um debate claro e franco pode ajudar a quebrar a inércia inerente a quase toda concepção educacional Há algumas décadas houve um equívoco expressivo na moder nização do ensino Julgouse que era necessário introduzir máquinas para se ter uma aula dinâmica Multiplicaramse os retroprojetores os projetores de slides e posteriormente os filmes em sala de aula O re troprojetor em particular ganhou uma popularidade extraordinária no ensino médio fundamental e superior Mais do que modernizar o que implica um ar de mera reforma tratase de pensar se a mensagem apresenta validade tenha ela cara nova ou velha Que seja dito e repetido à exaustão uma aula pode ser extrema mente conservadora e ultrapassada contando com todos os mais moder nos meios audiovisuais Uma aula pode ser muito dinâmica e inovadora utilizando giz professor e aluno Em outras palavras podemos utilizar meios novos mas é a própria concepção de História que deve ser repen sada O recorte que o professor faz é uma opção política Por mais anti ga que pareça essa afirmação ela se tornou muito importante num país como o nosso redemocratizado nos aspectos formais mas com padrões de desigualdade de fazer inveja aos genocídios clássicos do passado Falando do ensino de História no Brasil o jornalista Gilberto Dimenstein afirma que Educadores têm notado como os alunos percebem cada vez mais a política como uma atividade sem princípios orientada basicamente pela digamos ética da vitória Tal visão é uma das L e a n d r o K a r n a l 9 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a muitas razões que tornam difícil a tarefa de fazer o jovem se in teressar pela História do Brasil esta muitas vezes encarada co mo um encadeamento de fatos e nomes oficiais1 Talvez pela concepção de tempo e uma sensibilidade específica para o social os professores da área de Humanas parecem muito an gustiados com sua atuação A boa vontade da mudança esbarra tanto nos vícios tradicionais da escola como na resistência multifacetada de pais direção colegas e alunos O inovador que espera ser saudado messianicamente acaba com mais freqüência encontrando comentá rios como Pára de enrolar e começa a dar aula Muitas iniciativas são abortadas porque o renovador não consegue ver ou avaliar o peso extraordinário da tradição Rompendo abruptamente com ela corre o risco de perder contato com o real na sala e no limite perder seu em prego caso trabalhe no setor privado Não rompendo com a tradição o professor angustiase com o indescritível rosto de tédio do seu alu no que espelha uma monotonia crescente a cada ano de magistério Ao escrever pelo décimo ano seguido a frase no quadro O Egito é uma dádiva do Nilo e tentar explicála para uma buliçosa quinta sé rie inicia um surdo questionamento sobre a validade de tudo aquilo Pensa quem sabe e se eu afirmasse O Egito é uma dádiva do Tietê ou se eu dissesse que tal frase é de autoria do roqueiro Supla em visi ta ao Cairo mudaria algo No fundo repetimos a angústia expressa no Hamlet de Shakespeare Quem é Hécuba para eles quem são eles para Hécuba Esta frase shakespeariana poderia ser entendida de ou tra forma qual a validade de uma cultura formal para eles Em nosso contexto esta frase eqüivale a indagar qual a validade da História e do que eu faço para meu aluno e para mim Como eu posso desper tar no jovem tanto o interesse pela cultura mais formal como a capa cidade e os instrumentos para analisar o mundo que o cerca Talvez a pior pergunta seja a inversão desta como eu vou descobrir qual a va lidade de tudo isso Sim porque é possível que o desânimo de um alu no seja apenas parte de um complexo maior que me inclua O maior objetivo deste livro é fazer o leitor possivelmente um professor ou candidato a professor perceber que sem uma reflexão so 10 L e a n d r o K a r n a l bre a mudança contínua e as permanências necessárias a atividade do professor tornase insuportável com o passar dos anos Todas as profis sões têm sua perda de aura no enfrentamento entre a pluma do ideal e o aço do real mas aquelas que trabalham com a formação de pessoas parecem tornar esse desgaste ainda mais gritante pois contrariam a descoberta que uma aula deve ser Continuar descobrindo coisas em nossa área pode ser uma forma de diminuir bastante esse desgaste Ler criticar discutir reunirse com outras pessoas interessadas em não morrer profissional e pessoalmente podem ser caminhos para atenuar esse desgaste Diversos educadores têm refletido sobre os caminhos do educar e neste livro alguns deles demonstram o fruto dessas reflexões No en tanto a autonomia da condução do processo educacional é do profes sor Considerando a diversidade e a pluralidade da realidade brasileira não pretendemos com essas indicações limitar a criatividade e a capa cidade de cada educador mas antes partilhar reflexões e experiências sobre o ensino de História Assim ninguém pode dizer com precisão qual o melhor caminho para suas turmas Porém ouvindo pessoas en volvidas na prática da sala de aula e da pesquisa histórica você pode oferecer uma resposta mais criativa a seus desafios diários Poderá dizer com tranqüilidade Isto não serve para minha sétima série ou Isso é perfeito para meu segundo ano do ensino médio A primeira lição da experiência em sala de aula é que as fórmulas só servem quando são idealizadas numa aula estática Nesta obra trouxemos a palavra de especialistas em diversos re cortes históricos e que pensam seriamente no problema da renovação do enfoque da História A condição para o convite foi dupla autorau tora não apenas deveria ser alguém capaz de elaborar uma reflexão séria sobre sua área mas também um profissional preocupado com o exer cício do magistério Os textos tentam estabelecer um triângulo curio so a reflexão de um autor a experiência de vida do leitor e a prática mutante de um universo educacional Seria inútil imaginar sucesso sem esses três ângulos Este livro é uma coletânea óbvio tendo em vista que foram li gados diversos autores sob diversas perspectivas Porém não é uma i i H i s t ó r i a h a s a l a d e a u l a simples sobreposição cie textos Preservadas as idiossincrasias de cada historiador todos seguiram os objetivos da coletânea e suas propostas A primeira parte Abordagens trata de questões mais gerais e com reflexões teóricas importantes para a sala de aula Não são refle xões vazias ou aquele tradicional amontoado de exortações pedagógi cas que povoam cartões do dia 15 de outubro São reflexões diretas e concretas que se lidas e analisadas transformam de fato a prática de ensinar Nós professores precisamos ter cada vez mais consciência de que qualquer prática em sala nasce de uma concepção teórica Os textos começam com um verdadeiro manifesto de autoria de Jaime e Carla Pinsky Tratase de um texto que deve ser lido e reli do pelos profissionais que procuram conjugar a tradição humanística com a necessidade de educar jovens no século XXI Fiéis à tradição re forçada por M arc Bloch na sua obra de introdução à História os auto res defendem o resgate do legado da reflexão e da leitura O artigo do professor Holien Gonçalves Bezerra atende a uma pergunta que todo professor de História fez antes de elaborar um programa ou uma aula o que selecionar e quais conceitos enfatizar A reflexão do texto indica a ênfase no tempo no próprio conceito de História e na historicidade dos indivíduos que fizeram parte do pro cesso histórico O terceiro texto de Janice Theodoro aponta para o caminho que as avaliações em História têm seguido cada vez mais o ensino por conceitos Assim tratase de texto fundamental para todos os que questionam o uso exclusivo da memória no ensino de História O quarto texto de José Alves de Freitas Neto mostra como po de ser útil e prática a diretriz do MEC sobre interdisciplinaridade con ceito tão tocado e tão pouco desenvolvido No final do texto com preendemos como deve ser rompido o anel de aço entre as zonas de conhecimento Em seqüência direta com os textos anteriores Rafael Ruiz dá inúmeros exemplos concretos de como uma área como Literatura po de enriquecer o ensino de História Não se trata de usar um livro co mo fonte para o pensamento histórico mas repensar a História tendo como base a tradição literária na qual ela nasceu 12 L e a n d r o K a r n a l A segunda parte Recortes atende à justa demanda por propostas reais que se estampa no rosto dos professores quando de uma semana de planejamento Partimos do pressuposto de que um número expressivo de historiadores estudou na graduação os recortes clássicos tradicionais Antiga América etc mas não conseguiu por pressão do número de aulas manterse no padrão de atualização desejável Especialistas de di versos recortes históricos deram sugestões bibliográficas de internet de filmes de atitudes e de projetos que podem surtir efeito na renovação da disciplina O professor Pedro Paulo Funari reconhecido especialista em História Antiga e Arqueologia inicia a segunda parte propondo ques tões muito importantes para pensar um dos pontos que mais necessita de renovação em sala de aula O caminho prossegue com o medievalista José Rivair Macedo que em texto agradável e consciente das dificul dades do professor faz indicações fundam entais para estudar os tempos medievais Na História Moderna de minha autoria fiz propostas bibliográ ficas e sugestões de atividades para os temas clássicos como o início dos tempos modernos ou a Reforma O livro didático de História foi muito bem trabalhado no tema América pelos autores Luiz Estevam Fernandes e Marcus Vinícius de Morais Os leitores atentos notarão que houve um esforço de de strinçam ento da concepção de H istória que se traduz nos nossos manuais especialmente nos textos sobre a América A História Contemporânea normalmente a mais sacrificada pelo programa encontrou em Marcos Napolitano um arguto pensador para a história sem fim No texto o professor fará uma bela reflexão sobre como proceder a partir do ambíguo conceito contemporâneo A história da História do Brasil ficou a cargo da conhecida auto ra Circe Bittencourt No texto a professora lança um verdadeiro olhar histórico sobre o que foi e como tem sido ensinar a História do país nas salas de aula Por fim valorizando recortes novos a professora Eliane Moura da Silva faz uma bela reflexão sobre o conceito de Religião em sala de aula Tema polêmico que retorna aos currículos em vários estados em 13 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a função das Constituições Estaduais aprovarem ensino religioso no en sino mais do que nunca urge refletir sobre o assunto e sua importân cia como legado histórico Assim meu colega professor ao final da leitura atenta todos se remos convidados a colocar em análise aqueles esquemas aos quais es tamos acostumados a lançar no quadro a cada novo item Possivelmen te se você dá aula há algum tempo como eu já terá esquematizado na cabeça o que deve ser tratado em feudalismo ou em Estado Novo Por um lado essa esquematização é boa por dar segurança ao profes sor Por outro ela congela o que nunca pode ser congelado o caráter vibrante e variável do saber humano Aos que nunca deram aula o li vro murmura quais os caminhos possíveis para eu constituir uma boa aula Aos que dão aula há mais tempo o livro questiona e pede será possível mudar com efeito aquilo que eu venho fazendo Por fim a to dos nós ele sugere o impacto emocionante de toda boa leitura deci frame e eu te transformo Agradecimento Todo agradecimento comete a injustiça de omitir nomes Qual quer obra é fruto do esforço de muitas pessoas Para agradecer a todas eu gostaria de destacar um nome em particular Carla B Pinsky Des de o início ela trabalhou mais do que o simples tecer editorial já bas tante complexo e tornouse uma verdadeira coautora da obra Mui tas pessoas se esforçaram mas sem a Carla este texto não existiria Muito obrigado Nota 1 Folha de São Paulo São Paulo 14072002 Caderno Cotidiano p 10 PARTE I ABORDAGENS P o r u m a H i s t ó r i a P R A Z E R O S A E C O N S E Q Ü E N T E Jaime Pinsky e Carla Bassanezi Pinsky 0 PROBLEMA As grandes mudanças políticas e econômicas ocorridas no final cio século XX causaram muita perplexidade entre professores e estudan tes de História em geral criando em certos círculos atitudes de ceti cismo com relação ao próprio conhecimento histórico o valor do en sino de História nas escolas e seu potencial transformador Por outro lado diante da difusão das novas tecnologias globais uestionase e até duvidase da eficácia educacional dos livros consi derados com freqüência um meio de comunicação desinteressante e obsoleto 1 da utilidade dos professores como agentes de ensino tidos mino comunicadores inábeis e incompetentes e das propostas curri ulares ligadas às realidades nacional e local vistas como inadequadas ultrapassadas Procurando acompanhar as mudanças os novos tempos muitos 1 i i ilrssores acabam comprando a idéia de que tudo que não é muito veloz i i liato Na sala de aula o pensamento analítico é substituído por achis m i o s alunos trocam a investigação bibliográfica por informações super Ii tais tios sites de pesquisa pasteurizados vídeos são usados para subs 11111 i i e não complementar livros E o passado visto como algo passado Miiimto superado tem tanto interesse quanto o jornal do dia anterior 7 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a Em resposta às decepções com o socialismo seja o real seja o idealizado e ao avanço sem grandes obstáculos da ideologia neoliberal o desencanto com qualquer projeto ideológico que contemple um com prometimento com a diminuição das desigualdades sociais e os valores humanistas parece tomar conta de grande parte dos profissionais ocupa dos com o ensinoaprendizagem particularmente na área de História Nos meios mais inquietos dos anos 60 e 70 acreditavase que convicções políticas bastavam para fornecer todas as respostas e nortear as práticas de ensino Não havia por que perder tempo com investiga ções cansativas e análise de situações concretas pois em qualquer pe ríodo da História em qualquer latitude do planeta era possível iden tificar os bons e os maus quem era nosso e quem era deles Crítica e política stricto sensu valiam mais que o estudo Hoje tais posturas es tão superadas e temos consciência de que pagamos todos muito caro pela nossa leviandade o conteúdo da disciplina foi deixado de lado a erudição foi considerada coisa de esnobes e a leitura da História foi du ramente prejudicada por tal simplismo Hoje se sabe que estudar His tória interpretála ensinála não é tão fácil como parecia um mero instrumento de propaganda ideológica ou revolução Porém no lugar da utopia abandonada parece ter ficado um vazio Tudo bem acusamos a pancada que recebemos com o fim de cer tas utopias e a aparente vitória de um modelo de mundo voltado para o consumismo desenfreado a existência de uma única potência hegemô nica o comprometimento de modelos teóricos tidos como catecismo pa ra muitos Mas após o atordoamento inicial não podemos correr o pe rigo de junto com a água do banho jogar fora também o bebê abandonando juntamente com as utopias ultrapassadas o idealismo de educador e a utopia da mudança descartando toda leitura junto com os materiais didáticos ine ficazes e apostando todas as fichas na redenção dos computadores e audiovisuais de qualidade discutível atirando na mesma lata de lixo do conteúdo ensinado o dog matismo simplista do marxismo ortodoxo e a noção de processo histó rico ou a concepção de seres humanos como sujeitos da História 18 3a i m e P i n s k y e C a r l a B a s s a n e z i P i n s k y O grande desafio que se apresenta neste novo milênio é ade quar nosso olhar às exigências do mundo real sem sermos sugados pela onda neoliberal que parece estar empolgando corações e m en tes E preciso nesse momento mostrar que é possível desenvolver uma prática de ensino de História adequada aos novos tempos e alunos rica de conteúdo socialmente responsável e sem ingenuida de ou nostalgia Historiadorprofessor sem utopia é cronista e sem conteúdo nem cronista pode ser A PROPOSTA A favor do conhecimento humanista Ao mesmo tempo em que condenam no discurso o pragmatis mo e o materialismo dos novos tempos as escolas parecem ter esque cido sua parcela de responsabilidade na formação hum anista dos alu nos Como estabelecer contrapesos ao materialismo irresponsável da sociedade tendo como m eta apenas a preparação de máquinas de res ponder perguntas no vestibular Ao substituir aulas de História dras ticamente reduzidas em muitas escolas por disciplinas mais práticas e mais úteis como com putação ou gram ática norm ativa por exem plo abrese mão de um instrumento precioso para a formação inte gral do aluno Queiram ou não é impossível negar a importância sempre atual do ensino de História Nas palavras do historiador Eric Hobs bawm Ser membro da comunidade humana é situarse com relação a seu passado passado este que é uma dimensão permanente da consciência hum ana um componente inevitável das instituições valores e padrões da sociedade1 A História é referência E preciso portanto que seja bem ensinada Num momento em que relevantes mudanças vêm ocorrendo na área de História o historiador está sendo cada vez mais valorizado 19 I l r l Ò H I A N A S A L A D E A U L A as pesquisas dão conta de objetos cada vez mais amplos a informática e a internet facilitam imensamente a parte mecânica do trabalho de in vestigação profissionais são chamados para explicar o mundo na mí dia historiadores são convidados a trabalhar com planejamento urba no com projetos turísticos como consultores editoriais e empresariais certos livros de História tornamse bestsellers e novelas e filmes de época alcançam grande sucesso de público muitas escolas parecem caminhar na contramão da História em todos os sentidos A contramão é perceptível principalmente no ensino médio de certas escolas nas quais se percebe um perigoso movimento que no li mite tende a substituir o ensino de História por uma outra disciplina algo que com boa vontade poderíamos chamar de realidade mundial muitos professores abandonam tudo o que aconteceu antes do século XIX alegando não ser possível dar tudo daí terem que se concentrar no passado mais próximo em detrimento do remoto Claro que uma parte da responsabilidade disso cabe aos diretores aos pais e à sociedade de consumo que exercem pressões sobre o que deve ser dado ou não em sala de aula Não pouparíamos contudo muitos colegas que equi vocadamente em nome de um ensino crítico acabam alienando seus próprios alunos ao não lhes dar oportunidade de adquirir uma visão mais abrangente de História Assim nada de processo civilizatório na da de monoteísmo ético dos hebreus base do cristianismo nada de fi lósofos gregos base do pensamento ocidental nada de direito roma no base do nosso nada de Europa Medieval de Renascimento de Mercantilismo e descobrimentos nada de Bach e Mozart de Dante e Camões Parece que nos conformamos mesmo em abrir mão do co nhecimento e da formação em troca de míseras informações E mais grave desistimos de ao menos nos aproximar do pa trimônio cultural da humanidade E qual é o papel do professor senão estabelecer uma articulação entre o patrimônio cultural da humanida de e o universo cultural do aluno Ora a presença do homem civilizado neste planeta tem poucos milhares de anos e tem causado terríveis males destruímos sem dó a natureza submetemos os mais fracos matamos por atacado e a varejo deixamos um terço da população mundial com fome queimamos ín 20 3a i m e P i n s k y e C a r l a B a s s a n e z i P i n s k y dios e por aí afora Mas nossa presença não foi escrita apenas com san gue Escrevemos poesia sublime teatro envolvente e romances maravi lhosos Criamos deuses e categorias de pensamento complexos para compreender o que nos cerca O professor de História não pode ficar preso apenas a modos de produção e de opressão embora isso seja fun damental mas pode e deve mostrar que graças à cultura que nós membros da espécie humana produzimos temos tido talento para nos vestir mais adequadamente que os ursos construir casas melhores que o joãodebarro combater com mais eficiência que o tigre embora ca da um de nós seres humanos tenha vindo ao mundo desprovido de pêlos espessos bicos diligentes ou garras poderosas Cada estudante precisa se perceber de fato como sujeito histórico e isso só se conse gue quando ele se dá conta dos esforços que nossos antepassados fize ram para chegarmos ao estágio civilizatório no qual nos encontramos Para o mal mas também para o bem afinal de contas Humanizar o homem é percebêlo em sua organização social de produção mas tam bém no conteúdo específico dessa produção E para o momento espe cífico em que vivemos no começo do século XXI isso é particularmen te importante Para entender ainda melhor a importância das humanidades nos dias de hoje é preciso ter bem claro que devemos estar preparados para ocupar um espaço na sociedade globalizada sob o risco de sermos sufocados por ela A percepção do conjunto de movimentos que estão sendo executados no mundo exige por parte dos nossos jovens uma cultura que vá alem da técnica Portanto História neles No Brasil diante do panorama atual só uma educação de qua lidade que tenha o ser humano e suas realizações como eixo central pode nos fazer como nação dar o salto qualitativo a que tanto aspira mos por meio da qualificação de nossos jovens Um país cuja popula ção não sabe ler que quando sabe lê pouco e quando finalmente lê pouco entende segundo a constatação insuspeita de um órgão da pró pria ONU não tem muitas chances num mundo competitivo e exigen te de qualificação de sua força de trabalho Há mais a era de comuni cação e serviços cm que estamos prestes a viver tende a substituir a 21 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a força física pela sutileza e pela educação formal Os países que não agirem a favor da História ficarão fadados a distanciar cada vez mais daqueles outros ricos ou não que colocam a educação e a cultura incluindo a histórica como prioridade real O papel do professor de História E necessário portanto que o ensino de História seja revaloriza do e que os professores dessa disciplina conscientizemse de sua res ponsabilidade social perante os alunos preocupandose em ajudálos a compreender e esperamos a melhorar o mundo em que vivem Para isso é bom não confundir informação com educação Pa ra informar aí estão bem à mão jornais e revistas a televisão o cine ma e a internet Sem dúvida que a informação chega pela mídia mas só se transforma em conhecimento quando devidamente organizada E confundir informação com conhecimento tem sido um dos grandes problemas de nossa educação Exatamente porque a informação che ga aos borbotões por todos os sentidos é que se torna mais importan te o papel do bom professor Um professor mal preparado e desmotivado não consegue dar boas aulas nem com o melhor dos livros ao passo que um bom profes sor pode ate aproveitarse de um livro com falhas para corrigilas e de senvolver o velho e bom espírito crítico entre os seus alunos Mais do que o livro o professor precisa ter conteúdo Cultura Até um pouco de erudição não faz mal algum Sem estudar e saber a matéria não pode haver ensino É inadmissível um professor que qua se não lê Se o tempo é curto se as condições de trabalho são precárias se o salário é baixo se o Estado não cumpre a sua parte discutase tu do isso nas esferas competentes e lutese para melhorar a situação dos docentes em vez de usar isso tudo como desculpa para a falta de em penho pessoal em adquirir conhecimento entrar em contato com uma bibliografia atualizada conhecer novas linhas de pensamento e discu tir com os colegas estratégias para melhor operacionalizar nas salas de aula o patrimônio cultural e histórico 22 í a i m e P i n s k y e C a r l a B a s s a n e z i P i n s k y Afinal se o professor é o elemento que estabelece a intermedia ção entre o patrimônio cultural da humanidade e a cultura do educan do é necessário que ele conheça da melhor forma possível tanto um quanto outro O professor precisa conhecer as bases de nossa cultura as formas de organização das sociedades humanas a evolução das civi lizações as cidadesestado da Antigüidade a Revolução Francesa a es cravidão no Brasil o desenvolvimento do capitalismo os movimentos sociais as condições de vida das populações no passado sua cultura material e suas idéias a música de Beethoven o cinema de Charlie Chaplin a literatura de Machado de Assis e por aí afora Noutras pa lavras cada professor precisa necessariamente ter um conhecimento sólido do patrimônio cultural da humanidade Por outro lado isso não terá nenhum valor operacional se ele não conhecer o universo socio cultural específico do seu educando sua maneira de falar seus valores suas aspirações A partir desses dois universos culturais é que o profes sor realiza o seu trabalho em linguagem acessível aos alunos Digase de passagem que linguagem acessível não é sinônimo de banalização Valendose dessas considerações é preciso que o professor tenha claro o quê e como ensinar Pela volta do conteúdo nas aulas de História Opassado deve ser interrogado a partir de questões que nos in quietam no presente caso contrário estudálo fica sem sentido Por tanto as aulas de História serão muito melhores se conseguirem esta belecer um duplo compromisso com o passado e o presente Compromisso com o presente não significa contudo presentis mo vulgar ou seja tentar encontrar no passado justificativas para ati tudes valores e ideologias praticados no presente Hitler queria provar pelo passado a existência de uma pretensa raça ariana superior às de mais Significa tomar como referência questões sociais e culturais as sim como problemáticas humanas que fazem parte de nossa vida te mas como desigualdades sociais raciais sexuais diferenças culturais 23 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a problemas materiais e inquietações relacionadas a como interpretar o mundo lidar com a morte organizar a sociedade estabelecer limites sociais mudar esses limites contestar a ordem consolidar instituições preservar tradições realizar rupturas Compromisso com o passado não significa estudar o passado pelo passado apaixonarse pelo objeto de pesquisa por ser a nossa pes quisa sem pensar no que a humanidade pode ser beneficiada com is so Compromisso com o passado é pesquisar com seriedade basearse nos fatos históricos não distorcer o acontecido como se esse fosse uma massa amorfa à disposição da fantasia de seu manipulador Sem o res peito ao acontecido a História vira ficção Interpretar não pode ser con fundido com inventar E isso vale tanto para fatos como para processos Aqui mesmo no Brasil não inventaram um anacrônico modo de produção feudal pois segundo o modelo deveria haver algo entre o escravismo e o capitalismo Afirmações baseadas apenas em filiações ideológicas são no mí nimo desprezíveis podendo tornarse perigosas quando além de não verdadeiras acabam se tornando veículos do preconceito e da segrega ção É o caso de por exemplo verdades como os índios não são bons trabalhadores as mulheres são inferiores os jovens são sem pre revolucionários o Holocausto não ocorreu ou o Brasil é um país pacífico e assim por diante Além dessas questões estruturais há alguns vícios muito disse minados que contribuem para a queda da qualidade do ensino em ge ral mas que afetam de forma particular as aulas de História Um deles é o hábito freqüente em nossas universidades mas já popular em muitas escolas de ensino médio da crítica sem base Antes de entender um texto uma questão uma conjuntura profes sores e alunos já lançam a crítica Ela já está na ponta da língua ou seja precede a compreensão da complexidade do fenômeno históri co Tal autor Está superado dizem alunos e professores que nun ca se deram ao luxo de lêlos mas se permitem julgamentos definiti vos com base em algo ouvido em um corredor ou lido às pressas em 24 J a i m e P i n s k y e C a r l a B a s s a n e z i P i n s k y uma página de uma revista semanal de informações Defendemos pois a volta do conteúdo às salas de aula da seriedade E do ób vio a tentativa de interpretação deve necessariamente ser precedida pelo entendimento do texto Outra tendência é a supervalorização do desconstrutivismo Não que a desconstrução não tenha sido um avanço importante O en tendimento das motivações dos discursos e de seu papel instaurador a compreensão dos jogos de poder envolvidos na elaboração das versões em torno dos fatos históricos a análise dos discursos o desmonte dos argumentos podem ser perfeitamente utilizados como instrumento de análise histórica e ocupam hoje boa parte das pesquisas acadêmicas Porém como proposta de ensino o desconstrutivismo deve ser utiliza do com cautela mesmo que o professor tenha um grande domínio das versões e dos discursos em jogo e esteja familiarizado com as operações desconstrutivistas Só a desconstrução não basta além do vazio provo cado deixa um gostinho de insatisfação e niilismo no ar no limite supervaloriza o relativismo e tira o poder de ação das mãos dos sujei tos históricos é preciso que os alunos tenham acesso a algum conteú do histórico e que entendam sua contextualização Além de tudo um aviso aos desconstrutivistas pelo amor ao novo essa história de relati vismo está ficando fora de moda Um modo mais construtivo sem trocadilhos seria adotar co mo postura de ensino que se quer crítico a estratégia de abordar a His t tória a partir de questões temas e conceitos Quais seriam as questões relevantes que podem ser feitas ao presente e por extensão ao passa do Qual a relevância dos recortes temáticos tradicionais e novos feitos pela historiografia Quais os conceitos importantes a serem discutidos com os alunos Tendo respostas mais ou menos claras sobre esses as suntos o professor poderá despertar o interesse dos alunos demonstrando a atualidade de coisas tão cronologicamente remotas quanto a situação das mulheres na Idade M édia a insatisfação dos plebeus na Rom a Antiga ou as is pirações ambíguas dos burgueses no século XVIII capacitar os estudantes no sentido de perceberem a liisioiii 1 dade de conceitos como democracia cidadania beleza como jmii 25 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a que mudaram muito ao longo do tempo práticas como a manifesta ção de religiosidade afetividade e sexualidade idéias como a inferiori dade racial cultural e moral fazer com que os alunos não só reconheçam preconceitos mas compreendam seu desenvolvimento e mecanismos de atuação para poder criticálos com bases e argumentos mais sólidos2 demonstrar com clareza certos usos e abusos da História per petrados por grupos políticos nações e facções adversários de um es tado nacional são freqüentemente apresentados nos manuais escolares como inimigos da pátria revolucionários como traidores minorias co mo gente não patriota e assim por diante possibilitar a crítica a dogmatismos e verdades absolutas com base no reconhecimento da historicidade de situações e formas de pensamento talvez não seja o caso de entender as razões dos leões que devoravam cristãos nas arenas romanas mas pelo menos dos here ges que foram massacrados impiedosamente pela Igreja Católica E quais seriam as abordagens mais adequadas à prática de ensi no de História em sala de aula Uma questão de abordagem Tendo como paradigma o ensino de História simplificador e esquemático de algumas décadas atrás criouse um certo malestar com relação à História Social apoiada na concepção materialista da História Colocase no mesmo saco os vulgarizadores que buscavam o econômico em tudo e os historiadores do porte de um Eric Hobs bawm Ora é muito difícil fazer boa História sem ter noção de pro cesso a idéia do devir histórico a percepção dos modos de vida e da cultura material o conhecimento das relações sociais e a apreensão da complexa e imbricada dialética que se estabelece entre determinações históricas e ação humana Por outro lado não há porque não dar con ta dos novos objetos e abordagens que o método histórico incorporou nos últimos anos em que tendo como destaque o quadro cultural es 26 3a i m e P i n s k y e C a r l a B a s s a n e z i P i n s k y tudamse aspectos mais íntimos como a vida privada e as dimensões da experiência hum ana ligadas à sexualidade aos costumes aos afetos e às crenças Assim não vemos uma incompatibilidade entre a História So cial e a História das Mentalidades e do Cotidiano Na verdade as duas abordagens não apenas não se opõem necessariamente como se complementam A abordagem da corrente da História Social busca a percepção das relações sociais do papel histórico dos indivíduos e dos limites e possibilidades de cada contexto e processo histórico A das M entalidades privilegia cortes temáticos Freqüentemente a primeira busca a floresta a segunda a árvore uma o telescópio outra o microscópio Bem utilizados ambos os procedimentos são recomendáveis Se trabalhados de forma integrada chegase ao melhor dos mundos olhase a partir de diferentes pontos de vista Além disso por meio desses olhares poderá o professor reaproximar o aluno do estudo da História E quem sabe explorar muitas das possibilidades que o contato com nossa disciplina permite inclusive a de nos percebermos de fato como sujeitos da História por mais batida que a fórmula se apresente O potencial transformador do ensino de História Este é um assunto que provoca protestos indignados ou aplau sos emocionais mas quase sempre uma enorme dificuldade para o pro fessor situarse racionalmente Para uns a frase de Marx anunciando que não era mais hora de apenas entender o mundo mas de mudálo tem justificado arroubos de magógicos em sala de aula discursos políticos permeados de declarações devoto e até propaganda explícita para um ou outro candidato em perío dos préeleitorais Sob o pretexto de saber qual a mudança que o mundo deve merecer e fingindo acreditar que o potencial transformador do ensi no de História consiste em colocar no governo representantes dos parti dos que o mestre acredita que possam promover a transformação social tão sonhada o professor perde sua dignidade ao apresentarse como umi 27 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a espécie de cabo eleitoral privilegiado Privilegiado sim pois se aproveita da ascendência que tem sobre a turma de alunos e em vez de lhes dar ins trumentos para decidir sozinhos os pressiona para que aceitem sua ver dade constrangendo por outro lado aqueles que por uma razão ou ou tra não se curvam aos seus argumentos Não se trata de se despolitizar o discurso do professor uma vez que não há discurso apolítico mas de do tálo de equilíbrio e ponderação O conhecimento histórico por si pró prio carrega profundo potencial transformador dispensando interpreta ções apressadas feitas sob o impacto de circunstâncias acaloradas Nosso aluno cada aluno tem de se perceber como um ser social alguém que vive numa determinada época num determinado país ou re gião oriundo de determinada classe social contemporâneo de determina dos acontecimentos Ele precisa saber que não poderá nunca se tornar um guerreiro medieval ou um faraó egípcio Ele é um homem de seu tempo e isso é uma determinação histórica Porém dentro do seu tempo dentro das limitações que lhe são determinadas ele possui a liberdade de optar Sua vida é feita de escolhas que ele com grau maior ou menor de liberda de pode fazer como sujeito de sua própria história e por conseguinte da História Social do seu tempo Cabe ao professor utilizandose dos méto dos históricos descritos acima aproximar o aluno dos personagens concre tos da História sem idealização mostrando que gente como a gente vem fazendo História Quanto mais o aluno sentir a História como algo próxi mo dclc mais terá vontade de interagir com ela não como uma coisa ex terna distante mas como uma prática que ele se sentirá qualificado e in clinado a exercer O verdadeiro potencial transformador da História é a oportunidade que ela oferece de praticar a inclusão histórica O que ensinar do abstrato para exemplos concretos Vemos com freqüência professores preocupados em dar toda a matéria e frustrados com o fracasso diante dessa tarefa impossível Há es tudantes que saem do ensino médio sem nunca ter estudado em História nada que ocorreu depois de 1945 Outros ficam frustrados porque nada 28 J a i m e P i n s k y e C a r l a B a s s a n e z i P i n s k y sabem sobre as antigas civilizações apesar de conhecerem de cor o nome dos donatários das capitanias hereditárias do Brasil Colônia Como ele mentos complicadores temos os exames vestibulares ao final do ensino médio e exames nacionais ou estaduais a cada final de ano Professores que adotam livros didáticos sentemse obrigados a seguir de cabo a rabo seu conteúdo pressionados por diretores coordenadores e pais Com o número baixo de aulas de História oferecidas quaisquer assuntos e dis cussões que embora importantes atrasariam a matéria são deixados de lado O resultado de tudo isso é a transformação do conhecimento histó rico numa maçaroca de informações desconectadas ou articuladas à for ça mas sempre desinteressantes e freqüentemente inúteis A medida dis so é dada pela dificuldade que muitos professores têm em responder à mais banal e óbvia pergunta dos alunos Professor para que serve isso Como ninguém é uma enciclopédia a primeira coisa a fazer ao montarmos um curso é selecionar conteúdos O professor não deve ter dó de abandonar assuntos quando não conseguir uma resposta satisfatória à questão do porquê às vezes mos trase muito mais interessante pular algumas páginas do livro didáti co ou da História seja lá o que isso quer dizer e dedicar o tempo infelizmente cada vez mais curto das aulas a temas como a situação do índio no Brasil colonial ao invés de capitanias hereditárias e go vernadores gerais os movimentos sociais que ajudaram a derrubar a ditadura militar no Brasil ao invés de lista de presidentes da Repúbli ca e suas realizações os efeitos deletérios do nazismo ao invés de um histórico detalhado das batalhas da Segunda Guerra Mundial Outras vezes vale a pena dedicar um tempo maior à leitura cui dadosa de um determinado documento histórico tanto pelo seu signi ficado intrínseco como pela validade do próprio exercício de ler uma fonte primária o traquejo adquirido com tal exercício pode ser aplica do pelo aluno na leitura de vários outros textos e documentos que che carem às suas mãos E o que é válido A matéria escolar pode estar relacionada a vários recortes da I listória Entre outros citamos 29 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a 1 um acontecimento ou evento histórico a Revolução Fran cesa a Segunda Guerra Mundial a Proclamação da República 2 uma instituição social a escravidão no Brasil o imperialis mo o mundo globalizado 3 um processo de longa duração o desenvolvimento das pri meiras civilizações 4 uma interação de culturas o encontro entre europeus e in dígenas no tempo do descobrimento da América 5 um tema monográfico a mulher na Idade Média Todos esses recortes são válidos desde que façam sentido no programa específico de cada escola Seria até aconselhável que diferen tes recortes fossem utilizados o que permitiria ao aluno afastarse da visão monocromática dos materiais didáticos e incolor das pseudopes quisas eletrônicas Quanto aos assuntos é preciso que se encontre uma boa justificativa para incluílos no programa de curso Damos a seguir alguns exemplos e sugestões bem variados e potencialmente úteis além de muito atraentes 1 Revolução Russa Revolução Chinesa e Revolução Cubana As três revoluções são movimentos ocorridos no século XX com al gumas características comuns mudança de estrutura econômica e política em ritmo acelerado filiação marxistaleninista eliminação da propriedade particular de bens de produção etc apesar de suas particularidades e po dem ser estudadas juntas sob o título Revoluções do século XX Por que é um conteúdo importante a ser tratado em sala de au la Porque diz respeito a acontecimentos que marcaram o século XX com conseqüências e desdobramentos até os dias de hoje Também porque é um bom gancho para se apresentar e discutir a idéia da continuidade e da ruptura histórica a História é um processo mas que sofre rupturas Há fatos históricos que mudaram a ordem mundial os desenvolvimentos políticos sociais e culturais de países in 30 J a i m e P i n s k y e C a r l a B a s s a n e z i P i n s k y seridos no contexto mundial sem deixar de lado a discussão sempre relevante sobre o lugar dos sonhos de igualdade e justiça social nos co rações e mentes do tempo presente exemplos de revolta contra a ordem estabelecida e de tentati va de reconstrução social assim como dos problemas que impediram que os objetivos fossem alcançados 2 Escravidão no Brasil Esse assunto se justifica no currículo dos alunos ao contribuir para a compreensão das bases da sociedade brasileira a situação dos ne gros a origem de preconceitos raciais contra o trabalho braçal etc as relações sociais com base no entendimento de um fenômeno que marcou a sociedade brasileira com conseqüências até hoje Questões a serem tratadas o sistema escravista no contexto do capitalismo mercantil o tráfico negreiro a escravidão em terras brasileiras vida de escravo o cotidiano dos escravos no trabalho e na sen zala a sexualidade as revoltas e a resistência contra a escravidão exem plos de formas concretas de submissão e resistência O tema deve ser abordado de forma a aguçar o espírito crítico dos estudantes levandoos no final a entender e combater preconceitos dentro e fora da sala de aula O professor pode completar o trabalho de leitura sugerindo pesquisas atuais sobre o preconceito racial ou a si tuação dos negros no Brasil por exemplo 3 Primeiras civilizações homens préhistóricos mesopotâmicos egípcios e hebreus É muito importante estudar o assunto de forma a procurar compreender como se começou a construir o patrimônio cultural da humanidade do qual somos todos herdeiros permitindo que os alunos se percebam como seres históricos para cuja formação valores como monoteísmo ético dos hebreus organização das cidades mesopotâ inicas e relação entre religião e estado egípcios estão presentes Esse recorte da História permite também que se estude em sala de aula a diferença entre História Natural e História Social o animal 31 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a homem em sua relação com a natureza dos primitivos homo sapiens aos mesopotâmicos egípcios e hebreus Além disso partindo da Pré História focaliza o momento em que o homem em sua estreita re lação com a natureza se humaniza realiza importantes conquistas materiais passa a criar cultura e tornase civilizado O próprio estu do dos pitecantropídeos e homo sapiens das sociedades tribais aos po vos egípcios mesopotâmicos e hebreus pode ser uma forma de ques tionar os termos humano e civilizado Tendo em mente a necessidade de levar os alunos a compreender a questão da relação do homem com o meio ambiente e suas condições materiais de existência o professor pode abordar o tema das primeiras ci vilizações de modo a mostrar as diferentes maneiras em lidar com tais condições dos povos caçadores e coletores aos grandes construtores de diques e dominadores da força das águas como os mesopotâmicos Além disso pode ampliar o tema demonstrando os efeitos de condicionamen tos naturais em estruturas sociais modos de vida e organizações religiosas e políticas De maneira instigante é possível discutir os presentes da na tureza e as formas de sua apropriação pelo homem ao longo de sua aven tura na terra em milhares de anos desde sua constituição como tal Ensinar sobre as primeiras civilizações de maneira prazerosa e conseqüente também consiste em procurar abordar as transformações na qualidade de vida dos seres humanos ao longo do processo civiliza tório que conduziu nossos ancestrais à conquista da fala dos territó rios do fogo da agricultura da escrita ao controle e aproveitamento dós recursos naturais à criação das cidades e dos impérios ao desen volvimento de civilizações Por meio desse estudo os alunos poderão encontrar respostas a algumas das perplexidades que têm diante de si mesmos da História e da humanidade e adotar posturas mais colaborativas no processo de ensinoaprendizagem em seu conjunto 4 O Brasil nos primeiros tempos da colonização séculos XVI e XVII Uma das formas mais interessantes de abordar o tema é tomar por base a problemática da pluralidade cultural e do encontro de cul turas Assim é preciso destacar o patrimônio cultural dos primeiros 32 J a i m e P i n s k y e C a r l a B a s s a n e z i P i n s k y habitantes do Brasil que depois foi transformado nos primeiros tem pos da colonização portuguesa na América É importante também res saltar os usos e abusos do patrimônio natural e humano do Brasil na época colonial Assuntos interessantes relacionados o estilo de vida dos europeus e suas esperanças com relação ao Novo Mundo as compatibilidades e contradições entre interesses e visões de mundo de colonos mercadores e jesuítas a mentalidade dos portugueses jesuítas e colonos e sua rela ção com o meio ambiente as riquezas e os habitantes da América in cluindo os europeus que foram seduzidos pela qualidade da vida sel vagem dos índios e abandonaram antigos costumes as condições e a qualidade de vida dos índios vida material e pensamento Semelhanças e diferenças culturais entre povos indíge nas Suas relações com os bens materiais a propriedade privada e o tra balho Costumes incluindo banhos e festas Família sexualidade mulher criança Organização social fé leis e autoridade O papel das guerras nas sociedades indígenas armas táticas canibalismo o choque de culturas Transformações na qualidade de vida dos índios no encontro com colonos e jesuítas aprendizados cateque se resistência exploração sexual escravidão Práticas e costumes ree laborados no Novo Mundo Porser um tema com vasta documentação primária editada e pu blicada no Brasil pode ser também um ponto de partida para apresentar aos estudantes questões básicas relacionadas ao tratamento das fontes de pesquisa histórica ensinandoos na prática a fazer crítica de documentos e análise de discurso por exemplo cartas jesuíticas ou documentos deixa dos por viajantes e cronistas podem ser analisados em sala de aula levan dose em conta a posição social os interesses e as visões de mundo fa lalmente enviesadas e por vezes preconceituosas de seus autores Esse também é um tema que permite dar à questão do meio mibiente o destaque que merece Basta adotar uma postura diferen da de abordagens tradicionais que tratam dos primeiros tempos da conquista e colonização portuguesa como se a natureza fosse algo Ü F R R JB ib lio teca C e n jra í 33 RG 9 p X o W m AC i j f t Ê L H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a inexistente ou secundária É possível dedicar o tempo de algumas aulas às condições naturais às diferentes formas de europeus e ín dios conceberem e lidarem com o meio ambiente às dificuldades e às possibilidades oferecidas pelas riquezas naturais clima terra flo ra e fauna na época do descobrimento às opções de cada povo e ao encontro de culturas observações sobre heranças de antigos hábitos indígenas e europeus no trato com o meio ambiente que nos afe tam até hoje 5 Mulheres no Brasil colonial Um estudo monográfico das mulheres no Brasil colonial abor da a qualidade de vida de tais mulheres praticamente em toda sua ex tensão abrangendo manifestações femininas relativas à religiosidade maternidade sexualidade luta pela sobrevivência solidariedade saúde e trabalho Abrange grupos sociais distintos mas com várias experiên cias em comum como índias escravas pobres bruxas prostitutas religiosas senhoras brancas jovens e velhas apresentando aos estu dantes um quadro rico variado e complexo da condição feminina nos tempos coloniais abrindolhes também possibilidades para novas ma neiras de olhar a vida e a história das mulheres em geral O estudo do tema Mulheres no Brasil colonial ao tratar das vivências de nossas antepassadas de diferentes grupos sociais e trajetó rias seu cotidiano e as representações que delas se fizeram também é um exemplo de recorte monográfico interessante para a compreensão de aspectos importantes da disciplina histórica A estratégia consiste em caminhar do micro para o macro Ou seja a partir de um tema es pecífico como esse adotando é claro uma linguagem compatível com o nível dos estudantes o professor em sala de aula pode introduzir seus alunos na discussão de questões mais amplas pensadas pelos his toriadores tais como o imaginário social as representações as mentalidades moldan do atitudes e comportamentos e sendo por sua vez moldados por eles as diferenças socialmente construídas entre sexos as interações entre as categorias de classe e gênero 34 J a i m e P i n s k y e C a r l a B a s s a n e z i P i n s k y CONCLUSÃO Como se vê diferentes recortes da História permitem que o aluno abra enormes horizontes que podem acolher inicialmente sua curiosidade depois sua análise e finalmente sua identificação com essa gente como a gente que construiu o processo histórico do qual ele mesmo faz parte Acreditamos a tal ponto na capacidade de a História bem ensi nada desempenhar esse papel que questionamos certas facilitações que no limite levam à descontextualização dos acontecimentos como a tentativa de fazer uma História mal comparada ou de forçar uma transversalidade um pouco oblíqua A condição da mulher na Idade Média comparada com a das ocidentais ou das islâmicas dos dias de hoje perde o sentido se vista fora de seu tempo Da mesma forma identificar certos tipos de exploração de trabalho no capitalismo ao es cravismo qual O colonial O antigo O dos povos do deserto impe de que se tenha uma dimensão exata do caráter de cada tipo de relação de produção historicamente determinada O problema em termos do processo de ensinoaprendizagem é que o abandono da diacronia da idéia de processo pode transformar 0 conhecimento histórico numa sabedoria de almanaque mal digerida em que acontecimentos instituições e movimentos ocorrem do nada para o nada Será que é isso o que mais nos interessa com relação à dis ciplina História Misturar Galileu e Einstein ou Espártaco e Zumbi unidos por afgum tema transversal como se fossem contemporâ neos prontos a dialogar pode desistoricizar suas práticas e formas de pensamento se não estivermos muito atentos E finalmente mas não menos importante é preciso que se vol ic aos livros A moda atual de substituílos por pesquisas virtuais para lernálias tecnológicas e debates sem conteúdo está levando a um pro gressivo empobrecimento cultural de alunos e professores O pensamento crítico não se sustenta sem leitura vício silencioso lento e profundo Só depois de ter a mente e o espírito alimentados pela leitu 1 i c que ilustrações computadorizadas ou filmadas podem fazer algum ni ido Da mesma forma só se debatem idéias se antes as temos Do 35 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a contrario nossas classes se transformam em espaços de debates óbvios e inconseqüentes iguais àqueles de que a televisão está cheia Acreditar na História é apenas uma postura de fé Insuficiente portanto para um professor de quem se espera um envolvimento tal que o permita superar suas condições de trabalho eventualmente difí ceis assim como a desvalorização social de sua profissão Este artigo tem por objetivo abrir um debate franco e construtivo a fim de valori zar o ensino da História colaborar com o professor e propiciar ao alu no uma aprendizagem mais prazerosa e conseqüente Notas 1 Eric Hobsbawm O sentido do passado Sobre História São Paulo Cia das Letras 1998 2 Leia a respeito em Pinsky Jaime org 12 faces do preconceito São Paulo Contexto 1999 Sugestões de leitura para o trabalho em sala de aula D e l PRIORE Mary Mulheres no Brasil Colonial São Paulo Contexto 2000 D el P r io r e Mary org e PiNSKY Carla Bassanezi coord de texto História das mulheres no Brasil São Paulo Contexto 2002 Fa r ia Ricardo Moura As revoluções do século XX São Paulo Contexto 2002 F u n a r i Pedro Paulo e N o e l i Francisco Silva Préhistória no Brasil São Pau lo Contexto 2002 M e sg r a v is Laima e PlNSKY Carla Bassanezi O Brasil que os europeus encon traram 2a edição São Paulo Contexto 2002 PlNSKY Jaime Escravidão no Brasil São Paulo Contexto 2000 edição revista e atualizada As primeiras civilizações São Paulo Contexto 2001 nova edição PlNSKY Jaime org Ensino de História e criação do fato São Paulo Contexto 1986 36 E n s i n o d e H i s t ó r i a C O N T E Ú D O S E C O N C E I T O S B Á S I C O S H olien Gonçalves Bezerra A lei 939496 que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional em seu artigo 22 aponta o caminho a perseguir na educa ção básica desenvolver o educando assegurarlhe a formação co mum indispensável para o exercício da cidadania e fornecerlhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores Assim as dire trizes os princípios pedagógicos os valores a serem transmitidos as competências e capacidades visualizadas a seleção dos conteúdos das diversas áreas de conhecimento os conceitos fundamentais as estraté gias de trabalho e as propostas de intervenção do professor estão todas pautadas por esse princípio maior que vincula a educação à prática so cial do aluno ao mundo do trabalho à formação para a cidadania A tônica incide sobre o desenvolvimento da capacidade de aprender e de adquirir conhecimentos e habilidades e sobre a formação de valores Portanto os objetivos da escola básica segundo essa lei não se restrin gem à assimilação maior ou menor de conteúdos prefixados mas se comprometem a articular conhecimento competências e valores com a finalidade de capacitar os alunos a utilizaremse das informações pa ra a transformação de sua própria personalidade assim como para ituar de maneira efetiva na transformação da sociedade Tendo como referência essas observações mais gerais nos per guntamos como vincular a elas os conteúdos e os conceitos básicos pa 37 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a ra o ensino de História O que propor em nossa área para favorecer aprendizagens essenciais que auxiliem os alunos em sua formação de cidadãos autônomos críticos participativos que possam atuar na so ciedade com competência dignidade e responsabilidade SELEÇÃO E ORGANIZAÇÃO DOS CONTEÚDOS É dever da escola e direito dos alunos do ensino fundamental e médio oferecer e trabalhar os conjuntos de conhecimentos que foram socialmente elaborados e que os estudiosos consideram necessários pa ra o exercício da cidadania No entanto as dificuldades acentuamse quando se trata de explicitar o que está sendo entendido como neces sário como aquilo que é comum a todos os alunos brasileiros Já é con senso que a escola não tem por finalidade apenas transmitir conheci mentos Passa a ser consenso também entre os profissionais da História ainda que com menor intensidade que os conteúdos a serem trabalhados em qualquer dos níveis de ensinopesquisa básico médio superior pósgraduado não é todo o conhecimento socialmente acu mulado e criticamente transmitido a respeito da trajetória da humani dade Forçosamente devem ser feitas escolhas e seleções Por outro la do em vista da diversidade dos enfoques teóricometodológicos que foram sendo construídos especialmente nas últimas décadas não é possível pensar em uma metodologia única para a pesquisa e para a ex posição dos resultados nem mesmo para a prática pedagógica do ensi no de História Seleção de conteúdos A necessária seleção de conteúdos faz parte de um conjunto for mado pela preocupação com o saber escolar com as capacidades e com as habilidades e não pode ser trabalhada independentemente Os con teúdos curriculares não são fim em si mesmos como vem sendo cons tantemente lembrado mas meios básicos para constituir competên 38 H o l i e n G o n ç a l v e s B e z e r r a i ias cognitivas ou sociais priorizandoas sobre as informações Dire trizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio artigo quinto I São considerados meios para a aquisição de capacidades que auxiliem os alunos a produzir bens culturais sociais e econômicos e deles usufruir Nesse sentido os conteúdos ocupam papel central no processo de en sinoaprendizagem e sua seleção e escolha devem estar em consonân cia com as problemáticas sociais marcantes em cada momento históri co Além disso eles são concebidos não apenas como a organização dos fenômenos sociais historicamente situados na exposição de fatos e conceitos mas abrangem também os procedimentos os valores as normas e as atitudes Esse conjunto de especificidades explica a grande variedade de propostas curriculares desde as mais clássicas até as mais recentes ten tativas de inovações que despontam como promissoras possibilidades cie caminhar para melhorias cada vez mais substantivas Diversidade na apresentação dos conteúdos O exemplo clássico de organização dos conteúdos é o que se constituj a partir das temporalidades Preponderante ainda na maioria das escolas brasileiras o tempo considerado em sua dimensão crono lógica conjtinua sendo a medida utilizada para explicar a trajetória da Immanidade A periodização que se impôs desde o século XIX His lória Antiga Medieval Moderna e Contemporânea está presente cm grande parte dos livros didáticos retrocedese às origens estabele cendose trajetórias homogêneas do passado ao presente e a organiza çiío dos acontecimentos é feita com base na perspectiva da evolução O iue caracteriza a organização dos conteúdos nessa perspectiva é a li nearidade e a seqüencialidade Mais recentemente encontrase uma tentativa de superação da seqüencialidade e linearidade em obras que tomam como fio condutor da exposição a chamada História integrada cm que América e Brasil figuram juntamente com povos da PréHistó i ia assim como a presença da História da África 39 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a Há propostas diferenciadas em que os conteúdos são organiza dos tendo como referências temas selecionados ou eixos temáticos es perandose maior liberdade e criatividade dos professores A organiza ção dos conteúdos e sua seleção com base em uma concepção ampliada de currículo escolar foram assumidas de forma mais sistematizada e aprofundada nas propostas já amplamente conhecidas dos Parâme tros Curriculares Nacionais PCNs Notase ainda uma via intermediária mantémse a opção pela exposição cronológica dos eventos históricos consagrados pela historio grafia mas agora intercalada ou informada por exercícios e atividades chamadas estratégias por meio dos quais os alunos são levados a perce ber todos os meandros da construção do conhecimento histórico ins tados a envolverse nas problemáticas comuns ao presente e ao passado estudado e encorajados a assumir atitudes que levam ao posicionamen to como cidadãos Aproximamse assim as preocupações com a se qüencialidade dos conteúdos e as finalidades da educação na formação de indivíduos conscientes e críticos com autonomia intelectual Por fim a organização dos conteúdos em muitos casos é assu mida de forma responsável pelos professores tendo como referência suas experiências docentes ou as orientações dos órgãos responsáveis pelas políticas educacionais dos estados e dos municípios Cuidados especiais Seja qual for a proposta apresentada há cuidados especiais que merecem ser lembrados O primeiro se refere ao envolvimento do alu no com o objeto de estudo que está sendo trabalhado Na exposição factual e linear que supõe o aluno como receptáculo de ensinamentos além dos textos expositivos e detalhados estão presentes exercícios vol tados especificamente para o teste de compreensão e fixação de conteú dos A preocupação com o desenvolvimento de competências e habili dades não faz parte dos horizontes dessas propostas pedagógicas 40 H o l i e n G o n ç a l v e s B e z e r r a Já as propostas curriculares que concebem o currículo e a edu cação dentro dos padrões mais atualizados constroem a trama exposi i iva procurando envolver o aluno por meio da problematização dos te mas de sua abordagem da relação necessária com o mundo cultural tio aluno as atividades constituem o cerne do trabalho pedagógico apresentado pensado sempre do ponto de vista da construção de um conhecimento escolar significativo A preocupação não é com a quan i idade dos conteúdos a serem apresentados ou com as lacunas de con icúdo de História que ficariam por ser preenchidas de acordo com a lista de assuntos que tradicionalmente fazem parte dos conteúdos a se rem transmitidos pela escola O que está em evidência é o modo de tra balhar historicamente os temasassuntosobjetos em pauta CONCEITOS FUNDAMENTAIS PARA O liNSINO DE HISTÓRIA NA ESCOLARIDADE BÁSICA Alguns conceitos fazem parte do arcabouço que foi se consti mindo através dos tempos pela prática dos historiadores Construiu m uma lógica da História que pode ser concebida como um conjun to de procedimentos e conceitos em torno dos quais devem girar as IHcocupaçÕes dos historiadores Independentemente das mais variadas i oncepçÕes de mundo posicionamentos ideológicos ou proposições de nrdem metodológica não há como não trabalhar com esses conceitos ii pelo menos com uma parte importante deles As propostas pedagó lu as sejam elas quais forem têm um compromisso implícito com es is práticas historiográficas ao produzirem o conhecimento histórico si o lar com suas especificidades e particularidades O que diferencia as livtrsas concepções de História é a forma como esses conceitos e pro ilimentos são entendidos e trabalhados Importa tentar perceber quais são os conceitos que são impres iiulfveis para que os alunos saídos da escola básica tenham uma for iii ii10 histórica que os auxilie em sua vivência como cidadãos A títu I dc sugestão e como início de discussão propõese uma reflexão 4 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a sobre alguns conceitos considerados fundamentais e sobre os desdobra mentos contidos em sua abrangência História O objetivo primeiro do conhecimento histórico é a compreen são dos processos e dos sujeitos históricos o desvendamento das rela ções que se estabelecem entre os grupos humanos em diferentes tem pos e espaços Os historiadores estão atentos às diferentes e múltiplas possibilidades e alternativas apresentadas nas sociedades tanto nas de hoje quanto nas do passado que emergiram da ação consciente ou in consciente dos homens procuram apontar para os desdobramentos que se impuseram com o desenrolar das ações desses sujeitos A aprendizagem de metodologias apropriadas para a construção do conhecimento histórico seja no âmbito da pesquisa científica seja no do saber histórico escolar tornase um mecanismo essencial para que o aluno possa apropriarse de um olhar consciente para sua pró pria sociedade e para si mesmo Ciente de que o conhecimento é provi sório o aluno terá condições de exercitar nos procedimentos próprios da História problematização das questões propostas delimitação do objeto exame do estado da questão busca de informações levanta mento e tratamento adequado das fontes percepção dos sujeitos histó ricos envolvidos indivíduos grupos sociais estratégias de verificação e comprovação de hipóteses organização dos dados coletados refina mento dos conceitos historicidade proposta de explicação para os fe nômenos estudados elaboração da exposição redação de textos Dada a complexidade do objeto de conhecimento é imprescindível que seja incentivada a prática interdisciplinar Faz parte da construção do conhecimento histórico no âmbito dos procedimentos que lhe são próprios a ampliação do conceito de fontes históricas que podem ser trabalhadas pelos alunos documentos oficiais textos de época e atuais mapas ilustrações gravuras imagens 42 H o l i e n G o n ç a l v e s B e z e r r a de heróis de histórias em quadrinhos poemas letras de música litera mra manifestos relatos de viajantes panfletos caricaturas pinturas lotos rádio televisão etc O importante é que se alerte para a necessi dade de que as fontes recebam um tratamento adequado de acordo com sua natureza É preciso deixar claro porém que não é proposta do ensino bá sico a formação de pequenos historiadores O que importa é que a or ganização dos conteúdos e a articulação das estratégias para trabalhar com eles leve em conta esses procedimentos para a produção do conhe cimento histórico Com isso evitase passar para o educando a falsa sensação de que os conhecimentos históricos existem de forma acaba da e assim são transmitidos Processo histórico Para além da descrição factual e linear a História busca explicar iuito as uniformidades e as regularidades das formações sociais quan i as rupturas e diferenças que se constituem no embate das ações hu manas Na verdade o passado humano não é uma agregação de ações siparadas mas um conjunto de comportamentos intimamente interli gados que têm uma razão de ser ainda que na maioria das vezes im perceptível para nossos olhos O processo histórico constituise dessas pi ii icas ordenadas e estruturadas de maneiras racionais São os proble mas colocados constantemente na indeterminação do social que fazem que os homens se definam pelos caminhos possíveis e desenhem i is acontecimentos que passam a ser registrados Os registros ou as evi dencias da luta dos agentes históricos são o ponto de partida para en i udermos os processos históricos Devese ressaltar igualmente que o conceito de processo histó iii it supõe que sua enunciação resulta de uma construção cognitiva dos amliosos No entanto embora os processos não existiram exatamen ii i oino estão sendo descritos eles têm uma sedimentação na realidade 43 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a social Podese dizer que o status ontológico do passado garante a com preensibilidade do processo A dimensão de elaboração de construção cognitiva nos leva a entender a possibilidade das diversas interpreta ções do passado histórico dependentes de posicionamentos teóricos e metodológicos diferenciados Assim a História concebida como processo busca aprimorar o exercício da problemalizaçao da vida social como ponto dc partida pa ra a investigação produtiva e criativa buscando identificar as relações sociais de grupos locais regionais nacionais e de outros povos perce ber as diferenças e semelhanças os conflitoscontradições e as solida riedades igualdades e desigualdades existentes nas sociedades compa rar problemáticas atuais e de outros momentos posicionarse de forma crítica no seu presente e buscar as relações possíveis com o passado Nesse quadro conceituai de processo se dimensiona a com preensão do conceito de fato histórico de acontecimento que têm sua importância como ponto referencial das relações sociais no coti diano da História no entanto o sentido pleno dos acontecimentos em sua dimensão micro se resolve quando remetido aos processos que lhes emprestam as possibilidades explicativas Enfim o fato histórico toma sentido se considerado como constitutivo dos processos históri cos e nessa escala deve ser considerado Tempo temporalidades históricas A dimensão da temporalidade é considerada uma das catego rias centrais do conhecimento histórico Não se trata de insistir nas definições dos diversos significados de tempo mas de levar o aluno a perceber as diversas temporalidades no decorrer da História e ter cla ro sua importância nas formas de organização social e seus conflitos Sendo um produto cultural forjado pelas necessidades concretas das sociedades historicamente situadas o tempo representa um conjunto complexo de vivências humanas Daí a necessidade de relativizar as di 44 H o l i e n G o n ç a l v e s B e z e r r a ferentes concepções de tempo e as periodizações propostas de situar os acontecimentos históricos nos seus respectivos tempos O conceito de tempo supõe também que se estabeleçam relações entre continui dade e ruptura permanências e mudançastransformações sucessão e simultaneidade o antesagoradepois Levanos a estar atentos e fazer ver a importância de se considerarem os diversificados ritmos do tem po histórico quando o situamos na duração dos fenômenos sociais e naturais E justamente a compreensão dos fenômenos sociais na dura ção temporal que permite o exercício explicativo das periodizações que são frutos de concepções de mundo de metodologias e até mes mo de ideologias diferenciadas As considerações sobre a riqueza e complexidade do conceito de tempo são imprescindíveis para que sejam evitados os anacronis mos não tão raros nas explicações históricas O anacronismo consis te em atribuir a determinadas sociedades do passado nossos próprios sentimentos ou razões e assim interpretar suas ações ou aplicar cri térios e conceitos que foram elaborados para uma determinada épo ca em circunstâncias específicas para outras épocas com caracterís icas diferentes Sujeito histórico é Perceber a complexidade das relações sociais presentes no coti diano e na organização social mais ampla implica indagar qual o lugar que o indivíduo ocupa na trama da História e como são construídas as identidades pessoais e as sociais em dimensão temporal O sujeito histórico que se configura na interrelação complexa duradoura e c ontraditória entre as identidades sociais e as pessoais é o verdadeiro construtor da História Assim é necessário acentuar que a trama da I Iistória não é o resultado apenas da ação de figuras de destaque con sagradas pelos interesses explicativos de grupos mas sim a construção conscienteinconsciente paulatina e imperceptível de todos os agentes sociais individuais ou coletivos 45 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a Conceber a História como o resultado de sujeitos históricos implica não atribuir o desenrolar do processo como sendo ação da vontade de instituições como o estado os países a escola etc ou re sultante do jogo de categorias de análise ou conceitos como siste mas capitalismo socialismo etc Perceber que a trama histórica não se localiza nas ações individuais mas no embate das relações sociais no tempo Cultura A ampliação do conceito de cultura fruto da aproximação en tre História e Antropologia enriquece o âmbito das análises cami nhando de forma positiva para a abertura do campo científico da His tória Cultural As representações sociais dão unidade a todas as manifestações da vida quer individual quer social Cultura não é ape nas o conjunto de manifestações artísticas Envolve as formas de orga nização do trabalho da casa da família do cotidiano das pessoas dos ritos das religiões das festas etc Assim o estudo das identidades so ciais no âmbito das representações culturais adquire significado e im portância para a caracterização de grupos sociais e de povos Historicidade dos conceitos Os conceitos históricos somente podem ser entendidos na sua historicidade Isso quer dizer que os conceitos criados para explicar certas realidades históricas têm seu significado voltado para essas rea lidades não sendo possível empregálos indistintamente para toda e qualquer situação semelhante Dessa forma os conceitos quando to mados em sua acepção mais ampla não podem ser utilizados como modelos mas apenas como indicadores de expectativas analíticas Ajudamnos e facilitam o trabalho a ser realizado no processo de co nhecimento na indagação das fontes e na compreensão de realidades históricas específicas 46 H o l i e n G o n ç a l v e s B e z e r r a Registrese que é possível distinguir os conceitos na escala de sua compreensão entre aqueles que são mais abrangentes e os que se refe rem a realidades mais especificamente determinadas Quando o concei to tem uma compreensão geral que se aplica a realidades históricoso ciais semelhantes pode receber a denominação de categoria Por exemplo a categoria trabalho homem continente revolução etc Nesse sentido os conceitos ou categorias são abertos são vetores à es pera de concretizações com base na elaboração de conhecimentos espe cíficos de acordo com os procedimentos próprios da disciplina Histó ria No momento em que se atribui a essas categorias as determinações históricas e suas especificidades como trabalho assalariado trabalho servil trabalho escravo por exemplo já estamos lidando com conceitos que por sua vez poderão receber ainda mais especificações como tra balho servil na Germânia na Francônia e assim por diante a revolução socialista a revolução industrial etc Não há uma democracia consi derada em sua essência mas democracias na Grécia no século XIX a democracia liberal a socialista a atual brasileira etc Seriam então os conceitos propriamente ditos considerados como representações de um objeto ou fenômeno histórico por meio de suas características Para efeito dessa análise estamos empregando a denominação conceito na acepção mais ampla e abrangente Cidadania O conjunto de preocupações que informam o conhecimento histórico e suas relações com o ensino vivenciado na escola levam ao aprimoramento de atitudes e valores imprescindíveis para o exercício pleno da cidadania como exercício do conhecimento autônomo e crí tico valorização de si mesmo como sujeito responsável da História respeito às diferenças culturais étnicas religiosas políticas evitando qualquer tipo de discriminação busca de soluções possíveis para os problemas detectados em sua comunidade de forma individual e cole tiva atuação firme e consciente contra qualquer tipo de injustiça e 47 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a mentiras sociais valorização do patrimônio sociocultural próprio e de outros povos incentivando o respeito à diversidade valorização dos di reitos conquistados pela cidadania plena aí incluídos os corresponden tes deveres sejam dos indivíduos dos grupos e dos povos na busca da consolidação da democracia CONCLUSÃO Ao desenvolver a discussão sobre algumas das questões básicas que se colocam para o ensino de História optamos por sugerir uma sé rie de considerações a respeito de dois blocos de questões os conteú dos e os conceitos Com certeza não são questões consensuais entre historiadores e professores de História Não foi intenção definir con ceitos ou sugerir os conteúdos que os alunos deverão dominar no transcorrer da escolaridade básica Mas sim a de constatar aquilo que está mais consolidado na área tanto em relação à necessidade de se rea lizarem seleções de conteúdos o que já é feito de forma concreta e diversificada na prática da organização escolar quanto em relação às considerações sobre os conceitos mais usuais na área de História A partir dessas considerações é possível iniciar um debate construtivo pa ra corrigir confirmar ampliar e sugerir outras possibilidades 48 E d u c a ç ã o p a r a u m M U N D O EM T R A N S F O R M A Ç Ã O Janice T heodoro A MUDANÇA Tudo muda a cada momento no mundo contemporâneo Por tanto o conceito com o qual precisamos trabalhar atualmente com muita desenvoltura é o de mudança Muitos pensam que a comunicação e a tecnologia são a pedra dc toque da sociedade contemporânea Eu diria que ambas são partes de um profundo processo de transformação Os avanços tecnológicos Io ram constantes na história da humanidade As invenções do fogo da crâmiça da roda do aqueduto do uso do vapor etc marcaram a vida de diferentes civilizações mas foram alterando os hábitos lentamente Hoje tudo muda a toda hora tornando difícil a sobrevivência dos homens que constituíram hábitos costumes tradições e que re sistem a formas diferentes de vida Hoje o homem pode trabalhar e iii muitas dificuldades mudar de profissão Essas mudanças são di lii eis mas possíveis de viver e compreender Difícil mesmo conviver nm a idéia por exemplo do fim do emprego Difícil porque o que muda é a premissa O homem pode aposentarse mas não deve entregarse aos so nhos de uma vida tranqüila de aposentado Não se trata de discutir o ilor da pensão mas a idéia de previdência Se o homem não foi treina do para perceber quais são as premissas que regem seu comportamento 49 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a terá dificuldade em responder aos desafios contemporâneos Se por exemplo não se compreender como funciona o sistema previdenciário quem o garante quem pode criálo e desmontálo qual a lógica que presidiu o surgimento de uma previdência privada quem não enten deu tudo isso pode ter pesadelos O homem pode também viajar muito tirar muitas fotografias sem ver o mundo É a cegueira contemporânea Pode trocar objetos desenvolver tecnologias e ao mesmo tempo transformarse em prisio neiro de uma série de objetos totalmente inúteis sem saber bem por que os comprou Esse homem parece ter desenvolvido tanto a razão mas vive num mundo cada dia mais irracional O homem pode mostrar no cinema nos livros na arquitetura que o mundo mudou concentrou riquezas aproximou apenas espa cialmente os homens Mas é difícil preparar o homem para esse desa fio contemporâneo um desafio onde nada nunca está no mesmo lu gar onde as relações de causa e efeito não fazem mais sentido porque a mudança cria uma infinidade de variáveis que nos obriga a trabalhar com as idéias de sistema ou de rede Depois de tanta mudança o homem pode também se perguntar se essa modernidade tão aclamada pela mídia criou condições para que ele aprofundasse a consciência de si mesmo e do outro Para isso ele pre cisaria criticar as premissas precisaria aprender a ver Por que as propa gandas são repletas de crianças e por que os adolescentes não entram na cena de uma venda de sabão em pó ou de molho de tomate As crian ças são passivas os adolescentes críticos ativos incômodos E possível aprender a reconhecer premissas estabelecer relações observando presenças ausências e repetições Por que se repete tanto a mesma propaganda O RESULTADO DAS MUDANÇAS A CRISE Estamos assistindo na sociedade moderna a crise dos modelos a crise do modelo de Estado do emprego da família enfim a crise do homem moderno Diante de tantos desafios o nosso papel enquanto 50 3a n i c e T h e o d o r o educadores é auxiliar os jovens a compreender melhor esse mundo re pleto de tantas variáveis Os benefícios da ciência são sem dúvida visíveis quantificá veis mas todas essas mudanças não geraram no homem moderno uma maior capacidade de compreensão dos desafios que o cercam E isso gera em todos nós uma estranha sensação de que estamos sós apesar de cercados de pessoas e que somos muito frágeis perante o desafio que devemos enfrentar para que possamos nos considerar minimamen te vencedores Afinal o que é vencer ou o que é perder Quando vencemos ganhamos o quê Quando perdemos perdemos o quê Os amigos a família o amor Um indício desse processo em que a mudança troca tudo a to do o momento do lugar em que estava para um outro é a própria cri se das utopias crise das ciências humanas crise do homem A SOLUÇÃO DO IMPASSE APRENDER A RESOLVER SITUAÇÕESPROBLEMAS Se estamos vivendo um período de crise temos que encontrar soluções Esse é o nosso maior desafio Quais são as armas de que dispomos para vencer o desafio Pensar Mas é necessário aprender a pensar Como somos historiadores iodemos abrir caminho observando que só há um fato histórico no in inior de uma situaçãoproblema Se não há questão não nos resta na da ou quase nada a fazer Portanto para que possamos vencer o desafio li vida contemporânea temos que problematizar a realidade que nos eiva Para problematizar o primeiro passo é conhecer O CONHECIMENTO O conhecimento antigamente era estável as transformações n ornam muito lentamente Para obter conhecimento o homem se 51 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a dedicava a uma série dc exercícios mentais que se repetiam em livros na sala de aula e no cotidiano Podíamos memorizar uma série de informações aprender regras de retórica decorar tabuadas e seriamos reconhecidos pela comunidade como homens cultos ponderados nas de cisões prováveis vencedores Nesse mundo marcado pela tran dade pela repetição pelas relações sensoriais e não virtuais nesse mun do antigo sobrava tempo até para amar Os ancestrais deixavam como herança modelos que serviam de modelo para uma vida Não era di nheiro mas gerava tranqüilidade Existia nesse velho mundo um hori zonte seguro para onde devíamos caminhar Hoje é assim Não Como as mudanças eram lentas o homem podia perpetuar for mas de comportamento podia ensinar fórmulas sugerir procedimen tos ou ainda contar fábulas exemplares Casamento era para a vida to da emprego público significava segurança na velhice diploma um eterno segurodesemprego Como cada coisa ocupava por muito tempo o mesmo lugar nós podíamos ensinar uma receita adequada para o sucesso estude Te nha um diploma Vá para a cidade Tome Biotônico Fontoura A rela ção entre expectativa e resultado era quase linear Antes o professor podia dizer sem medo de errar que Portugal foi o responsável pelas Grandes Navegações Ninguém perguntava se existiam outros povos que navegavam qual o tamanho das embarcações se os chi neses não foram mais longe A pesquisa histórica atividade de iniciados não interferia em modelos de interpretação memorizados sucessivamente Antes o professor podia dizer que existiam apenas dois tipos de colônias Ou eram de exploração ou eram de povoamento Essa afir mativa foi por muito tempo tratada como uma verdade acabada As colônias de exploração reuniam os colonos que queriam enriquecer ex plorar e voltar para a metrópole e as de povoamento eram as colônias aonde se ia sem poder retornar Repetiase essa hipótese sem que se fi zesse um esforço para conhecer onde estava ancorada a reflexão se ela tinha ou nao bases documentais para ser comprovada Esta era uma verdade histórica portanto acabada 52 3ANICE THEODORO Hoje sabemos que o português vinha para a América e sem or dem da metrópole não podia voltar Portanto tanto o português co mo o inglês vinham para ficar Portanto um e outro povoavam E agora como ficam os modelos Primeiro nós temos que descobrir o que são modelos E isso re presenta um longo aprendizado tarefa para um professor Qual foi o resultado da repetição Como mudar o processo de aprendizagem Se não sabemos colocar o problema observar uma situação por di ferentes ângulos trabalhar inúmeras variáveis estabelecer relações discutir as premissas não encontraremos o campo da provável solução Se não sa bemos questionar hipóteses também não saberemos enfrentar mudanças Como enfrentar a mudança Identificando comparando relacionando traduzindo e abstraindo IDENTIFICAR A identificação é um momento importante no trabalho do pro fessor Observar a arquitetura colonial sua estrutura dimensões ma terial localização uso relacionando tudo no tempo e no espaço é tare fa difícil O aluno deve aprender a observar olhar para um objeto Como desvendar seus significados Vamos selecionar um exemplo bem simples uma poltrona Sempre existiu uma poltrona Não Ela surge num determinado momento histórico em função de uma determinada concepção de casa e de conforto A poltrona é um objeto do pósguerra Vamos agora para um outro exemplo com conotação histórica Construir e reformar uma catedral como a do México durante três sé culos significa alguma coisa Ao identificar um objeto as circunstâncias em que foi produzi do e seus usos podemos supor que no caso da catedral existia na l calidade inúmeras pessoas capazes de fazer uma construção daqurli 53 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a envergadura e que em função das características do objeto tinham a intenção de fixar raízes naquele espaço Uma catedral é um objeto fei to para durar muito tempo um objeto cujo significado espiritual ou material sem dúvida é grande A catedral do México não sugere pe lo material em que foi construída e pelo seu peso transição Portanto a palavra colônia de exploração aplicada ao México não dá conta da complexidade do processo em questão ou seja não explica a infinida de de igrejas construídas não significa passagem Outro exemplo Simón Bolívar no século XIX teve dificuldade em estudar na Europa Sua família veio e ficou Portanto sua história está mais voltada para o lado do povoamento do que da exploração Mais um exemplo bem conhecido vencedores e vencidos é uma estrutura binária Os espanhóis conquistaram o México Portanto são os homens maus Os índios foram conquistados Portanto são os ho mens bons Esse raciocínio dual é um mau caminho para a compreen são de um fenômeno histórico Só podemos analisar a conquista da América por meio de uma complexa política de alianças Sem o apoio de grupos indígenas Cortés não teria conquistado a cidade do Méxi co Portanto a estrutura de reflexão não é binária Concluindo não podemos repetir modelos Temos de retomar os documentos históricos as narrativas coloniais e aprender a identifi car as origens de diferentes abordagens A repetição de uma determi nada estrutura sem que levemos em conta as especificidades históricas pode negar a razão do próprio conhecimento histórico Nesse sentido identificar é um trabalho importante a ser desenvolvido pelo aluno COMPARAR Perceber relações que envolvem quantidades às vezes pode ser muito significativo Por exemplo Hernán Cortés contava com 11 navios 508 ho mens 17 cavalos 32 arqueiros 13 portadores de escopetas e dez ca nhões de bronze para conquistar a cidade do México Naquele mo mento a população indígena do México era provavelmente de vinte 54 3a n i c e T h e o d o r o milhões de pessoas Só a cidade possuía quinhentos mil habitantes Pa ra termos uma base de comparação basta lembrar que Paris na mesma época ou seja no século XVI possuía duzentos mil habitantes Vene za 105 mil e Sevilha noventa mil Comparar esses números é um exercício importante Quantos índios haviam para quantos espanhóis RELACIONAR A diferença identificada pode nos levar a perceber por exemplo dois ou três conjuntos Por exemplo Marco Polo viaja e conta sua via gem para um amigo que escreve a história que ouviu Mais tarde po demos ter duas histórias a contada por Marco Polo e a contada pelo amigo Mas acontece que na região visitada também existia uma pes soa que contou o que viu de tal forma que teremos de uma mesma história inúmeras narrativas que nem sempre confluem para o mesmo lugar Onde elas se encontram e onde se desencontram Por que se en contram e por que se desencontram É importante traduzir as diferenças François Hartog estudioso francês nos lembra de uma imagem presente na literatura grega sobre os egípcios Entre eles as mulheres vão ao mercado e fazem negócios os homens ficam em casa e tecem Ao tecer nos outros países pu xase a tram a para o alto no Egito ela é puxada para baixo No Egito os homens levam fardos na cabeça as m ulheres nos om bros As mulheres urinam de pé os hom ens agachados O que essas diferenças indicam A pretendida universalidade da regra é uma maneira de a narra tiva mascarar o procedimento da inversão É importante compreender que primeiro temos definida a diferença e depois a diferença é traduzi da num esquema de inversão ou seja os egípcios são o inverso de todos os homens e os gregos se transformam assim num modelo universal 55 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a A análise desses procedimentos exige num primeiro momento a identificação depois a comparação e numa operação mental mais complicada relação e abstração aumentando a consciência do homem sobre os diferentes fenômenos do mundo que o cerca Como preparar um aluno para realizar o caminho do mais sim ples do mais concreto para o mais complexo o mais abstrato A busca do saber da compreensão do mundo que nos cerca é um exercício do historiador do geógrafo do literato do filósofo do professor de línguas Faço história no sentido grego de testemunho Nas línguas romãnicas a 1 listória significa essa procura das ações reali zadas pelos liomcns I leródoto ou a narração de uma série de acon tecimentos Paul Veyne ou ainda a História pode ser a narração comprometida tanto com a veracidade uma modalidade do discurso ou com a fia ionalidade outra modalidade do discurso O historiador constrói nanitivas assim como o ensaísta ou romancista Todo o co nhecimento sc mistura se transforma Para responder a esse desafio de vemos procurar as raízes das disciplinas aglomeradas no espaço das chamadas ciências humanas Seguindo esse mesmo trajeto da busca de temas transversais po deríamos também falar das representações do espaço mítico planetá rio cartográfico ou ainda das diversas formas de percepção de um espa ço tridimensional e suas relações com a escrita fonética ou iconográfica Qualquer uma dessas portas nomeadas tradicionalmente como História Geografia ou Língua nos leva igualmente a pensar sobre os mesmos desafios que enfrentam o homem contemporâneo São apenas portas de entrada para reflexões 56 A T R A N S V E R S A L I D A D E E A R E N O V A Ç Ã O NO E N S I N O d e H i s t ó r i a J osé Alves de Freitas Neto O ato de educar é um desafio constante Desde os fundamen tos filosóficos acerca do modo de conhecer até os procedimentos con tínuos em sala de aula é comum supor que educadores e educandos se confrontem e questionem sobre as ações e conteúdos trabalhados e apreendidos pelos estudantes O mundo em contínua transformação as constantes alterações das diretrizes e orientações legais o controle burocrático cada vez mais eficiente e alunos pouco dispostos a aceita rem o universo escolar como algo útil e aplicável ao seu cotidiano pro vocam no educador a necessidade contínua de discussão e alteração pa ra que a esoola em sua tarefa de educar não se esvazie e com ela sua própria profissão Os discursos de valorização da educação pautados nas mais dife rentes concepções e orientações por ser condição de cidadania pela necessidade econômica para ficar nas mais comuns trazem consigo uma idéia de redenção e grandeza que se choca com a expectativa do alu no Passadas as séries iniciais logo no ensino fundamental e sobretudo no médio vem a inevitável pergunta por que eu devo estudar isso O argumento da autoridade e de que os conhecimentos produ zidos na literatura nas ciências e nas artes são clássicos importantes que se constituem em fundamentos da civilização dentre outros si insuficientes e muitas vezes incompreensíveis para o estudante 57 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a A dificuldade para mostrar o que se pretende com os diversos conteúdos e com a proposta de aprendizagem num mundo com pre domínio da prática e do militarismo tem afastado o interesse de crian ças e jovens pelo conhecimento Diversas são as causas e múltiplas as tentativas de explicar esse distanciamento entre a vida do aluno e o seu cotidiano escolar No entanto podemos afirmar que muitas vezes os educadores com todo seu empenho e vontade têm falhado na ca pacidade de dizer e construir com o aluno o espírito investigativo que leva por exemplo à exploração da realidade e à descoberta do mundo científico No caso específico das humanidades em particular da His tória essas dificuldades surgem por exemplo na abordagem e escolha de conteúdos Mantendose num modelo que pretende explicar o pre sente pelo passado o professor tem valorizado excessivamente os fatos do passado sem instigar a reflexão sobre a produção da memória e a ação do aluno como construtor da História e a necessidade de com preender os processos e intersecções entre sua história e a de seu povo sua civilização Indivíduo e civilização parecem noções estanques e até mesmo opostas A fragmentação dos conteúdos dos horários e da estrutura bu rocrática das escolas dificultou o aspecto investigativo e explorador da realidade que cerca o estudante e o professor Para o aluno que tem acesso às novas tecnologias como a rede de computadores explorar significa navegar ir atrás pegar links constituir atalhos e chegar a de terminado lugar Para aquele que é excluído desse processo dadas as condições socioeconômicas investigar a realidade pode supor a busca da sobrevivência num mundo marcado por violência e violação de dig nidade e direitos Para um e outro a realidade é mais dinâmica e mais urgente do que a exposição de uma aula Como superar esse problema A resposta é complexa e não teríamos condições de esgotála de encontrar uma solução definitiva ou ainda de pretender obter uma única solução ou modelo A resposta é plural e deve ser encontrada na prática e na realidade de cada educador Há diversas formas e experiên cias vividas e produzidas provavelmente em cada uma das unidades 58 J o s é A l v e s d e F r e i t a s N e t o escolares existentes No entanto desde 1995 os professores brasileiros têm convivido com a proposta de transversalidade atrelada aos Parâ metros Curriculares Nacionais PCNs A TRANSVERSALIDADE E OS DESAFIOS DO ENSINO BRASILEIRO A transversalidade apresenta uma proposta que ultrapassa a fragmentação dos conteúdos e disciplinas prevendo um trabalho cujo conhecimento seja construído em função dos temas e propostas apre sentados Atrelado aos PCNs publicados pelo Ministério da Educação onde se pretende obter um referencial de conteúdos das diversas disci plinas são apresentados temas que devem nortear a elaboração dos ob jetivos programas e conteúdos que serão desenvolvidos por professo res e alunos nas escolas brasileiras A partir de análises sobre a realidade brasileira especialistas de diversas áreas de ensino apresentaram os cinco temas transversais para a educação nacional ética pluralidade cultural saúde orientação sexual e meio ambiente Ou seja a partir da constatação da necessidade de dis cutir questões presentes no cotidiano dos brasileiros como por exem plo os permanentes casos de corrupção e de desrespeito à pessoa e à no ção de cidadania o preconceito contra grupos étnicos de gênero e de orientação sexual as precárias condições de saúde de parte considerável da população a desinformação sobre a educação sexual visível em mui tas escolas no alto número de adolescentes grávidas e na necessidade de preservação dos recursos naturais e da contenção da degradação do meio ambiente como forma de garantir a própria sobrevivência Esses temas presentes na realidade dos brasileiros devem ser re ferências constantes na prática escolar dos alunos de ensino fundamen tal e médio A proposta é estabelecêlos como objetivos finais que se rão tratados em todas as disciplinas aproximandoas do cotidiano dos alunos para que se evite de alguma forma o distanciamento entre os conhecimentos apresentados pelo professor e a expectativa e a necessi dade dos alunos 5 9 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a COMO TRABALHAR A TRANSVERSALIDADE Por tratarse clc temas que ultrapassam as visões disciplinares as experiências docentes têm apontado para algumas práticas que de monstram a aplicação da transversalidade Essas experiências trazem consigo concepções c práticas a serem questionadas e eventualmente assimiladas Se o que se busca 6 um conhecimento aplicável à realida de e à construção por alunos c professores não se trata de apontar fór mulas e soluções mas de identificar procedimentos e visualizar possi bilidades e limites da transversalidade Vejamos três situações de aplicação da transversalidade nesses primeiros anos de experiência com os temas transversais a Trabalho interdisciplinar é a forma mais praticada por profes sores Geralmente a partir de uma proposta temática comum professores de duas ou mais disciplinas afins trabalham por um determinado perío do semanamêsbimestre no tema indicado levantando as contribui ções e especificidades de sua disciplina para o que está sendo tratado Nesse caso optase por um tema e todos os professores apre sentam elementos para compreendêlo a partir da perspectiva de sua disciplina O risco e a dificuldade dessa forma de trabalho está na manu tenção de uma visão disciplinar sobre um tema abrangente ao invés de superar barreiras dadas pelo modelo escolar tentase unificar a partir dos fragmentos como se a perfeita colagem de peças dadas pela His tória Geografia Língua Matemática e Ciências Naturais pudesse res ponder à indagação e à proposta de trabalho Exemplificando a questão num suposto trabalho sobre os ín dios e a questão ética de preservação de seu universo cultural os pro fessores propõem discutir a cultura indígena seus valores e permanência dentro da sociedade brasileira Como realizarão o mesmo Provavel mente o professor de História falará de hábitos retomará o processo de colonização e resistência indígena na Geografia fará um levantamento demográfico áreas ocupadas Em Língua Portuguesa procurará identi ficar palavras e relatos literários sobre os índios Na Matemática traba lhará com conhecimentos supostamente utilizados pelos índios ou 6o 3osé A l v e s de F r e i t a s N e t o aplicará cálculos a partir de números e dados apresentados pelos textos apresentados Nas Artes proporá aos alunos a atividade de reproduzir o artesanato e a manifestação artística dos índios brasileiros Esse procedimento tem uma grande virtude tentar englobar to dos na busca de uma compreensão ampla sobre um determinado tema no caso o universo indígena porém nos apresenta algumas dificulda des a primeira delas é a manutenção da visão fragmentada o que a minha disciplina tem a ver com isso o outro obstáculo será marca do pela artificialidade e overdose dessa sobreposição de informações produzidas e trabalhadas com os alunos Para evitar esses riscos devese buscar um outro modelo para a composição das disciplinas conforme veremos no terceiro exemplo b Espaço dentro da grade horária a ilusão de que a escola de ve reservar um momento para discutir os temas transversais Criase dentro da grade curricular e do horário semanal dos alunos um espa ço para discutir os temas transversais Dessa forma por cinqüenta mi nutos o aluno sai de sua rotina de aulas para uma aula diferente O te ma dessa aula será a ética a educação sexual a pluralidade cultural o meio ambiente e a saúde Dentre as muitas experiências na tentativa de aproximar a esco la da realidade do aluno e de valorizar o conhecimento como algo ne cessário para a vida e não para a erudição parece ser essa a medida mais inadequada por dois motivos principais Primeiro porque ao criar um instante especial para discutir os temas transversais contraria o princípio da transversalidade o as sunto não estará ligado ao conteúdo das disciplinas tradicionais transversalmente mas será uma aula a mais reproduzindo a visão fragmentária Segundo por manter as disciplinas isoladas e a neces sidade de ter um espaço próprio para o trabalho com os temas propostos indicam a visão da escola sobre as disciplinas elas estão distante da realidade e não se adaptam a essa aproximação com o mundo coti diano Dessa forma refórçase no professor e aluno a visão de uma escola distante com conhecimentos repetidos e descontextualizados não valendo grande esforço para aprender o que não será usado Nessa 61 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a maneira de real iar a proposta dos temas transversais separandoos dentro da grade curricular talvez não obtenha nem o entusiasmo nem a participação de alunos que enxergarão essa atividade como enrolação porque não será como as outras disciplinas que por exemplo têm provas Nesse formato de abordagem da transversalidade a proposta fi ca inconcebível e a separação entre a escola e o mundo do estudante ampliase c As disciplinas como meios e a transversalidade como fim apresentando temas que ultrapassam as diferentes áreas do conheci mento a proposta de trabalho transversal requer uma nova concepção das disciplinas dentro da escola Não se trata de extinguir ou criar novas disciplinas mas de mu dar a abordagem sobre as disciplinas atuais Estas deixarão de buscar ob jetivos em si mesmas como tradicionalmente é feito para se mostrarem como meios necessários para a realização dos objetivos expressos por meio dos temas transversais e dos PCNs A construção e valorização da cida dania por exemplo expressa nos objetivos da educação brasileira não pode ser contemplada como algo abstrato ou distante nem tampouco abordada por uma única disciplina mas é uma proposta que supera a particularidade de cada uma das áreas do conhecimento Devese buscar uma transformação pedagógica onde o papel do professor supere a compreensão e prática sobre sua disciplina abrangen do uma reflexão sobre os conteúdos e valores a ele associados amplian do a responsabilidade do educador com a formação dos alunos Ou se ja com base nos temas transversais propostos e na necessidade de cada realidade escolar o professor deve aproximar seus conteúdos e sua prá tica escolar para o desenvolvimento da capacidade de o aluno ler e in terpretar a realidade contextualizandoa aprendendo a aprender Des sa forma não se trata de aprender que houve escravidão no Brasil mas de que o aluno saiba se perguntar sobre as formas de organização da produção dos problemas decorrentes de um ou outro modelo de ques tionar sobre os valores que os permeiam e como estes estão presentes em nossa sociedade atual 62 3osé A l v e s de F r e i t a s N e t o É do conhecimento do aluno mesmo que por caminhos tor tuosos do chiste e da piada preconceituosa a existência da escravidão Nesse exemplo estamos alertando para que o professor vá além da apre sentação das condições históricas sobre o escravismo no Brasil e apro xime a temática ao aluno de hoje Ao desenvolver no aluno a capaci dade de refletir sobre o período histórico em que houve a escravidão deve proporcionar a análise sobre a questão racial e a desigualdade no Brasil buscando na questão da escravidão uma das possibilidades de interpretação para os problemas vividos ainda hoje A transversalidade pressupõe um objetivo maior que pode ser inclusive a questão do pre conceito racial e condições econômicas no Brasil do século XXI por meio de um recurso clássico o estudo de um dos principais elementos da colonização brasileira O aluno deve aprender mais do que conteú dos e incorporar a reflexão crítica e a aquisição de valores por inter médio dos temas apresentados pelos professores para que sua com preensão da realidade seja mais abrangente e menos preconceituosa como no caso da discussão com base no tema proposto Em outras pa lavras valendose uma aula sobre escravidão o aluno deve refletir sobre a pluralidade e diversidade cultural presentes na sociedade brasileira Ao realizar essa tarefa evidentemente o professor não estará desprezando seu conteúdo a abordagem histórica e as críticas historiográficas a esse ou qualquer outro tema mas antes destacando como através desses pontos ele pode contribuir para a formação cidadã de seu aluno O desenvolvimento dessa capacidade habilitará o estudante a relacionar as informações e instrumentalizálas na sua leitura de mundo e esta deverá ser menos preconceituosa mais plural e ética conforme os temas propostos na transversalidade Para chegar a essa realização todas as áreas têm compromissos que implicam em maior participação no processo de formação dos alunos O debate sobre os valores que norteiam a formação dos estudan tes é muitas vezes acompanhado de um discurso de menosprezo dos sa beres tradicionais como se a presença de um desses elementos forma ção ética e cidadã signifique a ausência de outro domínio de conteúdos e das ciências Essa é uma questão complexa porém ilusória Muiio dos que criticam propostas que têm como fundamento a aproximaçio 63 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a dos alunos com a realidade acusandoas de favorecerem a superficialida de o fazem em nome de uma visão conteudista Ou seja acreditam que a autoridade e a validade do conhecimento estão nas questões formuladas por grandes pensadores e inventores das mais diferentes áreas indepen dente do tempo e das pessoas que lidam com o mesmo Desse modo vêem as grandes figuras da História das ciências e das artes como seres extraordinários em detrimento dos alunos e seu mundo ordinário Abordar conteúdos dessa maneira é preservar a exclusão e invia bilizar a curiosidade e a participação dos alunos Por outro lado os que desprezam as formulações feitas ao lon go da tradição ocidental em nome de exclusivamente uma discussão atual correm o risco de ficar num discurso inconsistente É preciso que o professor se lembre que o saber não surge espontaneamente nem é algo dado mas adquirido produzido e transformado pelos homens Dessa forma não se pode menosprezar formulações e questionamen tos que tenham surgido em qualquer tempo ou lugar A solução para essa falsa dicotomia deve estar num outro lugar Fazer com que o aluno visualize a importância do saber dentro de sua realidade Ser capaz de resgatar não a informação por si mesma mas o que levou um Platão um Galileu um Einstein um Picasso um Marc Bloch um Fernando Pessoa às formulações e expressões que deram em suas áreas Apresentar o ponto de partida apresentar um problema é dar condições de verificar e comparar condições para que o mesmo possa ser apreendido pelo aluno a partir de sua própria atuação de vendo o professor atuar como estimulador desse processo Os temas transversais nao devem ser vistos como opositores dos saberes considerados clássicos mas necessidades e questões do presen te de grande importância que não podem ser ignorados pelos educa dores Se o mundo a família os modelos mudaram fazse necessário uma nova prática escolar que atualize e valorize a própria escola e os que nela estão Considerar as questões trazidas pelas crianças e jovens dos ensinos fundamental e médio como questões menores significa reduzir suas preocupações e sua própria existência O mundo deles e o nosso têm questões que não são menores dos que as apresentadas em outras épocas por outros pensadores São diferentes Não permitir que 64 J o s é A l v e s d e F r e i t a s N e t o os temas do cotidiano se façam presentes em sala de aula em detrimen to dos grandes feitos do passado é ignorar a angústia dos alunos e edu car com o olho voltado para trás com um saudosismo injustificável que significa dizer que as questões de outras gerações foram mais im portantes que as da atualidade Portanto a proposta da transversalidade não significa excluir disciplinas ou introduzir outras mas mudar a prática escolar Introduzir no ensino as preocupações mais agudas da socieda de atual não significa deslocar as matérias curriculares em bo ra a vigência e a adequação de m uitos dos seus conteúdos sem dúvida deverão ser revisadas em alguns casos porque são de valor form ativo duvidoso e em outros porque contradizem cla ram ente os princípios subjacentes aos temas transversais não se pode valorizar a paz e exaltar a guerra ao mesmo tem po nem fom entar a igualdade entre os sexos destacando apenas as ações realizadas p or homens por exem plo1 A TRANSVERSALIDADE E O ENSINO DE HISTÓRIA A implantação da transversalidade pressupõe alterações no ensi no de História Para muitos acompanhando as discussões da historio grafia não chega a ser novidade as mudanças e concepções propostas Para outros presos a um modelo de ensino tradicional é preciso rever conceitos e procedimentos sobre a própria História e o seu papel den tro de uma proposta de ensino transversal Por isso podemos afirmar que a implantação dos temas trans versais não se refere apenas a mudanças didáticopedagógicas mas também conceituais sobre o ato de educar e a própria História Muitos brasileiros foram e são educados com uma visão da disc i plina de História marcada por grandes acontecimentos numa linearida de e composição seqüencial que se encaixam e apresentam como dou das de um sentido que chegamos ao que somos hoje Ou seja ordenulos dentro de uma cronologia apresentamse fatos como dcsdobiimenio 65 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a de um anterior e gerador de um terceiro como se mecanicamente as coisas se simplificassem e os alunos compreendessem a História e com ela sua própria história Essa prática conhecida por muitos gerou em grande parte dos estudantes sobretudo das séries iniciais um distanciamento e in diferença ao ensino de História gerando o senso comum de que a disciplina só trata de coisas antigas e que não tem nada a ver com o nosso diaadia De fato um modelo de ensino histórico que lida com uma narrativa feita apenas com heróis e sujeitos fundadores da civilização é algo que se separa do universo dos alunos e os exclui desse processo Para exemplificar basta olhar a produção de textos di dáticos Houve inovações nos últimos anos introduzindo noções que a historiografia já discute há muito tempo como a história do coti diano mas a maior parte dos textos ainda reproduz a menção aos mi tos fundacionais aos nomes e tópicos consagrados Muitas vezes es se conteúdo tradicional aparece revestido de inovações e layout diferenciados mas a análise do texto demonstra a reprodução de um modelo já conhecido e em grande parte rejeitado pelos alunos por seu distanciamento A inserção dos temas transversais deve ser considerada nesse contexto de questionamento aos procedimentos escolares Alterar a compreensão de que a disciplina não é um fim em si mesma mas um meio para chegar a outros objetivos refletindo e atuando na educação de valores e atitudes dos alunos e cidadãos é condição fundamental para a renovação do ensino Devese abandonar a visão do conheci mento específico da disciplina sem abrir mão dos repertórios e recur sos de cada área de conhecimento e ao mesmo tempo incorporar o papel de formação exercido pelo educador tratando de temas e ques tões que ultrapassam o conteúdo programático por meio dos temas transversais A busca da compreensão da realidade e a efetiva participa ção do indivíduo a partir de dados e noções relativos ao seu cotidiano ao seu universo fazem com que a escola passe a ser considerada como um espaço de conhecimento e reconhecimento onde por intermédio das diversas disciplinas e de sua nova abordagem o aluno seja capaz de ver e vislumbrarse como construtor de sua própria história 6 6 3osé A l v e s de F r e i t a s N e t o Dessa forma o ensino de História deve atrelarse aos temas pro postos pela comunidade escolar a fim de tornarse presente e capaz de dizer qual sua função dentro do processo escolar Na prática escolar dois procedimentos são mais usuais no ensino de História o primeiro dividido por temas eou períodos História do Brasil História Geral ou da América o segundo por ei xos temáticos como por exemplo a organização do trabalho indus trialização formação de cidades e a vida urbana elencando diversos aspectos a eles relacionados Em ambas as práticas podese trabalhar com os temas transversais A proposta de renovação e de visão da His tória que supere a divisão cronológica aponta para o segundo proce dimento como o mais adequado para o ensino transversal embora não exclua a primeira opção desde que inserida dentro dos objetivos da transversalidade Vejamos dois exemplos 1 Abordagem do ensino de História através de eixo temático Suponhamos que uma determinada escola opte pela discussão relativa ao tema da pluralidade cultural Todas as disciplinas devem en volverse e direcionar seus esforços para a compreensão e valorização da diversidade etnoculturai apresentando riquezas e contrastes dessa rea lidade combatendo preconceitos e discriminações Dentro da História o professor deverá estabelecer um eixo te mático que contemple a proposta transversal da escola Valendose dela podese livremente organizar um eixo temático ou acatar as sugestões dadas por exemplo nos PCNs de História para o ensino fundamental História das representações e das relações de poder subdividindose em outros dois subtemas Nações povos lutas guerras e revoluções e Cidadania e cultura no mundo contemporâneo O professor ao definir os conteúdos a serem contemplados em sua proposta de trabalho deve ter pleno conhecimento dos objetivos e da problemática que pretende abordar e a relevância dessa na realidade dos alunos em seus múltiplos planos A partir do aluno de sua pró pria história e referências locais o trabalho deve desdobrarse para 67 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a inserir essa realidade em questões regionais e globais aguçando a cu riosidade e a compreensão da necessidade de uma visão mais ampla pa ra a questão do que a sua particularidade Dessa forma as questões de vem ser selecionadas com a intencionalidade de fornecer aos alunos a form ação de um repertório intelectual e cultural para que possam estabe lecer identidades e diferenças com outros indivíduos e com grupos sociais presentes na realidade vivida no âm bito fa m iliar no convívio da escola nas atividades de lazer nas re lações econômicas políticas artísticas religiosas sociais e culturais E sim ultaneam ente perm itir a introdução dos alunos na compreensão das diversas form as de relações so ciais e a perspectiva de que as histórias individuais se inte gram e fazem parte do que se denom ina H istória nacional e de outros lugares2 A articulação entre a história vivida pelo aluno e os conteúdos apre sentados pelo professor exige planejamento e capacidade de fazer um diag nóstico da realidade de onde se parte e as interações com os conteúdos pa ra chegar aos objetivos apresentados pela proposta transversal É um trabalho mais dinâmico e desafiador professores e alunos são agentes da aprendizagem e os recursos didáticos devem ser manipulados por ambos Retomando o exemplo da pluralidade cultural e o estabeleci mento de um eixo temático e os conteúdos podemos apresentar o se guinte à guisa de exemplificação reconhecendo a sala de aula a pró pria escola e a comunidadebairro onde se vive o aluno será capaz de identificar o conceito de diversidade cultural e a partir deste analisar como essa diversidade é representada e lida pelos mesmos Ou seja o aluno será capaz de dizer como a mídia a escola os livros os pais a polícia o jornal as brincadeiras e as piadas retratam os diversos grupos culturais que compõem o mundo que o cerca Com base nesse levantamento o professor deve conduzir a um questionamento dessas leituras fazêlos desconfiar do que se narra e como se narra identificando e visualizando interesses e manipulações 68 J o s é A l v e s d e F r e i t a s N e t o dentro da sociedade Conduzir a discussão valorizar a oralidade sobre tudo daqueles que pela proposta apresentada se sentem prejudi cados ou vitimados por preconceitos Essa atividade dinamizará a aula e o professor poderá introduzir conceitos e discussões por meio da História levantando por exemplo momentos de tensão e conflitos por conta da diversidade cultural de forma direta ou indireta Dessa maneira ele pode partir da apresenta ção feita pelos próprios alunos e buscar na História do Brasil situações de confronto e negociação na formação do país Dos conflitos agrários envolvendo os índios e suas reservas da década de 1990 à origem da co lonização o professor poderá despertar o aluno para os modos de orga nização econômica e política e sua relação com a questão cultural Ain da dentro desse mesmo tema observar as relações entre os índios negros e portugueses contra as invasões holandesas e francesas discutin do o que leva a união de índios e colonizadores e o que resulta para am bos e para a própria concepção de identidade cultural brasileira Para que a análise não fique cronologicamente distante o pro fessor pode estabelecer como um dos momentos de seu eixo temático da questão da diversidade cultural tensões e conflitos recentes De um dado jornalístico sobre um acontecimento nacional ou internacional movido pelos conflitos etnoculturais aos conflitos armados da Bósnia das tensas relações entre árabesjudeus da coalizão antiterrorista forma da pelos Estados Unidos no pós11 de setembro de 2001 do acesso dos negros à universidade e as discussões sobre cotas e políticas afirmativas no Brasil e no mundo das rivalidades regionais dos brasileiros com atgentinos Ou seja a partir de uma infinidade de questões que pode riam ser elencadas o professor pode despertar o aluno para a reflexão sobre o outro discutindo a alteridade e a sua maneira de ver o mundo em um universo imediato o da própria escola ou nem tanto co mo nos acontecimentos internacionais Nesse caso a preocupação é a discussão sobre a alteridade O tema é áspero e difícil de ser incorpora do por qualquer aluno do ensino fundamental ou médio No entanto a discussão sobre o outro sobre as diferenças e semelhanças podem e devem ser feitas pelo professor Os assuntos que servirão como ponto de partida são muitos mas o professor não pode abdicar dessa discussão 69 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a sobre o outro Falar do mundo islâmico ou cristão do mundo rural ou urbano de comunidades indígenas ou das megalópoles ou ainda da era tecnológica é estabelecer um local de enunciação para se discutir sobre as diferenças Nesse sentido utilizandose das noções apresentadas pelo historiador francês François Hartog podese comparar traduzir no mear classificar descrever estabelecer fronteiras e proximidades3 ü professor de História pode articular seus conteúdos para que o aluno visualize a expressão de preconceitos e como eles surgem ou podem ser amenizados em diversos instantes da História Ele não dará lições mas apresentará reflexões sobre as diferentes sociedades e grupos culturais como eles se relacionaram entre si com a necessidade de so brevivência e a articulação da produção Apresentará as diferenças cul turais étnicas de gênero suas implicações em sistemas políticos e ideológicos os papéis da religião a composição do imaginário o im pacto da tecnologia as inclusões e exclusões que se associam a elas etc Muitos são os temas e perspectivas do que poderia ser trabalha do valendose da transversalidade sobretudo com o trabalho baseado em eixos temáticos Apresentamos alguns e ignoramos outros mas o fundamental é que o professor tenha clareza do seu papel do papel dos alunos e dos conteúdos e temas que devem ser submetidos a objetivos mais amplos do que o domínio de conteúdos 2 Abordagem do ensino de História por meio de temas ou períodos A proposta da transversalidade não exclui a manutenção do en sino de História por meio das divisões clássicas entre História Geral da América e do Brasil ou ainda divisão de História Geral em Antiga Medieval Moderna e Contemporânea No entanto essa concepção deve ser reinterpretada com base na introdução dos temas transversais Manter essa divisão clássica separando entre as séries o que vai ser en sinado em cada uma é legítimo desde que nessa separação não tenha a concepção de que o aluno só compreenderá um determinado fato por exemplo do Brasil se compreender a História Geral Se o professor continuar a atuar assim significa que para ele a História é um fim em si mesma e há necessidade de expôla em seu suposto caráter evolutivo 70 J o s é A l v e s d e F r e i t a s N e t o das cavernas à era da tecnologia digital Além das conseqüências histo riográficas que não nos cabe discutir aqui há um equívoco em relação ao aluno e seu papel como sujeito da aprendizagem Ressalvandose esse aspecto e justificando como fazer um traba lho transversal baseado na divisão clássica da História temse a favor dessa prática de ensino a grande quantidade de textos e o amparo a professores e estudantes Como o maior recurso dos professores ainda continua sendo o livro didático estes com raríssimas exceções apre sentamse dentro dessa ordem de divisão do conteúdo da História O problema é quando o professor não planeja seu conteúdo e trabalho mas segue fielmente a divisão capitular do livro didático ficando dis tante dos alunos e sua vivência inviabilizando propostas de renovação do ensino Porém se o professor tiver clareza da importância e relevância dos temas transversais ele será capaz de articular sua prática do mesmo modo que o professor que optou pelos eixos temáticos Com base no universo local dos estudantes o professor será capaz de indagar per guntar sobre os procedimentos e costumes despertando para a reflexão em outros povos e tempos fazendo analogias com o momento pro pondo uma construção ao aluno que não seja a repetição de fatos mas a capacidade de refletir e compreender os acontecimentos como fruto da ação de indivíduos em um determinado momento dentro das cir cunstâncias por eles vivenciadas Esses alunos serão capazes de obser var e ler suá realidade com um olhar crítico e analítico sobre o seu pró prio papel e momento histórico interpretando as diversas narrativas e suas implicações O fato de começar a estudar a História do Brasil por meio das chamadas Grandes Navegações e a busca de um mundo que se expan dia ao final do século XV não torna menos importante do que estudar o processo de globalização O professor pode articular os conhecimen tos e momentos vividos pelos alunos questionando por exemplo o pa pel do país dentro do mercado internacional hoje ou no século XVI percebendo as diferenças c semelhanças dos dois períodos Considerando a temática da pluralidade cultural que escolhe mos como exemplificação anteriormente podemos retomála e levála 7 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a adiante nessa abordagem por temas e períodos Ao tratar de hierarqui zação de culturas e desrespeito aos povos podemos questionar esse princípio entre os gregos entre os astecas entre portugueses entre os próprios brasileiros com suas diferenças regionais e raciais entre a América Latina e os Estados Unidos ou a Europa Ou seja na Grécia Antiga ou na 1 listória da primeira década do século XXI podemos tra tar a questão da pluralidade cultural do como ela se perpetua e onde ela é oprimida e resiste e de que forma Entre o conceito de bárbaro usado pelo grego aos povos que não pertenciam à sua civilização a seu padrão cultural à idéia de atrasados e subdesenvolvidos dirigidos a de terminados grupos culturais religiosos ou nacionalidades de hoje po demos inferir que a diversidade cultural existente entre nós e os gregos não é grosso modo muito distinta Dessa forma é plausível a articulação dos conteúdos divididos de forma tradicional à inovação representada pela transversalidade O que deve mudar é a atitude do professor diante dos conteúdos e alu nos identificando o que se busca e como se busca preservando o pa pel dos estudantes como sujeitos da aprendizagem CONCLUINDO Sabendo que o ensino é algo dinâmico e necessita adaptarse às diversas realidades e alunos vimos que tanto numa abordagem tradicional como na implantação de eixos temáticos o professor po de e deve renovar o ensino de História Desse modo apresentamos al guns pontos que sintetizam a proposta de trabalho com os temas transversais e devem ser claros para os professores que se dispõem a realizálo valorização do aluno e de seu universo estimular a oralidade e com base nela a produção textual e a análise de documentos textos vídeos mapas acervos não é possível estudar tudo Em nenhum momento em ne nhum modelo poderá o professor contemplar toda a História até mesmo porque ninguém possui esse saber ou pretensão por isso é 72 J o s é A l v e s d e F r e i t a s N e t o preciso saber selecionar o que falar e como falar para que o aluno pos sa fazer a articulação entre sua individualidade e a história coletiva saber identificar o esgotamento ou a necessidade de aprofun damento de um tópico pela maturidade envolvimento e proximidade com o que é vivido pelos alunos devendo estar atento ao ritmo dos mesmos e do que se busca em detrimento de um calendário rígido que muitas vezes esvazia o esforço do professor expor ao aluno o que se ensina por que se ensina e onde quer chegar para que eles reajam e discutam em torno desses mesmos obje tivos sendo partícipes desse processo de aprendizagem dar a dimensão que o conhecimento histórico é um meio pa ra compreender o mundo as questões da atualidade suas origens as diversas respostas e explicações para um determinado fato levando o aluno a ver que há diversas explicações para uma mesma realidade devendo abrirse para ouvilas e questionálas numa prática que per mitirá maior lucidez e discernimento diante da sociedade e da pró pria vida Notas 1 Montserrat Moreno Temas transversais em educação p 36 2 Mec Secretaria de Educação Fundamental Parâmetros Curriculares Na cionais História e Geografia p 43 3 François Hartog O espelho de Heródoto p 229272 Bibliografia A N PU H Memória História Historiografia dossiê ensino de História Revista Brasileira de História São Paulo v 13 set 1992ago 1993 n 2526 A Q U IN O J G org Diferenças epreconceito na escola alternativas teóricas e práticas São Paulo Summus 1998 BUSQUETS M D et al Temas transversais em educação bases para uma forma ção integral 2 a ed São Paulo Á tica 1 9 9 8 CO RTELLA M S A escola e o conhecimento fundamentos epistemológicos e políticos 3a ed São Paulo CortezInstituto Paulo Freire 2000 FAZENDA I C A Práticas interdisciplinares na escola São Paulo CorteAuto res Associados 1991 73 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a HarTOG F 0 espelho cie Hcródoto ensaio sobre a representação do outro Be lo Horizonte Ed UFMG 1999 JEN KIN S K A História repensada São Paulo Contexto 2001 SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL Parâmetros curriculares nacionais História e Geografia 2a ed Rio de Janeiro DPA 2000 74 N o v a s f o r m a s d e A B O R D A R O ENSINO DE H l S T Ó R I A Rafael Ruiz A QUEBRA DOS MODELOS O processo de conhecimento é a grande aventura e o grande de safio que o educador enfrenta quando prepara as suas aulas e quando as desenvolve com os seus alunos É dentro dessa perspectiva que serão feitas as considerações aqui apresentadas partindo de uma pergunta simples de ser feita e difícil de ser respondida qual é o modelo que devemos procurar como historia dores e como professores de História Partindo de uma conferência proferida pelo historiador francês François Hartog publicada em 1996 poderíamos dizer que houve três modos de entender a História e o papel do historiador O modelo clássico inaugurado por Tucídides e Cícero quando entendiam a História como magistra vita uma velha mestra que edu cando com os seus exemplos do passado poderia preparar nosso cami nho no futuro Esse modelo histórico predominou com altos e baixos até a me tade do século XVIII quando a Revolução na França e o Iluminismo na Alemanha exigiram uma nova conceituação Essa nova conceitua ção carregava consigo a descoberta da História como processo Um processo que era ao mesmo tempo progressivo e teleoló gico que leva a algum lugar que tem objetivo A História seria uma 75 H i s t ó r i a na s a l a d e a u l a história do futuro como o próprio Chateaubriand escritor fran cês afirmava eu escrevia História Antiga e a História Moderna es tava a bater à minha porta Chateaubriand estava se referindo ao fato de que pretendia es crever História precisamente no momento em que se estava dando a Revolução Francesa Griteilhe em vão Espera já vou Ela passava ao estrondo do canhão levando três gerações de reis completava Chateaubriand Por outras palavras o historiador estaria imerso no próprio tempo em que escreve e à medida que escreve tenta escrever sobre o passado procurando vislumbrar o futuro querendo entender a Revo lução e prever simultaneamente o seu destino Um terceiro modelo surgiu no período entre guerras quando a partir do final da Segunda Guerra Mundial o futuro começava a per der terreno à medida que o presente e nada mais do que o presente tornavase importante De certa forma como afirmava Hartog na sua conferência o que temos experimentado no Ocidente ao longo do sé culo XX é uma ênfase crescente no presente enquanto tal Portanto até o começo dos anos 80 tínhamos três linhas de pensamento que configuravam a História a história mestra da vida voltada para o passado a história teleológica voltada para o futuro e a história do presente situada no hoje aqui e agora E contudo con forme Hartog afirmava esses três modelos quebraram definitivamente e não conseguem mais dar conta da História A PROCURA DE UM NOVO MODELO PARA A HISTÓRIA O que mudou nesses últimos anos Por que esses modelos não dão mais conta da realidade histórica Hartog defende a hipótese de que o ano de 1989 com a queda do Muro de Berlim simboliza o mo mento de quebra ou pelo menos o momento de mudança O que simboliza esse momento para o conhecimento histórico Simboliza nas palavras de Hartog que não é mais possível escrever 76 R a f a e l R u i z História do ponto de vista do futuro e que o passado mesmo e não apenas o futuro tornouse imprevisível ou mesmo opaco Não é mais possível falar do futuro porque as velhas teorias de terministas de uma história positiva uma sucessão linear e progressi va não passavam de uma ilusão Não é mais possível ver o passado por que depois da queda do muro é mais fácil perceber que há muitos pontos de vista convergindo sobre esse passado e narrandoo de formas muito diferentes Qual deveria ser então o novo modelo para a História Que perguntas deveríamos fazer ao nosso passado ao nosso presente e ao nosso futuro Qual poderá ser a tábua à qual possamos nos agarrar diante desse naufrágio dos vários modelos A resposta de Hartog lança uma luz penetrante para reorgani zarmos nossa maneira de estudar e de ensinar a História Diz ele que precisamos nos basear em dois princípios 1 edificar o próprio ponto de vista tão explicitamente quanto possível e 2 realizar sempre uma abordagem comparativa Tratase portanto de ensinar aos alunos não a contemplar o edifício da História como algo já pronto mas de ensinarlhes a edi ficar o próprio edifício Até agora a História era ensinada como se se tratasse de quadros já acabados Cenas que eram apresentadas aos alunos como se fossem sli des para apartir daí tecer algumas considerações sobre como se chegou a essas mesmas cenas o Renascimento os descobrimentos a Conquis ta a Reforma a ContraReforma E as suas conceituações paralelas o individualismo o desejo de expansão os novos mercados o extermínio das populações indígenas o espírito protestante e o católico Ensinar a edificar o próprio ponto de vista não significa ensinar as soluções nem significa mostrar aonde se chegou num determinado momento histórico nem sequer significa dar algumas explicações so bre como e por quê se chegou naquele ponto Isso é importante mas como ressalta Hartog hoje já não é suficiente Ensinar a edificar o próprio ponto de vista histórico significa ensinar a construir conceitos e aplicálos diante das variadas situações 77 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a e problemas significa ensinar a selecionar relacionar e interpretar dados e informações de maneira a ter uma maior compreensão da realidade que estiver sendo estudada ensinar a construir argumentos que permitam explicar a si próprios e aos outros de maneira convin cente a apreensão e compreensão da situação histórica significa enfim ensinar a ter uma percepção o mais abrangente possível da condição humana nas mais diferentes culturas e diante dos mais va riados problemas O nosso desafio portanto consiste não em saber se é possível fazer isso ensinando História mas em responder positivamente com um método adequado à pergunta sobre como é possível fazer isso en sinando História UM NOVO MÉTODO HISTÓRIA E LITERATURA Se conforme dizia Hartog a forma mais acertada para cons truir o próprio ponto de vista seria adotar uma abordagem comparati va poderíamos tentar encontrar uma nova fonte de análise e de traba lho a partir da Literatura A convenção da veracidade própria da História e a convenção da ficcionalidade própria da Literatura permitemnos estabelecer um método que seguindo as diretrizes de Hartog poderá ajudarnos a ela borar essa abordagem comparativa Podemos trabalhar os diferentes modelos históricos através de um documento ou de um texto literário clássico Podemos usar como método de trabalho e em salas de aulas tanto um texto de Tucídides para mostrar a História mestra da vida como um texto do A vida e as estranhas aventuras de Robinson Crusoé de Daniel Defoe tanto um texto de Marx para identificar uma história teleológica como a Uto pia de Thomas More tanto um documento da história presente co mo uma leitura de Palomar de ítalo Calvino 78 R a f a e l R u i z R obinson C rusoé e a História mestra da vida O objedvo de trabalhar com a leitura do texto de Defoe pode ria ser tentar perceber como é difícil captar a diferença e como é fácil ver no outro a projeção daquilo que somos Robinson está no Novo Mundo pretendendo moldálo confor me ao já conhecido conforme ao estilo europeu O grande erro de Ro binson consistirá em não olhar para a realidade que o cerca sem deixar de lado a herança do passado já vivido Quando quis semear para re solver o problema da fome foi incapaz de prestar atenção aos ritmos climáticos do lugar onde estava Soube apenas pensar nos mesmos moldes e com os mesmos ritmos que se viviam na Inglaterra Guardei todos os grãos que pude com a intenção de os semear de novo na esperança de conseguir com o tempo quantidade suficiente para me prover de pão Todavia não pude comer um só grão antes do quarto ano e mesmo depois desse tem po usei de m uita economia como veremos a seu tempo Com efeito perdi toda a primeira sementeira porque não escolhi a época apropriada Qual é o princípio epistemológico que Robinson está usando A analogia Olha para a nova realidade em que se encontra e enxerga a através dó filtro do que já conhece Por isso o primeiro contato com o outro dáse de maneira prag mática e individualista É a melhor forma que Robinson imaginara pa ra conseguir sair da ilha em mais uma nova tentativa que realizara Uma noite durante a estação chuvosa no mês de março do 24 ano da minha permanência na ilha sonhei que ao sair de casa pela manhã com o de costume vi duas canoas na praia e 11 selvagens que traziam outro prisioneiro para assar e devo rar Tornouse assim meu criado Logo que o arranjei disse para comigo Posso agora tentar atingir o c o n t i n e n t e pois esse camarada me servirá de guia dizendome o q u e lazer 79 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a aonde ir para obter víveres que lugares evitar para não ser de vorado Acordei com esse pensamento Tamanha me fora a alegria ante a perspectiva de escapar da ilha que ao ver que tu do não passava de um sonho o desapontamento me lançou no mais profundo desânimo O seu sonho somente se realizou um ano e meio depois Foi assim que salvou SextaFeira Era a primeira vez em 25 anos que conseguia relacionarse com outro ser humano E contudo o seu modo de olhar continua preso ao passado continua sendo um modo de olhar europeu Era um belo tipo elegante bem proporcionado alto robusto e segundo me pareceu de uns 26 anos de idade Tinha aspec to agradável e não feroz ou brutal A fisionomia era varonil embora não lhe faltasse a doçura e a suavidade do semblante europeu máxime quando sorria A pele não era negra re tinta porém acobreada mas não daquele horrível acobreado amarelecido e nojento dos índios do Brasil da Virgínia e de outras regiões da América E as primeiras duas coisas que Robinson lhe ensinou foi que seu nome seria SextaFeira dia em que o salvara e a dizer Senhor e em seguida deilhe a conhecer que esse seria meu nome Todo o processo de aculturação seria portanto uma imitação do estilo europeu O americano seria um remedo do europeu sem apa rência própria Depois disso voltamos ao nosso castelo onde dei a Sexta Feira antes de mais nada um par de ceroulas de linho que en contrara na arca do infeliz artilheiro do navio naufragado Ser viulhe muito bem com pequenos ajustes Fiz para ele depois da m elhor maneira que pude uma jaqueta de pele de cabra Deilhe também um gorro de lebre Ficou dessa maneira to leravelmente vestido M ostrouse muito contente com a indu mentária quase tão boa quanto a do seu senhor Não se ajei 8o R a f a e l R u i z tou bem a princípio As ceroulas eramlhe m uito incômodas e as mangas da jaqueta feriam lhe os ombros e a face interna dos braços Não tardou porém a acostumarse A própria alimentação seria como na Inglaterra Resolvi regalálo no dia seguinte com um pedaço de ca brito assado Preparei a carne pendurandoa de um cordel so bre a fogueira conform e vira fazer muitas vezes na Inglaterra Q uando lhe dei a com er um pedaço de carne usou de tantos gestos para dizerme quanto a apreciava que não pude deixar de entendêlo Acabou por me afiançar que nunca mais comeria carne humana o que me alegrou bastante Por isso não é de se estranhar que Robinson na segunda parte do livro pretenda criar as bases da sua nova colônia a partir do exem plo da antiga A seguir reparti uma espécie de tela inglesa m uito fina de que já fiz menção dandolhes o bastante para fazer uma tela am pla e leve à guisa de túnica traje fresco e côm odo que me pa receu mais próprio para aquele clima Da mesma form a dispuj quanto aos sapatos chinelos e chapéus É impossível descrever o prazer e a satisfação que dem onstrou aquela pobre gente ao ver meu interesse por eles Cham a ramme seu pai Apresentei então o pessoal que havia levado comigo principalm ente o alfaiate o ferreiro e dois carpinteiros Robinson Crusoé é um bom exemplo de como o passado pode ser modelo para o presente como de fato a história pode ser mes tra da vida Daniel Defoe propõe com a sua personagem uma Novi Inglaterra no Novo Mundo e para tanto levará do velho continente alfaiates carpinteiros roupas tecidos Enfim tudo aquilo que l necessário para fazer da América um espelho da Europa 81 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a More e Maquiavel as utopias em choque A utopia é uni dos temas mais importantes da História Mo derna freqüentemente tratado como um apêndice literário num mo mento marginal da aula sobre o Renascimento ou os descobrimentos Contudo a análise desses textos literários permite relacionar e estabelecer conexões entre m u itas áreas do conhecimento política sociedade religião representações sociais aspirações Dessa forma tornase mais simples fugir do sistema bipolar já comentado indivi dualismoexpansão novos mercadosextermínio calvinismocatolicis m o e adentrarse na proposta comentada por François Hartog de nominada por ele de história teleológica Por que a utopia surge como um modelo no mundo moder no Porque ó pensamento moderno é um pensamento ativo Tanto Francis Bacon quanto a Companhia de Jesus por citar apenas dois exemplos bem diferentes são caracterizados por esse componente Para Bacon a finalidade do conhecimento já não é mais como nos tempos clássicos a contemplação teoria da realidade mas a trans formação da mesma Saber é dominar Dominar a natureza e as suas leis para transformála Para a Companhia de Jesus a tarefa mais importante é a trans formação do homem de um homem velho para um homem novo de um homem pecador num santo E para isso seria necessário um no vo espaço um novo tempo uma nova sociedade Por isso o modelo utópico será tão utilizado na Idade Moder na porque servirá como crítica do atual modelo de vida e proposta do futuro E a América será o campo fértil para servir de modelo para uma nova proposta de sociedade Nessa perspectiva entendese melhor por que a nova realidade descoberta foi chamada de Novo Mundo Nova Es panha ou Nova Inglaterra Onde está a diferença principal entre a Utopia dc More e o Príncipe de Maquiavel Na sua diferente concepção do ser e do de ver ser E essa distinção é precisamente um divisor de águas entre o mundo clássicomedieval e o mundo moderno 82 R a f a e l R u i z More embora renascentista é um humanista clássico Sua tra dição está ancorada nos gregos Maquiavel rompe com o mundo gre go e prepara as bases do mundo moderno Os gregos tinham visões muito diferentes sobre a educação mas partiam de um princípio ordenador que é contestado pelo mundo mo derno e especificamente por Maquiavel Para os gregos o ser e o de ver implicamse mutuamente Para More só poderá haver uma boa sociedade se os homens forem bons ou seja se forem convenientemente educados Para Ma quiavel basta apenas que os homens representem o seu papel Quando Thomas More explica a Rafael como deveria ser o pro cesso educativo na nova sociedade advertia que não é possível que tudo seja bom e perfeito até que os próprios homens consigam atingir a perfeição coisa que na minha opinião não acontecerá nos anos mais próximos de nós Para More a educação da nova sociedade teria um ritmo len to porque seria preciso tempo para extrair dos homens aquilo que de melhor podem dar de si Por isso propõe jogos e costumes que permi tam criar hábitos Um dos jogos é o combate dos vícios e das virtudes em jeito de batalha sobre um tabuleiro Este jogo mostra com clareza a dis córdia e a anarquia que reina entre os vícios e o seu perfeito acor do e unidade quando se opõem às virtudes M ostra ainda os ví cios que se opõem a cada uma das virtudes como as atacam astuciosamente e por processos indiretos e a dureza e violência com que as enfrentam em campo aberto Evidencia este jogo co mo a virtude resiste ao vício e o domina como frustra os seus in tentos e finalmente como um dos dois partidos alcança a vitória More inserese em uma corrente do pensamento humanista clássico que estabelece a necessidade da virtude pessoal para que a re pública funcione corretamente Por isso em Utopia vivese de acordo com costumes bem dife rentes dos da nossa sociedade Para evitar os graves problemas sociais 83 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a que decorrem do uso do dinheiro do ouro e da prata da avareza e am bição humanas os utopianos encontraram um método que o próprio Rafael diz ser difícil de acreditar Utilizam o ouro e a prata para fazer vasos de noite e outros re cipientes de uso mesquinho não só nos edifícios comuns co mo nas casas particulares Por todos esses meios procuram manter o uso do ouro e da prata como infamante e reprovável e esses metais cuja perda nos outros povos é tão senrida como a da própria vida no caso dos utopianos se toda a riqueza desaparecesse num repente ninguém sentiria a sua falta O autor volta a repetir que para conseguir tudo isso é preci so que haja um sistema educativo bem organizado de maneira que os próprios costumes sociais estejam de acordo com o que é ensina do nas escolas More como bom humanista de corte grego preocupase não apenas com o fato de que se entendam e se aceitem racionalmente as normas e os princípios de ação prática indispensáveis para a vida pessoal e a vida em sociedade mas que esses princípios despertem nos homens bons sentimentos ou melhor os sentimentos adequados A prática dos atos o costume facilita que na pessoa surjam os sentimentos ade quados quando algumas práticas possam tornarse custosas Os utopianos concebem tais sentimentos em parte pela educa ção recebida no seio de uma república cujos costumes tão fortemente se opõem a essas loucuras e também pelo estudo das letras Estamos perante o que sempre se entendeu como formação clás sica ler e ver Teoria e estética Argumentos e costumes Razão e senti mento Tudo junto sem a separação que será estabelecida por Maquiavel A tese fundamental da utopia é que é preciso ser educado para enxergar os valores para assumir os valores Ou seja só quem é bom reconhece o valor do que é bom Fora disso é preciso a imposição ou da força bruta ou da força da lei Maquiavel por seu lado proporá um modelo completamente diferente É o momento mais significativamente moderno É o come 84 R a f a e l R ui z ço da separação da fragmentação da realidade Ser e dever estão em mundos diferentes No Cap XV ao tratar das razões por que os homens e espe cialmente os príncipes são louvados ou vituperados Maquiavel ma nifesta seu intuito de falar sobre o comportamento que os príncipes de vem ter com relação aos seus súditos e esclarece que não pretende fazer como tantos outros autores que já têm tratado desse tema Todavia como é meu intento escrever coisa útil para os que se interessarem pareceume mais conveniente procurar a verdade pelo efeito das coisas do que pelo que delas se possa imaginar Tratase portanto de inaugurar uma ética de resultados on de a verdade se conclua da utilidade ou inutilidade das ações É neste capítulo que Maquiavel estabelece mais claramente a separação entre o c íc j ser e o dever ser Vai tanta diferença entre o como se vive e o modo por que se de veria viver que quem se preocupar com o que se deveria fazer em vez do que se faz aprende antes a ruína própria do que o modo de se preservar e um homem que quiser fazer profissão de bondade é natural que se arruine entre tantos que são maus O critério ético fica deslocado a partir desse momento O que interessa não é a bondade ou praticar atos justos mas a utilidade e pra ticar atos que produzam um rendimento que beneficie ao autor Ma quiavel não afirma que essa atitude seja boa simplesmente constata como o fará repetidamente nos outros capítulos que é a única ati tude possível para sobreviver neste mundo O que há de moderno e de diferente nessa postura Na raiz des sa postura encontrase uma visão moderna do conceito de lei embora Maquiavel não fale expressamente A lei é vista como um instrumento do poder para imperar coativamente uma conduta determinada O mundo do ser é natural é sentimental é subjetivo É um mundo onde o homem precisa ser educado Mas o mundo do de ver ser é voluntário é objetivo pode ser imperado O homem moderno pode ser induzido A tese fundamental do mundo moderno 85 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a é que mesmo as pessoas sendo ruins podem praticar atos bons por que imperados É importante perceber a diferença entre Utopia e Príncipe na Utopia eu preciso convencer educar as pessoas a serem boas a lei é uma ajuda junto com outros fatores no Príncipe não as pessoas po dem ser até ruins o importante é que a lei seja coativa que force a agir Para Maquiavel haveria dois mundos separados o mundo da éticamoral onde se afirma uma lei interna e privada e até certo pon to abstrata o espaço do ser e da bondade e o mundo do direitojus tiça onde se afirma uma lei externa pública e concreta o espaço do dever ser e do jurídico O dever ser de Maquiavel não olha para a bondade dos atos mas para a utilidade Por isso em política não se pergunta mais se é bom mas se é necessário ou útil Partindo dessa dicotomia para Maquiavel o mais importante portanto é disfarçar muito bem essa qualidade e ser bom simulador e dissimulador E tão simples são os homens e obedecem tanto às neces sidades presentes que aquele que engana sempre encontrará quem se deixe enganar Dentro deste contexto Maquiavel introduz definitivamente a distinção entre o ser e a aparência O Príncipe não precisa possuir todas as qualidades acima cita das bastando que aparente possuílas Antes teria eu a audá cia de afirm ar que possuindoas e usandoas todas essas qua lidades seriam prejudiciais ao passo que aparentando possuílas são benéficas por exemplo de um lado parecer ser efetivam ente piedoso fiel hum ano íntegro religioso e de ou tro ter o ânim o de sendo obrigado pelas circunstâncias a não o ser tornarse o contrário Maquiavel portanto vai contra a corrente de pensamento clás sico inaugurado pelos gregos e renovada por More que estimulavam o homem a tornarse aquele que podia chegar a ser ou a ser si pró prio Maquiavelnão acredita na capacidade de desenvolvimento per 86 R a f a e l R u i z fectivo do ser humano Olha e aceita o homem como é completa mente desvinculado do que pode vir a ser bastando apenas que pos sa aparentar o que deveria ser Maquiavel introduz na esfera política do Renascimento uma cosmovisao de ética muito diferente da introduzida por um More com a sua Utopia Tratase de uma ética de resultados que terá conseqüên cias a curto prazo no âmbito da conquista e colonização do Novo Mundo não se pode esquecer que provavelmente Hernán Cortés te nha recebido influências de Maquiavel e a longo prazo no âmbito do que hoje conhecemos como mundo da política ítalo Calvino e a fragmentação do presente Em sua conferência François Hartog apontava para a impossi bilidade de o historiador dar conta da História do presente num mo mento em que se verifica não apenas que a realidade está fragmentada mas que a própria narrativa permite inúmeras possibilidades ítalo Calvino com o seu Palomar caminha na mesma direção começando pela própria questão do método histórico Como se dá o acesso à realidade O que se pode fazer perante um documento peran te um objeto material se não soubermos formular a pergunta acerta da aquela que precisa ser feita Qual deverá ser o modelo que nos per mita entender a realidade histórica Para ter uma boa compreensão do que estamos analisando é preciso saber o que se está procurando é imprescindível para o histo riador ter uma atitude ativa inquisitiva que o leve a determinar pre viamente a pergunta que focalize o seu olhar sobre o documento so bre o período que está estudando É isso que ítalo Calvino procura nos lembrar no seu livro Palomar Uma das primeiras dificuldades que encontra Palomar na sua tentativa de conhecer o mundo é a dificuldade para isolar o objeto a ser conhecido Enquanto contempla o mar e procura analisar uma onda per cebe que não se pode observar uma onda sem levar em conta os as pectos complexos que concorrem para formála e aqueles também 87 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a complexos a que essa dá ensejo Há uma dificuldade inerente à reali dade que dificilmente Palomar consegue superar A realidade não se deixa objetivizar No momento em que a objetivizamos destruímos seu ser em movimento real e a transformamos em uma peça de mu seu objetiva sim mas já não mais real É uma realidade mumificada Palomar tenta limitar seu campo de observação É como se houvesse realidade demais para cie Tanta realidade que se torna im possível estudála atenta e objetivamente De certa forma o que a per sonagem de Calvino está tentando fazer como o historiador é um re corte da realidade Um recorte no espaço e no tempo para assim poder debruçarse sobre esse objeto produzido Palomar tenta recortar um quadrado de digamos dez metros de praia por dez metros de mar para poder levantar um inventário de todos os movimentos de ondas que ali se repetem com freqüência variada dentro de um dado intervalo de tempo Mas não é tarefa fácil O mar não se deixa circunscrever dentro desse espaço recortado por Palomar E pior o próprio Palomar não consegue prestar atenção apenas àqueles aspectos previamente demar cados por ele É como se a realidade a ser estudada puxasse do investi gador continuamente para outros aspectos e parcelas daquela mesma realidade que ficam para muito além do recorte estabelecido Prestar atenção em um aspecto faz com que este salte para o primeiro plano invadindo o quadro Além do mais nesse entrecruzarse de cristas diversamente orientadas o desenho de conjunto se torna fragmentado em espços quadrados que afloram e se desvanecem O historiador tal como Palomar na sua ânsia de conhecer a rea lidade histórica e defrontandose com as mesmas dificuldades que o herói de Calvino encontra na sua tarefa deixase levar pela mão de Pa lomar à conclusão de que precisa de um método Palomar decidiu optar por um modelo cartesiano racionalista o mais perfeito lógico geométrico possível Esse modelo traz a vantagem de ter sido sistematizado por um filósofo da categoria de Descartes e car 88 R a f a e l R u i z rega em si toda a força e tranqüilidade para o espírito inquisidor do in vestigador de garantir a certeza e a objetividade dos resultados É um modelo que foi sendo alinhavado na Europa já no come ço do Renascimento Físicos astrônomos artistas arquitetos até mes mo políticos e homens da corte foram procurar na Natureza as leis ob jetivas que mostrassem as bases estruturais do método Tratavase então de conseguir ter presente por um lado a realidade inform e e de mente da convivência humana que só gera monstruosidades e desastres e por outro lado um modelo de organismo social perfeito desenhado com linhas nitidamente traçadas retas e círculos e elipses paralelogramas de forças diagramas com abscissas e ordenadas O modelo pronto e acabado não é patrimônio exclusivo de Pa lomar nem de muitos cientistas e pesquisadores Foi assim por exem plo que os espanhóis se aproximaram da América com um modelo de cidade um modelo de rei um modelo de súdito um modelo de re pública e polícia como eles próprios gostavam de repetir enquanto olhavam para os indígenas e levavam as mãos à cabeça afirmando que viviam como brutos sem um mínimo de civilidade O problema do modelo é que para ser modelo tem de fun cionar comperfeição ao passo que a realidade vemos bem que ela não funciona e que se esfrangalha por todos os lados Mas Palomar como os espanhóis à época da conquista e como curiosamente o pró prio historiador tantas vezes não desiste e não será por isso que ele vai deixar de lado o seu modelo Se é assim que as coisas se passam res ta apenas obrigar a realidade a adquirir a forma do modelo por bem ou por mal A tarefa não resultou fácil para Palomar nem para os espanhóis nem para os historiadores A realidade recusavase a adaptarse ao mé lodo Calvino comenta que sua personagem bem que tentou procu inulo desconsiderar tudo aquilo que sobrava da realidade todas as la ci iições e contorções e compressões que a realidade humana deve sofrer 89 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a para identificarse com o modelo deviam ser consideradas acidentes momentâneos e irrelevantes ítalo Calvino ajudanos a concluir que a realidade é de fato ina barcável Mas nem por isso o seu personagem deixa de querer entendêla O momento mais significativo dessa tensão tensão entre a im possibilidade de compreender totalmente a realidade e a necessidade de querer entendêla fica maravilhosamente retratado quando Palomar viaja ao México até as ruínas de Tula Palomar encontrase lá na companhia de um amigo com mo numentos antigos Diante de um chacmool uma figura humana se miestendida que segura um vaso o amigo de Palomar dá inúmeras explicações que de certa forma fazem sentido Contudo um profes sor mexicano olhando para a estátua e para os seus alunos diz apenas Esto es un chacmool No se sabe qué quiere decir Palomar fica perplexo e fascinado Perante a riqueza das explica ções do amigo e a singeleza da afirmação do professor Palomar não sa be que partido tomar As coisas realmente se passaram assim como ex plica o amigo ou não há o que se possa dizer perante aquelas estátuas Que quereria dizer morte vida continuidade passagem para os antigos toltecas e que poderá querer dizer para esses garotos E para mim Palomar toma consciência de que não consegue dar conta de to da a realidade passada de que no momento presente que vivemos não dispõe do arcabouço lingüístico nem conceituai que lhe permita enten dêla completamente E mesmo assim procura lançar as perguntas que considera oportunas procura fazer as questões que lhe ajudem a entender melhor essa mesma realidade Por quê Calvino responde com a resposta que o historiador é também capaz de dar diante da realidade fragmentada do mundo moderno Contudo sabe que não poderia jamais sufocar em si a necessi dade de traduzir de passar de uma linguagem a outra de uma figura concreta a palavras abstratas de símbolos abstratos a ex periências concretas de tecer e tornar a tecer uma rede de ana logias Não interpretar é impossível como é impossível abster se de pensar 90 R a f a e l R u i z ítalo Calvino como François Hartog e como qualquer histo riador neste começo de século XXI sabem que o tecido da História es tá feito de uma rede de analogias e interpretações que partem do tex to do objeto material do documento mas que são abstrações interpretativas porque no limite da verificabilidade não sabemos o que aqueles textos e estátuas querem dizer mas podemos explicitar o nosso ponto de vista e tentar estabelecer uma rede de relações e analo gias o mais abrangente possível que possam vir a darnos uma não to da explicação de aquela realidade histórica Por isso um dos modelos que devemos procurar perante os de safios que já estão colocados neste começo do século XXI é o modelo narrativo Um modelo narrativo que contemple as duas condições pré vias as duas premissas necessárias que Hartog apontava na sua confe rência o ponto de vista do narrador e uma abordagem comparativa A Literatura Universal sempre nos proporcionará o acesso a es sas duas premissas básicas O narrador pelo fato de narrar posicionase a partir de um ponto de vista que fica explícito na própria narrativa E esse mesmo narrador quando a obra literária é um clássico sempre adotará uma cosmovisão abrangente sempre nos per mitirá olhar para as personagens e para o fio condutor da sua história com um olhar mais amplo mais relacionai onde tudo ou quase tudo o político o social o individual o íntimo o econômico o religioso o explícito e o im plícito tudo enfim o que compõe a estrutura do humano possa ser compreen dido num único golpe de vista o golpe de vista do leitor que será ao mesmo tempo espectador da história que está sendo contada e que lhe permitirá adquirir uma visão muito além do que até agora lhe permitiam os antigos modelos da História 91 PARTE II RECORTES PARTE II RECORTES A RENOVAÇÃO DA H l S T Ó R IA A N T I G A Pedro Paulo Funari A História Antiga na sala de aula constitui desde longa data uma grande preocupação para o professor Há mais de 15 anos quan do o restabelecimento dos civis no poder trouxe à tona uma grande efer vescência nas discussões sobre o ensino de História na escola fundamen tal e média a História Antiga já se apresentava como um grande tema Em reuniões da Anpuh havia mesasredondas sobre isso assim como fervilhavam as propostas curriculares que tinham de haver com os pe ríodos da História Os parâmetros curriculares de História do início da década de 1960 estabeleciam os temas de História Antiga que deveriam ser conhecidos por professores assim como os livros didáticos então como agora dedicavam atenção ao mundo antigo Todos os cursos su periores de História deviam ministrar História Antiga para formar os futuros mestres mas pouquíssimos tinham docentes pesquisadores da Antigüidade de modo que a disciplina estava relegada na universida de àqueles cujo conhecimento do tema era muito superficial e cujo in teresse muitas vezes se distanciava do mundo antigo Nas últimas duas décadas a situação mudou muito tanto no ensino superior e na formação dos professores como nos livros didáti cos e de apoio e na própria prática da sala de aula Se o estudo da Antigüidade tantas vezes parecia antes esotérico distante e só even tualmente prazeroso e atrativo hoje o quadro é outro e as perspectivas sío ainda mais alentadoras Neste capítulo mostrarei como a História 95 H i s t ó r i a n a s a l a de a u l a Antiga pode ser não somente muito útil para a vida do futuro cidadão como também procurarei ressaltar aqueles recursos e estratégias à dis posição do professor para que ele ministre aulas agradáveis e que lhe tragam prazer e recompensa intelectual O ESTUDO DA ANTIGÜIDADE NO BRASIL E A FORMAÇÃO DO PROFESSOR Em duas décadas o país testemunhou uma grande expansão da pesquisa sobre o mundo antigo Muitas universidades possuem profes sores estudiosos do mundo antigo mestres e doutores com pesquisa própria sobre a Antigüidade A importância do conhecimento das fon tes antigas gregas latinas mas também hebraicas egípcias e mesopo tâmicas levou ao estudo de línguas pelos estudiosos A História se faz com documentos e o conhecimento em primeira mão dos documen tos permite que o historiador formule suas próprias interpretações do passado A História em especial a Antiga não se faz apenas com do cumentos escritos mas também com a cultura material com o estudo arqueológico de edifícios estátuas cerâmica pintura entre outras ca tegorias de artefatos A arqueologia do Mediterrâneo antigo também desenvolveuse no Brasil com estudos tão originais e variados como a vida rural na Grécia antiga a cultura popular antiga as imagens dos vasos gregos para citar apenas uns poucos tópicos Dezenas de profissionais qualificados formaramse nesse período e puderam expandir de forma significativa o ensino especializado de História Antiga As pesquisas científicas resultaram logo em uma gran de quantidade de publicações livros e artigos de revista lidos pelos alunos futuros mestres e pelos próprios professores Assim ao lado da literatu ra historiográfica internacional traduzida expandiuse a possibilidade de acesso a uma produção nacional muito próxima das preocupações e an seios dos nossos professores e alunos Além dos livros para professores multiplicaramse as coleções de apoio didático com livros voltados para os jovens do ensino fundamental com muitas ilustrações excelente pro 96 P e d r o P a u l o F u n a r i jeto gráfico atrativos e instrutivos Produzidos por autores brasileiros tratam das inquietações de jovens brasileiros Publicaramse também muitas obras antigas traduzidas das línguas originais ao português seja na forma de obras integrais seja na forma de coletâneas 05 LIVROS DIDÁTICOS E A RENOVAÇÃO DA HISTÓRIA ANTIGA Os livros didáticos também foram afetados pela profissionaliza ção do estudo da Antigüidade no país Cada vez mais os livros tratam não só dos temas e das explicações historiográficas tradicionais mas procuram diversificar os objetos e as abordagens assim como inserir o estudo da Antigüidade na realidade brasileira A visão eurocêntrica es tereotipada já não é a única encontrada ao contrário Surgida no sécu lo XIX europeu a postura tradicional identificava a História como o es tudo do Ocidente racional e dominador do mundo que teria surgido na forma de civilização às beiras do Nilo Tigre e Eufrates passado como se fosse uma tocha para a Grécia depois Roma para ressurgir no mun do moderno Essa visão tão profundamente elitista e européia tem ce dido passo a concepções menos limitadas do mundo antigo O Egito já não são apenas os faraós mas também as muitas e mui tas aldeias nao há apenas continuidade mas mudança mostrase que ali conviviam povos e culturas variadas egípcios núbios hícsos hebreus gregos romanos A Mesopotâmia já não é apenas o mundo dos déspotas precursores de Saddam Hussein mas um local onde a variedade cultural produziu uma infinidade de reflexões muitas delas profundamente enrai zadas em nossa própria cultura Os hebreus já não são apenas precursores do cristianismo mas fazem parte de nossa própria maneira de conceber o mundo A Antigüidade tampouco iniciase com a escrita mas cada vez mais buscase mostrar como o homem possui uma 1 listória Antiga mul timilenar anterior à escrita em milhares de anos A Grécia idealizada como a inventora da democracia e da filo sofia cede passo para interpretações mais abrangentes que recuam a 97 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a Grécia para muito antes de Homero e que mostram as ligações umbi licais entre os helenos e o Mediterrâneo Oriental Na Atenas democrá tica descobrese uma massa de camponeses pobres na base do regime assim como artesãos humildes que forjam uma cultura muito menos elitista do que aquela ensinada a nossos avós e tantas vezes rejeitada co mo incompreensível A cidade grega a pólis volta a adquirir seu sen tido original ao apresentarse a vida no campo onde vivia a grande maioria dos gregos Os romanos caracterizados como brutos violen tos cruéis e preguiçosos e sua história como uma sucessão de sandices de seus governantes têm cada vez menos espaço O cotidiano dos ro manos suas labutas diárias sua religiosidade e apego à lei passam a ex plicar os jogos de gladiadores como prática inteligível antes que sim plesmente condenável A sua História é aquela da diversidade da absorção e da interação cultural Logo se chega a Darcy Ribeiro e sua caracterização do Brasil como a nova Roma NOVAS POSSIBILIDADES ANALÍTICAS Quais as principais inovações interpretativas que influenciam de forma positiva o ensino de História Antiga Em primeiro lugar a apresentação de uma Antigüidade construída pela historiografia an tes que uma História dada acabada a ser decorada pelo aluno Os grandes temas e acontecimentos da Antigüidade as próprias periodi zaçoeSj começam a aparecer como construções historiográflcas Na História Antiga a tradicional dicotomia entre Oriente e Ocidente constitui uma grande narrativa que estrutura toda uma visão euro cêntrica da História Cada vez mais apresentase essa oposição no contexto histórico do moderno imperialismo do século XIX e X X a mostrar como o Ocidente se cria como uma supercivilização domi nadora do mundo Em um primeiro momento esse Ocidente é niti damente racista arianista antisemita ao criar um homem ariano ocidental racional guerreiro e conquistador do oriental irracional trapaceiro indolente pronto a ser civilizado pelos arianos alemães ingleses franceses depois americanos No bojo da derrota nazista e 98 P e d r o P a u l o F u n a r i da forja de um novo Ocidente antiracista criase o novo conceito muito presente nas interpretações tradicionais da Antigüidade da su perioridade cultural da civilização judaicocristã ocidentalizando em parte tanto o judaísmo como o cristianismo reconhecidos como de origem oriental Como isso se apresenta na prática concreta de sala de aula Em grande parte o que se apresenta são discursos diversos conflitantes e contraditórios sobre os temas tratados a mostrar como são os historia dores a escrever a História em contextos históricos e sociais muito pre cisos Com isso chegamos à segunda grande novidade analítica o rela cionamento entre a Antigüidade e o mundo contemporâneo em que vivemos De fato para que se possa tratar da invenção do conceito de plebe ociosa termo aplicado para designar os cidadãos atenienses e a plebe romana impõese tratar da invenção no século XVIII da noção de plebe ociosa usada para designar aqueles que no capitalismo industrial nascente não eram assalariados Da mesma forma separar razão e mito como se os gregos houvessem operado um milagre a descoberta da ra zão impõe uma lógica iluminista de novo do século XVIII para uma outra realidade histórica e social Os alunos ficam fascinados quando descobrem gregos que não eram milagrosos e geniais mas que havia cul turas variadas diversas entre si mas também diferentes de nós Os he breus já não são os inventores do nosso monoteísmo ocidental mas acre ditaram em muitos deuses inventaram um deus nacional na monolatria javista influenciados também pelos próprios egípcios As novas possi bilidades analíticas dependem em última instância da ativação da capa c idade de reflexão do aluno diante da diversidade de interpretações e do aguçamento de sua curiosidade intelectual NOVOS TEMAS E NOVAS I iSTRATÉGlAS EM SALA DE AULA Os temas tradicionais da História Antiga continuam a consti iiiir elemento central no estudo da Antigüidade pois são aqueles que 99 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a fundamentam a relação entre a nossa sociedade contemporânea e a An tigüidade Para que se possa contextualizar os discursos historiográfi cos é necessário estudar tanto as fontes antigas como a historiografia moderna sobre temas como o nascimento do Ocidente ou o surgi mento da Filosofia A própria narrativa histórica não pode deixar de passar por acontecimentos às vezes tão simplórios mas significativos para a invenção de nossa sociedade contemporânea como pode ser o cruzamento do Rubicão por Júlio César ou a monarquia de Davi e Salomão Ora se nossos alunos não souberem quem foi Júlio César e o que significou a passagem pelo Rubicão como poderão entender o papel das armas na História em geral e na nossa História em particu lar Se não conhecerem os monarcas hebreus como poderão interpre tar de forma menos superficial as religiões contemporâneas tão im portantes como o Judaísmo Cristianismo e Islamismo Isso não significa que não se devam tratar de novos temas mas que os grandes tópicos continuam a ser essenciais vistos como nar rativas historiográficas a serem conhecidas pelos alunos e que os per mitam refletir sobre temas da atualidade como são tanto o papel das armas na História como das religiões mencionadas acima Sem dú vida entretanto novos temas também podem e devem ser utilizados Os novos temas surgem em grande parte da atualidade também As sim em um mundo em que as mulheres têm cada vez mais sua atua ção na vida social posta em evidência a apresentação das mulheres e das relações de gênero apresenta interesse evidente As mulheres egíp cias com sua grande importância constituem um grande tema Ne fertiti e Cleópatra como instigadoras de um estudo crítico do papel da mulher e das relações de gênero na sociedade Em seguida a reli giosidade outro grande tema atual que pode levar ao estudo de ou tras formas de manifestação religiosa A mitologia grega sempre será um grande tema visto pelo olhar das variadas correntes historiográ ficas sobre a questão mas também a religiosidade romana cujos ecos se encontram em toda a concepção posterior de respeito às regras e às formas rituais Os jogos de gladiadores como ato religioso dá no vo sentido à própria condenação dos cristãos nas arenas o que per 100 P e d r o P a u l o F u n a r i mite ao aluno refletir de forma muito mais profunda sobre a histori cidade da religião As estratégias de sala de aula incrementaramse muito nos últi mos anos mas há recursos já conhecidos e que buscam incentivar o as pecto lúdico da atividade intelectual e que devem ser incrementados Fornecer e orientar o desenvolvimento de um tema a ser pesquisado e indicar caminhos lúdicos de reflexão revelase uma estratégia excelente Criar uma história em quadrinhos e para isso podese usar os re cursos informáticos o recorte de revistas ou mesmo desenhos feitos pe los alunos ou uma palavracruzada por triviais que possam parecer consegue fazer com que o aluno se interesse pela questão e reflita com resultados portanto muito melhores do que a simples memorização sempre enganosa temporária de conteúdos A produção de textos constitui elemento essencial para que o aluno possa aprender a redigir e a concatenar suas idéias e nos dias atuais isso pode tornarse ainda mais atrativo e instigante se o aluno for desafiado a montar um site sobre o tema onde estarão naturalmente também textos No ensino médio tanto mais se poderá usar de recursos lúdicos e pedagógicos como podem ser as leituras dramáticas de comédias la tinas ou gtegas adaptadas para isso Uma leitura dramática envolve tan to os alunos que se apresentam como os que assistem à apresentação Exige uma pesquisa sobre a obra autor contexto histórico e social de senvolve os talentos dos leitores dramáticos e produzem efeitos muitís simo duradouros nas mentes dos educandos A escravidão antiga uma abstração tão distante do aluno tornase muito palpável na encenação assim como o direito romano tema árido e pouco atraente à primei ra vista adquire contornos muito claros em uma peça de Plauto Tam bém muito pode ser obtido do conhecimento com a execução de mú sica grega e com a exibição e discussão de filmes sobre a Antigüidade Assistir ao filme O Gladiador ler alguns documentos sobre a arena ro mana assim como ver pinturas grafites e inscrições romanas a respei to torna a discussão sobre a construção do discurso historiográfico so bre Roma muito concreta e interessante 101 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a Outra grande e importante estratégia em sala de aula em qual quer dos níveis constitui a integração com outras disciplinas Trabalhos com língua e literatura vernáculas permitem a leitura por exemplo de traduções poéticas de obras antigas como Safo e Ovídio para citar dois autores de obras que permitem tratar das relações de gênero tanto na Antigüidade como nos dias de hoje A paquera e as relações entre pes soas do mesmo sexo são questões que interessam de perto os adolescen tes e que podem muito bem ser tratados com a leitura desses dois auto res A língua inglesa também pode ser bem aproveitada como no caso famoso de Júlio César de Shakespeare mas também pelo uso de sites in ternacionais sobre a Antigüidade em inglês O mesmo se aplica à Geo grafia mas também a áreas como Matemática números e cálculos em diversas civilizações antigas ou Física A integração de diversas discipli nas em projetos comuns produz resultados excepcionais como pode ser um projeto integrado sobre as pirâmides do Egito ou os edifícios gregos ONDE ENCONTRAR LITERATURA SOBRE A RENOVAÇÃO DA HISTÓRIA ANTIGA Depois de tudo que se disse a pergunta que surge naturalmen te é onde encontrar material para tantas e tão variadas atividades Os temas sobre a Antigüidade estabelecidos na década de 1960 explici tam aquilo que chamei de temas tradicionais de História Antiga as ex periências históricas das civilizações do Oriente Próximo na Antigüida de política sociedade economia e cultura o legado para o Ocidente a formação do povo grego a expansão grega pela bacia do Mediterrâ neo política sociedade economia e cultura mito e história a heleni zação a formação e expansão do mundo romano a crise políticoso cial e as lutas civis o mundo romano sob o Império a expansão pela Europa e Oriente a Pax Romana e as influências orientais política so ciedade economia e cultura a desagregação do Império O estudo da História Antiga no Brasil espalhouse e hoje o pro fessor pode contar com centros de excelência com publicações de revis tas informativos e sites que podem ser muito úteis O Centro do Pen 102 P e d r o P a u l o F u n a r i sarnento Antigo da Unicamp publica a revista semestral Boletim do CPA desde 1996 assim como mantém um site httpwwwunicamp ifchcpa com muitos dos artigos Ali encontramse reflexões que po dem ser apropriadas para o professor reavaliar questões centrais como Nero o estoicismo e a historiografia romana de Norberto Luiz Gua rinello BCPA 1 p 5364 1996 Classe e cultura no Alto Império Ro mano de Claudiomar dos Reis Gonçalves BCPA 56 p 235257 1998 Relações de gênero na sociedade romana de Lourdes Conde Feitosa BCPA 7 p 157168 1999 Gladiadores e transgressão so cial de Renata Senna Garraffoni BCPA 7 p 201210 1999 O pa pel do nacionalismo nas construções discursivas da Grécia Antiga de Fábio Adriano Hering BCPA 10 p 5768 2000 Uma cidade de participação controlada a cidade grega segundo os positivistas de José Antônio Dabdab Trabulsi BCPA 10 p 97133 2000 para citar ape nas aqueles cujos temas foram mencionados no decorrer deste capítulo O Laboratório de História Antiga da UFRJ publica a revista anual de História Antiga Phoinix assim como o site httpwww lhiaufrjcombr com muitos textos que podem ser úteis para o profes sor como Nossos contemporâneos e o amor dos antigos de Ciro Flamarion Santana Cardoso Phoinix 1 p 3952 1995 O cotidia no dos operários faraônicos de Margareth Bakos Phoinix 3 1997 pp 211224 Rompendo o silêncio vozes femininas em Atenas de Fábio de Souza Lessa Phoinix 5 p 155162 1999 Aristófanes e o tema da participação política da mulher em Atenas de Marta Mega de Andrade Phoinix 5 p 263280 1999 Práticas religiosas nas ci dades romanoafricanas identidade e alteridade de Regina Busta mante Phoinix 5 p 325348 1999 A construção da imagem do outro romanos e germanos de Ana Teresa Gonçalves Phoinix 6 p 5162 2000 Riqueza pobreza e cultura na Esparta romana de José Francisco de Moura Phoinix 7 p 180189 2001 Homero empo mito e magia de Maria Regina Cândido Phoinix 7 p 254 61 2001 Paulo de Tarso e a abertura do cristianismo à gentilida ilc de Monica Selvatici Phoinix 7 p 271283 2001 ainda para mencionar apenas os títulos que tratam de aspectos apontados neste 03 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a capítulo Entre as outras revistas relevantes para a História Antiga deve citarse Classica publicada pela Sociedade Brasileira de Estudos Clássi cos assim como muitas outras publicações de História também abrem suas páginas à História Antiga Publicamse ainda revistas eletrônicas de História Antiga como a Hélade httpwwwheladecombr e o jor nal Philia U E R j Há coletâneas de documentos antigos para uso do professor co mo o clássico de Jaime Pinsky Cem textos de História Antiga São Pau lo Contexto httpwwweditoracontextocombr e Antigüidade Clás sica a História e a cultura a partir dos documentos de Pedro Paulo Funari Campinas Editora da Unicamp httpwwweditorauni campbr Para uso com os alunos de ensino fundamental e médio há a coleção da editora Atual httpwwweditorasaraivacombr Histó ria geral em documentos onde se encontram textos e documentos ma teriais e iconográficos comentados para uso em sala de aula sobre Gré cia Teresa van Acker e Roma Pedro Paulo Funari Surgiram nos últimos anos muitas publicações de traduções do original de obras an tigas e que podem ser importantes para o professor e para uso com os alunos como Variações sobre a lírica de Safo Texto grego e variações li vres de Joaquim Brasil Fontes São Paulo Estação Liberdade Arte de amar de Ovídio São Paulo Ars Poética Editora O livro de Catulo com tradução introdução e notas de João Angelo Oliva Neto São Paulo Edusp para citar apenas algumas obras que tratam da temáti ca das relações de gênero Há hoje boas obras disponíveis em portu guês e que podem trazer bons frutos em sala de aula como as Fábulas de Esopo Porto Alegre LPM httpwwwlpmcombr ou para o ensino médio a coleção da Martin Claret httpwwwmartincla retcombr com obras como o Satyricon de Petrônio que pode ser muito bem acoplado ao filme de Federico Fellini Satyricon A arqueologia do mundo antigo pode ser encontrada em obras estrangeiras e nacionais como na bela coleção Grandes Impérios e Ci vilizações Edições dei Prado com boas traduções de obras originais britânicas ou na coleção para uso em sala de aula Atlas visuais Edito ra Ática História das coisas do cotidiano Melhoramentos Obras na 104 P e d r o P a u l o F u n a r i cionais também devem ser destacadas para o aprofundamento do pro fessor como Fatos e mitos do Antigo Egito de Margaret Bakos Porto Alegre Edipucrs O Povo da Esfinge de M Bakos e Adriana Barrios Porto Alegre Editora da U FRGS httpwwwufrgsbreditora As an tigas civilizações de Jaime Pinsky Contexto O espaço rural da pólis grega de André Leonardo Chevitarese Rio de Janeiro Fábrica de Li vros Grécia e Roma de Pedro Paulo Funari Contexto Cultura popular em Atenas de Alexandre Carneiro Cerqueira Lima Rio de Ja neiro 7Letras httpwwwheladewebcom A cidade das mulheres de Marta Mega de Andrade Rio de Janeiro LH IA httpwww lhiaufrjcombr Mulheres de Atenas de Fábio de Sousa Lessa Rio de Janeiro LH IA O público e o privado na Grécia de Neyde Theml Rio de Janeiro 7Letras Imagens de Esparta de José Francisco de Moura Rio de Janeiro LH IA Ensaio sobre a mobilização política na Grécia an tiga de José Antônio Dabdab Trabulsi Belo Horizonte Ed U FM G httpwwweditoraufmgbr O sistema imperial romano de Norma Musco Mendes Rio de Janeiro LH IA Bandidos e salteadores na Roma Antiga de Renata Senna Garraffoni São Paulo AnnablumeFapesp httpwwwannablumecombr para citar obras que tratam de temas inovadores e ainda pouco usuais Alguns estudiosos produziram mui tos livros sobre o mundo antigo todos relevantes como é o caso em particular de Ciro Flamarion Santana Cardoso O Egito Antigo Socie dades do Antigo Oriente Próximo CidadeEstado Antiga entre outros Existem também excelentes obras sobre temas tradicionais da História Antiga como as obras de JeanPierre Vernant Mito epensamento entre os gregos e Geza Aifõldy História social de Roma ou o livro Ética epo lítica no mundo antigo organizado por Hector Benoit e Pedro Paulo Funari iFCHUnicampFapesp httpwwwunicampbrifchpublk a coes Há também livros voltados para a sala de aula como na coleçao A vida no tempo dos deuses Editora Atual com volumes sobre O hyj to dos Faraós e Sacerdotes de Raquel dos Santos Funari e sobre lmté rio e Família em Roma de Pedro Paulo Funari Dentre os livros para aprofundamento do professor ninei destaque Orientalismo de Edward Said Companhia das I nu m 105 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a tratar da oposição OcidenteOriente aludida neste capítulo Estudos mais recentes sobre a renovação no estudo da Antigüidade começam a ser traduzidos como Repensando o mundo antigo com textos inédi tos de JeanPierre Vernant e Richard Hingley iFCHUnicamp httpwwwunicampbrifchpublicacoes assim como estudos sobre temas referentes à identidade religiosa como Jesus dentro do Judaísmo de James H Charlesworth Rio de Janeiro Imago A História como se disse já não começa com a escrita e o crescente interesse pela Pré História e conta com bons livros de síntese como Arqueologia Brasilei ra de André Prous Editora da UnB PréHistória do Brasil de Pedro Paulo Funari e Francisco Silva Noelli Contexto e para a escola funda mental Os primeiros habitantes do Brasil de Norberto Luiz Guarinello Editora Atual e para as séries iniciais Os antigos habitantes do Brasil de Pedro Paulo Funari Editora da Unesp httpwwweditora unespbr Algumas obras satíricas para uso no ensino médio têm sido traduzidas e publicadas como a coleção Histórias Horríveis Editora Ática Comédias antigas adaptadas para leitura dramática publicadas pela Unesp de Araraquara podem ser muito úteis httpwww unespbr Boas informações podem ser obtidas nos números da revis ta National Geographic agora publicada em português CONCLUSÃO A renovação da História Antiga vem se processando há algum tempo e os resultados têm sido os mais animadores Muitas vezes os professores em sala de aula não têm acesso às discussões historiográ ficas ou aos novos recursos que estão à sua disposição e neste capítu lo procurei fornecer um guia prático útil para o professor interessado em renovar o ensino de História Antiga A História Antiga é cada vez mais popular com um número substancial de estudiosos dedicados a seu estudo jovens que se iniciam na pesquisa e professores de cursos superiores de História Também o interesse dos alunos é notável a jul gar não só pelas coleções de livros de apoio didático mas até mesmo pela presença da temática nas revistas científicas populares como Ga 106 P e d r o P a u l o F u n a r i lileu e Superinteressante e na venda em bancas de jornais de fascícu los sobre o mundo antigo como no caso da coleção Egiptomania A re novação da História Antiga portanto responde a esse interesse e per mite antever uma prática em sala de aula cada vez mais agradável e prazerosa Este capítulo espera ter contribuído para isso Agradecimentos Agradeço a Raquel dos Santos Funari aos colegas Marta Mega de Andrade Margareth Bakos Renata Beleboni Regina Bustamante Maria Regina Cândido André Leonardo Chevitarese José Antônio Dabdab Trabulsi Lourdes Conde Feitosa Joaquim Brasil Fontes Re nata Senna Garraffoni Norberto Luiz Guarinello Fábio Lessa Ale xandre Lima José Francisco de Moura Francisco Silva Noelli João Angelo Oliva Neto Jaime Pinsky Glaydson José da Silva Neyde Theml ao Centro de Pensamento Antigo da Unicamp e ao Laborató rio de História Antiga da UFRJ A responsabilidade pelas idéias restrin gese ao autor 107 No text found R e p e n s a n d o a I d a d e M é d i a n o e n s i n o d e H i s t ó r i a José Rivair M acedo A historiadora Régine Pernoud contanos uma anedota exemplar a respeito da banalização da imagem da Idade Média no século XX Em certa ocasião acompanhava um sobrinho seu a um desses cursos em que os pais são admitidos para poderem depois obrigar os filhos a trabalhar quando ouviu a professora conduzir a aula de História da seguinte maneira A professora Como se chamavam os camponeses na Idade Média A classe em coro Chamavamse servos A professora E que é que eles faziam Que é que eles tinham A classe Tinham doenças A professora Que doenças Jêrome Jêrome grave A peste A professora E mais Emmanuel Emmanuel entusiasta A cólera A professora Vocês sabem muito bem a lição de História concluiu placidamente Passemos à Geografia1 No livro O mito da Idade Média a historiadora francesa Régine Pernoud procura desfazer uma série de malentendidos preconceitos juízos apressados e lugarescomuns relativos aos mil anos de história eu ropéia situados entre os séculos V e XV Entretanto em que pesem os 109 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a reiterados esclarecimentos de historiadores especializados na pesquisa sobre a Idade Média a respeito dos estereótipos que envolvem aquele período muitos preconceitos ainda persistem MIL ANOS DE TREVAS Sabese hoje que a visão retrospectiva da Europa medieval co mo uma idade das trevas foi elaborada por eruditos renascentistas e sobretudo por eruditos iluministas Sabese que essa visão esteve con dicionada por uma perspectiva racionalista liberal e anticlerical num momento em que ser humanista significa colocar em questão os pres supostos teocêntricos defendidos pelos representantes da Igreja defen der o avanço das luzes da razão e do progresso Ocorre que desde pelo menos o princípio do século XX as pes quisas acadêmicas sobre História Política Social Econômica e Cultu ral as pesquisas no campo da Filologia e da Literatura da Filosofia e das Artes têm demonstrado inúmeros traços originais da Europa du rante a Idade Média e tais pesquisas contribuíram decisivamente para reabilitar aquele período aos olhos dos estudiosos Hoje nenhum eru dito defenderia com seriedade aqueles velhos chavões Isso não quer dizer que os estereótipos relacionados com a Ida de Média tenham desaparecido Estes explicam inclusive um certo fascínio da arte e da cultura de massas por essa obscura Idade Média na qual pululam magos e fadas duendes e elfos dragões cavaleiros er rantes e aventuras fabulosas Explica o sucesso de obras romanescas en volvendo os mistérios e segredos da poderosa Igreja o outro lado da ca valaria com seu código de ética e com os nobres sentimentos dos cavaleiros andantes Explica o sucesso de jogos de videogame e de com putador relativos às conquistas de territórios por príncipes guerreiros com a ação de forças sobrenaturais de caráter mágico Em todos esses casos a Idade Média constitui apenas um pretexto para a criação fic cional a imaginação e o divertimento Uma certa idéia de Idade Média subsiste entre nós por esse viés Mas qual o papel da escola e da História que aí é ensinada na di 110 Do s é R i v a i r M a c e d o fusão de conhecimentos relativos ao período Antes caberia perguntar qual Idade Média vem a ser divulgada nos bancos escolares e qual a pertinência de seu ensino num país como o Brasil que não participou diretamente de uma experiência histórica propriamente medieval Na perspectiva aberta pelos Parâmetros Curriculares Nacionais PCNs para a área de História pouco espaço está reservado ao trata mento cronológico dos eventos situados entre os séculos V e XV da His tória Européia Nada a estranhar uma vez que se sabe que de acordo com os PCNs os eventos e os sujeitos históricos encontramse incluídos em contextos variados subordinados a pressupostos pedagógicos e conceitos muito abrangentes destinados a promover a apreensão da realidade social com base nas múltiplas dimensões temporais na diver sidade étnica e cultural Entretanto embora ausente na listagem de conteúdos do ter ceiro e quarto ciclos do ensino fundamental porque a ênfase deixou de recair na noção de período histórico certas questões relativas à Idade Média podem perfeitamente vir a ser exploradas em sala de au la como apontaremos páginas adiante Não obstante os PCNs quando se observam os programas e pla nos contidos nos livros didáticos destinados ao estudo da História no ensino fundamental e médio temse que as linhas de rumo que nor teiam a reprodução do conhecimento relativo à Idade Média européia estão ligadas à evolução das formas de governo isto é o governo tem poral dos remos e do império e o governo espiritualtemporal da Igre ja Prendemse também à configuração dos grupes sociais com parti cular ênfase nas relações de dominação entre senhores feudais e camponeses ou então na formação e decadência do feudalismo e a ger minação do capitalismo moderno No que respeita às formas de governo os livros apresentam a ca racterização de tratados conflitos diplomáticos e batalhas ou seja os marcos temporais tradicionais da história política Quanto aos aspec tos mais gerais quer dizer aqueles empregados na identificação de es truturas sociais e econômicas prepondera um certo mecanicismo e um certo maniqueísmo Diferentemente da posição vigente entre os espe cialistas em História Medieval para quem o feudalismo a sociedade iii H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a feudal ou o sistema feudal não passam de conceitos operatórios de análise nos livros didáticos esses conceitos acabam conferindo uma ló gica ao desenvolvimento histórico de toda a Europa como se houves se um mesmo feudalismo ou uma mesma sociedade feudal nos quatro cantos do continente ficando a sugestão de que o ingresso na Era Moderna dependeu da superação do atraso feudal Nesse tipo de abordagem do feudalismo o rei aparece sempre fraco e os senhores feudais fortes as regras do jogo vindo a se alterar apenas no momento a partir do qual o rei aliase com a burguesia Nas relações de dominação entre senhores e camponeses por outro lado am bos os grupos parecem compactos e claramente definidos os senhores co mo arrogantes e opressores os camponeses às vezes confundidos pura e simplesmente com servos como oprimidos e passivos inermes e inertes Não se reivindica aqui necessariamente a renovação conceituai e temática resultante do avanço dos estudos medievais É evidente que nos últimos trinta anos muito se pesquisou a respeito das especificida des nacionais e regionais da Europa Medieval dos grupos sociais etá rios e de gênero na Idade Média muito se debateu a respeito dos sis temas de valores das formas culturais das representações e dos traços do imaginário medieval A Idade Média ensinada na escola todavia não é a Idade Média dos pesquisadores Nesse caso a função social da História tem estatuto diferente do conhecimento erudito e acadêmico continuando a estar ligado à constituição da memória da nação do Es tado moderno e da supremacia ocidental no mundo2 Seu objetivo úl timo é demonstrar as razões explícitas ou implícitas pelas quais os su cessores dos bárbaros que saquearam o Império Romano no século V ou seja a maior unidade política constituída até aquele momento viessem a se tornar mil anos depois os descobridores e conquista dores da África do Extremo Oriente e da América UMA HISTÓRIA VISTA DE CIMA E DO CENTRO Em meados do século XVI a representação plana da terra elabo rada pelo humanista Gerhard Mercator 15121594 que inspirou o 112 J o s é R i v a i r M a c e d o atual planisfério situava geograficamente a Europa no centro do mun do não obstante a forma esférica da Terra Algum tempo depois o eru dito alemão Christophe Keller publicou um livro denominado Histó ria da Idade Média desde os tempos de Constantino o Grande até a tomada de Constantinopla pelos turcos inventando desse modo o rótu lo e a delimitação cronológica do período e situando a Europa no cen tro da linha de tempo da humanidade que daí em diante passaria a se confundir com os desígnios europeus naquilo que alguns ensaístas de nominaram ocidentalização do mundo3 Com efeito para os europeus a Idade Média corresponde às ori gens ao momento em que aquilo que um dia viria a ser chamado de Europa ganhou seus contornos políticos e culturais Numa visão em restrospecto ali estão os traços originais das nações contemporâneas sua diversidade étnicocultural seus problemas de delimitação de fron teiras suas instituições representativas cortes assembléias parlamen tos Embora herdeiros das noções grecoromanas de política e de cidadania os Estados europeus não se confundiram com as cidadeses tado nem com os impérios da Antigüidade mas organizaramse com base no modelo do reino cristão Para o medievalista Jacques Heers nunca existiu uma Idade Média francesa Aquilo que se convencionou chamar por esse nome teria sido a elaboração de eruditos dos séculos XVIXVIII dos criadores de programas escolares e autores de manuais didáticos dos séculos XIX e XX A linha de rumo básica a orientar a imagem da Idade Média teria se desenvolvido em função da existência de poderes centrais unitários e fortes Ao estudar aquele período recuado no tempo o que interessa va em última instância era valorizar o modelo de governo contempo râneo ao estudo quer dizer a república e sua capacidade de oferecer paz e segurança social aos cidadãos Os méritos desse Estado rigida mente estruturado acabavam sendo ressaltados quando seu modelo de organização vinha a ser comparado com aquilo que parecia o seu con trário a anarquia feudal Nas próprias palavras do historiador a ima gem do feudalismo sempre foi manchada pelo vício abominável da completa dissolução do poder e todo o sistema tem sido acusado e con denado devido à sua própria natureza fonte de anarquias e desgraças4 113 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a Tratase pois de julgamentos a posteriori cuja função é mirandose no passado enaltecer o presente Além disso para os europeus a Idade Média eqüivale ao perío do de formação de uma identidade supranacional de fundo cristão momento em que se alicerçam costumes e práticas coletivas orientadas por uma fé que se quer única e una Em nome dessa fé os ocidentais fizeram as cruzadas e cortaram os oceanos Foi essa mesma fé que as sociada à razão entendase à razão aristotélica promoveu desde pelo menos o século XIII o nascimento do pensamento científico moderno articulando o saber e a técnica responsável por sua supremacia dian te de diversas culturas por ocasião das grandes navegações Essa supre macia diante de outros povos e a pretensão de estar no centro do mun do teve conseqüências inclusive para a Europa Conforme um dos grandes medievalistas da atualidade Jacques Le Goff É notório pareccme através destas propostas onde o histo riador se alia ao cidadão que o debate pela Europa não está entre a tradição e a modernidade Está no bom uso das tradi ções no recurso às heranças como força de inspiração como ponto de apoio para manter e renovar uma outra tradição eu ropéia a da criatividade Um dos maus demônios da Europa tentoua com demasiada freqüência a confundir a civilização européia com a civilização universal a querer um mundo à sua imagem Se a Europa quer ser um modelo para o mundo moderno deve respeitar o próximo abrirse aos outros Foi abrindose aos outros que desde os gregos antigos ela fez grandes coisas5 PARA UMA DESCOLONIZAÇÃO DO ENSINO DA IDADE MÉDIA Marc Ferro nos relata os vínculos profundos existentes entre a História transmitida nas escolas e a formação ou deformação da cons ciência social e política em áreas coloniais Entre outros exemplos ca 4 3osÉ R i v a i r M a c e d o be destacar o caso da África negra sob domínio francês em que até pe lo menos meados do século XX aos brancos e aos primeiros negros ad mitidos às escolas a História ensinada dizia respeito aos antepassados gauleses romanos e francos No ensino de tipo metropolitano salvo pela cor da pele o negro de cultura francesa é francês em tudo Nesse ponto a Idade Média cumpria bem o seu papel de formadora de uma consciência européia e a França colonizadora aparecia como promo tora do progresso e da civilização Uma anedota curiosa indicanos as dimensões da relação pas sadopresente no ensino que nunca é neutro Quando o professor francês Franz Fanon iniciava o ano letivo de 1948 com seus alunos da cidade de Oran na Argélia apresentoulhes o programa que iria de senvolver em História No momento em que afirmou aos quarenta piednoirs6 que depois da queda do Império Romano e dos reinos bárbaros houve o florescimento da civilização árabe os ouvintes que pertenciam a uma cultura muçulmana começaram a rir civilização e árabe eram duas palavras que pareciam não poder andar juntas7 O episódio nos indica algumas pistas sobre os efeitos de uma História centrada na Europa quando ensinada em territórios nãoeu ropeus Ele nos ajuda a repensar alguns pontos sobre o que ensinar de História Medieval no Brasil Antes de tudo é preciso que fique bem claro de que Europa se fala e de que Europa convém falar Porque na realidade embora ao ser ensinado Idade Média se pretenda tratar da realidade européia em verdade a experiência incorporada aos fatos e processos tradicionalmente evocados diz respeito a apenas uma parte daquele continente justamente a parte na qual situavamse os povos que na atualidade ocupam posição hegemônica no continente Em outras palavras ao falarmos de Europa Medieval tratamos quase sempre de França Inglaterra Alemanha e Itália Outra seria a Europa do Leste Europeu a Europa Nórdica e segundo nos interessa ria mais saber a Europa Ibérica Descolonizar o ensino de História sig nifica portanto reconhecer identidades em geral deixadas por nós em segundo plano Desse modo repensar o ensino da Idade Média implica em pri meiro lugar na reflexão sobre a propriedade de continuarmos a transferir 5 H i s t ó r i a na s a l a d e a u l a conhecimentos relativos a uma Europa que na verdade se restringe à par te ocidental França Inglaterra Alemanha Itália daquele continente mantendo em segundo plano os dados relativos ao Norte países escandi navos o Leste países eslavos e a Península Ibérica Portugal e Espanha Para nós faz muito sentido compreender a formação dos povos ibéricos pois isso nos permite compreender melhor nossas características herdadas parte de nosso modo de ser e de pensar Tendo isso em mente aliás o en sino de História Medieval ganha outra dimensão A ênfase no ensino de aspectos históricos da Península Ibérica te ria muito mais propriedade educativa do que o ensino da História mo delada na França ou na Inglaterra pelo simples fato de pertencermos a um conjunto cultural específico no caso o iberoamericano Ao tomar a Península Ibérica como núcleo gerador da consciência histórica a res peito da Idade Média o ensino de História cumpriria melhor o seu pa pel de revelar aos estudantes aspectos de nosso passado que continuam a interagir com o presente Com efeito é na especificidade da formação dos reinos cristãos ibéricos que se encontram os elementos explicativos do por que a Portugal e Espanha esteve reservado o papel de alargamen to marítimo do mundo europeu o que nos diz respeito diretamente No mesmo sentido compreender o papel desempenhado por grupos de diferentes etnias no processo de formação medieval da Pe nínsula Ibérica poderia nos ajudar a compreender traços da coloniza ção ibérica posterior e da constituição de identidades coletivas na Amé rica Latina inclusive no Brasil Isso estaria em conformidade com a proposta dos PCNs de subtemas do eixo temático História das relações sociais da cultura e do trabalho proposto para o terceiro ciclo do en sino fundamental relacionados com a questão da construção das iden tidades e alteridades em outras temporalidades Referimonos aqui ao problema da coexistência étnicoreligiosa entre muçulmanos judeus e cristãos na Espanha e em Portugal tanto no período de domínio islâmico nos séculos VIIIXI quanto no perío do de Reconquista cristã nos séculos XIXIII A questão da convivên cia entre os adeptos das três grandes religiões monoteístas revelanos inclusive uma particularidade ibérica que nada deveu a outros povos nem mesmo à Igreja Sem essa convivência não teriam havido trocas 116 J o s é R i v a i r M a c e d o culturais tão profícuas cujo melhor exemplo no campo intelectual é a conhecida Escola de Tradutores de Toledo em boa parte responsável pela difusão do conhecimento grego no Ocidente por meio de obras árabes convertidas ao latim por tradutores judeus Para o professor de História e seus alunos o panorama histórico da Europa pode vir a ser um excelente laboratório de estudo das razões e circunstâncias do desenvolvimento técnico e cultural Com efeito não deixa de ser interessante propor reflexões a respeito daquele período re cuado de nós por pelo menos meio milênio quando a parte européia que hoje constitui um centro econômico mundial viase às voltas com proble mas perfeitamente atuais vividos pelos países pobres como fome e crises de abastecimento periódicos baixo nível tecnológico e surtos recorrentes de doenças infectocontagiosas Para nós será sempre importante refletir sobre as alternativas encontradas para problemas como a desigualdade so cial entre ricos e pobres e o problema do abandono infantil cujas raí zes históricas ultrapassam os limites cronológicos da própria Idade Média Dessa perspectiva aquele tempo poderá vir a constituir um importante referencial de estudo para compreendermos por aproximação ou por dis tanciamento como nós próprios lidamos com nossos dilemas sociais8 A IMAGEM E A PALAVRA NO ENSINO DA IDADE MÉDIA Outra maneira de escapar da camisadeforça dos fatos exclusiva mente políticos é refletir a respeito da atualidade do legado cultural da Idade Média Aparentemente distante se observada do ponto de vista po lítico social e econômico ela nos parece muito mais próxima quando le vamos em conta os comportamentos e atitudes mentais coletivos Aos es tudantes de ensino fundamental e médio em geral adolescentes talvez seria interessante e motivador saber que algumas concepções afetivas que lhes são caras como o amor e a amizade têm também uma histo ricidade e que suas raízes podem ser buscadas no medievo ou que cer tos padrões de conduta valorizados por eles como a honra e a fideli dade guardam algo do mundo feudal em que apareceram9 7 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a A comunicação eletrônica e a informática têm sido as responsá veis por importante divulgação da Idade Média e dos estudos medie vais A edição eletrônica de textos tem colocado à disposição dos pes quisadores uma quantidade impressionante de fontes primárias relativas ao período histórico sobretudo aquelas fontes produzidas pe los membros da Igreja10 Na internet estão disponíveis páginas de ins tituições que se dedicam a preservar a memória medieval entre elas a Ordem de Cavalaria do Sagrado Portugal httpwwwocsppt que organiza encontros periódicos de recriação histórica em Portugal in clusive promovendo torneios e espetáculos Estão também disponíveis na rede informações a respeito de pesquisadores e instituições ligadas ao estudo do medievo como a As sociação Brasileira de Estudos Medievais fundada em 1995 e respon sável pela promoção de publicações e eventos acadêmicos periódicos ao estudo e à pesquisa de História Filosofia Literatura e Arte da Idade Média httpwwwabremhecombr Devese ainda mencionar a existência de revistas eletrônicas dedicadas especialmente ao período histórico como Brathair Revista Eletrônica de Estudos Celtas e Germâ nicos httpwwwbrathaircjbnet e a Revista Mirabilia na qual cons tam publicações de artigos científicos sobre a Antigüidade e a Idade Média httprevistamirabiliacom11 Mas para o contato com o universo medieval em sala de aula convém repensar a própria linguagem Nada mais estranho do que valer se exclusivamente do escrito para se ter acesso ao modo de vida de uma época em que a maioria das pessoas era analfabeta Por isso houve quem defendesse tratarse a Idade Média de uma civilização dos gestos ou de uma civilização da palavra e da voz Um bom caminho para se com preender essas proposições é segundo pensamos explorar no ensino ou tras possibilidades de comunicação como a imagem e a oralidade Nem sempre o objetivo da História é buscar estabelecer seme lhanças e identidades com o presente O confronto com as diferenças e a diversidade dos modos de vida dos seres humanos ao longo de outros períodos da História em outras civilizações ou regiões culturais pode nos revelar nossa própria originalidade e nos capacitar melhor a ver o lugar que ocupamos na história da humanidade Confrontados com as n8 J o s é R i v a i r M a c e d o diferenças e com a diversidade dos modos de vida das pessoas de outros tempos e lugares teríamos como discernir melhor nossa própria origi nalidade e perceber melhor nossa própria posição no processo históri co universal Como nos ensina o medievalista russo Aron Gurevich O conhecimento histórico é sempre de uma maneira ou de outra uma consciência de si mesmo ao estudar a história de uma outra época os homens não podem deixar de a comparar com o seu próprio tem po Mas ao comparar a nossa época e a nossa civilização com as outras épocas e civilizações corre mos o risco de lhes aplicar a nossa própria medida o que é quase inevitável Há que ter consciência do perigo Aquilo que o homem m oderno considera hoje como um valor fundamen tal da existência pode muito bem não o ter sido para as pessoas de uma outra época e de uma outra cultura e inversamente aquilo que nos parecem falso ou secundário pode ter sido ver dadeiro e primordial para o homem de uma outra sociedade12 Todos conhecemos as potencialidades do cinema ficção e do cumentário na criação de recursos pedagógicos para aproximarse do histórico Ninguém desconhece entretanto a natureza ficcional os compromissos estéticos e as vinculações ideológicas de determinadas obras cinematográficas Ao valerse de filmes o professor deve estar ciente de que o bom aproveitamento da projeção dependerá do quanto seu conteúdo for colocado em discussão e do quanto se pu der esclarecer a respeito da distinção entre o real e o imaginário da época enfocada Por vezes um filme tem mais a dizer sobre o mo mento em que foi produzido do que a época que pretende retratar Por vezes a Idade Média tornase apenas um pretexto para se contar uma história contemporânea A eficácia da linguagem cinematográfica parece ser maior quan do se trata do emprego de filmes com o fim de sugerir ao estudante a possibilidade de pensar em diferentes temporalidades O filme deixa dc ter o papel de fixar determinada imagem de uma época mas passa a apontar mudanças ou permanências continuidades ou rupturas Nesse 119 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a caso parecenos positiva a projeção de filmes cuja trama sugere o con fronto entre o passado e o presente isto é quando personagens de di ferentes épocas entram em contato como vem a ocorrer com o bem elaborado Navigator uma odisséia 110 tempo dirigido por Vincent Ward Distribuição Look Vídeo 011 com a excelente comédia Os vi sitantes eles não nasceram ontem do diretor francês JeanMarie Poi rée Distribuição Abril Vídeo No caso de trabalho didático com o filme Os visitantes o professor poderá com bastante proveito estimular a discussão a respei to das mudanças e continuidades em diferentes temporalidades uma vez que a película tem em seu enredo a história de dois indivíduos do século XII um nobre e um servo transportados involuntariamente pa ra o século XX Tornase possível pois confrontar certos problemas do século XII desigualdade social no feudalismo com problemas contem porâneos desequilíbrios sociais desequilíbrio ambiental desequilíbrio urbano verificar as possíveis reações de pessoas de diferentes épocas diante de situações novas e inusitadas observar os condicionamentos históricos no comportamento das pessoas e grupos O universo medieval pode ser retratado contudo por meio da iconografia quer dizer das imagens de pinturas e esculturas e da ar quitetura Na Idade Média ninguém duvidava que além de serem beías as obras de arte tinham também uma função didática Na opi nião dos letrados aquilo que as pessoas simples não pudessem enten der por meio da escrita deveria ser aprendido com as figuras Para Honório de Autun respeitável pensador do século XII o objetivo da pintura era triplo servia antes de tudo para embelezar a casa de Deus as igrejas mas também para rememorar a vida dos santos e por fim para o deleite dos incultos porque a pintura em suas pala vras era a literatura dos laicos13 As imagens desse modo reves tiamse de caráter educativo pedagógico A linguagem adotada pro curava colocar em evidência símbolos e signos dotados de mensagens explícitas ou implícitas traduzindo o sistema ideológico do qual a Igreja se fazia a guardiã Trabalhar hoje com as imagens produzidas na Idade Média sig nifica entrar em contato com um importante código de comunicação 120 J o s é R i v a i r M a c e d o visual Assim sendo uma atividade proveitosa seria a coleta e seleção de imagens significativas do cotidiano medieval por meio da reprodu ção de miniaturas e iluminuras vitrais afrescos e tímpanos de igrejas alguns facilmente encontrados em livros ou em materiais de multimí dia Ao serem priorizadas no ensino elas deixam de ser vistas apenas como suporte da informação escrita passando a ser um testemunho di reto do mundo medieval O caminho inverso também pode vir a ser promissor quer dizer o estímulo para que os estudantes se aproximem do universo medieval praticando a comunicação por imagens expres sando suas idéias sentimentos e valores relativos ao medievo valendo se igualmente do desenho e da pintura Civilização dos gestos e da imagem a Idade Média foi também uma civilização da palavra e da voz Diferente do pensamento moder no que valoriza a inovação e a mudança e que concebe o velho como algo ultrapassado o pensamento medieval valoriza a constância e a per manência vendo o passado como algo a ser imitado Por isso os me dievais buscavam sempre estabelecer conexões entre o velho e o novo entre o que passou e o que estava por vir Na bela expressão de Bernar do de Chartres eminente professor do princípio do século XII Somos anões nos ombros de gigantes Quer dizer que embora menos impor tantes do que os antigos os contemporâneos podiam ver mais longe devido ao conhecimento acumulado que receberam Entre os letrados o texto era invocado como um meio de se es tabelecer o conhecimento e a verdade mas para os integrantes das ca madas populares era a palavra o principal meio de comunicação Por ela é que se garantiam pactos e se estabeleciam compromissos que se expressavam os modos de existência que se preservava a memória co letiva Herdamos da Idade Média nosso gosto por ouvir boas histórias boas narrativas boas canções Aquele foi o tempo da oralidade da pa lavra transmitida de boca em boca dos costumes transmitidos e pre servados de geração em geração Foi também o tempo da vocal idade isto é da valorização do emprego da voz e sua sonoridade A vocalida de estava no uso da voz e dos gestos por parte dos jograis recitadores de poesia cantores instrumentistas dos artistas das cortes principes cas e das ruas atores de comédias contadores de estórias14 121 H i s t ó r i a na s a l a d e a u l a Parte significativa daquilo que se convencionou chamar de li teratura medieval tem sua raiz na oralidade quer se trate de canções de gesta ou das cantigas dos trovadores o próprio nome diz canti gas canções ou dos contos narrativos de conteúdo moral Há al guns repertórios de contos fábulas e romances medievais traduzidos para o português moderno Que melhor maneira de aproximarse do universo mental de uma época do que ter acesso ao que se contava e ao que se ouvia Uma boa proposta de estudo das formas de sensibilidade e do imaginário medieval consiste na leitura e posterior dramatização dos contos narrativos Algumas coletâneas deles como os Contos de Can tuária escritos no século XIV por Geoffrey Chaucer apresentamnos situações romanescas envolvendo os diferentes grupos sociais do perío do nobres cavaleiros burgueses camponeses Há ainda os contos de aventura e amor escritos por Maria de França no século XII ou os con tos cômicos denominados fabliaux que eram contados nas feiras es tradas castelos portas de igrejas15 Tratase de testemunhos importan tes das representações coletivas da Idade Média Por seu intermédio o leitor certamente reconhecerá situações que lhe permitirão refletir um pouco mais acerca do modo de agir e de pensar medieval Com propósito didático o professor poderá selecionar uma dessas histórias e oferecêla aos alunos Na leitura e apresentação de verá instigálos a imaginar as cenas e personagens estimular questiona mentos destacar detalhes orientálos para que formulem idéias gerais a respeito da história e do contexto para que confrontem os dados nar rados com as características ou particularidades do período a que se refere A seguir os alunos poderão com proveito apropriarse do con teúdo e do enredo da história e reformular sua linguagem teatralizan doa ou transformandoa em imagem visual Vejamos por exemplo a fábula intitulada o Livro das bestas es crito no final do século XIII pelo filósofo catalão Raimundo Lúlio 13121316 Tratase de uma grande alegoria da sociedade medieval através de uma história do tempo em que os bichos falavam Na cor te do leão estão a raposa o urso o leopardo a serpente o lobo en tre outros animais Eles representam os diferentes grupos do reino e 122 3osé R i v a i r M a c e d o suas ações alianças e confrontos variam de acordo com os interesses e as posições que ocupam em relação ao rei16 Assim a fábula animal pode vir a ser uma boa entrada para chegarse aos problemas da socie dade medieval O recurso da alegoria como um meio de estabelecer a crítica social continua a ser empregado na modernidade como se po de ver na fábula política escrita por Georges Orwell chamada A revo lução dos bichos Para encerrar cumpre reconhecer o alcance das proposições ante riores Antes de serem fórmulas prontas ou o fruto de uma reflexão teó rica aprofundada sobre o assunto são apenas considerações feitas à luz da experiência pessoal em sala de aula Esperase que possam contribuir de algum modo para o repensar do ensino desse período tao pouco co nhecido entre nós mas que muito tem a nos oferecer e a nos ensinar Notas 1 Regine Pernoud O mito da Idade Média Mem Martins Publicações Eu ropaAmérica sd p 6 2 Jean Chesneaux Devemos fazer tabula rasa do passado obre a história e os historiadores São Paulo Ed Ática 1995 Ver especialmente o capítulo As armadilhas do quadripartismo histórico 3 Serge Latouche A ocidentalização do mundo Petrópolis Ed Vozes 1994 4 Jacques Heers La invencion de la Edad Media Barcelona Editorial Críti ca 1885 p 112 5 Jacques Te Goff A velha Europa e a nossa Lisboa Ed Gradiva 1995 p 64 6 aPésnegros designação dos franceses nascidos na Argélia 7 M arc Ferro A manipulação da história no ensino e nos meios de comunicação de massa São Paulo IBRASA 1983 p 41 8 Eis alguns bons exemplos de trabalhos que vão nessa direção Georges Duby Ano 1000 ano 2000 na pista de nossos medos São Paulo Ed da Unesp 1998 M aria Luiza M arcílio História social da criança abandonada São Paulo Ed Hucitec 1998 M ichel M ollat Os pobres na Idade M édia Rio de Janeiro Ed Cam pus 1989 9 Neste sentido veja Georges Duby Philippe Ariès Dir História da vida privada São Paulo Companhia das Letras 1990 v 12 VVAA Amor e sexualidade no Ocidente Porto Alegre LPM 1995 10 João Pedro Mendes Fontes para o estudo da Idade Média a informática i serviço da pesquisa e os novos horizontes metodológicos In A vida na Idade Média Brasília Ed da UnB 1997 p 1932 13 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a 11 Se desejar conhecer outros endereços eletrônicos além dos motores de busca da própria internet vale a pena consultar publicações especializadas de pesquisa como o livro de Ivan Esperança Rocha M il sites de História Antiga e Arqueologia São Paulo Arte e Ciência 1997 12 Aron Gurevich As categorias da cultura medieval Lisboa Editorial Cam kinho 1990 p 15 13 Umberto Eco Arte e beleza na estética medieval Porto Alegre Ed Globo 1989 p 29 14 Paul Zumthor A letra e a voz a literatura medieval São Paulo Com panhia das Letras 1993 15 Eis alguns textos medievais traduzidos Lais de M aria de França São Pau lo Martins Fontes 1993 Pequenas fábulas m edievais fabliaux dos séculos XIII e XIV Trad Rosemary C Abílio São Paulo Martins Fontes 1995 Poema do Cid Trad M a ria do Socorro Almeida Rio de Janeiro Livraria Francisco Alves 1988 Alcassino e Ni coleta Trad Marcela Mortara Rio de Janeiro Ed Francisco Alves 1989 Chrétien de Troyes Romances da Távola Redonda Trad Rosemary C Abílio São Paulo Martins Fontes 1991 Geoffrey Chaucer Os contos de Cantuária São Paulo T A Queiroz Editor 1991 16 Raimundo Lúlio Livro das bestas Trad Cláudio Giordano e Esteve Jaulent São Paulo Edições LoyolaEditora Giordano 1990 Sugestões de leitura 1 Dicionários e documentos LOYN H R Dicionário da Idade Média Rio de Janeiro Jorge Zahar Editor 1989 L e G o ff Jacques SCHM FIT JeanClaude Orgs Dicionário temático do Oci dente Medieval S ã o Paulo E D U SC Im prensa Oficial do Estado 2002 MCEVEDY Colin Atlas de História Medieval São Paulo Edusp 1983 PEDREROSÁNCHEZ Maria Guadalupe Org História da Idade M édia textos e testemunhas São Paulo Ed da Unesp 2000 E s p in o s a Fernanda Aitologia de textos históricos medievais Lisboa Livraria Sá da Costa 1972 M o n g e l l i Lênia Márcia de Medeiros Org Fontes primárias da Idade Média São Paulo Ed íbis 1999 2 v 2 Obras gerais FRANCO J r Hilário A Idade Média nascimento 2a ed rev e aum São Pau lo Brasiliense 2000 BATISTA N eto Jônatas História da Baixa Idade Média São Paulo Ed Ática 1992 24 3osé R i v a i r M a c e d o RUCQUO I Adeline História M edieval da Península Ibérica Lisboa Editorial Estampa 1995 Le G o ff Jacques Org O homem medieval Lisboa Editorial Estampa 1989 DüBY Georges A Europa na Idade Média São Paulo Martins Fontes 1989 3 Livros paradidáticos M a c e d o José Rivair M ovimentos populares na Idade Média 1 3 a reimp São Paulo Contexto 1 9 9 9 MACEDO José Rivair Viver nas cidades medievais São Paulo Editora Moder na 1999 Coleção Desafios VALLE RIBEIRO Daniel A cristandade do Ocidente M edieval São Paulo Atual Editora 1998 Discutindo a História ANDRADE Filho Ruy Os muçulmanos na Península Ibérica São Paulo Ec Contexto 1989 Coleção Repensando a História FRANCO J r H ilário Feudalismo uma sociedade religiosa guerreira e cam ponesa São Paulo Editora M oderna 1999 Coleção Polêmica Fau stin o Evandro M entalidade medieval São Paulo Editora Moderna 2001 Coleção Desafios REZENDE Cyro de Barros Guerra e guerreiros na Idade Média São Paulo Ed Contexto 1989 Coleção Repensando a História 4 Material audiovisual REVISTA CARAS Enciclopédia multimídia de arte universal Volume 4 Arte bárbara bizantina e islâmica volume 5 Românico e gótico 2 CDsROM Secretos quero descuvrir música ibérica da Idade M édia e do Renascimento Cancioneiro Sepharadita judaicoespanhol Trovadores medievais Conjunto de Câmara de Porto Alegre Porto Alegre Pre feitura de Porto AlegreFUMPROARTE 1996 Tempo de descobertas Conjunto de Câmara de Porto Alegre Porto Alegre Pre feitura de Porto AlegreFUMPROARTE 1999 História da humanidade 5 os tempos medievais Distribuidora SBJ 1994 História geral da a rte Gênios da pintura Bosch e Brueghel IM ASO LEdicio nes dei Prado 1995 25 Sorry the text in the image is too blurred for me to accurately extract A H i s t ó r i a M o d e r n a E A SALA DE AULA Leandro Karnal EM BUSCA DE CERTIDÃO DE NASCIMENTO E ÓBITO A concepção de moderno certamente causa um hiato profundo entre o discurso do professor e do aluno Esse hiato não é acidental pois a própria palavra moderno apresenta a ambigüidade de referir se tanto ao que é atual como ao período imediatamente posterior à Ida de Média Ocidental Tomando o ponto de vista da classificação cronológica enten deu se o moderno como algo que iniciava com a queda de Constan tinopla maio de 1453 até a Revolução Francesa 1789 Sabemos das imensas limitações desses marcos Primeiramente referemse apenas à Europa e unicamente a partir do ponto de vista político Assim guardam o duplo defeito do europocentrismo e da ên fase numa histórica factual e narrativa Nem em relação à Europa esse recorte é válido pois não con templa imensas áreas européias para as quais a queda de uma quase ci dadeestado como Constantinopla pouco ou nada significava O problema aprofundase se pudermos levar em conta que pro cessos tidos como típicos da Idade Moderna como o Renascimento já estavam em pleno curso quando da queda de Constantinopla e que o poder burguês associado à Revolução Francesa já era uma realidade em locais como Inglaterra e Holanda um século antes do marco francês 127 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a Igualmente se levarmos em conta navegações portuguesas a data deve ria ser 1415 tomada de Ceuta e as espanholas poderiam ter como marco 1492 o descobrimento da América Se por fim tomarmos a ruptura religiosa como marca do fim da unidade católica do Ociden te Medieval a Idade Moderna deveria iniciar em 1517 início do pro testo de Lutero A historiografia soviética sugeriu uma classificação bastante dis tinta a Idade Moderna vai de 1789 até 1917 começando aí a Idade Contemporânea Por fim trabalhos como o de Arno Mayer estabele cem uma sobrevivência do poder e influência da nobreza tradicional mente associados à Idade Média até a Primeira Guerra Mundial Tais reflexões são úteis e constam hoje de vários livros didáti cos Deveríamos com elas questionar a maneira de realizar recortes em História e evidenciar o caráter bastante aleatório dos mesmos para os alunos para que ficasse evidente que há uma construção na historio grafia que atende a variáveis como nacionalidade classe social objeti vos políticos etc Há muito tempo um grande clássico de leitura indispensável para qualquer professor de História O declínio da Idade Média de J Huizinga já advertia que as mudanças nascem mais de convenções do que da realidade histórica A transição da Idade Média para o Huma nismo foi segundo o professor Huizinga mais simples do que se ima gina e o Classicismo Renascentista cresceu entre a vegetação luxurian te da Idade Média A primeira questão a levantar é que os recortes existem e que substituir os antigos por novos não resolve muita coisa Não há um fa to mundial no século XV ou XVIII que consiga reunir a totalidade do planeta Além de analisar esse item em algum momento do seu curso de História o professor poderia propor a uma turma de adolescentes a seguinte questão quando alguém deixa de ser criança e passa a ser ado lescente ou quando alguém passa a ser adulto A turma ficaria dividi da e é provável que surgissem explicações com ênfase na sexualidade outros na autonomia financeira e outros na pura cronologia etária As sim como não é possível datar com precisão tais transformações fica impossível identificar se um único fato é uma referência válida Acima 128 L e a n d r o K a r n a l de tudo uma aula de História não deveria apresentar apenas dados acabados mas evidenciar em algum momento o processo de constru ção da verdade histórica e trabalhar com a dúvida dado comum a to das as ciências Por fim o marco cronológico pode ser transformado de sua fi xidez em objeto dinâmico Por exemplo a queda de Constantinopla O excelente livro de Steven Runciman A Queda de Constantinopla 1453 traz um relato que despertaria entusiasmo em leitores jovens e poderia ser o início de um debate atual sobre as relações IslãOcidente ou sobre a geopolítica balcânica que acompanha a História da Grécia Clássica até a crise da Bósnia O fato de uma referência ter sido usa da de forma que hoje condenamos não quer dizer que ela não possa ser trabalhada de forma dinâmica OS TEMAS RECORRENTES Mesmo que não exista uma unanimidade sobre os marcos to dos sabemos que há uma ênfase em certos temas tradicionais Podería mos identificálos como Renascimento Reforma e ContraReforma Antigo Regime Absolutismo Mercantilismo e Sociedade Es tamental Grandes Navegações e Conquista da América Revoluções Inglesas Num esforço bastante louvável muitos professores e livros têm tentado quebrar o caráter ocidental europeu desse elenco clássico e in troduzem temas como a China do século XVI ou o Japão do início do xogunato Sempre é bom quebrar o monopólio das significações euro péias mas é útil recomendar um cuidado particular História perdeu muitas horasaula desde sua instituição como disciplina escolar e há pouco tempo para analisar questões mesmo as centrais Assim aumentar 129 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a itens do currículo pode resolver o problema do europocentrismo mas cria novos desafios como a superficialidade da análise ou a irrelevância de certos temas em comparação com outros Para um aluno brasileiro a Sociedade Estamental do Ocidente Europeu tem mais relações na formação da nossa cultura do que a japonesa do mesmo período Pare ce sempre útil repetir que estamos ensinando História para jovens e não formando historiadores As duas coisas são muito distintas e im plicam atitudes diversas Todo equilíbrio de uma atividade didática está na dose Nunca fazer referências a processos historiográficos pode levar um jóvem alu no a supor a História uma ciência estática ou pior positivista Enfati zar muito métodos e técnicas historiográficas pode desviar o aluno do seu alvo que não é a rigor o da formação profissional na área Apenas trabalhar com Europa e Brasil pode limitar o universo do alu n o mas desenvolver longamente a sociedade tailandesa do século XVIII pode causar outros problemas Como dizem os homeopatas a diferença en tre remédio e veneno está na dose O mesmo deve ser dito do estudo das excepcionalidades em sa la de aula Por exemplo para fugir ao senso comum do Renascimento muitos professores gostam de discorrer sobre pintores atípicos como H Bosch Tal ênfase pode ajudar o aluno a perceber que a uniformi dade não existe de fato mas jamais poderia substituir a regra pela ex ceção Assim na diversidade religiosa das reformas por exemplo seria importante perceber que os calvinistas são mais expressivos em vários sentidos do que os quacres ainda que os últimos possam ser mais pa latáveis aos ideais contemporâneos de tolerância Ao defrontarse com os temas clássicos da História Moderna o professor deve estar apto a realizar cortes ou acréscimos jamais supon do um direito sagrado do texto em ditar o procedimento exato para ca da sala e para cada escola Saber cortar ou adicionar é uma das habili dades mais desejáveis no magistério de História Além dos recortes necessários e indispensáveis o professor também pode sentirse inclinado a acréscimos Por exemplo pode de cidir incluir um texto de vida cotidiana a partir da coleção História da vida privada Os volumes 2 e 3 apresentam ricas e interessantes análi 130 L e a n d r o K a r n a l ses de uma História mais sociológica sem ênfase na enunciação de nomes O mesmo pode ser dito se a escolha recair sobre uma Histó ria dos jovens Em todos esses casos temáticos o importante seria pla nejar bem o acréscimo para que ele não pareça adereço ou ilustração pura e simples Jamais pode ficar a impressão de que o importante mesmo é o Concilio de Trento e que a vida cotidiana da nobreza na Itália do século XVI é apenas uma pausa em temas pesados ou cansati vos Nunca devemos subestimar a intuição e a percepção dos alunos Eles geralmente captam com rapidez se nós consideramos tal tema im portante ou não E NA FRENTE DE BATALHA COMO EU FAÇO Quase todo professor já se irritou com algum texto pedagógico que estabelece princípios gerais e maravilhosos mas que não levam em conta a realidade da trincheira A metáfora da trincheira para a sala de aula é muito boa pois tal como as grandes teorias estratégicas e geopo líticas afetam a vida do exército a atenção do soldado está voltada para o frio nos pés ou a qualidade da comida Assim com toda razão os professores reclamam que generais estabelecem em cúpulas douradas princípios maravilhosos e válidos mas que o diaadia na frente de guer ra é mais árduo do que os teóricos da educação possam supor Esseitem procura estabelecer sugestões que buscam associar a teoria e a prática e como sempre cabe a cada profissional da educação saber se tal item é válido para a realidade de cada colégio ou de cada sala de aula Sugerimos a seguir algumas linhas concretas A LEITURA Um professor de História deve tentar na medida do possível estar atento aos lançamentos da sua área Em meio às limitações de tempo e de dinheiro o professor precisa estar ciente de que a partir do momento em que ele não lê mais passa a morrer profissionalmente 131 H i s t ó r i a na s a l a d e a u l a Isso não se deve à quantidade de conteúdo dominada que quase to dos percebem costuma estar sempre adiante do nível médio das salas Há uma questão mais importante ler renova a maneira de ver as coi sas dá uma injeção de ânimo em conteúdos desgastados que repetimos há muitos anos e ainda introduz um elemento dinâmico que pode combater a monotonia As leituras de Idade Moderna poderiam ser classificadas em dois tipos distintos Um tipo importante é ler o que há de novo como o li vro de Serge Gruzinski da coleção Virando Séculos A passagem do sé culo 14801520 que narra a passagem do século XV para o XVI Ne le veremos associações inéditas e junções muito originais entre a História da Europa e da América Da mesma forma um texto denso e inovador é Tempos Modernos ensaios de História Cultural de Antônio Edmilson Rodrigues e Francisco José Calazans Falcon Na obra encon tramos diversas discussões sobre a idéia da crise de valores do mundo moderno ou a preocupação renascentista com as cidades utópicas Além das novidades é útil ao professor ler ou reler clássicos pa ra repensar sua concepção de História Norbert Elias por exemplo es tá sendo publicado novamente em português e fornece riquíssimas análises sobre a civilização dos costumes na sociedade especialmen te no texto O processo civilizador Da mesma forma é impossível pensar a Inglaterra Moderna sem as obras de Christopher Hill O mundo depontacabeça ou Keith Thomas Religião e o declínio da ma gia Da mesma forma a historiadora Nathalie Z Davis é uma refe rência fundamental para a França Moderna em obras como Histórias de perdão ou O retorno de Martin Guerré Sua aula de ContraRefor ma ganhará um brilho novo com a leitura de livros de Carlos Ginz burg como O queijo e os vermes e Os andarilhos do bem Provavelmen te você deixaria considerar a ContraReforma como um conteúdo espremido ao final da aula de Reforma na qual você expôs bem Lute ro correu mais rápido com Calvino foi inacreditavelmente rápido com Henrique VIII e dedicou o minuto final ao Index e à Inquisição Os clássicos como Jacob Burckhardt A civilização do Renascimen to na Itália não podem ser abandonados mas devem ser lidos com ilu minações mais recentes como o Renascimento Italiano de Peter Burke 132 L e a n d r o K a r n a l As coletâneas documentais ajudam a escolher trechos importan tes e úteis para discussão em sala ou uso em provas e exercícios É o ca so por exemplo da coletânea de Ricardo Faria e outros História Mo derna através de textos Da mesma forma o professor deve sempre se perguntar se não estaria na hora de reler documentos fundamentais que ele cita todos os anos como por exemplo as 95 teses de Lutero ou a Bill o f Rights inglesa Algumas vezes lemos esses documentos em sua forma completa na graduação e noutras sequer tomamos contato direto com eles Faça a experiência de ler tais textos novamente ou pe la primeira vez Por fim de uma forma acessível e renovada o professor pode indicar para os alunos ou apenas ler para colaborar na elaboração das aulas os paradidáticos O paradidático pode colaborar para trazer uma visão nova sobre um tema antigo como a crítica que fiz contra a idéia perversa de colônias de povoamento e de exploração na Idade Moder na no livro Estados Unidos a formação da nação Diante de tantas indicações e muitas outras que poderiam ser feitas a primeira reação de um profissional com muitas turmas e cen tenas de provas para corrigir é desanimar Eu não tenho tempo nem para ler o jornal quanto mais tantos livros Calma Não precisa imaginar que vai ler tudo em poucas semanas mas precisa colocar a lei tura como um tema central especialmente para que você não ecoe a voz de desânimo dos alunos O mais curioso é que nós professores diante de vários livros e textos temos a mesma reação dos alunos ah mais texto Use então para você o discurso que faz em sala de aula para eles ARTE Período privilegiado para a análise da arte a Idade Moderna apresenta o Renascimento e o Barroco como focos centrais O profes sor pode e deve analisar quadros do período bem como a arquitetura c outras formas de expressão artística Uma solução bastante prática é lazer uma transparência colorida de quadros prédios ou estátuas pois 33 H i s t ó r i a n a s a l a de a u l a o retroprojetor é muito difundido nas escolas As transparências colo ridas são caras mas ficam como material didático permanente do pro fessor ou para o acervo da escola Os slides são mais difíceis de ser ob tidos mas são igualmente úteis O mais importante não é passar uma grande quantidade de obras mas estimular a análise de obras importantes O professor deve preparar muito bem a aula mesmo que seja sobre um ou dois quadros Podemos seguir um caminho mais intuitivo mostrando a obra e fazen do um debate sobre o que o aluno percebe nela e a partir daí estabe lecer a análise ou o contrário Não se deve estabelecer na análise artística uma leitura de re flexo da sociedade pois significaria negar o estatuto da própria arte A arte não é um reflexo mas constitui também a maneira de perceber o mundo e passa a constituir este mesmo mundo A análise pode ser mais técnica a princípio Por exemplo fazer um aluno notar o que é a perspectiva no Renascimento e a matematização do espaço Fazer um aluno perceber a busca de equilíbrio os ideais antro pocêntricos as referências mitológicas a releitura do Cristianismo Uma atividade muito produtiva na análise de arte em saia de aula é contrapor duas imagens de períodos distintos um Cristo me dieval magro abatido com o Cristo do Juízo Final da Capela Sistina hercúleo poderoso e mostrar como o mesmo tema é lido de for ma distinta nos dois períodos Quase todos nós fomos formados com ênfase em documentos escritos Assim o próprio professor sente dificuldades na análise de imagens Bem a solução desse impasse está mais uma vez na pesqui sa e na leitura Podemos iniciar nossa jornada com clássicos como Er win Panofsky especialmente Significado nas artes visuais e Estudos de Iconologia temas humanísticos na arte do Renascimento ou o inte ressantíssimo livro de Gustav R Hocke Maneirismo o mundo co mo labirinto Sempre clássico e importante o texto de Pierre Francas tel pode trazer muitas reflexões inovadoras A realidade figurativa Caso o professor necessite de livros mais descritivos ou de fon tes para imagens para fazer transparências pode utilizar a série publi cada pela Martins Fontes Como reconhecer O volume de Flavio Con 34 L e a n d r o K a r n a l ti trata do tema Como reconhecer a arte do Renascimento Para a ar quitetura os dois volumes de Wilfried Koch Estilos de arquitetura também fornecem preciosas imagens A pesquisa na internet pode também dar acesso a muitos sites de museus que os alunos experimen tam como verdadeiras visitas virtuais Em época de sobrecarga de ima gens a atividade de História em sala de aula não pode ficar indiferen te mas insistimos neste ponto nunca como ilustração ou distração mas como fonte de reflexão Imagem por imagem o cinema de ação e televisão fornecem em excesso para nossos alunos LITERATURA Período de intensa produção literária a Idade Moderna fornece ao professor a oportunidade de explorar muitas fontes Essa atividade pode ser o aproveitamento do programa de Literatura para propor um trabalho interdisciplinar como uma análise do Canto I de Os Lusíadas de Camões O mesmo pode ocorrer quando tratamos do Barroco que pode encontrar a área de literatura através da obra genial de Vieira Muitos professores reclamam que estão dando Renascimento no segundo bimestre enquanto Literatura está tratando poesia trova doresca e que assim não é possível um trabalho em conjunto Tal vi são é muito estreita Devemos pensar um pouco além da linearidade positivista O objetivo da sala de aula é o conhecimento e o índice da seqüência do livro didático não pode ser um ditador Autores clássicos da Idade Moderna podem perfeitamente ser dados aos alunos Por exemplo os Ensaios do filósofo Montaigne são curtos claros e extremamente inteligentes O clássico ensaio XXXI do livro Primeiro Dos Canibais fornece um debate riquíssimo sobre as re lações da Europa com o outro Igualmente ricos são os textos teatrais como os de Molière que servem para estimular uma leitura lúdica e uma análise da crítica da Corte aos burgueses emergentes como O burguês fidalgo ou ao charlatanismo religioso como em Tartufó É inconcebível um jovem terminar o ensino médio sem saber algo sobre o gênio de William 35 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a Shakespeare Uma tragédia clássica como Romeu e Julieta ou mais den sa como Hamlet fornece muitos pontos de partida para o crescimento do aluno Caso seja muito difícil incorporar o texto ao programa um substituto parcial é um filme sobre uma peça de Shakespeare Como nosso objetivo é fazêlo pensar e como o aluno tem resistência a formas clássicas uma das formas de vencer a resistência é mostrar como o clás sico pode ser relido por exemplo na versão de Baz Luhrman sobre Ro meu e Julieta ambientados numa praia moderna Possivelmente o alu no ao ver atores contemporâneos como Leonardo DiCaprio e Claire Danes vai estabelecer a ligação com a cultura clássica e perceber como ela pode ser fascinante O desafio de tornar o clássico acessível é enor me hoje e parece crescente demandando profissionais cada vez mais flexíveis em sala de aula As obras ficcionais de Jonathan Swift Viagens de Gulliver por exemplo ou de Daniel Defoe A vida e as estranhas aventuras de Robin son Crusoê podem ser lidas por alunos jovens sem grandes dificulda des Se o professor vai recomendar a leitura integral selecionar apenas um capítulo ou apresentar apenas a obra para a sala é uma escolha a partir da realidade de cada turma e de cada escola É sempre importan te lembrar que bem possivelmente o aluno nunca mais ouvirá falar de tal obra a não ser na aula de História e de Literatura Também tem me incomodado a idéia de que os textos didáticos apresentam cada vez menos cuidado com a escrita e cada vez mais síntese de conteúdo sen do por isso mesmo textos frios O uso da literatura pode ser uma su peração dessa limitação UMA POSSIBILIDADE PRÁTICA O ABSOLUTISMO PARA O ENSINO MÉDIO Ao pensar em um tema obrigatório em História Moderna o professor sentese diante da tarefa de dar conta de uma enormidade de escolhas Apresentamos algumas possibilidades que cada profissional deve selecionar e adaptar de acordo com suas necessidades 136 L e a n d r o K a r n a l a O conceito será bom dar um conceito a princípio Muitas vezes começamos um conteúdo escrevendo no quadro a definição do concei to ou promovendo um falso debate do estilo o que vocês acham que seja Absolutismo Tratase de um falso debate porque a rigor não es tamos muito interessados na opinião dos alunos sobre o tema e vamos conduzindo a discussão para que se aproxime do nosso conceito Para iniciar um trabalho a postura deve ser mais socrática questionar to das as respostas insistir no óbvio para provocar reflexão estimular a tempestade cerebral como uma preparação do terreno Também é muito positivo que possamos trabalhar muito um te ma e ao final cada aluno elaborar o conceito central Se ele conseguir elaborar esse conceito o objetivo foi atingido Da mesma forma a pro va pode apresentar conceitos variados de Absolutismo e pedir a ele que note a diferença Claro que tal grau de abstração exige treinamento mas lembrese essa abstração ocorre em disciplinas como Matemática logo o aluno está apto a realizála também em História Não subestime a ca pacidade de abstração do aluno apenas seja realista sobre o caminho certo para chegar a ela e o tempo certo para que ele consiga realizála b Base teórica Muitos livros consagram a visão tradicional de que o Absolutismo foi a aliança do rei e da burguesia contra o clero e a no breza Assim a burguesia teria fornecido elementos materiais e humanos para que o rei estabelecesse um exército nacional uma justiça e moe das nacionais e unificasse o mercado nacional interesses da burguesia Tal visão generalizante apresenta problemas na maioria dos casos con cretos de análise do Absolutismo Uma visão contrastante é a do histo riador Perry Anderson que considera o Absolutismo como uma manei ra de a nobreza sobreviver O Absolutismo seria uma espécie de feudalismo transformado A nobreza abre mão do seu poder político para manter a essência do seu privilégio social Clássicos sobre a enunciação política do Absolutismo como Os dois corpos do rei de Ernest H Kantorowicz continuam indispensáveis Também interessantíssima é a análise de Peter Burke sobre o uso da imagem do reisol A fabricação do rei a construção da imagem pú blica de Luís XIV 37 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a A idéia tradicional de um rei todopoderoso que despacha or dens unilaterais e coordena todo o mundo colonial está duramente questionada em livros recentes como o de Luiz Filipe de Alencastro O trato dos viventes formação do Brasil no Atlântico Sul Jamais se imagine dar aos alunos tais textos mas eles existem para o estudo do professor e para que ele passe a questionar esquemas teóricos como Pacto Colonial e sociedade regida por um rei todopoderoso Após a leitura desses livros o esquema que muitos escreveram tantas vezes no quadro ao tratarem da economia moderna com a metrópole fornecen do produtos manufaturados e colônias bens primárias ficará muito abalado O abalo será maior ao ler a coletânea de João Fragoso et al O Antigo Regime nos trópicos a dinâmica imperial portuguesa Da obra emerge um novo Antigo Regime especialmente no que diz res peito ao sistema colonial tal como foi concebido tradicionalmente A partir dessas discussões o professor pode constatar que a ima gem que ele tem do Absolutismo é provavelmente da época do próprio Absolutismo e pouco mudou No momento em que o professor muda a base teórica da sua concepção de Absolutismo a aula ganha um di namismo bem maior e um novo entusiasmo Nunca devemos esquecer também dos teóricos do próprio Ab solutismo como Bossuet e Hobbes A leitura do próprio texto de época traz intuições muito importantes para a aula e supera o esque matismo de escrever no quadro que Bossuet defende o Absolutismo de direito divino c Novos enfoques o professor pode enfatizar a etiqueta como forma de produção do mundo do Antigo Regime e do Absolutismo O texto de Renato Janine Ribeiro A etiqueta no Antigo Regime é bom e aces sível Os alunos podem discutir a função social da etiqueta até hoje com seu corolário inevitável de demarcação do quem é quem A aula também pode ser construída a partir de um filme Em particular recomendamos dois Vatel FrançaReino Unido 2000 Diretor Roland Joffé narra a visita de Luís XIV ao príncipe de Condé e enfatiza a atividade das fes 138 L e a n d r o K a r n a l tas organizadas por Vatel Jantares luxuosos e cerimônias estilizadas tra zem à tona o mundo estamental e simbólico do século XVII Restauração O outro lado da nobreza EUA 1994 Diretor Mi chael Hoffman trata de um médico da corte de Carlos II da Inglater ra Apresenta também detalhes do incêndio de Londres das pragas e da vida dos quacres Enfatizo que não se trata de passar o filme ao final da aula so bre Absolutismo mas de analisar o filme e sua visão sobre o Absolutis mo Para isso o professor tem de ser criativo Os filmes são maiores do que uma aula e até do que duas aulas seguidas Assim ou o professor edita o filme com cenas expressivas ou marca um horário especial se leciona uma seqüência que considere adequada a seu programa O fil me deve ser preparado antes e jamais ser encarado como um descanso do professor para o fim do bimestre d Música Aqui vai um desafio permita aos alunos uma experiência no va escutar música erudita barroca Escolha um trecho expressivo de Bach Haendel ou Vivaldi e toque vários minutos em sala Prepare a tur ma antes e traga essa experiência nova ouvir música sem necessidade de ver nada apenas ouvir Os alunos escutam muita música mas sempre como som de fundo para outras atividades No início é provável que vo cê escute risadas que tenha que interromper para reprimir as conversas mais alteradas Insista dê essa chance à sensibilidade dos alunos A falta de um gosto geral por músicas eruditas pode nascer da falta de ousadia dos educadores Ninguém pode gostar do que nunca experimentou e uma primeira reação negativa não pode desanimar quem educa e Avaliação a ousadia final pode culminar na avaliação Ao invés de uma prova o relatório do filme a partir de um roteiro fixo ou mais aberto Po de ser apenas elaborar um conceito de Absolutismo que integre tudo o que foi tratado Se a faixa etária for mais baixa pode ser uma carta escri ta a alguém criticando a vida da Corte e a nota decorre da possibilidade 39 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a de a carta incluir dados trabalhados Você pode estimular um diálogo imaginário entre camponeses e nobres para perceber as facetas sociais do mundo do Antigo Regime Você pode igualmente fornecer aos alunos mais avançados uma coletânea das anedotas sobre Luís XIV e pedir que eles interpretem à luz das concepções de Absolutismo Finalmente pode encerrar com a discussão sobre o paradoxo das atuais democracias que têm mais chance de controle do indivíduo do que o rei absoluto do sé culo XVII e que afinal o romance 1984 não se refere a Luís X IV Pouco sentido existirá em renovar muito uma unidade e fazer uma prova com perguntas tradicionais Qualquer professor sabe que inovar custa mais do que ser conservador Repetir o mesmo tipo de questão e de enfoque causa tédio dificilmente uma crítica efetiva Aulas inovadoras e avaliações mais abertas causam murmúrio entre alunos pais colegas e a direção Aprenda também a equilibrar essa mudança e tenha paciência pois como tudo em História as mudanças na escola são muito lentas CONCLUSÃO A principal conclusão que se pode chegar é que um texto como o que você acabou de ler não é uma fórmula ortodoxa uma receita in falível ou conselhos de sabedoria inquestionáveis Só um professor de História pode saber o que você necessita e esse professor é você Mui tas vezes ouvindo outros professores com experiências distintas pode mos interagir e tentar obter caminhos que direcionem melhor nossa atividade Você não pode ler todos os livros indicados para cada aula Você não pode trabalhar tanto em cada aula especialmente dando muitas por dia Mas você pode incorporar a idéia central de que é pre ciso renovar aprofundar ler e discutir Inovação não é o uso de meios eletrônicos em sala inovação é uma atitude interna que atinge os que nos cercam A outra opção é jazer mumificado no fundo da pirâmi de sem ao menos ter o atrativo das riquezas faraônicas que possam se duzir os ladrões que afinal são sempre uma companhia As múmias historiográficas além de mortas ficam solitárias e despertam pouca atenção das pessoas 140 L e a n d r o K a r n a i Bibliografia Os livros mencionados ao longo do capítulo estão aqui nuln em forma completa Há muitos outros em todos os ternas cu poil riam ser acrescentados mas também as bibliografias são opções A m sência de um autor não quer dizer que ele foi considerado pouco im portante Obras de literatura e clássicos de filosofia não estão citado na bibliografia por apresentarem muitas edições ALENCASTRO Luiz Filipe de O trato dos viventes formação do Brasil no Adânuco Sul São Paulo Brasiliense 2000 ANDERSON Perry Linhagens do Estado Absolutista 3 a ed São Paulo Br asi liense 1995 A riÈS Philippe D u by Georges org História da vida privada São Paulo Companhia das Letras 19901991 vol 23 BURCKHARDT Jacob A civilização do Renascimento na Itália São Paulo Com panhia das Letras 1991 B ü RKE Peter Renascimento italiano São Paulo Ed Nova Alexandria 1999 A fabricação do rei a construção da imagem pública de Luís Xiv Rio de Janeiro Jorge Zahar Editores 1994 CONTI Flavio Como reconhecer a arte do Renascimento São Paulo Martins Fontes 1986 D AVIS Natalie Zemon O retorno de M artin Guerre Rio de Janeiro Paz e Terra 1987 Histórias de perdão São Paulo Companhia das Letras 2001 EliaS Norbert O processo civilizador Rio de Janeiro Jorge Zahar 1994 2 v FARIA Ricardo et al História M oderna através de textos São Paulo Contex to 2002 FRANCASTEL Pierre A realidade figurativa São Paulo Perspectiva 1 9 9 3 FRAGOSO João et al O Antigo Regime nos trópicos a dinâmica imperial por tuguesa Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2001 GlNZBURG O queijo e os vermes São Paulo Companhia das Letras 1987 Os andarilhos do bem Sao Paulo Companhia das Letras 1988 G r u z in s k i Serge A passagem do século 14801520 Sao Paulo Companhia das Letras 1999 Coleção Virando Séculos H O CKE Gustav M aneirismo o mundo como labirinto São Paulo Perspec tiva 1974 HUIZINGA J O declínio da Idade Média São Paulo Verbo Edusp 1978 KANTOROWICZ Ernest Os dois corpos do rei São Paulo Companhia das I i i as 1998 KARNAL Leandro Estados Unidos a formação da nação São Paulo loniex to 2001 ljl H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a K ü CH Wilfried Estilos de arquitetura LisboaSão Paulo PresençaMartins Fontes 1985 2 v LEVI Giovanni SCHMrrr Jcan Claude História dos jovens Sao Paulo Com panhia das Letras 1996 2 v M aykk Arno A força da tradição Sao Paulo Companhia das Letras 1987 M o n t a ig n k Michcl de Os ensaios São Paulo Martins Fontes 2000 PANOKSKY Hrwin Significado nas artes visuais Sao Paulo Perspectiva 1979 Estudos de Iconologia temas humanísticos na arte do Renasci mento Lisboa Imprensa Universitária 1986 RIBEIRO R enato Janinc A etiqueta no Antigo Regime São Paulo Editora M o derna 1999 RODRIGUES Antônio Edmilson FalCON Francisco José Calazans Tempos mo dernos ensaios de História Cultural Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2000 R u n c im a n Steven A queda de Constantinopla 1453 R io d e J a n e ir o Im a g o 2 0 0 2 u a R e n o v a ç ã o d a H i s t ó r í a d a A m é r i c a L u i z E s t e v a m F e r n a n d e s e M a r c u s V in í c iu s d e M o r a i s Os livros escolares cujo objetivo é ensinarnos a histó ria da nossa terra e do nosso povo são em geral escri tos num espírito maniqueísta seguindo as clássicas an títeses os bons e os maus os heróis e os covardes os santos e os bandidos Via de regra não se empregam nesses compêndios as co res intermediárias pois seus autores parecem desconhe cer a virtude dos matizes e o truísmo de que a História não pode ser escrita apenas em preto e branco1 INTRODUÇÃO A maneira de ler de uma época e os livros que sao lidos pelas pessoas podem mostrar no fundo de que modo elas se enxergam e de que modo elas se sentem O essencial é portanto compreender como os mesmos textos sob formas impressas possivelmente diferentes podem ser diver samente apreendidos manipulados compreendidos2 Mas quando se trata de livros didáticos a importância de pen sar seus conteúdos cresce vertiginosamente pois muitas vezes ele será o único livro que a criança tem em casa3 43 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a Somos formados e constituídos como sujeitos que devem dizer a verdade conceito carregado de efeitos morais e políticos Tendemos a ler com esse mesmo tipo de posicionamento mascaramos ou prote gemos problemas e incertezas impedindo que outros vieses e outras verdades sejam trazidos à luz O leitor é normalmente coagido a consentir com essa moral4 Uma vez lidos os livros didáticos farão parte das estantes empoei radas do canto da casa Ficarão escondidos restando apenas a leitura que sobre eles foi feita lançados à solidão dificilmente serão revisitados e essa imagem retida no pensamento pode ser perpetuada congelarse transfor mandose em memória Minhas lembranças sobre o que é Roma o que podem ser escravos e indígenas serão meus conhecimentos sobre esses temas Ao consultar meu arquivo pessoal para discutir ou falar sobre esses assuntos encontrarei os antigos livros perdidos e ao mesmo tempo guar dados sob a névoa dos pensamentos em algum lugar da inconsciência Com esses pressupostos foram analisados os seguintes livros História Geral de Cláudio Vicentino 1997 História e Consciência do Mundo de Gilberto Cotrim 1994 História Origens Estruturas e processos uma leitura da História ocidental para o Ensino Médio de Luiz Koshiba 20005 História da civilização ocidental Integrada de Antonio Pedro 1997 Oficina da História Historia Integrada de Flávio de Campos e Renan Garcia Miranda 2000 e Toda a História História Geral e do Brasil de José Jobson de A Arruda e Nelson Pi letti 20016 O critério escolhido para a seleção desses volumes foi o da vendagem expressiva desde seus lançamentos ou seja a amplitude e o alcance que tiveram no mercado escolar Para evitar um Tribunal das Belas Mentiras as citações que estão entre aspas mas sem notas de rodapé referemse todas aos manuais de História acima Essa postura foi romada uma vez que somos cientes de que a maioria dos autores formados em boas universidades muitos com titulação de mestre ou doutor têm que lidar com uma gama de temas normalmente em prazos exíguos estipulados pelas editoras comprometendo irremediavelmente suas pesquisas Além disso na ampla maioria deles há a predominância das mesmas visões o que mostra a falta de renovação nas pesquisas e interpretações 144 Luiz E s t e v a m F e r n a n d e s e M a r c u s V i n I c i u s d i H h k a i Sobre América hispânica há pouco material traduzido pni português Como nenhum dos autores analisados é especialista 111 ík i há que se inferir que leituras mais complexas e em outras línguas 1110 poderiam ser feitas dentro do calendário de trabalho das editoras o mo resultado os manuais escolares foram feitos sob a égide de livros de divulgação ou bestsellers panfletários Como nossa intenção não era esmiuçar livros didáticos atrás dc verdades e mentiras históricas pois até mesmo um planetário de erros pode fornecer uma boa aula se bem trabalhado mas sim estudálos co mo um veículo difusor de elementos culturais e da formação da cida dania delineamos três imagens da América O objetivo desse artigo portanto é mostrar quais imagens da his tória do continente latinoamericano em especial dos países de língua hispânica estão sendo construídas nos livros didáticos de ensino médio A narrativa da conquista e os seus traumas seguem um fluxo constante A História da América nos livros didáticos carrega uma cicatriz difícil de ser apagada que vai de Cortés a Bolívar de Pizarro a Hidalgo surgindo como sombra na imagem fantasmagórica de Pinochet O espectro dessa marca parece conceder a todo o continente uma imagem de sujeição de autoritarismo e de incapacidade de livrarse da condição de colônia Em nossos manuais escolares aparece a terra onde o massacre ocorreu em que culturas e sociedades foram mortas a golpes de espada lugar de veias aber tas pronto para receber a violência e a dominação estrangeiras o continen te vitimado Terra de bons e maus heróis e covardes santos e bandidos Essa mácula de sangue e essas visões de América no entanto apresentam também histórias particulares remontando a tradições his toriográficas bem definidas cujas raízes mais profundas datam das pró prias narrativas dos cronistas europeus Essas bases foram reforçadas no século XIX e durante todo o século XX Analisamos primeiramente a visão eurocêntrica evolucionista e cientificista que se utilizou dos re latos de Hernán Cortés e Francisco Pizarro Num segundo momento uma antítese necessária mas igualmente cega e torpe uma interpreta ção que enfatiza o sofrimento enaltece o indígena mostrandoo como vítima de um massacre incapaz de lutar e resistir que remonta aos textos do dominicano Las Casas 145 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a Verificamos que há entre elas um elemento conectivo muito forte o derrotismo Essa visão de morte pode ser bem entendida nas palavras do poeta mexicano Octávio Paz A história do México é a do homem que procura a sua filiação a sua origem Sucessivamente afrancesado hispanista indigenis ta pocho atravessa a história como um cometa de jade que de vez em quando relampagueia Na sua excêntrica carreira o que persegue Corre atrás da sua catástrofe quer voltar a ser sol voltar ao centro da vida de onde um dia na Conquista ou In dependência foi desligado Nossa solidão tem as mesmas raí zes que o sentimento religioso É uma orfandade uma confusa consciência de que fomos arrancados do todo e uma ardente busca uma fuga e um regresso tentativa de restabelecer os laços que nos uniam à criação7 Essa alcunha de orfandade gerou o mito dos vencedores e dos vencidos tema da terceira parte da análise Há que se dizer que enten der de que modo os livros didáticos atuais apropriamse dessas cons truções e reforçamnas muitas vezes misturandoas pode significar o início de um longo caminho capaz de superálas São muitas Américas dentro de uma América idiomas e tradições diferentes facilmente en contramse dispersos em um mesmo território Local da Pedra do Sol de Bariloche do Equador e dos Andes a imensidão de um con tinente América que não pode ser entendida como bloco único e que não pode apenas ser vista à sombra da Europa OS DIDÁTICOS E SUAS HISTÓRIAS A tradição cientiflcista Não é difícil encontrar nos livros didáticos expressões como Conquistadores e Conquistados Europeus destemidos para en frentar os mares desconhecidos opondose a índios entregues ao mais 146 Luiz E s t e v a m F e r n a n d e s e M a r c u s V i n I c i u s d e M o r a i s desolador sentimento de apatia diante das doenças encaradas como castigos de seus deuses Em vez de lutar o imperador Montezuma en viou emissários com presentes e pedidos para que o invasor se retiras se Cortez porém vinha para conquistar o império Em outras pala vras a superioridade das armas dos conquistadores sobre o equipamento de guerra dos nativos armas de fogo e aço em oposi ção a arcos pedras e flechas Parece haver uma tradição que une os trabalhos realizados pela História acadêmica do século XIX aos atuais manuais de História do ensino médio Obviamente quando falamos em tradição é preciso le var em consideração que as idéias seguem um fluxo ininterrupto de mudanças apropriações e significações Do século XIX aos dias de ho je o cientificismo ganhou novas roupagens novas cores e adereços distanciandose de seu ideal imperialista para adquirir tons de defesa da pluralidade De qualquer forma a boa intenção carrega uma série de preconceitos que analisaremos a seguir O famoso e covardemente atacado Leopold von Ranke em fins do século XIX escreveu um excelente artigo intitulado As colônias ame ricanas Cercado de fontes consideradas oficiais e mais importante espanholas o erudito alemão supôs que somente um tipo de escrita era justificável ao ofício do historiador a científica Dotado de um método empirista de uma série de técnicas de detecção da verdade his tórica Ranke imerso num mundo que ajudava a criar nacionalista e expansionista postulou ainda a idéia de uma cultura dominante na empresa colonizadora a espanhola Sendo assim o índio passou a figurar apenas como um ser pas sível de receber a civilização importada da Península Ibérica Isso seria uma benesse pois à barbárie oporseia a Europa Tanto o foi que as pa lavras e designações indígenas aparecem em seu texto somente na no menclatura de cidades e povos mantida pelos relatos da Coroa como a cidade de Tlaxcala o indígena chamado Guanca ou o rio Orinoco A passividade com que o índio teria recebido a nova fé é outro exemplo da inferioridade dos nativos Miscigenação física pode ter ocorrida sem problemas Mas nos textos de Ranke a mescla cultural não pode ser entendida a não ser pela suplantação da originalidade in 47 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a dígena pela européia A análise exclusivamente formal8 dos documen tos em As colônias americanas fez com que seu autor não enxergasse o outro levandoo à perplexidade diante da aparente falta de sentido de rebeliões de índios já convertidos contra seus tutores Essa mesma in capacidade que o fez adotar o lado do vencedor para explicar as Amé ricas e norteou todos os seus trabalhos anteriores e ulteriores Do outro lado do Oceano contemporâneo a Ranke o historia dor norteamericano William Prescott também escreve num momen to em que o sentimento de nacionalismo está presente Seu país estava em plena Guerra Civil 18611865 e a necessidade de unificação na cional bem como as tensões raciais apresentavamse como os principais temas do período Os domínios eram justificados pela ciência a orga nização racional do norte em oposição à instintiva e escravista mono cultura sulista Mais uma vez a díade civilização e barbárie Na obra de Prescott The conquest ofMexico diferença e supe rioridade convivem harmoniosamente Por um lado há a figura do bom selvagem dócil repleto de qualidades que é ao mesmo tempo estranho e inferior Por outro existe o discurso da razão da civilidade e da urbanização como elementos julgadores e hierarquizadores Opos tos que se chocam esta é a marca do autor visível desde o princípio Como ele mesmo diz instituições humanas quando não conec tadas com prosperidade e progresso devem cair pela violência in terna E quem lamentaria esta queda Nesse sentido Prescott va loriza o pensamento espanhol que é racional superior e irá vencer a superstição mágica dos indígenas A diferença na maneira de ver o mundo entre europeus e aste cas se transfere para a eficácia e qualidade das armas os canhões ven cerão os tacapes e Prescott já sabia disso A sociedade mexicana é va lorizada em muitos momentos da obra mas na medida em que se parece com a européia as construções os canais e a capacidade do ho mem em dominar a natureza no domínio da técnica É difícil supor que autores como Ranke e Prescott tenham in fluenciado diretamente a concepção dos livros didáticos atuais As mesmas idéias porém aparecem remodeladas e revestidas de outra roupagem quase cem anos depois na França ilustrada da década de 148 Luiz E s t e v a m F e r n a n d e s e M a r c u s V i n í c i u s d e M o r a i 1950 O etnólogo Jacques Soustelle publicou A vida cotidiana dos as tecas na véspera da conquista espanhola no mesmo ano em que assumiu o cargo de diretor do serviço secreto e o de governadorgeral da Argé lia Poucos anos depois Soustelle imenso conhecedor da cultura e idioma náhuatl após a tentativa de deposição do presidente francês Charles De Gaulle exilouse no Brasil tomandose conhecido do grande público O sucesso de sua obra devese também à imensa cir culação que obteve quando publicada pelo Círculo do Livro e encon trada em quaisquer esquinas a um preço acessível Na bibliografia utilizada por Soustele em meio a inúmeros có dices e documentos de época Ranke e Prescott aparecem amplamente citados mais uma vez a Europa como referência Em decorrência dis so Soustelle superestima o Estado asteca9 Como um colonizador ele pensava a conquista do México como uma fatalidade Valorizava a so ciedade asteca tornando a invasão espanhola uma tragédia na qual al go civilizado muito próximo da cultura européia fora destruído Todas as grandes culturas tendem a se distinguir das que cercam Gregos romanos chineses sempre opuseram sua civilização à bár barie dos outros povos O índio deTenochtitlán não se defi nia apenas como um membro de uma tribo cidadão de uma cidade mas como um homem civilizado participante de uma cultura superior10 Essas idéias de Soustelle serão lidas e transcritas em alguns livros didáticos São concepções nascidas a partir do modelo de estadonação e os manuais as reproduzem A sua estrutura política era altamente centralizada A maior autoridade asteca ara a do imperador ao qual ca bia dirigir a casta sacerdotal e as atividades religiosas políti cas e militares constituindo o que se denomina de império teocrático de regadio Ou em todos esses povos dispunham de um governo fortemen te centralizado Estado e de um exército conquistador Por intermédio de guerras os povos mais fracos eram submetidos política e miliiu mente e obrigados a trabalhar para os conquistadores ou a pajii lli 149 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a tributos certa forma os manuais escolares ainda espelham a Europa na América Assim se formaram os grandes impérios com suas famosas capitais Nínive Atenas Roma e na América Tenochti tlán astecas e Cuzco incas Para o autor francês existe o fatalismo da conquista e a tese de que a superioridade técnica dos europeus foi essencial para a vi tória espanhola No México ignorase o destino que já bate à porta Den tro de poucos anos o véu que separa dois mundos irá ser rom pido Eles vão se enfrentar espadas de aço contra espadas de obsidiana canhões contra flechas e propulsores de dardos el mos de metal contra capacetes de plumas tentemos sur preender antes do fim o reflexo reluzente o esplendor e as sombras de um mundo já condenado11 São frases como estas que encontramos em nossos livros didáticos A tradição lascasiana Outra das tradições presentes nos livros didáticos encontra suas origens nos escritos do padre dominicano Bartolomé de Las Casas Bispo de Chiapas por apenas um ano 1545 lutou contra o modo pelo qual os índios estavam sendo tratados sob a administra ção colonial Em seu primeiro livro impresso em 1552 Las Casas apresenta seus argumentos teóricos para o debate que travava com o cronista im perial Ginés Sepulveda sobre a natureza do indígena Las Casas em ne nhum momento questiona a dominação mas sim o modo como esta va sendo realizada Dedicou parte de sua vida em defesa dos indígenas porém para ele não interessava descrever costumes da vida dos índios ou procurar compreender seu universo ritual ou ainda o sentido dos mi 150 tos de fundação Interessava a ele vencer a polêmica ou se ja manipular com maestria a arte retórica para derrotar seu interlocutor12 O indígena deveria ser cristão um servo da Igreja e não do Esta do espanhol no lugar da violência física empregada pelos conquistado res Las Casas propôs outro modelo o católico13 Sua crítica no entan to enfatiza o sofrimento e a destruição da conquista o aniquilamento de um povo Na realidade os escritos lascasianos descrevem de forma apo calíptica e quase obsessiva a destruição o genocídio e a violên cia Só as frases cunhadas por Las Casas para denunciar esses fatos poderiam perfeitamente fazer parte de uma rica antologia da acusação em que os adjetivos se sucedem com uma variação notável a cruel e pestilencial tirania infelizes salteadores tiranos e destruidores do gênero humano inimigos da na tureza humana ladrões armados e salteadores de cruel truculência etc A violência nos escritos lascasianos pode ser dividida em duas grandes categorias a individual praticada pelos conquis tadores com os instrumentos de guerra que mata ou mutila fi sicamente os índios em pouco tempo e a institucional que os massacra lentamente no trabalho das minas com as novas obrigações sociais mediante a nova cultura14 Além de destacar o impulso assassino dos espanhóis o padre do minicano transforma o indígena em vítima de um processo Na tentati va de salvar os nativos Las Casas o imobiliza frente ao ataque europeu Em seus textos a fraqueza indígena assume proporções gigantescas criando a imagem de pessoas ocupadas em chorar e gemer suas calami dades incapazes de ter tempo ou coração para resistir presas fáceis para os conquistadores A releitura mais famosa dos escritos de Las Casas e referência dos livros didáticos deuse na década de 1970 As veias abertas da Luiz E s t e v a m F e r n a n d e s e M a r c u s V i n I c i u s d e M o r a i s 151 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a América Latina do jornalista uruguaio Eduardo Galeano Obra de imenso sucesso editorial15 As veias abertas tem um valor inegável pela riqueza da informação pela visão de conjunto pelo patético de sua mensagem e porque é sem lu gar para dúvidas o retrato fiel de uma história que tam bém não resistiu ao fascínio da imagem histórica do continen te herdada de Las Casas Já o título da obra nos diz tudo e nos coloca como latinoamericanos no triste papel dos índios de Las Casas isto é destruídos torturados estuprados sempre vencidos pelos colonizadores embora Galeano não faça refe rência nenhuma a qualquer escrito do frade dominicano16 O discurso competente e as metáforas ricas de imaginação en contradas no livro de Galeano por si sós já garantiriam uma boa acei tação de seu conteúdo aos olhos de ampla parcela do público de es querda na década de chumbo do continente latinoamericano A simplicidade de sua tese a América como um corpo aberto sangran do a alimentar sanguessugas estrangeiros sedentos de nossas matérias primas barateadas à custa de um banho de sangue Denúncia contundente da situação do continente o livro faz um traçado histórico para desenvolver uma tese central a exploração da América Latina desde o século XV provoca po breza fome e formas políticas autoritárias em associação ao ex plorador estrangeiro17 Essa análise teleológica que troca nossas metrópoles retroativa mente de EUA para Inglaterra e desta para Península Ibérica tem um forte cunho economicista influência de leituras do marxismo latino americano Por outro lado tal como Las Casas mostra os filhos desta terra como um povo perdedor uma massa acostumada ao autoritaris mo de quinhentos anos de derrota nas mãos do outro18 Essa postura derrotista aparece em nossos livros escolares em passa gens como Essa população européia lançavase sobre os índios co 152 Luiz E s t e v a m F e r n a n d e s e M a r c u s V i n í c i u s d e M o r a i s mo um bando de exploradores A produção colonial foi organizada a partir da exploração da mãodeobra indígena pois os europeus saquea ram suas riquezas dizimaram seus habitantes e destruíram suas culturas As noções de conquista e exploração são tão fortes nos manuais de História que até mesmo a palavra indígena sucumbe a um semnú mero de explicações sobre outras histórias sempre brancas e vencedo ras A sangria do continente predestinado aparentemente ao autori tarismo e às ditaduras continua no contexto de independências Do ponto de vista econômico a independência não rom peu os laços que prendiam as economias coloniais à Europa Esses países continuaram como exportadores de matériaprima e importadores de produtos industrializados Para os latinoamericanos contudo a independência não re sultou em desenvolvimento socioeconômico autônomo nos moldes do norteamericano e sim em dependências em rela ção aos centros dinâmicos do capitalismo especialmente In glaterra no início e Estados Unidos a seguir É impossível negar um massacre nos episódios do século XVI ou fechar os olhos para práticas imperialistas e para as ditaduras a que o con tinente latinoamericano foi submetido O problema reside em um redu cionismo de caráter econômico capaz de matar culturas e prover uma ori gem embrionária passiva ao nosso continente como que impedindo a visão de outras matizes em nossas histórias que não a da dor do sofrimen to da exploração e da negação Nesse tipo de interpretação as indepen dências são ineficazes ao passo que se distam do modelo norteamericano Entre o laboratório e a Igreja o mito dos vencedores e vencidos Nos livros atuais sejam eles escolares ou não negar i Amii i indígena e negra negar as vivências para ressaltar meras sobrcvivnn ic 153 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a ou pior aniquilamentos totais é criar a visão dos vencidos espécie de mescla de Galeano e Soustelle Las Casas e Prescott o sentimentalismo redentor e o reducionismo técnico Igreja e laboratório Essa interpretação da qual os livros escolares analisados são o fruto e a árvore mostram o invasor nocivo ora europeu ora norte americano contrapondose ao dono da terra ao estado indígena aba tido pelas doenças crendices e fraqueza de espírito a que os mestiços latinoamericanos atuais herdaram Ao mesmo tempo nos manuais de História vemos a tentativa de resgatar o lado do vencido do con quistado valorizálo Mas nas entrelinhas sonhase em ser o conquis tador o desenvolvido o branco Vemos uma mistura de ideais de con quista e de imaginário cristão cuja premissa é a piedade para com o menos favorecido No cerne dessa busca a necessidade de identidade ancestral um passado indígena e ao mesmo tempo colonizador Miguel LeónPortilla talvez seja a fonte inspiradora dessa ver tente ainda que não haja citações de seus textos nos manuais mencio nados apenas inferências de seu livro de divulgação A visão dos venci dos em bibliografias Esse livro traz uma rica coletânea de relatos indígenas reunidos por europeus anos após a conquista em que as vo zes dos mexicanos apareceriam sem filtros diante de nossos olhos LéonPortilla conhecido em tçdo o mundo por ser um dos maiores especialistas em cultura náhuatl inserese em um amplo grupo heterogêneo de historiadores do qual Jacques Soustelle também faz parte Essa historiografia guardadas as profundas diferenças nas moti vações de suas escritas orgulhase de ter em suas mãos o conhecimen to e o domínio de uma ampla temática sobre os astecas São autores que possuem em seus livros linguagem descritiva provavelmente fru to de uma concepção única da sociedade asteca algo fixo e definitivo que não deveria ser questionado19 Em LeónPortilla reforçase a tese do derrotismo pois seus argu mentos mostram a visão pessimista dos índios frente ao impacto da conquista mas também revelam que os presságios derrotistas os sinais negativos a opinião dos feiticeiros eram todos produtos de uma profunda crise precedente20 De qualquer maneira como escreveu Ciro Flama rion Cardoso 54 Luiz E s t e v a m F e r n a n d e s e M a r c u s V i n í c i u s d e M o r a i s o trauma da conquista e da colonização se prolonga até hoje expressandose na oposição entre hispanistas e indi genistas apologistas respectivamente da obra civilizadora ibé rica e do passado indígena Em ambos os casos são posições unilaterais distorcidas e idealizadas21 Os manuais didáticos pela tradicional abordagem economicista transformam seguindo essa tradição mescla das outras duas a América em sociedade de classes criam Estados utilizamse das crenças e pressá gios falam da importância da fé cristã aos europeus para no final con cluir a ocupação da América ganhou um caráter essencialmente econô mico Essa obviamente é uma interpretação possível não há defesa nem derrotas esmagadoras apenas a supremacia inconteste da economia sobre a vida de todos os seres humanos A determinação de Cortés em conquis tar territórios é retratada a destruição dos impérios é mostrada com parti darismo e bandeira erguida em prol dos indígenas Apesar disso a destrui ção imposta pelo invasor parece ter sido extremamente bem sucedida pois não há outra menção aos indígenas em todo o texto De fato após o de sembarque há um imenso hiato no qual formouse toda a sociedade colo nial americana para retornarmos ao antigo confortável e fácil etnocentris mo europeu Após as independências a América Latina só voltará a aparecer depois de um longo período de relativa docilidade em relação à liderança primeiro da Inglaterra mais tarde dos Estados Unidos quando ingressa eríi uma época de turbulências e experimentações políticas CONCLUSÃO A maneira que escolhemos para contar nosso passado pode di zer muito sobre nosso presente O resgate dos acontecimentos tem co mo objetivo legitimar ou explicar o momento a situação e as sensações presentes Desse modo a maneira de narrar a história da América tam bém poderá revelar que tipo de imagem se forma a partir do rosto la tinoamericano ao tentar enxergar através de métodos artificiais e tal vez únicos de reflexos em diversas épocas e em diferentes situações 55 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a Os acontecimentos sao repensados constantemente na tentativa de confeccionar essa visão de si mesmo individual que cria assim de uma história que sempre muda que é muitas vezes revisitada mas que é sempre a mesma coisa a busca da identidade Nas ruas nas escolas na infância e na velhice as datas e as se qüências dos acontecimentos se confundem com outras informações mas os principais heróis e a noção do que de fato ocorreu no passado está presente na mente de cada um que um dia pôde estudar ou que um dia pôde conversar com os amigos O senso comum formado nos colégios reforçado no cinema nas propagandas e na literatura ganha corpo nos batepapos de esquina e no modo que cada um escolhe pa ra dizer suas origens e suas ancestralidades um jogo de opostos22 no qual bem e mal estão em constante luta Assim essa noção de si mes mo é muitas vezes também uma construção que apresenta uma ori gem tudo aquilo que julguei ser a verdade didática é apenas uma par te de uma verdade fragmentada e espalhada pelos tempos23 Voltando e esperando encontrar respostas capazes de explicar a origem de nossa História deparamonos com as histórias da História do continente América índia mulher estendida nua presença não no meada da diferença corpo que desperta num espaço de vege tações e animais exóticos o conquistador irá escrever o corpo do outro e nele traçar sua própria história Fará dele o corpo historiado o brasão de seus trabalhos e de seus fantasmas24 Os relatos que sobraram desse continente dos povos que aqui habitavam e da conquista são de origem européia mostram uma ópti ca e enxergam o mundo de uma maneira específica utilizam a lente do europeu e vêem apenas aquilo que são capazes de perceber Essa não é apenas a conquista do território mas a conquista da escrita a conquista da História Nas três vertentes apresentadas parece existir no entanto um fio condutor que as une Dos conquistadores surgem dois grupos distintos que estão em constante diálogo os indí 156 Luiz E s t e v a m F e r n a n d e s e M a r c u s V i n I c i u s d e M o r a i s genas indefesos vítimas de um massacre a dramatização sangrenta to tal do episódio esta é a linha de Las Casas Eduardo Galeano e León Portilla a quem Galeano recorre muitas vezes O outro grupo é for mado pelos herdeiros diretos de Cortés Hanke e Prescott Esses cientificistas do século XIX leram as cartas do capitão con quistador como verdades absolutas informações inquestionáveis do epi sódio e de acordo com seus contextos escreveram a narrativa do precon ceito a superioridade européia a razão e as armas indestrutíveis frente à barbárie dos machados e pedras indígenas A vitória dos homens sobre as adversidades da natureza a razão que vence o instinto o triunfo do individualismo e a capacidade humana de dominar as forças naturais A tradição de Las Casas fez mais sucesso e ao invés de se cho car com a anterior parece completála A tragédia caracterizase pela formação de um grande eixo narrativo Na década de 1970 Eduardo Galeano resgatou as atrocidades feitas contra o continente ganhando um número imenso de leitores Seu texto está fundado numa narrativa trágica palatável ao gosto dos leitores certas obras reforçam conhecimentos e con cepções que o leitor já possui e apresentam narrativas e expli cações que são consideradas corretas sobre uma determinada realidade porque não introduzem uma ruptura 25 na maneira de se compreender o episódio A terceira tradição na tentativa de excluir a Europa e os Esta dos Unidos de seus textos para resgatar uma ancestralidade indígena sobrevivente ao massacre criou o mito dos vencedores e dos vencidos Esa oposição é o pior fruto dessa maneira de entender a América pois só se constitui como dualidade a partir do código europeu Freqüentemente analisamos o processo e a destruição das civiliza ções précolombianas como se dvéssemos diante de nós numa mesma batalha elementos capazes dc manipular as mesmas regras de modo igual Isso não ocorreu na América porque estávamos diante de uma outra cultura26 57 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a Na tentativa de superálas talvez fosse o caso de recusar sobre vivências e buscar novas vivências Por que aquelas rem iniscências visíveis não superaram o discurso da destruição Q uanto m ais vivia entre eles diver sos povos da A m érica Latina percebia que não pensavam com o europeus não eram frutos da terra arrasada não ha viam rom pido com suas tradições ancestrais Ao m esm o tem po partilhavam de um a form a de devoção cristã que não era bem aquela que eu conhecia e da qual era fruto T am bém não m e faziam crer serem apenas sobreviventes D ecididam ente eram viventes27 Romper com essas tradições no entanto poderia causar des confiança nos professores que deixariam de consumir tais livros Tra dições que resignificam a legislação vigente para elaborar novos ma nuais mas incluem ou excluem temas de acordo com sua incidência em vestibulares Tradições que impedem que se constitua qualquer ou tro eixo narrativo que não o cronológico político unidimensional e econômico Tradições que se autoreforçam Mesmo assim qualquer livro por ser ponto de partida e não de chegada das atividades do professor pode ser usado com muito proveito Afinal a aula é do professor e não do livro E o bom docente é livre au tônomo e procura sempre a melhor maneira de produzir conhecimento Eu penso que não existe a H istória de livros didáticos Existem m uitas histórias em livros didáticos posturas divergentes e em alguns casos conflitantes Por outro lado os livros têm m uitos defeitos podem ser m uito descritivos m uito frios es quem áticos e podem ter dados errados factualm ente equivo cados E para fazer o livro funcionar a prim eira coisa é ter pro fessores bons porque por pior que seja o livro ele pode ser lido com proveito Ele pode ser lido a contrapelo por exem plo Por pior que o livro seja m esm o sendo um a coletânea de absurdos o que nenhum deles chega a ser serve para você ler 158 Luiz E s t e v a m F e r n a n d e s e M a r c u s V i n I c i u s d e M o r a i s com o aluno e mostrar Olha o que ele está te falando sobre a Revolução Francesa Olha como nós estamos inventando uma Revolução Francesa Olha como nós estamos inventan do um romano que é um néscio um louco que é isso ou aquilo Não acho que o livro deva ser substituído joga do fora28 O livro didático acrescentese é bemvindo quanto mais coe rência e atualizações historiográficas trouxer mas mais do que isso quanto mais possibilidades de estudo puder abrir e quanto mais distan ciar cultura dos boxes e apêndices de curiosidade Sendo o professor quem mais conhece as necessidades de seus alunos e as circunstâncias espaçotemporais em que trabalha ele é o principal responsável pela concretização de qualquer proposta de ensino Com um bom profes sor o aluno deixaria de ver a figura de grandes heróis num passado morno diferente da vida de hoje Sendo assim a pequenez do aluno diante dos poderosos personagens dos livros de Flistória que aumentam sua impressão de estar fadado a uma existência menor e subalterna da rão lugar a opções abertas possibilidades e não verdades Num futuro próximo essas maneiras de contar a História se tor narão a memória de um passado comum lembranças coletivas de uma época que não se viveu mas na qual a grande maioria se identifica se corresponde por um cordão mágico a idéia de ser brasileiro de ser lati noamericano de pertencer a um grupo ou a uma nação Podese até pensai que essa nacionalidade é também construída como fantasia polí tica de acordo com interesses locais no entanto as pessoas se sentem e se vêem como americanas de algum modo se interagem com a história comum de sua região com os contos lendas e histórias do país vizinho Todas as versões e verdades sobre o tema são também constru ções Nesse sentido de maneira lenta e sutil essa noção de si mesmo aos poucos vai se alojando na inconsciência São também os livros didáticos essas tradições e o senso comum que aparecem no espelho mágico do passado de qualquer cidadão que procura seu reflexo pa ra ver e entender quem é e de onde vem Podese dizer que a memó ria é portanto confeccionada e não precisa ser apenas histórica Pode 59 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a partir de lendas e crônicas ou seja sua base pode ser ritual o que lhe garante um significado simbólico29 O latinoamericano em especial o brasileiro parece negar suas origens conta e seleciona o lado bom da História para se identificar com ela A origem negra é negada a indígena vista como covarde e a asiática deixada de lado É agradável lembrar de uma história onde eu servi a mesa Ou é agradável lembrar de uma outra onde estou à me sa cercada de uma baixela cheia de tradição30 Segundo essa interpre tação é necessário a existência de um conto bonito capaz de seguir em frente de resistir ao tempo aos julgamentos de valor e que possa per manecer intacto a quaisquer críticas e adversidades que certamente irão aparecer É preciso contar sobre os vencedores colocarse ao lado deles As férias de fim de ano devem ser passadas na Europa pois a América senão feia é inexpressível ao turismo do próprio latinoame ricano O que vem de fora é sempre melhor e o produto com rótulo importado é facilmente vendido No Brasil todos fogem da possibilidade de identificação com os negros e por isso talvez existam mil e uma cores para a etnia de quem certamente possui descendência africana mulato crioulo moreno e jambo mas nunca negro Essa palavra está impregnada de tom pejora tivo E quem nunca ouviu esse tipo de insulto Você é um índio Afirmar o contrário seria o mesmo que assinar o atestado de derrota do de inferior de menos capaz de passar para o lado de lá da história quando gostaríamos de fato de ser os conquistadores Esse tipo de imagem foi lentamente construída vive até hoje de maneira inconsciente no cotidiano de cada um escondida e trancada em algum lugar obscuro de nossos pensamentos na caixa de horrores Sua desconstrução é o primeiro passo para a sua necessária superação tarefa lenta e difícil que se propõe mexer nas origens do fenômeno Notas 1 Érico Veríssimo Incidente em Antares São Paulo Ed Globo 1994 p 24 2 Roger Chartier O mundo como representação In Estudos Avançados 11 5 1991 p 181 160 Luiz E s t e v a m F e r n a n d e s e M a r c u s V i n í c i u s d i M o im i 3 Marisa Lajolo IN Ricardo Prado Os bons companheiros Nova lísrola Sao Paulo Abril ano XVI n 140 mar 2001 p 20 4 Adaptado de Marc Poster Cultural History and Postmodernity disciplinary readings and challenges Nova York Columbia University Press 1997 p 51 5Até aqui tratasc dc livros dc História Geral ou seja os velhos conhecidos manuais de História Ocidental vista a partir da Europa 6 Livros de História Integrada reinvenção da História global Brasil Améri ca e mundo juntos no mesmo corpo discursivo mas sempre tratando de Ocidente 7 Octávio Paz O labirinto da solidão e post scriptum Rio de Janeiro Paz e Ter ra 1992 p 23 8 Peter Gay ressalta que Em Ranke a mão modeladora do artista literário nunca se distancia do labor construtivo do historiador portanto formalmente ele foi impecável Peter Gay O estilo na História Gibbon Ranke Macaulay Buckhardt São Paulo Companhia das Letras p 68 9 O que pode ser percebido em quase todos os capítulos do livro em passagens como ela a guerra constituía um meio de conquista para as cidades imperialistas e para tanto revestiase de noções jurídicas a justificála nas quais além de exaltar a partici pação do Estado o autor chega a afirmar que a cidade que se pretende incorpo rar ao império de certa forma já lhe pertencia de direito 10 Jacques Soustelle A vida cotidiana dos astecas na véspera da conquista espa nhola pp 243247 11 Jacques Soustelle A vida cotidiana dos astecas na véspera da conquista es panhola pp 1213 12 Janice Theodoro América Barroca tema e variações São Paulo EduspNova Fronteira 1992 p90 13 a obra de Las Casas é dirigida contra os conquistadores que pre tendem justificar suas guerras de conquista pelo objetivo almejado que é a evangeliza ção Las Casas recusa essa violência mas ao mesmo tempo para ele só há uma religião Verdadeira a sua E essa Verdade não é somente pessoal mas universal é válida para todos e por isso ela não rejeita o projeto evangelizador Ora já não há violência na con vicção de possuir a verdade ao passo que esse não é o caso dos outros e de que ainda por cima devese impôla aos outros TODOROV Tzvetan A Conquista da América a questão do outro São Paulo Martins Fontes 1993 pp 165166 14 Héctor Hernan Bruit Bartolomé de Las Casas e a simulação dos vencidos Campinas Editora da UnicampIluminuras 1995 p 74 15 Com a primeira edição em castelhano publicada em 1971 o livro do es critor uruguaio já estava em 1994 na 67a edição no vernáculo Em português tam bém em 1994 a Paz e Terra lançava a 36a edição Informações extraídas de Plinio Apu leyo Mendoza Org M anual do Perfeito Idiota LatinoAmericano Rio de Janeiro Bertrand Brasil 2000 pp 51 e 52 16 H Bruit América Latina quinhentos anos entre a Resistência e a Re volução Revista Brasileira de H istória A N PU H M arco ZeroCNPqFapesp V o l Re forma e Revolução p 156 17 Leandro Karnal As veias fechadas da América Latina disponível no endereço eletrônico httpwwwcevehcombr 161 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a 18 H Bruit América Latina quinhentos anos entre a Resistência e a Revo lução Revista Brasileira de História ANPUHM arco Z eroC N PqFapesp V o l Reforma e Revolução p 158 19 Na orelha da edição de 1988 de LosA7itiguos Mexicanos a través de sus crônicas y cantares de LeónPortilla encontramos A arqueologia nos possibilitou co nhecer a existência de centros cerimoniais no qual palácios e templos se acham decora dos com pinturas e sao exemplos de uma avançada urbanização os ideais guerreiros es tão inteligentemente expressados em O povo do Sol de Alfonso Caso Angel M Garibay K e Miguel LeónPortilla traduziram para nossa língua a literatura e o pensamento pré hispânicos os pormenores de A vida cotidiana dos astecas foram analisados por Jacques Soustelle da mesma forma que Justino Fernández abordou a estética indígena e Laurett Séjourné a simbologia dos murais teotihuacanos tradução livre dos autores 20 H Bruit América Latina quinhentos anos entre a Resistência e a Revolu ção Revista Brasileira de História ANPUHM arco ZeroCN PqFapesp Vol Reforma e Re volução p 151 21 Ciro Flamarion Cardoso América PréColombiana São Paulo Brasilien se 1981 p 8 22 Comentando o livro de Eduardo Galeano Leandro Karnal escreve sobre esse jogo de opostos Esta divisão em duplos índiosespanhóis ricospobres latinosan glosaxões etc é uma das chaves do sucesso da obra Torna fácil a compreensão e vai ao en contro pleno da compreensão do leitor Talvez pela própria tradição religiosa da América divisões perfeitas entre princípios antípodas sempre funcionam bem no palco ou no tex to KARNAL A s veias fechadas da América Latina 23 Este artigo não é exceção ao criar uma divisão arbitrária que não existe explicitada nos livros didáticos formulamos uma verdade uma maneira de analisar as tradições historiográficas que norteiam a produção escolar 24 Michel de Certau A escrita da história Rio de Janeiro Forense Univer sitária p 9 25 Leandro Karnal As veias fechadas da América Latina p 2 26 Janice Theodoro Op c i t p 33 27 Janice Theodoro América Barroca p 91 28 Pedro Paulo Funari Entrevista 29 J Theodoro 30 J Theodoro Memória e Esquecimento p 3 Bibliografia LEONPORTILLA Miguel A visão dos vencidos a tragédia da conquista narrada pelos astecas Porto Alegre LPM 1987 PRESCOTT W illiam Sir The Conquest o f Mexico San Antonio Texas Coro na Publishing Company 1988 SOUSTELLE Jacques A vida cotidiana dos astecas na véspera da conquista espa nhola São Paulo Companhia das Letras sd 162 PENSANDO A ESTRANHA HISTÓRIA SEM FIM M a r c o s N a p o l it a n o Olivier Dumoulin historiador francês afirmou que a História Contemporânea é uma história muito estranha1 Esse estranhamento segundo ele talvez tenha sua origem na contradição que marcava o sentido original dos dois termos história e contemporânea tal co mo foi pensado no século XIX sobretudo pelos historiadores metódi cos ou positivistas como são mais conhecidos o estudo da História era incompatível com o estudo das sociedades contemporâneas próxi mas cronologicamente do historiador Segundo Dumoulin o conceito de História Contemporânea foi confirmado na reforma do ensino se cundário francês ocorrido no último quarto do século XIX e desde en tão foi definida como o período posterior à Revolução Francesa de 1789 Consagravase assim a famosa periodização quadripartite da História AntigaMedievalModernaContemporânea construída com base na História européia2 Apesar de ainda estar presente como estruturadora dos currí culos de muitos cursos superiores e vestibulares no Brasil essa divi são tem contentado cada vez menos a pesquisadores e professores O surgimento de novos termos como História do Tempo Presente História Imediata ou a problematização das cronologias rigidamen te estabelecidas dos objetos consagrados e das fontes tradicionais 163 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a têm aberto novas perspectivas para a pesquisa histórica mas compli cado um pouco a vida do professor em sala de aula Não apenas dos professores do ensino básico mas também dos docentes de ensino superior que freqüentemente vêemse divididos entre a necessidade de ajudar na formação ampla dos seus alunos e ao mesmo tempo preparálos para o ofício altamente especializado da pesquisa históri ca Normalmente a maior parte dos currículos formais ainda está formatada nas ementas e nos programas sob a forma quadripartite da divisão historiográfica Mas o que estamos assistindo atualmente é a problematização do conceito e a subdivisão do período generica mente conhecido como História Contemporânea com base na refle xão sobre como analisar os anos posteriores à eclosão da Primeira Guerra Mundial Na estruturação do currículo escolar de História no Brasil Im perial ainda no século XIX a ênfase maior recaía sobre a História Uni versal um pouco nos moldes da Ilustração do século anterior No final daquele século a História Contemporânea foi confirmada como ma téria do sexto ano ginasial conforme decreto de 1895 e compreendia o período que ia da Revolução Francesa até o século XIX tendo como eixo central o estudo da civilização moderna O modelo dessa civiliza ção obviamente era a Europa O conceito de História Contemporâ nea adotado entre nós foi o francês e na época caracterizavase pelo enfoque do fato político e pelo elogio das formas de vida e cultura da civilização burguesa da Europa É curioso notar que o ensino de His tória do Brasil foi relegado a um segundo plano até os anos 30 do sé culo XX Em que pese a preocupação já presente desde a fundação do Instituto Histórico e Geográfico em 1838 com a pesquisa de Histó ria pátria o ensino priorizava muito mais o ensino de História Univer sal ou História da Civilização com ênfase na Antiguidade Idade Mé dia e parte da Época Moderna Para os metódicos Gabriel Monod Charles Seignobos Char les Langlois e outros grupo que marcou o nascimento da História acadêmica e consagrou a divisão quadripartite da História da Civili zação quanto mais próxima do presente a pesquisa histórica se pau tasse tanto mais sujeita a erros e distorções por parte do historiador 164 M a r c o s N a p o l i t a n o cujo ofício deveria idealmente ser apartado de todo engajamento nas questões políticoideológicas do seu tempo Para os historiadores me tódicos as maiores dificuldades em escrever uma História Contempo rânea eram a falta ou exigüidade de arquivos e o caráter aberto do pe ríodo contemporâneo ainda influente nos acontecimentos do presente de cada historiador Lembremos que no grande projeto his toriográfico dos metódicos tal como definido no manifesto publica do na Revue d Histoire em 1876 o estudo exaustivo da Hisrória de veria se deter no fim da era napoleònica 1815 Portanto boa parte dos conteúdos que chamamos de História Contemporânea estava au sente do projeto historiográfico que consolidou a historiografia acadê mica européia Os metódicos foram duramente criticados pelos presentistas na virada do século XIX para o XX cujo lema foi sintetizado na frase de Benedetto Croce a História é sempre contemporânea os quais tentavam afastarse do predomínio do tema políticoinstitucional centrando sua análise na história das idéias e das artes Posteriormen te com a hegemonia conquistada pela Escola dos Annales tornouse mais palatável a possibilidade do estudo da História Contemporânea uma vez que essa nova corrente historiográfica defendia que toda a História era uma história dos homens no tempo Apesar dessas críti cas a marca da História como ciência do passado bem passado ainda foi dominante na opinião média de profissionais e leigos Com os Annales a organização da pesquisa histórica passou a ser definida mais pelos seus objetos do que pela cronologia dos fatos políticos e institucionais Livros clássicos como Os Reis Taumaturgos de Marc Bloch ou O problema da descrença no século XVI de Lucien Febvre não se pautam pelas rígidas cronologias que separam a Idade Média da Idade Moderna A dificuldade no estabelecimento de fontes e na organização de arquivos já mencionada pelos historiadores metódicos sempre dificul tou a pesquisa sobre História Contemporânea mesmo com o surgi mento da chamada Nova História francesa ou das Mentalidades en tre os anos 60 e 70 Adepto do método serial e quantitativo portanto adequado a uma grande quantidade de fontes e corpus documentais 165 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a organizados o estudo do período contemporâneo ainda continuava problemático pois a documentação não estava plenamente estabeleci da e organizada Paradoxalmente o período contemporâneo sobretu do o século XX tem sido abundante na produção de informação sobre si mesmo proliferam as estatísticas o material jornalístico e editorial os documentos audiovisuais Portanto o desafio do historiador e ar quivista dedicados ao contemporâneo entendido como o estudo dos séculos XIX e XX não era a escassez e sim o excesso de informação O paradoxo reside no fato de que somente nos últimos anos do século XX a guarda e organização desse tipo de documentação por parte de arquivos direcionados à pesquisa histórica tem sido uma preocupação mais sistemática Não apenas no Brasil mas em outros paises com his toriografias tradicionais e bem estabelecidas AS MUDANÇAS HISTORIOGRÁFICAS E A HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA A partir dos anos 60 e 70 surgiram novas questões para pensar sobre o período contemporâneo dentro de uma outra perspectiva his toriográfica Destacamos brevemente algumas variáveis a História Social a História das Mentalidades a História do Tempo Presente e a Nova História Política A História Social inglesa de feição marxista submeteu o estu do da História Contemporânea ao estudo da classe operária do mundo do trabalho e dos movimentos sociais como um todo Os his toriadores ingleses sobretudo Edward Thompson e Eric Hobsbawn junto com a contribuição de Ernest Labrousse ajudaram a cunhar o termo História Social definindo um campo no qual a História Mo derna e Contemporânea tinham um lugar privilegiado Apesar do termo comum os métodos eram diferentes Os ingleses sobretudo analisaram os movimentos sociais e políticos de trabalhadores e cam poneses com base em sua autonomia política e cultural relativa re visando e matizando a importância do velho manual historiográfico de Engels excessivamente linear e determinista até então dominan 66 M a r c o s N a p o l i t a n o te no pensamento historiográfico marxista O contemporâneo em li nhas gerais foi pensado como processo social total nos termos mar xistas analisado não apenas valendose dos grandes eventos e estru turas políticas ou econômicas modo de produção mas também em termos socioculturais e ideológicos Já os trabalhos na França con centraramse no estudo sociodemográfico das populações operárias e camponesas e mesmo quando se voltavam para o político o com portamento dos grupos sociais específicos era submetido a um rigo roso método de análise exaustiva e serial de fontes históricas na bus ca dos ritmos e ciclos do processo históricos Neste caso a influência de Fernand Braudel foi determinante deslocandose o foco da His tória Econômica de recorte geográfico para a História Demográfi ca de recorte social Já a ênfase maior da escola das Mentalidades ou Nova Histó ria francesa desdobramento da Escola dos Annales nunca recaiu sobre a História Contemporânea mas sobre a História Medieval e Moderna do século XII ate o início do século XVIII sobretudo Pa ra essa corrente o recorte sociológico era direcionado para a análise das atitudes coletivas muitas vezes inconscientes e introjetadas diante de fenômenos socioculturais eventos e instituições marcan tes de uma dada época ou sociedade A ênfase na longa duração não foram incomuns pesquisas com recortes cronológicos de duzentos anos ou mais e na inércia das mentalidades coletivas mesmo quan do a política e a economia pareciam tomadas por um furacão de mu danças também se constituiu em outro obstáculo para o estudo da História Contemporânea Nesta a certidão de nascimento era uma das mais dramáticas revoluções da História a Francesa e o ro teiro dos fatos posteriores se parecia com um grande épico de ação com guerras rebeliões e revoluções sucessivas ou seja um conjunto de rupturas e mudanças rápidas nas sociedades temperadas pela dramática evolução técnicocientíficas das sociedades industriais Apesar de não se concentrar no estudo da História Contemporânea mesmo reconhecendo sua importância e legitimidade a Nova His toria abriu campos importantes pelos quais o contemporâneo pas sou a ser pensado Em alguns casos suas perspectivas metodológicas 167 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a e objetos inovadores foram matizados por uma História Social de in fluência marxista ou pela psicanálise Como decorrência seja pelo viés das mentalidades nem sempre utilizada nos livros didáticos dentro de uma conceituação rigorosa sendo muito confundida com o estudo de fatos diversos seja pelo viés de uma História da Vida Privada e Cotidiana a sociedade burguesa dos oitocentos vem sen do dissecada por inúmeros livros e pesquisas gerando novos conteú dos para a sala de aula3 Outros autores franceses como Pierre Nora por exemplo reto maram a preocupação acerca do estudo do tempo curto do evento que deve ser repensado na era da mídia e da informação Nora propôs a reflexão sobre a natureza do evento hiperdimensionado pela exposi ção midiática como uma das entradas para a análise da História pró xima ao historiador do século XX4 Outros autores radicalizaram ainda mais essa perspectiva propondo uma metodologia para se pensar a História imediata de uma sociedade alucinada por informações e no direito de exigir inteligibilidade histórica próxima5 Nas últimas duas décadas do século XX ainda na França para se diferenciar da História Contemporânea já estabelecida e fazer jus à voragem do tempo no século XX surge o conceito de História do Tem po Presente voltada para o estudo do período simultâneo e posterior à Segunda Guerra Mundial A diferença entre o velho conceito de His tória Contemporânea e História do Tempo Presente pode ser definida pela presença viva dos protagonistas e da memória ainda interagindo com o tempo do historiador como testemunhos vivos e dinâmicos do passado O estudo do tempo presente ganhou até o reconhecimento acadêmico institucional com a criação do Institut d histoire du temps present no CNRS Centre Nationale de Recherche Seientifique francês em 1980 O grande desafio desse tipo de pesquisa historiográfica é a separação epistemológica e metodológica daquilo que é memória identidade coletiva e prática sociocultural e do que é História ope ração intelectual de bases científicas Aqui abrimos um parêntese que diz respeito sobretudo ao estu do da História Contemporânea mais recente A presença atuante da memória e dos testemunhos dos eventos em estudo pode levar a uma 168 M a r c o s N a p o l i t a n o excessiva partidarizaçao da discussão sobre o passado Esse é um dos principais riscos do estudo do tempo presente ressaltado pelos historia dores que se especializaram nesse tipo de recorte gerando uma análise enviesada Se por um lado hoje em dia ninguém mais deve acreditar na pretensa neutralidade do historiador tão almejada pelos metódicos também não é aconselhável submeter a análise do passado ainda que recente às paixões e opções políticas do presente Esse é um problema ético e político que se coloca não apenas para o pesquisador mas tam bém para o professor O papel da História para a construção de uma consciência social e política de feições críticas não é necessariamente o resultado do sectarismo e da partidarização do estudo do passado Mes mo que o professor ou pesquisador se posicione e defenda princípios éticos e políticos é preciso evitar os anacronismos ou seja o julgamen to das ações e idéias do passado sem o cuidado de levar em conta os va lores processos e configurações específicas do período e da sociedade es tudados Apesar de parecer o contrário nem sempre é fácil encontrar mocinhos e bandidos ao longo do processo histórico e explicar a história pela luta do bem contra o mal Muitas vezes esse jogo mais mascara do que esclarece sobre as estruturas e processos históricos A Nova História Política abre uma outra perspectiva interes sante para a pesquisa e o ensino de História Contemporânea Essa perspectiva pode ser articulada inclusive com os temas políticos e culturais que marcam o discurso dos Parâmetros Curriculares Na cionais PCNs Esse campo desviou o estudo da esfera e das relações de poder na sociedade do fato político em si e por si tal como con sagrado pelos metódicos para a análise dos conceitos políticos das representações simbólicas e dos imaginários e dos sentimentos e pai xões catalisados pela política Esses novos problemas ampliaram o escopo das análises mais consagradas da História Política que se concentravam nas formas de Estado nos regimes políticos na ação das personalidades individuais na luta de classes e a ideologia O novo campo da História Política vem dando uma grande contribui ção à História Contemporânea uma vez que permite articular obje tos e problemas típicos do século XX como a ação da propaganda e dos meios de comunicação sobre a esfera política cultural e social 169 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a das sociedades em questão A abordagem comparativa dessas questões pode ajudar o professor a trabalhar com uma das tendências atuais particularmente forte no ensino de História Contemporânea que é a História Integrada aquela que articula as Histórias do Brasil América Geral Pela nova abordagem do fenômeno político podem surgir no vos temas para o pesquisador e para o professor Por exemplo o con ceito de esfera pública praticamente se confunde com a temporalidade clássica da História Contemporânea o estudo das paixões políticas a paixão revolucionária a paixão totalitária e seu contrário a apatia po lítica a análise do capitalismo administrado e seu corolário a indús tria cultural Essa nova pauta de questões da História Contemporâ nea trazidas pelo novo campo da História Política tem a vantagem de permitir a articulação de temas sociais políticos econômicos e cultu rais sem que o professor tenha que recorrer às instâncias didaticamen te fragmentadas Por outro lado implica uma certa dificuldade que a assimilação de conceitos e autores oriundos da Filosofia notadamente a Filosofia alemã contemporânea exige Em relação às fontes para a História do século XX e parte do XIX os estudos de História Contemporânea não apenas contribuíram com novos objetos e problemas mas sobretudo com novos documen tos primários As fontes audiovisuais cinema fotografia sonoras fo nogramas musicais registros radiofônicos e orais depoimentos vivos se juntaram às tradicionais e cultuadas fontes escritas acrescidas por sua vez do vasto material produzido pela imprensa diária As fontes audiovisuais sonoras e orais vêm ganhando desde os anos 60 e 70 um reconhecimento cada vez mais forte para o estudo do passado e dada a necessidade de uma abordagem específica dasua linguagem e conteúdo têm se constituído em um grande foco de debates Sua uti lização como fontes de ensino de História para as classes fundamentais também vem se consolidando já não mais como prática esporádica de um ou outro professor mas como sugestão nos próprios documentos da política educacional oficial 170 M a r c o s N a p o l i t a n o OBRAS E AUTORES DE REFERÊNCIA É necessário lembrar que ao longo dos anos 80 os cursos de História das universidades brasileiras formadoras não apenas de pro fessores e pesquisadores mas também de autores de materiais didáti cos ficaram divididos em linhas gerais entre autores franceses e ingle ses É claro essa é uma afirmação reducionista e que deve ser matizada caso o objetivo deste texto fosse aprofundar a análise das influências teóricas na historiografia recente do Brasil Se entre os ensaios histo riográficos mais instigantes sobre a História Contemporânea franceses e ingleses dividem a cena editorial brasileira não podemos esquecer al guns dos autores latinoamericanos Entre os manuais de formação a série de Hobsbawn tem sido a mais citada nos programas da disciplina de História Contemporânea das universidades brasileiras além de ser muito utilizada pelos profes sores sobretudo do ensino médio Nos quatro livros da série6 Hobs bawn aprofunda a discussão sobre a História Contemporânea valen do se de uma linguagem acessível mas nunca banal analisando os processos dentro de uma perspectiva marxista nãoeconomicista nem dogmática tornandose assim um verdadeiro bestseller na área No primeiro volume o autor parte da Revolução Francesa e vai até as Re voluções de 1848 No segundo ele analisa o auge do capitalismo libe ral entre 1848 e 1975 No terceiro volume o imperialismo europeu e as contradiçõès daí surgidas que levarão à catástrofe da Primeira Guer ra Mundial constituem o foco principal do livro No último e mais fa moso livro da série A era dos extremos Hobsbawn cunha o termo o curto século XX para analisar de maneira acurada o período de 1917 até 1989 marcado pela ascensão e queda do socialismo pela Segunda Guerra Mundial e pela emergência de novos movimentos sociais e cul turais Em todos os volumes os processos políticos e econômicos do minam o conteúdo mas as questões ligadas ao cotidiano aos movi mentos sociais e à cultura e às artes tem um grande espaço sem nunca estarem submetidas a explicações fáceis e deterministas Outro conjunto de manuais importantes é a coleção História da vida privada dirigida por Phillipe Ariès e Georges Duby Para o estudo 7 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a de História Contemporânea o mais interessante é o quarto volume or ganizado por Michelle Perrot que se concentra no período áureo da so ciedade burguesa clássica final do século XVIII todo o século XIX e pri meira década do século XX No quinto volume os coordenadores Antoine Proust e Gérard Vincent direcionaram o livro para a análise das diversas e heterogêneas sociabilidades multiculturais do século XX além de problematizar a separação clássica de espaços públicos e privados outra marca do século que terminou recentemente Ambas as coleções têm sido importantes para a formação de alunos do curso superior e como material de apoio para professores e pesquisadores7 Se Hobsbawn tende para a tradição marxista a coleção de origem francesa remete aos temas ligados à Escola dos Annales e das Mentalidades Em ambos porém notase uma boa articulação entre temas políticos econômicos sociais e culturais sem fragmentar os ob jetos de análise Dentre os ensaios lançados a partir do final dos anos 80 desta camos três autores que sugerem uma inovação do estudo dos fenôme nos políticos da sociedade contemporânea Arno Mayer Benedict An derson e Maurice Aguilhon Os dois primeiros ligados à tradição da História Social inglesa renovam os estudos sobre a sociedade contem porânea Mayer sugere uma inovadora e polêmica visão sobre o século XIX normalmente visto como o século de triunfo da burguesia contra o Antigo Regime Para o autor dáse o contrário os valores conserva dores do Antigo Regime ainda dão o tom da sociedade européia dos Oitocentos apesar de todo avanço industrial Anderson por sua vez renova um tema clássico os nacionalismos produzidos pelas sociedades contemporâneas mesclando um enfoque antropológico com as ques tões suscitadas pelo enfoque marxista em torno da consciência e da ideologia Já Maurice Aguilhon articula os conceitos de representações simbólicas linguagens e imaginário político para analisar a História Política francesa do século XIX a partir da revolução de 1848 e seus im pactos na cultura política republicana e socialista Ao lado desses ensaístas europeus mais conhecidos pelos estu dantes e professores de História destacamos alguns autores que po dem ajudar pesquisadores e professores a ampliarem seus conhcci 172 M a r c o s N a p o l i t a n o mentos sobre a História Contemporânea latinoamericana do século XX Sao eles Jesus Martin Barbero e Nestor Canclini Ambos lançam novas luzes sobre o fenômeno da mídia indústria cultural e da cul tura popular e da relação entre elites e povo ao longo da História Contemporânea latinoamericana com ênfase no século XX Esses autores ao lado de outros latinoamericanos e brasileiros cuja men ção escapa aos limites deste texto servem como um contraponto à predominância de autores e temas europeus franceses ingleses e em menor escala italianos e alemães na formação dos historiadores bra sileiros Além disso esses dois autores particularmente ajudam a construir temas e problemas que podem articular o ensino de Histó ria Contemporânea aos temas transversais pluralidades cultural e ci dadania principalmente TEMAS ABORDAGENS E FONTES DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA UMA BREVE REFLEXÃO Na periodização consagrada pela historiografia acadêmica coube à História Contemporânea o longo século XIX da Revolução Francesa à Primeira Guerra Mundial e o curto século XX da Revolu ção Russa à queda do Muro de Berlim Na pauta historiográfica que organiza a alocação das pesquisas e a organização dos currículos esco lares podemos perceber o quanto a historiografia mais tradicional ainda é forte mesmo com as mudanças teóricas e metodológicas que abalaram as certezas historiográficas ao longo da segunda metade do século XX Apesar de certas inovações dos anos 80 como a integração entre o ensino de História do Brasil América e História Geral e 90 com a tentativa de levar ao livro didático temas de cultura cotidiano e mentalidades boa parte dos manuais e livros didáticos segue uma pauta de temas clássicos ora com enfoque políticoeconômicosocial ora com maior tempero culturalista8 ainda que os capítulos em si já não sc organizem mais por ela O que necessariamente não é um pro blema mas deve ser objeto de reflexão dos profissionais da pesquisa e do ensino 73 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a Para o século XIX temos os seguintes temas clássicos Revolução Inglesa a partir do final dos anos 80 Revolução Francesa e Revolução Americana Revolução Industrial Guerras Napoleônicas e Congresso de Viena Liberalismo e Nacionalismo Revoluções de 1830 e 1848 Segunda Revolução Industrial Movimento operário e movimento socialista utópico e cien tífico Unificação italiana e alemã Comuna de Paris Imperialismo Em relação ao século XX a pauta também se repete em quase todos os manuais e livros didáticos variando o enfoque e o nível de de talhamento dos subtemas Primeira Guerra Mundial Revolução Russa Vanguardas artísticas EntreGuerras Crise de 29 e New Deai Totalitarismos nazifascismo e Crise do Liberalismo Segunda Guerra Mundial Guerra Fria blocos capitalista e soviético O Terceiro Mundo e a descolonização da Ásia e África Descolonização e revoluções no Terceiro Mundo Ásia índia China Vietnã África Argélia Angola Crise e guerras no Oriente Médio Movimentos de contestação cultural e política da década de 1960 Crise do socialismo e globalização em alguns casos A lógica historiográfica dessa pauta mais ou menos consagrada que vem norteando a abordagem do período na maior parte das esco 74 M a r c o s N a p o l i t a n o las brasileiras é bem reveladora sobre certos dilemas do ensino de His tória Contemporânea Geral Ressaltamos que as experiências e tentativas de articular esses subtemas assim sao chamados nos PCNs de modos diversos e alternativos além de incluir outras questões não contempla das por essa lista tem se tornado cada vez mais freqüentes ao menos nas escolas de ponta públicas ou privadas Em primeiro lugar notase uma sutil clivagem no eixo espacial que organiza essa pauta de eventos a Europa enfatizada no século XIX e na primeira metade do século XX vai perdendo espaço para os EUA e o Terceiro Mundo América Latina Ásia e África Em outras palavras os palcos da História contada nos livros nem sempre é muito constan te linear e simétrico Os EUA que normalmente são citados nos sécu los XVIII e XIX em tópicos específicos e nem sempre destacados Revo lução Americana e Guerra de Secessão ocupam a cena principal a partir da Crise de 1929 junto com os países subdesenvolvidos A Rús sia ou exUnião Soviética a rigor só entra na pauta como palco de guerras napoleônicas Guerra da Criméia Segunda Guerra Mundial ou por ocasião da Revolução Russa Pouco se enfatiza a dinâmica po lítica cultural social e econômica da sociedade imperial ou soviética De resto o palco privilegiado da História Contemporânea é a Europa e outros palcos nacionais ou continentais só entram em cena em fun ção de uma crise da presença européia no mundo substituída pela pre sença hegemônica norteamericana Os livros mais recentes têm feito um esforço nòtável para inserir a América Latina e o Brasil no ensino de História Contemporânea integrando nosso continente na pauta a ser discutida Em segundo lugar os campos de abordagem historiográfica ain da são dominados pelos temas dados pelo processo e pelos eventos da política incluindo ideologias movimentos políticos formação de Es tados nacionais formas de regime e governo guerras e revoluções Apesar de a pauta ainda ser definida paradoxalmente pela mistura de temas oriundos da História Política positivista e da História Social e econômica do marxismo é crescente a influência da Nova História Po lítica no material didático mais recente com sua ênfase em aspectos simbólicos e culturais das relações de poder 75 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a No plano da abordagem explicativa do processo histórico o mar xismo tende a prevalecer revelando a predominância de um ethos ou seria um pathosT esquerdista na área com o qual este autor também se identi fica digase de passagem A cultura ganha dois ou três tópicos específicos o romantismo no século XIX às vezes e principalmente as vanguardas dos anos 20 e os movimentos de contestação dos anos 60 Estes dois últi mos costumam ganhar capítulos à parte ou são matéria de destaque nos li vros e nas aulas isso quando o professor consegue ter tempo no ano leti vo para abordar os anos 60 Lembramos que até meados da década de 1990 temas marcadamente culturais ficavam relegados ao último tópico de cada capítulo definido pelo recorte políticoeconômicosocial Não es tou saudando a inversão do determinismo economicista para o determi nismo culturalista apenas apontando as dificuldades e os desafios na in corporação de novos temas da pesquisa historiográfica no ensino de História Contemporânea marcados em sua boa parte por objetos ligados à História Cultural à História da Cultura ou à História Política renovada Finalmente em relação ao uso das fontes a maioria dos livros di dáticos adotados pelas escolas de ponta vêm incorporando ao menos como sugestão de atividade ou registro informativo fontes típicas de História Contemporânea indicando sobretudo filmes de ficção cine matográfica Em alguns casos fornecem até roteiros de análise dos fil mes citados geralmente abordados ainda pelo conteúdo estória mais do que pela sua linguagem constitutiva Poucos livros incorporaram os depoimentos orais ou vem com elementos paratextuais que contenham registros sonoros CDROMs CDs ou fitas magnéticas Neste ponto os professores têm tomado a iniciativa de pesquisar e incluir em suas aulas e projetos didáticos documentos audiovisuais sonoros e depoimentos orais alguns ao vivo o que torna a atividade tanto mais interessante quanto delicada dado os elementos emocionais envolvidos Como conseqüência dessa ampla reforma curricular o M EC nos últimos anos tem se esforçado para nortear a revisão do livro didático em várias áreas Cada vez mais os livros são forçados a articular uma sé rie de elementos além dos capítulos de conteúdo e de atividades ilus trações articuladas ao texto explicativo e às legendas conceitos e valo res atitudinais diante do conteúdo janelas de texto complementares ao 176 M a r c o s N a p o l i t a n o texto principal aspectos metodológicos que permitam ao estudante entender como aqueles conteúdos expostos no livro foram gerados pe la historiografia fontes primárias e secundárias de várias origens ico nográficas literárias textos de apoio Em um documento recente norteador da avaliação dos livros didáticos lêse o seguinte o livro di dático não pode ser a exposição fria e mecânica de conhecimentos ad quiridos e transmitidos o texto deve ser capaz de envolver o aluno considerado como sujeito que tem consciência de estar a seu modo fa zendo história9 Portanto alunos e professores devem se assumir co mo agentes históricos contemporâneos para aprender a História segundo essa lógica Na prática o uso de livros didáticos e a elabora ção de projetos didáticos nem sempre tem bons resultados pois acima de tudo pedem boas condições de trabalho incluindo bons salários e tempo para preparação de aula e professores bem formados dois arti gos não tão comuns infelizmente Uma das características mais interessantes dos livros didáticos pro duzidos a partir do final dos anos 80 é o convívio entre a velha História Positivista com sua visão de fatos políticos datas e atores individuais a visão de modo de produção o conflito social e processo conceitos basica mente marxistas e a inclusão de temas do cotidiano da vida privada da cultura e mentalidades coletivas absorvidos em grande parte da historio grafia francesa em que pese a importância de autores como E Thompson para o estudo do cotidiano operário Essa abordagem marca não apenas o ensino de História Geral e Contemporânea mas o ensino de História como um todo devese menos à negligência na formação teórica dos pro fessores ou autores de livros didáticos mas às peculiaridades na formação do profissional de História no Brasil tradicionalmente eclética e bastante sensível a modismos intelectuais Também não podemos esquecer o lugar que ocupa o livro didático no Brasil Consumido ao mesmo tempo como ensaio e obra de referência como material explicativo sobre processos e estruturas e informativo sobre conteúdos factuais as políticas editoriais acabam sendo bastante conservadoras pois o livro acaba suprindo lacu nas de informações historiográficas básicas ao mesmo tempo em que são exigidos como elemento de reflexão sobre os fazeres e métodos da Histó ria Para não falar de outra pressão sobre o livro didático sobretudo no 77 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a ensino médio ligado à necessidade de preparar o aluno para o vestibular Muitos programas da prova de História dos vestibulares incluindo de universidades públicas10 ainda sao pautados pelos temas e cronologias tradicionais e num certo sentido dificultam a renovação ampla do ensi no e do material didático de História AS MUDANÇAS NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA E O ENSINO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA Com as mudanças no ensino brasileiro a partir das Leis de Di retrizes e Bases l d b dos PCNs e das novas perspectivas para o ensino médio mais elementos foram adicionados a esse quadro complexo No vos termos formam hoje um turbilhão de idéias que vêm modificando o conceito de escola professor aula e aluno ensino temático ensino transdisciplinar ensino por competências História Integrada História Retrospectiva História do Cotidiano projetos didáticopedagógicos conteúdos atitudinais conteúdos factuais etc Ainda é cedo para avaliar o resultado das mudanças no ensino brasileiro mas parece que há um certo consenso entre pedagogos e professores que não se deve fazer tá bula rasa das conquistas da historiografia ou transformar a História em um conjunto de curiosidades sobre o passado O desafio de qualquer re novação de ensino é não ser feita às custas do conteúdo informativo bá sico das disciplinas no caso da História o que quem onde e quando sem o qual as análises mais estruturais e processuais podem cair no va zio O legado dos historiadores metódicos pode ser criticado não pelo fato de enfatizar as informações factuais detalhadas mas porque não iam além dela Mas a História sendo um campo de conhecimento liga do atavicamente à erudição não pode prescindir de uma base infor mativa sólida em que os processos configurações estruturas e tempo ralidades devem ser percebidos criticamente Além dos novos conceitos e práticas pedagógicas os currículos tradicionais foram revisados pela proposta dos PCNs do ensino funda mental e médio Ainda que em muitos casos e nos faltam informações abrangentes e sistematizadas embora abundem os depoimentos con cretos os professores não tenham incorporado o cerne das propostas 178 M a r c o s N a p o l i t a n o sobretudo como otimizar o trabalho com os eixos temáticos propostos os PCNs estão interferindo na produção dos materiais didáticos sobre tudo o livro didático que são os verdadeiros guias de trabalho para muitos professores Obviamente as escolas com mais recursos equipe docente e pedagógica integrada e melhor nível de ensino estão bem avançadas nas propostas de renovação do ensino como um todo e de História em particular Para o quarto ciclo sétima e oitava séries a abordagem de His tória Contemporânea sofre uma modificação considerável Vários sub temas são agrupados sob o título de Cidadania e cultura no mundo contemporâneo e dois deles remetem diretamente a novos conteúdos os vários conceitos de cidadania no Brasil e no mundo com ênfase para os direitos humanos civis e de minorias problemáticas pertinentes à cultura contemporânea rádio tele visão jornais revistas cinema computador propaganda criação artística Esse último subtema por sua vez nos remete à necessidade de capacitação e elaboração de materiais de apoio e formação para ativi dades com novas linguagens em sala de aula e projetos didáticos Coin cidentemente como já ressaltamos essas matérias vêm se constituindo em fontes bastante valorizadas da pesquisa sobre temas do século XX Portanto abrese uma nova perspectiva de diálogo da pesquisa de pon ta com o ensino básico No contexto pedagógico atual a História Contemporânea ten do em vista qüe ela está mais próxima do cotidiano do aluno tem sido muito valorizada como ponte para o estudo do passado mais remoto Há o risco de o ensino e a pesquisa voltaremse para um certo presen tismo subjetivista e cometer um dos ou todos três pecados capitais da explicação histórica o anacronismo cobrar dos agentes do passado va lores que são contemporâneos nossos o voluntarismo teórico aplicar teorias e sistemas ideológicos a priori para explicar o passado desconsi derando processos sociais específicos e concretos e o descritivismo no minalista um risco m u ito com u m ao estudo enviesado da História do Cotidiano que consiste em supervalorizar o anedótico e o factual Portanto se a História Contemporânea tem novas perspecti vas em meio à reforma do ensino em curso sua eventual abordagem 79 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a subjetivista e espontaneísta pode diluir o conhecimento crítico em vez de aprimorálo Á título de privilegiar o que o aluno aprende e não o que o professor ensina muitos equívocos podem ser cometidos Um deles é não exigir do aluno um patamar mínimo de conhecimen to ou supervalorizar uma opinião aleatória e pouco articulada em nome do respeito a uma pretensa subjetividade ou liberdade opinati va em sala de aula O resultado pode ser uma segunda exclusão so cial sobretudo dos alunos mais carentes mais ainda do que na velha escola tradicionalista Essa advertência não diminui a necessidade e a importância das reformas em curso O único problema é o velho mo dismo intelectual que a cada dez anos tende a querer reinventar a ro da No caso da História uma área muito propensa a modismos to da e qualquer mudança de enfoque e perspectiva no campo da pesquisa e do ensino deve ser o resultado de um adensamento de conteúdos e análises e não de uma solene ignorância sobre o conhe cimento acumulado pela disciplina O professor ainda que não seja um professor conteudista deve ter um sólido e na medida do possí vel atualizado conhecimento dos conteúdos básicos da sua discipli na Caso contrário muitas idéias inovadoras da pedagogia podem se perder em práticas vazias e demagógicas A História tradicional descritiva e linear pode entrar pela por ta dos fundos não mais pelos fatos políticos chatos mas pelos agradá veis fatos do cotidiano Quando isso ocorre a abordagem da História Contemporânea pode ficar particularmente enviesada sugerindo uma falsa intimidade com aquele que a estuda pelo simples fato de estar mais próxima no tempo Abrese mão da mediação da reflexão crítica e do conhecimento acumulado no passado privilegiando discussões pseudocríticas superficiais e muitas vezes anacrônicas Penso que se es sa tendência triunfar a História Contemporânea deixará de tornarse estranha para tornarse simplesmente banal e ao invés de ajudar a vul garizar o saber histórico tornará o saber histórico vulgar 180 M a r c o s N a p o l i t a n o Notas 1 Olivier Dumoulin In Dicionário de Ciências Históricas Rio de Janeiro Imago 1993 p 172 2 Jean Chesneaux As armadilhas do quadripartismo histórico In Devemos fa zer tábula rasa do passado Sobre a história e os historiadores Sao Paulo Ed Ática 1995 3 Como exemplos dessas duas abordagens veja Michelle Perrot org Histó ria da vida privada São Paulo Cia das Letras 1995 v 4 e Peter Gay A experiência bur guesa da Rainha Vitória a Freud São Paulo Companhia das Letras 4 volumes 4 Pierre Nora O retorno do fato In J Le Goff org História novos pro blemas São Paulo Francisco Alves Editora 1982 5 Jean Lacouture A História Imediata In A História Nova São Paulo M ar tins Fontes 1990 p 238 6 A Era das revoluçoes A era do capital A era dos impérios e A era dos extremos Os três primeiros publicados pela Paz e Terra entre 1987 e 1988 relançados em 1996 na 5a edição e o último publicado pela Companhia das Letras em 1993 7 Outra coleção de manual que destacamos é a de Benz El siglo XX Ciudad do Mexico siglo xxi 1997 4 v 8 Foram analisados os seguintes livros e materiais didáticos José Martins Ferreira História 8 FTD 1997 José Jobson Arruda et al História M oderna e Contem porânea Coleção Objetivo Livro 29 São Paulo Sol Editora 1998 ElieteToledo e Ri cardo Dreguer História cotidiano e mentalidades 8a série São Paulo Atual Editora 2000 Nicolina Petta e Eduardo Ojeda História uma abordagem integrada ensino mé dio São Paulo Moderna 2000 M aria Helena Senise e Alceu Luiz Pazzinato História M oderna e Contemporânea São Paulo Ática 1993 9 MEC Guia do livro didático História Brasília 1998 p 459 10 Ver por exemplo os websites das universidades públicas brasileiras Bibliografia ADORNO Theodor et H o r k h e im e r Max A dialética do esclarecimento M ar tins Fontes São Paulo 1993 AGUILHON Maurice 1848 O aprendizado da República São Paulo Paz e Ter ra 1991 ANDRESON Benedict Nação e consciência nacional Sao Paulo Ática 1989 A n sa r t Pierre Lagestion dêspassionspolitiques Lausanne Lage dom m e 1983 A r e n d t Hannah Origens do Totalitarismo São Paulo Companhia das Le tras 1987 BACZO Bronislaw Imaginação social Enciclopédia Einaldi v 5 Lisboa Im prensa Nacional 1985 296332 BARBERO Jesus Martin Dos meios às mediações Rio de Janeiro Ed UFRJ 1997 BRESCIANI M aria S B r e p o h l Marion SEIXAS Jacy Razão e Paixão na Polí tica Brasília Ed UNB 2002 i8f H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a C a n c l in i Nestor Garcia Culturas Híbridas São Paulo Edusp 1996 e Con sumidores e Cidadãos Rio de Janeiro Ed UFRJ 1997 CAPELATO M aria Helena M ultidões em cena Propadanga política no varguismo e no peronismo Campinas Papirus 1998 ENGELS Fricdrich A origem da fam ília da propriedade privada e do Estado 13a edição Rio de Janeiro Bertrand Brasil 1995 H a b e r m a s Jurgen U espacepublic Paris Payot 1978 M a y e r Arno A força da tradição São Paulo Companhia das Letras 1987 MENESES Ulpiano B História cativa da memória Para um mapeamento do campo da memória nas ciências sociais Mimeo sd NADAI Elza O ensino de História no Brasil trajetória e perspectivas In RBH 132526 set 1992 a ago 1993 143162 PERROT Micheile História da vida privada Da Revolução Francesa à I Guer ra Mundial São Paulo Companhia das Letras 1995 PROUST Antoine e VlNCENT Gérard História da vida privada Da primeira guerra aos nossos dias São Paulo Companhia das Letras 1997 ROSANVALLON Pierre Pour une histoire conceptuelle du p o lit iq u e R e v u e d e Synthèse 12 1986 REMOND René org Pour une histoire politique Paris Ed du Seuil 1996 Sugestões de leitura 1 Manuais de História Contemporânea B e n z El siglo XX Ciudad do México Siglo XXI 1997 4 v BURGUIÉRE A D icionário das ciências históricas Rio de Janeiro Imago 1993 HOBSBAWM Eric A era das revoluções 5a ed São Paulo Paz e Terra 1996 HOBSBAWM Eric A era do capital São Paulo Paz e Terra 1996 HOBSBAWM Eric A era dos impérios São Paulo Paz e Terra 1996 HOBSBAWM Eric A era dos extremos São Paulo Companhia das Letras 1993 MAGALHÃES M Brepohl Paraná polídca e governo Curitiba SEEDPQE 2002 PERROT M org História da vida privada São Paulo Companhia das Letras 1995 v 4 2 Paradidáticos e manuais didáticopedagógicos B a r b o s a Alexandre de Freitas O mundo globalizado São Paulo Editora Con texto 2001 BRANDÃO Antonio Carlos Brandão DUARTE Milton Fernandes M ovimentos culturais da juventude São Paulo Editora Moderna 1990 BRUIT Hector O imperialismo São Paulo Atual 1994 182 M a r c o s N a p o l i t a n o CARM O Sonia Irene Silva e CARM O Valdizar Pinto A Rússia dos sovietes Im passes de um projeto socialista São Paulo Atual 1996 COGGIOLA Osvaldo Governos militares na América Latina São Paulo Edito ra Contexto 2001 F a r ia Ricardo Moura As revoluções do século X X São Paulo Editora Contex to 2001 FERREIRA Martins Como usar a música em sala de aula São Paulo Contexto 2001 JANOTTI M aria de Lourdes A Primeira Grande Guerra São Paulo Atual 1993 JUNQUEIRA M ary A Estados Unidos a consolidação da nação São Paulo Con texto 2001 MESGRAVIS Laima A expansão do imperialismo europeu no século XIX São Pau lo Atual 1994 N a p o lit a n o Marcos Como usara TV em sala de aula São Paulo Contexto 1999 NAPOLITANO Marcos Como usar o cinema em sala de aula São Paulo Contex to 2002 OLIC Nelson Bacic Oriente M édio uma região de conflitos São Paulo Editora Moderna 1997 PRADO M aria Ligia A form ação das nações latinoamericanas São Paulo A tual 1994 3 Ensaios historiográficos teóricos e filosóficos AGUILLON M 1848 O aprendizado da República São Paulo Paz e Terra 1991 ANDERSON Nação e consciência nacional São Paulo Ática 1989 AREND T H A s origens do totalitarismo São Paulo Companhia das Letras 1987 C a pe laTO M H M ultidões em cena Propaganda política no varguismo e no peronismo Campinas Ed Papirus 1998 C h e s n e a u x J C Devemos fazer tabula rasa do passado Sobre a história e os historiadores SaoPaulo Ed Ática 1995 CHAUVEAU A T éTARD Ph orgs Questões sobre a história do presente Bau ru e d u s c 1999 G a y P A experiência burguesa Da Rainha Vitória à Freud São Paulo Compa nhia das Letras 4 v LACOUTURE J A História Imediata In A História Nova São Paulo Martins Fontes 1990 p238 M a y e r A A força da tradição São Paulo Companhia das Letras 1987 4 Documentos MARQUES Adhemar BERUTTI Flávio e Fa r ia Ricardo orgs História Con temporânea através de textos São Paulo Contexto 2001 83 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a 5 Páginas de interesse na internet Cinemateca Brasileira httpwwwcinematecacombr Largo Senador Raul Cardoso 207 Vila Clementino Sao Paulo CEP 04021070 SP Tel 11 50842177 Centro de Pesquisa e Documentação em História da Fundação Getúlio Var gas Rio de Janeiro wwwfgvbrcpdoc Rua Praia de Botafogo 190 14 andar Rio de Janeiro RJ 22253900 Imperial War Museum Londres wwwiwmorguk Instituto do Tempo Presente do CNRS em francês httpwwwihtpcnrsensca chanfr Journal of Contemporary History wwwsussexacuk uma vez no portal da Universidade procure o link da revista Laboratório do Tempo Presente da UFRJ site com informação sobre o acer vo do Laboratório httpwwwifcsufrjbrtempo Links para História Contemporânea da UOL httpsitesuolcombrnec ufflinkshtml Portal de História Contemporânea site português especializado em I e II Guerras Mundiais com vários links httpwwwportaldehistoriawebpthistoriacon temporaneahtm 184 I d e n t i d a d e n a c i o n a l E ENSINO DE H l S T Ó R I A DO B R A S I L C ir c e B i t t e n c o u r t Para estudar o passado de um povo de uma institui ção de uma classe não basta aceitar ao pé da letra tu do quanto nos deixou a simples tradição escrita É pre ciso fazer falar a multidão imensa dos figurantes mudos que enchem o panorama da história e são mui tas vezes mais interessantes e mais importantes do que os outros os que apenas escrevem a história1 Sérgio Buarque de H olanda O ensifio de História do Brasil está associado inegavelmente à constituição da identidade nacional Nacionalismo patriótico cultos a heróis nacionais e festas cívicas são alguns dos valores que na escola se integram ao ensino da História do Brasil ou ao menos de uma certa História do Brasil E contra essa história patriótica existe uma série de críticas que buscam desmascarar seu caráter dogmático e muito distan te de um conhecimento sobre o país e seu povo Muitas das críticas ou a maioria delas buscam identificar o sen tido ideológico de uma história nacional elaborada a serviço de deter minados interesses e grupos Mas ao nos depararmos com tais críticas com as quais a maioria dos professores tende a concordar ficam dúvi das sobre a possível saída para se ensinar a história do nosso país É 185 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a possível outra abordagem para os estudos escolares da História do Bra sil É totalmente comprometedor e alienante um ensino voltado para o problema da identidade nacional No atual momento histórico da disciplina há um desconforto em tratar do problema da identidade nacional mas ele sem dúvida existe assim como persiste a necessidade de situar o papel da História do Brasil em sua constituição E é esse aspecto que privilegiamos neste texto Tratase de uma reflexão sobre ensino da História do Brasil re lacionado ao problema da identidade nacional no atual momento his tórico em que as histórias nacionais não apenas entre nós cabe ressal tar mas em todos os países do mundo ocidental têm sido questionadas e repensadas sobretudo no que se refere à produção escolar Optamos por situar as críticas feitas à História Nacional e aos va lores de nacionalidade delas decorrentes para que com base em tais críticas possamos identificar as perspectivas que existem para o ensino da Histó ria do Brasil e o lugar que precisa ocupar para que efetivamente possa contribuir na formação intelectual e humanística das atuais gerações OS DIFERENTES NACIONALISMOS NO ENSINO DA HISTÓRIA DO BRASIL As críticas ao ensino da História Nacional têm sido feitas so bretudo sob duas posturas diferentes Ambas entretanto é preciso sa lientar vinculadas ao papel da História enquanto disciplina escolar voltada para a formação política dos alunos O ato educacional é fun damentalmente um ato político nos advertiu sempre Paulo Freire e se tal prática é válida para qualquer disciplina escolar no caso de His tória esta é muito evidente sem poder jamais ocultar essa sua essência e base cultural O objetivo da História escolar tem sido o de entender as organizações das sociedades em seus processos de mudanças e per manências ao longo do tempo e nesse processo emerge o homem po lítico o agente da transformação entendido não somente como um in divíduo mas também como sujeito coletivo uma sociedade um Estado uma nação um povo 186 C i r c e B i t t e n c o u r t Uma das posturas atuais para se criticar a História do Brasil es tá articulada à relação entre o Brasil e a globalização Na era da mundialização da difusão do culto à globalização o nacionalismo aparece como um valor ultrapassado e muitas vezes con servador e limitador da modernização Modernização e tecnologia são fa cilmente associados ao mundo da globalização e tudo o que se refere a nacionalismo é entendido como a representação do atraso A política das privatizações a desnacionalização da economia em seus diversos setores incluindo os considerados à base da riqueza nacional que envolveram ou ainda envolvem por exemplo os confrontos em torno da Cia Vale do Rio Doce ou da Petrobrás evidenciam que o ideário nacionalista é retró grado perante projetos do moderno capitalismo globalizado A História do Brasil diante de tal postura é compreendida co mo parte menos substantiva e apenas complementar de um mundo ca pitalista maior e seu estudo visa sobretudo entender o papel que o país desempenha como nação emergente e os caminhos que tem per corrido nessa condição sob o impacto do denominado neoliberalismo Essa tendência fica evidenciada em projetos educacionais recen tes sendo facilmente percebida em determinadas propostas curricula res e está expressa em várias obras didáticas A História do Brasil é apresentada como integrada à História Geral sem as clássicas divisões História do Brasil História Geral ou das sociedades ou da América anteriormente especificadas e organizadas para cada série A História do Brasil aparece como apêndice da História global e sua existência devese ao desenvolvimento do capitalismo comercial com base na expansão marítima européia A macrohistória é a lógica e a chave para a compreensão da nossa condição de país permanente mente periférico do sistema econômico capitalista Em decorrência dessa corrente de análise surgiu uma produção didática denominada História Integrada Tratase de uma abordagem que apresenta inovações dentre elas a de procurar introduzir o tempo sincrônico que permite estabelecer novas posturas nas relações tem poespaço e contexto histórico apesar de manter a lógica de constru ção dos conteúdos pela ordenação cronológica Sem pretender aqui nos determos na História Integrada de forma mais aprofundada no que 187 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a se refere à organização dos conteúdos históricos é importante ressaltar como essa opção corre riscos e pode expressar vínculos contraditórios de identidade Uma análise de algumas obras didáticas recentes e com grande vendagem para o ensino fundamental e para o ensino médio permi te por exemplo identificar rápida e facilmente a diluição de conteú dos da História do Brasil Apenas para exemplificar em um rápido le vantamento quantitativo em um livro didático para o ensino médio confeccionado segundo o atual modelo de volume único para as três séries verificase que dos 42 capítulos apresentados apenas 12 são efe tivamente de conteúdos de História do Brasil O mesmo pode ser ob servado em coleção para o ensino fundamental no qual em um total de 168 capítulos organizados para quatro séries existem apenas trinta relativos à História brasileira Os dados quantitativos apresentados que mereceriam sem dú vida uma análise qualitativa mais cuidadosa colocam em relevo alguns aspectos importantes dos fundamentos da disciplina e apontam para problemas que merecem uma reflexão mais atenta sobre o papel da História Nacional e sobre os critérios relativos à seleção de conteúdos históricos escolares A seleção de conteúdos e a forma de organizálos não são aleatórios em nenhuma situação escolar e menos ainda nos li vros didáticos e nessa perspectiva estão intimamente ligados às con cepções da história ensinada e quanto aos objetivos identitários que pretende mobilizar ou alcançar como foi anteriormente ressaltado A diminuição de conteúdos de História do Brasil nas diferentes séries do ensino fundamental e médio possui um significado que não se situa na História Integrada enquanto possibilidade de organização e seleção de conteúdo mas na fundamentação teórica e na lógica que a sustenta Se a produção de História Integrada tem reservado pouca im portância à História Nacional isso se deve a uma postura teóricome todológica e a uma opção sobre as finalidades do ensino de História Dessa forma em sentido oposto à atual forma de organização de con teúdos poderia ser feita uma História Integrada inversa na qual a His tória brasileira constituísse a maioria dos tópicos e capítulos depen dendo da abordagem e da opção diante da problemática nacional e da 88 C i r c e B i t t e n c o u r t concepção sobre a posição econômica e política que o país ocupa na nova ordem mundial capitalista Entretanto da forma como grande parte dos livros de História tem apresentado a História Integrada correse o risco do retorno a ex plicações fundamentadas na teoria da dependência que no final dos anos 60 procurava analisar o atraso dos países latinoamericanos pela suces siva onda de situações de dependência dependência colonial dependên cia primárioexportadora dependência tecnológicofinanceira2 Para o caso brasileiro assim como para os demais países latinoamericanos as interpretações mais comuns passaram a ser feitas pelas determinações externas sobre os acontecimentos internos das nações e o peso do impe rialismo impedia de situar a dinâmica interna de cada país as relações entre Estado e sociedade Em uma crítica ao ensino de História dos anos 80 um estudo sobre essa teoria aplicada em muitas das obras di dáticas produzidas e utilizadas nas escolas desse período concluiu que se ignorava a realidade específica dos conflitos de classes do Brasil as sim como em todos os demais países latinoamericanos que passaram a ser entendidos apenas como resultantes da história européia e norte americana Justificavase o atraso sobretudo por intermédio das dife renciações do processo de colonização de espanhóis e portugueses de um lado e de outro lado dos ingleses As colônias de povoamento e as colônias de exploração eram apresentadas de maneira totalmente sepa radas sem que fossem estabelecidos vínculos entre os sistemas de colo nização Valórizavase exclusivamente a intervenção das potências hege mônicas na história da sociedade brasileira por meio das categorias desenvolvimento e subdesenvolvimento sob uma visão dualista que não expunha os problemas internos criados pelo poder institucional e a série de manobras e conflitos internos para a manutenção dos privilé gios das elites nacionais e dos desequilíbrios sociais econômicos e cul turais decorrentes desse sistema de poder3 Essa visão de ensino criava determinadas formas ambíguas de identidade saindo fortalecida a ideologia do modelo anglosaxão res ponsável pelo desenvolvimento norteamericano Para algumas tendên cias mais críticas surgia a possibilidade de uma integração ou uma cer ta identidade latinoamericana nós todos atrasados e dependentes da 189 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a política imperialista norteamericana Entretanto essa construção de identidade conduzia a um imobilismo político uma vez que estaríamos todos na rede de um poder maior e diante de um destino inexorável Tal risco para a formação da atual geração por intermédio do en sino de História pode estar acontecendo novamente se nos deixarmos le var por uma História Integrada que coloca em segundo plano os estudos históricos brasileiros Ao se enfatizar a integração constante do Brasil a uma história mundial sem situar devidamente os problemas nacionais e am pliar o conhecimento sobre a realidade brasileira podese reforçar a idéia de que os conflitos internos e seus agentes sociais desempenham um papel secundário na construção de uma nação Tais análises podem conduzir ainda a um desprestígio maior da própria História no ensino porque As explicações além do mais seriam todas exógenas isto é vi riam todas de fora da realidade brasileira inteiramente supra nacionais seja em termos de determinação real seja em termos do modelo interpretativo Mesmo aqueles que dizem não acre ditar no clichê do fim da história pensam e agem como se ela de fato tivesse sido congelada e fosse ocioso ou contrapro ducente recorrer ao exame dos processos históricos para equa cionar os desafios hodiernos Uma segunda postura crítica diante do ensino de História do Brasil e da identidade nacional situa a relação entre ensino de História do Brasil e nacionalismo identificando sobretudo os nacionalismos de direita das fases ditatoriais tanto de Getúlio Vargas como do perío do dos militares pós1964 O nacionalismo calcado em um ideário produzido por regimes ditatoriais é analisado sobretudo por intermédio da produção de li vros didáticos que têm a tendência em se transformar em um dos prin cipais instrumentos de difusão de uma História Nacional dogmática Essa tendência do ensino de uma História Nacional é importante lem brar não ocorreu apenas no caso brasileiro mas também em variados países que tiveram uma experiência política semelhante como países latinoamericanos e europeus Os estudos sobre livros didáticos cons 190 C i r c e B i t t e n c o u r t tatam a difusão de um nacionalismo xenófobo calcado na constituição de mitos e heróis nacionais com destaque para os chefes políticos e quase sempre enaltecedor de glórias militares5 Entre nós a difusão de uma idéia de nação que nega ou omite as diferenças sociais culturais e econômicas tem sido constante na tra jetória da disciplina de História As análises críticas sobre a difusão de um passado único e homogêneo nas fases ditatoriais mencionadas in dicam o cuidado do poder instituído em desenvolver sentimentos de valorização de um passado sempre harmonioso e com um povo con fiante no comando de líderes políticos capazes de conduzir a nação ru mo ao progresso O Brasil é apresentado sempre como o país do futu ro grandioso fadado a ser líder continental ou mesmo mundial O nacionalismo com tais características no entanto não esteve presente no ensino apenas no decorrer dos períodos ditatoriais ten do sido comum a construção de um ideário nacionalista patriótico nas fases liberais do nosso sistema político O nacionalismo associado ao sentimento patriótico ocorreu principalmente a partir do início do século XX A ampliação da rede es colar para os diversos setores sociais por intermédio do ensino primá rio foi acompanhada da difusão de sentimentos patrióticos exacerbados que conduziram no início do século XX em vários países europeus à preparação para a guerra Livros didáticos de História foram habilmen te confeccionados para a valorização da guerra inculcando sentimentos de amor a heróis guerreiros como ocorreu na França com a figura de Joana DArc e com a de Vercingentórix que posteriormente se trans formou cm símbolo da resistência nacional pela revista Asterix No Brasil até o início da República existia um sentimento pa triótico regional ou local mas sem conotações nacionais A idéia de pátria mantevese ambígua até mesmo depois da inde pendência Podia ser usada para denotar o Brasil ou as províncias Um deputado mineiro Bernardo Pereira de Vasconcelos insus peito de separatismo falando a seus conterrâneos referiase a M i nas Gerais como minha pátria em contraste com o Brasil que seria o Império A distinção é reveladora a identificação emotiva 19 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a era com a província O Brasil era uma construção política um ato de vontade movido antes pela mente do que pelo coração Para a criação de um sentimento nacional era necessário por tanto desenvolver a idéia do Brasil como pátria de todos de criar um sentimento de unidade de saber pertencente não apenas ao seu estado mas de todas as partes do território E essa tarefa tornouse central pa ra muitos intelectuais que entendiam perfeitamente a importância da escola para o sucesso da empreitada Em Por que me ufano de meu país obra que Affonso Celso escre veu para as crianças das escolas primárias em 1900 exprime com perfei ção o nacionalismo patriótico produzido e difundido por setores da elite intelectual O sentimento de amor à pátria era constituído por meio da difusão da beleza e da grandeza da terra brasileira O Brasil possuía rios enormes e grandiosas florestas clima ameno riquezas minerais sem fim e uma história sem feitos deprimentes ou vergonhosos Olavo Bilac Afrâ nio Peixoto dentre outros prosseguiram nessa tarefa e por essa trilha foi sendo construída uma galeria de heróis nacionais que passaram a ser cul tuados em festas cívicas de rituais cuidadosamente preparados7 Vários estudos historiográficos principalmente os relacionados à história da disciplina já mostraram a construção dos heróis nacio nais notadamente a figura contraditória de Tiradentes Estudos de caráter meramente ideológico ou os que se preocupam em estabelecer relações mais complexas entre a produção historiográfica e o conheci mento histórico escolar mostram o papel e a função dos heróis na cons trução da nacionalidade em sua vertente patriótica A identidade nacional e a difusão de um sentimento nacio nal patriótico nas escolas republicanas caracterizam dessa forma o que se chama de nacionalismo de direita Tratase de um naciona lismo voltado para atender aos interesses de determinados setores das elites nacionais voltados para projetos de manutenção de seu poder e privilégios Predominava a idéia de união que omitia qual quer tipo de manifestação de descontentamento interno das cama das sociais dominadas evitando tratar das diferenças regionais so ciais ou culturais 192 C i r c e B i t t e n c o u r t HISTÓRIA DO BRASIL NOS CURRÍCULOS DAS ESCOLAS SECUNDÁRIAS É bastante interessante observar a trajetória do ensino de Histó ria do Brasil na constituição da identidade nacional por intermédio de análises dos currículos nacionais do nível secundário Considerando que a História foi introduzida de forma obrigatória nos currículos das escolas com o objetivo político explícito de contribuir para a constru ção da idéia do Brasil ser uma nação de ter uma identidade nacional a situação da História do Brasil é no mínimo paradoxal A análise da trajetória da história escolar nos permite identificar que a História do Brasil paradoxalmente nunca ocupou um lugar significativo nos pro gramas curriculares brasileiros e menos ainda na prática escolar con forme mostram estudos da história da disciplina8 No Império a partir de 1838 quando se introduziu a discipli na de História no Colégio Pedro II os estudos de História do Brasil nunca ocuparam um lugar importante na carga didática surgindo co mo conteúdo autônomo após 1850 mas de forma polêmica Os Pro gramas de Ensino do Colégio eram produzidos de acordo com os pro gramas franceses assim como seus manuais escolares usados tanto em francês como traduzidos A criação de uma cadeira de História do Bra sil com professor especialmente contratado se fez por ordem do Im perador mas sua autonomia sempre foi questionada e teve sempre que concorrer com os demais conteúdos da História Universal e essa situa ção prevaleceu até a década de 1930 Predominou no período do Império o ensino de História Uni versal e de História Sagrada situação que facilmente se constata ao se comparar a carga didática das cadeiras de História Universal com a da História Nacional A História do Brasil acompanhada pela Geografia ou Corografia do Brasil era reservada para as séries finais sexta e séti ma sendo objeto de estudos de um número de alunos bastante redu zido lembrando que o ensino de nível secundário não era obrigatório para a entrada nos cursos superiores No início da fase republicana de forma aparentemente mais contraditória considerando a intensidade de debates sobre os projetos 93 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a para a nação a História do Brasil foi excluída como cadeira autônoma do Colégio Pedro II Em 1901 a História do Brasil passou a pertencer como apêndice da cadeira de História Universal com um conteúdo re lativamente extenso mas que dificilmente era ensinado porque o ano letivo terminava antes dos professores conseguirem chegar sequer até o final da colonização Nesse modelo de currículo de humanidades voltado para a formação de valores aristocráticos com uma concepção de um hu manismo excludente a identidade nacional era constituída quase que exclusivamente pela inserção do Brasil no mundo ocidental e cristão A identidade nacional se constituía pela apreensão de um Brasil per tencente ao mundo civilizado europeu de acordo com os valores ra cistas que colocavam ou ainda colocam o branco como superior O sentimento de pertencer a um mundo branco e seguidor de padrões estabelecidos por europeus cristãos predominava nos projetos de se tores das elites encarregadas de conduzir a educação escolar e tais projetos é importante destacar eram muito coerentes Tratavase de um conhecimento escolar organizado para a formação das elites en carregadas de dirigir a nação e seria ingenuidade e anacrônico imagi nar que tais elites estivessem interessadas em incluir em seus proje tos políticos a participação de camadas populares como exescravos trabalhadores rurais e urbanos A idéia educacional mantinha o pres suposto de que a educação secundária e a superior eram reservadas para uma fração da população os mais bem dotados economicamen te e esse grupo iluminado tinha a missão de governar o país e con duzir as massas A produção de História Nacional feita pelos intelectuais perten centes ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro ihgb era incor porada e divulgada por meio das aulas e de compêndios de História do Brasil como foi o caso de Joaquim Manuel de Macedo professor do Pedro II e autor do conhecido e bastante consumido Lições de História do Brasil A nação brasileira era uma dádiva da Europa de um Portugal famoso nos séculos XVI e XVII A civilização era fruto de dois setores principais os representantes do poder institucional os administrado res governadores donatários de capitanias vicereis e os representan tes do poder eclesiástico notadamente os jesuítas que se encarregaram de civilizar os indígenas antropófagos e selvagens 94 C i r c e B i t t e n c o u r t Tratavase de um projeto que evidentemente não foi conduzi do sem críticas e conflitos mas foi predominante até a década de 1950 A exclusão da cadeira de História do Brasil em 1901 provocou protestos veementes de Capistrano de Abreu que se recusou a ensinar a História do Brasil nessas condições situação que provocou seu afasta mento do ensino secundário Capistrano de Abreu João Ribeiro dentre outros historiadores nessa época empenhavamse em aprofundar estu dos sobre o Brasil buscando um conhecimento sobre suas singularida des sobretudo sobre a formação de uma população com sua diversidade étnica ou ainda como Manoel Bonfim que se preocupava em situar as características identitárias do Brasilcom o restante do continente ameri cano como expressa em sua obra de 1905 A América Latina Esse período de criação do novo regime republicano foi marcado por debates intensos no que se refere ao Nacionalismo e sobre os projetos do futuro da nação A concepção de cidadania se alterou passando as dis criminações e as exclusões a serem feitas sob novas bases após a abolição da escravatura As marcas e as heranças da escravidão estavam presentes e podiase optar por dois caminhos enfrentar esse passado e procurar for mas de encaminhamento sobre os problemas sociais decorrentes desse processo histórico ou omitir e deixar silenciado esse grupo e seu passado A opção por esse último caminho feita por intelectuais encarregados da educação explica em parte a pouca ou nenhuma importância dos estu dos da História Nacional no currículo da escola secundária brasileira A década de 1930 que representa um momento importante de mudanças educacionais começando pela reforma de Francisco Cam pos de 1930 que tornou obrigatório o ensino secundário para que se pudesse ingressar nos cursos superiores acarretou o crescimento desse nível de ensino Os currículos escolares passavam por mudanças signi ficativas em meio a conflitos entre as propostas voltadas para uma educação humanista ou para uma educação científica Tais conflitos si tuavam o ensino de História como responsável para a formação do ho mem moderno preparado para enfrentar o mundo urbano e tecnológi co dentro das concepções de progresso e civilização9 Nesse contexto a História da Civilização foi ainda mais valoriza da com obrigatoriedade para cada série do nível secundário A História do Mundo sob o modelo civilizatório de Charles Seignobos e posterior mente das obras do Cours dHistoire de Albert Mallet continuava a pre 95 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a dominar com algumas adaptações sobretudo as que estavam de acordo com alguns intelectuais católicos como Jonathas Serrano Nesse contex to de mudanças educacionais a História do Brasil permanecia como apêndice dessa história do homem civilizado moderno e por essa razão surgiram novamente inúmeras críticas que dessa vez foram feitas pelo setor mais conservador do grupo de intelectuais próximos ao poder Os deba tes em torno de projetos políticos nacionalistas do Estado Novo e propos tas sobretudo de intelectuais de cunho mais conservador provocaram o retorno da História do Brasil como cadeira autônoma nos currículos Foi nessa conjuntura que se fez a reforma de Capanema para o se cundário Lei Orgânica do Ensino Secundário de 1942 que correspon deu a uma fase de maior valorização da História do Brasil O ensino se cundário continuava destinado a preparar as elites guias e condutoras do povo mas dentre seus objetivos havia uma acentuada preocupação em formar o espírito de nacionalidade de uma verdadeira consciência pa triótica De acordo com os pressupostos educacionais a educação mo ral e cívica era objeto de regulamentação minuciosa e deveria ser mi nistrada obrigatoriamente em todos os ramos do ensino pois no curso secundário seria atribuição do professor de História do Brasil10 De uma maneira geral ao se acompanhar todo o percurso da disci plina podese verificar que até o início dos anos 70 predominou um estudo de História do Brasil vinculado a uma concepção de genealogia da nação com alternâncias entre uma valorização do político ao econômico Por inter médio dessa concepção a História do Brasil era ensinada após os alunos co nhecerem o berço da civilização iniciando os estudos pela Antigüidade clás sica a Idade Média nas duas séries iniciais do ginásio e ao se chegar na Idade Moderna a idade do nascimento do Brasil estudavase em aulas se paradas a História do Brasil e a Idade Moderna e a Contemporânea Predominava dessa forma uma continuidade na construção da identidade nacional por meio de um processo de mergulho no mundo branco ocidental e cristão Permaneciam os pressupostos de uma his tória política dentre as quais a figura quase que exclusiva do Estado nação como o sujeito principal assim como os feitos dos governantes e das elites responsáveis pela condução do país rumo ao seu futuro de país moderno industrial e urbano Os marcos de mudanças eram apre sentados sob essa concepção e relembrando a República Velha era es tudada apenas pelo desenrolar de feitos notadamente administrativos 196 C i r c e B i t t e n c o u r t dos presidentes da República iniciando por Deodoro da Fonseca o proclamador da República até o mais recente Mas ao longo dcssc pe ríodo sobretudo após os anos 50 surgiu uma história brasileira com explicações econômicas introduzindose estudos dos ciclos econômi cos da extração do paubrasil à industrialização sem alterar con tudo a lógica interna da organização dos conteúdos Nos anos 70 assistese a uma organização diferente de currículo criandose o primeiro grau de oito anos e um segundo grau profissiona lizante Um currículo de caráter científico mas entendido em sua for mulação apenas tecnicista consegue se impor e as áreas humanas passam por um amplo processo de descaracterização e perda de status A Histó ria do Brasil se mescla a estudos de Geografia Educação Moral e Cívica e Organização Social e Política do Brasil OSPB formando uma amálga ma de conhecimentos superficiais e sem base científica Os avanços da historiografia e a introdução da formação de professores por intermédio de estudos de nível superior foram diluídos e ignorados nesse processo assim como as tentativas de um estudo histórico capaz de contribuir pa ra um conhecimento maior da realidade brasileira e com um sentido de formação intelectual mais consistente para os jovens esboçados nos anos 60 Dentro de uma visão baseada em princípios de Piaget a organização curricular começava pelo estudo do mais próximo para se chegar ao mais distante Daí constituiuse o percurso para os estudos de História a his tória do bairro município cidade estado e Brasil e posteriormente nas séries finais do primeiro grau estudavase a História Geral da Antigüi dade ao mundo contemporâneo As reformulações curriculares iniciadas em meados da década de 1980 no momento dos intensos debates de redemocratização do país trouxeram novas perspectivas para o ensino da História do Brasil O au mento da produção historiográfica contemplando variados temas as críticas a uma determinada formulação da História Política a crescente produção da História Social e a mudança do perfil dos alunos criavam novas necessidades e possibilidades de repensar o ensino da História na cional e de seu papel na constituição da identidade nacional Algumas das atuais propostas curriculares expressam a preocupa ção em situar o conhecimento histórico do Brasil como central e como eixo para estabelecer um vínculo com a História Geral Debatese e cri ticase a História calcada ainda no europocentrismo sem pretender 97 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a evidentemente negar e omitir vínculos e o legado do passado europeu na história da sociedade brasileira No momento há uma discussão pro posta pelas reformas curriculares especialmente pelos Parâmetros Cur riculares Nacionais PCNs sobre a necessidade de estudar de forma mais consistente a História da América e introduzir a História da África em suas articulações com o Brasil Que país é esse exemplificando é a grande pergunta que permeia o currículo de Minas Gerais e do Rio de Janeiro A introdução de uma História por eixos temáticos que fornece ao professor uma maior autonomia no processo de seleção de conteúdos baseiase em fundamentação de propostas cujas problemáticas são aque las vividas pela sociedade brasileira E a questão que permanece é a de sa ber o papel que a História do Brasil deve ter na formação das novas ge rações sobretudo considerando que a escola se tornou um lugar mais democrático que visa atender a jovens provenientes de todas as camadas sociais e que evidentemente não se identificam com uma História res trita a um passado construído sob critérios de valorização de uma elite As propostas curriculares diversas e a produção didática forne cem elementos para uma reflexão sobre os desafios para a formulação de um conhecimento histórico significativo capaz de contemplar as diferenças do público escolar das escolas públicas diurnas e noturnas dos cursos supletivos das escolas privadas das elites das escolas indíge nas e outras mais espalhadas pelo país Os currículos procuram se organizar com base em critérios mais científicos que incluem os problemas de caráter epistemológico foca lizando as relações ensinoaprendizagem e as possibilidades em con templar conceitos como o de multiculturalismo essenciais para se re pensar a constituição de identidade IDENTIDADE NACIONAL E DEMOCRACIA RACIAL A crítica fundamental e que tem sido repetida inúmeras vezes por historiadores especialmente os que se dedicam ao ensino é a de que a História do Brasil tem sido ensinada visando construir a idéia de um passado único e homogêneo sem atentar para os diferentes setores sociais e étnicos que compõem a sociedade brasileira Constatam mui tas dessas críticas que a idéia de um povo homogêneo com um passa 198 C i r c e B i t t e n c o u r t do único se consolidou por intermédio da difusão de que somos um povo caracterizado pela democracia racial O pressuposto da democracia racial presente ainda em muitas das produções didáticas e incorporado pela tradição escolar é um as pecto crucial que demanda uma profunda reflexão sobre o seu signifi cado para que se possam transformar os estudos da História do Brasil fornecendolhes critérios científicos que ultrapassem o sentido dogmá tico de que tem sido revestido A teoria da democracia racial é preciso salientar foi criada para fundamentar uma homogeneização cultural e omitir as diferenças e de sigualdades sociais Serviu para fortalecer a idéia de uma História Na cional caracterizada pela ausência de conflitos porque afinal não so mos e nem fomos um povo guerreiro a própria Independência foi pacífica assim como a libertação dos escravos e internamente vive mos sem problemas decorrentes de racismos preconceitos étnicos ou ainda discriminações exclusões Em sua face mais perversa essa mes ma teoria serviu para dissimular as desigualdades sociais e econômicas e para justificar a situação de miséria de grande parte da população um povo mestiço que carrega os males de uma fusão de grupos selvagens indolentes índios que não queriam ser escravos e se rebelavam contra esse trabalho tão digno para a grandeza da pátria e de negros africanos submissos e sem vontade própria sem desejos de vencer na vida A pre guiça e a indolência frutos dessa mestiçagem democrática eram ou ain da são os responsáveis pela pobreza da maioria da população A ausência de grupos indígenas ou de escravos e seus descenden tes assim como trabalhadores em geral na História ensinada é decorren te de uma visão política e ideológica mas é preciso lembrar referendada por uma concepção de História Entre nós tem prevalecido a idéia de que esses grupos populacionais não possuem História e nessa perspectiva se torna difícil compreender ainda hoje que a História deles faz parte da História do Brasil E possível aceitar apenas que eles tiveram influências ou então deram algumas contribuições para a vida cultural como hábitos alimentares para a música ou em eventos esportivos principalmente o futebol um dos esportes de identificação da nacionalidade A introdução nos estudos históricos de grupos indígenas e de mais grupos étnicos que fazem parte da população brasileira ocorreu sempre de forma ambígua 199 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a Os índios começaram a povoar os livros escolares desde o século XIX simbolizando inicialmente o selvagem antropófago que dificulta va a civilização apesar dos esforços dos missionários Foi apenas a partir do século XX que pelo ideário do Romantismo o índio se tornou um dos símbolos da nacionalidade A figura do negro era omitida nas obras escolares e apenas começou a surgir após a Abolição associada à Aboli ção dos Escravos A partir desse momento significativo de mudanças as explicações da nacionalidade voltaramse para as raças formadoras do povo brasileiro O colonizador ariano impunha civilização e ordem às camadas inferiores formadas por negros índios e mestiços A visão pre dominante era a de uma aristocracia rural que efetivamente constituiu a nação e que carregava o pesado fardo de levar a civilização para uma massa submissa e incapaz composta de raças e subraças inferiores Os esforços de alguns setores da intelectualidade para introduzir em currí culos e obras didáticas a História dessas camadas sob outra óptica e ex plicar a escravidão e o racismo dela decorrente foram em vão A partir dos anos 20 do século passado o nacionalismo passou a ser entendido diferentemente por setores da elite cultural A Sema na de Arte Moderna foi um marco representativo de uma busca por grupos de intelectuais mais urbanizados de uma definição de identi dade nacional associada ao cultural Começavase a combater com mais vigor uma identidade nacional baseada nas teorias de eugenia eu ropéia sem negro e sem índio Apesar das críticas sobre a ausência do negro no movimento modernista dos anos 20 e a valorização ainda bastante romântica do ín dio a questão da identidade nacional passou a ser sobretudo cultural situação que deslocava a importância do fator racial Nessa perspecti va novos olhares permitiram incluir diferentemente as formas de par ticipação das camadas populares na constituição da nação A teoria da democracia racial iniciada pelo já comentado livro Por que me ufano de meu país consolidouse nesse período As interpre tações da obra de Gilberto Freire Casa Grande e Senzala passaram a ser introduzidas no ensino dc História do Brasil A miscigenação entre senhores e escravas as ações cristãs de senhores que concediam alforria a seus filhos nascidos nas senzalas entre outras características da vida na época da escravidão forneciam os elementos para provar a democra cia racial entre nós 200 C i r c e B i t t e n c o u r t Os combates a essa visão deturpadora da história social como os que Florestan Fernandes realizou veementemente a partir da déca da de 1960 não foram suficientes para interromper a difusão desse mi to na vida escolar Essa tarefa é ainda um dos grandes desafios para quem pretende ensinar a História do Brasil sobre outros fundamentos A superação do mito da democracia racial necessita de um refe rencial mais sólido que consiga sensibilizar e ser introduzido nas refle xões de professores e seus form ad ores O esfacelam ento de m itos que mascaram os problemas sociais os preconceitos as discriminações é o mais importante passo para que aflorem as diferenças o multicultura lismo a diversidade de ações que permitam fazer falar a multidão imensa dos figurantes mudos que enchem o panorama da História e que são muitas vezes mais interessantes e mais importantes do que os outros os que apenas escrevem a história Omitir ou ignorar os problemas não é evidentemente uma ta refa educadora Mas enfrentálos e apresentálos como objeto de estu do escolar requer uma série de cuidados Nessa perspectiva a História do Brasil deve ser o núcleo central dos estudos históricos nas escolas e jamais um apêndice da História Geral A centralidade da História do Brasil contudo merece uma re flexão e um aprofundamento em dois aspectos essenciais O primeiro aspecto referese aos critérios de seleção de conteú dos iniciando sobre a reflexão do que são os denominados conteúdos tradicionais para se consolidar uma seleção que responda às necessida des identitárias de todos os setores sociais do atuai público escolar Os critérios de seleção precisam obedecer às problemáticas do presente condição que requer um estudo atento sobre o Brasil atual O conheci mento sobre o Brasil atual exige o domínio da História do presente ou o entendimento do presente como História e dos métodos de abordá la A identificação dos problemas vividos ou próximos dos alunos torna possível estabelecer os objetos de estudo significativos que ordenarão os conteúdos a serem trabalhados tanto no tempo como no espaço A dimensão espacial e temporal corresponde ao segundo aspec to a ser destacado para o estudo centrado na História do Brasil Os es tudos do Brasil devem contemplar a história local e regional articulada à nacional situação que requer uma compreensão sobre microhistória e seus fundamentos teóricos A história local deve necessariamente estar 201 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a incluída nos estudos de História mas não exatamente na ordenação do mais próximo ao mais distante mas de forma a ser problematizada a ca da momento de estudo Assim exemplificando o estudo da história das populações indígenas deve partir dos grupos existentes no presente ou que já viveram na região para conhecer as singularidades históricas de cada grupo nativo e evitar a generalização índios Uma abordagem ge nérica sobre o índio brasileiro impede o entendimento da participação de cada grupo nativo na história local e em escala mais ampla assim co mo impossibilita o conhecimento da história das relações e formas de contato com o mundo branco diferente para cada população indígena e com conseqüências igualmente diversas para a História Nacional É emblemático o caso dos Terena população indígena que vive majoritariamente em Mato Grosso do Sul Professores Terena estavam reunidos em curso em São Paulo na USP para a elaboração de propos ta curricular para as escolas de suas aldeias e a dúvida maior recaía so bre a História apresentada pelos currículos oficiais Além da insatisfa ção de serem sempre tratados genericamente como índios a pergunta crucial do professor referiase à ausência de qualquer tipo de menção sobre a participação que tiveram na Guerra do Paraguai E efetivamente depois de uma pesquisa com os Terena por meio da tradição oral e em vários documentos por meio da tradição escrita constatouse que a participação dos Terena e de outros grupos indígenas foi muito significativa nessa guerra E mais ainda foi um momento crucial na história das populações indígenas de Mato Gros so tanto pelo número de mortos quanto pela perda e novas demarca ções de territórios que até na atualidade estão sendo objeto de dispu ta11 Esse caso demonstra que efetivamente é difícil para os Terena se identificarem com um ensino de História do Brasil que simplesmente os ignora que omite seu papel como um dos agentes na história da for mação territorial de Mato Grosso na época colonial e que após a guerra contra o Paraguai tornaramse a mãodeobra servil para os fa zendeiros e que estão portanto ligados à história dos trabalhadores e da escravidão indígena dos séculos XIX e XX A omissão e a negligência sobre a história indígena brasileira manifestam com maior precisão um dos aspectos do problema do pa pel da História escolar e da importância em se rever com cuidado quais conteúdos são significativos e como são introduzidos na escola Mas 202 C i r c e B i t t e n c o u r t igualmente revela a necessidade de refletirmos sobre a relação entre a micro e a macrohistória um dos desafios historiográficos e para a His tória escolar Os estudos da história local devem tentar buscar no re corte micro os sinais e as relações da totalidade social rastreandose por outro lado os indícios das particularidades os homens e as mu lheres de carne e osso 12 A História do Brasil se constitui assim por uma dimensão nacional local e regional Essa perspectiva conduz a um outro problema A História brasi leira não pode ser um estudo isolado e exclusivo voltado unicamente pa ra seus problemas internos Ser o objeto central do estudo escolar não sig nifica entender um Brasil contra o mundo e Sérgio Buarque de Holanda foi enfático sobre esse aspecto Sempre procurou saber qual o nosso lugar no mundo e dedicouse exatamente a investigar a civilização brasileira no contexto da civilização ocidental Nessa perspectiva acreditamos como esse grande historiador acreditou que o problema da identidade nacional não é uma questão arcaica ou superada e sem um sentido intelectual A questão do sentimento e da emoção é relevante para se configurar uma identidade nacional mas existe também uma atuação intelectual que de ve procurar sempre investigar as coisas e as gentes brasileiras A questão da História do Brasil na escola requer portanto um compromisso político e cultural para que a História Nacional seja cuida dosamente estudada que a seleção de conteúdos da História do Brasil se ja central e prioritária e que se obedeça a critérios metodológicos e com fundamentação teórica rigorosa tanto no que se refere à historiografia quanto à pedagogia para evitarse um ensino dogmático e ideológico Notas 1 Introdução às memórias de Thomas Davatz In M aria Odila Leite da Silva Dias org Sérgio Buarque de Holanda São Paulo Ática 1985 p174 2 Cf os principais críticos das teorias cepalinas Caio Navarro Toledo ISEB Fábrica de ideologias São Paulo Ática 1982 Guido Mantega A economia política brasileira São Paulo PolisPetrópolis Vozes 1984 3 José Luis Beired Kátia Gerab e M aria Angélica Resende Os problemas do ensino de História da América In Anais do I o Encontro Perspectivas do Ensino de História São Paulo FEUSP 1988 p 210228 4 Luiz Dulci A visão política de Sérgio Buarque de Holanda In Antonio Cândido org Sérgio Buarque de Holanda e o Brasil São Paulo Editora Fundação Perseu Abramo 1998 p 92 203 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a 5 Podese constatar por exemplo análises sobre livros de História em Portu gal na época do salazarismo Maria Cândida Proença Los manuales escolares reflejo cie influencias pedagógicas e intenciones políticas Una reflexión desde la experiencia portugue sa In Alejandro Tiana Ferrer El libro escolar reflejo de intenciones políticas e influen cias pedagógicas Madrid Universidad Nacional de Educación a Distancia 2000 p 319 325 na Espanha sobre a época franquista Alvarez Oses J Calfreire J Gonzalez Mu noz E Haro Sabater La Guerra Civil en los textos de bachillerato 19381935 Histo ria 16 n 63 Julio 1981 no Brasil na época do Estado Novo Rosely Marquetti Es pelhos do Brasil Discurso político e discurso didático no governo de Getúlio Vargas 19301945 Uma abordagem sociossemiótica da construção da imagem da nacionali dade São Paulo 307 p Dissertação de Mestrado FEUSP 2000 Anelise M M Carvalho Pregadores de idéias animadores de vontades Livros didáticos nos anos 193040 São Pau lo PUCSP 1992 Dissertação de Mestrado e da época do regime militar Décio Gatti Junior Dos antigos manuais escolares aos modernos livros didáticos de História no Brasil Dos anos sessenta aos dias atuais In ícone v 6 n 1 janjun 2000 Uberlândia Centro Universitário do Triângulo p 97 116 6 José M urilo de Carvalho Cidadania no Brasil o longo caminho Rio de Ja neiro Civilização Brasileira 2001 p 77 7 Sobre as festas e comemorações cívicas existe uma publicação de minha au toria Pátria civilização e trabalho O ensino de História nas escolas paulistas 1917 1939 São Paulo Loyola 1990 8 Comprovam essa condição do desprestígio da História do Brasil nas escolas de nível secundário os trabalhos de Arlette Gasparelo Construções de identidades os compêndios de História do Brasil do Colégio Pedro II 18381920 São Paulo PUCSP 2002 tese de doutorado e de Circe Bittencourt além do já citado Pátria civilização e trabalho o artigo Os confrontos de uma disciplina escolar da história sagrada à história profana Revista Brasileira de História v 13 n 2526 1992 p 193221 9 Os debates foram intensos predominando a versão de humanismo moder no de Gustavo Capanema formar nos adolescentes uma sólida cultura geral marcada pelo cultivo das humanidades antigas e humanidades modernas e não é possível desconhecer a irremovível vinculação de nossa cultura com as origens helênicas e lati nas Não seria conveniente romper com essas fontes Com esse rompimento perdería mos o contato e a influência de uma velha cultura que consubstanciou e elevou os va lores espirituais maiores da Antigüidade Perderíamos por outro lado os mais nobres vínculos de parentesco da cultura nacional com as mais ilustres culturas do nosso tem po Citação do livro Tempos de Capanema organizado por Simon Schwartzman Rio de Janeiro Paz e Terra São Paulo EDUSP 1984 p 192193 10 Simon Schwartzman org op cit p 183 11 O resultado da pesquisa foi publicado no livro de M aria Elisa Ladeira e CF Bittencourt História do Povo Terena Brasília MEC 2000 12 Ronaldo Vainfas Caminhos e descaminhos da História In C Cardoso R Vainfas orgs Domínios da História ensaios de teoria c metodologia Rio dc Janei ro Campus 1997 p 447 204 E s t u d o s d e R e l i g i ã o PARA UM NOVO MILÊNIO E l ia n e M o u r a d a S il v a INTRODUÇÃO Segundo o Censo brasileiro de 2000 somos uma nação cristã de maioria católica e com forte crescimento dos evangélicos pentecostais Em uma população de aproximadamente 174 milhões 123 milhões disseram ser católicos 738 e 26 milhões 154 evangélicos Cer ca de 123 milhões de pessoas afirmaram não pertencer a nenhuma for ma de religião organizada e o restante da população admitiu pertencer a movimentos religiosos variados como espiritismo kardecista budis mo judaísmo umbanda e candomblé entre outras opções Muhdialmente segundo os dados da BBC World Service temos dois bilhões de cristãos espalhados pelo mundo sendo 214 milhões de cristãos ortodoxos na Europa Oriental países eslavos e no mediterrâneo oriental principalmente na Grécia Os católicos são um bilhão desses cristãos e os protestantes aproximadamente quinhentos milhões Logo em seguida estão os muçulmanos com cerca de um bilhão e quatrocen tos milhões de fiéis Os hinduístas na índia formam um contingente de 750 milhões e os budistas cerca de quinhentos milhões Ao lado de religiões numericamente expressivas cabe destacar aquelas cuja importância cultural e política ultrapassa o número de adeptos É o caso do judaísmo com aproximadamente 12 milhões1 e do sikhismo na índia com vinte milhões de adeptos 205 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a Esses dados permitem avaliar a importância dos fenômenos reli giosos no mundo em que vivemos Freqüentemente uma desconhecida coberta dos pés à cabeça aparece de forma inquietante nos jornais e tele visões Em nome da fé religiosa aviões carregados de pessoas explodem nos arranhacéus de Nova York e nos trazem de forma assustadora uma outra visão de mundo de destino marcados por política fé e violência ImpÕese a necessidade de compreender o outro atrás de seus véus e templos rituais e orações Entender aspectos e a originalidade das religiões as formas de mobilização e como se situam no tempo e no espaço é tarefa urgente dos professores e educadores preocupados com a tolerância fundamental para o respeito entre pessoas e memória histórica Estudar os fenômenos religiosos em favor da Pedagogia in tegrandoos aos novos programas escolares As religiões raramente aparecem como objeto específico de es tudos sobretudo nos textos para o ensino básico Temas como Refor ma Protestante ContraReforma Católica religiões orientais judaís mo islamismo etc são tratados no contexto da História Geral Contudo devemos salientar que a disciplina de História das Reli giões com suas cátedras áreas de pesquisa e teorias surgiu na segunda me tade do século XIX sob a influência do orientalismo da filologia e da se cularização da sociedade O campo específico de estudo e pesquisas sobre temas religiosos foi então ocupando um importante espaço nas grandes universidades européias e americanas No Brasil esse movimento não aconteceu e os estudos de religião continuaram até um período muito re cente vinculados a instituições confessionais ou seminários teológicos Como estudo acadêmico e científico esteve atrelado e subordinado a di ferentes áreas de Ciências Humanas Essa situação está mudando aos pou cos e a História das Religiões começa a aparecer com autonomia Mas é preciso atenção como representações do mundo que as piram à universalidade e são determinadas por aqueles que as elabo ram as religiões não são neutras e impõem justificam legitimam pro jetos regras condutas determinantes nas identidades culturais de pessoas grupos países e sociedades Como vivemos em uma sociedade laica com total separação entre religião e Estado o que garante a liberdade de opção religiosa talvez não avaliemos devidamente a sua importância cultural e política dessa separação O processo de laicização das sociedades é recente e foi 206 E l i a n e M o u r a d a S i l v a implantado principalmente durante o século XIX No Brasil até a Pro clamação da República o catolicismo era a religião oficial do Estado Esse processo de autonomia e de independência dos Estados frente aos sistemas religiosos é o que garante a convivência democrática e o res peito necessário às opções religiosas individuais e privadas DEFINIÇÃO DE RELIGIÃO O conceito religião originase da palavra latina religio cujo sentido original indicava simplesmente um conjunto de regras obser vâncias advertências e interdições sem fazer referências a divindades mitos celebrações ou a qualquer outra manifestação que consideraría mos hoje como religiosas O termo religião foi construído histórica e culturalmente dentro do mundo ocidental adquirindo um sentido es treitamente ligado à tradição cristã Como categoria explicativa para os estudiosos dos fenômenos religiosos religião pode ser definida para efeitos de organização e aná lise como conjunto de crenças dentro de universos históricos e cul turais específicos Para estudar os fenômenos religiosos o historiador deve sempre estar atento ao uso e sentido dos termos que em determi nada situação geram crenças religiosas ações instituições livros con dutas mitos ritos teologias etc Apesar de sua extrema variedade os fenômenos religiosos apa recem como um tipo característico de esforço criador em diferentes so ciedades e condições que procurando colocar ao alcance da ação e compreensão humanas tudo o que é incontrolável sem sentido confe rindo valor e significado para a existência das coisas e seres As representações de Deus deuses ou seres sobrenaturais a or ganização da fé doutrinas ou instituições mundos do além salvação são fenômenos históricos criações específicas de impulsos e silêncios numa trama de acontecimentos e fatos singulares que variam grande mente tanto no tempo como no espaço Costumamos chamar de religiões de fenômenos religiosos sis temas extremamente complexos de idéias conceitos e é indispensável marcar as diferenças Reencarnação é diferente de ressurreição há siste mas religiosos associados a livros sagrados e outros que não possuem 207 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a tradição escrita algumas religiões possuem a marca de seus fundadores por exemplo Buda Cristo ou Maomé enquanto outras são animistas e naturalistas instituições religiosas com templos clero sacramentos coexistem com associações livres étnicas e tribais variadas Cada siste ma religioso deve ser compreendido e respeitado em sua singularidade Apesar da complexidade e diversidade os sistemas religiosos po dem ser agrupados segundo regras e pressupostos comuns para fins de estudo e pesquisa Em primeiro lugar historicamente falando não há religião individual e sim exclusivamente religiões de grupos sociais co letivos tribos Estado Igrejas etc O que é individual é a religiosida de como forma particular de participar e experimentar a religião pré constituída e supraindividual Esse movimento é dinâmico e nem mesmo os fundadores de uma religião escapam uma nova religião po de partir de uma relação particular da religiosidade de uma pessoa com uma religião anterior porém só se constituirá como religião se for ado tada por um grupo social uma coletividade dando assim nascimento a uma outra instituição sistema de crenças ritos organizações etc Estudar a história das religiões significa identificar conjuntos de idéias crenças comportamentos literatura arte e instituições que hoje chamamos de religiosos ao longo de determinado período de tempo A única afirmação segura que podemos fazer é que esses conjuntos podem ser identificados na PréHistória e estão presentes nas culturas de todos os grupos humanos embora não possamos cientificamente individuali zar ou reconstruir uma primeira forma de Religião da humanidade Entre a espécie humanóide Neanderthal desaparecida por volta de 30000 aC os mortos foram encontrados deitados sobre o lado di reito e com a cabeça voltada para o leste Os túmulos de todos os pe ríodos do Paleolítico continham instrumentos de pedra Algumas de formações nos cérebros sugerem que teriam sido extraídos antes do sepultamento Algum tipo de ritual era praticado e podemos pressupor a existência de crenças fúnebres Embora durante todo o período préhistórico possamos encon trar vestígios indicadores de crenças em poderes sobrenaturais sobre tudo nas esculturas em pedra de mulheres com formas avantajadas nas pinturas rupestres representando cenas de caçadas figuras mascaradas como animais em movimento somente mais tarde durante o período do Neolítico podemos encontrar sistemas religiosos mais elaborados 208 E l i a n e M o u r a d a S i l v a A partir de 8000 aC e principalmente por volta de 7000 aC quando a cultura de cereais se desenvolveu no Mediterrâneo na Penín sula Itálica em Creta Grécia no Sul do planalto da Anatólia Síria e Pa lestina surgem grandes alterações nas formas religiosas Os ritmos de vi da e as crenças religiosas se modificaram e representações de figuras femininas e dos ciclos naturais das estações gestações das luas e marés apareceram em grande quantidade ao longo de extensa região geográfica e por muitos séculos Proliferaram estatuetas de deusas representadas co mo mulherespássaros ou serpentes com nádegas avantajadas e seus companheiros eram representados na forma de animais diversos como o touro urso bode cervo sapo etc Estudiosos lêem nessas representações na abundância de estátuas femininas e com formas de animais estiliza dos uma sociedade matriarcal É uma interpretação sugestiva embora não seja unanimemente aceita por todos os pesquisadores Culturas neolíticas deixaram também como herança de crenças religiosas cerca de cinqüenta mil monumentos de pedras ao longo de toda a Europa na Inglaterra Espanha Portugal França Alemanha Suécia Compreendem templos túmulos menires esteias Embora seja difícil por meio de registros históricos tão indiretos conhecermos de fato a experiência religiosa dessas comunidades antigas alguns estudiosos fazem uma comparação entre as sociedades arcaicas e as tradicionais grupos aborígines indígenas entre outros e procuram che gar a algumas conclusões Basicamente afirmam que tanto as sociedades arcaicas como as tradicionais imaginam o mundo como um microcosmo e para além desses limites fica localizado o desconhecido uma região te mível dos demônios das larvas dos mortos dos estranhos a morte o caos a noite tudo enfim que colocasse em perigo a vida do grupo RELIGIÕES E HISTÓRIA A História das Religiões também se defronta com problemas va riados que diferem de acordo com a documentação disponível Se as re ligiões préhistóricas são pouco iluminadas por documentação direta alguns grupos indígenas contemporâneos sem escrita podem ter suas ex periências religiosas reconstruídas e estudadas graças aos métodos da comparação etnológica Há enfim religiões vivas ou mortas cuja his tória pode ser conhecida com maior ou menor grau de precisão 209 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a A maior parte das religiões é estudada a partir de dados diretos e tratam de sistemas já constituídos os textos da pirâmides do Antigo Egi to pressupõem uma estrutura religiosa bem definida os Vedas escritos arcaicos das primeiras formas de religião na índia tratam de um sistema articulado os deuses ritos e mitos da Grécia Clássica se encontram des critos nos poemas homéricos Ilíada e Odisséia em Roma a documen tação literária começou a surgir alguns séculos depois da organização do sistema religioso O fato de estarmos diante de sistemas religiosos estru turados contudo não significa que consigamos compreender o real sen tido dessas crenças nem esclarecer todas as suas contradições Vejamos o clássico exemplo da Religião egípcia Apesar de extre mamente conhecida como iconografia a Religião continua extrema mente enigmática Uma tal distância temporal nos separa desse passado fragmentado que a diversidade se torna contraditória Os deuses mitos e ritos se confundem mesmo quando a extrema repetição de deuses e heróis parece não ter mudado ao longo de milênios e dinastias escultu ras túmulos e hieróglifos Embora a profusão de amuletos fórmulas inscritas em sarcófagos nos templos e nas casas seja uma prova concre ta de crenças mágicas pouco se conhece desse substrato A documenta ção principal provém de uma massa documental característica chamada de literatura funerária tratando de períodos e sobre pessoas muito dife rentes mas revelando articulação e sistematização Normalmente quan do falamos de Religião egípcia não nos preocupamos em identificar suas diferenças históricas em um período tão longo e distante Os Textos das Pirâmides que consistem em aproximadamente 760 inscrições encontradas nas tumbas reais desde a V dinastia referem se aos rituais de inumaçao do Rei e a SLia instalação após um percurso longo num trono celeste onde reinaria por toda a eternidade os Textos dos Sarcófagos provenientes da IX à XIII dinastia são uma reinterpreta ção dos Textos das Pirâmides Apareceram no interior de sarcófagos de madeira correspondendo a uma mudança social importante desse perío do o surgimento de famílias ricas e nobres que puderam construir tum bas ornamentálas e se preocupar com o destino após a morte a partir da XVIII dinastia até o período romano temos o chamado Livro dos Mortos colocado nos ataúdes para fornecer ao morto segurança na sua viagem e julgamento Essas fórmulas eram extraídas dos textos dos sar cófagos e reinterpretadas conservando o conteúdo mágico e a preocupa ção em aplacar os seres sobrenaturais que viviam no mundo do alem 20 E l i a n e M o u r a d a S i l v a Assim temos uma estrutura muito variada e complexa que nor malmente é apresentada nos manuais didáticos e textos de divulgação científica e histórica de forma linear e contínua Esse exemplo serve pa ra mostrar a complexidade e especialização alcançada pelos estudos de História das Religiões JUDAÍSMO CRISTIANISMO E ISLAMISMO UMA PROPOSTA DE ESTUDO A História do judaísmo cristianismo e islamismo pode ser bas tante ilustrativa para os estudos comparados de História das Religiões São três religiões que surgiram em períodos históricos diferentes A his tória milenar do povo judeu é relatada ao longo do Antigo Testamento O cristianismo surgiu no início da era que recebeu seu nome na Pales tina sob a dominação do Império Romano e a história do seu messias Jesus Cristo foi narrada nos Evangelhos O islamismo apareceu na Pe nínsula Arábica por volta de 610 dC com a figura do profeta Maorné Contudo histórica e culturalmente esses sistemas religiosos es tiveram em contato constante Possuem imaginários religiosos especí ficos mas com vários elementos em comum dentro da diversidade de crenças teologia e culturas Afinal o cristianismo surgiu dentro da tra dição judaica helenística havia comunidades de judeus e cristãos na Arábia na época de Maomé Nao devemos também esquecer os sete sé culos de presença muçulmana na península ibérica que marcaram de finitivamente a vida de cristãos e judeus bem como o surgimento do mundo moderno Assim ao estudálas podemos trabalhar mostrando diferenças e similaridades contradições e concordâncias Tomemos como exemplo a idéia de Paraíso O Gênesis 2 8 17 foi a descrição para judeus e posteriormente cristãos do lugar on de Deus havia criado o Jardim das Delícias um lugar terrestre com todas as belezas desejadas e imaginadas para desfrute e deleite Os pro fetas judeus retomaram o tema tanto cm Isaías 51 3 como em Eze quiel 28 1314 47 12 Judeus e cristãos acrcditaram e acreditam que o Paraíso realmente existira e continuasse existindo como um lu gar de espera para os justos antes da ressurreição e do julgamento fi nal De acordo com diferentes concepçoes o Paraíso ou se localizava 211 num remoto lugar da Terra onde conservava o seu estado original ou havia sido transportado do solo terreno após o pecado original para o céu Ao longo dos séculos o Paraíso foi imaginado desejado pro curado e descrito conforme a própria História das Religiões Segundo algumas crenças cristãs Cristo reabrira o Paraíso após a promessa feita ao bom ladrão no momento da crucificação Na apo calíptica cristã o Paraíso aparece identificado como um lugar interme diário antes do Céu definitivo para os fiéis ao Senhor No Apocalipse de Paulo2 cap XXI e XXII o Paraíso é o lugar de recompensa dos justos de repouso das almas saídas dos corpos onde corre um rio de leite e mel e cada árvore frutifica 12 vezes por ano com dez frutos diferentes além de videiras de dez mil ramos e com um milhão de botões Esse Paraíso descerá dos céus para substituir a Terra quando esta for destruí da e os santificados o habitarão com Jesus por mil anos O Paraíso também alimentou as esperanças dos muçulmanos que combatiam pela expansão da fé Segundo o Alcorão livro sagrado do Is lã na Surata LVI o Paraíso é descrito como o lugar de descanso dos com panheiros da fé um jardim com árvores sem espinhos sombreado per to de fontes de água corrente fresca com frutos em abundância e forrado por magníficos tapetes e almofadas macias Nesse Paraíso mu lheres formosas e eternamente jovens pertenceriam aos homens de Alá Mundos espirituais tais como Céus Infernos Purgatórios via gens espirituais destino após a morte seres sobrenaturais rituais mi tos imagens etc existem em todos os sistemas religiosos Ao estudar e pesquisar podemos ir ampliando nossos conceitos e entendendo a di versidade religiosa É possível também explorar propostas temáticas comparativas e multidisciplinares Por exemplo em um estudo simultâneo do Islamismo Judaísmo e Cristianismo pode sugerir uma série de propostas didáticas 1 Os diferentes períodos históricos das três religiões 2 História do Judaísmo Cristianismo e Islamismo em suas cor rentes principais e movimentos místicos 3 Regiões geográficas distintas onde se originaram e espalha ram as três religiões 4 Os Livros Sagrados Bíblia e Alcorão Idiomas formas con teúdo interpretações 5 Crenças teologias templos rituais mitos imaginários H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a 212 E l i a n e M o u r a d a S i l v a É muito importante lembrar ao professor que o tema religião des perta paixões variadas em sala Deve existir uma sensibilização com a clas se para fazer uma distinção entre aula de catequese e um estudo sobre as religiões O professor deve dizer com clareza que para o historiador não existe uma religião mais correta do que a outra As questões devem evitar a apologética e tentar um estudo histórico efetivo É sempre importante frisar que há locais em que em nome de uma concepção de Deus as pes soas matam os adversários de outra concepção Assim o estudo compara tivo acaba sendo um exercício fundamental de tolerância e de convivên cia de culturas diversas Como o professor também possui uma convicção pessoal seja um católico um evangélico ateu ou outra ele deve igual mente perguntar se sua visão das outras religiões não é estereotipada ou preconceituosa Exemplo clássico no Brasil é a visão do mundo muçul mano como um mundo lascivo com odaliscas e danças do ventre ou violento com terroristas desviando de uma análise mais profunda da Religião muçulmana Filmes que mostram a convivência de dois grupos religiosos distintos que acabam descobrindo pontos de contato podem ser úteis como A testemunha 1985 Witness e Uma estranha entre nós 1992 A stranger among us O primeiro fala de um detetive que é obrigado a conviver em uma comunidade amish nos EUA e o segundo fala de uma policial que compartilha do cotidiano de judeus ortodoxos Ambos podem ser se o professor considerar que são adequados à sua sa la um ponto de partida ressaltando que se trata da visão do cinema nor teamericano para uma discussão sobre convivência religiosa e cultural O tema também é muito adequado a uma pesquisa que integre várias disciplinas Por exemplo na primeira série do ensino médio quan do geralmente a área de Literatura trata de Os Lusíadas o professor de História pode trabalhar o tema da intolerância religiosa na obra de Ca mões Da mesma forma a Geografia pode analisar a distribuição espa cial das religiões tocadas por Camões Um trabalho assim requer maior esforço de quem realiza e dos que corrigem e necessariamente implica maior reflexão do que um trabalho monográfico como O islamismo Com o advento da internet tais esforços transformaramse em esforço de recortar e copiar inútil para o aluno quanto ao aprendizado e tedioso pa ra o professor que lê A regra para um bom trabalho é que ele não possa ser copiado integralmente de fonte alguma pois apresenta um desafio que é claro deve ser proporcional à faixa etária do aluno 23 H i s t ó r i a n a s a l a d e a u l a Lembremse sempre de que um trabalho que integre disciplinas não pode ser jamais um trabalho dividido em partes que cada profes sor vai corrigir Um trabalho integrado tem uma resposta integrada e representar não apenas um desafio de romper gavetasestanques na ca beça dos alunos mas também estabelecer o diálogo da unidade das ciências para os professores Romper barreiras é difícil para todos os envolvidos em educação inclusive nós professores TENDÊNCIAS ATUAIS DOS ESTUDOS DE HISTÓRIA DAS RELIGIÕES Atualmente os estudos sobre Religião e religiosidade valorizam os fenômenos religiosos de forma diversificada Há o reconhecimento de que as questões religiosas permeiam a vida cotidiana como religio sidade popular em formas de espiritualidade que fornecem elementos para construção de identidades de memórias coletivas de experiências místicas e correntes culturais e de intelectuais que não se restringem ao domínio das igrejas organizadas e institucionais Muitos movimentos religiosos procuram repensar os papéis de gênero opções sexuais a participação política engajada os conflitos em nome da fé novas práticas espirituais liturgias alternativas e revisões teo lógicas de acordo com as necessidades da modernidade com destaque para o papel das mulheres e das minorias dentro da sociedade e cultura Tratase portanto de privilegiar como objeto central de pesquisas correntes de pensamento movimentos tendências até então consideradas marginais à cultura religiosa oficial movimentos religiosos dos povos in dígenas latinoamericanos e africanos religiões orientais as centenas de igrejas evangélicas pentecostais neopentecostais avivadas o espiritualis mo a constituição de identidades religiosas nacionais e supranacionais a Nova Era as religiões afrobrasileiras como a umbanda e o candomblé Dessa forma é necessário ampliar os limites desmontando pre conceitos revendo cronologias e desenvolvendo análises comparativas numa área de estudos nova e emergente Repensar a Religião e a religiosidade numa perspectiva da His tória Cultural é acima de tudo integrar novos códigos em que gêne ro etnia classe façam parte das formas de expressão espiritual dos conflitos institucionais e dos novos movimentos religiosos 214 E l i a n e M o u r a d a S i l v a Notas 1 0 s números de adeptos de religiões são um pouco oscilantes Para o caso do Judaísmo uma boa fonte é o site httpwwwadherentscomlargecomcomjudaismhtml 2 O Apocalipse de Paulo não é uma obra considerada oficial e inspirada pela Igreja Católica ou pela maioria das Igrejas Cristãs As obras que estão fora da lista ofi cial de livros da Bíblia são chamadas de apócrifas e foram muito lidas pelos cristãos de todas as épocas Informações consagradas como o nome do Bom Ladrão ou dos avós de Jesus têm origem nos chamados apócrifos Assim na formação das crenças cristãs faz pouco sentido separar apócrifos de livros oficiais Recomendações de leitura Boa parte da bibliografia sobre História das Religiões não foi tra duzida para o português Ainda assim é possível encontrar trabalhos aca dêmicos e científicos A lista abaixo não pretende esgotar as possibilidades 1 Obras de caráter geral e dicionários ELIADE Mircea História das idéias e das crenças religiosas Rio de Janeiro Jorge Zahar Editores 1983 6 v COULIANO Ioan P ELIADE Mircea D icionário das religiões São Paulo M ar tins Fontes 1995 D e lu m e a u Jean De religiões e de homens São Paulo Loyola 2000 KONIG Franz Cardeal H a n s Waldenfels Léxico das religiões Petrópolis Vo zes 1998 Várias autoras D icionário de teologia fem inista Petrópolis Vozes 1997 GAARDER Jonstein HELLERN Victor NOTAKES Henry O livro das religiões Sao Paulo Companhia das Letras 2001 2 Obras específicas sobre a História e experiência religiosa ELIADE Mircea Imagens e símbolos Ensaio sobre o simbolismo mágicoreligio so Sao Paulo M artins Fontes 1991 ARMSTRONG Karen Em nom e de Deus o fundamentalismo no judaísmo no Cristianismo e no Islamismo São Paulo Companhia das Letras 2000 M aomé uma biografia do profeta São Paulo Companhia das Le tras 2002 Buda Rio de Janeiro Objetiva 2000 DELUiMEAU Jean M il anos de felicidade uma História do Paraíso São Paulo Companhia das Letras 1997 CHAIB Lidia RODRIGUES Elizabeth Ogum o rei das muitas faces São Paulo Companhia das Letras 2002 VALLA Victor Vincent org Religião e cultura popular Rio de Janeiro D P A 2001 n 17 Coleção O Sentido da Escola 215 O S AUTORES L e a n d ro K a r n a jl Doutor em História pela USP é professor de História da América da Unicamp Autor de Estados Unidos aformação da nação e coautor de História da cidadania ambos pela Contexto C a r l a B a s s a n e z i P in s k y Historiadora Doutora em História Social pela Unicamp e mestre em História Social pela USP Autora de Pássaros dã liberdade e organizadora de História da cidadania Fontes históricas e Faces do fanatismo Coautora de História das mulheres no Brasil 0 Brasil que os europeus encontraram entre outros todos esses pela Contexto C ir c e B it t e n c o u r t Doutora em História Social é professora da pósgraduação cm História da Educação e Ensino da História na USP Autora de O saber histórico na sala de aula e organizadora de Dicionário de datas da história do Brasil ambos pela Contexto E lia n e M o u r a d a S ilv a Professora do Departamento de História da Unicamp onde graduouse fez mestrado e doutorado cm História H o líe n G o n ç a lv e s B e z e r r a Doutor em História do Brasil pela USP e mestre em História da Teologia pela Pontifícia Universitas Gregoriana em Roma é professor da Universidade Federal de Goiás J a ih e P in s k y Historiador Doutor e livredocente pela USP e professor titular da Unicamp Autor de As primeiras civilizações O ensino de História e a criação do fato A escravidão no Brasil Cidadania e educação e 0 Brasil tem futuro e coautor de 12 faces do preconceito Brasileiroa é assim mesmo História da cidadania e Práticas de cidadania todos pela Contexto J a n íc e T h e o d o r o Mestre e doutora em História pela USP onde leciona a disciplina História da América J o s é A lv e s de F r e it a s N e t o Mestre em Filosofia pela PUCSP e doutor em História Social pela USP Professor de História Pedagogia e Relações Internacionais em universidades privadas Jo sé R ív a ir M a c e d o Doutor em História Social pela USP é professor do Departamento de História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS Autor de A mulher na Idade Média pela Contexto Luiz E stevam F e rn a n d e s Mestre e doutorando em História Cultural pela Unicamp E docente do programa de pósgraduação latu sensu da mesma instituição e professor de História de ensino fundamental e médio M a r c o s N a p o lit a n o Doutor em História Social pela USP é professor do Departamento de História da USP desde 2004 Autor de Cultura brasileira utopia e massificação 19501980 Como usar o cinema na sala de aula e Como usar a TV na sala de aulay todos pela Contexto M a r c u s V in íc iu s de M o r a is é mestre em História Cultural pela Unicamp professor do Ensino Médio na região de Campinas e do projeto Viver Arte em São Paulo P e d r o P a u lo F u n a r i Bacharel em História mestre em Antropologia Social e doutor em Arqueologia pela USP Livredocente em História Antiga na Unicamp é autor de Grécia e Roma e Arqueologia e coautor de PréHistória do Brasil História da cidadania Fontes históricas e História das guerras todos pela Contexto R a f a e l R u iz Professor de H istória da América Colonial na Unifesp cam pus Guarulhos é mestre em Direito Internacional pela FADUSP e doutor cm História Social pela FFLCHUSP 216 NChanu 97 H673 5 d Tílulo História na sak p ra tic a s c propostas ü 1 II p m i li n ll f 7 1 4 4 Ex2 U FRRi Prove que sabe honrar os sos devolvendo com pontualic Biblioteca da Universidade F Rio de Janeiro O prazo de empréstimo t podendo ser prorrogado por ig a obra não esteja reservada Educação para um mundo em transformação chama a aten ção para a necessidade de o professor estar atento e atuali zado sobre o que se passa no mundo A transversalidade e a renovação no ensino de Histó ria propõe a valorização do ensino por conceitos para que o aluno consiga relacio nar acontecimentos históricos de épocas diferentes Novas formas de abordar o ensino de H istó ria v islu m b ra as transformações e desafios que o professor terá pela frente A segunda parte do livro apre senta visões inovadoras para o ensino de temas essenciais no currículo do ensino fundamen tal e médio História Antiga Idade Média História Moderna História da América História Contemporânea História do Brasil e História das Religiões História na sala cie aula serve portanto ao professor interessado em aprimorar seu desem penho profissional e tornar as aulas mais proveito sas para os alunos Interrogar o passado a partir de ques tões que nos inquietam no presente é a chave para cum prir a missão de ajudar os es tudantes a entender o mundo em que vivem dandolhes condições de contribuir para tornálo melhor Promovendo a Circulação doSaber A presente obra é antes de tudo uma declaração de amor ao ofício de ensinar História Catorze profissionais reconhecidos da área unem suas experiências e concepções em um livro que lança novas luzes sobre o trabalho do professor tanto do ensino fundamental quanto do ensino médio E ao contrário de outras obras do gênero o livro não fica apenasna discussão de teorias a partir delas questiona certas práticas de sala de aula e propõe outras mais eficazes para despeitar o interesse dos alunos pela matéria e mais compatíveis com a responsabilidade social do historiador O livroé também um libelo em defesa dè História que em tempos de informação instantânea e alta competitividade profissional corre o risco de perder espaço para disciplinas tidas como mais práticas e úteis na preparação cio estudante para o mèrcado de trabalho Não podemos abrir mão de apresentar nossos jovens ao patrimônio cultural da humanidade E qual é o papel do professor senão estabelecer uma articulação entre o patrimônio cultural da humanidade e o universo cultural dó aluno j v y ÉÉ ISBN 8 5 7 2 4 1 mm 9 7 8 8 5 7 2 4 4 2 1 69 História na sala de aula

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