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CÁSSIO CAVALLI OS EFEITOS DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL SOBRE OS CONTRATOS EM CURSO A nulidade da cláusula ipso facto e limites à arbitrabilidade objetiva Coleção Ensaios de Direito Concursal Big In Japan OS EFEITOS DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL SOBRE OS CONTRATOS EM CURSO A nulidade da cláusula ipso facto e limites à arbitrabilidade objetiva Coleção Ensaios de Direito Concursal Copyright Agenda Recuperacional Editora registrado na Câmara Brasileira do Livro CBL AUTOR Cássio Cavalli Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Câmara Brasileira do Livro SP Brasil Cavalli Cássio Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso A nulidade da cláusula ipso facto e limites à arbitrabilidade objetiva Cássio Cavalli 1 ed São Paulo Agenda Recuperacional Editora 2023 Coleção Ensaios de Direito Concursal Bibliografia ISBN 9786598015718 1 Falência Leis e legislação Brasil 2 Recuperação judicial Direito Leis e legislação Brasil 3 Recuperação judicial de empresas Brasil 23152961 CDU34773681094 Índices para catálogo sistemático 1 Recuperação judicial de empresas Leis Brasil 34773681094 wwwagendarecuperacionalcombr Todos os direitos reservados Nenhuma parte deste livro protegido por copyright pode ser reproduzida armazenada ou transmitida de alguma forma ou por quaisquer meios eletrônico mecânico gravação fotocópia distribuição pela Internet ou qualquer sistema de armazenagem de informações sem permissão por escrito e expressa da editora ou do autor Fechamento da edição 24 de abril de 2023 Chapter E Chapter 1 Para Francisco meu filho amado This book is a work of fiction Names characters businesses places events and incidents are either the products of the authors imagination or used in a fictitious manner Any resemblance to actual persons living or dead or actual events is purely coincidental Cássio Cavalli 7 Sobre o autor Cássio Cavalli é Mestre e Doutor em Direito Professor da Graduação e do Mestrado Profissional da FGV Direito SP e atua como advogado consultor e parecerista em São Paulo Dedicase aos temas da organização financiamento e reorganização de empresas Foi integrante do Grupo de Trabalho instituído pela Portaria 4672016 do Ministério da Fazenda encarregado da elaboração da Reforma da Lei de Recuperação de Empresas e Falências e do Grupo de Trabalho IBREFGV que redigiu o anteprojeto da Lei Complementar 1592017 sobre o Regime de Recuperação Fiscal dos Estados Integrou o Grupo de Trabalho do Ministério da Economia para a avaliação do Doing Business do Banco Mundial É associado ao IBAJUD Instituto Brasileiro de Insolvência ao IBRADEMP ao Instituto de Direito Privado IDiP e membro da Comissão de Falências e Recuperações da OABRS da Comissão de Recuperação Judicial Extrajudicial e Falência da OABSP Seccional Campinas da Comissão de Recuperação Judicial Extrajudicial e Falência da OABRJ da Comissão de Mercado de Capitais da OABRJ do Instituto Brasileiro de Estudos de Recuperação de Empresas IBRUSP expert em direito concursal do IberoAmerican Institute for Law and Finance do INSOL International e do Comitê Brasileiro de Arbitragem CBAr É autor de diversos livros e artigos sobre direito societário obrigacional e recuperacional dos quais destacamse A legitimação para a recuperação judicial e a falência Agenda Recuperacional Editora 2023 Teoria do contrato entre 8 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso credores a explicação da análise econômica do direito para a recuperação judicial e a falência Agenda Recuperacional Editora 2023 A construção jurisprudencial da recuperação judicial de empresas Forense 2013 Sociedades limitadas Revista dos Tribunais 2011 Empresa direito e economia Forense 2013 e Direito das obrigações mora e utilidade FGV 2011 Mantém a newsletter Agenda Recuperacional wwwagendarecuperacionalcombr Cássio Cavalli 9 Nota à primeira edição A obra que ora levo a público inaugura a Coleção Ensaios de Direito Concursal na qual pretendo publicar ensaios estudos e apontamentos de pesquisas sobre direito empresarial que eu tenha feito ao longo dos anos para fins acadêmicos ou profissionais Pretendo levar a público este material que de outra forma se perderia na gaveta pois reputo que estes ensaios possuem algum valor e que podem contribuir nalguma medida para os debates doutrinários Espero que o público encontre nestes ensaios material que possa ser de boa utilidade O presente ensaio corresponde substancialmente à fundamentação de um parecer que eu elaborei acerca da disciplina da cláusula ipso facto na recuperação judicial e dos limites da arbitrabilidade objetiva da matéria Reputo a análise relevante pois a cláusula ipso facto é equivalente funcional de outras formas de exercício de posições jurídicas como a execução o direito de retirada e a distribuição de dividendos que buscam uma saída individual da situação de insolvência e por isso prejudicam os objetivos de maximizar valor de ativos do devedor em benefício da coletividade de credores e interessados Com efeito as formas de exercício individual de posições jurídicas são apanhadas pela norma geral de proibição de retirada de ativos da empresa devedora que impede remédios individuais de direito processual e material que conduzam à retirada de ativos do devedor Para tanto esta norma geral de proibição de retirada de ativos articulase com normas procedimentais cogentes e normas de competência do juízo recuperacional Daí a porque a cláusula resolutiva expressa por insolvência busca dispor sobre matéria indisponível do que resulta a sua nulidade por 10 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso contrariedade ao ordenamento jurídico brasileiro Por igual motivo a arbitrabilidade de disputas relativas à cláusula ipso facto encontra seu limite na indisponibilidade da matéria Essa é uma perspectiva pouco explorara pois na intersecção entre questões recuperacionais e arbitrais é comum investigarse a arbitrabilidade subjetiva em caso de falência ou recuperação de uma das partes mas pouca atenção se dá à arbitrabilidade objetiva muito mais relevante quando se trata de procedimentos cogentes como os concursais Ademais chamo atenção para o esforço de elaboração da disciplina aplicável à cláusula ipso facto na recuperação judicial a partir da perspectiva da teoria geral do direito concursal manejada como ferramenta heurística para a construção interpretativa das normas À medida que eu publicar outros ensaios sobre outros temas relevantes o leitor poderá cotejar o método empregado para ver que a partir da perspectiva da teoria geral do direito concursal é possível elaborar respostas sobre diferentes questões que no entanto guardam coerência com o sistema de direito concursal Dentre todas as medidas concebíveis os esforços de afirmação de uma teoria geral do direito concursal constituem aquelas que podem fornecer a maior contribuição para a segurança previsibilidade e coerência das soluções que interpretativamente haverão de ser adotadas nos casos concretos O autor Cássio Cavalli 11 Sumário 1 Introdução 13 2 A cláusula ipso facto como mecanismo de saída individual da situação de insolvência 13 3 Os objetivos normativos do direito concursal 17 4 A norma geral de proibição de retirada de ativos 28 5 A ilicitude da cláusula ipso facto por contrariedade à norma geral de proibição de retirada de ativos 40 6 Nulidade da cláusula ipso facto na falência 47 7 O princípio da irrelevância da recuperação judicial para os contratos em curso 56 8 A nulidade da cláusula ipso facto na recuperação judicial57 9 A arbitrabilidade de disputas relativas à cláusula ipso facto 65 10 Competência absoluta do juízo recuperacional como limite à arbitrabilidade objetiva 68 11 Bibliografia 77 12 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso Cássio Cavalli 13 1 Introdução Este ensaio versa sobre as condições de arbitrabilidade objetiva de cláusula resolutiva expressa por pedido de recuperação judicial Para enfrentar o tema primeiro abordarei os fundamentos dogmáticos da nulidade da cláusula ipso facto nos processos concursais pela violação de normas materiais e processuais cogentes e indisponíveis Após demonstrarei que as normas que proíbem a cláusula ipso facto são indissociáveis das normas que asseguram a competência absoluta do juízo recuperacional para escrutinar cláusulas ipso facto e assim tutelar o interesse da coletividade de credores acionistas e contratantes da recuperanda Por fim concluirei demonstrando que referidas normas constituem limites insuperáveis à arbitrabilidade objetiva de disputas relacionadas à cláusula ipso facto 2 A cláusula ipso facto como mecanismo de saída individual da situação de insolvência Denominase cláusula ipso facto ou cláusula resolutiva expressa por insolvência a cláusula contratual pela qual se pactua que o i mero fato do início de processo concursal de falência ou recuperação judicial de uma das partes sem que haja inadimplemento de nenhum dever de prestar ou instrumentalizado à prestação1 acarreta a ii resolução do 1 KIRSCHBAUM Deborah Cláusula resolutiva expressa por insolvência nos contratos empresariais uma análise econômicojurídica Revista DireitoGV 2 1 p 3754 2006 p 38 anotando que tal cláusula portanto tem o propósito de operar a resolução do contrato ainda que nenhuma outra obrigação nele prevista tenha sido inadimplida exceto a 14 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso vínculo contratual e a iii aceleração do vencimento de créditos A cláusula ipso facto desempenha uma função de conferir ao contratante uma saída rápida e individual da situação de insolvência da contraparte O fato do ajuizamento de pedido de recuperação judicial indica que a empresa devedora está em situação de crise financeira que não consegue pagar seus credores à medida em que as suas obrigações vão se vencendo e portanto que há risco de a empresa i não conseguir pagar integralmente todos os seus credores e eventualmente ii não conseguir honrar o pagamento de futuros fornecimentos Nestes casos os contratantes buscam i executar o mais rapidamente possível as obrigações já devidas e ii resolver os contratos para não seguirem colocando bom dinheiro sobre dinheiro ruim2 isto é para não realizarem as prestações ante a perspectiva de receberem pagamentos pro rata Por isso a cláusula ipso facto reflete conforme a dicção de JX Carvalho de Mendonça uma posição defensiva do contratante para evitar os efeitos do dividendo3 Nesse sentido tanto a execução do crédito quanto a resolução de contratos constituem mecanismos de saída individual da obrigação de manterse solvente 2 TRIANTIS George Termination Rights in Bankruptcy The Story of Stephen Perlman v Catapult Entertainment Inc In RASMUSSEN Org Bankruptcy Law Stories New York Foundation Press 2007 p 5576 p 5556 3 CARVALHO DE MENDONÇA José Xavier Tratado de direito commercial brazileiro VII parte I Rio de Janeiro Typ Besnard Frères 1916 p 465 Cássio Cavalli 15 situação de insolvência4 Em contratos financeiros são frequentes as cláusulas de aceleração de vencimento para a execução dos valores devidos pela empresa devedora e também de encerramento de linhas de crédito para que a empresa devedora não possa sacar novos valores5 Já em contratos não financeiros em que as partes contratantes podem ficar relutantes em cumprir suas obrigações e receberem em contraprestação um pagamento apenas pro rata6 são mais comuns as cláusulas de resolução dos contratos para cessar a realização de novas prestações previstas no contrato7 embora também se busque 4 TRIANTIS George Termination Rights in Bankruptcy The Story of Stephen Perlman v Catapult Entertainment Inc In RASMUSSEN Org Bankruptcy Law Stories New York Foundation Press 2007 p 5576 p 5556 afirmando que It is helpful to distinguish between two interests of a contracting partner when the firm becomes insolvent First the party wishes to collect on the firms matured obligations under the contract Second the party wishes to terminate the contract so as to avoid throwing more good money after bad For ease of reference I refer to the former as collection the latter as termination and to collection and termination jointly as exit 5 TRIANTIS George Termination Rights in Bankruptcy The Story of Stephen Perlman v Catapult Entertainment Inc In RASMUSSEN Org Bankruptcy Law Stories New York Foundation Press 2007 p 5576 p 56 afirmando que a bank lender seeks to accelerate the maturity of all amounts owing under a line of credit and to collect this sum It also wants to terminate the line of credit so that the firm cannot draw any further amount 6 TRIANTIS George Termination Rights in Bankruptcy The Story of Stephen Perlman v Catapult Entertainment Inc In RASMUSSEN Robert K Org Bankruptcy Law Stories New York Foundation Press 2007 p 5576 p 55 7 TRIANTIS George Termination Rights in Bankruptcy The Story of 16 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso acelerar a execuções de valores devidos por fornecimentos já realizados Com efeito tanto a aceleração de vencimento para execução judicial ou extrajudicial de créditos quanto a resolução de contratos servem como portas de saída da situação de insolvência que um credor ou contratante pode buscar8 No entanto a cláusula ipso facto é ilícita pois contrária ao ordenamento jurídico Para compreender essa asserção devese compreender de que modo ela colide com a disciplina normativa da recuperação judicial notadamente com os objetivos almejados pelo procedimento recuperacional e dotados de força normativa É o conteúdo normativo destes objetivos que fornece ao intérprete os instrumentos heurísticos necessários à elaboração dos fundamentos dogmáticos da nulidade da cláusula ipso facto9 Stephen Perlman v Catapult Entertainment Inc In RASMUSSEN Org Bankruptcy Law Stories New York Foundation Press 2007 p 5576 p 56 observando que Similarly a supplier seeks to recover amounts owing on past deliveries but also refuses to make any new deliveries under the contract 8 TRIANTIS George Termination Rights in Bankruptcy The Story of Stephen Perlman v Catapult Entertainment Inc In RASMUSSEN Robert K Org Bankruptcy Law Stories New York Foundation Press 2007 p 5576 p 5556 It is helpful to distinguish between two interests of a contracting partner when the firm becomes insolvent First the party wishes to collect on the firms matured obligations under the contract Second the party wishes to terminate the contract so as to avoid throwing more good money after bad For ease of reference I refer to the former as collection the latter as termination and to collection and termination jointly as exit 9 Assim ver ASCARELLI Tullio Funzioni economiche e istituti giuridici nella tecnica dellinterpretazione In Tullo Ascarelli Studi di diritto comparato e in tema di interpretazione Milano Giuffrè 1952 p 5578 Cássio Cavalli 17 3 Os objetivos normativos do direito concursal A disciplina do direito concursal almeja resolver um problema de ação coletiva caracterizado pela adoção de comportamento nãocooperativo de cada um dos envolvidos na situação de insolvência e que resulta em uma diminuição do bemestar da coletividade de envolvidos Este problema tende a se manifestar em situações nas quais credores contratantes e acionistas passam a nutrir a percepção de insolvência da empresa devedora isto é de que ela não possui ativos ou fluxo de caixa suficientes para honrar integralmente todos seus compromissos Nesses casos o comportamento de cada um dos credores acionistas e contratantes passa a ser orientado pelo ditado farinha pouca meu pirão primeiro de modo que eles tendem a empreender uma corrida para tomar ativos em busca de uma saída individual da situação de insolvência Essa corrida por ativos constitui um problema de ação coletiva pois conduz a uma destruição do valor do conjunto de ativos da empresa devedora e portanto a uma diminuição do nível de satisfação dos credores acionistas e contratantes A destruição de valor pode ser descrita da seguinte forma Os ativos da empresa devedora podem ser avaliados em conjunto de acordo com a sua capacidade de gerar com a operação da empresa um valor de operação going concern value que é basicamente o valor presente do fluxo de caixa gerado pela empresa p 58 afirmando em tradução livre que os conceitos da dogmática jurídica constituem precisamente os instrumentos heurísticos para permitir a aplicação do direito a novos casos assegurando a sua solução segundo um critério coerente e logicamente reconduzível às soluções adotadas para casos anteriores 18 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso descontado a uma dada taxa10 No entanto na corrida por ativos cada um dos credores acionistas e contratantes buscam tomar ativos da empresa para satisfazer suas pretensões Com efeito a corrida por ativos leva a uma fragmentação dos bens organizados para a operação da empresa cujo valor passa a corresponder ao somatório das retiradas dos ativos individualmente consideradas A este valor denominase valor de liquidação Se o valor de liquidação for menor do que o valor de operação a coletividade de credores acionistas e contratantes obterá uma menor satisfação de suas pretensões do que obteriam caso não empreendessem a corrida por ativos Entretanto a percepção de insuficiência de ativos aliada à regra de anterioridade para determinar quem será pago vejase por exemplo como a regra geral do art 908 2º do CPC sintetizada no brocardo potior in tempore prior in jure11 faz com que os credores acionistas e contratantes de uma empresa não consigam evitar a corrida por ativos levando à destruição do valor de operação da empresa e à diminuição da satisfação coletiva de credores e interessados As normas de direito concursal objetivam resolver esse 10 Por isso também pode ser referido como Valor Presente Líquido da empresa que se obtém mediante a seguinte fórmula VP R t c onde VP é o valor presente R é a receita operacional líquida de despesas operacionais t é a taxa de juros que cobrada por investidores e c é o crescimento da receita operacional líquida Esse valor pressupõe que a empresa siga a operar obtendo receitas operacionais Assim ver SQUIRE Richard Corporate Bankruptcy and Financial Reorganization New York Wolters Kluwer 2016 p 9 11 O princípio está positivado no art 797 do CPC que atribui preferência no recebimento em razão da penhora e no art 908 2º do CPC que distribui as preferências com base na anterioridade de cada penhora Cássio Cavalli 19 problema de ação coletiva para preservar a empresa e maximizar o valor de alocação dos seus ativos de modo a maximizar a satisfação da coletividade de credores acionistas e contratantes da empresa É isso aliás que se lê na norma principiológica contida no art 47 da LRF A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico financeira do devedor a fim de permitir a manutenção da fonte produtora do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores promovendo assim a preservação da empresa sua função social e o estímulo à atividade econômica Em síntese o princípio da preservação da empresa é a fórmula dogmática que expressa a finalidade normativa de maximização do valor do conjunto de ativos da empresa no interesse de credores acionistas e contratantes O principal meio para promover o fim de preservar a empresa é fechar todas as rotas de saída Nesse sentido registra George Triantis que O objetivo central do direito concursal é enfrentar o problema de ação coletiva que resulta dos incentivos individuais das partes para sair quando a firma está insolvente Conforme observado acima cada parte deseja sair para evitar a perda infligida pela saída de outra parte A menos que a saída seja compensada por novos contratos ela frequentemente conduz ao colapso e à dissolução da empresa e a realocação de seus ativos A dissolução pode destruir sinergias e outro valor de operação que existiria caso a empresa fosse continuar O direito concursal enfrenta esse problema de ação coletiva bloqueando a saída O Código de Falências impõe uma suspensão que congela os esforços de cobrança impede o exercício de direitos de resolução de contratos e permite ao devedor assumir um contrato apesar do direito de saída da outra parte Desse modo o direito concursal suplanta os acordos bilaterais de cobrança e de direitos de resolução no interesse 20 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso coletivo de todas as partes lidando com a mesma empresa12 Assim para evitar que execuções judiciais e extrajudiciais e resoluções de contratos destruam valor da empresa e causem prejuízos à coletividade de credores externalidades negativas o direito concursal adota uma norma geral de proibição de retirada de ativos que se concretiza em normas de suspensão de execuções de limitações ao exercício do direito de retirada e de proibição de resolução de contratos Estas normas de proibição de retirada de ativos impedem que os credores e interessados possam continuar a perseguir individualmente a satisfação de seu interesse em detrimento do interesse coletivo Por isto constituem normas coletivas e cogentes Coletivas no sentido de que devem coordenar a atuação de todos os credores acionistas e contratantes da empresa e 12 TRIANTIS George Termination Rights in Bankruptcy The Story of Stephen Perlman v Catapult Entertainment Inc In RASMUSSEN Org Bankruptcy Law Stories New York Foundation Press 2007 p 5576 p 56 Grifei tradução livre de The core objective of bankruptcy law is to address the collective action problem that results from the individual incentives of parties to exit when the firm is insolvent As noted above each party wishes to exit to avoid the loss inflicted by the exit of another party Unless the exit is offset by new contracts it often leads to the collapse and dissolution of the firm and the redeployment of its assets Dissolution can destroy synergies and other going concern value that would exist if the firm were to continue Bankruptcy law addresses the problem of collective action by blocking exit The Bankruptcy Code imposes a stay that freezes collection efforts prevents the exercise of contract termination rights and permits the debtor firm to assume a contract despite the other partys right to exit Bankruptcy thereby supplants the bilateral agreements over collection and termination rights in the collective interests of all parties dealing with the same firm Cássio Cavalli 21 cogentes no sentido de que não podem ser afastadas por disposição particular entre as partes da coletividade13 Coletivo quer dizer concursal Ou seja a coletividade de credores acionistas e contratantes concorrem entre si por ativos e valor Para proteger essa coletividade há necessidade de afirmação de um procedimento concursal conduzido perante um juízo concursal que seja capaz de impor aos cada um dos integrantes da coletividade de credores acionistas e contratantes que cooperem para promover o fim de preservar empresas Conforme anotou Alexandre Lazzarini a importância desse entendimento é de extrema relevância pois impede o salvese quem puder ou o leva quem chegar primeiro que surge com a manutenção das execuções individuais14 Igual lição é oferecida por Thomas Jackson professor aposentado da Escola de Direito de Harvard para quem uma das características do direito concursal é apropriarse dos remédios individuais dos credores para fazer com os interessados ajam de modo altruístico e cooperativo Assim o procedimento é inerentemente coletivo Ademais este sistema funciona apenas se todos os credores estão sujeitos a ele15 13 JACKSON Thomas H The logic and limits of bankruptcy law Washington DC Beard Books 1986 reimpressão de 2001 p 4 e 13 14 LAZZARINI Alexandre Alves Reflexões sobre a recuperação judicial de empresas In DE LUCCA Newton DOMINGUES Alessandra de Azevedo Org Direito recuperacional aspectos teóricos e práticos São Paulo Quartier Latin 2009 p 124136 p 125 nota 2 15 JACKSON Thomas H The logic and limits of bankruptcy law Washington DC Beard Books 1986 reimpressão de 2001 p 78 e 17 tradução livre de this approach immediately suggests several features of bankruptcy law First such a law must usurp individual creditor 22 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso É neste sentido que se diz que a recuperação judicial é um procedimento concursal16 à semelhança da antiga concordata17 que promove a cooperação entre os interessados para preservar a empresa Ademais as normas de direito concursal são de regra cogentes Para tutelar uma coletividade proíbese a ação individual de cada um dos credores acionistas e contratantes por normas de ordem pública que tutelam o interesse público ié coletivo indisponível dos objetivos perseguidos pelo direito concursal18 Para reduzir os custos de administração simultânea de diversos procedimentos individuais e ao mesmo tempo evitarse a destruição de valor causada pela nãocooperação entre credores19 remedies in order to make the claimants act in an altruistic and cooperative way Thus the proceeding is inherently collective Moreover this system works only if all the creditors are bound to it 16 AYOUB Luiz Roberto CAVALLI Cássio A construção jurisprudencial da recuperação judicial de empresas Rio de Janeiro Forense 2013 p 129 17 PONTES DE MIRANDA Francisco Cavalcanti Tratado de direito privado t 30 3 ed Rio de Janeiro Borsoi 1971 p 41 18 LAZZARINI Alexandre Alves Reflexões sobre a recuperação judicial de empresas In DE LUCCA Newton DOMINGUES Alessandra de Azevedo Org Direito recuperacional aspectos teóricos e práticos São Paulo Quartier Latin 2009 p 124136 p 124125 SACRAMONE Marcelo Barbosa Cláusula de vencimento antecipado na recuperação judicial Revista do Advogado AASP XXXVI 131 p 133139 2016 p 136 19 RESNICK Alan N The Enforceability of Arbitration Clauses in Bankruptcy Am Bankr Inst L Rev 15 p 183 2007 p 220 Bankruptcy is more than a substantive body of law adjusting the debtor creditor relationship It is also a body of complex jurisdictional and Cássio Cavalli 23 o direito concursal constitui um procedimento coletivo único que reúne credores e interessados em uma única plataforma procedimental para a negociação de uma solução coletiva para a crise20 Assim por tratarem do interesse de uma coletividade não podem ser objeto de disposição por acordos bilaterais Com efeito não é possível dispor ou renunciar aos procedimentos que integram o núcleo normativo da Lei 111012005 LRF ou dispor sobre o procedimento aplicável adaptandoo às conveniências do devedor e algum ou diversos de seus credores21 Por serem cogentes as normas de direito procedural rules focused on the process pursuant to which debtor rehabilitation and distributions to creditors may be realized A common theme running through the Bankruptcy Code and bankruptcyrelated provisions of the Judicial Code is one of efficiency and the desirability of centralizing dispute resolution in specialized bankruptcy courts Another area of the law that is focused on process and efficiency though also based on the enforcement of contractual rights is the law governing the arbitration of disputes It is a goal of both bankruptcy process and arbitration to provide quick efficient costeffective methods for resolving disputes Ironically disputes over the enforceability of arbitration clauses in bankruptcy have resulted in extensive timeconsuming and expensive court litigation 20 TENE Omer Revisiting the creditors bargain The entitlement to the goingconcern surplus in corporate bankruptcy reorganizations Bankr Dev J 19 p 287 2002 afirmando que bankruptcy must provide parties with a set of fair and unbiased procedural rules that will allow them to conduct multiparty bargaining 21 SCHILLIG Michael Corporate Insolvency Law in the TwentyFirst Century State Imposed or Market Based Journal of Corporate Law Studies 14 1 138 2015 p 2 afirmando que In principle it is not possible for debtors and creditors to opt out of corporate insolvency law to modify the applicable procedure or to devise their own customised 24 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso concursal são descritas como suspensões da autonomia privada22 O núcleo normativo do direito concursal é formado por normas cogentes e de ordem pública que estruturam os procedimentos concursais principais como a recuperação judicial e a falência os procedimentos endofalimentares como por exemplo o pedido de restituição disciplinado nos arts 85 e seguintes da LRF determinadas normas inderrogáveis de verificação de créditos23 e acerca da competência absoluta do juízo concursal Portanto essas normas são indisponíveis não podem ser alteradas por convenções privadas por negócio jurídico processual24 nem por cláusula compromissória O rol de normas indisponíveis inclui aquelas que tratam do procedimento da recuperação judicial como por exemplo as normas sobre a competência absoluta do juízo concursal a publicidade dos atos processuais25 a forma do exercício do procedure in and for a situation in which the statutory regime has been triggered 22 SCHILLIG Michael Corporate Insolvency Law in the TwentyFirst Century State Imposed or Market Based Journal of Corporate Law Studies 14 1 138 2015 p 2 nota 9 23 PAJARDI Piero PALUCHOWSKI Alida Manuale di diritto fallimentare Settima Edizione Milano Giuffrè 2008 p 501 24 Assim ver TJSP Agravo de Instrumento Vistos 2098515 4620178260000 33ª Câmara de Direito Privado j 27112017 vu rel Des Eros Piceli entendendo que o artigo 88 do Código de Defesa do Consumidor norma de interesse público que afasta a autocomposição prevista no artigo 190 do CPC diante de sua indisponibilidade 25 Nesse sentido ver TJSP Agravo de Instrumento 2274654 7620198260000 4ª Câmara de Direito Público j 03022020 vu rel Cássio Cavalli 25 direito de voto por escrito em assembleia de credores a supressão da deliberação assemblear e o calendário processual da recuperação judicial26 as regras que versam sobre a suspensão de ações e execuções27 e as regras sobre a fase de fiscalização do Des Paulo Barcellos Gatti julgando que a publicidade dos atos processuais que é norma de ordem pública interessando não somente aos litigantes mas a toda a coletividade não sendo possível às partes convencionar acerca daquilo de que não são titulares Negócio jurídico processual art 190 do CPC2015 que não admite convenção sobre regras processuais de interesse público 26 Assim ver TJSP Agravo de Instrumento 22116904720198260000 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial j 31072020 mv rel Des Araldo Telles Recuperação Judicial Decisão homologatória do plano que em remate autorizou inúmeras medidas com esteio no art 190 do Código de Processo Civil como a possibilidade de voto escrito ao invés da instalação de assembleia geral de credores outras modalidades de publicação dos atos processuais a serem ajustadas entre as partes o processamento das habilitaçõesimpugnações judiciais perante o administrador judicial só encartadas aos autos para decisão calendário processual e redução do prazo de fiscalização judicial do caput do art 61 da Lei nº LRF Violação de normas de natureza cogente insuscetíveis de ajuste por meio de negócio processual Inaplicabilidade ao caso do art 190 do Código de Processo Civil Recomendação do exame individual de pedidos desse jaez Decisão decotada nesse particular também de ofício 27 No direito comparado ver BUSSEL Daniel J KLEE Kenneth N Recalibrating Consent in Bankruptcy American Bankruptcy Law Journal 83 4 p 663748 2009 p 704 afirmando que the automatic stay protects both debtors and creditors by allowing for the orderly restructuring or liquidation of debt and in turn the interests of creditors that would otherwise be handicapped by a race to gain access to the bankruptcy estates assets Courts have read the Bankruptcy Codes stay provisions broadly and consistently though not unanimously to deny the 26 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso cumprimento do plano art 61 da LRF28 ability of debtors and creditors to contract around this protection 28 Assim ver TJSP Agravo de Instrumento 22057608220188260000 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial j 04022019 vu rel Des Sérgio Shimura julgando que a norma que estabelece o prazo de fiscalização judicial art 61 LRJ constitui matéria de ordem pública não se sujeitando à livre deliberação dos credores sob pena de desvirtuamento do instituto A alteração ou extinção do prazo previsto no art 61 Lei nº 111012005 LRJ extrapola os limites das matérias que admitem autocomposição bem como mudanças no procedimento Deixar tal matéria à deliberação em assembleia geral de credores pode implicar ofensa direta ao princípio do acesso à Justiça e da inafastabilidade do controle jurisdicional art 5º XXXV CF O prazo de supervisão de 2 anos previsto no art 61 LRJ permite o controle jurisdicional sobre o Plano de Recuperação Judicial com vistas a harmonizar o princípio da preservação da empresa com os interesses dos credores art 47 LRJ Amplitude negocial que ademais não consta do elenco de deliberações da Assembleia Geral de Credores previsto no art 35 da Lei nº 1110105 Decisão reformada tal amplitude não consta do elenco de deliberações da Assembleia Geral de Credores previsto no art 35 da Lei nº 1110105 o que reforça a ideia de que a lei não conferiu tal liberdade aos credores Como se vê a norma que estabelece o prazo de fiscalização judicial é de ordem pública não podendo ser objeto de livre disposição ou deliberação dos credores sob pena de desvirtuamento do instituto e do próprio princípio da preservação da empresa No mesmo sentido ver TJSP Agravo de Instrumento 21906499220178260000 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial j 19022018 vu rel Des Araldo Telles TJSP Agravo de Instrumento 21178536920188260000 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial j 29072019 vu rel Des Araldo Telles TJSP Agravo de Instrumento 21412422020178260000 a 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial j 19092017 vu rel Des Fortes Barbosa TJSP Agravo de Instrumento 2245339 0320198260000 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial j Cássio Cavalli 27 A condução do processo concursal principal é confiada ao juízo recuperacional por regra inderrogável de competência absoluta É a esse juízo inclusive que compete escrutinar qualquer ato judicial ou extrajudicial que possa resultar na retirada de ativos que possa levar à subtração de valor do patrimônio da empresa recuperanda Com efeito a competência do juízo concursal da falência ou da recuperação relacionase ao interesse público e à preservação da empresa que o procedimento visa promover29 Por isso o destino do patrimônio da empresa ré em processo de recuperação judicial não pode ser atingido por decisões prolatadas por juízo diverso daquele da Recuperação sob pena de prejudicar o funcionamento do estabelecimento comprometendo o sucesso de seu plano de recuperação30 Assim por exemplo a competência do juízo concursal para a destinação de bens do patrimônio da empresa se sobrepõe à competência que a Constituição consagra em seu art 114 à Justiça do Trabalho Conquanto o juiz do trabalho seja competente para apurar a existência e o valor do crédito trabalhista compete ao juiz da recuperação judicial a satisfação do crédito31 29072020 vu rel Des Gilson Delgado Miranda 29 LAZZARINI Alexandre Alves Reflexões sobre a recuperação judicial de empresas In DE LUCCA Newton DOMINGUES Alessandra de Azevedo Org Direito recuperacional aspectos teóricos e práticos São Paulo Quartier Latin 2009 p 124136 p 124125 30 STJ CC 101552 2ª Seção j 23092009 vu rel Des Convocado Honildo Amaral de Mello Castro 31 Nesse sentido ver STF RE 583955 Tribunal Pleno j 28052009 mv rel Min Ricardo Lewandowski decidindo que a Justiça do Trabalho é competente para apurar o crédito trabalhista contra empresa em 28 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso 4 A norma geral de proibição de retirada de ativos A norma geral de proibição de retirada de ativos concretizase de vários modos Um deles consiste na norma que determina a suspensão de execuções contra a empresa em recuperação judicial art 6º da LRF Ou seja a recuperação judicial bloqueia as rotas de saída pela execução singular de créditos com excussão de bens individuais do devedor Mas não apenas A norma geral de proibição de retirada de ativos também qualquer forma de retenção arresto penhora sequestro busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens do devedor oriunda de demandas judiciais ou extrajudiciais cujos créditos ou obrigações sujeitemse à recuperação judicial ou à falência art 6º III da LRF A suspensão de ações e execuções encontra fundamento tanto na concursalidade da recuperação judicial que é o oposto da coexistência de diversas execuções singulares quanto no seu objetivo de preservar a empresa32 recuperação mas que o pagamento do crédito compete à Justiça Estadual A essa decisão conferiuse repercussão geral em 19062008 assentando que oferece repercussão geral a questão sobre qual o órgão do Poder Judiciário é competente para decidir a respeito da forma de pagamento dos créditos incluídos os de natureza trabalhista previstos no quadro geral de credores de empresa sujeita a plano de recuperação judicial 32 A jurisprudência sublinha a relação que há entre a suspensão de ações e execuções meio e a preservação da empresa fim Nesse sentido ver STJ CC 108457 2ª Seção j 10022010 vu rel Des Convocado Honildo Amaral de Mello Castro entendendo que o princípio da preservação da empresa insculpido no art 47 da Lei de Recuperação e Falências preconiza que A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômicofinanceira do devedor a fim de Cássio Cavalli 29 A importância de se suspender execuções para promoverse o fim de preservar a empresa é tal que a jurisprudência passou a determinar inclusive a suspensão da prática de atos de alienação permitir a manutenção da fonte produtora do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores promovendo assim a preservação da empresa sua função social e o estímulo à atividade econômica Motivo pelo qual sempre que possível devese manter o ativo da empresa livre de constrição judicial em processos individuais É reiterada a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça no sentido de que após a aprovação do plano de recuperação judicial da empresa ou da decretação da quebra as ações e execuções trabalhistas em curso terão seu prosseguimento no Juízo Falimentar mesmo que já realizada a penhora de bens no Juízo Trabalhista Ver também STJ CC 79170 1ª Seção j 10092008 vu rel Min Castro Meira e STJ CC 90075 j 01072008 decisão monocrática de lavra do Min Fernando Gonçalves acerca da norma de suspensão A redação do dispositivo a par das críticas relativas ao excesso de remissões parece extremamente clara preservando o direito dos credores em prosseguirem com seus pleitos individuais passado o prazo de 180 dias da data em que deferido o processamento da recuperação judicial A aplicação desses preceitos porém tem causado perplexidade pois se mostra de difícil conciliação a implementação do plano de recuperação ao mesmo tempo que o patrimônio da empresa recuperanda vai sendo chamado a responder pelas execuções individuais Portanto a decisão em conflito de competência com juízo de execução singular deve ser orientada pela confiabilidade no novel instituto da recuperação que amadurece em seu bojo o interesse social na manutenção da atividade empresária Ver também TJRJ AI 00319123020118190000 2ª Câmara Cível j 13072011 vu rel Des Jessé Torres decidindo que a suspensão a partir do deferimento do processamento de recuperação judicial nos termos dos arts 6º caput e 52 III da Lei 111012005 objetiva viabilizar a superação de situação de crise econômicofinanceira à luz do princípio da preservação da empresa 30 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso em execuções fiscais33 apesar de o 7ºB do art 6º da LRF 33 Assim ver STJ AgRg no CC 81922 2ª Seção j 09052007 mv rel Min Ari Pargendler decidindo que processado o pedido de recuperação judicial suspendemse automaticamente os atos de alienação na execução fiscal até que o devedor possa aproveitar o benefício previsto na ressalva constante da parte final do 7º do art 6º da Lei 11101 de 2005 ressalvada a concessão de parcelamento nos termos do Código Tributário Nacional e da legislação ordinária específica STJ AgRg no CC 104638 2ª Seção j 23112011 vu rel Min Nancy Andrighi entendendo que as execuções fiscais ajuizadas em face da empresa em recuperação judicial não se suspenderão em virtude do deferimento do processamento da recuperação judicial ou seja a concessão da recuperação judicial para a empresa em crise econômicofinanceira não tem qualquer influência na cobrança judicial dos tributos por ela devidos Embora a execução fiscal em si não se suspenda são vedados atos judiciais que reduzam o patrimônio da empresa em recuperação judicial enquanto for mantida essa condição Isso porque a interpretação literal do art 6º 7º da Lei 111012005 inibiria o cumprimento do plano de recuperação judicial previamente aprovado e homologado tendo em vista o prosseguimento dos atos de constrição do patrimônio da empresa em dificuldades financeiras STJ CC 116213 2ª Seção j 28092011 vu rel Min Nancy Andrighi julgando que as execuções fiscais ajuizadas em face da empresa em recuperação judicial não se suspenderão em virtude do deferimento do processamento da recuperação judicial ou seja a concessão da recuperação judicial para a empresa em crise econômico financeira não tem qualquer influência na cobrança judicial dos tributos por ela devidos Embora a execução fiscal em si não se suspenda são vedados atos judiciais que reduzam o patrimônio da empresa em recuperação judicial enquanto for mantida essa condição Isso porque a interpretação literal do art 6º 7º da Lei 111012005 inibiria o cumprimento do plano de recuperação judicial previamente aprovado e homologado tendo em vista o prosseguimento dos atos de constrição do patrimônio da empresa em dificuldades financeiras Precedentes Cássio Cavalli 31 expressamente ressalvar que as execuções de natureza fiscal não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial Assim conforme entende o STJ após o deferimento do pedido de recuperação e aprovação do respectivo plano pela assembleia geral de credores é vedada a prática de atos que comprometam o patrimônio da devedora pelo Juízo onde se processam as execuções34 Para assegurar a efetividade da norma geral de proibição da prática de atos de constrição em processos de execução fiscal deslocase para o juízo da recuperação a competência para apreciar os atos de constrição ou alienação de bens da empresa recuperanda conforme o entendimento sintetizado no Enunciado 8 da Secretaria de Jurisprudência do STJ no qual se lê que o deferimento do processamento da recuperação judicial não suspende a execução fiscal mas os atos que importem em Conflito conhecido para declarar a competência do juízo da Vara de Falência e Recuperações Judiciais do Distrito Federal para todos os atos que impliquem em restrição patrimonial da empresa suscitante 34 STJ AgRg no CC 114657 2ª Seção j 10082011 vu rel Min Sidnei Beneti entendendo que as execuções fiscais não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial contudo após o deferimento do pedido de recuperação e aprovação do respectivo plano pela assembleia geral de credores é vedada a prática de atos que comprometam o patrimônio da devedora pelo Juízo onde se processam as execuções Apesar de não se configurar em regra o conflito entre o Juízo da recuperação judicial e o Juízo Fiscal a respeito do processamento e julgamento dos feitos que perante cada qual tramitam o que a suscitante discute é a competência para determinar o destino do produto da alienação de bens perante o Juízo Fiscal Nesse caso o valor obtido com a eventual alienação de bens perante o Juízo Federal deve ser remetido ao Juízo Estadual entrando no plano de recuperação da empresa 32 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso constrição ou alienação do patrimônio da recuperanda devem se submeter ao juízo universal35 Observese aqui que a competência para a execução fiscal é mantida com o seu juiz natural porém para assegurarse a promoção da preservação da empresa deslocase para o juízo recuperacional a competência para apreciar especificamente os atos que podem representar uma saída individual da situação de insolvência Daí a jurisprudência consolidada do STJ falar em competência do juízo universal da recuperação judicial porém não para atrair para si todas as ações e execuções em que a recuperanda é parte como ocorre na falência em virtude do art 76 da LRF36 mas inequivocamente 35 Enunciado 8 da Secretaria de Jurisprudência do STJ Jurisprudência em Teses II nº 37 Brasília 2015 elaborado com base nos seguintes precedentes EDcl no REsp 1505290MG Rel Ministro Herman Benjamin Segunda Turma julgado em 28042015 DJe 22052015 AgRg no CC 136040GO Rel Ministro Marco Aurélio Bellizze Segunda Seção julgado em 13052015 DJe 19052015 AgRg no REsp 1519405PE Rel Ministro Humberto Martins Segunda Turma julgado em 28042015 DJe 06052015 AgRg no CC 133509DF Rel Ministro Moura Ribeiro Segunda Seção julgado em 25032015 DJe 06042015 AgRg no CC 138836SC Rel Ministro Paulo de Tarso Sanseverino Segunda Seção julgado em 25032015 DJe 30032015 AgRg no CC 129079SP Rel Ministro Antonio Carlos Ferreira Segunda Seção julgado em 11032015 DJe 19032015 EDcl nos EDcl no CC 128618MT Rel Ministro Luis Felipe Salomão Segunda Seção julgado em 11032015 DJe 16032015 AgRg no REsp 1462032PR Rel Ministro Mauro Campbell Marques Segunda Turma julgado em 05022015 DJe 12022015 AgRg no CC 124052SP Rel Ministro João Otávio de Noronha Segunda Seção julgado em 22102014 DJe 18112014 AgRg no REsp 1462017PR Rel Ministro Og Fernandes Segunda Turma julgado em 14102014 DJe 12112014 36 Lêse nesse dispositivo que Art 76 O juízo da falência é indivisível e Cássio Cavalli 33 atrai para si todos os atos que possam envolver a constrição ou retirada de ativos da empresa em detrimento da coletividade de credores acionistas e interessados37 Assim vejase o seguinte aresto de relatoria do Min Ricardo Villas Bôas Cueva A Segunda Seção já realizou a interpretação sistemáticoteleológica da Lei nº 111012005 admitindo a prevalência do princípio da preservação da empresa em detrimento de interesses exclusivos de determinadas classes de credores tendo atestado que após o deferimento da recuperação judicial prevalece a competência do Juízo desta para decidir sobre todas as medidas de constrição e de venda de bens integrantes do patrimônio da recuperanda Precedentes38 Com base nessa orientação jurisprudencial o jurista Manoel Justino Bezerra Filho cunhou a feliz expressão universalidade competente para conhecer todas as ações sobre bens interesses e negócios do falido ressalvadas as causas trabalhistas fiscais e aquelas não reguladas nesta Lei em que o falido figurar como autor ou litisconsorte ativo Parágrafo único Todas as ações inclusive as excetuadas no caput deste artigo terão prosseguimento com o administrador judicial que deverá ser intimado para representar a massa falida sob pena de nulidade do processo 37 Assim por exemplo ver STJ AgRg no CC n 124795 Segunda Seção j 26062013 vu rel Min Antônio Carlos Ferreira decidindo que é atribuição exclusiva do Juízo universal apreciar atos de constrição que irão interferir na preservação da atividade empresarial sendo competente para constatar o caráter extraconcursal do crédito discutido nos autos da ação de execução A concessão da recuperação judicial não suspende a realização dos atos executórios em relação aos avalistas nos termos do art 49 1º da Lei n 111012005 38 STJ REsp 1598130 3ª Turma j 07032017 vu rel Min Ricardo Villas Bôas Cueva 34 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso mitigada para referirse à competência do juízo recuperacional pois conforme ensina quanto à competência anotese que não há o juízo universal da recuperação esta universalidade apenas ocorre para o juízo da falência conforme previsto especificamente no art 76 No entanto mesmo ausente qualquer disposição de direito positivo atribuindo universalidade ao juízo da recuperação a jurisprudência já pacificada consagrou o entendimento de que há um certo tipo de universalidade para evitar que ações em andamento em outros juízos possam vir a causar óbices ao bom andamento da recuperação Poderseia dizer que o entendimento caminha no sentido de outorgar uma universalidade mitigada ao juízo da recuperação quando se trata de preservação dos bens e valores necessários ao êxito da recuperação39 Reforça esse entendimento a disciplina do art 49 3º da LRF40 relativa à suspensão de ações relativa a créditos não 39 Manoel Justino Bezerra Filho Lei de recuperação de empresas e falência Lei 111012005 comentada artigo por artigo Revista dos Tribunais 2018 edição eletrônica comentário ao art 3º apud STJ REsp 1868182 3ª Turma j 26052020 vu rel Min Nancy Andrighi 40 Lêse nesse dispositivo que 3º Tratandose de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis de arrendador mercantil de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade inclusive em incorporações imobiliárias ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais observada a legislação respectiva não se permitindo contudo durante o prazo de suspensão a que se refere o 4º do art 6º desta Lei a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua Cássio Cavalli 35 sujeitos à recuperação judicial Com efeito os créditos decorrentes de a contratos de leasing de b venda com reserva de domínio de c venda de unidades imobiliárias ou d garantidos por alienação fiduciária não se sujeitam à recuperação judicial Isto significa que as ações processuais e de direito material relativas a esses créditos i não são suspensas pela recuperação judicial e que ii a homologação do plano de recuperação pelo juízo recuperacional não altera o conteúdo desses créditos Assim por exemplo ações de busca e apreensão de bem alienado fiduciariamente41 e de reintegração de posse em contratos de leasing42 não são suspensas pelo começo da atividade empresarial 41 Nesse sentido ver TJMG AC 10024081514937002 12ª Câmara Cível j 26082009 vu rel Des Saldanha da Fonseca decidindo que o crédito proveniente de contrato garantido por alienação fiduciária não se submete à recuperação judicial não havendo que se falar em suspensão do trâmite da ação de busca e apreensão mas tão somente na manutenção do bem na posse da ré durante o período estabelecido pelo juízo onde se processa o plano 42 Os créditos decorrentes de arrendamento mercantil ou com garantia fiduciária inclusive os resultantes de cessão fiduciária não se sujeitam aos efeitos da recuperação judicial nos termos 3º do artigo 49 da Lei n 111012005 É o quanto lêse no Enunciado 2 da Secretaria de Jurisprudência do STJ Jurisprudência em Teses II nº 37 Brasília 2015 elaborado com base nos seguintes precedentes CC 131656PE Rel Ministra Maria Isabel Gallotti Segunda Seção julgado em 08102014 DJe 20102014 AgRg no REsp 1306924SP Rel Ministro Paulo de Tarso Sanseverino Terceira Turma julgado em 12082014 DJe 28082014 AgRg nos EDcl na MC 22761MS Rel Ministro Sidnei Beneti Terceira Turma julgado em 05082014 DJe 01092014 AgRg na MC 20989BA Rel Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva Terceira Turma julgado em 20032014 DJe 27032014 AgRg no REsp 1181533MT Rel Ministro 36 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso recuperação judicial e continuam a tramitar perante seu juiz natural43 Porém se essas ações envolverem a retomada de bem de capital essencial à atividade da recuperanda essas ações serão suspensas cf parte final do 3º do art 49 da LRF onde se lê não se permitindo contudo durante o prazo de suspensão a que se refere o 4º do art 6º desta Lei a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial Nesse caso também não se desloca para o juízo recuperacional a competência para a ação de busca e apreensão ou reintegração de posse apenas deslocase para o juízo universal da recuperação a competência específica para decidir acerca da essencialidade do Luis Felipe Salomão Quarta Turma julgado em 05122013 DJe 10122013 AgRg no CC 124489MG Rel Ministro Raul Araújo Segunda Seção julgado em 09102013 DJe 21112013 EDcl no RMS 41646PA Rel Ministro Antonio Carlos Ferreira Quarta Turma julgado em 24092013 DJe 11102013 AREsp 114911PR decisão monocrática Rel Ministro João Otávio de Noronha julgado em 17122014 DJe 19122014 REsp 1437988RJ decisão monocrática Rel Ministro Marco Aurélio Bellizze julgado em 14112014 DJe 24112014 REsp 1235174RJ decisão monocrática Rel Ministro Marco Buzzi julgado em 04062014 DJe 01082014 43 Assim ver TJRS CC 70031346182 6ª Câmara Cível j 20082009 vu rel Des Liége Puricelli Pires decidindo que o simples fato de tramitar no juízo suscitante ação de busca e apreensão de veículo objeto de contrato de alienação fiduciária não justifica seja remetido os autos de pedido de recuperação judicial deduzido pela parte demandada naquele feito Segundo a regra do art 49 3º da Lei 111012005 os créditos decorrentes de alienação fiduciária não se submetem à recuperação judicial não havendo portanto conexão que justifique deslocar a competência para o juízo suscitante Cássio Cavalli 37 bem para a continuação da empresa e desse modo determinar a suspensão do ato de retirada do bem44 Observese ademais que a ordem de suspensão alcança atos processuais praticados não apenas em processos de execução Conforme anotei noutra oportunidade em coautoria com o Luiz Roberto Ayoub a suspensão das ações e execuções prevista no art 6º da LRF apanha não apenas atos de constrição e expropriação judicial de bens como a penhora on line determinada em cumprimento de sentença ou em execução de título executivo extrajudicial mas também qualquer ato judicial que envolva alguma forma de constrição ou retirada de ativos da empresa devedora ordenada em sede de ação de conhecimento ou cautelar45 Neste particular cumpre fazerse uma observação acerca do disposto no art 6º 1º da LRF46 que dispõe que a recuperação judicial não suspende o curso de ações que demandarem quantia 44 Assim ver STJ CC 146631 2ª Seção j 14122016 vu rel Min Nancy Andrighi decidindo que apesar de o credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis não se submeter aos efeitos da recuperação judicial o juízo universal é competente para avaliar se o bem é indispensável à atividade produtiva da recuperanda Nessas hipóteses não se permite a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais à sua atividade empresarial art 49 3º da Lei 1110105 Precedentes e STJ REsp 1660893 3ª Turma j 08082017 vu rel Min Nancy Andrighi 45 AYOUB Luiz Roberto CAVALLI Cássio A construção jurisprudencial da recuperação judicial de empresas Rio de Janeiro Forense 2013 p 132 sem grifo no original 46 Lêse no referido dispositivo que 1º Terá prosseguimento no juízo no qual estiver se processando a ação que demandar quantia ilíquida 38 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso ilíquida ié que disserem respeito à sua existência e à determinação de seu objeto conforme dispunha o art 1533 do Código Civil de 1916 Ações judiciais com eficácia declaratória condenatória ou constitutiva preponderante não envolvem de regra risco de constrição de ativos ou de retirada de valores da empresa Por este motivo estas ações não são suspensas pelo começo do processo de recuperação judicial Porém mesmo nestas ações que prosseguem não podem ser praticados atos que colocam em risco à manutenção da empresa47 Nestes casos podese suspender o curso da própria ação ou deslocarse a competência ao juízo recuperacional para que proíba ou autorize a prática do ato Assim por exemplo já se decidiu48 que para preservarse a empresa suspendese o curso de ação de dissolução parcial de sociedade ante o desfalque que pode importar ao patrimônio da sociedade empresária recuperanda49 A determinação de suspensão de ações e execuções também 47 Assim ver TJPR AI 7838473 16ª Câmara Cível j 25032012 vu rel Des Paulo Cezar Bellio decidindo que o deferimento do processamento da recuperação judicial em regra suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor sendo vedado ao juiz naquelas que prosseguem a prática de atos que comprometam o patrimônio do devedor ou que excluam parte dele do processo de recuperação judicial Ver também TJPR AI 6756774 18ª Câmara Cível j 20102010 vu rel Des Lenice Bodstein 48 Assim ver TJRS AI 70018024786 6ª Câmara Cível j 12042007 vu rel Des Osvaldo Stefanello 49 AYOUB Luiz Roberto CAVALLI Cássio A construção jurisprudencial da recuperação judicial de empresas Rio de Janeiro Forense 2013 p 132133 Cássio Cavalli 39 abrange também o exercício da autotutela incluídas as ações de direito material isto é as ações exercidas pelo próprio titular do direito sem recorrer à ação de direito processual Conforme anotei noutra oportunidade em coautoria com o Des Luiz Roberto Ayoub não apenas atos processuais de execução são suspensos pois também será suspensa qualquer ação de direito material que acarrete desfalque patrimonial à empresa devedora50 Assim o início da recuperação judicial suspende a eficácia da pretensão de direito material isto é suspende a exigibilidade de todas as dívidas e obrigações sujeitas a seus efeitos51 Daí aliás não correr a prescrição contra credor de empresa em recuperação judicial Nesse sentido por exemplo a decretação da falência suspende o exercício do direito de retenção sobre os bens sujeitos à arrecadação art 116 I da LRF e também suspende o exercício do direito potestativo de retirada da sociedade falida art 116 II da LRF O fundamento pelo qual se pode impedir o exercício de certas posições jurídicas para evitar destruição de valor que será suportada por terceiros não constitui peculiaridade do direito recuperacional Pelo contrário decorre de uma das matrizes éticas do direito privado que informa inúmeros institutos jurídicos como por exemplo a limitação à resilição unilateral do contrato prevista no art 473 parágrafo único do Código Civil 50 AYOUB Luiz Roberto CAVALLI Cássio A construção jurisprudencial da recuperação judicial de empresas Rio de Janeiro Forense 2013 p 133 sem grifo no original 51 TJSP AI 6425344300 Câmara Reservada à Falência e Recuperação j 18082009 vu rel Des Elliot Akel 40 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso Na recuperação judicial a efetividade do tripé normativo formado pelo princípio da preservação da empresa da concursalidade do processo e da instrumentalidade da suspensão de ações e execuções depende do reconhecimento da competência do juízo recuperacional para suspender ações ou impedir a prática de atos de autotutela 5 A ilicitude da cláusula ipso facto por contrariedade à norma geral de proibição de retirada de ativos A cláusula ipso facto é outra forma pela qual um contratante pode buscar uma saída individual para a situação de insolvência Pela cláusula ipso facto buscase acelerar o vencimento do crédito Conforme observa Marcelo Sacramone a inserção da cláusula em contratos relativos a créditos não sujeitos à recuperação judicial permite uma cobrança imediata do montante ou a retirada do bem o que pode prejudicar a recuperação da atividade52 Daí porque continua o jurista essa cláusula de vencimento antecipado das obrigações embora tutele os interesses privados dos contratantes contraria o interesse público que motivou a criação do instituto da recuperação judicial Procura além disso assegurar proteção ao comportamento oportunista do credor de se beneficiar em detrimento dos demais credores A recuperação judicial foi criada pela Lei n 111012005 para permitir ao empresário superar a crise econômicofinanceira reversível que o acometia O interesse público de preservação da empresa de sua função social e do desenvolvimento econômico exigiu a criação de um instituto que 52 SACRAMONE Marcelo Barbosa Cláusula de vencimento antecipado na recuperação judicial Revista do Advogado AASP XXXVI 131 p 133139 2016 p 136 Cássio Cavalli 41 permitisse ao empresário diante de uma crise reversível recuperarse A importância da preservação da empresa como atividade altera o regime jurídico das relações anteriormente celebradas53 Além de colocar em risco a preservação da empresa a aceleração de vencimento também afronta a norma contida no art 49 2º da LRF que dispõe as obrigações anteriores à recuperação judicial observarão as condições originalmente contratadas ou definidas em lei inclusive no que diz respeito aos encargos salvo se de modo diverso ficar estabelecido no plano de recuperação judicial Para compreenderse o alcance normativo deste dispositivo cumpre terse em vista que a LRF não reproduziu a norma encontrada no art 163 da antiga Lei de Falências Decretolei 76611945 que previa que o processamento da concordata acarretava o vencimento antecipado de todos os créditos sujeitos a seus efeitos A norma concursal do art 49 2º da LRF ademais é coerente com a própria disciplina do direito contratual que não inclui o pedido de recuperação judicial ou da antiga concordata entre as causas ex lege de exigibilidade antecipada das obrigações contida no art 333 do Código Civil54 53 SACRAMONE Marcelo Barbosa Cláusula de vencimento antecipado na recuperação judicial Revista do Advogado AASP XXXVI 131 p 133139 2016 p 136 54 Lêse neste dispositivo que Art 333 Ao credor assistirá o direito de cobrar a dívida antes de vencido o prazo estipulado no contrato ou marcado neste Código I no caso de falência do devedor ou de concurso de credores II se os bens hipotecados ou empenhados forem penhorados em execução por outro credor III se cessarem ou se se tornarem insuficientes as garantias do débito fidejussórias ou reais e o devedor 42 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso O processamento da recuperação judicial não acarreta ex lege o vencimento antecipado das obrigações Esta norma coadunase com o objetivo normativo dos processos concursais pois protege valor de ativos e preserva a empresa A persecução deste objetivo é reforçada pela proibição de aceleração de vencimento ex contractu Essa proibição impede aceleração de cobrança judicial ou extrajudicial e a tomada de ativos salvo nas hipóteses expressamente autorizadas como a prevista no art 193A da LRF Estas exceções denominadas safe harbors pois colocam certas posições jurídicas em abrigo protegido contra a injunção de proibição de retirada de ativos são sabidamente prejudiciais à preservação da empresa mas mesmo assim são deliberadamente afirmadas pelo legislador para a tutela de outras posições sistemicamente sensíveis55 A proibição de aceleração de vencimento é de grande relevância ante o fato de o legislador brasileiro ter subordinado a suspensão de ações e execuções a um provimento jurisdicional do juízo recuperacional Vale dizer há entre o momento do ajuizamento da recuperação judicial e a decisão do juízo recuperacional de deferimento do processamento da recuperação judicial um lapso temporal em que contratantes podem invocar a aceleração de intimado se negar a reforçálas Parágrafo único Nos casos deste artigo se houver no débito solidariedade passiva não se reputará vencido quanto aos outros devedores solventes 55 Sobre o tema ver a excelente dissertação de MOURÃO Ricardo Genis Vencimento antecipado e compensação de contratos derivativos na recuperação judicial o tratamento dos derivativos de balcão na Lei de Recuperação e Falências FGV Direito SP Fundação Getulio Vargas São Paulo 2021 Disponível em httpsbibliotecadigitalfgvbrdspacehandle1043830988 Cássio Cavalli 43 vencimento para exercer justiça de mão própria com excussão extrajudicial de garantias por exemplo ou acelerar excussão judicial antes que o juízo recuperacional determine a suspensão das ações e execuções quando do deferimento do processamento da recuperação judicial art 6º caput cc art 52 III56 ambos da LRF Para evitar que o ajuizamento da recuperação judicial atuasse como um sinal de largada para a corrida entre credores desenvolveuse na prática jurisdicional a possibilidade de o juízo da recuperação judicial antecipar os efeitos da tutela recuperacional antes de deferir o processamento Essa prática foi cristalizada pela Lei 141122020 que incluiu no 12 do art 6º da LRF de seguinte redação 12 Observado o disposto no art 300 da Lei nº 13105 de 16 de março de 2015 Código de Processo Civil o juiz poderá antecipar total ou parcialmente os efeitos do deferimento do processamento da recuperação judicial Esta antecipação de tutela pode incluir tanto a proibição de aceleração de obrigações quanto a resolução de contratos que sejam fundadas na cláusula ipso facto A heurística descrita acima já permite concluir que a cláusula ipso facto é contrária ao ordenamento jurídico e por isso inexoravelmente nula Afinal a resolução unilateral de contratos com base na cláusula ipso facto é uma forma de saída individual que destrói o valor dos ativos e coloca em risco a recuperação da empresa em crise em detrimento da coletividade de credores acionistas e interessados Por isso normas de ordem pública tornam a matéria indisponível pela vontade das partes 56 Lêse no art 52 III da LRF que ao deferir o processamento da recuperação o juiz ordenará a suspensão de todas as ações ou execuções contra o devedor na forma do art 6º desta Lei 44 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso A importância dos contratos para a organização da empresa é fato inconteste A empresa afinal é uma conexão de contratos57 que reúne em um empreendimento cooperativo empregados acionistas fornecedores financiadores consumidores etc58 Há portanto uma inequívoca relação entre contrato e empresa59 que é percebida tanto pelo direito concursal quanto pelo direito 57 MECKLING William H JENSEN Michael C Theory of the firm managerial behavior agency costs and ownership structure In JENSEN Michael C Org A theory of the firm Cambridge Harvard University Press 2003 p 83135 e CAVALLI Cássio Empresa direito e economia Rio de Janeiro Forense 2013 p 260 e ss 58 TRIANTIS George Termination Rights in Bankruptcy The Story of Stephen Perlman v Catapult Entertainment Inc In RASMUSSEN Robert K Org Bankruptcy Law Stories New York Foundation Press 2007 p 5576 p 55 A firm is the nexus through which shareholders creditors employees suppliers and customers pursue a venture by interdependent and bilateral contracts The interdependence is most significant under the financial condition or prospect of insolvency when the various obligations of the firm outweigh and compete for the value of its assets In this state a firm cannot satisfy all its debt in full and the payment to one creditor reduces the funds available to pay other creditors Creditors race to enforce their debt Contracting partners are reluctant to perform their obligations for fear that they will spend real dollars in performing and recover only a fraction of their cost from the insolvent firm These parties have concerns that insolvency undermines the incentives of the firm which further reduces the value of the firms contract performance In particular contracting relationships often rely on extralegal forces such as the prospect of repeat dealing and reputational effects to discipline actions either when contracts cannot define performance obligations or courts cannot verify whether the promisor has met those obligations These constraints weaken when a firm is insolvent and the possibility of dissolution rises 59 ROPPO Enzo O Contrato Coimbra Almedina 1988 p 66 Cássio Cavalli 45 contratual Nesse feixe de contratos alguns podem ser considerados estratégicos e nesta medida constituem o elemento patrimonial mais valioso e necessário ao desenvolvimento da atividade empresarial60 A existência de um contrato relevante assegura a terceiros que a empresa terá um fluxo de caixa capaz de honrar os contratos com financiadores fornecedores empregados etc Nesse contexto contratos podem assumir um papel fundamental na própria organização e financiamento da empresa Por isso a resolução de um desses contratos relevantes pode frustrar não apenas os interesses da própria empresa devedora mas a comunidade de interesses que com ela contratou considerandoo elemento substancial do patrimônio da devedora61 O papel instrumental dos contratos para a atividade da empresa destacado por Enzo Roppo62 levou a uma série de 60 KIRSCHBAUM Deborah Cláusula resolutiva expressa por insolvência nos contratos empresariais uma análise econômicojurídica Revista DireitoGV 2 1 p 3754 2006 p 40 61 KIRSCHBAUM Deborah Cláusula resolutiva expressa por insolvência nos contratos empresariais uma análise econômicojurídica Revista DireitoGV 2 1 p 3754 2006 p 40 62 ROPPO Enzo O Contrato Coimbra Almedina 1988 p 6667 afirmando que As considerações precedentes ajudam a perceber como se configuram hoje as relações entre contrato e empresa Numa economia predominantemente agrícola baseada na riqueza imobiliária e em muitos aspectos ainda estática e patriarcal viuse como era a propriedade o instrumento principal da gestão dos recursos O desenvolvimento económico o consequente processo de mobilização e desmaterialização da riqueza deslocam ao invés a tônica do perfil estático do gozo e da utilização imediata quase física dos bens 46 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso transformações no direito dos contratos Para os contratos relevantes ou estratégicos o art 473 parágrafo único do Código Civil limita a possibilidade de resilição unilateral do contrato nos casos em que dada a natureza do contrato uma das partes houver feito investimentos consideráveis para a sua execução a denúncia unilateral só produzirá efeito depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos Ou seja uma vez entendido o vínculo obrigacional como um processo representado justamente pela propriedade para o perfil dinâmico da actividade de organização dos factores produtivos a empregar em operações de produção e de troca no mercado Esta relevância do momento dinâmico da actividade concreta relativamente a uma posição abstracta de domínio sobre bens encontra correspondência no papel central assumido hoje no interior do sistema normativo pelo conceito jurídico de empresa que por definição do legislador coincide justamente com o exercício profissional de uma actividade econômica organizada com vista à produção ou à troca de bens ou de serviços art 2082º cód civ Compreendese neste sentido a corrente afirmação de que no presente o processo económico é determinado e impulsionado pela empresa e já não pela propriedade A crescente importância económica do instrumento contratual assinalada no número precedente e o emergir do papel fundamental da empresa a que acaba de se fazer referência reconduzemse assim a um mesmo fenómeno de desenvolvimento e transformação do sistema produtivo e constituem processos que avançam em paralelo Se o contrato adquire relevância cada vez maior com o progressivo afirmarse do primado da iniciativa da empresa relativamente ao exercício do direito de propriedade é também porque este constitui um instrumento indispensável ao desenvolvimento profícuo e eficaz de toda a actividade económica organizada Poderia assim dizerse para resumir numa fórmula simplificante a evolução do papel do contrato que de mecanismo funcional e instrumental da propriedade ele se tornou mecanismo funcional e instrumental da empresa Cássio Cavalli 47 voltado ao adimplemento63 as partes devem cooperar de modo que o ordenamento jurídico limita a faculdade de um dos contratantes resolver unilateralmente o contrato se a resolução for causar prejuízos à sua contraparte que não poderá honrar os demais contratos em que investiu À luz do disposto no art 473 parágrafo único do Código Civil fica evidente a nulidade da cláusula ipso facto pois ela apenas autoriza uma resolução unilateral ainda que venha a causar prejuízo à empresa contratante e à rede formada pela coletividade de contratantes 6 Nulidade da cláusula ipso facto na falência A falência lêse no art 75 da LRF visa a preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens ativos e recursos produtivos inclusive os intangíveis da empresa Esta norma aplicável ao processo falimentar corresponde à norma contida no art 47 da LRF que versa sobre a preservação da empresa na recuperação judicial64 A manutenção dos contratos do falido pode desempenhar um relevante papel para maximizar o ativo ou reduzir o passivo da 63 Por todos ver COUTO E SILVA Clóvis V do A obrigação como processo Rio de Janeiro Editora FGV 2006 passim 64 A doutrina sublinha inclusive a possibilidade de preservação da empresa na falência Assim ver PUGLIESI Adriana Valéria A falência e a preservação da empresa compatibilidade Faculdade de Direito Universidade de São Paulo Doutorado em Direito São Paulo 2012 p 276 afirmando que uma das funções do direito concursal moderno é assegurar que em um processo concursal possa ser preservado o going concern value A preservação do negócio na falência não só é compatível mas desejável sempre que esta medida possa resultar na maximização da satisfação dos credores e na melhor alocação dos ativos preservando sua organização 48 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso massa falida Por isso o art 117 da LRF impede a resolução de contratos pelo mero fato da falência Lêse no referido dispositivo Art 117 Os contratos bilaterais não se resolvem pela falência e podem ser cumpridos pelo administrador judicial se o cumprimento reduzir ou evitar o aumento do passivo da massa falida ou for necessário à manutenção e preservação de seus ativos mediante autorização do Comitê 1º O contratante pode interpelar o administrador judicial no prazo de até 90 noventa dias contado da assinatura do termo de sua nomeação para que dentro de 10 dez dias declare se cumpre ou não o contrato 2º A declaração negativa ou o silêncio do administrador judicial confere ao contraente o direito à indenização cujo valor apurado em processo ordinário constituirá crédito quirografário A norma do art 117 da LRF não é nova pois praticamente reproduz o quanto já dispunha o art 4365 da antiga Lei de Falências Decretolei 76611945 Referida norma reconhece a importância da manutenção dos contratos para a preservação de valor da massa falida em benefício da coletividade de credores e interessados pois conforme anota a jurista Adriana Pugliesi 65 Liase nesse dispositivo que Art 43 Os contratos bilaterais não se resolvem pela falência e podem ser executados pelo síndico se achar de conveniência para a massa Parágrafo único O contraente pode interpelar o síndico para que dentro de cinco dias declare se cumpre ou não o contrato A declaração negativa ou o silêncio do síndico findo êsse prazo dá ao contraente o direito à indenização cujo valor apurado em processo ordinário constituirá crédito quirografário Cássio Cavalli 49 preserva i os negócios jurídicos para os quais o administrador decide dar continuidade mantendo o vínculo contratual celebrado pelo devedor antes da falência ii os negócios jurídicos celebrados no interesse da massa falida como é o exemplo do arrendamento dos bens e iii os vínculos contratuais que poderão ser transferidos ao eventual adquirente do estabelecimento na realização do ativo levada a efeito no processo falimentar66 O art 117 da LRF faz referência a contratos bilaterais que são contratos em execução executory contracts conforme a expressão norteamericana ou negócios em curso conforme a expressão adotada pelos portugueses Assim no direito falimentar a categoria dos contratos bilaterais remete aos contratos em que ambas as partes ainda estão por realizar suas prestações67 Referida norma estabelece que os contratos 66 PUGLIESI Adriana Valéria A falência e a preservação da empresa compatibilidade Faculdade de Direito Universidade de São Paulo Doutorado em Direito São Paulo 2012 p 170 67 PERIN JUNIOR Ecio Curso de Direito Falimentar e Recuperação de Empresas 4 ed São Paulo Saraiva 2011 p 328 Para os efeitos da falência o contrato é unilateral ou bilateral dependendo da situação em que se encontra à época da declaração da falência quanto ao cumprimento das obrigações contratuais Se à época da declaração da falência em determinado contrato originariamente bilateral apenas resta o cumprimento de uma obrigação por já ter uma das partes contratantes cumprido a sua o contrato é unilateral na medida em que existe apenas uma obrigação a ser cumprida Caso nenhuma das partes contratantes no referido momento tenha cumprido as obrigações contratualmente assumidas tratandose de contrato cujo cumprimento das obrigações é diferido ou tratandose de contrato em que as obrigações são continuamente cumpridas ao longo do tempo como nos contratos de 50 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso bilaterais não se resolvem pela falência Pelo contrário em caso de decretação de falência do contratante os contratos bilaterais continuam salvo68 Isto é salvo o administrador judicial antigo síndico declare que não pretende cumprir o contrato por não ser vantajoso para a massa falida Assim conforme observou Trajano de Miranda Valverde esse direito de escolha paralisa o direito que antes tinha o contraente in bonis de exigir o cumprimento do contrato69 A norma do art 117 da LRF é de natureza cogente pois tutela interesse público razão pela qual não é lícito às partes contratantes disporem ser a decretação da falência causa de resolução dos contratos70 É o quanto ensina Ricardo Tepedino fornecimento por existirem duas obrigações a serem cumpridas pelas duas partes contratantes o contrato é considerado bilateral 68 PONTES DE MIRANDA Francisco Cavalcanti Tratado de Direito Privado t XXVIII São Paulo Revista dos Tribunais 2012 p 369 afirmando que o princípio enunciado em têrmos de negação verbis não se resolvem pela falência em verdade é positivo os contratos bilaterais continuam salvo É preciso que haja manifestação de vontade do síndico mesmo pelo silêncio para que a resolução se dê Com a decretação da abertura da falência os contratos bilaterais do falido persistem expostos à resolução enquanto a pode preferir o síndico Devido à dúvida que pode ser perniciosa para o outro contraente deulhe a lei a interpelação 69 VALVERDE Trajano de Miranda Comentários à Lei de Falências v I 2 ed Rio de Janeiro Forense 1955 p 293 70 SACRAMONE Marcelo Barbosa Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência São Paulo Saraiva 2018 p 416 Essa opção atribuída ao administrador judicial pelo legislador revela efetivo poder dever Ao administrador judicial compete tutelar o interesse social de preservação da coletividade de credores cuja maximização do valor dos ativos liquidados permitirá sua maior satisfação em razão do rateio art 75 Cássio Cavalli 51 para quem as normas de uma lei falimentar não são por natureza dispositivas porque visam à proteção de interesses coletivos inclusive de natureza social Assim a regra do art 117 me parece imperativa do que deflui a nulidade da cláusula ipso facto examinada71 Como o art 117 da LRF outorga ao administrador judicial a faculdade de escolha eventual cláusula ipso facto será nula Conforme anotou Pontes de Miranda A cláusula de resolução ou a de resilição por fato que não seja a falência ou insolvência da Lei n 111012005 A norma nesses termos mais do que disciplinar a relação jurídica na ausência de manifestação anterior da autonomia de vontade das partes contratantes como ocorreria se fosse uma norma dispositiva protege o interesse comum da coletividade de credores da Massa Falida e da própria efetividade do procedimento falimentar como um modo de se preservar a empresa e de se garantir o desenvolvimento econômico nacional Ao tutelar o interesse público nesse ponto a norma falimentar possui natureza tipicamente cogente e consiste na intervenção do Estado no domínio privado regulandoo O interesse privado das partes contratantes e sua autonomia de vontade não poderiam ser exercidos em contrariedade à disciplina legal e aos interesses públicos que se pretende assegurar No caso de a condição resolutiva ser a decretação da falência a cláusula impediria a maximização dos ativos a serem liquidados para pagamento dos credores ou poderia provocar a majoração do passivo Ambas as consequências ocorreriam em detrimento da coletividade interessada A cláusula resolutiva dessa forma violaria norma cogente e deve ser considerada juridicamente impossível Como condição impossível a cláusula de resolução em razão da falência deve ser considerada inexistente e o negócio jurídico a ela subordinado permanecerá eficaz independentemente da decretação da falência 71 TEPEDINO Ricardo Comentários aos arts 105 a 138 In TOLEDO Paulo F C Salles de et al Org Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência São Paulo Saraiva 2009 p 335429 p 362 52 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso civil vale não porém a cláusula de se resolver o contrato em caso de falência ou de concurso de credores porque com ela se iria contra regras jurídicas cogentes que se conceberam a favor dos credores do falido ou do insolvente Só a lei pode aí criar trato excepcional que seria privilégio Aliás quanto à ratio legis do art 43 alínea 1ª do Decretolei n 7661 podese apontar a o fato de ser o inadimplemento em caso de falência ou de concurso de credores de eficácia geral e não só relativa ao credor b o ser voluntário o inadimplemento e ser o estado voluntário ou não de insolvência o que determina a falência ou o concurso de credores Mas em verdade à falência ou ao concurso de credores devem ir todos os credores e não só os credores figurantes de contratos bilaterais razão bastante para se submeterem ao regime comum os créditos que derivam de contratos bilaterais72 Com base nessa norma a jurisprudência reconheceu que compete ao administrador judicial antigo síndico decidir73 se cumpre ou resolve74 o contrato Logo nula porém seria a 72 PONTES DE MIRANDA Francisco Cavalcanti Tratado de Direito Privado t 25 São Paulo Revista dos Tribunais 2012 p 444445 73 Ver STJ AgRg no REsp 783032 4ª Turma j 02082012 vu rel Min Maria Isabel Galotti Cuidandose de contrato bilateral necessária a prévia interpelação do síndico para dizer quanto ao seu cumprimento pela massa no prazo da lei sem o que não há interesse para o pedido de restituição do bem alienado fiduciariamente nos termos do artigo 43 parágrafo único da Lei 766145 74 Assim ver STJ REsp 1260409 3ª Turma j 09082011 vu rel Min Nancy Adrighi decidindo que É possível ao síndico independentemente de ação própria rescindir os contratos bilaterais diferindose a apuração de danos para eventual ação a ser proposta pelo prejudicado caso entenda necessário Cássio Cavalli 53 cláusula que dispusesse não poder o síndico rescindir o contrato no caso de falência de qualquer das partes75 Caso o administrador judicial opte por resolver o contrato as perdas e danos devidas ao contratante serão habilitadas como crédito quirografário Ademais a regra do art 117 da LRF não se confunde com a possibilidade de a massa falida resolver o contrato por inadimplemento do contratante76 Neste caso pode ocorrer de o contratante dever indenizar a massa falida pelos danos decorrentes do inadimplemento Entretanto o administrador judicial pode optar por cumprir o contrato Neste caso a massa falida assume o contrato77 passando a ocupar no contrato a posição jurídica antes ocupada pelo falido78 Neste caso deve a massa falida purgar a mora 75 VALVERDE Trajano de Miranda Comentários à Lei de Falências v I 2 ed Rio de Janeiro Forense 1955 p 295 Seguindo essa orientação ver SCALZILLI João Pedro SPINELLI Luís Felipe SILVA Rodrigo Tellechea Recuperação de Empresas e Falência Teoria e prática na Lei 111012005 2ed São Paulo Almedina 2017 p 638 afirmando que deve ser tida como nula a cláusula que na linguagem da LREF obrigue o administrador judicial a manter a vigência de determinado contrato após a quebra sem dar margem para que avalie se o cumprimento vai reduzir ou evitar o aumento do passivo da massa falida ou ainda manter e preservar seus ativos 76 TJMG AI 10223970088728009 2ª Câmara Cível j 05022013 vu rel Des Brandão Teixeira decidindo que a massa falida pode resilir contrato sob o fundamento de inadimplemento 77 PONTES DE MIRANDA Francisco Cavalcanti Tratado de Direito Privado t XXVIII São Paulo Revista dos Tribunais 2012 p 371 Se o síndico faz continuar o contrato a massa falida toma seu o contrato em vez de transformar o conteúdo do contrato bilateral 78 TOLEDO Paulo Fernando Campos Salles Da personificação da massa falida Revista de Direito Mercantil n 78 ano XXIX nova série abril 54 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso quanto às prestações anteriores à quebra conforme observam Pontes de Miranda79 Trajano de Miranda Valverde80 e Ricardo Tepedino81 As prestações posteriores à quebra deverão ser cumpridas regularmente Conforme anota Trajano de Miranda junho1990 pp 4950 apud PUGLIESI Adriana Valéria A falência e a preservação da empresa compatibilidade Faculdade de Direito Universidade de São Paulo Doutorado em Direito São Paulo 2012 p 170 Paulo Fernando Campos Salles de Toledo indaga se Poderia a massa falida ser igualmente considerada sujeito de direitos e obrigações Pontua após inúmeras referências dentre as quais a mais significativa é o exemplo dos contratos bilaterais que não se resolvem com o decreto da quebra e a partir do momento em que o síndico decide dar continuidade à execução do contrato não se desprende este de um de seus antigos sujeitos passando a figurar na posição por ele antes ocupada a massa falida 79 PONTES DE MIRANDA Francisco Cavalcanti Tratado de Direito Privado t XXVIII São Paulo Revista dos Tribunais 2012 p 369 Se o síndico faz continuar o contrato bilateral mas há inadimplemento ou adimplemento ruim pode êle purgar a mora como o poderia o devedor se não estivesse falido 80 VALVERDE Trajano de Miranda Comentários à Lei de Falências v I 2 ed Rio de Janeiro Forense 1955 p 299 Se o devedor antes de lhe ser aberta a falência estava em mora poderá o síndico consoante a regra geral se quiser cumprir o contrato purgar a mora Se a outra parte é que estava em mora pode o síndico optando pela resolução do contrato pedir as perdas e danos 81 TEPEDINO Ricardo Comentários aos arts 105 a 138 In TOLEDO et al Org Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência São Paulo Saraiva 2009 p 335429 p 363 afirmando que Daí se conclui que a massa não poderá exigir que o contraente in bonis continue a cumprir sua parte enquanto ela só se dispõe a satisfazer as suas parcialmente relegando para o rateio falimentar as que se venceram antes da quebra Se se quiser a continuidade do contrato seu adimplemento deverá ser completo Cássio Cavalli 55 Valverde Se no dia da declaração da falência já havia uma das partes por força do contrato de execução sucessiva feito prestações parciais inerentes a sua obrigação resolvendo o síndico executar o contrato fica a parte obrigada a prestar o restante com o direito de exigir do outro contraente a prestação integral Pois deve considerarse o contrato como unidade jurídica e não fracionado em uma pluralidade de contratos por si mesmos existentes É o que ocorre comumente nos contratos de fornecimento parcelados de uma determinada quantidade de coisas ou de mercadorias a entregar em determinados prazos se as partes deram ao contrato a necessária unidade jurídica Se o síndico resolve manter o contrato o crédito do fornecedor mesmo naquela parte correspondente às prestações feitas anteriormente à falência é um crédito contra a massa falida82 Os contratos mantidos pela massa falida poderão inclusive ser alienados conjuntamente com ativos de modo a maximizar o valor obtido pela massa conforme dispõe o art 140 3º da LRF no qual se lê 3º A alienação da empresa terá por objeto o conjunto de determinados bens necessários à operação rentável da unidade de produção que poderá compreender a transferência de contratos específicos Se a relevância dos contratos para otimizar o valor da empresa em benefício dos credores fornece fundamento para fulminarse com nulidade a cláusula ipso facto na falência maior força terá este fundamento para o processo de recuperação judicial cujo objetivo é preservar a empresa 82 VALVERDE Trajano de Miranda Comentários à Lei de Falências v I 2 ed Rio de Janeiro Forense 1955 p 296 56 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso 7 O princípio da irrelevância da recuperação judicial para os contratos em curso O processo de recuperação judicial orientado pelo princípio da preservação da empresa contido no art 47 da LRF reconhece a relevância instrumental dos contratos para a organização e reorganização da empresa Com efeito para promover a preservação da empresa a LRF afirma a irrelevância do fato do ajuizamento de recuperação judicial para os contratos em curso ao dispor em seu art 49 2º que as obrigações anteriores à recuperação judicial observarão as condições originalmente contratadas ou definidas em lei inclusive no que diz respeito aos encargos salvo se de modo diverso ficar estabelecido no plano de recuperação judicial Este dispositivo além de afastar a aceleração de vencimento de obrigações também estatui que o fato do pedido de recuperação judicial não altera as relações contratuais da recuperanda A irrelevância do ajuizamento da recuperação judicial para os contratos também se projeta para o futuro pois o art 52 II da LRF dispensa a recuperanda de apresentar certidões inclusive do distribuidor do foro para exercer sua atividade e contratar Com base nesta norma a jurisprudência tem inclusive afastado a exigência de apresentação de certidão negativa do distribuidor contida no art 31 II da Lei 86661993 para permitir que empresa em recuperação participe de licitação e contrate com o poder público83 Se a empresa em recuperação pode celebrar contratos por 83 Assim ver STJ MC 23499 para concessão de efeito suspensivo ao REsp 1471315 decisão monocrática j 10112015 rel Min Mauro Campbell Marques Cássio Cavalli 57 conseguinte o mero fato de pedir recuperação judicial não pode constituir causa para a resolução de contratos préexistentes 8 A nulidade da cláusula ipso facto na recuperação judicial Além de não figurar entre as causas legais de resolução contratual o mero fato do ajuizamento de recuperação judicial não pode ser pactuado como cláusula resolutiva expressa O ordenamento jurídico retira do âmbito da autonomia privada o poder de contratar cláusulas ipso facto uma vez que estas tratam de um certo tipo de direito contratual que o direito concursal pode ignorar justificadamente porque elas podem ser destrutivas para o bemestar coletivo no procedimento concursal84 Com efeito o direito recuperacional interfere na disciplina contratual na medida do que for necessário para promover o objetivo de preservar a empresa85 Vale dizer não tem curso o argumento de uma irrestrita liberdade de contratar para chancelar a cláusula 84 JACKSON Thomas H The logic and limits of bankruptcy law Washington DC Beard Books 1986 reimpressão de 2001 p 43 tradução livre de ipso facto clauses in other words may reflect the type of rights that bankruptcy law is justified in ignoring because they may be destructive of the collective weal in bankruptcy 85 TRIANTIS George Termination Rights in Bankruptcy The Story of Stephen Perlman v Catapult Entertainment Inc In RASMUSSEN Org Bankruptcy Law Stories New York Foundation Press 2007 p 5576 p 56 One of bankruptcy laws governing principles is that bankruptcy should not interfere with contract rights beyond what is necessary to promote a bankruptcy policy such as preserving going concern value After all modifications to the rights of contract partners threaten to undermine the efficiency of their bilateral arrangement with the firm Accordingly the automatic stay and the debtors right to assume are subject to important limits 58 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso ipso facto Conforme ensina Marcelo Sacramone Em decorrência da recuperação judicial o regime jurídico ao qual são submetidas as diversas relações jurídicas celebradas pelo empresário devedor alteramse de um regime exclusivamente privado e individual dos contratantes para um regime peculiar Nesse novo regime as diversas relações jurídicas são apreciadas não apenas quanto aos interesses individuais de cada um dos contratantes mas também em função dos interesses dos diversos envolvidos com a manutenção do desenvolvimento daquela atividade pelo empresário86 Nos casos de recuperação judicial a interdependência das relações contratuais para a preservação da empresa ganha contornos mais nítidos87 pois as decisões dos credores acerca do plano de recuperação judicial envolvem a análise dos contratos da recuperanda determinantes que são para a capacidade de a empresa gerar um fluxo de caixa e se recuperar Nesse sentido a decisão dos credores pela aprovação de um plano de recuperação judicial é uma verdadeira decisão de celebrar um contrato de investimento Conforme ensina Charles Tabb um plano de recuperação é uma combinação de 1 um contrato entre o devedor credores e acionistas e 2 um investimento na empresa devedora reorganizada pelos credores e acionistas É um contrato no sentido que um plano normalmente é consentido por todas as 86 SACRAMONE Marcelo Barbosa Cláusula de vencimento antecipado na recuperação judicial Revista do Advogado AASP XXXVI 131 p 133139 2016 p 137 87 TRIANTIS George Termination Rights in Bankruptcy The Story of Stephen Perlman v Catapult Entertainment Inc In RASMUSSEN Robert K Org Bankruptcy Law Stories New York Foundation Press 2007 p 5576 p 55 Cássio Cavalli 59 classes de credores e acionistas que concordam em liberar suas pretensões ou participações societárias anteriores em troca de um tratamento oferecido pelo plano e os acordos semelhantes de outras classes Um plano é um investimento no sentido de que esses credores e acionistas decidem investir na empresa reorganizada ou seu sucessor por meio da negociação de suas pretensões ou participações societárias préconcursais por pretensões ou participações societárias oferecidas pelo plano após receberem as informações adequadas sobre o plano88 A decisão de investimento a que se refere Charles Tabb leva em consideração a manutenção ou não de contratos relevantes para a geração de caixa da empresa Assim por exemplo a resolução de contrato estratégico por privar a empresa de um fluxo de caixa futuro é determinante para que i eventuais financiadores se abstenham de aportar recursos necessários à recuperação e ademais ii os credores sujeitos à recuperação tenderão a não querer investir no plano de recuperação A resolução de um contrato relevante portanto é capaz de levar uma empresa à 88 TABB Charles J The law of bankruptcy 4ed St Paul West Academic Publishing 2013 p 1084 tradução livre de a plan of reorganization is a combination of 1 a contract between the debtor creditors and equity and 2 an investment in the reorganized debtor by creditors and equity holders It is a contract in the sense that a plan normally is assented to by all classes of creditors and interest holders who agree to relinquish their prior claim or interest in exchange for the treatment offered by the plan and the like agreement of other classes A plan is an investment in the sense that those creditors and interest holders decide to invest in the reorganized debtor or its successor by trading their prebankruptcy claims or interests for claims or interests offered by the plan after receiving adequate disclosure about the plan 60 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso falência com substancial destruição de valor O direito concursal não pode coonestar a destruição infundada de valor e bemestar da coletividade de credores acionistas e contratantes Assim consoante decidiu a 5ª Câmara Cível do TJRS A recuperação judicial tem o intuito de propiciar ao devedor a superação de dificuldades econômicofinanceiras visando à preservação da empresa e evitando os negativos reflexos sociais e econômicos que o encerramento das atividades empresariais poderia causar Princípio da preservação da empresa Inteligência do art 47 da Lei nº 111012005 Dessa forma com vistas à preservação das empresas e à viabilidade da recuperação judicial deve ser suspensa por ora a cláusula que possibilita a rescisão do contrato firmado com a Petrobrás Distribuidora SA para a hipótese do pedido de recuperação judicial diante da especialidade e da existência de garantia hipotecária no contrato entabulado89 Ou seja conforme consignou o Des Elliot Akel em aresto de sua relatoria Eventual previsão contratual no sentido de que o contrato considerase automaticamente rescindido apenas em face do requerimento ou deferimento do processamento da recuperação judicial não pode se sobrepor ao espírito da lei a não ser que a própria norma legal excepcione hipótese em contrário o que não é o caso Daí porque correta relativamente a tal negócio a ordem para que o agravante se abstenha de declarar ou considerar antecipadamente vencidas as dívidas e rescindido contrato bilateral de execução continuada ou trato sucessivo90 89 TJRS AI 70064348923 5ª Câmara Cível j 16122015 vu rel Des Jorge André Pereira Gailhard 90 TJSP AI 90386574320098260000 Câmara Especial de Falências e Recuperações Judiciais j 18082009 vu rel Des Elliot Akel sem grifo Cássio Cavalli 61 As normas de direito concursal tisnam a cláusula ipso facto com a pecha da nulidade São várias as razões que fundamentam a nulidade Em primeiro lugar a cláusula ipso facto priva a recuperanda e a coletividade de credores acionistas e contratantes de contratos que por possuírem um valor positivo são relevantes ou estratégicos para a recuperanda e para a sua reestruturação91 Em segundo lugar a cláusula ipso facto permite à parte contratante liberarse imotivadamente do vínculo contratual sem indenizar os danos daí decorrentes92 Ora consoante a expressiva dicção de Deborah Kirschbaum aquele que pretende resolver um contrato sem que sua contraparte tenha dado causa à resolução deve ressarcila adequadamente pelas perdas e danos causados Esse ressarcimento funciona como a contrapartida pela transferência de riqueza A ipso facto não apenas libera o contratante mas também lhe confere o direito de causar dano sem ter de pagar por isso93 Em terceiro lugar pela cláusula ipso facto as partes contratantes dispõem sobre interesse alheio pois quem sofre as no original 91 KIRSCHBAUM Deborah Cláusula resolutiva expressa por insolvência nos contratos empresariais uma análise econômicojurídica Revista DireitoGV 2 1 p 3754 2006 p 50 92 KIRSCHBAUM Deborah Cláusula resolutiva expressa por insolvência nos contratos empresariais uma análise econômicojurídica Revista DireitoGV 2 1 p 3754 2006 p 41 93 KIRSCHBAUM Deborah Cláusula resolutiva expressa por insolvência nos contratos empresariais uma análise econômicojurídica Revista DireitoGV 2 1 p 3754 2006 p 41 62 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso consequências da cláusula ipso facto são os demais credores acionistas e contratantes Por isso a empresa contratante não tem incentivos para negociar a supressão da cláusula ipso facto uma vez que quem sofrerá as eventuais consequências da eventual resolução do contrato são terceiros que não se encontram em posição de negociar a supressão da cláusula É por isso aliás as cláusulas ipso facto são frequentes na prática contratual94 Também por isso a cláusula ipso facto é ilegítima95 pois não se deve reconhecer cláusulas negociadas pelo devedor cujo impacto será sentido quase exclusivamente pelos outros credores96 Vale dizer a cláusula ipso facto é fonte de 94 Referindo a frequência da cláusula ver VALVERDE Trajano de Miranda Comentários à Lei de Falências v I 2 ed Rio de Janeiro Forense 1955 p 294 É comum entretanto as partes pactuarem a rescisão do contrato no caso de falência de um dos contraentes A cláusula encontrase geralmente nos contratos de execução continuada como no de locação de coisas KIRSCHBAUM Deborah Cláusula resolutiva expressa por insolvência nos contratos empresariais uma análise econômicojurídica Revista DireitoGV 2 1 p 3754 2006 p 37 95 KIRSCHBAUM Deborah Cláusula resolutiva expressa por insolvência nos contratos empresariais uma análise econômicojurídica Revista DireitoGV 2 1 p 3754 2006 p 48 afirmando que a cláusula ipso facto é ilegítima por privar à massa ou à empresa sob recuperação o direito de beneficiarse de valor positivo de um determinado direito contratual de um lado essa privação acaba sendo suportada pelos demais credores que contratam com base num determinado patrimônio não participando da contratação que prevê a ipso facto mas sofrem a perda de valor de tal patrimônio pela subtração de elemento que deveria integrálo de outro a cláusula substancialmente equivale a um mecanismo de isolamento privado ou blindagem contra os efeitos da insolvência da contraparte 96 JACKSON Thomas H The logic and limits of bankruptcy law Cássio Cavalli 63 externalidades negativas pois conforme observa Marcelo Sacramone ainda que convencionada para reduzir o risco de inadimplemento da prestação a cláusula agrava a crise econômicofinanceira do devedor e beneficia um único contratante em detrimento dos interesses de todos os demais envolvidos na manutenção da atividade econômica como o interesse dos trabalhadores dos consumidores dos demais fornecedores e da coletividade como um todo beneficiada com a produção e circulação de bens ou serviços97 Ademais a cláusula ipso facto é abusiva e disfuncional pois apenas atua como uma cláusula in terrorem98 para impedir que o contratante peça recuperação judicial ainda que necessite Ou seja a única função da cláusula ipso facto seria dissuadir a empresa de buscar rapidamente sua recuperação Conforme observou o Eros Roberto Grau ao tempo da concordata admitir a validade da cláusula equivaleria a conferir validade ao enunciado de regra em virtude da qual o paciente se obrigasse a Washington DC Beard Books 1986 reimpressão de 2001 p 4243 tradução livre de parte de trecho The group that is likely to bear the costs of this clause in bankruptcy accordingly is not the debtor or its shareholders but the other creditors Thus the debtor may have no particular incentive in negotiating loans to exclude such clauses and other creditors may have no effective way of forcing the debtor to exclude them It may be preferable therefore to refuse to recognize clauses negotiated by the debtor whose impact will be felt almost exclusively by other creditors 97 SACRAMONE Marcelo Barbosa Cláusula de vencimento antecipado na recuperação judicial Revista do Advogado AASP XXXVI 131 p 133139 2016 p 139 98 JACKSON Thomas H The logic and limits of bankruptcy law Washington DC Beard Books 1986 reimpressão de 2001 p 42 64 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso não ingerir a droga apropriada para o combate a determinada moléstia caso a contraísse99 A disciplina recuperacional acerca dos negócios em curso é idêntica à da falência com uma única exceção na falência o administrador judicial escolha se a massa cumprirá ou resolverá os contratos art 117 da LRF na recuperação judicial os contratos são mantidos art 49 2º da LRF e não há norma expressa a permitir que a recuperanda escolha se cumprirá ou não os contratos mas a interpretação sistemática impõe que se reconheça o direito da recuperanda de rejeitar contratos bilaterais que tenham valor negativo para seus projetos Na recuperação judicial o ordenamento jurídico interfere no direito contratual e impede a resolução de contratos pelo mero fato do pedido de recuperação O contrato prossegue normalmente e afastada a cláusula ipso facto a disciplina contratual não é afetado pelo direito concursal As prestações devidas após o pedido de recuperação deverão ser adimplidas normalmente enquanto créditos extraconcursais100 Assim conforme decidiu o TJRJ não se deve admitir a rescisão contratual pela agravante quando esta tiver como causa única o ajuizamento da recuperação judicial uma vez que a cláusula 99 GRAU Eros Roberto Concordata garantia por fiança e vencimento antecipado das obrigações Revista dos Tribunais São Paulo v 622 1987 p 1622 p 21 100 TJSP AI 21126148920158260000 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial j 29072015 vu rel Des Pereira Calças Aluguéis e encargos relativos a período posterior ao pedido de recuperação judicial Estão sujeitos à recuperação judicial apenas os aluguéis vencidos na data do pedido Art 49 da Lei nº 1110105 Cássio Cavalli 65 contratual que prevê tal possibilidade coloca a recorrida em posição de extrema desvantagem rompe com a presunção de igualdade contratual característica dos contratos empresariais e ainda pode frustrar a salvação da empresa agravada Admite se porém a rescisão dos contratos pela agravante quando fundada nas demais hipóteses previstas nas cláusulas contratuais constantes dos respectivos instrumentos contratuais vale dizer quando houver inadimplemento das obrigações assumidas pela agravada101 Esta distinção é relevante não apenas para identificar a disciplina do contrato durante a recuperação judicial mas também para determinar qual juízo é competente para conhecer e julgar quais disputas relacionadas ao contrato e à recuperação judicial 9 A arbitrabilidade de disputas relativas à cláusula ipso facto A recuperação judicial ou falência não afetam negativamente i a arbitrabilidade subjetiva por limitações na capacidade de 101 TJRJ AI 00024372420148190000 5ª Câmara Cível j 25022014 vu rel Des Heleno Ribeiro P Nunes 66 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso contratar102103 ii a discussão sobre a autonomia da cláusula compromissória em relação ao contrato em que tiver inserta nem iii as discussões sobre a arbitrabilidade objetiva das questões patrimoniais disputadas em ações incidentais à recuperação judicial e à falência como as habilitações retardatárias e as impugnações que versam sobre a existência importância e classificação de créditos art 8º da LRF Com efeito apesar de ser inequívoco que empresas em recuperação judicial e massas falidas podem tomar parte em disputas arbitrais devese verificar se a matéria a ser submetida à arbitragem passa no teste da arbitrabilidade objetiva104 102 Assim ver Enunciado 6 da I Jornada Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios do CJF O processamento da recuperação judicial ou a decretação da falência não autoriza o administrador judicial a recusar a eficácia da convenção de arbitragem não impede a instauração do procedimento arbitral nem o suspende e Enunciado 75 da II Jornada de Direito Comercial do CJF Havendo convenção de arbitragem caso uma das partes tenha a falência decretada i eventual procedimento arbitral já em curso não se suspende e novo procedimento arbitral pode ser iniciado aplicandose em ambos os casos a regra do art 6º 1º da Lei n 111012005 e ii o administrador judicial não pode recusar a eficácia da cláusula compromissória dada a autonomia desta em relação ao contrato Ver também STJ REsp 1355831 Terceira Turma j 19032013 vu rel Min Sidnei Benetti 103 STJ REsp 1959435 Terceira Turma j 30082022 vu rel Min Nancy Andrighi Diante da falência de uma das contratantes que firmou cláusula compromissória o princípio da KompetenzKompetenz deve ser respeitado impondo ao árbitro avaliar a viabilidade ou não da instauração da arbitragem 104 BENETTI Giovana Arbitragem e empresas em crise o problema da arbitrabilidade objetiva Revista Jurídica LusoBrasileira 5 1 p 879917 Cássio Cavalli 67 Como regra geral são arbitráveis os litígios que versam sobre direitos patrimoniais disponíveis conforme dispõe o art 1º da Lei 93071996 LBA Assim nada obsta a que empresa em recuperação judicial participe de disputas arbitrais voltadas a declarar a existência e a quantificar de direitos contratuais Nesses casos o procedimento arbitral toma o lugar dos procedimentos incidentais de habilitação retardatária ou impugnação arts 8º e 10º da LRF e a jurisdição arbitral convive harmoniosamente com a jurisdição estatal da recuperação judicial Entretanto o fato da recuperação judicial subtrai determinados direitos da esfera da disponibilidade da recuperanda Assim conquanto a empresa em recuperação judicial conserve os poderes de administração dos seus interesses art 64 da LRF não lhe é lícito por exemplo onerar ou alienar bem de seu ativo permanente sem autorização do juízo recuperacional art 66 da LRF Observese aqui que as normas concursais de limitação ao poder de disposição sobre determinado direito patrimonial andam de mãos dadas com normas que outorgam ao juízo recuperacional a competência para escrutinar autorizar proibir ou supervisionar a prática do ato de disposição que possa afetar o patrimônio da empresa devedora e o interesse da coletividade de credores e interessados 2019 p 911 afirmando que sendo certo que empresas em crise podem participar de processo arbitral devese atentar para um segundo ponto as matérias passíveis de submissão à arbitragem Assim devese investigar se a matéria discutida em determinado caso é revestida de arbitrabilidade objetiva 68 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso 10 Competência absoluta do juízo recuperacional como limite à arbitrabilidade objetiva Questões relativas ao procedimento recuperacional ao patrimônio da recuperanda e ao interesse da coletividade de credores constituem matérias de competência absoluta do juízo concursal E as normas que asseguram a competência absoluta do juízo estatal para presidir o procedimento da recuperação judicial constituem o primeiro limite à arbitrabilidade objetiva pois o próprio procedimento recuperacional ou falimentar não pode ser conduzido por tribunal arbitral105 Assim conforme observa Giovana Benetti em admirável monografia sobre a arbitrabilidade de disputas envolvendo empresas insolventes Matérias essencialmente vinculadas ao procedimento de recuperação judicial ou falência bem como seu desenvolvimento em si não podem ser submetidas à arbitragem Esse critério é aceito tanto no direito brasileiro quanto no francês e no norteamericano106 Nesse mesmo sentido é a expressiva dicção do jurista Paulo Fernando Campos Salles de Toledo tudo o que disser respeito à recuperação judicial sujeitase naturalmente ao crivo do juiz que preside esse processo Além do mais tratase de um processo judicial não parecendo fazer sentido submeter o mesmo feito ao 105 MORAES Felipe Ferreira Machado Arbitragem e falência In CARMONA Carlos Alberto LEMES Selma Ferreira MARTINS Pedro Batista Org 20 anos da Lei de Arbitragem Homenagem a Petrônio R Muniz São Paulo Atlas 2017 p 763792 p 765 fazendo referência ao processo falimentar 106 BENETTI Giovana Arbitragem e empresas em crise o problema da arbitrabilidade objetiva Revista Jurídica LusoBrasileira 5 1 p 879917 2019 p 911 Cássio Cavalli 69 mesmo tempo à jurisdição estatal e à arbitral107 O rol de atos de competência do juízo concursal abrange todos os atos do procedimento principal de recuperação judicial Assim constituem atos de competência absoluta do juízo recuperacional por exemplo i deferir o processamento da recuperação judicial art 52 da LRF ii determinar a suspensão de ações e execuções contra a recuperanda art 6º cc art 52 III ambos da LRF iii nomear e destituir o administrador judicial art 52 I e art 23 ambos da LRF iv convocar a assembleia geral de credores art 56 da LRF v determinar a inclusão de crédito no quadro geral de credores art 15 da LRF vi homologar o plano de recuperação judicial art 58 da LRF vii convolar a recuperação judicial em falência em caso de descumprimento do plano art 61 da LRF e viii encerrar a recuperação judicial art 63 da LRF As normas da LRF sobre o procedimento de recuperação judicial por possuírem natureza cogente não podem ser alteradas pela vontade das partes especialmente as que integram o núcleo normativo do concurso Assim conforme registra Vesna Lazic as questões relacionadas à própria falência estão fora da jurisdição dos árbitros ou que tais questões não são arbitráveis Certamente não sendo uma matéria puramente privada questões envolvendo direito falimentar e insolvência são tradicionalmente consideradas fora do alcance da arbitragem Em princípio um árbitro não será competente para declarar alguém falido ou para nomear o administrador judicial Questões puramente falimentares em particular as que empregam procedimentos 107 TOLEDO Paulo F C Salles de Arbitragem e insolvência Revista de Arbitragem e Mediação 20 2552 2009 p 43 70 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso especiais previstos pela legislação nacional sobre insolvência tais como a verificação inventariação arrecadação e distribuição de ativos geralmente não são temas para serem decididos por um árbitro mas pelos tribunais estatais nacionais competentes com jurisdição sobre falência108 Ante a amplitude da competência do juízo recuperacional pode se recorrer ao critério de classificação adotado pelo direito norte americano segundo o qual as normas procedimentais concursais classificamse em nucleares core das nãonucleares non core109 Assim por exemplo integram o rol de disposições nucleares que desempenham as funções centrais do juízo recuperacional estatal as decisões acerca de pedidos de término da ordem de suspensão de execução individual a motion to terminate the automatic stay against creditor collection activities e as decisões correlatas acerca da resilição de contratos bilaterais em curso a motion to reject an executory contract110 108 Vesna Lazic Insolvency proceedings and commercial arbitration 1998 p 4243 apud MORAES Felipe Ferreira Machado Arbitragem e falência In CARMONA Carlos Alberto LEMES Selma Ferreira MARTINS Pedro Batista Org 20 anos da Lei de Arbitragem Homenagem a Petrônio R Muniz São Paulo Atlas 2017 p 763792 p 765 109 RESNICK Alan N The Enforceability of Arbitration Clauses in Bankruptcy Am Bankr Inst L Rev 15 p 183 2007 p 193194 110 RESNICK Alan N The Enforceability of Arbitration Clauses in Bankruptcy Am Bankr Inst L Rev 15 p 183 2007 p 193194 afirmando que In general core proceedings are those that are directly related to a bankruptcy courts central functions for example an objection to a creditors proof of claim filed in the bankruptcy case a motion to terminate the automatic stay against creditor collection activities a motion Cássio Cavalli 71 Em síntese o juízo da recuperação judicial é competente para i a prática de todos os atos nucleares do processo de recuperação judicial para ii decidir sobre todos os atos que possam afetar o patrimônio da devedora e colocar em risco a recuperação da empresa e para iii para decidir sobre matérias de interesse da coletividade de credores acionistas e contratantes A competência absoluta do juízo recuperacional afasta a arbitrabilidade objetiva acerca dessas matérias assim como ocorre em Portugal onde se suspendem as convenções arbitrais respeitantes a litígios cujo resultado possa influenciar o valor da massa111 e na Espanha onde se pode suspender os convênios arbitrais quando puder haver um prejuízo para a tramitação do concurso112 to reject an executory contract or an adversary proceeding to determine the dischargeability of a particular debt A nonexclusive list of core proceedings may be found in section 157b2 If a proceeding is core the bankruptcy judge may determine the matter by entering an appropriate order or judgment subject to ordinary appellate review in the district court or bankruptcy appellate panel 111 Lêse no art 87º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas CIRE 1 Fica suspensa a eficácia das convenções arbitrais em que o insolvente seja parte respeitantes a litígios cujo resultado possa influenciar o valor da massa sem prejuízo do disposto em tratados internacionais aplicáveis 112 Lêse no art 52 da Leye 222003 de 9 de julio Concursal com a reforma de 21 de maio de 2011 dispõe Artículo 52 Procedimientos arbitrales 1 La declaración de concurso por sí sola no afecta a los pactos de mediación ni a los convenios arbitrales suscritos por el concursado Cuando el órgano jurisdiccional entendiera que dichos pactos o convenios pudieran suponer un perjuicio para la tramitación del concurso podrá acordar la suspensión de sus efectos todo ello sin perjuicio de lo dispuesto 72 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso É inequívoco que cabe ao árbitro decidir acerca da validade e eficácia da cláusula compromissória e assim delimitar o âmbito do exercício da jurisdição arbitral art 8º parágrafo único da LBA No entanto também é inequívoco que a decisão do árbitro acerca de sua jurisdição pode dar origem a um conflito positivo de competência rectius jurisdição com um juízo estatal conforme entendimento pacificado na jurisprudência do STJ113 en los tratados internacionales Ademais o art 8 3º e 4º da da Leye 222003 de 9 de julio Concursal com a redação que lhe emprestou a reforma de 21 de maio de 2011 reza que Artículo 8 Juez del concurso Son competentes para conocer del concurso los jueces de lo mercantil La jurisdicción del juez del concurso es exclusiva y excluyente en las siguientes materias 3º Toda ejecución frente a los bienes y derechos de contenido patrimonial del concursado cualquiera que sea el órgano que la hubiera ordenado 4º Toda medida cautelar que afecte al patrimonio del concursado excepto las que se adopten en los procesos que quedan excluidos de su jurisdicción en el párrafo 1º de este precepto y en su caso de acuerdo con lo dispuesto en el artículo 52 las adoptadas por los árbitros en las actuaciones arbitrales sin perjuicio de la competencia del juez para acordar la suspensión de las mismas o solicitar su levantamiento cuando considere que puedan suponer un perjuicio para la tramitación del concurso 113 Assim ver STJ CC 111230 2ª Seção j 08052013 vu rel Min Nancy Andrighi decidindo que a atividade desenvolvida no âmbito da arbitragem tem natureza jurisdicional sendo possível a existência de conflito de competência entre juízo estatal e câmara arbitral STJ CC 146939 2ª Seção j 23112016 vu rel Min Marco Aurélio Belizze julgando que de acordo com o atual posicionamento sufragado pela Segunda Seção desta Corte de Justiça compete ao Superior Tribunal de Justiça dirimir conflito de competência entre Juízo arbitral e órgão jurisdicional estatal partindose naturalmente do pressuposto de que a Cássio Cavalli 73 O que também poderá constituir matéria para eventual ação anulatória art 33 cc art 20 2º ambos da LBA a ser distribuída por dependência ao juízo concursal caso ela diga respeito a crédito concursal114 Daí a importância em verificarse detalhadamente as condições de arbitrabilidade para disputas envolvendo empresas em recuperação judicial Com efeito em disputa contratual envolvendo empresa em recuperação o tribunal arbitral é competente para conhecer e julgar as disputas arbitrais voltadas a declarar a existência e a quantificar de direitos contratuais do mesmo modo que ocorreria se nenhuma das partes estivesse em recuperação judicial Assim as ações indenizatórias envolvendo a recuperanda serão regidas por normas contratuais processuais e de distribuição comuns tanto no direito norteamericano115 quanto no direito brasileiro116 atividade desenvolvida no âmbito da arbitragem possui natureza jurisdicional 11 O conflito positivo de competência afigurase caracterizado não apenas quando dois ou mais Juízos de esferas diversas declaramse simultaneamente competentes para julgar a mesma causa mas também quando sobre o mesmo objeto duas ou mais autoridades judiciárias tecem deliberações excludentes entre si 114 TOLEDO Paulo F C Salles de Arbitragem e insolvência Revista de Arbitragem e Mediação 20 2552 2009 p 45 115 RESNICK Alan N The Enforceability of Arbitration Clauses in Bankruptcy Am Bankr Inst L Rev 15 p 183 2007 p 193194 Proceedings that are only related to a bankruptcy case such as a breach of contract action commenced by a trustee in bankruptcy against a third party that does not present any bankruptcy issues are noncore 116 Lêse no art 76 caput da LRF O juízo da falência é indivisível e competente para conhecer todas as ações sobre bens interesses e negócios do falido ressalvadas as causas trabalhistas fiscais e aquelas não reguladas nesta Lei em que o falido figurar como autor ou litisconsorte ativo 74 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso Entre essas matérias evidentemente não se inclui a cláusula ipso facto pelo pedido de recuperação judicial pois disputas em torno dessa cláusula somente exsurgem em caso de pedido de recuperação Neste caso a higidez da cláusula compromissória não pode confiar à jurisdição arbitral a análise da cláusula ipso facto pois esta matéria integra o núcleo normativo do processo de recuperação judicial Assim a cláusula compromissória será reputada nula por atribuir à jurisdição arbitral matéria nucleares do direito recuperacional de competência absoluta do juízo recuperacional O destinatário destas normas é a coletividade de credores acionistas e contratantes da empresa devedora Por isso as matérias conformadoras dos procedimentos concursais não constituem direito patrimonial disponível das partes tanto no sentido de não serem disponíveis isto é por não poderem ser objeto de disposição negocial quanto por não serem de titularidade das partes do contrato Daí concluirse pela ausência de legitimação por falta de titularidade das partes do contrato para dispor sobre a cláusula compromissória para remeter à jurisdição arbitral a decisão sobre uma das normas nucleares dos procedimentos de recuperação judicial e de falência117 117 BETTI Emilio Teoria general del negocio juridico 2ed Madrid Editorial Revista de Derecho Privado 1959 p 177 A titularidade diz respeito à relação de idoneidade entre o sujeito e determinado objeto jurídico enquanto a legitimação diz respeito a considerar quem e frente a quem pode corretamente concluir o negócio para que esse possa irradiar os efeitos jurídicos conformes à sua função e congruentes com a intenção prática normal das partes Assim a legitimação cuida de identificar quem pode exercer determinado direito ou seja de regra somente se legitima a exercer um direito quem demonstrar ser seu titular Cássio Cavalli 75 Com efeito conquanto as partes do contrato sejam capazes para prática de atos de disposição art 1º da LBA elas não se legitimam a dispor sobre direitos alheios assegurados pelas normas procedimentais cogentes da recuperação judicial e da falência Nesse sentido também se manifesta um limite à arbitrabilidade subjetiva quanto ao poder de dispor sobre direito titularizado por terceiros no caso a coletividade de credores acionistas e contratantes de uma empresa insolvente A competência do juízo recuperacional inclui processar e julgar disputas que possam resultar na destruição de valor do patrimônio do devedor como por exemplo as cláusulas ipso facto de aceleração vencimento de dívidas que possibilitam a remoção extrajudicial de ativos relevantes ou a resolução de contratos relevantes para a recuperanda Essas normas procedimentais e de competência também constituem garantias processuais individuais de cada um dos credores e interessados integrantes da coletividade tutelada pelas normas concursais118 isto é garantias de que todos os integrantes da coletividade estarão sujeitos às mesmas normas e não poderão exercer individualmente suas pretensões em detrimento da coletividade Na terminologia econômica dizse que as normas concursais visam impedir que o comportamento de dois 118 As normas procedimentais da recuperação judicial inclusive as relativas ao exercício de direitos políticos de voto são concretizações do princípio constitucional do devido processo legal art 5º LIV da Constituição Federal segundo a qual os credores não serão privados de seus créditos sem o devido procedimento recuperacional Nesse sentido as normas da LRF sobre o procedimento da recuperação judicial constituem verdadeiro direito fundamental dos credores 76 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso contratantes cause externalidades negativas sobre os demais interessados na empresa Com efeito as normas concursais nucleares serão sempre cogentes não disponíveis e portanto não passam no teste da arbitrabilidade objetiva Consoante a lição do prof Cândido Rangel Dinamarco Da natureza do compromisso como negócio jurídico e da derrogação da jurisdição estatal operada pela opção arbitral decorre que quando os bens direitos obrigações ou relações jurídicas controvertidos forem insuscetíveis de disposição aí também a arbitragem não será admissível Há um estreito paralelismo entre a possibilidade ou impossibilidade da disposição de direitos e a admissibilidade ou inadmissibilidade da renúncia à jurisdição estatal As mesmas razões de ordem pública conducentes à indisponibilidade de direitos no plano jurídico material conduzem de igual modo à inadmissibilidade da arbitragem em relação aos direitos havidos como indisponíveis por que optar por esta significa abrir mão da segurança jurídica inerente à estrita legalidade pela qual se rege o exercício da jurisdição pelos juízes togados e da possibilidade de acesso aos órgãos superiores do Poder Judiciário119 E em nota de rodapé explica A estrita legalidade referida no texto acima é legalidade processual sabendose que o processo por árbitros não se sujeita à rigidez das normas do processo contidas nas leis processuais princípio da legalidade das formas sendo notória a grande liberdade formal inerente ao processo arbitral120 119 DINAMARCO Cândido Rangel A arbitragem na teoria geral do processo São Paulo Malheiros 2013 p 7576 120 DINAMARCO Cândido Rangel A arbitragem na teoria geral do processo São Paulo Malheiros 2013 p 76 nota 7 Cássio Cavalli 77 11 Bibliografia ASCARELLI Tullio Funzioni economiche e istituti giuridici nella tecnica dellinterpretazione In Tullo Ascarelli Studi di diritto comparato e in tema di interpretazione Milano Giuffrè 1952 p 5578 AYOUB Luiz Roberto CAVALLI Cássio A construção jurisprudencial da recuperação judicial de empresas Rio de Janeiro Forense 2013 BENETTI Giovana Arbitragem e empresas em crise o problema da arbitrabilidade objetiva Revista Jurídica Luso Brasileira 5 1 p 879917 2019 BETTI Emilio Teoria general del negocio juridico 2ed Madrid Editorial Revista de Derecho Privado 1959 BUSSEL Daniel J KLEE Kenneth N Recalibrating Consent in Bankruptcy American Bankruptcy Law Journal 83 4 p 663 748 2009 CARVALHO DE MENDONÇA José Xavier Tratado de direito commercial brazileiro VII parte I Rio de Janeiro Typ Besnard Frères 1916 CAVALLI Cássio Empresa direito e economia Rio de Janeiro Forense 2013 COUTO E SILVA Clóvis V do A obrigação como processo Rio de Janeiro Editora FGV 2006 DINAMARCO Cândido Rangel A arbitragem na teoria geral do processo São Paulo Malheiros 2013 GRAU Eros Roberto Concordata garantia por fiança e 78 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso vencimento antecipado das obrigações Revista dos Tribunais São Paulo v 622 1987 JACKSON Thomas H The logic and limits of bankruptcy law Washington DC Beard Books 1986 reimpressão de 2001 KIRSCHBAUM Deborah Cláusula resolutiva expressa por insolvência nos contratos empresariais uma análise econômico jurídica Revista DireitoGV 2 1 p 3754 2006 KIRSCHBAUM Deborah Cláusula resolutiva expressa por insolvência nos contratos empresariais uma análise econômico jurídica Revista DireitoGV 2 1 p 3754 2006 LAZZARINI Alexandre Alves Reflexões sobre a recuperação judicial de empresas In DE LUCCA Newton DOMINGUES Alessandra de Azevedo Org Direito recuperacional aspectos teóricos e práticos São Paulo Quartier Latin 2009 p 124136 MECKLING William H JENSEN Michael C Theory of the firm managerial behavior agency costs and ownership structure In JENSEN Michael C Org A theory of the firm Cambridge Harvard University Press 2003 p 83135 MORAES Felipe Ferreira Machado Arbitragem e falência In CARMONA Carlos Alberto LEMES Selma Ferreira MARTINS Pedro Batista Org 20 anos da Lei de Arbitragem Homenagem a Petrônio R Muniz São Paulo Atlas 2017 p 763792 MOURÃO Ricardo Genis Vencimento antecipado e compensação de contratos derivativos na recuperação judicial o tratamento dos derivativos de balcão na Lei de Recuperação e Falências FGV Direito SP Fundação Getulio Vargas São Paulo 2021 Disponível em Cássio Cavalli 79 httpsbibliotecadigitalfgvbrdspacehandle1043830988 PAJARDI Piero PALUCHOWSKI Alida Manuale di diritto fallimentare Settima Edizione Milano Giuffrè 2008 PERIN JUNIOR Ecio Curso de Direito Falimentar e Recuperação de Empresas 4 ed São Paulo Saraiva 2011 PONTES DE MIRANDA Francisco Cavalcanti Tratado de direito privado t XXX 3 ed Rio de Janeiro Borsoi 1971 PONTES DE MIRANDA Francisco Cavalcanti Tratado de Direito Privado t XXVIII São Paulo Revista dos Tribunais 2012 PONTES DE MIRANDA Francisco Cavalcanti Tratado de Direito Privado t XXV São Paulo Revista dos Tribunais 2012 PUGLIESI Adriana Valéria A falência e a preservação da empresa compatibilidade Faculdade de Direito Universidade de São Paulo Doutorado em Direito São Paulo 2012 p 170 RESNICK Alan N The Enforceability of Arbitration Clauses in Bankruptcy Am Bankr Inst L Rev 15 p 183 2007 ROPPO Enzo O Contrato Coimbra Almedina 1988 SACRAMONE Marcelo Barbosa Cláusula de vencimento antecipado na recuperação judicial Revista do Advogado AASP XXXVI 131 p 133139 2016 SACRAMONE Marcelo Barbosa Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência São Paulo Saraiva 2018 SCHILLIG Michael Corporate Insolvency Law in the Twenty First Century State Imposed or Market Based Journal of Corporate Law Studies 14 1 138 2015 80 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso SQUIRE Richard Corporate Bankruptcy and Financial Reorganization New York Wolters Kluwer 2016 TABB Charles J The law of bankruptcy 4ed St Paul West Academic Publishing 2013 TENE Omer Revisiting the creditors bargain The entitlement to the goingconcern surplus in corporate bankruptcy reorganizations Bankr Dev J 19 p 287 2002 TEPEDINO Ricardo Comentários aos arts 105 a 138 In TOLEDO Paulo F C Salles de et al Org Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência São Paulo Saraiva 2009 p 335429 TOLEDO Paulo F C Salles de Arbitragem e insolvência Revista de Arbitragem e Mediação 20 2552 2009 TRIANTIS George Termination Rights in Bankruptcy The Story of Stephen Perlman v Catapult Entertainment Inc In RASMUSSEN Org Bankruptcy Law Stories New York Foundation Press 2007 p 5576 VALVERDE Trajano de Miranda Comentários à Lei de Falências v I 2 ed Rio de Janeiro Forense 1955 VALVERDE Trajano de Miranda Comentários à Lei de Falências v I 2 ed Rio de Janeiro Forense 1955 O documento Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso escrito por Cássio Cavalli explora detalhadamente os aspectos legais e teóricos da recuperação judicial e seu impacto nos contratos empresariais em andamento O foco principal do texto é a análise crítica da cláusula ipso facto que estipula a resolução automática de contratos caso uma das partes entre em recuperação judicial Cavalli argumenta que essa cláusula é nula pois contraria os objetivos fundamentais do direito concursal destinados a maximizar o valor dos ativos da empresa em benefício de uma coletividade de credores e demais partes interessadas O autor destaca que a recuperação judicial visa preservar a empresa e sua capacidade operacional evitando que medidas individuais de credores prejudiquem o conjunto A cláusula ipso facto por outro lado promove uma saída rápida para o credor individual à custa do potencial de recuperação econômica da empresa e do interesse coletivo Cavalli explica que essas cláusulas são vistas como uma forma de proteção para os credores mas na prática elas podem acelerar o desmantelamento de ativos essenciais para a continuidade da empresa Além disso o texto aborda os limites da arbitrabilidade objetiva particularmente em questões que envolvem a recuperação judicial Cavalli argumenta que devido à natureza indisponível das questões envolvendo a recuperação de empresas questões que afetam uma ampla gama de partes e têm significativas implicações sociais e econômicas não é apropriado que tais disputas sejam decididas através de arbitragem Isso se deve ao fato de que a arbitragem ao focar na resolução de disputas entre partes específicas pode não considerar adequadamente os interesses mais amplos de todos os credores acionistas e outros stakeholders O documento também discute a preservação da empresa como um princípio norteador do direito concursal com o objetivo de permitir que a empresa supere sua situação de crise financeira mantenha a produção os empregos e os interesses dos credores promovendo assim a função social e estimulando a atividade econômica Cavalli ressalta que a recuperação judicial não é apenas um mecanismo de reestruturação de dívidas mas uma ferramenta legal para a reabilitação de empresas em dificuldades garantindo sua viabilidade a longo prazo 1 Sobre a Viabilidade Prática da Nulidade da Cláusula Ipso Facto Considerando que a cláusula ipso facto é projetada para proteger os interesses dos credores frente à instabilidade financeira de uma empresa em recuperação judicial como a eliminação dessa cláusula pode impactar a disposição dos credores em continuar a fazer negócios com empresas em crise Não poderia essa medida desencorajar novos investimentos e créditos agravando a crise da empresa recuperanda 2 Quanto aos Limites da Arbitrabilidade Objetiva A análise do texto sugere que disputas envolvendo recuperação judicial devem ser excluídas do âmbito da arbitragem devido à sua natureza indisponível e ao envolvimento de múltiplas partes interessadas No entanto como reconciliar esse ponto de vista com a crescente aceitação global da arbitragem como uma forma eficiente de resolver disputas complexas inclusive em cenários comerciais com múltiplos stakeholders 3 Sobre o Princípio da Preservação da Empresa O texto enfatiza a preservação da empresa como um princípio fundamental do direito concursal visando proteger o valor dos ativos da empresa para o benefício coletivo No entanto em que circunstâncias a aplicação rigorosa desse princípio poderia realmente impedir a reestruturação eficaz de uma empresa especialmente se isso significar manter operações não rentáveis ou modelos de negócio obsoletos que continuam drenando recursos limitados
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Texto de pré-visualização
CÁSSIO CAVALLI OS EFEITOS DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL SOBRE OS CONTRATOS EM CURSO A nulidade da cláusula ipso facto e limites à arbitrabilidade objetiva Coleção Ensaios de Direito Concursal Big In Japan OS EFEITOS DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL SOBRE OS CONTRATOS EM CURSO A nulidade da cláusula ipso facto e limites à arbitrabilidade objetiva Coleção Ensaios de Direito Concursal Copyright Agenda Recuperacional Editora registrado na Câmara Brasileira do Livro CBL AUTOR Cássio Cavalli Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Câmara Brasileira do Livro SP Brasil Cavalli Cássio Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso A nulidade da cláusula ipso facto e limites à arbitrabilidade objetiva Cássio Cavalli 1 ed São Paulo Agenda Recuperacional Editora 2023 Coleção Ensaios de Direito Concursal Bibliografia ISBN 9786598015718 1 Falência Leis e legislação Brasil 2 Recuperação judicial Direito Leis e legislação Brasil 3 Recuperação judicial de empresas Brasil 23152961 CDU34773681094 Índices para catálogo sistemático 1 Recuperação judicial de empresas Leis Brasil 34773681094 wwwagendarecuperacionalcombr Todos os direitos reservados Nenhuma parte deste livro protegido por copyright pode ser reproduzida armazenada ou transmitida de alguma forma ou por quaisquer meios eletrônico mecânico gravação fotocópia distribuição pela Internet ou qualquer sistema de armazenagem de informações sem permissão por escrito e expressa da editora ou do autor Fechamento da edição 24 de abril de 2023 Chapter E Chapter 1 Para Francisco meu filho amado This book is a work of fiction Names characters businesses places events and incidents are either the products of the authors imagination or used in a fictitious manner Any resemblance to actual persons living or dead or actual events is purely coincidental Cássio Cavalli 7 Sobre o autor Cássio Cavalli é Mestre e Doutor em Direito Professor da Graduação e do Mestrado Profissional da FGV Direito SP e atua como advogado consultor e parecerista em São Paulo Dedicase aos temas da organização financiamento e reorganização de empresas Foi integrante do Grupo de Trabalho instituído pela Portaria 4672016 do Ministério da Fazenda encarregado da elaboração da Reforma da Lei de Recuperação de Empresas e Falências e do Grupo de Trabalho IBREFGV que redigiu o anteprojeto da Lei Complementar 1592017 sobre o Regime de Recuperação Fiscal dos Estados Integrou o Grupo de Trabalho do Ministério da Economia para a avaliação do Doing Business do Banco Mundial É associado ao IBAJUD Instituto Brasileiro de Insolvência ao IBRADEMP ao Instituto de Direito Privado IDiP e membro da Comissão de Falências e Recuperações da OABRS da Comissão de Recuperação Judicial Extrajudicial e Falência da OABSP Seccional Campinas da Comissão de Recuperação Judicial Extrajudicial e Falência da OABRJ da Comissão de Mercado de Capitais da OABRJ do Instituto Brasileiro de Estudos de Recuperação de Empresas IBRUSP expert em direito concursal do IberoAmerican Institute for Law and Finance do INSOL International e do Comitê Brasileiro de Arbitragem CBAr É autor de diversos livros e artigos sobre direito societário obrigacional e recuperacional dos quais destacamse A legitimação para a recuperação judicial e a falência Agenda Recuperacional Editora 2023 Teoria do contrato entre 8 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso credores a explicação da análise econômica do direito para a recuperação judicial e a falência Agenda Recuperacional Editora 2023 A construção jurisprudencial da recuperação judicial de empresas Forense 2013 Sociedades limitadas Revista dos Tribunais 2011 Empresa direito e economia Forense 2013 e Direito das obrigações mora e utilidade FGV 2011 Mantém a newsletter Agenda Recuperacional wwwagendarecuperacionalcombr Cássio Cavalli 9 Nota à primeira edição A obra que ora levo a público inaugura a Coleção Ensaios de Direito Concursal na qual pretendo publicar ensaios estudos e apontamentos de pesquisas sobre direito empresarial que eu tenha feito ao longo dos anos para fins acadêmicos ou profissionais Pretendo levar a público este material que de outra forma se perderia na gaveta pois reputo que estes ensaios possuem algum valor e que podem contribuir nalguma medida para os debates doutrinários Espero que o público encontre nestes ensaios material que possa ser de boa utilidade O presente ensaio corresponde substancialmente à fundamentação de um parecer que eu elaborei acerca da disciplina da cláusula ipso facto na recuperação judicial e dos limites da arbitrabilidade objetiva da matéria Reputo a análise relevante pois a cláusula ipso facto é equivalente funcional de outras formas de exercício de posições jurídicas como a execução o direito de retirada e a distribuição de dividendos que buscam uma saída individual da situação de insolvência e por isso prejudicam os objetivos de maximizar valor de ativos do devedor em benefício da coletividade de credores e interessados Com efeito as formas de exercício individual de posições jurídicas são apanhadas pela norma geral de proibição de retirada de ativos da empresa devedora que impede remédios individuais de direito processual e material que conduzam à retirada de ativos do devedor Para tanto esta norma geral de proibição de retirada de ativos articulase com normas procedimentais cogentes e normas de competência do juízo recuperacional Daí a porque a cláusula resolutiva expressa por insolvência busca dispor sobre matéria indisponível do que resulta a sua nulidade por 10 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso contrariedade ao ordenamento jurídico brasileiro Por igual motivo a arbitrabilidade de disputas relativas à cláusula ipso facto encontra seu limite na indisponibilidade da matéria Essa é uma perspectiva pouco explorara pois na intersecção entre questões recuperacionais e arbitrais é comum investigarse a arbitrabilidade subjetiva em caso de falência ou recuperação de uma das partes mas pouca atenção se dá à arbitrabilidade objetiva muito mais relevante quando se trata de procedimentos cogentes como os concursais Ademais chamo atenção para o esforço de elaboração da disciplina aplicável à cláusula ipso facto na recuperação judicial a partir da perspectiva da teoria geral do direito concursal manejada como ferramenta heurística para a construção interpretativa das normas À medida que eu publicar outros ensaios sobre outros temas relevantes o leitor poderá cotejar o método empregado para ver que a partir da perspectiva da teoria geral do direito concursal é possível elaborar respostas sobre diferentes questões que no entanto guardam coerência com o sistema de direito concursal Dentre todas as medidas concebíveis os esforços de afirmação de uma teoria geral do direito concursal constituem aquelas que podem fornecer a maior contribuição para a segurança previsibilidade e coerência das soluções que interpretativamente haverão de ser adotadas nos casos concretos O autor Cássio Cavalli 11 Sumário 1 Introdução 13 2 A cláusula ipso facto como mecanismo de saída individual da situação de insolvência 13 3 Os objetivos normativos do direito concursal 17 4 A norma geral de proibição de retirada de ativos 28 5 A ilicitude da cláusula ipso facto por contrariedade à norma geral de proibição de retirada de ativos 40 6 Nulidade da cláusula ipso facto na falência 47 7 O princípio da irrelevância da recuperação judicial para os contratos em curso 56 8 A nulidade da cláusula ipso facto na recuperação judicial57 9 A arbitrabilidade de disputas relativas à cláusula ipso facto 65 10 Competência absoluta do juízo recuperacional como limite à arbitrabilidade objetiva 68 11 Bibliografia 77 12 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso Cássio Cavalli 13 1 Introdução Este ensaio versa sobre as condições de arbitrabilidade objetiva de cláusula resolutiva expressa por pedido de recuperação judicial Para enfrentar o tema primeiro abordarei os fundamentos dogmáticos da nulidade da cláusula ipso facto nos processos concursais pela violação de normas materiais e processuais cogentes e indisponíveis Após demonstrarei que as normas que proíbem a cláusula ipso facto são indissociáveis das normas que asseguram a competência absoluta do juízo recuperacional para escrutinar cláusulas ipso facto e assim tutelar o interesse da coletividade de credores acionistas e contratantes da recuperanda Por fim concluirei demonstrando que referidas normas constituem limites insuperáveis à arbitrabilidade objetiva de disputas relacionadas à cláusula ipso facto 2 A cláusula ipso facto como mecanismo de saída individual da situação de insolvência Denominase cláusula ipso facto ou cláusula resolutiva expressa por insolvência a cláusula contratual pela qual se pactua que o i mero fato do início de processo concursal de falência ou recuperação judicial de uma das partes sem que haja inadimplemento de nenhum dever de prestar ou instrumentalizado à prestação1 acarreta a ii resolução do 1 KIRSCHBAUM Deborah Cláusula resolutiva expressa por insolvência nos contratos empresariais uma análise econômicojurídica Revista DireitoGV 2 1 p 3754 2006 p 38 anotando que tal cláusula portanto tem o propósito de operar a resolução do contrato ainda que nenhuma outra obrigação nele prevista tenha sido inadimplida exceto a 14 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso vínculo contratual e a iii aceleração do vencimento de créditos A cláusula ipso facto desempenha uma função de conferir ao contratante uma saída rápida e individual da situação de insolvência da contraparte O fato do ajuizamento de pedido de recuperação judicial indica que a empresa devedora está em situação de crise financeira que não consegue pagar seus credores à medida em que as suas obrigações vão se vencendo e portanto que há risco de a empresa i não conseguir pagar integralmente todos os seus credores e eventualmente ii não conseguir honrar o pagamento de futuros fornecimentos Nestes casos os contratantes buscam i executar o mais rapidamente possível as obrigações já devidas e ii resolver os contratos para não seguirem colocando bom dinheiro sobre dinheiro ruim2 isto é para não realizarem as prestações ante a perspectiva de receberem pagamentos pro rata Por isso a cláusula ipso facto reflete conforme a dicção de JX Carvalho de Mendonça uma posição defensiva do contratante para evitar os efeitos do dividendo3 Nesse sentido tanto a execução do crédito quanto a resolução de contratos constituem mecanismos de saída individual da obrigação de manterse solvente 2 TRIANTIS George Termination Rights in Bankruptcy The Story of Stephen Perlman v Catapult Entertainment Inc In RASMUSSEN Org Bankruptcy Law Stories New York Foundation Press 2007 p 5576 p 5556 3 CARVALHO DE MENDONÇA José Xavier Tratado de direito commercial brazileiro VII parte I Rio de Janeiro Typ Besnard Frères 1916 p 465 Cássio Cavalli 15 situação de insolvência4 Em contratos financeiros são frequentes as cláusulas de aceleração de vencimento para a execução dos valores devidos pela empresa devedora e também de encerramento de linhas de crédito para que a empresa devedora não possa sacar novos valores5 Já em contratos não financeiros em que as partes contratantes podem ficar relutantes em cumprir suas obrigações e receberem em contraprestação um pagamento apenas pro rata6 são mais comuns as cláusulas de resolução dos contratos para cessar a realização de novas prestações previstas no contrato7 embora também se busque 4 TRIANTIS George Termination Rights in Bankruptcy The Story of Stephen Perlman v Catapult Entertainment Inc In RASMUSSEN Org Bankruptcy Law Stories New York Foundation Press 2007 p 5576 p 5556 afirmando que It is helpful to distinguish between two interests of a contracting partner when the firm becomes insolvent First the party wishes to collect on the firms matured obligations under the contract Second the party wishes to terminate the contract so as to avoid throwing more good money after bad For ease of reference I refer to the former as collection the latter as termination and to collection and termination jointly as exit 5 TRIANTIS George Termination Rights in Bankruptcy The Story of Stephen Perlman v Catapult Entertainment Inc In RASMUSSEN Org Bankruptcy Law Stories New York Foundation Press 2007 p 5576 p 56 afirmando que a bank lender seeks to accelerate the maturity of all amounts owing under a line of credit and to collect this sum It also wants to terminate the line of credit so that the firm cannot draw any further amount 6 TRIANTIS George Termination Rights in Bankruptcy The Story of Stephen Perlman v Catapult Entertainment Inc In RASMUSSEN Robert K Org Bankruptcy Law Stories New York Foundation Press 2007 p 5576 p 55 7 TRIANTIS George Termination Rights in Bankruptcy The Story of 16 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso acelerar a execuções de valores devidos por fornecimentos já realizados Com efeito tanto a aceleração de vencimento para execução judicial ou extrajudicial de créditos quanto a resolução de contratos servem como portas de saída da situação de insolvência que um credor ou contratante pode buscar8 No entanto a cláusula ipso facto é ilícita pois contrária ao ordenamento jurídico Para compreender essa asserção devese compreender de que modo ela colide com a disciplina normativa da recuperação judicial notadamente com os objetivos almejados pelo procedimento recuperacional e dotados de força normativa É o conteúdo normativo destes objetivos que fornece ao intérprete os instrumentos heurísticos necessários à elaboração dos fundamentos dogmáticos da nulidade da cláusula ipso facto9 Stephen Perlman v Catapult Entertainment Inc In RASMUSSEN Org Bankruptcy Law Stories New York Foundation Press 2007 p 5576 p 56 observando que Similarly a supplier seeks to recover amounts owing on past deliveries but also refuses to make any new deliveries under the contract 8 TRIANTIS George Termination Rights in Bankruptcy The Story of Stephen Perlman v Catapult Entertainment Inc In RASMUSSEN Robert K Org Bankruptcy Law Stories New York Foundation Press 2007 p 5576 p 5556 It is helpful to distinguish between two interests of a contracting partner when the firm becomes insolvent First the party wishes to collect on the firms matured obligations under the contract Second the party wishes to terminate the contract so as to avoid throwing more good money after bad For ease of reference I refer to the former as collection the latter as termination and to collection and termination jointly as exit 9 Assim ver ASCARELLI Tullio Funzioni economiche e istituti giuridici nella tecnica dellinterpretazione In Tullo Ascarelli Studi di diritto comparato e in tema di interpretazione Milano Giuffrè 1952 p 5578 Cássio Cavalli 17 3 Os objetivos normativos do direito concursal A disciplina do direito concursal almeja resolver um problema de ação coletiva caracterizado pela adoção de comportamento nãocooperativo de cada um dos envolvidos na situação de insolvência e que resulta em uma diminuição do bemestar da coletividade de envolvidos Este problema tende a se manifestar em situações nas quais credores contratantes e acionistas passam a nutrir a percepção de insolvência da empresa devedora isto é de que ela não possui ativos ou fluxo de caixa suficientes para honrar integralmente todos seus compromissos Nesses casos o comportamento de cada um dos credores acionistas e contratantes passa a ser orientado pelo ditado farinha pouca meu pirão primeiro de modo que eles tendem a empreender uma corrida para tomar ativos em busca de uma saída individual da situação de insolvência Essa corrida por ativos constitui um problema de ação coletiva pois conduz a uma destruição do valor do conjunto de ativos da empresa devedora e portanto a uma diminuição do nível de satisfação dos credores acionistas e contratantes A destruição de valor pode ser descrita da seguinte forma Os ativos da empresa devedora podem ser avaliados em conjunto de acordo com a sua capacidade de gerar com a operação da empresa um valor de operação going concern value que é basicamente o valor presente do fluxo de caixa gerado pela empresa p 58 afirmando em tradução livre que os conceitos da dogmática jurídica constituem precisamente os instrumentos heurísticos para permitir a aplicação do direito a novos casos assegurando a sua solução segundo um critério coerente e logicamente reconduzível às soluções adotadas para casos anteriores 18 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso descontado a uma dada taxa10 No entanto na corrida por ativos cada um dos credores acionistas e contratantes buscam tomar ativos da empresa para satisfazer suas pretensões Com efeito a corrida por ativos leva a uma fragmentação dos bens organizados para a operação da empresa cujo valor passa a corresponder ao somatório das retiradas dos ativos individualmente consideradas A este valor denominase valor de liquidação Se o valor de liquidação for menor do que o valor de operação a coletividade de credores acionistas e contratantes obterá uma menor satisfação de suas pretensões do que obteriam caso não empreendessem a corrida por ativos Entretanto a percepção de insuficiência de ativos aliada à regra de anterioridade para determinar quem será pago vejase por exemplo como a regra geral do art 908 2º do CPC sintetizada no brocardo potior in tempore prior in jure11 faz com que os credores acionistas e contratantes de uma empresa não consigam evitar a corrida por ativos levando à destruição do valor de operação da empresa e à diminuição da satisfação coletiva de credores e interessados As normas de direito concursal objetivam resolver esse 10 Por isso também pode ser referido como Valor Presente Líquido da empresa que se obtém mediante a seguinte fórmula VP R t c onde VP é o valor presente R é a receita operacional líquida de despesas operacionais t é a taxa de juros que cobrada por investidores e c é o crescimento da receita operacional líquida Esse valor pressupõe que a empresa siga a operar obtendo receitas operacionais Assim ver SQUIRE Richard Corporate Bankruptcy and Financial Reorganization New York Wolters Kluwer 2016 p 9 11 O princípio está positivado no art 797 do CPC que atribui preferência no recebimento em razão da penhora e no art 908 2º do CPC que distribui as preferências com base na anterioridade de cada penhora Cássio Cavalli 19 problema de ação coletiva para preservar a empresa e maximizar o valor de alocação dos seus ativos de modo a maximizar a satisfação da coletividade de credores acionistas e contratantes da empresa É isso aliás que se lê na norma principiológica contida no art 47 da LRF A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico financeira do devedor a fim de permitir a manutenção da fonte produtora do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores promovendo assim a preservação da empresa sua função social e o estímulo à atividade econômica Em síntese o princípio da preservação da empresa é a fórmula dogmática que expressa a finalidade normativa de maximização do valor do conjunto de ativos da empresa no interesse de credores acionistas e contratantes O principal meio para promover o fim de preservar a empresa é fechar todas as rotas de saída Nesse sentido registra George Triantis que O objetivo central do direito concursal é enfrentar o problema de ação coletiva que resulta dos incentivos individuais das partes para sair quando a firma está insolvente Conforme observado acima cada parte deseja sair para evitar a perda infligida pela saída de outra parte A menos que a saída seja compensada por novos contratos ela frequentemente conduz ao colapso e à dissolução da empresa e a realocação de seus ativos A dissolução pode destruir sinergias e outro valor de operação que existiria caso a empresa fosse continuar O direito concursal enfrenta esse problema de ação coletiva bloqueando a saída O Código de Falências impõe uma suspensão que congela os esforços de cobrança impede o exercício de direitos de resolução de contratos e permite ao devedor assumir um contrato apesar do direito de saída da outra parte Desse modo o direito concursal suplanta os acordos bilaterais de cobrança e de direitos de resolução no interesse 20 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso coletivo de todas as partes lidando com a mesma empresa12 Assim para evitar que execuções judiciais e extrajudiciais e resoluções de contratos destruam valor da empresa e causem prejuízos à coletividade de credores externalidades negativas o direito concursal adota uma norma geral de proibição de retirada de ativos que se concretiza em normas de suspensão de execuções de limitações ao exercício do direito de retirada e de proibição de resolução de contratos Estas normas de proibição de retirada de ativos impedem que os credores e interessados possam continuar a perseguir individualmente a satisfação de seu interesse em detrimento do interesse coletivo Por isto constituem normas coletivas e cogentes Coletivas no sentido de que devem coordenar a atuação de todos os credores acionistas e contratantes da empresa e 12 TRIANTIS George Termination Rights in Bankruptcy The Story of Stephen Perlman v Catapult Entertainment Inc In RASMUSSEN Org Bankruptcy Law Stories New York Foundation Press 2007 p 5576 p 56 Grifei tradução livre de The core objective of bankruptcy law is to address the collective action problem that results from the individual incentives of parties to exit when the firm is insolvent As noted above each party wishes to exit to avoid the loss inflicted by the exit of another party Unless the exit is offset by new contracts it often leads to the collapse and dissolution of the firm and the redeployment of its assets Dissolution can destroy synergies and other going concern value that would exist if the firm were to continue Bankruptcy law addresses the problem of collective action by blocking exit The Bankruptcy Code imposes a stay that freezes collection efforts prevents the exercise of contract termination rights and permits the debtor firm to assume a contract despite the other partys right to exit Bankruptcy thereby supplants the bilateral agreements over collection and termination rights in the collective interests of all parties dealing with the same firm Cássio Cavalli 21 cogentes no sentido de que não podem ser afastadas por disposição particular entre as partes da coletividade13 Coletivo quer dizer concursal Ou seja a coletividade de credores acionistas e contratantes concorrem entre si por ativos e valor Para proteger essa coletividade há necessidade de afirmação de um procedimento concursal conduzido perante um juízo concursal que seja capaz de impor aos cada um dos integrantes da coletividade de credores acionistas e contratantes que cooperem para promover o fim de preservar empresas Conforme anotou Alexandre Lazzarini a importância desse entendimento é de extrema relevância pois impede o salvese quem puder ou o leva quem chegar primeiro que surge com a manutenção das execuções individuais14 Igual lição é oferecida por Thomas Jackson professor aposentado da Escola de Direito de Harvard para quem uma das características do direito concursal é apropriarse dos remédios individuais dos credores para fazer com os interessados ajam de modo altruístico e cooperativo Assim o procedimento é inerentemente coletivo Ademais este sistema funciona apenas se todos os credores estão sujeitos a ele15 13 JACKSON Thomas H The logic and limits of bankruptcy law Washington DC Beard Books 1986 reimpressão de 2001 p 4 e 13 14 LAZZARINI Alexandre Alves Reflexões sobre a recuperação judicial de empresas In DE LUCCA Newton DOMINGUES Alessandra de Azevedo Org Direito recuperacional aspectos teóricos e práticos São Paulo Quartier Latin 2009 p 124136 p 125 nota 2 15 JACKSON Thomas H The logic and limits of bankruptcy law Washington DC Beard Books 1986 reimpressão de 2001 p 78 e 17 tradução livre de this approach immediately suggests several features of bankruptcy law First such a law must usurp individual creditor 22 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso É neste sentido que se diz que a recuperação judicial é um procedimento concursal16 à semelhança da antiga concordata17 que promove a cooperação entre os interessados para preservar a empresa Ademais as normas de direito concursal são de regra cogentes Para tutelar uma coletividade proíbese a ação individual de cada um dos credores acionistas e contratantes por normas de ordem pública que tutelam o interesse público ié coletivo indisponível dos objetivos perseguidos pelo direito concursal18 Para reduzir os custos de administração simultânea de diversos procedimentos individuais e ao mesmo tempo evitarse a destruição de valor causada pela nãocooperação entre credores19 remedies in order to make the claimants act in an altruistic and cooperative way Thus the proceeding is inherently collective Moreover this system works only if all the creditors are bound to it 16 AYOUB Luiz Roberto CAVALLI Cássio A construção jurisprudencial da recuperação judicial de empresas Rio de Janeiro Forense 2013 p 129 17 PONTES DE MIRANDA Francisco Cavalcanti Tratado de direito privado t 30 3 ed Rio de Janeiro Borsoi 1971 p 41 18 LAZZARINI Alexandre Alves Reflexões sobre a recuperação judicial de empresas In DE LUCCA Newton DOMINGUES Alessandra de Azevedo Org Direito recuperacional aspectos teóricos e práticos São Paulo Quartier Latin 2009 p 124136 p 124125 SACRAMONE Marcelo Barbosa Cláusula de vencimento antecipado na recuperação judicial Revista do Advogado AASP XXXVI 131 p 133139 2016 p 136 19 RESNICK Alan N The Enforceability of Arbitration Clauses in Bankruptcy Am Bankr Inst L Rev 15 p 183 2007 p 220 Bankruptcy is more than a substantive body of law adjusting the debtor creditor relationship It is also a body of complex jurisdictional and Cássio Cavalli 23 o direito concursal constitui um procedimento coletivo único que reúne credores e interessados em uma única plataforma procedimental para a negociação de uma solução coletiva para a crise20 Assim por tratarem do interesse de uma coletividade não podem ser objeto de disposição por acordos bilaterais Com efeito não é possível dispor ou renunciar aos procedimentos que integram o núcleo normativo da Lei 111012005 LRF ou dispor sobre o procedimento aplicável adaptandoo às conveniências do devedor e algum ou diversos de seus credores21 Por serem cogentes as normas de direito procedural rules focused on the process pursuant to which debtor rehabilitation and distributions to creditors may be realized A common theme running through the Bankruptcy Code and bankruptcyrelated provisions of the Judicial Code is one of efficiency and the desirability of centralizing dispute resolution in specialized bankruptcy courts Another area of the law that is focused on process and efficiency though also based on the enforcement of contractual rights is the law governing the arbitration of disputes It is a goal of both bankruptcy process and arbitration to provide quick efficient costeffective methods for resolving disputes Ironically disputes over the enforceability of arbitration clauses in bankruptcy have resulted in extensive timeconsuming and expensive court litigation 20 TENE Omer Revisiting the creditors bargain The entitlement to the goingconcern surplus in corporate bankruptcy reorganizations Bankr Dev J 19 p 287 2002 afirmando que bankruptcy must provide parties with a set of fair and unbiased procedural rules that will allow them to conduct multiparty bargaining 21 SCHILLIG Michael Corporate Insolvency Law in the TwentyFirst Century State Imposed or Market Based Journal of Corporate Law Studies 14 1 138 2015 p 2 afirmando que In principle it is not possible for debtors and creditors to opt out of corporate insolvency law to modify the applicable procedure or to devise their own customised 24 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso concursal são descritas como suspensões da autonomia privada22 O núcleo normativo do direito concursal é formado por normas cogentes e de ordem pública que estruturam os procedimentos concursais principais como a recuperação judicial e a falência os procedimentos endofalimentares como por exemplo o pedido de restituição disciplinado nos arts 85 e seguintes da LRF determinadas normas inderrogáveis de verificação de créditos23 e acerca da competência absoluta do juízo concursal Portanto essas normas são indisponíveis não podem ser alteradas por convenções privadas por negócio jurídico processual24 nem por cláusula compromissória O rol de normas indisponíveis inclui aquelas que tratam do procedimento da recuperação judicial como por exemplo as normas sobre a competência absoluta do juízo concursal a publicidade dos atos processuais25 a forma do exercício do procedure in and for a situation in which the statutory regime has been triggered 22 SCHILLIG Michael Corporate Insolvency Law in the TwentyFirst Century State Imposed or Market Based Journal of Corporate Law Studies 14 1 138 2015 p 2 nota 9 23 PAJARDI Piero PALUCHOWSKI Alida Manuale di diritto fallimentare Settima Edizione Milano Giuffrè 2008 p 501 24 Assim ver TJSP Agravo de Instrumento Vistos 2098515 4620178260000 33ª Câmara de Direito Privado j 27112017 vu rel Des Eros Piceli entendendo que o artigo 88 do Código de Defesa do Consumidor norma de interesse público que afasta a autocomposição prevista no artigo 190 do CPC diante de sua indisponibilidade 25 Nesse sentido ver TJSP Agravo de Instrumento 2274654 7620198260000 4ª Câmara de Direito Público j 03022020 vu rel Cássio Cavalli 25 direito de voto por escrito em assembleia de credores a supressão da deliberação assemblear e o calendário processual da recuperação judicial26 as regras que versam sobre a suspensão de ações e execuções27 e as regras sobre a fase de fiscalização do Des Paulo Barcellos Gatti julgando que a publicidade dos atos processuais que é norma de ordem pública interessando não somente aos litigantes mas a toda a coletividade não sendo possível às partes convencionar acerca daquilo de que não são titulares Negócio jurídico processual art 190 do CPC2015 que não admite convenção sobre regras processuais de interesse público 26 Assim ver TJSP Agravo de Instrumento 22116904720198260000 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial j 31072020 mv rel Des Araldo Telles Recuperação Judicial Decisão homologatória do plano que em remate autorizou inúmeras medidas com esteio no art 190 do Código de Processo Civil como a possibilidade de voto escrito ao invés da instalação de assembleia geral de credores outras modalidades de publicação dos atos processuais a serem ajustadas entre as partes o processamento das habilitaçõesimpugnações judiciais perante o administrador judicial só encartadas aos autos para decisão calendário processual e redução do prazo de fiscalização judicial do caput do art 61 da Lei nº LRF Violação de normas de natureza cogente insuscetíveis de ajuste por meio de negócio processual Inaplicabilidade ao caso do art 190 do Código de Processo Civil Recomendação do exame individual de pedidos desse jaez Decisão decotada nesse particular também de ofício 27 No direito comparado ver BUSSEL Daniel J KLEE Kenneth N Recalibrating Consent in Bankruptcy American Bankruptcy Law Journal 83 4 p 663748 2009 p 704 afirmando que the automatic stay protects both debtors and creditors by allowing for the orderly restructuring or liquidation of debt and in turn the interests of creditors that would otherwise be handicapped by a race to gain access to the bankruptcy estates assets Courts have read the Bankruptcy Codes stay provisions broadly and consistently though not unanimously to deny the 26 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso cumprimento do plano art 61 da LRF28 ability of debtors and creditors to contract around this protection 28 Assim ver TJSP Agravo de Instrumento 22057608220188260000 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial j 04022019 vu rel Des Sérgio Shimura julgando que a norma que estabelece o prazo de fiscalização judicial art 61 LRJ constitui matéria de ordem pública não se sujeitando à livre deliberação dos credores sob pena de desvirtuamento do instituto A alteração ou extinção do prazo previsto no art 61 Lei nº 111012005 LRJ extrapola os limites das matérias que admitem autocomposição bem como mudanças no procedimento Deixar tal matéria à deliberação em assembleia geral de credores pode implicar ofensa direta ao princípio do acesso à Justiça e da inafastabilidade do controle jurisdicional art 5º XXXV CF O prazo de supervisão de 2 anos previsto no art 61 LRJ permite o controle jurisdicional sobre o Plano de Recuperação Judicial com vistas a harmonizar o princípio da preservação da empresa com os interesses dos credores art 47 LRJ Amplitude negocial que ademais não consta do elenco de deliberações da Assembleia Geral de Credores previsto no art 35 da Lei nº 1110105 Decisão reformada tal amplitude não consta do elenco de deliberações da Assembleia Geral de Credores previsto no art 35 da Lei nº 1110105 o que reforça a ideia de que a lei não conferiu tal liberdade aos credores Como se vê a norma que estabelece o prazo de fiscalização judicial é de ordem pública não podendo ser objeto de livre disposição ou deliberação dos credores sob pena de desvirtuamento do instituto e do próprio princípio da preservação da empresa No mesmo sentido ver TJSP Agravo de Instrumento 21906499220178260000 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial j 19022018 vu rel Des Araldo Telles TJSP Agravo de Instrumento 21178536920188260000 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial j 29072019 vu rel Des Araldo Telles TJSP Agravo de Instrumento 21412422020178260000 a 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial j 19092017 vu rel Des Fortes Barbosa TJSP Agravo de Instrumento 2245339 0320198260000 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial j Cássio Cavalli 27 A condução do processo concursal principal é confiada ao juízo recuperacional por regra inderrogável de competência absoluta É a esse juízo inclusive que compete escrutinar qualquer ato judicial ou extrajudicial que possa resultar na retirada de ativos que possa levar à subtração de valor do patrimônio da empresa recuperanda Com efeito a competência do juízo concursal da falência ou da recuperação relacionase ao interesse público e à preservação da empresa que o procedimento visa promover29 Por isso o destino do patrimônio da empresa ré em processo de recuperação judicial não pode ser atingido por decisões prolatadas por juízo diverso daquele da Recuperação sob pena de prejudicar o funcionamento do estabelecimento comprometendo o sucesso de seu plano de recuperação30 Assim por exemplo a competência do juízo concursal para a destinação de bens do patrimônio da empresa se sobrepõe à competência que a Constituição consagra em seu art 114 à Justiça do Trabalho Conquanto o juiz do trabalho seja competente para apurar a existência e o valor do crédito trabalhista compete ao juiz da recuperação judicial a satisfação do crédito31 29072020 vu rel Des Gilson Delgado Miranda 29 LAZZARINI Alexandre Alves Reflexões sobre a recuperação judicial de empresas In DE LUCCA Newton DOMINGUES Alessandra de Azevedo Org Direito recuperacional aspectos teóricos e práticos São Paulo Quartier Latin 2009 p 124136 p 124125 30 STJ CC 101552 2ª Seção j 23092009 vu rel Des Convocado Honildo Amaral de Mello Castro 31 Nesse sentido ver STF RE 583955 Tribunal Pleno j 28052009 mv rel Min Ricardo Lewandowski decidindo que a Justiça do Trabalho é competente para apurar o crédito trabalhista contra empresa em 28 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso 4 A norma geral de proibição de retirada de ativos A norma geral de proibição de retirada de ativos concretizase de vários modos Um deles consiste na norma que determina a suspensão de execuções contra a empresa em recuperação judicial art 6º da LRF Ou seja a recuperação judicial bloqueia as rotas de saída pela execução singular de créditos com excussão de bens individuais do devedor Mas não apenas A norma geral de proibição de retirada de ativos também qualquer forma de retenção arresto penhora sequestro busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens do devedor oriunda de demandas judiciais ou extrajudiciais cujos créditos ou obrigações sujeitemse à recuperação judicial ou à falência art 6º III da LRF A suspensão de ações e execuções encontra fundamento tanto na concursalidade da recuperação judicial que é o oposto da coexistência de diversas execuções singulares quanto no seu objetivo de preservar a empresa32 recuperação mas que o pagamento do crédito compete à Justiça Estadual A essa decisão conferiuse repercussão geral em 19062008 assentando que oferece repercussão geral a questão sobre qual o órgão do Poder Judiciário é competente para decidir a respeito da forma de pagamento dos créditos incluídos os de natureza trabalhista previstos no quadro geral de credores de empresa sujeita a plano de recuperação judicial 32 A jurisprudência sublinha a relação que há entre a suspensão de ações e execuções meio e a preservação da empresa fim Nesse sentido ver STJ CC 108457 2ª Seção j 10022010 vu rel Des Convocado Honildo Amaral de Mello Castro entendendo que o princípio da preservação da empresa insculpido no art 47 da Lei de Recuperação e Falências preconiza que A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômicofinanceira do devedor a fim de Cássio Cavalli 29 A importância de se suspender execuções para promoverse o fim de preservar a empresa é tal que a jurisprudência passou a determinar inclusive a suspensão da prática de atos de alienação permitir a manutenção da fonte produtora do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores promovendo assim a preservação da empresa sua função social e o estímulo à atividade econômica Motivo pelo qual sempre que possível devese manter o ativo da empresa livre de constrição judicial em processos individuais É reiterada a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça no sentido de que após a aprovação do plano de recuperação judicial da empresa ou da decretação da quebra as ações e execuções trabalhistas em curso terão seu prosseguimento no Juízo Falimentar mesmo que já realizada a penhora de bens no Juízo Trabalhista Ver também STJ CC 79170 1ª Seção j 10092008 vu rel Min Castro Meira e STJ CC 90075 j 01072008 decisão monocrática de lavra do Min Fernando Gonçalves acerca da norma de suspensão A redação do dispositivo a par das críticas relativas ao excesso de remissões parece extremamente clara preservando o direito dos credores em prosseguirem com seus pleitos individuais passado o prazo de 180 dias da data em que deferido o processamento da recuperação judicial A aplicação desses preceitos porém tem causado perplexidade pois se mostra de difícil conciliação a implementação do plano de recuperação ao mesmo tempo que o patrimônio da empresa recuperanda vai sendo chamado a responder pelas execuções individuais Portanto a decisão em conflito de competência com juízo de execução singular deve ser orientada pela confiabilidade no novel instituto da recuperação que amadurece em seu bojo o interesse social na manutenção da atividade empresária Ver também TJRJ AI 00319123020118190000 2ª Câmara Cível j 13072011 vu rel Des Jessé Torres decidindo que a suspensão a partir do deferimento do processamento de recuperação judicial nos termos dos arts 6º caput e 52 III da Lei 111012005 objetiva viabilizar a superação de situação de crise econômicofinanceira à luz do princípio da preservação da empresa 30 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso em execuções fiscais33 apesar de o 7ºB do art 6º da LRF 33 Assim ver STJ AgRg no CC 81922 2ª Seção j 09052007 mv rel Min Ari Pargendler decidindo que processado o pedido de recuperação judicial suspendemse automaticamente os atos de alienação na execução fiscal até que o devedor possa aproveitar o benefício previsto na ressalva constante da parte final do 7º do art 6º da Lei 11101 de 2005 ressalvada a concessão de parcelamento nos termos do Código Tributário Nacional e da legislação ordinária específica STJ AgRg no CC 104638 2ª Seção j 23112011 vu rel Min Nancy Andrighi entendendo que as execuções fiscais ajuizadas em face da empresa em recuperação judicial não se suspenderão em virtude do deferimento do processamento da recuperação judicial ou seja a concessão da recuperação judicial para a empresa em crise econômicofinanceira não tem qualquer influência na cobrança judicial dos tributos por ela devidos Embora a execução fiscal em si não se suspenda são vedados atos judiciais que reduzam o patrimônio da empresa em recuperação judicial enquanto for mantida essa condição Isso porque a interpretação literal do art 6º 7º da Lei 111012005 inibiria o cumprimento do plano de recuperação judicial previamente aprovado e homologado tendo em vista o prosseguimento dos atos de constrição do patrimônio da empresa em dificuldades financeiras STJ CC 116213 2ª Seção j 28092011 vu rel Min Nancy Andrighi julgando que as execuções fiscais ajuizadas em face da empresa em recuperação judicial não se suspenderão em virtude do deferimento do processamento da recuperação judicial ou seja a concessão da recuperação judicial para a empresa em crise econômico financeira não tem qualquer influência na cobrança judicial dos tributos por ela devidos Embora a execução fiscal em si não se suspenda são vedados atos judiciais que reduzam o patrimônio da empresa em recuperação judicial enquanto for mantida essa condição Isso porque a interpretação literal do art 6º 7º da Lei 111012005 inibiria o cumprimento do plano de recuperação judicial previamente aprovado e homologado tendo em vista o prosseguimento dos atos de constrição do patrimônio da empresa em dificuldades financeiras Precedentes Cássio Cavalli 31 expressamente ressalvar que as execuções de natureza fiscal não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial Assim conforme entende o STJ após o deferimento do pedido de recuperação e aprovação do respectivo plano pela assembleia geral de credores é vedada a prática de atos que comprometam o patrimônio da devedora pelo Juízo onde se processam as execuções34 Para assegurar a efetividade da norma geral de proibição da prática de atos de constrição em processos de execução fiscal deslocase para o juízo da recuperação a competência para apreciar os atos de constrição ou alienação de bens da empresa recuperanda conforme o entendimento sintetizado no Enunciado 8 da Secretaria de Jurisprudência do STJ no qual se lê que o deferimento do processamento da recuperação judicial não suspende a execução fiscal mas os atos que importem em Conflito conhecido para declarar a competência do juízo da Vara de Falência e Recuperações Judiciais do Distrito Federal para todos os atos que impliquem em restrição patrimonial da empresa suscitante 34 STJ AgRg no CC 114657 2ª Seção j 10082011 vu rel Min Sidnei Beneti entendendo que as execuções fiscais não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial contudo após o deferimento do pedido de recuperação e aprovação do respectivo plano pela assembleia geral de credores é vedada a prática de atos que comprometam o patrimônio da devedora pelo Juízo onde se processam as execuções Apesar de não se configurar em regra o conflito entre o Juízo da recuperação judicial e o Juízo Fiscal a respeito do processamento e julgamento dos feitos que perante cada qual tramitam o que a suscitante discute é a competência para determinar o destino do produto da alienação de bens perante o Juízo Fiscal Nesse caso o valor obtido com a eventual alienação de bens perante o Juízo Federal deve ser remetido ao Juízo Estadual entrando no plano de recuperação da empresa 32 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso constrição ou alienação do patrimônio da recuperanda devem se submeter ao juízo universal35 Observese aqui que a competência para a execução fiscal é mantida com o seu juiz natural porém para assegurarse a promoção da preservação da empresa deslocase para o juízo recuperacional a competência para apreciar especificamente os atos que podem representar uma saída individual da situação de insolvência Daí a jurisprudência consolidada do STJ falar em competência do juízo universal da recuperação judicial porém não para atrair para si todas as ações e execuções em que a recuperanda é parte como ocorre na falência em virtude do art 76 da LRF36 mas inequivocamente 35 Enunciado 8 da Secretaria de Jurisprudência do STJ Jurisprudência em Teses II nº 37 Brasília 2015 elaborado com base nos seguintes precedentes EDcl no REsp 1505290MG Rel Ministro Herman Benjamin Segunda Turma julgado em 28042015 DJe 22052015 AgRg no CC 136040GO Rel Ministro Marco Aurélio Bellizze Segunda Seção julgado em 13052015 DJe 19052015 AgRg no REsp 1519405PE Rel Ministro Humberto Martins Segunda Turma julgado em 28042015 DJe 06052015 AgRg no CC 133509DF Rel Ministro Moura Ribeiro Segunda Seção julgado em 25032015 DJe 06042015 AgRg no CC 138836SC Rel Ministro Paulo de Tarso Sanseverino Segunda Seção julgado em 25032015 DJe 30032015 AgRg no CC 129079SP Rel Ministro Antonio Carlos Ferreira Segunda Seção julgado em 11032015 DJe 19032015 EDcl nos EDcl no CC 128618MT Rel Ministro Luis Felipe Salomão Segunda Seção julgado em 11032015 DJe 16032015 AgRg no REsp 1462032PR Rel Ministro Mauro Campbell Marques Segunda Turma julgado em 05022015 DJe 12022015 AgRg no CC 124052SP Rel Ministro João Otávio de Noronha Segunda Seção julgado em 22102014 DJe 18112014 AgRg no REsp 1462017PR Rel Ministro Og Fernandes Segunda Turma julgado em 14102014 DJe 12112014 36 Lêse nesse dispositivo que Art 76 O juízo da falência é indivisível e Cássio Cavalli 33 atrai para si todos os atos que possam envolver a constrição ou retirada de ativos da empresa em detrimento da coletividade de credores acionistas e interessados37 Assim vejase o seguinte aresto de relatoria do Min Ricardo Villas Bôas Cueva A Segunda Seção já realizou a interpretação sistemáticoteleológica da Lei nº 111012005 admitindo a prevalência do princípio da preservação da empresa em detrimento de interesses exclusivos de determinadas classes de credores tendo atestado que após o deferimento da recuperação judicial prevalece a competência do Juízo desta para decidir sobre todas as medidas de constrição e de venda de bens integrantes do patrimônio da recuperanda Precedentes38 Com base nessa orientação jurisprudencial o jurista Manoel Justino Bezerra Filho cunhou a feliz expressão universalidade competente para conhecer todas as ações sobre bens interesses e negócios do falido ressalvadas as causas trabalhistas fiscais e aquelas não reguladas nesta Lei em que o falido figurar como autor ou litisconsorte ativo Parágrafo único Todas as ações inclusive as excetuadas no caput deste artigo terão prosseguimento com o administrador judicial que deverá ser intimado para representar a massa falida sob pena de nulidade do processo 37 Assim por exemplo ver STJ AgRg no CC n 124795 Segunda Seção j 26062013 vu rel Min Antônio Carlos Ferreira decidindo que é atribuição exclusiva do Juízo universal apreciar atos de constrição que irão interferir na preservação da atividade empresarial sendo competente para constatar o caráter extraconcursal do crédito discutido nos autos da ação de execução A concessão da recuperação judicial não suspende a realização dos atos executórios em relação aos avalistas nos termos do art 49 1º da Lei n 111012005 38 STJ REsp 1598130 3ª Turma j 07032017 vu rel Min Ricardo Villas Bôas Cueva 34 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso mitigada para referirse à competência do juízo recuperacional pois conforme ensina quanto à competência anotese que não há o juízo universal da recuperação esta universalidade apenas ocorre para o juízo da falência conforme previsto especificamente no art 76 No entanto mesmo ausente qualquer disposição de direito positivo atribuindo universalidade ao juízo da recuperação a jurisprudência já pacificada consagrou o entendimento de que há um certo tipo de universalidade para evitar que ações em andamento em outros juízos possam vir a causar óbices ao bom andamento da recuperação Poderseia dizer que o entendimento caminha no sentido de outorgar uma universalidade mitigada ao juízo da recuperação quando se trata de preservação dos bens e valores necessários ao êxito da recuperação39 Reforça esse entendimento a disciplina do art 49 3º da LRF40 relativa à suspensão de ações relativa a créditos não 39 Manoel Justino Bezerra Filho Lei de recuperação de empresas e falência Lei 111012005 comentada artigo por artigo Revista dos Tribunais 2018 edição eletrônica comentário ao art 3º apud STJ REsp 1868182 3ª Turma j 26052020 vu rel Min Nancy Andrighi 40 Lêse nesse dispositivo que 3º Tratandose de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis de arrendador mercantil de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade inclusive em incorporações imobiliárias ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais observada a legislação respectiva não se permitindo contudo durante o prazo de suspensão a que se refere o 4º do art 6º desta Lei a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua Cássio Cavalli 35 sujeitos à recuperação judicial Com efeito os créditos decorrentes de a contratos de leasing de b venda com reserva de domínio de c venda de unidades imobiliárias ou d garantidos por alienação fiduciária não se sujeitam à recuperação judicial Isto significa que as ações processuais e de direito material relativas a esses créditos i não são suspensas pela recuperação judicial e que ii a homologação do plano de recuperação pelo juízo recuperacional não altera o conteúdo desses créditos Assim por exemplo ações de busca e apreensão de bem alienado fiduciariamente41 e de reintegração de posse em contratos de leasing42 não são suspensas pelo começo da atividade empresarial 41 Nesse sentido ver TJMG AC 10024081514937002 12ª Câmara Cível j 26082009 vu rel Des Saldanha da Fonseca decidindo que o crédito proveniente de contrato garantido por alienação fiduciária não se submete à recuperação judicial não havendo que se falar em suspensão do trâmite da ação de busca e apreensão mas tão somente na manutenção do bem na posse da ré durante o período estabelecido pelo juízo onde se processa o plano 42 Os créditos decorrentes de arrendamento mercantil ou com garantia fiduciária inclusive os resultantes de cessão fiduciária não se sujeitam aos efeitos da recuperação judicial nos termos 3º do artigo 49 da Lei n 111012005 É o quanto lêse no Enunciado 2 da Secretaria de Jurisprudência do STJ Jurisprudência em Teses II nº 37 Brasília 2015 elaborado com base nos seguintes precedentes CC 131656PE Rel Ministra Maria Isabel Gallotti Segunda Seção julgado em 08102014 DJe 20102014 AgRg no REsp 1306924SP Rel Ministro Paulo de Tarso Sanseverino Terceira Turma julgado em 12082014 DJe 28082014 AgRg nos EDcl na MC 22761MS Rel Ministro Sidnei Beneti Terceira Turma julgado em 05082014 DJe 01092014 AgRg na MC 20989BA Rel Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva Terceira Turma julgado em 20032014 DJe 27032014 AgRg no REsp 1181533MT Rel Ministro 36 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso recuperação judicial e continuam a tramitar perante seu juiz natural43 Porém se essas ações envolverem a retomada de bem de capital essencial à atividade da recuperanda essas ações serão suspensas cf parte final do 3º do art 49 da LRF onde se lê não se permitindo contudo durante o prazo de suspensão a que se refere o 4º do art 6º desta Lei a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial Nesse caso também não se desloca para o juízo recuperacional a competência para a ação de busca e apreensão ou reintegração de posse apenas deslocase para o juízo universal da recuperação a competência específica para decidir acerca da essencialidade do Luis Felipe Salomão Quarta Turma julgado em 05122013 DJe 10122013 AgRg no CC 124489MG Rel Ministro Raul Araújo Segunda Seção julgado em 09102013 DJe 21112013 EDcl no RMS 41646PA Rel Ministro Antonio Carlos Ferreira Quarta Turma julgado em 24092013 DJe 11102013 AREsp 114911PR decisão monocrática Rel Ministro João Otávio de Noronha julgado em 17122014 DJe 19122014 REsp 1437988RJ decisão monocrática Rel Ministro Marco Aurélio Bellizze julgado em 14112014 DJe 24112014 REsp 1235174RJ decisão monocrática Rel Ministro Marco Buzzi julgado em 04062014 DJe 01082014 43 Assim ver TJRS CC 70031346182 6ª Câmara Cível j 20082009 vu rel Des Liége Puricelli Pires decidindo que o simples fato de tramitar no juízo suscitante ação de busca e apreensão de veículo objeto de contrato de alienação fiduciária não justifica seja remetido os autos de pedido de recuperação judicial deduzido pela parte demandada naquele feito Segundo a regra do art 49 3º da Lei 111012005 os créditos decorrentes de alienação fiduciária não se submetem à recuperação judicial não havendo portanto conexão que justifique deslocar a competência para o juízo suscitante Cássio Cavalli 37 bem para a continuação da empresa e desse modo determinar a suspensão do ato de retirada do bem44 Observese ademais que a ordem de suspensão alcança atos processuais praticados não apenas em processos de execução Conforme anotei noutra oportunidade em coautoria com o Luiz Roberto Ayoub a suspensão das ações e execuções prevista no art 6º da LRF apanha não apenas atos de constrição e expropriação judicial de bens como a penhora on line determinada em cumprimento de sentença ou em execução de título executivo extrajudicial mas também qualquer ato judicial que envolva alguma forma de constrição ou retirada de ativos da empresa devedora ordenada em sede de ação de conhecimento ou cautelar45 Neste particular cumpre fazerse uma observação acerca do disposto no art 6º 1º da LRF46 que dispõe que a recuperação judicial não suspende o curso de ações que demandarem quantia 44 Assim ver STJ CC 146631 2ª Seção j 14122016 vu rel Min Nancy Andrighi decidindo que apesar de o credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis não se submeter aos efeitos da recuperação judicial o juízo universal é competente para avaliar se o bem é indispensável à atividade produtiva da recuperanda Nessas hipóteses não se permite a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais à sua atividade empresarial art 49 3º da Lei 1110105 Precedentes e STJ REsp 1660893 3ª Turma j 08082017 vu rel Min Nancy Andrighi 45 AYOUB Luiz Roberto CAVALLI Cássio A construção jurisprudencial da recuperação judicial de empresas Rio de Janeiro Forense 2013 p 132 sem grifo no original 46 Lêse no referido dispositivo que 1º Terá prosseguimento no juízo no qual estiver se processando a ação que demandar quantia ilíquida 38 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso ilíquida ié que disserem respeito à sua existência e à determinação de seu objeto conforme dispunha o art 1533 do Código Civil de 1916 Ações judiciais com eficácia declaratória condenatória ou constitutiva preponderante não envolvem de regra risco de constrição de ativos ou de retirada de valores da empresa Por este motivo estas ações não são suspensas pelo começo do processo de recuperação judicial Porém mesmo nestas ações que prosseguem não podem ser praticados atos que colocam em risco à manutenção da empresa47 Nestes casos podese suspender o curso da própria ação ou deslocarse a competência ao juízo recuperacional para que proíba ou autorize a prática do ato Assim por exemplo já se decidiu48 que para preservarse a empresa suspendese o curso de ação de dissolução parcial de sociedade ante o desfalque que pode importar ao patrimônio da sociedade empresária recuperanda49 A determinação de suspensão de ações e execuções também 47 Assim ver TJPR AI 7838473 16ª Câmara Cível j 25032012 vu rel Des Paulo Cezar Bellio decidindo que o deferimento do processamento da recuperação judicial em regra suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor sendo vedado ao juiz naquelas que prosseguem a prática de atos que comprometam o patrimônio do devedor ou que excluam parte dele do processo de recuperação judicial Ver também TJPR AI 6756774 18ª Câmara Cível j 20102010 vu rel Des Lenice Bodstein 48 Assim ver TJRS AI 70018024786 6ª Câmara Cível j 12042007 vu rel Des Osvaldo Stefanello 49 AYOUB Luiz Roberto CAVALLI Cássio A construção jurisprudencial da recuperação judicial de empresas Rio de Janeiro Forense 2013 p 132133 Cássio Cavalli 39 abrange também o exercício da autotutela incluídas as ações de direito material isto é as ações exercidas pelo próprio titular do direito sem recorrer à ação de direito processual Conforme anotei noutra oportunidade em coautoria com o Des Luiz Roberto Ayoub não apenas atos processuais de execução são suspensos pois também será suspensa qualquer ação de direito material que acarrete desfalque patrimonial à empresa devedora50 Assim o início da recuperação judicial suspende a eficácia da pretensão de direito material isto é suspende a exigibilidade de todas as dívidas e obrigações sujeitas a seus efeitos51 Daí aliás não correr a prescrição contra credor de empresa em recuperação judicial Nesse sentido por exemplo a decretação da falência suspende o exercício do direito de retenção sobre os bens sujeitos à arrecadação art 116 I da LRF e também suspende o exercício do direito potestativo de retirada da sociedade falida art 116 II da LRF O fundamento pelo qual se pode impedir o exercício de certas posições jurídicas para evitar destruição de valor que será suportada por terceiros não constitui peculiaridade do direito recuperacional Pelo contrário decorre de uma das matrizes éticas do direito privado que informa inúmeros institutos jurídicos como por exemplo a limitação à resilição unilateral do contrato prevista no art 473 parágrafo único do Código Civil 50 AYOUB Luiz Roberto CAVALLI Cássio A construção jurisprudencial da recuperação judicial de empresas Rio de Janeiro Forense 2013 p 133 sem grifo no original 51 TJSP AI 6425344300 Câmara Reservada à Falência e Recuperação j 18082009 vu rel Des Elliot Akel 40 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso Na recuperação judicial a efetividade do tripé normativo formado pelo princípio da preservação da empresa da concursalidade do processo e da instrumentalidade da suspensão de ações e execuções depende do reconhecimento da competência do juízo recuperacional para suspender ações ou impedir a prática de atos de autotutela 5 A ilicitude da cláusula ipso facto por contrariedade à norma geral de proibição de retirada de ativos A cláusula ipso facto é outra forma pela qual um contratante pode buscar uma saída individual para a situação de insolvência Pela cláusula ipso facto buscase acelerar o vencimento do crédito Conforme observa Marcelo Sacramone a inserção da cláusula em contratos relativos a créditos não sujeitos à recuperação judicial permite uma cobrança imediata do montante ou a retirada do bem o que pode prejudicar a recuperação da atividade52 Daí porque continua o jurista essa cláusula de vencimento antecipado das obrigações embora tutele os interesses privados dos contratantes contraria o interesse público que motivou a criação do instituto da recuperação judicial Procura além disso assegurar proteção ao comportamento oportunista do credor de se beneficiar em detrimento dos demais credores A recuperação judicial foi criada pela Lei n 111012005 para permitir ao empresário superar a crise econômicofinanceira reversível que o acometia O interesse público de preservação da empresa de sua função social e do desenvolvimento econômico exigiu a criação de um instituto que 52 SACRAMONE Marcelo Barbosa Cláusula de vencimento antecipado na recuperação judicial Revista do Advogado AASP XXXVI 131 p 133139 2016 p 136 Cássio Cavalli 41 permitisse ao empresário diante de uma crise reversível recuperarse A importância da preservação da empresa como atividade altera o regime jurídico das relações anteriormente celebradas53 Além de colocar em risco a preservação da empresa a aceleração de vencimento também afronta a norma contida no art 49 2º da LRF que dispõe as obrigações anteriores à recuperação judicial observarão as condições originalmente contratadas ou definidas em lei inclusive no que diz respeito aos encargos salvo se de modo diverso ficar estabelecido no plano de recuperação judicial Para compreenderse o alcance normativo deste dispositivo cumpre terse em vista que a LRF não reproduziu a norma encontrada no art 163 da antiga Lei de Falências Decretolei 76611945 que previa que o processamento da concordata acarretava o vencimento antecipado de todos os créditos sujeitos a seus efeitos A norma concursal do art 49 2º da LRF ademais é coerente com a própria disciplina do direito contratual que não inclui o pedido de recuperação judicial ou da antiga concordata entre as causas ex lege de exigibilidade antecipada das obrigações contida no art 333 do Código Civil54 53 SACRAMONE Marcelo Barbosa Cláusula de vencimento antecipado na recuperação judicial Revista do Advogado AASP XXXVI 131 p 133139 2016 p 136 54 Lêse neste dispositivo que Art 333 Ao credor assistirá o direito de cobrar a dívida antes de vencido o prazo estipulado no contrato ou marcado neste Código I no caso de falência do devedor ou de concurso de credores II se os bens hipotecados ou empenhados forem penhorados em execução por outro credor III se cessarem ou se se tornarem insuficientes as garantias do débito fidejussórias ou reais e o devedor 42 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso O processamento da recuperação judicial não acarreta ex lege o vencimento antecipado das obrigações Esta norma coadunase com o objetivo normativo dos processos concursais pois protege valor de ativos e preserva a empresa A persecução deste objetivo é reforçada pela proibição de aceleração de vencimento ex contractu Essa proibição impede aceleração de cobrança judicial ou extrajudicial e a tomada de ativos salvo nas hipóteses expressamente autorizadas como a prevista no art 193A da LRF Estas exceções denominadas safe harbors pois colocam certas posições jurídicas em abrigo protegido contra a injunção de proibição de retirada de ativos são sabidamente prejudiciais à preservação da empresa mas mesmo assim são deliberadamente afirmadas pelo legislador para a tutela de outras posições sistemicamente sensíveis55 A proibição de aceleração de vencimento é de grande relevância ante o fato de o legislador brasileiro ter subordinado a suspensão de ações e execuções a um provimento jurisdicional do juízo recuperacional Vale dizer há entre o momento do ajuizamento da recuperação judicial e a decisão do juízo recuperacional de deferimento do processamento da recuperação judicial um lapso temporal em que contratantes podem invocar a aceleração de intimado se negar a reforçálas Parágrafo único Nos casos deste artigo se houver no débito solidariedade passiva não se reputará vencido quanto aos outros devedores solventes 55 Sobre o tema ver a excelente dissertação de MOURÃO Ricardo Genis Vencimento antecipado e compensação de contratos derivativos na recuperação judicial o tratamento dos derivativos de balcão na Lei de Recuperação e Falências FGV Direito SP Fundação Getulio Vargas São Paulo 2021 Disponível em httpsbibliotecadigitalfgvbrdspacehandle1043830988 Cássio Cavalli 43 vencimento para exercer justiça de mão própria com excussão extrajudicial de garantias por exemplo ou acelerar excussão judicial antes que o juízo recuperacional determine a suspensão das ações e execuções quando do deferimento do processamento da recuperação judicial art 6º caput cc art 52 III56 ambos da LRF Para evitar que o ajuizamento da recuperação judicial atuasse como um sinal de largada para a corrida entre credores desenvolveuse na prática jurisdicional a possibilidade de o juízo da recuperação judicial antecipar os efeitos da tutela recuperacional antes de deferir o processamento Essa prática foi cristalizada pela Lei 141122020 que incluiu no 12 do art 6º da LRF de seguinte redação 12 Observado o disposto no art 300 da Lei nº 13105 de 16 de março de 2015 Código de Processo Civil o juiz poderá antecipar total ou parcialmente os efeitos do deferimento do processamento da recuperação judicial Esta antecipação de tutela pode incluir tanto a proibição de aceleração de obrigações quanto a resolução de contratos que sejam fundadas na cláusula ipso facto A heurística descrita acima já permite concluir que a cláusula ipso facto é contrária ao ordenamento jurídico e por isso inexoravelmente nula Afinal a resolução unilateral de contratos com base na cláusula ipso facto é uma forma de saída individual que destrói o valor dos ativos e coloca em risco a recuperação da empresa em crise em detrimento da coletividade de credores acionistas e interessados Por isso normas de ordem pública tornam a matéria indisponível pela vontade das partes 56 Lêse no art 52 III da LRF que ao deferir o processamento da recuperação o juiz ordenará a suspensão de todas as ações ou execuções contra o devedor na forma do art 6º desta Lei 44 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso A importância dos contratos para a organização da empresa é fato inconteste A empresa afinal é uma conexão de contratos57 que reúne em um empreendimento cooperativo empregados acionistas fornecedores financiadores consumidores etc58 Há portanto uma inequívoca relação entre contrato e empresa59 que é percebida tanto pelo direito concursal quanto pelo direito 57 MECKLING William H JENSEN Michael C Theory of the firm managerial behavior agency costs and ownership structure In JENSEN Michael C Org A theory of the firm Cambridge Harvard University Press 2003 p 83135 e CAVALLI Cássio Empresa direito e economia Rio de Janeiro Forense 2013 p 260 e ss 58 TRIANTIS George Termination Rights in Bankruptcy The Story of Stephen Perlman v Catapult Entertainment Inc In RASMUSSEN Robert K Org Bankruptcy Law Stories New York Foundation Press 2007 p 5576 p 55 A firm is the nexus through which shareholders creditors employees suppliers and customers pursue a venture by interdependent and bilateral contracts The interdependence is most significant under the financial condition or prospect of insolvency when the various obligations of the firm outweigh and compete for the value of its assets In this state a firm cannot satisfy all its debt in full and the payment to one creditor reduces the funds available to pay other creditors Creditors race to enforce their debt Contracting partners are reluctant to perform their obligations for fear that they will spend real dollars in performing and recover only a fraction of their cost from the insolvent firm These parties have concerns that insolvency undermines the incentives of the firm which further reduces the value of the firms contract performance In particular contracting relationships often rely on extralegal forces such as the prospect of repeat dealing and reputational effects to discipline actions either when contracts cannot define performance obligations or courts cannot verify whether the promisor has met those obligations These constraints weaken when a firm is insolvent and the possibility of dissolution rises 59 ROPPO Enzo O Contrato Coimbra Almedina 1988 p 66 Cássio Cavalli 45 contratual Nesse feixe de contratos alguns podem ser considerados estratégicos e nesta medida constituem o elemento patrimonial mais valioso e necessário ao desenvolvimento da atividade empresarial60 A existência de um contrato relevante assegura a terceiros que a empresa terá um fluxo de caixa capaz de honrar os contratos com financiadores fornecedores empregados etc Nesse contexto contratos podem assumir um papel fundamental na própria organização e financiamento da empresa Por isso a resolução de um desses contratos relevantes pode frustrar não apenas os interesses da própria empresa devedora mas a comunidade de interesses que com ela contratou considerandoo elemento substancial do patrimônio da devedora61 O papel instrumental dos contratos para a atividade da empresa destacado por Enzo Roppo62 levou a uma série de 60 KIRSCHBAUM Deborah Cláusula resolutiva expressa por insolvência nos contratos empresariais uma análise econômicojurídica Revista DireitoGV 2 1 p 3754 2006 p 40 61 KIRSCHBAUM Deborah Cláusula resolutiva expressa por insolvência nos contratos empresariais uma análise econômicojurídica Revista DireitoGV 2 1 p 3754 2006 p 40 62 ROPPO Enzo O Contrato Coimbra Almedina 1988 p 6667 afirmando que As considerações precedentes ajudam a perceber como se configuram hoje as relações entre contrato e empresa Numa economia predominantemente agrícola baseada na riqueza imobiliária e em muitos aspectos ainda estática e patriarcal viuse como era a propriedade o instrumento principal da gestão dos recursos O desenvolvimento económico o consequente processo de mobilização e desmaterialização da riqueza deslocam ao invés a tônica do perfil estático do gozo e da utilização imediata quase física dos bens 46 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso transformações no direito dos contratos Para os contratos relevantes ou estratégicos o art 473 parágrafo único do Código Civil limita a possibilidade de resilição unilateral do contrato nos casos em que dada a natureza do contrato uma das partes houver feito investimentos consideráveis para a sua execução a denúncia unilateral só produzirá efeito depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos Ou seja uma vez entendido o vínculo obrigacional como um processo representado justamente pela propriedade para o perfil dinâmico da actividade de organização dos factores produtivos a empregar em operações de produção e de troca no mercado Esta relevância do momento dinâmico da actividade concreta relativamente a uma posição abstracta de domínio sobre bens encontra correspondência no papel central assumido hoje no interior do sistema normativo pelo conceito jurídico de empresa que por definição do legislador coincide justamente com o exercício profissional de uma actividade econômica organizada com vista à produção ou à troca de bens ou de serviços art 2082º cód civ Compreendese neste sentido a corrente afirmação de que no presente o processo económico é determinado e impulsionado pela empresa e já não pela propriedade A crescente importância económica do instrumento contratual assinalada no número precedente e o emergir do papel fundamental da empresa a que acaba de se fazer referência reconduzemse assim a um mesmo fenómeno de desenvolvimento e transformação do sistema produtivo e constituem processos que avançam em paralelo Se o contrato adquire relevância cada vez maior com o progressivo afirmarse do primado da iniciativa da empresa relativamente ao exercício do direito de propriedade é também porque este constitui um instrumento indispensável ao desenvolvimento profícuo e eficaz de toda a actividade económica organizada Poderia assim dizerse para resumir numa fórmula simplificante a evolução do papel do contrato que de mecanismo funcional e instrumental da propriedade ele se tornou mecanismo funcional e instrumental da empresa Cássio Cavalli 47 voltado ao adimplemento63 as partes devem cooperar de modo que o ordenamento jurídico limita a faculdade de um dos contratantes resolver unilateralmente o contrato se a resolução for causar prejuízos à sua contraparte que não poderá honrar os demais contratos em que investiu À luz do disposto no art 473 parágrafo único do Código Civil fica evidente a nulidade da cláusula ipso facto pois ela apenas autoriza uma resolução unilateral ainda que venha a causar prejuízo à empresa contratante e à rede formada pela coletividade de contratantes 6 Nulidade da cláusula ipso facto na falência A falência lêse no art 75 da LRF visa a preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens ativos e recursos produtivos inclusive os intangíveis da empresa Esta norma aplicável ao processo falimentar corresponde à norma contida no art 47 da LRF que versa sobre a preservação da empresa na recuperação judicial64 A manutenção dos contratos do falido pode desempenhar um relevante papel para maximizar o ativo ou reduzir o passivo da 63 Por todos ver COUTO E SILVA Clóvis V do A obrigação como processo Rio de Janeiro Editora FGV 2006 passim 64 A doutrina sublinha inclusive a possibilidade de preservação da empresa na falência Assim ver PUGLIESI Adriana Valéria A falência e a preservação da empresa compatibilidade Faculdade de Direito Universidade de São Paulo Doutorado em Direito São Paulo 2012 p 276 afirmando que uma das funções do direito concursal moderno é assegurar que em um processo concursal possa ser preservado o going concern value A preservação do negócio na falência não só é compatível mas desejável sempre que esta medida possa resultar na maximização da satisfação dos credores e na melhor alocação dos ativos preservando sua organização 48 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso massa falida Por isso o art 117 da LRF impede a resolução de contratos pelo mero fato da falência Lêse no referido dispositivo Art 117 Os contratos bilaterais não se resolvem pela falência e podem ser cumpridos pelo administrador judicial se o cumprimento reduzir ou evitar o aumento do passivo da massa falida ou for necessário à manutenção e preservação de seus ativos mediante autorização do Comitê 1º O contratante pode interpelar o administrador judicial no prazo de até 90 noventa dias contado da assinatura do termo de sua nomeação para que dentro de 10 dez dias declare se cumpre ou não o contrato 2º A declaração negativa ou o silêncio do administrador judicial confere ao contraente o direito à indenização cujo valor apurado em processo ordinário constituirá crédito quirografário A norma do art 117 da LRF não é nova pois praticamente reproduz o quanto já dispunha o art 4365 da antiga Lei de Falências Decretolei 76611945 Referida norma reconhece a importância da manutenção dos contratos para a preservação de valor da massa falida em benefício da coletividade de credores e interessados pois conforme anota a jurista Adriana Pugliesi 65 Liase nesse dispositivo que Art 43 Os contratos bilaterais não se resolvem pela falência e podem ser executados pelo síndico se achar de conveniência para a massa Parágrafo único O contraente pode interpelar o síndico para que dentro de cinco dias declare se cumpre ou não o contrato A declaração negativa ou o silêncio do síndico findo êsse prazo dá ao contraente o direito à indenização cujo valor apurado em processo ordinário constituirá crédito quirografário Cássio Cavalli 49 preserva i os negócios jurídicos para os quais o administrador decide dar continuidade mantendo o vínculo contratual celebrado pelo devedor antes da falência ii os negócios jurídicos celebrados no interesse da massa falida como é o exemplo do arrendamento dos bens e iii os vínculos contratuais que poderão ser transferidos ao eventual adquirente do estabelecimento na realização do ativo levada a efeito no processo falimentar66 O art 117 da LRF faz referência a contratos bilaterais que são contratos em execução executory contracts conforme a expressão norteamericana ou negócios em curso conforme a expressão adotada pelos portugueses Assim no direito falimentar a categoria dos contratos bilaterais remete aos contratos em que ambas as partes ainda estão por realizar suas prestações67 Referida norma estabelece que os contratos 66 PUGLIESI Adriana Valéria A falência e a preservação da empresa compatibilidade Faculdade de Direito Universidade de São Paulo Doutorado em Direito São Paulo 2012 p 170 67 PERIN JUNIOR Ecio Curso de Direito Falimentar e Recuperação de Empresas 4 ed São Paulo Saraiva 2011 p 328 Para os efeitos da falência o contrato é unilateral ou bilateral dependendo da situação em que se encontra à época da declaração da falência quanto ao cumprimento das obrigações contratuais Se à época da declaração da falência em determinado contrato originariamente bilateral apenas resta o cumprimento de uma obrigação por já ter uma das partes contratantes cumprido a sua o contrato é unilateral na medida em que existe apenas uma obrigação a ser cumprida Caso nenhuma das partes contratantes no referido momento tenha cumprido as obrigações contratualmente assumidas tratandose de contrato cujo cumprimento das obrigações é diferido ou tratandose de contrato em que as obrigações são continuamente cumpridas ao longo do tempo como nos contratos de 50 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso bilaterais não se resolvem pela falência Pelo contrário em caso de decretação de falência do contratante os contratos bilaterais continuam salvo68 Isto é salvo o administrador judicial antigo síndico declare que não pretende cumprir o contrato por não ser vantajoso para a massa falida Assim conforme observou Trajano de Miranda Valverde esse direito de escolha paralisa o direito que antes tinha o contraente in bonis de exigir o cumprimento do contrato69 A norma do art 117 da LRF é de natureza cogente pois tutela interesse público razão pela qual não é lícito às partes contratantes disporem ser a decretação da falência causa de resolução dos contratos70 É o quanto ensina Ricardo Tepedino fornecimento por existirem duas obrigações a serem cumpridas pelas duas partes contratantes o contrato é considerado bilateral 68 PONTES DE MIRANDA Francisco Cavalcanti Tratado de Direito Privado t XXVIII São Paulo Revista dos Tribunais 2012 p 369 afirmando que o princípio enunciado em têrmos de negação verbis não se resolvem pela falência em verdade é positivo os contratos bilaterais continuam salvo É preciso que haja manifestação de vontade do síndico mesmo pelo silêncio para que a resolução se dê Com a decretação da abertura da falência os contratos bilaterais do falido persistem expostos à resolução enquanto a pode preferir o síndico Devido à dúvida que pode ser perniciosa para o outro contraente deulhe a lei a interpelação 69 VALVERDE Trajano de Miranda Comentários à Lei de Falências v I 2 ed Rio de Janeiro Forense 1955 p 293 70 SACRAMONE Marcelo Barbosa Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência São Paulo Saraiva 2018 p 416 Essa opção atribuída ao administrador judicial pelo legislador revela efetivo poder dever Ao administrador judicial compete tutelar o interesse social de preservação da coletividade de credores cuja maximização do valor dos ativos liquidados permitirá sua maior satisfação em razão do rateio art 75 Cássio Cavalli 51 para quem as normas de uma lei falimentar não são por natureza dispositivas porque visam à proteção de interesses coletivos inclusive de natureza social Assim a regra do art 117 me parece imperativa do que deflui a nulidade da cláusula ipso facto examinada71 Como o art 117 da LRF outorga ao administrador judicial a faculdade de escolha eventual cláusula ipso facto será nula Conforme anotou Pontes de Miranda A cláusula de resolução ou a de resilição por fato que não seja a falência ou insolvência da Lei n 111012005 A norma nesses termos mais do que disciplinar a relação jurídica na ausência de manifestação anterior da autonomia de vontade das partes contratantes como ocorreria se fosse uma norma dispositiva protege o interesse comum da coletividade de credores da Massa Falida e da própria efetividade do procedimento falimentar como um modo de se preservar a empresa e de se garantir o desenvolvimento econômico nacional Ao tutelar o interesse público nesse ponto a norma falimentar possui natureza tipicamente cogente e consiste na intervenção do Estado no domínio privado regulandoo O interesse privado das partes contratantes e sua autonomia de vontade não poderiam ser exercidos em contrariedade à disciplina legal e aos interesses públicos que se pretende assegurar No caso de a condição resolutiva ser a decretação da falência a cláusula impediria a maximização dos ativos a serem liquidados para pagamento dos credores ou poderia provocar a majoração do passivo Ambas as consequências ocorreriam em detrimento da coletividade interessada A cláusula resolutiva dessa forma violaria norma cogente e deve ser considerada juridicamente impossível Como condição impossível a cláusula de resolução em razão da falência deve ser considerada inexistente e o negócio jurídico a ela subordinado permanecerá eficaz independentemente da decretação da falência 71 TEPEDINO Ricardo Comentários aos arts 105 a 138 In TOLEDO Paulo F C Salles de et al Org Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência São Paulo Saraiva 2009 p 335429 p 362 52 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso civil vale não porém a cláusula de se resolver o contrato em caso de falência ou de concurso de credores porque com ela se iria contra regras jurídicas cogentes que se conceberam a favor dos credores do falido ou do insolvente Só a lei pode aí criar trato excepcional que seria privilégio Aliás quanto à ratio legis do art 43 alínea 1ª do Decretolei n 7661 podese apontar a o fato de ser o inadimplemento em caso de falência ou de concurso de credores de eficácia geral e não só relativa ao credor b o ser voluntário o inadimplemento e ser o estado voluntário ou não de insolvência o que determina a falência ou o concurso de credores Mas em verdade à falência ou ao concurso de credores devem ir todos os credores e não só os credores figurantes de contratos bilaterais razão bastante para se submeterem ao regime comum os créditos que derivam de contratos bilaterais72 Com base nessa norma a jurisprudência reconheceu que compete ao administrador judicial antigo síndico decidir73 se cumpre ou resolve74 o contrato Logo nula porém seria a 72 PONTES DE MIRANDA Francisco Cavalcanti Tratado de Direito Privado t 25 São Paulo Revista dos Tribunais 2012 p 444445 73 Ver STJ AgRg no REsp 783032 4ª Turma j 02082012 vu rel Min Maria Isabel Galotti Cuidandose de contrato bilateral necessária a prévia interpelação do síndico para dizer quanto ao seu cumprimento pela massa no prazo da lei sem o que não há interesse para o pedido de restituição do bem alienado fiduciariamente nos termos do artigo 43 parágrafo único da Lei 766145 74 Assim ver STJ REsp 1260409 3ª Turma j 09082011 vu rel Min Nancy Adrighi decidindo que É possível ao síndico independentemente de ação própria rescindir os contratos bilaterais diferindose a apuração de danos para eventual ação a ser proposta pelo prejudicado caso entenda necessário Cássio Cavalli 53 cláusula que dispusesse não poder o síndico rescindir o contrato no caso de falência de qualquer das partes75 Caso o administrador judicial opte por resolver o contrato as perdas e danos devidas ao contratante serão habilitadas como crédito quirografário Ademais a regra do art 117 da LRF não se confunde com a possibilidade de a massa falida resolver o contrato por inadimplemento do contratante76 Neste caso pode ocorrer de o contratante dever indenizar a massa falida pelos danos decorrentes do inadimplemento Entretanto o administrador judicial pode optar por cumprir o contrato Neste caso a massa falida assume o contrato77 passando a ocupar no contrato a posição jurídica antes ocupada pelo falido78 Neste caso deve a massa falida purgar a mora 75 VALVERDE Trajano de Miranda Comentários à Lei de Falências v I 2 ed Rio de Janeiro Forense 1955 p 295 Seguindo essa orientação ver SCALZILLI João Pedro SPINELLI Luís Felipe SILVA Rodrigo Tellechea Recuperação de Empresas e Falência Teoria e prática na Lei 111012005 2ed São Paulo Almedina 2017 p 638 afirmando que deve ser tida como nula a cláusula que na linguagem da LREF obrigue o administrador judicial a manter a vigência de determinado contrato após a quebra sem dar margem para que avalie se o cumprimento vai reduzir ou evitar o aumento do passivo da massa falida ou ainda manter e preservar seus ativos 76 TJMG AI 10223970088728009 2ª Câmara Cível j 05022013 vu rel Des Brandão Teixeira decidindo que a massa falida pode resilir contrato sob o fundamento de inadimplemento 77 PONTES DE MIRANDA Francisco Cavalcanti Tratado de Direito Privado t XXVIII São Paulo Revista dos Tribunais 2012 p 371 Se o síndico faz continuar o contrato a massa falida toma seu o contrato em vez de transformar o conteúdo do contrato bilateral 78 TOLEDO Paulo Fernando Campos Salles Da personificação da massa falida Revista de Direito Mercantil n 78 ano XXIX nova série abril 54 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso quanto às prestações anteriores à quebra conforme observam Pontes de Miranda79 Trajano de Miranda Valverde80 e Ricardo Tepedino81 As prestações posteriores à quebra deverão ser cumpridas regularmente Conforme anota Trajano de Miranda junho1990 pp 4950 apud PUGLIESI Adriana Valéria A falência e a preservação da empresa compatibilidade Faculdade de Direito Universidade de São Paulo Doutorado em Direito São Paulo 2012 p 170 Paulo Fernando Campos Salles de Toledo indaga se Poderia a massa falida ser igualmente considerada sujeito de direitos e obrigações Pontua após inúmeras referências dentre as quais a mais significativa é o exemplo dos contratos bilaterais que não se resolvem com o decreto da quebra e a partir do momento em que o síndico decide dar continuidade à execução do contrato não se desprende este de um de seus antigos sujeitos passando a figurar na posição por ele antes ocupada a massa falida 79 PONTES DE MIRANDA Francisco Cavalcanti Tratado de Direito Privado t XXVIII São Paulo Revista dos Tribunais 2012 p 369 Se o síndico faz continuar o contrato bilateral mas há inadimplemento ou adimplemento ruim pode êle purgar a mora como o poderia o devedor se não estivesse falido 80 VALVERDE Trajano de Miranda Comentários à Lei de Falências v I 2 ed Rio de Janeiro Forense 1955 p 299 Se o devedor antes de lhe ser aberta a falência estava em mora poderá o síndico consoante a regra geral se quiser cumprir o contrato purgar a mora Se a outra parte é que estava em mora pode o síndico optando pela resolução do contrato pedir as perdas e danos 81 TEPEDINO Ricardo Comentários aos arts 105 a 138 In TOLEDO et al Org Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência São Paulo Saraiva 2009 p 335429 p 363 afirmando que Daí se conclui que a massa não poderá exigir que o contraente in bonis continue a cumprir sua parte enquanto ela só se dispõe a satisfazer as suas parcialmente relegando para o rateio falimentar as que se venceram antes da quebra Se se quiser a continuidade do contrato seu adimplemento deverá ser completo Cássio Cavalli 55 Valverde Se no dia da declaração da falência já havia uma das partes por força do contrato de execução sucessiva feito prestações parciais inerentes a sua obrigação resolvendo o síndico executar o contrato fica a parte obrigada a prestar o restante com o direito de exigir do outro contraente a prestação integral Pois deve considerarse o contrato como unidade jurídica e não fracionado em uma pluralidade de contratos por si mesmos existentes É o que ocorre comumente nos contratos de fornecimento parcelados de uma determinada quantidade de coisas ou de mercadorias a entregar em determinados prazos se as partes deram ao contrato a necessária unidade jurídica Se o síndico resolve manter o contrato o crédito do fornecedor mesmo naquela parte correspondente às prestações feitas anteriormente à falência é um crédito contra a massa falida82 Os contratos mantidos pela massa falida poderão inclusive ser alienados conjuntamente com ativos de modo a maximizar o valor obtido pela massa conforme dispõe o art 140 3º da LRF no qual se lê 3º A alienação da empresa terá por objeto o conjunto de determinados bens necessários à operação rentável da unidade de produção que poderá compreender a transferência de contratos específicos Se a relevância dos contratos para otimizar o valor da empresa em benefício dos credores fornece fundamento para fulminarse com nulidade a cláusula ipso facto na falência maior força terá este fundamento para o processo de recuperação judicial cujo objetivo é preservar a empresa 82 VALVERDE Trajano de Miranda Comentários à Lei de Falências v I 2 ed Rio de Janeiro Forense 1955 p 296 56 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso 7 O princípio da irrelevância da recuperação judicial para os contratos em curso O processo de recuperação judicial orientado pelo princípio da preservação da empresa contido no art 47 da LRF reconhece a relevância instrumental dos contratos para a organização e reorganização da empresa Com efeito para promover a preservação da empresa a LRF afirma a irrelevância do fato do ajuizamento de recuperação judicial para os contratos em curso ao dispor em seu art 49 2º que as obrigações anteriores à recuperação judicial observarão as condições originalmente contratadas ou definidas em lei inclusive no que diz respeito aos encargos salvo se de modo diverso ficar estabelecido no plano de recuperação judicial Este dispositivo além de afastar a aceleração de vencimento de obrigações também estatui que o fato do pedido de recuperação judicial não altera as relações contratuais da recuperanda A irrelevância do ajuizamento da recuperação judicial para os contratos também se projeta para o futuro pois o art 52 II da LRF dispensa a recuperanda de apresentar certidões inclusive do distribuidor do foro para exercer sua atividade e contratar Com base nesta norma a jurisprudência tem inclusive afastado a exigência de apresentação de certidão negativa do distribuidor contida no art 31 II da Lei 86661993 para permitir que empresa em recuperação participe de licitação e contrate com o poder público83 Se a empresa em recuperação pode celebrar contratos por 83 Assim ver STJ MC 23499 para concessão de efeito suspensivo ao REsp 1471315 decisão monocrática j 10112015 rel Min Mauro Campbell Marques Cássio Cavalli 57 conseguinte o mero fato de pedir recuperação judicial não pode constituir causa para a resolução de contratos préexistentes 8 A nulidade da cláusula ipso facto na recuperação judicial Além de não figurar entre as causas legais de resolução contratual o mero fato do ajuizamento de recuperação judicial não pode ser pactuado como cláusula resolutiva expressa O ordenamento jurídico retira do âmbito da autonomia privada o poder de contratar cláusulas ipso facto uma vez que estas tratam de um certo tipo de direito contratual que o direito concursal pode ignorar justificadamente porque elas podem ser destrutivas para o bemestar coletivo no procedimento concursal84 Com efeito o direito recuperacional interfere na disciplina contratual na medida do que for necessário para promover o objetivo de preservar a empresa85 Vale dizer não tem curso o argumento de uma irrestrita liberdade de contratar para chancelar a cláusula 84 JACKSON Thomas H The logic and limits of bankruptcy law Washington DC Beard Books 1986 reimpressão de 2001 p 43 tradução livre de ipso facto clauses in other words may reflect the type of rights that bankruptcy law is justified in ignoring because they may be destructive of the collective weal in bankruptcy 85 TRIANTIS George Termination Rights in Bankruptcy The Story of Stephen Perlman v Catapult Entertainment Inc In RASMUSSEN Org Bankruptcy Law Stories New York Foundation Press 2007 p 5576 p 56 One of bankruptcy laws governing principles is that bankruptcy should not interfere with contract rights beyond what is necessary to promote a bankruptcy policy such as preserving going concern value After all modifications to the rights of contract partners threaten to undermine the efficiency of their bilateral arrangement with the firm Accordingly the automatic stay and the debtors right to assume are subject to important limits 58 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso ipso facto Conforme ensina Marcelo Sacramone Em decorrência da recuperação judicial o regime jurídico ao qual são submetidas as diversas relações jurídicas celebradas pelo empresário devedor alteramse de um regime exclusivamente privado e individual dos contratantes para um regime peculiar Nesse novo regime as diversas relações jurídicas são apreciadas não apenas quanto aos interesses individuais de cada um dos contratantes mas também em função dos interesses dos diversos envolvidos com a manutenção do desenvolvimento daquela atividade pelo empresário86 Nos casos de recuperação judicial a interdependência das relações contratuais para a preservação da empresa ganha contornos mais nítidos87 pois as decisões dos credores acerca do plano de recuperação judicial envolvem a análise dos contratos da recuperanda determinantes que são para a capacidade de a empresa gerar um fluxo de caixa e se recuperar Nesse sentido a decisão dos credores pela aprovação de um plano de recuperação judicial é uma verdadeira decisão de celebrar um contrato de investimento Conforme ensina Charles Tabb um plano de recuperação é uma combinação de 1 um contrato entre o devedor credores e acionistas e 2 um investimento na empresa devedora reorganizada pelos credores e acionistas É um contrato no sentido que um plano normalmente é consentido por todas as 86 SACRAMONE Marcelo Barbosa Cláusula de vencimento antecipado na recuperação judicial Revista do Advogado AASP XXXVI 131 p 133139 2016 p 137 87 TRIANTIS George Termination Rights in Bankruptcy The Story of Stephen Perlman v Catapult Entertainment Inc In RASMUSSEN Robert K Org Bankruptcy Law Stories New York Foundation Press 2007 p 5576 p 55 Cássio Cavalli 59 classes de credores e acionistas que concordam em liberar suas pretensões ou participações societárias anteriores em troca de um tratamento oferecido pelo plano e os acordos semelhantes de outras classes Um plano é um investimento no sentido de que esses credores e acionistas decidem investir na empresa reorganizada ou seu sucessor por meio da negociação de suas pretensões ou participações societárias préconcursais por pretensões ou participações societárias oferecidas pelo plano após receberem as informações adequadas sobre o plano88 A decisão de investimento a que se refere Charles Tabb leva em consideração a manutenção ou não de contratos relevantes para a geração de caixa da empresa Assim por exemplo a resolução de contrato estratégico por privar a empresa de um fluxo de caixa futuro é determinante para que i eventuais financiadores se abstenham de aportar recursos necessários à recuperação e ademais ii os credores sujeitos à recuperação tenderão a não querer investir no plano de recuperação A resolução de um contrato relevante portanto é capaz de levar uma empresa à 88 TABB Charles J The law of bankruptcy 4ed St Paul West Academic Publishing 2013 p 1084 tradução livre de a plan of reorganization is a combination of 1 a contract between the debtor creditors and equity and 2 an investment in the reorganized debtor by creditors and equity holders It is a contract in the sense that a plan normally is assented to by all classes of creditors and interest holders who agree to relinquish their prior claim or interest in exchange for the treatment offered by the plan and the like agreement of other classes A plan is an investment in the sense that those creditors and interest holders decide to invest in the reorganized debtor or its successor by trading their prebankruptcy claims or interests for claims or interests offered by the plan after receiving adequate disclosure about the plan 60 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso falência com substancial destruição de valor O direito concursal não pode coonestar a destruição infundada de valor e bemestar da coletividade de credores acionistas e contratantes Assim consoante decidiu a 5ª Câmara Cível do TJRS A recuperação judicial tem o intuito de propiciar ao devedor a superação de dificuldades econômicofinanceiras visando à preservação da empresa e evitando os negativos reflexos sociais e econômicos que o encerramento das atividades empresariais poderia causar Princípio da preservação da empresa Inteligência do art 47 da Lei nº 111012005 Dessa forma com vistas à preservação das empresas e à viabilidade da recuperação judicial deve ser suspensa por ora a cláusula que possibilita a rescisão do contrato firmado com a Petrobrás Distribuidora SA para a hipótese do pedido de recuperação judicial diante da especialidade e da existência de garantia hipotecária no contrato entabulado89 Ou seja conforme consignou o Des Elliot Akel em aresto de sua relatoria Eventual previsão contratual no sentido de que o contrato considerase automaticamente rescindido apenas em face do requerimento ou deferimento do processamento da recuperação judicial não pode se sobrepor ao espírito da lei a não ser que a própria norma legal excepcione hipótese em contrário o que não é o caso Daí porque correta relativamente a tal negócio a ordem para que o agravante se abstenha de declarar ou considerar antecipadamente vencidas as dívidas e rescindido contrato bilateral de execução continuada ou trato sucessivo90 89 TJRS AI 70064348923 5ª Câmara Cível j 16122015 vu rel Des Jorge André Pereira Gailhard 90 TJSP AI 90386574320098260000 Câmara Especial de Falências e Recuperações Judiciais j 18082009 vu rel Des Elliot Akel sem grifo Cássio Cavalli 61 As normas de direito concursal tisnam a cláusula ipso facto com a pecha da nulidade São várias as razões que fundamentam a nulidade Em primeiro lugar a cláusula ipso facto priva a recuperanda e a coletividade de credores acionistas e contratantes de contratos que por possuírem um valor positivo são relevantes ou estratégicos para a recuperanda e para a sua reestruturação91 Em segundo lugar a cláusula ipso facto permite à parte contratante liberarse imotivadamente do vínculo contratual sem indenizar os danos daí decorrentes92 Ora consoante a expressiva dicção de Deborah Kirschbaum aquele que pretende resolver um contrato sem que sua contraparte tenha dado causa à resolução deve ressarcila adequadamente pelas perdas e danos causados Esse ressarcimento funciona como a contrapartida pela transferência de riqueza A ipso facto não apenas libera o contratante mas também lhe confere o direito de causar dano sem ter de pagar por isso93 Em terceiro lugar pela cláusula ipso facto as partes contratantes dispõem sobre interesse alheio pois quem sofre as no original 91 KIRSCHBAUM Deborah Cláusula resolutiva expressa por insolvência nos contratos empresariais uma análise econômicojurídica Revista DireitoGV 2 1 p 3754 2006 p 50 92 KIRSCHBAUM Deborah Cláusula resolutiva expressa por insolvência nos contratos empresariais uma análise econômicojurídica Revista DireitoGV 2 1 p 3754 2006 p 41 93 KIRSCHBAUM Deborah Cláusula resolutiva expressa por insolvência nos contratos empresariais uma análise econômicojurídica Revista DireitoGV 2 1 p 3754 2006 p 41 62 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso consequências da cláusula ipso facto são os demais credores acionistas e contratantes Por isso a empresa contratante não tem incentivos para negociar a supressão da cláusula ipso facto uma vez que quem sofrerá as eventuais consequências da eventual resolução do contrato são terceiros que não se encontram em posição de negociar a supressão da cláusula É por isso aliás as cláusulas ipso facto são frequentes na prática contratual94 Também por isso a cláusula ipso facto é ilegítima95 pois não se deve reconhecer cláusulas negociadas pelo devedor cujo impacto será sentido quase exclusivamente pelos outros credores96 Vale dizer a cláusula ipso facto é fonte de 94 Referindo a frequência da cláusula ver VALVERDE Trajano de Miranda Comentários à Lei de Falências v I 2 ed Rio de Janeiro Forense 1955 p 294 É comum entretanto as partes pactuarem a rescisão do contrato no caso de falência de um dos contraentes A cláusula encontrase geralmente nos contratos de execução continuada como no de locação de coisas KIRSCHBAUM Deborah Cláusula resolutiva expressa por insolvência nos contratos empresariais uma análise econômicojurídica Revista DireitoGV 2 1 p 3754 2006 p 37 95 KIRSCHBAUM Deborah Cláusula resolutiva expressa por insolvência nos contratos empresariais uma análise econômicojurídica Revista DireitoGV 2 1 p 3754 2006 p 48 afirmando que a cláusula ipso facto é ilegítima por privar à massa ou à empresa sob recuperação o direito de beneficiarse de valor positivo de um determinado direito contratual de um lado essa privação acaba sendo suportada pelos demais credores que contratam com base num determinado patrimônio não participando da contratação que prevê a ipso facto mas sofrem a perda de valor de tal patrimônio pela subtração de elemento que deveria integrálo de outro a cláusula substancialmente equivale a um mecanismo de isolamento privado ou blindagem contra os efeitos da insolvência da contraparte 96 JACKSON Thomas H The logic and limits of bankruptcy law Cássio Cavalli 63 externalidades negativas pois conforme observa Marcelo Sacramone ainda que convencionada para reduzir o risco de inadimplemento da prestação a cláusula agrava a crise econômicofinanceira do devedor e beneficia um único contratante em detrimento dos interesses de todos os demais envolvidos na manutenção da atividade econômica como o interesse dos trabalhadores dos consumidores dos demais fornecedores e da coletividade como um todo beneficiada com a produção e circulação de bens ou serviços97 Ademais a cláusula ipso facto é abusiva e disfuncional pois apenas atua como uma cláusula in terrorem98 para impedir que o contratante peça recuperação judicial ainda que necessite Ou seja a única função da cláusula ipso facto seria dissuadir a empresa de buscar rapidamente sua recuperação Conforme observou o Eros Roberto Grau ao tempo da concordata admitir a validade da cláusula equivaleria a conferir validade ao enunciado de regra em virtude da qual o paciente se obrigasse a Washington DC Beard Books 1986 reimpressão de 2001 p 4243 tradução livre de parte de trecho The group that is likely to bear the costs of this clause in bankruptcy accordingly is not the debtor or its shareholders but the other creditors Thus the debtor may have no particular incentive in negotiating loans to exclude such clauses and other creditors may have no effective way of forcing the debtor to exclude them It may be preferable therefore to refuse to recognize clauses negotiated by the debtor whose impact will be felt almost exclusively by other creditors 97 SACRAMONE Marcelo Barbosa Cláusula de vencimento antecipado na recuperação judicial Revista do Advogado AASP XXXVI 131 p 133139 2016 p 139 98 JACKSON Thomas H The logic and limits of bankruptcy law Washington DC Beard Books 1986 reimpressão de 2001 p 42 64 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso não ingerir a droga apropriada para o combate a determinada moléstia caso a contraísse99 A disciplina recuperacional acerca dos negócios em curso é idêntica à da falência com uma única exceção na falência o administrador judicial escolha se a massa cumprirá ou resolverá os contratos art 117 da LRF na recuperação judicial os contratos são mantidos art 49 2º da LRF e não há norma expressa a permitir que a recuperanda escolha se cumprirá ou não os contratos mas a interpretação sistemática impõe que se reconheça o direito da recuperanda de rejeitar contratos bilaterais que tenham valor negativo para seus projetos Na recuperação judicial o ordenamento jurídico interfere no direito contratual e impede a resolução de contratos pelo mero fato do pedido de recuperação O contrato prossegue normalmente e afastada a cláusula ipso facto a disciplina contratual não é afetado pelo direito concursal As prestações devidas após o pedido de recuperação deverão ser adimplidas normalmente enquanto créditos extraconcursais100 Assim conforme decidiu o TJRJ não se deve admitir a rescisão contratual pela agravante quando esta tiver como causa única o ajuizamento da recuperação judicial uma vez que a cláusula 99 GRAU Eros Roberto Concordata garantia por fiança e vencimento antecipado das obrigações Revista dos Tribunais São Paulo v 622 1987 p 1622 p 21 100 TJSP AI 21126148920158260000 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial j 29072015 vu rel Des Pereira Calças Aluguéis e encargos relativos a período posterior ao pedido de recuperação judicial Estão sujeitos à recuperação judicial apenas os aluguéis vencidos na data do pedido Art 49 da Lei nº 1110105 Cássio Cavalli 65 contratual que prevê tal possibilidade coloca a recorrida em posição de extrema desvantagem rompe com a presunção de igualdade contratual característica dos contratos empresariais e ainda pode frustrar a salvação da empresa agravada Admite se porém a rescisão dos contratos pela agravante quando fundada nas demais hipóteses previstas nas cláusulas contratuais constantes dos respectivos instrumentos contratuais vale dizer quando houver inadimplemento das obrigações assumidas pela agravada101 Esta distinção é relevante não apenas para identificar a disciplina do contrato durante a recuperação judicial mas também para determinar qual juízo é competente para conhecer e julgar quais disputas relacionadas ao contrato e à recuperação judicial 9 A arbitrabilidade de disputas relativas à cláusula ipso facto A recuperação judicial ou falência não afetam negativamente i a arbitrabilidade subjetiva por limitações na capacidade de 101 TJRJ AI 00024372420148190000 5ª Câmara Cível j 25022014 vu rel Des Heleno Ribeiro P Nunes 66 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso contratar102103 ii a discussão sobre a autonomia da cláusula compromissória em relação ao contrato em que tiver inserta nem iii as discussões sobre a arbitrabilidade objetiva das questões patrimoniais disputadas em ações incidentais à recuperação judicial e à falência como as habilitações retardatárias e as impugnações que versam sobre a existência importância e classificação de créditos art 8º da LRF Com efeito apesar de ser inequívoco que empresas em recuperação judicial e massas falidas podem tomar parte em disputas arbitrais devese verificar se a matéria a ser submetida à arbitragem passa no teste da arbitrabilidade objetiva104 102 Assim ver Enunciado 6 da I Jornada Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios do CJF O processamento da recuperação judicial ou a decretação da falência não autoriza o administrador judicial a recusar a eficácia da convenção de arbitragem não impede a instauração do procedimento arbitral nem o suspende e Enunciado 75 da II Jornada de Direito Comercial do CJF Havendo convenção de arbitragem caso uma das partes tenha a falência decretada i eventual procedimento arbitral já em curso não se suspende e novo procedimento arbitral pode ser iniciado aplicandose em ambos os casos a regra do art 6º 1º da Lei n 111012005 e ii o administrador judicial não pode recusar a eficácia da cláusula compromissória dada a autonomia desta em relação ao contrato Ver também STJ REsp 1355831 Terceira Turma j 19032013 vu rel Min Sidnei Benetti 103 STJ REsp 1959435 Terceira Turma j 30082022 vu rel Min Nancy Andrighi Diante da falência de uma das contratantes que firmou cláusula compromissória o princípio da KompetenzKompetenz deve ser respeitado impondo ao árbitro avaliar a viabilidade ou não da instauração da arbitragem 104 BENETTI Giovana Arbitragem e empresas em crise o problema da arbitrabilidade objetiva Revista Jurídica LusoBrasileira 5 1 p 879917 Cássio Cavalli 67 Como regra geral são arbitráveis os litígios que versam sobre direitos patrimoniais disponíveis conforme dispõe o art 1º da Lei 93071996 LBA Assim nada obsta a que empresa em recuperação judicial participe de disputas arbitrais voltadas a declarar a existência e a quantificar de direitos contratuais Nesses casos o procedimento arbitral toma o lugar dos procedimentos incidentais de habilitação retardatária ou impugnação arts 8º e 10º da LRF e a jurisdição arbitral convive harmoniosamente com a jurisdição estatal da recuperação judicial Entretanto o fato da recuperação judicial subtrai determinados direitos da esfera da disponibilidade da recuperanda Assim conquanto a empresa em recuperação judicial conserve os poderes de administração dos seus interesses art 64 da LRF não lhe é lícito por exemplo onerar ou alienar bem de seu ativo permanente sem autorização do juízo recuperacional art 66 da LRF Observese aqui que as normas concursais de limitação ao poder de disposição sobre determinado direito patrimonial andam de mãos dadas com normas que outorgam ao juízo recuperacional a competência para escrutinar autorizar proibir ou supervisionar a prática do ato de disposição que possa afetar o patrimônio da empresa devedora e o interesse da coletividade de credores e interessados 2019 p 911 afirmando que sendo certo que empresas em crise podem participar de processo arbitral devese atentar para um segundo ponto as matérias passíveis de submissão à arbitragem Assim devese investigar se a matéria discutida em determinado caso é revestida de arbitrabilidade objetiva 68 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso 10 Competência absoluta do juízo recuperacional como limite à arbitrabilidade objetiva Questões relativas ao procedimento recuperacional ao patrimônio da recuperanda e ao interesse da coletividade de credores constituem matérias de competência absoluta do juízo concursal E as normas que asseguram a competência absoluta do juízo estatal para presidir o procedimento da recuperação judicial constituem o primeiro limite à arbitrabilidade objetiva pois o próprio procedimento recuperacional ou falimentar não pode ser conduzido por tribunal arbitral105 Assim conforme observa Giovana Benetti em admirável monografia sobre a arbitrabilidade de disputas envolvendo empresas insolventes Matérias essencialmente vinculadas ao procedimento de recuperação judicial ou falência bem como seu desenvolvimento em si não podem ser submetidas à arbitragem Esse critério é aceito tanto no direito brasileiro quanto no francês e no norteamericano106 Nesse mesmo sentido é a expressiva dicção do jurista Paulo Fernando Campos Salles de Toledo tudo o que disser respeito à recuperação judicial sujeitase naturalmente ao crivo do juiz que preside esse processo Além do mais tratase de um processo judicial não parecendo fazer sentido submeter o mesmo feito ao 105 MORAES Felipe Ferreira Machado Arbitragem e falência In CARMONA Carlos Alberto LEMES Selma Ferreira MARTINS Pedro Batista Org 20 anos da Lei de Arbitragem Homenagem a Petrônio R Muniz São Paulo Atlas 2017 p 763792 p 765 fazendo referência ao processo falimentar 106 BENETTI Giovana Arbitragem e empresas em crise o problema da arbitrabilidade objetiva Revista Jurídica LusoBrasileira 5 1 p 879917 2019 p 911 Cássio Cavalli 69 mesmo tempo à jurisdição estatal e à arbitral107 O rol de atos de competência do juízo concursal abrange todos os atos do procedimento principal de recuperação judicial Assim constituem atos de competência absoluta do juízo recuperacional por exemplo i deferir o processamento da recuperação judicial art 52 da LRF ii determinar a suspensão de ações e execuções contra a recuperanda art 6º cc art 52 III ambos da LRF iii nomear e destituir o administrador judicial art 52 I e art 23 ambos da LRF iv convocar a assembleia geral de credores art 56 da LRF v determinar a inclusão de crédito no quadro geral de credores art 15 da LRF vi homologar o plano de recuperação judicial art 58 da LRF vii convolar a recuperação judicial em falência em caso de descumprimento do plano art 61 da LRF e viii encerrar a recuperação judicial art 63 da LRF As normas da LRF sobre o procedimento de recuperação judicial por possuírem natureza cogente não podem ser alteradas pela vontade das partes especialmente as que integram o núcleo normativo do concurso Assim conforme registra Vesna Lazic as questões relacionadas à própria falência estão fora da jurisdição dos árbitros ou que tais questões não são arbitráveis Certamente não sendo uma matéria puramente privada questões envolvendo direito falimentar e insolvência são tradicionalmente consideradas fora do alcance da arbitragem Em princípio um árbitro não será competente para declarar alguém falido ou para nomear o administrador judicial Questões puramente falimentares em particular as que empregam procedimentos 107 TOLEDO Paulo F C Salles de Arbitragem e insolvência Revista de Arbitragem e Mediação 20 2552 2009 p 43 70 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso especiais previstos pela legislação nacional sobre insolvência tais como a verificação inventariação arrecadação e distribuição de ativos geralmente não são temas para serem decididos por um árbitro mas pelos tribunais estatais nacionais competentes com jurisdição sobre falência108 Ante a amplitude da competência do juízo recuperacional pode se recorrer ao critério de classificação adotado pelo direito norte americano segundo o qual as normas procedimentais concursais classificamse em nucleares core das nãonucleares non core109 Assim por exemplo integram o rol de disposições nucleares que desempenham as funções centrais do juízo recuperacional estatal as decisões acerca de pedidos de término da ordem de suspensão de execução individual a motion to terminate the automatic stay against creditor collection activities e as decisões correlatas acerca da resilição de contratos bilaterais em curso a motion to reject an executory contract110 108 Vesna Lazic Insolvency proceedings and commercial arbitration 1998 p 4243 apud MORAES Felipe Ferreira Machado Arbitragem e falência In CARMONA Carlos Alberto LEMES Selma Ferreira MARTINS Pedro Batista Org 20 anos da Lei de Arbitragem Homenagem a Petrônio R Muniz São Paulo Atlas 2017 p 763792 p 765 109 RESNICK Alan N The Enforceability of Arbitration Clauses in Bankruptcy Am Bankr Inst L Rev 15 p 183 2007 p 193194 110 RESNICK Alan N The Enforceability of Arbitration Clauses in Bankruptcy Am Bankr Inst L Rev 15 p 183 2007 p 193194 afirmando que In general core proceedings are those that are directly related to a bankruptcy courts central functions for example an objection to a creditors proof of claim filed in the bankruptcy case a motion to terminate the automatic stay against creditor collection activities a motion Cássio Cavalli 71 Em síntese o juízo da recuperação judicial é competente para i a prática de todos os atos nucleares do processo de recuperação judicial para ii decidir sobre todos os atos que possam afetar o patrimônio da devedora e colocar em risco a recuperação da empresa e para iii para decidir sobre matérias de interesse da coletividade de credores acionistas e contratantes A competência absoluta do juízo recuperacional afasta a arbitrabilidade objetiva acerca dessas matérias assim como ocorre em Portugal onde se suspendem as convenções arbitrais respeitantes a litígios cujo resultado possa influenciar o valor da massa111 e na Espanha onde se pode suspender os convênios arbitrais quando puder haver um prejuízo para a tramitação do concurso112 to reject an executory contract or an adversary proceeding to determine the dischargeability of a particular debt A nonexclusive list of core proceedings may be found in section 157b2 If a proceeding is core the bankruptcy judge may determine the matter by entering an appropriate order or judgment subject to ordinary appellate review in the district court or bankruptcy appellate panel 111 Lêse no art 87º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas CIRE 1 Fica suspensa a eficácia das convenções arbitrais em que o insolvente seja parte respeitantes a litígios cujo resultado possa influenciar o valor da massa sem prejuízo do disposto em tratados internacionais aplicáveis 112 Lêse no art 52 da Leye 222003 de 9 de julio Concursal com a reforma de 21 de maio de 2011 dispõe Artículo 52 Procedimientos arbitrales 1 La declaración de concurso por sí sola no afecta a los pactos de mediación ni a los convenios arbitrales suscritos por el concursado Cuando el órgano jurisdiccional entendiera que dichos pactos o convenios pudieran suponer un perjuicio para la tramitación del concurso podrá acordar la suspensión de sus efectos todo ello sin perjuicio de lo dispuesto 72 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso É inequívoco que cabe ao árbitro decidir acerca da validade e eficácia da cláusula compromissória e assim delimitar o âmbito do exercício da jurisdição arbitral art 8º parágrafo único da LBA No entanto também é inequívoco que a decisão do árbitro acerca de sua jurisdição pode dar origem a um conflito positivo de competência rectius jurisdição com um juízo estatal conforme entendimento pacificado na jurisprudência do STJ113 en los tratados internacionales Ademais o art 8 3º e 4º da da Leye 222003 de 9 de julio Concursal com a redação que lhe emprestou a reforma de 21 de maio de 2011 reza que Artículo 8 Juez del concurso Son competentes para conocer del concurso los jueces de lo mercantil La jurisdicción del juez del concurso es exclusiva y excluyente en las siguientes materias 3º Toda ejecución frente a los bienes y derechos de contenido patrimonial del concursado cualquiera que sea el órgano que la hubiera ordenado 4º Toda medida cautelar que afecte al patrimonio del concursado excepto las que se adopten en los procesos que quedan excluidos de su jurisdicción en el párrafo 1º de este precepto y en su caso de acuerdo con lo dispuesto en el artículo 52 las adoptadas por los árbitros en las actuaciones arbitrales sin perjuicio de la competencia del juez para acordar la suspensión de las mismas o solicitar su levantamiento cuando considere que puedan suponer un perjuicio para la tramitación del concurso 113 Assim ver STJ CC 111230 2ª Seção j 08052013 vu rel Min Nancy Andrighi decidindo que a atividade desenvolvida no âmbito da arbitragem tem natureza jurisdicional sendo possível a existência de conflito de competência entre juízo estatal e câmara arbitral STJ CC 146939 2ª Seção j 23112016 vu rel Min Marco Aurélio Belizze julgando que de acordo com o atual posicionamento sufragado pela Segunda Seção desta Corte de Justiça compete ao Superior Tribunal de Justiça dirimir conflito de competência entre Juízo arbitral e órgão jurisdicional estatal partindose naturalmente do pressuposto de que a Cássio Cavalli 73 O que também poderá constituir matéria para eventual ação anulatória art 33 cc art 20 2º ambos da LBA a ser distribuída por dependência ao juízo concursal caso ela diga respeito a crédito concursal114 Daí a importância em verificarse detalhadamente as condições de arbitrabilidade para disputas envolvendo empresas em recuperação judicial Com efeito em disputa contratual envolvendo empresa em recuperação o tribunal arbitral é competente para conhecer e julgar as disputas arbitrais voltadas a declarar a existência e a quantificar de direitos contratuais do mesmo modo que ocorreria se nenhuma das partes estivesse em recuperação judicial Assim as ações indenizatórias envolvendo a recuperanda serão regidas por normas contratuais processuais e de distribuição comuns tanto no direito norteamericano115 quanto no direito brasileiro116 atividade desenvolvida no âmbito da arbitragem possui natureza jurisdicional 11 O conflito positivo de competência afigurase caracterizado não apenas quando dois ou mais Juízos de esferas diversas declaramse simultaneamente competentes para julgar a mesma causa mas também quando sobre o mesmo objeto duas ou mais autoridades judiciárias tecem deliberações excludentes entre si 114 TOLEDO Paulo F C Salles de Arbitragem e insolvência Revista de Arbitragem e Mediação 20 2552 2009 p 45 115 RESNICK Alan N The Enforceability of Arbitration Clauses in Bankruptcy Am Bankr Inst L Rev 15 p 183 2007 p 193194 Proceedings that are only related to a bankruptcy case such as a breach of contract action commenced by a trustee in bankruptcy against a third party that does not present any bankruptcy issues are noncore 116 Lêse no art 76 caput da LRF O juízo da falência é indivisível e competente para conhecer todas as ações sobre bens interesses e negócios do falido ressalvadas as causas trabalhistas fiscais e aquelas não reguladas nesta Lei em que o falido figurar como autor ou litisconsorte ativo 74 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso Entre essas matérias evidentemente não se inclui a cláusula ipso facto pelo pedido de recuperação judicial pois disputas em torno dessa cláusula somente exsurgem em caso de pedido de recuperação Neste caso a higidez da cláusula compromissória não pode confiar à jurisdição arbitral a análise da cláusula ipso facto pois esta matéria integra o núcleo normativo do processo de recuperação judicial Assim a cláusula compromissória será reputada nula por atribuir à jurisdição arbitral matéria nucleares do direito recuperacional de competência absoluta do juízo recuperacional O destinatário destas normas é a coletividade de credores acionistas e contratantes da empresa devedora Por isso as matérias conformadoras dos procedimentos concursais não constituem direito patrimonial disponível das partes tanto no sentido de não serem disponíveis isto é por não poderem ser objeto de disposição negocial quanto por não serem de titularidade das partes do contrato Daí concluirse pela ausência de legitimação por falta de titularidade das partes do contrato para dispor sobre a cláusula compromissória para remeter à jurisdição arbitral a decisão sobre uma das normas nucleares dos procedimentos de recuperação judicial e de falência117 117 BETTI Emilio Teoria general del negocio juridico 2ed Madrid Editorial Revista de Derecho Privado 1959 p 177 A titularidade diz respeito à relação de idoneidade entre o sujeito e determinado objeto jurídico enquanto a legitimação diz respeito a considerar quem e frente a quem pode corretamente concluir o negócio para que esse possa irradiar os efeitos jurídicos conformes à sua função e congruentes com a intenção prática normal das partes Assim a legitimação cuida de identificar quem pode exercer determinado direito ou seja de regra somente se legitima a exercer um direito quem demonstrar ser seu titular Cássio Cavalli 75 Com efeito conquanto as partes do contrato sejam capazes para prática de atos de disposição art 1º da LBA elas não se legitimam a dispor sobre direitos alheios assegurados pelas normas procedimentais cogentes da recuperação judicial e da falência Nesse sentido também se manifesta um limite à arbitrabilidade subjetiva quanto ao poder de dispor sobre direito titularizado por terceiros no caso a coletividade de credores acionistas e contratantes de uma empresa insolvente A competência do juízo recuperacional inclui processar e julgar disputas que possam resultar na destruição de valor do patrimônio do devedor como por exemplo as cláusulas ipso facto de aceleração vencimento de dívidas que possibilitam a remoção extrajudicial de ativos relevantes ou a resolução de contratos relevantes para a recuperanda Essas normas procedimentais e de competência também constituem garantias processuais individuais de cada um dos credores e interessados integrantes da coletividade tutelada pelas normas concursais118 isto é garantias de que todos os integrantes da coletividade estarão sujeitos às mesmas normas e não poderão exercer individualmente suas pretensões em detrimento da coletividade Na terminologia econômica dizse que as normas concursais visam impedir que o comportamento de dois 118 As normas procedimentais da recuperação judicial inclusive as relativas ao exercício de direitos políticos de voto são concretizações do princípio constitucional do devido processo legal art 5º LIV da Constituição Federal segundo a qual os credores não serão privados de seus créditos sem o devido procedimento recuperacional Nesse sentido as normas da LRF sobre o procedimento da recuperação judicial constituem verdadeiro direito fundamental dos credores 76 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso contratantes cause externalidades negativas sobre os demais interessados na empresa Com efeito as normas concursais nucleares serão sempre cogentes não disponíveis e portanto não passam no teste da arbitrabilidade objetiva Consoante a lição do prof Cândido Rangel Dinamarco Da natureza do compromisso como negócio jurídico e da derrogação da jurisdição estatal operada pela opção arbitral decorre que quando os bens direitos obrigações ou relações jurídicas controvertidos forem insuscetíveis de disposição aí também a arbitragem não será admissível Há um estreito paralelismo entre a possibilidade ou impossibilidade da disposição de direitos e a admissibilidade ou inadmissibilidade da renúncia à jurisdição estatal As mesmas razões de ordem pública conducentes à indisponibilidade de direitos no plano jurídico material conduzem de igual modo à inadmissibilidade da arbitragem em relação aos direitos havidos como indisponíveis por que optar por esta significa abrir mão da segurança jurídica inerente à estrita legalidade pela qual se rege o exercício da jurisdição pelos juízes togados e da possibilidade de acesso aos órgãos superiores do Poder Judiciário119 E em nota de rodapé explica A estrita legalidade referida no texto acima é legalidade processual sabendose que o processo por árbitros não se sujeita à rigidez das normas do processo contidas nas leis processuais princípio da legalidade das formas sendo notória a grande liberdade formal inerente ao processo arbitral120 119 DINAMARCO Cândido Rangel A arbitragem na teoria geral do processo São Paulo Malheiros 2013 p 7576 120 DINAMARCO Cândido Rangel A arbitragem na teoria geral do processo São Paulo Malheiros 2013 p 76 nota 7 Cássio Cavalli 77 11 Bibliografia ASCARELLI Tullio Funzioni economiche e istituti giuridici nella tecnica dellinterpretazione In Tullo Ascarelli Studi di diritto comparato e in tema di interpretazione Milano Giuffrè 1952 p 5578 AYOUB Luiz Roberto CAVALLI Cássio A construção jurisprudencial da recuperação judicial de empresas Rio de Janeiro Forense 2013 BENETTI Giovana Arbitragem e empresas em crise o problema da arbitrabilidade objetiva Revista Jurídica Luso Brasileira 5 1 p 879917 2019 BETTI Emilio Teoria general del negocio juridico 2ed Madrid Editorial Revista de Derecho Privado 1959 BUSSEL Daniel J KLEE Kenneth N Recalibrating Consent in Bankruptcy American Bankruptcy Law Journal 83 4 p 663 748 2009 CARVALHO DE MENDONÇA José Xavier Tratado de direito commercial brazileiro VII parte I Rio de Janeiro Typ Besnard Frères 1916 CAVALLI Cássio Empresa direito e economia Rio de Janeiro Forense 2013 COUTO E SILVA Clóvis V do A obrigação como processo Rio de Janeiro Editora FGV 2006 DINAMARCO Cândido Rangel A arbitragem na teoria geral do processo São Paulo Malheiros 2013 GRAU Eros Roberto Concordata garantia por fiança e 78 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso vencimento antecipado das obrigações Revista dos Tribunais São Paulo v 622 1987 JACKSON Thomas H The logic and limits of bankruptcy law Washington DC Beard Books 1986 reimpressão de 2001 KIRSCHBAUM Deborah Cláusula resolutiva expressa por insolvência nos contratos empresariais uma análise econômico jurídica Revista DireitoGV 2 1 p 3754 2006 KIRSCHBAUM Deborah Cláusula resolutiva expressa por insolvência nos contratos empresariais uma análise econômico jurídica Revista DireitoGV 2 1 p 3754 2006 LAZZARINI Alexandre Alves Reflexões sobre a recuperação judicial de empresas In DE LUCCA Newton DOMINGUES Alessandra de Azevedo Org Direito recuperacional aspectos teóricos e práticos São Paulo Quartier Latin 2009 p 124136 MECKLING William H JENSEN Michael C Theory of the firm managerial behavior agency costs and ownership structure In JENSEN Michael C Org A theory of the firm Cambridge Harvard University Press 2003 p 83135 MORAES Felipe Ferreira Machado Arbitragem e falência In CARMONA Carlos Alberto LEMES Selma Ferreira MARTINS Pedro Batista Org 20 anos da Lei de Arbitragem Homenagem a Petrônio R Muniz São Paulo Atlas 2017 p 763792 MOURÃO Ricardo Genis Vencimento antecipado e compensação de contratos derivativos na recuperação judicial o tratamento dos derivativos de balcão na Lei de Recuperação e Falências FGV Direito SP Fundação Getulio Vargas São Paulo 2021 Disponível em Cássio Cavalli 79 httpsbibliotecadigitalfgvbrdspacehandle1043830988 PAJARDI Piero PALUCHOWSKI Alida Manuale di diritto fallimentare Settima Edizione Milano Giuffrè 2008 PERIN JUNIOR Ecio Curso de Direito Falimentar e Recuperação de Empresas 4 ed São Paulo Saraiva 2011 PONTES DE MIRANDA Francisco Cavalcanti Tratado de direito privado t XXX 3 ed Rio de Janeiro Borsoi 1971 PONTES DE MIRANDA Francisco Cavalcanti Tratado de Direito Privado t XXVIII São Paulo Revista dos Tribunais 2012 PONTES DE MIRANDA Francisco Cavalcanti Tratado de Direito Privado t XXV São Paulo Revista dos Tribunais 2012 PUGLIESI Adriana Valéria A falência e a preservação da empresa compatibilidade Faculdade de Direito Universidade de São Paulo Doutorado em Direito São Paulo 2012 p 170 RESNICK Alan N The Enforceability of Arbitration Clauses in Bankruptcy Am Bankr Inst L Rev 15 p 183 2007 ROPPO Enzo O Contrato Coimbra Almedina 1988 SACRAMONE Marcelo Barbosa Cláusula de vencimento antecipado na recuperação judicial Revista do Advogado AASP XXXVI 131 p 133139 2016 SACRAMONE Marcelo Barbosa Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência São Paulo Saraiva 2018 SCHILLIG Michael Corporate Insolvency Law in the Twenty First Century State Imposed or Market Based Journal of Corporate Law Studies 14 1 138 2015 80 Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso SQUIRE Richard Corporate Bankruptcy and Financial Reorganization New York Wolters Kluwer 2016 TABB Charles J The law of bankruptcy 4ed St Paul West Academic Publishing 2013 TENE Omer Revisiting the creditors bargain The entitlement to the goingconcern surplus in corporate bankruptcy reorganizations Bankr Dev J 19 p 287 2002 TEPEDINO Ricardo Comentários aos arts 105 a 138 In TOLEDO Paulo F C Salles de et al Org Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência São Paulo Saraiva 2009 p 335429 TOLEDO Paulo F C Salles de Arbitragem e insolvência Revista de Arbitragem e Mediação 20 2552 2009 TRIANTIS George Termination Rights in Bankruptcy The Story of Stephen Perlman v Catapult Entertainment Inc In RASMUSSEN Org Bankruptcy Law Stories New York Foundation Press 2007 p 5576 VALVERDE Trajano de Miranda Comentários à Lei de Falências v I 2 ed Rio de Janeiro Forense 1955 VALVERDE Trajano de Miranda Comentários à Lei de Falências v I 2 ed Rio de Janeiro Forense 1955 O documento Os efeitos da recuperação judicial sobre os contratos em curso escrito por Cássio Cavalli explora detalhadamente os aspectos legais e teóricos da recuperação judicial e seu impacto nos contratos empresariais em andamento O foco principal do texto é a análise crítica da cláusula ipso facto que estipula a resolução automática de contratos caso uma das partes entre em recuperação judicial Cavalli argumenta que essa cláusula é nula pois contraria os objetivos fundamentais do direito concursal destinados a maximizar o valor dos ativos da empresa em benefício de uma coletividade de credores e demais partes interessadas O autor destaca que a recuperação judicial visa preservar a empresa e sua capacidade operacional evitando que medidas individuais de credores prejudiquem o conjunto A cláusula ipso facto por outro lado promove uma saída rápida para o credor individual à custa do potencial de recuperação econômica da empresa e do interesse coletivo Cavalli explica que essas cláusulas são vistas como uma forma de proteção para os credores mas na prática elas podem acelerar o desmantelamento de ativos essenciais para a continuidade da empresa Além disso o texto aborda os limites da arbitrabilidade objetiva particularmente em questões que envolvem a recuperação judicial Cavalli argumenta que devido à natureza indisponível das questões envolvendo a recuperação de empresas questões que afetam uma ampla gama de partes e têm significativas implicações sociais e econômicas não é apropriado que tais disputas sejam decididas através de arbitragem Isso se deve ao fato de que a arbitragem ao focar na resolução de disputas entre partes específicas pode não considerar adequadamente os interesses mais amplos de todos os credores acionistas e outros stakeholders O documento também discute a preservação da empresa como um princípio norteador do direito concursal com o objetivo de permitir que a empresa supere sua situação de crise financeira mantenha a produção os empregos e os interesses dos credores promovendo assim a função social e estimulando a atividade econômica Cavalli ressalta que a recuperação judicial não é apenas um mecanismo de reestruturação de dívidas mas uma ferramenta legal para a reabilitação de empresas em dificuldades garantindo sua viabilidade a longo prazo 1 Sobre a Viabilidade Prática da Nulidade da Cláusula Ipso Facto Considerando que a cláusula ipso facto é projetada para proteger os interesses dos credores frente à instabilidade financeira de uma empresa em recuperação judicial como a eliminação dessa cláusula pode impactar a disposição dos credores em continuar a fazer negócios com empresas em crise Não poderia essa medida desencorajar novos investimentos e créditos agravando a crise da empresa recuperanda 2 Quanto aos Limites da Arbitrabilidade Objetiva A análise do texto sugere que disputas envolvendo recuperação judicial devem ser excluídas do âmbito da arbitragem devido à sua natureza indisponível e ao envolvimento de múltiplas partes interessadas No entanto como reconciliar esse ponto de vista com a crescente aceitação global da arbitragem como uma forma eficiente de resolver disputas complexas inclusive em cenários comerciais com múltiplos stakeholders 3 Sobre o Princípio da Preservação da Empresa O texto enfatiza a preservação da empresa como um princípio fundamental do direito concursal visando proteger o valor dos ativos da empresa para o benefício coletivo No entanto em que circunstâncias a aplicação rigorosa desse princípio poderia realmente impedir a reestruturação eficaz de uma empresa especialmente se isso significar manter operações não rentáveis ou modelos de negócio obsoletos que continuam drenando recursos limitados