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Economia

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observava que a produção decrescia apesar de haver equipamento de capital e forca de trabalho suficientes para manter a economia operando em nível muito mais alto. Se havia disponibilidade de capacidade produtiva, a queda da produção só poderia ser explicada como uma crise de realização, uma restrição de mercados, uma insuficiência de demanda efetiva. Para formular sua interpretação, Kalecki recorreu às concepções de Marx, Rosa Luxemburgo e Tugan-Baranovski - os autores que mais diretamente o influenciaram. Mas a obra de Kalecki, ao fugir do padrão (de conteúdo e de linguagem) do marxismo oficial, acabou sendo identificada como keynesiana. Somente a partir da segunda metade da década de 1950 sua formação marxista foi sendo pouco a pouco reconhecida - em grande parte graças à divulgação de sua obra por Paul Baran, Paul Sweezy e Joan Robinson. Como já dissemos, no presente trabalho pretendemos estudar a questão da demanda efetiva (ou, para sermos mais precisos, o papel da realização da mais-valia no processo de acumulação capitalista) no pensamento econômico marxista. Assim fazendo, daremos especial destaque à obra de Kalecki, posto que, em nosso entender, foi com esse autor que a referida questão encontrou seu melhor desenvolvimento. 2. CONTEÚDO DO TRABALHO O presente trabalho é constituído de quatro capítulos, onde são examinados, em sequência, os seguintes assuntos: (1) a influência da chamada "lei de Say" sobre a teoria econômica ortodoxa; (2) as concepções de Marx a respeito do processo de acumulação capitalista e do papel exercido pela demanda efetiva; (3) as "inovações" introduzidas por Rosa Luxemburgo na teoria de Marx; (4) a obra de Kalecki acerca das economias capitalistas maduras, na qual ele esclarece a importância da realização da mais-valia. Voltamos entao a perguntar: que faz, no comeco do presente trabalho, um estudo da 'lei de Say' e de suas influencias? Exis¬te um claro motivo para comecar o trabalho com esse estudo: pre¬tendemos mostrar como a referida 'lei' - com todas suas implica¬coes - encontra-se fortemente enraizada no pensamento economico ortodoxo a partir de Ricardo, e isto serve, entre outras coisas, como pano de fundo para ressaltar o quanto, nessa questao (para ficarmos apenas nessa), o pensamento economico marxista se dife¬rencia da corrente ortodoxa. Em suma, enquanto os economistas or¬todoxos levaram mais de um se'culo — contado de Ricardo a Keynes — para descobrir a importancia da demanda efetiva no funcionamento das economias capitalistas, a teoria marxista desde o inicio ja destacava essa questao. O segundo ponto a esclarecer se refere a especial atencao dada a Kalecki. O fato do capitulo correspondente a Marx ter o dobro do numero de paginas do capitulo relativo a Kalecki nao signi¬fica que atribuimos a Marx uma importancia menor, ou que o trata¬mos como um simples 'precursor de Kalecki'. (2) Isto e tolice. Os motivos de termos dedicado maior espaco a Kalecki sao: (1) sua obra e relativamente pouco conhecida e merece ser mais estudada; (2) especificamente na questao da demanda efetiva, (que e o tema central do presente trabalho), sua obra e mais completa e mais clara do que a de Marx (para nao mencionar a de Rosa Luxemburgo e outros autores). Quando a este segundo motivo, e preciso ressaltar que Marx nao deixou inteiramente esclarecida a questao do papel da demanda efec¬tiva no funcionamento das economias capitalistas. Na verdade, suas (2) No prefacio a segunda edicao de seu livro An Essay on Marxian Economics (Londres, Macmillari, 1966), Joan Robinson escreve que Piero Sraffa a avisava dizendo que ela 'tratava Marx como um pou¬co conhecido precursor de Kalecki', e ela concorda em que ha uma certa verdade nessa brincadeira. concepcoes sobre esse assunto se encontram disperseos em diferen¬tes partes de sua obra (tanto em Capital como nas Teorias de Mais-Valia), nao constituindo uma completa e integral formulacao do problema. Tanto isto e verdade que deu lugar a uma serie de duvidas, e o livro de Rosa Luxemburgo sobre Acumulacao de Capital e evidente exemplo disto. Com Kalecki a questao da demanda efetiva passou a ser o pro¬prio ponto de partida para a interpretacao do movimento das eco¬nomias capitalistas, e por isto mesmo sua formulacao do problema tinha de ser mais estranha do que a de Marx, onde a realizacao da mais-valia era vista apenas como uma das faces do processo ca¬pitalista de acumulacao. Queremos aproveitar o momento para fazer uma comparacao entre Marx e Kalecki no tocante a analise do processo de acumulacao. Considerando esse processo como um todo, a analise de Kalecki e mais limitada, porque se atem as condicoes de realizacao da mais-valia dentro desse processo, enquanto Marx trata nao apenas des¬sas condicoes (embora, como dissemos acima, seu tratamento nao seja completo) mas tambem das condicoes de criacao da mais-valia. Sejamos mais claros. Marx trata da mais-valia, ou lucro, tanto pe¬lo angulo de sua geracao (a qual e explicada pela exploracao da forca de trabalho assalariada) como pelo prisma de sua realizacao, que determina quanto do lucro produzido ou potencial e efetivamen¬te auferido pelos capitalistas; mas embora Marx tenha estudado exaustivamente o processo de criacao de mais-valia, o processo de sua realizacao nao ficao devidamente esclarecido. Com Kalecki acontece o contrario: ele se dedicou exclusivamente ao exame do processo de realizacao. Nesse sentido especifico, sua analise das economias capitalistas e unilateral. Em nossa entender, e essa unilateralidade que explica certas deficiencias de sua analise. Onde isto se torna mais evidente é em sua concepcao dos determinantes do investimento. Kalecki for¬mulou diversas explicacoes desses determinantes, mas jamais fi¬cou, ele mesmo, satisfeito com elas. Em todas essas explicacoes ele abordou o assunto inteiramente pelo angulo da demanda efetiva; somente em sua ultima tentativa ele abandonou esse enfoque, passando a considerar a concorrencia entre os capitalistas como o principal determinante do investimento, concorrencia esta que so pode ser bem entendida quando examinada pelo angulo da criau¬cao de mais-valia. Em sua ultima formulacao dos determinantes do investimento, Kalecki simplesmente voltou a explicacao dada pelo proprio Marx. (Este assunto sera tratado na ultima secao do capi¬tulo 4.) Segundo dissemos antes, um outro motivo para dedicarmos mais espaco a obra de Kalecki e o fato de ela ser relativamente pouco conhecida. B mesmo quando conhecida, ela e frequentemente coloca¬da ao lado da Teoria Geral de Keynes. Apesar de sua contribuicao para esclarecer a formacao marxista de Kalecki, Joan Robinson, por exemplo, jamais deixa de compara-lo com Keynes: o mesmo foi feito, em escala ampliada, por George Feiwel. (3) Muito poucos sao os estudos sobre os fundamentos marxistas da obra de Kalec¬ki. (4) Com o presente trabalho esperamos contribuir para isto. (3) O ultimo artigo de Joan Robinson sobre este tema encontra-se em Oxford Bulletin of Economics and Statistics, fevereiro de 1977 (numero especial dedicado a Kalecki). Ver, entao, nesse mes¬mo numero, o artigo de Janine Bahag, 'Kalecki's Political Economy A Comparison with Keynes'. Pra George R. Feiwel, The Intellectual Capital of Michal Kalecki, Knoxville, Tne University of Tennessee Press, 1975 (ver particularmente os dois primeiros capitulos.) (4) Entre esses poucos, deve-se mencionar o artigo de Mariano D'Antonio, 'Kalecki e il Marxismo', em Studi Storici, n° 2 de ja¬neiro-março de 1978. Na introducao que escrevemos para o livro so¬bre a Moscao de Kalecki na serie "Grandes Cientistas Sociais" da Editura Atica procuramos abordar, embora resumidamente, essa questao. 3. O QUE FALTA Como dissemos antes, o presente trabalho pretende ser um estudo do pensamento marxista sobre a questão da demanda efetiva. Para ser um estudo mais abrangente do que realmente é, seria preciso incluir alguns temas que foram deixados de lado. Entre eles des- tacamos o das crises econômicas e as contribuições de certos au- tores. A não inclusão desses temas foi intencional, pelas razões que passamos a explicar. As crises econômicas estão intimamente relacionadas com a rea- lização da mais-valia, a tal ponto que uma corrente do pensamento marxista as interpreta como sendo fundamentalmente crises de rea- lização - isto é, momentos em que uma parte da produção criada ou potencial não encontra mercados, não pode ser vendida, gerando as conhecidas mazelas das crises econômicas: queda do nível de ativi- dades, aumento do desemprego, etc. Assim, é difícil tratar do pro- blema da realização sem falar das crises. Apesar disso, preferimos não fazê-lo. As crises (ou, mais geralmente, o movimento cíclico das economias capitalistas) é um dos pontos mais controvertidos na literatura marxista (e na literatura econômica em geral), haven- do pelo menos três posições divergentes quand e sejam as interpre- taçõe das crises como uma dificuldade de realização, ou como un resultaado do desequilíbrio setorial, ou como umas consequência da tendência decrescente da taxa de lucro. A discussão desse tema seria necessariamente longa e por iato deixamo a questão das cri- ses fora de nosso trabalho; somente em um ou outro capítulo refe- rimo-nos circunstancialmente a elas. Poderíamos também ter incluído neste trabalho dois outros ca- pítulos, e chegamos a pensar em fazê-lo. Um desses capítulos, que deviría vir em seguida à discussão da "lei de Say", trataria da- queles autores que, na mesma época ou depois de Ricardo (como, por exemplo, T. R. Malthus, S. de Sismondi, J. K. Rodbertus), de