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Direito ·

Direito Ambiental

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111 Cadernos de Direito Piracicaba v 1120 111124 janjun 2011 Meio Ambiente e Mineração na Constituição Federal Mining And Environment In The Federal Constitution Gabriel luis bonora Vidrih Ferreira Doutorando em Direito pela Instituição Toledo de Ensino ITE Mestre em Di reito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas UEA Especialista em Direito Ambiental pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná PUCPR Professor das disciplinas Direito Ambiental e Direito Agrário no curso de Direito da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul UEMS Líder dos Grupos de Pesquisa Direitos Humanos e Desenvolvimento Sustentável e Direitos Humanos no Estado Democrático de Direito Interdisciplinaridade e Efetivação Possível do Conselho Nacional de Pesquisa CNPq gvidrihuolcombr natália bonora Vidrih Ferreira Advogada Mestre em Propriedade Intelectual pelo Instituto Nacional de Proprie dade Intelectual INPI Especialista em Propriedade Intelectual pela Universidad Castilla La Mancha Espanha Membro do Grupo de Pesquisa Direitos Humanos e Desenvolvimento Sustentável do Conselho Nacional de Pesquisa CNPq navidrihuolcombr Resumo Em decorrência da necessária intervenção e alteração das características ambientais da região para que a extração mineral seja efetivada o empreendimen to minerário acarreta o surgimento de áreas degradadas ao final da exploração haja vista que o minério extraído não retorna ao seu local de origem Por representar uma atividade econômica detentora de intrínseca e peculiar relação com o meio ambiente a imposição da recuperação da área degradada nos termos do parágrafo 2º do art 225 da Constituição Federal serve como mecanismo de compatibilização com a proteção ambiental Do mesmo modo com base na inclusão deste dever à exploração mine rária consolidase a concepção de que este segmento produtivo compreende um uso temporal ou transitório do solo cabendo à fase de recuperação encaminhar a área afetada pela exploração a um nível de estabilidade que permita um uso futuro do solo Palavraschave mineração recuperação de área deGradada direito ambiental ordem econômica e meio ambiente Gabriel luis bonora Vidrih Ferreira Cadernos de Direito Piracicaba v 1120 111124 janjun 2011 112 AbstRAct Due to the necessary intervention and environmental change in the re gions features during ore extraction the mining enterprise will have caused degrad ed areas at the end of the exploitation since the extracted ore does not return to its place of origin Because this is an economic activity that holds intrinsic and peculiar relationship with the environment the obligation to rehabilitate degraded areas in accordance with art 225 paragraph 2 of the Constitution serves as a mechanism compatible with environmental protection Similarly based on the imposition of this duty to the mining exploitation the understanding that this productive segment involves the temporary or transitional use of the land is consolidated thus the ex ploited area must be put to a level of stability during the rehabilitation phase in order to allow the future use of the soil Keywords mininG land rehabilitation enVironmental law enVironment eco nomic order IntRodução O exercício da atividade minerária guarda uma estreita relação com a temática da proteção ao meio ambiente não apenas por se tratar da exploração de um recurso natural mas também por não se poder visualizar a jazida fora de seu contexto de íntima ligação com os demais elementos da natureza como o solo e a flora Para que se viabilize o exercício da mineração é imprescindível a inter venção na área de exploração onde se localiza o minério provocando inúmeras transformações ao meio ambiente Assim cabe aos dispositivos legais regular a forma pela qual a atividade deverá ser desenvolvida de modo a mitigar e compensar as transformações ambientais produzidas para que os benefícios so cioeconômicos da atividade sejam alcançados com respeito ao meio ambiente Neste cenário inserese a previsão da Constituição Federal que visando amenizar o ônus social e acrescentar condições de sustentabilidade à minera ção no capítulo dedicado ao meio ambiente incluiu no parágrafo 2º do artigo 225 a obrigação daquele que explorar os recursos minerais de recuperar o meio ambiente degradado Com a inclusão desta obrigação ambiental erigese no âmbito da mineração a concepção de que este tipo de atividade minerária corresponde a uma modalidade transitória de uso do solo sendo incumbência da fase de recuperação encaminhar a área degradada a um nível de estabilidade que permita um uso sequencial do solo Neste sentido o presente trabalho direcionase a apresentar o dever de recupe ração da área degradada como elemento de compatibilização entre desenvolvimento econômico e proteção ambiental na mineração funcionando este como uma forma Meio AMbiente e MinerAção nA Constituição FederAl 113 Cadernos de Direito Piracicaba v 1120 111124 janjun 2011 de previsão de compensação ambiental ante as alterações impostas pelo empreendi mento minerário o dIReIto Ao meIo AmbIente nA constItuIção FedeRAl Como um dos primeiros instrumentos de conscientização a respeito da proteção ambiental a Declaração de Estocolmo de 1972 que tratou das questões relativas ao desenvolvimento e ao meio ambiente consagrou como direito fundamental do homem o desfrute de condições adequadas de vida em um meio ambiente com qualidade Diante do amadurecimento da questão ambiental diversos ordenamentos ju rídicos ao redor do planeta passaram a prescrever disposições legais a respeito da proteção ambiental No que tange ao Brasil a implementação de uma política nacional quanto ao meio ambiente iniciouse na da década de 1980 com a aprovação da Lei nº 693881 incorporando ao ordenamento jurídico diretrizes e instrumentos para sua defesa tra zendo como principal inovação uma visão integrada e sistêmica para a questão eco lógica e fornecendo um tratamento autônomo para a tutela do meio ambiente Com o advento da Constituição Federal de 1988 os elementos e diretrizes con tidos na Lei nº 693881 foram reafirmados e complementados ganhando o meio ambiente um capítulo próprio Determina o art 225 que Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida impondo se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendêlo e preservá lo para as presentes e futuras gerações Constatase assim que o dispositivo constitucional associou a tutela ambiental à busca da qualidade de vida pela percepção de que o meio ambiente em condições satisfatórias é condição necessária e imprescindível ao aproveitamento pleno da vida e à existência digna representando um importante instrumento para o alcance e ma nutenção de um entorno capaz de proporcionar o desenvolvimento humano sob as melhores condições possíveis do ponto de vista físico e espiritual FERREIRA SILVA 2007 p 126 A tutela do meio ambiente aparece assim como objeto central e prioritário da proteção constitucional mas tendo sua finalidade direcionada a um aspecto mediato ou consequente ou seja a satisfação da qualidade de vida do ser humano proporcionada pelas condições ambientais atendendo aos princípios da cidadania e da dignidade humana Gabriel luis bonora Vidrih Ferreira Cadernos de Direito Piracicaba v 1120 111124 janjun 2011 114 Tendo como característica um objeto qualificado a tutela ambiental deve pau tarse por uma abordagem integrada e atinente às características peculiares e às ne cessidades especiais que marcam o objeto protegido consistindo a defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado um direito de resultado cuja satisfação requer a manutenção de uma situação específica que reverte seus serviços e benefícios em favor do homem Desta forma deriva do art 225 da Constituição conforme destacam Ferreira e Silva 2007 p 127 um princípio conservacionista que implica necessariamente a adoção de técnicas e instrumentos que possibilitem a proteção a manutenção e a restauração da qualidade ambiental Por este motivo ao lado do direito fundamental ao meio ambiente sadio e equi librado impõe a Constituição Federal de modo a oferecer garantias para o exercício deste direito um dever também fundamental compartilhado entre Estado e socie dade civil cujas ações devem convergir para a defesa do meio ambiente obrigação esta calcada num princípio de solidariedade que emana um compromisso ético para com o futuro e de equidade para com as gerações vindouras Atingindo desde a vertente individual até a esfera coletiva do homem consi derado elemento indispensável tanto para o desenvolvimento do indivíduo em si quanto para a realização da sociedade como um todo o preceito da defesa do meio ambiente trazido pela Constituição referese a um direito cuja titularidade é difusa de modo que a gestão da qualidade ambiental deve ser concretizada de uma forma comunitária com a participação de toda a sociedade impondose o ônus de sua de fesa a todos seja o Estado ou o particular Neste prisma surge a posição do Poder Público que em decorrência de seu poderdever e de possuir toda a estrutura e os mecanismos para o exercício do poder de polícia passa a ser incumbido de gerenciar os bens ambientais conduzindo sua administração em nome e no interesse da coletividade podendo atuar sobre estes bens limitando os atributos da propriedade privada Mas no exercício desta função deve o Estado permitir e incentivar ampla par ticipação da sociedade e o acesso às informações ambientais tendo em vista que o compromisso ético com o futuro emanado do art 225 da Constituição exige que os cidadãos se afastem de uma situação de passividade e assumam o ônus de dirigir sua conduta de modo a garantir a perenidade do meio ambiente A deFesA do meIo AmbIente como pRIncípIo dA oRdem econômIcA A importância do meio ambiente para a sociedade e o papel dos recursos am bientais ante o funcionamento dos sistemas produtivos levaram o legislador consti Meio AMbiente e MinerAção nA Constituição FederAl 115 Cadernos de Direito Piracicaba v 1120 111124 janjun 2011 tuinte a inserir a defesa ambiental como um dos princípios gerais da atividade eco nômica nos termos do art 170 VI Como destacam Faucheux e Noel 1997 p 16 enquanto os efeitos das con dutas humanas em especial da atividade econômica não colocavam em causa a reprodução da biosfera economia e natureza eram vistas como universos distintos cada qual com sua lógica de modo que a reprodução econômica desenvolviase ig norando o modo de reprodução espontânea da natureza Essa concepção equivocada de desenvolvimento econômico e o desprezo pelo aspecto ambiental orientaram a aplicação do modelo industrialista de progresso que se desenvolveu com base em agressões ao meio ambiente e na pilhagem da nature za A construção do capital econômico à custa do capital natural resultou assim na crise ecológica que rege o momento atual em que as significativas interferências ocasionadas nos sistemas ecológicos começam a interferir na qualidade de vida e na própria sobrevivência e reprodução da humanidade Neste sentido o dispositivo legal citado representa uma mudança de paradigma nesta visão distorcida a respeito da atividade econômica importando no reconheci mento das interações existentes entre desenvolvimento econômico e manutenção da qualidade ambiental consistindo em questão a ser tratada de maneira conjunta Conforme enfatiza Carvalho 2000 p 131 nesta visão meio ambiente e desen volvimento compõem um sistema complexo de causa e efeito sendo que assim como a atividade econômica pode impor prejuízos ao meio ambiente os impactos ambien tais também ameaçam o desenvolvimento econômico já que podem impor a neces sária alocação de recursos financeiros para recuperar a qualidade ambiental perdida Evidenciando o exposto destacase o art 4º I da Lei nº 693881 que define como objetivo da política do meio ambiente a compatibilização do desenvol vimento econômico social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico Com o posicionamento externado pelo art 170 VI a Constituição demonstra seu caráter integrador da ordem econômica com o meio ambiente reconhecendo a estreita relação existente entre direito econômico e direito ambiental Enfatizando a inexistência de uma separação material entre economia e ecolo gia Cristiane Derani 1997 p 187 defende a existência de uma união visceral entre ambos os campos pois do mesmo modo que as relações produtivas encontram sua base nos recursos naturais fornecidos pela natureza a natureza deve ser compreen dida como elemento integrante das relações humanas sendo tarefa do ordenamento jurídico representar este relacionamento Neste diapasão as normas ambientais e econômicas não só se interceptam como comportam essencialmente as mesmas preocupações e a aceitação da Gabriel luis bonora Vidrih Ferreira Cadernos de Direito Piracicaba v 1120 111124 janjun 2011 116 qualidade de vida como um objetivo comum afasta a concepção de que as normas ambientais seriam servas da obstrução de processos econômicos e tecnológicos sendo que seu real objetivo é a busca por uma convivência harmoniosa DERANI 1997 p 76 Representando o elo entre os mencionados ramos normativos a qualidade de vida e como consequência a existência digna devem ser interpretadas de forma integral englobando conjuntamente o conjunto de bens materiais fornecido pelos processos produtivos pela manipulação dos recursos naturais e o bemestar físico e espiritual disponibilizado pelo meio ambiente sadio DERANI 1997 p 77 Neste sentido de acordo com Carvalho 2000 p 132 O Direito Ambiental propõe uma abordagem sistêmica na qual a eco nomia é vista não apenas como geradora de riquezas e a ecologia como mera proteção da natureza Ao contrário ambas de igual modo passam a ser essenciais para uma nova perspectiva da humanidade a qualidade de vida vida com saúde física mental e espiritual como um dos direi tos humanos fundamentais É por este motivo que o dispositivo constitucional considera como princípio modelador da ordem econômica a defesa do meio ambiente pois sua implementa ção além de necessária ao direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é condição sine qua non para a continuidade e sustentabilidade dos pro cessos produtivos Observada esta congruência entre direito econômico e direito ambiental pos suindo como pano de fundo a defesa da qualidade de vida confirmase assim a premissa de que os valores da manutenção da ordem econômica e da defesa do meio ambiente são interdependentes e devem ser realizados concomitantemente Notase que não é intenção nem objetivo da norma ambiental impedir toda e qualquer transformação imposta pelo homem ao seu entorno O meio ambiente não pode ser visto como um elemento apartado das relações humanas e a razão do direito ambiental não se traduz na defesa de uma natureza intocada O real significado do conteúdo da tutela ambiental orientase a disciplinar de for ma sustentável as diversas formas pelas quais o homem utiliza e atua sobre seu entor no regulando a tensão existente entre a apropriação e a conservação do meio ambiente Por estar a norma constitucional da conservação do meio ambiente direcionada a seu aspecto finalístico ou seja indispensável à sadia qualidade de vida e apto a ofe recer suporte às relações humanas constatase que a vertente material da qualidade de vida se projeta sobre determinados recursos naturais que são assim consumidos ou utilizados para a satisfação das necessidades permitindo o desenvolvimento humano Meio AMbiente e MinerAção nA Constituição FederAl 117 Cadernos de Direito Piracicaba v 1120 111124 janjun 2011 A consagração constitucional da necessidade de se manter o meio ambiente ecologicamente equilibrado significa o reconhecimento da existência de limites em relação às intervenções humanas procurando a norma de direito ambiental atenuar e disciplinar esta tensão existente entre a utilização e a conservação da natureza Consolidando o meio ambiente como elemento conformador da ordem econômica1 a Carta Magna demonstra formalmente a intenção de estabelecer o equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e a manutenção da qualidade do meio ambiente fazendo com que os sistemas produtivos tenham seu progresso baseado na utilização racional dos recursos ambientais No entanto de acordo com Silva 1997 p 728 a elevação da defesa do meio ambiente como princípio da ordem econômica estabelece limites às atividades pro dutivas e tem o efeito de condicionar a atividade produtiva ao respeito do meio ambiente e possibilita ao Poder Público interferir drasticamente se necessário para que a exploração econômica preserve a ecologia Deste modo a tutela ambiental é considerada parte integrante do sistema pro dutivo fazendo com que a manutenção da ordem econômica e a proteção ambiental se entrelacem e caminhem de forma paralela e conjunta mIneRAção e meIo AmbIente A extração mineral consiste em uma atividade humana exercida desde a an tiguidade primeiro como forma de sobrevivência e posteriormente assumindo a posição de fonte produtora de bens sociais e industriais participando sobremaneira na evolução alcançada pela humanidade Não se poderia conceber o atual nível de desenvolvimento conforto e bemes tar disponibilizados ao homem sem reconhecer a ampla participação e importância dos recursos minerais neste processo Habitação transporte indústria e tecnologia são alguns exemplos de segmentos da atuação humana com estreito relacionamento e forte dependência da mineração Com os avanços da tecnologia e o aumento da densidade populacional as in vestidas humanas avançaram em direção à extração mineral acarretando um amplo desenvolvimento a este segmento produtivo fazendo com que a mineração abando nasse seu status de produção artesanal e atingisse escala industrial Quando a questão ambiental passou a ser tratada pela legislação inclusive com previsões constitucionais novas posturas passaram a ser exigidas do setor mineral no sentido de conciliar seu modo de produção com a preservação do meio ambiente 1 Art 170 VI Gabriel luis bonora Vidrih Ferreira Cadernos de Direito Piracicaba v 1120 111124 janjun 2011 118 O setor mineral brasileiro conforme descreve Barreto 2001 p 6 teve sua construção operada sob a perspectiva de uma visão estratégica dirigida para o de senvolvimento nacional tendo por base inicialmente políticas destinadas a seu fo mento e incentivo Nesta perspectiva destacase o caráter da legislação aplicada à mineração mar cada por um regime jurídico direcionado para a facilitação e incentivo ao aproveita mento econômico das jazidas fundamentado nos princípios da dualidade imobiliária e da dominialidade pública sobre os recursos minerais Em virtude do surgimento das preocupações com o meio ambiente a dimensão ambiental passou a ser incorporada gradativamente à exploração mineral identifi candose num primeiro momento sob uma ótica fragmentada caracterizada por uma proteção voltada para a saúde humana como o controle de água potável e das condições do ambiente de trabalho para posteriormente abranger uma visão holís tica preocupada com a poluição ambiental e com o desenvolvimento sustentável BARRETO 2001 p 6 No âmbito de seu relacionamento com o meio ambiente a mineração apresenta algumas características peculiares as quais fundamentam a especialidade com que a legislação aborda esta atividade econômica Neste sentido Herrmann 1995 p 102 apresenta uma série de particularida des da mineração que influenciam seu contato com o meio ambiente na qual se destacam i a exauribilidade da jazida pois se trata de um recurso não renovável ocorrendo apenas uma única safra ii a singularidade das minas não existindo ja zidas idênticas e havendo alto grau de incerteza em sua exploração iii a dinâmica do projeto mineiro que deve adequarse a estas incertezas e aos contornos da re gião explorada e principalmente iv a rigidez locacional significando que a jazida encontrase onde os condicionantes geológicos a criaram não havendo possibilidade de escolha do local onde ocorrerá a lavra Levando em conta as características e o potencial de transformação do meio ambiente da mineração salienta Paulo Affonso Leme Machado 2000 p 110111 a existência de três formas distintas de degradação advindas desta atividade a pri meira podendo ser evitada antes da lavra ou pesquisa por meio do estudo de impacto ambiental a segunda sendo combatida durante o funcionamento da atividade e a terceira consistindo na recomposição de que cuida a Constituição Federal no art 225 parágrafo 2 Neste sentido constatase que de um modo geral o exercício da atividade mineradora no Brasil possui sua regulação e controle ambiental formulados ba sicamente em torno de três instrumentos jurídicos utilizados pelo Poder Público destinados a promover sua compatibilização com a proteção ao meio ambiente a Meio AMbiente e MinerAção nA Constituição FederAl 119 Cadernos de Direito Piracicaba v 1120 111124 janjun 2011 a avaliação de impacto ambiental b o licenciamento ambiental e c o Plano de Re cuperação de Área Degradada o qual será analisado a seguir A previsão constitucional do dever de recuperar a área degradada na mineração Fazendo uma análise da estrutura do art 225 da Constituição Federal José Afonso da Silva 2000 p 52 fraciona a norma constitucional em três conjuntos nor mativos em que se configuram a a normamatriz ou normaprincípio caput que revela o direito de todos a um ambiente ecologicamente equilibrado b as normas instrumento que visam garantir a efetividade da normamatriz e c as determina ções particulares orientadas a objetos e setores específicos estatuídas nos parágra fos 2 ao 6 Do mesmo modo Derani 1997 p 256 descreve que o art 225 pode ser visu alizado em três partes distintas a a apresentação do direito ao meio ambiente eco logicamente equilibrado como um direito fundamental b a descrição do dever do Estado e da coletividade em defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações e c a prescrição de normas impositivas de conduta visando asse gurar a efetividade da proteção ao meio ambiente Nesta terceira parte são estabelecidas ações específicas impondo tarefas dire tivas e materiais situandose o parágrafo 2º no âmbito das medidas preventivas e compensatórias no qual são determinadas obrigações especiais a práticas considera das especialmente deletérias ao meio ambiente DERANI 1997 p 265 A existência de determinações particulares ou obrigações específicas no texto do art 225 da Constituição pode ser compreendida assim como o indicador de uma orientação própria para determinados setores como no caso da mineração procuran do de alguma forma aplicar a norma ambiental verificando os aspectos e peculiari dades de cada caso concreto Neste sentido funciona o parágrafo 2º do art 225 da Constituição Federal2 o qual obriga àquele que explorar recursos minerais recuperar a área degradada numa espécie de norma compatibilizadora que evidencia a existência de caracteres espe ciais no tratamento ambiental da mineração Pois esta é a retratação que se busca aplicar ao parágrafo 2º do art 225 como norma constitucional que exterioriza um juízo de ponderação e de concertação derivada da co lisão entre ordem econômica e meio ambiente no exercício da mineração pois a incum bência a respeito deste juízo corresponde precipuamente ao legislador constitucional 2 Art 225 parágrafo 2º CF Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente na forma da lei Gabriel luis bonora Vidrih Ferreira Cadernos de Direito Piracicaba v 1120 111124 janjun 2011 120 O que se evidencia por meio do parágrafo 2º do art 225 é um reconhecimento operado pelo legislador constitucional a respeito da interface direta da jazida com os demais recursos ambientais e da necessária interferência no meio ambiente para que a atividade possa ser realizada Considerase assim o meio ambiente elemento integrado à base social na qual o homem interage com seu entorno sendo inerente à natureza humana a busca por recursos naturais aptos a satisfazer suas necessidades Ao referirse ao comentado parágrafo da Constituição Milaré 2001 p 205 enfatiza ciente o legislador constituinte da impossibilidade física de se atingir o subsolo sem interferir na área superficiária da jazida mineral e no seu entorno após ter consagrado o interesse publico existente sobre o aproveitamento desse bem impôs ao minerador a responsabilidade de recuperar o meio ambiente degradado segundo solução técnica exigida pelo órgão público Na visão de Antunes 2002 p 640 o legislador atento à importância econômica e social da mineração estabeleceu um critério diferenciado para a exploração dos recur sos minerais exigindo a proteção ambiental mediante critérios rígidos mas admitindo que são inevitáveis os resultados negativos sobre o meio ambiente nesta atividade Nesta esteira Barroso 1992 p 169 analisa o dever de recuperar argumentan do que a defesa do meio ambiente referese a apenas um dos vetores constitucionais necessitando ser conciliado com muitos outros o que resulta na admissão da hipóte se de que certas atividades econômicas ainda quando lesivas ao meio ambiente de veriam ser exploradas conformandose o legislador com a inevitabilidade do dano mas determinando a posterior recuperação do meio ambiente degradado Ao instituir o dever de recuperar a área degradada na exploração dos recursos minerais a Constituição demonstra seu caráter integrador da ordem econômica com o meio ambiente adequando a defesa ambiental às características da mineração viabilizando o exercício da atividade e possibilitando a continuidade do desenvol vimento econômico fazendo com que os valores econômicos e ambientais sejam realizados de forma conjunta e equilibrada Deste modo a incidência da norma ambiental no processo produtivo minerário modelase à sistemática da atividade contendo temporalmente o advento do dever de recuperar que é imputado ao encerramento do empreendimento ante a possibi lidade de alteração transitória das condições ambientais onde se localiza o recurso mineral explorado Meio AMbiente e MinerAção nA Constituição FederAl 121 Cadernos de Direito Piracicaba v 1120 111124 janjun 2011 A imposição do dever de recuperar a área degradada representa a contrapartida oferecida pelo empreendedor minerário resultante da manifestação do princípio do poluidorpagador de natureza econômica cuja incorporação é observada em virtude de se impor ao agente econômico a internalização das externalidades negativas da atividade suportando segundo as palavras de Derani 1997 p 158 com os custos necessários à diminuição eliminação ou neutralização dos prejuízos provocados Do mesmo modo o dever erigido pelo parágrafo 2 do art 225 da Constituição pode ser compreendido como um mecanismo de intervenção do Estado que por meio da regulação direta procura disciplinar o comportamento dos agentes econô micos impondo ou proibindo determinadas condutas e estabelecendo níveis máxi mos para o uso dos recursos naturais ou para a geração de efluentes CARNEIRO 2001 p 74 Com a instituição do dever de recuperar o legislador constitucional modela a tu tela do meio ambiente à atividade minerária de modo a não representar impedimento à sua realização pois do contrário não permitindo as intervenções na área a fim de possibilitar a extração do minério estaria bloqueando seu exercício e esvaziando todo o conteúdo da manifestação do princípio da livre iniciativa na mineração A RecupeRAção dA áReA degRAdAdA como FoRmA de compensAção AmbIentAl O art 1º do Decreto nº 97632 de 10 de abril de 1989 que regulamenta o art 2º VIII da Lei n 693881 prevê a inserção do dever de recuperar no processo de estudo da viabilidade ambiental da atividade minerária estabelecendo que os em preendimentos que se destinem à exploração de recursos minerais deverão quando da apresentação do Estudo de Impacto Ambiental EIA e do Relatório de Impacto Ambiental Rima submeter à aprovação do órgão ambiental competente um plano de recuperação de área degradada Com base na inclusão desta obrigação ambiental consolidase a concepção de que a atividade mineral compreende um uso temporal ou transitório do solo cabendo à fase de recuperação encaminhar a área afetada pela exploração a um nível de esta bilidade que permita um uso futuro do solo Em decorrência de a proteção legal do meio ambiente estar comprometida com sua conservação primando pela reconstituição de eventuais desvios do equilíbrio ecológico o dispositivo que consagra o dever de recuperar deve ser compreendido como a imposição de uma obrigação específica ao minerador apontando uma obri gação de fazer que não comporta conversão em valores monetários Gabriel luis bonora Vidrih Ferreira Cadernos de Direito Piracicaba v 1120 111124 janjun 2011 122 No que se refere ao cumprimento desta obrigação de fazer menciona Souza 1995 p 108 que a obrigação de recuperação não pode ser interpretada como o retorno à situação anterior já que a norma não poderia determinar o impossível correspondendo sim à recolocação da área em bom estado visando destinarlhe um uso posterior condizente com suas vocações naturais sociais e econômicas Fazendo uma interpretação do mesmo termo Antunes 2002 p 640 acrescenta que a recuperação dos danos proporcionados pela mineração revestese das caracte rísticas da compensação enquanto Barreto 2001 p 74 entende que a recuperação deverá ser efetuada com base no princípio da reconstituição pois o minério uma vez retirado não poderá ser reposto a seu local de origem Nesta perspectiva reconhecendo a impossibilidade de reconstituição do exato estado da área degradada anterior à exploração minerária o art 3º do Decreto nº 9763289 prevê que o processo de recuperação deverá ter por objetivo o retorno do sítio degradado a uma forma de utilização de acordo com um plano preestabelecido para o uso do solo visando à obtenção de uma estabilidade do meio ambiente De acordo com este preceito constatase que o objetivo descrito para o dever de recuperar reconhece a inoperância da restauração das condições anteriores ao empre endimento e oferece a possibilidade de alteração futura do modo de uso da área evi denciando que a reparação do dano ambiental minerário ocorre mediante compensa ção consistente na substituição do bem lesado e não no oferecimento de indenização Observando uma evolução do conceito ao longo dos tempos Bitar 1997 p 145 ressalta que o significado da recuperação de áreas degradadas pela mineração abandonou o objetivo específico de restabelecer as condições originais do sítio de gradado passando a buscar situações em que a estabilidade do meio ambiente e sua sustentabilidade sejam efetivamente garantidas em particular por meio da instalação de um uso adequado do solo Esta é a abordagem utilizada por Willians Bugin e Reis 1990 p 13 que defendem que a recuperação significa que o sítio degradado será retornado a uma forma de utilização de acordo com um plano preestabelecido para o uso do solo Implica que uma condição estável será obtida em conformidade com os valores am bientais estéticos e sociais da circunvizinhança Desta maneira o conceito moderno de recuperação incorpora em seu objetivo as reflexões sobre o desenvolvimento sustentável abrindo a possibilidade de um amplo rol de alternativas de usos futuros a serem implementados na área explorada como habitação agricultura comércio indústria disposição de resíduos reflorestamento recreação conservação ambiental dentre outras formas BITAR 2002 p 333 Nesta perspectiva o objetivo primordial das atividades de recuperação deve ser encarado como a estabilidade ou equilíbrio da área explorada em relação ao seu Meio AMbiente e MinerAção nA Constituição FederAl 123 Cadernos de Direito Piracicaba v 1120 111124 janjun 2011 entorno em consonância com as condições ambientais e culturais que a circundam BITAR 2002 p 334 conclusões A mineração representa uma atividade econômica detentora de uma intrínseca e peculiar relação com o meio ambiente haja vista não ser possível considerar uma jazida destacada do contexto ecológico no qual ela se situa As características e seu relacionamento com o meio ambiente conferem à ex ploração mineral um tratamento específico dado pela Constituição Federal art 225 parágrafo 2º que ao estabelecer o dever de recuperar a área degradada reconhece a importância da atividade e a necessidade de intervenção no ambiente para a viabi lização da extração mineral Nesta sistemática a materialização da norma ambiental ajustase à dinâmica do processo produtivo minerário concebendo após a tramitação do processo adminis trativo de regulação ambiental a possibilidade de alteração transitória das condições ambientais na área onde se localiza o minério com o intuito de viabilizar o exercício da mineração Neste cenário a Constituição em seus dispositivos permite a integração entre o exercício das atividades econômicas com a proteção do meio ambiente unindoas pelo elo comum da finalidade de melhoria da qualidade de vida pois tanto a mine ração quanto a conservação ambiental convergem seus objetivos para a satisfação e bemestar da sociedade sendo extremamente necessário que se alcancem mecanis mos que permitam a harmonia e equilíbrio entre ambos Concebida assim como uma modalidade de uso transitório do solo a atividade minerária precisa conduzir suas interferências no meio ambiente de maneira planeja da havendo a necessidade de apresentação quando do estudo da viabilidade ambien tal do empreendimento de um PRAD Plano de Recuperação da Área Degradada O dever de recuperar condiz com uma obrigação de fazer que não pode ser convertida em indenização e que acaba funcionando como uma espécie de compen sação pelas transformações ambientais ocorridas já que se mostra como objetivo da operação de recuperação da área degradada o oferecimento de uma nova modalidade de uso para a área lavrada respeitando os aspectos socioambientais que a circundam gerando a estabilidade necessária para a devolução desta região para a sociedade Gabriel luis bonora Vidrih Ferreira Cadernos de Direito Piracicaba v 1120 111124 janjun 2011 124 ReFeRêncIAs ANTUNES P B Direito ambiental 6 ed Rio de Janeiro Lúmen Júris 2002 902 p BARRETO M L Mineração e desenvolvimento sustentável desafios para o Bra sil Rio de Janeiro CETEMMCT 2001 216 p BARROSO L R A proteção do meio ambiente na Constituição Brasileira Revista Forense Rio de Janeiro Forense v 88 n 317 p 16178 janmar 1992 BITAR O Y Avaliação da recuperação de áreas degradadas por mineração na região metropolitana de São Paulo 1997 Tese Doutorado em Engenharia Mine ral Escola Politécnica da Universidade de São Paulo São Paulo BITAR O Y Recuperación de áreas degradadas por la minería en regiones urbanas In UNESCO II Curso Internacional de Aspectos Geológicos de Protección Am biental Montevideo Unesco 2002 v 1 p 332345 CARNEIRO R Direito ambiental uma abordagem econômica 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