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Ciências Políticas

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QUESTÃO SOCIAL AFINAL DO QUE SE TRATA 85 QUESTÃO SOCIAL afinal do que se trata pergunta do título não é retórica Tampouco tri vial Pois a questão social não se reduz ao reco nhecimento da realidade bruta da pobreza e da miséria Para colocar nos termos de Castel 1995 a ques tão social é a aporia das sociedades modernas que põe em foco a disjunção sempre renovada entre a lógica do mercado e a dinâmica societária entre a exigência ética dos direitos e os imperativos de eficácia da economia entre a ordem legal que promete igualdade e a realidade das desigualdades e exclusões tramada na dinâmica das rela ções de poder e dominação Aporia que nos tempos que correm diz respeito também à disjunção entre as espe ranças de um mundo que valha a pena ser vivido inscritas nas reivindicações por direitos e o bloqueio de perspecti vas de futuro para maiorias atingidas por uma moderni zação selvagem que desestrutura formas de vida e faz da vulnerabilidade e da precariedade formas de existência que tendem a se cristalizar como único destino possível Vista dessa perspectiva a questão social é o ângulo pelo qual as sociedades podem ser descritas lidas problemati zadas em sua história seus dilemas e suas perspectivas de futuro Discutir a questão social significa um modo de se problematizar alguns dos dilemas cruciais do cenário con temporâneo a crise dos modelos conhecidos de welfare state que nunca se realizou é bom lembrar que reabre o problema da justiça social redefine o papel do Estado e o sentido mesmo da responsabilidade pública as novas cli vagens e diferenciações produzidas pela reestruturação produtiva e que desafiam a agenda clássica de universali zação de direitos o esgotamento do chamado modo for dista de regulação do mercado de trabalho e que nas figu ras atuais do desemprego e trabalho precário indica uma redefinição do lugar do trabalho não a perda de sua cen tralidade como se diz correntemente na dinâmica socie tária afetando sociabilidades identidades modos de exis tência e também formas de representação Seria possível dizer que nessa encruzilhada de alter nativas incertas em que estamos colocados as mudanças em curso no Brasil e no mundo fazem vir à tona a di mensão dilemática envolvida na questão social Com o esgotamento dos modelos conhecidos de proteção social e regulação do trabalho é como se estivessem sendo reativados os sentidos das aporias contradições tensões e conflitos que estiveram nas origens dessa história Essa é uma primeira questão que gostaríamos de enfatizar Nes ses tempos em que um determinismo econômico e tecno lógico está mais do que nunca revigorado ganhando es paço até mesmo entre os analistas mais críticos seria preciso se desvencilhar do fetiche dos modelos e reativar o sentido político corporificado em armaduras institucio nais nas quais se estabeleceram as mediações entre o mundo do trabalho e a cidadania Sentido político anco rado na temporalidade própria dos conflitos através dos quais os trabalhadores se destacaram e ao mesmo tempo dissolveram o mundo indiferenciado da pobreza na qual estavam mergulhados constituíramse como atores cole tivos ganharam a cena pública e disputaram negociaram arbitraram os termos de sua participação na vida social Sabemos que os tempos agora são outros que as con quistas sociais alcançadas estão sendo devastadas pela avalanche neoliberal no mundo inteiro que a destituição dos direitos também significa a erosão das mediações políticas entre o mundo do trabalho e as esferas públicas e que estas por isso mesmo se descaracterizam como esferas de explicitação de conflitos e dissensos de repre sentação e negociação coisa aliás que não acontece A VERA DA SILVA TELLES Professora do Departamento de Sociologia da USP Pesquisadora do Núcleo de Estudos dos Direitos da Cidadania SÃO PAULO EM PERSPECTIVA 104 1996 86 assim de repente mas que carrega as complicações histó ricas dos últimos tempos e que é por via dessa destitui ção e dessa erosão dos direitos e das esferas de represen tação que se constrói esse consenso que nos dias que correm ganha corações e mentes de que o mercado é o único e exclusivo princípio estruturador da sociedade e da política que diante de seus imperativos nada há a fa zer a não ser administrar tecnicamente suas exigências que a sociedade deve a ele se ajustar e que os indivíduos agora desvencilhados das proteções tutelares dos direi tos podem finalmente provar suas energias e capacida des empreendedoras Sabemos também que no caso brasileiro os caminhos historicamente percorridos estão a mil anos luz de dis tância disso que se convencionou chamar nos países eu ropeus de Trinta Gloriosos Anos que a reestruturação produtiva em curso e os arranjos neoliberais hoje propostos incidem sobre uma base histórica muito distinta da societé salariale de que fala Castel ao descrever as dimensões societárias e políticas do chamado modo de regulação fordista ou em outras formulações teóricas modo de re gulação socialdemocrata Mas se a história passada im porta não é tanto para comparar modelos e lamentar mais uma vez a nossa tragédia social Se essa história pode nos ensinar algo é porque nos permite ver que em torno da questão social essa aporia das sociedades modernas arma ou melhor armou historicamente uma cena polí tica na qual atores coletivos em conflito negociaram os termos do contrato social Como diz Ewald 1985 mais do que uma ficção jurí dica e um constructo teórico o contrato é a metáfora pela qual na nossa tradição política ocidental se pensa a natureza e o conteúdo das obrigações sociais E se o di reito é a linguagem pela qual a metáfora do contrato se expressa o que está em jogo na sua formulação é um cer to modo de problematizar e julgar os dramas da existên cia nas suas exigências de eqüidade e justiça de tipificar a ordem de suas causalidades e definir as responsabilida des envolvidas E é isso propriamente que arma uma cena política na qual os critérios universais da cidadania se sin gularizam no registro do conflito e do dissenso em tor no de uma negociação sempre difícil e sempre renovada quanto à medida de igualdade e à regra de justiça que devem prevalecer nas relações sociais É nessa chave que talvez possamos para além da denúncia indignada da barbárie atual avaliar o sentido devastador da desmonta gem das esferas públicas de ação e representação pela obstrução que isso significa da elaboração das desigual dades e diferenças nas formas de alteridades políticas de sujeitos falantes como define Rancière 1995 que se pronunciam sobre o justo e o injusto e negociam as re gras da vida em sociedade É por referência a essas questões que a pergunta ini cial pode ser recolocada na indagação sobre qual seria o lugar da questão social no cenário político brasileiro Se a pobreza brasileira é e sempre foi espantosa e continua aumentando sob o efeito conjugado de recessão econô mica reestruturação produtiva e desmantelamento dos serviços públicos o que impressiona é o modo como é figurada como problema que não diz respeito aos parâ metros que regem a vida em sociedade e que não coloca em questão as regras de eqüidade e justiça nas relações sociais Hoje no Brasil nossa velha e persistente pobre za ganha contemporaneidade e ares de modernidade por conta dos novos excluídos pela reestruturação produtiva Mas não só por isso lançando mão dessa ficção regressi va do mercado autoregulável que Polanyi 1980 tão bem criticou nossas elites podem ficar satisfeitas com sua mo dernidade e dizer candidamente que a pobreza é lamen tável porém inevitável dados os imperativos da moder nização tecnológica em uma economia globalizada Entre os resíduos do atraso de tempos passados e as determi nações da moderna economia integrada nos circuitos glo balizados da economia a pobreza é projetada para fora de uma esfera propriamente política de deliberação já que pertinente às supostas leis inescapáveis da economia Se a questão social é a aporia das sociedades moder nas é ela que nos dá uma chave para compreender essa espécie de esquizofrenia de que padece a sociedade bra sileira nas imagens fraturadas de si própria entre uma sociedade organizada que promete modernidade e seu retrato em negativo feito de anomia violência e atraso entre a celebração das virtudes modernizadoras do mer cado e dessa espécie de ethos empreendedor que promete nos tirar para sempre da tacanhice própria dos países pe riféricos e o social projetado em uma esfera que escapa à ação responsável porque inteiramente dependente des sa versão moderna das leis da natureza hoje associadas à economia e seus imperativos de crescimento Essa fratu ra traduz na verdade os aspectos mais dilemáticos da ex clusão na sociedade brasileira E é o que vem se expres sando sem ambivalências nas propostas em pauta de reforma da Previdência Social Além de fragilizar a si tuação social já precária dos trabalhadores do mercado formal de trabalho não promete mais do que sacramen tar a exclusão de uma maioria que desde sempre esteve fora de qualquer sistema de proteção social em 1990 estimavase que entre o desemprego e o trabalho precá rio no mercado informal cerca de 52 da população ati va estavam desprovidas de qualquer garantia e proteção social PNAD 1990 formidável contingente de traba lhadores que vem sido acrescido nos últimos anos dos novos excluídos do mercado de trabalho por conta do efei to conjugado de crise econômica e reestruturação produ QUESTÃO SOCIAL AFINAL DO QUE SE TRATA 87 tiva Fora dessa espécie de direito contratual que articula trabalho e proteção social é uma população excluída não apenas dos benefícios sociais mas também da cena polí tica A controvérsia sobre a questão que tanto agitou o início de 1996 é emblemática nesse sentido As contur badas negociações entre centrais sindicais e governo em torno da reforma da Previdência tiveram ao menos o mé rito de encenar o nãolugar da questão social no cenário público brasileiro Entre os argumentos cruzados a pro pósito dos critérios de acesso aos benefícios sociais tempo de serviço versus tempo de contribuição armouse uma cena política na qual os termos da negociação explicitavam exatamente essa fratura entre o que conta e é levado em conta como questão que diz respeito à deliberação e à ação e o que está fora de um campo possível de intervenção Fora das arenas organizadas da economia e da vida so cial o destino dessa gente parece de uma vez por todas estar na dependência das promessas redentoras de um mercado capaz de absorver os que para tanto tiverem com petência e habilidade Ou então das práticas renovadas da filantropia pública e privada para atender aqueles que deserdados da sorte e incompetentes para exercer suas vir tudes empreendedoras no mercado estão fora do contra to social Tudo isso respira os ares desses tempos de neolibera lismo vitorioso traduz a ambiência social conservado ra Oliveira 1995 na qual as mudanças em curso estão sendo conduzidas e reatualiza uma pesada tradição de desigualdades e exclusões Mas ainda precisamos enten der melhor a dinâmica societária a partir da qual se esta belecem os parâmetros em torno dos quais a cena política se arma É uma cena política que expressa e ao mesmo tempo duplica uma gramática social muito excludente que joga muitos fora do poder de interpelação de sindicatos partidos e associações de classe E esse é poderíamos dizer o ponto cego da recente democracia brasileira uma sociedade civil restrita ou truncada na qual as práticas de representação e negociação se generalizam com difi culdades para além dos grupos mais organizados jogan do muitos definitiva ou intermitentemente numa situa ção em que não há medidas através das quais necessidades e interesses possam ser formulados em termos de direi tos tornando factível a representação a negociação e a interlocução em espaços legitimados de conflito Essa é uma situação que parece corresponder ao que Wanderley Guilherme dos Santos 1993 define como confinamento regulatório da cidadania Mas ao con trário da suposição corrente de uma sociedade dualizada entre organizados e nãoorganizados essa fratura não corresponde a dois mundos dicotômicos um avesso do outro É algo que se instaura no interior mesmo da socie dade organizada por conta do modo como esse universo legal e institucional se organiza Instituição que articula o mundo do trabalho com o universo público da cidada nia Os termos pelos quais essa articulação se faz é que podem nos fornecer uma chave para elucidar algo da ló gica das exclusões De um lado às avessas dos critérios universalistas da cidadania tratase de direitos que indexados ao trabalho regular contêm em sua própria definição o princípio que exclui um formidável e hoje crescente contingente de tra balhadores que transitam entre o desemprego e as várias formas de trabalho precário no assim chamado mercado informal que não têm acesso às garantias sociais e que estão fora das arenas de representação sindical De outro lado e no que diz respeito ao mercado formal os direitos trabalhistas se institucionalizaram como peça de um or denamento jurídico mas não se instituíram como valor prática e referência normativa nas relações sociais de tal modo que puderam conviver tão bem ao longo da histó ria com um padrão autoritário e despótico de organiza ção do processo produtivo e o uso espoliativo da força de trabalho Nesse caso o que se especifica é um modo de regulação das relações de trabalho subtraídas das formas de representação fabril e sindical obstruindo o proces so que Le Goff 1985 descreve do silêncio à palavra de constituição dos grupos operários como atores cole tivos portadores de uma palavra que desprivatiza a reali dade fabril e titulares de direitos reconhecidos e conquis tados como parâmetros de uma regulação democrática das relações de trabalho mediada pelas categorias uni versais da cidadania Se isso significa muito concretamente condições espoliativas de trabalho e a burla rotineira das normas contratuais é nas práticas recorrentes de demis são que essa esfera organizada do trabalho se encontra com a outra ponta pela qual se faz presente ainda viva uma tradição regulatória autoritária e excludente mais de 50 anos após sua implementação Talvez aqui se aloje o aparente paradoxo de uma tra dição de organização do trabalho burocrática e monoló gica regida por uma espécie de fúria regulatória sobre a realidade fabril Paoli 1994 mas que desorganiza o tem po todo o mundo do trabalho por via de reiterada obstru ção das mediações pelas quais o vínculo do trabalho pode se estabelecer mediações que não estão na ordem de uma suposta compulsão cega das leis do mercado mas que são construções e artifícios civis jurídicos políticos que definem os limites sem os quais o mercado segue implacável na sua lógica predatória e espoliativa Para retomar os termos da discussão do início desse artigo é aqui que se abrem as aporias das sociedades modernas E para colocar de modo menos metafórico e mais colado na dura realidade da lógica do mercado capitalista é aqui que se definem as dimensões societárias e políticas do SÃO PAULO EM PERSPECTIVA 104 1996 88 mercado de trabalho questão discutida por Polanyi quan do desmonta a ficção de mercado autoregulável e que é retomada em outra chave teórica por Claus Offe 1989 ao mostrar que sem a mediação dos direitos e das políti cas sociais o mercado de trabalho no limite não se cons titui já que devorado pelas contradições da dinâmica ca pitalista O trabalhador diz Offe só se transforma em força de trabalho quando se constitui como cidadão A situa ção brasileira é o retrato em negativo do mercado orga nizado E as figuras da exclusão que aí se processa são as classes inacabadas É certo que esse padrão de regulação estatal do merca do de trabalho está perdendo vigência É certo também se bem que muitas vezes esquecido que esse esgota mento se iniciou muito antes da atual avalanche neolibe ral por conta da presença de um sindicalismo atuante que desde os anos 80 vem acenando com a possibilidade de uma regulação democrática das relações de trabalho por via de práticas de negociação que retiram do Estado o até então exclusivo poder de arbitragem e definição das nor mas trabalhistas Paoli 1994 Mas também é verdade que a tradição excludente na qual se ancora essa regulação estatal é hoje reatualizada e revigorada nas propostas em pauta de desregulamentação do trabalho E é uma tradi ção que se mantém operante e que cobra seus tributos em um mercado que ao mesmo tempo em que gera desigual dades e pobreza crescentes obstrui as possibilidades de generalização de direitos problema antigo e persistente e que hoje ganha configurações inéditas por conta das novas clivagens diferenciações e segmentações produzi das pela reestruturação produtiva em curso MERCADO DE TRABALHO EROSÃO DE DIREITOS E FRAGMENTAÇÃO SOCIAL É sob esse ângulo das difíceis e hoje em dia mais do que nunca dilemáticas relações entre o mundo do traba lho e a cidadania que gostaríamos de discutir algumas questões pertinentes a um mercado que é e sempre foi para colocar nos termos correntes da discussão um mercado flexível O que se segue toma como referência algumas evidências do que vem ocorrendo no mercado de trabalho na Região Metropolitana de São Paulo com base em dados da Pesquisa Emprego e Desemprego do Seade O que parece praticamente definidor da dinâmica de um mercado no qual estão ausentes os direitos como pa râmetros reguladores das relações de trabalho esse mer cado flexível transparece na espantosa instabilidade ocu pacional que atinge parcelas majoritárias da população ativa O tempo de permanência no emprego pode ser to mado como indicador disso Em 1994 na Região Metro politana de São Paulo considerandose apenas o merca do privado praticamente a metade da população ocupa da estava em seus empregos há menos de dois anos 485 dos quais expressivos 35 estavam há menos de um ano Tabela 1 É preciso desde logo lembrar que esses dados ocultam enormes diferenciações e clivagens internas ao mercado de trabalho a precariedade intrínse ca à própria atividade dos trabalhadores autônomos muito freqüentemente montada em uma extraordinária impro visação para mobilizar recursos e aproveitar oportunida des sempre incertas sempre descontínuas no mercado a trama das várias ilegalidades em meio a qual se estrutu ram os segmentos do mercado no qual transitam os traba lhadores sem carteira de trabalho as práticas recorrentes de demissão no núcleo organizado da economia atingin do sobretudo o pessoal mais desqualificado que perma nece mesmo nas empresas mais modernas e hoje em pro cesso de reestruturação sujeito às formas antigas ou renovadas do velho e conhecido fordismo É certo tam bém que esses dados não dão conta da precarização que hoje se instala no núcleo duro da economia por conta da crescente utilização de formas variadas de contrato tem porário e subcontratação Mas esses dados indicam a or dem de grandeza dessa instabilidade que atravessa todo o mercado de trabalho e é nisso precisamente que dizem alguma coisa quanto ao padrão de funcionamento de um mercado que opera e sempre operou com base nessa ex traordinária fragilidade dos vínculos de trabalho Pode parecer uma tautologia dizer que esses trabalha dores instáveis com pouco tempo de permanência em seus empregos são especialmente sujeitos ao desemprego Afinal o desemprego periódico é constitutivo da trajetó ria errática desses trabalhadores no mercado de trabalho TABELA 1 Distribuição dos Ocupados segundo Tempo de Permanência no Emprego Atual Região Metropolitana de São Paulo 199094 Em porcentagem Tempo de Ocupados 1 Permanência no Emprego Atual 1990 1991 1992 1993 1994 Total 1000 1000 1000 1000 1000 Até Menos de 2 Anos 489 501 497 489 485 Até 1 Ano 348 361 350 349 351 1 a Menos de 2 Anos 141 140 147 140 134 2 a 4 Anos 228 213 213 224 219 5 a 9 Anos 131 138 144 146 154 10 Anos e Mais 146 142 141 138 138 Sem Declaração 06 05 05 03 03 Fonte SEP Convênio SeadeDieese Pesquisa de Emprego e Desemprego PED Tabula ções especiais da autora 1 Excluem os funcionários públicos QUESTÃO SOCIAL AFINAL DO QUE SE TRATA 89 Mas isso deixa de ser uma trivialidade quando a referên cia é a ordem de grandeza que os dados indicam Embora seja verdade que o desemprego dos últimos anos vem atin gindo trabalhadores antes mais preservados em seus em pregos mais experientes e qualificados e por mais que o perfil da população desempregada tenha também se alte rado ultimamente o fato é que esses trabalhadores instá veis compõem as parcelas majoritárias da população de sempregada em 1994 a taxa de desemprego entre o pessoal com menos de dois anos de emprego chegava a consideráveis 182 contra a média de 122 no con junto dos desempregados com experiência anterior de tra balho Representavam em 1994 71 dos desemprega dos sendo que 57 não chegaram a ficar um ano em seus empregos anteriores Tabela 2 É essa transitividade entre o trabalho instável e o de semprego que dá a medida da tragédia social engendrada no mercado de trabalho entre o desemprego e o trabalho instável a vulnerabilidade no mercado de trabalho atin gia em 1994 cerca da metade da população economica mente ativa Como era de se esperar essa é a situação que praticamente tipifica os trabalhadores com menos de 18 anos E chega a atingir 70 dos trabalhadores jovens entre 18 e 24 anos e expressivos 45 dos trabalhadores na faixa de 25 a 39 anos Tabela 3 Essa vulnerabilidade atravessa todo o mercado de trabalho inclusive o núcleo dinâmico da economia na indústria em 1994 entre o desemprego e o trabalho instável essa vulnerabilidade atingia metade da população ativa 499 variando en tre 434 nas indústrias químicas a 615 nas indústrias têxteis Tabela 4 É essa vulnerabilidade que gostaríamos de enfatizar Mais do que a oposição entre mercado formal e informal parece que é essa vulnerabilidade que pode nos dar uma chave para elucidar como esse mercado opera por via de um permanente e contínuo curtocircuito no vínculo que os trabalhadores chegam a estabelecer no mercado Seria possível dizer que nessa vulnerabilidade se aloja o bura co negro que absorve sorve e subtrai as energias políti cas mobilizadas pela reivindicação de direitos e pelas práticas de representação Traduz trajetórias de trabalho que escapam o tempo todo da trama de relações armada entre a sociabilidade do cotidiano do trabalho as práticas da representação sindical e a armadura institucional e também jurídica por onde circulam demandas de direi tos se expressam litígios e conflitos e se definem os ter mos de sua possível arbitragem É como se houvesse no subsolo dessa institucionalidade que articula o mundo do trabalho com o universo formal da cidadania um movi mento que subtrai permanentemente sua efetividade efetividade que sempre foi muito restrita e limitada por conta do legado ainda vivo da tradição corporativa que TABELA 2 Distribuição dos Desempregados com Experiência Anterior de Trabalho e Taxas de Desemprego segundo o Tempo de Permanência no Emprego Anterior Região Metropolitana de São Paulo 19901994 Em porcentagem Desempregados 1990 1994 Distribuição Taxas Distribuição Taxas Total 1000 91 1000 124 Até Menos de 2 Anos 739 139 710 182 Até 1 Ano 575 151 535 189 1 a Menos de 2 Anos 164 108 174 162 2 a 4 Anos 164 67 179 106 5 a 9 Anos 55 38 68 56 10 Anos e Mais 30 18 38 31 Sem Declaração 13 187 05 175 Fonte SEP Convênio SeadeDieese Pesquisa de Emprego e Desemprego PED Tabula ções especiais da autora TABELA 3 Distribuição dos Desempregados e do Total de Ocupados por Faixa Etária segundo Tempo de Permanência no Emprego Atual Região Metropolitana de São Paulo 1994 Em porcentagem Faixa Etária 10 a 14 15 a 17 18 a 24 25 a 39 40 ou Total Anos Anos Anos Anos Mais Total 1000 1000 1000 1000 1000 1000 Desempregados 429 380 201 110 69 142 Ocupados Menos de 2 Anos 487 52 523 371 278 389 2 a 4 Anos 79 89 193 215 163 185 5 a 9 Anos 02 09 78 188 158 140 10 Anos ou Mais 04 114 327 141 Sem Declaração 02 02 01 03 05 03 Fonte SEP Convênio SeadeDieese Pesquisa de Emprego e Desemprego PED Tabula ções especiais da autora TABELA 4 Distribuição da PEA Industrial por Ramos Industriais segundo Tempo de Permanência no Emprego Atual Região Metropolitana de São Paulo 1994 Em porcentagem Ramos Industriais Metal Químicas Farm Têxteis Outras Total Mecânica e Plásticos Vestuário Indústrias Total 1000 1000 1000 1000 1000 Desempregados 136 137 164 157 148 Ocupados Menos de 2 Anos 301 297 451 371 351 2 a 4 Anos 181 222 185 196 191 5 a 9 Anos 199 181 119 146 165 10 Anos ou Mais 183 162 79 129 144 Sem Declaração 01 01 02 02 01 Fonte SEP Convênio SeadeDieese Pesquisa de Emprego e Desemprego PED Tabula ções especiais da autora Tempo de Permanência no Emprego Anterior PEA e Tempo de Permanência no Emprego Atual PEA Industrial e Tempo de Permanência no Emprego Atual SÃO PAULO EM PERSPECTIVA 104 1996 90 historicamente regeu a organização do trabalho Mas se ria o caso de se perguntar até que ponto essa permanente e contínua erosão por baixo da sociabilidade do traba lho não termina por repor uma ordem institucional regida por uma lógica que obstrui a universalização dos direitos e a generalização das práticas de representação Essa não é bem o sabemos uma questão nova É um dilema que sempre desafiou o sindicalismo mais atuante mesmo em suas fases mais gloriosas nos anos 80 mas que ganha novas configurações no cenário atual de reestruturação produtiva Precarização das relações de trabalho heterogeneida de ocupacional redefinida através de uma variedade iné dita de formas de contrato e situações de trabalho incluí da a volta do trabalho familiar e desemprego de longa duração tudo isso vem sendo debatido medido analisa do e não seria o caso aqui de discutir a ordem de suas causalidades ancoradas nas mudanças em curso conju gando uma história de longa duração e os rumos de uma modernização selvagem que nos projeta no século XXI sem que se tenha ainda resolvido as tarefas clássicas de uma modernidade incompleta igualdade e justiça so cial No entanto gostaríamos de enfatizar algumas ques tões que nos parecem importantes e que dizem respeito a um novo diagrama de desigualdades que desafia a agen da clássica de universalização de direitos Os novos requerimentos tecnológicos e os novos pa drões de organização do processo produtivo sobrepõem às antigas e persistentes desigualdades uma segmentação cada vez maior entre setores crescentemente restritos de trabalhadores mais qualificados mais valorizados e pre servados em seus empregos e uma maioria que não apre senta as habilitações exigidas pelo novo padrão produti vo transitando entre o desemprego o mercado informal e as velhas e novas formas de trabalho precário O que está em jogo nesse processo é a quebra de uma estrutura ocupacional que mal ou bem permitiu durante décadas a integração de amplos contingentes de uma força de tra balho pouco ou nada qualificada interrompendo um ci clo histórico e de longa duração de mobilidade ocupacio nal e social Medeiros e Salm 1994 Ainda será preciso conhecer melhor as conseqüências societárias de mudan ças que estão retirando a eficácia de estratégias ocupa cionais e de vida ancoradas na experiência de trabalho acumulada no correr dos anos e em uma teia de sociabili dade que sempre operou como mecanismo informal de entrada e circulação no mercado de trabalho mobilizan do informações oportunidades e chances de emprego Não se está aqui querendo encontrar alguma virtude no padrão anterior de funcionamento do mercado mas chamar a aten ção para o fato de que o bloqueio dessa espécie de circu lação circulação precária por certo no mercado de tra balho redefine por inteiro o sentido da instabilidade ocu pacional de que se tratou anteriormente É certo que nos últimos anos tem crescido relativamente a presença de trabalhadores mais estáveis com cinco a nove anos em seus empregos de 13 em 1990 a 154 em 1994 Mas também é certo que essa maior estabiliza ção é muito seletiva e responde aos novos e excludentes critérios pelos quais vêm se dando a reestruturação pro dutiva a redefinição dos modos de organização do traba lho e de suas hierarquias internas No limite essa maior e relativa estabilização longe de poder ser tomada em si como um indicador positivo tende a cristalizar segmen tações e desigualdades em meio a um mercado estrutura do entre enclaves de modernidade e uma maioria com chances cada vez mais reduzidas no mercado de traba lho transitando entre o desemprego o emprego instável e as velhas e novas formas de trabalho precário Parece claro que essa segmentação significa um aumento cres cente das desigualdades e disparidades salariais Mas não apenas isso como vários analistas têm enfatizado essas segmentações se traduzem também em diferenças de pa drões de consumo e estilos de vida abrindo um fosso quase intransponível entre o universo da pobreza por onde circulam e no qual estão fixados contingentes crescentes de trabalhadores e os que se integram nos circuitos mo dernizados do mercado e também da vida urbana que manipulam essas coisas modernas de computador como diz um jovem trabalhador ao relatar desalentado a difi culdade para ele quase intransponível de entrar nesse moderno mercado de trabalho Essas diferenciações e segmentações não podem ser tomadas como a tradução direta sem mediações das es truturas produtivas mas antes como a contraface de uma destituição de direitos que hoje avança por todo o merca do de trabalho atingindo o núcleo dinâmico da econo mia Tratase de uma destituição e isso talvez tenhamos que entender melhor que ao mesmo tempo em que gera fragmentação e exclusão ocorre em um cenário de enco lhimento do horizonte de legitimidade dos direitos sociais1 Ainda será preciso conhecer melhor até que ponto e por que vias essa extraordinária mutação dos significados dos direitos que vem nas trilhas da onda neoliberal no Brasil e no mundo agora apresentados como ônus custos e anacronismos que entravam a suposta vocação moderni zadora do mercado e as virtudes empreendedoras dos in divíduos afetam ou vem afetando a sociabilidade do tra balho Tratase de uma mutação que se inscreve em estado prático no modo como a reestruturação produtiva vem se dando e como as segmentações se cristalizam no mer cado de trabalho Como bem descrevem Medeiros e Salm 1994 as novas segmentações e dualizações vêm se processando em um QUESTÃO SOCIAL AFINAL DO QUE SE TRATA 91 Talvez o mais importante e também o mais inquie tante é que essas segmentações se instalam no interior dos processos produtivos através de uma teia de diferen ciações que minam os espaços operários tradicionais Como as pesquisas vêm mostrando há no interior de um mesmo espaço produtivo a combinação de formas mo dernas de gestão do trabalho regidas pelos critérios da participação envolvimento e comprometimento ati vo com os imperativos de qualidade e produtividade e a persistência mesmo que renovada e redefinida no inte rior das novas hierarquias ocupacionais dos padrões for distas de trabalho em que prevalecem as más condições de trabalho a insegurança dos empregos os despotismos de sempre mesmo que temperados pelos novos ares par ticipacionistas e esse é o ponto a ser enfatizado a exclusão dos benefícios e garantias que os trabalhadores integrados nos núcleos modernizados da produção nego ciam como recompensa de seu próprio empenho na pro dução Se é possível dizer com Le Goff que os direitos significam ao menos em princípio princípio nunca in teiramente realizado e muito menos na experiência brasi leira uma regulação das relações de trabalho não sujeita aos imperativos instrumentais da economia mas regida pelo imperativo ético de justiça e igualdade se é nesses termos que a reivindicação por direitos atualiza ao me nos virtualmente a vocação universalista da cidadania estas práticas significam ou podem significar uma des figuração da noção e da prática dos direitos através de sua instrumentalização pela racionalidade econômica do mercado submetendoos aos seus imperativos de eficá cia e produtividade Isso afeta as concepções e represen tações sobre o social e os direitos a ele indexados e tam bém a prática e as condições do exercício da cidadania Para os que têm a sorte de se manter integrados e relati vamente preservados em seus empregos as garantias negociadas deixam de ser conjugadas na gramática da cidadania e passam a ser percebidas sob um modo deri vado do crescimento das empresas e das competências individuais para o envolvimento e comprometimen to com as exigências de qualidade e eficácia Como mostram pesquisas recentes essa mutação de significa dos dos direitos e essa erosão dos espaços operários tra dicionais é algo que vem se processando nos modos como as novas tecnologias vêm sendo introduzidas redefinin do o espaço e a sociabilidade operárias através da pro moção de relações individualizadas em hierarquias rede finidas na organização do trabalho com ênfase nos critérios do desempenho individual Para os demais su jeitos à insegurança nos seus empregos a noção de direi tos perde qualquer sentido pela impossibilidade prática de seu exercício e por conta dessa espécie de descreden ciamento que a própria condição de trabalho implica para quadro marcado por um hibridismo ocupacional que re mete às formas de regulação do mercado de trabalho e se desdobra na fragmentação dos espaços de representação introduzindo clivagens profundas entre parcelas cada vez mais restritas e reduzidas de trabalhadores que conseguem negociar garantias e prerrogativas nos espaços do traba lho e trabalhadores submetidos a relações de trabalho sem qualquer mediação representativa sujeitos por isso mes mo à gestão unilateral da força de trabalho É um quadro social no qual a vida sindical e as relações formais de assalariamento convivem com um universo fragmentado e desestruturado em situações de trabalho incomensurá veis nas suas especificidades sem uma medida comum que só poderia ser construída pela mediação dos direitos e dos espaços de representação É nesse universo que cres ce a precarização Para os trabalhadores nele inseridos os sindicatos não existem a lei funciona mal a rotativi dade é alta e a modernização é sinônimo de desempre go Se isso aumenta o fosso entre segmentos diferenciados do mercado de trabalho o hibridismo institucional isola os setores mais modernos e compromete o poder de inter pelação dos sindicatos para além das categorias profis sionais mais organizadas e com maior tradição sindical No interior desse hibridismo institucional as segmen tações e diferenciações no mercado de trabalho se desdo bram e se duplicam nos dilemas atuais das políticas so ciais Parcelas ponderáveis da população trabalhadora integrada no mercado formal já estão vinculadas a siste mas privados de saúde educação e aposentadoria No que diz respeito ao acesso aos serviços de saúde na Região Metropolitana de São Paulo cerca de 45 da população ocupada possuíam convênios médicos proporção que no entanto oculta uma brutal e perversa diferenciação inter na conforme níveis salariais e formas de integração no mercado de trabalho mostrando com isso a lógica regres siva do mercado às avessas dos critérios universalizan tes e redistributivos que os serviços sociais em princí pio deveriam conter Braglia 1996 Como bem nota Wilnês Henrique 1993 esse é um mecanismo perverso que solapa a construção de princípios de solidariedade social efetiva por conta de diferenciações de interesse con forme a qualidade dos serviços e benefícios Nesse cená rio os arranjos neoliberais ganham terreno acenando com a perspectiva de uma privatização dos serviços públicos que se efetivada haverá de institucionalizar e sacramen tar a segmentação da cidadania pela clivagem entre os que têm acesso aos serviços fornecidos pelo mercado e aque les que são destinados aos precários serviços públicos estatais vistos cada vez mais como coisa de pobre sig no da incompetência ou fracasso daqueles que golpeados pelos azares do destino não puderam ou não souberam provar suas virtudes empreendedoras no mercado SÃO PAULO EM PERSPECTIVA 104 1996 92 a barganha de garantias transfiguradas no registro de re compensas e não como direitos que devem valer para todos Essa erosão dos espaços operários tradicionais se des dobra nas práticas hoje cada vez mais freqüentes de ter ceirização subcontratação e trabalho temporário Nesse caso a realidade operária se fragmenta e se pulveriza ao longo dos circuitos de cadeias produtivas que transbor dam as definições formais de categorias e jurisdição sin dical subvertendo por inteiro as relações entre trabalho e representação e estendendo como nunca esse enorme e multifacetado universo das classes inacabadas por meio da mobilização de diversas formas de trabalho precário incluindo na sua ponta até mesmo o antigo e hoje cres cente trabalho familiar E isso coloca várias questões Por um lado a chamada flexibilização das normas con tratuais é disso que se trata está significando além da degradação das condições de trabalho e deterioração de padrões salariais uma segmentação jurídica que joga muitos no pior dos mundos um mundo no qual não exis tem garantias por definição precárias do contrato de tra balho regular que se estrutura às margens das normas pactuadas e dos benefícios conquistados em acordos tra balhistas e que se fragmenta na ausência de mecanismos estáveis de representação Se é essa situação que fragmenta o espaço operário tradicional solapa referências identi tárias quebra a trama de solidariedades construídas em espaços de conflitos e representação essa flexibilização elide a própria questão da justiça ao menos tal como foi formulada na concepção moderna de direitos mediante uma regulamentação do trabalho inteiramente subsumi da aos critérios da racionalidade instrumental do mercado Por outro lado essas situações também colocam ques tões inteiramente novas De um ponto de vista formal podemos dizer que os direitos não significam apenas ga rantias Estruturam um campo de relações pela definição e tipificação de responsabilidades e obrigações e ar ticulam ou se articulam com uma esfera institucional na qual e pela qual é sempre possível nos casos de litígios de burla de normas contratuais ou de problemas referen tes às condições de trabalho acidentes de trabalho por exemplo proceder à imputação de responsabilidades apelar às instâncias da Justiça e definir os termos de uma possível arbitragem Se é assim então a questão que se coloca é a erosão prática dos direitos em circunstâncias nas quais não está claro quem são os protagonistas em que as responsabilidades não são definidas claramente e em que as esferas de deliberação estão descentradas e frag mentadas numa rede produtiva que tende ademais se guindo os fluxos da globalização a ser cada vez mais desterritorializada Se a questão comentada anteriormen te coloca o problema das relações entre trabalho e repre sentação aqui a questão está nas relações de direito no interior mesmo do processo produtivo Essas questões estão longe de se reduzirem a uma es peculação abstrata É algo que vem se colocando muito concretamente nessa teia de fragmentações em que seg mentos crescentes de trabalhadores integrados na estru tura multifacetada por onde as cadeias produtivas se or ganizam desaparecem das categorias profissionais e dos quadros da representação sindical Rizek e Silva 1996 E também dos dados que medem o perfil e a composição das categorias profissionais o que inclui a nós pesquisa dores que lançam mão de definições e categorias e esta tísticas que assim parece já não correspondem inteira mente às novas realidades É por esse ângulo que talvez se possa avaliar o sentido da precarização e da fragmentação em curso na indústria Para voltar à objetividade que nesses tempos perdeu muito de sua anterior certeza dos dados podese ter ao menos uma medida do que pode estar acontecendo ao mesmo tempo em que de 1990 a 1994 há um enco lhimento do número de postos de trabalho crescem em toda a indústria os indicadores de precarização assala riados sem carteira de trabalho e trabalhadores autôno mos e também os pequenos empreendimentos de um a 49 empregados que chegavam a ocupar cerca de 263 dos trabalhadores industriais versus 197 em 1994 se considerarmos os empreendimentos com 50 a 99 empre gados essa proporção sobe para 338 contra 257 em 1990 Tabela 5 embora a presença dos assalariados sem carteira e dos autônomos seja particularmente importante nas indústrias têxteis foi no ramo metalmecânico que se pôde verifi car as mudanças mais significativas nos vínculos de tra balho proporcionalmente foi nessas indústrias que hou ve um maior aumento relativo tanto do assalariamento sem carteira de 38 para 75 em 1994 quanto dos autôno mos de 21 para 31 É certo que esses trabalhadores representam uma proporção relativamente pequena nes sas indústrias e que o vínculo formal de trabalho ainda predomina amplamente Mas não é irrelevante notar que esse aumento da precariedade dos vínculos de trabalho é acompanhada por um igualmente expressivo aumento dos empreendimentos com até 99 empregados de 181 em 1990 para 275 em 1994 também mais acentuado em termos relativos do que nos outros ramos industriais mas é no comportamento claramente diferenciado das indústrias químicas que se pode ter paradoxalmente uma medida do que anda acontecendo com o mercado de tra balho em relação às indústrias metalmecânicas o cres cimento relativo da precarização é nitidamente menor no caso dos trabalhadores autônomos apesar de terem uma QUESTÃO SOCIAL AFINAL DO QUE SE TRATA 93 TABELA 5 Ocupados na Indústria por Ramos Industriais segundo Posição na Ocupação Tamanho da Empresa e Números de Empregados Região Metropolitana de São Paulo 19901994 Em porcentagem Ocupados na Indústria Posição na Ocupação Tamanho da Empresa e Números de Empregados MetalMecânica Químicas Farm Têxteis Outras Total e Plásticos Vestuário Indústrias 1990 TOTAL 378 442 888 706 564 Posição na Ocupação 59 103 262 189 136 Assalariados sem Carteira 38 45 114 95 68 Autônomos para o Público 05 03 21 38 17 Autônomos para Empresa 16 55 127 56 51 Tamanho da Empresa 08 08 40 51 25 Trabalha Sozinho 05 04 19 26 13 Com Família e Sócios 03 04 21 25 12 Número de Empregados 181 213 404 302 257 1 a 9 Empregados 35 42 152 113 78 10 a 49 Empregados 87 102 180 137 119 50 a 99 Empregados 59 69 72 52 60 1994 TOTAL 288 204 574 419 374 Posição na Ocupação 106 127 323 230 188 Assalariados sem Carteira 75 58 148 123 102 Autônomos para o Público 08 06 42 45 26 Autônomos para Empresa 23 63 133 62 60 Tamanho da Empresa 13 07 64 59 36 Trabalha Sozinho 06 02 23 32 17 Com Família e Sócios 07 05 41 27 19 Número de Empregados 275 197 510 360 338 1 a 9 Empregados 60 45 206 126 107 10 a 49 Empregados 134 92 219 167 156 50 a 99 Empregados 81 60 85 67 75 Fonte SEP Convênio SeadeDieese Pesquisa de Emprego e Desemprego PED Tabulações especiais da autora maior participação nas indústrias químicas esse cresci mento relativo foi menor do que nas metalúrgicas quan to aos trabalhadores sem carteira o crescimento também foi menor e em 1994 sua presença nas indústrias quími cas chegava a ser menor do que nas metalúrgicas 58 versus 75 invertendose a situação que existia em 1990 38 nas metalúrgicas e 45 nas indústrias químicas Tabela 5 quando se toma como referência apenas os trabalhado res com carteira de trabalho as diferenças são ainda mais acentuadas se há no conjunto da indústria uma tendên cia nítida à maior estabilização dos trabalhadores com carteira essa tendência é ainda mais acentuada nas indús trias químicas a presença de trabalhadores com cinco a nove anos no mesmo emprego salta de 147 em 1990 para 23 em 1994 diferença de mais de 50 bem maior do que a acorrida entre as metalúrgicas de 181 em 1990 para 249 em 1994 um diferença de um pouco mais de 13 Tabela 6 ao contrário do que ocorre no con junto do mercado industrial formal e de forma ainda mais acentuada entre as metalúrgicas há uma espantosa dimi nuição das empresas de um a 49 empregados de 123 para 9 em 1994 e também dos empreendimentos de 50 a 99 empregados de 71 para 59 em 1994 Tabela 7 E mais notável de tudo ao contrário do que se verifi ca no conjunto do mercado os trabalhadores emprega dos nesse setor foram os únicos que tiveram entre 1990 e 1993 um ganho relativo em termos de salários inverten dose com isso o padrão que existia em 1990 quando então os salários médios dos trabalhadores químicos eram li geiramente inferiores aos dos metalúrgicos em 1993 a média salarial dos químicos chegava a ser 10 mais alta que a dos metalúrgicos Tabela 8 Como interpretar esses dados Quanto aos ganhos sala riais relativos dos químicos em relação ao conjunto do mer cado não é tão evidente na verdade é pouco provável que isso decorra de uma maior organização e combativida de sindical2 A explicação parece estar em outro lugar em um processo de reestruturação que ao mesmo tempo em que leva a uma diminuição do número de postos de tra balho mantém em seu núcleo duro os trabalhadores mais estáveis mais qualificados e mais protegidos enquanto contingentes crescentes são externalizados para outros setores e outros ramos de atividade que assim somem SÃO PAULO EM PERSPECTIVA 104 1996 94 TABELA 6 Distribuição dos Assalariados com Carteira Assinada na Indústria por Ramos Industriais segundo Tempo de Permanência no Emprego Atual Região Metropolitana de São Paulo 19901994 Em porcentagem Assalariados com Carteira Assinada na Indústria Tempo de Permanência no Emprego Atual MetalMecânica Químicas Farm Têxteis Outras Total e Plásticos Vestuário Indústrias 1990 Total 1000 1000 1000 1000 1000 Até 2 Anos 358 401 505 440 404 2 a 4 Anos 258 278 244 248 256 5 a 9 Anos 181 147 139 152 163 10 Anos e Mais 201 173 112 158 174 Sem Declaração 02 01 02 02 1994 Total 1000 1000 1000 1000 1000 Até 2 Anos 310 300 464 370 349 2 a 4 Anos 219 279 25 263 243 5 a 9 Anos 249 230 183 202 223 10 Anos e Mais 221 190 101 163 183 Sem Declaração 01 01 02 02 02 Fonte SEP Convênio SeadeDieese Pesquisa de Emprego e Desemprego PED Tabulações especiais da autora TABELA 7 Distribuição dos Assalariados com Carteira Assinada na Indústria por Ramos Industriais segundo Tamanho do Empreendimento Região Metropolitana de São Paulo 19901994 Em porcentagem Assalariados com Carteira Assinada na Indústria MetalMecânica Químicas Farm Têxteis Outras Total e Plásticos Vestuário Indústrias 1990 Total 1000 1000 1000 1000 1000 Até 99 Empregados 153 194 327 237 204 1 a 9 Empregados 18 30 69 56 36 10 a 49 Empregados 78 93 170 122 104 50 a 99 Empregados 57 71 88 59 64 100 a 499 Empregados 189 218 194 153 184 500 ou Mais 513 447 306 441 457 Sem Declaração 144 141 173 169 154 1994 Total 1000 1000 999 1000 1000 Até 99 Empregados 218 149 424 283 259 1 a 9 Empregados 24 21 72 49 38 10 a 49 Empregados 112 69 233 153 137 50 a 99 Empregados 82 59 119 81 84 100 a 499 Empregados 241 236 233 217 232 500 ou Mais 462 535 253 397 420 Sem Declaração 81 80 89 103 89 Fonte SEP Convênio SeadeDieese Pesquisa de Emprego e Desemprego PED Tabulações especiais da autora Tamanho do Empreendimento QUESTÃO SOCIAL AFINAL DO QUE SE TRATA 95 TABELA 8 Rendimento Médio de Assalariados com Carteira Assinada na Indústria segundo Ramos Industriais Região Metropolitana de São Paulo 19901993 Em R Rendimento Médio do Trabalho 1 Ramos Industriais 1990 1993 Total 89039 86124 MetalMecânica 100973 100379 Química Farm e Plásticos 99334 110514 Têxtil Vestuário 53822 50386 Outras Indústrias 82383 75331 Fonte SEP Convênio SeadeDieese Pesquisa de Emprego e Desemprego PED Tabula ções especiais da autora 1 Rendimento atualizado para valores de abril de 1995 Nota No momento de elaboração dessas tabelas os dados referentes a 1994 não estavam ainda disponíveis da categoria Ao descrever por exemplo os serviços sub contratados de embalagem em uma indústria química Risek e Silva mostram uma terceirização suja e predató ria na ponta da cadeia produtiva da empresa que incor pora trabalhadores na maioria mulheres com base em contratos temporários submetidos a péssimas condições de trabalho sem os benefícios dos trabalhadores contra tados convênio médico cesta básica transporte e pior de tudo fora da área de atuação do sindicato pois não mantêm vínculo contratual estável são computados como trabalhadores autônomos em serviços e desaparecem dos dados relativos ao perfil da força de trabalho do comple xo químico É aqui que talvez mais se explicite o sentido mesmo da exclusão Não se trata de uma gente que está fora do mercado e da vida social organizada como se diz muito freqüentemente mas nesse lugar que sem a mediação pública dos direitos e da representação se per de na invisibilidade social Isso sempre aconteceu no mercado de trabalho É o cenário das classes inacaba das O peculiar aos tempos que correm é algo como uma disjunção entre a palavra e as coisas sem referência aqui ao livro famoso de Foucault uma realidade que escapa às referências identificatórias às representações no du plo sentido de representação sindical e representação sim bólica e se pulveriza na indiferenciação própria dos que não têm nome as trabalhadoras pesquisadas por Rizek e Silva não sabem ao certo como se identificar não se re conhecem como químicas e quanto aos dirigentes sindi cais tampouco sabem ao certo seu lugar se não são químicas e tampouco são trabalhadoras de verdade são autônomas ou então assalariadas com contrato temporá rio então onde estão quem são Somem dos dados e muito provavelmente reaparecem nesse universo tão gran de quanto nebuloso que são os serviços Ou então como bem notam os autores nessa caixapreta que são as ou tras atividades lugar dos nãoclassificáveis Difícil propor alguma conclusão que não sejam ape nas inquietações Se diante da avalanche neoliberal a questão que se apresenta hoje é de refundar o horizonte de legitimidade dos direitos também é verdade que as mudanças em curso na economia e na sociedade estão nos colocando em uma fronteira de dilemas que escapam a conceitos categorias e fórmulas políticas conhecidas e que estão a exigir uma reinvenção dos termos para se pensar as relações entre trabalho direitos e cidadania E isso não depende de fórmulas teóricas por mais bem cons truídas que possam ser Está na ordem da invenção de mocrática e da refundação da política como espaços de criação e generalização de direitos Contra os rumos da modernização selvagem em curso no país é disso que depende a possibilidade de uma redefinição das relações entre o econômico e social e um controle democrático do jogo do mercado Nesses tempos incertos em que o consenso conservador que tomou conta da cena pública tenta fazer crer que estamos diante de processos inelutá veis e inescapáveis fazer essa aposta não é pouca coisa NOTAS 1 Devemos a Cibele Saliba Risek essa mais do que apropriada expressão en colhimento dos horizontes de legitimidade dos direitos sociais para avaliar o sentido político das mudanças em curso Agradecemos a cuidadosa leitura e dis cussão da primeira versão desse artigo 2 Agradecemos a Leonardo Mello e Silva essa avaliação e também a discussão dos dados e da primeira versão desse artigo REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRAGLIA MA A proteção social pelo trabalho entre o óbvio e o exótico São Paulo em Perspectiva São Paulo Fundação Seade v10 n1 janmar 1996 p4652 CASTEL R Les métamorphoses de la question sociale Une chronique du salariat Paris Fayard 1995 EWALD F LEtat Previdence Paris Grasset 1985 HENRIQUE W As políticas sociais na crise In APPY B et alii orgs Crise brasi leira anos oitenta e o governo Collor São Paulo DesepInca 1993 p275307 LE GOFF J Du silence à la parole Droit du travail societé État 18301989 Paris Calligrammes 1985 MEDEIROS CA e SALM C O mercado de trabalho em debate Novos Es tudos São Paulo Cebrap n39 julho 1994 p4966 OFFE C A democracia contra o Estado do BemEstar O capitalismo desor ganizado São Paulo Brasiliense 1989 OLIVEIRA F de Quem tem medo da governabilidade Novos Estudos São Paulo Cebrap n41 março 1995 p6177 PAOLI MC Os direitos do trabalho e sua justiça em busca das referências democráticas Revista da USP Dossiê Judiciário São Paulo Universida de de São Paulo n21 marmaio 1994 p100115 PNAD Trabalho Brasil 1990 POLANYI K A grande transformação As origens da nossa época Rio de Ja neiro Editora Campos 1980 RANCIÈRE J La mésentente Paris Éditions Galilée 1995 RIZEK CS e SILVA LM Trabalho e qualificação no complexo químico pau lista Relatório de Pesquisa São Paulo 1996 SANTOS WG Fronteiras do Estado Mínimo Razões da desordem Rio de Janeiro Rocco 1993