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Ciências Políticas
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Linguagem Internacional MINISTRO AUGUSTO ESTELLITA LINS Do Ministério das Relações Exteriores A língua se relaciona com os demais fatos e fenômenos sociais e possui estreitas conotações com as características da nacionalidade no sentido políticorealista e ideológico entre outros Do ponto de vista realista a preservação da língua constitui um objetivo de todas as nacionalidades Quanto ao enfoque ideológico o fenômeno lingüístico se acha vinculado a posições filosóficas e emocionais peculiares à comunidade que nela se exprime O Português falado no Birasil exemplifica alguns desses caracteres esboçados antes Podemos observar por exemplo o aporte tecnológico e científico da língua tupi que forneceu aos colonizadores o instrumento verbal para conhecerem a ecologia a fauna a flora as condições de sobre vivência biológica em nossa terra ficando registrado na ciência como um dos idiomas que contribuíram notoriamente para a classificação das espécies botânicas e zoológicas Admitir que o tupi é tronco de línguas mortas quando o utilizamos diaria mente numa série de situações e na toponímia seria eviden temente uma arbitrariedade Ignoramos em que teor a qualidade humana do nordestino do caipira ou do sertanejo ultrapassa o plano de longínquas origens étnicas e corresponde a uma filosofia lingüística atual Uma tal possibilidade pode ser entrevista nas palavras de Rabindranath Tagore language is not like an umbrella or overcoat that can be borroved by unconscious or deliberate mistake it is like living skin itself 78 REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO Conhecer um idioma estrangeiro escrevêlo e falalo mduz necessariamente a compreender melhor a mentalidade e a cultura dos povos dos quais é língua materna Para o estran geiro falar a língua de um povo é possuir um instrumento da aproximação emocional como notou Priscus de Pamum em 448 em missão diplomática do governo romano da Constantinopla junto ao quartelgeneral de Ãtila nas estepes húngaras ao ver a excitação provocada por um nômade que saudou os visitantes com três ou quatro palavras em grego Quem não conhece suficientemente a história medieval se surpreenderá de saber que a diplomacia moderna tem raízes comuns com a cavalaria e a lingüística Exerceram a diplomacia na Idade Média cavaleiros via jantes comerciantes entre os quais se distinguiu Jean de Gorze As duas figuras exponenciais foram porém o bispo cavaleiro Liudprand e o abade canonizado Bernard de Clairvaux este último o mentor e motor político do maior movimento diplo mático a Cruzada motivada ideologicamente pela reconquista dos lugares santos e realisticamente pelos interesses mercan tilistas da Sereníssima República de Veneza Tendo sensibili zado e reunido um considerável contingente de cavaleiros das ordens e príncipes Bernard de Clairvaux obteve financiamento dos banqueiros flamengos e venezianos para combater o domí nio bizantino do Mediterrâneo e abrir as rotas do oriente aos mercadores ocidentais A meta mítica a reconquista dos luga res santos não foi alcançada porém se iniciou a era mercan tilista Outros diplomatas alguns dos quais eram chamados no singular orator tinham o dom das línguas Entre esses poli glotas e intérpretes se distinguiram áiabes e judeus a serviço dos soberanos Nessa mesma época a diplomacia bizantina já se impunha entre outros motivos por empregar letrados que sabiam ler e escrever enquanto a maioria dos diplomatas ocidentais eram analfabetos Em todas as épocas houve línguas mais utilizadas como instrumento de comunicação entre os povos Diversas razões contribuíram em cada caso para que uma língua se impusesse às demais Poderia ser a língua de um país mais poderoso ou LINGUAGEM INTERNACIONAL 79 de povos comerciantes ou uma língua que não correspondesse a nenhuma nacionalidade determinada mas surgisse da neces sidade de comunicação de grupos itinerantes A boa estrutura de uma língua ou seus aspectos práticos poderiam adicionar fatores de predominância sobre os demais Um dos fenômenos mais antigos na lingüística internacio nal foi o emprego das línguas de mar provavelmente derivadas sempre das línguas nativas dos marinheiros e acrescidas de termos náuticos e tradições marítimas dos povos navegantes Achase registrado na história o episódio ocorrido em plena luta comercial e militar entre Veneza e Bizâncio quando mari nheiros venezianos utilizaram uma língua de mar para esconder sua nacionalidade e penetrar nos estaleiros bizantinos incen diando a esquadra que estava sendo construída para destruir Veneza Ainda hoje existem tripulações de navios de ban deira da conveniência que falam um linguajar desprovido de característica nacional e só inteligível entre os tripulantes Em 1959 um agente consular brasileiro foi chamado a iden tificar marinheiros que se diziam brasileiros ficando impos sibilitado de fazêlo porque falavam uma língua que não coin cidia com nenhum idioma conhecido mas possuía raízes de diversos idiomas No vocabulário de termos náuticos contem porâneos grande parte dos quais de uso internacional encon tramse palavras portuguesas espanholas italianas inglesas e outras cuja origem etimológica se perdeu Outras línguas funcionaram como línguas marítimas sem se desestruturar podendose citar embora sem sólido apoio documental mas por meio de indícios verossímeis o chinês no oriente e no ocidente as de povos navegadores desde o fenício cartaginês egípcio grego e latim franconormando português veneziano genovês árabe e o italiano que foi oficialmente a língua das marinhas do Império Otomano no século XVIII até o inglês Podese distinguir do fenômeno anterior a existência de línguas comerciais como o babilônio ou acádio o flamengo e o veneziano nas transações bancárias e financeiras e atual mente o inglês o francês o alemão o japonês e o chinês para 80 REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO a grande comunidade de colônias de comerciantes e banqueiros chineses que dominam as finanças privadas de vários países do extremo oriente Para diversos desses fenômenos lingüísticos em que as línguas originais se deturpam ou internacionalizam adotase o designativo genérico de língua franca Algumas línguas cultas constituíram veículo de comuni cação entre letrados poetas filósofos e membros de elite Na idade média embora fosse o latim a língua de comunicação como idioma oficial de expressão eclesiástica coube aos sábios árabes a parte mais gloriosa de preservar os textos de filosofia grega que através de Averroes e Avicena e traduções deles contribuiriam para a renovação da filosofia ocidental e para o tomismo Foi ainda o árabe na civilização pernambucana do açúcar a língua culta dos escravos escribas e contadores dos engenhos que sabiam escrever e contar enquanto os senho res eram muitas vezes analfabetos O provençal é um exemplo de língua altamente poética que desapareceu O sânscrito o egípcio o latim o grego o mandarim o alemão o francês e o inglês seriam talvez os exempos mais conspícuos na cate goria das línguas literárias de elite e corte As técnicas políticas e econômicas da conquista coloni zação e imperialismo são fatores determinantes da expansão da língua do povo dominante sua imposição como língua inter nacional dos povos dominados e de absorção das línguas locais ou anulação delas Um complexo conjunto de relações de poder envolve tal fenômeno numa problemática em que interferem a violência o nacionalismo a alienação cultural quando não o genocídio Manifesta nesses casos o fenômeno lingüístico seus fundamentos culturais míticos e filosóficos tomandose instru mento de domínio do mais forte ou afirmação do mais fraco Nem sempre a língua dominante é mais culta nem mais sofis ticada que a absorvida São exemplos históricos a imposição do latim pelos conquistadores romanos do francês pelos inva sores normandos na Inglaterra em 1066 do árabe no Magreb e na Ãsia do grego na época de Alexandre do babilônio na época de Hamurábi séc XVIII aC do persa nos séculos LINGUAGEM INTERNACIONAL 81 VI e V aC do português e do espanhol na conquista povoa mento e evangelização mercantilistas do francês e do inglês no colonialismo e imperialismo No Brasil até meados do século XVIII o português era menos falado que o conjunto de línguas locais onde predomi nava numericamente o tupi entre cerca de trinta famílias lingüísticas identificáveis A língua geral o tupinhengatu e o tupiguarani não incluíam as famílias mundurucu juruna arikem tupari ramarana e mondê do mesmo tronco os troncos macrojê e Bororo com seis famílias e cerca de vinte e cinco línguas o tronco aruaque com quase trinta línguas e mais outras sessenta línguas de troncos diversos indeterminados ou não classificados algumas do mesmo fios quechumara como o tupi o quêchua o aimará outras de estruturas diversas como o caribe dos chibchas de civilização marajoara transcen dentais para nossa cultura Já se estabeleceu em aproximadamente dois mil e quinhen tos o número de línguas existentes no mundo das quais as doze mais importantes demograficamente são chinês inglês espanhol hindi português russo árabe indonésio japonês bengali alemão e francês não correspondendo esta ordem exatamente a critério decrescente de importância Grande quantidade de línguas ainda existentes está em processo de extinção Algumas línguas perduraram na história da huma nidade por séculos ou milênios O sumeriano de família des conhecida e arcaica foi meio de expressão na região babilônica dos séculos XIII a XVIII aC influenciando mas sendo deslocado pelo acádio de família camitosemítica e continuando a influenciar civilizações posteriores através do babilônio não só no sentido de vocabulário como de estrutura de signos símbolos pois a ele devemos o sistema de base seis que ainda se usa para dividir e subdividir as horas e os ângulos e o sistema decimal de pesos e medidas O hebraico documentado antes de 1000 aC é a língua oficial do Estado de Israel O egípcio ainda é uma língua religiosa O aramaico utilizado por Jesus ainda é uma língua de referência na interpretação bíblica O sânscritovédico o prácrito o dialeto pali são ante 82 REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO riores à era cristã 0 romam dos ciganos representa um fenô meno raro de sobrevivência nômade ou sedentária dentro de culturas mais desenvolvidas Mesmo sem incursionar em hipóteses esotéricas nem tirar conclusões arbitrárias vêse que a sobrevivência de uma língua não está diretamente relacionada com o poder político do Estado ou do povo sua apetência bélica ou a grandiosidade de sua civilização Ao contrário talvez na afirmação nacio nalista sustentada por uma contribuição transcendental esteja a explicação Como pode estar naquele aforismo de que é nas minorias que se encontra a essência das maiorias Todas as línguas são utilizadas por convenção entre as pessoas sem o que não seriam nem inteligíveis nem adequadas à comunicação racional Empregamse contudo inúmeras ex pressões frases de situação citações referências em idiomas estrangeiros que se tornam compreensíveis pelo uso mas não pelo entendimento popular do nexo etimológico racional pois este só é acessível aos letrados e aos filólogos Palavras como salva cião eureka maktub são inteligíveis para muitas pessoas em situações determinadas principalmente se acompanhadas de entonação e gesto apropriados Um certo tipo de vocabulário ou uma estrutura lingüística podem assumir posição de língua convencional em geral quando exprimem situações de poder misticismo sacralidade Tornamse uma espécie de linguagemtabu exclusiva A liturgia católica até o Concilio Vaticano II se exprimia no rito romano pelo latim Durante séculos a língua litúrgica ou latim litur gico diferente do latim clássico teve influência em todas as línguas européias ocidentais Tive ocasião de ouvir de uma pessoa pouco culta que assistiu naquela época a um culto cató lico grego o comentário de que a única palavra latina em toda a missa era o Kyrie Esse fiel identificara a palavra e o sentido mas não a etimologia nem a língua Muitas pessoas que então recitavam toda a missa católica romana em latim seriam incapazes de ler Cícero ou Vergílio no original Em países objetos ou vítimas de colonização segundo o caso a língua dos colonizadores adquiriu valor residual e foi adotada como LINGUAGEM INTERNACIONAL 83 língua convencional de referência principalmente quando per sistia uma grande multiplicidade de línguas locais Em lendas e mitos se percebe a invenção de línguas fan tásticas que preenchem a necessidade de atribuir aos perso nagens fictícios uma linguagem para que não fiquem mudos A categoria universal da linguagem precisa apoiarse numa estrutura lingüística As soluções mais interessantes para o proWema da comunicação lingüística têm sido fornecidas na literatura pelos autores de Sciencefiction e de fantaciência onde seres extraterrenos ou fantásticos se comunicam com os terráquios ou entre si com vocabulários e estruturas tecno lógicos Este seria um outro exemplo de linguagem e língua convencionais no plano suprarreal Existe aliás em algumas línguas duplicidade de vocabu lários de situação convencionais indicando planos de abstração ou planos sociais No inglês entre sinônimos os de radical francês indicam a acepção mais abstrata e os de etimologia saxã a acepção mais concreta Paralelamente as palavras de origem francesa formam um vocabulário em linhas gerais mais erudito pois o francês era a língua da corte normanda após a invasão de Guilherme enquanto o saxão era a língua do povo mais áspera menos burilada e socialmente menos digni ficante porém mais identificada com as aspirações nacionais No português as acepções mais concretas e populares corres pondem à evolução etimológica enquanto as mais abstratas ou pretensiosas se exprimem por reconstruções latinizantes e algu mas vezes artificiais Basta lembrar que a palavra mictório foi criada artificialmente por derivação direta do latim de propósito para a inauguração das instalações sanitárias da Praça XV no Rio de Janeiro para que o Imperador não tivesse de inaugurar um mijadouro O problema da adoção convencional de uma língua comum de uso administrativo e político na organização interna de um país equacionase a partir de necessidades de comunicação comércio convivência proteção de minorias étnicas culturais e lingüísticas Mas na aplicação prática estimula conflitos entre nacionalismo e alienação enfatiza interesses ou estilos 84 REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO oligárquicos burgueses plutocráticos e aristocráticos cria cri térios de status e pode interferir nos procedimentos burocrá ticos acentuando castas ou despojandoas de privilégios do poder de estrutura latifundiária ou religiosa ou ao introduzii uma exigência lingüística menos acessível às classes proletárias e médias obstrui a mobilidade vertical em todos os setores porém primordialmente na composição dos quadros adminis trativos de serviço público O português percorreu no Brasil toda a escala evolutiva passando de língua comum a língua nacional A mesma asser tiva seria já discutível em relação ao castelhano na Espanha As línguas faladas na Espanha têm caracteres nacionais en quanto no Brasil não existe tal conotação para os idiomas ainda falados por tribos indígenas ou por grupos de colonização italiana japonesa polonesa russa tendo desaparecido total mente a vigência idiomática dos povoamentos holandês e espa nhol Entre os países bilingües se podem citar Canadá Bél gica Paraguai Equador Bolívia Peru GrãBretanha Entre os multilingues Guiana índia Filipinas Espanha União So viética Tchecoslováquia China Suíça União SulAfricana Srilanka Ceilão Iugoslávia Paquistão Países de unidade lingüística têm pluralidade de dialetos como a Alemanha e a Itália Na índia falamse cerca de 225 línguas locais das quais 14 de importância oficial e regional Não é difícil imaginar os efeitos críticos de ciclo ou climax que tal problema pode suscitar A eles se devem perió dicas agitações de opinião na Bélgica o assassinato do premier Solomon Bandaranaike no Ceilão em 1959 e em grande parte a campanha dos Guardas Vermelhos na China que bran diam o livrinho vermelho de Mao nada mais que a cartilha do texto oficial e sintético pelo qual se implantou no país o man darim como língua oficial A problemática da adoção de uma língua diplomática con serva muitos aspectos de paralelismo com o que acontece no plano interno O caráter convencional da língua se acentua distinguindoa da estrutura que possui como língua nacional Seu emprego depende entretanto de temores e precauções que LINGUAGEM INTERNACIONAL 85 inspiram suas conotações nacionais históricas hegemônicas ou concorrentes Dá margem a manifestações que refletem soli dariedades ou conflitos desconfianças ou alianças Conotações políticoideológicas agem a favor ou contra determinadas lín guas para que sejam ou não aceitas ou deixem de sêlo Prova velmente a Reforma contribuiu para que o latim decaísse no uso internacional o inglês foi favorecido pelo protestantismo pelo liberalismo e pelo capitalismo o francês beneficiado pelo enciclopedismo e prejudicado a longo prazo pelo estigmaídolo napoleônico que se identificou com os ideais da burguesia enquanto outras línguas se tornam polêmicas como reflexo das posições radicais ou antagônicas assumidas na política e na religião pelas nações em que são faladas e das quais são símbolos O racionalismo e o liberalismo incitaram do século XVII ao século XX as tentativas de criação de línguas artificiais ou construídas que facilitassem não só a comunicação como o entendimento pacífico entre os povos Em 1629 Descartes em carta ao padre Mersenne Jançou a idéia de uma língua universal com vocabulário lógico e gra mática sem exceções Em 1653 Thomas Urguhart de Cromarty elaborou o Logopandecteision uma proposta de língua uni versal Em 1661 coube a George Dalgamo na Ars Signorum expor um vocabulário simplificado O Didascalocophus tinha por meta eliminar as irracionalidades e irregularidades em que incorrem as línguas Seguiramse numerosas tentativas de racionalizar a língua entre as quais se citam como as mais importantes a do bispo Wilkins em An Essay towards a real character and a Philosophical Language a de Jean François Sudré em 1817 que versou sobre uma língua musical interna cional com combinação de notas a de monsenhar Johann Martin Schleyer que criou a língua Volapük com a Grammatik der Universalsprache für alie Erdbewohner Esta última língua gozou de enorme popularidade até 1911 quando morreu mon senhor Schleyer Em 1887 Ludwik ou Lazarus Zamenhof também chamado Doktoro Esperanto Doutor Esperançoso organizou a língua Esperanto que alcançou sucesso desde 1896 86 REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO Entre as muitas adesões que recebeu o Esperanto foi apoiado por vários países soviéticos pela Cruz Vermelha e pela Socie dade das Nações Em 1957 em folheto onde foram analisadas sob os aus pícios da UNESCO regras e métodos tendentes a julgar a conveniência do uso de línguas artificiais sob o título The Possible Use of Languages Internationally Understood aquele organismo internacional registra as preferências de opiniões emitidas por vinte e uma pessoas assim distribuídas Basic English 2 Esperanto 6 Interlíngua 7 outras 6 A amostra colhida pela UNESCO com base no encontro realizado em 1955 em Montevidéu sobre o assunto demonstrava já então um alto grau de seletividade de escolha entre as seiscentas línguas internacionais artificiais já inven tadas Desse número impressionante haviam alcançado recepti vidade o Esperanto o Basic English lançado ou compilado em 1936 por Charles Ogden em The ABC of Basic English com 850 palavras e formas verbais restritas a Interlíngua ou Cos moglotta e a variante americana IDO outra língua com grande número de raízes latinas gregas e romanches Ora sem que se tivesse exatamente previsto introduziuse na problemática da lingüística artificial um fator de natureza tecnológica e operacional No período em que essas línguas foram inventadas ou compiladas as comunicações se faziam com menos facilidades e instalações menos sofisticadas que hoje as conversações internacionais exigiam intérpretes e se tomavam lentas os meios de informação e comunicação de massa tinham obvias dificuldades de traduzir e copidescar informações em línguas exóticas nas reuniões internacionais enfim a necessidade de uma língua comum se tomava impe rativa No entanto no espaço dos últimos vinte anos desenvol veuse a técnica de secretariado de organizações de reuniões internacionais com recursos de tradução simultânea que tor naram desnecessária e obsoleta a idéia de uma língua artificial para uso diplomático LINGUAGEM INTERNACIONAL 87 Paralelamente cresceu o interesse pelas línguas oficiais de reunião diplomática enquanto o inglês particularmente assumiu posições de língua universal em todos os campos e setores da comunicação internacional A menos que outros fatores igualmente imprevisíveis venham a afetar novamente o problema as línguas artificiais poderão continuar a atrair interesse do ponto de vista de pesquisa e experimentação mas se acham ultrapassadas em termos de rendimento prático Três enfoques distintos determinam o emprego de língua e linguagem diplomáticas nas negociações e nos atos inter nacionais Em princípio quando os Estados negociam em igualdade de condições o que é uma situação decorrente do princípio da soberania não existe nenhuma regra de redação nem de eleição de idiomas pois os Estados podem negociar os assuntos que desejarem e de comum acordo elegerem os termos e as línguas que preferirem Este primeiro enfoque vale para as negociações bilaterais e para as multilaterais em que as decisões devem ser unânimes Não exclui porém a prática diplomática e o apoio nas fórmulas de uso costume tradição que tampouco são rígidas oferecendo diversas opções a escolher mas impondo a observância da conceituação dos institutos de direito inter nacional público para que as decisões adotadas tenham inteli gibilidade universal Uma segunda abordagem da questão levaria em conta a posição de Estados sem cujo acordo as decisões não são apro vadas Esta situação típica das cinco grandes potências no Con selho de Segurança das Nações Unidas eqüivale como se sabe ao direito de veto No terceiro caso enfocamse as relações multilaterais da diplomacia parlamentar onde as decisões são tomadas por maioria de votos No caso da redação e idas línguas podem ocorrer várias situações A questão pode ser definida em órgãos diferentes como o secretariado a comissão preparatória a comissão geral um dos conselhos ou o plenário de uma reunião conferência ou organismo internacional Os critérios de escolha serão peculiares à técnica específica de deliberação parlamentar 88 REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO Nas negociações e reuniões e na redação dos documentos respectivos e dos atos bilaterais e multilaterais deas resul tantes distinguemse as seguintes categorias de línguas línguas oficiais em que se expressam os delegados e representantes língua de trabalho ou cooperativas em que se redigem os documentos ou para as quais se traduzem todas as decla rações ou documentos expressos nas demais línguas oficiais que não são consideradas working languages língua de fé isto é aquelas nas quais os textos dos documentos e atos fazem fé línguas alternativas que se admite serem usadas em declarações ou discursos ou em ocasiões excepcionais incluin dose neste caso a de visitantes ilustres ou chefes de estado línguas diplomáticas de referência oficiais e operativas que não são de nenhum dos países participantes e que podem fazer fé nos documentos e atos línguas em que os documentos são traduzidos pelas delegações dos respectivos países para efeito da processua lística interna dos atos internacionais Nas negociações bilaterais entre países de línguas diversas o costume indica várias opções sendo a mais comum que as línguas dos dois países sejam oficiais e traduzidas reciproca mente que sendo uma delas língua diplomática seja considc rada língua de trabalho e de fé podendo a outra ser ou não adotada em situação equivalente que não sendo nenhuma delas língua diplomática adotese uma língua de referência entre as línguas diplomáticas Após a segunda guerra mundial algumas línguas já vinham sendo usadas como meio de expressão diplomática sendo as principais as das grandes potências e as que eram faladas em diversos países ou já usadas como meio de comunicação de uma comunidade de países originada do sistema colonial Para as superpotências emergentes do conflito a União Soviética e os Estados Unidos da América a adoção dos respectivos idiomas o russo e o inglês seria um fato representativo do reconheci LINGUAGEM INTERNACIONAL 89 mento do status de máximo destaque entre os grandes do mundo A análise objetiva dos motivos que conduziram à adoção do russo como idioma diplomático indica predominância de várias ordens de fatores tais como a influência interna que teria na consolidação do russo como língua nacional da nação modelo dentro da União Soviética face a todas as nacionali dades e línguas das demais repúblicas socialistas da União a supremacia oficialmente reconhecida do idioma russo sobre os demais idiomas do bloco ou comunidade dos países socia listas da Europa oriental fato importante no contexto da liderança regional da União Soviética cujo status de superpo tência ainda parecia depender na época da proteção e defesa do centro geopolítico da da core area eurasiática e da teoria de grande potência liderante de um grupo regional satelitizado numa projeção ideológica dos sistemas coloniais imperialistas Neste último aspecto ainda é discutível se a teoria da sateli tização não terá sido muito mais uma construção verbal e retó rica inspirada na fotografia geográfica de sistemas planetários de menores países dispostos em arco às margens das super potências do que um fenômeno genuíno e característico de neo imperialismo Pelo menos do ponto de vista lingüístico não se configurou a exclusão de afirmações subregionais e mesmo de sublideranças No plano regional são línguas vigentes o português alemão italiano e japonês O espanhol acedeu ao plano de língua oficial internacional como língua de expressão de grande número de países O fator determinante na promoção do espanhol coube à adoção das técnicas de diplomacia parlamentar onde cada país tem um voto Outras línguas tão expressivas como o espanhol em termos demográficos não são numericamente tão represen tativas nas votações A seleção de línguas diplomáticas obedece a critérios de operacionalidade pragmatismo funcionalidade rendimento má ximo e economia de recursos A quantidade de línguas deve ser limitada o que impede que em termos universais estejam 90 REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO nelas representados todos os grandes troncos lingüísticos Na Conferência de São Francisco em 1945 o chefe da delegação norteamericana comentou em forma de declaração que as discussões deveriam ser feitas em inglês Imediatamente o delegado francês reivindicou para a língua francesa a mesma categoria de língua oficial de debates Os delegados chinês e russo prosseguiram na exploração do tema surgindo desta troca de informações entre Edward R Stettinius Georges Bidault Soong e Viacheslav Molotov uma distinção básica entre língua de trabalho working language e língua oficial Na referida conferência cinco idiomas foram considerados oficiais chinês russo espanhol francês e inglês Apenas dois foram considerados línguas de trabalho francês e inglês Decidiuse que as intervenções feitas nas línguas de trabalho não seriam traduzidas para as demais línguas oficiais a menos que os oradores assim o solicitassem mas uma tradução verbatim circularia posteriormente nos sumários Os delegados que usassem as outras três línguas oficiais forneceriam tradução numa das duas línguas de trabalho Nestas duas línguas seriam publicados todos os documentos da conferência porém documen tos específicos seriam publicados também nas outras três lín guas a pedido A Comissão Preparatória da I Sessão da Assembléia Geral das Nações Unidas em 1946 recomendou que as regras refe rentes a línguas adotadas na Conferência de São Francisco fossem mantidas até nova decisão A Primeira Comissão da Assembléia Geral adotou um projeto de resolução que depois se transformou nas normas de línguas 5260 das normas de procedimento da Assembléia Geral pela qual se mantinha o critério de cinco línguas oficiais e duas línguas de trabalho determinandose que sempre seriam feitas traduções para as línguas de trabalho e de uma para outra a primeira interpretação dos discursos para uma das línguas de trabalho seria fornecida pelo orador e a segunda baseada naquela pelos intérpretes do secretariado atas verbatim os purnals dos órgãos da ONU seriam feitos nas línguas de tra balho os sumários das atas e todas as resoluções e documentos LINGUAGEM INTERNACIONAL 91 importantes nas línguas oficiais outros documentos origina dos em órgãos da ONU que o decidissem poderiam ser editados em outras línguas além das oficiais Em 1947 a delegação das Filipinas apresentou um projeto de resolução no sentido de que também o espanhol fosse erigido a língua de trabalho da Assembléia Geral Essa iniciativa teve apoio dos países hispanófonos e dos árabes Entre os argumen tos levantados contra a proposta filipina objetouse não ser o espanhol uma língua diplomática e se achar em similar cate goria com o russo e o chinês porém em desvantagem quanto ao critério de população falante Lembrouse ainda que o aumento do número de línguas de trabalho ergueria barreiras lingüísticas a separar os países membros da organização sofis ma que pode ser tão verdadeiro ou falso como sua própria recíproca Nos debates não foi negligenciado o aspecto finan ceiro da contratação de intérpretes e tradutores simultâneos em espanhol A atitude geral foi porém compreensiva Foi finalmente adotada em 1948 pela Assembléia Geral a resolução 262III que introduziu emendas às regras de proce dimento passando o espanhol a figurar como terceira língua de trabalho Ainda em 1948 na segunda parte da terceira sessão ordinária da Assembléia foram formalmente incluídas na agen da duas propostas para inclusão do chinês e do russo entre as línguas de trabalho O comitê consultivo para questões admi nistrativas e orçamentárias se opôs à iniciativa Entre os argumentos contrários levantouse o de que o critério demo gráfico não é válido para que um idioma seja considerado língua diplomática internacional O assunto foi posteriormente adiado Como a questão lingüística é referida operacionalmente às regras de processo procedimento ou regulamento os órgãos das Nações Unidas gozam de autonomia no assunto O Artigo 21 da Carta estabelece que a Assembléia Geral adotará suas regras de processo Pelo Artigo 30 o Conselho de Segurança adotará seu próprio regulamento Disposição semelhante existe no Artigo 72 quanto ao Conselho Econômico e Social e no Artigo 90 quanto ao Conselho de Tutela 92 REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO A Carta estabelece ainda que os textos nas cinco línguas oficiais são igualmente autênticos Na Convenção de Viena sobre relações diplomáticas o Artigo 53 determina que fazem fé os textos em chinês espanhol francês inglês e russo O texto em português publicado na Coleção de Atos Internacionais foi elaborado pela delegação brasileira em coordenação com a delegação portuguesa à Con ferência das Nações Unidas sobre Relações e Imunidades Diplo máticas reunida de 2 de março a 14 de abril de 1961 em V icna que elaborou a referida convenção Um problema interessante de lingüística aplicada à con ceituação de direito internacional é encontrado no estudo com parativo da Convenção de Viena sob relações consulares de 1963 Na primeira os delegados brasileiros tiveram de resolver como traduzir as inovações de terminologia introduzidas para designar o Estado que acredita um diplomata e o Estado em que o diplomata está acreditado optando pelas expressões Estado acreditante e Estado acreditado Já o texto em por tuguês da Convenção de Viena sobre relações consulares voltou a utilizar as expressões menos inovadoras designando as duas categorias como Estado de envio e Estado receptor Nessa matéria a Convenção de Havana sobre Funcionários Diplo máticos havia preferido formas analíticas tais como o Estado ante o qual se acham acreditados ou Estado por ele repre sentado Esta convenção celebrada em 1928 pelos governos das Repúblicas representadas na Sexta Conferência Internacio nal Americana foi assinada em espanhol francês inglês c português em fé do que havia sido decidido porém sem menção a que os quatro textos são autênticos ou fazem igualmente fé As línguas diplomáticas oficiais na OEA são as quatro faladas predominantemente nos países membros inglês espanhol por tuguês francês Ainda que não haja disposições permanentes o secretariado organizado em 1910 como secretariado perma nente com o nome de União PanAmericana considera o inglês e o espanhol como línguas de trabalho ou working langmges em sentido que pode ser interpretado como uma simples técnica operacional de caráter implícito LINGUAGEM INTERNACIONAL 93 As quatro línguas fazem fé o que está consagrado no Artigo 108 da Carta da OEA ao afirmar que os textos nas quatro línguas são autênticos O Tratado Interamericano de Assistência Recíproca assinado no Rio de Janeiro em 1947 também tem textos autênticos nas quatro línguas oficiais sendo esta a norma para todos os demais acordos e documentos multilaterais da organização O princípio das línguas de trabalho ou operativas figura no Artigo 36 do Regulamento para a Conferência de Bogotá de 1948 e no Capítulo X do Acordo Econômico assinado em Bogotá em 1948 A ata final de cada conferência é redigida na língua do paíssede e traduzida para os outros idiomas oficiais por um comitê onde estão representados membros de expressão nos quatro idiomas assessorados pelo pessoal do secretariado ou segundo outra forma similar que seja adotada pela conferência A série de conferências se iniciou em 1889 Como a XI Confe rência que fora convocada para Quito em 1961 foi adiada shic die as reuniões interamericanas prosseguem a nível de reuniões de consulta dos chanceleres que se realizam no entan to desde 1939 Nessas reuniões as quatro línguas oficiais são as mesmas das conferências Em outras reuniões oficiais em que participam o Brasil e países hispanoamericanos vigora o princípio de que o por tuguês e o espanhol são idiomas oficiais em igualdade de condições Esta é a regra observada na ALALC nas reuniões de chanceleres dos países da Bacia do Prata e da Amazônia Na OTAN as línguas oficiais são o inglês e o francês em ambas fazendo fé os textos de documentos No Conselho da Europa também o inglês e o francês eram as línguas oficiais e operativas podendo entretanto ser usados em discursos na assembléia pelos representantes o alemão e o italiano No Tratado da União Européia Ocidental para a defesa mútua as línguas oficiais previstas foram o inglês francês alemão holandês e italiano porém só às duas primeiras se 94 REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO atribuiu categoria de línguas operativas para efeito de publi cação de documentos Nas reuniões do Benelux as línguas oficiais são o francês e o holandês Na SEATO o texto inglês faz fé em primeiro lugar porém para as partes que concordarem com o texto francês e notifi carem devidamente o fato o texto francês será igualmente autêntico e obrigatório No Tratado da EURATOM 1957 fazem fé os originais em italiano francês alemão e holandês A Convenção para a Proteção Salvaguarda dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais foi assinada pelos mem bros do Conselho da Europa em inglês e francês ambos fazendo fé O Pacto da Liga dos Estados Ãrabes foi assinado no ano de 1364 1945 da era cristã apenas em língua árabe A Carta da Organização da Unidade Africana no Artigo XXTV prevê que o instrumento original seja redigido em lín guas africanas se possível e em inglês e francês cada texto dos quais fazendo igualmente fé Este é um caso excepcional de multiplicidade de línguas que atende a objetivos naciona listas de uma numerosa comunidade regional que supera qua renta adesões ao mesmo tempo que reflete as influências históricas ao estabelecer duas línguas diplomáticas de refe rência que também vigoram como línguas administrativas de alguns dos membros da organização A experiência recente da diplomacia parlamentar que intro duziu sensíveis modificações nos métodos diplomáticos influen ciou portanto igualmente o relacionamento lingüístico no plano internacional Na medida em que foi pelo menos concomitante senão condicionante ou estimulante do diálogo entre as nações rompeu barreiras idiomáticas Se persistem ainda fatores quê podem dar a impressão de que ainda vigoram certos privilégios que conferem a algumas línguas o inglês e o francês o ca ráter de línguas diplomáticas isto corre em termos pragmá ticos que excluem possíveis reações emocionais As afirmações nacionalistas como se infere dos exemplos antes enumerados LINGUAGEM INTERNACIONAL 95 se manifestam muito mais na área regional onde as disputas de liderança ou o receio de que elas se manifestem se funda menta em uma balança de poderes mais equilibrados Em termos de linguagem e já não de língua a impressão mais recente seria a de que há convergências notórias para a adoção de terminologias comuns que contribuem para a faci lidade de expressão e comunicação O novo estilo diplomático mais objetivo e prático sem dúvida nenhuma que as figuras de estilo características da diplomacia renascentista é também responsável por simplificações que toda língua sofre ao se internacionalizar
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Linguagem Internacional MINISTRO AUGUSTO ESTELLITA LINS Do Ministério das Relações Exteriores A língua se relaciona com os demais fatos e fenômenos sociais e possui estreitas conotações com as características da nacionalidade no sentido políticorealista e ideológico entre outros Do ponto de vista realista a preservação da língua constitui um objetivo de todas as nacionalidades Quanto ao enfoque ideológico o fenômeno lingüístico se acha vinculado a posições filosóficas e emocionais peculiares à comunidade que nela se exprime O Português falado no Birasil exemplifica alguns desses caracteres esboçados antes Podemos observar por exemplo o aporte tecnológico e científico da língua tupi que forneceu aos colonizadores o instrumento verbal para conhecerem a ecologia a fauna a flora as condições de sobre vivência biológica em nossa terra ficando registrado na ciência como um dos idiomas que contribuíram notoriamente para a classificação das espécies botânicas e zoológicas Admitir que o tupi é tronco de línguas mortas quando o utilizamos diaria mente numa série de situações e na toponímia seria eviden temente uma arbitrariedade Ignoramos em que teor a qualidade humana do nordestino do caipira ou do sertanejo ultrapassa o plano de longínquas origens étnicas e corresponde a uma filosofia lingüística atual Uma tal possibilidade pode ser entrevista nas palavras de Rabindranath Tagore language is not like an umbrella or overcoat that can be borroved by unconscious or deliberate mistake it is like living skin itself 78 REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO Conhecer um idioma estrangeiro escrevêlo e falalo mduz necessariamente a compreender melhor a mentalidade e a cultura dos povos dos quais é língua materna Para o estran geiro falar a língua de um povo é possuir um instrumento da aproximação emocional como notou Priscus de Pamum em 448 em missão diplomática do governo romano da Constantinopla junto ao quartelgeneral de Ãtila nas estepes húngaras ao ver a excitação provocada por um nômade que saudou os visitantes com três ou quatro palavras em grego Quem não conhece suficientemente a história medieval se surpreenderá de saber que a diplomacia moderna tem raízes comuns com a cavalaria e a lingüística Exerceram a diplomacia na Idade Média cavaleiros via jantes comerciantes entre os quais se distinguiu Jean de Gorze As duas figuras exponenciais foram porém o bispo cavaleiro Liudprand e o abade canonizado Bernard de Clairvaux este último o mentor e motor político do maior movimento diplo mático a Cruzada motivada ideologicamente pela reconquista dos lugares santos e realisticamente pelos interesses mercan tilistas da Sereníssima República de Veneza Tendo sensibili zado e reunido um considerável contingente de cavaleiros das ordens e príncipes Bernard de Clairvaux obteve financiamento dos banqueiros flamengos e venezianos para combater o domí nio bizantino do Mediterrâneo e abrir as rotas do oriente aos mercadores ocidentais A meta mítica a reconquista dos luga res santos não foi alcançada porém se iniciou a era mercan tilista Outros diplomatas alguns dos quais eram chamados no singular orator tinham o dom das línguas Entre esses poli glotas e intérpretes se distinguiram áiabes e judeus a serviço dos soberanos Nessa mesma época a diplomacia bizantina já se impunha entre outros motivos por empregar letrados que sabiam ler e escrever enquanto a maioria dos diplomatas ocidentais eram analfabetos Em todas as épocas houve línguas mais utilizadas como instrumento de comunicação entre os povos Diversas razões contribuíram em cada caso para que uma língua se impusesse às demais Poderia ser a língua de um país mais poderoso ou LINGUAGEM INTERNACIONAL 79 de povos comerciantes ou uma língua que não correspondesse a nenhuma nacionalidade determinada mas surgisse da neces sidade de comunicação de grupos itinerantes A boa estrutura de uma língua ou seus aspectos práticos poderiam adicionar fatores de predominância sobre os demais Um dos fenômenos mais antigos na lingüística internacio nal foi o emprego das línguas de mar provavelmente derivadas sempre das línguas nativas dos marinheiros e acrescidas de termos náuticos e tradições marítimas dos povos navegantes Achase registrado na história o episódio ocorrido em plena luta comercial e militar entre Veneza e Bizâncio quando mari nheiros venezianos utilizaram uma língua de mar para esconder sua nacionalidade e penetrar nos estaleiros bizantinos incen diando a esquadra que estava sendo construída para destruir Veneza Ainda hoje existem tripulações de navios de ban deira da conveniência que falam um linguajar desprovido de característica nacional e só inteligível entre os tripulantes Em 1959 um agente consular brasileiro foi chamado a iden tificar marinheiros que se diziam brasileiros ficando impos sibilitado de fazêlo porque falavam uma língua que não coin cidia com nenhum idioma conhecido mas possuía raízes de diversos idiomas No vocabulário de termos náuticos contem porâneos grande parte dos quais de uso internacional encon tramse palavras portuguesas espanholas italianas inglesas e outras cuja origem etimológica se perdeu Outras línguas funcionaram como línguas marítimas sem se desestruturar podendose citar embora sem sólido apoio documental mas por meio de indícios verossímeis o chinês no oriente e no ocidente as de povos navegadores desde o fenício cartaginês egípcio grego e latim franconormando português veneziano genovês árabe e o italiano que foi oficialmente a língua das marinhas do Império Otomano no século XVIII até o inglês Podese distinguir do fenômeno anterior a existência de línguas comerciais como o babilônio ou acádio o flamengo e o veneziano nas transações bancárias e financeiras e atual mente o inglês o francês o alemão o japonês e o chinês para 80 REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO a grande comunidade de colônias de comerciantes e banqueiros chineses que dominam as finanças privadas de vários países do extremo oriente Para diversos desses fenômenos lingüísticos em que as línguas originais se deturpam ou internacionalizam adotase o designativo genérico de língua franca Algumas línguas cultas constituíram veículo de comuni cação entre letrados poetas filósofos e membros de elite Na idade média embora fosse o latim a língua de comunicação como idioma oficial de expressão eclesiástica coube aos sábios árabes a parte mais gloriosa de preservar os textos de filosofia grega que através de Averroes e Avicena e traduções deles contribuiriam para a renovação da filosofia ocidental e para o tomismo Foi ainda o árabe na civilização pernambucana do açúcar a língua culta dos escravos escribas e contadores dos engenhos que sabiam escrever e contar enquanto os senho res eram muitas vezes analfabetos O provençal é um exemplo de língua altamente poética que desapareceu O sânscrito o egípcio o latim o grego o mandarim o alemão o francês e o inglês seriam talvez os exempos mais conspícuos na cate goria das línguas literárias de elite e corte As técnicas políticas e econômicas da conquista coloni zação e imperialismo são fatores determinantes da expansão da língua do povo dominante sua imposição como língua inter nacional dos povos dominados e de absorção das línguas locais ou anulação delas Um complexo conjunto de relações de poder envolve tal fenômeno numa problemática em que interferem a violência o nacionalismo a alienação cultural quando não o genocídio Manifesta nesses casos o fenômeno lingüístico seus fundamentos culturais míticos e filosóficos tomandose instru mento de domínio do mais forte ou afirmação do mais fraco Nem sempre a língua dominante é mais culta nem mais sofis ticada que a absorvida São exemplos históricos a imposição do latim pelos conquistadores romanos do francês pelos inva sores normandos na Inglaterra em 1066 do árabe no Magreb e na Ãsia do grego na época de Alexandre do babilônio na época de Hamurábi séc XVIII aC do persa nos séculos LINGUAGEM INTERNACIONAL 81 VI e V aC do português e do espanhol na conquista povoa mento e evangelização mercantilistas do francês e do inglês no colonialismo e imperialismo No Brasil até meados do século XVIII o português era menos falado que o conjunto de línguas locais onde predomi nava numericamente o tupi entre cerca de trinta famílias lingüísticas identificáveis A língua geral o tupinhengatu e o tupiguarani não incluíam as famílias mundurucu juruna arikem tupari ramarana e mondê do mesmo tronco os troncos macrojê e Bororo com seis famílias e cerca de vinte e cinco línguas o tronco aruaque com quase trinta línguas e mais outras sessenta línguas de troncos diversos indeterminados ou não classificados algumas do mesmo fios quechumara como o tupi o quêchua o aimará outras de estruturas diversas como o caribe dos chibchas de civilização marajoara transcen dentais para nossa cultura Já se estabeleceu em aproximadamente dois mil e quinhen tos o número de línguas existentes no mundo das quais as doze mais importantes demograficamente são chinês inglês espanhol hindi português russo árabe indonésio japonês bengali alemão e francês não correspondendo esta ordem exatamente a critério decrescente de importância Grande quantidade de línguas ainda existentes está em processo de extinção Algumas línguas perduraram na história da huma nidade por séculos ou milênios O sumeriano de família des conhecida e arcaica foi meio de expressão na região babilônica dos séculos XIII a XVIII aC influenciando mas sendo deslocado pelo acádio de família camitosemítica e continuando a influenciar civilizações posteriores através do babilônio não só no sentido de vocabulário como de estrutura de signos símbolos pois a ele devemos o sistema de base seis que ainda se usa para dividir e subdividir as horas e os ângulos e o sistema decimal de pesos e medidas O hebraico documentado antes de 1000 aC é a língua oficial do Estado de Israel O egípcio ainda é uma língua religiosa O aramaico utilizado por Jesus ainda é uma língua de referência na interpretação bíblica O sânscritovédico o prácrito o dialeto pali são ante 82 REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO riores à era cristã 0 romam dos ciganos representa um fenô meno raro de sobrevivência nômade ou sedentária dentro de culturas mais desenvolvidas Mesmo sem incursionar em hipóteses esotéricas nem tirar conclusões arbitrárias vêse que a sobrevivência de uma língua não está diretamente relacionada com o poder político do Estado ou do povo sua apetência bélica ou a grandiosidade de sua civilização Ao contrário talvez na afirmação nacio nalista sustentada por uma contribuição transcendental esteja a explicação Como pode estar naquele aforismo de que é nas minorias que se encontra a essência das maiorias Todas as línguas são utilizadas por convenção entre as pessoas sem o que não seriam nem inteligíveis nem adequadas à comunicação racional Empregamse contudo inúmeras ex pressões frases de situação citações referências em idiomas estrangeiros que se tornam compreensíveis pelo uso mas não pelo entendimento popular do nexo etimológico racional pois este só é acessível aos letrados e aos filólogos Palavras como salva cião eureka maktub são inteligíveis para muitas pessoas em situações determinadas principalmente se acompanhadas de entonação e gesto apropriados Um certo tipo de vocabulário ou uma estrutura lingüística podem assumir posição de língua convencional em geral quando exprimem situações de poder misticismo sacralidade Tornamse uma espécie de linguagemtabu exclusiva A liturgia católica até o Concilio Vaticano II se exprimia no rito romano pelo latim Durante séculos a língua litúrgica ou latim litur gico diferente do latim clássico teve influência em todas as línguas européias ocidentais Tive ocasião de ouvir de uma pessoa pouco culta que assistiu naquela época a um culto cató lico grego o comentário de que a única palavra latina em toda a missa era o Kyrie Esse fiel identificara a palavra e o sentido mas não a etimologia nem a língua Muitas pessoas que então recitavam toda a missa católica romana em latim seriam incapazes de ler Cícero ou Vergílio no original Em países objetos ou vítimas de colonização segundo o caso a língua dos colonizadores adquiriu valor residual e foi adotada como LINGUAGEM INTERNACIONAL 83 língua convencional de referência principalmente quando per sistia uma grande multiplicidade de línguas locais Em lendas e mitos se percebe a invenção de línguas fan tásticas que preenchem a necessidade de atribuir aos perso nagens fictícios uma linguagem para que não fiquem mudos A categoria universal da linguagem precisa apoiarse numa estrutura lingüística As soluções mais interessantes para o proWema da comunicação lingüística têm sido fornecidas na literatura pelos autores de Sciencefiction e de fantaciência onde seres extraterrenos ou fantásticos se comunicam com os terráquios ou entre si com vocabulários e estruturas tecno lógicos Este seria um outro exemplo de linguagem e língua convencionais no plano suprarreal Existe aliás em algumas línguas duplicidade de vocabu lários de situação convencionais indicando planos de abstração ou planos sociais No inglês entre sinônimos os de radical francês indicam a acepção mais abstrata e os de etimologia saxã a acepção mais concreta Paralelamente as palavras de origem francesa formam um vocabulário em linhas gerais mais erudito pois o francês era a língua da corte normanda após a invasão de Guilherme enquanto o saxão era a língua do povo mais áspera menos burilada e socialmente menos digni ficante porém mais identificada com as aspirações nacionais No português as acepções mais concretas e populares corres pondem à evolução etimológica enquanto as mais abstratas ou pretensiosas se exprimem por reconstruções latinizantes e algu mas vezes artificiais Basta lembrar que a palavra mictório foi criada artificialmente por derivação direta do latim de propósito para a inauguração das instalações sanitárias da Praça XV no Rio de Janeiro para que o Imperador não tivesse de inaugurar um mijadouro O problema da adoção convencional de uma língua comum de uso administrativo e político na organização interna de um país equacionase a partir de necessidades de comunicação comércio convivência proteção de minorias étnicas culturais e lingüísticas Mas na aplicação prática estimula conflitos entre nacionalismo e alienação enfatiza interesses ou estilos 84 REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO oligárquicos burgueses plutocráticos e aristocráticos cria cri térios de status e pode interferir nos procedimentos burocrá ticos acentuando castas ou despojandoas de privilégios do poder de estrutura latifundiária ou religiosa ou ao introduzii uma exigência lingüística menos acessível às classes proletárias e médias obstrui a mobilidade vertical em todos os setores porém primordialmente na composição dos quadros adminis trativos de serviço público O português percorreu no Brasil toda a escala evolutiva passando de língua comum a língua nacional A mesma asser tiva seria já discutível em relação ao castelhano na Espanha As línguas faladas na Espanha têm caracteres nacionais en quanto no Brasil não existe tal conotação para os idiomas ainda falados por tribos indígenas ou por grupos de colonização italiana japonesa polonesa russa tendo desaparecido total mente a vigência idiomática dos povoamentos holandês e espa nhol Entre os países bilingües se podem citar Canadá Bél gica Paraguai Equador Bolívia Peru GrãBretanha Entre os multilingues Guiana índia Filipinas Espanha União So viética Tchecoslováquia China Suíça União SulAfricana Srilanka Ceilão Iugoslávia Paquistão Países de unidade lingüística têm pluralidade de dialetos como a Alemanha e a Itália Na índia falamse cerca de 225 línguas locais das quais 14 de importância oficial e regional Não é difícil imaginar os efeitos críticos de ciclo ou climax que tal problema pode suscitar A eles se devem perió dicas agitações de opinião na Bélgica o assassinato do premier Solomon Bandaranaike no Ceilão em 1959 e em grande parte a campanha dos Guardas Vermelhos na China que bran diam o livrinho vermelho de Mao nada mais que a cartilha do texto oficial e sintético pelo qual se implantou no país o man darim como língua oficial A problemática da adoção de uma língua diplomática con serva muitos aspectos de paralelismo com o que acontece no plano interno O caráter convencional da língua se acentua distinguindoa da estrutura que possui como língua nacional Seu emprego depende entretanto de temores e precauções que LINGUAGEM INTERNACIONAL 85 inspiram suas conotações nacionais históricas hegemônicas ou concorrentes Dá margem a manifestações que refletem soli dariedades ou conflitos desconfianças ou alianças Conotações políticoideológicas agem a favor ou contra determinadas lín guas para que sejam ou não aceitas ou deixem de sêlo Prova velmente a Reforma contribuiu para que o latim decaísse no uso internacional o inglês foi favorecido pelo protestantismo pelo liberalismo e pelo capitalismo o francês beneficiado pelo enciclopedismo e prejudicado a longo prazo pelo estigmaídolo napoleônico que se identificou com os ideais da burguesia enquanto outras línguas se tornam polêmicas como reflexo das posições radicais ou antagônicas assumidas na política e na religião pelas nações em que são faladas e das quais são símbolos O racionalismo e o liberalismo incitaram do século XVII ao século XX as tentativas de criação de línguas artificiais ou construídas que facilitassem não só a comunicação como o entendimento pacífico entre os povos Em 1629 Descartes em carta ao padre Mersenne Jançou a idéia de uma língua universal com vocabulário lógico e gra mática sem exceções Em 1653 Thomas Urguhart de Cromarty elaborou o Logopandecteision uma proposta de língua uni versal Em 1661 coube a George Dalgamo na Ars Signorum expor um vocabulário simplificado O Didascalocophus tinha por meta eliminar as irracionalidades e irregularidades em que incorrem as línguas Seguiramse numerosas tentativas de racionalizar a língua entre as quais se citam como as mais importantes a do bispo Wilkins em An Essay towards a real character and a Philosophical Language a de Jean François Sudré em 1817 que versou sobre uma língua musical interna cional com combinação de notas a de monsenhar Johann Martin Schleyer que criou a língua Volapük com a Grammatik der Universalsprache für alie Erdbewohner Esta última língua gozou de enorme popularidade até 1911 quando morreu mon senhor Schleyer Em 1887 Ludwik ou Lazarus Zamenhof também chamado Doktoro Esperanto Doutor Esperançoso organizou a língua Esperanto que alcançou sucesso desde 1896 86 REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO Entre as muitas adesões que recebeu o Esperanto foi apoiado por vários países soviéticos pela Cruz Vermelha e pela Socie dade das Nações Em 1957 em folheto onde foram analisadas sob os aus pícios da UNESCO regras e métodos tendentes a julgar a conveniência do uso de línguas artificiais sob o título The Possible Use of Languages Internationally Understood aquele organismo internacional registra as preferências de opiniões emitidas por vinte e uma pessoas assim distribuídas Basic English 2 Esperanto 6 Interlíngua 7 outras 6 A amostra colhida pela UNESCO com base no encontro realizado em 1955 em Montevidéu sobre o assunto demonstrava já então um alto grau de seletividade de escolha entre as seiscentas línguas internacionais artificiais já inven tadas Desse número impressionante haviam alcançado recepti vidade o Esperanto o Basic English lançado ou compilado em 1936 por Charles Ogden em The ABC of Basic English com 850 palavras e formas verbais restritas a Interlíngua ou Cos moglotta e a variante americana IDO outra língua com grande número de raízes latinas gregas e romanches Ora sem que se tivesse exatamente previsto introduziuse na problemática da lingüística artificial um fator de natureza tecnológica e operacional No período em que essas línguas foram inventadas ou compiladas as comunicações se faziam com menos facilidades e instalações menos sofisticadas que hoje as conversações internacionais exigiam intérpretes e se tomavam lentas os meios de informação e comunicação de massa tinham obvias dificuldades de traduzir e copidescar informações em línguas exóticas nas reuniões internacionais enfim a necessidade de uma língua comum se tomava impe rativa No entanto no espaço dos últimos vinte anos desenvol veuse a técnica de secretariado de organizações de reuniões internacionais com recursos de tradução simultânea que tor naram desnecessária e obsoleta a idéia de uma língua artificial para uso diplomático LINGUAGEM INTERNACIONAL 87 Paralelamente cresceu o interesse pelas línguas oficiais de reunião diplomática enquanto o inglês particularmente assumiu posições de língua universal em todos os campos e setores da comunicação internacional A menos que outros fatores igualmente imprevisíveis venham a afetar novamente o problema as línguas artificiais poderão continuar a atrair interesse do ponto de vista de pesquisa e experimentação mas se acham ultrapassadas em termos de rendimento prático Três enfoques distintos determinam o emprego de língua e linguagem diplomáticas nas negociações e nos atos inter nacionais Em princípio quando os Estados negociam em igualdade de condições o que é uma situação decorrente do princípio da soberania não existe nenhuma regra de redação nem de eleição de idiomas pois os Estados podem negociar os assuntos que desejarem e de comum acordo elegerem os termos e as línguas que preferirem Este primeiro enfoque vale para as negociações bilaterais e para as multilaterais em que as decisões devem ser unânimes Não exclui porém a prática diplomática e o apoio nas fórmulas de uso costume tradição que tampouco são rígidas oferecendo diversas opções a escolher mas impondo a observância da conceituação dos institutos de direito inter nacional público para que as decisões adotadas tenham inteli gibilidade universal Uma segunda abordagem da questão levaria em conta a posição de Estados sem cujo acordo as decisões não são apro vadas Esta situação típica das cinco grandes potências no Con selho de Segurança das Nações Unidas eqüivale como se sabe ao direito de veto No terceiro caso enfocamse as relações multilaterais da diplomacia parlamentar onde as decisões são tomadas por maioria de votos No caso da redação e idas línguas podem ocorrer várias situações A questão pode ser definida em órgãos diferentes como o secretariado a comissão preparatória a comissão geral um dos conselhos ou o plenário de uma reunião conferência ou organismo internacional Os critérios de escolha serão peculiares à técnica específica de deliberação parlamentar 88 REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO Nas negociações e reuniões e na redação dos documentos respectivos e dos atos bilaterais e multilaterais deas resul tantes distinguemse as seguintes categorias de línguas línguas oficiais em que se expressam os delegados e representantes língua de trabalho ou cooperativas em que se redigem os documentos ou para as quais se traduzem todas as decla rações ou documentos expressos nas demais línguas oficiais que não são consideradas working languages língua de fé isto é aquelas nas quais os textos dos documentos e atos fazem fé línguas alternativas que se admite serem usadas em declarações ou discursos ou em ocasiões excepcionais incluin dose neste caso a de visitantes ilustres ou chefes de estado línguas diplomáticas de referência oficiais e operativas que não são de nenhum dos países participantes e que podem fazer fé nos documentos e atos línguas em que os documentos são traduzidos pelas delegações dos respectivos países para efeito da processua lística interna dos atos internacionais Nas negociações bilaterais entre países de línguas diversas o costume indica várias opções sendo a mais comum que as línguas dos dois países sejam oficiais e traduzidas reciproca mente que sendo uma delas língua diplomática seja considc rada língua de trabalho e de fé podendo a outra ser ou não adotada em situação equivalente que não sendo nenhuma delas língua diplomática adotese uma língua de referência entre as línguas diplomáticas Após a segunda guerra mundial algumas línguas já vinham sendo usadas como meio de expressão diplomática sendo as principais as das grandes potências e as que eram faladas em diversos países ou já usadas como meio de comunicação de uma comunidade de países originada do sistema colonial Para as superpotências emergentes do conflito a União Soviética e os Estados Unidos da América a adoção dos respectivos idiomas o russo e o inglês seria um fato representativo do reconheci LINGUAGEM INTERNACIONAL 89 mento do status de máximo destaque entre os grandes do mundo A análise objetiva dos motivos que conduziram à adoção do russo como idioma diplomático indica predominância de várias ordens de fatores tais como a influência interna que teria na consolidação do russo como língua nacional da nação modelo dentro da União Soviética face a todas as nacionali dades e línguas das demais repúblicas socialistas da União a supremacia oficialmente reconhecida do idioma russo sobre os demais idiomas do bloco ou comunidade dos países socia listas da Europa oriental fato importante no contexto da liderança regional da União Soviética cujo status de superpo tência ainda parecia depender na época da proteção e defesa do centro geopolítico da da core area eurasiática e da teoria de grande potência liderante de um grupo regional satelitizado numa projeção ideológica dos sistemas coloniais imperialistas Neste último aspecto ainda é discutível se a teoria da sateli tização não terá sido muito mais uma construção verbal e retó rica inspirada na fotografia geográfica de sistemas planetários de menores países dispostos em arco às margens das super potências do que um fenômeno genuíno e característico de neo imperialismo Pelo menos do ponto de vista lingüístico não se configurou a exclusão de afirmações subregionais e mesmo de sublideranças No plano regional são línguas vigentes o português alemão italiano e japonês O espanhol acedeu ao plano de língua oficial internacional como língua de expressão de grande número de países O fator determinante na promoção do espanhol coube à adoção das técnicas de diplomacia parlamentar onde cada país tem um voto Outras línguas tão expressivas como o espanhol em termos demográficos não são numericamente tão represen tativas nas votações A seleção de línguas diplomáticas obedece a critérios de operacionalidade pragmatismo funcionalidade rendimento má ximo e economia de recursos A quantidade de línguas deve ser limitada o que impede que em termos universais estejam 90 REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO nelas representados todos os grandes troncos lingüísticos Na Conferência de São Francisco em 1945 o chefe da delegação norteamericana comentou em forma de declaração que as discussões deveriam ser feitas em inglês Imediatamente o delegado francês reivindicou para a língua francesa a mesma categoria de língua oficial de debates Os delegados chinês e russo prosseguiram na exploração do tema surgindo desta troca de informações entre Edward R Stettinius Georges Bidault Soong e Viacheslav Molotov uma distinção básica entre língua de trabalho working language e língua oficial Na referida conferência cinco idiomas foram considerados oficiais chinês russo espanhol francês e inglês Apenas dois foram considerados línguas de trabalho francês e inglês Decidiuse que as intervenções feitas nas línguas de trabalho não seriam traduzidas para as demais línguas oficiais a menos que os oradores assim o solicitassem mas uma tradução verbatim circularia posteriormente nos sumários Os delegados que usassem as outras três línguas oficiais forneceriam tradução numa das duas línguas de trabalho Nestas duas línguas seriam publicados todos os documentos da conferência porém documen tos específicos seriam publicados também nas outras três lín guas a pedido A Comissão Preparatória da I Sessão da Assembléia Geral das Nações Unidas em 1946 recomendou que as regras refe rentes a línguas adotadas na Conferência de São Francisco fossem mantidas até nova decisão A Primeira Comissão da Assembléia Geral adotou um projeto de resolução que depois se transformou nas normas de línguas 5260 das normas de procedimento da Assembléia Geral pela qual se mantinha o critério de cinco línguas oficiais e duas línguas de trabalho determinandose que sempre seriam feitas traduções para as línguas de trabalho e de uma para outra a primeira interpretação dos discursos para uma das línguas de trabalho seria fornecida pelo orador e a segunda baseada naquela pelos intérpretes do secretariado atas verbatim os purnals dos órgãos da ONU seriam feitos nas línguas de tra balho os sumários das atas e todas as resoluções e documentos LINGUAGEM INTERNACIONAL 91 importantes nas línguas oficiais outros documentos origina dos em órgãos da ONU que o decidissem poderiam ser editados em outras línguas além das oficiais Em 1947 a delegação das Filipinas apresentou um projeto de resolução no sentido de que também o espanhol fosse erigido a língua de trabalho da Assembléia Geral Essa iniciativa teve apoio dos países hispanófonos e dos árabes Entre os argumen tos levantados contra a proposta filipina objetouse não ser o espanhol uma língua diplomática e se achar em similar cate goria com o russo e o chinês porém em desvantagem quanto ao critério de população falante Lembrouse ainda que o aumento do número de línguas de trabalho ergueria barreiras lingüísticas a separar os países membros da organização sofis ma que pode ser tão verdadeiro ou falso como sua própria recíproca Nos debates não foi negligenciado o aspecto finan ceiro da contratação de intérpretes e tradutores simultâneos em espanhol A atitude geral foi porém compreensiva Foi finalmente adotada em 1948 pela Assembléia Geral a resolução 262III que introduziu emendas às regras de proce dimento passando o espanhol a figurar como terceira língua de trabalho Ainda em 1948 na segunda parte da terceira sessão ordinária da Assembléia foram formalmente incluídas na agen da duas propostas para inclusão do chinês e do russo entre as línguas de trabalho O comitê consultivo para questões admi nistrativas e orçamentárias se opôs à iniciativa Entre os argumentos contrários levantouse o de que o critério demo gráfico não é válido para que um idioma seja considerado língua diplomática internacional O assunto foi posteriormente adiado Como a questão lingüística é referida operacionalmente às regras de processo procedimento ou regulamento os órgãos das Nações Unidas gozam de autonomia no assunto O Artigo 21 da Carta estabelece que a Assembléia Geral adotará suas regras de processo Pelo Artigo 30 o Conselho de Segurança adotará seu próprio regulamento Disposição semelhante existe no Artigo 72 quanto ao Conselho Econômico e Social e no Artigo 90 quanto ao Conselho de Tutela 92 REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO A Carta estabelece ainda que os textos nas cinco línguas oficiais são igualmente autênticos Na Convenção de Viena sobre relações diplomáticas o Artigo 53 determina que fazem fé os textos em chinês espanhol francês inglês e russo O texto em português publicado na Coleção de Atos Internacionais foi elaborado pela delegação brasileira em coordenação com a delegação portuguesa à Con ferência das Nações Unidas sobre Relações e Imunidades Diplo máticas reunida de 2 de março a 14 de abril de 1961 em V icna que elaborou a referida convenção Um problema interessante de lingüística aplicada à con ceituação de direito internacional é encontrado no estudo com parativo da Convenção de Viena sob relações consulares de 1963 Na primeira os delegados brasileiros tiveram de resolver como traduzir as inovações de terminologia introduzidas para designar o Estado que acredita um diplomata e o Estado em que o diplomata está acreditado optando pelas expressões Estado acreditante e Estado acreditado Já o texto em por tuguês da Convenção de Viena sobre relações consulares voltou a utilizar as expressões menos inovadoras designando as duas categorias como Estado de envio e Estado receptor Nessa matéria a Convenção de Havana sobre Funcionários Diplo máticos havia preferido formas analíticas tais como o Estado ante o qual se acham acreditados ou Estado por ele repre sentado Esta convenção celebrada em 1928 pelos governos das Repúblicas representadas na Sexta Conferência Internacio nal Americana foi assinada em espanhol francês inglês c português em fé do que havia sido decidido porém sem menção a que os quatro textos são autênticos ou fazem igualmente fé As línguas diplomáticas oficiais na OEA são as quatro faladas predominantemente nos países membros inglês espanhol por tuguês francês Ainda que não haja disposições permanentes o secretariado organizado em 1910 como secretariado perma nente com o nome de União PanAmericana considera o inglês e o espanhol como línguas de trabalho ou working langmges em sentido que pode ser interpretado como uma simples técnica operacional de caráter implícito LINGUAGEM INTERNACIONAL 93 As quatro línguas fazem fé o que está consagrado no Artigo 108 da Carta da OEA ao afirmar que os textos nas quatro línguas são autênticos O Tratado Interamericano de Assistência Recíproca assinado no Rio de Janeiro em 1947 também tem textos autênticos nas quatro línguas oficiais sendo esta a norma para todos os demais acordos e documentos multilaterais da organização O princípio das línguas de trabalho ou operativas figura no Artigo 36 do Regulamento para a Conferência de Bogotá de 1948 e no Capítulo X do Acordo Econômico assinado em Bogotá em 1948 A ata final de cada conferência é redigida na língua do paíssede e traduzida para os outros idiomas oficiais por um comitê onde estão representados membros de expressão nos quatro idiomas assessorados pelo pessoal do secretariado ou segundo outra forma similar que seja adotada pela conferência A série de conferências se iniciou em 1889 Como a XI Confe rência que fora convocada para Quito em 1961 foi adiada shic die as reuniões interamericanas prosseguem a nível de reuniões de consulta dos chanceleres que se realizam no entan to desde 1939 Nessas reuniões as quatro línguas oficiais são as mesmas das conferências Em outras reuniões oficiais em que participam o Brasil e países hispanoamericanos vigora o princípio de que o por tuguês e o espanhol são idiomas oficiais em igualdade de condições Esta é a regra observada na ALALC nas reuniões de chanceleres dos países da Bacia do Prata e da Amazônia Na OTAN as línguas oficiais são o inglês e o francês em ambas fazendo fé os textos de documentos No Conselho da Europa também o inglês e o francês eram as línguas oficiais e operativas podendo entretanto ser usados em discursos na assembléia pelos representantes o alemão e o italiano No Tratado da União Européia Ocidental para a defesa mútua as línguas oficiais previstas foram o inglês francês alemão holandês e italiano porém só às duas primeiras se 94 REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO atribuiu categoria de línguas operativas para efeito de publi cação de documentos Nas reuniões do Benelux as línguas oficiais são o francês e o holandês Na SEATO o texto inglês faz fé em primeiro lugar porém para as partes que concordarem com o texto francês e notifi carem devidamente o fato o texto francês será igualmente autêntico e obrigatório No Tratado da EURATOM 1957 fazem fé os originais em italiano francês alemão e holandês A Convenção para a Proteção Salvaguarda dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais foi assinada pelos mem bros do Conselho da Europa em inglês e francês ambos fazendo fé O Pacto da Liga dos Estados Ãrabes foi assinado no ano de 1364 1945 da era cristã apenas em língua árabe A Carta da Organização da Unidade Africana no Artigo XXTV prevê que o instrumento original seja redigido em lín guas africanas se possível e em inglês e francês cada texto dos quais fazendo igualmente fé Este é um caso excepcional de multiplicidade de línguas que atende a objetivos naciona listas de uma numerosa comunidade regional que supera qua renta adesões ao mesmo tempo que reflete as influências históricas ao estabelecer duas línguas diplomáticas de refe rência que também vigoram como línguas administrativas de alguns dos membros da organização A experiência recente da diplomacia parlamentar que intro duziu sensíveis modificações nos métodos diplomáticos influen ciou portanto igualmente o relacionamento lingüístico no plano internacional Na medida em que foi pelo menos concomitante senão condicionante ou estimulante do diálogo entre as nações rompeu barreiras idiomáticas Se persistem ainda fatores quê podem dar a impressão de que ainda vigoram certos privilégios que conferem a algumas línguas o inglês e o francês o ca ráter de línguas diplomáticas isto corre em termos pragmá ticos que excluem possíveis reações emocionais As afirmações nacionalistas como se infere dos exemplos antes enumerados LINGUAGEM INTERNACIONAL 95 se manifestam muito mais na área regional onde as disputas de liderança ou o receio de que elas se manifestem se funda menta em uma balança de poderes mais equilibrados Em termos de linguagem e já não de língua a impressão mais recente seria a de que há convergências notórias para a adoção de terminologias comuns que contribuem para a faci lidade de expressão e comunicação O novo estilo diplomático mais objetivo e prático sem dúvida nenhuma que as figuras de estilo características da diplomacia renascentista é também responsável por simplificações que toda língua sofre ao se internacionalizar