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Bárbara Bruna de Oliveira Simões Daniella Bitencourt Graziele Costanza José Eduardo Aidikaitis Previdelli Orgs Temas atuais de Direitos Humanos Volume 2 A segunda edição desta obra na forma de coletânea se inclui em um processo mais amplo de reflexão sobre os direitos humanos e sua vinculação às mais diversas áreas do direito Apresenta conexões entre ramos supostamente incompatíveis com o escopo de instigar a ponderação do leitor convidálo provocativamente a repensar seus paradigmas Assim a obra contempla liames entre os direitos dos refugiados com o processo civil ou questões relativas a imigrações e até mesmo as relacionadas ao sistema europeu de asilo reflexões sobre o desafio entre a justiça e os deveres morais o processo justo a correlação entre o direito penal e o garantismo raciocínios sobre a violência de gênero a antidiscriminação pormenorizada provocações sobre novos cenários penais e tributários na pandemia ou o direito de acesso à internet tudo visando aguçar o senso crítico do leitor exterminando dogmas de modo a alcançar uma consciência ativa à concretização dos direitos humanos cuja modificação iniciase na consciência de cada um Temas Atuais de Direitos Humanos Agnaldo Cuoco Portugal UNB Brasil Alexandre Franco Sá Universidade de Coimbra Portugal Christian Iber Alemanha Claudio Gonçalves de Almeida PUCRS Brasil Cleide Calgaro UCS Brasil Danilo Marcondes Souza Filho PUCRJ Brasil Danilo Vaz C R M Costa UNICAPPE Brasil Delamar José Volpato Dutra UFSC Brasil Draiton Gonzaga de Souza PUCRS Brasil Eduardo Luft PUCRS Brasil Ernildo Jacob Stein PUCRS Brasil Felipe de Matos Muller UFSC Brasil JeanFrançois Kervégan Université Paris I França João F Hobuss UFPEL Brasil José Pinheiro Pertille UFRGS Brasil Karl Heinz Efken UNICAPPE Brasil Konrad Utz UFC Brasil Lauro Valentim Stoll Nardi UFRGS Brasil Marcia Andrea Bühring PUCRS Brasil Michael Quante Westfälische WilhelmsUniversität Alemanha Miguel Giusti PUCP Peru Norman Roland Madarasz PUCRS Brasil Nythamar H F de Oliveira Jr PUCRS Brasil Reynner Franco Universidade de Salamanca Espanha Ricardo Timm de Souza PUCRS Brasil Robert Brandom University of Pittsburgh EUA Roberto Hofmeister Pich PUCRS Brasil Tarcílio Ciotta UNIOESTE Brasil Thadeu Weber PUCRS Brasil Comitê Editorial da Série Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 Organizadores Bárbara Bruna de Oliveira Simões Daniella Bitencourt Graziele Costanza José Eduardo Aidikaitis Previdelli Diagramação Marcelo A S Alves Capa Carole Kümmecke httpswwwconceptualeditoracom Fotografia de Capa Roi Dimor theamateurbackpackercom O padrão ortográfico e o sistema de citações e referências bibliográficas são prerrogativas de cada autor Da mesma forma o conteúdo de cada capítulo é de inteira e exclusiva responsabilidade de seu respectivo autor Todos os livros publicados pela Editora Fi estão sob os direitos da Creative Commons 40 httpscreativecommonsorglicensesby40deedptBR Série Filosofia e Interdisciplinaridade 125 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP SIMÕES Bárbara Bruna de Oliveira et al Orgs Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 recurso eletrônico Bárbara Bruna de Oliveira Simões et al Orgs Porto Alegre RS Editora Fi 2020 187 p ISBN 9786559170630 DOI 10223509786559170630 Disponível em httpwwweditorafiorg 1 Direitos humanos 2 Direito contemporâneo 3 Ensaios 4 Coletânea 5 Debate I Título CDD 340 Índices para catálogo sistemático 1 Direito 340 Sumário Apresentação 9 Os organizadores Prefácio 10 João Paulo Forster 1 14 Global justice and moral duties towards the deprived challenges and perspectives Ana Paula O Ávila 2 39 O direito humano ao processo justo aos migrantes no sistema interamericano o parecer consultivo 1699 da corte interamericana de direitos humanos Bárbara Bruna de Oliveira Simões José Eduardo Aidikaitis Previdelli 3 56 Garantismo penal política criminal em defesa dos direitos humanos Caroline Costanza Graziele Costanza 4 71 Há possibilidade de aplicação da justiça restaurativa em casos envolvendo violência de gênero Cláudio Daniel de Souza Laís Gorski 5 93 Direitos humanos e a pandemia novos crimes e excludentes de culpabilidade Daniella Bitencourt Leonardo Romero de Lima 6 109 O direito de acesso à internet como direito humano e fundamental Gustavo da Silva Santanna Haide Maria Hupffer 7 127 Imigração no Uruguai perspectivas de pertencimento legal e social Lara A Sosa Márquez 8 144 Publicidade dos atos processuais e direito fundamental ao processo justo Luís Marcelo Algarve 9 160 Sistema europeu comum de asilo reconstituições e repensares a partir da crise humanitária de 2015 Matheus F Fröhlich 10 173 Direitos humanos e antidiscriminação conceito critérios proibidos modalidades e respostas jurídicas à discriminação Roger Raupp Rios Apresentação Os organizadores A segunda edição desta obra na forma de coletânea se inclui em um processo mais amplo de reflexão sobre os direitos humanos e sua vincula ção às mais diversas áreas do direito Apresenta conexões entre ramos supostamente incompatíveis com o escopo de instigar a ponderação do leitor convidálo provocativamente a repensar seus paradigmas Assim a obra contempla liames entre os direitos dos refugiados com o processo civil ou questões relativas a imigrações e até mesmo as relacio nadas ao sistema europeu de asilo reflexões sobre o desafio entre a justiça e os deveres morais o processo justo a correlação entre o direito penal e o garantismo raciocínios sobre a violência de gênero a antidiscriminação pormenorizada provocações sobre novos cenários penais e tributários na pandemia ou o direito de acesso à internet tudo visando aguçar o senso crítico do leitor exterminando dogmas de modo a alcançar uma consciên cia ativa à concretização dos direitos humanos cuja modificação iniciase na consciência de cada um Logo sob diferentes perspectivas abrangência e profundidade os au tores apresentam dimensões do direito que envolvem direta ou indiretamente os direitos humanos com o objetivo de alcançar o conheci mento provocativo como arma indispensável ao enfrentamento de doutrinas prémoldadas à superação dos vários problemas sociais vivenci ados por todos nós Boa leitura Prefácio João Paulo Forster 1 Os direitos humanos revelamse objeto de estudo da maior impor tância a qualquer tempo em qualquer local sua importância é global E quando a história parece apresentar alguma linearidade se apresenta o ano de 2020 com desafios incomensuráveis no tema Em outras palavras em tempos de normalidade examinamos os direitos humanos como a resistente linha que desejamos ver costurando nossas vidas Na época atual a força dessa linha vem sendo testada diariamente fazendo com que nossa atenção não se volte a esse alinhavamento mas à própria existência dessas amarras Satisfazme imensamente portanto o convite proposto não apenas pelo mérito do conteúdo mas também pela organização da obra ora apre sentada Tratase de plano organizado pensado e cuidadosamente elaborado por exalunos do curso de Mestrado em Direitos Humanos do Centro Universitário Ritter dos Reis do qual atualmente sou professor Tal fato revela a importância dos ensinamentos e das trocas em sala de aula que permitem aos alunos e aos professores sonharem com novos projetos e concretizálos para a sociedade toda Este afinal o objetivo da Academia de uma participação crítica na evolução do conhecimento científico com consequências para fora dela Os últimos acontecimentos relacionados à pandemia do novo coro navírus e todas as suas consequências nos planos social político econômico jurídico revelamnos que os direitos humanos devem ser uma 1 Mestre e Doutor em Direito pela UFRGS Professor da graduação e pósgraduação lato e stricto sensu Advogado João Paulo Forster 11 temática debatida e estudada por toda a sociedade Acesso à saúde educa ção segurança moradia alimentação liberdades individuais dentre tantos outros que podemos enumerar são direitos pertencentes a cada ser humano frequentemente violados O tema portanto revelase universal Todo leitor desta obra e mesmo os nãoleitores são titulares desses di reitos Com essa perspectiva estruturouse obra pertinente ao nosso tempo com destacada importância de cada pesquisa que a compõe São estudos desenvolvidos por profissionais de diversas áreas do conhecimento res saltando a interdisciplinaridade dos temas envolvendo direitos humanos que devem ser compreendidos vistos compreendidos a partir de um exame que não se esgote na visão jurídica Importante ainda observar que o presente volume apresenta uma novidade artigo elaborado em idioma estrangeiro Global justice and moral duties towards The Deprived chal lenges and perspectives que certamente contribuirá com o aprofundamento dos estudos em justiça global Na sequência os artigos abordam temáticas singulares para a com preensão dos direitos humanos Em O direito humano ao processo justo aos migrantes no Sistema Interamericano o parecer consultivo 1699 da Corte Interamericana de Direitos Humanos encontrase visão da atuação da Corte Interamericana de Direitos Humanos em parecer sobre fluxos migratórios e direito ao processo justo de migrantes extremamente atual embora datado de 1999 No artigo O garantismo penal política criminal em defesa dos direitos humanos apresentase o Garantismo Penal de Luigi Ferrajoli relacionando os postulados da teoria à efetivação de direitos hu manos Em Há possibilidade de aplicação da justiça restaurativa em casos envolvendo violência de gênero os autores abordam a violência de gênero no Brasil por meio de análise de dados de observações em audiências ju diciais Trazendo ao debate a questão do coronavírus o artigo Direitos humanos e a pandemia novos crimes e excludentes de culpabilidade busca apresentar a aplicação da legislação penal a atos praticados no período 12 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 desta pandemia Pensando em novas abordagens dos direitos humanos no estudo O direito de acesso à internet como direito humano e fundamen tal os autores formulam o seguinte questionamento seria o direito de acesso à internet efetivamente um novo Direito HumanoFundamen tal Retornando à temática migratória a pesquisa desenvolvida em Imi gração no Uruguai perspectivas de pertencimento legal e social nos apresenta uma visão específica e enriquecedora de nosso país vizinho e de como se dá a imigração em seu território Também rememorando o direito ao processo justo o artigo Publicidade dos atos processuais e direito fun damental ao processo justo descreve o conteúdo do direito à publicidade processual e propõe um referencial teórico pouco explorado sobre o as sunto Realizando análise internacional o artigo Sistema europeu comum de asilo reconstituições e repensares a partir da crise humanitária de 2015 traça um panorama da construção do Sistema Europeu Comum de Asilo SECA Por fim a obra se encerra com Direitos humanos e antidiscriminação conceito critérios proibidos modalidades e respostas jurídicas à discrimi nação fechando o segundo volume do Temas atuais de direitos humanos com um panorama do direito da antidiscriminação mostrando a necessi dade do seu estudo para o desenvolvimento dos direitos humanos A riqueza e variedade de temas permite compreender a abrangência e vastidão dos direitos humanos e da necessidade de melhor compreendê los para melhor aplicálos exigilos É difícil esgotar os temas propostos imaginese então exaurir por completo o tema dos direitos humanos di nâmico vivo que se altera a cada minuto Lembrase no ponto as palavras da S Madre Teresa de Calcutá O que eu faço é uma gota no meio de um oceano Mas sem ela o oceano será menor Parabenizase a Editora Fi que possui um projeto de destaque de di fusão do conhecimento de forma gratuita em sua plataforma eletrônica composta por livros de alta qualidade elaborados por profissionais que João Paulo Forster 13 entendem a importância da informação com propriedade Desejo uma ex celente leitura a todos e que possamos ter nos próximos anos novas publicações como esta que busquem alimentar o debate sobre direitos hu manos Porto Alegre 20 de setembro de 2020 1 Global justice and moral duties towards the deprived challenges and perspectives Ana Paula O Ávila 1 If the misery of our poor be caused not by laws of nature but by our own institutions great is our sin Charles Darwin2 To view something from the moral point of view means that we do not ele vate our own selfunderstanding and world view to the standard by which we universalize a mode of action but instead test its generalizability also from the perspective of others It is unlikely that one would be able to per form this demanding cognitive feat without generalized compassion sublimated into the capacity to empathize with others that points beyond affective ties to immediate reference persons and opens our eyes to differ ence to the uniqueness and inalienable otherness of the other Jürgen Habermas Morality Society and Ethics p 154 1 Introduction The traditional conception of justice regards the duty to not cause any harm to anyone By this general duty of no harm to others the balance in the community wouldnt be broken and should it be broken commuta tive justice would be satisfied by atonement or retribution reestablishing 1 Mestrado e Doutorado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS Mestrado em Global Rule of Law and Constitutional Democracy pela Università degli Studi di Genova Itália Membro das Comissões Especiais de Compliance e de Proteção de Dados da OABRS 2 Quoted by Pogge Thomas How should human rights be conceived In POGGE T World Poverty and Human Rights Second Edition Polity Press 5876 p 73 Ana Paula O Ávila 15 the balance in society To modern societies belonging to a world where inequalities are abundant this conception of justice is not enough to keep the balance There are rich and poor states and within the states there are wealthy and poor people and belonging to one or another group or state is a random fate being born at the right place in the right moment is an arbitrary matter As a means to work around the arbitrariness of fate and to promote equal conditions for the development of personality the concept of justice embraces also a distributive nature which is commonly called social jus tice The distinction between two notions of justice commutative and distributive justice is deepened by the inquiry on what it takes to fulfill the sense of justice If the first notion may be satisfied with retribution or atonement the latter is not so easy to define There is a commonsensical idea that distributive justice involves satisfying social and economic rights such as health food shelter education social assistance etc rights which require financial funding Given the evergrowing problem of resources scarcity theres much disagreement about the distribution of wealth People usually agree about the wish for global justice however there is deep disagreement on the very possibility of having global justice or a global standard of distributive justice Also concerning distribution doubts are raised and some studies question if aiding the poor nations is actually the best way to help them to overcome poverty To determine ex actly what each and every one is bound to do in order to promote social justice is still a task to be performed These questions show that global justice faces many challenges from political theory and philosophic questions to very practical matters such as the design of policies against poverty the financial funding and sup posing funds are in place there is much doubt on how they should be applied by which agencies private or governmental and under which conditions if any Thus this essay aims at analyzing some problems posed by global justice which will be divided in four sections first I shall address the political theory and philosophy issues regarding the concept 16 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 of global justice particularly the problems of sovereignty borders and the membership thesis second I will bring in the argument against aiding the poorer known as the lifeboat ethics argued by Hardin third I shall pre sent the opposite perspective which argues for the recognition of moral duties towards the deprived and finally focusing on the human rights practices I will describe a few experiences to show that there might be some way in between keeping the status quo and an utopic global justice 2 Political and Philosophic Challenges Political theory offers important arguments to be considered espe cially those supporting Thomas Nagels thesis that global distributive justice is theoretically indefensible In a very summarized account Nagels thesis brings the issue of sovereignty and international relations to answer the question if setting justice standards and equality policies is not a prob lem for domestic affairs Supported by Hobbes conception that although we can discover true principles of justice by moral reasoning alone actual justice cannot be achieved except within a sovereign state3 Nagel adds the topic of membership to legitimate the decisions regarding those prin ciples According to him egalitarian justice is a requirement on the internal political economic and social structure of nationstates and can not be extrapolated to different contexts which require different standards4 In this sense justice relates to sovereignty in two different aspects first to establish concrete means to realize the demands of justice requires legitimation based on collective selfinterest and membership second the pursuit of justice requires enforcing institutions therefore it needs government5 3 Nagel Thomas The Problem of Global Justice Philosophy Public Affairs Vol 33 n2 2005 113147 p 114 4 Idem p 114115 5 Stressing the critique on the point of sovereignty see FOLLESDAL Andreas Global Distributive Justice State Boundaries as a Normative Problem In Global Constitutionalism 12 2012 pp 261277 Cambridge Cambridge University Press 2012 Ana Paula O Ávila 17 In fact one basic problem to the legal concept of global justice is the lack of institutions to enforce its tenets for even if justice is taken to include not only collective selfinterest but also the elimination of morally arbitrary inequalities or the protection of rights to lib erty the existence of a just order still depends on consistent patterns of conduct and persisting institutions that have a pervasive effect on the shape of peoples lives The only way to provide that assurance is through some form of law with centralized authority to determine the rules and a central ized monopoly of the power enforcement6 The point is defining and achieving the standards of justice among citizens belonging to each sovereign state is something manageable thanks to enforcing institutions acting within the states limits Therefore global justice should be achieved by the sum of each nationalstate individually In theory this kind of approach settles the matter of government en forcement and also the problem of imposing moral standards outside the borders of the nation which creates unease over the complete absence of any comparable standards of fairness or equality of opportunity from the practices that govern our relations with individuals in other societies7 In practice though the deep inequality between nations not only economi cal but also political and social poses great obstacles to the idea that nations should be left to their own devices because the good of the whole could be achieved only through the good of the parts and some parts live in extreme poverty So the question is shifted to what can be done in the world economy to reduce extreme poverty and how the moral concern we should have with peoples threatened by starvation malnutrition dis eases or extreme violence and insecurity could be translated in practical aiding measures More importantly how should we deal with the chal lenges posed to individual and collective initiatives by the absence of a global government and enforcing institutions 6 Nagel op cit p 116 7 Idem p 118 18 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 Those political theory issues are then sided with philosophical ques tions on which humanitarian duties are expected from people in a position to help the poorer the moral justification of these duties and the problems regarding if what and how aid should be implemented Nagel considers two main conceptions on the matter First cosmopolitanism claiming ba sically that a there is a concern with the terms in which we share the world with others like an universal basis of justice b the demands of justice derive from an equal concern or a duty of fairness that we owe in principle to all our fellow human beings8 and c such universal concern requires supranational institutions to enforce its demands with possible interferences in a specific states sovereignty Second theres institutionalism or the political conception based in Rawls theory of justice maintaining that a justice is a political value ra ther than an universally moral one being a virtue in social institutions whose existence embodies its value b the duty of justice toward one an other through legal social and economic institutions can only be effective through the sovereignty that states exercise over its citizens and c justice is an associative obligation and requires membership to a sovereign state In short the requirements of justice do not apply to the world as a whole unless and until as a result of historical devel opments not required by justice the world comes to be governed by a unified sovereign power The full standards of justice though they can be known by moral reasoning apply only within the boundaries of a sovereign state however arbitrary those boundaries may be Internationally there may be standards but they do not merit the full name of justice9 Rawls adopts a dualist concept of justice a domestic one applied in the sovereign states domain regarding individual liberty and the freedom to pursue personal ends and the difference principle as a means to atten uate inequalities among individuals born in different socioeconomic 8 Nagel op cit p 119 9 Idem p 121 Ana Paula O Ávila 19 classes after all according to Rawls the members of a society agree to share one anothers fate and the satisfactory existence for any particular individual is dependent upon the cooperation of all members of society10 and an international one regarding moral constrains which require mu tual respect and equality of status among peoples These duties are expressed in the principles of nonaggression and of fidelity to treaties and also in the assistance to oppressed people who dont have just political and social regimes Apart from that minimum one cannot recognize a general humanitarian claim for redistribution outside the scope of associative sys tems such as the nations Rawls claims in short are simple theres no justification to extend distributive justice internationally and the right to selfdetermination applies even to nonliberal societies which must be tol erated as a sign of respect for their choices on the principles of justice and sovereignty Apart Nagels criticism Rawls was a critic of his work himself in his later works revision he made adaptations to his writings to claim the ap plication of his Theory of Justice to the Law of Peoples across societies Although he denies that the difference principle has a global spectrum he called on the international community especially the most developed and economicallyadvanced nations to ensure that the basic consumption needs of the poor are met worldwide11 In favor of global justice one could argue that human rights do not depend of associative obligations setting prepolitical limits to the legiti mate use of power12 whose infringement turn nations susceptible to sovereignty interferences A society who doesnt ensure basic human rights to its members gives away the moral entitlement to be treated with respect equality and noninterference When it comes to socioeconomic justice there are questions to be addressed the matter of association is 10 HILL Ronald Paul PETERSON Robert M DHANDA Kanwalroop Kathy Global Consumption and Distributive Justice A Rawlsian Perspective Human Rights Quarterly 23 171187 2001 p 172 11 Idem p 176 12 Nagel op cit p 127 20 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 raised because it depends on positive rights that we do not have against all other persons and groups rights that arise only because we are joined together with certain others in a political society under strong centralized control13 Regardless there is a larger moral context regarding those non contingent universal relations which should be provided for everyone such as the rights against violence enslavement coercion and so on A minimal humanitarian morality would suggest that we should act beyond boundaries only to relieve others from extreme threats to the freedom of selfdetermination when we can do that without serious sacrifice of our own ends14 However Nagel points that even this minimal duty to protect the most basic rights need institutions with some sort of sovereignty to be ful filled There are some attempts to provide enforcement through NGOs and supranational private institutions as the Amnesty International and all sorts of cooperative institutions Nonetheless they lack sovereign au thority the crucial feature for the implementation of distribution which makes their pursuit of global justice not only impractical but also inade quate under the legitimacy criterion In Nagels words theyre not collectively enacted and coercively imposed in the name of all the individ uals whose lives they affect and they do not ask for the kind of authorization by individuals that carries with it a responsibility to treat all those individuals in some sense equally15 In its turn international organ izations such as the United Nations the WHO and the World Bank are empowered to act in many ways but cannot exercise coercive enforcement against states or individuals exception made to the UN Security Council when it comes to collective selfdefense Its clear that Nagels skepticism towards global justice is fueled by his account on the political conception of justice According to him 13 Idem ibidem 14 Idem p 131 15 Nagel op cit p 138 Ana Paula O Ávila 21 justice applies in other words only to a form of organization that claims po litical legitimacy and the right to impose decisions by force and not to a voluntary association or contract among independent parties concerned to ad vance their common interests16 Political and moral issues aside even if we recognize the moral duty to aid societies in need there are other pragmatic questions to be pointed out Empirical analysis on the effects produced by help from richer nations may suggest that in the long run what comes as assistance to poor na tions may be actually damaging their chances to potentially evolve So proper assessment of the case against helping the poor comes next 3 The case against helping the poor The Lifeboat Ethics On the justification side the questions of sovereignty and legitimacy already pose some difficulties and they are not the only ones to consider regarding a global concept of justice On the practical side one must eval uate the actual possibilities and consequences for the kind of help which is supposedly expected from the rich towards the poorer This sort of analy sis has been done by Garrett Hardin in an article called Lifeboat Ethics arguing that helping the poor is not sustainable from the point of view of the scarcity of natural resources x overpopulation equation His bottom line is that sharing wealth and resources through uncontrolled immigra tion and foreign aid is simply suicidal so he developes the lifeboat metaphor to illustrate his argument A lifeboat as he points out has a limited capacity and if we load it in excess it will simply sink So the dilemma between preserving the few passengers on it ignoring the many who is out or allowing a few more for the sake of the Christian command of being our brothers keeper or the distributive justice criterion to each according to his needs is easily solved if we allow a few more passengers exceeding the lifeboats capacity 16 Op cit p 140 22 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 the boat swamps everyone drowns Complete justice and complete ca tastrophe17 Of course the simplicity of this clear outcome contrasts with the complexity of the arguments against helping the needy The first thing questioned by Hardin would be how to choose those to be allowed on the boat the best 10 the neediest 10 the first 10 Secondly he asks by filling the excess capacity of the boat arent we waving away the safety factor for everyone in the boat The third point is the irrelevance of the guilt motive to the ethics of the lifeboat the needy person to whom the guilt driven person yields his place will not himself feel guilty about his good luck Then he goes on analyzing data regarding the extreme differences between rich and poor nations to prove the point that help might have an antipedagogic effect if we solve poor nations problems they wont ever learn to solve them themselves Poor countries are affected by problems stemming from overpopula tion and hunger The needs are determined by population size and the rate of reproduction of poor nations is more than twice the rate of the wealthy ones for comparison the United States doubles its population in 87 years whereas countries like Venezuela Pakistan or Morocco double their population in 21 years As Hardin who is a biologist argues nat ural resources dont respond well to such increase He sustains that death by starvation and disease may be the natures response to balance the equation overpopulation x environment He takes the pastures as an ex ample if a farmer allows more cattle than its capacity erosion sets in and he loses the use of the pasture This shows that property and wealth must be managed with responsibility they come with duties for the owners and not only bonuses Making property available to all for common use and the public use of it may not be matched by the correspondent responsibil ity to manage it and the same logic for land management applies to 17 Hardin Garrett Lifeboat Ethics p 1 Ana Paula O Ávila 23 forests waters oceanic fisheries and airpurity If we have less than per fect human beings to consciously use these resources mutual ruin is inevitable if there are no controls18 The uncontrolled growth of the population and no control is viable in a foreseeable future because reproduction is regarded as a sovereign right leads to problems such as starvation work exploitation uncon trolled spread of diseases pollution and so on Initiatives to help those in extreme poverty conditions are very appealing in the humanitarian com mon sense when they find themselves in emergency situations but one must reason with the possibility that such help might do more harm than good to such nations Hardin reminds the example of the initiatives to cre ate a world food bank to which rich countries would contribute according to their possibility and poor countries would withdraw according to their need asking about the operational consequences of this kind of help To him as a result of such solutions to food shortage emergencies the poor countries will not mend their ways and will suffer progressively greater emergencies as the population grow If poor countries received no food from the outside the rate of their population growth would be periodically checked by crop fail ures and famines But if they can always draw on a world food bank in time of need their population can continue to grow unchecked and so will their need for aid In the short run a world food bank may diminish that need but in the long run it actually increases the need without limit With a well meaning system of sharing such as a world food bank the growth differential between the rich and the poor countries will not only persist it will increase People will have more motivation to draw from it than to add no any common store The less provident and less able will multiply at the expense of the abler and more provident bringing eventual ruin upon all who share in the com mons19 Also empirical observation over US foreignaid programs shows that international charity is often received with mistrust and antagonism 18 Idem p 3 19 Hardin op cit p 34 24 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 instead of gratitude The recent case of Brazilian help to Venezuela illus trates this topic President Maduro sent the army to close the borders in order to refuse humanitarian help coming from Brazil and prevent the access of trucks loaded with food for the starving population20 The Vene zuela crisis also created a sudden migration flux to some Brazilian areas which are far from proper development Therefore shelter healthcare and other public services which already fail to supply the local population keep getting overloaded by the immigrants evergrowing demands espe cially related to healthcare to treat diseases and child nutrition21 and thats another illustration of the lifeboat approach Harsh as it may seem Hardins account seems to be accurate and should be taken into consideration when designing international policies especially considering that there are many initiatives for humanitarian help operating around the world For good willed human rights engaged people who do share some concern with fellow human beings living in extremely hostile conditions the lifeboat ethics present a very disappoint ing scenario as if nothing could be done because the better thing to do is to leave these nations to their own devices and let nature do her job Although Hardins work doesnt come to the point of offering alter natives it is definitely useful by clearly pointing what should not be done when designing humanitarian policies Thinking further though even with all the challenges in the way of global justice maybe there must be some alternative between keeping the status quo and the chimera of wealth distribution and equality in a just world The impossible may not serve as an excuse not to do what is feasible Perhaps justice by being so morally intertwined in humans consciousness finds its ways through cre ative humanitarian initiatives and market requirements for a more sustainable future 20 httpsg1globocomjornalnacionalnoticia20190221nicolasmaduromandafecharfronteiradavene zuelacombrasilghtml 21 httpswwwbbccomportuguesebrasil45178748 Ana Paula O Ávila 25 4 Moral Duties and Responsibilities towards the deprived Although theres a commonsensical idea that distributive justice in volves satisfying some degree of social and economic rights such as health food shelter education social assistance etc rights which demanding positive obligations require financial funding theres much disagree ment over the content addressees the sort of obligations stemming from them and even if such demands can actually be recognized as rights In liberal philosophy it is debatable if social rights can actually be considered as rights One first argument against it concerns the fact that such rights are unrealistic or undetermined regarding the duties they en tail which are not specified22 A second reproach is that rights concern to ones freedom to do whatever they feel like as long as theres no interfer ence from others or from the State According to a traditional conception rights endow their holders with a power to control how others behave This implies the idea that rights are negative in the sense that rights func tion defensively as shields against unjustified intrusions by others23 Normative rights regard the burdens that the rights substance make on others and in this strict sense only negative rights fit in the rights cate gory because positive rights by being confronted with scarcity constraints are beyond ones sphere of choice and autonomy24 Charles Fried adds that due to scarcity constraints imposed on social rights compliance they cannot be logically defined in categorical and unconditional terms Rights to food shelter and health care are costly and must be financed so their legal enforcement may extend the limits of personal responsibility in arbitrary and irrational ways making excessive demands on those against whom they are claimed and putting serious 22 Pogge Thomas How should human rights be conceived In POGGE T World Poverty and Human Rights Second Edition Polity Press 5876 p 73 23 Beatty David The Ultimate Rule of Law Oxford Oxford University Press 2004 p 122 24 Regarding the terminology employed in this essay negative rights refer to those liberty civil and political rights which require abstentions from others positive rights require others to do things on behalf of their holders In other words the first category implies duties of not doing something whereas the latter imply the duties of doing or giving something such as in social and economic rights 26 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 constraints in ones freedom Surely he argues I have a right to do something else with my life than devote it wholly to feeding those whose starvation I might prevent if I worked at it day and night25 As David Beatty notes this is a very popular view among classic liberal philosophers such as Hayek and Nozick regarding social and economic rights as the antithesis of liberty and freedom and the latter came to the point of actually saying that taxing the rich to relieve the suffering of the poor was on a par with forced labor26 In a quite different perspective though the human rights approach suggests that one cannot be indifferent to people who live in extremely poor and harsh conditions going on a quest to establish reasons and ar guments to support the recognition moral duties towards those in need Of course moral duties and responsibilities always pose the problems of enforcement so it may be easier to talk about human rights under legal arrangements which absorb moral rights eg modern constitutions en listing civil political and social rights to its citizens nevertheless there is the suggestion that well entrenched customs backed by taboos might serve better than laws certainly better than unenforced laws27 Thus the relationship between affluent countries and the poor and deprived ones is analyzed under the moral rights approach especially considering that moral human rights validity is independent of any and all govern mental bodies28 or we could put it this way a government which doesnt protect human rights has no legitimacy and no sovereignty claims In fact human rights do not depend of associative obligations setting prepolitical limits to the legitimate use of power29 whose infringement turn nations susceptible to sovereignty interferences 25 Fried Charles Right Wrong Cambridge Harvard University Press 1973 p114 apud Beatty David The Ultimate Rule of Law Oxford Oxford University Press 2004 p 122123 26 Idem ibidem Nozick 27 Shue Henry Basic Rights Subsistence Affluence and US Foreign Policy Princeton PUP 2nd Ed p 16 Apud Pogge Thomas Shue on Rights and Duties p 116 28 Pogge Thomas How should human rights be conceived Op cit p 58 29 Nagel Thomas The Problem of Global Justice Philosophy Public Affairs Vol 33 n2 2005 113147 p 127 Ana Paula O Ávila 27 The idea of human rights evolved from natural law concerning ones liberty to pursue selfpreservation and selfinterest and recognizing cer tain values that must be reflected and respected in social institutions and human behavior at all times and places Hence they were conceived as moral demands broadly sharable30 The advance from moral demands to human rights implied the value of equality inherent to the human con dition all human beings have exactly the same human rights and the moral significance of human rights and humanrights violations does not vary with whose human rights are at stake as far as human rights are concerned all humans matter equally31 The modern human rights approach shifts the question to what can be done by institutions and by individuals to reduce extreme poverty and how this moral concern we should have with peoples threatened by star vation malnutrition diseases or extreme violence and insecurity could be cultivated among those in position to help and then translated in practical measures The moral demands contained in human rights involve the recognition of basic needs that must be attained to each and every human requiring a commitment to oppose governments who disrespect such needs thats a first step Theres a current opinion that human rights violations must stem form government officials in order to be recognized as such Governments may disrespect human rights by issuing or maintaining unjust laws sub verting the idea of what is rights and the very idea of right and justice In fact a government may be legally committed to never violate human rights and yet do nothing to ensure that its officials comply with the official prohibition it may also fail to forbid such violations to some people or to all under its jurisdiction either by failing to pass protective laws or by fail ing to enforce them effectively32 Pogge has an interesting view on this matter He recognizes that governments are responsible for human rights 30 Pogge Thomas How should human rights be conceived Op cit p 62 31 Idem p 63 32 Idem p 6567 28 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 violations but he brings responsibility also to those people who support such government that is people who do not care enough about the ob jects of human rights to enable encourage and if need be replace and reorganize their government so as to safeguard secure access to these ob jects for all He goes on to say that While the government may then be the primary guardian of human rights and the prime measure of official disrespect the people are their ultimate guardian on whom their realization crucially depends Enduring respect of human rights is then sustained not just by the countrys constitution its legal and political system and the attitudes of its politicians judges and police It is sustained more deeply by the attitudes of its people as shaped also by the ed ucation system and the economic distribution33 This perspective holds individuals as addressees of moral duties and responsibilities towards the deprived either those who belong to the same or to distant societies We should start by analyzing the arguments to justify the assumption of such duties and then describe suggestions to enhance individual and institutional capabilities to improve the lives of people who dont have secure access to human basic needs On the rights approach one first attempt is to establish such duties as corresponding to moral rights Henry Shues questions the traditional division into negative security rights and positive subsistence rights arguing that both categories have positive and negative implications sub sistence rights no less than negative rights entail negative duties people must refrain from depriving others of their basic rights whereas security rights34 no less than subsistence rights entail positive duties to protect people from such deprivations and to aid them when nevertheless they suffer from it35 33 Idem p 6869 34 Not to mention that negative rights imply costs inasmuch social rights such as keeping the police and judicial system to ensure that ones rights to come and go to conserve property to free speech and to vote are not infringed 35 Apud Pogge Thomas Shue on Rights and Duties In Global Basic Rights BEITZ Charles R GOODIN Robert E Org pp 113130 p 114 Ana Paula O Ávila 29 In a summarized account Shues proposition is that subsistence is a moral and basic right because its a condition sine qua non for the fruition of all the other rights In his words rights are basic in the sense used here only if enjoyment of this right is necessary for the enjoyment of all other rights36 His core concern regards the establishment of criteria to identify the most important rights suggesting that they should be recognized by asking whether a right is such that a person must have its substance in order to fully enjoy any rights at all37 He argues that only when those rightssecurity and subsistenceare guaranteed other rights can be en joyed When basic rights are not guaranteed other rights can be enjoyed only precariously38 To him the substance of a basic right is something the deprivation of which is one standard threat to rights generally39 In Pogges critical assessment this holds a maximalist account according to which human rights require efforts to fulfill everyones human rights an ywhere on earth a human right then will be a right whose beneficiaries are all humans and the obligors are all humans in a position to effect that right40 To him Shues account is made in allornothing terms one ei ther enjoys all the basic rights or no rights at all leaving no room for little improvement of the lives of those living below the threshold situations where improvements are possible even if this not allow them to enjoy all their basic rights41 In a rightsbased approach one has to identify which duties are laid upon other agents who should comply with those duties Such duties must specify their addressees as well as their content or behavioral substance According to Shue all agents have the duty to aid the deprived who are victims of social failures ie those whose deprivations we as individuals 36 Apud Pogge Thomas Shue on Rights and Duties Op cit p 117 37 Idem p120 38 Crawford Neta No Borders No Bystanders Developing Individual and Institutional Capacities for Global Moral Responsibility p 134 39 Pogge Thomas Shue on Rights and Duties Op cit p 122 40 Pogge Thomas How should human rights be conceived Op cit p 70 41 Pogge Shue on Rights and Duties Op cit p 122 30 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 or institutions couldnt avoid In this sense to perform this aiding duty we are required to sacrifice all our preferences all our opportunities for cultural enrichment and all substances of our nonbasic rights insofar as this is necessary and useful helping others gain access to substances of their basic rights42 This point turns Schues account too harsh for impli cating that the more privileged people are massively noncompliant with the most important moral duty when they fail to devote their spare re sources to reduce basic rights deficits43 Thats why Pogge prefers to focus on the morally relevant factor of involvement in deprivation something which may occur by contribution people who contribute to deprivation must discontinue it or by benefit stop benefiting from deprivations imposed by other eg avoiding the consumption of products that are cheap at the cost of bonded child or nearslavery labor Therefore if we are somehow involved in deprivation we must make amends to it because we have stronger moral reasons to do so In this sense we should be more aware that a globalized world econ omy entailed processes involving distant and historically disadvantaged groups from whom wealth resources and labor was taken without due compensation through systems designed for some to become rich at the deprivation of others These implications rescue the difference principle from Rawls holding that social and economic inequalities for example inequalities of wealth and authority are just only if they result in compen sating benefits for everyone and in particular the least advantaged members of society44 As were about to see below this awareness re quires education providing the ability to see feel think and act in relation to another no matter their distance from us45 In Pogges view we all have a general duty to avoid making uncom pensated contributions to the deprivation of others and also receiving 42 Idem p 125 43 Idem p 127 44 RAWLS John A Theory of Justice Cambridge Harvard University Press 1971 p 1415 45 Crawford Neta No Borders No Bystanders Developing Individual and Institutional Capacities for Global Moral Responsibility p 149 152 Ana Paula O Ávila 31 uncompensated benefits from such deprivation46 His interesting argu ment dissociates government and citizens to emphasize that responsibilities stemming from human rights are assigned to both parties that is both government and individuals In his account avoidable insecurity of access beyond plausibly attainable thresholds consti tutes official disrespect and stains the societys humanrights records Human rights are then moral claims on the organization of ones society However since citizens are collectively responsible for their societys organization and its resulting human rights record human rights ultimately make demands upon especially the more influential citizens Persons share responsibility for official disrespect on human rights within coercive institutional order they are involved in upholding47 This perspective requires collective initiatives aiming at an institu tional order and public culture to ensure access to basic needs and human rights to all members of society Therefore human rights entail moral du ties the human right to not to suffer cruel or degrading treatment entails to each and every one of us the duty to help ensure that those living in my society need not to endure such treatment48 This takes as I have shown in section 1 to the dispute regarding human rights which concerns citizenship and nation borders do my duties concern only to my fellow citizens living in the same society as I do or also towards all other human beings It is commonsense in world politics that moral boundaries are a domestic matter and intervention on another states domain would un dermine its sovereignty49 46 Idem P 129 47 Pogge Thomas How should human rights be conceived Op cit p 70 48 Pogge Thomas How should human rights be conceived Op cit p 72 49 Today though human rights pervasive violations justify the right to intervene In signing the Charter of the United Nations States not only benefit from the privileges of sovereignty but also accept its responsibilities Whatever perceptions may have prevailed when the Westphalian system first gave rise to the notion of State sovereignty today it clearly carries with it the obligation of a State to protect the welfare of its own peoples and meet its obligations to the wider international community But history teaches us all too clearly that it cannot be assumed that every State will always be able or willing to meet its responsibilities to protect its own people and avoid harming its neighbors The responsibility to protect devolves on to multilateral institutions when individual states fail to act to prevent or halt ongoing abuse And in those circumstances the principles of collective security mean that some portion of those responsibilities should be taken up by the international community acting in accordance with the Charter of 32 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 The responsibility towards my fellow citizens is more evident since we share common decisions regarding wealth distribution and we must be responsible for them but responsibilities towards all individuals facing deprivation including those outside the borders is not to be easily dis missed In fact in a globalized economy facilities experienced in rich and developed countries often rely on labor and natural resources extracted from poor countries In the global market one must be aware that inter national trade and commodities production include narratives of unequal exchange extraction by theft and brutal exploitation of labor50 which takes us back to Pogges compensation principle according to which eve ryone has a duty not to cooperate in upholding deprivation unless they compensate for their cooperation by protecting its victims or by working for its reform51 Of course the key word in this matter is empathy starting from the fact that people have certain firmly held moral intuitions assuming that there is already something in peoples motivational makeup to which we can appeal when trying to motivate moral beliefs and moral behavior52 Aware of that Crawford suggests that our moral duties responsibilities towards those in need can be enhanced if we develop our individual and institutional capacities to overcome the condition of simple bystanders through fundamental work on public education oriented to discover un derstand and act on those responsibilities in particular situations Social actors she says must be able to see clearly how their actions affect others they must be able to empathize they must be able to reason or deliberate and they must be able to act53 the United Nations and the Universal Declaration of Human Rights to help build the necessary capacity or supply the necessary protection as the case may be Crawford Neta op cit p 138 50 Crawford Neta No Borders No Bystanders Developing Individual and Institutional Capacities for Global Moral Responsibility p 147 footnote n 43 51 Pogge Thomas How should human rights be conceived Op cit p 73 52 Crawford Neta Op cit 136 53 Idem ibidem Ana Paula O Ávila 33 The main duty to be performed in order to fulfill this task concerns moral education from families schools religious institutions public and private organizations oriented to inculcate those widely sharable values respecting universal moral demands towards respect for human beings According to Crawford to see how we are morally related to others is a requirement to deliberate over what kind of role social actors can play and the practices they consider appropriate enhancing understanding and empathy This implies the broad knowledge on historical distortions on wealth acquisition and distribution with causal explanations for the worlds inequalities In short the prerequisites of moral responsibility at the individual level include the ability to see feel think and act in relation to another no matter their distance from us Attentiveness does not rise in a vacuum it needs to be learned cultivated maintained But unless we focus more specifically on how this is done there is no guaran tee that institutions will reliably perform this role54 I am convinced that despite a great and persistent number of desti tute people the human rights discourse has produced improvements on remote places in the earth Globalization and communication access aligned with educational processes towards human rights protection makes individuals more conscious of the role they can play to change the lives of those who live in poor conditions and subject to exploitation Mar ket trends like the fair trade encourage the consumption of products from companies that work with sustainability standards and promote de cent working conditions and fairer deals for workers in developing countries NGOs pop stars and philanthropic personalities take part in initiatives to provide clean water nutrition and health care to distant places on the planet compelling others to believe that anyone can play a part Beyond marketing trends philanthropy and politicallycorrect atti tudes those are visible symptoms that indeed there are moral duties and responsibilities towards deprived human beings regardless how distant 54 Op cit p 150 34 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 they are from us after all by random circumstances we could be one of them 5 Final Remarks Human Rights development initiatives and fair trade Notwithstanding all the difficulties already mentioned the fact is that there are people even nations in a position to help that feel actually bound to those in need The present moment when we face war in Syria political and economic crisis in Venezuela violence and persecution against minority groups in Iraqi Pakistan and other countries in the Mid dle East hunger and deprivation in central Africa calls such people for action The question then shifts to what kind of assistance can be done to avoid or at least minimize the real effects of the lifeboat metaphor Hardin presents several points that must be considered when design ing foreignaid policies He observes that the modern approach in this area suggests that the export of technology knowledge and advice is still pref erable than the transfer of money or food His main conclusion is that without birth control all humanitarian initiatives are bound to fail To him food can be significantly increased to meet a growing demand with the use of technology but by satisfying a growing populations need for food we will also increase the consumption of other resources needed by people increasing the burden on the environment He emphasizes that reproduction is considered a sovereign right and there is no global gov ernment to control it so I think that maybe the export of educational programs and knowledge is the only way to prevent the world from in creasing overpopulation at least its the only way compatible with to a liberal view if one cannot impose birth control one can only reveal its impacts on the lives of people who havent yet connected the dots between overpopulation and deprivation sowing the birth control idea in individ ual minds to provide them with planned conscious decisions regarding reproduction Ana Paula O Ávila 35 On the civil rights improvement nongovernmental human rights or ganizations such as Amnesty International and Human Rights Watch have been using a method called mobilization of shame as a means to exercise pressure over offending governments to cease human rights violations55 This method involves documentation and publication of ongoing human rights violations mobilizing NGOs and governmental agencies in devel oped countries to act and add pressure on the cause The same has been done by organizations like Greenpeace to report environmental damage and destruction Another method often employed to assist poor countries is to use po litical conditionality requiring certain conditions governments must compromise to adopt certain policies or cease human rights violations in order to receive international assistance Generally applied when demo cratic rights are in jeopardy no participation in free elections no freedom of speech minorities persecution dictatorial or oppressive regimes this is basically the threat to cut off assistance to governments that consistently violate human rights Conditionality is a common method in international relations for example countries can only become members of the Euro pean Union or the European Bank for Reconstruction or Development if they are democracies and hold the commitment to the human rights pro tection In a further step EU integrated the human rights conditionality in the conventions that regulate its relations with developing nations from the Third World56 Something similar happens with the International Monetary Fund IMF to fund nations in financial need financial help only comes under the promises of budget control wise investments and fulfill ment of explicited goals Of course conditionality also offers difficulties and must be put under a complex design which contemplate specific targets selectivity and ways 55 Uvin Peter Human Rights and Development Bloomfield Kumarian Press 2004 p 57 56 Uvin Peter Op cit p 58 36 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 to control the fulfillment of the imposed conditions based not on the coun tries intentions but in their demonstrated records57 Otherwise it can be ineffective if not counterproductive altogether Peter Uvin understands that conditionality shouldnt be indiscriminately employed because it may weaken the quality of governance the domestic accountability of govern ments the legitimacy of opposition groups and the capacity to develop internal processes of change58 so its use should be restricted to a few essential purely technical criteria Another strategy is simply not engaging on work with governments that violate certain standards we probably cannot change the offending behavior with the tool of aid conditionality but we do refuse to support the situation and we hopefully send a strong signal of disapproval59 The list of strategies could go on showing that with careful thought deprivation of basic needs may be alleviated by other means than pure charity working around the side effects pointed out by Harding Its im portant to note that by these strategies human rights go beyond their prior function to limit sovereignty to become a real practice and this itself sheds some light over global justice possibilities More importantly individuals are more conscious of the role they can play to change the lives of those who live in poor conditions and subject to exploitation Such is this consciousness that companies became aware of it and started advertising trends like the socalled fair trade to encour age the consumption of products from companies that work with sustainability standards and promote decent working conditions and fairer deals for workers in developing countries Although some compa nies put more effort in marketing fair trade than in actually performing it it seems an interesting way to involve those who turn the wheels of econ omy the consumers on the human rights practice Companies are also aware that the enormous speed and engagement potential of social media 57 Idem p 69 58 Idem p 77 59 Idem p 78 Ana Paula O Ávila 37 may call for extensive boycotts on products made by companies who treat workers unfairly or under nearslavery conditions in their suppliers chains Summing up if charitable aid by transferring food or money to poor countries is counterproductive and Hardin made a good point in demon strating that maybe commerce and trade with these countries under certain conditions may help their governments to organize a working force and improve some of their own resources finding creative ways to overcome their own difficulties by the means which are available to them And global justice against Nagel predictions may not be so indefeasible and unpractical after all References NAGEL Thomas The Problem of Global Justice Philosophy Public Affairs Vol 33 n2 2005 113147 HARDIN Garrett Lifeboat Ethics The Case Against Helping the Poor In Psychology Today September 1974 pp 3843 BEATTY David The Ultimate Rule of Law Oxford Oxford University Press 2004 p 122 CRAWFORD Neta No Borders No Bystanders Developing Individual and Institutional Capacities for Global Moral Responsibility In Global Basic Rights BEITZ Charles R GOODIN Robert E Org pp 131155 FOLLESDAL Andreas Global Distributive Justice State Boundaries as a Normative Prob lem In Global Constitutionalism 12 2012 pp 261277 Cambridge Cambridge University Press 2012 FRIED Charles Right Wrong Cambridge Harvard University Press 1973 GOULD Carol Recognition in Redistribution Care and Diversity in Global Justice the Southern Journal of Philosophy 2008 Vol XLVI 91103 38 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 HILL Ronald Paul PETERSON Robert M DHANDA Kanwalroop Kathy Global Con sumption and Distributive Justice A Rawlsian Perspective Human Rights Quarterly 23 171187 2001 POGGE Thomas Shue on Rights and Duties In Global Basic Rights BEITZ Charles R GOODIN Robert E Org pp 113130 How should human rights be conceived In POGGE T World Poverty and Hu man Rights Second Edition Polity Press 5876 RAWLS John A Theory of Justice Cambridge Harvard University Press 1971 SHUE Henry Basic Rights Subsistence Affluence and US Foreign Policy Princeton PUP 2nd Ed 1996 SPECTOR Horacio Two Conceptions of Justice and the Dystopia of Global Justice In San Diego Law Review 252 1077 2015 UVIN Peter Human Rights and Development Bloomfield Kumarian Press 2004 p 57 2 O direito humano ao processo justo aos migrantes no sistema interamericano o parecer consultivo 1699 da corte interamericana de direitos humanos Bárbara Bruna de Oliveira Simões 1 José Eduardo Aidikaitis Previdelli 2 1 Introdução O estudo dos direitos humanos deve ser atemporal precisa ser deba tido pesquisado lido e relido pelas mais diversas áreas do conhecimento com o intuito de desenvolver novas habilidades para sua proteção e disse minação a todas as pessoas em todo o mundo O pesquisador que se aventura no campo dos direitos humanos deve estar aberto à interdiscipli naridade necessária para o completo e profundo entendimento acerca dos direitos que todo ser humano tem ou pelo menos deveria ter Entre o mundo do ser e do dever ser sabese que há um grande lapso por conta de diversos fatores de desigualdade injustiças e violência Podese observar o caso dos fluxos migratórios que embora sejam um fe nômeno que acompanha a humanidade desde os primórdios as razões que 1 Doutoranda em Ciências Sociais na PUCRS Bolsista Capes Mestre em Direitos Humanos pelo UniRitter Advogada Email barbarabsimoesgmailcom 2 Mestre em Direitos Humanos pelo UniRitter PósGraduado em Direito Processual Civil pelo UniRitter PósGra duado em Formação Pedagógica de Professores pela FaQI Professor convidado de cursos de PósGraduação Lato Sensu Assessor de Desembargador no TJRS edprevidelligmailcom 40 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 levam as pessoas a sair de seus lares são atualizadas constantemente jus tamente por conta dos fatores acima descritos O estudo dos fluxos migratórios também é dinâmico e interdiscipli nar pois envolve todo a vida do migrante O aspecto escolhido nesta pesquisa relacionase com os direitos e garantias judiciais dos migrantes perante um Estado estrangeiro sob a perspectiva do direito humano ao processo justo No âmbito do Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Hu manos já há manifestações nesse sentido O objetivo deste artigo então é analisar o Parecer Consultivo 1699 e verificar de que modo se deram as manifestações da Corte Interamericana quanto à temática do direito hu mano ao processo justo de pessoas migrantes A intersecção entre dois aspectos relacionados aos direitos humanos o direito das pessoas migrantes e o direito a um processo justo será de senvolvida por meio de pesquisa bibliográfica e documental principalmente em relatórios e documentos do Sistema Interamericano 2 Breves noções sobre o Direito Humano ao Processo Justo A Constituição Federal de 1988 trouxe em seu bojo diversos direitos fundamentais que impactaram de forma significativa na legislação infra constitucional existente bem como na superveniente Esse movimento ensejou uma endoprocessualização daqueles direitos fundamentais PORTO 2018 p 38 que resultou em nova conformação nas normas processuais ao estabelecido em um Direito ao Processo Justo Todavia os direitos processuais transcendem aqueles decorrentes dessa permeação das garantias constitucionais nas normas de direito pro cessual É necessário que se reconheça a existência de um rol de direitos humanos de natureza processual previstos nos Pactos Internacionais de Bárbara Bruna de Oliveira Simões José Eduardo Aidikaitis Previdelli 41 Direitos Humanos 3 Tais direitos são aqueles reconhecidos aos seres hu manos em razão da sua condição humana visando garantir patamares mínimos necessários a uma existência digna a serem exercidos no âmbito do processo judicial ALMEIDA 2011 p 161162 O estudo dos direitos humanos processuais deve ter como ponto de partida o direito ao processo justo porquanto é considerado como gênero das demais garantias processuais CAMBI 2001 p 110 Este direito se gundo ponto de convergência entre a civil MITIDIERO 2011 p 2223 e penal FELDENS SCHMIDT 2010 p 120 decorre dos Pactos Internacio nais de Direitos Humanos de onde irradiase aos planos constitucionais nacionais Este direito processual é aferido conjuntamente com outros direitos humanos nestes documentos internacionais É o caso das garantias judici ais estabelecidas no artigo 8º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e nos ditames do Direito a processo equitativo previstos no ar tigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem Não é diferente na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia que mesmo non costituisce um atto normativo né há per effeto la produzione di norme giu ridiche dirette a determinati destinatari per atribuire diritti e doveri o regolare condotte foi adotada pelos Estados membros daquela comuni dade como dichiarazione solene di princìpi e di garanzie TROCKER 2002 p 1172 dedica o seu capítulo VI à Justiça artigos 47 a 50 com suas garantias processuais A Corte Interamericana de Direitos Humanos inclusive já se posicio nou quando no julgamento do caso Ivcher Bronstein vs Peru que as garantias judiciais previstas no artigo 8 da Convenção Americana não tem incidência restrita à atuação judicial apenas mas ao conjunto de re quisitos que devem observarse nas instâncias processuais a efeito de que 3 Aliás Ingo Sarlet 2015 p 29 ensina que os direitos fundamentais são aqueles direitos do ser humano reconhe cidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado De outro lado o autor SARLET 2015 p 29 aponta que os direitos humanos estão relacionados com os documentos de direito internaci onal por referirse àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional resultando na conciliação dos mesmos direitos em ambas as esferas 42 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 as pessoas possam se defender adequadamente ante qualquer ato ema nado do Estado que possa afetar seus direitos CORTEIDH 2001 p 45 No mesmo sentido foi reconhecido que o direito a ser ouvido artigo 81 da Convenção Americana aplicase igualmente à autoridade administra tiva mesmo que o texto convencional contenha a expressão juiz ou tribunal independente CORTEIDH 2001 p 45 No que diz respeito às Constituições nacionais o direito ao processo justo é observado em praticamente todas as constituições liberais demo cráticas do mundo MOTTA 2003 p 263 É o caso do artigo 5º inciso LIV da Constituição Federal de 1988 ao assegurar que ninguém será pri vado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal No direito comparado este direito é expressamente previsto no artigo 111 da Consti tuição italiana no sentido de que a jurisdição atuase mediante o justo processo regulado pela lei A Constituição chilena da mesma forma as segura em seu artigo 19 item 3 que toda sentencia de un órgano que ejerza jurisdicción debe fundarse en un proceso previo legalmente trami tado Doutrinadores como Luis Alberto Reichelt 2016 p 184 também acolhem o direito ao processo justo como um direito fundamental cujo conteúdo hoje estabelecido é antes de tudo fruto de um processo histó ricocultural iniciado com a Magda Carta de JoãoSemTerra de 1215 Magna Charta Libertatum que previu em seu artigo 39 a law of the land o direito da terra ou de uma determinada região4 Em sentido contrário parcela da doutrina representada por Daniel Mitidiero 2011 p 23245 e Humberto Ávila 2008 p 56576 critica a expressão devido processo le gal adotada pela Constituição porquanto decorrente do contexto 4 Eduardo Cambi 2001 p 108109 defende que tal expressão pode ser entendida como sinônimo de due process of law posteriormente consolidada 5 De forma mais completa o autor MITIDIERO 2011 p 24 assevera que não é necessário recorrer ao conceito de substantive due process of law com o objetivo de reconhecer e proteger direitos fundamentais implícitos na medida em que nossa Constituição conta expressamente com catálogo aberto de direitos fundamentais art 5º 2º o que desde logo permite a consecução desse mesmo fim reconhecimento e proteção dos direitos fundamentais implicita mente previstos e mesmo não previstos na Constituição conceito material de direitos fundamentais 6 Segundo Ávila 2008 p 56 o uso da expressão devido processo legal substancial como variante de significado supostamente decorrente da previsão expressa do devido processo legal é triplamente inconsistente em primeiro Bárbara Bruna de Oliveira Simões José Eduardo Aidikaitis Previdelli 43 estadunidense traz à liça a diferenciação inadequada para tal corrente entre as dimensões substancial substantive due process of law e pro cessual do devido processo legal due process of law Superando a divergência doutrinária porquanto não se apresenta como hábil a afastar o conteúdo do direito humano ao processo justo que comporta uma dupla conformação do processo a primeira diz respeito ao processo pautado pela colaboração entre as partes e o juiz e a segunda segundo a lição de Daniel Mitidiero 2011 p 2627 diz respeito a consti tuição do processo como capaz de prestar tutela jurisdicional adequada e efetiva em que as partes participam em pé de igualdade e com paridade de armas em contraditório com ampla defesa com direito à prova perante juiz natural em que todos os seus pronunciamentos são previsíveis confiáveis e motivados em procedi mento público com duração razoável e em sendo o caso com direito à assistência jurídica integral e formação de coisa julgada Lançados tais alicerces será possível a posterior análise da proteção conferida a este direito humano processual no âmbito da Corte Interame ricana de Direitos Humanos quando analisado o Parecer Consultivo nº 1699 3 Os fluxos migratórios perante o Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos O segundo ponto a ser abordado nesta pesquisa para que seja possí vel a análise do Parecer Consultivo 1699 diz respeito aos fluxos migratórios O homem sempre conviveu com o fato de ter que sair de suas lugar porque leva ao entendimento de que o fundamento normativo dos deveres de proporcionalidade e razoabili dade é o dispositivo relativo ao devido processo legal quando o seu fundamento reside na positivação dos princípios de liberdade e igualdade conjuntamente com finalidades estatais em segundo lugar porque os deveres de proporci onalidade e de razoabilidade são aplicados mesmo fora do âmbito processual razão pela qual perde sentido o uso da expressão devido processo legal substancial para representálos em terceiro lugar porque o devido processo legal substancial se compreendido com os deveres de proporcionalidade e de razoabilidade dá a entender que esses de veres não estão presentes no devido processo legal procedimental quando servem para a sua própria configuração como processo adequado ou justo 44 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 origens e buscar proteção em outra localidade seja por desagradar algum governante ou pela necessidade da terra ANDRADE 1996 p8 Ou ainda precisou buscar alimento e trabalho em terras distantes de seu lar Inde pendentemente do motivo certo é dizer que as migrações fazem parte da existência humana ao longo da história A Organização Internacional para as Migrações OIM entende a mi gração como um movimento populacional que compreende qualquer deslocação de pessoas independentemente da extensão da composição ou das causas inclui a migração de refugiados pessoas deslocadas pessoas desenraizadas e migrantes econômicos OIM 2009 p40 Notase por meio desta conceituação que o estudo da migração é dinâmico complexo e interdisciplinar O refúgio por exemplo surge como instituto na Convenção de 1951 Relativa ao Estatuto dos Refugiados e no Protocolo de 1967 Relativo ao Estatuto dos Refugiados De acordo com esses dois diplomas O refugiado é aquela pessoa que está fora do seu país de nacionalidade e não queirapossa retornar e pedir proteção de seu Estado em virtude de receio de ser perseguida por razão de raça religião nacionalidade filiação em grupo social ou opiniões políticas ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS 1951 1967 Os deslocados internos são pessoas que não ultrapassam as fronteiras entre as nações permanecendo dentro de seu país de origem mas em ou tro estado cidade comunidade Os migrantes econômicos são compreendidos como migrantes voluntários pessoas que buscam traba lho estudo em outro país Contrastando com essa categoria temse a migração foçada que seria representada por pessoas que necessitam fugir de seus locais de origem por conta de conflitos guerras e demais ameaças aos direitos humanos caso dos refugiados já mencionados Todavia tais distinções são metodológicas e no âmbito da proteção dos direitos huma nos não devem ser tão simples como bem expõe Köche 2015 p29 Bárbara Bruna de Oliveira Simões José Eduardo Aidikaitis Previdelli 45 não é apenas a perseguição e a violência física que levam as pessoas a deixarem seus lares O termo migração espontânea esconde a gama de fato res que influenciam e determinam o fenômeno migratório que certamente transcende a mera manifestação da vontade singularizada do migrante ma culando a crença da espontaneidade do fenômeno Nas migrações econômicas a violência simbólica operada pela desigualdade racial corrompe a voluntarie dade da decisão de migrar que jamais poderia ser entendida como espontânea Eco 2020 p2526 entende que não se realizou uma fenomenologia dos diversos tipos de migração até os dias de hoje Ele entende que o termo migrações é diverso do imigrações As imigrações ocorreriam quando os imigrantes aceitam a cultura do local de destino enquanto que as mi grações seriam aquelas em que há uma transformação radical na cultura do local de destino dos migrantes Não há um entendimento único a ser seguido o certo é que os fluxos migratórios necessitam de constantes es tudos atualizações legislativas e de pesquisas sociais políticas econômicas dentre outras que auxiliem no entendimento quanto às cau sas e consequências do ato de migrar7 Tal complexidade levou também à necessidade de criação de insti tutos regionais para a proteção dos direitos humanos englobando a proteção às pessoas migrantes O direito de migrar é um direito humano reconhecido no sistema global artigo 13 da Declaração Universal dos Di reitos Humanos e artigo 12 do Protocolo Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e nos sistemas regionais de proteção dos direitos humanos Segundo o último relatório da Comissão Interamericana de Direitos Hu manos CIDH de 2015 do total de migrantes internacionais na América havia cerca de 63 milhões de pessoas sendo que cerca de 54 milhões esta vam na América do Norte e 9 milhões na América Latina e Caribe Ou seja 7 Um caso muito discutido atualmente é o dos refugiados ambientais Jubilut e Apolinário 2010 p288 expõem que do ponto de vista do direito internacional expressão refugiado ambiental não está correta pois a Convenção de 1951 não abrange as pessoas deslocadas por conta de desastres naturais já que não se visualiza uma situação de perse guição podendo que o próprio Estado de origem do deslocado ambiental auxilie as pessoas nessa condição Contudo em âmbito regional e até mesmo nacional pode haver o reconhecimento do refúgio para as pessoas que fogem de desastres naturais já que alguns Estados podem entender tal situação como perturbação da ordem pública 46 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 26 do contingente de migrantes internacionais estavam nas américas CIDH 2016 No Sistema Interamericano8 do qual o Brasil faz parte observamos o artigo 8º da Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem 1948 que dispõe Toda pessoa tem direito de fixar sua residência no ter ritório do Estado de que é nacional de transitar por ele livremente e de não o abandonar senão por sua própria vontade E o artigo 27 dispondo acerca do direito ao pedido de asilo em caso de perseguição O preâmbulo da Convenção Americana de Direitos Humanos 1969 reconhece que os direitos humanos não derivam do fato de uma pessoa ser nacional de determinado Estado mas simplesmente do fato de ser pes soa No mesmo sentido o artigo 1º dispõe que os Estados devem preservar os direitos humanos elencados na Convenção a todas as pessoas sem dis tinção de qualquer tipo No seu artigo 22 refere o direito de circulação e residência Steiner e Uribe 2014 p533 relatam que o direito de migrar é sim ples e complexo Simples porque diz respeito ao direito de qualquer ser humano se locomover no país em que vive bem como residir onde quiser Tornase complexo no momento em que observamos que o mundo é divi dido em Estados nacionais que outorgam direitos e deveres diferentes a nacionais e estrangeiros A Corte Interamericana já definiu ao longo de suas decisões nos casos de migrações que o direito de circulação e resi dência é condição indispensável para o desenvolvimento da pessoa Ainda dispõe que desfrutar deste direito não depende de objetivo ou motivo par ticular CIDH 2016 p116 Importante observar que o direito à circulação e residência está dire tamente associado a diversos outros direitos humanos liberdade 8 A preocupação com os fluxos migratórios nos países latinoamericanos originou o Colóquio sobre Proteção Inter nacional dos Refugiados na América Central México e Panamá na cidade de Cartagena das Índias Colômbia Desse encontro surgiu a Declaração de Cartagena em 1984 instrumento regional não vinculante Sua importância reside no fato de ter ampliado a definição de refúgio tendo sido confirmada em 1994 por ocasião de seu décimo aniversário quando foi adotada a Declaração de San José sobre Refugiados e Pessoas Deslocadas Bárbara Bruna de Oliveira Simões José Eduardo Aidikaitis Previdelli 47 autonomia desenvolvimento projeto de vida trabalho estudo saúde jus tiça que devem ser igualmente tutelados pelos Estados para nacionais e migrantes em seu território No presente artigo buscase a intersecção entre o estudo dos fluxos migratórios e do acesso à justiça em especial o direito humano ao processo justo do migrante perante um Estado estran geiro Para isso realizarseá a análise do Parecer Consultivo 1699 da Corte Interamericana referente à matéria 4 O Parecer Consultivo 1699 da Corte Interamericana de Direitos Humanos Conforme observado nos tópicos anteriores o estudo dos fluxos mi gratórios é complexo dinâmico e envolve os mais diversos aspectos das vidas dos migrantes como por exemplo trabalho família saúde estudo e também acesso à justiça em especial nesta pesquisa o direito humano a um processo justo perante Estados estrangeiros A Corte Interamericana deparouse em 1997 com um pedido que deu origem ao Parecer Consultivo nº 1699 Tratase de consulta realizada pelo Estado do México a respeito de inúmeros casos de cidadãos mexica nos que foram detidos por autoridades policiais nos Estados Unidos da América e que foram condenados à pena de morte sem contudo serem informados sobre o direito à assistência consular mexicana violando as sim o devido processo a consulta se relaciona às garantias judiciais mínimas e ao devido processo no marco da pena de morte imposta judicialmente a estrangeiros a quem o Estado receptor não informou sobre seu direito a comunicarse e a solicitar a assistência das autoridades consulares do Estado de sua nacionalidade MINISTÉRIO DA JUSTIÇA 2014 p7 A Corte por unanimidade decidiu que a Convenção de Viena sobre Relações Consulares reconhece o direito à informação sobre assistência consular e que o Estado deve cumprir com o seu dever de informar o de tido sobre seus direitos já que a ausência de informação afeta a garantia 48 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 do devido processo legal9 MINISTÉRIO DA JUSTIÇA 2014 p5354 Ob servase que a Corte e o Sistema Interamericano no geral reconhecem o caráter multidimensional do estudo das migrações e por isso prezam pela comunicação entre as nações para que os direitos humanos dos migrantes sejam respeitados em todas as esferas Considerando que a migração tem impacto em todos os países é necessário analisála de uma perspectiva multilateral e multidimensional Os países de destino trânsito e origem enfrentam desafios crescentes em decorrência da migração e devem dividir a responsabilidade de solucionálos Os enfoques unilaterais não oferecem o tipo de solução construtiva que se requer para re solver esses desafios e responsabilidades comuns CIDH 2008 Especificamente quanto ao direito ao processo justo de acordo com o Direito Internacional dos Direitos Humanos os países devem respeitar e assegurar os direitos humanos de todas as pessoas sob sua jurisdição sem discriminação de tipo algum CIDH 2008 Paradoxalmente Hannah Arendt 1998 p335336 expõe que a perda desses direitos na realidade dos migrantes é justamente a transformação da pessoa em um humano somente sem especificações profissão cidadania opinião perde seu sig nificado por ser individual singular Como observa Reichelt 2016 p 184 o Processo Justo pode ser en tendido ao menos sob uma de suas perspectivas10 como todo um feixe de 9 1 Que o artigo 36 da Convenção de Viena sobre Relações Consulares reconhece ao detido estrangeiro direitos individuais entre eles o direito à informação sobre a assistência consular aos quais correspondem deveres correla tivos a cargo do Estado receptor por unanimidade 2 Que o artigo 36 da Convenção de Viena sobre Relações Consulares diz respeito à proteção dos direitos do nacional do Estado que envia e está integrado à normativa inter nacional dos direitos humanos por unanimidade 3 Que a expressão sem tardar utilizada no artigo 361b da Convenção de Viena sobre Relações Consulares significa que o Estado deve cumprir seu dever de informar o detido sobre os direitos que lhe reconhece este preceito no momento de priválo de liberdade e em todo caso antes de prestar sua primeira declaração perante a autoridade 6 Que o direito individual à informação estabelecido no artigo 361b da Convenção de Viena sobre Relações Consulares permite que nos casos concretos o direito ao devido processo legal consagrado no artigo 14 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos adquira efi cácia e que este preceito estabelece garantias mínimas suscetíveis de expansão à luz de outros instrumentos internacionais como a Convenção de Viena sobre Relações Consulares que ampliam o horizonte da proteção dos acusados MINISTÉRIO DA JUSTIÇA 2014 p53 10 Segundo o mesmo autor REICHELT 2016 p 185 a outra perspectiva diz respeito ao processo justo como decor rência de um processo de evolução históricocultural que tem seu início na Magna Charta Libertatum Bárbara Bruna de Oliveira Simões José Eduardo Aidikaitis Previdelli 49 direitos e garantias de natureza processual consagradas de maneira uni versal que correspondem a um âmbito de proteção mínimo a ser assegurado a toda e qualquer pessoa humana A CorteIDH apresentou visão no mesmo sentido quando do Parecer Consultivo em análise ao in vocalo consoante sua previsão no artigo 14 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos11 assim como poderia fazêlo com lastro em di versos outros documentos internacionais como visto no início deste estudo O migrante ao deixar para trás seu país de origem também deixa parte de sua história sua formação seu trabalho sua família e grande parte do que o define dentro da sociedade Ao chegar a um país estran geiro deve recomeçar sua vida e tentar fazer parte da nova comunidade como um estranho Bauman 2017 p1314 observa que Estranhos ten dem a causar ansiedade por serem diferentes e assim assustadoramente imprevisíveis ao contrário das pessoas com as quais interagimos todos os dias e das quais acreditamos saber o que esperar Assim a perda da comunidade expulsa o homem da humanidade ARENDT 1998 p331 Diante de tais perdas as pessoas migrantes recebem a atenção dos sistemas de proteção dos direitos humanos O Direito Internacional reco nhece que os Estados têm a autonomia de decidir a entrada e saída de pessoas de seus territórios Contudo essas ações devem ser realizadas res peitando os direitos das pessoas afetadas bem como observando os princípios fundamentais da não discriminação e do direito à integridade pessoal CIDH 2008 A nacionalidade não deve ser utilizada como uma forma de exclusão e de ameaça a outros direitos como a própria vida Ao contrário Na hipótese em que a nacionalidade importe situação de desigualdade real o direito ao processo justo torna imperativa a ado ção de medidas de compensação que contribuam para a redução ou 11 Segundo o Parecer Consultivo essa norma afirma diversas garantias aplicáveis a toda pessoa acusada de um delito e neste sentido coincide com os principais instrumentos internacionais sobre direitos humanos MINISTÉRIO DA JUSTIÇA 2014 p 49 50 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 eliminação dos obstáculos e deficiências que impeçam ou reduzam a de fesa eficaz dos próprios interesses MINISTÉRIO DA JUSTIÇA 2014 p 49 É o caso por exemplo do desconhecimento do idioma que segundo a análise apresentada pela Corte Interamericana atribui ao estrangeiro o direito ao tradutor bem como de informação tempestiva e adequada no sentido de que conta com a assistência de seu respectivo consulado MINISTÉRIO DA JUSTIÇA 2014 p 4950 Pelo exposto resta evidente que o trabalho desempenhado pela Corte Interamericana bem como por todo o Sistema Interamericano de atenção especial às pessoas migrantes mostrase de extrema importância para a efetivação das normas acerca dos fluxos migratórios presentes nos diplo mas legais 5 Considerações finais A migração é um fenômeno humano que acompanha a própria exis tência da humanidade sendo reforçado por diversas condições atuais O direito de migrar por sua vez está presente nas normas do Sistema Inte ramericano de Proteção dos Direitos Humanos e é utilizado pela Corte Interamericana na resolução dos casos que chegam até sua jurisdição Sob este panorama foi desenvolvido o presente estudo objetivando se a análise dos direitos e garantias processuais dos migrantes derivados do direito humano ao processo justo Aliás a análise desse gênero de onde decorrem os direitos humanos processuais foi o ponto de partida do artigo O direito ao processo justo foi delineado segundo seus parâmetros históricos e conceituais densificandoo de forma a ser extraído o seu con teúdo Esta tarefa levou em consideração a sua previsão como fundamento das garantias processuais estabelecidas em diversos documentos interna cionais versando sobre os direitos humanos Ainda foram tecidas considerações sobre os movimentos migratórios e sua proteção conferida pelo Sistema Interamericano de forma a no momento posterior verificar a proteção de ordem processual conferida Bárbara Bruna de Oliveira Simões José Eduardo Aidikaitis Previdelli 51 aos migrantes pelo Sistema Interamericano Esta verificação tomou por base o Parecer Consultivo 1699 da Corte Interamericana de Direitos Hu manos que a partir de consulta realizada pelo Estado do México Nesse contexto estudado a conclusão é no sentido de que os migran tes não podem suportar qualquer ônus processual exacerbado em razão de sua nacionalidade que resulte na violação de seus direitos processuais que integram o processo justo Em razão desses direitos e garantias de ordem processual deve ser assegurado aos migrantes processados os de vidos mecanismos e fornecidas as informações de forma efetiva que permitam o exercício de sua defesa em plenas condições Referências ALMEIDA Cleber Lúcio de A prova como Direito Humano e Direito Fundamental das partes do processo judicial 2011 209 f Tese Doutorado Curso de Direito Uni versidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte 2011 Disponível em httpwwwbibliotecadigitalufmgbrdspacebitstreamhandle1843BUOS 8MRFX8cleberalmeida270411pdfsequence1 Acesso em 25 jun 2020 ANDRADE José H Fischel Direito internacional dos refugiados evolução histórica 19211952 Rio de Janeiro Renovar 1996 ARENDT Hannah Origens do totalitarismo Tradução de Roberto Raposo São Paulo Companhia das Letras 1998 ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS Declaração Universal dos Direitos Humanos de 10 de dezembro de 1948 Disponível em httpwwwonuorgbr img201409DUDHpdf Acesso em 25 jun 2020 ÁVILA Humberto O que é devido processo legal Revista de Processo São Paulo v 163 p5059 set 2008 BAUMAN Zygmunt Estranhos à nossa porta Tradução de Carlos Alberto Medeiros Rio de Janeiro Zahar 2017 52 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 BRASIL Constituição Federal de 05 de outubro de 1988 Brasília DF Disponível em 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SCHMIDT Andrei Zenkner Direito Fundamental a um processo justo e Standard de valoração sobre a imparcialidade judicial Revista de Estudos Cri minais Porto Alegre v 38 p111137 julset 2010 JUBILUT Liliana Lyra APOLINÁRIO Silvia Menicucci O S A necessidade de proteção in ternacional no âmbito da migração Revista Direito GV São Paulo 6 1 janjun p275294 p2010 Disponível em httpwwwscielobrpdfrdgvv6n113pdf Acesso em 10 jun 2020 KÖCHE Rafael Migrações e de igualdade no século XXI entre políticas de redistribuição e de reconhecimento In Morais José Luís Bolzan de SANTORO Emilio TEIXEIRA Anderso Vichinkeski Direito dos migrantes São Leopoldo Editora da Unisinos 2015 LIMA Fausto Luz O devido processo legal due process of law Aspectos relevantesIn Revista Âmbito Jurídico Rio Grande a 13 n 82 nov 2010 Disponível em httpwwwambitojuridicocombrsiteindexphpnlinkrevistaartigos leituraartigoid8634 Acesso em 25 jun 2020 MINISTÉRIO DA JUSTIÇA Jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Huma nos 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relacionar seus postulados aos Direitos Humanos no sentido de afirmar que esses são defendidos e visados pela política criminal garantista O Garantismo defende a liberdade individual que todos devem ser considerados iguais perante a lei a lei penal deve ser aplicada de forma isonômica para todos Apresenta uma série de garantias que visam a essa liberdade Logo defende e respeita os direitos humanos uma vez ter por objetivo diminuir o poder punitivo do Estado e expandir ou maximizar a liberdade do indivíduo 1 Graduanda em Direito pelo pelo UniRitter Laureate International Universities carolscostanzagmailcom 2 Mestra em Direitos Humanos pelo UniRitter Laureate International Universities Advogada grazicos tanzagmailcom Caroline Costanza Graziele Costanza 57 2 O Garantismo Penal e os Direitos Humanos O endurecimento das penas não reduz segundo pesquisas crimino lógicas os índices de criminalidade bem como não representa garantia de maior segurança para as pessoas MAQUEDA ABREU 2003 p 10 E é nesse sentido que o Garantismo Penal se qualifica Representado pela obra Direito e Razão escrita pelo italiano Luigi Ferrajoli o Garantismo Penal caracterizase como um modelo normativo de direito o qual enuncia o Estado de Direito como o poder submetido à lei formal e subs tancial na relação de democracia com o Estado de Direito não apenas quem ou como mas o que deve decidir ou o que não deve decidir nisso com pertinência aos direitos fundamentais na relação do Estado de Direito Liberal com o Estado de Direito Social ficam claros os deveres públicos negativos mais os deveres públicos de fazer e nos âmbitos da democracia formal e substan cial enfatizase que apesar ou além da vontade da maioria os direitos fundamentais de todos devem ser tutelados RIBEIRO 2014 p 170 Desse modo esse modelo busca minimizar a violência e aumentar a liberdade por intermédio de vínculos limites impostos à função punitiva do Estado para garantir os direitos dos cidadãos Sendo assim o Garan tismo enquanto modelo normativo só pode ocorrer em um Estado democrático de direito em que o poder estatal deriva do ordenamento ju rídico principalmente da Constituição Luigi Ferrajoli 2002 p 74 defende um direito penal de garantias cuja função específica na realidade não é tanto permitir ou legitimar senão muito mais condicionar ou vincular e portanto deslegitimar o exer cício absoluto da potestade punitiva Essas garantias constituyen límites o vínculos impuestos al poder público para asegurar el ejercicio de derechos fundamentales particularmente de los que operan en el contexto de un proceso penal a favor del acusado AGUILERA GARCÍA 2014 p 73 Esse modelo normativo é chamado de direito penal mínimo isto é entendido de acordo com a ideia de Cesare Beccaria 2013 de que a pena 58 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 deve ser a menor possível segundo as circunstâncias como um paradigma metateórico de justificação do direito penal e paradigma teórico e norma tivo desse direito Como paradigma metateórico o direito penal mínimo referese à doutrina justificadora do direito penal no sentido de saber se ele é capaz não só de prevenir ou minimizar as ofensas aos bens e direitos fundamen tais3 mas também de prevenir e minimizar punições arbitrárias E como paradigma normativo designa o sistema de garantias processuais e penais adequadas para satisfazer os dois propósitos mencionados prevenir ou minimizar tanto as ofensas aos bens e direitos fundamentais quanto as punições arbitrárias por meio de proibições penalidades e processos voltados para a proteção dos bens e direitos fundamentais das partes lesadas dos acusados e detidos contra arbitrariedades policiais e judiciais e excessos e abusos das autoridades penitenciárias FERRAJOLI 2014 p 19 Dessa forma o direito penal mínimo é baseado em parâmetros de máximo bemestar possível aos não desviados e de mínimo malestar aos desviados AGUILERA GARCÍA 2014 p 69 Há dois efeitos fundamentais da teoria liberal clássica do direito pe nal 1 a garantia de uma esfera intangível de liberdade para os cidadãos no sentido de apenas ser punido pelo que proibido por lei e 2 a igualdade jurídica dos cidadãos perante a lei em direção de que as ações ou fatos possam estar descritos nas normas como tipos objetivos e não subjetivos para que haja igual tratamento penal FERRAJOLI 2002 p 31 A certeza do direito penal mínimo garantida pelo princípio in dubio pro reo está no sentido de que nenhum inocente seja punido Já a do direito penal máximo é a de que nenhum culpado fique impune garantido pelo princípio do in dubio contra reum Esse direito caracterizase como autoritarismo FERRAJOLI 2002 p 85 Assim o direito penal 3 Para Luigi Ferrajoli son derechos fundamentales todos aquellos derechos subjetivos que corresponden uni versalmente a todos los seres humanos en cuanto dotados del status de personas de ciudadanos o personas con capacidad de obrar entendiendo por derecho subjetivo cualquier expectativa positiva de prestaciones o negativa de no sufrir lesiones adscrita a un sujeto por una norma jurídica y por status la condición de un sujeto prevista asimismo por una norma jurídica positiva como presupuesto de su idoneidad para ser titular de situaciones jurídicas yo autor de los actos que son ejercicio de éstas FERRAJOLI 2001 p 19 Caroline Costanza Graziele Costanza 59 ferrajoliano orientase no sentido de tutelar os direitos fundamentais dos mais fracos vulneráveis diante da violência que recai sobre os responsáveis criminosos em nome das vítimas e do Estado Tais direitos não podem ser lesionados com castigos arbitrários ou desproporcionais AGUILERA GARCÍA 2014 p 70 Para Luigi Ferrajoli a definição dos di reitos fundamentais está interligada com os direitos estabelecidos positivamente nas leis e constituições previstos no ordenamento jurídico sendo este a condição de existência ou vigência desses direitos MASSINI COREAS 2009 p 229230 Há um sistema que faz parte do Garantismo Penal Tal é denominado Sistema Garantista Este é formado por dez axiomas quais sejam A1 Nulla poena sine crimine A2 Nullum crimen sine lege A3 Nulla lex po enalis sine necessitate A4 Nulla necessitas sine injuria A5 Nulla injuria sine actione A6 Nulla actio sine culpa A7 Nulla culpa sine judicio A8 Nullum judieium sine accusatione A9 Nulla accusatio sine probatione e A10 Nulla probatio sine defensione Cada qual representa um princípio respectivamente A1 princípio da retributividade ou da consequenciali dade da pena em relação ao delito A2 princípio da legalidade no sentido lato ou no sentido estrito A3 princípio da necessidade ou da economia do direito penal A4 princípio da lesividade ou da ofensividade do evento A5 princípio da materialidade ou da exterioridade da ação A6 princípio da culpabilidade ou da responsabilidade pessoal A7 princípio da jurisdi cionariedade sentido lato ou no sentido estrito A8 princípio acusatório ou da separação entre juiz e acusação 9 princípio do ônus da prova ou da verificação 10 princípio do contraditório ou da defesa ou da falseabili dade FERRAJOLI 2002 p 7476 O modelo garantista é fundado pelos princípios da legalidade estrita materialidade e lesividade dos delitos responsabilidade pessoal contradi tório e presunção de inocência Tais princípios em conjunto formam um sistema coerente e unitário Essa unidade depende do fato de os vários princípios garantistas se configurarem em um esquema epistemológico de identificação do desvio Tal esquema está orientado a assegurar um grau 60 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 máximo de racionalidade e confiabilidade do juízo além de limitar o poder punitivo e tutelar a pessoa contra arbitrariedades FERRAJOLI 2002 p 2930 A lei penal é tida como último recurso e deve visar à defesa do mais fraco opondose ao poder excessivo de castigar STOCK RUDNICKI 2012 p 55 Esse esquema ainda possui dois elementos constitutivos o primeiro referente à definição legislativa e o segundo à comprovação jurisdicional do desvio punível Esses elementos correspondem a um conjunto de ga rantias penais e processuais do sistema punitivo O primeiro é o convencionalismo penal que resulta do princípio da legalidade estrita que exige duas condições 1 o caráter formal ou legal do critério para definição do desvio e 2 o caráter empírico ou fático das hipóteses de desvio defini dos em lei FERRAJOLI 2002 p 30 Segundo o caráter formal o desvio punível é o que está indicado na lei como pressuposto necessário para a aplicação de uma pena conforme a fórmula nulla poena et nullum crimen sine lege Já consoante o caráter fático ou empírico o desvio não deve ser definido com referência a figuras de estado ou de autor mas sim referindo a figuras objetivas de comporta mento de acordo com a máxima nulla poena sine crimine et sine culpa FERRAJOLI 2002 p 30 De acordo com a primeira condição equivalente ao princípio da re serva legal e da submissão do juiz à lei o juiz só pode qualificar como delitos aqueles formalmente designados em lei A segunda condição refe rente ao caráter absoluto da reserva da lei penal afirma o juiz estar submetido apenas à lei FERRAJOLI 2002 p 30 O princípio da legalidade estrita expresso pelo axioma A2 nulla po ena nullum crimen sine lege atua como norma de reconhecimento das prescrições penais vigentes na lei ou existentes positivamente Essas pres crições possuem para o jurista o valor de uma regra metacientífica o primeiro postulado do positivismo jurídico qual seja uma regra se gundo a qual o direito vigente é visto como objeto exaustivo e exclusivo da Caroline Costanza Graziele Costanza 61 ciência penal Dessa forma somente as leis e não a moral ou fontes exter nas podem determinar o que é delito ou não FERRAJOLI 2002 p 302 O princípio da presunção de inocência até que haja prova em contrá rio e condenação definitiva de modo que Se é verdade que a verificação dos crimes e a aplicação das penas são possíveis apenas com sentença de condenação sucessiva a um processo processo e con denação são condições em cuja ausência o acusado não pode ser considerado culpado mas inocente e não é suscetível de lhe ser aplicada uma pena nem que seja a título preventivo ou cautelar Disso segue o corolário de que o ônus da prova pertence à acusação nulla accusatio sine probatione isto é aquela regra fundamental do jogo processual segundo a qual a formulação de uma acusação gera o ônus de provála e não é o imputado que deve provar ser inocente mas a acusação que deve proválo culpado O princípio da materialidade e lesividade dos delitos expresso no axi oma A5 nulla injuria sine actione afirma que os delitos não podem consistir em atitudes ou estados de ânimo interiores ou em fatos genéricos mas devem ser concretizados em ações humanas materiais fí sicas externas que possam ser verificadas empiricamente e descritas pela lei penal FERRAJOLI 2002 p 384 O princípio da responsabilidade pessoal relacionado à culpabilidade determina que a punição só pode ser dirigida à pessoa física não sem culpa ou por caso fortuito que realizou um fato punível desde que a pes soa seja imputável e culpável FERRAJOLI 2002 p 568 Por meio do princípio do contraditório se realiza a estrita submissão à jurisdição do processo Ele corresponde essencialmente como se disse no parágrafo 414 ao método de formação das provas e de verificação da verdade fundado não no juízo potestativo mas num conflito disciplinado e ritual entre partes contrapostas a acusação expressão do interesse punitivo do Estado e a defesa expressão do interesse do impu tado de verse livre de acusações infundadas e permanecer imune à aplicação de uma pena arbitrária FERRAJOLI 2002 p 589 62 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 Entretanto quanto à questão da verdade processual críticas são fei tas ao pensamento ferrajoliano Uma delas é a de que esse modelo conduz a um crescimento das chamadas cifras de absolvições falsas isto é das absolvições de pessoas que na realidade são culpadas A combinação de garantias tais como presunção de inocência in dubio pro reo gera um padrão de prova muito exigente um aumento excessivo da cota de absol vições falsas comprometendo a busca pela verdade AGUILERA GARCÍA 2014 p 82 No que diz respeito ao quando ou do que punir é respondido por meio da máxima nulla poena sine crimine axioma A1 do sistema garantista Assim a pena é uma sanção cominada aplicável após o cometimento do delito ou seja é um efeito ou consequência jurídica do ato delitivo Refere se ao princípio da retribuição do delito que a pena possui Segundo ele a pena não é algo prévio preventivo mas posterior ao delito uma sanção retributiva Entretanto a prática do delito por si só não é suficiente para a aplicação da pena tendo em vista a necessidade de analisar questões pos teriores como a presença ou não de circunstâncias que eximam a pena assim como as garantias que condicionam a validade da definição legal e a comprovação judicial da prática delitiva FERRAJOLI 2002 p 297 Ele não segue uma teoria de utilitarismo penal consistente na máxima utili dade para o maior número em que o fim único da pena é prevenir futuros delitos tendo em consideração a tutela da maioria não desviada doutrina da defesa social AGUILERA GARCÍA 2014 p 6768 Mas sim um utili tarismo revisado direcionado ao fim de prevenir os delitos de um lado e de outro prevenir as penas arbitrárias e desproporcionais AGUILERA GARCÍA 2014 6773 O caráter retributivo da pena é uma garantia por meio da qual só se pode ser punido pelo que se fez e não pelo que se é servindo para excluir a punição do inocente ainda que considerado mau suspeito desviante propenso ao delito enfim que aparente ser culpado devido a características subjetivas do agente FERRAJOLI 2002 p 297 Caroline Costanza Graziele Costanza 63 Ferrajoli 2002 p 330 é a favor de um novo sistema de penas Tal referese a penas alternativas como principais punições para satisfazer os objetivos do direito penal sob uma perspectiva de racionalização e de mi nimização do sistema punitivo Isso porque o autor defende a ineficiência e injustiça das penas atuais pecuniárias e privativas Criticando a pena privativa de liberdade o autor refere que embora seja uma alternativa às penas mais graves como a de morte não se mos tra idônea no sentido de que não satisfaz as duas razões justificadoras da sanção penal quais sejam a de prevenção dos delitos e a de prevenção das vinganças privadas Quanto à primeira porque as prisões funcionam como escolas de delinquência e recrutamento da criminalidade organi zada quanto à segunda pela publicidade das condenações e rapidez nos processos FERRAJOLI 2002 p 330 Segundo o autor há a possibilidade de reformular uma estratégia para reformar o direito penal para que no futuro haja desde uma redução na duração da pena privativa de liberdade até uma supressão total dessa pena Ainda defende a abolição da prisão perpétua e afirma quanto à pri são que Inevitavelmente tem conservado muitos elementos de aflição física que se manifestam nas formas de vida e de tratamento e que diferem das antigas penas corporais somente porque não estão concentradas no tempo senão que se dilatam ao longo da duração da pena Ademais à aflição corporal da pena carcerária acrescentase a aflição psicológica a solidão o isolamento a sujei ção disciplinária a perda da sociabilidade e da afetividade e por conseguinte da identidade além da aflição específica que se associa à pretensão reeducativa e em geral a qualquer tratamento dirigido a vergar e a transformar a pessoa do preso FERRAJOLI 2002 p 331 Assim o autor critica a pena privativa de liberdade haja vista as di versas aflições causadas por essa desde a física até a psicológica Quanto à duração máxima da pena privativa de liberdade indepen dentemente do tipo de delito Ferrajoli defende dever ser de dez anos o 64 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 que deveria constar também em norma constitucional haja vista que tra ria não apenas uma redução quantitativa mas também qualitativa da pena no sentido de que retornar à liberdade depois de um breve e não após um longo ou um talvez interminável período tornaria sem dúvida mais tolerável e menos alienante a reclusão Cabe mencionar que para o autor as funções de segurança e prevenção dos delitos tendem a ser satis feitas mais por intermédio das funções policiais do que pela ameaça das punições FERRAJOLI 2002 p 332333 A redução do tempo de duração das penas legalmente previstas ao invés da substituição dessas no decorrer da sua execução permite haver uma proteção dos elementos garantistas da pena tais como sua predeter minação legal sua determinação judicial sua igualdade certeza proporcionalidade à gravidade do crime FERRAJOLI 2002 p 333 No que diz respeito às penas pecuniárias segundo o garantismo es tas são impessoais desiguais e desproporcionais Impessoais porque podem ser pagas por qualquer pessoa a qual na hipótese de tratarse de um terceiro submetese a uma pena por um fato alheio ao qual não deu causa Desiguais pelo fato de recair de forma diversa segundo o patrimô nio do réu por exemplo tal valor pode ser mais aflitivo para um e nem tanto a outro E desproporcionais em qualquer que seja o delito pois se encontra abaixo do limite mínimo justificante da imposição de pena Esta é percebida na maioria das vezes como um tributo e não como pena Desse modo se a teoria garantista defende uma redução de proibições pe nais apenas devendo ser punidas as infrações graves não há como uma sanção pecuniária ser considerada suficiente para punir de forma ade quada os delitos graves FERRAJOLI 2002 p 334 Diante disso o autor recomenda a abolição da pena pecuniária ou então uma das duas possibilidades primeira esta pena ser considerada suficiente o que significaria transformála em sanção administrativa des criminalizando o delito para o qual estabelecida ou ser considerada insuficiente devendo ser substituída por uma mais severa FERRAJOLI 2002 p 334335 Caroline Costanza Graziele Costanza 65 Quanto às penas privativas de direitos estas às vezes tornamse des proporcionais por excesso diante da gravidade dos delitos para os quais estão estabelecidas Mostrase absurda a configuração dessas penas em acessórias A privação do trabalho do acesso à função pública ao exercício de uma profissão comercial são exemplos de condições necessárias para o trabalho e sobrevivência humana Assim estando a pessoa privada ainda mais quando permanentes os efeitos dessa pena há um resultado mais gravoso com características da pena privativa de liberdade Embora em alguns casos tais medidas se mostrem pertinentes é necessário que essas penas sejam categorizadas como principais para que possam ser impostas exclusivamente Ainda precisam estar sujeitas ao princípio da jurisdicio nariedade sendo impostas pelo juiz com base em uma interpretação do caso concreto FERRAJOLI 2002 p 335 O garantismo apresenta vínculos limites ao poder público puni tivo para assegurar o exercício dos direitos fundamentais do acusado Tal forma de direito penal mínimo defende que o direito punitivo deve ser capaz de prevenir e minimizar punições arbitrárias ou desproporcionais A pena tem caráter retributivo sendo aplicada devido ao fato praticado e não à questões subjetivas relativas a quem é a pessoa acusada A epistemologia contrária à garantista é denominada por Luigi Fer rajoli de inquisitiva ou antigarantista Esta possui dois aspectos O primeiro é a concepção não formalista nem convencional mas sim ontológica ou substancialista do desvio penalmente relevante Conforme essa concepção não apenas o delito formalmente previsto é objeto de co nhecimento e de tratamento penal mas também o desvio em si mesmo ilegal bem como a pessoa do delinquente o qual é perseguido não tanto pelo que fez mas pelo que é FERRAJOLI 2002 p 3536 O convencionalismo penal exige uma separação entre o direito e ou tros critérios extrajurídicos para qualificar ou valorar assim como a igualdade entre os sujeitos Já no substancialismo penal há uma confusão 66 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 entre direito e moral direito e natureza fazendo com que ocorra discrimi nações subjetivas e invasões na esfera da liberdade das pessoas cidadãs FERRAJOLI 2002 p 36 O segundo aspecto é o decisionismo processual o caráter potestativo do juízo e da imposição da pena Caracterizado pela falta de fundamentos empíricos precisos e pela subjetividade dos pressupostos da sanção nas aproximações substancialistas e nas técnicas conexas de prevenção e de defesa social Esta subjetividade pode se manifestar de duas formas 1 no caráter subjetivo do tema processual por meio de fatos determinados nas condições ou qualidades da pessoa como vinculação do réu a tipos normativos de autor ou periculosidade social 2 no caráter subjetivo do juízo que devido à falta de referências fáticas estabelecidas de forma exata e precisa acaba utilizandose de valorações diagnósticos ou suspeitas subjetivas do que de provas de fato Essa subjetividade leva o processo a ter um caráter inquisitivo não o dirigindo à comprovação dos fatos obje tivos mas para uma análise do interior da pessoa julgada Além disso enfraquece a verdade processual através de um convencimento intima mente subjetivo do julgador FERRAJOLI 2002 p 3637 Portanto o Garantismo se mostra uma política defensora dos Direi tos Humanos daqueles que em um processo penal se encontram mais vulneráveis os acusados e a lei e ordem coloca foco na defesa social O Garantismo trabalha com princípios que são protegidos por nor mas internacionais de Direitos Humanos tais como o da legalidade e o da igualdade Na base das Constituições democráticas modernas estão o re conhecimento e a proteção dos Direitos Humanos Logo as normas internacionais de Direitos Humanos com conteúdo penal devem servir de parâmetro para a aplicação do direito penal nos Estados que devem exe cutar políticas criminais conforme aquelas normas Acerca de sua natureza esses direitos podem ser definidos de forma diferente a depender da teoria seguida naturalista contratualista ou his tórica Segundo Charles Beitz 2012 as posições naturalistas concebem os direitos humanos como objetos que herdam suas principais características Caroline Costanza Graziele Costanza 67 dos direitos naturais que podem ser encontradas no pensamento jurídico e político europeu do início do período moderno São direitos que todos os seres humanos têm independentemente do tempo e lugar simples mente pelo fato de sua humanidade Já as teorias contratualistas surgem da reflexão acerca da diversidade social e jurídica conceituando os direitos humanos como normas que são ou poderiam ser objeto de um acordo entre os membros de culturas cujos valores morais e políticos são diferentes em diversos aspectos Afirma que a fonte de autoridade dos direitos humanos está neles mesmos pelo fato de serem de certa forma comuns aos códigos morais das sociedades do mundo BEITZ 2012 p107 Segundo Norberto Bobbio 2004 os direitos humanos são históri cos nascem no início da era moderna e são indicadores do progresso histórico Do ponto de vista teórico sempre defendi e continuo a defender fortalecido por novos argumentos que os direitos do homem por mais fundamentais que sejam são direitos históricos ou seja nascidos em certas circunstâncias caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes e nascidos de modo gradual não todos de uma vez e nem de uma vez por todas BOBBIO 2004 p 9 Assim os Direitos Humanos se desenvolveram em três fases Pri meiro houve a afirmação dos direitos de liberdade ou seja direitos que objetivam limitar o poder do Estado e reservar o do indivíduo Em um segundo momento os direitos políticos os quais concebendo a liberdade não apenas negativamente como não impedimento mas positivamente como autonomia tiveram como conse quência a participação cada vez mais ampla gene raizada e frequente dos membros de uma comunidade no poder político ou liberdade no Estado Em terceiro lugar foram afirmados os direitos sociais com o fim de novas exigências ou valores como bem estar São os chamados direitos de liberdade por meio do Estado BOBBIO 2004 p 20 Bobbio afirma que o 68 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 problema mais urgente a enfrentar em relação a esses direitos não é o da respectiva fundamentação mas a sua proteção Mas quando digo que o problema mais urgente que temos de enfrentar não é o problema do fundamento mas o das garantias quero dizer que considera mos o problema do fundamento não como inexistente mas como em certo sentido resolvido ou seja como um problema com cuja solução já não de vemos mais nos preocupar Com efeito podese dizer que o problema do fundamento dos direitos humanos teve sua solução atual na Declaração Uni versal dos Direitos do Homem aprovada pela AssembléiaGeral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948 BOBBIO 2004 p 17 Assim o autor aduz a necessidade de proteção desses direitos de ga rantilos Além disso conforme menciona Luís Arroyo Zapatero 2010 online cada vez que um país melhora avança é reconstituído um Direito Penal Garantista um Direito Penal dos bens jurídicos 3 Considerações Finais Sempre houve ambiguidade na relação entre Direito Penal e Direitos Humanos tendo em vista esse direito afeta os direitos fundamentais do indivíduo que responde por alguma infração e ao mesmo tempo também determina a proteção de direitos por meio de valores e princípios que dele advém De acordo com Bechara 2010 online existe uma dificuldade em en contrar um ponto de equilíbrio entre os interesses da segurança social e os direitos individuais a qual é uma das mais sérias para estabelecer o con teúdo e a legitimidade da intervenção jurídicopenal por isso deve estar sempre sujeita à revisão Não há dúvidas de que o Direito Penal deve evoluir de acordo com a sociedade porém para seu desenvolvimento é necessário entender que as garantias e princípios fundamentais não são meros formalismos anti quados mas sim critério de legitimidade da intervenção penal BECHARA 2010 online Caroline Costanza Graziele Costanza 69 A política criminal adotada pelo Estado interfere influencia na in terpretação do direito penal das leis penais Portanto para que haja a garantia de que os Direitos Humanos serão protegidos no mínimo cabe pensar em uma política criminal mínima garantista que defenda a prote ção desses direitos Além disso conforme afirmado o Garantismo Penal trabalha com princípios que refletem direitos reconhecidos em tratados internacionais de direitos humanos Referências AGUILERA GARCIA Edgar R Garantismo extremo o mesurado La legitimidad de la función jurisdiccional penal construyendo el debate FerrajoliLaudan Isonomía México n 40 p 6193 2014 Disponível em httpwwwscieloorgmx scielophpscriptsciarttextpidS140502182014000100004lngesnrm iso Acesso em 22 mai 2018 BECCARIA Cesare Dos delitos e das penas São Paulo EDIPRO 2013 BEITZ Charles La idea de los derechos humanos Madrid Marcial Pons 2012 Disponí vel em httpswwwmarcialponsesstaticpdf9788497689830pdf Acesso em 20 mai 2017 BOBBIO Norberto A era dos direitos Rio de Janeiro Elsevier 2004 FERRAJOLI Luigi Direito e razão uma teoria do garantismo penal São Paulo Ed Revista dos Tribunais 2002 FERRAJOLI Luigi Il paradigma garantista filosofia e critica del diritto penale Napoli Editoriale Scientifica 2014 FERRAJOLI Luigi Los fundamentos de los derechos fundamentales Madrid Editorial Trotta 2001 MAQUEDA ABREU María Luisa Crítica a la reforma penal anunciada Jueces para la de mocracia n 47 2003 p 611 Disponível em httpsdialnetuniriojaes descargaarticulo668793pdf Acesso em 10 jan 2019 70 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 MASSINICOREAS Carlos I El fundamento de los derechos humanos en la propuesta po sitivistarelativista de Luigi Ferrajoli Persona Derecho vol 61 p 227247 2009 Disponível em httpheinonlineorgHOLPagehandleheinjournals persodcho61collectionjournalsid227startidendid248 Acesso em 22 mai 2018 RIBEIRO Diógenes V Hassan Uma ponte entre Zaffaroni Ferrajoli e Ost A construção do modelo de juiz democrático contemporâneo e constitucional na sociedade hi percomplexa Revista da AJURIS v 41 n 134 2014 STOCK Bárbara Sordi RUDNICKI Dani Formas de percepção do direito penal na socie dade contemporânea In RUDNICKI Dani Org Sistema penal e direitos humanos impossíveis interlocuções Porto Alegre Ed UniRitter 2012 ZAPATERO Luís Arroyo A harmonização internacional do direito penal ideias e processo Revista Brasileira de Ciências Criminais n 84 p 4976 2010 4 Há possibilidade de aplicação da justiça restaurativa em casos envolvendo violência de gênero Cláudio Daniel de Souza 1 Laís Gorski 2 1 Introdução Acompanhando a visibilidade social que a entrada em vigor da Lei Maria da Pena Lei n 1134006 proporcionou no Brasil o Poder Judiciá rio do Rio Grande do Sul empenhouse em tratar o tema com especial atenção haja vista a pioneira criação do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher no Fórum Central da capital Contudo a forte corrente do mundo contemporâneo de adotar um Direito Penal Mínimo coloca em xeque a garantia da efetividade da referida lei de modo que proporcione de fato a diminuição da prática de violência contra a mulher Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública em 2018 o Rio Grande do Sul registrou 117 mortes por questões de gênero e em circuns tâncias de violência doméstica ou seja um crescimento de mais de 40 em relação aos anos anteriores Em 2015 o Ipea divulgou uma pesquisa sobre os estados brasileiros com maior violência contra mulheres No topo do ranking Roraima apresentou um aumento da violência entre 2005 e 2010 de 1038 tendo uma taxa de 114 mulheres vítimas de violência 1 Mestrando do PPG em Direito e Sociedade da Universidade La Salle atuando na linha de pesquisa Sociedade e Fragmentação do Direito Bolsista CAPESPROSUP Advogado Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB CanoasRS Membro da Comissão Especial de Mediação e Práticas Restaurativas da OABRS 2 Doutoranda e Mestre em Direito Pela Universidade LaSalle 72 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 para cada 100 mil habitantes O Amazonas apesar de ocupar a nona posi ção apresentou variação de 986 Partindose destes pressupostos o presente artigo busca no discurso do Direito e na sua função social trabalhar ferramentas pacificadores de resoluções de conflitos envolvendo violência doméstica e de gênero de forma a garantir a efetivação dos direitos fundamentais das vítimas desta violência Assim trazse a tensão entre a regulação e a emancipação atra vés das práticas restaurativas as quais representam elementos capazes de romper com os paradigmas punitivos reforçados pela normatividade vi gente Para tanto em um primeiro momento serão abordados os principais aspectos da violência de gênero cometida no âmbito doméstico a partir da inserção da Lei 1134006 no ordenamento jurídico e seus reflexos na so ciedade A partir de uma análise das particularidades da dinâmica de aplicabilidade da Lei importará refletir acerca do tratamento dispensando pelo Poder Judiciário nos casos que envolvem os crimes tutelados pela norma e de que forma o sistema de justiça pode contribuir para a descons trução dos termos da violência de gênero Acentuase um olhar crítico sobre o instituto que de pronto pode parecer a tradução da solução da questão da violência de gênero tento em vista a aplicabilidade de um processo penal mais severo e penas mais res tritivas Todavia verificarseá que as normas principalmente as que concernem ao campo penal tendem a reproduzir as lógicas patriarcais pois mesmo quando se dizem neutras possuem um conteúdo mascu lino LARRAURI 2008 Seria o atual direito posto um reprodutor de desigualdades Tratase a questão da violência de gênero como um tema complexo e com variadas dimensões e por isso sempre atuais e relevantes para pes quisas e discussões Compreendese aqui a necessária análise de mecanismos inovadores que busquem aplicar soluções eficazes para a re dução da violência doméstica contra a mulher tanto no âmbito jurídico como no âmbito social Cláudio Daniel de Souza Laís Gorski 73 Neste sentido serão trazidas as inovadoras práticas de justiça penal frente a Lei Maria da Penha tendo esta como base para a promoção de novos recursos que toquem não só a vítima mas também o agressor Para tanto a Justiça Restaurativa será estudada como um mecanismo de erra dicação da violência doméstica haja vista trazer uma nova possibilidade para os tratamentos dos casos de violência familiar através dos órgãos e instituições estatais aproximandose da sociedade e das famílias Sem dúvidas as questões postas são bastante complexas e prescin dem profundo estudo com contribuições de diferentes campos do conhecimento na busca pela resolução dos conflitos de gênero Buscando mesmo sem conseguir esgotar o tema algumas reflexões acerca desta pro blemática que inclui o que Bauman 1998 denominou de malestar da pósmodernidade o trabalho aqui introduzido objetiva uma análise das relações de gênero e o sistema penal brasileiro Ainda justificase o traba lho pela permanente necessidade de estudo e discussão acerca da violência de gênero que é uma realidade encravada na história e cultura brasileira para que se possa compreender um pouco mais os significados e as dimen sões inerentes à tal temática Importa mencionar um outro sentido deste trabalho a necessidade de se envolver a pesquisa em Direito que aposta em observações do sis tema análise de fluxos e de comportamento dos atores na justiça criminal Incidir no não efetivo funcionamento do sistema de justiça criminal que se resume em um potencializador das opressões sociais é tarefa de todo pesquisador que se identifica com a criminologia radical As linhas que seguem terão como metodologia de pesquisa abordada a documentação bibliográfica indireta tendo como foco as obras de auto res que se dedicaram ao tema realizando análise empírica do fenômeno estudado Abordarseá então não só o projeto de um novo meio de reso lução de conflitos na seara dos crimes de violência de gênero mas também os desafios enfrentados para a sua efetividade É portanto através da so cialização do conhecimento que se busca contribuir com a promoção de uma sociedade digna e protetora de direitos 74 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 2 A violência de gênero na atualidade brasileira 21 A violência e a complexidade moderna Vivese em um mundo cada vez mais complexo porém dentre todas as mudanças que a sociedade vem experimentando as mais importantes de acordo com Giddens 2003 são aquelas que ocorrem no nível do indi víduo Sexualidade relacionamento casamento e família são aspectos sociais que estão sofrendo de maneira direta o impacto das transforma ções em nível global Percebese isto pelo fato de em boa parte do mundo suscitaremse discussões envolvendo igualdade sexual regulação da sexu alidade bem como o futuro da família Ainda de acordo com o autor as mudanças em uma sociedade dependem da organização cultural em que se vive o indivíduo haja vista que tais mudanças são sempre difíceis le vandose em conta a dificuldade dos indivíduos em trabalhar as suas questões emocionais GIDDENS 2003 p 70 Toda esta multiplicidade de questões relevantes levanos a observar ao redor fenômenos e práticas sociais que até pouco tempo pareciam não existir ou se existissem flutuavam em um local de invisibilidade Hoje em dia temse um contexto diferenciado marcado por novos conflitos sociais em que estes fenômenos deixados no campo do invisível tomam conta do espaço social pela força das lutas dos movimentos sociais Tais fenômenos dizem respeito as novas questões sociais mundiais A violência por sua vez passa a manifestarse de formas plurais em di versos espaços da sociedade que até então não eram suspeitos como os lares Os fenômenos da violência adquirem novos contornos passando a dissemi narse por toda a sociedade contemporânea a multiplicidade das formas de violência violência política costumeira violência de gênero violência sexual racista ecológica simbólica e violência na escola configuramse como um processo de dilaceramento da cidadania SANTOS 2009 p 16 Cláudio Daniel de Souza Laís Gorski 75 Logo a violência por si só tem sido utilizada como ferramenta para problematizar comportamentos e distintos modos de viver em sociedade Guimarães e Moreira 2009 p11 explicam a violência como um fenômeno interligado à convivência em comunidade ou seja desde aquele delimi tado pelo que bem podese denominar de comunidade protossocial a família até a extensão melhor acabada de grupamentos humanos que é a sociedade civil Logo a violência de gênero praticada no âmbito domés tico e familiar incorporouse no cotidiano Apesar disto porque a violência contra vítimas do sexo feminino ainda é pouco comovente em relação a outros tipos penais principalmente quando exercida no ambiente doméstico Seria a violência de gênero en tão algo natural que faz parte da natureza humana Ou vivese em uma sociedade sustentada pelo patriarcado e munida de preconceito com as fe ridas sociais Recente pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública3 reali zada pelo Instituto Datafolha demostra que a cada hora 503 mulheres são vítimas de violência no Brasil o que nos leva a crer que as repostas para os questionamentos suscitados não são otimistas O que se tem é um fe nômeno histórico e contemporâneo global e local quer dizer a violência de gênero apesar de tratarse de problemática antiga adquiriu maior atenção apenas na atualidade PUTHIN 2011 p 165 além de transcender o imaginário social de que só ocorrem em países regiões ou em famílias marginalizadas Ao revés o que ocorre é a questão insistir em permanecer invisível em muitos espaços socioculturais No que tange a violência de gênero propriamente dita caracterizase pela incidência de um ato violento em razão do gênero ao qual pertencem as pessoas envolvidas ou seja a violência ocorre em razão de alguém ser homem ou mulher Entretanto o termo violência de gênero é pratica mente sinônimo de violência contra mulher STREY 2004 haja vista 3 Visível e Invisível A vitimização de mulheres no Brasil Pesquisa Fórum Brasileiro de Segurança Pública Março 2017 Disponível em httpwwwforumsegurancaorgbrwpcontentuploads201703relatoriopesquisa vs4pdf Acesso em 26 jan 17 76 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 estas serem as principais e quase exclusivas vítimas de violência domés tica 22 Contextualizando a violência de gênero Contextualizando violência de gênero no âmbito doméstico esta pode apresentarse dos mais diversos tipos física psicológica econômica mo ral ou sexual Em muitos casos as violências não se materializam isoladamente há mulheres que sofrem simultaneamente todos estes ti pos de agressão Em se tratando de violência doméstica a agressão é parte de um padrão repetitivo de maustratos e dominação isto é raros são os casos de atos isolados de violência Para compreender os maustratos contra as mulheres nas relações familiares é preciso de plano relacionar nossa ordem social e a estrutura que a fundamenta o patriarcalismo Deste modo a violência de gênero precisa ser concebida como um fenômeno cultural e social Nessa mesa perspectiva Puthin explica que Não se compreende a violência no casal como um fenômeno naturalizado de rivado da questão sexual das relações entre macho e fêmea mas como um processo histórico o qual é produzido e reproduzido pelas estruturas sociais de dominação pelo contexto patriarcal PUTHIN 2011 p 166 Porém somente a partir da década de 70 que o tema da violência no contexto doméstico contra a mulher ganhou força principalmente pelas notícias nos jornais e revistas e pelas contribuições das publicações cientí ficas sobre o tema AZEVEDO 1985 Mas somente com a abertura democrática dos anos 80 que as teorias sobre violência contra a mulher tomaram conta dos estudos feministas no Brasil Foi através da resistência do movimento feminista contra a violência de gênero que começaram a surgir mudanças históricas e significativas nos processos constitucionais legislativos e jurídicos Com a chegada dos anos 90 o Brasil passa a tratar a questão de forma diferente aceitando Cláudio Daniel de Souza Laís Gorski 77 algumas responsabilidades na prevenção da violência doméstica bem como atuando com medidas jurídicas quando essas práticas ocorrem Nesse contexto de mudanças na IV Conferência Mundial em 1995 a ONU reconheceu a violência de gênero no contexto doméstico como um problema mais complexo do que uma manifestação de poder historica mente desigual entre o sexo feminino e o masculino Quer dizer esta desigualdade passou a ser internacionalmente compreendida como impe dimentos para o pleno alcance dos direitos humanos pelos cidadãos do mundo Neste mesmo ano o Brasil promulgou a Lei n 909995 regulamen tando as infrações de menor potencial ofensivo nas quais se enquadravam a violência doméstica que até então era tratada como lesão corporal Os crimes de violência de gênero eram considerados de menor gravidade em relação aos tipos penais envolvendo motivações financeiras um reflexo óbvio para uma estrutura capitalista e sexista Somente em 2004 que pela primeira vez qualificase o tipo penal de lesão corporal praticada contra familiares recepcionado também pelos Juizados Especiais Criminais Todavia diversos estudos compreendem que a Lei 909995 fora cri ada para desafogar as demandas que o Poder Judiciário já não conseguia mais lidar ou resolver ou seja não se pensou nos conflitos a partir das relações de gênero Assim conforme Campos e Carvalho A noção de delito de menor potencial ofensivo ignora portanto a escalada da violência e seu verdadeiro potencial ofensivo Inúmeros estudos têm demons trado eu a maioria dos homicídios cometidos contra mulheres os chamados crimes passionais ocorre imediatamente após a separação Nesses casos as histórias se repetem inúmeras tentativas de separação seguidas de agressões e ameaças colimam em homicídio CAMPOS e CARVALHO 2006 p 414 Com um rito sumaríssimo somado a um delito considerado de me nor potencial ofensivo a vítima terminava em grande parte das vezes frustrada e com o seu conflito banalizado O valor simbólico de levar o caso até o sistema de justiça é de suma importância para as vítimas porém os agressores rotineiramente deixavam a sala de audiências com a sensação 78 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 que se refletia em toda a sociedade de que a violência contra a mulher era permitida desde que se pagasse algumas cestas básicas ou uma multa pecuniária Somente em 2006 a partir de intensa luta pelos direitos das mulhe res e discussões sobre os modos de lidar com esse fenômeno é que o Brasil avança legislativamente para a reversão do quadro Promulgase então a Lei n 1134006 conhecida como Lei Maria da Penha tipificando especifi camente o crime de violência de gênero tirandoo do rol dos crimes de menor potencial ofensivo Podemos considerar que a violência de gênero tornase um fenômeno social mais visado no Brasil com a implantação de uma legislação destinada à prote ção da mulher A Lei 1134006 pode ser compreendida como um conjunto de discursosacontecimentos relacionados a práticas jurídicas políticas sociais econômicas e culturais que sustentam modos de significar a violência contra a mulher e pensar a proteção dessas mulheres e o cumprimento dos seus di reitos no país Com avanços e retrocessos a Lei Maria da Penha tem sido alvo de intensos debates e podemos inferir não foi ainda efetivamente implantada PUTHIN 2011 p 170 Dentre as inúmeras mudanças trazidas pela Lei Maria da Penha a inclusão da prisão preventiva como medida protetiva de urgência foi a de maior impacto tanto no sistema social como no jurídico Ainda outras medidas protetivas foram previstas na legislação como a determinação da saída do agressor do domicílio ou até mesmo a proibição de aproximação com a mulher vítima e dos seus familiares Compreendese a violência doméstica como um problema macrosso lógico ao mesmo tempo em que o ciclo da violência rompe com a dignidade humana de forma bastante severa Portanto em grande parte dos casos a figura isolada de um magistrado não é capaz de reestabelecer a ordem social como se esperava na legislação As partes esperam que não seja dispensado ao seu casamento à sua família à sua história e aos con flitos decorrentes dessa violência o mesmo tratamento dado a um assalto sofrido por um ladrão anônimo pois como bem pontua Costa Aquino e Cláudio Daniel de Souza Laís Gorski 79 Porto 2011 p 65 nos casos de violência doméstica o que mais se discute são as relações humanas Apesar da grande disseminação dos mecanismos de proteção para a mulher a grande maioria das vítimas só buscam auxílio externo quando já não mais conseguem suportar as agressões sofridas ou quando atingem os filhos CELMER TAVARES SOUZA e CASTILLO 2011 p 97 Em seus estudos Gregóri 1993 p 143 aponta que o pedido de apoio externo é um dos aspectos mais importantes pois cumpre o papel de restabelecer o equilíbrio das relações conjugais em momentos de conflito já que as mu lheres não se sentem portadores de autoridade diante dos seus maridos Ainda a autora observou que as vítimas de violência doméstica acre ditam na mudança de comportamento dos agressores o que se evidencia no elevado número de não representações criminais ocorridas nos confli tos de gênero Em seu estudo Cenas e Queixas Gregori traz a seguinte reflexão A ideia que norteia essas colocações é a de eu a fraqueza dos maridos será superada pela virtude feminina Há uma relação de complementaridade entre fraqueza dos homens e a virtude das mulheres sendo a primeira considerada como fruto da fatalidade Porque são vistos por elas como bons eles são me recedores de seus sacrifícios e alguém Deus ou as autoridades irá recompensálas GREGORI 1993 p 151 Não são questionáveis os impactos simbólicos e o avanço civilizatório que a Lei Maria da Penha proporcionou entretanto suscitamse questões em torno da aplicabilidade e os efeitos da legislação no cenário brasileiro a norma tal qual está posta no ordenamento jurídico estaria atuando para o empoderamento feminino das mulheres submissas Estes dispositivos legais estariam conferindo meios as mulheres de se sobreporem nas rela ções familiares e domésticas Ou estão acentuando ainda mais a vitimização do gênero feminino Novamente em hipótese alguma refutase a ideia de que a Lei Maria da Penha trouxe importante avanço no que diz respeito ao reconhecimento da violência de gênero e à visibilidade atribuída à questão Porém ela ainda 80 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 gera muitas polêmicas quanto à sua efetiva contribuição na garantia dos direitos dessas mulheres Devese isso muito ao fato da lei recorrer sobre maneira ao Direito Penal como a forma mais apropriada para resolução de conflitos determinando uma punição mais severa para o agressor o que não garante que as vítimas estejam libertas do problema tampouco con tribui para a desconstrução dos termos da violência de gênero Na Central de Audiências de Custódia de Curitiba desde a sua imple mentação em 2015 até o mês de agosto de 2019 ocorreram 549 audiências de custódia decorrentes de flagrantes por violência domésticas De todos os tipos penais que já foram analisados em audiência de custódia em torno de 50 a violência doméstica aparece na sexta posição atrás apenas dos crimes de tráfico de drogas roubo furto receptação e porte ilegal de arma de fogo Deste universo de 549 pessoas presas em flagrante delito em virtude da Lei Maria da Penha e encaminhada para as audiências de custódia da capital do Paraná 88 tiveram a prisão convertida em preventiva e 461 pes soas tiveram a liberdade provisória concedida destas 324 sem a condicionante do pagamento de fiança e 137 com fiança Diversos são os fatores que levam a este quadro dentre eles o elevado número de pessoas primárias e de bons antecedentes o que demonstra que em grande parte das vezes as mulheres só buscam pelo Estado em situações já de deses pero Outro ponto significante é o fato de que boa parte destes ofensores não tem condição alguma para o pagamento de fiança que termina sendo dispensada sob a justificativa de que os réus terão de providenciar outro local de moradia haja vista o afastamento do lar Apesar de intimados das medidas protetivas decretadas já na audiên cia de custódia o número de prisões que ocorrem por descumprimento das medidas impostas é outro dado que chama a atenção Os agressores e algumas vítimas também sequer entendem as medidas impostas caute larmente como a proibição de comunicação com a vítima por qualquer meio de comunicação Cláudio Daniel de Souza Laís Gorski 81 Sob o ponto de vista dos magistrados estes tampouco analisam as medidas impostas e as possibilidades de cumprimento Algumas medidas protetivas são desproporcionais no sentido de proibir qualquer contato do agressor com os filhos mesmo quando os episódios de violência não os envolveu ou quando o trabalho do agressor o impede de cumprir a dis tância de afastamento imposta Todas estas perspectivas narradas demonstram que a aplicação da legislação por si só não é capaz de dar conta dos conflitos envolvendo gê nero Uma vez concedida a liberdade provisória o agressor retorno a sociedade não desfaz seus próprios traumas tampouco o da vítima Em muitos casos deixa de prover o sustento do lar perde o contato com os filhos e nada o impede de seguir violentando mulheres De outro modo o encarceramento destas pessoas de nada adiantaria para a diminuição dos casos de violência de gênero Pelo contrário apenas retroalimentaria um sistema carcerário já em colapso e considerado pela mais alta corte do país como operando à margem da Constituição Federal Logo importanos reconhecer os limites do Direito Penal para alcan çar os resultados efetivos na seara da violência para que seja viável a construção de novas possibilidades isto é novos modelos de justiça e de enfretamento dos conflitos envolvendo gênero Levandose em conta todas as particularidades do fenômeno da violência doméstica e familiar en tendese que a intervenção puramente estatalpenal deixa muitos traumas sufocando as possibilidades de emancipação principalmente das mulheres Portanto percebeuse a necessidade de busca por novos mecanismos possibilitadores de uma real efetivação dos direitos e garantias fundamen tais seja das vítimas ou dos agressores A lógica do paradigma da Justiça Restaurativa adentra os cenários jurídicos justamente por representarem elementos capazes de romper com os paradoxos meramente punitivos dar normas Neste sentido discorre Habermas Para que as práticas restaurativas façam parte da cultura de uma comunidade como possibilidade de resolução de conflitos é importante que seus membros 82 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 a reconheçam ou seja que pelo agir também decorrente da reaçãoestímulo consigam a interação comunicativa com o outro Observe a interação comuni cacional passa por gestos depois transforma o comportamento dos envolvidos e por último produz a relação interpessoal entre aquele que fala e o que es cuta Disso resulta o aprendizado entre os atos de entendimento e as ações orientadas para o êxito HABERMAS 2003 p 1920 Cientes da complexidade e da dificuldade em tornar cenários de re soluções alternativas de conflitos em realidade quando se trata de violência doméstica passase então a debruçarse com maior atenção ao tema da Justiça Restaurativa Pensase neste moderno instituto com o objetivo de pacificação dos conflitos pois a mulher que sofre algum tipo de violência doméstica tem sempre de algum modo sua voz calada pela dor pelo sofrimento e pela sociedade bem como o seu direito de lamentar a perda o qual fora subtraído pelo violento 3 Justiça restaurativa e violência de gênero 31 Breves considerações acerca dos meios alternativos de resolução de conflitos na seara penal justiça restaurativa em foco Respostas efetivas do atual sistema de justiça criminal tradicional no que concerne à violência criminal principalmente no que concerne aos crimes relacionados à violência de gênero tem sido objeto de discussão no cenário brasileiro Diante disso existem autores BIANCHINI 2017 CORREIA 2017 MENDES SANTOS 2017 que ventilam a possibilidade de adoção dos meios alternativos de resolução de conflitos na seara penal especificamente a justiça restaurativa para esse tipo de crime4 Necessá rio portanto delinear aspectos teóricos sobre a justiça restaurativa para 4 Art 129 Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem 9o Se a lesão for praticada contra ascendente descendente irmão cônjuge ou companheiro ou com quem conviva ou tenha convivido ou ainda prevalecendose o agente das relações domésticas de coabitação ou de hospitalidade Pena detenção de 3 três meses a 3 três anos Cláudio Daniel de Souza Laís Gorski 83 posteriormente problematizar o tema e verificar se de fato há possibili dade de adoção da justiça restaurativa para casos que envolvam violência de gênero A justiça restaurativa não possui um conceito fechado uma vez que vem sendo modificado assim como suas práticas desde os primeiros pas sos acadêmicos e experiências práticas PALLAMOLLA 2009 Nessa lógica segundo Leonardo Sica 2007 p 10 a justiça restaurativa possui um conceito ainda em formação contudo ela pretende promover entre os verdadeiros protagonistas do conflito ofensor e ofendido inciativas de so lidariedade de diálogo e principalmente conciliação Em suma qualquer ação que objetive fazer justiça por meio de reparação do dano causado pelo delito pode ser considerada como prática restaurativa Entretanto Tony Marshall aponta uma possível conceituação justiça restaurativa é um processo pelo qual as partes envolvidas em uma específica ofensa resol vem coletivamente como lidar com as consequências da ofensa e suas implicações para o futuro MARSHALL 1996 apud ACHUTTI 2014 p 63 Além disso a justiça restaurativa possui três concepções distintas a a concepção do encontro b a concepção da reparação e c a concepção da transformação ZEHR 2015 Daniel Achutti 2014 p 64 65 traz a lição do que vem a ser cada concepção da justiça restaurativa apontando que a concepção do encontro possui uma maior ênfase na liberdade de manifestação dos envolvidos para a resolução do conflito a concepção re paradora possui o enfoque da reparação ao dano causado e a concepção transformadora procura identificar os mecanismos restaurativos como formas de elaboração coletiva da justiça que a partir das intensas experi ências pessoais dos envolvidos no enfrentamento e na resolução dos conflitos proporcionaria uma transformação na forma como cada um per cebe e encara o seu modo de vida 84 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 Também a justiça restaurativa é guiada por princípios e valores Os princípios restaurativos estão elencados na Resolução nº 200212 da Or ganização das Nações Unidas5 sendo divididos em cinco seções totalizando vinte e três princípios referentes às definições e à operacionalidade da jus tiça restaurativa Os valores desta justiça não são estáticos pois eles vão sendo moldados com base em análises empíricas que verificam o funcio namento das práticas restaurativas conforme menciona Raffaella Pallamolla 2009 Ademias a autora PALLAMOLLA 2009 dispõe que os valores restaurativos dividemse em três grupos a valores obrigatórios nãodominação empoderamento obedecer os limites máximos estabele cidos legalmente como sanções escuta respeitosa preocupação igualitária com todos os participantes accountability appealability e respeito aos di reitos humanos b valores que guiam o processo restaurativo e c valores que podem ser exigidos pelos envolvidos na justiça restaurativa visto que depende do desejo pessoal dos participantes A partir dos princípios e valores mencionados Daniel Achutti 2014 p 7782 dispõe que existem várias práticas restaurativas como apoio à vítima conferência restaurativa círculos de sentença e cura comitês de paz conselhos de cidadania mediação vítimaofensor dentre outros En tre as práticas mencionadas destacase a mediação vítimaofensor em razão de ser a prática mais utilizada visto ser adotada em alguns países da Europa e da América Latina De outra banda a partir dos ensinamentos de Howard Zehr 2015 p 37 importante mencionar as principais diferenças entre justiça restaura tiva e o sistema de justiça criminal tradicional i na justiça tradicional o crime é uma violação da lei e do Estado ao passo que na justiça restaura tiva o crime é uma violação de pessoas e de relacionamentos ii para justiça criminal as violações geral culpa já na justiça restaurativa as viola ções geram obrigações iii o sistema de justiça criminal tradicional exige 5 NAÇÕES UNIDAS Conselho Econômico e Social Disponível em httpwwwarcosorgbrlivrosestudosdearbi tragemmediacaoenegociacaovol4partevimiscelaneanacoesunidasconselhoeconomicoesocial Acesso em 22 de dezembro 2017 Cláudio Daniel de Souza Laís Gorski 85 que o Estado determine a culpa e imponha uma punição sofrimento di ferente da justiça restaurativa que envolve vítimas ofensores e membros da comunidade num esforço comum para reparar os danos e iv o foco central da justiça criminal é que os ofensores devem receber o que mere cem totalmente diverso da justiça restaurativa que preconiza as necessidades da vítima e a responsabilidade do ofensor de reparar o dano cometido Para Renato Sócrates Gomes Pinto 2005 p 2427 as principais di ferenças entre os dois sistemas são i na justiça tradicional o Estado possui o monopólio do conflito diferente da justiça restaurativa que pro cura devolver o conflito às partes envolvidas e a comunidade ou seja é uma justiça participativa ii a justiça retributiva traz a questão da culpa bilidade individual voltada para o passado estigmatização já a justiça restaurativa traz a ideia da responsabilidade pela restauração numa di mensão social compartilhada coletivamente e voltada para o futuro iii no sistema de justiça criminal tradicional há indiferença do Estado quanto às necessidades do infrator vítima e comunidade afetada ao contrário da justiça restaurativa que preza pelo comprometimento com a inclusão e justiça social gerando conexões iv na justiça retributiva o ritual é solene e público diferente da justiça restaurativa em que a prática é um ato co munitário com as pessoas envolvidas v quanto aos resultados a justiça retributiva tem como principal instrumento as penas privativas de liber dade restritivas de direito e multa ao passo que a justiça restaurativa procura a reparação e inclusão vi quanto aos efeitos para vítima no atual sistema de justiça criminal a vítima não é levada em consideração ocupando lugar periférico e alienado no processo figurando como mero objeto de prestação de depoimentos o que não acontece na justiça restau rativa em que ocupa o centro do processo e possui voz ativa tendo controle sobre o que se passa e vii quanto aos efeitos para o infrator na justiça retributiva o infrator é considerado pelas suas faltasse sua má formação ao passo que na justiça restaurativa é visto no seu potencial de responsa bilizarse pelos danos e consequências do delito 86 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 Diante disso a justiça restaurativa enquanto meio alternativo de re solução de conflitos na seara penal pode trazer significativas mudanças para população no que concerne à violência criminal no país principal mente pelo fato das partes retomarem a particularidade de seus conflitos sobretudo as vítimas que atualmente figuram como meros objetos de prestação de depoimentos no decorrer do processo penal GIAMBERARDINO 2015 justamente por não perceberem que resolver os conflitos criminais pela via tradicional não traz uma solução efetiva para o seu problema tampouco para sociedade pois deixa nas mãos de um ter ceiro imparcial dizer o que é melhor para aquela situação 4 Considerações finais entre argumentos favoráveis e desfavoráveis para aplicação da justiça restaurativa em casos envolvendo violência de gênero Traçados aspectos teóricos acerca da justiça restaurativa tendo em vista a importância de delinear suas principais características e diferenças do sistema de justiça criminal tradicional a discussão do presente traba lho a partir do que foi exposto procura averiguar a possibilidade de aplicação da justiça restaurativa em crimes de violência de gênero Muito embora devase fazer referência à Lei n 1134006 Lei Maria da Penha que trouxe avanços no que concerne à violência contra a mulher no Brasil visto que identificou a necessidade de especial tratamento no enfrenta mento da violência baseada no gênero feminino verificase que sua aplicação nos moldes atuais não resolve de maneira eficaz esse tipo de con flito pois o sistema penal age de forma tardia apenas e reprimindo o comportamento do criminoso que muitas vezes é fruto de uma cultura machista Nesse sentido como abordado anteriormente a justiça restaurativa além de devolver o conflito às partes procura deixálas no mesmo nível hierárquico durante a prática A Resolução CNJ 2252016 especificamente Cláudio Daniel de Souza Laís Gorski 87 em seu artigo 146 aponta as atribuições do facilitador restaurativo inclu sive no inciso III do dispositivo mencionado preconiza que o mesmo deve atuar com absoluto respeito à dignidade das partes levando em conside ração eventuais situações de hipossuficiência e desiquilíbrio social econômico intelectual e cultural Seguindo esta linha Alice Bianchini 2017 p 176 salienta que a Resolução CNJ 2252016 contemplou a pre ocupação com necessário balanceamento real entre as partes Outrossim a autora BIANCHINI 2017 p 181 traz uma análise do trabalho intitulado Justiça restaurativa e violência doméstica conjugal as pectos da resolução do conflito através da mediação penal de Renata Cristina Pontalti 2010 onde esta última indica pontos desfavoráveis e favoráveis a aplicação da justiça restaurativa em crimes que envolvam vi olência de gênero Entre os pontos desfavoráveis destacase a mediação possibilita o risco à integridade física das vítimas pois não pode por si só deter o exercício da violência a mulher devido as suas características peculiares ocupa uma posição de vulnerabilidade no marco das negociações a mediação não deve ser realizada em um contexto de desequilíbrio de poder entre vítima e agressor a técnica da mediação advinda de tradição jurídica diversa pode resultar difícil de importar ao ordenamento jurídico pátrio re correrse à mediação penal supõe que o efeito simbólico característico do Direito Penal foi perdido a comunidade de referência dos afetados nem sem pre desempenha um papel de reprovação e censura ao comportamento violento do agressor um simples encontro de mediação não é suficiente para modificar a conduta violenta do agressor Já no que tange aos pontos favoráveis destacase os seguintes a mediação devido ao seu caráter discursivo pode ser proveitosa aos delitos de natureza relacional as dinâmicas emocionais durante os encontros de mediação podem ajudar o agressor a reconhecer sua responsabilidade a satisfação das partes vítimas e ofensor com os procedimentos restaurativos BIANCHINI 2017 p 181 6 Resolução CNJ 225 de 31 de maio de 2016 Disponível em httpwwwcnjjusbrimagesatosnormativosreso lucaoresolucao2253105201602062016161414pdf Acesso em 22 de dezembro de 2017 88 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 Nessa mesma linha Thaize de Carvalho Correia 2017 p 94 contem pla que a defesa pela adoção dos meios alternativos de resolução de conflitos especialmente a justiça restaurativa em casos envolvendo vio lência de gênero baseiase na diversificação das respostas ofertadas aos conflitos bem como na inclusão das partes na construção da réplica ao ilícito visto que a violência contra a mulher é um problema que acompa nha a humanidade desde sempre E ainda para a autora CORREIA 2017 p 96 é por meio da justiça restaurativa que se pode ampliar a proteção da mulher uma vez que ela estará dentro da discussão e consequente mente efetivará o seu papel social possibilitando de uma vez por todas que ela seja tratada e encarada de maneira igualitária Entretanto o grande desafio a ser enfrentado é utilizar nos casos que se considere ade quados conforme dispõe Alice Bianchini 2017 p 191 a justiça restaurativa sem ao mesmo tempo reproduzir ou reforçar os processos de naturalização da violência de gênero vulnerabilização da mulher em situação de violência doméstica e familiar contra a mulher a culpabilidade da vítima as estruturas patriarcais Também não se pode descartar o fato de que ainda existe certo receio acerca da aplicação da mediação considerada como prática restaurativa em casos envolvendo violência de gênero uma vez que a técnica pode não ser suficientemente intimidatória ou corretiva gerando o risco de novas agressões com a aproximação entre as partes vítima e ofensor VALVERDE 2008 p 59 Todavia o que se percebe a partir das audiências seja as de custódia decorrentes das prisões em flagrante ou as dos juizados de violência do méstica é que o mero rito jurídico pouco ou quase nenhum efeito tem na vida das partes Os ofensores deixam as audiências sem sequer compreen der as medidas protetivas que foram impostas em favor da vítima Logo voltam muitas vezes a serem presos pelo descumprimento demons trando a ineficiência do dispositivo gerando prejuízo para o ofensor e para a vítima Cláudio Daniel de Souza Laís Gorski 89 Assim o que se sabe é que a justiça restaurativa enquanto meio al ternativo de resolução de conflitos na seara penal pode romper com o paradigma de que o sistema de justiça criminal tradicional é a melhor forma para resolução de conflitos dessa espécie principalmente tratando se de crimes de violência de gênero pois esse sistema tem como objeto principal a composição do diálogo a fim de que as partes entre as partes cheguem a melhor solução para o seu caso Todavia Alice Bianchi 2017 p 227 alerta para o seguinte questionamento será possível falar em autonomia voz ativa e corresponsabilidade quando o pano de fundo de demandas envolvendo violência doméstica que chegam ao sistema de justiça é todo um complexo de subjugação silenciador e impositor de uma responsabilidade unilateral da mulher na manutenção e preservação da conjugabilidade Portanto o que podese concluir até o presente momento é de que aplicar a justiça restaurativa para casos envolvendo violência de gênero pode representar de fato um rompimento na forma de como o país lida com esse tipo de crime mas devese pensar também como preconiza Saraia da Rosa Mendes e Michelle Karen Batista dos Santos 2017 p 231 que a justiça restaurativa é uma experiência complexa que exige trans mutação das relações violentas considerando os reais desejos e necessidades da vítima priorizando seu empoderamento enquanto mu lher sua proteção e principalmente o fortalecimento de sua participação em espaços públicos de poder Referências ACHUTTI Daniel Silva Justiça Restaurativa e abolicionismo penal contribuições para um novo modelo de administração de conflitos no Brasil 1 ed São Paulo Saraiva 2014 AZEVEDO Maria Amélia de Mulheres Espancadas a violência denunciada São Paulo Cortez 1985 90 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 BAUMAN Zygmunt O MalEstar da PósModernidade Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1998 BIANCHINI Alice Aplicação da justiça restaurativa para crimes que envolvem violência de gênero contra a mulher In VALOIS Luiz Carlos SANTANA Selma MATOS Taysa ESPIÑEIRA Bruno orgs Justiça Restaurativa Belo Horizonte Editora DPlácido 2017 p 173194 CAMPOS Carmen Hein de CARVALHO Salo de Violência Doméstica e Juizados Especiais Criminais análise a partir do feminismo e do garantismo In Revista de Estudos Feministas Florianópolis 142 2006 p 409422 CANTERA Lenor Casais e Violência um enfoque além do gênero Porto Alegre Dom Quixote Editora 2007 CAVALCANTI Stela Valéria Soares de Farias Violência Doméstica Análise da Lei Maria da Penha n 1134006 Salvador Jus Podivm 2007 CELMER Elisa G TAVARES Bruna SOUZA Marta CASTILLO Maurício Sistema Penal e Relações de Gênero violência e conflitualidade nos juizados de violência do méstica e familiar contra a mulher na cidade de Rio Grande RSBrasil In AZEVEDO Rodrigo Ghiringhelli de org Relações de Gênero e Sistema Penal vio lência e conflitualidade nos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher Porto Alegre EdiPUCRS 2011 p 93105 CORREIA Thaiza de Carvalho A justiça restaurativa aplicada à violência doméstica contra mulher In VALOIS Luiz Carlos SANTANA Selma MATOS Taysa ESPIÑEIRA Bruno orgs Justiça Restaurativa Belo Horizonte Editora DPlácido 2017 p 77 104 COSTA Marli Marlene M AQUINO Quelen B PORTO Rosane Terezinha C O Sistema Penal e as Políticas de Prevenção à Violência contra a Mulher por meio da Jus tiça Restaurativa In AZEVEDO Rodrigo Ghiringhelli de org Relações de Gênero e Sistema Penal violência e conflitualidade nos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher Porto Alegre EdiPUCRS 2011 p 4167 GIAMBERARDINO André Crítica da pena e justiça restaurativa a censura para além da punição 1 ed Florianópolis Empório do Direito Editora 2015 Cláudio Daniel de Souza Laís Gorski 91 GIDDENS Anthony Mundo em Descontrole o que a globalização está fazendo de nós 3 ed Rio de Janeiro Record 2003 GIONGO Renata Cristina Pontalti Justiça restaurativa e violência doméstica conjugal aspectos de resolução do conflito através da mediação penal Disponível em httprepositoriopucrsbrdspacehandle109231898 Acesso em 22 de dezembro de 2017 GUIMARÃES Isaac Sabbá MOREIRA Rômulo de Andrade A Lei Maria da Penha aspec tos criminológicos de política criminal e do procedimento penal Salvador Jus Podivm 2009 GREGORI Maria Filomena Cenas e Queixas um estudo sobre mulheres relações violen tas e práticas feministas São Paulo Paz e Terra 1993 LARRAURI Elena Crimonología Crítica y Violencia de Género Madrid 2017 MENDES Sonia da Rosa SANTOS Michelle Karen Batista dos De vítima à sujeito da pró pria história possibilidades de aplicação da justiça restaurativa no Brasil em casos de violência contra a mulher In VALOIS Luiz Carlos SANTANA Selma MATOS Taysa ESPIÑEIRA Bruno orgs Justiça Restaurativa Belo Horizonte Editora DPlácido 2017 p 215233 PALLAMOLLA Raffaella da Porciuncula Justiça restaurativa da teoria à pratica 1 ed São Paulo IBCCRIM 2009 PINTO Renato Sócrates Gomes Justiça Restaurativa é possível no Brasil In BASTOS Márcio Thomaz LOPES Carlos e RENAULT Sérgio Rebello Tamm orgs Justiça Restaurativa coletânea de artigos Brasília MJ e PNUD 2055 p 19 39 PUTHIN Sarah Reis Violência de Gênero e Lei Maria da Penha In AZEVEDO Rodrigo Ghiringhelli de org Relações de Gênero e Sistema Penal violência e conflitualidade nos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher Porto Alegre Edi PUCRS 2011 p 163177 SICA Leonardo Justiça Restaurativa e Mediação Penal O novo modelo de justiça crimi nal e de gestão do crime Rio de Janeiro Editora Lumen Juris 2007 92 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 SANTOS José Vicente Tavares dos Violências e Conflitualidades Porto Alegre Tomo Editorial 2009 STREY Marlene Neves Violência de Gênero uma questão complexa e interminável In STREY Marlene Neves AZAMBUJA Mariana Porto Ruwer JAEGER Fernanda Pires orgs Violência Gênero e Políticas Públicas Porto Alegre EdiPUCRS 2004 VALVERDE Patrícia Esquinas Mediación entre víctima y agressor en la violência de género uma oportunidade o un desatino Universidade de Granada Valência 2008 Visível e Invisível A vitimização de mulheres no Brasil Pesquisa Fórum Brasileiro de Segurança Pública Março 2017 Disponível em httpwwwforumsegu rancaorgbrwpcontentuploads201703relatoriopesquisavs4pdf Acesso em 26 jan 17 ZEHR Howard Justiça Restaurativa 2 ed trad Tônia Van Acker São Paulo Palas Athena 2015 5 Direitos humanos e a pandemia novos crimes e excludentes de culpabilidade Daniella Bitencourt 1 Leonardo Romero de Lima 2 1 Introdução Em dezembro de 2019 surgiu na China o Covid19 um vírus de con tágio rápido ainda sem cura No mundo todo enquanto especialistas buscam encontrar uma vacina e o melhor medicamento para o tratamento da doença governantes vêm utilizandose de medidas preventivas para evitar a disseminação da doença No Brasil foi reconhecido o estado de calamidade pública por meio do decreto legislativo nº 62020 Concomitantemente diversos estados e municípios reconheceram igualmente essa situação Pelo fato da nova doença causar problemas respiratórios graves em parcela dos atingidos inclusive com falta de ar de forma aguda há necessidade de tratamentos em UTIs e uso de respiradores e eventual disseminação descontrolada da doença poderá colapsar o sistema de saúde do país especialmente o público Por essas razões foram instituídas 1 Advogada OABRS 89998B Mestra em direito Especialista em Tributos em Espécie pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS e Direito Tributário Geral pela Universidade MackenzieSP 2005 Graduada pelo Centro Universitário Ritter dos Reis 2003 Professora conteudista na Universidade La Salle CanoasRS Email daniellabitencourt4gmailcom 2 Advogado OABRS 49172 MBA em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas FGV Pósgraduado em Direito Penal Econômico pela Verbo Jurídico Autor do Livro A Tributação sobre Precatórios 2014 Email leo nardonrdlcombr 94 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 medidas administrativas e legais impondo o distanciamento e isolamento social como forma de evitar a propagação do vírus bem como a obrigatoriedade do uso de máscaras de proteção facial No entanto mesmo com regras taxativas com o escopo de evitar a contaminação da população pelo coronavírus parcela considerável de bra sileiros vem desrespeitando essas determinações dos poderes públicos Essas atitudes em tese seriam suscetíveis de sanções penais já que podem atentar contra a saúde pública bem jurídico especialmente protegido no Capítulo III do Código Penal Em virtude disso passou a surgir um novo perfil de criminoso enquadrado em tipos penais cujos elementos dificil mente eram preenchidos com frequência até então Por outro lado a situação de calamidade pública e as consequentes medidas restritivas impostas pelos governos estaduais e municipais gera ram a diminuição e até interrupção de diversas atividades econômicas implicando considerável redução de receitas nas empresas e por conse guinte dificuldades para honrar seus compromissos tais como pagamento de tributos e salários dos funcionários Logo diante desse ce nário pretendese investigar o novo perfil de criminoso e por outro lado igualmente verificar se com a pandemia adveio uma nova exclusão de cul pabilidade para os crimes de sonegação fiscal Este trabalho então encontrase dividido em duas partes Inicial mente apresentase o novo perfil do criminoso na pandemia relacionado ao direito à saúde Em seguida analisase os impactos da pandemia nas atividades empresariais relacionando a diminuição da capacidade orça mentária ao inadimplemento dos tributos Por fim apresentase as considerações finais analisandose os pontos acima descritos para que após reflexão dos conceitos envolvidos jurídicos e não jurídicos já que alguns tipos penais avaliados são normas penais em branco a conclusão seja fidedigna à realidade O estudo foi elaborado por meio da revisão da bibliografia nacional e estrangeira sobre a matéria utilizandose essencialmente o método indu tivo com a finalidade de confirmar a hipótese lançada da possibilidade de Daniella Bitencourt Leonardo Romero de Lima 95 novo perfil criminoso bem como a implementação da exclusão da cul pabilidade aos crimes de sonegação fiscal 2 A saúde pública como bem jurídico tutelado e o surgimento de um novo perfil de criminoso O Capítulo III do Título VIII do Código Penal CP traz os chamados Crimes contra a Saúde Pública cujo bem tutelado é a saúde pública Con tudo antes de aprofundarse nos aspectos da lei penal é importante compreender o conceito do bem jurídico protegido especialmente pela ótica constitucional nos termos do art 196 da Constituição Federal CF A saúde é direito de todos e dever do Estado garantido mediante políticas so ciais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção pro teção e recuperação Portanto o direito à saúde é um dos mais fundamentais3 dentre os que já são fundamentais pois diretamente vinculado ao maior de todos que é o direito à vida O Estado então no objetivo de cumprir o seu dever de propiciar saúde a todos realiza ações e serviços que em face de sua prestação se definem como de natureza pública art 197 CF Art 197 São de relevância pública as ações e serviços de saúde cabendo ao Poder Público dispor nos termos da lei sobre sua regulamentação fiscalização e controle devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e também por pessoa física ou jurídica de direito privado Assim qualquer ato que prejudique ou coloque em risco essa presta ção de serviço público ou seja a saúde em contexto público pode 3 Segundo Vilhena 2013 p 2223 a nossa Constituição Federal de 1988 herdou o escopo de proteção dos direitos fundamentais proclamadas nos pactos internacionais como direitos humanos muitos dos quais o Brasil é signatário Desse modo ao priorizar os interesses sociais logrou um grau de honradez até então totalmente desconhecido na história brasileira Porém seu texto não é completo sujeito a muitas interpretações políticas o que reafirma tanto a sua centralidade quanto a sua perpétua construção 96 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 enquadrar o agente nos tipos penais constantes do supramencionado Ca pítulo III do Título VIII do Código Penal o qual repetimos enseja a proteção da saúde pública Nesse sentido o Governo Federal editou o De creto nº 62020 reconhecendo o estado de calamidade pública e no seu art 2º determina que o foco deverá ser a saúde pública pois constitui co missão mista no âmbito do Congresso Nacional com o objetivo de acompanhar a situação fiscal e a execução orçamentária e financeira das medidas relacionadas à emergência da saúde pública relacionada ao coro navírus Concomitantemente com o mesmo objetivo estados e municípios também editaram medidas legais4 e administrativas restritivas determi nando o fechamento de todos os estabelecimentos exceto os caracterizados como essenciais e proibindo aglomerações bem como tor nou obrigatório o uso de máscaras de proteção facial No entanto parte da população brasileira bem descumprindo essas regras situação que fez surgir um novo perfil de criminoso aquele que prejudica a saúde pública bem jurídico tutelado especialmente pelo já ci tado Capítulo III do Título VIII do Código Penal Chamase de novo perfil de criminoso porque os elementos de alguns desses tipos penais são bem específicos e preenchidos somente em circunstâncias excepcionais tal qual vivenciada No caso específico do coronavírus os atos de desrespeito às determi nações públicas podem enquadrar os agentes no art 268 do Código Penal cujo crime é denominado Infração de medida sanitária preventiva Art 268 Infringir determinação do poder público destinada a impedir intro dução ou propagação de doença contagiosa Pena detenção de um mês a um ano e multa Parágrafo único A pena é aumentada de um terço se o agente é funcionário da saúde pública ou exerce a profissão de médico farmacêutico dentista ou enfermeiro 4 Veja os decretos Estaduais e Municipais em httpsleismunicipaiscombrcoronavirus Daniella Bitencourt Leonardo Romero de Lima 97 O bem tutelado é a saúde pública o sujeito ativo é qualquer cidadão e o sujeito passivo o Estado coletividade A conduta nuclear do tipo está no verbo infringir cujo sentido é violar transgredir O objeto dessa transgressão são as determinações do poder público as quais conforme BITENCOURT 2012 p 1330 são materializadas através de leis decretos regulamentos portarias emanados de autoridade competente visando impedir a introdução ou propagação de doença contagiosa suscetível de transmitirse por contato mediato ou imediato Portanto se há uma determinação do poder público não simples recomendação ou orientação mas uma ordem de que sejam evitadas aglomerações proibindose o acesso a parques e obrigando o uso de más cara com a finalidade de evitarse a propagação da doença qualquer cidadão que agir de forma diferente se enquadra no tipo penal e pode ser processado LOPES E SCHUTZ 2019 p 209 explicam que quando o fim visado é contrário ao direito e a conduta se amolda a um tipo penal ou seja à descrição de conduta descrita na lei penal dizse que o fato é típico A conduta de violar a determinação sanitária pública é suficiente para o crime ser consumado não sendo necessário resultado naturalístico para isso O dolo se verifica pela vontade consciente em transgredir ordem legal vigente e eficaz sem a necessidade da noção do injusto pelo agente É importante considerar que o agir desse novo perfil de criminoso não se vincula exclusivamente ao citado artigo tampouco somente ao ca pítulo no qual ele está contido Há casos em que o agente sabendose doente tem a intenção de transmitir a moléstia a outrem Nesse caso o sujeito enquadrase no tipo descrito no art 131 do CP denominado Perigo de contágio de moléstia grave Art 131 Praticar com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado ato capaz de produzir o contágio Pena reclusão de um a quatro anos e multa Esse dispositivo está contido do Título I que dispõe sobre crimes con tra a pessoa e dentre os quais estão os contra a vida Capítulo I Embora 98 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 a vida não seja o bem jurídico por ele tutelado a incolumidade física e a saúde da pessoa humana são Logo há uma relação direta com a dignidade da pessoa humana Segundo Barroso 2016 p 6768 a dignidade da pes soa humana não é um direito em si pois complementa vários outros direitos porém sendo princípio muitas vezes será confrontada com outros princípios e metas coletivas e normalmente deverá prevalecer Tratase de um conceito ético essencial no mundo ocidental a dignidade significa dizer que todo homem é um fim em si mesmo e não deve ser instrumen talizado por projetos alheios os seres humanos não tem preço nem podem ser substituídos pois são dotados de um valor intrínseco e abso luto BARROSO 2016 p 72 Logo o crime do art 131 do CP é mais grave do que o do art 268 do CP pois o dolo é relativo à transmissão da moléstia a outrem ou seja para ser consumado o agente precisa saber que tem a doença e também pretender infectar outra pessoa Diferentemente do art 268 cuja vontade do agente é de infringir a determinação sanitária pública não de infectar alguém Os sujeitos ativo e passivo podem ser qualquer pessoa desde que este já não esteja contaminado pela mesma moléstia transmitida O dolo é direto o agente precisa ter a ciência de sua doença e da forma de transmissão além da vontade de transmitila Não se admite portanto o dolo eventual Porém os descuidados que fiquem alertas o fato de não admitir dolo eventual não o exime de outros tipos penais Aquele que sabendose portador do coronavírus continua frequentando lugares públicos não se isola mantém contato com outras pessoas e não usa máscara em que pese não possa ser punido pelo art 131 poderá subsumir os tipos penais descritos nos artigos 132 do CP tentativa de lesão corporal ou crime consumado de perigo à vida ou a saúde de outrem e se ocorrer a transmissão da doença mesmo contra sua vontade poderá subsumir o crime de lesão corporal dolosa ou lesão corporal seguida de morte art 129 3º FIGUEIREDO E RIOS 2018 p 31 esclarecem o conceito de dolo eventual são aqueles que mesmo conhecendo o fato agem de modo indiferente duvidando dos elementos que configurariam o tipo penal Daniella Bitencourt Leonardo Romero de Lima 99 aceitam somente a possibilidadeprobabilidade remota da configuração do tipo penal Além dos delitos acima comentados dependendo das circunstâncias o agente ainda poderá enquadrarse no disposto do art 267 do CP que dispõe sobre o crime de Epidemia Art 267 Causar epidemia mediante a propagação de germes patogênicos Pena reclusão de dez a quinze anos 1º Se do fato resulta morte a pena é aplicada em dobro 2º No caso de culpa a pena é de detenção de um a dois anos ou se resulta morte de dois a quatro anos Tratase da situação em que o agente sabendose contaminado dis semina o vírus em lugares onde não existia caso da doença ou esta já estaria erradicada O crime é consumado quando ocorre a epidemia ad mitindose a tentativa O seu elemento subjetivo é o dolo tanto geral vontade consciente de praticar a ação que causa a epidemia como espe cial finalidade especial de causar a epidemia e espalhar o vírus Por fim e ainda quanto aos novos perfis de criminosos a pandemia do novo coronavírus também pode ocasionar o enquadramento do indiví duo no tipo previsto no art 132 do Código Penal denominado Perigo para a vida ou saúde de outrem Art 132 Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente Pena detenção de três meses a um ano se o fato não constitui crime mais grave Parágrafo único A pena é aumentada de um sexto a um terço se a exposição da vida ou da saúde de outrem a perigo decorre do transporte de pessoas para a prestação de serviços em estabelecimentos de qualquer natureza em desa cordo com as normas legais Esse dispositivo se aplica àquelas situações que em momentos de normalidade talvez gerariam apenas incômodos contudo nas circunstân cias de pandemia podem implicar processo crime tais como a ausência de sabão para higienizar as mãos em um restaurante por exemplo ou o fato 100 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 de empresas não fornecerem máscaras aos seus funcionários O delito é consumado somente com a exposição da vida ou da saúde de alguém a perigo podendo haver dolo direto com a vontade consciente do agente de expor a vítima a grave e iminente perigo ou dolo eventual quando aquele assume o risco de que isso aconteça Por essa razão e considerando a pan demia atual o não cumprimento de medidas sanitárias preventivas mesmo sem a intenção de expor outrem a perigo também é capaz de levar o infrator a uma condenação Portanto na atual conjuntura manterse atento é importante não somente às recomendações da comunidade científica mas especialmente às determinações dos poderes públicos Desrespeitálas seja por desco nhecimento ou por ideologia poderá gerar um processo crime 3 Excludente de culpabilidade em tempos de pandemia O capítulo acima teve maior foco nos crimes contra a saúde pública Mas para a melhor compreensão desses delitos antes de estudar os tipos específicos da lei penal foi necessário analisar o próprio conceito do bem jurídico por ela tutelado que é a saúde pública Assim compreendendo a dimensão desse instituto inclusive no âmbito constitucional e conside rando o contexto atual de pandemia foi possível entender a razão do surgimento de um novo perfil de criminoso Neste outro capítulo do estudo há relação inversa ao do anterior Isto é o texto não trata de novos criminosos mas ao contrário fala de novos não criminosos tendo em vista a aplicação extensiva de excludente de culpabilidade em razão da pandemia Pretendese aqui analisar os crimes contra a ordem tributária compreendendo o bem jurídico tutelado pela lei específica em confronto com o valor social do trabalho como direito fun damental tudo isso no contexto atual de pandemia É que a situação de calamidade pública e as medidas restritivas im postas pelo Poder Público mudaram o panorama econômico no Brasil Durante quase todo o primeiro semestre de 2020 governos estaduais e Daniella Bitencourt Leonardo Romero de Lima 101 municipais permitiram somente o funcionamento de atividades conside radas essenciais acarretando uma redução de receitas de muitas empresas e por conseguinte a necessidade de demissão de funcionários ou encerra mento das atividades comerciais Neste cenário de crise econômica sanitária os empresários estão com dificuldades em manter seus compromissos principalmente tributários e trabalhistas obrigandose a escolhas terríveis tais como o pagamento dos tributos ou o pagamento dos salários ou manter o mínimo necessário para a continuidade do negócio tais como contas de água luz matéria prima etc Há então um confronto de bens jurídicos de um lado a ordem tri butária cuja finalidade é arrecadação do Estado para que este realize suas obrigações públicas muitas vezes constitucionalmente estabelecidas5 de outro o valor social ao trabalho direito fundamental sedimentado no art 1º IV da Constituição Federal Diante das circunstâncias é difícil declarar qual deve prevalecer Numa situação de normalidade deixar de recolher tributo dependendo do fato pode enquadrar o agente em algum dos tipos penais previstos nos artigos 1º e 2º da Lei 813790 ou nos artigos 168A 337A do CP com chances de condenação em ação penal No entanto nas condições atuais de pandemia é possível que esse inadimplemento ainda ocasione enquadramento nos mesmos tipos penais mas com a exclusão da culpabilidade do agente E isso porque neste momento o bem jurídico tutelado pela lei penal ordem tributária estará em confronto com o valor social do trabalho que é direito fundamental previsto constitucionalmente e por isso de maior relevância Assim se a única forma de proteger o trabalho é violando a lei tributária então essa violação não pode ser punida Ademais não é demais lembrar que a República Federativa do Brasil tem por objetivo erradicar a pobreza a 5 Como exemplo podemos citar o art 212 da CF A União aplicará anualmente nunca menos de dezoito e os Estados o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento no mínimo da receita resultante de impostos compreen dida a proveniente de transferências na manutenção e desenvolvimento do ensino 102 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais art 3º III CF além disso a redução das desigualdades regionais e sociais é tomada como um dos princípios da ordem econômica princípio constitucional impositivo GRAU 2017 p213 As excludentes de culpabilidade por inexigibilidade de conduta di versa podem ser legais ou supralegais As primeiras estão expressamente previstas no art 22 do CP e acontecem quando o agente comete o delito sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem não manifesta mente ilegal de superior hierárquico Art 22 Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem não manifestamente ilegal de superior hierárquico só é punível o autor da coação ou da ordem Já as causas de inexigibilidade de conduta diversa supralegais não de correm de lei mas da situação específica que estão além das elencadas no dispositivo acima nas quais também não se pode esperar do agente outra atitude A doutrina reconhece como causas supralegais o excesso excul pante o excesso causal ou acidental e a inexigibilidade de conduta diversa stricto sensu SILVA 2011 pp 304 e a situação aqui estudada enquadra se nesta última Inexigibilidade de conduta diversa stricto sensu Ocorre quando o agente in voca tese defensiva não prevista em lei para afastar a culpabilidade Nos crimes de sonegação fiscal por exemplo a prova de dificuldades financeiras e con sequente inexigibilidade de outra conduta nos crimes de omissão de recolhimento de contribuições previdenciárias pode ser feita através de docu mentos sendo desnecessária a realização de perícia Súmula 68 do TRF da 4ª Região SILVA 2011 P 305 É importante recordar que o Supremo Tribunal Federal STF no final de 2019 enquadrou o inadimplemento de ICMS na modalidade própria no tipo penal do art 2º II da Lei 8137906 assemelhando a 6 Art 2 Constitui crime da mesma natureza II deixar de recolher no prazo legal valor de tributo ou de contribuição social descontado ou cobrado na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos Daniella Bitencourt Leonardo Romero de Lima 103 conduta de deixar de recolher esse tributo mesmo declarado à apropriação indébita7 Contudo atualmente a culpabilidade do agente empresário que não paga os tributos poderá ser afastada ante a comprovação da necessidade de priorização dos salários e dos empregos Até mesmo eventual prova de ausência de dolo na mencionada apropriação poderia ser dispensada tendo em vista que essa apropriação em tese teria como motivo a necessidade de pagamento de salários e a manutenção de postos de trabalho Caso contrário haveria uma equivocada inversão de prioridades re publicanas em que o trabalho e seu valor social seriam preteridos em face da arrecadação tributária esta cujo caráter social tem efeitos indiretos e mediatos se comparada com os advindos do trabalho de efeitos instantâ neos e de caráter alimentar Portanto o Direito não pode exigir do cidadão a escolha pelo paga mento do tributo se isso prejudicar a manutenção do trabalho e da principal fonte geradora desse trabalho que são as empresas e suas ativi dades Em suma nesta pandemia ante a necessidade de opção entre o tributo e o saláriomanutenção das atividades entendese aceitável o ina dimplemento tributário por parte do empresário sendo inexigível conduta diversa O agente então mesmo enquadrado no fato típico poderá ter sua culpabilidade excluída pelo que o Direito Penal chama de inexigibilidade de conduta diversa Todavia independentemente do tributo e até mesmo da forma em que ocorre o inadimplemento a jurisprudência brasileira admite a exclu dente aqui estudada8 7 RHC 163334SC Decisão O Tribunal por maioria negou provimento ao recurso ordinário nos termos do voto do Relator vencidos os Ministros Gilmar Mendes Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Revogada a liminar ante riormente concedida Em seguida por maioria fixouse a seguinte tese O contribuinte que de forma contumaz e com dolo de apropriação deixa de recolher o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço incide no tipo penal do art 2º II da Lei nº 81371990 vencido o Ministro Marco Aurélio Ausente justificadamente o Ministro Celso de Mello Presidência do Ministro Dias Toffoli Plenário 18122019 8 Neste sentido confira o artigo de TANGERINO Et Al 2020 Disponível em httpwwwapetorgbr 2019artigostributariosaspartid2580autorPor20Davi20Tangerino20Salo20de20Carvalho20 Breno20Zanotelli20e20Henrique20Olive Acesso em 15 de ago De 2020 104 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 PENAL E PROCESSUAL PENAL SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDÊNCIÁRIA E CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA ART 337A III DO CÓDIGO PENAL E ART 1º INCISO I DA LEI Nº 813790 EXCLUSÃO DE CULPABILIDADE FACE ÀS DIFICULDADES FINANCEIRAS INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA RECURSO MINISTERIAL DESPROVIDO 2 As dificuldades financeiras enfrentadas por uma sociedade empresarial aptas a justificar o reconhecimento da causa excludente de culpabilidade de vem compor um quadro de excepcional imprevisível e invencível gravidade financeira que impossibilite ao administrador qualquer alternativa conforme o direito Assim não basta a existência de dificuldades econômicas sendo mis ter demonstrar que tais dificuldades não poderiam ser evitadas por uma atividade gerencial responsável e que foram envidados todos os esforços neste sentido inclusive com o sacrifício do patrimônio pessoal do sócio administra dor TRF2 Ap Crim 00091546220124025001RJ 2ª Turma Especializada Rel Des Fed Simone Schreiber j em 11062019 1 Apelado que deixou de recolher contribuições previdenciárias e tributos de vidos pela empresa que administrava Fato não negado em interrogatório 2 Uma vez confirmada a grave crise financeira enfrentada pela empresa ao tempo dos fatos consoante provas testemunhais e documentais colhidas nos autos correta a sentença absolutória ao reconhecer a excludente de culpabili dade consistente na inexigibilidade de conduta diversa 3 Ademais o fato de o apelante ter deixado de informar remuneração paga a segurados em declarações fiscais não permite no presente caso concluir que houve dolo em fraudar fiscalização tributária haja vista que a empresa autu ada era optante do SIMPLES cujo regime simplificado de arrecadação se dá com base em percentual da receita bruta da empresa 4 Recurso ministerial desprovido TRF2 Ap Crim 00091580220124025001ES Primeira Turma Especiali zada Rel Des Fed Antonio Ivan Athie j 18052016 3 A inexigibilidade de conduta diversa só tem lugar quando restar plena mente retratada situação invencível de dificuldade financeira a qual por sua própria natureza deve ser extraordinária e transitória TRF4 Ap Crim 00001656720074047012PR Oitava Turma Rel Des Fed Victor Luiz dos Santos Laus j em 14032012 Daniella Bitencourt Leonardo Romero de Lima 105 No entanto pela leitura dos dois últimos precedentes acima vêse que para a aplicação dessa excludente a prova precisa ser robusta a res peito da precariedade da empresa e do nexo de causalidade entre essa precariedade e a imperiosa necessidade de deixar de recolher tributos A mera alegação de inexigibilidade de conduta diversa não será capaz de ex cluir a responsabilidade do empresário se não vier acompanhada de demonstração da excepcional imprevisível e invencível gravidade finan ceira decorrente da pandemia comprovando que a única maneira de manter as atividades empresariais e os empregos seria não priorizando o pagamento dos tributos Observar isso é importante porque apesar da crise econômica atual determinados nichos de mercado não sofreram efeitos negativos decor rentes da pandemia As vendas online por exemplo aumentaram 81 ECOMMERCE 2020 Nestes casos diante da não diminuição da receita não haveria em tese justificativa para o inadimplemento tributário o que afastaria a comentada excludente de culpabilidade Portanto as particularidades definirão o enquadramento da conduta Se a pandemia impediu o agente de exercer suas atividades e isso reduziu suas receitas substancialmente é possível que ele esteja na situação de es colha entre a manutenção dos postos de trabalho e o pagamento de tributos Nessa circunstância o Direito em tese não poderia exigir dele conduta diferente à da opção pelo bem mais valioso que é o valor social do trabalho Por outro lado se o agente foi pouco afetado pela pandemia e continuou exercendo suas atividades sem reduzir muito suas receitas ele ao contrário do exemplo anterior talvez não esteja na situação de escolha entre a manutenção dos postos de trabalho e o pagamento de tributos sendo possível ao Direito exigir dele o pagamento do tributo 4 Considerações finais A análise dos fatos estudados neste artigo e a consequente aplicação do direito sobre eles nos leva a uma importante conclusão na história do 106 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 Brasil poucas vezes se viu para a correta aplicação da lei tanta necessi dade de compreensão do homem e das normas que sobre ele incidem Nestes dias nebulosos o uso da hermenêutica tida como uma disciplina de difícil compreensão para aplicação concreta saiu do mundo dos pensa mentos para entrar no mundo dos fatos do homem comum O objetivo da hermenêutica jurídica é alcançar o sentido e alcance das expressões da lei Na ciência jurídica há diversas formas de interpretação literal histórica lógica sistemática teleológica e sociológica E isso é ne cessário pela complexidade dos fatos objetos dessa interpretação Face à riqueza dos fatos e às particularidades do ser humano a mera aplicação literal é quase sempre precária Atualmente em virtude da pandemia interpretar a lei abstrata me diante o caso concreto é condição fundamental para melhor compreender os atos e fatos e assim determinar o melhor alcance das expressões nor mativas Assim se em tempos de normalidade a aglomeração de pessoas e outras práticas corriqueiras não seriam punidas desde dezembro de 2019 com a descoberta do Covid19 passaram a ser Por outro lado o ina dimplemento tributário implicaria denúncia e condenação penal em circunstâncias usuais mas na conjuntura atual em virtude da crise eco nômica e sanitária e consequente limitação de atividades laborais deixar de pagar tributo em tese tem maiores chances de absolvição Portanto se o Direito é o conjunto de normas jurídicas direcionadas a todos pelo Estado e se essas normas vinculam a conduta humana de terminando como agir ou não agir é essencial a compreensão dos tempos estranhos que estamos vivendo Somente esse entendimento permitirá a aplicação da lei de acordo com a realidade Referências BARROSO Luís Roberto A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional Con temporâneo a construção de um conceito jurídico à luz da jurisprudência mundial 4ª Ed Fórum Belo Horizonte 2016 Daniella Bitencourt Leonardo Romero de Lima 107 BITENCOURT Cezar Roberto Código Penal Comentado 7ª Ed São Paulo Saraiva 2012 BORBA Elisandro Publicado decreto com novas restrições de circulação em Porto Alegre Prefeitura de Porto Alegre Notícias 06 de jul de 2020 Disponível em httpsprefeiturapoabrgpnoticiaspublicadodecretocomnovasrestricoesde circulacaoemportoalegre Acesso em 10 de ago de 2020 BRASIL CÓDIGO PENAL DecretoLei nº 2848 de 7 de dez de 1940 Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03decretoleidel2848compiladohtm Acesso em 10 de ago de 2020 BRASIL CONSTITUIÇÃO 1988 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03constituicaoconstituica ocompiladohtm acesso em 10 de ago de 2020 BRASIL DISTRITO FEDERAL Supremo Tribunal Federal Recurso em Habeas Corpus RHC nº 163334 Robson Schumacher e Ministério Público de Santa Catarina Re lator Ministro Roberto Barroso 18 de dez de 2019 Publicado em 31 de ago de 2018 BRASIL RIO DE JANEIRO Tribunal Regional Federal da Segunda Região Apelação Crime Ap Crim nº 00091546220124025001 Relatora Desembargadora Fede ral Simone Schreiber 11 de jun de 2019 BRASIL ESPIRITO SANTO Tribunal Regional Federal da Segunda Região Apelação Crime Ap Crim nº 00091580220124025001 Relator Desembargador Federal Antonio Ivan Athie 18 de mai de 2016 BRASIL PARANÁ Tribunal Regional Federal da Quarta Região Apelação Crime Ap Crim nº 00001656720074047012 Relator Desembargador Federal Victor Luiz dos Santos Laus 14 de mar De 2012 ECOMMERCEBRASIL 08 de mai2020 Com pandemia ecommerce cresce 81 em abril de 2020 e fatura 94 bilhões Matéria disponível no endereço eletrônico httpswwwecommercebrasilcombrnoticiasecommercecresceabrilfatura compreconfiecoronavirus FIGUEIREDO Alani Caroline Osowski RIOS Rodrigo Sanchez Uma Análise Comparativa entre os Institutos da Cegueira Deliberada e do Dolo Eventual no Direito Penal Eco nômico Congresso de Pesquisa e Ciência Criminal IBCRIM 2018 Disponível em 108 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 httpswwwibccrimorgbrmediapostsarquivosarquivo090420201650 56714871pdf Acesso em 10 de ago de 2020 GRAU Eros Roberto A Ordem Econômica na Constituição de 1988 18ª Ed São Paulo Malheiros 2017 LOPES Ariadne Villela SHUTZ Gabriel Eduardo A razão pode ser instrumento de inclusão da loucura Olhares sobre a medida de segurança Saúde Debate Rio de janeiro vol 43 nº 4 p 207218 dez2019 LOBO Jorge Hermenêutica interpretação e aplicação do Direito Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro nº 72 abr jun 2019 Disponível em httpwwwmprjmpbrdocuments201841344914JorgeLobopdf Acesso em 10 ago de 2020 SILVA Davi André Costa Direito Penal Parte Geral 2ª Ed Porto Alegre Verbo Jurídico 2011 TANGERINO Salo de Carvalho Et Al Crimes Tributários em Tempos de Epidemia da co vid19 Disponível em httpwwwapetorgbr2019artigostributariosasp artid2580autorPor20Davi20Tangerino20Salo20de20Carvalho 20Breno20Zanotelli20e20Henrique20Olive Acesso em 10 de ago de 2020 VILHENA Oscar Vieira RAMOS Luciana de Oliveira DRIMOULIS Dimitri NASSAR Paulo André GLEZER Rubens Eduardo LUNARDI Soraya Resiliência constitucio nal compromisso maximizador consensualismo político e desenvolvimento 1ª ed São Paulo Direito GV 2013 6 O direito de acesso à internet como direito humano e fundamental Gustavo da Silva Santanna 1 Haide Maria Hupffer 2 1 Introdução Tanto o relatório da Organização das Nações Unidas emitido em 2011 pelo Conselho de Direitos Humanos ONU 2011 quanto a Proposta de Emenda Constitucional nº 8 de 2020 BRASIL 2020 que tramita no Se nado Federal dizem respeito ao direito de acesso à internet Ora é inconcebível falar em Sociedade da Informação se a matéria prima es sencial para seu exercício é restrita a uma classe ou grupo de cidadãos Além disso o Estado exerce papelfunção essencial na sociedade seja como provedor seja como regulamentador das relações sociais Ainda que sua posição de superioridade hoje esteja fragilizada sua condição de existência o coloca em um papel essencial como garantidor de Direitos HumanosFundamentais Aliás poderseia dizer que a razão do Estado é hoje fundamentalmente o de prover Direitos HumanosFundamentais Seria o direito de acesso à internet efetivamente um novo Direito HumanoFundamental Para tanto é necessário um estudo ainda que 1 Doutor em Direito pela UNISINOS Mestre em Direito pela UNISINOS Especialista em Direito Ambiental e Direito Público Professor no curso de graduação em Direito da IMED Procurador do Município de AlvoradaRS Email gssantannahotmailcom 2 PósDoutora em Direito pela UNISINOS Doutora e mestre em Direito pela UNISINOS Professora e pesquisadora no Programa de PósGraduação em Qualidade Ambiental e no Curso de Graduação em Direito da Universidade Fee vale Líder do Grupo de Pesquisa FeevaleCNPq Direito e Desenvolvimento Email haidefeevalebr 110 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 breve acerca dos Direitos Humanos suas dimensões e a distinção com relação aos Direitos Fundamentais para ao fim poderse dimensionar a efetiva relação que o acesso à internet tem com esses Direitos se seria um Direito propriamente dito ou apenas um meio para o exercício dos demais Direitos e o papel do Estado frente a isso A pesquisa é exploratória e descritiva utiliza o método científico de dutivo com apoio em pesquisa bibliográfica e documental 2 Evolução histórica dos Direitos Humanos e sua relação com os Direitos Fundamentais Historicamente os Direitos Humanos estão intrinsecamente atrela dos à existênciacondição do homem enquanto ser distinto dos demais seres considerados em sua igualdade essencial como ser dotado de liber dade e razão não obstante as múltiplas diferenças de sexo raça religião ou costumes locais COMPARATO 2013 p 2324 Não é por outra razão como muito bem aponta Fábio Konder Comparato 2013 p 24 que de morou nada menos que 25 séculos para que uma organização internacional a Organização das Nações Unidas ONU através da De claração Universal dos Direitos Humanos afirmasse que os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos Eis aqui o elemento dife renciador do homem em relação a todos os demais seres ser portador de dignidade Com relação à universalidade dos direitos humanos afirma Mattias Kaufmann 2013 p 46 que primeiramente eles pertencem ao homem en quanto homem sem qualquer outra classificação ou subdivisão independentemente de sexo cor posição social ou raça e em segundo lu gar não podem ser arbitrariamente descartados ou ignorados sendo portanto inalienáveis pois os possuímos pelo simples fato de sermos ho mens Foi Immanuel Kant 2007 p 68 o precursor moderno a identifi car o homem como um ser em si mesmo e não como meio É com Kant Gustavo da Silva Santanna Haide Maria Hupffer 111 2007 p 79 que o ser humano passa a ser tratado como espécie a espécie humana ou gênero humano e como tal portador de dignidade uma vez que a autonomia é pois o fundamento da dignidade da natureza humana e de toda a natureza racional Portanto a dignidade em Kant 2007 p 7980 é uma qualidade intrínseca do ser humano e é um valor incondici onal e incomparável pela qual ele constrange todo os outros seres racionais a terem respeito por ele e pode medirse com qualquer outro dessa espécie e avaliado em pé de igualdade Os Direitos Humanos surgem pois como protetores dessa digni dade essencial a todos os homens inerentes à própria condição humana sem ligação com particularidades determinadas de indivíduos ou grupos COMPARATO 2013 p 71 Kaufmann 2013 p 55 complementa que fa lar em dignidade humana é falar de uma dignidade que é inere ao homem que lhe é concedida independentemente de outro qualificativo seja biológico social ou moral Daí inclusive que a Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948 vai sustentar em seu artigo 6º que todo ser humano tem o direito de ser em todos os lugares reconhecido como pessoa perante a lei COMPARATO 2013 p 44 Observese que Kant 2007 p 77 ao discorrer sobre dignidade hu mana é enfático ao dizer que quando uma coisa tem um preço podese pôr em vez dela qualquer outra como equivalente mas quando uma coisa está acima de todo o preço e portanto não permite equivalente então tem ela dignidade O que Kant quer dizer é que a dignidade do homem não é objeto de negócio e sim da igualdade de dignidade humana em todos ou seja a segunda formulação do imperativo categórico recomenda a não ins trumentalização de ninguém e o respeito universal ao ser humano como sujeito de direito NODARI 2016 p 120 A construçãoevolução dos Direitos Humanos em suas diversas ma nifestações tratados declarações acompanhou o progresso da própria humanidade podendose exemplificar com a Carta Magna de 1215 e a Pe ticion of Rights inglesa de 1629 Contudo uma ressalva deve ser feita em relação ao significado histórico destes documentos é preciso ter sempre 112 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 claro que nenhum deles tratou efetivamente dos direitos de todos os ho mens KAUFMANN 2014 p 37 No caso da Magna Carta tratouse de uma revolta armada dos barões diante dos excessos tributários para o fi nanciamento de campanhas bélicas Teve porém como mérito o início da limitação do poder Real COMPARATO 2013 p 8592 Já no caso da Pe ticion of Rigths tratouse da proibição de cobrar impostos sem a autorização do Parlamento instituindose as primeiras linhas do que viriam a ser a separação de poderes COMPARATO 2013 p 108 Como também aborda Marcelo Neves 2005 os Direitos Humanos ainda que constituam uma conquista da sociedade moderna são inegáveis seus an tecedentes históricos inclusive na Antiguidade A relação dos Direitos Humanos com o Estado não foi diferente pois como esclarece Fabio Konder Comparato 2013 p 72 cabe ao Estado única atribuição de reconhecer a existência dos direitos humanos e não de criálos sob pena de neste caso o Estado também poder suprimilos alterálos ou até mesmo desconfigurálos a ponto de tornálos irreconhe cíveis não podendo jamais perder a característica da universalidade sendo atributo da nacionalidade própria da condição humana Ainda que sejam inquestionáveis o grande avanço e a representativi dade que a Declaração Universal dos Direitos Humanos tenha dado em relação ao homem enquanto gênero humano ainda assim carecialhe de força normativa que tornasse obrigatório e vinculante aos Estados PIOVESAN 2013 p 133 Daí porque Fábio Konder Comparato 2013 p 238 vai dizer que tecnicamente a Declaração Universal dos Direitos do Homem é uma recomendação feita pela Assembleia Geral da ONU aos seus membros não possuindo força normativa Surge portanto a necessidade de um acordo que lhes outorgasse esse caráter que veio com a Convenção de Viena sobre os Direitos dos Tratados ficando restrito contudo à aplicação aos Estados que expressamente consentiam com a sua aplicação não se impondo esta obrigação aos acordos assinados com outras organizações internacionais PIOVESAN 2013 p 134 Além disso o artigo 4º da Convenção de Viena Gustavo da Silva Santanna Haide Maria Hupffer 113 excluiu de sua aplicação os tratados acordos internacionais concluídos pelos Estados antes de sua entrada em vigor 1969 o que acaba por afastar consequentemente a Declaração Universal dos Direitos Humanos assinada em 1948 Ainda assim a Declaração Universal dos Direitos Humanos introduz uma concepção contemporânea de direitos humanos marcada pela universalidade e indivisibilidade desses direitos PIOVESAN 2013 p 48 aplicandose a todas as pessoas independentemente de outro requisito bem como agregando em seu conteúdo direitos civis políticos econômicos sociais e culturais No Brasil por exemplo para que os acordos tratados ou atos inter nacionais tenham aplicação no âmbito interno dependem de sua incorporação no ordenamento jurídico que se dá por uma ratificação prevista no artigo 49 I da Constituição Federal efetuada pelo Congresso Nacional É o caso da própria internalização da Convenção de Viena que somente se deu em 2009 com a edição do Decreto Federal nº 7030 Por tanto a assinatura de um tratado no âmbito internacional pelo chefe do executivo ou seu representante demonstra uma intenção de cumpri mento carecendo pois de efeito jurídico vinculante PIOVESAN 2013 p 135136 Neste ponto Piovesan 2013 p 136 observa que pela corrente mo nista bastaria a assinatura do acordo para que sua aplicaçãoincorporação se desse de forma automática à legislação interna O Brasil porém adotou a corrente dualista na qual além da assinatura do próprio instrumento internacional precisa de um novo ato no âmbito interno funcionado aquele como um protocolo de intenção Os direitos humanos portanto como bem aborda Costas Douzinas 2009 p 22 possui duas perspectivas a primeira relacionada ao sujeito homem enquanto possuidor de direitos e a segunda de ordem instituci onal legislativa de aplicação e garantias Daí a importância do Ser no Mundo e no Estado pois ao fim é este que acaba por garantir ou trans gredir a aplicação dos direitos humanosfundamentais Não é por outra razão que afirma Jorge Miranda 2008 p16 que somente há direitos 114 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 fundamentais quando o Estado e a pessoa a autoridade e a liberdade se distinguem e até em maior ou menor medida se contrapõem 3 Os Direitos Humanos e sua linha dimensional Dentro da linha dimensional dos Direitos Humanos a relação com o Estado fica ainda mais clara pois nos Direitos Humanos de primeira di mensão exigese uma certa abstenção da conduta estatal tratandose de uma relação de exclusão em que o Estado não pode interferir na situação jurídica do indivíduo caracterizandose pela eficácia negativa SCHÄFER 2013 p 31 enquanto nos de segunda dimensão há uma conduta ativa por parte do Estado exercendo este uma função promocional de assistência Já nos Direitos Humanos de terceira dimensão a conduta do Estado e dos cidadãos são conjuntas numa relação de solidariedade humana já que não se destinam a pessoas determinadas ou grupo de pessoas mas têm por destinatário toda a coletividade em sua acepção difusa como direito à paz ao meio ambiente ao patrimônio comum da humanidade SCHÄFER 2013 p 56 David Sánchez Rubio 2014 p 89 tece dura crítica quanto a ideia geracional dos direitos humanos É curioso perceber a maneira como os direitos individuais e políticos de pri meira geração fruto da luta burguesa contra as limitações da ordem feudal e associados aos princípios da liberdade possuem um grau de reflexão teórica eficiência jurídica e de sistemas de garantias muito superiores ao resto porém mais dificuldades na hora de serem protegidos os direitos econômicos soci ais e culturais de segunda geração associados ao princípio da igualdade e de terceira geração próprios do impacto das novas tecnologias e associados ao princípio da solidariedade Em vez de desenvolverem melhoria na qualidade jurídica e estrutural de direitos humanos temse produzido um efeito entró pico e degenerativo dos mesmos claro está sempre que sejam vistos a partir da ideologia e do imaginário dominante que desde o início se preocupou em utilizar um paradigma que apenas fortalece os direitos de primeira geração e não a todos e debilita os de chamada segunda e terceira geração daí a expressão degeneracionais RUBIO 2014 p 89 Gustavo da Silva Santanna Haide Maria Hupffer 115 Ainda assim modernamente período pós Revolução Francesa os Direitos Humanos podem ser categorizados em três dimensões SARLET 2008 p 52533 classificação surgida a partir dos estudos de Karel Vasak em 1979 É claro que essa classificação não é isenta de crítica que David Sánchez Rubio 2014 p 88 coloca como uma visão eurocêntrica que implanta uma cultura excessivamente anestesiada limitada a uma única forma de ser humano o ocidental Ainda assim continua sendo essa a classificação majoritária e mundialmente aceita razão pela qual se filia a ela Os Direitos Humanos de primeira dimensão evidenciamse com uma omissão do Estado dando origem ao que hoje se denominam de direitos civis e políticos do cidadão Carrega essa denominação porque os direitos civis supõem a resistência dos cidadãosindivíduos frente aos poderes do Estado ou a até mesmo a exclusão de atuação Por direitos políticos a denominação existe em razão da possibilidade de participação dos cida dãos na formação da vontade política do Estado através do direito ao sufrágio SANTAGATI 2011 p 78 A retração das ações do Estado frente aos indivíduos burgueses inicialmente leva a uma concepção liberal de Estado ascendendo à esfera de autonomia individual em face do poder Estatal Isso se deu basicamente em razão do antigo regime no qual os poderes ilimitados dos soberanosreis acabaram por impor aos burgue ses o ônus de manter as guerras e os luxos dos castelos com altos impostos e com a possibilidade de aplicação de penas nem sempre previamente de finidas Não é por outra razão que se pode afirmar que inicialmente os Direitos Humanos estariam ligados a interesses de classe funcionando como armas ideológicas e políticas na luta da burguesia emergente contra o poder político despótico e a organização social estática DOUZINAS 2009 p 19 Esses direitos vêm estampados na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 3 Seguindo a linha de raciocínio de Ingo Wolfgang Sarlet 2008 p 5253 optarseá por tratar os direitos humanos por dimensões e não gerações pois como bem observou o jurista a expressão gerações leva a uma impressão de substituição gradativa de direitos de alternância enquanto na verdade o que o se tem é uma complementariedade um processo cumulativo de direitos 116 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 Os Direitos Humanos de segunda dimensão por sua vez são resul tado das reivindicações da classe operária pelos graves impactos sociais gerados a partir da Revolução Industrial Conhecidos como direitos econô micos sociais e culturais caracterizamse por uma forte presença do Estado que passa então a exercer papel bem distinto em relação aos Di reitos Humanos de primeira dimensão não se constituindo liberdade do e perante o Estado e sim de liberdade por intermédio do Estado SARLET 2008 p 55 Por fim mas não menos importante os Direitos Humanos de terceira dimensão também denominados de direitos de solidariedade e fraterni dade pois trazem como nota distintiva o fato de se desprenderem em princípio da figura do homemindivíduo como seu titular destinandose à proteção de grupos humanos família povo nação caracterizandose consequentemente como direitos de titularidade coletiva ou difusa SARLET 2008 p 56 Na sua essência o direito que era predominante mente individualegoístico cede espaço e passa a ser essencialmente coletivo e difuso em que a socialização e a coletivização têm o papel fundamental SCHÄFER 2013 p 56 Divergem os autores contudo não quanto ao conceito mas sim quais direitos estariam inseridos nessa dimensão de Direitos Humanos Ingo Wolfgang Sarlet 2008 p 56 vai colocar nesta categoria o direito à paz autodeterminação dos povos meio ambiente desenvolvimento qualidade de vida patrimônio histórico e cultural comunicação Jairo Schäfer 2013 p56 por sua vez inclui o direito à paz ao meio ambiente e ao patrimônio comum da humanidade Na mesma linha escreve Claudio Jesús Santagati 2011 p 85 que insere a autodeterminação dos povos desenvolvimento meio ambiente equilibrado e paz como direitos de terceira dimensão Paulo Bonavides 2009 p 569 escreve seguindo a linha de Vasak que integram essa dimensão o direito ao desenvolvimento à paz meio ambiente de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e o direito de comunicação Antonio Henrique PérezLuño 2018 p 694 é mais elástico em seus exemplos pois além de incluir os direitos relativos Gustavo da Silva Santanna Haide Maria Hupffer 117 ao meio ambiente qualidade de vida e a paz insere os direitos da bioética e das biotecnologias e os direitos no âmbito das Tecnologias da Informação e da Comunicação TICs Quanto às TICs e sua inclusão como direitos de terceira dimensão vai explicar o autor espanhol que as gerações dos Direitos Humanos não se apresentam como um processo linear e cronológico de direitos havendo em sua construção constantes avanços e retrocessos PÉREZLUÑO 2018 p 697 Isso faz com que o surgimento de novos direitos decorrentes de novas necessidades históricas redimensione ou redefina direitos anterior mente estabelecidos fazendo com que esse catálogo nunca seja exaustivo ou fechado PÉREZLUÑO 2018 p 697 E segue o autor Los derechos de la tercera generación cumplen ese cometido de ser puente entre la realidad científico tecnológica del presente y sus proyecciones de futuro Los derechos humanos de la tercera generación han surgido precisamente para hacer posible el uso de la tecnociência dirigido a superar barreras y lími tes pero respetando siempre los valores y los derechos de la condición humana En la teoría y en la practica de los derechos de la tercera generación se expresa la herencia de la cultura humanista adaptada a las exigencias de la sociedad tecnológica PÉREZLUÑO 2018 p 701 Paulo Bonavides 2009 p 571 traz o direito à informação como di reito de quarta geração dimensão atrelandoo ao direito à democracia e ao pluralismo Para ele a democracia positivada enquanto direito de quarta geração deve ser necessariamente uma democracia direta possível materialmente devido ao avanço das Tecnologias de Informação e Comu nicação Contudo não bastaria esse avanço para que a democracia direta fosse considerada um direito de quarta dimensão Necessitaria ainda que a democracia seja isenta sem as interferências midiáticas de índole auto crática unitarista manipuladora e excludente Logo somente em razão do avanço das TICs seria possível o exercício da democracia direta e dessa forma a concretização dos direitos de quarta dimensão Contudo para o exercício de uma democracia isenta como reflete Bonavides 2009 p 571 deveríamos estar inseridos na sociedade 118 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 do conhecimento e não apenas na sociedade da informação não bas tando apenas o acesso à informação mas a verificação de sua qualidadeveracidade Assim parece que assiste razão à Antonio Henrique PérezLuño que acrescenta os novos ou melhor outros Direitos Hu manos inseridos na terceira dimensão funcionando esta como uma ponte entre o passado e o surgimento de outros novos direitos 4 O acesso à internet como Direito Humano e Fundamental Em 16 de maio de 2011 o Conselho de Direitos Humanos da Organi zação das Nações Unidas ONU elaborou o relatório especial sobre promoção e proteção do direito à liberdade de opinião e expressão no qual coloca a Internet como o meio capaz para o exercício daqueles direitos UNHR 2011 A Internet seria o instrumento capaz de alcançar os objeti vos do artigo XIX da Declaração Universal dos Direitos Humanos qual seja o de que todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e ex pressão este direito inclui a liberdade de sem interferência ter opiniões e de procurar receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras ONU 1948 Extraise desse relatório que O artigo 19 da Declaração Universal Direitos Humanos e do Pacto foi elaborado com visão para incluir e para acomodar futuros desenvolvimentos tecnológi cos através dos quais os indivíduos podem exercer seu direito à liberdade de expressão Daí a estrutura dos direitos humanos internacionais lei que per manece relevante hoje e igualmente aplicável às novas tecnologias de comunicação tais como a Internet UNHR 2011 O Relatório ainda complementa que O direito à liberdade de opinião e expressão é tanto um direito fundamental quanto próprio acordo pois é um facilitador de outros direitos incluindo os aspectos econômicos sociais e culturais direitos como o direito à educação e o direito a participar na vida cultural e a gozar os benefícios do progresso científico e suas aplicações bem como os direitos civis e políticos como os direitos à liberdade de associação e reunião Assim agindo como um Gustavo da Silva Santanna Haide Maria Hupffer 119 catalisador para indivíduos exercerem seu direito à liberdade de opinião e expressão a Internet também facilita a realização de uma série de outros direitos humanos UNHR 2011 Logo o direito de acesso à internet seria de acordo com a Organiza ção das Nações Unidas um Direito Humano na verdade um ou o meio capaz para alcançar o direito à liberdade de opinião e expressão típico direito de primeira dimensão Mas se poderia considerar também o direito de acesso à internet um Direito Fundamental Existe diferença entre Direitos Humanos e Direitos Fundamentais O primeiro Direitos Humanos tem natureza global internacional e o segundo caráter Cons titucional interno como resultado da personificação e positivação constitucional de determinados valores básicos que integram ao lado dos princípios estruturais organizacionais a substância propriamente dita o núcleo substancial SARLET 2008 p 70 No mesmo sentido escreve Fabio Konder Comparato 2013 p 71 é aí que se põe a distinção elaborada pela doutrina jurídica germânica entre direitos humanos e direitos fundamentais Grundrechte Na interpreta ção do autor os direitos fundamentais são os direitos humanos reconhecidos como tais pelas autoridades às quais se atribui o poder polí tico de editar normas tanto no interior dos Estados quando no plano internacional ou seja são os direitos humanos positivados nas Consti tuições nas leis nos tratados internacionais COMPARATO 2013 p 71 José Joaquim Gomes Canotilho 2003 p 393 observa que as ex pressões direitos dos homens e direitos fundamentais são frequentemente utilizadas como sinônimos Observando a origem e o significado Canoti lho 2003 p 393 oferece a seguinte diferenciação os direitos dos homens são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos e assumem uma dimensão jusnaturalistauniversalista por sua vez os di reitos fundamentais são os direitos do homem jurídico institucionalmente garantidos e limitados espaçotemporalmente e re presentam os direitos objectivamente vigentes numa ordem jurídica concreta 120 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 Claro que tal posicionamento não é pacífico Martin Borowski 2003 p 31 por exemplo entende os Direitos Humanos como direitos morais de caráter abstrato sendo que sua institucionalização positivação ou efe tividade social não desempenhariam nenhum rol como critério de validade BOROWSKI 2003 p 30 Já os Direitos Fundamentais seriam a intenção de transformar os Direitos Humanos em direito positivado seja no âmbito internacional através de pactos e convenções seja no plano interno através das constituições Mesmo com a crítica seguirseá a linha adotada tradi cionalmente pela doutrina pátria Mas a sua importância permanece com a mesma dimensão dos Direitos Humanos pois não se trata unicamente de um reforço da dotação jurídica de indivíduos ou grupos Constitui sim um conjunto de fins não negociáveis seja por pessoas que são as titulares desses direitos seja por procedimentos legislativos ou forças políticas los derechos fundamentales se presentan pues como inatacables e indisponi bles situados en un área de indecidibilidad RODOTÀ 2010 p 53 Ao tratar das funções dos direitos fundamentais Canotilho 2003 p 393410 elabora a seguinte estrutura 1 função de defesa ou de liberdade ii função de prestação social iii função de proteção contra terceiros iv função de não discriminação A defesa da pessoa humana e de sua digni dade é a primeira função dos direitos fundamentais e ela se cumpre sob uma dupla perspectiva 1 constituem num plano jurídicoobjectivo normas de competência nega tiva para os poderes públicos proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica individual 2 implicam num plano jurídicosubjec tivo o poder de exercer positivamente direitos fundamentais liberdade positiva e de exigir omissões dos poderes públicos de forma a evitar agres sões lesivas por parte dos mesmos liberdade negativa CANOTILHO 2003 p 408 A discussão sobre o acesso universal à internet como um direito fun damental é tema que vem ganhando relevância no atual cenário No mundo globalizado tudo está interconectado e a velocidade das mudanças das tecnologias digitais proliferam em todas as áreas e estão presentes na Gustavo da Silva Santanna Haide Maria Hupffer 121 vida cotidiana do ser humano Soluções digitais são intensificadas e as ino vações associadas à tecnologia da informação envolvem impactos positivos e negativos nos direitos fundamentais Infelizmente uma parcela conside rável da população mundial e brasileira não tem acesso à rede mundial de computadores Cidadãos são excluídos por diversas razões como i po breza questões socioeconômicas e de capacitação no uso da tecnologia ii residirem em regiões com restrições tecnológicas de conexão com a rede mundial de computadores iii políticas estatais restritivas de controle e de acesso a determinados conteúdos digitais o que fere o direito à informação e liberdade de expressão iv não disporem de tecnologia compatível e co nexão para realizar tarefas cotidianas e transações que são só oferecidas por meio digital No Brasil a Lei n 12965 de 23 de abril de 2014 Marco Civil da In ternet fundamenta o uso da internet no respeito à liberdade de expressão trazendo expressamente no inciso II do art 2º os direitos humanos o desenvolvimento da personalidade e o exercício da cidadania em meios digitais como objetivo fundante Entre os objetivos do Marco Civil da In ternet está a promoção do direito de acesso à internet a todos conforme inciso I do art 4º O conceito de Internet é dado no art 5º inciso I sis tema constituído do conjunto de protocolos lógicos estruturado em escala mundial para uso público e irrestrito com a finalidade de possibilitar a comunicação de dados entre terminais por meio de diferentes redes Re gistrase ainda a importância do caput do art 7º ao assumir que o acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania BRASIL 2014 No Senado Federal tramita a Proposta de Emenda Constitucional PEC n 8 de 2020 de autoria de Senadores de diferentes partidos políti cos e que desde o dia 13 de março de 2020 está na Comissão de Constituição Justiça e Cidadania Secretaria de Apoio à Comissão de Cons tituição Justiça e Cidadania aguardando a designação do Relator A PEC nº 82020 tem por objetivo alterar o art 5º da Constituição Federal para incluir o acesso à internet entre os direitos fundamentais BRASIL 2020 Na justificativa da PEC nº 82020 os autores do projeto expõem que 122 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 O acesso à internet é hoje elemento fundamental para o desenvolvimento pleno da cidadania e para o crescimento profissional de todas as pessoas Sem dúvida a eventual falta de acesso à internet limita de modo irremediável as oportunidades de aprendizado e de crescimento de educação e de emprego comprometendo não apenas o futuro das pessoas individualmente mas o pró prio progresso nacional BRASIL 2020 Percebese pela justificativa dos autores da Proposta de Emenda Constitucional que o acesso à internet não estaria ligado necessaria mente à liberdade de expressão de primeira dimensão mas educação acessível e inclusiva oportunidades de trabalho e emprego todos de se gunda dimensão aproximandose mais do artigo 6º que do artigo 5º da Constituição Federal de 1988 Mais uma vez assim como no documento da ONU o acesso à internet seria um instrumento para dar eficácia concretizar outros Direitos Humanos Parece efetivamente que razão assiste a Antonio Henrique Pérez Luño 2012 p 1718 ao colocar o acesso à internet ou às Tecnologias de Informação e Comunicação como direito de terceira dimensão Certo que isso é relevante unicamente para fins classificatórios uma vez que sendo considerado Direito HumanoFundamental irrelevante sua inserção numa ou noutra categoriageraçãodimensão pois sua proteção garantia promoção permaneceria a mesma O fato contudo é que a internet não se trata de apenas um meio para o exercício dos demais direitos Será ela o único meio capaz de exercer todos os demais direitos A inclusão digital é uma das formas de democratizar o acesso às tec nologias de informação para propiciar que todo cidadão tenha as mesmas oportunidades de educação trabalho e emprego No Brasil o recebimento de forma mais ágil de alguns direitos sociais e direitos fundamentais pre vistos na Constituição Federal como por exemplo o acesso à informação art 5º XIV benefícios da Previdência Social art 6º marcação de con sultas médicas em muitas unidades do sistema de saúde pública e acesso ao segurodesemprego é mais acessível e mais rápido para o cidadão que tem acesso à internet e tecnologia compatível Gustavo da Silva Santanna Haide Maria Hupffer 123 Neste contexto registrase a desigualdade vivenciada no direito à educação entre alunos de escolas públicas e privadas no período da pan demia pela Covid19 no Brasil As instituições privadas de ensino rapidamente se adequaram ao quadro de pandemia e transferiram as au las presenciais para aulas remotas sustentadas por sistemas robustos de tecnologias da informação acesso à internet e metodologias ativas en quanto os alunos da rede pública são contundentemente ignorados e esquecidos Desde o início da pandemia os alunos da rede pública não es tão tendo acesso à educação A Covid19 escarra ainda mais que as desigualdades sociais são inerentemente injustas Os impactos para os alunos da rede pública sem acesso à internet são de longo prazo e isso pode se refletir por anos nos exames vestibulares e empregabilidade A incerteza quanto a duração dessa pandemia e do iso lamento social requerido pode significar para crianças e jovens com alta vulnerabilidade socioeconômica a interrupção do processo de aprendiza gem ocasionando o abandono escolar Concretizar o acesso à educação mediada pelas tecnologias para todos os estudantes de escolas públicas é trazer dignidade humana para cada aluno e propiciar condições igualitárias no presente e no futuro Observa se neste exemplo que o principal motivo que impede igualdade de condi ções educacionais é o acesso à internet com disponibilização de ferramentas tecnológicas razão pela qual o acesso à internet deve ser um direito humanofundamental 5 Considerações finais É claro que o acesso à internet não resolverá problemas como fome falta dágua moradia desmatamento etc mas pode ser uma ou a única condição ou possibilidade para que comunidades tenham pelo menos co nhecimento que possuem esses direitos ou até mesmo de como se chegar a eles Ademais possibilita que pessoas auxiliem quem se encontra em si tuações de escassez e vulnerabilidade 124 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 É nesse sentido que o acesso à internet se mostra neste milênio em que se ingressa como uma ou futuramente a única forma de garantir promover e proteger direitos Cabe ressaltar contudo que diante das no vas tecnologias a Constituição deve garantir não somente o acesso à internet no sentido de promoção como visto mas também disponibiliza ção de estruturasferramentas de conectividade equilíbrio de estrutura de acesso entre as diferentes regiões brasileiras a inclusão digital bem como a proteção do cidadão na sua privacidade Referências BONAVIDES Paulo Curso de Direito Constitucional 24 ed São Paulo Malheiros 2009 BOROWSKI Martin La estructura de los derechos fundamentales Tradução de Carlos Bernal Pulido Bogotá Universidad Externado de Colombia 2003 BRASIL Presidencia da República Lei n 12965 de 23 de abril de 2014 Marco Civil da Internet Estabelece princípios garantias direitos e deveres para o uso da internet no Brasil Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03ato2011 20142014leil12965htm Acesso em 23 maio 2020 BRASIL Senado Federal Proposta de emenda à Constituição n 8 de 2020 Altera o art 5º da Constituição Federal para incluir o acesso à internet entre os direitos funda mentais Disponível em httpswww25senadolegbrwebatividadematerias materia141096 Acesso em 23 maio 2020 CANOTILHO José Joaquim Gomes Direito Constitucional e Teoria da Constituição 7 ed 13 reimp Coimbra Almedina 2003 COMPARATO Fábio Konder A afirmação histórica dos direitos humanos 8 ed São Paulo Saraiva 2013 DOUZINAS Costas O fim dos direitos humanos Tradução de Luzia Araújo São Leo poldo Unisinos 2009 KANT Immanuel Fundamentação da metafísica dos costumes Tradução de Paulo Quintela Lisboa Edições 70 2007 Gustavo da Silva Santanna Haide Maria Hupffer 125 KLOEPFER Michael Neutralidade na rede no âmbito da Sociedade da Informação In MENDES Gilmar Ferreira SARLET Ingo Wolfgang COELHO Alexandre Zavaglia P coord Direito Inovação e tecnologia São Paulo Saraiva 2015 p 139155 KAUFMANN Matthias Em defesa dos direitos humanos considerações históricas e de princípio Tradução de Ranier Patriota São Leopoldo Editora Unisinos 2013 LOVELUCK Benjamin Redes liberdades e controle uma genealogia política da internet Tradução de Guilherme João de Freitas Teixeira Petrópolis RJ Vozes 2018 MIRANDA Jorge Manual de direito constitucional 4 ed Coimbra Coimbra 2008 t IV NEVES Marcelo A força simbólica dos direitos humanos Revista eletrônica de direito do Estado Salvador Instituto de Direito Público da Bahia nº 4 outdez 2005 Dis ponível em httpstaticspatualidadesdodireitocombrmarcelonovelinofiles 201204AforçasimbólicadosDHMNeves1pdf Acesso em 06 maio 2019 NODARI Paulo César Humanidade e dignidade em Kant Veritas Porto Alegre v 61 n 1 p 107129 janabr 2016 Disponível em httprevistaseletronicaspu crsbrojsindexphpveritasarticleview19846 Acesso em 21 maio 2020 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS ONU 1948 Declaração Universal dos Direitos Humanos Disponível em httpsnacoesunidasorgwpcontentuplo ads201810DUDHpdf Acesso em 23 maio 2020 PÉREZLUÑO Antonio Enrique Los derechos humanos en la sociedad tecnológica Madrid Editorial Universitas 2012 PÉREZLUÑO Antonio Enrique La filosofia del derecho como vocación tarea y cir cunstancia Sevilla Editoral Universidad de Sevilla 2017 PÉREZLUÑO Antonio Enrique Derechos humanos estado de derecho y constitución 12 ed Madrid Editorial Tecnos 2018 PIOVESAN Flávia Temas de direitos humanos 6 ed São Paulo Saraiva 2013 RODOTÀ Stefano La vida y las reglas entre el derecho y el no derecho Tradução de Andrea Greppi MAdri Trota 2010 126 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 RODOTÀ Stefano Il mondo nella rete quali I diritti quali i vincoli Roma Laterza 2014 p 21 RUBIO David Sánchez Encantos e desencantos dos direitos humanos de emancipa ções libertações e dominações Tradução de Ivone Fernandes Morcilho Lixa e Helena Henkin Porto Alegre Livraria do Advogado 2014 SANTAGATI Claudio Jesús Manual de derechos humanos 3 ed Buenos Aires Ediciones Juridicas 2011 SARLET Ingo Wolfgang A Eficácia dos Direitos Fundamentais 9 ed Porto Alegre Li vraria do Advogado 2008 SCHÄFER Jairo Classificação dos Direitos Fundamentais do sistema geracional ao sis tema unitário uma proposta de compreensão Porto Alegre Livraria do Advogado 2013 SILVA Lucas Gonçalves da SOUZA Patrícia Verônica Nunes Carvalho Sobral de O con trole social como instrumento de defesa da democracia Revista Jurídica Curitiba v 04 n 49 2017 Disponível em httprevistaunicuritibaedubrindexphpRe vJurarticleview2377 Acesso em 23 maio 2020 UNITED NATIONS ONU United Nations Human Rights Human Rights Council Report of the Special Rapporteur on the promotion and protection of the right to free dom of opinion and expression Frank La Rue 16 may 2011 Disponível em 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PRIETO 2016 motivaram a construção deste artigo como forma de entender como é a interação entre as leis e a acolhida social na prática Para isso será realizada uma breve retomada do fenômeno migratório no Uruguai seguido de duas análises uma teórica sobre cidadania e reconhecimento social e a outra sendo revisão normativa e de entrevistas É interessante salientar que o fluxo emigratório de uruguaios iniciou na década de 1960 em decorrência de crises econômicas e em 1970 após o golpe militar houve outra grande onda de saída Os tensionamentos 1 Doutoranda e Mestra em Ciências Sociais pelo Programa de PósGraduação em Ciências Sociais da Pontifícia Uni versidade Católica do Rio Grande do Sul PUCRS Bacharela em Relações Internacionais pelo Centro Universitário da Serra Gaúcha Contato larasosaacadpucrsbr 128 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 entre movimentos sociais e políticos o desgaste econômico o desemprego e os baixos salários tornaram outros países mais promissores de se viver do que o Uruguai para uma considerável parcela da população À época a Argentina tinha políticas migratórias que incentivavam o ingresso de estrangeiros buscando captar pessoas qualificadas braindrain A década de 1950 foi marcada pelo retorno dos europeus aos seus países e o endurecimento das políticas de ingresso dos Estados Unidos e do Canadá tornandose a opção mais viável imigrar para países do Cone Sul PELLEGRINO sd No entanto no período de 2010 a 2013 esse cenário começou a apre sentar mudanças O Uruguai registrou um aumento de 68 nas imigrações para o país Em 2013 estimase o total de 74 mil imigrantes no país que representam 22 da população um percentual bastante consi derável já que a população total do país é próxima aos três milhões de habitantes SICREMI 2015 p 127 Apesar das solicitações de asilo e refúgio serem baixas migrantes la borais têm buscado cada vez mais o país O aumento das imigrações permanentes em 2015 atingiu o nível mais alto da história 7550 pessoas provenientes da Argentina 38 Brasil 16 Venezuela 12 e Peru 7 Em comparação com 2012 a emigração aumentou 12 e os princi pais destinos são o Brasil 35 Espanha 26 e Argentina 14 ocorreu um decréscimo para os EUA de 9 SICREMI 2017 p 140 No plano das políticas migratórias o governo trabalha na flexibilidade das leis bem como as reduções nos carnês de saúde para imigrantes o custo dos trâmites a serem realizados e a eliminação do requisito de tradução de documentos para imigrantes que sejam provenientes de Estadosmembro do MERCOSUL SICREMI 2015 p 129 2 Migração cidadania e reconhecimento A migração é um fenômeno presente em toda a história da humani dade Nas últimas décadas a globalização entrou como um processo Lara A Sosa Márquez 129 dinâmico que colocou o mundo em movimento e incorporou milhares de migrantes em uma lógica de mercado capitalista global nunca antes vista na história humana O conceito de migração é amplamente debatido po rém como definição oficial este trabalho guiase pela definição da Organização das Nações Unidas ONU enunciando que migração pode ser entendido como Um processo de atravessamento de uma fronteira internacional ou de um estado É um movimento populacional que compreende qualquer deslocação de pessoas independente da extensão da composição ou das causas inclui a migração de refugiados pessoas deslocadas pessoas desenraizadas e migran tes econômicos OIM 2009 p 40 Esses movimentos internacionais também são perpassados pelas no ções de nacionalidade e cidadania Neste sentido a Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas ONU traz em seu artigo 15º que o direito à nacionalidade é um direito fundamental da pessoa humana e que ninguém será arbitrariamente privado de sua naci onalidade e tampouco lhe será negado o direito de mudar de nacionalidade ONU 2018 online Sendo assim o direito à nacionalidade tem natureza pública existindo normas internacionais que determinam esse direito porém cabendo a cada EstadoNação sua regulação dentro do seu ordenamento jurídico FRAZÃO 2000 p3 O conceito de nacionalidade pode ser visto por duas abordagens a sociológica que indica o pertencimento a uma nação indivíduos fazendo parte de um mesmo ambiente cultural tradições costume língua comum etc e a jurídica na qual a nacionalidade é vista como um vínculo político que liga os indivíduos a um determinado Estado fazendo deste indivíduo um componente da dimensão pessoal deste Estado a ele se atribuindo di reitos e deveres exatamente pela sua condição de nacional Ibidem p4 Juridicamente podese considerar como nacional aquela pessoa que faz parte do elemento humano do Estado gozando de todos os privilégios e obrigações do Estado considerado como cidadão e cidadã quando estiver 130 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 em pleno gozo de seus direitos políticos Estrangeiro será aquele que não é tido como nacional pelo Estado Ibidem p5 É direito positivo de cada Estado definir de que forma concederá a nacionalidade aos e às estrangeiras em seu país De forma geral as legis lações seguem dos princípios o jus soli e o jus sanguinis O primeiro estabelece que serão nacionais todos aqueles que nascerem no território do Estado independentemente da nacionalidade de seus ascendentes en quanto o último entende que será nacional todo aquele que descender de nacionais independentemente do território do seu nascimento Ibidem p7 O debate da cidadania para estrangeiros passa também pelo debate da criminalização da migração Benhabib salienta 2010 que enquanto os indivíduos possuem o direito de sair emigrar não possuem o direito de entrar imigrar Isso é possível de ser visualizado ao analisar as legisla ções pois por mais que o texto legal não faça proibições explícitas coloca impeditivos legais que tornam impossível a migração em certos casos como é possível ver na legislação uruguaia do início dos anos 1930 com relação aos indesejados O movimento através das fronteiras sempre é considerado crime a não ser que o indivíduo possua os papéis corretos como aponta King 2012 o status de irregularidade migratória é fruto da própria estrutura e só será possível mudar esse fato quando o movimento humano for descriminalizado Mas como seria possível descriminalizar o movimento humano Be nhabib 2010 aponta que a inexistência de fronteiras políticas não seria a solução correta pois isso não resultaria na construção de políticas de mocráticas significativas e razoáveis Brown 2015 em seus estudos sobre os perigos da racionalidade neoliberal aos sistemas democráticos explica como essa lógica neoliberal de mercado inseriuse de forma tão profunda na sociedade que tudo é transformado em números analisando constan temente pelo prisma do risco e ganho Essa lógica pode ser vista tanto na forma como os imigrantes são tratados pelas legislações enquanto os imi grantes qualificados são desejados os que migram por motivos Lara A Sosa Márquez 131 econômicos ou são refugiadosapátridas não recebem a mesma recepção do governo na maioria das vezes esse reflexo é passível de ver na socie dade receptora também A partir disso a cidadania apresentase como uma ferramenta que poderia conduzir à igualdade dos imigrantes A definição de cidadania re ferência para este estudo é a elaborada por T H Marshall 1967 Para o autor enquanto o sistema de classe social é um sistema de desigualdade a cidadania é um sistema de igualdade Ele aponta que a desigualdade de classes é algo aceitável ou compreensível faz parte da dinâmica soci oeconômica das sociedades porém a cidadania é o princípio básico de igualdade humana e de forma alguma pode ser desigual A cidadania passa a ser dividida e analisada em três partes o elemento civil composto pelos direitos necessários à liberdade individual como ir e vir pensa mento fé direito a justiça entre outros elemento político direito de participar no exercício do poder político e o elemento social vai desde o direito ao bem estar ao de participar por completo na herança social Para Marshall 1967 p 2324 assim como os indivíduos podem gozar de di reitos também tem deveres para com o Estado visando facilitar essa compreensão há instituições responsáveis por amparar e auxiliar bem como cobrar em cada uma das três esferas os direitos civis ligados aos tribunais de justiça os políticos ao parlamento e aos conselhos dos gover nos locais e os sociais ao sistema educacional e serviços sociais Nas palavras do autor A cidadania é um status concedido àqueles que são membros integrais de uma comunidade Todos aqueles que possuem o status são iguais com respeito aos direitos e obrigações pertinentes ao status Não há nenhum princípio universal que determine o que estes direitos e obrigações serão mas as sociedades nas quais a cidadania é uma instituição em desenvolvimento criam uma imagem de uma cidadania ideal em relação à qual o sucesso pode ser medido e em relação à qual a aspiração pode ser dirigida A insistência em seguir o caminho assim determinado equivale a uma insistência por uma medida efetiva de igualdade um enriquecimento da matériaprima do status e um aumento no número daqueles a quem é conferido o status A cidadania exige um elo de 132 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 natureza diferente um sentimento direto de participação numa comunidade baseado numa lealdade a uma civilização que é um patrimônio comum Com preende a lealdade de homens livres imbuídos de direitos e protegidos por uma lei comum Seu desenvolvimento é estimulado tanto pela luta para ad quirir tais direitos quanto pelo gozo dos mesmos uma vez adquiridos Idem p 7684 Fica claro que a cidadania é uma via de duas mãos enquanto temse direitos também existem as obrigações Trabalhase muito com a ideia do direito a se ter direitos e muitas vezes as obrigações para com a sociedade e o governo são deixadas de lado Benhabib 2004 p 56 aponta que o direito de ter direitos depende de uma espécie de reconhecimento e acei tação social ou seja ter um status jurídico reconhecido por uma comunidade política concreta uma ferramenta de auxílio para a análise da cidadania são as esferas do reconhecimento delimitadas por Axel Honneth 2003 O autor propõe que a base da interação social seja o conflito e sua gramática a luta por reconhecimento Idem As lutas sociais das quais Honneth fala não são as de disputa por aumento de poder ou auto conservação mas as que se originam de uma experiência de desrespeito social de um ataque à identidade pessoal ou coletiva capaz de suscitar uma ação que busque restaurar as rela ções de reconhecimento mútuo ou justamente desenvolvêlas num nível evolutivo superior o teórico vislumbra nas mais variadas lutas por reconhe cimento estímulos morais que impulsionam desenvolvimentos sociais HONNETH 2003 p18 O autor define que a reconstrução lógiconormativa destas experiências e da luta por reconhecimento se dá por meio da análise da formação de identidade prática do indivíduo num contexto prévio de relações de reconhecimento A análise ocorre em três dimensões diferentes porém interligadas dimensão emotiva confiança em si mesmo ideais necessários para seus projetos de autorealização dimensão da estima social os projetos podem se tornar objeto de respeito solidário e dimensão jurídicomoral reconhecimento do sujeito como Lara A Sosa Márquez 133 autônomo e moralmente imputável desenvolvendo o autorespeito Idem O indivíduo só pode clamar pela cidadania quando reconhecese como tal Para isso é importante analisar como ele se reconhece e como ele é reconhecido debates presentes no próximo capítulo do artigo Para efetivar tal análise é importante compreender o que permite que estes conceitos conversem por isso definese que o guardachuva que em basa o conceito de cidadania bem como o de direitos de ter direitos é a democracia A cidadania pode funcionar inclusive como um termôme tro da democracia que mede até que ponto os membros da sociedade civil estão podendo ter sua participação plena na vida política jurídica e social do país 3 O marco legal uruguaio e o pertencimento social na prática revisão normativa e entrevistas Os textos legislativos migratórios do Uruguai sofreram alterações que seguiam o contexto sóciopolítico das épocas que foram passando Inde pendizando se da Espanha em 1830 com aproximadamente 74 mil habitantes o Uruguai adotou uma política de imigração produtiva para ter mão de obra qualificada no país política de povoamento Em 10 de junho de 1980 o Poder Legislativo aprovou o primeiro instrumento jurídico a respeito do tema o Proyecto Inmigración Ley 2096 A lei estabelecia uma política imigratória por meio do serviço diplomático consular da Repú blica2 à época a lei estabelecia como migrantetodo estrangeiro honesto e apto para o trabalho que se traslade até a República Oriental do Uruguai en trem à vapor ou à vela com passagem de segunda ou terceira classe ou com ânimo de fixar nela a República residência e salientava a proibição de receber a bordo na qualidade de imigrantes a doentes com enfermi dades contagiosas nem mendigos nem indivíduos que por vício orgânico 2 Para mais informações verificar LEÓN 2008 p 194 134 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 ou defeito físico sejam absolutamente inaptos para o trabalho nem pes soas maiores aos sessenta anos a não ser que viagem como membros de uma família b León 2008 p 195 tradução nossa As migrações conduzidas para povoamento vieram de encontro com o processo de consolidação dos estados nacionais sulamericanos intensi ficando os debates sobre direitos de cidadania imigração preferencial entre outros A categoria imigrante apareceu por primeira vez no ordena mento jurídico uruguaio em 1840 e em 10 de dezembro de 1894 o texto constitucional acrescentou o decreto da da imigração inútil3 Na década de 1930 o Uruguai adotou uma política de imigrantes indesejados pre sentes na Lei Nº 9604 de 13 de outubro de 1936 conhecida como ley de indeseables A lei sistematizou as disposições dos anos anteriores e acres centando a exigência de visto regulamentada por decreto em 29 de dezembro de 1939 A lei endureceu ainda mais no período pós e entre guer ras visando minimizar o nível de indesejados que entrava nos países No entanto no Uruguai a partir de 1940 foi possível começar a vi sualizar algumas mudanças Em 12 de junho daquele ano o país decretou que os cidadãos e cidadãs argentinos as ou naturalizados poderiam ace der ao Uruguai sem necessidade de apresentar o passaporte e o visto consular apenas portando um documento como a carteira de identidade Esse decreto no seu Art 1º inciso 3º estabeleceu também que iguales requisitos se aplicarán a los ciudadanos americanos cuyos países den el mismo trato a los orientales fazendo menção do princípio da solidarie dade e reciprocidade diplomática O decreto também se estendeu a brasileiros as em 1º de agosto de 1940 LÉON 2008 p199 Em 1947 toda a matéria migratória foi modificada e sistematizada mudada novamente no ano de 2001 quando finalmente foi revogada mas 3 Por abuso de la Ley n2094 hay afluencia de inmigración inútil que solo sirve para aumentar el número de competidores al favor de la asistencia pública cuando no el de los pequeños delincuentes sendo considerados como imigrantes passíveis de rechaço a los contenidos en el artículo 26 de la ley nº2094 junto con los asiáticos africanos y los individuos generalmente conocidos con el nombre de zíngaros o bohemios Essas pessoas não podiam desem barcar em portos uruguaios tal decreto foi modificado em 18 de fevereiro de 1915 LEÓN 2008 p196 Lara A Sosa Márquez 135 a lei vigente foi aprovada em 17 de janeiro de 2008 quando foi aprovada a Lei Nº18250 que no seu Art 1ª enuncia que Artículo 1º O Estado uruguaio reconhece como direito inalienável das pes soas migrantes e seus familiares sem prejuízo de sua situação migratória o direito à migração o direito à reunificação familiar o devido processo e acesso à justiça bem como a igualdade de direitos com os nacionais sem distinção alguma por motivos de sexo raça cor idioma religião ou convicção opinião política ou de outra índole origem nacional étnica ou social nacionalidade idade situação econômica patrimônio estado civil nascimento ou qualquer outra condição LEGISLATIVO 2008 online tradução nossa Passou a definirse como migrante Artículo 3º toda pessoa estran geira que ingresse ao território com ânimo de residir e se estabelecer no mesmo em forma permanente ou temporária E no Art 4 salienta que o Estado uruguaio garantirá às pessoas migrantes os direitos e privilégios que estejam de acordo com as Leis da República e os instrumentos inter nacionais ratificados pelo país LEGISLATIVO 2008 online tradução nossa Por lei o capítulo IV da Lei Migratória salienta que os e as migrantes terão Art 16 igualdade de tratamento que os nacionais a respeito do exercício de uma atividade trabalhista e também o Estado se compromete a Art 17 adotará as medidas necessárias para salvaguardar que as pessoas migrantes não sejam privadas de nenhum dos direitos amparados na legislação laboral por causa de irregularidades em sua permanência ou emprego O Art 37 da Constituição prevê que é livre a entrada de qual quer pessoa em território uruguaio sua permanência e saída com seus bens A imigração deverá ser regulamentada por lei mas em caso algum o imigrante sofrerá de efeitos físicos mentais ou morais que possam pre judicar a sociedade Para creditar aos estrangeiros e às estrangeiras a cidadania legal o governo emite um documento intitulado Carta de Cida dania expedido pela Corte Eleitoral tendo direito ao documento todos os homens e mulheres que preencham os requisitos citados no Art 75 do Có digo Civil Também existe o Certificado de Residência que certifica a 136 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 residência no país aos estrangeiros que queiram ter o direito ao sufrágio sem obter a cidadania legal4 Os inscritos neste registro tem direito a voto em todas as convocatórias eleitorais com exceção de plebiscitos de re forma constitucional CORTE ELEITORALonline No cenário internacional a possibilidade do voto aos estrangeiros e estrangeiras legais é um diferencial a doutrina uruguaia os e as denomina como electores no ciudadanos O direito ao sufrágio já constava na pri meira Constituição uruguaia em 1830 a qual admitia o voto de estrangeiros nas eleições municipais fundamentado na ideia de que para os comícios municipais interessa mais a qualidade de vizinho do que a de cidadão a norma foi estendida para as eleições nacionais na Constituição de 1934 LEÓN 2016 p192193 Ademais em 2016 foi lançado o Documento de Estruturação da Po lítica Migratória no Uruguai que visa estabelecer princípios gerais objetivos e estratégias para a política migratória uruguaia Os princípios gerais são a o reconhecimento e o pleno respeito aos direitos de todos os migrantes b igualdade de direitos entre nacionais e estrangeiros c o princípio da não discriminação d integração sociocultural e respeito pela diversidade e identidade cultural f igualdade de gênero g abrangente proteção dos grupos de migrantes em situação vulnerável como as vítimas de tráfico não acompanhados crianças mulheres vítimas de vio lência de gênero e requerentes de asilo SICREMI 2017 p 142 Tradução nossa A importância desta revisão legal é para constatar como o progres sismo e a humanização das migrações foi incluída dentro da pauta jurídica do Estado uruguaio As primeiras citações de migrantes ou estrangeiros 4 Não é possível adquirir a cidadania uruguaia no entanto é possível tornarse cidadão sem a obtenção da naciona lização gozando de todos os direitos e deveres dos nacionais Lara A Sosa Márquez 137 na lei migratória carregavam o peso da época ver o migrante como ini migo alguém altamente indesejável ou que poderia representar um risco para o Estado Com o passar do tempo essa noção vai adequandose até tornarse o ordenamento jurídico vigente que contém a visão da pessoa migrante como um ser humano digno e merecedor de respeito a necessi dade de ver as diferenças gênero etnia diversidade cultural e nivelálas para tornar a integração mais fácil e justa É importante notar que a aceleração dos processos burocrático e o baixo custo em alguns casos sem custo é de grande apoio e ajuda para os migrantes que muitas vezes chegam sem condição alguma de fazer pagamentos ou esperar longos períodos para poder trabalhar acessar os serviços de saúde pública educação etc A flexibilização das leis migrató rias para um atendimento mais rápido e uma integração sociolaboral mais adequada são vistas aqui como um forte indicador de um governo inte ressado em fomentar uma democracia e estado de bemestar social forte para todos e todas 31 Entrevistas As entrevistas realizadas com imigrantes no Uruguai informaram que a burocracia é flexível e acessível um dos entrevistados salientou ainda que escolheu o Uruguai por ser um país mais progressista que Ar gentina ou Brasil e que a forma como ela era acolhida pelas instituições legais reforçava esse ponto As entrevistas aplicadas no Uruguai trazem dados que no plano discursivo estão mais de acordo com os textos legais Andréia decidiu mudarse para o Uruguai pela crise enfrentada na Vene zuela Tanto ela como seu esposo são formados mas subsistir na Venezuela estava tornandose insustentável além da insegurança a en trevistada comenta que saber quando haveria comida gás ou produtos básicos era uma angústia que ela e sua família lidavam diariamente Deci diu mudarse para o Uruguai porque lhe parecia mais progressista e com mais investimento em área de educação e cultura do que a Argentina e o 138 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 Brasil Pela cláusula do MERCOSUL foi para o Uruguai já documentada e em poucas semanas estava trabalhando Diz que infelizmente não pôde levar sua família junto mas que se sente bem recebida e bem acolhida no Uruguai que pode contar com as instituições públicas e o tempo burocrá tico para ajustar os últimos papeis foi rápido Também comentou que ela e o marido mudaramse para a Colômbia em decorrência de uma oportu nidade de trabalho mas em questão de meses retornaram ao Uruguai e não conseguem se ver saindo de lá Andréia já tem todos os papéis só ainda não tem direito ao voto está aguardando completar mais um ano para poder aceder a este direito também Diz que o que ela busca é poder trazer toda sua família que por questões de força maior não pode mais sair da Venezuela Similar é a postura de Pâmela da Colômbia Ela foi primeiramente com o irmão para o Uruguai voltou para a Colômbia e não se adaptou mais quis retornar Assim migrou sozinha estabeleceuse e alugou uma casa grande que funciona como pensão ela subloca para outros imigran tes Mora com cubanos e outros colombianos também se sentiu abraçada e bem recebida tanto pelas instituições quanto pela sociedade Aqui pode retomarse a ideia do reconhecimento em Honneth Para as entrevistadas o pertencimento não configura tanto na esfera legal mas é gerenciado pela esfera da solidariedade As redes de solidariedade cons truídas pelos estrangeiros não apenas no caso desse apoio mútuo solidário e fraternal entre uns e outros mas também em movimentos so ciais O movimento mais proeminente no Uruguai é a Asociación Idas y Vueltas AIYV organização sem fins lucrativos criada em 2003 como uma rede solidária de apoio a familiares de uruguaios que emigraram no entanto desde 2015 trabalha acolhendo imigrantes que chegam ao país e auxiliando na reinserção de uruguaios que estão retornando bem como ajudando uruguaios no exterior O lema da associação é a mobilidade hu mana é um direito Promovemos e celebramos a intercultura Respeitamos e aprendemos do outro sem nos importar com sua origem raça gênero ou orientação sexual AIYV online 2019 Lara A Sosa Márquez 139 Entre os serviços prestados está o apoio psicológico para auxiliar na integração à sociedade uruguaia lidando com as diferenças e medos ser viços de enfermagem e nas afiliações aos serviços de saúde assim como o assessoramento laboral para a inserção no mercado de trabalho Além disso Idas y Vueltas conta com o serviço de auxílio jurídico prestado por estudantes de relações internacionais da Universidad de la República UdelaR orientando quanto a reunificação familiar vistos cidadania le galização de documentos e orientações gerais O Núcleo de Estudios Migratórios y Movimientos de Población NEMMP da Faculdade de Hu manidades da UdelaR trabalha em conjunto computando dados para produção acadêmica sobre o tema O grupo também assessora questões de moradia dada a dificuldade de conseguir aluguéis por parte de estrangeiros que em muitos casos estão irregulares procuram garantias para que estas pessoas possam ter seus próprios espaços Existe ainda o espaço mujeres de todos los lados um espaço para diálogo entre mulheres migrantes e uruguaias que funciona como uma rede de solidariedade e apoio mútuo para a integração de todas na sociedade No marco dos projetos trabalhados pela Associação foi de senvolvida a iniciativa migrar es un derecho uma estratégia de comunicação que visa incluir na agenda de todas e todos os uruguaios a temática migratória informando e aproximando a população migrante atual e a futura da cidadã e do cidadão uruguaio quem tem se esquecido de suas origens como migrantes e é necessário recordar AIYV online 2019 tradução nossa É relevante citar também a criação do MUMI Museo de las Migra ciones com workshops exposições e eventos que relembrem as origens migratórias do povo uruguaio e incluam os novos migrantes que chegam O recado de fim de ano 2018 para a sociedade uruguaia do museu foi que o futuro se encha de novos sim por um mundo sem fronteiras nem barreiras MUMI online 2019 tradução nossa Estas entrevistas servem para retificar aquilo apontado por Honneth 2003 o progressismo apresentado nas leis é um incentivador porque 140 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 colabora no processo de integração e adequação ao novo ambiente poder contar com as instituições públicas e com a agilidade das mesmas Toda via apesar dessas noções jurídicas a acolhida social e o apoio que os imigrantes servem da comunidade local que os cerca marca um diferen cial nem sempre o status de regularidade vai conferir o sentimento de pertencimento este vai orbitar muito mais em torno da solidariedade co letiva da sociedade receptora para com esses imigrantes É interessante contudo visualizar que no caso uruguaio as leis pro gressistas e a colaboração de organizações civis anda até onde pôde ser visto de maneira sincronizada podendo constatar que a cidadania plena pode sim acontecer para além dos efeitos legais e que quando essa resso nância nas esferas do reconhecimento social é possível a vontade dos indivíduos de participarem ativamente da vida coletiva e da vida pública aparenta ser mais desejável e integradora 4 Considerações finais A partir deste estudo é possível perceber que apesar de o Uruguai ser tradicionalmente um país de forte fluxo emigratório com a própria con solidação de políticas socioeconômicas e estabilidade democrática tem se tornado um país mais atraente para imigrantes tanto de imigrantes da América Latina quanto de outras regiões geográficas A pauta migratória esteve presente no ordenamento jurídico desde muito cedo todavia a par tir dos anos 1940 passou a ter um aspecto mais humanizado concretizandose em políticas progressistas e avançadas em 2001 e com atualizações constantes visando um acolhimento migratório inclusive em seus textos legais Quanto às ações sociais o Asociación Idas y Vueltas se mostra como um reflexo dessas políticas podendo agir de maneira independente mas contando com o respaldo de leis que condizem com os preceitos que a or ganização possui e defende Por parte dos imigrantes é notável como a agilidade e baixo custo para realizar a documentação necessária para ter Lara A Sosa Márquez 141 um status de regularidade no país é estimulante e benéfica Como uma via de duas mãos essa estrutura burocrática colabora para o bem estar dos imigrantes e uma inserção social e laboral mais prudente garantizando ao Estado uma espécie de comprometimento por parte destas pessoas que se mostram abertas a cumprir os deveres que a cidadania lhes impõe So cialmente pensando nas categorias de Honneth podemos ver que os imigrantes se sentem em grande parte reconhecidos pois ressonam nas três esferas propostas pelo autor É necessário apontar que há questões e melhorias necessárias e que não puderam ser abordadas neste artigo principalmente quanto à inser ção dos imigrantes no debate público quanto à dificuldade de encontrar dados atualizados nas próprias plataformas governamentais problema enfrentado no campo dos estudos migratórios como um todo e a situação específica da inserção laboral Todavia a condução política e social em ma téria migratória feita pelo Uruguai mostrase como promissora As leis buscam englobar os preceitos internacionais de dignidade humana ratifi cados em tratados internacionais bem como cria um ordenamento jurídico que protege o Estado e seus nacionais sem criminalizar condenar ou estigmatizar a migração solidificando seu compromisso com a demo cracia e a integração de todos e todas a uma sociedade mais coletiva e justa Referências ASOCIACIÓN IDAS Y VUELTAS AIYV Disponível em httpsidasyvueltasorguy Acesso em 28062018 BECKMAN Ludvig ERMAN Eva Territories of Citizenship Palgrave Macmillan 1ª ed p 1191 Reino Unido 2012 Disponível em httpsonedrivelivecom auth key21APppHYhS5p3R6Acid5DB48BAA899F3B84id5DB48BAA899F3B8 42 13148parId5DB48BAA899F3B84213130oOneUp Acesso em 02 mai 2017 BENHABIB Seyla The Rights of Others Aliens Residents and Citizens Cambridge Uni versity Press New York 2004 142 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 BENHABIB Seyla RESET DOC Dialogues on Civilization Seyla Benhabib Migrations and Human Rights 2010 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvMNu BtT1wSqo Acesso em 30 mar 2018 BROWN Wendy Undoing the Demos Neoliberalisms Stealth Revolution 1ª ed New York 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MIGRATION IN THE AMERICAS Third Report of the Con tinuous Reporting System on International Migration in the Americas OAS 2015 Disponível em httpswwwoasorgdocspublicationssicremi2015 en glishpdf Acesso em 20 mai 2018 SICREMI INTERNATIONAL MIGRATION IN THE AMERICAS Fourth Report of the Con tinuous Reporting System on International Migration in the Americas OAS 2017 Disponível em httpwwwoasorgdocumentsengpressSICREMI2017 englishwebFINALpdf Acesso em 15 out 2019 THE ECONOMIST Democracy Index Disponível em httpswwweiucompublictopi calreportaspxcampaigniddemocracyindex2019 Acesso em 30 jan 2019 URUGUAY CÓDIGO CIVIL Atualizado al 26 de febrero de 2010 Cámara de Senadores Montevideo 2010 Disponível em httpsparlamentogubuydocument osyle yescodigos Acesso em 15 abr 2018 8 Publicidade dos atos processuais e direito fundamental ao processo justo Luís Marcelo Algarve 1 1 Introdução A publicidade processual é considerada como um direito fundamen tal na ordem constitucional dos grandes sistemas jurídicos Tratase de um relevante instrumento processual que contribui decisivamente para a ca racterização de um genuíno Estado Democrático de Direito Além disso o sistema internacional de direitos humanos não apenas estimula a positi vação e o respeito à publicidade dos atos processuais no âmago dos Estados soberanos mas verdadeiramente os adverte a adotar e promover em suas legislações internas a publicidade como ferramenta indispensável ao processo justo O presente artigo ambiciona por meio das técnicas de pesquisa descritiva e explicativa examinar a publicidade a partir de um breve histórico sem a pretensão de delimitar definitivamente a sua origem mas apresentar um contexto de surgimento pouco explorado no estudo do tema associandoo à fundamentação teórica do direito fundamental à publicidade processual Necessariamente será abordado o conteúdo da publicidade no âmbito normativo externo e interno com menção no tocante ao primeiro à sua positivação nos principais documentos 1 Mestre em Direito Especialista em Direito Público e Direito Processual Civil Professor Assessor de Desembargador junto ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul Autor do Livro Direitos Autorais e Ghostwriter E mail lmalgarveyahoocombr Luís Marcelo Algarve 145 internacionais de direitos humanos Ao final serão tratadas as restrições constitucionais e legais à publicidade dos atos processuais com referência também à Lei n 131052015 que dispõe sobre o texto do Código de Processo Civil brasileiro 2 Breve Histórico da Publicidade A publicidade é uma das notáveis heranças da Revolução Francesa 1789 época de vocação iluminista guiada por alguns dos maiores filóso fos da história dentre os quais Immanuel Kant John Locke François Voltaire JeanJacques Rousseau e Adam Smith Foi nesse período que se reagiu contra o juízo oculto e de caráter inquisitivo de tempos anteriores por meio da promoção da liberdade do progresso da igualdade da frater nidade e do constitucionalismo governamental Nesse contexto a publicidade foi concebida como garantia de independência imparciali dade autoridade e responsabilidade do julgador A publicidade dos atos processuais ganhou relevância na Assembleia Geral das Nações Unidas em 1948 quando da proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos que determinou em seu artigo 10 que toda pessoa tem o direito a uma audiência justa e pública O artigo 11 do referido documento estabeleceu também que todo ser humano tem direito a um julgamento público No Brasil a primeira vez em que o direito à publicidade processual figurou no texto constitucional foi após a promulgação da Constituição Fe deral de 1988 A previsão da publicidade é expressa figurando entre os direitos e garantias fundamentais no inciso LX do artigo 5º da Carta Magna e estabelecendo as hipóteses de restrição do direito Todavia a ideia de publicidade com o sentido substancial de direito à informação e à transparência começou a ser talhada por meio de Immanuel Kant 2019 np mais especificamente na obra A Paz Perpétua escrita em 1795 quando afirmouse que os direitos das gentes e o direito público só seriam possíveis num Estado em que a publicidade das 146 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 máximas fosse aceita e praticada pelo poder dominante Kant na referida obra defendeu que sem uma forma de publicidade não haveria justiça e consequentemente não haveria direito A obra A Paz Perpétua trata basicamente das condições para a ob tenção da paz vitalícia entre Estados soberanos Kant inicia descrevendo as situações impeditivas da paz verbi gratia a de que nenhum Estado deve imiscuirse com emprego de força na constituição e no governo de um ou tro Estado bem como a de que exércitos permanentes devem desaparecer completamente com o tempo 2019 np Em um segundo momento da obra o autor arrola as três condições necessárias à paz perpétua entre Estados a saber a Constituição civil em cada Estado deve ser republicana o direito das gentes deve ser fundado sobre um federalismo de Estados livres e o direito cosmopolita deve ser limitado às condições da hospitalidade universal 2019 np É no Apêndice II de A Paz Perpétua Da Harmonia da Política com a Moral segundo o Conceito Transcendental no Direito Público que Imma nuel Kant menciona a publicidade no sentido substancial do direito à informação O conceito de publicidade é defendido como princípio sem o qual a liberdade de expressão e todos os outros modos de liberdade do cidadão não se realizam Sem a forma de publicidade toda pretensão jurí dica não seria possível assim como também a própria justiça afirma o autor Para Kant 2019 np a justiça só pode ser arquitetada como pu blicamente expressa sendo injustas todas as ações que se referem ao direito de outros homens cujas máximas não se harmonizem com a pu blicidade Não obstante a vinculação da obra de Kant com o sentido substancial do conceito de publicidade é possível extrair de A Paz Perpétua relação próxima também com significado processual da publicidade atualmente compreendida mormente quando menciona o poder supremo de decisão do soberano se é consciente de possuir o supremo poder irresistível que se deve admitir em toda a constituição civil porque a que não tem poder bastante para no seio de um povo proteger uns perante os outros Luís Marcelo Algarve 147 também não tem o direito de sobre eles imperar não deve preocuparse de que a publicação das suas máximas frustre os seus propósitos 2019 np A expressão máxima no contexto tem conotação de decisão soberana a respeito de normas de conduta individual ou coletiva Disso resulta que uma máxima secreta não pode ser reconhecida pu blicamente e aquele que possui o poder de decisão não deve manter ocultas as suas máximas sob pena de frustação dos seus propósitos e especial mente para os dias de hoje arruinação do Estado Democrático de Direito Para Kant 2019 np em síntese a publicidade pode significar a elimina ção da desconfiança sobre a decisão do soberano Enfim contemporaneamente com o sentido de legitimidade de de cidir e eliminação da desconfiança sobre a decisão a publicidade dos atos processuais adotada pelo inciso LX do artigo 5º da Constituição Federal de 1988 embora tenha sofrido importante detalhamento a partir da Emenda Constitucional n 4520042 conjugou o direito à publicidade pro cessual com o direito à motivação das decisões judiciais prenunciandose que somente após um aberto debate no processo seria possível chegar a uma decisão tempestiva e fundamentada que por sua vez apenas alcan çaria validade depois de sua regular publicação 3 A Fonte Normativa da Publicidade Processual O final da Segunda Guerra Mundial 19391945 apresentou o êxito de duas ideologias distintas Estados Unidos da América e antiga União Soviética Assim objetivando atingir a conciliação das vertentes ideológi cas vencedoras da guerra partiuse para a elaboração de dois documentos 2 Art 1º Os arts 5º 36 52 92 93 95 98 99 102 103 104 105 107 109 111 112 114 115 125 126 127 128 129 134 e 168 da Constituição Federal passam a vigorar com a seguinte redação Art 5º LXXVIII a todos no âmbito judicial e administrativo são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação Art 93 IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos e fundamentadas todas as deci sões sob pena de nulidade podendo a lei limitar a presença em determinados atos às próprias partes e a seus advogados ou somente a estes em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação 148 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 internacionais Então em 1966 foram criados o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos texto que representa uma sociedade liberal e ca pitalista EUA e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais documento que representa uma sociedade socialista antiga União Soviética A primeira regulamentação detalhada da publicidade dos atos pro cessuais em âmbito internacional pós Declaração Universal dos Direitos Humanos ocorreu exatamente por meio do Pacto Internacional sobre Di reitos Civis e Políticos instrumento responsável pela positivação de obrigações negativas isto é direitos criados para proteger indivíduos con tra a arbitrariedade do Estado e contra o abuso do seu monopólio de poder O artigo 14 parágrafo primeiro do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos estabelece o direito de toda pessoa ser ouvida publica mente e a possibilidade excepcional de a imprensa e o público serem excluídos de parte de um julgamento quer por motivo de moral pública de ordem pública ou de segurança nacional em uma sociedade democrá tica quer quando o interesse da vida privada das partes exigir Contudo ressaltou o referido dispositivo que qualquer sentença proferida em maté ria penal ou civil deverá tornarse pública a menos que o interesse de crianças e adolescentes exija procedimento oposto ou o processo diga res peito a controvérsias matrimoniais A Convenção Americana de Direitos Humanos 1969 no artigo 8º no capítulo das garantias judiciais determina que toda pessoa tem direito de ser ouvida e que o processo penal deve ser público salvo no que for necessário para preservar os interesses da Justiça Embora a Convenção faça referência ao processo penal a publicidade também atinge o processo civil na medida em que o regulamento da Corte Interamericana de Direi tos Humanos define que as audiências serão públicas salvo quando o Tribunal considerar oportuno que sejam privadas artigo 15 e que as de cisões serão publicadas artigo 32 A Constituição do Brasil de 1988 precisamente no seu artigo 5º LX preceitua que A lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais Luís Marcelo Algarve 149 quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem Dessa forma a Constituição estabelece no título dos direitos e garantias funda mentais que a publicidade dos atos processuais é a regra a ser observada no direito brasileiro inclusive nos casos em que realizadas sessões virtuais de julgamento ou por videoconferência Ainda no artigo 93 IX a Carta Magna brasileira dispõe que todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos e fundamen tadas todas as decisões destacandose que julgamentos realizados às sombras da publicidade devem ser declarados nulos podendo a lei limitar a presença em determinados atos às próprias partes e a seus ad vogados ou somente a estes em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação Por fim o Código de Processo Civil Lei n 131052015 por sua vez em seu artigo 1893 manteve algumas disposições do diploma processual anterior mas com redação atualizada incisos I e II acerca da publicidade dos atos processuais acrescentando que os processos sobre dados prote gidos pelo direito constitucional à intimidade e a respeito de casos que versem sobre arbitragem devem tramitar em segredo de justiça 4 A Publicidade Processual como Direito Fundamental Ao dispor que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário le são ou ameaça a direito artigo 5º XXXV da Constituição Federal 3 Art 189 Os atos processuais são públicos todavia tramitam em segredo de justiça os processos I em que o exija o interesse público ou social II que versem sobre casamento separação de corpos divórcio separação união estável filiação alimentos e guarda de crianças e adolescentes III em que constem dados protegidos pelo direito constitucional à intimidade IV que versem sobre arbitragem inclusive sobre cumprimento de carta arbitral desde que a confidencialidade estipulada na arbitragem seja comprovada perante o juízo 1º O direito de consultar os autos de processo que tramite em segredo de justiça e de pedir certidões de seus atos é restrito às partes e aos seus procuradores 2º O terceiro que demonstrar interesse jurídico pode requerer ao juiz certidão do dispositivo da sentença bem como de inventário e de partilha resultantes de divórcio ou separação 150 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 pretendeu o legislador incorporar ao sistema jurídico pátrio o direito a uma prestação jurisdicional efetiva Não parece haver dúvida de que inte gram a esfera do conceito de direito à efetividade alguns outros importantes direitos fundamentais tais como o direito ao contraditório e à ampla defesa artigo 5º LV o direito à tutela jurisdicional tempestiva artigo 5º LXXVIII e o direito à publicidade dos atos processuais artigo 5º LX Embora não localizado topologicamente no título dos Direitos e Garantias Fundamentais da Constituição é indispensável agregar ao rol apresentado o direito à motivação das decisões judiciais artigo 93 IX pri meira parte A legitimidade democrática de atuação do Poder Judiciário se dá por meio do estabelecimento do contraditório e da ampla defesa da duração razoável do processo da motivação das suas decisões e da publicidade dos atos processuais A observância e a promoção desses direitos revelam modo de efetivar a prestação de contas da atuação jurisdicional à socie dade E os critérios de prestação de contas que objetivam à aproximação entre democracia e função judicial são a argumentação racional a lingua gem clara e a acessibilidade às decisões A argumentação racional passa inexoravelmente pela comunicação fundamentada reflexiva e eficiente das razões que conduziram a determi nada conclusão livre de ilusões e devaneios a fim de que diante de iguais hipóteses só poderá haver uma única resposta por exemplo A linguagem clara surge como critério de aproximação entre a função judicial e os seus destinatários Atualmente momento em que a sociedade em geral pre tende ocupar o espaço público não se concebe uma comunicação fundamentada em linguagem excessivamente ornada e de difícil compre ensão dificultando a participação do povo no tocante ao conhecimento das decisões tomadas Por fim a acessibilidade às decisões conduz à transpa rência da atuação judicial eliminação da desconfiança sendo que essa deve ocorrer por meio de instrumentos tecnológicos que permitam não apenas o acesso franco mas também a capacidade de influência proativa às decisões Luís Marcelo Algarve 151 Ilustrativamente o Supremo Tribunal Federal já afirmara em caso em que a parte tomou conhecimento apenas do resultado do julgamento por meio de mera expedição de certidão narratória que a falta de forma lização do acórdão com base em norma regimental configura ato atentatório à garantia constitucional da publicidade dos atos processuais4 ou seja de nada adianta uma decisão tempestiva bem fundamentada de batida entre as partes mas sem a devida publicidade processual A publicidade é pressuposto de validade não apenas do julgamento mas da própria decisão tomada pelo órgão jurisdicional5 O direito à publicidade processual possui dois significados correspon dentes à sua função no processo o da publicidade interna que aliada ao contraditório cooperativo e proativo direcionase às partes diretamente vinculadas ao litígio debatido e o da publicidade externa que se apresenta por meio da necessidade de controle público da atividade jurisdicional haja vista que o processo contemporâneo não comporta mais o desprezo à cientificação dos elementos da causa A publicidade dos atos processuais no sentido democrático da atua ção do Poder Judiciário é o meio pelo qual os juízes prestam contas à sociedade Existe íntima conexão entre a publicidade externa e a motivação das decisões judiciais refletindo verdadeira forma de legitimação popular da atividade jurisdicional Diferentemente dos membros do Legislativo e do Executivo no Brasil os juízes não são eleitos pelo povo o que trans forma a motivação das decisões e a publicidade processual em verdadeiros instrumentos de consolidação do Poder Judiciário no Estado Democrático de Direito O âmbito externo da publicidade configura elemento de legitimidade da autoridade do juiz porquanto a delegação do povo para o exercício da 4 STF RE 575144 Rel Min Ricardo Lewandowski Plenário DJ 2022009 com repercussão geral 5 A realização dos julgamentos pelo Poder Judiciário além da exigência constitucional de sua publicidade CF art 93 IX supõe para efeito de sua válida efetivação a observância do postulado que assegura ao réu a garantia da ampla defesa A sustentação oral constitui ato essencial à defesa A injusta frustração dessa prerrogativa qualificase como ato hostil ao ordenamento constitucional O desrespeito estatal ao direito do réu à sustentação oral atua como causa geradora da própria invalidação formal dos julgamentos realizados pelos tribunais HC 71551 Rel Min Celso de Mello julgamento em 6121994 Primeira Turma DJ de 6121996 152 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 atividade jurisdicional encontra validade democrática na forma como as deliberações e decisões das Cortes são expostas publicamente Há necessi dade de serem demonstrados os fundamentos de fato e de direito das decisões judiciais a fim de que tais fundamentos possam ser debatidos e controlados pelos participantes externos da democracia de forma difusa Conforme sustentado por Immanuel Kant em A Paz Perpétua sem a forma de publicidade toda pretensão jurídica não seria possível assim como também a própria Justiça concebida essa última como publicamente expressa 2019 np É íntima a relação entre a legitimidade da autoridade do juiz a publicidade processual como forma de prestação de contas dessa legitimidade e a afirmação de Kant de que a máxima não pode ser reco nhecida senão publicamente sendo que o detentor do poder de decisão não deve manter ocultas as suas máximas sob pena de frustração dos seus propósitos e arruinação do Estado Democrático de Direito A publicidade tem a virtude de contribuir para a tentativa de eliminar a desconfiança sobre a decisão A publicidade processual é direito fundamental à transparência e evita a justiça secreta por exemplo a publicação da pauta no órgão oficial configura respeito ao prazo de cinco dias entre tal publicação e a sessão de julgamento sobrelevando a importância da transparência A publicidade traduz direito fundamental a ter ciência dos atos praticados no processo O direito a ser notificado em relação às decisões judiciais proferidas e o direito a ter ciência dos atos que difundam proposições que venham a exercer influência sobre a edificação das decisões são frutos da publici dade caso em que a não observância acarreta nulidade da decisão judicial Portanto a publicidade dos atos processuais além de configurar di reito fundamental tem a função de exteriorização de outros direitos também arrolados como fundamentais para o ambiente de consolidação do Estado Democrático de Direito Por isso as Declarações Internacionais a Constituição e as Leis determinam que a publicidade dos atos das deli berações e das decisões deve ser a regra no sistema processual mas sem Luís Marcelo Algarve 153 descuidar que em algumas situações a restrição do direito é medida que se impõe 5 Restrições à Publicidade dos Atos Processuais Tanto a normatização externa quanto a interna dispõem sobre as li mitações ao direito à publicidade processual Como todo direito fundamental a publicidade não encarta a insígnia do absoluto em seu con teúdo prevendo a Constituição e a lei no âmbito interno algumas restrições que se justificam exatamente em prol de um sistema geral de proteção de direitos A respeito da inexistência de direitos absolutos o Supremo Tribunal Federal6 já ponderara que Os direitos e garantias individuais não têm caráter absoluto Interesse público e resguardo das liberdades são for mas de limitação de direitos absolutos como menciona a acima citada decisão da Suprema Corte brasileira Não há no sistema constitucio nal brasileiro direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências deriva das do princípio de convivência das liberdades legitimam ainda que excepcionalmente a adoção por parte dos órgãos estatais de medidas res tritivas das prerrogativas individuais ou coletivas desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição Em nível constitucional o artigo 5º LX e o artigo 93 IX são os bali zadores restritivos do direito à publicidade dos atos processuais Para a Constituição do Brasil a defesa da intimidade e o interesse social relativi zam a publicidade o que autoriza a lei a restringir em determinados casos a presença aos atos processuais às próprias partes e a seus advogados ou somente a estes Todavia como já afirmara o Supremo Tribunal Federal7 em julga mento de habeas corpus uma excepcional situação de restrição de 6STF Mandado de Segurança n 23452 Rel Min Celso de Mello DJ 12052000 7 tenho que uma excepcional situação de restrição de um direito ou garantia constitucional só deve ocorrer em situações pontuais em que restem evidenciadas de forma flagrante a sua real necessidade No caso dos autos a 154 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 um direito ou garantia constitucional só deve ocorrer em situações pontu ais em que restem evidenciadas de forma flagrante a sua real necessidade ou seja impõese a necessidade da decisão judicial demonstrar os fundamentos de fato e de direito dos motivos da limitação a direito funda mental no caso a publicidade ampla No mesmo sentido é o entendimento em âmbito infraconstitucional em que o Superior Tribunal de Justiça8 sob o escudo da lei processual an terior CPC1973 em tema envolvendo o direito ao esquecimento e o conflito entre interesse público e intimidade estabelecera que a solu ção que harmoniza esses dois interesses em conflito é a preservação da pessoa com a restrição à publicidade do processo tornando pública ape nas a resposta estatal aos conflitos a ele submetidos dandose publicidade da sentença ou do julgamento nos termos do art 155 do Código de Pro cesso Civil e art 93 IX da Constituição Federal Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery desde ainda a vi gência da lei processual anterior lecionavam que A circunstância de tramitar o processo em segredo de justiça impõe ao juiz na qualidade de diretor do processo CPC 125 e aos seus auxiliares CPC 139 141 V 422 bem como as partes seus procuradores EOAB 34 VII e ao MP o dever envolver o sigilo dos dados bancários fiscais e das comunicações telefônicas a regra é a inviolabilidade a exceção a sua violação a qual somente se justifica quando devidamente fundamentada por autoridade judicial competente consoante o disposto no art 93 IX da CF Daí por que imperioso concluir que a mera alusão ao requerimento do Parquet eou da autoridade policial não se mostra suficiente para legitimar a quebra dos sigilos telefônico e bancário dos pacientes A referência argumento de autoridade não passa pelo crivo da proporcionalidade na medida em que não apresenta motivação idônea para fazer ceder a essa situação excepcional de ruptura da esfera da intimidade de quem se encontra sob investigação Na espécie em momento algum o magistrado de primeiro grau aponta fatos concretos que justifiquem a real necessidade da quebra desses sigilos STF HC 96056 voto do rel min Gilmar Mendes julgamento em 2862011 Segunda Turma DJE de 852012 8 Além disso dizer que sempre o interesse público na divulgação de casos judiciais deverá prevalecer sobre a privacidade ou intimidade dos envolvidos pode violar o próprio texto da Constituição que prevê solução exatamente contrária ou seja de sacrifício da publicidade art 5º LX A solução que harmoniza esses dois interesses em conflito é a preservação da pessoa com a restrição à publicidade do processo tornando pública apenas a resposta estatal aos conflitos a ele submetidos dandose publicidade da sentença ou do julgamento nos termos do art 155 do Código de Processo Civil e art 93 IX da Constituição Federal Por fim a assertiva de que uma notícia lícita não se transforma em ilícita com o simples passar do tempo não tem nenhuma base jurídica O ordenamento é repleto de previsões em que a significação conferida pelo direito à passagem do tempo é exatamente o esquecimento e a estabilização do passado mostrandose ilícito reagitar o que a lei pretende sepultar Isso vale até mesmo para notícias cujo conteúdo seja totalmente verídico pois embora a notícia inverídica seja um obstáculo à liberdade de informação a veracidade da notícia não confere a ela inquestionável licitude nem transforma a liberdade de imprensa em direito absoluto e ilimitado STJ REsp 1335153RJ Rel Min Luis Felipe Salomão julgado em 2852013 Luís Marcelo Algarve 155 processual de zelar pelo sigilo de tudo o que contém o processo 2007 p 422 A preocupação da norma processual com a intimidade da pessoa visa proteger as partes evitandose a exposição das suas vidas privadas à cole tividade Notase que a atenção do legislador com a preservação da intimidade nas ações sujeitas ao segredo de justiça é tão relevante que o procurador não constituído nos autos não pode ter acesso ao processo ar tigo 7º XIII da Lei n 8906949 Sobre a importância da proteção da intimidade Luiz Carlos de Assis Júnior10 define que A intimidade é dita como a esfera íntima não conhe cida nem mesmo por pessoas mais próximas Acrescenta ainda que são os hábitos as manias os defeitos os segredos e as peculiaridades personalíssimas de cada um podem até ser compartilhados com o amigo mais íntimo ou o companheiro de toda vida mas dificilmente será dado a ser conhecido além desses limites E prossegue o autor Deste modo é no recôndito da vida privada que se esconde a intimidade na linha de raciocínio até aqui desenvolvida é a intimidade o mais exclusivo dos direitos que impede qualquer publicidade ou seja o direito à intimidade é o segredo pessoal A doutrina italiana denomina essa restrição de tutela della riserva tezza e tal como no Brasil apenas não prevalece diante de um interesse sociale particularmente rilevante11 A ideia afirma Jónatas EM Machado para o direito português acerca da publicidade é a de que a liberdade é a regra e a restrição é a exceção12 Aliás a Constituição Portuguesa em seu artigo 119º determina que a falta de publicidade dos atos é causa de inefi cácia jurídica A propósito o artigo 167º1 do Código de Processo Civil 9 Art 7º São direitos do advogado XIII examinar em qualquer órgão dos Poderes Judiciário e Legislativo ou da Administração Pública em geral autos de processos findos ou em andamento mesmo sem procuração quando não estejam sujeitos a sigilo assegurada a obtenção de cópias podendo tomar apontamentos 10 Intimidade genética planos de saúde e relações de trabalho Revista do Programa de PósGraduação em Direito da Universidade Federal da Bahia Homenagem ao Professor Mário de Figueiredo Barbosa Nº 19 Ano 2009 Salva dorBahia 11 Roberto Zaccaria Diritto delllnformazione e delia comunicazione CEDAM 2004 12 Liberdade de expressão Universidade de Coimbra 2002 156 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 português determina que o processo é público salvo as restrições previstas em lei E no artigo 168º1 a lei processual estabelece tal como aqui no Brasil que O acesso aos autos é limitado nos casos em que a divulgação do seu conteúdo possa causar dano à dignidade das pessoas à intimidade da vida privada ou familiar ou à moral pública ou pôr em causa a eficácia da decisão a proferir Outra forma de restrição diz respeito ao interesse público ou social Nesse caso a mitigação do direito à publicidade dos atos processuais ocorre na extensão de um interesse comum da coletividade Considerando que o conceito de interesse público ou social é indeterminado parece ade quado que em situações em que não expressamente disciplinado em lei o juiz preencha o conceito no caso concreto examinando a hipótese apre sentada e cotejandoa com a possibilidade de eventual prejuízo a interesse público ou social Como exemplos de interesse público ou social a motivar o trâmite do processo sob segredo de justiça podese mencionar os casos que envolvem questões de Estado de natureza estratégica de segurança nacional ou até casos relacionados a inventos propriedade intelectual ou industrial Relevante decisão do Superior Tribunal de Justiça13 reitera a necessi dade de restrição à publicidade dos atos processuais inclusive para proteção de contrato particular com cláusula de confidencialidade afir mando em suma que A pretensão de juntada aos autos da ação de cobrança de honorários do contrato de cessão de créditos firmado entre a instituição bancária e a sociedade empresária securitizadora dotado de cláusula de confidencialidade enseja a decretação do segredo de justiça A decisão prossegue motivando a restrição ao princípio da publici dade em virtude da natureza das informações contidas no contrato por tratar de informações e dados de natureza privada prevalente afe tando a intimidade e a segurança negocial das pessoas envolvidas nos créditos cedidos além de técnicas de expertise e knowhow desenvolvidas 16 REsp 1082951PR Rel Ministro RAUL ARAÚJO QUARTA TURMA julgado em 06082015 DJe 17082015 Luís Marcelo Algarve 157 pelas partes contratantes afetando suas condições de competitividade no mercado financeiro não constituindo mero inconveniente a ser suportado pelos litigantes e terceiros Enfim os direitos fundamentais não são absolutos mas são passíveis de ponderação em caso de conflito Hipóteses de publicidade dos atos pro cessuais podem requerer sensível atenção do julgador quando envolvida a defesa da intimidade ou a proteção do interesse público ou social a justi ficar então a mitigação do direito fundamental à publicidade que não obstante relativizado em determinados casos seguirá com a força da regra segundo a qual os processos judiciais são públicos com amplo acesso a todo e qualquer interessado quanto ao processamento e conteúdo das de cisões judiciais 6 Considerações Finais O direito à publicidade processual está presente nos mais diversos documentos jurídicos internacionais Também está consolidado como di reito fundamental na Constituição Federal de 1988 Em âmbito externo e interno a publicidade dos atos processuais é a regra a restrição é a exce ção Constatouse que a publicidade surgiu por intermédio do sentido substancial do direito à informação mas agregando certo contorno pro cessual em relação ao qual sem a forma de publicidade nenhuma pretensão jurídica é viável assim como também a própria justiça A publi cidade tem vocação para eliminar a desconfiança e promover a transparência dos atos judiciais O direito à publicidade processual asso ciado ao direito à motivação das decisões judiciais apresenta a ideia de que somente após um amplo debate no processo é possível chegar a uma deci são tempestiva e fundamentada que por sua vez apenas alcançaria validade depois de sua regular publicação Por meio da publicidade dos atos processuais são exteriorizados ou tros direitos essenciais tais como o direito ao contraditório e à ampla defesa o direito à tutela jurisdicional tempestiva e o direito à motivação 158 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 das decisões judiciais que reunidos além disso ainda servem para legiti mar a atuação democrática do Poder Judiciário A publicidade dos atos processuais não é um direito absoluto mas a sua limitação só é admissível mediante a robusta demonstração de fundamentos de fato e de direito que justifiquem a necessária relativização Portanto a publicidade dos atos processuais é a regra mitigada para efeito de proteção da intimidade e do interesse público ou social servindo ao Estado Democrático de Direito para dar transparência às decisões judiciais e servindo às pessoas na con dição de um relevante direito fundamental que objetiva a garantia do processo justo Referências BRASIL Código de Processo Civil São Paulo Editora Saraiva 2015 BRASIL Constituição 1988 Constituição da República Federativa do Brasil Brasília DF Senado Federal Centro Gráfico 1988 DINAMARCO Cândido Rangel Instituições de Direito Processual Civil Volume I São Paulo Malheiros Editores 2005 DINAMARCO Cândido Rangel A Instrumentalidade do Processo São Paulo Malheiros Editores 2009 ESPÍNDOLA Ruy Samuel Conceito de Princípios Constitucionais 2ª ed São Paulo Edi tora RT 2002 FERREIRA Wolgran Junqueira Direitos e Garantias Individuais Comentários ao art 5º da CF88 Bauru EDIPRO 1997 FILHO José Carlos de Araújo Almeida O Princípio da Publicidade no Processo Frente à EC 452004 e Processo Eletrônico Revista de Processo São Paulo 2006 v 142 p 89 105 JUNIOR Nelson Nery Princípios do Processo Civil na Constituição Federal São Paulo Editora Revista dos Tribunais 2004 Luís Marcelo Algarve 159 JUNIOR Nelson Nery NERY Rosa Maria de Andrade Código de Processo Civil Comen tado 10ª ed São Paulo Editora Revista dos Tribunais 2007 JUNIOR Luiz Manoel Gomes FERREIRA Jussara Suzi Assis Borges Nasser CHUEIRI Mi riam Fecchio Segredo de Justiça Aspectos Processuais Controvertidos e Liberdade de Imprensa Revista de Processo São Paulo 2008 v 33 n 156 KANT Immanuel A Paz Perpétua Tradução Alberto Machado Cruz Editora Mimética 2019 Kindle KELSEN Hans Essência e valor da democracia In A Democracia São Paulo Martins Fontes 2ª edição 2000 MARINONI Luiz Guilherme ARENHART Sérgio Cruz Processo de Conhecimento Vo lume 2 São Paulo Editora Revista dos Tribunais 2008 Peruingeiro Ricardo O Livre Acesso à Informação as Inovações Tecnológicas e a Publici dade Processual Revista de Processo São Paulo 2012 v 203 p 149180 REICHELT Luís Alberto A exigência de publicidade dos atos processuais na perspectiva do direito ao processo justo Revista de Processo São Paulo 2014 v39 n 234 p 77 97 TUCCI José Rogério Cruz e Garantias Constitucionais do Processo Civil São Paulo Editora Revista dos Tribunais 1999 TUCCI José Rogério Cruz e Garantias constitucionais da publicidade dos atos processuais e da motivação das decisões no Projeto do CPC análise e proposta Revista de Pro cesso São Paulo 2010 v35 n 190 p 257269 9 Sistema europeu comum de asilo reconstituições e repensares a partir da crise humanitária de 2015 Matheus F Fröhlich 1 1 Introdução Em 2015 a União Europeia UE recebeu um influxo de refugiados e requerentes de asilo sem precedentes na história do bloco Desde a Se gunda Guerra Mundial o continente não presenciava uma quantidade tão grande de migrantes buscando refúgio em seu território porém até o final desse ano alcançou a marca de 1256610 solicitações de refúgio EUROSTAT 2020 Dados atualizados apresentam os seguintes números 1206045 em 2016 654610 em 2017 625575 em 2018 e 698390 em 2019 EUROSTAT 2020 Dado o contingente a resposta da União Europeia para a crise huma nitária que se avizinhava foi reforçar o já existente Sistema Europeu Comum de Asilo SECA e ativar mecanismos para grandes fluxos migra tórios SARTORETTO 2015 No entanto as dificuldades da governança europeia ou conforme Lavenex 2018 p 1196 o excesso de método eu ropeu e a falta de uma comunidade de valores adicionado à contraposição 1 Internacionalista doutorando em Estudos Estratégicos Internacionais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul PPGEEIUFRGS Membro do NEPEMIGRA Contato matheusfrohlichufrgsbr Este texto é uma atualização de parte da dissertação de mestrado do autor intitulada Entre a Acolhida e a Recusa A Crise Humanitária o Parla mento Europeu e os Refugiados Sírios defendida no Programa de Pósgraduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul PPGCSPUCRS Matheus F Fröhlich 161 de alguns Estadosmembros dificultaram a acolhida dos refugiados Por si só a harmonização das regras não garantiria a prática democrática nas fronteiras A partir dessa condição este texto se propõe abordar a construção do SECA e apresentar as suas propostas de revisão após a crise supracitada além de apresentar seus problemas e suas contradições Para tanto uma pesquisa bibliográfica foi realizada em bibliografias primárias tratados e diretivas dos órgãos europeus e secundárias pesquisas propostas sobre o tema sobre a condução da crise humanitária de 2015 as propostas de remodelação do SECA e as dificuldades de implementação deste 2 Asilo na União Europeia e a construção do SECA Com a construção de uma imagem de proteção dos Direitos Huma nos ou em outros termos a construção do soft power2 da União Europeia como um ator unificado internacionalmente que tem sua condução demo crática balizada na defesa dos direitos fundamentais seria condizente à UE apresentar esta imagem ao proteger os requerentes de asilo3 No entanto o caráter humanitário do refúgio não garante que essa forma de solidari edade internacional consiga se efetuar de forma isenta ou independente de interesses políticos tal como qualquer ação tomada pelos Estados na esfera internacional HADDAD 20084 O peso com que a questão dos refugiados se apresentará nas pautas populares e nas propostas de agendas políticas cambiará devido a inúme ros fatores Por exemplo uma vez que o refugiado adentra a fronteira de 2 Ou poder brando em oposição ao poder duro hard power conceito cunhado por Joseph Nye Jr 2004 em relação à cultura aos valores e à capacidade de aproximação de um país em questão ou bloco como aqui conside randose quão atrativa ela é perante outras Demonstrase assim a partir de um rol de valores políticos consistindo estes em parâmetros de ordem doméstica e padrões em sua atitude externa e da política externa propriamente dita dando referências em sua legitimidade e moralidade impostaapresentada NYE JR 2004 3 No direito europeu em contraposição aos institutos aderidos na América Latina asilo e refúgio são sinônimos Doravante serão tratados aqui como sinônimos 4 De acordo com Haddad 2008 p 36 ao se estabelecer um rótulo embora pareça apolítico o mesmo se apresenta intensamente politizado O termo refugiado automaticamente evoca uma assunção de mudança nas estruturas normais geralmente acionadas internacionalmente contra não cidadãos no momento em que estes ameaçam de alguma forma a soberania dos Estados 162 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 um Estado para os grupos extremistas ele pode se tornar uma ameaça à identidade local apresentando diferentes costumes culturas língua e de mais formas de expressão e ao escopo securitário do país BUZAN WAEVER 2003 HADDAD 2008 Em outra perspectiva essa entrada pode acarretar benefícios futuros para o desenvolvimento econômico da região utilizandose desse contingente de migrantes em seu mercado eco nômico DEL CARPIO 2018 Corroborando essa tese Del Carpio 2018 e Santos 2012 levam em consideração a atual inserção da Europa no mundo globalizado dando destaque à importância da dimensão externa da política da União no do mínio da liberdade segurança e justiça Com isso a importância dada pelo bloco à proteção dos direitos humanos é colocada em termos de que a ação externa da UE deve fortalecer a sua imagem pública de potência civil co nectandoa às preocupações da boa governança do fortalecimento democrático e da cooperação diplomática responsável SANTOS 2012 Remetendo à sua constituição como bloco na ocasião do Tratado de Maastricht 1992 o framework da UE situa os assuntos migratórios como competências do Primeiro Pilar no Espaço de Liberdade de Segurança e Justiça que futuramente seria alterado ficando sob a jurisdição da Co munidade Europeia LEITE 2016 SILVA AMARAL 2013 Velasco 2014 p 78 revela que a despeito da transferência do tema para o pilar comu nitário o artigo 68 do Tratado de Amsterdã afirma que o Tribunal de Justiça Europeu não tem competência em caso algum para se pronun ciar sobre decisões relativas à manutenção da ordem pública e à garantia da segurança interna Esse ponto deixa manifesta a possibilidade de alo cação da migração de modo geral como um tema de segurança A autora continua a explanação afirmando que a transferência do tema para o primeiro pilar não significou a cessão de compe tência dos Estados nacionais para a UE no que tange à imigração já que todos os Estados membros poderiam com base no próprio Tratado de Amsterdã adotar decisões próprias em relação aos imigrantes com o argumento de ma nutenção da ordem e da segurança públicas A ameaça à ordem e a ameaça à Matheus F Fröhlich 163 segurança passavam a ser as duas condições de exceção por meio das quais os Estados conseguiriam manter poderes discricionários sobre os desejados e os não desejados no interior do território nacional VELASCO 2014 p7879 A Comissão elencou que os guidelines da política de asilo da União consistiam em 1 organizar a imigração legal tendo em conta as prioridades as necessidades e as capacidades de acolhimento determinadas por cada Estadomembro e favorecer a integração 2 lutar contra a imigração ilegal nomeadamente as segurando o retorno dos estrangeiros em situação irregular ao seu país de origem ou a um país de trânsito 3 reforçar a eficácia dos controlos de fron teira 4 edificar uma Europa do asilo e 5 criar uma parceria global com os países de origem e de trânsito promovendo as sinergias entre as migrações e o desenvolvimento CONSELHO DA UNIÃO EUROPEIA 2008 p 4 Incorporando essas premissas do Pacto no ano de 2009 viria a rati ficação do Tratado de Lisboa que trouxe mudanças para o framework europeu dando fim a duas décadas de profundas reformulações instituci onais europeias As alterações mais significativas além da nomeação de novos responsáveis para posições como a Presidência Permanente do Con selho Europeu e o Alto Representante para a Política Externa incluem as propostas legislativas no âmbito das migrações dentro do processo de co decisão entre o Parlamento o Conselho e a Comissão Sendo o último Tratado vigente as renovações para as matérias de refúgio estão dentro do seu escopo COSTA BRACK 2011 SERVENT 2015 Ademais Lisboa apresentou a Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia caracte rizandoa a partir de então como direito primário da União vinculando a Carta às instituições e Estadosmembros quando implementarem a lei comunitária COSTA BRACK 2011 Dentro do novo rol de premissas dispostas pelo Tratado de Lisboa que passou a tratar as migrações dentro do eixo do Espaço de Liberdade Segurança e Justiça5 a continuação dos planos quinquenais aconteceu em 5 Com a abolições dos pilares a nova denominação para o setor em que a política migratória europeia está alocada revela mais do que um rearranjo jurídico a competência compartilhada da migração Tal movimento deixou claro 164 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 Estocolmo Suécia e teve início em 2010 O novo plano trouxe como lema uma Europa aberta e segura que sirva e proteja o cidadão CONSELHO DA UNIÃO EUROPEIA 2008 Imbuídos nessas proposições estão o com bate à clandestinidade concernindo às imigrações irregulares e também a observação das demandas do mercado de trabalho europeu quanto à necessidade de mão de obra VELASCO 2014 Em 2011 seguindo decisões da Corte Europeia de Direitos Humanos e da Corte Europeia de Justiça quatro transferências de refugiados para a Grécia foram suspensas com o pretexto de que seus direitos fundamentais neste país não estariam assegurados HAMPSHIRE 2015 p 539 Essa de cisão acarretou uma onda de suspensões de transferências de refugiados pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados ACNUR especificamente na Bulgária no entanto a suspensão também se estendeu a Polônia Malta Itália e Hungria Essas medidas ocasionaram revisões das Diretivas que viriam nos anos de 2011 e 2013 Negociadas a partir de 2011 a Comissão propôs então a revisão das Diretivas para os procedimentos de asilo além das diretivas concernentes às condições de recepção Em tramitação por dois anos as novas e atuais Diretivas se apresentam da seguinte forma revisões da Diretiva em Rela ção aos Procedimentos de Asilo da Diretiva Relativa às Condições de Acolhimento da Diretiva de Qualificação e da Regulação de Dublin con juntamente com a revisão do processo da European Dactyloscopy EURODAC A nova Diretiva em Relação aos Procedimentos de Asilo busca deci sões mais rápidas e justas para a obtenção do status de refugiado DOMESTICIMET 2015 p 116 salientando também a possibilidade de auxílio em particular para pessoas com necessidades especiais e menores desacompanhados A Diretiva Relativa às Condições de Acolhimento por sua vez garante a existência de centros específicos para a recepção dos requerentes de asilo através da União Europeia protegendo seus direitos que a migração é um tema de competência compartilhada entre a União e os Estados signatários deixando estes somente a cargo da política migratória se a União não o fizer VELASCO 2014 Matheus F Fröhlich 165 fundamentais e pontuando que a detenção dos solicitantes seria somente em últimos casos DOMESTICIMET 2015 A revisão da Diretiva de Qualificação buscou clarificar a sustentação da garantia de proteção internacional deixando conforme DomesticiMet 2015 p116 as decisões sobre asilo mais robustas Ela também traz certa melhora no acesso a direitos e medidas de integração para os bene ficiários de proteção internacional Paralelamente a UE também buscou revisar as regulações de Dublin que estariam em sua terceira versão Dublin III incluiu novas salvaguardas especialmente a exigência de que os Estados avaliem as implicações dos direitos de uma transferência de Du blin antes de removerem alguém para outro Estadomembro e um mecanismo de alerta antecipado destinado a impedir a degeneração dos sistemas de asilo dos Estadosmembros HAMPSHIRE 2015 Portanto o novo sistema Dublin aumenta a proteção para os requerentes de asilo durante o processo de estabilização no Estado responsável além de deixar as regras mais claras criando um sistema capaz de detectar problemas no conjunto de acolhida DOMESTICIMET 2015 Por fim com a revisão do sistema da EURODAC a aplicação da lei para a base de dados dactiloscópica dos solicitantes de refúgio fica sob cir cunstâncias específicas a fim de investigar crimes como assassinatos e terrorismo DOMESTICIMET 2015 Em março de 2014 a Comissão trouxe suas propostas para os próxi mos cinco anos para a Área de Liberdade Segurança e Justiça Hampshire apresenta 2015 p 540 o tom ambicioso em contraste aos documentos previamente estabelecidos intitulando o novo Programa como Uma Eu ropa segura faça acontecer A preocupação principal segundo o autor era efetivar a implementação das políticas ao lado dos instrumentos já consolidados6 HAMPSHIRE 2015 p 544 tradução nossa com um pro grama que não teve consenso na sua própria nomeação em equiparação com Haia Estocolmo e Tampere 6 No original to consistently transpose effectively implement and consolidate the legal instruments and policy measures in place 166 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 Com efeito embora os caminhos europeus estejam em direção à co munitarização de políticas de refugiados o reconhecimento das pessoas refugiadas varia muito entre os Estadosmembros Hampshire 2015 p 539 tradução nossa levanta que juntamente com o SECA a luta contra a migração irregular foi empreendida na UE colocando em evidência que a maioria dos imigrantes irregulares que vivem na Europa entram com auto rização e em seguida permanecem sem seus vistos O negócio cotidiano de detectar e interceptar imigrantes irregulares continua sendo predominante mente uma questão nacional realizada por policiais funcionários de imigração e cada vez mais uma série de atores nãoestatais cooptados mas a UE legislou para estabelecer padrões comuns para o retorno de imigrantes em situação irregular a Diretiva de retorno de 2008 e assinou vários acordos de readmissão com países terceiros para facilitar o regresso de nacionais de países terceiros para os quais a UE oferece incentivos à facilidade de vistos7 Com essa colocação de Hampshire podese entender que a busca eu ropeia por uma harmonização nos processos de asilo está ligada inerentemente à condição do continente europeu de ser um ponto de força centrípeta para a chegada dos refugiados Em face a essa questão a título ilustrativo uma pesquisa realizada na primavera europeia de 2015 pelo Eurobarômetro patrocinada pela Comissão Europeia CE questionou cidadãos de todos os Estados da União Europeia acerca dos desafios a que esta estava sendo apresentada Os europeus veem a imigração juntamente com o terrorismo como os principais desafios dados à UE De acordo com a Comissão Europeia 2015 67 dos europeus são favoráveis a uma po lítica comum de imigração da União Europeia 58 deles afirmam ter posições positivas perante a livre circulação de pessoas advindas de outros Estadosmembros no entanto a mesma proporção afirma ter ressalvas 7 No original the vast majority of irregular immigrants living in Europe enter with authorisation and then over stay their visa The daytoday business of detecting and intercepting irregular immigrants remains predominantly a national matter undertaken by police immigration officials and increasingly an array of coopted nonstate actors but the EU has legislated to establish common standards for the return of irregular immigrants the 2008 Returns Directive and signed a number of readmission agreements with nonEU states to facilitate the return of third country nationals for which the EU offers visa facilitation agreements as an incentive Matheus F Fröhlich 167 perante a entrada de pessoas oriundas de países não signatários países terceiros Similar pesquisa foi refeita no semestre seguinte de 2016 e revelou resultados próximos aos apresentados no levantamento anterior Os cida dãos europeus continuavam com a percepção de que a imigração e o terrorismo estão no grau mais alto de preocupações da agenda europeia COMISSÃO EUROPEIA 2016 Intitulada Futuro da Europa ela apre sentou que 45 dos cidadãos questionados elencavam a imigração como principal desafio para o futuro da União Europeia seguida pelo terro rismo com 32 dos resultados Essas duas últimas pesquisas desvelam parte da preocupação da opinião pública europeia com os recentes influxos de refugiados advindos da África e do Oriente Médio e seu alto grau no nível de preocupação com a segurança do bloco Após o pico de solicitações de refúgio em território europeu ter ocor rido no final de 2015 a tentativa de expandir o Espaço de Liberdade Segurança e Justiça realizando acordos diretamente com países da vizi nhança europeia como é o caso do tratado de retorno dos refugiados com a Turquia coloca diretamente a UE no palco de negociações com os países de origem ou de trânsito dos solicitantes de refúgio A solução da concei tuação de países seguros para o refugiado é colocada em pauta nas próximas propostas de remodelação do SECA na Diretiva Dublin IV 3 A atual fase do SECA Dublin IV Com o Sistema não apresentando resultados positivos para a solução da crise de 2015 a Diretiva Dublin IV foi apresentada como sendo uma construção dentro de três ideais mais gerais MAIANI 2016 2017 reafir mando que os solicitantes de proteção não podem escolher seu Estado de destino e procurando prevenir os movimentos secundários No entanto a diretiva propõe direcionar movimentos e criar um mecanismo de correção dos descompassos distributivos 168 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 Como apresenta Maiani 2017 os procedimentos de realocação fun cionariam ainda através dos registros nos Estadosmembros porém estes poderão solicitar que ela seja feita em algum país terceiro seguro ou seja em um dos integrantes de uma lista de países fora da EU que possam fazer esse tipo de procedimento A exteriorização da aplicação para a soli citação e a manutenção da necessidade de que Estados encampem programas de reassentamento interno continua MAIANI 2017 Esta conforme Radović e Čučković 2018 é chamada de mecanismo de solida riedade ou de mecanismo corretivo de alocação Tal mecanismo é aplicado quando um Estado possui uma quantidade de solicitações de asilo desproporcional ao seu tamanho populacional e a seus índices do Produto Interno Bruto PIB É proposto que cada Estadomembro tenha um refe rencial anexado indicando a fatia de solicitantes que poderia ser acolhida O mecanismo seria ativado caso o Estado se depare com um número de solicitantes de refúgio maior que 150 de seu número de referência RADOVIĆ ČUČKOVIĆ 2018 Considerando a perspectiva apresentada o mecanismo proposto por Dublin IV parece ser uma tentativa já discutida por Zaun 2017 de en contrar um mínimo denominador comum entre os Estados e preservar o sistema legal da UE No entanto a autora salienta que os caminhos para união política da UE argumento que também é endossado por Radović e Čučković 2018 ficam desbalanceados pelas forças dos Estados com grande poder de regulaçãoZAUN 2017 países que possuem grandes re presentações nos órgãos do bloco exercendo pressões regulatórias como é o caso da França e da Alemanha fechando as entradas do Acordo de Schengen e as transferências através do mecanismo Dublin NIEMANN ZAUN 2018 O que fica aparente é que as proteções dos Direitos Humanos em si não aparecem como objetivos na transposição do antigo tratado Dublin III Em alguns aspectos como colocam Radović e Čučković 2018 ficando no mesmo nível insatisfatório de proteção ou até regredindo Casos da Corte Europeia de Direitos Humanos relacionados ao sistema Dublin tendem a Matheus F Fröhlich 169 ampliar de número embora a Corte não tenha competência para rever as aplicações individualmente nem se contrapor a ações da EU ou dos Esta dosmembro que implementem a lei europeia 4 Considerações finais A combinação de baixa harmonização de políticas entre os Estados membro o baixo monitoramento de efetivação das políticas e a baixa soli dariedade entre membros da UE se transformou na tempestade perfeita para o insucesso das políticas de acolhimento Algumas contribuições le gislativas foram importantes para a construção do SECA vide a tentativa de monitoramento e controle dos fluxos de migrações No entanto as la cunas apresentadas pelos primeiros projetos não foram sanadas nas propostas subsequentes deixando questões primordiais expostas como a sobrecarga do sistema dos países fronteiriços e as dificuldades de imple mentação das transferências Dublin deixando abertas a normalização da judicialização da questão do refúgio Referências BUZAN Barry WAEVER Ole Regions and Powers The Structure of International Secu rity Cambridge Cambridge University Press 2003 COMISSÃO EUROPEIA Inquérito Eurobarómetro standard da primavera de 2015 Ci dadãos consideram a imigração o maior desafio que a UE enfrenta 2015 Disponível em httpseceuropaeucommissionpresscornerdetailptIP155451 Acesso em 30 jun 2020 COMISSÃO EUROPEIA Eurobarómetro Standard do outono de 2016 A imigração e o terrorismo continuam a ser considerados os mais importantes desafios que a UE enfrenta 2016 Disponível em httpseceuropaeucommissionpresscornerde tailptIP164493 Acesso em 30 jun 2020 CONSELHO DA UNIÃO EUROPEIA Guia do Processo Legislativo Ordinário Luxem burgo Serviço das Publicações da União Europeia 2016 170 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 CONSELHO DA UNIÃO EUROPEIA Pacto Europeu sobre a Imigração e o Asilo Bruxelas 2008 Disponível em httpregisterconsiliumeuropaeudoc srvlPTfST Acesso em 4 jun 2018 COSTA Olivier BRACK Nathalie Sistema Decisório da União Europeia Porto Alegre Sulina 2011 DEL CARPIO David Fernando Santiago Villena Rechaçando Refugiados na União Europeia a Influência da Guerra Global ao Terror nas Políticas Migratórias da União Europeia no Período de 2011 a 2015 Tese Doutorado em Direito Universidade Federal de Santa Catarina Florianópolis 2018 DOMESTICIMET MarieJosé The Challenge Posed by Migration to European Crisis Man agement Some Thoughts in Light of the Arab Spring In GIBBONS P HEINTZE H J The humanitarian challenge 20 years European network on humanitarian action NOHA Nova York Springer 2015 EUROSTAT Asylum and first time asylum applicants annual aggregated data rounded 2020 Disponível em httpseceuropaeueurostattgmta bledotabtableinit1languageenpcodetps00191plugin1 Acesso em 04 jul 2020 HADDAD Emma The Refugee in International Society Between Sovereigns Nova York Cambridge University Press 2008 HAMPSHIRE James European migration governance since the Lisbon treaty introduction to the special issue Journal of Ethnic and Migration Studies v 42 n 4 p 537 553 2015 Disponível emhttpwwwscopuscominwardrecordurleid2s20 84959932243partnerIDtZOtx3y1 Acesso em 5 jul 2020 LAVENEX Sandra Failing Forward Towards Which Europe Organized Hypocrisy in the Common European Asylum System JCMS Journal of Common Market Studies v 56 n 5 p 11951212 2018 Disponível em httpdoiwileycom101111 jcms12739 Acesso em 15 jun 2020 LEITE Ana Paula Moreira Rodriguez O complexo de segurança na União Europeia um estudo das implicações de segurança e defesa a partir da análise da crise de Matheus F Fröhlich 171 refugiados Tese Doutorado em História ComparadaUniversidade Federal do Rio de Janeiro Rio de Janeiro 2016 MAIANI Francesco The Reform of Dublin III Regulation p 176 2016 Disponível 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SANTOS André Luís Nascimento Dos A União Europeia dos Direitos Humanos e a sua diplomacia cooperante para a América Latina Tese Doutoradoem AdministraçãoUniversidade Federal da Bahia Salvador 2012 SARTORETTO Laura Madrid A livre circulação de pessoas e a implementação e evolução do sistema europeu comum de asilo e sua incapacidade em harmonizar práticas e dividir responsabilidades por solicitantes de refúgio e refugiados entre os Estados Membros da União Europeia Monções Revista de Relações Internacionais da UFGD v 4 n 8 p 111136 2015 Disponível em httpwwwperiodicos ufgdedubrindexphpmoncoes Acesso em 1 jul 2020 SERVENT A R Institutional and Policy Change in the European Parliament Deciding on Freedom Security and Justice Londres Palgrave Macmilan 2015 172 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 SILVA Wanise Cabral AMARAL Nemo de Andrade do A Imigração na Europa a ação política da União Europeia para as migrações extracomunitárias Sequência n 66 p 235259 2013 Disponível em httpwwwscielobrscielophpscriptsci arttextpidS217770552013000100010lngennrmisotlngpt Acesso em 1 jul 2020 VELASCO Suzana Imigração na União Européia uma leitura crítica a partir do nexo entre securitização cidadania e identidade transnacional Campina Grande Editora da Universidade Estadual da Paraíba 2014 ZAUN Natascha EU Asylum Policies The power of Strong Regulating States Cham Palgrave Macmillan 2017 10 Direitos humanos e antidiscriminação conceito critérios proibidos modalidades e respostas jurídicas à discriminação Roger Raupp Rios 1 1 Introdução A efetividade dos direitos humanos requer que se enfrente precon ceito e discriminação Esse desafio presente em escala global a partir do final da II Guerra Mundial fezse ainda mais atual desde a Constituição de 1988 e mais urgente com o aumento dos níveis de desigualdade e intole rância no Brasil e no mundo Dar conta desse desafio requer medidas de variada ordem Daí que do ponto de vista da prática e da elaboração teó rica jurídica mostrase necessário o conhecimento e a aplicação do direito da antidiscriminação Neste breve artigo objetivase apresentar esta área da reflexão e da prática jurídicas tendo presentes os desafios à democracia e o compro misso com os objetivos da República construir uma sociedade livre justa e solidária sem preconceitos e sem quaisquer formas de discriminação CF88 art 3 Sem ignorar muito menos menosprezar o rico e intenso debate em diversos campos político social filosófico histórico etc é de se salientar que este esforço de efetivação do mandamento antidiscriminatório 1 Desembargador Federal TRF4 Mestre e Doutor em Direito UFRGS Professor PPGD Mestrado e Doutorado UNISINOS rogerrauppriosgmailcom 174 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 resultou na esfera jurídica na formulação de legislação e jurisprudência específicas BOSSUYIT 1976 RHOODIE 1984 A litigância a sistematização e a pesquisa acadêmica nestes campos acabaram por demarcar domínios do conhecimento e da prática jurídicos conhecidos como direito da antidiscriminação Assim designado tal campo surge a partir da experiência jurídica estadunidense McCRUDDEN 1991 com os avanços do movimento de direitos civis pós II Guerra Mundial passando a exercer uma influência seminal no continente europeu tanto nos direitos nacionais BURCA 2011 como no direito comunitário europeu COUNCIL OF EUROPE 2011 Enquanto a compreensão tradicional do princípio da igualdade expõe o conteúdo e a extensão dessa cláusula constitucional de modo estático por meio da enunciação de suas respectivas dimensões formal e material arbitrárias FREDMAN 2002 p 7 RIOS 2002 p 33 MOREIRA 2017 p 17 o conceito de discriminação aponta para a reprovação jurídica das vi olações do princípio isonômico Passase a atentar para os prejuízos injustos suportados pelos destinatários de tratamentos desiguais objeti vando enfrentar situações de estigma e subordinação experimentadas por grupos discriminados RIOS 2008 p 36 MOREIRA 2017 p 67 SOLANKE 2017 A discriminação enfrentada pelo direito da antidiscrimi nação é portanto tomada por uma perspectiva mais substantiva que formal importa enfrentar a desigualdade prejudicial e injusta pois nem sempre a adoção de tratamentos distintos se revela maléfica sendo mesmo tantas vezes exigida como alerta a dimensão material do princípio da igualdade o de tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades 2 Conceitos fundamentais do Direito da Antidiscriminação Esta seção tem preocupação conceitual fornecer uma notícia da com preensão geral e jurídica sobre o que é discriminação ao final salientase a percepção indispensável da discriminação interseccional Preconceito e Roger Raupp Rios 175 discriminação são termos correlatos que apesar de designarem fenôme nos diversos são por vezes utilizados de modo intercambiado Recomendase desde o início fixar o sentido em que são utilizados neste escrito Por preconceito designamse as percepções mentais negativas em face de indivíduos e de grupos socialmente inferiorizados bem como as representações sociais conectadas a tais percepções Por discriminação designase a materialização no plano concreto das relações sociais de ati tudes arbitrárias comissivas ou omissivas relacionadas ao preconceito que produzem violação de direitos dos indivíduos e dos grupos O primeiro termo é utilizado largamente nos estudos acadêmicos principalmente na psicologia e muitas vezes nas ciências sociais já no meio jurídico o se gundo é mais recorrente LACERDA PEREIRA E CAMINO 2002 Há vasta literatura sobre preconceito e discriminação Nestas noções gerais destacamse as abordagens da psicologia e da sociologia Apesar de conceitualmente distintos eles têm sido estudados conjuntamente dada sua evidente relação Abordagens psicológicas Preconceito é o termo utilizado para indicar a existência de percep ções negativas que acionam de diferentes maneiras e intensidades juízos desfavoráveis em face de outros indivíduos e grupos dado o pertenci mento ou a identificação destes a uma categoria tida como inferior Irracionalidade autoritarismo ignorância pouca disposição à abertura mental e inexistência de contato ou pouca convivência com membros dos grupos inferiorizados são comuns nessa dinâmica As abordagens psicoló gicas centram atenção na dinâmica interna dos indivíduos dentre estas salientamse as teorias do bode expiatório e as teorias projecionistas As teorias do bode expiatório salientam que diante da frustração os indivíduos procuram identificar culpados da situação que lhes causa mal estar daí a eleição de certos indivíduos e grupos para este lugar exemplo 176 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 antissemitismo na ascensão do nazismo preconceito contra nordestinos por parte de sulistas no Brasil As teorias projecionistas por sua vez en fatizam como os conflitos internos individuais são projetados em determinados indivíduos e grupos razão pela qual estes tornamse objetos de preconceito e tratamento desfavorável o que pode chegar até a elimi nação física daqueles sobre quem recai a projeção exemplo homofobia por parte de indivíduos em conflito com sua sexualidade Abordagens sociológicas Aqui o preconceito é definido como uma forma de relação intergru pal onde no quadro específico das relações de poder desenvolvemse atitudes negativas e depreciativas além de comportamentos hostis e dis criminatórios em relação aos membros do grupo subjugado Camino Pereira no prelo Entre os processos cognitivos envolvidos destacamse a categorização e a construção de estereótipos Nesse campo mencionam se três contribuições a teoria do estigma a versão mais divulgada de ori gem marxista e a produção social da diferença Quanto ao estigma tratase de um atributo negativo sobre indiví duos e grupos produtor de uma deterioração identitária a partir de uma relação de desvantagem no contexto de um processo social mais amplo exemplo histeria como característica feminina em sociedades machis tas quanto à versão marxista mais divulgada o preconceito é manifestação das condições sociais e econômicas que criam e mantém a alienação humana constitutiva da sociedade capitalista exemplo racismo decorrente da exploração capitalista no escravismo quanto à produção social da diferençal a discriminação não decorre de diferenças objetivas e naturais entre indivíduos e grupos pois ao contrário é a discrimina ção que ao subordinar certos indivíduos e grupos atribui a eles significados negativos e produz a diferença exemplo indivíduos plena mente capazes para manter sua posição de vantagem atribuem significados negativos a deficientes e criam diferenças relevantes que não resistiriam a uma crítica mais atenta Roger Raupp Rios 177 Conceito jurídico de discriminação Na esteira do direito internacional e comparado a ordem jurídica ins taurada pela Constituição democrática em 1988 registra um conceito jurídico de discriminação o que se verifica tanto em nível supralegal Con venção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial e a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação con tra a Mulher como com estatura formal e material de direito fundamental pela incorporação da Convenção Internacional sobre os Di reitos das Pessoas com Deficiência Assim discriminação é qualquer distinção exclusão restrição ou preferência que tenha o propósito ou o efeito de anular ou prejudicar o reconhecimento gozo ou exercício em pé de igualdade de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político econômico social cultural civil ou em qualquer outro Abrange todas as formas de discriminação inclusive a recusa de adaptação razoá vel A proibição de discriminação juridicamente consagrada compreende situações distinção exclusão restrição ou preferência modalidades propósito ou efeito resultado reprovado anular ou prejudicar o reco nhecimento gozo ou exercício em pé de igualdade de direitos humanos e liberdades fundamentais e esferas protegidas político econômico so cial cultural civil ou em qualquer outro bem como adiciona previsão explícita de deveres de adaptação Analisar cada um destes elementos iria além do espaço disponível neste momento o que não impede ao menos de registrar o conceito cons titucional de adaptação razoável expressamente referido no conceito Nos seus termos adaptação razoável significa as modificações e os ajustes ne cessários e adequados que não acarretem ônus desproporcional ou indevido quando requeridos em cada caso a fim de assegurar que as pes soas com deficiência possam gozar ou exercer em igualdade de oportunidades com as demais pessoas todos os direitos humanos e liber dades fundamentais 178 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 Como visto tomando por base esse conceito jurídico as reivindica ções e as respostas jurídicas e a literatura especializada consolidouse um campo próprio da prática e da teoria jurídicas denominado Direito da Antidiscriminação RIOS 2008 Em seu conteúdo material a norma constitucional proibitiva de discriminações tem suas raízes no princípio da igualdade que por sua vez é corolário da ideia de justiça material 3 Critérios proibidos de discriminação e discriminação múltipla ou interseccional Ao conceito jurídico de discriminação acrescentase a lista de crité rios proibidos de discriminação cujo papel é atentar para manifestações específicas de discriminação conforme vai revelando a experiência histó rica Daí a enumeração de fatores proibidos de discriminação como gênero raça e etnia religião orientação sexual deficiência e idade FREDMAN 2004 Os critérios proibidos de discriminação são mais que uma mera exemplificação daquilo que abstratamente poderia ser extraído da igual dade formal todos são iguais perante a lei Eles veiculam proibições expressas de discriminação em relação a certos fatores que podem ser di vididos em dois grupos condições pessoais proteções identitárias como raça sexo e origem por exemplo e escolhas fundamentais tais como con vicção política e filosófica ou religião No contexto dos critérios proibidos de discriminação em especial na sua concomitância e intersecção que se compreende a discriminação in terseccional CRENSHAW 2004 O fenômeno discriminatório é múltiplo e complexo Os diferentes contextos redes relacionais fatores intercorren tes e motivações que emergem quando no trato social indivíduos e grupos são discriminados não se deixam reduzir a um ou outro critério isolado Não basta reprovar a discriminação racial e a discriminação sexual pois a injustiça sofrida por mulheres brancas é diversa daquela vivida por mu lheres negras assim como a discriminação experimentada por homens Roger Raupp Rios 179 negros e por mulheres negras não é a mesma É preciso ir além portanto de um soma aritmética dos critérios proibidos de discriminação ainda que haja cuidado e esmero na enumeração de todos os possíveis fatores de di ferenciação injustificadamente incidentes em tratos diferenciados Na Convenção Interamericana contra o Racismo e Toda a Forma de Discriminação e Intolerância há expressa referência à discriminação múl tipla art 1 item3 Discriminação múltipla ou agravada é qualquer preferência distinção exclusão ou restrição baseada de modo concomi tante em dois ou mais dos critérios dispostos no Artigo 11 ou outros reconhecidos em instrumentos internacionais cujo objetivo ou resultado seja anular ou restringir o reconhecimento gozo ou exercício em condi ções de igualdade de um ou mais direitos humanos e liberdades fundamentais consagrados nos instrumentos internacionais aplicáveis aos Estados Partes em qualquer área da vida pública ou privada Na legislação nacional podese enumerar o Estatuto da Igualdade Ra cial em que há uma clara alusão à discriminação múltipla com a definição de desigualdade de gênero e raça e a menção explícita a mulheres negras sem esquecer a previsão do art 3º inciso IV da Constituição Federal cujos termos indicam a abertura constitucional para o enfrentamento da discri minação interseccional quaisquer outras formas de discriminação 4 Modalidades de discriminação direta e indireta A compreensão jurídica da discriminação realça duas modalidades de discriminação a discriminação direta intencional e a discriminação in direta não intencional Discriminação direta é aquela perpetrada por meio de práticas in tencionais em que a discriminação é proposital Há discriminação direta toda vez que o prejuízo ao reconhecimento gozo ou exercício em pé de igualdade de direitos e liberdades decorre de uma ação intencional A dis criminação direta manifestase de três modos discriminação explícita discriminação na aplicação do direito e discriminação na concepção do di reito 180 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 a discriminação direta explícita a manifestação da discriminação é evidente ex pressa na medida analisada que exclui de um regime favorável determinado grupo de pessoas com base num critério proibido de discriminação ou contra ele desfere um tratamento prejudicial ex certa medida proíbe de modo ex presso a entrada de determinados grupos em certa carreira b discriminação direta na aplicação do direito a execução de determinada medida elaborada sem o propósito de discriminar se dá de forma mais gravosa contra certo grupo ex prática intencional de agentes de segurança que promovam deliberadamente buscas pessoais revistas somente em pessoas negras ou as façam de modo mais rigoroso em relação a estes em comparação com os de mais c discriminação direta na concepção do direito no design se dá quando a me dida aparentemente neutra desde sua elaboração foi adotada para prejudicar intencionalmente certa pessoa ou grupo A intenção de discriminar está presente desde a origem do ato ainda que não possa ser extraída literalmente de seu texto ex exigese um requisito desnecessário para certo cargo público com a finalidade de dificultar a participação de determinado grupo Discriminação indireta por sua vez ocorre quando mesmo sem intenção ou consciência de modo involuntário práticas são adotadas ou mantidas com resultado desproporcional e prejudicial a certo grupo em comparação com os outros Dentre as manifestações da discriminação in direta destacamse discriminação inconsciente institucional invisibilidade do privilégio e negligência a discriminação indireta inconsciente a discriminação pode decorrer de mecanis mos de autodefesa como também pela presença de estereótipos discriminatórios ambos presentes sem que os perpetradores da discriminação percebam ou se permitam questionar O desconforto da culpa advinda do re conhecer ideias crenças ou desejos discriminatórios que conflitam com aquilo que considera correto e justo ou também a constatação de que vantagens inde vidas beneficiam o sujeito em detrimento de grupos discriminados bloqueiam inconscientemente a percepção dos resultados discriminatórios nãointencio nais ex manifestase em alguns homens brancos que sinceramente comprometidos contra a discriminação não conseguem admitir a existência no passado e no presente de barreiras decorrentes da raça e do gênero no ingresso e na promoção de carreiras jurídicas Roger Raupp Rios 181 b na discriminação indireta institucional olha para o contexto social e organizaci onal em vez de restringirse à dimensão volitiva individual prestase atenção à dinâmica social e a normalidade da discriminação por ela engendrada desve lando a sua reprodução e persistência mesmo por parte de indivíduos e de instituições que rejeitam consciente e sinceramente sua prática intencional Ações individuais e coletivas desencadeiam efeitos discriminatórios pois inseri das em contextos cujas instituições atuam em prejuízo de certos indivíduos e grupos contra quem a discriminação é dirigida fenômeno que abrange desde as normas formais até as práticas informais das organizações burocráticas e dos sistemas regulatórios modernos bem como as précompreensões mais amplas e difusas presentes na cultura e não sujeitas a uma discussão prévia e sistemá tica c Conectada à discriminação institucional notabilizase o fenômeno da transpa rência também designado como invisibilidade do privilégio Tratase da naturalização de determinadas cosmovisão própria de determinado grupo como se neutra fosse o que encobre posições de privilégio e de dominação Um caso emblemático da simbiose entre a discriminação institucio nal e a invisibilidade do privilégio é o heterossexismo Apresentandose como se fosse neutro do ponto de vista sexual constitutivo da norma lidade social e natural tudo aquilo que é identificador da heterossexualidade enquanto expressão sexual particular é percebido como neutro genérico e imparcial com impactos discriminatórios para tudo e todos que destoem desse parâmetro d discriminação indireta por negligência por descuido e desatenção indivíduos e grupos em posições hegemônicas perpetuam práticas com efeito prejudicial desproporcional em face de outros grupos aumentando as desvantagens e vio lações em prejuízo de terceiros é o que pode ocorrer por exemplo quando indivíduos e instituições comprometidas com os direitos de crianças em situação de abandono não se apercebem da discriminação agravada sofrida por crianças e adolescentes negros em situação de rua em comparação com aquela sofrida nas mesmas circunstâncias por crianças brancas perpetuando de modo invo luntário discriminação racial 182 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 5 Respostas jurídicas antidiscriminatórias Enfrentar e superar a discriminação é tarefa constante e desafio in comensurável cujo avanço depende da conjugação de iniciativas em diversas frentes tais como a cultura a política a economia e as relações internacionais O direito tem sua parte nessa realização Nessa seção re gistramse algumas iniciativas desenvolvidos no direito da antidiscriminação em especial modalidades de iniciativas legislativas e as ações afirmativas 51 Iniciativas legislativas Serão destacadas três áreas onde se concentram estas reações san ções civis administrativas e penais Importante frisar que a adoção de um tipo de resposta não impossibilita não fragiliza nem faz menos necessária sua conjugação com outra modalidade de reação As sanções civis englobam aqui medidas presentes no direito civil e no direito trabalhista Diante da oferta de um serviço à coletividade ha vendo discriminação contra determinada etnia há possibilidade de uma indenização pelo dano material e pelo dano moral daí decorrentes Do mesmo modo se um contrato deixa de ser celebrado motivado por um preconceito de origem regional ou nacional o prejudicado poderá buscar aquilo que perdeu e que deixou de ganhar materialmente além de uma reparação de natureza moral Nas relações trabalhistas seguese a mesma lógica ser desconsiderado para uma oferta de emprego ver preterida uma promoção ou ainda mais grave ser demitido em decorrência de discrimi nação tudo isso expõe o infrator à possibilidade de uma condenação por danos materiais e morais No âmbito administrativo há outras possibilidades de resposta Sem esquecer da indenização material e moral que será devida a um servidor público que tenha sido prejudicado em seu trabalho por razão discrimina tória o direito administrativo fornece ao Estado instrumentos para atuar Roger Raupp Rios 183 diante de discriminação É o que acontece por exemplo quando a fiscali zação do trabalho multa determinada empresa por discriminar pessoas com deficiência quando da admissão de seus empregados Mais ainda é no campo administrativo que as políticas públicas são desenhadas e exe cutadas Isto é especialmente importante na medida em que iniciativas de educação pública no interior dos estabelecimentos oficiais de ensino e para toda a comunidade serão impulsionadas pela Administração Pública Outra área vital é o sistema de saúde pública Por meio das políticas públi cas de saúde estereótipos podem ser reforçados ou combatidos com grande repercussão para os usuários diretos do sistema e para toda a so ciedade Ao terminar esta breve notícia dos instrumentos para o combate à discriminação direta é imprescindível indicar o direito penal No Brasil a legislação antidiscriminatória mais destacada é a Lei n 7716 de 1989 Ali estão previstas várias condutas onde o preconceito por motivo de raça cor etnia religião ou procedência nacional é criminalizado neste campo outro debate acirrado diz respeito à criminalização de outras discrimina ções como a homofobia Há extenso debate sobre a capacidade do direito penal para o combate efetivo à discriminação bem como se outros meios especialmente civis e administrativos não seriam mais eficazes 52 Ações afirmativas Tendo presente que a discriminação se reproduz ainda que sem no tarmos e inclusive contra a vontade dos indivíduos e instituições é preciso enfrentála Neste contexto são adotadas medidas destinadas a quebrar este ciclo injusto que percebendo esta realidade e a injustiça nela pre sente buscam corrigir tais distorções indesejadas mas concretas nas práticas cotidianas Estas medidas são as ações afirmativas explicitadas inclusive nos tratados internacionais de direitos humanos como se vê na Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação 184 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 Racial 4 As medidas especiais adotadas com a finalidade única de assegurar convenientemente o progresso de certos grupos raciais ou étnicos ou de indivíduos que precisem da proteção eventualmente necessária para lhes garantir o gozo e o exercício dos direitos do homem e das liberdades fundamentais em condições de igualdade não se consideram medidas de discriminação racial sob condição todavia de não terem como efeito a conservação de direitos diferenciados para grupos raciais diferentes e de não serem mantidas em vigor logo que sejam atingidos os objectivos que prosseguiam Não se desconhece que ações afirmativas são objeto de polêmica ainda que no debate jurídico brasileiro o Supremo Tribunal Federal te nha por unanimidade considerado constitucionais medidas instituidoras de ações afirmativas Arguição de Descumprimento de Preceito Funda mental n 186 Dizse por exemplo que programas conscientes do ponto de vista racial afastamse de considerações imparciais e objetivas ligadas ao mé rito causando danos injustos a vítimas inocentes as ações afirmativas nesta medida seriam violações da igualdade entendida como dever de igual tratamento de todos sem depender de características pessoais imu táveis tais como a raça Diante desta questão adeptos das ações afirmativas argumentam que a igualdade só será alcançada se estrategicamente o critério racial for con siderado beneficamente de modo temporário até que se construam condições fáticas onde a superação da discriminação racial possa provocar a desconsideração da raça sem elas dificilmente serão criadas condições para os indivíduos alcançarem sua emancipação individual As ações afirmativas desconsiderariam o mérito por exemplo ao considerar a raça em detrimento de competência na seleção por um posto de trabalho Defensores das ações afirmativas respondem com pondera ções sobre a finalidade da instituição do critério meritório e seu modo de funcionamento Não sendo caprichosa ou imoral a preocupação com a de sigualdade racial fruto das condições sociais e de injustiças passadas e Roger Raupp Rios 185 presentes sustentam que é admissível incluir o combate à discriminação e seus efeitos em conjunção com outros requisitos Deste modo a avaliação do mérito evita descontextualização e mais importante os efeitos da di nâmica tantas vezes invisível e inconsciente da discriminação institucional Méritos e desafios individuais assim seriam considerados no contexto maior da realidade concreta em que os indivíduos se inserem A própria ideia de mérito tomaria consistência Não se trata de um conceito abstrato mas depende em concreto daquilo que for considerado Podemse combinar critérios e concluir que um estudante negro para a Faculdade de Medicina tem mais méritos que a de um branco decisão para a qual podem concorrer os diversos méritos revelados diante das bar reiras enfrentadas pontuação em testes de conhecimentos a capacidade de superação diante dos mais diversos desafios pessoais e a fortaleza em face de condições sociais adversas Razões outras como a presença das habilidades requeridas nos dois candidatos a busca da diversidade a aten ção com as populações menos assistidas e o impacto social da escolha para a população minoritária podem ser decisivas para a definição do candidato mais apto para a vaga Isto é especialmente sensível em sociedades onde a desigualdade e a discriminação raciais apresentamse profunda disseminada e persistente contexto em que se fragiliza até a possibilidade da comparação de mérito individual entendido somente como pontuação em determinado teste de conhecimento entre pessoas posicionadas em patamares tão díspares Ademais estas ponderações são muito necessárias em sociedades onde es tereótipos tendem a desvalorizar grupos raciais numa atitude sistemática de desconfiança e desprezo diante de atributos e qualidades presentes em membros dos grupos subalternos Assim visto não há vítimas inocentes com direitos violados mas sim benefícios indevidos decorrentes do racismo A questão correta portanto não é de desprezo do mérito da vítima inocente mas sim de evitar privilé gios indevidos decorrentes da histórica supremacia branca Tratase de 186 Temas Atuais de Direitos Humanos Volume 2 proteger o direito dos indivíduos negros a concorrerem aos benefícios so ciais de modo equânime livres na maior medida do possível da injustiça estrutural que decorre do racismo e de seus efeitos 6 Considerações finais O panorama do direito da antidiscriminação bem como sua gênese e desafios contemporâneos deixam patente a necessidade de sua afirmação e de seu desenvolvimento para o avanço dos direitos humanos em especial quando tomados em sua perspectiva jurídica Ademais seus conceitos categorias e institutos acabam por traduzir em termos aplicáveis perante o sistema de justiça e o debate público insti tucional reivindicações centrais para o progresso de demandas sociais políticas econômicas e culturais comprometidas com os ideais de liber dade e de igualdade Referências ÁVILA Ana Paula Oliveira RIOS Roger Raupp Mutação constitucional e proibição de dis criminação por motivo de sexo Revista Direito e Práxis Sl v 7 n 1 p 2147 mar 2016 Disponível em lthttpswwwepublicacoesuerjbrindexphprevis taceajuarticleview17987gt Acesso em 10 abr 2020 BAMFORTH Nicholas MALIK Maleiha OCINNEIDE Colm Discrimination Law theory and context Londres Sweet amp Maxwell 2008 BOSSUYT Marc Bossuyt Interdiction de la Discrimination dans le Droit International des Droits de LHomme Bruxelas Bruylant 1976 COUNCIL OF EUROPE European Union Agency for Fundamental Rights Handbook on European NonDiscrimination Law Luxembourg Publications Office of the Eu ropean Union 2011 Disponível em lthttpsfraeuropaeuenpublication 2011handbookeuropeannon discriminationlaw2011editiongt Acesso em 10 abr 2020 Roger Raupp Rios 187 CRENSHAW Kimberle A intersecionalidade na discriminação de raça e gênero In VVAA Cruzamento raça e gênero Brasília Unifem 2004 Disponível em lthttpwwwacaoeducativaorgbrfdhwpcontentuploads201209Kim berleCrenshawpdfgt Acesso em 13 abr 2020 LACERDA Marcos PEREIRA Cícero and CAMINO Leoncio A study of prejudice forms against homosexuals anchored on social representations Psicol Reflex Crit online 2002 vol 15 no 1 cited 20080206 pp 165178 Available from httpwwwscielobrscielophpscriptsciarttextpidS01027972200200010 0018lngennrmiso ISSN 01027972 doi 101590S01027972200200 0100018 FREDMAN Sandra Discrimination Law New York Oxford University Press 2004 McCRUDDEN Christopher AntiDiscrimination Law New York New York University Press 1991 MOREIRA Adilson José O que é discriminação Belo Horizonte Letramento Casa do Di reito Justificando 2017 RIOS Roger Raupp Direito da Antidiscriminação discriminação direta indireta e ações afirmativas Porto Alegre Livraria do Advogado 2008 RHOODIE Eschel Discrimination in the Constitutions of the World Atlanta Brent wood 1984 SCHIEK Dagmar WADDINGTON Lisa e BELL Mark NonDiscrimination Law Oxford Hart Publishing 2007 SOLANKE Iyiola Discrimination as Stigma A theory of AntiDiscrimination Law Port land Hart Publishing 2017 A Editora Fi é especializada na editoração publicação e divulgação de pesquisa acadêmicacientífica das humanidades sob acesso aberto produzida em parceria das mais diversas instituições de ensino superior no Brasil Conheça nosso catálogo e siga as páginas oficiais nas principais redes sociais para acompanhar novos lançamentos e eventos wwweditorafiorg contatoeditorafiorg