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CONSTRUTIVISMO EVOLUÇAO OU MODISMO Sandra Mara Corazza RESUMO Construtivismo evolução ou modismo A partir de uma perspectiva so cio16gica integrada por ferramentas conceituais da teorização social p6sestruturalis tap6smodernista o texto antagoniza com dois sentidos correntes atribuídos ao constru tivismo pedag6gico quais sejam 1 o sentido que compreende esta prática como uma evolução 2 e aquele que lhe atribui a significação de ser um modismo Por tratá lo como uma prática discursiva no sentido foucaultiano envolvido porenvolvendo relações de podersaber opera sua analítica no que se refere l à educação pública brasileira 2 à criança do construtivismo e 3 ao lugar dos paismães no construtivismo concluindo que é mais do que tempo sim de desconstruir o construtivismo psico pedag6gico Palavraschave construtivismo Psicopedagógico desconstrutivismo político currí culo podersaber infânciaescolar ABSTRACT Constructivism evolution or a fad Based on a sociological perspective using conceptual tools of poststructuralistlpostmodernist social theory the text sets two current meanings attribudet to pedagogical constructivism against each other They are 1 the meaning which sees this practice as an evolution and 2the one which considers it a fad Since it treats it as a discoursive practice in the Foucaultian sense involved inlinvolving powerknowledge relations it analyses 1 Brazilian public education 2 the child of constructivism and 3 the place of fathersmothers in constructivism concluding that it is in faet high time to desconstruct psycho pedagogical constructivism Keywords psychopedagogical constructivism political desconstructivism curriculum powerknowledge schoolchildhood Podese afirmar sem receio de errar que se existe um nome pelo qual seja possível designar o tipo de discurso pedagógico que atualmente é hegemônico possuindo um consensual e elevado estatuto de verdade no campo da educação brasileira este nome é construtivismo Em outro texto já havia tratado deste predomínio de quase vinte anos analisandoo em termos de suas implicações para o currículo da educação das crianças ao interrogar os efeitos sociais de poder e de verdade advindos do fato do construtivismo ser tomado pelasos educadorases em suas práticas enquanto significado transcendental do curriculo nas Séries Iniciais do I Grau Neste trabalho estarei antagonizando com dois sentidos correntes atribuí dos ao construtivismo quais sejam 1 o sentido que compreende esta prática como uma evolução 2 e aquele que lhe atribui a significação de ser um modismo As recusas que farei a estes dois sentidos tanto em relação à evolução quanto ao modismo são formuladas a partir de uma perspectiva sociológica integrada pelas ferramentas conceituais da teorização social pós estruturalistapósmodernista a qual tem levado muitosas educadoresas a produ zir análises criticas diferenciadas e a desconstruir alguns dos fundamentos peda gógicos mais caros à educação escolar moderna Em primeiro lugar apresentarei dois argumentos gerais que justificam por que não considero o construtivismo nem como evolução nem como modismo e direi como venho significando este discurso em meus estudos e pesquisas Depois disso operarei uma analítica do construtivismo que nos levem a repensá lo criticamente no que se refere 1 à educação pública brasileira 20 à criança do construtivismo e 30 ao lugar dos paismães no construtivismo Nem evolução A meu ver o construtivismo não pode ser tomado como evolução porque esta palavra implica a idéia de progressivismode progresso de passar de uma condição ou de um estágio mais primitivos para outros mais complexos e me lhor estruturados A própria palavra evolução indica que se saiu de um está gio inferior para outro superior de uma posição em uma série que era mais atrasada para outra mais desenvolvida de um lugar confuso e desordenado para outro menos caótico e mais bem ordenado Como argumentarei não se trata de nada disto Para ser considerada como evolução a prática pedagógica construtivista implicaria em ser mais avançada do que as anteriores por exemplo mais avançada do que aquelas que nos habituamos a chamar pejorativamente de tradicionais Pelas análises de epistemologia social que realizo é possível considerar o construtivismo como uma prática discursiva no sentido dado pelo filósofo francês 216 Michel Foucault qual seja mais do que uma fonna de falar de produzir dis curso é possivel entender o construtivismo como uma prática que toma corpo em processos técnicos em instituições em padrões de comportamento geral em fonnas de se transmitir e difundir e em fonnas pedagógicas que são histo ricamente produzidas no contexto de relações de podersaber especificas Discurso portanto que não é simplesmente um jeito de falar de expressar ou de representar as coisas os acontecimentos as pessoas mas que ativamente produz práticas instituições subjetividades poder e verdade nonnatizando quais ações e instituições educacionais são consideradas verdadeiras e em conse qüência quais as que são falsas quais são as vozes profissionais que podem falar e quais as que devem se calar quais os sentimentos e desejos pedagógicos que podemos ter e quais os que precisam ser proscritos Entender o construtivismo como uma prática discursiva faz com que não se possa sustentar a distinção tão querida por algunsalgumas educadoresas que afinna ser a teoria construtivista uma coisa enquanto a prática construtivista é outra coisa bem diferente daquela e que é justamente a apli cação que fazemos da teoria em nossas práticas pedagógicas que apresenta problemas equivocos e distorções Ao se fazer esta distinção a culpa e a responsabilidade pelo maudefeitu oso uso da teoria construtivista fica sendo atribuida às professoras e aos pro fessores que não estudam ou estudam insuficientemente ou que mesmo estudando não têm condições intelectuais e epistemológicas de compreender de maneira adequada a teoria que é tão complexa ou que mesmo conhecendo e entendendo a teoria construtivista não fizeram a opção política progressista necessária para adotar o paradigma construtivista em sua prática pedagógica De todo modo a teoria construtivista pennanece isenta de qualquer critica não podendo ser posta em questão já que é em essência indiscutivelmente demo crática e emancipadora da iniancia e das crianças e por extensão da sociedade O construtivismo como prática discursiva vem sendo enunciado no cam po educacional brasileiro legislando sobre a verdade das instituições escola res e dosas educadoresas determinando quem e o que estão certosas e quem e o que estão erradosas quem é legitimoa e quem não o é quem e o que são verdadeirosas e quem e o que são falsosas quem e o que são progres sistas e quem e o que são atrasadosas ou tradicionais ou seja quem e o que são enunciados em tennos inclusivos e quem e o que como excluidos Da perspectiva pósestruturalista podemos afinnar que o construtivismo não é uma fonna de discursividade nem de racionalidade novas evoluidas em relação aos discursos e às racionalidades que embasaram as práticas pedagógi cas antecedentes Por quê Justamente por ser uma continuidade uma repeti ção que nunca é fazer alguma coisa da mesma maneira mas que mesmo assim repete tal como tropeçamos duas vezes na mesma pedra embora de ângulos diferentes 217 Repetição do quê Do discurso pedagógico da Modernidade que começa a ser produzido desde o Renascimento alavancado pelo surgimento do sentimento de infància ao final da Idade Média o qual acabará por ser corporificado em uma forma de discurso que sintetiza a Religião a Ciência e a Lei para melhor governar as crianças e suas identidades sociais pela via da escolarização Um discurso pedagógico que apenas para apresentar três históricos pon toschave tem em Rousseau filósofo francês do século XVIII um de seus fundadores ao colocar a necessidade de conhecer a criança e a infância para melhor poder educálas de forma natural na Escola Ativa das primeiras déca das de nosso século sua principal seguidora e operadora deste tipo de conhecimen to no espaço escolar institucionalizado e no dicurso construtivista contemporâ neo sua vontade de saber mais elaborada e sua vontade de poder mais desenvol vida minuciosa e eficiente Um discurso pedagógico portanto bem antigo ao contrário do que se alega que foi assumido especialmente pelas psicologias modernas e de cujas ações resultou entre outras coisas o discurso psico pedagógico que constitui a forma caracteristica do discurso predominante no campo da educação escolari zada o qual acabou por despolitizáIa e ao fazer isto por retirar a pedagogia e o curriculo de seus campos contestados bem como esvaziar seus papéis de produtores de subjetividades e de identidades sociais nas dimensões de gênero raça etnia classe idade escolha sexual etc Assim entendido o construtivismo nada tem de evoluído pois em que consiste é dizer e fazer coisas velhas de um jeito supostamente novo Mas em que consistem estas coisas velhas que não estão sendo ditas nem feitas pela primeira vez pelo discurso construtivista mas que ao contrário vêm sendo ditas e feitas há mais ou menos dois séculos pela prática discursiva psico pedagógica da educação escolar moderna Ora por exemplo que a criança é em verdade uma criançaescolar umla alunoa um estudante uma criançadeescola Esta categoria de raciocínio so cial não é natural nem eterna mas foi historicamente articulada pelas produ ções das ditas Ciências Humanas e hoje é quase impossível visualizar as crian ças como qualquer outra coisa que não estudantes Tal criança assim pensa da é particularmente vista pelos outros e compreende a si própria como uma pessoa racional solucionadoradeproblemas e em desenvolvimento Este modo de pensar classificar e compreender a criança enquanto sujeito e a infância enquanto uma das experiências fundamentais da vida humana vem provocando efeitos e transformações concretas nas relações institucionais nas tecnologias sociais e nos sistemas de idéias e tendo conseqüências para as formas como a identidade infantil deve ser vista compreendida sentida desejada e também como se deve agir sobre ela Acaba constituindo nossa linguagem e pensamento de tal modo que nos leva a fazer aquelas mesmas coisas no espaço escolar que vêm sendo feitas 218 desde que a escola de massas se instalou quais sejam disciplinar as ações das crianças tomar seus corpos úteis e dóceis regular seu tempo e distribuir seus espaços normalizar sua moralidade e cognição ensinar determinados conheci mentos monoculturais construir identidades sociais e particulares em uma dada direção e não em outras Desde esta perspectiva o construtivismo está irremedia velmente colocado em um campo de tensões conflitos lutas e disputas por significados culturais portanto em um campo politico no qual para o pensar precisamos sempre relacionar conhecimento e poder O construtivismo enquanto prática discursiva não pode ser considerado uma evolução porque é uma continuidade do discurso pedagógico moderno o qual em suas operações e rituais cotidianos vê observa anota classifica descre ve avalia julga enquadra e esquadrinha a criança e por tudo isto ativamente produz uma genérica criançanaturalescolar e sobre ela exerce suas relações escolares de podersaber a fim de controlar e regular a população infantil Em suma o construtivismo é uma das tantas práticas pedagógicas que como todas as outras utilizadas na história da educação de massas termina resultando em uma tecnologia disciplinadora que ajuda a consolidar materialmente a maqui naria escolar para o governo das crianças Nem modismo 000 Afirmar como fazem algunsalgumas educadoresas que o construtivismo é uma onda da moda um inocente e instantâneo modismo que logo logo passará ou que já está passando como passaram o comportamentalismo o humanismo rogeriano o tecnicismo educacional a pedagogia criticosocial dos conteúdos constitui também a meu ver um grande equivoco Por quê Porque considerar uma prática discursiva dêse ela onde se der sob esta categoria a da moda implica em que não liguemos muito para ela pois apostamos em sua transitoriedade em sua não permanência em sua leveza passageira e conseqüente dissolução Em um certo sentido uma moda é algo que chega fica forte e depois de algum tempo ninguém lembra mais como era Algo assim como o bambo lê de minha infiincia brinquedo que todas as crianças desejavam e que depois ficou guardado apenas na lembrança dasos mais saudosistas Olhar e entender o fenômeno do bambolê apenas como um modismo levanos a desconsiderar toda produção social e subjetiva produzida por este aparentemente inocente brinquedo infantil Quem como eu viveu esta moda deve se lembrar como o bambolê cria va além de divertimento também divisões sociais entre aquelas crianças que o tinham e aquelas cujos pais e mães não podiam comprar também como dentro dos próprios grupos eram valorizadasos aquelas meninas e meninos que mais 219 se destacavam no manejo daquele brinquedo das promessas que eram feitas pelos adultos e dos castigos que sofriamos se não nos comportássemos como devíamos em função de ganhar ou de não ganhar este objeto de ganhar ou de não ganhar o segundo bambolê de ganhar ou de não ganhar os bambo lês im portados etc Ou seja aquele brinquedo assim como os mais atuais tais como a anoréxica boneca Barbie os Cavaleiros do Zodíaco o Lego o Kinder Ovo os Rollers o Super Nintendo era mais muito mais do que uma inofensiva moda inventada pelo comércio pela indústria ou pela propaganda era um dispositivo de produ ção de grupos sociais de relações de poder de formação de identidades e por tanto mais um fator de discriminação e de exclusão Se este exemplo pode parecer inadequado em comparação com o constru tivismo ao menos funciona para mostrar que a categoria moda é absoluta mente frágil e muito pouco sociológica para analisar o que quer que seja quan to mais em se tratando de uma ação como a educacional que fortemente pro duz efeitos sociais políticos e subjetivos regulando as relações das pessoas consigo mesmo e com os outros fazendo com que pensemos determinadas coi sas sobre nós própriosas determinando que classifiquemos o mundo e as pes soas de uma determinada maneira e não de outra Por isso o construtivismo não pode ser analisado como um modismo e sim como uma prática discursiva implicada em relações de podersaber e em uma específica política cultural de representações as quais produzem identidades e sujeitos numa dada direção devendo e podendo ser analisado a partir de outras perspectivas analiticamente mais ricas e politicamente mais fortes Se não é nem evolução nem um modismo o que o construtivismo é então alguém perguntaria Vou complicar um pouco mais esta análise e afirmar que esta não parece ser uma boa pergunta porque o construtivismo não é alguma coisa essencial um ente que existe em si mesmo nem uma teoria ou uma prática desencarnada muito menos um conjunto de resultados de investigações reali zadas por algumla cientista ou grupo em seus laboratórios ou em seus gabine tes de trabalho Uma pergunta bem mais produtiva poderia ser como o construti vismo veio a se constituir enquanto o regime de verdade hegemônico da atual educação das crianças no Brasil E em um segundo tempo poderiamos tentar responder ao porquê deste elevado estatuto e de seu forte prestígio no campo educacional atual Estas são questões que ultrapassariam os limites deste texto por exigirem minúcia na análise e uma historicização genealógica das práticas discursivas da pedagogia moderna e da escola como instituição cultural tais como as realiza das por alguns estudos os quais permitem afirmar que ao significar o construtivismo como uma prática discursiva por isso envolvido porenvolven do relações de podersaber compete a nós professorases pais mães estudan tes funcionários e funcionárias das escolas realizar esforços para analisar 220 criticamente tal prática buscando descrever e desconstruir seus efeitos de verdade e de poder para nós própriasos para as crianças particulares suas identidades e seus grupos culturais Para dar o quê pensar passo a problematizar algumas questões que nos acostumamos a tomar como dadas a questionar algumas das fonnas de racioci nar e de produzir princípios de ordenação acerca do construtivismo pedagógi co não sem antes sublinhar que tal estratégia analítica consiste em apenas uma de tantas ações possíveis de serem operadas para desestabilizar e desconstruir os tennos nos quais fonnulamos nossas palavras frases pensamentos e práticas pedagógicas quer sejam escolares quer sejam teóricas ou investigativas A educação pública brasileira desconstrutivismo X construtivismo Na educação escolar das crianças no Brasil de hoje o que encontramos Em sua parte mais visível as políticas educacionais do Estado neoliberal que vêm deteriorando o capital simbólico e material dos sistemas públicos de ensino determinando o rebaixamento dos salários e do estatuto social dasos professorases estabelecendo a insuficiência de dotações orçamentárias pro movendo precárias condições fisicas e materiais das escolas fragilizando a for mação continuada dosas docentes exemplificada na baixa demanda pelos cur sos de licenciatura reproduzindo o persistente fracasso escolar das crianças de grupos sociais em desvantagem enfraquecendo a força reivindicatória dos sin dicatos e das associações docentes etc De algum modo é possível afinnar que está em processo um intencional desconstrutivismo político do sentido da educação pública como direito arduamente conquistado através de lutas democráticas de muitas décadas por diversos movimentos sociais e sindicais em direção ao estabelecimento de uma educação como mercadoria Desconstrutivismodesmontagem promovidos por meio de uma política educacional nacional que objetiva submeter o sistema público de ensino a me canismos de mercado e à privatização colonizando o campo educacional atra vés de esquemas empresariais tais como os de produtividade gerência walia ção qualidade total tudo isso centrado em critérios economicistas e produtivistas manifestos em medições e padrões de excelência os quais justificam colocar as escolas suas direções alunos e alunas seus professores e professoras em um ranking educacional e distribuir verbas e prêmios equivalentes à efiCiência dos resultados medidos por tais critérios O paradoxo é bem este se de um lado é visível a desconstrução política como desmontagem material e simbólica do sistema educacional democráti co brasileiro de outro o significado mais fortemente transmitido é o da 221 construgaéo pedagogica do alfabetismo de conhecimento da lingua escrita do curriculo da inteligéncia do desenvolvimento infantil do sujeito aut6nomo e independente da emancipacAo da cidadania responsavel da gestao democra tica das escolas da carreira docente etc De dentro deste paradoxo preciso perguntar o construtivismo pedagégi co nao estara servindo como a crencga como a verdade de que necessita o Estado neoliberal brasileiro para instalar suas politicas educacionais descons trutivistas Talvez seja necessdério e premente para o projeto deste Estado deslocar da arena politica a esfera de luta dasos educadorases e também da sociedade civil organizada e levalasos a centrar seus esforcos praticas e teorizacdes nos significados psicologicoepistemolégicopedagégicos da educagao escolarizada para nos fazer acreditar que é possivel salvar a educagAo brasileira por meio de atividades de desenhos curriculares e de transposiéo didatica em que as descobertas cognitivas das psicologias construtivistas seriam traduzidas num tipo especial de pedagogia construtivistalibertadora e num didatismo critico progressista isolando a educagao de seu contexto social e de seus componen tes politicos E importante lembrar como exemplo atual desta posico os Parametros Curriculares Nacionais PCN fortemente inspirados pelas bases tedricas da psicologia e da epistemologia genéticas e interacionistassociais e da psicopedagogia presentes em todos os textos de todos os documentos as quais constituem seu viés psicologizante por exceléncia Sem falar do processo de sua elaborag4o os PCN que nada mais so do que o verdadeiro curriculo nacional e a base programatica dos exames nacio nais assumem e explicitam a forte conexdo que osas especialistas do MEC estabelecem entre a constatacdo dos baixos desempenhos educacionais das cri ancas das escolas publicas e em seu diagndéstico a inadequagio das pro postas curriculares e metodologicas que vém sendo feitas cuja corregdo e adequacéo sao justamente fixadas tendo por paradigma central as teorias construtivistas Quando todos e todas nés sabemos que a raiz maior dos problemas educa cionais deste pais tem de ser buscada nas politicas econédmicas e sociais de privagao e exploragao e também de distribuigo desigual de recurso simbdli cos e materiais quando todos e todas nés sabemos que a questio principal dos baixos desempenhos dosas estudantes nao eminentemente técnica nem dida tica nem pedagégica nem curricular nem epistemoldgica embora pertenga também a estas ordens mas fundamentalmente social e politica vinculada a decisdes e a conflitos sobre quais grupos e 4reas obtém quais recursos e em que quantidade que é relacional em seu vinculo com a distribuicio e parilha dos recursos e da riqueza os quais s4o distribuidos sim mas a favor dos interesses dos grupos econémicos e empresariais do capital nacional e internacional ape 222 nas para usineiros grandes proprietarios rurais banqueiros etc pouco ou nada sobrando para a satide e educacao do povo Ainda dentro deste paradoxo entre desconstrutivismo material e simb6 lico e construtivismo psicopedagdégico e curricular existe uma questao bem forte aquela que coloca o construtivismo com um poder legislador acerca de pertengas das quais a mais fundamental é esta ser construtivista versus ndo ser construtivista ou entéo numa variacado temporalizada também muito freqiiente ser construtivista versus ndo ser construtivista ainda Estas oposig6es foram transmitidas internalizadas e prosseguem sendo ar ticuladas por um semnimero de professoresas em diversas circunstancias e em variadas situacées desde as salas de aula das universidades até seminarios congressos cursos artigos e livros educacionais assim como constituem mate rial de propaganda ao lado da informatica e do ensino de linguas estrangeiras de muitas escolas particulares para chamar alunosas ou como insignia para instituicdes paraescolares como clinicas de reeducaco especialistas em dificul dades de aprendizagem servicos de psicopedagogia etc Costumam ser postas a funcionar como verdadeiros impasses e ativamente produzem o saberpoder dizer alguma coisa acerca do curriculo e da pratica pedagogica da educagao das criangas dotam pessoas e instituigdes de legitimi dade estabelecem falas e posigdes consideradas cientificamente verdadeiras definem acées consideradas plausiveis creditam hierarquias regulam relacgdes sociais e intersubjetivas fazem ganhar ou perder disputas por financiamentos e conferem prestigios académicos Estara o discurso capitalista da assim chamada Nova Direita promovendo a produc4oreprodugao da crenga na possibilidade de fabricar sujeitos que exer gam plenamente sua cidadania democratica conforme expressdo recorrente dos PCN e uma sociedade mais justa e democratica apenas através de uma aplicagado psicopedagogicamente correta da epistemologia construtivista cujo essencialismo deveria ser incessantemente buscado por aqueles e aquelas que nfo se fizeram ainda racionalmente competentes para tal Ou que ainda nao optaram politicamente pelo construtivismolibertador Por esconder as relacées desiguais de poder politico embutidas em tal pra tica discursiva que vem se utilizando do construtivismo como bandeira e ao mesmo tempo comocortina de fumaga o projeto neoliberal tomnaria as assimetrias ainda mais injustas colocando as escolas e asos professorases em outrotipo de ranking cuja disputa estaria de antem4o ganha por aquelas e aqueles cuja escolha fosse tomada em prdl da qualidade total construtivista e desconsiderando tudo aquilo que efetivamente produz a desigualdade social e econémica de uma sociedade estratificada como a brasileira Caso esta hipétese possa ser confirmada entdo aquela teoria educazional mesmo se pretendendo critica radical emancipatoria conscient cadora libertadora cidada que elegesse o construtivismo como seu significado princi 223 paI nada mais estaria fazendo do que contribuindo para tomar ainda mais potente o discurso da Qualidade Total em Educação que na redefinição privatista da nova ordem nacional e internacional deve substituir o discurso de democratiza ção da educação pública Então é preciso perguntar a quem o construtivismo beneficia Que uso político e pedagógico vem sendo feito dele Em que direção estão indo as rela ções de podersaber disputadas em nome do construtivismo pedagógico É para ali que nós trabalhadoresas da educação queremos ir A criança do construtivismo o esquema predominante de racionalidade da pedagogia moderna enqua dra a criança como podendo ser classificada através de estágios de desenvolvi mento de categorias psicológicas e morais do eu e de medidas racionais de rendimento Estas classificações costumam ser apresentadas como intemporais e universais vendo a criança em relação a elementos universais e a sistemas profissionais de conhecimento e não mais nas interações faceaface de suas comunidades ou nas experiências culturais de seus grupos sociais Tal hãbito classificatório somente pôde ser produzido em um espaço social fechado a escola Como o historiador francês Philippe Aries investigou a escola substituiu a aprendizagem como meio de educação deixando a criança de ser misturada aos adultos e de aprender a vida diretamente em contato com eles tal como foi feito até a época medieval Assim a criança esta criatura específica que só passa a ser falada e concebida diferentemente a partir do século XIII ou XIV foi separada dos adultos e mantida à distância numa espécie de quarentena antes de ser solta no muil9 Começava então um longo processo de enclausuramento das crianças que se estenderia até nossos dias e ao qual se deu e se dá o nome de escolarzação Diversas intãncias serão produzidas neste espaço social por práticas escolares também diversas a infância rica será educada por delegação da família onde colégio e dupla parental apresentarão coincidência de propósitos e farão uma espécie de contrato social enquanto a infância pobre será diretamente assumi da pelo Estado O enclausuramento na escola dos meninos e meninas pobres crianças ex postas e deficientes órIaosãs e desamparadosas filhosas de artesãosãs ope ráriosas e camponesesas romperá com seus laços de sangue amizade relação com o bairro com a comunidade com os adultos com a terra com o trabalho com as formas como eram pensadosas como pensavam a si própriosas e ao mundo no qual viviam A criançapopular nasce em grande medida desta vio lência legal que a arranca de seu meio de sua classe de sua cultura para convertê la numa criançadeescola profundamente desenraizada 224 A maquinaria escolar será potente para o controle de um laço social dividi do em classes e culturas diferentes A escola de massas consolidada como um artefato cultural na paisagem social do século XIX atendia às necessidades práticas dos Estados administrativos modernos que precisava de seus serviços pois era necessário governar as populações que se aglomeravam nas zonas urba nas que se inseriam no processo de industrialização que se organizavam em novos grupos de trabalho e de interesses que reivindicavam formas democráti cas de participação no Estado de BemEstar social recémnascido Foram então descobertas as qualidades disciplinadoras e reguladoras da pedagogia que se fortaleceu por meio das produções científicas de diversas disciplinas tais como a Filosofia Sociologia História Biologia Lingüística Didática e especialmente a Psicologia do Desenvolvimento da Criança da Aprendizagem da Educação Assim chegamos aos nossos dias tendo de educar uma criança concebida essencialmente como raciocinante uma das idéiaschave do século XX que forma uma das grandes metanarrativas da ciência Esta metanarrativa conta uma história sobre o desenvolvimento e o pensamento infantis que pretende ser verda deira para todos os tempos povos lugares e que vê todas as crianças como progredindo em direção ao pensamento formalabstrato o qual é considerado como o tipo supremo de pensamento do indivíduo civilizado Tal concepção deixa de levar em conta a produção do pensamento nas prá ticas reais concretas além de nivelar todas as crianças pelos mesmos níveis de desenvolvimento contando verdades sobre a iniancia que justamente acabam por produzir um padrão normal de criança ao qual todas as crianças particula res devem se ajustar sob pena de serem excluídas marginalizadas discrimina das As teorias de desenvolvimento do raciocínio quando incorporadas à edu cação como é o caso do constnJtivismo servem para produzir o tipo desejado de sujeito considerado como normal e para patologizar as diferenças Aquele ou aquela tomados como diferentes são aquelesas que por estarem fora do padrão devem ficar excluídosas da norma passando em tal ou qual grau a serem consideradosas e tratadosas como anormais A produção do discurso construtivista faz surgir uma criança transparente à lógica uma criançaminiaturadecientista a mesma em todas as culturas e em todos os os tempos variando apenas o ritmo de seu progresso em direção ao pensamento formalabstrato uma criança replicante de cientista aí aparece a qual pode ser analisada como sendo uma cópia do sujeito masculinoadulto da ciência individualizado racional consciente autônomo unitário centrado calculável e por tudo isto potencialmente maleável Estaremos fortalecendo com nossas práticas pedagógicas construtivistas aquilo que vem sendo chamado de fim da iniancia Em outras palavras o que estamos fazendo com aquele sentimento de iniancia que o Renascimento come 225 çou a produzir Talvez exigindo no espaço escolar e na sala de aula que as crianças tenham respostas para as perguntas que ela mesma faz à professora que seja autônoma que tenha desejo permanente de aprender e de se informar que opine sobre tudo que seja sintonizada com mudanças que tenha sempre iniciativas que formule hipóteses e teorias sobre as coisas que seja independente para pensar e agir que tenha senso de autodisciplina que controle suas emo ções que participe solidariamente no grupo de trabalho Nas familias e nos espaços culturais mais ampliados querendo cada vez mais depressa que nossas crianças sejam em tudo semelhantes a nós vestindo as com as mesmas roupas basta ver as revistas de moda com roupas iguais para meninas e suas mães ou para os meninos e seus pais dando de presente às meninas assim que nascem muitas vezes no próprio hospital batons esmaltes estojos de maquilagem permitindo às adolescentes que se vistam como mulheresemminiatura desde os 11 12 anos não tendo um espaço familiar reservado às crianças soterrandoas com muitos objetos de satisfação exigin do que assumam posições politicas que saibam se governar e escolher que vão aprender as coisas da vida e do mundo nas ruas e nas sinaleiras das cidades grandes com outras crianças ou que desde muito pequenas sirvam aosàs adul tosas de objeto sexual Que sejam enfim adultosas em miniatura refletidosas em nosso espe lho narcisista cultural e escolar que cada vez mais vê na criança oa adultoa e que talvez nossas práticas pedagógicas construtivistas estejam produzindo e reproduzindo de forma ativa também dentro das salas de aula e das escolas Os pais e as mães no construtivismo o sociólogo inglês Basil Bernstein realiza uma análise extremamente im portante para a problematização do construtivismo pedagógico ao distingüir o que chama de pedagogias visíveis daquelas que chama de pedagogias invisí veis As pedagogias invisíveis seriam aquelas utilizadas na educação infantil e no ensino básico onde operam classificações e estruturas frágeis em oposição às pedagogias visíveis postas a funcionar através de classificações e estruturas rigidasfortes O autor relaciona um grupo de teorias incluídas no enquadramento das pe dagogias invisíveis citando as obras de Piaget Freud Chomsky Gestalt Sua análise é bastante rerroada e dela tomo apenas aqueles elementos referentes à situação dos familiares ou dos responsáveis pela criança em seus efeitos e relações com as pedagogias invisíveis que nos ajudam a questionar o construtivismo Para este enfoque as pedagogias invisíveis nas quais sem dúvida pode mos incluir o construtivismo pedagógico constituem um sistema bloqueador 226 tanto em relação à família como em relação a outros graus de ensino I quanto aos graus superiores de ensino estas pedagogias lhes são antagônicas pela opo sição que fazem a seus conceitos de aprendizagem e formas de relações sociais 2 são também bloqueadoras das familias tanto da classe média quanto da clas se trabalhadora por acusálas de criar uma deformação na criança através de uma educação parental equivocada Entretanto se a nova classe média lida melhor com tais pedagogias que não têm uma seqüência definida não usam livro texto não apresentam regras explicitas de comportamentos não indicam claramente critérios de avaliação etc é a família das classes trabalhadoras que vai ter maior dificuldade e mes mo impossibilidade de conviver com elas pois tais pedagogias chegam até mesmo a mudar o relacionamento famíliaescola e familiacriança Para os paismães dos grupos sociais em desvantagem as pedagogias visí veis são imediatamente compreendidas I as competências básicas por ela trans mitidas de ler escrever e contar são dispostas em uma seqüência explicitamente ordenada e por isto fazem sentido são inteligíveis 2 as falhas enfrentadas pelas crianças são simplesmente consideradas como falhas das crianças e não da escola porque para estas famílias a escola faz seu trabalho de forma impes soal 3 as formas de controle social da escola não interferem com o controle social da família já que são do mesmo tipo familiar como castigos e repreen sões 4 a professora da escola não tem um alto status porque as competências que ela transmite podem também ser transmitidas pela mãe por exemplo existin do assim uma relativa extensão simbólica entre o lar da classe trabalhadora e aquela escola que trabalha com as pedagogias visíveis Porém no caso das pedagogias invisíveis observase uma aguda e muitas vezes uma trágica descontinuidade I as competências a serem adquiridas pela criança são difusas porque não ficam bem definidas pela escola 2 a forma de controle social escolar pode estar divergindo muito em relação ao lar ou seja as maneiras de se comportar as relações adultosascriança as normas e regras para a convivência familiar costumam ser muito diferentes daquelas das famíli as de grupos sociais em desvantagem 3 além disto as teorias psicológicas das pedagogias invisíveis costumam não ser conhecidas pela família ou ser entendi das erradamente 4 a falta de ênfase nas competências básicas e a maior demora em sua aquisição ler escrever contar podem tomar a criança um mem bro menos efetivo da família como não ser capaz de levar recados de fazer compras de entender as coisas do mundo e da vida tal como sua familia etc As pedagogias invisíveis contém uma teoria de transmissão diferente e ou tras tecnologias de subjetivação e de disciplinamento que consideram o ensina mento informal da familia e seus valores educacionais como irrelevantes ou mesmo completamente nocivos Neste caso se a família pode ser útil para a educação escolarizada ela precisa ser resocializada ou então mantida fora afastada do caminho da escola 227 As relações de poder mudam entre a família e a escola também porque a professora e a escola são consideradas como detentoras de um total saber sobre a criança e a infância e os familiares são vistos como alunos tanto quanto as criançasestudantes Por exemplo se alguma destas famílias quiser entender as teorias das pedagogias invisíveis poderá encontrarse diante de complexas e dificeis teorizações acerca do desenvolvimento infantil Por isto a família não sabe ou não pode prover sua criança de ajuda espe cífica e quando o faz a professora costuma reclamar que está atrapalhando o desenvolvimento natural da criança sendo mesmo costumeiro nas escolas construtivistas organizar reuniões para ensinar aos familiares ou responsá veis as ações que devem fazer e aquelas que não devem ser feitas com as crian ças As avaliações das pedagogias invisíveis costumam ser escritas em lingua gem eminentemente técnica dificil ou mesmo impossível de ser compreendida por outros que não osas própriosas técnicosas Por estas pedagogias a criança é mais do que tudo separada culturalmente de sua família podendo tomarse urna estranha verdadeira alienígena em seu próprio grupo Ao contrário as famílias de classe média requerem para suas crianças este tipo de pedagogia que aliás historicamente foi institucionalizada primeiro no setor privado de ensino Mas estranhamente após a préescola e as séries iniciais do I Grau são estas mesmas famílias que exigem que as escolas tomem mais rigidas mais fortemente visíveis suas pedagogias ensinando então e de forma cada vez mais potente as competências específicas necessárias para o vestibular por exemplo ao contrário das famílias das classes populares que não dispõem como se sabe do mesmo poder reivindicatório e cujas crianças não dispõem pela própria estratificação social da mesma disponibilidade de tempo e das mesmas possibilidades de acesso e de permanência ao longo de todo lon go processo de escolarização É tempo de desconstruir o construtivismo Ao se colocarem como libertadoras progressistas criticas emancipatórias conscientizadoras cidadãs as psico pedagogias construtivistas escondem suas relações e produções de poder bem como seus efeitos de verdade tornandoos tanto a verdade quanto o poder mais fortes Poder e verdade sobre quem Sobre a criança suas famílias suas identidades culturais e seus grupos sociais assim como sobre nós própriosas enquanto educadoresas De outro lado sendo colocadas pelosas interessadosas como o remédio para os principais males dos baixos desempenhos das crianças das escolas públicas brasileiras a prática discursiva das pedagogias construtivistas enfra quece uma análise e urna luta que precisam se dar e se dão fundamentalmen te na arena social e cultural das disputas políticas Ou seja ao invés de remé 228 dio o que as pedagogias construtivistas podem estar produzindo talvez nada mais seja do que um veneno que nós educadoras e educadores brasileiras os estamos aceitando tomar e mesmo com ele nos automedicando Por tudo isso afirmo que é mais do que tempo sim de desconstruir o construtivismo psico pedagógico Penso que é necessmo que o façamos po rém espero ter demonstrado que a urgência de produzir este tempo e esta hora não nos exime de realizar trabalhos de forma cuidadosa séria e responsável já que a situação da educação democrática no Brasil e nossa própria condição de educadorases nos constituíram como um dos grupos de risco da nova ordem política e econômica global para o qual seria absolutamente intolerável e mesmo suicida pretender desconstruir o construtivismo de um jeito superfi cial leviano e brincalhão Notas 1 Título sugerido pela FEDERAPARS e ACPMFederação quando da realização do 11 Encontro Regional Construtivismo Evolução ou Modismo realizado em PelotaslRS no dia 03 de junho de 1995 para o qual uma primeira versão deste texto foi produzida e apresentada em Painel 2 Corazza1995a 3 Por exemplo em língua portuguesa ver os trabalhos de Silva 1993ab 1994 1995 Silva Moreira1995 VeigaNeto 1995 Costa 1996 4 Os questionamentos e antagonismos que aqui apresentarei não visam desmerecer nenhum educador ou educadora em particular grupos ou instituições que assumem adotam e valorizam o construtivismo como norteador de suas ações educacionais constituem apenas um modo diferente de pensar e reproblematizar o que vem sendo pensado falado e feito acerca e em nome do construtivismo Por ter sido durante algum tempo divulgadora de tal discurso em trabalhos de formação de professores as bem como por ter aplicado o construtivismo em minha prática pedagógica de alfabetizadora de crianças jovens e adultos venho de dentro deste discurso e acre dito que tenho ampla legitimidade para dele fazer a critica autorizandome a questioná lo 5 Termo produzido por Popkewitz 1994 para os estudos históricos que se dão sobre as formas construídas de raciocínio acerca dos objetos discursivos da escolarização em que não se tomam tais objetos como integrantes de um evolucionismo progressivista mas os colocam no contexto de lutas para classificar ordenar e definir os objetos do mundo isto é em um campo de tensões conflitos lutas e disputas por significados portanto em um campo que relaciona sempre conhecimento e poder 6 Foucault1972 7 Aries1981 8 No sentido da governamentalidade de Foucault 1979 9 Popkewitz1994 p178 229 10 Da forma como é feita pelos dispositivos pedagógicos da observação autoavalia ção e a expressão dos dados assim coletados por meio dos Pareceres Descritivos tal como venho investigando Corazza 1995b 1996 11 Ver por exemplo Narodowski1994 e Varela 1995 12 Ao indagar desta forma no Brasil de hoje tomome concernida à minha própria experiência de trabalho e de existência sem que ai exista nenhuma espécie de naci onalismo ou qualquer pretensão de isolar o texto da educação das crianças brasilei ras dos textos educacionais de outras sociedades ocidentais contemporâneas Tampouco me faço cargo deste universal sociedade ocidental contemporânea pois reconheço que existem especificos historicamente produzindo particularidades locais que en volvem e são envolvidas por diferentes relações de tempo espaço e de podersaber embora veja que existem problemáticas comuns à cultura ocidental tais como as de classe gênero raça etnia idade subjetividade escolhas sexuais e também de in fãnciaescolar 13 Gentili 1994 14 Parâmetros Curriculares Nacionais parecer da Faculdade de Educação da UFRGS 1996 15 Como já perguntara anteriormente em Corazza 1995a 16 Silva 1993a 17 Em nada democrático muito menos participativo que deixou de fora múltiplas vo zes como as dos sindicatos movimentos sociais associações cientificas e professo ras e professores de I Grau 18 Parâmetros Curriculares Nacionais 1996 19 Aries1981 20 Conforme mostram AlvarezUria e Varela 1991 21 Walkerdine 1984 22 Jerusalinsky 1989 23 Popkewitz 1993 24 Em outro trabalho Corazza I 995a p228 apresentei uma correspondência possi vel entre o sujeito ideal do construtivismo expresso em textos educacionais e nas falas de professoras e o perfil do profissional dos anos 90 apresentado pela Revista Veja em 1911094 25 Em uma escola municipal de Porto Alegre em 1994 durante a realização de elei ções simuladas para o governo estadual um menino de 9 anos perguntou à professo ra Por que eu tenho de votar professora Sou só uma criança 26 Bernstein 1984 27 Descrito em Corazza 1995b 28 Com este titulo apresentei uma palestra inspirada no presente texto durante o XII Seminário Internacional de Alfabetização e Educação A Sociedade PósModerna Outras Perspectivas organizado pela FEEVALEINHRS em agosto de 1996 230 Referências Bibliográficas Parâmetros Curriculares Nacionais parecer da Faculdade de Educação da UFRGS Edu cação Realidade Porto Alegre v 21 n l jan jun l 996 pp 22941 ALVAREZURIA Fernando y VARELA 1ulia Arqueologia de la escuela Madrid La Piqueta 1991 ARIES Philippe História social da criança e da família Rio de 1aneiro Guanabara 1981 BERNSTEIN Basil Classes e pedagogia visível e invisível São Paulo Cadernos de Pesquisa 49 2642 mai l 984 CORAZZA Sandra M O construtivismo pedagógico como significado transcendental do currículo In VEIGANETO A org Crítica pósestruturalista e educação Porto Alegre Sulina 1995a Currículo e política cultural da avaliação Educação Realidade Porto Ale gre v 20 n2 jul dez l995b pp 4759 Olhos de poder sobre o curriculo Educação Realidade Porto Alegre v 21 n l jan jun l 996 pp4670 COSTA Marisa V org Caminhos investigativos novos olhares na pesquisa em edu cação Porto Alegre Mediação 1996 FOUCAULT Michel A arqueologia do saber Petrópolis Vozes 1972 Microfisica do poder Rio de 1aneiro Graal 1979 GENTlLI Pablo SILVA Tomaz T Seminário Intensivo Neoconservadorismo e Edu cação na América Latina PPGEDUIFACEDUFRGS Porto Alegre 1994 Notas manuscritas IERUSALlNSKY Alfredo Psicanálise e desenvolvimento infantil um enfoque transdisciplinar Porto Alegre Artes Médicas 1989 NARODOWSKI Mariano Inancia y poder la conformación de la pedagogía moder na Buenos Aires Aique 1994 POPKEWITZ Thomas S Systems of ideas in social spaces JYgotsky US educational constructivism and the regulation of the self University of Wisconsin Madison December 6 1993 Mimeo História do currículo regulação social e poder In SILVA Tomaz T org O sujeito da educação estudos foucaultianos Petrópolis Vozes 1994 SILVA Tomaz T da Desconstruindo o construtivismo pedagógico Educação Reali dade Porto Alegre 18 2 310 jul dez 1993a org Teoria educacional crítica em tempos pósmodernos Porto Alegre Artes Médicas 1993b org O sujeito da educaçãoestudos foucaultianos Petrópolis RI Vozes 1994 org Alienígenas na sala de aula uma introdução aos estudos culturais em educação Petrópolis RI Vozes 1995 231 MOREIRA Antonio F orgs Territórios contestados o currículo e os novos mapas culturais Petrópolis RJ Vozes 1995 V ARELA Julia Categorias espaçotemporais e socialização escolar Do individualismo ao narcisismo In COSTA Marisa V org Escola básica na virada do século cultura política e currículo Porto Alegre FACEDIUFRGS 1995 VEIGANETO Alfredo org Crítica pósestruturalista e educação Porto Alegre Sulina 1995 WALKERDINE Valerie Developmental psychology and the child centered pedagogy the insertion of Piaget into early education In HENRIQUES J et alii Changing the subject Londres Methuem 1984 Sandra Mara Corazza é professora do Departamento de Ensino e Currículo da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Endereço para correspondência Rua João Berutti 185 Chácara das Pedras 91330370 Porto Alegre RS Email corazzaeduufrgsbr 232
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CONSTRUTIVISMO EVOLUÇAO OU MODISMO Sandra Mara Corazza RESUMO Construtivismo evolução ou modismo A partir de uma perspectiva so cio16gica integrada por ferramentas conceituais da teorização social p6sestruturalis tap6smodernista o texto antagoniza com dois sentidos correntes atribuídos ao constru tivismo pedag6gico quais sejam 1 o sentido que compreende esta prática como uma evolução 2 e aquele que lhe atribui a significação de ser um modismo Por tratá lo como uma prática discursiva no sentido foucaultiano envolvido porenvolvendo relações de podersaber opera sua analítica no que se refere l à educação pública brasileira 2 à criança do construtivismo e 3 ao lugar dos paismães no construtivismo concluindo que é mais do que tempo sim de desconstruir o construtivismo psico pedag6gico Palavraschave construtivismo Psicopedagógico desconstrutivismo político currí culo podersaber infânciaescolar ABSTRACT Constructivism evolution or a fad Based on a sociological perspective using conceptual tools of poststructuralistlpostmodernist social theory the text sets two current meanings attribudet to pedagogical constructivism against each other They are 1 the meaning which sees this practice as an evolution and 2the one which considers it a fad Since it treats it as a discoursive practice in the Foucaultian sense involved inlinvolving powerknowledge relations it analyses 1 Brazilian public education 2 the child of constructivism and 3 the place of fathersmothers in constructivism concluding that it is in faet high time to desconstruct psycho pedagogical constructivism Keywords psychopedagogical constructivism political desconstructivism curriculum powerknowledge schoolchildhood Podese afirmar sem receio de errar que se existe um nome pelo qual seja possível designar o tipo de discurso pedagógico que atualmente é hegemônico possuindo um consensual e elevado estatuto de verdade no campo da educação brasileira este nome é construtivismo Em outro texto já havia tratado deste predomínio de quase vinte anos analisandoo em termos de suas implicações para o currículo da educação das crianças ao interrogar os efeitos sociais de poder e de verdade advindos do fato do construtivismo ser tomado pelasos educadorases em suas práticas enquanto significado transcendental do curriculo nas Séries Iniciais do I Grau Neste trabalho estarei antagonizando com dois sentidos correntes atribuí dos ao construtivismo quais sejam 1 o sentido que compreende esta prática como uma evolução 2 e aquele que lhe atribui a significação de ser um modismo As recusas que farei a estes dois sentidos tanto em relação à evolução quanto ao modismo são formuladas a partir de uma perspectiva sociológica integrada pelas ferramentas conceituais da teorização social pós estruturalistapósmodernista a qual tem levado muitosas educadoresas a produ zir análises criticas diferenciadas e a desconstruir alguns dos fundamentos peda gógicos mais caros à educação escolar moderna Em primeiro lugar apresentarei dois argumentos gerais que justificam por que não considero o construtivismo nem como evolução nem como modismo e direi como venho significando este discurso em meus estudos e pesquisas Depois disso operarei uma analítica do construtivismo que nos levem a repensá lo criticamente no que se refere 1 à educação pública brasileira 20 à criança do construtivismo e 30 ao lugar dos paismães no construtivismo Nem evolução A meu ver o construtivismo não pode ser tomado como evolução porque esta palavra implica a idéia de progressivismode progresso de passar de uma condição ou de um estágio mais primitivos para outros mais complexos e me lhor estruturados A própria palavra evolução indica que se saiu de um está gio inferior para outro superior de uma posição em uma série que era mais atrasada para outra mais desenvolvida de um lugar confuso e desordenado para outro menos caótico e mais bem ordenado Como argumentarei não se trata de nada disto Para ser considerada como evolução a prática pedagógica construtivista implicaria em ser mais avançada do que as anteriores por exemplo mais avançada do que aquelas que nos habituamos a chamar pejorativamente de tradicionais Pelas análises de epistemologia social que realizo é possível considerar o construtivismo como uma prática discursiva no sentido dado pelo filósofo francês 216 Michel Foucault qual seja mais do que uma fonna de falar de produzir dis curso é possivel entender o construtivismo como uma prática que toma corpo em processos técnicos em instituições em padrões de comportamento geral em fonnas de se transmitir e difundir e em fonnas pedagógicas que são histo ricamente produzidas no contexto de relações de podersaber especificas Discurso portanto que não é simplesmente um jeito de falar de expressar ou de representar as coisas os acontecimentos as pessoas mas que ativamente produz práticas instituições subjetividades poder e verdade nonnatizando quais ações e instituições educacionais são consideradas verdadeiras e em conse qüência quais as que são falsas quais são as vozes profissionais que podem falar e quais as que devem se calar quais os sentimentos e desejos pedagógicos que podemos ter e quais os que precisam ser proscritos Entender o construtivismo como uma prática discursiva faz com que não se possa sustentar a distinção tão querida por algunsalgumas educadoresas que afinna ser a teoria construtivista uma coisa enquanto a prática construtivista é outra coisa bem diferente daquela e que é justamente a apli cação que fazemos da teoria em nossas práticas pedagógicas que apresenta problemas equivocos e distorções Ao se fazer esta distinção a culpa e a responsabilidade pelo maudefeitu oso uso da teoria construtivista fica sendo atribuida às professoras e aos pro fessores que não estudam ou estudam insuficientemente ou que mesmo estudando não têm condições intelectuais e epistemológicas de compreender de maneira adequada a teoria que é tão complexa ou que mesmo conhecendo e entendendo a teoria construtivista não fizeram a opção política progressista necessária para adotar o paradigma construtivista em sua prática pedagógica De todo modo a teoria construtivista pennanece isenta de qualquer critica não podendo ser posta em questão já que é em essência indiscutivelmente demo crática e emancipadora da iniancia e das crianças e por extensão da sociedade O construtivismo como prática discursiva vem sendo enunciado no cam po educacional brasileiro legislando sobre a verdade das instituições escola res e dosas educadoresas determinando quem e o que estão certosas e quem e o que estão erradosas quem é legitimoa e quem não o é quem e o que são verdadeirosas e quem e o que são falsosas quem e o que são progres sistas e quem e o que são atrasadosas ou tradicionais ou seja quem e o que são enunciados em tennos inclusivos e quem e o que como excluidos Da perspectiva pósestruturalista podemos afinnar que o construtivismo não é uma fonna de discursividade nem de racionalidade novas evoluidas em relação aos discursos e às racionalidades que embasaram as práticas pedagógi cas antecedentes Por quê Justamente por ser uma continuidade uma repeti ção que nunca é fazer alguma coisa da mesma maneira mas que mesmo assim repete tal como tropeçamos duas vezes na mesma pedra embora de ângulos diferentes 217 Repetição do quê Do discurso pedagógico da Modernidade que começa a ser produzido desde o Renascimento alavancado pelo surgimento do sentimento de infància ao final da Idade Média o qual acabará por ser corporificado em uma forma de discurso que sintetiza a Religião a Ciência e a Lei para melhor governar as crianças e suas identidades sociais pela via da escolarização Um discurso pedagógico que apenas para apresentar três históricos pon toschave tem em Rousseau filósofo francês do século XVIII um de seus fundadores ao colocar a necessidade de conhecer a criança e a infância para melhor poder educálas de forma natural na Escola Ativa das primeiras déca das de nosso século sua principal seguidora e operadora deste tipo de conhecimen to no espaço escolar institucionalizado e no dicurso construtivista contemporâ neo sua vontade de saber mais elaborada e sua vontade de poder mais desenvol vida minuciosa e eficiente Um discurso pedagógico portanto bem antigo ao contrário do que se alega que foi assumido especialmente pelas psicologias modernas e de cujas ações resultou entre outras coisas o discurso psico pedagógico que constitui a forma caracteristica do discurso predominante no campo da educação escolari zada o qual acabou por despolitizáIa e ao fazer isto por retirar a pedagogia e o curriculo de seus campos contestados bem como esvaziar seus papéis de produtores de subjetividades e de identidades sociais nas dimensões de gênero raça etnia classe idade escolha sexual etc Assim entendido o construtivismo nada tem de evoluído pois em que consiste é dizer e fazer coisas velhas de um jeito supostamente novo Mas em que consistem estas coisas velhas que não estão sendo ditas nem feitas pela primeira vez pelo discurso construtivista mas que ao contrário vêm sendo ditas e feitas há mais ou menos dois séculos pela prática discursiva psico pedagógica da educação escolar moderna Ora por exemplo que a criança é em verdade uma criançaescolar umla alunoa um estudante uma criançadeescola Esta categoria de raciocínio so cial não é natural nem eterna mas foi historicamente articulada pelas produ ções das ditas Ciências Humanas e hoje é quase impossível visualizar as crian ças como qualquer outra coisa que não estudantes Tal criança assim pensa da é particularmente vista pelos outros e compreende a si própria como uma pessoa racional solucionadoradeproblemas e em desenvolvimento Este modo de pensar classificar e compreender a criança enquanto sujeito e a infância enquanto uma das experiências fundamentais da vida humana vem provocando efeitos e transformações concretas nas relações institucionais nas tecnologias sociais e nos sistemas de idéias e tendo conseqüências para as formas como a identidade infantil deve ser vista compreendida sentida desejada e também como se deve agir sobre ela Acaba constituindo nossa linguagem e pensamento de tal modo que nos leva a fazer aquelas mesmas coisas no espaço escolar que vêm sendo feitas 218 desde que a escola de massas se instalou quais sejam disciplinar as ações das crianças tomar seus corpos úteis e dóceis regular seu tempo e distribuir seus espaços normalizar sua moralidade e cognição ensinar determinados conheci mentos monoculturais construir identidades sociais e particulares em uma dada direção e não em outras Desde esta perspectiva o construtivismo está irremedia velmente colocado em um campo de tensões conflitos lutas e disputas por significados culturais portanto em um campo politico no qual para o pensar precisamos sempre relacionar conhecimento e poder O construtivismo enquanto prática discursiva não pode ser considerado uma evolução porque é uma continuidade do discurso pedagógico moderno o qual em suas operações e rituais cotidianos vê observa anota classifica descre ve avalia julga enquadra e esquadrinha a criança e por tudo isto ativamente produz uma genérica criançanaturalescolar e sobre ela exerce suas relações escolares de podersaber a fim de controlar e regular a população infantil Em suma o construtivismo é uma das tantas práticas pedagógicas que como todas as outras utilizadas na história da educação de massas termina resultando em uma tecnologia disciplinadora que ajuda a consolidar materialmente a maqui naria escolar para o governo das crianças Nem modismo 000 Afirmar como fazem algunsalgumas educadoresas que o construtivismo é uma onda da moda um inocente e instantâneo modismo que logo logo passará ou que já está passando como passaram o comportamentalismo o humanismo rogeriano o tecnicismo educacional a pedagogia criticosocial dos conteúdos constitui também a meu ver um grande equivoco Por quê Porque considerar uma prática discursiva dêse ela onde se der sob esta categoria a da moda implica em que não liguemos muito para ela pois apostamos em sua transitoriedade em sua não permanência em sua leveza passageira e conseqüente dissolução Em um certo sentido uma moda é algo que chega fica forte e depois de algum tempo ninguém lembra mais como era Algo assim como o bambo lê de minha infiincia brinquedo que todas as crianças desejavam e que depois ficou guardado apenas na lembrança dasos mais saudosistas Olhar e entender o fenômeno do bambolê apenas como um modismo levanos a desconsiderar toda produção social e subjetiva produzida por este aparentemente inocente brinquedo infantil Quem como eu viveu esta moda deve se lembrar como o bambolê cria va além de divertimento também divisões sociais entre aquelas crianças que o tinham e aquelas cujos pais e mães não podiam comprar também como dentro dos próprios grupos eram valorizadasos aquelas meninas e meninos que mais 219 se destacavam no manejo daquele brinquedo das promessas que eram feitas pelos adultos e dos castigos que sofriamos se não nos comportássemos como devíamos em função de ganhar ou de não ganhar este objeto de ganhar ou de não ganhar o segundo bambolê de ganhar ou de não ganhar os bambo lês im portados etc Ou seja aquele brinquedo assim como os mais atuais tais como a anoréxica boneca Barbie os Cavaleiros do Zodíaco o Lego o Kinder Ovo os Rollers o Super Nintendo era mais muito mais do que uma inofensiva moda inventada pelo comércio pela indústria ou pela propaganda era um dispositivo de produ ção de grupos sociais de relações de poder de formação de identidades e por tanto mais um fator de discriminação e de exclusão Se este exemplo pode parecer inadequado em comparação com o constru tivismo ao menos funciona para mostrar que a categoria moda é absoluta mente frágil e muito pouco sociológica para analisar o que quer que seja quan to mais em se tratando de uma ação como a educacional que fortemente pro duz efeitos sociais políticos e subjetivos regulando as relações das pessoas consigo mesmo e com os outros fazendo com que pensemos determinadas coi sas sobre nós própriosas determinando que classifiquemos o mundo e as pes soas de uma determinada maneira e não de outra Por isso o construtivismo não pode ser analisado como um modismo e sim como uma prática discursiva implicada em relações de podersaber e em uma específica política cultural de representações as quais produzem identidades e sujeitos numa dada direção devendo e podendo ser analisado a partir de outras perspectivas analiticamente mais ricas e politicamente mais fortes Se não é nem evolução nem um modismo o que o construtivismo é então alguém perguntaria Vou complicar um pouco mais esta análise e afirmar que esta não parece ser uma boa pergunta porque o construtivismo não é alguma coisa essencial um ente que existe em si mesmo nem uma teoria ou uma prática desencarnada muito menos um conjunto de resultados de investigações reali zadas por algumla cientista ou grupo em seus laboratórios ou em seus gabine tes de trabalho Uma pergunta bem mais produtiva poderia ser como o construti vismo veio a se constituir enquanto o regime de verdade hegemônico da atual educação das crianças no Brasil E em um segundo tempo poderiamos tentar responder ao porquê deste elevado estatuto e de seu forte prestígio no campo educacional atual Estas são questões que ultrapassariam os limites deste texto por exigirem minúcia na análise e uma historicização genealógica das práticas discursivas da pedagogia moderna e da escola como instituição cultural tais como as realiza das por alguns estudos os quais permitem afirmar que ao significar o construtivismo como uma prática discursiva por isso envolvido porenvolven do relações de podersaber compete a nós professorases pais mães estudan tes funcionários e funcionárias das escolas realizar esforços para analisar 220 criticamente tal prática buscando descrever e desconstruir seus efeitos de verdade e de poder para nós própriasos para as crianças particulares suas identidades e seus grupos culturais Para dar o quê pensar passo a problematizar algumas questões que nos acostumamos a tomar como dadas a questionar algumas das fonnas de racioci nar e de produzir princípios de ordenação acerca do construtivismo pedagógi co não sem antes sublinhar que tal estratégia analítica consiste em apenas uma de tantas ações possíveis de serem operadas para desestabilizar e desconstruir os tennos nos quais fonnulamos nossas palavras frases pensamentos e práticas pedagógicas quer sejam escolares quer sejam teóricas ou investigativas A educação pública brasileira desconstrutivismo X construtivismo Na educação escolar das crianças no Brasil de hoje o que encontramos Em sua parte mais visível as políticas educacionais do Estado neoliberal que vêm deteriorando o capital simbólico e material dos sistemas públicos de ensino determinando o rebaixamento dos salários e do estatuto social dasos professorases estabelecendo a insuficiência de dotações orçamentárias pro movendo precárias condições fisicas e materiais das escolas fragilizando a for mação continuada dosas docentes exemplificada na baixa demanda pelos cur sos de licenciatura reproduzindo o persistente fracasso escolar das crianças de grupos sociais em desvantagem enfraquecendo a força reivindicatória dos sin dicatos e das associações docentes etc De algum modo é possível afinnar que está em processo um intencional desconstrutivismo político do sentido da educação pública como direito arduamente conquistado através de lutas democráticas de muitas décadas por diversos movimentos sociais e sindicais em direção ao estabelecimento de uma educação como mercadoria Desconstrutivismodesmontagem promovidos por meio de uma política educacional nacional que objetiva submeter o sistema público de ensino a me canismos de mercado e à privatização colonizando o campo educacional atra vés de esquemas empresariais tais como os de produtividade gerência walia ção qualidade total tudo isso centrado em critérios economicistas e produtivistas manifestos em medições e padrões de excelência os quais justificam colocar as escolas suas direções alunos e alunas seus professores e professoras em um ranking educacional e distribuir verbas e prêmios equivalentes à efiCiência dos resultados medidos por tais critérios O paradoxo é bem este se de um lado é visível a desconstrução política como desmontagem material e simbólica do sistema educacional democráti co brasileiro de outro o significado mais fortemente transmitido é o da 221 construgaéo pedagogica do alfabetismo de conhecimento da lingua escrita do curriculo da inteligéncia do desenvolvimento infantil do sujeito aut6nomo e independente da emancipacAo da cidadania responsavel da gestao democra tica das escolas da carreira docente etc De dentro deste paradoxo preciso perguntar o construtivismo pedagégi co nao estara servindo como a crencga como a verdade de que necessita o Estado neoliberal brasileiro para instalar suas politicas educacionais descons trutivistas Talvez seja necessdério e premente para o projeto deste Estado deslocar da arena politica a esfera de luta dasos educadorases e também da sociedade civil organizada e levalasos a centrar seus esforcos praticas e teorizacdes nos significados psicologicoepistemolégicopedagégicos da educagao escolarizada para nos fazer acreditar que é possivel salvar a educagAo brasileira por meio de atividades de desenhos curriculares e de transposiéo didatica em que as descobertas cognitivas das psicologias construtivistas seriam traduzidas num tipo especial de pedagogia construtivistalibertadora e num didatismo critico progressista isolando a educagao de seu contexto social e de seus componen tes politicos E importante lembrar como exemplo atual desta posico os Parametros Curriculares Nacionais PCN fortemente inspirados pelas bases tedricas da psicologia e da epistemologia genéticas e interacionistassociais e da psicopedagogia presentes em todos os textos de todos os documentos as quais constituem seu viés psicologizante por exceléncia Sem falar do processo de sua elaborag4o os PCN que nada mais so do que o verdadeiro curriculo nacional e a base programatica dos exames nacio nais assumem e explicitam a forte conexdo que osas especialistas do MEC estabelecem entre a constatacdo dos baixos desempenhos educacionais das cri ancas das escolas publicas e em seu diagndéstico a inadequagio das pro postas curriculares e metodologicas que vém sendo feitas cuja corregdo e adequacéo sao justamente fixadas tendo por paradigma central as teorias construtivistas Quando todos e todas nés sabemos que a raiz maior dos problemas educa cionais deste pais tem de ser buscada nas politicas econédmicas e sociais de privagao e exploragao e também de distribuigo desigual de recurso simbdli cos e materiais quando todos e todas nés sabemos que a questio principal dos baixos desempenhos dosas estudantes nao eminentemente técnica nem dida tica nem pedagégica nem curricular nem epistemoldgica embora pertenga também a estas ordens mas fundamentalmente social e politica vinculada a decisdes e a conflitos sobre quais grupos e 4reas obtém quais recursos e em que quantidade que é relacional em seu vinculo com a distribuicio e parilha dos recursos e da riqueza os quais s4o distribuidos sim mas a favor dos interesses dos grupos econémicos e empresariais do capital nacional e internacional ape 222 nas para usineiros grandes proprietarios rurais banqueiros etc pouco ou nada sobrando para a satide e educacao do povo Ainda dentro deste paradoxo entre desconstrutivismo material e simb6 lico e construtivismo psicopedagdégico e curricular existe uma questao bem forte aquela que coloca o construtivismo com um poder legislador acerca de pertengas das quais a mais fundamental é esta ser construtivista versus ndo ser construtivista ou entéo numa variacado temporalizada também muito freqiiente ser construtivista versus ndo ser construtivista ainda Estas oposig6es foram transmitidas internalizadas e prosseguem sendo ar ticuladas por um semnimero de professoresas em diversas circunstancias e em variadas situacées desde as salas de aula das universidades até seminarios congressos cursos artigos e livros educacionais assim como constituem mate rial de propaganda ao lado da informatica e do ensino de linguas estrangeiras de muitas escolas particulares para chamar alunosas ou como insignia para instituicdes paraescolares como clinicas de reeducaco especialistas em dificul dades de aprendizagem servicos de psicopedagogia etc Costumam ser postas a funcionar como verdadeiros impasses e ativamente produzem o saberpoder dizer alguma coisa acerca do curriculo e da pratica pedagogica da educagao das criangas dotam pessoas e instituigdes de legitimi dade estabelecem falas e posigdes consideradas cientificamente verdadeiras definem acées consideradas plausiveis creditam hierarquias regulam relacgdes sociais e intersubjetivas fazem ganhar ou perder disputas por financiamentos e conferem prestigios académicos Estara o discurso capitalista da assim chamada Nova Direita promovendo a produc4oreprodugao da crenga na possibilidade de fabricar sujeitos que exer gam plenamente sua cidadania democratica conforme expressdo recorrente dos PCN e uma sociedade mais justa e democratica apenas através de uma aplicagado psicopedagogicamente correta da epistemologia construtivista cujo essencialismo deveria ser incessantemente buscado por aqueles e aquelas que nfo se fizeram ainda racionalmente competentes para tal Ou que ainda nao optaram politicamente pelo construtivismolibertador Por esconder as relacées desiguais de poder politico embutidas em tal pra tica discursiva que vem se utilizando do construtivismo como bandeira e ao mesmo tempo comocortina de fumaga o projeto neoliberal tomnaria as assimetrias ainda mais injustas colocando as escolas e asos professorases em outrotipo de ranking cuja disputa estaria de antem4o ganha por aquelas e aqueles cuja escolha fosse tomada em prdl da qualidade total construtivista e desconsiderando tudo aquilo que efetivamente produz a desigualdade social e econémica de uma sociedade estratificada como a brasileira Caso esta hipétese possa ser confirmada entdo aquela teoria educazional mesmo se pretendendo critica radical emancipatoria conscient cadora libertadora cidada que elegesse o construtivismo como seu significado princi 223 paI nada mais estaria fazendo do que contribuindo para tomar ainda mais potente o discurso da Qualidade Total em Educação que na redefinição privatista da nova ordem nacional e internacional deve substituir o discurso de democratiza ção da educação pública Então é preciso perguntar a quem o construtivismo beneficia Que uso político e pedagógico vem sendo feito dele Em que direção estão indo as rela ções de podersaber disputadas em nome do construtivismo pedagógico É para ali que nós trabalhadoresas da educação queremos ir A criança do construtivismo o esquema predominante de racionalidade da pedagogia moderna enqua dra a criança como podendo ser classificada através de estágios de desenvolvi mento de categorias psicológicas e morais do eu e de medidas racionais de rendimento Estas classificações costumam ser apresentadas como intemporais e universais vendo a criança em relação a elementos universais e a sistemas profissionais de conhecimento e não mais nas interações faceaface de suas comunidades ou nas experiências culturais de seus grupos sociais Tal hãbito classificatório somente pôde ser produzido em um espaço social fechado a escola Como o historiador francês Philippe Aries investigou a escola substituiu a aprendizagem como meio de educação deixando a criança de ser misturada aos adultos e de aprender a vida diretamente em contato com eles tal como foi feito até a época medieval Assim a criança esta criatura específica que só passa a ser falada e concebida diferentemente a partir do século XIII ou XIV foi separada dos adultos e mantida à distância numa espécie de quarentena antes de ser solta no muil9 Começava então um longo processo de enclausuramento das crianças que se estenderia até nossos dias e ao qual se deu e se dá o nome de escolarzação Diversas intãncias serão produzidas neste espaço social por práticas escolares também diversas a infância rica será educada por delegação da família onde colégio e dupla parental apresentarão coincidência de propósitos e farão uma espécie de contrato social enquanto a infância pobre será diretamente assumi da pelo Estado O enclausuramento na escola dos meninos e meninas pobres crianças ex postas e deficientes órIaosãs e desamparadosas filhosas de artesãosãs ope ráriosas e camponesesas romperá com seus laços de sangue amizade relação com o bairro com a comunidade com os adultos com a terra com o trabalho com as formas como eram pensadosas como pensavam a si própriosas e ao mundo no qual viviam A criançapopular nasce em grande medida desta vio lência legal que a arranca de seu meio de sua classe de sua cultura para convertê la numa criançadeescola profundamente desenraizada 224 A maquinaria escolar será potente para o controle de um laço social dividi do em classes e culturas diferentes A escola de massas consolidada como um artefato cultural na paisagem social do século XIX atendia às necessidades práticas dos Estados administrativos modernos que precisava de seus serviços pois era necessário governar as populações que se aglomeravam nas zonas urba nas que se inseriam no processo de industrialização que se organizavam em novos grupos de trabalho e de interesses que reivindicavam formas democráti cas de participação no Estado de BemEstar social recémnascido Foram então descobertas as qualidades disciplinadoras e reguladoras da pedagogia que se fortaleceu por meio das produções científicas de diversas disciplinas tais como a Filosofia Sociologia História Biologia Lingüística Didática e especialmente a Psicologia do Desenvolvimento da Criança da Aprendizagem da Educação Assim chegamos aos nossos dias tendo de educar uma criança concebida essencialmente como raciocinante uma das idéiaschave do século XX que forma uma das grandes metanarrativas da ciência Esta metanarrativa conta uma história sobre o desenvolvimento e o pensamento infantis que pretende ser verda deira para todos os tempos povos lugares e que vê todas as crianças como progredindo em direção ao pensamento formalabstrato o qual é considerado como o tipo supremo de pensamento do indivíduo civilizado Tal concepção deixa de levar em conta a produção do pensamento nas prá ticas reais concretas além de nivelar todas as crianças pelos mesmos níveis de desenvolvimento contando verdades sobre a iniancia que justamente acabam por produzir um padrão normal de criança ao qual todas as crianças particula res devem se ajustar sob pena de serem excluídas marginalizadas discrimina das As teorias de desenvolvimento do raciocínio quando incorporadas à edu cação como é o caso do constnJtivismo servem para produzir o tipo desejado de sujeito considerado como normal e para patologizar as diferenças Aquele ou aquela tomados como diferentes são aquelesas que por estarem fora do padrão devem ficar excluídosas da norma passando em tal ou qual grau a serem consideradosas e tratadosas como anormais A produção do discurso construtivista faz surgir uma criança transparente à lógica uma criançaminiaturadecientista a mesma em todas as culturas e em todos os os tempos variando apenas o ritmo de seu progresso em direção ao pensamento formalabstrato uma criança replicante de cientista aí aparece a qual pode ser analisada como sendo uma cópia do sujeito masculinoadulto da ciência individualizado racional consciente autônomo unitário centrado calculável e por tudo isto potencialmente maleável Estaremos fortalecendo com nossas práticas pedagógicas construtivistas aquilo que vem sendo chamado de fim da iniancia Em outras palavras o que estamos fazendo com aquele sentimento de iniancia que o Renascimento come 225 çou a produzir Talvez exigindo no espaço escolar e na sala de aula que as crianças tenham respostas para as perguntas que ela mesma faz à professora que seja autônoma que tenha desejo permanente de aprender e de se informar que opine sobre tudo que seja sintonizada com mudanças que tenha sempre iniciativas que formule hipóteses e teorias sobre as coisas que seja independente para pensar e agir que tenha senso de autodisciplina que controle suas emo ções que participe solidariamente no grupo de trabalho Nas familias e nos espaços culturais mais ampliados querendo cada vez mais depressa que nossas crianças sejam em tudo semelhantes a nós vestindo as com as mesmas roupas basta ver as revistas de moda com roupas iguais para meninas e suas mães ou para os meninos e seus pais dando de presente às meninas assim que nascem muitas vezes no próprio hospital batons esmaltes estojos de maquilagem permitindo às adolescentes que se vistam como mulheresemminiatura desde os 11 12 anos não tendo um espaço familiar reservado às crianças soterrandoas com muitos objetos de satisfação exigin do que assumam posições politicas que saibam se governar e escolher que vão aprender as coisas da vida e do mundo nas ruas e nas sinaleiras das cidades grandes com outras crianças ou que desde muito pequenas sirvam aosàs adul tosas de objeto sexual Que sejam enfim adultosas em miniatura refletidosas em nosso espe lho narcisista cultural e escolar que cada vez mais vê na criança oa adultoa e que talvez nossas práticas pedagógicas construtivistas estejam produzindo e reproduzindo de forma ativa também dentro das salas de aula e das escolas Os pais e as mães no construtivismo o sociólogo inglês Basil Bernstein realiza uma análise extremamente im portante para a problematização do construtivismo pedagógico ao distingüir o que chama de pedagogias visíveis daquelas que chama de pedagogias invisí veis As pedagogias invisíveis seriam aquelas utilizadas na educação infantil e no ensino básico onde operam classificações e estruturas frágeis em oposição às pedagogias visíveis postas a funcionar através de classificações e estruturas rigidasfortes O autor relaciona um grupo de teorias incluídas no enquadramento das pe dagogias invisíveis citando as obras de Piaget Freud Chomsky Gestalt Sua análise é bastante rerroada e dela tomo apenas aqueles elementos referentes à situação dos familiares ou dos responsáveis pela criança em seus efeitos e relações com as pedagogias invisíveis que nos ajudam a questionar o construtivismo Para este enfoque as pedagogias invisíveis nas quais sem dúvida pode mos incluir o construtivismo pedagógico constituem um sistema bloqueador 226 tanto em relação à família como em relação a outros graus de ensino I quanto aos graus superiores de ensino estas pedagogias lhes são antagônicas pela opo sição que fazem a seus conceitos de aprendizagem e formas de relações sociais 2 são também bloqueadoras das familias tanto da classe média quanto da clas se trabalhadora por acusálas de criar uma deformação na criança através de uma educação parental equivocada Entretanto se a nova classe média lida melhor com tais pedagogias que não têm uma seqüência definida não usam livro texto não apresentam regras explicitas de comportamentos não indicam claramente critérios de avaliação etc é a família das classes trabalhadoras que vai ter maior dificuldade e mes mo impossibilidade de conviver com elas pois tais pedagogias chegam até mesmo a mudar o relacionamento famíliaescola e familiacriança Para os paismães dos grupos sociais em desvantagem as pedagogias visí veis são imediatamente compreendidas I as competências básicas por ela trans mitidas de ler escrever e contar são dispostas em uma seqüência explicitamente ordenada e por isto fazem sentido são inteligíveis 2 as falhas enfrentadas pelas crianças são simplesmente consideradas como falhas das crianças e não da escola porque para estas famílias a escola faz seu trabalho de forma impes soal 3 as formas de controle social da escola não interferem com o controle social da família já que são do mesmo tipo familiar como castigos e repreen sões 4 a professora da escola não tem um alto status porque as competências que ela transmite podem também ser transmitidas pela mãe por exemplo existin do assim uma relativa extensão simbólica entre o lar da classe trabalhadora e aquela escola que trabalha com as pedagogias visíveis Porém no caso das pedagogias invisíveis observase uma aguda e muitas vezes uma trágica descontinuidade I as competências a serem adquiridas pela criança são difusas porque não ficam bem definidas pela escola 2 a forma de controle social escolar pode estar divergindo muito em relação ao lar ou seja as maneiras de se comportar as relações adultosascriança as normas e regras para a convivência familiar costumam ser muito diferentes daquelas das famíli as de grupos sociais em desvantagem 3 além disto as teorias psicológicas das pedagogias invisíveis costumam não ser conhecidas pela família ou ser entendi das erradamente 4 a falta de ênfase nas competências básicas e a maior demora em sua aquisição ler escrever contar podem tomar a criança um mem bro menos efetivo da família como não ser capaz de levar recados de fazer compras de entender as coisas do mundo e da vida tal como sua familia etc As pedagogias invisíveis contém uma teoria de transmissão diferente e ou tras tecnologias de subjetivação e de disciplinamento que consideram o ensina mento informal da familia e seus valores educacionais como irrelevantes ou mesmo completamente nocivos Neste caso se a família pode ser útil para a educação escolarizada ela precisa ser resocializada ou então mantida fora afastada do caminho da escola 227 As relações de poder mudam entre a família e a escola também porque a professora e a escola são consideradas como detentoras de um total saber sobre a criança e a infância e os familiares são vistos como alunos tanto quanto as criançasestudantes Por exemplo se alguma destas famílias quiser entender as teorias das pedagogias invisíveis poderá encontrarse diante de complexas e dificeis teorizações acerca do desenvolvimento infantil Por isto a família não sabe ou não pode prover sua criança de ajuda espe cífica e quando o faz a professora costuma reclamar que está atrapalhando o desenvolvimento natural da criança sendo mesmo costumeiro nas escolas construtivistas organizar reuniões para ensinar aos familiares ou responsá veis as ações que devem fazer e aquelas que não devem ser feitas com as crian ças As avaliações das pedagogias invisíveis costumam ser escritas em lingua gem eminentemente técnica dificil ou mesmo impossível de ser compreendida por outros que não osas própriosas técnicosas Por estas pedagogias a criança é mais do que tudo separada culturalmente de sua família podendo tomarse urna estranha verdadeira alienígena em seu próprio grupo Ao contrário as famílias de classe média requerem para suas crianças este tipo de pedagogia que aliás historicamente foi institucionalizada primeiro no setor privado de ensino Mas estranhamente após a préescola e as séries iniciais do I Grau são estas mesmas famílias que exigem que as escolas tomem mais rigidas mais fortemente visíveis suas pedagogias ensinando então e de forma cada vez mais potente as competências específicas necessárias para o vestibular por exemplo ao contrário das famílias das classes populares que não dispõem como se sabe do mesmo poder reivindicatório e cujas crianças não dispõem pela própria estratificação social da mesma disponibilidade de tempo e das mesmas possibilidades de acesso e de permanência ao longo de todo lon go processo de escolarização É tempo de desconstruir o construtivismo Ao se colocarem como libertadoras progressistas criticas emancipatórias conscientizadoras cidadãs as psico pedagogias construtivistas escondem suas relações e produções de poder bem como seus efeitos de verdade tornandoos tanto a verdade quanto o poder mais fortes Poder e verdade sobre quem Sobre a criança suas famílias suas identidades culturais e seus grupos sociais assim como sobre nós própriosas enquanto educadoresas De outro lado sendo colocadas pelosas interessadosas como o remédio para os principais males dos baixos desempenhos das crianças das escolas públicas brasileiras a prática discursiva das pedagogias construtivistas enfra quece uma análise e urna luta que precisam se dar e se dão fundamentalmen te na arena social e cultural das disputas políticas Ou seja ao invés de remé 228 dio o que as pedagogias construtivistas podem estar produzindo talvez nada mais seja do que um veneno que nós educadoras e educadores brasileiras os estamos aceitando tomar e mesmo com ele nos automedicando Por tudo isso afirmo que é mais do que tempo sim de desconstruir o construtivismo psico pedagógico Penso que é necessmo que o façamos po rém espero ter demonstrado que a urgência de produzir este tempo e esta hora não nos exime de realizar trabalhos de forma cuidadosa séria e responsável já que a situação da educação democrática no Brasil e nossa própria condição de educadorases nos constituíram como um dos grupos de risco da nova ordem política e econômica global para o qual seria absolutamente intolerável e mesmo suicida pretender desconstruir o construtivismo de um jeito superfi cial leviano e brincalhão Notas 1 Título sugerido pela FEDERAPARS e ACPMFederação quando da realização do 11 Encontro Regional Construtivismo Evolução ou Modismo realizado em PelotaslRS no dia 03 de junho de 1995 para o qual uma primeira versão deste texto foi produzida e apresentada em Painel 2 Corazza1995a 3 Por exemplo em língua portuguesa ver os trabalhos de Silva 1993ab 1994 1995 Silva Moreira1995 VeigaNeto 1995 Costa 1996 4 Os questionamentos e antagonismos que aqui apresentarei não visam desmerecer nenhum educador ou educadora em particular grupos ou instituições que assumem adotam e valorizam o construtivismo como norteador de suas ações educacionais constituem apenas um modo diferente de pensar e reproblematizar o que vem sendo pensado falado e feito acerca e em nome do construtivismo Por ter sido durante algum tempo divulgadora de tal discurso em trabalhos de formação de professores as bem como por ter aplicado o construtivismo em minha prática pedagógica de alfabetizadora de crianças jovens e adultos venho de dentro deste discurso e acre dito que tenho ampla legitimidade para dele fazer a critica autorizandome a questioná lo 5 Termo produzido por Popkewitz 1994 para os estudos históricos que se dão sobre as formas construídas de raciocínio acerca dos objetos discursivos da escolarização em que não se tomam tais objetos como integrantes de um evolucionismo progressivista mas os colocam no contexto de lutas para classificar ordenar e definir os objetos do mundo isto é em um campo de tensões conflitos lutas e disputas por significados portanto em um campo que relaciona sempre conhecimento e poder 6 Foucault1972 7 Aries1981 8 No sentido da governamentalidade de Foucault 1979 9 Popkewitz1994 p178 229 10 Da forma como é feita pelos dispositivos pedagógicos da observação autoavalia ção e a expressão dos dados assim coletados por meio dos Pareceres Descritivos tal como venho investigando Corazza 1995b 1996 11 Ver por exemplo Narodowski1994 e Varela 1995 12 Ao indagar desta forma no Brasil de hoje tomome concernida à minha própria experiência de trabalho e de existência sem que ai exista nenhuma espécie de naci onalismo ou qualquer pretensão de isolar o texto da educação das crianças brasilei ras dos textos educacionais de outras sociedades ocidentais contemporâneas Tampouco me faço cargo deste universal sociedade ocidental contemporânea pois reconheço que existem especificos historicamente produzindo particularidades locais que en volvem e são envolvidas por diferentes relações de tempo espaço e de podersaber embora veja que existem problemáticas comuns à cultura ocidental tais como as de classe gênero raça etnia idade subjetividade escolhas sexuais e também de in fãnciaescolar 13 Gentili 1994 14 Parâmetros Curriculares Nacionais parecer da Faculdade de Educação da UFRGS 1996 15 Como já perguntara anteriormente em Corazza 1995a 16 Silva 1993a 17 Em nada democrático muito menos participativo que deixou de fora múltiplas vo zes como as dos sindicatos movimentos sociais associações cientificas e professo ras e professores de I Grau 18 Parâmetros Curriculares Nacionais 1996 19 Aries1981 20 Conforme mostram AlvarezUria e Varela 1991 21 Walkerdine 1984 22 Jerusalinsky 1989 23 Popkewitz 1993 24 Em outro trabalho Corazza I 995a p228 apresentei uma correspondência possi vel entre o sujeito ideal do construtivismo expresso em textos educacionais e nas falas de professoras e o perfil do profissional dos anos 90 apresentado pela Revista Veja em 1911094 25 Em uma escola municipal de Porto Alegre em 1994 durante a realização de elei ções simuladas para o governo estadual um menino de 9 anos perguntou à professo ra Por que eu tenho de votar professora Sou só uma criança 26 Bernstein 1984 27 Descrito em Corazza 1995b 28 Com este titulo apresentei uma palestra inspirada no presente texto durante o XII Seminário Internacional de Alfabetização e Educação A Sociedade PósModerna Outras Perspectivas organizado pela FEEVALEINHRS em agosto de 1996 230 Referências Bibliográficas Parâmetros Curriculares Nacionais parecer da Faculdade de Educação da UFRGS Edu cação Realidade Porto Alegre v 21 n l jan jun l 996 pp 22941 ALVAREZURIA Fernando y VARELA 1ulia Arqueologia de la escuela Madrid La Piqueta 1991 ARIES Philippe História social da criança e da família Rio de 1aneiro Guanabara 1981 BERNSTEIN Basil Classes e pedagogia visível e invisível São Paulo Cadernos de Pesquisa 49 2642 mai l 984 CORAZZA Sandra M O construtivismo pedagógico como significado transcendental do currículo In VEIGANETO A org Crítica pósestruturalista e educação Porto Alegre Sulina 1995a Currículo e política cultural da avaliação Educação Realidade Porto Ale gre v 20 n2 jul dez l995b pp 4759 Olhos de poder sobre o curriculo Educação Realidade Porto Alegre v 21 n l jan jun l 996 pp4670 COSTA Marisa V org Caminhos investigativos novos olhares na pesquisa em edu cação Porto Alegre Mediação 1996 FOUCAULT Michel A arqueologia do saber Petrópolis Vozes 1972 Microfisica do poder Rio de 1aneiro Graal 1979 GENTlLI Pablo SILVA Tomaz T Seminário Intensivo Neoconservadorismo e Edu cação na América Latina PPGEDUIFACEDUFRGS Porto Alegre 1994 Notas manuscritas IERUSALlNSKY Alfredo Psicanálise e desenvolvimento infantil um enfoque transdisciplinar Porto Alegre Artes Médicas 1989 NARODOWSKI Mariano Inancia y poder la conformación de la pedagogía moder na Buenos Aires Aique 1994 POPKEWITZ Thomas S Systems of ideas in social spaces JYgotsky US educational constructivism and the regulation of the self University of Wisconsin Madison December 6 1993 Mimeo História do currículo regulação social e poder In SILVA Tomaz T org O sujeito da educação estudos foucaultianos Petrópolis Vozes 1994 SILVA Tomaz T da Desconstruindo o construtivismo pedagógico Educação Reali dade Porto Alegre 18 2 310 jul dez 1993a org Teoria educacional crítica em tempos pósmodernos Porto Alegre Artes Médicas 1993b org O sujeito da educaçãoestudos foucaultianos Petrópolis RI Vozes 1994 org Alienígenas na sala de aula uma introdução aos estudos culturais em educação Petrópolis RI Vozes 1995 231 MOREIRA Antonio F orgs Territórios contestados o currículo e os novos mapas culturais Petrópolis RJ Vozes 1995 V ARELA Julia Categorias espaçotemporais e socialização escolar Do individualismo ao narcisismo In COSTA Marisa V org Escola básica na virada do século cultura política e currículo Porto Alegre FACEDIUFRGS 1995 VEIGANETO Alfredo org Crítica pósestruturalista e educação Porto Alegre Sulina 1995 WALKERDINE Valerie Developmental psychology and the child centered pedagogy the insertion of Piaget into early education In HENRIQUES J et alii Changing the subject Londres Methuem 1984 Sandra Mara Corazza é professora do Departamento de Ensino e Currículo da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Endereço para correspondência Rua João Berutti 185 Chácara das Pedras 91330370 Porto Alegre RS Email corazzaeduufrgsbr 232