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Sobre as autoras ver página 139 Estudos da Línguagem Vitória da Conquista v 15 n 1 p 125139 Junho de 2017 DOI httpsdoiorg1022481elv16i14881 ISSN versão online 19820534 Estudos da Línguagem A linguagem em questão um recorte inter multi e transdisciplinar Memória condensação e deslocamento nos processos primários do inconsciente do sonhador Memory condensation and displacement in the primary processes of the dreamers unconscious Maria da Conceição FonsecaSilva Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia UesbBrasil Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico CNPqBrasil Carla Cristiane de Oliveira Pinheiro Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia UesbBrasil RESUMO Neste ensaio relemos o Sonho da Injeção de Irma primeiro sonho de Freud submetido à análise e relatado em Interpretação dos sonhos Die Treumdeutung Discutimos a relação memória condensação e deslocamento nos processos primários do inconsciente do sonhador a partir de postulados que Freud apresentou sobre o mecanismo de trabalho dos sonhos e sua relação com o funcionamento do aparelho psíquico desenhado na primeira tópica conhecida como Teoria Topográfica e que deu respaldo e sustentação para a sua teoria sobre os sonhos PALAVRASCHAVE Memória Sonho da Injeção de Irma Inconsciente Processos primários ABSTRACT In this essay we reread Irmas Injection Dream Freuds first dream submitted to analysis and reported in Dream Interpretation Die Treumdeutung We discuss the relation memory condensation and Maria da Conceição FonsecaSilva e Carla Cristiane de Oliveira Pinheiro 126 displacement in the primary processes of the dreamers unconscious from postulates that Freud presented about the working mechanism of dreams and their relation to the functioning of the psychic apparatus drawn in the first topic known as Topographic Theory and who gave support and support to his theory about dreams KEYWORDS Memory Dream of Irmas Injection Unconscious Primary processes 1 Considerações gerais Todas as tentativas até hoje feitas de solucionar o problema dos sonhos têm lidado diretamente com seu conteúdo manifesto tal como se apresenta em nossa memória Todas essas tentativas esforçaramse para chegar a uma interpretação dos sonhos a partir de seu conteúdo manifesto ou quando não havia qualquer tentativa de interpretação por formar um juízo quanto à natureza deles com base nesse mesmo conteúdo manifesto Somos os únicos a levar algo mais em conta Introduzimos uma nova classe de material psíquico entre o conteúdo manifesto dos sonhos e as conclusões de nossa investigação a saber seu conteúdo latente ou como dizemos os pensamentos do sonho obtidos por meio de nosso método É desses pensamentos do sonho e não do conteúdo manifesto de um sonho que depreendemos seu sentido Estamos portanto diante de uma nova tarefa que não tinha existência prévia ou seja a tarefa de investigar as relações entre o conteúdo manifesto dos sonhos e os pensamentos oníricos latentes e de desvendar os processos pelos quais estes últimos se transformaram naquele Sigmund Freud Interpretação dos sonhos 1900 Em Interpretação dos sonhos Die Treumdeutung publicado no final de 1899 com data de 1900 e considerado marco entre os estudos pré psicanalíticos e o início da psicanálise encontramos os principais fundamentos da teorias defendidas por Freud no decorrer de suas pesquisas psicanalíticas principalmente no tocante ao delineamento da estrutura e do funcionamento do aparelho psíquico cujo sentido é explicado mais adiante Interessanos aqui algumas das questões que Freud apresentou sobre o mecanismo de trabalho dos sonhos e sua relação com funcionamento do aparelho psíquico desenhado na primeira tópica conhecida como Teoria Topográfica e que deu respaldo e sustentação para a sua teoria sobre os sonhos Memória condensação e deslocamento nos processos primários do inconsciente do sonhador 127 Ele postulou que no aparelho psíquico1 figura em um extremo o inconsciente2 que recebe seu material do sistema perceptivo sem acesso ao sistema motor e se configura por traços ou sistemas mnêmicos em outro extremo o consciente3 que controla as ações cuja realidade já passou pelos processos do inconsciente e entre os dois extremos o préconsciente4 lugar da censura5 que leva a realidade em consideração determinando o que pode e o que não pode ter acesso à motilidade ou o que pode e não pode passar para o consciente 1 Freud empregou a palavra aparelho para definir uma organização psíquica dividida em sistemas ou instâncias psíquicas com funções específicas que estão interligadas entre si ocupando certo lugar na mente Ele formulou primeiramente a primeira tópica conhecida como Teoria Topográfica e posteriormente a segunda tópica conhecida como Teoria Estrutural ou Dinâmica Na primeira tópica o aparelho psíquico é composto por três sistemas o inconsciente o pré consciente e o consciente A primeira tópica do aparelho psíquico deu respaldo a toda sua teoria sobre os sonhos Na segunda tópica o aparelho psíquico foi concebido como modelo estrutural ou dinâmico em que um conjunto de elementos têm funções específicas mas que interagem e se influenciam reciprocamente dividido em três instâncias psíquicas Isso eu e supereu Isso é concebido como um conjunto de conteúdos de natureza pulsional e de ordem inconsciente e constitui o pólo pulsional da personalidade Os seus conteúdos expressão psíquica das pulsões são inconscientes hereditários e inatos por um lado e recalcados e adquiridos por outro Isso é o reservatório inicial da energia psíquica do ponto de vista econômico abriga e interage com as funções do eu e supereu com os objetos do ponto de vista dinâmico é regido pelo princípio do prazer pelo processo primário do ponto de vista funcional Partes do eu e do supereu são inconscientes O Isso designa o inconsciente considerado um reservatório pulsional desorganizado assimilado a um verdadeiro caos É a sede da pulsão de vida e da pulsão de morte 2 Em Freud inconsciente é um sistema psíquico independente da consciência e com leis e regras próprias Em 1900 apresentou sua primeira definição de inconsciente afirmando que o tipo de ordem do Sistema Inconsciente é distinta da dos Sistemas Consciente e Préconsciente Em 1915 mostrou que a topografia psíquica referese a regiões do mecanismo mental onde quer que estejam localizados no corpo e que cada sistema psíquico possui uma estrutura própria com características distintas Segundo Freud no inconsciente estão os elementos pulsionais não acessíveis à consciência e o também material que foi excluído da consciência pelos processos psíquicos de censura e repressão O conteúdo censurado não é permitido ser lembrado mas permanece no inconsciente Para ele a maior parte do aparelho psíquico é inconsciente onde se encontra as principais determinantes da personalidade as fontes da energia psíquica e as pulsões As pulsões consistem numa espécie de energia psíquica que tende a levar o indivíduo à ação para aliviar a tensão resultante do acúmulo de energia pulsional Trata se de um conceito fronteiriço entre o somático e o psíquico Ele descreveu duas forças pulsionais antagônicas que funcionam como mantenedoras da vida ou como incitadoras da morte a sexual erótica ou fisicamente gratificante e a agressiva ou destrutiva encararam essas forças antagônicas ou como mantenedoras da vida ou como incitadoras da morte respectivamente 3 Em Freud o consciente é uma pequena parte da mente incluindo tudo aquilo de que estamos cientes num dado momento Do ponto de vista tópico o sistema percepçãoconsciência está situado na periferia do aparelho psíquico e recebe ao mesmo tempo as informações do mundo exterior e as provenientes do interior 4 O préconsciente é articulado com o consciente e funciona como uma espécie de barreira que seleciona aquilo que pode ou não passar para o consciente O préconsciente é uma parte do inconsciente que pode tornarse consciente isto é seus conteúdos são acessíveis e podem ser evocados e trazidos à consciência 5 O termo censura aparece nos escritos de Freud pela primeira vez em uma carta enviada a Wilhelm Fliess em dezembro de 1897 Na carta ele compara o absurdo de certos delírios ao fenômeno clássico da censura na política Você já teve algum dia a oportunidade de ver um jornal estrangeiro censurado pelos russos na passagem pela fronteira Palavras frases parágrafos inteiros são tarjados de preto de modo que a carta se torna ininteligível Em 1900 Interpretação dos sonhos a censura se exerce entre o inconsciente e o préconsciente de um lado e entre o préconsciente e o consciente de ou outro lado Em 1914 em Sobre o narcisismo uma introdução Freud compara a censura com uma consciência moral o que mais tarde na segunda tópica vai ser exercida pelo supereu que age como um verdadeiro censor do eu Maria da Conceição FonsecaSilva e Carla Cristiane de Oliveira Pinheiro 128 No inconsciente segundo o autor o desejo Wunsch6 procura sua expressão substitutiva para escapar à censura E quando não se trata de um desejo aceitável ocorre o esquecimento consequência de um mecanismo chamado recalque Verdrangung7 O desejo recalcado entretanto permanece no inconsciente exercendo seus efeitos e os sonhos8 bem como os sintomas 6 Em Interpretação dos sonhos ao definir o que é o desejo Freud afirma Havíamos nos aprofundado na ficção de um aparelho psíquico primitivo cujo trabalho era regulado pelo afã de evitar o acúmulo de excitação Por isso o construímos seguindo um esquema de aparelho reflexo a motilidade ao começo como caminho a alteração interna do corpo era a via de descarga que se lhe oferecia Elucidamos depois as consequências psíquicas de uma vivência de satisfação e então já pudemos introduzir um segundo suposto a saber que o acúmulo de excitação segundo certas modalidades de que nos ocupamos e percebida como desprazer e põe em atividade o aparelho a fim de produzir de novo o resultado da satisfação nesta a diminuição da excitação e sentida como prazer A uma corrente dessa índole produzida dentro do aparelho que arranca do desprazer e aponta ao prazer chamamos desejo e nenhuma outra coisa e capaz de pôr em movimento o aparelho e que o decurso da excitação dentro deste e regulado automaticamente pelas percepções de prazer e desprazer O primeiro desejar pode ter consistido em investir alucinatoriamente a recordação da satisfação Porém esta alucinação quando não podia ser mantida ate o esgotamento resultou inadequada para produzir a interrupção da necessidade e portanto o prazer ligado com a satisfação FREUD 1900 1972 p 587588 grifo nosso 7 Recalque Verdrangung primeiro mecanismo de defesa investigado por Freud quando em suas investigações sobre a neurose histérica procurava entender os mecanismos que poderiam explicar os esquecimentos e a belle indifference Em Esboços para a Comunicação Preliminar escrita em 1893 Freud tratou o conceito recalque como sinônimo de defesa Em 1914 quando publicou A história do movimento psicanalítico indicou que a ideia de recalque já havia sido pensada antes dele pelo filósofo Arthur Schopenhauer em O mundo como vontade e como representação como mostram observam Roudinesco e Plon 1998 Destacamos que a palavra em alemão Verdrangung do verbo verdrangen é traduzida por recalque ou repressão Conforme Kusnetzoff 1982 e Paiva 2011 a utilização do termo repressão por recalque pode gerar distorções quanto ao entendimento do conceito original escrito por Freud visto que na dinâmica do aparelho psíquico recalque e repressão são distintos e se manifestam em espaços diferentes Recalque termo de uso quase exclusivo da psicanálise definese como sendo o movimento que o aparelho psíquico promove para despejar da consciência as representações que podem gerar desprazer Roudinesco e Plon 1998 e Laplanche e Pontalis 2001 mostram que o recalque é um processo que obriga as ideias e as representações pulsionais a permanecerem no inconsciente Esse funcionamento se estabelece para evitar o desprazer que pode ser gerado pelo retorno deste material bem como o desequilíbrio psicológico do sujeito O recalque primário descoberto por Freud consiste no movimento primeiro como gerador desse mecanismo psíquico E o que dá sustentação ao recalque propriamente dito ou recalque a posteriori ou em outras palavras a todos os recalques posteriores cf HANS 1996 LAPLACHE PONTALIS 2001 O recalque propriamente dito ocorre após a efetivação do recalque primário e responde a duas forcas i a força do contrainvestimento que opera no sentido preconscienteinconsciente ii e a força de atração que opera no mesmo sentido mas que parte das ligações que são estabelecidas com o material já recalcado cf HANS 1996 Posteriormente ocorre o terceiro momento da dinâmica do recalque a possibilidade de retorno do material recalcado O retorno a consciência daquilo que foi recalcado e considerado um fracasso do recalque Laplanche e Pontalis 2001 partem da premissa de que aquilo que foi recalcado permanece no aparelho psíquico e explicam que o retorno do material do inconsciente para a consciente pode ocorrer somente de maneira disfarçada sob a condição de compromisso O retorno pode se apresentar como atos falhos sonhos e como sintoma manifestandose diferentemente em cada tipo de neurose cf PAIVA 2011 HANS 1996 O termo repressão por sua vez significa reprimir esmagar oprimir impedir de se manifestar reprimir sentimentos refrear Laplanche e Pontalis 2001 discutem o significado da terminologia e afirmam que a repressão e uma operação do aparelho psíquico realizada no espaço consciente que faz desaparecer uma ideia ou um afeto na maioria das vezes desagradáveis da consciência A atuação ocorre no campo da segunda censura situada por Freud entre o consciente o préconsciente Freud defende que não ha como o afeto ser alojado no inconsciente pois se torna outro afeto ou e reprimido 8 Os sonhos sempre foram objeto de interesse da humanidade desde a antiguidade inclusive entre os egípcios e os judeus do Antigo Testamento O livro de Gênesis bem como os demais livros que o seguem mostra a importância da interpretação dos sonhos no contexto bíblico Em muitas culturas os sonhos eram compreendidos como uma forma de comunicarse com o sobrenatural uma maneira de se prever o futuro das pessoas Em Interpretação dos sonhos Die Treumdeutung no capítulo I Freud 1900 Memória condensação e deslocamento nos processos primários do inconsciente do sonhador 129 histéricos atos falhos chistes como mostra Freud em seus trabalhos são exemplos desses efeitos O sonho dessa forma na perspectiva de Freud pode ser compreendido como a expressão de uma série de desejos que encontram nele a via para a consciência E por isso é entendido como a via régia para o inconsciente já que sua manifestação mais direta se manifesta com as distorções necessárias para ser aceito pelo consciente Num sonho portanto ocorre o trabalho de distorção dos afetos para que os desejos possam se realizar por seus substitutos Freud 1900 1972 mostra que o sonho se apresenta de dois modos i pelo conteúdo manifesto que é o sonho que pode ser lembrado e relatado ii pelo conteúdo latente inconsciente que provoca o sonho e que leva a análise onírica A elaboração onírica memória do sonho é o trabalho de transformar os pensamentos latentes em conteúdos manifestos distorcendo esses pensamentos de tal forma que o sonho se torna inacessível ao sonhador A interpretação ao contrário é o trabalho inverso que procura chegar ao conteúdo latente partindo do conteúdo manifesto com o objetivo de interpretar a elaboração onírica Isto significa na perspectiva de Freud 1900 que interpretar um sonho é indicar o seu sentido ou efeitos de sentido Ele mostra isso pelo método da interpretação onírica indicando que cada sonho é um produto psíquico pleno de efeitos de sentido Isto se explica pelo fato de no processo primário9 que caracteriza o sistema inconsciente a energia psíquica escoarse livremente e passar sem barreira de uma representação para outra por meio dos mecanismos básicos da condensação Verdichtung em que uma representação única funciona como ponto comum a diversas cadeias associativas de representações indicando que cada elemento do conteúdo manifesto depende de várias causas latentes e que num sonho um significante pode significar várias coisas a exemplo de uma pessoa coletiva que reúne traços de diferentes pessoas ou reforça traços comuns e apaga as diferenças e do deslocamento Verschiebung processo pelo qual uma carga afetiva ou uma representação é transferida do objeto originário para um segundo objeto que passa a funcionar como uma alusão ao objeto originário por meio de deslizamento de uma energia de investimento ao longo de uma via associativa encandeando diversas representações e possibilitando aceitar pela censura representações atenuadas no sonho Isto indica que o sentido ou efeitos de sentido e o valor psíquico de um sonho não é o mesmo em todos os sonhos 1972 faz uma revisão dos trabalhos realizados por autores sobre o assunto e apresenta a posição em que se encontrava os problemas dos sonhos no mundo da ciência naquele momento Dessa forma demarca a visão précientífica dos sonhos na Antiguidade Clássica e apresenta posicionamentos de especialistas que no século XIX discutiram e publicaram sobre i relação dos sonhos com a vida de vigília ii material dos sonhos memória nos sonhos ii estímulos e fontes dos sonhos iv esquecimento do sonho após o despertar v características psicológicas distintivas dos sonhos vi sentido moral nos sonhos vii teorias do sonhar e de sua função e viii relações entre os sonhos e as doenças mentais Ao revisar a extensa literatura sobre os sonhos Freud afirma que Nesses escritos encontramse muitas observações estimulantes e uma boa quantidade de material interessante relacionado ao nosso tema porém pouco ou nada que aborde a natureza essencial dos sonhos ou ofereça uma solução final para qualquer de seus enigmas FREUD 1900 1972 p 39 9 Desde Estudo Sobre Histeria 1895 e Projeto Para uma Psicologia Cientifica 1895 Freud distingue dois tipos de energia nervosa entre um estado livre de energia e um estado ligado O primeiro corresponde ao processo primário e o segundo ao processo secundário Maria da Conceição FonsecaSilva e Carla Cristiane de Oliveira Pinheiro 130 O sonho da injeção de Irma10 relatado em A interpretação dos Sonhos foi o primeiro sonho de Freud submetido à análise e à transformação do conteúdo manifesto em conteúdo latente permitindolhe a resolução do enigma dos sonhos Tal sonho ocorreulhe na noite de 23 para 24 de julho de 1895 na estação de Bellevue estação de veraneio em Viena onde costumava passar férias Em uma carta a Fliess11 de 12 de junho de 1900 Freud expressa o desejo de que na casa onde ocorreulhe o sonho da injeção de Irma pudesse ser lido em algum dia uma placa de mármore com a seguinte frase Aqui se revelou em 24 de julho de 1895 ao Dr Sigm Freud o segredo do sonho 2 O sonho da injeção de Irma preâmbulo sonho manifesto e análise do sonho No preâmbulo do Sonho da injeção de Irma Freud conta que no verão de 1895 prestou tratamento psicanalítico a Irma12 jovem senhora que mantinha relação de amizade com ele e com sua família Pontua que numa relação mista como essa podem surgir sentimentos conturbados principalmente no psicoterapeuta tirandolhe ou diminuindo a sua autoridade e que qualquer fracasso do médico nessa situação desestabiliza amizade com a família do paciente Salienta que o tratamento psicanalítico de Irma terminou com êxito parcial pois ela ficou livre de sua angústia histérica mas manteve alguns sintomas somáticos Conta que como não discernia muito bem ainda os critérios que indicavam o fim de um caso clínico de histeria propôs à paciente uma solução que ela resistiu a aceitar e por isso o tratamento foi interrompido durante as férias de verão Na continuidade narra que um dia recebeu a visita de Otto13 um colega mais novo na profissão e um de seus velhos amigos que esteve com Irma e sua família Ao querer saber sobre sua paciente Otto disselhe Está melhor mas não inteiramente boa Por achar que o amigo tinha sido influenciado pela família de Irma que não via o tratamento com bons olhos essas palavras eou o tom em que foram proferidas tiveram um efeito de recriminação e de acusação por ele Freud ter prometido demais à paciente Na noite do mesmo dia com o intuito de se justificar redigiu o caso clínico de Irma com a ideia de entregálo ao amigo e principal figura de seu círculo na época Dr M14 Conforme relata naquela noite ou na manhã seguinte sonhou e fez as seguintes anotações logo ao acordar 10 O sonho da injeção de Irma e tido como um corolário da inauguração da Psicanálise com toda a agudeza da dimensão do inconsciente 11 Wilhelm Fliess ocupa uma posição especial para Freud tendo em vista o interesse compartilhado entre ambos sobre a questão da sexualidade 12 Segundo Gay 1989 2005 Irma é o pseudônimo dado por Freud no sonho a Emma Eckstein 13 Segundo Gay 1989 2005 Otto é o pseudônimo de Oscar Rie que além de ser pediatra dos filhos de Freud era seu assistente 14 Segundo Gay 1989 2005 Dr M é no sonho é o pseudônimo de Josef Breuer renomado médico fisiologista do círculo de médicos do qual Freud fazia parte Foi por meio de Josef Breuer que Freud tomou conhecimento do célebre caso da paciente Anna O pseudônimo de Bertha Pappenheim que se apaixonou pelo seu médico Breuer criando uma gravidez psicológica o que inviabilizou o tratamento A construção explicativa de Freud sobre o sofrimento psíquico de Anna O o afastou de Charcot e o aproximou por mais de uma década de Breuer com quem formou uma dupla de pesquisa sobre a histeria resultando os Estudos sobre a histeria em 1882 Tal parceria teve fim pelo fato de a consideração de operações de representação que funcionam autonomamente no aparelho psíquico Memória condensação e deslocamento nos processos primários do inconsciente do sonhador 131 SONHO DE 2324 DE JULHO DE 1895 Um grande salão numerosos convidados a quem estávamos recebendo Entre eles estava Irma No mesmo instante puxeia de lado como que para responder a sua carta e repreendêla por não ter ainda aceitado minha solução Disselhe Se você ainda sente dores é realmente apenas por culpa sua Respondeu ela Ah se o senhor pudesse imaginar as dores que sinto agora na garganta no estômago e no abdômen isto está me sufocando Fiquei alarmado e olhei para ela Parecia pálida e inchada Pensei comigo mesmo que afinal de contas devia estar deixando de perceber algum distúrbio orgânico Leveia até a janela e examineilhe a garganta e ela deu mostras de resistências como fazem as mulheres com dentaduras postiças Pensei comigo mesmo que realmente não havia necessidade de ela fazer aquilo Em seguida ela abriu a boca como devia e no lado direito descobri uma grande placa branca em outro lugar vi extensas crostas cinzaesbranquiçadas sobre algumas notáveis estruturas recurvadas que tinham evidentemente por modelo os ossos turbinados do nariz Chamei imediatamente o Dr M e ele repetiu o exame e o confirmou O Dr M tinha uma aparência muito diferente da habitual estava muito pálido claudicava e tinha o queixo escanhoado Meu amigo Otto estava também agora de pé ao lado dela e meu amigo Leopold a auscultava através do corpete e dizia Ela tem uma área surda bem embaixo à esquerda Indicou também que parte da pele do ombro esquerdo estava infiltrada Notei isso tal como ele fizera apenas do vestido M disse Não há dúvida de que é uma infecção mas não tem importância sobrevirá uma disenteria e a toxina será eliminada Tivemos também pronta consciência da origem da infecção Não muito antes quando ela não estava se sentindo bem meu amigo Otto lhe aplicara uma injeção de um preparado de propil propilos ácido propiônico trimetilamina e eu via diante de mim a fórmula desse preparado impressa em grossos caracteres Injeções como essas não deveriam ser aplicadas de forma tão impensada E provavelmente a seringa não estava limpa FREUD 1972 1900 p 115 Como outros sonhos o Sonho da injeção de Irma é regido pelas leis da condensação e do deslocamento de imagens que estão nos processos primários do inconsciente do sonhador neste caso Freud Comparando o preâmbulo do sonho apresentado por Freud com o conteúdo manifesto do sonho podemos observar a relação do sonho com a as circunstâncias externas ou restos diurnos de dias anteriores ao sonho como o tratamento psicanalítico que Freud prestava a Irma paciente que mantinha relação de amizade com ele e com sua família cujo tratamento havia terminado com êxito parcial pois a paciente permaneceu com alguns sintomas somáticos e resistiu á continuidade do tratamento que não era bem visto pela família dela b as circunstâncias do mesmo dia do sonho ocasionando os distúrbios da afasia não ter sido acolhida pela medicina clássica da qual Breuer era um dos expoentes e pela resistência de Breuer em acompanhar Freud na investigação da vida sexual dos pacientes Posteriormente à paixão de Anna O pelo seu médico Freud denominou de transferência mola mestra da cura sexualidade passou de obstáculo a proposta de cura por meio da transferência de sentimentos amorosos ou ambíguos do paciente para o médico Maria da Conceição FonsecaSilva e Carla Cristiane de Oliveira Pinheiro 132 a exemplo i da notícia que Otto lhe deu sobre o estado de Irma após ter estado com ela e sua família ii da forma como Freud recebeu a notícia iii e do caso clínico que redigiu naquela noite para entregar a Dr M Mas os dados apresentados no preâmbulo e no conteúdo manifesto do sonho são insuficientes para entendermos o conteúdo latente do Sonho da injeção de Irma pois o conteúdo manifesto é a condensação do conteúdo latente do sonho indicado pelas associações feitas por Freud na análise que desenvolveu como podemos observar a seguir Tópico 1 Um grande salão numerosos convidados a quem estávamos recebendo E entre eles estava Irma Essa parte do sonho foi associada por Freud a restos diurnos anteriores ao sonho Associou o grande salão à casa em que passava o verão em Bellevue com a família e que tinha sido projetada como local de entretenimento com salas de recepção altas semelhantes a grandes salões E os convidados a quem estavam recebendo no sonho associou ao resto diurno do dia anterior ao sonho que diz respeito à circunstância de sua esposa ter lhe dito no dia de seu aniversário que estava próximo esperava receber a visita de alguns amigos e entre eles Irma a jovem senhora viúva que mantinha relação de amizade com ele e com sua família e que tinha sido sua paciente Tópico 2 No mesmo instante puxeia de lado como que para responder a sua carta e repreendêla por não ter ainda aceitado minha solução Disselhe Se você ainda sente dores é realmente apenas por culpa sua Na análise de Freud as palavras que ele dirigiu a Irma no sonho indicam que ele estava aflito pelas dores que ela ainda sentia e que se a culpa fosse dela não poderia ser dele também O desejo dele era de se livrar da culpa já que as dores que ela continuava sentindo se devia à resistência e à sua desobediência Tópico 3 Ah se o senhor pudesse imaginar as dores que sinto agora na garganta no estômago e no abdômen isto está me sufocando Segundo Freud as dores na garganta no abdômen e a constrição da garganta não participavam da doença de Irma que representa no sonho manifesto ela própria e outras pessoas indicadas pelas alterações patológicas encontradas na sua garganta Tópico 4 Parecia pálida e inchada Na análise de Freud Irma sempre teve uma aparência corada Irma no conteúdo manifesto representa portanto outra pessoa Memória condensação e deslocamento nos processos primários do inconsciente do sonhador 133 Tópico 5 devia estar deixando de perceber algum distúrbio orgânico Segundo Freud há aí um desejo de ter ele ter feito um diagnóstico errado e consequentemente o desejo novamente de se livrar da culpa Logo se as dores de Irma tivessem uma base orgânica ele não poderia ser responsabilizado por sua cura pois o tratamento a que Irma se submeteu com ele visava somente a eliminar as dores histéricas15 Tópico 6 Leveia até a janela e examineilhe a garganta e ela deu mostras de resistências como fazem as mulheres com dentaduras postiças Irma nessa parte do conteúdo manifesto representa varias pessoas Representa a governanta na qual Freud fez um exame semelhante e no momento de abrir a boca ela escondeu as dentaduras Representa também uma amiga íntima reservada e resistente de Irma que Freud tinha encontrado numa janela na mesma posição em que Irma se encontra no sonho E Freud representa o médico da amiga de Irma Dr M que lhe disse apresentar uma membrana diftérica Isto é explicado pelo fato de os elementos do conteúdo latente poderem aparecer no conteúdo manifesto como uma única pessoa mas com as características condensadas de cada uma delas Freud associa essa parte do sonho à dificuldade de ter acesso às mulheres incluindo sua esposa que estava grávida à época e reclamava de dores no abdômen e pacientes que não lhe contavam o quanto deveriam16 Tópico 7 Em seguida ela abriu a boca como devia e no lado direito descobri uma grande placa branca em outro lugar vi extensas crostas cinzaesbranquiçadas sobre algumas notáveis estruturas recurvadas que tinham evidentemente por modelo os ossos turbinados do nariz Em torno dessa parte do sonho manifesto Freud fez associações com à difterite e tudo mais da amiga de Irma à doença grave de sua filha mais velha ao tratamento com sulfonal feito em Mathilde paciente que tinha o mesmo nome de sua filha e em quem ele havia provocado um grave estado tóxico ao receitar sulfonal provocando sua morte Como fazia uso constante de cocaína para reduzir algumas inchações nasais e como costumava recomendar o uso a suas pacientes associou as crostas nos ossos turbinados à preocupação com seu próprio estado de saúde à saúde de uma de suas pacientes que tinha desenvolvido uma extensa necrose da membrana mucosa nasal e ao amigo médico que usava morfina para aliviar a dor nervosa incurável e por sua 15 Freud afirma em sua interpretação que se as dores de Irma tivessem uma base orgânica também neste aspecto eu não poderia ser responsabilizado por sua cura meu tratamento visava apenas a eliminar as dores histéricas Ocorreume de fato que eu realmente estava desejando que tivesse havido um diagnóstico errado pois se assim fosse a culpa por minha falta de êxito também estaria eliminada FREUD 1972 1900 p 144 16 Em Estudos sobre a Histeria 1893 na Comunicação Preliminar Freud defende que o trauma na histeria deixa o sujeito emudecido Maria da Conceição FonsecaSilva e Carla Cristiane de Oliveira Pinheiro 134 recomendação passou a usar cocaína mas morreu pelo uso indevido da droga por meio de injeções17 A placa ou mancha branca no fundo da garganta de Irma no sonho pode ser associada à gaze que havia sido encontrada na garganta de Irma após uma cirurgia no nariz realizada por Fliess que resultou complicações do estado de saúde da paciente que sofria além de seus sintomas histéricos de dores e secreções sanguinolentas do nariz Apesar de Freud ter considerado os sangramentos como sendo de origens psíquicas pediu a Fliess que a examinasse para não descuidar de uma enfermidade física Este operou a paciente mas as dores não diminuíram e foram intensificadas por hemorragias e um cheiro fétido Diante do episódio Freud chamou cirurgiões vienenses e Ignaz Rosanes um especialista renomado tirou coágulos de sangue grudados e retirou da cavidade nasal meio metro de gaze Isto mostrou a Freud que os sangramentos não eram de origem histérica mas de causa orgânica pois tinham sido provocados pela gaze esquecida por Fliess Conforme observa Gay 1989 2005 p 92 tal revelação aliviou a culpa de Freud que desculpou o colega e amigo e fez de tudo para consolálo e salvar a sua reputação Assim no sonho manifesto reafirmase que o desejo de Freud era estar errado pois se ele errou no diagnóstico de histeria e se os sintomas revelaram a etiologia orgânica ele não poderia ser responsabilizado pela piora da saúde da paciente já que sua responsabilidade dizia respeito somente ao tratamento de sintomas psicogênicos Nessas associações Freud atualiza a culpa e a vergonha pelos tratamentos que tiveram resultados fracassados em que houve encontro com o impossível de prever ou seja em que o remédio converteuse em veneno causando piora do estado de saúde intoxicação química e morte de pacientes Tópico 8 Chamei imediatamente o Dr M e ele repetiu o exame e o confirmou Dr M era um médico que ocupava uma posição importante como indicamos na nota 1 e que já tinha prestado assistência a Freud numa situação em que este havia provocado grave estado tóxico em uma paciente que por sua recomendação tomou repetidamente sulfonal considerado na época um remédio inofensivo Tópico 9 O Dr M tinha uma aparência muito diferente da habitual estava muito pálido claudicava e tinha o queixo escanhoado 17 Ernst von LeischlMarxow era um médico e sofria do vício em morfina Freud tentou ajudar o amigo prescrevendolhe o uso da cocaína como forma de absterse da outra droga Fleischl passou a administrar em si próprio sob a forma de injeções subcutâneas e seu quadro piorou pois tornouse viciado também em cocaína Em sua interpretação Freud afirma As crostas nos ossos turbinados fizeramme recordar uma preocupação sobre meus próprios estados de saúde Nesta época eu vinha fazendo uso frequente da cocaína para reduzir algumas incômodas inchações nasais e ficara sabendo alguns dias antes que uma de minhas pacientes que seguira meu exemplo desenvolvera uma extensa necrose na membrana nasal Eu fora o primeiro a recomendar o emprego da cocaína em 1885 e essa recomendação trouxera sérias recriminações contra mim O uso indevido dessa droga havia apressado a morte de um grande amigo meu FREUD 1900 1972 p 146 Memória condensação e deslocamento nos processos primários do inconsciente do sonhador 135 Esse tópico indica que Dr M representava duas pessoas no sonho manifesto ele próprio e o irmão mais velho de Freud cujo rosto era escanhoado e que em virtude de uma infecção artrítica no quadril puxava de uma perna No sonho o irmão se confunde com a figura de Dr M e se mistura com o ideal imaginário do pai de Freud Tópico 10 Meu amigo Otto estava também agora de pé ao lado dela e meu amigo Leopold a auscultava através do corpete e dizia Ela tem uma área surda bem embaixo à esquerda Indicou também que parte da pele do ombro esquerdo estava infiltrada Otto e Leopold eram amigos de Freud e médicos que trabalharam como seus assistentes quando chefiava o departamento de neurologia para pacientes externos de um hospital infantil em que ocorreram cenas semelhantes à representada no sonho manifesto No hospital era comum discutir um diagnóstico de um caso com Otto e Leopold examinar a criança mais uma vez e dar alguma contribuição inesperada Ao identificar A área surda bem abaixo à esquerda Leopold mostravase também meticuloso Segundo Freud o primeiro se destacava pela rapidez e o segundo pela prudência O contraste em favor do segundo era semelhante ao que fazia entre Irma e sua amiga que ele considerava mais sensata Além disso Freud associou a indicação que parte da pele do ombro esquerdo estava infiltrada ao reumatismo que ele sentia no ombro Tópico 11 M disse Não há dúvida de que é uma infecção mas não tem importância sobrevirá uma disenteria e a toxina será eliminada A associação que Freud fez diz respeito à discussão sobre difterite e difteria quando sua filha estava doente Ele explica que na tentativa de se livrar da culpa as dores que Irma sentia foram atribuídas a uma grava infecção orgânica Dessa forma o tratamento psicológico não podia ser responsável pela persistência de dores diftéricas Essa parte do sonho manifesto indica também o desprezo de Freud pelos médicos que não conheciam a histeria Ele associou essa parte do sonho i ao caso de um rapaz que tinha dificuldades associadas à defecação e que depois de ser tratado por outros médicos como um caso de anemia acompanhada de desnutrição foi por ele diagnosticado como um caso de distúrbio intestinal histérico mas que em vez de tratálo mandouo fazer uma viagem marítima durante a qual o jovem teve uma crise e o médico que o atendeu disseralhe que se trava de um caso de disenteria ii ao caso de Dr M ter sido chamado para dar um parecer sobre um paciente gravemente enfermo e ter se sentido na obrigação de salientar que encontrara albumina na urina do paciente e o colega insatisfeito ter respondido Não tem importância dissera a albumina logo será eliminada Maria da Conceição FonsecaSilva e Carla Cristiane de Oliveira Pinheiro 136 que substitui a frase de consolo não tem importância sobrevirá uma disenteria e a toxina será eliminada iii à sua dúvida sobre se o Dr M que também não concordava com a sua solução para a doença de Irma se apercebia de que os sintomas de sua paciente a amiga de Irma que davam margem à tuberculose não tinham uma base histérica Tópico 12 Tivemos também pronta consciência da origem da infecção Não muito antes quando ela não estava se sentindo bem meu amigo Otto lhe aplicara uma injeção de um preparado de propil propilos ácido propiônico trimetilamina e eu via diante de mim a fórmula desse preparado impressa em grossos caracteres Injeções como essas não deveriam ser aplicadas de forma tão impensada E provavelmente a seringa não estava limpa Freud associou essa parte do sonho manifesto aos seguintes restos diurnos anteriores ao sonho i ao fato de Otto durante sua estada com a família de Irma ter sido chamado para aplicar uma injeção em alguém que de repente se sentiu mal em um hotel ii ao seu amigo que morreu em consequência do uso indevido de injeções de cocaína iii ao fato de sua mulher ter aberto uma garrafa de licor presente de Otto em cuja garrafa aparecia a palavra Ananas e que exalava um cheiro acentuado de álcool amílico avivando em sua mente a lembrança de toda a sequência propil metil explicando o preparado propílico no sonho No tocante à fórmula química da Trimetilamina que aparece em negrito essa parte do sonho manifesto indica o movimento de Freud para chegar às conclusões sobre a origem dos distúrbios nervosos cuja cura era seu objetivo Ele associou ao amigo Fliess quem tinha acesso a todos os seus escritos e vice versa de quem costumava se lembrar sempre que se sentia isolado em suas opiniões quem lhe confiou ideias sobre a questão da química dos processos sexuais acreditando ser a trimetilamina um dos produtos do metabolismo sexual substância que o levou à sexualidade fator ao qual atribuía grande importância na origem dos distúrbios nervosos e que explicaria a persistência das dores de Irma que era uma jovem viúva e as causas dos sintomas da amiga de Irma que também era jovem viúva Por fim no sonho manifesto as injeções que não deveriam ser aplicadas de forma impensadas por Otto e que provavelmente não estavam limpas Freud associou i ao fato de Otto ter tirado conclusões apressadas e têlo julgado pela não sucesso da cura de Irma e ao desejo de terlhe respondido algo semelhante ao que aparece no sonho manifesto Memória condensação e deslocamento nos processos primários do inconsciente do sonhador 137 ii ao seu amigo médico que morreu por ter feito uso indevido de injeções de cocaína iii à Mathilde paciente que tinha o mesmo nome de sua filha e que morreu por envenenamento iv ao filho de uma senhora de oitenta e dois anos em quem aplicava injeção de morfina duas vezes ao dia por sofrer de flebite em decorrência talvez de uma infiltração provocada por seringa suja e ao fato de não ter causado nenhuma infiltração e sempre se certificar se a seringa estava limpa antes aplicar injeções em seus pacientes 3 Considerações finais O trabalho do Sonho da injeção de Irma aponta o deslocamento da culpa de Freud cujo desejo é ser inocentado da doença de Irma Nele Freud se exime da responsabilidade pelo estado de Irma indicando que a persistência das dores que ela continuava sentindo se devia a i fatores de natureza orgânica e incuráveis pelo tratamento psicológico ii fatores de natureza sexual explicados pela sua viuvez iii e ao fato de Otto que o aborreceu com suas observações sobre a cura incompleta de Irma terlhe aplicado sem a devida cautela uma injeção de uma droga inadequada No sonho que é uma distorção do desejo que existe no inconsciente Freud se vinga a de Otto por aplicar a injeção em Irma por ter lhe dado o licor que tinha cheiro de álcool amílico relacionando o licor à injeção como um preparado de propil além de comparar Otto a Leopodo e demonstrar preferência pelo último b de Irma paciente desobediente substituindoa por outra mais sensata e menos resistente sua amiga c do Dr M por meio de uma alusão indicando que ele era um ignorante no assunto da histeria substituindoo por alguém dotado de maiores conhecimentos seu amigo Fliess que lhe falou sobre a trimetilamina cuja fórmula química escrita aparece no sonho manifesto junto com a causa sexual da doença da Irma e sua amiga Assim como Freud se sentiu impotente diante dos resultados nefastos da cocaina Dr M de quem esperava o reconhecimento profissional revelouse um homem impotente d do irmão mais velho que se confunde com a figura de Dr M e se mistura com o ideal imaginário de seu pai e dos médicos que ignoravam a histeria No sonho diante das dificuldades e limites com que se deparou Freud mostra o seu desejo de solucionar com novas propostas de tratamento Mostra se impaciente e se vinga daqueles que não colaboraram com estatuto de uma solução ajudandoo a preencher as lacunas com novos significados relacionados à contingência da sexualidade e à particularidade do caso a caso diante da constatação da ignorância do sujeito em relação à gênese de seus sintomas e de sua posição no mundo Maria da Conceição FonsecaSilva e Carla Cristiane de Oliveira Pinheiro 138 Os deslocamentos operados no Sonho da injeção de Irma portanto consistiram na substituição de representações por outras a elas associadas burlando a censura para facilitar o mecanismo da condensação em cujo funcionamento podemos identificar a partir do preâmbulo do sonho manifesto e da análise feita por Freud características isoladas de uma pessoa que a representa por inteiro ao se compor com características que representam outras pessoas ou seja características de várias pessoas do conteúdo latente aparecem no conteúdo manifesto como uma única pessoa Assim Irma e Dr M ocupam posições no conteúdo manifesto de vários personagens que figuram no sonho manifesto por fragmentos Irma a principal personagem do sonho é transformada pelo trabalho de condensação onírica numa figura coletiva com características diversas Ela representa a si mesma mas também outras pessoas tais como i sua amiga indicada pela posição em que aparece na janela ao ser examinada ii a filha mais velha de Freud e uma paciente que tinha o mesmo nome de sua filha e que morreu vítima de envenenamento indicadas pelo fato de Irma parecer ter uma membrana diftérica iii uma das crianças examinadas por Freud Otto e Leopoldo no hospital infantil a governanta indicada pela resistência de Irma ao tratamento e paralelamente à sua mulher iv pessoas indicadas pelas alterações patológicas encontradas na garganta de Irma v o amigo que usava morfina para aliviar a dor nervosa incurável e que por sua recomendação passou a usar cocaína e morreu em consequência de injeções de cocaína O Dr M é outra personagem do sonho que foi transformada pelo trabalho de condensação onírica numa figura coletiva reunindo feições reais de duas pessoas a dele pois falava e agia como ele e a do irmão mais velho de Freud indicadas pelas características físicas e doenças Além disso no trabalho de condensação desse sonho a palavra disenteria deu expressão a mais de um dos pensamentos do sonho ou seja teve determinação múltipla indicada de um lado pela semelhança fonética com a palavra difteria e de outro lado pela relação com o paciente que apresentava sintomas de distúrbio intestinal histérico mas cuja histeria não foi reconhecida por outros médicos que o examinaram antes e depois de Freud Ocorreu também a condensação pelo deslocamento de expressão verbal amilos presente no conteúdo latente do sonho pela expressão verbal propilos que aparece no conteúdo manifesto do sonho E também a condensação pelo deslocamento da causa da doença de Irma pela fórmula química da trimetilamina como um dos componentes dos processos sexuais Observamos por fim que ao submeter à análise O sonho da injeção de Irma Freud sonhador e ao mesmo tempo analista de seu próprio sonho o interpretou transformando o conteúdo manifesto em conteúdo latente Memória condensação e deslocamento nos processos primários do inconsciente do sonhador 139 resolvendo o enigma dos sonhos A cada segmento do sonho ele ofereceu por meio dos comentários freudianos várias associações lembranças de sua memória circunstâncias notas e comentários soberanos de forma que entendemos que nada pode ser acrescentado ou extraído dos desejos do sonhador partindo da tese imanentista de Freud que circunscreveu o dispositivo ou técnica analítica na imanência do discurso do paciente REFERÊNCIAS FREUD S A interpretação dos sonhos Edição Standard Brasileira das obras psicológicas completas de S Freud vol V Rio de Janeiro Imago 1972 Edição original 1900 FREUD S A Estudos sobre a histeria Edição Standard Brasileira das obras psicológicas completas de S Freud vol V Rio de Janeiro Imago 1972 Edição original 1893 FREUD Sigmund Conferências introdutórias sobre psicanálise Conferências V e VII 191619151916 vol XV Edição Standard Brasileira das obras psicológicas completas de S Freud Rio de Janeiro Imago 2006 Gay P Freíd Uma vida para nosso tempo São Paulo Companhia das Letras 2005 Edição original 1988 HANS A L Dicionário comentado do alemão de Freud Rio de Janeiro 1996 KUSNETZOFF J C Introdução à psicopatologia psicanalítica Rio de Janeiro Nova Fronteira 1982 LAPLANCHE J PONTALIS J B Vocabulário da psicanálise São Paulo Martins Fontes 2001 PAIVA M L S C Recalque e repressão uma discussão teórica ilustrada por um filme Estudos Interdisciplinares em Psicologia v2 n 2 p 229241 2011 ROUDINESCO E PLON M Dicionário de psicanálise Rio de Janeiro Zahar 1998 Recebido em abril de 2017 Aprovado em maio de 2017 Publicado em junho de 2017 SOBRE O AUTOR Maria da Conceição FonsecaSilva é doutora em Linguística pela Unicamp Professora titular do Departamento de Estudos Linguísticos e Literários da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia Atua nos cursos de graduação no Programa de Pós Graduação em Memória Linguagem e Sociedade e no Programa de PósGraduação em Linguística da Universidade Estadual do Maria da Conceição FonsecaSilva e Carla Cristiane de Oliveira Pinheiro 140 Sudoeste da Bahia Líder do Grupo de Pesquisa em Análise de Discurso LAPADis CNPqUesb e do Grupo de Pesquisa em Estudos Linguísticos GPELCNPqUesb Bolsista de Produtividade 2 do CNPq Email confonsecagmailcom Carla Cristiane de Oliveira Pinheiro é doutoranda em Programa de PósGraduação em Memória Linguagem e Sociedade pala Uesb Professora do curso de Medicina da Uesb Membro do Grupo de Pesquisa em Análise de Discurso DPADis UesbCNPq Email carlapinheiro3hotmailcom