·
Psicologia ·
Psicanálise
Send your question to AI and receive an answer instantly
Recommended for you
16
Análise do Sonho da Injeção de Irma: Memória e Inconsciente
Psicanálise
PROMOVE
9
Observações sobre o Amor Transferencial: Novas Recomendações sobre a Técnica da Psicanálise III
Psicanálise
PROMOVE
632
Sigmund Freud - Obras Completas: Volume 13 - Conferências Introdutórias à Psicanálise
Psicanálise
PROMOVE
326
O Eu e o Id: Autobiografia e Outros Textos - Sigmund Freud
Psicanálise
PROMOVE
16
Interpretação dos Sonhos sem Fim: Reflexões sobre Freud e Vinhetas Clínicas
Psicanálise
PROMOVE
275
Sigmund Freud: Obras Completas Volume 10 - Observações Psicanalíticas
Psicanálise
PROMOVE
Preview text
SIGMUND FREUD OBRAS COMPLETAS VOLUME 12 INTRODUÇÃO AO NARCISISMO ENSAIOS DE METAPSICOLOGIA E OUTROS TEXTOS 19141916 TRADUÇÃO PAULO CÉSAR DE SOUZA SUMÁRIO ESTA EDIÇÃO INTRODUÇÃO AO NARCISISMO 1914 ENSAIOS DE METAPSICOLOGIA OS INSTINTOS E SEUS DESTINOS 1915 A REPRESSÃO 1915 O INCONSCIENTE 1915 I JUSTIFICAÇÃO DO INCONSCIENTE II A PLURALIDADE DE SENTIDOS DO INCONSCIENTE E O PONTO DE VISTA TOPOLÓGICO III SENTIMENTOS INCONSCIENTES IV TOPOLOGIA E DINÂMICA DA REPRESSÃO V AS CARACTERÍSTICAS ESPECIAIS DO SISTEMA ICS VI A COMUNICAÇÃO ENTRE OS DOIS SISTEMAS VII A IDENTIFICAÇÃO DO INCONSCIENTE COMPLEMENTO METAPSICOLÓGICO À TEORIA DOS SONHOS 1917 1915 LUTO E MELANCOLIA 1917 1915 COMUNICAÇÃO DE UM CASO DE PARANOIA QUE CONTRADIZ A TEORIA PSICANALÍTICA 1915 CONSIDERAÇÕES ATUAIS SOBRE A GUERRA E A MORTE 1915 I A DESILUSÃO CAUSADA PELA GUERRA II NOSSA ATITUDE PERANTE A MORTE A TRANSITORIEDADE 1916 ALGUNS TIPOS DE CARÁTER ENCONTRADOS NA PRÁTICA PSICANALÍTICA 1916 I AS EXCEÇÕES II OS QUE FRACASSAM NO TRIUNFO III OS CRIMINOSOS POR SENTIMENTO DE CULPA TEXTOS BREVES 19151916 PARALELO MITOLÓGICO DE UMA IMAGEM OBSESSIVA UMA RELAÇÃO ENTRE UM SÍMBOLO E UM SINTOMA CARTA À DRA HERMINE VON HUGHELLMUTH 4225 ESTA EDIÇÃO Esta edição das obras completas de Sigmund Freud pretende ser a primeira em língua portuguesa traduzida do original alemão e organizada na sequência cronológica em que apareceram originalmente os textos A afirmação de que são obras completas pede um esclarecimento Não se incluem os textos de neurologia isto é não psicanalíticos anteriores à criação da psicanálise Isso porque o próprio autor decidiu deixálos de fora quando se fez a primeira edição completa de suas obras nas décadas de 1920 e 1930 No entanto vários textos prépsicanalíticos já psicológicos serão incluídos nos dois primeiros volumes A coleção inteira será composta de vinte volumes sendo dezenove de textos e um de índices e bibliografia A edição alemã que serviu de base para esta foi Gesammelte Werke Obras completas publicada em Londres entre 1940 e 1952 Agora pertence ao catá logo da editora Fischer de Frankfurt que também recolheu num grosso volume intitulado Nachtragsband Volume suplementar inúmeros textos menores ou inéditos que haviam sido omitidos na edição londrina Apenas al guns deles foram traduzidos para a presente edição pois muitos são de caráter apenas circunstancial A ordem cronológica adotada pode sofrer pequenas alterações no interior de um volume Os textos considerados mais importantes do período coberto pelo volume cujos títulos aparecem na página de rosto vêm em primeiro lugar Em uma ou outra ocasião são reunidos aqueles que tratam de um só tema mas não foram publicados sucessivamente é o caso dos artigos sobre a técnica psicanalítica por exemplo Por fim os textos mais curtos são agrupa dos no final do volume Embora constituam a mais ampla reunião de textos de Freud os dezessete volumes dos Gesammelte Werke foram sofrivelmente editados talvez devido à penúria dos anos de guerra e de pósguerra na Europa Embora ordenados cronologicamente não indicam sequer o ano da publicação de cada trabalho O texto em si é geralmente confiável mas sempre que possível foi cotejado com a Studienausgabe Edição de estudos publicada pela Fischer em 196975 da qual consultamos uma edição revista lançada posteriormente Tratase de onze volumes organizados por temas como a primeira coleção de obras de Freud que não incluem vários textos secundários ou de conteúdo repetido mas incorporam traduzidas para o alemão as apresentações e notas que o inglês James Strachey redigiu para a Standard edition Londres Hogarth Press 195566 O objetivo da presente edição é oferecer os textos com o máximo de fidel idade ao original sem interpretações ou interferências de comentaristas e teóricos posteriores da psicanálise que devem ser buscadas na imensa biblio grafia sobre o tema Também informações sobre a gênese e a importância de cada obra podem ser encontradas na literatura secundária principalmente na biografia em três volumes de Ernest Jones lançada no Brasil pela Imago do Rio de Janeiro e no mencionado aparato editorial da Standard inglesa A ordem de publicação destas Obras completas não é a mesma daquela das primeiras edições alemãs pois isso implicaria deixar várias coisas relevantes para muito depois Decidiuse começar por um período intermediário e de pleno desenvolvimento das concepções de Freud em torno de 1915 e daí pro ceder para trás e para adiante Após o título de cada texto há apenas a referência bibliográfica da primeira publicação não a das edições subsequentes ou em outras línguas que interes sam tão somente a alguns especialistas Entre parênteses se acha o ano da pub licação original havendo transcorrido mais de um ano entre a redação e a pub licação a data da redação aparece entre colchetes As indicações bibliográficas do autor foram normalmente conservadas tais como ele as redigiu isto é não foram substituídas por edições mais recentes das obras citadas Mas sempre é 6225 fornecido o ano da publicação que no caso de remissões do autor a seus próprios textos permite que o leitor os localize sem maior dificuldade tanto nesta como em outras edições das obras de Freud As notas do tradutor geralmente informam sobre termos e passagens de versão problemática para que o leitor tenha uma ideia mais precisa de seu sig nificado e para justificar em alguma medida as soluções aqui adotadas Nessas notas são reproduzidos os equivalentes achados em algumas versões es trangeiras dos textos em línguas aparentadas ao português e ao alemão Não utilizamos as duas versões das obras completas já aparecidas em português das editoras Delta e Imago pois não foram traduzidas do alemão e sim do francês e do espanhol a primeira e do inglês a segunda No tocante aos termos considerados técnicos não existe a pretensão de im por as escolhas aqui feitas como se fossem absolutas Elas apenas pareceram as menos insatisfatórias para o tradutor e os leitores e psicanalistas que empregam termos diferentes conforme suas diferentes abordagens e per cepções da psicanálise devem sentirse à vontade para conservar suas opções Ao ler essas traduções apenas precisarão fazer o pequeno esforço de substituir mentalmente instinto por pulsão instintual por pulsional repressão por recalque ou Eu por ego exemplificando No entanto essas palavras são poucas em número bem menor do que geralmente se acredita Esta edição não pretende ser definitiva pelo simples motivo de que um clássico dessa natureza nunca recebe uma tradução definitiva E tendo sido planejada por alguém que se aproximou de Freud pela via da linguagem e da literatura destinase não apenas aos estudiosos e profissionais da psicanálise mas a todos aqueles que em vários continentes leem e se exprimem nessa que um grande poeta português chamou de nossa clara língua majestosa e um eminente tradutor e poeta brasileiro qualificou de portocálido brasilírico idiomaterno 7225 pcs O tradutor agradece o generoso auxílio de Mariana Moreau que durante um ano lhe permitiu se dedicar exclusivamente à tradução deste volume 8225 INTRODUÇÃO AO NARCISISMO 1914 TÍTULO ORIGINAL ZUR EINFÜHRUNG DES NARZISSMUS PUBLICADO PRIMEIRAMENTE EM JAHRBUCH DER PSYCHOANALYSE ANUÁRIO DE PSICANÁLISE V 6 PP 124 TRADUZIDO DE GESAMMELTE WERKE X PP 13870 TAMBÉM SE ACHA EM STUDIENAUSGABE III PP 3768 I O termo narcisismo vem da descrição clínica e foi escolhido por P Näcke em 1899 para designar a conduta em que o indivíduo trata o próprio corpo como se este fosse o de um objeto sexual isto é olhao toca nele e o acaricia com prazer sexual até atingir plena satisfação mediante esses atos Desen volvido a esse ponto o narcisismo tem o significado de uma perversão que ab sorveu toda a vida sexual da pessoa e está sujeito às mesmas expectativas com que abordamos o estudo das perversões em geral Chamou a atenção da pesquisa psicanalítica o fato de características isola das da conduta narcisista serem encontradas em muitas pessoas sujeitas a out ros distúrbios como os homossexuais segundo Sadger e por fim apareceu a conjectura de que uma alocação da libido que denominamos narcisismo poderia apresentarse de modo bem mais intenso e reivindicar um lugar no desenvolvimento sexual regular do ser humano1 À mesma conjectura chegou se a partir das dificuldades da psicanálise com neuróticos pois era como se tal comportamento narcísico fosse um dos limites de sua suscetibilidade à influên cia Nesse sentido o narcisismo não seria uma perversão mas o complemento libidinal do egoísmo do instinto de autoconservação do qual justificadamente atribuímos uma porção a cada ser vivo Um motivo premente para nos ocuparmos com a ideia de um narcisismo primário e normal apareceu quando se fez a tentativa de incluir o que sabemos da dementia praecox Kraepelin ou esquizofrenia Bleuler sob a hipótese da teoria da libido Esses doentes que eu sugeri designar como parafrênicos mostram duas características fundamentais a megalomania e o abandono do interesse pelo mundo externo pessoas e coisas Devido a esta última mudança eles se furtam à influência da psicanálise não podendo ser curados por nossos esforços Mas o afastamento do parafrênico face ao mundo externo pede uma caracterização mais precisa Também o histérico e o neurótico ob sessivo abandonam até onde vai sua doença a relação com a realidade A an álise mostra porém que de maneira nenhuma suspendem a relação erótica com pessoas e coisas Ainda a mantêm na fantasia isto é por um lado sub stituem os objetos reais por objetos imaginários de sua lembrança ou os mis turam com estes e por outro lado renunciam a empreender as ações motoras para alcançar as metas relativas a esses objetos Apenas a esse estado da libido se deveria aplicar o termo usado por Jung sem distinção o de introversão da li bido Sucede de outro modo com o parafrênico Este parece mesmo retirar das pessoas e coisas do mundo externo a sua libido sem substituílas por outras na fantasia Quando isso vem a ocorrer parece ser algo secundário parte de uma tentativa de cura que pretende reconduzir a libido ao objeto2 Surge a pergunta qual o destino da libido retirada dos objetos na esquizo frenia A megalomania própria desses estados apontanos aqui o caminho Ela se originou provavelmente à custa da libido objetal A libido retirada do mundo externo foi dirigida ao Eu de modo a surgir uma conduta que po demos chamar de narcisismo No entanto a megalomania mesma não é uma criação nova e sim como sabemos a ampliação e o explicitamento de um es tado que já havia existido antes Isso nos leva a apreender o narcisismo que surge por retração dos investimentos objetais como secundário edificado sobre um narcisismo primário que foi obscurecido por influências várias Insisto em que não pretendo esclarecer ou aprofundar o problema da es quizofrenia mas apenas reúno o que foi dito em outros lugares a fim de justi ficar uma introdução ao narcisismo Um terceiro elemento que concorre para essa extensão legítima ao que me parece da teoria da libido vem de nossas observações e concepções da vida psíquica das crianças e dos povos primitivos Encontramos neles traços que isoladamente podem ser atribuídos à megalomania uma superestimação do poder de seus desejos e atos psíquicos a onipotência dos pensamentos 11225 uma crença na força mágica das palavras uma técnica de lidar com o mundo externo a magia que aparece como aplicação coerente dessas grandiosas premissas3 Esperamos encontrar uma atitude análoga face ao mundo externo nas crianças de nossa época cujo desenvolvimento é para nós mais impenet rável4 Formamos assim a ideia de um originário investimento libidinal do Eu de que algo é depois cedido aos objetos mas que persiste fundamentalmente relacionandose aos investimentos de objeto como o corpo de uma ameba aos pseudópodes que dele avançam Essa parte da alocação da libido ficou inicial mente oculta para a nossa pesquisa cujo ponto de partida eram os sintomas neuróticos Notamos apenas as emanações dessa libido os investimentos de objeto que podem ser avançados e novamente recuados Enxergamos também em largos traços uma oposição entre libido do Eu e libido de objeto Quanto mais se emprega uma mais empobrece a outra A mais elevada fase de desen volvimento a que chega esta última aparece como estado de enamoramento ele se nos apresenta como um abandono da própria personalidade em favor do investimento de objeto e tem seu contrário na fantasia ou autopercepção de fim do mundo dos paranoicos5 Por fim concluímos quanto à diferenciação das energias psíquicas que inicialmente estão juntas no estado do narcisismo sendo indistinguíveis para a nossa grosseira análise e que apenas com o invest imento de objeto se torna possível distinguir uma energia sexual a libido de uma energia dos instintos do Eu Antes de prosseguir devo tocar em duas questões que nos levam ao centro das dificuldades do tema Primeira que relação há entre o narcisismo de que agora tratamos e o autoerotismo que descrevemos como um estágio inicial da libido Segunda se admitimos para o Eu um investimento primário com li bido por que é necessário separar uma libido sexual de uma energia não sexual dos instintos do Eu Postular uma única energia psíquica não pouparia todas as dificuldades da separação entre energia dos instintos do Eu e libido do Eu libido do Eu e libido de objeto Sobre a primeira questão observo o seguinte 12225 é uma suposição necessária a de que uma unidade comparável ao Eu não ex iste desde o começo no indivíduo o Eu tem que ser desenvolvido Mas os in stintos autoeróticos são primordiais então deve haver algo que se acrescenta ao autoerotismo uma nova ação psíquica para que se forme o narcisismo A solicitação para que dê uma resposta definida à segunda questão deve suscitar em todo psicanalista um perceptível malestar Não nos sentimos bem ao abandonar a observação em favor de estéreis disputas teóricas mas não po demos nos furtar a uma tentativa de esclarecimento É certo que noções como a de uma libido do Eu energia dos instintos do Eu e assim por diante não são particularmente fáceis de apreender nem suficientemente ricas de conteúdo uma teoria especulativa das relações em jogo procuraria antes de tudo obter um conceito nitidamente circunscrito como fundamento Acredito no entanto ser justamente essa a diferença entre uma teoria especulativa e uma ciência edi ficada sobre a interpretação da empiria Esta não invejará à especulação o priv ilégio de uma fundamentação limpa logicamente inatacável mas de bom grado se contentará com pensamentos básicos nebulosos dificilmente ima gináveis os quais espera apreender de modo mais claro no curso de seu desen volvimento e está disposta a eventualmente trocar por outros Pois essas idei as não são o fundamento da ciência sobre o qual tudo repousa tal fundamento é apenas a observação Elas não são a parte inferior mas o topo da construção inteira podendo ser substituídas e afastadas sem prejuízo Em nossos dias vemos algo semelhante na física cujas concepções básicas sobre matéria centros de força atração etc não seriam menos problemáticas do que as cor respondentes na psicanálise O valor dos conceitos de libido do Eu e libido de objeto está em que de rivam da elaboração de características íntimas dos processos neuróticos e psicóticos A distinção entre uma libido que é própria do Eu e uma que se atém aos objetos constitui o inevitável prosseguimento de uma primeira hipótese que separava instintos sexuais de instintos do Eu Pelo menos a isso me levou a análise das puras neuroses de transferência histeria e neurose obsessiva e sei 13225 apenas que todas as tentativas de prestar contas de tais fenômenos por outros meios fracassaram radicalmente Dada a completa ausência de uma teoria dos instintos que de algum modo nos orientasse é lícito ou melhor é imperioso experimentar alguma hipótese de maneira consequente até que falhe ou se confirme Há vários pontos em fa vor da hipótese de uma diferenciação original entre instintos sexuais e instintos do Eu além de sua utilidade para a análise das neuroses de transferência Ad mito que somente esse fator não seria inequívoco pois poderia ser o caso de uma energia psíquica indiferente que apenas com o ato do investimento de ob jeto se torna libido Mas essa distinção conceitual corresponde primeiro à sep aração popular tão corriqueira entre fome e amor Em segundo lugar consid erações biológicas se fazem valer em seu favor O indivíduo tem de fato uma dupla existência como fim em si mesmo e como elo de uma corrente à qual serve contra ou de todo modo sem a sua vontade Ele vê a sexualidade mesma como um de seus propósitos enquanto uma outra reflexão mostra que ele é tão somente um apêndice de seu plasma germinal à disposição do qual ele coloca suas forças em troca de um bônus de prazer o depositário mortal de uma talvez imortal substância como um morgado que possui temporari amente a instituição que a ele sobreviverá A distinção entre instintos sexuais e do Eu apenas refletiria essa dupla função do indivíduo Em terceiro lugar é preciso não esquecer que todas as nossas concepções provisórias em psicologia devem ser um dia baseadas em alicerces orgânicos Isso torna provável que sejam substâncias e processos químicos especiais que levem a efeito as oper ações da sexualidade e proporcionem a continuação da vida individual naquela da espécie Tal probabilidade levamos em conta ao trocar as substâncias quím icas especiais por forças psíquicas especiais Precisamente porque em geral me esforço para manter longe da psicologia tudo o que dela é diferente inclusive o pensamento biológico quero neste ponto admitir expressamente que a hipótese de instintos sexuais e do Eu sep arados ou seja a teoria da libido repousa minimamente sobre base 14225 psicológica escorandose essencialmente na biologia Então serei consistente o bastante para descartar essa hipótese se a partir do trabalho psicanalítico mesmo avultar outra suposição mais aproveitável acerca dos instintos Até agora isso não aconteceu Pode ser que em seu fundamento primeiro e em última instância a energia sexual a libido seja apenas o produto de uma diferenciação da energia que atua normalmente na psique Mas tal afirmação não tem muito alcance Diz respeito a coisas já tão remotas dos problemas de nossa observação e de que possuímos tão escasso conhecimento que é ocioso tanto combatêla quanto utilizála possivelmente essa identidade primeva tem tão pouco a ver com nossos interesses psicanalíticos quanto o parentesco prim ordial de todas as raças humanas tem a ver com a prova de que se é parente do testador exigida para a transmissão legal da herança Não chegamos a nada com todas essas especulações Como não podemos esperar até que uma outra ciência nos presenteie as conclusões finais sobre a teoria dos instintos é bem mais adequado procurarmos ver que luz pode ser lançada sobre esses enigmas biológicos fundamentais por uma síntese dos fenômenos psicológicos Estejamos cientes da possibilidade do erro mas não deixemos de levar adiante de maneira consequente a primeira hipótese mencionada de uma oposição entre instintos sexuais e do Eu que se nos impôs através da análise das neur oses de transferência verificando se ela evolui de modo fecundo e livre de contradições e se pode aplicarse também a outras afecções à esquizofrenia por exemplo Naturalmente a situação seria outra caso se provasse que a teoria da libido já fracassou na explicação da última doença mencionada C G Jung fez tal afirmação6 e obrigoume assim a esta última discussão que eu bem gostaria de ter evitado Teria preferido seguir até o final o curso tomado na análise do caso Schreber silenciando a respeito de suas premissas A afirmação de Jung é no mínimo precipitada Seus fundamentos são parcos Primeiro ele invoca o meu próprio testemunho segundo o qual devido às dificuldades da análise de Schreber fui obrigado a estender o conceito de libido isto é a abandonar o 15225 seu conteúdo sexual identificando libido com interesse psíquico propriamente O que se poderia dizer para corrigir tal equívoco de interpretação já foi dito por Ferenczi numa sólida crítica do trabalho de Jung7 Restame apenas cor roborar sua crítica e repetir que não expressei tal renúncia à teoria da libido Um outro argumento de Jung segundo o qual não é concebível que a perda da normal função do real possa ser causada apenas pela retração da libido não é um argumento mas um decreto it begs the question antecipa a decisão e evita a discussão pois o que deve ser investigado é justamente se e como isto é pos sível No seu trabalho grande seguinte8 Jung passou ligeiramente ao lado da solução que eu havia indicado há muito Nisso devese considerar ainda aliás algo a que Freud se refere em seu trabalho acerca do caso Schreber que a introversão da libido sexualis conduz a um investimento do Eu medi ante o qual possivelmente se produz o efeito da perda da realidade Constitui de fato uma possibilidade tentadora explicar desse modo a psicologia da perda da realidade Mas ele não se detém muito nessa possibilidade Algumas linhas adiante ele a dispensa com a observação de que partindo dessa condição se chegaria à psicologia de um anacoreta ascético não a uma dementia praecox Uma comparação inadequada que não leva a decisão alguma como nos ensina a observação de que um tal anacoreta que se empenha em erradicar todo traço de desejo sexual mas apenas no sentido popular do termo sexual não precisa mostrar sequer uma colocação patogênica da libido Ele pode ter afastado inteiramente dos seres humanos o interesse sexual sublimandoo num elevado interesse por coisas divinas naturais animais sem haver experi mentado uma introversão de sua libido a suas fantasias ou um retorno dela ao seu Eu Parece que tal comparação despreza antecipadamente a distinção pos sível entre o interesse vindo de fontes eróticas e o de outras fontes Se recor darmos também que as investigações da escola suíça apesar de todo o seu mérito trouxeram luz apenas sobre dois pontos do quadro da dementia prae cox a existência de complexos achados tanto em pessoas sadias como em neuróticos e a similitude entre as suas construções fantasiosas e os mitos dos 16225 povos mas de resto não conseguiram esclarecer o mecanismo da doença então poderemos rechaçar a afirmação de Jung segundo a qual a teoria da libido fra cassou ao lidar com a dementia praecox e por isso está liquidada também para as outras neuroses II Dificuldades especiais me parecem impedir um estudo direto do narcisismo O principal acesso a ele continuará sendo provavelmente o estudo das parafreni as Assim como as neuroses de transferência nos possibilitaram rastrear os im pulsos instintuais libidinais a dementia praecox e a paranoia nos permitirão en tender a psicologia do Eu Mais uma vez teremos que descobrir a partir dos exageros e distorções do patológico o que é aparentemente simples no normal No entanto para nos aproximarmos do conhecimento do narcisismo algumas outras vias continuam abertas para nós e são elas que passo agora a descrever a consideração da doença orgânica da hipocondria e da vida amorosa dos sexos Sigo uma sugestão verbal de Sándor Ferenczi ao apreciar a influência da enfermidade orgânica sobre a distribuição da libido É algo sabido e tomamos por evidente que alguém que sofre de dor orgânica e más sensações abandona o interesse pelas coisas do mundo externo na medida em que não dizem re speito ao seu sofrimento Uma observação mais precisa mostra que ele também retira o interesse libidinal de seus objetos amorosos que cessa de amar en quanto sofre A banalidade desse fato não pode nos dissuadir de lhe dar uma tradução em termos da teoria da libido Diríamos então que o doente retira seus investimentos libidinais de volta para o Eu enviandoos novamente para fora depois de curarse No buraco de seu molar diz Wilhelm Busch do po eta que sofre dor de dente se concentra a sua alma Libido e interesse do Eu 17225 têm aí o mesmo destino e são de novo inseparáveis O conhecido egoísmo dos doentes cobre ambos Nós o achamos tão evidente porque estamos certos de comportarmonos igualmente nesse caso O fato de mesmo a mais intensa dis posição de amar desvanecer por causa de distúrbios físicos sua repentina sub stituição pela completa indiferença foi convenientemente explorado na arte do humor De modo semelhante à doença o estado do sono também significa uma re tração narcísica das posições da libido para a própria pessoa mais precis amente para o desejo de dormir O egoísmo dos sonhos se enquadra bem nesse contexto Em ambos os casos vemos ainda que seja apenas isso exemplos de mudanças na distribuição da libido graças à mudança no Eu A hipocondria se manifesta como a enfermidade orgânica em sensações físicas penosas e dolorosas e também coincide com ela no efeito sobre a dis tribuição da libido O hipocondríaco retira interesse e libido esta de maneira bem nítida dos objetos do mundo exterior e concentra ambos no órgão que o ocupa Uma diferença entre hipocondria e doença orgânica se evidencia agora no último caso as sensações penosas se baseiam em mudanças demonstráveis no primeiro não Mas harmoniza plenamente com nossa con cepção geral dos processos da neurose afirmarmos que a hipocondria há de es tar certa que as mudanças orgânicas também não podem faltar nela Em que consistiriam então Aqui nos deixaremos guiar pela experiência segundo a qual sensações cor porais de tipo desprazeroso comparáveis às hipocondríacas também não faltam nas outras neuroses Já uma vez externei a inclinação de situar a histeria junto à neurastenia e à neurose de angústia como a terceira neurose atual Provavelmente não significa ir longe demais dizer que nas outras neuroses também se desenvolve regularmente um quê de hipocondria O melhor exem plo disso pode estar na neurose de angústia e na histeria sobre ela edificada 18225 Ora o modelo que conhecemos de um órgão dolorosamente sensível de al gum modo alterado e todavia não doente no sentido habitual é o órgão genit al em estado de excitação Ele fica irrigado de sangue intumescido umedecido e se torna o centro de múltiplas sensações Se tomando uma área do corpo chamarmos sua atividade de enviar estímulos sexualmente excitantes para a psique de erogenidade e se refletirmos que as considerações da teoria sexual há muito nos habituaram à concepção de que algumas outras áreas do corpo as zonas erógenas podem agir como substitutas dos genitais e comportarse de maneira análoga a eles então só teremos que arriscar um passo mais Podemos nos decidir a ver na erogenidade uma característica geral de todos os órgãos o que nos permitiria então falar do seu aumento ou decréscimo numa determin ada área do corpo Para cada alteração dessas na erogenidade dos órgãos po deria haver uma alteração paralela no investimento libidinal do Eu Em tais fatores deveríamos procurar o que se acha na base da hipocondria e o que pode ter na distribuição da libido o mesmo efeito que a doença material dos órgãos Notamos que prosseguindo nesse curso de pensamento topamos não só com o problema da hipocondria mas também com o das outras neuroses atuais a neurastenia e a neurose de angústia Por isso vamos parar neste ponto não está no propósito de uma investigação puramente psicológica avançar tanto além da fronteira com a pesquisa fisiológica Direi apenas que é possível conjecturar a partir disso que a hipocondria tenha com a parafrenia uma relação similar à das outras neuroses atuais com a histeria e a neurose obsessiva que dependa da libido do Eu como as outras da libido de objeto a angústia hipocondríaca seria a contrapartida desde a libido do Eu da angústia neurótica Mais se já estamos familiarizados com a ideia de ligar o mecanismo de adoecimento e formação de sintomas nas neuroses de transferência o pro gresso da introversão à regressão a um represamento da libido de objeto9 en tão podemos nos aproximar também da ideia de um represamento da libido do Eu e pôla em relação com os fenômenos da hipocondria e da parafrenia 19225 Naturalmente a nossa curiosidade perguntará aqui por que um tal repres amento da libido no Eu tem de ser sentido como desprazeroso Quero me con tentar com a resposta de que o desprazer em geral é expressão de uma tensão mais elevada de que portanto é uma quantidade do suceder material que aqui como em outros lugares se transforma na qualidade psíquica do desprazer para o desenvolvimento do desprazer pode não ser então decisiva a grandeza absoluta do evento material mas uma determinada função dessa grandeza ab soluta A partir disso ousaremos abordar esta outra questão de onde vem mesmo a necessidade que tem a psique de ultrapassar as fronteiras do nar cisismo e pôr a libido em objetos A resposta derivada de nosso curso de pensamento seria mais uma vez que tal necessidade surge quando o investi mento do Eu com libido superou uma determinada medida Um forte egoísmo protege contra o adoecimento mas afinal é preciso começar a amar para não adoecer e é inevitável adoecer quando devido à frustração não se pode am ar Algo semelhante à psicogênese da criação do mundo tal como foi imagin ada por Heine A doença foi bem a razão De todo o impulso de criar Criando eu pude me curar Criando eu me tornei são Em nosso aparelho psíquico reconhecemos sobretudo um expediente para lidar com excitações que de outro modo seriam sentidas como penosas ou de efeito patogênico A elaboração psíquica ajuda extraordinariamente no desvio interno de excitações que não são capazes de uma direta descarga externa ou para as quais isso não seria desejável no momento Mas no princípio é indifer ente para uma tal elaboração interna se ela ocorre em objetos reais ou ima ginários A diferença mostrase apenas depois quando o voltarse da libido para objetos irreais introversão conduz a um represamento da libido Nas 20225 parafrenias semelhante elaboração interna da libido que retornou ao Eu é tor nada possível pela megalomania talvez somente com o fracasso desta o repres amento de libido no Eu se torne patogênico e incite o processo de cura que aparece para nós como doença Tentarei agora penetrar um pouco mais no mecanismo da parafrenia e re sumirei as concepções que já atualmente me parecem dignas de atenção A diferença entre tais afecções e as neuroses de transferência eu atribuo à circun stância de que a libido liberada pelo fracasso não fica em objetos na fantasia mas retorna ao Eu a megalomania corresponde então ao domínio psíquico sobre esse montante de libido ou seja à introversão para as fantasias encon trada nas neuroses de transferência do fracasso desta realização psíquica nasce a hipocondria da parafrenia análoga à angústia das neuroses de transferência Sabemos que essa angústia pode acabar através de mais elaboração psíquica isto é por conversão formação reativa formação protetiva fobia Nas para frenias isso é feito pela tentativa de restauração a que devemos as marcantes manifestações da doença Como a parafrenia frequentemente senão a maioria das vezes acarreta um desligamento só parcial da libido em relação aos objetos no seu quadro podese distinguir três grupos de manifestações 1 as de normalidade conservada ou neurose manifestações residuais 2 as do processo patológico de desligamento da libido em relação aos objetos e tam bém a megalomania a hipocondria o distúrbio afetivo todas as regressões 3 as de restauração em que a libido se apega novamente aos objetos à maneira de uma histeria dementia praecox parafrenia propriamente ou de uma neur ose obsessiva paranoia Esse novo investimento de libido sucede a partir de um outro nível sob outras condições que o primário A diferença entre as neuroses de transferência com ele criadas e as formações correspondentes do Eu normal deve proporcionar uma mais profunda compreensão da estrutura de nosso aparelho psíquico 21225 Uma terceira via de acesso ao estudo do narcisismo constitui a vida amorosa dos seres humanos em sua variada diferenciação no homem e na mulher Assim como a libido de objeto escondeu primeiramente da nossa ob servação a libido do Eu também na escolha de objeto pela criança e o adoles cente vimos primeiro que ela toma seus objetos sexuais de suas vivências de satisfação As primeiras satisfações sexuais autoeróticas são experimentadas em conexão com funções vitais de autoconservação Os instintos sexuais apoiam se de início na satisfação dos instintos do Eu apenas mais tarde tornamse in dependentes deles mas esse apoio mostrase ainda no fato de as pessoas encar regadas da nutrição cuidado e proteção da criança tornaremse os primeiros objetos sexuais ou seja a mãe ou quem a substitui Junto a esse tipo e essa fonte de escolha de objeto que podemos chamar de tipo de apoio a pesquisa analítica nos deu a conhecer um outro que não esperávamos encontrar De modo especialmente nítido em pessoas cujo desenvolvimento libidinal sofreu perturbação como pervertidos e homossexuais descobrimos que não escol hem seu posterior objeto de amor segundo o modelo da mãe mas conforme o de sua própria pessoa Claramente buscam a si mesmas como objeto amoroso evidenciando o tipo de escolha de objeto que chamaremos de narcísico Nessa observação se acha o mais forte motivo que nos levou à hipótese do narcisismo Mas não concluímos que as pessoas se dividem em dois grupos bem difer enciados conforme sua escolha de objeto obedeça ao tipo narcísico ou ao de apoio Preferimos supor isto sim que para cada pessoa ficam abertos ambos os caminhos da escolha de objeto sendo que um ou outro pode ter a preferên cia Dizemos que o ser humano tem originalmente dois objetos sexuais ele próprio e a mulher que o cria e nisso pressupomos o narcisismo primário de todo indivíduo que eventualmente pode se expressar de maneira dominante em sua escolha de objeto A comparação entre homem e mulher mostra que há diferenças fundamen tais embora não universais naturalmente quanto ao seu tipo de escolha de 22225 objeto O amor objetal completo segundo o tipo de apoio é de fato carac terístico do homem Exibe a notória superestimação sexual que provavel mente deriva do narcisismo original da criança e corresponde assim a uma transposição do mesmo para o objeto sexual Essa superestimação sexual permite que surja o enamoramento esse peculiar estado que lembra a obsessão neurótica remontando assim a um empobrecimento libidinal do Eu em favor do objeto De outro modo se configura o desenvolvimento no tipo mais fre quente e provavelmente mais puro e genuíno de mulher Com a puberdade a maturação dos órgãos sexuais femininos até então latentes parece trazer um aumento do narcisismo original que não é propício à constituição de um regu lar amor objetal com superestimação sexual Em particular quando se torna bela produzse na mulher uma autossuficiência que para ela compensa a pouca liberdade que a sociedade lhe impõe na escolha de objeto A rigor tais mul heres amam apenas a si mesmas com intensidade semelhante à que são amadas pelo homem Sua necessidade não reside tanto em amar quanto em serem ama das e o homem que lhes agrada é o que preenche tal condição A importância desse tipo de mulher para a vida amorosa dos seres humanos é bastante el evada Tais mulheres exercem a maior atração sobre os homens não apenas por razões estéticas porque são normalmente as mais belas mas também devido a interessantes constelações psicológicas Pois parece bem claro que o narcisismo de uma pessoa tem grande fascínio para aquelas que desistiram da dimensão plena de seu próprio narcisismo e estão em busca do amor objetal a atração de um bebê se deve em boa parte ao seu narcisismo sua autossuficiên cia e inacessibilidade assim como a atração de alguns bichos que parecem não se importar conosco como os gatos e os grandes animais de rapina e mesmo o grande criminoso e o humorista conquistam o nosso interesse na repres entação literária pela coerência narcísica com que mantêm afastados de seu Eu tudo o que possa diminuílo É como se os invejássemos pela conservação de um estado psíquico bemaventurado uma posição libidinal inatacável que desde então nós mesmos abandonamos À grande atração da mulher narcísica 23225 não falta o reverso porém boa parte da insatisfação do homem apaixonado a dúvida quanto ao amor da mulher a queixa quanto aos enigmas do seu ser tem sua raiz nessa incongruência entre os tipos de escolha de objeto Talvez não seja supérfluo garantir que esse quadro da vida amorosa femin ina não implica nenhuma tendência a depreciar a mulher Sem contar que a tendenciosidade me é alheia sei também que esses desenvolvimentos em direções várias correspondem à diferenciação de funções num contexto bioló gico altamente complicado além disso disponhome a admitir que muitas mulheres amam segundo o modelo masculino e exibem a superestimação sexu al própria desse tipo Também para as mulheres que permaneceram narcísicas e frias em relação ao homem há um caminho que conduz ao completo amor objetal No filho que dão à luz uma parte do seu próprio corpo lhes surge à frente como um outro objeto ao qual podem então dar a partir do narcisismo o pleno amor objetal E há mulheres que não precisam aguardar o filho para dar o passo no desen volvimento do narcisismo secundário ao amor objetal Antes da puberdade elas se sentiam masculinas e por algum tempo se desenvolveram masculina mente depois que essa inclinação foi interrompida pela maturação da feminilidade restalhes a capacidade de ansiar por um ideal masculino que na verdade é a continuação da natureza de menino que um dia tiveram Um breve sumário dos caminhos para a escolha de objeto pode concluir es tas observações incipientes Uma pessoa ama 1 Conforme o tipo narcísico a o que ela mesma é a si mesma b o que ela mesma foi c o que ela mesma gostaria de ser d a pessoa que foi parte dela mesma 2 Conforme o tipo de apoio a a mulher nutriz 24225 b o homem protetor e a série de substitutos que deles derivaram O caso c do primeiro tipo só poderá ser justificado mais adiante A importância da escolha de objeto narcísica para a homossexualidade mas culina é algo a ser apreciado em outro contexto O narcisismo primário que supomos na criança que contém uma das premissas de nossas teorias sobre a libido pode ser mais facilmente confirm ado por inferência retrospectiva de um outro ponto do que apreendido por ob servação direta Quando vemos a atitude terna de muitos pais para com seus filhos temos de reconhecêla como revivescência e reprodução do seu próprio narcisismo há muito abandonado Como todos sabem a nítida marca da super estimação que já na escolha de objeto apreciamos como estigma narcísico domina essa relação afetiva Os pais são levados a atribuir à criança todas as perfeições que um observador neutro nelas não encontraria e a ocultar e esquecer todos os defeitos algo que se relaciona aliás com a negação da sexu alidade infantil Mas também se verifica a tendência a suspender face à cri ança todas as conquistas culturais que o seu próprio narcisismo foi obrigado a reconhecer e a nela renovar as exigências de privilégios há muito renunciados As coisas devem ser melhores para a criança do que foram para seus pais ela não deve estar sujeita às necessidades que reconhecemos como dominantes na vida Doença morte renúncia à fruição restrição da própria vontade não de vem vigorar para a criança tanto as leis da natureza como as da sociedade ser ão revogadas para ela que novamente será centro e âmago da Criação His Majesty the Baby como um dia pensamos de nós mesmos Ela deve concretizar os sonhos não realizados de seus pais tornarse um grande homem ou herói no lugar do pai desposar um príncipe como tardia compensação para a mãe No ponto mais delicado do sistema narcísico a imortalidade do Eu tão duramente acossada pela realidade a segurança é obtida refugiandose na criança O amor dos pais comovente e no fundo tão infantil não é outra coisa senão o 25225 narcisismo dos pais renascido que na sua transformação em amor objetal rev ela inconfundivelmente a sua natureza de outrora III As perturbações a que está exposto o narcisismo original da criança as reações com que delas se defende as vias pelas quais é impelido a fazêlo isso eu gostaria de deixar em suspenso como um importante material de trabalho que ainda aguarda exploração A sua parte mais significativa podemos destacar como complexo da castração angústia relativa ao pênis no garoto inveja do pênis na garota e tratar em conexão com o efeito da intimidação sexual ex ercida sobre a criança A investigação psicanalítica que normalmente nos leva a acompanhar os destinos dos instintos libidinais quando estes isolados dos instintos do Eu achamse em oposição aos últimos nos permite nesse campo fazer inferências sobre uma época e uma situação psíquica em que as duas classes de instintos surgem como interesses narcísicos ainda operando em concerto e inseparavelmente unidas Alfred Adler criou a partir desse contexto o seu protesto masculino que ele erige em quase única força motriz na formação do caráter e da neurose enquanto a fundamenta numa valoração so cial e não numa tendência narcísica portanto ainda libidinal A pesquisa psic analítica reconheceu desde o início a existência e a importância do protesto masculino mas em oposição a Adler defendeu a sua natureza narcísica e sua origem no complexo de castração Ele é da formação do caráter na gênese do qual participa com muitos outros fatores e não se presta em absoluto para o esclarecimento dos problemas da neurose nos quais Adler quer considerar apenas a maneira como servem ao interesse do Eu Acho impossível colocar a gênese da neurose sobre a base estreita do complexo da castração por mais que este compareça nos homens entre as resistências à cura da neurose Afi nal conheço também casos de neuroses em que o protesto masculino ou tal 26225 como o entendemos o complexo da castração não tem papel patogênico ou simplesmente não aparece A observação do adulto normal revela que a sua megalomania de outrora arrefeceu e que se apagaram os traços psíquicos a partir dos quais desvelamos o seu narcisismo infantil O que aconteceu à sua libido do Eu Devemos supor que todo o seu montante passou para investimentos de objeto Essa possibilid ade contradiz evidentemente o veio de nossas discussões mas podemos tomar à psicologia da repressão também uma pista para outra resposta à pergunta Aprendemos que os impulsos instintuais da libido sofrem o destino da repressão patogênica quando entram em conflito com as ideias morais e cul turais do indivíduo Com isso não entendemos jamais que a pessoa tenha um simples conhecimento intelectual da existência de tais ideias mas que as recon heça como determinantes para si que se submeta às exigências que delas partem Dissemos que a repressão vem do Eu podemos precisar vem do autorrespeito do Eu As mesmas impressões vivências impulsos desejos que uma pessoa tolera ou ao menos elabora conscientemente são rejeitados por outra com indignação ou já sufocados antes de se tornarem conscientes A diferença entre as duas que contém a condição da repressão pode ser facil mente colocada em termos que possibilitam uma explicação pela teoria da li bido Podemos dizer que uma erigiu um ideal dentro de si pelo qual mede o seu Eu atual enquanto à outra falta essa formação de ideal Para o Eu a form ação do ideal seria a condição para a repressão A esse ideal do Eu dirigese então o amor a si mesmo que o Eu real des frutou na infância O narcisismo aparece deslocado para esse novo Eu ideal que como o infantil se acha de posse de toda preciosa perfeição Aqui como sempre no âmbito da libido o indivíduo se revelou incapaz de renunciar à sat isfação que uma vez foi desfrutada Ele não quer se privar da perfeição nar císica de sua infância e se não pôde mantêla perturbado por admoestações durante seu desenvolvimento e tendo seu juízo despertado procura readquiri la na forma nova do ideal do Eu O que ele projeta diante de si como seu ideal 27225 é o substituto para o narcisismo perdido da infância na qual ele era seu próprio ideal Isso nos leva a indagar sobre as relações entre a formação de ideal e a sub limação A sublimação é um processo atinente à libido objetal e consiste em que o instinto se lança a outra meta distante da satisfação sexual a ênfase recai no afastamento ante o que é sexual A idealização é um processo envolvendo o objeto mediante o qual este é aumentado e psiquicamente elevado sem que haja transformação de sua natureza A idealização é possível no âmbito da li bido do Eu e no da libido objetal De modo que a superestimação sexual do objeto por exemplo é uma idealização dele Na medida portanto em que a sublimação descreve algo que sucede ao instinto e a idealização algo que diz respeito ao objeto devemos separálas conceitualmente A formação do ideal do Eu é frequentemente confundida em prejuízo da compreensão com a sublimação do instinto Haver trocado seu narcisismo pela veneração de um elevado ideal do Eu não implica ter alcançado a sublim ação de seus instintos libidinais É certo que o ideal do Eu requer tal sublim ação mas não pode forçála a sublimação continua sendo um processo partic ular cuja iniciação pode ser instigada pelo ideal mas cuja execução permanece independente da instigação Precisamente nos neuróticos encontramos as maiores diferenças de tensão entre o desenvolvimento do ideal do Eu e o grau de sublimação de seus primitivos instintos libidinais e em geral é bem mais di fícil convencer os idealistas do que os homens simples modestos em suas pre tensões acerca do inadequado paradeiro de sua libido A formação de ideal e a sublimação também se relacionam diferentemente à causação da neurose Como vimos a formação de ideal aumenta as exigências do Eu e é o que mais favorece a repressão a sublimação representa a saída para cumprir a exigência sem ocasionar a repressão Não seria de admirar se encontrássemos uma instância psíquica especial que cumprisse a tarefa de assegurar a satisfação narcísica a partir do ideal do Eu e que com esse propósito observasse continuamente o Eu atual medindo 28225 o pelo ideal Havendo uma tal instância será impossível para nós descobrila poderemos apenas identificála e constatar que o que chamamos de nossa con sciência moral tem essas características O reconhecimento dessa instância nos torna possível compreender o que chamam delírio de ser notado ou mais cor retamente observado que surge de maneira tão clara na sintomatologia das doenças paranoides podendo sobrevir também como doença isolada ou entre meada na neurose de transferência Os doentes se queixam então de que todos os seus pensamentos são conhecidos todas as suas ações notadas e vigiadas há vozes que os informam do funcionamento dessa instância falandolhes carac teristicamente na terceira pessoa Agora ela pensa novamente nisso agora ele vai embora Essa queixa é justificada ela descreve a verdade um tal poder que observa todos os nossos propósitos inteirandose deles e os criticando ex iste realmente e existe em todos nós na vida normal O delírio de ser notado a apresenta em forma regressiva e nisso revela a sua gênese e o motivo pelo qual o enfermo se revolta contra ela Pois a incitação a formar o ideal do Eu cuja tutela foi confiada à consciên cia moral partiu da influência crítica dos pais intermediada pela voz aos quais se juntaram no curso do tempo os educadores instrutores e como uma hoste inumerável e indefinível todas as demais pessoas do meio o próximo a opin ião pública Grandes quantidades de libido essencialmente homossexual foram assim carreadas para a formação do ideal narcísico do Eu e acham vazão e satisfação em conserválo A instituição da consciência moral foi no fundo uma corpor ificação inicialmente da crítica dos pais depois da crítica da sociedade pro cesso que é repetido quando nasce uma tendência à repressão a partir de uma proibição ou um obstáculo primeiramente externos As vozes e a multidão in definida são trazidas à luz pela doença a evolução da consciência moral se re produz regressivamente Mas a revolta contra essa instância censória vem de que a pessoa consoante o caráter fundamental da doença quer se livrar de to das essas influências começando pela dos pais e retira deles a libido 29225 homossexual A sua consciência moral lhe aparece então em forma regressiva como hostil interferência de fora A queixa da paranoia mostra também que a autocrítica da consciência mor al coincide no fundo com a autoobservação sobre a qual está construída Portanto a mesma atividade psíquica que assumiu a função da consciência moral se pôs também a serviço da pesquisa interior que fornece à filosofia o material para suas operações intelectuais Isso teria algo a ver com o impulso à construção de sistemas especulativos peculiar à paranoia10 Para nós será importante não há dúvida reconhecer ainda em outros cam pos indícios dessa instância criticamente observadora elevada a consciência e a introspecção filosófica Aduzirei aqui o que Herbert Silberer descreveu como o fenômeno funcional um dos poucos acréscimos de valor indiscutível à teoria dos sonhos Silberer demonstrou como se sabe que em estados entre o sono e a vigília podese observar diretamente a transposição de pensamentos em imagens visuais mas que em tais circunstâncias é frequente aparecer não uma representação do conteúdo do pensamento mas do estado de disposição cansaço etc em que se acha o indivíduo que peleja com o sono Ele mostrou igualmente que várias conclusões de sonhos e trechos de seus conteúdos não significam outra coisa senão a autopercepção do dormir e do despertar Ele provou então o papel da autoobservação no sentido do delírio paranoico de ser observado na formação do sonho Esse papel não é constante provavelmente o ignorei porque não sobressai nos meus próprios sonhos em pessoas filosoficamente dotadas habituadas à introspecção ele pode tornarse bem nítido Lembramos haver descoberto que a formação do sonho ocorre sob o domínio de uma censura que leva os pensamentos oníricos à distorção Mas não imaginávamos esta censura como um poder especial tendo escolhido o termo para designar um lado das tendências repressoras que dominam o Eu aquele voltado para os pensamentos oníricos Penetrando mais na estrutura do 30225 Eu é lícito reconhecer no ideal do Eu e nas exteriorizações dinâmicas da con sciência também o censor do sonho Estando este censor alerta em alguma me dida também durante o sono entenderemos que a premissa de sua atividade a autoobservação e autocrítica tendo conteúdos como agora ele está sonolento demais para pensar agora ele desperta contribui para o con teúdo do sonho11 Agora podemos tentar uma discussão do amorpróprio no indivíduo nor mal e no neurótico O amorpróprio nos aparece de imediato como expressão da grandeza do Eu não sendo aqui relevante o caráter composto dessa grandeza Tudo o que se tem ou que se alcançou todo resíduo do primitivo sentimento de onipotên cia que a experiência confirmou ajuda a aumentar o amorpróprio Se introduzimos nossa distinção entre instintos sexuais e do Eu temos de reconhecer para o amorpróprio uma dependência bem íntima da libido nar císica Nisso nos apoiamos em dois fatos fundamentais o de que nas parafreni as o amorpróprio é aumentado nas neuroses de transferência é diminuído e de que na vida amorosa não ser amado rebaixa o amorpróprio enquanto ser amado o eleva Como afirmamos ser amado representa o objetivo e a satis fação na escolha narcísica de objeto É fácil observar além disso que o investimento libidinal de objetos não aumenta o amorpróprio A dependência do objeto amado tem efeito rebaix ador o apaixonado é humilde Alguém que ama perdeu por assim dizer uma parte de seu narcisismo e apenas sendo amado pode reavêla Em todos esses vínculos o amorpróprio parece guardar relação com o elemento narcísico da vida amorosa A percepção da impotência da própria incapacidade para amar devido a distúrbios psíquicos ou físicos tem efeito altamente rebaixador no amor próprio Aí devemos encontrar na minha avaliação uma das fontes do senti mento de inferioridade relatado espontaneamente pelos que sofrem de neurose 31225 de transferência Mas a fonte principal desse sentimento é o empobrecimento do Eu que resulta dos enormes investimentos libidinais dele retirados ou seja o dano trazido ao Eu por tendências sexuais não mais sujeitas a controle Alfred Adler sustentou corretamente que a percepção de inferioridade em um órgão tem efeito instigador numa vida mental ativa suscitando um desem penho maior pela via da supercompensação Mas seria um exagero completo fazer remontar todo bom desempenho seguindo Adler a essa condição da in ferioridade original de um órgão Não são todos os pintores que sofrem de mal na vista nem todos os oradores foram originalmente gagos Sobejam exemplos de realização excelente com base em superior dote orgânico Na etiologia da neurose a inferioridade e a atrofia orgânicas têm papel mínimo digamos que o mesmo que o material percebido tem na formação do sonho A neurose se util iza delas como pretexto como faz com qualquer fator conveniente Se acabamos de crer numa paciente neurótica que afirma ter adoecido porque é feia disforme e sem atrativos de maneira que ninguém pode amála logo aprenderemos mais com a neurótica seguinte que persiste na neurose e na aversão ao sexo embora pareça mais atraente e seja mais desejada do que a média das mulheres A maioria das histéricas se inclui entre as representantes desejáveis e mesmo bonitas de seu sexo e por outro lado a frequência de de formidades atrofias e desfiguramentos nas classes inferiores de nossa so ciedade não contribui para aumentar a incidência de enfermidades neuróticas nesse meio As relações do amorpróprio com o erotismo com os investimentos de ob jeto libidinais podem ser apresentadas concisamente da maneira que segue Em ambos os casos é preciso distinguir se os investimentos amorosos estão em sintonia com o Eu ou se ao contrário experimentaram uma repressão No primeiro caso em que a utilização da libido é sintonizada com o Eu amar é visto como qualquer outra atividade do Eu O amar em si enquanto ansiar carecer rebaixa o amorpróprio e ser amado achar amor em troca possuir o 32225 objeto amado elevao novamente Sendo a libido reprimida o investimento amoroso é sentido como grave diminuição do Eu a satisfação amorosa é im possível o reenriquecimento do Eu tornase possível apenas retirando a libido dos objetos O retorno da libido objetal ao Eu sua transformação em nar cisismo representa como que um amor feliz novamente e por outro lado um real amor feliz corresponde ao estado primordial em que libido de objeto e li bido do Eu não se distinguem uma da outra A importância e a amplitude do tema talvez justifiquem o acréscimo de al gumas outras observações em ordem mais solta O desenvolvimento do Eu consiste num distanciamento do narcisismo primário e gera um intenso esforço para reconquistálo Tal distanciamento ocorre através do deslocamento da libido para um ideal do Eu imposto de fora e a satisfação através do cumprimento desse ideal Ao mesmo tempo o Eu enviou os investimentos libidinais de objeto Ele se empobrece em favor desses investimentos tal como do ideal do Eu e nova mente se enriquece mediante as satisfações ligadas a objetos assim como pelo cumprimento do ideal Uma parte do amorpróprio é primária resto do narcisismo infantil outra parte se origina da onipotência confirmada pela experiência do cumprimento do ideal do Eu uma terceira da satisfação da libido objetal O ideal do Eu deixou em condições difíceis a satisfação libidinal nos obje tos na medida em que seu censor rejeita parte deles como intolerável Quando um tal ideal não se desenvolveu a tendência sexual em questão aparece inal terada na personalidade como perversão Ser novamente o próprio ideal tam bém no tocante às tendências sexuais tal como na infância eis o que as pess oas desejam obter como sua felicidade O enamoramento consiste num transbordar da libido do Eu para o objeto Ele tem o poder de levantar repressões e restaurar perversões Ele eleva o ob jeto sexual a ideal sexual Como no tipo objetal ou de apoio ele sucede com 33225 base no cumprimento de condições de amor infantis podese dizer que tudo o que preencher tal condição de amor será idealizado O ideal sexual pode se colocar num interessante vínculo auxiliar com o ideal do Eu Onde a satisfação narcísica depara com obstáculos reais o ideal do Eu pode ser usado para a satisfação substitutiva Então a pessoa ama em conformidade com o tipo da escolha narcísica de objeto aquilo que já foi e que perdeu ou o que possui os méritos que jamais teve ver na p 36 o ponto c A fórmula paralela à de cima é aquilo que possui o mérito que falta ao Eu para tornálo ideal é amado Esse expediente tem particular importância para o neurótico que devido a seus investimentos de objeto excessivos está empobre cido no Eu e incapaz de cumprir seu ideal do Eu Busca então o caminho de volta ao narcisismo após o seu esbanjamento de libido nos objetos escolhendo um ideal sexual conforme o tipo narcísico que possua os méritos para ele inat ingíveis Isso é a cura pelo amor que via de regra ele prefere à cura analítica De fato ele não pode crer em outro mecanismo de cura em geral leva a ex pectativa do mesmo para o tratamento e a dirige à pessoa do médico Natural mente a incapacidade de amar do paciente devido a suas extensas repressões é um empecilho a esse plano de cura Se com o tratamento nós as reduzimos até certo grau é frequente o resultado inesperado de que o paciente se furte à con tinuação do tratamento para fazer a escolha de um amor e confiar o restabele cimento posterior à convivência com a pessoa amada Poderíamos ficar satis feitos com essa saída se ela não trouxesse todos os perigos de uma opressiva dependência de tal salvador Do ideal do Eu sai um importante caminho para o entendimento da psico logia da massa Além do seu lado individual ele tem o social é também o ideal comum de uma família uma classe uma nação Liga não apenas a libido nar císica mas também um montante considerável da libido homossexual de uma pessoa que por essa via retorna ao Eu A insatisfação pelo não cumprimento desse ideal libera libido homossexual que se transforma em consciência de 34225 culpa angústia social A consciência de culpa foi originalmente medo do cas tigo dos pais mais corretamente da perda do seu amor o lugar dos pais foi depois tomado pelo indefinido número de companheiros Tornase mais com preensível porque a paranoia é frequentemente causada pela ofensa ao Eu pelo fracasso da satisfação no âmbito do ideal do Eu e também porque a formação de ideal e a sublimação convergem no ideal do Eu a involução das sublim ações e eventual transformação dos ideais nos casos de parafrenia 1 Otto Rank Ein Beitrag zum Narzissismus Uma contribuição sobre o narcisismo Jahr buch für psychoanalytische und psychopathologische Forschungen v 3 1911 2 Ver relacionado a isso a discussão do fim do mundo na minha análise do Senatspräsident Schreber Jahrbuch für psychoanalytische und psychopathologische Forschungen v 3 1911 e tam bém K Abraham Die psychosexuellen Differenzen der Hysterie und der dementia praecox 1908 Klinische Beiträge zur Psychoanalyse Zentralblatt für Nervenheilkunde und Psychiatrie v 19 3 Ver as seções correspondentes em meu livro Totem e tabu de 1913 4 S Ferenczi Entwicklungstufen des Wirklichkeitssinnes Estágios de desenvolvimento do sentido da realidade Internationale Zeitschrift für ärztliche Psychoanalyse v 1 1913 5 Há dois mecanismos desse fim do mundo quando todo o investimento libidinal flui para o objeto amado e quando todo ele reflui para o Eu Não há espaço de uma linha vazia entre esse parágrafo e o anterior na edição alemã utilizada Gesammelte Werke Mas considerando que faz sentido um espaço nesse ponto e que ele se acha numa edição alemã mais recente Studienausgabe resolvemos incorporálo aqui e em alguns outros lugares As notas chamadas por asterisco e as interpolações às notas do autor entre col chetes são de autoria do tradutor As notas do autor são sempre numeradas 6 Wandlungen und Symbole der Libido Transformações e símbolos da libido 1912 7 S Ferenczi resenha de C G Jung Wandlungen und Symbole der Libido em Internationale Zeitschrift für ärztliche Psychoanalyse v 1 1913 Em inglês no original pode ser traduzido por incorre em petição de princípio O sentido é explicitado por Freud no texto logo em seguida 8 Versuch einer Darstellung der psychoanalytischen Theorie Ensaio de exposição da teoria psicanalítica Jahrbuch für psychoanalytische und psychopathologische Forschungen 1913 35225 Impulsos instintuais tradução não muito satisfatória para Triebregungen termo cunhado por Freud e composto de Trieb mais Regung ligeiro movimento impulso emoção talvez fosse melhor traduzilo por uma única palavra como argumentei em As palavras de Freud o vocabulário freudiano e suas versões São Paulo Companhia das Letras nova ed revista 2010 apêndice B Nas cinco versões estrangeiras deste ensaio que foi possível consultar a espanhola de LopezBallesteros a argentina de J L Etcheverry a italiana da Boringhieri a inglesa de Strachey e a holandesa da Boom encontramse tendencias instintivas mociones pulsionales moti pulsionali instinctual impulses driftimpulsen 9 Cf Tipos de adoecimento neurótico 1913 No original Krankheit ist wohl der letzte Grund Des ganzen Schöpferdrangs gewesen Er schaffend konnte ich genesen Erschaffend wurde ich gesund Esta é uma das Canções da Cri ação encontradas nos Novos poemas 1844 A voz que fala é a de Deus Tipo de apoio Anlehnungstypus é adotada a tradução literal do substantivo alemão que tem origem no verbo sich lehnen apoiarse etimologicamente aparentado ao inglês to lean É o que também fazem as versões estrangeiras consultadas com exceção da inglesa como é notório que lança mão de um termo grego de apoyo del apuntalamiento per appoggio anaclitic aaleuningstype Provavelmente wohl partícula que pode realçar a afirmação mas também indicar prob abilidade ou incerteza o que seria o caso no presente contexto Mas alguns dos tradutores con sultados enxergam apenas o primeiro sentido somente o espanhol e o holandês concordam com a nossa leitura nesse ponto quizá sin duda certamente doubtless waarschijnlijk provavel mente Mas a leitura de um mesmo tradutor pode variar assim o espanhol preferiu segura mente em outra ocasião no quarto parágrafo da parte i Complexo da castração Kastrationskomplex no original É pertinente observar que o termo complexo em Freud designa o conjunto de ideias e sentimentos ligados a um evento ou processo não tendo propriamente relação com o uso coloquial brasileiro que diz fulano é cheio de complexos ou é um complexado Nas palavras compostas alemãs o último termo é qualificado pelo anterior de modo que geralmente se recorre à preposição de nas versões para línguas latinas mas nem sempre esta é a preposição mais adequada existem casos em que talvez fosse melhor usar relativo a ligado a por exemplo assim complexo ligado à cas tração seria uma alternativa razoável em nossa opinião 10 Acrescento como simples conjectura que o desenvolvimento e fortalecimento dessa instân cia observadora poderia também comportar a gênese posterior da memória subjetiva e do fator temporal que não vigora para os processos inconscientes 36225 11 Não posso determinar aqui se a diferenciação entre essa instância censória e o resto do Eu é capaz de fundamentar psicologicamente a distinção filosófica entre consciência e autoconsciência No original Selbstgefühl que literalmente se traduziria por sentimento de si como fazem o tradutor argentino e italiano Strachey usa selfregard e a versão holandesa recorre a gevoel van eigenwaarde sentimento do próprio valor As definições encontradas nos dicionários de língua alemã autorizam a versão por amorpróprio os dicionários bilíngues alemãopor tuguês trazem dignidade pessoal orgulho consciência da própria dignidade 37225 OS INSTINTOS E SEUS DESTINOS 1915 TÍTULO ORIGINAL TRIEBE UND TRIEBSCHICKSALE PUBLICADO PRIMEIRAMENTE EM INTERNATIONALE ZEITSCHRIFT FÜR ÄRZTLICHE PSYCHOANALYSE REVISTA INTERNACIONAL DE PSICANÁLISE MÉDICA V 3 N 6 PP 84100 TRADUZIDO DE GESAMMELTE WERKE X PP 21032 TAMBÉM SE ACHA EM STUDIENAUSGABE III PP 75102 Não é raro ouvirmos a exigência de que uma ciência deve ser edificada sobre conceitos fundamentais claros e bem definidos Na realidade nenhuma ciência começa com tais definições nem mesmo as mais exatas O verdadeiro início da atividade científica está na descrição de fenômenos que depois são agrupados ordenados e relacionados entre si Já na descrição é inevitável que apliquemos ao material certas ideias abstratas tomadas daqui e dali certamente não só da nova experiência Ainda mais indispensáveis são essas ideias os futuros conceitos fundamentais da ciência na elaboração posterior da matéria Primeiro elas têm de comportar certo grau de indeterminação é impossível falar de uma clara delimitação de seu conteúdo Enquanto se acham nesse es tado entramos em acordo quanto ao seu significado remetendo continua mente ao material de que parecem extraídas mas que na realidade lhes é sub ordinado Portanto a rigor elas possuem o caráter de convenções embora a questão seja que de fato não são escolhidas arbitrariamente mas determinadas por meio de significativas relações com o material empírico relações que acreditamos adivinhar ainda antes que possamos reconhecer e demonstrar Apenas depois de uma exploração mais radical desse âmbito de fenômenos po demos apreender seus conceitos científicos fundamentais de maneira mais nítida e modificálos progressivamente tornandoos utilizáveis em larga me dida e ao mesmo tempo livres de contradição Então pode ser o momento de encerrálos em definições Mas o progresso do conhecimento também não tol era definições rígidas Como ilustra de maneira excelente o exemplo da física também os conceitos fundamentais fixados em definições experimentam uma constante alteração de conteúdo Um conceito básico assim convencional provisoriamente ainda um tanto obscuro mas que não podemos dispensar na psicologia é o de instinto Trieb Vamos tentar preenchêlo de conteúdo a partir de ângulos diversos Primeiramente a partir da fisiologia Ela nos deu o conceito de estímulo e o esquema do arco reflexo segundo o qual um estímulo que vem de fora para o tecido vivo a substância nervosa é descarregado para fora por meio da ação Esta ação se torna apropriada na medida em que subtrai a substância estimu lada à influência do estímulo afastaa do raio de ação dele Mas qual a relação entre o instinto e o estímulo Nada nos impede de incluir o conceito de instinto naquele de estímulo o instinto seria um estímulo para a psique Mas logo somos advertidos para não equiparar instinto e es tímulo psíquico Evidentemente existem para a psique outros estímulos além dos instintuais aqueles que se comportam de maneira bem mais semelhante à dos estímulos fisiológicos Quando uma luz forte bate no olho por exemplo não se trata de um estímulo instintual mas tal é o caso quando se nota um ressecamento da mucosa da faringe ou uma irritação da mucosa do estômago1 Agora adquirimos material para a distinção entre estímulo instintual e um outro estímulo fisiológico que age sobre a psique Primeiro o estímulo in stintual não provém do mundo exterior mas do interior do próprio organ ismo Por isso atua de modo diferente sobre a psique e requer outras ações para ser eliminado Além disso tudo de essencial no estímulo está na suposição de que ele age como um impacto único então pode ser liquidado também com uma única ação apropriada cujo exemplo típico está na fuga motora diante da fonte de estímulo Naturalmente esses impactos podem se repetir e se acumu lar mas isso nada muda na concepção do processo e nas condições para a abol ição do estímulo O instinto por sua vez não atua jamais como uma força mo mentânea de impacto mas sempre como uma força constante Desde que não ataca de fora mas do interior do corpo nenhuma fuga pode servir contra ele Uma denominação melhor para o estímulo instintual é necessidade o que suprime essa necessidade é a satisfação Ela pode ser alcançada por meio de uma modificação pertinente adequada da fonte interior de estímulo Coloquemonos no lugar de um ser quase totalmente desamparado ainda desorientado no mundo que acolhe estímulos no seu tecido nervoso Esse ser vivo logo será capaz de fazer a primeira diferenciação e adquirir a primeira ori entação Por um lado ele sentirá estímulos a que pode se subtrair mediante uma ação muscular fuga estímulos esses que atribui a um mundo externo 40225 mas também por outro lado estímulos contra os quais é inútil tal ação que apesar disso mantêm o seu caráter de constante premência esses estímulos são o sinal característico de um mundo interior a evidência de necessidades instin tuais A substância percipiente desse ser terá adquirido na eficácia de sua atividade muscular um ponto de apoio para distinguir um fora de um dentro Assim encontramos a essência do instinto primeiramente em suas carac terísticas principais a origem em fontes de estímulo no interior do organismo o aparecimento como força constante e derivamos daí um outro de seus traços sua irredutibilidade por meio de ações de fuga Mas nesta discussão não pudemos deixar de perceber uma coisa que requer uma nova admissão Nós não apenas aplicamos à matéria da experiência determinadas convenções na forma de conceitos fundamentais como nos servimos também de vários pres supostos complicados para nos guiar no trabalho com os fenômenos psicológi cos O mais importante desses pressupostos já foi assinalado restanos apenas destacálo expressamente É de natureza biológica faz uso do conceito de tendência eventualmente de finalidade e diz que o sistema nervoso é um aparelho ao qual coube a função de eliminar os estímulos que lhe chegam de reduzilos ao mais baixo nível um aparelho que se fosse possível gostaria de manterse verdadeiramente livre de estímulos Não nos surpreendamos no momento com a imprecisão dessa ideia e vamos atribuir ao sistema nervoso em termos bem gerais a tarefa de dominar os estímulos Vemos então como o simples esquema do reflexo fisiológico tornase complicado com a introdução dos instintos Os estímulos externos colocam apenas a tarefa de subtrairse a eles o que acontece então por movimentos musculares dos quais um alcança o fim e sendo o mais apropriado tornase disposição hereditária Os estímulos instintuais que surgem no interior do organismo não podem ser liquidados por esse mecanismo Portanto colocam exigências bem mais elevadas ao aparelho nervoso induzemno a atividades complexas interdependentes as quais modi ficam tão amplamente o mundo exterior que ele oferece satisfação à fonte 41225 interna de estímulo e sobretudo obrigam o aparelho nervoso a renunciar à sua intenção ideal de manter a distância os estímulos pois sustentam um inev itável incessante afluxo de estímulos Talvez possamos concluir então que eles os instintos e não os estímulos externos são os autênticos motores dos progressos que levaram o sistema nervoso tão infinitamente capaz ao seu grau de desenvolvimento presente Claro que nada contraria a suposição de que os próprios instintos sejam ao menos em parte precipitados de efeitos de estímulos externos que no curso da filogênese atuaram de modo transform ador sobre a substância viva E ao descobrir que mesmo a atividade dos mais evoluídos aparelhos psíqui cos está sujeita ao princípio do prazer ou seja é automaticamente regulada por sensações da série prazerdesprazer dificilmente podemos rejeitar o pres suposto seguinte de que tais sensações reproduzem a maneira como se realiza a sujeição dos estímulos Seguramente no sentido de que a sensação de de sprazer está ligada ao aumento e a sensação de prazer ao decréscimo do es tímulo Mas cuidemos de preservar essa hipótese em toda a sua indefinição até que nos seja dado intuir a natureza da relação entre prazerdesprazer e as flutu ações das grandezas de estímulos que atuam na vida psíquica Certamente é possível que tais relações sejam muito variadas e bem pouco simples Voltandonos agora para a consideração da vida psíquica do ângulo da bio logia o instinto nos aparece como um conceitolimite entre o somático e o psíquico como o representante psíquico dos estímulos oriundos do interior do corpo e que atingem a alma como uma medida do trabalho imposto à psique por sua ligação com o corpo Agora podemos discutir alguns termos utilizados em relação com o con ceito de instinto tais como impulso meta objeto fonte do instinto Por impulso de um instinto compreendese o seu elemento motor a soma de força ou a medida de trabalho que ele representa O caráter impulsivo é uma característica geral dos instintos é mesmo a essência deles Todo instinto 42225 é uma porção de atividade quando se fala desleixadamente de instintos passivos não se quer dizer outra coisa senão instintos com meta passiva A meta de um instinto é sempre a satisfação que pode ser alcançada apenas pela supressão do estado de estimulação na fonte do instinto Mas embora essa meta final permaneça imutável para todo instinto diversos caminhos podem conduzir à mesma meta final de modo que um instinto pode ter várias metas próximas ou intermediárias que são combinadas ou trocadas umas pelas out ras A experiência também nos permite falar de instintos inibidos na meta em processos que são tolerados por um trecho de caminho na direção da satis fação instintual mas que logo experimentam uma inibição ou desvio É de supor que uma satisfação parcial também esteja ligada a esses processos O objeto do instinto é aquele com o qual ou pelo qual o instinto pode al cançar a sua meta É o que mais varia no instinto não estando originalmente ligado a ele mas lhe sendo subordinado apenas devido à sua propriedade de tornar possível a satisfação Não é necessariamente um objeto estranho mas uma parte do próprio corpo Pode ser mudado frequentemente no decorrer das vicissitudes que o instinto sofre ao longo da vida esse deslocamento do in stinto desempenha papéis dos mais importantes Pode ocorrer que o mesmo objeto se preste simultaneamente à satisfação de vários instintos o caso do entrelaçamento instintual segundo Alfred Adler Uma ligação particular mente estreita do instinto ao objeto é qualificada de fixação do mesmo Ela se efetua com frequência nos períodos iniciais do desenvolvimento instintual e põe termo à mobilidade do instinto ao se opor firmemente à dissolução do laço Por fonte do instinto se compreende o processo somático num órgão ou parte do corpo cujo estímulo é representado na psique pelo estímulo Não se sabe se tal processo é normalmente de natureza química ou se pode correspon der também à liberação de outras forças mecânicas por exemplo O estudo das fontes de instintos já não pertence à psicologia embora a procedência a partir da fonte somática seja o mais decisivo para o instinto na psique nós o 43225 conhecemos tão só através de suas metas Um conhecimento mais exato das fontes instintuais não é estritamente necessário para fins de investigação psicológica Às vezes podemos inferir com segurança as fontes do instinto a partir de suas metas Devemos supor que os diferentes instintos oriundos do corpo e atuantes na psique também se caracterizam por diferentes qualidades e por isso se com portam de maneira qualitativamente diversa na vida psíquica Tal não se justi fica basta recorrer à suposição mais simples de que os instintos são todos qual itativamente iguais devendo o seu efeito apenas às magnitudes de excitação que conduzem e talvez também a determinadas funções dessa quantidade O que diferencia as operações psíquicas dos instintos entre si pode ser relacion ado à variedade das fontes instintuais No entanto apenas num outro contexto poderá ser discutido o problema da qualidade do instinto Quais instintos podemos estabelecer e quantos serão Nisso há sem dúvida uma boa margem para o arbítrio Nada se pode objetar se alguém empregar o conceito de um instinto do jogo um instinto de destruição ou um instinto social quando o tema assim exigir e as limitações da análise psicoló gica o permitirem Mas não se deixe de considerar que esses móveis instintuais tão especializados por um lado talvez admitam ainda uma decomposição na direção das fontes instintuais de modo que apenas os instintos primordiais não decomponíveis poderiam reivindicar maior importância Sugeri a diferenciação de dois grupos desses instintos primordiais os instin tos do Eu ou de autoconservação e os instintos sexuais Mas essa proposta não tem a significação de um pressuposto necessário como por exemplo a hipótese acerca da tendência biológica do aparelho psíquico ver acima não passa de uma construção auxiliar que deve ser mantida apenas enquanto se revelar útil e cuja substituição por outra não mudará muito os resultados de nosso trabalho de descrição e ordenação O motivo para essa proposição res ultou do desenvolvimento histórico da psicanálise que teve como primeiro 44225 objeto as psiconeuroses mais precisamente aquelas denominadas neuroses de transferência histeria e neurose obsessiva e por meio delas chegou à com preensão de que um conflito entre as exigências da sexualidade e as do Eu se encontra na raiz de cada uma dessas afecções É possível porém que um estudo aprofundado das outras afecções neuróticas sobretudo das psiconeur oses narcísicas as esquizofrenias leve a uma mudança dessa fórmula e com isso a uma outra classificação dos instintos primordiais Mas atualmente não conhecemos essa nova fórmula e ainda não deparamos com um argumento que fosse desfavorável à contraposição de instintos do Eu e instintos sexuais Tenho sérias dúvidas de que seja possível a partir do trabalho com o ma terial psicológico obter indicações decisivas a propósito da divisão e classi ficação dos instintos Para os fins desse trabalho pareceria necessário isto sim aplicar ao material certas hipóteses sobre a vida dos instintos e seria desejável que se pudesse retirar essas hipóteses de um outro campo transportandoas para a psicologia O que a biologia proporciona no caso não contraria certa mente a distinção entre instintos sexuais e do Eu A biologia ensina que a sexu alidade não deve ser posta no mesmo plano que as demais funções do indiví duo que as suas tendências vão além do individual e têm por conteúdo a produção de novos indivíduos ou seja a conservação da espécie Ela nos mostra também que existem duas concepções igualmente justificadas para a relação entre o Eu e a sexualidade segundo a primeira o indivíduo é o prin cipal a sexualidade é uma de suas ocupações a satisfação sexual uma de suas necessidades para a outra o indivíduo é um apêndice provisório e passageiro do plasma germinativo quase imortal que lhe foi confiado pela geração A hipótese de que a função sexual se distingue dos outros processos corporais por um quimismo especial constitui também pelo que sei um pressuposto da pesquisa biológica de Ehrlich Como o estudo da vida instintual a partir da consciência traz dificuldades quase insuperáveis a investigação psicanalítica dos distúrbios anímicos per manece a fonte principal de nosso conhecimento Mas em conformidade ao 45225 seu curso de desenvolvimento até agora a psicanálise só pôde nos dar inform ações razoavelmente satisfatórias a respeito dos instintos sexuais justamente porque pôde observar nas psiconeuroses como se fossem isolados apenas esse grupo de instintos Com a extensão da psicanálise às outras afecções neurótic as também o nosso conhecimento dos instintos do Eu encontrará fundamen tos embora seja temerário esperar condições de observação igualmente fa voráveis nesse novo âmbito de pesquisa Para uma caracterização geral dos instintos sexuais podemos dizer o seguinte eles são numerosos originamse de múltiplas fontes orgânicas atuam de início independentemente uns dos outros e apenas bem depois são reunidos numa síntese mais ou menos completa A meta que cada um deles procura atingir é o prazer do órgão somente após efetuada a síntese eles entram a serviço da função reprodutiva tornandose geralmente reconhecidos como in stintos sexuais Ao aparecer apoiamse inicialmente nos instintos de conser vação dos quais se desligam apenas aos poucos e seguem também na busca de objeto os caminhos que lhes mostram os instintos do Eu Uma parte deles per manece a vida inteira associada aos instintos do Eu dotandoos de compon entes libidinais que na função normal são facilmente ignorados e apenas quando há doença surgem claramente Caracterizamse pelo fato de poderem em larga medida agir vicariamente uns pelos outros e trocar facilmente seus objetos Devido a esses atributos são capazes de realizações que se acham bem afastadas de suas originais ações dotadas de objetivo sublimação Nossa investigação referente às vicissitudes que os instintos podem experi mentar no curso da evolução e da vida terá que se limitar aos instintos sexuais que conhecemos melhor Eis o que a observação nos ensina a reconhecer como destinos dos instintos A reversão no contrário O voltarse contra a própria pessoa A repressão A sublimação 46225 Como não penso em tratar aqui da sublimação e a repressão exige um capítulo especial restanos descrever e discutir os dois primeiros pontos Con siderando os motivos que se opõem a que os instintos sigam diretamente seu curso podemos apresentar os seus destinos também como modalidades de de fesa contra os instintos Olhando mais atentamente a reversão no contrário se divide em dois pro cessos distintos a conversão da atividade em passividade e a inversão de conteúdo Por serem essencialmente distintos os dois processos serão tratados separadamente Exemplos do primeiro processo se acham nos pares de opostos sadismo masoquismo e voyeurismoexibicionismo A reversão diz respeito apenas às metas do instinto substituise a meta ativa atormentar olhar pela passiva ser atormentado ser olhado A inversão de conteúdo se encontra apenas no caso da transformação de amor em ódio A volta contra a própria pessoa nos é sugerida pela consideração de que o masoquismo afinal é um sadismo voltado contra o próprio Eu e o exibicion ismo inclui a contemplação do próprio corpo A observação psicanalítica não deixa dúvidas quanto ao fato de que o masoquista também frui da fúria contra a sua pessoa e o exibicionista do seu desnudamento O essencial no processo portanto é a mudança de objeto com a meta inalterada Ao mesmo tempo se percebe que a volta contra a própria pessoa e a conver são de atividade em passividade convergem ou coincidem nesses exemplos Para esclarecer essas relações é indispensável uma pesquisa mais demorada Quanto ao par de opostos sadismomasoquismo o processo pode ser ap resentado da seguinte forma a O sadismo consiste em prática de violência exercício de poder tendo uma outra pessoa como objeto b Esse objeto é abandonado e substituído pela própria pessoa Com a volta contra a própria pessoa também se realiza a transformação da meta instintual ativa em passiva 47225 c Novamente se busca uma outra pessoa como objeto a qual em virtude da transformação de meta ocorrida tem de assumir o papel de sujeito O caso c é o que comumente se chama de masoquismo Também com ele a satisfação se dá pela via do sadismo original o Eu passivo se colocando em fantasia no seu lugar anterior agora deixado ao novo sujeito É bastante duvidoso que exista uma satisfação masoquista mais direta Não parece ocorrer um masoquismo original que não surja a partir do sadismo da maneira descrita2 Não é supérflua a hipótese do estágio b como talvez se deduza do comportamento do instinto sádico na neurose obsessiva Nela se encontra o voltarse contra a própria pessoa sem a passividade diante de uma nova A transformação vai somente até o estágio b A ânsia de atormentar se torna tor mento de si mesmo castigo de si e não masoquismo O verbo ativo não se transforma no passivo mas num médio reflexivo A compreensão do sadismo é prejudicada também pela circunstância de que esse instinto parece buscar além da sua meta geral melhor talvez no interior dela uma ação bem especial dotada de objetivo Além da humilhação do sub jugamento a inflição de dor Mas a psicanálise parece mostrar que infligir dores não se relaciona com as originais ações do instinto dotadas de objetivo A criança sádica não leva em conta a imposição de dor e não tem esse propósito Uma vez efetuada a transformação em masoquismo porém as dores se prestam muito bem para uma meta masoquista passiva pois temos to das as razões para supor que também as sensações dolorosas como outras sensações de desprazer invadem a excitação sexual e produzem um estado prazeroso em virtude do qual se admite também o desprazer da dor Quando sentir dores se torna uma meta masoquista pode surgir também retroativa mente a meta sádica de infligir dores que o próprio indivíduo ao suscitála em outros frui masoquistamente na identificação com o objeto sofredor Nat uralmente se frui em ambos os casos não a dor mesma mas a excitação sexual que a acompanha o que é particularmente cômodo na posição do sádico Port anto fruir a dor seria uma meta originalmente masoquista que no entanto só 48225 se tornaria uma meta instintual em alguém originalmente sádico Apenas para completar eu acrescentaria que a compaixão não pode ser descrita como res ultado da transformação instintual no sadismo mas que exige a concepção de uma formação reativa frente ao instinto sobre a diferença ver mais adiante Resultados diversos e mais simples são proporcionados pela investigação de outro par de opostos o dos instintos que têm por metas olhar e mostrarse Voyeur e exibicionista na linguagem das perversões Neste caso podese es tabelecer os mesmos estágios do anterior a olhar como atividade dirigida a um outro objeto b o abandono do objeto a volta do instinto de olhar para uma parte do próprio corpo e com isso a reversão em passividade e a constitu ição da nova meta ser olhado c a introdução de um novo sujeito ao qual o indivíduo se mostra para ser olhado por ele Dificilmente se duvidaria tam bém que a meta ativa surge antes da passiva que olhar precede ser olhado Mas uma divergência significativa em relação ao sadismo está no fato de que no instinto de olhar se reconhece um estágio ainda anterior àquele designado com a Pois o instinto de olhar é autoerótico no início de sua atividade pode ter um objeto mas encontrao no próprio corpo Apenas depois ele é levado pela via da comparação a trocar esse objeto por um análogo do corpo alheio estágio a Esse estágio preliminar é interessante porque dele derivam as duas situações do par de opostos resultante conforme a mudança ocorra num lugar ou no outro O esquema para o instinto de olhar poderia ser este 49225 Um tal estágio preliminar falta no sadismo que desde o princípio se orienta para um objeto alheio embora não fosse absurdo construílo a partir dos es forços da criança que quer se assenhorear dos próprios membros3 Para ambos os exemplos de instintos aqui considerados vale observar que a transformação instintual pela reversão da atividade em passividade e pela volta contra a própria pessoa não se realiza jamais em toda a extensão do movimento instintual A velha orientação ativa do instinto continua em certa medida ao lado da nova passiva mesmo quando o processo de mudança instintual foi muito grande A única asserção correta sobre o instinto de olhar seria que to das as fases de desenvolvimento do instinto tanto a fase preliminar autoerótica como a forma final ativa e passiva subsistem uma ao lado da outra e essa afirmação se torna evidente ao tomarmos como base de nosso julgamento em vez das ações do instinto o mecanismo da satisfação Talvez se justifique ainda um outro modo de conceber e apresentar os fatos Podese decompor a vida de cada instinto em uma série de ondas cronologicamente separadas homo gêneas no interior de uma unidade de tempo qualquer que se comportam entre si como erupções sucessivas de lava Podese então imaginar que a primeira e mais primordial erupção do instinto prossiga inalterada e não sofra nenhuma evolução A onda seguinte estaria sujeita desde o início a uma 50225 alteração a conversão para a passividade por exemplo e com esse novo caráter viria se juntar à anterior e assim por diante Abrangendo com a vista o movimento instintual do início até um determinado ponto a sucessão de on das que descrevemos daria a imagem de uma clara evolução do instinto O fato de numa época tardia da evolução se poder observar ao lado de um movimento instintual o seu contrário passivo merece ser destacado através da excelente denominação introduzida por Bleuler ambivalência O desenvolvimento instintual se torna mais inteligível para nós se consid eramos a história da evolução do instinto e a permanência dos estágios inter mediários Conforme a experiência o montante de ambivalência demonstrável varia bastante em indivíduos grupos e raças Uma grande ambivalência instin tual num ser humano de hoje pode ser apreendida como herança arcaica pois temos motivos para supor que a participação dos impulsos ativos inalterados na vida dos instintos teria sido maior nos primórdios do que hoje em média Habituamonos a chamar de narcisismo sem pôr inicialmente em discussão o nexo entre autoerotismo e narcisismo a fase inicial de evolução do Eu dur ante a qual os instintos sexuais têm satisfação autoerótica Então temos que dizer sobre o estágio preliminar do instinto de olhar em que o prazer de olhar tem o próprio corpo como objeto que ele pertence ao narcisismo é uma form ação narcísica A partir dele se desenvolve o instinto ativo de olhar à medida que abandona o narcisismo mas o instinto passivo de olhar se atém ao objeto narcísico Do mesmo modo a transformação do sadismo em masoquismo sig nificaria um retorno ao objeto narcísico enquanto nos dois casos o sujeito nar císico é trocado mediante a identificação por um outro Eu Levando em conta o estágio preliminar narcísico do sadismo que aqui construímos aproximamo nos de uma concepção mais geral a de que as vicissitudes que consistem no in stinto para se voltarem contra o próprio Eu e se converterem de ativo em passivo dependem da organização narcísica do Eu e carregam a marca desta fase Correspondem talvez às tentativas de defesa que em estágios mais eleva dos da evolução do Eu são conduzidas com outros meios 51225 Lembramos que até agora trouxemos à discussão apenas os dois pares opostos de instintos sadismo e masoquismo prazer de olhar e prazer de mostrar Entre os instintos que aparecem de forma ambivalente são esses os que melhor conhecemos Os outros componentes da função sexual posterior ainda não se tornaram acessíveis o bastante à psicanálise para que sejam dis cutidos de maneira semelhante Deles podemos dizer em geral que têm atividade autoerótica isto é seu objeto desaparece diante do órgão que é sua fonte e via de regra coincide com ele Mas o objeto do instinto de olhar em bora a princípio seja também parte do corpo não é o próprio olho e no sad ismo a fonte orgânica provavelmente a musculatura capacitada para agir re mete diretamente a outro objeto ainda que no próprio corpo Nos instintos autoeróticos o papel da fonte orgânica é tão decisivo que segundo uma in teressante hipótese de P Federn e L Jekels 1913 forma e função do órgão determinam a atividade ou passividade da meta instintual A transformação de um instinto em seu contrário material é observada apenas em um caso na conversão de amor em ódio Sendo muito frequente en contrar os dois dirigidos simultaneamente para o mesmo objeto tal coexistên cia oferece o mais significativo exemplo de ambivalência afetiva O caso do amor e do ódio adquire interesse particular pela circunstância de resistir ao enquadramento em nossa descrição dos instintos Não se pode duvidar da íntima relação entre esses dois afetos contrários e a vida sexual mas é preciso naturalmente se recusar a conceber o amor como um instinto parcial particular da sexualidade de maneira igual aos outros É preferível ver o amor como expressão da totalidade da tendência sexual mas com isso não se vai muito longe também e não se sabe como entender um contrário material dessa tendência O amar admite não apenas uma mas três oposições Além da oposição amoródio existe a de amarser amado e amor e ódio tomados conjuntamente opõemse ao estado de indiferença ou insensibilidade Dessas 52225 três antíteses a segunda amarser amado corresponde inteiramente à conver são de atividade em passividade e pode ser remetida a uma situação funda mental como o instinto de olhar Esta situação se chama amar a si mesmo o que para nós é a característica do narcisismo Conforme o objeto ou o sujeito seja trocado por um exterior ocorre a tendência ativa a uma meta amar ou a passiva ser amado das quais a última permanece mais próxima do narcisismo Talvez nos aproximemos de uma compreensão das múltiplas oposições do amar se lembrarmos que a vida psíquica é dominada por três polaridades que são as antíteses de Sujeito EuObjeto mundo externo PrazerDesprazer AtivoPassivo A antítese EuNão Eu Fora SujeitoObjeto é imposta bem cedo ao in divíduo pela experiência de que pode silenciar estímulos externos pela ação muscular mas é indefeso contra estímulos instintuais Ela continua soberana principalmente na atividade intelectual e cria a situação fundamental da pesquisa que não pode ser mudada por nenhum esforço A polaridade prazer desprazer é ligada a uma escala de sensações cuja insuperável importância para a determinação de nossos atos vontade já foi sublinhada A oposição ativopassivo não deve ser confundida com a de EusujeitoForaobjeto O Eu se comporta passivamente face ao mundo externo enquanto recebe estímulos dele e ativamente ao reagir a ele É impelido por seus instintos a uma ativid ade bem particular frente ao mundo exterior de modo que destacando o es sencial poderíamos dizer que o Eusujeito é passivo diante dos estímulos ex ternos e ativo em virtude dos próprios instintos A oposição ativopassivo se funde depois com a masculinofeminino que não tem importância psicológica até que isso aconteça A fusão de atividade e masculinidade passividade e fem inilidade nos aparece como um fato biológico mas de modo nenhum ela é tão regularmente taxativa e exclusiva como nos inclinamos a crer 53225 As três polaridades psíquicas estabelecem as conexões mais significativas entre si Há uma situação psíquica primordial em que duas delas coincidem Originalmente bem no começo da vida anímica o Eu se acha investido instin tualmente e em parte é capaz de satisfazer seus instintos em si mesmo A esse estado chamamos de narcisismo e de autoerótica a possibilidade de satisfação4 Nesse tempo o mundo exterior não está investido de interesse falando de modo geral e não faz diferença no que toca à satisfação Logo nesse momento o Eusujeito coincide com o que é prazeroso o mundo externo com o que é in diferente eventualmente com o que enquanto fonte de estímulos é desprazer oso Se provisoriamente definimos o amar como a relação do Eu com suas fontes de prazer então a situação na qual o Eu ama apenas a si mesmo e é in diferente para com o mundo ilustra a primeira das oposições em que encon tramos o amar Na medida em que é autoerótico o Eu não precisa do mundo exterior mas recebe dele objetos devido às experiências dos instintos de conservação do Eu e portanto não pode deixar de sentir estímulos instintuais internos como de sprazerosos por algum tempo Sob o domínio do princípio do prazer se efetua nele mais uma evolução Ele acolhe em seu Eu os objetos oferecidos na me dida em que são fontes de prazer introjetaos conforme a expressão de Fer enczi e por outro lado expele de si o que se torna em seu próprio interior motivo de desprazer Ver mais adiante o mecanismo da projeção Logo há uma mudança do Eurealidade inicial que distinguiu interior e exterior conforme um bom critério objetivo em um purificado Eudeprazer que põe o atributo do prazer acima de qualquer outro O mundo externo se di vide para ele em uma parte prazerosa que incorporou em si e um resto que lhe é estranho Ele segregou uma parte integrante do próprio Eu que lança ao mundo externo e percebe como inimiga Após essa reordenação restabelecese a coincidência das duas polaridades Eusujeito com o prazer Mundo externo com o desprazer antes com a indiferença 54225 Quando o objeto entra no estágio do narcisismo primário chegase à form ação da segunda antítese do amar o odiar Como vimos o objeto é levado ao Eu desde o mundo exterior primeira mente pelos instintos de autoconservação e não se pode descartar que também o sentido original do ódio designe a relação para com o mundo exterior alheio e portador de estímulos A indiferença se liga ao ódio à aversão como um seu caso especial após ter surgido primeiro como seu precursor O exterior o ob jeto o odiado seriam sempre idênticos no início Se depois o objeto se revela fonte de prazer ele será amado mas também incorporado ao Eu de modo que para o Euprazer purificado o objeto coincide novamente com o alheio e odiado Mas notamos agora também que assim como o par de opostos amorin diferença reflete a polaridade Eumundo exterior também a segunda oposição amoródio reproduz a polaridade prazerdesprazer que se relaciona à primeira Depois que o estágio puramente narcísico dá lugar ao estágio do objeto prazer e desprazer significam relações do Eu com o objeto Quando o objeto se torna fonte de sensações prazerosas produzse uma tendência motora que busca aproximálo do Eu incorporálo ao Eu falase então da atração que o ob jeto dispensador de prazer exerce e dizse que se ama o objeto Inver samente quando o objeto é fonte de sensações desprazerosas há uma tendên cia que se esforça por aumentar a distância entre ele e o Eu repetir a original tentativa de fuga face ao mundo externo emissor de estímulos Sentimos a re pulsão do objeto e o odiamos esse ódio pode então se exacerbar em propensão a agredir o objeto em intenção de aniquilálo É possível dizer de um instinto se necessário que ele ama o objeto que procura para a sua satisfação Que um instinto odeie um objeto porém é algo que nos soa estranho de modo que atentaremos para o fato de que as des ignações amor e ódio não se aplicam às relações dos instintos com seus obje tos sendo reservadas para a relação do Eu total com os objetos Mas a obser vação do uso da linguagem sem dúvida pleno de sentido mostranos uma 55225 outra limitação no significado de amor e ódio Não dizemos que amamos os objetos que são úteis à conservação do Eu enfatizamos que temos necessidade deles e expressamos algo referente a um outro tipo de relação ao utilizar pa lavras que indicam um amor bem atenuado como gostar de achar agradável apreciar Portanto a palavra amar se avizinha cada vez mais à esfera da pura re lação de prazer do Eu com o objeto e finalmente se fixa nos objetos sexuais em sentido estrito e nos objetos que satisfazem as necessidades dos instintos sexuais sublimados A separação entre instintos do Eu e instintos sexuais que impusemos à nossa psicologia revelase então conforme ao espírito de nossa língua Se não estamos habituados a dizer que o instinto sexual ama seu objeto mas vemos o uso mais adequado da palavra amar na relação do Eu com seu objeto sexual essa observação nos ensina que tal emprego nessa relação começa apenas com a síntese de todos os instintos componentes da sexualid ade sob o primado dos órgãos genitais e a serviço da função reprodutiva É digno de nota que na utilização da palavra odiar não apareça uma re lação íntima com o prazer sexual e a função sexual a relação de desprazer parecendo ser a única decisiva O Eu odeia abomina persegue com propósitos destrutivos todos os objetos que se lhe tornam fonte de sensações desprazero sas não importando se para ele significam uma frustração da satisfação sexual ou da satisfação de necessidades de conservação Podese mesmo afirmar que os autênticos modelos da relação de ódio não provêm da vida sexual mas da luta do Eu por sua conservação e afirmação O amor e o ódio que se nos apresentam como uma total oposição material não se acham portanto numa relação simples um com o outro Não nasceram da cisão de algo primordialmente comum mas têm origens diversas e perfizer am cada qual uma evolução própria antes de formarem um par de opostos sob influência da relação prazerdesprazer Neste ponto se nos depara a tarefa de resumir o que sabemos sobre a origem do amor e do ódio 56225 O amor deriva da capacidade do Eu para satisfazer autoeroticamente pela obtenção de prazer de órgão uma parte de seus impulsos instintuais Ele é ori ginalmente narcísico depois passa para os objetos que foram incorporados ao Eu ampliado e exprime a procura motora do Eu por esses objetos enquanto fontes de prazer Ligase intimamente à atividade dos futuros instintos sexuais e coincide quando a síntese desses é completada com a totalidade da procura sexual Estágios preliminares do amor se revelam como metas sexuais tem porárias enquanto os instintos sexuais perfazem a sua complexa evolução O primeiro desses estágios divisamos no incorporar ou devorar um tipo de amor compatível com a abolição da existência separada do objeto e que portanto pode ser designado como ambivalente No mais elevado estágio da organização sádicoanal prégenital surge a procura pelo objeto sob a forma de impulso de apoderamento ao qual não importa se o objeto é danificado ou aniquilado Essa forma e fase preliminar do amor mal se distingue do ódio em seu comportamento para com o objeto Apenas com o estabelecimento da or ganização genital o amor se torna o contrário do ódio Enquanto relação com o objeto o ódio é mais antigo que o amor surge da primordial rejeição do mundo externo dispensador de estímulos por parte do Eu narcísico Como expressão da reação de desprazer provocada por objetos sempre permanece em íntima relação com os instintos de conservação do Eu de modo que instintos do Eu e instintos sexuais podem facilmente constituir uma oposição que repete a de ódio e amor Quando os instintos do Eu domin am a função sexual como sucede no estágio da organização sádicoanal eles conferem também à meta sexual as características do ódio A história da origem e das relações do amor nos torna mais compreensível o fato de tão frequentemente ele aparecer como ambivalente isto é em companhia de impulsos de ódio contra o mesmo objeto O ódio mesclado ao amor procede em parte dos estágios preliminares do amor não superados in teiramente e de outra parte se fundamenta nas reações de rejeição dos instin tos do Eu que nos frequentes conflitos entre interesses do Eu e do amor 57225 podem invocar motivos reais e atuais Em ambos os casos portanto o ódio en tremesclado se reporta à fonte dos instintos de conservação do Eu Quando a relação de amor com um determinado objeto é rompida não é raro que o ódio tome o seu lugar com o que temos a impressão de que o amor se transformou em ódio Seremos levados além dessa descrição se adotarmos a concepção de que nisso o ódio motivado de maneira real é fortalecido pela regressão do amor ao estágio sádico preliminar e portanto odiar assume um caráter erótico e a continuidade de uma relação amorosa é garantida A terceira antítese do amor a transformação do amar em ser amado cor responde à ação da polaridade ativopassivo e está sujeita à mesma apreciação que os casos do instinto de olhar e do sadismo Resumindo podemos sublinhar que os destinos dos instintos consistem es sencialmente no fato de que os impulsos instintuais são submetidos às influências das três grandes polaridades que governam a vida psíquica Dessas três polaridades podese designar a da atividadepassividade como a biológica a do Eumundo exterior como a real e por fim a de prazerdesprazer como a econômica O destino instintual da repressão constituirá o objeto da investigação seguinte 1 Pressupondo claro que esses processos internos sejam a base orgânica das necessidades da fome e da sede Impulso tradução para Drang que também pode significar ímpeto como na famosa ex pressão Sturm und Drang Tempestade e Ímpeto que designa o movimento préromântico da literatura alemã na segunda metade do século xviii Também utilizaremos impulso para Regung ao longo desta edição das obras de Freud Meta Ziel recorremos igualmente ao sinônimo objetivo quando a sonoridade da frase assim exigir e o contexto permitir No mesmo parágrafo inibidos na meta é tradução de zielgehemmt 58225 Entrelaçamento instintual Triebverschränkung As versões estrangeiras consultadas ap resentam confluencia de instintos entrelazamiento de pulsiones intreccio pulsionale entrecroise ment des pulsions confluence of instincts Uma nota de Strachey indica que há dois exemplos disso no caso do Pequeno Hans de 1909 A expressão de Adler se acha no artigo Der Agressionstrieb im Leben und in der Neurose O instinto de agressão na vida e na neurose Fortschritte der Medizin Progressos da Medicina v 26 1908 As versões estrangeiras consultadas durante a elaboração desta foram a espanhola de Lopez Ballesteros y de Torres em Obras completas v ii Madri Biblioteca Nueva 3a ed 1973 a ar gentina de José L Etcheverry em Obras completas v xiv Buenos Aires Amorrortu 5a reim pressão da 2a ed 1993 a italiana dirigida por C Musatti em Opere v 8 Turim Boringhieri 5a impressão 1987 a francesa dirigida por J Laplanche em Œuvres complètes v xiii Paris puf 1988 a inglesa de James Strachey em Standard edition v xiv Londres Hogarth Press Essas edições valem para as notas do tradutor em que são citadas neste e nos ensaios metap sicológicos seguintes Provável referência a Paul Ehrlich 18541915 cientista alemão ganhador do prêmio Nobel de Medicina em 1908 Ações dotadas de objetivo Zielhandlungen nas versões estrangeiras consultadas actos fi nales accionesmeta mete actionsàbut purposive actions O termo alemão original para sub limação em seguida e entre parênteses é de origem latina Sublimierung e já era usado por pensadores alemães anteriores a Freud cf Friedrich Nietzsche Humano demasiado humano 1 Humano demasiado humano ii parte i 95 e Além do bem e do mal 101 e nota correspond ente tradução e notas de Paulo César de Souza São Paulo Companhia das Letras 2000 2008 e 1992 respectivamente 2 Em trabalhos posteriores cf O problema econômico do masoquismo 1924 sustentei em relação a problemas da vida instintual uma concepção oposta a essa Não se sabe a que trecho ou a que trabalho Freud se refere 3 Ver nota 2 deste ensaio p 66 4 Como sabemos uma parte dos instintos sexuais é capaz dessa satisfação autoerótica e presta se então para ser veículo do desenvolvimento descrito adiante sob o domínio do princípio do prazer Os instintos sexuais que desde o início requerem um objeto e as necessidades dos in stintos do Eu impossíveis de satisfazer autoeroticamente perturbam naturalmente esse estado e preparam o caminho para mudanças Claro que o estado narcísico primordial não poderia to mar essa evolução se todo indivíduo não conhecesse um período de desamparo e cuidados 59225 durante o qual suas necessidades prementes são satisfeitas por intervenção exterior e com isso freadas na evolução A redundância se encontra no original Es nimmt in sein Ich auf nas versões con sultadas Acoge en su yo recoge en su interior Esso assume in sé Il accueille dans son moi it takes them into itself Na mesma frase a expressão de Ferenczi foi retirada de Introjektion und Übertragung Introjeção e transferência Jahrbuch für psychoanalytische und psychopathologis che Forschungen v 1 1909 Bezeichnungen como está na primeira edição Nas edições posteriores encontrase Beziehun gen relações o que evidentemente faz menos sentido no contexto James Strachey observa isso numa nota conservando porém o segundo termo Na mesma frase em seguida o termo traduzido por relação duas vezes a primeira no plural é Relation Impulsos instintuais tradução não muito satisfatória para Triebregungen termo composto por Freud formado de Trieb instinto impulso e Regung movimento inicial agitação emoção Talvez se possa traduzilo por uma só palavra impulsos digamos como argu mentei em As palavras de Freud o vocabulário freudiano e suas versões op cit apêndice B Nas outras versões consultadas encontramos impulsos instintivos mociones pulsionales moti pulsion ali motions pulsionelles instinctual impulses 60225 A REPRESSÃO 1915 TÍTULO ORIGINAL DIE VERDRÄNGUNG PUBLICADO PRIMEIRAMENTE EM INTERNATIONALE ZEITSCHRIFT FÜR ÄRZTLICHE PSYCHOANALYSE REVISTA INTERNACIONAL DE PSICANÁLISE MÉDICA V 3 N 3 PP 12938 TRADUZIDO DE GESAMMELTE WERKE X PP 24861 TAMBÉM SE ACHA EM STUDIENAUSGABE III PP 10318 Um destino possível para um impulso instintual é encontrar resistências que buscam tornálo inoperante Em determinadas condições que passaremos a examinar mais detidamente ele chega ao estado da repressão Tratandose do efeito de um estímulo externo a fuga seria obviamente o recurso adequado No caso de um instinto a fuga não serve pois o Eu não pode fugir de si mesmo Mais tarde se verá na rejeição baseada no julgamento condenação um bom recurso contra o impulso instintual Um estágio preliminar da con denação um meio termo entre a fuga e a condenação é a repressão cujo con ceito não podia ser estabelecido na época anterior à pesquisa psicanalítica Não é fácil deduzir teoricamente a possibilidade da repressão Por que deveria um impulso instintual sucumbir a esse destino Evidentemente deve ser preenchida a condição de que a obtenção da meta instintual produza de sprazer em vez de prazer Mas esse caso é dificilmente concebível Não existem tais instintos uma satisfação instintual é sempre prazerosa Teríamos de supor condições particulares algum processo mediante o qual o prazer da satisfação é transformado em desprazer Para delimitar melhor a repressão podemos discutir algumas outras situ ações instintuais Pode ocorrer que um estímulo externo se interiorize ao irritar e destruir um órgão por exemplo dando origem a uma nova fonte de contínua excitação e aumento de tensão Desse modo ele adquire uma larga semelhança com um instinto Sabemos que um caso desses é por nós sentido como dor Mas a meta desse pseudoinstinto é apenas a cessação da mudança no órgão e do desprazer que a ela se liga Um prazer de outro tipo direto não pode ser obtido com a cessação da dor Além disso a dor é imperativa ela se submete apenas à ação de um tóxico ou à influência de uma distração psíquica O caso da dor é muito pouco transparente para servir a nosso propósito Tomemos o caso em que um estímulo instintual como a fome permanece in satisfeito Ele se torna imperativo não pode ser aplacado senão por um ato de satisfação mantém uma contínua tensão de necessidade Algo que semelhe uma repressão não parece se apresentar Logo não se verifica a repressão nos casos em que a tensão se torna in suportavelmente grande devido à insatisfação de um impulso instintual Quanto aos meios de defesa do organismo contra essa situação serão dis cutidos em outro contexto Vamos nos ater à experiência clínica tal como aparece na prática psicanalít ica Então aprenderemos que a satisfação do instinto submetido à repressão seria possível e também prazerosa em si mesma mas que seria inconciliável com outras exigências e intenções geraria prazer num lugar e desprazer em outro Então se torna condição para a repressão que o motivo do desprazer ad quira um poder maior que o prazer da satisfação Além disso a experiência psicanalítica com as neuroses de transferência nos leva a concluir que a repressão não é um mecanismo de defesa existente desde o início que não pode surgir antes que se produza uma nítida separação entre atividade psíquica consciente e inconsciente e que a sua essência consiste apenas em rejeitar e manter algo afastado da consciência Tal modo de conceber a repressão seria complementado pela suposição de que anteriormente a esse estágio da organ ização psíquica cabe a outras vicissitudes dos instintos como a transformação no contrário e a reversão contra a própria pessoa a tarefa da defesa frente a impulsos instintuais Agora nos parece haver uma tão extensa correlação entre repressão e in consciente que teremos de adiar um aprofundamento da essência da repressão até sabermos sobre a estrutura das instâncias psíquicas e a diferenciação de consciente e inconsciente Antes disso podemos apenas reunir de modo pura mente descritivo algumas características da repressão que foram notadas clin icamente arriscando repetir sem alteração coisas afirmadas em outros lugares Temos fundamentos portanto para supor uma repressão primordial uma primeira fase da repressão que consiste no fato de ser negado à representante psíquica do instinto o acesso ao consciente Com isso se produz uma fixação a partir daí a representante em questão persiste inalterável e o instinto 63225 permanece ligado a ela Isso acontece devido às propriedades dos processos in conscientes que discutiremos depois O segundo estágio da repressão a repressão propriamente dita afeta os de rivados psíquicos da representante reprimida ou as cadeias de pensamentos que originandose de outra parte entraram em vínculo associativo com ela Graças a essa relação tais representações sofrem o mesmo destino que o que foi reprimido primordialmente A repressão propriamente dita é portanto uma pósrepressão Aliás é um erro destacar apenas a repulsa que a partir do consciente age sobre o que há de ser reprimido Devese ter em conta em igual medida a atração que o primordialmente reprimido exerce sobre tudo aquilo com que pode estabelecer contato Provavelmente a tendência para a repressão não alcançaria seu propósito se essas forças não atuassem juntas se não houvesse algo reprimido anteriormente disposto a acolher o que é re pelido pelo consciente Influenciados pelo estudo das psiconeuroses que nos faz ver o significativo efeito da repressão somos inclinados a superestimar o seu conteúdo psicológi co e esquecemos com facilidade que a repressão não impede a representante do instinto de prosseguir existindo no inconsciente de continuar se organiz ando formando derivados e estabelecendo conexões Na realidade a repressão perturba apenas a relação com um sistema psíquico o do consciente A psicanálise pode nos mostrar ainda outras coisas significativas para o en tendimento dos efeitos da repressão nas psiconeuroses Por exemplo que a representante do instinto se desenvolve de modo mais desimpedido e mais substancial quando é subtraída à influência consciente mediante a repressão Ela prolifera como que no escuro e acha formas de manifestação extremas que ao serem traduzidas e exibidas para o neurótico não só lhe parecem inev itavelmente estranhas mas também o assustam com a imagem de uma ex traordinária e perigosa força instintual Essa ilusória intensidade do instinto é produto de uma desinibida expansão da fantasia e de um represamento devido 64225 à satisfação frustrada O fato de esse acontecimento estar ligado à repressão é algo que indica onde devemos buscar a verdadeira significação desta Mas se retornamos ao aspecto contrário constatamos não ser correto que a repressão mantenha afastados do consciente todos os derivados do reprimido primordial Quando estes se distanciaram o suficiente da representante reprim ida seja assumindo deformações seja pelo número de elos intermediários que se interpuseram o acesso ao consciente se torna livre para eles É como se a resistência que o consciente lhes opõe fosse uma função do seu distanciamento do originalmente reprimido No exercício da técnica psicanalítica exortamos continuamente o paciente a produzir tais derivados do reprimido que devido a sua distância ou deformação podem passar pela censura do consciente Não são outra coisa os pensamentos espontâneos que dele solicitamos através da renúncia a todas as ideias intencionais conscientes e a toda crítica e a partir dos quais reconstituímos uma tradução consciente da representante reprimida Nisso observamos que o paciente pode continuar tecendo uma tal cadeia de as sociações até que no seu curso depara com uma formação de pensamento na qual a relação com o reprimido age com tamanha intensidade que ele tem de repetir sua tentativa de repressão É preciso que também os sintomas neuróti cos tenham satisfeito a condição acima pois eles são derivados do reprimido que por meio dessas formações obteve enfim o acesso à consciência que lhe era negado De modo geral não podemos dizer até onde tem que ir o distanciamento e deformação do reprimido para que a resistência do consciente seja removida Aí ocorre um sutil sopesamento cuja ação nos escapa mas cujo efeito nos permite inferir que a questão é parar antes que o investimento do inconsciente atinja uma determinada intensidade além da qual ele procederia rumo à satis fação Portanto a repressão trabalha de maneira altamente individual cada de rivado do inconsciente pode ter seu destino particular um pouco mais ou um pouco menos de deformação altera completamente o resultado Nisto se com preende que os objetos favoritos dos homens seus ideais provenham das 65225 mesmas percepções e vivências que os mais execrados por eles e que original mente eles se diferenciem uns dos outros apenas por mudanças mínimas Pode mesmo ocorrer como vimos na gênese do fetiche que a representante original do instinto se decomponha em duas partes das quais uma sucumbe à repressão e a restante precisamente devido a esse íntimo enlace tem o destino da idealização Aquilo que resulta de uma deformação maior ou menor pode também ser alcançado na outra ponta do aparelho por assim dizer através de uma modi ficação nas condições da produção de prazerdesprazer Técnicas especiais fo ram desenvolvidas com o propósito de efetuar mudanças tais no jogo das forças psíquicas que o que normalmente produz desprazer será também porta dor de prazer e sempre que tal recurso entrar em ação será suspensa a repressão de uma representante instintual que normalmente seria rechaçada Até agora essas técnicas foram estudadas com maior detalhe apenas nas pia das Via de regra a suspensão da repressão é apenas provisória logo é restabelecida Mas observações desse tipo nos levam a atentar para outras características da repressão Ela é não só como acabamos de ver individual mas também ex tremamente móvel Não se deve imaginar o processo de repressão como algo acontecido uma única vez e que tem resultado duradouro mais ou menos como quando se abate algo vivo que passa a estar morto a repressão exige isto sim um constante gasto de energia cuja cessação colocaria em perigo o seu êxito de modo que um novo ato de repressão se tornaria necessário É lí cito imaginar que o reprimido exerce uma contínua pressão na direção do con sciente a qual tem de ser compensada por uma ininterrupta contrapressão Portanto manter uma repressão pressupõe um permanente dispêndio de ener gia e a sua eliminação significa economicamente uma poupança A mobilid ade da repressão aliás também acha expressão nas características psíquicas do sono o único estado que torna possível a formação do sonho Com o 66225 despertar os investimentos de repressão que foram recolhidos são novamente enviados Por fim não podemos esquecer que ainda dissemos pouco sobre um im pulso instintual ao constatar apenas que ele é reprimido Ele pode sem pre juízo da repressão encontrarse em estados bem diferentes estar inativo isto é investido de bem pouca energia psíquica ou investido em grau variável e assim capacitado para a atividade É certo que a sua ativação não terá a con sequência de suprimir diretamente a repressão mas estimulará todos os pro cessos que terminam por lhe consentir a penetração até a consciência por vias indiretas No caso de derivados não reprimidos do inconsciente a medida de ativação ou investimento decide com frequência o destino da ideia É comum suceder que um tal derivado permaneça não reprimido enquanto representa uma energia mínima embora o seu conteúdo fosse adequado para despertar um conflito com o que é dominante no consciente Mas o fator quantitativo se revela decisivo para esse conflito tão logo a ideia no fundo repugnante fortalecese além de determinada medida o conflito se torna atual e é justa mente a ativação que traz consigo a repressão Logo em matéria de repressão um acréscimo no investimento de energia age no mesmo sentido de uma aproximação ao inconsciente e o seu decréscimo no mesmo sentido de um distanciamento ou uma deformação Compreendemos assim que as tendências repressoras possam encontrar no enfraquecimento do que é desagradável um substituto para a sua repressão Em nossa discussão tratamos até o momento da repressão de uma repres entante instintual entendendo por isso uma ideia ou grupo de ideias investido de um determinado montante de energia psíquica libido interesse a partir do instinto A observação clínica nos leva agora a decompor o que até então apreendemos como uma unidade pois nos mostra que é preciso considerar além da ideia uma outra coisa que representa o instinto e o fato de que ela ex perimenta um destino de repressão que pode ser inteiramente diverso do da 67225 ideia Para designar esse outro elemento da representante psíquica já se encon tra estabelecido o termo de montante afetivo ele corresponde ao instinto na medida em que este se desligou da ideia e acha expressão proporcional à sua quantidade em processos que são percebidos como afetos De agora em di ante ao descrever um caso de repressão teremos de acompanhar separada mente aquilo em que resultou a ideia devido à repressão e o que veio a ser da energia instintual que a ela se ligava Bem gostaríamos de fazer uma afirmação geral sobre os destinos de ambas Isso nos será possível depois de alguma orientação O destino geral da ideia que representa o instinto dificilmente será outro senão desaparecer do con sciente se antes era consciente ou ser mantida fora da consciência se estava a ponto de tornarse consciente A diferença já não é significativa corresponde mais ou menos a saber se eu ordeno a um hóspede indesejável que se retire de minha sala ou do vestíbulo ou se após têlo reconhecido não permito sequer que ele pise a soleira da entrada1 O destino do fator quantitativo da represent ante instintual pode ser triplo como nos ensina um rápido exame das experiên cias reunidas na psicanálise O instinto é inteiramente suprimido de modo que dele nada se encontra ou aparece como um afeto qualitativamente nuançado de alguma forma ou é transformado em angústia As duas últimas possibilid ades nos impõem a tarefa de contemplar como nova vicissitude do instinto a conversão das energias psíquicas dos instintos em afetos muito especialmente em angústia Recordamos que o motivo e o propósito da repressão eram tão somente evitar o desprazer Seguese que o destino do montante afetivo da represent ante é bem mais importante que o da ideia e que isso é decisivo para o julga mento do processo de repressão Se uma repressão não consegue impedir o surgimento de sensações de desprazer ou de angústia então podemos dizer que ela fracassou ainda que tenha alcançado sua meta na parte ideativa 68225 Naturalmente a repressão fracassada tem mais direito ao nosso interesse do que aquela mais ou menos bemsucedida que em geral escapa ao nosso estudo Agora pretendemos obter uma visão do mecanismo do processo de repressão e saber principalmente se existe apenas um mecanismo de repressão ou vários deles e se cada uma das psiconeuroses se distinguiria por um mecanismo de repressão todo próprio Mas já no começo desta pesquisa nós vislumbramos complicações O mecanismo de uma repressão se torna acessível para nós apenas quando o deduzimos a partir dos resultados da repressão Limitando a observação aos seus resultados na parte ideativa da representante descobrimos que em geral a repressão produz uma formação substitutiva Qual é então o mecanismo dessa formação substitutiva Ou ex istem aqui também vários mecanismos a diferenciar Sabemos igualmente que a repressão deixa sintomas Podemos então supor que a formação sub stitutiva e a formação de sintomas coincidem e se assim for no conjunto o mecanismo da formação de sintomas equivale ao da repressão Atualmente a probabilidade maior é de que os dois divirjam bastante de que não seja a repressão mesma que produz formações substitutivas e sintomas mas que estes surjam como indícios de um retorno do reprimido em virtude de processos in teiramente outros Então parece recomendável que se investiguem os mecanis mos da formação de substitutos e de sintomas antes daqueles da repressão É claro que a especulação já não pode ajudar aqui tendo que ser substituída pela cuidadosa análise dos efeitos da repressão a serem observados nas difer entes neuroses Mas devo propor que também esse trabalho seja adiado até que tenhamos formado ideias confiáveis sobre a relação entre o consciente e o inconsciente Apenas para que esta discussão não acabe inteiramente sem frutos anteciparei que 1 de fato o mecanismo da repressão não coincide com o ou os mecanismos da formação substitutiva 2 há mecanismos bastante di versos de formação substitutiva e 3 há pelo menos uma coisa comum aos 69225 mecanismos de repressão a retração do investimento de energia ou libido quando lidamos com instintos sexuais Além disso quero mostrar limitandome às três mais conhecidas psiconeur oses como os conceitos aqui introduzidos têm aplicação no estudo da repressão Para a histeria de angústia escolherei um exemplo bem analisado de zoofobia O impulso instintual sujeito à repressão é uma atitude libidinal frente ao pai acompanhada da angústia em relação a ele Depois da repressão esse impulso desapareceu da consciência o pai já não aparece aí como objeto da li bido Como substituto em lugar correspondente encontrase um animal que se presta relativamente bem para objeto de angústia A formação substitutiva da parte ideativa da representante instintual realizouse pela via do desloca mento ao longo de uma cadeia de relações determinada de certa maneira A parte quantitativa não desapareceu mas sim converteuse em angústia O res ultado é angústia diante do lobo em vez de reivindicação do amor do pai Nat uralmente as categorias aqui aplicadas não bastam para fornecer explicação nem mesmo para o caso mais simples de psiconeurose Há outros ângulos a serem considerados Uma repressão como a do caso de zoofobia pode ser vista como radic almente fracassada O trabalho da repressão consistiu apenas em eliminar e substituir a ideia deixou totalmente de evitar o desprazer Por isso o trabalho da neurose também não descansa mas prossegue numa segunda fase para at ingir sua meta mais próxima e mais importante Formase uma tentativa de fu ga a autêntica fobia uma série de escapatórias para evitar o desencadeamento da angústia Uma investigação mais específica permitirá compreender os mecanismos pelos quais a fobia atinge sua meta O quadro de uma verdadeira histeria de conversão nos obriga a considerar de modo bem diferente o processo de repressão O que nela sobressai é o fato de se chegar ao desaparecimento completo do montante de afeto O doente ex ibe frente a seus sintomas o comportamento que Charcot denominou de la belle indifférence des hystériques Outras vezes tal supressão não é tão bem 70225 sucedida uma parcela de sensações dolorosas ligase aos próprios sintomas ou não é possível impedir algum desencadeamento da angústia o que por sua vez põe em movimento o mecanismo de formação de fobias O conteúdo ideativo da representante instintual é radicalmente subtraído à consciência como form ação substitutiva e ao mesmo tempo como sintoma se encontra uma in ervação muito acentuada somática em casos exemplares ora de natureza sensorial ora motora como excitação ou como inibição A um exame mais atento o local superinervado se revela parte da representante instintual reprimida que atraiu para si como por condensação todo o investimento Claro que essas observações também não desvendam inteiramente o mecan ismo de uma histeria de conversão deve ser aí acrescentado principalmente o fator da regressão que será oportunamente apreciado Podese julgar completamente falha a repressão da histeria de conversão na medida em que foi tornada possível somente por formações substitutivas extensas mas quanto à forma de dispor do montante afetivo a verdadeira tarefa da repressão ela significa geralmente um completo êxito Na histeria de conversão o processo de repressão é concluído com a formação de sintomas e não necessita como no caso da histeria de angústia prolongarse num se gundo momento ou mesmo indefinidamente A repressão mostra mais um aspecto diferente na terceira afecção a que re corremos para comparação a da neurose obsessiva Aqui ficamos em dúvida a princípio sobre o que devemos considerar como representante submetida à repressão se uma tendência libidinal ou uma hostil A incerteza vem de que a neurose obsessiva tem por pressuposto uma repressão por meio da qual uma tendência sádica tomou o lugar de uma afetuosa É esse impulso hostil para com uma pessoa amada que é sujeito à repressão Numa primeira fase do tra balho de repressão o efeito é bem diferente do que será depois De início o êxito é completo o conteúdo ideativo é rechaçado e o afeto é levado a desa parecer Como formação substitutiva se verifica uma mudança do Eu a elev ação da conscienciosidade que não se pode chamar exatamente de sintoma 71225 Formação substitutiva e formação de sintomas não coincidem aqui Nisso tam bém aprendemos algo sobre o mecanismo da repressão Como em todos os casos ela efetuou aqui uma retração da libido mas para este fim se serviu da formação reativa mediante o fortalecimento de uma oposição Logo a form ação substitutiva tem aqui o mesmo mecanismo que a repressão e no fundo coincide com esta mas se distingue cronologicamente e conceitualmente da formação de sintomas É muito provável que o processo inteiro seja tor nado possível pela relação de ambivalência em que se inscreve o impulso sádico a ser reprimido Mas a repressão inicialmente boa não se sustenta e com a progressão das coisas o seu fracasso ressalta cada vez mais A ambivalência que permitiu a repressão através da formação reativa é também o lugar onde o reprimido consegue retornar O afeto desaparecido volta transformado em angústia so cial angústia da consciência recriminação desmedida a ideia rejeitada é tro cada por um substituto por deslocamento com frequência deslocamento para algo menor indiferente Em geral há uma tendência inegável para restabelecer intacta a ideia reprimida O fracasso na repressão do fator quantitativo afet ivo põe em jogo o mesmo mecanismo de fuga por meio de proibições e es capatórias que já vimos na formação da fobia histérica Mas a ideia rejeitada do consciente é tenazmente mantida dessa forma porque envolve um impedi mento da ação um entrave motor ao impulso Assim o trabalho de repressão na neurose obsessiva prolongase numa luta interminável e sem êxito A pequena série de comparações aqui apresentada deve nos convencer da necessidade de investigações mais abrangentes para que possamos ter a esper ança de compreender os processos relacionados à repressão e formação neurótica de sintomas O extraordinário entrelaçamento de todos os fatores a considerar nos deixa apenas um caminho livre para a exposição Temos que escolher ora um ora outro ângulo e perseguilo através do material enquanto sua utilização parece dar frutos Cada uma dessas elaborações será incompleta 72225 em si e não deixará de ter obscuridades ali onde tocar no que ainda não foi trabalhado mas podemos esperar que da composição final resulte uma boa compreensão Triebregung nas versões estrangeiras consultadas instinto moción pulsionale moto pul sionale motion pulsionelle instinctual impulse Ver nota do ensaio anterior Os instintos e seus destinos p 78 Há estudiosos de Freud que usam repressão para verter Unterdrückung e recalque para Verdrängung enquanto outros adotam supressão e repressão Em As palavras de Freud op cit capítulo sobre Verdrängung procuramos mostrar que há argumentos para as duas opções e até mesmo para a eventual não distinção entre Unterdrückung e Verdrängung que às vezes são usados alternadamente por Freud Representante psíquica Vorstellungsrepräsentanz nas versões estrangeiras consultadas representación psíquica agencia representante Representanz psíquica agencia representanterep resentación sic com chaves e parênteses rappresentanza psichica ideativa représentance psychique représentance de représentation psychical ideational representative Ver quanto a esse problemático termo o capítulo Vorstellung idea représentation em As palavras de Freud op cit No original Die eigentliche Verdrängung ist also ein Nachdrängen Esse último termo cun hado por Freud foi traduzido nas versões estrangeiras consultadas por fuerza opresiva nachdrängen posterior esfuerzo de dar caza postrimozione refoulement aprèscoup after pressure Ideias intencionais Zielvorstellungen nas versões consultadas ideas de propositos con scientes representaciónmeta rappresentazione finalizzata représentationsdebut purposive idea Cf o mencionado capítulo sobre Vorstellung em As palavras de Freud op cit 1 Esta imagem aplicável ao processo de repressão pode ser estendida também a uma caracter ística já mencionada da repressão Basta acrescentar que é preciso deixar um vigia permanente junto à porta que foi proibida para o hóspede senão este rejeitado a arrombaria Ver acima Ou medo dele pois Angst tem os dois sentidos os tradutores italiano e inglês usaram paura e fear enquanto os outros mantiveram angústia 73225 O INCONSCIENTE 1915 TÍTULO ORIGINAL DAS UNBEWUSSTE PUBLICADO PRIMEIRAMENTE EM INTERNATIONALE ZEITSCHRIFT FÜR ÄRZTLICHE PSYCHOANALYSE REVISTA INTERNACIONAL DE PSICANÁLISE MÉDICA V 3 N 4 PP 189203 E N 5 PP 25769 TRADUZIDO DE GESAMMELTE WERKE X PP 264303 TAMBÉM SE ACHA EM STUDIENAUSGABE III PP 11973 Aprendemos com a psicanálise que a essência do processo de repressão não consiste em eliminar anular a ideia que representa o instinto mas em impedir que ela se torne consciente Dizemos então que se acha em estado de incon sciente e podemos oferecer boas provas de que também inconscientemente ela pode produzir efeitos inclusive aqueles que afinal atingem a consciência Tudo que é reprimido tem de permanecer inconsciente mas constatemos logo de início que o reprimido não cobre tudo que é inconsciente O inconsciente tem o âmbito maior o reprimido é uma parte do inconsciente De que forma podemos chegar ao conhecimento do inconsciente É claro que o conhecemos apenas enquanto consciente depois que experimentou uma transposição ou tradução em algo consciente Diariamente o trabalho psic analítico nos traz a experiência de que é possível uma tal tradução Isso requer que o analisando supere determinadas resistências as mesmas que outrora rejeitandoo do consciente transformaram um dado material em reprimido I JUSTIFICAÇÃO DO INCONSCIENTE O direito de supor uma psique inconsciente e de trabalhar cientificamente com essa hipótese nos é contestado de muitos lados A isso podemos replicar que a suposição do inconsciente é necessária e legítima e que possuímos várias provas da existência do inconsciente Ela é necessária porque os dados da consciência têm muitas lacunas tanto em pessoas sadias como em doentes verificamse com frequência atos psíquicos que pressupõem para sua explicação outros atos de que a consciência não dá testemunho Esses atos não são apenas as ações falhas e os sonhos dos indivíduos sadios e tudo o que é chamado de sin tomas e fenômenos obsessivos na psique dos doentes nossa experiência co tidiana mais pessoal nos familiariza com pensamentos espontâneos cuja origem não conhecemos e com resultados intelectuais cuja elaboração permanece oculta para nós Todos esses atos conscientes permanecem desconexos e in compreensíveis se insistimos na pretensão de que através da consciência exper imentamos tudo o que nos sucede em matéria de atos psíquicos mas se inscre vem numa coerência demonstrável se neles interpolamos os atos inconscientes inferidos Um ganho em sentido e coerência é motivo plenamente justificado para irmos além da experiência imediata Se além disso pudermos edificar sobre a hipótese do inconsciente uma prática bemsucedida mediante a qual influímos no curso dos processos conscientes teremos neste sucesso uma prova indiscutível da existência daquilo suposto Então será preciso adotar o ponto de vista de que é uma pretensão insustentável exigir que tudo o que su cede na psique teria de se tornar conhecido também para a consciência Podemos avançar um pouco e alegar em favor de um estado psíquico in consciente que a cada instante a consciência abrange apenas um conteúdo mínimo de sorte que a maior parte do que denominamos conhecimento con sciente deve de qualquer maneira acharse em estado de latência por longos períodos de tempo ou seja em um estado de inconsciência psíquica Contrad izer o inconsciente seria em vista de todas as nossas lembranças latentes algo inteiramente inconcebível Deparamos em seguida com a objeção de que es sas recordações latentes já não podem ser chamadas de psíquicas mas corres pondem a vestígios de processos somáticos a partir dos quais o psíquico pode novamente surgir Não é difícil replicar que a lembrança latente é pelo con trário um indubitável resto de um processo psíquico Mais importante porém é ter claro que a objeção se baseia na equiparação tácita mas de antemão estabelecida do consciente ao psíquico Tal equiparação é ou uma petitio principii que não admite questionar se tudo psíquico tem de ser também con sciente ou um caso de convenção de nomenclatura Tendo este segundo caráter ela é naturalmente irrefutável como toda convenção Resta então per guntar se ela é útil e adequada o bastante para que tenhamos de aceitála Po demos responder que a identificação convencional entre o psíquico e o con sciente é totalmente inadequada Ela rompe as continuidades psíquicas nos 76225 precipita nas insolúveis dificuldades do paralelismo psicofísico fica aberta à crítica de superestimar sem fundamentação razoável o papel da consciência e nos obriga a deixar o âmbito da pesquisa psicológica sem nos trazer com pensação de outros campos De todo modo é claro que essa questão de saber se os incontestáveis esta dos latentes da vida psíquica devem ser concebidos como estados psíquicos in conscientes ou como físicos ameaça redundar numa disputa de palavras Daí ser aconselhável pôr em primeiro plano aquilo que sabemos com certeza sobre a natureza desses estados Quanto a suas características físicas eles nos são completamente inacessíveis nenhuma concepção fisiológica nenhum pro cesso químico pode nos dar ideia de sua essência Por outro lado se verifica que eles mantêm o mais amplo contato com os processos psíquicos con scientes mediante um certo trabalho podem se transformar neles serem sub stituídos por eles e se deixam descrever com todas as categorias que aplicamos aos atos anímicos conscientes tais como representações decisões aspirações etc Mais ainda de muitos desses estados devemos dizer que se diferenciam dos conscientes apenas pela falta da consciência Logo não hesitaremos em tratá los como objetos da investigação psicológica em íntima relação com os atos anímicos conscientes A tenaz rejeição do caráter psíquico dos atos anímicos latentes se explica pelo fato de a maioria dos fenômenos considerados não haver se tornado ob jeto de estudo fora da psicanálise Quem não conhece os fatos patológicos vê como casuais os lapsos das pessoas normais e se limita à velha sabedoria de que os sonhos são espumas Träume sind Schäume precisa apenas negligenciar mais alguns enigmas da psicologia da consciência para se poupar a hipótese de uma atividade anímica inconsciente As experiências hipnóticas aliás especial mente a sugestão póshipnótica demonstraram de modo tangível a existência e maneira de operar do inconsciente psíquico antes mesmo da época da psicanálise 77225 A hipótese do inconsciente é também inteiramente legítima na medida em que ao adotála não nos afastamos um passo da maneira de pensar que para nós é habitual e tida como correta A consciência proporciona a cada um de nós apenas o conhecimento dos próprios estados dalma que um outro ser hu mano tenha consciência é uma conclusão que se tira per analogiam com base nas manifestações e nos atos que percebemos desse outro para nos tornar compreensível o seu comportamento Psicologicamente mais correto seria talvez afirmar que sem maior reflexão nós atribuímos a cada outro indivíduo nossa própria constituição e também nossa consciência e que tal identificação é o pressuposto de nossa compreensão Essa conclusão ou identificação foi outrora estendida pelo Eu aos outros seres humanos animais plantas às coisas inanimadas e à totalidade do mundo e se revelou útil enquanto a similit ude com o Eu individual foi preponderante mas tornouse menos confiável à medida que o outro se distanciou do Eu Atualmente nossa reflexão crítica já é insegura quanto à consciência dos animais recusase a admitila nas plantas e deixa para o misticismo a hipótese de uma consciência do que é inanimado Mas também onde a tendência original à identificação passou pelo exame crítico no caso de o outro ser um humano próximo a suposição de uma consciência baseiase numa inferência e não pode partilhar a imediata certeza de nossa própria consciência Ora a psicanálise exige apenas que esse método de inferência se volte tam bém para a própria pessoa algo para o qual não existe claro uma tendência constitucional Assim fazendo será preciso dizer que todos os atos e manifest ações que em mim percebo e que não sei ligar ao restante de minha vida psíquica têm de ser julgados como se pertencessem a uma outra pessoa e de vem achar esclarecimento por uma vida anímica que se atribua a esta pessoa A experiência também mostra que sabemos interpretar nos outros isto é integrar no seu contexto anímico os mesmos atos a que negamos reconhecimento psíquico em nossa própria pessoa Evidentemente um obstáculo especial 78225 desvia nossa investigação da própria pessoa impedindo que realmente a conheçamos Esse método de inferência aplicado sobre a própria pessoa apesar de oposição interna não leva à descoberta de um inconsciente e sim mais cor retamente à suposição de uma outra uma segunda consciência que em minha pessoa se acha unida com a que me é conhecida Mas nisso a crítica tem justa oportunidade de fazer objeções Primeiro uma consciência da qual o próprio portador nada sabe é algo diferente de uma consciência alheia e podese per guntar se uma tal consciência a que falta a mais importante característica merece de fato uma discussão Quem se rebelou contra a hipótese de uma psique inconsciente não ficará satisfeito em trocála por uma consciência incon sciente Em segundo lugar a análise indica que cada um dos processos aními cos latentes que inferimos goza de um alto grau de independência como se não estivesse em ligação com os demais e nada soubesse deles Devemos então estar preparados para supor em nós uma segunda consciência mas também uma terceira quarta talvez uma série interminável de estados de consciência todos desconhecidos para nós e entre si Em terceiro lugar vem como o argu mento de maior peso a consideração de que através da pesquisa analítica sabemos que uma parte desses processos latentes possui características e pecu liaridades que nos parecem estranhas mesmo incríveis e que contrariam diretamente os atributos da consciência que nos são conhecidos Assim teremos razão para modificar a inferência sobre nossa própria pessoa ela não demonstra uma segunda consciência em nós mas sim a existência de atos psíquicos privados de consciência Também a designação de subconsciência poderemos rejeitar por ser incorreta e enganadora Os conhecidos casos de double conscience cisão da consciência nada provam contra a nossa con cepção Eles podem ser descritos da maneira mais pertinente como casos de cisão das atividades anímicas em dois grupos sendo que então a mesma consciência voltase alternadamente para um ou para o outro 79225 Na psicanálise só nos resta declarar os processos anímicos em si como in conscientes e comparar sua percepção pela consciência à percepção do mundo externo pelos órgãos dos sentidos Esperamos inclusive que essa comparação seja proveitosa para o nosso conhecimento A suposição psicanalítica da atividade anímica inconsciente nos parece por um lado um desenvolvimento ulterior do animismo primitivo que em tudo nos fazia ver imagens fiéis de nossa consciência e por outro lado o prosseguimento da retificação empreen dida por Kant de nosso modo de conceber a percepção externa Assim como Kant nos alertou para não ignorar o condicionamento subjetivo de nossa per cepção e não tomála como idêntica ao percebido incognoscível a psicanálise adverte para não se colocar a percepção pela consciência no lugar do processo psíquico inconsciente que é o objeto desta percepção Tal como o físico tam bém o psíquico não precisa na realidade ser como nos aparece Mas teremos a satisfação de verificar que a retificação da percepção interna não apresenta di ficuldade tão grande como a da externa que o objeto interno é menos in cognoscível que o mundo exterior II A PLURALIDADE DE SENTIDOS DO INCONSCIENTE E O PONTO DE VISTA TOPOLÓGICO Antes de prosseguir constatemos o fato importante e também embaraçoso de que a inconsciência é apenas um traço distintivo do psíquico que de modo al gum basta para a sua caracterização Existem atos psíquicos de valor bem di verso que no entanto coincidem na característica de serem inconscientes Por um lado o inconsciente abrange atos que são apenas latentes temporariamente inconscientes mas que de resto não se diferenciam em nada dos conscientes e 80225 por outro lado processos como os reprimidos que caso se tornassem con scientes contrastariam da maneira mais crua com os restantes conscientes Para pôr fim a todos os malentendidos seria bom abstrair totalmente na descrição dos variados atos psíquicos do fato de serem conscientes ou incon scientes e classificálos apenas segundo sua relação com os instintos e metas segundo sua composição e inclusão nos sistemas psíquicos superpostos uns aos outros Mas isso é impraticável por razões diversas e assim não podemos es capar à ambiguidade de utilizar os termos consciente e inconsciente ora num sentido descritivo ora sistemático quando então significam inclusão em determinados sistemas e posse de certos atributos Poderíamos também fazer a tentativa de evitar a confusão designando os sistemas psíquicos reconhecidos com nomes tomados arbitrariamente que não aludissem à qualidade de ser consciente Mas teríamos antes que justificar em que baseamos a diferenciação dos sistemas e nisso não poderíamos contornar a qualidade de ser consciente pois ela constitui o ponto de partida de todas as nossas investigações Talvez possamos buscar socorro na sugestão de ao menos na escrita substituir con sciência pela abreviatura Cs e inconsciente por Ics ao usar as duas palavras no sentido sistemático De maneira positiva enunciemos agora como resultado da psicanálise que um ato psíquico passa geralmente por duas fases em relação ao seu estado entre as quais se coloca uma espécie de exame censura Na primeira fase ele é inconsciente e pertence ao sistema Ics se no exame ele é rejeitado pela censura não consegue passar para a segunda fase então ele é reprimido e tem que permanecer inconsciente Saindose bem no exame porém ele entra na se gunda fase e participa do segundo sistema a que denominamos sistema Cs Mas essa participação não chega a determinar inequivocamente a sua relação com a consciência Ela ainda não é consciente mas capaz de consciência na ex pressão de J Breuer isto é pode então dadas certas condições tornarse ob jeto da consciência sem maior resistência Tendo em vista essa capacidade de 81225 consciência chamamos o sistema Cs também de préconsciente Se ocorrer que também o tornarse consciente do préconsciente seja codeterminado por uma certa censura então discriminaremos de modo mais rigoroso os sistemas Pcs e Cs Por enquanto basta ter em mente que o sistema Pcs partilha as pro priedades do sistema Cs e que a censura rigorosa cumpre seu papel na pas sagem do Ics para o Pcs Ao admitir esses dois ou três sistemas psíquicos a psicanálise distanciou se mais um passo da psicologia descritiva da consciência atribuindose uma nova colocação de problemas e um novo conteúdo Até então ela se diferen ciava da psicologia sobretudo pela concepção dinâmica dos processos aními cos agora ela pretende considerar igualmente a topologia da psique e indicar acerca de um ato psíquico qualquer no interior de qual sistema ou entre quais sistemas ele se passa Em virtude desse empenho deramlhe também o nome de psicologia das profundezas Veremos que ela pode enriquecerse ainda com uma outra perspectiva Se vamos lidar seriamente com uma topologia dos atos anímicos temos que dirigir nosso interesse para uma dúvida que se apresenta neste ponto Se um ato psíquico limitemonos aqui a um que tenha a natureza de uma ideia é transposto do sistema Ics para o sistema Cs ou Pcs devemos supor que a essa transposição se liga uma nova fixação como que um segundo registro da ideia em questão que então pode estar contido também numa nova localidade psíquica e junto ao qual continua a existir o registro inconsciente original Ou devemos antes acreditar que a transposição consiste numa mudança de estado que se produz no mesmo material e na mesma localidade Essa questão pode parecer abstrusa mas tem de ser levantada se quisermos formar da topologia psíquica da dimensão psíquica profunda uma ideia mais definida Ela é difícil porque ultrapassa o puramente psicológico e toca nas relações entre o aparelho psíquico e a anatomia Sabemos de modo pouco preciso que tais relações ex istem Um inabalável resultado da pesquisa é que a atividade anímica se 82225 encontra mais ligada à função do cérebro do que a qualquer outro órgão Um pouco adiante não se sabe quanto levanos à descoberta da importância desigual das partes do cérebro e suas relações especiais com determinadas partes do corpo e atividades espirituais Mas fracassaram radicalmente todas as tentativas de a partir disso encontrar uma localização para os processos aními cos todos os esforços de pensar nas ideias como se fossem armazenadas em células nervosas e nas excitações como se vagassem pelas fibras dos nervos O mesmo destino estaria reservado para uma teoria que digamos acreditasse re conhecer no córtex cerebral o lugar anatômico do sistema Cs da atividade psíquica consciente e quisesse localizar os processos inconscientes nas zonas subcorticais do cérebro Aqui se abre uma lacuna que no momento não pode ser preenchida e tampouco é tarefa da psicologia preenchêla Provisoriamente nossa topologia psíquica nada tem a ver com a anatomia ela se refere a regiões do aparelho psíquico onde quer que se situem no corpo e não a locais anatômicos Neste aspecto nosso trabalho é livre então e pode proceder de acordo com suas próprias necessidades Também será útil lembrar que nossas hipóteses reivindicam apenas em princípio o valor de ilustrações A primeira das duas possibilidades consideradas a de que a fase Cs da ideia significa um novo re gistro da mesma encontrável em outro lugar é indubitavelmente a mais gros seira delas mas também a mais cômoda A segunda hipótese de uma mudança de estado apenas funcional é de antemão a mais provável mas é menos plástica mais difícil de manipular Ligada à primeira à hipótese topográfica achase aquela de uma separação topográfica dos sistemas Ics e Cs e a possibil idade de uma ideia existir simultaneamente em dois lugares do aparelho psíquico e mesmo de que não sendo inibida pela censura avance regular mente de um lugar para o outro eventualmente sem perder o seu primeiro as sento ou registro Isso talvez pareça estranho mas pode se apoiar em im pressões da prática psicanalítica 83225 Se comunicamos a um paciente uma ideia que ele reprimiu num dado mo mento e que descobrimos num primeiro instante isso nada muda em seu es tado psíquico Principalmente não suprime a repressão nem desfaz suas con sequências como talvez se esperasse do fato de a ideia antes inconsciente haver se tornado consciente Pelo contrário de início obteremos tão só uma nova rejeição da ideia reprimida Mas agora o paciente tem de fato a mesma ideia em dupla forma em lugares diferentes de seu aparelho psíquico primeiro tem a lembrança consciente do traço auditivo da ideia através da comu nicação e também traz consigo como sabemos com certeza a memória incon sciente do vivido em sua forma anterior Na realidade a repressão não é suprimida enquanto a ideia consciente após a superação das resistências não entrou em ligação com o traço de memória inconsciente Apenas tornando consciente esta última se alcança o êxito Assim pareceria demonstrado para a consideração superficial que ideias conscientes e inconscientes são registros diferentes topograficamente separados do mesmo conteúdo Mas uma re flexão posterior mostra que é apenas aparente a identidade entre a comu nicação e a lembrança reprimida do paciente Ter ouvido e ter vivido são coisas bem diversas em sua natureza psicológica mesmo quando têm o mesmo conteúdo Portanto no momento não somos capazes de decidir entre as duas possibil idades discutidas Talvez ainda encontremos fatores que façam pender a bal ança para uma delas Talvez nos aguarde a descoberta de que nossa colocação do problema foi insatisfatória e que a distinção entre a ideia consciente e a in consciente deve ser determinada de modo inteiramente diverso III SENTIMENTOS INCONSCIENTES 84225 Restringimos a discussão anterior às ideias e agora podemos lançar uma nova questão cuja resposta contribuirá para esclarecer nossos pontos de vista teóri cos Dissemos que existem ideias conscientes e inconscientes mas haveria também impulsos sentimentos percepções inconscientes ou neste caso com binações assim não fariam sentido De fato creio que a oposição de consciente e inconsciente não se aplica aos instintos Um instinto não pode jamais se tornar objeto da consciência apenas a ideia que o representa Mas também no inconsciente ele não pode ser repres entado senão pela ideia Se o instinto não se prendesse a uma ideia ou não aparecesse como um estado afetivo nada poderíamos saber sobre ele Mas se no entanto falamos de um impulso inconsciente ou um impulso reprimido tratase de uma inócua negligência de expressão Só podemos estar nos refer indo a um impulso cujo representante ideativo é inconsciente pois outra coisa não poderia entrar em consideração Deveríamos pensar que a resposta à questão sobre os afetos sentimentos sensações inconscientes é igualmente fácil Pois é da natureza de um senti mento que ele seja sentido isto é que se torne conhecido da consciência A possibilidade de inconsciência se excluiria totalmente no caso de sentimentos sensações afetos Mas na prática psicanalítica estamos acostumados a falar de amor ódio raiva etc inconscientes e vemos como inevitável até mesmo a in sólita junção consciência de culpa inconsciente ou a paradoxal angústia inconsciente Esse modo de falar tem maior significado do que no caso de instinto inconsciente Aqui a coisa é realmente outra Pode primeiramente suceder que um im pulso afetivo ou emocional seja percebido mas de forma equivocada Ele é obrigado devido à repressão de sua verdadeira representação a unirse com outra ideia e passa a ser tido pela consciência como manifestação dessa úl tima Se restabelecemos o vínculo correto chamamos o impulso afetivo ori ginal de inconsciente embora seu afeto jamais tenha sido inconsciente apenas sua ideia sucumbiu à repressão O uso das expressões afeto 85225 inconsciente e emoção inconsciente remete aos destinos do fator quantitat ivo do impulso instintual em consequência da repressão ver o ensaio sobre a repressão Sabemos que esses destinos podem ser três ou o afeto continua como é no todo ou em parte ou se transforma num montante de afeto qualit ativamente diferente sobretudo em angústia ou é suprimido ou seja seu desenvolvimento é interrompido É talvez mais fácil estudar essas possibilid ades no trabalho do sonho do que nas neuroses Sabemos além disso que a supressão do desenvolvimento do afeto é o verdadeiro objetivo da repressão e que o trabalho desta permanece inconcluso se esse objetivo não é alcançado Em todos os casos em que a repressão consegue inibir o desenvolvimento do afeto chamamos de inconscientes os afetos que reinstauramos ao corrigir o trabalho da repressão Assim não se pode negar a coerência desse modo de falar mas existe em relação à ideia inconsciente a importante diferença de que esta após a repressão continua existindo como formação real no sistema Ics enquanto ao afeto inconsciente corresponde no mesmo lugar apenas uma possibilidade incipiente que não pôde se desenvolver A rigor e embora esse modo de falar continue sendo irrepreensível não existem afetos inconscientes tal como existem ideias inconscientes Mas bem pode haver no sistema Ics formações afetivas que como outras tornamse conscientes Toda a diferença vem de que ideias são investimentos de traços mnemônicos no fundo enquanto os afetos e sentimentos correspondem a processos de descarga cujas expressões finais são percebidas como sensações No estado atual de nosso conhecimento dos afetos e sentimentos não somos capazes de exprimir essa diferença de modo mais claro A constatação de que a repressão pode impedir que o impulso instintual se transforme em exteriorização de afeto é de especial interesse para nós Mostra nos que o sistema Cs normalmente governa tanto a afetividade como o acesso à motilidade e realça o valor da repressão indicando entre as consequências desta não só que ela mantém algo longe da consciência mas que também im pede o desenvolvimento do afeto e o desencadeamento da atividade muscular 86225 Também é possível dizer de modo inverso que na medida em que o sistema Cs controla a afetividade e a motilidade chamamos de normal o estado psíquico do indivíduo No entanto há uma inegável diferença na relação entre o sistema dominante e as duas ações vizinhas de descarga1 Enquanto o domínio do Cs sobre a motilidade voluntária é firmemente estabelecido resiste regularmente ao assalto da neurose e apenas na psicose desmorona o controle do desenvolvimento dos afetos pelo Cs é menos firme Mesmo no interior da vida normal percebese uma constante luta entre os sistemas Cs e Ics pela primazia sobre a afetividade certas esferas de influência delimitam umas às outras e ocorrem misturas entre as forças operantes A importância do sistema Cs Pcs para o acesso à liberação de afeto e à ação também nos torna compreensível o papel que toca às ideias substitutivas na configuração da doença É possível que o desenvolvimento do afeto pro ceda diretamente do sistema Ics nesse caso tem sempre o caráter da angústia pela qual são trocados todos os afetos reprimidos Mas frequentemente o im pulso instintual tem que esperar até achar uma ideia substitutiva no sistema Cs Então o desenvolvimento do afeto é possibilitado a partir desse substituto con sciente e o caráter qualitativo do afeto é determinado pela natureza dele Afirmamos que na repressão o afeto se separa de sua ideia e depois os dois prosseguem para seus diferentes destinos Em termos descritivos isso é indis cutível via de regra porém o processo real é que um afeto não surge en quanto não é conseguida uma nova representação no sistema Cs IV TOPOLOGIA E DINÂMICA DA REPRESSÃO Chegamos ao resultado de que a repressão é no essencial um processo que se verifica em ideias na fronteira dos sistemas Ics e Pcs Cs e agora podemos 87225 fazer uma nova tentativa de descrever mais detalhadamente esse processo Deve se tratar de uma retirada de investimento mas perguntase em qual sis tema ocorre a retirada e a qual sistema pertence o investimento retirado A ideia reprimida permanece capaz de ação no Ics deve ter conservado seu investimento portanto O que foi retirado deve ser outra coisa Se tomamos o caso da repressão propriamente dita a pósrepressão tal como se dá na ideia préconsciente ou mesmo já consciente a repressão pode consistir apenas em que é retirada à ideia o investimento préconsciente que pertence ao sis tema Pcs A ideia permanece não investida então ou recebe investimento do Ics ou conserva o investimento ics que já possuía antes Logo há retirada do investimento préconsciente manutenção do inconsciente ou substituição do investimento préconsciente por um inconsciente Notamos aliás que como por descuido baseamos essas considerações na hipótese de que a passagem do sistema Ics para o seguinte não ocorre por um novo registro mas por uma mudança de estado uma modificação do investimento Aqui a hipótese fun cional tirou de cena a topológica sem maior esforço Mas esse processo de retirada de libido não basta para fazer mais com preensível uma outra característica da repressão Não está claro por que a ideia que permaneceu investida ou foi dotada de investimento a partir do Ics não deveria renovar a tentativa de por força desse investimento penetrar no sis tema Pcs Então a retirada de libido teria que se repetir nela e o mesmo jogo prosseguiria indefinidamente mas o resultado não seria a repressão Do mesmo modo o referido mecanismo de retirada de investimento précon sciente falharia em se tratando de descrever a repressão primordial neste caso se depara com uma ideia inconsciente que ainda não recebeu investimento do Pcs e à qual ele não pode ser retirado portanto Temos aqui necessidade então de outro processo que no primeiro caso sustente a repressão e no segundo cuide da sua produção e continuidade e só podemos enxergálo na suposição de um contrainvestimento através do qual o sistema Pcs se proteja do assalto da ideia inconsciente Como se manifesta um 88225 tal contrainvestimento que tem lugar no sistema Pcs é algo que veremos em exemplos clínicos É ele que representa o gasto permanente de uma repressão primordial mas que também garante a permanência dela O contrainvesti mento é o único mecanismo da repressão primordial na repressão propria mente dita a pósrepressão sobrevém a subtração do investimento Pcs É bem possível que precisamente o investimento retirado à ideia seja aplicado no contrainvestimento Notamos que pouco a pouco fomos levados a introduzir na exposição de fenômenos psíquicos um terceiro ponto de vista além do dinâmico e do to pológico o econômico que procura acompanhar os destinos das quantidades de excitação e alcançar uma avaliação ao menos relativa dos mesmos Parecenos apropriado distinguir com um nome especial o modo de ver as coisas que é a consumação da pesquisa psicanalítica Proponho que seja denominada metap sicológica uma exposição na qual consigamos descrever um processo psíquico em suas relações dinâmicas topológicas e econômicas Digase de imediato que no estado atual de nossos conhecimentos conseguiremos fazêlo apenas em al guns pontos isolados Vamos fazer uma acanhada tentativa de descrição metapsicológica do pro cesso de repressão nas três conhecidas neuroses de transferência Poderemos aqui substituir investimento por libido porque se trata como sabemos dos destinos dos instintos sexuais Na histeria de angústia uma primeira fase do processo frequentemente não é notada talvez seja realmente omitida mas a observação cuidadosa permite reconhecêla Ela consiste no surgimento da angústia sem que se perceba o que a desperta É de supor que no Ics havia um impulso de amordemandava trans posição para o sistema Pcs mas o investimento a ele dirigido vindo desse sistema recolheuse como numa tentativa de fuga e o investimento libidinal inconsciente da ideia rejeitada foi descarregado como angústia Numa eventual repetição do processo foi dado um primeiro passo para dominar a 89225 desagradável evolução da angústia O investimento em fuga voltouse para uma ideia substituta que por um lado ligavase associativamente à ideia rejeit ada e por outro lado escapava à repressão por seu distanciamento daquela substituto por deslocamento e permitia uma racionalização do desenvolvimento da angústia que não se podia inibir A ideia substituta desempenha então para o sistema Cs Pcs o papel de um contrainvestimento ao garantilo contra a emergência da ideia reprimida no Cs e por outro lado é ou age como se fosse o local de partida para o desencadeamento do afeto de angústia agora de fato não inibível A observação clínica mostra que por exemplo a criança que so fre de fobia de animal sente angústia em dois tipos de condições primeiro quando o impulso amoroso reprimido é intensificado segundo quando o an imal angustiante é percebido A ideia substituta se comporta num caso como o local de uma transmissão do sistema Ics para o sistema Cs no outro como uma fonte independente que desencadeia a angústia A expansão do domínio do sistema Cs costuma se manifestar no fato de que o primeiro modo de excit ação da ideia substituta retrocede cada vez mais diante do segundo Talvez a criança se comporte afinal como se não tivesse afeição alguma pelo pai tendo se liberado completamente dele e como se tivesse de fato medo do animal Mas esse medo nutrido da fonte instintual inconsciente revelase pertinaz e desmedido face a todas as influências do sistema Cs traindo desse modo sua proveniência do sistema Ics O contrainvestimento do sistema Cs levou portanto à formação sub stitutiva na segunda fase da histeria de angústia Logo o mesmo mecanismo encontra uma nova aplicação O processo de repressão ainda não terminou como sabemos e encontra um outro objetivo na tarefa de inibir o desenvolvi mento da angústia a partir do substituto Isso ocorre desta maneira tudo o que circunda e está associado à ideia substituta é investido de particular intensid ade de modo a poder demonstrar uma grande sensibilidade à excitação Uma excitação de qualquer ponto dessa estrutura exterior deve inelutavelmente graças à conexão com a ideia substituta dar ocasião a um pequeno 90225 desenvolvimento da angústia que então é utilizado como sinal para inibir me diante nova fuga do investimento o desenvolvimento ulterior da angústia Quanto mais os contrainvestimentos sensíveis e alertas forem distanciados do substituto temido mais precisamente poderá funcionar o mecanismo que deve isolar a ideia substituta e dela afastar excitações novas Naturalmente essas cautelas protegem apenas das excitações que chegam à ideia substituta a partir de fora mediante a percepção mas nunca do impulso instintual que alcança a ideia substituta a partir da ligação com a ideia reprimida Portanto elas começam a influir apenas quando o substituto assumiu bem a representação do reprimido e não podem jamais ser inteiramente confiáveis A cada aumento da excitação instintual o baluarte de proteção em torno da ideia substituta tem que ser colocado um pouco adiante Toda essa construção que de modo aná logo é produzida nas outras neuroses leva o nome de fobia A fuga ante o in vestimento consciente da ideia substituta se exprime nas renúncias evitações e proibições em que reconhecemos a histeria de angústia Olhando todo o processo podese dizer que a terceira fase repetiu em escala maior o trabalho da segunda O sistema Ics protegese agora da ativação da ideia substituta me diante o contrainvestimento do que a circunda tal como antes havia se garan tido contra a emergência da ideia reprimida mediante o investimento da ideia substituta Desse modo prosseguiu a formação substitutiva por deslocamento É preciso acrescentar que antes o sistema Cs possuía tão só um pequeno lugar por onde podia irromper o impulso instintual reprimido ou seja a ideia substi tuta mas que afinal toda a estrutura fóbica exterior corresponde a um tal en clave da influência inconsciente Além disso podemos sublinhar o ponto de vista interessante de que através do mecanismo de defesa posto em ação foi al cançada uma projeção do perigo instintual para fora O Eu se comporta como se o perigo do desenvolvimento da angústia não partisse de um impulso instin tual mas de uma percepção o que lhe permite reagir a esse perigo externo com as tentativas de fuga das evitações fóbicas Uma coisa a repressão obtém nesse processo o desencadeamento de angústia pode ser represado em alguma 91225 medida mas apenas com pesados sacrifícios da liberdade pessoal Tentativas de fuga ante exigências instintuais são geralmente inúteis porém e o resultado da fuga fóbica é sempre insatisfatório Boa parte do que encontramos na histeria de angústia vale também para as duas outras neuroses de maneira que podemos limitar a discussão às difer enças e ao papel da contratransferência Na histeria de conversão o investi mento instintual da ideia reprimida é transformado em inervação do sintoma Até onde e em que condições a ideia inconsciente é drenada por essa descarga à inervação de modo a poder abandonar o assédio ao sistema Cs é uma questão que juntamente com outras semelhantes será melhor reservar para uma investigação especial da histeria O papel do contrainvestimento que parte do sistema Cs Pcs é nítido na histeria de conversão e vem à luz na formação de sintomas É o contrainvestimento que escolhe em qual parte do represent ante instintual pode se concentrar todo o investimento dela Essa porção eleita para sintoma preenche a condição de exprimir tanto a meta de desejo do im pulso instintual como o esforço de defesa ou castigo do sistema Cs então ela é superinvestida e sustentada por ambos os lados como a ideia substituta na his teria de angústia Dessa situação podemos inferir que o dispêndio em repressão do sistema Cs não precisa ser tão grande como a energia de investi mento do sintoma pois a intensidade da repressão é medida pelo contrainves timento aplicado e o sintoma não se apoia apenas no contrainvestimento mas também no investimento instintual nele condensado vindo do sistema Ics Quanto à neurose obsessiva acrescentaríamos às observações do ensaio an terior A repressão que nela aparece em primeiro plano do modo mais palpável o contrainvestimento do sistema Cs É ele que se ocupa da primeira repressão organizado como formação reativa e é nele que mais tarde sucede a irrupção da ideia reprimida Podese conjecturar que é devido à preponderân cia do contrainvestimento e à ausência de descarga que a obra da repressão parece muito menos bemsucedida na histeria de angústia e na neurose obses siva que na histeria de conversão 92225 V AS CARACTERÍSTICAS ESPECIAIS DO SISTEMA ICS A distinção entre os dois sistemas psíquicos ganha nova significação se atentar mos para o fato de que os processos de um deles do Ics mostram característic as que não se acham naquele imediatamente acima O âmago do Ics consiste de representantes instintuais que querem descar regar seu investimento de impulsos de desejo portanto Esses impulsos instin tuais são coordenados entre si coexistem sem influência mútua não contrad izem uns aos outros Quando dois impulsos de desejo são ativados ao mesmo tempo e suas metas nos parecem claramente incompatíveis os dois impulsos não subtraem algo um do outro ou eliminam um ao outro mas concorrem para a formação de um objetivo intermediário um compromisso Nesse sistema não há negação não há dúvida nem graus de certeza Tudo isso é trazido apenas pelo trabalho da censura entre Ics e Pcs A negação é um substituto da repressão em nível mais alto No Ics existem apenas conteúdos mais ou menos fortemente investidos Há uma mobilidade bem maior das intensidades de investimento Pelo pro cesso de deslocamento uma ideia pode ceder a outra todo o seu montante de in vestimento pelo de condensação pode acolher todo o investimento de várias outras Propus enxergar nesses dois processos indícios do assim chamado pro cesso psíquico primário No sistema Pcs vigora o processo secundário2 quando se permite que um tal processo primário ocorra em elementos do sistema Pcs ele se mostra cômico e provoca risos Os processos do sistema Ics são atemporais isto é não são ordenados tem poralmente não são alterados pela passagem do tempo não têm relação 93225 nenhuma com o tempo A referência ao tempo também se acha ligada ao tra balho do sistema Cs Os processos do Ics tampouco levam em consideração a realidade São sujeitos ao princípio do prazer seu destino depende apenas de sua intensidade e de cumprirem ou não as exigências da regulação prazerdesprazer Vamos resumir ausência de contradição processo primário mobilidade dos investimentos atemporalidade e substituição da realidade externa pela psíquica são as características que podemos esperar encontrar nos processos do sistema Ics3 Os processos inconscientes tornamse cognoscíveis para nós apenas nas condições do sonho e das neuroses ou seja quando processos do mais elevado sistema Pcs são transpostos para um estágio anterior mediante um rebaixa mento regressão Em si eles são incognoscíveis e também incapazes de ex istência porque ao sistema Ics se sobrepõe bastante cedo o Pcs que se apoder ou do acesso à consciência e à motilidade A descarga do sistema Ics passa para a inervação somática levando ao desenvolvimento do afeto mas como vimos mesmo essa via de escoamento é contestada pelo Pcs Apenas por si o sistema Pcs em circunstâncias normais não poderia realizar nenhuma ação muscular apropriada com exceção daquelas já organizadas como reflexos A plena significação dessas características do sistema Ics só se tornaria clara para nós se pudéssemos contrapôlas aos atributos do sistema Pcs e compará las a estes Mas isso nos levaria tão longe que mais uma vez proponho concor darmos num adiamento e fazermos a comparação dos dois sistemas apenas quando da apreciação daquele mais elevado Só o que é mais premente deverá ser agora mencionado Os processos do sistema Pcs mostram e isso não importando se são já conscientes ou apenas capazes de consciência uma inibição da tendência das ideias investidas à descarga Quando um processo passa de uma ideia a outra a primeira retém parte de seu investimento e só uma pequena parcela sofre des locamento Tal como no processo primário deslocamentos e condensações são 94225 excluídos ou muito limitados Isso levou Joseph Breuer a supor dois diferentes estados de energia de investimento na psique um tônico vinculado e outro livremente móvel tendente à descarga Acho que essa distinção representa até agora nossa mais profunda percepção da natureza da energia nervosa e não vejo como se poderia evitála Uma necessidade premente numa apresentação metapsicológica mas talvez um empreendimento por demais ousado seria prosseguir a discussão desse ponto Ao sistema Pcs cabem além disso o estabelecimento de uma capacidade de comunicação entre os conteúdos das ideias de maneira que possam influenciar uns aos outros a ordenação temporal deles a introdução de uma ou várias censuras a prova da realidade e o princípio da realidade Também a memória consciente parece depender inteiramente do Pcs ela deve ser claramente difer enciada dos traços mnemônicos em que se fixam as experiências do Ics e cor responde provavelmente a um registro especial tal como quisemos supor para a relação da ideia consciente com a inconsciente mas que rejeitamos Nisso também acharemos meios de pôr fim à oscilação ao nomear o sistema mais el evado que agora chamamos indiferentemente de Pcs ou de Cs E será oportuna a advertência de não generalizar apressadamente o que aqui esclarecemos sobre a distribuição das funções psíquicas entre os dois sis temas Nós descrevemos a situação tal como se mostra no ser humano adulto no qual o sistema Pcs a rigor funciona apenas como estágio preliminar da or ganização mais elevada O conteúdo e as relações que tem esse sistema durante o desenvolvimento individual e a significação que lhe cabe nos animais não devem ser inferidos da nossa descrição mas sim pesquisados independente mente Além disso devemos estar preparados para encontrar no ser humano condições patológicas em que os dois sistemas mudam ou mesmo trocam entre si tanto o conteúdo como as características 95225 VI A COMUNICAÇÃO ENTRE OS DOIS SISTEMAS Seria errado imaginar que o Ics permanece em repouso enquanto o trabalho psíquico é realizado pelo Pcs que o Ics é algo acabado um órgão rudimentar um resíduo do desenvolvimento Ou supor que a comunicação entre os dois sistemas se restringe ao ato da repressão em que o Pcs lança ao abismo do Ics tudo o que lhe parece perturbador O Ics é isto sim algo vivo e capaz de desenvolvimento e mantém bom número de outras relações com o Pcs entre elas também a de cooperação É preciso dizer em suma que o Ics continua nos assim chamados derivados que é suscetível aos influxos da vida influencia constantemente o Pcs e até se acha sujeito por sua vez a influências por parte do Pcs O estudo dos derivados do Ics irá decepcionar profundamente nossa ex pectativa de uma divisão pura e esquemática entre os dois sistemas psíquicos Certamente isso despertará insatisfação com nossos resultados e provavel mente será usado para questionar o modo como separamos os processos psíquicos Mas alegaremos que a nossa tarefa consiste em transpor para a teoria os resultados da observação e que não temos a obrigação de alcançar já de in ício uma teoria bastante polida e recomendável em sua simplicidade Nós de fendemos as suas complicações na medida em que correspondem à obser vação e não perdemos a esperança de justamente por meio delas chegar enfim ao conhecimento de um estado de coisas que embora simples em si possa fazer justiça às complicações da realidade Entre os derivados dos impulsos instintuais ics do tipo que descrevemos há alguns que reúnem em si características opostas Por um lado são altamente organizados isentos de contradição utilizaram todas as aquisições do sistema 96225 Cs e mal se distinguiriam em nosso julgamento das formações desse sistema Por outro lado são inconscientes e incapazes de tornarse conscientes Ou seja pertencem qualitativamente ao sistema Pcs mas factualmente ao Ics Sua procedência é determinante para seu destino Devemos comparálos aos mestiços das raças humanas que no geral semelham os brancos mas denun ciam a origem de cor em algum traço notável e por isso são excluídos da so ciedade não desfrutando os privilégios dos brancos Dessa natureza são as fantasias dos normais e dos neuróticos que reconhecemos como estágios pre liminares da formação dos sonhos e dos sintomas e que apesar de sua alta or ganização permanecem reprimidas e como tais não podem se tornar con scientes Chegam perto da consciência não são incomodadas enquanto não possuem um investimento intenso mas são rejeitadas assim que ultrapassam um certo grau de investimento Derivados do Ics assim altamente organizados são também as formações substitutivas mas elas conseguem penetrar na con sciência devido a uma circunstância favorável como por exemplo a união a um contrainvestimento do Pcs Quando investigarmos mais detidamente em outro lugar as condições para o tornarse consciente poderemos solucionar uma parte das dificuldades que aqui surgem No momento seria útil contrapor à abordagem desde o Ics até aqui adotada uma outra a partir da consciência Para a consciência a in teira soma dos processos psíquicos aparece como o reino do préconsciente Uma parte enorme desse préconsciente se origina do inconsciente tem o caráter dos derivados deste e submetese a uma censura antes de poder se torn ar consciente Uma outra parte do Pcs é capaz de consciência sem censura Aqui temos uma contradição com uma hipótese anterior Na abordagem da repressão vimonos obrigados a situar entre os sistemas Ics e Pcs a censura de cisiva no tornarse consciente Agora nos parece plausível uma censura entre Pcs e Cs Mas convém não enxergar nessa complicação uma dificuldade e supor isto sim que a cada passagem de um sistema para o seguinte e mais el evado ou seja a cada progresso para um estágio mais elevado de organização 97225 psíquica corresponde uma nova censura No entanto com isso é eliminada a hipótese de uma contínua renovação dos registros A razão de todas essas dificuldades está em que a qualidade de ser con sciente a única característica dos processos psíquicos que nos é dada direta mente não se presta em absoluto para distinguir os sistemas Não consider ando o fato de o consciente não ser sempre consciente mas às vezes latente a observação nos mostrou que muito daquilo que partilha as propriedades do sistema Pcs não se torna consciente e ainda ficamos sabendo que o tornarse consciente é restringido por determinadas direções de sua atenção Portanto a consciência não tem relação simples nem com os sistemas nem com a repressão A verdade é que não só o psiquicamente reprimido permanece al heio à consciência mas também uma parte dos impulsos que governam nosso Eu ou seja o mais forte oposto funcional do reprimido Na medida em que nos esforçamos por uma abordagem metapsicológica da psique temos que aprender a nos emancipar da importância dada ao sintoma serestar consciente Enquanto ainda nos apegamos a ele vemos nossas generalizações serem regularmente contrariadas por exceções Vemos que derivados do Ics tornam se conscientes como formações substitutas e sintomas via de regra após con sideráveis distorções em relação ao inconsciente mas frequentemente conser vando muitas características que solicitam a repressão Notamos que per manecem inconscientes muitas formações préconscientes que de acordo sua natureza pensaríamos bem poderiam tornarse conscientes É provável que nelas prevaleça a mais forte atração do Ics Somos levados a buscar a difer ença mais significativa não ali entre o consciente e o préconsciente mas entre o préconsciente e o inconsciente Na fronteira do Pcs o ics é rechaçado pela censura e derivados dele podem contornar essa censura organizarse superi ormente crescer no Pcs até atingir certa intensidade no investimento mas de pois de a haver ultrapassado ao procurar se impor à consciência são recon hecidos como derivados do ics e novamente reprimidos na nova fronteira de 98225 censura entre Pcs e Cs Assim a primeira censura funciona para o Ics mesmo a última para os derivados ics dele Podemos supor que a censura adiantouse um tanto no curso do desenvolvimento individual No tratamento psicanalítico chegamos à prova incontestável da existência da segunda censura aquela entre os sistemas Pcs e Cs Solicitamos ao paciente que produza numerosos derivados do Ics obrigamolo a superar as objeções da censura ao fato de essas formações préconscientes se tornarem conscientes e pela vitória sobre essa censura abrimos o caminho para a abolição da repressão que é obra da censura anterior Acrescentemos a observação de que a existência da censura entre Pcs e Cs nos lembra que o tornarse consciente não é um simples ato de percepção mas provavelmente um sobreinvestimento também um avanço mais na organização psíquica Examinemos a comunicação do Ics com os outros sistemas não para con statar algo novo mas para não ignorar o que tem mais relevo Nas raízes da atividade instintual os sistemas se comunicam amplamente entre si Uma parte dos processos estimulados passa pelo Ics como por um estágio preparatório e alcança o mais alto desenvolvimento psíquico no Cs enquanto outra parte é retida como Ics Mas o Ics é também atingido pelas experiências vindas da per cepção externa Todos os caminhos que levam da percepção para o Ics per manecem normalmente livres apenas os caminhos que do Ics levam adiante são submetidos à barreira da repressão É muito digno de nota que o Ics de um indivíduo possa contornando o Cs reagir ao Ics de outro Esse fato merece investigação mais aprofundada em es pecial para saber se a atividade préconsciente é aí excluída mas como descrição é algo incontestável O conteúdo do sistema Pcs ou Cs procede em parte da vida instintual pela mediação do Ics e em parte da percepção É incerto até que ponto os processos desse sistema influem diretamente sobre o Ics a pesquisa de casos patológicos revela com frequência uma quase inacreditável autonomia e im permeabilidade a influências por parte do Ics O que caracteriza a doença é 99225 uma total discordância das tendências uma absoluta desintegração dos dois sistemas Mas o tratamento psicanalítico é fundado na influência sobre o Ics a partir do Cs mostrando de toda maneira que isso embora trabalhoso não é algo impossível Como já dissemos os derivados do Ics que mediam entre os dois sistemas nos preparam o caminho para essa realização Devemos admitir porém que a modificação espontânea do Ics por parte do Cs é um processo lento e difícil A cooperação entre um impulso préconsciente e um inconsciente até mesmo fortemente reprimido pode ocorrer quando há a situação em que o im pulso inconsciente é capaz de agir no mesmo sentido de uma das tendências dominantes Nesse caso é suspensa a repressão permitese a atividade reprim ida como reforço daquela pretendida pelo Eu O inconsciente tornase con forme ao Eu nessa constelação única sem que de resto algo se modifique em sua repressão O êxito do Ics nessa cooperação é inconfundível as tendências reforçadas se comportam diferentemente das normais elas habilitam para uma operação perfeita e mostram diante de oposições uma resistência semelhante à dos sintomas obsessivos digamos O conteúdo do Ics pode ser comparado a uma população aborígine da psique Se no ser humano existem formações psíquicas herdadas algo análogo ao instinto Instinkt dos animais então isso constitui o âmago do Ics Juntase a isso mais tarde o que durante o desenvolvimento infantil é eliminado por ser inutilizável e que não precisa ser diferente em sua natureza daquilo que foi herdado Uma divisão clara e definitiva no conteúdo dos dois sistemas só se estabelece via de regra no momento da puberdade VII A IDENTIFICAÇÃO DO INCONSCIENTE 100225 O que expusemos acima é provavelmente tudo o que podemos afirmar sobre o Ics na medida em que recorremos tão só ao conhecimento da vida onírica e das neuroses de transferência Certamente não é muito e às vezes dá uma im pressão de pouca clareza e desordem sobretudo não nos oferece a possibilid ade de alinhar o Ics num contexto já familiar ou de nele inserilo Somente a análise de uma das afecções que chamamos de psiconeuroses narcísicas pode nos trazer concepções que nos aproximem do enigmático Ics ou o tornem tangível por assim dizer Desde um trabalho de Abraham 1908 que o escrupuloso autor recon heceu dever ao meu estímulo buscamos caracterizar a dementia praecox de Kraepelin esquizofrenia segundo Bleuler por seu comportamento ante a oposição Euobjeto Nas neuroses de transferência histeria de angústia his teria de conversão neurose obsessiva nada havia que desse particular relevo a essa oposição Sabíamos é verdade que a frustração relativa ao objeto traz a irrupção da neurose e que a neurose implica a renúncia ao objeto real e tam bém que a libido subtraída ao objeto real retrocede a um objeto fantasiado e dele a um reprimido introversão Mas nelas o investimento objetal é mantido com grande energia e um exame mais cuidadoso do processo de repressão nos levou a admitir que o investimento objetal dentro do sistema Ics continua a ex istir apesar ou melhor por causa da repressão Afinal a capacidade para a transferência que nessas afecções nós utilizamos para fins terapêuticos pressupõe um investimento objetal inalterado Já na esquizofrenia impôsse para nós a hipótese de que depois do pro cesso de repressão a libido retirada não busca um novo objeto mas recua para o Eu ou seja de que os investimentos objetais são abandonados e um estado primitivo de narcisismo sem objeto é restabelecido A incapacidade desses pa cientes para a transferência até onde alcança o processo patológico a consequente inacessibilidade à terapia a característica rejeição do mundo ex terno o surgimento de sinais de um sobreinvestimento do próprio Eu o 101225 desfecho na completa apatia todos esses traços clínicos parecem condizer per feitamente com a hipótese de um abandono dos investimentos objetais Quanto à relação entre os dois sistemas psíquicos todos os observadores not aram que na esquizofrenia se exprime conscientemente muita coisa que nas neuroses de transferência só podemos demonstrar que existem no Ics mediante a psicanálise Mas não foi possível ao menos no início estabelecer uma con exão inteligível entre a relação Euobjeto e as relações da consciência O que procuramos parece apresentarse da seguinte maneira insuspeitada Observase nos esquizofrênicos sobretudo nos instrutivos estágios iniciais um bom número de mudanças na linguagem das quais algumas merecem ser examinadas de um certo ponto de vista Frequentemente o modo de expressão é objeto de um cuidado especial tornase rebuscado afetado As frases são formadas com uma peculiar ausência de organização que as torna inin teligíveis para nós de maneira que consideramos absurdas as manifestações dos doentes Com frequência uma relação com órgãos do corpo ou inervações assume o primeiro plano no conteúdo dessas manifestações A isso podemos acrescentar que nesses sintomas da esquizofrenia que semelham formações substitutivas histéricas ou neuróticoobsessivas a relação entre o substituto e o reprimido mostra peculiaridades que nos surpreenderiam nas duas neuroses mencionadas O dr Victor Tausk de Viena pôs à minha disposição algumas das obser vações que fez numa esquizofrenia incipiente que apresentam a vantagem de a doente mesma ter dado explicação para suas falas Mostrarei agora tomando dois de seus exemplos a concepção que pretendo defender e não duvido que qualquer observador poderia facilmente produzir tal material em abundância Uma das doentes de Tausk uma garota que foi levada para a clínica após uma briga com seu namorado queixase de que os olhos não estão direitos es tão virados Isso ela mesma explica ao fazer em linguagem coerente várias recriminações ao namorado Ela não o compreende ele parece diferente a cada vez é um hipócrita um virador de olhos ele virou os olhos dela agora ela 102225 tem os olhos virados não são mais seus olhos agora ela vê o mundo com out ros olhos As declarações da doente sobre sua frase ininteligível têm o valor de uma análise pois contêm o equivalente da frase em linguagem compreendida por todos Ao mesmo tempo esclarecem a respeito da significação e da gênese da formação de palavras na esquizofrenia Em concordância com Tausk quero ressaltar que nesse exemplo a relação com o órgão o olho se arvora em rep resentação de todo o conteúdo A fala esquizofrênica tem aí um traço hipocondríaco tornase linguagem do órgão Outra declaração da mesma paciente Ela está em pé na igreja de repente sente um puxão tem de pôrse em outra posição como se pusesse alguém como se fosse posta Seguese a análise com novas recriminações ao namorado que é or dinário que também a ela que era de uma casa fina ele tornou ordinária Ele a tornou igual a si ao fazêla acreditar que lhe era superior agora ela se tornou como ele porque acreditou que se tornaria melhor se ficasse igual a ele Ele se colocou falsamente agora ela é como ele identificação ele a colocou em lugar errado O movimento de pôrse em outra posição observa Tausk é um modo de representar o termo verstellen pôr no lugar errado e a identificação com o namorado Outra vez destaco a predominância em toda a cadeia de pensamen tos daquele elemento que tem por conteúdo uma inervação corporal ou antes a sensação dela Uma histérica teria virado os olhos convulsivamente no primeiro caso e no segundo teria realmente executado o puxão em vez de sen tir o impulso ou ter a sensação de fazêlo e nos dois casos não teria nenhum pensamento consciente e depois também seria incapaz de manifestálo Essas duas observações depõem a favor do que chamamos linguagem hipo condríaca ou do órgão Mas também o que nos parece mais importante nos chamam a atenção para outro fato que pode ser facilmente apontado nos exemplos reunidos na monografia de Bleuler por exemplo e ser expresso 103225 numa fórmula determinada Na esquizofrenia as palavras são submetidas ao mesmo processo que forma as imagens oníricas a partir dos pensamentos oníri cos latentes que chamamos de processo psíquico primário Elas são condensadas e transferem umas para as outras seus investimentos por inteiro através do deslocamento O processo pode ir tão longe que uma única palavra tornada apta para isso mediante múltiplas relações assume a representação de toda uma cadeia de pensamentos Os trabalhos de Bleuler Jung e seus discípulos fornecem rico material em favor justamente dessa afirmação4 Antes de tirarmos uma conclusão dessas impressões vamos ainda consider ar as diferenças sutis mas surpreendentes entre a formação substituta esquizo frênica de um lado e a histérica e neuróticoobsessiva de outro Num pa ciente que acompanho atualmente o mau estado da pele do rosto causou o abandono dos interesses da vida Ele afirma ter cravos e fundos buracos no rosto que qualquer pessoa enxerga A análise demonstra que ele encena seu complexo da castração em sua pele Num primeiro instante mexeu sem pena nos seus cravos tinha grande satisfação em espremêlos pois nisso saltava fora alguma coisa explicou Depois começou a achar que em todo lugar onde havia eliminado um cravo surgia uma cavidade e recriminouse bastante por haver estragado para sempre a pele com sua constante manipulação É evidente que espremer os cravos para ele é um substituto da masturbação A cavidade que por sua culpa surgia então é o genital feminino ou seja o cumprimento da ameaça de castração ou da fantasia que a representa provocada pela mas turbação Essa formação substitutiva tem apesar de seu caráter hipocondríaco muita semelhança com uma conversão histérica no entanto é inevitável a sensação de que aí deve suceder outra coisa de que uma formação substitutiva como essa não pode ser atribuída a uma histeria mesmo antes de poder dizer em que se estriba a diferença Um histérico dificilmente tomará uma cavidade pequena como um poro da pele por símbolo da vagina que ele geralmente compara com todos os objetos possíveis que encerram um espaço vazio Achamos também que a multiplicidade de pequenos buracos o impedirá de vê 104225 los como substituto para o genital feminino Algo semelhante vale para um jovem paciente sobre o qual anos atrás Tausk fez um relato à Sociedade Psic analítica de Viena Ele se comportava como um neurótico obsessivo levava horas fazendo a toalete etc Mas chamava a atenção o fato de que podia in formar sem resistências o significado de suas inibições Ao calçar as meias por exemplo incomodavao a ideia de que ia afastar os pontos da malha isto é revelar os buracos e cada buraco para ele simbolizava a abertura sexual fem inina Também isso é algo que não podemos esperar de um neurótico obsess ivo um desses observado por Rudolf Reitler que sofria da mesma demora em calçar as meias após superar as resistências achou a explicação de que o pé era um símbolo do pênis a colocação da meia um ato masturbatório e ele tinha de constantemente pôr e tirar a meia em parte para completar o quadro da masturbação em parte para desfazêlo Se nos perguntamos o que empresta à formação substitutiva e ao sintoma esquizofrênico esse caráter estranho compreendemos enfim que é a predomin ância da referência à palavra sobre a referência à coisa Entre espremer um cravo e ejacular sêmen há uma semelhança mínima da coisa e ela é ainda men or entre os inúmeros pouco profundos poros da pele e a vagina mas no primeiro caso algo esguicha a cada vez e no segundo vale literalmente a cín ica frase que diz Um buraco é um buraco O que determinou o substituto foi a uniformidade da expressão linguística não a semelhança das coisas desig nadas Quando as duas palavra e coisa não coincidem a formação sub stitutiva esquizofrênica diverge daquela das neuroses de transferência Vamos relacionar essa percepção à hipótese de que na esquizofrenia os in vestimentos de objeto são abandonados Então teremos que fazer uma modi ficação o investimento nas representações verbais dos objetos é mantido Agora o que poderíamos chamar de representação consciente do objeto se de compõe para nós em representação da palavra e em representação da coisa que consiste no investimento se não das imagens mnemônicas diretas das coisas ao menos de traços mnemônicos mais distantes e delas derivados Acreditamos 105225 saber agora como uma representação consciente se distingue de uma incon sciente As duas não são como achávamos diferentes registros do mesmo conteúdo em diferentes locais psíquicos e tampouco diferentes condições fun cionais de investimento no mesmo local a representação consciente abrange a representação da coisa mais a da palavra correspondente e a inconsciente é apenas a representação da coisa O sistema Ics contém os investimentos de coisas dos objetos os primeiros investimentos objetais propriamente ditos o sistema Pcs surge quando essa representação da coisa é sobreinvestida medi ante a ligação com as representações verbais que lhe correspondem São esses sobreinvestimentos conjecturamos que levam a uma mais alta organização psíquica e tornam possível a substituição do processo primário pelo processo secundário dominante no Pcs Podemos então dizer precisamente o que a repressão nas neuroses de transferência recusa à representação rejeitada a tradução em palavras que devem permanecer ligadas ao objeto A repres entação não colocada em palavras ou o ato psíquico não sobreinvestido per manece então no inconsciente como algo reprimido Sejame permitido observar que bem cedo já tínhamos a percepção que ho je nos torna compreensível uma das características mais notáveis da esquizo frenia Nas últimas páginas de A interpretação dos sonhos publicado em 1900 desenvolvo a tese de que os processos de pensamento isto é os atos de investi mento mais afastados das percepções não têm qualidades e são inconscientes em si e apenas ligandose aos resíduos das percepções de palavras obtêm a ca pacidade de se tornar conscientes Por sua vez as representações verbais pro cedem da percepção dos sentidos assim como as representações de coisas de modo que caberia perguntar por que as representações de objetos não podem se tornar conscientes através de seus próprios resíduos de percepções Mas provavelmente o pensar ocorre em sistemas afastados dos originais resíduos de percepções de modo que nada mais conservaram das qualidades desses e pre cisam ser reforçados com novas qualidades para se tornar conscientes Além 106225 disso mediante a ligação com palavras podem ser dotados de qualidades tam bém os investimentos que não puderam trazer nenhuma qualidade das per cepções por corresponderem apenas a relações entre as representações de ob jeto Tais relações tornadas apreensíveis apenas mediante palavras são um componente capital de nossos processos de pensamento Compreendemos que a ligação com representações verbais ainda não coincide com o tornarse con sciente e apenas fornece a possibilidade para isso ou seja que não caracteriza nenhum outro sistema senão o Pcs Mas agora notamos que essa discussão nos afastou de nosso tema propriamente dito e nos deixou em meio aos problemas relativos ao préconsciente e ao consciente que seria adequado tratarmos separadamente Quanto à esquizofrenia que aqui abordamos apenas na medida em que nos parece indispensável para um conhecimento geral do Ics temos de nos pergun tar se o processo aqui denominado repressão ainda tem algo em comum com a repressão nas neuroses de transferência A fórmula segundo a qual a repressão é um processo que ocorre entre o sistema Ics e o Pcs ou Cs que resulta em manter algo distante da consciência de toda maneira requer uma mudança para poder incluir também a dementia praecox e outras afecções narcísicas Mas permanece como traço comum a tentativa de fuga do Eu que se manifesta na retirada do investimento consciente E a mais superficial reflexão nos ensina que essa tentativa de fuga essa fuga do Eu realizase de maneira bem mais profunda e radical nas neuroses narcísicas Se na esquizofrenia essa fuga consiste na retirada do investimento instintual dos lugares que representam a inconsciente representação de objeto pode parecer estranho que a parte da mesma representação de objeto pertencente ao sistema Pcs as representações verbais que a ela correspondem deva ex perimentar ao contrário um investimento mais intenso Seria antes de esperar que a representação verbal sendo a parte préconsciente tenha de suportar o primeiro impacto da repressão e que ela se torne completamente insuscetível de investimento depois que a repressão prosseguiu até as representações de 107225 coisa inconscientes Isto é certamente algo difícil de compreender A saída que se oferece é o investimento da representação verbal não pertencer ao ato de repressão mas constituir a primeira das tentativas de restabelecimento ou cura que tão claramente dominam o quadro da esquizofrenia Esses esforços pretendem reaver os objetos perdidos e bem pode ser que com essa intenção eles tomem o caminho para o objeto através da parte verbal dele nisso tendo de se contentar com as palavras em vez das coisas porém Pois nossa atividade anímica se move de maneira bastante geral em duas direções opostas ou dos instintos pelo sistema Pcs até o trabalho consciente do pensamento ou por incitação de fora pelo sistema do Cs e Pcs até os investimentos ics do Eu e dos objetos Este segundo caminho tem de permanecer transitável apesar da repressão ocorrida e fica até certo ponto aberto aos esforços da neurose para readquirir seus objetos Quando pensamos abstratamente corremos o perigo de negligenciar as relações das palavras com as representações de coisa incon scientes e não se pode negar que então nosso filosofar ganha uma indesejada semelhança em expressão e conteúdo com o modo de funcionar dos esquizo frênicos Por outro lado podese tentar caracterizar o modo de pensar dos es quizofrênicos dizendo que eles tratam as coisas concretas como se fossem abstratas Se nós de fato identificamos o inconsciente e determinamos de forma cor reta a diferença entre uma representação inconsciente e uma préconsciente então nossas pesquisas a partir de muitos outros pontos deverão necessaria mente remeter a essa percepção A ideia que representa o instinto eine den Trieb repräsentierende Vorstellung A tradução de Vorstellung por representação gera um problema neste ponto como atestam as versões es trangeiras que assim fazem una idea que representa al instinto una representación representante de la pulsión unidea che rappresenta una pulsione une représentation représentant la pulsion idem idem the ideational presentation of an instinct the idea that represents the instinct Cf capítulos 108225 sobre os termos Vorstellung e Trieb em As palavras de Freud op cit Além daquelas indicadas numa nota a Os instintos e seus destinos p 59 foram consultadas ao traduzir o presente ensaio as seguintes versões estrangeiras mais duas francesas uma de J Laplanche e JB Pontalis no volume Métapsychologie Paris Gallimard 1968 e uma de vários tradutores suplemento da revista LUnebévue v 1 1992 e outra inglesa de Cecil M Baines em Collec ted papers v iv Londres Hogarth Press e Institute of PsychoAnalysis 1925 Todas são cita das em ordem decrescente de proximidade ao português havendo mais de uma em determin ada língua em ordem cronológica de publicação Estados psíquicos inconscientes unbewußte seelische Zustände inexplicavelmente tanto a versão de LopezBallesteros como a Standard inglesa trazem conscientes neste ponto Concepção tradução que nessa frase damos a Vorstellung nas versões estrangeiras con sultadas concepto idea contrariando sua própria orientação rappresentazione représentation idem idem conception concept Método de inferência Schlußverfahren Este é um caso em que as duas palavras que com põem o termo admitem mais de uma versão daí a maior diversidade nas traduções estrangeiras consultadas procedimiento deductivo modo de razonamiento tipo di inferenza procédé dinférence idem procédé de déduction method of inference process of inference A expressão double conscience está em francês no original e o sinônimo entre parênteses é do próprio Freud Topologia da psique psychische Topik no original O termo tópica às vezes utilizado em textos e discussões de psicanálise é uma versão equivocada para o alemão Topik um falso amigo como dizem os tradutores pois em português ele designa o ramo da medicina que se ocupa dos remédios tópicos aqueles cuja ação se dá no local em que são aplicados Alguns out ros substantivos alemães têm essa terminação que pode induzir em erro de leitura Romantik romantismo e Pädagogik pedagogia são dois exemplos Ideia Vorstellung nas versões estrangeiras consultadas idea representación rapp resentazione com uma nota em que o tradutor dá o termo original e diz que o traduz às vezes assim outras vezes por idea représentation idem idem ideation idea com uma nota em que Strachey lembra que o termo original é Vorstellung que cobre os termos ingleses idea image e presentation mas não apenas eles acrescentemos ver a primeira nota do tradutor a este en saio p 100 Impulsos Triebregungen ver nota a Os instintos e seus destinos p 78 Representante ideativo Vorstellungsrepräsentanz nas versões estrangeiras consultadas representación ideológica agencia representanterepresentación rappresentanza ideativa 109225 représentantreprésentation représentant de la représentation représentance de représentation ideational presentation ideational representative Talvez se possa usar igualmente representante psíquico no caso preferindose representação para verter Vorstellung devese usar rep resentante da representação Consciência de culpa inconsciente unbewußtes Schuldbewußtsein 1 A afetividade se exterioriza essencialmente em descarga motora secretora vasoreguladora para alteração interna do próprio corpo sem relação com o mundo externo a motilidade em ações destinadas à alteração do mundo externo Pósrepressão Nachdrängen ver nota sobre o termo em A repressão p 86 acima Impulso de amor Liebesregung composto de Liebe amor e Regung movimento im pulso nas versões consultadas impulso erótico moción de amor impulso amoroso motion damour idem sollicitation damour loveimpulse idem Convém lembrar que em alemão existe uma só palavra para medo e angústia Angst Assim medo de animal é Tierangst e histeria de angústia Angsthysterie Representante instintual Triebrepräsentanz nas versões consultadas representación del in stinto agencia representante de pulsion rappresentanza pulsionale représentant de la pulsion re présentance de pulsion représentant de la pulsion instinctpresentation instinctual representative Meta de desejo Wunschziel nas versões consultadas fin deseado meta desiderativa meta agognata ambicionada but de désir but de souhait but de désir aim wishful aim No segundo parágrafo da parte v pouco adiante aparece Wunschregungen aqui vertido por impulsos de desejo e nas versões consultadas por impulsos de deseos mociones de deseo moti di desiderio motions de désir motions de souhait sollicitations de désir wishimpulses wishful impulses Nessa frase o termo original vertido por dois processos foi Prozeß enquanto na expressão processo psíquico primário o termo alemão empregado foi Vorgang que também possui o sentido menos técnico de acontecimento evento aparentado que é ao verbo vorgehen ir para a frente proceder acontecer Essa sutil distinção não parece estar presente nessa frase mas caberia têla em mente em alguns outros lugares como nos dois parágrafos seguintes onde Freud também usa Vorgang 2 Ver a discussão na parte vii da Interpretação dos sonhos que se apoia em ideias desenvolvidas por J Breuer em Estudos sobre a histeria 1895 3 Deixamos para outro contexto a menção de uma outra importante prerrogativa do Ics Estado de coisas Sachverhalt um termo notoriamente problemático para os tradutores de alemão os dicionários bilíngues oferecem estado das coisas fatos correlação exposição 110225 dos fatos circunstâncias as versões consultadas trazem cuestión relación de las cosas stato di cose état de choses idem idem state of affairs idem Provável referência a um dos ensaios perdidos ou dispensados pelo próprio autor da série sobre metapsicologia cf sua nota inicial a Complemento metapsicológico à teoria dos sonhos neste volume Que o tornarse consciente é restringido por determinadas direções de sua atenção daß das Bewußtwerden durch gewisse Richtungen seiner Aufmerksamkeit eingeschränkt ist nesta frase elíptica o possessivo provavelmente se refere ao Pcs Segundo Strachey ela ficaria mais clara se pudéssemos relacionála ao texto perdido sobre a consciência Serestar consciente Bewußtheit nas versões consultadas ser consciente condición de consciente consapevolezza le fait de la conscience le fait dêtre conscient consciencialit being con scious idem Na edição dos Gesammelte Werke se acha Vbw Vorbewußt préconsciente Pcs mas na Studienausgabe uma edição revista os editores afirmam que no manuscrito conservado se lê Ubw Unbewußt inconsciente Ics Uma nota da Standard inglesa anterior à Studienaus gabe já dizia que era provavelmente um erro de impressão Operação Leistung mais um desses termos alemães que admitem vários sentidos como se vê pelas traduções consultadas funciones rendimiento prestazioni réalisations action opération achievements functioning Frustração relativa ao objeto Versagung des Objekts nas versões estrangeiras consulta das e omitindo aqui a palavra objeto que sempre se repete frustración con respecto al deneg ación frustración del frustrazione relativa all refus venant de être frustré de refusement de frustration from the side of frustration in regard to Virador de olhos versão literal de Augenverdreher em português no Brasil pelo menos dizse que ele virou a cabeça dela Na última frase usase o verbo verstellen pôr no lugar errado que também significa figura damente e usado como reflexivo sich verstellen fingir enganar Na declaração sobre o que a paciente sentiu na igreja o verbo original é stellen pôr 4 Ocasionalmente o trabalho do sonho trata as palavras como as coisas e cria então falas ou neologismos esquizofrênicos muito semelhantes Encena abspielt nas versões consultadas hace desarrolarse juega sfoga joue idem idem is working out is playing out Desfazer ungeschehen machen literalmente tornar não acontecido cf Inibição sintoma e angústia 1926 parte vi onde é discutido o mecanismo do ungeschehen machen 111225 Percepção Einsicht nas traduções consultadas conclusión intelección scoperta ce dont nous avons pris connaissance idée manière de voir considerations finding Percebese que o termo português é aqui usado num dos dois sentidos principais que lhe vêm do seu verbo cognato o de fazer ideia compreender o outro é tomar conhecimento através dos sen tidos em que o substantivo corresponde ao alemão Wahrnehmung também presente no texto Ver nota 67 do tradutor em F Nietzsche Além do bem e do mal São Paulo Companhia das Letras 1992 Representação da palavra ou verbalrepresentação da coisa WortvorstellungSachvorstel lung A partir desse parágrafo utilizamos representação para Vorstellung acompanhando as versões inglesa e italiana Eis o que todas elas trazem imagen verbalde la cosa representación palabrarepresentaciónobjeto seguidos dos termos alemães entre chaves rappresentazione della parolarappresentazione della cosa représentation de motreprésentation de chose idem idem idea of the word verbal ideaidea of the thing concrete idea presentation of the wordpresentation of the thing Essa última versão a da Standard vem acompanhada de uma longa nota assinalando que o termo até então traduzido por idea será vertido por presentation até o final do ensaio Strachey também afirma que a diferenciação entre Wortvorstellung e Sachvorstellung remonta aos estudos de Freud sobre a afasia e reproduz em apêndice o trecho pertinente do mais rel evante desses estudos Zur Auffassung der Aphasien de 1891 há edição portuguesa com o título A interpretação das afasias Lisboa Edições 70 sd O trecho reproduzido por Strachey se acha entre as pp 66 e 73 a tradução foi feita do italiano porém na Standard brasileira traduzida do inglês como se sabe achase no v xiv Percepção Einsicht conocimiento intelección cognizione conception idée manière de voir insight idem Ver nota à p 145 Modo de funcionar Arbeitsweise literalmente modo de trabalho nas versões es trangeiras consultadas labor mental modalidad de trabajo modo di pensare mode de travail façon dont opèrent mode de travail way of thinking mode of operation 112225 COMPLEMENTO METAPSICOLÓGICO À TEORIA DOS SONHOS 1917 1915 TÍTULO ORIGINAL METAPSYCHOLOGISCHE ERGÄNZUNG ZUR TRAUMLEHRE PUBLICADO PRIMEIRAMENTE EM INTERNATIONALE ZEITSCHRIFT FÜR ÄRZTLICHE PSYCHOANALYSE REVISTA INTERNACIONAL DE PSICANÁLISE MÉDICA V 4 N 6 PP 27787 TRADUZIDO DE GESAMMELTE WERKE X PP 41226 TAMBÉM SE ACHA EM STUDIENAUSGABE III PP 17591 Em mais de uma ocasião veremos como é vantajoso para a nossa pesquisa comparar certos estados e fenômenos que podem ser apreendidos como mode los normais de afecções patológicas Entre eles estão estados afetivos como o luto e o enamoramento mas também o estado do sono e o fenômeno do son har1 Não costumamos pensar muito sobre o fato de que toda noite o ser humano tira os panos que cobriam sua pele e talvez ainda as peças complementares de seus órgãos na medida em que logrou compensarlhes as deficiências com próteses como óculos perucas dentes etc Podemos acrescentar que ao ad ormecer ele realiza um desnudamento análogo na psique renuncia à maior parte de suas aquisições psíquicas e efetua assim uma extraordinária aproxim ação dos dois lados à situação que foi o ponto de partida de seu desenvolvi mento vital Somaticamente dormir é uma reativação da estadia no ventre materno preenchendose as condições de repouso calor e ausência de estímu los e muitas pessoas retomam dormindo a posição fetal O estado psíquico de quem dorme se caracteriza pela retração quase total do mundo que o cerca e cessação de todo interesse por ele Investigando os estados psiconeuróticos somos levados a destacar em cada um deles as chamadas regressões temporais o montante de retrocesso no desen volvimento que lhes é peculiar Distinguimos duas dessas regressões aquela no desenvolvimento do Eu e aquela no da libido Esta última chega no estado do sono até à instauração do narcisismo primitivo a primeira chega ao estágio da satisfação alucinatória do desejo Aquilo que sabemos das características psíquicas do estado do sono apren demos com o estudo do sonho naturalmente É verdade que o sonho nos mostra o ser humano enquanto ele não dorme mas não pode deixar de nos revelar ao mesmo tempo características do próprio sono A partir da obser vação conhecemos algumas peculiaridades do sonho que inicialmente não pu demos entender e que agora podemos enumerar sem dificuldade Sabemos que o sonho é absolutamente egoísta e que no protagonista de suas cenas devemos identificar sempre o sonhador mesmo Isso decorre compreensivelmente do narcisismo do estado do sono Pois narcisismo e egoísmo coincidem a palavra narcisismo apenas sublinha que o egoísmo é também um fenômeno libidi noso ou para dizêlo de outra forma o narcisismo pode ser designado como o complemento libidinoso do egoísmo Igualmente compreensível se torna a fac uldade diagnóstica do sonho universalmente reconhecida e vista como en igmática em que padecimentos físicos incipientes são notados antes e de modo mais nítido que na vigília e todas as sensações corporais do instante são aumentadas enormemente Esse aumento é de natureza hipocondríaca tem por pressuposto que todo investimento psíquico foi retirado do mundo externo para o próprio Eu e possibilita agora o reconhecimento precoce de mudanças corporais que na vida de vigília permaneceriam inadvertidas por algum tempo Um sonho nos mostra que sucedeu algo que tendia a perturbar o sono e nos permite vislumbrar o modo como essa perturbação pôde ser rechaçada No final o dormente sonhou e pode continuar o seu sono no lugar da exigência in terna que pretendia ocupálo sobreveio uma experiência externa cuja reivin dicação foi resolvida Portanto um sonho é também uma projeção uma exteri orização de um processo interior Lembramos já haver encontrado a projeção em outro lugar entre os meios de defesa Também o mecanismo da fobia histérica culminava no fato de mediante tentativas de fuga o indivíduo conseguir protegerse de um perigo externo que tomara o lugar de uma exigência instintual interna Mas reservaremos uma discussão demorada da projeção para quando chegarmos à dissecção daquela doença em que tal mecanismo tem papel evidente Mas de que modo se produz o caso em que a intenção de dormir é perturb ada A perturbação pode vir de uma excitação interna ou de um estímulo ex terno Consideremos primeiro o caso menos transparente e mais interessante da perturbação a partir do interior A experiência nos indica como insti gadores do sonho vestígios diurnos investimentos de pensamento que não obedeceram à retração geral de investimentos e conservaram a despeito dela 115225 uma certa medida de interesse libidinoso ou de outro tipo Já de início port anto o narcisismo do sono teve que admitir uma exceção e com ela principia a formação do sonho Na análise tomamos conhecimento desses restos diurnos como pensamentos oníricos latentes e por sua natureza e por toda a situação temos de reconhecêlos como ideias préconscientes como integrantes do sis tema Pcs Um maior esclarecimento da formação do sonho não é alcançado sem su perarmos algumas dificuldades O narcisismo do estado de sono significa a re tirada do investimento de todas as representações de objeto tanto das partes inconscientes delas como das préconscientes Logo se determinados restos diurnos permaneceram investidos hesitamos em supor que durante a noite eles adquiram energia bastante para se fazer notar pela consciência inclinamo nos antes a supor que o investimento que retiveram seja bem mais fraco do que o possuído durante o dia A análise nos dispensa de mais especulações nesse ponto ao demonstrar que esses restos diurnos têm de receber um reforço das fontes de impulsos instintuais inconscientes se forem atuar na construção do sonho De início essa hipótese não apresenta dificuldades pois temos de crer que a censura entre Pcs e Ics se acha bem diminuída no sono e o trânsito entre os dois sistemas é facilitado portanto Mas uma outra consideração não pode ser ignorada Se o estado narcísico do sono implica a retirada de todos os investimentos dos sistemas Ics e Pcs en tão não é possível que os restos diurnos obtenham reforço dos impulsos instin tuais inconscientes os quais entregaram ao Eu seus próprios investimentos A teoria da formação do sonho perdese aqui numa contradição ou tem de ser salva através de uma modificação da hipótese sobre o narcisismo do sono Como se verá depois uma hipótese assim limitadora será inevitável tam bém na teoria da dementia praecox Ela só pode afirmar que a parte reprimida do sistema Ics não obedece ao desejo de dormir que provém do Eu conserva no todo ou em parte o seu investimento e devido à repressão conquistou um certo grau de independência em relação ao Eu Ainda em conformidade a isso 116225 também um certo montante do gasto com a repressão do contrainvestimento deveria ser mantido durante a noite para fazer frente ao perigo instintual em bora a inacessibilidade dos caminhos que levam à liberação de afetos e à motil idade possa abaixar consideravelmente o nível do contrainvestimento ne cessário Podemos então representar da seguinte maneira a situação que con duz à formação do sonho O desejo de dormir procura recolher todos os inves timentos enviados pelo Eu instaurando um narcisismo absoluto Isso pode ter êxito apenas parcial pois a parte reprimida do sistema Ics não acompanha o desejo de dormir Logo é preciso que também uma parcela dos contrainvesti mentos seja mantida e que a censura entre Ics e Pcs permaneça ainda que não em plena força Até onde alcançarem o domínio do Eu todos os sistemas es tarão vazios de investimentos Quanto mais fortes são os investimentos instin tuais ics mais instável é o sono Conhecemos igualmente o caso extremo em que o Eu renuncia ao desejo de dormir porque se sente incapaz de inibir os impulsos reprimidos que são liberados durante o sono em outras palavras de siste do sono porque tem medo dos sonhos Depois apreciaremos em toda a sua importância a hipótese da insubordin ação dos impulsos reprimidos Como uma segunda ameaça ao narcisismo devemos considerar a possibilid ade já referida de que também alguns dos pensamentos diurnos précon scientes se revelem resistentes e mantenham parte do seu investimento No fundo os dois casos podem ser idênticos a resistência dos vestígios diurnos pode remontar ao nexo com impulsos inconscientes presente já na vida des perta ou a coisa não é tão simples e apenas no estado onírico os restos diurnos não inteiramente esvaziados se vinculem ao reprimido em virtude da comu nicação facilitada entre Pcs e Ics Em ambos os casos há o mesmo avanço decis ivo rumo à formação do sonho formase o desejo préconsciente de sonhar o qual dá expressão ao impulso inconsciente no material dos restos diurnos précon scientes Devemos diferenciar nitidamente esse desejo de sonhar dos restos di urnos ele não precisa ter existido na vida desperta já pode mostrar o caráter 117225 irracional que tudo o que é inconsciente traz consigo quando o traduzimos para o consciente O desejo de sonhar também não pode ser confundido com os desejos que possivelmente mas não necessariamente se encontravam entre os pensamentos oníricos préconscientes latentes Mas tendo havido esses desejos préconscientes o desejo de sonhar juntase a eles como o reforço mais eficaz Vejamos agora as vicissitudes posteriores desse desejo que na sua essência representa uma reivindicação instintual inconsciente e que no Pcs formouse como desejo de sonhar fantasia realizadora de desejo Ele poderia se resolver em três caminhos diferentes segundo nos diz a reflexão Pelo caminho que na vida desperta seria o normal irrompendo na consciência a partir do Pcs ou criando uma descarga motora direta evitando a consciência ou tomando o caminho insuspeitado que a observação nos faz realmente seguir No primeiro caso ele se tornaria uma ideia delirante tendo o conteúdo da realização do desejo mas isso não ocorre jamais no estado do sono Embora bem pouco fa miliarizados com as condições metapsicológicas dos processos anímicos po demos talvez extrair desse fato a indicação de que o esvaziamento completo de um sistema o faz pouco inclinado a responder a incitações O segundo caso a descarga motora direta deveria ser excluído pelo mesmo princípio pois nor malmente o acesso à motilidade se acha ainda um tanto além da censura da consciência mas de forma excepcional é observado como sonambulismo Não sabemos que condições o tornam possível e por que não acontece com maior frequência O que sucede realmente na formação do sonho é uma decisão muito notável e inteiramente imprevisível O processo urdido no Pcs e re forçado pelo Ics toma um caminho retrógrado através do Ics rumo à per cepção que se impõe à consciência Essa regressão é a terceira fase da formação do sonho Vamos repetir as anteriores para ter uma visão geral reforço dos vestígios diurnos Pcs pelo Ics produção do desejo onírico Uma tal regressão chamamos de topológica para distinguila da temporal ou históricoevolutiva já mencionada As duas não têm que coincidir sempre 118225 mas o fazem justamente no exemplo que para nós se oferece A reversão do curso da excitação do Pcs pelo Ics até à percepção é ao mesmo tempo o re torno ao estágio primeiro da realização alucinatória do desejo Sabemos a partir da Interpretação dos sonhos de que maneira se dá a re gressão dos vestígios diurnos préconscientes na formação do sonho Os pensamentos são transpostos em imagens predominantemente visuais as representações de palavras são reconduzidas às representações de coisas que lhes correspondem como se no todo o processo fosse governado por consid erações atinentes à figurabilidade Depois de consumada a regressão resta no sistema Ics uma série de investimentos investimentos das lembranças de coisas sobre as quais atua o processo psíquico primário até que pela sua condens ação e pelo deslocamento dos investimentos entre elas dá forma ao conteúdo manifesto do sonho Apenas quando as representações de palavras que se acham nos restos diurnos são vestígios frescos reais de percepções e não ex pressão de pensamentos é que são tratadas como representações de coisas e submetidas às influências da condensação e do deslocamento Daí a regra oferecida na interpretação de sonhos e depois confirmada até se tornar evid ência segundo a qual palavras e falas do conteúdo onírico não são novas cri ações mas recriações de falas do dia do sonho ou de outras impressões fres cas também de leituras É digno de nota quão pouco o trabalho do sonho se atém às representações de palavras a todo momento ele se dispõe a trocar as palavras umas pelas outras até encontrar a expressão mais conveniente para a representação plástica2 Neste ponto se mostra a diferença decisiva entre o trabalho do sonho e a es quizofrenia Nesta as palavras mesmas em que estava expresso o pensamento préconsciente são objeto da elaboração pelo processo primário no sonho isso não sucede às palavras mas às representações de coisas a que remontaram as palavras O sonho conhece uma regressão topológica a esquizofrenia não no sonho se acha livre o trânsito entre investimentos de palavras pcs e investi mentos de coisas ics enquanto é típico da esquizofrenia que ele seja 119225 bloqueado A impressão feita por essa diferença é atenuada justamente pelas interpretações de sonhos que fazemos na prática psicanalítica Na medida em que a interpretação do sonho rastreia o curso do trabalho do sonho segue as vias que levam dos pensamentos latentes aos elementos oníricos revela a ex ploração das ambiguidades verbais e evidencia as pontes de palavras entre diferentes grupos de material ela desperta uma impressão ora engraçada ora esquizofrênica e nos faz esquecer que todas as operações com palavras con stituem para o sonho apenas preparação para regredir às coisas O processo onírico se completa quando o conteúdo de pensamento trans formado regressivamente remodelado numa fantasiadesejo tornase con sciente como percepção sensorial e nisso experimenta a elaboração secundária a que está sujeito todo conteúdo perceptivo Dizemos que o desejo onírico é alucinado e enquanto alucinação acha maneira de crer na realidade de sua concretização É precisamente a essa parte conclusiva da formação do sonho que se ligam as mais fortes incertezas e para o esclarecimento delas vamos comparar o sonho aos estados patológicos a ele aparentados A formação da fantasiadesejo e o seu regredir à alucinação constituem as partes essenciais do trabalho do sonho mas não pertencem exclusivamente a ele Achamse igualmente em dois estados mórbidos na confusão alucinatória aguda a amentia de Meynert e na fase alucinatória da esquizofrenia O delírio alucinatório da amentia é uma fantasia de desejo claramente recon hecível com frequência inteiramente ordenada como um belo devaneio Poderíamos falar de modo bem geral de uma psicose de desejo alucinatória e atribuíla tanto ao sonho como à amentia Há também sonhos que consistem apenas de fantasias de desejo não deformadas e bem ricas de conteúdo A fase alucinatória da esquizofrenia foi menos estudada via de regra parece ser de caráter composto mas no essencial poderia corresponder a uma nova tentativa de restituição que busca devolver o investimento libidinal às representações de objetos3 Não posso estender a comparação a outros estados alucinatórios 120225 em várias afecções patológicas porque não disponho aí de experiência própria nem posso utilizar a de outros Fique claro que a psicose de desejo alucinatória no sonho ou em outros casos realiza duas operações que absolutamente não se confundem Não apenas leva à consciência desejos escondidos ou reprimidos mas apresentaos em inteira boa fé como satisfeitos Fazse mister entender essa conjunção Não é possível afirmar de modo algum que os desejos inconscientes deveriam ser tidos como realidades após se terem tornado conscientes pois nosso juízo é sa bidamente capaz de distinguir realidades de ideias e desejos por mais intensos que sejam Por outro lado parece justificado supor que a crença na realidade se liga à percepção através dos sentidos Se um pensamento encontrou o cam inho para a regressão até os traços mnêmicos inconscientes de objetos e daí à percepção admitimos a sua percepção como real Logo a alucinação traz con sigo a crença na realidade Perguntase agora qual a condição para o surgi mento de uma alucinação A primeira resposta seria a regressão o que sub stituiria a questão da origem da alucinação pela do mecanismo da regressão No que toca aos sonhos a resposta não precisa tardar A regressão dos pensamentos oníricos ics às imagens mnêmicas das coisas é claramente con sequência da atração que esses representantes instintuais ics por exemplo lembranças reprimidas de vivências exercem sobre os pensamentos vertidos em palavras Mas logo notamos que seguimos uma trilha errada Se o segredo da alucinação não fosse outro que o da regressão toda regressão com intensid ade bastante deveria produzir uma alucinação com crença na sua realidade Mas conhecemos muito bem os casos em que uma reflexão regressiva traz à consciência imagens mnêmicas visuais bastante nítidas que nem por isso tomamos por uma percepção real E podemos muito bem imaginar que o tra balho do sonho penetre até essas imagens mnêmicas tornando conscientes as até então inconscientes sustentando à nossa frente uma fantasiadesejo pela qual ansiaríamos mas que não reconheceríamos como a real concretização do 121225 desejo A alucinação deve ser portanto mais do que a animação regressiva de imagens mnêmicas em si ics Tenhamos presente ainda que é de grande importância prática distinguir percepções de ideias mesmo que intensivamente lembradas Toda a nossa re lação com o mundo externo com a realidade depende dessa capacidade For mulamos a ficção de não termos sempre possuído tal capacidade e de que no início de nossa vida psíquica realmente alucinamos o objeto gratificante ao sentirmos necessidade dele Mas a satisfação não ocorria nesse caso e logo o fracasso deve ter nos movido a criar um dispositivo que ajudasse a distinguir entre essa percepção fruto do desejo e uma real satisfação e a evitála no fu turo Em outras palavras bem cedo abandonamos a satisfação alucinatória do desejo e instituímos uma espécie de exame da realidade Surge agora a questão de em que consistia tal exame da realidade e de como a psicose de desejo alu cinatória do sonho da amentia e de condições análogas chega a suspendêlo restabelecendo o antigo modo de satisfação A resposta pode ser obtida se determinarmos com maior precisão o terceiro de nossos sistemas psíquicos o sistema Cs que até o momento não separamos nitidamente do Pcs Já na Interpretação dos sonhos tivemos de enxergar a per cepção consciente como realização de um sistema particular ao qual atribuí mos certas características notáveis e ao qual temos bons motivos para conferir mais alguns traços Tal sistema lá denominado P nós o faremos coincidir com o sistema Cs de cujo trabalho depende habitualmente a passagem para a con sciência No entanto o fato de algo se tornar consciente não coincide total mente com o dado de pertencer a um sistema pois já verificamos que é pos sível notar imagens mnêmicas sensoriais a que não podemos conceder um lugar psíquico no sistema Cs ou P Mas será lícito adiar o tratamento dessa dificuldade até colocarmos o próprio sistema Cs no centro de nosso interesse No contexto presente nos será permitida a hipótese de que a alucinação consiste num investimento do sistema Cs P que porém sucede não a partir de fora como é normalmente mas de 122225 dentro e de que ela tem por condição que a regressão vá ao ponto de alcançar esse sistema mesmo podendo assim colocarse fora do exame da realidade4 Num contexto anterior Os instintos e seus destinos reivindicamos para o organismo ainda desamparado a capacidade de obter uma primeira ori entação no mundo por meio de suas percepções ao distinguir entre fora e dentro com referência a uma ação muscular Uma percepção levada a desa parecer mediante uma ação é reconhecida como externa como realidade quando tal ação nada modifica a percepção vem do próprio interior do corpo não é real Para o indivíduo é valioso possuir um tal meio de distinguir a real idade que significa ao mesmo tempo uma ajuda contra ela e ele bem gostaria de ser dotado de um poder similar contra as exigências muitas vezes implacá veis de seus instintos Daí ele se esforçar tanto em transpor para fora o que o incomoda de dentro em projetar Após uma dissecção minuciosa do aparelho psíquico devemos atribuir apenas ao sistema Cs P tal função de orientação no mundo através da dis tinção entre fora e dentro Cs deve dispor de uma inervação motora mediante a qual é constatado se a percepção pode ser levada a desaparecer ou se resiste O exame da realidade não precisa ser outra coisa além desse dispositivo5 Mais não podemos dizer sobre isso pois a natureza e o modo de trabalho do sistema Cs ainda são pouco conhecidos Situaremos o exame da realidade como uma das grandes instituições do Eu ao lado das censuras entre os sistemas psíquicos as quais já conhecemos e esperamos que a análise das afecções narcísicas nos ajude a descobrir outras instituições desse tipo Por outro lado já agora a patologia nos ensina de que maneira o exame da realidade pode ser suspenso ou colocado fora de ação e aprenderemos isso de modo mais inequívoco na psicose de desejo na amentia do que no sonho a amentia é a reação a uma perda que a realidade afirma mas que o Eu deve neg ar por insuportável Em consequência o Eu rompe a relação com a realidade subtrai ao sistema das percepções Cs o investimento ou melhor talvez um in vestimento cuja natureza especial ainda pode ser objeto de investigação Com 123225 esse afastamento da realidade o seu exame é posto de lado as fantasias de desejo não reprimidas inteiramente conscientes podem penetrar no sis tema e a partir de lá são reconhecidas como uma realidade melhor Uma tal subtração pode ser contada entre os processos de repressão a amentia nos oferece o interessante espetáculo de uma desunião entre o Eu e um de seus ór gãos aquele que talvez o servisse mais fielmente e lhe fosse mais intimamente ligado6 O que na amentia é realizado pela repressão é feito no sonho pela renún cia voluntária O estado de sono não quer saber do mundo externo não se in teressa pela realidade ou apenas o faz quando há o risco de se abandonar o es tado de sono de se despertar Logo ele subtrai o investimento do sistema Cs tal como dos outros sistemas o Pcs e o Ics na medida em que as posições neles presentes acatem o desejo de dormir Com esse não investimento do sis tema Cs abandonase a possibilidade de um exame da realidade e as excitações que independentemente do estado de sono tomaram o caminho da regressão o encontrarão livre até o sistema Cs no qual serão tidas como realidade incon testada7 Quanto à psicose alucinatória da dementia praecox deduziremos de nossas considerações que ela não pode estar entre os sintomas iniciais de tal afecção Ela se torna possível apenas quando o Eu do doente se desintegrou tanto que o exame da realidade já não impede a alucinação No que respeita à psicologia dos processos oníricos chegamos ao resultado de que todas as características essenciais do sonho são determinadas pela con dição do estado de sono O velho Aristóteles tinha inteira razão com seu mod esto enunciado de que o sonho é a atividade psíquica do dormente Pudemos precisar que é um resíduo de atividade psíquica tornado possível pelo fato de que o estado narcísico de sono não se impôs de maneira total Isso não difere muito daquilo que filósofos e psicólogos afirmaram desde sempre mas re pousa em pontos de vista bem divergentes acerca da construção e do funciona mento do aparelho psíquico que frente aos anteriores tem a vantagem de tam bém nos permitir uma maior compreensão das particularidades do sonho 124225 Por fim lancemos um olhar à importância que uma topologia do processo de repressão adquire para entendermos o mecanismo das perturbações psíquicas No sonho a retirada de investimento libido interesse atinge todos os sistemas igualmente nas neuroses de transferência é retirado o investimento Pcs na esquizofrenia o do Ics na amentia o do Cs 1 Este ensaio e aquele seguinte provêm de uma série que originalmente eu pretendia publicar em forma de livro com o título de Preparação para uma metapsicologia Eles se relacionam a trabalhos que aparecerem no volume iii da Internationale Zeitschrift für ärztliche Psychoana lyse Os instintos e seus destinos A repressão O inconsciente incluídos no presente volume Esta série tem o objetivo de aclarar e aprofundar as suposições teóricas que estariam na base de um sistema psicanalítico Representações de objeto Objektvorstellungen ideas de objetos representacionesobjeto rappresentazioni degli oggetti représentations dobjets ideas of objects embora tenha adotado presentation of the thing para Sachvorstellung no ensaio O inconsciente Strachey agora pref ere ideas of objects As versões estrangeiras aqui citadas são aquelas indicadas em nota ao en saio Os instintos e seus destinos p59 2 Também atribuo à consideração pela figurabilidade o fato sublinhado e talvez superestim ado por Silberer de que alguns sonhos permitem duas interpretações simultaneamente vál idas e no entanto essencialmente diversas uma das quais ele chama de analítica e a outra de anagógica Tratase aí de pensamentos muito abstratos que oferecem grandes dificuldades à representação no sonho A título de comparação imaginemos ter que substituir o editorial de um jornal político por ilustrações Nesses casos o trabalho do sonho tem primeiro que sub stituir o texto abstrato dos pensamentos por um mais concreto que a ele se ligue de algum modo pela comparação alusão alegórica simbolismo e melhor ainda geneticamente e que tome o seu lugar como material do trabalho do sonho Os pensamentos abstratos suscitam a chamada interpretação anagógica que no trabalho interpretativo alcançamos com mais facilid ade do que aquela propriamente analítica Segundo uma correta observação de Otto Rank de terminados sonhos relativos ao tratamento por pacientes em análise são os melhores modelos para conceber tais sonhos de múltipla interpretação A expressão representação plástica traduz plastische Darstellung 3 No ensaio sobre O inconsciente vimos o superinvestimento das representações de palavras como a primeira tentativa desse gênero 125225 4 Quero acrescentar a título de complemento que uma tentativa de esclarecimento da alucin ação deveria principiar não com a alucinação positiva mas com a negativa Meio de distinguir a realidade Kennzeichen der Realität a tradução literal do primeiro termo encontrada nos dicionários é sinal distintivo característica as versões consultadas trazem medio de reconocer signo distintivo segno di riconoscimento signe caractéristique means of recognizing Strachey remete numa nota à expressão Realitätszeichen no Esboço de uma psicologia de 1895 conhecido como Projeto mas esboço é uma tradução mais correta para Entwurf parte 15 Processo primário e secundário em pp 39 ss da edição brasileira Projeto de uma psicologia tradução e notas de Osmyr Faria Gabbi Jr Rio de Janeiro Imago 1995 5 Sobre a distinção entre um exame da atualidade Aktualitätsprüfung e um exame da realidade Realitätsprüfung ver uma passagem posterior Não se sabe a que passagem Freud se refere provavelmente a um dos ensaios que não chegou a publicar Quanto à versão do primeiro dos termos alemães assinalados LopezBallesteros emprega examen del momento e Strachey test ing with regard to immediacy os demais tradutores fazem como aqui uma versão literal 6 A partir daí podese arriscar a conjectura de que também as alucinoses tóxicas o delírio al coólico por exemplo devem ser entendidas de maneira análoga A perda intolerável im posta pela realidade seria justamente a do álcool sendo ele ingerido cessam as alucinações Positionen no original O uso do termo por Freud é mais compreensível se tivermos presente um outro sentido de Besetzung o de ocupação militar sentido este inevitavelmente per dido na tradução por investimento 7 O princípio da inexcitabilidade dos sistemas não investidos parece aqui invalidado no tocante ao Cs P Mas talvez se trate de uma supressão apenas parcial do investimento e para o sis tema perceptivo precisamente teremos de supor um bom número de condições de excitação que divergem bastante daquelas de outros sistemas É claro que de modo algum vamos en cobrir ou maquiar a natureza incerta e tateante dessas discussões metapsicológicas Só um aprofundamento posterior poderá levar a um certo grau de probabilidade Topik no original É frequente encontrarmos esse termo traduzido por tópica Mas em por tuguês essa palavra designa a ciência ou tratado dos remédios tópicos Os substantivos alemães terminados em ik podem induzir a erros na tradução assim Pädagogik significa ped agogia em português e Romantik romantismo Freud usa Topik por empréstimo da anato mia em que o termo designa o estudo da posição relativa dos órgãos 126225 LUTO E MELANCOLIA 1917 1915 TÍTULO ORIGINAL TRAUER UND MELANCHOLIE PUBLICADO PRIMEIRAMENTE EM INTERNATIONALE ZEITSCHRIFT FÜR ÄRZTLICHE PSYCHOANALYSE REVISTA INTERNACIONAL DE PSICANÁLISE MÉDICA V 4 N 6 PP 288301 TRADUZIDO DE GESAMMELTE WERKE X PP 42846 TAMBÉM SE ACHA EM STUDIENAUSGABE III PP 193212 Depois que o sonho nos serviu como modelo normal dos distúrbios psíquicos narcísicos façamos a tentativa de elucidar a natureza da melancolia comparandoa com o afeto normal do luto Mas desta vez temos que admitir algo de antemão para evitar uma superestimação de nossos resultados A mel ancolia cuja definição varia mesmo na psiquiatria descritiva apresentase em variadas formas clínicas cujo agrupamento numa só unidade não parece es tabelecido e das quais algumas lembram antes afecções somáticas do que psicogênicas Sem contar as impressões disponíveis a qualquer observador nosso material se limita a um pequeno número de casos cuja natureza psicogênica não permitia dúvida Assim desde já renunciamos a toda pre tensão de validade universal para nossas conclusões e nos consolamos na re flexão de que dados os nossos atuais meios de pesquisa dificilmente poder íamos encontrar algo que não fosse típico se não de toda uma classe de afecções ao menos de um grupo menor delas A associação de luto com melancolia mostrase justificada pelo quadro ger al desses dois estados1 Neles também coincidem as causas oriundas das inter ferências da vida ao menos onde é possível enxergálas Via de regra luto é a reação à perda de uma pessoa amada ou de uma abstração que ocupa seu lugar como pátria liberdade um ideal etc Sob as mesmas influências observamos em algumas pessoas melancolia em vez de luto e por isso suspeitamos que nelas exista uma predisposição patológica Também é digno de nota que ja mais nos ocorre ver o luto como um estado patológico e indicar tratamento médico para ele embora ocasione um sério afastamento da conduta normal da vida Confiamos em que será superado após certo tempo e achamos que perturbálo é inapropriado até mesmo prejudicial A melancolia se caracteriza em termos psíquicos por um abatimento dol oroso uma cessação do interesse pelo mundo exterior perda da capacidade de amar inibição de toda atividade e diminuição da autoestima que se expressa em recriminações e ofensas à própria pessoa e pode chegar a uma delirante ex pectativa de punição Esse quadro se torna mais compreensível para nós se consideramos que o luto exibe os mesmos traços com exceção de um nele a autoestima não é afetada De resto é o mesmo quadro O luto profundo a reação à perda de um ente amado comporta o mesmo doloroso abatimento a perda de interesse pelo mundo externo na medida em que não lembra o fa lecido a perda da capacidade de eleger um novo objeto de amor o que significaria substituir o pranteado o afastamento de toda atividade que não se ligue à memória do falecido Logo vemos que essa inibição e restrição do Eu exprime uma exclusiva dedicação ao luto em que nada mais resta para out ros intuitos e interesses Na verdade esse comportamento só não nos parece patológico porque sabemos explicálo bem Também admitiremos a comparação que qualifica de doloroso o estado de ânimo do luto A justificativa para isso provavelmente ficará clara quando pudermos caracterizar a dor do ponto de vista econômico Em que consiste o trabalho realizado pelo luto Não me parece descabido expor esse trabalho da forma seguinte O exame da realidade mostrou que o objeto amado não mais existe e então exige que toda libido seja retirada de suas conexões com esse objeto Isso desperta uma compreensível oposição observase geralmente que o ser humano não gosta de abandonar uma posição libidinal mesmo quando um substituto já se anuncia Essa oposição pode ser tão intensa que se produz um afastamento da realidade e um apego ao objeto mediante uma psicose de desejo alucinatória ver o ensaio anterior O normal é que vença o respeito à realidade Mas a solicitação desta não pode ser aten dida imediatamente É cumprida aos poucos com grande aplicação de tempo e energia de investimento e enquanto isso a existência do objeto perdido se pro longa na psique Cada uma das lembranças e expectativas em que a libido se achava ligada ao objeto é enfocada e superinvestida e em cada uma sucede o desligamento da libido Não é fácil fundamentar economicamente por que é tão dolorosa essa operação de compromisso em que o mandamento da realid ade pouco a pouco se efetiva É curioso que esse doloroso desprazer nos pareça 129225 natural Mas o fato é que após a consumação do trabalho do luto o Eu fica novamente livre e desimpedido Apliquemos agora à melancolia o que verificamos sobre o luto Numa série de casos é evidente que também ela pode ser reação à perda de um objeto amado em outras ocasiões notase que a perda é de natureza mais ideal O ob jeto não morreu verdadeiramente foi perdido como objeto amoroso o caso de uma noiva abandonada por exemplo Em outros casos ainda achamos que é preciso manter a hipótese de tal perda mas não podemos discernir claramente o que se perdeu e é lícito supor que tampouco o doente pode ver consciente mente o que perdeu Esse caso poderia apresentarse também quando a perda que ocasionou a melancolia é conhecida do doente na medida em que ele sabe quem mas não o que perdeu nesse alguém Isso nos inclinaria a relacionar a melancolia de algum modo a uma perda de objeto subtraída à consciência diferentemente do luto em que nada é inconsciente na perda No luto vimos a inibição e a ausência de interesse explicadas totalmente pelo trabalho do luto que absorve o Eu Na melancolia a perda desconhecida terá por consequência um trabalho interior semelhante e por isso será respon sável pela inibição que é própria da melancolia Mas a inibição melancólica nos parece algo enigmático pois não conseguimos ver o que tanto absorve o doente O melancólico ainda nos apresenta uma coisa que falta no luto um ex traordinário rebaixamento da autoestima um enorme empobrecimento do Eu No luto é o mundo que se torna pobre e vazio na melancolia é o próprio Eu O doente nos descreve seu Eu como indigno incapaz e desprezível recrimina e insulta a si mesmo espera rejeição e castigo Degradase diante dos outros tem pena de seus familiares por serem ligados a alguém tão indigno Não julga que lhe sucedeu uma mudança e estende sua autocrítica ao passado afirma que jamais foi melhor O quadro desse delírio de pequenez predominante mente moral é completado com insônia recusa de alimentação e uma psico logicamente notável superação do instinto que faz todo vivente se apegar à vida 130225 Tanto do ponto de vista científico como do terapêutico seria infecundo contradizer o paciente que faz essas acusações ao próprio Eu De algum modo ele deve ter razão deve descrever algo que se passa tal como lhe parece Algu mas de suas afirmações temos de confirmar imediatamente sem restrições Ele se acha realmente sem interesse incapaz para o amor e para realizar coisas tal como diz Mas isso é secundário como sabemos é consequência do trabalho interno que consome seu Eu trabalho que desconhecemos comparável ao luto Em algumas outras autoincriminações o paciente também nos parece ter razão e apenas apreender a verdade de maneira mais aguda do que outros que não são melancólicos Quando em exacerbada autocrítica ele pinta a si mesmo como uma pessoa mesquinha egoísta insincera sem autonomia que sempre buscou apenas ocultar as fraquezas do seu ser pode ocorrer pelo que sabemos que tenha se aproximado bastante do autoconhecimento e perguntamonos apenas por que é necessário adoecer para alcançar uma ver dade como essa Pois não há dúvida de que quem chega a essa avaliação de si mesmo e a expressa diante dos outros avaliação similar à que o príncipe Hamlet faz de si e de todos os outros2 está doente quer diga a verdade quer seja mais ou menos injusto consigo Tampouco é difícil notar que não ex iste correspondência a nosso ver entre a escala do autoenvilecimento e sua real justificação Uma mulher que sempre foi boa zelosa e capaz não falará melhor de si mesma na melancolia do que uma verdadeiramente imprestável e talvez ela tenha maior probabilidade de adoecer de melancolia do que a outra da qual nada saberíamos falar de bom Deve nos chamar a atenção por fim que o melancólico não age exatamente como alguém compungido de remorso e autorrecriminação de maneira normal Ele carece da vergonha di ante dos outros que seria a principal característica desse estado ou ao menos não a exibe de forma notável No melancólico talvez possamos destacar um traço oposto uma insistente comunicabilidade que acha satisfação no desnuda mento de si próprio 131225 Não é essencial portanto saber se o melancólico está correto em sua pen osa autodepreciação até que ponto sua crítica coincide com o julgamento dos outros A questão é isto sim que ele descreve corretamente sua situação psicológica Ele perdeu o amorpróprio e deve ter tido boas razões para isso Mas assim nós nos vemos ante uma discrepância que coloca um problema de difícil solução Fazendo analogia com o luto concluímos que ele sofreu uma perda relativa ao objeto suas declarações indicam uma perda no próprio Eu Antes de lidarmos com essa discrepância detenhamonos por um momento na visão que a doença do melancólico nos oferece da constituição do Eu hu mano Vemos como uma parte do Eu se contrapõe à outra faz dela uma avaliação crítica tomaa por objeto digamos Nossa suspeita de que a instân cia crítica aí dissociada do Eu poderia em outras condições demonstrar tam bém sua autonomia será confirmada em toda observação posterior Realmente encontraremos motivo para separar essa instância do resto do Eu Aqui trava mos conhecimento com a instância habitualmente chamada de consciência mor al nós a incluiremos entre as grandes instituições do Eu ao lado da censura da consciência e do exame da realidade e encontraremos provas de que é capaz de adoecer por si própria No quadro clínico da melancolia a insatis fação moral com o próprio Eu é destacada relativamente a outras coisas defei tos físicos feiúra debilidade inferioridade social muito mais raramente são objeto da autoavaliação só o empobrecimento ocupa lugar privilegiado entre os temores ou dizeres do paciente A discrepância mencionada pode ser esclarecida por meio de uma obser vação que não é difícil de fazer Ouvindo com paciência as várias autoacus ações de um melancólico não conseguimos afinal evitar a impressão de que frequentemente as mais fortes entre elas não se adequam muito a sua própria pessoa e sim com pequenas modificações a uma outra que o doente ama amou ou devia amar Toda vez que examinamos o fato essa suposição é con firmada De maneira que temos a chave para o quadro clínico ao perceber as 132225 recriminações a si mesmo como recriminações a um objeto amoroso que deste se voltaram para o próprio Eu A mulher que deplora o fato de seu marido se achar ligado a uma mulher tão incapaz está na verdade acusando a incapacidade do marido em qualquer sentido que esta seja entendida Não devemos nos admirar muito de que haja algumas autorrecriminações genuínas entre aquelas voltadas contra si mesmo permitese que elas apareçam porque ajudam a ocultar as demais e a impossib ilitar o conhecimento da situação elas se originam também dos prós e contras no conflito amoroso que levou à perda amorosa A conduta dos doentes tam bém fica mais compreensível agora Para eles queixarse é dar queixa no velho sentido do termo Não se envergonham nem se escondem pois tudo de desabonador que falam de si mesmos se refere no fundo a outra pessoa E es tão longe de mostrar para com aqueles a seu redor a humildade e a sujeição que convêm a pessoas tão indignas pelo contrário são extremamente impor tunos agindo sempre como que ofendidos como se lhes tivesse sido feita uma grande injustiça Isso tudo é possível apenas porque as reações exibidas nesse seu comportamento ainda vêm da constelação psíquica da revolta que por um determinado processo foi transportada para a compunção melancólica Não há dificuldade então em reconstruir esse processo Havia uma escolha de objeto uma ligação da libido a certa pessoa por influência de uma real ofensa ou decepção vinda da pessoa amada ocorreu um abalo nessa relação de objeto O resultado não foi o normal a libido ser retirada desse objeto e deslocada para um novo e sim outro que parece requerer várias condições para se produzir O investimento objetal demonstrou ser pouco resistente foi cancelado mas a libido livre não foi deslocada para outro objeto e sim re cuada para o Eu Mas lá ela não encontrou uma utilização qualquer serviu para estabelecer uma identificação do Eu com o objeto abandonado Assim a sombra do objeto caiu sobre o Eu e a partir de então este pôde ser julgado por uma instância especial como um objeto o objeto abandonado Desse modo a perda do objeto se transformou numa perda do Eu e o conflito entre o Eu e a 133225 pessoa amada numa cisão entre a crítica do Eu e o Eu modificado pela identificação Uma ou duas coisas podem ser diretamente inferidas dos pressupostos e resultados de tal processo Por um lado deve ter havido uma forte fixação no objeto amoroso por outro e contrariando isso uma pequena resistência do in vestimento objetal Essa contradição parece requerer conforme uma pertin ente observação de Otto Rank que a escolha objetal tenha ocorrido sobre base narcísica de modo que o investimento objetal possa ao lhe aparecerem di ficuldades regredir ao narcisismo A identificação narcísica com o objeto se torna então substituto do investimento amoroso do que resulta que a relação amorosa não precisa ser abandonada apesar do conflito com a pessoa amada Tal substituição do amor objetal pela identificação é um mecanismo import ante nas afecções narcísicas Karl Landauer pôde mostrála recentemente no processo de cura de uma esquizofrenia3 Corresponde naturalmente à re gressão de um tipo de escolha de objeto ao narcisismo original Expusemos em outro lugar que a identificação é o estágio preliminar da escolha de objeto e o primeiro modo ambivalente em sua expressão como o Eu destaca um objeto Ele gostaria de incorporar esse objeto e isso conforme a fase oral ou canibal do desenvolvimento da libido por meio da devoração Abraham relaciona a isso justificadamente a recusa de alimentação que se apresenta na forma grave do estado melancólico A conclusão que pede nossa teoria de que a predisposição a adoecer de melancolia ou parte dela reside na predominância do tipo narcísico de escolha de objeto infelizmente ainda carece de confirmação através da pesquisa Nas frases iniciais deste estudo reconheci que o material empírico em que ele se ba seia não satisfaz nossas pretensões Se nos fosse permitido supor que a obser vação concorda com nossas inferências não hesitaríamos em acolher em nossa caracterização da melancolia a regressão do investimento objetal à fase oral da libido ainda pertencente ao narcisismo Identificações com o objeto também não são raras nas neuroses de transferência são mesmo um conhecido 134225 mecanismo de formação de sintomas sobretudo na histeria Mas podemos enxergar a diferença entre a identificação narcísica e a histérica no fato de naquela o investimento objetal ser abandonado enquanto nesta ele persiste e mostra influência que geralmente se limita a determinadas ações e inervações isoladas De todo modo também nas neuroses de transferência a identificação é expressão de algo em comum que pode ser amor A identificação narcísica é a mais antiga e nos abre o caminho para o entendimento da identificação histérica menos estudada Portanto a melancolia toma uma parte de suas características do luto e outra parte da regressão da escolha de objeto narcísica para o narcisismo Ela é por um lado como o luto reação à perda real do objeto amoroso mas além disso é marcada por uma condição que se acha ausente no luto normal ou que quando aparece transformao em patológico A perda do objeto amoroso é uma excelente ocasião para que a ambivalência das relações amorosas sobres saia e venha à luz Quando existe predisposição para a neurose obsessiva o conflito da ambivalência empresta ao luto uma configuração patológica e o leva a se exprimir em forma de autorrecriminações nas quais o indivíduo mesmo teria causado isto é desejado a perda do objeto de amor Essas depressões neuróticoobsessivas que se seguem à morte de pessoas amadas nos mostram o que o conflito da ambivalência realiza por si só quando não há também uma retração regressiva da libido As ocasiões para a melancolia ger almente não se limitam ao caso muito claro de perda em virtude da morte e abrangem todas as situações de ofensa menosprezo e decepção em que uma oposição de amor e ódio pode ser introduzida na relação ou uma ambivalência existente pode ser reforçada Entre as precondições da melancolia não deve mos negligenciar esse conflito da ambivalência que ora se origina na realid ade ora na constituição do indivíduo Se o amor ao objeto a que não se pode renunciar quando se tem de renunciar ao objeto mesmo refugiase na identificação narcísica o ódio atua em relação a esse objeto substitutivo insultandoo rebaixandoo fazendoo sofrer e obtendo uma satisfação sádica 135225 desse sofrimento O automartírio claramente prazeroso da melancolia signi fica tal como o fenômeno correspondente na neurose obsessiva a satisfação de tendências sádicas e de ódio4 relativas a um objeto que por essa via se vol taram contra a própria pessoa Nas duas afecções os doentes habitualmente conseguem através do rodeio da autopunição vingarse dos objetos originais e torturar seus amores por intermédio da doença depois que se entregaram a ela para não ter de lhes mostrar diretamente sua hostilidade A pessoa que pro vocou o distúrbio afetivo do doente e para a qual está orientada sua doença normalmente se encontra no círculo imediato dele Assim o investimento amoroso do melancólico em seu objeto experimentou um duplo destino parte dele regrediu à identificação mas outra parte sob a influência do conflito da ambivalência foi remetida de volta ao estágio do sadismo mais próximo desse conflito Apenas esse sadismo nos resolve o enigma da inclinação ao suicídio que torna a melancolia tão interessante e tão perigosa Nós percebemos como o estado primordial de onde parte a vida instintual um tão formidável amor do Eu a si próprio vemos liberarse na angústia gerada pela ameaça à vida um tal montante de libido narcísica que não entendemos como esse Eu pode con sentir na sua própria destruição Há muito sabíamos é verdade que um neurótico não abriga ideias de suicídio que não venham de um impulso hom icida em relação a outros voltado contra si mas era incompreensível o jogo de forças em que tal intenção consegue se tornar ato Agora a análise da melan colia nos ensina que o Eu pode se matar apenas quando graças ao retorno do investimento objetal pode tratar a si mesmo como um objeto quando é capaz de dirigir contra si a hostilidade que diz respeito a um objeto e que constitui a reação original do Eu a objetos do mundo externo ver Os instintos e seus destinos Assim na regressão da escolha de objeto narcísica o objeto foi eliminado é verdade mas demonstrou ser mais poderoso que o próprio Eu Nas duas situações opostas do total enamoramento e do suicídio o Eu é sub jugado pelo objeto embora por caminhos inteiramente diversos 136225 Quanto a uma característica notável da melancolia a proeminência do medo de empobrecer é plausível supor que deriva do erotismo anal arrancado de seus vínculos e transformado regressivamente A melancolia nos situa perante outras questões ainda para as quais não temos todas as respostas O fato de desaparecer após um certo tempo sem deixar traço de grandes mudanças é uma característica que partilha com o luto No caso deste tivemos a explicação de que é preciso tempo para a detal hada execução do mandamento do exame da realidade e depois desse trabalho o Eu tem liberada do objeto perdido a sua libido Podemos imaginar o Eu ocu pado em trabalho semelhante na melancolia nos dois casos faltanos a com preensão econômica do processo A insônia na melancolia atesta provavel mente a rigidez do estado a impossibilidade de cumprir a retirada geral de in vestimentos que o sono requer O complexo da melancolia se comporta como uma ferida aberta de todos os lados atrai energias de investimento que chamamos de contrainvestimentos no caso das neuroses de transferência e esvazia o Eu até o completo empobrecimento com facilidade pode se mostrar resistente ao desejo de dormir do Eu Um fator provavelmente somático que não se explica de forma psicogênica apresentase na atenuação que costuma ocorrer nesse estado depois que anoitece Ligada a essas observações está a questão de se não bastaria uma perda no Eu sem consideração do objeto para produzir o quadro da melancolia e se um empobrecimento tóxico direto da li bido do Eu não poderia resultar em certas formas da doença A peculiaridade mais singular e mais carente de explicação na melancolia consiste na tendência a se transformar em mania um estado com sintomas opostos aos dela Não é toda melancolia que tem esse destino como se sabe Muitos casos evoluem com recidivas periódicas em cujos intervalos perce bemos muito pouca ou nenhuma tonalidade de mania Outros exibem a regular alternância de fases melancólicas e maníacas que levou à proposição de uma loucura cíclica Seria tentador não apreender esses casos como 137225 psicogênicos se o trabalho psicanalítico não tivesse permitido solucionar e in fluir terapeuticamente em vários deles Portanto é não apenas lícito mas até mesmo imperioso estender à mania a explicação psicanalítica da melancolia Não posso prometer que essa tentativa será completamente satisfatória Na realidade ela deve apenas tornar possível uma orientação inicial Dispomos aqui de dois pontos para nos sustentarmos o primeiro uma impressão psic analítica o outro o que poderíamos chamar de uma experiência econômica geral A impressão já comunicada por diversos pesquisadores psicanalíticos é que a mania não tem conteúdo diferente da melancolia que as duas afecções lutam com o mesmo complexo ao qual o Eu provavelmente sucumbe na melancolia enquanto na mania ele o sobrepuja ou põe de lado O outro ponto de partida nos é dado pela experiência de que em todos os estados de alegria júbilo triunfo que nos fornecem o modelo normal da mania percebemse os mesmos determinantes econômicos Nesses estados uma interferência torna afinal desnecessário um grande dispêndio de energia psíquica por muito tempo mantido ou feito por hábito de modo que ela fica disponível para outros usos e possibilidades de descarga Por exemplo quando um pobrediabo é subita mente aliviado da crônica preocupação em obter o pão diário ao ganhar uma enorme soma de dinheiro quando uma prolongada e trabalhosa peleja é final mente coroada de êxito quando alguém consegue livrarse de uma só vez de uma opressiva coerção de uma dissimulação que se arrastou por longo tempo etc Todas essas situações se distinguem pelo ânimo elevado pelos sinais de descarga de uma emoção jubilosa e por uma maior propensão a todo tipo de ação exatamente como a mania e em absoluto contraste com a depressão e a inibição que há na melancolia Podemos arriscar a afirmação de que a mania não é senão um triunfo desse tipo com a diferença de que nela permanece oculto ao Eu aquilo que superou e sobre o que está triunfando A embriaguez alcoólica que pertence à mesma classe de estados poderá na medida em que for alegre ser explicada da mesma forma tratase provavelmente da suspensão obtida por via tóxica do dispêndio com a repressão A opinião 138225 leiga tende a imaginar que a pessoa em tal condição maníaca tem muito gosto no movimento e na ação porque está bem disposta Esse falso vínculo deve ser desfeito naturalmente Foi cumprida a mencionada condição econômica na psique por causa disso a pessoa se acha por um lado de ânimo tão alegre e de outro tão desinibida na ação Se reunimos esses dois pontos temos o seguinte Na mania o Eu tem de haver superado a perda do objeto ou o luto devido à perda ou talvez o próprio objeto e fica então disponível todo o montante de contrainvesti mento que o doloroso sofrimento da melancolia havia atraído do Eu e vincu lado Ao lançarse como um faminto em busca de novos investimentos de ob jeto o maníaco também mostra inequivocamente sua libertação do objeto com o qual sofreu Essa explicação soa plausível mas é primeiro ainda pouco precisa e se gundo faz surgirem mais questões e dúvidas do que podemos responder Não nos furtaremos a uma discussão delas ainda que não possamos esperar através dessa discussão encontrar o caminho da clareza Em primeiro lugar o luto normal também supera a perda do objeto e ab sorve enquanto dura todas as energias do Eu Por que então uma vez decor rido não há sequer indícios de se produzir a condição econômica para uma fase de triunfo Acho impossível responder de imediato a essa objeção Ela nos lembra que nem mesmo somos capazes de dizer por quais meios econômicos o luto realiza sua tarefa Mas talvez uma conjectura possa ajudar quanto a isso A cada uma das recordações e expectativas que mostram a libido ligada ao objeto perdido a realidade traz o veredicto de que o objeto não mais existe e o Eu como que posto diante da questão de partilhar ou não esse destino é conven cido pela soma das satisfações narcísicas em estar vivo a romper seu vínculo com o objeto eliminado Podemos imaginar que esse rompimento ocorra de modo tão lento e gradual que ao fim do trabalho também o dispêndio que ele requeria foi dissipado5 139225 É tentador buscar a partir dessa conjectura sobre o trabalho do luto o caminho para uma descrição do trabalho da melancolia Nisso logo deparamos com uma incerteza Até o momento quase não consideramos o ponto de vista topológico na melancolia e não nos perguntamos em quais e entre quais sis temas psíquicos acontece o trabalho da melancolia Dos processos psíquicos dessa afecção o que ainda se passa relacionado aos investimentos objetais in conscientes abandonados e o que relacionado a seu substituto por identi ficação dentro do Eu A resposta rápida e fácil seria que a representação inconsciente da coisa do objeto é abandonada pela libido Mas na realidade essa representação é constituída de inúmeras impressões singulares traços inconscientes delas e a execução dessa retirada de libido não pode ser um evento momentâneo e sim como no luto um processo demorado de lento progresso É difícil dizer se começa em muitos lugares ao mesmo tempo ou se comporta alguma sequência determinada nas análises podese frequentemente verificar que ora esta ora aquela recordação é ativada e que as queixas sempre iguais fatigantes em sua monotonia têm origem numa fundamentação inconsciente diferente a cada vez Se o objeto não tem para o Eu uma grande significação reforçada por mil nexos então sua perda não é capaz de produzir luto ou melancolia Portanto a característica de executar passo a passo o desligamento da libido deve ser at ribuída igualmente ao luto e à melancolia baseiase provavelmente na mesma situação econômica e serve às mesmas tendências Mas a melancolia como vimos tem algo mais no conteúdo que o luto nor mal Nela a relação com o objeto não é simples sendo complicada pelo con flito da ambivalência Essa é ou constitucional isto é própria de todo vínculo amoroso desse Eu ou nasce das vivências ocasionadas pela ameaça da perda do objeto Por isso a melancolia no tocante aos motivos pode ultrapassar bastante o luto que via de regra é desencadeado somente pela perda real a morte do objeto Portanto na melancolia travamse inúmeras batalhas em torno do objeto nas quais ódio e amor lutam entre si um para desligar a libido 140225 do objeto o outro para manter essa posição da libido contra o ataque Não podemos situar essas lutas em outro sistema que não o Ics a região dos traços mnemônicos das coisas em oposição aos investimentos de palavras Lá tam bém ocorrem as tentativas de desligamento no luto mas nesse último nada im pede que esses processos continuem pela via normal até a consciência através do Pcs Esse caminho se acha bloqueado para o trabalho da melancolia talvez devido a muitas causas ou à ação conjunta de causas A ambivalência constitu cional pertence em si ao reprimido as vivências traumáticas com o objeto po dem ter ativado outro material reprimido Assim tudo que diz respeito a esses conflitos da ambivalência permanece subtraído à consciência até que sobre vém o desenlace característico da melancolia Ele consiste como sabemos em que o investimento libidinal ameaçado abandona finalmente o objeto mas apenas a fim de se retirar para o lugar do Eu de onde havia partido Refugiandose no Eu o amor escapa à eliminação Após essa regressão da li bido o processo pode se tornar consciente e é representado na consciência como um conflito entre uma parte do Eu e a instância crítica Portanto o que a consciência vem a saber do trabalho da melancolia não é a parte essencial dele nem aquela a que podemos atribuir influência na resol ução da doença Vemos que o Eu se deprecia e se enraivece consigo e assim como o doente não compreendemos aonde isso pode levar e como pode mudar É antes à parte inconsciente do trabalho que podemos atribuir aquela função pois não é difícil enxergar uma analogia essencial entre o trabalho do luto e o da melancolia Assim como o luto leva o Eu a renunciar ao objeto declarandoo morto e oferecendo ao Eu o prêmio de continuar vivo do mesmo modo cada conflito da ambivalência relaxa a fixação da libido no objeto desvalorizandoo depreciandoo até abatendoo por assim dizer Há a possibilidade de que o processo chegue ao fim no sistema Ics seja após a raiva ter se esgotado seja após o objeto haver sido abandonado por não ter valor Ignoramos qual dessas duas possibilidades põe fim à melancolia regular mente ou com maior frequência e como esse término influencia o curso 141225 posterior do caso Nisso o Eu talvez desfrute a satisfação de poder se enxergar como o melhor como superior ao objeto Ainda que aceitemos essa concepção do trabalho da melancolia ela não pode nos fornecer a explicação que procuramos Analogias tomadas de outras áreas poderiam apoiar nossa expectativa de derivar a condição econômica para o surgimento da mania após transcorrida a melancolia da ambivalência que governa essa afecção mas há um fato que desmente essa expectativa Dos três pressupostos da melancolia perda do objeto ambivalência e regressão da li bido para o Eu os dois primeiros são também encontrados em recrimin ações obsessivas após casos de morte Nestes é a ambivalência que certamente constitui a mola do conflito e a observação mostra que passado ele nada resta que semelhe o triunfo de uma disposição maníaca Isso nos leva a considerar o terceiro fator como o único influente Aquele acúmulo de investimento inicial mente vinculado que após o término do trabalho da melancolia é liberado e torna possível a mania deve estar ligado à regressão da libido ao narcisismo O conflito no Eu que a melancolia troca pela luta pelo objeto deve atuar como uma dolorosa ferida que pede um contrainvestimento extraordinaria mente elevado Mas será conveniente nos determos aqui e deixar um maior es clarecimento da mania para quando tivermos alguma compreensão da natureza econômica da dor física primeiramente e depois da dor psíquica que lhe é an áloga Pois bem sabemos que a interrelação dos complexos problemas psíqui cos nos faz interromper cada investigação e deixála inconclusa até que os res ultados de uma outra possam vir em auxílio dela6 Luto Trauer é pertinente registrar que esse termo alemão significa tanto luto como tristeza assim o equivalente em português do adjetivo traurig é triste No original somatisch aqui caberia provavelmente o termo orgânicas pois uma doença somática ainda pode ser psicossomática 142225 1 Abraham a quem devemos o mais relevante dos poucos estudos psicanalíticos sobre o tema também partiu dessa comparação em Zentralblatt für Psychoanalyse v 2 n 6 1912 Abatimento Verstimmung no original Além das versões indicadas numa nota a Os instin tos e seus destinos p 59 foram consultadas duas outras ao se traduzir este ensaio uma em português assinada por Marilene Carone Jornal de Psicanálise v 36 1985 e mais uma em francês por J Laplanche e JB Pontalis no volume Métapsychologie Paris Gallimard 1968 Eis o que todas elas apresentam nesse caso desânimo estado de animo desazón scoramento dépression humeur dépressive dejection Autoestima Selbstgefühl que também pode ser traduzido por amorpróprio nas ver sões consultadas encontramos sentimento de autoestima amor propio sentimiento de si senti mento di sé sentiment destime de soi sentiment de soi selfregarding feelings na tradução de Marilene Carone uma nota chama a atenção para o prefixo selbst para o grande número de pa lavras em que ele aparece e afirma que a profusão de termos selbst certamente encontra seu sentido mais profundo na articulação teórica do próprio texto e reflete a importância do movi mento de retorno à própria pessoa descrito em Pulsões e seus destinos ela prefere pulsão para Trieb como o segundo destino pulsional Desimpedido ungehemmt cuja tradução literal adotada nas outras versões é não inibido desinibido mas adotamos aqui essa alternativa por considerar que em português no por tuguês do Brasil pelo menos desinibido denota alguém descontraído extrovertido O verbo hemmen significa obstruir impedir deter estorvar mas seu substantivo Hemmung é normalmente traduzido por inibição como no título Inibição sintoma e angústia o que im plica um certo abrandamento do significado original a nosso ver O termo aqui usado por Freud é Ichgefühl variantesinônimo de Selbstgefühl e por isso traduzido pelo equivalente desse cf nota à p 172 Das versões consultadas quatro mantiveram essa tradução enquanto a nova espanhola argentina e as duas francesas preferi ram mais literalmente sentimiento yoico sentiment destime du moi e sentiment du moi 2 Use every man after his desert and who should scape whipping Trate cada homem conforme seu mérito e quem escapará do açoite Hamlet ato ii cena 2 Amorpróprio Selbstachtung que nas versões consultadas foi traduzido por autorrespeito propia estimación respeto por si mismo rispetto di sé respect de soi idem self regard Consciência moral Gewissen a língua alemã tem essa palavra para designar a consciência moral e uma outra Bewußtsein para a consciência psicológica diferentemente das línguas 143225 românicas em que consciência tem os dois sentidos cf Nietzsche Além do bem e do mal op cit nota 14 Para eles queixarse é dar queixa Ihre Klagen sind Anklagen Foi adotada a solução de Marilene Carone que conserva o jogo de palavras do original Das demais versões consulta das a segunda em espanhol que utiliza queixa e querela seria outra opção em português eis o que elas dizem Sus lamentos son quejas Sus quejas Klagen sic entre chaves son real mente querellas Anklagen Le loro lamentele sono lagnanze Leurs plaintes sont des plaintes portées contre Leurs plaintes sont des plaintes accusatrices Their complaints are really plaints Quase todas incluem nota com os termos originais O problemático verbo erraten foi traduzido por inferir nessa frase as versões consultadas oferecem perceber deducir coligir omissão na italiana deviner idem inferred Na frase seguinte resistência traduz Resistenz que não deve ser confundido com Widerstand usado por Freud para denotar o conceito psicanalítico de dificultação ou oposição ao conhecimento do inconsciente esse termo alemão é mais abrangente que aquele tem mais sentidos figurados 3 Spontanheilung einer Katatonie Cura espontânea de uma catatonia Internationale Zeits chrift für ärztliche Psychoanalyse v 2 1914 4 Sobre a diferença entre elas ver o ensaio sobre Os instintos e seus destinos 5 Até agora o ponto de vista econômico recebeu pouca atenção nos trabalhos psicanalíticos Uma exceção é o artigo de Victor Tausk Entwertung des Verdrängungsmotives durch RekompenseDesvalorização por recompensa do motivo da repressão Internationale Zeits chrift für ärztliche Psychoanalyse v 1 1913 Representação inconsciente da coisa do objeto unbewußte Ding Vorstellung des Ob jekts Freud usa o sinônimo Ding em vez de Sache ver nota sobre a versão de Wortvorstellung e Sachvorstellung em O inconsciente p 146 Situação Verhältnisse o termo Verhältnis no singular significa relação também amorosa já o plural aqui usado tem também os sentidos de situação circunstâncias por isso as traduções consultadas variam relações circunstancias proporciones circostanze situ ation rapports situation 6 Ver prosseguimento deste exame da mania em Psicologia das massas e análise do Eu 1921 cap xi 144225 COMUNICAÇÃO DE UM CASO DE PARANOIA QUE CONTRADIZ A TEORIA PSICANALÍTICA 1915 TÍTULO ORIGINAL MITTTEILUNG EINES DER PSYCHOANALYTISCHEN THEORIE WIDERSPRECHENDEN FALLES VON PARANOIA PUBLICADO PRIMEIRAMENTE EM INTERNATIONALE ZEITSCHRIFT FÜR ÄRZTLICHE PSYCHOANALYSE REVISTA INTERNACIONAL DE PSICANÁLISE MÉDICA V 3 N 6 PP 3219 TRADUZIDO DE GESAMMELTE WERKE X PP 23446 TAMBÉM SE ACHA EM STUDIENAUSGABE VII PP 20516 Há alguns anos um conhecido advogado solicitou minha opinião sobre um caso cuja apreciação lhe parecia problemática Uma jovem dama se dirigira a ele em busca de auxílio contra as perseguições de um homem que a induzira a um relacionamento amoroso Ela afirmou que esse homem abusara de sua do cilidade fazendo espectadores ocultos tirarem fotografias de seus encontros íntimos e tinha o poder então de difamála com a exibição dessas imagens e obrigála a abandonar o emprego Seu conselheiro legal era experiente o bastante para perceber o traço doentio dessa acusação mas achou que hav endo tantas coisas na vida que podemos julgar incríveis seria útil ouvir a opin ião de um psiquiatra sobre a questão Prometeu visitarme acompanhado da queixosa em outra ocasião Antes de prosseguir com meu relato devo confessar que mudei a ponto de tornálo irreconhecível o ambiente do caso a ser investigado mas nada além disso Considero um abuso aliás distorcer os traços de uma história clínica ainda que seja pelos melhores motivos pois é impossível sabermos qual as pecto do caso um leitor de juízo independente ressaltará havendo o risco de induzilo a erros A paciente que logo depois conheci era uma moça de trinta anos excep cionalmente bonita e graciosa Parecia bem mais jovem do que a idade de clarada e tinha uma presença marcadamente feminina Em relação ao médico sua atitude foi negativa e não se empenhou em ocultar a desconfiança Era claro que apenas a insistência do advogado a fez relatar a seguinte história que me colocou um problema que mais adiante abordarei Nem as expressões de seu rosto nem as revelações afetivas traíam algum pudor ou embaraço como seria de esperar ante um desconhecido Achavase dominada pela preocupação que sua experiência havia produzido Havia anos era funcionária de uma grande firma na qual possuía um cargo de responsabilidade com satisfação própria e de seus superiores Nunca havia procurado relações amorosas com homens vivia sossegadamente com a mãe idosa da qual era o único arrimo Não tinha irmãos e o pai havia morrido muitos anos antes Ultimamente um empregado do mesmo escritório se aproximara dela um homem cultivado e encantador ao qual ela também não pôde recusar sua simpatia Circunstâncias externas tornavam impossível o matrimônio mas o homem não se dispunha absolutamente a desistir da relação por causa disso Ele argumentou que era absurdo devido a convenções sociais renunciar a tudo o que ambos desejavam a que tinham pleno direito e que contribuía mais que qualquer outra coisa para o enriquecimento da vida Como ele prometeu não expôla a nenhum perigo ela concordou afinal em visitálo na sua morada de solteiro durante o dia Lá houve beijos e abraços eles deitaramse um ao lado do outro ele admiroulhe a beleza parcialmente desnudada No meio desse idílio ela se assustou repentinamente com um barulho uma espécie de batida ou clique Veio do lado da escrivaninha que ficava perpendicular à janela O espaço entre a janela e essa mesa era tomado parcialmente por uma pesada cortina Ela contou que de imediato perguntara ao amigo sobre esse barulho ouvindo como resposta que provavelmente vinha do pequeno relógio que ficava sobre a mesa tomarei a liberdade de fazer um comentário mais adiante acerca dessa parte do relato Quando deixou o prédio deu com dois homens na escada que ao vêla sussurraram algo entre si Um desses dois desconhecidos carregava um objeto embrulhado algo como uma caixa Esse episódio ocupou seus pensamentos no caminho de casa fez a seguinte concatenação de ideias a caixa podia muito bem ser um aparelho fotográfico e o homem que a levava um fotógrafo que enquanto ela estava no quarto ficara escondido atrás da cortina e o ruído que ela escutara o clique do disparador da máquina depois que o homem obtivera a situação comprometedora que desejava registrar A partir desse momento nada pôde acabar com as suspeitas que nutria em relação ao amado instava com ele oralmente e por escrito para que lhe desse explicações e a tranquil izasse e recriminavao mas era indiferente às asseverações que dele partiam a respeito da sinceridade dos seus sentimentos e da falta de fundamento daquela desconfiança Enfim ela procurou o advogado narroulhe o acontecido e 147225 passoulhe as cartas que o suspeito lhe enviara sobre o tema Pude ver algumas dessas cartas depois fizeramme uma ótima impressão Seu principal teor era o lamento de que uma tão bela e carinhosa relação fosse destruída por tal ideia infeliz e doentia Não requer justificação creio o fato de o meu julgamento haver sido o mesmo do acusado Mas o caso teve para mim um interesse diverso daquele puramente diagnóstico Afirmavase na literatura psicanalítica que o para noico luta contra uma intensificação de suas tendências homossexuais algo que remete no fundo a uma escolha narcísica de objeto Sustentavase tam bém que o perseguidor no fundo é alguém que o indivíduo ama ou amou Da junção dessas duas teses resulta que o perseguidor tem de ser do mesmo sexo que o perseguido É certo que não vimos como universalmente válida e sem exceções a proposição de que a homossexualidade condiciona a paranoia mas isso apenas porque nossas observações não eram suficientemente numerosas Por outro lado ela era uma dessas proposições que devido a certas consider ações são significativas apenas quando podem reivindicar universalidade Na literatura psiquiátrica não faltavam sem dúvida casos em que o doente se acreditava perseguido por parentes do outro sexo mas ler esses casos não produzia a mesma impressão que ter um deles diante de si O que eu e meus amigos pudéramos observar e analisar havia facilmente confirmado a relação da paranoia com a homossexualidade E esse caso depunha resolutamente con tra isso A garota parecia rejeitar o amor a um homem transformando o amado diretamente em perseguidor não havia traço da influência de uma mul her de revolta contra um vínculo homossexual Ante esse estado de coisas o mais simples era renunciar à validez geral da teoria de que a mania de perseguição depende da homossexualidade e a tudo o mais que a ela se relacionava Era preciso abandonar essa percepção se não quiséssemos levados por essa decepção de nossas expectativas assumir a posição do advogado e como ele admitir uma vivência corretamente inter pretada em vez de uma combinação paranoica Mas eu divisei uma outra 148225 saída que permitia protelar a decisão Lembreime de que frequentemente nos víramos na situação de julgar erradamente um doente psíquico porque não nos havíamos ocupado dele o suficiente chegando a conhecêlo muito pouco Declarei então que não podia formular um juízo no momento e lhe pedi que me visitasse novamente a fim de me narrar a história de maneira mais circun stanciada com todos os pormenores secundários talvez omitidos então Com o auxílio do advogado obtive a concordância da relutante paciente Ele também me ajudou de outra forma ao dizer que sua presença seria desnecessária na se gunda entrevista O segundo relato da paciente não invalidou o primeiro mas fezlhe acrésci mos de tal monta que todas as dúvidas e dificuldades desapareceram Antes de tudo ela não visitara o jovem homem apenas uma vez e sim duas No se gundo encontro é que foi incomodada pelo ruído que veio a lhe provocar sus peitas o primeiro ela havia omitido ou ocultado em sua primeira comu nicação porque não lhe parecera significativo Nele não ocorreu nada digno de nota mas no dia seguinte sim O departamento da grande firma onde ela trabalhava era dirigido por uma senhora de idade que ela descreveu com estas palavras Ela tem os cabelos brancos como minha mãe Essa senhora costumava tratála carinhosamente às vezes até com gracejos e ela se consid erava sua favorita No dia após a primeira visita ao jovem funcionário ele apareceu para informar a senhora sobre algo ligado ao serviço e enquanto fa lava com ela em voz baixa surgiu na garota a certeza de que ele lhe contava sobre a aventura do dia anterior de que tinha até mesmo um relacionamento antigo com a chefe que ela não havia percebido até então A senhora maternal e de cabelos brancos soube de tudo naquele momento ela acreditou e no de correr do dia pôde reforçar a suspeita com base na conduta e em várias mani festações da senhora Logo aproveitou uma oportunidade para exigir do amado explicações sobre aquela traição Naturalmente ele protestou de forma enérgica contra o que chamou de imputação absurda e conseguiu de fato livrála da ideia delirante naquela vez de modo que por algum tempo 149225 algumas semanas creio ela recuperou a confiança e tornou a visitálo em seu apartamento O restante já sabemos do primeiro relato As novas informações eliminam a dúvida quanto à natureza patológica das suspeitas em primeiro lugar Facilmente se nota que a superiora de cabelos brancos é um sucedâneo da mãe que o amante apesar de sua juventude foi posto no lugar do pai e que é a força do complexo relativo à mãe que leva a paciente a imaginar uma relação amorosa entre dois parceiros tão improváveis Com isso vai embora também a aparente contradição em relação à expectativa alimentada pela teoria psicanalítica de que um vínculo homossexual forte seria a precondição para o desenvolvimento de uma mania de perseguição O perseguidor original a instância a cuja influência o indivíduo quer se furtar não é aqui o homem mas a mulher A chefe sabe da ligação amorosa da ga rota menospreza essa ligação e a faz perceber isso com alusões misteriosas O vínculo com o mesmo sexo contraria o esforço em adotar um membro do outro sexo como objeto amoroso O amor à mãe tornase o portavoz de todos os impulsos que no papel de consciência procuram deter a garota em seu primeiro passo no caminho novo perigoso em muitos sentidos da satisfação sexual normal e consegue perturbar a relação com o homem Quando a mãe inibe ou detém a atividade sexual da filha realiza uma fun ção normal já traçada nas relações da infância que possui fortes motivações inconscientes e tem a sanção da sociedade Cabe à filha libertarse dessa in fluência e com base em motivos amplos racionais decidirse por um certo grau de permissão ou negação do prazer sexual Se nessa tentativa de liberação sucumbe a uma neurose via de regra existe um forte complexo relativo à mãe não dominado cujo conflito com a nova tendência libidinal será resolvido se gundo a predisposição na forma dessa ou daquela neurose Em todo caso os fenômenos da reação neurótica não serão determinados pela relação presente com a mãe real mas pelas relações infantis com a imagem primeva da mãe A paciente nos disse que há muitos anos perdera o pai e podemos supor que não teria permanecido afastada dos homens até os trinta anos se uma forte 150225 ligação afetiva à mãe não lhe tivesse servido de amparo Esse amparo se torna um pesado grilhão para ela desde que sua libido em resposta a uma solicit ação insistente começa a voltarse para um homem Ela procura livrarse dele desembaraçarse de seu vínculo homossexual Sua predisposição de que não necessitamos falar aqui permite que isso suceda na forma de um delírio paranoico A mãe se torna então observadora e perseguidora hostil malé vola Ela poderia ser superada como tal se o complexo relativo à mãe não mantivesse o poder de impor sua intenção de afastála dos homens No fim dessa primeira fase do conflito ela se alienou da mãe e não se ligou ao homem Ambos conspiram contra ela afinal Então o vigoroso empenho do homem consegue atraíla resolutamente para si Ela supera a objeção da mãe e está dis posta a conceder ao amado um novo encontro A mãe já não aparece nos acontecimentos seguintes mas podemos insistir em que nessa fase o homem amado não se torna o perseguidor diretamente e sim através da mãe e graças à sua relação com a mãe que na primeira formação delirante tem o papel principal Agora seria de crer que a resistência foi definitivamente superada e que a garota até então vinculada à mãe consegue amar um homem Mas após o se gundo encontro surge um novo delírio que mediante hábil utilização de al guns acasos faz malograr esse amor e assim realiza o propósito do complexo relativo à mãe Ainda nos parece estranho que uma mulher se defenda do amor de um homem com ajuda de um delírio paranoico Mas antes de examinar mais de perto esse fato vamos ver os acasos em que se fundamenta a segunda form ação delirante voltada apenas para o homem Semidesnuda no divã estendida junto ao amante ela ouve um barulho como um clique ou uma batida cuja causa não conhece mas que depois inter preta após deparar com dois homens na escada um deles carregando algo como uma caixa embrulhada Ela adquire a convicção de que eles a espreit aram e fotografaram durante o encontro íntimo a mando de seu amante Estamos longe de pensar naturalmente que se não fosse o infeliz ruído a 151225 formação delirante não se produziria Reconhecemos por trás desses acasos isto sim algo necessário que teria de se impor obsessivamente tal como a hipótese de uma relação amorosa entre o amante e a mulher idosa eleita para sucedâneo da mãe A observação do ato sexual dos pais é um elemento que falta raramente no repertório das fantasias inconscientes que mediante a anál ise podem ser encontradas em todos os neuróticos provavelmente em todas as pessoas Chamo essas fantasias as da observação do comércio amoroso dos pais da sedução da castração e outros de fantasias primárias e em outro lugar investigarei sua origem e sua relação com a experiência individual De modo que o ruído casual funciona apenas como provocação que desencadeia a fantasia típica de espreitar a intimidade dos pais parte do complexo a eles re lativo Sim é discutível que possamos denominálo casual Segundo a ob servação que me fez Otto Rank é antes parte necessária da fantasia de espreit ar e reproduz ou o ruído que denuncia a relação dos genitores ou também aquele pelo qual a criança que escuta receia denunciarse Mas logo vemos em que terreno nos achamos O amante é ainda o pai e o lugar da mãe é tomado por ela mesma Então a escuta deve ser atribuída a uma pessoa desconhecida Tornase claro para nós de que maneira ela se libertou da dependência ho mossexual da mãe Com uma pequena regressão em vez de tomar a mãe como objeto amoroso identificouse com ela tornouse ela própria a mãe A possib ilidade dessa regressão aponta para a origem narcísica de sua escolha homos sexual de objeto e assim para a predisposição ao adoecimento paranoico nela existente É possível esboçar um raciocínio que leva ao mesmo resultado que essa identificação Se minha mãe faz isso também posso tenho o mesmo direito que minha mãe Podese dar um passo adiante na eliminação das casualidades sem exigir que o leitor nisso nos acompanhe pois a ausência de uma investigação analít ica aprofundada torna impossível neste caso ir além de uma certa probabilid ade A doente afirmou em nossa primeira conversa que ela havia perguntado imediatamente sobre a causa do ruído obtendo a resposta de que 152225 provavelmente vinha do pequeno relógio sobre a mesa Tomarei a liberdade de explicar essa comunicação como um equívoco da memória Pareceme bem mais plausível que primeiramente ela não tivesse qualquer reação ao ruído e que apenas depois do encontro com os dois homens na escada ele lhe parecesse significativo O amante talvez não tenha ouvido o barulho e fez a tentativa de explicação envolvendo o relógio depois quando assediado pela suspeita da ga rota Não sei o que você pode ter ouvido talvez o relógio que às vezes faz um ruído Essa utilização a posteriori de impressões e esse deslocamento das recordações são frequentes na paranoia e dela característicos Mas como nunca falei com o jovem nem pude prosseguir a análise da moça não há como provar minha suposição Eu poderia ousar ir mais adiante na análise das supostas casualidades Não creio que o relógio tenha batido ou que tenha havido algum ruído A situação em que ela estava justificava uma sensação de batimento ou palpitação no clitóris Foi isso então que ela projetou para fora a posteriori como per cepção de um outro objeto Algo bastante similar é possível no sonho Uma de minhas pacientes histéricas relatou certa vez um breve sonho que a fazia des pertar com o qual nenhuma associação se produzia Ele era o seguinte Houve uma batida na porta e ela acordou Ninguém havia batido na porta mas nas noites anteriores ela havia despertado com penosas sensações de polução e en tão quis acordar tão logo sentiu os primeiros sinais de excitação genital Havia batido no clitóris Eu gostaria de colocar em nossa paranoica essa mesma projeção no lugar do ruído ocasional Certamente não posso garantir que em nosso breve conhecimento com todos os sinais de uma desagradável im posição a doente me fornecesse um relato fiel do acontecido nos dois encon tros amorosos mas uma contração isolada do clitóris combinaria com sua afirmação de que não houve união dos genitais Na subsequente rejeição do homem a insatisfação certamente desempenhou um papel ao lado da consciência 153225 Voltemos agora ao fato singular de a paciente se defender do amor ao homem com a ajuda de um delírio paranoico A história do desenvolvimento desse delírio fornece a chave para a sua compreensão Originalmente como podíamos esperar ele era dirigido à mulher mas então se realizou no terreno da paranoia o avanço da mulher para o homem como objeto Um tal avanço não é comum na paranoia via de regra vemos que o perseguido permanece fixado nas mesmas pessoas ou seja no mesmo sexo sobre o qual recaía sua escolha amorosa antes da transformação paranoica Mas a enfermidade neurótica não o exclui nossa observação pode ser exemplar para muitas outras Existem fora da paranoia muitos processos semelhantes que até hoje não foram consid erados sob essa perspectiva entre eles alguns bastante conhecidos Por exem plo os assim chamados neurastênicos são impedidos por sua ligação incon sciente a objetos amorosos incestuosos de tomar outra mulher como objeto e sua atividade sexual é limitada à fantasia Mas no terreno da fantasia ele realiza o avanço que lhe foi negado e pode substituir mãe e irmã por outros objetos Como nestes está ausente a objeção da censura a escolha dessas pessoas substitutas tornase consciente para ele em suas fantasias Os fenômenos de um avanço tentado a partir de novo terreno em geral conquistado regressivamente colocamse ao lado dos esforços empreendidos em várias neuroses de readquirir uma posição da libido que já se teve mas foi perdida É difícil separar conceitualmente essas duas séries de fenômenos Inclinamonos demais a pensar que o conflito subjacente à neurose termina com a formação do sintoma Na verdade a luta prossegue variadamente após a formação do sintoma De ambos os lados surgem novos componentes instin tuais que a continuam O próprio sintoma tornase objeto dessa luta impulsos que buscam afirmálo medemse com outros empenhados em removêlo e restabelecer o estado anterior Com frequência buscamse meios de tirar o val or do sintoma tratando de reconquistar por outros acessos o que foi perdido e que o sintoma recusa Tal situação lança alguma luz sobre uma colocação de C G Jung segundo a qual uma peculiar inércia psíquica que se opõe à 154225 mudança e ao avanço é a precondição básica da neurose De fato essa inércia é muito peculiar não é geral mas altamente especializada mesmo em seu âm bito não governa sozinha mas luta com tendências ao avanço e à restauração que ainda após a formação de sintomas da neurose não descansam Investigandose o ponto de partida dessa inércia especial ela se revela como a manifestação de laços há muito ocorridos e dificilmente desatáveis de instin tos com impressões e os objetos nelas presentes laços que detiveram a evolução desses componentes instintuais Ou dito de outro modo essa inér cia psíquica especializada é apenas uma expressão diferente dificilmente mel hor para aquilo que na psicanálise estamos habituados a chamar de fixação E como ele admitir uma vivência corretamente interpretada em vez de uma combinação paranoica und wie er ein richtig gedeutetes Erlebnis anstatt einer paranoischen Kombination an zuerkennen Essa afirmação não condiz plenamente com a atitude atribuída ao advogado no parágrafo inicial do ensaio O verbo alemão utilizado klopfen pode significar também pulsar como em o sangue pulsoulhe nas veias além de bater como em bateram na porta 155225 CONSIDERAÇÕES ATUAIS SOBRE A GUERRA E A MORTE 1915 TÍTULO ORIGINAL ZEITGEMÄSSES ÜBER KRIEG UND TOD OS DOIS SUBTÍTULOS ORIGINAIS SÃO DIE ENTTÄUSCHUNG DES KRIEGES E UNSER VERHÄLTNIS ZUM TODE PUBLICADO PRIMEIRAMENTE EM IMAGO V 4 N 1 PP 121 TRADUZIDO DE GESAMMELTE WERKE X PP 32455 TAMBÉM SE ACHA EM STUDIENAUSGABE IX PP 3360 I A DESILUSÃO CAUSADA PELA GUERRA Apanhados no torvelinho desse tempo de guerra informados de maneira uni lateral sem distanciamento das grandes mudanças que já ocorreram ou estão para ocorrer e sem noção do futuro que se configura ficamos nós mesmos per didos quanto ao significado das impressões que se abalam sobre nós e quanto ao valor dos julgamentos que formamos Quer nos parecer que jamais um acontecimento destruiu tantos bens preciosos da humanidade jamais confun diu tantas inteligências das mais lúcidas e degradou tão radicalmente o que era elevado Até mesmo a ciência perdeu sua desapaixonada imparcialidade pro fundamente exasperados seus servidores buscam extrairlhe armas para dar contribuição à luta contra os inimigos O antropólogo tem que declarar o ad versário um ser inferior e degenerado o psiquiatra tem que diagnosticar nele uma perturbação espiritual ou psíquica Mas provavelmente sentimos o mal desse tempo com intensidade desmedida não tendo o direito de comparálo com aquele de tempos que não vivenciamos O indivíduo que não se tornou um combatente e portanto uma partícula da enorme máquina da guerra sentese perplexo quanto à sua orientação e ini bido em sua capacidade de realização Penso que acolherá de bom grado qualquer pequena indicação que o ajude a situarse pelo menos no seu próprio íntimo Entre os fatores responsáveis pela miséria psíquica dos não combat entes contra os quais é tão difícil eles lutarem gostaria de destacar dois e de abordálos aqui Eles são a desilusão provocada pela guerra e a diferente atit ude ante a morte à qual ela como todas as guerras nos obrigou Quando falo de desilusão cada um sabe de imediato o que isso significa Não é preciso ser um entusiasta da compaixão podese reconhecer a necessid ade biológica e psicológica do sofrimento para a economia da vida humana e no entanto condenar a guerra nos seus meios e nos seus fins ansiando pelo término de todas as guerras Dizíamos é verdade que as guerras não podem acabar enquanto os povos viverem em condições tão diferentes enquanto di vergirem de tal modo no valor que atribuem à vida individual e enquanto os ódios que os dividem representarem forças psíquicas tão intensas Estávamos então preparados para ver que ainda por longo tempo a humanidade estaria às voltas com guerras entre os povos primitivos e os civilizados entre as raças que estão separadas pela cor da pele e mesmo guerras contra ou em meio a nacionalidades europeias que pouco se desenvolveram ou que retrocederam culturalmente Mas nós nos permitíamos outras esperanças Esperávamos das nações de raça branca que dominam o mundo às quais coube a condução do gênero humano sabidamente empenhadas no cultivo de interesses mundiais e cujas criações incluem tanto os progressos técnicos no domínio da natureza como os valores culturais artísticos e científicos desses povos esperávamos que soubessem resolver por outras vias as desinteligências e os conflitos de in teresses No interior de cada uma dessas nações haviam se estabelecido eleva das normas morais para o indivíduo segundo as quais ele devia conformar sua vida se quisesse fazer parte da comunidade civilizada Tais prescrições fre quentemente severas demais exigiam muito dele uma enorme restrição de si mesmo uma larga renúncia da satisfação instintual Sobretudo lhe era negado servirse das extraordinárias vantagens proporcionadas pelo uso da mentira e da fraude na competição com seus semelhantes O Estado civilizado tinha es sas regras morais como base de sua existência intervindo seriamente quando se ousava atacálas e declarando amiúde ser impróprio até mesmo sujeitálas ao exame da inteligência crítica Era de supor então que ele mesmo quisesse respeitálas e não pensasse em empreender algo contra elas pois desse modo estaria contrariando o fundamento de sua própria existência Por fim se podia também perceber é verdade que no interior dessas nações civilizadas se achavam resíduos dispersos de alguns povos que em geral não eram queridos e portanto somente a contragosto e nunca inteiramente eram admitidos no 158225 trabalho comum de civilização para o qual haviam demonstrado ser sufi cientemente aptos Mas mesmo os grandes povos podiase pensar haviam ad quirido tamanha compreensão pelo que tinham em comum e tanta tolerância por suas diferenças que estrangeiro e inimigo não mais se fundiam numa única noção como ainda ocorria na Antiguidade clássica Confiados nessa união dos povos civilizados inúmeros indivíduos tro caram sua moradia na terra natal pela permanência no estrangeiro ligando sua existência às relações de intercâmbio dos povos amigos E aquele que não se achava pelas necessidades da vida limitado a um só lugar podia compor para si a partir de todas as vantagens e atrações dos países civilizados uma pátria nova e maior onde circulava insuspeito e desimpedido Assim desfrutava do mar azul e do mar cinza da beleza das montanhas de neve e dos prados verdes da magia da floresta nórdica e do esplendor da vegetação meridional da at mosfera das paisagens ligadas a grandes recordações históricas e do silêncio da natureza intocada Essa nova pátria era para ele também um museu repleto dos tesouros que os artistas da humanidade culta haviam criado e legado desde muitos séculos Andando de uma sala a outra desse museu podia verificar im parcialmente os diversos tipos de perfeição que a história a miscigenação e as peculiaridades da mãe Terra haviam produzido com seus novos compatriotas Aqui se desenvolvera ao máximo a fria inflexível energia ali a arte graciosa de embelezar a vida acolá o sentido da ordem e da lei ou alguma outra das características que fizeram do homem o senhor da Terra Não nos esqueçamos também que todo cidadão civilizado do mundo havia criado para si um Parnaso e uma Escola de Atenas especiais Entre os grandes pensadores poetas e artistas de todas as nações ele havia escolhido aqueles aos quais acreditava dever o melhor que obtivera em termos de fruição e compreensão da vida e em sua veneração os havia posto junto aos antigos imortais e aos familiares mestres de sua própria língua Nenhum desses grandes lhe era estrangeiro por se expressar em outra língua nem o inigualável perscrutador das paixões humanas nem o adorador inebriado da 159225 beleza ou o profeta veemente e ameaçador ou o satírico sutil e jamais ele se recriminou por haver desertado a própria nação e a línguamãe que amava A fruição da comunidade civilizada era ocasionalmente perturbada por vozes que advertiam que graças a antigas tradicionais diferenças eram inevitá veis as guerras também entre os membros de tal comunidade Não queríamos crer nisso mas como imaginar uma guerra assim caso ela viesse a ocorrer Como uma oportunidade para mostrar o progresso no sentimento comunitário dos homens desde a época em que as anfictionias gregas proibiram que qualquer dos Estados pertencentes à liga fosse destruído que suas oliveiras fossem abatidas e seu suprimento de água cortado Como um prélio de ca valeiros que se limitaria a estabelecer a superioridade de uma das partes evitando ao máximo os sofrimentos maiores que em nada contribuiriam para a decisão poupando inteiramente os feridos que deveriam deixar a luta e os médicos e enfermeiros dedicados à recuperação daqueles Naturalmente haveria todo respeito com a parcela não combatente da população com as mulheres que permanecem afastadas das ações de guerra e com as crianças que quando crescidas devem tornarse amigos e colaboradores de ambos os la dos E também se manteriam todos os empreendimentos e instituições inter nacionais em que a comunidade civilizada do tempo de paz se havia encarnado Uma tal guerra ainda comportaria bastantes horrores e coisas difíceis de suportar mas não perturbaria o desenvolvimento das relações éticas entre esses grandes indivíduos da humanidade os povos e Estados A guerra na qual não queríamos acreditar irrompeu e trouxe a desilusão Não é apenas mais sangrenta e devastadora do que guerras anteriores devido ao poderoso aperfeiçoamento das armas de ataque e de defesa mas pelo menos tão cruel amargurada e impiedosa quanto qualquer uma que a precedeu Ela transgride todos os limites que nos impusemos em tempos de paz que havíamos chamado de Direito Internacional não reconhece as prerrogativas dos feridos e dos médicos a distinção entre a parte pacífica e a parte lutadora da população nem os direitos de propriedade Ela derruba o que se interpõe 160225 no seu caminho em fúria enceguecida como se depois dela não devesse existir nem futuro nem paz entre os homens Ela destrói todos os laços comunitários entre os povos que combatem uns aos outros e ameaça deixar um legado de amargura que por longo tempo tornará impossível o restabelecimento dos mesmos Ela trouxe também à luz o fenômeno quase inconcebível de que os povos civilizados se conhecem e se entendem tão pouco que um deles pode voltarse com ódio e repulsa contra o outro E até mesmo uma das grandes nações cultas é universalmente tão pouco estimada que se pode tentar excluíla da comunid ade civilizada por ser bárbara embora há muito tenha demonstrado sua valia por contribuições das mais formidáveis Vivemos na esperança de que uma historiografia imparcial venha trazer a prova de que justamente essa nação em cuja língua escrevemos e para cuja vitória combatem os seres que amamos tenha sido aquela que menos infringiu as leis da moralidade humana mas quem pode em tempos como esses arvorarse em juiz da própria causa Os povos são mais ou menos representados pelos Estados que formam esses Estados pelos governos que os conduzem O cidadão individual pode verificar com horror nessa guerra o que eventualmente já lhe ocorria em tempo de paz que o Estado proíbe ao indivíduo a prática da injustiça não porque deseje acabar com ela mas sim monopolizála como fez com o sal e o tabaco O Estado beligerante se permite qualquer injustiça qualquer violência que traria desonra ao indivíduo Ele se serve contra o inimigo não apenas da astúcia autorizada mas também da mentira consciente e do engano intencion al e isso numa medida que parece ultrapassar o costumeiro em guerras anteri ores O Estado requer extremos de obediência e sacrifício de seus cidadãos privandoos ao mesmo tempo de sua maioridade por um excesso de sigilo e uma censura da comunicação e da expressão que deixa o ânimo daqueles as sim oprimidos intelectualmente indefeso ante qualquer situação desfavorável e todo rumor sinistro Ele se desliga dos tratados e garantias mediante os quais 161225 se comprometera com os outros Estados admitindo desavergonhadamente sua cobiça e seu afã de poder que o indivíduo deve então aprovar por patriotismo E não se objete que o Estado não pode renunciar ao uso da injustiça porque desse modo estaria em desvantagem Também para o indivíduo a observância das normas morais a renúncia ao exercício brutal do poder é algo geralmente bem desvantajoso e raras vezes o Estado se mostra capaz de compensar o cid adão pelo sacrifício que dele exigiu Tampouco é de surpreender que o afrouxamento das relações morais entre os grandes indivíduos da humanid ade tenha tido repercussão na moralidade do indivíduo pois nossa consciência não é o juiz inflexível pelo qual a têm os mestres da ética é em sua origem medo social e nada mais Quando a comunidade suspende a recriminação também cessa a repressão dos apetites maus e as pessoas cometem atos de crueldade perfídia traição e rudeza que pareceriam impossíveis devido à in compatibilidade com seu grau de civilização Assim o cidadão do mundo que mencionei pode estar perplexo num mundo que para ele se tornou estrangeiro sua grande pátria tendo desmoron ado o patrimônio comum tendo sido devastado os concidadãos divididos e envilecidos Algumas observações críticas podem ser feitas quanto a essa decepção A rigor ela não se justifica pois consiste na destruição de uma ilusão As ilusões são bemvindas porque nos poupam sensações de desprazer e no lugar dessas nos permitem gozar satisfações Não podemos nos queixar então se um dia elas colidem com alguma parte da realidade e nela se despedaçam Duas coisas nessa guerra provocaram nossa decepção a pouca moralidade mostrada exteriormente por Estados que nas relações internas posam de guardiães das normas éticas e a brutalidade do comportamento de indivíduos que como membros da mais elevada cultura humana não acreditaríamos capazes de atos semelhantes Comecemos com o segundo ponto e tentemos formular de maneira breve a concepção que desejamos criticar Como se imagina realmente o processo 162225 mediante o qual um indivíduo alcança um mais elevado estágio de moralid ade A primeira resposta será talvez ele é bom e nobre desde o início de nas cimento Ela não será considerada aqui Uma segunda resposta partirá da sug estão de que se está diante de um processo de desenvolvimento e provavel mente vai supor que esse processo consiste em que as más inclinações do ser humano são nele extirpadas e sob influência da educação e do ambiente cul tural substituídas por inclinações para o bem Mas então é lícito admirarse de que no indivíduo assim educado o mal reapareça tão vigorosamente No entanto essa resposta contém igualmente a proposição que queremos refutar Na realidade não existe nenhuma extirpação do mal A investigação psicológica em sentido mais rigoroso a psicanalítica mostra isto sim que a essência mais profunda do homem consiste em impulsos instintuais de natureza elementar que são iguais em todos os indivíduos e que objetivam a satisfação de certas necessidades originais Esses impulsos instintuais não são bons nem maus em si Nós os classificamos dessa forma a eles e a suas mani festações conforme sua relação com as necessidades e exigências da sociedade humana Há que admitir que todos os impulsos que a comunidade proíbe como sendo maus tomemos como representativos os egoístas e os cruéis estão entre os primitivos Esses impulsos primitivos percorrem um longo caminho de desenvolvi mento até chegarem a se tornar ativos no adulto São inibidos desviados para outras metas e outros âmbitos fundemse uns com os outros trocam seus objetos dirigemse em parte para a própria pessoa Formações reativas contra certos instintos criam a ilusão de uma mudança em seu conteúdo como se o egoísmo se tornasse altruísmo e a crueldade compaixão Tais formações reativas são favorecidas pelo fato de que alguns impulsos instintuais aparecem em pares de opostos quase que desde o início algo digno de nota e estranho para o conhecimento popular denominado de ambivalência afetiva O mais fácil de observar e de apreender com a inteligência é o fato de o amor intenso e o ódio intenso surgirem com muita frequência unidos na mesma pessoa A isso 163225 a psicanálise acrescenta que não é raro os dois impulsos afetivos tomarem a mesma pessoa por objeto Somente depois da superação de todas essas vicissitudes instintuais se forma o que chamamos de caráter de uma pessoa e que sabidamente é classi ficado de bom ou mau de maneira muito precária Um ser humano é rara mente bom ou mau por inteiro em geral é bom nesse aspecto mau naquele outro ou bom em determinadas circunstâncias e decididamente mau em outras Interessante é descobrir que a preexistência infantil de fortes impulsos maus tornase frequentemente a condição para um claríssimo pendor do adulto para o bem As crianças mais fortemente egoístas podem vir a ser os mais prestativos e abnegados cidadãos os entusiastas da com paixão filantropos e protetores de animais resultaram em sua maioria de pequenos sádicos e torturadores de bichos A transformação dos instintos maus é obra de dois fatores que atuam no mesmo sentido um interno e outro externo O fator interno consiste na in fluência exercida nos instintos maus egoístas digamos pelo erotismo pela necessidade humana de amor no sentido mais amplo Pela intromissão dos componentes eróticos os instintos egoístas são transformados em sociais Aprendese a estimar como uma vantagem ser amado vantagem pela qual se pode renunciar a outras O fator externo é a coação exercida pela educação que representa as demandas do ambiente civilizado e que depois prossegue no influxo direto do meio cultural A civilização foi adquirida pela renúncia à sat isfação instintual e exige de cada recémchegado essa mesma renúncia Durante a vida individual há uma contínua transformação de coação externa em coação interna As influências culturais levam a que tendências egoístas cada vez mais se convertam em altruístas sociais pela adjunção de elementos eróticos Enfim é lícito supor que toda coação interna que se faz notar no desenvolvimento do ser humano era originalmente ou seja na história da hu manidade apenas coação externa As pessoas que hoje vêm ao mundo trazem consigo como organização herdada alguma tendência predisposição para 164225 transformar os instintos egoístas em sociais à qual bastam leves incitamentos para realizar essa transformação Outra parcela dessa transformação instintual tem que ser efetuada na vida mesma Desse modo o ser individual se encontra não apenas sob o influxo do seu meio cultural presente mas está sujeito tam bém à influência da história cultural de seus antepassados Se chamarmos de aptidão para a cultura a capacidade de um homem mudar os instintos egoístas por influência do erotismo poderemos dizer que ela con siste de duas partes uma inata e outra adquirida na vida e que a relação das duas entre si e com a parte não transformada da vida instintual é bastante variável Em geral tendemos a atribuir demasiada importância à parte inata e além disso corremos o perigo de superestimar a aptidão total para a cultura em sua relação com a vida instintual que permaneceu primitiva isto é somos levados a julgar os homens melhores do que são na realidade Pois há ainda um outro fator que turva nosso julgamento e falseia o resultado num sentido favorável Naturalmente os impulsos instintuais de outro ser humano escapam à nossa percepção Nós os inferimos de seus atos e sua conduta que remontamos a motivos oriundos de sua vida instintual Tal inferência falha necessariamente em certo número de casos As mesmas ações culturalmente boas podem num caso proceder de motivos nobres e em outro não Os teóricos da ética de nominam bons apenas os atos que são expressão de impulsos instintuais bons e negam aos demais esse reconhecimento A sociedade conduzida por intenções práticas em geral não se preocupa com essa distinção contentase em que um homem regule seu comportamento e seus atos pelos preceitos da cultura e pouco interroga por seus motivos Vimos que a coação externa que a educação e o meio exercem contribui ainda para mudar a vida instintual da pessoa em direção ao bem para trans formar seu egoísmo em altruísmo Mas esse não é o efeito necessário ou regu lar da coação externa A educação e o meio não têm apenas brindes de amor a 165225 oferecer mas trabalham também com prêmios de outro tipo com recompensa e castigo Então podem manifestar o efeito de que o indivíduo sujeito à sua influência decidase pela boa conduta no sentido cultural sem que nele tenha ocorrido um enobrecimento instintual uma transformação de pendores egoís tas em sociais O resultado será grosso modo o mesmo apenas em circunstân cias especiais se notará que uma pessoa sempre age bem porque suas inclin ações instintuais a obrigam a fazêlo e uma outra é boa apenas enquanto e na medida em que esse comportamento cultural traz vantagens para suas in tenções egoístas Mas num conhecimento superficial do indivíduo não teremos como distinguir entre os dois casos e certamente nosso otimismo nos levará a superestimar bastante o número das pessoas culturalmente mudadas A sociedade civilizada que promove a boa ação e não se preocupa com a fundamentação instintual da mesma conquistou então para a obediência cul tural um bom número de indivíduos que nisso não acompanham sua natureza Encorajada por este sucesso ela se viu levada a aumentar ao máximo a tensão das exigências morais obrigando os seus membros a um distanciamento ainda maior de sua disposição instintual A eles é imposta então uma contínua repressão instintual cuja tensão vem a se manifestar nos mais singulares fenô menos reativos e compensatórios No âmbito da sexualidade em que é mais difícil efetuar essa repressão ocorrem os fenômenos reativos das afecções neuróticas De resto é verdade que a pressão da cultura não traz consequências patológicas mas se exprime em malformações de caráter e na permanente propensão de os instintos inibidos irromperem em busca de satisfação quando a oportunidade se apresenta Quem é assim obrigado a reagir continuamente segundo preceitos que não são expressão de seus pendores instintuais vive acima de seus meios psicologicamente falando e pode objetivamente ser des ignado como um hipócrita esteja ele consciente ou não dessa discrepância É inegável que nossa atual civilização favorece de maneira extraordinária a produção de tal espécie de hipocrisia Podemos ousar afirmar que ela está edi ficada sobre essa hipocrisia e que teria que admitir profundas mudanças caso 166225 as pessoas se propusessem viver conforme a verdade psicológica Portanto ex istem muito mais hipócritas culturais do que homens realmente civilizados podendose mesmo considerar o ponto de vista de que um certo grau de hipo crisia cultural seja indispensável para a manutenção da cultura porque a aptidão cultural já estabelecida nos homens de hoje talvez não bastasse para essa realização Por outro lado a manutenção da cultura ainda que sobre uma base tão duvidosa oferece a perspectiva de preparar o caminho em cada nova geração para uma transformação instintual mais ampla portadora de uma cul tura melhor Das discussões precedentes retiramos o consolo de que era injustificada nossa amargura e dolorosa desilusão pela conduta incivilizada de nossos con cidadãos do mundo nesta guerra Fundavase numa ilusão a que nos havíamos entregado Na realidade eles não desceram tão baixo como receávamos porque não tinham se elevado tanto como acreditávamos O fato de os grandes indivíduos humanos os povos e Estados terem abandonado entre si as limitações morais tornouse para eles uma compreensível instigação a subtrairse por um momento à duradoura pressão da cultura e permitir tem porariamente satisfação a seus instintos refreados É provável que nisso a re lativa moralidade no interior de cada povo não tenha sofrido qualquer ruptura Podemos aumentar a compreensão da mudança operada pela guerra em nossos excompatriotas porém e tirar daí uma advertência para não cometer injustiça para com eles Pois os desenvolvimentos psíquicos têm uma peculiar idade que não se acha em nenhum outro processo de desenvolvimento Quando uma aldeia cresce e se torna uma cidade ou um menino se torna um homem a aldeia e o menino desaparecem na cidade e no homem Somente a lembrança pode inscrever os antigos traços na nova imagem na realidade os antigos materiais ou formas foram eliminados e substituídos por novos Sucede de outro modo num desenvolvimento psíquico Não podemos descrever o es tado de coisas que a nada pode ser comparado senão afirmando que todo es tágio de desenvolvimento anterior permanece conservado junto àquele 167225 posterior que se fez a partir dele a sucessão também envolve uma coexistên cia embora se trate dos mesmos materiais em que transcorreu toda a série de mudanças O estado anímico anterior pode não ter se manifestado durante anos mas continua tão presente que um dia pode novamente se tornar a forma de expressão das forças anímicas a única mesmo como se todos os desenvol vimentos posteriores tivessem sido anulados desfeitos Essa extraordinária plasticidade dos desenvolvimentos anímicos não é irrestrita quanto à sua direção podemos descrevêla como uma capacidade especial para a involução regressão pois bem pode ocorrer que um estágio de desenvolvimento ulterior e mais elevado que foi abandonado não possa mais ser atingido Mas os estados primitivos sempre podem ser restabelecidos o que é primitivo na alma é imperecível no mais pleno sentido As chamadas doenças mentais produzem inevitavelmente no leigo a im pressão de que a vida intelectual e psíquica foi destruída Na realidade a destruição toca apenas a conquistas e desenvolvimentos posteriores A essência da doença mental reside na volta a estados anteriores da vida afetiva e do fun cionamento Um ótimo exemplo da plasticidade da vida anímica nos é dado pelo estado do sono que buscamos a cada noite Desde que aprendemos a traduzir também sonhos loucos e confusos sabemos que toda vez que dormi mos nos livramos de nossa moralidade penosamente conquistada como fazemos com uma roupa para novamente vestila na manhã seguinte Esse desnudamento é sem dúvida inócuo pois devido ao sono estamos paralisados condenados à inação Apenas o sonho pode informar sobre a regressão de nossa vida afetiva a um dos mais antigos estágios de desenvolvimento É digno de nota por exemplo que todos os nossos sonhos sejam dominados por motivos puramente egoístas Um de meus amigos ingleses defendeu essa tese num encontro científico na América ao que uma senhora presente fez a obser vação de que isso talvez fosse correto quanto à Áustria mas ela podia assever ar de si mesma e de seus amigos que também nos sonhos eles tinham senti mentos altruístas Meu amigo embora também da raça inglesa teve de 168225 contradizer energicamente a senhora com base em suas próprias experiências na análise de sonhos afirmou que no sonho uma nobre americana é tão egoísta quanto uma austríaca Portanto também a transformação instintual em que se baseia nossa aptidão para a cultura pode ser desfeita duradoura ou temporariamente por interferências da vida Não há dúvida de que a influência da guerra está entre os poderes capazes de produzir tal involução e por isso não precisamos negar aptidão para a cultura a todos aqueles que atualmente se conduzem de modo incivilizado e podemos esperar que em tempos mais tranquilos se restabeleça o enobrecimento de seus instintos Mas há um outro sintoma de nossos concidadãos do mundo que talvez nos tenha surpreendido e horrorizado não menos que a queda tão dolorosamente sentida de seu nível ético Refirome à ausência de discernimento mostrada pelos melhores intelectos sua incorrigibilidade inacessibilidade aos mais forçosos argumentos sua credulidade acrítica ante as mais discutíveis afirm ações Isso ocasiona um quadro bem triste e quero sublinhar expressamente que de modo algum vejo como um partidário enceguecido todos os desacer tos intelectuais apenas num dos dois lados Esse fenômeno porém ainda é mais fácil de explicar e bem menos preocupante que aquele tratado antes Filósofos e estudiosos do ser humano já nos ensinaram há muito que nos equi vocamos em tomar nossa inteligência como um poder autônomo e ignorar sua dependência da vida afetiva Nosso intelecto segundo eles só pode trabalhar confiavelmente se estiver a salvo das ingerências de poderosos impulsos afet ivos caso contrário ele se comporta como um simples instrumento nas mãos de uma vontade fornecendo o resultado que esta o incumbiu de obter Port anto argumentos lógicos são impotentes em face de interesses afetivos e por isso a disputa com argumentos que na frase de Falstaff são abundantes como as amoras é tão infrutífera no mundo dos interesses A experiência psicanalít ica enfatizou ainda mais se é possível tal afirmação Ela pode demonstrar di ariamente que as pessoas mais argutas subitamente se comportam como 169225 imbecis tão logo o discernimento buscado se defronta com uma resistência emocional mas também voltam a compreender tudo quando essa resistência é superada A cegueira lógica que essa guerra como que por magia produziu justamente em muitos de nossos melhores cidadãos é portanto um fenômeno secundário uma consequência da excitação de afetos destinada assim esper amos a desaparecer com ela Se desse modo voltarmos a compreender os concidadãos que haviam se tor nado estranhos para nós suportaremos com maior facilidade a decepção que nos prepararam os grandes indivíduos da humanidade os povos pois as exigências que lhes poderemos colocar serão muito mais modestas Eles talvez repitam o desenvolvimento dos indivíduos e nos apareçam ainda hoje em es tágios bem primitivos de organização de formação de unidades superiores Correspondendo a isso o fator educativo da coação externa para a moralidade que achamos tão eficaz no indivíduo dificilmente se encontra neles Tínhamos esperança é verdade de que a grande comunidade de interesses gerada pelo comércio e a produção representasse o início de uma tal coação mas no mo mento os povos parecem obedecer muito mais a suas paixões do que a seus in teresses No máximo utilizamse dos interesses para racionalizar as paixões colocam à frente os interesses para justificar a satisfação das paixões Por que os povosindivíduos de fato se menosprezam se odeiam se execram e isso também em períodos de paz cada nação fazendo o mesmo é algo certamente enigmático Eu não sei o que dizer sobre isso É como se todas as conquistas morais do indivíduo se apagassem quando se junta um bom número ou mesmo milhões de pessoas e restassem apenas as atitudes mais primitivas mais anti gas e cruas Talvez apenas desenvolvimentos por vir possam mudar algo nesse lamentável estado de coisas No entanto um pouco mais de franqueza e vera cidade em todos os lados nas relações das pessoas entre si e entre elas e aqueles que as governam poderia também aplanar o terreno para essa mudança 170225 II NOSSA ATITUDE PERANTE A MORTE O segundo fator que me leva a concluir que nos sentimos estrangeiros neste mundo outrora belo e familiar é a perturbação ocorrida na atitude que até agora mantínhamos em face da morte Essa atitude não era franca Para quem nos ouvisse naturalmente nos dis púnhamos a sustentar que a morte é o desfecho necessário de toda vida que cada um de nós deve à natureza uma morte e tem de estar preparado para sal dar a dívida em suma que a morte é natural incontestável e inevitável Mas na realidade nós agíamos como se as coisas fossem diferentes Manifestávamos a inconfundível tendência de pôr a morte de lado de eliminála da vida Procurávamos reduzila ao silêncio temos um provérbio que diz Pensar em algo como na morte Como na sua própria naturalmente Pois a própria morte é também inconcebível e por mais que tentemos imaginála notaremos que continuamos a existir como observadores De modo que na escola psic analítica pudemos arriscar a afirmação de que no fundo ninguém acredita na própria morte ou o que vem a significar o mesmo que no inconsciente cada um de nós está convencido de sua imortalidade No tocante à morte de outra pessoa o homem civilizado evita cuida dosamente falar dessa possibilidade quando aquele destinado a morrer pode escutálo Apenas as crianças ignoram tal restrição elas ameaçam despreocu padamente umas às outras com a ideia da morte e chegam a dizer na cara de alguém que amam coisas desse tipo Querida mamãe quando você morrer vou fazer isso e aquilo O adulto cultivado não pode admitir nem em pensamento a morte de outrem sem considerarse duro e malvado a menos que lide profissionalmente com a morte como advogado médico etc E não se permitirá fazêlo principalmente se tal evento estiver relacionado a algum 171225 ganho em matéria de liberdade propriedade posição Sem dúvida as mortes não deixam de ocorrer por causa desse nosso sentimento terno Quando acontecem a cada vez somos atingidos profundamente e como que abalados em nossa expectativa Via de regra enfatizamos a natureza casual da morte um acidente uma doença infecção ou idade avançada e desse modo traímos o nosso empenho em vêla como algo fortuito em vez de necessário Um grande número de mortes nos parece terrível ao extremo Diante do morto assumimos uma atitude particular quase que uma admiração por alguém que realizou algo muito difícil Nós nos abstemos de toda crítica a ele relevamos qualquer erro de sua parte sentenciamos que de mortuis nil nisi bene não se fale mal dos mortos e achamos natural que na oração fúnebre e no epitáfio falese apenas o que lhe for lisonjeiro A consideração pelo morto que afinal já não necessita dela é por nós colocada acima da verdade e pela maioria de nós também acima da consideração pelos vivos Essa postura culturalconvencional diante da morte é complementada pelo total colapso que sofremos quando morre alguém que nos é próximo um gen itor ou cônjuge um irmão filho ou amigo precioso Enterramos com ele todas as nossas esperanças ambições alegrias ficamos inconsoláveis e nos recusam os a substituir aquele que perdemos Nós nos comportamos como os asra que morrem quando morrem aqueles que amam Mas essa nossa atitude para com a morte tem um poderoso efeito em nossa vida A vida empobrece perde algo do interesse quando a mais elevada aposta no jogo da vida isto é ela mesma não pode ser arriscada Ela fica insossa in substancial como um flerte americano digamos no qual se sabe desde o início que nada ocorrerá à diferença de uma relação amorosa no Continente na qual ambas as partes devem a cada instante ter em mente as sérias consequências possíveis Os nossos vínculos afetivos a insuportável intensidade de nosso luto nos tornam pouco inclinados a buscar perigos para nós mesmos e os nos sos Não ousamos considerar muitas empresas que são perigosas mas ne cessárias como as tentativas de voar as expedições em terras distantes os 172225 experimentos com substâncias explosivas Paralisanos o pensamento de quem haverá de substituir o filho para a mãe o marido para a mulher o pai para os filhos caso aconteça um desastre A tendência a excluir a morte dos cálculos da vida traz consigo muitas outras renúncias e exclusões No entanto o lema da Liga Hanseática dizia Navigare necesse est vivere non necesse Navegar é preciso viver não é preciso Então é inevitável que busquemos no mundo da ficção na literatura no teatro substituto para as perdas da vida Lá encontramos ainda pessoas que sabem morrer e que conseguem até mesmo matar uma outra E apenas lá se verifica a condição sob a qual poderíamos nos reconciliar com a morte de que por trás de todas as vicissitudes da vida nos restasse ainda uma vida intacta Pois é muito triste que na vida suceda como num jogo de xadrez em que um movimento errado pode nos levar a perder a partida com a diferença de não podermos iniciar uma nova partida uma revanche No reino da ficção encon tramos a pluralidade de vidas de que temos necessidade Morremos na identi ficação com um herói mas sobrevivemos a ele e já estamos prontos a morrer uma segunda vez com outro igualmente incólumes É evidente que a guerra afastará esse tratamento convencional da morte Não é mais possível negar a morte temos de crer nela As pessoas morrem de fato e não mais isoladamente mas em grande número às vezes dezenas de milhares num só dia Isso já não é acaso Certamente ainda parece casual que uma bala atinja este ou aquele outro mas uma segunda bala pode atingir mais outro e o acúmulo põe fim à impressão de acaso A vida se tornou novamente interessante recuperou seu pleno conteúdo Aqui se deveria fazer uma distinção entre dois grupos os que arriscam a vida na batalha e os que permanecem em casa à espera somente de perderem um dos seus entes queridos por ferimento doença ou infecção Claro que seria muito interessante estudar as modificações na psicologia dos combatentes mas não sei o bastante a respeito disso Devemos nos ater ao segundo grupo ao qual pertencemos Já expressei minha opinião de que o desnorteio e a paralisia 173225 da capacidade dos quais sofremos seriam determinados essencialmente entre outras coisas pelo fato de não podermos conservar nossa atitude anterior frente à morte e não termos ainda encontrado uma nova Nisso talvez ajude apontarmos nossa investigação psicológica para duas outras relações com a morte aquela que podemos atribuir ao homem da préhistória e aquela que ainda se mantém em cada um de nós mas se esconde invisível para a nossa consciência em camadas profundas de nossa vida psíquica Quanto à atitude do homem préhistórico diante da morte naturalmente só podemos conhecêla mediante inferências e construções mas acho que esses meios nos deram informações razoavelmente confiáveis O homem primevo comportouse de modo bem peculiar frente à morte De maneira nada coerente antes contraditória Por um lado levou a morte a sério reconheceua como abolição da vida e serviuse dela nesse sentido mas por outro lado também negou a morte rebaixandoa a nada O que tornava pos sível tal contradição era o fato de ele assumir ante a morte do outro do desconhecido do inimigo uma postura radicalmente diferente da que assumia ante a sua própria A morte do outro lhe era justa significava a eliminação do que era odiado e o homem primevo não tinha escrúpulo em executála Ele era sem dúvida um ser muito passional mais cruel e mais malvado que outros bichos Assassinava com gosto e como se fosse algo óbvio Não precisamos atribuirlhe o instinto que impediria outros animais de matar e devorar seres da mesma espécie A história primeva da humanidade é plena de assassinatos portanto Ainda hoje aquilo que nossos filhos aprendem na escola sob o nome de História Universal é na essência uma longa série de matanças de povos O obscuro sentimento de culpa a que está sujeita a humanidade desde os tempos pré históricos que em muitas religiões condensouse na ideia de uma culpa primor dial de um pecado original é provavelmente expressão de uma dívida de sangue em que a humanidade primeva incorreu No livro Totem e tabu 1913 174225 procurei seguindo indicações de Robertson Smith Atkinson e Darwin descobrir a natureza dessa antiga culpa e creio que ainda hoje a doutrina cristã nos permite inferila retrospectivamente Se o filho de Deus teve que sacrificar a vida para redimir a humanidade do pecado original então segundo a regra de talião de pagamento com igual moeda esse pecado deve ter sido uma morte um assassinato Apenas isso poderia requerer o sacrifício de uma vida para a sua expiação E se o pecado original foi uma ofensa contra DeusPai o crime mais antigo da humanidade deve ter sido um parricídio o assassínio do pai primevo da horda humana primitiva cuja imagem ou lembrança foi depois transfigurada em divindade1 Para o homem primevo sua própria morte era certamente tão irreal e in imaginável quanto ainda hoje é para cada um de nós Mas havia um caso em que as duas atitudes opostas perante a morte se chocavam e entravam em con flito e esse caso tornouse muito significativo e rico em consequências de vasto alcance Sucedia quando o homem primevo via morrer um dos seus sua mulher seu filho seu amigo que ele sem dúvida amava como nós aos nossos pois o amor não pode ser muito mais novo que o prazer em matar Então na sua dor ele teve que aprender que também ele podia morrer e todo o seu ser revoltouse contra tal admissão pois cada um desses amores era um pedaço de seu próprio amado Eu Por outro lado essa morte também era justa para ele pois em cada um desses amores havia também um quê de estrangeiro A lei da ambivalência dos sentimentos que ainda hoje domina as relações afetivas com as pessoas que mais amamos certamente vigorava com amplitude ainda maior na préhistória Assim esses amados falecidos tinham sido também estranhos e inimigos que haviam despertado nele uma parcela de sentimentos hostis2 Os filósofos afirmaram que o enigma intelectual posto ao homem primitivo pela imagem da morte o obrigou a refletir e veio a ser o ponto de partida de toda especulação Acho que aí os filósofos pensam muito filosoficamente não cuidando dos motivos primariamente operantes Por isso eu gostaria de limitar e corrigir a afirmação O homem primevo teria triunfado junto ao 175225 corpo do inimigo abatido mas sem ver razão para quebrar a cabeça com os en igmas da vida e da morte Não seria o enigma intelectual nem qualquer morte que teria liberado a pesquisa humana mas sim o conflito de sentimentos por ocasião da morte de pessoas amadas e ao mesmo tempo estranhas e odiadas Desse conflito de sentimentos nasceu em primeiro lugar a psicologia O homem não podia mais manter a morte a distância já que a havia provado na dor pelos falecidos mas não queria admitila por não poder imaginarse morto Então incorreu em compromissos admitiu a morte também para si mas contestoulhe o significado de aniquilamento da vida algo que não tivera motivos para fazer quando da morte de um inimigo Junto ao cadáver de al guém que amara ele inventou espíritos e a consciência de culpa pela satisfação que se mesclava ao luto fez com que tais espíritos recémcriados se tornassem maus demônios que inspiravam medo As modificações trazidas pela morte o levaram a decompor o indivíduo em um corpo e uma alma originalmente várias almas De tal maneira o seu curso de pensamento seguia paralelo ao processo de desintegração que a morte introduz A contínua lembrança dos falecidos tornouse a base para supor outras formas de existência deulhe a ideia de uma sobrevida após a morte aparente No início essas existências posteriores eram somente apêndices àquela ar rematada pela morte espectrais vazias de substância e menosprezadas até uma época tardia ainda possuíam o caráter de mísero expediente Recordemos o que a alma de Aquiles responde a Ulisses Pois antes quando eras vivo nós Argivos te dávamos honras iguais às dos deuses e agora reinas poderosamente sobre os mortos tendo vindo para aqui não te lamentes por teres morrido ó Aquiles Assim falei e ele tomando a palavra respondeume deste modo Não tentes reconciliarme com a morte ó glorioso Ulisses Eu preferiria estar na terra como servo de outro 176225 até de homem sem terra e sem grande sustento do que reinar aqui sobre todos os mortos Odisseia canto xi versos 48491 Ou na vigorosa e amarga paródia de Heine O menor vivente filisteu Numa aldeia à beira do Neckar é mais feliz do que eu o Pélida o herói defunto O príncipeespectro do ínfero mundo Apenas mais tarde as religiões vieram a proclamar essa outra existência mais preciosa e plenamente válida reduzindo a uma mera preparação a vida que termina com a morte Depois disso foi algo apenas consequente prolongar a vida no passado inventar existências anteriores a transmigração das almas e a reencarnação tudo com o propósito de roubar à morte seu significado de ab olição da vida Foi assim cedo que teve início a negação da morte que desig namos como culturalconvencional Junto ao corpo da pessoa amada surgiram não só a doutrina da alma a crença na imortalidade e uma poderosa fonte da consciência de culpa humana mas também os primeiros mandamentos éticos A primeira e mais significativa proibição feita pela consciência que despertava foi Não matarás Foi ad quirida ante o morto amado como reação frente à satisfação do ódio que se escondia por trás do luto e gradualmente estendeuse ao estranho não amado e por fim também ao inimigo Neste último caso não é mais sentida pelo homem civilizado Quando a selvagem luta dessa guerra estiver decidida cada um dos combatentes vitoriosos retornará feliz para o lar para sua mulher e seus filhos desimpedido e sem perturbarse com a lembrança dos inimigos que matou em corpo a corpo ou por armas de longo alcance É digno de nota que os povos primitivos que 177225 ainda se acham na terra e que certamente estão mais próximos do homem primevo do que nós conduzemse de maneira diferente nesse ponto ou conduziamse na medida em que não tenham ainda experimentado a influên cia de nossa cultura O selvagem australiano bosquímano fueguino não é absolutamente um matador sem remorso ao retornar vitorioso de uma ex pedição guerreira ele não pode pisar o chão de sua aldeia nem tocar em sua mulher sem antes expiar por meio de penitências às vezes prolongadas e tra balhosas os atos assassinos que cometeu na guerra É fácil naturalmente at ribuir isso à superstição o selvagem ainda teme a vingança dos espíritos dos que abateu Mas os espíritos dos inimigos abatidos não são outra coisa que a expressão de sua má consciência devido à dívida de sangue por trás dessa superstição está um quê de sensibilidade ética que nós homens civilizados já perdemos Almas piedosas que bem gostariam de ver nossa natureza longe do contato com o que for mau e vulgar certamente não perderão a oportunidade de fazer a partir da precocidade e do caráter imperioso da proibição de matar inferên cias confortantes a respeito da força dos impulsos éticos que estariam arrai gados em nós Mas infelizmente esse argumento prova antes o contrário Uma proibição tão forte pode se dirigir apenas a um impulso igualmente forte O que nenhuma alma humana cobiça não é necessário proibir excluise por si mesmo A própria ênfase da proibição Não matarás dános a certeza de vir de uma interminável série de gerações de assassinos nos quais o prazer em matar como talvez em nós mesmos ainda estava no sangue As aspirações ét icas da humanidade cujo vigor e importância não carece discutir são uma conquista da história humana em medida infelizmente muito instável tornaramse patrimônio herdado dos homens de hoje Deixemos agora o homem primevo voltandonos para o inconsciente em nossa própria vida psíquica Aqui nos apoiamos inteiramente no método de in vestigação da psicanálise o único que atinge essas profundezas Qual é per guntamos a atitude de nosso inconsciente ante o problema da morte A 178225 resposta tem de ser quase a mesma daquela do homem primevo Neste como em muitos outros aspectos o homem da préhistória continua a viver inal terado em nosso inconsciente Portanto nosso inconsciente não crê na própria morte faz como se fosse imortal O que chamamos de nosso inconsciente as camadas mais profundas de nossa alma constituídas de impulsos instintuais não conhece em absoluto nada negativo nenhuma negação nele os opostos coincidem e por isso não conhece tampouco a própria morte a qual só po demos dotar de um conteúdo negativo Logo não existe em nós nada instintu al que favoreça a crença na morte Talvez esteja aí o segredo do heroísmo A fundamentação racional do heroísmo repousa no julgamento de que a própria vida da pessoa não pode ser tão valiosa quanto certos bens abstratos e univer sais Mas acho que bem mais frequente deve ser o heroísmo instintivo e im pulsivo que não considera tal motivação e enfrenta os perigos simplesmente conforme a certeza do João BatePedra de Anzengruber Nada te pode acontecer Ou tal motivação serve apenas para afastar os escrúpulos que po deriam deter a reação heroica que corresponde ao inconsciente Já o medo da morte que com frequência nos domina mais do que pensamos é algo secun dário e em geral proveniente da consciência de culpa Por outro lado admitimos a morte para estranhos e inimigos e os conden amos a ela com a mesma disposição e leveza que o homem primitivo Mas aqui há uma diferença que na realidade consideraremos decisiva Nosso incon sciente não executa o assassínio apenas o imagina e deseja Não seria justo porém subestimar tão completamente essa realidade psíquica em comparação à fática Ela é significativa e prenhe de consequências Em nossos impulsos in conscientes eliminamos a todo dia e momento todos os que nos estorvam o caminho que nos ofenderam e prejudicaram O Vá para o inferno que não raro nos vem aos lábios com mau humor brincalhão e que na verdade quer dizer Que a morte o leve é em nosso inconsciente um desejo sério e vigor oso de morte Sim o nosso inconsciente mata inclusive por ninharias como a antiga legislação ateniense de Draco não conhece outro castigo senão a morte 179225 e isso com uma certa coerência pois cada ofensa ao nosso todopoderoso e soberano Eu é no fundo um crimen laesae majestatis De modo que também nós se formos julgados por nossos desejos incon scientes somos um bando de assassinos tal como os homens primitivos É uma sorte que todos esses desejos não tenham a força que ainda lhes atribuíam os homens da préhistória no fogo cruzado das maldições recíprocas a human idade já teria há muito perecido não excluindo os melhores e mais sábios dos homens e as mais belas e amáveis entre as mulheres Com afirmações desse tipo a psicanálise não acha crédito junto à maioria dos leigos São rejeitadas como calúnias que não merecem crédito perante as asseverações da consciência e habilmente se ignoram os pequenos indícios mediante os quais o inconsciente costuma se revelar à consciência Por isso é oportuno registrar que muitos pensadores que não podem ter sido influencia dos pela psicanálise denunciaram bem claramente a disposição que nossos pensamentos secretos têm para eliminar o que nos estorva o caminho não fazendo caso da proibição de matar Entre muitos exemplos recordarei aqui apenas um que se tornou famoso Em O pai Goriot Balzac alude a uma passagem das obras de J J Rousseau na qual esse autor pergunta ao leitor o que este faria se sem deixar Paris e naturalmente sem ser descoberto pudesse matar por um simples ato de vontade um velho mandarim em Pequim cujo passamento lhe traria enorme vantagem Ele dá a entender que a vida desse dignatário não lhe parece muito garantida Tuer son mandarin matar seu mandarim tornouse uma ex pressão proverbial para essa disposição oculta que é também dos homens de hoje Há igualmente um bom número de piadas e anedotas cínicas que depõem no mesmo sentido como por exemplo a frase atribuída a um homem casado que diz Quando um de nós dois morrer eu me mudo para Paris Tais pia das cínicas não existiriam se não transmitissem uma verdade negada que não 180225 nos permitimos reconhecer quando é expressa de modo sério e franco Sabese que brincando podemos dizer até mesmo a verdade Assim como para o homem primevo também para o nosso inconsciente há um caso em que as duas atitudes opostas em relação à morte uma que a admite como aniquilação da vida outra que a nega como sendo irreal se chocam e en tram em conflito E esse caso é como na préhistória a morte ou o risco de morte de um dos nossos amores de um genitor ou cônjuge um irmão filho ou amigo dileto Esses amores são para nós uma propriedade interior compon entes de nosso próprio Eu mas também estranhos em parte e mesmo inimi gos O mais terno e mais íntimo de nossos laços amorosos tem com ressalva de bem poucas situações um quê de hostilidade que pode incitar o desejo in consciente de morte Mas o que resulta desse conflito ligado à ambivalência não é como outrora a doutrina da alma e a ética e sim a neurose que nos permite profundos relances também da vida psíquica normal Com que fre quência os médicos praticantes da psicanálise não lidaram com o sintoma da exagerada preocupação pelo bemestar dos próximos ou com autorrecrimin ações totalmente infundadas após a morte de uma pessoa amada O estudo desses casos não lhes deixou dúvidas a respeito da difusão e importância dos desejos de morte inconscientes O leigo sente um horror enorme ante a possibilidade de tais sentimentos e vê nessa aversão um fundamento legítimo para descrer das afirmações da psic análise Erradamente me parece Não se pretende fazer nenhuma degradação da nossa vida amorosa e de fato não se achará isso aqui Sem dúvida é algo distante de nosso entendimento e nossa sensibilidade juntar de tal maneira o amor e o ódio mas a natureza trabalhando com esse par de opostos logra manter o amor sempre alerta e fresco para garantilo contra o ódio que por trás o espreita É lícito dizer que os mais belos desdobramentos de nossa vida amorosa se devem à reação contra o impulso hostil que sentimos em nosso peito 181225 Façamos agora um resumo Nosso inconsciente é tão inacessível à ideia da própria morte tão ávido por matar estranhos tão dividido ambivalente em relação à pessoa amada como o homem das primeiras eras Mas como nos afastamos desse estado primevo em nossa atitude culturalconvencional diante da morte É fácil ver como a guerra interfere nessa dicotomia Ela nos despe das ca madas de cultura posteriormente acrescidas e faz de novo aparecer o homem primitivo em nós Ela nos força novamente a ser heróis que não conseguem crer na própria morte ela nos assinala os estranhos como inimigos cuja morte se deve causar ou desejar ela nos recomenda não considerar a morte de pess oas amadas Mas a guerra não pode ser eliminada enquanto as condições de existência dos povos forem tão diferentes e tão fortes as aversões entre eles há de haver guerras Então se apresenta a pergunta não deveríamos ceder e nos adaptar a ela Não deveríamos admitir que com nossa atitude cultural diante da morte vivemos psicologicamente acima de nossos meios mais uma vez e voltar atrás e reconhecer a verdade Não seria melhor dar à morte o lugar que lhe cabe na realidade e em nossos pensamentos e pôr um pouco mais à mostra nossa atitude inconsciente ante a morte que até agora reprimimos cuida dosamente Isso não parece uma realização maior seria antes um passo atrás em vários aspectos uma regressão mas tem a vantagem de levar mais em con ta a verdade e nos tornar a vida novamente suportável Suportar a vida con tinua a ser o primeiro dever dos vivos A ilusão perde o valor se nos atrapalha nisso Recordemonos do velho ditado Si vis pacem para bellum Se queres con servar a paz preparate para a guerra No momento atual caberia mudálo Si vis vitam para mortem Se queres aguentar a vida preparate para a morte 182225 Forças psíquicas seelische Triebkräfte nas versões estrangeiras consultadas fuerzas en lo anímico forze motrici psichiche forces de pulsion animiques motive forces in the mind O termo Triebkraft sempre significou tradicionalmente força motriz de uma máquina por exem plo Sabemos que o primeiro substantivo que o compõe Trieb tem sentidos e conotações mais complexos e abrangentes este é um exemplo de como vocabulário técnico e linguagem comum se juntam inextricavelmente na psicanálise Por isso os tradutores diferem nesse ponto o francês dá valor à ressonância técnica do termo os demais preferem reconhecer o sentido tradicional Impulsos instintuais Triebregungen ver nota sobre esse termo na p 25 No parágrafo seguinte se acha impulsos afetivos versão de Gefühlsregungen Repressão instintual Triebunterdrückung as versões estrangeiras consultadas oferecem yugulación sofocación répression que o tradutor distingue de refoulement reservando este para Verdrängung suppression cf nota ao ensaio A repressão acima p 83 Freud viria a matizar ou reconsiderar essa afirmação numa nota acrescentada à Interpretação dos sonhos em 1925 como indica Strachey cap v seção D final da subseção ß Isto é como algo incrível improvável Alusão ao poema Der Asra de Heinrich Heine do volume Romanzero 1851 Instinkt no original Dívida de sangue Blutschuld Oferecemos uma versão literal embora os dicionários di gam que se trata de um termo poético para homicídio ou responsabilidade por um homicí dio As versões estrangeiras consultadas são igualmente literais culpa de sangre idem delitto di sangue coulpe de sang bloodguilt mas é importante lembrar que Schuld significa ao mesmo tempo culpa e dívida Essa identificação é explorada por Friedrich Nietzsche na segunda das três dissertações do seu livro Genealogia da moral de 1887 Esse termo Schuld já apareceu no segundo parágrafo do presente ensaio onde também foi vertido por dívida numa frase em que há alusão a um verso de Shakespeare Ora deves uma morte a Deus Why thou owest God a death de Henrique iv i ato 5 cena 1 E uma palavra afim Ver schulden surge poucas linhas adiante no parágrafo atual quando é traduzida por ofensa 1 Cf O retorno infantil do totemismo último ensaio de Totem e tabu 1913 2 Ver Tabu e ambivalência segundo ensaio de Totem e tabu Citado da tradução de Frederico Lourenço Lisboa Biblioteca Editores Independentes 2008 No original Der kleinste lebendige Philister Zu Stuckert am Neckar viel glücklicher ist er Als ich der Pelide der tote Held Der Schattenfürst in der Unterwelt de acordo com Strachey são as linhas finais do poema Der Scheidende Aquele que parte de Heinrich Heine 183225 Ver Totem e tabu No original instinktiv und impulsiv No original Es kann dir nix gschehn frase do personagem Steinklopferhanns João Bate Pedras de uma comédia de Ludwig Anzengruber 18391889 dramaturgo vienense 184225 A TRANSITORIEDADE 1916 TÍTULO ORIGINAL VERGÄNGLICHKEIT PUBLICADO PRIMEIRAMENTE NO VOLUME COMEMORATIVO DAS LAND GOETHES O PAÍS DE GOETHE STUTTGART DEUTSCHE VERLAGSANSTALT 1916 PP 378 AO LADO DE CONTRIBUIÇÕES DE VÁRIOS OUTROS AUTORES DE LÍNGUA ALEMÃ TRADUZIDO DE GESAMMELTE WERKE X PP 35861 TAMBÉM SE ACHA EM STUDIENAUSGABE X PP 2237 ESTA TRADUÇÃO FOI PUBLICADA ORIGINALMENTE NO JORNAL FOLHA DE S PAULO EM 23 DE SETEMBRO DE 1989 Algum tempo atrás fiz um passeio por uma rica paisagem num dia de verão em companhia de um amigo taciturno e de um poeta jovem mas já famoso O poeta admirava a beleza do cenário que nos rodeava porém não se alegrava com ela Perturbavao o pensamento de que toda aquela beleza estava con denada à extinção pois desapareceria no inverno e assim também toda a beleza humana e tudo de belo e nobre que os homens criaram ou poderiam cri ar Tudo o mais que de outro modo ele teria amado e admirado lhe parecia despojado de valor pela transitoriedade que era o destino de tudo Sabemos que tal preocupação com a fragilidade do que é belo e perfeito pode dar origem a duas diferentes tendências na psique Uma conduz ao dolor oso cansaço do mundo mostrado pelo jovem poeta a outra à rebelião contra o fato constatado Não não é possível que todas essas maravilhas da natureza e da arte do nosso mundo de sentimentos e do mundo lá fora venham real mente a se desfazer em nada Seria uma insensatez e uma blasfêmia acreditar nisso Essas coisas têm de poder subsistir de alguma forma subtraídas às in fluências destruidoras Ocorre que essa exigência de imortalidade é tão claramente um produto de nossos desejos que não pode reivindicar valor de realidade Também o que é doloroso pode ser verdadeiro Eu não pude me decidir a refutar a transitor iedade universal nem obter uma exceção para o belo e o perfeito Mas con testei a visão do poeta pessimista de que a transitoriedade do belo implica sua desvalorização Pelo contrário significa maior valorização Valor de transitoriedade é valor de raridade no tempo A limitação da possibilidade da fruição aumenta a sua preciosidade É incompreensível afirmei que a ideia da transitoriedade do be lo deva perturbar a alegria que ele nos proporciona Quanto à beleza da natureza ela sempre volta depois que é destruída pelo inverno e esse retorno bem pode ser considerado eterno em relação ao nosso tempo de vida Vemos desaparecer a beleza do rosto e do corpo humanos no curso de nossa vida mas essa brevidade lhes acrescenta mais um encanto Se existir uma flor que floresça apenas uma noite ela não nos parecerá menos formosa por isso Tam pouco posso compreender por que a beleza e a perfeição de uma obra de arte ou de uma realização intelectual deveriam ser depreciadas por sua limitação no tempo Talvez chegue o dia em que os quadros e estátuas que hoje admiramos se reduzam a pó ou que nos suceda uma raça de homens que não mais entenda as obras de nossos poetas e pensadores ou que sobrevenha uma era geológica em que os seres vivos deixem de existir sobre a Terra mas se o valor de tudo quanto é belo e perfeito é determinado somente por seu significado para a nossa vida emocional não precisa sobreviver a ela e portanto independe da duração absoluta Essas considerações me pareceram incontestáveis mas notei que não produziam impressão no poeta e no amigo O fracasso me levou a concluir que um poderoso fator emocional estava em ação perturbando o julgamento deles e depois acreditei que eu tinha encontrado Deve ter sido uma revolta psíquica contra o luto o que depreciava para eles a fruição do belo Imaginar que essa beleza é transitória deu àqueles seres sensíveis um gosto antecipado do luto pela sua ruína e como a psique recua instintivamente diante de tudo que é dol oroso eles sentiram o seu gozo da beleza prejudicado pelo pensamento de sua transitoriedade Para o leigo o luto pela perda de algo que amamos ou admiramos parece tão natural que ele o considera evidente por si mesmo Para o psicólogo porém o luto é um grande enigma um desses fenômenos que em si não são explicados mas a que se relacionam outras coisas obscuras Nós possuímos assim imaginamos uma certa medida de capacidade amorosa chamada li bido que no começo do desenvolvimento se dirigia para o próprio Eu De pois mas ainda bastante cedo ela se dirige para os objetos os quais por assim dizer incorporamos em nosso Eu Se os objetos são destruídos ou se os per demos nossa capacidade amorosa libido é novamente liberada pode então recorrer a outros objetos em substituição ou regressar temporariamente ao Eu Mas por que esse desprendimento da libido de seus objetos deve ser um 187225 processo tão doloroso isso não compreendemos e não conseguimos explicar por nenhuma hipótese até o momento Só percebemos que a libido se apega a seus objetos e mesmo quando dispõe de substitutos não renuncia àqueles per didos Isso portanto é o luto A conversa com o poeta aconteceu no verão antes da guerra Um ano de pois rompeu a guerra e despojou o mundo de suas belezas Destruiu não só a beleza das paisagens por onde passou e as obras de arte que deparou no cam inho mas destroçou também nosso orgulho pelas realizações da cultura nosso respeito por tantos pensadores e artistas nossa esperança de uma superação fi nal das diferenças entre povos e raças Maculou a altiva imparcialidade de nossa ciência mostrou nossa vida instintiva em toda a sua nudez libertou os maus espíritos que existem em nós os que julgávamos domados para sempre por séculos de educação através das mentes mais nobres Tornou nosso país novamente pequeno e o resto do mundo novamente distante Despojounos de muitas coisas que amávamos e revelou a fragilidade de tantas outras que acreditávamos sólidas Não é de estranhar que a nossa libido tão empobrecida de objetos tenha se ligado com intensidade tanto maior àquilo que nos restou que o amor à pátria a ternura pelos mais próximos e o orgulho pelo que temos em comum tenham se fortalecido subitamente E aqueles outros bens agora perdidos tornaramse realmente sem valor para nós por terem se revelado tão frágeis e sem resistên cia Muitos entre nós pensam assim mas injustamente afirmo outra vez Creio que os que têm essa opinião e parecem dispostos a uma renúncia permanente já que o precioso não demonstrou ser durável achamse apenas em estado de luto pela perda Sabemos que o luto por mais doloroso que seja acaba natur almente Tendo renunciado a tudo que perdeu ele terá consumido também a si mesmo e nossa libido estará novamente livre se ainda somos jovens e vig orosos para substituir os objetos perdidos por outros novos possivelmente tão ou mais preciosos que aqueles Cabe esperar que não seja diferente com as perdas dessa guerra Superado o luto perceberemos que a nossa elevada 188225 estima dos bens culturais não sofreu com a descoberta da sua precariedade Reconstruiremos tudo o que a guerra destruiu e talvez em terreno mais firme e de modo mais duradouro do que antes 189225 ALGUNS TIPOS DE CARÁTER ENCONTRADOS NA PRÁTICA PSICANALÍTICA 1916 TÍTULO ORIGINAL EINIGE CHARAKTERTYPEN AUS DER PSYCHOANALYTISCHEN ARBEIT PUBLICADO PRIMEIRAMENTE EM IMAGO V 4 N 6 PP 31736 TRADUZIDO DE GESAMMELTE WERKE X PP 36491 TAMBÉM SE ACHA EM STUDIENAUSGABE X PP 22953 Quando o médico realiza o tratamento psicanalítico de um neurótico de modo algum dirige o interesse apenas ao caráter dele Quer saber antes de mais nada o que significam seus sintomas que impulsos instintuais se escondem por trás deles e mediante eles se satisfazem e que etapas foram percorridas no misterioso caminho entre os desejos instintuais e os sintomas Mas a técnica que tem de seguir obriga o médico a voltar sua curiosidade imediata para out ros objetos Ele nota que sua investigação é ameaçada por resistências que o enfermo lhe opõe e que tais resistências podem ser atribuídas ao caráter do en fermo Então é esse caráter que reclama primeiramente o seu interesse O que contraria os esforços do médico nem sempre são os traços de caráter que o paciente admite como seus e que lhe são atribuídos pelos que o cercam Frequentemente particularidades que ele parecia ter apenas em grau modesto surgem com insuspeitado vigor ou nele se manifestam atitudes que não haviam sido reveladas em outras circunstâncias da vida Nas páginas que seguem nos ocuparemos da descrição e derivação de alguns desses sur preendentes traços de caráter I AS EXCEÇÕES O trabalho psicanalítico sempre se vê defrontado com a tarefa de fazer o doente renunciar à obtenção imediata e fácil de prazer Não se pede que ele re nuncie ao prazer em geral isso não se pode esperar de nenhum ser humano e mesmo a religião tem que fundamentar sua exigência de abandono do prazer terreno com a promessa de um montante incomparavelmente maior de um prazer mais valioso Não pedese ao doente que renuncie apenas às satisfações que inevitavelmente terão consequências nocivas ele deve apenas experiment ar uma privação temporária aprender a trocar a imediata obtenção de prazer por uma mais segura ainda que adiada Em outras palavras esperase que sob a direção do médico ele realize o avanço do princípio do prazer ao princípio da realidade que diferencia o homem maduro da criança Nessa obra educativa dificilmente a melhor compreensão do médico tem papel decisivo pois via de regra ele não sabe dizer ao doente senão o que o próprio entendimento deste lhe dirá Mas não é a mesma coisa saber algo por si mesmo e ouvilo de outr em o médico assume o papel desse outro eficaz ele se utiliza da influência que uma pessoa exerce sobre a outra Ou lembrando que é costume da psicanálise pôr o que é original e radical no lugar do que é derivado e atenuado digamos que o médico se serve de algum componente do amor em sua obra educativa Provavelmente ele apenas repete numa tal educação posterior o processo que tornara possível a primeira educação Ao lado da necessidade o amor é o grande educador e o ser humano incompleto é levado pelo amor dos que lhe são próximos a respeitar os mandamentos da necessidade poupandose os castigos por sua infração Quando assim requeremos do doente uma momentânea renúncia a uma sat isfação de prazer um sacrifício a disposição de temporariamente aceitar o so frer em vista de um final melhor ou apenas a decisão de submeterse a uma necessidade que vale para todos deparamos com certos indivíduos que se opõem a tal exigência por um motivo especial Dizem que já sofreram e renun ciaram o bastante que têm direito a serem poupados de outras requisições que não se sujeitam mais a qualquer necessidade desagradável pois são exceções e pretendem continuar a sêlo Num doente desse tipo essa reivindicação foi ex acerbada na convicção de que uma providência especial zelava por ele e o pro tegeria de tais sacrifícios dolorosos Os argumentos do médico nada valem contra certezas interiores que se exteriorizam com tal força também sua in fluência fracassa de início e ele se volta para a pesquisa das fontes que ali mentam esse danoso preconceito Não há dúvida de que cada qual gostaria de verse como exceção e reivindicar prerrogativas ante os demais Mas justamente por isso deve haver uma razão especial em geral não encontrada aqui para que a pessoa se pro clame uma exceção e se comporte como tal Pode haver mais de uma razão 192225 assim nos casos que investiguei pude apontar uma peculiaridade comum aos doentes nas suas primeiras vicissitudes de vida sua neurose ligavase a uma vivência ou um sofrimento que haviam tido nos primeiros anos da infância do qual sabiam serem inocentes e que podiam considerar uma injusta desvant agem para a sua pessoa Os privilégios que eles faziam derivar dessa injustiça e a rebeldia que dela resultou contribuíram em não pouca medida para intensifi car os conflitos que depois levaram à irrupção da neurose Um desses pa cientes uma mulher assumiu essa atitude de vida ao descobrir que um dolor oso sofrimento orgânico que a impedia de alcançar seus objetivos na vida era de natureza congênita Enquanto acreditou que adquirira essa doença depois de forma casual suportoua com paciência quando lhe ficou claro que era parte do seu patrimônio hereditário tornouse rebelde O jovem que pensava ser guardado por uma providência especial fora vítima quando bebê de uma infecção transmitida casualmente por sua ama de leite e toda a sua vida posterior nutriuse das suas exigências de reparação como de uma aposenta doria por acidente sem ter ideia daquilo em que baseava suas reivindicações No seu caso informações dadas pela família confirmaram objetivamente a an álise que construiu tal resultado a partir de obscuros vestígios de lembranças e interpretações de sintomas Por razões facilmente compreensíveis não posso comunicar mais a respeito desses e de outros casos clínicos Tampouco me estenderei sobre a evidente analogia entre a deformação do caráter após longa enfermidade infantil e a conduta de povos inteiros cujo passado foi pleno de sofrimentos Mas não deixarei de mencionar uma figura criada pelo maior dos poetas em cujo caráter a reivindicação de excepcionalidade achase muito intimamente ligada ao fator da desvantagem congênita e é por ele motivada No monólogo inicial de Ricardo III de Shakespeare eis o que diz Gloucester o futuro rei Mas eu que não fui talhado para habilidades esportivas nem para corte jar um espelho amoroso que grosseiramente feito e sem a majestade do 193225 amor para pavonearme diante de uma ninfa de lascivos meneios eu privado dessa bela proporção desprovido de todo encanto pela pérfida natureza disforme inacabado enviado por ela antes do tempo para este mundo dos vivos terminado pela metade e isso tão imperfeitamente e fora de moda que os cães ladram para mim quando paro perto deles E assim já que não posso mostrarme como amante para entreter estes belos dias de galanteria resolvi portarme como vilão e odiar os frívolos prazeres deste tempo À primeira vista essa declaração de intenções talvez não se ligue ao nosso tema Ricardo parece dizer apenas o seguinte Eu me entedio nesta época ociosa e pretendo me divertir Mas como sendo disforme não posso me en treter como amante farei papel de malvado cuidarei de intrigas assassinatos e o que mais me aprouver Uma motivação tão frívola sufocaria qualquer traço de interesse do espectador se não ocultasse algo bem mais sério A peça tam bém seria psicologicamente impossível já que o poeta precisa saber criar em nós um secreto pano de fundo de simpatia pelo seu herói se devemos poder admirar sua ousadia e habilidade sem objeção interior e tal simpatia pode se basear apenas na compreensão no sentimento de uma possível afinidade in terior com ele Creio por isso que o monólogo de Ricardo não diz tudo apenas insinua e nos permite desenvolver o que foi insinuado Quando fazemos isso porém acaba a aparência de frivolidade e a amargura e a minúcia com que Ricardo pintou sua deformidade cobram seu pleno efeito e para nós se torna claro o senso de comunhão que induz nossa simpatia também por um malvado como ele Então o significado seria A natureza cometeu uma grave injustiça comigo ao me negar as belas proporções que conquistam o amor humano A vida me deve por isso uma reparação que eu tratarei de conseguir Eu tenho o direito de ser uma exceção de não me importar com os escrúpulos que detêm os outros Posso ser injusto pois houve injustiça comigo Agora sentimos 194225 que nós mesmos poderíamos ser como Ricardo e até que já o somos em pequena escala Ele é uma gigantesca ampliação de um aspecto que achamos também em nós Todos nós cremos ter motivo para nos irritar com a natureza e o destino por desvantagens congênitas e infantis todos exigimos reparação por antigos agravos ao nosso narcisismo ao nosso amorpróprio Por que a natureza não nos deu os dourados cachos de cabelo de Balder ou a força de Siegfried ou a excelsa fronte do gênio ou os nobres traços de um aristocrata Por que nascemos numa casa simples e não no palácio real Ser belo e nobre seria tão bom para nós quanto é para todos os que agora temos de invejar por isso Mas é uma sutil economia da arte do poeta o fato de ele não deixar que seu herói exprima de forma aberta e integral todos os segredos de sua motivação Assim ele nos obriga a completálos solicita a nossa atividade intelectual afastaa do pensamento crítico e nos mantêm presos à identificação com o her ói Em seu lugar um ignorante daria expressão consciente a tudo o que ele pretende nos comunicar e se defrontaria com a nossa inteligência fria e desem baraçada que torna impossível o aprofundamento da ilusão Antes de abandonarmos as exceções porém observemos que tem o mesmo fundamento a reivindicação das mulheres por privilégios e dispensa de muitas restrições da vida Conforme aprendemos no trabalho psicanalítico as mulheres se veem como prejudicadas na infância imerecidamente privadas de um pedaço e relegadas a segundo plano e o amargor de muitas filhas para com suas mães tem raiz afinal na objeção de que as trouxeram ao mundo como mulheres em vez de homens II OS QUE FRACASSAM NO TRIUNFO 195225 O trabalho psicanalítico nos legou a tese de que as pessoas adoecem neurotica mente devido à frustração Referimonos à frustração da satisfação dos desejos libidinais e um longo rodeio se faz preciso para compreender essa tese Pois o surgimento da neurose requer um conflito entre os desejos libidinais de uma pessoa e a parte do seu ser que denominamos seu Eu que é expressão de seus instintos de autoconservação e que inclui os ideais que tem de seu próprio ser Um tal conflito patológico surge apenas quando a libido quer se lançar por vi as e metas há muito superadas e condenadas por seu Eu que então as proibiu para sempre e isso a libido faz somente quando lhe é tirada a possibilidade de uma satisfação ideal adequada ao Eu Assim a privação a frustração de uma real satisfação tornase a primeira condição para o surgimento da neurose embora não seja absolutamente a única Tanto maior será a surpresa mesmo a confusão quando o médico descobre que às vezes as pessoas adoecem justamente quando veio a se realizar um desejo profundamente arraigado e há muito tempo nutrido É como se elas não aguentassem a sua felicidade pois não há como questionar a relação causal entre o sucesso e a doença No tocante a isso tive oportunidade de examinar o caso de uma mulher que agora descreverei como sendo típico dessas trágicas vicissitudes De boa família e bem educada quando jovem não pôde refrear sua vontade de viver deixando a casa paterna e aventurandose pelo mundo até conhecer um artista que soube apreciar seu encanto feminino e também vislumbrar a fina natureza daquela moça rebaixada Acolheua em sua casa e nela teve uma fiel companheira para cuja felicidade completa parecia faltar apenas a reabilit ação na sociedade Após anos de vida em comum ele conseguiu que a sua família fizesse amizade com ela e pretendia tornála sua esposa diante da lei Foi então que ela começou a malograr Negligenciou a casa de que se tornaria a senhora legal acreditouse perseguida pelos parentes que desejavam aceitála na família obstruiu as relações sociais do companheiro mediante um absurdo 196225 ciúme impediu o seu trabalho artístico e depois sucumbiu a uma incurável doença psíquica Uma outra observação me revelou um homem bastante respeitável que professor universitário por muitos anos alimentara o compreensível desejo de suceder na cátedra o seu mestre que o havia introduzido na ciência Quando após o afastamento desse senhor os colegas lhe participaram que somente ele poderia sucedêlo começou a hesitar diminuiu seus méritos declarouse in digno de assumir a posição que lhe destinavam e caiu numa melancolia que nos anos seguintes o deixou incapaz de qualquer atividade Embora diferentes em vários aspectos esses dois casos coincidem em que a enfermidade aparece quando da realização do desejo e põe fim à fruição desta Não é insolúvel a contradição entre essas observações e a tese de que as pessoas adoecem devido à frustração Ela vem a ser abolida pela distinção entre uma frustração externa e uma interna Se o objeto no qual a libido pode se satisfazer falta na realidade eis uma frustração externa Por si ela não tem efeito não é patogênica enquanto não se junta a ela uma frustração interna Esta precisa originarse do Eu e contrariar o acesso da libido a outros objetos de que ela agora quer se apoderar Só então surge o conflito e a possibilidade de um adoecimento neurótico isto é de uma satisfação substituta pela via in direta do inconsciente reprimido Portanto a frustração interna deve ser con siderada em todos os casos mas não produz efeito até que a real frustração ex terna tenha preparado o terreno para ela Nos casos excepcionais em que as pessoas adoecem com o êxito a frustração interna atuou por si só e realmente só apareceu depois que a frustração externa deu lugar à realização do desejo À primeira vista há algo surpreendente nisso mas uma reflexão mais detida nos lembra que não é incomum o Eu tolerar um desejo como sendo inócuo quando ele existe somente na fantasia e parece distante de se realizar e oporse fortemente a ele quando está próximo de se concretizar e ameaça tornarse realidade Ante situações conhecidas de formação da neurose a diferença está em que geralmente são intensificações interiores do investimento libidinal que 197225 transformam a fantasia até então menosprezada e tolerada num adversário temido enquanto nos nossos casos o sinal para a irrupção do conflito é dado por uma real mudança exterior O trabalho analítico nos mostra com facilidade que são forças da consciên cia que impedem o indivíduo de retirar da feliz modificação real o proveito longamente ansiado Mas é tarefa difícil averiguar a natureza e a origem dessas tendências julgadoras e punitivas que nos espantam com sua existência ali onde não esperávamos encontrálas Por razões já conhecidas não pretendo discutir o que sabemos ou conjecturamos a respeito disso mediante casos da observação médica mas com personagens inventados por grandes escritores a partir da abundância de seu conhecimento da alma Uma pessoa que entra em colapso ao alcançar o êxito depois de têlo bus cado com imperturbável energia é lady Macbeth de Shakespeare Nela não se vê antes nenhuma hesitação ou sinal de luta interior nenhum empenho senão o de vencer os escrúpulos de um marido ambicioso mas de sentimentos brandos Até sua feminilidade ela se dispõe a sacrificar ao desígnio de assas sinato sem refletir no papel decisivo que deverá ter essa feminilidade quando chegar o momento de preservar o objetivo de sua ambição alcançado medi ante um crime Ato i cena 5 Vinde espíritos sinistros Que servis aos desígnios assassinos Dessexuaime Vinde a meus seios de mulher E tornai o meu leite em fel ó ministros do assassínio Ato i cena 7 Bem conheço As delícias de amar um tenro filho 198225 Que se amamenta embora eu lhe arrancara Às gengivas sem dente ainda quando Vendoo sorrir para mim o bico De meu seio e faria sem piedade Saltaremlhe os miolos se tivesse Jurado assim fazer como juraste Cumprir esta empreitada Antes do ato ela é assaltada por um único ligeiro movimento de relutância Ato ii cena 2 Se no seu sono não lembrasse tanto Meu pai têloia eu mesma apunhalado Tendo se tornado rainha com o assassínio de Duncan por um instante há como que um desapontamento um enfado Não sabemos por quê Ato iii cena 2 Tudo perdemos quando o que queríamos Obtemos sem nenhum contentamento Mais vale ser a vítima destruída Do que por a destruir destruir com ela O gosto de viver Mas ela persiste Na cena do banquete após essas palavras apenas ela se mantém controlada esconde o desvario de seu esposo e acha um pretexto para despedir os hóspedes Então desaparece de nossa vista Tornamos a vêla na primeira cena do quinto ato sonâmbula apegada firmemente às impressões da noite do crime Ela encoraja novamente seu marido como naquela noite 199225 Ato v cena 1 Por quem sois meu senhor que vergonha Um soldado com medo Por que havemos de recear que alguém o saiba se ninguém nos pode pedir contas Ouve batidas na porta as mesmas que aterrorizaram seu marido após o crime Ao mesmo tempo se esforça por desfazer o ato que não pode ser des feito Lava as mãos que estão sujas de sangue e que cheiram a sangue e tornase cônscia da inutilidade desse esforço O arrependimento parece havê la prostrado a ela que parecia não têlo Quando ela morre Macbeth que nesse ínterim se tornou implacável como ela fora no início tem apenas este breve epitáfio para ela Ato v cena 5 É morta Não devia ser agora Sempre seria tempo para ouvirse Essas palavras Agora nos perguntamos o que quebrantou esse caráter que parecia feito do mais duro metal Seria apenas a decepção a outra face que mostra o ato con sumado Devemos inferir que também em lady Macbeth uma psique original mente branda e feminina se exercitara até atingir uma concentração e elevada tensão que não podia durar Ou podemos pesquisar indícios de uma mo tivação mais profunda que nos torne humanamente mais inteligível esse colapso Considero impossível chegar aqui a uma decisão O Macbeth de Shakespeare é uma peça de ocasião escrita quando subiu ao trono James até então rei da Escócia O material já existia e foi tratado por outros autores que Shakespeare provavelmente utilizou como costumava fazer Ele ofereceu notáveis referências à situação contemporânea A virginal Elizabeth da qual 200225 se dizia que nunca fora capaz de ter filhos e que ao saber do nascimento de James definira a si mesma num doloroso grito como um tronco seco1 foi obrigada justamente por essa esterilidade a tornar o rei escocês seu sucessor Mas ele era o filho daquela Maria cuja execução ela ordenara mesmo a contra gosto e que embora suas relações estivessem toldadas por considerações políticas não deixava de ser sua parenta e sua hóspede A subida ao trono de James i foi como que uma mostra da maldição da es terilidade e das bênçãos da contínua geração E o desenvolvimento da ação em Macbeth regulase por esse mesmo contraste As bruxas predisseram que ele seria rei mas que os filhos de Banquo herdariam o trono Macbeth se irrita com esse decreto do destino não se contenta com a satisfação da própria am bição quer ser fundador de uma dinastia e não haver cometido um assassinato em benefício de outros Essa questão é ignorada quando se vê na peça de Shakespeare somente a tragédia da ambição É claro que se Macbeth não pode viver eternamente restalhe apenas uma maneira de invalidar a parte da profe cia que lhe é desfavorável tendo ele próprio filhos que o possam suceder Ele parece esperálos de sua vigorosa mulher Ato i cena 7 Não concebas nunca Senão filhos varões tua alma indomável O pede assim É também claro que se for enganado nessa expectativa ele deverá submeterse ao destino ou seus atos perderão toda finalidade e se transform arão na cega fúria de alguém condenado à destruição que resolve antes destru ir tudo o que esteja a seu alcance Vemos que Macbeth perfaz esse desenvolvi mento e no ápice da tragédia ouvimos a assustadora exclamação de Macduff já frequentemente percebida como ambígua e que pode conter a chave para a mudança de Macbeth 201225 Ato iv cena 3 Ele não tem filhos O que certamente quer dizer Apenas por causa disso ele pôde assassinar meus filhos mas também pode significar mais coisas e sobretudo poderia revelar o motivo mais profundo que impele Macbeth muito além de sua natureza e que toca o duro caráter da esposa em seu único ponto fraco Se abarcamos toda a peça a partir do cume que essas palavras de Macduff assinalam vemola permeada de referências à relação entre pai e filhos O as sassinato do bondoso Duncan é pouco menos que um parricídio no caso de Banquo Macbeth matou o pai enquanto o filho conseguiu escapar quanto a Macduff mata os filhos porque o pai fugiu Na cena da aparição as bruxas lhe fazem ver uma criança ensanguentada e uma criança coroada a cabeça armada que surgiu antes é provavelmente a do próprio Macbeth Mas ao fundo se ergue a sombria figura do vingador Macduff que é ele mesmo uma exceção às leis da geração pois não nasceu de sua mãe foi arrancado de seu ventre Estaria conforme o sentido de uma justiça poética baseada na lei de talião se a falta de filhos de Macbeth e a esterilidade de sua lady fossem o castigo por seus crimes contra a santidade da geração se Macbeth não pudesse tornarse pai por haver tirado os filhos ao pai e o pai aos filhos e se lady Macbeth so fresse a desfeminização que ela havia demandado aos espíritos do assassínio Creio que não é difícil ver o adoecimento da lady a transformação de sua temeridade em arrependimento como reação à sua falta de filhos mediante a qual ela é convencida de sua impotência ante as normas da natureza e lem brada ao mesmo tempo que por sua própria culpa ela foi privada dos mel hores frutos de seu crime Na crônica de Holinshed 1577 da qual Shakespeare retirou o material de Macbeth a lady é mencionada apenas uma vez como mulher ambiciosa que in cita o marido ao crime para tornarse ela mesma rainha Não se fala de seu 202225 destino posterior e da evolução de seu caráter No entanto ali a transformação de Macbeth em tirano sanguinário parece ter motivos semelhantes aos que sugerimos Pois em Holinshed se passam entre o assassinato de Duncan pelo qual Macbeth se torna rei e seus malfeitos posteriores dez anos durante os quais ele se mostra um governante severo porém justo Apenas depois desse tempo surge nele a transformação por influência do martirizante temor de que a profecia feita a Banquo se cumpra como vem se realizando aquela do seu próprio destino Só então ele mata Banquo e como em Shakespeare é ar rastado de um crime a outro Tampouco em Holinshed se diz expressamente que o fato de ele não ter filhos o impele por esse caminho mas há tempo e es paço bastantes para essa motivação plausível Sucede de outro modo em Shakespeare Os eventos se precipitam com uma rapidez de tirar o fôlego de sorte que por meio de indicações dos personagens calculase em uma semana a duração do enredo2 Essa aceleração retira a base de todas as nossas con struções sobre os motivos da reviravolta no caráter de Macbeth e de sua es posa Não há tempo para que a contínua desilusão da expectativa de filhos possa abater a mulher e arrastar o homem a uma fúria incontida e permanece a contradição de que tantos nexos sutis no interior da peça e entre ela e o ensejo que lhe deu origem tendem a convergir no tema da infecundidade enquanto a economia temporal da tragédia afasta expressamente uma evolução dos carac teres por motivos outros que não os mais íntimos Mas quais seriam esses motivos que em tão breve tempo tornam o vacil ante ambicioso em um desenfreado tirano e a sua instigadora de nervos de aço em uma doente contrita e arrependida não me parece possível descobrir É minha opinião que devemos desistir de penetrar a tripla camada obscura em que resultaram a má conservação do texto a desconhecida intenção do poeta e o oculto sentido da lenda Tampouco seria válido creio objetar que tais pesquisas são ociosas em vista do extraordinário efeito que a tragédia exerce no espectador O poeta bem pode nos dominar com sua arte no decorrer da representação e nos embotar o pensamento mas não pode nos impedir de 203225 posteriormente nos esforçarmos em compreender tal efeito a partir de seu mecanismo psicológico Tampouco me parece pertinente a observação de que o poeta é livre para encurtar à vontade a sucessão natural dos acontecimentos que nos apresenta quando pode realçar o efeito dramático por meio do sacrifí cio da verossimilhança comum Pois tal sacrifício é justificado apenas quando simplesmente incomoda a verossimilhança3 não quando suprime a ligação causal e não haveria ruptura do efeito dramático se o transcorrer do tempo fosse indeterminado em vez de expressamente limitado a uns poucos dias É uma pena abandonar um problema como o de Macbeth como se fosse in solúvel de modo que acrescentarei uma observação que talvez aponte uma nova saída Num recente estudo sobre Shakespeare Ludwig Jekels acreditou perceber algo da técnica do poeta que poderia se aplicar também a Macbeth Ele diz que é frequente Shakespeare decompor um caráter em dois persona gens e cada um dos quais não é inteiramente compreensível até que os jun tamos de novo num só Assim poderia ser o caso com Macbeth e a esposa e não levaria a nada considerála uma pessoa autônoma e investigar os motivos de sua transformação sem atentar para Macbeth que a completa Não prosseguirei nessa trilha mas desejo mencionar algo que apoia notavelmente essa concepção os germes de medo que aparecem em Macbeth na noite do crime não se desenvolverão nele mas em sua lady4 É ele que antes do ato teve a alucinação do punhal mas ela que depois sucumbe a uma enfermidade psíquica após o crime ele escutou estes gritos na casa Despertai do vosso sono Macbeth trucida o sono e Macbeth não dormirá nunca mais ato ii cena 2 enquanto é a rainha como vemos que se ergue do leito e em estado de sonambulismo trai sua culpa ele ficou sem ação as mãos ensanguentadas lamentando que todo o oceano de Netuno não lavaria sua mão e ela o con solou Um pouco dágua limpanos deste ato mas depois é ela que durante um quarto de hora lava as mãos e não consegue tirar a mancha de sangue Todos os perfumes da Arábia não bastarão para adocicar esta pequenina 204225 mão ato v cena 1 Desse modo realizase nela o que ele havia receado na angústia de sua consciência ela vem a ser o arrependimento após o crime e ele o consolo juntos eles esgotam as possibilidades de reação ao ato como duas partes desunidas de uma só individualidade psíquica e talvez cópias de um só modelo Se não pudemos no caso de lady Macbeth responder à questão de por que ela entra em colapso após o sucesso caindo doente talvez tenhamos maiores possibilidades com a obra de um outro famoso dramaturgo que examina prob lemas de responsabilidade psicológica com inexorável rigor Rebecca Gamvik filha de uma parteira foi educada por seu pai adotivo o dr West tornandose uma livrepensadora que despreza as cadeias impostas aos desejos vitais por uma moralidade fundamentada na fé religiosa Depois que morre o doutor ela é acolhida em Rosmersholm propriedade de uma an tiga família cujos membros desconhecem o riso tendo sacrificado a alegria a um rígido cumprimento do dever Em Rosmersholm vivem o pastor Johannes Rosmer e sua esposa Beate que é doente e não tem filhos Tomada de selvagem incontrolável anseio pelo amor do homem de alta linhagem Re becca decide afastar a mulher que está no seu caminho recorrendo para isso à sua vontade ousada e livre não inibida por escrúpulos Faz que lhe caia nas mãos um livro médico em que a procriação é tida como a finalidade do casamento de modo que a coitada passa a crer confusa que o seu casamento não se justifica deixaa pensar que Rosmer cujas leituras e ideias ela partilha está a ponto de se afastar da velha crença e tomar o partido das Luzes e de pois de assim abalar a confiança da mulher na solidez moral do marido dálhe a entender que ela própria Rebecca brevemente irá embora a fim de ocultar as consequências de uma ilícita relação com Rosmer O plano criminoso fun ciona A pobre mulher tida como deprimida e não responsável por seus atos atirase da ponte do moinho e se afoga com o sentimento de que é inútil e a fim de não atrapalhar a felicidade do seu amado 205225 Há alguns anos Rebecca e Rosmer vivem sós em Rosmersholm num rela cionamento que ele pretende considerar uma amizade puramente espiritual e ideal Mas quando as primeiras sombras dos boatos começam a obscurecer tal relação e ao mesmo tempo dúvidas atormentadoras se agitam em Rosmer quanto aos motivos que levaram à morte sua mulher ele pede a Rebecca que se torne sua segunda esposa para opor ao triste passado uma realidade nova e plena de vida ato ii Por um instante ela se alegra com tal proposta mas logo afirma que é impossível a união e que caso ele insista ela tomará o mesmo caminho de Beate Rosmer não compreende a rejeição ainda mais incom preensível é ela para nós que sabemos mais acerca dos atos e das intenções de Rebecca Apenas não cabe duvidar que o seu não é dito seriamente Como pôde acontecer que a aventureira de vontade livre e ousada que sem escrúpulos pavimentou o caminho para a realização de seus desejos agora se recuse a colher quando lhe é oferecido o fruto do sucesso Ela mesma nos dá a explicação no quarto ato É justamente isso o mais terrível que agora quando toda a felicidade do mundo me é entregue nas mãos eu me tenha tornado uma pessoa cujo caminho para a felicidade é obstruído pelo próprio passado Então ela se tornou outra nesse meio tempo sua consciência desper tou ela passou a ter um sentimento de culpa que lhe impede a fruição E como foi despertada sua consciência Escutemos ela mesma e reflitamos depois se é possível lhe dar crédito Foi a concepção de vida da casa Rosmer ou pelo menos a tua concepção da vida que contagiou minha vontade E a deixou doente Subjugoua com leis que antes não valiam para mim A convivência contigo isso enobreceu meu espírito Esta influência podemos admitir deuse apenas quando Rebecca pôde conviver sozinha com Rosmer na quietude na solidão quando você me confiava sem reservas os seus pensamentos cada estado de ânimo sutil e delicado como você o sentia então houve a minha grande mudança 206225 Pouco antes ela havia lamentado o outro lado dessa mudança Porque Rosmersholm me tirou a força minha vontade e ousadia foi paralisada Estropiada Para mim passou o tempo em que eu me atrevia a tudo Perdi a força para agir Rosmer Ela dá essa explicação após haver se revelado uma criminosa numa confis são espontânea a Rosmer e ao reitor Kroll irmão da mulher que eliminou Com breves toques de magistral sutileza Ibsen deixa claro que Rebecca não mente mas tampouco é inteiramente sincera Assim como apesar de toda a ausência de preconceitos ela diminuiu em um ano a sua idade também a sua confissão aos dois senhores é incompleta e graças à insistência de Kroll vem a ser completada em alguns pontos essenciais Também nós nos sentimos livres para supor que a explicação da sua renúncia apenas entrega uma coisa para esconder outra É certo que não temos motivo para desconfiar da sua declaração de que o ar de Rosmersholm o trato com aquele homem nobre produziu efeito enobre cedor e paralisador sobre ela Com isso está dizendo o que sabe e o que sentiu Mas isto não é necessariamente tudo o que se passou dentro dela tam bém não é preciso que ela possa dar contas de tudo a si mesma A influência de Rosmer pode ser apenas um manto sob o qual se oculta uma outra impressão e algo notável aponta nessa outra direção Mesmo após a confissão no último diálogo entre eles com o qual termina a peça Rosmer lhe pede ainda uma vez que seja sua mulher Ele lhe perdoa tudo o que cometeu por amor a ele Ela não responde então o que deveria que nen hum perdão pode livrála do sentimento de culpa que adquiriu por haver perfi damente enganado a pobre Beate Em vez disso chama para si uma outra re criminação que nos parece estranha numa livrepensadora e que não merece de modo algum a importância que ela lhe dá Ah meu amigo não torne a falar nisso É algo impossível Você precisa saber Rosmer que eu tenho um passado Naturalmente ela insinua que teve relações sexuais com outro homem e observemos que para ela tais relações num tempo em que era livre e 207225 não respondia a ninguém afiguramse um obstáculo mais forte à união com Rosmer do que a conduta realmente criminosa que teve para com sua mulher Rosmer não quer ouvir falar desse passado Podemos imaginálo embora tudo o que aponta para ele permaneça como que no subterrâneo da peça e tenha de ser inferido a partir de alusões De alusões inseridas com tamanha arte é verdade que uma má compreensão delas vem a ser impossível Entre a primeira recusa de Rebecca e a sua confissão ocorre algo muito im portante para a sua sorte futura O reitor Kroll lhe faz uma visita para humilhála com a informação de que sabe que ela é filha ilegítima filha justa mente daquele dr West que a adotou após a morte de sua mãe O ódio lhe aguçou a perspicácia mas ele não acredita estar dizendo algo novo para Rebecca Na verdade achei que você tinha pleno conhecimento disso Pois seria muito estranho que se deixasse adotar pelo dr West E ele a acolheu logo depois da morte de sua mãe Ele a trata duramente Mas você continua em sua casa Sabe que ele não lhe deixará um tostão Você recebeu apenas um baú de livros realmente No entanto aguenta ficar com ele Suporta seus humores Cuida dele até o último instante O que fez por ele eu relaciono ao instinto natural de uma filha Todo o seu comportamento rest ante eu vejo como o resultado natural de sua origem Mas Kroll se enganava Rebecca não sabia que era filha do dr West Quando ele principiou com obscuras alusões ao seu passado ela certamente supôs que ele se referia a outra coisa Ao perceber o que ele quer dizer ainda consegue manter o controle por um momento pois acredita que seu inimigo baseou seus cálculos na idade que ela lhe fornecera erradamente numa sua vis ita anterior Mas depois Kroll rebate vitoriosamente essa objeção Talvez Mas meu cálculo ainda pode ser correto pois um ano antes de assumir o cargo West esteve lá numa visita breve Após essa nova informação ela perde a calma Não é verdade Ela vagueia no aposento e torce as mãos Não é pos sível Você quer me fazer acreditar nisso Isso não pode jamais ser verdade 208225 Não pode ser Nunca Sua agitação é tamanha que Kroll não consegue atribuíla à sua informação Kroll Mas minha cara Deus do céu por que ficou assim perturbada Você me assusta O que devo pensar acreditar Rebecca Nada O senhor não deve crer nem pensar nada Kroll Mas então você deve realmente me explicar porque isto esta possibilidade a incomoda tanto Rebecca controlandose É muito simples sr reitor De forma al guma quero passar por filha ilegítima O enigma do comportamento de Rebecca admite apenas uma solução A notícia de que o dr West pode ser seu pai é o mais pesado golpe que poderia atingila pois ela era não só a filha adotiva mas também a amante daquele homem Quando Kroll começou a falar ela pensou que ele aludia a essa re lação e provavelmente a teria admitido invocando a sua liberdade Mas o reit or estava longe disso ele nada sabia da ligação amorosa com o dr West assim como ela ignorava que este era seu pai Apenas essa ligação pode estar em sua mente quando ela pretexta na derradeira recusa a Rosmer ter um passado que a torna indigna de ser sua mulher Provavelmente ela informaria a Ros mer se ele quisesse apenas metade do seu segredo calando sobre a parte mais difícil dele Mas agora compreendemos que esse passado lhe surge como o maior im pedimento ao matrimônio como o maior crime Após tomar conhecimento de haver sido a amante do próprio pai ela se en trega ao sentimento de culpa que agora irrompe avassalador Faz a Rosmer e Kroll a confissão que lhe deixa o estigma de assassina renuncia definitiva mente à felicidade para a qual abrira caminho através de um crime e prepara se para partir Mas o verdadeiro motivo de sua consciência de culpa que a leva a fracassar com o êxito permanece oculto Como vimos é algo bem diverso da atmosfera de Rosmersholm e da influência moralizadora de Rosmer 209225 Quem nos acompanhou até aqui não deixará de fazer uma objeção que talvez justifique alguma dúvida A primeira rejeição de Rosmer por Rebecca se dá antes da segunda visita de Kroll antes que se revele o seu nascimento ilegí timo portanto e quando ela ainda não sabe do incesto se entendemos cor retamente o autor Essa rejeição porém é séria e enérgica A consciência de culpa que a manda renunciar ao ganho proveniente de seus atos já produz efeito antes que ela saiba do seu crime principal e se concedemos isto talvez o incesto deva ser excluído como fonte da consciência de culpa Até agora tratamos Rebecca West como uma pessoa viva e não um produto da imaginação do escritor Ibsen guiada por uma inteligência bastante crítica É lícito mantermos a mesma perspectiva ao lidar com tal objeção Esta é válida um quê de consciência já havia despertado em Rebecca antes de ela inteirarse do incesto Nada impede que tornemos responsável por essa mudança a influência reconhecida e acusada pela própria Rebecca Mas isso não nos livra de reconhecermos o segundo motivo A conduta de Rebecca ao ouvir a informação do reitor sua imediata reação a ela confessando não deixa dúvida de que só então produz efeito o motivo mais forte e decisivo para a renúncia É justamente um caso de motivação múltipla em que por trás de um motivo superficial vem à luz um outro mais profundo As regras da economia poética impunham configurar desse modo o caso pois o motivo mais profundo não devia ser enunciado abertamente tinha de permanecer coberto subtraído à cômoda percepção do espectador teatral ou do leitor de outra forma teriam surgido sérias resistências neste baseadas em sentimentos muito penosos que poderiam colocar em perigo o efeito do drama Mas bem podemos exigir que o motivo explicitado não seja desprovido de relação interior com aquele por ele ocultado mas demonstre ser abrandamento e derivação dele E sendo lícito crer que a combinação criadora consciente do artista resulta coerentemente de premissas inconscientes podemos fazer a tent ativa de mostrar que ele satisfez tal exigência A consciência de culpa de Re becca tem sua fonte na recriminação do incesto já antes de o reitor com 210225 agudeza analítica tornála consciente desta Se reconstruímos o seu passado desenvolvendo e completando as insinuações do autor diremos que ela não podia não fazer ideia alguma da relação íntima entre sua mãe e o dr West Tornarse a sucessora da mãe junto a esse homem deve ter lhe produzido uma enorme impressão ela estava sob o domínio do complexo de Édipo ainda que não soubesse que no seu caso essa fantasia geral se convertera em realidade Quando foi para Rosmersholm a força interna da primeira vivência a impeliu a provocar mediante uma ação vigorosa a mesma situação que já ocorrera sem a sua interferência eliminar a esposa e mãe a fim de tomar o lugar dela junto ao marido e pai Com convincente energia ela descreve como se viu obrigada passo a passo contra a sua vontade a tomar medidas para a elimin ação de Beate Mas vocês pensam que meus atos eram frios e calculados Naquele tempo eu não era o que sou agora quando estou à sua frente e conto o que houve E além disso creio que há duas espécies de vontade numa pessoa Eu queria afastar Beate de alguma forma Mas não acreditava que isso chegaria a acontecer A cada passo que me estimulava a ir adiante era tam bém como se algo em mim dissesse Não vá adiante Nem um passo mais Mas eu não conseguia deixar de fazêlo Tinha que ir um pouco adiante e depois ainda um pouco mais E mais e mais Até que sucedeu É assim que acontecem tais coisas Isso não é dissimulação mas autêntica descrição Tudo o que a ela sucedeu em Rosmersholm a paixão por Rosmer e a hostilidade a sua mulher era já consequência do complexo de Édipo obrigatória reprodução de seus laços com a mãe e com o dr West Assim o sentimento de culpa que primeiro a fez rechaçar o pedido de Ros mer não difere essencialmente daquele maior que a impele à confissão após o comunicado de Kroll Mas tal como sob a influência do dr West ela se torn ara uma livrepensadora que desprezava a moral religiosa converteuse em alma nobre e conscienciosa devido ao amor por Rosmer Era o que entendia 211225 ela mesma de seus processos interiores e por isso estava certa ao designar a in fluência de Rosmer como o motivo de sua transformação o motivo que lhe era acessível O médico que pratica a psicanálise sabe com que frequência ou com que regularidade uma garota que chega a uma casa como empregada moça de companhia governanta consciente ou inconscientemente nutre o sonho cujo teor vem do complexo de Édipo de que a senhora da casa desapareça de al guma forma e o senhor a tome por esposa no lugar daquela Rosmersholm é a maior das obras de arte que tratam dessa cotidiana fantasia das garotas Vem a ser um drama trágico pelo dado extra de que o sonho da heroína foi precedido na sua infância por uma realidade que a ele correspondeu inteiramente5 Após essa longa visita à criação literária voltemos agora à experiência médica Mas apenas para assinalar em poucas palavras a inteira concordância entre as duas O trabalho psicanalítico propõe que as forças da consciência que levam a adoecer com o sucesso em vez da frustração como em geral acontece achamse intimamente ligadas ao complexo de Édipo à relação com o pai e à mãe como talvez a nossa própria consciência de culpa III OS CRIMINOSOS POR SENTIMENTO DE CULPA Falando de sua juventude em especial dos anos da prépuberdade pessoas que vieram a ser muito respeitáveis me informaram de ações ilícitas como fur tos fraudes e até mesmo incêndios que haviam cometido naquele tempo Eu não fazia caso dessas informações comunicandolhes que é notória a fraqueza das inibições morais nessa fase da vida e não procurava inserilas num con texto mais significativo Afinal porém vime solicitado a um estudo mais completo desses incidentes devido a alguns casos chocantes e mais acessíveis nos quais esses delitos foram cometidos enquanto os doentes se achavam em 212225 tratamento comigo e já não eram pessoas jovens O trabalho analítico trouxe então o resultado surpreendente de que tais ações foram realizadas sobretudo porque eram proibidas e porque sua execução se ligava a um aliviamento psíquico para o malfeitor Ele sofria de uma opressiva consciência de culpa de origem desconhecida e após cometer um delito essa pressão diminuía Ao menos a consciência de culpa achava alguma guarida Por paradoxal que isso talvez pareça devo afirmar que a consciência de culpa estava presente antes do delito que não se originou deste pelo con trário foi o delito que procedeu da consciência de culpa Tais pessoas podem ser justificadamente chamadas de criminosos por consciência de culpa A preexistência do sentimento de culpa fora naturalmente demonstrada por toda uma série de outros efeitos e manifestações Mas a constatação de um fato curioso não é a finalidade do trabalho científico Há mais duas questões a responder de onde vem o obscuro senti mento de culpa anterior ao ato e se é provável que tal espécie de causa tenha maior participação nos crimes humanos O estudo da primeira questão prometia nos informar sobre a fonte do senti mento de culpa humano em geral O constante resultado do labor psicanalítico foi de que esse obscuro sentimento de culpa vem do complexo de Édipo é uma reação aos dois grandes intentos criminosos matar o pai e ter relações sexuais com a mãe Comparados a esses dois os crimes perpetrados para fixar o senti mento de culpa constituíam certamente um alívio para os atormentados É preciso lembrarmos neste ponto que o parricídio e o incesto com a mãe são os dois maiores crimes humanos os únicos perseguidos e abominados como tais nas sociedades primitivas E também como outras investigações nos aproxim aram da hipótese de que a humanidade adquiriu sua consciência que agora surge como inata força psíquica através do complexo de Édipo A resposta à segunda questão ultrapassa o âmbito do trabalho psicanalítico Nas crianças observamos facilmente que se tornam levadas a fim de provo car o castigo ficando mais tranquilas e satisfeitas depois dele Uma posterior 213225 investigação psicanalítica nos coloca frequentemente na pista do sentimento de culpa que fez procurar o castigo Entre os criminosos adultos devemos excetu ar aqueles que cometem crimes sem experimentar culpa que não desen volveram inibições morais ou creem que sua luta com a sociedade justifica seus atos Quanto à maioria dos outros criminosos porém aqueles para os quais realmente foram feitos os códigos penais uma tal motivação do crime bem po deria ser considerada poderia iluminar pontos obscuros da psicologia do crim inoso e fornecer um novo fundamento psicológico para o castigo Um amigo chamoume a atenção para o fato de que o criminoso por senti mento de culpa era conhecido também por Nietzsche No discurso de Zaratustra Sobre o pálido criminoso vislumbramos a preexistência do senti mento de culpa e o recurso ao ato para a sua racionalização Deixemos que in vestigações futuras decidam quantos dos criminosos se incluem entre os pálidos Freud cita Shakespeare em alemão sem indicar a tradução que utilizou provavelmente a de Schlegel e Tieck Citamos aqui a tradução que obtivemos em português de Carlos de Al meida Cunha Medeiros e Oscar Mendes na edição da obra completa da Companhia José Aguilar 1969 Citado por Freud em alemão apenas sem indicação da tradução utilizada que provavelmente foi a de Schlegel e Tieck clássica e famosa Recorremos aqui à versão de Macbeth por Manuel Bandeira citada conforme a edição da Brasiliense São Paulo 1989 No trecho inicial há uma discrepância entre o original inglês consultado Oxford 1988 e a versão de Bandeira onde não se acham as linhas correspondentes a Come to my womans breasts And take my milk for gall cuja tradução foi aqui livremente acrescentada Alusão a versos de A noiva de Messina de Schiller ato iv cena 5 1 Cf Macbeth ato iii cena 1 trad cit Puseram sobre a minha testa Uma coroa estéril colocaramme Nas mãos um cetro que outras mãos de estranha Estirpe hão de arrancarme nenhum filho 214225 Meu sucedendome 2 J Darmesteter Macbeth Édition classique Paris 1887 p lxxv 3 Como quando Ricardo iii solicita Ana junto ao esquife do rei que assassinou Shakespeares Macbeth Imago v 5 1917 4 J Darmesteter op cit Henrik Ibsen Rosmersholm tradução livre 5 A presença do tema do incesto em Rosmersholm já foi demonstrada de forma semelhante a esta na substancial obra de Otto Rank Das Inzestmotiv in Dichtung und Sage O tema do in cesto na literatura e nas lendas 1912 215225 PARALELO MITOLÓGICO DE UMA IMAGEM OBSESSIVA Num paciente de cerca de 21 anos de idade os produtos do trabalho mental in consciente se tornavam conscientes não só como pensamentos obsessivos mas também como imagens obsessivas Os dois podiam aparecer juntos ou separada mente Em determinada época ao ver seu pai entrar no aposento uma palavra obsessiva e uma imagem obsessiva lhe surgiam intimamente ligadas A palavra era Vaterarsch bunda do pai e a imagem trazia o pai como a parte inferi or de um corpo nu dotado de braços e pernas faltando a cabeça e a parte su perior Os genitais não eram mostrados e os traços do rosto estavam desenha dos no abdome Para explicação desse sintoma mais absurdo que o habitual devese notar que esse indivíduo de pleno desenvolvimento intelectual e elevados padrões éticos manifestara um vivo erotismo anal em variadas formas até depois dos dez anos de idade Superado este sua vida sexual foi empurrada de volta ao es tágio anal prévio devido à luta contra o erotismo genital Amava e respeitava bastante o pai e também o temia em não pouca medida Do ponto de vista de suas elevadas exigências quanto à repressão instintual e ao ascetismo porém o pai lhe parecia um defensor da intemperança da busca de fruição nas coisas materiais Vaterarsch logo se revelou uma germanização maliciosa do honroso título Patriarch patriarca A imagem obsessiva é uma evidente caricatura Lembra outras figuras que depreciativamente substituem a pessoa inteira por um único órgão os genitais por exemplo lembra fantasias inconscientes que levam à identificação dos genitais com todo o indivíduo e também locuções jocosas como Sou todo ouvidos A colocação de traços do rosto na barriga da figura me pareceu algo es tranho inicialmente Mas logo me lembrei de ter visto algo semelhante em ca ricaturas francesas1 Depois o acaso me fez tomar conhecimento de uma figura antiga que corresponde inteiramente à imagem obsessiva de meu paciente De acordo com uma lenda grega Deméter chegou a Elêusis em busca de sua filha sequestrada e foi acolhida por Disaules e sua mulher Baubo Tomada de profunda tristeza porém recusou comida e bebida Então Baubo a fez rir ao levantar subitamente a roupa e lhe mostrar o ventre Uma discussão dessa anedota que provavelmente explicaria uma cerimônia mágica não mais compreendida achase no quarto volume da obra Cultes mythes et religions de Salomon Reinach 1912 Ali também é mencionado que nas escavações de Priene na Ásia Menor encontraramse terracotas que representam Baubo Elas mostram um corpo de mulher sem cabeça e sem peito em cujo ab dome está desenhado um rosto a saia levantada emoldura esse rosto como uma coroa de cabelos S Reinach op cit Paris p 117 Título original Mythologische Parallele zu einer plastischen Zwangsvorstellung Public ado primeiramente na Internationale Zeitschrift für ärztliche Psychoanalyse Revista Internacion al de Psicanálise Médica v 4 n 2 1916 pp 1101 Traduzido de Gesammelte Werke x pp 398400 também se acha em Studienausgabe vii pp 11922 1 Cf Das unanständige Albion A impudica Albion caricatura da Inglaterra feita em 1901 por Jean Veber em Eduard Fuchs Das erotische Element in der Karikatur Berlim 1904 218225 UMA RELAÇÃO ENTRE UM SÍMBOLO E UM SINTOMA A experiência com a análise de sonhos já estabeleceu satisfatoriamente que o chapéu é um símbolo dos genitais sobretudo dos masculinos Mas não se pode afirmar que seja um símbolo claramente inteligível Em fantasias e em numer osos sintomas também a cabeça aparece como símbolo dos genitais masculi nos ou se se preferir como algo que os representa Mais de um analista terá observado que os seus pacientes que sofrem de obsessões manifestam ante o castigo da decapitação horror e indignação bem maiores do que ante qualquer outra espécie de morte e terá tido ocasião de lhes explicar que lidam com a ideia de ser decapitado como um sucedâneo de ser castrado Várias vezes já fo ram analisados e comunicados sonhos de pessoas jovens ou acontecidos na juventude que tinham por tema a castração e em que se mencionava uma bola que apenas podia ser interpretada como a cabeça do pai Recentemente pude explicar um cerimonial que uma paciente executava antes de dormir que consistia em pôr um pequeno travesseiro de maneira enviesada sobre outros lembrando um losango e deitar a cabeça acima da linha diagonal do losango Esse tinha o significado conhecido de desenhos em muros a cabeça represent aria o membro masculino Pode ser que o significado simbólico do chapéu derive do da cabeça na medida em que seja considerado um prolongamento destacável dela Com re lação a isso lembrome de um sintoma dos neuróticos obsessivos com o qual esses doentes se proporcionam contínuos tormentos Estando na rua espreit am incessantemente para ver se algum conhecido os saúda primeiro tirando o chapéu ou se parece aguardar seu cumprimento e desistem de um bom número de relações ao descobrir que a pessoa não mais os cumprimenta ou não retribui devidamente a sua saudação Não têm fim essas dificuldades ligadas à saudação que eles criam conforme seu humor e as circunstâncias E nada muda em sua conduta se lhes dizemos o que eles bem sabem que tirar o chapéu ao cumprimentar significa rebaixarse ante a pessoa que se cumprimenta que um grande da Espanha por exemplo tinha o privilégio de permanecer de cabeça coberta diante do rei e que a sensibilidade deles em re lação ao cumprimento tem o sentido portanto de não se mostrar menor do que a outra pessoa julga ser O fato de sua sensibilidade resistir a um esclareci mento desses autoriza a suposição de que um motivo não tão conhecido da consciência está operando e a origem dessa intensificação poderia muito bem ser encontrada na relação com o complexo da castração Título original Eine Beziehung zwischen einem Symbol und einem Symptom Publicado primeiramente em Internationale Zeitschrift für ärztliche Psychoanalyse v 4 n 2 1916 pp 1112 Traduzido de Gesammelte Werke v x pp 3945 Uma descrição mais completa do ritual obsessivo desta paciente se acha nas Conferências in trodutórias à psicanálise cap xvii 191517 onde porém falase apenas de dois travesseiros um pequeno colocado sobre um maior e não há menção do conhecido significado de desen hos em muros referência pouco clara de resto 220225 CARTA À DRA HERMINE VON HUGHELLMUTH O diário é uma pequena joia Realmente creio que até hoje ninguém pôde enxergar com tamanha clareza e veracidade os impulsos psíquicos próprios do desenvolvimento de uma garota de nosso nível social e cultural nos anos que precedem a puberdade Como os sentimentos nascem do egoísmo infantil até alcançarem a maturidade social como se apresentam inicialmente as relações com os pais e irmãos e depois adquirem aos poucos seriedade e intensidade afetiva como as amizades são tecidas e abandonadas a afeição tateando em busca dos primeiros objetos e sobretudo como o segredo do sexo começa a surgir difusamente para depois tomar plena posse da alma infantil como essa garota é afetada pela consciência do seu secreto saber mas gradualmente su pera isso tudo é expresso de forma tão encantadora tão séria e natural nessas anotações despretensiosas que certamente despertará enorme interesse em educadores e psicólogos Acho que é seu dever entregar esse diário ao conhecimento público Meus leitores lhe serão gratos por isso São trechos de uma carta de 27 de abril de 1915 incluídos no prefácio que Hermine von Hug Hellmuth escreveu para a sua edição do diário mencionado na carta Tagebuch eines halbwüch sigen Mädchens Diário de uma menina Leipzig Viena e Zurique Internationaler Psychoana lytischer Verlag 1919 Texto traduzido de Gesammelte Werke x p 456 Houve pelo menos duas edições estrangeiras desse livro uma inglesa e uma italiana Segundo James Strachey a edição alemã foi retirada de circulação alguns anos depois ao se divulgar que o manuscrito ter ia sido modificado pela pessoa que o entregou a H v HugHellmuth mas quanto à autenticid ade desta carta não há dúvidas SIGMUND FREUD OBRAS COMPLETAS EM 20 VOLUMES COORDENAÇÃO DE PAULO CÉSAR DE SOUZA 1TEXTOS PRÉPSICANALÍTICOS 18861899 2ESTUDOS SOBRE A HISTERIA 18931895 3PRIMEIROS ESCRITOS PSICANALÍTICOS 18931899 4A INTERPRETAÇÃO DOS SONHOS 1900 5PSICOPATOLOGIA DA VIDA COTIDIANA E SOBRE OS SONHOS 1901 6TRÊS ENSAIOS DE UMA TEORIA DA SEXUALIDADE FRAGMENTO DA ANÁLISE DE UM CASO DE HISTERIA O CASO DORA E OUTROS TEXTOS 19011905 7O CHISTE E SUA RELAÇÃO COM O INCONSCIENTE 1905 8O DELÍRIO E OS SONHOS NA GRADIVA ANÁLISE DA FOBIA DE UM GAROTO DE CINCO ANOS O PEQUENO HANS E OUTROS TEXTOS 19061909 9OBSERVAÇÕES SOBRE UM CASO DE NEUROSE OBSESSIVA O HOMEM DOS RATOS UMA RECORDAÇÃO DE INFÂNCIA DE LEONARDO DA VINCI E OUTROS TEXTOS 19091910 10OBSERVAÇÕES PSICANALÍTICAS SOBRE UM CASO DE PARANOIA RELATADO EM AUTOBIOGRAFIA O CASO SCHREBER ARTIGOS SOBRE TÉCNICA E OUTROS TEXTOS 19111913 11TOTEM E TABU HISTÓRIA DO MOVIMENTO PSICANALÍTICO E OUTROS TEXTOS 19131914 12INTRODUÇÃO AO NARCISISMO ENSAIOS DE METAPSICOLOGIA E OUTROS TEXTOS 19141916 13CONFERÊNCIAS INTRODUTÓRIAS À PSICANÁLISE 19151917 14HISTÓRIA DE UMA NEUROSE INFANTIL O HOMEM DOS LOBOS ALÉM DO PRINCÍPIO DO PRAZER E OUTROS TEXTOS 19171920 15PSICOLOGIA DAS MASSAS E ANÁLISE DO EU E OUTROS TEXTOS 19201923 16O EU E O ID ESTUDO AUTOBIOGRÁFICO E OUTROS TEXTOS 19231925 17INIBIÇÃO SINTOMA E ANGÚSTIA O FUTURO DE UMA ILUSÃO E OUTROS TEXTOS 19261929 18O MALESTAR NA CIVILIZAÇÃO NOVAS CONFERÊNCIAS INTRODUTÓRIAS E OUTROS TEXTOS 19301936 19MOISÉS E O MONOTEÍSMO COMPÊNDIO DE PSICANÁLISE E OUTROS TEXTOS 19371939 20ÍNDICES E BIBLIOGRAFIA Copyright da tradução 2010 by Paulo César Lima de Souza Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 que entrou em vigor no Brasil em 2009 Os textos deste volume foram traduzidos de Gesammelte Werke volume x Londres Imago 1946 Os títulos ori ginais estão na página inicial de cada texto A outra edição alemã referida é Studienausgabe Frankfurt Fischer 2000 Capa e projeto gráfico warrakloureiro Imagens das pp 3 e 4 Esfinge séc V aC 7x185 cm Máscara Egito séc XII aC 245x19 cm Freud Museum London Preparação Célia Euvaldo Revisão Angela das Neves Huendel Viana ISBN 9788580860382 Todos os direitos desta edição reservados à editora schwarcz ltda Rua Bandeira Paulista 702 cj 32 04532002 São Paulo sp Telefone 11 37073500 Fax 11 37073501 wwwcompanhiadasletrascombr
Send your question to AI and receive an answer instantly
Recommended for you
16
Análise do Sonho da Injeção de Irma: Memória e Inconsciente
Psicanálise
PROMOVE
9
Observações sobre o Amor Transferencial: Novas Recomendações sobre a Técnica da Psicanálise III
Psicanálise
PROMOVE
632
Sigmund Freud - Obras Completas: Volume 13 - Conferências Introdutórias à Psicanálise
Psicanálise
PROMOVE
326
O Eu e o Id: Autobiografia e Outros Textos - Sigmund Freud
Psicanálise
PROMOVE
16
Interpretação dos Sonhos sem Fim: Reflexões sobre Freud e Vinhetas Clínicas
Psicanálise
PROMOVE
275
Sigmund Freud: Obras Completas Volume 10 - Observações Psicanalíticas
Psicanálise
PROMOVE
Preview text
SIGMUND FREUD OBRAS COMPLETAS VOLUME 12 INTRODUÇÃO AO NARCISISMO ENSAIOS DE METAPSICOLOGIA E OUTROS TEXTOS 19141916 TRADUÇÃO PAULO CÉSAR DE SOUZA SUMÁRIO ESTA EDIÇÃO INTRODUÇÃO AO NARCISISMO 1914 ENSAIOS DE METAPSICOLOGIA OS INSTINTOS E SEUS DESTINOS 1915 A REPRESSÃO 1915 O INCONSCIENTE 1915 I JUSTIFICAÇÃO DO INCONSCIENTE II A PLURALIDADE DE SENTIDOS DO INCONSCIENTE E O PONTO DE VISTA TOPOLÓGICO III SENTIMENTOS INCONSCIENTES IV TOPOLOGIA E DINÂMICA DA REPRESSÃO V AS CARACTERÍSTICAS ESPECIAIS DO SISTEMA ICS VI A COMUNICAÇÃO ENTRE OS DOIS SISTEMAS VII A IDENTIFICAÇÃO DO INCONSCIENTE COMPLEMENTO METAPSICOLÓGICO À TEORIA DOS SONHOS 1917 1915 LUTO E MELANCOLIA 1917 1915 COMUNICAÇÃO DE UM CASO DE PARANOIA QUE CONTRADIZ A TEORIA PSICANALÍTICA 1915 CONSIDERAÇÕES ATUAIS SOBRE A GUERRA E A MORTE 1915 I A DESILUSÃO CAUSADA PELA GUERRA II NOSSA ATITUDE PERANTE A MORTE A TRANSITORIEDADE 1916 ALGUNS TIPOS DE CARÁTER ENCONTRADOS NA PRÁTICA PSICANALÍTICA 1916 I AS EXCEÇÕES II OS QUE FRACASSAM NO TRIUNFO III OS CRIMINOSOS POR SENTIMENTO DE CULPA TEXTOS BREVES 19151916 PARALELO MITOLÓGICO DE UMA IMAGEM OBSESSIVA UMA RELAÇÃO ENTRE UM SÍMBOLO E UM SINTOMA CARTA À DRA HERMINE VON HUGHELLMUTH 4225 ESTA EDIÇÃO Esta edição das obras completas de Sigmund Freud pretende ser a primeira em língua portuguesa traduzida do original alemão e organizada na sequência cronológica em que apareceram originalmente os textos A afirmação de que são obras completas pede um esclarecimento Não se incluem os textos de neurologia isto é não psicanalíticos anteriores à criação da psicanálise Isso porque o próprio autor decidiu deixálos de fora quando se fez a primeira edição completa de suas obras nas décadas de 1920 e 1930 No entanto vários textos prépsicanalíticos já psicológicos serão incluídos nos dois primeiros volumes A coleção inteira será composta de vinte volumes sendo dezenove de textos e um de índices e bibliografia A edição alemã que serviu de base para esta foi Gesammelte Werke Obras completas publicada em Londres entre 1940 e 1952 Agora pertence ao catá logo da editora Fischer de Frankfurt que também recolheu num grosso volume intitulado Nachtragsband Volume suplementar inúmeros textos menores ou inéditos que haviam sido omitidos na edição londrina Apenas al guns deles foram traduzidos para a presente edição pois muitos são de caráter apenas circunstancial A ordem cronológica adotada pode sofrer pequenas alterações no interior de um volume Os textos considerados mais importantes do período coberto pelo volume cujos títulos aparecem na página de rosto vêm em primeiro lugar Em uma ou outra ocasião são reunidos aqueles que tratam de um só tema mas não foram publicados sucessivamente é o caso dos artigos sobre a técnica psicanalítica por exemplo Por fim os textos mais curtos são agrupa dos no final do volume Embora constituam a mais ampla reunião de textos de Freud os dezessete volumes dos Gesammelte Werke foram sofrivelmente editados talvez devido à penúria dos anos de guerra e de pósguerra na Europa Embora ordenados cronologicamente não indicam sequer o ano da publicação de cada trabalho O texto em si é geralmente confiável mas sempre que possível foi cotejado com a Studienausgabe Edição de estudos publicada pela Fischer em 196975 da qual consultamos uma edição revista lançada posteriormente Tratase de onze volumes organizados por temas como a primeira coleção de obras de Freud que não incluem vários textos secundários ou de conteúdo repetido mas incorporam traduzidas para o alemão as apresentações e notas que o inglês James Strachey redigiu para a Standard edition Londres Hogarth Press 195566 O objetivo da presente edição é oferecer os textos com o máximo de fidel idade ao original sem interpretações ou interferências de comentaristas e teóricos posteriores da psicanálise que devem ser buscadas na imensa biblio grafia sobre o tema Também informações sobre a gênese e a importância de cada obra podem ser encontradas na literatura secundária principalmente na biografia em três volumes de Ernest Jones lançada no Brasil pela Imago do Rio de Janeiro e no mencionado aparato editorial da Standard inglesa A ordem de publicação destas Obras completas não é a mesma daquela das primeiras edições alemãs pois isso implicaria deixar várias coisas relevantes para muito depois Decidiuse começar por um período intermediário e de pleno desenvolvimento das concepções de Freud em torno de 1915 e daí pro ceder para trás e para adiante Após o título de cada texto há apenas a referência bibliográfica da primeira publicação não a das edições subsequentes ou em outras línguas que interes sam tão somente a alguns especialistas Entre parênteses se acha o ano da pub licação original havendo transcorrido mais de um ano entre a redação e a pub licação a data da redação aparece entre colchetes As indicações bibliográficas do autor foram normalmente conservadas tais como ele as redigiu isto é não foram substituídas por edições mais recentes das obras citadas Mas sempre é 6225 fornecido o ano da publicação que no caso de remissões do autor a seus próprios textos permite que o leitor os localize sem maior dificuldade tanto nesta como em outras edições das obras de Freud As notas do tradutor geralmente informam sobre termos e passagens de versão problemática para que o leitor tenha uma ideia mais precisa de seu sig nificado e para justificar em alguma medida as soluções aqui adotadas Nessas notas são reproduzidos os equivalentes achados em algumas versões es trangeiras dos textos em línguas aparentadas ao português e ao alemão Não utilizamos as duas versões das obras completas já aparecidas em português das editoras Delta e Imago pois não foram traduzidas do alemão e sim do francês e do espanhol a primeira e do inglês a segunda No tocante aos termos considerados técnicos não existe a pretensão de im por as escolhas aqui feitas como se fossem absolutas Elas apenas pareceram as menos insatisfatórias para o tradutor e os leitores e psicanalistas que empregam termos diferentes conforme suas diferentes abordagens e per cepções da psicanálise devem sentirse à vontade para conservar suas opções Ao ler essas traduções apenas precisarão fazer o pequeno esforço de substituir mentalmente instinto por pulsão instintual por pulsional repressão por recalque ou Eu por ego exemplificando No entanto essas palavras são poucas em número bem menor do que geralmente se acredita Esta edição não pretende ser definitiva pelo simples motivo de que um clássico dessa natureza nunca recebe uma tradução definitiva E tendo sido planejada por alguém que se aproximou de Freud pela via da linguagem e da literatura destinase não apenas aos estudiosos e profissionais da psicanálise mas a todos aqueles que em vários continentes leem e se exprimem nessa que um grande poeta português chamou de nossa clara língua majestosa e um eminente tradutor e poeta brasileiro qualificou de portocálido brasilírico idiomaterno 7225 pcs O tradutor agradece o generoso auxílio de Mariana Moreau que durante um ano lhe permitiu se dedicar exclusivamente à tradução deste volume 8225 INTRODUÇÃO AO NARCISISMO 1914 TÍTULO ORIGINAL ZUR EINFÜHRUNG DES NARZISSMUS PUBLICADO PRIMEIRAMENTE EM JAHRBUCH DER PSYCHOANALYSE ANUÁRIO DE PSICANÁLISE V 6 PP 124 TRADUZIDO DE GESAMMELTE WERKE X PP 13870 TAMBÉM SE ACHA EM STUDIENAUSGABE III PP 3768 I O termo narcisismo vem da descrição clínica e foi escolhido por P Näcke em 1899 para designar a conduta em que o indivíduo trata o próprio corpo como se este fosse o de um objeto sexual isto é olhao toca nele e o acaricia com prazer sexual até atingir plena satisfação mediante esses atos Desen volvido a esse ponto o narcisismo tem o significado de uma perversão que ab sorveu toda a vida sexual da pessoa e está sujeito às mesmas expectativas com que abordamos o estudo das perversões em geral Chamou a atenção da pesquisa psicanalítica o fato de características isola das da conduta narcisista serem encontradas em muitas pessoas sujeitas a out ros distúrbios como os homossexuais segundo Sadger e por fim apareceu a conjectura de que uma alocação da libido que denominamos narcisismo poderia apresentarse de modo bem mais intenso e reivindicar um lugar no desenvolvimento sexual regular do ser humano1 À mesma conjectura chegou se a partir das dificuldades da psicanálise com neuróticos pois era como se tal comportamento narcísico fosse um dos limites de sua suscetibilidade à influên cia Nesse sentido o narcisismo não seria uma perversão mas o complemento libidinal do egoísmo do instinto de autoconservação do qual justificadamente atribuímos uma porção a cada ser vivo Um motivo premente para nos ocuparmos com a ideia de um narcisismo primário e normal apareceu quando se fez a tentativa de incluir o que sabemos da dementia praecox Kraepelin ou esquizofrenia Bleuler sob a hipótese da teoria da libido Esses doentes que eu sugeri designar como parafrênicos mostram duas características fundamentais a megalomania e o abandono do interesse pelo mundo externo pessoas e coisas Devido a esta última mudança eles se furtam à influência da psicanálise não podendo ser curados por nossos esforços Mas o afastamento do parafrênico face ao mundo externo pede uma caracterização mais precisa Também o histérico e o neurótico ob sessivo abandonam até onde vai sua doença a relação com a realidade A an álise mostra porém que de maneira nenhuma suspendem a relação erótica com pessoas e coisas Ainda a mantêm na fantasia isto é por um lado sub stituem os objetos reais por objetos imaginários de sua lembrança ou os mis turam com estes e por outro lado renunciam a empreender as ações motoras para alcançar as metas relativas a esses objetos Apenas a esse estado da libido se deveria aplicar o termo usado por Jung sem distinção o de introversão da li bido Sucede de outro modo com o parafrênico Este parece mesmo retirar das pessoas e coisas do mundo externo a sua libido sem substituílas por outras na fantasia Quando isso vem a ocorrer parece ser algo secundário parte de uma tentativa de cura que pretende reconduzir a libido ao objeto2 Surge a pergunta qual o destino da libido retirada dos objetos na esquizo frenia A megalomania própria desses estados apontanos aqui o caminho Ela se originou provavelmente à custa da libido objetal A libido retirada do mundo externo foi dirigida ao Eu de modo a surgir uma conduta que po demos chamar de narcisismo No entanto a megalomania mesma não é uma criação nova e sim como sabemos a ampliação e o explicitamento de um es tado que já havia existido antes Isso nos leva a apreender o narcisismo que surge por retração dos investimentos objetais como secundário edificado sobre um narcisismo primário que foi obscurecido por influências várias Insisto em que não pretendo esclarecer ou aprofundar o problema da es quizofrenia mas apenas reúno o que foi dito em outros lugares a fim de justi ficar uma introdução ao narcisismo Um terceiro elemento que concorre para essa extensão legítima ao que me parece da teoria da libido vem de nossas observações e concepções da vida psíquica das crianças e dos povos primitivos Encontramos neles traços que isoladamente podem ser atribuídos à megalomania uma superestimação do poder de seus desejos e atos psíquicos a onipotência dos pensamentos 11225 uma crença na força mágica das palavras uma técnica de lidar com o mundo externo a magia que aparece como aplicação coerente dessas grandiosas premissas3 Esperamos encontrar uma atitude análoga face ao mundo externo nas crianças de nossa época cujo desenvolvimento é para nós mais impenet rável4 Formamos assim a ideia de um originário investimento libidinal do Eu de que algo é depois cedido aos objetos mas que persiste fundamentalmente relacionandose aos investimentos de objeto como o corpo de uma ameba aos pseudópodes que dele avançam Essa parte da alocação da libido ficou inicial mente oculta para a nossa pesquisa cujo ponto de partida eram os sintomas neuróticos Notamos apenas as emanações dessa libido os investimentos de objeto que podem ser avançados e novamente recuados Enxergamos também em largos traços uma oposição entre libido do Eu e libido de objeto Quanto mais se emprega uma mais empobrece a outra A mais elevada fase de desen volvimento a que chega esta última aparece como estado de enamoramento ele se nos apresenta como um abandono da própria personalidade em favor do investimento de objeto e tem seu contrário na fantasia ou autopercepção de fim do mundo dos paranoicos5 Por fim concluímos quanto à diferenciação das energias psíquicas que inicialmente estão juntas no estado do narcisismo sendo indistinguíveis para a nossa grosseira análise e que apenas com o invest imento de objeto se torna possível distinguir uma energia sexual a libido de uma energia dos instintos do Eu Antes de prosseguir devo tocar em duas questões que nos levam ao centro das dificuldades do tema Primeira que relação há entre o narcisismo de que agora tratamos e o autoerotismo que descrevemos como um estágio inicial da libido Segunda se admitimos para o Eu um investimento primário com li bido por que é necessário separar uma libido sexual de uma energia não sexual dos instintos do Eu Postular uma única energia psíquica não pouparia todas as dificuldades da separação entre energia dos instintos do Eu e libido do Eu libido do Eu e libido de objeto Sobre a primeira questão observo o seguinte 12225 é uma suposição necessária a de que uma unidade comparável ao Eu não ex iste desde o começo no indivíduo o Eu tem que ser desenvolvido Mas os in stintos autoeróticos são primordiais então deve haver algo que se acrescenta ao autoerotismo uma nova ação psíquica para que se forme o narcisismo A solicitação para que dê uma resposta definida à segunda questão deve suscitar em todo psicanalista um perceptível malestar Não nos sentimos bem ao abandonar a observação em favor de estéreis disputas teóricas mas não po demos nos furtar a uma tentativa de esclarecimento É certo que noções como a de uma libido do Eu energia dos instintos do Eu e assim por diante não são particularmente fáceis de apreender nem suficientemente ricas de conteúdo uma teoria especulativa das relações em jogo procuraria antes de tudo obter um conceito nitidamente circunscrito como fundamento Acredito no entanto ser justamente essa a diferença entre uma teoria especulativa e uma ciência edi ficada sobre a interpretação da empiria Esta não invejará à especulação o priv ilégio de uma fundamentação limpa logicamente inatacável mas de bom grado se contentará com pensamentos básicos nebulosos dificilmente ima gináveis os quais espera apreender de modo mais claro no curso de seu desen volvimento e está disposta a eventualmente trocar por outros Pois essas idei as não são o fundamento da ciência sobre o qual tudo repousa tal fundamento é apenas a observação Elas não são a parte inferior mas o topo da construção inteira podendo ser substituídas e afastadas sem prejuízo Em nossos dias vemos algo semelhante na física cujas concepções básicas sobre matéria centros de força atração etc não seriam menos problemáticas do que as cor respondentes na psicanálise O valor dos conceitos de libido do Eu e libido de objeto está em que de rivam da elaboração de características íntimas dos processos neuróticos e psicóticos A distinção entre uma libido que é própria do Eu e uma que se atém aos objetos constitui o inevitável prosseguimento de uma primeira hipótese que separava instintos sexuais de instintos do Eu Pelo menos a isso me levou a análise das puras neuroses de transferência histeria e neurose obsessiva e sei 13225 apenas que todas as tentativas de prestar contas de tais fenômenos por outros meios fracassaram radicalmente Dada a completa ausência de uma teoria dos instintos que de algum modo nos orientasse é lícito ou melhor é imperioso experimentar alguma hipótese de maneira consequente até que falhe ou se confirme Há vários pontos em fa vor da hipótese de uma diferenciação original entre instintos sexuais e instintos do Eu além de sua utilidade para a análise das neuroses de transferência Ad mito que somente esse fator não seria inequívoco pois poderia ser o caso de uma energia psíquica indiferente que apenas com o ato do investimento de ob jeto se torna libido Mas essa distinção conceitual corresponde primeiro à sep aração popular tão corriqueira entre fome e amor Em segundo lugar consid erações biológicas se fazem valer em seu favor O indivíduo tem de fato uma dupla existência como fim em si mesmo e como elo de uma corrente à qual serve contra ou de todo modo sem a sua vontade Ele vê a sexualidade mesma como um de seus propósitos enquanto uma outra reflexão mostra que ele é tão somente um apêndice de seu plasma germinal à disposição do qual ele coloca suas forças em troca de um bônus de prazer o depositário mortal de uma talvez imortal substância como um morgado que possui temporari amente a instituição que a ele sobreviverá A distinção entre instintos sexuais e do Eu apenas refletiria essa dupla função do indivíduo Em terceiro lugar é preciso não esquecer que todas as nossas concepções provisórias em psicologia devem ser um dia baseadas em alicerces orgânicos Isso torna provável que sejam substâncias e processos químicos especiais que levem a efeito as oper ações da sexualidade e proporcionem a continuação da vida individual naquela da espécie Tal probabilidade levamos em conta ao trocar as substâncias quím icas especiais por forças psíquicas especiais Precisamente porque em geral me esforço para manter longe da psicologia tudo o que dela é diferente inclusive o pensamento biológico quero neste ponto admitir expressamente que a hipótese de instintos sexuais e do Eu sep arados ou seja a teoria da libido repousa minimamente sobre base 14225 psicológica escorandose essencialmente na biologia Então serei consistente o bastante para descartar essa hipótese se a partir do trabalho psicanalítico mesmo avultar outra suposição mais aproveitável acerca dos instintos Até agora isso não aconteceu Pode ser que em seu fundamento primeiro e em última instância a energia sexual a libido seja apenas o produto de uma diferenciação da energia que atua normalmente na psique Mas tal afirmação não tem muito alcance Diz respeito a coisas já tão remotas dos problemas de nossa observação e de que possuímos tão escasso conhecimento que é ocioso tanto combatêla quanto utilizála possivelmente essa identidade primeva tem tão pouco a ver com nossos interesses psicanalíticos quanto o parentesco prim ordial de todas as raças humanas tem a ver com a prova de que se é parente do testador exigida para a transmissão legal da herança Não chegamos a nada com todas essas especulações Como não podemos esperar até que uma outra ciência nos presenteie as conclusões finais sobre a teoria dos instintos é bem mais adequado procurarmos ver que luz pode ser lançada sobre esses enigmas biológicos fundamentais por uma síntese dos fenômenos psicológicos Estejamos cientes da possibilidade do erro mas não deixemos de levar adiante de maneira consequente a primeira hipótese mencionada de uma oposição entre instintos sexuais e do Eu que se nos impôs através da análise das neur oses de transferência verificando se ela evolui de modo fecundo e livre de contradições e se pode aplicarse também a outras afecções à esquizofrenia por exemplo Naturalmente a situação seria outra caso se provasse que a teoria da libido já fracassou na explicação da última doença mencionada C G Jung fez tal afirmação6 e obrigoume assim a esta última discussão que eu bem gostaria de ter evitado Teria preferido seguir até o final o curso tomado na análise do caso Schreber silenciando a respeito de suas premissas A afirmação de Jung é no mínimo precipitada Seus fundamentos são parcos Primeiro ele invoca o meu próprio testemunho segundo o qual devido às dificuldades da análise de Schreber fui obrigado a estender o conceito de libido isto é a abandonar o 15225 seu conteúdo sexual identificando libido com interesse psíquico propriamente O que se poderia dizer para corrigir tal equívoco de interpretação já foi dito por Ferenczi numa sólida crítica do trabalho de Jung7 Restame apenas cor roborar sua crítica e repetir que não expressei tal renúncia à teoria da libido Um outro argumento de Jung segundo o qual não é concebível que a perda da normal função do real possa ser causada apenas pela retração da libido não é um argumento mas um decreto it begs the question antecipa a decisão e evita a discussão pois o que deve ser investigado é justamente se e como isto é pos sível No seu trabalho grande seguinte8 Jung passou ligeiramente ao lado da solução que eu havia indicado há muito Nisso devese considerar ainda aliás algo a que Freud se refere em seu trabalho acerca do caso Schreber que a introversão da libido sexualis conduz a um investimento do Eu medi ante o qual possivelmente se produz o efeito da perda da realidade Constitui de fato uma possibilidade tentadora explicar desse modo a psicologia da perda da realidade Mas ele não se detém muito nessa possibilidade Algumas linhas adiante ele a dispensa com a observação de que partindo dessa condição se chegaria à psicologia de um anacoreta ascético não a uma dementia praecox Uma comparação inadequada que não leva a decisão alguma como nos ensina a observação de que um tal anacoreta que se empenha em erradicar todo traço de desejo sexual mas apenas no sentido popular do termo sexual não precisa mostrar sequer uma colocação patogênica da libido Ele pode ter afastado inteiramente dos seres humanos o interesse sexual sublimandoo num elevado interesse por coisas divinas naturais animais sem haver experi mentado uma introversão de sua libido a suas fantasias ou um retorno dela ao seu Eu Parece que tal comparação despreza antecipadamente a distinção pos sível entre o interesse vindo de fontes eróticas e o de outras fontes Se recor darmos também que as investigações da escola suíça apesar de todo o seu mérito trouxeram luz apenas sobre dois pontos do quadro da dementia prae cox a existência de complexos achados tanto em pessoas sadias como em neuróticos e a similitude entre as suas construções fantasiosas e os mitos dos 16225 povos mas de resto não conseguiram esclarecer o mecanismo da doença então poderemos rechaçar a afirmação de Jung segundo a qual a teoria da libido fra cassou ao lidar com a dementia praecox e por isso está liquidada também para as outras neuroses II Dificuldades especiais me parecem impedir um estudo direto do narcisismo O principal acesso a ele continuará sendo provavelmente o estudo das parafreni as Assim como as neuroses de transferência nos possibilitaram rastrear os im pulsos instintuais libidinais a dementia praecox e a paranoia nos permitirão en tender a psicologia do Eu Mais uma vez teremos que descobrir a partir dos exageros e distorções do patológico o que é aparentemente simples no normal No entanto para nos aproximarmos do conhecimento do narcisismo algumas outras vias continuam abertas para nós e são elas que passo agora a descrever a consideração da doença orgânica da hipocondria e da vida amorosa dos sexos Sigo uma sugestão verbal de Sándor Ferenczi ao apreciar a influência da enfermidade orgânica sobre a distribuição da libido É algo sabido e tomamos por evidente que alguém que sofre de dor orgânica e más sensações abandona o interesse pelas coisas do mundo externo na medida em que não dizem re speito ao seu sofrimento Uma observação mais precisa mostra que ele também retira o interesse libidinal de seus objetos amorosos que cessa de amar en quanto sofre A banalidade desse fato não pode nos dissuadir de lhe dar uma tradução em termos da teoria da libido Diríamos então que o doente retira seus investimentos libidinais de volta para o Eu enviandoos novamente para fora depois de curarse No buraco de seu molar diz Wilhelm Busch do po eta que sofre dor de dente se concentra a sua alma Libido e interesse do Eu 17225 têm aí o mesmo destino e são de novo inseparáveis O conhecido egoísmo dos doentes cobre ambos Nós o achamos tão evidente porque estamos certos de comportarmonos igualmente nesse caso O fato de mesmo a mais intensa dis posição de amar desvanecer por causa de distúrbios físicos sua repentina sub stituição pela completa indiferença foi convenientemente explorado na arte do humor De modo semelhante à doença o estado do sono também significa uma re tração narcísica das posições da libido para a própria pessoa mais precis amente para o desejo de dormir O egoísmo dos sonhos se enquadra bem nesse contexto Em ambos os casos vemos ainda que seja apenas isso exemplos de mudanças na distribuição da libido graças à mudança no Eu A hipocondria se manifesta como a enfermidade orgânica em sensações físicas penosas e dolorosas e também coincide com ela no efeito sobre a dis tribuição da libido O hipocondríaco retira interesse e libido esta de maneira bem nítida dos objetos do mundo exterior e concentra ambos no órgão que o ocupa Uma diferença entre hipocondria e doença orgânica se evidencia agora no último caso as sensações penosas se baseiam em mudanças demonstráveis no primeiro não Mas harmoniza plenamente com nossa con cepção geral dos processos da neurose afirmarmos que a hipocondria há de es tar certa que as mudanças orgânicas também não podem faltar nela Em que consistiriam então Aqui nos deixaremos guiar pela experiência segundo a qual sensações cor porais de tipo desprazeroso comparáveis às hipocondríacas também não faltam nas outras neuroses Já uma vez externei a inclinação de situar a histeria junto à neurastenia e à neurose de angústia como a terceira neurose atual Provavelmente não significa ir longe demais dizer que nas outras neuroses também se desenvolve regularmente um quê de hipocondria O melhor exem plo disso pode estar na neurose de angústia e na histeria sobre ela edificada 18225 Ora o modelo que conhecemos de um órgão dolorosamente sensível de al gum modo alterado e todavia não doente no sentido habitual é o órgão genit al em estado de excitação Ele fica irrigado de sangue intumescido umedecido e se torna o centro de múltiplas sensações Se tomando uma área do corpo chamarmos sua atividade de enviar estímulos sexualmente excitantes para a psique de erogenidade e se refletirmos que as considerações da teoria sexual há muito nos habituaram à concepção de que algumas outras áreas do corpo as zonas erógenas podem agir como substitutas dos genitais e comportarse de maneira análoga a eles então só teremos que arriscar um passo mais Podemos nos decidir a ver na erogenidade uma característica geral de todos os órgãos o que nos permitiria então falar do seu aumento ou decréscimo numa determin ada área do corpo Para cada alteração dessas na erogenidade dos órgãos po deria haver uma alteração paralela no investimento libidinal do Eu Em tais fatores deveríamos procurar o que se acha na base da hipocondria e o que pode ter na distribuição da libido o mesmo efeito que a doença material dos órgãos Notamos que prosseguindo nesse curso de pensamento topamos não só com o problema da hipocondria mas também com o das outras neuroses atuais a neurastenia e a neurose de angústia Por isso vamos parar neste ponto não está no propósito de uma investigação puramente psicológica avançar tanto além da fronteira com a pesquisa fisiológica Direi apenas que é possível conjecturar a partir disso que a hipocondria tenha com a parafrenia uma relação similar à das outras neuroses atuais com a histeria e a neurose obsessiva que dependa da libido do Eu como as outras da libido de objeto a angústia hipocondríaca seria a contrapartida desde a libido do Eu da angústia neurótica Mais se já estamos familiarizados com a ideia de ligar o mecanismo de adoecimento e formação de sintomas nas neuroses de transferência o pro gresso da introversão à regressão a um represamento da libido de objeto9 en tão podemos nos aproximar também da ideia de um represamento da libido do Eu e pôla em relação com os fenômenos da hipocondria e da parafrenia 19225 Naturalmente a nossa curiosidade perguntará aqui por que um tal repres amento da libido no Eu tem de ser sentido como desprazeroso Quero me con tentar com a resposta de que o desprazer em geral é expressão de uma tensão mais elevada de que portanto é uma quantidade do suceder material que aqui como em outros lugares se transforma na qualidade psíquica do desprazer para o desenvolvimento do desprazer pode não ser então decisiva a grandeza absoluta do evento material mas uma determinada função dessa grandeza ab soluta A partir disso ousaremos abordar esta outra questão de onde vem mesmo a necessidade que tem a psique de ultrapassar as fronteiras do nar cisismo e pôr a libido em objetos A resposta derivada de nosso curso de pensamento seria mais uma vez que tal necessidade surge quando o investi mento do Eu com libido superou uma determinada medida Um forte egoísmo protege contra o adoecimento mas afinal é preciso começar a amar para não adoecer e é inevitável adoecer quando devido à frustração não se pode am ar Algo semelhante à psicogênese da criação do mundo tal como foi imagin ada por Heine A doença foi bem a razão De todo o impulso de criar Criando eu pude me curar Criando eu me tornei são Em nosso aparelho psíquico reconhecemos sobretudo um expediente para lidar com excitações que de outro modo seriam sentidas como penosas ou de efeito patogênico A elaboração psíquica ajuda extraordinariamente no desvio interno de excitações que não são capazes de uma direta descarga externa ou para as quais isso não seria desejável no momento Mas no princípio é indifer ente para uma tal elaboração interna se ela ocorre em objetos reais ou ima ginários A diferença mostrase apenas depois quando o voltarse da libido para objetos irreais introversão conduz a um represamento da libido Nas 20225 parafrenias semelhante elaboração interna da libido que retornou ao Eu é tor nada possível pela megalomania talvez somente com o fracasso desta o repres amento de libido no Eu se torne patogênico e incite o processo de cura que aparece para nós como doença Tentarei agora penetrar um pouco mais no mecanismo da parafrenia e re sumirei as concepções que já atualmente me parecem dignas de atenção A diferença entre tais afecções e as neuroses de transferência eu atribuo à circun stância de que a libido liberada pelo fracasso não fica em objetos na fantasia mas retorna ao Eu a megalomania corresponde então ao domínio psíquico sobre esse montante de libido ou seja à introversão para as fantasias encon trada nas neuroses de transferência do fracasso desta realização psíquica nasce a hipocondria da parafrenia análoga à angústia das neuroses de transferência Sabemos que essa angústia pode acabar através de mais elaboração psíquica isto é por conversão formação reativa formação protetiva fobia Nas para frenias isso é feito pela tentativa de restauração a que devemos as marcantes manifestações da doença Como a parafrenia frequentemente senão a maioria das vezes acarreta um desligamento só parcial da libido em relação aos objetos no seu quadro podese distinguir três grupos de manifestações 1 as de normalidade conservada ou neurose manifestações residuais 2 as do processo patológico de desligamento da libido em relação aos objetos e tam bém a megalomania a hipocondria o distúrbio afetivo todas as regressões 3 as de restauração em que a libido se apega novamente aos objetos à maneira de uma histeria dementia praecox parafrenia propriamente ou de uma neur ose obsessiva paranoia Esse novo investimento de libido sucede a partir de um outro nível sob outras condições que o primário A diferença entre as neuroses de transferência com ele criadas e as formações correspondentes do Eu normal deve proporcionar uma mais profunda compreensão da estrutura de nosso aparelho psíquico 21225 Uma terceira via de acesso ao estudo do narcisismo constitui a vida amorosa dos seres humanos em sua variada diferenciação no homem e na mulher Assim como a libido de objeto escondeu primeiramente da nossa ob servação a libido do Eu também na escolha de objeto pela criança e o adoles cente vimos primeiro que ela toma seus objetos sexuais de suas vivências de satisfação As primeiras satisfações sexuais autoeróticas são experimentadas em conexão com funções vitais de autoconservação Os instintos sexuais apoiam se de início na satisfação dos instintos do Eu apenas mais tarde tornamse in dependentes deles mas esse apoio mostrase ainda no fato de as pessoas encar regadas da nutrição cuidado e proteção da criança tornaremse os primeiros objetos sexuais ou seja a mãe ou quem a substitui Junto a esse tipo e essa fonte de escolha de objeto que podemos chamar de tipo de apoio a pesquisa analítica nos deu a conhecer um outro que não esperávamos encontrar De modo especialmente nítido em pessoas cujo desenvolvimento libidinal sofreu perturbação como pervertidos e homossexuais descobrimos que não escol hem seu posterior objeto de amor segundo o modelo da mãe mas conforme o de sua própria pessoa Claramente buscam a si mesmas como objeto amoroso evidenciando o tipo de escolha de objeto que chamaremos de narcísico Nessa observação se acha o mais forte motivo que nos levou à hipótese do narcisismo Mas não concluímos que as pessoas se dividem em dois grupos bem difer enciados conforme sua escolha de objeto obedeça ao tipo narcísico ou ao de apoio Preferimos supor isto sim que para cada pessoa ficam abertos ambos os caminhos da escolha de objeto sendo que um ou outro pode ter a preferên cia Dizemos que o ser humano tem originalmente dois objetos sexuais ele próprio e a mulher que o cria e nisso pressupomos o narcisismo primário de todo indivíduo que eventualmente pode se expressar de maneira dominante em sua escolha de objeto A comparação entre homem e mulher mostra que há diferenças fundamen tais embora não universais naturalmente quanto ao seu tipo de escolha de 22225 objeto O amor objetal completo segundo o tipo de apoio é de fato carac terístico do homem Exibe a notória superestimação sexual que provavel mente deriva do narcisismo original da criança e corresponde assim a uma transposição do mesmo para o objeto sexual Essa superestimação sexual permite que surja o enamoramento esse peculiar estado que lembra a obsessão neurótica remontando assim a um empobrecimento libidinal do Eu em favor do objeto De outro modo se configura o desenvolvimento no tipo mais fre quente e provavelmente mais puro e genuíno de mulher Com a puberdade a maturação dos órgãos sexuais femininos até então latentes parece trazer um aumento do narcisismo original que não é propício à constituição de um regu lar amor objetal com superestimação sexual Em particular quando se torna bela produzse na mulher uma autossuficiência que para ela compensa a pouca liberdade que a sociedade lhe impõe na escolha de objeto A rigor tais mul heres amam apenas a si mesmas com intensidade semelhante à que são amadas pelo homem Sua necessidade não reside tanto em amar quanto em serem ama das e o homem que lhes agrada é o que preenche tal condição A importância desse tipo de mulher para a vida amorosa dos seres humanos é bastante el evada Tais mulheres exercem a maior atração sobre os homens não apenas por razões estéticas porque são normalmente as mais belas mas também devido a interessantes constelações psicológicas Pois parece bem claro que o narcisismo de uma pessoa tem grande fascínio para aquelas que desistiram da dimensão plena de seu próprio narcisismo e estão em busca do amor objetal a atração de um bebê se deve em boa parte ao seu narcisismo sua autossuficiên cia e inacessibilidade assim como a atração de alguns bichos que parecem não se importar conosco como os gatos e os grandes animais de rapina e mesmo o grande criminoso e o humorista conquistam o nosso interesse na repres entação literária pela coerência narcísica com que mantêm afastados de seu Eu tudo o que possa diminuílo É como se os invejássemos pela conservação de um estado psíquico bemaventurado uma posição libidinal inatacável que desde então nós mesmos abandonamos À grande atração da mulher narcísica 23225 não falta o reverso porém boa parte da insatisfação do homem apaixonado a dúvida quanto ao amor da mulher a queixa quanto aos enigmas do seu ser tem sua raiz nessa incongruência entre os tipos de escolha de objeto Talvez não seja supérfluo garantir que esse quadro da vida amorosa femin ina não implica nenhuma tendência a depreciar a mulher Sem contar que a tendenciosidade me é alheia sei também que esses desenvolvimentos em direções várias correspondem à diferenciação de funções num contexto bioló gico altamente complicado além disso disponhome a admitir que muitas mulheres amam segundo o modelo masculino e exibem a superestimação sexu al própria desse tipo Também para as mulheres que permaneceram narcísicas e frias em relação ao homem há um caminho que conduz ao completo amor objetal No filho que dão à luz uma parte do seu próprio corpo lhes surge à frente como um outro objeto ao qual podem então dar a partir do narcisismo o pleno amor objetal E há mulheres que não precisam aguardar o filho para dar o passo no desen volvimento do narcisismo secundário ao amor objetal Antes da puberdade elas se sentiam masculinas e por algum tempo se desenvolveram masculina mente depois que essa inclinação foi interrompida pela maturação da feminilidade restalhes a capacidade de ansiar por um ideal masculino que na verdade é a continuação da natureza de menino que um dia tiveram Um breve sumário dos caminhos para a escolha de objeto pode concluir es tas observações incipientes Uma pessoa ama 1 Conforme o tipo narcísico a o que ela mesma é a si mesma b o que ela mesma foi c o que ela mesma gostaria de ser d a pessoa que foi parte dela mesma 2 Conforme o tipo de apoio a a mulher nutriz 24225 b o homem protetor e a série de substitutos que deles derivaram O caso c do primeiro tipo só poderá ser justificado mais adiante A importância da escolha de objeto narcísica para a homossexualidade mas culina é algo a ser apreciado em outro contexto O narcisismo primário que supomos na criança que contém uma das premissas de nossas teorias sobre a libido pode ser mais facilmente confirm ado por inferência retrospectiva de um outro ponto do que apreendido por ob servação direta Quando vemos a atitude terna de muitos pais para com seus filhos temos de reconhecêla como revivescência e reprodução do seu próprio narcisismo há muito abandonado Como todos sabem a nítida marca da super estimação que já na escolha de objeto apreciamos como estigma narcísico domina essa relação afetiva Os pais são levados a atribuir à criança todas as perfeições que um observador neutro nelas não encontraria e a ocultar e esquecer todos os defeitos algo que se relaciona aliás com a negação da sexu alidade infantil Mas também se verifica a tendência a suspender face à cri ança todas as conquistas culturais que o seu próprio narcisismo foi obrigado a reconhecer e a nela renovar as exigências de privilégios há muito renunciados As coisas devem ser melhores para a criança do que foram para seus pais ela não deve estar sujeita às necessidades que reconhecemos como dominantes na vida Doença morte renúncia à fruição restrição da própria vontade não de vem vigorar para a criança tanto as leis da natureza como as da sociedade ser ão revogadas para ela que novamente será centro e âmago da Criação His Majesty the Baby como um dia pensamos de nós mesmos Ela deve concretizar os sonhos não realizados de seus pais tornarse um grande homem ou herói no lugar do pai desposar um príncipe como tardia compensação para a mãe No ponto mais delicado do sistema narcísico a imortalidade do Eu tão duramente acossada pela realidade a segurança é obtida refugiandose na criança O amor dos pais comovente e no fundo tão infantil não é outra coisa senão o 25225 narcisismo dos pais renascido que na sua transformação em amor objetal rev ela inconfundivelmente a sua natureza de outrora III As perturbações a que está exposto o narcisismo original da criança as reações com que delas se defende as vias pelas quais é impelido a fazêlo isso eu gostaria de deixar em suspenso como um importante material de trabalho que ainda aguarda exploração A sua parte mais significativa podemos destacar como complexo da castração angústia relativa ao pênis no garoto inveja do pênis na garota e tratar em conexão com o efeito da intimidação sexual ex ercida sobre a criança A investigação psicanalítica que normalmente nos leva a acompanhar os destinos dos instintos libidinais quando estes isolados dos instintos do Eu achamse em oposição aos últimos nos permite nesse campo fazer inferências sobre uma época e uma situação psíquica em que as duas classes de instintos surgem como interesses narcísicos ainda operando em concerto e inseparavelmente unidas Alfred Adler criou a partir desse contexto o seu protesto masculino que ele erige em quase única força motriz na formação do caráter e da neurose enquanto a fundamenta numa valoração so cial e não numa tendência narcísica portanto ainda libidinal A pesquisa psic analítica reconheceu desde o início a existência e a importância do protesto masculino mas em oposição a Adler defendeu a sua natureza narcísica e sua origem no complexo de castração Ele é da formação do caráter na gênese do qual participa com muitos outros fatores e não se presta em absoluto para o esclarecimento dos problemas da neurose nos quais Adler quer considerar apenas a maneira como servem ao interesse do Eu Acho impossível colocar a gênese da neurose sobre a base estreita do complexo da castração por mais que este compareça nos homens entre as resistências à cura da neurose Afi nal conheço também casos de neuroses em que o protesto masculino ou tal 26225 como o entendemos o complexo da castração não tem papel patogênico ou simplesmente não aparece A observação do adulto normal revela que a sua megalomania de outrora arrefeceu e que se apagaram os traços psíquicos a partir dos quais desvelamos o seu narcisismo infantil O que aconteceu à sua libido do Eu Devemos supor que todo o seu montante passou para investimentos de objeto Essa possibilid ade contradiz evidentemente o veio de nossas discussões mas podemos tomar à psicologia da repressão também uma pista para outra resposta à pergunta Aprendemos que os impulsos instintuais da libido sofrem o destino da repressão patogênica quando entram em conflito com as ideias morais e cul turais do indivíduo Com isso não entendemos jamais que a pessoa tenha um simples conhecimento intelectual da existência de tais ideias mas que as recon heça como determinantes para si que se submeta às exigências que delas partem Dissemos que a repressão vem do Eu podemos precisar vem do autorrespeito do Eu As mesmas impressões vivências impulsos desejos que uma pessoa tolera ou ao menos elabora conscientemente são rejeitados por outra com indignação ou já sufocados antes de se tornarem conscientes A diferença entre as duas que contém a condição da repressão pode ser facil mente colocada em termos que possibilitam uma explicação pela teoria da li bido Podemos dizer que uma erigiu um ideal dentro de si pelo qual mede o seu Eu atual enquanto à outra falta essa formação de ideal Para o Eu a form ação do ideal seria a condição para a repressão A esse ideal do Eu dirigese então o amor a si mesmo que o Eu real des frutou na infância O narcisismo aparece deslocado para esse novo Eu ideal que como o infantil se acha de posse de toda preciosa perfeição Aqui como sempre no âmbito da libido o indivíduo se revelou incapaz de renunciar à sat isfação que uma vez foi desfrutada Ele não quer se privar da perfeição nar císica de sua infância e se não pôde mantêla perturbado por admoestações durante seu desenvolvimento e tendo seu juízo despertado procura readquiri la na forma nova do ideal do Eu O que ele projeta diante de si como seu ideal 27225 é o substituto para o narcisismo perdido da infância na qual ele era seu próprio ideal Isso nos leva a indagar sobre as relações entre a formação de ideal e a sub limação A sublimação é um processo atinente à libido objetal e consiste em que o instinto se lança a outra meta distante da satisfação sexual a ênfase recai no afastamento ante o que é sexual A idealização é um processo envolvendo o objeto mediante o qual este é aumentado e psiquicamente elevado sem que haja transformação de sua natureza A idealização é possível no âmbito da li bido do Eu e no da libido objetal De modo que a superestimação sexual do objeto por exemplo é uma idealização dele Na medida portanto em que a sublimação descreve algo que sucede ao instinto e a idealização algo que diz respeito ao objeto devemos separálas conceitualmente A formação do ideal do Eu é frequentemente confundida em prejuízo da compreensão com a sublimação do instinto Haver trocado seu narcisismo pela veneração de um elevado ideal do Eu não implica ter alcançado a sublim ação de seus instintos libidinais É certo que o ideal do Eu requer tal sublim ação mas não pode forçála a sublimação continua sendo um processo partic ular cuja iniciação pode ser instigada pelo ideal mas cuja execução permanece independente da instigação Precisamente nos neuróticos encontramos as maiores diferenças de tensão entre o desenvolvimento do ideal do Eu e o grau de sublimação de seus primitivos instintos libidinais e em geral é bem mais di fícil convencer os idealistas do que os homens simples modestos em suas pre tensões acerca do inadequado paradeiro de sua libido A formação de ideal e a sublimação também se relacionam diferentemente à causação da neurose Como vimos a formação de ideal aumenta as exigências do Eu e é o que mais favorece a repressão a sublimação representa a saída para cumprir a exigência sem ocasionar a repressão Não seria de admirar se encontrássemos uma instância psíquica especial que cumprisse a tarefa de assegurar a satisfação narcísica a partir do ideal do Eu e que com esse propósito observasse continuamente o Eu atual medindo 28225 o pelo ideal Havendo uma tal instância será impossível para nós descobrila poderemos apenas identificála e constatar que o que chamamos de nossa con sciência moral tem essas características O reconhecimento dessa instância nos torna possível compreender o que chamam delírio de ser notado ou mais cor retamente observado que surge de maneira tão clara na sintomatologia das doenças paranoides podendo sobrevir também como doença isolada ou entre meada na neurose de transferência Os doentes se queixam então de que todos os seus pensamentos são conhecidos todas as suas ações notadas e vigiadas há vozes que os informam do funcionamento dessa instância falandolhes carac teristicamente na terceira pessoa Agora ela pensa novamente nisso agora ele vai embora Essa queixa é justificada ela descreve a verdade um tal poder que observa todos os nossos propósitos inteirandose deles e os criticando ex iste realmente e existe em todos nós na vida normal O delírio de ser notado a apresenta em forma regressiva e nisso revela a sua gênese e o motivo pelo qual o enfermo se revolta contra ela Pois a incitação a formar o ideal do Eu cuja tutela foi confiada à consciên cia moral partiu da influência crítica dos pais intermediada pela voz aos quais se juntaram no curso do tempo os educadores instrutores e como uma hoste inumerável e indefinível todas as demais pessoas do meio o próximo a opin ião pública Grandes quantidades de libido essencialmente homossexual foram assim carreadas para a formação do ideal narcísico do Eu e acham vazão e satisfação em conserválo A instituição da consciência moral foi no fundo uma corpor ificação inicialmente da crítica dos pais depois da crítica da sociedade pro cesso que é repetido quando nasce uma tendência à repressão a partir de uma proibição ou um obstáculo primeiramente externos As vozes e a multidão in definida são trazidas à luz pela doença a evolução da consciência moral se re produz regressivamente Mas a revolta contra essa instância censória vem de que a pessoa consoante o caráter fundamental da doença quer se livrar de to das essas influências começando pela dos pais e retira deles a libido 29225 homossexual A sua consciência moral lhe aparece então em forma regressiva como hostil interferência de fora A queixa da paranoia mostra também que a autocrítica da consciência mor al coincide no fundo com a autoobservação sobre a qual está construída Portanto a mesma atividade psíquica que assumiu a função da consciência moral se pôs também a serviço da pesquisa interior que fornece à filosofia o material para suas operações intelectuais Isso teria algo a ver com o impulso à construção de sistemas especulativos peculiar à paranoia10 Para nós será importante não há dúvida reconhecer ainda em outros cam pos indícios dessa instância criticamente observadora elevada a consciência e a introspecção filosófica Aduzirei aqui o que Herbert Silberer descreveu como o fenômeno funcional um dos poucos acréscimos de valor indiscutível à teoria dos sonhos Silberer demonstrou como se sabe que em estados entre o sono e a vigília podese observar diretamente a transposição de pensamentos em imagens visuais mas que em tais circunstâncias é frequente aparecer não uma representação do conteúdo do pensamento mas do estado de disposição cansaço etc em que se acha o indivíduo que peleja com o sono Ele mostrou igualmente que várias conclusões de sonhos e trechos de seus conteúdos não significam outra coisa senão a autopercepção do dormir e do despertar Ele provou então o papel da autoobservação no sentido do delírio paranoico de ser observado na formação do sonho Esse papel não é constante provavelmente o ignorei porque não sobressai nos meus próprios sonhos em pessoas filosoficamente dotadas habituadas à introspecção ele pode tornarse bem nítido Lembramos haver descoberto que a formação do sonho ocorre sob o domínio de uma censura que leva os pensamentos oníricos à distorção Mas não imaginávamos esta censura como um poder especial tendo escolhido o termo para designar um lado das tendências repressoras que dominam o Eu aquele voltado para os pensamentos oníricos Penetrando mais na estrutura do 30225 Eu é lícito reconhecer no ideal do Eu e nas exteriorizações dinâmicas da con sciência também o censor do sonho Estando este censor alerta em alguma me dida também durante o sono entenderemos que a premissa de sua atividade a autoobservação e autocrítica tendo conteúdos como agora ele está sonolento demais para pensar agora ele desperta contribui para o con teúdo do sonho11 Agora podemos tentar uma discussão do amorpróprio no indivíduo nor mal e no neurótico O amorpróprio nos aparece de imediato como expressão da grandeza do Eu não sendo aqui relevante o caráter composto dessa grandeza Tudo o que se tem ou que se alcançou todo resíduo do primitivo sentimento de onipotên cia que a experiência confirmou ajuda a aumentar o amorpróprio Se introduzimos nossa distinção entre instintos sexuais e do Eu temos de reconhecer para o amorpróprio uma dependência bem íntima da libido nar císica Nisso nos apoiamos em dois fatos fundamentais o de que nas parafreni as o amorpróprio é aumentado nas neuroses de transferência é diminuído e de que na vida amorosa não ser amado rebaixa o amorpróprio enquanto ser amado o eleva Como afirmamos ser amado representa o objetivo e a satis fação na escolha narcísica de objeto É fácil observar além disso que o investimento libidinal de objetos não aumenta o amorpróprio A dependência do objeto amado tem efeito rebaix ador o apaixonado é humilde Alguém que ama perdeu por assim dizer uma parte de seu narcisismo e apenas sendo amado pode reavêla Em todos esses vínculos o amorpróprio parece guardar relação com o elemento narcísico da vida amorosa A percepção da impotência da própria incapacidade para amar devido a distúrbios psíquicos ou físicos tem efeito altamente rebaixador no amor próprio Aí devemos encontrar na minha avaliação uma das fontes do senti mento de inferioridade relatado espontaneamente pelos que sofrem de neurose 31225 de transferência Mas a fonte principal desse sentimento é o empobrecimento do Eu que resulta dos enormes investimentos libidinais dele retirados ou seja o dano trazido ao Eu por tendências sexuais não mais sujeitas a controle Alfred Adler sustentou corretamente que a percepção de inferioridade em um órgão tem efeito instigador numa vida mental ativa suscitando um desem penho maior pela via da supercompensação Mas seria um exagero completo fazer remontar todo bom desempenho seguindo Adler a essa condição da in ferioridade original de um órgão Não são todos os pintores que sofrem de mal na vista nem todos os oradores foram originalmente gagos Sobejam exemplos de realização excelente com base em superior dote orgânico Na etiologia da neurose a inferioridade e a atrofia orgânicas têm papel mínimo digamos que o mesmo que o material percebido tem na formação do sonho A neurose se util iza delas como pretexto como faz com qualquer fator conveniente Se acabamos de crer numa paciente neurótica que afirma ter adoecido porque é feia disforme e sem atrativos de maneira que ninguém pode amála logo aprenderemos mais com a neurótica seguinte que persiste na neurose e na aversão ao sexo embora pareça mais atraente e seja mais desejada do que a média das mulheres A maioria das histéricas se inclui entre as representantes desejáveis e mesmo bonitas de seu sexo e por outro lado a frequência de de formidades atrofias e desfiguramentos nas classes inferiores de nossa so ciedade não contribui para aumentar a incidência de enfermidades neuróticas nesse meio As relações do amorpróprio com o erotismo com os investimentos de ob jeto libidinais podem ser apresentadas concisamente da maneira que segue Em ambos os casos é preciso distinguir se os investimentos amorosos estão em sintonia com o Eu ou se ao contrário experimentaram uma repressão No primeiro caso em que a utilização da libido é sintonizada com o Eu amar é visto como qualquer outra atividade do Eu O amar em si enquanto ansiar carecer rebaixa o amorpróprio e ser amado achar amor em troca possuir o 32225 objeto amado elevao novamente Sendo a libido reprimida o investimento amoroso é sentido como grave diminuição do Eu a satisfação amorosa é im possível o reenriquecimento do Eu tornase possível apenas retirando a libido dos objetos O retorno da libido objetal ao Eu sua transformação em nar cisismo representa como que um amor feliz novamente e por outro lado um real amor feliz corresponde ao estado primordial em que libido de objeto e li bido do Eu não se distinguem uma da outra A importância e a amplitude do tema talvez justifiquem o acréscimo de al gumas outras observações em ordem mais solta O desenvolvimento do Eu consiste num distanciamento do narcisismo primário e gera um intenso esforço para reconquistálo Tal distanciamento ocorre através do deslocamento da libido para um ideal do Eu imposto de fora e a satisfação através do cumprimento desse ideal Ao mesmo tempo o Eu enviou os investimentos libidinais de objeto Ele se empobrece em favor desses investimentos tal como do ideal do Eu e nova mente se enriquece mediante as satisfações ligadas a objetos assim como pelo cumprimento do ideal Uma parte do amorpróprio é primária resto do narcisismo infantil outra parte se origina da onipotência confirmada pela experiência do cumprimento do ideal do Eu uma terceira da satisfação da libido objetal O ideal do Eu deixou em condições difíceis a satisfação libidinal nos obje tos na medida em que seu censor rejeita parte deles como intolerável Quando um tal ideal não se desenvolveu a tendência sexual em questão aparece inal terada na personalidade como perversão Ser novamente o próprio ideal tam bém no tocante às tendências sexuais tal como na infância eis o que as pess oas desejam obter como sua felicidade O enamoramento consiste num transbordar da libido do Eu para o objeto Ele tem o poder de levantar repressões e restaurar perversões Ele eleva o ob jeto sexual a ideal sexual Como no tipo objetal ou de apoio ele sucede com 33225 base no cumprimento de condições de amor infantis podese dizer que tudo o que preencher tal condição de amor será idealizado O ideal sexual pode se colocar num interessante vínculo auxiliar com o ideal do Eu Onde a satisfação narcísica depara com obstáculos reais o ideal do Eu pode ser usado para a satisfação substitutiva Então a pessoa ama em conformidade com o tipo da escolha narcísica de objeto aquilo que já foi e que perdeu ou o que possui os méritos que jamais teve ver na p 36 o ponto c A fórmula paralela à de cima é aquilo que possui o mérito que falta ao Eu para tornálo ideal é amado Esse expediente tem particular importância para o neurótico que devido a seus investimentos de objeto excessivos está empobre cido no Eu e incapaz de cumprir seu ideal do Eu Busca então o caminho de volta ao narcisismo após o seu esbanjamento de libido nos objetos escolhendo um ideal sexual conforme o tipo narcísico que possua os méritos para ele inat ingíveis Isso é a cura pelo amor que via de regra ele prefere à cura analítica De fato ele não pode crer em outro mecanismo de cura em geral leva a ex pectativa do mesmo para o tratamento e a dirige à pessoa do médico Natural mente a incapacidade de amar do paciente devido a suas extensas repressões é um empecilho a esse plano de cura Se com o tratamento nós as reduzimos até certo grau é frequente o resultado inesperado de que o paciente se furte à con tinuação do tratamento para fazer a escolha de um amor e confiar o restabele cimento posterior à convivência com a pessoa amada Poderíamos ficar satis feitos com essa saída se ela não trouxesse todos os perigos de uma opressiva dependência de tal salvador Do ideal do Eu sai um importante caminho para o entendimento da psico logia da massa Além do seu lado individual ele tem o social é também o ideal comum de uma família uma classe uma nação Liga não apenas a libido nar císica mas também um montante considerável da libido homossexual de uma pessoa que por essa via retorna ao Eu A insatisfação pelo não cumprimento desse ideal libera libido homossexual que se transforma em consciência de 34225 culpa angústia social A consciência de culpa foi originalmente medo do cas tigo dos pais mais corretamente da perda do seu amor o lugar dos pais foi depois tomado pelo indefinido número de companheiros Tornase mais com preensível porque a paranoia é frequentemente causada pela ofensa ao Eu pelo fracasso da satisfação no âmbito do ideal do Eu e também porque a formação de ideal e a sublimação convergem no ideal do Eu a involução das sublim ações e eventual transformação dos ideais nos casos de parafrenia 1 Otto Rank Ein Beitrag zum Narzissismus Uma contribuição sobre o narcisismo Jahr buch für psychoanalytische und psychopathologische Forschungen v 3 1911 2 Ver relacionado a isso a discussão do fim do mundo na minha análise do Senatspräsident Schreber Jahrbuch für psychoanalytische und psychopathologische Forschungen v 3 1911 e tam bém K Abraham Die psychosexuellen Differenzen der Hysterie und der dementia praecox 1908 Klinische Beiträge zur Psychoanalyse Zentralblatt für Nervenheilkunde und Psychiatrie v 19 3 Ver as seções correspondentes em meu livro Totem e tabu de 1913 4 S Ferenczi Entwicklungstufen des Wirklichkeitssinnes Estágios de desenvolvimento do sentido da realidade Internationale Zeitschrift für ärztliche Psychoanalyse v 1 1913 5 Há dois mecanismos desse fim do mundo quando todo o investimento libidinal flui para o objeto amado e quando todo ele reflui para o Eu Não há espaço de uma linha vazia entre esse parágrafo e o anterior na edição alemã utilizada Gesammelte Werke Mas considerando que faz sentido um espaço nesse ponto e que ele se acha numa edição alemã mais recente Studienausgabe resolvemos incorporálo aqui e em alguns outros lugares As notas chamadas por asterisco e as interpolações às notas do autor entre col chetes são de autoria do tradutor As notas do autor são sempre numeradas 6 Wandlungen und Symbole der Libido Transformações e símbolos da libido 1912 7 S Ferenczi resenha de C G Jung Wandlungen und Symbole der Libido em Internationale Zeitschrift für ärztliche Psychoanalyse v 1 1913 Em inglês no original pode ser traduzido por incorre em petição de princípio O sentido é explicitado por Freud no texto logo em seguida 8 Versuch einer Darstellung der psychoanalytischen Theorie Ensaio de exposição da teoria psicanalítica Jahrbuch für psychoanalytische und psychopathologische Forschungen 1913 35225 Impulsos instintuais tradução não muito satisfatória para Triebregungen termo cunhado por Freud e composto de Trieb mais Regung ligeiro movimento impulso emoção talvez fosse melhor traduzilo por uma única palavra como argumentei em As palavras de Freud o vocabulário freudiano e suas versões São Paulo Companhia das Letras nova ed revista 2010 apêndice B Nas cinco versões estrangeiras deste ensaio que foi possível consultar a espanhola de LopezBallesteros a argentina de J L Etcheverry a italiana da Boringhieri a inglesa de Strachey e a holandesa da Boom encontramse tendencias instintivas mociones pulsionales moti pulsionali instinctual impulses driftimpulsen 9 Cf Tipos de adoecimento neurótico 1913 No original Krankheit ist wohl der letzte Grund Des ganzen Schöpferdrangs gewesen Er schaffend konnte ich genesen Erschaffend wurde ich gesund Esta é uma das Canções da Cri ação encontradas nos Novos poemas 1844 A voz que fala é a de Deus Tipo de apoio Anlehnungstypus é adotada a tradução literal do substantivo alemão que tem origem no verbo sich lehnen apoiarse etimologicamente aparentado ao inglês to lean É o que também fazem as versões estrangeiras consultadas com exceção da inglesa como é notório que lança mão de um termo grego de apoyo del apuntalamiento per appoggio anaclitic aaleuningstype Provavelmente wohl partícula que pode realçar a afirmação mas também indicar prob abilidade ou incerteza o que seria o caso no presente contexto Mas alguns dos tradutores con sultados enxergam apenas o primeiro sentido somente o espanhol e o holandês concordam com a nossa leitura nesse ponto quizá sin duda certamente doubtless waarschijnlijk provavel mente Mas a leitura de um mesmo tradutor pode variar assim o espanhol preferiu segura mente em outra ocasião no quarto parágrafo da parte i Complexo da castração Kastrationskomplex no original É pertinente observar que o termo complexo em Freud designa o conjunto de ideias e sentimentos ligados a um evento ou processo não tendo propriamente relação com o uso coloquial brasileiro que diz fulano é cheio de complexos ou é um complexado Nas palavras compostas alemãs o último termo é qualificado pelo anterior de modo que geralmente se recorre à preposição de nas versões para línguas latinas mas nem sempre esta é a preposição mais adequada existem casos em que talvez fosse melhor usar relativo a ligado a por exemplo assim complexo ligado à cas tração seria uma alternativa razoável em nossa opinião 10 Acrescento como simples conjectura que o desenvolvimento e fortalecimento dessa instân cia observadora poderia também comportar a gênese posterior da memória subjetiva e do fator temporal que não vigora para os processos inconscientes 36225 11 Não posso determinar aqui se a diferenciação entre essa instância censória e o resto do Eu é capaz de fundamentar psicologicamente a distinção filosófica entre consciência e autoconsciência No original Selbstgefühl que literalmente se traduziria por sentimento de si como fazem o tradutor argentino e italiano Strachey usa selfregard e a versão holandesa recorre a gevoel van eigenwaarde sentimento do próprio valor As definições encontradas nos dicionários de língua alemã autorizam a versão por amorpróprio os dicionários bilíngues alemãopor tuguês trazem dignidade pessoal orgulho consciência da própria dignidade 37225 OS INSTINTOS E SEUS DESTINOS 1915 TÍTULO ORIGINAL TRIEBE UND TRIEBSCHICKSALE PUBLICADO PRIMEIRAMENTE EM INTERNATIONALE ZEITSCHRIFT FÜR ÄRZTLICHE PSYCHOANALYSE REVISTA INTERNACIONAL DE PSICANÁLISE MÉDICA V 3 N 6 PP 84100 TRADUZIDO DE GESAMMELTE WERKE X PP 21032 TAMBÉM SE ACHA EM STUDIENAUSGABE III PP 75102 Não é raro ouvirmos a exigência de que uma ciência deve ser edificada sobre conceitos fundamentais claros e bem definidos Na realidade nenhuma ciência começa com tais definições nem mesmo as mais exatas O verdadeiro início da atividade científica está na descrição de fenômenos que depois são agrupados ordenados e relacionados entre si Já na descrição é inevitável que apliquemos ao material certas ideias abstratas tomadas daqui e dali certamente não só da nova experiência Ainda mais indispensáveis são essas ideias os futuros conceitos fundamentais da ciência na elaboração posterior da matéria Primeiro elas têm de comportar certo grau de indeterminação é impossível falar de uma clara delimitação de seu conteúdo Enquanto se acham nesse es tado entramos em acordo quanto ao seu significado remetendo continua mente ao material de que parecem extraídas mas que na realidade lhes é sub ordinado Portanto a rigor elas possuem o caráter de convenções embora a questão seja que de fato não são escolhidas arbitrariamente mas determinadas por meio de significativas relações com o material empírico relações que acreditamos adivinhar ainda antes que possamos reconhecer e demonstrar Apenas depois de uma exploração mais radical desse âmbito de fenômenos po demos apreender seus conceitos científicos fundamentais de maneira mais nítida e modificálos progressivamente tornandoos utilizáveis em larga me dida e ao mesmo tempo livres de contradição Então pode ser o momento de encerrálos em definições Mas o progresso do conhecimento também não tol era definições rígidas Como ilustra de maneira excelente o exemplo da física também os conceitos fundamentais fixados em definições experimentam uma constante alteração de conteúdo Um conceito básico assim convencional provisoriamente ainda um tanto obscuro mas que não podemos dispensar na psicologia é o de instinto Trieb Vamos tentar preenchêlo de conteúdo a partir de ângulos diversos Primeiramente a partir da fisiologia Ela nos deu o conceito de estímulo e o esquema do arco reflexo segundo o qual um estímulo que vem de fora para o tecido vivo a substância nervosa é descarregado para fora por meio da ação Esta ação se torna apropriada na medida em que subtrai a substância estimu lada à influência do estímulo afastaa do raio de ação dele Mas qual a relação entre o instinto e o estímulo Nada nos impede de incluir o conceito de instinto naquele de estímulo o instinto seria um estímulo para a psique Mas logo somos advertidos para não equiparar instinto e es tímulo psíquico Evidentemente existem para a psique outros estímulos além dos instintuais aqueles que se comportam de maneira bem mais semelhante à dos estímulos fisiológicos Quando uma luz forte bate no olho por exemplo não se trata de um estímulo instintual mas tal é o caso quando se nota um ressecamento da mucosa da faringe ou uma irritação da mucosa do estômago1 Agora adquirimos material para a distinção entre estímulo instintual e um outro estímulo fisiológico que age sobre a psique Primeiro o estímulo in stintual não provém do mundo exterior mas do interior do próprio organ ismo Por isso atua de modo diferente sobre a psique e requer outras ações para ser eliminado Além disso tudo de essencial no estímulo está na suposição de que ele age como um impacto único então pode ser liquidado também com uma única ação apropriada cujo exemplo típico está na fuga motora diante da fonte de estímulo Naturalmente esses impactos podem se repetir e se acumu lar mas isso nada muda na concepção do processo e nas condições para a abol ição do estímulo O instinto por sua vez não atua jamais como uma força mo mentânea de impacto mas sempre como uma força constante Desde que não ataca de fora mas do interior do corpo nenhuma fuga pode servir contra ele Uma denominação melhor para o estímulo instintual é necessidade o que suprime essa necessidade é a satisfação Ela pode ser alcançada por meio de uma modificação pertinente adequada da fonte interior de estímulo Coloquemonos no lugar de um ser quase totalmente desamparado ainda desorientado no mundo que acolhe estímulos no seu tecido nervoso Esse ser vivo logo será capaz de fazer a primeira diferenciação e adquirir a primeira ori entação Por um lado ele sentirá estímulos a que pode se subtrair mediante uma ação muscular fuga estímulos esses que atribui a um mundo externo 40225 mas também por outro lado estímulos contra os quais é inútil tal ação que apesar disso mantêm o seu caráter de constante premência esses estímulos são o sinal característico de um mundo interior a evidência de necessidades instin tuais A substância percipiente desse ser terá adquirido na eficácia de sua atividade muscular um ponto de apoio para distinguir um fora de um dentro Assim encontramos a essência do instinto primeiramente em suas carac terísticas principais a origem em fontes de estímulo no interior do organismo o aparecimento como força constante e derivamos daí um outro de seus traços sua irredutibilidade por meio de ações de fuga Mas nesta discussão não pudemos deixar de perceber uma coisa que requer uma nova admissão Nós não apenas aplicamos à matéria da experiência determinadas convenções na forma de conceitos fundamentais como nos servimos também de vários pres supostos complicados para nos guiar no trabalho com os fenômenos psicológi cos O mais importante desses pressupostos já foi assinalado restanos apenas destacálo expressamente É de natureza biológica faz uso do conceito de tendência eventualmente de finalidade e diz que o sistema nervoso é um aparelho ao qual coube a função de eliminar os estímulos que lhe chegam de reduzilos ao mais baixo nível um aparelho que se fosse possível gostaria de manterse verdadeiramente livre de estímulos Não nos surpreendamos no momento com a imprecisão dessa ideia e vamos atribuir ao sistema nervoso em termos bem gerais a tarefa de dominar os estímulos Vemos então como o simples esquema do reflexo fisiológico tornase complicado com a introdução dos instintos Os estímulos externos colocam apenas a tarefa de subtrairse a eles o que acontece então por movimentos musculares dos quais um alcança o fim e sendo o mais apropriado tornase disposição hereditária Os estímulos instintuais que surgem no interior do organismo não podem ser liquidados por esse mecanismo Portanto colocam exigências bem mais elevadas ao aparelho nervoso induzemno a atividades complexas interdependentes as quais modi ficam tão amplamente o mundo exterior que ele oferece satisfação à fonte 41225 interna de estímulo e sobretudo obrigam o aparelho nervoso a renunciar à sua intenção ideal de manter a distância os estímulos pois sustentam um inev itável incessante afluxo de estímulos Talvez possamos concluir então que eles os instintos e não os estímulos externos são os autênticos motores dos progressos que levaram o sistema nervoso tão infinitamente capaz ao seu grau de desenvolvimento presente Claro que nada contraria a suposição de que os próprios instintos sejam ao menos em parte precipitados de efeitos de estímulos externos que no curso da filogênese atuaram de modo transform ador sobre a substância viva E ao descobrir que mesmo a atividade dos mais evoluídos aparelhos psíqui cos está sujeita ao princípio do prazer ou seja é automaticamente regulada por sensações da série prazerdesprazer dificilmente podemos rejeitar o pres suposto seguinte de que tais sensações reproduzem a maneira como se realiza a sujeição dos estímulos Seguramente no sentido de que a sensação de de sprazer está ligada ao aumento e a sensação de prazer ao decréscimo do es tímulo Mas cuidemos de preservar essa hipótese em toda a sua indefinição até que nos seja dado intuir a natureza da relação entre prazerdesprazer e as flutu ações das grandezas de estímulos que atuam na vida psíquica Certamente é possível que tais relações sejam muito variadas e bem pouco simples Voltandonos agora para a consideração da vida psíquica do ângulo da bio logia o instinto nos aparece como um conceitolimite entre o somático e o psíquico como o representante psíquico dos estímulos oriundos do interior do corpo e que atingem a alma como uma medida do trabalho imposto à psique por sua ligação com o corpo Agora podemos discutir alguns termos utilizados em relação com o con ceito de instinto tais como impulso meta objeto fonte do instinto Por impulso de um instinto compreendese o seu elemento motor a soma de força ou a medida de trabalho que ele representa O caráter impulsivo é uma característica geral dos instintos é mesmo a essência deles Todo instinto 42225 é uma porção de atividade quando se fala desleixadamente de instintos passivos não se quer dizer outra coisa senão instintos com meta passiva A meta de um instinto é sempre a satisfação que pode ser alcançada apenas pela supressão do estado de estimulação na fonte do instinto Mas embora essa meta final permaneça imutável para todo instinto diversos caminhos podem conduzir à mesma meta final de modo que um instinto pode ter várias metas próximas ou intermediárias que são combinadas ou trocadas umas pelas out ras A experiência também nos permite falar de instintos inibidos na meta em processos que são tolerados por um trecho de caminho na direção da satis fação instintual mas que logo experimentam uma inibição ou desvio É de supor que uma satisfação parcial também esteja ligada a esses processos O objeto do instinto é aquele com o qual ou pelo qual o instinto pode al cançar a sua meta É o que mais varia no instinto não estando originalmente ligado a ele mas lhe sendo subordinado apenas devido à sua propriedade de tornar possível a satisfação Não é necessariamente um objeto estranho mas uma parte do próprio corpo Pode ser mudado frequentemente no decorrer das vicissitudes que o instinto sofre ao longo da vida esse deslocamento do in stinto desempenha papéis dos mais importantes Pode ocorrer que o mesmo objeto se preste simultaneamente à satisfação de vários instintos o caso do entrelaçamento instintual segundo Alfred Adler Uma ligação particular mente estreita do instinto ao objeto é qualificada de fixação do mesmo Ela se efetua com frequência nos períodos iniciais do desenvolvimento instintual e põe termo à mobilidade do instinto ao se opor firmemente à dissolução do laço Por fonte do instinto se compreende o processo somático num órgão ou parte do corpo cujo estímulo é representado na psique pelo estímulo Não se sabe se tal processo é normalmente de natureza química ou se pode correspon der também à liberação de outras forças mecânicas por exemplo O estudo das fontes de instintos já não pertence à psicologia embora a procedência a partir da fonte somática seja o mais decisivo para o instinto na psique nós o 43225 conhecemos tão só através de suas metas Um conhecimento mais exato das fontes instintuais não é estritamente necessário para fins de investigação psicológica Às vezes podemos inferir com segurança as fontes do instinto a partir de suas metas Devemos supor que os diferentes instintos oriundos do corpo e atuantes na psique também se caracterizam por diferentes qualidades e por isso se com portam de maneira qualitativamente diversa na vida psíquica Tal não se justi fica basta recorrer à suposição mais simples de que os instintos são todos qual itativamente iguais devendo o seu efeito apenas às magnitudes de excitação que conduzem e talvez também a determinadas funções dessa quantidade O que diferencia as operações psíquicas dos instintos entre si pode ser relacion ado à variedade das fontes instintuais No entanto apenas num outro contexto poderá ser discutido o problema da qualidade do instinto Quais instintos podemos estabelecer e quantos serão Nisso há sem dúvida uma boa margem para o arbítrio Nada se pode objetar se alguém empregar o conceito de um instinto do jogo um instinto de destruição ou um instinto social quando o tema assim exigir e as limitações da análise psicoló gica o permitirem Mas não se deixe de considerar que esses móveis instintuais tão especializados por um lado talvez admitam ainda uma decomposição na direção das fontes instintuais de modo que apenas os instintos primordiais não decomponíveis poderiam reivindicar maior importância Sugeri a diferenciação de dois grupos desses instintos primordiais os instin tos do Eu ou de autoconservação e os instintos sexuais Mas essa proposta não tem a significação de um pressuposto necessário como por exemplo a hipótese acerca da tendência biológica do aparelho psíquico ver acima não passa de uma construção auxiliar que deve ser mantida apenas enquanto se revelar útil e cuja substituição por outra não mudará muito os resultados de nosso trabalho de descrição e ordenação O motivo para essa proposição res ultou do desenvolvimento histórico da psicanálise que teve como primeiro 44225 objeto as psiconeuroses mais precisamente aquelas denominadas neuroses de transferência histeria e neurose obsessiva e por meio delas chegou à com preensão de que um conflito entre as exigências da sexualidade e as do Eu se encontra na raiz de cada uma dessas afecções É possível porém que um estudo aprofundado das outras afecções neuróticas sobretudo das psiconeur oses narcísicas as esquizofrenias leve a uma mudança dessa fórmula e com isso a uma outra classificação dos instintos primordiais Mas atualmente não conhecemos essa nova fórmula e ainda não deparamos com um argumento que fosse desfavorável à contraposição de instintos do Eu e instintos sexuais Tenho sérias dúvidas de que seja possível a partir do trabalho com o ma terial psicológico obter indicações decisivas a propósito da divisão e classi ficação dos instintos Para os fins desse trabalho pareceria necessário isto sim aplicar ao material certas hipóteses sobre a vida dos instintos e seria desejável que se pudesse retirar essas hipóteses de um outro campo transportandoas para a psicologia O que a biologia proporciona no caso não contraria certa mente a distinção entre instintos sexuais e do Eu A biologia ensina que a sexu alidade não deve ser posta no mesmo plano que as demais funções do indiví duo que as suas tendências vão além do individual e têm por conteúdo a produção de novos indivíduos ou seja a conservação da espécie Ela nos mostra também que existem duas concepções igualmente justificadas para a relação entre o Eu e a sexualidade segundo a primeira o indivíduo é o prin cipal a sexualidade é uma de suas ocupações a satisfação sexual uma de suas necessidades para a outra o indivíduo é um apêndice provisório e passageiro do plasma germinativo quase imortal que lhe foi confiado pela geração A hipótese de que a função sexual se distingue dos outros processos corporais por um quimismo especial constitui também pelo que sei um pressuposto da pesquisa biológica de Ehrlich Como o estudo da vida instintual a partir da consciência traz dificuldades quase insuperáveis a investigação psicanalítica dos distúrbios anímicos per manece a fonte principal de nosso conhecimento Mas em conformidade ao 45225 seu curso de desenvolvimento até agora a psicanálise só pôde nos dar inform ações razoavelmente satisfatórias a respeito dos instintos sexuais justamente porque pôde observar nas psiconeuroses como se fossem isolados apenas esse grupo de instintos Com a extensão da psicanálise às outras afecções neurótic as também o nosso conhecimento dos instintos do Eu encontrará fundamen tos embora seja temerário esperar condições de observação igualmente fa voráveis nesse novo âmbito de pesquisa Para uma caracterização geral dos instintos sexuais podemos dizer o seguinte eles são numerosos originamse de múltiplas fontes orgânicas atuam de início independentemente uns dos outros e apenas bem depois são reunidos numa síntese mais ou menos completa A meta que cada um deles procura atingir é o prazer do órgão somente após efetuada a síntese eles entram a serviço da função reprodutiva tornandose geralmente reconhecidos como in stintos sexuais Ao aparecer apoiamse inicialmente nos instintos de conser vação dos quais se desligam apenas aos poucos e seguem também na busca de objeto os caminhos que lhes mostram os instintos do Eu Uma parte deles per manece a vida inteira associada aos instintos do Eu dotandoos de compon entes libidinais que na função normal são facilmente ignorados e apenas quando há doença surgem claramente Caracterizamse pelo fato de poderem em larga medida agir vicariamente uns pelos outros e trocar facilmente seus objetos Devido a esses atributos são capazes de realizações que se acham bem afastadas de suas originais ações dotadas de objetivo sublimação Nossa investigação referente às vicissitudes que os instintos podem experi mentar no curso da evolução e da vida terá que se limitar aos instintos sexuais que conhecemos melhor Eis o que a observação nos ensina a reconhecer como destinos dos instintos A reversão no contrário O voltarse contra a própria pessoa A repressão A sublimação 46225 Como não penso em tratar aqui da sublimação e a repressão exige um capítulo especial restanos descrever e discutir os dois primeiros pontos Con siderando os motivos que se opõem a que os instintos sigam diretamente seu curso podemos apresentar os seus destinos também como modalidades de de fesa contra os instintos Olhando mais atentamente a reversão no contrário se divide em dois pro cessos distintos a conversão da atividade em passividade e a inversão de conteúdo Por serem essencialmente distintos os dois processos serão tratados separadamente Exemplos do primeiro processo se acham nos pares de opostos sadismo masoquismo e voyeurismoexibicionismo A reversão diz respeito apenas às metas do instinto substituise a meta ativa atormentar olhar pela passiva ser atormentado ser olhado A inversão de conteúdo se encontra apenas no caso da transformação de amor em ódio A volta contra a própria pessoa nos é sugerida pela consideração de que o masoquismo afinal é um sadismo voltado contra o próprio Eu e o exibicion ismo inclui a contemplação do próprio corpo A observação psicanalítica não deixa dúvidas quanto ao fato de que o masoquista também frui da fúria contra a sua pessoa e o exibicionista do seu desnudamento O essencial no processo portanto é a mudança de objeto com a meta inalterada Ao mesmo tempo se percebe que a volta contra a própria pessoa e a conver são de atividade em passividade convergem ou coincidem nesses exemplos Para esclarecer essas relações é indispensável uma pesquisa mais demorada Quanto ao par de opostos sadismomasoquismo o processo pode ser ap resentado da seguinte forma a O sadismo consiste em prática de violência exercício de poder tendo uma outra pessoa como objeto b Esse objeto é abandonado e substituído pela própria pessoa Com a volta contra a própria pessoa também se realiza a transformação da meta instintual ativa em passiva 47225 c Novamente se busca uma outra pessoa como objeto a qual em virtude da transformação de meta ocorrida tem de assumir o papel de sujeito O caso c é o que comumente se chama de masoquismo Também com ele a satisfação se dá pela via do sadismo original o Eu passivo se colocando em fantasia no seu lugar anterior agora deixado ao novo sujeito É bastante duvidoso que exista uma satisfação masoquista mais direta Não parece ocorrer um masoquismo original que não surja a partir do sadismo da maneira descrita2 Não é supérflua a hipótese do estágio b como talvez se deduza do comportamento do instinto sádico na neurose obsessiva Nela se encontra o voltarse contra a própria pessoa sem a passividade diante de uma nova A transformação vai somente até o estágio b A ânsia de atormentar se torna tor mento de si mesmo castigo de si e não masoquismo O verbo ativo não se transforma no passivo mas num médio reflexivo A compreensão do sadismo é prejudicada também pela circunstância de que esse instinto parece buscar além da sua meta geral melhor talvez no interior dela uma ação bem especial dotada de objetivo Além da humilhação do sub jugamento a inflição de dor Mas a psicanálise parece mostrar que infligir dores não se relaciona com as originais ações do instinto dotadas de objetivo A criança sádica não leva em conta a imposição de dor e não tem esse propósito Uma vez efetuada a transformação em masoquismo porém as dores se prestam muito bem para uma meta masoquista passiva pois temos to das as razões para supor que também as sensações dolorosas como outras sensações de desprazer invadem a excitação sexual e produzem um estado prazeroso em virtude do qual se admite também o desprazer da dor Quando sentir dores se torna uma meta masoquista pode surgir também retroativa mente a meta sádica de infligir dores que o próprio indivíduo ao suscitála em outros frui masoquistamente na identificação com o objeto sofredor Nat uralmente se frui em ambos os casos não a dor mesma mas a excitação sexual que a acompanha o que é particularmente cômodo na posição do sádico Port anto fruir a dor seria uma meta originalmente masoquista que no entanto só 48225 se tornaria uma meta instintual em alguém originalmente sádico Apenas para completar eu acrescentaria que a compaixão não pode ser descrita como res ultado da transformação instintual no sadismo mas que exige a concepção de uma formação reativa frente ao instinto sobre a diferença ver mais adiante Resultados diversos e mais simples são proporcionados pela investigação de outro par de opostos o dos instintos que têm por metas olhar e mostrarse Voyeur e exibicionista na linguagem das perversões Neste caso podese es tabelecer os mesmos estágios do anterior a olhar como atividade dirigida a um outro objeto b o abandono do objeto a volta do instinto de olhar para uma parte do próprio corpo e com isso a reversão em passividade e a constitu ição da nova meta ser olhado c a introdução de um novo sujeito ao qual o indivíduo se mostra para ser olhado por ele Dificilmente se duvidaria tam bém que a meta ativa surge antes da passiva que olhar precede ser olhado Mas uma divergência significativa em relação ao sadismo está no fato de que no instinto de olhar se reconhece um estágio ainda anterior àquele designado com a Pois o instinto de olhar é autoerótico no início de sua atividade pode ter um objeto mas encontrao no próprio corpo Apenas depois ele é levado pela via da comparação a trocar esse objeto por um análogo do corpo alheio estágio a Esse estágio preliminar é interessante porque dele derivam as duas situações do par de opostos resultante conforme a mudança ocorra num lugar ou no outro O esquema para o instinto de olhar poderia ser este 49225 Um tal estágio preliminar falta no sadismo que desde o princípio se orienta para um objeto alheio embora não fosse absurdo construílo a partir dos es forços da criança que quer se assenhorear dos próprios membros3 Para ambos os exemplos de instintos aqui considerados vale observar que a transformação instintual pela reversão da atividade em passividade e pela volta contra a própria pessoa não se realiza jamais em toda a extensão do movimento instintual A velha orientação ativa do instinto continua em certa medida ao lado da nova passiva mesmo quando o processo de mudança instintual foi muito grande A única asserção correta sobre o instinto de olhar seria que to das as fases de desenvolvimento do instinto tanto a fase preliminar autoerótica como a forma final ativa e passiva subsistem uma ao lado da outra e essa afirmação se torna evidente ao tomarmos como base de nosso julgamento em vez das ações do instinto o mecanismo da satisfação Talvez se justifique ainda um outro modo de conceber e apresentar os fatos Podese decompor a vida de cada instinto em uma série de ondas cronologicamente separadas homo gêneas no interior de uma unidade de tempo qualquer que se comportam entre si como erupções sucessivas de lava Podese então imaginar que a primeira e mais primordial erupção do instinto prossiga inalterada e não sofra nenhuma evolução A onda seguinte estaria sujeita desde o início a uma 50225 alteração a conversão para a passividade por exemplo e com esse novo caráter viria se juntar à anterior e assim por diante Abrangendo com a vista o movimento instintual do início até um determinado ponto a sucessão de on das que descrevemos daria a imagem de uma clara evolução do instinto O fato de numa época tardia da evolução se poder observar ao lado de um movimento instintual o seu contrário passivo merece ser destacado através da excelente denominação introduzida por Bleuler ambivalência O desenvolvimento instintual se torna mais inteligível para nós se consid eramos a história da evolução do instinto e a permanência dos estágios inter mediários Conforme a experiência o montante de ambivalência demonstrável varia bastante em indivíduos grupos e raças Uma grande ambivalência instin tual num ser humano de hoje pode ser apreendida como herança arcaica pois temos motivos para supor que a participação dos impulsos ativos inalterados na vida dos instintos teria sido maior nos primórdios do que hoje em média Habituamonos a chamar de narcisismo sem pôr inicialmente em discussão o nexo entre autoerotismo e narcisismo a fase inicial de evolução do Eu dur ante a qual os instintos sexuais têm satisfação autoerótica Então temos que dizer sobre o estágio preliminar do instinto de olhar em que o prazer de olhar tem o próprio corpo como objeto que ele pertence ao narcisismo é uma form ação narcísica A partir dele se desenvolve o instinto ativo de olhar à medida que abandona o narcisismo mas o instinto passivo de olhar se atém ao objeto narcísico Do mesmo modo a transformação do sadismo em masoquismo sig nificaria um retorno ao objeto narcísico enquanto nos dois casos o sujeito nar císico é trocado mediante a identificação por um outro Eu Levando em conta o estágio preliminar narcísico do sadismo que aqui construímos aproximamo nos de uma concepção mais geral a de que as vicissitudes que consistem no in stinto para se voltarem contra o próprio Eu e se converterem de ativo em passivo dependem da organização narcísica do Eu e carregam a marca desta fase Correspondem talvez às tentativas de defesa que em estágios mais eleva dos da evolução do Eu são conduzidas com outros meios 51225 Lembramos que até agora trouxemos à discussão apenas os dois pares opostos de instintos sadismo e masoquismo prazer de olhar e prazer de mostrar Entre os instintos que aparecem de forma ambivalente são esses os que melhor conhecemos Os outros componentes da função sexual posterior ainda não se tornaram acessíveis o bastante à psicanálise para que sejam dis cutidos de maneira semelhante Deles podemos dizer em geral que têm atividade autoerótica isto é seu objeto desaparece diante do órgão que é sua fonte e via de regra coincide com ele Mas o objeto do instinto de olhar em bora a princípio seja também parte do corpo não é o próprio olho e no sad ismo a fonte orgânica provavelmente a musculatura capacitada para agir re mete diretamente a outro objeto ainda que no próprio corpo Nos instintos autoeróticos o papel da fonte orgânica é tão decisivo que segundo uma in teressante hipótese de P Federn e L Jekels 1913 forma e função do órgão determinam a atividade ou passividade da meta instintual A transformação de um instinto em seu contrário material é observada apenas em um caso na conversão de amor em ódio Sendo muito frequente en contrar os dois dirigidos simultaneamente para o mesmo objeto tal coexistên cia oferece o mais significativo exemplo de ambivalência afetiva O caso do amor e do ódio adquire interesse particular pela circunstância de resistir ao enquadramento em nossa descrição dos instintos Não se pode duvidar da íntima relação entre esses dois afetos contrários e a vida sexual mas é preciso naturalmente se recusar a conceber o amor como um instinto parcial particular da sexualidade de maneira igual aos outros É preferível ver o amor como expressão da totalidade da tendência sexual mas com isso não se vai muito longe também e não se sabe como entender um contrário material dessa tendência O amar admite não apenas uma mas três oposições Além da oposição amoródio existe a de amarser amado e amor e ódio tomados conjuntamente opõemse ao estado de indiferença ou insensibilidade Dessas 52225 três antíteses a segunda amarser amado corresponde inteiramente à conver são de atividade em passividade e pode ser remetida a uma situação funda mental como o instinto de olhar Esta situação se chama amar a si mesmo o que para nós é a característica do narcisismo Conforme o objeto ou o sujeito seja trocado por um exterior ocorre a tendência ativa a uma meta amar ou a passiva ser amado das quais a última permanece mais próxima do narcisismo Talvez nos aproximemos de uma compreensão das múltiplas oposições do amar se lembrarmos que a vida psíquica é dominada por três polaridades que são as antíteses de Sujeito EuObjeto mundo externo PrazerDesprazer AtivoPassivo A antítese EuNão Eu Fora SujeitoObjeto é imposta bem cedo ao in divíduo pela experiência de que pode silenciar estímulos externos pela ação muscular mas é indefeso contra estímulos instintuais Ela continua soberana principalmente na atividade intelectual e cria a situação fundamental da pesquisa que não pode ser mudada por nenhum esforço A polaridade prazer desprazer é ligada a uma escala de sensações cuja insuperável importância para a determinação de nossos atos vontade já foi sublinhada A oposição ativopassivo não deve ser confundida com a de EusujeitoForaobjeto O Eu se comporta passivamente face ao mundo externo enquanto recebe estímulos dele e ativamente ao reagir a ele É impelido por seus instintos a uma ativid ade bem particular frente ao mundo exterior de modo que destacando o es sencial poderíamos dizer que o Eusujeito é passivo diante dos estímulos ex ternos e ativo em virtude dos próprios instintos A oposição ativopassivo se funde depois com a masculinofeminino que não tem importância psicológica até que isso aconteça A fusão de atividade e masculinidade passividade e fem inilidade nos aparece como um fato biológico mas de modo nenhum ela é tão regularmente taxativa e exclusiva como nos inclinamos a crer 53225 As três polaridades psíquicas estabelecem as conexões mais significativas entre si Há uma situação psíquica primordial em que duas delas coincidem Originalmente bem no começo da vida anímica o Eu se acha investido instin tualmente e em parte é capaz de satisfazer seus instintos em si mesmo A esse estado chamamos de narcisismo e de autoerótica a possibilidade de satisfação4 Nesse tempo o mundo exterior não está investido de interesse falando de modo geral e não faz diferença no que toca à satisfação Logo nesse momento o Eusujeito coincide com o que é prazeroso o mundo externo com o que é in diferente eventualmente com o que enquanto fonte de estímulos é desprazer oso Se provisoriamente definimos o amar como a relação do Eu com suas fontes de prazer então a situação na qual o Eu ama apenas a si mesmo e é in diferente para com o mundo ilustra a primeira das oposições em que encon tramos o amar Na medida em que é autoerótico o Eu não precisa do mundo exterior mas recebe dele objetos devido às experiências dos instintos de conservação do Eu e portanto não pode deixar de sentir estímulos instintuais internos como de sprazerosos por algum tempo Sob o domínio do princípio do prazer se efetua nele mais uma evolução Ele acolhe em seu Eu os objetos oferecidos na me dida em que são fontes de prazer introjetaos conforme a expressão de Fer enczi e por outro lado expele de si o que se torna em seu próprio interior motivo de desprazer Ver mais adiante o mecanismo da projeção Logo há uma mudança do Eurealidade inicial que distinguiu interior e exterior conforme um bom critério objetivo em um purificado Eudeprazer que põe o atributo do prazer acima de qualquer outro O mundo externo se di vide para ele em uma parte prazerosa que incorporou em si e um resto que lhe é estranho Ele segregou uma parte integrante do próprio Eu que lança ao mundo externo e percebe como inimiga Após essa reordenação restabelecese a coincidência das duas polaridades Eusujeito com o prazer Mundo externo com o desprazer antes com a indiferença 54225 Quando o objeto entra no estágio do narcisismo primário chegase à form ação da segunda antítese do amar o odiar Como vimos o objeto é levado ao Eu desde o mundo exterior primeira mente pelos instintos de autoconservação e não se pode descartar que também o sentido original do ódio designe a relação para com o mundo exterior alheio e portador de estímulos A indiferença se liga ao ódio à aversão como um seu caso especial após ter surgido primeiro como seu precursor O exterior o ob jeto o odiado seriam sempre idênticos no início Se depois o objeto se revela fonte de prazer ele será amado mas também incorporado ao Eu de modo que para o Euprazer purificado o objeto coincide novamente com o alheio e odiado Mas notamos agora também que assim como o par de opostos amorin diferença reflete a polaridade Eumundo exterior também a segunda oposição amoródio reproduz a polaridade prazerdesprazer que se relaciona à primeira Depois que o estágio puramente narcísico dá lugar ao estágio do objeto prazer e desprazer significam relações do Eu com o objeto Quando o objeto se torna fonte de sensações prazerosas produzse uma tendência motora que busca aproximálo do Eu incorporálo ao Eu falase então da atração que o ob jeto dispensador de prazer exerce e dizse que se ama o objeto Inver samente quando o objeto é fonte de sensações desprazerosas há uma tendên cia que se esforça por aumentar a distância entre ele e o Eu repetir a original tentativa de fuga face ao mundo externo emissor de estímulos Sentimos a re pulsão do objeto e o odiamos esse ódio pode então se exacerbar em propensão a agredir o objeto em intenção de aniquilálo É possível dizer de um instinto se necessário que ele ama o objeto que procura para a sua satisfação Que um instinto odeie um objeto porém é algo que nos soa estranho de modo que atentaremos para o fato de que as des ignações amor e ódio não se aplicam às relações dos instintos com seus obje tos sendo reservadas para a relação do Eu total com os objetos Mas a obser vação do uso da linguagem sem dúvida pleno de sentido mostranos uma 55225 outra limitação no significado de amor e ódio Não dizemos que amamos os objetos que são úteis à conservação do Eu enfatizamos que temos necessidade deles e expressamos algo referente a um outro tipo de relação ao utilizar pa lavras que indicam um amor bem atenuado como gostar de achar agradável apreciar Portanto a palavra amar se avizinha cada vez mais à esfera da pura re lação de prazer do Eu com o objeto e finalmente se fixa nos objetos sexuais em sentido estrito e nos objetos que satisfazem as necessidades dos instintos sexuais sublimados A separação entre instintos do Eu e instintos sexuais que impusemos à nossa psicologia revelase então conforme ao espírito de nossa língua Se não estamos habituados a dizer que o instinto sexual ama seu objeto mas vemos o uso mais adequado da palavra amar na relação do Eu com seu objeto sexual essa observação nos ensina que tal emprego nessa relação começa apenas com a síntese de todos os instintos componentes da sexualid ade sob o primado dos órgãos genitais e a serviço da função reprodutiva É digno de nota que na utilização da palavra odiar não apareça uma re lação íntima com o prazer sexual e a função sexual a relação de desprazer parecendo ser a única decisiva O Eu odeia abomina persegue com propósitos destrutivos todos os objetos que se lhe tornam fonte de sensações desprazero sas não importando se para ele significam uma frustração da satisfação sexual ou da satisfação de necessidades de conservação Podese mesmo afirmar que os autênticos modelos da relação de ódio não provêm da vida sexual mas da luta do Eu por sua conservação e afirmação O amor e o ódio que se nos apresentam como uma total oposição material não se acham portanto numa relação simples um com o outro Não nasceram da cisão de algo primordialmente comum mas têm origens diversas e perfizer am cada qual uma evolução própria antes de formarem um par de opostos sob influência da relação prazerdesprazer Neste ponto se nos depara a tarefa de resumir o que sabemos sobre a origem do amor e do ódio 56225 O amor deriva da capacidade do Eu para satisfazer autoeroticamente pela obtenção de prazer de órgão uma parte de seus impulsos instintuais Ele é ori ginalmente narcísico depois passa para os objetos que foram incorporados ao Eu ampliado e exprime a procura motora do Eu por esses objetos enquanto fontes de prazer Ligase intimamente à atividade dos futuros instintos sexuais e coincide quando a síntese desses é completada com a totalidade da procura sexual Estágios preliminares do amor se revelam como metas sexuais tem porárias enquanto os instintos sexuais perfazem a sua complexa evolução O primeiro desses estágios divisamos no incorporar ou devorar um tipo de amor compatível com a abolição da existência separada do objeto e que portanto pode ser designado como ambivalente No mais elevado estágio da organização sádicoanal prégenital surge a procura pelo objeto sob a forma de impulso de apoderamento ao qual não importa se o objeto é danificado ou aniquilado Essa forma e fase preliminar do amor mal se distingue do ódio em seu comportamento para com o objeto Apenas com o estabelecimento da or ganização genital o amor se torna o contrário do ódio Enquanto relação com o objeto o ódio é mais antigo que o amor surge da primordial rejeição do mundo externo dispensador de estímulos por parte do Eu narcísico Como expressão da reação de desprazer provocada por objetos sempre permanece em íntima relação com os instintos de conservação do Eu de modo que instintos do Eu e instintos sexuais podem facilmente constituir uma oposição que repete a de ódio e amor Quando os instintos do Eu domin am a função sexual como sucede no estágio da organização sádicoanal eles conferem também à meta sexual as características do ódio A história da origem e das relações do amor nos torna mais compreensível o fato de tão frequentemente ele aparecer como ambivalente isto é em companhia de impulsos de ódio contra o mesmo objeto O ódio mesclado ao amor procede em parte dos estágios preliminares do amor não superados in teiramente e de outra parte se fundamenta nas reações de rejeição dos instin tos do Eu que nos frequentes conflitos entre interesses do Eu e do amor 57225 podem invocar motivos reais e atuais Em ambos os casos portanto o ódio en tremesclado se reporta à fonte dos instintos de conservação do Eu Quando a relação de amor com um determinado objeto é rompida não é raro que o ódio tome o seu lugar com o que temos a impressão de que o amor se transformou em ódio Seremos levados além dessa descrição se adotarmos a concepção de que nisso o ódio motivado de maneira real é fortalecido pela regressão do amor ao estágio sádico preliminar e portanto odiar assume um caráter erótico e a continuidade de uma relação amorosa é garantida A terceira antítese do amor a transformação do amar em ser amado cor responde à ação da polaridade ativopassivo e está sujeita à mesma apreciação que os casos do instinto de olhar e do sadismo Resumindo podemos sublinhar que os destinos dos instintos consistem es sencialmente no fato de que os impulsos instintuais são submetidos às influências das três grandes polaridades que governam a vida psíquica Dessas três polaridades podese designar a da atividadepassividade como a biológica a do Eumundo exterior como a real e por fim a de prazerdesprazer como a econômica O destino instintual da repressão constituirá o objeto da investigação seguinte 1 Pressupondo claro que esses processos internos sejam a base orgânica das necessidades da fome e da sede Impulso tradução para Drang que também pode significar ímpeto como na famosa ex pressão Sturm und Drang Tempestade e Ímpeto que designa o movimento préromântico da literatura alemã na segunda metade do século xviii Também utilizaremos impulso para Regung ao longo desta edição das obras de Freud Meta Ziel recorremos igualmente ao sinônimo objetivo quando a sonoridade da frase assim exigir e o contexto permitir No mesmo parágrafo inibidos na meta é tradução de zielgehemmt 58225 Entrelaçamento instintual Triebverschränkung As versões estrangeiras consultadas ap resentam confluencia de instintos entrelazamiento de pulsiones intreccio pulsionale entrecroise ment des pulsions confluence of instincts Uma nota de Strachey indica que há dois exemplos disso no caso do Pequeno Hans de 1909 A expressão de Adler se acha no artigo Der Agressionstrieb im Leben und in der Neurose O instinto de agressão na vida e na neurose Fortschritte der Medizin Progressos da Medicina v 26 1908 As versões estrangeiras consultadas durante a elaboração desta foram a espanhola de Lopez Ballesteros y de Torres em Obras completas v ii Madri Biblioteca Nueva 3a ed 1973 a ar gentina de José L Etcheverry em Obras completas v xiv Buenos Aires Amorrortu 5a reim pressão da 2a ed 1993 a italiana dirigida por C Musatti em Opere v 8 Turim Boringhieri 5a impressão 1987 a francesa dirigida por J Laplanche em Œuvres complètes v xiii Paris puf 1988 a inglesa de James Strachey em Standard edition v xiv Londres Hogarth Press Essas edições valem para as notas do tradutor em que são citadas neste e nos ensaios metap sicológicos seguintes Provável referência a Paul Ehrlich 18541915 cientista alemão ganhador do prêmio Nobel de Medicina em 1908 Ações dotadas de objetivo Zielhandlungen nas versões estrangeiras consultadas actos fi nales accionesmeta mete actionsàbut purposive actions O termo alemão original para sub limação em seguida e entre parênteses é de origem latina Sublimierung e já era usado por pensadores alemães anteriores a Freud cf Friedrich Nietzsche Humano demasiado humano 1 Humano demasiado humano ii parte i 95 e Além do bem e do mal 101 e nota correspond ente tradução e notas de Paulo César de Souza São Paulo Companhia das Letras 2000 2008 e 1992 respectivamente 2 Em trabalhos posteriores cf O problema econômico do masoquismo 1924 sustentei em relação a problemas da vida instintual uma concepção oposta a essa Não se sabe a que trecho ou a que trabalho Freud se refere 3 Ver nota 2 deste ensaio p 66 4 Como sabemos uma parte dos instintos sexuais é capaz dessa satisfação autoerótica e presta se então para ser veículo do desenvolvimento descrito adiante sob o domínio do princípio do prazer Os instintos sexuais que desde o início requerem um objeto e as necessidades dos in stintos do Eu impossíveis de satisfazer autoeroticamente perturbam naturalmente esse estado e preparam o caminho para mudanças Claro que o estado narcísico primordial não poderia to mar essa evolução se todo indivíduo não conhecesse um período de desamparo e cuidados 59225 durante o qual suas necessidades prementes são satisfeitas por intervenção exterior e com isso freadas na evolução A redundância se encontra no original Es nimmt in sein Ich auf nas versões con sultadas Acoge en su yo recoge en su interior Esso assume in sé Il accueille dans son moi it takes them into itself Na mesma frase a expressão de Ferenczi foi retirada de Introjektion und Übertragung Introjeção e transferência Jahrbuch für psychoanalytische und psychopathologis che Forschungen v 1 1909 Bezeichnungen como está na primeira edição Nas edições posteriores encontrase Beziehun gen relações o que evidentemente faz menos sentido no contexto James Strachey observa isso numa nota conservando porém o segundo termo Na mesma frase em seguida o termo traduzido por relação duas vezes a primeira no plural é Relation Impulsos instintuais tradução não muito satisfatória para Triebregungen termo composto por Freud formado de Trieb instinto impulso e Regung movimento inicial agitação emoção Talvez se possa traduzilo por uma só palavra impulsos digamos como argu mentei em As palavras de Freud o vocabulário freudiano e suas versões op cit apêndice B Nas outras versões consultadas encontramos impulsos instintivos mociones pulsionales moti pulsion ali motions pulsionelles instinctual impulses 60225 A REPRESSÃO 1915 TÍTULO ORIGINAL DIE VERDRÄNGUNG PUBLICADO PRIMEIRAMENTE EM INTERNATIONALE ZEITSCHRIFT FÜR ÄRZTLICHE PSYCHOANALYSE REVISTA INTERNACIONAL DE PSICANÁLISE MÉDICA V 3 N 3 PP 12938 TRADUZIDO DE GESAMMELTE WERKE X PP 24861 TAMBÉM SE ACHA EM STUDIENAUSGABE III PP 10318 Um destino possível para um impulso instintual é encontrar resistências que buscam tornálo inoperante Em determinadas condições que passaremos a examinar mais detidamente ele chega ao estado da repressão Tratandose do efeito de um estímulo externo a fuga seria obviamente o recurso adequado No caso de um instinto a fuga não serve pois o Eu não pode fugir de si mesmo Mais tarde se verá na rejeição baseada no julgamento condenação um bom recurso contra o impulso instintual Um estágio preliminar da con denação um meio termo entre a fuga e a condenação é a repressão cujo con ceito não podia ser estabelecido na época anterior à pesquisa psicanalítica Não é fácil deduzir teoricamente a possibilidade da repressão Por que deveria um impulso instintual sucumbir a esse destino Evidentemente deve ser preenchida a condição de que a obtenção da meta instintual produza de sprazer em vez de prazer Mas esse caso é dificilmente concebível Não existem tais instintos uma satisfação instintual é sempre prazerosa Teríamos de supor condições particulares algum processo mediante o qual o prazer da satisfação é transformado em desprazer Para delimitar melhor a repressão podemos discutir algumas outras situ ações instintuais Pode ocorrer que um estímulo externo se interiorize ao irritar e destruir um órgão por exemplo dando origem a uma nova fonte de contínua excitação e aumento de tensão Desse modo ele adquire uma larga semelhança com um instinto Sabemos que um caso desses é por nós sentido como dor Mas a meta desse pseudoinstinto é apenas a cessação da mudança no órgão e do desprazer que a ela se liga Um prazer de outro tipo direto não pode ser obtido com a cessação da dor Além disso a dor é imperativa ela se submete apenas à ação de um tóxico ou à influência de uma distração psíquica O caso da dor é muito pouco transparente para servir a nosso propósito Tomemos o caso em que um estímulo instintual como a fome permanece in satisfeito Ele se torna imperativo não pode ser aplacado senão por um ato de satisfação mantém uma contínua tensão de necessidade Algo que semelhe uma repressão não parece se apresentar Logo não se verifica a repressão nos casos em que a tensão se torna in suportavelmente grande devido à insatisfação de um impulso instintual Quanto aos meios de defesa do organismo contra essa situação serão dis cutidos em outro contexto Vamos nos ater à experiência clínica tal como aparece na prática psicanalít ica Então aprenderemos que a satisfação do instinto submetido à repressão seria possível e também prazerosa em si mesma mas que seria inconciliável com outras exigências e intenções geraria prazer num lugar e desprazer em outro Então se torna condição para a repressão que o motivo do desprazer ad quira um poder maior que o prazer da satisfação Além disso a experiência psicanalítica com as neuroses de transferência nos leva a concluir que a repressão não é um mecanismo de defesa existente desde o início que não pode surgir antes que se produza uma nítida separação entre atividade psíquica consciente e inconsciente e que a sua essência consiste apenas em rejeitar e manter algo afastado da consciência Tal modo de conceber a repressão seria complementado pela suposição de que anteriormente a esse estágio da organ ização psíquica cabe a outras vicissitudes dos instintos como a transformação no contrário e a reversão contra a própria pessoa a tarefa da defesa frente a impulsos instintuais Agora nos parece haver uma tão extensa correlação entre repressão e in consciente que teremos de adiar um aprofundamento da essência da repressão até sabermos sobre a estrutura das instâncias psíquicas e a diferenciação de consciente e inconsciente Antes disso podemos apenas reunir de modo pura mente descritivo algumas características da repressão que foram notadas clin icamente arriscando repetir sem alteração coisas afirmadas em outros lugares Temos fundamentos portanto para supor uma repressão primordial uma primeira fase da repressão que consiste no fato de ser negado à representante psíquica do instinto o acesso ao consciente Com isso se produz uma fixação a partir daí a representante em questão persiste inalterável e o instinto 63225 permanece ligado a ela Isso acontece devido às propriedades dos processos in conscientes que discutiremos depois O segundo estágio da repressão a repressão propriamente dita afeta os de rivados psíquicos da representante reprimida ou as cadeias de pensamentos que originandose de outra parte entraram em vínculo associativo com ela Graças a essa relação tais representações sofrem o mesmo destino que o que foi reprimido primordialmente A repressão propriamente dita é portanto uma pósrepressão Aliás é um erro destacar apenas a repulsa que a partir do consciente age sobre o que há de ser reprimido Devese ter em conta em igual medida a atração que o primordialmente reprimido exerce sobre tudo aquilo com que pode estabelecer contato Provavelmente a tendência para a repressão não alcançaria seu propósito se essas forças não atuassem juntas se não houvesse algo reprimido anteriormente disposto a acolher o que é re pelido pelo consciente Influenciados pelo estudo das psiconeuroses que nos faz ver o significativo efeito da repressão somos inclinados a superestimar o seu conteúdo psicológi co e esquecemos com facilidade que a repressão não impede a representante do instinto de prosseguir existindo no inconsciente de continuar se organiz ando formando derivados e estabelecendo conexões Na realidade a repressão perturba apenas a relação com um sistema psíquico o do consciente A psicanálise pode nos mostrar ainda outras coisas significativas para o en tendimento dos efeitos da repressão nas psiconeuroses Por exemplo que a representante do instinto se desenvolve de modo mais desimpedido e mais substancial quando é subtraída à influência consciente mediante a repressão Ela prolifera como que no escuro e acha formas de manifestação extremas que ao serem traduzidas e exibidas para o neurótico não só lhe parecem inev itavelmente estranhas mas também o assustam com a imagem de uma ex traordinária e perigosa força instintual Essa ilusória intensidade do instinto é produto de uma desinibida expansão da fantasia e de um represamento devido 64225 à satisfação frustrada O fato de esse acontecimento estar ligado à repressão é algo que indica onde devemos buscar a verdadeira significação desta Mas se retornamos ao aspecto contrário constatamos não ser correto que a repressão mantenha afastados do consciente todos os derivados do reprimido primordial Quando estes se distanciaram o suficiente da representante reprim ida seja assumindo deformações seja pelo número de elos intermediários que se interpuseram o acesso ao consciente se torna livre para eles É como se a resistência que o consciente lhes opõe fosse uma função do seu distanciamento do originalmente reprimido No exercício da técnica psicanalítica exortamos continuamente o paciente a produzir tais derivados do reprimido que devido a sua distância ou deformação podem passar pela censura do consciente Não são outra coisa os pensamentos espontâneos que dele solicitamos através da renúncia a todas as ideias intencionais conscientes e a toda crítica e a partir dos quais reconstituímos uma tradução consciente da representante reprimida Nisso observamos que o paciente pode continuar tecendo uma tal cadeia de as sociações até que no seu curso depara com uma formação de pensamento na qual a relação com o reprimido age com tamanha intensidade que ele tem de repetir sua tentativa de repressão É preciso que também os sintomas neuróti cos tenham satisfeito a condição acima pois eles são derivados do reprimido que por meio dessas formações obteve enfim o acesso à consciência que lhe era negado De modo geral não podemos dizer até onde tem que ir o distanciamento e deformação do reprimido para que a resistência do consciente seja removida Aí ocorre um sutil sopesamento cuja ação nos escapa mas cujo efeito nos permite inferir que a questão é parar antes que o investimento do inconsciente atinja uma determinada intensidade além da qual ele procederia rumo à satis fação Portanto a repressão trabalha de maneira altamente individual cada de rivado do inconsciente pode ter seu destino particular um pouco mais ou um pouco menos de deformação altera completamente o resultado Nisto se com preende que os objetos favoritos dos homens seus ideais provenham das 65225 mesmas percepções e vivências que os mais execrados por eles e que original mente eles se diferenciem uns dos outros apenas por mudanças mínimas Pode mesmo ocorrer como vimos na gênese do fetiche que a representante original do instinto se decomponha em duas partes das quais uma sucumbe à repressão e a restante precisamente devido a esse íntimo enlace tem o destino da idealização Aquilo que resulta de uma deformação maior ou menor pode também ser alcançado na outra ponta do aparelho por assim dizer através de uma modi ficação nas condições da produção de prazerdesprazer Técnicas especiais fo ram desenvolvidas com o propósito de efetuar mudanças tais no jogo das forças psíquicas que o que normalmente produz desprazer será também porta dor de prazer e sempre que tal recurso entrar em ação será suspensa a repressão de uma representante instintual que normalmente seria rechaçada Até agora essas técnicas foram estudadas com maior detalhe apenas nas pia das Via de regra a suspensão da repressão é apenas provisória logo é restabelecida Mas observações desse tipo nos levam a atentar para outras características da repressão Ela é não só como acabamos de ver individual mas também ex tremamente móvel Não se deve imaginar o processo de repressão como algo acontecido uma única vez e que tem resultado duradouro mais ou menos como quando se abate algo vivo que passa a estar morto a repressão exige isto sim um constante gasto de energia cuja cessação colocaria em perigo o seu êxito de modo que um novo ato de repressão se tornaria necessário É lí cito imaginar que o reprimido exerce uma contínua pressão na direção do con sciente a qual tem de ser compensada por uma ininterrupta contrapressão Portanto manter uma repressão pressupõe um permanente dispêndio de ener gia e a sua eliminação significa economicamente uma poupança A mobilid ade da repressão aliás também acha expressão nas características psíquicas do sono o único estado que torna possível a formação do sonho Com o 66225 despertar os investimentos de repressão que foram recolhidos são novamente enviados Por fim não podemos esquecer que ainda dissemos pouco sobre um im pulso instintual ao constatar apenas que ele é reprimido Ele pode sem pre juízo da repressão encontrarse em estados bem diferentes estar inativo isto é investido de bem pouca energia psíquica ou investido em grau variável e assim capacitado para a atividade É certo que a sua ativação não terá a con sequência de suprimir diretamente a repressão mas estimulará todos os pro cessos que terminam por lhe consentir a penetração até a consciência por vias indiretas No caso de derivados não reprimidos do inconsciente a medida de ativação ou investimento decide com frequência o destino da ideia É comum suceder que um tal derivado permaneça não reprimido enquanto representa uma energia mínima embora o seu conteúdo fosse adequado para despertar um conflito com o que é dominante no consciente Mas o fator quantitativo se revela decisivo para esse conflito tão logo a ideia no fundo repugnante fortalecese além de determinada medida o conflito se torna atual e é justa mente a ativação que traz consigo a repressão Logo em matéria de repressão um acréscimo no investimento de energia age no mesmo sentido de uma aproximação ao inconsciente e o seu decréscimo no mesmo sentido de um distanciamento ou uma deformação Compreendemos assim que as tendências repressoras possam encontrar no enfraquecimento do que é desagradável um substituto para a sua repressão Em nossa discussão tratamos até o momento da repressão de uma repres entante instintual entendendo por isso uma ideia ou grupo de ideias investido de um determinado montante de energia psíquica libido interesse a partir do instinto A observação clínica nos leva agora a decompor o que até então apreendemos como uma unidade pois nos mostra que é preciso considerar além da ideia uma outra coisa que representa o instinto e o fato de que ela ex perimenta um destino de repressão que pode ser inteiramente diverso do da 67225 ideia Para designar esse outro elemento da representante psíquica já se encon tra estabelecido o termo de montante afetivo ele corresponde ao instinto na medida em que este se desligou da ideia e acha expressão proporcional à sua quantidade em processos que são percebidos como afetos De agora em di ante ao descrever um caso de repressão teremos de acompanhar separada mente aquilo em que resultou a ideia devido à repressão e o que veio a ser da energia instintual que a ela se ligava Bem gostaríamos de fazer uma afirmação geral sobre os destinos de ambas Isso nos será possível depois de alguma orientação O destino geral da ideia que representa o instinto dificilmente será outro senão desaparecer do con sciente se antes era consciente ou ser mantida fora da consciência se estava a ponto de tornarse consciente A diferença já não é significativa corresponde mais ou menos a saber se eu ordeno a um hóspede indesejável que se retire de minha sala ou do vestíbulo ou se após têlo reconhecido não permito sequer que ele pise a soleira da entrada1 O destino do fator quantitativo da represent ante instintual pode ser triplo como nos ensina um rápido exame das experiên cias reunidas na psicanálise O instinto é inteiramente suprimido de modo que dele nada se encontra ou aparece como um afeto qualitativamente nuançado de alguma forma ou é transformado em angústia As duas últimas possibilid ades nos impõem a tarefa de contemplar como nova vicissitude do instinto a conversão das energias psíquicas dos instintos em afetos muito especialmente em angústia Recordamos que o motivo e o propósito da repressão eram tão somente evitar o desprazer Seguese que o destino do montante afetivo da represent ante é bem mais importante que o da ideia e que isso é decisivo para o julga mento do processo de repressão Se uma repressão não consegue impedir o surgimento de sensações de desprazer ou de angústia então podemos dizer que ela fracassou ainda que tenha alcançado sua meta na parte ideativa 68225 Naturalmente a repressão fracassada tem mais direito ao nosso interesse do que aquela mais ou menos bemsucedida que em geral escapa ao nosso estudo Agora pretendemos obter uma visão do mecanismo do processo de repressão e saber principalmente se existe apenas um mecanismo de repressão ou vários deles e se cada uma das psiconeuroses se distinguiria por um mecanismo de repressão todo próprio Mas já no começo desta pesquisa nós vislumbramos complicações O mecanismo de uma repressão se torna acessível para nós apenas quando o deduzimos a partir dos resultados da repressão Limitando a observação aos seus resultados na parte ideativa da representante descobrimos que em geral a repressão produz uma formação substitutiva Qual é então o mecanismo dessa formação substitutiva Ou ex istem aqui também vários mecanismos a diferenciar Sabemos igualmente que a repressão deixa sintomas Podemos então supor que a formação sub stitutiva e a formação de sintomas coincidem e se assim for no conjunto o mecanismo da formação de sintomas equivale ao da repressão Atualmente a probabilidade maior é de que os dois divirjam bastante de que não seja a repressão mesma que produz formações substitutivas e sintomas mas que estes surjam como indícios de um retorno do reprimido em virtude de processos in teiramente outros Então parece recomendável que se investiguem os mecanis mos da formação de substitutos e de sintomas antes daqueles da repressão É claro que a especulação já não pode ajudar aqui tendo que ser substituída pela cuidadosa análise dos efeitos da repressão a serem observados nas difer entes neuroses Mas devo propor que também esse trabalho seja adiado até que tenhamos formado ideias confiáveis sobre a relação entre o consciente e o inconsciente Apenas para que esta discussão não acabe inteiramente sem frutos anteciparei que 1 de fato o mecanismo da repressão não coincide com o ou os mecanismos da formação substitutiva 2 há mecanismos bastante di versos de formação substitutiva e 3 há pelo menos uma coisa comum aos 69225 mecanismos de repressão a retração do investimento de energia ou libido quando lidamos com instintos sexuais Além disso quero mostrar limitandome às três mais conhecidas psiconeur oses como os conceitos aqui introduzidos têm aplicação no estudo da repressão Para a histeria de angústia escolherei um exemplo bem analisado de zoofobia O impulso instintual sujeito à repressão é uma atitude libidinal frente ao pai acompanhada da angústia em relação a ele Depois da repressão esse impulso desapareceu da consciência o pai já não aparece aí como objeto da li bido Como substituto em lugar correspondente encontrase um animal que se presta relativamente bem para objeto de angústia A formação substitutiva da parte ideativa da representante instintual realizouse pela via do desloca mento ao longo de uma cadeia de relações determinada de certa maneira A parte quantitativa não desapareceu mas sim converteuse em angústia O res ultado é angústia diante do lobo em vez de reivindicação do amor do pai Nat uralmente as categorias aqui aplicadas não bastam para fornecer explicação nem mesmo para o caso mais simples de psiconeurose Há outros ângulos a serem considerados Uma repressão como a do caso de zoofobia pode ser vista como radic almente fracassada O trabalho da repressão consistiu apenas em eliminar e substituir a ideia deixou totalmente de evitar o desprazer Por isso o trabalho da neurose também não descansa mas prossegue numa segunda fase para at ingir sua meta mais próxima e mais importante Formase uma tentativa de fu ga a autêntica fobia uma série de escapatórias para evitar o desencadeamento da angústia Uma investigação mais específica permitirá compreender os mecanismos pelos quais a fobia atinge sua meta O quadro de uma verdadeira histeria de conversão nos obriga a considerar de modo bem diferente o processo de repressão O que nela sobressai é o fato de se chegar ao desaparecimento completo do montante de afeto O doente ex ibe frente a seus sintomas o comportamento que Charcot denominou de la belle indifférence des hystériques Outras vezes tal supressão não é tão bem 70225 sucedida uma parcela de sensações dolorosas ligase aos próprios sintomas ou não é possível impedir algum desencadeamento da angústia o que por sua vez põe em movimento o mecanismo de formação de fobias O conteúdo ideativo da representante instintual é radicalmente subtraído à consciência como form ação substitutiva e ao mesmo tempo como sintoma se encontra uma in ervação muito acentuada somática em casos exemplares ora de natureza sensorial ora motora como excitação ou como inibição A um exame mais atento o local superinervado se revela parte da representante instintual reprimida que atraiu para si como por condensação todo o investimento Claro que essas observações também não desvendam inteiramente o mecan ismo de uma histeria de conversão deve ser aí acrescentado principalmente o fator da regressão que será oportunamente apreciado Podese julgar completamente falha a repressão da histeria de conversão na medida em que foi tornada possível somente por formações substitutivas extensas mas quanto à forma de dispor do montante afetivo a verdadeira tarefa da repressão ela significa geralmente um completo êxito Na histeria de conversão o processo de repressão é concluído com a formação de sintomas e não necessita como no caso da histeria de angústia prolongarse num se gundo momento ou mesmo indefinidamente A repressão mostra mais um aspecto diferente na terceira afecção a que re corremos para comparação a da neurose obsessiva Aqui ficamos em dúvida a princípio sobre o que devemos considerar como representante submetida à repressão se uma tendência libidinal ou uma hostil A incerteza vem de que a neurose obsessiva tem por pressuposto uma repressão por meio da qual uma tendência sádica tomou o lugar de uma afetuosa É esse impulso hostil para com uma pessoa amada que é sujeito à repressão Numa primeira fase do tra balho de repressão o efeito é bem diferente do que será depois De início o êxito é completo o conteúdo ideativo é rechaçado e o afeto é levado a desa parecer Como formação substitutiva se verifica uma mudança do Eu a elev ação da conscienciosidade que não se pode chamar exatamente de sintoma 71225 Formação substitutiva e formação de sintomas não coincidem aqui Nisso tam bém aprendemos algo sobre o mecanismo da repressão Como em todos os casos ela efetuou aqui uma retração da libido mas para este fim se serviu da formação reativa mediante o fortalecimento de uma oposição Logo a form ação substitutiva tem aqui o mesmo mecanismo que a repressão e no fundo coincide com esta mas se distingue cronologicamente e conceitualmente da formação de sintomas É muito provável que o processo inteiro seja tor nado possível pela relação de ambivalência em que se inscreve o impulso sádico a ser reprimido Mas a repressão inicialmente boa não se sustenta e com a progressão das coisas o seu fracasso ressalta cada vez mais A ambivalência que permitiu a repressão através da formação reativa é também o lugar onde o reprimido consegue retornar O afeto desaparecido volta transformado em angústia so cial angústia da consciência recriminação desmedida a ideia rejeitada é tro cada por um substituto por deslocamento com frequência deslocamento para algo menor indiferente Em geral há uma tendência inegável para restabelecer intacta a ideia reprimida O fracasso na repressão do fator quantitativo afet ivo põe em jogo o mesmo mecanismo de fuga por meio de proibições e es capatórias que já vimos na formação da fobia histérica Mas a ideia rejeitada do consciente é tenazmente mantida dessa forma porque envolve um impedi mento da ação um entrave motor ao impulso Assim o trabalho de repressão na neurose obsessiva prolongase numa luta interminável e sem êxito A pequena série de comparações aqui apresentada deve nos convencer da necessidade de investigações mais abrangentes para que possamos ter a esper ança de compreender os processos relacionados à repressão e formação neurótica de sintomas O extraordinário entrelaçamento de todos os fatores a considerar nos deixa apenas um caminho livre para a exposição Temos que escolher ora um ora outro ângulo e perseguilo através do material enquanto sua utilização parece dar frutos Cada uma dessas elaborações será incompleta 72225 em si e não deixará de ter obscuridades ali onde tocar no que ainda não foi trabalhado mas podemos esperar que da composição final resulte uma boa compreensão Triebregung nas versões estrangeiras consultadas instinto moción pulsionale moto pul sionale motion pulsionelle instinctual impulse Ver nota do ensaio anterior Os instintos e seus destinos p 78 Há estudiosos de Freud que usam repressão para verter Unterdrückung e recalque para Verdrängung enquanto outros adotam supressão e repressão Em As palavras de Freud op cit capítulo sobre Verdrängung procuramos mostrar que há argumentos para as duas opções e até mesmo para a eventual não distinção entre Unterdrückung e Verdrängung que às vezes são usados alternadamente por Freud Representante psíquica Vorstellungsrepräsentanz nas versões estrangeiras consultadas representación psíquica agencia representante Representanz psíquica agencia representanterep resentación sic com chaves e parênteses rappresentanza psichica ideativa représentance psychique représentance de représentation psychical ideational representative Ver quanto a esse problemático termo o capítulo Vorstellung idea représentation em As palavras de Freud op cit No original Die eigentliche Verdrängung ist also ein Nachdrängen Esse último termo cun hado por Freud foi traduzido nas versões estrangeiras consultadas por fuerza opresiva nachdrängen posterior esfuerzo de dar caza postrimozione refoulement aprèscoup after pressure Ideias intencionais Zielvorstellungen nas versões consultadas ideas de propositos con scientes representaciónmeta rappresentazione finalizzata représentationsdebut purposive idea Cf o mencionado capítulo sobre Vorstellung em As palavras de Freud op cit 1 Esta imagem aplicável ao processo de repressão pode ser estendida também a uma caracter ística já mencionada da repressão Basta acrescentar que é preciso deixar um vigia permanente junto à porta que foi proibida para o hóspede senão este rejeitado a arrombaria Ver acima Ou medo dele pois Angst tem os dois sentidos os tradutores italiano e inglês usaram paura e fear enquanto os outros mantiveram angústia 73225 O INCONSCIENTE 1915 TÍTULO ORIGINAL DAS UNBEWUSSTE PUBLICADO PRIMEIRAMENTE EM INTERNATIONALE ZEITSCHRIFT FÜR ÄRZTLICHE PSYCHOANALYSE REVISTA INTERNACIONAL DE PSICANÁLISE MÉDICA V 3 N 4 PP 189203 E N 5 PP 25769 TRADUZIDO DE GESAMMELTE WERKE X PP 264303 TAMBÉM SE ACHA EM STUDIENAUSGABE III PP 11973 Aprendemos com a psicanálise que a essência do processo de repressão não consiste em eliminar anular a ideia que representa o instinto mas em impedir que ela se torne consciente Dizemos então que se acha em estado de incon sciente e podemos oferecer boas provas de que também inconscientemente ela pode produzir efeitos inclusive aqueles que afinal atingem a consciência Tudo que é reprimido tem de permanecer inconsciente mas constatemos logo de início que o reprimido não cobre tudo que é inconsciente O inconsciente tem o âmbito maior o reprimido é uma parte do inconsciente De que forma podemos chegar ao conhecimento do inconsciente É claro que o conhecemos apenas enquanto consciente depois que experimentou uma transposição ou tradução em algo consciente Diariamente o trabalho psic analítico nos traz a experiência de que é possível uma tal tradução Isso requer que o analisando supere determinadas resistências as mesmas que outrora rejeitandoo do consciente transformaram um dado material em reprimido I JUSTIFICAÇÃO DO INCONSCIENTE O direito de supor uma psique inconsciente e de trabalhar cientificamente com essa hipótese nos é contestado de muitos lados A isso podemos replicar que a suposição do inconsciente é necessária e legítima e que possuímos várias provas da existência do inconsciente Ela é necessária porque os dados da consciência têm muitas lacunas tanto em pessoas sadias como em doentes verificamse com frequência atos psíquicos que pressupõem para sua explicação outros atos de que a consciência não dá testemunho Esses atos não são apenas as ações falhas e os sonhos dos indivíduos sadios e tudo o que é chamado de sin tomas e fenômenos obsessivos na psique dos doentes nossa experiência co tidiana mais pessoal nos familiariza com pensamentos espontâneos cuja origem não conhecemos e com resultados intelectuais cuja elaboração permanece oculta para nós Todos esses atos conscientes permanecem desconexos e in compreensíveis se insistimos na pretensão de que através da consciência exper imentamos tudo o que nos sucede em matéria de atos psíquicos mas se inscre vem numa coerência demonstrável se neles interpolamos os atos inconscientes inferidos Um ganho em sentido e coerência é motivo plenamente justificado para irmos além da experiência imediata Se além disso pudermos edificar sobre a hipótese do inconsciente uma prática bemsucedida mediante a qual influímos no curso dos processos conscientes teremos neste sucesso uma prova indiscutível da existência daquilo suposto Então será preciso adotar o ponto de vista de que é uma pretensão insustentável exigir que tudo o que su cede na psique teria de se tornar conhecido também para a consciência Podemos avançar um pouco e alegar em favor de um estado psíquico in consciente que a cada instante a consciência abrange apenas um conteúdo mínimo de sorte que a maior parte do que denominamos conhecimento con sciente deve de qualquer maneira acharse em estado de latência por longos períodos de tempo ou seja em um estado de inconsciência psíquica Contrad izer o inconsciente seria em vista de todas as nossas lembranças latentes algo inteiramente inconcebível Deparamos em seguida com a objeção de que es sas recordações latentes já não podem ser chamadas de psíquicas mas corres pondem a vestígios de processos somáticos a partir dos quais o psíquico pode novamente surgir Não é difícil replicar que a lembrança latente é pelo con trário um indubitável resto de um processo psíquico Mais importante porém é ter claro que a objeção se baseia na equiparação tácita mas de antemão estabelecida do consciente ao psíquico Tal equiparação é ou uma petitio principii que não admite questionar se tudo psíquico tem de ser também con sciente ou um caso de convenção de nomenclatura Tendo este segundo caráter ela é naturalmente irrefutável como toda convenção Resta então per guntar se ela é útil e adequada o bastante para que tenhamos de aceitála Po demos responder que a identificação convencional entre o psíquico e o con sciente é totalmente inadequada Ela rompe as continuidades psíquicas nos 76225 precipita nas insolúveis dificuldades do paralelismo psicofísico fica aberta à crítica de superestimar sem fundamentação razoável o papel da consciência e nos obriga a deixar o âmbito da pesquisa psicológica sem nos trazer com pensação de outros campos De todo modo é claro que essa questão de saber se os incontestáveis esta dos latentes da vida psíquica devem ser concebidos como estados psíquicos in conscientes ou como físicos ameaça redundar numa disputa de palavras Daí ser aconselhável pôr em primeiro plano aquilo que sabemos com certeza sobre a natureza desses estados Quanto a suas características físicas eles nos são completamente inacessíveis nenhuma concepção fisiológica nenhum pro cesso químico pode nos dar ideia de sua essência Por outro lado se verifica que eles mantêm o mais amplo contato com os processos psíquicos con scientes mediante um certo trabalho podem se transformar neles serem sub stituídos por eles e se deixam descrever com todas as categorias que aplicamos aos atos anímicos conscientes tais como representações decisões aspirações etc Mais ainda de muitos desses estados devemos dizer que se diferenciam dos conscientes apenas pela falta da consciência Logo não hesitaremos em tratá los como objetos da investigação psicológica em íntima relação com os atos anímicos conscientes A tenaz rejeição do caráter psíquico dos atos anímicos latentes se explica pelo fato de a maioria dos fenômenos considerados não haver se tornado ob jeto de estudo fora da psicanálise Quem não conhece os fatos patológicos vê como casuais os lapsos das pessoas normais e se limita à velha sabedoria de que os sonhos são espumas Träume sind Schäume precisa apenas negligenciar mais alguns enigmas da psicologia da consciência para se poupar a hipótese de uma atividade anímica inconsciente As experiências hipnóticas aliás especial mente a sugestão póshipnótica demonstraram de modo tangível a existência e maneira de operar do inconsciente psíquico antes mesmo da época da psicanálise 77225 A hipótese do inconsciente é também inteiramente legítima na medida em que ao adotála não nos afastamos um passo da maneira de pensar que para nós é habitual e tida como correta A consciência proporciona a cada um de nós apenas o conhecimento dos próprios estados dalma que um outro ser hu mano tenha consciência é uma conclusão que se tira per analogiam com base nas manifestações e nos atos que percebemos desse outro para nos tornar compreensível o seu comportamento Psicologicamente mais correto seria talvez afirmar que sem maior reflexão nós atribuímos a cada outro indivíduo nossa própria constituição e também nossa consciência e que tal identificação é o pressuposto de nossa compreensão Essa conclusão ou identificação foi outrora estendida pelo Eu aos outros seres humanos animais plantas às coisas inanimadas e à totalidade do mundo e se revelou útil enquanto a similit ude com o Eu individual foi preponderante mas tornouse menos confiável à medida que o outro se distanciou do Eu Atualmente nossa reflexão crítica já é insegura quanto à consciência dos animais recusase a admitila nas plantas e deixa para o misticismo a hipótese de uma consciência do que é inanimado Mas também onde a tendência original à identificação passou pelo exame crítico no caso de o outro ser um humano próximo a suposição de uma consciência baseiase numa inferência e não pode partilhar a imediata certeza de nossa própria consciência Ora a psicanálise exige apenas que esse método de inferência se volte tam bém para a própria pessoa algo para o qual não existe claro uma tendência constitucional Assim fazendo será preciso dizer que todos os atos e manifest ações que em mim percebo e que não sei ligar ao restante de minha vida psíquica têm de ser julgados como se pertencessem a uma outra pessoa e de vem achar esclarecimento por uma vida anímica que se atribua a esta pessoa A experiência também mostra que sabemos interpretar nos outros isto é integrar no seu contexto anímico os mesmos atos a que negamos reconhecimento psíquico em nossa própria pessoa Evidentemente um obstáculo especial 78225 desvia nossa investigação da própria pessoa impedindo que realmente a conheçamos Esse método de inferência aplicado sobre a própria pessoa apesar de oposição interna não leva à descoberta de um inconsciente e sim mais cor retamente à suposição de uma outra uma segunda consciência que em minha pessoa se acha unida com a que me é conhecida Mas nisso a crítica tem justa oportunidade de fazer objeções Primeiro uma consciência da qual o próprio portador nada sabe é algo diferente de uma consciência alheia e podese per guntar se uma tal consciência a que falta a mais importante característica merece de fato uma discussão Quem se rebelou contra a hipótese de uma psique inconsciente não ficará satisfeito em trocála por uma consciência incon sciente Em segundo lugar a análise indica que cada um dos processos aními cos latentes que inferimos goza de um alto grau de independência como se não estivesse em ligação com os demais e nada soubesse deles Devemos então estar preparados para supor em nós uma segunda consciência mas também uma terceira quarta talvez uma série interminável de estados de consciência todos desconhecidos para nós e entre si Em terceiro lugar vem como o argu mento de maior peso a consideração de que através da pesquisa analítica sabemos que uma parte desses processos latentes possui características e pecu liaridades que nos parecem estranhas mesmo incríveis e que contrariam diretamente os atributos da consciência que nos são conhecidos Assim teremos razão para modificar a inferência sobre nossa própria pessoa ela não demonstra uma segunda consciência em nós mas sim a existência de atos psíquicos privados de consciência Também a designação de subconsciência poderemos rejeitar por ser incorreta e enganadora Os conhecidos casos de double conscience cisão da consciência nada provam contra a nossa con cepção Eles podem ser descritos da maneira mais pertinente como casos de cisão das atividades anímicas em dois grupos sendo que então a mesma consciência voltase alternadamente para um ou para o outro 79225 Na psicanálise só nos resta declarar os processos anímicos em si como in conscientes e comparar sua percepção pela consciência à percepção do mundo externo pelos órgãos dos sentidos Esperamos inclusive que essa comparação seja proveitosa para o nosso conhecimento A suposição psicanalítica da atividade anímica inconsciente nos parece por um lado um desenvolvimento ulterior do animismo primitivo que em tudo nos fazia ver imagens fiéis de nossa consciência e por outro lado o prosseguimento da retificação empreen dida por Kant de nosso modo de conceber a percepção externa Assim como Kant nos alertou para não ignorar o condicionamento subjetivo de nossa per cepção e não tomála como idêntica ao percebido incognoscível a psicanálise adverte para não se colocar a percepção pela consciência no lugar do processo psíquico inconsciente que é o objeto desta percepção Tal como o físico tam bém o psíquico não precisa na realidade ser como nos aparece Mas teremos a satisfação de verificar que a retificação da percepção interna não apresenta di ficuldade tão grande como a da externa que o objeto interno é menos in cognoscível que o mundo exterior II A PLURALIDADE DE SENTIDOS DO INCONSCIENTE E O PONTO DE VISTA TOPOLÓGICO Antes de prosseguir constatemos o fato importante e também embaraçoso de que a inconsciência é apenas um traço distintivo do psíquico que de modo al gum basta para a sua caracterização Existem atos psíquicos de valor bem di verso que no entanto coincidem na característica de serem inconscientes Por um lado o inconsciente abrange atos que são apenas latentes temporariamente inconscientes mas que de resto não se diferenciam em nada dos conscientes e 80225 por outro lado processos como os reprimidos que caso se tornassem con scientes contrastariam da maneira mais crua com os restantes conscientes Para pôr fim a todos os malentendidos seria bom abstrair totalmente na descrição dos variados atos psíquicos do fato de serem conscientes ou incon scientes e classificálos apenas segundo sua relação com os instintos e metas segundo sua composição e inclusão nos sistemas psíquicos superpostos uns aos outros Mas isso é impraticável por razões diversas e assim não podemos es capar à ambiguidade de utilizar os termos consciente e inconsciente ora num sentido descritivo ora sistemático quando então significam inclusão em determinados sistemas e posse de certos atributos Poderíamos também fazer a tentativa de evitar a confusão designando os sistemas psíquicos reconhecidos com nomes tomados arbitrariamente que não aludissem à qualidade de ser consciente Mas teríamos antes que justificar em que baseamos a diferenciação dos sistemas e nisso não poderíamos contornar a qualidade de ser consciente pois ela constitui o ponto de partida de todas as nossas investigações Talvez possamos buscar socorro na sugestão de ao menos na escrita substituir con sciência pela abreviatura Cs e inconsciente por Ics ao usar as duas palavras no sentido sistemático De maneira positiva enunciemos agora como resultado da psicanálise que um ato psíquico passa geralmente por duas fases em relação ao seu estado entre as quais se coloca uma espécie de exame censura Na primeira fase ele é inconsciente e pertence ao sistema Ics se no exame ele é rejeitado pela censura não consegue passar para a segunda fase então ele é reprimido e tem que permanecer inconsciente Saindose bem no exame porém ele entra na se gunda fase e participa do segundo sistema a que denominamos sistema Cs Mas essa participação não chega a determinar inequivocamente a sua relação com a consciência Ela ainda não é consciente mas capaz de consciência na ex pressão de J Breuer isto é pode então dadas certas condições tornarse ob jeto da consciência sem maior resistência Tendo em vista essa capacidade de 81225 consciência chamamos o sistema Cs também de préconsciente Se ocorrer que também o tornarse consciente do préconsciente seja codeterminado por uma certa censura então discriminaremos de modo mais rigoroso os sistemas Pcs e Cs Por enquanto basta ter em mente que o sistema Pcs partilha as pro priedades do sistema Cs e que a censura rigorosa cumpre seu papel na pas sagem do Ics para o Pcs Ao admitir esses dois ou três sistemas psíquicos a psicanálise distanciou se mais um passo da psicologia descritiva da consciência atribuindose uma nova colocação de problemas e um novo conteúdo Até então ela se diferen ciava da psicologia sobretudo pela concepção dinâmica dos processos aními cos agora ela pretende considerar igualmente a topologia da psique e indicar acerca de um ato psíquico qualquer no interior de qual sistema ou entre quais sistemas ele se passa Em virtude desse empenho deramlhe também o nome de psicologia das profundezas Veremos que ela pode enriquecerse ainda com uma outra perspectiva Se vamos lidar seriamente com uma topologia dos atos anímicos temos que dirigir nosso interesse para uma dúvida que se apresenta neste ponto Se um ato psíquico limitemonos aqui a um que tenha a natureza de uma ideia é transposto do sistema Ics para o sistema Cs ou Pcs devemos supor que a essa transposição se liga uma nova fixação como que um segundo registro da ideia em questão que então pode estar contido também numa nova localidade psíquica e junto ao qual continua a existir o registro inconsciente original Ou devemos antes acreditar que a transposição consiste numa mudança de estado que se produz no mesmo material e na mesma localidade Essa questão pode parecer abstrusa mas tem de ser levantada se quisermos formar da topologia psíquica da dimensão psíquica profunda uma ideia mais definida Ela é difícil porque ultrapassa o puramente psicológico e toca nas relações entre o aparelho psíquico e a anatomia Sabemos de modo pouco preciso que tais relações ex istem Um inabalável resultado da pesquisa é que a atividade anímica se 82225 encontra mais ligada à função do cérebro do que a qualquer outro órgão Um pouco adiante não se sabe quanto levanos à descoberta da importância desigual das partes do cérebro e suas relações especiais com determinadas partes do corpo e atividades espirituais Mas fracassaram radicalmente todas as tentativas de a partir disso encontrar uma localização para os processos aními cos todos os esforços de pensar nas ideias como se fossem armazenadas em células nervosas e nas excitações como se vagassem pelas fibras dos nervos O mesmo destino estaria reservado para uma teoria que digamos acreditasse re conhecer no córtex cerebral o lugar anatômico do sistema Cs da atividade psíquica consciente e quisesse localizar os processos inconscientes nas zonas subcorticais do cérebro Aqui se abre uma lacuna que no momento não pode ser preenchida e tampouco é tarefa da psicologia preenchêla Provisoriamente nossa topologia psíquica nada tem a ver com a anatomia ela se refere a regiões do aparelho psíquico onde quer que se situem no corpo e não a locais anatômicos Neste aspecto nosso trabalho é livre então e pode proceder de acordo com suas próprias necessidades Também será útil lembrar que nossas hipóteses reivindicam apenas em princípio o valor de ilustrações A primeira das duas possibilidades consideradas a de que a fase Cs da ideia significa um novo re gistro da mesma encontrável em outro lugar é indubitavelmente a mais gros seira delas mas também a mais cômoda A segunda hipótese de uma mudança de estado apenas funcional é de antemão a mais provável mas é menos plástica mais difícil de manipular Ligada à primeira à hipótese topográfica achase aquela de uma separação topográfica dos sistemas Ics e Cs e a possibil idade de uma ideia existir simultaneamente em dois lugares do aparelho psíquico e mesmo de que não sendo inibida pela censura avance regular mente de um lugar para o outro eventualmente sem perder o seu primeiro as sento ou registro Isso talvez pareça estranho mas pode se apoiar em im pressões da prática psicanalítica 83225 Se comunicamos a um paciente uma ideia que ele reprimiu num dado mo mento e que descobrimos num primeiro instante isso nada muda em seu es tado psíquico Principalmente não suprime a repressão nem desfaz suas con sequências como talvez se esperasse do fato de a ideia antes inconsciente haver se tornado consciente Pelo contrário de início obteremos tão só uma nova rejeição da ideia reprimida Mas agora o paciente tem de fato a mesma ideia em dupla forma em lugares diferentes de seu aparelho psíquico primeiro tem a lembrança consciente do traço auditivo da ideia através da comu nicação e também traz consigo como sabemos com certeza a memória incon sciente do vivido em sua forma anterior Na realidade a repressão não é suprimida enquanto a ideia consciente após a superação das resistências não entrou em ligação com o traço de memória inconsciente Apenas tornando consciente esta última se alcança o êxito Assim pareceria demonstrado para a consideração superficial que ideias conscientes e inconscientes são registros diferentes topograficamente separados do mesmo conteúdo Mas uma re flexão posterior mostra que é apenas aparente a identidade entre a comu nicação e a lembrança reprimida do paciente Ter ouvido e ter vivido são coisas bem diversas em sua natureza psicológica mesmo quando têm o mesmo conteúdo Portanto no momento não somos capazes de decidir entre as duas possibil idades discutidas Talvez ainda encontremos fatores que façam pender a bal ança para uma delas Talvez nos aguarde a descoberta de que nossa colocação do problema foi insatisfatória e que a distinção entre a ideia consciente e a in consciente deve ser determinada de modo inteiramente diverso III SENTIMENTOS INCONSCIENTES 84225 Restringimos a discussão anterior às ideias e agora podemos lançar uma nova questão cuja resposta contribuirá para esclarecer nossos pontos de vista teóri cos Dissemos que existem ideias conscientes e inconscientes mas haveria também impulsos sentimentos percepções inconscientes ou neste caso com binações assim não fariam sentido De fato creio que a oposição de consciente e inconsciente não se aplica aos instintos Um instinto não pode jamais se tornar objeto da consciência apenas a ideia que o representa Mas também no inconsciente ele não pode ser repres entado senão pela ideia Se o instinto não se prendesse a uma ideia ou não aparecesse como um estado afetivo nada poderíamos saber sobre ele Mas se no entanto falamos de um impulso inconsciente ou um impulso reprimido tratase de uma inócua negligência de expressão Só podemos estar nos refer indo a um impulso cujo representante ideativo é inconsciente pois outra coisa não poderia entrar em consideração Deveríamos pensar que a resposta à questão sobre os afetos sentimentos sensações inconscientes é igualmente fácil Pois é da natureza de um senti mento que ele seja sentido isto é que se torne conhecido da consciência A possibilidade de inconsciência se excluiria totalmente no caso de sentimentos sensações afetos Mas na prática psicanalítica estamos acostumados a falar de amor ódio raiva etc inconscientes e vemos como inevitável até mesmo a in sólita junção consciência de culpa inconsciente ou a paradoxal angústia inconsciente Esse modo de falar tem maior significado do que no caso de instinto inconsciente Aqui a coisa é realmente outra Pode primeiramente suceder que um im pulso afetivo ou emocional seja percebido mas de forma equivocada Ele é obrigado devido à repressão de sua verdadeira representação a unirse com outra ideia e passa a ser tido pela consciência como manifestação dessa úl tima Se restabelecemos o vínculo correto chamamos o impulso afetivo ori ginal de inconsciente embora seu afeto jamais tenha sido inconsciente apenas sua ideia sucumbiu à repressão O uso das expressões afeto 85225 inconsciente e emoção inconsciente remete aos destinos do fator quantitat ivo do impulso instintual em consequência da repressão ver o ensaio sobre a repressão Sabemos que esses destinos podem ser três ou o afeto continua como é no todo ou em parte ou se transforma num montante de afeto qualit ativamente diferente sobretudo em angústia ou é suprimido ou seja seu desenvolvimento é interrompido É talvez mais fácil estudar essas possibilid ades no trabalho do sonho do que nas neuroses Sabemos além disso que a supressão do desenvolvimento do afeto é o verdadeiro objetivo da repressão e que o trabalho desta permanece inconcluso se esse objetivo não é alcançado Em todos os casos em que a repressão consegue inibir o desenvolvimento do afeto chamamos de inconscientes os afetos que reinstauramos ao corrigir o trabalho da repressão Assim não se pode negar a coerência desse modo de falar mas existe em relação à ideia inconsciente a importante diferença de que esta após a repressão continua existindo como formação real no sistema Ics enquanto ao afeto inconsciente corresponde no mesmo lugar apenas uma possibilidade incipiente que não pôde se desenvolver A rigor e embora esse modo de falar continue sendo irrepreensível não existem afetos inconscientes tal como existem ideias inconscientes Mas bem pode haver no sistema Ics formações afetivas que como outras tornamse conscientes Toda a diferença vem de que ideias são investimentos de traços mnemônicos no fundo enquanto os afetos e sentimentos correspondem a processos de descarga cujas expressões finais são percebidas como sensações No estado atual de nosso conhecimento dos afetos e sentimentos não somos capazes de exprimir essa diferença de modo mais claro A constatação de que a repressão pode impedir que o impulso instintual se transforme em exteriorização de afeto é de especial interesse para nós Mostra nos que o sistema Cs normalmente governa tanto a afetividade como o acesso à motilidade e realça o valor da repressão indicando entre as consequências desta não só que ela mantém algo longe da consciência mas que também im pede o desenvolvimento do afeto e o desencadeamento da atividade muscular 86225 Também é possível dizer de modo inverso que na medida em que o sistema Cs controla a afetividade e a motilidade chamamos de normal o estado psíquico do indivíduo No entanto há uma inegável diferença na relação entre o sistema dominante e as duas ações vizinhas de descarga1 Enquanto o domínio do Cs sobre a motilidade voluntária é firmemente estabelecido resiste regularmente ao assalto da neurose e apenas na psicose desmorona o controle do desenvolvimento dos afetos pelo Cs é menos firme Mesmo no interior da vida normal percebese uma constante luta entre os sistemas Cs e Ics pela primazia sobre a afetividade certas esferas de influência delimitam umas às outras e ocorrem misturas entre as forças operantes A importância do sistema Cs Pcs para o acesso à liberação de afeto e à ação também nos torna compreensível o papel que toca às ideias substitutivas na configuração da doença É possível que o desenvolvimento do afeto pro ceda diretamente do sistema Ics nesse caso tem sempre o caráter da angústia pela qual são trocados todos os afetos reprimidos Mas frequentemente o im pulso instintual tem que esperar até achar uma ideia substitutiva no sistema Cs Então o desenvolvimento do afeto é possibilitado a partir desse substituto con sciente e o caráter qualitativo do afeto é determinado pela natureza dele Afirmamos que na repressão o afeto se separa de sua ideia e depois os dois prosseguem para seus diferentes destinos Em termos descritivos isso é indis cutível via de regra porém o processo real é que um afeto não surge en quanto não é conseguida uma nova representação no sistema Cs IV TOPOLOGIA E DINÂMICA DA REPRESSÃO Chegamos ao resultado de que a repressão é no essencial um processo que se verifica em ideias na fronteira dos sistemas Ics e Pcs Cs e agora podemos 87225 fazer uma nova tentativa de descrever mais detalhadamente esse processo Deve se tratar de uma retirada de investimento mas perguntase em qual sis tema ocorre a retirada e a qual sistema pertence o investimento retirado A ideia reprimida permanece capaz de ação no Ics deve ter conservado seu investimento portanto O que foi retirado deve ser outra coisa Se tomamos o caso da repressão propriamente dita a pósrepressão tal como se dá na ideia préconsciente ou mesmo já consciente a repressão pode consistir apenas em que é retirada à ideia o investimento préconsciente que pertence ao sis tema Pcs A ideia permanece não investida então ou recebe investimento do Ics ou conserva o investimento ics que já possuía antes Logo há retirada do investimento préconsciente manutenção do inconsciente ou substituição do investimento préconsciente por um inconsciente Notamos aliás que como por descuido baseamos essas considerações na hipótese de que a passagem do sistema Ics para o seguinte não ocorre por um novo registro mas por uma mudança de estado uma modificação do investimento Aqui a hipótese fun cional tirou de cena a topológica sem maior esforço Mas esse processo de retirada de libido não basta para fazer mais com preensível uma outra característica da repressão Não está claro por que a ideia que permaneceu investida ou foi dotada de investimento a partir do Ics não deveria renovar a tentativa de por força desse investimento penetrar no sis tema Pcs Então a retirada de libido teria que se repetir nela e o mesmo jogo prosseguiria indefinidamente mas o resultado não seria a repressão Do mesmo modo o referido mecanismo de retirada de investimento précon sciente falharia em se tratando de descrever a repressão primordial neste caso se depara com uma ideia inconsciente que ainda não recebeu investimento do Pcs e à qual ele não pode ser retirado portanto Temos aqui necessidade então de outro processo que no primeiro caso sustente a repressão e no segundo cuide da sua produção e continuidade e só podemos enxergálo na suposição de um contrainvestimento através do qual o sistema Pcs se proteja do assalto da ideia inconsciente Como se manifesta um 88225 tal contrainvestimento que tem lugar no sistema Pcs é algo que veremos em exemplos clínicos É ele que representa o gasto permanente de uma repressão primordial mas que também garante a permanência dela O contrainvesti mento é o único mecanismo da repressão primordial na repressão propria mente dita a pósrepressão sobrevém a subtração do investimento Pcs É bem possível que precisamente o investimento retirado à ideia seja aplicado no contrainvestimento Notamos que pouco a pouco fomos levados a introduzir na exposição de fenômenos psíquicos um terceiro ponto de vista além do dinâmico e do to pológico o econômico que procura acompanhar os destinos das quantidades de excitação e alcançar uma avaliação ao menos relativa dos mesmos Parecenos apropriado distinguir com um nome especial o modo de ver as coisas que é a consumação da pesquisa psicanalítica Proponho que seja denominada metap sicológica uma exposição na qual consigamos descrever um processo psíquico em suas relações dinâmicas topológicas e econômicas Digase de imediato que no estado atual de nossos conhecimentos conseguiremos fazêlo apenas em al guns pontos isolados Vamos fazer uma acanhada tentativa de descrição metapsicológica do pro cesso de repressão nas três conhecidas neuroses de transferência Poderemos aqui substituir investimento por libido porque se trata como sabemos dos destinos dos instintos sexuais Na histeria de angústia uma primeira fase do processo frequentemente não é notada talvez seja realmente omitida mas a observação cuidadosa permite reconhecêla Ela consiste no surgimento da angústia sem que se perceba o que a desperta É de supor que no Ics havia um impulso de amordemandava trans posição para o sistema Pcs mas o investimento a ele dirigido vindo desse sistema recolheuse como numa tentativa de fuga e o investimento libidinal inconsciente da ideia rejeitada foi descarregado como angústia Numa eventual repetição do processo foi dado um primeiro passo para dominar a 89225 desagradável evolução da angústia O investimento em fuga voltouse para uma ideia substituta que por um lado ligavase associativamente à ideia rejeit ada e por outro lado escapava à repressão por seu distanciamento daquela substituto por deslocamento e permitia uma racionalização do desenvolvimento da angústia que não se podia inibir A ideia substituta desempenha então para o sistema Cs Pcs o papel de um contrainvestimento ao garantilo contra a emergência da ideia reprimida no Cs e por outro lado é ou age como se fosse o local de partida para o desencadeamento do afeto de angústia agora de fato não inibível A observação clínica mostra que por exemplo a criança que so fre de fobia de animal sente angústia em dois tipos de condições primeiro quando o impulso amoroso reprimido é intensificado segundo quando o an imal angustiante é percebido A ideia substituta se comporta num caso como o local de uma transmissão do sistema Ics para o sistema Cs no outro como uma fonte independente que desencadeia a angústia A expansão do domínio do sistema Cs costuma se manifestar no fato de que o primeiro modo de excit ação da ideia substituta retrocede cada vez mais diante do segundo Talvez a criança se comporte afinal como se não tivesse afeição alguma pelo pai tendo se liberado completamente dele e como se tivesse de fato medo do animal Mas esse medo nutrido da fonte instintual inconsciente revelase pertinaz e desmedido face a todas as influências do sistema Cs traindo desse modo sua proveniência do sistema Ics O contrainvestimento do sistema Cs levou portanto à formação sub stitutiva na segunda fase da histeria de angústia Logo o mesmo mecanismo encontra uma nova aplicação O processo de repressão ainda não terminou como sabemos e encontra um outro objetivo na tarefa de inibir o desenvolvi mento da angústia a partir do substituto Isso ocorre desta maneira tudo o que circunda e está associado à ideia substituta é investido de particular intensid ade de modo a poder demonstrar uma grande sensibilidade à excitação Uma excitação de qualquer ponto dessa estrutura exterior deve inelutavelmente graças à conexão com a ideia substituta dar ocasião a um pequeno 90225 desenvolvimento da angústia que então é utilizado como sinal para inibir me diante nova fuga do investimento o desenvolvimento ulterior da angústia Quanto mais os contrainvestimentos sensíveis e alertas forem distanciados do substituto temido mais precisamente poderá funcionar o mecanismo que deve isolar a ideia substituta e dela afastar excitações novas Naturalmente essas cautelas protegem apenas das excitações que chegam à ideia substituta a partir de fora mediante a percepção mas nunca do impulso instintual que alcança a ideia substituta a partir da ligação com a ideia reprimida Portanto elas começam a influir apenas quando o substituto assumiu bem a representação do reprimido e não podem jamais ser inteiramente confiáveis A cada aumento da excitação instintual o baluarte de proteção em torno da ideia substituta tem que ser colocado um pouco adiante Toda essa construção que de modo aná logo é produzida nas outras neuroses leva o nome de fobia A fuga ante o in vestimento consciente da ideia substituta se exprime nas renúncias evitações e proibições em que reconhecemos a histeria de angústia Olhando todo o processo podese dizer que a terceira fase repetiu em escala maior o trabalho da segunda O sistema Ics protegese agora da ativação da ideia substituta me diante o contrainvestimento do que a circunda tal como antes havia se garan tido contra a emergência da ideia reprimida mediante o investimento da ideia substituta Desse modo prosseguiu a formação substitutiva por deslocamento É preciso acrescentar que antes o sistema Cs possuía tão só um pequeno lugar por onde podia irromper o impulso instintual reprimido ou seja a ideia substi tuta mas que afinal toda a estrutura fóbica exterior corresponde a um tal en clave da influência inconsciente Além disso podemos sublinhar o ponto de vista interessante de que através do mecanismo de defesa posto em ação foi al cançada uma projeção do perigo instintual para fora O Eu se comporta como se o perigo do desenvolvimento da angústia não partisse de um impulso instin tual mas de uma percepção o que lhe permite reagir a esse perigo externo com as tentativas de fuga das evitações fóbicas Uma coisa a repressão obtém nesse processo o desencadeamento de angústia pode ser represado em alguma 91225 medida mas apenas com pesados sacrifícios da liberdade pessoal Tentativas de fuga ante exigências instintuais são geralmente inúteis porém e o resultado da fuga fóbica é sempre insatisfatório Boa parte do que encontramos na histeria de angústia vale também para as duas outras neuroses de maneira que podemos limitar a discussão às difer enças e ao papel da contratransferência Na histeria de conversão o investi mento instintual da ideia reprimida é transformado em inervação do sintoma Até onde e em que condições a ideia inconsciente é drenada por essa descarga à inervação de modo a poder abandonar o assédio ao sistema Cs é uma questão que juntamente com outras semelhantes será melhor reservar para uma investigação especial da histeria O papel do contrainvestimento que parte do sistema Cs Pcs é nítido na histeria de conversão e vem à luz na formação de sintomas É o contrainvestimento que escolhe em qual parte do represent ante instintual pode se concentrar todo o investimento dela Essa porção eleita para sintoma preenche a condição de exprimir tanto a meta de desejo do im pulso instintual como o esforço de defesa ou castigo do sistema Cs então ela é superinvestida e sustentada por ambos os lados como a ideia substituta na his teria de angústia Dessa situação podemos inferir que o dispêndio em repressão do sistema Cs não precisa ser tão grande como a energia de investi mento do sintoma pois a intensidade da repressão é medida pelo contrainves timento aplicado e o sintoma não se apoia apenas no contrainvestimento mas também no investimento instintual nele condensado vindo do sistema Ics Quanto à neurose obsessiva acrescentaríamos às observações do ensaio an terior A repressão que nela aparece em primeiro plano do modo mais palpável o contrainvestimento do sistema Cs É ele que se ocupa da primeira repressão organizado como formação reativa e é nele que mais tarde sucede a irrupção da ideia reprimida Podese conjecturar que é devido à preponderân cia do contrainvestimento e à ausência de descarga que a obra da repressão parece muito menos bemsucedida na histeria de angústia e na neurose obses siva que na histeria de conversão 92225 V AS CARACTERÍSTICAS ESPECIAIS DO SISTEMA ICS A distinção entre os dois sistemas psíquicos ganha nova significação se atentar mos para o fato de que os processos de um deles do Ics mostram característic as que não se acham naquele imediatamente acima O âmago do Ics consiste de representantes instintuais que querem descar regar seu investimento de impulsos de desejo portanto Esses impulsos instin tuais são coordenados entre si coexistem sem influência mútua não contrad izem uns aos outros Quando dois impulsos de desejo são ativados ao mesmo tempo e suas metas nos parecem claramente incompatíveis os dois impulsos não subtraem algo um do outro ou eliminam um ao outro mas concorrem para a formação de um objetivo intermediário um compromisso Nesse sistema não há negação não há dúvida nem graus de certeza Tudo isso é trazido apenas pelo trabalho da censura entre Ics e Pcs A negação é um substituto da repressão em nível mais alto No Ics existem apenas conteúdos mais ou menos fortemente investidos Há uma mobilidade bem maior das intensidades de investimento Pelo pro cesso de deslocamento uma ideia pode ceder a outra todo o seu montante de in vestimento pelo de condensação pode acolher todo o investimento de várias outras Propus enxergar nesses dois processos indícios do assim chamado pro cesso psíquico primário No sistema Pcs vigora o processo secundário2 quando se permite que um tal processo primário ocorra em elementos do sistema Pcs ele se mostra cômico e provoca risos Os processos do sistema Ics são atemporais isto é não são ordenados tem poralmente não são alterados pela passagem do tempo não têm relação 93225 nenhuma com o tempo A referência ao tempo também se acha ligada ao tra balho do sistema Cs Os processos do Ics tampouco levam em consideração a realidade São sujeitos ao princípio do prazer seu destino depende apenas de sua intensidade e de cumprirem ou não as exigências da regulação prazerdesprazer Vamos resumir ausência de contradição processo primário mobilidade dos investimentos atemporalidade e substituição da realidade externa pela psíquica são as características que podemos esperar encontrar nos processos do sistema Ics3 Os processos inconscientes tornamse cognoscíveis para nós apenas nas condições do sonho e das neuroses ou seja quando processos do mais elevado sistema Pcs são transpostos para um estágio anterior mediante um rebaixa mento regressão Em si eles são incognoscíveis e também incapazes de ex istência porque ao sistema Ics se sobrepõe bastante cedo o Pcs que se apoder ou do acesso à consciência e à motilidade A descarga do sistema Ics passa para a inervação somática levando ao desenvolvimento do afeto mas como vimos mesmo essa via de escoamento é contestada pelo Pcs Apenas por si o sistema Pcs em circunstâncias normais não poderia realizar nenhuma ação muscular apropriada com exceção daquelas já organizadas como reflexos A plena significação dessas características do sistema Ics só se tornaria clara para nós se pudéssemos contrapôlas aos atributos do sistema Pcs e compará las a estes Mas isso nos levaria tão longe que mais uma vez proponho concor darmos num adiamento e fazermos a comparação dos dois sistemas apenas quando da apreciação daquele mais elevado Só o que é mais premente deverá ser agora mencionado Os processos do sistema Pcs mostram e isso não importando se são já conscientes ou apenas capazes de consciência uma inibição da tendência das ideias investidas à descarga Quando um processo passa de uma ideia a outra a primeira retém parte de seu investimento e só uma pequena parcela sofre des locamento Tal como no processo primário deslocamentos e condensações são 94225 excluídos ou muito limitados Isso levou Joseph Breuer a supor dois diferentes estados de energia de investimento na psique um tônico vinculado e outro livremente móvel tendente à descarga Acho que essa distinção representa até agora nossa mais profunda percepção da natureza da energia nervosa e não vejo como se poderia evitála Uma necessidade premente numa apresentação metapsicológica mas talvez um empreendimento por demais ousado seria prosseguir a discussão desse ponto Ao sistema Pcs cabem além disso o estabelecimento de uma capacidade de comunicação entre os conteúdos das ideias de maneira que possam influenciar uns aos outros a ordenação temporal deles a introdução de uma ou várias censuras a prova da realidade e o princípio da realidade Também a memória consciente parece depender inteiramente do Pcs ela deve ser claramente difer enciada dos traços mnemônicos em que se fixam as experiências do Ics e cor responde provavelmente a um registro especial tal como quisemos supor para a relação da ideia consciente com a inconsciente mas que rejeitamos Nisso também acharemos meios de pôr fim à oscilação ao nomear o sistema mais el evado que agora chamamos indiferentemente de Pcs ou de Cs E será oportuna a advertência de não generalizar apressadamente o que aqui esclarecemos sobre a distribuição das funções psíquicas entre os dois sis temas Nós descrevemos a situação tal como se mostra no ser humano adulto no qual o sistema Pcs a rigor funciona apenas como estágio preliminar da or ganização mais elevada O conteúdo e as relações que tem esse sistema durante o desenvolvimento individual e a significação que lhe cabe nos animais não devem ser inferidos da nossa descrição mas sim pesquisados independente mente Além disso devemos estar preparados para encontrar no ser humano condições patológicas em que os dois sistemas mudam ou mesmo trocam entre si tanto o conteúdo como as características 95225 VI A COMUNICAÇÃO ENTRE OS DOIS SISTEMAS Seria errado imaginar que o Ics permanece em repouso enquanto o trabalho psíquico é realizado pelo Pcs que o Ics é algo acabado um órgão rudimentar um resíduo do desenvolvimento Ou supor que a comunicação entre os dois sistemas se restringe ao ato da repressão em que o Pcs lança ao abismo do Ics tudo o que lhe parece perturbador O Ics é isto sim algo vivo e capaz de desenvolvimento e mantém bom número de outras relações com o Pcs entre elas também a de cooperação É preciso dizer em suma que o Ics continua nos assim chamados derivados que é suscetível aos influxos da vida influencia constantemente o Pcs e até se acha sujeito por sua vez a influências por parte do Pcs O estudo dos derivados do Ics irá decepcionar profundamente nossa ex pectativa de uma divisão pura e esquemática entre os dois sistemas psíquicos Certamente isso despertará insatisfação com nossos resultados e provavel mente será usado para questionar o modo como separamos os processos psíquicos Mas alegaremos que a nossa tarefa consiste em transpor para a teoria os resultados da observação e que não temos a obrigação de alcançar já de in ício uma teoria bastante polida e recomendável em sua simplicidade Nós de fendemos as suas complicações na medida em que correspondem à obser vação e não perdemos a esperança de justamente por meio delas chegar enfim ao conhecimento de um estado de coisas que embora simples em si possa fazer justiça às complicações da realidade Entre os derivados dos impulsos instintuais ics do tipo que descrevemos há alguns que reúnem em si características opostas Por um lado são altamente organizados isentos de contradição utilizaram todas as aquisições do sistema 96225 Cs e mal se distinguiriam em nosso julgamento das formações desse sistema Por outro lado são inconscientes e incapazes de tornarse conscientes Ou seja pertencem qualitativamente ao sistema Pcs mas factualmente ao Ics Sua procedência é determinante para seu destino Devemos comparálos aos mestiços das raças humanas que no geral semelham os brancos mas denun ciam a origem de cor em algum traço notável e por isso são excluídos da so ciedade não desfrutando os privilégios dos brancos Dessa natureza são as fantasias dos normais e dos neuróticos que reconhecemos como estágios pre liminares da formação dos sonhos e dos sintomas e que apesar de sua alta or ganização permanecem reprimidas e como tais não podem se tornar con scientes Chegam perto da consciência não são incomodadas enquanto não possuem um investimento intenso mas são rejeitadas assim que ultrapassam um certo grau de investimento Derivados do Ics assim altamente organizados são também as formações substitutivas mas elas conseguem penetrar na con sciência devido a uma circunstância favorável como por exemplo a união a um contrainvestimento do Pcs Quando investigarmos mais detidamente em outro lugar as condições para o tornarse consciente poderemos solucionar uma parte das dificuldades que aqui surgem No momento seria útil contrapor à abordagem desde o Ics até aqui adotada uma outra a partir da consciência Para a consciência a in teira soma dos processos psíquicos aparece como o reino do préconsciente Uma parte enorme desse préconsciente se origina do inconsciente tem o caráter dos derivados deste e submetese a uma censura antes de poder se torn ar consciente Uma outra parte do Pcs é capaz de consciência sem censura Aqui temos uma contradição com uma hipótese anterior Na abordagem da repressão vimonos obrigados a situar entre os sistemas Ics e Pcs a censura de cisiva no tornarse consciente Agora nos parece plausível uma censura entre Pcs e Cs Mas convém não enxergar nessa complicação uma dificuldade e supor isto sim que a cada passagem de um sistema para o seguinte e mais el evado ou seja a cada progresso para um estágio mais elevado de organização 97225 psíquica corresponde uma nova censura No entanto com isso é eliminada a hipótese de uma contínua renovação dos registros A razão de todas essas dificuldades está em que a qualidade de ser con sciente a única característica dos processos psíquicos que nos é dada direta mente não se presta em absoluto para distinguir os sistemas Não consider ando o fato de o consciente não ser sempre consciente mas às vezes latente a observação nos mostrou que muito daquilo que partilha as propriedades do sistema Pcs não se torna consciente e ainda ficamos sabendo que o tornarse consciente é restringido por determinadas direções de sua atenção Portanto a consciência não tem relação simples nem com os sistemas nem com a repressão A verdade é que não só o psiquicamente reprimido permanece al heio à consciência mas também uma parte dos impulsos que governam nosso Eu ou seja o mais forte oposto funcional do reprimido Na medida em que nos esforçamos por uma abordagem metapsicológica da psique temos que aprender a nos emancipar da importância dada ao sintoma serestar consciente Enquanto ainda nos apegamos a ele vemos nossas generalizações serem regularmente contrariadas por exceções Vemos que derivados do Ics tornam se conscientes como formações substitutas e sintomas via de regra após con sideráveis distorções em relação ao inconsciente mas frequentemente conser vando muitas características que solicitam a repressão Notamos que per manecem inconscientes muitas formações préconscientes que de acordo sua natureza pensaríamos bem poderiam tornarse conscientes É provável que nelas prevaleça a mais forte atração do Ics Somos levados a buscar a difer ença mais significativa não ali entre o consciente e o préconsciente mas entre o préconsciente e o inconsciente Na fronteira do Pcs o ics é rechaçado pela censura e derivados dele podem contornar essa censura organizarse superi ormente crescer no Pcs até atingir certa intensidade no investimento mas de pois de a haver ultrapassado ao procurar se impor à consciência são recon hecidos como derivados do ics e novamente reprimidos na nova fronteira de 98225 censura entre Pcs e Cs Assim a primeira censura funciona para o Ics mesmo a última para os derivados ics dele Podemos supor que a censura adiantouse um tanto no curso do desenvolvimento individual No tratamento psicanalítico chegamos à prova incontestável da existência da segunda censura aquela entre os sistemas Pcs e Cs Solicitamos ao paciente que produza numerosos derivados do Ics obrigamolo a superar as objeções da censura ao fato de essas formações préconscientes se tornarem conscientes e pela vitória sobre essa censura abrimos o caminho para a abolição da repressão que é obra da censura anterior Acrescentemos a observação de que a existência da censura entre Pcs e Cs nos lembra que o tornarse consciente não é um simples ato de percepção mas provavelmente um sobreinvestimento também um avanço mais na organização psíquica Examinemos a comunicação do Ics com os outros sistemas não para con statar algo novo mas para não ignorar o que tem mais relevo Nas raízes da atividade instintual os sistemas se comunicam amplamente entre si Uma parte dos processos estimulados passa pelo Ics como por um estágio preparatório e alcança o mais alto desenvolvimento psíquico no Cs enquanto outra parte é retida como Ics Mas o Ics é também atingido pelas experiências vindas da per cepção externa Todos os caminhos que levam da percepção para o Ics per manecem normalmente livres apenas os caminhos que do Ics levam adiante são submetidos à barreira da repressão É muito digno de nota que o Ics de um indivíduo possa contornando o Cs reagir ao Ics de outro Esse fato merece investigação mais aprofundada em es pecial para saber se a atividade préconsciente é aí excluída mas como descrição é algo incontestável O conteúdo do sistema Pcs ou Cs procede em parte da vida instintual pela mediação do Ics e em parte da percepção É incerto até que ponto os processos desse sistema influem diretamente sobre o Ics a pesquisa de casos patológicos revela com frequência uma quase inacreditável autonomia e im permeabilidade a influências por parte do Ics O que caracteriza a doença é 99225 uma total discordância das tendências uma absoluta desintegração dos dois sistemas Mas o tratamento psicanalítico é fundado na influência sobre o Ics a partir do Cs mostrando de toda maneira que isso embora trabalhoso não é algo impossível Como já dissemos os derivados do Ics que mediam entre os dois sistemas nos preparam o caminho para essa realização Devemos admitir porém que a modificação espontânea do Ics por parte do Cs é um processo lento e difícil A cooperação entre um impulso préconsciente e um inconsciente até mesmo fortemente reprimido pode ocorrer quando há a situação em que o im pulso inconsciente é capaz de agir no mesmo sentido de uma das tendências dominantes Nesse caso é suspensa a repressão permitese a atividade reprim ida como reforço daquela pretendida pelo Eu O inconsciente tornase con forme ao Eu nessa constelação única sem que de resto algo se modifique em sua repressão O êxito do Ics nessa cooperação é inconfundível as tendências reforçadas se comportam diferentemente das normais elas habilitam para uma operação perfeita e mostram diante de oposições uma resistência semelhante à dos sintomas obsessivos digamos O conteúdo do Ics pode ser comparado a uma população aborígine da psique Se no ser humano existem formações psíquicas herdadas algo análogo ao instinto Instinkt dos animais então isso constitui o âmago do Ics Juntase a isso mais tarde o que durante o desenvolvimento infantil é eliminado por ser inutilizável e que não precisa ser diferente em sua natureza daquilo que foi herdado Uma divisão clara e definitiva no conteúdo dos dois sistemas só se estabelece via de regra no momento da puberdade VII A IDENTIFICAÇÃO DO INCONSCIENTE 100225 O que expusemos acima é provavelmente tudo o que podemos afirmar sobre o Ics na medida em que recorremos tão só ao conhecimento da vida onírica e das neuroses de transferência Certamente não é muito e às vezes dá uma im pressão de pouca clareza e desordem sobretudo não nos oferece a possibilid ade de alinhar o Ics num contexto já familiar ou de nele inserilo Somente a análise de uma das afecções que chamamos de psiconeuroses narcísicas pode nos trazer concepções que nos aproximem do enigmático Ics ou o tornem tangível por assim dizer Desde um trabalho de Abraham 1908 que o escrupuloso autor recon heceu dever ao meu estímulo buscamos caracterizar a dementia praecox de Kraepelin esquizofrenia segundo Bleuler por seu comportamento ante a oposição Euobjeto Nas neuroses de transferência histeria de angústia his teria de conversão neurose obsessiva nada havia que desse particular relevo a essa oposição Sabíamos é verdade que a frustração relativa ao objeto traz a irrupção da neurose e que a neurose implica a renúncia ao objeto real e tam bém que a libido subtraída ao objeto real retrocede a um objeto fantasiado e dele a um reprimido introversão Mas nelas o investimento objetal é mantido com grande energia e um exame mais cuidadoso do processo de repressão nos levou a admitir que o investimento objetal dentro do sistema Ics continua a ex istir apesar ou melhor por causa da repressão Afinal a capacidade para a transferência que nessas afecções nós utilizamos para fins terapêuticos pressupõe um investimento objetal inalterado Já na esquizofrenia impôsse para nós a hipótese de que depois do pro cesso de repressão a libido retirada não busca um novo objeto mas recua para o Eu ou seja de que os investimentos objetais são abandonados e um estado primitivo de narcisismo sem objeto é restabelecido A incapacidade desses pa cientes para a transferência até onde alcança o processo patológico a consequente inacessibilidade à terapia a característica rejeição do mundo ex terno o surgimento de sinais de um sobreinvestimento do próprio Eu o 101225 desfecho na completa apatia todos esses traços clínicos parecem condizer per feitamente com a hipótese de um abandono dos investimentos objetais Quanto à relação entre os dois sistemas psíquicos todos os observadores not aram que na esquizofrenia se exprime conscientemente muita coisa que nas neuroses de transferência só podemos demonstrar que existem no Ics mediante a psicanálise Mas não foi possível ao menos no início estabelecer uma con exão inteligível entre a relação Euobjeto e as relações da consciência O que procuramos parece apresentarse da seguinte maneira insuspeitada Observase nos esquizofrênicos sobretudo nos instrutivos estágios iniciais um bom número de mudanças na linguagem das quais algumas merecem ser examinadas de um certo ponto de vista Frequentemente o modo de expressão é objeto de um cuidado especial tornase rebuscado afetado As frases são formadas com uma peculiar ausência de organização que as torna inin teligíveis para nós de maneira que consideramos absurdas as manifestações dos doentes Com frequência uma relação com órgãos do corpo ou inervações assume o primeiro plano no conteúdo dessas manifestações A isso podemos acrescentar que nesses sintomas da esquizofrenia que semelham formações substitutivas histéricas ou neuróticoobsessivas a relação entre o substituto e o reprimido mostra peculiaridades que nos surpreenderiam nas duas neuroses mencionadas O dr Victor Tausk de Viena pôs à minha disposição algumas das obser vações que fez numa esquizofrenia incipiente que apresentam a vantagem de a doente mesma ter dado explicação para suas falas Mostrarei agora tomando dois de seus exemplos a concepção que pretendo defender e não duvido que qualquer observador poderia facilmente produzir tal material em abundância Uma das doentes de Tausk uma garota que foi levada para a clínica após uma briga com seu namorado queixase de que os olhos não estão direitos es tão virados Isso ela mesma explica ao fazer em linguagem coerente várias recriminações ao namorado Ela não o compreende ele parece diferente a cada vez é um hipócrita um virador de olhos ele virou os olhos dela agora ela 102225 tem os olhos virados não são mais seus olhos agora ela vê o mundo com out ros olhos As declarações da doente sobre sua frase ininteligível têm o valor de uma análise pois contêm o equivalente da frase em linguagem compreendida por todos Ao mesmo tempo esclarecem a respeito da significação e da gênese da formação de palavras na esquizofrenia Em concordância com Tausk quero ressaltar que nesse exemplo a relação com o órgão o olho se arvora em rep resentação de todo o conteúdo A fala esquizofrênica tem aí um traço hipocondríaco tornase linguagem do órgão Outra declaração da mesma paciente Ela está em pé na igreja de repente sente um puxão tem de pôrse em outra posição como se pusesse alguém como se fosse posta Seguese a análise com novas recriminações ao namorado que é or dinário que também a ela que era de uma casa fina ele tornou ordinária Ele a tornou igual a si ao fazêla acreditar que lhe era superior agora ela se tornou como ele porque acreditou que se tornaria melhor se ficasse igual a ele Ele se colocou falsamente agora ela é como ele identificação ele a colocou em lugar errado O movimento de pôrse em outra posição observa Tausk é um modo de representar o termo verstellen pôr no lugar errado e a identificação com o namorado Outra vez destaco a predominância em toda a cadeia de pensamen tos daquele elemento que tem por conteúdo uma inervação corporal ou antes a sensação dela Uma histérica teria virado os olhos convulsivamente no primeiro caso e no segundo teria realmente executado o puxão em vez de sen tir o impulso ou ter a sensação de fazêlo e nos dois casos não teria nenhum pensamento consciente e depois também seria incapaz de manifestálo Essas duas observações depõem a favor do que chamamos linguagem hipo condríaca ou do órgão Mas também o que nos parece mais importante nos chamam a atenção para outro fato que pode ser facilmente apontado nos exemplos reunidos na monografia de Bleuler por exemplo e ser expresso 103225 numa fórmula determinada Na esquizofrenia as palavras são submetidas ao mesmo processo que forma as imagens oníricas a partir dos pensamentos oníri cos latentes que chamamos de processo psíquico primário Elas são condensadas e transferem umas para as outras seus investimentos por inteiro através do deslocamento O processo pode ir tão longe que uma única palavra tornada apta para isso mediante múltiplas relações assume a representação de toda uma cadeia de pensamentos Os trabalhos de Bleuler Jung e seus discípulos fornecem rico material em favor justamente dessa afirmação4 Antes de tirarmos uma conclusão dessas impressões vamos ainda consider ar as diferenças sutis mas surpreendentes entre a formação substituta esquizo frênica de um lado e a histérica e neuróticoobsessiva de outro Num pa ciente que acompanho atualmente o mau estado da pele do rosto causou o abandono dos interesses da vida Ele afirma ter cravos e fundos buracos no rosto que qualquer pessoa enxerga A análise demonstra que ele encena seu complexo da castração em sua pele Num primeiro instante mexeu sem pena nos seus cravos tinha grande satisfação em espremêlos pois nisso saltava fora alguma coisa explicou Depois começou a achar que em todo lugar onde havia eliminado um cravo surgia uma cavidade e recriminouse bastante por haver estragado para sempre a pele com sua constante manipulação É evidente que espremer os cravos para ele é um substituto da masturbação A cavidade que por sua culpa surgia então é o genital feminino ou seja o cumprimento da ameaça de castração ou da fantasia que a representa provocada pela mas turbação Essa formação substitutiva tem apesar de seu caráter hipocondríaco muita semelhança com uma conversão histérica no entanto é inevitável a sensação de que aí deve suceder outra coisa de que uma formação substitutiva como essa não pode ser atribuída a uma histeria mesmo antes de poder dizer em que se estriba a diferença Um histérico dificilmente tomará uma cavidade pequena como um poro da pele por símbolo da vagina que ele geralmente compara com todos os objetos possíveis que encerram um espaço vazio Achamos também que a multiplicidade de pequenos buracos o impedirá de vê 104225 los como substituto para o genital feminino Algo semelhante vale para um jovem paciente sobre o qual anos atrás Tausk fez um relato à Sociedade Psic analítica de Viena Ele se comportava como um neurótico obsessivo levava horas fazendo a toalete etc Mas chamava a atenção o fato de que podia in formar sem resistências o significado de suas inibições Ao calçar as meias por exemplo incomodavao a ideia de que ia afastar os pontos da malha isto é revelar os buracos e cada buraco para ele simbolizava a abertura sexual fem inina Também isso é algo que não podemos esperar de um neurótico obsess ivo um desses observado por Rudolf Reitler que sofria da mesma demora em calçar as meias após superar as resistências achou a explicação de que o pé era um símbolo do pênis a colocação da meia um ato masturbatório e ele tinha de constantemente pôr e tirar a meia em parte para completar o quadro da masturbação em parte para desfazêlo Se nos perguntamos o que empresta à formação substitutiva e ao sintoma esquizofrênico esse caráter estranho compreendemos enfim que é a predomin ância da referência à palavra sobre a referência à coisa Entre espremer um cravo e ejacular sêmen há uma semelhança mínima da coisa e ela é ainda men or entre os inúmeros pouco profundos poros da pele e a vagina mas no primeiro caso algo esguicha a cada vez e no segundo vale literalmente a cín ica frase que diz Um buraco é um buraco O que determinou o substituto foi a uniformidade da expressão linguística não a semelhança das coisas desig nadas Quando as duas palavra e coisa não coincidem a formação sub stitutiva esquizofrênica diverge daquela das neuroses de transferência Vamos relacionar essa percepção à hipótese de que na esquizofrenia os in vestimentos de objeto são abandonados Então teremos que fazer uma modi ficação o investimento nas representações verbais dos objetos é mantido Agora o que poderíamos chamar de representação consciente do objeto se de compõe para nós em representação da palavra e em representação da coisa que consiste no investimento se não das imagens mnemônicas diretas das coisas ao menos de traços mnemônicos mais distantes e delas derivados Acreditamos 105225 saber agora como uma representação consciente se distingue de uma incon sciente As duas não são como achávamos diferentes registros do mesmo conteúdo em diferentes locais psíquicos e tampouco diferentes condições fun cionais de investimento no mesmo local a representação consciente abrange a representação da coisa mais a da palavra correspondente e a inconsciente é apenas a representação da coisa O sistema Ics contém os investimentos de coisas dos objetos os primeiros investimentos objetais propriamente ditos o sistema Pcs surge quando essa representação da coisa é sobreinvestida medi ante a ligação com as representações verbais que lhe correspondem São esses sobreinvestimentos conjecturamos que levam a uma mais alta organização psíquica e tornam possível a substituição do processo primário pelo processo secundário dominante no Pcs Podemos então dizer precisamente o que a repressão nas neuroses de transferência recusa à representação rejeitada a tradução em palavras que devem permanecer ligadas ao objeto A repres entação não colocada em palavras ou o ato psíquico não sobreinvestido per manece então no inconsciente como algo reprimido Sejame permitido observar que bem cedo já tínhamos a percepção que ho je nos torna compreensível uma das características mais notáveis da esquizo frenia Nas últimas páginas de A interpretação dos sonhos publicado em 1900 desenvolvo a tese de que os processos de pensamento isto é os atos de investi mento mais afastados das percepções não têm qualidades e são inconscientes em si e apenas ligandose aos resíduos das percepções de palavras obtêm a ca pacidade de se tornar conscientes Por sua vez as representações verbais pro cedem da percepção dos sentidos assim como as representações de coisas de modo que caberia perguntar por que as representações de objetos não podem se tornar conscientes através de seus próprios resíduos de percepções Mas provavelmente o pensar ocorre em sistemas afastados dos originais resíduos de percepções de modo que nada mais conservaram das qualidades desses e pre cisam ser reforçados com novas qualidades para se tornar conscientes Além 106225 disso mediante a ligação com palavras podem ser dotados de qualidades tam bém os investimentos que não puderam trazer nenhuma qualidade das per cepções por corresponderem apenas a relações entre as representações de ob jeto Tais relações tornadas apreensíveis apenas mediante palavras são um componente capital de nossos processos de pensamento Compreendemos que a ligação com representações verbais ainda não coincide com o tornarse con sciente e apenas fornece a possibilidade para isso ou seja que não caracteriza nenhum outro sistema senão o Pcs Mas agora notamos que essa discussão nos afastou de nosso tema propriamente dito e nos deixou em meio aos problemas relativos ao préconsciente e ao consciente que seria adequado tratarmos separadamente Quanto à esquizofrenia que aqui abordamos apenas na medida em que nos parece indispensável para um conhecimento geral do Ics temos de nos pergun tar se o processo aqui denominado repressão ainda tem algo em comum com a repressão nas neuroses de transferência A fórmula segundo a qual a repressão é um processo que ocorre entre o sistema Ics e o Pcs ou Cs que resulta em manter algo distante da consciência de toda maneira requer uma mudança para poder incluir também a dementia praecox e outras afecções narcísicas Mas permanece como traço comum a tentativa de fuga do Eu que se manifesta na retirada do investimento consciente E a mais superficial reflexão nos ensina que essa tentativa de fuga essa fuga do Eu realizase de maneira bem mais profunda e radical nas neuroses narcísicas Se na esquizofrenia essa fuga consiste na retirada do investimento instintual dos lugares que representam a inconsciente representação de objeto pode parecer estranho que a parte da mesma representação de objeto pertencente ao sistema Pcs as representações verbais que a ela correspondem deva ex perimentar ao contrário um investimento mais intenso Seria antes de esperar que a representação verbal sendo a parte préconsciente tenha de suportar o primeiro impacto da repressão e que ela se torne completamente insuscetível de investimento depois que a repressão prosseguiu até as representações de 107225 coisa inconscientes Isto é certamente algo difícil de compreender A saída que se oferece é o investimento da representação verbal não pertencer ao ato de repressão mas constituir a primeira das tentativas de restabelecimento ou cura que tão claramente dominam o quadro da esquizofrenia Esses esforços pretendem reaver os objetos perdidos e bem pode ser que com essa intenção eles tomem o caminho para o objeto através da parte verbal dele nisso tendo de se contentar com as palavras em vez das coisas porém Pois nossa atividade anímica se move de maneira bastante geral em duas direções opostas ou dos instintos pelo sistema Pcs até o trabalho consciente do pensamento ou por incitação de fora pelo sistema do Cs e Pcs até os investimentos ics do Eu e dos objetos Este segundo caminho tem de permanecer transitável apesar da repressão ocorrida e fica até certo ponto aberto aos esforços da neurose para readquirir seus objetos Quando pensamos abstratamente corremos o perigo de negligenciar as relações das palavras com as representações de coisa incon scientes e não se pode negar que então nosso filosofar ganha uma indesejada semelhança em expressão e conteúdo com o modo de funcionar dos esquizo frênicos Por outro lado podese tentar caracterizar o modo de pensar dos es quizofrênicos dizendo que eles tratam as coisas concretas como se fossem abstratas Se nós de fato identificamos o inconsciente e determinamos de forma cor reta a diferença entre uma representação inconsciente e uma préconsciente então nossas pesquisas a partir de muitos outros pontos deverão necessaria mente remeter a essa percepção A ideia que representa o instinto eine den Trieb repräsentierende Vorstellung A tradução de Vorstellung por representação gera um problema neste ponto como atestam as versões es trangeiras que assim fazem una idea que representa al instinto una representación representante de la pulsión unidea che rappresenta una pulsione une représentation représentant la pulsion idem idem the ideational presentation of an instinct the idea that represents the instinct Cf capítulos 108225 sobre os termos Vorstellung e Trieb em As palavras de Freud op cit Além daquelas indicadas numa nota a Os instintos e seus destinos p 59 foram consultadas ao traduzir o presente ensaio as seguintes versões estrangeiras mais duas francesas uma de J Laplanche e JB Pontalis no volume Métapsychologie Paris Gallimard 1968 e uma de vários tradutores suplemento da revista LUnebévue v 1 1992 e outra inglesa de Cecil M Baines em Collec ted papers v iv Londres Hogarth Press e Institute of PsychoAnalysis 1925 Todas são cita das em ordem decrescente de proximidade ao português havendo mais de uma em determin ada língua em ordem cronológica de publicação Estados psíquicos inconscientes unbewußte seelische Zustände inexplicavelmente tanto a versão de LopezBallesteros como a Standard inglesa trazem conscientes neste ponto Concepção tradução que nessa frase damos a Vorstellung nas versões estrangeiras con sultadas concepto idea contrariando sua própria orientação rappresentazione représentation idem idem conception concept Método de inferência Schlußverfahren Este é um caso em que as duas palavras que com põem o termo admitem mais de uma versão daí a maior diversidade nas traduções estrangeiras consultadas procedimiento deductivo modo de razonamiento tipo di inferenza procédé dinférence idem procédé de déduction method of inference process of inference A expressão double conscience está em francês no original e o sinônimo entre parênteses é do próprio Freud Topologia da psique psychische Topik no original O termo tópica às vezes utilizado em textos e discussões de psicanálise é uma versão equivocada para o alemão Topik um falso amigo como dizem os tradutores pois em português ele designa o ramo da medicina que se ocupa dos remédios tópicos aqueles cuja ação se dá no local em que são aplicados Alguns out ros substantivos alemães têm essa terminação que pode induzir em erro de leitura Romantik romantismo e Pädagogik pedagogia são dois exemplos Ideia Vorstellung nas versões estrangeiras consultadas idea representación rapp resentazione com uma nota em que o tradutor dá o termo original e diz que o traduz às vezes assim outras vezes por idea représentation idem idem ideation idea com uma nota em que Strachey lembra que o termo original é Vorstellung que cobre os termos ingleses idea image e presentation mas não apenas eles acrescentemos ver a primeira nota do tradutor a este en saio p 100 Impulsos Triebregungen ver nota a Os instintos e seus destinos p 78 Representante ideativo Vorstellungsrepräsentanz nas versões estrangeiras consultadas representación ideológica agencia representanterepresentación rappresentanza ideativa 109225 représentantreprésentation représentant de la représentation représentance de représentation ideational presentation ideational representative Talvez se possa usar igualmente representante psíquico no caso preferindose representação para verter Vorstellung devese usar rep resentante da representação Consciência de culpa inconsciente unbewußtes Schuldbewußtsein 1 A afetividade se exterioriza essencialmente em descarga motora secretora vasoreguladora para alteração interna do próprio corpo sem relação com o mundo externo a motilidade em ações destinadas à alteração do mundo externo Pósrepressão Nachdrängen ver nota sobre o termo em A repressão p 86 acima Impulso de amor Liebesregung composto de Liebe amor e Regung movimento im pulso nas versões consultadas impulso erótico moción de amor impulso amoroso motion damour idem sollicitation damour loveimpulse idem Convém lembrar que em alemão existe uma só palavra para medo e angústia Angst Assim medo de animal é Tierangst e histeria de angústia Angsthysterie Representante instintual Triebrepräsentanz nas versões consultadas representación del in stinto agencia representante de pulsion rappresentanza pulsionale représentant de la pulsion re présentance de pulsion représentant de la pulsion instinctpresentation instinctual representative Meta de desejo Wunschziel nas versões consultadas fin deseado meta desiderativa meta agognata ambicionada but de désir but de souhait but de désir aim wishful aim No segundo parágrafo da parte v pouco adiante aparece Wunschregungen aqui vertido por impulsos de desejo e nas versões consultadas por impulsos de deseos mociones de deseo moti di desiderio motions de désir motions de souhait sollicitations de désir wishimpulses wishful impulses Nessa frase o termo original vertido por dois processos foi Prozeß enquanto na expressão processo psíquico primário o termo alemão empregado foi Vorgang que também possui o sentido menos técnico de acontecimento evento aparentado que é ao verbo vorgehen ir para a frente proceder acontecer Essa sutil distinção não parece estar presente nessa frase mas caberia têla em mente em alguns outros lugares como nos dois parágrafos seguintes onde Freud também usa Vorgang 2 Ver a discussão na parte vii da Interpretação dos sonhos que se apoia em ideias desenvolvidas por J Breuer em Estudos sobre a histeria 1895 3 Deixamos para outro contexto a menção de uma outra importante prerrogativa do Ics Estado de coisas Sachverhalt um termo notoriamente problemático para os tradutores de alemão os dicionários bilíngues oferecem estado das coisas fatos correlação exposição 110225 dos fatos circunstâncias as versões consultadas trazem cuestión relación de las cosas stato di cose état de choses idem idem state of affairs idem Provável referência a um dos ensaios perdidos ou dispensados pelo próprio autor da série sobre metapsicologia cf sua nota inicial a Complemento metapsicológico à teoria dos sonhos neste volume Que o tornarse consciente é restringido por determinadas direções de sua atenção daß das Bewußtwerden durch gewisse Richtungen seiner Aufmerksamkeit eingeschränkt ist nesta frase elíptica o possessivo provavelmente se refere ao Pcs Segundo Strachey ela ficaria mais clara se pudéssemos relacionála ao texto perdido sobre a consciência Serestar consciente Bewußtheit nas versões consultadas ser consciente condición de consciente consapevolezza le fait de la conscience le fait dêtre conscient consciencialit being con scious idem Na edição dos Gesammelte Werke se acha Vbw Vorbewußt préconsciente Pcs mas na Studienausgabe uma edição revista os editores afirmam que no manuscrito conservado se lê Ubw Unbewußt inconsciente Ics Uma nota da Standard inglesa anterior à Studienaus gabe já dizia que era provavelmente um erro de impressão Operação Leistung mais um desses termos alemães que admitem vários sentidos como se vê pelas traduções consultadas funciones rendimiento prestazioni réalisations action opération achievements functioning Frustração relativa ao objeto Versagung des Objekts nas versões estrangeiras consulta das e omitindo aqui a palavra objeto que sempre se repete frustración con respecto al deneg ación frustración del frustrazione relativa all refus venant de être frustré de refusement de frustration from the side of frustration in regard to Virador de olhos versão literal de Augenverdreher em português no Brasil pelo menos dizse que ele virou a cabeça dela Na última frase usase o verbo verstellen pôr no lugar errado que também significa figura damente e usado como reflexivo sich verstellen fingir enganar Na declaração sobre o que a paciente sentiu na igreja o verbo original é stellen pôr 4 Ocasionalmente o trabalho do sonho trata as palavras como as coisas e cria então falas ou neologismos esquizofrênicos muito semelhantes Encena abspielt nas versões consultadas hace desarrolarse juega sfoga joue idem idem is working out is playing out Desfazer ungeschehen machen literalmente tornar não acontecido cf Inibição sintoma e angústia 1926 parte vi onde é discutido o mecanismo do ungeschehen machen 111225 Percepção Einsicht nas traduções consultadas conclusión intelección scoperta ce dont nous avons pris connaissance idée manière de voir considerations finding Percebese que o termo português é aqui usado num dos dois sentidos principais que lhe vêm do seu verbo cognato o de fazer ideia compreender o outro é tomar conhecimento através dos sen tidos em que o substantivo corresponde ao alemão Wahrnehmung também presente no texto Ver nota 67 do tradutor em F Nietzsche Além do bem e do mal São Paulo Companhia das Letras 1992 Representação da palavra ou verbalrepresentação da coisa WortvorstellungSachvorstel lung A partir desse parágrafo utilizamos representação para Vorstellung acompanhando as versões inglesa e italiana Eis o que todas elas trazem imagen verbalde la cosa representación palabrarepresentaciónobjeto seguidos dos termos alemães entre chaves rappresentazione della parolarappresentazione della cosa représentation de motreprésentation de chose idem idem idea of the word verbal ideaidea of the thing concrete idea presentation of the wordpresentation of the thing Essa última versão a da Standard vem acompanhada de uma longa nota assinalando que o termo até então traduzido por idea será vertido por presentation até o final do ensaio Strachey também afirma que a diferenciação entre Wortvorstellung e Sachvorstellung remonta aos estudos de Freud sobre a afasia e reproduz em apêndice o trecho pertinente do mais rel evante desses estudos Zur Auffassung der Aphasien de 1891 há edição portuguesa com o título A interpretação das afasias Lisboa Edições 70 sd O trecho reproduzido por Strachey se acha entre as pp 66 e 73 a tradução foi feita do italiano porém na Standard brasileira traduzida do inglês como se sabe achase no v xiv Percepção Einsicht conocimiento intelección cognizione conception idée manière de voir insight idem Ver nota à p 145 Modo de funcionar Arbeitsweise literalmente modo de trabalho nas versões es trangeiras consultadas labor mental modalidad de trabajo modo di pensare mode de travail façon dont opèrent mode de travail way of thinking mode of operation 112225 COMPLEMENTO METAPSICOLÓGICO À TEORIA DOS SONHOS 1917 1915 TÍTULO ORIGINAL METAPSYCHOLOGISCHE ERGÄNZUNG ZUR TRAUMLEHRE PUBLICADO PRIMEIRAMENTE EM INTERNATIONALE ZEITSCHRIFT FÜR ÄRZTLICHE PSYCHOANALYSE REVISTA INTERNACIONAL DE PSICANÁLISE MÉDICA V 4 N 6 PP 27787 TRADUZIDO DE GESAMMELTE WERKE X PP 41226 TAMBÉM SE ACHA EM STUDIENAUSGABE III PP 17591 Em mais de uma ocasião veremos como é vantajoso para a nossa pesquisa comparar certos estados e fenômenos que podem ser apreendidos como mode los normais de afecções patológicas Entre eles estão estados afetivos como o luto e o enamoramento mas também o estado do sono e o fenômeno do son har1 Não costumamos pensar muito sobre o fato de que toda noite o ser humano tira os panos que cobriam sua pele e talvez ainda as peças complementares de seus órgãos na medida em que logrou compensarlhes as deficiências com próteses como óculos perucas dentes etc Podemos acrescentar que ao ad ormecer ele realiza um desnudamento análogo na psique renuncia à maior parte de suas aquisições psíquicas e efetua assim uma extraordinária aproxim ação dos dois lados à situação que foi o ponto de partida de seu desenvolvi mento vital Somaticamente dormir é uma reativação da estadia no ventre materno preenchendose as condições de repouso calor e ausência de estímu los e muitas pessoas retomam dormindo a posição fetal O estado psíquico de quem dorme se caracteriza pela retração quase total do mundo que o cerca e cessação de todo interesse por ele Investigando os estados psiconeuróticos somos levados a destacar em cada um deles as chamadas regressões temporais o montante de retrocesso no desen volvimento que lhes é peculiar Distinguimos duas dessas regressões aquela no desenvolvimento do Eu e aquela no da libido Esta última chega no estado do sono até à instauração do narcisismo primitivo a primeira chega ao estágio da satisfação alucinatória do desejo Aquilo que sabemos das características psíquicas do estado do sono apren demos com o estudo do sonho naturalmente É verdade que o sonho nos mostra o ser humano enquanto ele não dorme mas não pode deixar de nos revelar ao mesmo tempo características do próprio sono A partir da obser vação conhecemos algumas peculiaridades do sonho que inicialmente não pu demos entender e que agora podemos enumerar sem dificuldade Sabemos que o sonho é absolutamente egoísta e que no protagonista de suas cenas devemos identificar sempre o sonhador mesmo Isso decorre compreensivelmente do narcisismo do estado do sono Pois narcisismo e egoísmo coincidem a palavra narcisismo apenas sublinha que o egoísmo é também um fenômeno libidi noso ou para dizêlo de outra forma o narcisismo pode ser designado como o complemento libidinoso do egoísmo Igualmente compreensível se torna a fac uldade diagnóstica do sonho universalmente reconhecida e vista como en igmática em que padecimentos físicos incipientes são notados antes e de modo mais nítido que na vigília e todas as sensações corporais do instante são aumentadas enormemente Esse aumento é de natureza hipocondríaca tem por pressuposto que todo investimento psíquico foi retirado do mundo externo para o próprio Eu e possibilita agora o reconhecimento precoce de mudanças corporais que na vida de vigília permaneceriam inadvertidas por algum tempo Um sonho nos mostra que sucedeu algo que tendia a perturbar o sono e nos permite vislumbrar o modo como essa perturbação pôde ser rechaçada No final o dormente sonhou e pode continuar o seu sono no lugar da exigência in terna que pretendia ocupálo sobreveio uma experiência externa cuja reivin dicação foi resolvida Portanto um sonho é também uma projeção uma exteri orização de um processo interior Lembramos já haver encontrado a projeção em outro lugar entre os meios de defesa Também o mecanismo da fobia histérica culminava no fato de mediante tentativas de fuga o indivíduo conseguir protegerse de um perigo externo que tomara o lugar de uma exigência instintual interna Mas reservaremos uma discussão demorada da projeção para quando chegarmos à dissecção daquela doença em que tal mecanismo tem papel evidente Mas de que modo se produz o caso em que a intenção de dormir é perturb ada A perturbação pode vir de uma excitação interna ou de um estímulo ex terno Consideremos primeiro o caso menos transparente e mais interessante da perturbação a partir do interior A experiência nos indica como insti gadores do sonho vestígios diurnos investimentos de pensamento que não obedeceram à retração geral de investimentos e conservaram a despeito dela 115225 uma certa medida de interesse libidinoso ou de outro tipo Já de início port anto o narcisismo do sono teve que admitir uma exceção e com ela principia a formação do sonho Na análise tomamos conhecimento desses restos diurnos como pensamentos oníricos latentes e por sua natureza e por toda a situação temos de reconhecêlos como ideias préconscientes como integrantes do sis tema Pcs Um maior esclarecimento da formação do sonho não é alcançado sem su perarmos algumas dificuldades O narcisismo do estado de sono significa a re tirada do investimento de todas as representações de objeto tanto das partes inconscientes delas como das préconscientes Logo se determinados restos diurnos permaneceram investidos hesitamos em supor que durante a noite eles adquiram energia bastante para se fazer notar pela consciência inclinamo nos antes a supor que o investimento que retiveram seja bem mais fraco do que o possuído durante o dia A análise nos dispensa de mais especulações nesse ponto ao demonstrar que esses restos diurnos têm de receber um reforço das fontes de impulsos instintuais inconscientes se forem atuar na construção do sonho De início essa hipótese não apresenta dificuldades pois temos de crer que a censura entre Pcs e Ics se acha bem diminuída no sono e o trânsito entre os dois sistemas é facilitado portanto Mas uma outra consideração não pode ser ignorada Se o estado narcísico do sono implica a retirada de todos os investimentos dos sistemas Ics e Pcs en tão não é possível que os restos diurnos obtenham reforço dos impulsos instin tuais inconscientes os quais entregaram ao Eu seus próprios investimentos A teoria da formação do sonho perdese aqui numa contradição ou tem de ser salva através de uma modificação da hipótese sobre o narcisismo do sono Como se verá depois uma hipótese assim limitadora será inevitável tam bém na teoria da dementia praecox Ela só pode afirmar que a parte reprimida do sistema Ics não obedece ao desejo de dormir que provém do Eu conserva no todo ou em parte o seu investimento e devido à repressão conquistou um certo grau de independência em relação ao Eu Ainda em conformidade a isso 116225 também um certo montante do gasto com a repressão do contrainvestimento deveria ser mantido durante a noite para fazer frente ao perigo instintual em bora a inacessibilidade dos caminhos que levam à liberação de afetos e à motil idade possa abaixar consideravelmente o nível do contrainvestimento ne cessário Podemos então representar da seguinte maneira a situação que con duz à formação do sonho O desejo de dormir procura recolher todos os inves timentos enviados pelo Eu instaurando um narcisismo absoluto Isso pode ter êxito apenas parcial pois a parte reprimida do sistema Ics não acompanha o desejo de dormir Logo é preciso que também uma parcela dos contrainvesti mentos seja mantida e que a censura entre Ics e Pcs permaneça ainda que não em plena força Até onde alcançarem o domínio do Eu todos os sistemas es tarão vazios de investimentos Quanto mais fortes são os investimentos instin tuais ics mais instável é o sono Conhecemos igualmente o caso extremo em que o Eu renuncia ao desejo de dormir porque se sente incapaz de inibir os impulsos reprimidos que são liberados durante o sono em outras palavras de siste do sono porque tem medo dos sonhos Depois apreciaremos em toda a sua importância a hipótese da insubordin ação dos impulsos reprimidos Como uma segunda ameaça ao narcisismo devemos considerar a possibilid ade já referida de que também alguns dos pensamentos diurnos précon scientes se revelem resistentes e mantenham parte do seu investimento No fundo os dois casos podem ser idênticos a resistência dos vestígios diurnos pode remontar ao nexo com impulsos inconscientes presente já na vida des perta ou a coisa não é tão simples e apenas no estado onírico os restos diurnos não inteiramente esvaziados se vinculem ao reprimido em virtude da comu nicação facilitada entre Pcs e Ics Em ambos os casos há o mesmo avanço decis ivo rumo à formação do sonho formase o desejo préconsciente de sonhar o qual dá expressão ao impulso inconsciente no material dos restos diurnos précon scientes Devemos diferenciar nitidamente esse desejo de sonhar dos restos di urnos ele não precisa ter existido na vida desperta já pode mostrar o caráter 117225 irracional que tudo o que é inconsciente traz consigo quando o traduzimos para o consciente O desejo de sonhar também não pode ser confundido com os desejos que possivelmente mas não necessariamente se encontravam entre os pensamentos oníricos préconscientes latentes Mas tendo havido esses desejos préconscientes o desejo de sonhar juntase a eles como o reforço mais eficaz Vejamos agora as vicissitudes posteriores desse desejo que na sua essência representa uma reivindicação instintual inconsciente e que no Pcs formouse como desejo de sonhar fantasia realizadora de desejo Ele poderia se resolver em três caminhos diferentes segundo nos diz a reflexão Pelo caminho que na vida desperta seria o normal irrompendo na consciência a partir do Pcs ou criando uma descarga motora direta evitando a consciência ou tomando o caminho insuspeitado que a observação nos faz realmente seguir No primeiro caso ele se tornaria uma ideia delirante tendo o conteúdo da realização do desejo mas isso não ocorre jamais no estado do sono Embora bem pouco fa miliarizados com as condições metapsicológicas dos processos anímicos po demos talvez extrair desse fato a indicação de que o esvaziamento completo de um sistema o faz pouco inclinado a responder a incitações O segundo caso a descarga motora direta deveria ser excluído pelo mesmo princípio pois nor malmente o acesso à motilidade se acha ainda um tanto além da censura da consciência mas de forma excepcional é observado como sonambulismo Não sabemos que condições o tornam possível e por que não acontece com maior frequência O que sucede realmente na formação do sonho é uma decisão muito notável e inteiramente imprevisível O processo urdido no Pcs e re forçado pelo Ics toma um caminho retrógrado através do Ics rumo à per cepção que se impõe à consciência Essa regressão é a terceira fase da formação do sonho Vamos repetir as anteriores para ter uma visão geral reforço dos vestígios diurnos Pcs pelo Ics produção do desejo onírico Uma tal regressão chamamos de topológica para distinguila da temporal ou históricoevolutiva já mencionada As duas não têm que coincidir sempre 118225 mas o fazem justamente no exemplo que para nós se oferece A reversão do curso da excitação do Pcs pelo Ics até à percepção é ao mesmo tempo o re torno ao estágio primeiro da realização alucinatória do desejo Sabemos a partir da Interpretação dos sonhos de que maneira se dá a re gressão dos vestígios diurnos préconscientes na formação do sonho Os pensamentos são transpostos em imagens predominantemente visuais as representações de palavras são reconduzidas às representações de coisas que lhes correspondem como se no todo o processo fosse governado por consid erações atinentes à figurabilidade Depois de consumada a regressão resta no sistema Ics uma série de investimentos investimentos das lembranças de coisas sobre as quais atua o processo psíquico primário até que pela sua condens ação e pelo deslocamento dos investimentos entre elas dá forma ao conteúdo manifesto do sonho Apenas quando as representações de palavras que se acham nos restos diurnos são vestígios frescos reais de percepções e não ex pressão de pensamentos é que são tratadas como representações de coisas e submetidas às influências da condensação e do deslocamento Daí a regra oferecida na interpretação de sonhos e depois confirmada até se tornar evid ência segundo a qual palavras e falas do conteúdo onírico não são novas cri ações mas recriações de falas do dia do sonho ou de outras impressões fres cas também de leituras É digno de nota quão pouco o trabalho do sonho se atém às representações de palavras a todo momento ele se dispõe a trocar as palavras umas pelas outras até encontrar a expressão mais conveniente para a representação plástica2 Neste ponto se mostra a diferença decisiva entre o trabalho do sonho e a es quizofrenia Nesta as palavras mesmas em que estava expresso o pensamento préconsciente são objeto da elaboração pelo processo primário no sonho isso não sucede às palavras mas às representações de coisas a que remontaram as palavras O sonho conhece uma regressão topológica a esquizofrenia não no sonho se acha livre o trânsito entre investimentos de palavras pcs e investi mentos de coisas ics enquanto é típico da esquizofrenia que ele seja 119225 bloqueado A impressão feita por essa diferença é atenuada justamente pelas interpretações de sonhos que fazemos na prática psicanalítica Na medida em que a interpretação do sonho rastreia o curso do trabalho do sonho segue as vias que levam dos pensamentos latentes aos elementos oníricos revela a ex ploração das ambiguidades verbais e evidencia as pontes de palavras entre diferentes grupos de material ela desperta uma impressão ora engraçada ora esquizofrênica e nos faz esquecer que todas as operações com palavras con stituem para o sonho apenas preparação para regredir às coisas O processo onírico se completa quando o conteúdo de pensamento trans formado regressivamente remodelado numa fantasiadesejo tornase con sciente como percepção sensorial e nisso experimenta a elaboração secundária a que está sujeito todo conteúdo perceptivo Dizemos que o desejo onírico é alucinado e enquanto alucinação acha maneira de crer na realidade de sua concretização É precisamente a essa parte conclusiva da formação do sonho que se ligam as mais fortes incertezas e para o esclarecimento delas vamos comparar o sonho aos estados patológicos a ele aparentados A formação da fantasiadesejo e o seu regredir à alucinação constituem as partes essenciais do trabalho do sonho mas não pertencem exclusivamente a ele Achamse igualmente em dois estados mórbidos na confusão alucinatória aguda a amentia de Meynert e na fase alucinatória da esquizofrenia O delírio alucinatório da amentia é uma fantasia de desejo claramente recon hecível com frequência inteiramente ordenada como um belo devaneio Poderíamos falar de modo bem geral de uma psicose de desejo alucinatória e atribuíla tanto ao sonho como à amentia Há também sonhos que consistem apenas de fantasias de desejo não deformadas e bem ricas de conteúdo A fase alucinatória da esquizofrenia foi menos estudada via de regra parece ser de caráter composto mas no essencial poderia corresponder a uma nova tentativa de restituição que busca devolver o investimento libidinal às representações de objetos3 Não posso estender a comparação a outros estados alucinatórios 120225 em várias afecções patológicas porque não disponho aí de experiência própria nem posso utilizar a de outros Fique claro que a psicose de desejo alucinatória no sonho ou em outros casos realiza duas operações que absolutamente não se confundem Não apenas leva à consciência desejos escondidos ou reprimidos mas apresentaos em inteira boa fé como satisfeitos Fazse mister entender essa conjunção Não é possível afirmar de modo algum que os desejos inconscientes deveriam ser tidos como realidades após se terem tornado conscientes pois nosso juízo é sa bidamente capaz de distinguir realidades de ideias e desejos por mais intensos que sejam Por outro lado parece justificado supor que a crença na realidade se liga à percepção através dos sentidos Se um pensamento encontrou o cam inho para a regressão até os traços mnêmicos inconscientes de objetos e daí à percepção admitimos a sua percepção como real Logo a alucinação traz con sigo a crença na realidade Perguntase agora qual a condição para o surgi mento de uma alucinação A primeira resposta seria a regressão o que sub stituiria a questão da origem da alucinação pela do mecanismo da regressão No que toca aos sonhos a resposta não precisa tardar A regressão dos pensamentos oníricos ics às imagens mnêmicas das coisas é claramente con sequência da atração que esses representantes instintuais ics por exemplo lembranças reprimidas de vivências exercem sobre os pensamentos vertidos em palavras Mas logo notamos que seguimos uma trilha errada Se o segredo da alucinação não fosse outro que o da regressão toda regressão com intensid ade bastante deveria produzir uma alucinação com crença na sua realidade Mas conhecemos muito bem os casos em que uma reflexão regressiva traz à consciência imagens mnêmicas visuais bastante nítidas que nem por isso tomamos por uma percepção real E podemos muito bem imaginar que o tra balho do sonho penetre até essas imagens mnêmicas tornando conscientes as até então inconscientes sustentando à nossa frente uma fantasiadesejo pela qual ansiaríamos mas que não reconheceríamos como a real concretização do 121225 desejo A alucinação deve ser portanto mais do que a animação regressiva de imagens mnêmicas em si ics Tenhamos presente ainda que é de grande importância prática distinguir percepções de ideias mesmo que intensivamente lembradas Toda a nossa re lação com o mundo externo com a realidade depende dessa capacidade For mulamos a ficção de não termos sempre possuído tal capacidade e de que no início de nossa vida psíquica realmente alucinamos o objeto gratificante ao sentirmos necessidade dele Mas a satisfação não ocorria nesse caso e logo o fracasso deve ter nos movido a criar um dispositivo que ajudasse a distinguir entre essa percepção fruto do desejo e uma real satisfação e a evitála no fu turo Em outras palavras bem cedo abandonamos a satisfação alucinatória do desejo e instituímos uma espécie de exame da realidade Surge agora a questão de em que consistia tal exame da realidade e de como a psicose de desejo alu cinatória do sonho da amentia e de condições análogas chega a suspendêlo restabelecendo o antigo modo de satisfação A resposta pode ser obtida se determinarmos com maior precisão o terceiro de nossos sistemas psíquicos o sistema Cs que até o momento não separamos nitidamente do Pcs Já na Interpretação dos sonhos tivemos de enxergar a per cepção consciente como realização de um sistema particular ao qual atribuí mos certas características notáveis e ao qual temos bons motivos para conferir mais alguns traços Tal sistema lá denominado P nós o faremos coincidir com o sistema Cs de cujo trabalho depende habitualmente a passagem para a con sciência No entanto o fato de algo se tornar consciente não coincide total mente com o dado de pertencer a um sistema pois já verificamos que é pos sível notar imagens mnêmicas sensoriais a que não podemos conceder um lugar psíquico no sistema Cs ou P Mas será lícito adiar o tratamento dessa dificuldade até colocarmos o próprio sistema Cs no centro de nosso interesse No contexto presente nos será permitida a hipótese de que a alucinação consiste num investimento do sistema Cs P que porém sucede não a partir de fora como é normalmente mas de 122225 dentro e de que ela tem por condição que a regressão vá ao ponto de alcançar esse sistema mesmo podendo assim colocarse fora do exame da realidade4 Num contexto anterior Os instintos e seus destinos reivindicamos para o organismo ainda desamparado a capacidade de obter uma primeira ori entação no mundo por meio de suas percepções ao distinguir entre fora e dentro com referência a uma ação muscular Uma percepção levada a desa parecer mediante uma ação é reconhecida como externa como realidade quando tal ação nada modifica a percepção vem do próprio interior do corpo não é real Para o indivíduo é valioso possuir um tal meio de distinguir a real idade que significa ao mesmo tempo uma ajuda contra ela e ele bem gostaria de ser dotado de um poder similar contra as exigências muitas vezes implacá veis de seus instintos Daí ele se esforçar tanto em transpor para fora o que o incomoda de dentro em projetar Após uma dissecção minuciosa do aparelho psíquico devemos atribuir apenas ao sistema Cs P tal função de orientação no mundo através da dis tinção entre fora e dentro Cs deve dispor de uma inervação motora mediante a qual é constatado se a percepção pode ser levada a desaparecer ou se resiste O exame da realidade não precisa ser outra coisa além desse dispositivo5 Mais não podemos dizer sobre isso pois a natureza e o modo de trabalho do sistema Cs ainda são pouco conhecidos Situaremos o exame da realidade como uma das grandes instituições do Eu ao lado das censuras entre os sistemas psíquicos as quais já conhecemos e esperamos que a análise das afecções narcísicas nos ajude a descobrir outras instituições desse tipo Por outro lado já agora a patologia nos ensina de que maneira o exame da realidade pode ser suspenso ou colocado fora de ação e aprenderemos isso de modo mais inequívoco na psicose de desejo na amentia do que no sonho a amentia é a reação a uma perda que a realidade afirma mas que o Eu deve neg ar por insuportável Em consequência o Eu rompe a relação com a realidade subtrai ao sistema das percepções Cs o investimento ou melhor talvez um in vestimento cuja natureza especial ainda pode ser objeto de investigação Com 123225 esse afastamento da realidade o seu exame é posto de lado as fantasias de desejo não reprimidas inteiramente conscientes podem penetrar no sis tema e a partir de lá são reconhecidas como uma realidade melhor Uma tal subtração pode ser contada entre os processos de repressão a amentia nos oferece o interessante espetáculo de uma desunião entre o Eu e um de seus ór gãos aquele que talvez o servisse mais fielmente e lhe fosse mais intimamente ligado6 O que na amentia é realizado pela repressão é feito no sonho pela renún cia voluntária O estado de sono não quer saber do mundo externo não se in teressa pela realidade ou apenas o faz quando há o risco de se abandonar o es tado de sono de se despertar Logo ele subtrai o investimento do sistema Cs tal como dos outros sistemas o Pcs e o Ics na medida em que as posições neles presentes acatem o desejo de dormir Com esse não investimento do sis tema Cs abandonase a possibilidade de um exame da realidade e as excitações que independentemente do estado de sono tomaram o caminho da regressão o encontrarão livre até o sistema Cs no qual serão tidas como realidade incon testada7 Quanto à psicose alucinatória da dementia praecox deduziremos de nossas considerações que ela não pode estar entre os sintomas iniciais de tal afecção Ela se torna possível apenas quando o Eu do doente se desintegrou tanto que o exame da realidade já não impede a alucinação No que respeita à psicologia dos processos oníricos chegamos ao resultado de que todas as características essenciais do sonho são determinadas pela con dição do estado de sono O velho Aristóteles tinha inteira razão com seu mod esto enunciado de que o sonho é a atividade psíquica do dormente Pudemos precisar que é um resíduo de atividade psíquica tornado possível pelo fato de que o estado narcísico de sono não se impôs de maneira total Isso não difere muito daquilo que filósofos e psicólogos afirmaram desde sempre mas re pousa em pontos de vista bem divergentes acerca da construção e do funciona mento do aparelho psíquico que frente aos anteriores tem a vantagem de tam bém nos permitir uma maior compreensão das particularidades do sonho 124225 Por fim lancemos um olhar à importância que uma topologia do processo de repressão adquire para entendermos o mecanismo das perturbações psíquicas No sonho a retirada de investimento libido interesse atinge todos os sistemas igualmente nas neuroses de transferência é retirado o investimento Pcs na esquizofrenia o do Ics na amentia o do Cs 1 Este ensaio e aquele seguinte provêm de uma série que originalmente eu pretendia publicar em forma de livro com o título de Preparação para uma metapsicologia Eles se relacionam a trabalhos que aparecerem no volume iii da Internationale Zeitschrift für ärztliche Psychoana lyse Os instintos e seus destinos A repressão O inconsciente incluídos no presente volume Esta série tem o objetivo de aclarar e aprofundar as suposições teóricas que estariam na base de um sistema psicanalítico Representações de objeto Objektvorstellungen ideas de objetos representacionesobjeto rappresentazioni degli oggetti représentations dobjets ideas of objects embora tenha adotado presentation of the thing para Sachvorstellung no ensaio O inconsciente Strachey agora pref ere ideas of objects As versões estrangeiras aqui citadas são aquelas indicadas em nota ao en saio Os instintos e seus destinos p59 2 Também atribuo à consideração pela figurabilidade o fato sublinhado e talvez superestim ado por Silberer de que alguns sonhos permitem duas interpretações simultaneamente vál idas e no entanto essencialmente diversas uma das quais ele chama de analítica e a outra de anagógica Tratase aí de pensamentos muito abstratos que oferecem grandes dificuldades à representação no sonho A título de comparação imaginemos ter que substituir o editorial de um jornal político por ilustrações Nesses casos o trabalho do sonho tem primeiro que sub stituir o texto abstrato dos pensamentos por um mais concreto que a ele se ligue de algum modo pela comparação alusão alegórica simbolismo e melhor ainda geneticamente e que tome o seu lugar como material do trabalho do sonho Os pensamentos abstratos suscitam a chamada interpretação anagógica que no trabalho interpretativo alcançamos com mais facilid ade do que aquela propriamente analítica Segundo uma correta observação de Otto Rank de terminados sonhos relativos ao tratamento por pacientes em análise são os melhores modelos para conceber tais sonhos de múltipla interpretação A expressão representação plástica traduz plastische Darstellung 3 No ensaio sobre O inconsciente vimos o superinvestimento das representações de palavras como a primeira tentativa desse gênero 125225 4 Quero acrescentar a título de complemento que uma tentativa de esclarecimento da alucin ação deveria principiar não com a alucinação positiva mas com a negativa Meio de distinguir a realidade Kennzeichen der Realität a tradução literal do primeiro termo encontrada nos dicionários é sinal distintivo característica as versões consultadas trazem medio de reconocer signo distintivo segno di riconoscimento signe caractéristique means of recognizing Strachey remete numa nota à expressão Realitätszeichen no Esboço de uma psicologia de 1895 conhecido como Projeto mas esboço é uma tradução mais correta para Entwurf parte 15 Processo primário e secundário em pp 39 ss da edição brasileira Projeto de uma psicologia tradução e notas de Osmyr Faria Gabbi Jr Rio de Janeiro Imago 1995 5 Sobre a distinção entre um exame da atualidade Aktualitätsprüfung e um exame da realidade Realitätsprüfung ver uma passagem posterior Não se sabe a que passagem Freud se refere provavelmente a um dos ensaios que não chegou a publicar Quanto à versão do primeiro dos termos alemães assinalados LopezBallesteros emprega examen del momento e Strachey test ing with regard to immediacy os demais tradutores fazem como aqui uma versão literal 6 A partir daí podese arriscar a conjectura de que também as alucinoses tóxicas o delírio al coólico por exemplo devem ser entendidas de maneira análoga A perda intolerável im posta pela realidade seria justamente a do álcool sendo ele ingerido cessam as alucinações Positionen no original O uso do termo por Freud é mais compreensível se tivermos presente um outro sentido de Besetzung o de ocupação militar sentido este inevitavelmente per dido na tradução por investimento 7 O princípio da inexcitabilidade dos sistemas não investidos parece aqui invalidado no tocante ao Cs P Mas talvez se trate de uma supressão apenas parcial do investimento e para o sis tema perceptivo precisamente teremos de supor um bom número de condições de excitação que divergem bastante daquelas de outros sistemas É claro que de modo algum vamos en cobrir ou maquiar a natureza incerta e tateante dessas discussões metapsicológicas Só um aprofundamento posterior poderá levar a um certo grau de probabilidade Topik no original É frequente encontrarmos esse termo traduzido por tópica Mas em por tuguês essa palavra designa a ciência ou tratado dos remédios tópicos Os substantivos alemães terminados em ik podem induzir a erros na tradução assim Pädagogik significa ped agogia em português e Romantik romantismo Freud usa Topik por empréstimo da anato mia em que o termo designa o estudo da posição relativa dos órgãos 126225 LUTO E MELANCOLIA 1917 1915 TÍTULO ORIGINAL TRAUER UND MELANCHOLIE PUBLICADO PRIMEIRAMENTE EM INTERNATIONALE ZEITSCHRIFT FÜR ÄRZTLICHE PSYCHOANALYSE REVISTA INTERNACIONAL DE PSICANÁLISE MÉDICA V 4 N 6 PP 288301 TRADUZIDO DE GESAMMELTE WERKE X PP 42846 TAMBÉM SE ACHA EM STUDIENAUSGABE III PP 193212 Depois que o sonho nos serviu como modelo normal dos distúrbios psíquicos narcísicos façamos a tentativa de elucidar a natureza da melancolia comparandoa com o afeto normal do luto Mas desta vez temos que admitir algo de antemão para evitar uma superestimação de nossos resultados A mel ancolia cuja definição varia mesmo na psiquiatria descritiva apresentase em variadas formas clínicas cujo agrupamento numa só unidade não parece es tabelecido e das quais algumas lembram antes afecções somáticas do que psicogênicas Sem contar as impressões disponíveis a qualquer observador nosso material se limita a um pequeno número de casos cuja natureza psicogênica não permitia dúvida Assim desde já renunciamos a toda pre tensão de validade universal para nossas conclusões e nos consolamos na re flexão de que dados os nossos atuais meios de pesquisa dificilmente poder íamos encontrar algo que não fosse típico se não de toda uma classe de afecções ao menos de um grupo menor delas A associação de luto com melancolia mostrase justificada pelo quadro ger al desses dois estados1 Neles também coincidem as causas oriundas das inter ferências da vida ao menos onde é possível enxergálas Via de regra luto é a reação à perda de uma pessoa amada ou de uma abstração que ocupa seu lugar como pátria liberdade um ideal etc Sob as mesmas influências observamos em algumas pessoas melancolia em vez de luto e por isso suspeitamos que nelas exista uma predisposição patológica Também é digno de nota que ja mais nos ocorre ver o luto como um estado patológico e indicar tratamento médico para ele embora ocasione um sério afastamento da conduta normal da vida Confiamos em que será superado após certo tempo e achamos que perturbálo é inapropriado até mesmo prejudicial A melancolia se caracteriza em termos psíquicos por um abatimento dol oroso uma cessação do interesse pelo mundo exterior perda da capacidade de amar inibição de toda atividade e diminuição da autoestima que se expressa em recriminações e ofensas à própria pessoa e pode chegar a uma delirante ex pectativa de punição Esse quadro se torna mais compreensível para nós se consideramos que o luto exibe os mesmos traços com exceção de um nele a autoestima não é afetada De resto é o mesmo quadro O luto profundo a reação à perda de um ente amado comporta o mesmo doloroso abatimento a perda de interesse pelo mundo externo na medida em que não lembra o fa lecido a perda da capacidade de eleger um novo objeto de amor o que significaria substituir o pranteado o afastamento de toda atividade que não se ligue à memória do falecido Logo vemos que essa inibição e restrição do Eu exprime uma exclusiva dedicação ao luto em que nada mais resta para out ros intuitos e interesses Na verdade esse comportamento só não nos parece patológico porque sabemos explicálo bem Também admitiremos a comparação que qualifica de doloroso o estado de ânimo do luto A justificativa para isso provavelmente ficará clara quando pudermos caracterizar a dor do ponto de vista econômico Em que consiste o trabalho realizado pelo luto Não me parece descabido expor esse trabalho da forma seguinte O exame da realidade mostrou que o objeto amado não mais existe e então exige que toda libido seja retirada de suas conexões com esse objeto Isso desperta uma compreensível oposição observase geralmente que o ser humano não gosta de abandonar uma posição libidinal mesmo quando um substituto já se anuncia Essa oposição pode ser tão intensa que se produz um afastamento da realidade e um apego ao objeto mediante uma psicose de desejo alucinatória ver o ensaio anterior O normal é que vença o respeito à realidade Mas a solicitação desta não pode ser aten dida imediatamente É cumprida aos poucos com grande aplicação de tempo e energia de investimento e enquanto isso a existência do objeto perdido se pro longa na psique Cada uma das lembranças e expectativas em que a libido se achava ligada ao objeto é enfocada e superinvestida e em cada uma sucede o desligamento da libido Não é fácil fundamentar economicamente por que é tão dolorosa essa operação de compromisso em que o mandamento da realid ade pouco a pouco se efetiva É curioso que esse doloroso desprazer nos pareça 129225 natural Mas o fato é que após a consumação do trabalho do luto o Eu fica novamente livre e desimpedido Apliquemos agora à melancolia o que verificamos sobre o luto Numa série de casos é evidente que também ela pode ser reação à perda de um objeto amado em outras ocasiões notase que a perda é de natureza mais ideal O ob jeto não morreu verdadeiramente foi perdido como objeto amoroso o caso de uma noiva abandonada por exemplo Em outros casos ainda achamos que é preciso manter a hipótese de tal perda mas não podemos discernir claramente o que se perdeu e é lícito supor que tampouco o doente pode ver consciente mente o que perdeu Esse caso poderia apresentarse também quando a perda que ocasionou a melancolia é conhecida do doente na medida em que ele sabe quem mas não o que perdeu nesse alguém Isso nos inclinaria a relacionar a melancolia de algum modo a uma perda de objeto subtraída à consciência diferentemente do luto em que nada é inconsciente na perda No luto vimos a inibição e a ausência de interesse explicadas totalmente pelo trabalho do luto que absorve o Eu Na melancolia a perda desconhecida terá por consequência um trabalho interior semelhante e por isso será respon sável pela inibição que é própria da melancolia Mas a inibição melancólica nos parece algo enigmático pois não conseguimos ver o que tanto absorve o doente O melancólico ainda nos apresenta uma coisa que falta no luto um ex traordinário rebaixamento da autoestima um enorme empobrecimento do Eu No luto é o mundo que se torna pobre e vazio na melancolia é o próprio Eu O doente nos descreve seu Eu como indigno incapaz e desprezível recrimina e insulta a si mesmo espera rejeição e castigo Degradase diante dos outros tem pena de seus familiares por serem ligados a alguém tão indigno Não julga que lhe sucedeu uma mudança e estende sua autocrítica ao passado afirma que jamais foi melhor O quadro desse delírio de pequenez predominante mente moral é completado com insônia recusa de alimentação e uma psico logicamente notável superação do instinto que faz todo vivente se apegar à vida 130225 Tanto do ponto de vista científico como do terapêutico seria infecundo contradizer o paciente que faz essas acusações ao próprio Eu De algum modo ele deve ter razão deve descrever algo que se passa tal como lhe parece Algu mas de suas afirmações temos de confirmar imediatamente sem restrições Ele se acha realmente sem interesse incapaz para o amor e para realizar coisas tal como diz Mas isso é secundário como sabemos é consequência do trabalho interno que consome seu Eu trabalho que desconhecemos comparável ao luto Em algumas outras autoincriminações o paciente também nos parece ter razão e apenas apreender a verdade de maneira mais aguda do que outros que não são melancólicos Quando em exacerbada autocrítica ele pinta a si mesmo como uma pessoa mesquinha egoísta insincera sem autonomia que sempre buscou apenas ocultar as fraquezas do seu ser pode ocorrer pelo que sabemos que tenha se aproximado bastante do autoconhecimento e perguntamonos apenas por que é necessário adoecer para alcançar uma ver dade como essa Pois não há dúvida de que quem chega a essa avaliação de si mesmo e a expressa diante dos outros avaliação similar à que o príncipe Hamlet faz de si e de todos os outros2 está doente quer diga a verdade quer seja mais ou menos injusto consigo Tampouco é difícil notar que não ex iste correspondência a nosso ver entre a escala do autoenvilecimento e sua real justificação Uma mulher que sempre foi boa zelosa e capaz não falará melhor de si mesma na melancolia do que uma verdadeiramente imprestável e talvez ela tenha maior probabilidade de adoecer de melancolia do que a outra da qual nada saberíamos falar de bom Deve nos chamar a atenção por fim que o melancólico não age exatamente como alguém compungido de remorso e autorrecriminação de maneira normal Ele carece da vergonha di ante dos outros que seria a principal característica desse estado ou ao menos não a exibe de forma notável No melancólico talvez possamos destacar um traço oposto uma insistente comunicabilidade que acha satisfação no desnuda mento de si próprio 131225 Não é essencial portanto saber se o melancólico está correto em sua pen osa autodepreciação até que ponto sua crítica coincide com o julgamento dos outros A questão é isto sim que ele descreve corretamente sua situação psicológica Ele perdeu o amorpróprio e deve ter tido boas razões para isso Mas assim nós nos vemos ante uma discrepância que coloca um problema de difícil solução Fazendo analogia com o luto concluímos que ele sofreu uma perda relativa ao objeto suas declarações indicam uma perda no próprio Eu Antes de lidarmos com essa discrepância detenhamonos por um momento na visão que a doença do melancólico nos oferece da constituição do Eu hu mano Vemos como uma parte do Eu se contrapõe à outra faz dela uma avaliação crítica tomaa por objeto digamos Nossa suspeita de que a instân cia crítica aí dissociada do Eu poderia em outras condições demonstrar tam bém sua autonomia será confirmada em toda observação posterior Realmente encontraremos motivo para separar essa instância do resto do Eu Aqui trava mos conhecimento com a instância habitualmente chamada de consciência mor al nós a incluiremos entre as grandes instituições do Eu ao lado da censura da consciência e do exame da realidade e encontraremos provas de que é capaz de adoecer por si própria No quadro clínico da melancolia a insatis fação moral com o próprio Eu é destacada relativamente a outras coisas defei tos físicos feiúra debilidade inferioridade social muito mais raramente são objeto da autoavaliação só o empobrecimento ocupa lugar privilegiado entre os temores ou dizeres do paciente A discrepância mencionada pode ser esclarecida por meio de uma obser vação que não é difícil de fazer Ouvindo com paciência as várias autoacus ações de um melancólico não conseguimos afinal evitar a impressão de que frequentemente as mais fortes entre elas não se adequam muito a sua própria pessoa e sim com pequenas modificações a uma outra que o doente ama amou ou devia amar Toda vez que examinamos o fato essa suposição é con firmada De maneira que temos a chave para o quadro clínico ao perceber as 132225 recriminações a si mesmo como recriminações a um objeto amoroso que deste se voltaram para o próprio Eu A mulher que deplora o fato de seu marido se achar ligado a uma mulher tão incapaz está na verdade acusando a incapacidade do marido em qualquer sentido que esta seja entendida Não devemos nos admirar muito de que haja algumas autorrecriminações genuínas entre aquelas voltadas contra si mesmo permitese que elas apareçam porque ajudam a ocultar as demais e a impossib ilitar o conhecimento da situação elas se originam também dos prós e contras no conflito amoroso que levou à perda amorosa A conduta dos doentes tam bém fica mais compreensível agora Para eles queixarse é dar queixa no velho sentido do termo Não se envergonham nem se escondem pois tudo de desabonador que falam de si mesmos se refere no fundo a outra pessoa E es tão longe de mostrar para com aqueles a seu redor a humildade e a sujeição que convêm a pessoas tão indignas pelo contrário são extremamente impor tunos agindo sempre como que ofendidos como se lhes tivesse sido feita uma grande injustiça Isso tudo é possível apenas porque as reações exibidas nesse seu comportamento ainda vêm da constelação psíquica da revolta que por um determinado processo foi transportada para a compunção melancólica Não há dificuldade então em reconstruir esse processo Havia uma escolha de objeto uma ligação da libido a certa pessoa por influência de uma real ofensa ou decepção vinda da pessoa amada ocorreu um abalo nessa relação de objeto O resultado não foi o normal a libido ser retirada desse objeto e deslocada para um novo e sim outro que parece requerer várias condições para se produzir O investimento objetal demonstrou ser pouco resistente foi cancelado mas a libido livre não foi deslocada para outro objeto e sim re cuada para o Eu Mas lá ela não encontrou uma utilização qualquer serviu para estabelecer uma identificação do Eu com o objeto abandonado Assim a sombra do objeto caiu sobre o Eu e a partir de então este pôde ser julgado por uma instância especial como um objeto o objeto abandonado Desse modo a perda do objeto se transformou numa perda do Eu e o conflito entre o Eu e a 133225 pessoa amada numa cisão entre a crítica do Eu e o Eu modificado pela identificação Uma ou duas coisas podem ser diretamente inferidas dos pressupostos e resultados de tal processo Por um lado deve ter havido uma forte fixação no objeto amoroso por outro e contrariando isso uma pequena resistência do in vestimento objetal Essa contradição parece requerer conforme uma pertin ente observação de Otto Rank que a escolha objetal tenha ocorrido sobre base narcísica de modo que o investimento objetal possa ao lhe aparecerem di ficuldades regredir ao narcisismo A identificação narcísica com o objeto se torna então substituto do investimento amoroso do que resulta que a relação amorosa não precisa ser abandonada apesar do conflito com a pessoa amada Tal substituição do amor objetal pela identificação é um mecanismo import ante nas afecções narcísicas Karl Landauer pôde mostrála recentemente no processo de cura de uma esquizofrenia3 Corresponde naturalmente à re gressão de um tipo de escolha de objeto ao narcisismo original Expusemos em outro lugar que a identificação é o estágio preliminar da escolha de objeto e o primeiro modo ambivalente em sua expressão como o Eu destaca um objeto Ele gostaria de incorporar esse objeto e isso conforme a fase oral ou canibal do desenvolvimento da libido por meio da devoração Abraham relaciona a isso justificadamente a recusa de alimentação que se apresenta na forma grave do estado melancólico A conclusão que pede nossa teoria de que a predisposição a adoecer de melancolia ou parte dela reside na predominância do tipo narcísico de escolha de objeto infelizmente ainda carece de confirmação através da pesquisa Nas frases iniciais deste estudo reconheci que o material empírico em que ele se ba seia não satisfaz nossas pretensões Se nos fosse permitido supor que a obser vação concorda com nossas inferências não hesitaríamos em acolher em nossa caracterização da melancolia a regressão do investimento objetal à fase oral da libido ainda pertencente ao narcisismo Identificações com o objeto também não são raras nas neuroses de transferência são mesmo um conhecido 134225 mecanismo de formação de sintomas sobretudo na histeria Mas podemos enxergar a diferença entre a identificação narcísica e a histérica no fato de naquela o investimento objetal ser abandonado enquanto nesta ele persiste e mostra influência que geralmente se limita a determinadas ações e inervações isoladas De todo modo também nas neuroses de transferência a identificação é expressão de algo em comum que pode ser amor A identificação narcísica é a mais antiga e nos abre o caminho para o entendimento da identificação histérica menos estudada Portanto a melancolia toma uma parte de suas características do luto e outra parte da regressão da escolha de objeto narcísica para o narcisismo Ela é por um lado como o luto reação à perda real do objeto amoroso mas além disso é marcada por uma condição que se acha ausente no luto normal ou que quando aparece transformao em patológico A perda do objeto amoroso é uma excelente ocasião para que a ambivalência das relações amorosas sobres saia e venha à luz Quando existe predisposição para a neurose obsessiva o conflito da ambivalência empresta ao luto uma configuração patológica e o leva a se exprimir em forma de autorrecriminações nas quais o indivíduo mesmo teria causado isto é desejado a perda do objeto de amor Essas depressões neuróticoobsessivas que se seguem à morte de pessoas amadas nos mostram o que o conflito da ambivalência realiza por si só quando não há também uma retração regressiva da libido As ocasiões para a melancolia ger almente não se limitam ao caso muito claro de perda em virtude da morte e abrangem todas as situações de ofensa menosprezo e decepção em que uma oposição de amor e ódio pode ser introduzida na relação ou uma ambivalência existente pode ser reforçada Entre as precondições da melancolia não deve mos negligenciar esse conflito da ambivalência que ora se origina na realid ade ora na constituição do indivíduo Se o amor ao objeto a que não se pode renunciar quando se tem de renunciar ao objeto mesmo refugiase na identificação narcísica o ódio atua em relação a esse objeto substitutivo insultandoo rebaixandoo fazendoo sofrer e obtendo uma satisfação sádica 135225 desse sofrimento O automartírio claramente prazeroso da melancolia signi fica tal como o fenômeno correspondente na neurose obsessiva a satisfação de tendências sádicas e de ódio4 relativas a um objeto que por essa via se vol taram contra a própria pessoa Nas duas afecções os doentes habitualmente conseguem através do rodeio da autopunição vingarse dos objetos originais e torturar seus amores por intermédio da doença depois que se entregaram a ela para não ter de lhes mostrar diretamente sua hostilidade A pessoa que pro vocou o distúrbio afetivo do doente e para a qual está orientada sua doença normalmente se encontra no círculo imediato dele Assim o investimento amoroso do melancólico em seu objeto experimentou um duplo destino parte dele regrediu à identificação mas outra parte sob a influência do conflito da ambivalência foi remetida de volta ao estágio do sadismo mais próximo desse conflito Apenas esse sadismo nos resolve o enigma da inclinação ao suicídio que torna a melancolia tão interessante e tão perigosa Nós percebemos como o estado primordial de onde parte a vida instintual um tão formidável amor do Eu a si próprio vemos liberarse na angústia gerada pela ameaça à vida um tal montante de libido narcísica que não entendemos como esse Eu pode con sentir na sua própria destruição Há muito sabíamos é verdade que um neurótico não abriga ideias de suicídio que não venham de um impulso hom icida em relação a outros voltado contra si mas era incompreensível o jogo de forças em que tal intenção consegue se tornar ato Agora a análise da melan colia nos ensina que o Eu pode se matar apenas quando graças ao retorno do investimento objetal pode tratar a si mesmo como um objeto quando é capaz de dirigir contra si a hostilidade que diz respeito a um objeto e que constitui a reação original do Eu a objetos do mundo externo ver Os instintos e seus destinos Assim na regressão da escolha de objeto narcísica o objeto foi eliminado é verdade mas demonstrou ser mais poderoso que o próprio Eu Nas duas situações opostas do total enamoramento e do suicídio o Eu é sub jugado pelo objeto embora por caminhos inteiramente diversos 136225 Quanto a uma característica notável da melancolia a proeminência do medo de empobrecer é plausível supor que deriva do erotismo anal arrancado de seus vínculos e transformado regressivamente A melancolia nos situa perante outras questões ainda para as quais não temos todas as respostas O fato de desaparecer após um certo tempo sem deixar traço de grandes mudanças é uma característica que partilha com o luto No caso deste tivemos a explicação de que é preciso tempo para a detal hada execução do mandamento do exame da realidade e depois desse trabalho o Eu tem liberada do objeto perdido a sua libido Podemos imaginar o Eu ocu pado em trabalho semelhante na melancolia nos dois casos faltanos a com preensão econômica do processo A insônia na melancolia atesta provavel mente a rigidez do estado a impossibilidade de cumprir a retirada geral de in vestimentos que o sono requer O complexo da melancolia se comporta como uma ferida aberta de todos os lados atrai energias de investimento que chamamos de contrainvestimentos no caso das neuroses de transferência e esvazia o Eu até o completo empobrecimento com facilidade pode se mostrar resistente ao desejo de dormir do Eu Um fator provavelmente somático que não se explica de forma psicogênica apresentase na atenuação que costuma ocorrer nesse estado depois que anoitece Ligada a essas observações está a questão de se não bastaria uma perda no Eu sem consideração do objeto para produzir o quadro da melancolia e se um empobrecimento tóxico direto da li bido do Eu não poderia resultar em certas formas da doença A peculiaridade mais singular e mais carente de explicação na melancolia consiste na tendência a se transformar em mania um estado com sintomas opostos aos dela Não é toda melancolia que tem esse destino como se sabe Muitos casos evoluem com recidivas periódicas em cujos intervalos perce bemos muito pouca ou nenhuma tonalidade de mania Outros exibem a regular alternância de fases melancólicas e maníacas que levou à proposição de uma loucura cíclica Seria tentador não apreender esses casos como 137225 psicogênicos se o trabalho psicanalítico não tivesse permitido solucionar e in fluir terapeuticamente em vários deles Portanto é não apenas lícito mas até mesmo imperioso estender à mania a explicação psicanalítica da melancolia Não posso prometer que essa tentativa será completamente satisfatória Na realidade ela deve apenas tornar possível uma orientação inicial Dispomos aqui de dois pontos para nos sustentarmos o primeiro uma impressão psic analítica o outro o que poderíamos chamar de uma experiência econômica geral A impressão já comunicada por diversos pesquisadores psicanalíticos é que a mania não tem conteúdo diferente da melancolia que as duas afecções lutam com o mesmo complexo ao qual o Eu provavelmente sucumbe na melancolia enquanto na mania ele o sobrepuja ou põe de lado O outro ponto de partida nos é dado pela experiência de que em todos os estados de alegria júbilo triunfo que nos fornecem o modelo normal da mania percebemse os mesmos determinantes econômicos Nesses estados uma interferência torna afinal desnecessário um grande dispêndio de energia psíquica por muito tempo mantido ou feito por hábito de modo que ela fica disponível para outros usos e possibilidades de descarga Por exemplo quando um pobrediabo é subita mente aliviado da crônica preocupação em obter o pão diário ao ganhar uma enorme soma de dinheiro quando uma prolongada e trabalhosa peleja é final mente coroada de êxito quando alguém consegue livrarse de uma só vez de uma opressiva coerção de uma dissimulação que se arrastou por longo tempo etc Todas essas situações se distinguem pelo ânimo elevado pelos sinais de descarga de uma emoção jubilosa e por uma maior propensão a todo tipo de ação exatamente como a mania e em absoluto contraste com a depressão e a inibição que há na melancolia Podemos arriscar a afirmação de que a mania não é senão um triunfo desse tipo com a diferença de que nela permanece oculto ao Eu aquilo que superou e sobre o que está triunfando A embriaguez alcoólica que pertence à mesma classe de estados poderá na medida em que for alegre ser explicada da mesma forma tratase provavelmente da suspensão obtida por via tóxica do dispêndio com a repressão A opinião 138225 leiga tende a imaginar que a pessoa em tal condição maníaca tem muito gosto no movimento e na ação porque está bem disposta Esse falso vínculo deve ser desfeito naturalmente Foi cumprida a mencionada condição econômica na psique por causa disso a pessoa se acha por um lado de ânimo tão alegre e de outro tão desinibida na ação Se reunimos esses dois pontos temos o seguinte Na mania o Eu tem de haver superado a perda do objeto ou o luto devido à perda ou talvez o próprio objeto e fica então disponível todo o montante de contrainvesti mento que o doloroso sofrimento da melancolia havia atraído do Eu e vincu lado Ao lançarse como um faminto em busca de novos investimentos de ob jeto o maníaco também mostra inequivocamente sua libertação do objeto com o qual sofreu Essa explicação soa plausível mas é primeiro ainda pouco precisa e se gundo faz surgirem mais questões e dúvidas do que podemos responder Não nos furtaremos a uma discussão delas ainda que não possamos esperar através dessa discussão encontrar o caminho da clareza Em primeiro lugar o luto normal também supera a perda do objeto e ab sorve enquanto dura todas as energias do Eu Por que então uma vez decor rido não há sequer indícios de se produzir a condição econômica para uma fase de triunfo Acho impossível responder de imediato a essa objeção Ela nos lembra que nem mesmo somos capazes de dizer por quais meios econômicos o luto realiza sua tarefa Mas talvez uma conjectura possa ajudar quanto a isso A cada uma das recordações e expectativas que mostram a libido ligada ao objeto perdido a realidade traz o veredicto de que o objeto não mais existe e o Eu como que posto diante da questão de partilhar ou não esse destino é conven cido pela soma das satisfações narcísicas em estar vivo a romper seu vínculo com o objeto eliminado Podemos imaginar que esse rompimento ocorra de modo tão lento e gradual que ao fim do trabalho também o dispêndio que ele requeria foi dissipado5 139225 É tentador buscar a partir dessa conjectura sobre o trabalho do luto o caminho para uma descrição do trabalho da melancolia Nisso logo deparamos com uma incerteza Até o momento quase não consideramos o ponto de vista topológico na melancolia e não nos perguntamos em quais e entre quais sis temas psíquicos acontece o trabalho da melancolia Dos processos psíquicos dessa afecção o que ainda se passa relacionado aos investimentos objetais in conscientes abandonados e o que relacionado a seu substituto por identi ficação dentro do Eu A resposta rápida e fácil seria que a representação inconsciente da coisa do objeto é abandonada pela libido Mas na realidade essa representação é constituída de inúmeras impressões singulares traços inconscientes delas e a execução dessa retirada de libido não pode ser um evento momentâneo e sim como no luto um processo demorado de lento progresso É difícil dizer se começa em muitos lugares ao mesmo tempo ou se comporta alguma sequência determinada nas análises podese frequentemente verificar que ora esta ora aquela recordação é ativada e que as queixas sempre iguais fatigantes em sua monotonia têm origem numa fundamentação inconsciente diferente a cada vez Se o objeto não tem para o Eu uma grande significação reforçada por mil nexos então sua perda não é capaz de produzir luto ou melancolia Portanto a característica de executar passo a passo o desligamento da libido deve ser at ribuída igualmente ao luto e à melancolia baseiase provavelmente na mesma situação econômica e serve às mesmas tendências Mas a melancolia como vimos tem algo mais no conteúdo que o luto nor mal Nela a relação com o objeto não é simples sendo complicada pelo con flito da ambivalência Essa é ou constitucional isto é própria de todo vínculo amoroso desse Eu ou nasce das vivências ocasionadas pela ameaça da perda do objeto Por isso a melancolia no tocante aos motivos pode ultrapassar bastante o luto que via de regra é desencadeado somente pela perda real a morte do objeto Portanto na melancolia travamse inúmeras batalhas em torno do objeto nas quais ódio e amor lutam entre si um para desligar a libido 140225 do objeto o outro para manter essa posição da libido contra o ataque Não podemos situar essas lutas em outro sistema que não o Ics a região dos traços mnemônicos das coisas em oposição aos investimentos de palavras Lá tam bém ocorrem as tentativas de desligamento no luto mas nesse último nada im pede que esses processos continuem pela via normal até a consciência através do Pcs Esse caminho se acha bloqueado para o trabalho da melancolia talvez devido a muitas causas ou à ação conjunta de causas A ambivalência constitu cional pertence em si ao reprimido as vivências traumáticas com o objeto po dem ter ativado outro material reprimido Assim tudo que diz respeito a esses conflitos da ambivalência permanece subtraído à consciência até que sobre vém o desenlace característico da melancolia Ele consiste como sabemos em que o investimento libidinal ameaçado abandona finalmente o objeto mas apenas a fim de se retirar para o lugar do Eu de onde havia partido Refugiandose no Eu o amor escapa à eliminação Após essa regressão da li bido o processo pode se tornar consciente e é representado na consciência como um conflito entre uma parte do Eu e a instância crítica Portanto o que a consciência vem a saber do trabalho da melancolia não é a parte essencial dele nem aquela a que podemos atribuir influência na resol ução da doença Vemos que o Eu se deprecia e se enraivece consigo e assim como o doente não compreendemos aonde isso pode levar e como pode mudar É antes à parte inconsciente do trabalho que podemos atribuir aquela função pois não é difícil enxergar uma analogia essencial entre o trabalho do luto e o da melancolia Assim como o luto leva o Eu a renunciar ao objeto declarandoo morto e oferecendo ao Eu o prêmio de continuar vivo do mesmo modo cada conflito da ambivalência relaxa a fixação da libido no objeto desvalorizandoo depreciandoo até abatendoo por assim dizer Há a possibilidade de que o processo chegue ao fim no sistema Ics seja após a raiva ter se esgotado seja após o objeto haver sido abandonado por não ter valor Ignoramos qual dessas duas possibilidades põe fim à melancolia regular mente ou com maior frequência e como esse término influencia o curso 141225 posterior do caso Nisso o Eu talvez desfrute a satisfação de poder se enxergar como o melhor como superior ao objeto Ainda que aceitemos essa concepção do trabalho da melancolia ela não pode nos fornecer a explicação que procuramos Analogias tomadas de outras áreas poderiam apoiar nossa expectativa de derivar a condição econômica para o surgimento da mania após transcorrida a melancolia da ambivalência que governa essa afecção mas há um fato que desmente essa expectativa Dos três pressupostos da melancolia perda do objeto ambivalência e regressão da li bido para o Eu os dois primeiros são também encontrados em recrimin ações obsessivas após casos de morte Nestes é a ambivalência que certamente constitui a mola do conflito e a observação mostra que passado ele nada resta que semelhe o triunfo de uma disposição maníaca Isso nos leva a considerar o terceiro fator como o único influente Aquele acúmulo de investimento inicial mente vinculado que após o término do trabalho da melancolia é liberado e torna possível a mania deve estar ligado à regressão da libido ao narcisismo O conflito no Eu que a melancolia troca pela luta pelo objeto deve atuar como uma dolorosa ferida que pede um contrainvestimento extraordinaria mente elevado Mas será conveniente nos determos aqui e deixar um maior es clarecimento da mania para quando tivermos alguma compreensão da natureza econômica da dor física primeiramente e depois da dor psíquica que lhe é an áloga Pois bem sabemos que a interrelação dos complexos problemas psíqui cos nos faz interromper cada investigação e deixála inconclusa até que os res ultados de uma outra possam vir em auxílio dela6 Luto Trauer é pertinente registrar que esse termo alemão significa tanto luto como tristeza assim o equivalente em português do adjetivo traurig é triste No original somatisch aqui caberia provavelmente o termo orgânicas pois uma doença somática ainda pode ser psicossomática 142225 1 Abraham a quem devemos o mais relevante dos poucos estudos psicanalíticos sobre o tema também partiu dessa comparação em Zentralblatt für Psychoanalyse v 2 n 6 1912 Abatimento Verstimmung no original Além das versões indicadas numa nota a Os instin tos e seus destinos p 59 foram consultadas duas outras ao se traduzir este ensaio uma em português assinada por Marilene Carone Jornal de Psicanálise v 36 1985 e mais uma em francês por J Laplanche e JB Pontalis no volume Métapsychologie Paris Gallimard 1968 Eis o que todas elas apresentam nesse caso desânimo estado de animo desazón scoramento dépression humeur dépressive dejection Autoestima Selbstgefühl que também pode ser traduzido por amorpróprio nas ver sões consultadas encontramos sentimento de autoestima amor propio sentimiento de si senti mento di sé sentiment destime de soi sentiment de soi selfregarding feelings na tradução de Marilene Carone uma nota chama a atenção para o prefixo selbst para o grande número de pa lavras em que ele aparece e afirma que a profusão de termos selbst certamente encontra seu sentido mais profundo na articulação teórica do próprio texto e reflete a importância do movi mento de retorno à própria pessoa descrito em Pulsões e seus destinos ela prefere pulsão para Trieb como o segundo destino pulsional Desimpedido ungehemmt cuja tradução literal adotada nas outras versões é não inibido desinibido mas adotamos aqui essa alternativa por considerar que em português no por tuguês do Brasil pelo menos desinibido denota alguém descontraído extrovertido O verbo hemmen significa obstruir impedir deter estorvar mas seu substantivo Hemmung é normalmente traduzido por inibição como no título Inibição sintoma e angústia o que im plica um certo abrandamento do significado original a nosso ver O termo aqui usado por Freud é Ichgefühl variantesinônimo de Selbstgefühl e por isso traduzido pelo equivalente desse cf nota à p 172 Das versões consultadas quatro mantiveram essa tradução enquanto a nova espanhola argentina e as duas francesas preferi ram mais literalmente sentimiento yoico sentiment destime du moi e sentiment du moi 2 Use every man after his desert and who should scape whipping Trate cada homem conforme seu mérito e quem escapará do açoite Hamlet ato ii cena 2 Amorpróprio Selbstachtung que nas versões consultadas foi traduzido por autorrespeito propia estimación respeto por si mismo rispetto di sé respect de soi idem self regard Consciência moral Gewissen a língua alemã tem essa palavra para designar a consciência moral e uma outra Bewußtsein para a consciência psicológica diferentemente das línguas 143225 românicas em que consciência tem os dois sentidos cf Nietzsche Além do bem e do mal op cit nota 14 Para eles queixarse é dar queixa Ihre Klagen sind Anklagen Foi adotada a solução de Marilene Carone que conserva o jogo de palavras do original Das demais versões consulta das a segunda em espanhol que utiliza queixa e querela seria outra opção em português eis o que elas dizem Sus lamentos son quejas Sus quejas Klagen sic entre chaves son real mente querellas Anklagen Le loro lamentele sono lagnanze Leurs plaintes sont des plaintes portées contre Leurs plaintes sont des plaintes accusatrices Their complaints are really plaints Quase todas incluem nota com os termos originais O problemático verbo erraten foi traduzido por inferir nessa frase as versões consultadas oferecem perceber deducir coligir omissão na italiana deviner idem inferred Na frase seguinte resistência traduz Resistenz que não deve ser confundido com Widerstand usado por Freud para denotar o conceito psicanalítico de dificultação ou oposição ao conhecimento do inconsciente esse termo alemão é mais abrangente que aquele tem mais sentidos figurados 3 Spontanheilung einer Katatonie Cura espontânea de uma catatonia Internationale Zeits chrift für ärztliche Psychoanalyse v 2 1914 4 Sobre a diferença entre elas ver o ensaio sobre Os instintos e seus destinos 5 Até agora o ponto de vista econômico recebeu pouca atenção nos trabalhos psicanalíticos Uma exceção é o artigo de Victor Tausk Entwertung des Verdrängungsmotives durch RekompenseDesvalorização por recompensa do motivo da repressão Internationale Zeits chrift für ärztliche Psychoanalyse v 1 1913 Representação inconsciente da coisa do objeto unbewußte Ding Vorstellung des Ob jekts Freud usa o sinônimo Ding em vez de Sache ver nota sobre a versão de Wortvorstellung e Sachvorstellung em O inconsciente p 146 Situação Verhältnisse o termo Verhältnis no singular significa relação também amorosa já o plural aqui usado tem também os sentidos de situação circunstâncias por isso as traduções consultadas variam relações circunstancias proporciones circostanze situ ation rapports situation 6 Ver prosseguimento deste exame da mania em Psicologia das massas e análise do Eu 1921 cap xi 144225 COMUNICAÇÃO DE UM CASO DE PARANOIA QUE CONTRADIZ A TEORIA PSICANALÍTICA 1915 TÍTULO ORIGINAL MITTTEILUNG EINES DER PSYCHOANALYTISCHEN THEORIE WIDERSPRECHENDEN FALLES VON PARANOIA PUBLICADO PRIMEIRAMENTE EM INTERNATIONALE ZEITSCHRIFT FÜR ÄRZTLICHE PSYCHOANALYSE REVISTA INTERNACIONAL DE PSICANÁLISE MÉDICA V 3 N 6 PP 3219 TRADUZIDO DE GESAMMELTE WERKE X PP 23446 TAMBÉM SE ACHA EM STUDIENAUSGABE VII PP 20516 Há alguns anos um conhecido advogado solicitou minha opinião sobre um caso cuja apreciação lhe parecia problemática Uma jovem dama se dirigira a ele em busca de auxílio contra as perseguições de um homem que a induzira a um relacionamento amoroso Ela afirmou que esse homem abusara de sua do cilidade fazendo espectadores ocultos tirarem fotografias de seus encontros íntimos e tinha o poder então de difamála com a exibição dessas imagens e obrigála a abandonar o emprego Seu conselheiro legal era experiente o bastante para perceber o traço doentio dessa acusação mas achou que hav endo tantas coisas na vida que podemos julgar incríveis seria útil ouvir a opin ião de um psiquiatra sobre a questão Prometeu visitarme acompanhado da queixosa em outra ocasião Antes de prosseguir com meu relato devo confessar que mudei a ponto de tornálo irreconhecível o ambiente do caso a ser investigado mas nada além disso Considero um abuso aliás distorcer os traços de uma história clínica ainda que seja pelos melhores motivos pois é impossível sabermos qual as pecto do caso um leitor de juízo independente ressaltará havendo o risco de induzilo a erros A paciente que logo depois conheci era uma moça de trinta anos excep cionalmente bonita e graciosa Parecia bem mais jovem do que a idade de clarada e tinha uma presença marcadamente feminina Em relação ao médico sua atitude foi negativa e não se empenhou em ocultar a desconfiança Era claro que apenas a insistência do advogado a fez relatar a seguinte história que me colocou um problema que mais adiante abordarei Nem as expressões de seu rosto nem as revelações afetivas traíam algum pudor ou embaraço como seria de esperar ante um desconhecido Achavase dominada pela preocupação que sua experiência havia produzido Havia anos era funcionária de uma grande firma na qual possuía um cargo de responsabilidade com satisfação própria e de seus superiores Nunca havia procurado relações amorosas com homens vivia sossegadamente com a mãe idosa da qual era o único arrimo Não tinha irmãos e o pai havia morrido muitos anos antes Ultimamente um empregado do mesmo escritório se aproximara dela um homem cultivado e encantador ao qual ela também não pôde recusar sua simpatia Circunstâncias externas tornavam impossível o matrimônio mas o homem não se dispunha absolutamente a desistir da relação por causa disso Ele argumentou que era absurdo devido a convenções sociais renunciar a tudo o que ambos desejavam a que tinham pleno direito e que contribuía mais que qualquer outra coisa para o enriquecimento da vida Como ele prometeu não expôla a nenhum perigo ela concordou afinal em visitálo na sua morada de solteiro durante o dia Lá houve beijos e abraços eles deitaramse um ao lado do outro ele admiroulhe a beleza parcialmente desnudada No meio desse idílio ela se assustou repentinamente com um barulho uma espécie de batida ou clique Veio do lado da escrivaninha que ficava perpendicular à janela O espaço entre a janela e essa mesa era tomado parcialmente por uma pesada cortina Ela contou que de imediato perguntara ao amigo sobre esse barulho ouvindo como resposta que provavelmente vinha do pequeno relógio que ficava sobre a mesa tomarei a liberdade de fazer um comentário mais adiante acerca dessa parte do relato Quando deixou o prédio deu com dois homens na escada que ao vêla sussurraram algo entre si Um desses dois desconhecidos carregava um objeto embrulhado algo como uma caixa Esse episódio ocupou seus pensamentos no caminho de casa fez a seguinte concatenação de ideias a caixa podia muito bem ser um aparelho fotográfico e o homem que a levava um fotógrafo que enquanto ela estava no quarto ficara escondido atrás da cortina e o ruído que ela escutara o clique do disparador da máquina depois que o homem obtivera a situação comprometedora que desejava registrar A partir desse momento nada pôde acabar com as suspeitas que nutria em relação ao amado instava com ele oralmente e por escrito para que lhe desse explicações e a tranquil izasse e recriminavao mas era indiferente às asseverações que dele partiam a respeito da sinceridade dos seus sentimentos e da falta de fundamento daquela desconfiança Enfim ela procurou o advogado narroulhe o acontecido e 147225 passoulhe as cartas que o suspeito lhe enviara sobre o tema Pude ver algumas dessas cartas depois fizeramme uma ótima impressão Seu principal teor era o lamento de que uma tão bela e carinhosa relação fosse destruída por tal ideia infeliz e doentia Não requer justificação creio o fato de o meu julgamento haver sido o mesmo do acusado Mas o caso teve para mim um interesse diverso daquele puramente diagnóstico Afirmavase na literatura psicanalítica que o para noico luta contra uma intensificação de suas tendências homossexuais algo que remete no fundo a uma escolha narcísica de objeto Sustentavase tam bém que o perseguidor no fundo é alguém que o indivíduo ama ou amou Da junção dessas duas teses resulta que o perseguidor tem de ser do mesmo sexo que o perseguido É certo que não vimos como universalmente válida e sem exceções a proposição de que a homossexualidade condiciona a paranoia mas isso apenas porque nossas observações não eram suficientemente numerosas Por outro lado ela era uma dessas proposições que devido a certas consider ações são significativas apenas quando podem reivindicar universalidade Na literatura psiquiátrica não faltavam sem dúvida casos em que o doente se acreditava perseguido por parentes do outro sexo mas ler esses casos não produzia a mesma impressão que ter um deles diante de si O que eu e meus amigos pudéramos observar e analisar havia facilmente confirmado a relação da paranoia com a homossexualidade E esse caso depunha resolutamente con tra isso A garota parecia rejeitar o amor a um homem transformando o amado diretamente em perseguidor não havia traço da influência de uma mul her de revolta contra um vínculo homossexual Ante esse estado de coisas o mais simples era renunciar à validez geral da teoria de que a mania de perseguição depende da homossexualidade e a tudo o mais que a ela se relacionava Era preciso abandonar essa percepção se não quiséssemos levados por essa decepção de nossas expectativas assumir a posição do advogado e como ele admitir uma vivência corretamente inter pretada em vez de uma combinação paranoica Mas eu divisei uma outra 148225 saída que permitia protelar a decisão Lembreime de que frequentemente nos víramos na situação de julgar erradamente um doente psíquico porque não nos havíamos ocupado dele o suficiente chegando a conhecêlo muito pouco Declarei então que não podia formular um juízo no momento e lhe pedi que me visitasse novamente a fim de me narrar a história de maneira mais circun stanciada com todos os pormenores secundários talvez omitidos então Com o auxílio do advogado obtive a concordância da relutante paciente Ele também me ajudou de outra forma ao dizer que sua presença seria desnecessária na se gunda entrevista O segundo relato da paciente não invalidou o primeiro mas fezlhe acrésci mos de tal monta que todas as dúvidas e dificuldades desapareceram Antes de tudo ela não visitara o jovem homem apenas uma vez e sim duas No se gundo encontro é que foi incomodada pelo ruído que veio a lhe provocar sus peitas o primeiro ela havia omitido ou ocultado em sua primeira comu nicação porque não lhe parecera significativo Nele não ocorreu nada digno de nota mas no dia seguinte sim O departamento da grande firma onde ela trabalhava era dirigido por uma senhora de idade que ela descreveu com estas palavras Ela tem os cabelos brancos como minha mãe Essa senhora costumava tratála carinhosamente às vezes até com gracejos e ela se consid erava sua favorita No dia após a primeira visita ao jovem funcionário ele apareceu para informar a senhora sobre algo ligado ao serviço e enquanto fa lava com ela em voz baixa surgiu na garota a certeza de que ele lhe contava sobre a aventura do dia anterior de que tinha até mesmo um relacionamento antigo com a chefe que ela não havia percebido até então A senhora maternal e de cabelos brancos soube de tudo naquele momento ela acreditou e no de correr do dia pôde reforçar a suspeita com base na conduta e em várias mani festações da senhora Logo aproveitou uma oportunidade para exigir do amado explicações sobre aquela traição Naturalmente ele protestou de forma enérgica contra o que chamou de imputação absurda e conseguiu de fato livrála da ideia delirante naquela vez de modo que por algum tempo 149225 algumas semanas creio ela recuperou a confiança e tornou a visitálo em seu apartamento O restante já sabemos do primeiro relato As novas informações eliminam a dúvida quanto à natureza patológica das suspeitas em primeiro lugar Facilmente se nota que a superiora de cabelos brancos é um sucedâneo da mãe que o amante apesar de sua juventude foi posto no lugar do pai e que é a força do complexo relativo à mãe que leva a paciente a imaginar uma relação amorosa entre dois parceiros tão improváveis Com isso vai embora também a aparente contradição em relação à expectativa alimentada pela teoria psicanalítica de que um vínculo homossexual forte seria a precondição para o desenvolvimento de uma mania de perseguição O perseguidor original a instância a cuja influência o indivíduo quer se furtar não é aqui o homem mas a mulher A chefe sabe da ligação amorosa da ga rota menospreza essa ligação e a faz perceber isso com alusões misteriosas O vínculo com o mesmo sexo contraria o esforço em adotar um membro do outro sexo como objeto amoroso O amor à mãe tornase o portavoz de todos os impulsos que no papel de consciência procuram deter a garota em seu primeiro passo no caminho novo perigoso em muitos sentidos da satisfação sexual normal e consegue perturbar a relação com o homem Quando a mãe inibe ou detém a atividade sexual da filha realiza uma fun ção normal já traçada nas relações da infância que possui fortes motivações inconscientes e tem a sanção da sociedade Cabe à filha libertarse dessa in fluência e com base em motivos amplos racionais decidirse por um certo grau de permissão ou negação do prazer sexual Se nessa tentativa de liberação sucumbe a uma neurose via de regra existe um forte complexo relativo à mãe não dominado cujo conflito com a nova tendência libidinal será resolvido se gundo a predisposição na forma dessa ou daquela neurose Em todo caso os fenômenos da reação neurótica não serão determinados pela relação presente com a mãe real mas pelas relações infantis com a imagem primeva da mãe A paciente nos disse que há muitos anos perdera o pai e podemos supor que não teria permanecido afastada dos homens até os trinta anos se uma forte 150225 ligação afetiva à mãe não lhe tivesse servido de amparo Esse amparo se torna um pesado grilhão para ela desde que sua libido em resposta a uma solicit ação insistente começa a voltarse para um homem Ela procura livrarse dele desembaraçarse de seu vínculo homossexual Sua predisposição de que não necessitamos falar aqui permite que isso suceda na forma de um delírio paranoico A mãe se torna então observadora e perseguidora hostil malé vola Ela poderia ser superada como tal se o complexo relativo à mãe não mantivesse o poder de impor sua intenção de afastála dos homens No fim dessa primeira fase do conflito ela se alienou da mãe e não se ligou ao homem Ambos conspiram contra ela afinal Então o vigoroso empenho do homem consegue atraíla resolutamente para si Ela supera a objeção da mãe e está dis posta a conceder ao amado um novo encontro A mãe já não aparece nos acontecimentos seguintes mas podemos insistir em que nessa fase o homem amado não se torna o perseguidor diretamente e sim através da mãe e graças à sua relação com a mãe que na primeira formação delirante tem o papel principal Agora seria de crer que a resistência foi definitivamente superada e que a garota até então vinculada à mãe consegue amar um homem Mas após o se gundo encontro surge um novo delírio que mediante hábil utilização de al guns acasos faz malograr esse amor e assim realiza o propósito do complexo relativo à mãe Ainda nos parece estranho que uma mulher se defenda do amor de um homem com ajuda de um delírio paranoico Mas antes de examinar mais de perto esse fato vamos ver os acasos em que se fundamenta a segunda form ação delirante voltada apenas para o homem Semidesnuda no divã estendida junto ao amante ela ouve um barulho como um clique ou uma batida cuja causa não conhece mas que depois inter preta após deparar com dois homens na escada um deles carregando algo como uma caixa embrulhada Ela adquire a convicção de que eles a espreit aram e fotografaram durante o encontro íntimo a mando de seu amante Estamos longe de pensar naturalmente que se não fosse o infeliz ruído a 151225 formação delirante não se produziria Reconhecemos por trás desses acasos isto sim algo necessário que teria de se impor obsessivamente tal como a hipótese de uma relação amorosa entre o amante e a mulher idosa eleita para sucedâneo da mãe A observação do ato sexual dos pais é um elemento que falta raramente no repertório das fantasias inconscientes que mediante a anál ise podem ser encontradas em todos os neuróticos provavelmente em todas as pessoas Chamo essas fantasias as da observação do comércio amoroso dos pais da sedução da castração e outros de fantasias primárias e em outro lugar investigarei sua origem e sua relação com a experiência individual De modo que o ruído casual funciona apenas como provocação que desencadeia a fantasia típica de espreitar a intimidade dos pais parte do complexo a eles re lativo Sim é discutível que possamos denominálo casual Segundo a ob servação que me fez Otto Rank é antes parte necessária da fantasia de espreit ar e reproduz ou o ruído que denuncia a relação dos genitores ou também aquele pelo qual a criança que escuta receia denunciarse Mas logo vemos em que terreno nos achamos O amante é ainda o pai e o lugar da mãe é tomado por ela mesma Então a escuta deve ser atribuída a uma pessoa desconhecida Tornase claro para nós de que maneira ela se libertou da dependência ho mossexual da mãe Com uma pequena regressão em vez de tomar a mãe como objeto amoroso identificouse com ela tornouse ela própria a mãe A possib ilidade dessa regressão aponta para a origem narcísica de sua escolha homos sexual de objeto e assim para a predisposição ao adoecimento paranoico nela existente É possível esboçar um raciocínio que leva ao mesmo resultado que essa identificação Se minha mãe faz isso também posso tenho o mesmo direito que minha mãe Podese dar um passo adiante na eliminação das casualidades sem exigir que o leitor nisso nos acompanhe pois a ausência de uma investigação analít ica aprofundada torna impossível neste caso ir além de uma certa probabilid ade A doente afirmou em nossa primeira conversa que ela havia perguntado imediatamente sobre a causa do ruído obtendo a resposta de que 152225 provavelmente vinha do pequeno relógio sobre a mesa Tomarei a liberdade de explicar essa comunicação como um equívoco da memória Pareceme bem mais plausível que primeiramente ela não tivesse qualquer reação ao ruído e que apenas depois do encontro com os dois homens na escada ele lhe parecesse significativo O amante talvez não tenha ouvido o barulho e fez a tentativa de explicação envolvendo o relógio depois quando assediado pela suspeita da ga rota Não sei o que você pode ter ouvido talvez o relógio que às vezes faz um ruído Essa utilização a posteriori de impressões e esse deslocamento das recordações são frequentes na paranoia e dela característicos Mas como nunca falei com o jovem nem pude prosseguir a análise da moça não há como provar minha suposição Eu poderia ousar ir mais adiante na análise das supostas casualidades Não creio que o relógio tenha batido ou que tenha havido algum ruído A situação em que ela estava justificava uma sensação de batimento ou palpitação no clitóris Foi isso então que ela projetou para fora a posteriori como per cepção de um outro objeto Algo bastante similar é possível no sonho Uma de minhas pacientes histéricas relatou certa vez um breve sonho que a fazia des pertar com o qual nenhuma associação se produzia Ele era o seguinte Houve uma batida na porta e ela acordou Ninguém havia batido na porta mas nas noites anteriores ela havia despertado com penosas sensações de polução e en tão quis acordar tão logo sentiu os primeiros sinais de excitação genital Havia batido no clitóris Eu gostaria de colocar em nossa paranoica essa mesma projeção no lugar do ruído ocasional Certamente não posso garantir que em nosso breve conhecimento com todos os sinais de uma desagradável im posição a doente me fornecesse um relato fiel do acontecido nos dois encon tros amorosos mas uma contração isolada do clitóris combinaria com sua afirmação de que não houve união dos genitais Na subsequente rejeição do homem a insatisfação certamente desempenhou um papel ao lado da consciência 153225 Voltemos agora ao fato singular de a paciente se defender do amor ao homem com a ajuda de um delírio paranoico A história do desenvolvimento desse delírio fornece a chave para a sua compreensão Originalmente como podíamos esperar ele era dirigido à mulher mas então se realizou no terreno da paranoia o avanço da mulher para o homem como objeto Um tal avanço não é comum na paranoia via de regra vemos que o perseguido permanece fixado nas mesmas pessoas ou seja no mesmo sexo sobre o qual recaía sua escolha amorosa antes da transformação paranoica Mas a enfermidade neurótica não o exclui nossa observação pode ser exemplar para muitas outras Existem fora da paranoia muitos processos semelhantes que até hoje não foram consid erados sob essa perspectiva entre eles alguns bastante conhecidos Por exem plo os assim chamados neurastênicos são impedidos por sua ligação incon sciente a objetos amorosos incestuosos de tomar outra mulher como objeto e sua atividade sexual é limitada à fantasia Mas no terreno da fantasia ele realiza o avanço que lhe foi negado e pode substituir mãe e irmã por outros objetos Como nestes está ausente a objeção da censura a escolha dessas pessoas substitutas tornase consciente para ele em suas fantasias Os fenômenos de um avanço tentado a partir de novo terreno em geral conquistado regressivamente colocamse ao lado dos esforços empreendidos em várias neuroses de readquirir uma posição da libido que já se teve mas foi perdida É difícil separar conceitualmente essas duas séries de fenômenos Inclinamonos demais a pensar que o conflito subjacente à neurose termina com a formação do sintoma Na verdade a luta prossegue variadamente após a formação do sintoma De ambos os lados surgem novos componentes instin tuais que a continuam O próprio sintoma tornase objeto dessa luta impulsos que buscam afirmálo medemse com outros empenhados em removêlo e restabelecer o estado anterior Com frequência buscamse meios de tirar o val or do sintoma tratando de reconquistar por outros acessos o que foi perdido e que o sintoma recusa Tal situação lança alguma luz sobre uma colocação de C G Jung segundo a qual uma peculiar inércia psíquica que se opõe à 154225 mudança e ao avanço é a precondição básica da neurose De fato essa inércia é muito peculiar não é geral mas altamente especializada mesmo em seu âm bito não governa sozinha mas luta com tendências ao avanço e à restauração que ainda após a formação de sintomas da neurose não descansam Investigandose o ponto de partida dessa inércia especial ela se revela como a manifestação de laços há muito ocorridos e dificilmente desatáveis de instin tos com impressões e os objetos nelas presentes laços que detiveram a evolução desses componentes instintuais Ou dito de outro modo essa inér cia psíquica especializada é apenas uma expressão diferente dificilmente mel hor para aquilo que na psicanálise estamos habituados a chamar de fixação E como ele admitir uma vivência corretamente interpretada em vez de uma combinação paranoica und wie er ein richtig gedeutetes Erlebnis anstatt einer paranoischen Kombination an zuerkennen Essa afirmação não condiz plenamente com a atitude atribuída ao advogado no parágrafo inicial do ensaio O verbo alemão utilizado klopfen pode significar também pulsar como em o sangue pulsoulhe nas veias além de bater como em bateram na porta 155225 CONSIDERAÇÕES ATUAIS SOBRE A GUERRA E A MORTE 1915 TÍTULO ORIGINAL ZEITGEMÄSSES ÜBER KRIEG UND TOD OS DOIS SUBTÍTULOS ORIGINAIS SÃO DIE ENTTÄUSCHUNG DES KRIEGES E UNSER VERHÄLTNIS ZUM TODE PUBLICADO PRIMEIRAMENTE EM IMAGO V 4 N 1 PP 121 TRADUZIDO DE GESAMMELTE WERKE X PP 32455 TAMBÉM SE ACHA EM STUDIENAUSGABE IX PP 3360 I A DESILUSÃO CAUSADA PELA GUERRA Apanhados no torvelinho desse tempo de guerra informados de maneira uni lateral sem distanciamento das grandes mudanças que já ocorreram ou estão para ocorrer e sem noção do futuro que se configura ficamos nós mesmos per didos quanto ao significado das impressões que se abalam sobre nós e quanto ao valor dos julgamentos que formamos Quer nos parecer que jamais um acontecimento destruiu tantos bens preciosos da humanidade jamais confun diu tantas inteligências das mais lúcidas e degradou tão radicalmente o que era elevado Até mesmo a ciência perdeu sua desapaixonada imparcialidade pro fundamente exasperados seus servidores buscam extrairlhe armas para dar contribuição à luta contra os inimigos O antropólogo tem que declarar o ad versário um ser inferior e degenerado o psiquiatra tem que diagnosticar nele uma perturbação espiritual ou psíquica Mas provavelmente sentimos o mal desse tempo com intensidade desmedida não tendo o direito de comparálo com aquele de tempos que não vivenciamos O indivíduo que não se tornou um combatente e portanto uma partícula da enorme máquina da guerra sentese perplexo quanto à sua orientação e ini bido em sua capacidade de realização Penso que acolherá de bom grado qualquer pequena indicação que o ajude a situarse pelo menos no seu próprio íntimo Entre os fatores responsáveis pela miséria psíquica dos não combat entes contra os quais é tão difícil eles lutarem gostaria de destacar dois e de abordálos aqui Eles são a desilusão provocada pela guerra e a diferente atit ude ante a morte à qual ela como todas as guerras nos obrigou Quando falo de desilusão cada um sabe de imediato o que isso significa Não é preciso ser um entusiasta da compaixão podese reconhecer a necessid ade biológica e psicológica do sofrimento para a economia da vida humana e no entanto condenar a guerra nos seus meios e nos seus fins ansiando pelo término de todas as guerras Dizíamos é verdade que as guerras não podem acabar enquanto os povos viverem em condições tão diferentes enquanto di vergirem de tal modo no valor que atribuem à vida individual e enquanto os ódios que os dividem representarem forças psíquicas tão intensas Estávamos então preparados para ver que ainda por longo tempo a humanidade estaria às voltas com guerras entre os povos primitivos e os civilizados entre as raças que estão separadas pela cor da pele e mesmo guerras contra ou em meio a nacionalidades europeias que pouco se desenvolveram ou que retrocederam culturalmente Mas nós nos permitíamos outras esperanças Esperávamos das nações de raça branca que dominam o mundo às quais coube a condução do gênero humano sabidamente empenhadas no cultivo de interesses mundiais e cujas criações incluem tanto os progressos técnicos no domínio da natureza como os valores culturais artísticos e científicos desses povos esperávamos que soubessem resolver por outras vias as desinteligências e os conflitos de in teresses No interior de cada uma dessas nações haviam se estabelecido eleva das normas morais para o indivíduo segundo as quais ele devia conformar sua vida se quisesse fazer parte da comunidade civilizada Tais prescrições fre quentemente severas demais exigiam muito dele uma enorme restrição de si mesmo uma larga renúncia da satisfação instintual Sobretudo lhe era negado servirse das extraordinárias vantagens proporcionadas pelo uso da mentira e da fraude na competição com seus semelhantes O Estado civilizado tinha es sas regras morais como base de sua existência intervindo seriamente quando se ousava atacálas e declarando amiúde ser impróprio até mesmo sujeitálas ao exame da inteligência crítica Era de supor então que ele mesmo quisesse respeitálas e não pensasse em empreender algo contra elas pois desse modo estaria contrariando o fundamento de sua própria existência Por fim se podia também perceber é verdade que no interior dessas nações civilizadas se achavam resíduos dispersos de alguns povos que em geral não eram queridos e portanto somente a contragosto e nunca inteiramente eram admitidos no 158225 trabalho comum de civilização para o qual haviam demonstrado ser sufi cientemente aptos Mas mesmo os grandes povos podiase pensar haviam ad quirido tamanha compreensão pelo que tinham em comum e tanta tolerância por suas diferenças que estrangeiro e inimigo não mais se fundiam numa única noção como ainda ocorria na Antiguidade clássica Confiados nessa união dos povos civilizados inúmeros indivíduos tro caram sua moradia na terra natal pela permanência no estrangeiro ligando sua existência às relações de intercâmbio dos povos amigos E aquele que não se achava pelas necessidades da vida limitado a um só lugar podia compor para si a partir de todas as vantagens e atrações dos países civilizados uma pátria nova e maior onde circulava insuspeito e desimpedido Assim desfrutava do mar azul e do mar cinza da beleza das montanhas de neve e dos prados verdes da magia da floresta nórdica e do esplendor da vegetação meridional da at mosfera das paisagens ligadas a grandes recordações históricas e do silêncio da natureza intocada Essa nova pátria era para ele também um museu repleto dos tesouros que os artistas da humanidade culta haviam criado e legado desde muitos séculos Andando de uma sala a outra desse museu podia verificar im parcialmente os diversos tipos de perfeição que a história a miscigenação e as peculiaridades da mãe Terra haviam produzido com seus novos compatriotas Aqui se desenvolvera ao máximo a fria inflexível energia ali a arte graciosa de embelezar a vida acolá o sentido da ordem e da lei ou alguma outra das características que fizeram do homem o senhor da Terra Não nos esqueçamos também que todo cidadão civilizado do mundo havia criado para si um Parnaso e uma Escola de Atenas especiais Entre os grandes pensadores poetas e artistas de todas as nações ele havia escolhido aqueles aos quais acreditava dever o melhor que obtivera em termos de fruição e compreensão da vida e em sua veneração os havia posto junto aos antigos imortais e aos familiares mestres de sua própria língua Nenhum desses grandes lhe era estrangeiro por se expressar em outra língua nem o inigualável perscrutador das paixões humanas nem o adorador inebriado da 159225 beleza ou o profeta veemente e ameaçador ou o satírico sutil e jamais ele se recriminou por haver desertado a própria nação e a línguamãe que amava A fruição da comunidade civilizada era ocasionalmente perturbada por vozes que advertiam que graças a antigas tradicionais diferenças eram inevitá veis as guerras também entre os membros de tal comunidade Não queríamos crer nisso mas como imaginar uma guerra assim caso ela viesse a ocorrer Como uma oportunidade para mostrar o progresso no sentimento comunitário dos homens desde a época em que as anfictionias gregas proibiram que qualquer dos Estados pertencentes à liga fosse destruído que suas oliveiras fossem abatidas e seu suprimento de água cortado Como um prélio de ca valeiros que se limitaria a estabelecer a superioridade de uma das partes evitando ao máximo os sofrimentos maiores que em nada contribuiriam para a decisão poupando inteiramente os feridos que deveriam deixar a luta e os médicos e enfermeiros dedicados à recuperação daqueles Naturalmente haveria todo respeito com a parcela não combatente da população com as mulheres que permanecem afastadas das ações de guerra e com as crianças que quando crescidas devem tornarse amigos e colaboradores de ambos os la dos E também se manteriam todos os empreendimentos e instituições inter nacionais em que a comunidade civilizada do tempo de paz se havia encarnado Uma tal guerra ainda comportaria bastantes horrores e coisas difíceis de suportar mas não perturbaria o desenvolvimento das relações éticas entre esses grandes indivíduos da humanidade os povos e Estados A guerra na qual não queríamos acreditar irrompeu e trouxe a desilusão Não é apenas mais sangrenta e devastadora do que guerras anteriores devido ao poderoso aperfeiçoamento das armas de ataque e de defesa mas pelo menos tão cruel amargurada e impiedosa quanto qualquer uma que a precedeu Ela transgride todos os limites que nos impusemos em tempos de paz que havíamos chamado de Direito Internacional não reconhece as prerrogativas dos feridos e dos médicos a distinção entre a parte pacífica e a parte lutadora da população nem os direitos de propriedade Ela derruba o que se interpõe 160225 no seu caminho em fúria enceguecida como se depois dela não devesse existir nem futuro nem paz entre os homens Ela destrói todos os laços comunitários entre os povos que combatem uns aos outros e ameaça deixar um legado de amargura que por longo tempo tornará impossível o restabelecimento dos mesmos Ela trouxe também à luz o fenômeno quase inconcebível de que os povos civilizados se conhecem e se entendem tão pouco que um deles pode voltarse com ódio e repulsa contra o outro E até mesmo uma das grandes nações cultas é universalmente tão pouco estimada que se pode tentar excluíla da comunid ade civilizada por ser bárbara embora há muito tenha demonstrado sua valia por contribuições das mais formidáveis Vivemos na esperança de que uma historiografia imparcial venha trazer a prova de que justamente essa nação em cuja língua escrevemos e para cuja vitória combatem os seres que amamos tenha sido aquela que menos infringiu as leis da moralidade humana mas quem pode em tempos como esses arvorarse em juiz da própria causa Os povos são mais ou menos representados pelos Estados que formam esses Estados pelos governos que os conduzem O cidadão individual pode verificar com horror nessa guerra o que eventualmente já lhe ocorria em tempo de paz que o Estado proíbe ao indivíduo a prática da injustiça não porque deseje acabar com ela mas sim monopolizála como fez com o sal e o tabaco O Estado beligerante se permite qualquer injustiça qualquer violência que traria desonra ao indivíduo Ele se serve contra o inimigo não apenas da astúcia autorizada mas também da mentira consciente e do engano intencion al e isso numa medida que parece ultrapassar o costumeiro em guerras anteri ores O Estado requer extremos de obediência e sacrifício de seus cidadãos privandoos ao mesmo tempo de sua maioridade por um excesso de sigilo e uma censura da comunicação e da expressão que deixa o ânimo daqueles as sim oprimidos intelectualmente indefeso ante qualquer situação desfavorável e todo rumor sinistro Ele se desliga dos tratados e garantias mediante os quais 161225 se comprometera com os outros Estados admitindo desavergonhadamente sua cobiça e seu afã de poder que o indivíduo deve então aprovar por patriotismo E não se objete que o Estado não pode renunciar ao uso da injustiça porque desse modo estaria em desvantagem Também para o indivíduo a observância das normas morais a renúncia ao exercício brutal do poder é algo geralmente bem desvantajoso e raras vezes o Estado se mostra capaz de compensar o cid adão pelo sacrifício que dele exigiu Tampouco é de surpreender que o afrouxamento das relações morais entre os grandes indivíduos da humanid ade tenha tido repercussão na moralidade do indivíduo pois nossa consciência não é o juiz inflexível pelo qual a têm os mestres da ética é em sua origem medo social e nada mais Quando a comunidade suspende a recriminação também cessa a repressão dos apetites maus e as pessoas cometem atos de crueldade perfídia traição e rudeza que pareceriam impossíveis devido à in compatibilidade com seu grau de civilização Assim o cidadão do mundo que mencionei pode estar perplexo num mundo que para ele se tornou estrangeiro sua grande pátria tendo desmoron ado o patrimônio comum tendo sido devastado os concidadãos divididos e envilecidos Algumas observações críticas podem ser feitas quanto a essa decepção A rigor ela não se justifica pois consiste na destruição de uma ilusão As ilusões são bemvindas porque nos poupam sensações de desprazer e no lugar dessas nos permitem gozar satisfações Não podemos nos queixar então se um dia elas colidem com alguma parte da realidade e nela se despedaçam Duas coisas nessa guerra provocaram nossa decepção a pouca moralidade mostrada exteriormente por Estados que nas relações internas posam de guardiães das normas éticas e a brutalidade do comportamento de indivíduos que como membros da mais elevada cultura humana não acreditaríamos capazes de atos semelhantes Comecemos com o segundo ponto e tentemos formular de maneira breve a concepção que desejamos criticar Como se imagina realmente o processo 162225 mediante o qual um indivíduo alcança um mais elevado estágio de moralid ade A primeira resposta será talvez ele é bom e nobre desde o início de nas cimento Ela não será considerada aqui Uma segunda resposta partirá da sug estão de que se está diante de um processo de desenvolvimento e provavel mente vai supor que esse processo consiste em que as más inclinações do ser humano são nele extirpadas e sob influência da educação e do ambiente cul tural substituídas por inclinações para o bem Mas então é lícito admirarse de que no indivíduo assim educado o mal reapareça tão vigorosamente No entanto essa resposta contém igualmente a proposição que queremos refutar Na realidade não existe nenhuma extirpação do mal A investigação psicológica em sentido mais rigoroso a psicanalítica mostra isto sim que a essência mais profunda do homem consiste em impulsos instintuais de natureza elementar que são iguais em todos os indivíduos e que objetivam a satisfação de certas necessidades originais Esses impulsos instintuais não são bons nem maus em si Nós os classificamos dessa forma a eles e a suas mani festações conforme sua relação com as necessidades e exigências da sociedade humana Há que admitir que todos os impulsos que a comunidade proíbe como sendo maus tomemos como representativos os egoístas e os cruéis estão entre os primitivos Esses impulsos primitivos percorrem um longo caminho de desenvolvi mento até chegarem a se tornar ativos no adulto São inibidos desviados para outras metas e outros âmbitos fundemse uns com os outros trocam seus objetos dirigemse em parte para a própria pessoa Formações reativas contra certos instintos criam a ilusão de uma mudança em seu conteúdo como se o egoísmo se tornasse altruísmo e a crueldade compaixão Tais formações reativas são favorecidas pelo fato de que alguns impulsos instintuais aparecem em pares de opostos quase que desde o início algo digno de nota e estranho para o conhecimento popular denominado de ambivalência afetiva O mais fácil de observar e de apreender com a inteligência é o fato de o amor intenso e o ódio intenso surgirem com muita frequência unidos na mesma pessoa A isso 163225 a psicanálise acrescenta que não é raro os dois impulsos afetivos tomarem a mesma pessoa por objeto Somente depois da superação de todas essas vicissitudes instintuais se forma o que chamamos de caráter de uma pessoa e que sabidamente é classi ficado de bom ou mau de maneira muito precária Um ser humano é rara mente bom ou mau por inteiro em geral é bom nesse aspecto mau naquele outro ou bom em determinadas circunstâncias e decididamente mau em outras Interessante é descobrir que a preexistência infantil de fortes impulsos maus tornase frequentemente a condição para um claríssimo pendor do adulto para o bem As crianças mais fortemente egoístas podem vir a ser os mais prestativos e abnegados cidadãos os entusiastas da com paixão filantropos e protetores de animais resultaram em sua maioria de pequenos sádicos e torturadores de bichos A transformação dos instintos maus é obra de dois fatores que atuam no mesmo sentido um interno e outro externo O fator interno consiste na in fluência exercida nos instintos maus egoístas digamos pelo erotismo pela necessidade humana de amor no sentido mais amplo Pela intromissão dos componentes eróticos os instintos egoístas são transformados em sociais Aprendese a estimar como uma vantagem ser amado vantagem pela qual se pode renunciar a outras O fator externo é a coação exercida pela educação que representa as demandas do ambiente civilizado e que depois prossegue no influxo direto do meio cultural A civilização foi adquirida pela renúncia à sat isfação instintual e exige de cada recémchegado essa mesma renúncia Durante a vida individual há uma contínua transformação de coação externa em coação interna As influências culturais levam a que tendências egoístas cada vez mais se convertam em altruístas sociais pela adjunção de elementos eróticos Enfim é lícito supor que toda coação interna que se faz notar no desenvolvimento do ser humano era originalmente ou seja na história da hu manidade apenas coação externa As pessoas que hoje vêm ao mundo trazem consigo como organização herdada alguma tendência predisposição para 164225 transformar os instintos egoístas em sociais à qual bastam leves incitamentos para realizar essa transformação Outra parcela dessa transformação instintual tem que ser efetuada na vida mesma Desse modo o ser individual se encontra não apenas sob o influxo do seu meio cultural presente mas está sujeito tam bém à influência da história cultural de seus antepassados Se chamarmos de aptidão para a cultura a capacidade de um homem mudar os instintos egoístas por influência do erotismo poderemos dizer que ela con siste de duas partes uma inata e outra adquirida na vida e que a relação das duas entre si e com a parte não transformada da vida instintual é bastante variável Em geral tendemos a atribuir demasiada importância à parte inata e além disso corremos o perigo de superestimar a aptidão total para a cultura em sua relação com a vida instintual que permaneceu primitiva isto é somos levados a julgar os homens melhores do que são na realidade Pois há ainda um outro fator que turva nosso julgamento e falseia o resultado num sentido favorável Naturalmente os impulsos instintuais de outro ser humano escapam à nossa percepção Nós os inferimos de seus atos e sua conduta que remontamos a motivos oriundos de sua vida instintual Tal inferência falha necessariamente em certo número de casos As mesmas ações culturalmente boas podem num caso proceder de motivos nobres e em outro não Os teóricos da ética de nominam bons apenas os atos que são expressão de impulsos instintuais bons e negam aos demais esse reconhecimento A sociedade conduzida por intenções práticas em geral não se preocupa com essa distinção contentase em que um homem regule seu comportamento e seus atos pelos preceitos da cultura e pouco interroga por seus motivos Vimos que a coação externa que a educação e o meio exercem contribui ainda para mudar a vida instintual da pessoa em direção ao bem para trans formar seu egoísmo em altruísmo Mas esse não é o efeito necessário ou regu lar da coação externa A educação e o meio não têm apenas brindes de amor a 165225 oferecer mas trabalham também com prêmios de outro tipo com recompensa e castigo Então podem manifestar o efeito de que o indivíduo sujeito à sua influência decidase pela boa conduta no sentido cultural sem que nele tenha ocorrido um enobrecimento instintual uma transformação de pendores egoís tas em sociais O resultado será grosso modo o mesmo apenas em circunstân cias especiais se notará que uma pessoa sempre age bem porque suas inclin ações instintuais a obrigam a fazêlo e uma outra é boa apenas enquanto e na medida em que esse comportamento cultural traz vantagens para suas in tenções egoístas Mas num conhecimento superficial do indivíduo não teremos como distinguir entre os dois casos e certamente nosso otimismo nos levará a superestimar bastante o número das pessoas culturalmente mudadas A sociedade civilizada que promove a boa ação e não se preocupa com a fundamentação instintual da mesma conquistou então para a obediência cul tural um bom número de indivíduos que nisso não acompanham sua natureza Encorajada por este sucesso ela se viu levada a aumentar ao máximo a tensão das exigências morais obrigando os seus membros a um distanciamento ainda maior de sua disposição instintual A eles é imposta então uma contínua repressão instintual cuja tensão vem a se manifestar nos mais singulares fenô menos reativos e compensatórios No âmbito da sexualidade em que é mais difícil efetuar essa repressão ocorrem os fenômenos reativos das afecções neuróticas De resto é verdade que a pressão da cultura não traz consequências patológicas mas se exprime em malformações de caráter e na permanente propensão de os instintos inibidos irromperem em busca de satisfação quando a oportunidade se apresenta Quem é assim obrigado a reagir continuamente segundo preceitos que não são expressão de seus pendores instintuais vive acima de seus meios psicologicamente falando e pode objetivamente ser des ignado como um hipócrita esteja ele consciente ou não dessa discrepância É inegável que nossa atual civilização favorece de maneira extraordinária a produção de tal espécie de hipocrisia Podemos ousar afirmar que ela está edi ficada sobre essa hipocrisia e que teria que admitir profundas mudanças caso 166225 as pessoas se propusessem viver conforme a verdade psicológica Portanto ex istem muito mais hipócritas culturais do que homens realmente civilizados podendose mesmo considerar o ponto de vista de que um certo grau de hipo crisia cultural seja indispensável para a manutenção da cultura porque a aptidão cultural já estabelecida nos homens de hoje talvez não bastasse para essa realização Por outro lado a manutenção da cultura ainda que sobre uma base tão duvidosa oferece a perspectiva de preparar o caminho em cada nova geração para uma transformação instintual mais ampla portadora de uma cul tura melhor Das discussões precedentes retiramos o consolo de que era injustificada nossa amargura e dolorosa desilusão pela conduta incivilizada de nossos con cidadãos do mundo nesta guerra Fundavase numa ilusão a que nos havíamos entregado Na realidade eles não desceram tão baixo como receávamos porque não tinham se elevado tanto como acreditávamos O fato de os grandes indivíduos humanos os povos e Estados terem abandonado entre si as limitações morais tornouse para eles uma compreensível instigação a subtrairse por um momento à duradoura pressão da cultura e permitir tem porariamente satisfação a seus instintos refreados É provável que nisso a re lativa moralidade no interior de cada povo não tenha sofrido qualquer ruptura Podemos aumentar a compreensão da mudança operada pela guerra em nossos excompatriotas porém e tirar daí uma advertência para não cometer injustiça para com eles Pois os desenvolvimentos psíquicos têm uma peculiar idade que não se acha em nenhum outro processo de desenvolvimento Quando uma aldeia cresce e se torna uma cidade ou um menino se torna um homem a aldeia e o menino desaparecem na cidade e no homem Somente a lembrança pode inscrever os antigos traços na nova imagem na realidade os antigos materiais ou formas foram eliminados e substituídos por novos Sucede de outro modo num desenvolvimento psíquico Não podemos descrever o es tado de coisas que a nada pode ser comparado senão afirmando que todo es tágio de desenvolvimento anterior permanece conservado junto àquele 167225 posterior que se fez a partir dele a sucessão também envolve uma coexistên cia embora se trate dos mesmos materiais em que transcorreu toda a série de mudanças O estado anímico anterior pode não ter se manifestado durante anos mas continua tão presente que um dia pode novamente se tornar a forma de expressão das forças anímicas a única mesmo como se todos os desenvol vimentos posteriores tivessem sido anulados desfeitos Essa extraordinária plasticidade dos desenvolvimentos anímicos não é irrestrita quanto à sua direção podemos descrevêla como uma capacidade especial para a involução regressão pois bem pode ocorrer que um estágio de desenvolvimento ulterior e mais elevado que foi abandonado não possa mais ser atingido Mas os estados primitivos sempre podem ser restabelecidos o que é primitivo na alma é imperecível no mais pleno sentido As chamadas doenças mentais produzem inevitavelmente no leigo a im pressão de que a vida intelectual e psíquica foi destruída Na realidade a destruição toca apenas a conquistas e desenvolvimentos posteriores A essência da doença mental reside na volta a estados anteriores da vida afetiva e do fun cionamento Um ótimo exemplo da plasticidade da vida anímica nos é dado pelo estado do sono que buscamos a cada noite Desde que aprendemos a traduzir também sonhos loucos e confusos sabemos que toda vez que dormi mos nos livramos de nossa moralidade penosamente conquistada como fazemos com uma roupa para novamente vestila na manhã seguinte Esse desnudamento é sem dúvida inócuo pois devido ao sono estamos paralisados condenados à inação Apenas o sonho pode informar sobre a regressão de nossa vida afetiva a um dos mais antigos estágios de desenvolvimento É digno de nota por exemplo que todos os nossos sonhos sejam dominados por motivos puramente egoístas Um de meus amigos ingleses defendeu essa tese num encontro científico na América ao que uma senhora presente fez a obser vação de que isso talvez fosse correto quanto à Áustria mas ela podia assever ar de si mesma e de seus amigos que também nos sonhos eles tinham senti mentos altruístas Meu amigo embora também da raça inglesa teve de 168225 contradizer energicamente a senhora com base em suas próprias experiências na análise de sonhos afirmou que no sonho uma nobre americana é tão egoísta quanto uma austríaca Portanto também a transformação instintual em que se baseia nossa aptidão para a cultura pode ser desfeita duradoura ou temporariamente por interferências da vida Não há dúvida de que a influência da guerra está entre os poderes capazes de produzir tal involução e por isso não precisamos negar aptidão para a cultura a todos aqueles que atualmente se conduzem de modo incivilizado e podemos esperar que em tempos mais tranquilos se restabeleça o enobrecimento de seus instintos Mas há um outro sintoma de nossos concidadãos do mundo que talvez nos tenha surpreendido e horrorizado não menos que a queda tão dolorosamente sentida de seu nível ético Refirome à ausência de discernimento mostrada pelos melhores intelectos sua incorrigibilidade inacessibilidade aos mais forçosos argumentos sua credulidade acrítica ante as mais discutíveis afirm ações Isso ocasiona um quadro bem triste e quero sublinhar expressamente que de modo algum vejo como um partidário enceguecido todos os desacer tos intelectuais apenas num dos dois lados Esse fenômeno porém ainda é mais fácil de explicar e bem menos preocupante que aquele tratado antes Filósofos e estudiosos do ser humano já nos ensinaram há muito que nos equi vocamos em tomar nossa inteligência como um poder autônomo e ignorar sua dependência da vida afetiva Nosso intelecto segundo eles só pode trabalhar confiavelmente se estiver a salvo das ingerências de poderosos impulsos afet ivos caso contrário ele se comporta como um simples instrumento nas mãos de uma vontade fornecendo o resultado que esta o incumbiu de obter Port anto argumentos lógicos são impotentes em face de interesses afetivos e por isso a disputa com argumentos que na frase de Falstaff são abundantes como as amoras é tão infrutífera no mundo dos interesses A experiência psicanalít ica enfatizou ainda mais se é possível tal afirmação Ela pode demonstrar di ariamente que as pessoas mais argutas subitamente se comportam como 169225 imbecis tão logo o discernimento buscado se defronta com uma resistência emocional mas também voltam a compreender tudo quando essa resistência é superada A cegueira lógica que essa guerra como que por magia produziu justamente em muitos de nossos melhores cidadãos é portanto um fenômeno secundário uma consequência da excitação de afetos destinada assim esper amos a desaparecer com ela Se desse modo voltarmos a compreender os concidadãos que haviam se tor nado estranhos para nós suportaremos com maior facilidade a decepção que nos prepararam os grandes indivíduos da humanidade os povos pois as exigências que lhes poderemos colocar serão muito mais modestas Eles talvez repitam o desenvolvimento dos indivíduos e nos apareçam ainda hoje em es tágios bem primitivos de organização de formação de unidades superiores Correspondendo a isso o fator educativo da coação externa para a moralidade que achamos tão eficaz no indivíduo dificilmente se encontra neles Tínhamos esperança é verdade de que a grande comunidade de interesses gerada pelo comércio e a produção representasse o início de uma tal coação mas no mo mento os povos parecem obedecer muito mais a suas paixões do que a seus in teresses No máximo utilizamse dos interesses para racionalizar as paixões colocam à frente os interesses para justificar a satisfação das paixões Por que os povosindivíduos de fato se menosprezam se odeiam se execram e isso também em períodos de paz cada nação fazendo o mesmo é algo certamente enigmático Eu não sei o que dizer sobre isso É como se todas as conquistas morais do indivíduo se apagassem quando se junta um bom número ou mesmo milhões de pessoas e restassem apenas as atitudes mais primitivas mais anti gas e cruas Talvez apenas desenvolvimentos por vir possam mudar algo nesse lamentável estado de coisas No entanto um pouco mais de franqueza e vera cidade em todos os lados nas relações das pessoas entre si e entre elas e aqueles que as governam poderia também aplanar o terreno para essa mudança 170225 II NOSSA ATITUDE PERANTE A MORTE O segundo fator que me leva a concluir que nos sentimos estrangeiros neste mundo outrora belo e familiar é a perturbação ocorrida na atitude que até agora mantínhamos em face da morte Essa atitude não era franca Para quem nos ouvisse naturalmente nos dis púnhamos a sustentar que a morte é o desfecho necessário de toda vida que cada um de nós deve à natureza uma morte e tem de estar preparado para sal dar a dívida em suma que a morte é natural incontestável e inevitável Mas na realidade nós agíamos como se as coisas fossem diferentes Manifestávamos a inconfundível tendência de pôr a morte de lado de eliminála da vida Procurávamos reduzila ao silêncio temos um provérbio que diz Pensar em algo como na morte Como na sua própria naturalmente Pois a própria morte é também inconcebível e por mais que tentemos imaginála notaremos que continuamos a existir como observadores De modo que na escola psic analítica pudemos arriscar a afirmação de que no fundo ninguém acredita na própria morte ou o que vem a significar o mesmo que no inconsciente cada um de nós está convencido de sua imortalidade No tocante à morte de outra pessoa o homem civilizado evita cuida dosamente falar dessa possibilidade quando aquele destinado a morrer pode escutálo Apenas as crianças ignoram tal restrição elas ameaçam despreocu padamente umas às outras com a ideia da morte e chegam a dizer na cara de alguém que amam coisas desse tipo Querida mamãe quando você morrer vou fazer isso e aquilo O adulto cultivado não pode admitir nem em pensamento a morte de outrem sem considerarse duro e malvado a menos que lide profissionalmente com a morte como advogado médico etc E não se permitirá fazêlo principalmente se tal evento estiver relacionado a algum 171225 ganho em matéria de liberdade propriedade posição Sem dúvida as mortes não deixam de ocorrer por causa desse nosso sentimento terno Quando acontecem a cada vez somos atingidos profundamente e como que abalados em nossa expectativa Via de regra enfatizamos a natureza casual da morte um acidente uma doença infecção ou idade avançada e desse modo traímos o nosso empenho em vêla como algo fortuito em vez de necessário Um grande número de mortes nos parece terrível ao extremo Diante do morto assumimos uma atitude particular quase que uma admiração por alguém que realizou algo muito difícil Nós nos abstemos de toda crítica a ele relevamos qualquer erro de sua parte sentenciamos que de mortuis nil nisi bene não se fale mal dos mortos e achamos natural que na oração fúnebre e no epitáfio falese apenas o que lhe for lisonjeiro A consideração pelo morto que afinal já não necessita dela é por nós colocada acima da verdade e pela maioria de nós também acima da consideração pelos vivos Essa postura culturalconvencional diante da morte é complementada pelo total colapso que sofremos quando morre alguém que nos é próximo um gen itor ou cônjuge um irmão filho ou amigo precioso Enterramos com ele todas as nossas esperanças ambições alegrias ficamos inconsoláveis e nos recusam os a substituir aquele que perdemos Nós nos comportamos como os asra que morrem quando morrem aqueles que amam Mas essa nossa atitude para com a morte tem um poderoso efeito em nossa vida A vida empobrece perde algo do interesse quando a mais elevada aposta no jogo da vida isto é ela mesma não pode ser arriscada Ela fica insossa in substancial como um flerte americano digamos no qual se sabe desde o início que nada ocorrerá à diferença de uma relação amorosa no Continente na qual ambas as partes devem a cada instante ter em mente as sérias consequências possíveis Os nossos vínculos afetivos a insuportável intensidade de nosso luto nos tornam pouco inclinados a buscar perigos para nós mesmos e os nos sos Não ousamos considerar muitas empresas que são perigosas mas ne cessárias como as tentativas de voar as expedições em terras distantes os 172225 experimentos com substâncias explosivas Paralisanos o pensamento de quem haverá de substituir o filho para a mãe o marido para a mulher o pai para os filhos caso aconteça um desastre A tendência a excluir a morte dos cálculos da vida traz consigo muitas outras renúncias e exclusões No entanto o lema da Liga Hanseática dizia Navigare necesse est vivere non necesse Navegar é preciso viver não é preciso Então é inevitável que busquemos no mundo da ficção na literatura no teatro substituto para as perdas da vida Lá encontramos ainda pessoas que sabem morrer e que conseguem até mesmo matar uma outra E apenas lá se verifica a condição sob a qual poderíamos nos reconciliar com a morte de que por trás de todas as vicissitudes da vida nos restasse ainda uma vida intacta Pois é muito triste que na vida suceda como num jogo de xadrez em que um movimento errado pode nos levar a perder a partida com a diferença de não podermos iniciar uma nova partida uma revanche No reino da ficção encon tramos a pluralidade de vidas de que temos necessidade Morremos na identi ficação com um herói mas sobrevivemos a ele e já estamos prontos a morrer uma segunda vez com outro igualmente incólumes É evidente que a guerra afastará esse tratamento convencional da morte Não é mais possível negar a morte temos de crer nela As pessoas morrem de fato e não mais isoladamente mas em grande número às vezes dezenas de milhares num só dia Isso já não é acaso Certamente ainda parece casual que uma bala atinja este ou aquele outro mas uma segunda bala pode atingir mais outro e o acúmulo põe fim à impressão de acaso A vida se tornou novamente interessante recuperou seu pleno conteúdo Aqui se deveria fazer uma distinção entre dois grupos os que arriscam a vida na batalha e os que permanecem em casa à espera somente de perderem um dos seus entes queridos por ferimento doença ou infecção Claro que seria muito interessante estudar as modificações na psicologia dos combatentes mas não sei o bastante a respeito disso Devemos nos ater ao segundo grupo ao qual pertencemos Já expressei minha opinião de que o desnorteio e a paralisia 173225 da capacidade dos quais sofremos seriam determinados essencialmente entre outras coisas pelo fato de não podermos conservar nossa atitude anterior frente à morte e não termos ainda encontrado uma nova Nisso talvez ajude apontarmos nossa investigação psicológica para duas outras relações com a morte aquela que podemos atribuir ao homem da préhistória e aquela que ainda se mantém em cada um de nós mas se esconde invisível para a nossa consciência em camadas profundas de nossa vida psíquica Quanto à atitude do homem préhistórico diante da morte naturalmente só podemos conhecêla mediante inferências e construções mas acho que esses meios nos deram informações razoavelmente confiáveis O homem primevo comportouse de modo bem peculiar frente à morte De maneira nada coerente antes contraditória Por um lado levou a morte a sério reconheceua como abolição da vida e serviuse dela nesse sentido mas por outro lado também negou a morte rebaixandoa a nada O que tornava pos sível tal contradição era o fato de ele assumir ante a morte do outro do desconhecido do inimigo uma postura radicalmente diferente da que assumia ante a sua própria A morte do outro lhe era justa significava a eliminação do que era odiado e o homem primevo não tinha escrúpulo em executála Ele era sem dúvida um ser muito passional mais cruel e mais malvado que outros bichos Assassinava com gosto e como se fosse algo óbvio Não precisamos atribuirlhe o instinto que impediria outros animais de matar e devorar seres da mesma espécie A história primeva da humanidade é plena de assassinatos portanto Ainda hoje aquilo que nossos filhos aprendem na escola sob o nome de História Universal é na essência uma longa série de matanças de povos O obscuro sentimento de culpa a que está sujeita a humanidade desde os tempos pré históricos que em muitas religiões condensouse na ideia de uma culpa primor dial de um pecado original é provavelmente expressão de uma dívida de sangue em que a humanidade primeva incorreu No livro Totem e tabu 1913 174225 procurei seguindo indicações de Robertson Smith Atkinson e Darwin descobrir a natureza dessa antiga culpa e creio que ainda hoje a doutrina cristã nos permite inferila retrospectivamente Se o filho de Deus teve que sacrificar a vida para redimir a humanidade do pecado original então segundo a regra de talião de pagamento com igual moeda esse pecado deve ter sido uma morte um assassinato Apenas isso poderia requerer o sacrifício de uma vida para a sua expiação E se o pecado original foi uma ofensa contra DeusPai o crime mais antigo da humanidade deve ter sido um parricídio o assassínio do pai primevo da horda humana primitiva cuja imagem ou lembrança foi depois transfigurada em divindade1 Para o homem primevo sua própria morte era certamente tão irreal e in imaginável quanto ainda hoje é para cada um de nós Mas havia um caso em que as duas atitudes opostas perante a morte se chocavam e entravam em con flito e esse caso tornouse muito significativo e rico em consequências de vasto alcance Sucedia quando o homem primevo via morrer um dos seus sua mulher seu filho seu amigo que ele sem dúvida amava como nós aos nossos pois o amor não pode ser muito mais novo que o prazer em matar Então na sua dor ele teve que aprender que também ele podia morrer e todo o seu ser revoltouse contra tal admissão pois cada um desses amores era um pedaço de seu próprio amado Eu Por outro lado essa morte também era justa para ele pois em cada um desses amores havia também um quê de estrangeiro A lei da ambivalência dos sentimentos que ainda hoje domina as relações afetivas com as pessoas que mais amamos certamente vigorava com amplitude ainda maior na préhistória Assim esses amados falecidos tinham sido também estranhos e inimigos que haviam despertado nele uma parcela de sentimentos hostis2 Os filósofos afirmaram que o enigma intelectual posto ao homem primitivo pela imagem da morte o obrigou a refletir e veio a ser o ponto de partida de toda especulação Acho que aí os filósofos pensam muito filosoficamente não cuidando dos motivos primariamente operantes Por isso eu gostaria de limitar e corrigir a afirmação O homem primevo teria triunfado junto ao 175225 corpo do inimigo abatido mas sem ver razão para quebrar a cabeça com os en igmas da vida e da morte Não seria o enigma intelectual nem qualquer morte que teria liberado a pesquisa humana mas sim o conflito de sentimentos por ocasião da morte de pessoas amadas e ao mesmo tempo estranhas e odiadas Desse conflito de sentimentos nasceu em primeiro lugar a psicologia O homem não podia mais manter a morte a distância já que a havia provado na dor pelos falecidos mas não queria admitila por não poder imaginarse morto Então incorreu em compromissos admitiu a morte também para si mas contestoulhe o significado de aniquilamento da vida algo que não tivera motivos para fazer quando da morte de um inimigo Junto ao cadáver de al guém que amara ele inventou espíritos e a consciência de culpa pela satisfação que se mesclava ao luto fez com que tais espíritos recémcriados se tornassem maus demônios que inspiravam medo As modificações trazidas pela morte o levaram a decompor o indivíduo em um corpo e uma alma originalmente várias almas De tal maneira o seu curso de pensamento seguia paralelo ao processo de desintegração que a morte introduz A contínua lembrança dos falecidos tornouse a base para supor outras formas de existência deulhe a ideia de uma sobrevida após a morte aparente No início essas existências posteriores eram somente apêndices àquela ar rematada pela morte espectrais vazias de substância e menosprezadas até uma época tardia ainda possuíam o caráter de mísero expediente Recordemos o que a alma de Aquiles responde a Ulisses Pois antes quando eras vivo nós Argivos te dávamos honras iguais às dos deuses e agora reinas poderosamente sobre os mortos tendo vindo para aqui não te lamentes por teres morrido ó Aquiles Assim falei e ele tomando a palavra respondeume deste modo Não tentes reconciliarme com a morte ó glorioso Ulisses Eu preferiria estar na terra como servo de outro 176225 até de homem sem terra e sem grande sustento do que reinar aqui sobre todos os mortos Odisseia canto xi versos 48491 Ou na vigorosa e amarga paródia de Heine O menor vivente filisteu Numa aldeia à beira do Neckar é mais feliz do que eu o Pélida o herói defunto O príncipeespectro do ínfero mundo Apenas mais tarde as religiões vieram a proclamar essa outra existência mais preciosa e plenamente válida reduzindo a uma mera preparação a vida que termina com a morte Depois disso foi algo apenas consequente prolongar a vida no passado inventar existências anteriores a transmigração das almas e a reencarnação tudo com o propósito de roubar à morte seu significado de ab olição da vida Foi assim cedo que teve início a negação da morte que desig namos como culturalconvencional Junto ao corpo da pessoa amada surgiram não só a doutrina da alma a crença na imortalidade e uma poderosa fonte da consciência de culpa humana mas também os primeiros mandamentos éticos A primeira e mais significativa proibição feita pela consciência que despertava foi Não matarás Foi ad quirida ante o morto amado como reação frente à satisfação do ódio que se escondia por trás do luto e gradualmente estendeuse ao estranho não amado e por fim também ao inimigo Neste último caso não é mais sentida pelo homem civilizado Quando a selvagem luta dessa guerra estiver decidida cada um dos combatentes vitoriosos retornará feliz para o lar para sua mulher e seus filhos desimpedido e sem perturbarse com a lembrança dos inimigos que matou em corpo a corpo ou por armas de longo alcance É digno de nota que os povos primitivos que 177225 ainda se acham na terra e que certamente estão mais próximos do homem primevo do que nós conduzemse de maneira diferente nesse ponto ou conduziamse na medida em que não tenham ainda experimentado a influên cia de nossa cultura O selvagem australiano bosquímano fueguino não é absolutamente um matador sem remorso ao retornar vitorioso de uma ex pedição guerreira ele não pode pisar o chão de sua aldeia nem tocar em sua mulher sem antes expiar por meio de penitências às vezes prolongadas e tra balhosas os atos assassinos que cometeu na guerra É fácil naturalmente at ribuir isso à superstição o selvagem ainda teme a vingança dos espíritos dos que abateu Mas os espíritos dos inimigos abatidos não são outra coisa que a expressão de sua má consciência devido à dívida de sangue por trás dessa superstição está um quê de sensibilidade ética que nós homens civilizados já perdemos Almas piedosas que bem gostariam de ver nossa natureza longe do contato com o que for mau e vulgar certamente não perderão a oportunidade de fazer a partir da precocidade e do caráter imperioso da proibição de matar inferên cias confortantes a respeito da força dos impulsos éticos que estariam arrai gados em nós Mas infelizmente esse argumento prova antes o contrário Uma proibição tão forte pode se dirigir apenas a um impulso igualmente forte O que nenhuma alma humana cobiça não é necessário proibir excluise por si mesmo A própria ênfase da proibição Não matarás dános a certeza de vir de uma interminável série de gerações de assassinos nos quais o prazer em matar como talvez em nós mesmos ainda estava no sangue As aspirações ét icas da humanidade cujo vigor e importância não carece discutir são uma conquista da história humana em medida infelizmente muito instável tornaramse patrimônio herdado dos homens de hoje Deixemos agora o homem primevo voltandonos para o inconsciente em nossa própria vida psíquica Aqui nos apoiamos inteiramente no método de in vestigação da psicanálise o único que atinge essas profundezas Qual é per guntamos a atitude de nosso inconsciente ante o problema da morte A 178225 resposta tem de ser quase a mesma daquela do homem primevo Neste como em muitos outros aspectos o homem da préhistória continua a viver inal terado em nosso inconsciente Portanto nosso inconsciente não crê na própria morte faz como se fosse imortal O que chamamos de nosso inconsciente as camadas mais profundas de nossa alma constituídas de impulsos instintuais não conhece em absoluto nada negativo nenhuma negação nele os opostos coincidem e por isso não conhece tampouco a própria morte a qual só po demos dotar de um conteúdo negativo Logo não existe em nós nada instintu al que favoreça a crença na morte Talvez esteja aí o segredo do heroísmo A fundamentação racional do heroísmo repousa no julgamento de que a própria vida da pessoa não pode ser tão valiosa quanto certos bens abstratos e univer sais Mas acho que bem mais frequente deve ser o heroísmo instintivo e im pulsivo que não considera tal motivação e enfrenta os perigos simplesmente conforme a certeza do João BatePedra de Anzengruber Nada te pode acontecer Ou tal motivação serve apenas para afastar os escrúpulos que po deriam deter a reação heroica que corresponde ao inconsciente Já o medo da morte que com frequência nos domina mais do que pensamos é algo secun dário e em geral proveniente da consciência de culpa Por outro lado admitimos a morte para estranhos e inimigos e os conden amos a ela com a mesma disposição e leveza que o homem primitivo Mas aqui há uma diferença que na realidade consideraremos decisiva Nosso incon sciente não executa o assassínio apenas o imagina e deseja Não seria justo porém subestimar tão completamente essa realidade psíquica em comparação à fática Ela é significativa e prenhe de consequências Em nossos impulsos in conscientes eliminamos a todo dia e momento todos os que nos estorvam o caminho que nos ofenderam e prejudicaram O Vá para o inferno que não raro nos vem aos lábios com mau humor brincalhão e que na verdade quer dizer Que a morte o leve é em nosso inconsciente um desejo sério e vigor oso de morte Sim o nosso inconsciente mata inclusive por ninharias como a antiga legislação ateniense de Draco não conhece outro castigo senão a morte 179225 e isso com uma certa coerência pois cada ofensa ao nosso todopoderoso e soberano Eu é no fundo um crimen laesae majestatis De modo que também nós se formos julgados por nossos desejos incon scientes somos um bando de assassinos tal como os homens primitivos É uma sorte que todos esses desejos não tenham a força que ainda lhes atribuíam os homens da préhistória no fogo cruzado das maldições recíprocas a human idade já teria há muito perecido não excluindo os melhores e mais sábios dos homens e as mais belas e amáveis entre as mulheres Com afirmações desse tipo a psicanálise não acha crédito junto à maioria dos leigos São rejeitadas como calúnias que não merecem crédito perante as asseverações da consciência e habilmente se ignoram os pequenos indícios mediante os quais o inconsciente costuma se revelar à consciência Por isso é oportuno registrar que muitos pensadores que não podem ter sido influencia dos pela psicanálise denunciaram bem claramente a disposição que nossos pensamentos secretos têm para eliminar o que nos estorva o caminho não fazendo caso da proibição de matar Entre muitos exemplos recordarei aqui apenas um que se tornou famoso Em O pai Goriot Balzac alude a uma passagem das obras de J J Rousseau na qual esse autor pergunta ao leitor o que este faria se sem deixar Paris e naturalmente sem ser descoberto pudesse matar por um simples ato de vontade um velho mandarim em Pequim cujo passamento lhe traria enorme vantagem Ele dá a entender que a vida desse dignatário não lhe parece muito garantida Tuer son mandarin matar seu mandarim tornouse uma ex pressão proverbial para essa disposição oculta que é também dos homens de hoje Há igualmente um bom número de piadas e anedotas cínicas que depõem no mesmo sentido como por exemplo a frase atribuída a um homem casado que diz Quando um de nós dois morrer eu me mudo para Paris Tais pia das cínicas não existiriam se não transmitissem uma verdade negada que não 180225 nos permitimos reconhecer quando é expressa de modo sério e franco Sabese que brincando podemos dizer até mesmo a verdade Assim como para o homem primevo também para o nosso inconsciente há um caso em que as duas atitudes opostas em relação à morte uma que a admite como aniquilação da vida outra que a nega como sendo irreal se chocam e en tram em conflito E esse caso é como na préhistória a morte ou o risco de morte de um dos nossos amores de um genitor ou cônjuge um irmão filho ou amigo dileto Esses amores são para nós uma propriedade interior compon entes de nosso próprio Eu mas também estranhos em parte e mesmo inimi gos O mais terno e mais íntimo de nossos laços amorosos tem com ressalva de bem poucas situações um quê de hostilidade que pode incitar o desejo in consciente de morte Mas o que resulta desse conflito ligado à ambivalência não é como outrora a doutrina da alma e a ética e sim a neurose que nos permite profundos relances também da vida psíquica normal Com que fre quência os médicos praticantes da psicanálise não lidaram com o sintoma da exagerada preocupação pelo bemestar dos próximos ou com autorrecrimin ações totalmente infundadas após a morte de uma pessoa amada O estudo desses casos não lhes deixou dúvidas a respeito da difusão e importância dos desejos de morte inconscientes O leigo sente um horror enorme ante a possibilidade de tais sentimentos e vê nessa aversão um fundamento legítimo para descrer das afirmações da psic análise Erradamente me parece Não se pretende fazer nenhuma degradação da nossa vida amorosa e de fato não se achará isso aqui Sem dúvida é algo distante de nosso entendimento e nossa sensibilidade juntar de tal maneira o amor e o ódio mas a natureza trabalhando com esse par de opostos logra manter o amor sempre alerta e fresco para garantilo contra o ódio que por trás o espreita É lícito dizer que os mais belos desdobramentos de nossa vida amorosa se devem à reação contra o impulso hostil que sentimos em nosso peito 181225 Façamos agora um resumo Nosso inconsciente é tão inacessível à ideia da própria morte tão ávido por matar estranhos tão dividido ambivalente em relação à pessoa amada como o homem das primeiras eras Mas como nos afastamos desse estado primevo em nossa atitude culturalconvencional diante da morte É fácil ver como a guerra interfere nessa dicotomia Ela nos despe das ca madas de cultura posteriormente acrescidas e faz de novo aparecer o homem primitivo em nós Ela nos força novamente a ser heróis que não conseguem crer na própria morte ela nos assinala os estranhos como inimigos cuja morte se deve causar ou desejar ela nos recomenda não considerar a morte de pess oas amadas Mas a guerra não pode ser eliminada enquanto as condições de existência dos povos forem tão diferentes e tão fortes as aversões entre eles há de haver guerras Então se apresenta a pergunta não deveríamos ceder e nos adaptar a ela Não deveríamos admitir que com nossa atitude cultural diante da morte vivemos psicologicamente acima de nossos meios mais uma vez e voltar atrás e reconhecer a verdade Não seria melhor dar à morte o lugar que lhe cabe na realidade e em nossos pensamentos e pôr um pouco mais à mostra nossa atitude inconsciente ante a morte que até agora reprimimos cuida dosamente Isso não parece uma realização maior seria antes um passo atrás em vários aspectos uma regressão mas tem a vantagem de levar mais em con ta a verdade e nos tornar a vida novamente suportável Suportar a vida con tinua a ser o primeiro dever dos vivos A ilusão perde o valor se nos atrapalha nisso Recordemonos do velho ditado Si vis pacem para bellum Se queres con servar a paz preparate para a guerra No momento atual caberia mudálo Si vis vitam para mortem Se queres aguentar a vida preparate para a morte 182225 Forças psíquicas seelische Triebkräfte nas versões estrangeiras consultadas fuerzas en lo anímico forze motrici psichiche forces de pulsion animiques motive forces in the mind O termo Triebkraft sempre significou tradicionalmente força motriz de uma máquina por exem plo Sabemos que o primeiro substantivo que o compõe Trieb tem sentidos e conotações mais complexos e abrangentes este é um exemplo de como vocabulário técnico e linguagem comum se juntam inextricavelmente na psicanálise Por isso os tradutores diferem nesse ponto o francês dá valor à ressonância técnica do termo os demais preferem reconhecer o sentido tradicional Impulsos instintuais Triebregungen ver nota sobre esse termo na p 25 No parágrafo seguinte se acha impulsos afetivos versão de Gefühlsregungen Repressão instintual Triebunterdrückung as versões estrangeiras consultadas oferecem yugulación sofocación répression que o tradutor distingue de refoulement reservando este para Verdrängung suppression cf nota ao ensaio A repressão acima p 83 Freud viria a matizar ou reconsiderar essa afirmação numa nota acrescentada à Interpretação dos sonhos em 1925 como indica Strachey cap v seção D final da subseção ß Isto é como algo incrível improvável Alusão ao poema Der Asra de Heinrich Heine do volume Romanzero 1851 Instinkt no original Dívida de sangue Blutschuld Oferecemos uma versão literal embora os dicionários di gam que se trata de um termo poético para homicídio ou responsabilidade por um homicí dio As versões estrangeiras consultadas são igualmente literais culpa de sangre idem delitto di sangue coulpe de sang bloodguilt mas é importante lembrar que Schuld significa ao mesmo tempo culpa e dívida Essa identificação é explorada por Friedrich Nietzsche na segunda das três dissertações do seu livro Genealogia da moral de 1887 Esse termo Schuld já apareceu no segundo parágrafo do presente ensaio onde também foi vertido por dívida numa frase em que há alusão a um verso de Shakespeare Ora deves uma morte a Deus Why thou owest God a death de Henrique iv i ato 5 cena 1 E uma palavra afim Ver schulden surge poucas linhas adiante no parágrafo atual quando é traduzida por ofensa 1 Cf O retorno infantil do totemismo último ensaio de Totem e tabu 1913 2 Ver Tabu e ambivalência segundo ensaio de Totem e tabu Citado da tradução de Frederico Lourenço Lisboa Biblioteca Editores Independentes 2008 No original Der kleinste lebendige Philister Zu Stuckert am Neckar viel glücklicher ist er Als ich der Pelide der tote Held Der Schattenfürst in der Unterwelt de acordo com Strachey são as linhas finais do poema Der Scheidende Aquele que parte de Heinrich Heine 183225 Ver Totem e tabu No original instinktiv und impulsiv No original Es kann dir nix gschehn frase do personagem Steinklopferhanns João Bate Pedras de uma comédia de Ludwig Anzengruber 18391889 dramaturgo vienense 184225 A TRANSITORIEDADE 1916 TÍTULO ORIGINAL VERGÄNGLICHKEIT PUBLICADO PRIMEIRAMENTE NO VOLUME COMEMORATIVO DAS LAND GOETHES O PAÍS DE GOETHE STUTTGART DEUTSCHE VERLAGSANSTALT 1916 PP 378 AO LADO DE CONTRIBUIÇÕES DE VÁRIOS OUTROS AUTORES DE LÍNGUA ALEMÃ TRADUZIDO DE GESAMMELTE WERKE X PP 35861 TAMBÉM SE ACHA EM STUDIENAUSGABE X PP 2237 ESTA TRADUÇÃO FOI PUBLICADA ORIGINALMENTE NO JORNAL FOLHA DE S PAULO EM 23 DE SETEMBRO DE 1989 Algum tempo atrás fiz um passeio por uma rica paisagem num dia de verão em companhia de um amigo taciturno e de um poeta jovem mas já famoso O poeta admirava a beleza do cenário que nos rodeava porém não se alegrava com ela Perturbavao o pensamento de que toda aquela beleza estava con denada à extinção pois desapareceria no inverno e assim também toda a beleza humana e tudo de belo e nobre que os homens criaram ou poderiam cri ar Tudo o mais que de outro modo ele teria amado e admirado lhe parecia despojado de valor pela transitoriedade que era o destino de tudo Sabemos que tal preocupação com a fragilidade do que é belo e perfeito pode dar origem a duas diferentes tendências na psique Uma conduz ao dolor oso cansaço do mundo mostrado pelo jovem poeta a outra à rebelião contra o fato constatado Não não é possível que todas essas maravilhas da natureza e da arte do nosso mundo de sentimentos e do mundo lá fora venham real mente a se desfazer em nada Seria uma insensatez e uma blasfêmia acreditar nisso Essas coisas têm de poder subsistir de alguma forma subtraídas às in fluências destruidoras Ocorre que essa exigência de imortalidade é tão claramente um produto de nossos desejos que não pode reivindicar valor de realidade Também o que é doloroso pode ser verdadeiro Eu não pude me decidir a refutar a transitor iedade universal nem obter uma exceção para o belo e o perfeito Mas con testei a visão do poeta pessimista de que a transitoriedade do belo implica sua desvalorização Pelo contrário significa maior valorização Valor de transitoriedade é valor de raridade no tempo A limitação da possibilidade da fruição aumenta a sua preciosidade É incompreensível afirmei que a ideia da transitoriedade do be lo deva perturbar a alegria que ele nos proporciona Quanto à beleza da natureza ela sempre volta depois que é destruída pelo inverno e esse retorno bem pode ser considerado eterno em relação ao nosso tempo de vida Vemos desaparecer a beleza do rosto e do corpo humanos no curso de nossa vida mas essa brevidade lhes acrescenta mais um encanto Se existir uma flor que floresça apenas uma noite ela não nos parecerá menos formosa por isso Tam pouco posso compreender por que a beleza e a perfeição de uma obra de arte ou de uma realização intelectual deveriam ser depreciadas por sua limitação no tempo Talvez chegue o dia em que os quadros e estátuas que hoje admiramos se reduzam a pó ou que nos suceda uma raça de homens que não mais entenda as obras de nossos poetas e pensadores ou que sobrevenha uma era geológica em que os seres vivos deixem de existir sobre a Terra mas se o valor de tudo quanto é belo e perfeito é determinado somente por seu significado para a nossa vida emocional não precisa sobreviver a ela e portanto independe da duração absoluta Essas considerações me pareceram incontestáveis mas notei que não produziam impressão no poeta e no amigo O fracasso me levou a concluir que um poderoso fator emocional estava em ação perturbando o julgamento deles e depois acreditei que eu tinha encontrado Deve ter sido uma revolta psíquica contra o luto o que depreciava para eles a fruição do belo Imaginar que essa beleza é transitória deu àqueles seres sensíveis um gosto antecipado do luto pela sua ruína e como a psique recua instintivamente diante de tudo que é dol oroso eles sentiram o seu gozo da beleza prejudicado pelo pensamento de sua transitoriedade Para o leigo o luto pela perda de algo que amamos ou admiramos parece tão natural que ele o considera evidente por si mesmo Para o psicólogo porém o luto é um grande enigma um desses fenômenos que em si não são explicados mas a que se relacionam outras coisas obscuras Nós possuímos assim imaginamos uma certa medida de capacidade amorosa chamada li bido que no começo do desenvolvimento se dirigia para o próprio Eu De pois mas ainda bastante cedo ela se dirige para os objetos os quais por assim dizer incorporamos em nosso Eu Se os objetos são destruídos ou se os per demos nossa capacidade amorosa libido é novamente liberada pode então recorrer a outros objetos em substituição ou regressar temporariamente ao Eu Mas por que esse desprendimento da libido de seus objetos deve ser um 187225 processo tão doloroso isso não compreendemos e não conseguimos explicar por nenhuma hipótese até o momento Só percebemos que a libido se apega a seus objetos e mesmo quando dispõe de substitutos não renuncia àqueles per didos Isso portanto é o luto A conversa com o poeta aconteceu no verão antes da guerra Um ano de pois rompeu a guerra e despojou o mundo de suas belezas Destruiu não só a beleza das paisagens por onde passou e as obras de arte que deparou no cam inho mas destroçou também nosso orgulho pelas realizações da cultura nosso respeito por tantos pensadores e artistas nossa esperança de uma superação fi nal das diferenças entre povos e raças Maculou a altiva imparcialidade de nossa ciência mostrou nossa vida instintiva em toda a sua nudez libertou os maus espíritos que existem em nós os que julgávamos domados para sempre por séculos de educação através das mentes mais nobres Tornou nosso país novamente pequeno e o resto do mundo novamente distante Despojounos de muitas coisas que amávamos e revelou a fragilidade de tantas outras que acreditávamos sólidas Não é de estranhar que a nossa libido tão empobrecida de objetos tenha se ligado com intensidade tanto maior àquilo que nos restou que o amor à pátria a ternura pelos mais próximos e o orgulho pelo que temos em comum tenham se fortalecido subitamente E aqueles outros bens agora perdidos tornaramse realmente sem valor para nós por terem se revelado tão frágeis e sem resistên cia Muitos entre nós pensam assim mas injustamente afirmo outra vez Creio que os que têm essa opinião e parecem dispostos a uma renúncia permanente já que o precioso não demonstrou ser durável achamse apenas em estado de luto pela perda Sabemos que o luto por mais doloroso que seja acaba natur almente Tendo renunciado a tudo que perdeu ele terá consumido também a si mesmo e nossa libido estará novamente livre se ainda somos jovens e vig orosos para substituir os objetos perdidos por outros novos possivelmente tão ou mais preciosos que aqueles Cabe esperar que não seja diferente com as perdas dessa guerra Superado o luto perceberemos que a nossa elevada 188225 estima dos bens culturais não sofreu com a descoberta da sua precariedade Reconstruiremos tudo o que a guerra destruiu e talvez em terreno mais firme e de modo mais duradouro do que antes 189225 ALGUNS TIPOS DE CARÁTER ENCONTRADOS NA PRÁTICA PSICANALÍTICA 1916 TÍTULO ORIGINAL EINIGE CHARAKTERTYPEN AUS DER PSYCHOANALYTISCHEN ARBEIT PUBLICADO PRIMEIRAMENTE EM IMAGO V 4 N 6 PP 31736 TRADUZIDO DE GESAMMELTE WERKE X PP 36491 TAMBÉM SE ACHA EM STUDIENAUSGABE X PP 22953 Quando o médico realiza o tratamento psicanalítico de um neurótico de modo algum dirige o interesse apenas ao caráter dele Quer saber antes de mais nada o que significam seus sintomas que impulsos instintuais se escondem por trás deles e mediante eles se satisfazem e que etapas foram percorridas no misterioso caminho entre os desejos instintuais e os sintomas Mas a técnica que tem de seguir obriga o médico a voltar sua curiosidade imediata para out ros objetos Ele nota que sua investigação é ameaçada por resistências que o enfermo lhe opõe e que tais resistências podem ser atribuídas ao caráter do en fermo Então é esse caráter que reclama primeiramente o seu interesse O que contraria os esforços do médico nem sempre são os traços de caráter que o paciente admite como seus e que lhe são atribuídos pelos que o cercam Frequentemente particularidades que ele parecia ter apenas em grau modesto surgem com insuspeitado vigor ou nele se manifestam atitudes que não haviam sido reveladas em outras circunstâncias da vida Nas páginas que seguem nos ocuparemos da descrição e derivação de alguns desses sur preendentes traços de caráter I AS EXCEÇÕES O trabalho psicanalítico sempre se vê defrontado com a tarefa de fazer o doente renunciar à obtenção imediata e fácil de prazer Não se pede que ele re nuncie ao prazer em geral isso não se pode esperar de nenhum ser humano e mesmo a religião tem que fundamentar sua exigência de abandono do prazer terreno com a promessa de um montante incomparavelmente maior de um prazer mais valioso Não pedese ao doente que renuncie apenas às satisfações que inevitavelmente terão consequências nocivas ele deve apenas experiment ar uma privação temporária aprender a trocar a imediata obtenção de prazer por uma mais segura ainda que adiada Em outras palavras esperase que sob a direção do médico ele realize o avanço do princípio do prazer ao princípio da realidade que diferencia o homem maduro da criança Nessa obra educativa dificilmente a melhor compreensão do médico tem papel decisivo pois via de regra ele não sabe dizer ao doente senão o que o próprio entendimento deste lhe dirá Mas não é a mesma coisa saber algo por si mesmo e ouvilo de outr em o médico assume o papel desse outro eficaz ele se utiliza da influência que uma pessoa exerce sobre a outra Ou lembrando que é costume da psicanálise pôr o que é original e radical no lugar do que é derivado e atenuado digamos que o médico se serve de algum componente do amor em sua obra educativa Provavelmente ele apenas repete numa tal educação posterior o processo que tornara possível a primeira educação Ao lado da necessidade o amor é o grande educador e o ser humano incompleto é levado pelo amor dos que lhe são próximos a respeitar os mandamentos da necessidade poupandose os castigos por sua infração Quando assim requeremos do doente uma momentânea renúncia a uma sat isfação de prazer um sacrifício a disposição de temporariamente aceitar o so frer em vista de um final melhor ou apenas a decisão de submeterse a uma necessidade que vale para todos deparamos com certos indivíduos que se opõem a tal exigência por um motivo especial Dizem que já sofreram e renun ciaram o bastante que têm direito a serem poupados de outras requisições que não se sujeitam mais a qualquer necessidade desagradável pois são exceções e pretendem continuar a sêlo Num doente desse tipo essa reivindicação foi ex acerbada na convicção de que uma providência especial zelava por ele e o pro tegeria de tais sacrifícios dolorosos Os argumentos do médico nada valem contra certezas interiores que se exteriorizam com tal força também sua in fluência fracassa de início e ele se volta para a pesquisa das fontes que ali mentam esse danoso preconceito Não há dúvida de que cada qual gostaria de verse como exceção e reivindicar prerrogativas ante os demais Mas justamente por isso deve haver uma razão especial em geral não encontrada aqui para que a pessoa se pro clame uma exceção e se comporte como tal Pode haver mais de uma razão 192225 assim nos casos que investiguei pude apontar uma peculiaridade comum aos doentes nas suas primeiras vicissitudes de vida sua neurose ligavase a uma vivência ou um sofrimento que haviam tido nos primeiros anos da infância do qual sabiam serem inocentes e que podiam considerar uma injusta desvant agem para a sua pessoa Os privilégios que eles faziam derivar dessa injustiça e a rebeldia que dela resultou contribuíram em não pouca medida para intensifi car os conflitos que depois levaram à irrupção da neurose Um desses pa cientes uma mulher assumiu essa atitude de vida ao descobrir que um dolor oso sofrimento orgânico que a impedia de alcançar seus objetivos na vida era de natureza congênita Enquanto acreditou que adquirira essa doença depois de forma casual suportoua com paciência quando lhe ficou claro que era parte do seu patrimônio hereditário tornouse rebelde O jovem que pensava ser guardado por uma providência especial fora vítima quando bebê de uma infecção transmitida casualmente por sua ama de leite e toda a sua vida posterior nutriuse das suas exigências de reparação como de uma aposenta doria por acidente sem ter ideia daquilo em que baseava suas reivindicações No seu caso informações dadas pela família confirmaram objetivamente a an álise que construiu tal resultado a partir de obscuros vestígios de lembranças e interpretações de sintomas Por razões facilmente compreensíveis não posso comunicar mais a respeito desses e de outros casos clínicos Tampouco me estenderei sobre a evidente analogia entre a deformação do caráter após longa enfermidade infantil e a conduta de povos inteiros cujo passado foi pleno de sofrimentos Mas não deixarei de mencionar uma figura criada pelo maior dos poetas em cujo caráter a reivindicação de excepcionalidade achase muito intimamente ligada ao fator da desvantagem congênita e é por ele motivada No monólogo inicial de Ricardo III de Shakespeare eis o que diz Gloucester o futuro rei Mas eu que não fui talhado para habilidades esportivas nem para corte jar um espelho amoroso que grosseiramente feito e sem a majestade do 193225 amor para pavonearme diante de uma ninfa de lascivos meneios eu privado dessa bela proporção desprovido de todo encanto pela pérfida natureza disforme inacabado enviado por ela antes do tempo para este mundo dos vivos terminado pela metade e isso tão imperfeitamente e fora de moda que os cães ladram para mim quando paro perto deles E assim já que não posso mostrarme como amante para entreter estes belos dias de galanteria resolvi portarme como vilão e odiar os frívolos prazeres deste tempo À primeira vista essa declaração de intenções talvez não se ligue ao nosso tema Ricardo parece dizer apenas o seguinte Eu me entedio nesta época ociosa e pretendo me divertir Mas como sendo disforme não posso me en treter como amante farei papel de malvado cuidarei de intrigas assassinatos e o que mais me aprouver Uma motivação tão frívola sufocaria qualquer traço de interesse do espectador se não ocultasse algo bem mais sério A peça tam bém seria psicologicamente impossível já que o poeta precisa saber criar em nós um secreto pano de fundo de simpatia pelo seu herói se devemos poder admirar sua ousadia e habilidade sem objeção interior e tal simpatia pode se basear apenas na compreensão no sentimento de uma possível afinidade in terior com ele Creio por isso que o monólogo de Ricardo não diz tudo apenas insinua e nos permite desenvolver o que foi insinuado Quando fazemos isso porém acaba a aparência de frivolidade e a amargura e a minúcia com que Ricardo pintou sua deformidade cobram seu pleno efeito e para nós se torna claro o senso de comunhão que induz nossa simpatia também por um malvado como ele Então o significado seria A natureza cometeu uma grave injustiça comigo ao me negar as belas proporções que conquistam o amor humano A vida me deve por isso uma reparação que eu tratarei de conseguir Eu tenho o direito de ser uma exceção de não me importar com os escrúpulos que detêm os outros Posso ser injusto pois houve injustiça comigo Agora sentimos 194225 que nós mesmos poderíamos ser como Ricardo e até que já o somos em pequena escala Ele é uma gigantesca ampliação de um aspecto que achamos também em nós Todos nós cremos ter motivo para nos irritar com a natureza e o destino por desvantagens congênitas e infantis todos exigimos reparação por antigos agravos ao nosso narcisismo ao nosso amorpróprio Por que a natureza não nos deu os dourados cachos de cabelo de Balder ou a força de Siegfried ou a excelsa fronte do gênio ou os nobres traços de um aristocrata Por que nascemos numa casa simples e não no palácio real Ser belo e nobre seria tão bom para nós quanto é para todos os que agora temos de invejar por isso Mas é uma sutil economia da arte do poeta o fato de ele não deixar que seu herói exprima de forma aberta e integral todos os segredos de sua motivação Assim ele nos obriga a completálos solicita a nossa atividade intelectual afastaa do pensamento crítico e nos mantêm presos à identificação com o her ói Em seu lugar um ignorante daria expressão consciente a tudo o que ele pretende nos comunicar e se defrontaria com a nossa inteligência fria e desem baraçada que torna impossível o aprofundamento da ilusão Antes de abandonarmos as exceções porém observemos que tem o mesmo fundamento a reivindicação das mulheres por privilégios e dispensa de muitas restrições da vida Conforme aprendemos no trabalho psicanalítico as mulheres se veem como prejudicadas na infância imerecidamente privadas de um pedaço e relegadas a segundo plano e o amargor de muitas filhas para com suas mães tem raiz afinal na objeção de que as trouxeram ao mundo como mulheres em vez de homens II OS QUE FRACASSAM NO TRIUNFO 195225 O trabalho psicanalítico nos legou a tese de que as pessoas adoecem neurotica mente devido à frustração Referimonos à frustração da satisfação dos desejos libidinais e um longo rodeio se faz preciso para compreender essa tese Pois o surgimento da neurose requer um conflito entre os desejos libidinais de uma pessoa e a parte do seu ser que denominamos seu Eu que é expressão de seus instintos de autoconservação e que inclui os ideais que tem de seu próprio ser Um tal conflito patológico surge apenas quando a libido quer se lançar por vi as e metas há muito superadas e condenadas por seu Eu que então as proibiu para sempre e isso a libido faz somente quando lhe é tirada a possibilidade de uma satisfação ideal adequada ao Eu Assim a privação a frustração de uma real satisfação tornase a primeira condição para o surgimento da neurose embora não seja absolutamente a única Tanto maior será a surpresa mesmo a confusão quando o médico descobre que às vezes as pessoas adoecem justamente quando veio a se realizar um desejo profundamente arraigado e há muito tempo nutrido É como se elas não aguentassem a sua felicidade pois não há como questionar a relação causal entre o sucesso e a doença No tocante a isso tive oportunidade de examinar o caso de uma mulher que agora descreverei como sendo típico dessas trágicas vicissitudes De boa família e bem educada quando jovem não pôde refrear sua vontade de viver deixando a casa paterna e aventurandose pelo mundo até conhecer um artista que soube apreciar seu encanto feminino e também vislumbrar a fina natureza daquela moça rebaixada Acolheua em sua casa e nela teve uma fiel companheira para cuja felicidade completa parecia faltar apenas a reabilit ação na sociedade Após anos de vida em comum ele conseguiu que a sua família fizesse amizade com ela e pretendia tornála sua esposa diante da lei Foi então que ela começou a malograr Negligenciou a casa de que se tornaria a senhora legal acreditouse perseguida pelos parentes que desejavam aceitála na família obstruiu as relações sociais do companheiro mediante um absurdo 196225 ciúme impediu o seu trabalho artístico e depois sucumbiu a uma incurável doença psíquica Uma outra observação me revelou um homem bastante respeitável que professor universitário por muitos anos alimentara o compreensível desejo de suceder na cátedra o seu mestre que o havia introduzido na ciência Quando após o afastamento desse senhor os colegas lhe participaram que somente ele poderia sucedêlo começou a hesitar diminuiu seus méritos declarouse in digno de assumir a posição que lhe destinavam e caiu numa melancolia que nos anos seguintes o deixou incapaz de qualquer atividade Embora diferentes em vários aspectos esses dois casos coincidem em que a enfermidade aparece quando da realização do desejo e põe fim à fruição desta Não é insolúvel a contradição entre essas observações e a tese de que as pessoas adoecem devido à frustração Ela vem a ser abolida pela distinção entre uma frustração externa e uma interna Se o objeto no qual a libido pode se satisfazer falta na realidade eis uma frustração externa Por si ela não tem efeito não é patogênica enquanto não se junta a ela uma frustração interna Esta precisa originarse do Eu e contrariar o acesso da libido a outros objetos de que ela agora quer se apoderar Só então surge o conflito e a possibilidade de um adoecimento neurótico isto é de uma satisfação substituta pela via in direta do inconsciente reprimido Portanto a frustração interna deve ser con siderada em todos os casos mas não produz efeito até que a real frustração ex terna tenha preparado o terreno para ela Nos casos excepcionais em que as pessoas adoecem com o êxito a frustração interna atuou por si só e realmente só apareceu depois que a frustração externa deu lugar à realização do desejo À primeira vista há algo surpreendente nisso mas uma reflexão mais detida nos lembra que não é incomum o Eu tolerar um desejo como sendo inócuo quando ele existe somente na fantasia e parece distante de se realizar e oporse fortemente a ele quando está próximo de se concretizar e ameaça tornarse realidade Ante situações conhecidas de formação da neurose a diferença está em que geralmente são intensificações interiores do investimento libidinal que 197225 transformam a fantasia até então menosprezada e tolerada num adversário temido enquanto nos nossos casos o sinal para a irrupção do conflito é dado por uma real mudança exterior O trabalho analítico nos mostra com facilidade que são forças da consciên cia que impedem o indivíduo de retirar da feliz modificação real o proveito longamente ansiado Mas é tarefa difícil averiguar a natureza e a origem dessas tendências julgadoras e punitivas que nos espantam com sua existência ali onde não esperávamos encontrálas Por razões já conhecidas não pretendo discutir o que sabemos ou conjecturamos a respeito disso mediante casos da observação médica mas com personagens inventados por grandes escritores a partir da abundância de seu conhecimento da alma Uma pessoa que entra em colapso ao alcançar o êxito depois de têlo bus cado com imperturbável energia é lady Macbeth de Shakespeare Nela não se vê antes nenhuma hesitação ou sinal de luta interior nenhum empenho senão o de vencer os escrúpulos de um marido ambicioso mas de sentimentos brandos Até sua feminilidade ela se dispõe a sacrificar ao desígnio de assas sinato sem refletir no papel decisivo que deverá ter essa feminilidade quando chegar o momento de preservar o objetivo de sua ambição alcançado medi ante um crime Ato i cena 5 Vinde espíritos sinistros Que servis aos desígnios assassinos Dessexuaime Vinde a meus seios de mulher E tornai o meu leite em fel ó ministros do assassínio Ato i cena 7 Bem conheço As delícias de amar um tenro filho 198225 Que se amamenta embora eu lhe arrancara Às gengivas sem dente ainda quando Vendoo sorrir para mim o bico De meu seio e faria sem piedade Saltaremlhe os miolos se tivesse Jurado assim fazer como juraste Cumprir esta empreitada Antes do ato ela é assaltada por um único ligeiro movimento de relutância Ato ii cena 2 Se no seu sono não lembrasse tanto Meu pai têloia eu mesma apunhalado Tendo se tornado rainha com o assassínio de Duncan por um instante há como que um desapontamento um enfado Não sabemos por quê Ato iii cena 2 Tudo perdemos quando o que queríamos Obtemos sem nenhum contentamento Mais vale ser a vítima destruída Do que por a destruir destruir com ela O gosto de viver Mas ela persiste Na cena do banquete após essas palavras apenas ela se mantém controlada esconde o desvario de seu esposo e acha um pretexto para despedir os hóspedes Então desaparece de nossa vista Tornamos a vêla na primeira cena do quinto ato sonâmbula apegada firmemente às impressões da noite do crime Ela encoraja novamente seu marido como naquela noite 199225 Ato v cena 1 Por quem sois meu senhor que vergonha Um soldado com medo Por que havemos de recear que alguém o saiba se ninguém nos pode pedir contas Ouve batidas na porta as mesmas que aterrorizaram seu marido após o crime Ao mesmo tempo se esforça por desfazer o ato que não pode ser des feito Lava as mãos que estão sujas de sangue e que cheiram a sangue e tornase cônscia da inutilidade desse esforço O arrependimento parece havê la prostrado a ela que parecia não têlo Quando ela morre Macbeth que nesse ínterim se tornou implacável como ela fora no início tem apenas este breve epitáfio para ela Ato v cena 5 É morta Não devia ser agora Sempre seria tempo para ouvirse Essas palavras Agora nos perguntamos o que quebrantou esse caráter que parecia feito do mais duro metal Seria apenas a decepção a outra face que mostra o ato con sumado Devemos inferir que também em lady Macbeth uma psique original mente branda e feminina se exercitara até atingir uma concentração e elevada tensão que não podia durar Ou podemos pesquisar indícios de uma mo tivação mais profunda que nos torne humanamente mais inteligível esse colapso Considero impossível chegar aqui a uma decisão O Macbeth de Shakespeare é uma peça de ocasião escrita quando subiu ao trono James até então rei da Escócia O material já existia e foi tratado por outros autores que Shakespeare provavelmente utilizou como costumava fazer Ele ofereceu notáveis referências à situação contemporânea A virginal Elizabeth da qual 200225 se dizia que nunca fora capaz de ter filhos e que ao saber do nascimento de James definira a si mesma num doloroso grito como um tronco seco1 foi obrigada justamente por essa esterilidade a tornar o rei escocês seu sucessor Mas ele era o filho daquela Maria cuja execução ela ordenara mesmo a contra gosto e que embora suas relações estivessem toldadas por considerações políticas não deixava de ser sua parenta e sua hóspede A subida ao trono de James i foi como que uma mostra da maldição da es terilidade e das bênçãos da contínua geração E o desenvolvimento da ação em Macbeth regulase por esse mesmo contraste As bruxas predisseram que ele seria rei mas que os filhos de Banquo herdariam o trono Macbeth se irrita com esse decreto do destino não se contenta com a satisfação da própria am bição quer ser fundador de uma dinastia e não haver cometido um assassinato em benefício de outros Essa questão é ignorada quando se vê na peça de Shakespeare somente a tragédia da ambição É claro que se Macbeth não pode viver eternamente restalhe apenas uma maneira de invalidar a parte da profe cia que lhe é desfavorável tendo ele próprio filhos que o possam suceder Ele parece esperálos de sua vigorosa mulher Ato i cena 7 Não concebas nunca Senão filhos varões tua alma indomável O pede assim É também claro que se for enganado nessa expectativa ele deverá submeterse ao destino ou seus atos perderão toda finalidade e se transform arão na cega fúria de alguém condenado à destruição que resolve antes destru ir tudo o que esteja a seu alcance Vemos que Macbeth perfaz esse desenvolvi mento e no ápice da tragédia ouvimos a assustadora exclamação de Macduff já frequentemente percebida como ambígua e que pode conter a chave para a mudança de Macbeth 201225 Ato iv cena 3 Ele não tem filhos O que certamente quer dizer Apenas por causa disso ele pôde assassinar meus filhos mas também pode significar mais coisas e sobretudo poderia revelar o motivo mais profundo que impele Macbeth muito além de sua natureza e que toca o duro caráter da esposa em seu único ponto fraco Se abarcamos toda a peça a partir do cume que essas palavras de Macduff assinalam vemola permeada de referências à relação entre pai e filhos O as sassinato do bondoso Duncan é pouco menos que um parricídio no caso de Banquo Macbeth matou o pai enquanto o filho conseguiu escapar quanto a Macduff mata os filhos porque o pai fugiu Na cena da aparição as bruxas lhe fazem ver uma criança ensanguentada e uma criança coroada a cabeça armada que surgiu antes é provavelmente a do próprio Macbeth Mas ao fundo se ergue a sombria figura do vingador Macduff que é ele mesmo uma exceção às leis da geração pois não nasceu de sua mãe foi arrancado de seu ventre Estaria conforme o sentido de uma justiça poética baseada na lei de talião se a falta de filhos de Macbeth e a esterilidade de sua lady fossem o castigo por seus crimes contra a santidade da geração se Macbeth não pudesse tornarse pai por haver tirado os filhos ao pai e o pai aos filhos e se lady Macbeth so fresse a desfeminização que ela havia demandado aos espíritos do assassínio Creio que não é difícil ver o adoecimento da lady a transformação de sua temeridade em arrependimento como reação à sua falta de filhos mediante a qual ela é convencida de sua impotência ante as normas da natureza e lem brada ao mesmo tempo que por sua própria culpa ela foi privada dos mel hores frutos de seu crime Na crônica de Holinshed 1577 da qual Shakespeare retirou o material de Macbeth a lady é mencionada apenas uma vez como mulher ambiciosa que in cita o marido ao crime para tornarse ela mesma rainha Não se fala de seu 202225 destino posterior e da evolução de seu caráter No entanto ali a transformação de Macbeth em tirano sanguinário parece ter motivos semelhantes aos que sugerimos Pois em Holinshed se passam entre o assassinato de Duncan pelo qual Macbeth se torna rei e seus malfeitos posteriores dez anos durante os quais ele se mostra um governante severo porém justo Apenas depois desse tempo surge nele a transformação por influência do martirizante temor de que a profecia feita a Banquo se cumpra como vem se realizando aquela do seu próprio destino Só então ele mata Banquo e como em Shakespeare é ar rastado de um crime a outro Tampouco em Holinshed se diz expressamente que o fato de ele não ter filhos o impele por esse caminho mas há tempo e es paço bastantes para essa motivação plausível Sucede de outro modo em Shakespeare Os eventos se precipitam com uma rapidez de tirar o fôlego de sorte que por meio de indicações dos personagens calculase em uma semana a duração do enredo2 Essa aceleração retira a base de todas as nossas con struções sobre os motivos da reviravolta no caráter de Macbeth e de sua es posa Não há tempo para que a contínua desilusão da expectativa de filhos possa abater a mulher e arrastar o homem a uma fúria incontida e permanece a contradição de que tantos nexos sutis no interior da peça e entre ela e o ensejo que lhe deu origem tendem a convergir no tema da infecundidade enquanto a economia temporal da tragédia afasta expressamente uma evolução dos carac teres por motivos outros que não os mais íntimos Mas quais seriam esses motivos que em tão breve tempo tornam o vacil ante ambicioso em um desenfreado tirano e a sua instigadora de nervos de aço em uma doente contrita e arrependida não me parece possível descobrir É minha opinião que devemos desistir de penetrar a tripla camada obscura em que resultaram a má conservação do texto a desconhecida intenção do poeta e o oculto sentido da lenda Tampouco seria válido creio objetar que tais pesquisas são ociosas em vista do extraordinário efeito que a tragédia exerce no espectador O poeta bem pode nos dominar com sua arte no decorrer da representação e nos embotar o pensamento mas não pode nos impedir de 203225 posteriormente nos esforçarmos em compreender tal efeito a partir de seu mecanismo psicológico Tampouco me parece pertinente a observação de que o poeta é livre para encurtar à vontade a sucessão natural dos acontecimentos que nos apresenta quando pode realçar o efeito dramático por meio do sacrifí cio da verossimilhança comum Pois tal sacrifício é justificado apenas quando simplesmente incomoda a verossimilhança3 não quando suprime a ligação causal e não haveria ruptura do efeito dramático se o transcorrer do tempo fosse indeterminado em vez de expressamente limitado a uns poucos dias É uma pena abandonar um problema como o de Macbeth como se fosse in solúvel de modo que acrescentarei uma observação que talvez aponte uma nova saída Num recente estudo sobre Shakespeare Ludwig Jekels acreditou perceber algo da técnica do poeta que poderia se aplicar também a Macbeth Ele diz que é frequente Shakespeare decompor um caráter em dois persona gens e cada um dos quais não é inteiramente compreensível até que os jun tamos de novo num só Assim poderia ser o caso com Macbeth e a esposa e não levaria a nada considerála uma pessoa autônoma e investigar os motivos de sua transformação sem atentar para Macbeth que a completa Não prosseguirei nessa trilha mas desejo mencionar algo que apoia notavelmente essa concepção os germes de medo que aparecem em Macbeth na noite do crime não se desenvolverão nele mas em sua lady4 É ele que antes do ato teve a alucinação do punhal mas ela que depois sucumbe a uma enfermidade psíquica após o crime ele escutou estes gritos na casa Despertai do vosso sono Macbeth trucida o sono e Macbeth não dormirá nunca mais ato ii cena 2 enquanto é a rainha como vemos que se ergue do leito e em estado de sonambulismo trai sua culpa ele ficou sem ação as mãos ensanguentadas lamentando que todo o oceano de Netuno não lavaria sua mão e ela o con solou Um pouco dágua limpanos deste ato mas depois é ela que durante um quarto de hora lava as mãos e não consegue tirar a mancha de sangue Todos os perfumes da Arábia não bastarão para adocicar esta pequenina 204225 mão ato v cena 1 Desse modo realizase nela o que ele havia receado na angústia de sua consciência ela vem a ser o arrependimento após o crime e ele o consolo juntos eles esgotam as possibilidades de reação ao ato como duas partes desunidas de uma só individualidade psíquica e talvez cópias de um só modelo Se não pudemos no caso de lady Macbeth responder à questão de por que ela entra em colapso após o sucesso caindo doente talvez tenhamos maiores possibilidades com a obra de um outro famoso dramaturgo que examina prob lemas de responsabilidade psicológica com inexorável rigor Rebecca Gamvik filha de uma parteira foi educada por seu pai adotivo o dr West tornandose uma livrepensadora que despreza as cadeias impostas aos desejos vitais por uma moralidade fundamentada na fé religiosa Depois que morre o doutor ela é acolhida em Rosmersholm propriedade de uma an tiga família cujos membros desconhecem o riso tendo sacrificado a alegria a um rígido cumprimento do dever Em Rosmersholm vivem o pastor Johannes Rosmer e sua esposa Beate que é doente e não tem filhos Tomada de selvagem incontrolável anseio pelo amor do homem de alta linhagem Re becca decide afastar a mulher que está no seu caminho recorrendo para isso à sua vontade ousada e livre não inibida por escrúpulos Faz que lhe caia nas mãos um livro médico em que a procriação é tida como a finalidade do casamento de modo que a coitada passa a crer confusa que o seu casamento não se justifica deixaa pensar que Rosmer cujas leituras e ideias ela partilha está a ponto de se afastar da velha crença e tomar o partido das Luzes e de pois de assim abalar a confiança da mulher na solidez moral do marido dálhe a entender que ela própria Rebecca brevemente irá embora a fim de ocultar as consequências de uma ilícita relação com Rosmer O plano criminoso fun ciona A pobre mulher tida como deprimida e não responsável por seus atos atirase da ponte do moinho e se afoga com o sentimento de que é inútil e a fim de não atrapalhar a felicidade do seu amado 205225 Há alguns anos Rebecca e Rosmer vivem sós em Rosmersholm num rela cionamento que ele pretende considerar uma amizade puramente espiritual e ideal Mas quando as primeiras sombras dos boatos começam a obscurecer tal relação e ao mesmo tempo dúvidas atormentadoras se agitam em Rosmer quanto aos motivos que levaram à morte sua mulher ele pede a Rebecca que se torne sua segunda esposa para opor ao triste passado uma realidade nova e plena de vida ato ii Por um instante ela se alegra com tal proposta mas logo afirma que é impossível a união e que caso ele insista ela tomará o mesmo caminho de Beate Rosmer não compreende a rejeição ainda mais incom preensível é ela para nós que sabemos mais acerca dos atos e das intenções de Rebecca Apenas não cabe duvidar que o seu não é dito seriamente Como pôde acontecer que a aventureira de vontade livre e ousada que sem escrúpulos pavimentou o caminho para a realização de seus desejos agora se recuse a colher quando lhe é oferecido o fruto do sucesso Ela mesma nos dá a explicação no quarto ato É justamente isso o mais terrível que agora quando toda a felicidade do mundo me é entregue nas mãos eu me tenha tornado uma pessoa cujo caminho para a felicidade é obstruído pelo próprio passado Então ela se tornou outra nesse meio tempo sua consciência desper tou ela passou a ter um sentimento de culpa que lhe impede a fruição E como foi despertada sua consciência Escutemos ela mesma e reflitamos depois se é possível lhe dar crédito Foi a concepção de vida da casa Rosmer ou pelo menos a tua concepção da vida que contagiou minha vontade E a deixou doente Subjugoua com leis que antes não valiam para mim A convivência contigo isso enobreceu meu espírito Esta influência podemos admitir deuse apenas quando Rebecca pôde conviver sozinha com Rosmer na quietude na solidão quando você me confiava sem reservas os seus pensamentos cada estado de ânimo sutil e delicado como você o sentia então houve a minha grande mudança 206225 Pouco antes ela havia lamentado o outro lado dessa mudança Porque Rosmersholm me tirou a força minha vontade e ousadia foi paralisada Estropiada Para mim passou o tempo em que eu me atrevia a tudo Perdi a força para agir Rosmer Ela dá essa explicação após haver se revelado uma criminosa numa confis são espontânea a Rosmer e ao reitor Kroll irmão da mulher que eliminou Com breves toques de magistral sutileza Ibsen deixa claro que Rebecca não mente mas tampouco é inteiramente sincera Assim como apesar de toda a ausência de preconceitos ela diminuiu em um ano a sua idade também a sua confissão aos dois senhores é incompleta e graças à insistência de Kroll vem a ser completada em alguns pontos essenciais Também nós nos sentimos livres para supor que a explicação da sua renúncia apenas entrega uma coisa para esconder outra É certo que não temos motivo para desconfiar da sua declaração de que o ar de Rosmersholm o trato com aquele homem nobre produziu efeito enobre cedor e paralisador sobre ela Com isso está dizendo o que sabe e o que sentiu Mas isto não é necessariamente tudo o que se passou dentro dela tam bém não é preciso que ela possa dar contas de tudo a si mesma A influência de Rosmer pode ser apenas um manto sob o qual se oculta uma outra impressão e algo notável aponta nessa outra direção Mesmo após a confissão no último diálogo entre eles com o qual termina a peça Rosmer lhe pede ainda uma vez que seja sua mulher Ele lhe perdoa tudo o que cometeu por amor a ele Ela não responde então o que deveria que nen hum perdão pode livrála do sentimento de culpa que adquiriu por haver perfi damente enganado a pobre Beate Em vez disso chama para si uma outra re criminação que nos parece estranha numa livrepensadora e que não merece de modo algum a importância que ela lhe dá Ah meu amigo não torne a falar nisso É algo impossível Você precisa saber Rosmer que eu tenho um passado Naturalmente ela insinua que teve relações sexuais com outro homem e observemos que para ela tais relações num tempo em que era livre e 207225 não respondia a ninguém afiguramse um obstáculo mais forte à união com Rosmer do que a conduta realmente criminosa que teve para com sua mulher Rosmer não quer ouvir falar desse passado Podemos imaginálo embora tudo o que aponta para ele permaneça como que no subterrâneo da peça e tenha de ser inferido a partir de alusões De alusões inseridas com tamanha arte é verdade que uma má compreensão delas vem a ser impossível Entre a primeira recusa de Rebecca e a sua confissão ocorre algo muito im portante para a sua sorte futura O reitor Kroll lhe faz uma visita para humilhála com a informação de que sabe que ela é filha ilegítima filha justa mente daquele dr West que a adotou após a morte de sua mãe O ódio lhe aguçou a perspicácia mas ele não acredita estar dizendo algo novo para Rebecca Na verdade achei que você tinha pleno conhecimento disso Pois seria muito estranho que se deixasse adotar pelo dr West E ele a acolheu logo depois da morte de sua mãe Ele a trata duramente Mas você continua em sua casa Sabe que ele não lhe deixará um tostão Você recebeu apenas um baú de livros realmente No entanto aguenta ficar com ele Suporta seus humores Cuida dele até o último instante O que fez por ele eu relaciono ao instinto natural de uma filha Todo o seu comportamento rest ante eu vejo como o resultado natural de sua origem Mas Kroll se enganava Rebecca não sabia que era filha do dr West Quando ele principiou com obscuras alusões ao seu passado ela certamente supôs que ele se referia a outra coisa Ao perceber o que ele quer dizer ainda consegue manter o controle por um momento pois acredita que seu inimigo baseou seus cálculos na idade que ela lhe fornecera erradamente numa sua vis ita anterior Mas depois Kroll rebate vitoriosamente essa objeção Talvez Mas meu cálculo ainda pode ser correto pois um ano antes de assumir o cargo West esteve lá numa visita breve Após essa nova informação ela perde a calma Não é verdade Ela vagueia no aposento e torce as mãos Não é pos sível Você quer me fazer acreditar nisso Isso não pode jamais ser verdade 208225 Não pode ser Nunca Sua agitação é tamanha que Kroll não consegue atribuíla à sua informação Kroll Mas minha cara Deus do céu por que ficou assim perturbada Você me assusta O que devo pensar acreditar Rebecca Nada O senhor não deve crer nem pensar nada Kroll Mas então você deve realmente me explicar porque isto esta possibilidade a incomoda tanto Rebecca controlandose É muito simples sr reitor De forma al guma quero passar por filha ilegítima O enigma do comportamento de Rebecca admite apenas uma solução A notícia de que o dr West pode ser seu pai é o mais pesado golpe que poderia atingila pois ela era não só a filha adotiva mas também a amante daquele homem Quando Kroll começou a falar ela pensou que ele aludia a essa re lação e provavelmente a teria admitido invocando a sua liberdade Mas o reit or estava longe disso ele nada sabia da ligação amorosa com o dr West assim como ela ignorava que este era seu pai Apenas essa ligação pode estar em sua mente quando ela pretexta na derradeira recusa a Rosmer ter um passado que a torna indigna de ser sua mulher Provavelmente ela informaria a Ros mer se ele quisesse apenas metade do seu segredo calando sobre a parte mais difícil dele Mas agora compreendemos que esse passado lhe surge como o maior im pedimento ao matrimônio como o maior crime Após tomar conhecimento de haver sido a amante do próprio pai ela se en trega ao sentimento de culpa que agora irrompe avassalador Faz a Rosmer e Kroll a confissão que lhe deixa o estigma de assassina renuncia definitiva mente à felicidade para a qual abrira caminho através de um crime e prepara se para partir Mas o verdadeiro motivo de sua consciência de culpa que a leva a fracassar com o êxito permanece oculto Como vimos é algo bem diverso da atmosfera de Rosmersholm e da influência moralizadora de Rosmer 209225 Quem nos acompanhou até aqui não deixará de fazer uma objeção que talvez justifique alguma dúvida A primeira rejeição de Rosmer por Rebecca se dá antes da segunda visita de Kroll antes que se revele o seu nascimento ilegí timo portanto e quando ela ainda não sabe do incesto se entendemos cor retamente o autor Essa rejeição porém é séria e enérgica A consciência de culpa que a manda renunciar ao ganho proveniente de seus atos já produz efeito antes que ela saiba do seu crime principal e se concedemos isto talvez o incesto deva ser excluído como fonte da consciência de culpa Até agora tratamos Rebecca West como uma pessoa viva e não um produto da imaginação do escritor Ibsen guiada por uma inteligência bastante crítica É lícito mantermos a mesma perspectiva ao lidar com tal objeção Esta é válida um quê de consciência já havia despertado em Rebecca antes de ela inteirarse do incesto Nada impede que tornemos responsável por essa mudança a influência reconhecida e acusada pela própria Rebecca Mas isso não nos livra de reconhecermos o segundo motivo A conduta de Rebecca ao ouvir a informação do reitor sua imediata reação a ela confessando não deixa dúvida de que só então produz efeito o motivo mais forte e decisivo para a renúncia É justamente um caso de motivação múltipla em que por trás de um motivo superficial vem à luz um outro mais profundo As regras da economia poética impunham configurar desse modo o caso pois o motivo mais profundo não devia ser enunciado abertamente tinha de permanecer coberto subtraído à cômoda percepção do espectador teatral ou do leitor de outra forma teriam surgido sérias resistências neste baseadas em sentimentos muito penosos que poderiam colocar em perigo o efeito do drama Mas bem podemos exigir que o motivo explicitado não seja desprovido de relação interior com aquele por ele ocultado mas demonstre ser abrandamento e derivação dele E sendo lícito crer que a combinação criadora consciente do artista resulta coerentemente de premissas inconscientes podemos fazer a tent ativa de mostrar que ele satisfez tal exigência A consciência de culpa de Re becca tem sua fonte na recriminação do incesto já antes de o reitor com 210225 agudeza analítica tornála consciente desta Se reconstruímos o seu passado desenvolvendo e completando as insinuações do autor diremos que ela não podia não fazer ideia alguma da relação íntima entre sua mãe e o dr West Tornarse a sucessora da mãe junto a esse homem deve ter lhe produzido uma enorme impressão ela estava sob o domínio do complexo de Édipo ainda que não soubesse que no seu caso essa fantasia geral se convertera em realidade Quando foi para Rosmersholm a força interna da primeira vivência a impeliu a provocar mediante uma ação vigorosa a mesma situação que já ocorrera sem a sua interferência eliminar a esposa e mãe a fim de tomar o lugar dela junto ao marido e pai Com convincente energia ela descreve como se viu obrigada passo a passo contra a sua vontade a tomar medidas para a elimin ação de Beate Mas vocês pensam que meus atos eram frios e calculados Naquele tempo eu não era o que sou agora quando estou à sua frente e conto o que houve E além disso creio que há duas espécies de vontade numa pessoa Eu queria afastar Beate de alguma forma Mas não acreditava que isso chegaria a acontecer A cada passo que me estimulava a ir adiante era tam bém como se algo em mim dissesse Não vá adiante Nem um passo mais Mas eu não conseguia deixar de fazêlo Tinha que ir um pouco adiante e depois ainda um pouco mais E mais e mais Até que sucedeu É assim que acontecem tais coisas Isso não é dissimulação mas autêntica descrição Tudo o que a ela sucedeu em Rosmersholm a paixão por Rosmer e a hostilidade a sua mulher era já consequência do complexo de Édipo obrigatória reprodução de seus laços com a mãe e com o dr West Assim o sentimento de culpa que primeiro a fez rechaçar o pedido de Ros mer não difere essencialmente daquele maior que a impele à confissão após o comunicado de Kroll Mas tal como sob a influência do dr West ela se torn ara uma livrepensadora que desprezava a moral religiosa converteuse em alma nobre e conscienciosa devido ao amor por Rosmer Era o que entendia 211225 ela mesma de seus processos interiores e por isso estava certa ao designar a in fluência de Rosmer como o motivo de sua transformação o motivo que lhe era acessível O médico que pratica a psicanálise sabe com que frequência ou com que regularidade uma garota que chega a uma casa como empregada moça de companhia governanta consciente ou inconscientemente nutre o sonho cujo teor vem do complexo de Édipo de que a senhora da casa desapareça de al guma forma e o senhor a tome por esposa no lugar daquela Rosmersholm é a maior das obras de arte que tratam dessa cotidiana fantasia das garotas Vem a ser um drama trágico pelo dado extra de que o sonho da heroína foi precedido na sua infância por uma realidade que a ele correspondeu inteiramente5 Após essa longa visita à criação literária voltemos agora à experiência médica Mas apenas para assinalar em poucas palavras a inteira concordância entre as duas O trabalho psicanalítico propõe que as forças da consciência que levam a adoecer com o sucesso em vez da frustração como em geral acontece achamse intimamente ligadas ao complexo de Édipo à relação com o pai e à mãe como talvez a nossa própria consciência de culpa III OS CRIMINOSOS POR SENTIMENTO DE CULPA Falando de sua juventude em especial dos anos da prépuberdade pessoas que vieram a ser muito respeitáveis me informaram de ações ilícitas como fur tos fraudes e até mesmo incêndios que haviam cometido naquele tempo Eu não fazia caso dessas informações comunicandolhes que é notória a fraqueza das inibições morais nessa fase da vida e não procurava inserilas num con texto mais significativo Afinal porém vime solicitado a um estudo mais completo desses incidentes devido a alguns casos chocantes e mais acessíveis nos quais esses delitos foram cometidos enquanto os doentes se achavam em 212225 tratamento comigo e já não eram pessoas jovens O trabalho analítico trouxe então o resultado surpreendente de que tais ações foram realizadas sobretudo porque eram proibidas e porque sua execução se ligava a um aliviamento psíquico para o malfeitor Ele sofria de uma opressiva consciência de culpa de origem desconhecida e após cometer um delito essa pressão diminuía Ao menos a consciência de culpa achava alguma guarida Por paradoxal que isso talvez pareça devo afirmar que a consciência de culpa estava presente antes do delito que não se originou deste pelo con trário foi o delito que procedeu da consciência de culpa Tais pessoas podem ser justificadamente chamadas de criminosos por consciência de culpa A preexistência do sentimento de culpa fora naturalmente demonstrada por toda uma série de outros efeitos e manifestações Mas a constatação de um fato curioso não é a finalidade do trabalho científico Há mais duas questões a responder de onde vem o obscuro senti mento de culpa anterior ao ato e se é provável que tal espécie de causa tenha maior participação nos crimes humanos O estudo da primeira questão prometia nos informar sobre a fonte do senti mento de culpa humano em geral O constante resultado do labor psicanalítico foi de que esse obscuro sentimento de culpa vem do complexo de Édipo é uma reação aos dois grandes intentos criminosos matar o pai e ter relações sexuais com a mãe Comparados a esses dois os crimes perpetrados para fixar o senti mento de culpa constituíam certamente um alívio para os atormentados É preciso lembrarmos neste ponto que o parricídio e o incesto com a mãe são os dois maiores crimes humanos os únicos perseguidos e abominados como tais nas sociedades primitivas E também como outras investigações nos aproxim aram da hipótese de que a humanidade adquiriu sua consciência que agora surge como inata força psíquica através do complexo de Édipo A resposta à segunda questão ultrapassa o âmbito do trabalho psicanalítico Nas crianças observamos facilmente que se tornam levadas a fim de provo car o castigo ficando mais tranquilas e satisfeitas depois dele Uma posterior 213225 investigação psicanalítica nos coloca frequentemente na pista do sentimento de culpa que fez procurar o castigo Entre os criminosos adultos devemos excetu ar aqueles que cometem crimes sem experimentar culpa que não desen volveram inibições morais ou creem que sua luta com a sociedade justifica seus atos Quanto à maioria dos outros criminosos porém aqueles para os quais realmente foram feitos os códigos penais uma tal motivação do crime bem po deria ser considerada poderia iluminar pontos obscuros da psicologia do crim inoso e fornecer um novo fundamento psicológico para o castigo Um amigo chamoume a atenção para o fato de que o criminoso por senti mento de culpa era conhecido também por Nietzsche No discurso de Zaratustra Sobre o pálido criminoso vislumbramos a preexistência do senti mento de culpa e o recurso ao ato para a sua racionalização Deixemos que in vestigações futuras decidam quantos dos criminosos se incluem entre os pálidos Freud cita Shakespeare em alemão sem indicar a tradução que utilizou provavelmente a de Schlegel e Tieck Citamos aqui a tradução que obtivemos em português de Carlos de Al meida Cunha Medeiros e Oscar Mendes na edição da obra completa da Companhia José Aguilar 1969 Citado por Freud em alemão apenas sem indicação da tradução utilizada que provavelmente foi a de Schlegel e Tieck clássica e famosa Recorremos aqui à versão de Macbeth por Manuel Bandeira citada conforme a edição da Brasiliense São Paulo 1989 No trecho inicial há uma discrepância entre o original inglês consultado Oxford 1988 e a versão de Bandeira onde não se acham as linhas correspondentes a Come to my womans breasts And take my milk for gall cuja tradução foi aqui livremente acrescentada Alusão a versos de A noiva de Messina de Schiller ato iv cena 5 1 Cf Macbeth ato iii cena 1 trad cit Puseram sobre a minha testa Uma coroa estéril colocaramme Nas mãos um cetro que outras mãos de estranha Estirpe hão de arrancarme nenhum filho 214225 Meu sucedendome 2 J Darmesteter Macbeth Édition classique Paris 1887 p lxxv 3 Como quando Ricardo iii solicita Ana junto ao esquife do rei que assassinou Shakespeares Macbeth Imago v 5 1917 4 J Darmesteter op cit Henrik Ibsen Rosmersholm tradução livre 5 A presença do tema do incesto em Rosmersholm já foi demonstrada de forma semelhante a esta na substancial obra de Otto Rank Das Inzestmotiv in Dichtung und Sage O tema do in cesto na literatura e nas lendas 1912 215225 PARALELO MITOLÓGICO DE UMA IMAGEM OBSESSIVA Num paciente de cerca de 21 anos de idade os produtos do trabalho mental in consciente se tornavam conscientes não só como pensamentos obsessivos mas também como imagens obsessivas Os dois podiam aparecer juntos ou separada mente Em determinada época ao ver seu pai entrar no aposento uma palavra obsessiva e uma imagem obsessiva lhe surgiam intimamente ligadas A palavra era Vaterarsch bunda do pai e a imagem trazia o pai como a parte inferi or de um corpo nu dotado de braços e pernas faltando a cabeça e a parte su perior Os genitais não eram mostrados e os traços do rosto estavam desenha dos no abdome Para explicação desse sintoma mais absurdo que o habitual devese notar que esse indivíduo de pleno desenvolvimento intelectual e elevados padrões éticos manifestara um vivo erotismo anal em variadas formas até depois dos dez anos de idade Superado este sua vida sexual foi empurrada de volta ao es tágio anal prévio devido à luta contra o erotismo genital Amava e respeitava bastante o pai e também o temia em não pouca medida Do ponto de vista de suas elevadas exigências quanto à repressão instintual e ao ascetismo porém o pai lhe parecia um defensor da intemperança da busca de fruição nas coisas materiais Vaterarsch logo se revelou uma germanização maliciosa do honroso título Patriarch patriarca A imagem obsessiva é uma evidente caricatura Lembra outras figuras que depreciativamente substituem a pessoa inteira por um único órgão os genitais por exemplo lembra fantasias inconscientes que levam à identificação dos genitais com todo o indivíduo e também locuções jocosas como Sou todo ouvidos A colocação de traços do rosto na barriga da figura me pareceu algo es tranho inicialmente Mas logo me lembrei de ter visto algo semelhante em ca ricaturas francesas1 Depois o acaso me fez tomar conhecimento de uma figura antiga que corresponde inteiramente à imagem obsessiva de meu paciente De acordo com uma lenda grega Deméter chegou a Elêusis em busca de sua filha sequestrada e foi acolhida por Disaules e sua mulher Baubo Tomada de profunda tristeza porém recusou comida e bebida Então Baubo a fez rir ao levantar subitamente a roupa e lhe mostrar o ventre Uma discussão dessa anedota que provavelmente explicaria uma cerimônia mágica não mais compreendida achase no quarto volume da obra Cultes mythes et religions de Salomon Reinach 1912 Ali também é mencionado que nas escavações de Priene na Ásia Menor encontraramse terracotas que representam Baubo Elas mostram um corpo de mulher sem cabeça e sem peito em cujo ab dome está desenhado um rosto a saia levantada emoldura esse rosto como uma coroa de cabelos S Reinach op cit Paris p 117 Título original Mythologische Parallele zu einer plastischen Zwangsvorstellung Public ado primeiramente na Internationale Zeitschrift für ärztliche Psychoanalyse Revista Internacion al de Psicanálise Médica v 4 n 2 1916 pp 1101 Traduzido de Gesammelte Werke x pp 398400 também se acha em Studienausgabe vii pp 11922 1 Cf Das unanständige Albion A impudica Albion caricatura da Inglaterra feita em 1901 por Jean Veber em Eduard Fuchs Das erotische Element in der Karikatur Berlim 1904 218225 UMA RELAÇÃO ENTRE UM SÍMBOLO E UM SINTOMA A experiência com a análise de sonhos já estabeleceu satisfatoriamente que o chapéu é um símbolo dos genitais sobretudo dos masculinos Mas não se pode afirmar que seja um símbolo claramente inteligível Em fantasias e em numer osos sintomas também a cabeça aparece como símbolo dos genitais masculi nos ou se se preferir como algo que os representa Mais de um analista terá observado que os seus pacientes que sofrem de obsessões manifestam ante o castigo da decapitação horror e indignação bem maiores do que ante qualquer outra espécie de morte e terá tido ocasião de lhes explicar que lidam com a ideia de ser decapitado como um sucedâneo de ser castrado Várias vezes já fo ram analisados e comunicados sonhos de pessoas jovens ou acontecidos na juventude que tinham por tema a castração e em que se mencionava uma bola que apenas podia ser interpretada como a cabeça do pai Recentemente pude explicar um cerimonial que uma paciente executava antes de dormir que consistia em pôr um pequeno travesseiro de maneira enviesada sobre outros lembrando um losango e deitar a cabeça acima da linha diagonal do losango Esse tinha o significado conhecido de desenhos em muros a cabeça represent aria o membro masculino Pode ser que o significado simbólico do chapéu derive do da cabeça na medida em que seja considerado um prolongamento destacável dela Com re lação a isso lembrome de um sintoma dos neuróticos obsessivos com o qual esses doentes se proporcionam contínuos tormentos Estando na rua espreit am incessantemente para ver se algum conhecido os saúda primeiro tirando o chapéu ou se parece aguardar seu cumprimento e desistem de um bom número de relações ao descobrir que a pessoa não mais os cumprimenta ou não retribui devidamente a sua saudação Não têm fim essas dificuldades ligadas à saudação que eles criam conforme seu humor e as circunstâncias E nada muda em sua conduta se lhes dizemos o que eles bem sabem que tirar o chapéu ao cumprimentar significa rebaixarse ante a pessoa que se cumprimenta que um grande da Espanha por exemplo tinha o privilégio de permanecer de cabeça coberta diante do rei e que a sensibilidade deles em re lação ao cumprimento tem o sentido portanto de não se mostrar menor do que a outra pessoa julga ser O fato de sua sensibilidade resistir a um esclareci mento desses autoriza a suposição de que um motivo não tão conhecido da consciência está operando e a origem dessa intensificação poderia muito bem ser encontrada na relação com o complexo da castração Título original Eine Beziehung zwischen einem Symbol und einem Symptom Publicado primeiramente em Internationale Zeitschrift für ärztliche Psychoanalyse v 4 n 2 1916 pp 1112 Traduzido de Gesammelte Werke v x pp 3945 Uma descrição mais completa do ritual obsessivo desta paciente se acha nas Conferências in trodutórias à psicanálise cap xvii 191517 onde porém falase apenas de dois travesseiros um pequeno colocado sobre um maior e não há menção do conhecido significado de desen hos em muros referência pouco clara de resto 220225 CARTA À DRA HERMINE VON HUGHELLMUTH O diário é uma pequena joia Realmente creio que até hoje ninguém pôde enxergar com tamanha clareza e veracidade os impulsos psíquicos próprios do desenvolvimento de uma garota de nosso nível social e cultural nos anos que precedem a puberdade Como os sentimentos nascem do egoísmo infantil até alcançarem a maturidade social como se apresentam inicialmente as relações com os pais e irmãos e depois adquirem aos poucos seriedade e intensidade afetiva como as amizades são tecidas e abandonadas a afeição tateando em busca dos primeiros objetos e sobretudo como o segredo do sexo começa a surgir difusamente para depois tomar plena posse da alma infantil como essa garota é afetada pela consciência do seu secreto saber mas gradualmente su pera isso tudo é expresso de forma tão encantadora tão séria e natural nessas anotações despretensiosas que certamente despertará enorme interesse em educadores e psicólogos Acho que é seu dever entregar esse diário ao conhecimento público Meus leitores lhe serão gratos por isso São trechos de uma carta de 27 de abril de 1915 incluídos no prefácio que Hermine von Hug Hellmuth escreveu para a sua edição do diário mencionado na carta Tagebuch eines halbwüch sigen Mädchens Diário de uma menina Leipzig Viena e Zurique Internationaler Psychoana lytischer Verlag 1919 Texto traduzido de Gesammelte Werke x p 456 Houve pelo menos duas edições estrangeiras desse livro uma inglesa e uma italiana Segundo James Strachey a edição alemã foi retirada de circulação alguns anos depois ao se divulgar que o manuscrito ter ia sido modificado pela pessoa que o entregou a H v HugHellmuth mas quanto à autenticid ade desta carta não há dúvidas SIGMUND FREUD OBRAS COMPLETAS EM 20 VOLUMES COORDENAÇÃO DE PAULO CÉSAR DE SOUZA 1TEXTOS PRÉPSICANALÍTICOS 18861899 2ESTUDOS SOBRE A HISTERIA 18931895 3PRIMEIROS ESCRITOS PSICANALÍTICOS 18931899 4A INTERPRETAÇÃO DOS SONHOS 1900 5PSICOPATOLOGIA DA VIDA COTIDIANA E SOBRE OS SONHOS 1901 6TRÊS ENSAIOS DE UMA TEORIA DA SEXUALIDADE FRAGMENTO DA ANÁLISE DE UM CASO DE HISTERIA O CASO DORA E OUTROS TEXTOS 19011905 7O CHISTE E SUA RELAÇÃO COM O INCONSCIENTE 1905 8O DELÍRIO E OS SONHOS NA GRADIVA ANÁLISE DA FOBIA DE UM GAROTO DE CINCO ANOS O PEQUENO HANS E OUTROS TEXTOS 19061909 9OBSERVAÇÕES SOBRE UM CASO DE NEUROSE OBSESSIVA O HOMEM DOS RATOS UMA RECORDAÇÃO DE INFÂNCIA DE LEONARDO DA VINCI E OUTROS TEXTOS 19091910 10OBSERVAÇÕES PSICANALÍTICAS SOBRE UM CASO DE PARANOIA RELATADO EM AUTOBIOGRAFIA O CASO SCHREBER ARTIGOS SOBRE TÉCNICA E OUTROS TEXTOS 19111913 11TOTEM E TABU HISTÓRIA DO MOVIMENTO PSICANALÍTICO E OUTROS TEXTOS 19131914 12INTRODUÇÃO AO NARCISISMO ENSAIOS DE METAPSICOLOGIA E OUTROS TEXTOS 19141916 13CONFERÊNCIAS INTRODUTÓRIAS À PSICANÁLISE 19151917 14HISTÓRIA DE UMA NEUROSE INFANTIL O HOMEM DOS LOBOS ALÉM DO PRINCÍPIO DO PRAZER E OUTROS TEXTOS 19171920 15PSICOLOGIA DAS MASSAS E ANÁLISE DO EU E OUTROS TEXTOS 19201923 16O EU E O ID ESTUDO AUTOBIOGRÁFICO E OUTROS TEXTOS 19231925 17INIBIÇÃO SINTOMA E ANGÚSTIA O FUTURO DE UMA ILUSÃO E OUTROS TEXTOS 19261929 18O MALESTAR NA CIVILIZAÇÃO NOVAS CONFERÊNCIAS INTRODUTÓRIAS E OUTROS TEXTOS 19301936 19MOISÉS E O MONOTEÍSMO COMPÊNDIO DE PSICANÁLISE E OUTROS TEXTOS 19371939 20ÍNDICES E BIBLIOGRAFIA Copyright da tradução 2010 by Paulo César Lima de Souza Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 que entrou em vigor no Brasil em 2009 Os textos deste volume foram traduzidos de Gesammelte Werke volume x Londres Imago 1946 Os títulos ori ginais estão na página inicial de cada texto A outra edição alemã referida é Studienausgabe Frankfurt Fischer 2000 Capa e projeto gráfico warrakloureiro Imagens das pp 3 e 4 Esfinge séc V aC 7x185 cm Máscara Egito séc XII aC 245x19 cm Freud Museum London Preparação Célia Euvaldo Revisão Angela das Neves Huendel Viana ISBN 9788580860382 Todos os direitos desta edição reservados à editora schwarcz ltda Rua Bandeira Paulista 702 cj 32 04532002 São Paulo sp Telefone 11 37073500 Fax 11 37073501 wwwcompanhiadasletrascombr