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Psicologia ·
Psicanálise
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SIGMUND FREUD O EU E O ID AUTOBIOGRAFIA E OUTROS TEXTOS 19231925 TRADUÇÃO PAULO CÉSAR DE SOUZA SIGMUND FREUD OBRAS COMPLETAS VOLUME 16 O EU E O ID AUTOBIOGRAFIA E OUTROS TEXTOS 19231925 TRADUÇÃO PAULO CÉSAR DE SOUZA PREFÁCIOS E TEXTOS BREVES 19231925 SUMÁRIO ESTA EDIÇÃO O EU E O ID 1923 I CONSCIÊNCIA E INCONSCIENTE II O EU E O ID III O EU E O SUPEREU IDEAL DO EU IV AS DUAS ESPÉCIES DE INSTINTOS V AS RELAÇÕES DE DEPENDÊNCIA DO EU AUTOBIOGRAFIA 1925 A ORGANIZAÇÃO GENITAL INFANTIL 1923 NEUROSE E PSICOSE 1924 O PROBLEMA ECONÔMICO DO MASOQUISMO 1924 A DISSOLUÇÃO DO COMPLEXO DE ÉDIPO 1924 A PERDA DA REALIDADE NA NEUROSE E NA PSICOSE 1924 RESUMO DA PSICANÁLISE 1924 AS RESISTÊNCIAS À PSICANÁLISE 1925 NOTA SOBRE O BLOCO MÁGICO 1925 A NEGAÇÃO 1925 ALGUMAS CONSEQUÊNCIAS PSÍQUICAS DA DIFERENÇA ANATÔMICA ENTRE OS SEXOS 1925 OBSERVAÇÕES SOBRE A TEORIA E A PRÁTICA DA INTERPRETAÇÃO DOS SONHOS 1923 ALGUNS COMPLEMENTOS À INTERPRETAÇÃO DOS SONHOS 1925 A OS LIMITES DA INTERPRETABILIDADE B A RESPONSABILIDADE MORAL PELO CONTEÚDO DOS SONHOS Created by PDF to ePub C O SIGNIFICADO OCULTISTA DOS SONHOS JOSEF POPPERLYNKEUS E A TEORIA DOS SONHOS 1923 PREFÁCIOS E TEXTOS BREVES 19231925 PRÓLOGO A RELATÓRIO SOBRE A POLICLÍNICA PSICANALÍTICA DE BERLIM DE MAX EITINGON CARTA A LUIS LÓPEZBALLESTEROS Y DE TORRES CARTA A FRITZ WITTELS DECLARAÇÃO SOBRE CHARCOT PRÓLOGO A JUVENTUDE ABANDONADA DE AUGUST AICHHORN JOSEF BREUER 18421925 EXCERTO DE UMA CARTA SOBRE O JUDAÍSMO MENSAGEM NA INAUGURAÇÃO DA UNIVERSIDADE HEBRAICA 4326 ESTA EDIÇÃO Esta edição das obras completas de Sigmund Freud pretende ser a primeira em língua portuguesa traduzida do original alemão e organizada na sequência cronológica em que apareceram origin almente os textos A afirmação de que são obras completas pede um esclareci mento Não se incluem os textos de neurologia isto é não psic analíticos anteriores à criação da psicanálise Isso porque o próprio autor decidiu deixálos de fora quando se fez a primeira edição completa de suas obras nas décadas de 1920 e 30 No ent anto vários textos prépsicanalíticos já psicológicos serão in cluídos nos dois primeiros volumes A coleção inteira será com posta de vinte volumes sendo dezenove de textos e um de ín dices e bibliografia A edição alemã que serviu de base para esta foi Gesammelte Werke Obras completas publicada em Londres entre 1940 e 1952 Agora pertence ao catálogo da editora Fischer de Frankfurt que também recolheu num grosso volume intitulado Nachtrags band Volume suplementar inúmeros textos menores ou inédi tos que haviam sido omitidos na edição londrina Apenas alguns deles foram traduzidos para a presente edição pois muitos são de caráter apenas circunstancial A ordem cronológica adotada pode sofrer pequenas alterações no interior de um volume Os textos considerados mais import antes do período coberto pelo volume cujos títulos aparecem na página de rosto vêm em primeiro lugar Em uma ou outra ocasião são reunidos aqueles que tratam de um só tema mas não foram publicados sucessivamente é o caso dos artigos sobre a técnica psicanalítica por exemplo Por fim os textos mais cur tos são agrupados no final do volume Embora constituam a mais ampla reunião de textos de Freud os dezessete volumes dos Gesammelte Werke foram sofrivel mente editados talvez devido à penúria dos anos de guerra e de pósguerra na Europa Embora ordenados cronologicamente não indicam sequer o ano da publicação de cada trabalho O texto em si é geralmente confiável mas sempre que possível foi cotejado com a Studienausgabe Edição de estudos publicada pela Fischer em 196975 da qual consultamos uma edição revista lançada posteriormente Tratase de onze volumes organizados por temas como a primeira coleção de obras de Freud que não incluem vários textos secundários ou de conteúdo repetido mas incorporam traduzidas para o alemão as apresentações e notas que o inglês James Strachey redigiu para a Standard edition Londres Hogarth Press 195566 O objetivo da presente edição é oferecer os textos com o máx imo de fidelidade ao original sem interpretações ou interferên cias de comentaristas e teóricos posteriores da psicanálise que devem ser buscadas na imensa bibliografia sobre o tema Tam bém informações sobre a gênese e a importância de cada obra podem ser encontradas na literatura secundária principalmente na biografia em três volumes de Ernest Jones lançada no Brasil pela Imago do Rio de Janeiro e no mencionado aparato editori al da Standard inglesa A ordem de publicação destas Obras completas não é a mesma daquela das primeiras edições alemãs pois isso impli caria deixar várias coisas relevantes para muito depois Decidiu 6326 se começar por um período intermediário e de pleno desenvolvi mento das concepções de Freud em torno de 1915 e daí proceder para trás e para diante Após o título de cada texto há apenas a referência bibliográfica da primeira publicação não a das edições subsequentes ou em outras línguas que interessam tão somente a alguns especialis tas Entre parênteses se acha o ano da publicação original hav endo transcorrido mais de um ano entre a redação e a pub licação a data da redação aparece entre colchetes As indicações bibliográficas do autor foram normalmente conservadas tais como ele as redigiu isto é não foram substituídas por edições mais recentes das obras citadas Mas sempre é fornecido o ano da publicação que no caso de remissões do autor a seus próprios textos permite que o leitor os localize sem maior di ficuldade tanto nesta como em outras edições das obras de Freud As notas do tradutor geralmente informam sobre os termos e passagens de versão problemática para que o leitor tenha uma ideia mais precisa de seu significado e para justificar em alguma medida as soluções aqui adotadas Nessas notas são reproduz idos os equivalentes achados em algumas versões estrangeiras dos textos em línguas aparentadas ao português e ao alemão Não utilizamos as duas versões das obras completas já apareci das em português das editoras Delta e Imago pois não foram traduzidas do alemão e sim do francês e do espanhol a primeira e do inglês a segunda No tocante aos termos considerados técnicos não existe a pre tensão de impor as escolhas aqui feitas como se fossem abso lutas Elas apenas pareceram as menos insatisfatórias para o 7326 tradutor e os leitores e psicanalistas que empregam termos diferentes conforme suas diferentes abordagens e percepções da psicanálise devem sentirse à vontade para conservar suas opções Ao ler essas traduções apenas precisarão fazer o pequeno esforço de substituir mentalmente instinto por pulsão instintual por pulsional repressão por recalque ou Eu por ego exemplificando No entanto essas palavras são poucas em número bem menor do que geralmente se acredita Esta edição não pretende ser definitiva pelo simples motivo de que um clássico dessa natureza nunca recebe uma tradução definitiva E tendo sido planejada por alguém que se aproximou de Freud pela via da linguagem e da literatura destinase não apenas aos estudiosos e profissionais da psicanálise mas a todos aqueles que em vários continentes leem e se exprimem nessa que um grande poeta português chamou de nossa clara língua majestosa e um eminente tradutor e poeta brasileiro qualificou de portocálido brasilírico idiomaterno pcs 8326 O EU E O ID 1923 TÍTULO ORIGINAL DAS ICH UND DAS ES PUBLICADO PRIMEIRAMENTE EM VOLUME AUTÔNOMO LEIPZIG VIENA E ZURIQUE INTERNATIONALER PSYCHOANALYTISCHER VERLAG EDITORA PSICANALÍTICA INTERNACIONAL 1920 77 PP TRADUZIDO DE GESAMMELTE WERKE XIII PP 23789 TAMBÉM SE ACHA EM STUDIENAUSGABE III PP 273330 Estas considerações retomam um curso de pensamentos que ini ciei em Além do princípio do prazer 1920 pensamentos que eu próprio olhava com certa curiosidade benévola como lá afirmei Elas lhes dão prosseguimento ligamnos a diversos fatos da ob servação analítica procuram deduzir novas conclusões a partir dessa relação mas não fazem novos empréstimos à biologia e por isso estão mais próximas da psicanálise do que aquela obra Têm antes o caráter de uma síntese que de uma especulação e parecem ter se colocado uma meta elevada Mas sei que não ul trapassam o que é apenas aproximativo e aceito inteiramente esse limite Ao mesmo tempo tangenciam coisas que até agora não foram objeto da elaboração psicanalítica e inevitavelmente tocam em algumas teorias que foram enunciadas por não analistas ou por exanalistas ao se afastarem da psicanálise Sempre estive dis posto a reconhecer as dívidas para com outros pesquisadores mas neste caso sinto que não carrego tais dívidas Se até agora a psicanálise não apreciou certas coisas isto não aconteceu por ignorarlhes os efeitos ou querer negarlhes a importância mas porque seguiu um caminho determinado que ainda não tinha levado àquele ponto E por fim chegando até ali as coisas lhe aparecem também de forma distinta do que para os outros I CONSCIÊNCIA E INCONSCIENTE Nesta seção introdutória não há nada de novo a dizer e não há como evitar a repetição do que já foi dito antes com alguma frequência A diferenciação do psíquico em consciente e inconsciente é a premissa básica da psicanálise e o que a ela permite com preender e inscrever na ciência os processos patológicos da vida psíquica tão frequentes e importantes Dizendoo mais uma vez e de outra forma a psicanálise não pode pôr a essência do psíquico na consciência mas é obrigada a ver a consciência como uma qualidade do psíquico que pode juntarse a outras qualid ades ou estar ausente Se eu pudesse imaginar que todos os interessados em psicolo gia leriam este trabalho esperaria que já neste ponto um bom número de leitores parasse e não seguisse adiante pois aqui está o primeiro xibolete da psicanálise Para a maioria daqueles que têm cultura filosófica é tão inapreensível a ideia de algo psíquico que não seja também consciente que lhes parece absurda e re futável pela simples lógica Acho que isto se deve ao fato de não terem jamais estudado os pertinentes fenômenos da hipnose e do sonho que sem considerar o dado patológico obrigam a tal concepção A sua psicologia da consciência é incapaz de re solver os problemas do sonho e da hipnose Estar consciente é em primeiro lugar uma expressão pura mente descritiva que invoca a percepção imediata e segura A experiência nos mostra em seguida que um elemento psíquico 11326 por exemplo uma ideia normalmente não é consciente de forma duradoura É típico isto sim que o estado de consciência passe com rapidez uma ideia agora consciente não o é mais no instante seguinte mas pode voltar a sêlo em determinadas con dições fáceis de se produzirem Nesse intervalo ela era ou estava não sabemos o quê Podemos dizer que era latente com isso querendo dizer que a todo momento era capaz de tornarse con sciente Ou se dissermos que era inconsciente também fornece remos uma descrição correta Este inconsciente coincide com latente capaz de consciência É certo que os filósofos objetari am Não o termo inconsciente não pode ser usado aqui en quanto a ideia estava em estado de latência não era nada psíquico Se já os contradisséssemos neste ponto cairíamos numa disputa puramente verbal que a nada levaria Mas nós chegamos ao termo ou conceito de inconsciente por um outro caminho elaborando experiências em que a dinâmica psíquica desempenha um papel Aprendemos isto é tivemos de supor que existem poderosos processos ou ideias psíquicas e aqui entra em consideração pela primeira vez um fator quantitativo e portanto econômico que podem ter na vida psíquica todos os efeitos que têm as demais ideias incluindo efeitos tais que por sua vez podem tornarse conscientes como ideias embora eles mesmos não se tornem conscientes Não é necessário repetirmos em detalhes o que já foi exposto com al guma frequência Basta dizer que aqui aparece a teoria psic analítica afirmando que tais ideias não podem ser conscientes porque uma certa força se opõe a isto que de outro modo elas poderiam tornarse conscientes e então se veria como elas se diferenciam pouco de outros elementos psíquicos reconhecidos Essa teoria tornase irrefutável por terem sido encontrados na 12326 técnica psicanalítica meios com cujo auxílio podese cancelar a força opositora e tornar conscientes as ideias em questão Ao es tado em que se achavam estas antes de tornaremse conscientes denominamos repressão e dizemos que durante o trabalho analítico sentimos como resistência a força que provocou e manteve a repressão Portanto adquirimos nosso conceito de inconsciente a partir da teoria da repressão O reprimido é para nós o protótipo do que é inconsciente Mas vemos que possuímos dois tipos de in consciente o que é latente mas capaz de consciência e o rep rimido que em si e sem dificuldades não é capaz de consciência Esta nossa visão da dinâmica psíquica não pode deixar de influir na terminologia e na descrição Ao que é latente tão só descrit ivamente inconsciente e não no sentido dinâmico chamamos de préconsciente o termo inconsciente limitamos ao reprimido di namicamente inconsciente de modo que possuímos agora três termos consciente cs préconsciente pcs e inconsciente ics cujo sentido não é mais puramente descritivo O Pcs supomos está muito mais próximo ao Cs do que o Ics e como quali ficamos o Ics de psíquico tampouco hesitaremos em qualificar o Pcs latente de psíquico Mas por que não permanecemos de acordo com os filósofos e coerentemente separamos tanto o Pcs como o Ics do psíquico consciente Os filósofos então nos prop oriam descrever o Pcs e o Ics como duas espécies ou dois estágios do psicoide e se estabeleceria a concordância Mas dificuldades sem fim apareceriam por conta disso na exposição e o único fato importante o de que esses estágios psicoides coincidem em quase todos os outros pontos com o que é reconhecidamente psíquico seria empurrado para segundo plano em favor de um 13326 preconceito vindo de um tempo em que ainda não se conheciam esses psicoides ou o que é mais importante neles Agora podemos comodamente empregar nossos três termos cs pcs e ics mas não esquecendo que no sentido descritivo há apenas dois tipos de inconsciente e no sentido dinâmico apenas um Para fins de exposição podemos às vezes negligenciar tal distinção mas outras vezes ela é naturalmente indispensável Em todo caso já nos habituamos bastante a essa ambiguidade do inconsciente e pudemos lidar bem com ela Não é possível evitá la pelo que vejo a diferenciação entre consciente e inconsciente é afinal uma questão de percepção a que se deve responder com sim ou não e o ato da percepção mesmo não informa por qual razão algo é percebido ou não Não podemos nos queix ar porque o dinâmico acha expressão apenas ambígua no fenô meno1 Mas no curso posterior do trabalho psicanalítico verificase que também essas diferenciações não bastam são insuficientes na prática Entre as situações que o demonstram a seguinte sobressai como a decisiva Formamos a ideia de uma organiza ção coerente dos processos psíquicos na pessoa e a denomin amos o Eu da pessoa A este Eu ligase a consciência ele domina os acessos à motilidade ou seja a descarga das excitações no mundo externo é a instância psíquica que exerce o controle sobre todos os seus processos parciais que à noite dorme e ainda então pratica a censura nos sonhos Desse Eu partem igualmente as repressões através das quais certas tendências psíquicas de vem ser excluídas não só da consciência mas também dos outros modos de vigência e atividade Na análise o que foi posto de lado pela repressão se contrapõe ao Eu e ela se defronta com a tarefa de abolir as resistências que o Eu manifesta em ocuparse do 14326 reprimido Ora durante a análise observamos que o doente ex perimenta dificuldades quando lhe colocamos certas tarefas suas associações falham quando devem aproximarse do reprim ido Aí lhe dizemos que ele se acha sob o domínio de uma res istência mas ele nada sabe disso e mesmo que intua por suas sensações de desprazer que uma resistência atua nele então não sabe darlhe nome ou descrevêla Mas como certamente essa resistência vem do seu Eu e a ele pertence achamonos diante de uma situação imprevista Encontramos no próprio Eu algo que é também inconsciente comportase exatamente como o reprim ido isto é exerce poderosos efeitos sem tornarse consciente e requer um trabalho especial para ser tornado consciente Para a prática psicanalítica a consequência dessa descoberta é que de paramos com inúmeras obscuridades e dificuldades se mante mos a nossa habitual forma de expressão e por exemplo fazemos derivar a neurose de um conflito entre o consciente e o inconsciente A partir da nossa compreensão das relações estru turais da vida psíquica temos de substituir essa oposição por uma outra aquela entre o Eu coerente e aquilo reprimido que dele se separou2 As consequências para a nossa concepção do inconsciente são ainda mais significativas A consideração dinâmica havia nos levado à primeira correção a compreensão estrutural nos leva à segunda Reconhecemos que o Ics não coincide com o reprimido continua certo que todo reprimido é ics mas nem todo Ics é tam bém reprimido Também uma parte do Eu e sabe Deus quão importante é ela pode ser ics é certamente ics E esse Ics do Eu não é latente no sentido do Pcs senão não poderia ser ativado sem tornarse cs e tornálo consciente não ofereceria di ficuldades tão grandes Se nos vemos assim obrigados a instituir 15326 um terceiro Ics um não reprimido temos de conceder que a ca racterística da inconsciência perde alguma importância para nós Tornase uma qualidade ambígua que não autoriza as con clusões abrangentes e inevitáveis para as quais desejaríamos utilizála Mas não devemos negligenciála pois a qualidade de ser consciente ou não é afinal a única luz na escuridão da psico logia das profundezas II O EU E O ID A investigação patológica fez o nosso interesse dirigirse muito exclusivamente para o reprimido Gostaríamos de saber mais sobre o Eu depois que aprendemos que também o Eu pode ser inconsciente no verdadeiro sentido da palavra Nosso único ponto de apoio em nossas pesquisas foi até o momento o traço distintivo de ser consciente ou inconsciente e afinal percebemos quão ambíguo pode ser ele De modo que todo o nosso conhecimento está sempre ligado à consciência Também o Ics só podemos conhecer ao tornálo consciente Porém alto lá como é possível isto Que significa tornar algo consciente Como pode isto suceder Já sabemos de onde devemos partir quanto a isso Dissemos que a consciência é a superfície do aparelho psíquico isto é atribuímola como função a um sistema que espacialmente é o primeiro desde o mundo externo Espacialmente aliás não apenas no sentido da função mas aí também no sentido da dis secção anatômica3 Também a nossa investigação deve ter como ponto de partida esta superfície percipiente 16326 Desde o início cs são todas as percepções que vêm de fora percepções sensoriais e de dentro às quais chamamos de sensações e sentimentos E quanto aos processos internos que podemos de forma tosca e imprecisa reunir sob o nome de processos de pensamento Eles que se efetivam como desloca mentos da energia psíquica a caminho da ação em algum lugar dentro do aparelho avançam para a superfície que faz surgir a consciência Ou a consciência vai até eles Esta é notamos uma das dificuldades que surgem ao considerarmos seriamente a ideia espacial topológica do funcionamento psíquico As duas possibilidades são igualmente impensáveis deve haver uma terceira Em outro lugar4 fiz a suposição de que a verdadeira diferença entre uma ideia ics e uma pcs um pensamento consiste em que a primeira se produz em algum material que permanece descon hecido enquanto na segunda a pcs acrescentase a ligação com representações verbais Foi esta uma primeira tentativa de oferecer para os sistemas Pcs e Ics traços distintivos que não se jam a relação com a consciência A questão Como algo se torna consciente seria mais apropriadamente formulada Como algo se torna préconsciente E a resposta seria pela ligação com as representações verbais correspondentes Essas representações verbais são resíduos de memória foram uma vez percepções e como todos os resíduos mnemônicos po dem voltar a ser conscientes Antes de seguirmos tratando de sua natureza ocorrenos como uma nova descoberta que apenas pode tornarse consciente aquilo que uma vez já foi percepção cs e que excluindo os sentimentos o que a partir de dentro quer tornarse consciente deve tentar converterse em percepções ex ternas O que se torna possível mediante os traços mnemônicos 17326 Imaginamos os resíduos de memória como estando contidos em sistemas adjacentes ao sistema PcpCs de forma que os seus investimentos podem com facilidade prosseguir nos elementos desse sistema a partir do interior Aqui pensamos logo na alucin ação e no fato de que a lembrança mais viva é sempre diferen ciada tanto da alucinação como da percepção externa mas tam bém de imediato se apresenta a informação de que ao se reav ivar uma lembrança o investimento é conservado no sistema mnemônico ao passo que a alucinação não distinguível da per cepção pode surgir quando o investimento não só se propaga para o elemento Pcp a partir do traço mnemônico mas passa in teiramente para ele Os resíduos verbais derivam essencialmente de percepções acústicas de modo que ao sistema Pcs é dada como que uma ori gem sensorial especial Podese inicialmente ignorar os compon entes visuais da representação verbal como secundários ad quiridos mediante a leitura e assim também seus acompan hamentos motores que exceto no caso dos surdosmudos têm o papel de sinais auxiliares A palavra é afinal o resíduo mnemônico da palavra ouvida Mas não podemos em nome da simplificação esquecer a im portância dos resíduos mnemônicos óticos das coisas ou negar que é possível e em muitas pessoas parece ser privilegi ado que os processos de pensamento se tornem conscientes me diante o retorno aos resíduos visuais O estudo dos sonhos e das fantasias préconscientes conforme as observações de J Varen donck pode nos dar uma ideia da natureza específica deste pensamento visual Vemos que nele em geral apenas o material concreto do pensamento se torna consciente mas não pode ser dada expressão visual às relações que caracterizam 18326 particularmente o pensamento Pensar em imagens é portanto uma forma bastante incompleta de tornarse consciente De al gum modo também se acha mais próximo dos processos incon scientes do que pensar em palavras e é sem dúvida mais antigo ontogenética e filogeneticamente Logo para retornar ao nosso argumento se esta é a maneira como algo inconsciente em si tornase consciente a questão de como tornamos préconsciente algo reprimido deve ser respon dida assim ao estabelecer tais elos intermediários pcs por meio do trabalho analítico A consciência permanece em seu lugar en tão mas tampouco o Ics subiu digamos até o Cs Enquanto o vínculo entre a percepção externa e o Eu é bem evidente aquele entre a percepção interna e o Eu requer uma in vestigação especial Faz surgir mais um vez a dúvida sobre a justeza de referir toda a consciência a um único sistema superfi cial o PcpCs A percepção interna traz sensações de processos vindos das camadas mais diversas e certamente mais profundas do aparelho psíquico Elas são mal conhecidas as da série prazer desprazer ainda podem ser vistas como o melhor exemplo delas São mais primordiais mais elementares do que as que vêm de fora mesmo em estados de consciência turva podem ocorrer Sobre a sua maior significação econômica e os fundamentos metapsicológicos para isso pude manifestarme em outro lugar Estas sensações são pluriloculares como as percepções externas podem vir simultaneamente de lugares diversos e com isso ter qualidades diversas também opostas As sensações de caráter prazeroso nada possuem de premente em si mas as sensações desprazerosas têm isso em alto grau Elas premem por mudança por descarga e portanto referimos o 19326 desprazer a uma elevação e o prazer a uma diminuição do invest imento de energia Se denominamos o que se torna consciente como prazer e desprazer algo quantitativaqualitativamente outro no curso psíquico a questão é se um tal outro pode se tor nar consciente no próprio lugar ou se tem de ser conduzido ao sistema Pcp A experiência clínica decide por esse último caso Ela mostra que esse outro comportase como um impulso reprimido Ele pode desenvolver força impulsora sem que o Eu note a pressão Somente resistência à pressão estorvo da reação de descarga torna esse outro imediatamente consciente como desprazer Assim como as tensões da carência também a dor pode per manecer inconsciente esta coisa intermediária entre percepção externa e interna que se comporta como uma percepção interna mesmo quando se origina do mundo exterior É correto port anto que também sensações e sentimentos tornamse con scientes apenas ao atingir o sistema Pcp se o caminho é barrado não se produzem como sensações embora o outro que a elas cor responde no curso da excitação seja o mesmo De maneira mais curta não inteiramente correta falamos então de sentimentos inconscientes conservamos a analogia não inteiramente justi ficada com ideias inconscientes Pois a diferença está em que para a ideia ics precisam antes ser criados elos que a conduzam ao Cs e isso não vale para os sentimentos que continuam direta mente Em outras palavras a diferença entre Cs e Pcs não tem sentido para os sentimentos o Pcs aqui não cabe os sentimentos são conscientes ou inconscientes Mesmo ao serem ligados a rep resentações verbais não devem a elas o fato de tornarse con scientes mas fazemno diretamente 20326 O papel das representações verbais é agora perfeitamente claro Pela sua intermediação processos de pensamento internos são transformados em percepções É como se fosse demonstrada a proposição de que todo saber tem origem na percepção ex terna Num superinvestimento do pensar todos os pensamentos são percebidos realmente como de fora e por isso tidos como verdadeiros Após assim clarificar as relações entre percepção externa e in terna e o sistema superficial PcpCs podemos passar a desen volver nossa concepção do Eu Nós o vemos partir do sistema Pcp seu núcleo e inicialmente abarcar o Pcs que se apoia nos resíduos mnemônicos Mas como aprendemos o Eu é também inconsciente Agora será de grande proveito para nós creio acompanhar mos a sugestão de um autor que em vão assegura por motivos pessoais nada ter com a ciência estrita e elevada Refirome a Georg Groddeck que está sempre a enfatizar que aquilo a que chamamos nosso Eu conduzse na vida de modo essencial mente passivo que somos como diz vividos por poderes desconhecidos e incontroláveis5 Nós todos tivemos esta im pressão embora ela não nos tenha dominado a ponto de excluir as demais e não hesitamos em atribuir à intuição de Groddeck um lugar no conjunto da ciência Proponho que a levemos em consideração chamando de Eu a entidade que parte do sistema Pcp e é inicialmente pcs e de Id segundo o uso de Groddeck a outra parte da psique na qual ela prossegue e que se comporta como ics6 Logo veremos se será possível tirar alguma vantagem disso para a descrição e a compreensão Um indivíduo é então para nós um Id um algo psíquico irreconhecido e inconsciente em 21326 cuja superfície se acha o Eu desenvolvido com base no sistema Pcp seu núcleo Se buscamos uma representação gráfica po demos acrescentar que o Eu não envolve inteiramente o Id mas apenas à medida que o sistema Pcp forma a sua superfície do Eu mais ou menos como o disco germinal se acha sobre o ovo O Eu não é nitidamente separado do Id conflui com este na direção inferior Mas também o reprimido conflui com o Id é somente uma parte dele O reprimido é claramente separado do Eu apenas pelas resistências da repressão pelo Id pode comunicarse com ele Logo percebemos que quase todas as demarcações que a patologia nos levou a fazer concernem apenas às camadas super ficiais do aparelho psíquico as únicas que conhecemos Poder íamos esboçar um desenho desta situação desenho cujas linhas servem apenas à exposição não solicitam nenhuma inter pretação particular Digamos também que o Eu tem um boné auditivo apenas de um lado conforme atesta a anatomia cerebral Usao de lado por assim dizer É fácil ver que o Eu é a parte do Id modificada pela influência direta do mundo externo sob mediação do PcpCs como que um prosseguimento da diferenciação da superfície Ele também se 22326 esforça em fazer valer a influência do mundo externo sobre o Id e os seus propósitos empenhase em colocar o princípio da realid ade no lugar do princípio do prazer que vigora irrestritamente no Id A percepção tem para o Eu o papel que no Id cabe ao in stinto O Eu representa o que se pode chamar de razão e circun specção em oposição ao Id que contém as paixões Tudo isso corresponde a notórias distinções populares mas deve ser enten dido tão só como aproximadamente ou idealmente correto A importância funcional do Eu se expressa no fato de que nor malmente lhe é dado o controle dos acessos à motilidade Assim em relação ao Id ele se compara ao cavaleiro que deve pôr freios à força superior do cavalo com a diferença de que o cavaleiro tenta fazêlo com suas próprias forças e o Eu com forças emprestadas Este símile pode ser levado um pouco adiante Assim como o cavaleiro a fim de não se separar do cavalo muitas vezes tem de conduzilo aonde ele quer ir também o Eu costuma transformar em ato a vontade do Id como se ela fosse a sua própria Um outro fator além da influência do sistema Pc parece ter tido efeito sobre a gênese do Eu e sua diferenciação do Id O corpo principalmente sua superfície é um lugar do qual podem partir percepções internas e externas simultaneamente É visto como um outro objeto mas ao ser tocado produz dois tipos de sensações um dos quais pode equivaler a uma percepção in terna Já se discutiu bastante na psicofisiologia de que maneira o corpo sobressai no mundo da percepção Também a dor parece ter nisso um papel e o modo como adquirimos um novo conhe cimento de nossos órgãos nas doenças dolorosas é talvez um modelo para a forma como chegamos à ideia de nosso corpo 23326 O Eu é sobretudo corporal não é apenas uma entidade super ficial mas ele mesmo a projeção de uma superfície7 Procurando uma analogia anatômica para ele podemos identificálo com o homúnculo do cérebro dos anatomistas que fica no córtex de cabeça para baixo e com os calcanhares para cima olha para trás e como se sabe tem no lado esquerdo a zona da linguagem A relação do Eu com a consciência já foi várias vezes examin ada mas há alguns fatos importantes a serem apontados aqui Acostumados a sempre levar uma escala de valores social ou ét ica não nos surpreendemos ao saber que a atividade das paixões inferiores se dá no inconsciente mas esperamos que as funções psíquicas tenham mais facilmente acesso seguro à consciência quanto mais elevadas se situem nessa escala Nisso a experiência psicanalítica nos decepciona porém Temos comprovação por um lado de que mesmo o trabalho intelectual difícil e sutil que normalmente requer estrênua reflexão também pode ser efetuado préconscientemente sem chegar à consciência Esses casos são indubitáveis verificamse por exemplo durante o sono evidenciandose no fato de um indivíduo saber imediata mente após o despertar a solução de um difícil problema matemático ou de outro gênero que no dia anterior se esforçara em vão por encontrar8 Bem mais peculiar é uma outra constatação Aprendemos em nossas análises que há pessoas nas quais a autocrítica e a con sciência moral ou seja ações psíquicas altamente valorizadas são inconscientes e enquanto tais produzem os efeitos mais im portantes o fato de a resistência permanecer inconsciente na an álise não é portanto a única situação desse tipo Mas a nova constatação que nos obriga apesar de nossa melhor com preensão crítica a falar de um sentimento de culpa inconsciente 24326 desconcertanos bem mais e nos oferece novos enigmas sobre tudo quando gradualmente notamos que um tal sentimento de culpa inconsciente tem papel decisivo em termos econômicos num grande número de neuroses e ergue os maiores obstáculos na direção da cura Querendo retornar à nossa escala de valores teremos de afirmar Não só as coisas mais fundas do Eu tam bém as mais altas podem ser inconscientes É como se nos fosse demonstrado dessa maneira o que já afirmamos sobre o Eu consciente que ele é sobretudo um Eu do corpo III O EU E O SUPEREU IDEAL DO EU Se o Eu fosse apenas a parte do Id modificada por influência do sistema perceptivo o representante do mundo externo real na psique estaríamos diante de algo simples Mas há outras coisas a serem consideradas Os motivos que nos levaram a supor uma gradação no Eu uma diferenciação em seu interior que pode ser chamada de ideal do Eu ou Supereu foram explicitados em outros tra balhos9 Eles continuam válidos10 A novidade que exige ex plicação é o fato de essa parcela do Eu ter relação menos estreita com a consciência Aqui nós temos que abarcar um âmbito maior Foinos dado esclarecer o doloroso infortúnio da melancolia através da suposição de que um objeto perdido é novamente estabelecido no Eu ou seja um investimento objetal é substituído por uma identificação11 Mas ainda não reconhecíamos então todo o sig nificado deste processo e não sabíamos como ele é típico e 25326 frequente Desde então compreendemos que tal substituição par ticipa enormemente na configuração do Eu e contribui de modo essencial para formar o que se denomina seu caráter Bem no início na primitiva fase oral do indivíduo investi mento objetal e identificação provavelmente não se distinguem um do outro Só podemos supor que mais tarde os investimentos objetais procedam do Id que sente como necessidades os im pulsos eróticos O Eu inicialmente ainda frágil toma conheci mento dos investimentos objetais aprovaos ou procura afastá los mediante o processo da repressão12 Se um tal objeto sexual deve ou tem de ser abandonado não é raro sobrevir uma alteração do Eu que é preciso descrever como estabelecimento do objeto no Eu como sucede na melancolia ainda não conhecemos as circunstâncias exatas dessa substitu ição Talvez com essa introjeção que é uma espécie de regressão ao mecanismo da fase oral o Eu facilite ou permita o abandono do objeto Talvez essa identificação seja absolutamente a con dição sob a qual o Eu abandona seus objetos De todo modo o processo é muito frequente sobretudo nas primeiras fases do desenvolvimento e pode possibilitar a concepção de que o caráter do Eu é um precipitado dos investimentos objetais aban donados de que contém a história dessas escolhas de objeto Desde logo há que se conceder naturalmente uma gradação da capacidade de resistência até que ponto o caráter de uma pessoa rejeita ou acolhe estas influências da história de suas escolhas er óticas de objeto Em mulheres que tiveram muitas experiências amorosas acreditamos poder mostrar facilmente nos seus traços de caráter os vestígios de seus investimentos objetais Também devemos considerar o investimento objetal e a identificação sim ultâneos ou seja uma alteração do caráter anterior ao abandono 26326 do objeto Nesse caso a mudança do caráter poderia sobreviver à relação objetal e num certo sentido conservála Segundo outro modo de ver essa transformação de uma escolha erótica de objeto numa alteração do Eu é também uma via pela qual o Eu pode controlar o Id e aprofundar suas relações com ele embora à custa de uma larga tolerância para com as ex periências dele Se o Eu assume os traços do objeto como que se oferece ele próprio ao Id como objeto de amor procura compensálo de sua perda dizendo Veja você pode amar a mim também eu sou tão semelhante ao objeto A transformação da libido objetal em libido narcísica que en tão ocorre evidentemente acarreta um abandono das metas sexuais uma dessexualização ou seja uma espécie de sublim ação E surge mesmo a questão digna de um tratamento mais aprofundado de que este seria talvez o caminho geral da sublim ação de que talvez a sublimação ocorra por intermediação do Eu que primeiro converte a libido objetal sexual em libido nar císica para depois darlhe quiçá outra meta13 Mais adiante con sideraremos se tal transformação não pode ocasionar outros des tinos para os instintos como por exemplo uma disjunção dos diversos instintos amalgamados Embora constitua uma digressão relativamente ao nosso ob jetivo não podemos evitar que a nossa atenção se volte mo mentaneamente para as identificações objetais do Eu Se estas predominam tornamse muito numerosas e fortes incompatibilizandose umas com as outras um desfecho patoló gico é provável Podese chegar a uma fragmentação do Eu quando as várias identificações se excluem umas às outras medi ante resistências e o segredo dos casos chamados de múltipla personalidade talvez esteja em que as várias identificações 27326 tomam alternadamente a consciência Mesmo não indo tão longe há a questão dos conflitos das diferentes identificações em que o Eu se distribui conflitos que afinal não podem ser clara mente descritos como patológicos Mas como quer que seja depois a resistência do caráter às in fluências dos investimentos objetais abandonados serão gerais e duradouros os efeitos das identificações iniciais sucedidas na id ade mais tenra Isso nos leva de volta à origem do ideal do Eu pois por trás dele se esconde a primeira e mais significativa iden tificação do indivíduo aquela com o pai da préhistória pess oal14 Esta não parece ser à primeira vista resultado ou con sequência de um investimento objetal é uma identificação direta imediata mais antiga do que qualquer investimento ob jetal Mas as escolhas de objeto pertencentes ao primeiro período sexual e relativas a pai e mãe parecem resultar normalmente em tal identificação e assim reforçar a identificação primária De todo modo essas relações são tão complexas que se torna necessário descrevêlas com mais vagar Dois fatores respondem por essa complexidade a natureza triangular da situação edípica e a bissexualidade constitucional do indivíduo Simplificadamente o caso se configura da forma seguinte para o menino Bastante cedo ele desenvolve um investimento objetal na mãe que tem seu ponto de partida no seio materno e constitui o protótipo de uma escolha objetal por apoio do pai o menino se apodera por identificação As duas relações coexistem por algum tempo até que com a intensificação dos desejos sexuais pela mãe e a percepção de que o pai é um obstáculo a esses desejos tem origem o complexo de Édipo15 A identificação com o pai assume uma tonalidade hostil muda para o desejo de eliminálo a fim de substituílo junto à mãe Desde então é 28326 ambivalente a relação com o pai é como se a ambivalência desde o início presente na identificação se tornasse manifesta A pos tura ambivalente ante o pai e a relação objetal exclusivamente terna com a mãe formam para o menino o conteúdo do com plexo de Édipo simples e positivo Com o desmoronamento do complexo de Édipo o investi mento objetal na mãe tem que ser abandonado Em seu lugar pode surgir uma identificação com a mãe ou um fortalecimento da identificação com o pai Costumamos ver este segundo des fecho como o mais normal ele permite conservar em alguma medida a relação terna com a mãe Graças à dissolução do com plexo de Édipo a masculinidade no caráter do menino experi mentaria uma consolidação De modo inteiramente análogo a postura edípica da menina pode resultar num fortalecimento ou no estabelecimento de sua identificação com a mãe que fixa o caráter feminino da criança Tais identificações não correspondem à nossa expectativa pois não introduzem no Eu o objeto abandonado mas esse des fecho também ocorre e pode ser observado mais facilmente nas garotas do que nos meninos Com muita frequência a análise nos revela que a menina após ter de renunciar ao pai como objeto amoroso põe à frente sua masculinidade e se identifica não com a mãe mas com o pai ou seja o objeto perdido A questão clara mente é se suas disposições masculinas são fortes o bastante não importando em que consistam Portanto o desenlace da situação edípica numa identificação com o pai ou a mãe parece depender em ambos os sexos da re lativa força das duas disposições sexuais Esta é uma das formas como a bissexualidade intervém no destino do complexo de Édipo A outra é ainda mais importante Pois temos a impressão 29326 de que o complexo de Édipo simples não é absolutamente o mais frequente mas corresponde a uma simplificação ou esquematiz ação que não há dúvida com frequência se justifica em termos práticos Uma investigação mais penetrante mostra em geral o complexo de Édipo mais completo que é duplo um positivo e um negativo dependente da bissexualidade original da criança isto é o menino tem não só uma atitude ambivalente para com o pai e uma terna escolha objetal pela mãe mas ao mesmo tempo comportase como uma garota exibe a terna atitude feminina com o pai e correspondendo a isso aquela ciumenta e hostil em relação à mãe Essa interferência da bissexualidade torna muito difícil compreender as primitivas identificações e escolhas obje tais e ainda mais difícil descrevêlas de modo inteligível Tam bém pode ser que a ambivalência constatada na relação com os pais deva se referir inteiramente à bissexualidade e não como apresentei acima ter se desenvolvido a partir da identificação pela atitude de rivalidade Acho que convém supor em geral e muito especialmente nos neuróticos a existência do complexo de Édipo completo A ex periência analítica ensina então que em bom número de casos um ou outro componente dele se reduz a traços quase imper ceptíveis de modo que se produz uma série numa ponta da qual está o complexo de Édipo normal positivo e na outra ponta aquele contrário negativo enquanto os elos intermediários ex ibem a forma completa com participação desigual dos dois com ponentes Na dissolução do complexo de Édipo as quatro tendências nele existentes se agruparão de forma tal que delas resultará uma identificação com o pai e uma identificação com a mãe a identificação com o pai mantendo o objeto materno do complexo positivo e ao mesmo tempo substituindo o objeto 30326 paterno do complexo contrário as coisas sucederão de forma an áloga na identificação com a mãe O peso maior ou menor das duas disposições sexuais será refletido na diferente intensidade das duas identificações Podemos supor então que o resultado mais comum da fase sexual dominada pelo complexo de Édipo é um precipitado no Eu consistindo no estabelecimento dessas duas identificações de algum modo ajustadas uma à outra Essa alteração do Eu con serva a sua posição especial surgindo ante o conteúdo restante do Eu como ideal do Eu ou Supereu Mas o Supereu não é simplesmente um resíduo das primeiras escolhas objetais do Id possui igualmente o sentido de uma en érgica formação reativa a este Sua relação com o Eu não se es gota na advertência Assim como o pai você deve ser ela compreende também a proibição Assim como o pai você não pode ser isto é não pode fazer tudo o que ele faz há coisas que continuam reservadas a ele Essa dupla face do ideal do Eu de riva do fato de ele haver se empenhado na repressão do com plexo de Édipo de até mesmo dever sua existência a essa grande reviravolta Claramente a repressão do complexo de Édipo não foi tarefa simples Como os pais em especial o pai foram perce bidos como obstáculo à realização dos desejos edípicos o Eu infantil fortificouse para essa obra de repressão estabelecendo o mesmo obstáculo dentro de si Em certa medida tomou emprestada ao pai a força para isso e esse empréstimo é um ato pleno de consequências O Supereu conservará o caráter do pai e quanto mais forte foi o complexo de Édipo tanto mais rapida mente sob influência de autoridade ensino religioso escola leituras ocorreu sua repressão tanto mais severamente o Super eu terá domínio sobre o Eu como consciência moral talvez como 31326 inconsciente sentimento de culpa Mais adiante apresentarei uma conjectura acerca de onde ele tira forças para esse domínio o caráter coercivo que se manifesta como imperativo categórico Considerando uma vez mais a gênese do Supereu tal como foi aqui descrita nós o vemos como o resultado de dois fatores biológicos altamente significativos o longo desamparo e de pendência infantil do ser humano e o fato do seu complexo de Édipo que relacionamos à interrupção do desenvolvimento da libido pelo período de latência e assim ao começo em dois tem pos da vida sexual Essa última característica especificamente humana ao que parece tem uma hipótese psicanalítica segundo a qual é uma herança da evolução para a cultura imposta pela era glacial Com isto a diferenciação do Supereu em relação ao Eu não é algo fortuito representa os traços mais significativos da evolução da investigação e da espécie e dando expressão duradoura à influência dos pais perpetua a existência dos fatores a que deve sua origem Já inúmeras vezes se fez à psicanálise a objeção de não se im portar com o que é elevado moral e suprapessoal no homem Tal objeção é duas vezes injusta tanto histórica como metodologica mente No primeiro caso porque desde o início atribuímos às tendências morais e estéticas do Eu o estímulo à repressão no segundo porque não se quis ver que a investigação psicanalítica não podia apresentarse como um sistema filosófico com um edifício teórico inteiro e completo mas teve que abrir seu cam inho para o entendimento das complicações da psique passo a passo através da dissecação analítica de fenômenos normais e anormais Enquanto nos ocupávamos do estudo do reprimido na vida psíquica não precisamos partilhar a trêmula aflição com o paradeiro do elevado no ser humano Agora que nos lançamos à 32326 análise do Eu podemos responder o seguinte a todos os que abalados em sua consciência ética queixaramse de que tem de haver algo elevado no homem Sem dúvida e é este o algo el evado o ideal do Eu ou Supereu o representante de nossa re lação com os pais Quando pequenos nós conhecemos ad miramos tememos estes seres elevados depois os acolhemos dentro de nós O ideal do Eu é portanto herdeiro do complexo de Édipo e desse modo expressão dos mais poderosos impulsos e dos mais importantes destinos libidinais do Id Estabelecendoo o Eu assenhorouse do complexo de Édipo e ao mesmo tempo submeteuse ao Id Enquanto o Eu é essencialmente represent ante do mundo exterior da realidade o Supereu o confronta como advogado do mundo interior do Id Conflitos entre Eu e ideal refletirão em última instância agora estamos preparados para isso a oposição entre real e psíquico mundo exterior e mundo interior O que a biologia e as vicissitudes da espécie humana criaram e deixaram no Id é assumido pelo Eu através da formação do ideal e revivenciado nele individualmente Graças à história de sua formação o ideal do Eu tem amplos laços com a aquisição filogenética a herança arcaica do indivíduo O que fez parte do que é mais profundo na vida psíquica de cada um se torna at ravés da formação do ideal no que é mais elevado na alma hu mana conforme nossa escala de valores Mas em vão nos em penharíamos em localizar o ideal do Eu ainda que apenas de modo semelhante ao que fizemos com o Eu ou inserilo numa das imagens com que tentamos figurar a relação entre Eu e Id Não é difícil mostrar que o ideal do Eu satisfaz tudo o que se espera do algo elevado no ser humano Como formação 33326 substitutiva do anseio pelo pai contém o gérmen a partir do qual se formaram todas as religiões O juízo acerca da própria insufi ciência ao comparar o Eu com seu ideal produz o sentimento religioso de humildade que o crente invoca ansiosamente No curso posterior do desenvolvimento professores e autoridades levam adiante o papel do pai suas injunções e proibições con tinuam poderosas no ideal do Eu e agora exercem a censura moral como consciência A tensão entre as expectativas da con sciência e as realizações do Eu é percebida como sentimento de culpa Os sentimentos sociais repousam em identificações com outras pessoas com base no mesmo ideal do Eu Religião moral e sentimento social os conteúdos principais do que é elevado no ser humano 16 foram originalmente uma só coisa Segundo a hipótese de Totem e tabu foram adquiridos filogeneticamente no complexo paterno religião e limitação ét ica pelo domínio sobre o complexo de Édipo mesmo os senti mentos sociais pela obrigação de superar a rivalidade restante entre os membros da nova geração Em todas essas conquistas éticas o sexo masculino parece ter tomado a frente a herança cruzada levou esse patrimônio também às mulheres Ainda hoje os sentimentos sociais nascem no indivíduo como uma superes trutura sobre os impulsos de ciúme e rivalidade contra os irmãos Como a hostilidade não pode ser satisfeita ocorre uma identificação com o inimigo inicial Observações feitas em casos de homossexualidade leve apoiam a suspeita de que também essa identificação é substituto para uma escolha objetal terna que tomou o lugar da postura agressivahostil17 Entretanto com a menção da filogênese aparecem novos problemas aos quais hesitaríamos em oferecer resposta Mas não há saída é preciso arriscar ainda que receando que isso 34326 ponha à mostra a insuficiência de todo o nosso esforço A questão é Foi o Eu ou o Id do homem primitivo que naquele tempo adquiriu religião e moralidade do complexo paterno Se foi o Eu por que não falamos simplesmente de uma transmissão hereditária no Eu Se foi o Id como se harmoniza isso com o caráter do Id Ou não se pode estender a diferenciação de Eu Supereu e Id a uma época tão remota Ou devese francamente admitir que toda esta concepção dos processos do Eu em nada contribui para o entendimento da filogênese e não é aplicável a esta Respondamos primeiramente o que pode ser respondido com maior facilidade A diferenciação entre Eu e Id temos de atribuir não só ao homem primitivo mas também a organismos muito mais simples pois é a inevitável expressão da influência do mundo externo Quanto ao Supereu achamos que derivou justamente daquelas vivências que conduziram ao totemismo A questão de se foi o Eu ou o Id que experimentou e adquiriu tais coisas não se sustenta A reflexão logo nos diz que o Id é incapaz de viver ou experimentar vicissitudes externas senão através do Eu que nele representa o mundo externo Mas não se pode falar de uma transmissão hereditária no Eu Aqui surge o hiato que separa o indivíduo real do conceito de espécie Também não se deve tomar rigidamente a distinção entre Eu e Id e não esquecer que o Eu é uma parte do Id especialmente diferenciada As vivências do Eu parecem inicialmente perdidas para a herança mas quando se repetem com frequência e força suficientes em muitos indivíduos que se sucedem por gerações elas como que se transformam em vivências do Id experiências cujas im pressões são mantidas hereditariamente Assim o Id hereditário alberga os resíduos de incontáveis existências de Eu e quando o 35326 Eu cria seu Supereu a partir do Id talvez apenas faça aparecer de novo anteriores formas de Eu proporcionelhes uma ressurreição A história da gênese do Supereu torna compreensível que vel hos conflitos do Eu com os investimentos objetais do Id possam prosseguir em conflitos com o herdeiro destes o Supereu Quando o Eu não consegue dominar o complexo de Édipo o in vestimento de energia deste oriundo do Id volta a operar na formação reativa do ideal do Eu A profusa comunicação entre esse ideal e esses impulsos instintuais ics resolve o enigma de o ideal mesmo poder ficar em grande parte inconsciente ina cessível ao Eu A luta que já se deu nas camadas mais profundas e que não chegou ao fim mediante rápida sublimação e identi ficação prossegue numa região mais elevada como na pintura de Kaulbach sobre a Batalha dos Hunos IV AS DUAS ESPÉCIES DE INSTINTOS Dissemos que se a nossa divisão da psique em um Id um Eu e um Supereu significa um progresso em nosso conhecimento ela deve revelarse também um meio para a compreensão mais pro funda e melhor descrição das relações dinâmicas da vida psíquica Também ficou claro para nós que o Eu se acha sob a influência particular da percepção e que é possível dizer grosso modo que as percepções têm para o Eu a mesma importância que os instintos para o Id Mas o Eu está sujeito ao influxo dos instintos assim como o Id do qual é apenas uma parte especial mente modificada 36326 Acerca dos instintos desenvolvi recentemente em Além do princípio do prazer uma concepção que aqui manterei e to marei como base para as discussões que seguem De acordo com ela há que distinguir duas espécies de instintos das quais uma os instintos sexuais ou Eros é de longe a mais visível e mais acessível ao conhecimento Ela compreende não apenas o próprio instinto sexual desinibido e os impulsos instintuais sub limados e inibidos na meta dele derivados mas também o in stinto de autoconservação que devemos consignar ao Eu e que no início do trabalho analítico opusemos com boas razões aos instintos objetais sexuais Determinar a segunda espécie de in stintos foi mais difícil para nós afinal viemos a enxergar no sad ismo o seu representante Com base em reflexões teóricas am paradas pela biologia supusemos que há um instinto de morte cuja tarefa é reconduzir os organismos viventes ao estado inan imado enquanto Eros busca o objetivo de agregando cada vez mais amplamente a substância viva dispersa em partículas torn ar mais complexa a vida nisso conservandoa naturalmente Ambos os instintos comportamse de maneira conservadora no sentido mais estrito ao se empenhar em restabelecer um estado que foi perturbado pelo surgimento da vida Este surgimento seria então a causa da continuação da vida e ao mesmo tempo da aspiração pela morte a própria vida sendo luta e com promisso entre essas duas tendências A questão da origem da vida permaneceria cosmológica a da finalidade e propósito da vida seria respondida de forma dualista A cada uma dessas duas espécies de instintos estaria asso ciado um processo fisiológico especial assimilação e desassimil ação anabolismo e catabolismo em cada fragmento de sub stância viva estariam ativas as duas mas em mistura desigual de 37326 modo que uma substância poderia assumir a principal repres entação de Eros Ainda não podemos conceber de que modo os instintos das duas espécies se ligam misturam amalgamam uns com os out ros mas que isto sucede regularmente e em larga medida é uma suposição inescapável em nosso contexto Devido à ligação dos organismos elementares unicelulares em formas de vida plurice lulares haveria êxito em neutralizar o instinto de morte da célula singular e desviar os impulsos destrutivos para o mundo externo por meio de um órgão especial Esse órgão seria a musculatura e o instinto de morte se manifestaria então mas provavelmente só em parte como instinto de destruição voltado para o mundo externo e outras formas de vida Havendo admitido a concepção de uma mescla ou junção das duas espécies de instintos impõesenos a possibilidade de uma mais ou menos completa disjunção desses instintos No componente sádico do instinto sexual teríamos o exemplo clássico de uma mescla instintual adequada a um fim no sad ismo que se tornou independente como perversão o modelo de uma disjunção embora não levada ao extremo Então se descor tina para nós um largo âmbito de fatos que ainda não foi consid erado sob essa luz Percebemos que o instinto de destruição é habitualmente posto a serviço de Eros para fins de descarga sus peitamos que o ataque epiléptico seja produto e indício de uma disjunção de instintos e aprendemos a ver que entre os efeitos de algumas neuroses graves as neuroses obsessivas por exem plo merecem particular atenção a disjunção instintual e a proeminência do instinto de morte Numa generalização rápida conjecturamos que a essência de uma regressão libidinal da fase genital à sádicoanal por exemplo baseiase numa disjunção 38326 instintual e inversamente o avanço da fase genital inicial à definitiva tem por condição um acréscimo de componentes eróti cos Surge também a questão de a ambivalência ordinária que com frequência é fortalecida na disposição constitucional à neur ose poder ser apreendida como resultado de uma disjunção mas ela é tão primordial que deve ser antes uma mescla instintu al não consumada Nosso interesse se volta naturalmente para a questão de se haverá nexos significativos entre as supostas formações do Eu Supereu e Id por um lado e as duas espécies de instintos por outro lado também para a questão de se é possível atribuir ao princípio do prazer que rege os processos psíquicos uma posição fixa ante as duas espécies de instintos e as diferenciações psíquicas Antes de entrar nessa discussão temos de lidar com uma dúvida que diz respeito à colocação mesma do problema É certo que não há dúvida em relação ao princípio do prazer e a organização do Eu tem justificação clínica mas a distinção das duas espécies de instintos não parece bastante assegurada e é possível que fatos da análise clínica liquidem tal pretensão Parece haver um fato assim Para a oposição entre as duas es pécies de instintos podemos introduzir a polaridade de amor e ódio Não temos dificuldade em achar uma representação para Eros mas ficamos satisfeitos em poder encontrar no instinto de destruição para o qual o aponta o ódio um representante do in stinto de morte de tão difícil apreensão Ora a observação clín ica nos mostra que o ódio é não somente o inesperado acompan hante regular do amor ambivalência não apenas o seu fre quente precursor nas relações humanas mas também que o ódio em várias circunstâncias transformase em amor e o amor em ódio Quando essa transformação é mais do que mera 39326 sucessão temporal simples substituição claramente desapare cem os alicerces para uma distinção fundamental como essa entre instintos eróticos e de morte que pressupõe processos fisi ológicos que correm em direções opostas Claramente não faz parte de nosso problema o caso em que primeiramente se ama e depois se odeia a mesma pessoa ou o contrário quando esta deu motivos para tanto Tampouco o caso em que um amor ainda não manifesto se exterioriza primeira mente por hostilidade e tendência à agressão dado que o com ponente destrutivo pode aí anteciparse no investimento objetal até que o erótico a ele se junte Mas conhecemos vários casos da psicologia das neuroses que talvez admitam a hipótese de uma transformação Na paranoia persecutória o enfermo se defende de uma ligação homossexual muito forte a determinada pessoa de uma certa maneira e o resultado é que essa pessoa tão amada se torna um perseguidor contra o qual se dirige a agressão muitas vezes perigosa do doente É lícito acrescentarmos que uma fase anterior transformara o amor em ódio Na gênese da homossexualidade mas também dos sentimentos sociais des sexualizados a pesquisa psicanalítica nos deu a conhecer há pouco a existência de vigorosos sentimentos de rivalidade que levam a inclinações agressivas somente após a superação deles o objeto antes odiado tornase amado ou objeto de uma identi ficação Cabe perguntar se nesses casos devemos supor uma con versão direta de ódio em amor Tratase aqui de mudanças puramente internas em que não participam variações de con duta do objeto Mas a investigação psicanalítica do processo envolvido na mudança paranoica nos familiariza com a possibilidade de um outro mecanismo Desde o início está presente uma atitude 40326 ambivalente e a transformação ocorre por meio de um desloca mento reativo do investimento quando se subtrai energia do im pulso erótico e se introduz energia no impulso hostil Não a mesma coisa mas algo semelhante acontece na super ação da rivalidade hostil que leva à homossexualidade A atitude hostil não tem perspectiva de satisfação por isso por motivos econômicos então ela é substituída pela atitude amorosa que oferece maior perspectiva de satisfação ou seja possibilidade de descarga Com isso não precisamos supor em nenhum desses casos uma transformação direta de ódio em amor que seria in compatível com a diferença qualitativa das duas espécies de instintos Mas notamos que ao considerar esse outro mecanismo de transformação de amor em ódio fizemos tacitamente uma outra suposição que deve ser explicitada Procedemos como se houvesse na psique seja no Eu ou no Id uma energia deslo cável que em si indiferente pode juntarse a um impulso er ótico ou destrutivo qualitativamente diferenciado e elevar o in vestimento total deste Sem supor uma tal energia deslocável não avançamos A questão é de onde procede a que pertence e o que significa O problema da qualidade dos impulsos instintuais e da sua conservação nos diferentes destinos dos instintos é ainda ob scuro e quase não foi abordado até hoje Nos instintos sexuais parciais que se prestam especialmente à observação podese constatar alguns processos que se enquadram na mesma ordem por exemplo que há certo grau de comunicação entre os instin tos parciais que o instinto de uma fonte particularmente eró gena pode ceder a sua intensidade para o fortalecimento de um instinto parcial de outra fonte que a satisfação de um instinto 41326 substitui a de outro e outras coisas assim que devem dar ânimo para arriscar certas hipóteses E na presente discussão tenho apenas uma hipótese a ofere cer não uma prova Parece plausível que essa energia operante no Eu e no Id deslocável e indiferente provenha da reserva de libido narcísica seja Eros dessexualizado Pois os instintos eróti cos nos aparecem como mais plásticos desviáveis e deslocáveis do que os instintos de destruição Então podemos prosseguir sem maior dificuldade dizendo que essa libido deslocável tra balha para o princípio do prazer a fim de evitar represamentos e facilitar descargas Nisso é possível notar uma certa indiferença quanto ao caminho pelo qual sucede a descarga desde que ela aconteça Conhecemos esse traço como algo típico dos processos de investimento que há no Id Ele se acha nos investimentos er óticos em que se mostra particular indiferença quanto ao objeto muito especialmente nas transferências durante a análise que têm de se realizar não importando em quais pessoas Recente mente Rank apresentou bons exemplos de reações neuróticas de vingança dirigidas contra as pessoas erradas Ante essa conduta do inconsciente é impossível não lembrar a divertida anedota em que um dos três alfaiates de uma aldeia tem de ser enforcado porque o único ferreiro da aldeia cometeu um crime capital É necessário haver castigo ainda que não recaia sobre o culpado A mesma imprecisão já havíamos notado nos deslocamentos do processo primário ocorridos no trabalho do sonho Ali os objetos eram relegados a uma segunda linha de consideração assim como no presente caso as vias da ação de descarga Seria próprio do Eu insistir numa maior exatidão na escolha do objeto e da via de descarga 42326 Se esta energia deslocável é libido dessexualizada pode ser também descrita como energia sublimada pois ainda manteria a principal intenção de Eros a de unir e ligar na medida em que contribui para a unidade ou o esforço por unidade que cara cteriza o Eu Se incluímos entre tais deslocamentos os processos de pensamento no mais amplo sentido também o trabalho do pensamento é provido pela sublimação de força instintual erótica Aqui nos achamos novamente ante a possibilidade já dis cutida de que a sublimação aconteça regularmente por intermé dio do Eu Lembramos do outro caso em que o Eu lida com os primeiros investimentos objetais do Id e sem dúvida também com os posteriores acolhendo em si a libido deles e ligandoa à mudança do Eu produzida pela identificação A essa transform ação em libido do Eu vinculase naturalmente um abandono dos objetivos sexuais uma dessexualização De todo modo assim compreendemos um importante papel do Eu em sua relação com Eros À medida que se apodera de tal forma da libido dos investi mentos objetais arvorase em único objeto de amor dessexual iza ou sublima a libido do Id ele trabalha de encontro às in tenções de Eros colocase a serviço dos impulsos instintuais contrários Tem de tolerar uma outra porção de investimentos objetais do Id como que participar deles Depois viremos a falar de outra consequência possível dessa atividade do Eu Um importante desenvolvimento haveria de ser feito agora na teoria do narcisismo Bem no início toda a libido se acha acumu lada no Id enquanto o Eu ainda está em formação ou é fraco O Id envia parte dessa libido para investimentos objetais eróticos e com isso o Eu fortalecido procura apoderarse dessa libido 43326 objetal e imporse ao Id como objeto de amor O narcisismo do Eu é então um narcisismo secundário subtraído aos objetos Sempre tornamos a comprovar que os impulsos instintuais cuja pista podemos seguir revelamse derivados de Eros Não fossem as considerações apresentadas em Além do princípio do prazer e por fim as contribuições sádicas a Eros teríamos di ficuldade em manter a concepção dualista fundamental Mas tendo que adotála somos levados à impressão de que os instin tos de morte são mudos essencialmente e de que o fragor da vida parte geralmente de Eros18 E da luta contra Eros É difícil não imaginar que o princípio do prazer serve ao Id como uma bússola no combate à libido que introduz perturbações no curso da vida Se conforme Fechner o princípio da constância governa a vida que seria uma descensão na morte são as exigências de Eros dos instintos sexuais que enquanto necessidades instintuais impedem a diminuição do nível e introduzem novas tensões O Id guiado pelo princípio do prazer isto é pela percepção do desprazer defendese delas por vários meios Em primeiro lugar pela rápida indulgência para com as reivindicações da libido não dessexualizada ou seja o empenho na satisfação das tendências diretamente sexuais De modo bem mais amplo numa forma particular dessas satis fações em que convergem todas as exigências parciais livrando se das substâncias sexuais que são veículos saturados por assim dizer das tensões eróticas A expulsão de matérias sexuais no ato sexual corresponde em certa medida à separação de soma e plasma germinal Daí a semelhança entre o estado que segue a plena satisfação sexual e a morte sendo que nos animais inferi ores a morte coincide com o ato da procriação Tais seres morr em na reprodução na medida em que após se excluir Eros 44326 mediante a satisfação o instinto de morte fica livre para levar a cabo suas intenções Finalmente como vimos o Eu facilita para o Id o trabalho de superação ao sublimar partes da libido para si e seus fins V AS RELAÇÕES DE DEPENDÊNCIA DO EU Talvez a complexidade da matéria sirva de desculpa para o fato de nenhum dos títulos corresponder inteiramente ao teor do capítulo e de sempre retornarmos a coisas já tratadas quando queremos estudar novos aspectos Assim afirmamos repetidamente que o Eu se constitui em boa parte de identificações que tomam o lugar de investimentos abandonados pelo Id que as primeiras dessas identificações agem regularmente como instância especial dentro do Eu con frontando este como Supereu enquanto mais tarde o Eu fortale cido pode se comportar de modo mais resistente às influências dessas identificações O Supereu deve a sua especial posição no Eu ou ante o Eu a um fator que deverá ser estimado a partir de dois lados é a primeira identificação acontecida quando o Eu era ainda fraco e é o herdeiro do complexo de Édipo ou seja in troduziu no Eu os mais imponentes objetos Em certa medida ele está para as mudanças posteriores do Eu como a fase sexual primária da infância está para a vida sexual após a puberdade Embora acessível a todas as influências posteriores conserva por toda a vida o caráter que lhe foi dado por sua origem no com plexo paterno ou seja a capacidade de confrontar o Eu e 45326 dominálo É o monumento que recorda a anterior fraqueza e de pendência do Eu e que mantém seu predomínio sobre o Eu ma duro Assim como a criança era compelida a obedecer aos pais o Eu submetese ao imperativo categórico do seu Supereu Mas a procedência dos primeiros investimentos objetais do Id do complexo de Édipo significa ainda mais para o Supereu Como já pudemos expor ela o relaciona às aquisições filogenét icas do Id e faz dele a reencarnação de anteriores formações de Eu que deixaram seus precipitados no Id Assim o Supereu se acha constantemente próximo ao Id e pode representálo per ante o Eu Está profundamente imerso no Id e por isso mais dis tante da consciência do que o Eu19 Tais relações nós apreciaremos melhor se nos voltarmos para certos fatos clínicos que há muito já não constituem novidade mas ainda aguardam elaboração teórica Há pessoas que se comportam muito peculiarmente no tra balho analítico Quando lhes é dada esperança e mostrada satis fação com a marcha do tratamento parecem insatisfeitas e geral mente pioram seu estado No começo enxergase nisso rebeldia e esforço de demonstrar superioridade ao médico Depois chegase a uma visão mais profunda e justa Não só nos convencemos de que tais pessoas não toleram elogio e reconhecimento mas de que reagem aos progressos da terapia de maneira inversa Toda solução parcial que deveria trazer e traz em outros uma melhora ou suspensão temporária dos sintomas nelas provoca um momentâneo exacerbar do sofrimento elas ficam piores dur ante o tratamento em vez de melhorar Mostram a chamada reação terapêutica negativa Não há dúvida de que nelas algo se opõe à cura de que a aproximação desta é receada como um perigo Dizemos que 46326 nestas pessoas não prevalece a vontade de cura mas a necessid ade de doença Analisando essa resistência da maneira habitual e tirandolhe a atitude de rebeldia com o médico a fixação nas formas de benefício a partir da doença sobra ainda a maior parte e isto se revela o mais forte obstáculo ao restabelecimento mais forte do que a inacessibilidade narcísica a atitude negativa ante o médico e o apego ao benefício da doença já nossos conhecidos Afinal chegamos a perceber que se trata de um fator moral digamos de um sentimento de culpa que encontra satisfação no fato de estar doente e não deseja renunciar ao castigo de sofrer A essa explicação nada confortadora podemos nos ater em defin itivo Mas este sentimento de culpa permanece mudo para o doente não lhe diz que é culpado ele não se sente culpado mas doente Este sentimento de culpa manifestase apenas como uma resistência à cura difícil de ser reduzida Também é particular mente difícil convencer o doente desse motivo da persistência de sua enfermidade ele se apega à explicação mais óbvia de que o tratamento analítico não é o meio correto de ajudálo20 A descrição aqui feita corresponde às situações extremas mas poderia valer em medida menor para muitos casos graves de neurose talvez para todos Mais até talvez seja precisamente esse fator o comportamento do ideal do Eu que determine a gravidade de uma doença neurótica Não evitaremos então fazer algumas observações mais sobre a manifestação do senti mento de culpa em diferentes condições O sentimento de culpa normal consciente a consciência mor al não oferece dificuldades à interpretação baseiase na tensão entre o Eu e o ideal do Eu expressa uma condenação do Eu por sua instância crítica Os conhecidos sentimentos de inferioridade 47326 dos neuróticos não se achariam distantes dele Em duas afecções que nos são familiares o sentimento de culpa é sobremaneira consciente o ideal do Eu exibe uma severidade especial muitas vezes enfurecendose com o Eu de forma cruel Junto a essa semelhança há nesses dois estados a neurose obsessiva e a mel ancolia diferenças na atitude do ideal do Eu que não são menos significativas Na neurose obsessiva em algumas formas dela o sentimento de culpa é bastante forte mas não consegue se justificar perante o Eu Daí o Eu do paciente indignarse com a imputação de culpa e solicitar do médico que o fortaleça na rejeição desses sentimen tos de culpa Seria tolo concordar com isso pois não teria efeito A análise mostra depois que o Supereu é influenciado por pro cessos que permaneceram inconscientes para o Eu É mesmo possível descobrir os impulsos reprimidos que alicerçam o senti mento de culpa O Supereu aqui sabia mais sobre o Id incon sciente do que o Eu Na melancolia é ainda mais forte a impressão de que o Super eu arrebatou a consciência Mas aqui o Eu não ousa reclamar ele se reconhece culpado e submetese ao castigo Nós compreen demos a diferença Na neurose obsessiva tratase de impulsos chocantes que permaneceram fora do Eu na melancolia o ob jeto a que toca a ira do Supereu foi acolhido no Eu por identificação Claro que não é evidente por que o sentimento de culpa atinge uma força extraordinária nesses dois distúrbios neuróticos mas o principal problema está em outro lugar Adiaremos sua dis cussão até havermos abordado outros casos em que o sentimento de culpa permanece inconsciente 48326 Isto ocorre essencialmente na histeria e em estados do tipo histérico É fácil imaginar o mecanismo pelo qual ele permanece inconsciente O Eu histérico defendese da percepção dolorosa com que o ameaça a crítica do seu Supereu da mesma forma como costuma se defender de um investimento objetal intoler ável através de um ato de repressão Portanto depende do Eu que o sentimento de culpa permaneça inconsciente Sabese que em geral o Eu efetua as repressões a serviço e em nome de seu Supereu mas eis um caso em que ele se utiliza da mesma arma contra o seu severo amo Na neurose obsessiva predominam no toriamente os fenômenos da formação reativa aqui o Eu con segue apenas manter a distância o material a que se refere o sen timento de culpa Podese ir mais longe e arriscar a pressuposição de que nor malmente uma grande parte do sentimento de culpa teria de ser inconsciente porque a origem da consciência moral está intima mente ligada ao complexo de Édipo que pertence ao incon sciente Se alguém quisesse sustentar a tese paradoxal de que o homem normal é não só muito mais imoral do que acredita mas também muito mais moral do que sabe a psicanálise cujas descobertas fundamentam a primeira parte da afirmação tam bém nada teria a objetar à segunda21 Foi uma surpresa descobrir que um acréscimo deste senti mento de culpa ics pode converter um homem em criminoso Mas não há dúvida de que é assim Em muitos criminosos prin cipalmente juvenis podese demonstrar que havia um poderoso sentimento de culpa antes do crime e que portanto é o motivo deste não sua consequência como se fosse um alívio poder ligar este sentimento de culpa inconsciente a algo real e imediato 49326 Em todas essas situações o Supereu mostra sua independên cia do Eu consciente e suas íntimas relações com o Id incon sciente Agora considerando a importância que atribuímos aos resíduos verbais préconscientes que há no Eu cabe perguntar se o Supereu quando é ics consiste em tais representações verbais ou em outras coisas A singela resposta será que o Supereu também não pode negar sua origem no que foi ouvido pois é parte do Eu e continua acessível à consciência a partir des sas representações verbais conceitos abstrações mas a energia do investimento não é levada a esses conteúdos do Supereu a partir da percepção auditiva da instrução da leitura mas das fontes no interior do Id A questão cuja resposta adiamos é como acontece de o Super eu manifestarse essencialmente como sentimento de culpa ou melhor como crítica sentimento de culpa é a percepção no Eu que corresponde a essa crítica e desenvolver tão extraordinário rigor e dureza para com o Eu Voltandonos primeiro para a melancolia vemos que o Supereu extremamente forte que arre batou a consciência arremete implacavelmente contra o Eu como se tivesse se apoderado de todo o sadismo disponível na pessoa Seguindo nossa concepção do sadismo diríamos que o componente destrutivo instalouse no Supereu e voltouse con tra o Eu O que então vigora no Supereu é como que pura cul tura do instinto de morte e de fato este consegue frequente mente impelir o Eu à morte quando o Eu não se defende a tempo de seu tirano através da conversão em mania Em determinadas formas de neurose obsessiva as objeções da consciência vêm a ser igualmente penosas e torturantes mas a situação é menos clara É digno de nota que o doente obsessivo ao contrário do melancólico jamais chega realmente ao suicídio 50326 ele é como que imune ao perigo da autodestruição muito mais protegido contra ele do que o histérico Compreendemos que é a conservação do objeto que garante a segurança do Eu Na neur ose obsessiva tornouse possível através de uma regressão à organização prégenital que os impulsos amorosos se convertam em impulsos agressivos contra o objeto Novamente o instinto de destruição ficou livre e quer destruir o objeto ou ao menos parece existir esse propósito O Eu não adotou essas tendências ele se opõe a elas com formações reativas e medidas de pre caução elas permanecem no Id Mas o Supereu procede como se o Eu fosse responsável por elas e ao mesmo tempo nos mostra pela seriedade com que pune esses propósitos de destru ição que eles não constituem mera aparência suscitada pela re gressão mas verdadeira substituição de amor por ódio Desam parado em ambas as direções o Eu se defende em vão das in stigações do Id assassino e dos reproches da consciência punit iva Consegue apenas inibir as ações mais grosseiras dos dois la dos o resultado sendo primeiro um infindável autotormento e depois um tormento sistemático do objeto quando este é acessível Os perigosos instintos de morte são tratados de várias maneir as no indivíduo em parte são tornados inofensivos pela mistura com componentes eróticos em parte são desviados para fora como agressão e em larga medida prosseguem desimpedidos o seu trabalho interior Como sucede então que na melancolia o Supereu possa tornarse uma espécie de local de reunião dos in stintos de morte Do ponto de vista da restrição instintual da moralidade podese dizer que o Id é totalmente amoral o Eu se empenha em ser moral e o Supereu pode ser hipermoral e tornarse cruel 51326 como apenas o Id vem a ser É notável que o homem quanto mais restringe sua agressividade ao exterior mais severo mais agressivo se torna em seu ideal do Eu Para a consideração ha bitual é o oposto ela vê na exigência do ideal do Eu o motivo para a supressão da agressividade Mas o fato permanece como o enunciamos quanto mais um indivíduo controla sua agressivid ade tanto mais aumenta a inclinação agressiva do seu ideal ante o seu Eu É como um deslocamento uma volta contra o próprio Eu Já a moral comum normal tem o caráter de algo duramente restritivo cruelmente proibitivo Daí vem afinal a concepção de um ser superior que pune implacavelmente Não posso continuar a discutir essa questão sem introduzir uma nova suposição O Supereu nasceu de uma identificação com o modelo do pai Toda identificação assim tem o caráter de uma dessexualização ou mesmo sublimação Parece que também ocorre numa tal transformação uma disjunção instintual O componente erótico não mais tem a força após a sublimação de vincular toda a destrutividade a ele combinada e esta é liberada como pendor à agressão e à destruição Dessa disjunção o ideal tiraria o caráter duro e cruel do imperioso Ter que Detenhamonos ainda um pouco na neurose obsessiva Nela a situação é outra A disjunção do amor em relação à agressividade não foi obra do Eu mas consequência de uma regressão efetuada no Id Mas esse processo estendeuse do Id para o Supereu que então aumenta seu rigor para com o Eu inocente Em ambos os casos porém o Eu tendo controlado a libido por meio da identi ficação receberia em troca a punição do Supereu através da agressividade misturada à libido Nossas concepções do Eu começam a se tornar claras suas diferentes relações ganham nitidez Agora vemos o Eu em sua 52326 força e em suas fraquezas Ele é incumbido de importantes tare fas em virtude de sua relação com o sistema perceptivo ele es tabelece a ordenação temporal dos processos psíquicos e os sub mete à prova da realidade Interpolando os processos de pensamento ele alcança um adiamento das descargas motoras e domina os acessos à motilidade Este domínio entretanto é mais formal do que factual em relação ao agir o Eu tem posição semelhante à de um monarca constitucional sem cuja sanção nada pode se tornar lei mas que precisa refletir muito antes de impor seu veto a uma proposta do parlamento O Eu se en riquece com todas as vivências oriundas de fora mas o Id é seu outro mundo exterior que ele se empenha em subjugar Ele re tira libido do Id transforma os investimentos objetais do Id em configurações do Eu Com ajuda do Supereu e de forma ainda obscura para nós ele haure as experiências préhistóricas armazenadas no Id Por dois caminhos o conteúdo do Id pode penetrar no Eu Um é direto o outro passa pelo ideal do Eu e pode ser decisivo para algumas atividades psíquicas em qual desses dois caminhos elas sucedem O Eu se desenvolve da percepção dos instintos ao domínio sobre eles da obediência aos instintos à inibição deles Nesta operação tem forte presença o ideal do Eu que é em parte uma formação reativa aos processos instintuais do Id A psicanálise é um instrumento que deve possibilitar ao Eu a con quista progressiva do Id De outro lado no entanto vemos esse Eu como uma pobre criatura submetida a uma tripla servidão que sofre com as ameaças de três perigos do mundo exterior da libido do Id e do rigor do Supereu Três espécies de angústia correspondem a tais perigos pois angústia é expressão de um recuo ante o perigo 53326 Como entidade fronteiriça o Eu quer mediar entre o mundo e o Id tornando o Id obediente ao mundo e com sua atividade mus cular fazendo o mundo levar em conta o desejo do Id Na ver dade ele se comporta como o médico num tratamento analítico na medida em que com sua atenção ao mundo real oferecese ao Id como objeto libidinal e procura guiar para si a libido do Id Ele é não apenas o auxiliar do Id mas também o seu escravo submisso que roga pelo amor do amo Ele procura sempre que possível permanecer em bom acordo com o Id reveste as ordens ics deste com suas racionalizações pcs simula a obediência do Id às advertências da realidade mesmo quando o Id é obstinado e inflexível disfarça os conflitos do Id com a realidade e quando possível também aqueles com o Supereu Em sua posição de permeio entre o Id e a realidade é frequente ele sucumbir à tentação de tornarse adulador oportunista e mendaz como um estadista que percebe tudo isso mas quer manter o favor da opin ião pública Ante as duas espécies de instintos ele não se mantém impar cial Com seu trabalho de identificação e sublimação presta ajuda aos instintos de morte na subjugação da libido mas arrisca tornarse objeto desses instintos e mesmo perecer A fim de pre star esse auxílio teve de encherse ele próprio de libido com isso tornase representante de Eros e quer então viver e ser amado Mas como o seu trabalho de sublimação tem por consequên cia uma disjunção instintual e liberação dos instintos de agressão no Supereu ele se expõe em sua luta contra a libido ao perigo dos maustratos e da morte Quando o Eu sofre ou mesmo su cumbe à agressão do Supereu seu destino é uma contrapartida daquele dos protozoários que perecem devido aos produtos de decomposição que eles mesmos criaram No sentido econômico 54326 a moral atuante no Supereu nos parece tal produto de decomposição Entre as relações de dependência do Eu a mais interessante é talvez aquela com o Supereu O Eu é propriamente a sede da angústia Ameaçado por peri gos de três direções ele desenvolve o reflexo de fuga retirando seu próprio investimento da percepção ameaçadora ou do pro cesso no Id avaliado como ameaçador e externandoo como an gústia Essa reação primitiva é depois sucedida pela instauração de investimentos protetores mecanismo das fobias Não po demos especificar o que o Eu teme nos perigos externos e no perigo da libido do Id sabemos que é a dominação ou a destru ição mas analiticamente não se deixa apreender O Eu segue simplesmente a admoestação do princípio do prazer No entanto é possível dizer o que se esconde atrás da angústia do Eu ante o Supereu angústia da consciência moral O ser superior que se tornou ideal do Eu ameaçou uma vez com a castração e esse medo da castração é provavelmente o núcleo em volta do qual se armazena a posterior angústia da consciência é ele que prossegue como angústia da consciência A frase altissonante que diz Todo medo é no fundo medo da morte dificilmente tem sentido de toda forma não se justifica Pareceme correto isto sim separar o medo da morte da angústia ante o objeto angústia real e da neurótica angústia libidinal Ele oferece à psicanálise um difícil problema pois a morte é um conceito abstrato de teor negativo para o qual não se acha uma correspondência inconsciente O mecanismo do medo da morte só poderia ser este o Eu dispensa em larga medida o seu investimento libidinal narcísico isto é abandona a si 55326 mesmo como a um outro objeto em caso de angústia Penso que o medo da morte se dá entre o Eu e o Supereu Sabemos que o medo da morte aparece sob duas condições que aliás são inteiramente análogas às do desenvolvimento ha bitual da angústia como reação a um perigo externo e como pro cesso interno na melancolia por exemplo Mais uma vez o caso neurótico pode nos auxiliar na compreensão do caso real A angústia da morte na melancolia admite apenas uma ex plicação o Eu abandona a si mesmo por sentirse odiado e perseguido pelo Supereu em vez de amado De modo que para o Eu viver significa ser amado ser amado pelo Supereu que também aí surge como representante do Id O Supereu desem penha a mesma função protetora e salvadora que tinha antes o pai depois a Providência ou o Destino A mesma conclusão deve tirar o Eu quando se acha ante um imenso perigo real que não acredita poder superar com suas próprias forças Vêse desam parado de todos os poderes protetores e deixase morrer Esta é aliás a mesma situação que subjaz ao primeiro grande estado de angústia o do nascimento e à angústia infantil da nostalgia a da separação da mãe protetora Com base nessas considerações a angústia da morte tal como a angústia da consciência moral pode ser apreendida como elaboração da angústia de castração Dada a enorme importância do sentimento de culpa nas neuroses também não se pode ex cluir que a angústia neurótica ordinária seja reforçada em casos severos pelo desenvolvimento da angústia entre Eu e Supereu angústia de castração da consciência da morte O Id ao qual retornamos por fim não tem meios de mostrar amor ou ódio ao Eu Não pode dizer o que quer não constituiu uma vontade uniforme Eros e instinto de morte lutam dentro 56326 dele vimos com que meios uma dessas classes de instintos se de fende da outra Poderíamos imaginar que o Id se acha sob a dominação dos silenciosos mas poderosos instintos de morte que querem ter paz e fazer calar Eros o estraga sossegos por in stigação do princípio do prazer mas com isso tememos subesti mar o papel de Eros Xibolete sm sinal convencionado de identificação senha Do hebr shiboleth espiga palavra através de cuja pronúncia os soldados de Jefté identificavam os efraimitas que a articulavam como siboleth Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa Rio de Janeiro Objetiva 2001 As notas cha madas por asterisco e as interpolações às notas do autor entre colchetes são de autoria do tradutor As notas do autor são sempre numeradas Freud recorre a iniciais minúsculas para grafar cs pcs e ics quando estes são adjetivos e a maiúsculas quando são substantivos A distinção é ignorada na edição Standard inglesa que sempre utiliza iniciais maiúsculas 1 Comparese a propósito as minhas Observações sobre o conceito de incon sciente 1912 Uma nova direção tomada pela crítica do inconsciente merece ser aqui apreciada Alguns pesquisadores que não se furtam a reconhecer os fatos psicanalíticos mas não querem admitir o inconsciente buscam uma saída no fato incontroverso de que também a consciência enquanto fenô meno apresenta muitas gradações de intensidade ou nitidez Assim como há processos que são conscientes de maneira muito viva forte tangível tam bém experimentamos outros que são conscientes de forma débil quase imper ceptível e os mais debilmente conscientes seriam bem aqueles aos quais a psicanálise deseja aplicar o inadequado termo inconsciente Mas eles seriam também conscientes ou estariam na consciência e poderiam ser tornados conscientes de modo intenso e completo se lhes fosse dada suficiente atenção Se for possível influir com argumentos na decisão de uma questão assim que depende da convenção ou de fatores emocionais as seguintes observações podem ser feitas A referência a uma escala de nitidez da consciência nada tem de conclusivo e não possui maior força demonstrativa do que digamos estas 57326 proposições análogas Havendo tantas gradações de iluminação da luz mais evidente e ofuscante ao mais fraco bruxuleio não existe absolutamente escur idão Ou Há diversos graus de vitalidade portanto não existe morte Estas afirmações podem de certo modo fazer sentido mas são inadmissíveis na prática como se constata ao fazermos certas inferências a partir delas por ex emplo Então não é preciso acender uma luz ou Então todos os organismos são imortais Além do mais ao subsumir o imperceptível no consciente tudo o que obtemos é estragar a única certeza imediata que existe no psíquico Uma consciência da qual nada se sabe pareceme bem mais absurda do que algo psíquico inconsciente Por fim uma tal equiparação do impercebido ao incon sciente foi claramente feita sem levar em conta as relações dinâmicas que fo ram decisivas para a concepção psicanalítica Pois há dois fatos que são aí neg ligenciados primeiro é muito difícil requer um enorme esforço dedicar sufi ciente atenção a algo assim impercebido segundo quando se consegue isto o antes impercebido não é então reconhecido pela consciência mas parecelhe com frequência inteiramente desconhecido a ela oposto e é rudemente re jeitado Portanto recorrer ao pouco percebido ou não percebido evitando o inconsciente é apenas um derivado do preconceito que vê como estabelecida de uma vez por todas a identidade do psíquico com o consciente Preferimos o pronome pessoal português para traduzir das Ich acompan hando outras línguas latinas o espanhol yo o catalão Jo o italiano io o francês moi e diferentemente da edição Standard inglesa que como se sabe recorreu ao pronome latino ego 2 Cf Além do princípio do prazer 1920 3 Cf Além do princípio do prazer 1920 4 O inconsciente 1915 Representações verbais Wortvorstellungen ver nota sobre a versão desse temo em O inconsciente parte vii v 12 destas Obras completas Acompanhamentos motores Bewegungsbilder As versões estrangeiras consultadas a espanhola da Biblioteca Nuova a argentina da Amorrortu a 58326 italiana da Boringhieri e a Standard inglesa são mais literais nesse ponto com exceção da primeira sus componentes de movimiento imágenes mo trices de palavra immagini motorie della parola the motor images of words 5 Groddeck Das Buch vom Es O livro do Id Internationaler Psychoanalyt ischer Verlag 1925 Ed bras O livro dIsso trad Teixeira Coelho São Paulo Perspectiva 1987 Tendo adotado Eu e Supereu para Ich e ÜberIch em lugar dos tradicionais ego e superego seria de esperar que optássemos por Isso para verter Es No caso porém a estranheza causada por Isso maior que a de Eu e Supereu acreditamos levounos a sacrificar a coerência Inspirados na edição italiana das obras completas de Freud que traduz as três instâncias da psique por io superio e es conservando o original alemão nesta última resolvemos manter o id latino da versão tradicional pois o Es alemão poderia gerar confusão com o verbo ser além de soar estranho Naturalmente quem preferir Isso deve continuar usando esse pronome O que importa nas traduções dos termos técnicos é não esquecer que as diferentes denominações se aplicam à mesma coisa Como disse Freud numa carta a Groddeck nesse caso específico Quem reconhece que transferência e resistência são o eixo do tratamento esse já pertence irremediavelmente ao bando selvagem referência jocosa aos psic analistas Não faz diferença que chame o Ics de Es em G Groddeck S Freud Briefwechsel Correspondência Wiesbaden Limes 1970 p 20 carta de 5 de junho de 1917 A dificuldade em traduzir esses nomes das instâncias da psique é o tema de um capítulo do livro As palavras de Freud de autoria deste tradutor São Paulo Companhia das Letras nova ed revista 2010 pp 929 6 O próprio Groddeck seguiu provavelmente o exemplo de Nietzsche que com frequência utiliza esse termo gramatical para o que em nós é impessoal e di gamos necessário por natureza Sobre o uso de Es por Nietzsche ver por 59326 exemplo o aforismo 17 de Além do bem e do mal e a nota correspondente do tradutor São Paulo Companhia das Letras 1992 7 Ou seja o Eu deriva em última instância das sensações corporais principal mente daquelas oriundas da superfície do corpo Pode ser visto assim como uma projeção mental da superfície do corpo além de representar como vimos acima as superfícies do aparelho psíquico Esta nota não se acha na edição alemã utilizada Segundo informa James Strachey foi acrescentada à tradução inglesa de 1927 feita por Joan Riviere com a observação de haver sido autor izada por Freud Ela foi incorporada porém à Studienausgabe 8 Um caso assim me foi comunicado recentemente como objeção na verdade à minha descrição do trabalho do sonho Gewissen designa a consciência moral diferentemente de Bewußtsein que designa o estado de consciência Em português há uma só palavra para os dois casos Incluiremos o adjetivo moral entre colchetes quando não for claro pelo contexto que Freud utiliza o termo Gewissen no original Überich no original O Vocabulário de psicanálise na sua 11a edição brasileira São Paulo Martins Fontes 1991 apresenta supereu como altern ativa para superego A forma com hífen e com maiúscula nos parece melhor porque mantém em destaque o Eu como no original Quanto à alternativa supereusuperego há argumentos a favor de ambas as formas Supereu tem a vantagem da relação com Eu que achamos preferível a ego mas talvez ainda soe estranha ao passo que superego está difundido tem o peso da tradição criada pela edição Standard brasileira que o tomou da Standard inglesa Sobre a versão desses termos ver nota no v 18 destas Obras com pletas p 213 na 31a das Novas conferências introdutórias Lembremos ainda que o prefixo super é aqui usado na acepção de em cima de como em superpor e supercílio e não no sentido de abundância ou excesso como em superfaturar e superproteção 60326 9 Introdução ao narcisismo 1914 Psicologia das massas e análise do Eu 1921 10 Mas parece errôneo e necessitado de correção o fato de eu haver atribuído a função do exame da realidade a esse Supereu Estaria perfeitamente de acordo com as relações do Eu para com o mundo da percepção que o exame da realidade permanecesse tarefa dele próprio Também declarações anteri ores formuladas um tanto imprecisamente a respeito de um núcleo do Eu devem ser corrigidas no sentido de que só o sistema PcpCs pode ser visto como núcleo do Eu 11 Luto e melancolia 1917 12 Um interessante paralelo para a substituição da escolha objetal pela identi ficação se acha na crença dos povos primitivos e nas proibições nela baseadas de que as características do animal incorporado como alimento persistem no caráter daquele que o devora Sabese que essa crença é também parte dos fundamentos do canibalismo e prossegue atuando em toda a série de cos tumes ligados à refeição totêmica até a Sagrada Comunhão As consequências que aí se atribuem à posse oral do objeto verificamse de fato na posterior escolha sexual do objeto 13 Agora após a distinção entre Eu e Id temos de reconhecer o Id como o grande reservatório da libido no sentido da Introdução ao narcisismo 1914 A libido que aflui para o Eu através das identificações aqui mostradas produz o seu narcisismo secundário Disjunção Entmischung ou seja o contrário de Mischung mistura As versões consultadas apresentam disociación desmezcla disimpasto defu sion o termo também aparece em Psicanálise e Teoria da libido 1923 e A negação 1925 14 Seria talvez mais prudente dizer com os pais pois pai e mãe não são avaliados de forma diversa antes do conhecimento seguro da diferença entre os sexos da falta do pênis Há pouco tempo ouvi de uma jovem senhora que 61326 desde que notara a ausência de pênis em si mesma não excluía da posse desse órgão todas as mulheres mas apenas aquelas tidas por inferiores A mãe o conservara na sua opinião Para simplificar a exposição abordarei apenas a identificação com o pai 15 Cf Psicologia das massas e análise do Eu 1921 cap vii Na Standard inglesa há duas mudanças nesta passagem que James Strachey informa numa nota haverem sido feitas por ordem expressa de Freud Eis a mesma passagem no texto da Standard Considerando uma vez mais a gênese do Supereu superego tal como foi aqui descrita nós o vemos como o resultado de dois fatores altamente significativos um de natureza biológica e o outro histórica o longo desamparo e dependência infantil do ser humano e o fato do seu complexo de Édipo cuja repressão mostramos estar ligada à interrupção do desenvolvimento da libido pelo período de latência e assim ao começo em dois tempos da vida sexual Esta passagem também é reproduz ida numa nota da Studienausgabe em inglês pois não chegou a ser redigida em alemão Algo elevado ein höheres Wesen em alemão Wesen pode significar ser natureza essência Logo adiante na referência aos pais como estes seres elevados encontrase a mesma palavra no original 16 Deixando aqui de lado a ciência e a arte 17 Cf Psicologia das massas e análise do Eu 1921 e Alguns mecanismos neuróticos no ciúme na paranoia e na homossexualidade 1922 Segundo esclarece James Strachey esta foi a batalha mais conhecida como batalha de Châlons em que Átila rei dos Hunos foi derrotado por romanos e visigodos no ano de 451 O pintor Wilhelm von Kaulbach 180574 retratoua num afresco no qual os guerreiros mortos continuam lutando no céu acima do campo da batalha conforme uma lenda medieval Erotische Triebkraft no original Triebkraft também pode ser vertida por força motriz segundo o uso corrente alemão registrado nos dicionários 62326 bilíngues As traduções estrangeiras consultadas empregam energía in stintiva erótica fuerza pulsional erótica forze motrici erotiche erotic motive forces 18 Pois segundo nossa concepção os instintos de destruição voltados para o exterior foram desviados do próprio Eu pela mediação de Eros 19 Podese dizer que também o Eu psicanalítico ou metapsicológico se acha de pontacabeça como aquele anatômico o homúnculo do cérebro 20 A luta contra o obstáculo do sentimento de culpa inconsciente não resulta fácil para o analista Diretamente nada podemos fazer contra ele e indireta mente apenas desvendar aos poucos os seus fundamentos inconscientemente reprimidos com o que ele gradualmente se transforma em sentimento de culpa consciente Temos uma oportunidade especial de influenciálo quando este sentimento de culpa ics é emprestado ou seja é produto da identificação com uma outra pessoa que uma vez foi objeto de um investimento erótico Tal adoção do sentimento de culpa é com frequência o único vestígio difícil de ser reconhecido da relação amorosa abandonada A semelhança com o processo da melancolia é inconfundível Se pudermos desvendar esse antigo investi mento objetal por trás do sentimento de culpa ics a tarefa terapêutica resolve se brilhantemente com frequência de outro modo não se garante absoluta mente o desfecho do esforço terapêutico Em primeiro lugar depende da in tensidade do sentimento de culpa a que a terapia frequentemente não pode opor uma força contrária de igual magnitude Talvez dependa também de a pessoa do analista permitir que seja colocada pelo doente no lugar de seu ideal do Eu e a isto se relaciona a tentação de desempenhar ante o paciente o papel de profeta salvador de almas redentor Como as regras da análise se opõem resolutamente a essa utilização da personalidade médica há que hon estamente conceder que temos aí um novo limite à ação da psicanálise que afinal deve proporcionar ao Eu do paciente a liberdade de decidir de uma ou outra maneira e não tornar impossíveis as reações patológicas 21 Esta frase é só aparentemente um paradoxo ela diz simplesmente que a natureza do ser humano ultrapassa em muito tanto no bem como no mal o 63326 que ele acredita a respeito de si ou seja o que é conhecido de seu Eu através da percepção da consciência O leitor deve ter presente que em alemão há uma só palavra para medo e angústia de modo que Angststätte o termo aqui usado por Freud também poderia ser vertido por sede ou mais poeticamente morada do medo e Todesangst que aparece nos parágrafos seguintes é traduzido tanto por medo da morte como por angústia da ou diante da morte 64326 AUTOBIOGRAFIA 1925 TÍTULO ORIGINAL SELBSTDARSTELLUNG PUBLICADO PRIMEIRAMENTE EM DIE MEDIZIN DER GEGENWART IN SELBSTDARSTELLUNGEN A MEDICINA DE HOJE POR SEUS REPRESENTANTES LEIPZIG FELIX MEINER N 4 1925 PP 152 TRADUZIDO DE GESAMMELTE WERKE XIV PP 3396 TAMBÉM FOI UTILIZADA A EDIÇÃO REVISTA DE ILSE GRUBRICHSIMITIS FRANKFURT FISCHER TASCHENBUCH 1973 I Vários colaboradores desta série de Autobiografias iniciam sua contribuição com algumas reflexões sobre a dificuldade e singularidade da tarefa que assumiram Creio poder afirmar que a minha tarefa é ainda um pouco mais difícil pois já algumas vezes publiquei trabalhos semelhantes e verificouse que a natureza do tema me levou a falar mais de minha pessoa do que é habitual ou parece necessário Fiz a primeira exposição do desenvolvimento e do teor da psicanálise em 1909 em cinco palestras na Universidade Clark em Worcester Massachusetts aonde fui convidado por ocasião dos festejos do vigésimo aniversário daquela instituição1 E re centemente concordei em fazer uma contribuição similar para uma publicação coletiva americana sobre o início do século xx pois seus editores haviam reconhecido a importância da psic análise ao lhe reservar um capítulo especial2 Entre as duas houve um ensaio Contribuição à história do movimento psic analítico de 1914 que a bem dizer já contém tudo de essencial que eu poderia comunicar aqui Como não posso me contradizer nem gostaria de me repetir devo procurar oferecer uma ex posição que combine de uma nova maneira os elementos subjet ivo e objetivo os interesses biográfico e histórico Nasci em 6 de maio de 1856 em Freiberg na Morávia pequenina cidade da atual Tchecoslováquia Meus pais eram judeus e eu também permaneci judeu Tenho motivos para crer que meus antepassados paternos viveram por longo período na região do Reno em Colônia fugiram para o Leste devido a uma perseguição aos judeus no século xiv ou xv e no decorrer do século xix retornaram da Lituânia para a Áustria alemã através da Galícia Quando era uma criança de quatro anos de idade vim para Viena onde se realizou toda a minha educação No ginásio fui o primeiro aluno durante sete anos tinha uma posição privilegiada quase nunca tive de fazer provas Embora vivêssemos em condições bastante modestas meu pai insistiu que na escolha da profissão eu me guiasse apenas por minhas in clinações Não senti preferência especial pela carreira médica naqueles anos da juventude nem depois aliás Moviame isto sim uma ânsia de saber que se dirigia mais às questões humanas do que aos objetos naturais e que não reconhecera o valor da ob servação como um meio primordial para a sua satisfação O fato de terme ocupado precocemente da história bíblica tão logo aprendi a arte da leitura influiu de forma duradoura na direção de meus interesses como vim a reconhecer bem depois Sob forte influência da amizade com um colega um tanto mais velho que depois se tornou um político de renome quis estudar direito como ele e desenvolver atividade pública No entanto eu era enormemente atraído pela teoria de Darwin então em voga pois ela prometia um extraordinário avanço na compreensão do mundo e sei que a apresentação do belo ensaio de Goethe sobre a natureza numa das populares conferências do prof Carl Brühl pouco antes de eu concluir o curso fez com que eu deci disse me matricular em medicina 67326 A universidade que passei a frequentar em 1873 trouxeme inicialmente algumas claras decepções Deparei com a insinu ação de que eu deveria me sentir inferior e estrangeiro por ser judeu Rejeitei decididamente o primeiro adjetivo Nunca pude compreender por que deveria me envergonhar de minha origem ou raça como as pessoas começavam a dizer Quanto ao per tencimento à comunidade nacional que me era negado a ele ab diquei sem muito lamentar Achava que para um indivíduo tra balhador sempre haveria um lugar nas fileiras da humanidade mesmo sem aquela inclusão Mas uma importante consequência dessas primeiras impressões da universidade foi que bastante cedo me familiarizei com a sina de estar na oposição e ser pro scrito pela maioria compacta Uma certa independência de espírito começou a se formar dessa maneira Além disso nos primeiros anos de universidade me dei conta de que a especificidade de minhas aptidões me vedava o êxito em várias disciplinas científicas em que o ardor juvenil me havia lançado Então aprendi como é verdadeira a admoestação de Mefistófeles É em vão que vagais pelas ciências Cada qual aprende somente o que pode aprender No laboratório fisiológico de Ernst Brücke encontrei enfim tranquilidade e plena satisfação e também pessoas que pude re speitar e considerar modelos o próprio Brücke e seus assistentes Sigmund Exner e Ernst Von FleischlMarxow dos quais o úl timo uma personalidade esplêndida honroume inclusive com sua amizade Brücke me encarregou de uma pesquisa no âmbito 68326 da histologia do sistema nervoso que fui capaz de realizar para sua satisfação e depois prosseguir por minha conta Trabalhei nesse instituto entre 1876 e 1882 com breves interrupções e todos me consideravam destinado a preencher a primeira vaga de as sistente que surgisse As disciplinas propriamente médicas não me atraíam com exceção da psiquiatria Fiz os estudos de medicina de forma negligente e apenas em 1881 com certo atra so portanto recebi o título de doutor em ciências médicas O momento decisivo ocorreu em 1882 quando meu venerado mestre corrigiu a generosa leviandade de meu pai ao re comendar vivamente que tendo em conta minha situação mater ial eu abandonasse a carreira teórica Segui seu conselho deixei o laboratório de fisiologia e entrei no Hospital Geral como aspir ante Lá fui promovido a Sekundararzt após algum tempo e servi em vários departamentos passando mais de seis meses com Meynert cuja obra e cuja personalidade me haviam impres sionado já quando eu era estudante Em certo sentido porém permaneci fiel à primeira linha de trabalho Brücke me havia proposto como objeto de pesquisa a medula espinhal de um dos peixes inferiores Ammocoetes pet romyzon Nesse momento passei ao sistema nervoso central hu mano as descobertas de Flechsig sobre a não simultaneidade da formação das bainhas de mielina lançavam então uma viva luz sobre a sua complicada estrutura fibrilar Também o fato de eu inicialmente eleger como objeto de estudo apenas a medulla ob longata mostrava a continuidade de minha orientação Em con traste com o caráter difuso de meus estudos nos primeiros anos de universidade desenvolvi então uma tendência a concentrar me exclusivamente numa matéria ou questão Essa inclinação 69326 permaneceu em mim e mais tarde me rendeu a acusação de unilateralidade No Instituto de Anatomia Cerebral torneime um pesquisador tão dedicado quanto fora no de fisiologia Datam desses anos al guns pequenos trabalhos sobre o percurso dos tratos e as origens dos núcleos na medulla oblongata que foram notados por Edinger Um dia Meynert que me havia concedido acesso ao laboratório mesmo não trabalhando com ele sugeriu que eu me voltasse definitivamente para a anatomia cerebral e promet eu que me passaria seu curso pois se sentia demasiado velho para lidar com os novos métodos Recusei assombrado com a magnitude da tarefa e talvez eu já adivinhasse então que aquele homem genial não era absolutamente bemdisposto em relação a mim Do ponto de vista prático a anatomia cerebral certamente não era um progresso em comparação com a fisiologia Levei em con ta as necessidades materiais iniciando o estudo das doenças nervosas Essa especialidade não era muito cultivada em Viena o material se achava disperso em vários departamentos do hospit al não havia oportunidade para uma boa formação cada qual tinha de ser seu próprio mestre Nem mesmo Nothnagel que fora convidado pouco antes a lecionar por seu livro sobre a loc alização cerebral das doenças diferenciava a neuropatologia de outras subdivisões da medicina O grande nome de Charcot bril hava a distância e eu concebi o plano de obter a docência em doenças nervosas na universidade de Viena e depois viajar para Paris a fim de continuar minha formação Nos anos seguintes trabalhando como Sekundararzt pub liquei várias observações clínicas sobre doenças orgânicas do sis tema nervoso Pouco a pouco me familiarizei com esse terreno 70326 torneime capaz de localizar tão acuradamente um foco na medulla oblongata que o patologista nada precisava acrescentar fui o primeiro em Viena a mandar um caso com o diagnóstico de polineurite aguda para a dissecção A fama de meus diagnósticos confirmados pela autópsia trouxeme a visita de médicos amer icanos aos quais dei numa espécie de pidginEnglish palestras sobre os enfermos de meu setor De neuroses eu nada entendia Numa ocasião em que apresentei a meus ouvintes um neurótico com persistente encefaleia como um caso de meningite crônica circunscrita todos eles me abandonaram com justa indignação crítica e minha prematura atividade docente chegou ao fim Seja lembrado como atenuante que naquele tempo até mesmo grandes autoridades médicas de Viena costumavam diagnosticar a neurastenia como tumor cerebral Na primavera de 1885 obtive a docência em neuropatologia com base em meus trabalhos histológicos e clínicos Pouco de pois recebi graças à viva recomendação de Brücke uma con siderável bolsa de estudos para o exterior No outono daquele ano viajei para Paris Entrei como aluno na Salpêtrière mas sendo um dos mui tos estrangeiros visitantes pouca atenção recebi de início Um dia escutei Charcot lamentar que depois da guerra não tivesse mais notícias do tradutor alemão de suas conferências que ficaria feliz se alguém se encarregasse da tradução alemã de suas Novas conferências Escrevilhe dispondome a fazêlo ainda lembro que na carta havia uma frase em que eu dizia ser afetado apenas pela aphasie motrice não pela aphasie sensorielle du français Charcot aceitou a oferta acolheume em seu círculo 71326 particular e a partir de então eu participei plenamente em tudo o que sucedia na clínica Enquanto escrevo estas linhas recebo numerosos textos e artigos de imprensa da França que evidenciam forte oposição à psicanálise e com frequência trazem afirmações totalmente equivocadas sobre minha relação com a escola francesa Leio por exemplo que aproveitei minha estada em Paris para me fa miliarizar com os ensinamentos de Pierre Janet e depois fui em bora com meu butim Portanto quero deixar claro que durante minha permanência na Salpêtrière não foi pronunciado o nome de Janet De tudo o que vi junto a Charcot o que mais me impressionou foram suas últimas investigações sobre a histeria que em parte foram realizadas diante de meus olhos Ou seja a prova da autenticidade e regularidade dos fenômenos histéricos Introite et hic dii sunt da frequente ocorrência da histeria em homens a produção de paralisias e contraturas histéricas mediante sug estão hipnótica o fato de esses produtos artificiais terem inclus ive em detalhes as mesmas características dos ataques es pontâneos muitas vezes provocados por traumas Várias das demonstrações de Charcot geraram inicialmente tanto em mim como em outros visitantes estranheza e tendência à dúvida que procuramos justificar com uma das teorias que predominavam Ele discutia nossas objeções de modo afável e paciente mas tam bém resoluto foi numa dessas discussões que afirmou Ça nempêche pas dexister algo que jamais esqueci Como se sabe nem tudo o que Charcot nos ensinou se mantém de pé ainda hoje Algumas coisas se tornaram incertas outras não resistiram à prova do tempo mas restou o suficiente para serem vistas como patrimônio duradouro da ciência Antes 72326 de deixar Paris combinei com o mestre o plano de um estudo comparativo das paralisias histéricas e orgânicas Eu queria pro var a tese de que na histeria paralisias e anestesias de partes do corpo se delimitam de um modo que corresponde à repres entação comum não anatômica do ser humano Ele concordou com o plano mas não era difícil perceber que no fundo não tinha maior interesse em se aprofundar na psicologia da neurose Afi nal ele vinha da anatomia patológica Antes de regressar a Viena me detive por algumas semanas em Berlim para obter algum conhecimento sobre enfermidades gerais da infância Kassowitz que dirigia uma instituição pública de pediatria em Viena prometera criar para mim um departa mento de doenças nervosas infantis Em Berlim tive boa acol hida e assistência por parte de Baginsky No curso dos anos seguintes enquanto estava no instituto de Kassowitz publiquei alguns trabalhos de considerável extensão sobre paralisias cereb rais unilaterais e bilaterais em crianças Em consequência disso mais tarde em 1897 Nothnagel me encarregou de tratar o mesmo tema em seu volumoso Handbuch der allgemeinen und speziel len Therapie Manual de terapia geral e especial No outono de 1886 me estabeleci como médico em Viena e des posei a garota que havia mais de quatro anos esperava por mim numa cidade distante Posso dizer voltando um pouco atrás que graças à minha noiva não me tornei famoso já quando era jovem Em 1884 um interesse paralelo mas profundo tinha me levado a solicitar à Merck uma amostra de cocaína alcaloide en tão pouco conhecido para estudar seus efeitos fisiológicos No meio desse trabalho surgiu a oportunidade de uma viagem para rever minha noiva que havia dois anos eu não encontrava 73326 Terminei apressadamente a pesquisa sobre a cocaína e em meu estudo incluí a previsão de que em breve apareceriam novas ap licações para ela Mas sugeri a um amigo o oftalmologista Königstein que investigasse em que medida as propriedades an estésicas do alcaloide poderiam ser úteis em casos de doenças nos olhos Quando voltei das férias descobri que não ele mas outro amigo Carl Koller atualmente em Nova York ao qual eu também havia falado sobre a cocaína havia realizado experi mentos decisivos em olhos de animais apresentandoos em seguida no congresso de oftalmologia de Heidelberg Koller é considerado de maneira justa o descobridor da anestesia local mediante cocaína que se tornou tão importante nas pequenas cirurgias mas não guardei rancor a minha noiva por aquele estorvo Volto ao momento em que me estabeleci como médico de nervos em Viena em 1886 Eu tinha a obrigação de fazer na So ciedade de Medicina um relato acerca do que vira e aprendera com Charcot No entanto tive uma péssima acolhida Autorid ades como o presidente da sessão o dr Bamberg declararam ser incrível o que eu dizia Meynert me instou a encontrar também em Viena e apresentar à Sociedade casos como os que eu descre via Procurei fazer isso mas os Primarärzte em cujos departa mentos achei casos semelhantes não me permitiram observálos ou trabalhar com eles Um deles um velho cirurgião logo ex clamou Mas caro colega como pode o sr falar tal absurdo Hysteron sic significa útero Como poderia um homem ser histérico Repliquei em vão que eu apenas necessitava dispor 74326 dos casos da doença não da aprovação de meu diagnóstico Fin almente encontrei fora do hospital um caso clássico de hemian estesia histérica num homem que apresentei à Sociedade Dessa vez me aplaudiram mas depois não me dedicaram maior in teresse Permaneceu intacta a impressão de que as grandes autoridades não admitiam minhas novidades e com a histeria masculina e a geração de paralisias histéricas através da sugestão acheime impelido à oposição Quando logo em seguida foime interditado o laboratório de anatomia cerebral e durante o semestre não tive local onde pudesse dar conferência afasteime da vida acadêmica e das reuniões dos colegas Há al guns decênios deixei de visitar a Sociedade de Medicina Quando se tenciona viver do tratamento de doentes nervosos naturalmente é preciso ser capaz de lhes prestar algum auxílio Meu arsenal terapêutico incluía somente duas armas a eletroter apia e a hipnose pois enviar o enfermo para um estabelecimento de hidroterapia após uma só consulta não representava uma fonte satisfatória de renda Na eletroterapia eu me fiei no manu al de W Erb que oferecia prescrições minuciosas para o trata mento de todos os sintomas das doenças nervosas Infelizmente logo tive de constatar que a obediência às prescrições em nada ajudava que o que eu havia tomado como fruto de observações exatas era apenas uma construção da fantasia A percepção de que a obra do principal nome da neuropatologia alemã não tinha maior relação com a realidade do que digamos um livro de son hos egípcio desses que são vendidos em nossas livrarias baratas foi algo doloroso mas contribuiu para minar um pouco mais a ingênua fé na autoridade de que eu ainda não estava 75326 inteiramente livre Então pus de lado o aparelho elétrico ainda antes que Möbius fizesse a liberadora afirmação de que os êxitos do tratamento elétrico de doentes nervosos são quando ocorr em de fato efeito da sugestão médica Com o hipnotismo as coisas estavam melhores Ainda quando era estudante eu havia assistido a uma apresentação pública do magnetiseur Hansen e notara que um dos indivíduos do ex perimento fora tomado de uma palidez mortal ao entrar na ri gidez cataléptica e assim permaneceu enquanto durou esta con dição Isso fundamentou minha convicção da autenticidade dos fenômenos hipnóticos Pouco depois essa concepção teve em Heidenhain seu representante científico o que não impediu os professores de psiquiatria no entanto de ainda por muito tempo afirmar que o hipnotismo era algo fraudulento e perigoso ol hando os hipnotizadores com desprezo Em Paris eu observara que o hipnotismo era usado sem problemas como método para criar sintomas nos doentes e em seguida eliminálos Então chegounos a informação de que em Nancy surgira uma escola que empregava a sugestão para fins terapêuticos em larga me dida com ou sem hipnose tendo ótimos resultados Assim ocor reu naturalmente que nos primeiros anos de minha prática médica a sugestão hipnótica se tornasse o principal instrumento de trabalho sem contar métodos psicoterapêuticos casuais e não sistemáticos É verdade que isso implicou renunciar ao tratamento das doenças nervosas orgânicas mas foi uma renúncia de pouca monta Por um lado a terapia desses estados não apresentava perspectivas favoráveis por outro lado o número de enfermos desse tipo na clientela particular do médico de uma grande cid ade era muito pequeno em comparação ao de neuróticos que 76326 também pareciam multiplicarse ao correr sem melhoria de um médico para outro De resto o trabalho com a hipnose era real mente sedutor Pela primeira vez superávamos a sensação da própria impotência e a reputação de fazer milagres era bastante lisonjeira As falhas desse procedimento eu descobriria depois Naquele instante havia apenas dois motivos para queixa primeiro eu não conseguia hipnotizar todos os doentes se gundo não era possível pôr determinados pacientes em hipnose tão profunda como seria desejável Para aperfeiçoar minha téc nica de hipnose no verão de 1889 fui para Nancy onde passei várias semanas Foi comovente presenciar o velho Liébault em seu trabalho com as mulheres e crianças pobres da população operária testemunhei os assombrosos experimentos de Bernheim com seus pacientes de hospital e recebi fortes im pressões sobre a possibilidade da existência de processos psíqui cos poderosos que permanecem ocultos à consciência humana Para fins de instrução eu convencera uma de minhas pacientes a ir me encontrar em Nancy Era uma senhora histérica distinta extremamente talentosa que me fora confiada porque ninguém sabia o que fazer com ela Mediante a influência hipnótica eu lhe havia possibilitado levar uma existência digna e repetidamente conseguia tirála da miséria do seu estado Ela sempre recaía após algum tempo o que eu atribuía em meu desconhecimento de então ao fato de sua hipnose nunca alcançar o grau de son ambulismo com amnésia O próprio Bernheim tentou várias vezes mas também não conseguiu Disseme com toda a fran queza que seus grandes sucessos terapêuticos através da sug estão eram obtidos apenas em seu consultório do hospital não com a clientela particular Tive muitas conversas estimulantes 77326 com ele e me encarreguei de traduzir para o alemão suas duas obras sobre a sugestão e seus efeitos terapêuticos No período entre 1886 e 1891 pouco me dediquei ao trabalho científico e quase nada publiquei Estava ocupado em afirmar me na nova profissão e assegurar o sustento de minha família que crescia rapidamente Em 1891 surgiu o primeiro de meus tra balhos sobre paralisias cerebrais de crianças redigido em col aboração com o dr Oskar Rie meu amigo e assistente No mesmo ano uma solicitação para colaborar num dicionário de medicina me levou a examinar a teoria da afasia que era então dominada pelas concepções de WernickeLichtheim firmadas apenas na localização cerebral Um pequeno livro de natureza crítica e especulativa Zur Auffassung der Aphasien Sobre o en tendimento das afasias foi o resultado desse esforço Agora devo expor como a pesquisa científica voltou a con stituir o principal interesse de minha vida II Complementando a exposição anterior devo afirmar que desde o início fiz outra aplicação da hipnose além da sugestão hipnótica Utilizeia para interrogar o paciente sobre o surgimento de seu sintoma do qual ele frequentemente nada ou muito pouco sabia quando estava desperto Esse método não apenas parecia mais eficaz do que o mero ordenar ou proibir pela sugestão como também satisfazia o desejo de saber do médico que afinal tinha o direito de aprender algo acerca da origem do fenômeno que ele buscava eliminar com o monótono procedimento da sugestão 78326 Cheguei a essa outra aplicação da seguinte maneira Ainda no laboratório de Brücke conheci o dr Josef Breuer que era um dos médicos de família mais respeitados de Viena mas também tinha um passado de cientista pois dele procediam alguns tra balhos duradouros sobre a fisiologia da respiração e sobre o ór gão do equilíbrio Era um homem de inteligência extraordinária catorze anos mais velho do que eu Nossas relações logo se es treitaram ele se tornou meu amigo ajudoume em circunstân cias difíceis da vida Habituamonos a partilhar um com o outro os interesses científicos Certamente era eu quem mais ganhava nessa relação O desenvolvimento da psicanálise veio a me custar essa amizade Para mim não foi fácil pagar esse preço mas era inevitável Já antes de minha viagem a Paris Breuer me havia informado sobre um caso de histeria que submetera entre 1880 e 1882 a uma forma especial de tratamento em que pudera penetrar nas cau sas e no significado dos sintomas histéricos Isto se deu num mo mento em que os trabalhos de Janet ainda eram coisa do futuro Em várias ocasiões Breuer me leu passagens do caso clínico e tive a impressão de que aquilo se aproximava mais da com preensão da neurose do que tudo o que se fizera antes Resolvi comunicar a Charcot essas descobertas quando fosse a Paris o que fiz realmente Mas o mestre não demonstrou interesse ao ouvir minhas primeiras referências de modo que não retornei ao assunto e também o abandonei eu próprio De volta a Viena retomei as observações de Breuer pedindo lhe que me relatasse mais a respeito delas A paciente era uma jovem de educação e dotes incomuns que adoecera enquanto cuidava do pai que muito amava Quando Breuer a recebeu ela 79326 apresentava um embaraçoso quadro de paralisias com contratur as inibições e estados de confusão mental Uma observação cas ual fez o médico perceber que ela poderia ser livrada daquelas turvações da consciência se ele a induzisse a expressar em palav ras a fantasia afetiva que no momento a dominava A partir dessa experiência Breuer chegou a um método de tratamento Ele punha a paciente em hipnose profunda e a fazia contar o que lhe oprimia o espírito Depois que os acessos de confusão de pressiva eram superados dessa maneira ele aplicava o mesmo procedimento para eliminar suas inibições e seus distúrbios físi cos Quando estava desperta a garota assim como outros doentes não sabia dizer como haviam surgido os sintomas e não enxergava ligação entre eles e quaisquer impressões de sua vida Hipnotizada descobria imediatamente o nexo procurado Verificouse que todos os seus sintomas remontavam a fortes vivências tidas enquanto cuidava do pai doente ou seja tinham significado e correspondiam a vestígios ou reminiscências daquelas situações afetivas Habitualmente aconteceu que est ando à cabeceira do pai ela tivera de suprimir um pensamento ou impulso no lugar deste representandoo aparecera depois o sintoma Em geral porém o sintoma não era o precipitado de uma única cena traumática e sim o resultado da soma de in úmeras situações semelhantes Quando a enferma hipnotizada recordava uma situação dessas de forma alucinatória e posteri ormente realizava até o fim o ato psíquico então suprimido dando livre curso ao afeto o sintoma era removido e não tornava a aparecer Mediante esse procedimento Breuer conseguiu após demorado e penoso trabalho livrar sua paciente de todos os sintomas 80326 Ela se curou e permaneceu sadia inclusive tornouse capaz de realizações notáveis Mas o desfecho do tratamento hipnótico ficou envolto em certa obscuridade que Breuer nunca dissipou para mim e tampouco pude entender por que havia ele escon dido longamente aquele conhecimento que me parecia ines timável em vez de enriquecer a ciência com ele Mas a questão imediata era se cabia generalizar o que ele havia encontrado num só caso clínico As coisas por ele desvendadas me pareciam de natureza tão fundamental que eu não podia crer que pudessem estar ausentes em algum caso de histeria uma vez demonstrada sua existência num único caso Mas só a experiência poderia de cidir Comecei então a repetir as investigações de Breuer em meus pacientes e sobretudo depois que minha visita a Bernheim em 1889 me mostrou as limitações na eficácia da sug estão hipnótica não trabalhei de outra forma Como por vários anos tive apenas confirmações em cada caso de histeria que era acessível a esse tratamento e também já dispunha de boa quan tidade de observações análogas às suas sugerilhe uma pub licação conjunta algo que inicialmente ele rejeitou com firmeza Mas finalmente cedeu tanto mais que naquele meiotempo os trabalhos de Janet haviam antecipado uma parte de suas con clusões a referência dos sintomas histéricos a impressões recebi das na vida e sua eliminação por meio da reprodução hipnótica in statu nascendi Em 1893 nós publicamos uma comunicação preliminar Sobre o mecanismo psíquico dos fenômenos histéri cos e em 1895 o livro Estudos sobre a histeria Se a presente exposição fez o leitor acreditar que os Estudos sobre a histeria são no que têm de essencial produto intelectual de Breuer isso é exatamente o que sempre defendi e que faço 81326 constar também aqui Colaborei na teoria enunciada no livro mas hoje não é mais possível determinar até que ponto Essa teoria é modesta não vai muito além da expressão imediata das observações Não pretende examinar a fundo a natureza da his teria apenas iluminar a gênese de seus sintomas Nisso dá ên fase ao significado da vida afetiva à importância de distinguir entre atos psíquicos inconscientes e conscientes ou melhor capazes de consciência introduz um fator dinâmico ao supor que um sintoma se origina do represamento de um afeto e um econômico ao considerar o mesmo sintoma o resultado da transformação de uma quantidade de energia que é normal mente utilizada de outra maneira a chamada conversão Breuer chamou nosso procedimento de catártico o objetivo terapêutico explicitado era fazer com que o montante de afeto empregado na manutenção do sintoma que caíra em trilhas er radas e nelas permanecera como que entalado tomasse as vias normais onde podia chegar à descarga abreagir O êxito do método catártico foi notável As deficiências que depois se verifi caram eram as de qualquer tratamento hipnótico Ainda hoje há psicoterapeutas que prosseguem usando a catarse tal como Breuer a entendia e falam em seu favor No tratamento de neur oses de guerra de soldados alemães durante a Grande Guerra ela novamente se revelou satisfatória como método terapêutico breve nas mãos de Ernst Simmel Pouco se fala da sexualidade na teoria da catarse Nos casos clínicos que foram minha con tribuição aos Estudos fatores sexuais desempenham determ inado papel mas quase não recebem mais atenção do que outras excitações afetivas Breuer disse de sua primeira paciente que se tornaria famosa que nela o elemento sexual era surpreendente mente pouco desenvolvido Pelos Estudos sobre a histeria não se 82326 descobriria facilmente a importância da sexualidade na etiologia das neuroses A parte seguinte do desenvolvimento a transição da catarse para a psicanálise propriamente já expus várias vezes em detal hes de maneira que será difícil apresentar algo de novo aqui Esse período teve início quando Breuer se afastou de nosso tra balho em comum e então me tornei o único administrador de seu legado Havíamos tido diferenças de opinião bem cedo mas nada que justificasse um rompimento Na questão de quando um processo psíquico se torna patogênico isto é excluído de uma solução normal Breuer dava preferência a uma teoria que po demos chamar de fisiológica achava que se subtraíam ao destino normal os processos que se haviam originado em estados psíqui cos excepcionais hipnoides Com isso lançavase uma nova questão a da procedência desses estados hipnoides Eu por outro lado supunha a existência de um jogo de forças a ação de intenções e tendências como aquelas observadas na vida nor mal Assim a histeria hipnoide contrapunhase à neurose de defesa Mas diferenças como esta provavelmente não o teriam alienado da pesquisa se outros fatores não tivessem se juntado a elas Um deles sem dúvida era que suas obrigações como in ternista e médico particular o absorviam bastante e ele não po dia como eu dedicarse inteiramente ao trabalho com a catarse Além disso influiu sobre ele a recepção que nosso livro teve em Viena e no Reich Sua autoconfiança e sua capacidade de res istência não se achavam à altura de sua compleição intelectual Quando por exemplo os Estudos foram duramente rejeitados por Strümpell eu fui capaz de rir da crítica insensata mas 83326 Breuer magoouse e perdeu o alento O que mais contribuiu para sua decisão porém foi o fato de meus trabalhos subsequentes tomarem uma direção que lhe era impossível acompanhar A teoria que havíamos apresentado nos Estudos era mesmo bastante incompleta em particular mal havíamos tocado no problema da etiologia a questão de em que terreno se origina o processo patogênico Minha crescente experiência mostrava en tão que não eram quaisquer excitações afetivas que agiam por trás dos fenômenos da neurose mas habitualmente os de natureza sexual conflitos sexuais atuais ou repercussões de vivências sexuais antigas Eu não estava preparado para esse res ultado minha expectativa não teve participação nele eu havia iniciado a pesquisa sobre neuróticos sem ideia preconcebida Quando em 1914 escrevi a História do movimento psicanalítico vieramme à lembrança algumas declarações de Breuer Charcot e Chrobak a partir das quais eu poderia ter chegado bem antes a esse conhecimento Mas na época eu não compreendia o que essas autoridades queriam dizer elas me rev elavam mais do que elas próprias sabiam e estavam dispostas a defender O que delas ouvi dormitava em mim sem produzir efeito até que por ocasião das experiências com a catarse sur giu como um conhecimento aparentemente original Eu tampou co sabia que ao relacionar a histeria com a sexualidade havia re montado aos primeiros tempos da medicina e acompanhado Platão Inteireime disso apenas depois num artigo de Havelock Ellis 84326 Influenciado por minha espantosa descoberta dei um passo de grande consequência Fui além da histeria e comecei a pesquisar a vida sexual dos chamados neurastênicos que não eram poucos em meu consultório É verdade que esse experi mento me custou o bom nome que tinha como médico mas trouxeme convicções que até hoje trinta anos depois não se es tiolaram Era necessário sobrepujar muitos segredos e mentiras mas tendose feito isso notavase que em todos esses doentes havia sérios abusos da função sexual Dada a grande frequência de tais abusos por um lado e da neurastenia por outro lado não provava muita coisa o fato de muitas vezes serem encontrados juntos os dois mas a questão não se limitava a um mero fato Uma observação mais detida me levou a extrair da profusão de quadros clínicos designada com o nome de histeria dois tipos fundamentalmente diversos que podiam aparecer em qualquer grau de mistura mas também ser observados em formas puras Num deles o fenômeno central era o ataque de angústia com seus equivalentes suas formas rudimentares e sintomas sub stitutivos crônicos por isso chameio neurose de angústia Reservei para o outro tipo a denominação de neurastenia Nesse ponto foi fácil constatar que cada um deles tinha uma anormal idade da vida sexual como fator etiológico coitus interruptus excitação frustrada abstinência sexual num caso masturbação excessiva poluções frequentes no outro Em alguns casos par ticularmente instrutivos em que houve surpreendente mudança de um tipo para outro no quadro clínico foi possível mostrar que tinha havido uma alteração correspondente no regime sexual Conseguindose pôr termo ao abuso e substituílo por uma atividade sexual normal a recompensa era uma notável melhora da condição 85326 Assim fui levado a perceber as neuroses de maneira bastante geral como distúrbios da função sexual as chamadas neuroses atuais como expressão tóxica direta e as psiconeuroses como ex pressão psíquica desses distúrbios Minha consciência médica ficou satisfeita com esse resultado Eu esperava ter preenchido uma lacuna na medicina que numa função de tal importância biológica não se dispunha a considerar outros danos senão aqueles causados por infecção ou simples lesão anatômica Além disso favorecia a concepção médica do problema o fato de a sexualidade não ser algo apenas psíquico Tinha também seu lado somático era justificável atribuirlhe um quimismo especial e fazer a excitação sexual derivar da presença de substâncias de terminadas embora ainda não conhecidas Também devia haver uma boa razão para o fato de as neuroses genuínas espontâneas mostrarem mais semelhança entre os grupos de doenças com os fenômenos de intoxicação e abstinência provocados pela in trodução ou privação de determinadas substâncias tóxicas ou com o mal de Basedow cuja dependência do produto da tireoide é conhecida Depois não tive oportunidade de retomar a investigação sobre as neuroses atuais nem outros estudiosos prosseguiram com essa parte de meu trabalho Se hoje lanço um olhar a meus res ultados de então vejoos como as primeiras cruas esquematiza ções de algo provavelmente muito mais complicado Mas no con junto me parecem corretos ainda hoje Eu bem gostaria de ter submetido ao exame psicanalítico outros casos de neurastenia juvenil pura infelizmente não houve ocasião para isso Para evitar incompreensões quero enfatizar que está longe de mim negar a existência do conflito psíquico e dos complexos neuróti cos na neurastenia Afirmo apenas que os sintomas desses 86326 doentes não são determinados psiquicamente nem podem ser re movidos pela análise que têm de ser vistos como consequências tóxicas diretas do quimismo sexual perturbado Quando adquiri essas concepções sobre o papel da sexualid ade na etiologia das neuroses nos anos subsequentes aos Estudos dei algumas palestras sobre o tema em sociedades médicas mas encontrei apenas incredulidade e oposição Breuer ainda buscou usar o peso de seu prestígio pessoal em meu favor algumas vezes mas nada conseguiu e não era difícil ver que o reconhecimento da etiologia sexual também contrariava sua in clinação Ele poderia ter me liquidado ou me desorientado re metendo ao caso de sua primeira paciente em que fatores sexuais não teriam desempenhado nenhum papel absoluta mente Mas nunca o fez algo que não entendi até que fui capaz de interpretar corretamente o caso e de reconstruir o desfecho de seu tratamento seguindo algumas observações que ele havia feito Depois que o trabalho da catarse parecia concluído subita mente a garota entrou num estado de amor transferencial que ele já não relacionou com a doença e embaraçado se afastou dela Era evidentemente penoso para ele ser lembrado desse aparente infortúnio Na atitude para comigo oscilou algum tempo entre o reconhecimento e a crítica acerba houve então al guns incidentes como sempre ocorrem nas situações tensas e nós deixamos de nos ver Outra consequência de meu trabalho com as doenças nervosas em geral foi que mudei a técnica da catarse Abandonei a hipnose e procurei substituíla por outro método pois desejava superar a limitação do tratamento a estados histeriformes Além disso minha crescente experiência me produziu duas sérias dúvidas acerca da utilização da hipnose para a catarse A 87326 primeira foi que até mesmo os melhores resultados como que de sapareciam subitamente quando a relação pessoal com o pa ciente se anuviava É certo que eles se restabeleciam quando se chegava à reconciliação mas aprendíamos que a relação afetiva pessoal era mais forte que todo trabalho de catarse e justamente aquele fator se furtava ao controle Então tive uma experiência que me evidenciou claramente o que havia muito eu suspeitava Achavame com uma de minhas mais dóceis pacientes na qual a hipnose possibilitara coisas surpreendentes e quando lhe aliviei o sofrimento fazendo remontar seu ataque de dor àquilo que o causara ela jogou os braços em redor de meu pescoço ao desper tar A entrada repentina de uma serviçal nos poupou de uma ex plicação embaraçosa mas a partir daquele momento renun ciamos em tácito acordo ao tratamento hipnótico Fui razoável o bastante para não lançar o incidente à conta de meu charme pessoal irresistível e acreditei haver apreendido então a natureza do elemento místico que age por trás da hipnose Para excluílo ou ao menos isolálo tive que abandonar o hipnotismo No entanto o hipnotismo havia prestado grandes serviços ao tratamento catártico ao ampliar o campo de consciência dos pa cientes e lhes pôr à disposição um conhecimento a que não tin ham acesso em estado de vigília Não parecia fácil substituílo Nesse embaraço me veio em auxílio a lembrança de um experi mento que eu havia presenciado muitas vezes com Bernheim Quando a pessoa acordava do sonambulismo parecia haver per dido toda a lembrança do que ocorrera enquanto se achava naquele estado Mas Bernheim afirmava que ela sabia perfeita mente o que se dera e quando a instava para que se recordasse quando garantia que ela sabia tudo que devia apenas dizer e 88326 nisso lhe punha a mão sobre a testa as lembranças esquecidas realmente voltavam primeiro apenas de forma hesitante e de pois em torrente e com total clareza Resolvi fazer o mesmo Também meus pacientes tinham de saber tudo o que apenas a hipnose lhes tornara acessível e minha insistência e exortação talvez secundadas pelo posicionamento da mão deviam ter o poder de empurrar para a consciência os fatos e nexos esque cidos Provavelmente isto seria mais trabalhoso que a indução à hipnose mas poderia ser muito instrutivo Então abandonei o hipnotismo dele conservando apenas a recomendação de o pa ciente se deitar num sofá enquanto eu ficava sentado atrás dele de modo que o via mas não era visto III Minha expectativa se cumpriu liberteime do hipnotismo mas com a mudança da técnica também o trabalho da catarse mudou seu aspecto O hipnotismo havia encoberto um jogo de forças que então se revelava e cuja compreensão dava à teoria um fun damento seguro Como se explicava que os doentes tivessem esquecido tantos fatos de sua vida exterior e interior mas pudessem recordálos quando se aplicava a eles a técnica descrita A observação dava uma resposta exaustiva a essa pergunta Todo o esquecido havia sido penoso de alguma maneira terrível doloroso ou vergon hoso para os padrões da pessoa Impunhase por si mesmo o pensamento de que justamente por isso fora esquecido isto é não permanecera consciente Para tornálo de novo consciente era preciso vencer no doente algo que se obstinava era preciso 89326 despender esforços para obrigálo e pressionálo a recordar Os esforços requeridos do médico variavam conforme o caso cres ciam em relação direta com a gravidade daquilo a ser lembrado O dispêndio de energia do médico era evidentemente a medida da resistência por parte do doente Era necessário apenas traduzir em palavras o que ele mesmo havia percebido e estava se de posse da teoria da repressão Foi simples então reconstruir o processo patogênico Para ficar num exemplo fácil digamos que aparece na vida psíquica uma única tendência à qual outras tendências poderosas se opõem Segundo nossa expectativa o conflito psíquico que então surge deveria transcorrer de modo que as duas grandezas dinâmicas vamos chamálas para nossos propósitos instinto e resistência lutassem entre si por algum tempo com forte participação da consciência até que o instinto fosse re chaçado sendo retirado o investimento de energia de sua tendência Esta seria a solução normal Mas na neurose por razões ainda não conhecidas o conflito tem outro desfecho O Eu como que se retrai no primeiro encontro com o impulso in stintual repulsivo barralhe o acesso à consciência e à descarga motora direta mas este conserva seu pleno investimento de en ergia Denominei este processo repressão Era algo novo nada semelhante a ele fora notado antes na vida psíquica Era clara mente um mecanismo de defesa primário comparável a uma tentativa de fuga um precursor do julgamento condenatório normal O primeiro ato de repressão implicava outras con sequências Em primeiro lugar o Eu tinha que se proteger do contínuo assédio do impulso reprimido mediante um perman ente dispêndio de energia um contrainvestimento assim se empobrecendo por outro lado o reprimido que então era 90326 inconsciente podia achar descarga e satisfação substitutiva por outras vias desse modo fazendo gorar a intenção da repressão Na histeria de conversão essa outra via conduz à inervação somática o impulso reprimido irrompe em qualquer lugar e cria os sintomas que são resultados de compromisso certamente satisfações substitutivas mas deformadas e desviadas de sua meta pela resistência do Eu A teoria da repressão tornouse o pilar da compreensão das neuroses A tarefa da terapia teve de ser concebida de outra forma seu objetivo não era mais abreagir o afeto que enveredara por vias erradas mas sim desvendar as repressões e substituílas por operações de julgamento que poderiam resultar na aceitação ou rejeição do que fora repudiado Considerando esse novo estado de coisas não mais chamei de catarse o pro cedimento de investigação e cura e sim de psicanálise Podese partir da repressão como de um centro e pôr em re lação com ela todos os elementos da teoria psicanalítica Mas antes farei uma observação de caráter polêmico Segundo Janet a mulher histérica era uma pobre criatura que em razão de uma debilidade constitucional não conseguia manter a coerência dos atos psíquicos Por causa disso sucumbia à cisão psíquica e à lim itação da consciência Conforme os resultados das investigações psicanalíticas porém esses fenômenos eram consequência de fatores dinâmicos do conflito psíquico e da repressão efetuada Creio que a diferença é substancial e deveria pôr fim ao fre quente palavreado segundo o qual o que é valioso na psicanálise foi tomado de empréstimo às ideias de Janet Minha exposição deve ter mostrado ao leitor que do ponto de vista histórico a 91326 psicanálise é totalmente independente das descobertas de Janet assim como diverge e vai além delas no tocante ao conteúdo Ja mais os trabalhos de Janet teriam tido as implicações que torn aram a psicanálise tão importante para as ciências humanas e atraíram sobre ela o interesse geral Sempre me referi re speitosamente a Janet pois seus achados coincidiam em boa parte com os de Breuer que haviam sido feitos antes e publica dos depois Mas quando a psicanálise se tornou objeto de dis cussão também na França ele se comportou mal demonstrou escasso conhecimento do assunto e utilizou argumentos deseleg antes Por fim a meus olhos ele se expôs verdadeiramente e des valorizou sua obra mesma ao declarar que quando havia falado de atos psíquicos inconscientes nada quis dizer com isso fora apenas une façon de parler uma maneira de falar Mas o estudo das repressões patogênicas e de outros fenô menos que ainda abordaremos fez a psicanálise levar a sério a noção do inconsciente Para ela tudo psíquico era primeira mente inconsciente a qualidade de consciência podia juntarse a esta ou permanecer ausente Naturalmente isso deparou com a objeção dos filósofos que consideravam consciente e psíquico idênticos e afirmavam não poder imaginar um ab surdo como inconsciente psíquico Mas não houve jeito foi preciso ignorar essa idiossincrasia dos filósofos A experiência adquirida com o material patológico que eles não conheciam relacionada à frequência e potência dos impulsos de que nada se sabia e que era preciso inferir como qualquer fato do mundo ex terior tal experiência não deixava escolha Era possível sustentar que apenas se estava fazendo com a própria vida 92326 psíquica o que sempre se havia feito em relação à de outras pess oas Afinal também atribuímos atos psíquicos a outra pessoa embora não tenhamos consciência imediata deles e precisemos imaginálos a partir de suas palavras e ações O que é certo para o outro deve ser válido também para nossa própria pessoa Alguém que deseje prosseguir com esse argumento e dele con cluir que nossos atos ocultos pertencem a uma segunda con sciência defrontará com a concepção de uma consciência da qual nada se sabe de uma consciência inconsciente o que certa mente não é uma vantagem diante da suposição de uma psique inconsciente E se como outros filósofos alguém disser que leva em conta as incidências patológicas mas os atos a elas subjacen tes não deveriam ser chamados de psíquicos e sim de psicoides então a divergência resulta numa estéril disputa em torno de palavras na qual o mais conveniente seria decidir manter a expressão inconsciente psíquico A questão de o que é em si tal inconsciente não é mais inteligente nem mais pro veitosa do que a outra anterior de o que é o consciente Mais difícil seria expor brevemente como a psicanálise chegou a subdividir o inconsciente por ela admitido a separálo em um préconsciente e um inconsciente propriamente dito Talvez baste a observação de que pareceu legítimo completar as teorias que são expressão direta da experiência com hipóteses que são adequadas para o domínio do material e concernem a relações que não podem ser objeto de observação direta Em ciências mais antigas também não se costuma agir de outra forma A sub divisão do inconsciente ligase à tentativa de imaginar o aparelho psíquico como sendo composto de determinado 93326 número de instâncias ou sistemas de cujas relações entre si falamos em termos de espaço mas sem buscar nexos com a ana tomia real do cérebro O que denominamos ponto de vista to pológico Essas ideias e outras semelhantes pertencem à su perestrutura especulativa da psicanálise em que qualquer porção pode ser sacrificada ou substituída sem prejuízo nem lamento tão logo se demonstre sua precariedade Mas restam ainda para serem relatadas muitas coisas que se acham mais próximas da observação Já mencionei que a pesquisa das causas e motivações da neur ose nos levou com frequência cada vez maior aos conflitos entre os impulsos sexuais da pessoa e as resistências à sexualidade Na busca das situações patogênicas em que haviam aparecido as repressões da sexualidade e de que se originavam os sintomas como formações substitutivas do material reprimido fomos conduzidos a momentos sempre anteriores da vida do paciente chegando enfim à sua primeira infância Disso resultou aquilo que os escritores e conhecedores dos homens sempre afirmaram que as impressões dos primeiros períodos da vida apesar de ger almente sucumbirem à amnésia deixam traços indeléveis no desenvolvimento do indivíduo em especial firmam a predis posição para adoecimentos neuróticos posteriores Como essas vivências infantis sempre diziam respeito a excitações sexuais e à reação a elas achamonos diante do fato da sexualidade infantil que constituía outra novidade e contradizia um dos mais fortes preconceitos humanos Pois a infância deveria ser inocente livre de apetites sexuais e a luta com o demônio da sensualid ade deveria começar apenas na época tempestuosa da 94326 puberdade O que ocasionalmente era impossível não se perce ber de atividade sexual nas crianças era tido como sinal de de generação depravação prematura ou curioso capricho da natureza Poucas constatações da psicanálise encontraram re jeição tão geral suscitaram tanta indignação como a afirmativa de que a função sexual principia no começo da vida e já na infân cia se manifesta em fenômenos de importância Nenhum outro achado psicanalítico pode ser demonstrado de maneira tão fácil e tão completa no entanto Antes de prosseguir na abordagem da sexualidade infantil devo lembrar um erro em que incidi por algum tempo e que quase se tornaria funesto para todo o meu trabalho Sob a pressão do procedimento técnico que eu usava na época a maioria dos pacientes reproduzia cenas da infância cujo con teúdo era a sedução sexual por um adulto Nas mulheres o papel do sedutor cabia quase sempre ao pai Dei crédito a essas comu nicações e supus que havia encontrado a fonte da futura neurose nessas vivências de sedução sexual na infância Reforçaram minha confiança alguns casos em que tais relações com o pai um tio ou um irmão mais velho haviam se prolongado até uma idade em que a recordação é segura Se alguém balançar a cabeça in crédulo ante a minha credulidade não deixarei de lhe dar al guma razão mas posso alegar que naquele tempo eu sofreava in tencionalmente o espírito crítico para manter uma atitude im parcial e receptiva ante as novidades que diariamente me vin ham ao encontro Quando fui obrigado a reconhecer que tais cenas de sedução não haviam jamais ocorrido eram apenas fantasias que meus pacientes tinham inventado que talvez eu próprio lhes havia imposto fiquei desorientado por algum tempo A confiança em minha técnica e em seus resultados 95326 sofreu um duro golpe afinal eu havia chegado àquelas cenas por um procedimento técnico que me parecia correto e seu conteúdo relacionavase claramente com os sintomas que haviam sido o ponto de partida de minha investigação Tendo me recomposto tirei da experiência as conclusões corretas que os sintomas neuróticos não se ligavam diretamente a vivências reais e sim a fantasias envolvendo desejos e que para a neurose a realidade psíquica significava mais que a realidade material Mesmo hoje não acredito haver imposto sugerido a meus pacientes aquelas fantasias de sedução Eu havia deparado ali pela primeira vez com o complexo de Édipo que depois ganharia extraordinária importância mas que não reconheci naquele fantasioso disfarce Além disso a sedução durante a infância conservou seu papel na etiologia embora mais modesto Mas geralmente os sedutores haviam sido crianças mais velhas Meu erro então foi como o de alguém que tomasse por ver dade histórica a lendária narrativa dos reis de Roma feita por Tito Lívio em vez de enxergála como aquilo que é uma form ação reativa ante a recordação de tempos e circunstâncias miser áveis provavelmente inglórios Após o esclarecimento do erro o caminho para o estudo da vida sexual infantil estava livre Vimo nos em condições de aplicar a psicanálise a um outro âmbito do saber inferindo de seus dados uma parte até então desconhecida do funcionamento biológico A função sexual como verifiquei existe desde o princípio apoiase inicialmente nas outras funções vitais e depois se torna independente delas passa por um longo e complicado desenvol vimento até se tornar o que é conhecido como vida sexual nor mal do adulto Manifestase primeiramente como atividade de toda uma série de componentes instintuais que são dependentes 96326 de zonas erógenas do corpo que surgem em parte sob forma de pares de opostos sadismomasoquismo voyeurismoexibi cionismo independentemente um do outro buscam obter prazer e geralmente encontram seu objeto no próprio corpo Portanto no início ela é não centralizada e predominantemente autoerótica Mais tarde surgem sínteses dentro dela há um primeiro estágio de organização sob o domínio dos compon entes orais e a ele se segue uma fase sádicooral e apenas na terceira fase alcançada tarde temse a primazia dos genitais com que a função sexual entra a serviço da procriação Durante esse desenvolvimento várias partes de instintos são descartadas ou dirigidas para outras aplicações por serem inúteis para essa finalidade última e outras são desviadas de suas metas e con duzidas à organização genital Chamei a energia dos instintos sexuais apenas ela de libido Precisei supor que nem sempre a libido perfaz esse desenvolvimento de maneira impecável Devido à força excessiva de determinados componentes ou a ex periências precoces de satisfação há fixações da libido em certos pontos do desenvolvimento Então a libido tende a retornar a esses pontos no caso de uma repressão posterior processo de regressão e a partir deles ocorre a irrupção da energia para o sintoma Uma compreensão posterior acrescentou que a localiza ção do ponto de fixação é também decisiva para a escolha da neurose para a forma como surge a doença posterior Ao lado da organização da libido ocorre o processo de escolha do objeto que desempenha um grande papel na vida psíquica O primeiro objeto amoroso após o estágio do autoerotismo será para ambos os sexos a mãe cujo órgão nutridor provavelmente não é diferenciado de seu corpo no início Depois mas ainda na primeira infância estabelecese a relação do complexo de Édipo 97326 em que o menino concentra seus desejos sexuais na pessoa da mãe e desenvolve impulsos hostis para com o pai vendo este como rival De maneira análoga se comporta a menina3 todas as variações e consequências do complexo de Édipo se tornam sig nificativas a inata constituição bissexual se faz valer e aumenta o número de impulsos simultaneamente ativos Transcorre um bom tempo até a criança notar claramente a diferença entre os sexos nesse período da pesquisa sexual ela engendra típicas teorias sexuais que por depender da incompletude de sua or ganização somática misturam coisas certas e erradas e não po dem solucionar o problema da vida sexual o enigma da Esfinge de onde vêm as crianças A primeira escolha de objeto da cri ança é incestuosa portanto Todo o desenvolvimento aqui descrito é rapidamente percorrido A mais notável característica da sexualidade humana é seu início em dois tempos com uma pausa entre eles No quarto e quinto ano de vida ela alcança um primeiro apogeu mas logo termina esse desabrochar da sexual idade os impulsos até então vivazes sucumbem à repressão e su cede o período de latência que dura até a puberdade e no qual se instauram as formações reativas que são a moral a vergonha o nojo4 O desenvolvimento em dois tempos da sexualidade parece ser exclusivo do homem entre todos os seres vivos é talvez a condição biológica de sua predisposição à neurose Com a puberdade são reavivados os impulsos e investimentos objetais do primeiro período e também as ligações emocionais do com plexo de Édipo Na vida sexual da puberdade há uma luta entre os impulsos dos primeiros anos e as inibições do período de latência Ainda no auge do desenvolvimento sexual infantil estabeleceuse uma espécie de organização genital na qual porém apenas o genital masculino desempenhou um papel 98326 enquanto o feminino permaneceu desconhecido a chamada primazia fálica Nesse tempo o contraste entre os sexos não era ainda masculino ou feminino mas sim de posse de um pênis ou castrado O complexo da castração com isso relacionado tornase muito importante para a formação do caráter e da neurose Para facilitar a compreensão nesta sumária exposição de min has descobertas sobre a vida sexual humana juntei coisas que apareceram em épocas diversas e que foram acrescentadas a título de complemento ou correção a diferentes edições suces sivas de meus Três ensaios de uma teoria da sexualidade 1905 Espero que não seja difícil apreender por este sumário em que consiste a tão enfatizada e criticada ampliação do conceito de sexualidade Tal ampliação é dupla Primeiro a sexualidade é afastada de seu vínculo por demais estreito com os genitais e ca racterizada como uma função somática mais abrangente que visa o prazer e só secundariamente entra a serviço da procriação Em segundo lugar são incluídos entre os impulsos sexuais todos aqueles apenas afetuosos e amigáveis para os quais a linguagem corrente utiliza a polivalente palavra amor Não creio porém que tais ampliações sejam inovações mas sim restaurações elas denotam a abolição de impróprias limitações do conceito às quais nos havíamos deixado levar Desprender a sexualidade dos genitais tem a vantagem de nos permitir considerar a atividade sexual das crianças e a dos per vertidos sob o mesmo ponto de vista que a dos adultos normais quando até agora a primeira foi inteiramente negligenciada e a segunda acolhida com indignação moral mas sem compreensão Na concepção psicanalítica também as mais estranhas e mais 99326 repulsivas perversões se explicam como manifestações de instin tos sexuais parciais que se subtraíram ao primado genital e perseguem autonomamente o prazer como nos primeiros tem pos do desenvolvimento libidinal A mais importante delas a ho mossexualidade dificilmente merece o nome de perversão Ela remonta à bissexualidade constitucional e ao efeito posterior da primazia fálica mediante psicanálise podese demonstrar em cada pessoa um tanto de escolha homossexual de objeto Ao des ignar as crianças como polimorficamente pervertidas fizemos apenas uma descrição em termos de uso geral não pretendemos enunciar uma avaliação moral Tais julgamentos de valor são al heios à psicanálise A outra das supostas ampliações se justifica por referência à investigação psicanalítica que demonstra que todos os senti mentos afetuosos eram originalmente impulsos sexuais plenos que depois foram inibidos na meta ou sublimados Também se baseia nessa natureza influenciável e desviável dos instintos sexuais o fato de poderem ser utilizados para muitas realizações culturais às quais dão as mais relevantes contribuições As surpreendentes descobertas sobre a sexualidade infantil fo ram feitas inicialmente através da análise de adultos mas de pois a partir de 1908 aproximadamente puderam ser confirma das pela observação direta de crianças nos pormenores e na me dida em que se quisesse É realmente tão fácil nos convencermos da atividade sexual regular das crianças que temos de perguntar a nós mesmos admirados como as pessoas conseguiram ignorar esses fatos e por tanto tempo manter a lenda da assexualidade da infância Isso deve estar ligado à amnésia que a maioria dos adultos tem no tocante à sua infância 100326 IV As teorias da resistência e da repressão do inconsciente da sig nificação etiológica da vida sexual e da importância das vivências infantis são os principais componentes do edifício teórico da psicanálise Lamento o fato de aqui ter podido apenas apresentar os elementos isolados sem mostrar também como se compõem e se imbricam Agora é o momento de nos voltarmos para as mudanças que pouco a pouco se verificaram na técnica do pro cedimento analítico A forma de superação das resistências inicialmente adotada por pressão e encorajamento fora indispensável para dar ao médico as primeiras orientações sobre o que podia esperar Com o tempo porém tornavase muito cansativa para ambas as partes e não parecia imune a certas objeções Foi então sub stituída por outro método que em determinado sentido era o seu oposto Em vez de instar o paciente a dizer algo sobre certo tema solicitávamos que ele se entregasse à livre associação ou seja que dissesse o que lhe vinha à mente quando se abstinha de dar uma direção consciente a suas ideias Mas tinha de se obrigar a realmente comunicar tudo o que a autopercepção lhe propor cionava e não ceder aos reparos críticos que buscavam eliminar certos pensamentos com a justificativa de que não eram import antes o suficiente estavam fora do lugar ou eram simplesmente absurdos Não havia necessidade de repetir formalmente a exigência de franqueza na comunicação pois ela era o pres suposto do tratamento analítico 101326 Pode parecer surpreendente que esse método de associação livre com observância da regra psicanalítica fundamental al cançasse o que dele se esperava ou seja levar para a consciência o material reprimido e mantido a distância pelas resistências Devemos considerar porém que a associação livre não é real mente livre O paciente se acha sob a influência da situação analítica mesmo quando não dirige a atividade do pensamento para um determinado tema Temos o direito de supor que não lhe ocorrerá o que não estiver relacionado a esta situação Sua resistência à reprodução do reprimido se manifestará de duas formas Primeiramente nas objeções críticas às quais se dirigiu a regra fundamental da psicanálise Mas se observando a regra ele supera esses impedimentos a resistência se expressa de outra forma Faz com que jamais ocorra ao analisando o material rep rimido mesmo mas apenas algo que deste se aproxima em forma de alusão e quanto maior a resistência tanto mais dis tante daquela que propriamente se busca é a associação substi tuta comunicada O analista que escuta concentrado mas sem esforço e que por sua experiência geral está preparado para o que vem pode utilizar conforme duas possibilidades o material que o paciente lhe traz ou consegue havendo pouca resistência inferir o material reprimido a partir das alusões ou em caso de maior resistência pode discernir nas associações que parecem se afastar do tema o caráter dessa resistência e comunicála en tão ao paciente Mas descobrir a resistência é o primeiro passo para a sua superação Assim se constitui no âmbito do trabalho analítico uma arte de interpretação cujo emprego bemsuce dido requer tato e exercício é verdade mas que não é difícil de aprender O método de associação livre tem grandes vantagens em relação ao anterior não apenas por ser menos trabalhoso 102326 Expõe o analisando ao mínimo grau de coerção nunca perde o contato com o presente real garante em boa medida que o an alista não deixe de ver nenhum fator da estrutura da neurose e não introduza nela algum tanto de sua própria expectativa Com ele cabe essencialmente ao paciente determinar o curso da anál ise e a ordenação do material razão pela qual se torna impos sível trabalhar sistematicamente sintomas e complexos específi cos De modo contrário ao que sucede no procedimento hipnótico ou no exortativo o que é interrelacionado aparece em momentos e pontos diversos do tratamento Para um espectador o que não pode haver na realidade a terapia analítica seria impenetrável portanto Outra vantagem do método é que nunca deve fracassar Teor icamente sempre há de ser possível ter uma associação se aban donamos toda exigência relativa à sua espécie No entanto há um caso em que regularmente ocorre esse fracasso mas justa mente por seu caráter único ele se torna também interpretável Agora chego à descrição de um fator que constitui um traço essencial no quadro da análise e que técnica e teoricamente pode reivindicar a maior importância Em todo tratamento analítico se produz sem que o médico faça alguma coisa para isso uma forte relação emocional do paciente com a pessoa do analista que não pode ser explicada pelas circunstâncias reais É de natureza positiva ou negativa varia do amorpaixão plenamente sensual a extremos de rebeldia amargura e ódio Isso que abre viadamente chamamos de transferência logo toma no paciente o lugar do desejo de cura e se torna enquanto permanece afetuosa e moderada veículo da influência médica e verdadeira mola im pulsora do trabalho analítico em conjunto Mais tarde se se tor na passional ou se converte em hostilidade vem a ser o principal 103326 instrumento da resistência Então pode também acontecer que paralise a atividade associativa do paciente e ameace o êxito do tratamento Mas não haveria sentido em buscar evitála uma análise sem transferência é algo impossível Não se deve crer que a análise cria a transferência e que esta ocorre somente nela A transferência é apenas desvelada e isolada pela análise É um fenômeno humano geral decisivo para o êxito de toda influência médica e inclusive governa as relações de uma pessoa com seu ambiente humano Não é difícil reconhecer nela o mesmo fator dinâmico que os hipnotizadores chamaram de sugestionabilid ade que é o veículo do rapport hipnótico e cuja imprevisibilid ade era razão para queixas também no método catártico Quando falta ou é inteiramente negativa essa inclinação à transferência de sentimentos como na dementia praecox e na paranoia deixa de existir também a possibilidade de exercer influência psíquica sobre o doente Não há dúvida de que também a psicanálise trabalha por meio da sugestão como outros métodos psicoterapêuticos A difer ença está em que nela não é deixada à sugestão ou à transferên cia o papel decisivo no sucesso terapêutico Esta é usada isto sim para mover o paciente a realizar um trabalho psíquico a superação de suas resistências de transferência que envolve uma duradoura modificação em sua economia mental O analista torna o enfermo consciente de sua transferência esta é dis solvida quando ele o convence de que em sua conduta transfer encial revivencia ligações emocionais que têm origem em seus primeiros investimentos objetais no período reprimido de sua infância Dessa maneira a transferência passa de mais forte 104326 arma da resistência a melhor instrumento da terapia analítica Sua utilização é sempre a parte mais difícil e mais importante da técnica psicanalítica Com o auxílio do método de associação livre e da arte de inter pretação a ele relacionada a psicanálise conseguiu algo que aparentemente não tinha significação prática mas que na realid ade levou necessariamente a uma posição e uma consideração inteiramente novas na esfera científica Tornouse possível demonstrar que os sonhos têm sentido e decifrar tal sentido Na Antiguidade clássica os sonhos eram altamente apreciados como antevisões do futuro a ciência moderna não se interessou por eles abandonouos à superstição proclamou serem um ato puramente somático uma espécie de sobressalto da psique que dorme Parecia inconcebível que alguém que havia realizado tra balho científico sério se apresentasse como intérprete de son hos Mas se o pesquisador não se preocupava com tal con denação dos sonhos tratavao como um sintoma neurótico não compreendido uma ideia delirante ou obsessiva não consid erava seu conteúdo aparente e fazia de suas imagens objetos da associação livre então chegava a outro resultado Através dos in úmeros pensamentos espontâneos do sonhador conhecia um produto do pensamento que já não podia ser chamado de ab surdo ou confuso que correspondia a uma realização psíquica inteiramente válida da qual o sonho manifesto era apenas uma tradução deformada abreviada e mal compreendida em sua maior parte uma tradução em quadros visuais Esses pensamen tos oníricos latentes continham o significado do sonho o con teúdo onírico manifesto era apenas um logro uma fachada a 105326 que certamente se podia ligar a associação mas não a interpretação Surgiu toda uma série de questões a serem respondidas entre as mais importantes estavam Havia um motivo para a formação do sonho Sob que condições ela podia ocorrer De que maneira os pensamentos oníricos plenos de sentido passavam para o sonho muitas vezes sem sentido Em meu livro A interpretação dos sonhos publicado em 1900 procurei lidar com todos esses problemas Apenas um brevíssimo resumo dessa investigação pode caber aqui Se examinamos os pensamentos oníricos lat entes revelados na análise do sonho encontramos um que se destaca perfeitamente dos outros razoáveis e familiares ao indi víduo que sonha Esses outros são restos da vida desperta resí duos do dia mas no pensamento isolado reconhecemos um im pulso ou desejo frequentemente chocante que é alheio à vida desperta do sonhador e que este portanto rejeita com surpresa ou indignação Esse impulso é o verdadeiro formador do sonho fornece a energia para a sua produção e se utiliza dos restos di urnos como material o sonho que assim nasce representa para ele uma situação satisfatória é sua realização de desejo Tal pro cesso não seria possível se algo na natureza do sono não o favorecesse O pressuposto psíquico do sono é a acomodação do Eu ao desejo de dormir e a retirada dos investimentos de todos os interesses da vida como simultaneamente os acessos à motil idade são bloqueados o Eu pode também diminuir o dispêndio de energia com que mantém as repressões O impulso incon sciente aproveita esse relaxamento noturno da repressão para com o sonho abrir caminho até a consciência Mas a resistência repressiva do Eu também não é abolida no sono apenas 106326 diminuída um resto seu permanece como censura onírica e proíbe que o impulso inconsciente se manifeste nas formas que assumiria propriamente Devido ao rigor da censura onírica os pensamentos oníricos latentes têm de submeterse a modi ficações e atenuações que tornam irreconhecível o significado proibido do sonho Essa é a explicação para a deformação onírica à qual o sonho manifesto deve suas características mais marcantes É justificada então a tese de que o sonho é a realiza ção disfarçada de um desejo reprimido Já percebemos agora que o sonho é construído como um sintoma neurótico é uma formação de compromisso entre as exigências de um im pulso instintual reprimido e a resistência de um poder cen surador no Eu Tendo a mesma gênese é tão incompreensível como o sintoma e igualmente necessitado de interpretação Não há dificuldade em descobrir a função geral do sonho Ele serve para rechaçar por uma espécie de mitigação estímulos ex ternos e internos que levariam ao despertar e assim protege o sono de interrupções O estímulo externo é rechaçado ao ser re interpretado e entremeado numa situação inócua a pessoa que sonha tolera o estímulo interno da exigência instintual e permite sua satisfação através da formação do sonho desde que os pensamentos oníricos latentes não se subtraiam ao controle da censura Se houver esse perigo e o sonho for nítido demais a pessoa o interrompe e acorda assustada sonho de angústia A mesma falha da função do sonho ocorre quando o estímulo é forte demais para ser rechaçado sonho de despertar O pro cesso que com a cooperação da censura onírica transforma os pensamentos latentes no conteúdo onírico manifesto foi denom inado trabalho do sonho Ele consiste num peculiar tratamento do material de pensamento préconsciente em que as partes que 107326 o compõem são condensadas as ênfases psíquicas são desloca das o todo é convertido em quadros visuais dramatizado e complementado por uma enganadora revisão secundária O tra balho do sonho é um ótimo exemplo dos processos que se desen volvem nas camadas profundas inconscientes da psique que diferem consideravelmente dos processos normais de pensamento que nos são conhecidos Ele também mostra um bom número de traços arcaicos como o emprego de um simbol ismo aqui predominantemente sexual que tornamos a en contrar em outras esferas de atividade mental O impulso instintual inconsciente do sonho se liga a um resto diurno um interesse não solucionado da vida desperta e ao fazêlo confere ao sonho por ele formado um duplo valor para o trabalho analítico O sonho interpretado mostra ser por um lado a realização de um desejo reprimido por outro pode haver prosseguido a atividade de pensamento préconsciente do dia anterior e ter se preenchido de qualquer conteúdo exprimindo uma intenção uma advertência uma reflexão ou novamente uma realização de desejo A análise o utiliza nas duas direções tanto para conhecer os processos conscientes como os incon scientes do analisando Ela também se aproveita do fato de que o sonho tem acesso ao material esquecido da infância de modo que a amnésia infantil é geralmente superada com a inter pretação de sonhos Nisso eles realizam parte do que antes cabia ao hipnotismo Algo que nunca afirmei embora frequentemente me seja atribuído é que a interpretação revela que todos os son hos têm conteúdo sexual ou remontam a forças motrizes sexuais É fácil ver que fome sede e necessidade de expelir 108326 podem gerar sonhos de satisfação da mesma forma que qualquer impulso reprimido sexual ou egoísta Os sonhos de crianças pequenas nos oferecem uma prova simples da exatidão de nossa teoria Nelas os diferentes sistemas psíquicos não se acham ainda claramente separados e as repressões ainda não se apro fundaram então frequentemente ouvimos falar de sonhos que nada mais são do que realizações não dissimuladas de impulsos envolvendo desejos remanescentes do dia Sob a influência de necessidades imperativas também adultos podem produzir esses sonhos de tipo infantil5 Assim como faz com a interpretação dos sonhos a análise se serve do estudo dos frequentes atos falhos e ações sintomáticas das pessoas a que dediquei uma pesquisa que apareceu em forma de livro em 1904 com o título de Psicopatologia da vida cotidiana O conteúdo dessa obra que foi bastante lida é a demonstração de que tais fenômenos nada têm de casual que transcendem as explicações fisiológicas são significativos e in terpretáveis e por fim autorizam a inferência de que remetem a impulsos e intenções contidos ou reprimidos Mas o valor emin ente tanto da interpretação de sonhos como desse estudo não se acha no amparo que dão ao trabalho analítico e sim numa outra característica Até então a psicanálise se ocupara apenas da de cifração de fenômenos patológicos e muitas vezes tivera que for mular para sua explicação hipóteses cujo alcance não era pro porcional à importância do material tratado Mas o sonho que ela abordou naquele momento não era um sintoma doentio era um fenômeno da vida psíquica normal podia ocorrer em 109326 qualquer pessoa sadia Se o sonho é construído como um sin toma se a sua explicação requer as mesmas hipóteses as da repressão de impulsos instintuais da formação substituta e de compromisso dos diferentes sistemas psíquicos para situar o consciente e o inconsciente então a psicanálise não é mais uma ciência auxiliar da psicopatologia é antes o começo de uma nova e aprofundada ciência da mente que também para a com preensão do normal se tornará indispensável Seus pressupostos e resultados podem ser transferidos para outros âmbitos do fun cionamento psíquico achase aberto o caminho para o mundo para o interesse universal V Agora interrompo a exposição sobre o desenvolvimento interno da psicanálise e me volto para as vicissitudes externas O que até aqui relatei de suas conquistas foi nas grandes linhas resultado de meu trabalho mas também incluí descobertas posteriores na narrativa e não fiz distinção entre as minhas contribuições e as de meus discípulos e seguidores Por mais de dez anos após o afastamento de Breuer não tive seguidores Estava completamente isolado Era evitado em Vi ena e no exterior não se tomava conhecimento de mim A Inter pretação dos sonhos de 1900 quase não teve resenhas nas pub licações especializadas Na Contribuição à história do movi mento psicanalítico 1914 mencionei como exemplo da atitude dos círculos psiquiátricos de Viena a conversa com um médico assistente que escrevera um livro contra minhas teorias mas que não lera A interpretação dos sonhos Haviamlhe dito na clínica 110326 que não valia a pena Esse homem que desde então se tornou catedrático permitiuse negar o teor daquele diálogo e pôr em dúvida a correção de minha lembrança Reafirmo cada palavra daquele relato Quando percebi o caráter inevitável das coisas com que de parava minha suscetibilidade se atenuou bastante Também meu isolamento foi chegando ao fim Primeiro formouse ao meu redor em Viena um pequeno círculo de alunos a partir de 1906 chegava a notícia de que psiquiatras de Zurique E Bleuler seu assistente C G Jung e outros interessavamse vivamente pela psicanálise Criaramse relações pessoais em 1908 os amigos da jovem ciência se reuniram em Salzburgo combinaram a re petição regular de tais congressos privados e a publicação de uma revista intitulada Jahrbuch für psychoanalytische und psychopathologische Forschungen Anuário de Pesquisas Psic analíticas e Psicopatológicas e editada por Jung Os diretores eram Bleuler e eu ela foi interrompida com o início da Guerra Mundial Simultaneamente à adesão dos suíços também na Ale manha despertava o interesse pela psicanálise esta se tornou ob jeto de muitas menções na literatura e vivas discussões em con gressos científicos A acolhida jamais era amigável ou de bené vola expectativa Após tomar breve conhecimento da psicanálise a ciência alemã foi unânime em rejeitála Naturalmente não posso saber hoje qual será o julgamento definitivo da posteridade acerca do valor da psicanálise para a psiquiatria a psicologia e as ciências humanas em geral Mas creio que se um dia a fase que vivemos encontrar seu histori ador esse terá de admitir que o comportamento dos represent antes da ciência alemã não foi motivo de orgulho para ela Não 111326 estou me referindo ao fato da rejeição ou à firmeza com que se deu um e outra podiam ser compreendidos não deixavam de ser esperados e de toda forma não chegavam a pôr sombra no caráter dos adversários Mas para aquele grau de arrogância e desavergonhado desprezo da lógica para a crueza e o mau gosto dos ataques não pode haver escusa Talvez se diga que é pueril dar vazão a esses sentimentos após quinze anos eu não o faria realmente se não houvesse outra coisa a acrescentar Anos de pois durante a Guerra Mundial quando um coro de inimigos lançou à nação alemã a recriminação de barbárie em que se acha resumido o que acabo de mencionar foi profundamente dolor oso não poder refutála devido à minha própria experiência Um dos adversários gabavase de que fazia calar seus pa cientes quando estes começavam a falar de coisas sexuais e ao que tudo indica extraiu dessa técnica o direito de avaliar o papel da sexualidade na etiologia das neuroses Sem contar as resistên cias afetivas que se explicavam facilmente pela teoria psicanalít ica de modo que não nos podiam enganar o principal em pecilho ao entendimento parecia estar em que os adversários viam na psicanálise um produto de minha fantasia especulativa não querendo acreditar no longo isento paciente trabalho que fora necessário para a sua construção Como eram de opinião que a análise nada tinha de observação e experiência consid eravam inteiramente justificado rejeitála sem experiência pró pria Outros não tão seguros nessa convicção repetiam a clás sica manobra de resistência não olhar no microscópio para não enxergar o que haviam contestado É curioso como a maioria das pessoas age incorretamente quando tem de formar seu próprio juízo numa nova questão Há muitos anos tenho escutado de críticos benevolentes que até tal ou tal ponto a psicanálise está 112326 certa mas ali começam os exageros a generalização injusti ficada No entanto sei que nada é mais difícil do que fazer essa delimitação e que os próprios críticos desconheciam inteira mente o assunto até semanas ou dias antes O anátema oficial contra a psicanálise teve a consequência de tornar mais unidos os psicanalistas No segundo congresso em Nuremberg 1910 organizaramse por sugestão de Ferenczi numa Associação Psicanalítica Internacional composta de so ciedades locais e com um só presidente Esta associação sobre viveu à Guerra Mundial e ainda existe compreende as so ciedades de Viena Berlim Budapeste Zurique Londres Holan da Nova York PanAmérica Moscou e Calcutá Para primeiro presidente favoreci a escolha de C G Jung uma medida real mente infeliz como depois se verificou A psicanálise ganhou en tão uma segunda revista a Zentralblatt für Psychoanalyse Folha Central de Psicanálise editada por Adler e Stekel e logo em seguida uma terceira Imago que os analistas não médicos Hans Sachs e Otto Rank dedicaram às aplicações da psicanálise às ciências humanas Pouco depois Bleuler publicou sua defesa da psicanálise Die Psychoanalyse Freuds 1910 Embora fosse animador que a justiça e a honesta lógica enfim se manifest assem na disputa o trabalho de Bleuler não era capaz de me sat isfazer completamente Esforçavase demais em manter uma aparência de imparcialidade não por acaso devíamos justa mente ao seu autor a introdução do valioso conceito de ambival ência na psicanálise Em artigos posteriores Bleuler assumiu uma atitude tão contrária ao edifício teórico da análise rejeitou ou pôs em dúvida partes tão essenciais dele que eu tive de me perguntar surpreso o que podia restar para sua aprovação 113326 Contudo depois ele também se declarou resolutamente a favor da psicologia das profundezas e além disso baseou nela seu abrangente estudo das esquizofrenias Mas Bleuler não per maneceu muito tempo na Associação Psicanalítica Internacional abandonoua devido a discrepâncias com Jung e a psicanálise perdeu o Burghölzli A oposição oficial não pôde evitar a difusão da psicanálise na Alemanha e em outros países Em outro lugar Contribuição à história do movimento psicanalítico 1914 cap ii acompanhei as etapas de seu progresso e citei os nomes dos que se desta caram como seus representantes Em 1909 Jung e eu fomos con vidados à América por G Stanley Hall reitor da Universidade Clark em Worcester Massachusetts para os festejos do vigésimo aniversário daquela instituição a fim de lá proferir palestras em língua alemã durante uma semana Hall era um psicólogo e pedagogo de justo prestígio que havia anos já incluía a psicanálise em suas aulas tinha algo de fazedor de reis a quem agradava fazer e depor autoridades Lá também con hecemos James J Putnam o neurologista de Harvard que não obstante a idade entusiasmouse pela psicanálise e defendeu o valor cultural e a pureza de intenções desta com o peso da sua personalidade que todos respeitavam Nesse homem excelente que em reação a uma predisposição neuróticoobsessiva se ori entava prevalentemente no sentido ético incomodavanos apen as a pretensão de unir a psicanálise a um sistema filosófico de terminado e fazêla servir a objetivos morais Também o encon tro com o filósofo William James deixoume uma impressão duradoura Não posso esquecer o episódio em que durante uma caminhada ele parou subitamente confioume a pequena bolsa 114326 que levava e solicitou que eu fosse adiante pois me alcançaria tão logo se recuperasse do ataque de angina pectoris que sentia chegar Ele morreu do coração um ano depois Desde então sempre desejei para mim uma impavidez semelhante diante do fim Naquela época eu tinha apenas 53 anos de idade sentime jovem e saudável a viagem ao Novo Mundo beneficiou meu amorpróprio Na Europa eu me sentia como que desprezado mas ali os melhores indivíduos me receberam como um igual Quando subi à cátedra em Worcester para dar as Cinco lições de psicanálise foi como a realização de um inverossímil devaneio A psicanálise não era mais um produto do delírio tornarase uma parcela valiosa da realidade Desde nossa visita ela não perdeu terreno na América tornouse bastante popular entre os leigos e é reconhecida como importante elemento da in strução médica por muitos psiquiatras Lá também sofreu muita diluição infelizmente Práticas incorretas que não têm relação com ela utilizam seu nome e faltam oportunidades para uma formação adequada na técnica e na teoria Além disso na América ela se defronta com o behaviorism que em sua ingenuidade vangloriase de haver descartado o problema da psicologia Na Europa entre os anos de 1911 e 1913 ocorreram dois movi mentos de separação da psicanálise iniciados por pessoas que até então haviam desempenhado papel de relevo na jovem ciên cia Alfred Adler e C G Jung Ambos os movimentos pareciam bem perigosos e rapidamente conquistaram larga adesão Sua força não vinha de seu próprio conteúdo porém e sim da tentação de poder livrarse dos resultados da psicanálise vistos 115326 como chocantes ainda que não mais se negasse o material efet ivo desta Jung buscou reinterpretar os fatos analíticos em chave abstrata impessoal e ahistórica assim esperando furtarse à consideração da sexualidade infantil e do complexo de Édipo e à necessidade de analisar a infância Adler pareceu distanciarse mais ainda da psicanálise rejeitou completamente a importância da sexualidade relacionou tanto a formação do caráter como das neuroses unicamente ao afã de poder dos seres humanos e à ne cessidade de compensarem suas inferioridades constitucionais e jogou fora todas as conquistas psicológicas da psicanálise Mas o que fora por ele rejeitado forçou a volta com outro nome ao seu sistema fechado seu protesto masculino não é outra coisa senão a repressão injustificadamente sexualizada Os críticos fo ram muito brandos com os dois heréticos eu pude obter apenas que tanto um como o outro deixasse de chamar psicanálise a suas teorias Hoje transcorridos dez anos podese verificar que as duas tentativas passaram pela psicanálise sem causar danos Quando uma sociedade se baseia na concordância em alguns pontos cardeais é natural que a abandonem aqueles que se afastaram desse terreno comum Mas frequentemente me foi at ribuída a culpa da separação de antigos alunos como sinal de minha intolerância ou expressão de uma fatalidade que sobre mim pesaria É suficiente lembrar como resposta que em con trapartida àqueles que me deixaram como Jung Adler Stekel e uns poucos mais há um grande número de pessoas como Abra ham Eitingon Ferenczi Rank Jones Brill Sachs o pastor Pfister Van Emden Reik e outros que há cerca de quinze anos estão associados a mim em leal colaboração geralmente também em plácida amizade Mencionei apenas meus discípulos mais velhos que já fizeram um nome na literatura da psicanálise a 116326 omissão de outros não significa desmerecimento entre os jovens e os que chegaram depois se acham talentos em que podemos depositar grandes esperanças Mas talvez se possa alegar a meu favor que um indivíduo intolerante e dominado pela presunção da infalibilidade jamais poderia conservar junto a si tamanho grupo de pessoas intelectualmente significativas ainda mais quando não dispunha de maiores atrações de natureza prática A Guerra Mundial que liquidou tantas outras organizações não chegou a prejudicar nossa Associação Internacional O primeiro encontro após a guerra sucedeu em 1920 em Haia ter reno neutro Foi tocante ver a hospitalidade com que os holan deses acolheram os famintos e empobrecidos cidadãos da Europa Central e creio ter sido a primeira ocasião em que num mundo devastado ingleses e alemães sentavamse à mesma mesa em razão de interesses científicos Na Alemanha e nos países da Europa Ocidental a guerra havia estimulado o in teresse na psicanálise Observando os neuróticos de guerra os médicos haviam finalmente aberto os olhos para a importância da psicogênese nos distúrbios neuróticos e algumas de nossas concepções tais como o ganho obtido com a doença a fuga para a doença tornaramse rapidamente populares No último congresso antes do colapso alemão em Budapeste em 1918 os governos aliados dos poderes centrais tinham enviado represent antes oficiais que concordaram com a fundação de centros psic analíticos para o tratamento de neuróticos de guerra Mas isso não chegou a acontecer Também os grandes projetos de um de nossos melhores colaboradores o dr Anton Von Freund que 117326 pretendia criar uma central de ensino e terapia analítica em Bud apeste malograram em meio às convulsões políticas que logo sobrevieram e com a morte prematura desse homem insub stituível Uma parte de seus planos foi depois realizada por Max Eitingon que em 1920 criou uma policlínica psicanalítica em Ber lim Durante a breve existência do governo bolchevique na Hun gria Ferenczi pôde exercer uma bemsucedida atividade docente na universidade como representante oficial da psicanálise De pois da guerra nossos adversários gostavam de anunciar que os eventos teriam produzido um argumento decisivo contra a val idez das afirmações psicanalíticas As neuroses de guerra teriam fornecido a prova do caráter supérfluo dos fatores sexuais na eti ologia das afecções neuróticas No entanto esse foi um triunfo leviano e precipitado Por um lado ninguém havia podido anal isar minuciosamente um caso de neurose de guerra ou seja não havia conhecimento seguro de sua motivação e não era possível tirar conclusão nenhuma em tal ignorância Mas por outro lado havia muito a psicanálise adquirira o conceito de narcisismo e neurose narcísica em que a libido se apega ao próprio Eu em vez de a um objeto Portanto em outras ocasiões faziase à psic análise a objeção de haver ampliado indevidamente o conceito de sexualidade mas se isso era conveniente na polêmica esqueciase esse delito e recriminavase a ela novamente a sexu alidade no sentido mais restrito A meu ver a história da psicanálise se divide em duas partes se deixarmos de lado a préhistória em que se utilizou a catarse Na primeira eu me achava só e tinha de realizar todo o trabalho 118326 assim foi de 18956 até 1906 ou 1907 Na segunda parte dali até o dia de hoje as contribuições de meus discípulos e colaboradores adquiriram cada vez maior importância de maneira que agora advertido do fim próximo por grave enfermidade posso pensar de ânimo tranquilo na cessação de minhas próprias atividades Justamente por isso não cabe expor os progressos da psicanálise durante a segunda fase nesta Autobiografia da mesma forma detalhada com que tratei sua gradual edificação na primeira fase tomada por meu trabalho exclusivamente Sintome autorizado apenas a mencionar as novas conquistas em que tive parti cipação relevante ou seja aquelas no âmbito do narcisismo da teoria dos instintos e da aplicação às psicoses Antes devo dizer que em nossa crescente experiência o com plexo de Édipo revelouse cada vez mais claramente o núcleo da neurose Ele se tornou ao mesmo tempo o auge da vida sexual infantil e o ponto nodal de onde partem todos os desenvolvimen tos posteriores Mas com isso desapareceu a expectativa de descobrir mediante a análise um fator específico para a neur ose Foi preciso admitir como Jung soubera tão bem expressar em sua época analítica inicial que a neurose não tem um con teúdo especial que lhe seja exclusivo e que os neuróticos fracas sam nas mesmas coisas que os normais têm êxito em dominar Tal percepção estava longe de ser um desapontamento Ela se harmonizava inteiramente com uma outra a de que a psicologia das profundezas encontrada pela análise era justamente a psico logia da vida psíquica normal Conosco havia sucedido o mesmo que aos químicos as grandes diferenças qualitativas dos produtos derivavam de mudanças quantitativas nas combinações dos mesmos elementos 119326 No complexo de Édipo a libido se mostrava ligada à repres entação das figuras parentais Mas tinha havido uma época sem esses objetos todos Disso resultava a concepção fundamental para uma teoria da libido de um estado em que a libido ocupa o próprio Eu tomandoo por objeto Esse estado pôde ser desig nado por narcisismo ou amor a si próprio Reflexões sub sequentes levaram a concluir que ele nunca é inteiramente elim inado por toda a vida o Eu continua a ser o grande reservatório da libido do qual são enviados investimentos objetais e ao qual a libido pode novamente retornar dos objetos Portanto libido narcísica se transforma continuamente em libido objetal e vice versa Um ótimo exemplo da escala que pode atingir essa trans formação nos é dado pelo enamoramento sexual ou sublimado que chega ao sacrifício de si mesmo Até aquele momento havíamos cuidado apenas do reprimido no processo de repressão mas essas ideias possibilitaram atentar também para os elementos repressores Havíamos dito que a repressão era ativada pelos instintos de autoconservação atuantes no Eu in stintos do Eu e efetuada nos instintos libidinais Agora que re conhecíamos os instintos de autoconservação como sendo tam bém de natureza libidinal como libido narcísica o processo de repressão aparecia como um processo no interior da própria li bido libido narcísica se contrapunha a libido objetal o interesse da conservação se defendia das reivindicações do amor objetal ou seja também daquelas da sexualidade no sentido mais estrito Não há necessidade mais urgente na psicologia do que uma sólida teoria dos instintos sobre a qual se possa continuar 120326 edificando Não existindo algo assim a psicanálise precisa se empenhar em tentativas de fazer tal teoria Primeiramente ela estabeleceu a oposição entre instintos do Eu autoconservação fome e instintos libidinais amor depois a substituiu por aquela entre libido narcísica e libido objetal Mas essa não podia ser a última palavra na questão considerações biológicas impe diam que nos satisfizéssemos com a suposição de uma única es pécie de instintos Em meus trabalhos dos últimos anos Além do princípio do prazer Psicologia das massas e análise do Eu O Eu e o Id 1920 1921 1923 dei rédea larga ao pendor à especulação que havia muito era contido e ponderei uma nova solução para o problema dos instintos Juntei autoconservação do indivíduo e conser vação da espécie no conceito de Eros e a ele contrapus o silen cioso instinto de morte ou de destruição O instinto é concebido de forma bastante geral como uma espécie de elasticidade do ser que vive como um impulso ao restabelecimento de uma situação que havia existido e foi anulada por um distúrbio externo Tal natureza essencialmente conservadora dos instintos é exempli ficada nos fenômenos da compulsão à repetição As convergên cias e divergências de Eros e instinto de morte constituem para nós o quadro da vida Ainda não sabemos se essa construção se revelará útil É certo que se originou do empenho em firmar algumas das mais im portantes concepções teóricas da psicanálise mas vai muito além da psicanálise Não poucas vezes escutei a desdenhosa afirmação de que não se pode levar a sério uma ciência cujos principais conceitos são tão imprecisos como os da libido e do instinto na psicanálise Mas essa objeção se baseia numa total 121326 incompreensão dos fatos Conceitos fundamentais claros e defin ições nitidamente demarcadas apenas são possíveis nas ciências humanas quando elas procuram acomodar todo um âmbito de fatos na moldura de um sistema intelectual Nas ciências da natureza entre as quais se inclui a psicologia tal clareza dos conceitos principais é supérflua e mesmo impossível A zoologia e a botânica não principiaram com definições corretas e sufi cientes de animal e planta e ainda hoje a biologia não soube dar um conteúdo preciso ao conceito de ser vivo A própria física não teria absolutamente se desenvolvido caso tivesse sido obrigada a esperar até que seus conceitos de matéria força gravitação e outros alcançassem a clareza e precisão desejável As ideias fun damentais ou conceitos supremos das disciplinas das ciências naturais são sempre deixadas inicialmente indeterminadas pro visoriamente são explicadas apenas pela referência à área de fenômenos de que procedem e somente com a progressiva anál ise do material da observação podem se tornar claras ricas de conteúdo e livres de contradição Sempre vi como grosseira in justiça que não se quisesse tratar a psicanálise como qualquer outra ciência Essa recusa vinha expressa nas mais tenazes objeções Recriminavase a psicanálise por suas imperfeições e por sua incompletude quando uma ciência baseada na obser vação não pode fazer outra coisa senão obter um a um seus res ultados e solucionar passo a passo seus problemas Mais ainda enquanto nos esforçamos em conseguir para a função sexual o reconhecimento que havia tanto tempo lhe era recusado a teoria psicanalítica foi estigmatizada como pansexualismo enquanto enfatizamos o papel até então negligenciado das impressões acidentais dos primeiros anos de vida tivemos de escutar que a psicanálise nega os fatores constitucionais e hereditários algo 122326 que nunca nos ocorreu Tratavase de oposição a qualquer preço e por todos os meios Em fases anteriores de minha produção eu já fizera a tentativa de alcançar pontos de vista mais gerais a partir da observação psicanalítica Em 1911 no breve ensaio Formulações sobre os dois princípios do funcionamento psíquico sublinhei no que não pretendia ser original a dominância do princípio do prazerdesprazer na vida psíquica e sua substituição pelo cha mado princípio da realidade Depois em 1915 arrisquei a elaboração de uma metapsicologia Assim denominei uma forma de abordagem em que cada processo psíquico é consid erado segundo três coordenadas a dinâmica a topológica e a econômica e nela enxerguei o objetivo derradeiro que a psicolo gia pode alcançar A tentativa permaneceu incompleta parei após alguns ensaios Os instintos e seus destinos A repressão O inconsciente Luto e melancolia etc e certa mente fiz bem em parar pois ainda não era chegado o tempo para tal fixação da teoria Em meus últimos trabalhos especulat ivos procurei organizar nosso aparelho psíquico com base numa exploração analítica dos fatos patológicos e o decompus em um Eu um Id e um Supereu O Supereu é herdeiro do complexo de Édipo e representante das exigências éticas do ser humano Não se deve ter a impressão de que nesse último período eu dei as costas à observação paciente e me entreguei totalmente à especulação Sempre permaneci em contato íntimo com o ma terial analítico e nunca deixei de trabalhar sobre temas específi cos de natureza clínica ou técnica Mesmo quando me afastei da observação evitei cuidadosamente me aproximar da filosofia propriamente dita Uma incapacidade constitucional me tornou 123326 mais fácil esse distanciamento Sempre fui receptivo às ideias de G T Fechner e apoieime nesse pensador em alguns aspectos importantes As profundas concordâncias entre a psicanálise e a filosofia de Schopenhauer ele não apenas defendeu a primazia da afetividade e a extraordinária importância da sexualidade como reconheceu inclusive o mecanismo da repressão não po dem ser atribuídas a meu conhecimento de sua teoria Li Schopenhauer bastante tarde em minha vida Nietzsche o outro filósofo cujas intuições e percepções frequentemente coincidem de modo espantoso com os laboriosos resultados da psicanálise evitei justamente por isso durante muito tempo não me im portava tanto a prioridade e sim manter o espírito desprevenido As neuroses foram o primeiro e por muito tempo o único ob jeto da psicanálise Nenhum analista tinha dúvida de que estava equivocada a prática médica que separava essas afecções das psicoses e as unia às doenças nervosas orgânicas A teoria das neuroses pertence à psiquiatria é indispensável como in trodução a esta Ora o estudo analítico das psicoses parece im possibilitado pela ausência de perspectiva terapêutica Em geral falta aos doentes psíquicos a capacidade para uma transferência positiva de modo que o principal recurso da técnica analítica não pode ser aplicado Mas algumas vias de acesso se ap resentam Muitas vezes a transferência não se acha tão ausente que não permita seguirmos adiante até certo ponto em de pressões cíclicas leves alterações paranoicas esquizofrenias par ciais foram obtidos sucessos indubitáveis com a análise Além disso ao menos para a ciência foi uma vantagem o fato de que em muitos casos o diagnóstico pôde oscilar por longo tempo entre a hipótese de uma psiconeurose e a de uma dementia prae cox assim o esforço terapêutico empregado pôde produzir 124326 importantes esclarecimentos antes de ser interrompido Mas a principal consideração é o fato de que nas psicoses é levada para a superfície visível para todos muita coisa que nas neuroses tem de ser laboriosamente extraída da profundeza Por isso a clínica psiquiátrica oferece os melhores objetos de demonstração para muitas afirmações psicanalíticas Não podia deixar de acontecer então que logo a psicanálise se ocupasse de objetos da obser vação psiquiátrica Bem cedo em 1896 pude constatar num caso de demência paranoide os mesmos fatores etiológicos e a presença dos mesmos complexos afetivos que nas neuroses Jung esclareceu alguns enigmáticos estereótipos dos dementes ao relacionálos com as histórias de vida dos pacientes Bleuler mostrou em diferentes psicoses mecanismos como aqueles que a análise descobriu em neuróticos Desde então não cessaram mais os esforços dos analistas para entender as psicoses Sobre tudo após começarem a empregar o conceito de narcisismo eles tiveram êxito aqui e ali em lançar um olhar além do muro Foi provavelmente Abraham quem mais avançou no esclarecimento das melancolias É verdade que nem todo saber se converte atu almente em força terapêutica nessa área mas também o ganho puramente teórico não deve ser pouco apreciado e bem pode es perar sua aplicação prática A longo prazo os psiquiatras tam bém não resistirão à força comprobatória de seu material clínico Sucede agora na psiquiatria alemã uma espécie de pénétration pacifique dos pontos de vista da psicanálise Constantemente as segurando que não querem ser psicanalistas que não pertencem à escola ortodoxa nem concordam com seus exageros sobre tudo não creem na predominância do fator sexual muitos pesquisadores jovens não deixam de se apropriar dessa ou 125326 daquela porção da teoria analítica e de aplicála ao material à sua maneira Tudo indica que continuarão os desenvolvimentos nessa direção VI Neste momento acompanho à distância as reações sintomáticas à introdução da psicanálise na França que por tanto tempo foi refratária a ela Parece a reprodução de algo já vivido mas tam bém possui características próprias Objeções de incrível ingenu idade são feitas como a de que a sensibilidade francesa se ofende com o pedantismo e a crueza da nomenclatura psicanalít ica impossível não recordar o imortal chevalier Riccaut de La Marlinière de Lessing Outro comentário soa mais sério e mesmo a um professor de psicologia da Sorbonne não pareceu indigno o de que o génie latin gênio latino não tolera o modo de pensar da psicanálise Com isso os aliados anglosaxões que contam como seguidores desta são expressamente deixados de lado Quem ouve isso deve naturalmente acreditar que o génie teutonique abraçou de coração a psicanálise já no nascimento como seu rebento favorito Na França o interesse na psicanálise partiu dos homens das belasletras Para compreender isso devemos recordar que com a Interpretação dos sonhos a psicanálise ultrapassou os limites de um assunto puramente médico Entre seu aparecimento na Alemanha e sua introdução atual na França se acham diversas aplicações em áreas da literatura e da estética em história da re ligião e préhistória em mitologia folclore pedagogia etc 126326 Nenhuma dessas coisas tem muito a ver com a medicina ligamse a ela apenas por intermédio da psicanálise Por isso não devo abordálas detidamente aqui Mas tampouco posso ignorá las por um lado são indispensáveis para que se tenha uma ideia correta do valor e da natureza da psicanálise por outro lado comprometime com a tarefa de apresentar a obra de minha vida A maioria dessas aplicações teve seu ponto de partida em meus trabalhos Aqui e ali eu também prossegui um tanto pelo caminho para satisfazer tal interesse não médico Outros não apenas médicos mas também especialistas seguiram minhas pegadas e adentraram os respectivos territórios Mas desde que em conformidade com meu plano limitarei o relato a minhas próprias contribuições à psicanálise aplicada posso dar ao leitor apenas um quadro insuficiente de sua extensão e importância Toda uma série de sugestões se originou para mim do com plexo de Édipo cuja ubiquidade vim percebendo pouco a pouco Se a escolha ou a criação desse tema horrível sempre fora enig mática assim como o efeito perturbador de sua representação poética e a própria natureza de tais tragédias do destino tudo se explicava mediante a percepção de que ali fora apreendida uma lei geral do funcionamento psíquico em toda a sua significação afetiva A fatalidade e o oráculo eram apenas materializações da necessidade interna o fato de o herói pecar sem o saber e contra a sua intenção era entendido como a expressão correta da natureza inconsciente de seus impulsos criminosos Após com preender essa tragédia do destino bastava um passo para es clarecer a tragédia do caráter que é Hamlet que havia trezentos anos era admirada sem que se chegasse a determinar seu sentido e penetrar os motivos do poeta É digno de nota que esse neurótico criado pelo poeta fracasse no complexo de Édipo 127326 como seus inúmeros camaradas na vida real pois Hamlet se vê diante da tarefa de vingar em outra pessoa os dois atos que form am o teor da aspiração de Édipo e nisso é paralisado por seu ob scuro sentimento de culpa Shakespeare escreveu Hamlet pouco depois da morte de seu pai6 Minhas indicações para a análise desse drama vieram a ser desenvolvidas de modo aprofundado por Ernest Jones O mesmo exemplo foi depois tomado por Otto Rank como ponto de partida para seus estudos sobre a escolha do material feita pelos dramaturgos Em seu grande volume sobre o Tema do incesto 1912 ele mostrou como é frequente os escritores adotarem precisamente os temas da situação edípica e acompanhou as mudanças variações e atenuações sofridas pelo material na literatura universal Desse ponto era natural proceder à análise do próprio fazer poético e artístico Vimos que o reino da fantasia era um ter ritório protegido criado na dolorosa transição do princípio do prazer para o da realidade a fim de tornar possível um sucedâneo para a satisfação instintual que teve de ser abandon ada na vida real Como o neurótico o artista precisou retirarse da insatisfatória realidade para esse mundo da fantasia mas diferentemente do neurótico soube encontrar o caminho de volta e novamente fincar os pés na realidade Suas criações as obras de arte eram satisfações fantasiosas de desejos incon scientes tal como os sonhos com as quais também tinham em comum a natureza de compromisso pois também elas precis avam evitar o conflito aberto com as forças da repressão Mas à diferença das produções oníricas associais e narcísicas eram destinadas a provocar o interesse de outras pessoas podiam avivar e satisfazer nessas os mesmos desejos inconscientes Além 128326 disso valiamse do prazer perceptual na beleza da forma como um bônus de incentivo O que a psicanálise pôde fazer foi to mar as interrelações das impressões de vida as vivências casu ais e as obras do artista e construir sua constituição psíquica e os impulsos instintuais nela atuantes ou seja o que nele era uni versalmente humano Com esse propósito fiz de Leonardo da Vinci por exemplo o objeto de um estudo 1910 que se baseia na única recordação de infância por ele comunicada e que visa essencialmente dar uma explicação do quadro SantAna a Virgem e o Menino Desde então meus amigos e discípulos empreenderam inúmeras análises semelhantes de artistas e obras Não se verificou que a fruição de uma obra de arte tenha sido prejudicada pela compreensão analítica assim obtida Mas devemos confessar aos leigos que talvez esperem muito da anál ise quanto a isso que ela não lança nenhuma luz sobre as duas questões que provavelmente mais lhes interessam A psicanálise não pode ajudar no esclarecimento do dom artístico e tampouco lhe toca desvendar os meios com que o artista trabalha a técnica artística Tomando a Gradiva de Wilhelm Jensen uma pequena nov ela não muito valiosa em si mesma pude demonstrar que sonhos inventados admitem as mesmas interpretações que os sonhos reais e que portanto na produção do autor literário atuam os mecanismos do inconsciente que nos são conhecidos do trabalho do sonho Meu livro O chiste e sua relação com o inconsciente 1905 procede diretamente da Interpretação dos sonhos O único amigo que então se interessava por meu trabalho havia comentado que minhas interpretações de sonhos lhe pareciam espirituosas A fim de esclarecer tal impressão comecei a 129326 estudar os chistes e verifiquei que sua essência reside em seus meios técnicos mas que esses coincidem com os do trabalho do sonho ou seja condensação deslocamento representação pelo contrário por algo bem pequeno etc Isso levou à indagação eco nômica sobre a origem do elevado prazer que obtemos ao ouvir uma piada A resposta foi ele se deve à suspensão temporária do gasto com a repressão pelo incentivo de um bônus de prazer oferecido prazer prévio Eu próprio considero mais valiosas minhas contribuições à psicologia da religião que tiveram início em 1907 com a con statação de uma surpreendente semelhança entre atos obsess ivos e práticas religiosas ritos Sem conhecer ainda os nexos mais profundos caracterizei a neurose obsessiva como uma reli gião particular distorcida e a religião como uma espécie de neur ose obsessiva universal Mais tarde em 1912 a enfática referência de Jung às amplas analogias entre as produções mentais dos neuróticos e dos primitivos fez com que eu dirigisse a atenção para esse tema Nos quatro ensaios reunidos num volume intitu lado Totem e tabu argumentei que entre os primitivos o temor do incesto é ainda mais forte que entre os civilizados e gerou me didas de defesa bastante peculiares investiguei os laços entre as interdições do tabu a forma em que surgem as primeiras re strições morais e a ambivalência afetiva e descobri no primit ivo sistema universal do animismo o princípio da superestim ação da realidade psíquica a onipotência dos pensamentos em que se baseia também a magia A comparação com a neurose ob sessiva foi extensamente desenvolvida e demonstrei que muitos pressupostos da vida mental primitiva ainda vigoram nesta sin gular afecção Mas atraiume principalmente o totemismo o 130326 primeiro sistema de organização das tribos primitivas no qual os começos da ordem social se acham unidos a uma religião rudi mentar e ao inexorável domínio de uns poucos tabus Nele o ser venerado é sempre um animal originalmente do qual o clã também afirma descender Vários indícios me fizeram concluir que todos os povos também os mais cultivados passaram um dia pelo estágio do totemismo Minhas fontes literárias principais para os trabalhos nesse campo foram as conhecidas obras de J G Frazer Totemism and exogamy 1910 The golden bough O ramo dourado 1900 que são uma mina de fatos e pontos de vista valiosos Mas Frazer não concorria muito para a elucidação dos problemas do totem ismo várias vezes mudou radicalmente sua concepção sobre o tema e outros etnólogos e especialistas em préhistória pareciam igualmente incertos e desunidos na questão Meu ponto de partida foi a notável coincidência entre os dois preceitostabu do totemismo não matar o totem e não usar sexualmente nenhuma mulher do mesmo clã e os dois elementos do complexo de Édipo liquidar o pai e tomar a mãe como mulher Assim vime tentado a equiparar o animal totêmico ao pai tal como faziam expressamente os primitivos quando veneravam esse animal como o antepassado do clã Do lado psicanalítico dois fatos me vieram então em auxílio uma feliz observação realizada por Fer enczi numa criança que permitia falar de um retorno infantil do totemismo e a análise das fobias de animais em crianças pequenas que frequentemente mostrava que o animal era um sucedâneo paterno para o qual se deslocava o temor do pai fun damentado no complexo de Édipo Já não faltava muito para 131326 reconhecer no parricídio o âmago do totemismo e o ponto de partida na formação da religião A parte que faltava me veio ao tomar conhecimento da obra de W Robertson Smith The religion of the semites Esse homem genial físico e estudioso da Bíblia sustentou que a refeição totêmica era uma parte essencial da religião totêmica Uma vez por ano o animal totêmico normalmente visto como sagrado era morto devorado e em seguida pranteado numa solenidade que tinha a participação de todos os membros da tribo Depois do luto havia uma grande festa Juntando a isso a hipótese de Darwin segundo a qual os homens viviam originalmente em hordas cada qual sob o domínio de um único macho forte viol ento e ciumento formouse para mim a partir de todos esses componentes a conjectura ou melhor visão dos seguintes eventos O pai da horda um déspota sem limites tomou para si todas as mulheres e matou ou afastou os filhos seus rivais peri gosos Um dia porém esses filhos se juntaram impuseramse a ele e o mataram e devoraram a esse pai que era seu inimigo mas também seu ideal Após o feito não puderam assumir a herança pois cada um estorvava os demais Sob a influência do malogro e do remorso aprenderam a se tolerar mutuamente uniramse num clã fraterno mediante as regras do totemismo destinadas a evitar a repetição de um ato semelhante e renunciaram conjun tamente à posse das mulheres pelas quais haviam assassinado o pai Então passaram a buscar mulheres de fora esta é a origem da exogamia estreitamente ligada ao totemismo A refeição totêmica era a comemoração daquele ato monstruoso de que nasceu a consciência de culpa o pecado original da humanid ade com que tiveram início a organização social a religião e a restrição moral simultaneamente 132326 Aceitemos ou não como fato histórico essa possibilidade a formação da religião estava assim colocada no terreno do com plexo relativo ao pai e edificada sobre a ambivalência que o dom ina Depois de abandonado o animal totêmico como sucedâneo do pai o próprio temido e odiado venerado e invejado pai primordial tornouse o protótipo de Deus A rebeldia do filho e sua nostalgia do pai lutavam entre si em sempre novas form ações de compromisso mediante as quais o parricídio deveria ser expiado por um lado e ter seu benefício afirmado por outro Esta visão da religião lança uma viva luz sobre os fundamentos psicológicos do cristianismo em que como se sabe a cerimônia da refeição totêmica sobrevive pouco deformada no sacramento da comunhão Quero registrar que essa identificação não é minha já se encontra em Robertson Smith e Frazer Theodor Reik e o etnólogo Geza Róheim retomaram as ideias de Totem e tabu e as desenvolveram aprofundaram ou corri giram numa série de trabalhos de valor Eu próprio retornei a elas algumas vezes em investigações sobre o sentimento de culpa inconsciente de grande importância entre os motivos do sofrimento neurótico e em esforços para relacionar mais estreit amente a psicologia social à psicologia do indivíduo O Eu e o Id 1923 Psicologia das massas e análise do Eu 1921 Também recorri à herança arcaica do tempo da horda humana primordial para explicar a suscetibilidade à hipnose Tive pouca participação direta em outras aplicações da psic análise que são dignas do interesse geral Partindo das fantasias do indivíduo neurótico um amplo caminho leva às criações fantasiosas de grupos e povos tais como se apresentam nos mi tos lendas e fábulas Otto Rank fez da mitologia seu campo de 133326 trabalho a interpretação dos mitos sua derivação dos con hecidos complexos infantis inconscientes a substituição de ex plicações astrais por motivos humanos foram em muitos casos resultado de seu empenho analítico O tema do simbolismo tam bém encontrou vários estudiosos em meu círculo Esse tema valeu muitas inimizades à psicanálise pesquisadores demasiado sóbrios nunca puderam lhe perdoar o reconhecimento do sim bolismo que decorre da interpretação de sonhos Mas a análise não tem culpa na descoberta do simbolismo há muito tempo ele é conhecido em outras áreas folclore lendas mitos e nelas tem papel ainda maior que na linguagem dos sonhos Não contribuí pessoalmente para a aplicação da psicanálise à pedagogia mas era natural que a indagação psicanalítica sobre a sexualidade e o desenvolvimento psíquico da criança chamasse a atenção dos educadores e os fizesse enxergar sua tarefa sob uma nova luz Infatigável pioneiro dessa orientação na pedagogia foi o pastor protestante Oskar Pfister de Zurique que soube harmon izar o cultivo da análise com o apego à religiosidade sublim ada por certo Além dele há a dra HugHellmuth e o dr S Bern feld de Viena e muitos outros7 O emprego da análise na edu cação preventiva das crianças sadias e na correção daquelas ainda não neuróticas mas desencaminhadas em seu desenvolvi mento teve uma consequência de importância prática Não é mais possível reservar aos médicos o exercício da psicanálise dele excluindo os leigos Na verdade o médico que não tem uma formação especial é um leigo na análise apesar do diploma e o não médico pode com a preparação correspondente e ocasional apoio de um médico realizar a tarefa de um tratamento analítico das neuroses 134326 Por um desses desenvolvimentos contra os quais seria inútil lutar o próprio termo psicanálise adquiriu mais de um signi ficado Originalmente a designação de um método terapêutico agora tornouse também o nome de uma ciência a do psíquico inconsciente Raramente esta ciência é capaz de resolver um problema inteiramente por si só mas parece destinada a con tribuir de modo relevante a diversos campos do saber A área de aplicação da psicanálise tem a mesma extensão que a da psicolo gia à qual fornece um complemento de grande envergadura Posso então dizer volvendo o olhar para o trabalho de minha vida até o momento que iniciei muitas coisas e lancei muitas sugestões de que algo deve resultar no futuro Mas eu mesmo não saberia dizer se será muito ou pouco Posso apenas manife star a esperança de haver aberto o caminho para um importante progresso em nosso conhecimento PÓSESCRITO 1935 Pelo que sei o organizador desta série de Apresentações autobi ográficas não imaginava que uma delas teria continuação após algum tempo o que possivelmente sucede agora pela primeira vez O ensejo para isso foi criado pelo editor americano que desejou levar este breve trabalho a seu público numa nova edição Ele apareceu na América em 1927 publicado por Brentano com o título de An autobiographical study mas de forma pouco apropriada reunido a outro ensaio e tendo seu título encoberto pelo deste The problem of lay analysis 135326 Dois temas percorrem este trabalho as vicissitudes de minha vida e a história da psicanálise Eles se acham estreitamente lig ados A Autobiografia mostra como a psicanálise se tornou o conteúdo de minha vida e obedece à legítima suposição de que nada do que ocorreu à minha pessoa merece interesse ao lado de minhas relações com a ciência Pouco tempo antes da redação da Autobiografia havia a im pressão de que a recidiva de uma doença maligna logo poria termo à minha existência mas a arte do cirurgião me salvou em 1923 e pude seguir vivendo e produzindo embora não mais est ivesse livre de dores Nos mais de dez anos transcorridos não cessei o trabalho e as publicações analíticas como atesta o aparecimento do xii e último volume de meus Gesammelte Schriften Escritos completos pela Editora Psicanalítica Inter nacional de Viena Mas eu próprio vejo uma significativa difer ença Fios que se haviam entrelaçado em meu desenvolvimento começaram a se afastar interesses adquiridos num segundo mo mento retrocederam e outros mais antigos e originais nova mente se impuseram É verdade que nesse último decênio ainda realizei alguns importantes trabalhos analíticos como a revisão do problema da angústia no texto Inibição sintoma e angús tia de 1926 ou a clara explicação que achei para o fetichismo sexual em 1927 mas é correto dizer que desde a postulação das duas espécies de instintos Eros e instinto de morte e a decom posição da personalidade psíquica em Eu Supereu e Id 1923 eu não mais dei contribuições decisivas à psicanálise e o que depois escrevi poderia muito bem não ter surgido ou logo teria sido proposto por alguém mais Isto se relacionou com uma mudança ocorrida em mim com um certo desenvolvimento regressivo se 136326 quisermos chamálo assim Após o détour de uma vida inteira pelas ciências naturais a medicina e a psicoterapia meu in teresse retornou aos problemas culturais que um dia haviam fas cinado ao jovem que mal despertara para o pensamento Já dur ante o auge de meu trabalho psicanalítico em 1912 com Totem e tabu eu havia utilizado os novos conhecimentos analíticos para investigar as origens da religião e da moralidade Dois ensaios posteriores O futuro de uma ilusão 1927 e O malestar na civil ização 1930 deram prosseguimento a essa direção de trabalho Cada vez mais claramente percebi que os acontecimentos da história da humanidade as interações entre natureza humana evolução cultural e aqueles precipitados de experiências primevas dos quais a religião é o maior representante são apenas o reflexo dos conflitos dinâmicos entre Eu Id e Supereu que a psicanálise estuda no ser humano individual os mesmos processos repetidos num cenário mais amplo No Futuro de uma ilusão avaliei a religião de forma essencialmente negativa depois encontrei uma fórmula que lhe fez mais justiça seu poder reside efetivamente em seu teor de verdade mas essa verdade não é material e sim histórica Esses estudos que partem da psicanálise mas vão muito além dela talvez tenham sido mais bem acolhidos pelo público do que a psicanálise mesma Podem ter contribuído para que nascesse a breve ilusão de estar entre os autores que uma grande nação como a Alemanha está disposta a ouvir Foi em 1929 que Thomas Mann um reconhecido portavoz do povo alemão assinaloume um lugar na moderna história do pensamento em palavras substanciais e benevolentes Pouco depois minha filha Anna foi homenageada na prefeitura de Frankfurt am Main 137326 onde comparecia como minha representante para receber o prêmio Goethe de 1930 Esse foi o apogeu de minha vida como cidadão não muito depois as fronteiras de nossa pátria se encol heram e a nação não quis mais saber de nós Neste ponto me será permitido encerrar esta comunicação autobiográfica No que mais disser respeito a minhas questões pessoais a minhas lutas decepções e êxitos o público não tem o direito de saber mais De toda forma em alguns de meus escritos como a Interpretação dos sonhos a Psicopatologia da vida cotidiana fui mais franco e aberto do que costumam ser as pessoas que narram sua vida para os contemporâneos e os pós teros Não me foi demonstrada muita gratidão por isso a exper iência me leva a desaconselhar que outros o façam Cabem ainda algumas palavras sobre o destino da psicanálise nesta última década Já não há dúvida de que prosseguirá ex istindo ela demonstrou sua capacidade de subsistir e desenvolverse como ramo do saber e como terapia O número de seus seguidores organizados na Associação Psicanalítica In ternacional aumentou consideravelmente aos grupos locais mais antigos de Viena Berlim Budapeste Londres Holanda Suíça juntaramse outros em Paris Calcutá dois no Japão vários nos Estados Unidos e por fim um em Jerusalém e na África do Sul e dois na Escandinávia Esses grupos locais mantêm por seus próprios meios ou estão empenhados em cri ar institutos em que o ensino da psicanálise é feito segundo um plano uniforme e ambulatórios em que tanto analistas experi entes como aprendizes dão tratamento gratuito aos necessitados De dois em dois anos os membros da api realizam um congresso em que se fazem conferências científicas e se decidem questões 138326 de organização O 13o desses congressos a que já não pude estar presente aconteceu em 1934 em Lucerna A partir do que é comum a todos os trabalhos dos membros se orientam para di versas direções Alguns dão valor especial à clarificação e ao aprofundamento de nossos conhecimentos psicológicos outros se empenham em cultivar os nexos com a medicina interna e a psiquiatria Quanto às coisas de ordem prática uma parte dos psicanalistas tem o objetivo de alcançar o reconhecimento da psicanálise pelas universidades e sua inclusão no currículo médico enquanto outros se contentam em permanecer fora des sas instituições e não querem que a importância pedagógica da psicanálise decresça em relação à importância médica De quando em quando tem acontecido que um analista se isole empenhandose em destacar um só dos achados ou concepções da psicanálise à custa dos demais No entanto o conjunto deixa a satisfatória impressão de um trabalho científico sério e de alto nível Selbstdarstellungen que literalmente significaria autoapresentações O título deste ensaio tem aspas na edição alemã das obras completas porque não foi dado pelo autor mas nesta tradução as aspas podem assumir outro signi ficado indicando que ele não é uma autobiografia no sentido usual do termo 1 Foram publicadas primeiramente em inglês no American Journal of Psy chology 1910 depois em alemão com o título de Über Psychoanalyse Cinco lições de psicanálise 1910 2 These eventful years The twentieth century in the making as told by many of its makers LondresNova York The Encyclopaedia Britannica 1924 Meu 139326 ensaio traduzido pelo dr A A Brill forma o cap lxxiii do segundo volume Resumo da psicanálise 1924 Após a divisão da Tchecoslováquia ocorrida em 1992 fica na atual República Tcheca formada pelas regiões da Boêmia Silésia e Morávia Região no sul da Polônia e oeste da Ucrânia não deve ser confundida com aquela de mesmo nome Galícia ou Galiza no noroeste da Espanha Essa frase e a seguinte acrescentadas em 1935 estão omitidas na edição dos Gesammelte Werke que reproduz o texto dos Gesammelte Schriften de 1924 mas se acham na edição de Ilse GrubrichSimitis e na Standard inglesa Tratase de Heinrich Braun 18541927 que em 1883 fundaria com Karl Kaut sky e Wilhelm Liebknecht o órgão central do Partido SocialDemocrata Alemão Segundo James Strachey em 1956 descobriuse que o verdadeiro autor desse ensaio de 1780 foi o suíço G C Tobler Expressão do dramaturgo norueguês Ibsen na peça O inimigo do povo 1882 No original Vergebens daß ihr ringsum wissenschaftlich schweift Ein jeder lernt nur was er lernen kann Fausto i cena 4 vv 20156 Sekundararzt literalmente médico secundário equivaleria ao residente no sistema brasileiro Já o Primararzt que aparece mais adiante p 87 é o médico diretor Célebre hospital psiquiátrico de Paris atualmente hospital universitário Significa Entrem aqui também se acham os deuses frase que Aristóteles atribui a Heráclito na forma grega cf carta de Freud a Fliess em 4 de dezem bro de 1896 em que diz que planejava usála como epígrafe do capítulo de um livro sobre a histeria que não chegou a escrever porém 140326 Isso não impede que os fatos existam cf o obituário de Charcot escrito por Freud 1897 em que o episódio é descrito com mais detalhes em nota à sua tradução das Leçons du mardi Conferências das terçasfeiras do mestre francês reproduzidas no Nachtragsband dos GW e no v i da se Freud revela que a observação foi dirigida a ele próprio Martha Bernays que vivia próximo a Hamburgo Na primeira edição de 1925 achavase mein damaliges Versäumnis algo como aquela ocasião que perdi em vez de die damalige Störung aquele estorvo em sua carreira entendese como está na edição revista de 1934 Essa mudança não aparece nos Gesammelte Werke v xiv 1948 porque estes reproduzem o texto dos Gesammelte Schriften de 1928 anterior à revisão Numa nota à sua edição do presente texto GrubrichSimitis chama a atenção para um ensaio de Siegfried Bernfeld e Suzanne Cassirer Bernfeld de 1952 sobre o primeiro ano de clínica médica de Freud em que há uma ex posição detalhada desse episódio Na verdade a irritação da Sociedade de Medicina não se deveu tanto às novidades da escola de Charcot mas ao fato de Freud em seu entusiasmado relatório apontar indiretamente para defi ciências da medicina austríaca Eles também atribuem a essa provocação o comportamento hostil que Theodor Meynert viria a ter em relação a Freud Precipitado Niederschlag Nossa tradução é literal mas cabe considerar que o termo alemão é também usado figuradamente em contextos que indic am o significado de expressão fruto resultado na seguinte frase por exem plo O encontro do poeta com aquela senhora teve seu Niederschlag em nu merosos poemas Na frase anterior impulso traduz o mesmo termo origin al Impuls e suprimir é versão de unterdrücken Essa paciente que Breuer chamou Ana O era Bertha Pappenheim 18591936 que veio a se tornar uma pioneira do feminismo e a desenvolver importantes obras de assistência social Referência à Alemanha que então era um Reich reino 141326 O conhecido neurologista Adolf Strümpell resenhou o livro em 1896 na Deutsche Zeitschrift für Nervenheilkunde Revista Alemã de Medicina dos Nervos v 8 Esse artigo de 1898 é mencionado por Freud na correspondência com Fliess cf The complete letters of Sigmund Freud to Wilhelm Fliess 18871904 org e trad Jeffrey Moussaieff Masson Cambridge Mass Harvard 1985 carta de 3 de janeiro de 1899 ed bras Rio de Janeiro Imago 1986 Tendência tradução dada a Strebung nesse ponto as versões estrangeiras consultadas empregam tendencia aspiración tendenza tendance impul sion Além daquelas normalmente utilizadas a espanhola a argentina a itali ana e a inglesa também pudemos consultar a nova tradução francesa dirigida por Jean Laplanche Autoprésentation em Œuvres complètes v xvii Paris puf 1992 Conforme o critério adotado na presente edição de ordem decres cente de proximidade ao português ela vem citada em penúltimo lugar antes da edição inglesa Ciências humanas assim traduzimos aqui o termo Geisteswissenschaften que literalmente significa ciências do espírito como puseram os tradutores argentino italiano e francês já o espanhol utilizou simplesmente ciencia sem adjunto adnominal e o inglês preferiu mental sciences uma versão discutível Em Gesammelte Werke se acha une manière de parler mas na edição em volume autônomo de 1935 consta façon em vez de manière Esse parágrafo se acha em corpo menor na edição GW Atos psíquicos tradução literal de psychische Akte As versões consultadas são também literais exceto a inglesa que usa mental processes mas consid erando que já recorremos a processo para verter Vorgang e Prozeß e que os dicionários da língua alemã não apresentam outro sentido para o termo Akt mantivemos atos psíquicos embora admitindo a estranheza da expressão Imaginar é a tradução que aqui damos ao verbo erraten um dos favoritos de Freud e um dos verbos fundamentais da psicanálise que admite 142326 igualmente alguns outros sentidos ou nuances de sentido como se vê pelas versões estrangeiras consultadas deducir colegir arguire deviner infer Relações é uma das versões possíveis para o termo original Verhältnisse cuja polissemia já fica mais que evidente se reproduzimos as diferentes soluções das traduções consultadas circunstancias constelaciones fenomeni faits matters Topológico no original topisch adjetivo de Topik que muitas vezes en contramos vertido por tópica em textos de psicanálise Mas em português essa palavra designa a ciência ou tratado dos remédios tópicos aqueles que atuam no local em que são aplicados Os substantivos alemães terminados em ik podem induzir a erros na tradução assim Pädagogik significa pedagogia em português e Romantik romantismo Freud usa Topik por empréstimo da anatomia em que o termo designa o estudo da posição relativa dos órgãos A versão usada na Standard inglesa topography é sinônimo de topologia Cf a célebre carta a Fliess de 21 de setembro de 1897 em que Freud relata que já não acredita nas cenas de sedução narradas pelos pacientes Fantasias envolvendo desejos Wunschphantasien em que a palavra Wun sch significa desejo no sentido mais amplo como o termo inglês wish com o qual tem parentesco etimológico Também é possível fazer uma versão pura mente literal com a simples justaposição dos termos fantasiadesejo ou considerando que geralmente a fantasia implica o desejo omitir esse último mas não se pode esquecer que também existem fantasias envolvendo medo ou pavor As versões estrangeiras consultadas trazem fantasías optativas de deseo di desiderio de souhait wishful phantasies Essa última oração contém no texto alemão três palavras cuja tradução nem sempre é simples e duas delas se acham entre os termos favoritos de Freud A formulação original diz aus ihren Daten ein bisher unbekanntes Stück des biologischen Geschehens zu erraten esse último verbo significa adivinhar decifrar deduzir inferir etc e o substantivo Stück esses os dois favoritos pode ser traduzido por pedaço fragmento parte parcela etc por fim o verbo geschehen substantivado nessa frase significa literalmente 143326 acontecer mas aqui não pode ser traduzido dessa forma ele também aparece assim no título de um importante artigo de 1911 Formulações sobre os dois princípios do funcionamento psíquico Eis essas palavras nas versões estrangeiras consultadas não se acham na edição espanhola todo o parágrafo foi omitido colegir un fragmento acontecer biológico inferire una parte accadere biologico devinerune part advenir biologique discover ing a piece biological knowledge sic Voyeurismoexibicionismo SchautriebExibitionslust empregamos aqui o termo de origem francesa de uso corrente no Brasil para verter o termo original que se compõe de schauen ver olhar ligado etimologica mente ao inglês show e Trieb na segunda palavra composta Lust significa prazer mas também vontade desejo de Eis o que encontramos nas ver sões consultadas instinto de contemplaciónexhibicionismo pulsión de verpulsión de exhibición pulsione di guardarepiacere di esibirsi pulsion de regarderplaisirdésir dexhibition impulses to look and to be looked at Partes de instintos Triebanteile nas versões consultadas factores in stintivos sic aportes pulsionales pulsioni parziali éléments pulsionnels elements of the various component instincts 3 Nota acrescentada em 1935 As constatações sobre a sexualidade infantil fo ram adquiridas na análise de homens e a teoria delas derivada foi ajustada para o menino A expectativa de um completo paralelismo entre os dois sexos era natural mas demonstrou ser infundada Investigações e considerações ul teriores revelaram profundas diferenças entre o desenvolvimento sexual dos homens e o das mulheres Também para a menina a mãe é o primeiro objeto sexual no entanto para atingir a meta do desenvolvimento normal a mulher deve mudar não apenas o objeto sexual mas também a zona genital domin ante Disso resultam dificuldades e possivelmente inibições que não se ap resentam para o homem 4 Nota acrescentada em 1935 O período de latência é um fenômeno fisiológi co Mas ele só pode causar uma interrupção completa da vida sexual naquelas formas de organização cultural que incorporaram em seus fundamentos a 144326 supressão Unterdrückung da sexualidade infantil Esse não é o caso da maioria dos povos primitivos Cf Três ensaios de uma teoria da sexualidade ii A sexualidade infantil seção As manifestações sexuais masturbatórias 1905 Impulso tradução que geralmente damos a Strebung substantivo em de suso no alemão de hoje talvez já no tempo de Freud fosse uma peculiaridade sua relacionado ao verbo streben esforçarse aspirar ambicionar Nas versões estrangeiras temos tendencias aspiraciones impulsi tendances im pulses o segundo desses termos empregado na edição argentina não nos parece adequado Cf nota à p 170 Lenda Wunschlegende cf nota sobre Wunschphantasie à p 113 nas ver sões consultadas leyenda leyenda fruto del deseo leggenda ispirata al de siderio legendesouhait wishful legend Quando se abstinha de dar uma direção consciente a suas ideias wenn er sich jeder bewußten Zielvorstellung enthielt numa tradução mais literal quando se abstinha de toda ideia intencional consciente A questão aqui é como verter o vocábulo freudiano Zielvorstellung composto de Vorstellung ideia representação e Ziel meta objetivo Em outros textos de Freud como no Caso Schreber de 1911 e em A repressão de 1915 empregamos ideia intencional expressão não muito clara porém e que tem o sentido es clarecido na traduçãoparáfrase que aqui fizemos O Vocabulário da psicanál ise de Laplanche e Pontalis oferece representaçãometa expressão ainda menos clara enquanto a Standard inglesa geralmente recorre a purposive idea Eis o que trazem nesse ponto as versões consultadas represión sic evidente erro de impressão final representaciónmeta rappresentazione fi nalizzata représentationbut to give any conscious direction to his thoughts Cf a tradução que demos a um composto semelhante Zielhandlung em que Handlung ação em Os instintos e seus destinos por exemplo 1915 v 10 destas Obras completas 145326 Cf nota sobre a expressão ato psíquico à p 109 talvez se pudesse usar evento nesse caso Produto do pensamento Gedankengebilde em que Gebilde pode signifi car criação invenção formação obra produção estrutura imagem config uração desenho produto e Gedanke significa pensamento nas versões consultadas producto mental producto del pensamiento struttura ideativa formation de pensée thoughtstructure Forças motrizes Triebkräfte Adotamos aqui o sentido geral do termo alemão enquanto alguns outros tradutores enfatizam o significado técnico de Trieb energías instintivas fuerzas pulsionales forze motrici forces de pul sion motive forces Impulsos envolvendo desejos Wunschregungen ver nota sobre Wun schphantasien p 113 As traduções consultadas oferecem impulsos optat ivos sic como se pudéssemos optar por não têlos moción de deseo moti di desiderio motions de souhait wishful impulses Mais adiante na p 154 o termo foi traduzido simplesmente por desejos cf nota sobre ele em O uso da interpretação dos sonhos na psicanálise 1911 v 10 desta coleção onde também afirmamos a impropriedade de se traduzir Regung por moção Parecenos igualmente imprópria a tentativa feita por tradutores franceses de reservar a palavra désir para verter Begierde e empregar apenas souhait para Wunsch desejo num sentido mais amplo aparentado ao termo inglês wish Seria como decretar que nos textos psicanalíticos em língua portuguesa devemos empregar desejo apenas no sentido sexual e voto na acepção mais geral de desejo 5 Nota acrescentada em 1935 Quando se considera o frequente malogro da função do sonho podese caracterizar adequadamente o sonho como uma tentativa de realização de desejo Permanece indiscutível a velha definição de Aristóteles segundo ele o sonho é a vida psíquica durante o sono Não por acaso o título que dei a meu livro não foi Os sonhos mas sim Interpretação dos sonhos 146326 Mas foi publicado primeiramente em dois números de uma revista psiquiátrica de Berlim já em 1901 Esse parágrafo está em corpo menor nos GW Essa é a enumeração do original incluindo PanAmerika aqui traduzido literalmente Mas na Standard inglesa se acha com uma nota esclarecendo que a mudança foi aprovada pelo autor Áustria Alemanha Hungria Suíça GrãBretanha Holanda Rússia e Índia assim como duas nos Estados Unidos Burghölzli denominação informal do hospital psiquiátrico da universidade de Zurique então dirigido por Eugen Bleuler 18571939 No entanto alguns outros discípulos se afastaram nos anos seguintes à redação dessa Autobiografia Sandor Ferenczi e Otto Rank entre eles O restante desse parágrafo foi acrescentado em 1935 por isso não consta na edição dos Gesammelte Werke v xiv de 1948 Encontrase na edição de bolso feita por GrubrichSimitis e no Nachtragsband Volume suplementar dos GW Fischer Frankfurt 1987 p 764 Esse parágrafo se acha impresso em corpo menor na edição dos Gesammelte Werke Em Novas observações sobre as neuropsicoses de defesa parte iii Jung Sobre a psicologia da dementia praecox 1907 Bleuler Freudsche Mechanismen in der Symptomatologie von Psychosen Psychiatrischneurologische Wochenschrift 8 1906 Personagem cômico da peça Minna von Barnhelm de Lessing 172991 Tratase de um vigarista que num alemão estropiado diz estar assombrado quando a protagonista dá o nome correto à sua prática de roubar no jogo de cartas 147326 6 Nota acrescentada em 1935 Essa é uma construção Konstruktion que desejo explicitamente retirar Não mais acredito que William Shakespeare o ator de Stratford seja o autor das obras que há muito tempo lhe são atribuí das Desde a publicação do livro Shakespeare identified de J T Looney 1920 estou praticamente convencido de que sob esse pseudônimo se esconde Edward de Vere conde de Oxford Sobre essa extravagante opinião rejeitada pelos especialistas ver a nota de James Strachey em que descreve a reação de Freud quando ele lhe pediu que a reconsiderasse e as biografias assinadas por Ernest Jones e Peter Gay ambas editadas em português acrescentemos que a palavra looney sobrenome daquele autor significa maluco Bônus de incentivo Verlockungsprämie nas versões consultadas prima de atracción prima de seducción premio di allettamento incentive bonus a expressão também surge no artigo O poeta e a fantasia de 1908 Na frase seguinte construir é versão literal de konstruieren que em alemão admite mais o sentido figurado do que em português nós o mantemos a fim de con servar a relação com o substantivo usado por Freud na nota anterior e no título de um de seus últimos ensaios sobre técnica psicanalítica Konstruktion en in der Analyse de 1937 Quanto aos demais tradutores com exceção do es panhol que simplesmente omite o termo eles também foram literais nesse ponto Alusão a Wilhelm Fliess Esse parágrafo e o seguinte estão impressos em corpo menor na edição dos Gesammelte Werke Identificação Agnoszierung do verbo agnoszieren do latim agnoscere que significa reconhecer mas que na Áustria tem o sentido de identificar estabelecer a identidade fazer o reconhecimento de um morto por exem plo as versões consultadas não se acham de acordo quanto a esse termo comparación discernimiento riconoscimento identification observation Ele também foi usado no título do último capítulo do ensaio O inconsciente de 1915 A identificação ou reconhecimento do inconsciente 148326 No capítulo x de Psicologia das massas e análise do Eu 7 Nota acrescentada em 1935 Desde então a psicanálise infantil teve enorme incremento com os trabalhos de Melanie Klein e de minha filha Anna Freud A última frase foi acrescentada em 1935 Essa fórmula veio a ser expressa em Moisés e o monoteísmo 1939 redigido em 193438 cap iii parte ii seção g Na Standard inglesa também se acha a Rússia nessa enumeração segundo Strachey foi uma inclusão autorizada por Freud por se tratar de uma omissão involuntária tendo em vista que ele já havia mencionado o grupo de Moscou cf nota à p 135 149326 A ORGANIZAÇÃO GENITAL INFANTIL 1923 UM ACRÉSCIMO À TEORIA DA SEXUALIDADE TÍTULO ORIGINAL DIE INFANTILE GENITALORGANISATION EINE EINSCHALTUNG IN DIE SEXUALTHEORIE PUBLICADO PRIMEIRAMENTE EM INTERNATIONALE ZEITSCHRIFT FÜR PSYCHOANALYSE REVISTA INTERNACIONAL DE PSICANÁLISE V 9 N 2 PP 16871 TRADUZIDO DE GESAMMELTE WERKE XIII PP 2918 TAMBÉM SE ACHA EM STUDIENAUSGABE V PP 23541 ESTA TRADUÇÃO FOI PUBLICADA ORIGINALMENTE EM JORNAL DE PSICANÁLISE SOCIEDADE BRASILEIRA DE PSICANÁLISE DE SÃO PAULO V 33 N 6061 PP 47781 DEZEMBRO DE 2000 ALGUMAS NOTAS DO TRADUTOR FORAM OMITIDAS E OUTRAS FORAM MODIFICADAS NA PRESENTE EDIÇÃO É algo revelador da dificuldade da pesquisa em psicanálise o fato de ser possível mesmo em décadas de observação contínua não enxergar traços gerais e relações características até que final mente eles nos vêm ao encontro de maneira inconfundível Com as observações seguintes eu pretendo reparar uma negligência desse tipo no âmbito do desenvolvimento sexual infantil Os leitores de meus Três ensaios de uma teoria da sexualid ade 1905 sabem que eu jamais reorganizei esse trabalho nas edições posteriores que mantive a ordenação original e levei em conta os progressos de nosso conhecimento através de interpol ações e mudanças no texto Nisso pode ter ocorrido que as partes antigas e as mais novas não se tenham fundido adequadamente numa unidade sem contradições Inicialmente foi dada ênfase à descrição da fundamental diferença entre a vida sexual das cri anças e a dos adultos depois passaram a primeiro plano as or ganizações prégenitais da libido e o fato da instauração em dois tempos do desenvolvimento sexual fato digno de nota e pleno de consequências Por fim reivindicou nosso interesse a pesquisa sexual da criança e a partir dela se pôde reconhecer que o desfecho da sexualidade infantil por volta dos cinco anos se aproxima amplamente da forma definitiva no adulto Foi aí que parei na última edição da Teoria da sexualidade 1922 Em sua página 65 afirmo que com frequência ou regular mente já na infância é realizada uma escolha de objeto semel hante à que vimos como característica da fase de desenvolvi mento da puberdade ou seja todas as tendências sexuais se di rigem para uma única pessoa na qual esperam alcançar seus objetivos Isso constitui então a maior aproximação à forma fi nal da vida sexual depois da puberdade que é possível na infân cia A única diferença está em que a reunião dos instintos parci ais e sua subordinação à primazia dos genitais não chega a ocor rer na infância ou ocorre de maneira bastante incompleta O es tabelecimento desse primado a serviço da reprodução é a úl tima fase por que passa a organização sexual Agora eu já não me daria por satisfeito com a afirmação de que o primado dos genitais não se realiza ou o faz muito imper feitamente no período da primeira infância A aproximação da vida sexual infantil àquela dos adultos vai muito adiante e não se limita ao surgimento da escolha de objeto Mesmo não chegando a uma autêntica reunião dos instintos parciais sob o primado dos genitais no auge do desenvolvimento da sexualid ade infantil o interesse nos genitais e sua atividade adquirem uma significação preponderante que pouco fica a dever àquela da maturidade A principal característica dessa organização genital infantil constitui ao mesmo tempo o que a diferencia da definitiva organização genital dos adultos Consiste no fato de que para ambos os sexos apenas um genital o masculino entra em consideração Não há portanto uma primazia genital mas uma primazia do falo Infelizmente só podemos descrever esse estado de coisas no que diz respeito ao menino faltanos o conhecimento dos pro cessos correspondentes na menina Sem dúvida o garoto pequeno se dá conta de que homens e mulheres são diferentes mas inicialmente ele não tem motivo para relacionar isso com uma diferença entre os órgãos genitais de ambos Para ele é nat ural supor que todos os outros seres vivos tanto pessoas como animais possuem um órgão semelhante ao seu e sabemos até 152326 que ele busca igualmente em coisas inanimadas uma formação análoga1 Essa parte do corpo que se excita facilmente que se modifica e é tão rica em sensações ocupa em alto grau o in teresse do menino e continuamente apresenta novas tarefas ao seu impulso investigador Ele gostaria de ver também o das out ras pessoas a fim de comparálo ao seu ele age como se suspei tasse que esse membro poderia e deveria ser maior a força im pulsora que esse membro viril desenvolverá depois na puber dade se manifesta nesse período da vida essencialmente como esforço de investigação como curiosidade sexual Muitas das ex ibições e agressões cometidas pelas crianças que numa idade posterior não hesitaríamos em julgar manifestações de concupiscência revelamse na análise experimentos a serviço da investigação sexual No curso dessas pesquisas o menino descobre que o pênis não é um bem comum a todos os seres semelhantes a ele A visão casual dos genitais de uma irmãzinha ou companheira de brin quedos fornece a oportunidade para essa descoberta Aqueles mais perspicazes observando as meninas a urinar já desconfi aram de alguma coisa diferente devido à outra postura que elas têm e ao outro ruído que fazem e então procuraram repetir essas observações de modo esclarecedor Sabese como reagem às primeiras impressões da ausência de pênis Eles recusam essa ausência acreditam ver um membro atenuam a contradição entre o que viram e o que esperavam mediante a evasiva de que ele é ainda pequeno e crescerá e aos poucos chegam à conclusão emocionalmente significativa de que no mínimo ele estava presente e depois foi retirado A ausência de pênis é vista como resultado de uma castração e o menino se acha ante a tarefa de lidar com a castração em relação a ele próprio Os 153326 desenvolvimentos seguintes são muito conhecidos para que seja necessário repetilos aqui Apenas me parece que a significação do complexo da castração só pode ser apreciada corretamente quando se considera também sua origem na fase da primazia do falo2 Sabese igualmente em que grau a depreciação da mulher o horror da mulher a disposição à homossexualidade derivam da convicção definitiva de que a mulher não possui pênis Recente mente Ferenczi ligou de modo inteiramente correto o símbolo mitológico do horror a cabeça da Medusa à impressão produz ida pelo genital feminino sem pênis3 Mas não devemos crer que o menino prontamente generaliza a sua observação de que várias pessoas do sexo feminino não possuem pênis Já é um obstáculo para isto a sua suposição de que a ausência de pênis na mulher seria uma consequência do castigo da castração Pelo contrário o menino acha que apenas mulheres indignas provavelmente culpadas de impulsos proi bidos como os dele teriam perdido o genital Mulheres respeita das como sua mãe conservam o pênis por muito tempo Ainda não há nexo para o garoto entre ser mulher e a ausência de pênis4 Somente depois quando ele aborda os problemas da ori gem e do nascimento das crianças e descobre que apenas mul heres podem ter filhos a mãe também perde o pênis e são con struídas às vezes complicadas teorias para explicar a troca do pênis por uma criança Em tudo isso o genital feminino não parece jamais ser descoberto Como sabemos a criança vive no ventre intestino da mãe e nasce pela saída do intestino Essas últimas teorias nos levam além do período da sexualidade infantil 154326 É importante ter em vista as mudanças que experimenta no desenvolvimento sexual infantil a polaridade sexual que nos é familiar Uma primeira oposição é introduzida com a escolha do objeto que naturalmente pressupõe sujeito e objeto No estágio da organização prégenital sadicoanal não se pode ainda falar de masculino e feminino prevalece a oposição de ativo e passivo5 No estágio da organização genital infantil que então se segue há masculino mas não feminino a oposição é genital masculino ou castrado Apenas ao se completar o desenvolvimento na épo ca da puberdade a polaridade sexual coincide com masculino e feminino O masculino reúne o sujeito a atividade e a posse do pênis o feminino assume o objeto e a passividade A vagina é en tão estimada como abrigo do pênis tornase herdeira do ventre materno Tendências sexuais Sexualstrebungen no original Strebung deriva do verbo streben empenharse aspirar ambicionar Nas versões estrangeiras consultadas se encontram omitindo o adjetivo sexuais comum a todas in stintos aspiraciones aspirazioni tendances currents strevingen Além das traduções normalmente utilizadas a espanhola da Biblioteca Nueva a ar gentina da Amorrortu a italiana da Boringhieri e a Standard inglesa recor remos a duas outras neste caso a francesa dirigida por Jean Laplanche em Œuvres complètes v xvi Paris puf 1991 e a holandesa da Boom Klinische Beschouwingen v 3 Amsterdã 1985 Freud cita a página da 5a edição em volume autônomo dos Três ensaios o trecho citado se encontra no segundo ensaio A sexualidade infantil sexta seção oitavo parágrafo Faltanos o conhecimento fehlt uns die Einsicht O substantivo alemão etimologicamente aparentado ao inglês insight admite várias versões se gundo o contexto Os dicionários bilíngues alemãoportuguês dão as seguintes 155326 opções inspeção conhecimento penetração exame inteligência As versões estrangeiras consultadas apresentam nos faltan datos carecemos de una in telección ci manca una piena conoscenza lintelligence nous manque are not known to us hebben wij geen inzicht não temos inzicht esta sendo a palavra holandesa equivalente a Einsicht 1 É notável digase de passagem a pouca atenção que a criança dá à outra parte dos genitais masculinos o pequeno saco e seu conteúdo Pelo que se ouve nas análises não se poderia imaginar que os genitais masculinos incluem alguma coisa além do pênis Impulso investigador Forschertrieb nas versões consultadas encon tramos instinto de investigación pulsión de investigación pulsione di ricerca pulsion de chercheur instinct for research speurdrift speuren signi fica procurar investigar drift é claramente aparentada a Trieb em alemão e drive em inglês neste contexto preferiuse impulso para verter Trieb cf As palavras de Freud op cit p 262 Na frase seguinte força impulsora traduz treibende Kraft que nas outras versões aparece como fuerza im pulsora fuerza pulsionante force pulsante driving force drijvende kracht Recusam leugnen nas versões consultadas niegan desconocen dis conoscono dénient disavow loochenen Cf nota de Strachey na Standard edition v xix sobre o conceito de Verleugnung cujo aparecimento é por ele registrado neste ponto da obra de Freud Ver também o verbete do Vocab ulário da psicanálise São Paulo Martins Fontes 11a ed revista e adaptada para o Brasil 1991 e As palavras de Freud op cit pp 22430 2 Já foi corretamente assinalado que a criança adquire a ideia de um dano nar císico por perda corporal ao perder o seio materno após mamar ao depositar cotidianamente as fezes e mesmo ao separarse do ventre da mãe no nasci mento Mas só devemos falar de um complexo da castração quando tal ideia de perda ficou ligada ao genital 3 Internationale Zeitschrift für Psychoanalyse ix 1923 Caderno 1 Gostaria de acrescentar que no mito se trata do genital da mãe Atenas que leva a cabeça 156326 da Medusa no escudo tornase por isso mesmo a mulher inabordável cuja visão afasta qualquer pensamento de aproximação sexual Impulsos Regungen nas versões consultadas impulsos mociones im pulsi motions impulses impulsen Ver nota sobre a tradução de Regung em O uso da interpretação dos sonhos na psicanálise volume 10 destas Obras completas p 127 e em Recordar repetir e elaborar idem p 197 4 Analisando uma jovem senhora que não tinha pai e tinha várias tias soube que ainda no período de latência ela acreditava que a mãe e algumas tias pos suíam pênis Mas uma tia que era débil mental ela pensava ser castrada tal como percebia a si mesma Para o menino naturalmente Mas isso não é explicitado na frase original que diz Wie wir wissen lebt das Kind im Leib Darm der Mutter und wird durch den Darmausgang geboren Talvez Freud considerasse claro o sentido que pretendia em virtude do contexto ou talvez isso seja simplesmente neg ligência de expressão LópezBallesteros intercalou um imagina que na frase e Strachey is supposed Etcheverry e Laplanche nada acrescentaram 5 Cf Três ensaios de uma teoria da sexualidade 5a ed p 62 157326 NEUROSE E PSICOSE 1924 TÍTULO ORIGINAL NEUROSE UND PSYCHOSE PUBLICADO PRIMEIRAMENTE EM INTERNATIONALE ZEITSCHRIFT FÜR PSYCHOANALYSE REVISTA INTERNACIONAL DE PSICANÁLISE V 10 N 1 PP 15 TRADUZIDO DE GESAMMELTE WERKE XIII PP 38791 TAMBÉM SE ACHA EM STUDIENAUSGABE III PP 3317 Num trabalho que publiquei recentemente O Eu e o Id ofereci uma divisão do aparelho psíquico que nos permite descrever uma série de relações de forma clara e compreensível Em outros pontos no que toca ao papel e à origem do Supereu por exem plo restam bastantes coisas obscuras e não resolvidas É lícito esperar que o que foi ali colocado se revele útil e proveitoso tam bém para outras coisas ainda que seja apenas para ver de uma nova maneira o já conhecido classificálo diferentemente ou expôlo de modo mais convincente Tal aplicação poderia tam bém significar um vantajoso retorno da teoria cinzenta para a verdejante experiência Na obra mencionada caracterizei os múltiplos laços de de pendência do Eu sua posição intermediária entre o mundo ex terior e o Id e o seu empenho em fazer a vontade de todos os seus senhores ao mesmo tempo Relacionada a um curso de pensamento vindo de outra parte que dizia respeito à origem e prevenção das psicoses ocorreume uma fórmula simples que trata da diferença genética mais importante talvez que há entre neurose e psicose a neurose seria o resultado de um conflito entre o Eu e seu Id enquanto a psicose seria o análogo desfecho de uma tal perturbação nos laços entre o Eu e o mundo exterior É justificada a advertência de que convém desconfiar de soluções tão simples para um problema Além disso nossa ex pectativa máxima é que tal fórmula se mostre correta em linhas muito gerais Mas isso já seria algo Logo lembramos de toda uma série de percepções e achados que parecem apoiar nossa tese As neuroses de transferência conforme todas as nossas an álises surgem pelo fato de o Eu não querer aceitar e promover a efetivação motora de um impulso instintual poderoso no Id ou de contestar o objeto a que ele visa O Eu então defendese dele através do mecanismo da repressão o que é reprimido se revolta contra esse destino criando por vias sobre as quais o Eu não tem poder um substituto que o representa que se impõe ao Eu pela via do compromisso o sintoma o Eu vê ameaçada e preju dicada por esse intruso a sua unidade dá prosseguimento à luta contra o sintoma tal como se defendia originalmente do impulso instintual e tudo isso resulta no quadro da neurose Não con stitui objeção que o Eu ao efetuar a repressão no fundo esteja seguindo as ordens do seu Supereu que por sua vez originam se das influências do mundo externo real que acharam repres entação no Supereu Permanece o fato de que o Eu se pôs ao lado desses poderes que nele as suas exigências têm mais força do que as reivindicações instintuais do Id e que o Eu é o poder que coloca em andamento a repressão a essa parte do Id e forta lece a repressão mediante o contrainvestimento da resistência A serviço do Supereu e da realidade o Eu entrou em conflito com o Id e assim ocorre em todas as neuroses de transferência Por outro lado será igualmente fácil a partir do que até agora conhecemos sobre o mecanismo das psicoses dar exemplos que apontam para um distúrbio na relação entre o Eu e o mundo ex terior No que Meynert chama de amência uma confusão alucinatória aguda talvez a mais extrema e impressionante forma de psicose o mundo exterior não é percebido de modo algum ou sua percepção não tem nenhum efeito Pois normal mente o mundo exterior domina o Eu por duas vias primeiro pelas percepções atuais que sempre podem se renovar depois pelo acervo mnemônico de percepções anteriores que como mundo interior constituem patrimônio e elemento do Eu Na 160326 amência não só é excluído o acolhimento de novas percepções mas também é retirado o significado investimento do mundo interior que até então representava o mundo exterior como sua cópia autonomamente o Eu cria um novo mundo exterior e in terior e não há dúvida quanto a dois fatos de que esse novo mundo é edificado conforme os impulsos de desejo do Id e de que o motivo dessa ruptura com o mundo exterior é uma difícil aparentemente intolerável frustração do desejo por parte da realidade Não podemos ignorar o íntimo parentesco entre essa psicose e o sonho normal Mas a precondição para o sonho é o estado do sono caracterizado entre outras coisas pelo total afastamento da percepção e do mundo externo Quanto a outras formas de psicose as esquizofrenias sabese que tendem a resultar no embotamento afetivo isto é na perda de todo interesse no mundo exterior Sobre a gênese das form ações delirantes algumas análises nos ensinaram que o delírio é como um remendo colocado onde originalmente surgira uma fis sura na relação do Eu com o mundo exterior Se essa precon dição o conflito com o mundo externo não é muito mais patente do que agora notamos a razão para isso está no fato de no quadro clínico da psicose as manifestações do processo pato gênico serem frequentemente cobertas por aquelas de uma tent ativa de cura ou reconstrução A etiologia comum à irrupção de uma psiconeurose ou psicose é sempre a frustração a não realização de um daqueles desejos infantis nunca sujeitados tão profundamente enraizados em nossa organização filogeneticamente determinada Tal frus tração é no fundo sempre externa em casos individuais pode vir daquela instância interior no Supereu que se encarregou de representar as exigências da realidade O efeito patógeno 161326 depende de que o Eu nessa tensão conflituosa continue fiel à sua dependência do mundo externo e procure amordaçar o Id ou se deixe sobrepujar pelo Id e separar da realidade Esta situ ação aparentemente simples porém é complicada pela existên cia do Supereu que por um nexo ainda não esclarecido reúne influências que vêm tanto do Id como do mundo externo sendo como que um modelo ideal daquilo visado por todo o esforço do Eu a conciliação de suas múltiplas dependências O comporta mento do Supereu deve ser levado em consideração o que não se fez até agora em todas as formas de doença psíquica Po demos no entanto postular provisoriamente que tem de haver afecções baseadas num conflito entre Eu e Supereu A análise nos dá o direito de supor que a melancolia é um exemplo típico desse grupo e reivindicaríamos para esses distúrbios o nome de psiconeuroses narcísicas E não destoa de nossas impressões que encontremos motivos para separar estados como a melan colia das outras psicoses Percebemos então que pudemos com pletar nossa simples fórmula genética sem abandonála A neur ose de transferência corresponde ao conflito entre Eu e Id a neurose narcísica ao conflito entre Eu e Supereu a psicose àquele entre Eu e mundo exterior É certo que não podemos logo dizer se realmente adquirimos novos conhecimentos ou se apen as aumentamos o nosso acervo de fórmulas mas creio que esta possibilidade de aplicação deve nos animar a manter a sugerida divisão do aparelho psíquico em Eu Supereu e Id A afirmação de que neuroses e psicoses nascem dos conflitos do Eu com suas diferentes instâncias dominantes isto é corres pondem a um fracasso da função do Eu que evidentemente pro cura conciliar todas as diferentes reivindicações pede uma outra discussão que a complemente Gostaríamos de saber em que 162326 circunstâncias e por quais meios o Eu consegue sair sem adoe cer de tais conflitos que sempre se acham presentes Eis um novo âmbito de pesquisa no qual certamente os mais diversos fatores se apresentarão para serem examinados Dois deles po dem ser imediatamente ressaltados O resultado de todas essas situações dependerá não há dúvida da constelação econômica das grandezas relativas das tendências em luta E para o Eu será possível evitar a ruptura em qualquer direção ao deformar a si mesmo permitir danos à sua unidade eventualmente até se di vidir ou partir Desse modo as incoerências excentricidades e loucuras dos homens apareceriam numa luz semelhante à de suas perversões sexuais cuja aceitação lhes permite poupar a si mesmos repressões Por fim há a questão de qual pode ser o mecanismo análogo à repressão mediante o qual o Eu se separa do mundo exterior Acho que isso não pode ser respondido sem novas investigações mas ele deve ter por conteúdo como a repressão uma retirada do investimento lançado pelo Eu Alusão a dois famosos versos do Fausto de Goethe Cinzenta é toda teoria caro amigo E verde a áurea árvore da vida Grau teurer Freund ist alle Theorie Und grün des Lebens goldner Baum falados por Mefistófeles parte i cena 4 Substituto que o representa Ersatzvertretung nas versões estrangeiras consultadas satisfacción sic substitutiva subrogación substitutiva rapp resentanza sostitutiva il se fait représenter par un substitut substitutive representation substituut além daquelas normalmente utilizadas duas em espanhol a italiana da Boringhieri e a Standard inglesa consultamos tam bém uma francesa antiga da puf e a holandesa da Boom Em português 163326 representar corresponde a mais de um verbo alemão os dois principais ver treten e vorstellen significam respectivamente estar no lugar de substituir e figurar entre outras coisas A fim de escapar a uma possível confusão re corremos aqui a uma paráfrase pois representação é geralmente entendida no sentido de Vorstellung que tendemos a traduzir por ideia como faz Strachey Para um maior esclarecimento dessa questão ver capítulo Vorstellung idea représentation em Paulo César de Souza As palavras de Freud op cit O significado investimento die Bedeutung Besetzung Em alemão o primeiro substantivo pode significar também importância por isso as ver sões consultadas diferem significación carga valor psíquico investidura significato investimento signification investissement significance cathexis betekenis bezetting estes equivalentes exatos dos termos alemães Impulsos de desejo Wunschregungen nas versões consultadas tenden cias optativas mociones de deseo moti di desiderio désirs wishful impulses wensimpulsen Em algumas ocasiões traduzimos esse termo composto por impulsos envolvendo desejos e até mesmo por desejos simplesmente cf nota à p 130 e As palavras de Freud op cit apêndice B Constelação Verhältnisse Embora não seja técnico esse termo ilustra uma característica de vários termos freudianos a polissemia a diversidade ou amplitude de sentidos Os tradutores estrangeiros recorrem a circunstancias constelaciones rapporti circonstances considerations verhoudingen equi valente ao alemão O original é plural mas pareceunos melhor usar o termo escolhido no singular pois ele designa um conjunto de relações 164326 O PROBLEMA ECONÔMICO DO MASOQUISMO 1924 TÍTULO ORIGINAL DAS ÖKONOMISCHE PROBLEM DES MASOCHISMUS PUBLICADO PRIMEIRAMENTE EM INTERNATIONALE ZEITSCHRIFT FÜR PSYCHOANALYSE REVISTA INTERNACIONAL DE PSICANÁLISE V 10 N 2 PP 12133 TRADUZIDO DE GESAMMELTE WERKE XIII PP 37183 TAMBÉM SE ACHA EM STUDIENAUSGABE III PP 33954 ESTA TRADUÇÃO FOI PUBLICADA ORIGINALMENTE EM JORNAL DE PSICANÁLISE SOCIEDADE BRASILEIRA DE PSICANÁLISE DE SÃO PAULO V 34 N 6263 PP 27383 DEZEMBRO DE 2001 O TEXTO E ALGUMAS NOTAS DO TRADUTOR FORAM MODIFICADOS NA PRESENTE EDIÇÃO Do ponto de vista econômico é justo qualificarmos de enigmát ica a existência de tendências masoquistas na vida instintual hu mana Pois se o princípio do prazer domina os processos psíqui cos de forma tal que o primeiro objetivo destes é evitar o de sprazer e conseguir prazer o masoquismo tornase algo incom preensível Se a dor e o desprazer podem já não ser advertências mas objetivos em si mesmos o princípio do prazer é paralisado o guardião de nossa vida psíquica é como que narcotizado Assim o masoquismo nos aparece como um grande perigo o que absolutamente não é o caso de sua contrapartida o sadismo Somos tentados a chamar o princípio do prazer de guardião da nossa vida não apenas de nossa vida psíquica Mas então surge a tarefa de investigar a relação do princípio do prazer com as duas espécies de instintos que diferenciamos os instintos de morte e os instintos de vida eróticos libidinais e não podemos continu ar a discussão do problema do masoquismo antes de realizar esse trabalho Será lembrado que entendemos o princípio que rege todos os processos psíquicos como um caso especial da tendência à es tabilidade proposta por Fechner e portanto atribuímos ao aparelho psíquico a intenção de reduzir a nada a quantidade de excitação que lhe chega ou ao menos mantêla a mais baixa possível Barbara Low sugeriu para essa suposta tendência o nome de princípio do Nirvana que nós aceitamos Mas apressa damente identificamos o princípio de prazerdesprazer com este princípio do Nirvana Assim todo desprazer deveria coincidir com uma elevação e todo prazer com um abaixamento da tensão devida a estímulos que se acham na psique o princípio do Nir vana e o do prazer supostamente idêntico a ele estaria total mente a serviço dos instintos de morte cuja meta é conduzir a vida sempre instável à quietude do estado inorgânico e teria a função de advertir contra as exigências dos instintos de vida da libido que buscam perturbar o pretendido curso da vida Mas tal concepção não pode ser correta Ao que parece sentimos o aumento ou decréscimo dos montantes de estímulos diretamente na série dos sentimentos de tensão e não há dúvida de que ex istem tensões prazerosas e distensões desprazerosas O estado de excitação sexual é o mais claro exemplo de um aumento de es tímulos assim prazeroso mas certamente não é o único Prazer e desprazer portanto não podem ser referidos ao aumento ou di minuição de uma quantidade que chamamos de tensão devida a estímulos embora claramente tenham muito a ver com isso Parece que não dependem desse fator quantitativo mas de uma característica dele que só podemos designar como qualitativa Estaríamos bem mais adiantados na psicologia se soubéssemos indicar qual é esse traço qualitativo Talvez seja o ritmo o transcurso temporal das mudanças elevações e quedas da quan tidade de estímulos não o sabemos Em todo caso devemos reparar que o princípio do Nirvana que pertence ao instinto de morte experimentou no ser vivo uma modificação que o fez tornarse princípio do prazer e de ora em diante evitaremos tomar os dois princípios por um Não é di fícil adivinhar de qual poder se originou essa modificação se queremos prosseguir com este raciocínio Pode ser apenas o in stinto de vida a libido que desse modo conquistou sua parte na regulamentação dos processos vitais junto ao instinto de morte 167326 Assim chegamos a uma pequena mas interessante cadeia de re lações o princípio do Nirvana exprime a tendência do instinto de morte o princípio do prazer representa a reivindicação da li bido e a modificação dele o princípio da realidade a influência do mundo externo Nenhum desses três princípios é realmente colocado fora de ação por outro Via de regra eles sabem tolerar um ao outro em bora ocasionalmente deva levar a conflitos o fato de a meta es tabelecida ser de um lado a diminuição quantitativa da carga de estímulos do outro um caráter qualitativo da mesma e por fim um adiamento da descarga e uma aceitação provisória da tensão devida ao desprazer O que concluímos dessa discussão é que não se pode recusar a denominação de guardião da vida para o princípio do prazer Voltemos ao masoquismo Ele se oferece à nossa observação em três formas como uma condição para a excitação sexual como expressão da natureza feminina e como uma norma de conduta na vida behaviour Podese distinguir correspond entemente um masoquismo erógeno um feminino e um moral O primeiro o masoquismo erógeno o prazer na dor também es tá na base das duas outras formas ele deve ter fundamento bio lógico e constitucional e permanece incompreensível se não nos resolvemos a formular suposições acerca de pontos bastante ob scuros A terceira forma do masoquismo em certo sentido a mais importante só recentemente foi apreciada pela psicanálise como sentimento de culpa em geral inconsciente mas já admite uma completa explicação e inserção no resto de nosso conheci mento Quanto ao masoquismo feminino é o mais acessível à 168326 nossa observação o menos enigmático e o que podemos enxergar em todas as suas relações Com ele pode começar a nossa exposição Conhecemos suficientemente esse masoquismo no homem ao qual me limitarei aqui em razão do material disponível pelas fantasias de pessoas masoquistas com frequência impotentes por isso que resultam no ato masturbatório ou representam em si mesmas a satisfação sexual Os desempenhos reais de perver tidos masoquistas coincidem inteiramente com as fantasias quer sejam realizados como fim em si quer sirvam para induzir a potência e levar ao ato sexual Nos dois casos os desempenhos são afinal apenas a realização das fantasias em forma de jogo o conteúdo manifesto é ser amordaçado amarrado golpeado chicoteado de maneira dolorosa maltratado de algum modo obrigado à obediência incondicional sujado humilhado Muito mais raramente e com grandes restrições veemse incluídas também mutilações nesse conteúdo A interpretação imediata comodamente alcançada é que o masoquista deseja ser tratado como uma criança pequena desamparada e dependente mas es pecialmente como uma criança malcomportada É supérfluo citar casos o material é bastante uniforme e acessível a todo ob servador também ao que não é analista Mas tendose podido estudar casos em que as fantasias masoquistas sofreram elabor ação particularmente rica é fácil perceber que elas põem o indi víduo numa situação caracteristicamente feminina isto é signi ficam ser castrado ser possuído ou dar à luz Por causa disso 169326 chamei de feminina essa forma de masoquismo como que a po tiori pelos traços mais importantes embora muitos de seus ele mentos apontem para a vida infantil Esta superposição em ca madas do infantil e do feminino terá mais adiante uma ex plicação simples A castração ou o enceguecimento que a rep resenta deixa frequentemente nas fantasias a sua pista negat iva na condição de que não podem sofrer dano justamente os genitais ou os olhos As torturas masoquistas aliás raramente causam impressão tão séria como as crueldades fantasiadas ou executadas do sadismo Um sentimento de culpa também acha expressão no conteúdo manifesto das fantasias masoquistas pois o indivíduo supõe haver infringido algo não determinado que deve ser expiado mediante procedimentos penosos e torturantes Isto parece uma racionalização superficial dos conteúdos masoquistas mas por trás existe o nexo com a masturbação infantil Por outro lado esse fator da culpa leva à terceira forma do masoquismo aquela moral O masoquismo feminino que descrevemos baseiase naquele primário erógeno o prazer na dor que não pode ser explicado sem que voltemos muito atrás em nossa discussão Nos Três ensaios de uma teoria da sexualidade na passagem sobre as fontes da sexualidade infantil afirmei que a excitação sexual produzse como efeito secundário em toda uma gama de processos internos logo que a intensidade desses processos ul trapassa determinados limites quantitativos E que talvez nada de importante ocorra no organismo que não forneça compon entes para a excitação do instinto sexual De acordo com isso a excitação por dor ou desprazer deve ter igual consequência Esta 170326 excitação libidinal que acompanharia a tensão de dor e desprazer seria um mecanismo fisiológico infantil que mais tarde desa parece Ela teria em diferentes constituições sexuais graus di versos de desenvolvimento em todo caso proporcionaria a base fisiológica sobre a qual depois se constrói na psique o masoquismo erógeno A insuficiência desta explicação porém mostrase no fato de não lançar luz sobre os nexos íntimos e regulares entre o masoquismo e sua contrapartida na vida instintual o sadismo Se retornamos um pouco mais até a hipótese das duas espécies de instintos que acreditamos atuarem nos seres vivos chegamos a uma outra derivação do masoquismo que não contradiz a an terior A libido encontra nos seres vivos multicelulares o in stinto de morte ou destruição que neles vigora que busca desin tegrar este ser e conduzir cada um dos organismos elementares ao estado de inorgânica estabilidade ainda que esta possa ser apenas relativa Ela tem a tarefa de fazer inócuo esse instinto destruidor e a cumpre desviandoo em boa parte e logo com ajuda de um sistema orgânico particular a musculatura para fora para os objetos do mundo exterior Então ele se chamaria instinto de destruição instinto de apoderamento vontade de poder Uma parte desse instinto é colocada diretamente a serviço da função sexual na qual tem um importante papel É o sadismo propriamente dito Uma outra parte não realiza essa trans posição para fora permanece no organismo e com ajuda da mencionada excitação sexual concomitante tornase ligada li bidinalmente nela devemos reconhecer o masoquismo original erógeno Não temos nenhuma compreensão fisiológica dos meios e vias pelos quais pode se efetuar esse amansamento do instinto de 171326 morte pela libido No âmbito de ideias da psicanálise podemos supor apenas que ocorre entre as duas espécies de instintos uma extensa mescla e amálgama variável em suas proporções de maneira que não devemos contar com puros instintos de morte e de vida mas apenas com misturas deles em graus diversos À agregação dos instintos corresponde sob determinadas influên cias uma desagregação dos mesmos Não é possível saber atual mente a extensão das partes dos instintos de morte que pela lig ação a acréscimos libidinais escapam a este amansamento Admitindose alguma imprecisão podese dizer que o instinto de morte atuante no organismo o sadismo primordial é idêntico ao masoquismo Depois que sua parte principal foi transposta para fora para os objetos permanece no interior como seu resíduo o masoquismo propriamente erógeno que por um lado tornouse componente da libido e por outro lado ainda tem seu próprio ser como objeto Esse masoquismo então seria testemunha e sobrevivência daquela fase de formação em que sucedeu o amálgama tão importante para a vida de Eros e instinto de morte Não ficaremos surpresos de ouvir que em de terminadas circunstâncias o sadismo ou instinto de destruição voltado para fora projetado pode ser novamente introjetado voltado para dentro desse modo regredindo à sua situação an terior Então ele resulta no masoquismo secundário que se junta àquele original O masoquismo erógeno partilha todas as fases de desenvolvi mento da libido delas tomando as variadas roupagens psíquicas que assume O medo de ser devorado pelo animal totêmico o pai procede da organização oral primitiva o desejo de ser 172326 surrado pelo pai da fase sádicoanal que a ela sucede a cas tração embora depois negada introduzse no conteúdo das fantasias masoquistas como um precipitado do estágio fálico de organização1 as situações em que o indivíduo é possuído ou dá à luz caracteristicamente femininas derivam naturalmente da or ganização genital final Também é fácil compreender o papel das nádegas no masoquismo não considerando sua óbvia base real As nádegas são a parte do corpo erogenamente privilegiada na fase sadicoanal tal como o seio na fase oral e o pênis na genital A terceira forma de masoquismo o masoquismo moral é digna de nota principalmente por haver atenuado sua relação com aquilo que reconhecemos como sexualidade Em todos os demais sofrimentos masoquistas há a condição de partirem da pessoa amada e serem tolerados por ordem sua tal restrição é posta de lado no masoquismo moral O que importa é o sofri mento mesmo se ele é infligido por uma pessoa amada ou outra qualquer não faz diferença pode ser causado também por poderes ou circunstâncias impessoais o verdadeiro masoquista sempre oferece a face quando vê perspectiva de receber uma bofetada Na explicação desse comportamento tudo convida a deixar de lado a libido e limitarse a supor que o instinto de destruição foi novamente voltado para dentro e se enfurece com a própria pessoa mas deve haver algum sentido no fato de a lin guagem corrente não ter abandonado a relação entre essa forma de comportamento e o erotismo chamando também aos que prejudicam a si mesmos de masoquistas Atendonos a um costume técnico primeiro vamos nos ocupar da forma extrema sem dúvida patogênica desse masoquismo 173326 Expus em outro lugar2 que no tratamento analítico deparamos com pacientes a que somos obrigados a atribuir um sentimento de culpa inconsciente devido à sua atitude contrária à influên cia da terapia Indiquei ali em que podemos reconhecer tais pessoas a reação terapêutica negativa e também não escondi que a força de tal impulso constitui uma das mais sérias resistên cias e o maior perigo para o êxito de nossas intenções médicas ou pedagógicas A satisfação desse sentimento de culpa incon sciente é talvez o mais poderoso bastião da vantagem da doença vantagem normalmente composta da soma das forças que lutam contra o restabelecimento e não querem renunciar ao estado doentio o sofrimento que acompanha a neurose é justa mente o fator que a torna valiosa para a tendência masoquista Também é instrutivo perceber que contrariamente a toda teoria e expectativa uma neurose que desafiou todos os esforços terapêuticos pode desaparecer quando a pessoa se envolve na miséria de um casamento infeliz perde seu patrimônio ou ad quire uma temível doença orgânica Uma forma de sofrimento é então substituída por outra e vemos que importava apenas poder conservar uma certa medida de sofrimento Os pacientes não acreditam facilmente quando lhes falamos de sentimento de culpa inconsciente Eles bem sabem dos martírios remorsos em que se manifesta um sentimento de culpa consciente uma consciência de culpa e por isso não po dem admitir que devem abrigar em si impulsos análogos dos quais nada sentem Creio que em certa medida atenderemos à sua objeção se rejeitarmos a expressão sentimento de culpa in consciente psicologicamente incorreta de todo modo e utilizarmos necessidade de punição que cobre de maneira igualmente precisa o estado de coisas observado Mas não 174326 podemos nos abster de julgar e localizar este sentimento de culpa inconsciente conforme o modelo do consciente Atribuímos ao Supereu a função da consciência moral e vi mos na consciência de culpa a expressão de uma tensão entre Eu e Supereu O Eu reage com sentimentos de angústia angústia da consciência à percepção de que não ficou à altura das exigên cias colocadas por seu ideal o Supereu O que desejamos saber é como o Supereu chegou a ter esse exigente papel e por que o Eu tem de sentir medo quando há uma divergência com o seu ideal Havendo dito que a função do Eu é unir conciliar as exigên cias das três instâncias a que serve podemos acrescentar que ele também tem no Supereu o modelo a que pode procurar seguir Pois este Supereu representa tanto o Id como o mundo exterior Ele se originou da introjeção no Eu dos primeiros objetos dos impulsos libidinais do Id o casal de genitores na qual a relação com os dois foi dessexualizada foi desviada dos objetivos sexuais diretos Apenas desse modo foi possível a superação do com plexo de Édipo O Supereu conservou características essenciais das pessoas introjetadas seu poder sua severidade sua inclin ação a vigiar e punir Como foi exposto em outro lugar3 é fácil conceber que graças à desagregação de instintos que ocorre jun tamente com essa introdução no Eu a severidade aumentou O Supereu a consciência nele atuante pode então ser duro cruel inexorável com o Eu que é por ele guardado O imperativo categórico de Kant é assim herdeiro direto do complexo de Édipo Porém as mesmas pessoas que continuam a atuar no Supereu como instância da consciência moral após haverem deixado de ser objetos dos impulsos libidinais do Id são parte igualmente 175326 do mundo externo real Dele foram retiradas seu poder atrás do qual se escondem todas as influências do passado e da tradição era uma das mais palpáveis manifestações da realidade Devido a esta coincidência o Supereu o substituto do complexo de Édipo tornase também representante do mundo externo real e assim modelo para os esforços do Eu Dessa maneira o complexo de Édipo demonstra ser como já se conjecturou no plano histórico4 a fonte de nossa moralidade individual No curso do desenvolvimento infantil que leva ao progressivo afastamento em relação aos genitores decai a im portância pessoal deles para o Supereu Às imagos por eles deixadas juntamse então as influências de professores autorid ades modelos escolhidos pelo indivíduo e heróis socialmente re conhecidos cujas pessoas já não precisam ser introjetadas pelo Eu que se tornou mais resistente A derradeira figura desta série que principia com os pais é o obscuro poder do destino que pouquíssimos de nós conseguem apreender de forma impessoal Quando o escritor holandês Multatuli5 substitui a Μοιρα Destino dos gregos pelo par divino Λόγος και Ανάγκη Razão e necessidade há pouco a objetar nisso mas todos aqueles que transferem a condução do mundo para a Providência para Deus ou Deus e a Natureza provocam a suspeita de que ainda veem nessas potências últimas e remotas um casal de genitores mit ologicamente e se acreditam ligados a elas por laços libidinais Em O Eu e o Id procurei derivar dessa concepção parental do destino também o medo real da morte que têm os seres hu manos Parece muito difícil libertarse dela Após essas considerações podemos voltar à discussão do masoquismo moral Dissemos que por sua conduta no trata mento e na vida certas pessoas causam a impressão de serem 176326 moralmente inibidas de um modo excessivo de se acharem sob o domínio de uma consciência particularmente sensível embora não estejam cônscias dessa hipermoral Num exame mais detido notamos a diferença que há entre uma tal continuação inconsciente da moral e o masoquismo moral Na primeira a ên fase recai sobre o intensificado sadismo do Supereu ao qual o Eu se submete no segundo sobre o próprio masoquismo do Eu que anseia por castigo quer do Supereu quer dos poderes par entais externos Nossa confusão inicial pode ser desculpada pois em ambos os casos tratase de uma relação entre o Eu e o Super eu ou poderes a estes equivalentes nas duas vezes lidamos com uma necessidade que é satisfeita mediante o castigo e o sofri mento Não será um detalhe irrelevante que o sadismo do Super eu se torne gritantemente cruel em geral enquanto a tendência masoquista do Eu permaneça quase sempre oculta ao indivíduo e tenha de ser inferida do seu comportamento A inconsciência do masoquismo moral nos leva naturalmente a uma pista Pudemos traduzir a expressão sentimento de culpa inconsciente como necessidade de castigo nas mãos de um poder parental Ora sabemos que o desejo de ser surrado pelo pai tão frequente nas fantasias é muito próximo àquele outro de ter uma relação sexual passiva feminina com ele e constitui apenas uma deformação regressiva deste Inserindo esse esclare cimento no conteúdo no masoquismo moral seu significado oculto vem a ser claro para nós Consciência e moralidade sur giram com a superação a dessexualização do complexo de Édipo com o masoquismo moral a moralidade é novamente sexualizada o complexo de Édipo é revitalizado abrese o cam inho para regredir da moralidade ao complexo de Édipo Isto não beneficia nem a moral nem o indivíduo É verdade que este 177326 pode haver conservado junto ao seu masoquismo toda a sua moralidade ou um certo grau dela mas boa parte de sua con sciência moral também pode ter desaparecido graças ao masoquismo Por outro lado o masoquismo gera a tentação de atos pecadores que então devem ser expiados mediante os re proches da consciência sádica como se vê em tantos tipos de caráter russos ou o disciplinamento imposto pela grande autor idade parental do Destino A fim de provocar o castigo por este representante dos pais o masoquista tem de fazer coisas inad equadas de agir contra seus próprios interesses arruinando as perspectivas que para ele se abrem no mundo real e eventual mente destruindo a sua própria existência real A volta do sadismo contra a própria pessoa acontece regular mente na repressão cultural dos instintos que impede que boa parte dos componentes instintuais destrutivos da pessoa tenham aplicação na vida Podese imaginar que esta porção re freada do instinto de destruição surja no Eu como uma intensi ficação do masoquismo Mas os fenômenos da consciência mor al levam a supor que a destrutividade que retorna do mundo ex terior também é acolhida pelo Supereu sem tal transformação e eleva o sadismo deste para com o Eu O sadismo do Supereu e o masoquismo do Eu complementam um ao outro e se juntam para produzir as mesmas consequências Apenas assim creio podese compreender que da repressão instintual resulte com frequência ou em todos os casos um sentimento de culpa e que a consciência venha a ser mais severa e mais sensível quando o indivíduo mais se abstém da agressão a outros Poder íamos esperar de uma pessoa que sabe que costuma não fazer agressões culturalmente indesejáveis que tenha uma boa con sciência e vigie o próprio Eu com menor desconfiança Em geral 178326 a situação é vista como se a exigência moral fosse o elemento primário e a renúncia instintual a sua consequência Mas assim continua sem explicação a origem da moralidade Na realidade parece ocorrer o inverso a primeira renúncia instintual é forçada por poderes externos e apenas então ela cria a moralid ade que se expressa na consciência e exige nova renúncia instintual Desse modo o masoquismo moral vem a ser testemunha clás sica da existência da mistura de instintos Seu caráter perigoso se deve ao fato de proceder do instinto de morte correspondendo à parte deste que escapou de ser voltada para fora como instinto de destruição Por outro lado tendo ele a significação de um componente erótico também a autodestruição do indivíduo não pode ocorrer sem satisfação libidinal Não há espaço de uma linha vazia entre esse parágrafo e o anterior na edição alemã utilizada Gesammelte Werke Mas considerando que faz sentido um espaço nesse ponto e que ele se acha numa edição alemã mais recente Studienausgabe resolvemos incorporálo aqui e em alguns outros lugares Amansamento Bändigung O termo original inclui também o sentido de refreamento de sujeição com o uso de uma correia Band associada ao verbo binden ligar atar este sentido se acha em algumas das versões estrangeir as utilizadas doma domeñamiento imbrigliamento domptage taming breideling James Strachey observa numa nota que Freud também recorre a essa palavra na terceira seção de Análise terminável e interminável 1937 e que a ideia de taming domar lembranças já aparecera no Esboço Entwurf que ele prefere traduzir por Project de uma Psicologia de 1895 seção 3 Parte iii Negada verleugnet nas versões estrangeiras consultadas excluida desmentida rinnegata soit lobjet dun déni disavowed geloochend Em 179326 outras ocasiões verleugnen foi traduzido por recusar Mas parece melhor no presente contexto a versão por negar cf Paulo César de Souza As pa lavras de Freud op cit capítulo sobre Verneinung 1 Ver A organização genital infantil 1923 A própria pessoa das eigene Selbst literalmente o próprio si mesmo como preferiram alguns tradutores el propio yo el símismo propio la pro pria persona le propre soi the self het eigen zelf 2 O Eu e o Id 1923 3 O Eu e o Id 1923 4 Totem e tabu 1913 Nossa moralidade individual unsere individuelle Sittlichkeit Moral Ser ia redundante reproduzir o termo entre parênteses do original uma vez que traduzimos Sittlichkeit por moralidade Também é possível traduzila por eticidade como fez Rubens Rodrigues Torres Filho em suas versões de trechos selecionados de Friedrich Nietzsche Obras incompletas coleção Os Pensadores São Paulo Abril Cultural 2a ed 1979 p 159 nota relativa ao 9 de Aurora intitulado Conceito da eticidade do costume O termo alemão vem de Sitte costume assim como moral deriva da palavra latina para costume mos Da mesma forma o adjetivo ético tem origem no vocábulo grego de igual sentido ethos Cf também de Nietzsche Genealogia da moral São Paulo Companhia das Letras 1999 segunda dissertação nota 2 à tradução e Humano demasiado humano mesma editora 2000 notas 44 e 137 traduções de autoria deste tradutor 5 E Douwes Dekker 182087 Nome verdadeiro do romancista holandês um dos favoritos de Freud que usava o pseudônimo de Multatuli Essas duas palavras gregas têm significados amplos que não se limitam àqueles dados entre colchetes Segundo o Dicionário gregoportuguês de Isidro Pereira Porto Livraria Apostolado da Imprensa 5a ed 1976 Logos 180326 pode significar entre outras coisas palavra máxima argumento razão in teligência juízo e Ananke tem os sentidos de necessidade destino miséria sofrimento cárcere Cabe registrar também que a primeira é um substantivo masculino e a segunda feminino Hipermoral Übermoral Freud juntou ao substantivo Moral o prefixo über que denota posição acima abundância ou excesso É o mesmo prefixo usado em ÜberIch Supereu e no célebre Übermensch superhomem ni etzschiano Nesse caso os tradutores consultados empregam supermoral hipermoral ipermoralità hypermorale ultramorality buitensporig strenge moraal moral excessivamente severa Repressão cultural dos instintos kulturelle Triebunterdrückung nas traduções consultadas sojuzgamiento cultural de los instintos sofocación cultural de las pulsiones repressione delle pulsioni ad opera della civiltà ré pression culturelle des pulsions cultural suppression of the instincts cul turele driftonderdrukking No Vocabulário da psicanálise conforme a 11a ed São Paulo Martins Fontes 1991 Laplanche e Pontalis distinguem entre recalque ou recalcamento Verdrängung e repressão Unterdrückung argumentando que essa distinção é claramente estabelecida pelo próprio Freud As passagens de Freud por eles invocadas no entanto não permitem uma diferenciação tão nítida como procurei demonstrar em As palavras de Freud op cit capítulo sobre Verdrängung 181326 A DISSOLUÇÃO DO COMPLEXO DE ÉDIPO 1924 TÍTULO ORIGINAL DER UNTERGANG DES ÖDIPUSKOMPLEXES PUBLICADO PRIMEIRAMENTE EM INTERNATIONALE ZEITSCHRIFT FÜR PSYCHOANALYSE REVISTA INTERNACIONAL DE PSICANÁLISE V 10 N 3 PP 24552 TRADUZIDO DE GESAMMELTE WERKE XIII PP 393402 TAMBÉM SE ACHA EM STUDIENAUSGABE V PP 24351 ESTA TRADUÇÃO FOI PUBLICADA ORIGINALMENTE EM JORNAL DE PSICANÁLISE SOCIEDADE BRASILEIRA DE PSICANÁLISE DE SÃO PAULO V 33 N 6061 PP 4839 DEZEMBRO DE 2000 ALGUMAS NOTAS DO TRADUTOR FORAM MODIFICADAS NA PRESENTE EDIÇÃO Cada vez mais se revela a importância do complexo de Édipo como o fenômeno central do período sexual da primeira infância Depois ele desaparece sucumbe à repressão como dizemos e vem o período de latência Mas ainda não é claro o que leva ao seu fim as análises parecem mostrar que são dolorosas de cepções experimentadas A menina pequena que pretende ser amada pelo pai acima de tudo algum dia sofre uma dura pun ição por parte dele e se vê expulsa do paraíso O garoto que vê a mãe como sua propriedade nota que ela passa a dirigir seu amor e seu cuidado a um recémchegado A reflexão aprofunda o valor dessas influências ao enfatizar que são inevitáveis tais experiên cias aflitivas que se opõem ao conteúdo do complexo Mesmo quando não sucedem eventos especiais como os mencionados a título de exemplos a ausência da satisfação esperada a contínua ausência do filho desejado levam a que o pequeno enamorado abandone sua desesperançada afeição Assim o complexo de Édipo desapareceria devido ao seu fracasso em consequência de sua impossibilidade interna Uma outra concepção diria que o complexo de Édipo tem de acabar porque chegou o momento de sua desintegração assim como caem os dentes de leite quando surgem os permanentes Embora o complexo de Édipo seja vivido pela maioria das pess oas individualmente ele é um fenômeno determinado pela hereditariedade por ela estabelecido que programadamente de ve passar quando começa a fase seguinte e predeterminada do desenvolvimento De modo que é indiferente quais as ocasiões que levam isso a acontecer ou que não seja possível descobrilas Não podemos contestar que as duas concepções se justificam Mas também são compatíveis entre si há lugar para a concepção ontogenética ao lado da filogenética mais abrangente Pois já no nascimento o indivíduo inteiro é destinado a morrer e talvez os seus órgãos já contenham a indicação daquilo de que morrerá Mas sempre interessa acompanhar como esse programa inato é executado de que maneira danos ocasionais tiram proveito da predisposição Recentemente pudemos perceber melhor que o desenvolvi mento sexual da criança chega até uma fase em que o genital já assumiu o papel condutor Mas esse genital é apenas o mas culino mais precisamente o pênis o feminino não foi ainda descoberto Essa fase fálica simultânea à do complexo de Édipo não continua a se desenvolver até a organização genital definit iva mas submerge e é substituída pelo período de latência Mas o seu desfecho ocorre de maneira típica e se apoiando em acontecimentos que voltam regularmente Quando a criança o garoto dirige seu interesse para o genit al revela isso pela frequente manipulação do mesmo e então descobre que os adultos não aprovam seu comportamento De modo mais ou menos claro com maior ou menor rudeza surge a ameaça de que lhe roubarão essa parte do corpo que ele tanto es tima Geralmente a ameaça de castração vem de mulheres com frequência elas buscam reforçar sua autoridade invocando o pai ou o médico que segundo afirmam executará o castigo Em certo número de casos as próprias mulheres fazem uma atenu ação simbólica da ameaça ao dizer que o genital propriamente passivo não será eliminado mas sim a mão que pecou ativa mente Com muita frequência o menino não é ameaçado de cas tração por brincar manualmente com o pênis mas por molhar a 184326 cama todas as noites e não poder ser conservado limpo As pess oas que dele cuidam agem como se a incontinência noturna fosse consequência e prova de uma excessiva ocupação com o pênis e provavelmente estão certas Em todo caso a persistência em molhar a cama deve ser equiparada à polução do adulto expri mindo a mesma excitação genital que impeliu o garoto a se mas turbar nessa época O que afirmo agora é que a organização genital fálica da cri ança sucumbe devido a essa ameaça de castração Não de imedi ato certamente e não sem que outras influências contribuam para isso Pois inicialmente o garoto não acredita nem obedece à ameaça A psicanálise atribuiu valor recentemente a duas ex periências que nenhuma criança deixa de ter e que deveriam preparála para a perda de valiosas partes de seu corpo a re tirada do peito materno de início temporária depois definitiva e a segregação do conteúdo do intestino diariamente exigida Mas não há evidência de que por ocasião da ameaça de castração essas experiências teriam efeito Apenas depois de uma outra ex periência o menino começa a contar com a possibilidade da cas tração e mesmo então hesitantemente a contragosto e não sem buscar diminuir o alcance daquilo que observou A observação que finalmente desfaz a incredulidade do garoto é a do genital feminino Em algum momento o menino orgul hoso de possuir um pênis vê a região genital de uma menina e tem de se convencer da falta do pênis num ser tão semelhante a ele Com isso também a perda do próprio pênis se torna conce bível a ameaça de castração tem efeito a posteriori Não podemos ser míopes como a pessoa que cuida da criança e a ameaça de castração não devemos ignorar que a vida sexual do garoto não se esgota na masturbação nessa época Podese 185326 demonstrar que ele se acha na atitude edípica ante seus pais a masturbação é apenas a descarga genital da excitação sexual pró pria do complexo e em todas as épocas posteriores deverá sua importância a tal relação O complexo de Édipo ofereceu ao menino duas possibilidades de satisfação uma ativa e uma pas siva Ele pôde masculinamente colocarse no lugar do pai e tal como este relacionarse com a mãe caso em que o pai logo foi visto como empecilho ou quis substituir a mãe e se fazer amar pelo pai caso em que a mãe se tornou supérflua O menino pode ter tido somente ideias vagas do que constitui a relação sexual satisfatória mas sem dúvida o pênis tinha participação nela pois as sensações do seu próprio órgão atestavam isso Ainda não havia por que duvidar da existência de pênis na mulher Admitir a possibilidade da castração perceber que a mulher é castrada punha fim às duas possibilidades de obter satisfação do com plexo de Édipo Pois ambas acarretavam a perda do pênis uma a masculina como castigo a outra feminina como pressuposto Se a satisfação amorosa no terreno do complexo de Édipo deve custar o pênis tem de haver um conflito entre o interesse nar císico nessa parte do corpo e o investimento libidinal dos objetos parentais Nesse conflito vence normalmente a primeira dessas forças o Eu da criança se afasta do complexo de Édipo Em outro lugar eu descrevi de que maneira isto sucede Os investimentos objetais são abandonados e substituídos pela identificação A autoridade do pai ou dos pais introjetada no Eu forma ali o âmago do Supereu que toma ao pai a severidade perpetua a sua proibição do incesto e assim garante o Eu contra o retorno do investimento libidinal de objeto As tendências li bidinais próprias do complexo de Édipo são dessexualizadas e sublimadas em parte o que provavelmente ocorre em toda 186326 transformação em identificação e em parte inibidas na meta e mudadas em impulsos ternos Todo o processo por um lado sal vou o genital afastou dele o perigo da perda e por outro lado paralisouo suspendeu sua função Com ele tem início o período de latência que interrompe o desenvolvimento sexual da criança Não vejo razão para recusar o nome de repressão ao afastamento do Eu do complexo de Édipo embora as repressões posteriores se originem mais frequentemente com a participação do Supereu que aqui ainda está sendo formado Mas o processo descrito é mais que uma repressão ele equivale quando realiz ado de maneira ideal a uma destruição e abolição do complexo Cabe supor que deparamos aqui com a linha divisória entre o normal e o patológico que jamais é inteiramente nítida Se o Eu realmente não alcançou muito mais que uma repressão do com plexo este persiste de modo inconsciente no Id e manifestará depois a sua ação patogênica A observação analítica permite reconhecer ou adivinhar esses nexos entre organização fálica complexo de Édipo ameaça de castração formação do Supereu e período de latência Eles jus tificam a afirmação de que o complexo de Édipo sucumbe à ameaça de castração Mas com isso não liquidamos o problema continua a haver espaço para uma especulação teórica capaz de subverter ou de pôr em nova luz o resultado alcançado Mas antes de encetar esse caminho temos de abordar uma questão que surgiu durante esta nossa discussão e que até o momento foi posta de lado O processo descrito se refere como foi explicitado à criança do sexo masculino Como o desenvolvimento corres pondente se realiza na garota pequena 187326 Neste ponto o nosso material se torna incompreensivel mente muito mais obscuro e insuficiente Também o sexo feminino desenvolve um complexo de Édipo um Supereu e um período de latência Podese atribuir a ele igualmente uma or ganização fálica e um complexo de castração A resposta é afirm ativa mas as coisas não se passam como no garoto Aqui a exigência feminista de igualdade de direito entre os sexos não vai longe a diferença morfológica tem de manifestarse em difer enças no desenvolvimento psíquico Anatomia é destino po demos dizer parodiando uma frase de Napoleão O clitóris da menina se comporta primeiramente como um pênis mas na comparação com um camarada de brinquedo do sexo masculino ela nota que saiu perdendo e sente esse fato como desvant agem e razão para inferioridade Durante algum tempo ela se consola com a expectativa de mais tarde quando crescer vir a ter um apêndice grande como o de um menino Aqui se separa o complexo de masculinidade da mulher A menina não entende sua falta de pênis como uma característica sexual explicaa pela hipótese de que já possuiu um membro do mesmo tamanho e de pois o perdeu com a castração Não parece estender essa con clusão a outras a mulheres adultas mas atribuirlhes um genital grande e completo masculino exatamente no sentido da fase fálica Disso resulta a diferença essencial de que a menina aceita a castração como fato consumado enquanto o menino teme a possibilidade da consumação Excluído o medo da castração também deixa de haver um forte motivo para a construção do Supereu e a demolição da or ganização genital infantil Bem mais que no menino essas mudanças parecem consequência da educação da intimidação externa que ameaça com a ausência de amor O complexo de 188326 Édipo da menina é muito mais inequívoco do que o do pequeno portador de pênis segundo minha experiência raramente vai além da substituição da mãe e da postura feminina diante do pai A renúncia ao pênis não é tolerada sem uma tentativa de com pensação A garota passa ao longo de uma equação simbólica poderíamos dizer do pênis ao bebê seu complexo de Édipo culmina no desejo longamente mantido de receber do pai um filho como presente de lhe gerar um filho Temos a impressão de que o complexo de Édipo vai sendo aos poucos abandonado porque tal desejo não se realiza Os dois desejos de ter um pênis e um filho permanecem fortemente investidos no inconsciente e ajudam a preparar o ser feminino para o seu futuro papel sexu al A intensidade menor da contribuição sádica ao instinto sexu al que bem podemos relacionar ao definhamento do pênis facil ita a transformação das tendências diretamente sexuais em afetuosas inibidas na meta Mas no conjunto é preciso admitir que nossa compreensão desses processos de desenvolvimento da menina é insatisfatória plena de lacunas e pontos obscuros Não duvido que sejam típicas as relações temporais e causais entre complexo de Édipo intimidação sexual ameaça de cas tração formação do Supereu e começo do período de latência que aqui foram descritas Mas não desejo afirmar que esse tipo seja o único possível Variações na sequência temporal e no en cadeamento dos processos terão de ser muito significativas para o desenvolvimento do indivíduo Desde que foi publicado o interessante estudo de Otto Rank sobre o Trauma do nascimento também o resultado desta pequena investigação o de que o complexo de Édipo do menino sucumbe ao medo da castração não pode ser acolhido sem maior discussão No entanto pareceme prematuro entrar nessa 189326 discussão agora e talvez também inadequado iniciar aqui uma crítica ou apreciação do ponto de vista de Rank Ausência Versagung que geralmente traduzimos por frustração O Vocabulário da psicanálise lembra corretamente a generalidade do uso desse termo e a dificuldade de acharlhe uma tradução que não dependa do contexto cf apêndice C de As palavras de Freud op cit Algumas das versões estrangeiras tendem a lhe atribuir uma acepção técnica específica que ele não possui omissão na tradução espanhola denegación frustrazione re fusement denial weigering recusa Desintegração Auflösung no original do verbo auflösen dissolver desintegrar Já o termo usado no título deste ensaio Untergang pode signi ficar ruína naufrágio ocaso poente referindose ao sol destruição Ele se acha por exemplo no título de um livro famoso de Oswald Spengler Der Un tergang des Abendlandes O declínio do Ocidente e no de um longo poema de Hans Magnus Enzensberger Der Untergang des Titanic O naufrágio do Titanic Dois dos tradutores consultados também preferiram dissolução para verter o título disolución sepultamiento tramonto disparition dis solution ondergang Em O Eu e o Id 1923 cap iii Freud já havia mencion ado o Untergang ou Zertrümmerung desmoronamento desintegração do complexo de Édipo A posteriori nachträglich Cf capítulo sobre esse termo em As palavras de Freud op cit As versões consultadas oferecem entonces con posteriorid ad posticipatamente après coup idem deferred effect alsnog effect alsnog significa ainda No terceiro capítulo de O Eu e o Id 1923 Supereu Überich A versão brasileira do Vocabulário de psicanálise ap resenta supereu como alternativa para superego A forma com hífen e com maiúscula me parece melhor porque mantém em destaque o Eu como no original Quanto à alternativa supereusuperego há argumentos a favor de ambas as formas Supereu tem a vantagem da relação com Eu que nos parece preferível a ego mas talvez ainda soe estranha ao passo que superego 190326 está difundido tem o peso da tradição criada pela edição Standard brasileira que o tomou da Standard inglesa cf nota em O Eu e o Id neste volume Recusar versagen Outro exemplo em que versagen não tem um sentido técnico Nas traduções consultadas no considerar como denegar rifi utare refuser denying onthouden privar negar Id Es Embora também apareça como alternativa para Id na mencionada edição do Vocabulário de psicanálise e embora tenha sido usada na versão brasileira da obra de Georg Groddeck O Livro dIsso Ed Perspectiva 1987 a forma Isso talvez não soe menos estranha do que Supereu Os italianos adotaram io superio e es ou seja conservaram o termo alemão apenas para uma das três instâncias de modo que haveria um precedente para se usar Eu Supereu e Id em português Ou talvez como achava a psicanalista e tradutora Marilene Carone o trio ego superego e id já tenha se institucional izado na psicanálise brasileira a ponto de tornar ociosa qualquer discussão a respeito ela também achava artificial a alternativa Sobre a adoção dos ter mos latinos pelos ingleses e portanto no Brasil ver o capítulo Ich ego moi Es id ça em As palavras de Freud op cit ver também a longa nota sobre a versão desses termos na 31a das Novas conferências introdutórias v 18 destas Obras completas p 213 Sucumbe à ameaça de castração an der Kastrationsdrohung zugrunde geht No verbo alemão que significa arruinarse perecer ir a pique há um nexo com o sentido náutico do substantivo empregado no título Nas demais traduções sucumbe a la amenaza va al fundamentto a raíz de la amenaza tramonta in forza della minaccia sombre du fait de la menace périt de la menace the destruction of the Oedipus complex is brought about by the threat te gronde gaat mesmo verbo em alemão Segundo informa a nova edição francesa a frase de Napoleão foi Le destin cest la politique Saiu perdendo zu kurz gekommen ist aspas no original a expressão alemã significa também literalmente saiu curto demais Das outras versões 191326 apenas a inglesa e a francesa esclarecem esse duplo sentido encuentra pequeño el suyo demasiado corto è troppo piccoloréduite à la portion congrue uma nota acrescenta être mal loti ne pas avoir sa part e explica que a tradução literal seria venir trop court come off badly uma nota traz o sentido literal come off too short te kort gekomen is 192326 A PERDA DA REALIDADE NA NEUROSE E NA PSICOSE 1924 TÍTULO ORIGINAL DER REALITÄTSVERLUST BEI NEUROSE UND PSYCHOSE PUBLICADO PRIMEIRAMENTE EM INTERNATIONALE ZEITSCHRIFT FÜR PSYCHOANALYSE REVISTA INTERNACIONAL DE PSICANÁLISE V 11 N 4 PP 40110 TRADUZIDO DE GESAMMELTE WERKE XIII PP 3638 TAMBÉM SE ACHA EM STUDIENAUSGABE III PP 35561 Recentemente1 apontei como um dos traços que distinguem a neurose da psicose que na primeira o Eu em sua dependência da realidade reprime uma parte do Id da vida instintual en quanto na psicose o mesmo Eu a serviço do Id retirase de uma parte da realidade Para a neurose então o fator decisivo seria a influência preponderante da realidade para a psicose a influên cia do Id A perda da realidade já estaria na psicose desde o iní cio na neurose parece ela seria evitada Mas isso não condiz em absoluto com o que todos nós po demos saber por experiência que toda neurose perturba de al gum modo a relação do doente com a realidade que é um meio para ele retirarse desta e em suas formas graves significa diretamente uma fuga da vida real Essa contradição dá o que pensar mas não é difícil eliminála e seu esclarecimento ajudará em nossa compreensão da neurose A contradição existe apenas enquanto temos em vista a situ ação do início da neurose na qual o Eu a serviço da realidade efetua a repressão de um impulso instintual Mas isto não é ainda a neurose mesma Ela consiste antes nos processos que trazem compensação para a parte prejudicada do Id ou seja na reação à repressão e no malogro desta O afrouxamento da re lação com a realidade é consequência deste segundo estágio na formação da neurose e não nos surpreenderia se um exame de talhado mostrasse que a perda da realidade afeta justamente a porção da realidade por cujas exigências produziuse a repressão instintual A caracterização da neurose como resultado de uma repressão malograda não é coisa nova Sempre afirmamos isso e apenas devido ao novo contexto foi necessário repetilo A mesma objeção aliás torna a se apresentar marcantemente no caso de uma neurose da qual sabemos o fator ocasionador a cena traumática e em que podemos ver como a pessoa se afasta de tal experiência e a abandona à amnésia Retomo à guisa de exemplo um caso por mim analisado há muito tempo2 no qual uma garota apaixonada pelo cunhado estando junto ao leito de morte da irmã é abalada pela seguinte ideia Agora ele está livre pode se casar comigo Esta cena é imediatamente esque cida e tem início o processo de regressão que conduz às dores histéricas É justamente instrutivo nessa história ver por qual caminho a neurose busca resolver o conflito Ela tira valor à mudança real ao reprimir a exigência instintual em questão ou seja o amor ao cunhado A reação psicótica seria recusar o fato da morte da irmã Poderíamos esperar que no surgimento da psicose ocorresse alguma coisa análoga ao processo que se verifica na neurose naturalmente entre outras instâncias Ou seja que também na psicose fossem visíveis dois estágios dos quais o primeiro arran caria o Eu da realidade dessa vez enquanto o segundo tenderia a corrigir o dano e restabeleceria a relação com a realidade à custa do Eu Realmente algo análogo pode ser observado na psicose também nela há dois estágios dos quais o segundo com porta o caráter de reparação mas logo a analogia dá lugar a uma convergência bem maior dos dois processos O segundo estágio da psicose visa também compensar a perda da realidade mas não à custa de uma restrição do Id como na neurose à custa da relação com o real e sim por uma via mais autônoma pela 195326 criação de uma nova realidade que não desperte a mesma ob jeção que aquela abandonada Logo tanto na neurose como na psicose o segundo estágio é conduzido pelas mesmas tendências nos dois casos ele serve às aspirações de poder do Id que não se deixa coagir pela realidade Tanto a neurose como a psicose são expressão da rebeldia do Id contra o mundo externo de seu de sprazer ou se quiserem de sua incapacidade de adequarse à ne cessidade real à Ανάγκη necessidade Neurose e psicose diferenciamse muito mais na primeira reação que as introduz do que na tentativa de reparação que lhe segue A diferença inicial se exprime então no resultado final na neurose uma porção da realidade é evitada mediante a fuga en quanto na psicose é remodelada Ou podemos dizer que na psicose a fuga inicial é seguida de uma ativa fase de remod elação e na neurose a obediência inicial é seguida de uma pos terior tentativa de fuga Ou de outra maneira ainda a neurose não nega a realidade apenas não quer saber dela a psicose a nega e busca substituíla Chamamos de normal ou sadio o comportamento que une certos traços de ambas as reações que nega a realidade tão pouco como a neurose mas se empenha em alterála como a psicose Essa conduta adequada aos fins nor mal leva naturalmente a um trabalho efetuado no mundo exteri or e não se limita como na psicose a mudanças internas já não é autoplástica mas aloplástica Na psicose a remodelação da realidade acontece nos precipit ados psíquicos das relações até então mantidas com ela ou seja nos traços mnemônicos ideias e juízos que dela foram ad quiridos até então e pelos quais ela era representada na vida psíquica Mas essa nunca foi uma relação fechada sempre foi continuamente enriquecida e transformada por novas 196326 percepções Assim também a psicose depara com a tarefa de ob ter percepções tais que correspondam à nova realidade o que é feito do modo mais radical pela via da alucinação Quando em muitas formas e casos de psicose os lapsos de memória delírios e alucinações mostram caráter bastante grave e se ligam ao desenvolvimento de angústia isto é sinal de que todo o processo de transformação se realiza contra violentas forças opositoras Podemos construir o processo com base no exemplo da neurose por nós conhecido Nele vemos que se reage com angústia a cada vez que o instinto reprimido faz um avanço e que o resultado do conflito é apenas um compromisso imperfeito como satisfação Na psicose provavelmente a porção rechaçada da realidade volta sempre a importunar a psique como faz na neurose o instinto reprimido e por isso as consequências são as mesmas em ambos os casos Uma tarefa ainda não acometida pela psiquiatria espe cializada é o exame dos diferentes mecanismos que nas psicoses devem produzir o distanciamento da realidade e sua recon strução assim como o grau de êxito que podem alcançar Uma outra analogia entre neurose e psicose portanto con siste em que nas duas a tarefa realizada no segundo estágio mal ogra parcialmente na medida em que o instinto reprimido não consegue arranjar um substituto integral neurose e aquilo que representa a realidade não pode ser vertido em formas satis fatórias não pelo menos em todas as formas de doença psíquica Mas a ênfase não é a mesma nos dois casos Na psicose ela cai totalmente no primeiro estágio que é em si patológico e pode levar apenas à doença na neurose cai no se gundo no fracasso da repressão enquanto o primeiro pode ser sucedido tendoo sido muitas vezes no âmbito da saúde embora não sem pagar um preço e deixar traços do dispêndio psíquico 197326 exigido Essas diferenças e talvez muitas outras resultam da distinção topográfica na situação inicial do conflito patogênico se o Eu nela cedeu à sua fidelidade ao mundo real ou à sua de pendência do Id Por via de regra a neurose se contenta em evitar a porção da realidade em questão e protegerse do encontro com ela A difer ença aguda entre neurose e psicose no entanto é diminuída pelo fato de também na neurose haver tentativas de substituir a real idade indesejada por outra mais conforme aos desejos Isto é possibilitado pela existência de um mundo da fantasia de um âmbito que foi separado do mundo externo real quando da in trodução do princípio da realidade desde então é conservado livre das exigências da vida à maneira de uma reserva e em bora não seja inacessível ao Eu é ligado frouxamente a este Desse mundo da fantasia a neurose retira o material para suas novas construções de desejo achandoo geralmente pelo cam inho da regressão a um passado real mais satisfatório Dificilmente se duvidará que na psicose o mundo da fantasia tem o mesmo papel que também nela constitui o armazém do qual é extraído o material ou o modelo para construir a nova realidade Mas o novo mundo exterior fantástico da psicose pre tende se pôr no lugar da realidade externa enquanto o da neur ose tal como o jogo das crianças apoiase de bom grado numa porção da realidade uma diferente daquela de que foi preciso defenderse dálhe uma importância especial e um sentido oculto que de maneira nem sempre correta chamamos de sim bólico Assim tanto para a neurose como para a psicose há a considerar não apenas a questão da perda da realidade mas também de uma substituição da realidade 198326 1 Neurose e psicose Internationale Zeitschrift für Psychoanalyse x 1924 Caderno 1 2 Estudos sobre a histeria 1895 Regression no original Na Standard inglesa uma nota de James Strachey assegura que esse é o termo encontrado em todas as edições alemãs que ele consultou e não Verdrängung repressão e é também o que se acha na Studienausgabe posterior à Standard Recusar verleugnen nas traduções estrangeiras negar desmentir rinnegare dénier a disavowal loochenen equivalente ao alemão leugnen negar Assim como o grau de êxito que podem alcançar no original sowie des Ausmaßes von Erfolg das sie erzielen können Esse trecho é omitido na ver são de LópezBallesteros e na Standard inglesa Na primeira isso não causa espécie pois a antiga tradução espanhola está eivada de erros e omissões na segunda é surpreendente pois um cochilo é algo raro na edição de Strachey Aquilo que representa a realidade die Realitätsvertretung As versões con sultadas dizem la representación de la realidad la subrogación de la realid ad il rimpiazzamento della realtà ce qui représente la réalité the represent ation of reality de vervanging substituição van de realiteit Ver nota a Neurose e psicose neste volume p 178 Novas construções de desejo Wunschneubildungen O termo alemão é composto de três palavras Bildungen formações neu novo e Wunsch desejo no sentido de voto ou anelo não de desejo sexual equivalente ao inglês wish As versões consultadas apresentam nuevos productos optativos neoformaciones de deseo neoformazioni di desiderio nouvelles formations de désir new wishful constructions nieuwe wensvormingen 199326 RESUMO DA PSICANÁLISE 1924 TÍTULO ORIGINAL KURZER ABRiß DER PSYCHOANALYSE PUBLICADO PRIMEIRAMENTE EM VERSÃO INGLESA NO VOLUME THESE EVENTFUL YEARS THE 20TH CENTURY IN THE MAKING AS TOLD BY MANY OF ITS MAKERS NOVA YORK ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA CO 1924 PRIMEIRA EDIÇÃO ALEMÃ GESAMMELTE SCHRIFTEN XI PP 183200 1928 TRADUZIDO DE GESAMMELTE WERKE XIII PP 40327 A psicanálise nasceu com o século xx por assim dizer A pub licação com que se apresentou ao mundo como algo novo minha Interpretação dos sonhos tem a data de 1900 Mas natural mente não brotou das rochas nem caiu do céu Ligase a coisas anteriores a que dá prosseguimento resulta de estímulos que veio a elaborar Então sua história tem de começar com a ex posição das influências que foram decisivas em sua gênese e não pode esquecer o tempo e as circunstâncias anteriores à sua criação A psicanálise cresceu num terreno bem delimitado Seu objet ivo originalmente era apenas conhecer algo sobre a natureza das doenças nervosas denominadas funcionais a fim de super ar a impotência médica no tratamento de tais doenças Os neuro logistas de então haviam sido educados no alto respeito aos fatos químicofísicos e anatômicopatológicos estavam por fim sob a influência dos achados de Von Hitzig e Fritsch Ferrier Goltz e outros que parecem demonstrar uma ligação íntima talvez ex clusiva entre certas funções e determinadas partes do cérebro Sobre o fator psíquico não viam o que dizer não podiam apreendêlo deixavamno para os filósofos místicos e charlat ães e também consideravam pouco científico lidar com ele Em consequência não achavam acesso aos segredos das neuroses sobretudo da misteriosa histeria que constituía o modelo de todo o gênero Ainda em 1885 quando frequentei aulas na Salpêtrière soube que em relação às paralisias histéricas os especialistas contentavamse com a fórmula de que elas se de viam a leves transtornos funcionais das mesmas partes do cérebro que em caso de lesão grave gerariam a paralisia orgân ica correspondente Naturalmente a terapia desses estados patológicos também era afetada pela ausência de compreensão Ela consistia em me didas geralmente tonificantes na prescrição de remédios e em tentativas de exercer influência psíquica na maioria das vezes inadequadas e executadas de forma rude como intimidações zombarias exortações a valerse da própria vontade controlar se Especificamente para os estados nervosos recomendavase o tratamento elétrico mas quem buscasse aplicálo conforme as instruções detalhadas de W Erb tinha de surpreenderse com o espaço que mesmo numa ciência supostamente exata a imagin ação podia ocupar A mudança decisiva ocorreu quando na década de 1880 os fenômenos do hipnotismo novamente requer eram admissão na ciência médica com êxito maior do que em muitas ocasiões anteriores graças ao trabalho de Liébault Bernheim Heidenhain e Forel A questão era antes de tudo que a autenticidade desses fenômenos fosse reconhecida Uma vez admitido isso duas lições fundamentais e inolvidáveis eram in evitavelmente extraídas do hipnotismo Primeiro chegouse à convicção de que evidentes mudanças físicas eram apenas o res ultado de influências psíquicas que o hipnotizador mesmo havia provocado segundo adquiriuse a mais clara impressão sobre tudo a partir do comportamento das pessoas após a hipnose da existência dos processos psíquicos que só podiam ser denomina dos inconscientes É certo que havia muito o inconsciente era discutido pelos filósofos como um conceito teórico mas nos fenômenos do hipnotismo ele se tornou pela primeira vez con creto palpável e objeto de experimento Além disso tais 202326 fenômenos mostravam inconfundível semelhança com as mani festações de algumas neuroses Dificilmente se pode exagerar a importância do hipnotismo no surgimento da psicanálise Seja no aspecto teórico seja no terapêutico a psicanálise administra um legado que herdou do hipnotismo A hipnose também demonstrou ser de grande auxílio no estudo das neuroses principalmente da histeria Produziram enorme impressão os experimentos de Charcot Ele supôs que certas paralisias que surgiam após um trauma um acidente eram de natureza histérica e pôde provocar artificialmente pela sugestão de um trauma durante a hipnose paralisias com as mesmas características Disso resultou a expectativa de que as experiências traumáticas possam de maneira geral participar da gênese dos sintomas histéricos Charcot mesmo não se empen hou numa compreensão psicológica da neurose histérica mas seu discípulo Pierre Janet retomou esses estudos e com o auxílio da hipnose pôde mostrar que os sintomas da histeria se acham em estreita ligação com determinados pensamentos incon scientes idées fixes Para Janet a histeria se caracterizava por uma incapacidade constitucional de manter unidos os processos psíquicos da qual resultaria uma dissociação da vida psíquica No entanto a psicanálise não partiu absolutamente dessas pesquisas de Janet Para ela foi determinante a experiência de um médico de Viena o dr Josef Breuer Em 1881 de forma inde pendente ele pôde estudar e curar com ajuda da hipnose uma moça altamente dotada que sofria de histeria Apenas quinze anos mais tarde as conclusões de Breuer foram publicadas após ele tomar o presente autor Freud como colaborador O caso por 203326 ele tratado conserva até hoje uma importância única para a nossa compreensão das neuroses de maneira que é imprescindível examinálo com mais vagar É necessário apreender claramente a peculiaridade desse caso A garota adoe ceu enquanto cuidava do pai que muito amava Breuer pôde demonstrar que todos os sintomas se ligavam à assistência ao pai e nela encontravam explicação Pela primeira vez um enig mático caso de neurose foi inteiramente penetrado e todas as suas manifestações patológicas revelaramse dotadas de sentido Além do mais era característica geral dos sintomas que eles haviam surgido em situações envolvendo um impulso para uma ação que não fora levado a efeito mas suprimido por causa de outros motivos No lugar dessas ações omitidas apareceram justamente os sintomas Assim quanto à etiologia dos sintomas histéricos éramos remetidos à vida emocional afetividade e ao jogo das forças psíquicas dinamismo e desde então esses dois aspectos nunca foram abandonados Breuer equiparou os ensejos para o surgimento dos sintomas aos traumas de Charcot Era notável que esses ensejos traumáti cos e todos os impulsos psíquicos a eles ligados estivessem per didos para a memória da paciente como se jamais tivessem ocorrido enquanto seus efeitos os sintomas permaneciam inal terados como se para eles não houvesse desgaste pelo tempo Portanto encontrouse aí uma nova prova da existência de pro cessos psíquicos inconscientes mas por isso mesmo particular mente poderosos tais como havíamos encontrado primeira mente nas sugestões póshipnóticas O procedimento terapêutico de Breuer consistia em induzir a enferma sob hipnose a re cordar os traumas esquecidos e reagir a eles com intensas exteri orizações de afeto Com isso desaparecia o sintoma que até então 204326 estava no lugar dessas exteriorizações emocionais Portanto o mesmo procedimento servia simultaneamente à pesquisa e à eliminação da enfermidade e também essa inusual combinação foi depois mantida na psicanálise Após o presente autor confirmar os resultados de Breuer em bom número de pacientes nos primeiros anos da década de 1890 os dois Breuer e Freud decidiram fazer uma publicação que contivesse suas experiências e a tentativa de uma teoria nelas baseada Estudos sobre a histeria 1895 Essa teoria afirmava que o sintoma histérico surge quando o afeto de um processo psíquico bastante investido afetivamente é afastado da elabor ação consciente normal e assim encaminhado por uma via er rada Então ele se converte no caso da histeria em inusual in ervação somática conversão mas com a reanimação da vivên cia durante a hipnose pode ser guiado para outra direção e despachado abreação Os autores chamaram seu procedi mento de catarse purificação liberação do afeto sufocado O método catártico é o precursor direto da psicanálise e nela permanece como núcleo apesar de todos os acréscimos na ex periência e todas as modificações na teoria Mas ele não era senão uma nova maneira de influir clinicamente sobre determin adas doenças nervosas e nada indicava que pudesse vir a ser ob jeto do interesse geral e da mais veemente oposição II Pouco depois da publicação dos Estudos sobre a histeria teve fim a colaboração de Breuer e Freud O primeiro que se ocupava propriamente da medicina interna abandonou o tratamento de 205326 doenças nervosas O segundo empenhouse em continuar aper feiçoando o instrumento que lhe deixara o colega mais velho as inovações técnicas que introduziu e as descobertas que fez trans formaram o método catártico na psicanálise O passo mais prenhe de consequências foi sua decisão de renunciar ao auxílio técnico da hipnose Fez isso por dois motivos primeiro porque não eram muitos os pacientes que conseguia pôr em hipnose embora tivesse feito um curso com Bernheim em Nancy se gundo porque estava insatisfeito com os resultados terapêuticos da catarse baseada na hipnose Esses resultados eram patentes e surgiam após um breve período de tratamento mas revelavam se pouco duradouros e muito dependentes da relação pessoal do paciente com o médico O abandono da hipnose significou uma ruptura com o método até então desenvolvido e um novo começo Mas a hipnose realizava o serviço de conduzir à lembrança consciente o que fora esquecido pelo doente Era necessário substituíla por outra técnica Então ocorreu a Freud a ideia de trocála pelo método da associação livre isto é requereu que os doentes abandonassem toda reflexão consciente e em tranquila concentração se entregassem ao curso de seus pensamentos es pontâneos ou involuntários a tatear a superfície de sua con sciência Deviam comunicar ao médico tais pensamentos ainda quando tivessem objeções a eles como por exemplo de que o pensamento era muito desagradável absurdo ou impertin ente A escolha da livre associação como meio para pesquisar o material inconsciente esquecido parece tão estranha que não será inútil despender algumas palavras em sua justificação Freud tinha a expectativa de que a livre associação se revelaria não livre na realidade uma vez que após a supressão de toda 206326 intenção de pensar conscientemente ficaria claro que os pensamentos eram determinados pelo material inconsciente Essa expectativa foi justificada pela experiência Seguindo a livre associação obedecendo à mencionada regra psicanalítica fun damental obtínhamos um rico material de coisas que vinham à mente do paciente que podiam nos levar à pista do que ele havia esquecido Embora esse material não trouxesse o que fora esque cido mesmo continha claras e numerosas alusões a ele de forma que o médico podia adivinhar reconstruir o esquecido com de terminadas complementações e interpretações Associação livre e arte interpretativa realizavam o mesmo que a hipnotização anteriormente Aparentemente havíamos dificultado e complicado o trabalho para nós mesmos mas o ganho inestimável era obtermos com preensão de um jogo de forças que no estado hipnótico se ocultava ao observador Percebemos que o trabalho de descobrir o patogenicamente esquecido precisava lutar contra uma res istência constante e muito intensa Já eram manifestações dessa resistência as objeções críticas com que o paciente procurava ex cluir da comunicação os pensamentos que lhe ocorriam e contra as quais era dirigida a regra psicanalítica fundamental Foi a partir da consideração dos fenômenos da resistência que nasceu um dos pilares da doutrina psicanalítica das neuroses a teoria da repressão Era plausível imaginar que as mesmas forças que então se opunham a que o material patogênico se tornasse con sciente haviam se empenhado antes da mesma forma com sucesso Preenchiase então uma lacuna na etiologia dos sinto mas neuróticos As impressões e os impulsos psíquicos para os quais os sintomas estavam servindo de substitutos não foram esquecidos sem qualquer fundamento ou devido a uma 207326 incapacidade constitucional para a síntese como pensava Janet Ocorreu isto sim que por influência de outras forças psíquicas experimentaram uma repressão cujo êxito e indício era justa mente o fato de serem mantidos fora da consciência e excluídos da lembrança Apenas devido a essa repressão tornaramse pato gênicos isto é por caminhos inusuais adquiriram expressão como sintomas Era preciso ver o conflito entre dois grupos de tendências psíquicas como o motivo da repressão e assim como causa de todo adoecimento neurótico E então a experiência mostrava um novo e surpreendente fato sobre a natureza das forças em con flito Via de regra a repressão partia da personalidade con sciente do Eu do paciente invocando motivos éticos e estéti cos eram atingidos por ela impulsos de egoísmo e crueldade ger almente considerados maus mas sobretudo desejos sexuais com frequência da espécie mais crua e mais proibida Os sintomas patológicos eram portanto um substituto para satisfações proi bidas e a doença parecia corresponder a uma imperfeita sub jugação do que há de imoral no ser humano O progresso no conhecimento tornou cada vez mais claro o papel imenso que os desejos sexuais têm na vida psíquica e ense jou um estudo mais detido sobre a natureza e o desenvolvimento do instinto sexual Freud Três ensaios de uma teoria da sexual idade 1905 Mas também chegamos a outro resultado pura mente empírico ao descobrir que as vivências e os conflitos dos primeiros anos infantis têm insuspeitada importância no desen volvimento do indivíduo e deixam predisposições indeléveis para a idade adulta Assim viemos a desvendar algo que a ciência até então ignorara a sexualidade infantil que desde a mais tenra 208326 idade se manifesta em reações físicas e em atitudes psíquicas Para conciliar essa sexualidade infantil com o que se chama sexualidade normal dos adultos e vida sexual anormal dos per vertidos foi preciso que o conceito de sexual mesmo experimen tasse uma retificação e ampliação que pôde ser justificada pela história do desenvolvimento do instinto sexual Depois que a hipnose foi substituída pela técnica da asso ciação livre o procedimento catártico de Breuer transformouse em psicanálise que por mais de uma década foi desenvolvida apenas por este autor Freud Durante esse tempo a psicanálise gradualmente chegou à posse de uma teoria que parecia dar ex plicação suficiente sobre a gênese o sentido e o propósito dos sintomas neuróticos e fornecia um fundamento racional aos es forços médicos para eliminar a doença Vou mais uma vez rela cionar os fatores que formam o conteúdo dessa teoria Eles são a ênfase na vida instintual afetividade na dinâmica psíquica no fato de mesmo os fenômenos psíquicos aparentemente mais ob scuros e arbitrários sempre serem determinados e dotados de sentido a teoria do conflito psíquico e da natureza patogênica da repressão a concepção dos sintomas patológicos como satis fações substitutivas o reconhecimento da importância etiológica da vida sexual em especial dos começos da sexualidade infantil No aspecto filosófico essa teoria tinha que adotar concepção de que o psíquico não coincide com o consciente de que os pro cessos psíquicos são inconscientes em si e apenas mediante o funcionamento de órgãos especiais instâncias sistemas são tornados conscientes Acrescentarei completando essa enumer ação que entre as atitudes afetivas da infância destacouse a complicada relação emocional com os pais o chamado com plexo de Édipo no qual reconhecemos cada vez mais 209326 claramente o núcleo de todo caso de neurose e que na conduta do analisando perante o médico chamaram a atenção determina dos fenômenos de transferência emocional que adquiriram enorme significado tanto na teoria como na técnica Já nessa configuração a teoria psicanalítica das neuroses con tinha vários elementos que contrariavam as opiniões e inclin ações vigentes e podiam suscitar estranheza aversão e descrença nos observadores Por exemplo a posição ante o problema do in consciente o reconhecimento de uma sexualidade infantil e a ên fase dada ao fator sexual na vida psíquica em geral mas outros se juntariam a esses III Para mais ou menos compreender como numa garota histérica um desejo sexual proibido pode se transformar num sintoma doloroso fora necessário fazer intrincadas e abrangentes suposições relativas à estrutura e à função do aparelho psíquico Era evidente a desproporção entre o dispêndio e o resultado Se realmente existiam as condições postuladas pela psicanálise elas eram de natureza fundamental e tinham de poder se manifestar igualmente em outros fenômenos que não os histéricos Mas sendo correta essa conclusão a psicanálise deixaria de interessar apenas aos neurologistas podia requerer a atenção de todos os que atribuíam importância à pesquisa psicológica Seus resulta dos não diziam respeito apenas ao âmbito da vida psíquica patológica eles tampouco podiam ser negligenciados para a compreensão do funcionamento normal 210326 A prova de sua utilidade no esclarecimento da atividade psíquica não patológica chegou bem cedo para a psicanálise em relação com dois tipos de fenômeno nos frequentes atos falhos cotidianos como esquecimento lapso mudança involuntária do local de um objeto etc e nos sonhos de pessoas sadias e psiquicamente normais Os pequenos atos falhos como o tem porário esquecimento de nomes próprios que sabemos os lapsos de fala de escrita e coisas afins não eram vistos como merece dores de explicação ou eram atribuídos ao cansaço à desatenção etc O presente autor demonstrou com numerosos exemplos em seu livro Psicopatologia da vida cotidiana 1901 que tais ocor rências são dotadas de sentido e surgem devido à perturbação de uma intenção consciente por outra intenção suprimida muitas vezes inconsciente Geralmente basta uma breve reflexão ou uma rápida análise para se encontrar a influência perturbadora Dada a frequência desses atos falhos dos lapsos de fala sobretudo é fácil para qualquer um convencerse por experiência própria da existência de processos psíquicos não conscientes mas que são atuantes e acham expressão pelo menos como inibições e modi ficações de outros atos esses intencionais Conduziunos mais adiante a análise dos sonhos que o presente autor apresentou ao público já em 1900 na Inter pretação dos sonhos Nela se constatou que o sonho não é con struído diferentemente de um sintoma neurótico Ele pode como este parecer estranho e sem sentido mas se o invest igamos mediante uma técnica que pouco se diferencia da livre associação usada na psicanálise chegamos partindo de seu con teúdo manifesto ao sentido oculto aos pensamentos latentes do sonho Tal sentido latente é sempre um desejo que é mostrado 211326 como realizado no presente No entanto exceto no caso de cri anças pequenas ou sob a pressão de necessidades físicas imperi osas esse desejo secreto não pode jamais ser expresso de forma reconhecível Ele tem que submeterse antes a uma deformação obra de forças restritivas censuradoras que se acham no Eu do sonhador Desse modo surge o sonho manifesto como é re cordado na vida desperta deformado até ficar irreconhecível pelas concessões feitas à censura onírica mas podendo ser reve lado pela análise como expressão de um estado de satisfação ou cumprimento de um desejo um compromisso entre dois grupos de tendências psíquicas que lutam entre si exatamente como vi mos no sintoma histérico A fórmula de que o sonho é a realiza ção disfarçada de um desejo reprimido é a que melhor corres ponde à natureza do sonho O estudo do processo que trans forma o desejo onírico latente no conteúdo onírico manifesto o trabalho do sonho nos proporcionou o que melhor sabemos da vida psíquica inconsciente Ora o sonho não é um sintoma mórbido mas uma produção da vida psíquica normal Os desejos que ele apresenta como real izados são os mesmos que na neurose sucumbem à repressão Ele deve a possibilidade de seu surgimento à circunstância fa vorável de que durante o estado do sono que paralisa a motilid ade do ser humano a repressão é atenuada tornandose censura onírica Mas quando a formação do sonho vai além de certos limites o sonhador lhe põe um fim e acorda assustado Está provado assim que tanto na vida psíquica normal como na patológica existem as mesmas forças e os mesmos processos se desenvolvem entre elas A partir da Interpretação dos sonhos a psicanálise teve um duplo significado era não apenas uma nova terapia mas também uma nova psicologia pretendia ser levada 212326 em conta não apenas por especialistas em doenças nervosas mas por todos os que lidam com alguma das ciências humanas Mas a recepção que ela teve no mundo científico não foi cordi al Por cerca de uma década ninguém se ocupou dos trabalhos de Freud Por volta de 1907 um grupo de psiquiatras suíços Bleuler e Jung em Zurique chamou a atenção para a psicanálise e en tão irrompeu na Alemanha sobretudo uma tempestade de indignação que não foi realmente seletiva nos seus métodos e ar gumentos Nisso a psicanálise partilhou o destino de muitas novidades que após certo lapso de tempo tiveram reconheci mento geral Entretanto estava em sua natureza que despertasse uma oposição particularmente violenta Ela feria os preconceitos da humanidade civilizada em alguns pontos bastante sensíveis como que submetia todos os homens à reação analítica ao des velar o que por acordo geral fora reprimido no inconsciente e desse modo forçou os contemporâneos a se comportarem como os doentes que no tratamento analítico evidenciam sobretudo suas resistências É preciso também admitir que não era fácil convencerse da correção das teorias psicanalíticas ou obter tre inamento no exercício da psicanálise A hostilidade geral não pôde impedir no entanto que no curso da década seguinte a psicanálise se expandisse ininter ruptamente em dois sentidos no mapa geográfico pois o in teresse por ela surgia em número cada vez maior de países e no campo das ciências humanas pois encontrava aplicação em número sempre maior de disciplinas Em 1909 G Stanley Hall presidente da Universidade Clark em Worcester Massachus setts convidou Freud e Jung para ministrarem uma série de con ferências sobre a psicanálise que também foram amistosamente 213326 recebidas Desde então a psicanálise se tornou popular na América embora justamente nesse país muita superficialidade e algum abuso se tenham ligado ao seu nome Já em 1911 Havelock Ellis pôde constatar que a análise era exercida e cultivada não apenas na Áustria e na Suíça mas igualmente nos Estados Un idos Inglaterra Índia Canadá e também Austrália Nesse período de luta e florescimento inicial surgiram tam bém as publicações dedicadas exclusivamente à psicanálise Foram o Jahrbuch für psychoanalytische und psychopatholo gische Forschungen Anuário de Pesquisas Psicanalíticas e Psi copatológicas dirigido por Bleuler e Freud e editado por Jung 190914 que foi suspenso com a irrupção da Grande Guerra a Zentralblatt für Psychoanalyse Folha Central de Psicanálise 1911 dirigida por Adler e Stekel que logo foi substituída pela Internationale Zeitschrift für Psychoanalyse Revista Inter nacional de Psicanálise 1913 atualmente em seu décimo volume e também desde 1912 a Imago revista fundada por Rank e Sachs voltada para a aplicação da psicanálise às ciências humanas O grande interesse dos médicos angloamericanos evidenciouse em 1913 com a fundação da Psychoanalytic Review por White e Jelliffe revista ainda hoje existente Mais tarde em 1920 nasceu o International Journal of PsychoAna lysis Revista Internacional de Psicanálise destinada especial mente à Inglaterra e dirigida por Ernest Jones A Internationaler Psychoanalytischer Verlag Editora Psicanalítica Internacional e sua correspondente inglesa International PsychoAnalytical Press apresentam sob o nome de Biblioteca Psicanalítica Inter nacional uma série contínua de publicações psicanalíticas 214326 Naturalmente a literatura da psicanálise não se acha apenas nessas edições periódicas que são em sua maioria patrocinadas pelas associações psicanalíticas Ela se encontra disseminada em inúmeros locais tanto em publicações científicas como em liter árias Entre as revistas do mundo latino que dão especial atenção à psicanálise cumpre destacar a Revista de Psiquiatría dirigida por H Delgado em Lima Peru Uma diferença essencial entre a segunda década da psicanál ise e a primeira foi que o presente autor já não era mais o seu único defensor Um círculo crescente de alunos e seguidores se juntara em torno dele e o trabalho desses discípulos consistiu primeiramente na difusão das teorias da psicanálise para depois lhes dar prosseguimento completálas e aprofundálas No de correr dos anos vários deles como era inevitável se afastaram seguiram seus próprios caminhos ou se tornaram uma oposição que parecia ameaçar a continuidade do desenvol vimento da psicanálise Entre 1911 e 1913 foram C G Jung em Zurique e Alfred Adler em Viena que com suas tentativas de reinterpretação dos fatos psicanalíticos e seus empenhos em desviarse dos pontos de vista da psicanálise geraram alguma comoção mas logo se verificou que estas secessões não produziam dano duradouro O sucesso temporário que lhes veio se explicava facilmente pelo fato de grande número de pessoas estar disposto a livrarse da pressão das exigências psicanalític as não importando o caminho que assim lhes fosse aberto A grande maioria dos colaboradores permaneceu firme e deu prosseguimento ao trabalho conforme as linhas indicadas Vamos encontrar seus nomes repetidamente na exposição 215326 seguinte bastante breve dos resultados da psicanálise em seus vários campos de aplicação IV A ruidosa rejeição da psicanálise pelos médicos em geral não pôde impedir que seus seguidores a desenvolvessem conforme a intenção original ou seja como uma patologia e terapia especial das neuroses uma tarefa que mesmo hoje em dia não foi total mente realizada Os inegáveis sucessos terapêuticos que foram além de tudo o que até então se alcançara incitavam constante mente a novos esforços e as dificuldades que apareciam com o aprofundamento na matéria ocasionaram grandes mudanças na técnica analítica e significativas correções nas hipóteses e premissas da teoria No curso desse desenvolvimento a técnica da psicanálise se tornou tão definida e delicada como a de qualquer outra espe cialidade médica Muitas falhas são cometidas ao não se com preender esse fato sobretudo na Inglaterra e na América pois pessoas que adquiriram apenas um conhecimento literário da psicanálise acreditamse capacitadas a empreender tratamentos analíticos sem haver recebido treinamento especial As con sequências de tal conduta são nefastas tanto para a ciência como para os doentes e contribuíram bastante para o descrédito da psicanálise Por isso a fundação da primeira policlínica psic analítica por M Eitingon em Berlim 1920 foi um passo de enorme importância prática Essa instituição se empenha por um lado em tornar a terapia analítica acessível a amplas cama das da população e por outro lado se encarrega de preparar 216326 médicos para a profissão de analista num curso que envolve a condição de o aluno se submeter a uma análise Entre os conceitos auxiliares que possibilitam ao médico o domínio do material analítico há que se mencionar o de libido em primeiro lugar Libido significa primeiramente na psicanál ise a força imaginada como quantitativamente variável e men surável dos instintos sexuais no sentido ampliado pela teoria psicanalítica dirigidos para o objeto Com o estudo subsequente houve a necessidade de justapor a essa libido objetal uma li bido do Eu ou narcísica dirigida para o próprio Eu e a inter ação dessas duas forças permitiu dar conta de um grande número de processos normais e patológicos da vida psíquica Logo se fez a grande distinção entre as chamadas neuroses de transferência e as afecções narcísicas as primeiras histeria e neurose obsessiva sendo propriamente os objetos da terapia analítica enquanto as outras as neuroses narcísicas permitem investigação com o auxílio da análise mas apresentam di ficuldades fundamentais à influência terapêutica É certo que a teoria psicanalítica da libido não se acha absolutamente con cluída e que sua relação com uma teoria geral dos instintos não está esclarecida a psicanálise é uma ciência jovem em tudo in completa em acelerado desenvolvimento mas neste ponto cabe assinalar como é equivocada a objeção de pansexualismo que frequentemente se faz a ela Conforme essa objeção a teoria psicanalítica não conhece outras forças psíquicas instintuais senão as puramente sexuais e assim fazendo explora preconcei tos populares ao utilizar sexual não no sentido analítico e sim vulgar A concepção psicanalítica teria de contar entre as afecções narcísicas também os transtornos que na psiquiatria são 217326 denominados psicoses funcionais Estava fora de dúvida que neuroses e psicoses não eram separadas por uma fronteira nítida da mesma forma que saúde e neurose e era natural recor rer para explicar os enigmáticos fenômenos psicóticos aos con hecimentos obtidos no estudo das neuroses até então igual mente impenetráveis O presente autor em seu período de isola mento já havia tornado parcialmente compreensível um caso de paranoia mediante a investigação psicanalítica e evidenciado nessa inequívoca psicose os mesmos conteúdos complexos e um jogo de forças semelhante ao das simples neuroses Em bom número de psicoses E Bleuler acompanhou os indícios do que chamava mecanismos freudianos e C G Jung conquistou enorme prestígio como analista quando em 1907 explicou os mais estranhos sintomas dos estágios finais da dementia prae cox a partir das histórias individuais dos pacientes O abrangente estudo de Bleuler sobre a esquizofrenia de 1911 demonstrou provavelmente de forma definitiva a legitimidade dos pontos de vista psicanalíticos para a compreensão das psicoses Desse modo a psiquiatria se tornou o campo imediato de ap licação da psicanálise e assim permaneceu desde então Os pesquisadores que mais contribuíram para um aprofundado con hecimento analítico das neuroses como K Abraham em Berlim e S Ferenczi em Budapeste para mencionar apenas os mais notáveis destacaramse também na elucidação analítica das psicoses Insinuase cada vez mais não obstante a oposição dos psiquiatras a convicção da unidade e íntima relação de todos os transtornos que se apresentam como fenômenos neuróticos e psicóticos Começase a compreender principalmente na América talvez que o estudo psicanalítico das neuroses pode 218326 ser a única preparação para o entendimento das psicoses que a psicanálise deve possibilitar uma psiquiatria científica no futuro que não mais se contente em descrever estranhos casos clínicos evoluções incompreensíveis e acompanhar a influência de gros seiros traumas anatômicos e tóxicos sobre um aparelho psíquico inacessível a nosso conhecimento V Mas com sua importância para a psiquiatria a psicanálise não teria chamado a atenção do mundo intelectual ou conquistado um lugar na History of our times Tal efeito vem da relação da psicanálise com a vida psíquica normal não com a patológica Originalmente a pesquisa analítica não tinha outro objetivo senão investigar as condições de surgimento a gênese de alguns estados psíquicos doentios mas nesse esforço veio a descobrir relações de importância fundamental a francamente criar uma nova psicologia de modo que foi inevitável reconhecer que a val idez de tais descobertas não podia se limitar ao âmbito da pato logia Já sabemos quando foi obtida a prova decisiva da exatidão dessa conclusão Foi quando se chegou à interpretação dos son hos mediante a técnica analítica dos sonhos que são parte da vida psíquica das pessoas normais e que na verdade correspon dem a produções patológicas que podem regularmente aparecer em condições de saúde Atendose às percepções psicológicas adquiridas pelo estudo dos sonhos não restava senão um passo para poder pro clamar a psicanálise a teoria dos processos psíquicos mais pro fundos não diretamente acessíveis à consciência psicologia das 219326 profundezas e para poder aplicála a quase todas as ciências humanas Este passo consistiu na transição da atividade psíquica do indivíduo para as funções psíquicas dos povos e comunidades humanas ou seja da psicologia individual para a das massas e muitas analogias surpreendentes levaram a ele Haviase descoberto por exemplo que nas camadas profundas da ativid ade mental inconsciente os opostos não são diferenciados um do outro mas sim expressos pelo mesmo elemento Já em 1884 o filólogo K Abel havia sustentado em Sobre o sentido antitético das palavras primitivas que os mais antigos idiomas con hecidos tratavam os opostos de igual maneira O antigo egípcio por exemplo possuía primeiramente uma só palavra para forte e fraco e apenas depois os dois lados da antítese foram difer enciados mediante ligeiras modificações Ainda nos mais recen tes idiomas se acham claros vestígios desse sentido antitético como na palavra alemã Boden sótão ou chão que designa tanto a parte mais alta como a baixa da casa de modo semel hante a altus alto e fundo em latim Assim a equivalên cia de opostos no sonho é um traço arcaico universal do pensamento humano Para fornecer um exemplo de outro âmbito é impossível es capar à impressão de total concordância entre os atos obsessivos de certos doentes obsessivos e as práticas religiosas de crentes do mundo inteiro Alguns casos de neurose obsessiva se ap resentam mesmo como uma caricatura de religião privada de modo que é tentador equiparar as religiões oficiais a uma neur ose obsessiva atenuada por sua natureza geral Tal comparação certamente revoltante para os crentes mostrouse psicologica mente fecunda no entanto Pois a psicanálise logo tomou 220326 conhecimento das forças que lutam entre si na neurose obses siva até seus conflitos acharem singular expressão no cerimonial das ações obsessivas Não se suspeitava de nada semelhante no caso do cerimonial religioso até que foi possível ao referir ou fazer remontar o sentimento religioso à relação com o pai sua raiz mais profunda evidenciar também ali uma situação dinâm ica análoga Esse exemplo aliás mostra ao leitor que também aplicada em áreas não médicas a psicanálise não pode deixar de ferir preconceitos bastante apreciados de tocar em suscetibilid ades profundamente enraizadas e assim despertar hostilidades de base essencialmente afetiva Se é lícito supor que as condições mais gerais da vida psíquica inconsciente os conflitos entre impulsos instintuais as repressões e satisfações substitutivas se acham em toda parte e se existe uma psicologia das profundezas que leva ao conheci mento dessas condições então podemos razoavelmente esperar que a aplicação da psicanálise aos mais diversos âmbitos da atividade espiritual humana produzirá resultados importantes e até agora inalcançáveis Num estudo substancial Otto Rank e Hanns Sachs se empenharam em resumir o que o trabalho dos psicanalistas pôde fazer nesse sentido até 1913 A limitação de es paço me impede de completar aqui a sua lista Posso apenas destacar as conclusões mais relevantes e acrescentar alguns pormenores Deixando de lado impulsos internos pouco conhecidos pode se dizer que o principal motor da evolução cultural do ser hu mano foi a privação externa real que lhe negou a cômoda satis fação de suas naturais necessidades e o expôs a perigos imensos Essa frustração externa o obrigou à luta com a realidade luta 221326 que resultou em parte na adaptação a ela em parte no domínio dela mas também levou ao trabalho em comum e à convivência com os semelhantes o que já implicava uma renúncia a vários impulsos instintuais que não podiam ser satisfeitos socialmente Com os subsequentes progressos na civilização cresceram tam bém as exigências da repressão Afinal a civilização se baseia na renúncia instintual e cada indivíduo em seu caminho da infân cia à maturidade repete em sua própria pessoa esse desenvolvi mento da humanidade rumo a uma sensata resignação A psic análise mostrou que são sobretudo embora não exclusivamente impulsos instintuais sexuais que sucumbem a essa repressão cultural Uma parte deles exibe a valiosa característica de se deixar desviar dos objetivos imediatos e assim põe sua energia como tendências sublimadas à disposição do desenvolvimento cultural Mas outra parte permanece no inconsciente como dese jos insatisfeitos e urge por uma satisfação qualquer mesmo que deformada Vimos que uma porção da atividade mental humana se em penha em lidar com o mundo externo real A psicanálise nos diz também que outra parte da produção psíquica particularmente estimada serve à realização de desejos à satisfação substitutiva dos desejos reprimidos que desde a infância habitam insatisfei tos a alma de cada pessoa Entre essas criações cujo nexo com um inapreensível inconsciente sempre foi suspeitado estão os mitos a literatura e a arte e de fato o trabalho dos psicanalistas lançou bastante luz sobre os campos da mitologia dos estudos literários e da psicologia do artista Basta mencionar a obra de O Rank como exemplo Demonstrouse que os mitos e fábulas ad mitem interpretação tal como os sonhos acompanharamse os emaranhados caminhos que vão do impulso do desejo 222326 inconsciente até a realização na obra de arte chegouse a com preender o efeito emocional da obra de arte sobre o sujeito re ceptor e a esclarecer no artista propriamente tanto sua íntima afinidade como sua diferença em relação ao neurótico e mostrouse o nexo entre sua disposição inata suas vivências oca sionais e sua obra A apreciação estética da obra de arte e a elu cidação do talento artístico não podem ser consideradas tarefas da psicanálise Parece no entanto que ela está em condições de dar a palavra decisiva em todas as questões atinentes à vida da fantasia no ser humano Em terceiro lugar a psicanálise nos fez compreender para nosso contínuo assombro o papel extremamente importante que o chamado complexo de Édipo ou seja a relação afetiva da cri ança com os dois genitores tem na vida psíquica do ser humano Tal assombro é atenuado ao se perceber que o complexo de Édipo é o correlato psíquico de dois fatos biológicos fundamen tais a longa dependência infantil do ser humano e o modo sin gular como sua vida sexual atinge um primeiro ápice dos três aos cinco anos e após um período de inibição recomeça na puber dade Então vimos que um terceiro seriíssimo aspecto da ativid ade intelectual humana que criou as grandes instituições da reli gião do direito da ética e todas as formas de organização social objetiva no fundo possibilitar ao indivíduo a superação de seu complexo de Édipo e guiar sua libido desde as vinculações in fantis àquelas sociais definitivamente desejadas As aplicações da psicanálise ao estudo da religião e à sociologia pelo presente autor Th Reik e O Pfister que levaram a esse res ultado ainda são novas e insuficientemente avaliadas mas não há dúvida de que estudos subsequentes aumentarão o grau de certeza dessas importantes explicações 223326 Devo acrescentar como que em apêndice que também a ped agogia não pode deixar de aproveitar as sugestões que lhe são oferecidas pela investigação psicanalítica da vida psíquica das crianças e que entre os terapeutas há algumas vozes Groddeck Jelliffe que também consideram promissor o tratamento psic analítico de graves doenças orgânicas pois em muitas delas col abora também um fator psíquico sobre o qual é possível ter influência É lícito formular a expectativa de que a psicanálise da qual expusemos aqui o desenvolvimento e as realizações até agora de maneira concisa e insatisfatória será um importante fermento na evolução cultural das próximas décadas e ajudará a apro fundar nossa compreensão do mundo e rechaçar algumas coisas percebidas como prejudiciais na vida Não se deve esquecer porém que a psicanálise sozinha não pode fornecer uma visão do mundo completa Aceitandose a distinção que propus em que o aparelho psíquico é decomposto num Eu voltado para o mundo externo e provido de consciência e num Id inconsciente dominado por suas necessidades instintuais então a psicanálise deve ser designada como uma psicologia do Id e dos influxos deste sobre o Eu Logo em cada campo do saber ela pode apen as fazer contribuições que devem ser completadas a partir da psicologia do Eu Se tais contribuições muitas vezes contêm o es sencial dos fatos isso apenas corresponde à importância que o inconsciente psíquico por muito tempo ignorado pode reivindi car em nossa vida 224326 Famoso hospital parisiense onde Freud fez estágio com o neuropatologista Charcot No original se acha Zerfall Dissoziation Freud utilizou a palavra germân ica equivalente ao termo latino e este em seguida entre parênteses por isso não consideramos necessário encontrar outro sinônimo para verter Zerfall e manter dissociação entre parênteses Com exceção da espanhola as versões consultadas preferiram fazer assim recorrendo a fragmentación a argentina da Amorrortu disgregazione a italiana da Boringhieri e disintegration a Standard inglesa para traduzir Zerfall Nos dicionários de estrangeirismos de publicação costumeira nos países de língua alemã esse termo é geral mente dado como sinônimo de dissociação Impulso Impuls no original ou seja Freud emprega aqui o mesmo termo latino Afastado o verbo original é abdrängen formado de drängen que significa pressionar empurrar impelir e do prefixo ab que indica afastamento e que um dicionário alemãoportuguês o Michaelis Nova York Ungar sd traduz por afastar empurrando notase que é aparentado ao verbo verdrän gen normalmente traduzido por reprimir ou recalcar nos textos de Freud em português As versões estrangeiras consultadas recorrem nesse ponto a desviado esforzado afuera deviato prevented from Geisteswissenschaften literalmente ciências do espírito que é como os tradutores consultados vertem a palavra no singular ou no plural com ex ceção do inglês Strachey que prefere mental science cf mais adiante na seção v ciência literária e ciência da religião Forças psíquicas instintuais seelische Triebkräfte também pode ser traduzido por forças motrizes da psique como em algumas das versões con sultadas energias instintivas psíquicas fuerzas pulsionales forze motrici psichiche mental motive forces Cf Novas observações sobre as neuropsicoses de defesa parte iii 1896 Alusão ao título do volume para o qual foi escrito este trabalho 225326 Percepções Einsichten nas versões estrangeiras consultadas atisbos intelecciones prospettive discoveries O Rank e H Sachs Die Bedeutung der Psychoanalyse für die Geisteswis senschaften A importância da psicanálise para as ciências humanas Wies baden 1913 Repressão Unterdrückung nas versões consultadas represión sofoca ción repressione suppression Normalmente traduzimos esse termo alemão por supressão e deixamos repressão para Verdrängung caso se queira fazer distinção clara entre um e outro conceito o que é discutível mas nota se que aí são claramente sinônimos pois o segundo foi usado poucas linhas acima nesse mesmo sentido Cf capítulo sobre Verdrängung em Paulo César de Souza As palavras de Freud op cit Estudo da religião Religionswissenschaft literalmente ciência da religião lembrandonos mais uma vez que em alemão o termo Wis senschaft é empregado em sentido mais amplo do que em português cf estudos literários Literaturwissenschaft no parágrafo anterior 226326 AS RESISTÊNCIAS À PSICANÁLISE 1925 TÍTULO ORIGINAL DIE WIDERSTÄNDE GEGEN DIE PSYCHOANALYSE PUBLICADO PRIMEIRAMENTE EM TRADUÇÃO FRANCESA NA REVUE JUIVE GENEBRA MARÇO DE 1925 E LOGO DEPOIS EM IMAGO V 11 N 3 PP 22233 TRADUZIDO DE GESAMMELTE WERKE XIV PP 99110 Um bebê que nos braços da babá desvia o rosto chorando ao ver uma pessoa desconhecida um religioso que inicia a nova es tação com uma prece e também saúda os primeiros frutos do ano com uma bênção um camponês que se recusa a comprar uma foice que não tenha a marca familiar a seus pais a diver sidade dessas situações é evidente e parece justificada a tent ativa de relacionar cada uma a um motivo diferente Mas seria um erro ignorar o que têm em comum Em todos os casos há o mesmo desprazer que na criança tem expressão ele mentar no religioso é mitigado com um artifício no camponês se torna o motivo para uma decisão A fonte desse desprazer é a exigência que o novo faz à psique o dispêndio psíquico que re quer a incerteza exacerbada em angustiosa expectativa que traz consigo Seria muito interessante tomar a reação psíquica ao novo como objeto de estudo pois em condições determinadas não mais primárias também se observa o comportamento oposto uma autêntica sede de estímulos que se lança a tudo que é novo simplesmente por ser novo No trabalho científico não deveria haver lugar para o temor ao novo Eternamente incompleta e insuficiente a ciência é obri gada a esperar sua salvação de novas descobertas e novas con cepções Para não ser enganada muito facilmente ela deve se ar mar de ceticismo e nada acolher de novo que não tenha passado por severo exame No entanto ocasionalmente esse ceticismo revela duas características insuspeitadas Voltase nitidamente contra o que chega de novo enquanto poupa o que já é con hecido e acreditado satisfazendose em rejeitar as coisas antes de investigálas Mostrase então como o prosseguimento daquela reação primitiva ao novo como uma coberta para a sua preservação É sabido que frequentemente na história da invest igação científica as novidades foram recebidas com intensa e ob stinada resistência e o curso posterior dos eventos demonstrou que ela era injusta que a inovação era importante e valiosa Em geral eram certos elementos do conteúdo do novo que desper tavam a resistência enquanto por outro lado vários elementos tiveram de atuar em conjunto para possibilitar que irrompesse a reação primitiva Uma acolhida particularmente ruim teve a psicanálise que o presente autor começou a desenvolver há quase trinta anos a partir das descobertas de Josef Breuer de Viena sobre a gênese dos sintomas neuróticos É indiscutível seu caráter de novidade embora excetuando esses achados ela tenha elaborado um abundante material que era conhecido de outras fontes resulta dos dos ensinamentos do grande neuropatologista Charcot e im pressões do mundo dos fenômenos hipnóticos Originalmente o significado da psicanálise foi apenas terapêutico ela buscou criar um tratamento novo e eficaz para as enfermidades neuróticas No entanto conexões que na época não podíamos imaginar fizeramna ir bastante além do seu objetivo inicial Por fim ela pretendeu haver estabelecido sobre uma nova base toda a nossa concepção da vida psíquica desse modo adquirindo importância para todas as áreas do saber fundamentadas na psicologia Após ser completamente ignorada por uma década de repente a psicanálise tornouse objeto do interesse geral e desencadeou uma tempestade de rejeições indignadas Deixemos de lado as formas como se expressou a resistência à psicanálise Seja suficiente observar que a luta por essa inovação ainda não chegou absolutamente ao fim Mas já podemos 229326 perceber que direção ela tomará Os adversários não tiveram êxito em suprimir o movimento Vinte anos atrás eu era o único representante da psicanálise mas desde então ela encontrou muitos seguidores relevantes e laboriosos tanto médicos como não médicos que a utilizam no tratamento de doentes nervosos como método de pesquisa psicológica e como instrumento auxili ar do trabalho científico nos mais diversos âmbitos da vida in telectual Nosso interesse aqui vai se dirigir apenas às mo tivações da resistência à psicanálise atentando sobretudo para a natureza composta dessa resistência e os diferentes pesos de seus componentes Do ponto de vista clínico as neuroses devem ser colocadas junto às intoxicações ou a doenças como a de Basedow São esta dos que se produzem por um excesso ou relativa carência de de terminadas substâncias muito ativas formadas no próprio corpo ou introduzidas de fora ou seja são propriamente distúrbios na química do corpo toxicoses Se alguém conseguisse isolar a hi potética substância ou substâncias envolvida nas neuroses não precisaria temer qualquer objeção por parte dos médicos Mas atualmente não há caminho que conduza a isso O que podemos fazer é partir do quadro sintomático da neurose que no caso da histeria por exemplo compõese de distúrbios físicos e psíqui cos Ora tanto os experimentos de Charcot como as observações clínicas de Breuer ensinaram que também os sintomas físicos da histeria são psicogênicos isto é são precipitados de processos psíquicos transcorridos Ao se colocar o paciente em estado hipnótico era possível criar artificialmente os sintomas somáti cos da histeria A psicanálise recorreu a esse novo conhecimento e se pôs a questão de qual seria a natureza daqueles processos psíquicos 230326 de consequências tão inusitadas Mas tal orientação de pesquisa não correspondia aos interesses daquela geração de médicos Eles haviam sido educados na apreciação exclusiva de fatores anatômicos físicos e químicos Não estavam preparados para levar em conta o âmbito psíquico de modo que o viram com in diferença e aversão Evidentemente duvidavam que coisas psíquicas permitissem uma abordagem científica exata Em ex cessiva reação a uma fase ultrapassada em que a medicina fora dominada pelas concepções da assim chamada filosofia da natureza pareceramlhe nebulosas fantásticas místicas as ab strações com que a psicologia tem de trabalhar e simplesmente se recusaram a crer em fenômenos notáveis que poderiam ser o ponto de partida para a pesquisa Os sintomas da neurose histérica foram tidos como imposturas as manifestações da hipnose como fraudes Nem mesmo os psiquiatras a cuja obser vação se impunham os mais insólitos e surpreendentes fenô menos psíquicos mostraram inclinação a atentar para seus de talhes e investigar seus nexos Satisfizeramse em classificar a variada gama de fenômenos patológicos e sempre que possível relacionálos etiologicamente a distúrbios somáticos anatômicos ou químicos Nesse período materialista ou melhor mecani cista a medicina fez enormes progressos mas também ignorou de maneira míope o mais nobre e mais difícil dos problemas da vida É compreensível que os médicos com essa atitude ante o psíquico não tenham gostado da psicanálise nem procurado atender sua exortação a reorientarse em vários aspectos e olhar muitas coisas de outra forma Em contrapartida era de supor que a nova teoria receberia o aplauso dos filósofos Afinal eles estavam acostumados a pôr conceitos abstratos ou palavras 231326 vagas no dizer das más línguas à frente de suas explicações do mundo e dificilmente se oporiam à ampliação do âmbito da psicologia que a psicanálise propunha Mas aí se verificou um outro obstáculo o psíquico dos filósofos não era o da psicanálise Em sua grande maioria eles consideram psíquico apenas o que é um fenômeno da consciência Para eles o mundo do que é con sciente coincide com a esfera do psíquico O que de resto possa ocorrer na alma esse algo tão difícil de apreender eles at ribuem a precondições orgânicas da psique ou a processos paralelos aos psíquicos Dito de maneira mais severa a alma não tem outro conteúdo senão os fenômenos da consciência e a ciên cia da alma a psicologia tampouco tem outro objeto Também o leigo não pensa de outra forma Que pode então o filósofo dizer de uma teoria que afirma como a psicanálise que o psíquico é antes inconsciente em si que estar consciente é apenas uma qualidade que pode ou não juntarse ao ato psíquico particular e nele nada mais altera caso fique ausente Ele diz naturalmente que algo psíquico incon sciente é absurdo uma contradictio in adjecto contradição em termos e não nota que com esse julgamento está apenas repet indo sua definição talvez demasiado estreita do que é psíquico Esta certeza lhe é facilitada por não conhecer o materi al cujo estudo levou o psicanalista a crer em atos psíquicos in conscientes Os filósofos não atentaram para a hipnose não se ocuparam da interpretação de sonhos consideram os sonhos tal como os médicos produtos sem sentido da atividade intelec tual diminuída durante o sono mal desconfiam que existam coisas como ideias obsessivas e delírios e se veriam em grande apuro se alguém lhes pedisse para explicálos com base nas premissas psicológicas que mantêm Também o psicanalista se 232326 recusa a dizer o que é o inconsciente mas pode indicar a esfera de fenômenos cuja observação lhe impôs a hipótese do incon sciente Os filósofos que não conhecem outra espécie de obser vação que não a autoobservação não podem acompanhálo nisso Portanto a psicanálise tira apenas desvantagens de sua posição intermediária entre medicina e filosofia Os médicos a veem como um sistema especulativo não querem acreditar que como qualquer outra ciência natural ela se baseia na paciente e trabalhosa elaboração de fatos do mundo das percepções os filósofos que a medem pelo padrão de seus próprios sistemas ar tificialmente edificados acham que ela parte de premissas im possíveis e lhe reprovam o fato de seus conceitos principais que ainda se acham em desenvolvimento carecerem de pre cisão e clareza Esse estado de coisas é suficiente para explicar a acolhida ir ritada e relutante que a psicanálise teve nos círculos científicos Mas não permite compreender como se pôde chegar na polêm ica àquelas explosões de indignação de escárnio e desdém ao abandono de todos os preceitos da lógica e do bom gosto Tal reação faz supor que outras resistências além das puramente in telectuais foram ativadas que poderosas forças emocionais fo ram despertadas e de fato na teoria psicanalítica há muita coisa a que podemos atribuir tal efeito sobre as paixões das pessoas em geral não apenas dos cientistas Há sobretudo a grande importância que a psicanálise con cede aos chamados instintos sexuais na psique humana Se gundo a doutrina psicanalítica os sintomas neuróticos são satis fações substitutas deformadas de forças instintuais sexuais cuja satisfação direta foi frustrada por resistências internas Depois 233326 quando a psicanálise foi além do seu campo de trabalho original e se aplicou à vida psíquica normal procurou mostrar que os mesmos componentes sexuais que são desviados de seus objet ivos imediatos e voltados para outros contribuem do modo mais importante para as realizações culturais do indivíduo e da so ciedade Tais afirmações não eram completamente novas O filósofo Schopenhauer já havia enfatizado a incomparável relevância da vida sexual em palavras inesquecíveis e além disso o que a psicanálise chamou de sexualidade não coincidia absolutamente com o impulso à união dos sexos ou à produção de sensações prazerosas nos genitais mas sobretudo com o todo conservador e oniabrangente Eros do Simpósio de Platão Mas os adversários não se lembraram desses augustos prede cessores caíram sobre a psicanálise como se ela atentasse contra a dignidade do gênero humano Recriminaramlhe o pansexual ismo embora a teoria psicanalítica dos instintos sempre fosse rigorosamente dualista e em nenhum instante tivesse deixado de reconhecer ao lado dos sexuais outros instintos aos quais at ribuiu o poder de reprimir aqueles Inicialmente o par de opos tos se chamava instintos sexuais e do Eu com uma mudança posterior na teoria passou a ser Eros e instintos de morte ou destruição Fazer arte religião organização social remontarem parcialmente ao concurso de forças instintuais sexuais foi visto como uma degradação dos mais elevados bens culturais e foi de clarado enfaticamente que o ser humano tem outros interesses além dos sexuais Ignorouse com tamanho zelo que também os animais têm outros interesses de fato estão sujeitos à sexual idade apenas em acessos em determinados períodos e não per manentemente como os humanos que esses outros interesses jamais foram contestados no ser humano e que em nada altera o 234326 valor de uma conquista cultural a demonstração de sua pro cedência de elementares fontes instintuais animais Tanta falta de justiça e de lógica requer explicação Não é difí cil encontrar sua origem A civilização humana repousa sobre dois pilares um é o domínio das forças da natureza o outro a restrição de nossos instintos Escravos acorrentados carregam o trono da rainha Entre os componentes instintuais assim apro veitados os instintos sexuais no sentido mais estrito sobres saem pela força e selvageria Ai se fossem libertados O trono seria derrubado e a soberana pisoteada A sociedade bem o sabe e não quer que se fale disso Mas por que não Que mal poderia fazer a discussão A psic análise jamais se pronunciou a favor da liberação dos instintos socialmente perniciosos pelo contrário advertiu e recomendou melhoras Mas a sociedade não deseja que essa questão seja ventilada pois em vários aspectos tem má consciência Primeiro estabeleceu um alto ideal de moralidade moralidade é re strição dos instintos e exige que todos os seus membros o real izem mas não se preocupa do quanto pode ser difícil para o in divíduo tal obediência E tampouco é tão rica ou tão bem organ izada que possa compensar o indivíduo por seu grau de renúncia instintual Portanto deixase que o indivíduo descubra de que forma pode obter compensação suficiente para o sacrifício que lhe foi imposto a fim de preservar seu equilíbrio psíquico No conjunto porém ele é obrigado a viver psicologicamente acima de seus meios enquanto suas reivindicações instintuais insatis feitas o fazem sentir como permanente pressão as exigências da civilização Assim a sociedade mantém um estado de hipocrisia cultural forçosamente acompanhado de um sentimento de inse gurança e uma necessidade de proteger essa inegável 235326 instabilidade mediante a proibição da crítica e do debate Essa consideração vale para todos os impulsos instintuais também para os egoístas portanto Não investigaremos aqui se ela pode ser aplicada a todas as culturas possíveis e não apenas às que até hoje se desenvolveram Acresce que os instintos sexuais no sen tido mais estrito são domados de forma insuficiente e psicolo gicamente incorreta na maioria das pessoas de modo que são os mais inclinados a se desprender A psicanálise desvela as fraquezas desse sistema e recomenda sua alteração Ela propõe que se reduza a severidade da repressão instintual e que se dê mais ênfase à veracidade A so ciedade foi muito longe na supressão de determinados impulsos instintuais a eles deve ser concedido um maior grau de satis fação e no caso de outros o inadequado método de suprimilos pela via da repressão deve ser substituído por um procedimento melhor e mais seguro Por causa dessa crítica a psicanálise foi considerada hostil à civilização e estigmatizada como social mente perigosa Tal resistência não durará eternamente A longo prazo nenhuma instituição humana pode escapar à in fluência da visão crítica fundamentada mas até agora a atitude das pessoas ante a psicanálise é dominada por esse medo que desata as paixões e reduz a exigência de argumentar logicamente Com a teoria dos instintos a psicanálise ofendeu o indivíduo enquanto membro da comunidade social outra parte de sua teoria foi capaz de ferilo no ponto mais sensível de seu próprio desenvolvimento psíquico A psicanálise pôs termo à fábula da assexualidade da infância provou que desde o começo da vida há interesses e atividades sexuais nas crianças pequenas mostrou as transformações que eles experimentam como 236326 aproximadamente no quinto ano sucumbem à inibição e depois na puberdade entram a serviço da função reprodutiva Percebeu que a vida sexual da primeira infância culmina no chamado com plexo de Édipo na ligação afetiva ao genitor do outro sexo e con comitante rivalidade ante o do mesmo sexo uma tendência que nesse período da vida prossegue desinibidamente como desejo sexual direto Isso é de tão fácil confirmação que realmente só com grande esforço pôde ser ignorado De fato todo indivíduo passou por essa fase mas depois reprimiu de forma enérgica seu conteúdo e o relegou ao esquecimento Dessa préhistória indi vidual restaram a aversão ao incesto e uma forte consciência de culpa Talvez tenha ocorrido de modo semelhante na préhistória da espécie humana e os começos da moralidade da religião e da organização social estivessem intimamente vinculados à super ação dessa época primordial Os adultos não podiam ser lembra dos de sua préhistória que veio a lhes parecer tão inglória enfureceramse quando a psicanálise quis levantar o véu de am nésia da sua infância Houve apenas uma saída o que a psicanál ise afirmava tinha de ser falso e essa suposta nova ciência devia ser uma urdidura de fantasias e distorções As poderosas resistências à psicanálise não eram de natureza intelectual portanto e se originavam de fontes afetivas Isso ex plicava tanto sua passionalidade como sua indigência lógica A situação obedecia a uma fórmula simples as pessoas se com portavam diante da psicanálise enquanto grupo exatamente como o neurótico individual que se achava em tratamento por causa de seus transtornos mas a quem podíamos demonstrar em trabalho paciente que tudo sucedera como dizíamos Afinal não havíamos inventado e sim descoberto essas coisas a partir 237326 do estudo de outros neuróticos através do esforço de algumas décadas A situação tinha ao mesmo tempo algo de alarmante e de consolador o primeiro porque não era coisa trivial ter toda a es pécie humana como paciente o segundo porque tudo se desen rolou em conformidade com as premissas da psicanálise Se novamente lançamos o olhar sobre as resistências à psic análise aqui descritas vemos que apenas umas poucas são do tipo que se ergue contra a maioria das inovações científicas de al guma monta Em geral as resistências derivam do fato de que po derosos sentimentos humanos viramse feridos pelo conteúdo da teoria O mesmo sucedeu com a teoria darwiniana da evolução que pôs abaixo o muro que dividia homens e animais levantado pela soberba humana Apontei para essa analogia num breve en saio anterior Uma dificuldade da psicanálise Imago 1917 Enfatizei ali que a concepção psicanalítica da relação entre o Eu consciente e o superpoderoso inconsciente representa uma séria ofensa ao amorpróprio humano que denominei psicológica e equiparei à ofensa biológica causada pela teoria da evolução e à cosmológica suscitada anteriormente pela descoberta de Copérnico Dificuldades puramente externas também contribuíram para fortalecer a resistência à psicanálise Não é fácil adquirir um juízo independente em questões de análise sem têla experi mentado em si mesmo ou praticado em outra pessoa Essa úl tima coisa não é possível fazer sem ter aprendido uma técnica bastante delicada e até há pouco não existia maneira facilmente acessível de aprender a psicanálise e sua técnica Isso mudou com a fundação da Policlínica Psicanalítica de Berlim e seu 238326 instituto de ensino em 1920 Pouco depois em 1922 uma institu ição igual foi criada em Viena Finalizando podemos perguntar com toda a discrição se a própria personalidade do autor de judeu que jamais ocultou sua condição não teria colaborado para a antipatia do meio ambi ente em relação à psicanálise É raro que um argumento desse tipo seja expresso em voz alta mas infelizmente nos tornamos tão desconfiados que não podemos deixar de supor que esse dado teve algum efeito E talvez não tenha sido puro acaso que o primeiro defensor da psicanálise fosse um judeu Para abraçála era preciso estar disposto a aceitar o destino do isolamento na oposição destino esse mais familiar ao judeu que a qualquer outro Da vida intelectual des geistigen Leben O adjetivo geistig aí declinado corresponde ao substantivo Geist que em geral se traduz por espírito mas também pode significar intelecto por isso encontramos os dois termos nas versões estrangeiras consultadas del espíritu de la vida espiritual della vita spirituale of intellectual life Na mesma frase ocorre o adjetivo wissenschaft lich científico que em alemão diz respeito não apenas às Naturwis senschaften ciências da natureza mas também às Geisteswissenschaften ciências do espírito em português denominadas humanas Alma Seele também entre aspas no original Em alemão o termo equi vale igualmente a psique como explicamos em As palavras de Freud op cit pp 1526 Freud se refere muito provavelmente a algumas páginas do segundo volume de O mundo como vontade e representação que contém os comple mentos ao primeiro volume São páginas do capítulo 42 intitulado Vida da espécie juntamente com o cap 44 Metafísica do amor sexual ele foi traduzido para o português num volume intitulado O instinto sexual São 239326 Paulo Livraria Correa Editora 1951 trad Hans Koranyi intr Anatol Rosen feld Em alguns outros textos Freud alude igualmente a essa obra de Schopenhauer sem precisar a referência eles são Uma dificuldade da psic análise 1917 o prefácio à quarta edição dos Três ensaios de uma teoria da sexualidade 1905 escrito em 1920 e Autobiografia 1925 cap v Reprimir unterdrücken nas versões consultadas rechazar sofocar reprimere suppress cf notas às pp 201 e 248 e também no v 10 destas Obras completas p 88 Exigências da civilização Kulturanforderungen na frase seguinte hipo crisia cultural é tradução de Kulturheuchelei cf nota sobre a versão dos ter mos Kultur e Zivilisation em O Malestar na civilização v 18 destas Obras completas p 48 240326 NOTA SOBRE O BLOCO MÁGICO 1925 TÍTULO ORIGINAL NOTIZ ÜBER DEN WUNDERBLOCK PUBLICADO PRIMEIRAMENTENTE EM INTERNATIONALE ZEITSCHRIFT FÜR PSYCHOANALYSE REVISTA INTERNACIONAL DE PSICANÁLISE V 11 N 1 PP 15 TRADUZIDO DE GESAMMELTE WERKE XIV PP 38 Quando desconfio de minha memória sabese que o neurótico faz isso consideravelmente mas também a pessoa normal tem todo motivo para fazêlo posso completar e garantir sua fun ção tomando notas A superfície que conserva a anotação a ca derneta ou folha de papel tornase como que uma porção mater ializada do aparelho mnemônico que carrego em mim ordinaria mente invisível Se tenho presente o lugar em que foi acomodada a recordação assim fixada posso reproduzila à vontade a qualquer momento e estou seguro de que ela permaneceu inal terada ou seja de que escapou às deformações que talvez so fresse em minha memória Se eu quiser utilizar amplamente essa técnica para melhorar minha função mnemônica notarei que disponho de dois proced imentos diversos Primeiro posso escolher uma superfície que preserve intacta por tempo indefinido a nota que lhe é confiada ou seja uma folha de papel em que escrevo com tinta Obtenho assim um traço mnemônico duradouro A desvantagem desse procedimento é que a capacidade da superfície receptora logo se exaure A folha fica inteiramente escrita já não tem espaço para novas anotações e sou obrigado a servirme de outra ainda em branco Além disso a vantagem desse procedimento o fato de permitir um traço duradouro pode perder seu valor quando meu interesse na anotação se acabar após algum tempo e eu não quiser mais conservála na memória O outro procedimento não exibe esses dois defeitos Quando escrevo com giz numa lousa tenho uma superfície que mantém a capacidade receptora por tempo ilimitado e cujas anotações posso apagar no momento em que deixam me interessar sem ter de jogar fora a superfície mesma em que escrevi A desvantagem nesse caso é que não posso ter um traço duradouro Querendo acrescentar anotações ao quadro tenho de eliminar aquelas que já o cobrem Portanto irrestrita capacidade receptora e conservação de traços duradouros parecem excluirse mutuamente nos dispositivos que substituem nossa memória ou a superfície de recepção tem de ser renovada ou as anotações têm de ser eliminadas Os aparelhos auxiliares que inventamos para a melhoria ou reforço das funções de nossos sentidos são todos construídos como o órgão do sentido mesmo ou como partes dele óculos câmera fotográfica corneta acústica etc Comparados a eles os dispositivos que auxiliam nossa memória parecem deficientes pois nosso aparelho psíquico realiza justamente o que não po dem fazer tem ilimitada capacidade de receber novas per cepções e cria duradouros mas não imutáveis traços mnemônicos delas Já na Interpretação dos sonhos de 1900 fiz a suposição de que essa incomum capacidade seria obra de dois diferentes sistemas órgãos do aparelho psíquico Nós pos suiríamos um sistema PcpCs que acolhe as percepções mas não conserva traço duradouro delas podendo se comportar como uma folha em branco diante de cada nova percepção Os traços duradouros das excitações recebidas se produziriam em sistem as mnemônicos situados por trás dele Depois em Além do princípio do prazer 1920 acrescentei a observação de que o in explicável fenômeno da consciência surgiria no sistema per ceptivo no lugar dos traços duradouros Há algum tempo é oferecido no comércio com o nome de Bloco Mágico um pequeno dispositivo que promete fazer mais do que a lousa e a folha de papel Pretende ser nada mais que 243326 uma tabuinha de escrever em que as anotações podem ser apaga das com um simples movimento da mão Mas se o investigarmos mais detidamente veremos que sua construção coincide de maneira notável com essa minha hipotética estrutura de nosso aparelho perceptivo e nos convencemos de que o Bloco Mágico pode realmente fornecer as duas coisas uma superfície receptora sempre disponível e traços duradouros das anotações feitas O Bloco Mágico é uma tabuinha feita de cera ou resina marromescura com margens de papelão sobre a qual há uma folha fina e translúcida presa à tabuinha de cera na parte superi or e livre na parte inferior Essa folha é a parte mais interessante do pequeno aparelho Consiste ela mesma de duas camadas que podem ser separadas uma da outra nas bordas laterais A ca mada de cima é uma película de celuloide transparente a de baixo é um papel encerado ou seja translúcido Quando o aparelho não é utilizado a superfície de baixo do papel encerado colase levemente à superfície de cima da tabuinha de cera Ao utilizar esse Bloco Mágico escrevemos na película de celu loide da folha que cobre a tabuinha de cera Para isso não é ne cessário lápis ou giz pois a escrita não consiste em depositar certo material na superfície receptora É um retorno ao modo como os antigos escreviam em tabuinhas de argila e de cera Um estilete pontiagudo arranha a superfície e os sulcos assim deixa dos vêm a constituir a escrita No Bloco Mágico o estilete não age diretamente na cera mas sim através da folha que a cobre ele pressiona o verso do papel encerado contra a tabuinha de cera nos locais em que toca e as ranhuras tornamse visíveis como caracteres escuros na lisa superfície acinzentada do celuloide Querendose apagar o que foi escrito basta levantar brevemente a dupla folha de cobertura a partir da borda inferior 244326 que não é presa Assim o íntimo contato do papel encerado com a tabuinha de cera nos lugares pressionados mediante o qual se produz a escrita é desfeito e não volta a ocorrer quando os dois se tocam novamente Então o Bloco Mágico fica novamente vazio pronto para receber outras anotações As pequenas imperfeições do dispositivo naturalmente não são de nosso interesse pois apenas procuramos ver sua semel hança com a estrutura do aparelho psíquico perceptual Se após escrever no Bloco Mágico separamos cuida dosamente a película de celuloide do papel encerado enxergamos nitidamente as palavras na superfície deste tam bém e podemos nos perguntar se é mesmo necessário o celu loide na folha de cobertura Mas uma simples tentativa mostra que o fino papel ficaria enrugado ou se rasgaria caso escrevêsse mos diretamente sobre ele com o estilete A película de celuloide é portanto um revestimento protetor para o papel encerado destinado a deter os influxos nocivos que vêm de fora O celu loide é um protetor contra estímulos a camada propriamente receptora de estímulos é o papel Cabe lembrar neste ponto que em Além do princípio do prazer afirmei que nosso aparelho psíquico perceptual consiste em duas camadas uma proteção ex terna contra estímulos destinada a diminuir a magnitude das excitações que chegam e a superfície receptora de estímulos por trás dela o sistema PcpCs A analogia não teria muito valor se não pudesse ser levada adiante Se levantamos da tabuinha de cera a folha de cobertura inteira celuloide e papel encerado a escrita desaparece e não volta a aparecer como foi dito A superfície do Bloco Mágico se acha vazia e novamente pronta para receber anotações Mas facilmente se constata que o traço duradouro do que foi escrito 245326 permanece na tabuinha de cera e pode ser lido com uma ilumin ação adequada Portanto o Bloco fornece não apenas uma super fície receptora que sempre pode ser usada novamente como uma lousa mas também traços duradouros da escrita como um bloco de papel normal Ele resolve o problema de juntar as duas operações ao distribuílas por dois componentes sistemas separados mas interrelacionados É exatamente dessa maneira que segundo a hipótese há pouco lembrada nosso aparelho psíquico realiza sua função perceptiva A camada que recebe os estímulos o sistema PcpCs não forma traços duradouros as bases da lembrança produzemse em outros sistemas adja centes a ela Não deve nos incomodar que os traços duradouros das anot ações recebidas não sejam aproveitados no Bloco Mágico basta que estejam presentes Em algum ponto haveria de cessar a ana logia entre um aparelho auxiliar desse tipo e o órgão que lhe serve de modelo Também é verdade que o Bloco Mágico não pode reproduzir a partir de dentro a escrita apagada seria realmente um bloco mágico se como nossa memória pudesse fazêlo No entanto não me parece ousado demais comparar a folha de cobertura feita de celuloide e papel encerado com o sis tema PcpCs e sua proteção contra estímulos a tabuinha de cera com o inconsciente por trás deles e o aparecimento e desapare cimento da escrita com o cintilar e esvanecer da consciência na percepção Mas confesso que estou inclinado a levar ainda mais longe a comparação No Bloco Mágico a escrita desaparece a cada vez que se inter rompe o íntimo contato entre o papel que recebe o estímulo e a tabuinha de cera que conserva a impressão Isso concorda com uma noção que há muito tempo formei sobre o funcionamento 246326 do aparelho psíquico perceptivo mas até agora conservei para mim Fiz a suposição de que inervações de investimento são en viadas e novamente recolhidas em breves empuxos periódicos do interior para o totalmente permeável sistema PcpCs En quanto o sistema se acha investido dessa forma recebe as per cepções acompanhadas de consciência e transmite a excitação para os sistemas mnemônicos inconscientes assim que o investi mento é recolhido apagase a consciência e cessa a operação do sistema É como se o inconsciente através do sistema PcpCs es tendesse para o mundo exterior antenas que fossem rapida mente recolhidas após lhe haverem experimentado as excit ações Assim as interrupções que no Bloco Mágico acontecem a partir de fora se dariam pela descontinuidade da corrente de in ervação e no lugar de uma verdadeira suspensão do contato haveria em minha hipótese a periódica não excitabilidade do sistema perceptivo Também conjecturei que esse funciona mento descontínuo do sistema PcpCs estaria na origem da ideia de tempo Se pensarmos que enquanto uma mão escreve na superfície no Bloco Mágico a outra levanta da tabuinha de cera periodica mente a folha de cobertura temos uma representação concreta do modo como procurei imaginar a função de nosso aparelho psíquico perceptivo Foi formada trinta anos antes pois surge de forma embrionária no manuscrito Esboço de uma psicologia Entwurf einer Psychologie 1895 mais conhecido pelo título que recebeu em inglês Projeto de uma psicologia para neurólogos parte i final da seção 19 Freud voltou a mencionála em 247326 Além do princípio do prazer 1920 cap iv e no artigo sobre A negação 1925 neste volume 248326 A NEGAÇÃO 1925 TÍTULO ORIGINAL DIE VERNEINUNG PUBLICADO PRIMEIRAMENTE EM IMAGO v 11 N 3 PP 21721 TRADUZIDO DE GESAMMELTE WERKE XIV PP 115 TAMBÉM SE ACHA EM STUDIENAUSGABE III PP 3717 O modo como nossos pacientes apresentam suas ideias es pontâneas no trabalho psicanalítico nos fornece a oportunidade para algumas observações interessantes Você agora vai pensar que eu quero dizer algo ofensivo mas não tenho de fato essa in tenção Compreendemos que é a rejeição através da projeção de um pensamento que acabou de surgir Ou Você pergunta quem pode ser esta pessoa no sonho Minha mãe não é Corrigi mos então é a mãe Tomamos a liberdade na interpretação de ignorar a negação e apenas extrair o conteúdo da ideia É como se o paciente houvesse dito É certo que me ocorreu minha mãe em relação a esta pessoa mas não quero admitir esse pensamento Às vezes é possível obter de forma cômoda o esclarecimento que buscamos acerca do material reprimido inconsciente Per guntamos o seguinte O que você considera o mais improvável naquela situação O que acha que estava mais distante de sua mente então Se o paciente cai na armadilha e fala aquilo em que menos pode acreditar quase sempre está confessando a coisa certa Uma bela contrapartida a esse experimento se dá muitas vezes com o neurótico obsessivo que já foi iniciado na compreensão de seus sintomas Tive uma nova ideia obsessiva e logo me ocorreu que ela poderia significar tal coisa Mas não não pode ser isso se fosse não teria me ocorrido O que ele está rejeitando com essa fundamentação que ouviu no tratamento é naturalmente o significado correto da nova ideia obsessiva Portanto o conteúdo reprimido de uma ideia ou imagem pode abrir caminho até a consciência sob a condição de ser negado A negação é uma forma de tomar conhecimento do que foi reprimido já é mesmo um levantamento da repressão mas não certamente uma aceitação do reprimido Nisso vemos como a função intelectual se separa do processo afetivo Com ajuda da negação é anulada apenas uma consequência do processo de repressão o fato de seu conteúdo ideativo não chegar à consciên cia Daí resulta uma espécie de aceitação intelectual do reprim ido enquanto se mantém o essencial da repressão1 No curso do trabalho psicanalítico frequentemente produzimos uma variante muito importante e algo estranha dessa mesma situação Con seguimos vencer também a negação e alcançar a plena aceitação intelectual do reprimido mas o processo de repressão em si não é cancelado por isso Como é tarefa da função intelectual do juízo confirmar ou neg ar os conteúdos dos pensamentos as observações precedentes nos levam à origem psicológica dessa função Negar algo num juízo é dizer no fundo Isso é algo que eu gostaria de reprimir O juízo negativo é o substituto intelectual da repressão seu Não é um sinal distintivo seu certificado de origem como Made in Germany digamos Através do símbolo da negação o pensamento se livra das limitações da repressão e se enriquece de conteúdos de que não pode prescindir para o seu funcionamento A função do juízo tem essencialmente duas decisões a tomar Deve adjudicar ou recusar a uma coisa uma característica e deve admitir ou contestar a uma representação a existência na realid ade A característica sobre a qual deve decidir pode haver sido originalmente boa ou má útil ou nociva Na linguagem dos mais antigos impulsos instintuais os orais teríamos Quero comer ou quero cuspir isso e numa versão mais geral Quero pôr isso dentro de mim e retirar de mim Ou seja 251326 Isso deve estar dentro ou fora de mim O Eudeprazer ori ginal quer introjetar tudo que é bom e excluir tudo que é mau como afirmei em outro lugar Para o Eu o que é mau e o que é forasteiro que se acha de fora são idênticos inicialmente2 A outra decisão da função do juízo aquela sobre a existência real de uma coisa representada é do interesse do Eurealidade definitivo que se desenvolve a partir do inicial Eudeprazer ex ame da realidade A questão já não é se algo percebido uma coisa deve ou não ser acolhido no Eu mas se algo que se acha no Eu como representação pode ser reencontrado também na percepção realidade É novamente como se vê uma questão de exterior e interior O não real apenas representado subjetivo está apenas dentro o outro o real também se acha fora Nesse desenvolvimento a consideração pelo princípio do prazer foi posta de lado A experiência ensinou que é importante não apen as que uma coisa objeto de satisfação possua a característica boa isto é mereça o acolhimento no Eu mas que também se ache no mundo exterior de modo que seja possível apossarse dela em caso de necessidade Para compreender esse passo adi ante devemos lembrar que todas as representações vêm de per cepções são repetições das mesmas Assim originalmente a ex istência da representação já é uma garantia da realidade do rep resentado A oposição entre subjetivo e objetivo não existe desde o começo Ela se instaura apenas pelo fato de o pensamento pos suir a capacidade de mais uma vez tornar presente algo percebido reproduzindoo na imaginação sem que o objeto ne cessite mais existir no exterior A meta inicial e imediata do ex ame de realidade não é portanto encontrar na percepção real um objeto correspondente ao imaginado mas sim reencontrálo convencerse de que ainda existe Uma outra capacidade da 252326 faculdade de pensamento também fornece uma contribuição para o divórcio entre subjetivo e objetivo Ao ser reproduzida como representação nem sempre a percepção é repetida fielmente ela pode ser modificada por omissões alterada por fusões de elementos diversos O exame da realidade tem de checar até que ponto vão essas deformações Mas reconhecemos como precondição para que se instaure o exame da realidade a perda de objetos que um dia proporcionaram real satisfação Julgar é a ação intelectual que decide a escolha da ação mo tora põe fim à protelação devida ao pensamento e conduz do pensar ao agir Também já discuti em outro lugar essa protelação devida ao pensamento Deve ser vista como uma ação experi mental um tatear motor com dispêndios mínimos de descarga Lembremonos onde o Eu exercitou antes um tatear assim em que lugar aprendeu a técnica que agora utiliza nos processos de pensamento Isso ocorreu na extremidade sensorial do aparelho psíquico nas percepções dos sentidos De acordo com nossa hipótese a percepção não é um processo puramente passivo o Eu envia periodicamente pequenas quantidades de investimento ao sistema perceptivo mediante as quais prova os estímulos externos retraindose novamente após cada um desses avanços tateantes O estudo do juízo nos permite quiçá pela primeira vez vis lumbrar a gênese de uma função intelectual a partir do jogo dos impulsos instintuais primários Julgar é uma continuação coer ente da inclusão no Eu ou expulsão do Eu que originalmente se dava conforme o princípio do prazer Sua polaridade parece cor responder à oposição dos dois grupos de instintos que supomos A afirmação como substituto da união pertence ao Eros a negação sucessora da expulsão ao instinto de destruição O 253326 gosto em negar o negativismo de alguns psicóticos deve provavelmente ser entendido como sinal de disjunção de instin tos com a subtração dos componentes libidinais Mas o desempenho da função do juízo é possibilitado apenas pelo fato de a criação do símbolo da negação permitir ao pensamento um primeiro grau de independência dos resultados da repressão e assim da coação do princípio do prazer Harmonizase muito bem com essa concepção da negação o fato de que na análise não encontramos nenhum não vindo do inconsciente e de que o reconhecimento do inconsciente por parte do Eu se exprime numa fórmula negativa Não há prova mais forte de que conseguimos desvelar o inconsciente do que o analisando reagir dizendo Não pensei isso ou Nisso eu não nunca pensei Ideia obsessiva Zwangsvorstellung no original O substantivo Zwang sig nifica coação coerção nesse termo composto em que tem uso atributivo qualificando Vorstellung que traduzimos por ideia ou representação costuma ser vertido por obsessiva Assim o encontramos nas versões con sultadas uma em português por Marilene Carone em Discurso revista do Departamento de Filosofia da usp n 15 1983 pp 12532 duas em espanhol a antiga por LópezBallesteros e a mais nova por J L Etcheverry uma itali ana nas Opere da editora Boringhieri e uma inglesa de James Strachey na Standard edition v xix todas usam ideia ou representação obsessiva 1 O mesmo processo está na origem do conhecido fato do chamamento Que bom que há muito tempo eu não tenho enxaqueca Mas esse é o primeiro anúncio de um ataque cuja aproximação o indivíduo já sente mas em que não quer acreditar 254326 Segundo Strachey a primeira manifestação dessa ideia estaria no cap vi de O chiste e sua relação com o inconsciente 1905 ela surge novamente em For mulações sobre os dois princípios do funcionamento psíquico 1911 e na parte v de O inconsciente 1915 2 Cf quanto a isso as afirmações em Os instintos e seus destinos 1915 na parte final do ensaio Representada vorgestellt Também seria possível a versão por imaginada acompanhando o uso coloquial do verbo sich vorstellen com posto do prefixo vor diante de e de stellen pôr colocar que significa colocar algo diante de si ou seja imaginar fazer ideia de algo Na parte final de O Eu e o Id 1923 neste volume mas sabese que Freud abordou essa questão várias vezes a começar pelo Esboço de uma psicologia de 1895 mais conhecido pelo título de sua versão inglesa Projeto de uma psicologia para neurólogos seção 16 da parte i Disjunção de instintos Triebentmischung em que Entmischung é o con trário de mistura Mischung as versões consultadas recorrem a defusão pulsional com nota em que admite também desintrincamento defusión de los instintos desmezcla pulsional disimpasto pulsionale defusion of instincts 255326 ALGUMAS CONSEQUÊNCIAS PSÍQUICAS DA DIFERENÇA ANATÔMICA ENTRE OS SEXOS 1925 TÍTULO ORIGINAL EINIGE PSYCHISCHE FOLGEN DES ANATOMISCHEN GESCHLECHTSUNTERSCHIEDS PUBLICADO PRIMEIRAMENTE EM INTERNATIONALE ZEITSCHRIFT FÜR PSYCHOANALYSE REVISTA INTERNACIONAL DE PSICANÁLISE V 11 N 4 PP 40110 TRADUZIDO DE GESAMMELTE WERKE XIV PP 1730 TAMBÉM SE ACHA EM STUDIENAUSGABE V PP 25366 ESTA TRADUÇÃO FOI PUBLICADA ORIGINALMENTE EM JORNAL DE PSICANÁLISE SOCIEDADE BRASILEIRA DE PSICANÁLISE DE SÃO PAULO V 33 N 6061 PP 491500 DEZEMBRO DE 2000 ALGUMAS NOTAS DO TRADUTOR FORAM OMITIDAS E OUTRAS FORAM MODIFICADAS NA PRESENTE EDIÇÃO Em meus trabalhos e nos de meus discípulos defendemos cada vez mais firmemente a necessidade de que a análise dos neuróti cos penetre também o mais distante período da infância a época do primeiro florescimento da vida sexual Apenas ao pesquisar as primeiras manifestações da constituição instintual inata e os efeitos das mais distantes experiências de vida podese conhecer corretamente as forças instintuais da neurose posterior e estar precavido contra os erros a que nos induziriam as transform ações e sobreposições da idade adulta Esta necessidade não é apenas teoricamente significativa mas também de importância prática pois distingue os nossos esforços do trabalho daqueles médicos que tendo orientação apenas terapêutica utilizam métodos analíticos até certo ponto Tal análise da primeira in fância é demorada laboriosa e faz tanto ao médico como ao pa ciente exigências que a prática nem sempre satisfaz Além disso conduz a áreas obscuras em que nos faltam sinais indicadores Sim creio que podemos assegurar aos analistas que não há o perigo nas próximas décadas de o seu trabalho científico tornarse mecânico e desinteressante Nas páginas que seguem comunico alguns resultados da pesquisa psicanalítica resultados muito importantes se demon strarem ser universalmente válidos Por que não adio a sua pub licação até que uma experiência mais ampla me traga essa prova caso se possa obtêla Porque em minhas condições de trabalho houve uma mudança cujas consequências não posso negar An teriormente eu não me incluía entre aqueles incapazes de guardar por algum tempo o que parece ser uma nova descoberta até que ela seja confirmada ou corrigida A Interpretação dos sonhos e o Fragmento da análise de um caso de histeria o caso Dora foram por mim retidos se não durante os nove anos re comendados por Horácio ao menos durante quatro ou cinco antes de encaminhálos à publicação Mas então o tempo se es tendia a perder de vista à minha frente oceans of time como diz um estimado poeta e o material me vinha em tal abundân cia que eu não podia escapar aos novos conhecimentos Além disso eu era o único a trabalhar num novo campo minha re serva não ocasionava perigo para mim nem prejuízo para os outros Agora tudo mudou O tempo que ainda tenho é limitado e já não é tomado inteiramente pelo trabalho de modo que as opor tunidades de novos conhecimentos não se apresentam muito fartas Quando acredito observar algo novo não estou seguro de poder esperar por sua confirmação Também já foi esgotado o que se achava na superfície o restante tem de ser tirado da pro fundeza lenta e laboriosamente Por fim não estou mais só uma hoste de ávidos colaboradores se acha disposta a fazer uso tam bém do que está incompleto incertamente conhecido e posso lhes deixar o quinhão de trabalho que eu mesmo teria feito De modo que me sinto justificado em desta vez participar algo que requer urgentemente verificação para que se reconheça se tem valor ou não Ao examinar as primeiras configurações psíquicas da vida sexual na criança nosso objeto foi normalmente a criança do sexo masculino o garoto pequeno Achamos que na garota pequena as coisas deviam se passar de modo semelhante mas 258326 com alguma diferença Em que ponto do desenvolvimento estar ia essa diferença é algo que não se deixava esclarecer A situação do complexo de Édipo é a primeira etapa que re conhecemos com segurança no menino Ela é facilmente com preensível para nós pois a criança se atém ao mesmo objeto que no precedente período de amamentação já tinha investido com sua libido ainda não genital Também o fato de perceber o pai como um rival importuno do qual gostaria de se livrar e assumir o lugar é claramente deduzido das circunstâncias objetivas Ex pus em outro artigo1 que a postura edipiana do menino per tence à fase fálica e sucumbe ao medo de castração isto é ao in teresse narcísico pelo genital O entendimento é dificultado pela complicação de que mesmo no garoto o complexo de Édipo tem duplo sentido ativo e passivo correspondendo à disposição bis sexual O garoto quer também assumir o lugar da mãe como ob jeto amoroso do pai o que designamos como postura feminina Quanto à préhistória do complexo de Édipo no menino es tamos longe de alcançar plena clareza Sabemos que ali há uma identificação de natureza terna com o pai a qual ainda está livre do senso de rivalidade em torno da mãe Um outro elemento desse período elemento que me parece nunca faltar é a ativid ade masturbatória com o genital o onanismo da primeira infân cia cuja supressão mais ou menos violenta por parte dos que cuidam da criança ativa o complexo de castração Supomos que esse onanismo está ligado ao complexo de Édipo e constitui a descarga de sua excitação sexual Não sabemos se ele tem esta ligação desde o princípio ou se aparece espontaneamente como atividade com um órgão só depois vinculandose ao complexo 259326 de Édipo esta última possibilidade é a mais provável Também discutível é o papel do hábito de urinar na cama e do combate a ele mediante a educação Nós nos inclinamos à síntese singela de que urinar continuamente na cama é consequência da masturb ação a sua supressão é vista pelo garoto como uma inibição da atividade genital ou seja significando uma ameaça de castração mas permanece em aberto se temos razão em cada um desses pontos Por fim a análise nos permite reconhecer vagamente que presenciar o coito dos pais numa época muito tenra da in fância pode trazer a primeira excitação sexual e tornarse devido a seus efeitos posteriores o ponto de partida para todo o desenvolvimento sexual A masturbação assim como as duas posturas do complexo de Édipo ligase mais tarde a esta im pressão subsequentemente interpretada Mas não podemos supor que tais observações do coito sucedam regularmente e de paramos com o problema das fantasias primordiais Portanto na préhistória do complexo de Édipo do garoto há tudo isso também a ser esclarecido a aguardar exame para decidirmos se há que supor sempre o mesmo desenrolar ou se estágios prelim inares bem diferentes convergem para a mesma situação final O complexo de Édipo da garota pequena traz em si um prob lema a mais que o do garoto Inicialmente a mãe foi para ambos o primeiro objeto não nos surpreendemos se o garoto o mantém no complexo de Édipo Mas como chega a menina a abandonálo e tomar o pai como objeto Perseguindo essa questão fiz certas constatações que podem lançar alguma luz precisamente sobre a préhistória da relação edípica na menina 260326 Todo psicanalista já encontrou mulheres que se atêm com particular intensidade e persistência à ligação com o pai e ao desejo de ter um filho dele coroamento de tal ligação Temos bom motivo para supor que essa fantasia envolvendo um desejo era também a força motriz de sua masturbação infantil e facilmente nos vem a impressão de estar ante um fato element ar não mais suscetível de decomposição da vida sexual in fantil Uma análise mais aprofundada desses casos no entanto mostra algo distinto ou seja que o complexo de Édipo tem aí uma longa préhistória e é em certa medida uma formação secundária Conforme uma observação do velho pediatra S Lindner a cri ança descobre a zona genital como fonte de prazer o pênis ou o clitóris ao mamar prazerosamente sugar Deixarei em aberto a questão de saber se de fato a criança toma essa nova fonte de prazer em substituição à teta perdida da mãe como talvez indiquem fantasias futuras felação Em suma a zona genital é descoberta de alguma maneira e não parece justificado atribuir um conteúdo psíquico às primeiras atividades que a ela se relacionam O passo seguinte na fase fálica que assim começa porém não é o nexo dessa masturbação com os investimentos objetais do complexo de Édipo mas uma descoberta rica de con sequências que cabe à menina fazer Ela nota o pênis de um irmão ou companheiro de jogos flagrantemente visível e de tamanho notável reconheceo de imediato como a superior con trapartida de seu próprio órgão pequeno e oculto e passa a ter inveja do pênis Eis um interessante contraste no comportamento dos dois sexos na situação análoga quando o garoto avista pela primeira vez a região genital da menina ele se mostra inicialmente 261326 indeciso pouco interessado ele nada vê ou recusa sua percepção enfraquecea busca expedientes para harmonizála com sua expectativa Somente depois quando uma ameaça de castração teve influência sobre ele tal observação lhe será signi ficativa sua recordação ou renovação suscita nele uma terrível tempestade de afetos e o força a crer na realidade da ameaça até então desdenhada Essa conjunção leva a duas reações que po dem se tornar fixas e então separadamente ou juntas ou em conjunção com outros fatores determinarão permanentemente sua relação com as mulheres aversão à criatura mutilada ou tri unfante menosprezo dela Mas esses desenvolvimentos per tencem ao futuro se bem que a um futuro pouco distante Com a menina é diferente Num instante ela faz seu julga mento e toma sua decisão Ela viu sabe que não tem e quer ter2 Neste ponto se separa o chamado complexo de masculinidade da mulher que eventualmente reservará grandes dificuldades ao desenvolvimento prescrito rumo à feminilidade caso não seja logo superado A esperança de ainda ter um pênis tornandose igual ao homem pode se manter por um período improvavel mente longo e se tornar motivo de atos peculiares de outra forma incompreensíveis Ou surge o processo que eu designaria como recusa que na vida psíquica da criança parece não ser raro nem muito perigoso mas que no adulto daria início a uma psicose A menina se recusa a admitir o fato de sua castração aferrase à convicção de que possui um pênis e se vê compelida subsequentemente a agir como se fosse um homem As consequências psíquicas da inveja do pênis na medida em que não é assimilada na formação reativa do complexo de mas culinidade são diversas e de largo alcance Com o reconheci mento da ferida narcísica produzse na mulher como uma 262326 cicatriz por assim dizer um sentimento de inferioridade De pois de haver superado a primeira tentativa de explicar sua falta de pênis como castigo pessoal e haver apreendido a universalid ade dessa característica sexual ela começa a partilhar o menos prezo do homem por um sexo reduzido num ponto decisivo e ao menos nesse juízo permanece equiparada ao homem3 Mesmo tendo renunciado a seu verdadeiro objeto a inveja do pênis não deixa de existir persiste no traço de caráter do ciúme com ligeiro deslocamento Claro que o ciúme não é próprio de um sexo apenas e se fundamenta numa base mais ampla mas acho que desempenha um papel muito maior na vida psíquica da mulher porque obtém um enorme reforço da fonte que é a in veja do pênis desviada Antes de conhecer essa derivação do ciúme eu tinha construído para a fantasia masturbatória Uma criança é espancada tão frequente em meninas uma primeira fase em que o seu significado é que uma outra criança uma rival da qual se tem ciúme seria espancada4 Essa fantasia parece ser uma relíquia do período fálico da garota a singular rigidez que me chamou a atenção na monótona fórmula Uma criança é es pancada permite provavelmente uma interpretação especial A criança que aí é espancada acariciada pode não ser outra coisa no fundo do que o clitóris mesmo de modo que a de claração contém no nível mais profundo a confissão da mas turbação que desde o início na fase fálica até uma época tardia está ligada ao conteúdo da fórmula Uma terceira consequência da inveja do pênis parece ser o afrouxamento da relação terna com o objeto materno O con junto não é muito claro mas estamos convencidos de que quase sempre afinal a menina vê a mãe como responsável pela falta de pênis por têla posto no mundo tão insuficientemente 263326 aparelhada A história é frequentemente que após descobrir a desvantagem no genital a menina tem ciúme de outra criança supostamente mais amada pela mãe o que lhe fornece mo tivação para desprenderse do vínculo materno Está de acordo com isso que esta criança privilegiada pela mãe venha a ser o primeiro objeto da fantasia de espancamento que termina em masturbação Um outro efeito surpreendente da inveja do pênis ou da descoberta da inferioridade do clitóris é sem dúvida o mais importante Eu já tivera frequentemente a impressão de que em geral a mulher tolera menos que o homem a masturbação opõe se a ela com mais frequência e não é capaz de servirse dela em circunstâncias em que o homem recorreria a tal expediente sem hesitação É compreensível que a experiência ofereça inúmeras exceções a esta afirmação se tentarmos estabelecêla como re gra As reações dos indivíduos de ambos os sexos são mesclas de traços masculinos e femininos Mas continua a parecer que a natureza da mulher se acha mais distante da masturbação e para resolver o problema colocado podemos aduzir a reflexão de que pelo menos a masturbação do clitóris seria uma prática mas culina e que uma condição para o desenvolvimento da feminilid ade seria a eliminação da sexualidade clitoridiana As análises do período fálico remoto me ensinaram que na garota após os primeiros indícios de inveja do pênis surge uma intensa cor rente contrária à masturbação que não pode ser ligada apenas à influência da pessoa que a cria Esse impulso é claramente um prenúncio da onda repressiva que vai remover boa parte da sexu alidade masculina na época da puberdade para abrir espaço ao desenvolvimento da feminilidade Pode suceder que esta primeira oposição à atividade autoerótica não atinja sua meta 264326 Assim também aconteceu nos casos por mim analisados O con flito prosseguiu então e a garota fez tudo na época e depois a fim de livrarse da compulsão de masturbarse Muitas manifest ações ulteriores da vida psíquica da mulher permanecem incom preensíveis caso não se reconheça este poderoso motivo Não posso explicar essa revolta da menina contra a masturb ação fálica senão pela hipótese de que essa atividade prazerosa é estragada por um fator paralelo Esse fator não precisa ser bus cado longe teria de ser a humilhação narcísica relacionada à in veja do pênis a lembrança de que neste ponto não é possível ficar à altura dos garotos sendo melhor deixar de lado a concor rência com eles Dessa maneira o reconhecimento da diferença sexual anatômica impele a menina a afastarse da masculinidade e da masturbação masculina em direção a novas trilhas que levam ao desenvolvimento da feminilidade Até o momento não se falou do complexo de Édipo que não desempenhou nenhum papel até aqui Mas agora a libido da ga rota passa ao longo da equação simbólica pênis criança é tudo o que podemos dizer para uma nova posição Ela aban dona o desejo de possuir um pênis para substituílo pelo desejo de ter uma criança e com esta intenção toma o pai por objeto amoroso A mãe se torna objeto de ciúme a menina se tornou uma pequena mulher Se me é permitido crer numa observação psicanalítica isolada nessa nova situação pode haver sensações físicas que devem ser consideradas um despertar prematuro do aparelho genital feminino Se depois essa ligação ao pai fracassar e tiver de ser abandonada pode ceder lugar a uma identificação 265326 com o pai pela qual a menina retorna ao complexo de masculin idade e eventualmente se fixa nele Já disse agora o essencial do que tinha a dizer e me detenho para uma visão geral do resultado Obtivemos algum conheci mento da préhistória do complexo de Édipo na menina O per íodo correspondente no garoto é um tanto desconhecido Na menina o complexo de Édipo é uma formação secundária Os efeitos do complexo de castração o precedem e o preparam No que toca à relação entre complexo de Édipo e complexo de cas tração surge um contraste fundamental entre os dois sexos En quanto o complexo de Édipo do menino sucumbe ao complexo de castração5 o da menina é possibilitado e introduzido pelo complexo de castração Essa contradição é esclarecida se pon derarmos que o complexo de castração sempre age no sentido de seu conteúdo inibindo e limitando a masculinidade e pro movendo a feminilidade A diferença neste trecho do desenvol vimento sexual do homem e da mulher é uma consequência compreensível da diversidade anatômica dos genitais e da situ ação psíquica a ela relacionada corresponde à diferença entre a castração realizada e aquela apenas ameaçada Portanto no fundo o nosso resultado é evidente e poderia ser previsto No entanto o complexo de Édipo é algo tão significativo que não pode deixar de ter consequências a forma como nele se en trou e dele se saiu No menino como expus na publicação mencionada à qual se ligam as observações feitas aqui o com plexo de Édipo não é simplesmente reprimido ele realmente se despedaça com o choque da ameaça de castração Seus investi mentos libidinais são abandonados dessexualizados e 266326 parcialmente sublimados seus objetos são incorporados ao Eu onde formam o âmago do Supereu e emprestam a essa nova formação traços característicos No caso normal melhor dizendo ideal não subsiste mais um complexo de Édipo no in consciente o Supereu é o seu herdeiro Como o pênis seguindo Ferenczi deve seu investimento narcísico excepcion almente elevado à sua importância para a propagação da espécie a catástrofe do complexo de Édipo o abandono do incesto a instauração de consciência e moralidade pode ser vista como um triunfo da geração sobre o indivíduo Uma perspectiva in teressante quando se considera que a neurose se baseia numa revolta do Eu contra as exigências da função sexual Mas deixar o ponto de vista da psicologia individual não ajuda no momento a esclarecer essas emaranhadas relações Na garota falta o motivo para a destruição do complexo de Édipo A castração já produziu antes o seu efeito que consistiu em impelir a criança para a situação do complexo de Édipo Por isso este escapa ao destino que o aguarda no menino pode ser lentamente abandonado liquidado mediante repressão ou seus efeitos podem prosseguir até bem longe na vida psíquica normal da mulher Hesitamos em expressar isto mas não podemos nos esquivar da noção de que o nível do que é eticamente normal vem a ser outro para a mulher O Supereu jamais se torna tão inexorável tão impessoal tão independente de suas origens afetivas como se requer que seja no homem Traços de caráter que sempre foram criticados na mulher que ela mostra menos senso de justiça que o homem menor inclinação a submeterse às grandes exigências da vida que é mais frequentemente guiada por sentimentos afetuosos e hostis ao tomar decisões encon trariam fundamento suficiente na distinta formação do Supereu 267326 que acabamos de inferir Em tais juízos não nos deixaremos in fluenciar pela contestação dos partidários do feminismo que desejam nos impor uma total equiparação e equivalência dos sexos mas admitiremos de bom grado que também a maioria dos homens fica muito atrás do ideal masculino e que todos os indivíduos graças à disposição bissexual e à herança genética cruzada reúnem em si caracteres masculinos e femininos de modo que a masculinidade e a feminilidade puras permanecem construções teóricas de conteúdo incerto Inclinome a dar valor às considerações aqui apresentadas sobre as consequências psíquicas da diferença anatômica entre os sexos mas sei que esta apreciação poderá ser mantida apenas se as descobertas feitas num punhado de casos tiverem confirm ação geral e mostrarem ser típicas De outro modo apenas con tribuiriam para um conhecimento dos múltiplos caminhos que há no desenvolvimento da vida sexual Nos valiosos e substanciosos trabalhos sobre os complexos de masculinidade e da castração na mulher de Abraham Formas de manifestação do complexo da castração feminino Interna tionale Zeitschrift für Psychoanalyse v vii 1921 Horney Sobre a gênese do complexo da castração feminino ibidem v ix Helene Deutsch Psicanálise das funções sexuais femini nas Neue Arbeiten zur ärztlichen Psychoanalyse v há muita coisa que se aproxima de minha exposição e nada que coincide inteiramente com ela de modo que também por isso creio que se justifica esta minha publicação 268326 Conhecer erkennen no original as traduções consultadas recorreram no caso a apreciar discernir riconoscere reconnaître to gauge e onder scheiden distinguir Cf outras notas relativas à versão desse termo no volume 10 destas Obras completas 19111913 pp 146 150 e 156 Conhecimentos Erfahrungen que geralmente é traduzida por experiên cias como fizeram os demais tradutores mas que significa também no sin gular o conhecimento adquirido mediante a experiência O estimado po eta que Freud cita seria Shelley de acordo com a nova edição francesa citação do poema Time de 1821 Quanto a Horácio a referência é à Ars Po etica versos 3868 1 A dissolução do complexo de Édipo 1924 Fantasias primordiais Urphantasien O Vocabulário da psicanálise pref ere fantasias originárias O prefixo alemão ur denota antiguidade primazia no tempo Os outros tradutores usaram protofantasías fantasías primor diales fantaisies originaires primal phantasies oerfantasieën Fantasia envolvendo um desejo traduçãoparáfrase para Wunschphantas ie que também foi traduzida em outros volumes por fantasiadesejo ou simplesmente desejo Nas versões estrangeiras consultadas fantasía desid erativa fantasía de deseo fantasia di desiderio fantaisie de souhait wishful phantasy wensfantasie Logo em seguida força motriz é tradução de Trieb kraft que os outros verteram por fuerza impulsora fuerza pulsional forza motrice force de pulsion motive force drijfkracht O termo original é cor riqueiro significa simplesmente a força que move uma máquina e figura damente como Freud o emprega o móvel de uma ação O tradutor argen tino e o francês deram ênfase ao sentido técnico que enxergaram no termo conforme suas orientações estritamente literais Não mais suscetível de decomposição nicht weiter auflösbar nas ver sões consultadas irreducible no suscetible de ulterior resolución sic non ulteriormente decomponibile non décomposable plus avant unanalysable dat niet verder kan worden ontleed que não pode ser dissecado mais 269326 Recusa verleugnet os tradutores consultados empregam repudia de smiente rinnega dénie disavows loochent Ver nota sobre o termo em A organização genital infantil neste volume Mais adiante aparece o substant ivo Verleugnung 2 Eis a oportunidade de corrigir uma afirmação que fiz anos atrás Achei que o interesse sexual das crianças como o dos púberes não seria despertado pela diferença entre os sexos mas pelo problema da origem das crianças Ao menos para a menina isso certamente não é válido No caso do menino algu mas vezes poderá ser assim outras vezes de outro modo ou eventos fortuitos decidirão quanto a isso no caso dos dois sexos Se separa zweigt ab nas versões estrangeiras consultadas arranca se bifurca si diparte bifurque branches off splitst af O verbo abzwei gen relacionado a Zweig ramo galho pode ter o sentido de bifurcarse ou de separarse brotar num ponto é claramente este o pretendido por Freud Ele empregou a mesma palavra na mesma frase em O desapareci mento do complexo de Édipo Se recusa verweigert nas versões consultadas rehúsa se rehúsa rifi uta refuse may refuse weigert O verbo aqui usado por Freud tem sentido igual àquele que traduzimos por recusar verleugnen Mas os tradutores se veem obrigados a buscar outro termo receando a eventual crítica de que es tariam favorecendo uma confusão Se recorrermos ao verbo negar haverá o perigo de lembrar o conceito de negação se empregarmos rejeitar ou re pudiar teremos de suprimir o verbo admitir 3 Em minha primeira manifestação crítica a respeito da História do movi mento psicanalítico 1913 reconheci que este é o núcleo de verdade que há na teoria de Adler a qual não hesita em explicar o mundo inteiro com base nesse ponto inferioridade do órgão protesto masculino afastamento da linha feminina e se gaba de nisso haver despojado a sexualidade de sua importân cia em favor do afã de poder O único órgão inferior que inequivocamente merece tal denominação seria então o clitóris Por outro lado ouvimos falar de analistas que se gabam de jamais terem percebido a existência de um 270326 complexo de castração mesmo após décadas de trabalho Temos de nos curvar admirados ante a magnitude desta façanha ainda que seja tão só neg ativa uma proeza de descuido e desconhecimento As duas teorias formam um interessante par de opostos nesta nenhum traço de complexo de cas tração naquela nada senão consequências dele 4 Batem numa criança 1919 5 Ver A dissolução do complexo de Édipo 1924 Geração Generation as versões consultadas empregam de la genera ción de la raza o tradutor espanhol usa os dois termos na tradução inglesa se acha race e nas demais também a tradução literal No original über den Männlichkeits und Kastrationskomplex des Weibes Freud usa complexo uma vez LópezBallesteros e Strachey adotam o plural entendendo que ele se refere a um e a outro enquanto Etcheverry e Laplanche usam o singular exprimindo um só complexo Penso que os dois primeiros es tão certos pois no contexto do artigo se vê que são duas coisas distintas Além disso em alemão não é raro o emprego de um sujeito duplo no caso de duas palavras compostas que partilham um termo Assim em Männlichkeitskom plex foi omitido o termo principal partilhado com o composto que segue daí se usar um hífen após o primeiro termo indicando que ele será completado em seguida 271326 OBSERVAÇÕES SOBRE A TEORIA E A PRÁTICA DA INTERPRETAÇÃO DOS SONHOS 1923 TÍTULO ORIGINAL BEMERKUNGEN ZUR THEORIE UND PRAXIS DER TRAUMDEUTUNG PUBLICADO PRIMEIRAMENTE EM INTERNATIONALE ZEITSCHRIFT FÜR PSYCHOANALYSE REVISTA INTERNACIONAL DE PSICANÁLISE V 9 N 1 PP 111 TRADUZIDO DE GESAMMELTE WERKE XIII PP 30114 TAMBÉM SE ACHA EM STUDIENAUSGABE ERGÄNZUNGSBAND VOLUME COMPLEMENTAR PP 25770 A circunstância fortuita de as últimas impressões da Inter pretação dos sonhos terem sido feitas em pranchas este reotípicas me leva a publicar de forma independente as obser vações seguintes que normalmente teriam entrado como modi ficações ou acréscimos ao texto I Ao interpretar um sonho na análise podese escolher entre pro cedimentos técnicos diferentes Podemos a proceder cronologicamente e fazer com que o sonhador apresente suas associações aos elementos do sonho na sequência em que eles ocorrem no relato do sonho Essa é a con duta original clássica que ainda me parece a melhor quando an alisamos os próprios sonhos Ou podemos b iniciar o trabalho de interpretação por um de terminado elemento do sonho escolhido de qualquer ponto dele por exemplo pelo trecho mais notável ou pelo que possui a maior nitidez ou intensidade sensorial ou partindo de uma fala nele contida da qual esperamos que conduza à lembrança de uma fala da vida desperta Podemos c não considerar inicialmente o conteúdo mani festo do sonho e perguntar ao sonhador que eventos do dia an terior ele associa ao sonho relatado Por fim se o sonhador já estiver familiarizado com a técnica da interpretação podemos d abandonar todo preceito e deixar que ele decida com quais associações relativas ao sonho começará Não posso afirmar que uma dessas técnicas seja preferível ou proporcione resultados melhores II Bem mais importante é se o trabalho de interpretação ocorre sob pressão de resistência baixa ou elevada e acerca disso o analista não permanece em dúvida por muito tempo Sendo elevada a pressão podemos chegar a saber de que coisas o sonho trata mas não descobrimos o que diz acerca dessas coisas É como se atentássemos para uma conversa distante ou em voz muito baixa Então percebemos que não se pode falar exatamente de um trabalho conjunto com o sonhador resolvemos não nos inco modar muito e não ajudálo muito contentandonos em lhe sug erir algumas traduções de símbolos que nos parecem prováveis A maioria dos sonhos numa análise difícil é desse gênero de modo que não podemos aprender muito sobre a natureza e o mecanismo da formação dos sonhos com eles e menos ainda ob ter resposta à corriqueira pergunta de onde está a realização de desejos no sonho No caso de uma pressão de resistência extremamente alta su cede o fenômeno de a associação do sonhador se dar para os la dos em vez de para o fundo No lugar das desejadas associações com o sonho relatado aparecem novos pedaços de sonhos que continuam desassociados Só quando a resistência se mantém em limites moderados surge o conhecido quadro do trabalho de interpretação em que as associações do sonhador inicialmente divergem dos elementos manifestos de modo que inúmeros temas e grupos de ideias são tocados até que uma segunda série 274326 de associações rapidamente converge a partir deles para os pensamentos oníricos buscados Então se torna possível também o trabalho conjunto do an alista com o sonhador sob alta pressão de resistência isso não seria adequado Um certo número de sonhos que acontecem durante a análise são intraduzíveis apesar de neles a resistência não se mostrar de forma clara Eles representam elaborações livres dos pensamen tos oníricos latentes que estão em sua base são comparáveis a obras de literatura bem realizadas supertrabalhadas em que os temas básicos são ainda reconhecíveis mas sofreram misturas e transformações Estes sonhos servem no tratamento como in trodução aos pensamentos e lembranças do sonhador não sendo considerado seu conteúdo mesmo III Podemos diferenciar entre sonhos de cima e sonhos de baixo se não tomarmos essa distinção com demasiada rigidez Sonhos de baixo são aqueles provocados pela força de um desejo incon sciente reprimido que conseguiu fazerse representar em al guns resíduos diurnos Equivalem a irrupções do reprimido na vida desperta Sonhos de cima correspondem a pensamentos ou intenções diurnas que lograram obter durante a noite um re forço do material reprimido afastado do Eu Via de regra a anál ise não considera esse aliado inconsciente e realiza a inserção dos pensamentos oníricos latentes na trama do pensamento des perto Essa distinção não requer mudança na teoria dos sonhos 275326 IV Em algumas análises ou durante certos períodos de uma análise manifestase uma separação entre a vida onírica e a vida desper ta similar à separação entre a atividade da fantasia que mantém uma continued story um romance em devaneios e o pensamento desperto Então um sonho se encadeia no outro toma como seu ponto central um elemento que foi ligeiramente tocado no anterior etc Mas é muito mais frequente o outro caso de os sonhos não serem ligados e sim intercalados em porções sucessivas do pensamento desperto V A interpretação de um sonho se divide em duas fases a tradução e seu julgamento ou apreciação Durante a primeira não deve mos nos deixar influenciar por nenhuma consideração relativa à segunda É como se tivéssemos à nossa frente um capítulo de um autor de língua estrangeira Tito Lívio por exemplo Primeiro queremos saber o que Tito Lívio conta nesse capítulo e somente depois discutimos se o que foi lido é uma narrativa histórica uma lenda ou uma digressão do autor Que inferências podemos tirar de um sonho corretamente traduzido Tenho a impressão de que nisso a prática psicanalít ica nem sempre evitou erros e superestimações em parte por ex cessivo respeito ante o misterioso inconsciente Com facilidade nos esquecemos de que em geral um sonho é apenas um pensamento como qualquer outro possibilitado pelo 276326 relaxamento da censura e pelo reforço inconsciente e deformado pela interferência da censura e a elaboração inconsciente Vejamos o exemplo dos chamados sonhos de convalescença Quando um paciente teve um sonho desses em que parece furtarse às limitações da neurose em que supera uma fobia por exemplo ou abandona uma ligação afetiva tendemos a acreditar que fez um enorme progresso que está pronto a adaptarse a uma nova situação de vida que já conta com o restabelecimento etc Muitas vezes isso pode ser correto mas outras tantas vezes tais sonhos de convalescença possuem apen as o valor de sonhos de conveniência implicam o desejo de final mente estar são a fim de pouparse uma nova porção do tra balho analítico que sentem como algo iminente Em tal sentido os sonhos de convalescença ocorrem muito frequentemente por exemplo quando o paciente vai entrar numa nova para ele dol orosa fase da transferência Então ele se comporta exatamente como alguns neuróticos que após umas poucas sessões se dizem curados pois desejam escapar a tudo de desagradável que ainda será expresso na análise Também os neuróticos de guerra que abandonaram seus sintomas porque a terapia dos médicos milit ares lhes tornou a doença ainda mais incômoda do que o serviço na frente de luta eles seguiram as mesmas premissas econôm icas e nos dois casos as curas não se revelaram duradouras VI É realmente difícil chegar a conclusões gerais acerca do valor de sonhos corretamente traduzidos Quando no paciente há um conflito de ambivalência um pensamento hostil que nele surge 277326 não significa certamente uma duradoura superação do impulso afetuoso ou seja uma resolução do conflito e tampouco tem esse significado um sonho com o mesmo conteúdo hostil Dur ante tal conflito de ambivalência é frequente que em cada noite haja dois sonhos cada um com a atitude oposta O progresso consiste então em obter um completo isolamento dos dois im pulsos contrastantes e poder acompanhar e entender cada qual até seu extremo com a ajuda de seus fortalecimentos incon scientes Às vezes um dos dois sonhos ambivalentes é esquecido então não devemos nos deixar enganar e supor que foi tomada a decisão em favor de um lado O esquecimento de um dos sonhos mostra é verdade que no momento aquela orientação predom ina mas isso vale apenas para aquele dia podendo mudar A noite seguinte talvez apresente em primeiro plano a manifest ação oposta O verdadeiro estado do conflito pode ser determ inado apenas considerandose todas as outras indicações inclus ive as da vida desperta VII A questão do valor a se atribuir aos sonhos ligase estreitamente à de que possam ser influenciados pela sugestão do médico Talvez o analista se espante inicialmente ao ouvir falar dessa possibilidade se refletir um pouco mais no entanto esse es panto dará lugar à compreensão de que influir nos sonhos do pa ciente não é para o analista infortúnio ou vergonha maior do que dirigir seus pensamentos conscientes O fato de o conteúdo manifesto do sonho ser influenciado pelo tratamento analítico não necessita ser demonstrado É 278326 consequência da percepção de que os sonhos se ligam à vida des perta e elaboram incitações que vêm dela Naturalmente o que sucede na terapia analítica faz parte das impressões da vida des perta e das mais fortes entre elas Não admira portanto que o paciente sonhe com coisas que o médico abordou com ele e acerca das quais despertou expectativas nele Não é de admirar mais em todo caso do que o que se acha no conhecido fato dos sonhos experimentais Em seguida nosso interesse contempla a questão de saber se também os pensamentos oníricos latentes a serem dilucidados pela interpretação podem ser influenciados sugeridos pelo an alista Outra vez a resposta deve ser Evidentemente sim pois uma parte desses pensamentos oníricos latentes corresponde a formações de pensamento préconscientes totalmente capazes de se tornar conscientes com que o sonhador poderia reagir às observações do médico também estando acordado as réplicas do paciente indo ao encontro ou contrariamente a essas obser vações Pois se substituímos o sonho pelos pensamentos oníricos que contém a questão de em que medida podemos sugerir os sonhos coincide com outra mais ampla de até onde o paciente em análise é acessível à sugestão Quanto ao mecanismo da formação dos sonhos em si ao tra balho do sonho propriamente nele jamais chegamos a influir disso podemos ter certeza Além da porção que discutimos os pensamentos oníricos pré conscientes cada autêntico sonho contém indícios dos desejos reprimidos a que deve a possibilidade de sua formação Um cético dirá que eles aparecem no sonho porque o sonhador sabe que deve apresentálos que o psicanalista os aguarda O psican alista mesmo pensará de modo diferente e com razão 279326 Quando o sonho traz situações que podem ser interpretadas como se referindo a cenas do passado do sonhador parece par ticularmente relevante a questão de se teria havido influência médica nesses conteúdos oníricos Essa questão é mais premente nos sonhos chamados confirmadores que seguem atrás da an álise Em alguns pacientes são os únicos que obtemos Tais pa cientes reproduzem as vivências esquecidas de sua infância apenas depois que as construímos a partir de sintomas pensamentos espontâneos e alusões e as comunicamos a eles Disso resultam os sonhos confirmadores em relação aos quais há a dúvida de que tenham valor comprobatório pois podem haver sido fantasiados por instigação do médico em vez de trazidos à luz desde o inconsciente do sonhador Não é possível evitar essa situação ambígua na análise pois quando não inter pretamos construímos e comunicamos no caso desses pa cientes jamais obtemos acesso ao que neles é reprimido As coisas ficam mais favoráveis quando a análise de um desses sonhos confirmadores que seguem atrás é imediatamente acompanhada por uma sensação de recordar o que até então foi esquecido O cético ainda tem a saída de afirmar que seriam ilusões de lembranças Além disso em geral tais sensações de recordar não se apresentam Deixase passar apenas aos poucos o material reprimido e toda lacuna inibe ou atrasa o estabelecimento de uma convicção Também pode se tratar não da reprodução de um evento real esquecido mas da apresentação de uma fantasia inconsciente em relação à qual nunca se espera uma sensação de recordar embora seja possível uma sensação de convicção subjetiva 280326 Os sonhos confirmadores podem realmente ser consequência da sugestão isto é sonhos obsequiadores Os pacientes que trazem apenas sonhos confirmadores são os mesmos nos quais a dúvida tem o papel de resistência principal Não tentamos calar essa dúvida com a nossa autoridade ou fulminála com argu mentos Ela deve permanecer até que se resolva no prosseguimento da análise Também o analista pode manter uma dúvida assim em determinados casos O que lhe dá segur ança por fim é justamente a complicação da tarefa que tem à frente comparável à solução de um desses jogos infantis chamados quebracabeças Neles há um desenho colorido col ado a uma fina tábua de madeira e inserido numa moldura que se acha dividido em muitos pedaços de contornos sinuosos Se conseguimos ordenar o amontoado de fragmentos cada um dos quais mostrando um pedaço incompreensível do desenho de modo que a imagem adquira um sentido não haja nenhum es paço vazio e o conjunto preencha a moldura então sabemos que a solução do quebracabeças foi encontrada e que não existe outra Uma comparação desse tipo é claro nada pode significar para o paciente enquanto o trabalho da análise não é completado Lembrome da discussão que fui levado a ter com um analisando cuja atitude excepcionalmente ambivalente se expressava na mais extrema dúvida compulsiva Ele não contestava as inter pretações de seus sonhos e estava bastante impressionado com o fato de eles se harmonizarem com as minhas conjecturas Mas perguntava se aqueles sonhos confirmadores não poderiam ser expressão de sua docilidade em relação a mim Quando mostrei que aqueles sonhos também traziam bom número de por menores que eu não podia suspeitar e que sua conduta na 281326 terapia não evidenciava exatamente docilidade ele mudou para outra teoria e perguntou se o seu desejo narcísico de ficar são não poderia têlo ensejado a produzir tais sonhos já que eu lhe havia acenado com a perspectiva de cura se ele fosse capaz de aceitar minhas construções Pude responder apenas que ainda não havia deparado com tal mecanismo de formação dos sonhos mas a resolução veio por outro caminho Ele se lembrou de son hos que tivera antes de começar a análise antes mesmo que soubesse alguma coisa acerca dela e a análise desses sonhos imunes à suspeita de sugestão trouxe as mesmas interpretações que a dos mais recentes Sua obsessão em contradizer ainda achou outra saída a de que os sonhos anteriores seriam menos nítidos do que os tidos durante o tratamento mas a mim bastou me a concordância entre eles Acho bom nos lembrarmos oca sionalmente que as pessoas já costumavam sonhar antes que ex istisse psicanálise VIII Bem pode ser que os sonhos ocorridos durante uma análise con sigam revelar mais amplamente o reprimido do que os sonhos tidos fora da situação analítica Mas isso não pode ser provado já que as duas situações não são comparáveis o emprego de son hos na análise é algo distante do propósito original deles Por outro lado não pode haver dúvida de que numa análise há muito mais material reprimido que vem à luz juntamente com os son hos do que recorrendose a outros métodos Deve haver um mo tor por trás dessa maior produção uma força inconsciente que seja mais capaz de favorecer as intenções da análise durante o 282326 sono do que em outras ocasiões Ora dificilmente podemos invo car outro fator que não a docilidade do paciente em relação ao analista oriunda do complexo parental ou seja a parte posit iva do que denominamos transferência e de fato em muitos sonhos que trazem material esquecido e reprimido não logramos descobrir nenhum outro desejo inconsciente a que se pudesse at ribuir a força motriz para a formação do sonho Portanto se al guém quiser afirmar que a maioria dos sonhos aproveitáveis na análise é de sonhos obsequiadores e que devem sua origem à sugestão do ponto de vista da teoria psicanalítica não há o que objetar a isso Apenas remeterei ao que disse nas Conferências introdutórias à psicanálise 19167 conferência 28 em que lido com a relação entre transferência e sugestão e mostro como a confiabilidade de nossos resultados é pouco afetada pelo recon hecimento do efeito da sugestão tal como a entendemos Em Além do princípio do prazer abordei o problema econ ômico de como vivências desagradáveis do primeiro período sexual infantil podem ter êxito em chegar a algum tipo de re produção Tive que atribuirlhes na forma de uma compulsão à repetição um impulso para cima extraordinariamente forte capaz de superar a repressão que a serviço do princípio do prazer pesa sobre elas mas não antes que o trabalho terapêutico vindolhe ao encontro afrouxe a repressão Devemos acrescentar que a transferência positiva presta essa ajuda à compulsão à repetição Nisso chegase a uma aliança entre a terapia e a compulsão à repetição que inicialmente se di rige contra o princípio do prazer mas em última instância visa estabelecer o domínio do princípio da realidade Conforme expus ali sucede frequentemente que a compulsão à repetição se libere 283326 dos compromissos dessa aliança e não se contente com o retorno do reprimido em forma de imagens oníricas IX Até onde vejo atualmente os sonhos das neuroses traumáticas são a única exceção real da tendência à satisfação de desejos presente nos sonhos e os sonhos de castigo a única exceção aparente Nesses últimos ocorre o fato notável de que realmente nada que faz parte dos pensamentos oníricos latentes é incluído no conteúdo onírico manifesto em seu lugar aparece algo muito diferente que deve ser caracterizado como formação reativa aos pensamentos oníricos como rejeição e total contradição a eles Uma tal interferência no sonho pode vir apenas da instância crít ica do Eu e temos de supor que essa provocada pela incon sciente realização do desejo também se restabelece temporaria mente durante o sono Ela também poderia reagir a esse con teúdo onírico indesejado com o despertar do sonhador mas en contra na formação do sonho de castigo uma maneira de evitar a interrupção do sono Assim por exemplo nos conhecidos sonhos do poeta Roseg ger que discuto na Interpretação dos sonhos é de supor a ex istência de um texto suprimido de conteúdo arrogante e jactan cioso mas o sonho apenas lhe diz Você é um mau aprendiz de alfaiate Não faria sentido naturalmente buscar um desejo rep rimido como força motriz desse sonho manifesto é preciso contentarse com a realização de desejo da autocrítica A estranheza ante uma construção onírica desse tipo é atenu ada se lembramos como é frequente a deformação onírica a 284326 serviço da censura substituir um elemento particular por algo que lhe seja oposto ou contrário em algum sentido Daí é breve o caminho até a substituição de uma porção característica do con teúdo onírico por algo que a contradiz de forma defensiva e com mais um passo temos a substituição de todo o conteúdo onírico escandaloso pelo sonho de castigo Darei um ou dois exemplos dessa fase intermediária no falseamento do conteúdo manifesto Eis parte do sonho de uma garota com forte fixação no pai que tem dificuldade em se expressar na análise Ela está sentada no aposento com uma amiga vestindo apenas um quimono En tra um senhor que a faz sentirse incomodada Mas ele diz Esta é a garota que já vimos uma vez belamente vestida Este sen hor sou eu voltando mais atrás é o pai Nada podemos fazer com o sonho até que nos decidimos a trocar o elemento mais importante na fala do senhor pelo seu contrário Esta é a garota que já vi uma vez despida e muito bonita Quando tinha três ou quatro anos de idade ela dormiu no mesmo aposento do pai por algum tempo e tudo indica que costumava descobrirse no sono a fim de agradar ao pai A subsequente repressão de seu prazer exibicionista é que agora motiva sua reticência na terapia seu desagrado em se mostrar Eis outra cena do mesmo sonho Ela está lendo seu próprio caso clínico em forma impressa Ali se acha que um homem jovem mata sua namorada cacau isso é parte do erotismo anal Essa frase é um pensamento que ela tem no sonho ao surgir a palavra cacau A interpretação desse trecho do sonho é mais difícil que a do anterior Ficamos sabendo enfim que antes de dormir ela leu a História de uma neurose infantil O homem dos lobos 1918 em cujo centro se acha a 285326 observação real ou fantasiada de um coito dos pais do paciente Essa história clínica ela já relacionou à sua própria pessoa antes e este não é o único indício de que também no seu caso devemos considerar a possibilidade de tal observação O homem jovem que mata a namorada é então uma nítida referência à visão sádica da cena do coito mas o elemento seguinte o cacau afastase bastante disso Ao cacau ela associa apenas o que sua mãe costuma dizer que ele dá dor de cabeça e de outras mul heres ela diz ter ouvido a mesma coisa Aliás durante algum tempo ela se identificou com a mãe por causa justamente dessas dores de cabeça O único vínculo que posso achar entre os dois elementos do sonho está na suposição de que ela deseja escapar às inferências da observação do coito Não isso nada tem a ver com a geração de crianças Elas vêm de alguma coisa que se come como nas fábulas e a menção do erotismo anal que parece uma tentativa de interpretação no sonho completa a teoria infantil a que recorre acrescentandolhe o nascimento anal X Às vezes ouvimos expressões de espanto pelo fato de o Eu do sonhador aparecer duas ou três vezes no sonho manifesto uma vez como sua própria pessoa e outras escondido atrás de outras pessoas Durante a formação do sonho a elaboração secundária buscou evidentemente eliminar essa multiplicidade do Eu que não se adéqua a nenhuma situação cênica mas ela é restabele cida pelo trabalho de interpretação Em si ela não é mais notável que a múltipla aparição do Eu num pensamento diurno 286326 desperto sobretudo quando o Eu se divide em sujeito e objeto contrapõese a outra parte sua como instância observadora e crítica ou compara seu ser atual a um passado lembrado que um dia também foi Eu Isso ocorre nas seguintes frases por ex emplo Quando eu penso no que eu fiz a esta pessoa Quando eu penso que eu também já fui criança No entanto gostaria de rejeitar como especulação vazia e não justificada a ideia de que todas as pessoas que aparecem num sonho seriam divisões e rep resentantes do próprio Eu Basta nos atermos ao fato de que a separação entre o Eu e uma instância observadora crítica punit iva ideal do Eu deve ser considerada também na interpretação de sonhos Referência a duas passagens da Interpretação dos sonhos cap v parte A nota acrescentada em 1919 sobre experimentos de O Pötzl com o material en volvido na formação de sonhos e cap vi parte E seção xii sobre experi mentos de K Schrötter com o simbolismo sexual dos sonhos Impulso para cima tradução que aqui se deu a Auftrieb composto de Trieb mais o prefixo auf que indica movimento para cima as versões es trangeiras consultadas recorreram a pujanza de afloramiento pulsión ascen sional spinta ascensionale upward drive Além do princípio do prazer cap iii 1920 Em alemão Kakao pode lembrar Kaka que significa cocô 287326 ALGUNS COMPLEMENTOS À INTERPRETAÇÃO DOS SONHOS 1925 TÍTULO ORIGINAL EINIGE NACHTRÄGE ZUM GANZEN DER TRAUMDEUTUNG PUBLICADO PRIMEIRAMENTE EM GESAMMELTE SCHRIFTEN III PP 17284 TRADUZIDO DE GESAMMELTE WERKE I PP 55973 ZUSATZ ZUM XIV BANDE SUPLEMENTO AO VOLUME XIV A OS LIMITES DA INTERPRETABILIDADE Cabe perguntar se é possível dar uma tradução completa e se gura de cada produto da vida onírica na linguagem da vida des perta isto é uma interpretação Essa questão não será tratada de maneira abstrata mas com referência às condições em que faz o trabalho da interpretação de sonhos Nossas atividades mentais procuram ou um objetivo útil ou um ganho imediato de prazer No primeiro caso tratase de de cisões intelectuais preparativos para ações ou comunicações a outras pessoas no segundo nós as denominamos jogo ou fantas ia Como se sabe também o útil é apenas um rodeio para a satis fação prazerosa Ora sonhar é uma atividade do segundo tipo que realmente em termos de história da evolução é o mais anti go Seria errado dizer que o sonho se ocupa de tarefas iminentes da vida ou procura dar conta de problemas do trabalho diurno Isso é atribuição do pensamento préconsciente Tal intenção utilitária é tão alheia ao sonho quanto o propósito de comunicar uma informação a outra pessoa Quando um sonho lida com um problema da vida seu modo de resolvêlo corresponde ao de um desejo irracional não ao de uma reflexão ponderada Apenas uma intenção utilitária uma função pode ser atribuída ao sonho a de evitar a perturbação do sono Podemos caracterizálo como uma porção de fantasia a serviço da preservação do sono Seguese que para o Eu que dorme é indiferente no conjunto o que durante a noite é sonhado desde que o sonho realize sua incumbência e que os sonhos de que nada sabemos dizer após despertar são aqueles que melhor cumpriram sua função Se fre quentemente sucede o contrário se lembramos os sonhos até durante anos e decênios isto sempre significa uma irrupção do inconsciente reprimido no Eu normal Sem esta com pensação o reprimido não prestaria sua ajuda para eliminar a ameaça de perturbação do sono Sabemos que é o fato dessa ir rupção que confere ao sonho sua importância para a psicopatolo gia Se conseguimos desvendar o motivo que o impele obtemos insuspeitada informação sobre os impulsos reprimidos no incon sciente por outro lado se desfazemos suas deformações espreit amos o pensamento préconsciente em estados de concentração interior que não teriam atraído para si a consciência durante o dia Ninguém pode exercer a interpretação de sonhos como prát ica isolada ela é parte do trabalho analítico Nele dirigimos nosso interesse conforme a necessidade ora para o conteúdo préconsciente do sonho ora para a contribuição inconsciente à sua formação e frequentemente negligenciamos um desses ele mentos em favor do outro E em nada adiantaria se alguém se pusesse a interpretar sonhos fora da análise Tal pessoa não es caparia às condições da situação analítica e ao trabalhar seus próprios sonhos estaria realizando sua autoanálise Essa obser vação não vale para aquele que renuncia à colaboração do son hador e busca interpretar sonhos por compreensão intuitiva Mas uma interpretação desse tipo que não leva em conta as as sociações do sonhador ainda é no melhor dos casos um virtu osismo não científico de valor duvidoso Se se pratica a interpretação de sonhos conforme o único pro cedimento técnico justificável logo se percebe que o êxito de pende cabalmente da tensão que a resistência cria entre o Eu 290326 desperto e o inconsciente reprimido O trabalho sob alta pressão de resistência requer do analista como expliquei em outra ocasião uma conduta diferente daquele sob pequena pressão Na análise é preciso lidar por longos períodos com for tes resistências que ainda não são conhecidas e que de todo modo não podem ser superadas enquanto permanecem descon hecidas Não é de admirar portanto que possamos traduzir e utilizar apenas certa parte dos produtos oníricos de um paciente e mesmo ela de forma geralmente incompleta Ainda que medi ante a prática cheguemos a compreender muitos sonhos em cuja interpretação o sonhador teve pouca participação não devemos jamais esquecer que a certeza dessa interpretação é discutível e hesitaremos em impor nossa conjectura ao paciente Neste ponto será levantada a seguinte objeção se não é pos sível interpretar todos os sonhos com que trabalhamos tampou co devemos afirmar mais do que o que podemos sustentar contentandonos em dizer que alguns sonhos a interpretação demonstra terem sentido mas acerca de outros não sabemos No entanto justamente o fato de o sucesso da interpretação depend er da resistência dispensa de tal modéstia o analista Ele pode ter a experiência de um sonho inicialmente incompreensível tornar se claro na mesma sessão ainda depois que um diálogo feliz logrou eliminar uma resistência do sonhador De repente ocorre a este um pedaço de sonho esquecido que traz a chave para a in terpretação ou surge uma nova associação com cujo auxílio a obscuridade se desfaz Também acontece de após meses e anos de empenho analítico retornarmos a um sonho que no começo do tratamento parecia absurdo e incompreensível e que graças às percepções desde então obtidas é completamente elucid ado E se acrescentamos um argumento da teoria dos sonhos de 291326 que as exemplares produções oníricas infantis são sempre dota das de sentido e facilmente interpretáveis então será justificada a afirmação de que o sonho é de maneira bastante geral uma formação psíquica passível de interpretação embora nem sempre a situação permita que se dê uma interpretação Uma vez encontrada a interpretação de um sonho nem sempre é fácil decidir se ela é completa ou seja se outros pensamentos préconscientes não acharam também expressão no mesmo sonho Devese considerar provado o sentido que pode ser referido aos pensamentos espontâneos do sonhador e à nossa avaliação da situação sem que possamos rejeitar outro sentido por isso no entanto Este continua sendo possível em bora não provado é preciso que nos habituemos ao fato de um sonho poder admitir significados diversos De resto isso nem sempre pode ser imputado a uma incompletude do trabalho de interpretação também pode ser inerente aos próprios pensamentos oníricos latentes Ocorre igualmente na vida di urna fora da situação de interpretar sonhos que fiquemos incer tos se algo que ouvimos uma informação que recebemos admite essa ou aquela significação alude a alguma coisa além de seu sentido evidente Foram muito pouco investigados os casos interessantes em que o mesmo conteúdo onírico manifesto dá expressão simul tânea a um conjunto de ideias concretas e uma série de pensamentos abstratos que se apoia naquele Naturalmente o trabalho do sonho tem dificuldade em achar meios para repres entar pensamentos abstratos 292326 B A RESPONSABILIDADE MORAL PELO CONTEÚDO DOS SONHOS No capítulo introdutório deste livro A literatura científica sobre os problemas do sonho expus a maneira como os autores re agem ao fato sentido como embaraçoso de o conteúdo des bragado dos sonhos frequentemente contrariar a sensibilidade moral do sonhador Evito deliberadamente falar de sonhos criminosos pois essa designação que ultrapassa os limites do interesse psicológico pareceme completamente dispensável A natureza imoral dos sonhos forneceu compreensivelmente um novo motivo para negar o valor psíquico do sonho se ele é o produto sem sentido de uma atividade psíquica perturbada não há por que assumir responsabilidade pelo seu conteúdo aparente Esse problema da responsabilidade pelo conteúdo onírico manifesto foi profundamente modificado até mesmo eliminado pelos esclarecimentos da Interpretação dos sonhos Sabemos agora que o conteúdo manifesto é uma aparência uma fachada Não vale a pena submetêlo a um exame ético levar suas infrações da moral mais a sério que as da lógica e da matemática Ao falar de conteúdo dos sonhos só podemos nos referir ao conteúdo dos pensamentos préconscientes e do desejo reprimido que o trabalho de interpretação revela por trás da fachada do sonho Entretanto ainda essa fachada imoral nos coloca uma questão Vimos que os pensamentos oníricos latentes têm de passar por uma rigorosa censura antes que lhes seja 293326 permitido o acesso ao conteúdo manifesto Como pode então su ceder que essa censura que faz reparos a coisas mais insignific antes falhe de maneira tão completa perante os sonhos mani festamente imorais Não é fácil encontrar a resposta e talvez ela não se mostre completamente satisfatória Inicialmente será preciso submeter esses sonhos à interpretação e depois se verá que alguns deles não ofenderam a censura pois no fundo nada significam de ruim São bravatas inócuas identificações com uma máscara pretensiosa não foram censurados pois não dizem a verdade Mas outros a maioria admitamos significam realmente o que apregoam não sofreram deformação pela censura São ex pressão de impulsos imorais incestuosos e perversos ou de desejos sádicos homicidas O sonhador reage a muitos desses sonhos despertando angustiado nesse caso a situação já não é obscura para nós A censura negligenciou sua tarefa isso foi not ado tardiamente e a geração de angústia é o sucedâneo para a deformação não ocorrida Em outros exemplos desses sonhos mesmo essa expressão de afeto está ausente O conteúdo chocante é sustentado pela forte excitação sexual alcançada no sonho ou goza da tolerância que mesmo a pessoa desperta pode ter em relação a um ataque de raiva um estado de aborreci mento um regalarse em fantasias cruéis Mas nosso interesse pela gênese desses sonhos manifesta mente imorais decresce muito quando vemos a partir da análise que a maioria dos sonhos inofensivos sem afetos e angustia dos se revela quando são desfeitas as deformações da cen sura como satisfação de desejos imorais egoístas sádicos perversos incestuosos Tal como no mundo da vida desperta esses delinquentes disfarçados são bem mais numerosos que os 294326 de rosto descoberto O sonho direto e franco de relação sexual com a mãe que Jocasta menciona em Édipo rei é uma raridade em comparação com todos os diversos sonhos que a psicanálise tem de interpretar no mesmo sentido Dessa característica dos sonhos que constitui o motivo da deformação onírica já tratei tão minuciosamente neste livro que posso de imediato passar ao problema à nossa frente Deve se assumir a responsabilidade pelos próprios sonhos Acres centemos que os sonhos não trazem sempre satisfações de dese jos imorais mas também com frequência reações enérgicas a eles na forma de sonhos de castigo Em outras palavras a cen sura onírica pode não apenas se manifestar em deformações e no desenvolvimento de angústia mas chegar ao ponto de eliminar inteiramente o conteúdo imoral e substituílo por outro que sirva de expiação no qual aquele ainda seja reconhecido porém O problema da responsabilidade pelo conteúdo onírico imoral não existe para nós tal como antes existia para os autores que nada sabiam sobre pensamentos oníricos latentes e sobre o reprimido em nossa psique É claro que a pessoa tem de se considerar re sponsável pelos impulsos maus de seus sonhos Que outra atit ude se poderia ter para com eles Se o conteúdo onírico cor retamente entendido não é inspirado por outros espíritos en tão é parte de meu ser Se procuro classificar como boas e más as tendências que em mim se encontram segundo critérios sociais então devo ter responsabilidade pelos dois tipos e se digo defendendome que o que em mim é desconhecido inconsciente e reprimido não é meu Eu então não me acho no terreno da psicanálise não aceitei suas explicações e podem me abrir os ol hos a crítica de meus semelhantes a confusão de meus senti mentos e os distúrbios em meus atos Posso aprender que o que 295326 estou negando não apenas é dentro de mim mas ocasional mente atua também a partir de mim No sentido metapsicológico porém esse material reprimido mau não pertence a meu Eu caso eu seja uma pessoa moral mente inatacável e sim a um Id sobre o qual se acha meu Eu Mas esse Eu se desenvolveu a partir do Id forma com ele uma unidade biológica é apenas uma parte especialmente modi ficada e periférica dele está sujeito às influências e obedece às incitações que vêm dele Além disso caso eu cedesse à minha altivez moral e decretasse que em toda avaliação ética posso menosprezar o mau no Id e não preciso tornar meu Eu responsável por ele de que me adi antaria isso A experiência me mostra que eu realmente o torno responsável que de alguma forma sou compelido a fazêlo A psicanálise nos fez conhecer uma condição patológica a neurose obsessiva em que o pobre Eu se sente culpado por todo tipo de impulsos maus de que nada sabe que lhe são recriminados na consciência mas que ele não pode absolutamente reconhecer Um pouco disso se acha em todo indivíduo normal Curi osamente sua consciência é tanto mais sensível quanto mais moral ele é Podese dizer como equivalente disso que uma pessoa é tanto mais enfermiça tanto mais suscetível a in fecções e efeitos de traumas quanto mais é saudável Isso provavelmente decorre do fato de a consciência mesma ser uma formação reativa ao mau que é percebido no Id Quanto mais forte é a supressão dele mais viva é a consciência moral O narcisismo ético do ser humano deveria contentarse em saber que a deformação onírica os sonhos angustiados e de cas tigo lhe trazem provas inequívocas de sua natureza moral exata mente como a interpretação de sonhos lhe oferece testemunhos 296326 da existência e da força de sua natureza má Quem não satisfeito com isso quer ser melhor do que como é feito que experi mente se na vida chega a ir além da hipocrisia ou da inibição O médico deixa para o jurista a tarefa de construir para fins sociais uma responsabilidade artificialmente limitada ao Eu metapsicológico Todos sabemos como é difícil tirar dessa con strução consequências práticas que não se achem em desarmo nia com os sentimentos humanos C O SIGNIFICADO OCULTISTA DOS SONHOS Se os problemas da vida onírica parecem não ter fim isto sur preenderá apenas quem esquecer que todos os problemas da vida psíquica reaparecem também no sonho acrescidos de al guns novos relativos à natureza especial dos sonhos Entretanto muitas das coisas que estudamos nos sonhos porque neles se apresentam pouco ou nada têm a ver com essa particularidade psíquica O simbolismo por exemplo não é um problema dos sonhos mas um tema ligado a nosso pensamento arcaico nossa língua fundamental na ótima expressão do paranoico Schreber e domina tanto os mitos e os rituais religiosos como os sonhos está longe de ser exclusividade do simbolismo onírico ocultar sobretudo o que tem significação sexual Também não se espera que o sonho angustiado receba explicação pela teoria dos sonhos a angústia é antes um problema da neurose restando apenas discutir como pode surgir nas condições do sonho 297326 Acho que não é diferente no que toca à relação entre os son hos e os pretensos fatos do mundo oculto Mas como os sonhos mesmos sempre foram algo misterioso foram postos em con exão íntima com esses outros mistérios E provavelmente tinham um direito histórico a isso pois nos tempos primevos quando se formou nossa mitologia as imagens oníricas podem ter desem penhado um papel na gênese da ideia de almas Supõese haver duas categorias de sonhos que se incluiriam entre os fenômenos ocultos os proféticos e os telepáticos Fala em favor de ambas uma verdadeira multidão de testemunhas e contra elas a obstinada aversão ou caso se prefira o precon ceito da ciência Não há dúvida de que existem sonhos proféticos no sentido de que seu conteúdo traz alguma representação do futuro mas a questão é se tais predições coincidem de alguma forma notável com o que depois realmente sucede Confesso que nesse caso a intenção de imparcialidade me abandona A ideia de que seja possível para alguma operação psíquica exceto o cálculo inteli gente prever acontecimentos futuros específicos contraria total mente as expectativas e atitudes da ciência e corresponde muito fielmente a antiquíssimos e bem familiares desejos humanos que a crítica tem de rejeitar como injustificadas pretensões Acho então que se juntamos a inconfiabilidade ingenuidade e inverossimilhança da maioria dos relatos com a possibilidade de equívocos de lembrança facilitados por afetos e a inevitabilidade de alguns acertos ocasionais é provável que o espectro dos son hos proféticos verídicos se dissolva em nada Pessoalmente ja mais vivenciei ou tive conhecimento de algo que pudesse criar uma atitude mais favorável 298326 É diferente o caso dos sonhos telepáticos Mas registremos antes de tudo que até agora ninguém afirmou que o fenômeno telepático a recepção por uma pessoa de um evento psíquico de outra por outra via que não a da percepção sensorial está relacionado exclusivamente ao sonho Assim também a telepatia não é um problema do sonho o julgamento acerca de sua ex istência não precisa recorrer ao estudo dos sonhos telepáticos Se submetemos os relatos sobre acontecimentos telepáticos em termos mais imprecisos transmissão de pensamentos à mesma crítica com que rechaçamos outras afirmações ocultistas ainda temos um material considerável que não podemos ignorar facilmente E nesse âmbito há maior possibilidade de reunir ob servações e experiências próprias que justifiquem uma postura favorável ao problema da telepatia embora não bastem para produzir uma convicção segura Formamos provisoriamente a opinião de que pode ser que a telepatia realmente exista e con stitua o cerne de verdade de muitas outras afirmativas que de outra forma seriam inacreditáveis É certamente correto também na questão da telepatia de fender obstinadamente uma posição cética e renderse de má vontade ao poder das provas Eu acredito haver encontrado um material que está isento da maioria das objeções normalmente admissíveis as profecias não cumpridas de videntes profission ais Infelizmente disponho apenas de algumas dessas obser vações mas duas delas produziram forte impressão em mim Não posso comunicálas minuciosamente de modo que tivessem efeito semelhante em outras pessoas Devo limitarme a focalizar alguns pontos essenciais Em suma foi predito para certas pessoas num lugar que não lhes era conhecido por um vidente que também não 299326 conheciam que fazia algum ritual provavelmente sem maior relevância que algo lhes aconteceria em determinado tempo o que não sucedeu A época de cumprimento da profecia tinha passado havia muito Era digno de nota que as pessoas em questão relatassem a experiência não com zombaria ou desapon tamento mas com evidente satisfação Nas profecias que escutaram achavamse pormenores específicos aparentemente arbitrários e incompreensíveis que teriam se justificado apenas com sua realização Assim o quiromante disse a uma mulher de 27 anos mas que parecia bem mais jovem e havia retirado o anel de matrimônio que ela se casaria e teria dois filhos antes de completar 32 anos Ela tinha 43 quando tendo adoecido gravemente contoume esse episódio na análise ela não teve filhos Conhecendose a sua história particular que o professor consultado no hall do hotel parisiense certamente não conhecia podiase compreender os dois números da profecia Jovem ela se casara depois de uma ligação extraordinariamente forte com o pai e desejara ardentemente ter filhos para poder pôr o marido no lugar do pai Após anos de decepção à beira de uma neurose ela obteve a predição que lhe prometia o destino de sua mãe Pois esta sim tivera dois filhos antes dos 32 anos Assim apenas com a ajuda da psicanálise foi possível dar uma interpretação significativa das peculiaridades de uma mensagem supostamente vinda de fora Mas então não se podia explicar melhor todo o evento tão inequivocamente determinado do que pela suposição de que um forte desejo da mulher na verdade o mais forte desejo inconsciente de sua vida afetiva e o motor de sua neurose incipiente se teria dado a conhecer ao vidente por 300326 transmissão direta estando ele ocupado com ações que lhe to mavam a atenção Também com experimentos em círculos íntimos em várias ocasiões tive a impressão de que recordações fortemente afetivas podem ser transmitidas sem maior dificuldade Ousandose submeter à indagação analítica as associações da pessoa a quem se espera que será transmitido algo frequente mente aparecem concordâncias que de outro modo ficariam in advertidas Com base em diversas experiências tendo a concluir que tais transmissões ocorrem sobretudo no momento em que uma ideia emerge do inconsciente em termos teóricos quando passa do processo primário ao processo secundário Não obstante a cautela requerida pela importância novidade e obscuridade do tema achei que não mais se justificava guardar estas considerações sobre o problema da telepatia A única re lação que existe entre essas coisas e o sonho é a seguinte Se ex istem mensagens telepáticas não se deve excluir a possibilidade de que alcancem também aquele que sonha e sejam apreendidas por ele no sonho Mais ainda em analogia com outro material relativo à percepção e ao pensamento também não se pode ex cluir que as mensagens telepáticas recebidas durante o dia sejam processadas apenas no sonho da noite seguinte Então não seria uma objeção que o material comunicado telepaticamente fosse transformado e remodelado no sonho como qualquer outro Bem gostaríamos de ter com o auxílio da psicanálise mais e melhores conhecimentos acerca da telepatia 301326 Concentração Sammlung nas versões consultadas concentración reco gimiento concentrazione reflection Cf Observações sobre a teoria e a prática da interpretação de sonhos seção ii neste volume Percepções tradução dada a Einsichten no presente contexto O substant ivo alemão é cognato do verbo einsehen formado de sehen ver e do prefixo ein que indica movimento para dentro e normalmente os dicionários bilíngues trazem os seguintes equivalentes para ele inspeção conhecimento exame compreensão penetração inteligência Em vários sentidos ele corres ponde ao inglês insight Com exceção do argentino que sempre usa intelec ciones como equivalente dessa palavra os tradutores consultados inclus ive o inglês recorreram aqui a conhecimentos que nos parece positivo de mais cf notas à tradução do termo em O uso da interpretação dos sonhos na psicanálise 1911 e O inconsciente 1915 parte vii Referência à Interpretação dos sonhos pois Freud pensava em inserir o texto nesse livro o que afinal não aconteceu O termo alemão aqui e no resto do parágrafo é Gewissen que denota a con sciência moral diferentemente de Bewußsein que é o estado de consciência As aspas estão no original Cf Observações psicanalíticas sobre um caso de paranoia O caso Schreber 1911 seção i Evento versão dada a Vorgang nesse contexto O substantivo alemão é ger almente traduzido por processo em textos teóricos mas significa também aquilo que ocorre conforme seu verbo cognato vorgehen literalmente ir adiante proceder nas versões consultadas se acha processo exceto na italiana que também preferiu evento Cf Psicanálise e telepatia 1921 seção i 302326 JOSEF POPPERLYNKEUS E A TEORIA DOS SONHOS 1923 TÍTULO ORIGINAL JOSEF POPPERLYNKEUS UND DIE THEORIE DES TRAUMES PUBLICADO PRIMEIRAMENTE EM ALLGEMEINE NÄHRPFLICHT VIENA N 6 TRADUZIDO DE GESAMMELTE WERKE XIII PP 3579 Há muita coisa interessante a se dizer sobre a suposta originalid ade científica Quando surge uma nova ideia na ciência que primeiramente é considerada uma descoberta e via de regra tam bém é combatida por isso logo depois a investigação objetiva demonstra que ela não é propriamente uma novidade Em geral já foi feita repetidamente e depois esquecida com frequência em épocas distanciadas uma da outra Ou ao menos teve precurs ores foi vagamente presumida ou imperfeitamente enunciada Isso é bastante conhecido não requer maior atenção nossa Mas também o lado subjetivo da originalidade merece consid eração Um homem de ciência pode se perguntar de onde vêm as ideias que lhe são peculiares por ele aplicadas ao seu material No tocante a uma parte delas ele achará sem muito refletir as incitações a que elas remontam as indicações que ele tomou de outros estudiosos modificou e desenvolveu de forma con sequente Com relação a outra parte de suas ideias ele não poderá fazer uma admissão desse tipo terá de supor que esses pensamentos e pontos de vista se originaram ele não sabe como de seu próprio pensar e neles se fundamenta sua reivin dicação de originalidade Uma investigação psicológica apurada limita ainda mais essa reivindicação Revela fontes ocultas há muito esquecidas das quais partiu a incitação para as ideias aparentemente originais e substitui a pretensa nova criação por um revivescimento de algo esquecido aplicado a novo material Não há o que lamentar nisso afinal não tínhamos o direito de esperar que o que é ori ginal fosse algo não derivável de outra coisa indeterminável Desse modo também no meu caso evaporouse a originalid ade de muitas novas ideias que empreguei na interpretação de sonhos e na psicanálise Apenas de uma dessas ideias não con heço a procedência Ela se tornou a chave de minha concepção dos sonhos ajudoume a solucionar seus enigmas até onde po dem ser atualmente solucionados Parti do caráter estranho confuso e insensato que apresentam muitos sonhos e ocorreu me que um sonho tem de ser assim porque nele luta por exprimirse algo que tem contra si a resistência de outros poderes da psique No sonho se agitam impulsos ocultos que se acham em contradição com as crenças éticas e estéticas oficiais por assim dizer do indivíduo que sonha Por isso ele se enver gonha desses impulsos afastaos durante o dia recusase a saber deles e se durante a noite não consegue lhes vedar qualquer expressão obrigaos à deformação onírica em virtude da qual o conteúdo do sonho aparece confuso e insensato Chamei de cen sura onírica o poder psíquico que leva em conta essa contra dição interior e deforma os impulsos instintuais primitivos do sonho em prol das exigências convencionais ou daquelas moral mente elevadas Mas justamente essa parte essencial de minha teoria dos son hos foi descoberta por PopperLynkeus de forma independente Vejase a seguinte citação de sua narrativa Träumen wie Wachen Sonhar como estando acordado de Phantasien eines Realisten Fantasias de um realista 1899 que foi escrita sem o conhecimento da teoria dos sonhos que tornei pública em 1900 assim como eu não conhecia então as Fantasias de Lynkeus 305326 Sobre um homem que tem a singular característica de jamais sonhar absurdos Essa formidável característica de sonhar como se estivesse acordado se deve a suas virtudes a sua bondade seu senso de justiça seu amor à verdade é a limp idez moral de sua natureza que me faz compreender tudo em você Mas se reflito bem respondeu o outro eu me inclino a crer que todos são feitos como eu e ninguém jamais sonha ab surdos Um sonho que recordamos tão claramente que depois podemos relatálo que não é um sonho febril portanto sempre faz sentido E não pode ser de outra forma Coisas que se contradizem mutuamente não poderiam se agrupar num todo O fato de tempo e lugar serem frequentemente embaral hados não afeta o verdadeiro conteúdo do sonho pois certa mente nenhum dos dois teve importância para seu teor essen cial Muitas vezes fazemos assim acordados também pense nos contos de fadas em tantas criações da fantasia plenas de sentido das quais apenas um homem insensato diria Isto é absurdo pois é impossível Se as pessoas sempre soubessem interpretar corretamente os sonhos como você acaba de fazer com o meu disse o amigo Isto certamente não é tarefa simples mas com alguma atenção aquele que sonha deveria sempre conseguir realizá la Por que geralmente não o consegue Em vocês parece exi stir algo oculto nos sonhos algo impudico de espécie particu lar e mais elevada um certo sigilo em seu ser que é difícil de conceber Por isso os seus sonhos parecem tantas vezes sem sentido ou mesmo um contrassenso Mas no fundo não é 306326 assim não pode absolutamente ser assim pois tratase da mesma pessoa esteja acordada ou sonhando Acho que o que me capacitou a descobrir a causa da deform ação onírica foi minha coragem moral No caso de Popper foi a pureza o amor à verdade e a limpidez moral de seu ser 307326 PRÓLOGO A RELATÓRIO SOBRE A POLICLÍNICA PSICANALÍTICA DE BERLIM DE MAX EITINGON Meu amigo Max Eitingon que criou a Policlínica Psicanalítica de Berlim e a manteve até agora com seus próprios meios informa nas páginas seguintes sobre os motivos da fundação e também sobre a organização e as realizações do Instituto Posso apenas acrescentar ao que foi escrito o desejo de que em outros lugares sejam igualmente encontrados homens e associações que seguindo o exemplo de Eitingon deem vida a instituições semel hantes Se a psicanálise juntamente com sua importância científica tem valor como método terapêutico se é capaz de assi stir indivíduos sofredores na luta pelo cumprimento das exigên cias da civilização então essa ajuda também deve ser oferecida ao grande número daqueles que são pobres demais para remu nerar o analista por seu penoso trabalho Em nossa época isso constitui uma necessidade social pois as camadas intelectuais da população particularmente propensas à neurose empobrecem a olhos vistos Instituições como a Policlínica de Berlim são as ún icas em condição de superar as dificuldades que geralmente se colocam para o ensino rigoroso da psicanálise Elas possibilitam a formação de um número considerável de analistas treinados cuja atividade deve ser a única garantia possível contra os danos que indivíduos ignorantes e não qualificados sejam médicos ou leigos infligem aos doentes CARTA A LUIS LÓPEZBALLESTEROS Y DE TORRES Siendo yo un joven estudiante el deseo de leer el inmortal Don Quijote en el original cervantino me llevó a aprender sin maes tros la bella lengua castellana Gracias a esta afición juvenil puedo ahora ya en edad avanzada comprobar el acierto de su version española de mis obras cuya lectura me produce siempre un vivo agrado por la correctísima interpretación de mi pensamiento y la elegancia del estilo Me admira sobre to do cómo no siendo usted médico ni psiquiatra de profesión ha podido alcanzar tan absoluto y preciso dominio de una materia harto intrincada y a veces oscura Quando eu era um jovem estudante o desejo de ler o imortal Dom Quixote no original de Cervantes me levou a aprender sem professores a bela língua castelhana Graças a esse entusiasmo juvenil sou capaz agora já em idade avançada de compro var o acerto de sua versão espanhola de minhas obras cuja leitura me agrada vivamente pela corretíssima interpretação de meu pensamento e pela elegância do estilo Admirame sobre tudo o fato de que o senhor não sendo médico nem psiquiatra de formação tenha alcançado um domínio tão absoluto e preciso sobre uma matéria bastante intrincada e às vezes obscura 310326 CARTA A FRITZ WITTELS Não agradecer um presente de Natal que se ocupa tão ex tensamente da pessoa presenteada seria um ato indelicado que pressuporia fortes motivos Percebo com satisfação que em nosso caso eles não existem Seu livro não é inamistoso nem de masiadamente indiscreto demonstra sério interesse e também como era de esperar sua arte de escrever e de expor Naturalmente eu jamais desejaria ou favoreceria um livro como esse Pareceme que o público não tem nenhum direito sobre a minha pessoa e nem pode aprender algo com ela desde que meu caso por motivos diversos não pode ser tornado in teiramente claro O sr pensa de outra forma e assim pôde escre ver esse livro Sua distância pessoal em relação a mim que o sr avalia como pura vantagem tem também grandes desvantagens O sr sabe pouco sobre seu objeto de estudo e por isso não pode evitar o risco de tratálo grosseiramente Além disso é duvidoso que assumindo o ponto de vista de Stekel e abordandome desse ângulo o sr tenha facilitado para si a tarefa de obter uma justa visão de seu objeto Quanto às distorções que acredito perceber também as at ribuo a uma opinião preconcebida sua que posso adivinhar O sr provavelmente acha que um grande homem tem de eviden ciar esses ou aqueles méritos defeitos e extremos que eu sou um grande homem e por conseguinte sentese autorizado a me im putar todas essas características frequentemente contraditóri as Haveria muita coisa interessante e de alcance mais geral a 311326 dizer sobre isso mas infelizmente seu vínculo com Stekel exclui um maior empenho de compreensão de minha parte Por outro lado admito com prazer que sua perspicácia distin guiu corretamente várias coisas em mim que me são bem con hecidas por exemplo que tenho necessidade de seguir meu próprio caminho frequentemente meus rodeios e não sei apro veitar pensamentos alheios que me chegam fora do tempo Tam bém no que toca à relação com Adler o sr demonstrou equanim idade para minha grande satisfação O sr certamente não sabe que tive a mesma indulgência e tolerância ao lidar com Stekel Durante muito tempo eu o defendi dos ataques de todos apesar de seus modos insuportáveis e sua maneira impossível de fazer ciência esforceime em relevar sua ampla falta de autocrítica e amor à verdade ou seja de veracidade tanto externa como in terna até que enfim num episódio bem específico de explor ação e perfídia também a mim todos os botões saltaram da calça da paciência É certo que o sr não me defendeu do equí voco segundo o qual renego o que simplesmente não posso ainda julgar ou assimilar O sr deve saber que estive seriamente enfermo e embora es teja convalescendo tenho motivos para tomar o acontecido como advertência de que o fim não está longe Nessa condição de parcial afastamento posso lhe pedir que não enxergue em mim a menor intenção de perturbar seu vínculo com Stekel Apenas lamento que esse tenha tido influência em seu livro sobre mim Não me parece improvável que o sr venha a se encontrar na situação de revisar esse livro para uma segunda tiragem Para esse caso coloco à sua disposição uma lista de correções aqui anexa São dados absolutamente confiáveis independentes de minhas apreciações subjetivas Alguns são de natureza trivial 312326 outros talvez aptos a abalar ou modificar algumas de suas conjecturas Peçolhe que veja nessas informações um sinal de que mesmo não podendo aprovar seu trabalho de maneira nen huma o menosprezo DECLARAÇÃO SOBRE CHARCOT Entre os muitos ensinamentos que no passado 188586 me fo ram prodigalizados por mestre Charcot na Salpêtrière dois me deixaram uma impressão bastante profunda que não devemos nos cansar de sempre considerar novamente os mesmos prob lemas ou de lhes sentir os efeitos e que não devemos nos pre ocupar com a oposição geral se trabalhamos com honestidade PRÓLOGO A JUVENTUDE ABANDONADA DE AUGUST AICHHORN De todas as aplicações da psicanálise nenhuma gerou tanto in teresse despertou tantas esperanças e em consequência atraiu tantos colaboradores capazes como o seu emprego na teoria e na prática da educação de crianças Isso é fácil de compreender A criança se tornou o principal objeto da pesquisa psicanalítica nesse sentido tomou o lugar do neurótico com o qual essa pesquisa tivera início A psicanálise mostrou que no enfermo a criança continua a viver pouco alterada e também no artista e na pessoa que sonha lançou luz sobre as forças motrizes e as 313326 tendências que dão ao pequeno ser o seu cunho próprio e seguiu os percursos de desenvolvimento que o levam à maturidade do adulto Não surpreende portanto que aparecesse a expectativa de que o trabalho psicanalítico com crianças beneficiaria a atividade pedagógica cuja intenção é guiar estimular e proteger de equívocos a criança em seu caminho até a maturidade Minha contribuição pessoal nessa aplicação da psicanálise foi bastante pequena Bem no início adotei o gracejo segundo o qual as três profissões impossíveis são educar curar e governar e já era suficientemente tomado pela segunda dessas tarefas Mas nem por isso desconheço o alto valor social que o trabalho de meus colegas pedagogos pode reivindicar Este livro do diretor August Aichhorn se ocupa de uma parte do grande problema da influência educacional sobre a infância desamparada Durante anos o autor dirigiu instituições muni cipais de assistência social antes de conhecer a psicanálise Sua atitude para com os jovens sob tutela se originava de um vivo in teresse pelo destino desses infelizes e era corretamente guiada por uma percepção intuitiva de suas necessidades psíquicas A psicanálise não pôde lhe ensinar muita coisa nova em termos práticos mas deulhe uma clara visão teórica das justificativas para seu modo de agir e o colocou em posição de fundamentálo perante os demais Não se pode imaginar que todo educador tenha esse dom da compreensão intuitiva Duas lições me parecem resultar da ex periência e do sucesso do diretor Aichhorn Uma delas é que educador deve ser psicanaliticamente instruído senão o objeto de seus esforços a criança permanecerá um enigma para ele Tal instrução é alcançada da melhor maneira quando o próprio edu cador se submete a uma análise experimentaa em si mesmo O 314326 aprendizado teórico em psicanálise não vai suficientemente fundo e não produz convicção A segunda lição tem um matiz um tanto conservador ela diz que o trabalho da educação é algo sui generis que não pode ser confundido com a influência mediante a psicanálise nem ser substituído por ela A psicanálise infantil pode ser utilizada pela educação como recurso auxiliar mas não tem condições de to mar o lugar dela Não somente razões de ordem prática o impe dem mas também considerações teóricas o desaconselham A relação entre educação e tratamento psicanalítico será provavel mente objeto de exame aprofundado num futuro pouco distante Apenas mencionarei algumas coisas aqui Não nos deixemos levar pela afirmação de resto plenamente justificada de que a psicanálise do adulto neurótico equivale a uma reeducação dele Uma criança mesmo desencaminhada e abandonada não é um neurótico e reeducação é algo bem diferente da educação de um imaturo A possibilidade da influência analítica se baseia em premissas bem determinadas que podem ser resumidas como situação analítica ela requer o desenvolvimento de certas es truturas psíquicas e uma atitude especial para com o analista Onde essas não existem como na criança no menor abandonado e via de regra também no criminoso por instinto é preciso fazer outra coisa que não seja análise mas que venha a corres ponder a ela na intenção Os capítulos teóricos deste livro devem dar ao leitor uma primeira orientação no que toca à variedade das decisões em pauta Acrescento ainda uma conclusão que já não é relevante para a teoria da educação mas para a posição do educador Se ele aprendeu a análise mediante a experiência em sua própria pess oa e está em condição de aplicála em casos fronteiriços e mistos 315326 como ajuda em seu trabalho então se deve permitir a ele o exer cício da psicanálise e não lhe pôr nisso obstáculos por motivos mesquinhos JOSEF BREUER 18421925 Em 20 de junho de 1925 faleceu em Viena aos 84 anos o dr Josef Breuer criador do método catártico cujo nome se acha por isso indissoluvelmente ligado aos primórdios da psicanálise Breuer foi médico internista aluno do clínico Oppolzer Na ju ventude ele desenvolveu trabalho com Ewald Hering acerca da fisiologia da respiração mais tarde nos poucos momentos de folga de uma extensa prática médica fez bemsucedidos experi mentos sobre a função do aparelho vestibular em animais Nada em sua formação podia criar a expectativa de que ele teria a primeira compreensão decisiva do velho enigma da neurose histérica e daria uma contribuição de perene valor ao conheci mento da psique humana Mas ele era um homem de rico e uni versal talento e seus interesses se estendiam muito além de sua atividade profissional Foi em 1880 que o acaso levou ao seu encontro uma paciente especial uma jovem de inteligência extraordinária que adoecera de uma grave histeria enquanto cuidava do pai enfermo O que ele realizou nesse primeiro caso a imensa dedicação e paciên cia com que empregou a técnica inventada até que a paciente se livrasse de todos os seus incompreensíveis sintomas isso o mundo soube apenas catorze anos depois em nossa publicação 316326 conjunta Estudos sobre a histeria 1895 infelizmente apenas em forma bastante abreviada e devido à discrição médica censurada Nós psicanalistas que há muito estamos habituados a dedicar centenas de horas a um único paciente já não podemos conceber a novidade que esse empenho representou 45 anos atrás Pode ter envolvido boa parte de interesse pessoal e de libido médica se for permitida a expressão mas também considerável medida de liberdade de pensamento e segurança no julgamento Na época de nossos Estudos já podíamos nos remeter aos trabalhos de Charcot e às pesquisas de Pierre Janet que então retiravam par cialmente a prioridade das descobertas de Breuer Mas quando este tratou seu primeiro caso 18812 ainda não estavam disponíveis esses trabalhos Lautomatisme psychologique de Janet apareceu em 1889 e sua segunda obra Létat mental des hystériques apenas em 1892 Ao que parece Breuer pesquisou de forma inteiramente original guiado apenas pelos estímulos que o caso lhe oferecia Mais de uma vez por último em meu Estudo autobiográfico 1925 na coletânea Die Medizin der Gegenwart A medicina contemporânea de Grote procurei delimitar minha parti cipação nos Estudos que publicamos conjuntamente Meu mérito consistiu essencialmente em reavivar em Breuer um in teresse que parecia extinto e depois induzilo à publicação Um certo acanhamento que lhe era próprio uma íntima modéstia surpreendente numa personalidade tão brilhante tinhamno levado a manter oculto por longo tempo seu achado espantoso até que esse deixou de ser inteiramente novo Depois vim a ter 317326 motivos para a suposição de que também um fator puramente emocional lhe havia tirado o gosto em prosseguir no trabalho de elucidação das neuroses Ele havia deparado com a transferência indefectível da paciente para o médico e não havia com preendido a natureza impessoal deste processo Quando cedeu a minha influência e preparou a publicação dos Estudos seu julga mento sobre a significação desse trabalho parecia seguro Ele disse naquele momento Acho que é a coisa mais importante que nós dois teremos a comunicar ao mundo Além da história clínica de seu primeiro caso Breuer con tribuiu com um ensaio teórico para os Estudos que está longe de ter envelhecido contendo ideias e sugestões que ainda não fo ram suficientemente exploradas Quem se aprofundar nesse texto especulativo terá uma impressão correta da envergadura intelectual desse homem cujo interesse científico se voltou para nossa psicopatologia apenas durante um breve episódio de sua longa vida infelizmente EXCERTO DE UMA CARTA SOBRE O JUDAÍSMO Posso dizer que sou tão distante da religião judaica quanto de todas as demais ou seja para mim as religiões têm enorme significação como objeto de interesse científico não me acho en volvido afetivamente com elas Por outro lado sempre tive um forte sentimento de pertencer a meu povo e alimenteio em meus filhos também Todos nós continuamos a nos denominar judeus 318326 Durante minha infância e juventude nossos liberais profess ores de religião não se preocupavam em que seus alunos ad quirissem conhecimentos da língua e da literatura hebraicas Por isso minha educação permaneceu deficiente nesse ponto o que depois vim a lamentar diversas vezes MENSAGEM NA INAUGURAÇÃO DA UNIVERSIDADE HEBRAICA Historians have told us that our small nation withstood the de struction of its independence as a State only because it began to transfer in its estimation of values the highest rank to its spir itual possessions to its religion and its literature We are now living in a time when this people has a prospect of again winning the land of its fathers with the help of a Power that dominates the world and it celebrates the occasion by the foundation of a University in its ancient capital city A University is a place in which knowledge is taught above all differences of religions and of nations where investigation is carried on which is to show mankind how far they understand the world around them and how far they can control it Such an undertaking is a noble witness to the development to which our people has forced its way in two thousand years of unhappy fortune I find it painful that my illhealth prevents me from being present at the opening festivities of the Jewish University in Jerusalem 319326 Os historiadores nos dizem que nossa pequena nação supor tou a destruição de sua independência como Estado apenas porque começou a transferir em sua apreciação dos valores o mais alto posto a seus bens espirituais a sua religião e sua literatura Agora vivemos numa época em que esse povo tem a per spectiva de novamente ganhar a terra de seus pais com a ajuda de uma Potência que domina o mundo e celebra a ocasião com a fundação de uma Universidade em sua antiga capital Uma Universidade é um lugar em que o conhecimento é en sinado acima de todas as diferenças religiosas e nacionais onde a investigação é realizada a fim de mostrar aos homens até que ponto compreendem o mundo ao seu redor e até que ponto podem controlálo Tal empreendimento é um nobre testemunho do desenvolvi mento que nosso povo alcançou em dois mil anos de infortúnio Lamento que minha saúde frágil me impeça de estar presente nas cerimônias de inauguração da Universidade Hebraica de Jerusalém Título original Vorwort zu M Eitingon Bericht über die Berliner psycho analytische Poliklinik Publicado primeiramente na brochura com esse título Leipzig e Viena Internationaler Psychoanalytischer Verlag 1928 Traduzido de Gesammelte Werke xiii p 441 Datada de 7 de maio de 1923 Publicada originalmente em espanhol no volume iv das Obras completas del Profesor S Freud Madri Biblioteca Nueva 1923 agora se acha na p 2821 da edição em três volumes no v ii Tran scrita de Gesammelte Werke xiii p 442 Não há texto alemão dessa carta mas 320326 é pouco provável que Freud a tenha redigido em espanhol como acredita Strachey Quanto ao seu conteúdo infelizmente não corresponde aos fatos pois um cotejo da tradução espanhola com o original mostra um semnúmero de erros e também de omissões de palavras e de passagens inteiras Para uma crítica dessas deficiências e também da pobreza estilística da nova tradução da Amorrortu ver Antonio Garcia de la Hoz Freud en castellano em Libros n 36 pp 39 Madri 1985 disponível na internet Ao que tudo in dica Freud apenas passou os olhos na tradução e lisonjeado por se ver edit ado em espanhol na primeira edição estrangeira de suas obras completas desmanchouse em elogios ao tradutor Datada de 18 de dezembro de 1923 Publicada primeiramente em inglês como prefácio à edição inglesa da biografia nela mencionada escrita pelo des tinatário Sigmund Freud his personality his teaching and his School Lon dres e Nova York 1924 Traduzida de Gesammelte Werke Nachtragsband pp 7546 também se acha em Sigmund Freud Briefe 18731939 Frankfurt Fis cher 1960 pp 3445 Fritz Wittels 18801950 foi um dos primeiros membros da Sociedade Psic analítica de Viena abandonoua em 1910 mas foi novamente admitido em 1927 No original alle Knöpfe rissen an der Hose der Geduld citação de Hein rich Heine Romanzero livro iii Hebräische Melodien Datada de 26 de fevereiro de 1924 Publicada originalmente em francês na revista Le Disque Vert editada em Paris e Bruxelas em número especial sobre Freud et la Psychanalyse junho de 1924 Traduzida de Gesammelte Werke xiii p 446 não há texto alemão dessa carta Título original Geleitwort zu August Aichhorn Verwahrloste Jugend Die Psychoanalyse in der Fürsorgeerziehung Juventude abandonada A psic análise na educação assistencial Leipzig e Viena Internationaler Psychoana lytischer Verlag 1925 Traduzido de Gesammelte Werke xiv pp 5657 321326 Criminoso por instinto triebhafter Verbrecher as versões consultadas utilizam criminal impulsivo delincuente impulsivo individuo con impulsi criminali impulsive criminals Publicado primeiramente em Internationale Zeitschrift für Psychoanalyse n 11 1925 pp 2556 Traduzido de Gesammelte Werke xiv pp 5623 Publicada na Jüdische Presszentrale Zürich em 26 de fevereiro de 1925 Traduzida de Gesammelte Werke xiv p 556 Publicada no quinzenal The New Judaea em 27 de março de 1925 Não há texto alemão dessa mensagem que provavelmente foi redigida em inglês Transcrita e traduzida de Gesammelte Werke xiv pp 5567 Referência à GrãBretanha 322326 SIGMUND FREUD OBRAS COMPLETAS EM 20 VOLUMES Coordenação de Paulo César de Souza 1TEXTOS PRÉPSICANALÍTICOS 18861899 2ESTUDOS SOBRE A HISTERIA 18931895 3PRIMEIROS ESCRITOS PSICANALÍTICOS 18931899 4A INTERPRETAÇÃO DOS SONHOS 1900 5PSICOPATOLOGIA DA VIDA COTIDIANA E SOBRE OS SONHOS 1901 6TRÊS ENSAIOS DE UMA TEORIA DA SEXUALIDADE FRAGMENTO DA ANÁLISE DE UM CASO DE HISTERIA O CASO DORA E OUTROS TEXTOS 19011905 7O CHISTE E SUA RELAÇÃO COM O INCONSCIENTE 1905 8O DELÍRIO E OS SONHOS NA GRADIVA ANÁLISE DA FOBIA DE UM GAROTO DE CINCO ANOS O PEQUENO HANS E OUTROS TEXTOS 19061909 9OBSERVAÇÕES SOBRE UM CASO DE NEUROSE OBSESSIVA O HOMEM DOS RATOS UMA RECORDAÇÃO DE INFÂNCIA DE LEONARDO DA VINCI E OUTROS TEXTOS 19091910 10OBSERVAÇÕES PSICANALÍTICAS SOBRE UM CASO DE PARANOIA RELATADO EM AUTOBIOGRAFIA O CASO SCHREBER ARTIGOS SOBRE TÉCNICA E OUTROS TEXTOS 19111913 11TOTEM E TABU HISTÓRIA DO MOVIMENTO PSICANALÍTICO E OUTROS TEXTOS 19131914 12INTRODUÇÃO AO NARCISISMO ENSAIOS DE METAPSICOLOGIA E OUTROS TEXTOS 19141916 13CONFERÊNCIAS INTRODUTÓRIAS À PSICANÁLISE 19151917 14HISTÓRIA DE UMA NEUROSE INFANTIL O HOMEM DOS LOBOS ALÉM DO PRINCÍPIO DO PRAZER E OUTROS TEXTOS 19171920 15PSICOLOGIA DAS MASSAS E ANÁLISE DO EU E OUTROS TEXTOS 19201923 16O EU E O ID ESTUDO AUTOBIOGRÁFICO E OUTROS TEXTOS 19231925 17INIBIÇÃO SINTOMA E ANGÚSTIA O FUTURO DE UMA ILUSÃO E OUTROS TEXTOS 19261929 18O MALESTAR NA CIVILIZAÇÃO NOVAS CONFERÊNCIAS INTRODUTÓRIAS E OUTROS TEXTOS 19301936 19MOISÉS E O MONOTEÍSMO COMPÊNDIO DE PSICANÁLISE E OUTROS TEXTOS 19371939 20ÍNDICES E BIBLIOGRAFIA Copyright da tradução 2011 by Paulo César Lima de Souza Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 que entrou em vigor no Brasil em 2009 Os textos deste volume foram traduzidos de Gesammelte Werke volumes i xiii e xiv Londres Imago 1952 1940 e 1955 Os títulos originais estão na página inicial de cada texto A outra edição alemã referida é Studienausgabe Frankfurt Fischer 2000 Capa e projeto gráfico warrakloureiro Preparação Célia Euvaldo Revisão Jane Pessoa Luciana Baraldi ISBN 9788580860870 Todos os direitos desta edição reservados à editora schwarcz ltda Rua Bandeira Paulista 702 cj 32 04532002 São Paulo sp Telefone 11 37073500 Fax 11 37073501 wwwcompanhiadasletrascombr wwwblogdacompanhiacombr
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SIGMUND FREUD O EU E O ID AUTOBIOGRAFIA E OUTROS TEXTOS 19231925 TRADUÇÃO PAULO CÉSAR DE SOUZA SIGMUND FREUD OBRAS COMPLETAS VOLUME 16 O EU E O ID AUTOBIOGRAFIA E OUTROS TEXTOS 19231925 TRADUÇÃO PAULO CÉSAR DE SOUZA PREFÁCIOS E TEXTOS BREVES 19231925 SUMÁRIO ESTA EDIÇÃO O EU E O ID 1923 I CONSCIÊNCIA E INCONSCIENTE II O EU E O ID III O EU E O SUPEREU IDEAL DO EU IV AS DUAS ESPÉCIES DE INSTINTOS V AS RELAÇÕES DE DEPENDÊNCIA DO EU AUTOBIOGRAFIA 1925 A ORGANIZAÇÃO GENITAL INFANTIL 1923 NEUROSE E PSICOSE 1924 O PROBLEMA ECONÔMICO DO MASOQUISMO 1924 A DISSOLUÇÃO DO COMPLEXO DE ÉDIPO 1924 A PERDA DA REALIDADE NA NEUROSE E NA PSICOSE 1924 RESUMO DA PSICANÁLISE 1924 AS RESISTÊNCIAS À PSICANÁLISE 1925 NOTA SOBRE O BLOCO MÁGICO 1925 A NEGAÇÃO 1925 ALGUMAS CONSEQUÊNCIAS PSÍQUICAS DA DIFERENÇA ANATÔMICA ENTRE OS SEXOS 1925 OBSERVAÇÕES SOBRE A TEORIA E A PRÁTICA DA INTERPRETAÇÃO DOS SONHOS 1923 ALGUNS COMPLEMENTOS À INTERPRETAÇÃO DOS SONHOS 1925 A OS LIMITES DA INTERPRETABILIDADE B A RESPONSABILIDADE MORAL PELO CONTEÚDO DOS SONHOS Created by PDF to ePub C O SIGNIFICADO OCULTISTA DOS SONHOS JOSEF POPPERLYNKEUS E A TEORIA DOS SONHOS 1923 PREFÁCIOS E TEXTOS BREVES 19231925 PRÓLOGO A RELATÓRIO SOBRE A POLICLÍNICA PSICANALÍTICA DE BERLIM DE MAX EITINGON CARTA A LUIS LÓPEZBALLESTEROS Y DE TORRES CARTA A FRITZ WITTELS DECLARAÇÃO SOBRE CHARCOT PRÓLOGO A JUVENTUDE ABANDONADA DE AUGUST AICHHORN JOSEF BREUER 18421925 EXCERTO DE UMA CARTA SOBRE O JUDAÍSMO MENSAGEM NA INAUGURAÇÃO DA UNIVERSIDADE HEBRAICA 4326 ESTA EDIÇÃO Esta edição das obras completas de Sigmund Freud pretende ser a primeira em língua portuguesa traduzida do original alemão e organizada na sequência cronológica em que apareceram origin almente os textos A afirmação de que são obras completas pede um esclareci mento Não se incluem os textos de neurologia isto é não psic analíticos anteriores à criação da psicanálise Isso porque o próprio autor decidiu deixálos de fora quando se fez a primeira edição completa de suas obras nas décadas de 1920 e 30 No ent anto vários textos prépsicanalíticos já psicológicos serão in cluídos nos dois primeiros volumes A coleção inteira será com posta de vinte volumes sendo dezenove de textos e um de ín dices e bibliografia A edição alemã que serviu de base para esta foi Gesammelte Werke Obras completas publicada em Londres entre 1940 e 1952 Agora pertence ao catálogo da editora Fischer de Frankfurt que também recolheu num grosso volume intitulado Nachtrags band Volume suplementar inúmeros textos menores ou inédi tos que haviam sido omitidos na edição londrina Apenas alguns deles foram traduzidos para a presente edição pois muitos são de caráter apenas circunstancial A ordem cronológica adotada pode sofrer pequenas alterações no interior de um volume Os textos considerados mais import antes do período coberto pelo volume cujos títulos aparecem na página de rosto vêm em primeiro lugar Em uma ou outra ocasião são reunidos aqueles que tratam de um só tema mas não foram publicados sucessivamente é o caso dos artigos sobre a técnica psicanalítica por exemplo Por fim os textos mais cur tos são agrupados no final do volume Embora constituam a mais ampla reunião de textos de Freud os dezessete volumes dos Gesammelte Werke foram sofrivel mente editados talvez devido à penúria dos anos de guerra e de pósguerra na Europa Embora ordenados cronologicamente não indicam sequer o ano da publicação de cada trabalho O texto em si é geralmente confiável mas sempre que possível foi cotejado com a Studienausgabe Edição de estudos publicada pela Fischer em 196975 da qual consultamos uma edição revista lançada posteriormente Tratase de onze volumes organizados por temas como a primeira coleção de obras de Freud que não incluem vários textos secundários ou de conteúdo repetido mas incorporam traduzidas para o alemão as apresentações e notas que o inglês James Strachey redigiu para a Standard edition Londres Hogarth Press 195566 O objetivo da presente edição é oferecer os textos com o máx imo de fidelidade ao original sem interpretações ou interferên cias de comentaristas e teóricos posteriores da psicanálise que devem ser buscadas na imensa bibliografia sobre o tema Tam bém informações sobre a gênese e a importância de cada obra podem ser encontradas na literatura secundária principalmente na biografia em três volumes de Ernest Jones lançada no Brasil pela Imago do Rio de Janeiro e no mencionado aparato editori al da Standard inglesa A ordem de publicação destas Obras completas não é a mesma daquela das primeiras edições alemãs pois isso impli caria deixar várias coisas relevantes para muito depois Decidiu 6326 se começar por um período intermediário e de pleno desenvolvi mento das concepções de Freud em torno de 1915 e daí proceder para trás e para diante Após o título de cada texto há apenas a referência bibliográfica da primeira publicação não a das edições subsequentes ou em outras línguas que interessam tão somente a alguns especialis tas Entre parênteses se acha o ano da publicação original hav endo transcorrido mais de um ano entre a redação e a pub licação a data da redação aparece entre colchetes As indicações bibliográficas do autor foram normalmente conservadas tais como ele as redigiu isto é não foram substituídas por edições mais recentes das obras citadas Mas sempre é fornecido o ano da publicação que no caso de remissões do autor a seus próprios textos permite que o leitor os localize sem maior di ficuldade tanto nesta como em outras edições das obras de Freud As notas do tradutor geralmente informam sobre os termos e passagens de versão problemática para que o leitor tenha uma ideia mais precisa de seu significado e para justificar em alguma medida as soluções aqui adotadas Nessas notas são reproduz idos os equivalentes achados em algumas versões estrangeiras dos textos em línguas aparentadas ao português e ao alemão Não utilizamos as duas versões das obras completas já apareci das em português das editoras Delta e Imago pois não foram traduzidas do alemão e sim do francês e do espanhol a primeira e do inglês a segunda No tocante aos termos considerados técnicos não existe a pre tensão de impor as escolhas aqui feitas como se fossem abso lutas Elas apenas pareceram as menos insatisfatórias para o 7326 tradutor e os leitores e psicanalistas que empregam termos diferentes conforme suas diferentes abordagens e percepções da psicanálise devem sentirse à vontade para conservar suas opções Ao ler essas traduções apenas precisarão fazer o pequeno esforço de substituir mentalmente instinto por pulsão instintual por pulsional repressão por recalque ou Eu por ego exemplificando No entanto essas palavras são poucas em número bem menor do que geralmente se acredita Esta edição não pretende ser definitiva pelo simples motivo de que um clássico dessa natureza nunca recebe uma tradução definitiva E tendo sido planejada por alguém que se aproximou de Freud pela via da linguagem e da literatura destinase não apenas aos estudiosos e profissionais da psicanálise mas a todos aqueles que em vários continentes leem e se exprimem nessa que um grande poeta português chamou de nossa clara língua majestosa e um eminente tradutor e poeta brasileiro qualificou de portocálido brasilírico idiomaterno pcs 8326 O EU E O ID 1923 TÍTULO ORIGINAL DAS ICH UND DAS ES PUBLICADO PRIMEIRAMENTE EM VOLUME AUTÔNOMO LEIPZIG VIENA E ZURIQUE INTERNATIONALER PSYCHOANALYTISCHER VERLAG EDITORA PSICANALÍTICA INTERNACIONAL 1920 77 PP TRADUZIDO DE GESAMMELTE WERKE XIII PP 23789 TAMBÉM SE ACHA EM STUDIENAUSGABE III PP 273330 Estas considerações retomam um curso de pensamentos que ini ciei em Além do princípio do prazer 1920 pensamentos que eu próprio olhava com certa curiosidade benévola como lá afirmei Elas lhes dão prosseguimento ligamnos a diversos fatos da ob servação analítica procuram deduzir novas conclusões a partir dessa relação mas não fazem novos empréstimos à biologia e por isso estão mais próximas da psicanálise do que aquela obra Têm antes o caráter de uma síntese que de uma especulação e parecem ter se colocado uma meta elevada Mas sei que não ul trapassam o que é apenas aproximativo e aceito inteiramente esse limite Ao mesmo tempo tangenciam coisas que até agora não foram objeto da elaboração psicanalítica e inevitavelmente tocam em algumas teorias que foram enunciadas por não analistas ou por exanalistas ao se afastarem da psicanálise Sempre estive dis posto a reconhecer as dívidas para com outros pesquisadores mas neste caso sinto que não carrego tais dívidas Se até agora a psicanálise não apreciou certas coisas isto não aconteceu por ignorarlhes os efeitos ou querer negarlhes a importância mas porque seguiu um caminho determinado que ainda não tinha levado àquele ponto E por fim chegando até ali as coisas lhe aparecem também de forma distinta do que para os outros I CONSCIÊNCIA E INCONSCIENTE Nesta seção introdutória não há nada de novo a dizer e não há como evitar a repetição do que já foi dito antes com alguma frequência A diferenciação do psíquico em consciente e inconsciente é a premissa básica da psicanálise e o que a ela permite com preender e inscrever na ciência os processos patológicos da vida psíquica tão frequentes e importantes Dizendoo mais uma vez e de outra forma a psicanálise não pode pôr a essência do psíquico na consciência mas é obrigada a ver a consciência como uma qualidade do psíquico que pode juntarse a outras qualid ades ou estar ausente Se eu pudesse imaginar que todos os interessados em psicolo gia leriam este trabalho esperaria que já neste ponto um bom número de leitores parasse e não seguisse adiante pois aqui está o primeiro xibolete da psicanálise Para a maioria daqueles que têm cultura filosófica é tão inapreensível a ideia de algo psíquico que não seja também consciente que lhes parece absurda e re futável pela simples lógica Acho que isto se deve ao fato de não terem jamais estudado os pertinentes fenômenos da hipnose e do sonho que sem considerar o dado patológico obrigam a tal concepção A sua psicologia da consciência é incapaz de re solver os problemas do sonho e da hipnose Estar consciente é em primeiro lugar uma expressão pura mente descritiva que invoca a percepção imediata e segura A experiência nos mostra em seguida que um elemento psíquico 11326 por exemplo uma ideia normalmente não é consciente de forma duradoura É típico isto sim que o estado de consciência passe com rapidez uma ideia agora consciente não o é mais no instante seguinte mas pode voltar a sêlo em determinadas con dições fáceis de se produzirem Nesse intervalo ela era ou estava não sabemos o quê Podemos dizer que era latente com isso querendo dizer que a todo momento era capaz de tornarse con sciente Ou se dissermos que era inconsciente também fornece remos uma descrição correta Este inconsciente coincide com latente capaz de consciência É certo que os filósofos objetari am Não o termo inconsciente não pode ser usado aqui en quanto a ideia estava em estado de latência não era nada psíquico Se já os contradisséssemos neste ponto cairíamos numa disputa puramente verbal que a nada levaria Mas nós chegamos ao termo ou conceito de inconsciente por um outro caminho elaborando experiências em que a dinâmica psíquica desempenha um papel Aprendemos isto é tivemos de supor que existem poderosos processos ou ideias psíquicas e aqui entra em consideração pela primeira vez um fator quantitativo e portanto econômico que podem ter na vida psíquica todos os efeitos que têm as demais ideias incluindo efeitos tais que por sua vez podem tornarse conscientes como ideias embora eles mesmos não se tornem conscientes Não é necessário repetirmos em detalhes o que já foi exposto com al guma frequência Basta dizer que aqui aparece a teoria psic analítica afirmando que tais ideias não podem ser conscientes porque uma certa força se opõe a isto que de outro modo elas poderiam tornarse conscientes e então se veria como elas se diferenciam pouco de outros elementos psíquicos reconhecidos Essa teoria tornase irrefutável por terem sido encontrados na 12326 técnica psicanalítica meios com cujo auxílio podese cancelar a força opositora e tornar conscientes as ideias em questão Ao es tado em que se achavam estas antes de tornaremse conscientes denominamos repressão e dizemos que durante o trabalho analítico sentimos como resistência a força que provocou e manteve a repressão Portanto adquirimos nosso conceito de inconsciente a partir da teoria da repressão O reprimido é para nós o protótipo do que é inconsciente Mas vemos que possuímos dois tipos de in consciente o que é latente mas capaz de consciência e o rep rimido que em si e sem dificuldades não é capaz de consciência Esta nossa visão da dinâmica psíquica não pode deixar de influir na terminologia e na descrição Ao que é latente tão só descrit ivamente inconsciente e não no sentido dinâmico chamamos de préconsciente o termo inconsciente limitamos ao reprimido di namicamente inconsciente de modo que possuímos agora três termos consciente cs préconsciente pcs e inconsciente ics cujo sentido não é mais puramente descritivo O Pcs supomos está muito mais próximo ao Cs do que o Ics e como quali ficamos o Ics de psíquico tampouco hesitaremos em qualificar o Pcs latente de psíquico Mas por que não permanecemos de acordo com os filósofos e coerentemente separamos tanto o Pcs como o Ics do psíquico consciente Os filósofos então nos prop oriam descrever o Pcs e o Ics como duas espécies ou dois estágios do psicoide e se estabeleceria a concordância Mas dificuldades sem fim apareceriam por conta disso na exposição e o único fato importante o de que esses estágios psicoides coincidem em quase todos os outros pontos com o que é reconhecidamente psíquico seria empurrado para segundo plano em favor de um 13326 preconceito vindo de um tempo em que ainda não se conheciam esses psicoides ou o que é mais importante neles Agora podemos comodamente empregar nossos três termos cs pcs e ics mas não esquecendo que no sentido descritivo há apenas dois tipos de inconsciente e no sentido dinâmico apenas um Para fins de exposição podemos às vezes negligenciar tal distinção mas outras vezes ela é naturalmente indispensável Em todo caso já nos habituamos bastante a essa ambiguidade do inconsciente e pudemos lidar bem com ela Não é possível evitá la pelo que vejo a diferenciação entre consciente e inconsciente é afinal uma questão de percepção a que se deve responder com sim ou não e o ato da percepção mesmo não informa por qual razão algo é percebido ou não Não podemos nos queix ar porque o dinâmico acha expressão apenas ambígua no fenô meno1 Mas no curso posterior do trabalho psicanalítico verificase que também essas diferenciações não bastam são insuficientes na prática Entre as situações que o demonstram a seguinte sobressai como a decisiva Formamos a ideia de uma organiza ção coerente dos processos psíquicos na pessoa e a denomin amos o Eu da pessoa A este Eu ligase a consciência ele domina os acessos à motilidade ou seja a descarga das excitações no mundo externo é a instância psíquica que exerce o controle sobre todos os seus processos parciais que à noite dorme e ainda então pratica a censura nos sonhos Desse Eu partem igualmente as repressões através das quais certas tendências psíquicas de vem ser excluídas não só da consciência mas também dos outros modos de vigência e atividade Na análise o que foi posto de lado pela repressão se contrapõe ao Eu e ela se defronta com a tarefa de abolir as resistências que o Eu manifesta em ocuparse do 14326 reprimido Ora durante a análise observamos que o doente ex perimenta dificuldades quando lhe colocamos certas tarefas suas associações falham quando devem aproximarse do reprim ido Aí lhe dizemos que ele se acha sob o domínio de uma res istência mas ele nada sabe disso e mesmo que intua por suas sensações de desprazer que uma resistência atua nele então não sabe darlhe nome ou descrevêla Mas como certamente essa resistência vem do seu Eu e a ele pertence achamonos diante de uma situação imprevista Encontramos no próprio Eu algo que é também inconsciente comportase exatamente como o reprim ido isto é exerce poderosos efeitos sem tornarse consciente e requer um trabalho especial para ser tornado consciente Para a prática psicanalítica a consequência dessa descoberta é que de paramos com inúmeras obscuridades e dificuldades se mante mos a nossa habitual forma de expressão e por exemplo fazemos derivar a neurose de um conflito entre o consciente e o inconsciente A partir da nossa compreensão das relações estru turais da vida psíquica temos de substituir essa oposição por uma outra aquela entre o Eu coerente e aquilo reprimido que dele se separou2 As consequências para a nossa concepção do inconsciente são ainda mais significativas A consideração dinâmica havia nos levado à primeira correção a compreensão estrutural nos leva à segunda Reconhecemos que o Ics não coincide com o reprimido continua certo que todo reprimido é ics mas nem todo Ics é tam bém reprimido Também uma parte do Eu e sabe Deus quão importante é ela pode ser ics é certamente ics E esse Ics do Eu não é latente no sentido do Pcs senão não poderia ser ativado sem tornarse cs e tornálo consciente não ofereceria di ficuldades tão grandes Se nos vemos assim obrigados a instituir 15326 um terceiro Ics um não reprimido temos de conceder que a ca racterística da inconsciência perde alguma importância para nós Tornase uma qualidade ambígua que não autoriza as con clusões abrangentes e inevitáveis para as quais desejaríamos utilizála Mas não devemos negligenciála pois a qualidade de ser consciente ou não é afinal a única luz na escuridão da psico logia das profundezas II O EU E O ID A investigação patológica fez o nosso interesse dirigirse muito exclusivamente para o reprimido Gostaríamos de saber mais sobre o Eu depois que aprendemos que também o Eu pode ser inconsciente no verdadeiro sentido da palavra Nosso único ponto de apoio em nossas pesquisas foi até o momento o traço distintivo de ser consciente ou inconsciente e afinal percebemos quão ambíguo pode ser ele De modo que todo o nosso conhecimento está sempre ligado à consciência Também o Ics só podemos conhecer ao tornálo consciente Porém alto lá como é possível isto Que significa tornar algo consciente Como pode isto suceder Já sabemos de onde devemos partir quanto a isso Dissemos que a consciência é a superfície do aparelho psíquico isto é atribuímola como função a um sistema que espacialmente é o primeiro desde o mundo externo Espacialmente aliás não apenas no sentido da função mas aí também no sentido da dis secção anatômica3 Também a nossa investigação deve ter como ponto de partida esta superfície percipiente 16326 Desde o início cs são todas as percepções que vêm de fora percepções sensoriais e de dentro às quais chamamos de sensações e sentimentos E quanto aos processos internos que podemos de forma tosca e imprecisa reunir sob o nome de processos de pensamento Eles que se efetivam como desloca mentos da energia psíquica a caminho da ação em algum lugar dentro do aparelho avançam para a superfície que faz surgir a consciência Ou a consciência vai até eles Esta é notamos uma das dificuldades que surgem ao considerarmos seriamente a ideia espacial topológica do funcionamento psíquico As duas possibilidades são igualmente impensáveis deve haver uma terceira Em outro lugar4 fiz a suposição de que a verdadeira diferença entre uma ideia ics e uma pcs um pensamento consiste em que a primeira se produz em algum material que permanece descon hecido enquanto na segunda a pcs acrescentase a ligação com representações verbais Foi esta uma primeira tentativa de oferecer para os sistemas Pcs e Ics traços distintivos que não se jam a relação com a consciência A questão Como algo se torna consciente seria mais apropriadamente formulada Como algo se torna préconsciente E a resposta seria pela ligação com as representações verbais correspondentes Essas representações verbais são resíduos de memória foram uma vez percepções e como todos os resíduos mnemônicos po dem voltar a ser conscientes Antes de seguirmos tratando de sua natureza ocorrenos como uma nova descoberta que apenas pode tornarse consciente aquilo que uma vez já foi percepção cs e que excluindo os sentimentos o que a partir de dentro quer tornarse consciente deve tentar converterse em percepções ex ternas O que se torna possível mediante os traços mnemônicos 17326 Imaginamos os resíduos de memória como estando contidos em sistemas adjacentes ao sistema PcpCs de forma que os seus investimentos podem com facilidade prosseguir nos elementos desse sistema a partir do interior Aqui pensamos logo na alucin ação e no fato de que a lembrança mais viva é sempre diferen ciada tanto da alucinação como da percepção externa mas tam bém de imediato se apresenta a informação de que ao se reav ivar uma lembrança o investimento é conservado no sistema mnemônico ao passo que a alucinação não distinguível da per cepção pode surgir quando o investimento não só se propaga para o elemento Pcp a partir do traço mnemônico mas passa in teiramente para ele Os resíduos verbais derivam essencialmente de percepções acústicas de modo que ao sistema Pcs é dada como que uma ori gem sensorial especial Podese inicialmente ignorar os compon entes visuais da representação verbal como secundários ad quiridos mediante a leitura e assim também seus acompan hamentos motores que exceto no caso dos surdosmudos têm o papel de sinais auxiliares A palavra é afinal o resíduo mnemônico da palavra ouvida Mas não podemos em nome da simplificação esquecer a im portância dos resíduos mnemônicos óticos das coisas ou negar que é possível e em muitas pessoas parece ser privilegi ado que os processos de pensamento se tornem conscientes me diante o retorno aos resíduos visuais O estudo dos sonhos e das fantasias préconscientes conforme as observações de J Varen donck pode nos dar uma ideia da natureza específica deste pensamento visual Vemos que nele em geral apenas o material concreto do pensamento se torna consciente mas não pode ser dada expressão visual às relações que caracterizam 18326 particularmente o pensamento Pensar em imagens é portanto uma forma bastante incompleta de tornarse consciente De al gum modo também se acha mais próximo dos processos incon scientes do que pensar em palavras e é sem dúvida mais antigo ontogenética e filogeneticamente Logo para retornar ao nosso argumento se esta é a maneira como algo inconsciente em si tornase consciente a questão de como tornamos préconsciente algo reprimido deve ser respon dida assim ao estabelecer tais elos intermediários pcs por meio do trabalho analítico A consciência permanece em seu lugar en tão mas tampouco o Ics subiu digamos até o Cs Enquanto o vínculo entre a percepção externa e o Eu é bem evidente aquele entre a percepção interna e o Eu requer uma in vestigação especial Faz surgir mais um vez a dúvida sobre a justeza de referir toda a consciência a um único sistema superfi cial o PcpCs A percepção interna traz sensações de processos vindos das camadas mais diversas e certamente mais profundas do aparelho psíquico Elas são mal conhecidas as da série prazer desprazer ainda podem ser vistas como o melhor exemplo delas São mais primordiais mais elementares do que as que vêm de fora mesmo em estados de consciência turva podem ocorrer Sobre a sua maior significação econômica e os fundamentos metapsicológicos para isso pude manifestarme em outro lugar Estas sensações são pluriloculares como as percepções externas podem vir simultaneamente de lugares diversos e com isso ter qualidades diversas também opostas As sensações de caráter prazeroso nada possuem de premente em si mas as sensações desprazerosas têm isso em alto grau Elas premem por mudança por descarga e portanto referimos o 19326 desprazer a uma elevação e o prazer a uma diminuição do invest imento de energia Se denominamos o que se torna consciente como prazer e desprazer algo quantitativaqualitativamente outro no curso psíquico a questão é se um tal outro pode se tor nar consciente no próprio lugar ou se tem de ser conduzido ao sistema Pcp A experiência clínica decide por esse último caso Ela mostra que esse outro comportase como um impulso reprimido Ele pode desenvolver força impulsora sem que o Eu note a pressão Somente resistência à pressão estorvo da reação de descarga torna esse outro imediatamente consciente como desprazer Assim como as tensões da carência também a dor pode per manecer inconsciente esta coisa intermediária entre percepção externa e interna que se comporta como uma percepção interna mesmo quando se origina do mundo exterior É correto port anto que também sensações e sentimentos tornamse con scientes apenas ao atingir o sistema Pcp se o caminho é barrado não se produzem como sensações embora o outro que a elas cor responde no curso da excitação seja o mesmo De maneira mais curta não inteiramente correta falamos então de sentimentos inconscientes conservamos a analogia não inteiramente justi ficada com ideias inconscientes Pois a diferença está em que para a ideia ics precisam antes ser criados elos que a conduzam ao Cs e isso não vale para os sentimentos que continuam direta mente Em outras palavras a diferença entre Cs e Pcs não tem sentido para os sentimentos o Pcs aqui não cabe os sentimentos são conscientes ou inconscientes Mesmo ao serem ligados a rep resentações verbais não devem a elas o fato de tornarse con scientes mas fazemno diretamente 20326 O papel das representações verbais é agora perfeitamente claro Pela sua intermediação processos de pensamento internos são transformados em percepções É como se fosse demonstrada a proposição de que todo saber tem origem na percepção ex terna Num superinvestimento do pensar todos os pensamentos são percebidos realmente como de fora e por isso tidos como verdadeiros Após assim clarificar as relações entre percepção externa e in terna e o sistema superficial PcpCs podemos passar a desen volver nossa concepção do Eu Nós o vemos partir do sistema Pcp seu núcleo e inicialmente abarcar o Pcs que se apoia nos resíduos mnemônicos Mas como aprendemos o Eu é também inconsciente Agora será de grande proveito para nós creio acompanhar mos a sugestão de um autor que em vão assegura por motivos pessoais nada ter com a ciência estrita e elevada Refirome a Georg Groddeck que está sempre a enfatizar que aquilo a que chamamos nosso Eu conduzse na vida de modo essencial mente passivo que somos como diz vividos por poderes desconhecidos e incontroláveis5 Nós todos tivemos esta im pressão embora ela não nos tenha dominado a ponto de excluir as demais e não hesitamos em atribuir à intuição de Groddeck um lugar no conjunto da ciência Proponho que a levemos em consideração chamando de Eu a entidade que parte do sistema Pcp e é inicialmente pcs e de Id segundo o uso de Groddeck a outra parte da psique na qual ela prossegue e que se comporta como ics6 Logo veremos se será possível tirar alguma vantagem disso para a descrição e a compreensão Um indivíduo é então para nós um Id um algo psíquico irreconhecido e inconsciente em 21326 cuja superfície se acha o Eu desenvolvido com base no sistema Pcp seu núcleo Se buscamos uma representação gráfica po demos acrescentar que o Eu não envolve inteiramente o Id mas apenas à medida que o sistema Pcp forma a sua superfície do Eu mais ou menos como o disco germinal se acha sobre o ovo O Eu não é nitidamente separado do Id conflui com este na direção inferior Mas também o reprimido conflui com o Id é somente uma parte dele O reprimido é claramente separado do Eu apenas pelas resistências da repressão pelo Id pode comunicarse com ele Logo percebemos que quase todas as demarcações que a patologia nos levou a fazer concernem apenas às camadas super ficiais do aparelho psíquico as únicas que conhecemos Poder íamos esboçar um desenho desta situação desenho cujas linhas servem apenas à exposição não solicitam nenhuma inter pretação particular Digamos também que o Eu tem um boné auditivo apenas de um lado conforme atesta a anatomia cerebral Usao de lado por assim dizer É fácil ver que o Eu é a parte do Id modificada pela influência direta do mundo externo sob mediação do PcpCs como que um prosseguimento da diferenciação da superfície Ele também se 22326 esforça em fazer valer a influência do mundo externo sobre o Id e os seus propósitos empenhase em colocar o princípio da realid ade no lugar do princípio do prazer que vigora irrestritamente no Id A percepção tem para o Eu o papel que no Id cabe ao in stinto O Eu representa o que se pode chamar de razão e circun specção em oposição ao Id que contém as paixões Tudo isso corresponde a notórias distinções populares mas deve ser enten dido tão só como aproximadamente ou idealmente correto A importância funcional do Eu se expressa no fato de que nor malmente lhe é dado o controle dos acessos à motilidade Assim em relação ao Id ele se compara ao cavaleiro que deve pôr freios à força superior do cavalo com a diferença de que o cavaleiro tenta fazêlo com suas próprias forças e o Eu com forças emprestadas Este símile pode ser levado um pouco adiante Assim como o cavaleiro a fim de não se separar do cavalo muitas vezes tem de conduzilo aonde ele quer ir também o Eu costuma transformar em ato a vontade do Id como se ela fosse a sua própria Um outro fator além da influência do sistema Pc parece ter tido efeito sobre a gênese do Eu e sua diferenciação do Id O corpo principalmente sua superfície é um lugar do qual podem partir percepções internas e externas simultaneamente É visto como um outro objeto mas ao ser tocado produz dois tipos de sensações um dos quais pode equivaler a uma percepção in terna Já se discutiu bastante na psicofisiologia de que maneira o corpo sobressai no mundo da percepção Também a dor parece ter nisso um papel e o modo como adquirimos um novo conhe cimento de nossos órgãos nas doenças dolorosas é talvez um modelo para a forma como chegamos à ideia de nosso corpo 23326 O Eu é sobretudo corporal não é apenas uma entidade super ficial mas ele mesmo a projeção de uma superfície7 Procurando uma analogia anatômica para ele podemos identificálo com o homúnculo do cérebro dos anatomistas que fica no córtex de cabeça para baixo e com os calcanhares para cima olha para trás e como se sabe tem no lado esquerdo a zona da linguagem A relação do Eu com a consciência já foi várias vezes examin ada mas há alguns fatos importantes a serem apontados aqui Acostumados a sempre levar uma escala de valores social ou ét ica não nos surpreendemos ao saber que a atividade das paixões inferiores se dá no inconsciente mas esperamos que as funções psíquicas tenham mais facilmente acesso seguro à consciência quanto mais elevadas se situem nessa escala Nisso a experiência psicanalítica nos decepciona porém Temos comprovação por um lado de que mesmo o trabalho intelectual difícil e sutil que normalmente requer estrênua reflexão também pode ser efetuado préconscientemente sem chegar à consciência Esses casos são indubitáveis verificamse por exemplo durante o sono evidenciandose no fato de um indivíduo saber imediata mente após o despertar a solução de um difícil problema matemático ou de outro gênero que no dia anterior se esforçara em vão por encontrar8 Bem mais peculiar é uma outra constatação Aprendemos em nossas análises que há pessoas nas quais a autocrítica e a con sciência moral ou seja ações psíquicas altamente valorizadas são inconscientes e enquanto tais produzem os efeitos mais im portantes o fato de a resistência permanecer inconsciente na an álise não é portanto a única situação desse tipo Mas a nova constatação que nos obriga apesar de nossa melhor com preensão crítica a falar de um sentimento de culpa inconsciente 24326 desconcertanos bem mais e nos oferece novos enigmas sobre tudo quando gradualmente notamos que um tal sentimento de culpa inconsciente tem papel decisivo em termos econômicos num grande número de neuroses e ergue os maiores obstáculos na direção da cura Querendo retornar à nossa escala de valores teremos de afirmar Não só as coisas mais fundas do Eu tam bém as mais altas podem ser inconscientes É como se nos fosse demonstrado dessa maneira o que já afirmamos sobre o Eu consciente que ele é sobretudo um Eu do corpo III O EU E O SUPEREU IDEAL DO EU Se o Eu fosse apenas a parte do Id modificada por influência do sistema perceptivo o representante do mundo externo real na psique estaríamos diante de algo simples Mas há outras coisas a serem consideradas Os motivos que nos levaram a supor uma gradação no Eu uma diferenciação em seu interior que pode ser chamada de ideal do Eu ou Supereu foram explicitados em outros tra balhos9 Eles continuam válidos10 A novidade que exige ex plicação é o fato de essa parcela do Eu ter relação menos estreita com a consciência Aqui nós temos que abarcar um âmbito maior Foinos dado esclarecer o doloroso infortúnio da melancolia através da suposição de que um objeto perdido é novamente estabelecido no Eu ou seja um investimento objetal é substituído por uma identificação11 Mas ainda não reconhecíamos então todo o sig nificado deste processo e não sabíamos como ele é típico e 25326 frequente Desde então compreendemos que tal substituição par ticipa enormemente na configuração do Eu e contribui de modo essencial para formar o que se denomina seu caráter Bem no início na primitiva fase oral do indivíduo investi mento objetal e identificação provavelmente não se distinguem um do outro Só podemos supor que mais tarde os investimentos objetais procedam do Id que sente como necessidades os im pulsos eróticos O Eu inicialmente ainda frágil toma conheci mento dos investimentos objetais aprovaos ou procura afastá los mediante o processo da repressão12 Se um tal objeto sexual deve ou tem de ser abandonado não é raro sobrevir uma alteração do Eu que é preciso descrever como estabelecimento do objeto no Eu como sucede na melancolia ainda não conhecemos as circunstâncias exatas dessa substitu ição Talvez com essa introjeção que é uma espécie de regressão ao mecanismo da fase oral o Eu facilite ou permita o abandono do objeto Talvez essa identificação seja absolutamente a con dição sob a qual o Eu abandona seus objetos De todo modo o processo é muito frequente sobretudo nas primeiras fases do desenvolvimento e pode possibilitar a concepção de que o caráter do Eu é um precipitado dos investimentos objetais aban donados de que contém a história dessas escolhas de objeto Desde logo há que se conceder naturalmente uma gradação da capacidade de resistência até que ponto o caráter de uma pessoa rejeita ou acolhe estas influências da história de suas escolhas er óticas de objeto Em mulheres que tiveram muitas experiências amorosas acreditamos poder mostrar facilmente nos seus traços de caráter os vestígios de seus investimentos objetais Também devemos considerar o investimento objetal e a identificação sim ultâneos ou seja uma alteração do caráter anterior ao abandono 26326 do objeto Nesse caso a mudança do caráter poderia sobreviver à relação objetal e num certo sentido conservála Segundo outro modo de ver essa transformação de uma escolha erótica de objeto numa alteração do Eu é também uma via pela qual o Eu pode controlar o Id e aprofundar suas relações com ele embora à custa de uma larga tolerância para com as ex periências dele Se o Eu assume os traços do objeto como que se oferece ele próprio ao Id como objeto de amor procura compensálo de sua perda dizendo Veja você pode amar a mim também eu sou tão semelhante ao objeto A transformação da libido objetal em libido narcísica que en tão ocorre evidentemente acarreta um abandono das metas sexuais uma dessexualização ou seja uma espécie de sublim ação E surge mesmo a questão digna de um tratamento mais aprofundado de que este seria talvez o caminho geral da sublim ação de que talvez a sublimação ocorra por intermediação do Eu que primeiro converte a libido objetal sexual em libido nar císica para depois darlhe quiçá outra meta13 Mais adiante con sideraremos se tal transformação não pode ocasionar outros des tinos para os instintos como por exemplo uma disjunção dos diversos instintos amalgamados Embora constitua uma digressão relativamente ao nosso ob jetivo não podemos evitar que a nossa atenção se volte mo mentaneamente para as identificações objetais do Eu Se estas predominam tornamse muito numerosas e fortes incompatibilizandose umas com as outras um desfecho patoló gico é provável Podese chegar a uma fragmentação do Eu quando as várias identificações se excluem umas às outras medi ante resistências e o segredo dos casos chamados de múltipla personalidade talvez esteja em que as várias identificações 27326 tomam alternadamente a consciência Mesmo não indo tão longe há a questão dos conflitos das diferentes identificações em que o Eu se distribui conflitos que afinal não podem ser clara mente descritos como patológicos Mas como quer que seja depois a resistência do caráter às in fluências dos investimentos objetais abandonados serão gerais e duradouros os efeitos das identificações iniciais sucedidas na id ade mais tenra Isso nos leva de volta à origem do ideal do Eu pois por trás dele se esconde a primeira e mais significativa iden tificação do indivíduo aquela com o pai da préhistória pess oal14 Esta não parece ser à primeira vista resultado ou con sequência de um investimento objetal é uma identificação direta imediata mais antiga do que qualquer investimento ob jetal Mas as escolhas de objeto pertencentes ao primeiro período sexual e relativas a pai e mãe parecem resultar normalmente em tal identificação e assim reforçar a identificação primária De todo modo essas relações são tão complexas que se torna necessário descrevêlas com mais vagar Dois fatores respondem por essa complexidade a natureza triangular da situação edípica e a bissexualidade constitucional do indivíduo Simplificadamente o caso se configura da forma seguinte para o menino Bastante cedo ele desenvolve um investimento objetal na mãe que tem seu ponto de partida no seio materno e constitui o protótipo de uma escolha objetal por apoio do pai o menino se apodera por identificação As duas relações coexistem por algum tempo até que com a intensificação dos desejos sexuais pela mãe e a percepção de que o pai é um obstáculo a esses desejos tem origem o complexo de Édipo15 A identificação com o pai assume uma tonalidade hostil muda para o desejo de eliminálo a fim de substituílo junto à mãe Desde então é 28326 ambivalente a relação com o pai é como se a ambivalência desde o início presente na identificação se tornasse manifesta A pos tura ambivalente ante o pai e a relação objetal exclusivamente terna com a mãe formam para o menino o conteúdo do com plexo de Édipo simples e positivo Com o desmoronamento do complexo de Édipo o investi mento objetal na mãe tem que ser abandonado Em seu lugar pode surgir uma identificação com a mãe ou um fortalecimento da identificação com o pai Costumamos ver este segundo des fecho como o mais normal ele permite conservar em alguma medida a relação terna com a mãe Graças à dissolução do com plexo de Édipo a masculinidade no caráter do menino experi mentaria uma consolidação De modo inteiramente análogo a postura edípica da menina pode resultar num fortalecimento ou no estabelecimento de sua identificação com a mãe que fixa o caráter feminino da criança Tais identificações não correspondem à nossa expectativa pois não introduzem no Eu o objeto abandonado mas esse des fecho também ocorre e pode ser observado mais facilmente nas garotas do que nos meninos Com muita frequência a análise nos revela que a menina após ter de renunciar ao pai como objeto amoroso põe à frente sua masculinidade e se identifica não com a mãe mas com o pai ou seja o objeto perdido A questão clara mente é se suas disposições masculinas são fortes o bastante não importando em que consistam Portanto o desenlace da situação edípica numa identificação com o pai ou a mãe parece depender em ambos os sexos da re lativa força das duas disposições sexuais Esta é uma das formas como a bissexualidade intervém no destino do complexo de Édipo A outra é ainda mais importante Pois temos a impressão 29326 de que o complexo de Édipo simples não é absolutamente o mais frequente mas corresponde a uma simplificação ou esquematiz ação que não há dúvida com frequência se justifica em termos práticos Uma investigação mais penetrante mostra em geral o complexo de Édipo mais completo que é duplo um positivo e um negativo dependente da bissexualidade original da criança isto é o menino tem não só uma atitude ambivalente para com o pai e uma terna escolha objetal pela mãe mas ao mesmo tempo comportase como uma garota exibe a terna atitude feminina com o pai e correspondendo a isso aquela ciumenta e hostil em relação à mãe Essa interferência da bissexualidade torna muito difícil compreender as primitivas identificações e escolhas obje tais e ainda mais difícil descrevêlas de modo inteligível Tam bém pode ser que a ambivalência constatada na relação com os pais deva se referir inteiramente à bissexualidade e não como apresentei acima ter se desenvolvido a partir da identificação pela atitude de rivalidade Acho que convém supor em geral e muito especialmente nos neuróticos a existência do complexo de Édipo completo A ex periência analítica ensina então que em bom número de casos um ou outro componente dele se reduz a traços quase imper ceptíveis de modo que se produz uma série numa ponta da qual está o complexo de Édipo normal positivo e na outra ponta aquele contrário negativo enquanto os elos intermediários ex ibem a forma completa com participação desigual dos dois com ponentes Na dissolução do complexo de Édipo as quatro tendências nele existentes se agruparão de forma tal que delas resultará uma identificação com o pai e uma identificação com a mãe a identificação com o pai mantendo o objeto materno do complexo positivo e ao mesmo tempo substituindo o objeto 30326 paterno do complexo contrário as coisas sucederão de forma an áloga na identificação com a mãe O peso maior ou menor das duas disposições sexuais será refletido na diferente intensidade das duas identificações Podemos supor então que o resultado mais comum da fase sexual dominada pelo complexo de Édipo é um precipitado no Eu consistindo no estabelecimento dessas duas identificações de algum modo ajustadas uma à outra Essa alteração do Eu con serva a sua posição especial surgindo ante o conteúdo restante do Eu como ideal do Eu ou Supereu Mas o Supereu não é simplesmente um resíduo das primeiras escolhas objetais do Id possui igualmente o sentido de uma en érgica formação reativa a este Sua relação com o Eu não se es gota na advertência Assim como o pai você deve ser ela compreende também a proibição Assim como o pai você não pode ser isto é não pode fazer tudo o que ele faz há coisas que continuam reservadas a ele Essa dupla face do ideal do Eu de riva do fato de ele haver se empenhado na repressão do com plexo de Édipo de até mesmo dever sua existência a essa grande reviravolta Claramente a repressão do complexo de Édipo não foi tarefa simples Como os pais em especial o pai foram perce bidos como obstáculo à realização dos desejos edípicos o Eu infantil fortificouse para essa obra de repressão estabelecendo o mesmo obstáculo dentro de si Em certa medida tomou emprestada ao pai a força para isso e esse empréstimo é um ato pleno de consequências O Supereu conservará o caráter do pai e quanto mais forte foi o complexo de Édipo tanto mais rapida mente sob influência de autoridade ensino religioso escola leituras ocorreu sua repressão tanto mais severamente o Super eu terá domínio sobre o Eu como consciência moral talvez como 31326 inconsciente sentimento de culpa Mais adiante apresentarei uma conjectura acerca de onde ele tira forças para esse domínio o caráter coercivo que se manifesta como imperativo categórico Considerando uma vez mais a gênese do Supereu tal como foi aqui descrita nós o vemos como o resultado de dois fatores biológicos altamente significativos o longo desamparo e de pendência infantil do ser humano e o fato do seu complexo de Édipo que relacionamos à interrupção do desenvolvimento da libido pelo período de latência e assim ao começo em dois tem pos da vida sexual Essa última característica especificamente humana ao que parece tem uma hipótese psicanalítica segundo a qual é uma herança da evolução para a cultura imposta pela era glacial Com isto a diferenciação do Supereu em relação ao Eu não é algo fortuito representa os traços mais significativos da evolução da investigação e da espécie e dando expressão duradoura à influência dos pais perpetua a existência dos fatores a que deve sua origem Já inúmeras vezes se fez à psicanálise a objeção de não se im portar com o que é elevado moral e suprapessoal no homem Tal objeção é duas vezes injusta tanto histórica como metodologica mente No primeiro caso porque desde o início atribuímos às tendências morais e estéticas do Eu o estímulo à repressão no segundo porque não se quis ver que a investigação psicanalítica não podia apresentarse como um sistema filosófico com um edifício teórico inteiro e completo mas teve que abrir seu cam inho para o entendimento das complicações da psique passo a passo através da dissecação analítica de fenômenos normais e anormais Enquanto nos ocupávamos do estudo do reprimido na vida psíquica não precisamos partilhar a trêmula aflição com o paradeiro do elevado no ser humano Agora que nos lançamos à 32326 análise do Eu podemos responder o seguinte a todos os que abalados em sua consciência ética queixaramse de que tem de haver algo elevado no homem Sem dúvida e é este o algo el evado o ideal do Eu ou Supereu o representante de nossa re lação com os pais Quando pequenos nós conhecemos ad miramos tememos estes seres elevados depois os acolhemos dentro de nós O ideal do Eu é portanto herdeiro do complexo de Édipo e desse modo expressão dos mais poderosos impulsos e dos mais importantes destinos libidinais do Id Estabelecendoo o Eu assenhorouse do complexo de Édipo e ao mesmo tempo submeteuse ao Id Enquanto o Eu é essencialmente represent ante do mundo exterior da realidade o Supereu o confronta como advogado do mundo interior do Id Conflitos entre Eu e ideal refletirão em última instância agora estamos preparados para isso a oposição entre real e psíquico mundo exterior e mundo interior O que a biologia e as vicissitudes da espécie humana criaram e deixaram no Id é assumido pelo Eu através da formação do ideal e revivenciado nele individualmente Graças à história de sua formação o ideal do Eu tem amplos laços com a aquisição filogenética a herança arcaica do indivíduo O que fez parte do que é mais profundo na vida psíquica de cada um se torna at ravés da formação do ideal no que é mais elevado na alma hu mana conforme nossa escala de valores Mas em vão nos em penharíamos em localizar o ideal do Eu ainda que apenas de modo semelhante ao que fizemos com o Eu ou inserilo numa das imagens com que tentamos figurar a relação entre Eu e Id Não é difícil mostrar que o ideal do Eu satisfaz tudo o que se espera do algo elevado no ser humano Como formação 33326 substitutiva do anseio pelo pai contém o gérmen a partir do qual se formaram todas as religiões O juízo acerca da própria insufi ciência ao comparar o Eu com seu ideal produz o sentimento religioso de humildade que o crente invoca ansiosamente No curso posterior do desenvolvimento professores e autoridades levam adiante o papel do pai suas injunções e proibições con tinuam poderosas no ideal do Eu e agora exercem a censura moral como consciência A tensão entre as expectativas da con sciência e as realizações do Eu é percebida como sentimento de culpa Os sentimentos sociais repousam em identificações com outras pessoas com base no mesmo ideal do Eu Religião moral e sentimento social os conteúdos principais do que é elevado no ser humano 16 foram originalmente uma só coisa Segundo a hipótese de Totem e tabu foram adquiridos filogeneticamente no complexo paterno religião e limitação ét ica pelo domínio sobre o complexo de Édipo mesmo os senti mentos sociais pela obrigação de superar a rivalidade restante entre os membros da nova geração Em todas essas conquistas éticas o sexo masculino parece ter tomado a frente a herança cruzada levou esse patrimônio também às mulheres Ainda hoje os sentimentos sociais nascem no indivíduo como uma superes trutura sobre os impulsos de ciúme e rivalidade contra os irmãos Como a hostilidade não pode ser satisfeita ocorre uma identificação com o inimigo inicial Observações feitas em casos de homossexualidade leve apoiam a suspeita de que também essa identificação é substituto para uma escolha objetal terna que tomou o lugar da postura agressivahostil17 Entretanto com a menção da filogênese aparecem novos problemas aos quais hesitaríamos em oferecer resposta Mas não há saída é preciso arriscar ainda que receando que isso 34326 ponha à mostra a insuficiência de todo o nosso esforço A questão é Foi o Eu ou o Id do homem primitivo que naquele tempo adquiriu religião e moralidade do complexo paterno Se foi o Eu por que não falamos simplesmente de uma transmissão hereditária no Eu Se foi o Id como se harmoniza isso com o caráter do Id Ou não se pode estender a diferenciação de Eu Supereu e Id a uma época tão remota Ou devese francamente admitir que toda esta concepção dos processos do Eu em nada contribui para o entendimento da filogênese e não é aplicável a esta Respondamos primeiramente o que pode ser respondido com maior facilidade A diferenciação entre Eu e Id temos de atribuir não só ao homem primitivo mas também a organismos muito mais simples pois é a inevitável expressão da influência do mundo externo Quanto ao Supereu achamos que derivou justamente daquelas vivências que conduziram ao totemismo A questão de se foi o Eu ou o Id que experimentou e adquiriu tais coisas não se sustenta A reflexão logo nos diz que o Id é incapaz de viver ou experimentar vicissitudes externas senão através do Eu que nele representa o mundo externo Mas não se pode falar de uma transmissão hereditária no Eu Aqui surge o hiato que separa o indivíduo real do conceito de espécie Também não se deve tomar rigidamente a distinção entre Eu e Id e não esquecer que o Eu é uma parte do Id especialmente diferenciada As vivências do Eu parecem inicialmente perdidas para a herança mas quando se repetem com frequência e força suficientes em muitos indivíduos que se sucedem por gerações elas como que se transformam em vivências do Id experiências cujas im pressões são mantidas hereditariamente Assim o Id hereditário alberga os resíduos de incontáveis existências de Eu e quando o 35326 Eu cria seu Supereu a partir do Id talvez apenas faça aparecer de novo anteriores formas de Eu proporcionelhes uma ressurreição A história da gênese do Supereu torna compreensível que vel hos conflitos do Eu com os investimentos objetais do Id possam prosseguir em conflitos com o herdeiro destes o Supereu Quando o Eu não consegue dominar o complexo de Édipo o in vestimento de energia deste oriundo do Id volta a operar na formação reativa do ideal do Eu A profusa comunicação entre esse ideal e esses impulsos instintuais ics resolve o enigma de o ideal mesmo poder ficar em grande parte inconsciente ina cessível ao Eu A luta que já se deu nas camadas mais profundas e que não chegou ao fim mediante rápida sublimação e identi ficação prossegue numa região mais elevada como na pintura de Kaulbach sobre a Batalha dos Hunos IV AS DUAS ESPÉCIES DE INSTINTOS Dissemos que se a nossa divisão da psique em um Id um Eu e um Supereu significa um progresso em nosso conhecimento ela deve revelarse também um meio para a compreensão mais pro funda e melhor descrição das relações dinâmicas da vida psíquica Também ficou claro para nós que o Eu se acha sob a influência particular da percepção e que é possível dizer grosso modo que as percepções têm para o Eu a mesma importância que os instintos para o Id Mas o Eu está sujeito ao influxo dos instintos assim como o Id do qual é apenas uma parte especial mente modificada 36326 Acerca dos instintos desenvolvi recentemente em Além do princípio do prazer uma concepção que aqui manterei e to marei como base para as discussões que seguem De acordo com ela há que distinguir duas espécies de instintos das quais uma os instintos sexuais ou Eros é de longe a mais visível e mais acessível ao conhecimento Ela compreende não apenas o próprio instinto sexual desinibido e os impulsos instintuais sub limados e inibidos na meta dele derivados mas também o in stinto de autoconservação que devemos consignar ao Eu e que no início do trabalho analítico opusemos com boas razões aos instintos objetais sexuais Determinar a segunda espécie de in stintos foi mais difícil para nós afinal viemos a enxergar no sad ismo o seu representante Com base em reflexões teóricas am paradas pela biologia supusemos que há um instinto de morte cuja tarefa é reconduzir os organismos viventes ao estado inan imado enquanto Eros busca o objetivo de agregando cada vez mais amplamente a substância viva dispersa em partículas torn ar mais complexa a vida nisso conservandoa naturalmente Ambos os instintos comportamse de maneira conservadora no sentido mais estrito ao se empenhar em restabelecer um estado que foi perturbado pelo surgimento da vida Este surgimento seria então a causa da continuação da vida e ao mesmo tempo da aspiração pela morte a própria vida sendo luta e com promisso entre essas duas tendências A questão da origem da vida permaneceria cosmológica a da finalidade e propósito da vida seria respondida de forma dualista A cada uma dessas duas espécies de instintos estaria asso ciado um processo fisiológico especial assimilação e desassimil ação anabolismo e catabolismo em cada fragmento de sub stância viva estariam ativas as duas mas em mistura desigual de 37326 modo que uma substância poderia assumir a principal repres entação de Eros Ainda não podemos conceber de que modo os instintos das duas espécies se ligam misturam amalgamam uns com os out ros mas que isto sucede regularmente e em larga medida é uma suposição inescapável em nosso contexto Devido à ligação dos organismos elementares unicelulares em formas de vida plurice lulares haveria êxito em neutralizar o instinto de morte da célula singular e desviar os impulsos destrutivos para o mundo externo por meio de um órgão especial Esse órgão seria a musculatura e o instinto de morte se manifestaria então mas provavelmente só em parte como instinto de destruição voltado para o mundo externo e outras formas de vida Havendo admitido a concepção de uma mescla ou junção das duas espécies de instintos impõesenos a possibilidade de uma mais ou menos completa disjunção desses instintos No componente sádico do instinto sexual teríamos o exemplo clássico de uma mescla instintual adequada a um fim no sad ismo que se tornou independente como perversão o modelo de uma disjunção embora não levada ao extremo Então se descor tina para nós um largo âmbito de fatos que ainda não foi consid erado sob essa luz Percebemos que o instinto de destruição é habitualmente posto a serviço de Eros para fins de descarga sus peitamos que o ataque epiléptico seja produto e indício de uma disjunção de instintos e aprendemos a ver que entre os efeitos de algumas neuroses graves as neuroses obsessivas por exem plo merecem particular atenção a disjunção instintual e a proeminência do instinto de morte Numa generalização rápida conjecturamos que a essência de uma regressão libidinal da fase genital à sádicoanal por exemplo baseiase numa disjunção 38326 instintual e inversamente o avanço da fase genital inicial à definitiva tem por condição um acréscimo de componentes eróti cos Surge também a questão de a ambivalência ordinária que com frequência é fortalecida na disposição constitucional à neur ose poder ser apreendida como resultado de uma disjunção mas ela é tão primordial que deve ser antes uma mescla instintu al não consumada Nosso interesse se volta naturalmente para a questão de se haverá nexos significativos entre as supostas formações do Eu Supereu e Id por um lado e as duas espécies de instintos por outro lado também para a questão de se é possível atribuir ao princípio do prazer que rege os processos psíquicos uma posição fixa ante as duas espécies de instintos e as diferenciações psíquicas Antes de entrar nessa discussão temos de lidar com uma dúvida que diz respeito à colocação mesma do problema É certo que não há dúvida em relação ao princípio do prazer e a organização do Eu tem justificação clínica mas a distinção das duas espécies de instintos não parece bastante assegurada e é possível que fatos da análise clínica liquidem tal pretensão Parece haver um fato assim Para a oposição entre as duas es pécies de instintos podemos introduzir a polaridade de amor e ódio Não temos dificuldade em achar uma representação para Eros mas ficamos satisfeitos em poder encontrar no instinto de destruição para o qual o aponta o ódio um representante do in stinto de morte de tão difícil apreensão Ora a observação clín ica nos mostra que o ódio é não somente o inesperado acompan hante regular do amor ambivalência não apenas o seu fre quente precursor nas relações humanas mas também que o ódio em várias circunstâncias transformase em amor e o amor em ódio Quando essa transformação é mais do que mera 39326 sucessão temporal simples substituição claramente desapare cem os alicerces para uma distinção fundamental como essa entre instintos eróticos e de morte que pressupõe processos fisi ológicos que correm em direções opostas Claramente não faz parte de nosso problema o caso em que primeiramente se ama e depois se odeia a mesma pessoa ou o contrário quando esta deu motivos para tanto Tampouco o caso em que um amor ainda não manifesto se exterioriza primeira mente por hostilidade e tendência à agressão dado que o com ponente destrutivo pode aí anteciparse no investimento objetal até que o erótico a ele se junte Mas conhecemos vários casos da psicologia das neuroses que talvez admitam a hipótese de uma transformação Na paranoia persecutória o enfermo se defende de uma ligação homossexual muito forte a determinada pessoa de uma certa maneira e o resultado é que essa pessoa tão amada se torna um perseguidor contra o qual se dirige a agressão muitas vezes perigosa do doente É lícito acrescentarmos que uma fase anterior transformara o amor em ódio Na gênese da homossexualidade mas também dos sentimentos sociais des sexualizados a pesquisa psicanalítica nos deu a conhecer há pouco a existência de vigorosos sentimentos de rivalidade que levam a inclinações agressivas somente após a superação deles o objeto antes odiado tornase amado ou objeto de uma identi ficação Cabe perguntar se nesses casos devemos supor uma con versão direta de ódio em amor Tratase aqui de mudanças puramente internas em que não participam variações de con duta do objeto Mas a investigação psicanalítica do processo envolvido na mudança paranoica nos familiariza com a possibilidade de um outro mecanismo Desde o início está presente uma atitude 40326 ambivalente e a transformação ocorre por meio de um desloca mento reativo do investimento quando se subtrai energia do im pulso erótico e se introduz energia no impulso hostil Não a mesma coisa mas algo semelhante acontece na super ação da rivalidade hostil que leva à homossexualidade A atitude hostil não tem perspectiva de satisfação por isso por motivos econômicos então ela é substituída pela atitude amorosa que oferece maior perspectiva de satisfação ou seja possibilidade de descarga Com isso não precisamos supor em nenhum desses casos uma transformação direta de ódio em amor que seria in compatível com a diferença qualitativa das duas espécies de instintos Mas notamos que ao considerar esse outro mecanismo de transformação de amor em ódio fizemos tacitamente uma outra suposição que deve ser explicitada Procedemos como se houvesse na psique seja no Eu ou no Id uma energia deslo cável que em si indiferente pode juntarse a um impulso er ótico ou destrutivo qualitativamente diferenciado e elevar o in vestimento total deste Sem supor uma tal energia deslocável não avançamos A questão é de onde procede a que pertence e o que significa O problema da qualidade dos impulsos instintuais e da sua conservação nos diferentes destinos dos instintos é ainda ob scuro e quase não foi abordado até hoje Nos instintos sexuais parciais que se prestam especialmente à observação podese constatar alguns processos que se enquadram na mesma ordem por exemplo que há certo grau de comunicação entre os instin tos parciais que o instinto de uma fonte particularmente eró gena pode ceder a sua intensidade para o fortalecimento de um instinto parcial de outra fonte que a satisfação de um instinto 41326 substitui a de outro e outras coisas assim que devem dar ânimo para arriscar certas hipóteses E na presente discussão tenho apenas uma hipótese a ofere cer não uma prova Parece plausível que essa energia operante no Eu e no Id deslocável e indiferente provenha da reserva de libido narcísica seja Eros dessexualizado Pois os instintos eróti cos nos aparecem como mais plásticos desviáveis e deslocáveis do que os instintos de destruição Então podemos prosseguir sem maior dificuldade dizendo que essa libido deslocável tra balha para o princípio do prazer a fim de evitar represamentos e facilitar descargas Nisso é possível notar uma certa indiferença quanto ao caminho pelo qual sucede a descarga desde que ela aconteça Conhecemos esse traço como algo típico dos processos de investimento que há no Id Ele se acha nos investimentos er óticos em que se mostra particular indiferença quanto ao objeto muito especialmente nas transferências durante a análise que têm de se realizar não importando em quais pessoas Recente mente Rank apresentou bons exemplos de reações neuróticas de vingança dirigidas contra as pessoas erradas Ante essa conduta do inconsciente é impossível não lembrar a divertida anedota em que um dos três alfaiates de uma aldeia tem de ser enforcado porque o único ferreiro da aldeia cometeu um crime capital É necessário haver castigo ainda que não recaia sobre o culpado A mesma imprecisão já havíamos notado nos deslocamentos do processo primário ocorridos no trabalho do sonho Ali os objetos eram relegados a uma segunda linha de consideração assim como no presente caso as vias da ação de descarga Seria próprio do Eu insistir numa maior exatidão na escolha do objeto e da via de descarga 42326 Se esta energia deslocável é libido dessexualizada pode ser também descrita como energia sublimada pois ainda manteria a principal intenção de Eros a de unir e ligar na medida em que contribui para a unidade ou o esforço por unidade que cara cteriza o Eu Se incluímos entre tais deslocamentos os processos de pensamento no mais amplo sentido também o trabalho do pensamento é provido pela sublimação de força instintual erótica Aqui nos achamos novamente ante a possibilidade já dis cutida de que a sublimação aconteça regularmente por intermé dio do Eu Lembramos do outro caso em que o Eu lida com os primeiros investimentos objetais do Id e sem dúvida também com os posteriores acolhendo em si a libido deles e ligandoa à mudança do Eu produzida pela identificação A essa transform ação em libido do Eu vinculase naturalmente um abandono dos objetivos sexuais uma dessexualização De todo modo assim compreendemos um importante papel do Eu em sua relação com Eros À medida que se apodera de tal forma da libido dos investi mentos objetais arvorase em único objeto de amor dessexual iza ou sublima a libido do Id ele trabalha de encontro às in tenções de Eros colocase a serviço dos impulsos instintuais contrários Tem de tolerar uma outra porção de investimentos objetais do Id como que participar deles Depois viremos a falar de outra consequência possível dessa atividade do Eu Um importante desenvolvimento haveria de ser feito agora na teoria do narcisismo Bem no início toda a libido se acha acumu lada no Id enquanto o Eu ainda está em formação ou é fraco O Id envia parte dessa libido para investimentos objetais eróticos e com isso o Eu fortalecido procura apoderarse dessa libido 43326 objetal e imporse ao Id como objeto de amor O narcisismo do Eu é então um narcisismo secundário subtraído aos objetos Sempre tornamos a comprovar que os impulsos instintuais cuja pista podemos seguir revelamse derivados de Eros Não fossem as considerações apresentadas em Além do princípio do prazer e por fim as contribuições sádicas a Eros teríamos di ficuldade em manter a concepção dualista fundamental Mas tendo que adotála somos levados à impressão de que os instin tos de morte são mudos essencialmente e de que o fragor da vida parte geralmente de Eros18 E da luta contra Eros É difícil não imaginar que o princípio do prazer serve ao Id como uma bússola no combate à libido que introduz perturbações no curso da vida Se conforme Fechner o princípio da constância governa a vida que seria uma descensão na morte são as exigências de Eros dos instintos sexuais que enquanto necessidades instintuais impedem a diminuição do nível e introduzem novas tensões O Id guiado pelo princípio do prazer isto é pela percepção do desprazer defendese delas por vários meios Em primeiro lugar pela rápida indulgência para com as reivindicações da libido não dessexualizada ou seja o empenho na satisfação das tendências diretamente sexuais De modo bem mais amplo numa forma particular dessas satis fações em que convergem todas as exigências parciais livrando se das substâncias sexuais que são veículos saturados por assim dizer das tensões eróticas A expulsão de matérias sexuais no ato sexual corresponde em certa medida à separação de soma e plasma germinal Daí a semelhança entre o estado que segue a plena satisfação sexual e a morte sendo que nos animais inferi ores a morte coincide com o ato da procriação Tais seres morr em na reprodução na medida em que após se excluir Eros 44326 mediante a satisfação o instinto de morte fica livre para levar a cabo suas intenções Finalmente como vimos o Eu facilita para o Id o trabalho de superação ao sublimar partes da libido para si e seus fins V AS RELAÇÕES DE DEPENDÊNCIA DO EU Talvez a complexidade da matéria sirva de desculpa para o fato de nenhum dos títulos corresponder inteiramente ao teor do capítulo e de sempre retornarmos a coisas já tratadas quando queremos estudar novos aspectos Assim afirmamos repetidamente que o Eu se constitui em boa parte de identificações que tomam o lugar de investimentos abandonados pelo Id que as primeiras dessas identificações agem regularmente como instância especial dentro do Eu con frontando este como Supereu enquanto mais tarde o Eu fortale cido pode se comportar de modo mais resistente às influências dessas identificações O Supereu deve a sua especial posição no Eu ou ante o Eu a um fator que deverá ser estimado a partir de dois lados é a primeira identificação acontecida quando o Eu era ainda fraco e é o herdeiro do complexo de Édipo ou seja in troduziu no Eu os mais imponentes objetos Em certa medida ele está para as mudanças posteriores do Eu como a fase sexual primária da infância está para a vida sexual após a puberdade Embora acessível a todas as influências posteriores conserva por toda a vida o caráter que lhe foi dado por sua origem no com plexo paterno ou seja a capacidade de confrontar o Eu e 45326 dominálo É o monumento que recorda a anterior fraqueza e de pendência do Eu e que mantém seu predomínio sobre o Eu ma duro Assim como a criança era compelida a obedecer aos pais o Eu submetese ao imperativo categórico do seu Supereu Mas a procedência dos primeiros investimentos objetais do Id do complexo de Édipo significa ainda mais para o Supereu Como já pudemos expor ela o relaciona às aquisições filogenét icas do Id e faz dele a reencarnação de anteriores formações de Eu que deixaram seus precipitados no Id Assim o Supereu se acha constantemente próximo ao Id e pode representálo per ante o Eu Está profundamente imerso no Id e por isso mais dis tante da consciência do que o Eu19 Tais relações nós apreciaremos melhor se nos voltarmos para certos fatos clínicos que há muito já não constituem novidade mas ainda aguardam elaboração teórica Há pessoas que se comportam muito peculiarmente no tra balho analítico Quando lhes é dada esperança e mostrada satis fação com a marcha do tratamento parecem insatisfeitas e geral mente pioram seu estado No começo enxergase nisso rebeldia e esforço de demonstrar superioridade ao médico Depois chegase a uma visão mais profunda e justa Não só nos convencemos de que tais pessoas não toleram elogio e reconhecimento mas de que reagem aos progressos da terapia de maneira inversa Toda solução parcial que deveria trazer e traz em outros uma melhora ou suspensão temporária dos sintomas nelas provoca um momentâneo exacerbar do sofrimento elas ficam piores dur ante o tratamento em vez de melhorar Mostram a chamada reação terapêutica negativa Não há dúvida de que nelas algo se opõe à cura de que a aproximação desta é receada como um perigo Dizemos que 46326 nestas pessoas não prevalece a vontade de cura mas a necessid ade de doença Analisando essa resistência da maneira habitual e tirandolhe a atitude de rebeldia com o médico a fixação nas formas de benefício a partir da doença sobra ainda a maior parte e isto se revela o mais forte obstáculo ao restabelecimento mais forte do que a inacessibilidade narcísica a atitude negativa ante o médico e o apego ao benefício da doença já nossos conhecidos Afinal chegamos a perceber que se trata de um fator moral digamos de um sentimento de culpa que encontra satisfação no fato de estar doente e não deseja renunciar ao castigo de sofrer A essa explicação nada confortadora podemos nos ater em defin itivo Mas este sentimento de culpa permanece mudo para o doente não lhe diz que é culpado ele não se sente culpado mas doente Este sentimento de culpa manifestase apenas como uma resistência à cura difícil de ser reduzida Também é particular mente difícil convencer o doente desse motivo da persistência de sua enfermidade ele se apega à explicação mais óbvia de que o tratamento analítico não é o meio correto de ajudálo20 A descrição aqui feita corresponde às situações extremas mas poderia valer em medida menor para muitos casos graves de neurose talvez para todos Mais até talvez seja precisamente esse fator o comportamento do ideal do Eu que determine a gravidade de uma doença neurótica Não evitaremos então fazer algumas observações mais sobre a manifestação do senti mento de culpa em diferentes condições O sentimento de culpa normal consciente a consciência mor al não oferece dificuldades à interpretação baseiase na tensão entre o Eu e o ideal do Eu expressa uma condenação do Eu por sua instância crítica Os conhecidos sentimentos de inferioridade 47326 dos neuróticos não se achariam distantes dele Em duas afecções que nos são familiares o sentimento de culpa é sobremaneira consciente o ideal do Eu exibe uma severidade especial muitas vezes enfurecendose com o Eu de forma cruel Junto a essa semelhança há nesses dois estados a neurose obsessiva e a mel ancolia diferenças na atitude do ideal do Eu que não são menos significativas Na neurose obsessiva em algumas formas dela o sentimento de culpa é bastante forte mas não consegue se justificar perante o Eu Daí o Eu do paciente indignarse com a imputação de culpa e solicitar do médico que o fortaleça na rejeição desses sentimen tos de culpa Seria tolo concordar com isso pois não teria efeito A análise mostra depois que o Supereu é influenciado por pro cessos que permaneceram inconscientes para o Eu É mesmo possível descobrir os impulsos reprimidos que alicerçam o senti mento de culpa O Supereu aqui sabia mais sobre o Id incon sciente do que o Eu Na melancolia é ainda mais forte a impressão de que o Super eu arrebatou a consciência Mas aqui o Eu não ousa reclamar ele se reconhece culpado e submetese ao castigo Nós compreen demos a diferença Na neurose obsessiva tratase de impulsos chocantes que permaneceram fora do Eu na melancolia o ob jeto a que toca a ira do Supereu foi acolhido no Eu por identificação Claro que não é evidente por que o sentimento de culpa atinge uma força extraordinária nesses dois distúrbios neuróticos mas o principal problema está em outro lugar Adiaremos sua dis cussão até havermos abordado outros casos em que o sentimento de culpa permanece inconsciente 48326 Isto ocorre essencialmente na histeria e em estados do tipo histérico É fácil imaginar o mecanismo pelo qual ele permanece inconsciente O Eu histérico defendese da percepção dolorosa com que o ameaça a crítica do seu Supereu da mesma forma como costuma se defender de um investimento objetal intoler ável através de um ato de repressão Portanto depende do Eu que o sentimento de culpa permaneça inconsciente Sabese que em geral o Eu efetua as repressões a serviço e em nome de seu Supereu mas eis um caso em que ele se utiliza da mesma arma contra o seu severo amo Na neurose obsessiva predominam no toriamente os fenômenos da formação reativa aqui o Eu con segue apenas manter a distância o material a que se refere o sen timento de culpa Podese ir mais longe e arriscar a pressuposição de que nor malmente uma grande parte do sentimento de culpa teria de ser inconsciente porque a origem da consciência moral está intima mente ligada ao complexo de Édipo que pertence ao incon sciente Se alguém quisesse sustentar a tese paradoxal de que o homem normal é não só muito mais imoral do que acredita mas também muito mais moral do que sabe a psicanálise cujas descobertas fundamentam a primeira parte da afirmação tam bém nada teria a objetar à segunda21 Foi uma surpresa descobrir que um acréscimo deste senti mento de culpa ics pode converter um homem em criminoso Mas não há dúvida de que é assim Em muitos criminosos prin cipalmente juvenis podese demonstrar que havia um poderoso sentimento de culpa antes do crime e que portanto é o motivo deste não sua consequência como se fosse um alívio poder ligar este sentimento de culpa inconsciente a algo real e imediato 49326 Em todas essas situações o Supereu mostra sua independên cia do Eu consciente e suas íntimas relações com o Id incon sciente Agora considerando a importância que atribuímos aos resíduos verbais préconscientes que há no Eu cabe perguntar se o Supereu quando é ics consiste em tais representações verbais ou em outras coisas A singela resposta será que o Supereu também não pode negar sua origem no que foi ouvido pois é parte do Eu e continua acessível à consciência a partir des sas representações verbais conceitos abstrações mas a energia do investimento não é levada a esses conteúdos do Supereu a partir da percepção auditiva da instrução da leitura mas das fontes no interior do Id A questão cuja resposta adiamos é como acontece de o Super eu manifestarse essencialmente como sentimento de culpa ou melhor como crítica sentimento de culpa é a percepção no Eu que corresponde a essa crítica e desenvolver tão extraordinário rigor e dureza para com o Eu Voltandonos primeiro para a melancolia vemos que o Supereu extremamente forte que arre batou a consciência arremete implacavelmente contra o Eu como se tivesse se apoderado de todo o sadismo disponível na pessoa Seguindo nossa concepção do sadismo diríamos que o componente destrutivo instalouse no Supereu e voltouse con tra o Eu O que então vigora no Supereu é como que pura cul tura do instinto de morte e de fato este consegue frequente mente impelir o Eu à morte quando o Eu não se defende a tempo de seu tirano através da conversão em mania Em determinadas formas de neurose obsessiva as objeções da consciência vêm a ser igualmente penosas e torturantes mas a situação é menos clara É digno de nota que o doente obsessivo ao contrário do melancólico jamais chega realmente ao suicídio 50326 ele é como que imune ao perigo da autodestruição muito mais protegido contra ele do que o histérico Compreendemos que é a conservação do objeto que garante a segurança do Eu Na neur ose obsessiva tornouse possível através de uma regressão à organização prégenital que os impulsos amorosos se convertam em impulsos agressivos contra o objeto Novamente o instinto de destruição ficou livre e quer destruir o objeto ou ao menos parece existir esse propósito O Eu não adotou essas tendências ele se opõe a elas com formações reativas e medidas de pre caução elas permanecem no Id Mas o Supereu procede como se o Eu fosse responsável por elas e ao mesmo tempo nos mostra pela seriedade com que pune esses propósitos de destru ição que eles não constituem mera aparência suscitada pela re gressão mas verdadeira substituição de amor por ódio Desam parado em ambas as direções o Eu se defende em vão das in stigações do Id assassino e dos reproches da consciência punit iva Consegue apenas inibir as ações mais grosseiras dos dois la dos o resultado sendo primeiro um infindável autotormento e depois um tormento sistemático do objeto quando este é acessível Os perigosos instintos de morte são tratados de várias maneir as no indivíduo em parte são tornados inofensivos pela mistura com componentes eróticos em parte são desviados para fora como agressão e em larga medida prosseguem desimpedidos o seu trabalho interior Como sucede então que na melancolia o Supereu possa tornarse uma espécie de local de reunião dos in stintos de morte Do ponto de vista da restrição instintual da moralidade podese dizer que o Id é totalmente amoral o Eu se empenha em ser moral e o Supereu pode ser hipermoral e tornarse cruel 51326 como apenas o Id vem a ser É notável que o homem quanto mais restringe sua agressividade ao exterior mais severo mais agressivo se torna em seu ideal do Eu Para a consideração ha bitual é o oposto ela vê na exigência do ideal do Eu o motivo para a supressão da agressividade Mas o fato permanece como o enunciamos quanto mais um indivíduo controla sua agressivid ade tanto mais aumenta a inclinação agressiva do seu ideal ante o seu Eu É como um deslocamento uma volta contra o próprio Eu Já a moral comum normal tem o caráter de algo duramente restritivo cruelmente proibitivo Daí vem afinal a concepção de um ser superior que pune implacavelmente Não posso continuar a discutir essa questão sem introduzir uma nova suposição O Supereu nasceu de uma identificação com o modelo do pai Toda identificação assim tem o caráter de uma dessexualização ou mesmo sublimação Parece que também ocorre numa tal transformação uma disjunção instintual O componente erótico não mais tem a força após a sublimação de vincular toda a destrutividade a ele combinada e esta é liberada como pendor à agressão e à destruição Dessa disjunção o ideal tiraria o caráter duro e cruel do imperioso Ter que Detenhamonos ainda um pouco na neurose obsessiva Nela a situação é outra A disjunção do amor em relação à agressividade não foi obra do Eu mas consequência de uma regressão efetuada no Id Mas esse processo estendeuse do Id para o Supereu que então aumenta seu rigor para com o Eu inocente Em ambos os casos porém o Eu tendo controlado a libido por meio da identi ficação receberia em troca a punição do Supereu através da agressividade misturada à libido Nossas concepções do Eu começam a se tornar claras suas diferentes relações ganham nitidez Agora vemos o Eu em sua 52326 força e em suas fraquezas Ele é incumbido de importantes tare fas em virtude de sua relação com o sistema perceptivo ele es tabelece a ordenação temporal dos processos psíquicos e os sub mete à prova da realidade Interpolando os processos de pensamento ele alcança um adiamento das descargas motoras e domina os acessos à motilidade Este domínio entretanto é mais formal do que factual em relação ao agir o Eu tem posição semelhante à de um monarca constitucional sem cuja sanção nada pode se tornar lei mas que precisa refletir muito antes de impor seu veto a uma proposta do parlamento O Eu se en riquece com todas as vivências oriundas de fora mas o Id é seu outro mundo exterior que ele se empenha em subjugar Ele re tira libido do Id transforma os investimentos objetais do Id em configurações do Eu Com ajuda do Supereu e de forma ainda obscura para nós ele haure as experiências préhistóricas armazenadas no Id Por dois caminhos o conteúdo do Id pode penetrar no Eu Um é direto o outro passa pelo ideal do Eu e pode ser decisivo para algumas atividades psíquicas em qual desses dois caminhos elas sucedem O Eu se desenvolve da percepção dos instintos ao domínio sobre eles da obediência aos instintos à inibição deles Nesta operação tem forte presença o ideal do Eu que é em parte uma formação reativa aos processos instintuais do Id A psicanálise é um instrumento que deve possibilitar ao Eu a con quista progressiva do Id De outro lado no entanto vemos esse Eu como uma pobre criatura submetida a uma tripla servidão que sofre com as ameaças de três perigos do mundo exterior da libido do Id e do rigor do Supereu Três espécies de angústia correspondem a tais perigos pois angústia é expressão de um recuo ante o perigo 53326 Como entidade fronteiriça o Eu quer mediar entre o mundo e o Id tornando o Id obediente ao mundo e com sua atividade mus cular fazendo o mundo levar em conta o desejo do Id Na ver dade ele se comporta como o médico num tratamento analítico na medida em que com sua atenção ao mundo real oferecese ao Id como objeto libidinal e procura guiar para si a libido do Id Ele é não apenas o auxiliar do Id mas também o seu escravo submisso que roga pelo amor do amo Ele procura sempre que possível permanecer em bom acordo com o Id reveste as ordens ics deste com suas racionalizações pcs simula a obediência do Id às advertências da realidade mesmo quando o Id é obstinado e inflexível disfarça os conflitos do Id com a realidade e quando possível também aqueles com o Supereu Em sua posição de permeio entre o Id e a realidade é frequente ele sucumbir à tentação de tornarse adulador oportunista e mendaz como um estadista que percebe tudo isso mas quer manter o favor da opin ião pública Ante as duas espécies de instintos ele não se mantém impar cial Com seu trabalho de identificação e sublimação presta ajuda aos instintos de morte na subjugação da libido mas arrisca tornarse objeto desses instintos e mesmo perecer A fim de pre star esse auxílio teve de encherse ele próprio de libido com isso tornase representante de Eros e quer então viver e ser amado Mas como o seu trabalho de sublimação tem por consequên cia uma disjunção instintual e liberação dos instintos de agressão no Supereu ele se expõe em sua luta contra a libido ao perigo dos maustratos e da morte Quando o Eu sofre ou mesmo su cumbe à agressão do Supereu seu destino é uma contrapartida daquele dos protozoários que perecem devido aos produtos de decomposição que eles mesmos criaram No sentido econômico 54326 a moral atuante no Supereu nos parece tal produto de decomposição Entre as relações de dependência do Eu a mais interessante é talvez aquela com o Supereu O Eu é propriamente a sede da angústia Ameaçado por peri gos de três direções ele desenvolve o reflexo de fuga retirando seu próprio investimento da percepção ameaçadora ou do pro cesso no Id avaliado como ameaçador e externandoo como an gústia Essa reação primitiva é depois sucedida pela instauração de investimentos protetores mecanismo das fobias Não po demos especificar o que o Eu teme nos perigos externos e no perigo da libido do Id sabemos que é a dominação ou a destru ição mas analiticamente não se deixa apreender O Eu segue simplesmente a admoestação do princípio do prazer No entanto é possível dizer o que se esconde atrás da angústia do Eu ante o Supereu angústia da consciência moral O ser superior que se tornou ideal do Eu ameaçou uma vez com a castração e esse medo da castração é provavelmente o núcleo em volta do qual se armazena a posterior angústia da consciência é ele que prossegue como angústia da consciência A frase altissonante que diz Todo medo é no fundo medo da morte dificilmente tem sentido de toda forma não se justifica Pareceme correto isto sim separar o medo da morte da angústia ante o objeto angústia real e da neurótica angústia libidinal Ele oferece à psicanálise um difícil problema pois a morte é um conceito abstrato de teor negativo para o qual não se acha uma correspondência inconsciente O mecanismo do medo da morte só poderia ser este o Eu dispensa em larga medida o seu investimento libidinal narcísico isto é abandona a si 55326 mesmo como a um outro objeto em caso de angústia Penso que o medo da morte se dá entre o Eu e o Supereu Sabemos que o medo da morte aparece sob duas condições que aliás são inteiramente análogas às do desenvolvimento ha bitual da angústia como reação a um perigo externo e como pro cesso interno na melancolia por exemplo Mais uma vez o caso neurótico pode nos auxiliar na compreensão do caso real A angústia da morte na melancolia admite apenas uma ex plicação o Eu abandona a si mesmo por sentirse odiado e perseguido pelo Supereu em vez de amado De modo que para o Eu viver significa ser amado ser amado pelo Supereu que também aí surge como representante do Id O Supereu desem penha a mesma função protetora e salvadora que tinha antes o pai depois a Providência ou o Destino A mesma conclusão deve tirar o Eu quando se acha ante um imenso perigo real que não acredita poder superar com suas próprias forças Vêse desam parado de todos os poderes protetores e deixase morrer Esta é aliás a mesma situação que subjaz ao primeiro grande estado de angústia o do nascimento e à angústia infantil da nostalgia a da separação da mãe protetora Com base nessas considerações a angústia da morte tal como a angústia da consciência moral pode ser apreendida como elaboração da angústia de castração Dada a enorme importância do sentimento de culpa nas neuroses também não se pode ex cluir que a angústia neurótica ordinária seja reforçada em casos severos pelo desenvolvimento da angústia entre Eu e Supereu angústia de castração da consciência da morte O Id ao qual retornamos por fim não tem meios de mostrar amor ou ódio ao Eu Não pode dizer o que quer não constituiu uma vontade uniforme Eros e instinto de morte lutam dentro 56326 dele vimos com que meios uma dessas classes de instintos se de fende da outra Poderíamos imaginar que o Id se acha sob a dominação dos silenciosos mas poderosos instintos de morte que querem ter paz e fazer calar Eros o estraga sossegos por in stigação do princípio do prazer mas com isso tememos subesti mar o papel de Eros Xibolete sm sinal convencionado de identificação senha Do hebr shiboleth espiga palavra através de cuja pronúncia os soldados de Jefté identificavam os efraimitas que a articulavam como siboleth Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa Rio de Janeiro Objetiva 2001 As notas cha madas por asterisco e as interpolações às notas do autor entre colchetes são de autoria do tradutor As notas do autor são sempre numeradas Freud recorre a iniciais minúsculas para grafar cs pcs e ics quando estes são adjetivos e a maiúsculas quando são substantivos A distinção é ignorada na edição Standard inglesa que sempre utiliza iniciais maiúsculas 1 Comparese a propósito as minhas Observações sobre o conceito de incon sciente 1912 Uma nova direção tomada pela crítica do inconsciente merece ser aqui apreciada Alguns pesquisadores que não se furtam a reconhecer os fatos psicanalíticos mas não querem admitir o inconsciente buscam uma saída no fato incontroverso de que também a consciência enquanto fenô meno apresenta muitas gradações de intensidade ou nitidez Assim como há processos que são conscientes de maneira muito viva forte tangível tam bém experimentamos outros que são conscientes de forma débil quase imper ceptível e os mais debilmente conscientes seriam bem aqueles aos quais a psicanálise deseja aplicar o inadequado termo inconsciente Mas eles seriam também conscientes ou estariam na consciência e poderiam ser tornados conscientes de modo intenso e completo se lhes fosse dada suficiente atenção Se for possível influir com argumentos na decisão de uma questão assim que depende da convenção ou de fatores emocionais as seguintes observações podem ser feitas A referência a uma escala de nitidez da consciência nada tem de conclusivo e não possui maior força demonstrativa do que digamos estas 57326 proposições análogas Havendo tantas gradações de iluminação da luz mais evidente e ofuscante ao mais fraco bruxuleio não existe absolutamente escur idão Ou Há diversos graus de vitalidade portanto não existe morte Estas afirmações podem de certo modo fazer sentido mas são inadmissíveis na prática como se constata ao fazermos certas inferências a partir delas por ex emplo Então não é preciso acender uma luz ou Então todos os organismos são imortais Além do mais ao subsumir o imperceptível no consciente tudo o que obtemos é estragar a única certeza imediata que existe no psíquico Uma consciência da qual nada se sabe pareceme bem mais absurda do que algo psíquico inconsciente Por fim uma tal equiparação do impercebido ao incon sciente foi claramente feita sem levar em conta as relações dinâmicas que fo ram decisivas para a concepção psicanalítica Pois há dois fatos que são aí neg ligenciados primeiro é muito difícil requer um enorme esforço dedicar sufi ciente atenção a algo assim impercebido segundo quando se consegue isto o antes impercebido não é então reconhecido pela consciência mas parecelhe com frequência inteiramente desconhecido a ela oposto e é rudemente re jeitado Portanto recorrer ao pouco percebido ou não percebido evitando o inconsciente é apenas um derivado do preconceito que vê como estabelecida de uma vez por todas a identidade do psíquico com o consciente Preferimos o pronome pessoal português para traduzir das Ich acompan hando outras línguas latinas o espanhol yo o catalão Jo o italiano io o francês moi e diferentemente da edição Standard inglesa que como se sabe recorreu ao pronome latino ego 2 Cf Além do princípio do prazer 1920 3 Cf Além do princípio do prazer 1920 4 O inconsciente 1915 Representações verbais Wortvorstellungen ver nota sobre a versão desse temo em O inconsciente parte vii v 12 destas Obras completas Acompanhamentos motores Bewegungsbilder As versões estrangeiras consultadas a espanhola da Biblioteca Nuova a argentina da Amorrortu a 58326 italiana da Boringhieri e a Standard inglesa são mais literais nesse ponto com exceção da primeira sus componentes de movimiento imágenes mo trices de palavra immagini motorie della parola the motor images of words 5 Groddeck Das Buch vom Es O livro do Id Internationaler Psychoanalyt ischer Verlag 1925 Ed bras O livro dIsso trad Teixeira Coelho São Paulo Perspectiva 1987 Tendo adotado Eu e Supereu para Ich e ÜberIch em lugar dos tradicionais ego e superego seria de esperar que optássemos por Isso para verter Es No caso porém a estranheza causada por Isso maior que a de Eu e Supereu acreditamos levounos a sacrificar a coerência Inspirados na edição italiana das obras completas de Freud que traduz as três instâncias da psique por io superio e es conservando o original alemão nesta última resolvemos manter o id latino da versão tradicional pois o Es alemão poderia gerar confusão com o verbo ser além de soar estranho Naturalmente quem preferir Isso deve continuar usando esse pronome O que importa nas traduções dos termos técnicos é não esquecer que as diferentes denominações se aplicam à mesma coisa Como disse Freud numa carta a Groddeck nesse caso específico Quem reconhece que transferência e resistência são o eixo do tratamento esse já pertence irremediavelmente ao bando selvagem referência jocosa aos psic analistas Não faz diferença que chame o Ics de Es em G Groddeck S Freud Briefwechsel Correspondência Wiesbaden Limes 1970 p 20 carta de 5 de junho de 1917 A dificuldade em traduzir esses nomes das instâncias da psique é o tema de um capítulo do livro As palavras de Freud de autoria deste tradutor São Paulo Companhia das Letras nova ed revista 2010 pp 929 6 O próprio Groddeck seguiu provavelmente o exemplo de Nietzsche que com frequência utiliza esse termo gramatical para o que em nós é impessoal e di gamos necessário por natureza Sobre o uso de Es por Nietzsche ver por 59326 exemplo o aforismo 17 de Além do bem e do mal e a nota correspondente do tradutor São Paulo Companhia das Letras 1992 7 Ou seja o Eu deriva em última instância das sensações corporais principal mente daquelas oriundas da superfície do corpo Pode ser visto assim como uma projeção mental da superfície do corpo além de representar como vimos acima as superfícies do aparelho psíquico Esta nota não se acha na edição alemã utilizada Segundo informa James Strachey foi acrescentada à tradução inglesa de 1927 feita por Joan Riviere com a observação de haver sido autor izada por Freud Ela foi incorporada porém à Studienausgabe 8 Um caso assim me foi comunicado recentemente como objeção na verdade à minha descrição do trabalho do sonho Gewissen designa a consciência moral diferentemente de Bewußtsein que designa o estado de consciência Em português há uma só palavra para os dois casos Incluiremos o adjetivo moral entre colchetes quando não for claro pelo contexto que Freud utiliza o termo Gewissen no original Überich no original O Vocabulário de psicanálise na sua 11a edição brasileira São Paulo Martins Fontes 1991 apresenta supereu como altern ativa para superego A forma com hífen e com maiúscula nos parece melhor porque mantém em destaque o Eu como no original Quanto à alternativa supereusuperego há argumentos a favor de ambas as formas Supereu tem a vantagem da relação com Eu que achamos preferível a ego mas talvez ainda soe estranha ao passo que superego está difundido tem o peso da tradição criada pela edição Standard brasileira que o tomou da Standard inglesa Sobre a versão desses termos ver nota no v 18 destas Obras com pletas p 213 na 31a das Novas conferências introdutórias Lembremos ainda que o prefixo super é aqui usado na acepção de em cima de como em superpor e supercílio e não no sentido de abundância ou excesso como em superfaturar e superproteção 60326 9 Introdução ao narcisismo 1914 Psicologia das massas e análise do Eu 1921 10 Mas parece errôneo e necessitado de correção o fato de eu haver atribuído a função do exame da realidade a esse Supereu Estaria perfeitamente de acordo com as relações do Eu para com o mundo da percepção que o exame da realidade permanecesse tarefa dele próprio Também declarações anteri ores formuladas um tanto imprecisamente a respeito de um núcleo do Eu devem ser corrigidas no sentido de que só o sistema PcpCs pode ser visto como núcleo do Eu 11 Luto e melancolia 1917 12 Um interessante paralelo para a substituição da escolha objetal pela identi ficação se acha na crença dos povos primitivos e nas proibições nela baseadas de que as características do animal incorporado como alimento persistem no caráter daquele que o devora Sabese que essa crença é também parte dos fundamentos do canibalismo e prossegue atuando em toda a série de cos tumes ligados à refeição totêmica até a Sagrada Comunhão As consequências que aí se atribuem à posse oral do objeto verificamse de fato na posterior escolha sexual do objeto 13 Agora após a distinção entre Eu e Id temos de reconhecer o Id como o grande reservatório da libido no sentido da Introdução ao narcisismo 1914 A libido que aflui para o Eu através das identificações aqui mostradas produz o seu narcisismo secundário Disjunção Entmischung ou seja o contrário de Mischung mistura As versões consultadas apresentam disociación desmezcla disimpasto defu sion o termo também aparece em Psicanálise e Teoria da libido 1923 e A negação 1925 14 Seria talvez mais prudente dizer com os pais pois pai e mãe não são avaliados de forma diversa antes do conhecimento seguro da diferença entre os sexos da falta do pênis Há pouco tempo ouvi de uma jovem senhora que 61326 desde que notara a ausência de pênis em si mesma não excluía da posse desse órgão todas as mulheres mas apenas aquelas tidas por inferiores A mãe o conservara na sua opinião Para simplificar a exposição abordarei apenas a identificação com o pai 15 Cf Psicologia das massas e análise do Eu 1921 cap vii Na Standard inglesa há duas mudanças nesta passagem que James Strachey informa numa nota haverem sido feitas por ordem expressa de Freud Eis a mesma passagem no texto da Standard Considerando uma vez mais a gênese do Supereu superego tal como foi aqui descrita nós o vemos como o resultado de dois fatores altamente significativos um de natureza biológica e o outro histórica o longo desamparo e dependência infantil do ser humano e o fato do seu complexo de Édipo cuja repressão mostramos estar ligada à interrupção do desenvolvimento da libido pelo período de latência e assim ao começo em dois tempos da vida sexual Esta passagem também é reproduz ida numa nota da Studienausgabe em inglês pois não chegou a ser redigida em alemão Algo elevado ein höheres Wesen em alemão Wesen pode significar ser natureza essência Logo adiante na referência aos pais como estes seres elevados encontrase a mesma palavra no original 16 Deixando aqui de lado a ciência e a arte 17 Cf Psicologia das massas e análise do Eu 1921 e Alguns mecanismos neuróticos no ciúme na paranoia e na homossexualidade 1922 Segundo esclarece James Strachey esta foi a batalha mais conhecida como batalha de Châlons em que Átila rei dos Hunos foi derrotado por romanos e visigodos no ano de 451 O pintor Wilhelm von Kaulbach 180574 retratoua num afresco no qual os guerreiros mortos continuam lutando no céu acima do campo da batalha conforme uma lenda medieval Erotische Triebkraft no original Triebkraft também pode ser vertida por força motriz segundo o uso corrente alemão registrado nos dicionários 62326 bilíngues As traduções estrangeiras consultadas empregam energía in stintiva erótica fuerza pulsional erótica forze motrici erotiche erotic motive forces 18 Pois segundo nossa concepção os instintos de destruição voltados para o exterior foram desviados do próprio Eu pela mediação de Eros 19 Podese dizer que também o Eu psicanalítico ou metapsicológico se acha de pontacabeça como aquele anatômico o homúnculo do cérebro 20 A luta contra o obstáculo do sentimento de culpa inconsciente não resulta fácil para o analista Diretamente nada podemos fazer contra ele e indireta mente apenas desvendar aos poucos os seus fundamentos inconscientemente reprimidos com o que ele gradualmente se transforma em sentimento de culpa consciente Temos uma oportunidade especial de influenciálo quando este sentimento de culpa ics é emprestado ou seja é produto da identificação com uma outra pessoa que uma vez foi objeto de um investimento erótico Tal adoção do sentimento de culpa é com frequência o único vestígio difícil de ser reconhecido da relação amorosa abandonada A semelhança com o processo da melancolia é inconfundível Se pudermos desvendar esse antigo investi mento objetal por trás do sentimento de culpa ics a tarefa terapêutica resolve se brilhantemente com frequência de outro modo não se garante absoluta mente o desfecho do esforço terapêutico Em primeiro lugar depende da in tensidade do sentimento de culpa a que a terapia frequentemente não pode opor uma força contrária de igual magnitude Talvez dependa também de a pessoa do analista permitir que seja colocada pelo doente no lugar de seu ideal do Eu e a isto se relaciona a tentação de desempenhar ante o paciente o papel de profeta salvador de almas redentor Como as regras da análise se opõem resolutamente a essa utilização da personalidade médica há que hon estamente conceder que temos aí um novo limite à ação da psicanálise que afinal deve proporcionar ao Eu do paciente a liberdade de decidir de uma ou outra maneira e não tornar impossíveis as reações patológicas 21 Esta frase é só aparentemente um paradoxo ela diz simplesmente que a natureza do ser humano ultrapassa em muito tanto no bem como no mal o 63326 que ele acredita a respeito de si ou seja o que é conhecido de seu Eu através da percepção da consciência O leitor deve ter presente que em alemão há uma só palavra para medo e angústia de modo que Angststätte o termo aqui usado por Freud também poderia ser vertido por sede ou mais poeticamente morada do medo e Todesangst que aparece nos parágrafos seguintes é traduzido tanto por medo da morte como por angústia da ou diante da morte 64326 AUTOBIOGRAFIA 1925 TÍTULO ORIGINAL SELBSTDARSTELLUNG PUBLICADO PRIMEIRAMENTE EM DIE MEDIZIN DER GEGENWART IN SELBSTDARSTELLUNGEN A MEDICINA DE HOJE POR SEUS REPRESENTANTES LEIPZIG FELIX MEINER N 4 1925 PP 152 TRADUZIDO DE GESAMMELTE WERKE XIV PP 3396 TAMBÉM FOI UTILIZADA A EDIÇÃO REVISTA DE ILSE GRUBRICHSIMITIS FRANKFURT FISCHER TASCHENBUCH 1973 I Vários colaboradores desta série de Autobiografias iniciam sua contribuição com algumas reflexões sobre a dificuldade e singularidade da tarefa que assumiram Creio poder afirmar que a minha tarefa é ainda um pouco mais difícil pois já algumas vezes publiquei trabalhos semelhantes e verificouse que a natureza do tema me levou a falar mais de minha pessoa do que é habitual ou parece necessário Fiz a primeira exposição do desenvolvimento e do teor da psicanálise em 1909 em cinco palestras na Universidade Clark em Worcester Massachusetts aonde fui convidado por ocasião dos festejos do vigésimo aniversário daquela instituição1 E re centemente concordei em fazer uma contribuição similar para uma publicação coletiva americana sobre o início do século xx pois seus editores haviam reconhecido a importância da psic análise ao lhe reservar um capítulo especial2 Entre as duas houve um ensaio Contribuição à história do movimento psic analítico de 1914 que a bem dizer já contém tudo de essencial que eu poderia comunicar aqui Como não posso me contradizer nem gostaria de me repetir devo procurar oferecer uma ex posição que combine de uma nova maneira os elementos subjet ivo e objetivo os interesses biográfico e histórico Nasci em 6 de maio de 1856 em Freiberg na Morávia pequenina cidade da atual Tchecoslováquia Meus pais eram judeus e eu também permaneci judeu Tenho motivos para crer que meus antepassados paternos viveram por longo período na região do Reno em Colônia fugiram para o Leste devido a uma perseguição aos judeus no século xiv ou xv e no decorrer do século xix retornaram da Lituânia para a Áustria alemã através da Galícia Quando era uma criança de quatro anos de idade vim para Viena onde se realizou toda a minha educação No ginásio fui o primeiro aluno durante sete anos tinha uma posição privilegiada quase nunca tive de fazer provas Embora vivêssemos em condições bastante modestas meu pai insistiu que na escolha da profissão eu me guiasse apenas por minhas in clinações Não senti preferência especial pela carreira médica naqueles anos da juventude nem depois aliás Moviame isto sim uma ânsia de saber que se dirigia mais às questões humanas do que aos objetos naturais e que não reconhecera o valor da ob servação como um meio primordial para a sua satisfação O fato de terme ocupado precocemente da história bíblica tão logo aprendi a arte da leitura influiu de forma duradoura na direção de meus interesses como vim a reconhecer bem depois Sob forte influência da amizade com um colega um tanto mais velho que depois se tornou um político de renome quis estudar direito como ele e desenvolver atividade pública No entanto eu era enormemente atraído pela teoria de Darwin então em voga pois ela prometia um extraordinário avanço na compreensão do mundo e sei que a apresentação do belo ensaio de Goethe sobre a natureza numa das populares conferências do prof Carl Brühl pouco antes de eu concluir o curso fez com que eu deci disse me matricular em medicina 67326 A universidade que passei a frequentar em 1873 trouxeme inicialmente algumas claras decepções Deparei com a insinu ação de que eu deveria me sentir inferior e estrangeiro por ser judeu Rejeitei decididamente o primeiro adjetivo Nunca pude compreender por que deveria me envergonhar de minha origem ou raça como as pessoas começavam a dizer Quanto ao per tencimento à comunidade nacional que me era negado a ele ab diquei sem muito lamentar Achava que para um indivíduo tra balhador sempre haveria um lugar nas fileiras da humanidade mesmo sem aquela inclusão Mas uma importante consequência dessas primeiras impressões da universidade foi que bastante cedo me familiarizei com a sina de estar na oposição e ser pro scrito pela maioria compacta Uma certa independência de espírito começou a se formar dessa maneira Além disso nos primeiros anos de universidade me dei conta de que a especificidade de minhas aptidões me vedava o êxito em várias disciplinas científicas em que o ardor juvenil me havia lançado Então aprendi como é verdadeira a admoestação de Mefistófeles É em vão que vagais pelas ciências Cada qual aprende somente o que pode aprender No laboratório fisiológico de Ernst Brücke encontrei enfim tranquilidade e plena satisfação e também pessoas que pude re speitar e considerar modelos o próprio Brücke e seus assistentes Sigmund Exner e Ernst Von FleischlMarxow dos quais o úl timo uma personalidade esplêndida honroume inclusive com sua amizade Brücke me encarregou de uma pesquisa no âmbito 68326 da histologia do sistema nervoso que fui capaz de realizar para sua satisfação e depois prosseguir por minha conta Trabalhei nesse instituto entre 1876 e 1882 com breves interrupções e todos me consideravam destinado a preencher a primeira vaga de as sistente que surgisse As disciplinas propriamente médicas não me atraíam com exceção da psiquiatria Fiz os estudos de medicina de forma negligente e apenas em 1881 com certo atra so portanto recebi o título de doutor em ciências médicas O momento decisivo ocorreu em 1882 quando meu venerado mestre corrigiu a generosa leviandade de meu pai ao re comendar vivamente que tendo em conta minha situação mater ial eu abandonasse a carreira teórica Segui seu conselho deixei o laboratório de fisiologia e entrei no Hospital Geral como aspir ante Lá fui promovido a Sekundararzt após algum tempo e servi em vários departamentos passando mais de seis meses com Meynert cuja obra e cuja personalidade me haviam impres sionado já quando eu era estudante Em certo sentido porém permaneci fiel à primeira linha de trabalho Brücke me havia proposto como objeto de pesquisa a medula espinhal de um dos peixes inferiores Ammocoetes pet romyzon Nesse momento passei ao sistema nervoso central hu mano as descobertas de Flechsig sobre a não simultaneidade da formação das bainhas de mielina lançavam então uma viva luz sobre a sua complicada estrutura fibrilar Também o fato de eu inicialmente eleger como objeto de estudo apenas a medulla ob longata mostrava a continuidade de minha orientação Em con traste com o caráter difuso de meus estudos nos primeiros anos de universidade desenvolvi então uma tendência a concentrar me exclusivamente numa matéria ou questão Essa inclinação 69326 permaneceu em mim e mais tarde me rendeu a acusação de unilateralidade No Instituto de Anatomia Cerebral torneime um pesquisador tão dedicado quanto fora no de fisiologia Datam desses anos al guns pequenos trabalhos sobre o percurso dos tratos e as origens dos núcleos na medulla oblongata que foram notados por Edinger Um dia Meynert que me havia concedido acesso ao laboratório mesmo não trabalhando com ele sugeriu que eu me voltasse definitivamente para a anatomia cerebral e promet eu que me passaria seu curso pois se sentia demasiado velho para lidar com os novos métodos Recusei assombrado com a magnitude da tarefa e talvez eu já adivinhasse então que aquele homem genial não era absolutamente bemdisposto em relação a mim Do ponto de vista prático a anatomia cerebral certamente não era um progresso em comparação com a fisiologia Levei em con ta as necessidades materiais iniciando o estudo das doenças nervosas Essa especialidade não era muito cultivada em Viena o material se achava disperso em vários departamentos do hospit al não havia oportunidade para uma boa formação cada qual tinha de ser seu próprio mestre Nem mesmo Nothnagel que fora convidado pouco antes a lecionar por seu livro sobre a loc alização cerebral das doenças diferenciava a neuropatologia de outras subdivisões da medicina O grande nome de Charcot bril hava a distância e eu concebi o plano de obter a docência em doenças nervosas na universidade de Viena e depois viajar para Paris a fim de continuar minha formação Nos anos seguintes trabalhando como Sekundararzt pub liquei várias observações clínicas sobre doenças orgânicas do sis tema nervoso Pouco a pouco me familiarizei com esse terreno 70326 torneime capaz de localizar tão acuradamente um foco na medulla oblongata que o patologista nada precisava acrescentar fui o primeiro em Viena a mandar um caso com o diagnóstico de polineurite aguda para a dissecção A fama de meus diagnósticos confirmados pela autópsia trouxeme a visita de médicos amer icanos aos quais dei numa espécie de pidginEnglish palestras sobre os enfermos de meu setor De neuroses eu nada entendia Numa ocasião em que apresentei a meus ouvintes um neurótico com persistente encefaleia como um caso de meningite crônica circunscrita todos eles me abandonaram com justa indignação crítica e minha prematura atividade docente chegou ao fim Seja lembrado como atenuante que naquele tempo até mesmo grandes autoridades médicas de Viena costumavam diagnosticar a neurastenia como tumor cerebral Na primavera de 1885 obtive a docência em neuropatologia com base em meus trabalhos histológicos e clínicos Pouco de pois recebi graças à viva recomendação de Brücke uma con siderável bolsa de estudos para o exterior No outono daquele ano viajei para Paris Entrei como aluno na Salpêtrière mas sendo um dos mui tos estrangeiros visitantes pouca atenção recebi de início Um dia escutei Charcot lamentar que depois da guerra não tivesse mais notícias do tradutor alemão de suas conferências que ficaria feliz se alguém se encarregasse da tradução alemã de suas Novas conferências Escrevilhe dispondome a fazêlo ainda lembro que na carta havia uma frase em que eu dizia ser afetado apenas pela aphasie motrice não pela aphasie sensorielle du français Charcot aceitou a oferta acolheume em seu círculo 71326 particular e a partir de então eu participei plenamente em tudo o que sucedia na clínica Enquanto escrevo estas linhas recebo numerosos textos e artigos de imprensa da França que evidenciam forte oposição à psicanálise e com frequência trazem afirmações totalmente equivocadas sobre minha relação com a escola francesa Leio por exemplo que aproveitei minha estada em Paris para me fa miliarizar com os ensinamentos de Pierre Janet e depois fui em bora com meu butim Portanto quero deixar claro que durante minha permanência na Salpêtrière não foi pronunciado o nome de Janet De tudo o que vi junto a Charcot o que mais me impressionou foram suas últimas investigações sobre a histeria que em parte foram realizadas diante de meus olhos Ou seja a prova da autenticidade e regularidade dos fenômenos histéricos Introite et hic dii sunt da frequente ocorrência da histeria em homens a produção de paralisias e contraturas histéricas mediante sug estão hipnótica o fato de esses produtos artificiais terem inclus ive em detalhes as mesmas características dos ataques es pontâneos muitas vezes provocados por traumas Várias das demonstrações de Charcot geraram inicialmente tanto em mim como em outros visitantes estranheza e tendência à dúvida que procuramos justificar com uma das teorias que predominavam Ele discutia nossas objeções de modo afável e paciente mas tam bém resoluto foi numa dessas discussões que afirmou Ça nempêche pas dexister algo que jamais esqueci Como se sabe nem tudo o que Charcot nos ensinou se mantém de pé ainda hoje Algumas coisas se tornaram incertas outras não resistiram à prova do tempo mas restou o suficiente para serem vistas como patrimônio duradouro da ciência Antes 72326 de deixar Paris combinei com o mestre o plano de um estudo comparativo das paralisias histéricas e orgânicas Eu queria pro var a tese de que na histeria paralisias e anestesias de partes do corpo se delimitam de um modo que corresponde à repres entação comum não anatômica do ser humano Ele concordou com o plano mas não era difícil perceber que no fundo não tinha maior interesse em se aprofundar na psicologia da neurose Afi nal ele vinha da anatomia patológica Antes de regressar a Viena me detive por algumas semanas em Berlim para obter algum conhecimento sobre enfermidades gerais da infância Kassowitz que dirigia uma instituição pública de pediatria em Viena prometera criar para mim um departa mento de doenças nervosas infantis Em Berlim tive boa acol hida e assistência por parte de Baginsky No curso dos anos seguintes enquanto estava no instituto de Kassowitz publiquei alguns trabalhos de considerável extensão sobre paralisias cereb rais unilaterais e bilaterais em crianças Em consequência disso mais tarde em 1897 Nothnagel me encarregou de tratar o mesmo tema em seu volumoso Handbuch der allgemeinen und speziel len Therapie Manual de terapia geral e especial No outono de 1886 me estabeleci como médico em Viena e des posei a garota que havia mais de quatro anos esperava por mim numa cidade distante Posso dizer voltando um pouco atrás que graças à minha noiva não me tornei famoso já quando era jovem Em 1884 um interesse paralelo mas profundo tinha me levado a solicitar à Merck uma amostra de cocaína alcaloide en tão pouco conhecido para estudar seus efeitos fisiológicos No meio desse trabalho surgiu a oportunidade de uma viagem para rever minha noiva que havia dois anos eu não encontrava 73326 Terminei apressadamente a pesquisa sobre a cocaína e em meu estudo incluí a previsão de que em breve apareceriam novas ap licações para ela Mas sugeri a um amigo o oftalmologista Königstein que investigasse em que medida as propriedades an estésicas do alcaloide poderiam ser úteis em casos de doenças nos olhos Quando voltei das férias descobri que não ele mas outro amigo Carl Koller atualmente em Nova York ao qual eu também havia falado sobre a cocaína havia realizado experi mentos decisivos em olhos de animais apresentandoos em seguida no congresso de oftalmologia de Heidelberg Koller é considerado de maneira justa o descobridor da anestesia local mediante cocaína que se tornou tão importante nas pequenas cirurgias mas não guardei rancor a minha noiva por aquele estorvo Volto ao momento em que me estabeleci como médico de nervos em Viena em 1886 Eu tinha a obrigação de fazer na So ciedade de Medicina um relato acerca do que vira e aprendera com Charcot No entanto tive uma péssima acolhida Autorid ades como o presidente da sessão o dr Bamberg declararam ser incrível o que eu dizia Meynert me instou a encontrar também em Viena e apresentar à Sociedade casos como os que eu descre via Procurei fazer isso mas os Primarärzte em cujos departa mentos achei casos semelhantes não me permitiram observálos ou trabalhar com eles Um deles um velho cirurgião logo ex clamou Mas caro colega como pode o sr falar tal absurdo Hysteron sic significa útero Como poderia um homem ser histérico Repliquei em vão que eu apenas necessitava dispor 74326 dos casos da doença não da aprovação de meu diagnóstico Fin almente encontrei fora do hospital um caso clássico de hemian estesia histérica num homem que apresentei à Sociedade Dessa vez me aplaudiram mas depois não me dedicaram maior in teresse Permaneceu intacta a impressão de que as grandes autoridades não admitiam minhas novidades e com a histeria masculina e a geração de paralisias histéricas através da sugestão acheime impelido à oposição Quando logo em seguida foime interditado o laboratório de anatomia cerebral e durante o semestre não tive local onde pudesse dar conferência afasteime da vida acadêmica e das reuniões dos colegas Há al guns decênios deixei de visitar a Sociedade de Medicina Quando se tenciona viver do tratamento de doentes nervosos naturalmente é preciso ser capaz de lhes prestar algum auxílio Meu arsenal terapêutico incluía somente duas armas a eletroter apia e a hipnose pois enviar o enfermo para um estabelecimento de hidroterapia após uma só consulta não representava uma fonte satisfatória de renda Na eletroterapia eu me fiei no manu al de W Erb que oferecia prescrições minuciosas para o trata mento de todos os sintomas das doenças nervosas Infelizmente logo tive de constatar que a obediência às prescrições em nada ajudava que o que eu havia tomado como fruto de observações exatas era apenas uma construção da fantasia A percepção de que a obra do principal nome da neuropatologia alemã não tinha maior relação com a realidade do que digamos um livro de son hos egípcio desses que são vendidos em nossas livrarias baratas foi algo doloroso mas contribuiu para minar um pouco mais a ingênua fé na autoridade de que eu ainda não estava 75326 inteiramente livre Então pus de lado o aparelho elétrico ainda antes que Möbius fizesse a liberadora afirmação de que os êxitos do tratamento elétrico de doentes nervosos são quando ocorr em de fato efeito da sugestão médica Com o hipnotismo as coisas estavam melhores Ainda quando era estudante eu havia assistido a uma apresentação pública do magnetiseur Hansen e notara que um dos indivíduos do ex perimento fora tomado de uma palidez mortal ao entrar na ri gidez cataléptica e assim permaneceu enquanto durou esta con dição Isso fundamentou minha convicção da autenticidade dos fenômenos hipnóticos Pouco depois essa concepção teve em Heidenhain seu representante científico o que não impediu os professores de psiquiatria no entanto de ainda por muito tempo afirmar que o hipnotismo era algo fraudulento e perigoso ol hando os hipnotizadores com desprezo Em Paris eu observara que o hipnotismo era usado sem problemas como método para criar sintomas nos doentes e em seguida eliminálos Então chegounos a informação de que em Nancy surgira uma escola que empregava a sugestão para fins terapêuticos em larga me dida com ou sem hipnose tendo ótimos resultados Assim ocor reu naturalmente que nos primeiros anos de minha prática médica a sugestão hipnótica se tornasse o principal instrumento de trabalho sem contar métodos psicoterapêuticos casuais e não sistemáticos É verdade que isso implicou renunciar ao tratamento das doenças nervosas orgânicas mas foi uma renúncia de pouca monta Por um lado a terapia desses estados não apresentava perspectivas favoráveis por outro lado o número de enfermos desse tipo na clientela particular do médico de uma grande cid ade era muito pequeno em comparação ao de neuróticos que 76326 também pareciam multiplicarse ao correr sem melhoria de um médico para outro De resto o trabalho com a hipnose era real mente sedutor Pela primeira vez superávamos a sensação da própria impotência e a reputação de fazer milagres era bastante lisonjeira As falhas desse procedimento eu descobriria depois Naquele instante havia apenas dois motivos para queixa primeiro eu não conseguia hipnotizar todos os doentes se gundo não era possível pôr determinados pacientes em hipnose tão profunda como seria desejável Para aperfeiçoar minha téc nica de hipnose no verão de 1889 fui para Nancy onde passei várias semanas Foi comovente presenciar o velho Liébault em seu trabalho com as mulheres e crianças pobres da população operária testemunhei os assombrosos experimentos de Bernheim com seus pacientes de hospital e recebi fortes im pressões sobre a possibilidade da existência de processos psíqui cos poderosos que permanecem ocultos à consciência humana Para fins de instrução eu convencera uma de minhas pacientes a ir me encontrar em Nancy Era uma senhora histérica distinta extremamente talentosa que me fora confiada porque ninguém sabia o que fazer com ela Mediante a influência hipnótica eu lhe havia possibilitado levar uma existência digna e repetidamente conseguia tirála da miséria do seu estado Ela sempre recaía após algum tempo o que eu atribuía em meu desconhecimento de então ao fato de sua hipnose nunca alcançar o grau de son ambulismo com amnésia O próprio Bernheim tentou várias vezes mas também não conseguiu Disseme com toda a fran queza que seus grandes sucessos terapêuticos através da sug estão eram obtidos apenas em seu consultório do hospital não com a clientela particular Tive muitas conversas estimulantes 77326 com ele e me encarreguei de traduzir para o alemão suas duas obras sobre a sugestão e seus efeitos terapêuticos No período entre 1886 e 1891 pouco me dediquei ao trabalho científico e quase nada publiquei Estava ocupado em afirmar me na nova profissão e assegurar o sustento de minha família que crescia rapidamente Em 1891 surgiu o primeiro de meus tra balhos sobre paralisias cerebrais de crianças redigido em col aboração com o dr Oskar Rie meu amigo e assistente No mesmo ano uma solicitação para colaborar num dicionário de medicina me levou a examinar a teoria da afasia que era então dominada pelas concepções de WernickeLichtheim firmadas apenas na localização cerebral Um pequeno livro de natureza crítica e especulativa Zur Auffassung der Aphasien Sobre o en tendimento das afasias foi o resultado desse esforço Agora devo expor como a pesquisa científica voltou a con stituir o principal interesse de minha vida II Complementando a exposição anterior devo afirmar que desde o início fiz outra aplicação da hipnose além da sugestão hipnótica Utilizeia para interrogar o paciente sobre o surgimento de seu sintoma do qual ele frequentemente nada ou muito pouco sabia quando estava desperto Esse método não apenas parecia mais eficaz do que o mero ordenar ou proibir pela sugestão como também satisfazia o desejo de saber do médico que afinal tinha o direito de aprender algo acerca da origem do fenômeno que ele buscava eliminar com o monótono procedimento da sugestão 78326 Cheguei a essa outra aplicação da seguinte maneira Ainda no laboratório de Brücke conheci o dr Josef Breuer que era um dos médicos de família mais respeitados de Viena mas também tinha um passado de cientista pois dele procediam alguns tra balhos duradouros sobre a fisiologia da respiração e sobre o ór gão do equilíbrio Era um homem de inteligência extraordinária catorze anos mais velho do que eu Nossas relações logo se es treitaram ele se tornou meu amigo ajudoume em circunstân cias difíceis da vida Habituamonos a partilhar um com o outro os interesses científicos Certamente era eu quem mais ganhava nessa relação O desenvolvimento da psicanálise veio a me custar essa amizade Para mim não foi fácil pagar esse preço mas era inevitável Já antes de minha viagem a Paris Breuer me havia informado sobre um caso de histeria que submetera entre 1880 e 1882 a uma forma especial de tratamento em que pudera penetrar nas cau sas e no significado dos sintomas histéricos Isto se deu num mo mento em que os trabalhos de Janet ainda eram coisa do futuro Em várias ocasiões Breuer me leu passagens do caso clínico e tive a impressão de que aquilo se aproximava mais da com preensão da neurose do que tudo o que se fizera antes Resolvi comunicar a Charcot essas descobertas quando fosse a Paris o que fiz realmente Mas o mestre não demonstrou interesse ao ouvir minhas primeiras referências de modo que não retornei ao assunto e também o abandonei eu próprio De volta a Viena retomei as observações de Breuer pedindo lhe que me relatasse mais a respeito delas A paciente era uma jovem de educação e dotes incomuns que adoecera enquanto cuidava do pai que muito amava Quando Breuer a recebeu ela 79326 apresentava um embaraçoso quadro de paralisias com contratur as inibições e estados de confusão mental Uma observação cas ual fez o médico perceber que ela poderia ser livrada daquelas turvações da consciência se ele a induzisse a expressar em palav ras a fantasia afetiva que no momento a dominava A partir dessa experiência Breuer chegou a um método de tratamento Ele punha a paciente em hipnose profunda e a fazia contar o que lhe oprimia o espírito Depois que os acessos de confusão de pressiva eram superados dessa maneira ele aplicava o mesmo procedimento para eliminar suas inibições e seus distúrbios físi cos Quando estava desperta a garota assim como outros doentes não sabia dizer como haviam surgido os sintomas e não enxergava ligação entre eles e quaisquer impressões de sua vida Hipnotizada descobria imediatamente o nexo procurado Verificouse que todos os seus sintomas remontavam a fortes vivências tidas enquanto cuidava do pai doente ou seja tinham significado e correspondiam a vestígios ou reminiscências daquelas situações afetivas Habitualmente aconteceu que est ando à cabeceira do pai ela tivera de suprimir um pensamento ou impulso no lugar deste representandoo aparecera depois o sintoma Em geral porém o sintoma não era o precipitado de uma única cena traumática e sim o resultado da soma de in úmeras situações semelhantes Quando a enferma hipnotizada recordava uma situação dessas de forma alucinatória e posteri ormente realizava até o fim o ato psíquico então suprimido dando livre curso ao afeto o sintoma era removido e não tornava a aparecer Mediante esse procedimento Breuer conseguiu após demorado e penoso trabalho livrar sua paciente de todos os sintomas 80326 Ela se curou e permaneceu sadia inclusive tornouse capaz de realizações notáveis Mas o desfecho do tratamento hipnótico ficou envolto em certa obscuridade que Breuer nunca dissipou para mim e tampouco pude entender por que havia ele escon dido longamente aquele conhecimento que me parecia ines timável em vez de enriquecer a ciência com ele Mas a questão imediata era se cabia generalizar o que ele havia encontrado num só caso clínico As coisas por ele desvendadas me pareciam de natureza tão fundamental que eu não podia crer que pudessem estar ausentes em algum caso de histeria uma vez demonstrada sua existência num único caso Mas só a experiência poderia de cidir Comecei então a repetir as investigações de Breuer em meus pacientes e sobretudo depois que minha visita a Bernheim em 1889 me mostrou as limitações na eficácia da sug estão hipnótica não trabalhei de outra forma Como por vários anos tive apenas confirmações em cada caso de histeria que era acessível a esse tratamento e também já dispunha de boa quan tidade de observações análogas às suas sugerilhe uma pub licação conjunta algo que inicialmente ele rejeitou com firmeza Mas finalmente cedeu tanto mais que naquele meiotempo os trabalhos de Janet haviam antecipado uma parte de suas con clusões a referência dos sintomas histéricos a impressões recebi das na vida e sua eliminação por meio da reprodução hipnótica in statu nascendi Em 1893 nós publicamos uma comunicação preliminar Sobre o mecanismo psíquico dos fenômenos histéri cos e em 1895 o livro Estudos sobre a histeria Se a presente exposição fez o leitor acreditar que os Estudos sobre a histeria são no que têm de essencial produto intelectual de Breuer isso é exatamente o que sempre defendi e que faço 81326 constar também aqui Colaborei na teoria enunciada no livro mas hoje não é mais possível determinar até que ponto Essa teoria é modesta não vai muito além da expressão imediata das observações Não pretende examinar a fundo a natureza da his teria apenas iluminar a gênese de seus sintomas Nisso dá ên fase ao significado da vida afetiva à importância de distinguir entre atos psíquicos inconscientes e conscientes ou melhor capazes de consciência introduz um fator dinâmico ao supor que um sintoma se origina do represamento de um afeto e um econômico ao considerar o mesmo sintoma o resultado da transformação de uma quantidade de energia que é normal mente utilizada de outra maneira a chamada conversão Breuer chamou nosso procedimento de catártico o objetivo terapêutico explicitado era fazer com que o montante de afeto empregado na manutenção do sintoma que caíra em trilhas er radas e nelas permanecera como que entalado tomasse as vias normais onde podia chegar à descarga abreagir O êxito do método catártico foi notável As deficiências que depois se verifi caram eram as de qualquer tratamento hipnótico Ainda hoje há psicoterapeutas que prosseguem usando a catarse tal como Breuer a entendia e falam em seu favor No tratamento de neur oses de guerra de soldados alemães durante a Grande Guerra ela novamente se revelou satisfatória como método terapêutico breve nas mãos de Ernst Simmel Pouco se fala da sexualidade na teoria da catarse Nos casos clínicos que foram minha con tribuição aos Estudos fatores sexuais desempenham determ inado papel mas quase não recebem mais atenção do que outras excitações afetivas Breuer disse de sua primeira paciente que se tornaria famosa que nela o elemento sexual era surpreendente mente pouco desenvolvido Pelos Estudos sobre a histeria não se 82326 descobriria facilmente a importância da sexualidade na etiologia das neuroses A parte seguinte do desenvolvimento a transição da catarse para a psicanálise propriamente já expus várias vezes em detal hes de maneira que será difícil apresentar algo de novo aqui Esse período teve início quando Breuer se afastou de nosso tra balho em comum e então me tornei o único administrador de seu legado Havíamos tido diferenças de opinião bem cedo mas nada que justificasse um rompimento Na questão de quando um processo psíquico se torna patogênico isto é excluído de uma solução normal Breuer dava preferência a uma teoria que po demos chamar de fisiológica achava que se subtraíam ao destino normal os processos que se haviam originado em estados psíqui cos excepcionais hipnoides Com isso lançavase uma nova questão a da procedência desses estados hipnoides Eu por outro lado supunha a existência de um jogo de forças a ação de intenções e tendências como aquelas observadas na vida nor mal Assim a histeria hipnoide contrapunhase à neurose de defesa Mas diferenças como esta provavelmente não o teriam alienado da pesquisa se outros fatores não tivessem se juntado a elas Um deles sem dúvida era que suas obrigações como in ternista e médico particular o absorviam bastante e ele não po dia como eu dedicarse inteiramente ao trabalho com a catarse Além disso influiu sobre ele a recepção que nosso livro teve em Viena e no Reich Sua autoconfiança e sua capacidade de res istência não se achavam à altura de sua compleição intelectual Quando por exemplo os Estudos foram duramente rejeitados por Strümpell eu fui capaz de rir da crítica insensata mas 83326 Breuer magoouse e perdeu o alento O que mais contribuiu para sua decisão porém foi o fato de meus trabalhos subsequentes tomarem uma direção que lhe era impossível acompanhar A teoria que havíamos apresentado nos Estudos era mesmo bastante incompleta em particular mal havíamos tocado no problema da etiologia a questão de em que terreno se origina o processo patogênico Minha crescente experiência mostrava en tão que não eram quaisquer excitações afetivas que agiam por trás dos fenômenos da neurose mas habitualmente os de natureza sexual conflitos sexuais atuais ou repercussões de vivências sexuais antigas Eu não estava preparado para esse res ultado minha expectativa não teve participação nele eu havia iniciado a pesquisa sobre neuróticos sem ideia preconcebida Quando em 1914 escrevi a História do movimento psicanalítico vieramme à lembrança algumas declarações de Breuer Charcot e Chrobak a partir das quais eu poderia ter chegado bem antes a esse conhecimento Mas na época eu não compreendia o que essas autoridades queriam dizer elas me rev elavam mais do que elas próprias sabiam e estavam dispostas a defender O que delas ouvi dormitava em mim sem produzir efeito até que por ocasião das experiências com a catarse sur giu como um conhecimento aparentemente original Eu tampou co sabia que ao relacionar a histeria com a sexualidade havia re montado aos primeiros tempos da medicina e acompanhado Platão Inteireime disso apenas depois num artigo de Havelock Ellis 84326 Influenciado por minha espantosa descoberta dei um passo de grande consequência Fui além da histeria e comecei a pesquisar a vida sexual dos chamados neurastênicos que não eram poucos em meu consultório É verdade que esse experi mento me custou o bom nome que tinha como médico mas trouxeme convicções que até hoje trinta anos depois não se es tiolaram Era necessário sobrepujar muitos segredos e mentiras mas tendose feito isso notavase que em todos esses doentes havia sérios abusos da função sexual Dada a grande frequência de tais abusos por um lado e da neurastenia por outro lado não provava muita coisa o fato de muitas vezes serem encontrados juntos os dois mas a questão não se limitava a um mero fato Uma observação mais detida me levou a extrair da profusão de quadros clínicos designada com o nome de histeria dois tipos fundamentalmente diversos que podiam aparecer em qualquer grau de mistura mas também ser observados em formas puras Num deles o fenômeno central era o ataque de angústia com seus equivalentes suas formas rudimentares e sintomas sub stitutivos crônicos por isso chameio neurose de angústia Reservei para o outro tipo a denominação de neurastenia Nesse ponto foi fácil constatar que cada um deles tinha uma anormal idade da vida sexual como fator etiológico coitus interruptus excitação frustrada abstinência sexual num caso masturbação excessiva poluções frequentes no outro Em alguns casos par ticularmente instrutivos em que houve surpreendente mudança de um tipo para outro no quadro clínico foi possível mostrar que tinha havido uma alteração correspondente no regime sexual Conseguindose pôr termo ao abuso e substituílo por uma atividade sexual normal a recompensa era uma notável melhora da condição 85326 Assim fui levado a perceber as neuroses de maneira bastante geral como distúrbios da função sexual as chamadas neuroses atuais como expressão tóxica direta e as psiconeuroses como ex pressão psíquica desses distúrbios Minha consciência médica ficou satisfeita com esse resultado Eu esperava ter preenchido uma lacuna na medicina que numa função de tal importância biológica não se dispunha a considerar outros danos senão aqueles causados por infecção ou simples lesão anatômica Além disso favorecia a concepção médica do problema o fato de a sexualidade não ser algo apenas psíquico Tinha também seu lado somático era justificável atribuirlhe um quimismo especial e fazer a excitação sexual derivar da presença de substâncias de terminadas embora ainda não conhecidas Também devia haver uma boa razão para o fato de as neuroses genuínas espontâneas mostrarem mais semelhança entre os grupos de doenças com os fenômenos de intoxicação e abstinência provocados pela in trodução ou privação de determinadas substâncias tóxicas ou com o mal de Basedow cuja dependência do produto da tireoide é conhecida Depois não tive oportunidade de retomar a investigação sobre as neuroses atuais nem outros estudiosos prosseguiram com essa parte de meu trabalho Se hoje lanço um olhar a meus res ultados de então vejoos como as primeiras cruas esquematiza ções de algo provavelmente muito mais complicado Mas no con junto me parecem corretos ainda hoje Eu bem gostaria de ter submetido ao exame psicanalítico outros casos de neurastenia juvenil pura infelizmente não houve ocasião para isso Para evitar incompreensões quero enfatizar que está longe de mim negar a existência do conflito psíquico e dos complexos neuróti cos na neurastenia Afirmo apenas que os sintomas desses 86326 doentes não são determinados psiquicamente nem podem ser re movidos pela análise que têm de ser vistos como consequências tóxicas diretas do quimismo sexual perturbado Quando adquiri essas concepções sobre o papel da sexualid ade na etiologia das neuroses nos anos subsequentes aos Estudos dei algumas palestras sobre o tema em sociedades médicas mas encontrei apenas incredulidade e oposição Breuer ainda buscou usar o peso de seu prestígio pessoal em meu favor algumas vezes mas nada conseguiu e não era difícil ver que o reconhecimento da etiologia sexual também contrariava sua in clinação Ele poderia ter me liquidado ou me desorientado re metendo ao caso de sua primeira paciente em que fatores sexuais não teriam desempenhado nenhum papel absoluta mente Mas nunca o fez algo que não entendi até que fui capaz de interpretar corretamente o caso e de reconstruir o desfecho de seu tratamento seguindo algumas observações que ele havia feito Depois que o trabalho da catarse parecia concluído subita mente a garota entrou num estado de amor transferencial que ele já não relacionou com a doença e embaraçado se afastou dela Era evidentemente penoso para ele ser lembrado desse aparente infortúnio Na atitude para comigo oscilou algum tempo entre o reconhecimento e a crítica acerba houve então al guns incidentes como sempre ocorrem nas situações tensas e nós deixamos de nos ver Outra consequência de meu trabalho com as doenças nervosas em geral foi que mudei a técnica da catarse Abandonei a hipnose e procurei substituíla por outro método pois desejava superar a limitação do tratamento a estados histeriformes Além disso minha crescente experiência me produziu duas sérias dúvidas acerca da utilização da hipnose para a catarse A 87326 primeira foi que até mesmo os melhores resultados como que de sapareciam subitamente quando a relação pessoal com o pa ciente se anuviava É certo que eles se restabeleciam quando se chegava à reconciliação mas aprendíamos que a relação afetiva pessoal era mais forte que todo trabalho de catarse e justamente aquele fator se furtava ao controle Então tive uma experiência que me evidenciou claramente o que havia muito eu suspeitava Achavame com uma de minhas mais dóceis pacientes na qual a hipnose possibilitara coisas surpreendentes e quando lhe aliviei o sofrimento fazendo remontar seu ataque de dor àquilo que o causara ela jogou os braços em redor de meu pescoço ao desper tar A entrada repentina de uma serviçal nos poupou de uma ex plicação embaraçosa mas a partir daquele momento renun ciamos em tácito acordo ao tratamento hipnótico Fui razoável o bastante para não lançar o incidente à conta de meu charme pessoal irresistível e acreditei haver apreendido então a natureza do elemento místico que age por trás da hipnose Para excluílo ou ao menos isolálo tive que abandonar o hipnotismo No entanto o hipnotismo havia prestado grandes serviços ao tratamento catártico ao ampliar o campo de consciência dos pa cientes e lhes pôr à disposição um conhecimento a que não tin ham acesso em estado de vigília Não parecia fácil substituílo Nesse embaraço me veio em auxílio a lembrança de um experi mento que eu havia presenciado muitas vezes com Bernheim Quando a pessoa acordava do sonambulismo parecia haver per dido toda a lembrança do que ocorrera enquanto se achava naquele estado Mas Bernheim afirmava que ela sabia perfeita mente o que se dera e quando a instava para que se recordasse quando garantia que ela sabia tudo que devia apenas dizer e 88326 nisso lhe punha a mão sobre a testa as lembranças esquecidas realmente voltavam primeiro apenas de forma hesitante e de pois em torrente e com total clareza Resolvi fazer o mesmo Também meus pacientes tinham de saber tudo o que apenas a hipnose lhes tornara acessível e minha insistência e exortação talvez secundadas pelo posicionamento da mão deviam ter o poder de empurrar para a consciência os fatos e nexos esque cidos Provavelmente isto seria mais trabalhoso que a indução à hipnose mas poderia ser muito instrutivo Então abandonei o hipnotismo dele conservando apenas a recomendação de o pa ciente se deitar num sofá enquanto eu ficava sentado atrás dele de modo que o via mas não era visto III Minha expectativa se cumpriu liberteime do hipnotismo mas com a mudança da técnica também o trabalho da catarse mudou seu aspecto O hipnotismo havia encoberto um jogo de forças que então se revelava e cuja compreensão dava à teoria um fun damento seguro Como se explicava que os doentes tivessem esquecido tantos fatos de sua vida exterior e interior mas pudessem recordálos quando se aplicava a eles a técnica descrita A observação dava uma resposta exaustiva a essa pergunta Todo o esquecido havia sido penoso de alguma maneira terrível doloroso ou vergon hoso para os padrões da pessoa Impunhase por si mesmo o pensamento de que justamente por isso fora esquecido isto é não permanecera consciente Para tornálo de novo consciente era preciso vencer no doente algo que se obstinava era preciso 89326 despender esforços para obrigálo e pressionálo a recordar Os esforços requeridos do médico variavam conforme o caso cres ciam em relação direta com a gravidade daquilo a ser lembrado O dispêndio de energia do médico era evidentemente a medida da resistência por parte do doente Era necessário apenas traduzir em palavras o que ele mesmo havia percebido e estava se de posse da teoria da repressão Foi simples então reconstruir o processo patogênico Para ficar num exemplo fácil digamos que aparece na vida psíquica uma única tendência à qual outras tendências poderosas se opõem Segundo nossa expectativa o conflito psíquico que então surge deveria transcorrer de modo que as duas grandezas dinâmicas vamos chamálas para nossos propósitos instinto e resistência lutassem entre si por algum tempo com forte participação da consciência até que o instinto fosse re chaçado sendo retirado o investimento de energia de sua tendência Esta seria a solução normal Mas na neurose por razões ainda não conhecidas o conflito tem outro desfecho O Eu como que se retrai no primeiro encontro com o impulso in stintual repulsivo barralhe o acesso à consciência e à descarga motora direta mas este conserva seu pleno investimento de en ergia Denominei este processo repressão Era algo novo nada semelhante a ele fora notado antes na vida psíquica Era clara mente um mecanismo de defesa primário comparável a uma tentativa de fuga um precursor do julgamento condenatório normal O primeiro ato de repressão implicava outras con sequências Em primeiro lugar o Eu tinha que se proteger do contínuo assédio do impulso reprimido mediante um perman ente dispêndio de energia um contrainvestimento assim se empobrecendo por outro lado o reprimido que então era 90326 inconsciente podia achar descarga e satisfação substitutiva por outras vias desse modo fazendo gorar a intenção da repressão Na histeria de conversão essa outra via conduz à inervação somática o impulso reprimido irrompe em qualquer lugar e cria os sintomas que são resultados de compromisso certamente satisfações substitutivas mas deformadas e desviadas de sua meta pela resistência do Eu A teoria da repressão tornouse o pilar da compreensão das neuroses A tarefa da terapia teve de ser concebida de outra forma seu objetivo não era mais abreagir o afeto que enveredara por vias erradas mas sim desvendar as repressões e substituílas por operações de julgamento que poderiam resultar na aceitação ou rejeição do que fora repudiado Considerando esse novo estado de coisas não mais chamei de catarse o pro cedimento de investigação e cura e sim de psicanálise Podese partir da repressão como de um centro e pôr em re lação com ela todos os elementos da teoria psicanalítica Mas antes farei uma observação de caráter polêmico Segundo Janet a mulher histérica era uma pobre criatura que em razão de uma debilidade constitucional não conseguia manter a coerência dos atos psíquicos Por causa disso sucumbia à cisão psíquica e à lim itação da consciência Conforme os resultados das investigações psicanalíticas porém esses fenômenos eram consequência de fatores dinâmicos do conflito psíquico e da repressão efetuada Creio que a diferença é substancial e deveria pôr fim ao fre quente palavreado segundo o qual o que é valioso na psicanálise foi tomado de empréstimo às ideias de Janet Minha exposição deve ter mostrado ao leitor que do ponto de vista histórico a 91326 psicanálise é totalmente independente das descobertas de Janet assim como diverge e vai além delas no tocante ao conteúdo Ja mais os trabalhos de Janet teriam tido as implicações que torn aram a psicanálise tão importante para as ciências humanas e atraíram sobre ela o interesse geral Sempre me referi re speitosamente a Janet pois seus achados coincidiam em boa parte com os de Breuer que haviam sido feitos antes e publica dos depois Mas quando a psicanálise se tornou objeto de dis cussão também na França ele se comportou mal demonstrou escasso conhecimento do assunto e utilizou argumentos deseleg antes Por fim a meus olhos ele se expôs verdadeiramente e des valorizou sua obra mesma ao declarar que quando havia falado de atos psíquicos inconscientes nada quis dizer com isso fora apenas une façon de parler uma maneira de falar Mas o estudo das repressões patogênicas e de outros fenô menos que ainda abordaremos fez a psicanálise levar a sério a noção do inconsciente Para ela tudo psíquico era primeira mente inconsciente a qualidade de consciência podia juntarse a esta ou permanecer ausente Naturalmente isso deparou com a objeção dos filósofos que consideravam consciente e psíquico idênticos e afirmavam não poder imaginar um ab surdo como inconsciente psíquico Mas não houve jeito foi preciso ignorar essa idiossincrasia dos filósofos A experiência adquirida com o material patológico que eles não conheciam relacionada à frequência e potência dos impulsos de que nada se sabia e que era preciso inferir como qualquer fato do mundo ex terior tal experiência não deixava escolha Era possível sustentar que apenas se estava fazendo com a própria vida 92326 psíquica o que sempre se havia feito em relação à de outras pess oas Afinal também atribuímos atos psíquicos a outra pessoa embora não tenhamos consciência imediata deles e precisemos imaginálos a partir de suas palavras e ações O que é certo para o outro deve ser válido também para nossa própria pessoa Alguém que deseje prosseguir com esse argumento e dele con cluir que nossos atos ocultos pertencem a uma segunda con sciência defrontará com a concepção de uma consciência da qual nada se sabe de uma consciência inconsciente o que certa mente não é uma vantagem diante da suposição de uma psique inconsciente E se como outros filósofos alguém disser que leva em conta as incidências patológicas mas os atos a elas subjacen tes não deveriam ser chamados de psíquicos e sim de psicoides então a divergência resulta numa estéril disputa em torno de palavras na qual o mais conveniente seria decidir manter a expressão inconsciente psíquico A questão de o que é em si tal inconsciente não é mais inteligente nem mais pro veitosa do que a outra anterior de o que é o consciente Mais difícil seria expor brevemente como a psicanálise chegou a subdividir o inconsciente por ela admitido a separálo em um préconsciente e um inconsciente propriamente dito Talvez baste a observação de que pareceu legítimo completar as teorias que são expressão direta da experiência com hipóteses que são adequadas para o domínio do material e concernem a relações que não podem ser objeto de observação direta Em ciências mais antigas também não se costuma agir de outra forma A sub divisão do inconsciente ligase à tentativa de imaginar o aparelho psíquico como sendo composto de determinado 93326 número de instâncias ou sistemas de cujas relações entre si falamos em termos de espaço mas sem buscar nexos com a ana tomia real do cérebro O que denominamos ponto de vista to pológico Essas ideias e outras semelhantes pertencem à su perestrutura especulativa da psicanálise em que qualquer porção pode ser sacrificada ou substituída sem prejuízo nem lamento tão logo se demonstre sua precariedade Mas restam ainda para serem relatadas muitas coisas que se acham mais próximas da observação Já mencionei que a pesquisa das causas e motivações da neur ose nos levou com frequência cada vez maior aos conflitos entre os impulsos sexuais da pessoa e as resistências à sexualidade Na busca das situações patogênicas em que haviam aparecido as repressões da sexualidade e de que se originavam os sintomas como formações substitutivas do material reprimido fomos conduzidos a momentos sempre anteriores da vida do paciente chegando enfim à sua primeira infância Disso resultou aquilo que os escritores e conhecedores dos homens sempre afirmaram que as impressões dos primeiros períodos da vida apesar de ger almente sucumbirem à amnésia deixam traços indeléveis no desenvolvimento do indivíduo em especial firmam a predis posição para adoecimentos neuróticos posteriores Como essas vivências infantis sempre diziam respeito a excitações sexuais e à reação a elas achamonos diante do fato da sexualidade infantil que constituía outra novidade e contradizia um dos mais fortes preconceitos humanos Pois a infância deveria ser inocente livre de apetites sexuais e a luta com o demônio da sensualid ade deveria começar apenas na época tempestuosa da 94326 puberdade O que ocasionalmente era impossível não se perce ber de atividade sexual nas crianças era tido como sinal de de generação depravação prematura ou curioso capricho da natureza Poucas constatações da psicanálise encontraram re jeição tão geral suscitaram tanta indignação como a afirmativa de que a função sexual principia no começo da vida e já na infân cia se manifesta em fenômenos de importância Nenhum outro achado psicanalítico pode ser demonstrado de maneira tão fácil e tão completa no entanto Antes de prosseguir na abordagem da sexualidade infantil devo lembrar um erro em que incidi por algum tempo e que quase se tornaria funesto para todo o meu trabalho Sob a pressão do procedimento técnico que eu usava na época a maioria dos pacientes reproduzia cenas da infância cujo con teúdo era a sedução sexual por um adulto Nas mulheres o papel do sedutor cabia quase sempre ao pai Dei crédito a essas comu nicações e supus que havia encontrado a fonte da futura neurose nessas vivências de sedução sexual na infância Reforçaram minha confiança alguns casos em que tais relações com o pai um tio ou um irmão mais velho haviam se prolongado até uma idade em que a recordação é segura Se alguém balançar a cabeça in crédulo ante a minha credulidade não deixarei de lhe dar al guma razão mas posso alegar que naquele tempo eu sofreava in tencionalmente o espírito crítico para manter uma atitude im parcial e receptiva ante as novidades que diariamente me vin ham ao encontro Quando fui obrigado a reconhecer que tais cenas de sedução não haviam jamais ocorrido eram apenas fantasias que meus pacientes tinham inventado que talvez eu próprio lhes havia imposto fiquei desorientado por algum tempo A confiança em minha técnica e em seus resultados 95326 sofreu um duro golpe afinal eu havia chegado àquelas cenas por um procedimento técnico que me parecia correto e seu conteúdo relacionavase claramente com os sintomas que haviam sido o ponto de partida de minha investigação Tendo me recomposto tirei da experiência as conclusões corretas que os sintomas neuróticos não se ligavam diretamente a vivências reais e sim a fantasias envolvendo desejos e que para a neurose a realidade psíquica significava mais que a realidade material Mesmo hoje não acredito haver imposto sugerido a meus pacientes aquelas fantasias de sedução Eu havia deparado ali pela primeira vez com o complexo de Édipo que depois ganharia extraordinária importância mas que não reconheci naquele fantasioso disfarce Além disso a sedução durante a infância conservou seu papel na etiologia embora mais modesto Mas geralmente os sedutores haviam sido crianças mais velhas Meu erro então foi como o de alguém que tomasse por ver dade histórica a lendária narrativa dos reis de Roma feita por Tito Lívio em vez de enxergála como aquilo que é uma form ação reativa ante a recordação de tempos e circunstâncias miser áveis provavelmente inglórios Após o esclarecimento do erro o caminho para o estudo da vida sexual infantil estava livre Vimo nos em condições de aplicar a psicanálise a um outro âmbito do saber inferindo de seus dados uma parte até então desconhecida do funcionamento biológico A função sexual como verifiquei existe desde o princípio apoiase inicialmente nas outras funções vitais e depois se torna independente delas passa por um longo e complicado desenvol vimento até se tornar o que é conhecido como vida sexual nor mal do adulto Manifestase primeiramente como atividade de toda uma série de componentes instintuais que são dependentes 96326 de zonas erógenas do corpo que surgem em parte sob forma de pares de opostos sadismomasoquismo voyeurismoexibi cionismo independentemente um do outro buscam obter prazer e geralmente encontram seu objeto no próprio corpo Portanto no início ela é não centralizada e predominantemente autoerótica Mais tarde surgem sínteses dentro dela há um primeiro estágio de organização sob o domínio dos compon entes orais e a ele se segue uma fase sádicooral e apenas na terceira fase alcançada tarde temse a primazia dos genitais com que a função sexual entra a serviço da procriação Durante esse desenvolvimento várias partes de instintos são descartadas ou dirigidas para outras aplicações por serem inúteis para essa finalidade última e outras são desviadas de suas metas e con duzidas à organização genital Chamei a energia dos instintos sexuais apenas ela de libido Precisei supor que nem sempre a libido perfaz esse desenvolvimento de maneira impecável Devido à força excessiva de determinados componentes ou a ex periências precoces de satisfação há fixações da libido em certos pontos do desenvolvimento Então a libido tende a retornar a esses pontos no caso de uma repressão posterior processo de regressão e a partir deles ocorre a irrupção da energia para o sintoma Uma compreensão posterior acrescentou que a localiza ção do ponto de fixação é também decisiva para a escolha da neurose para a forma como surge a doença posterior Ao lado da organização da libido ocorre o processo de escolha do objeto que desempenha um grande papel na vida psíquica O primeiro objeto amoroso após o estágio do autoerotismo será para ambos os sexos a mãe cujo órgão nutridor provavelmente não é diferenciado de seu corpo no início Depois mas ainda na primeira infância estabelecese a relação do complexo de Édipo 97326 em que o menino concentra seus desejos sexuais na pessoa da mãe e desenvolve impulsos hostis para com o pai vendo este como rival De maneira análoga se comporta a menina3 todas as variações e consequências do complexo de Édipo se tornam sig nificativas a inata constituição bissexual se faz valer e aumenta o número de impulsos simultaneamente ativos Transcorre um bom tempo até a criança notar claramente a diferença entre os sexos nesse período da pesquisa sexual ela engendra típicas teorias sexuais que por depender da incompletude de sua or ganização somática misturam coisas certas e erradas e não po dem solucionar o problema da vida sexual o enigma da Esfinge de onde vêm as crianças A primeira escolha de objeto da cri ança é incestuosa portanto Todo o desenvolvimento aqui descrito é rapidamente percorrido A mais notável característica da sexualidade humana é seu início em dois tempos com uma pausa entre eles No quarto e quinto ano de vida ela alcança um primeiro apogeu mas logo termina esse desabrochar da sexual idade os impulsos até então vivazes sucumbem à repressão e su cede o período de latência que dura até a puberdade e no qual se instauram as formações reativas que são a moral a vergonha o nojo4 O desenvolvimento em dois tempos da sexualidade parece ser exclusivo do homem entre todos os seres vivos é talvez a condição biológica de sua predisposição à neurose Com a puberdade são reavivados os impulsos e investimentos objetais do primeiro período e também as ligações emocionais do com plexo de Édipo Na vida sexual da puberdade há uma luta entre os impulsos dos primeiros anos e as inibições do período de latência Ainda no auge do desenvolvimento sexual infantil estabeleceuse uma espécie de organização genital na qual porém apenas o genital masculino desempenhou um papel 98326 enquanto o feminino permaneceu desconhecido a chamada primazia fálica Nesse tempo o contraste entre os sexos não era ainda masculino ou feminino mas sim de posse de um pênis ou castrado O complexo da castração com isso relacionado tornase muito importante para a formação do caráter e da neurose Para facilitar a compreensão nesta sumária exposição de min has descobertas sobre a vida sexual humana juntei coisas que apareceram em épocas diversas e que foram acrescentadas a título de complemento ou correção a diferentes edições suces sivas de meus Três ensaios de uma teoria da sexualidade 1905 Espero que não seja difícil apreender por este sumário em que consiste a tão enfatizada e criticada ampliação do conceito de sexualidade Tal ampliação é dupla Primeiro a sexualidade é afastada de seu vínculo por demais estreito com os genitais e ca racterizada como uma função somática mais abrangente que visa o prazer e só secundariamente entra a serviço da procriação Em segundo lugar são incluídos entre os impulsos sexuais todos aqueles apenas afetuosos e amigáveis para os quais a linguagem corrente utiliza a polivalente palavra amor Não creio porém que tais ampliações sejam inovações mas sim restaurações elas denotam a abolição de impróprias limitações do conceito às quais nos havíamos deixado levar Desprender a sexualidade dos genitais tem a vantagem de nos permitir considerar a atividade sexual das crianças e a dos per vertidos sob o mesmo ponto de vista que a dos adultos normais quando até agora a primeira foi inteiramente negligenciada e a segunda acolhida com indignação moral mas sem compreensão Na concepção psicanalítica também as mais estranhas e mais 99326 repulsivas perversões se explicam como manifestações de instin tos sexuais parciais que se subtraíram ao primado genital e perseguem autonomamente o prazer como nos primeiros tem pos do desenvolvimento libidinal A mais importante delas a ho mossexualidade dificilmente merece o nome de perversão Ela remonta à bissexualidade constitucional e ao efeito posterior da primazia fálica mediante psicanálise podese demonstrar em cada pessoa um tanto de escolha homossexual de objeto Ao des ignar as crianças como polimorficamente pervertidas fizemos apenas uma descrição em termos de uso geral não pretendemos enunciar uma avaliação moral Tais julgamentos de valor são al heios à psicanálise A outra das supostas ampliações se justifica por referência à investigação psicanalítica que demonstra que todos os senti mentos afetuosos eram originalmente impulsos sexuais plenos que depois foram inibidos na meta ou sublimados Também se baseia nessa natureza influenciável e desviável dos instintos sexuais o fato de poderem ser utilizados para muitas realizações culturais às quais dão as mais relevantes contribuições As surpreendentes descobertas sobre a sexualidade infantil fo ram feitas inicialmente através da análise de adultos mas de pois a partir de 1908 aproximadamente puderam ser confirma das pela observação direta de crianças nos pormenores e na me dida em que se quisesse É realmente tão fácil nos convencermos da atividade sexual regular das crianças que temos de perguntar a nós mesmos admirados como as pessoas conseguiram ignorar esses fatos e por tanto tempo manter a lenda da assexualidade da infância Isso deve estar ligado à amnésia que a maioria dos adultos tem no tocante à sua infância 100326 IV As teorias da resistência e da repressão do inconsciente da sig nificação etiológica da vida sexual e da importância das vivências infantis são os principais componentes do edifício teórico da psicanálise Lamento o fato de aqui ter podido apenas apresentar os elementos isolados sem mostrar também como se compõem e se imbricam Agora é o momento de nos voltarmos para as mudanças que pouco a pouco se verificaram na técnica do pro cedimento analítico A forma de superação das resistências inicialmente adotada por pressão e encorajamento fora indispensável para dar ao médico as primeiras orientações sobre o que podia esperar Com o tempo porém tornavase muito cansativa para ambas as partes e não parecia imune a certas objeções Foi então sub stituída por outro método que em determinado sentido era o seu oposto Em vez de instar o paciente a dizer algo sobre certo tema solicitávamos que ele se entregasse à livre associação ou seja que dissesse o que lhe vinha à mente quando se abstinha de dar uma direção consciente a suas ideias Mas tinha de se obrigar a realmente comunicar tudo o que a autopercepção lhe propor cionava e não ceder aos reparos críticos que buscavam eliminar certos pensamentos com a justificativa de que não eram import antes o suficiente estavam fora do lugar ou eram simplesmente absurdos Não havia necessidade de repetir formalmente a exigência de franqueza na comunicação pois ela era o pres suposto do tratamento analítico 101326 Pode parecer surpreendente que esse método de associação livre com observância da regra psicanalítica fundamental al cançasse o que dele se esperava ou seja levar para a consciência o material reprimido e mantido a distância pelas resistências Devemos considerar porém que a associação livre não é real mente livre O paciente se acha sob a influência da situação analítica mesmo quando não dirige a atividade do pensamento para um determinado tema Temos o direito de supor que não lhe ocorrerá o que não estiver relacionado a esta situação Sua resistência à reprodução do reprimido se manifestará de duas formas Primeiramente nas objeções críticas às quais se dirigiu a regra fundamental da psicanálise Mas se observando a regra ele supera esses impedimentos a resistência se expressa de outra forma Faz com que jamais ocorra ao analisando o material rep rimido mesmo mas apenas algo que deste se aproxima em forma de alusão e quanto maior a resistência tanto mais dis tante daquela que propriamente se busca é a associação substi tuta comunicada O analista que escuta concentrado mas sem esforço e que por sua experiência geral está preparado para o que vem pode utilizar conforme duas possibilidades o material que o paciente lhe traz ou consegue havendo pouca resistência inferir o material reprimido a partir das alusões ou em caso de maior resistência pode discernir nas associações que parecem se afastar do tema o caráter dessa resistência e comunicála en tão ao paciente Mas descobrir a resistência é o primeiro passo para a sua superação Assim se constitui no âmbito do trabalho analítico uma arte de interpretação cujo emprego bemsuce dido requer tato e exercício é verdade mas que não é difícil de aprender O método de associação livre tem grandes vantagens em relação ao anterior não apenas por ser menos trabalhoso 102326 Expõe o analisando ao mínimo grau de coerção nunca perde o contato com o presente real garante em boa medida que o an alista não deixe de ver nenhum fator da estrutura da neurose e não introduza nela algum tanto de sua própria expectativa Com ele cabe essencialmente ao paciente determinar o curso da anál ise e a ordenação do material razão pela qual se torna impos sível trabalhar sistematicamente sintomas e complexos específi cos De modo contrário ao que sucede no procedimento hipnótico ou no exortativo o que é interrelacionado aparece em momentos e pontos diversos do tratamento Para um espectador o que não pode haver na realidade a terapia analítica seria impenetrável portanto Outra vantagem do método é que nunca deve fracassar Teor icamente sempre há de ser possível ter uma associação se aban donamos toda exigência relativa à sua espécie No entanto há um caso em que regularmente ocorre esse fracasso mas justa mente por seu caráter único ele se torna também interpretável Agora chego à descrição de um fator que constitui um traço essencial no quadro da análise e que técnica e teoricamente pode reivindicar a maior importância Em todo tratamento analítico se produz sem que o médico faça alguma coisa para isso uma forte relação emocional do paciente com a pessoa do analista que não pode ser explicada pelas circunstâncias reais É de natureza positiva ou negativa varia do amorpaixão plenamente sensual a extremos de rebeldia amargura e ódio Isso que abre viadamente chamamos de transferência logo toma no paciente o lugar do desejo de cura e se torna enquanto permanece afetuosa e moderada veículo da influência médica e verdadeira mola im pulsora do trabalho analítico em conjunto Mais tarde se se tor na passional ou se converte em hostilidade vem a ser o principal 103326 instrumento da resistência Então pode também acontecer que paralise a atividade associativa do paciente e ameace o êxito do tratamento Mas não haveria sentido em buscar evitála uma análise sem transferência é algo impossível Não se deve crer que a análise cria a transferência e que esta ocorre somente nela A transferência é apenas desvelada e isolada pela análise É um fenômeno humano geral decisivo para o êxito de toda influência médica e inclusive governa as relações de uma pessoa com seu ambiente humano Não é difícil reconhecer nela o mesmo fator dinâmico que os hipnotizadores chamaram de sugestionabilid ade que é o veículo do rapport hipnótico e cuja imprevisibilid ade era razão para queixas também no método catártico Quando falta ou é inteiramente negativa essa inclinação à transferência de sentimentos como na dementia praecox e na paranoia deixa de existir também a possibilidade de exercer influência psíquica sobre o doente Não há dúvida de que também a psicanálise trabalha por meio da sugestão como outros métodos psicoterapêuticos A difer ença está em que nela não é deixada à sugestão ou à transferên cia o papel decisivo no sucesso terapêutico Esta é usada isto sim para mover o paciente a realizar um trabalho psíquico a superação de suas resistências de transferência que envolve uma duradoura modificação em sua economia mental O analista torna o enfermo consciente de sua transferência esta é dis solvida quando ele o convence de que em sua conduta transfer encial revivencia ligações emocionais que têm origem em seus primeiros investimentos objetais no período reprimido de sua infância Dessa maneira a transferência passa de mais forte 104326 arma da resistência a melhor instrumento da terapia analítica Sua utilização é sempre a parte mais difícil e mais importante da técnica psicanalítica Com o auxílio do método de associação livre e da arte de inter pretação a ele relacionada a psicanálise conseguiu algo que aparentemente não tinha significação prática mas que na realid ade levou necessariamente a uma posição e uma consideração inteiramente novas na esfera científica Tornouse possível demonstrar que os sonhos têm sentido e decifrar tal sentido Na Antiguidade clássica os sonhos eram altamente apreciados como antevisões do futuro a ciência moderna não se interessou por eles abandonouos à superstição proclamou serem um ato puramente somático uma espécie de sobressalto da psique que dorme Parecia inconcebível que alguém que havia realizado tra balho científico sério se apresentasse como intérprete de son hos Mas se o pesquisador não se preocupava com tal con denação dos sonhos tratavao como um sintoma neurótico não compreendido uma ideia delirante ou obsessiva não consid erava seu conteúdo aparente e fazia de suas imagens objetos da associação livre então chegava a outro resultado Através dos in úmeros pensamentos espontâneos do sonhador conhecia um produto do pensamento que já não podia ser chamado de ab surdo ou confuso que correspondia a uma realização psíquica inteiramente válida da qual o sonho manifesto era apenas uma tradução deformada abreviada e mal compreendida em sua maior parte uma tradução em quadros visuais Esses pensamen tos oníricos latentes continham o significado do sonho o con teúdo onírico manifesto era apenas um logro uma fachada a 105326 que certamente se podia ligar a associação mas não a interpretação Surgiu toda uma série de questões a serem respondidas entre as mais importantes estavam Havia um motivo para a formação do sonho Sob que condições ela podia ocorrer De que maneira os pensamentos oníricos plenos de sentido passavam para o sonho muitas vezes sem sentido Em meu livro A interpretação dos sonhos publicado em 1900 procurei lidar com todos esses problemas Apenas um brevíssimo resumo dessa investigação pode caber aqui Se examinamos os pensamentos oníricos lat entes revelados na análise do sonho encontramos um que se destaca perfeitamente dos outros razoáveis e familiares ao indi víduo que sonha Esses outros são restos da vida desperta resí duos do dia mas no pensamento isolado reconhecemos um im pulso ou desejo frequentemente chocante que é alheio à vida desperta do sonhador e que este portanto rejeita com surpresa ou indignação Esse impulso é o verdadeiro formador do sonho fornece a energia para a sua produção e se utiliza dos restos di urnos como material o sonho que assim nasce representa para ele uma situação satisfatória é sua realização de desejo Tal pro cesso não seria possível se algo na natureza do sono não o favorecesse O pressuposto psíquico do sono é a acomodação do Eu ao desejo de dormir e a retirada dos investimentos de todos os interesses da vida como simultaneamente os acessos à motil idade são bloqueados o Eu pode também diminuir o dispêndio de energia com que mantém as repressões O impulso incon sciente aproveita esse relaxamento noturno da repressão para com o sonho abrir caminho até a consciência Mas a resistência repressiva do Eu também não é abolida no sono apenas 106326 diminuída um resto seu permanece como censura onírica e proíbe que o impulso inconsciente se manifeste nas formas que assumiria propriamente Devido ao rigor da censura onírica os pensamentos oníricos latentes têm de submeterse a modi ficações e atenuações que tornam irreconhecível o significado proibido do sonho Essa é a explicação para a deformação onírica à qual o sonho manifesto deve suas características mais marcantes É justificada então a tese de que o sonho é a realiza ção disfarçada de um desejo reprimido Já percebemos agora que o sonho é construído como um sintoma neurótico é uma formação de compromisso entre as exigências de um im pulso instintual reprimido e a resistência de um poder cen surador no Eu Tendo a mesma gênese é tão incompreensível como o sintoma e igualmente necessitado de interpretação Não há dificuldade em descobrir a função geral do sonho Ele serve para rechaçar por uma espécie de mitigação estímulos ex ternos e internos que levariam ao despertar e assim protege o sono de interrupções O estímulo externo é rechaçado ao ser re interpretado e entremeado numa situação inócua a pessoa que sonha tolera o estímulo interno da exigência instintual e permite sua satisfação através da formação do sonho desde que os pensamentos oníricos latentes não se subtraiam ao controle da censura Se houver esse perigo e o sonho for nítido demais a pessoa o interrompe e acorda assustada sonho de angústia A mesma falha da função do sonho ocorre quando o estímulo é forte demais para ser rechaçado sonho de despertar O pro cesso que com a cooperação da censura onírica transforma os pensamentos latentes no conteúdo onírico manifesto foi denom inado trabalho do sonho Ele consiste num peculiar tratamento do material de pensamento préconsciente em que as partes que 107326 o compõem são condensadas as ênfases psíquicas são desloca das o todo é convertido em quadros visuais dramatizado e complementado por uma enganadora revisão secundária O tra balho do sonho é um ótimo exemplo dos processos que se desen volvem nas camadas profundas inconscientes da psique que diferem consideravelmente dos processos normais de pensamento que nos são conhecidos Ele também mostra um bom número de traços arcaicos como o emprego de um simbol ismo aqui predominantemente sexual que tornamos a en contrar em outras esferas de atividade mental O impulso instintual inconsciente do sonho se liga a um resto diurno um interesse não solucionado da vida desperta e ao fazêlo confere ao sonho por ele formado um duplo valor para o trabalho analítico O sonho interpretado mostra ser por um lado a realização de um desejo reprimido por outro pode haver prosseguido a atividade de pensamento préconsciente do dia anterior e ter se preenchido de qualquer conteúdo exprimindo uma intenção uma advertência uma reflexão ou novamente uma realização de desejo A análise o utiliza nas duas direções tanto para conhecer os processos conscientes como os incon scientes do analisando Ela também se aproveita do fato de que o sonho tem acesso ao material esquecido da infância de modo que a amnésia infantil é geralmente superada com a inter pretação de sonhos Nisso eles realizam parte do que antes cabia ao hipnotismo Algo que nunca afirmei embora frequentemente me seja atribuído é que a interpretação revela que todos os son hos têm conteúdo sexual ou remontam a forças motrizes sexuais É fácil ver que fome sede e necessidade de expelir 108326 podem gerar sonhos de satisfação da mesma forma que qualquer impulso reprimido sexual ou egoísta Os sonhos de crianças pequenas nos oferecem uma prova simples da exatidão de nossa teoria Nelas os diferentes sistemas psíquicos não se acham ainda claramente separados e as repressões ainda não se apro fundaram então frequentemente ouvimos falar de sonhos que nada mais são do que realizações não dissimuladas de impulsos envolvendo desejos remanescentes do dia Sob a influência de necessidades imperativas também adultos podem produzir esses sonhos de tipo infantil5 Assim como faz com a interpretação dos sonhos a análise se serve do estudo dos frequentes atos falhos e ações sintomáticas das pessoas a que dediquei uma pesquisa que apareceu em forma de livro em 1904 com o título de Psicopatologia da vida cotidiana O conteúdo dessa obra que foi bastante lida é a demonstração de que tais fenômenos nada têm de casual que transcendem as explicações fisiológicas são significativos e in terpretáveis e por fim autorizam a inferência de que remetem a impulsos e intenções contidos ou reprimidos Mas o valor emin ente tanto da interpretação de sonhos como desse estudo não se acha no amparo que dão ao trabalho analítico e sim numa outra característica Até então a psicanálise se ocupara apenas da de cifração de fenômenos patológicos e muitas vezes tivera que for mular para sua explicação hipóteses cujo alcance não era pro porcional à importância do material tratado Mas o sonho que ela abordou naquele momento não era um sintoma doentio era um fenômeno da vida psíquica normal podia ocorrer em 109326 qualquer pessoa sadia Se o sonho é construído como um sin toma se a sua explicação requer as mesmas hipóteses as da repressão de impulsos instintuais da formação substituta e de compromisso dos diferentes sistemas psíquicos para situar o consciente e o inconsciente então a psicanálise não é mais uma ciência auxiliar da psicopatologia é antes o começo de uma nova e aprofundada ciência da mente que também para a com preensão do normal se tornará indispensável Seus pressupostos e resultados podem ser transferidos para outros âmbitos do fun cionamento psíquico achase aberto o caminho para o mundo para o interesse universal V Agora interrompo a exposição sobre o desenvolvimento interno da psicanálise e me volto para as vicissitudes externas O que até aqui relatei de suas conquistas foi nas grandes linhas resultado de meu trabalho mas também incluí descobertas posteriores na narrativa e não fiz distinção entre as minhas contribuições e as de meus discípulos e seguidores Por mais de dez anos após o afastamento de Breuer não tive seguidores Estava completamente isolado Era evitado em Vi ena e no exterior não se tomava conhecimento de mim A Inter pretação dos sonhos de 1900 quase não teve resenhas nas pub licações especializadas Na Contribuição à história do movi mento psicanalítico 1914 mencionei como exemplo da atitude dos círculos psiquiátricos de Viena a conversa com um médico assistente que escrevera um livro contra minhas teorias mas que não lera A interpretação dos sonhos Haviamlhe dito na clínica 110326 que não valia a pena Esse homem que desde então se tornou catedrático permitiuse negar o teor daquele diálogo e pôr em dúvida a correção de minha lembrança Reafirmo cada palavra daquele relato Quando percebi o caráter inevitável das coisas com que de parava minha suscetibilidade se atenuou bastante Também meu isolamento foi chegando ao fim Primeiro formouse ao meu redor em Viena um pequeno círculo de alunos a partir de 1906 chegava a notícia de que psiquiatras de Zurique E Bleuler seu assistente C G Jung e outros interessavamse vivamente pela psicanálise Criaramse relações pessoais em 1908 os amigos da jovem ciência se reuniram em Salzburgo combinaram a re petição regular de tais congressos privados e a publicação de uma revista intitulada Jahrbuch für psychoanalytische und psychopathologische Forschungen Anuário de Pesquisas Psic analíticas e Psicopatológicas e editada por Jung Os diretores eram Bleuler e eu ela foi interrompida com o início da Guerra Mundial Simultaneamente à adesão dos suíços também na Ale manha despertava o interesse pela psicanálise esta se tornou ob jeto de muitas menções na literatura e vivas discussões em con gressos científicos A acolhida jamais era amigável ou de bené vola expectativa Após tomar breve conhecimento da psicanálise a ciência alemã foi unânime em rejeitála Naturalmente não posso saber hoje qual será o julgamento definitivo da posteridade acerca do valor da psicanálise para a psiquiatria a psicologia e as ciências humanas em geral Mas creio que se um dia a fase que vivemos encontrar seu histori ador esse terá de admitir que o comportamento dos represent antes da ciência alemã não foi motivo de orgulho para ela Não 111326 estou me referindo ao fato da rejeição ou à firmeza com que se deu um e outra podiam ser compreendidos não deixavam de ser esperados e de toda forma não chegavam a pôr sombra no caráter dos adversários Mas para aquele grau de arrogância e desavergonhado desprezo da lógica para a crueza e o mau gosto dos ataques não pode haver escusa Talvez se diga que é pueril dar vazão a esses sentimentos após quinze anos eu não o faria realmente se não houvesse outra coisa a acrescentar Anos de pois durante a Guerra Mundial quando um coro de inimigos lançou à nação alemã a recriminação de barbárie em que se acha resumido o que acabo de mencionar foi profundamente dolor oso não poder refutála devido à minha própria experiência Um dos adversários gabavase de que fazia calar seus pa cientes quando estes começavam a falar de coisas sexuais e ao que tudo indica extraiu dessa técnica o direito de avaliar o papel da sexualidade na etiologia das neuroses Sem contar as resistên cias afetivas que se explicavam facilmente pela teoria psicanalít ica de modo que não nos podiam enganar o principal em pecilho ao entendimento parecia estar em que os adversários viam na psicanálise um produto de minha fantasia especulativa não querendo acreditar no longo isento paciente trabalho que fora necessário para a sua construção Como eram de opinião que a análise nada tinha de observação e experiência consid eravam inteiramente justificado rejeitála sem experiência pró pria Outros não tão seguros nessa convicção repetiam a clás sica manobra de resistência não olhar no microscópio para não enxergar o que haviam contestado É curioso como a maioria das pessoas age incorretamente quando tem de formar seu próprio juízo numa nova questão Há muitos anos tenho escutado de críticos benevolentes que até tal ou tal ponto a psicanálise está 112326 certa mas ali começam os exageros a generalização injusti ficada No entanto sei que nada é mais difícil do que fazer essa delimitação e que os próprios críticos desconheciam inteira mente o assunto até semanas ou dias antes O anátema oficial contra a psicanálise teve a consequência de tornar mais unidos os psicanalistas No segundo congresso em Nuremberg 1910 organizaramse por sugestão de Ferenczi numa Associação Psicanalítica Internacional composta de so ciedades locais e com um só presidente Esta associação sobre viveu à Guerra Mundial e ainda existe compreende as so ciedades de Viena Berlim Budapeste Zurique Londres Holan da Nova York PanAmérica Moscou e Calcutá Para primeiro presidente favoreci a escolha de C G Jung uma medida real mente infeliz como depois se verificou A psicanálise ganhou en tão uma segunda revista a Zentralblatt für Psychoanalyse Folha Central de Psicanálise editada por Adler e Stekel e logo em seguida uma terceira Imago que os analistas não médicos Hans Sachs e Otto Rank dedicaram às aplicações da psicanálise às ciências humanas Pouco depois Bleuler publicou sua defesa da psicanálise Die Psychoanalyse Freuds 1910 Embora fosse animador que a justiça e a honesta lógica enfim se manifest assem na disputa o trabalho de Bleuler não era capaz de me sat isfazer completamente Esforçavase demais em manter uma aparência de imparcialidade não por acaso devíamos justa mente ao seu autor a introdução do valioso conceito de ambival ência na psicanálise Em artigos posteriores Bleuler assumiu uma atitude tão contrária ao edifício teórico da análise rejeitou ou pôs em dúvida partes tão essenciais dele que eu tive de me perguntar surpreso o que podia restar para sua aprovação 113326 Contudo depois ele também se declarou resolutamente a favor da psicologia das profundezas e além disso baseou nela seu abrangente estudo das esquizofrenias Mas Bleuler não per maneceu muito tempo na Associação Psicanalítica Internacional abandonoua devido a discrepâncias com Jung e a psicanálise perdeu o Burghölzli A oposição oficial não pôde evitar a difusão da psicanálise na Alemanha e em outros países Em outro lugar Contribuição à história do movimento psicanalítico 1914 cap ii acompanhei as etapas de seu progresso e citei os nomes dos que se desta caram como seus representantes Em 1909 Jung e eu fomos con vidados à América por G Stanley Hall reitor da Universidade Clark em Worcester Massachusetts para os festejos do vigésimo aniversário daquela instituição a fim de lá proferir palestras em língua alemã durante uma semana Hall era um psicólogo e pedagogo de justo prestígio que havia anos já incluía a psicanálise em suas aulas tinha algo de fazedor de reis a quem agradava fazer e depor autoridades Lá também con hecemos James J Putnam o neurologista de Harvard que não obstante a idade entusiasmouse pela psicanálise e defendeu o valor cultural e a pureza de intenções desta com o peso da sua personalidade que todos respeitavam Nesse homem excelente que em reação a uma predisposição neuróticoobsessiva se ori entava prevalentemente no sentido ético incomodavanos apen as a pretensão de unir a psicanálise a um sistema filosófico de terminado e fazêla servir a objetivos morais Também o encon tro com o filósofo William James deixoume uma impressão duradoura Não posso esquecer o episódio em que durante uma caminhada ele parou subitamente confioume a pequena bolsa 114326 que levava e solicitou que eu fosse adiante pois me alcançaria tão logo se recuperasse do ataque de angina pectoris que sentia chegar Ele morreu do coração um ano depois Desde então sempre desejei para mim uma impavidez semelhante diante do fim Naquela época eu tinha apenas 53 anos de idade sentime jovem e saudável a viagem ao Novo Mundo beneficiou meu amorpróprio Na Europa eu me sentia como que desprezado mas ali os melhores indivíduos me receberam como um igual Quando subi à cátedra em Worcester para dar as Cinco lições de psicanálise foi como a realização de um inverossímil devaneio A psicanálise não era mais um produto do delírio tornarase uma parcela valiosa da realidade Desde nossa visita ela não perdeu terreno na América tornouse bastante popular entre os leigos e é reconhecida como importante elemento da in strução médica por muitos psiquiatras Lá também sofreu muita diluição infelizmente Práticas incorretas que não têm relação com ela utilizam seu nome e faltam oportunidades para uma formação adequada na técnica e na teoria Além disso na América ela se defronta com o behaviorism que em sua ingenuidade vangloriase de haver descartado o problema da psicologia Na Europa entre os anos de 1911 e 1913 ocorreram dois movi mentos de separação da psicanálise iniciados por pessoas que até então haviam desempenhado papel de relevo na jovem ciên cia Alfred Adler e C G Jung Ambos os movimentos pareciam bem perigosos e rapidamente conquistaram larga adesão Sua força não vinha de seu próprio conteúdo porém e sim da tentação de poder livrarse dos resultados da psicanálise vistos 115326 como chocantes ainda que não mais se negasse o material efet ivo desta Jung buscou reinterpretar os fatos analíticos em chave abstrata impessoal e ahistórica assim esperando furtarse à consideração da sexualidade infantil e do complexo de Édipo e à necessidade de analisar a infância Adler pareceu distanciarse mais ainda da psicanálise rejeitou completamente a importância da sexualidade relacionou tanto a formação do caráter como das neuroses unicamente ao afã de poder dos seres humanos e à ne cessidade de compensarem suas inferioridades constitucionais e jogou fora todas as conquistas psicológicas da psicanálise Mas o que fora por ele rejeitado forçou a volta com outro nome ao seu sistema fechado seu protesto masculino não é outra coisa senão a repressão injustificadamente sexualizada Os críticos fo ram muito brandos com os dois heréticos eu pude obter apenas que tanto um como o outro deixasse de chamar psicanálise a suas teorias Hoje transcorridos dez anos podese verificar que as duas tentativas passaram pela psicanálise sem causar danos Quando uma sociedade se baseia na concordância em alguns pontos cardeais é natural que a abandonem aqueles que se afastaram desse terreno comum Mas frequentemente me foi at ribuída a culpa da separação de antigos alunos como sinal de minha intolerância ou expressão de uma fatalidade que sobre mim pesaria É suficiente lembrar como resposta que em con trapartida àqueles que me deixaram como Jung Adler Stekel e uns poucos mais há um grande número de pessoas como Abra ham Eitingon Ferenczi Rank Jones Brill Sachs o pastor Pfister Van Emden Reik e outros que há cerca de quinze anos estão associados a mim em leal colaboração geralmente também em plácida amizade Mencionei apenas meus discípulos mais velhos que já fizeram um nome na literatura da psicanálise a 116326 omissão de outros não significa desmerecimento entre os jovens e os que chegaram depois se acham talentos em que podemos depositar grandes esperanças Mas talvez se possa alegar a meu favor que um indivíduo intolerante e dominado pela presunção da infalibilidade jamais poderia conservar junto a si tamanho grupo de pessoas intelectualmente significativas ainda mais quando não dispunha de maiores atrações de natureza prática A Guerra Mundial que liquidou tantas outras organizações não chegou a prejudicar nossa Associação Internacional O primeiro encontro após a guerra sucedeu em 1920 em Haia ter reno neutro Foi tocante ver a hospitalidade com que os holan deses acolheram os famintos e empobrecidos cidadãos da Europa Central e creio ter sido a primeira ocasião em que num mundo devastado ingleses e alemães sentavamse à mesma mesa em razão de interesses científicos Na Alemanha e nos países da Europa Ocidental a guerra havia estimulado o in teresse na psicanálise Observando os neuróticos de guerra os médicos haviam finalmente aberto os olhos para a importância da psicogênese nos distúrbios neuróticos e algumas de nossas concepções tais como o ganho obtido com a doença a fuga para a doença tornaramse rapidamente populares No último congresso antes do colapso alemão em Budapeste em 1918 os governos aliados dos poderes centrais tinham enviado represent antes oficiais que concordaram com a fundação de centros psic analíticos para o tratamento de neuróticos de guerra Mas isso não chegou a acontecer Também os grandes projetos de um de nossos melhores colaboradores o dr Anton Von Freund que 117326 pretendia criar uma central de ensino e terapia analítica em Bud apeste malograram em meio às convulsões políticas que logo sobrevieram e com a morte prematura desse homem insub stituível Uma parte de seus planos foi depois realizada por Max Eitingon que em 1920 criou uma policlínica psicanalítica em Ber lim Durante a breve existência do governo bolchevique na Hun gria Ferenczi pôde exercer uma bemsucedida atividade docente na universidade como representante oficial da psicanálise De pois da guerra nossos adversários gostavam de anunciar que os eventos teriam produzido um argumento decisivo contra a val idez das afirmações psicanalíticas As neuroses de guerra teriam fornecido a prova do caráter supérfluo dos fatores sexuais na eti ologia das afecções neuróticas No entanto esse foi um triunfo leviano e precipitado Por um lado ninguém havia podido anal isar minuciosamente um caso de neurose de guerra ou seja não havia conhecimento seguro de sua motivação e não era possível tirar conclusão nenhuma em tal ignorância Mas por outro lado havia muito a psicanálise adquirira o conceito de narcisismo e neurose narcísica em que a libido se apega ao próprio Eu em vez de a um objeto Portanto em outras ocasiões faziase à psic análise a objeção de haver ampliado indevidamente o conceito de sexualidade mas se isso era conveniente na polêmica esqueciase esse delito e recriminavase a ela novamente a sexu alidade no sentido mais restrito A meu ver a história da psicanálise se divide em duas partes se deixarmos de lado a préhistória em que se utilizou a catarse Na primeira eu me achava só e tinha de realizar todo o trabalho 118326 assim foi de 18956 até 1906 ou 1907 Na segunda parte dali até o dia de hoje as contribuições de meus discípulos e colaboradores adquiriram cada vez maior importância de maneira que agora advertido do fim próximo por grave enfermidade posso pensar de ânimo tranquilo na cessação de minhas próprias atividades Justamente por isso não cabe expor os progressos da psicanálise durante a segunda fase nesta Autobiografia da mesma forma detalhada com que tratei sua gradual edificação na primeira fase tomada por meu trabalho exclusivamente Sintome autorizado apenas a mencionar as novas conquistas em que tive parti cipação relevante ou seja aquelas no âmbito do narcisismo da teoria dos instintos e da aplicação às psicoses Antes devo dizer que em nossa crescente experiência o com plexo de Édipo revelouse cada vez mais claramente o núcleo da neurose Ele se tornou ao mesmo tempo o auge da vida sexual infantil e o ponto nodal de onde partem todos os desenvolvimen tos posteriores Mas com isso desapareceu a expectativa de descobrir mediante a análise um fator específico para a neur ose Foi preciso admitir como Jung soubera tão bem expressar em sua época analítica inicial que a neurose não tem um con teúdo especial que lhe seja exclusivo e que os neuróticos fracas sam nas mesmas coisas que os normais têm êxito em dominar Tal percepção estava longe de ser um desapontamento Ela se harmonizava inteiramente com uma outra a de que a psicologia das profundezas encontrada pela análise era justamente a psico logia da vida psíquica normal Conosco havia sucedido o mesmo que aos químicos as grandes diferenças qualitativas dos produtos derivavam de mudanças quantitativas nas combinações dos mesmos elementos 119326 No complexo de Édipo a libido se mostrava ligada à repres entação das figuras parentais Mas tinha havido uma época sem esses objetos todos Disso resultava a concepção fundamental para uma teoria da libido de um estado em que a libido ocupa o próprio Eu tomandoo por objeto Esse estado pôde ser desig nado por narcisismo ou amor a si próprio Reflexões sub sequentes levaram a concluir que ele nunca é inteiramente elim inado por toda a vida o Eu continua a ser o grande reservatório da libido do qual são enviados investimentos objetais e ao qual a libido pode novamente retornar dos objetos Portanto libido narcísica se transforma continuamente em libido objetal e vice versa Um ótimo exemplo da escala que pode atingir essa trans formação nos é dado pelo enamoramento sexual ou sublimado que chega ao sacrifício de si mesmo Até aquele momento havíamos cuidado apenas do reprimido no processo de repressão mas essas ideias possibilitaram atentar também para os elementos repressores Havíamos dito que a repressão era ativada pelos instintos de autoconservação atuantes no Eu in stintos do Eu e efetuada nos instintos libidinais Agora que re conhecíamos os instintos de autoconservação como sendo tam bém de natureza libidinal como libido narcísica o processo de repressão aparecia como um processo no interior da própria li bido libido narcísica se contrapunha a libido objetal o interesse da conservação se defendia das reivindicações do amor objetal ou seja também daquelas da sexualidade no sentido mais estrito Não há necessidade mais urgente na psicologia do que uma sólida teoria dos instintos sobre a qual se possa continuar 120326 edificando Não existindo algo assim a psicanálise precisa se empenhar em tentativas de fazer tal teoria Primeiramente ela estabeleceu a oposição entre instintos do Eu autoconservação fome e instintos libidinais amor depois a substituiu por aquela entre libido narcísica e libido objetal Mas essa não podia ser a última palavra na questão considerações biológicas impe diam que nos satisfizéssemos com a suposição de uma única es pécie de instintos Em meus trabalhos dos últimos anos Além do princípio do prazer Psicologia das massas e análise do Eu O Eu e o Id 1920 1921 1923 dei rédea larga ao pendor à especulação que havia muito era contido e ponderei uma nova solução para o problema dos instintos Juntei autoconservação do indivíduo e conser vação da espécie no conceito de Eros e a ele contrapus o silen cioso instinto de morte ou de destruição O instinto é concebido de forma bastante geral como uma espécie de elasticidade do ser que vive como um impulso ao restabelecimento de uma situação que havia existido e foi anulada por um distúrbio externo Tal natureza essencialmente conservadora dos instintos é exempli ficada nos fenômenos da compulsão à repetição As convergên cias e divergências de Eros e instinto de morte constituem para nós o quadro da vida Ainda não sabemos se essa construção se revelará útil É certo que se originou do empenho em firmar algumas das mais im portantes concepções teóricas da psicanálise mas vai muito além da psicanálise Não poucas vezes escutei a desdenhosa afirmação de que não se pode levar a sério uma ciência cujos principais conceitos são tão imprecisos como os da libido e do instinto na psicanálise Mas essa objeção se baseia numa total 121326 incompreensão dos fatos Conceitos fundamentais claros e defin ições nitidamente demarcadas apenas são possíveis nas ciências humanas quando elas procuram acomodar todo um âmbito de fatos na moldura de um sistema intelectual Nas ciências da natureza entre as quais se inclui a psicologia tal clareza dos conceitos principais é supérflua e mesmo impossível A zoologia e a botânica não principiaram com definições corretas e sufi cientes de animal e planta e ainda hoje a biologia não soube dar um conteúdo preciso ao conceito de ser vivo A própria física não teria absolutamente se desenvolvido caso tivesse sido obrigada a esperar até que seus conceitos de matéria força gravitação e outros alcançassem a clareza e precisão desejável As ideias fun damentais ou conceitos supremos das disciplinas das ciências naturais são sempre deixadas inicialmente indeterminadas pro visoriamente são explicadas apenas pela referência à área de fenômenos de que procedem e somente com a progressiva anál ise do material da observação podem se tornar claras ricas de conteúdo e livres de contradição Sempre vi como grosseira in justiça que não se quisesse tratar a psicanálise como qualquer outra ciência Essa recusa vinha expressa nas mais tenazes objeções Recriminavase a psicanálise por suas imperfeições e por sua incompletude quando uma ciência baseada na obser vação não pode fazer outra coisa senão obter um a um seus res ultados e solucionar passo a passo seus problemas Mais ainda enquanto nos esforçamos em conseguir para a função sexual o reconhecimento que havia tanto tempo lhe era recusado a teoria psicanalítica foi estigmatizada como pansexualismo enquanto enfatizamos o papel até então negligenciado das impressões acidentais dos primeiros anos de vida tivemos de escutar que a psicanálise nega os fatores constitucionais e hereditários algo 122326 que nunca nos ocorreu Tratavase de oposição a qualquer preço e por todos os meios Em fases anteriores de minha produção eu já fizera a tentativa de alcançar pontos de vista mais gerais a partir da observação psicanalítica Em 1911 no breve ensaio Formulações sobre os dois princípios do funcionamento psíquico sublinhei no que não pretendia ser original a dominância do princípio do prazerdesprazer na vida psíquica e sua substituição pelo cha mado princípio da realidade Depois em 1915 arrisquei a elaboração de uma metapsicologia Assim denominei uma forma de abordagem em que cada processo psíquico é consid erado segundo três coordenadas a dinâmica a topológica e a econômica e nela enxerguei o objetivo derradeiro que a psicolo gia pode alcançar A tentativa permaneceu incompleta parei após alguns ensaios Os instintos e seus destinos A repressão O inconsciente Luto e melancolia etc e certa mente fiz bem em parar pois ainda não era chegado o tempo para tal fixação da teoria Em meus últimos trabalhos especulat ivos procurei organizar nosso aparelho psíquico com base numa exploração analítica dos fatos patológicos e o decompus em um Eu um Id e um Supereu O Supereu é herdeiro do complexo de Édipo e representante das exigências éticas do ser humano Não se deve ter a impressão de que nesse último período eu dei as costas à observação paciente e me entreguei totalmente à especulação Sempre permaneci em contato íntimo com o ma terial analítico e nunca deixei de trabalhar sobre temas específi cos de natureza clínica ou técnica Mesmo quando me afastei da observação evitei cuidadosamente me aproximar da filosofia propriamente dita Uma incapacidade constitucional me tornou 123326 mais fácil esse distanciamento Sempre fui receptivo às ideias de G T Fechner e apoieime nesse pensador em alguns aspectos importantes As profundas concordâncias entre a psicanálise e a filosofia de Schopenhauer ele não apenas defendeu a primazia da afetividade e a extraordinária importância da sexualidade como reconheceu inclusive o mecanismo da repressão não po dem ser atribuídas a meu conhecimento de sua teoria Li Schopenhauer bastante tarde em minha vida Nietzsche o outro filósofo cujas intuições e percepções frequentemente coincidem de modo espantoso com os laboriosos resultados da psicanálise evitei justamente por isso durante muito tempo não me im portava tanto a prioridade e sim manter o espírito desprevenido As neuroses foram o primeiro e por muito tempo o único ob jeto da psicanálise Nenhum analista tinha dúvida de que estava equivocada a prática médica que separava essas afecções das psicoses e as unia às doenças nervosas orgânicas A teoria das neuroses pertence à psiquiatria é indispensável como in trodução a esta Ora o estudo analítico das psicoses parece im possibilitado pela ausência de perspectiva terapêutica Em geral falta aos doentes psíquicos a capacidade para uma transferência positiva de modo que o principal recurso da técnica analítica não pode ser aplicado Mas algumas vias de acesso se ap resentam Muitas vezes a transferência não se acha tão ausente que não permita seguirmos adiante até certo ponto em de pressões cíclicas leves alterações paranoicas esquizofrenias par ciais foram obtidos sucessos indubitáveis com a análise Além disso ao menos para a ciência foi uma vantagem o fato de que em muitos casos o diagnóstico pôde oscilar por longo tempo entre a hipótese de uma psiconeurose e a de uma dementia prae cox assim o esforço terapêutico empregado pôde produzir 124326 importantes esclarecimentos antes de ser interrompido Mas a principal consideração é o fato de que nas psicoses é levada para a superfície visível para todos muita coisa que nas neuroses tem de ser laboriosamente extraída da profundeza Por isso a clínica psiquiátrica oferece os melhores objetos de demonstração para muitas afirmações psicanalíticas Não podia deixar de acontecer então que logo a psicanálise se ocupasse de objetos da obser vação psiquiátrica Bem cedo em 1896 pude constatar num caso de demência paranoide os mesmos fatores etiológicos e a presença dos mesmos complexos afetivos que nas neuroses Jung esclareceu alguns enigmáticos estereótipos dos dementes ao relacionálos com as histórias de vida dos pacientes Bleuler mostrou em diferentes psicoses mecanismos como aqueles que a análise descobriu em neuróticos Desde então não cessaram mais os esforços dos analistas para entender as psicoses Sobre tudo após começarem a empregar o conceito de narcisismo eles tiveram êxito aqui e ali em lançar um olhar além do muro Foi provavelmente Abraham quem mais avançou no esclarecimento das melancolias É verdade que nem todo saber se converte atu almente em força terapêutica nessa área mas também o ganho puramente teórico não deve ser pouco apreciado e bem pode es perar sua aplicação prática A longo prazo os psiquiatras tam bém não resistirão à força comprobatória de seu material clínico Sucede agora na psiquiatria alemã uma espécie de pénétration pacifique dos pontos de vista da psicanálise Constantemente as segurando que não querem ser psicanalistas que não pertencem à escola ortodoxa nem concordam com seus exageros sobre tudo não creem na predominância do fator sexual muitos pesquisadores jovens não deixam de se apropriar dessa ou 125326 daquela porção da teoria analítica e de aplicála ao material à sua maneira Tudo indica que continuarão os desenvolvimentos nessa direção VI Neste momento acompanho à distância as reações sintomáticas à introdução da psicanálise na França que por tanto tempo foi refratária a ela Parece a reprodução de algo já vivido mas tam bém possui características próprias Objeções de incrível ingenu idade são feitas como a de que a sensibilidade francesa se ofende com o pedantismo e a crueza da nomenclatura psicanalít ica impossível não recordar o imortal chevalier Riccaut de La Marlinière de Lessing Outro comentário soa mais sério e mesmo a um professor de psicologia da Sorbonne não pareceu indigno o de que o génie latin gênio latino não tolera o modo de pensar da psicanálise Com isso os aliados anglosaxões que contam como seguidores desta são expressamente deixados de lado Quem ouve isso deve naturalmente acreditar que o génie teutonique abraçou de coração a psicanálise já no nascimento como seu rebento favorito Na França o interesse na psicanálise partiu dos homens das belasletras Para compreender isso devemos recordar que com a Interpretação dos sonhos a psicanálise ultrapassou os limites de um assunto puramente médico Entre seu aparecimento na Alemanha e sua introdução atual na França se acham diversas aplicações em áreas da literatura e da estética em história da re ligião e préhistória em mitologia folclore pedagogia etc 126326 Nenhuma dessas coisas tem muito a ver com a medicina ligamse a ela apenas por intermédio da psicanálise Por isso não devo abordálas detidamente aqui Mas tampouco posso ignorá las por um lado são indispensáveis para que se tenha uma ideia correta do valor e da natureza da psicanálise por outro lado comprometime com a tarefa de apresentar a obra de minha vida A maioria dessas aplicações teve seu ponto de partida em meus trabalhos Aqui e ali eu também prossegui um tanto pelo caminho para satisfazer tal interesse não médico Outros não apenas médicos mas também especialistas seguiram minhas pegadas e adentraram os respectivos territórios Mas desde que em conformidade com meu plano limitarei o relato a minhas próprias contribuições à psicanálise aplicada posso dar ao leitor apenas um quadro insuficiente de sua extensão e importância Toda uma série de sugestões se originou para mim do com plexo de Édipo cuja ubiquidade vim percebendo pouco a pouco Se a escolha ou a criação desse tema horrível sempre fora enig mática assim como o efeito perturbador de sua representação poética e a própria natureza de tais tragédias do destino tudo se explicava mediante a percepção de que ali fora apreendida uma lei geral do funcionamento psíquico em toda a sua significação afetiva A fatalidade e o oráculo eram apenas materializações da necessidade interna o fato de o herói pecar sem o saber e contra a sua intenção era entendido como a expressão correta da natureza inconsciente de seus impulsos criminosos Após com preender essa tragédia do destino bastava um passo para es clarecer a tragédia do caráter que é Hamlet que havia trezentos anos era admirada sem que se chegasse a determinar seu sentido e penetrar os motivos do poeta É digno de nota que esse neurótico criado pelo poeta fracasse no complexo de Édipo 127326 como seus inúmeros camaradas na vida real pois Hamlet se vê diante da tarefa de vingar em outra pessoa os dois atos que form am o teor da aspiração de Édipo e nisso é paralisado por seu ob scuro sentimento de culpa Shakespeare escreveu Hamlet pouco depois da morte de seu pai6 Minhas indicações para a análise desse drama vieram a ser desenvolvidas de modo aprofundado por Ernest Jones O mesmo exemplo foi depois tomado por Otto Rank como ponto de partida para seus estudos sobre a escolha do material feita pelos dramaturgos Em seu grande volume sobre o Tema do incesto 1912 ele mostrou como é frequente os escritores adotarem precisamente os temas da situação edípica e acompanhou as mudanças variações e atenuações sofridas pelo material na literatura universal Desse ponto era natural proceder à análise do próprio fazer poético e artístico Vimos que o reino da fantasia era um ter ritório protegido criado na dolorosa transição do princípio do prazer para o da realidade a fim de tornar possível um sucedâneo para a satisfação instintual que teve de ser abandon ada na vida real Como o neurótico o artista precisou retirarse da insatisfatória realidade para esse mundo da fantasia mas diferentemente do neurótico soube encontrar o caminho de volta e novamente fincar os pés na realidade Suas criações as obras de arte eram satisfações fantasiosas de desejos incon scientes tal como os sonhos com as quais também tinham em comum a natureza de compromisso pois também elas precis avam evitar o conflito aberto com as forças da repressão Mas à diferença das produções oníricas associais e narcísicas eram destinadas a provocar o interesse de outras pessoas podiam avivar e satisfazer nessas os mesmos desejos inconscientes Além 128326 disso valiamse do prazer perceptual na beleza da forma como um bônus de incentivo O que a psicanálise pôde fazer foi to mar as interrelações das impressões de vida as vivências casu ais e as obras do artista e construir sua constituição psíquica e os impulsos instintuais nela atuantes ou seja o que nele era uni versalmente humano Com esse propósito fiz de Leonardo da Vinci por exemplo o objeto de um estudo 1910 que se baseia na única recordação de infância por ele comunicada e que visa essencialmente dar uma explicação do quadro SantAna a Virgem e o Menino Desde então meus amigos e discípulos empreenderam inúmeras análises semelhantes de artistas e obras Não se verificou que a fruição de uma obra de arte tenha sido prejudicada pela compreensão analítica assim obtida Mas devemos confessar aos leigos que talvez esperem muito da anál ise quanto a isso que ela não lança nenhuma luz sobre as duas questões que provavelmente mais lhes interessam A psicanálise não pode ajudar no esclarecimento do dom artístico e tampouco lhe toca desvendar os meios com que o artista trabalha a técnica artística Tomando a Gradiva de Wilhelm Jensen uma pequena nov ela não muito valiosa em si mesma pude demonstrar que sonhos inventados admitem as mesmas interpretações que os sonhos reais e que portanto na produção do autor literário atuam os mecanismos do inconsciente que nos são conhecidos do trabalho do sonho Meu livro O chiste e sua relação com o inconsciente 1905 procede diretamente da Interpretação dos sonhos O único amigo que então se interessava por meu trabalho havia comentado que minhas interpretações de sonhos lhe pareciam espirituosas A fim de esclarecer tal impressão comecei a 129326 estudar os chistes e verifiquei que sua essência reside em seus meios técnicos mas que esses coincidem com os do trabalho do sonho ou seja condensação deslocamento representação pelo contrário por algo bem pequeno etc Isso levou à indagação eco nômica sobre a origem do elevado prazer que obtemos ao ouvir uma piada A resposta foi ele se deve à suspensão temporária do gasto com a repressão pelo incentivo de um bônus de prazer oferecido prazer prévio Eu próprio considero mais valiosas minhas contribuições à psicologia da religião que tiveram início em 1907 com a con statação de uma surpreendente semelhança entre atos obsess ivos e práticas religiosas ritos Sem conhecer ainda os nexos mais profundos caracterizei a neurose obsessiva como uma reli gião particular distorcida e a religião como uma espécie de neur ose obsessiva universal Mais tarde em 1912 a enfática referência de Jung às amplas analogias entre as produções mentais dos neuróticos e dos primitivos fez com que eu dirigisse a atenção para esse tema Nos quatro ensaios reunidos num volume intitu lado Totem e tabu argumentei que entre os primitivos o temor do incesto é ainda mais forte que entre os civilizados e gerou me didas de defesa bastante peculiares investiguei os laços entre as interdições do tabu a forma em que surgem as primeiras re strições morais e a ambivalência afetiva e descobri no primit ivo sistema universal do animismo o princípio da superestim ação da realidade psíquica a onipotência dos pensamentos em que se baseia também a magia A comparação com a neurose ob sessiva foi extensamente desenvolvida e demonstrei que muitos pressupostos da vida mental primitiva ainda vigoram nesta sin gular afecção Mas atraiume principalmente o totemismo o 130326 primeiro sistema de organização das tribos primitivas no qual os começos da ordem social se acham unidos a uma religião rudi mentar e ao inexorável domínio de uns poucos tabus Nele o ser venerado é sempre um animal originalmente do qual o clã também afirma descender Vários indícios me fizeram concluir que todos os povos também os mais cultivados passaram um dia pelo estágio do totemismo Minhas fontes literárias principais para os trabalhos nesse campo foram as conhecidas obras de J G Frazer Totemism and exogamy 1910 The golden bough O ramo dourado 1900 que são uma mina de fatos e pontos de vista valiosos Mas Frazer não concorria muito para a elucidação dos problemas do totem ismo várias vezes mudou radicalmente sua concepção sobre o tema e outros etnólogos e especialistas em préhistória pareciam igualmente incertos e desunidos na questão Meu ponto de partida foi a notável coincidência entre os dois preceitostabu do totemismo não matar o totem e não usar sexualmente nenhuma mulher do mesmo clã e os dois elementos do complexo de Édipo liquidar o pai e tomar a mãe como mulher Assim vime tentado a equiparar o animal totêmico ao pai tal como faziam expressamente os primitivos quando veneravam esse animal como o antepassado do clã Do lado psicanalítico dois fatos me vieram então em auxílio uma feliz observação realizada por Fer enczi numa criança que permitia falar de um retorno infantil do totemismo e a análise das fobias de animais em crianças pequenas que frequentemente mostrava que o animal era um sucedâneo paterno para o qual se deslocava o temor do pai fun damentado no complexo de Édipo Já não faltava muito para 131326 reconhecer no parricídio o âmago do totemismo e o ponto de partida na formação da religião A parte que faltava me veio ao tomar conhecimento da obra de W Robertson Smith The religion of the semites Esse homem genial físico e estudioso da Bíblia sustentou que a refeição totêmica era uma parte essencial da religião totêmica Uma vez por ano o animal totêmico normalmente visto como sagrado era morto devorado e em seguida pranteado numa solenidade que tinha a participação de todos os membros da tribo Depois do luto havia uma grande festa Juntando a isso a hipótese de Darwin segundo a qual os homens viviam originalmente em hordas cada qual sob o domínio de um único macho forte viol ento e ciumento formouse para mim a partir de todos esses componentes a conjectura ou melhor visão dos seguintes eventos O pai da horda um déspota sem limites tomou para si todas as mulheres e matou ou afastou os filhos seus rivais peri gosos Um dia porém esses filhos se juntaram impuseramse a ele e o mataram e devoraram a esse pai que era seu inimigo mas também seu ideal Após o feito não puderam assumir a herança pois cada um estorvava os demais Sob a influência do malogro e do remorso aprenderam a se tolerar mutuamente uniramse num clã fraterno mediante as regras do totemismo destinadas a evitar a repetição de um ato semelhante e renunciaram conjun tamente à posse das mulheres pelas quais haviam assassinado o pai Então passaram a buscar mulheres de fora esta é a origem da exogamia estreitamente ligada ao totemismo A refeição totêmica era a comemoração daquele ato monstruoso de que nasceu a consciência de culpa o pecado original da humanid ade com que tiveram início a organização social a religião e a restrição moral simultaneamente 132326 Aceitemos ou não como fato histórico essa possibilidade a formação da religião estava assim colocada no terreno do com plexo relativo ao pai e edificada sobre a ambivalência que o dom ina Depois de abandonado o animal totêmico como sucedâneo do pai o próprio temido e odiado venerado e invejado pai primordial tornouse o protótipo de Deus A rebeldia do filho e sua nostalgia do pai lutavam entre si em sempre novas form ações de compromisso mediante as quais o parricídio deveria ser expiado por um lado e ter seu benefício afirmado por outro Esta visão da religião lança uma viva luz sobre os fundamentos psicológicos do cristianismo em que como se sabe a cerimônia da refeição totêmica sobrevive pouco deformada no sacramento da comunhão Quero registrar que essa identificação não é minha já se encontra em Robertson Smith e Frazer Theodor Reik e o etnólogo Geza Róheim retomaram as ideias de Totem e tabu e as desenvolveram aprofundaram ou corri giram numa série de trabalhos de valor Eu próprio retornei a elas algumas vezes em investigações sobre o sentimento de culpa inconsciente de grande importância entre os motivos do sofrimento neurótico e em esforços para relacionar mais estreit amente a psicologia social à psicologia do indivíduo O Eu e o Id 1923 Psicologia das massas e análise do Eu 1921 Também recorri à herança arcaica do tempo da horda humana primordial para explicar a suscetibilidade à hipnose Tive pouca participação direta em outras aplicações da psic análise que são dignas do interesse geral Partindo das fantasias do indivíduo neurótico um amplo caminho leva às criações fantasiosas de grupos e povos tais como se apresentam nos mi tos lendas e fábulas Otto Rank fez da mitologia seu campo de 133326 trabalho a interpretação dos mitos sua derivação dos con hecidos complexos infantis inconscientes a substituição de ex plicações astrais por motivos humanos foram em muitos casos resultado de seu empenho analítico O tema do simbolismo tam bém encontrou vários estudiosos em meu círculo Esse tema valeu muitas inimizades à psicanálise pesquisadores demasiado sóbrios nunca puderam lhe perdoar o reconhecimento do sim bolismo que decorre da interpretação de sonhos Mas a análise não tem culpa na descoberta do simbolismo há muito tempo ele é conhecido em outras áreas folclore lendas mitos e nelas tem papel ainda maior que na linguagem dos sonhos Não contribuí pessoalmente para a aplicação da psicanálise à pedagogia mas era natural que a indagação psicanalítica sobre a sexualidade e o desenvolvimento psíquico da criança chamasse a atenção dos educadores e os fizesse enxergar sua tarefa sob uma nova luz Infatigável pioneiro dessa orientação na pedagogia foi o pastor protestante Oskar Pfister de Zurique que soube harmon izar o cultivo da análise com o apego à religiosidade sublim ada por certo Além dele há a dra HugHellmuth e o dr S Bern feld de Viena e muitos outros7 O emprego da análise na edu cação preventiva das crianças sadias e na correção daquelas ainda não neuróticas mas desencaminhadas em seu desenvolvi mento teve uma consequência de importância prática Não é mais possível reservar aos médicos o exercício da psicanálise dele excluindo os leigos Na verdade o médico que não tem uma formação especial é um leigo na análise apesar do diploma e o não médico pode com a preparação correspondente e ocasional apoio de um médico realizar a tarefa de um tratamento analítico das neuroses 134326 Por um desses desenvolvimentos contra os quais seria inútil lutar o próprio termo psicanálise adquiriu mais de um signi ficado Originalmente a designação de um método terapêutico agora tornouse também o nome de uma ciência a do psíquico inconsciente Raramente esta ciência é capaz de resolver um problema inteiramente por si só mas parece destinada a con tribuir de modo relevante a diversos campos do saber A área de aplicação da psicanálise tem a mesma extensão que a da psicolo gia à qual fornece um complemento de grande envergadura Posso então dizer volvendo o olhar para o trabalho de minha vida até o momento que iniciei muitas coisas e lancei muitas sugestões de que algo deve resultar no futuro Mas eu mesmo não saberia dizer se será muito ou pouco Posso apenas manife star a esperança de haver aberto o caminho para um importante progresso em nosso conhecimento PÓSESCRITO 1935 Pelo que sei o organizador desta série de Apresentações autobi ográficas não imaginava que uma delas teria continuação após algum tempo o que possivelmente sucede agora pela primeira vez O ensejo para isso foi criado pelo editor americano que desejou levar este breve trabalho a seu público numa nova edição Ele apareceu na América em 1927 publicado por Brentano com o título de An autobiographical study mas de forma pouco apropriada reunido a outro ensaio e tendo seu título encoberto pelo deste The problem of lay analysis 135326 Dois temas percorrem este trabalho as vicissitudes de minha vida e a história da psicanálise Eles se acham estreitamente lig ados A Autobiografia mostra como a psicanálise se tornou o conteúdo de minha vida e obedece à legítima suposição de que nada do que ocorreu à minha pessoa merece interesse ao lado de minhas relações com a ciência Pouco tempo antes da redação da Autobiografia havia a im pressão de que a recidiva de uma doença maligna logo poria termo à minha existência mas a arte do cirurgião me salvou em 1923 e pude seguir vivendo e produzindo embora não mais est ivesse livre de dores Nos mais de dez anos transcorridos não cessei o trabalho e as publicações analíticas como atesta o aparecimento do xii e último volume de meus Gesammelte Schriften Escritos completos pela Editora Psicanalítica Inter nacional de Viena Mas eu próprio vejo uma significativa difer ença Fios que se haviam entrelaçado em meu desenvolvimento começaram a se afastar interesses adquiridos num segundo mo mento retrocederam e outros mais antigos e originais nova mente se impuseram É verdade que nesse último decênio ainda realizei alguns importantes trabalhos analíticos como a revisão do problema da angústia no texto Inibição sintoma e angús tia de 1926 ou a clara explicação que achei para o fetichismo sexual em 1927 mas é correto dizer que desde a postulação das duas espécies de instintos Eros e instinto de morte e a decom posição da personalidade psíquica em Eu Supereu e Id 1923 eu não mais dei contribuições decisivas à psicanálise e o que depois escrevi poderia muito bem não ter surgido ou logo teria sido proposto por alguém mais Isto se relacionou com uma mudança ocorrida em mim com um certo desenvolvimento regressivo se 136326 quisermos chamálo assim Após o détour de uma vida inteira pelas ciências naturais a medicina e a psicoterapia meu in teresse retornou aos problemas culturais que um dia haviam fas cinado ao jovem que mal despertara para o pensamento Já dur ante o auge de meu trabalho psicanalítico em 1912 com Totem e tabu eu havia utilizado os novos conhecimentos analíticos para investigar as origens da religião e da moralidade Dois ensaios posteriores O futuro de uma ilusão 1927 e O malestar na civil ização 1930 deram prosseguimento a essa direção de trabalho Cada vez mais claramente percebi que os acontecimentos da história da humanidade as interações entre natureza humana evolução cultural e aqueles precipitados de experiências primevas dos quais a religião é o maior representante são apenas o reflexo dos conflitos dinâmicos entre Eu Id e Supereu que a psicanálise estuda no ser humano individual os mesmos processos repetidos num cenário mais amplo No Futuro de uma ilusão avaliei a religião de forma essencialmente negativa depois encontrei uma fórmula que lhe fez mais justiça seu poder reside efetivamente em seu teor de verdade mas essa verdade não é material e sim histórica Esses estudos que partem da psicanálise mas vão muito além dela talvez tenham sido mais bem acolhidos pelo público do que a psicanálise mesma Podem ter contribuído para que nascesse a breve ilusão de estar entre os autores que uma grande nação como a Alemanha está disposta a ouvir Foi em 1929 que Thomas Mann um reconhecido portavoz do povo alemão assinaloume um lugar na moderna história do pensamento em palavras substanciais e benevolentes Pouco depois minha filha Anna foi homenageada na prefeitura de Frankfurt am Main 137326 onde comparecia como minha representante para receber o prêmio Goethe de 1930 Esse foi o apogeu de minha vida como cidadão não muito depois as fronteiras de nossa pátria se encol heram e a nação não quis mais saber de nós Neste ponto me será permitido encerrar esta comunicação autobiográfica No que mais disser respeito a minhas questões pessoais a minhas lutas decepções e êxitos o público não tem o direito de saber mais De toda forma em alguns de meus escritos como a Interpretação dos sonhos a Psicopatologia da vida cotidiana fui mais franco e aberto do que costumam ser as pessoas que narram sua vida para os contemporâneos e os pós teros Não me foi demonstrada muita gratidão por isso a exper iência me leva a desaconselhar que outros o façam Cabem ainda algumas palavras sobre o destino da psicanálise nesta última década Já não há dúvida de que prosseguirá ex istindo ela demonstrou sua capacidade de subsistir e desenvolverse como ramo do saber e como terapia O número de seus seguidores organizados na Associação Psicanalítica In ternacional aumentou consideravelmente aos grupos locais mais antigos de Viena Berlim Budapeste Londres Holanda Suíça juntaramse outros em Paris Calcutá dois no Japão vários nos Estados Unidos e por fim um em Jerusalém e na África do Sul e dois na Escandinávia Esses grupos locais mantêm por seus próprios meios ou estão empenhados em cri ar institutos em que o ensino da psicanálise é feito segundo um plano uniforme e ambulatórios em que tanto analistas experi entes como aprendizes dão tratamento gratuito aos necessitados De dois em dois anos os membros da api realizam um congresso em que se fazem conferências científicas e se decidem questões 138326 de organização O 13o desses congressos a que já não pude estar presente aconteceu em 1934 em Lucerna A partir do que é comum a todos os trabalhos dos membros se orientam para di versas direções Alguns dão valor especial à clarificação e ao aprofundamento de nossos conhecimentos psicológicos outros se empenham em cultivar os nexos com a medicina interna e a psiquiatria Quanto às coisas de ordem prática uma parte dos psicanalistas tem o objetivo de alcançar o reconhecimento da psicanálise pelas universidades e sua inclusão no currículo médico enquanto outros se contentam em permanecer fora des sas instituições e não querem que a importância pedagógica da psicanálise decresça em relação à importância médica De quando em quando tem acontecido que um analista se isole empenhandose em destacar um só dos achados ou concepções da psicanálise à custa dos demais No entanto o conjunto deixa a satisfatória impressão de um trabalho científico sério e de alto nível Selbstdarstellungen que literalmente significaria autoapresentações O título deste ensaio tem aspas na edição alemã das obras completas porque não foi dado pelo autor mas nesta tradução as aspas podem assumir outro signi ficado indicando que ele não é uma autobiografia no sentido usual do termo 1 Foram publicadas primeiramente em inglês no American Journal of Psy chology 1910 depois em alemão com o título de Über Psychoanalyse Cinco lições de psicanálise 1910 2 These eventful years The twentieth century in the making as told by many of its makers LondresNova York The Encyclopaedia Britannica 1924 Meu 139326 ensaio traduzido pelo dr A A Brill forma o cap lxxiii do segundo volume Resumo da psicanálise 1924 Após a divisão da Tchecoslováquia ocorrida em 1992 fica na atual República Tcheca formada pelas regiões da Boêmia Silésia e Morávia Região no sul da Polônia e oeste da Ucrânia não deve ser confundida com aquela de mesmo nome Galícia ou Galiza no noroeste da Espanha Essa frase e a seguinte acrescentadas em 1935 estão omitidas na edição dos Gesammelte Werke que reproduz o texto dos Gesammelte Schriften de 1924 mas se acham na edição de Ilse GrubrichSimitis e na Standard inglesa Tratase de Heinrich Braun 18541927 que em 1883 fundaria com Karl Kaut sky e Wilhelm Liebknecht o órgão central do Partido SocialDemocrata Alemão Segundo James Strachey em 1956 descobriuse que o verdadeiro autor desse ensaio de 1780 foi o suíço G C Tobler Expressão do dramaturgo norueguês Ibsen na peça O inimigo do povo 1882 No original Vergebens daß ihr ringsum wissenschaftlich schweift Ein jeder lernt nur was er lernen kann Fausto i cena 4 vv 20156 Sekundararzt literalmente médico secundário equivaleria ao residente no sistema brasileiro Já o Primararzt que aparece mais adiante p 87 é o médico diretor Célebre hospital psiquiátrico de Paris atualmente hospital universitário Significa Entrem aqui também se acham os deuses frase que Aristóteles atribui a Heráclito na forma grega cf carta de Freud a Fliess em 4 de dezem bro de 1896 em que diz que planejava usála como epígrafe do capítulo de um livro sobre a histeria que não chegou a escrever porém 140326 Isso não impede que os fatos existam cf o obituário de Charcot escrito por Freud 1897 em que o episódio é descrito com mais detalhes em nota à sua tradução das Leçons du mardi Conferências das terçasfeiras do mestre francês reproduzidas no Nachtragsband dos GW e no v i da se Freud revela que a observação foi dirigida a ele próprio Martha Bernays que vivia próximo a Hamburgo Na primeira edição de 1925 achavase mein damaliges Versäumnis algo como aquela ocasião que perdi em vez de die damalige Störung aquele estorvo em sua carreira entendese como está na edição revista de 1934 Essa mudança não aparece nos Gesammelte Werke v xiv 1948 porque estes reproduzem o texto dos Gesammelte Schriften de 1928 anterior à revisão Numa nota à sua edição do presente texto GrubrichSimitis chama a atenção para um ensaio de Siegfried Bernfeld e Suzanne Cassirer Bernfeld de 1952 sobre o primeiro ano de clínica médica de Freud em que há uma ex posição detalhada desse episódio Na verdade a irritação da Sociedade de Medicina não se deveu tanto às novidades da escola de Charcot mas ao fato de Freud em seu entusiasmado relatório apontar indiretamente para defi ciências da medicina austríaca Eles também atribuem a essa provocação o comportamento hostil que Theodor Meynert viria a ter em relação a Freud Precipitado Niederschlag Nossa tradução é literal mas cabe considerar que o termo alemão é também usado figuradamente em contextos que indic am o significado de expressão fruto resultado na seguinte frase por exem plo O encontro do poeta com aquela senhora teve seu Niederschlag em nu merosos poemas Na frase anterior impulso traduz o mesmo termo origin al Impuls e suprimir é versão de unterdrücken Essa paciente que Breuer chamou Ana O era Bertha Pappenheim 18591936 que veio a se tornar uma pioneira do feminismo e a desenvolver importantes obras de assistência social Referência à Alemanha que então era um Reich reino 141326 O conhecido neurologista Adolf Strümpell resenhou o livro em 1896 na Deutsche Zeitschrift für Nervenheilkunde Revista Alemã de Medicina dos Nervos v 8 Esse artigo de 1898 é mencionado por Freud na correspondência com Fliess cf The complete letters of Sigmund Freud to Wilhelm Fliess 18871904 org e trad Jeffrey Moussaieff Masson Cambridge Mass Harvard 1985 carta de 3 de janeiro de 1899 ed bras Rio de Janeiro Imago 1986 Tendência tradução dada a Strebung nesse ponto as versões estrangeiras consultadas empregam tendencia aspiración tendenza tendance impul sion Além daquelas normalmente utilizadas a espanhola a argentina a itali ana e a inglesa também pudemos consultar a nova tradução francesa dirigida por Jean Laplanche Autoprésentation em Œuvres complètes v xvii Paris puf 1992 Conforme o critério adotado na presente edição de ordem decres cente de proximidade ao português ela vem citada em penúltimo lugar antes da edição inglesa Ciências humanas assim traduzimos aqui o termo Geisteswissenschaften que literalmente significa ciências do espírito como puseram os tradutores argentino italiano e francês já o espanhol utilizou simplesmente ciencia sem adjunto adnominal e o inglês preferiu mental sciences uma versão discutível Em Gesammelte Werke se acha une manière de parler mas na edição em volume autônomo de 1935 consta façon em vez de manière Esse parágrafo se acha em corpo menor na edição GW Atos psíquicos tradução literal de psychische Akte As versões consultadas são também literais exceto a inglesa que usa mental processes mas consid erando que já recorremos a processo para verter Vorgang e Prozeß e que os dicionários da língua alemã não apresentam outro sentido para o termo Akt mantivemos atos psíquicos embora admitindo a estranheza da expressão Imaginar é a tradução que aqui damos ao verbo erraten um dos favoritos de Freud e um dos verbos fundamentais da psicanálise que admite 142326 igualmente alguns outros sentidos ou nuances de sentido como se vê pelas versões estrangeiras consultadas deducir colegir arguire deviner infer Relações é uma das versões possíveis para o termo original Verhältnisse cuja polissemia já fica mais que evidente se reproduzimos as diferentes soluções das traduções consultadas circunstancias constelaciones fenomeni faits matters Topológico no original topisch adjetivo de Topik que muitas vezes en contramos vertido por tópica em textos de psicanálise Mas em português essa palavra designa a ciência ou tratado dos remédios tópicos aqueles que atuam no local em que são aplicados Os substantivos alemães terminados em ik podem induzir a erros na tradução assim Pädagogik significa pedagogia em português e Romantik romantismo Freud usa Topik por empréstimo da anatomia em que o termo designa o estudo da posição relativa dos órgãos A versão usada na Standard inglesa topography é sinônimo de topologia Cf a célebre carta a Fliess de 21 de setembro de 1897 em que Freud relata que já não acredita nas cenas de sedução narradas pelos pacientes Fantasias envolvendo desejos Wunschphantasien em que a palavra Wun sch significa desejo no sentido mais amplo como o termo inglês wish com o qual tem parentesco etimológico Também é possível fazer uma versão pura mente literal com a simples justaposição dos termos fantasiadesejo ou considerando que geralmente a fantasia implica o desejo omitir esse último mas não se pode esquecer que também existem fantasias envolvendo medo ou pavor As versões estrangeiras consultadas trazem fantasías optativas de deseo di desiderio de souhait wishful phantasies Essa última oração contém no texto alemão três palavras cuja tradução nem sempre é simples e duas delas se acham entre os termos favoritos de Freud A formulação original diz aus ihren Daten ein bisher unbekanntes Stück des biologischen Geschehens zu erraten esse último verbo significa adivinhar decifrar deduzir inferir etc e o substantivo Stück esses os dois favoritos pode ser traduzido por pedaço fragmento parte parcela etc por fim o verbo geschehen substantivado nessa frase significa literalmente 143326 acontecer mas aqui não pode ser traduzido dessa forma ele também aparece assim no título de um importante artigo de 1911 Formulações sobre os dois princípios do funcionamento psíquico Eis essas palavras nas versões estrangeiras consultadas não se acham na edição espanhola todo o parágrafo foi omitido colegir un fragmento acontecer biológico inferire una parte accadere biologico devinerune part advenir biologique discover ing a piece biological knowledge sic Voyeurismoexibicionismo SchautriebExibitionslust empregamos aqui o termo de origem francesa de uso corrente no Brasil para verter o termo original que se compõe de schauen ver olhar ligado etimologica mente ao inglês show e Trieb na segunda palavra composta Lust significa prazer mas também vontade desejo de Eis o que encontramos nas ver sões consultadas instinto de contemplaciónexhibicionismo pulsión de verpulsión de exhibición pulsione di guardarepiacere di esibirsi pulsion de regarderplaisirdésir dexhibition impulses to look and to be looked at Partes de instintos Triebanteile nas versões consultadas factores in stintivos sic aportes pulsionales pulsioni parziali éléments pulsionnels elements of the various component instincts 3 Nota acrescentada em 1935 As constatações sobre a sexualidade infantil fo ram adquiridas na análise de homens e a teoria delas derivada foi ajustada para o menino A expectativa de um completo paralelismo entre os dois sexos era natural mas demonstrou ser infundada Investigações e considerações ul teriores revelaram profundas diferenças entre o desenvolvimento sexual dos homens e o das mulheres Também para a menina a mãe é o primeiro objeto sexual no entanto para atingir a meta do desenvolvimento normal a mulher deve mudar não apenas o objeto sexual mas também a zona genital domin ante Disso resultam dificuldades e possivelmente inibições que não se ap resentam para o homem 4 Nota acrescentada em 1935 O período de latência é um fenômeno fisiológi co Mas ele só pode causar uma interrupção completa da vida sexual naquelas formas de organização cultural que incorporaram em seus fundamentos a 144326 supressão Unterdrückung da sexualidade infantil Esse não é o caso da maioria dos povos primitivos Cf Três ensaios de uma teoria da sexualidade ii A sexualidade infantil seção As manifestações sexuais masturbatórias 1905 Impulso tradução que geralmente damos a Strebung substantivo em de suso no alemão de hoje talvez já no tempo de Freud fosse uma peculiaridade sua relacionado ao verbo streben esforçarse aspirar ambicionar Nas versões estrangeiras temos tendencias aspiraciones impulsi tendances im pulses o segundo desses termos empregado na edição argentina não nos parece adequado Cf nota à p 170 Lenda Wunschlegende cf nota sobre Wunschphantasie à p 113 nas ver sões consultadas leyenda leyenda fruto del deseo leggenda ispirata al de siderio legendesouhait wishful legend Quando se abstinha de dar uma direção consciente a suas ideias wenn er sich jeder bewußten Zielvorstellung enthielt numa tradução mais literal quando se abstinha de toda ideia intencional consciente A questão aqui é como verter o vocábulo freudiano Zielvorstellung composto de Vorstellung ideia representação e Ziel meta objetivo Em outros textos de Freud como no Caso Schreber de 1911 e em A repressão de 1915 empregamos ideia intencional expressão não muito clara porém e que tem o sentido es clarecido na traduçãoparáfrase que aqui fizemos O Vocabulário da psicanál ise de Laplanche e Pontalis oferece representaçãometa expressão ainda menos clara enquanto a Standard inglesa geralmente recorre a purposive idea Eis o que trazem nesse ponto as versões consultadas represión sic evidente erro de impressão final representaciónmeta rappresentazione fi nalizzata représentationbut to give any conscious direction to his thoughts Cf a tradução que demos a um composto semelhante Zielhandlung em que Handlung ação em Os instintos e seus destinos por exemplo 1915 v 10 destas Obras completas 145326 Cf nota sobre a expressão ato psíquico à p 109 talvez se pudesse usar evento nesse caso Produto do pensamento Gedankengebilde em que Gebilde pode signifi car criação invenção formação obra produção estrutura imagem config uração desenho produto e Gedanke significa pensamento nas versões consultadas producto mental producto del pensamiento struttura ideativa formation de pensée thoughtstructure Forças motrizes Triebkräfte Adotamos aqui o sentido geral do termo alemão enquanto alguns outros tradutores enfatizam o significado técnico de Trieb energías instintivas fuerzas pulsionales forze motrici forces de pul sion motive forces Impulsos envolvendo desejos Wunschregungen ver nota sobre Wun schphantasien p 113 As traduções consultadas oferecem impulsos optat ivos sic como se pudéssemos optar por não têlos moción de deseo moti di desiderio motions de souhait wishful impulses Mais adiante na p 154 o termo foi traduzido simplesmente por desejos cf nota sobre ele em O uso da interpretação dos sonhos na psicanálise 1911 v 10 desta coleção onde também afirmamos a impropriedade de se traduzir Regung por moção Parecenos igualmente imprópria a tentativa feita por tradutores franceses de reservar a palavra désir para verter Begierde e empregar apenas souhait para Wunsch desejo num sentido mais amplo aparentado ao termo inglês wish Seria como decretar que nos textos psicanalíticos em língua portuguesa devemos empregar desejo apenas no sentido sexual e voto na acepção mais geral de desejo 5 Nota acrescentada em 1935 Quando se considera o frequente malogro da função do sonho podese caracterizar adequadamente o sonho como uma tentativa de realização de desejo Permanece indiscutível a velha definição de Aristóteles segundo ele o sonho é a vida psíquica durante o sono Não por acaso o título que dei a meu livro não foi Os sonhos mas sim Interpretação dos sonhos 146326 Mas foi publicado primeiramente em dois números de uma revista psiquiátrica de Berlim já em 1901 Esse parágrafo está em corpo menor nos GW Essa é a enumeração do original incluindo PanAmerika aqui traduzido literalmente Mas na Standard inglesa se acha com uma nota esclarecendo que a mudança foi aprovada pelo autor Áustria Alemanha Hungria Suíça GrãBretanha Holanda Rússia e Índia assim como duas nos Estados Unidos Burghölzli denominação informal do hospital psiquiátrico da universidade de Zurique então dirigido por Eugen Bleuler 18571939 No entanto alguns outros discípulos se afastaram nos anos seguintes à redação dessa Autobiografia Sandor Ferenczi e Otto Rank entre eles O restante desse parágrafo foi acrescentado em 1935 por isso não consta na edição dos Gesammelte Werke v xiv de 1948 Encontrase na edição de bolso feita por GrubrichSimitis e no Nachtragsband Volume suplementar dos GW Fischer Frankfurt 1987 p 764 Esse parágrafo se acha impresso em corpo menor na edição dos Gesammelte Werke Em Novas observações sobre as neuropsicoses de defesa parte iii Jung Sobre a psicologia da dementia praecox 1907 Bleuler Freudsche Mechanismen in der Symptomatologie von Psychosen Psychiatrischneurologische Wochenschrift 8 1906 Personagem cômico da peça Minna von Barnhelm de Lessing 172991 Tratase de um vigarista que num alemão estropiado diz estar assombrado quando a protagonista dá o nome correto à sua prática de roubar no jogo de cartas 147326 6 Nota acrescentada em 1935 Essa é uma construção Konstruktion que desejo explicitamente retirar Não mais acredito que William Shakespeare o ator de Stratford seja o autor das obras que há muito tempo lhe são atribuí das Desde a publicação do livro Shakespeare identified de J T Looney 1920 estou praticamente convencido de que sob esse pseudônimo se esconde Edward de Vere conde de Oxford Sobre essa extravagante opinião rejeitada pelos especialistas ver a nota de James Strachey em que descreve a reação de Freud quando ele lhe pediu que a reconsiderasse e as biografias assinadas por Ernest Jones e Peter Gay ambas editadas em português acrescentemos que a palavra looney sobrenome daquele autor significa maluco Bônus de incentivo Verlockungsprämie nas versões consultadas prima de atracción prima de seducción premio di allettamento incentive bonus a expressão também surge no artigo O poeta e a fantasia de 1908 Na frase seguinte construir é versão literal de konstruieren que em alemão admite mais o sentido figurado do que em português nós o mantemos a fim de con servar a relação com o substantivo usado por Freud na nota anterior e no título de um de seus últimos ensaios sobre técnica psicanalítica Konstruktion en in der Analyse de 1937 Quanto aos demais tradutores com exceção do es panhol que simplesmente omite o termo eles também foram literais nesse ponto Alusão a Wilhelm Fliess Esse parágrafo e o seguinte estão impressos em corpo menor na edição dos Gesammelte Werke Identificação Agnoszierung do verbo agnoszieren do latim agnoscere que significa reconhecer mas que na Áustria tem o sentido de identificar estabelecer a identidade fazer o reconhecimento de um morto por exem plo as versões consultadas não se acham de acordo quanto a esse termo comparación discernimiento riconoscimento identification observation Ele também foi usado no título do último capítulo do ensaio O inconsciente de 1915 A identificação ou reconhecimento do inconsciente 148326 No capítulo x de Psicologia das massas e análise do Eu 7 Nota acrescentada em 1935 Desde então a psicanálise infantil teve enorme incremento com os trabalhos de Melanie Klein e de minha filha Anna Freud A última frase foi acrescentada em 1935 Essa fórmula veio a ser expressa em Moisés e o monoteísmo 1939 redigido em 193438 cap iii parte ii seção g Na Standard inglesa também se acha a Rússia nessa enumeração segundo Strachey foi uma inclusão autorizada por Freud por se tratar de uma omissão involuntária tendo em vista que ele já havia mencionado o grupo de Moscou cf nota à p 135 149326 A ORGANIZAÇÃO GENITAL INFANTIL 1923 UM ACRÉSCIMO À TEORIA DA SEXUALIDADE TÍTULO ORIGINAL DIE INFANTILE GENITALORGANISATION EINE EINSCHALTUNG IN DIE SEXUALTHEORIE PUBLICADO PRIMEIRAMENTE EM INTERNATIONALE ZEITSCHRIFT FÜR PSYCHOANALYSE REVISTA INTERNACIONAL DE PSICANÁLISE V 9 N 2 PP 16871 TRADUZIDO DE GESAMMELTE WERKE XIII PP 2918 TAMBÉM SE ACHA EM STUDIENAUSGABE V PP 23541 ESTA TRADUÇÃO FOI PUBLICADA ORIGINALMENTE EM JORNAL DE PSICANÁLISE SOCIEDADE BRASILEIRA DE PSICANÁLISE DE SÃO PAULO V 33 N 6061 PP 47781 DEZEMBRO DE 2000 ALGUMAS NOTAS DO TRADUTOR FORAM OMITIDAS E OUTRAS FORAM MODIFICADAS NA PRESENTE EDIÇÃO É algo revelador da dificuldade da pesquisa em psicanálise o fato de ser possível mesmo em décadas de observação contínua não enxergar traços gerais e relações características até que final mente eles nos vêm ao encontro de maneira inconfundível Com as observações seguintes eu pretendo reparar uma negligência desse tipo no âmbito do desenvolvimento sexual infantil Os leitores de meus Três ensaios de uma teoria da sexualid ade 1905 sabem que eu jamais reorganizei esse trabalho nas edições posteriores que mantive a ordenação original e levei em conta os progressos de nosso conhecimento através de interpol ações e mudanças no texto Nisso pode ter ocorrido que as partes antigas e as mais novas não se tenham fundido adequadamente numa unidade sem contradições Inicialmente foi dada ênfase à descrição da fundamental diferença entre a vida sexual das cri anças e a dos adultos depois passaram a primeiro plano as or ganizações prégenitais da libido e o fato da instauração em dois tempos do desenvolvimento sexual fato digno de nota e pleno de consequências Por fim reivindicou nosso interesse a pesquisa sexual da criança e a partir dela se pôde reconhecer que o desfecho da sexualidade infantil por volta dos cinco anos se aproxima amplamente da forma definitiva no adulto Foi aí que parei na última edição da Teoria da sexualidade 1922 Em sua página 65 afirmo que com frequência ou regular mente já na infância é realizada uma escolha de objeto semel hante à que vimos como característica da fase de desenvolvi mento da puberdade ou seja todas as tendências sexuais se di rigem para uma única pessoa na qual esperam alcançar seus objetivos Isso constitui então a maior aproximação à forma fi nal da vida sexual depois da puberdade que é possível na infân cia A única diferença está em que a reunião dos instintos parci ais e sua subordinação à primazia dos genitais não chega a ocor rer na infância ou ocorre de maneira bastante incompleta O es tabelecimento desse primado a serviço da reprodução é a úl tima fase por que passa a organização sexual Agora eu já não me daria por satisfeito com a afirmação de que o primado dos genitais não se realiza ou o faz muito imper feitamente no período da primeira infância A aproximação da vida sexual infantil àquela dos adultos vai muito adiante e não se limita ao surgimento da escolha de objeto Mesmo não chegando a uma autêntica reunião dos instintos parciais sob o primado dos genitais no auge do desenvolvimento da sexualid ade infantil o interesse nos genitais e sua atividade adquirem uma significação preponderante que pouco fica a dever àquela da maturidade A principal característica dessa organização genital infantil constitui ao mesmo tempo o que a diferencia da definitiva organização genital dos adultos Consiste no fato de que para ambos os sexos apenas um genital o masculino entra em consideração Não há portanto uma primazia genital mas uma primazia do falo Infelizmente só podemos descrever esse estado de coisas no que diz respeito ao menino faltanos o conhecimento dos pro cessos correspondentes na menina Sem dúvida o garoto pequeno se dá conta de que homens e mulheres são diferentes mas inicialmente ele não tem motivo para relacionar isso com uma diferença entre os órgãos genitais de ambos Para ele é nat ural supor que todos os outros seres vivos tanto pessoas como animais possuem um órgão semelhante ao seu e sabemos até 152326 que ele busca igualmente em coisas inanimadas uma formação análoga1 Essa parte do corpo que se excita facilmente que se modifica e é tão rica em sensações ocupa em alto grau o in teresse do menino e continuamente apresenta novas tarefas ao seu impulso investigador Ele gostaria de ver também o das out ras pessoas a fim de comparálo ao seu ele age como se suspei tasse que esse membro poderia e deveria ser maior a força im pulsora que esse membro viril desenvolverá depois na puber dade se manifesta nesse período da vida essencialmente como esforço de investigação como curiosidade sexual Muitas das ex ibições e agressões cometidas pelas crianças que numa idade posterior não hesitaríamos em julgar manifestações de concupiscência revelamse na análise experimentos a serviço da investigação sexual No curso dessas pesquisas o menino descobre que o pênis não é um bem comum a todos os seres semelhantes a ele A visão casual dos genitais de uma irmãzinha ou companheira de brin quedos fornece a oportunidade para essa descoberta Aqueles mais perspicazes observando as meninas a urinar já desconfi aram de alguma coisa diferente devido à outra postura que elas têm e ao outro ruído que fazem e então procuraram repetir essas observações de modo esclarecedor Sabese como reagem às primeiras impressões da ausência de pênis Eles recusam essa ausência acreditam ver um membro atenuam a contradição entre o que viram e o que esperavam mediante a evasiva de que ele é ainda pequeno e crescerá e aos poucos chegam à conclusão emocionalmente significativa de que no mínimo ele estava presente e depois foi retirado A ausência de pênis é vista como resultado de uma castração e o menino se acha ante a tarefa de lidar com a castração em relação a ele próprio Os 153326 desenvolvimentos seguintes são muito conhecidos para que seja necessário repetilos aqui Apenas me parece que a significação do complexo da castração só pode ser apreciada corretamente quando se considera também sua origem na fase da primazia do falo2 Sabese igualmente em que grau a depreciação da mulher o horror da mulher a disposição à homossexualidade derivam da convicção definitiva de que a mulher não possui pênis Recente mente Ferenczi ligou de modo inteiramente correto o símbolo mitológico do horror a cabeça da Medusa à impressão produz ida pelo genital feminino sem pênis3 Mas não devemos crer que o menino prontamente generaliza a sua observação de que várias pessoas do sexo feminino não possuem pênis Já é um obstáculo para isto a sua suposição de que a ausência de pênis na mulher seria uma consequência do castigo da castração Pelo contrário o menino acha que apenas mulheres indignas provavelmente culpadas de impulsos proi bidos como os dele teriam perdido o genital Mulheres respeita das como sua mãe conservam o pênis por muito tempo Ainda não há nexo para o garoto entre ser mulher e a ausência de pênis4 Somente depois quando ele aborda os problemas da ori gem e do nascimento das crianças e descobre que apenas mul heres podem ter filhos a mãe também perde o pênis e são con struídas às vezes complicadas teorias para explicar a troca do pênis por uma criança Em tudo isso o genital feminino não parece jamais ser descoberto Como sabemos a criança vive no ventre intestino da mãe e nasce pela saída do intestino Essas últimas teorias nos levam além do período da sexualidade infantil 154326 É importante ter em vista as mudanças que experimenta no desenvolvimento sexual infantil a polaridade sexual que nos é familiar Uma primeira oposição é introduzida com a escolha do objeto que naturalmente pressupõe sujeito e objeto No estágio da organização prégenital sadicoanal não se pode ainda falar de masculino e feminino prevalece a oposição de ativo e passivo5 No estágio da organização genital infantil que então se segue há masculino mas não feminino a oposição é genital masculino ou castrado Apenas ao se completar o desenvolvimento na épo ca da puberdade a polaridade sexual coincide com masculino e feminino O masculino reúne o sujeito a atividade e a posse do pênis o feminino assume o objeto e a passividade A vagina é en tão estimada como abrigo do pênis tornase herdeira do ventre materno Tendências sexuais Sexualstrebungen no original Strebung deriva do verbo streben empenharse aspirar ambicionar Nas versões estrangeiras consultadas se encontram omitindo o adjetivo sexuais comum a todas in stintos aspiraciones aspirazioni tendances currents strevingen Além das traduções normalmente utilizadas a espanhola da Biblioteca Nueva a ar gentina da Amorrortu a italiana da Boringhieri e a Standard inglesa recor remos a duas outras neste caso a francesa dirigida por Jean Laplanche em Œuvres complètes v xvi Paris puf 1991 e a holandesa da Boom Klinische Beschouwingen v 3 Amsterdã 1985 Freud cita a página da 5a edição em volume autônomo dos Três ensaios o trecho citado se encontra no segundo ensaio A sexualidade infantil sexta seção oitavo parágrafo Faltanos o conhecimento fehlt uns die Einsicht O substantivo alemão etimologicamente aparentado ao inglês insight admite várias versões se gundo o contexto Os dicionários bilíngues alemãoportuguês dão as seguintes 155326 opções inspeção conhecimento penetração exame inteligência As versões estrangeiras consultadas apresentam nos faltan datos carecemos de una in telección ci manca una piena conoscenza lintelligence nous manque are not known to us hebben wij geen inzicht não temos inzicht esta sendo a palavra holandesa equivalente a Einsicht 1 É notável digase de passagem a pouca atenção que a criança dá à outra parte dos genitais masculinos o pequeno saco e seu conteúdo Pelo que se ouve nas análises não se poderia imaginar que os genitais masculinos incluem alguma coisa além do pênis Impulso investigador Forschertrieb nas versões consultadas encon tramos instinto de investigación pulsión de investigación pulsione di ricerca pulsion de chercheur instinct for research speurdrift speuren signi fica procurar investigar drift é claramente aparentada a Trieb em alemão e drive em inglês neste contexto preferiuse impulso para verter Trieb cf As palavras de Freud op cit p 262 Na frase seguinte força impulsora traduz treibende Kraft que nas outras versões aparece como fuerza im pulsora fuerza pulsionante force pulsante driving force drijvende kracht Recusam leugnen nas versões consultadas niegan desconocen dis conoscono dénient disavow loochenen Cf nota de Strachey na Standard edition v xix sobre o conceito de Verleugnung cujo aparecimento é por ele registrado neste ponto da obra de Freud Ver também o verbete do Vocab ulário da psicanálise São Paulo Martins Fontes 11a ed revista e adaptada para o Brasil 1991 e As palavras de Freud op cit pp 22430 2 Já foi corretamente assinalado que a criança adquire a ideia de um dano nar císico por perda corporal ao perder o seio materno após mamar ao depositar cotidianamente as fezes e mesmo ao separarse do ventre da mãe no nasci mento Mas só devemos falar de um complexo da castração quando tal ideia de perda ficou ligada ao genital 3 Internationale Zeitschrift für Psychoanalyse ix 1923 Caderno 1 Gostaria de acrescentar que no mito se trata do genital da mãe Atenas que leva a cabeça 156326 da Medusa no escudo tornase por isso mesmo a mulher inabordável cuja visão afasta qualquer pensamento de aproximação sexual Impulsos Regungen nas versões consultadas impulsos mociones im pulsi motions impulses impulsen Ver nota sobre a tradução de Regung em O uso da interpretação dos sonhos na psicanálise volume 10 destas Obras completas p 127 e em Recordar repetir e elaborar idem p 197 4 Analisando uma jovem senhora que não tinha pai e tinha várias tias soube que ainda no período de latência ela acreditava que a mãe e algumas tias pos suíam pênis Mas uma tia que era débil mental ela pensava ser castrada tal como percebia a si mesma Para o menino naturalmente Mas isso não é explicitado na frase original que diz Wie wir wissen lebt das Kind im Leib Darm der Mutter und wird durch den Darmausgang geboren Talvez Freud considerasse claro o sentido que pretendia em virtude do contexto ou talvez isso seja simplesmente neg ligência de expressão LópezBallesteros intercalou um imagina que na frase e Strachey is supposed Etcheverry e Laplanche nada acrescentaram 5 Cf Três ensaios de uma teoria da sexualidade 5a ed p 62 157326 NEUROSE E PSICOSE 1924 TÍTULO ORIGINAL NEUROSE UND PSYCHOSE PUBLICADO PRIMEIRAMENTE EM INTERNATIONALE ZEITSCHRIFT FÜR PSYCHOANALYSE REVISTA INTERNACIONAL DE PSICANÁLISE V 10 N 1 PP 15 TRADUZIDO DE GESAMMELTE WERKE XIII PP 38791 TAMBÉM SE ACHA EM STUDIENAUSGABE III PP 3317 Num trabalho que publiquei recentemente O Eu e o Id ofereci uma divisão do aparelho psíquico que nos permite descrever uma série de relações de forma clara e compreensível Em outros pontos no que toca ao papel e à origem do Supereu por exem plo restam bastantes coisas obscuras e não resolvidas É lícito esperar que o que foi ali colocado se revele útil e proveitoso tam bém para outras coisas ainda que seja apenas para ver de uma nova maneira o já conhecido classificálo diferentemente ou expôlo de modo mais convincente Tal aplicação poderia tam bém significar um vantajoso retorno da teoria cinzenta para a verdejante experiência Na obra mencionada caracterizei os múltiplos laços de de pendência do Eu sua posição intermediária entre o mundo ex terior e o Id e o seu empenho em fazer a vontade de todos os seus senhores ao mesmo tempo Relacionada a um curso de pensamento vindo de outra parte que dizia respeito à origem e prevenção das psicoses ocorreume uma fórmula simples que trata da diferença genética mais importante talvez que há entre neurose e psicose a neurose seria o resultado de um conflito entre o Eu e seu Id enquanto a psicose seria o análogo desfecho de uma tal perturbação nos laços entre o Eu e o mundo exterior É justificada a advertência de que convém desconfiar de soluções tão simples para um problema Além disso nossa ex pectativa máxima é que tal fórmula se mostre correta em linhas muito gerais Mas isso já seria algo Logo lembramos de toda uma série de percepções e achados que parecem apoiar nossa tese As neuroses de transferência conforme todas as nossas an álises surgem pelo fato de o Eu não querer aceitar e promover a efetivação motora de um impulso instintual poderoso no Id ou de contestar o objeto a que ele visa O Eu então defendese dele através do mecanismo da repressão o que é reprimido se revolta contra esse destino criando por vias sobre as quais o Eu não tem poder um substituto que o representa que se impõe ao Eu pela via do compromisso o sintoma o Eu vê ameaçada e preju dicada por esse intruso a sua unidade dá prosseguimento à luta contra o sintoma tal como se defendia originalmente do impulso instintual e tudo isso resulta no quadro da neurose Não con stitui objeção que o Eu ao efetuar a repressão no fundo esteja seguindo as ordens do seu Supereu que por sua vez originam se das influências do mundo externo real que acharam repres entação no Supereu Permanece o fato de que o Eu se pôs ao lado desses poderes que nele as suas exigências têm mais força do que as reivindicações instintuais do Id e que o Eu é o poder que coloca em andamento a repressão a essa parte do Id e forta lece a repressão mediante o contrainvestimento da resistência A serviço do Supereu e da realidade o Eu entrou em conflito com o Id e assim ocorre em todas as neuroses de transferência Por outro lado será igualmente fácil a partir do que até agora conhecemos sobre o mecanismo das psicoses dar exemplos que apontam para um distúrbio na relação entre o Eu e o mundo ex terior No que Meynert chama de amência uma confusão alucinatória aguda talvez a mais extrema e impressionante forma de psicose o mundo exterior não é percebido de modo algum ou sua percepção não tem nenhum efeito Pois normal mente o mundo exterior domina o Eu por duas vias primeiro pelas percepções atuais que sempre podem se renovar depois pelo acervo mnemônico de percepções anteriores que como mundo interior constituem patrimônio e elemento do Eu Na 160326 amência não só é excluído o acolhimento de novas percepções mas também é retirado o significado investimento do mundo interior que até então representava o mundo exterior como sua cópia autonomamente o Eu cria um novo mundo exterior e in terior e não há dúvida quanto a dois fatos de que esse novo mundo é edificado conforme os impulsos de desejo do Id e de que o motivo dessa ruptura com o mundo exterior é uma difícil aparentemente intolerável frustração do desejo por parte da realidade Não podemos ignorar o íntimo parentesco entre essa psicose e o sonho normal Mas a precondição para o sonho é o estado do sono caracterizado entre outras coisas pelo total afastamento da percepção e do mundo externo Quanto a outras formas de psicose as esquizofrenias sabese que tendem a resultar no embotamento afetivo isto é na perda de todo interesse no mundo exterior Sobre a gênese das form ações delirantes algumas análises nos ensinaram que o delírio é como um remendo colocado onde originalmente surgira uma fis sura na relação do Eu com o mundo exterior Se essa precon dição o conflito com o mundo externo não é muito mais patente do que agora notamos a razão para isso está no fato de no quadro clínico da psicose as manifestações do processo pato gênico serem frequentemente cobertas por aquelas de uma tent ativa de cura ou reconstrução A etiologia comum à irrupção de uma psiconeurose ou psicose é sempre a frustração a não realização de um daqueles desejos infantis nunca sujeitados tão profundamente enraizados em nossa organização filogeneticamente determinada Tal frus tração é no fundo sempre externa em casos individuais pode vir daquela instância interior no Supereu que se encarregou de representar as exigências da realidade O efeito patógeno 161326 depende de que o Eu nessa tensão conflituosa continue fiel à sua dependência do mundo externo e procure amordaçar o Id ou se deixe sobrepujar pelo Id e separar da realidade Esta situ ação aparentemente simples porém é complicada pela existên cia do Supereu que por um nexo ainda não esclarecido reúne influências que vêm tanto do Id como do mundo externo sendo como que um modelo ideal daquilo visado por todo o esforço do Eu a conciliação de suas múltiplas dependências O comporta mento do Supereu deve ser levado em consideração o que não se fez até agora em todas as formas de doença psíquica Po demos no entanto postular provisoriamente que tem de haver afecções baseadas num conflito entre Eu e Supereu A análise nos dá o direito de supor que a melancolia é um exemplo típico desse grupo e reivindicaríamos para esses distúrbios o nome de psiconeuroses narcísicas E não destoa de nossas impressões que encontremos motivos para separar estados como a melan colia das outras psicoses Percebemos então que pudemos com pletar nossa simples fórmula genética sem abandonála A neur ose de transferência corresponde ao conflito entre Eu e Id a neurose narcísica ao conflito entre Eu e Supereu a psicose àquele entre Eu e mundo exterior É certo que não podemos logo dizer se realmente adquirimos novos conhecimentos ou se apen as aumentamos o nosso acervo de fórmulas mas creio que esta possibilidade de aplicação deve nos animar a manter a sugerida divisão do aparelho psíquico em Eu Supereu e Id A afirmação de que neuroses e psicoses nascem dos conflitos do Eu com suas diferentes instâncias dominantes isto é corres pondem a um fracasso da função do Eu que evidentemente pro cura conciliar todas as diferentes reivindicações pede uma outra discussão que a complemente Gostaríamos de saber em que 162326 circunstâncias e por quais meios o Eu consegue sair sem adoe cer de tais conflitos que sempre se acham presentes Eis um novo âmbito de pesquisa no qual certamente os mais diversos fatores se apresentarão para serem examinados Dois deles po dem ser imediatamente ressaltados O resultado de todas essas situações dependerá não há dúvida da constelação econômica das grandezas relativas das tendências em luta E para o Eu será possível evitar a ruptura em qualquer direção ao deformar a si mesmo permitir danos à sua unidade eventualmente até se di vidir ou partir Desse modo as incoerências excentricidades e loucuras dos homens apareceriam numa luz semelhante à de suas perversões sexuais cuja aceitação lhes permite poupar a si mesmos repressões Por fim há a questão de qual pode ser o mecanismo análogo à repressão mediante o qual o Eu se separa do mundo exterior Acho que isso não pode ser respondido sem novas investigações mas ele deve ter por conteúdo como a repressão uma retirada do investimento lançado pelo Eu Alusão a dois famosos versos do Fausto de Goethe Cinzenta é toda teoria caro amigo E verde a áurea árvore da vida Grau teurer Freund ist alle Theorie Und grün des Lebens goldner Baum falados por Mefistófeles parte i cena 4 Substituto que o representa Ersatzvertretung nas versões estrangeiras consultadas satisfacción sic substitutiva subrogación substitutiva rapp resentanza sostitutiva il se fait représenter par un substitut substitutive representation substituut além daquelas normalmente utilizadas duas em espanhol a italiana da Boringhieri e a Standard inglesa consultamos tam bém uma francesa antiga da puf e a holandesa da Boom Em português 163326 representar corresponde a mais de um verbo alemão os dois principais ver treten e vorstellen significam respectivamente estar no lugar de substituir e figurar entre outras coisas A fim de escapar a uma possível confusão re corremos aqui a uma paráfrase pois representação é geralmente entendida no sentido de Vorstellung que tendemos a traduzir por ideia como faz Strachey Para um maior esclarecimento dessa questão ver capítulo Vorstellung idea représentation em Paulo César de Souza As palavras de Freud op cit O significado investimento die Bedeutung Besetzung Em alemão o primeiro substantivo pode significar também importância por isso as ver sões consultadas diferem significación carga valor psíquico investidura significato investimento signification investissement significance cathexis betekenis bezetting estes equivalentes exatos dos termos alemães Impulsos de desejo Wunschregungen nas versões consultadas tenden cias optativas mociones de deseo moti di desiderio désirs wishful impulses wensimpulsen Em algumas ocasiões traduzimos esse termo composto por impulsos envolvendo desejos e até mesmo por desejos simplesmente cf nota à p 130 e As palavras de Freud op cit apêndice B Constelação Verhältnisse Embora não seja técnico esse termo ilustra uma característica de vários termos freudianos a polissemia a diversidade ou amplitude de sentidos Os tradutores estrangeiros recorrem a circunstancias constelaciones rapporti circonstances considerations verhoudingen equi valente ao alemão O original é plural mas pareceunos melhor usar o termo escolhido no singular pois ele designa um conjunto de relações 164326 O PROBLEMA ECONÔMICO DO MASOQUISMO 1924 TÍTULO ORIGINAL DAS ÖKONOMISCHE PROBLEM DES MASOCHISMUS PUBLICADO PRIMEIRAMENTE EM INTERNATIONALE ZEITSCHRIFT FÜR PSYCHOANALYSE REVISTA INTERNACIONAL DE PSICANÁLISE V 10 N 2 PP 12133 TRADUZIDO DE GESAMMELTE WERKE XIII PP 37183 TAMBÉM SE ACHA EM STUDIENAUSGABE III PP 33954 ESTA TRADUÇÃO FOI PUBLICADA ORIGINALMENTE EM JORNAL DE PSICANÁLISE SOCIEDADE BRASILEIRA DE PSICANÁLISE DE SÃO PAULO V 34 N 6263 PP 27383 DEZEMBRO DE 2001 O TEXTO E ALGUMAS NOTAS DO TRADUTOR FORAM MODIFICADOS NA PRESENTE EDIÇÃO Do ponto de vista econômico é justo qualificarmos de enigmát ica a existência de tendências masoquistas na vida instintual hu mana Pois se o princípio do prazer domina os processos psíqui cos de forma tal que o primeiro objetivo destes é evitar o de sprazer e conseguir prazer o masoquismo tornase algo incom preensível Se a dor e o desprazer podem já não ser advertências mas objetivos em si mesmos o princípio do prazer é paralisado o guardião de nossa vida psíquica é como que narcotizado Assim o masoquismo nos aparece como um grande perigo o que absolutamente não é o caso de sua contrapartida o sadismo Somos tentados a chamar o princípio do prazer de guardião da nossa vida não apenas de nossa vida psíquica Mas então surge a tarefa de investigar a relação do princípio do prazer com as duas espécies de instintos que diferenciamos os instintos de morte e os instintos de vida eróticos libidinais e não podemos continu ar a discussão do problema do masoquismo antes de realizar esse trabalho Será lembrado que entendemos o princípio que rege todos os processos psíquicos como um caso especial da tendência à es tabilidade proposta por Fechner e portanto atribuímos ao aparelho psíquico a intenção de reduzir a nada a quantidade de excitação que lhe chega ou ao menos mantêla a mais baixa possível Barbara Low sugeriu para essa suposta tendência o nome de princípio do Nirvana que nós aceitamos Mas apressa damente identificamos o princípio de prazerdesprazer com este princípio do Nirvana Assim todo desprazer deveria coincidir com uma elevação e todo prazer com um abaixamento da tensão devida a estímulos que se acham na psique o princípio do Nir vana e o do prazer supostamente idêntico a ele estaria total mente a serviço dos instintos de morte cuja meta é conduzir a vida sempre instável à quietude do estado inorgânico e teria a função de advertir contra as exigências dos instintos de vida da libido que buscam perturbar o pretendido curso da vida Mas tal concepção não pode ser correta Ao que parece sentimos o aumento ou decréscimo dos montantes de estímulos diretamente na série dos sentimentos de tensão e não há dúvida de que ex istem tensões prazerosas e distensões desprazerosas O estado de excitação sexual é o mais claro exemplo de um aumento de es tímulos assim prazeroso mas certamente não é o único Prazer e desprazer portanto não podem ser referidos ao aumento ou di minuição de uma quantidade que chamamos de tensão devida a estímulos embora claramente tenham muito a ver com isso Parece que não dependem desse fator quantitativo mas de uma característica dele que só podemos designar como qualitativa Estaríamos bem mais adiantados na psicologia se soubéssemos indicar qual é esse traço qualitativo Talvez seja o ritmo o transcurso temporal das mudanças elevações e quedas da quan tidade de estímulos não o sabemos Em todo caso devemos reparar que o princípio do Nirvana que pertence ao instinto de morte experimentou no ser vivo uma modificação que o fez tornarse princípio do prazer e de ora em diante evitaremos tomar os dois princípios por um Não é di fícil adivinhar de qual poder se originou essa modificação se queremos prosseguir com este raciocínio Pode ser apenas o in stinto de vida a libido que desse modo conquistou sua parte na regulamentação dos processos vitais junto ao instinto de morte 167326 Assim chegamos a uma pequena mas interessante cadeia de re lações o princípio do Nirvana exprime a tendência do instinto de morte o princípio do prazer representa a reivindicação da li bido e a modificação dele o princípio da realidade a influência do mundo externo Nenhum desses três princípios é realmente colocado fora de ação por outro Via de regra eles sabem tolerar um ao outro em bora ocasionalmente deva levar a conflitos o fato de a meta es tabelecida ser de um lado a diminuição quantitativa da carga de estímulos do outro um caráter qualitativo da mesma e por fim um adiamento da descarga e uma aceitação provisória da tensão devida ao desprazer O que concluímos dessa discussão é que não se pode recusar a denominação de guardião da vida para o princípio do prazer Voltemos ao masoquismo Ele se oferece à nossa observação em três formas como uma condição para a excitação sexual como expressão da natureza feminina e como uma norma de conduta na vida behaviour Podese distinguir correspond entemente um masoquismo erógeno um feminino e um moral O primeiro o masoquismo erógeno o prazer na dor também es tá na base das duas outras formas ele deve ter fundamento bio lógico e constitucional e permanece incompreensível se não nos resolvemos a formular suposições acerca de pontos bastante ob scuros A terceira forma do masoquismo em certo sentido a mais importante só recentemente foi apreciada pela psicanálise como sentimento de culpa em geral inconsciente mas já admite uma completa explicação e inserção no resto de nosso conheci mento Quanto ao masoquismo feminino é o mais acessível à 168326 nossa observação o menos enigmático e o que podemos enxergar em todas as suas relações Com ele pode começar a nossa exposição Conhecemos suficientemente esse masoquismo no homem ao qual me limitarei aqui em razão do material disponível pelas fantasias de pessoas masoquistas com frequência impotentes por isso que resultam no ato masturbatório ou representam em si mesmas a satisfação sexual Os desempenhos reais de perver tidos masoquistas coincidem inteiramente com as fantasias quer sejam realizados como fim em si quer sirvam para induzir a potência e levar ao ato sexual Nos dois casos os desempenhos são afinal apenas a realização das fantasias em forma de jogo o conteúdo manifesto é ser amordaçado amarrado golpeado chicoteado de maneira dolorosa maltratado de algum modo obrigado à obediência incondicional sujado humilhado Muito mais raramente e com grandes restrições veemse incluídas também mutilações nesse conteúdo A interpretação imediata comodamente alcançada é que o masoquista deseja ser tratado como uma criança pequena desamparada e dependente mas es pecialmente como uma criança malcomportada É supérfluo citar casos o material é bastante uniforme e acessível a todo ob servador também ao que não é analista Mas tendose podido estudar casos em que as fantasias masoquistas sofreram elabor ação particularmente rica é fácil perceber que elas põem o indi víduo numa situação caracteristicamente feminina isto é signi ficam ser castrado ser possuído ou dar à luz Por causa disso 169326 chamei de feminina essa forma de masoquismo como que a po tiori pelos traços mais importantes embora muitos de seus ele mentos apontem para a vida infantil Esta superposição em ca madas do infantil e do feminino terá mais adiante uma ex plicação simples A castração ou o enceguecimento que a rep resenta deixa frequentemente nas fantasias a sua pista negat iva na condição de que não podem sofrer dano justamente os genitais ou os olhos As torturas masoquistas aliás raramente causam impressão tão séria como as crueldades fantasiadas ou executadas do sadismo Um sentimento de culpa também acha expressão no conteúdo manifesto das fantasias masoquistas pois o indivíduo supõe haver infringido algo não determinado que deve ser expiado mediante procedimentos penosos e torturantes Isto parece uma racionalização superficial dos conteúdos masoquistas mas por trás existe o nexo com a masturbação infantil Por outro lado esse fator da culpa leva à terceira forma do masoquismo aquela moral O masoquismo feminino que descrevemos baseiase naquele primário erógeno o prazer na dor que não pode ser explicado sem que voltemos muito atrás em nossa discussão Nos Três ensaios de uma teoria da sexualidade na passagem sobre as fontes da sexualidade infantil afirmei que a excitação sexual produzse como efeito secundário em toda uma gama de processos internos logo que a intensidade desses processos ul trapassa determinados limites quantitativos E que talvez nada de importante ocorra no organismo que não forneça compon entes para a excitação do instinto sexual De acordo com isso a excitação por dor ou desprazer deve ter igual consequência Esta 170326 excitação libidinal que acompanharia a tensão de dor e desprazer seria um mecanismo fisiológico infantil que mais tarde desa parece Ela teria em diferentes constituições sexuais graus di versos de desenvolvimento em todo caso proporcionaria a base fisiológica sobre a qual depois se constrói na psique o masoquismo erógeno A insuficiência desta explicação porém mostrase no fato de não lançar luz sobre os nexos íntimos e regulares entre o masoquismo e sua contrapartida na vida instintual o sadismo Se retornamos um pouco mais até a hipótese das duas espécies de instintos que acreditamos atuarem nos seres vivos chegamos a uma outra derivação do masoquismo que não contradiz a an terior A libido encontra nos seres vivos multicelulares o in stinto de morte ou destruição que neles vigora que busca desin tegrar este ser e conduzir cada um dos organismos elementares ao estado de inorgânica estabilidade ainda que esta possa ser apenas relativa Ela tem a tarefa de fazer inócuo esse instinto destruidor e a cumpre desviandoo em boa parte e logo com ajuda de um sistema orgânico particular a musculatura para fora para os objetos do mundo exterior Então ele se chamaria instinto de destruição instinto de apoderamento vontade de poder Uma parte desse instinto é colocada diretamente a serviço da função sexual na qual tem um importante papel É o sadismo propriamente dito Uma outra parte não realiza essa trans posição para fora permanece no organismo e com ajuda da mencionada excitação sexual concomitante tornase ligada li bidinalmente nela devemos reconhecer o masoquismo original erógeno Não temos nenhuma compreensão fisiológica dos meios e vias pelos quais pode se efetuar esse amansamento do instinto de 171326 morte pela libido No âmbito de ideias da psicanálise podemos supor apenas que ocorre entre as duas espécies de instintos uma extensa mescla e amálgama variável em suas proporções de maneira que não devemos contar com puros instintos de morte e de vida mas apenas com misturas deles em graus diversos À agregação dos instintos corresponde sob determinadas influên cias uma desagregação dos mesmos Não é possível saber atual mente a extensão das partes dos instintos de morte que pela lig ação a acréscimos libidinais escapam a este amansamento Admitindose alguma imprecisão podese dizer que o instinto de morte atuante no organismo o sadismo primordial é idêntico ao masoquismo Depois que sua parte principal foi transposta para fora para os objetos permanece no interior como seu resíduo o masoquismo propriamente erógeno que por um lado tornouse componente da libido e por outro lado ainda tem seu próprio ser como objeto Esse masoquismo então seria testemunha e sobrevivência daquela fase de formação em que sucedeu o amálgama tão importante para a vida de Eros e instinto de morte Não ficaremos surpresos de ouvir que em de terminadas circunstâncias o sadismo ou instinto de destruição voltado para fora projetado pode ser novamente introjetado voltado para dentro desse modo regredindo à sua situação an terior Então ele resulta no masoquismo secundário que se junta àquele original O masoquismo erógeno partilha todas as fases de desenvolvi mento da libido delas tomando as variadas roupagens psíquicas que assume O medo de ser devorado pelo animal totêmico o pai procede da organização oral primitiva o desejo de ser 172326 surrado pelo pai da fase sádicoanal que a ela sucede a cas tração embora depois negada introduzse no conteúdo das fantasias masoquistas como um precipitado do estágio fálico de organização1 as situações em que o indivíduo é possuído ou dá à luz caracteristicamente femininas derivam naturalmente da or ganização genital final Também é fácil compreender o papel das nádegas no masoquismo não considerando sua óbvia base real As nádegas são a parte do corpo erogenamente privilegiada na fase sadicoanal tal como o seio na fase oral e o pênis na genital A terceira forma de masoquismo o masoquismo moral é digna de nota principalmente por haver atenuado sua relação com aquilo que reconhecemos como sexualidade Em todos os demais sofrimentos masoquistas há a condição de partirem da pessoa amada e serem tolerados por ordem sua tal restrição é posta de lado no masoquismo moral O que importa é o sofri mento mesmo se ele é infligido por uma pessoa amada ou outra qualquer não faz diferença pode ser causado também por poderes ou circunstâncias impessoais o verdadeiro masoquista sempre oferece a face quando vê perspectiva de receber uma bofetada Na explicação desse comportamento tudo convida a deixar de lado a libido e limitarse a supor que o instinto de destruição foi novamente voltado para dentro e se enfurece com a própria pessoa mas deve haver algum sentido no fato de a lin guagem corrente não ter abandonado a relação entre essa forma de comportamento e o erotismo chamando também aos que prejudicam a si mesmos de masoquistas Atendonos a um costume técnico primeiro vamos nos ocupar da forma extrema sem dúvida patogênica desse masoquismo 173326 Expus em outro lugar2 que no tratamento analítico deparamos com pacientes a que somos obrigados a atribuir um sentimento de culpa inconsciente devido à sua atitude contrária à influên cia da terapia Indiquei ali em que podemos reconhecer tais pessoas a reação terapêutica negativa e também não escondi que a força de tal impulso constitui uma das mais sérias resistên cias e o maior perigo para o êxito de nossas intenções médicas ou pedagógicas A satisfação desse sentimento de culpa incon sciente é talvez o mais poderoso bastião da vantagem da doença vantagem normalmente composta da soma das forças que lutam contra o restabelecimento e não querem renunciar ao estado doentio o sofrimento que acompanha a neurose é justa mente o fator que a torna valiosa para a tendência masoquista Também é instrutivo perceber que contrariamente a toda teoria e expectativa uma neurose que desafiou todos os esforços terapêuticos pode desaparecer quando a pessoa se envolve na miséria de um casamento infeliz perde seu patrimônio ou ad quire uma temível doença orgânica Uma forma de sofrimento é então substituída por outra e vemos que importava apenas poder conservar uma certa medida de sofrimento Os pacientes não acreditam facilmente quando lhes falamos de sentimento de culpa inconsciente Eles bem sabem dos martírios remorsos em que se manifesta um sentimento de culpa consciente uma consciência de culpa e por isso não po dem admitir que devem abrigar em si impulsos análogos dos quais nada sentem Creio que em certa medida atenderemos à sua objeção se rejeitarmos a expressão sentimento de culpa in consciente psicologicamente incorreta de todo modo e utilizarmos necessidade de punição que cobre de maneira igualmente precisa o estado de coisas observado Mas não 174326 podemos nos abster de julgar e localizar este sentimento de culpa inconsciente conforme o modelo do consciente Atribuímos ao Supereu a função da consciência moral e vi mos na consciência de culpa a expressão de uma tensão entre Eu e Supereu O Eu reage com sentimentos de angústia angústia da consciência à percepção de que não ficou à altura das exigên cias colocadas por seu ideal o Supereu O que desejamos saber é como o Supereu chegou a ter esse exigente papel e por que o Eu tem de sentir medo quando há uma divergência com o seu ideal Havendo dito que a função do Eu é unir conciliar as exigên cias das três instâncias a que serve podemos acrescentar que ele também tem no Supereu o modelo a que pode procurar seguir Pois este Supereu representa tanto o Id como o mundo exterior Ele se originou da introjeção no Eu dos primeiros objetos dos impulsos libidinais do Id o casal de genitores na qual a relação com os dois foi dessexualizada foi desviada dos objetivos sexuais diretos Apenas desse modo foi possível a superação do com plexo de Édipo O Supereu conservou características essenciais das pessoas introjetadas seu poder sua severidade sua inclin ação a vigiar e punir Como foi exposto em outro lugar3 é fácil conceber que graças à desagregação de instintos que ocorre jun tamente com essa introdução no Eu a severidade aumentou O Supereu a consciência nele atuante pode então ser duro cruel inexorável com o Eu que é por ele guardado O imperativo categórico de Kant é assim herdeiro direto do complexo de Édipo Porém as mesmas pessoas que continuam a atuar no Supereu como instância da consciência moral após haverem deixado de ser objetos dos impulsos libidinais do Id são parte igualmente 175326 do mundo externo real Dele foram retiradas seu poder atrás do qual se escondem todas as influências do passado e da tradição era uma das mais palpáveis manifestações da realidade Devido a esta coincidência o Supereu o substituto do complexo de Édipo tornase também representante do mundo externo real e assim modelo para os esforços do Eu Dessa maneira o complexo de Édipo demonstra ser como já se conjecturou no plano histórico4 a fonte de nossa moralidade individual No curso do desenvolvimento infantil que leva ao progressivo afastamento em relação aos genitores decai a im portância pessoal deles para o Supereu Às imagos por eles deixadas juntamse então as influências de professores autorid ades modelos escolhidos pelo indivíduo e heróis socialmente re conhecidos cujas pessoas já não precisam ser introjetadas pelo Eu que se tornou mais resistente A derradeira figura desta série que principia com os pais é o obscuro poder do destino que pouquíssimos de nós conseguem apreender de forma impessoal Quando o escritor holandês Multatuli5 substitui a Μοιρα Destino dos gregos pelo par divino Λόγος και Ανάγκη Razão e necessidade há pouco a objetar nisso mas todos aqueles que transferem a condução do mundo para a Providência para Deus ou Deus e a Natureza provocam a suspeita de que ainda veem nessas potências últimas e remotas um casal de genitores mit ologicamente e se acreditam ligados a elas por laços libidinais Em O Eu e o Id procurei derivar dessa concepção parental do destino também o medo real da morte que têm os seres hu manos Parece muito difícil libertarse dela Após essas considerações podemos voltar à discussão do masoquismo moral Dissemos que por sua conduta no trata mento e na vida certas pessoas causam a impressão de serem 176326 moralmente inibidas de um modo excessivo de se acharem sob o domínio de uma consciência particularmente sensível embora não estejam cônscias dessa hipermoral Num exame mais detido notamos a diferença que há entre uma tal continuação inconsciente da moral e o masoquismo moral Na primeira a ên fase recai sobre o intensificado sadismo do Supereu ao qual o Eu se submete no segundo sobre o próprio masoquismo do Eu que anseia por castigo quer do Supereu quer dos poderes par entais externos Nossa confusão inicial pode ser desculpada pois em ambos os casos tratase de uma relação entre o Eu e o Super eu ou poderes a estes equivalentes nas duas vezes lidamos com uma necessidade que é satisfeita mediante o castigo e o sofri mento Não será um detalhe irrelevante que o sadismo do Super eu se torne gritantemente cruel em geral enquanto a tendência masoquista do Eu permaneça quase sempre oculta ao indivíduo e tenha de ser inferida do seu comportamento A inconsciência do masoquismo moral nos leva naturalmente a uma pista Pudemos traduzir a expressão sentimento de culpa inconsciente como necessidade de castigo nas mãos de um poder parental Ora sabemos que o desejo de ser surrado pelo pai tão frequente nas fantasias é muito próximo àquele outro de ter uma relação sexual passiva feminina com ele e constitui apenas uma deformação regressiva deste Inserindo esse esclare cimento no conteúdo no masoquismo moral seu significado oculto vem a ser claro para nós Consciência e moralidade sur giram com a superação a dessexualização do complexo de Édipo com o masoquismo moral a moralidade é novamente sexualizada o complexo de Édipo é revitalizado abrese o cam inho para regredir da moralidade ao complexo de Édipo Isto não beneficia nem a moral nem o indivíduo É verdade que este 177326 pode haver conservado junto ao seu masoquismo toda a sua moralidade ou um certo grau dela mas boa parte de sua con sciência moral também pode ter desaparecido graças ao masoquismo Por outro lado o masoquismo gera a tentação de atos pecadores que então devem ser expiados mediante os re proches da consciência sádica como se vê em tantos tipos de caráter russos ou o disciplinamento imposto pela grande autor idade parental do Destino A fim de provocar o castigo por este representante dos pais o masoquista tem de fazer coisas inad equadas de agir contra seus próprios interesses arruinando as perspectivas que para ele se abrem no mundo real e eventual mente destruindo a sua própria existência real A volta do sadismo contra a própria pessoa acontece regular mente na repressão cultural dos instintos que impede que boa parte dos componentes instintuais destrutivos da pessoa tenham aplicação na vida Podese imaginar que esta porção re freada do instinto de destruição surja no Eu como uma intensi ficação do masoquismo Mas os fenômenos da consciência mor al levam a supor que a destrutividade que retorna do mundo ex terior também é acolhida pelo Supereu sem tal transformação e eleva o sadismo deste para com o Eu O sadismo do Supereu e o masoquismo do Eu complementam um ao outro e se juntam para produzir as mesmas consequências Apenas assim creio podese compreender que da repressão instintual resulte com frequência ou em todos os casos um sentimento de culpa e que a consciência venha a ser mais severa e mais sensível quando o indivíduo mais se abstém da agressão a outros Poder íamos esperar de uma pessoa que sabe que costuma não fazer agressões culturalmente indesejáveis que tenha uma boa con sciência e vigie o próprio Eu com menor desconfiança Em geral 178326 a situação é vista como se a exigência moral fosse o elemento primário e a renúncia instintual a sua consequência Mas assim continua sem explicação a origem da moralidade Na realidade parece ocorrer o inverso a primeira renúncia instintual é forçada por poderes externos e apenas então ela cria a moralid ade que se expressa na consciência e exige nova renúncia instintual Desse modo o masoquismo moral vem a ser testemunha clás sica da existência da mistura de instintos Seu caráter perigoso se deve ao fato de proceder do instinto de morte correspondendo à parte deste que escapou de ser voltada para fora como instinto de destruição Por outro lado tendo ele a significação de um componente erótico também a autodestruição do indivíduo não pode ocorrer sem satisfação libidinal Não há espaço de uma linha vazia entre esse parágrafo e o anterior na edição alemã utilizada Gesammelte Werke Mas considerando que faz sentido um espaço nesse ponto e que ele se acha numa edição alemã mais recente Studienausgabe resolvemos incorporálo aqui e em alguns outros lugares Amansamento Bändigung O termo original inclui também o sentido de refreamento de sujeição com o uso de uma correia Band associada ao verbo binden ligar atar este sentido se acha em algumas das versões estrangeir as utilizadas doma domeñamiento imbrigliamento domptage taming breideling James Strachey observa numa nota que Freud também recorre a essa palavra na terceira seção de Análise terminável e interminável 1937 e que a ideia de taming domar lembranças já aparecera no Esboço Entwurf que ele prefere traduzir por Project de uma Psicologia de 1895 seção 3 Parte iii Negada verleugnet nas versões estrangeiras consultadas excluida desmentida rinnegata soit lobjet dun déni disavowed geloochend Em 179326 outras ocasiões verleugnen foi traduzido por recusar Mas parece melhor no presente contexto a versão por negar cf Paulo César de Souza As pa lavras de Freud op cit capítulo sobre Verneinung 1 Ver A organização genital infantil 1923 A própria pessoa das eigene Selbst literalmente o próprio si mesmo como preferiram alguns tradutores el propio yo el símismo propio la pro pria persona le propre soi the self het eigen zelf 2 O Eu e o Id 1923 3 O Eu e o Id 1923 4 Totem e tabu 1913 Nossa moralidade individual unsere individuelle Sittlichkeit Moral Ser ia redundante reproduzir o termo entre parênteses do original uma vez que traduzimos Sittlichkeit por moralidade Também é possível traduzila por eticidade como fez Rubens Rodrigues Torres Filho em suas versões de trechos selecionados de Friedrich Nietzsche Obras incompletas coleção Os Pensadores São Paulo Abril Cultural 2a ed 1979 p 159 nota relativa ao 9 de Aurora intitulado Conceito da eticidade do costume O termo alemão vem de Sitte costume assim como moral deriva da palavra latina para costume mos Da mesma forma o adjetivo ético tem origem no vocábulo grego de igual sentido ethos Cf também de Nietzsche Genealogia da moral São Paulo Companhia das Letras 1999 segunda dissertação nota 2 à tradução e Humano demasiado humano mesma editora 2000 notas 44 e 137 traduções de autoria deste tradutor 5 E Douwes Dekker 182087 Nome verdadeiro do romancista holandês um dos favoritos de Freud que usava o pseudônimo de Multatuli Essas duas palavras gregas têm significados amplos que não se limitam àqueles dados entre colchetes Segundo o Dicionário gregoportuguês de Isidro Pereira Porto Livraria Apostolado da Imprensa 5a ed 1976 Logos 180326 pode significar entre outras coisas palavra máxima argumento razão in teligência juízo e Ananke tem os sentidos de necessidade destino miséria sofrimento cárcere Cabe registrar também que a primeira é um substantivo masculino e a segunda feminino Hipermoral Übermoral Freud juntou ao substantivo Moral o prefixo über que denota posição acima abundância ou excesso É o mesmo prefixo usado em ÜberIch Supereu e no célebre Übermensch superhomem ni etzschiano Nesse caso os tradutores consultados empregam supermoral hipermoral ipermoralità hypermorale ultramorality buitensporig strenge moraal moral excessivamente severa Repressão cultural dos instintos kulturelle Triebunterdrückung nas traduções consultadas sojuzgamiento cultural de los instintos sofocación cultural de las pulsiones repressione delle pulsioni ad opera della civiltà ré pression culturelle des pulsions cultural suppression of the instincts cul turele driftonderdrukking No Vocabulário da psicanálise conforme a 11a ed São Paulo Martins Fontes 1991 Laplanche e Pontalis distinguem entre recalque ou recalcamento Verdrängung e repressão Unterdrückung argumentando que essa distinção é claramente estabelecida pelo próprio Freud As passagens de Freud por eles invocadas no entanto não permitem uma diferenciação tão nítida como procurei demonstrar em As palavras de Freud op cit capítulo sobre Verdrängung 181326 A DISSOLUÇÃO DO COMPLEXO DE ÉDIPO 1924 TÍTULO ORIGINAL DER UNTERGANG DES ÖDIPUSKOMPLEXES PUBLICADO PRIMEIRAMENTE EM INTERNATIONALE ZEITSCHRIFT FÜR PSYCHOANALYSE REVISTA INTERNACIONAL DE PSICANÁLISE V 10 N 3 PP 24552 TRADUZIDO DE GESAMMELTE WERKE XIII PP 393402 TAMBÉM SE ACHA EM STUDIENAUSGABE V PP 24351 ESTA TRADUÇÃO FOI PUBLICADA ORIGINALMENTE EM JORNAL DE PSICANÁLISE SOCIEDADE BRASILEIRA DE PSICANÁLISE DE SÃO PAULO V 33 N 6061 PP 4839 DEZEMBRO DE 2000 ALGUMAS NOTAS DO TRADUTOR FORAM MODIFICADAS NA PRESENTE EDIÇÃO Cada vez mais se revela a importância do complexo de Édipo como o fenômeno central do período sexual da primeira infância Depois ele desaparece sucumbe à repressão como dizemos e vem o período de latência Mas ainda não é claro o que leva ao seu fim as análises parecem mostrar que são dolorosas de cepções experimentadas A menina pequena que pretende ser amada pelo pai acima de tudo algum dia sofre uma dura pun ição por parte dele e se vê expulsa do paraíso O garoto que vê a mãe como sua propriedade nota que ela passa a dirigir seu amor e seu cuidado a um recémchegado A reflexão aprofunda o valor dessas influências ao enfatizar que são inevitáveis tais experiên cias aflitivas que se opõem ao conteúdo do complexo Mesmo quando não sucedem eventos especiais como os mencionados a título de exemplos a ausência da satisfação esperada a contínua ausência do filho desejado levam a que o pequeno enamorado abandone sua desesperançada afeição Assim o complexo de Édipo desapareceria devido ao seu fracasso em consequência de sua impossibilidade interna Uma outra concepção diria que o complexo de Édipo tem de acabar porque chegou o momento de sua desintegração assim como caem os dentes de leite quando surgem os permanentes Embora o complexo de Édipo seja vivido pela maioria das pess oas individualmente ele é um fenômeno determinado pela hereditariedade por ela estabelecido que programadamente de ve passar quando começa a fase seguinte e predeterminada do desenvolvimento De modo que é indiferente quais as ocasiões que levam isso a acontecer ou que não seja possível descobrilas Não podemos contestar que as duas concepções se justificam Mas também são compatíveis entre si há lugar para a concepção ontogenética ao lado da filogenética mais abrangente Pois já no nascimento o indivíduo inteiro é destinado a morrer e talvez os seus órgãos já contenham a indicação daquilo de que morrerá Mas sempre interessa acompanhar como esse programa inato é executado de que maneira danos ocasionais tiram proveito da predisposição Recentemente pudemos perceber melhor que o desenvolvi mento sexual da criança chega até uma fase em que o genital já assumiu o papel condutor Mas esse genital é apenas o mas culino mais precisamente o pênis o feminino não foi ainda descoberto Essa fase fálica simultânea à do complexo de Édipo não continua a se desenvolver até a organização genital definit iva mas submerge e é substituída pelo período de latência Mas o seu desfecho ocorre de maneira típica e se apoiando em acontecimentos que voltam regularmente Quando a criança o garoto dirige seu interesse para o genit al revela isso pela frequente manipulação do mesmo e então descobre que os adultos não aprovam seu comportamento De modo mais ou menos claro com maior ou menor rudeza surge a ameaça de que lhe roubarão essa parte do corpo que ele tanto es tima Geralmente a ameaça de castração vem de mulheres com frequência elas buscam reforçar sua autoridade invocando o pai ou o médico que segundo afirmam executará o castigo Em certo número de casos as próprias mulheres fazem uma atenu ação simbólica da ameaça ao dizer que o genital propriamente passivo não será eliminado mas sim a mão que pecou ativa mente Com muita frequência o menino não é ameaçado de cas tração por brincar manualmente com o pênis mas por molhar a 184326 cama todas as noites e não poder ser conservado limpo As pess oas que dele cuidam agem como se a incontinência noturna fosse consequência e prova de uma excessiva ocupação com o pênis e provavelmente estão certas Em todo caso a persistência em molhar a cama deve ser equiparada à polução do adulto expri mindo a mesma excitação genital que impeliu o garoto a se mas turbar nessa época O que afirmo agora é que a organização genital fálica da cri ança sucumbe devido a essa ameaça de castração Não de imedi ato certamente e não sem que outras influências contribuam para isso Pois inicialmente o garoto não acredita nem obedece à ameaça A psicanálise atribuiu valor recentemente a duas ex periências que nenhuma criança deixa de ter e que deveriam preparála para a perda de valiosas partes de seu corpo a re tirada do peito materno de início temporária depois definitiva e a segregação do conteúdo do intestino diariamente exigida Mas não há evidência de que por ocasião da ameaça de castração essas experiências teriam efeito Apenas depois de uma outra ex periência o menino começa a contar com a possibilidade da cas tração e mesmo então hesitantemente a contragosto e não sem buscar diminuir o alcance daquilo que observou A observação que finalmente desfaz a incredulidade do garoto é a do genital feminino Em algum momento o menino orgul hoso de possuir um pênis vê a região genital de uma menina e tem de se convencer da falta do pênis num ser tão semelhante a ele Com isso também a perda do próprio pênis se torna conce bível a ameaça de castração tem efeito a posteriori Não podemos ser míopes como a pessoa que cuida da criança e a ameaça de castração não devemos ignorar que a vida sexual do garoto não se esgota na masturbação nessa época Podese 185326 demonstrar que ele se acha na atitude edípica ante seus pais a masturbação é apenas a descarga genital da excitação sexual pró pria do complexo e em todas as épocas posteriores deverá sua importância a tal relação O complexo de Édipo ofereceu ao menino duas possibilidades de satisfação uma ativa e uma pas siva Ele pôde masculinamente colocarse no lugar do pai e tal como este relacionarse com a mãe caso em que o pai logo foi visto como empecilho ou quis substituir a mãe e se fazer amar pelo pai caso em que a mãe se tornou supérflua O menino pode ter tido somente ideias vagas do que constitui a relação sexual satisfatória mas sem dúvida o pênis tinha participação nela pois as sensações do seu próprio órgão atestavam isso Ainda não havia por que duvidar da existência de pênis na mulher Admitir a possibilidade da castração perceber que a mulher é castrada punha fim às duas possibilidades de obter satisfação do com plexo de Édipo Pois ambas acarretavam a perda do pênis uma a masculina como castigo a outra feminina como pressuposto Se a satisfação amorosa no terreno do complexo de Édipo deve custar o pênis tem de haver um conflito entre o interesse nar císico nessa parte do corpo e o investimento libidinal dos objetos parentais Nesse conflito vence normalmente a primeira dessas forças o Eu da criança se afasta do complexo de Édipo Em outro lugar eu descrevi de que maneira isto sucede Os investimentos objetais são abandonados e substituídos pela identificação A autoridade do pai ou dos pais introjetada no Eu forma ali o âmago do Supereu que toma ao pai a severidade perpetua a sua proibição do incesto e assim garante o Eu contra o retorno do investimento libidinal de objeto As tendências li bidinais próprias do complexo de Édipo são dessexualizadas e sublimadas em parte o que provavelmente ocorre em toda 186326 transformação em identificação e em parte inibidas na meta e mudadas em impulsos ternos Todo o processo por um lado sal vou o genital afastou dele o perigo da perda e por outro lado paralisouo suspendeu sua função Com ele tem início o período de latência que interrompe o desenvolvimento sexual da criança Não vejo razão para recusar o nome de repressão ao afastamento do Eu do complexo de Édipo embora as repressões posteriores se originem mais frequentemente com a participação do Supereu que aqui ainda está sendo formado Mas o processo descrito é mais que uma repressão ele equivale quando realiz ado de maneira ideal a uma destruição e abolição do complexo Cabe supor que deparamos aqui com a linha divisória entre o normal e o patológico que jamais é inteiramente nítida Se o Eu realmente não alcançou muito mais que uma repressão do com plexo este persiste de modo inconsciente no Id e manifestará depois a sua ação patogênica A observação analítica permite reconhecer ou adivinhar esses nexos entre organização fálica complexo de Édipo ameaça de castração formação do Supereu e período de latência Eles jus tificam a afirmação de que o complexo de Édipo sucumbe à ameaça de castração Mas com isso não liquidamos o problema continua a haver espaço para uma especulação teórica capaz de subverter ou de pôr em nova luz o resultado alcançado Mas antes de encetar esse caminho temos de abordar uma questão que surgiu durante esta nossa discussão e que até o momento foi posta de lado O processo descrito se refere como foi explicitado à criança do sexo masculino Como o desenvolvimento corres pondente se realiza na garota pequena 187326 Neste ponto o nosso material se torna incompreensivel mente muito mais obscuro e insuficiente Também o sexo feminino desenvolve um complexo de Édipo um Supereu e um período de latência Podese atribuir a ele igualmente uma or ganização fálica e um complexo de castração A resposta é afirm ativa mas as coisas não se passam como no garoto Aqui a exigência feminista de igualdade de direito entre os sexos não vai longe a diferença morfológica tem de manifestarse em difer enças no desenvolvimento psíquico Anatomia é destino po demos dizer parodiando uma frase de Napoleão O clitóris da menina se comporta primeiramente como um pênis mas na comparação com um camarada de brinquedo do sexo masculino ela nota que saiu perdendo e sente esse fato como desvant agem e razão para inferioridade Durante algum tempo ela se consola com a expectativa de mais tarde quando crescer vir a ter um apêndice grande como o de um menino Aqui se separa o complexo de masculinidade da mulher A menina não entende sua falta de pênis como uma característica sexual explicaa pela hipótese de que já possuiu um membro do mesmo tamanho e de pois o perdeu com a castração Não parece estender essa con clusão a outras a mulheres adultas mas atribuirlhes um genital grande e completo masculino exatamente no sentido da fase fálica Disso resulta a diferença essencial de que a menina aceita a castração como fato consumado enquanto o menino teme a possibilidade da consumação Excluído o medo da castração também deixa de haver um forte motivo para a construção do Supereu e a demolição da or ganização genital infantil Bem mais que no menino essas mudanças parecem consequência da educação da intimidação externa que ameaça com a ausência de amor O complexo de 188326 Édipo da menina é muito mais inequívoco do que o do pequeno portador de pênis segundo minha experiência raramente vai além da substituição da mãe e da postura feminina diante do pai A renúncia ao pênis não é tolerada sem uma tentativa de com pensação A garota passa ao longo de uma equação simbólica poderíamos dizer do pênis ao bebê seu complexo de Édipo culmina no desejo longamente mantido de receber do pai um filho como presente de lhe gerar um filho Temos a impressão de que o complexo de Édipo vai sendo aos poucos abandonado porque tal desejo não se realiza Os dois desejos de ter um pênis e um filho permanecem fortemente investidos no inconsciente e ajudam a preparar o ser feminino para o seu futuro papel sexu al A intensidade menor da contribuição sádica ao instinto sexu al que bem podemos relacionar ao definhamento do pênis facil ita a transformação das tendências diretamente sexuais em afetuosas inibidas na meta Mas no conjunto é preciso admitir que nossa compreensão desses processos de desenvolvimento da menina é insatisfatória plena de lacunas e pontos obscuros Não duvido que sejam típicas as relações temporais e causais entre complexo de Édipo intimidação sexual ameaça de cas tração formação do Supereu e começo do período de latência que aqui foram descritas Mas não desejo afirmar que esse tipo seja o único possível Variações na sequência temporal e no en cadeamento dos processos terão de ser muito significativas para o desenvolvimento do indivíduo Desde que foi publicado o interessante estudo de Otto Rank sobre o Trauma do nascimento também o resultado desta pequena investigação o de que o complexo de Édipo do menino sucumbe ao medo da castração não pode ser acolhido sem maior discussão No entanto pareceme prematuro entrar nessa 189326 discussão agora e talvez também inadequado iniciar aqui uma crítica ou apreciação do ponto de vista de Rank Ausência Versagung que geralmente traduzimos por frustração O Vocabulário da psicanálise lembra corretamente a generalidade do uso desse termo e a dificuldade de acharlhe uma tradução que não dependa do contexto cf apêndice C de As palavras de Freud op cit Algumas das versões estrangeiras tendem a lhe atribuir uma acepção técnica específica que ele não possui omissão na tradução espanhola denegación frustrazione re fusement denial weigering recusa Desintegração Auflösung no original do verbo auflösen dissolver desintegrar Já o termo usado no título deste ensaio Untergang pode signi ficar ruína naufrágio ocaso poente referindose ao sol destruição Ele se acha por exemplo no título de um livro famoso de Oswald Spengler Der Un tergang des Abendlandes O declínio do Ocidente e no de um longo poema de Hans Magnus Enzensberger Der Untergang des Titanic O naufrágio do Titanic Dois dos tradutores consultados também preferiram dissolução para verter o título disolución sepultamiento tramonto disparition dis solution ondergang Em O Eu e o Id 1923 cap iii Freud já havia mencion ado o Untergang ou Zertrümmerung desmoronamento desintegração do complexo de Édipo A posteriori nachträglich Cf capítulo sobre esse termo em As palavras de Freud op cit As versões consultadas oferecem entonces con posteriorid ad posticipatamente après coup idem deferred effect alsnog effect alsnog significa ainda No terceiro capítulo de O Eu e o Id 1923 Supereu Überich A versão brasileira do Vocabulário de psicanálise ap resenta supereu como alternativa para superego A forma com hífen e com maiúscula me parece melhor porque mantém em destaque o Eu como no original Quanto à alternativa supereusuperego há argumentos a favor de ambas as formas Supereu tem a vantagem da relação com Eu que nos parece preferível a ego mas talvez ainda soe estranha ao passo que superego 190326 está difundido tem o peso da tradição criada pela edição Standard brasileira que o tomou da Standard inglesa cf nota em O Eu e o Id neste volume Recusar versagen Outro exemplo em que versagen não tem um sentido técnico Nas traduções consultadas no considerar como denegar rifi utare refuser denying onthouden privar negar Id Es Embora também apareça como alternativa para Id na mencionada edição do Vocabulário de psicanálise e embora tenha sido usada na versão brasileira da obra de Georg Groddeck O Livro dIsso Ed Perspectiva 1987 a forma Isso talvez não soe menos estranha do que Supereu Os italianos adotaram io superio e es ou seja conservaram o termo alemão apenas para uma das três instâncias de modo que haveria um precedente para se usar Eu Supereu e Id em português Ou talvez como achava a psicanalista e tradutora Marilene Carone o trio ego superego e id já tenha se institucional izado na psicanálise brasileira a ponto de tornar ociosa qualquer discussão a respeito ela também achava artificial a alternativa Sobre a adoção dos ter mos latinos pelos ingleses e portanto no Brasil ver o capítulo Ich ego moi Es id ça em As palavras de Freud op cit ver também a longa nota sobre a versão desses termos na 31a das Novas conferências introdutórias v 18 destas Obras completas p 213 Sucumbe à ameaça de castração an der Kastrationsdrohung zugrunde geht No verbo alemão que significa arruinarse perecer ir a pique há um nexo com o sentido náutico do substantivo empregado no título Nas demais traduções sucumbe a la amenaza va al fundamentto a raíz de la amenaza tramonta in forza della minaccia sombre du fait de la menace périt de la menace the destruction of the Oedipus complex is brought about by the threat te gronde gaat mesmo verbo em alemão Segundo informa a nova edição francesa a frase de Napoleão foi Le destin cest la politique Saiu perdendo zu kurz gekommen ist aspas no original a expressão alemã significa também literalmente saiu curto demais Das outras versões 191326 apenas a inglesa e a francesa esclarecem esse duplo sentido encuentra pequeño el suyo demasiado corto è troppo piccoloréduite à la portion congrue uma nota acrescenta être mal loti ne pas avoir sa part e explica que a tradução literal seria venir trop court come off badly uma nota traz o sentido literal come off too short te kort gekomen is 192326 A PERDA DA REALIDADE NA NEUROSE E NA PSICOSE 1924 TÍTULO ORIGINAL DER REALITÄTSVERLUST BEI NEUROSE UND PSYCHOSE PUBLICADO PRIMEIRAMENTE EM INTERNATIONALE ZEITSCHRIFT FÜR PSYCHOANALYSE REVISTA INTERNACIONAL DE PSICANÁLISE V 11 N 4 PP 40110 TRADUZIDO DE GESAMMELTE WERKE XIII PP 3638 TAMBÉM SE ACHA EM STUDIENAUSGABE III PP 35561 Recentemente1 apontei como um dos traços que distinguem a neurose da psicose que na primeira o Eu em sua dependência da realidade reprime uma parte do Id da vida instintual en quanto na psicose o mesmo Eu a serviço do Id retirase de uma parte da realidade Para a neurose então o fator decisivo seria a influência preponderante da realidade para a psicose a influên cia do Id A perda da realidade já estaria na psicose desde o iní cio na neurose parece ela seria evitada Mas isso não condiz em absoluto com o que todos nós po demos saber por experiência que toda neurose perturba de al gum modo a relação do doente com a realidade que é um meio para ele retirarse desta e em suas formas graves significa diretamente uma fuga da vida real Essa contradição dá o que pensar mas não é difícil eliminála e seu esclarecimento ajudará em nossa compreensão da neurose A contradição existe apenas enquanto temos em vista a situ ação do início da neurose na qual o Eu a serviço da realidade efetua a repressão de um impulso instintual Mas isto não é ainda a neurose mesma Ela consiste antes nos processos que trazem compensação para a parte prejudicada do Id ou seja na reação à repressão e no malogro desta O afrouxamento da re lação com a realidade é consequência deste segundo estágio na formação da neurose e não nos surpreenderia se um exame de talhado mostrasse que a perda da realidade afeta justamente a porção da realidade por cujas exigências produziuse a repressão instintual A caracterização da neurose como resultado de uma repressão malograda não é coisa nova Sempre afirmamos isso e apenas devido ao novo contexto foi necessário repetilo A mesma objeção aliás torna a se apresentar marcantemente no caso de uma neurose da qual sabemos o fator ocasionador a cena traumática e em que podemos ver como a pessoa se afasta de tal experiência e a abandona à amnésia Retomo à guisa de exemplo um caso por mim analisado há muito tempo2 no qual uma garota apaixonada pelo cunhado estando junto ao leito de morte da irmã é abalada pela seguinte ideia Agora ele está livre pode se casar comigo Esta cena é imediatamente esque cida e tem início o processo de regressão que conduz às dores histéricas É justamente instrutivo nessa história ver por qual caminho a neurose busca resolver o conflito Ela tira valor à mudança real ao reprimir a exigência instintual em questão ou seja o amor ao cunhado A reação psicótica seria recusar o fato da morte da irmã Poderíamos esperar que no surgimento da psicose ocorresse alguma coisa análoga ao processo que se verifica na neurose naturalmente entre outras instâncias Ou seja que também na psicose fossem visíveis dois estágios dos quais o primeiro arran caria o Eu da realidade dessa vez enquanto o segundo tenderia a corrigir o dano e restabeleceria a relação com a realidade à custa do Eu Realmente algo análogo pode ser observado na psicose também nela há dois estágios dos quais o segundo com porta o caráter de reparação mas logo a analogia dá lugar a uma convergência bem maior dos dois processos O segundo estágio da psicose visa também compensar a perda da realidade mas não à custa de uma restrição do Id como na neurose à custa da relação com o real e sim por uma via mais autônoma pela 195326 criação de uma nova realidade que não desperte a mesma ob jeção que aquela abandonada Logo tanto na neurose como na psicose o segundo estágio é conduzido pelas mesmas tendências nos dois casos ele serve às aspirações de poder do Id que não se deixa coagir pela realidade Tanto a neurose como a psicose são expressão da rebeldia do Id contra o mundo externo de seu de sprazer ou se quiserem de sua incapacidade de adequarse à ne cessidade real à Ανάγκη necessidade Neurose e psicose diferenciamse muito mais na primeira reação que as introduz do que na tentativa de reparação que lhe segue A diferença inicial se exprime então no resultado final na neurose uma porção da realidade é evitada mediante a fuga en quanto na psicose é remodelada Ou podemos dizer que na psicose a fuga inicial é seguida de uma ativa fase de remod elação e na neurose a obediência inicial é seguida de uma pos terior tentativa de fuga Ou de outra maneira ainda a neurose não nega a realidade apenas não quer saber dela a psicose a nega e busca substituíla Chamamos de normal ou sadio o comportamento que une certos traços de ambas as reações que nega a realidade tão pouco como a neurose mas se empenha em alterála como a psicose Essa conduta adequada aos fins nor mal leva naturalmente a um trabalho efetuado no mundo exteri or e não se limita como na psicose a mudanças internas já não é autoplástica mas aloplástica Na psicose a remodelação da realidade acontece nos precipit ados psíquicos das relações até então mantidas com ela ou seja nos traços mnemônicos ideias e juízos que dela foram ad quiridos até então e pelos quais ela era representada na vida psíquica Mas essa nunca foi uma relação fechada sempre foi continuamente enriquecida e transformada por novas 196326 percepções Assim também a psicose depara com a tarefa de ob ter percepções tais que correspondam à nova realidade o que é feito do modo mais radical pela via da alucinação Quando em muitas formas e casos de psicose os lapsos de memória delírios e alucinações mostram caráter bastante grave e se ligam ao desenvolvimento de angústia isto é sinal de que todo o processo de transformação se realiza contra violentas forças opositoras Podemos construir o processo com base no exemplo da neurose por nós conhecido Nele vemos que se reage com angústia a cada vez que o instinto reprimido faz um avanço e que o resultado do conflito é apenas um compromisso imperfeito como satisfação Na psicose provavelmente a porção rechaçada da realidade volta sempre a importunar a psique como faz na neurose o instinto reprimido e por isso as consequências são as mesmas em ambos os casos Uma tarefa ainda não acometida pela psiquiatria espe cializada é o exame dos diferentes mecanismos que nas psicoses devem produzir o distanciamento da realidade e sua recon strução assim como o grau de êxito que podem alcançar Uma outra analogia entre neurose e psicose portanto con siste em que nas duas a tarefa realizada no segundo estágio mal ogra parcialmente na medida em que o instinto reprimido não consegue arranjar um substituto integral neurose e aquilo que representa a realidade não pode ser vertido em formas satis fatórias não pelo menos em todas as formas de doença psíquica Mas a ênfase não é a mesma nos dois casos Na psicose ela cai totalmente no primeiro estágio que é em si patológico e pode levar apenas à doença na neurose cai no se gundo no fracasso da repressão enquanto o primeiro pode ser sucedido tendoo sido muitas vezes no âmbito da saúde embora não sem pagar um preço e deixar traços do dispêndio psíquico 197326 exigido Essas diferenças e talvez muitas outras resultam da distinção topográfica na situação inicial do conflito patogênico se o Eu nela cedeu à sua fidelidade ao mundo real ou à sua de pendência do Id Por via de regra a neurose se contenta em evitar a porção da realidade em questão e protegerse do encontro com ela A difer ença aguda entre neurose e psicose no entanto é diminuída pelo fato de também na neurose haver tentativas de substituir a real idade indesejada por outra mais conforme aos desejos Isto é possibilitado pela existência de um mundo da fantasia de um âmbito que foi separado do mundo externo real quando da in trodução do princípio da realidade desde então é conservado livre das exigências da vida à maneira de uma reserva e em bora não seja inacessível ao Eu é ligado frouxamente a este Desse mundo da fantasia a neurose retira o material para suas novas construções de desejo achandoo geralmente pelo cam inho da regressão a um passado real mais satisfatório Dificilmente se duvidará que na psicose o mundo da fantasia tem o mesmo papel que também nela constitui o armazém do qual é extraído o material ou o modelo para construir a nova realidade Mas o novo mundo exterior fantástico da psicose pre tende se pôr no lugar da realidade externa enquanto o da neur ose tal como o jogo das crianças apoiase de bom grado numa porção da realidade uma diferente daquela de que foi preciso defenderse dálhe uma importância especial e um sentido oculto que de maneira nem sempre correta chamamos de sim bólico Assim tanto para a neurose como para a psicose há a considerar não apenas a questão da perda da realidade mas também de uma substituição da realidade 198326 1 Neurose e psicose Internationale Zeitschrift für Psychoanalyse x 1924 Caderno 1 2 Estudos sobre a histeria 1895 Regression no original Na Standard inglesa uma nota de James Strachey assegura que esse é o termo encontrado em todas as edições alemãs que ele consultou e não Verdrängung repressão e é também o que se acha na Studienausgabe posterior à Standard Recusar verleugnen nas traduções estrangeiras negar desmentir rinnegare dénier a disavowal loochenen equivalente ao alemão leugnen negar Assim como o grau de êxito que podem alcançar no original sowie des Ausmaßes von Erfolg das sie erzielen können Esse trecho é omitido na ver são de LópezBallesteros e na Standard inglesa Na primeira isso não causa espécie pois a antiga tradução espanhola está eivada de erros e omissões na segunda é surpreendente pois um cochilo é algo raro na edição de Strachey Aquilo que representa a realidade die Realitätsvertretung As versões con sultadas dizem la representación de la realidad la subrogación de la realid ad il rimpiazzamento della realtà ce qui représente la réalité the represent ation of reality de vervanging substituição van de realiteit Ver nota a Neurose e psicose neste volume p 178 Novas construções de desejo Wunschneubildungen O termo alemão é composto de três palavras Bildungen formações neu novo e Wunsch desejo no sentido de voto ou anelo não de desejo sexual equivalente ao inglês wish As versões consultadas apresentam nuevos productos optativos neoformaciones de deseo neoformazioni di desiderio nouvelles formations de désir new wishful constructions nieuwe wensvormingen 199326 RESUMO DA PSICANÁLISE 1924 TÍTULO ORIGINAL KURZER ABRiß DER PSYCHOANALYSE PUBLICADO PRIMEIRAMENTE EM VERSÃO INGLESA NO VOLUME THESE EVENTFUL YEARS THE 20TH CENTURY IN THE MAKING AS TOLD BY MANY OF ITS MAKERS NOVA YORK ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA CO 1924 PRIMEIRA EDIÇÃO ALEMÃ GESAMMELTE SCHRIFTEN XI PP 183200 1928 TRADUZIDO DE GESAMMELTE WERKE XIII PP 40327 A psicanálise nasceu com o século xx por assim dizer A pub licação com que se apresentou ao mundo como algo novo minha Interpretação dos sonhos tem a data de 1900 Mas natural mente não brotou das rochas nem caiu do céu Ligase a coisas anteriores a que dá prosseguimento resulta de estímulos que veio a elaborar Então sua história tem de começar com a ex posição das influências que foram decisivas em sua gênese e não pode esquecer o tempo e as circunstâncias anteriores à sua criação A psicanálise cresceu num terreno bem delimitado Seu objet ivo originalmente era apenas conhecer algo sobre a natureza das doenças nervosas denominadas funcionais a fim de super ar a impotência médica no tratamento de tais doenças Os neuro logistas de então haviam sido educados no alto respeito aos fatos químicofísicos e anatômicopatológicos estavam por fim sob a influência dos achados de Von Hitzig e Fritsch Ferrier Goltz e outros que parecem demonstrar uma ligação íntima talvez ex clusiva entre certas funções e determinadas partes do cérebro Sobre o fator psíquico não viam o que dizer não podiam apreendêlo deixavamno para os filósofos místicos e charlat ães e também consideravam pouco científico lidar com ele Em consequência não achavam acesso aos segredos das neuroses sobretudo da misteriosa histeria que constituía o modelo de todo o gênero Ainda em 1885 quando frequentei aulas na Salpêtrière soube que em relação às paralisias histéricas os especialistas contentavamse com a fórmula de que elas se de viam a leves transtornos funcionais das mesmas partes do cérebro que em caso de lesão grave gerariam a paralisia orgân ica correspondente Naturalmente a terapia desses estados patológicos também era afetada pela ausência de compreensão Ela consistia em me didas geralmente tonificantes na prescrição de remédios e em tentativas de exercer influência psíquica na maioria das vezes inadequadas e executadas de forma rude como intimidações zombarias exortações a valerse da própria vontade controlar se Especificamente para os estados nervosos recomendavase o tratamento elétrico mas quem buscasse aplicálo conforme as instruções detalhadas de W Erb tinha de surpreenderse com o espaço que mesmo numa ciência supostamente exata a imagin ação podia ocupar A mudança decisiva ocorreu quando na década de 1880 os fenômenos do hipnotismo novamente requer eram admissão na ciência médica com êxito maior do que em muitas ocasiões anteriores graças ao trabalho de Liébault Bernheim Heidenhain e Forel A questão era antes de tudo que a autenticidade desses fenômenos fosse reconhecida Uma vez admitido isso duas lições fundamentais e inolvidáveis eram in evitavelmente extraídas do hipnotismo Primeiro chegouse à convicção de que evidentes mudanças físicas eram apenas o res ultado de influências psíquicas que o hipnotizador mesmo havia provocado segundo adquiriuse a mais clara impressão sobre tudo a partir do comportamento das pessoas após a hipnose da existência dos processos psíquicos que só podiam ser denomina dos inconscientes É certo que havia muito o inconsciente era discutido pelos filósofos como um conceito teórico mas nos fenômenos do hipnotismo ele se tornou pela primeira vez con creto palpável e objeto de experimento Além disso tais 202326 fenômenos mostravam inconfundível semelhança com as mani festações de algumas neuroses Dificilmente se pode exagerar a importância do hipnotismo no surgimento da psicanálise Seja no aspecto teórico seja no terapêutico a psicanálise administra um legado que herdou do hipnotismo A hipnose também demonstrou ser de grande auxílio no estudo das neuroses principalmente da histeria Produziram enorme impressão os experimentos de Charcot Ele supôs que certas paralisias que surgiam após um trauma um acidente eram de natureza histérica e pôde provocar artificialmente pela sugestão de um trauma durante a hipnose paralisias com as mesmas características Disso resultou a expectativa de que as experiências traumáticas possam de maneira geral participar da gênese dos sintomas histéricos Charcot mesmo não se empen hou numa compreensão psicológica da neurose histérica mas seu discípulo Pierre Janet retomou esses estudos e com o auxílio da hipnose pôde mostrar que os sintomas da histeria se acham em estreita ligação com determinados pensamentos incon scientes idées fixes Para Janet a histeria se caracterizava por uma incapacidade constitucional de manter unidos os processos psíquicos da qual resultaria uma dissociação da vida psíquica No entanto a psicanálise não partiu absolutamente dessas pesquisas de Janet Para ela foi determinante a experiência de um médico de Viena o dr Josef Breuer Em 1881 de forma inde pendente ele pôde estudar e curar com ajuda da hipnose uma moça altamente dotada que sofria de histeria Apenas quinze anos mais tarde as conclusões de Breuer foram publicadas após ele tomar o presente autor Freud como colaborador O caso por 203326 ele tratado conserva até hoje uma importância única para a nossa compreensão das neuroses de maneira que é imprescindível examinálo com mais vagar É necessário apreender claramente a peculiaridade desse caso A garota adoe ceu enquanto cuidava do pai que muito amava Breuer pôde demonstrar que todos os sintomas se ligavam à assistência ao pai e nela encontravam explicação Pela primeira vez um enig mático caso de neurose foi inteiramente penetrado e todas as suas manifestações patológicas revelaramse dotadas de sentido Além do mais era característica geral dos sintomas que eles haviam surgido em situações envolvendo um impulso para uma ação que não fora levado a efeito mas suprimido por causa de outros motivos No lugar dessas ações omitidas apareceram justamente os sintomas Assim quanto à etiologia dos sintomas histéricos éramos remetidos à vida emocional afetividade e ao jogo das forças psíquicas dinamismo e desde então esses dois aspectos nunca foram abandonados Breuer equiparou os ensejos para o surgimento dos sintomas aos traumas de Charcot Era notável que esses ensejos traumáti cos e todos os impulsos psíquicos a eles ligados estivessem per didos para a memória da paciente como se jamais tivessem ocorrido enquanto seus efeitos os sintomas permaneciam inal terados como se para eles não houvesse desgaste pelo tempo Portanto encontrouse aí uma nova prova da existência de pro cessos psíquicos inconscientes mas por isso mesmo particular mente poderosos tais como havíamos encontrado primeira mente nas sugestões póshipnóticas O procedimento terapêutico de Breuer consistia em induzir a enferma sob hipnose a re cordar os traumas esquecidos e reagir a eles com intensas exteri orizações de afeto Com isso desaparecia o sintoma que até então 204326 estava no lugar dessas exteriorizações emocionais Portanto o mesmo procedimento servia simultaneamente à pesquisa e à eliminação da enfermidade e também essa inusual combinação foi depois mantida na psicanálise Após o presente autor confirmar os resultados de Breuer em bom número de pacientes nos primeiros anos da década de 1890 os dois Breuer e Freud decidiram fazer uma publicação que contivesse suas experiências e a tentativa de uma teoria nelas baseada Estudos sobre a histeria 1895 Essa teoria afirmava que o sintoma histérico surge quando o afeto de um processo psíquico bastante investido afetivamente é afastado da elabor ação consciente normal e assim encaminhado por uma via er rada Então ele se converte no caso da histeria em inusual in ervação somática conversão mas com a reanimação da vivên cia durante a hipnose pode ser guiado para outra direção e despachado abreação Os autores chamaram seu procedi mento de catarse purificação liberação do afeto sufocado O método catártico é o precursor direto da psicanálise e nela permanece como núcleo apesar de todos os acréscimos na ex periência e todas as modificações na teoria Mas ele não era senão uma nova maneira de influir clinicamente sobre determin adas doenças nervosas e nada indicava que pudesse vir a ser ob jeto do interesse geral e da mais veemente oposição II Pouco depois da publicação dos Estudos sobre a histeria teve fim a colaboração de Breuer e Freud O primeiro que se ocupava propriamente da medicina interna abandonou o tratamento de 205326 doenças nervosas O segundo empenhouse em continuar aper feiçoando o instrumento que lhe deixara o colega mais velho as inovações técnicas que introduziu e as descobertas que fez trans formaram o método catártico na psicanálise O passo mais prenhe de consequências foi sua decisão de renunciar ao auxílio técnico da hipnose Fez isso por dois motivos primeiro porque não eram muitos os pacientes que conseguia pôr em hipnose embora tivesse feito um curso com Bernheim em Nancy se gundo porque estava insatisfeito com os resultados terapêuticos da catarse baseada na hipnose Esses resultados eram patentes e surgiam após um breve período de tratamento mas revelavam se pouco duradouros e muito dependentes da relação pessoal do paciente com o médico O abandono da hipnose significou uma ruptura com o método até então desenvolvido e um novo começo Mas a hipnose realizava o serviço de conduzir à lembrança consciente o que fora esquecido pelo doente Era necessário substituíla por outra técnica Então ocorreu a Freud a ideia de trocála pelo método da associação livre isto é requereu que os doentes abandonassem toda reflexão consciente e em tranquila concentração se entregassem ao curso de seus pensamentos es pontâneos ou involuntários a tatear a superfície de sua con sciência Deviam comunicar ao médico tais pensamentos ainda quando tivessem objeções a eles como por exemplo de que o pensamento era muito desagradável absurdo ou impertin ente A escolha da livre associação como meio para pesquisar o material inconsciente esquecido parece tão estranha que não será inútil despender algumas palavras em sua justificação Freud tinha a expectativa de que a livre associação se revelaria não livre na realidade uma vez que após a supressão de toda 206326 intenção de pensar conscientemente ficaria claro que os pensamentos eram determinados pelo material inconsciente Essa expectativa foi justificada pela experiência Seguindo a livre associação obedecendo à mencionada regra psicanalítica fun damental obtínhamos um rico material de coisas que vinham à mente do paciente que podiam nos levar à pista do que ele havia esquecido Embora esse material não trouxesse o que fora esque cido mesmo continha claras e numerosas alusões a ele de forma que o médico podia adivinhar reconstruir o esquecido com de terminadas complementações e interpretações Associação livre e arte interpretativa realizavam o mesmo que a hipnotização anteriormente Aparentemente havíamos dificultado e complicado o trabalho para nós mesmos mas o ganho inestimável era obtermos com preensão de um jogo de forças que no estado hipnótico se ocultava ao observador Percebemos que o trabalho de descobrir o patogenicamente esquecido precisava lutar contra uma res istência constante e muito intensa Já eram manifestações dessa resistência as objeções críticas com que o paciente procurava ex cluir da comunicação os pensamentos que lhe ocorriam e contra as quais era dirigida a regra psicanalítica fundamental Foi a partir da consideração dos fenômenos da resistência que nasceu um dos pilares da doutrina psicanalítica das neuroses a teoria da repressão Era plausível imaginar que as mesmas forças que então se opunham a que o material patogênico se tornasse con sciente haviam se empenhado antes da mesma forma com sucesso Preenchiase então uma lacuna na etiologia dos sinto mas neuróticos As impressões e os impulsos psíquicos para os quais os sintomas estavam servindo de substitutos não foram esquecidos sem qualquer fundamento ou devido a uma 207326 incapacidade constitucional para a síntese como pensava Janet Ocorreu isto sim que por influência de outras forças psíquicas experimentaram uma repressão cujo êxito e indício era justa mente o fato de serem mantidos fora da consciência e excluídos da lembrança Apenas devido a essa repressão tornaramse pato gênicos isto é por caminhos inusuais adquiriram expressão como sintomas Era preciso ver o conflito entre dois grupos de tendências psíquicas como o motivo da repressão e assim como causa de todo adoecimento neurótico E então a experiência mostrava um novo e surpreendente fato sobre a natureza das forças em con flito Via de regra a repressão partia da personalidade con sciente do Eu do paciente invocando motivos éticos e estéti cos eram atingidos por ela impulsos de egoísmo e crueldade ger almente considerados maus mas sobretudo desejos sexuais com frequência da espécie mais crua e mais proibida Os sintomas patológicos eram portanto um substituto para satisfações proi bidas e a doença parecia corresponder a uma imperfeita sub jugação do que há de imoral no ser humano O progresso no conhecimento tornou cada vez mais claro o papel imenso que os desejos sexuais têm na vida psíquica e ense jou um estudo mais detido sobre a natureza e o desenvolvimento do instinto sexual Freud Três ensaios de uma teoria da sexual idade 1905 Mas também chegamos a outro resultado pura mente empírico ao descobrir que as vivências e os conflitos dos primeiros anos infantis têm insuspeitada importância no desen volvimento do indivíduo e deixam predisposições indeléveis para a idade adulta Assim viemos a desvendar algo que a ciência até então ignorara a sexualidade infantil que desde a mais tenra 208326 idade se manifesta em reações físicas e em atitudes psíquicas Para conciliar essa sexualidade infantil com o que se chama sexualidade normal dos adultos e vida sexual anormal dos per vertidos foi preciso que o conceito de sexual mesmo experimen tasse uma retificação e ampliação que pôde ser justificada pela história do desenvolvimento do instinto sexual Depois que a hipnose foi substituída pela técnica da asso ciação livre o procedimento catártico de Breuer transformouse em psicanálise que por mais de uma década foi desenvolvida apenas por este autor Freud Durante esse tempo a psicanálise gradualmente chegou à posse de uma teoria que parecia dar ex plicação suficiente sobre a gênese o sentido e o propósito dos sintomas neuróticos e fornecia um fundamento racional aos es forços médicos para eliminar a doença Vou mais uma vez rela cionar os fatores que formam o conteúdo dessa teoria Eles são a ênfase na vida instintual afetividade na dinâmica psíquica no fato de mesmo os fenômenos psíquicos aparentemente mais ob scuros e arbitrários sempre serem determinados e dotados de sentido a teoria do conflito psíquico e da natureza patogênica da repressão a concepção dos sintomas patológicos como satis fações substitutivas o reconhecimento da importância etiológica da vida sexual em especial dos começos da sexualidade infantil No aspecto filosófico essa teoria tinha que adotar concepção de que o psíquico não coincide com o consciente de que os pro cessos psíquicos são inconscientes em si e apenas mediante o funcionamento de órgãos especiais instâncias sistemas são tornados conscientes Acrescentarei completando essa enumer ação que entre as atitudes afetivas da infância destacouse a complicada relação emocional com os pais o chamado com plexo de Édipo no qual reconhecemos cada vez mais 209326 claramente o núcleo de todo caso de neurose e que na conduta do analisando perante o médico chamaram a atenção determina dos fenômenos de transferência emocional que adquiriram enorme significado tanto na teoria como na técnica Já nessa configuração a teoria psicanalítica das neuroses con tinha vários elementos que contrariavam as opiniões e inclin ações vigentes e podiam suscitar estranheza aversão e descrença nos observadores Por exemplo a posição ante o problema do in consciente o reconhecimento de uma sexualidade infantil e a ên fase dada ao fator sexual na vida psíquica em geral mas outros se juntariam a esses III Para mais ou menos compreender como numa garota histérica um desejo sexual proibido pode se transformar num sintoma doloroso fora necessário fazer intrincadas e abrangentes suposições relativas à estrutura e à função do aparelho psíquico Era evidente a desproporção entre o dispêndio e o resultado Se realmente existiam as condições postuladas pela psicanálise elas eram de natureza fundamental e tinham de poder se manifestar igualmente em outros fenômenos que não os histéricos Mas sendo correta essa conclusão a psicanálise deixaria de interessar apenas aos neurologistas podia requerer a atenção de todos os que atribuíam importância à pesquisa psicológica Seus resulta dos não diziam respeito apenas ao âmbito da vida psíquica patológica eles tampouco podiam ser negligenciados para a compreensão do funcionamento normal 210326 A prova de sua utilidade no esclarecimento da atividade psíquica não patológica chegou bem cedo para a psicanálise em relação com dois tipos de fenômeno nos frequentes atos falhos cotidianos como esquecimento lapso mudança involuntária do local de um objeto etc e nos sonhos de pessoas sadias e psiquicamente normais Os pequenos atos falhos como o tem porário esquecimento de nomes próprios que sabemos os lapsos de fala de escrita e coisas afins não eram vistos como merece dores de explicação ou eram atribuídos ao cansaço à desatenção etc O presente autor demonstrou com numerosos exemplos em seu livro Psicopatologia da vida cotidiana 1901 que tais ocor rências são dotadas de sentido e surgem devido à perturbação de uma intenção consciente por outra intenção suprimida muitas vezes inconsciente Geralmente basta uma breve reflexão ou uma rápida análise para se encontrar a influência perturbadora Dada a frequência desses atos falhos dos lapsos de fala sobretudo é fácil para qualquer um convencerse por experiência própria da existência de processos psíquicos não conscientes mas que são atuantes e acham expressão pelo menos como inibições e modi ficações de outros atos esses intencionais Conduziunos mais adiante a análise dos sonhos que o presente autor apresentou ao público já em 1900 na Inter pretação dos sonhos Nela se constatou que o sonho não é con struído diferentemente de um sintoma neurótico Ele pode como este parecer estranho e sem sentido mas se o invest igamos mediante uma técnica que pouco se diferencia da livre associação usada na psicanálise chegamos partindo de seu con teúdo manifesto ao sentido oculto aos pensamentos latentes do sonho Tal sentido latente é sempre um desejo que é mostrado 211326 como realizado no presente No entanto exceto no caso de cri anças pequenas ou sob a pressão de necessidades físicas imperi osas esse desejo secreto não pode jamais ser expresso de forma reconhecível Ele tem que submeterse antes a uma deformação obra de forças restritivas censuradoras que se acham no Eu do sonhador Desse modo surge o sonho manifesto como é re cordado na vida desperta deformado até ficar irreconhecível pelas concessões feitas à censura onírica mas podendo ser reve lado pela análise como expressão de um estado de satisfação ou cumprimento de um desejo um compromisso entre dois grupos de tendências psíquicas que lutam entre si exatamente como vi mos no sintoma histérico A fórmula de que o sonho é a realiza ção disfarçada de um desejo reprimido é a que melhor corres ponde à natureza do sonho O estudo do processo que trans forma o desejo onírico latente no conteúdo onírico manifesto o trabalho do sonho nos proporcionou o que melhor sabemos da vida psíquica inconsciente Ora o sonho não é um sintoma mórbido mas uma produção da vida psíquica normal Os desejos que ele apresenta como real izados são os mesmos que na neurose sucumbem à repressão Ele deve a possibilidade de seu surgimento à circunstância fa vorável de que durante o estado do sono que paralisa a motilid ade do ser humano a repressão é atenuada tornandose censura onírica Mas quando a formação do sonho vai além de certos limites o sonhador lhe põe um fim e acorda assustado Está provado assim que tanto na vida psíquica normal como na patológica existem as mesmas forças e os mesmos processos se desenvolvem entre elas A partir da Interpretação dos sonhos a psicanálise teve um duplo significado era não apenas uma nova terapia mas também uma nova psicologia pretendia ser levada 212326 em conta não apenas por especialistas em doenças nervosas mas por todos os que lidam com alguma das ciências humanas Mas a recepção que ela teve no mundo científico não foi cordi al Por cerca de uma década ninguém se ocupou dos trabalhos de Freud Por volta de 1907 um grupo de psiquiatras suíços Bleuler e Jung em Zurique chamou a atenção para a psicanálise e en tão irrompeu na Alemanha sobretudo uma tempestade de indignação que não foi realmente seletiva nos seus métodos e ar gumentos Nisso a psicanálise partilhou o destino de muitas novidades que após certo lapso de tempo tiveram reconheci mento geral Entretanto estava em sua natureza que despertasse uma oposição particularmente violenta Ela feria os preconceitos da humanidade civilizada em alguns pontos bastante sensíveis como que submetia todos os homens à reação analítica ao des velar o que por acordo geral fora reprimido no inconsciente e desse modo forçou os contemporâneos a se comportarem como os doentes que no tratamento analítico evidenciam sobretudo suas resistências É preciso também admitir que não era fácil convencerse da correção das teorias psicanalíticas ou obter tre inamento no exercício da psicanálise A hostilidade geral não pôde impedir no entanto que no curso da década seguinte a psicanálise se expandisse ininter ruptamente em dois sentidos no mapa geográfico pois o in teresse por ela surgia em número cada vez maior de países e no campo das ciências humanas pois encontrava aplicação em número sempre maior de disciplinas Em 1909 G Stanley Hall presidente da Universidade Clark em Worcester Massachus setts convidou Freud e Jung para ministrarem uma série de con ferências sobre a psicanálise que também foram amistosamente 213326 recebidas Desde então a psicanálise se tornou popular na América embora justamente nesse país muita superficialidade e algum abuso se tenham ligado ao seu nome Já em 1911 Havelock Ellis pôde constatar que a análise era exercida e cultivada não apenas na Áustria e na Suíça mas igualmente nos Estados Un idos Inglaterra Índia Canadá e também Austrália Nesse período de luta e florescimento inicial surgiram tam bém as publicações dedicadas exclusivamente à psicanálise Foram o Jahrbuch für psychoanalytische und psychopatholo gische Forschungen Anuário de Pesquisas Psicanalíticas e Psi copatológicas dirigido por Bleuler e Freud e editado por Jung 190914 que foi suspenso com a irrupção da Grande Guerra a Zentralblatt für Psychoanalyse Folha Central de Psicanálise 1911 dirigida por Adler e Stekel que logo foi substituída pela Internationale Zeitschrift für Psychoanalyse Revista Inter nacional de Psicanálise 1913 atualmente em seu décimo volume e também desde 1912 a Imago revista fundada por Rank e Sachs voltada para a aplicação da psicanálise às ciências humanas O grande interesse dos médicos angloamericanos evidenciouse em 1913 com a fundação da Psychoanalytic Review por White e Jelliffe revista ainda hoje existente Mais tarde em 1920 nasceu o International Journal of PsychoAna lysis Revista Internacional de Psicanálise destinada especial mente à Inglaterra e dirigida por Ernest Jones A Internationaler Psychoanalytischer Verlag Editora Psicanalítica Internacional e sua correspondente inglesa International PsychoAnalytical Press apresentam sob o nome de Biblioteca Psicanalítica Inter nacional uma série contínua de publicações psicanalíticas 214326 Naturalmente a literatura da psicanálise não se acha apenas nessas edições periódicas que são em sua maioria patrocinadas pelas associações psicanalíticas Ela se encontra disseminada em inúmeros locais tanto em publicações científicas como em liter árias Entre as revistas do mundo latino que dão especial atenção à psicanálise cumpre destacar a Revista de Psiquiatría dirigida por H Delgado em Lima Peru Uma diferença essencial entre a segunda década da psicanál ise e a primeira foi que o presente autor já não era mais o seu único defensor Um círculo crescente de alunos e seguidores se juntara em torno dele e o trabalho desses discípulos consistiu primeiramente na difusão das teorias da psicanálise para depois lhes dar prosseguimento completálas e aprofundálas No de correr dos anos vários deles como era inevitável se afastaram seguiram seus próprios caminhos ou se tornaram uma oposição que parecia ameaçar a continuidade do desenvol vimento da psicanálise Entre 1911 e 1913 foram C G Jung em Zurique e Alfred Adler em Viena que com suas tentativas de reinterpretação dos fatos psicanalíticos e seus empenhos em desviarse dos pontos de vista da psicanálise geraram alguma comoção mas logo se verificou que estas secessões não produziam dano duradouro O sucesso temporário que lhes veio se explicava facilmente pelo fato de grande número de pessoas estar disposto a livrarse da pressão das exigências psicanalític as não importando o caminho que assim lhes fosse aberto A grande maioria dos colaboradores permaneceu firme e deu prosseguimento ao trabalho conforme as linhas indicadas Vamos encontrar seus nomes repetidamente na exposição 215326 seguinte bastante breve dos resultados da psicanálise em seus vários campos de aplicação IV A ruidosa rejeição da psicanálise pelos médicos em geral não pôde impedir que seus seguidores a desenvolvessem conforme a intenção original ou seja como uma patologia e terapia especial das neuroses uma tarefa que mesmo hoje em dia não foi total mente realizada Os inegáveis sucessos terapêuticos que foram além de tudo o que até então se alcançara incitavam constante mente a novos esforços e as dificuldades que apareciam com o aprofundamento na matéria ocasionaram grandes mudanças na técnica analítica e significativas correções nas hipóteses e premissas da teoria No curso desse desenvolvimento a técnica da psicanálise se tornou tão definida e delicada como a de qualquer outra espe cialidade médica Muitas falhas são cometidas ao não se com preender esse fato sobretudo na Inglaterra e na América pois pessoas que adquiriram apenas um conhecimento literário da psicanálise acreditamse capacitadas a empreender tratamentos analíticos sem haver recebido treinamento especial As con sequências de tal conduta são nefastas tanto para a ciência como para os doentes e contribuíram bastante para o descrédito da psicanálise Por isso a fundação da primeira policlínica psic analítica por M Eitingon em Berlim 1920 foi um passo de enorme importância prática Essa instituição se empenha por um lado em tornar a terapia analítica acessível a amplas cama das da população e por outro lado se encarrega de preparar 216326 médicos para a profissão de analista num curso que envolve a condição de o aluno se submeter a uma análise Entre os conceitos auxiliares que possibilitam ao médico o domínio do material analítico há que se mencionar o de libido em primeiro lugar Libido significa primeiramente na psicanál ise a força imaginada como quantitativamente variável e men surável dos instintos sexuais no sentido ampliado pela teoria psicanalítica dirigidos para o objeto Com o estudo subsequente houve a necessidade de justapor a essa libido objetal uma li bido do Eu ou narcísica dirigida para o próprio Eu e a inter ação dessas duas forças permitiu dar conta de um grande número de processos normais e patológicos da vida psíquica Logo se fez a grande distinção entre as chamadas neuroses de transferência e as afecções narcísicas as primeiras histeria e neurose obsessiva sendo propriamente os objetos da terapia analítica enquanto as outras as neuroses narcísicas permitem investigação com o auxílio da análise mas apresentam di ficuldades fundamentais à influência terapêutica É certo que a teoria psicanalítica da libido não se acha absolutamente con cluída e que sua relação com uma teoria geral dos instintos não está esclarecida a psicanálise é uma ciência jovem em tudo in completa em acelerado desenvolvimento mas neste ponto cabe assinalar como é equivocada a objeção de pansexualismo que frequentemente se faz a ela Conforme essa objeção a teoria psicanalítica não conhece outras forças psíquicas instintuais senão as puramente sexuais e assim fazendo explora preconcei tos populares ao utilizar sexual não no sentido analítico e sim vulgar A concepção psicanalítica teria de contar entre as afecções narcísicas também os transtornos que na psiquiatria são 217326 denominados psicoses funcionais Estava fora de dúvida que neuroses e psicoses não eram separadas por uma fronteira nítida da mesma forma que saúde e neurose e era natural recor rer para explicar os enigmáticos fenômenos psicóticos aos con hecimentos obtidos no estudo das neuroses até então igual mente impenetráveis O presente autor em seu período de isola mento já havia tornado parcialmente compreensível um caso de paranoia mediante a investigação psicanalítica e evidenciado nessa inequívoca psicose os mesmos conteúdos complexos e um jogo de forças semelhante ao das simples neuroses Em bom número de psicoses E Bleuler acompanhou os indícios do que chamava mecanismos freudianos e C G Jung conquistou enorme prestígio como analista quando em 1907 explicou os mais estranhos sintomas dos estágios finais da dementia prae cox a partir das histórias individuais dos pacientes O abrangente estudo de Bleuler sobre a esquizofrenia de 1911 demonstrou provavelmente de forma definitiva a legitimidade dos pontos de vista psicanalíticos para a compreensão das psicoses Desse modo a psiquiatria se tornou o campo imediato de ap licação da psicanálise e assim permaneceu desde então Os pesquisadores que mais contribuíram para um aprofundado con hecimento analítico das neuroses como K Abraham em Berlim e S Ferenczi em Budapeste para mencionar apenas os mais notáveis destacaramse também na elucidação analítica das psicoses Insinuase cada vez mais não obstante a oposição dos psiquiatras a convicção da unidade e íntima relação de todos os transtornos que se apresentam como fenômenos neuróticos e psicóticos Começase a compreender principalmente na América talvez que o estudo psicanalítico das neuroses pode 218326 ser a única preparação para o entendimento das psicoses que a psicanálise deve possibilitar uma psiquiatria científica no futuro que não mais se contente em descrever estranhos casos clínicos evoluções incompreensíveis e acompanhar a influência de gros seiros traumas anatômicos e tóxicos sobre um aparelho psíquico inacessível a nosso conhecimento V Mas com sua importância para a psiquiatria a psicanálise não teria chamado a atenção do mundo intelectual ou conquistado um lugar na History of our times Tal efeito vem da relação da psicanálise com a vida psíquica normal não com a patológica Originalmente a pesquisa analítica não tinha outro objetivo senão investigar as condições de surgimento a gênese de alguns estados psíquicos doentios mas nesse esforço veio a descobrir relações de importância fundamental a francamente criar uma nova psicologia de modo que foi inevitável reconhecer que a val idez de tais descobertas não podia se limitar ao âmbito da pato logia Já sabemos quando foi obtida a prova decisiva da exatidão dessa conclusão Foi quando se chegou à interpretação dos son hos mediante a técnica analítica dos sonhos que são parte da vida psíquica das pessoas normais e que na verdade correspon dem a produções patológicas que podem regularmente aparecer em condições de saúde Atendose às percepções psicológicas adquiridas pelo estudo dos sonhos não restava senão um passo para poder pro clamar a psicanálise a teoria dos processos psíquicos mais pro fundos não diretamente acessíveis à consciência psicologia das 219326 profundezas e para poder aplicála a quase todas as ciências humanas Este passo consistiu na transição da atividade psíquica do indivíduo para as funções psíquicas dos povos e comunidades humanas ou seja da psicologia individual para a das massas e muitas analogias surpreendentes levaram a ele Haviase descoberto por exemplo que nas camadas profundas da ativid ade mental inconsciente os opostos não são diferenciados um do outro mas sim expressos pelo mesmo elemento Já em 1884 o filólogo K Abel havia sustentado em Sobre o sentido antitético das palavras primitivas que os mais antigos idiomas con hecidos tratavam os opostos de igual maneira O antigo egípcio por exemplo possuía primeiramente uma só palavra para forte e fraco e apenas depois os dois lados da antítese foram difer enciados mediante ligeiras modificações Ainda nos mais recen tes idiomas se acham claros vestígios desse sentido antitético como na palavra alemã Boden sótão ou chão que designa tanto a parte mais alta como a baixa da casa de modo semel hante a altus alto e fundo em latim Assim a equivalên cia de opostos no sonho é um traço arcaico universal do pensamento humano Para fornecer um exemplo de outro âmbito é impossível es capar à impressão de total concordância entre os atos obsessivos de certos doentes obsessivos e as práticas religiosas de crentes do mundo inteiro Alguns casos de neurose obsessiva se ap resentam mesmo como uma caricatura de religião privada de modo que é tentador equiparar as religiões oficiais a uma neur ose obsessiva atenuada por sua natureza geral Tal comparação certamente revoltante para os crentes mostrouse psicologica mente fecunda no entanto Pois a psicanálise logo tomou 220326 conhecimento das forças que lutam entre si na neurose obses siva até seus conflitos acharem singular expressão no cerimonial das ações obsessivas Não se suspeitava de nada semelhante no caso do cerimonial religioso até que foi possível ao referir ou fazer remontar o sentimento religioso à relação com o pai sua raiz mais profunda evidenciar também ali uma situação dinâm ica análoga Esse exemplo aliás mostra ao leitor que também aplicada em áreas não médicas a psicanálise não pode deixar de ferir preconceitos bastante apreciados de tocar em suscetibilid ades profundamente enraizadas e assim despertar hostilidades de base essencialmente afetiva Se é lícito supor que as condições mais gerais da vida psíquica inconsciente os conflitos entre impulsos instintuais as repressões e satisfações substitutivas se acham em toda parte e se existe uma psicologia das profundezas que leva ao conheci mento dessas condições então podemos razoavelmente esperar que a aplicação da psicanálise aos mais diversos âmbitos da atividade espiritual humana produzirá resultados importantes e até agora inalcançáveis Num estudo substancial Otto Rank e Hanns Sachs se empenharam em resumir o que o trabalho dos psicanalistas pôde fazer nesse sentido até 1913 A limitação de es paço me impede de completar aqui a sua lista Posso apenas destacar as conclusões mais relevantes e acrescentar alguns pormenores Deixando de lado impulsos internos pouco conhecidos pode se dizer que o principal motor da evolução cultural do ser hu mano foi a privação externa real que lhe negou a cômoda satis fação de suas naturais necessidades e o expôs a perigos imensos Essa frustração externa o obrigou à luta com a realidade luta 221326 que resultou em parte na adaptação a ela em parte no domínio dela mas também levou ao trabalho em comum e à convivência com os semelhantes o que já implicava uma renúncia a vários impulsos instintuais que não podiam ser satisfeitos socialmente Com os subsequentes progressos na civilização cresceram tam bém as exigências da repressão Afinal a civilização se baseia na renúncia instintual e cada indivíduo em seu caminho da infân cia à maturidade repete em sua própria pessoa esse desenvolvi mento da humanidade rumo a uma sensata resignação A psic análise mostrou que são sobretudo embora não exclusivamente impulsos instintuais sexuais que sucumbem a essa repressão cultural Uma parte deles exibe a valiosa característica de se deixar desviar dos objetivos imediatos e assim põe sua energia como tendências sublimadas à disposição do desenvolvimento cultural Mas outra parte permanece no inconsciente como dese jos insatisfeitos e urge por uma satisfação qualquer mesmo que deformada Vimos que uma porção da atividade mental humana se em penha em lidar com o mundo externo real A psicanálise nos diz também que outra parte da produção psíquica particularmente estimada serve à realização de desejos à satisfação substitutiva dos desejos reprimidos que desde a infância habitam insatisfei tos a alma de cada pessoa Entre essas criações cujo nexo com um inapreensível inconsciente sempre foi suspeitado estão os mitos a literatura e a arte e de fato o trabalho dos psicanalistas lançou bastante luz sobre os campos da mitologia dos estudos literários e da psicologia do artista Basta mencionar a obra de O Rank como exemplo Demonstrouse que os mitos e fábulas ad mitem interpretação tal como os sonhos acompanharamse os emaranhados caminhos que vão do impulso do desejo 222326 inconsciente até a realização na obra de arte chegouse a com preender o efeito emocional da obra de arte sobre o sujeito re ceptor e a esclarecer no artista propriamente tanto sua íntima afinidade como sua diferença em relação ao neurótico e mostrouse o nexo entre sua disposição inata suas vivências oca sionais e sua obra A apreciação estética da obra de arte e a elu cidação do talento artístico não podem ser consideradas tarefas da psicanálise Parece no entanto que ela está em condições de dar a palavra decisiva em todas as questões atinentes à vida da fantasia no ser humano Em terceiro lugar a psicanálise nos fez compreender para nosso contínuo assombro o papel extremamente importante que o chamado complexo de Édipo ou seja a relação afetiva da cri ança com os dois genitores tem na vida psíquica do ser humano Tal assombro é atenuado ao se perceber que o complexo de Édipo é o correlato psíquico de dois fatos biológicos fundamen tais a longa dependência infantil do ser humano e o modo sin gular como sua vida sexual atinge um primeiro ápice dos três aos cinco anos e após um período de inibição recomeça na puber dade Então vimos que um terceiro seriíssimo aspecto da ativid ade intelectual humana que criou as grandes instituições da reli gião do direito da ética e todas as formas de organização social objetiva no fundo possibilitar ao indivíduo a superação de seu complexo de Édipo e guiar sua libido desde as vinculações in fantis àquelas sociais definitivamente desejadas As aplicações da psicanálise ao estudo da religião e à sociologia pelo presente autor Th Reik e O Pfister que levaram a esse res ultado ainda são novas e insuficientemente avaliadas mas não há dúvida de que estudos subsequentes aumentarão o grau de certeza dessas importantes explicações 223326 Devo acrescentar como que em apêndice que também a ped agogia não pode deixar de aproveitar as sugestões que lhe são oferecidas pela investigação psicanalítica da vida psíquica das crianças e que entre os terapeutas há algumas vozes Groddeck Jelliffe que também consideram promissor o tratamento psic analítico de graves doenças orgânicas pois em muitas delas col abora também um fator psíquico sobre o qual é possível ter influência É lícito formular a expectativa de que a psicanálise da qual expusemos aqui o desenvolvimento e as realizações até agora de maneira concisa e insatisfatória será um importante fermento na evolução cultural das próximas décadas e ajudará a apro fundar nossa compreensão do mundo e rechaçar algumas coisas percebidas como prejudiciais na vida Não se deve esquecer porém que a psicanálise sozinha não pode fornecer uma visão do mundo completa Aceitandose a distinção que propus em que o aparelho psíquico é decomposto num Eu voltado para o mundo externo e provido de consciência e num Id inconsciente dominado por suas necessidades instintuais então a psicanálise deve ser designada como uma psicologia do Id e dos influxos deste sobre o Eu Logo em cada campo do saber ela pode apen as fazer contribuições que devem ser completadas a partir da psicologia do Eu Se tais contribuições muitas vezes contêm o es sencial dos fatos isso apenas corresponde à importância que o inconsciente psíquico por muito tempo ignorado pode reivindi car em nossa vida 224326 Famoso hospital parisiense onde Freud fez estágio com o neuropatologista Charcot No original se acha Zerfall Dissoziation Freud utilizou a palavra germân ica equivalente ao termo latino e este em seguida entre parênteses por isso não consideramos necessário encontrar outro sinônimo para verter Zerfall e manter dissociação entre parênteses Com exceção da espanhola as versões consultadas preferiram fazer assim recorrendo a fragmentación a argentina da Amorrortu disgregazione a italiana da Boringhieri e disintegration a Standard inglesa para traduzir Zerfall Nos dicionários de estrangeirismos de publicação costumeira nos países de língua alemã esse termo é geral mente dado como sinônimo de dissociação Impulso Impuls no original ou seja Freud emprega aqui o mesmo termo latino Afastado o verbo original é abdrängen formado de drängen que significa pressionar empurrar impelir e do prefixo ab que indica afastamento e que um dicionário alemãoportuguês o Michaelis Nova York Ungar sd traduz por afastar empurrando notase que é aparentado ao verbo verdrän gen normalmente traduzido por reprimir ou recalcar nos textos de Freud em português As versões estrangeiras consultadas recorrem nesse ponto a desviado esforzado afuera deviato prevented from Geisteswissenschaften literalmente ciências do espírito que é como os tradutores consultados vertem a palavra no singular ou no plural com ex ceção do inglês Strachey que prefere mental science cf mais adiante na seção v ciência literária e ciência da religião Forças psíquicas instintuais seelische Triebkräfte também pode ser traduzido por forças motrizes da psique como em algumas das versões con sultadas energias instintivas psíquicas fuerzas pulsionales forze motrici psichiche mental motive forces Cf Novas observações sobre as neuropsicoses de defesa parte iii 1896 Alusão ao título do volume para o qual foi escrito este trabalho 225326 Percepções Einsichten nas versões estrangeiras consultadas atisbos intelecciones prospettive discoveries O Rank e H Sachs Die Bedeutung der Psychoanalyse für die Geisteswis senschaften A importância da psicanálise para as ciências humanas Wies baden 1913 Repressão Unterdrückung nas versões consultadas represión sofoca ción repressione suppression Normalmente traduzimos esse termo alemão por supressão e deixamos repressão para Verdrängung caso se queira fazer distinção clara entre um e outro conceito o que é discutível mas nota se que aí são claramente sinônimos pois o segundo foi usado poucas linhas acima nesse mesmo sentido Cf capítulo sobre Verdrängung em Paulo César de Souza As palavras de Freud op cit Estudo da religião Religionswissenschaft literalmente ciência da religião lembrandonos mais uma vez que em alemão o termo Wis senschaft é empregado em sentido mais amplo do que em português cf estudos literários Literaturwissenschaft no parágrafo anterior 226326 AS RESISTÊNCIAS À PSICANÁLISE 1925 TÍTULO ORIGINAL DIE WIDERSTÄNDE GEGEN DIE PSYCHOANALYSE PUBLICADO PRIMEIRAMENTE EM TRADUÇÃO FRANCESA NA REVUE JUIVE GENEBRA MARÇO DE 1925 E LOGO DEPOIS EM IMAGO V 11 N 3 PP 22233 TRADUZIDO DE GESAMMELTE WERKE XIV PP 99110 Um bebê que nos braços da babá desvia o rosto chorando ao ver uma pessoa desconhecida um religioso que inicia a nova es tação com uma prece e também saúda os primeiros frutos do ano com uma bênção um camponês que se recusa a comprar uma foice que não tenha a marca familiar a seus pais a diver sidade dessas situações é evidente e parece justificada a tent ativa de relacionar cada uma a um motivo diferente Mas seria um erro ignorar o que têm em comum Em todos os casos há o mesmo desprazer que na criança tem expressão ele mentar no religioso é mitigado com um artifício no camponês se torna o motivo para uma decisão A fonte desse desprazer é a exigência que o novo faz à psique o dispêndio psíquico que re quer a incerteza exacerbada em angustiosa expectativa que traz consigo Seria muito interessante tomar a reação psíquica ao novo como objeto de estudo pois em condições determinadas não mais primárias também se observa o comportamento oposto uma autêntica sede de estímulos que se lança a tudo que é novo simplesmente por ser novo No trabalho científico não deveria haver lugar para o temor ao novo Eternamente incompleta e insuficiente a ciência é obri gada a esperar sua salvação de novas descobertas e novas con cepções Para não ser enganada muito facilmente ela deve se ar mar de ceticismo e nada acolher de novo que não tenha passado por severo exame No entanto ocasionalmente esse ceticismo revela duas características insuspeitadas Voltase nitidamente contra o que chega de novo enquanto poupa o que já é con hecido e acreditado satisfazendose em rejeitar as coisas antes de investigálas Mostrase então como o prosseguimento daquela reação primitiva ao novo como uma coberta para a sua preservação É sabido que frequentemente na história da invest igação científica as novidades foram recebidas com intensa e ob stinada resistência e o curso posterior dos eventos demonstrou que ela era injusta que a inovação era importante e valiosa Em geral eram certos elementos do conteúdo do novo que desper tavam a resistência enquanto por outro lado vários elementos tiveram de atuar em conjunto para possibilitar que irrompesse a reação primitiva Uma acolhida particularmente ruim teve a psicanálise que o presente autor começou a desenvolver há quase trinta anos a partir das descobertas de Josef Breuer de Viena sobre a gênese dos sintomas neuróticos É indiscutível seu caráter de novidade embora excetuando esses achados ela tenha elaborado um abundante material que era conhecido de outras fontes resulta dos dos ensinamentos do grande neuropatologista Charcot e im pressões do mundo dos fenômenos hipnóticos Originalmente o significado da psicanálise foi apenas terapêutico ela buscou criar um tratamento novo e eficaz para as enfermidades neuróticas No entanto conexões que na época não podíamos imaginar fizeramna ir bastante além do seu objetivo inicial Por fim ela pretendeu haver estabelecido sobre uma nova base toda a nossa concepção da vida psíquica desse modo adquirindo importância para todas as áreas do saber fundamentadas na psicologia Após ser completamente ignorada por uma década de repente a psicanálise tornouse objeto do interesse geral e desencadeou uma tempestade de rejeições indignadas Deixemos de lado as formas como se expressou a resistência à psicanálise Seja suficiente observar que a luta por essa inovação ainda não chegou absolutamente ao fim Mas já podemos 229326 perceber que direção ela tomará Os adversários não tiveram êxito em suprimir o movimento Vinte anos atrás eu era o único representante da psicanálise mas desde então ela encontrou muitos seguidores relevantes e laboriosos tanto médicos como não médicos que a utilizam no tratamento de doentes nervosos como método de pesquisa psicológica e como instrumento auxili ar do trabalho científico nos mais diversos âmbitos da vida in telectual Nosso interesse aqui vai se dirigir apenas às mo tivações da resistência à psicanálise atentando sobretudo para a natureza composta dessa resistência e os diferentes pesos de seus componentes Do ponto de vista clínico as neuroses devem ser colocadas junto às intoxicações ou a doenças como a de Basedow São esta dos que se produzem por um excesso ou relativa carência de de terminadas substâncias muito ativas formadas no próprio corpo ou introduzidas de fora ou seja são propriamente distúrbios na química do corpo toxicoses Se alguém conseguisse isolar a hi potética substância ou substâncias envolvida nas neuroses não precisaria temer qualquer objeção por parte dos médicos Mas atualmente não há caminho que conduza a isso O que podemos fazer é partir do quadro sintomático da neurose que no caso da histeria por exemplo compõese de distúrbios físicos e psíqui cos Ora tanto os experimentos de Charcot como as observações clínicas de Breuer ensinaram que também os sintomas físicos da histeria são psicogênicos isto é são precipitados de processos psíquicos transcorridos Ao se colocar o paciente em estado hipnótico era possível criar artificialmente os sintomas somáti cos da histeria A psicanálise recorreu a esse novo conhecimento e se pôs a questão de qual seria a natureza daqueles processos psíquicos 230326 de consequências tão inusitadas Mas tal orientação de pesquisa não correspondia aos interesses daquela geração de médicos Eles haviam sido educados na apreciação exclusiva de fatores anatômicos físicos e químicos Não estavam preparados para levar em conta o âmbito psíquico de modo que o viram com in diferença e aversão Evidentemente duvidavam que coisas psíquicas permitissem uma abordagem científica exata Em ex cessiva reação a uma fase ultrapassada em que a medicina fora dominada pelas concepções da assim chamada filosofia da natureza pareceramlhe nebulosas fantásticas místicas as ab strações com que a psicologia tem de trabalhar e simplesmente se recusaram a crer em fenômenos notáveis que poderiam ser o ponto de partida para a pesquisa Os sintomas da neurose histérica foram tidos como imposturas as manifestações da hipnose como fraudes Nem mesmo os psiquiatras a cuja obser vação se impunham os mais insólitos e surpreendentes fenô menos psíquicos mostraram inclinação a atentar para seus de talhes e investigar seus nexos Satisfizeramse em classificar a variada gama de fenômenos patológicos e sempre que possível relacionálos etiologicamente a distúrbios somáticos anatômicos ou químicos Nesse período materialista ou melhor mecani cista a medicina fez enormes progressos mas também ignorou de maneira míope o mais nobre e mais difícil dos problemas da vida É compreensível que os médicos com essa atitude ante o psíquico não tenham gostado da psicanálise nem procurado atender sua exortação a reorientarse em vários aspectos e olhar muitas coisas de outra forma Em contrapartida era de supor que a nova teoria receberia o aplauso dos filósofos Afinal eles estavam acostumados a pôr conceitos abstratos ou palavras 231326 vagas no dizer das más línguas à frente de suas explicações do mundo e dificilmente se oporiam à ampliação do âmbito da psicologia que a psicanálise propunha Mas aí se verificou um outro obstáculo o psíquico dos filósofos não era o da psicanálise Em sua grande maioria eles consideram psíquico apenas o que é um fenômeno da consciência Para eles o mundo do que é con sciente coincide com a esfera do psíquico O que de resto possa ocorrer na alma esse algo tão difícil de apreender eles at ribuem a precondições orgânicas da psique ou a processos paralelos aos psíquicos Dito de maneira mais severa a alma não tem outro conteúdo senão os fenômenos da consciência e a ciên cia da alma a psicologia tampouco tem outro objeto Também o leigo não pensa de outra forma Que pode então o filósofo dizer de uma teoria que afirma como a psicanálise que o psíquico é antes inconsciente em si que estar consciente é apenas uma qualidade que pode ou não juntarse ao ato psíquico particular e nele nada mais altera caso fique ausente Ele diz naturalmente que algo psíquico incon sciente é absurdo uma contradictio in adjecto contradição em termos e não nota que com esse julgamento está apenas repet indo sua definição talvez demasiado estreita do que é psíquico Esta certeza lhe é facilitada por não conhecer o materi al cujo estudo levou o psicanalista a crer em atos psíquicos in conscientes Os filósofos não atentaram para a hipnose não se ocuparam da interpretação de sonhos consideram os sonhos tal como os médicos produtos sem sentido da atividade intelec tual diminuída durante o sono mal desconfiam que existam coisas como ideias obsessivas e delírios e se veriam em grande apuro se alguém lhes pedisse para explicálos com base nas premissas psicológicas que mantêm Também o psicanalista se 232326 recusa a dizer o que é o inconsciente mas pode indicar a esfera de fenômenos cuja observação lhe impôs a hipótese do incon sciente Os filósofos que não conhecem outra espécie de obser vação que não a autoobservação não podem acompanhálo nisso Portanto a psicanálise tira apenas desvantagens de sua posição intermediária entre medicina e filosofia Os médicos a veem como um sistema especulativo não querem acreditar que como qualquer outra ciência natural ela se baseia na paciente e trabalhosa elaboração de fatos do mundo das percepções os filósofos que a medem pelo padrão de seus próprios sistemas ar tificialmente edificados acham que ela parte de premissas im possíveis e lhe reprovam o fato de seus conceitos principais que ainda se acham em desenvolvimento carecerem de pre cisão e clareza Esse estado de coisas é suficiente para explicar a acolhida ir ritada e relutante que a psicanálise teve nos círculos científicos Mas não permite compreender como se pôde chegar na polêm ica àquelas explosões de indignação de escárnio e desdém ao abandono de todos os preceitos da lógica e do bom gosto Tal reação faz supor que outras resistências além das puramente in telectuais foram ativadas que poderosas forças emocionais fo ram despertadas e de fato na teoria psicanalítica há muita coisa a que podemos atribuir tal efeito sobre as paixões das pessoas em geral não apenas dos cientistas Há sobretudo a grande importância que a psicanálise con cede aos chamados instintos sexuais na psique humana Se gundo a doutrina psicanalítica os sintomas neuróticos são satis fações substitutas deformadas de forças instintuais sexuais cuja satisfação direta foi frustrada por resistências internas Depois 233326 quando a psicanálise foi além do seu campo de trabalho original e se aplicou à vida psíquica normal procurou mostrar que os mesmos componentes sexuais que são desviados de seus objet ivos imediatos e voltados para outros contribuem do modo mais importante para as realizações culturais do indivíduo e da so ciedade Tais afirmações não eram completamente novas O filósofo Schopenhauer já havia enfatizado a incomparável relevância da vida sexual em palavras inesquecíveis e além disso o que a psicanálise chamou de sexualidade não coincidia absolutamente com o impulso à união dos sexos ou à produção de sensações prazerosas nos genitais mas sobretudo com o todo conservador e oniabrangente Eros do Simpósio de Platão Mas os adversários não se lembraram desses augustos prede cessores caíram sobre a psicanálise como se ela atentasse contra a dignidade do gênero humano Recriminaramlhe o pansexual ismo embora a teoria psicanalítica dos instintos sempre fosse rigorosamente dualista e em nenhum instante tivesse deixado de reconhecer ao lado dos sexuais outros instintos aos quais at ribuiu o poder de reprimir aqueles Inicialmente o par de opos tos se chamava instintos sexuais e do Eu com uma mudança posterior na teoria passou a ser Eros e instintos de morte ou destruição Fazer arte religião organização social remontarem parcialmente ao concurso de forças instintuais sexuais foi visto como uma degradação dos mais elevados bens culturais e foi de clarado enfaticamente que o ser humano tem outros interesses além dos sexuais Ignorouse com tamanho zelo que também os animais têm outros interesses de fato estão sujeitos à sexual idade apenas em acessos em determinados períodos e não per manentemente como os humanos que esses outros interesses jamais foram contestados no ser humano e que em nada altera o 234326 valor de uma conquista cultural a demonstração de sua pro cedência de elementares fontes instintuais animais Tanta falta de justiça e de lógica requer explicação Não é difí cil encontrar sua origem A civilização humana repousa sobre dois pilares um é o domínio das forças da natureza o outro a restrição de nossos instintos Escravos acorrentados carregam o trono da rainha Entre os componentes instintuais assim apro veitados os instintos sexuais no sentido mais estrito sobres saem pela força e selvageria Ai se fossem libertados O trono seria derrubado e a soberana pisoteada A sociedade bem o sabe e não quer que se fale disso Mas por que não Que mal poderia fazer a discussão A psic análise jamais se pronunciou a favor da liberação dos instintos socialmente perniciosos pelo contrário advertiu e recomendou melhoras Mas a sociedade não deseja que essa questão seja ventilada pois em vários aspectos tem má consciência Primeiro estabeleceu um alto ideal de moralidade moralidade é re strição dos instintos e exige que todos os seus membros o real izem mas não se preocupa do quanto pode ser difícil para o in divíduo tal obediência E tampouco é tão rica ou tão bem organ izada que possa compensar o indivíduo por seu grau de renúncia instintual Portanto deixase que o indivíduo descubra de que forma pode obter compensação suficiente para o sacrifício que lhe foi imposto a fim de preservar seu equilíbrio psíquico No conjunto porém ele é obrigado a viver psicologicamente acima de seus meios enquanto suas reivindicações instintuais insatis feitas o fazem sentir como permanente pressão as exigências da civilização Assim a sociedade mantém um estado de hipocrisia cultural forçosamente acompanhado de um sentimento de inse gurança e uma necessidade de proteger essa inegável 235326 instabilidade mediante a proibição da crítica e do debate Essa consideração vale para todos os impulsos instintuais também para os egoístas portanto Não investigaremos aqui se ela pode ser aplicada a todas as culturas possíveis e não apenas às que até hoje se desenvolveram Acresce que os instintos sexuais no sen tido mais estrito são domados de forma insuficiente e psicolo gicamente incorreta na maioria das pessoas de modo que são os mais inclinados a se desprender A psicanálise desvela as fraquezas desse sistema e recomenda sua alteração Ela propõe que se reduza a severidade da repressão instintual e que se dê mais ênfase à veracidade A so ciedade foi muito longe na supressão de determinados impulsos instintuais a eles deve ser concedido um maior grau de satis fação e no caso de outros o inadequado método de suprimilos pela via da repressão deve ser substituído por um procedimento melhor e mais seguro Por causa dessa crítica a psicanálise foi considerada hostil à civilização e estigmatizada como social mente perigosa Tal resistência não durará eternamente A longo prazo nenhuma instituição humana pode escapar à in fluência da visão crítica fundamentada mas até agora a atitude das pessoas ante a psicanálise é dominada por esse medo que desata as paixões e reduz a exigência de argumentar logicamente Com a teoria dos instintos a psicanálise ofendeu o indivíduo enquanto membro da comunidade social outra parte de sua teoria foi capaz de ferilo no ponto mais sensível de seu próprio desenvolvimento psíquico A psicanálise pôs termo à fábula da assexualidade da infância provou que desde o começo da vida há interesses e atividades sexuais nas crianças pequenas mostrou as transformações que eles experimentam como 236326 aproximadamente no quinto ano sucumbem à inibição e depois na puberdade entram a serviço da função reprodutiva Percebeu que a vida sexual da primeira infância culmina no chamado com plexo de Édipo na ligação afetiva ao genitor do outro sexo e con comitante rivalidade ante o do mesmo sexo uma tendência que nesse período da vida prossegue desinibidamente como desejo sexual direto Isso é de tão fácil confirmação que realmente só com grande esforço pôde ser ignorado De fato todo indivíduo passou por essa fase mas depois reprimiu de forma enérgica seu conteúdo e o relegou ao esquecimento Dessa préhistória indi vidual restaram a aversão ao incesto e uma forte consciência de culpa Talvez tenha ocorrido de modo semelhante na préhistória da espécie humana e os começos da moralidade da religião e da organização social estivessem intimamente vinculados à super ação dessa época primordial Os adultos não podiam ser lembra dos de sua préhistória que veio a lhes parecer tão inglória enfureceramse quando a psicanálise quis levantar o véu de am nésia da sua infância Houve apenas uma saída o que a psicanál ise afirmava tinha de ser falso e essa suposta nova ciência devia ser uma urdidura de fantasias e distorções As poderosas resistências à psicanálise não eram de natureza intelectual portanto e se originavam de fontes afetivas Isso ex plicava tanto sua passionalidade como sua indigência lógica A situação obedecia a uma fórmula simples as pessoas se com portavam diante da psicanálise enquanto grupo exatamente como o neurótico individual que se achava em tratamento por causa de seus transtornos mas a quem podíamos demonstrar em trabalho paciente que tudo sucedera como dizíamos Afinal não havíamos inventado e sim descoberto essas coisas a partir 237326 do estudo de outros neuróticos através do esforço de algumas décadas A situação tinha ao mesmo tempo algo de alarmante e de consolador o primeiro porque não era coisa trivial ter toda a es pécie humana como paciente o segundo porque tudo se desen rolou em conformidade com as premissas da psicanálise Se novamente lançamos o olhar sobre as resistências à psic análise aqui descritas vemos que apenas umas poucas são do tipo que se ergue contra a maioria das inovações científicas de al guma monta Em geral as resistências derivam do fato de que po derosos sentimentos humanos viramse feridos pelo conteúdo da teoria O mesmo sucedeu com a teoria darwiniana da evolução que pôs abaixo o muro que dividia homens e animais levantado pela soberba humana Apontei para essa analogia num breve en saio anterior Uma dificuldade da psicanálise Imago 1917 Enfatizei ali que a concepção psicanalítica da relação entre o Eu consciente e o superpoderoso inconsciente representa uma séria ofensa ao amorpróprio humano que denominei psicológica e equiparei à ofensa biológica causada pela teoria da evolução e à cosmológica suscitada anteriormente pela descoberta de Copérnico Dificuldades puramente externas também contribuíram para fortalecer a resistência à psicanálise Não é fácil adquirir um juízo independente em questões de análise sem têla experi mentado em si mesmo ou praticado em outra pessoa Essa úl tima coisa não é possível fazer sem ter aprendido uma técnica bastante delicada e até há pouco não existia maneira facilmente acessível de aprender a psicanálise e sua técnica Isso mudou com a fundação da Policlínica Psicanalítica de Berlim e seu 238326 instituto de ensino em 1920 Pouco depois em 1922 uma institu ição igual foi criada em Viena Finalizando podemos perguntar com toda a discrição se a própria personalidade do autor de judeu que jamais ocultou sua condição não teria colaborado para a antipatia do meio ambi ente em relação à psicanálise É raro que um argumento desse tipo seja expresso em voz alta mas infelizmente nos tornamos tão desconfiados que não podemos deixar de supor que esse dado teve algum efeito E talvez não tenha sido puro acaso que o primeiro defensor da psicanálise fosse um judeu Para abraçála era preciso estar disposto a aceitar o destino do isolamento na oposição destino esse mais familiar ao judeu que a qualquer outro Da vida intelectual des geistigen Leben O adjetivo geistig aí declinado corresponde ao substantivo Geist que em geral se traduz por espírito mas também pode significar intelecto por isso encontramos os dois termos nas versões estrangeiras consultadas del espíritu de la vida espiritual della vita spirituale of intellectual life Na mesma frase ocorre o adjetivo wissenschaft lich científico que em alemão diz respeito não apenas às Naturwis senschaften ciências da natureza mas também às Geisteswissenschaften ciências do espírito em português denominadas humanas Alma Seele também entre aspas no original Em alemão o termo equi vale igualmente a psique como explicamos em As palavras de Freud op cit pp 1526 Freud se refere muito provavelmente a algumas páginas do segundo volume de O mundo como vontade e representação que contém os comple mentos ao primeiro volume São páginas do capítulo 42 intitulado Vida da espécie juntamente com o cap 44 Metafísica do amor sexual ele foi traduzido para o português num volume intitulado O instinto sexual São 239326 Paulo Livraria Correa Editora 1951 trad Hans Koranyi intr Anatol Rosen feld Em alguns outros textos Freud alude igualmente a essa obra de Schopenhauer sem precisar a referência eles são Uma dificuldade da psic análise 1917 o prefácio à quarta edição dos Três ensaios de uma teoria da sexualidade 1905 escrito em 1920 e Autobiografia 1925 cap v Reprimir unterdrücken nas versões consultadas rechazar sofocar reprimere suppress cf notas às pp 201 e 248 e também no v 10 destas Obras completas p 88 Exigências da civilização Kulturanforderungen na frase seguinte hipo crisia cultural é tradução de Kulturheuchelei cf nota sobre a versão dos ter mos Kultur e Zivilisation em O Malestar na civilização v 18 destas Obras completas p 48 240326 NOTA SOBRE O BLOCO MÁGICO 1925 TÍTULO ORIGINAL NOTIZ ÜBER DEN WUNDERBLOCK PUBLICADO PRIMEIRAMENTENTE EM INTERNATIONALE ZEITSCHRIFT FÜR PSYCHOANALYSE REVISTA INTERNACIONAL DE PSICANÁLISE V 11 N 1 PP 15 TRADUZIDO DE GESAMMELTE WERKE XIV PP 38 Quando desconfio de minha memória sabese que o neurótico faz isso consideravelmente mas também a pessoa normal tem todo motivo para fazêlo posso completar e garantir sua fun ção tomando notas A superfície que conserva a anotação a ca derneta ou folha de papel tornase como que uma porção mater ializada do aparelho mnemônico que carrego em mim ordinaria mente invisível Se tenho presente o lugar em que foi acomodada a recordação assim fixada posso reproduzila à vontade a qualquer momento e estou seguro de que ela permaneceu inal terada ou seja de que escapou às deformações que talvez so fresse em minha memória Se eu quiser utilizar amplamente essa técnica para melhorar minha função mnemônica notarei que disponho de dois proced imentos diversos Primeiro posso escolher uma superfície que preserve intacta por tempo indefinido a nota que lhe é confiada ou seja uma folha de papel em que escrevo com tinta Obtenho assim um traço mnemônico duradouro A desvantagem desse procedimento é que a capacidade da superfície receptora logo se exaure A folha fica inteiramente escrita já não tem espaço para novas anotações e sou obrigado a servirme de outra ainda em branco Além disso a vantagem desse procedimento o fato de permitir um traço duradouro pode perder seu valor quando meu interesse na anotação se acabar após algum tempo e eu não quiser mais conservála na memória O outro procedimento não exibe esses dois defeitos Quando escrevo com giz numa lousa tenho uma superfície que mantém a capacidade receptora por tempo ilimitado e cujas anotações posso apagar no momento em que deixam me interessar sem ter de jogar fora a superfície mesma em que escrevi A desvantagem nesse caso é que não posso ter um traço duradouro Querendo acrescentar anotações ao quadro tenho de eliminar aquelas que já o cobrem Portanto irrestrita capacidade receptora e conservação de traços duradouros parecem excluirse mutuamente nos dispositivos que substituem nossa memória ou a superfície de recepção tem de ser renovada ou as anotações têm de ser eliminadas Os aparelhos auxiliares que inventamos para a melhoria ou reforço das funções de nossos sentidos são todos construídos como o órgão do sentido mesmo ou como partes dele óculos câmera fotográfica corneta acústica etc Comparados a eles os dispositivos que auxiliam nossa memória parecem deficientes pois nosso aparelho psíquico realiza justamente o que não po dem fazer tem ilimitada capacidade de receber novas per cepções e cria duradouros mas não imutáveis traços mnemônicos delas Já na Interpretação dos sonhos de 1900 fiz a suposição de que essa incomum capacidade seria obra de dois diferentes sistemas órgãos do aparelho psíquico Nós pos suiríamos um sistema PcpCs que acolhe as percepções mas não conserva traço duradouro delas podendo se comportar como uma folha em branco diante de cada nova percepção Os traços duradouros das excitações recebidas se produziriam em sistem as mnemônicos situados por trás dele Depois em Além do princípio do prazer 1920 acrescentei a observação de que o in explicável fenômeno da consciência surgiria no sistema per ceptivo no lugar dos traços duradouros Há algum tempo é oferecido no comércio com o nome de Bloco Mágico um pequeno dispositivo que promete fazer mais do que a lousa e a folha de papel Pretende ser nada mais que 243326 uma tabuinha de escrever em que as anotações podem ser apaga das com um simples movimento da mão Mas se o investigarmos mais detidamente veremos que sua construção coincide de maneira notável com essa minha hipotética estrutura de nosso aparelho perceptivo e nos convencemos de que o Bloco Mágico pode realmente fornecer as duas coisas uma superfície receptora sempre disponível e traços duradouros das anotações feitas O Bloco Mágico é uma tabuinha feita de cera ou resina marromescura com margens de papelão sobre a qual há uma folha fina e translúcida presa à tabuinha de cera na parte superi or e livre na parte inferior Essa folha é a parte mais interessante do pequeno aparelho Consiste ela mesma de duas camadas que podem ser separadas uma da outra nas bordas laterais A ca mada de cima é uma película de celuloide transparente a de baixo é um papel encerado ou seja translúcido Quando o aparelho não é utilizado a superfície de baixo do papel encerado colase levemente à superfície de cima da tabuinha de cera Ao utilizar esse Bloco Mágico escrevemos na película de celu loide da folha que cobre a tabuinha de cera Para isso não é ne cessário lápis ou giz pois a escrita não consiste em depositar certo material na superfície receptora É um retorno ao modo como os antigos escreviam em tabuinhas de argila e de cera Um estilete pontiagudo arranha a superfície e os sulcos assim deixa dos vêm a constituir a escrita No Bloco Mágico o estilete não age diretamente na cera mas sim através da folha que a cobre ele pressiona o verso do papel encerado contra a tabuinha de cera nos locais em que toca e as ranhuras tornamse visíveis como caracteres escuros na lisa superfície acinzentada do celuloide Querendose apagar o que foi escrito basta levantar brevemente a dupla folha de cobertura a partir da borda inferior 244326 que não é presa Assim o íntimo contato do papel encerado com a tabuinha de cera nos lugares pressionados mediante o qual se produz a escrita é desfeito e não volta a ocorrer quando os dois se tocam novamente Então o Bloco Mágico fica novamente vazio pronto para receber outras anotações As pequenas imperfeições do dispositivo naturalmente não são de nosso interesse pois apenas procuramos ver sua semel hança com a estrutura do aparelho psíquico perceptual Se após escrever no Bloco Mágico separamos cuida dosamente a película de celuloide do papel encerado enxergamos nitidamente as palavras na superfície deste tam bém e podemos nos perguntar se é mesmo necessário o celu loide na folha de cobertura Mas uma simples tentativa mostra que o fino papel ficaria enrugado ou se rasgaria caso escrevêsse mos diretamente sobre ele com o estilete A película de celuloide é portanto um revestimento protetor para o papel encerado destinado a deter os influxos nocivos que vêm de fora O celu loide é um protetor contra estímulos a camada propriamente receptora de estímulos é o papel Cabe lembrar neste ponto que em Além do princípio do prazer afirmei que nosso aparelho psíquico perceptual consiste em duas camadas uma proteção ex terna contra estímulos destinada a diminuir a magnitude das excitações que chegam e a superfície receptora de estímulos por trás dela o sistema PcpCs A analogia não teria muito valor se não pudesse ser levada adiante Se levantamos da tabuinha de cera a folha de cobertura inteira celuloide e papel encerado a escrita desaparece e não volta a aparecer como foi dito A superfície do Bloco Mágico se acha vazia e novamente pronta para receber anotações Mas facilmente se constata que o traço duradouro do que foi escrito 245326 permanece na tabuinha de cera e pode ser lido com uma ilumin ação adequada Portanto o Bloco fornece não apenas uma super fície receptora que sempre pode ser usada novamente como uma lousa mas também traços duradouros da escrita como um bloco de papel normal Ele resolve o problema de juntar as duas operações ao distribuílas por dois componentes sistemas separados mas interrelacionados É exatamente dessa maneira que segundo a hipótese há pouco lembrada nosso aparelho psíquico realiza sua função perceptiva A camada que recebe os estímulos o sistema PcpCs não forma traços duradouros as bases da lembrança produzemse em outros sistemas adja centes a ela Não deve nos incomodar que os traços duradouros das anot ações recebidas não sejam aproveitados no Bloco Mágico basta que estejam presentes Em algum ponto haveria de cessar a ana logia entre um aparelho auxiliar desse tipo e o órgão que lhe serve de modelo Também é verdade que o Bloco Mágico não pode reproduzir a partir de dentro a escrita apagada seria realmente um bloco mágico se como nossa memória pudesse fazêlo No entanto não me parece ousado demais comparar a folha de cobertura feita de celuloide e papel encerado com o sis tema PcpCs e sua proteção contra estímulos a tabuinha de cera com o inconsciente por trás deles e o aparecimento e desapare cimento da escrita com o cintilar e esvanecer da consciência na percepção Mas confesso que estou inclinado a levar ainda mais longe a comparação No Bloco Mágico a escrita desaparece a cada vez que se inter rompe o íntimo contato entre o papel que recebe o estímulo e a tabuinha de cera que conserva a impressão Isso concorda com uma noção que há muito tempo formei sobre o funcionamento 246326 do aparelho psíquico perceptivo mas até agora conservei para mim Fiz a suposição de que inervações de investimento são en viadas e novamente recolhidas em breves empuxos periódicos do interior para o totalmente permeável sistema PcpCs En quanto o sistema se acha investido dessa forma recebe as per cepções acompanhadas de consciência e transmite a excitação para os sistemas mnemônicos inconscientes assim que o investi mento é recolhido apagase a consciência e cessa a operação do sistema É como se o inconsciente através do sistema PcpCs es tendesse para o mundo exterior antenas que fossem rapida mente recolhidas após lhe haverem experimentado as excit ações Assim as interrupções que no Bloco Mágico acontecem a partir de fora se dariam pela descontinuidade da corrente de in ervação e no lugar de uma verdadeira suspensão do contato haveria em minha hipótese a periódica não excitabilidade do sistema perceptivo Também conjecturei que esse funciona mento descontínuo do sistema PcpCs estaria na origem da ideia de tempo Se pensarmos que enquanto uma mão escreve na superfície no Bloco Mágico a outra levanta da tabuinha de cera periodica mente a folha de cobertura temos uma representação concreta do modo como procurei imaginar a função de nosso aparelho psíquico perceptivo Foi formada trinta anos antes pois surge de forma embrionária no manuscrito Esboço de uma psicologia Entwurf einer Psychologie 1895 mais conhecido pelo título que recebeu em inglês Projeto de uma psicologia para neurólogos parte i final da seção 19 Freud voltou a mencionála em 247326 Além do princípio do prazer 1920 cap iv e no artigo sobre A negação 1925 neste volume 248326 A NEGAÇÃO 1925 TÍTULO ORIGINAL DIE VERNEINUNG PUBLICADO PRIMEIRAMENTE EM IMAGO v 11 N 3 PP 21721 TRADUZIDO DE GESAMMELTE WERKE XIV PP 115 TAMBÉM SE ACHA EM STUDIENAUSGABE III PP 3717 O modo como nossos pacientes apresentam suas ideias es pontâneas no trabalho psicanalítico nos fornece a oportunidade para algumas observações interessantes Você agora vai pensar que eu quero dizer algo ofensivo mas não tenho de fato essa in tenção Compreendemos que é a rejeição através da projeção de um pensamento que acabou de surgir Ou Você pergunta quem pode ser esta pessoa no sonho Minha mãe não é Corrigi mos então é a mãe Tomamos a liberdade na interpretação de ignorar a negação e apenas extrair o conteúdo da ideia É como se o paciente houvesse dito É certo que me ocorreu minha mãe em relação a esta pessoa mas não quero admitir esse pensamento Às vezes é possível obter de forma cômoda o esclarecimento que buscamos acerca do material reprimido inconsciente Per guntamos o seguinte O que você considera o mais improvável naquela situação O que acha que estava mais distante de sua mente então Se o paciente cai na armadilha e fala aquilo em que menos pode acreditar quase sempre está confessando a coisa certa Uma bela contrapartida a esse experimento se dá muitas vezes com o neurótico obsessivo que já foi iniciado na compreensão de seus sintomas Tive uma nova ideia obsessiva e logo me ocorreu que ela poderia significar tal coisa Mas não não pode ser isso se fosse não teria me ocorrido O que ele está rejeitando com essa fundamentação que ouviu no tratamento é naturalmente o significado correto da nova ideia obsessiva Portanto o conteúdo reprimido de uma ideia ou imagem pode abrir caminho até a consciência sob a condição de ser negado A negação é uma forma de tomar conhecimento do que foi reprimido já é mesmo um levantamento da repressão mas não certamente uma aceitação do reprimido Nisso vemos como a função intelectual se separa do processo afetivo Com ajuda da negação é anulada apenas uma consequência do processo de repressão o fato de seu conteúdo ideativo não chegar à consciên cia Daí resulta uma espécie de aceitação intelectual do reprim ido enquanto se mantém o essencial da repressão1 No curso do trabalho psicanalítico frequentemente produzimos uma variante muito importante e algo estranha dessa mesma situação Con seguimos vencer também a negação e alcançar a plena aceitação intelectual do reprimido mas o processo de repressão em si não é cancelado por isso Como é tarefa da função intelectual do juízo confirmar ou neg ar os conteúdos dos pensamentos as observações precedentes nos levam à origem psicológica dessa função Negar algo num juízo é dizer no fundo Isso é algo que eu gostaria de reprimir O juízo negativo é o substituto intelectual da repressão seu Não é um sinal distintivo seu certificado de origem como Made in Germany digamos Através do símbolo da negação o pensamento se livra das limitações da repressão e se enriquece de conteúdos de que não pode prescindir para o seu funcionamento A função do juízo tem essencialmente duas decisões a tomar Deve adjudicar ou recusar a uma coisa uma característica e deve admitir ou contestar a uma representação a existência na realid ade A característica sobre a qual deve decidir pode haver sido originalmente boa ou má útil ou nociva Na linguagem dos mais antigos impulsos instintuais os orais teríamos Quero comer ou quero cuspir isso e numa versão mais geral Quero pôr isso dentro de mim e retirar de mim Ou seja 251326 Isso deve estar dentro ou fora de mim O Eudeprazer ori ginal quer introjetar tudo que é bom e excluir tudo que é mau como afirmei em outro lugar Para o Eu o que é mau e o que é forasteiro que se acha de fora são idênticos inicialmente2 A outra decisão da função do juízo aquela sobre a existência real de uma coisa representada é do interesse do Eurealidade definitivo que se desenvolve a partir do inicial Eudeprazer ex ame da realidade A questão já não é se algo percebido uma coisa deve ou não ser acolhido no Eu mas se algo que se acha no Eu como representação pode ser reencontrado também na percepção realidade É novamente como se vê uma questão de exterior e interior O não real apenas representado subjetivo está apenas dentro o outro o real também se acha fora Nesse desenvolvimento a consideração pelo princípio do prazer foi posta de lado A experiência ensinou que é importante não apen as que uma coisa objeto de satisfação possua a característica boa isto é mereça o acolhimento no Eu mas que também se ache no mundo exterior de modo que seja possível apossarse dela em caso de necessidade Para compreender esse passo adi ante devemos lembrar que todas as representações vêm de per cepções são repetições das mesmas Assim originalmente a ex istência da representação já é uma garantia da realidade do rep resentado A oposição entre subjetivo e objetivo não existe desde o começo Ela se instaura apenas pelo fato de o pensamento pos suir a capacidade de mais uma vez tornar presente algo percebido reproduzindoo na imaginação sem que o objeto ne cessite mais existir no exterior A meta inicial e imediata do ex ame de realidade não é portanto encontrar na percepção real um objeto correspondente ao imaginado mas sim reencontrálo convencerse de que ainda existe Uma outra capacidade da 252326 faculdade de pensamento também fornece uma contribuição para o divórcio entre subjetivo e objetivo Ao ser reproduzida como representação nem sempre a percepção é repetida fielmente ela pode ser modificada por omissões alterada por fusões de elementos diversos O exame da realidade tem de checar até que ponto vão essas deformações Mas reconhecemos como precondição para que se instaure o exame da realidade a perda de objetos que um dia proporcionaram real satisfação Julgar é a ação intelectual que decide a escolha da ação mo tora põe fim à protelação devida ao pensamento e conduz do pensar ao agir Também já discuti em outro lugar essa protelação devida ao pensamento Deve ser vista como uma ação experi mental um tatear motor com dispêndios mínimos de descarga Lembremonos onde o Eu exercitou antes um tatear assim em que lugar aprendeu a técnica que agora utiliza nos processos de pensamento Isso ocorreu na extremidade sensorial do aparelho psíquico nas percepções dos sentidos De acordo com nossa hipótese a percepção não é um processo puramente passivo o Eu envia periodicamente pequenas quantidades de investimento ao sistema perceptivo mediante as quais prova os estímulos externos retraindose novamente após cada um desses avanços tateantes O estudo do juízo nos permite quiçá pela primeira vez vis lumbrar a gênese de uma função intelectual a partir do jogo dos impulsos instintuais primários Julgar é uma continuação coer ente da inclusão no Eu ou expulsão do Eu que originalmente se dava conforme o princípio do prazer Sua polaridade parece cor responder à oposição dos dois grupos de instintos que supomos A afirmação como substituto da união pertence ao Eros a negação sucessora da expulsão ao instinto de destruição O 253326 gosto em negar o negativismo de alguns psicóticos deve provavelmente ser entendido como sinal de disjunção de instin tos com a subtração dos componentes libidinais Mas o desempenho da função do juízo é possibilitado apenas pelo fato de a criação do símbolo da negação permitir ao pensamento um primeiro grau de independência dos resultados da repressão e assim da coação do princípio do prazer Harmonizase muito bem com essa concepção da negação o fato de que na análise não encontramos nenhum não vindo do inconsciente e de que o reconhecimento do inconsciente por parte do Eu se exprime numa fórmula negativa Não há prova mais forte de que conseguimos desvelar o inconsciente do que o analisando reagir dizendo Não pensei isso ou Nisso eu não nunca pensei Ideia obsessiva Zwangsvorstellung no original O substantivo Zwang sig nifica coação coerção nesse termo composto em que tem uso atributivo qualificando Vorstellung que traduzimos por ideia ou representação costuma ser vertido por obsessiva Assim o encontramos nas versões con sultadas uma em português por Marilene Carone em Discurso revista do Departamento de Filosofia da usp n 15 1983 pp 12532 duas em espanhol a antiga por LópezBallesteros e a mais nova por J L Etcheverry uma itali ana nas Opere da editora Boringhieri e uma inglesa de James Strachey na Standard edition v xix todas usam ideia ou representação obsessiva 1 O mesmo processo está na origem do conhecido fato do chamamento Que bom que há muito tempo eu não tenho enxaqueca Mas esse é o primeiro anúncio de um ataque cuja aproximação o indivíduo já sente mas em que não quer acreditar 254326 Segundo Strachey a primeira manifestação dessa ideia estaria no cap vi de O chiste e sua relação com o inconsciente 1905 ela surge novamente em For mulações sobre os dois princípios do funcionamento psíquico 1911 e na parte v de O inconsciente 1915 2 Cf quanto a isso as afirmações em Os instintos e seus destinos 1915 na parte final do ensaio Representada vorgestellt Também seria possível a versão por imaginada acompanhando o uso coloquial do verbo sich vorstellen com posto do prefixo vor diante de e de stellen pôr colocar que significa colocar algo diante de si ou seja imaginar fazer ideia de algo Na parte final de O Eu e o Id 1923 neste volume mas sabese que Freud abordou essa questão várias vezes a começar pelo Esboço de uma psicologia de 1895 mais conhecido pelo título de sua versão inglesa Projeto de uma psicologia para neurólogos seção 16 da parte i Disjunção de instintos Triebentmischung em que Entmischung é o con trário de mistura Mischung as versões consultadas recorrem a defusão pulsional com nota em que admite também desintrincamento defusión de los instintos desmezcla pulsional disimpasto pulsionale defusion of instincts 255326 ALGUMAS CONSEQUÊNCIAS PSÍQUICAS DA DIFERENÇA ANATÔMICA ENTRE OS SEXOS 1925 TÍTULO ORIGINAL EINIGE PSYCHISCHE FOLGEN DES ANATOMISCHEN GESCHLECHTSUNTERSCHIEDS PUBLICADO PRIMEIRAMENTE EM INTERNATIONALE ZEITSCHRIFT FÜR PSYCHOANALYSE REVISTA INTERNACIONAL DE PSICANÁLISE V 11 N 4 PP 40110 TRADUZIDO DE GESAMMELTE WERKE XIV PP 1730 TAMBÉM SE ACHA EM STUDIENAUSGABE V PP 25366 ESTA TRADUÇÃO FOI PUBLICADA ORIGINALMENTE EM JORNAL DE PSICANÁLISE SOCIEDADE BRASILEIRA DE PSICANÁLISE DE SÃO PAULO V 33 N 6061 PP 491500 DEZEMBRO DE 2000 ALGUMAS NOTAS DO TRADUTOR FORAM OMITIDAS E OUTRAS FORAM MODIFICADAS NA PRESENTE EDIÇÃO Em meus trabalhos e nos de meus discípulos defendemos cada vez mais firmemente a necessidade de que a análise dos neuróti cos penetre também o mais distante período da infância a época do primeiro florescimento da vida sexual Apenas ao pesquisar as primeiras manifestações da constituição instintual inata e os efeitos das mais distantes experiências de vida podese conhecer corretamente as forças instintuais da neurose posterior e estar precavido contra os erros a que nos induziriam as transform ações e sobreposições da idade adulta Esta necessidade não é apenas teoricamente significativa mas também de importância prática pois distingue os nossos esforços do trabalho daqueles médicos que tendo orientação apenas terapêutica utilizam métodos analíticos até certo ponto Tal análise da primeira in fância é demorada laboriosa e faz tanto ao médico como ao pa ciente exigências que a prática nem sempre satisfaz Além disso conduz a áreas obscuras em que nos faltam sinais indicadores Sim creio que podemos assegurar aos analistas que não há o perigo nas próximas décadas de o seu trabalho científico tornarse mecânico e desinteressante Nas páginas que seguem comunico alguns resultados da pesquisa psicanalítica resultados muito importantes se demon strarem ser universalmente válidos Por que não adio a sua pub licação até que uma experiência mais ampla me traga essa prova caso se possa obtêla Porque em minhas condições de trabalho houve uma mudança cujas consequências não posso negar An teriormente eu não me incluía entre aqueles incapazes de guardar por algum tempo o que parece ser uma nova descoberta até que ela seja confirmada ou corrigida A Interpretação dos sonhos e o Fragmento da análise de um caso de histeria o caso Dora foram por mim retidos se não durante os nove anos re comendados por Horácio ao menos durante quatro ou cinco antes de encaminhálos à publicação Mas então o tempo se es tendia a perder de vista à minha frente oceans of time como diz um estimado poeta e o material me vinha em tal abundân cia que eu não podia escapar aos novos conhecimentos Além disso eu era o único a trabalhar num novo campo minha re serva não ocasionava perigo para mim nem prejuízo para os outros Agora tudo mudou O tempo que ainda tenho é limitado e já não é tomado inteiramente pelo trabalho de modo que as opor tunidades de novos conhecimentos não se apresentam muito fartas Quando acredito observar algo novo não estou seguro de poder esperar por sua confirmação Também já foi esgotado o que se achava na superfície o restante tem de ser tirado da pro fundeza lenta e laboriosamente Por fim não estou mais só uma hoste de ávidos colaboradores se acha disposta a fazer uso tam bém do que está incompleto incertamente conhecido e posso lhes deixar o quinhão de trabalho que eu mesmo teria feito De modo que me sinto justificado em desta vez participar algo que requer urgentemente verificação para que se reconheça se tem valor ou não Ao examinar as primeiras configurações psíquicas da vida sexual na criança nosso objeto foi normalmente a criança do sexo masculino o garoto pequeno Achamos que na garota pequena as coisas deviam se passar de modo semelhante mas 258326 com alguma diferença Em que ponto do desenvolvimento estar ia essa diferença é algo que não se deixava esclarecer A situação do complexo de Édipo é a primeira etapa que re conhecemos com segurança no menino Ela é facilmente com preensível para nós pois a criança se atém ao mesmo objeto que no precedente período de amamentação já tinha investido com sua libido ainda não genital Também o fato de perceber o pai como um rival importuno do qual gostaria de se livrar e assumir o lugar é claramente deduzido das circunstâncias objetivas Ex pus em outro artigo1 que a postura edipiana do menino per tence à fase fálica e sucumbe ao medo de castração isto é ao in teresse narcísico pelo genital O entendimento é dificultado pela complicação de que mesmo no garoto o complexo de Édipo tem duplo sentido ativo e passivo correspondendo à disposição bis sexual O garoto quer também assumir o lugar da mãe como ob jeto amoroso do pai o que designamos como postura feminina Quanto à préhistória do complexo de Édipo no menino es tamos longe de alcançar plena clareza Sabemos que ali há uma identificação de natureza terna com o pai a qual ainda está livre do senso de rivalidade em torno da mãe Um outro elemento desse período elemento que me parece nunca faltar é a ativid ade masturbatória com o genital o onanismo da primeira infân cia cuja supressão mais ou menos violenta por parte dos que cuidam da criança ativa o complexo de castração Supomos que esse onanismo está ligado ao complexo de Édipo e constitui a descarga de sua excitação sexual Não sabemos se ele tem esta ligação desde o princípio ou se aparece espontaneamente como atividade com um órgão só depois vinculandose ao complexo 259326 de Édipo esta última possibilidade é a mais provável Também discutível é o papel do hábito de urinar na cama e do combate a ele mediante a educação Nós nos inclinamos à síntese singela de que urinar continuamente na cama é consequência da masturb ação a sua supressão é vista pelo garoto como uma inibição da atividade genital ou seja significando uma ameaça de castração mas permanece em aberto se temos razão em cada um desses pontos Por fim a análise nos permite reconhecer vagamente que presenciar o coito dos pais numa época muito tenra da in fância pode trazer a primeira excitação sexual e tornarse devido a seus efeitos posteriores o ponto de partida para todo o desenvolvimento sexual A masturbação assim como as duas posturas do complexo de Édipo ligase mais tarde a esta im pressão subsequentemente interpretada Mas não podemos supor que tais observações do coito sucedam regularmente e de paramos com o problema das fantasias primordiais Portanto na préhistória do complexo de Édipo do garoto há tudo isso também a ser esclarecido a aguardar exame para decidirmos se há que supor sempre o mesmo desenrolar ou se estágios prelim inares bem diferentes convergem para a mesma situação final O complexo de Édipo da garota pequena traz em si um prob lema a mais que o do garoto Inicialmente a mãe foi para ambos o primeiro objeto não nos surpreendemos se o garoto o mantém no complexo de Édipo Mas como chega a menina a abandonálo e tomar o pai como objeto Perseguindo essa questão fiz certas constatações que podem lançar alguma luz precisamente sobre a préhistória da relação edípica na menina 260326 Todo psicanalista já encontrou mulheres que se atêm com particular intensidade e persistência à ligação com o pai e ao desejo de ter um filho dele coroamento de tal ligação Temos bom motivo para supor que essa fantasia envolvendo um desejo era também a força motriz de sua masturbação infantil e facilmente nos vem a impressão de estar ante um fato element ar não mais suscetível de decomposição da vida sexual in fantil Uma análise mais aprofundada desses casos no entanto mostra algo distinto ou seja que o complexo de Édipo tem aí uma longa préhistória e é em certa medida uma formação secundária Conforme uma observação do velho pediatra S Lindner a cri ança descobre a zona genital como fonte de prazer o pênis ou o clitóris ao mamar prazerosamente sugar Deixarei em aberto a questão de saber se de fato a criança toma essa nova fonte de prazer em substituição à teta perdida da mãe como talvez indiquem fantasias futuras felação Em suma a zona genital é descoberta de alguma maneira e não parece justificado atribuir um conteúdo psíquico às primeiras atividades que a ela se relacionam O passo seguinte na fase fálica que assim começa porém não é o nexo dessa masturbação com os investimentos objetais do complexo de Édipo mas uma descoberta rica de con sequências que cabe à menina fazer Ela nota o pênis de um irmão ou companheiro de jogos flagrantemente visível e de tamanho notável reconheceo de imediato como a superior con trapartida de seu próprio órgão pequeno e oculto e passa a ter inveja do pênis Eis um interessante contraste no comportamento dos dois sexos na situação análoga quando o garoto avista pela primeira vez a região genital da menina ele se mostra inicialmente 261326 indeciso pouco interessado ele nada vê ou recusa sua percepção enfraquecea busca expedientes para harmonizála com sua expectativa Somente depois quando uma ameaça de castração teve influência sobre ele tal observação lhe será signi ficativa sua recordação ou renovação suscita nele uma terrível tempestade de afetos e o força a crer na realidade da ameaça até então desdenhada Essa conjunção leva a duas reações que po dem se tornar fixas e então separadamente ou juntas ou em conjunção com outros fatores determinarão permanentemente sua relação com as mulheres aversão à criatura mutilada ou tri unfante menosprezo dela Mas esses desenvolvimentos per tencem ao futuro se bem que a um futuro pouco distante Com a menina é diferente Num instante ela faz seu julga mento e toma sua decisão Ela viu sabe que não tem e quer ter2 Neste ponto se separa o chamado complexo de masculinidade da mulher que eventualmente reservará grandes dificuldades ao desenvolvimento prescrito rumo à feminilidade caso não seja logo superado A esperança de ainda ter um pênis tornandose igual ao homem pode se manter por um período improvavel mente longo e se tornar motivo de atos peculiares de outra forma incompreensíveis Ou surge o processo que eu designaria como recusa que na vida psíquica da criança parece não ser raro nem muito perigoso mas que no adulto daria início a uma psicose A menina se recusa a admitir o fato de sua castração aferrase à convicção de que possui um pênis e se vê compelida subsequentemente a agir como se fosse um homem As consequências psíquicas da inveja do pênis na medida em que não é assimilada na formação reativa do complexo de mas culinidade são diversas e de largo alcance Com o reconheci mento da ferida narcísica produzse na mulher como uma 262326 cicatriz por assim dizer um sentimento de inferioridade De pois de haver superado a primeira tentativa de explicar sua falta de pênis como castigo pessoal e haver apreendido a universalid ade dessa característica sexual ela começa a partilhar o menos prezo do homem por um sexo reduzido num ponto decisivo e ao menos nesse juízo permanece equiparada ao homem3 Mesmo tendo renunciado a seu verdadeiro objeto a inveja do pênis não deixa de existir persiste no traço de caráter do ciúme com ligeiro deslocamento Claro que o ciúme não é próprio de um sexo apenas e se fundamenta numa base mais ampla mas acho que desempenha um papel muito maior na vida psíquica da mulher porque obtém um enorme reforço da fonte que é a in veja do pênis desviada Antes de conhecer essa derivação do ciúme eu tinha construído para a fantasia masturbatória Uma criança é espancada tão frequente em meninas uma primeira fase em que o seu significado é que uma outra criança uma rival da qual se tem ciúme seria espancada4 Essa fantasia parece ser uma relíquia do período fálico da garota a singular rigidez que me chamou a atenção na monótona fórmula Uma criança é es pancada permite provavelmente uma interpretação especial A criança que aí é espancada acariciada pode não ser outra coisa no fundo do que o clitóris mesmo de modo que a de claração contém no nível mais profundo a confissão da mas turbação que desde o início na fase fálica até uma época tardia está ligada ao conteúdo da fórmula Uma terceira consequência da inveja do pênis parece ser o afrouxamento da relação terna com o objeto materno O con junto não é muito claro mas estamos convencidos de que quase sempre afinal a menina vê a mãe como responsável pela falta de pênis por têla posto no mundo tão insuficientemente 263326 aparelhada A história é frequentemente que após descobrir a desvantagem no genital a menina tem ciúme de outra criança supostamente mais amada pela mãe o que lhe fornece mo tivação para desprenderse do vínculo materno Está de acordo com isso que esta criança privilegiada pela mãe venha a ser o primeiro objeto da fantasia de espancamento que termina em masturbação Um outro efeito surpreendente da inveja do pênis ou da descoberta da inferioridade do clitóris é sem dúvida o mais importante Eu já tivera frequentemente a impressão de que em geral a mulher tolera menos que o homem a masturbação opõe se a ela com mais frequência e não é capaz de servirse dela em circunstâncias em que o homem recorreria a tal expediente sem hesitação É compreensível que a experiência ofereça inúmeras exceções a esta afirmação se tentarmos estabelecêla como re gra As reações dos indivíduos de ambos os sexos são mesclas de traços masculinos e femininos Mas continua a parecer que a natureza da mulher se acha mais distante da masturbação e para resolver o problema colocado podemos aduzir a reflexão de que pelo menos a masturbação do clitóris seria uma prática mas culina e que uma condição para o desenvolvimento da feminilid ade seria a eliminação da sexualidade clitoridiana As análises do período fálico remoto me ensinaram que na garota após os primeiros indícios de inveja do pênis surge uma intensa cor rente contrária à masturbação que não pode ser ligada apenas à influência da pessoa que a cria Esse impulso é claramente um prenúncio da onda repressiva que vai remover boa parte da sexu alidade masculina na época da puberdade para abrir espaço ao desenvolvimento da feminilidade Pode suceder que esta primeira oposição à atividade autoerótica não atinja sua meta 264326 Assim também aconteceu nos casos por mim analisados O con flito prosseguiu então e a garota fez tudo na época e depois a fim de livrarse da compulsão de masturbarse Muitas manifest ações ulteriores da vida psíquica da mulher permanecem incom preensíveis caso não se reconheça este poderoso motivo Não posso explicar essa revolta da menina contra a masturb ação fálica senão pela hipótese de que essa atividade prazerosa é estragada por um fator paralelo Esse fator não precisa ser bus cado longe teria de ser a humilhação narcísica relacionada à in veja do pênis a lembrança de que neste ponto não é possível ficar à altura dos garotos sendo melhor deixar de lado a concor rência com eles Dessa maneira o reconhecimento da diferença sexual anatômica impele a menina a afastarse da masculinidade e da masturbação masculina em direção a novas trilhas que levam ao desenvolvimento da feminilidade Até o momento não se falou do complexo de Édipo que não desempenhou nenhum papel até aqui Mas agora a libido da ga rota passa ao longo da equação simbólica pênis criança é tudo o que podemos dizer para uma nova posição Ela aban dona o desejo de possuir um pênis para substituílo pelo desejo de ter uma criança e com esta intenção toma o pai por objeto amoroso A mãe se torna objeto de ciúme a menina se tornou uma pequena mulher Se me é permitido crer numa observação psicanalítica isolada nessa nova situação pode haver sensações físicas que devem ser consideradas um despertar prematuro do aparelho genital feminino Se depois essa ligação ao pai fracassar e tiver de ser abandonada pode ceder lugar a uma identificação 265326 com o pai pela qual a menina retorna ao complexo de masculin idade e eventualmente se fixa nele Já disse agora o essencial do que tinha a dizer e me detenho para uma visão geral do resultado Obtivemos algum conheci mento da préhistória do complexo de Édipo na menina O per íodo correspondente no garoto é um tanto desconhecido Na menina o complexo de Édipo é uma formação secundária Os efeitos do complexo de castração o precedem e o preparam No que toca à relação entre complexo de Édipo e complexo de cas tração surge um contraste fundamental entre os dois sexos En quanto o complexo de Édipo do menino sucumbe ao complexo de castração5 o da menina é possibilitado e introduzido pelo complexo de castração Essa contradição é esclarecida se pon derarmos que o complexo de castração sempre age no sentido de seu conteúdo inibindo e limitando a masculinidade e pro movendo a feminilidade A diferença neste trecho do desenvol vimento sexual do homem e da mulher é uma consequência compreensível da diversidade anatômica dos genitais e da situ ação psíquica a ela relacionada corresponde à diferença entre a castração realizada e aquela apenas ameaçada Portanto no fundo o nosso resultado é evidente e poderia ser previsto No entanto o complexo de Édipo é algo tão significativo que não pode deixar de ter consequências a forma como nele se en trou e dele se saiu No menino como expus na publicação mencionada à qual se ligam as observações feitas aqui o com plexo de Édipo não é simplesmente reprimido ele realmente se despedaça com o choque da ameaça de castração Seus investi mentos libidinais são abandonados dessexualizados e 266326 parcialmente sublimados seus objetos são incorporados ao Eu onde formam o âmago do Supereu e emprestam a essa nova formação traços característicos No caso normal melhor dizendo ideal não subsiste mais um complexo de Édipo no in consciente o Supereu é o seu herdeiro Como o pênis seguindo Ferenczi deve seu investimento narcísico excepcion almente elevado à sua importância para a propagação da espécie a catástrofe do complexo de Édipo o abandono do incesto a instauração de consciência e moralidade pode ser vista como um triunfo da geração sobre o indivíduo Uma perspectiva in teressante quando se considera que a neurose se baseia numa revolta do Eu contra as exigências da função sexual Mas deixar o ponto de vista da psicologia individual não ajuda no momento a esclarecer essas emaranhadas relações Na garota falta o motivo para a destruição do complexo de Édipo A castração já produziu antes o seu efeito que consistiu em impelir a criança para a situação do complexo de Édipo Por isso este escapa ao destino que o aguarda no menino pode ser lentamente abandonado liquidado mediante repressão ou seus efeitos podem prosseguir até bem longe na vida psíquica normal da mulher Hesitamos em expressar isto mas não podemos nos esquivar da noção de que o nível do que é eticamente normal vem a ser outro para a mulher O Supereu jamais se torna tão inexorável tão impessoal tão independente de suas origens afetivas como se requer que seja no homem Traços de caráter que sempre foram criticados na mulher que ela mostra menos senso de justiça que o homem menor inclinação a submeterse às grandes exigências da vida que é mais frequentemente guiada por sentimentos afetuosos e hostis ao tomar decisões encon trariam fundamento suficiente na distinta formação do Supereu 267326 que acabamos de inferir Em tais juízos não nos deixaremos in fluenciar pela contestação dos partidários do feminismo que desejam nos impor uma total equiparação e equivalência dos sexos mas admitiremos de bom grado que também a maioria dos homens fica muito atrás do ideal masculino e que todos os indivíduos graças à disposição bissexual e à herança genética cruzada reúnem em si caracteres masculinos e femininos de modo que a masculinidade e a feminilidade puras permanecem construções teóricas de conteúdo incerto Inclinome a dar valor às considerações aqui apresentadas sobre as consequências psíquicas da diferença anatômica entre os sexos mas sei que esta apreciação poderá ser mantida apenas se as descobertas feitas num punhado de casos tiverem confirm ação geral e mostrarem ser típicas De outro modo apenas con tribuiriam para um conhecimento dos múltiplos caminhos que há no desenvolvimento da vida sexual Nos valiosos e substanciosos trabalhos sobre os complexos de masculinidade e da castração na mulher de Abraham Formas de manifestação do complexo da castração feminino Interna tionale Zeitschrift für Psychoanalyse v vii 1921 Horney Sobre a gênese do complexo da castração feminino ibidem v ix Helene Deutsch Psicanálise das funções sexuais femini nas Neue Arbeiten zur ärztlichen Psychoanalyse v há muita coisa que se aproxima de minha exposição e nada que coincide inteiramente com ela de modo que também por isso creio que se justifica esta minha publicação 268326 Conhecer erkennen no original as traduções consultadas recorreram no caso a apreciar discernir riconoscere reconnaître to gauge e onder scheiden distinguir Cf outras notas relativas à versão desse termo no volume 10 destas Obras completas 19111913 pp 146 150 e 156 Conhecimentos Erfahrungen que geralmente é traduzida por experiên cias como fizeram os demais tradutores mas que significa também no sin gular o conhecimento adquirido mediante a experiência O estimado po eta que Freud cita seria Shelley de acordo com a nova edição francesa citação do poema Time de 1821 Quanto a Horácio a referência é à Ars Po etica versos 3868 1 A dissolução do complexo de Édipo 1924 Fantasias primordiais Urphantasien O Vocabulário da psicanálise pref ere fantasias originárias O prefixo alemão ur denota antiguidade primazia no tempo Os outros tradutores usaram protofantasías fantasías primor diales fantaisies originaires primal phantasies oerfantasieën Fantasia envolvendo um desejo traduçãoparáfrase para Wunschphantas ie que também foi traduzida em outros volumes por fantasiadesejo ou simplesmente desejo Nas versões estrangeiras consultadas fantasía desid erativa fantasía de deseo fantasia di desiderio fantaisie de souhait wishful phantasy wensfantasie Logo em seguida força motriz é tradução de Trieb kraft que os outros verteram por fuerza impulsora fuerza pulsional forza motrice force de pulsion motive force drijfkracht O termo original é cor riqueiro significa simplesmente a força que move uma máquina e figura damente como Freud o emprega o móvel de uma ação O tradutor argen tino e o francês deram ênfase ao sentido técnico que enxergaram no termo conforme suas orientações estritamente literais Não mais suscetível de decomposição nicht weiter auflösbar nas ver sões consultadas irreducible no suscetible de ulterior resolución sic non ulteriormente decomponibile non décomposable plus avant unanalysable dat niet verder kan worden ontleed que não pode ser dissecado mais 269326 Recusa verleugnet os tradutores consultados empregam repudia de smiente rinnega dénie disavows loochent Ver nota sobre o termo em A organização genital infantil neste volume Mais adiante aparece o substant ivo Verleugnung 2 Eis a oportunidade de corrigir uma afirmação que fiz anos atrás Achei que o interesse sexual das crianças como o dos púberes não seria despertado pela diferença entre os sexos mas pelo problema da origem das crianças Ao menos para a menina isso certamente não é válido No caso do menino algu mas vezes poderá ser assim outras vezes de outro modo ou eventos fortuitos decidirão quanto a isso no caso dos dois sexos Se separa zweigt ab nas versões estrangeiras consultadas arranca se bifurca si diparte bifurque branches off splitst af O verbo abzwei gen relacionado a Zweig ramo galho pode ter o sentido de bifurcarse ou de separarse brotar num ponto é claramente este o pretendido por Freud Ele empregou a mesma palavra na mesma frase em O desapareci mento do complexo de Édipo Se recusa verweigert nas versões consultadas rehúsa se rehúsa rifi uta refuse may refuse weigert O verbo aqui usado por Freud tem sentido igual àquele que traduzimos por recusar verleugnen Mas os tradutores se veem obrigados a buscar outro termo receando a eventual crítica de que es tariam favorecendo uma confusão Se recorrermos ao verbo negar haverá o perigo de lembrar o conceito de negação se empregarmos rejeitar ou re pudiar teremos de suprimir o verbo admitir 3 Em minha primeira manifestação crítica a respeito da História do movi mento psicanalítico 1913 reconheci que este é o núcleo de verdade que há na teoria de Adler a qual não hesita em explicar o mundo inteiro com base nesse ponto inferioridade do órgão protesto masculino afastamento da linha feminina e se gaba de nisso haver despojado a sexualidade de sua importân cia em favor do afã de poder O único órgão inferior que inequivocamente merece tal denominação seria então o clitóris Por outro lado ouvimos falar de analistas que se gabam de jamais terem percebido a existência de um 270326 complexo de castração mesmo após décadas de trabalho Temos de nos curvar admirados ante a magnitude desta façanha ainda que seja tão só neg ativa uma proeza de descuido e desconhecimento As duas teorias formam um interessante par de opostos nesta nenhum traço de complexo de cas tração naquela nada senão consequências dele 4 Batem numa criança 1919 5 Ver A dissolução do complexo de Édipo 1924 Geração Generation as versões consultadas empregam de la genera ción de la raza o tradutor espanhol usa os dois termos na tradução inglesa se acha race e nas demais também a tradução literal No original über den Männlichkeits und Kastrationskomplex des Weibes Freud usa complexo uma vez LópezBallesteros e Strachey adotam o plural entendendo que ele se refere a um e a outro enquanto Etcheverry e Laplanche usam o singular exprimindo um só complexo Penso que os dois primeiros es tão certos pois no contexto do artigo se vê que são duas coisas distintas Além disso em alemão não é raro o emprego de um sujeito duplo no caso de duas palavras compostas que partilham um termo Assim em Männlichkeitskom plex foi omitido o termo principal partilhado com o composto que segue daí se usar um hífen após o primeiro termo indicando que ele será completado em seguida 271326 OBSERVAÇÕES SOBRE A TEORIA E A PRÁTICA DA INTERPRETAÇÃO DOS SONHOS 1923 TÍTULO ORIGINAL BEMERKUNGEN ZUR THEORIE UND PRAXIS DER TRAUMDEUTUNG PUBLICADO PRIMEIRAMENTE EM INTERNATIONALE ZEITSCHRIFT FÜR PSYCHOANALYSE REVISTA INTERNACIONAL DE PSICANÁLISE V 9 N 1 PP 111 TRADUZIDO DE GESAMMELTE WERKE XIII PP 30114 TAMBÉM SE ACHA EM STUDIENAUSGABE ERGÄNZUNGSBAND VOLUME COMPLEMENTAR PP 25770 A circunstância fortuita de as últimas impressões da Inter pretação dos sonhos terem sido feitas em pranchas este reotípicas me leva a publicar de forma independente as obser vações seguintes que normalmente teriam entrado como modi ficações ou acréscimos ao texto I Ao interpretar um sonho na análise podese escolher entre pro cedimentos técnicos diferentes Podemos a proceder cronologicamente e fazer com que o sonhador apresente suas associações aos elementos do sonho na sequência em que eles ocorrem no relato do sonho Essa é a con duta original clássica que ainda me parece a melhor quando an alisamos os próprios sonhos Ou podemos b iniciar o trabalho de interpretação por um de terminado elemento do sonho escolhido de qualquer ponto dele por exemplo pelo trecho mais notável ou pelo que possui a maior nitidez ou intensidade sensorial ou partindo de uma fala nele contida da qual esperamos que conduza à lembrança de uma fala da vida desperta Podemos c não considerar inicialmente o conteúdo mani festo do sonho e perguntar ao sonhador que eventos do dia an terior ele associa ao sonho relatado Por fim se o sonhador já estiver familiarizado com a técnica da interpretação podemos d abandonar todo preceito e deixar que ele decida com quais associações relativas ao sonho começará Não posso afirmar que uma dessas técnicas seja preferível ou proporcione resultados melhores II Bem mais importante é se o trabalho de interpretação ocorre sob pressão de resistência baixa ou elevada e acerca disso o analista não permanece em dúvida por muito tempo Sendo elevada a pressão podemos chegar a saber de que coisas o sonho trata mas não descobrimos o que diz acerca dessas coisas É como se atentássemos para uma conversa distante ou em voz muito baixa Então percebemos que não se pode falar exatamente de um trabalho conjunto com o sonhador resolvemos não nos inco modar muito e não ajudálo muito contentandonos em lhe sug erir algumas traduções de símbolos que nos parecem prováveis A maioria dos sonhos numa análise difícil é desse gênero de modo que não podemos aprender muito sobre a natureza e o mecanismo da formação dos sonhos com eles e menos ainda ob ter resposta à corriqueira pergunta de onde está a realização de desejos no sonho No caso de uma pressão de resistência extremamente alta su cede o fenômeno de a associação do sonhador se dar para os la dos em vez de para o fundo No lugar das desejadas associações com o sonho relatado aparecem novos pedaços de sonhos que continuam desassociados Só quando a resistência se mantém em limites moderados surge o conhecido quadro do trabalho de interpretação em que as associações do sonhador inicialmente divergem dos elementos manifestos de modo que inúmeros temas e grupos de ideias são tocados até que uma segunda série 274326 de associações rapidamente converge a partir deles para os pensamentos oníricos buscados Então se torna possível também o trabalho conjunto do an alista com o sonhador sob alta pressão de resistência isso não seria adequado Um certo número de sonhos que acontecem durante a análise são intraduzíveis apesar de neles a resistência não se mostrar de forma clara Eles representam elaborações livres dos pensamen tos oníricos latentes que estão em sua base são comparáveis a obras de literatura bem realizadas supertrabalhadas em que os temas básicos são ainda reconhecíveis mas sofreram misturas e transformações Estes sonhos servem no tratamento como in trodução aos pensamentos e lembranças do sonhador não sendo considerado seu conteúdo mesmo III Podemos diferenciar entre sonhos de cima e sonhos de baixo se não tomarmos essa distinção com demasiada rigidez Sonhos de baixo são aqueles provocados pela força de um desejo incon sciente reprimido que conseguiu fazerse representar em al guns resíduos diurnos Equivalem a irrupções do reprimido na vida desperta Sonhos de cima correspondem a pensamentos ou intenções diurnas que lograram obter durante a noite um re forço do material reprimido afastado do Eu Via de regra a anál ise não considera esse aliado inconsciente e realiza a inserção dos pensamentos oníricos latentes na trama do pensamento des perto Essa distinção não requer mudança na teoria dos sonhos 275326 IV Em algumas análises ou durante certos períodos de uma análise manifestase uma separação entre a vida onírica e a vida desper ta similar à separação entre a atividade da fantasia que mantém uma continued story um romance em devaneios e o pensamento desperto Então um sonho se encadeia no outro toma como seu ponto central um elemento que foi ligeiramente tocado no anterior etc Mas é muito mais frequente o outro caso de os sonhos não serem ligados e sim intercalados em porções sucessivas do pensamento desperto V A interpretação de um sonho se divide em duas fases a tradução e seu julgamento ou apreciação Durante a primeira não deve mos nos deixar influenciar por nenhuma consideração relativa à segunda É como se tivéssemos à nossa frente um capítulo de um autor de língua estrangeira Tito Lívio por exemplo Primeiro queremos saber o que Tito Lívio conta nesse capítulo e somente depois discutimos se o que foi lido é uma narrativa histórica uma lenda ou uma digressão do autor Que inferências podemos tirar de um sonho corretamente traduzido Tenho a impressão de que nisso a prática psicanalít ica nem sempre evitou erros e superestimações em parte por ex cessivo respeito ante o misterioso inconsciente Com facilidade nos esquecemos de que em geral um sonho é apenas um pensamento como qualquer outro possibilitado pelo 276326 relaxamento da censura e pelo reforço inconsciente e deformado pela interferência da censura e a elaboração inconsciente Vejamos o exemplo dos chamados sonhos de convalescença Quando um paciente teve um sonho desses em que parece furtarse às limitações da neurose em que supera uma fobia por exemplo ou abandona uma ligação afetiva tendemos a acreditar que fez um enorme progresso que está pronto a adaptarse a uma nova situação de vida que já conta com o restabelecimento etc Muitas vezes isso pode ser correto mas outras tantas vezes tais sonhos de convalescença possuem apen as o valor de sonhos de conveniência implicam o desejo de final mente estar são a fim de pouparse uma nova porção do tra balho analítico que sentem como algo iminente Em tal sentido os sonhos de convalescença ocorrem muito frequentemente por exemplo quando o paciente vai entrar numa nova para ele dol orosa fase da transferência Então ele se comporta exatamente como alguns neuróticos que após umas poucas sessões se dizem curados pois desejam escapar a tudo de desagradável que ainda será expresso na análise Também os neuróticos de guerra que abandonaram seus sintomas porque a terapia dos médicos milit ares lhes tornou a doença ainda mais incômoda do que o serviço na frente de luta eles seguiram as mesmas premissas econôm icas e nos dois casos as curas não se revelaram duradouras VI É realmente difícil chegar a conclusões gerais acerca do valor de sonhos corretamente traduzidos Quando no paciente há um conflito de ambivalência um pensamento hostil que nele surge 277326 não significa certamente uma duradoura superação do impulso afetuoso ou seja uma resolução do conflito e tampouco tem esse significado um sonho com o mesmo conteúdo hostil Dur ante tal conflito de ambivalência é frequente que em cada noite haja dois sonhos cada um com a atitude oposta O progresso consiste então em obter um completo isolamento dos dois im pulsos contrastantes e poder acompanhar e entender cada qual até seu extremo com a ajuda de seus fortalecimentos incon scientes Às vezes um dos dois sonhos ambivalentes é esquecido então não devemos nos deixar enganar e supor que foi tomada a decisão em favor de um lado O esquecimento de um dos sonhos mostra é verdade que no momento aquela orientação predom ina mas isso vale apenas para aquele dia podendo mudar A noite seguinte talvez apresente em primeiro plano a manifest ação oposta O verdadeiro estado do conflito pode ser determ inado apenas considerandose todas as outras indicações inclus ive as da vida desperta VII A questão do valor a se atribuir aos sonhos ligase estreitamente à de que possam ser influenciados pela sugestão do médico Talvez o analista se espante inicialmente ao ouvir falar dessa possibilidade se refletir um pouco mais no entanto esse es panto dará lugar à compreensão de que influir nos sonhos do pa ciente não é para o analista infortúnio ou vergonha maior do que dirigir seus pensamentos conscientes O fato de o conteúdo manifesto do sonho ser influenciado pelo tratamento analítico não necessita ser demonstrado É 278326 consequência da percepção de que os sonhos se ligam à vida des perta e elaboram incitações que vêm dela Naturalmente o que sucede na terapia analítica faz parte das impressões da vida des perta e das mais fortes entre elas Não admira portanto que o paciente sonhe com coisas que o médico abordou com ele e acerca das quais despertou expectativas nele Não é de admirar mais em todo caso do que o que se acha no conhecido fato dos sonhos experimentais Em seguida nosso interesse contempla a questão de saber se também os pensamentos oníricos latentes a serem dilucidados pela interpretação podem ser influenciados sugeridos pelo an alista Outra vez a resposta deve ser Evidentemente sim pois uma parte desses pensamentos oníricos latentes corresponde a formações de pensamento préconscientes totalmente capazes de se tornar conscientes com que o sonhador poderia reagir às observações do médico também estando acordado as réplicas do paciente indo ao encontro ou contrariamente a essas obser vações Pois se substituímos o sonho pelos pensamentos oníricos que contém a questão de em que medida podemos sugerir os sonhos coincide com outra mais ampla de até onde o paciente em análise é acessível à sugestão Quanto ao mecanismo da formação dos sonhos em si ao tra balho do sonho propriamente nele jamais chegamos a influir disso podemos ter certeza Além da porção que discutimos os pensamentos oníricos pré conscientes cada autêntico sonho contém indícios dos desejos reprimidos a que deve a possibilidade de sua formação Um cético dirá que eles aparecem no sonho porque o sonhador sabe que deve apresentálos que o psicanalista os aguarda O psican alista mesmo pensará de modo diferente e com razão 279326 Quando o sonho traz situações que podem ser interpretadas como se referindo a cenas do passado do sonhador parece par ticularmente relevante a questão de se teria havido influência médica nesses conteúdos oníricos Essa questão é mais premente nos sonhos chamados confirmadores que seguem atrás da an álise Em alguns pacientes são os únicos que obtemos Tais pa cientes reproduzem as vivências esquecidas de sua infância apenas depois que as construímos a partir de sintomas pensamentos espontâneos e alusões e as comunicamos a eles Disso resultam os sonhos confirmadores em relação aos quais há a dúvida de que tenham valor comprobatório pois podem haver sido fantasiados por instigação do médico em vez de trazidos à luz desde o inconsciente do sonhador Não é possível evitar essa situação ambígua na análise pois quando não inter pretamos construímos e comunicamos no caso desses pa cientes jamais obtemos acesso ao que neles é reprimido As coisas ficam mais favoráveis quando a análise de um desses sonhos confirmadores que seguem atrás é imediatamente acompanhada por uma sensação de recordar o que até então foi esquecido O cético ainda tem a saída de afirmar que seriam ilusões de lembranças Além disso em geral tais sensações de recordar não se apresentam Deixase passar apenas aos poucos o material reprimido e toda lacuna inibe ou atrasa o estabelecimento de uma convicção Também pode se tratar não da reprodução de um evento real esquecido mas da apresentação de uma fantasia inconsciente em relação à qual nunca se espera uma sensação de recordar embora seja possível uma sensação de convicção subjetiva 280326 Os sonhos confirmadores podem realmente ser consequência da sugestão isto é sonhos obsequiadores Os pacientes que trazem apenas sonhos confirmadores são os mesmos nos quais a dúvida tem o papel de resistência principal Não tentamos calar essa dúvida com a nossa autoridade ou fulminála com argu mentos Ela deve permanecer até que se resolva no prosseguimento da análise Também o analista pode manter uma dúvida assim em determinados casos O que lhe dá segur ança por fim é justamente a complicação da tarefa que tem à frente comparável à solução de um desses jogos infantis chamados quebracabeças Neles há um desenho colorido col ado a uma fina tábua de madeira e inserido numa moldura que se acha dividido em muitos pedaços de contornos sinuosos Se conseguimos ordenar o amontoado de fragmentos cada um dos quais mostrando um pedaço incompreensível do desenho de modo que a imagem adquira um sentido não haja nenhum es paço vazio e o conjunto preencha a moldura então sabemos que a solução do quebracabeças foi encontrada e que não existe outra Uma comparação desse tipo é claro nada pode significar para o paciente enquanto o trabalho da análise não é completado Lembrome da discussão que fui levado a ter com um analisando cuja atitude excepcionalmente ambivalente se expressava na mais extrema dúvida compulsiva Ele não contestava as inter pretações de seus sonhos e estava bastante impressionado com o fato de eles se harmonizarem com as minhas conjecturas Mas perguntava se aqueles sonhos confirmadores não poderiam ser expressão de sua docilidade em relação a mim Quando mostrei que aqueles sonhos também traziam bom número de por menores que eu não podia suspeitar e que sua conduta na 281326 terapia não evidenciava exatamente docilidade ele mudou para outra teoria e perguntou se o seu desejo narcísico de ficar são não poderia têlo ensejado a produzir tais sonhos já que eu lhe havia acenado com a perspectiva de cura se ele fosse capaz de aceitar minhas construções Pude responder apenas que ainda não havia deparado com tal mecanismo de formação dos sonhos mas a resolução veio por outro caminho Ele se lembrou de son hos que tivera antes de começar a análise antes mesmo que soubesse alguma coisa acerca dela e a análise desses sonhos imunes à suspeita de sugestão trouxe as mesmas interpretações que a dos mais recentes Sua obsessão em contradizer ainda achou outra saída a de que os sonhos anteriores seriam menos nítidos do que os tidos durante o tratamento mas a mim bastou me a concordância entre eles Acho bom nos lembrarmos oca sionalmente que as pessoas já costumavam sonhar antes que ex istisse psicanálise VIII Bem pode ser que os sonhos ocorridos durante uma análise con sigam revelar mais amplamente o reprimido do que os sonhos tidos fora da situação analítica Mas isso não pode ser provado já que as duas situações não são comparáveis o emprego de son hos na análise é algo distante do propósito original deles Por outro lado não pode haver dúvida de que numa análise há muito mais material reprimido que vem à luz juntamente com os son hos do que recorrendose a outros métodos Deve haver um mo tor por trás dessa maior produção uma força inconsciente que seja mais capaz de favorecer as intenções da análise durante o 282326 sono do que em outras ocasiões Ora dificilmente podemos invo car outro fator que não a docilidade do paciente em relação ao analista oriunda do complexo parental ou seja a parte posit iva do que denominamos transferência e de fato em muitos sonhos que trazem material esquecido e reprimido não logramos descobrir nenhum outro desejo inconsciente a que se pudesse at ribuir a força motriz para a formação do sonho Portanto se al guém quiser afirmar que a maioria dos sonhos aproveitáveis na análise é de sonhos obsequiadores e que devem sua origem à sugestão do ponto de vista da teoria psicanalítica não há o que objetar a isso Apenas remeterei ao que disse nas Conferências introdutórias à psicanálise 19167 conferência 28 em que lido com a relação entre transferência e sugestão e mostro como a confiabilidade de nossos resultados é pouco afetada pelo recon hecimento do efeito da sugestão tal como a entendemos Em Além do princípio do prazer abordei o problema econ ômico de como vivências desagradáveis do primeiro período sexual infantil podem ter êxito em chegar a algum tipo de re produção Tive que atribuirlhes na forma de uma compulsão à repetição um impulso para cima extraordinariamente forte capaz de superar a repressão que a serviço do princípio do prazer pesa sobre elas mas não antes que o trabalho terapêutico vindolhe ao encontro afrouxe a repressão Devemos acrescentar que a transferência positiva presta essa ajuda à compulsão à repetição Nisso chegase a uma aliança entre a terapia e a compulsão à repetição que inicialmente se di rige contra o princípio do prazer mas em última instância visa estabelecer o domínio do princípio da realidade Conforme expus ali sucede frequentemente que a compulsão à repetição se libere 283326 dos compromissos dessa aliança e não se contente com o retorno do reprimido em forma de imagens oníricas IX Até onde vejo atualmente os sonhos das neuroses traumáticas são a única exceção real da tendência à satisfação de desejos presente nos sonhos e os sonhos de castigo a única exceção aparente Nesses últimos ocorre o fato notável de que realmente nada que faz parte dos pensamentos oníricos latentes é incluído no conteúdo onírico manifesto em seu lugar aparece algo muito diferente que deve ser caracterizado como formação reativa aos pensamentos oníricos como rejeição e total contradição a eles Uma tal interferência no sonho pode vir apenas da instância crít ica do Eu e temos de supor que essa provocada pela incon sciente realização do desejo também se restabelece temporaria mente durante o sono Ela também poderia reagir a esse con teúdo onírico indesejado com o despertar do sonhador mas en contra na formação do sonho de castigo uma maneira de evitar a interrupção do sono Assim por exemplo nos conhecidos sonhos do poeta Roseg ger que discuto na Interpretação dos sonhos é de supor a ex istência de um texto suprimido de conteúdo arrogante e jactan cioso mas o sonho apenas lhe diz Você é um mau aprendiz de alfaiate Não faria sentido naturalmente buscar um desejo rep rimido como força motriz desse sonho manifesto é preciso contentarse com a realização de desejo da autocrítica A estranheza ante uma construção onírica desse tipo é atenu ada se lembramos como é frequente a deformação onírica a 284326 serviço da censura substituir um elemento particular por algo que lhe seja oposto ou contrário em algum sentido Daí é breve o caminho até a substituição de uma porção característica do con teúdo onírico por algo que a contradiz de forma defensiva e com mais um passo temos a substituição de todo o conteúdo onírico escandaloso pelo sonho de castigo Darei um ou dois exemplos dessa fase intermediária no falseamento do conteúdo manifesto Eis parte do sonho de uma garota com forte fixação no pai que tem dificuldade em se expressar na análise Ela está sentada no aposento com uma amiga vestindo apenas um quimono En tra um senhor que a faz sentirse incomodada Mas ele diz Esta é a garota que já vimos uma vez belamente vestida Este sen hor sou eu voltando mais atrás é o pai Nada podemos fazer com o sonho até que nos decidimos a trocar o elemento mais importante na fala do senhor pelo seu contrário Esta é a garota que já vi uma vez despida e muito bonita Quando tinha três ou quatro anos de idade ela dormiu no mesmo aposento do pai por algum tempo e tudo indica que costumava descobrirse no sono a fim de agradar ao pai A subsequente repressão de seu prazer exibicionista é que agora motiva sua reticência na terapia seu desagrado em se mostrar Eis outra cena do mesmo sonho Ela está lendo seu próprio caso clínico em forma impressa Ali se acha que um homem jovem mata sua namorada cacau isso é parte do erotismo anal Essa frase é um pensamento que ela tem no sonho ao surgir a palavra cacau A interpretação desse trecho do sonho é mais difícil que a do anterior Ficamos sabendo enfim que antes de dormir ela leu a História de uma neurose infantil O homem dos lobos 1918 em cujo centro se acha a 285326 observação real ou fantasiada de um coito dos pais do paciente Essa história clínica ela já relacionou à sua própria pessoa antes e este não é o único indício de que também no seu caso devemos considerar a possibilidade de tal observação O homem jovem que mata a namorada é então uma nítida referência à visão sádica da cena do coito mas o elemento seguinte o cacau afastase bastante disso Ao cacau ela associa apenas o que sua mãe costuma dizer que ele dá dor de cabeça e de outras mul heres ela diz ter ouvido a mesma coisa Aliás durante algum tempo ela se identificou com a mãe por causa justamente dessas dores de cabeça O único vínculo que posso achar entre os dois elementos do sonho está na suposição de que ela deseja escapar às inferências da observação do coito Não isso nada tem a ver com a geração de crianças Elas vêm de alguma coisa que se come como nas fábulas e a menção do erotismo anal que parece uma tentativa de interpretação no sonho completa a teoria infantil a que recorre acrescentandolhe o nascimento anal X Às vezes ouvimos expressões de espanto pelo fato de o Eu do sonhador aparecer duas ou três vezes no sonho manifesto uma vez como sua própria pessoa e outras escondido atrás de outras pessoas Durante a formação do sonho a elaboração secundária buscou evidentemente eliminar essa multiplicidade do Eu que não se adéqua a nenhuma situação cênica mas ela é restabele cida pelo trabalho de interpretação Em si ela não é mais notável que a múltipla aparição do Eu num pensamento diurno 286326 desperto sobretudo quando o Eu se divide em sujeito e objeto contrapõese a outra parte sua como instância observadora e crítica ou compara seu ser atual a um passado lembrado que um dia também foi Eu Isso ocorre nas seguintes frases por ex emplo Quando eu penso no que eu fiz a esta pessoa Quando eu penso que eu também já fui criança No entanto gostaria de rejeitar como especulação vazia e não justificada a ideia de que todas as pessoas que aparecem num sonho seriam divisões e rep resentantes do próprio Eu Basta nos atermos ao fato de que a separação entre o Eu e uma instância observadora crítica punit iva ideal do Eu deve ser considerada também na interpretação de sonhos Referência a duas passagens da Interpretação dos sonhos cap v parte A nota acrescentada em 1919 sobre experimentos de O Pötzl com o material en volvido na formação de sonhos e cap vi parte E seção xii sobre experi mentos de K Schrötter com o simbolismo sexual dos sonhos Impulso para cima tradução que aqui se deu a Auftrieb composto de Trieb mais o prefixo auf que indica movimento para cima as versões es trangeiras consultadas recorreram a pujanza de afloramiento pulsión ascen sional spinta ascensionale upward drive Além do princípio do prazer cap iii 1920 Em alemão Kakao pode lembrar Kaka que significa cocô 287326 ALGUNS COMPLEMENTOS À INTERPRETAÇÃO DOS SONHOS 1925 TÍTULO ORIGINAL EINIGE NACHTRÄGE ZUM GANZEN DER TRAUMDEUTUNG PUBLICADO PRIMEIRAMENTE EM GESAMMELTE SCHRIFTEN III PP 17284 TRADUZIDO DE GESAMMELTE WERKE I PP 55973 ZUSATZ ZUM XIV BANDE SUPLEMENTO AO VOLUME XIV A OS LIMITES DA INTERPRETABILIDADE Cabe perguntar se é possível dar uma tradução completa e se gura de cada produto da vida onírica na linguagem da vida des perta isto é uma interpretação Essa questão não será tratada de maneira abstrata mas com referência às condições em que faz o trabalho da interpretação de sonhos Nossas atividades mentais procuram ou um objetivo útil ou um ganho imediato de prazer No primeiro caso tratase de de cisões intelectuais preparativos para ações ou comunicações a outras pessoas no segundo nós as denominamos jogo ou fantas ia Como se sabe também o útil é apenas um rodeio para a satis fação prazerosa Ora sonhar é uma atividade do segundo tipo que realmente em termos de história da evolução é o mais anti go Seria errado dizer que o sonho se ocupa de tarefas iminentes da vida ou procura dar conta de problemas do trabalho diurno Isso é atribuição do pensamento préconsciente Tal intenção utilitária é tão alheia ao sonho quanto o propósito de comunicar uma informação a outra pessoa Quando um sonho lida com um problema da vida seu modo de resolvêlo corresponde ao de um desejo irracional não ao de uma reflexão ponderada Apenas uma intenção utilitária uma função pode ser atribuída ao sonho a de evitar a perturbação do sono Podemos caracterizálo como uma porção de fantasia a serviço da preservação do sono Seguese que para o Eu que dorme é indiferente no conjunto o que durante a noite é sonhado desde que o sonho realize sua incumbência e que os sonhos de que nada sabemos dizer após despertar são aqueles que melhor cumpriram sua função Se fre quentemente sucede o contrário se lembramos os sonhos até durante anos e decênios isto sempre significa uma irrupção do inconsciente reprimido no Eu normal Sem esta com pensação o reprimido não prestaria sua ajuda para eliminar a ameaça de perturbação do sono Sabemos que é o fato dessa ir rupção que confere ao sonho sua importância para a psicopatolo gia Se conseguimos desvendar o motivo que o impele obtemos insuspeitada informação sobre os impulsos reprimidos no incon sciente por outro lado se desfazemos suas deformações espreit amos o pensamento préconsciente em estados de concentração interior que não teriam atraído para si a consciência durante o dia Ninguém pode exercer a interpretação de sonhos como prát ica isolada ela é parte do trabalho analítico Nele dirigimos nosso interesse conforme a necessidade ora para o conteúdo préconsciente do sonho ora para a contribuição inconsciente à sua formação e frequentemente negligenciamos um desses ele mentos em favor do outro E em nada adiantaria se alguém se pusesse a interpretar sonhos fora da análise Tal pessoa não es caparia às condições da situação analítica e ao trabalhar seus próprios sonhos estaria realizando sua autoanálise Essa obser vação não vale para aquele que renuncia à colaboração do son hador e busca interpretar sonhos por compreensão intuitiva Mas uma interpretação desse tipo que não leva em conta as as sociações do sonhador ainda é no melhor dos casos um virtu osismo não científico de valor duvidoso Se se pratica a interpretação de sonhos conforme o único pro cedimento técnico justificável logo se percebe que o êxito de pende cabalmente da tensão que a resistência cria entre o Eu 290326 desperto e o inconsciente reprimido O trabalho sob alta pressão de resistência requer do analista como expliquei em outra ocasião uma conduta diferente daquele sob pequena pressão Na análise é preciso lidar por longos períodos com for tes resistências que ainda não são conhecidas e que de todo modo não podem ser superadas enquanto permanecem descon hecidas Não é de admirar portanto que possamos traduzir e utilizar apenas certa parte dos produtos oníricos de um paciente e mesmo ela de forma geralmente incompleta Ainda que medi ante a prática cheguemos a compreender muitos sonhos em cuja interpretação o sonhador teve pouca participação não devemos jamais esquecer que a certeza dessa interpretação é discutível e hesitaremos em impor nossa conjectura ao paciente Neste ponto será levantada a seguinte objeção se não é pos sível interpretar todos os sonhos com que trabalhamos tampou co devemos afirmar mais do que o que podemos sustentar contentandonos em dizer que alguns sonhos a interpretação demonstra terem sentido mas acerca de outros não sabemos No entanto justamente o fato de o sucesso da interpretação depend er da resistência dispensa de tal modéstia o analista Ele pode ter a experiência de um sonho inicialmente incompreensível tornar se claro na mesma sessão ainda depois que um diálogo feliz logrou eliminar uma resistência do sonhador De repente ocorre a este um pedaço de sonho esquecido que traz a chave para a in terpretação ou surge uma nova associação com cujo auxílio a obscuridade se desfaz Também acontece de após meses e anos de empenho analítico retornarmos a um sonho que no começo do tratamento parecia absurdo e incompreensível e que graças às percepções desde então obtidas é completamente elucid ado E se acrescentamos um argumento da teoria dos sonhos de 291326 que as exemplares produções oníricas infantis são sempre dota das de sentido e facilmente interpretáveis então será justificada a afirmação de que o sonho é de maneira bastante geral uma formação psíquica passível de interpretação embora nem sempre a situação permita que se dê uma interpretação Uma vez encontrada a interpretação de um sonho nem sempre é fácil decidir se ela é completa ou seja se outros pensamentos préconscientes não acharam também expressão no mesmo sonho Devese considerar provado o sentido que pode ser referido aos pensamentos espontâneos do sonhador e à nossa avaliação da situação sem que possamos rejeitar outro sentido por isso no entanto Este continua sendo possível em bora não provado é preciso que nos habituemos ao fato de um sonho poder admitir significados diversos De resto isso nem sempre pode ser imputado a uma incompletude do trabalho de interpretação também pode ser inerente aos próprios pensamentos oníricos latentes Ocorre igualmente na vida di urna fora da situação de interpretar sonhos que fiquemos incer tos se algo que ouvimos uma informação que recebemos admite essa ou aquela significação alude a alguma coisa além de seu sentido evidente Foram muito pouco investigados os casos interessantes em que o mesmo conteúdo onírico manifesto dá expressão simul tânea a um conjunto de ideias concretas e uma série de pensamentos abstratos que se apoia naquele Naturalmente o trabalho do sonho tem dificuldade em achar meios para repres entar pensamentos abstratos 292326 B A RESPONSABILIDADE MORAL PELO CONTEÚDO DOS SONHOS No capítulo introdutório deste livro A literatura científica sobre os problemas do sonho expus a maneira como os autores re agem ao fato sentido como embaraçoso de o conteúdo des bragado dos sonhos frequentemente contrariar a sensibilidade moral do sonhador Evito deliberadamente falar de sonhos criminosos pois essa designação que ultrapassa os limites do interesse psicológico pareceme completamente dispensável A natureza imoral dos sonhos forneceu compreensivelmente um novo motivo para negar o valor psíquico do sonho se ele é o produto sem sentido de uma atividade psíquica perturbada não há por que assumir responsabilidade pelo seu conteúdo aparente Esse problema da responsabilidade pelo conteúdo onírico manifesto foi profundamente modificado até mesmo eliminado pelos esclarecimentos da Interpretação dos sonhos Sabemos agora que o conteúdo manifesto é uma aparência uma fachada Não vale a pena submetêlo a um exame ético levar suas infrações da moral mais a sério que as da lógica e da matemática Ao falar de conteúdo dos sonhos só podemos nos referir ao conteúdo dos pensamentos préconscientes e do desejo reprimido que o trabalho de interpretação revela por trás da fachada do sonho Entretanto ainda essa fachada imoral nos coloca uma questão Vimos que os pensamentos oníricos latentes têm de passar por uma rigorosa censura antes que lhes seja 293326 permitido o acesso ao conteúdo manifesto Como pode então su ceder que essa censura que faz reparos a coisas mais insignific antes falhe de maneira tão completa perante os sonhos mani festamente imorais Não é fácil encontrar a resposta e talvez ela não se mostre completamente satisfatória Inicialmente será preciso submeter esses sonhos à interpretação e depois se verá que alguns deles não ofenderam a censura pois no fundo nada significam de ruim São bravatas inócuas identificações com uma máscara pretensiosa não foram censurados pois não dizem a verdade Mas outros a maioria admitamos significam realmente o que apregoam não sofreram deformação pela censura São ex pressão de impulsos imorais incestuosos e perversos ou de desejos sádicos homicidas O sonhador reage a muitos desses sonhos despertando angustiado nesse caso a situação já não é obscura para nós A censura negligenciou sua tarefa isso foi not ado tardiamente e a geração de angústia é o sucedâneo para a deformação não ocorrida Em outros exemplos desses sonhos mesmo essa expressão de afeto está ausente O conteúdo chocante é sustentado pela forte excitação sexual alcançada no sonho ou goza da tolerância que mesmo a pessoa desperta pode ter em relação a um ataque de raiva um estado de aborreci mento um regalarse em fantasias cruéis Mas nosso interesse pela gênese desses sonhos manifesta mente imorais decresce muito quando vemos a partir da análise que a maioria dos sonhos inofensivos sem afetos e angustia dos se revela quando são desfeitas as deformações da cen sura como satisfação de desejos imorais egoístas sádicos perversos incestuosos Tal como no mundo da vida desperta esses delinquentes disfarçados são bem mais numerosos que os 294326 de rosto descoberto O sonho direto e franco de relação sexual com a mãe que Jocasta menciona em Édipo rei é uma raridade em comparação com todos os diversos sonhos que a psicanálise tem de interpretar no mesmo sentido Dessa característica dos sonhos que constitui o motivo da deformação onírica já tratei tão minuciosamente neste livro que posso de imediato passar ao problema à nossa frente Deve se assumir a responsabilidade pelos próprios sonhos Acres centemos que os sonhos não trazem sempre satisfações de dese jos imorais mas também com frequência reações enérgicas a eles na forma de sonhos de castigo Em outras palavras a cen sura onírica pode não apenas se manifestar em deformações e no desenvolvimento de angústia mas chegar ao ponto de eliminar inteiramente o conteúdo imoral e substituílo por outro que sirva de expiação no qual aquele ainda seja reconhecido porém O problema da responsabilidade pelo conteúdo onírico imoral não existe para nós tal como antes existia para os autores que nada sabiam sobre pensamentos oníricos latentes e sobre o reprimido em nossa psique É claro que a pessoa tem de se considerar re sponsável pelos impulsos maus de seus sonhos Que outra atit ude se poderia ter para com eles Se o conteúdo onírico cor retamente entendido não é inspirado por outros espíritos en tão é parte de meu ser Se procuro classificar como boas e más as tendências que em mim se encontram segundo critérios sociais então devo ter responsabilidade pelos dois tipos e se digo defendendome que o que em mim é desconhecido inconsciente e reprimido não é meu Eu então não me acho no terreno da psicanálise não aceitei suas explicações e podem me abrir os ol hos a crítica de meus semelhantes a confusão de meus senti mentos e os distúrbios em meus atos Posso aprender que o que 295326 estou negando não apenas é dentro de mim mas ocasional mente atua também a partir de mim No sentido metapsicológico porém esse material reprimido mau não pertence a meu Eu caso eu seja uma pessoa moral mente inatacável e sim a um Id sobre o qual se acha meu Eu Mas esse Eu se desenvolveu a partir do Id forma com ele uma unidade biológica é apenas uma parte especialmente modi ficada e periférica dele está sujeito às influências e obedece às incitações que vêm dele Além disso caso eu cedesse à minha altivez moral e decretasse que em toda avaliação ética posso menosprezar o mau no Id e não preciso tornar meu Eu responsável por ele de que me adi antaria isso A experiência me mostra que eu realmente o torno responsável que de alguma forma sou compelido a fazêlo A psicanálise nos fez conhecer uma condição patológica a neurose obsessiva em que o pobre Eu se sente culpado por todo tipo de impulsos maus de que nada sabe que lhe são recriminados na consciência mas que ele não pode absolutamente reconhecer Um pouco disso se acha em todo indivíduo normal Curi osamente sua consciência é tanto mais sensível quanto mais moral ele é Podese dizer como equivalente disso que uma pessoa é tanto mais enfermiça tanto mais suscetível a in fecções e efeitos de traumas quanto mais é saudável Isso provavelmente decorre do fato de a consciência mesma ser uma formação reativa ao mau que é percebido no Id Quanto mais forte é a supressão dele mais viva é a consciência moral O narcisismo ético do ser humano deveria contentarse em saber que a deformação onírica os sonhos angustiados e de cas tigo lhe trazem provas inequívocas de sua natureza moral exata mente como a interpretação de sonhos lhe oferece testemunhos 296326 da existência e da força de sua natureza má Quem não satisfeito com isso quer ser melhor do que como é feito que experi mente se na vida chega a ir além da hipocrisia ou da inibição O médico deixa para o jurista a tarefa de construir para fins sociais uma responsabilidade artificialmente limitada ao Eu metapsicológico Todos sabemos como é difícil tirar dessa con strução consequências práticas que não se achem em desarmo nia com os sentimentos humanos C O SIGNIFICADO OCULTISTA DOS SONHOS Se os problemas da vida onírica parecem não ter fim isto sur preenderá apenas quem esquecer que todos os problemas da vida psíquica reaparecem também no sonho acrescidos de al guns novos relativos à natureza especial dos sonhos Entretanto muitas das coisas que estudamos nos sonhos porque neles se apresentam pouco ou nada têm a ver com essa particularidade psíquica O simbolismo por exemplo não é um problema dos sonhos mas um tema ligado a nosso pensamento arcaico nossa língua fundamental na ótima expressão do paranoico Schreber e domina tanto os mitos e os rituais religiosos como os sonhos está longe de ser exclusividade do simbolismo onírico ocultar sobretudo o que tem significação sexual Também não se espera que o sonho angustiado receba explicação pela teoria dos sonhos a angústia é antes um problema da neurose restando apenas discutir como pode surgir nas condições do sonho 297326 Acho que não é diferente no que toca à relação entre os son hos e os pretensos fatos do mundo oculto Mas como os sonhos mesmos sempre foram algo misterioso foram postos em con exão íntima com esses outros mistérios E provavelmente tinham um direito histórico a isso pois nos tempos primevos quando se formou nossa mitologia as imagens oníricas podem ter desem penhado um papel na gênese da ideia de almas Supõese haver duas categorias de sonhos que se incluiriam entre os fenômenos ocultos os proféticos e os telepáticos Fala em favor de ambas uma verdadeira multidão de testemunhas e contra elas a obstinada aversão ou caso se prefira o precon ceito da ciência Não há dúvida de que existem sonhos proféticos no sentido de que seu conteúdo traz alguma representação do futuro mas a questão é se tais predições coincidem de alguma forma notável com o que depois realmente sucede Confesso que nesse caso a intenção de imparcialidade me abandona A ideia de que seja possível para alguma operação psíquica exceto o cálculo inteli gente prever acontecimentos futuros específicos contraria total mente as expectativas e atitudes da ciência e corresponde muito fielmente a antiquíssimos e bem familiares desejos humanos que a crítica tem de rejeitar como injustificadas pretensões Acho então que se juntamos a inconfiabilidade ingenuidade e inverossimilhança da maioria dos relatos com a possibilidade de equívocos de lembrança facilitados por afetos e a inevitabilidade de alguns acertos ocasionais é provável que o espectro dos son hos proféticos verídicos se dissolva em nada Pessoalmente ja mais vivenciei ou tive conhecimento de algo que pudesse criar uma atitude mais favorável 298326 É diferente o caso dos sonhos telepáticos Mas registremos antes de tudo que até agora ninguém afirmou que o fenômeno telepático a recepção por uma pessoa de um evento psíquico de outra por outra via que não a da percepção sensorial está relacionado exclusivamente ao sonho Assim também a telepatia não é um problema do sonho o julgamento acerca de sua ex istência não precisa recorrer ao estudo dos sonhos telepáticos Se submetemos os relatos sobre acontecimentos telepáticos em termos mais imprecisos transmissão de pensamentos à mesma crítica com que rechaçamos outras afirmações ocultistas ainda temos um material considerável que não podemos ignorar facilmente E nesse âmbito há maior possibilidade de reunir ob servações e experiências próprias que justifiquem uma postura favorável ao problema da telepatia embora não bastem para produzir uma convicção segura Formamos provisoriamente a opinião de que pode ser que a telepatia realmente exista e con stitua o cerne de verdade de muitas outras afirmativas que de outra forma seriam inacreditáveis É certamente correto também na questão da telepatia de fender obstinadamente uma posição cética e renderse de má vontade ao poder das provas Eu acredito haver encontrado um material que está isento da maioria das objeções normalmente admissíveis as profecias não cumpridas de videntes profission ais Infelizmente disponho apenas de algumas dessas obser vações mas duas delas produziram forte impressão em mim Não posso comunicálas minuciosamente de modo que tivessem efeito semelhante em outras pessoas Devo limitarme a focalizar alguns pontos essenciais Em suma foi predito para certas pessoas num lugar que não lhes era conhecido por um vidente que também não 299326 conheciam que fazia algum ritual provavelmente sem maior relevância que algo lhes aconteceria em determinado tempo o que não sucedeu A época de cumprimento da profecia tinha passado havia muito Era digno de nota que as pessoas em questão relatassem a experiência não com zombaria ou desapon tamento mas com evidente satisfação Nas profecias que escutaram achavamse pormenores específicos aparentemente arbitrários e incompreensíveis que teriam se justificado apenas com sua realização Assim o quiromante disse a uma mulher de 27 anos mas que parecia bem mais jovem e havia retirado o anel de matrimônio que ela se casaria e teria dois filhos antes de completar 32 anos Ela tinha 43 quando tendo adoecido gravemente contoume esse episódio na análise ela não teve filhos Conhecendose a sua história particular que o professor consultado no hall do hotel parisiense certamente não conhecia podiase compreender os dois números da profecia Jovem ela se casara depois de uma ligação extraordinariamente forte com o pai e desejara ardentemente ter filhos para poder pôr o marido no lugar do pai Após anos de decepção à beira de uma neurose ela obteve a predição que lhe prometia o destino de sua mãe Pois esta sim tivera dois filhos antes dos 32 anos Assim apenas com a ajuda da psicanálise foi possível dar uma interpretação significativa das peculiaridades de uma mensagem supostamente vinda de fora Mas então não se podia explicar melhor todo o evento tão inequivocamente determinado do que pela suposição de que um forte desejo da mulher na verdade o mais forte desejo inconsciente de sua vida afetiva e o motor de sua neurose incipiente se teria dado a conhecer ao vidente por 300326 transmissão direta estando ele ocupado com ações que lhe to mavam a atenção Também com experimentos em círculos íntimos em várias ocasiões tive a impressão de que recordações fortemente afetivas podem ser transmitidas sem maior dificuldade Ousandose submeter à indagação analítica as associações da pessoa a quem se espera que será transmitido algo frequente mente aparecem concordâncias que de outro modo ficariam in advertidas Com base em diversas experiências tendo a concluir que tais transmissões ocorrem sobretudo no momento em que uma ideia emerge do inconsciente em termos teóricos quando passa do processo primário ao processo secundário Não obstante a cautela requerida pela importância novidade e obscuridade do tema achei que não mais se justificava guardar estas considerações sobre o problema da telepatia A única re lação que existe entre essas coisas e o sonho é a seguinte Se ex istem mensagens telepáticas não se deve excluir a possibilidade de que alcancem também aquele que sonha e sejam apreendidas por ele no sonho Mais ainda em analogia com outro material relativo à percepção e ao pensamento também não se pode ex cluir que as mensagens telepáticas recebidas durante o dia sejam processadas apenas no sonho da noite seguinte Então não seria uma objeção que o material comunicado telepaticamente fosse transformado e remodelado no sonho como qualquer outro Bem gostaríamos de ter com o auxílio da psicanálise mais e melhores conhecimentos acerca da telepatia 301326 Concentração Sammlung nas versões consultadas concentración reco gimiento concentrazione reflection Cf Observações sobre a teoria e a prática da interpretação de sonhos seção ii neste volume Percepções tradução dada a Einsichten no presente contexto O substant ivo alemão é cognato do verbo einsehen formado de sehen ver e do prefixo ein que indica movimento para dentro e normalmente os dicionários bilíngues trazem os seguintes equivalentes para ele inspeção conhecimento exame compreensão penetração inteligência Em vários sentidos ele corres ponde ao inglês insight Com exceção do argentino que sempre usa intelec ciones como equivalente dessa palavra os tradutores consultados inclus ive o inglês recorreram aqui a conhecimentos que nos parece positivo de mais cf notas à tradução do termo em O uso da interpretação dos sonhos na psicanálise 1911 e O inconsciente 1915 parte vii Referência à Interpretação dos sonhos pois Freud pensava em inserir o texto nesse livro o que afinal não aconteceu O termo alemão aqui e no resto do parágrafo é Gewissen que denota a con sciência moral diferentemente de Bewußsein que é o estado de consciência As aspas estão no original Cf Observações psicanalíticas sobre um caso de paranoia O caso Schreber 1911 seção i Evento versão dada a Vorgang nesse contexto O substantivo alemão é ger almente traduzido por processo em textos teóricos mas significa também aquilo que ocorre conforme seu verbo cognato vorgehen literalmente ir adiante proceder nas versões consultadas se acha processo exceto na italiana que também preferiu evento Cf Psicanálise e telepatia 1921 seção i 302326 JOSEF POPPERLYNKEUS E A TEORIA DOS SONHOS 1923 TÍTULO ORIGINAL JOSEF POPPERLYNKEUS UND DIE THEORIE DES TRAUMES PUBLICADO PRIMEIRAMENTE EM ALLGEMEINE NÄHRPFLICHT VIENA N 6 TRADUZIDO DE GESAMMELTE WERKE XIII PP 3579 Há muita coisa interessante a se dizer sobre a suposta originalid ade científica Quando surge uma nova ideia na ciência que primeiramente é considerada uma descoberta e via de regra tam bém é combatida por isso logo depois a investigação objetiva demonstra que ela não é propriamente uma novidade Em geral já foi feita repetidamente e depois esquecida com frequência em épocas distanciadas uma da outra Ou ao menos teve precurs ores foi vagamente presumida ou imperfeitamente enunciada Isso é bastante conhecido não requer maior atenção nossa Mas também o lado subjetivo da originalidade merece consid eração Um homem de ciência pode se perguntar de onde vêm as ideias que lhe são peculiares por ele aplicadas ao seu material No tocante a uma parte delas ele achará sem muito refletir as incitações a que elas remontam as indicações que ele tomou de outros estudiosos modificou e desenvolveu de forma con sequente Com relação a outra parte de suas ideias ele não poderá fazer uma admissão desse tipo terá de supor que esses pensamentos e pontos de vista se originaram ele não sabe como de seu próprio pensar e neles se fundamenta sua reivin dicação de originalidade Uma investigação psicológica apurada limita ainda mais essa reivindicação Revela fontes ocultas há muito esquecidas das quais partiu a incitação para as ideias aparentemente originais e substitui a pretensa nova criação por um revivescimento de algo esquecido aplicado a novo material Não há o que lamentar nisso afinal não tínhamos o direito de esperar que o que é ori ginal fosse algo não derivável de outra coisa indeterminável Desse modo também no meu caso evaporouse a originalid ade de muitas novas ideias que empreguei na interpretação de sonhos e na psicanálise Apenas de uma dessas ideias não con heço a procedência Ela se tornou a chave de minha concepção dos sonhos ajudoume a solucionar seus enigmas até onde po dem ser atualmente solucionados Parti do caráter estranho confuso e insensato que apresentam muitos sonhos e ocorreu me que um sonho tem de ser assim porque nele luta por exprimirse algo que tem contra si a resistência de outros poderes da psique No sonho se agitam impulsos ocultos que se acham em contradição com as crenças éticas e estéticas oficiais por assim dizer do indivíduo que sonha Por isso ele se enver gonha desses impulsos afastaos durante o dia recusase a saber deles e se durante a noite não consegue lhes vedar qualquer expressão obrigaos à deformação onírica em virtude da qual o conteúdo do sonho aparece confuso e insensato Chamei de cen sura onírica o poder psíquico que leva em conta essa contra dição interior e deforma os impulsos instintuais primitivos do sonho em prol das exigências convencionais ou daquelas moral mente elevadas Mas justamente essa parte essencial de minha teoria dos son hos foi descoberta por PopperLynkeus de forma independente Vejase a seguinte citação de sua narrativa Träumen wie Wachen Sonhar como estando acordado de Phantasien eines Realisten Fantasias de um realista 1899 que foi escrita sem o conhecimento da teoria dos sonhos que tornei pública em 1900 assim como eu não conhecia então as Fantasias de Lynkeus 305326 Sobre um homem que tem a singular característica de jamais sonhar absurdos Essa formidável característica de sonhar como se estivesse acordado se deve a suas virtudes a sua bondade seu senso de justiça seu amor à verdade é a limp idez moral de sua natureza que me faz compreender tudo em você Mas se reflito bem respondeu o outro eu me inclino a crer que todos são feitos como eu e ninguém jamais sonha ab surdos Um sonho que recordamos tão claramente que depois podemos relatálo que não é um sonho febril portanto sempre faz sentido E não pode ser de outra forma Coisas que se contradizem mutuamente não poderiam se agrupar num todo O fato de tempo e lugar serem frequentemente embaral hados não afeta o verdadeiro conteúdo do sonho pois certa mente nenhum dos dois teve importância para seu teor essen cial Muitas vezes fazemos assim acordados também pense nos contos de fadas em tantas criações da fantasia plenas de sentido das quais apenas um homem insensato diria Isto é absurdo pois é impossível Se as pessoas sempre soubessem interpretar corretamente os sonhos como você acaba de fazer com o meu disse o amigo Isto certamente não é tarefa simples mas com alguma atenção aquele que sonha deveria sempre conseguir realizá la Por que geralmente não o consegue Em vocês parece exi stir algo oculto nos sonhos algo impudico de espécie particu lar e mais elevada um certo sigilo em seu ser que é difícil de conceber Por isso os seus sonhos parecem tantas vezes sem sentido ou mesmo um contrassenso Mas no fundo não é 306326 assim não pode absolutamente ser assim pois tratase da mesma pessoa esteja acordada ou sonhando Acho que o que me capacitou a descobrir a causa da deform ação onírica foi minha coragem moral No caso de Popper foi a pureza o amor à verdade e a limpidez moral de seu ser 307326 PRÓLOGO A RELATÓRIO SOBRE A POLICLÍNICA PSICANALÍTICA DE BERLIM DE MAX EITINGON Meu amigo Max Eitingon que criou a Policlínica Psicanalítica de Berlim e a manteve até agora com seus próprios meios informa nas páginas seguintes sobre os motivos da fundação e também sobre a organização e as realizações do Instituto Posso apenas acrescentar ao que foi escrito o desejo de que em outros lugares sejam igualmente encontrados homens e associações que seguindo o exemplo de Eitingon deem vida a instituições semel hantes Se a psicanálise juntamente com sua importância científica tem valor como método terapêutico se é capaz de assi stir indivíduos sofredores na luta pelo cumprimento das exigên cias da civilização então essa ajuda também deve ser oferecida ao grande número daqueles que são pobres demais para remu nerar o analista por seu penoso trabalho Em nossa época isso constitui uma necessidade social pois as camadas intelectuais da população particularmente propensas à neurose empobrecem a olhos vistos Instituições como a Policlínica de Berlim são as ún icas em condição de superar as dificuldades que geralmente se colocam para o ensino rigoroso da psicanálise Elas possibilitam a formação de um número considerável de analistas treinados cuja atividade deve ser a única garantia possível contra os danos que indivíduos ignorantes e não qualificados sejam médicos ou leigos infligem aos doentes CARTA A LUIS LÓPEZBALLESTEROS Y DE TORRES Siendo yo un joven estudiante el deseo de leer el inmortal Don Quijote en el original cervantino me llevó a aprender sin maes tros la bella lengua castellana Gracias a esta afición juvenil puedo ahora ya en edad avanzada comprobar el acierto de su version española de mis obras cuya lectura me produce siempre un vivo agrado por la correctísima interpretación de mi pensamiento y la elegancia del estilo Me admira sobre to do cómo no siendo usted médico ni psiquiatra de profesión ha podido alcanzar tan absoluto y preciso dominio de una materia harto intrincada y a veces oscura Quando eu era um jovem estudante o desejo de ler o imortal Dom Quixote no original de Cervantes me levou a aprender sem professores a bela língua castelhana Graças a esse entusiasmo juvenil sou capaz agora já em idade avançada de compro var o acerto de sua versão espanhola de minhas obras cuja leitura me agrada vivamente pela corretíssima interpretação de meu pensamento e pela elegância do estilo Admirame sobre tudo o fato de que o senhor não sendo médico nem psiquiatra de formação tenha alcançado um domínio tão absoluto e preciso sobre uma matéria bastante intrincada e às vezes obscura 310326 CARTA A FRITZ WITTELS Não agradecer um presente de Natal que se ocupa tão ex tensamente da pessoa presenteada seria um ato indelicado que pressuporia fortes motivos Percebo com satisfação que em nosso caso eles não existem Seu livro não é inamistoso nem de masiadamente indiscreto demonstra sério interesse e também como era de esperar sua arte de escrever e de expor Naturalmente eu jamais desejaria ou favoreceria um livro como esse Pareceme que o público não tem nenhum direito sobre a minha pessoa e nem pode aprender algo com ela desde que meu caso por motivos diversos não pode ser tornado in teiramente claro O sr pensa de outra forma e assim pôde escre ver esse livro Sua distância pessoal em relação a mim que o sr avalia como pura vantagem tem também grandes desvantagens O sr sabe pouco sobre seu objeto de estudo e por isso não pode evitar o risco de tratálo grosseiramente Além disso é duvidoso que assumindo o ponto de vista de Stekel e abordandome desse ângulo o sr tenha facilitado para si a tarefa de obter uma justa visão de seu objeto Quanto às distorções que acredito perceber também as at ribuo a uma opinião preconcebida sua que posso adivinhar O sr provavelmente acha que um grande homem tem de eviden ciar esses ou aqueles méritos defeitos e extremos que eu sou um grande homem e por conseguinte sentese autorizado a me im putar todas essas características frequentemente contraditóri as Haveria muita coisa interessante e de alcance mais geral a 311326 dizer sobre isso mas infelizmente seu vínculo com Stekel exclui um maior empenho de compreensão de minha parte Por outro lado admito com prazer que sua perspicácia distin guiu corretamente várias coisas em mim que me são bem con hecidas por exemplo que tenho necessidade de seguir meu próprio caminho frequentemente meus rodeios e não sei apro veitar pensamentos alheios que me chegam fora do tempo Tam bém no que toca à relação com Adler o sr demonstrou equanim idade para minha grande satisfação O sr certamente não sabe que tive a mesma indulgência e tolerância ao lidar com Stekel Durante muito tempo eu o defendi dos ataques de todos apesar de seus modos insuportáveis e sua maneira impossível de fazer ciência esforceime em relevar sua ampla falta de autocrítica e amor à verdade ou seja de veracidade tanto externa como in terna até que enfim num episódio bem específico de explor ação e perfídia também a mim todos os botões saltaram da calça da paciência É certo que o sr não me defendeu do equí voco segundo o qual renego o que simplesmente não posso ainda julgar ou assimilar O sr deve saber que estive seriamente enfermo e embora es teja convalescendo tenho motivos para tomar o acontecido como advertência de que o fim não está longe Nessa condição de parcial afastamento posso lhe pedir que não enxergue em mim a menor intenção de perturbar seu vínculo com Stekel Apenas lamento que esse tenha tido influência em seu livro sobre mim Não me parece improvável que o sr venha a se encontrar na situação de revisar esse livro para uma segunda tiragem Para esse caso coloco à sua disposição uma lista de correções aqui anexa São dados absolutamente confiáveis independentes de minhas apreciações subjetivas Alguns são de natureza trivial 312326 outros talvez aptos a abalar ou modificar algumas de suas conjecturas Peçolhe que veja nessas informações um sinal de que mesmo não podendo aprovar seu trabalho de maneira nen huma o menosprezo DECLARAÇÃO SOBRE CHARCOT Entre os muitos ensinamentos que no passado 188586 me fo ram prodigalizados por mestre Charcot na Salpêtrière dois me deixaram uma impressão bastante profunda que não devemos nos cansar de sempre considerar novamente os mesmos prob lemas ou de lhes sentir os efeitos e que não devemos nos pre ocupar com a oposição geral se trabalhamos com honestidade PRÓLOGO A JUVENTUDE ABANDONADA DE AUGUST AICHHORN De todas as aplicações da psicanálise nenhuma gerou tanto in teresse despertou tantas esperanças e em consequência atraiu tantos colaboradores capazes como o seu emprego na teoria e na prática da educação de crianças Isso é fácil de compreender A criança se tornou o principal objeto da pesquisa psicanalítica nesse sentido tomou o lugar do neurótico com o qual essa pesquisa tivera início A psicanálise mostrou que no enfermo a criança continua a viver pouco alterada e também no artista e na pessoa que sonha lançou luz sobre as forças motrizes e as 313326 tendências que dão ao pequeno ser o seu cunho próprio e seguiu os percursos de desenvolvimento que o levam à maturidade do adulto Não surpreende portanto que aparecesse a expectativa de que o trabalho psicanalítico com crianças beneficiaria a atividade pedagógica cuja intenção é guiar estimular e proteger de equívocos a criança em seu caminho até a maturidade Minha contribuição pessoal nessa aplicação da psicanálise foi bastante pequena Bem no início adotei o gracejo segundo o qual as três profissões impossíveis são educar curar e governar e já era suficientemente tomado pela segunda dessas tarefas Mas nem por isso desconheço o alto valor social que o trabalho de meus colegas pedagogos pode reivindicar Este livro do diretor August Aichhorn se ocupa de uma parte do grande problema da influência educacional sobre a infância desamparada Durante anos o autor dirigiu instituições muni cipais de assistência social antes de conhecer a psicanálise Sua atitude para com os jovens sob tutela se originava de um vivo in teresse pelo destino desses infelizes e era corretamente guiada por uma percepção intuitiva de suas necessidades psíquicas A psicanálise não pôde lhe ensinar muita coisa nova em termos práticos mas deulhe uma clara visão teórica das justificativas para seu modo de agir e o colocou em posição de fundamentálo perante os demais Não se pode imaginar que todo educador tenha esse dom da compreensão intuitiva Duas lições me parecem resultar da ex periência e do sucesso do diretor Aichhorn Uma delas é que educador deve ser psicanaliticamente instruído senão o objeto de seus esforços a criança permanecerá um enigma para ele Tal instrução é alcançada da melhor maneira quando o próprio edu cador se submete a uma análise experimentaa em si mesmo O 314326 aprendizado teórico em psicanálise não vai suficientemente fundo e não produz convicção A segunda lição tem um matiz um tanto conservador ela diz que o trabalho da educação é algo sui generis que não pode ser confundido com a influência mediante a psicanálise nem ser substituído por ela A psicanálise infantil pode ser utilizada pela educação como recurso auxiliar mas não tem condições de to mar o lugar dela Não somente razões de ordem prática o impe dem mas também considerações teóricas o desaconselham A relação entre educação e tratamento psicanalítico será provavel mente objeto de exame aprofundado num futuro pouco distante Apenas mencionarei algumas coisas aqui Não nos deixemos levar pela afirmação de resto plenamente justificada de que a psicanálise do adulto neurótico equivale a uma reeducação dele Uma criança mesmo desencaminhada e abandonada não é um neurótico e reeducação é algo bem diferente da educação de um imaturo A possibilidade da influência analítica se baseia em premissas bem determinadas que podem ser resumidas como situação analítica ela requer o desenvolvimento de certas es truturas psíquicas e uma atitude especial para com o analista Onde essas não existem como na criança no menor abandonado e via de regra também no criminoso por instinto é preciso fazer outra coisa que não seja análise mas que venha a corres ponder a ela na intenção Os capítulos teóricos deste livro devem dar ao leitor uma primeira orientação no que toca à variedade das decisões em pauta Acrescento ainda uma conclusão que já não é relevante para a teoria da educação mas para a posição do educador Se ele aprendeu a análise mediante a experiência em sua própria pess oa e está em condição de aplicála em casos fronteiriços e mistos 315326 como ajuda em seu trabalho então se deve permitir a ele o exer cício da psicanálise e não lhe pôr nisso obstáculos por motivos mesquinhos JOSEF BREUER 18421925 Em 20 de junho de 1925 faleceu em Viena aos 84 anos o dr Josef Breuer criador do método catártico cujo nome se acha por isso indissoluvelmente ligado aos primórdios da psicanálise Breuer foi médico internista aluno do clínico Oppolzer Na ju ventude ele desenvolveu trabalho com Ewald Hering acerca da fisiologia da respiração mais tarde nos poucos momentos de folga de uma extensa prática médica fez bemsucedidos experi mentos sobre a função do aparelho vestibular em animais Nada em sua formação podia criar a expectativa de que ele teria a primeira compreensão decisiva do velho enigma da neurose histérica e daria uma contribuição de perene valor ao conheci mento da psique humana Mas ele era um homem de rico e uni versal talento e seus interesses se estendiam muito além de sua atividade profissional Foi em 1880 que o acaso levou ao seu encontro uma paciente especial uma jovem de inteligência extraordinária que adoecera de uma grave histeria enquanto cuidava do pai enfermo O que ele realizou nesse primeiro caso a imensa dedicação e paciên cia com que empregou a técnica inventada até que a paciente se livrasse de todos os seus incompreensíveis sintomas isso o mundo soube apenas catorze anos depois em nossa publicação 316326 conjunta Estudos sobre a histeria 1895 infelizmente apenas em forma bastante abreviada e devido à discrição médica censurada Nós psicanalistas que há muito estamos habituados a dedicar centenas de horas a um único paciente já não podemos conceber a novidade que esse empenho representou 45 anos atrás Pode ter envolvido boa parte de interesse pessoal e de libido médica se for permitida a expressão mas também considerável medida de liberdade de pensamento e segurança no julgamento Na época de nossos Estudos já podíamos nos remeter aos trabalhos de Charcot e às pesquisas de Pierre Janet que então retiravam par cialmente a prioridade das descobertas de Breuer Mas quando este tratou seu primeiro caso 18812 ainda não estavam disponíveis esses trabalhos Lautomatisme psychologique de Janet apareceu em 1889 e sua segunda obra Létat mental des hystériques apenas em 1892 Ao que parece Breuer pesquisou de forma inteiramente original guiado apenas pelos estímulos que o caso lhe oferecia Mais de uma vez por último em meu Estudo autobiográfico 1925 na coletânea Die Medizin der Gegenwart A medicina contemporânea de Grote procurei delimitar minha parti cipação nos Estudos que publicamos conjuntamente Meu mérito consistiu essencialmente em reavivar em Breuer um in teresse que parecia extinto e depois induzilo à publicação Um certo acanhamento que lhe era próprio uma íntima modéstia surpreendente numa personalidade tão brilhante tinhamno levado a manter oculto por longo tempo seu achado espantoso até que esse deixou de ser inteiramente novo Depois vim a ter 317326 motivos para a suposição de que também um fator puramente emocional lhe havia tirado o gosto em prosseguir no trabalho de elucidação das neuroses Ele havia deparado com a transferência indefectível da paciente para o médico e não havia com preendido a natureza impessoal deste processo Quando cedeu a minha influência e preparou a publicação dos Estudos seu julga mento sobre a significação desse trabalho parecia seguro Ele disse naquele momento Acho que é a coisa mais importante que nós dois teremos a comunicar ao mundo Além da história clínica de seu primeiro caso Breuer con tribuiu com um ensaio teórico para os Estudos que está longe de ter envelhecido contendo ideias e sugestões que ainda não fo ram suficientemente exploradas Quem se aprofundar nesse texto especulativo terá uma impressão correta da envergadura intelectual desse homem cujo interesse científico se voltou para nossa psicopatologia apenas durante um breve episódio de sua longa vida infelizmente EXCERTO DE UMA CARTA SOBRE O JUDAÍSMO Posso dizer que sou tão distante da religião judaica quanto de todas as demais ou seja para mim as religiões têm enorme significação como objeto de interesse científico não me acho en volvido afetivamente com elas Por outro lado sempre tive um forte sentimento de pertencer a meu povo e alimenteio em meus filhos também Todos nós continuamos a nos denominar judeus 318326 Durante minha infância e juventude nossos liberais profess ores de religião não se preocupavam em que seus alunos ad quirissem conhecimentos da língua e da literatura hebraicas Por isso minha educação permaneceu deficiente nesse ponto o que depois vim a lamentar diversas vezes MENSAGEM NA INAUGURAÇÃO DA UNIVERSIDADE HEBRAICA Historians have told us that our small nation withstood the de struction of its independence as a State only because it began to transfer in its estimation of values the highest rank to its spir itual possessions to its religion and its literature We are now living in a time when this people has a prospect of again winning the land of its fathers with the help of a Power that dominates the world and it celebrates the occasion by the foundation of a University in its ancient capital city A University is a place in which knowledge is taught above all differences of religions and of nations where investigation is carried on which is to show mankind how far they understand the world around them and how far they can control it Such an undertaking is a noble witness to the development to which our people has forced its way in two thousand years of unhappy fortune I find it painful that my illhealth prevents me from being present at the opening festivities of the Jewish University in Jerusalem 319326 Os historiadores nos dizem que nossa pequena nação supor tou a destruição de sua independência como Estado apenas porque começou a transferir em sua apreciação dos valores o mais alto posto a seus bens espirituais a sua religião e sua literatura Agora vivemos numa época em que esse povo tem a per spectiva de novamente ganhar a terra de seus pais com a ajuda de uma Potência que domina o mundo e celebra a ocasião com a fundação de uma Universidade em sua antiga capital Uma Universidade é um lugar em que o conhecimento é en sinado acima de todas as diferenças religiosas e nacionais onde a investigação é realizada a fim de mostrar aos homens até que ponto compreendem o mundo ao seu redor e até que ponto podem controlálo Tal empreendimento é um nobre testemunho do desenvolvi mento que nosso povo alcançou em dois mil anos de infortúnio Lamento que minha saúde frágil me impeça de estar presente nas cerimônias de inauguração da Universidade Hebraica de Jerusalém Título original Vorwort zu M Eitingon Bericht über die Berliner psycho analytische Poliklinik Publicado primeiramente na brochura com esse título Leipzig e Viena Internationaler Psychoanalytischer Verlag 1928 Traduzido de Gesammelte Werke xiii p 441 Datada de 7 de maio de 1923 Publicada originalmente em espanhol no volume iv das Obras completas del Profesor S Freud Madri Biblioteca Nueva 1923 agora se acha na p 2821 da edição em três volumes no v ii Tran scrita de Gesammelte Werke xiii p 442 Não há texto alemão dessa carta mas 320326 é pouco provável que Freud a tenha redigido em espanhol como acredita Strachey Quanto ao seu conteúdo infelizmente não corresponde aos fatos pois um cotejo da tradução espanhola com o original mostra um semnúmero de erros e também de omissões de palavras e de passagens inteiras Para uma crítica dessas deficiências e também da pobreza estilística da nova tradução da Amorrortu ver Antonio Garcia de la Hoz Freud en castellano em Libros n 36 pp 39 Madri 1985 disponível na internet Ao que tudo in dica Freud apenas passou os olhos na tradução e lisonjeado por se ver edit ado em espanhol na primeira edição estrangeira de suas obras completas desmanchouse em elogios ao tradutor Datada de 18 de dezembro de 1923 Publicada primeiramente em inglês como prefácio à edição inglesa da biografia nela mencionada escrita pelo des tinatário Sigmund Freud his personality his teaching and his School Lon dres e Nova York 1924 Traduzida de Gesammelte Werke Nachtragsband pp 7546 também se acha em Sigmund Freud Briefe 18731939 Frankfurt Fis cher 1960 pp 3445 Fritz Wittels 18801950 foi um dos primeiros membros da Sociedade Psic analítica de Viena abandonoua em 1910 mas foi novamente admitido em 1927 No original alle Knöpfe rissen an der Hose der Geduld citação de Hein rich Heine Romanzero livro iii Hebräische Melodien Datada de 26 de fevereiro de 1924 Publicada originalmente em francês na revista Le Disque Vert editada em Paris e Bruxelas em número especial sobre Freud et la Psychanalyse junho de 1924 Traduzida de Gesammelte Werke xiii p 446 não há texto alemão dessa carta Título original Geleitwort zu August Aichhorn Verwahrloste Jugend Die Psychoanalyse in der Fürsorgeerziehung Juventude abandonada A psic análise na educação assistencial Leipzig e Viena Internationaler Psychoana lytischer Verlag 1925 Traduzido de Gesammelte Werke xiv pp 5657 321326 Criminoso por instinto triebhafter Verbrecher as versões consultadas utilizam criminal impulsivo delincuente impulsivo individuo con impulsi criminali impulsive criminals Publicado primeiramente em Internationale Zeitschrift für Psychoanalyse n 11 1925 pp 2556 Traduzido de Gesammelte Werke xiv pp 5623 Publicada na Jüdische Presszentrale Zürich em 26 de fevereiro de 1925 Traduzida de Gesammelte Werke xiv p 556 Publicada no quinzenal The New Judaea em 27 de março de 1925 Não há texto alemão dessa mensagem que provavelmente foi redigida em inglês Transcrita e traduzida de Gesammelte Werke xiv pp 5567 Referência à GrãBretanha 322326 SIGMUND FREUD OBRAS COMPLETAS EM 20 VOLUMES Coordenação de Paulo César de Souza 1TEXTOS PRÉPSICANALÍTICOS 18861899 2ESTUDOS SOBRE A HISTERIA 18931895 3PRIMEIROS ESCRITOS PSICANALÍTICOS 18931899 4A INTERPRETAÇÃO DOS SONHOS 1900 5PSICOPATOLOGIA DA VIDA COTIDIANA E SOBRE OS SONHOS 1901 6TRÊS ENSAIOS DE UMA TEORIA DA SEXUALIDADE FRAGMENTO DA ANÁLISE DE UM CASO DE HISTERIA O CASO DORA E OUTROS TEXTOS 19011905 7O CHISTE E SUA RELAÇÃO COM O INCONSCIENTE 1905 8O DELÍRIO E OS SONHOS NA GRADIVA ANÁLISE DA FOBIA DE UM GAROTO DE CINCO ANOS O PEQUENO HANS E OUTROS TEXTOS 19061909 9OBSERVAÇÕES SOBRE UM CASO DE NEUROSE OBSESSIVA O HOMEM DOS RATOS UMA RECORDAÇÃO DE INFÂNCIA DE LEONARDO DA VINCI E OUTROS TEXTOS 19091910 10OBSERVAÇÕES PSICANALÍTICAS SOBRE UM CASO DE PARANOIA RELATADO EM AUTOBIOGRAFIA O CASO SCHREBER ARTIGOS SOBRE TÉCNICA E OUTROS TEXTOS 19111913 11TOTEM E TABU HISTÓRIA DO MOVIMENTO PSICANALÍTICO E OUTROS TEXTOS 19131914 12INTRODUÇÃO AO NARCISISMO ENSAIOS DE METAPSICOLOGIA E OUTROS TEXTOS 19141916 13CONFERÊNCIAS INTRODUTÓRIAS À PSICANÁLISE 19151917 14HISTÓRIA DE UMA NEUROSE INFANTIL O HOMEM DOS LOBOS ALÉM DO PRINCÍPIO DO PRAZER E OUTROS TEXTOS 19171920 15PSICOLOGIA DAS MASSAS E ANÁLISE DO EU E OUTROS TEXTOS 19201923 16O EU E O ID ESTUDO AUTOBIOGRÁFICO E OUTROS TEXTOS 19231925 17INIBIÇÃO SINTOMA E ANGÚSTIA O FUTURO DE UMA ILUSÃO E OUTROS TEXTOS 19261929 18O MALESTAR NA CIVILIZAÇÃO NOVAS CONFERÊNCIAS INTRODUTÓRIAS E OUTROS TEXTOS 19301936 19MOISÉS E O MONOTEÍSMO COMPÊNDIO DE PSICANÁLISE E OUTROS TEXTOS 19371939 20ÍNDICES E BIBLIOGRAFIA Copyright da tradução 2011 by Paulo César Lima de Souza Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 que entrou em vigor no Brasil em 2009 Os textos deste volume foram traduzidos de Gesammelte Werke volumes i xiii e xiv Londres Imago 1952 1940 e 1955 Os títulos originais estão na página inicial de cada texto A outra edição alemã referida é Studienausgabe Frankfurt Fischer 2000 Capa e projeto gráfico warrakloureiro Preparação Célia Euvaldo Revisão Jane Pessoa Luciana Baraldi ISBN 9788580860870 Todos os direitos desta edição reservados à editora schwarcz ltda Rua Bandeira Paulista 702 cj 32 04532002 São Paulo sp Telefone 11 37073500 Fax 11 37073501 wwwcompanhiadasletrascombr wwwblogdacompanhiacombr