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Características gerais da colonização portuguesa do Brasil formação de uma sociedade agrária escravocrata e híbrida Quando em 1532 se organizou econômica e civilmente a sociedade brasileira já foi depois de um século inteiro de contato dos portugueses com os trópicos de demonstrada na Índia e na Africa sua aptidão para a vida tropical Mudado em São Vicente e em Pernambuco o rumo da colonização portuguesa do fácil mercantil para o agrícola organizada a sociedade colonial sobre base mais sólida e em condições mais estáveis que na Índia ou nas feitorias africanas no Brasil é que se realizaria a prova definitiva daquela aptidão A base a agricultura as condições a estabilidade patriarcal da família a regularidade do trabalho por meio da escravidão a união do português com a mulher índia incorporada assim à cultura econômica e social do invasor Formouse na América tropical uma sociedade agrária na estrutura escravocrata na técnica de exploração econômica híbrida de índio e mais tarde de negro na composição Sociedade que se desenvolveria defendida menos pela consciência de raça quase nenhuma no português cosmopolita e plástico do que pelo exclusivismo religioso desdobrado em sistema de profilaxia social e política Menos pela ação oficial do que pelo braço e pela espada do particular Mas tudo isso subordinado ao espírito político e de realismo econômico e jurídico que aqui como em Portugal 1 foi desde o primeiro século ele mento decisivo de formação nacional sendo que entre nós através das grandes famílias proprietárias e autônomas senhores de engenho com altar e capelão dentro de casa e índios de arco e flecha ou negros armados de arcabuzez às suas ordens donos de terras e de escravos que dos senados de Câmara falaram sempre grosso aos representantes delRei e pela voz liberal dos filhos padres ou doutores clamaram contra toda espécie de abusos da metrópole e da própria Madre Igreja Bem diversos dos criollos ricos e dos bacharéis letrados da América espanhola por longo tempo inermes à sombra dominadora das catedrais e dos palácios dos vicereis ou constituídos em cabildos que em geral só faziam servir de mangação aos reinóis todopoderosos A singular predisposição do português para a colonização híbrida e escravocrata dos trópicos explicaa em grande parte o seu passado étnico ou antes cultural de povo indefinido entre a Europa e a África Nem intransigentemente de uma nem de outra mas das duas A influência africana fervendo sob a européia e dando um acre requeime à vida sexual à alimentação à religião o sangue mouro ou negro correndo por uma grande população brancacrana quando não predominando em regiões ainda hoje de gente escura 2 o ar da África um ar quente oleoso amolecendo nas instituições e nas formas de cultura as durezas germânicas corrompendo a rigidez moral e doutrinária da Igreja medieval tirando os ossos ao cristianismo ao feudalismo à arquitetura gótica à disciplina canônica ao direito visigótico ao latim ao próprio caráter do povo A Europa reinando mas sem governar governando antes a África Corrigindo até certo ponto tão grande influência do clima amolecedor atuaram sobre o caráter português entesandoo as condições sempre tensas e vibráteis de contato humano entre a Europa e a África o constante estado de guerra que entretanto não excluiu nunca a miscigenação nem a atração sexual entre as duas raças muito menos o intercuso entre as duas culturas 3 a atividade guerreira que se compensava do intenso esforço militar relaxandose após a vitória sobre o trabalho agrícola e industrial dos cativos de guerra sobre a escravidão ou a semiescravidão dos vencidos Hegemonias e subsequências essas que não se perpetuavam revezavamse 4 tal como no incidente dos sinos de Santiago de Compostela Os quais teriam sido mandados levar pelos mouros à mesquita de Córdoba às costas dos cristãos e por estes séculos mais tarde mandados reconduzir à Galiza às costas dos mouros Quanto ao fundo considerado autóctone de população tão movediça uma persistente massa de dólicos morenos 5 cuja cor à Africa árabe e mesmo negra alagando de gente sua largos trechos da Península mais de uma vez veio avivar de pardo ou de preto Era como se os sentisse intimamente seus por afinidades remotas apenas empalidecidas e não os quisesse desvanecidos sob as camadas sobrepostas de nórdicos nem transmudados pela sucessão de culturas europeizantes Toda a invasão de celtas germanos romanos normandos o angloescandinavo o H Europaeus L o feudalismo o cristianismo o direito romano a monogamia Que tudo isso sofreu restrição ou refração em um Portugal influenciado pela Africa condicionado pelo clima africano solapado pela mística sensual do islamismo Em vão se procuraria um tipo físico unificado notava há anos em Portugal o conde Hermann de Keysserling O que ele observou foram elementos os mais diversos e mais opostos figuras com ar escandinavo e negróides vivendo no que lhe pareceu união profunda A raça não tem aqui papel decisivo concluiu o arguto observador 6 E já da sociedade moçárabe escrevera Alexandre Herculano População indecisa no meio dos dois bandos contendedores nazarenos e maometanos meia cristã meia sarracena e que em ambos contava parentes amigos simpatias de crenças ou de costumes 7 Esse retrato do Portugal histórico traçado por Herculano talvez possa estenderse ao pré e próhistórico o qual nos vai sendo revelado pela arqueologia e pela antropologia tão dúbio e indeciso quanto o histórico Antes dos árabes e berberes capsienses libifenícios elementos africanos mais remotos O H Taganus 8 Ondas semitas e negras ou negróides batendose com as do Norte A indecisão étnica e cultural entre a Europa e a Africa parece ter sido sempre a mesma em Portugal como em outros trechos da Península Espécie de bicontinentalidade que correspondesse em população assim vaga e incerta à bissexualidade no indivíduo E gente mais flutuante que a portuguesa dificilmente se imagina o bambo equilíbrio de antagonismos refletese em tudo o que é seu dandolhe ao comportamento uma fácil e frouxa flexibilidade às vezes perturbada por dolorosas hesitações 9 e ao caráter uma especial riqueza de apti dões ainda que não raro incoerentes e difíceis de se conciliarem para a expressão útil ou para a iniciativa prática Ferraz de Macedo a quem a sensibilidade patriótica de seus conterrâneos não perdoa o amargo de algumas conclusões justas entre muitas de um grosso exagero procurando definir o tipo normal português deu logo com a dificuldade fundamental a falta de um tipo dinâmico determinado O que encontrou foram hábitos aspirações interesses índoles vícios virtudes variadíssimas e com origens diversas étnicas dizia ele culturais talvez dissesse mais cientificamente Entre outros verificou Ferraz de Macedo no português os seguintes características desencontrados a genesia violenta e o gosto pelas anedotas de fundo erótico o brio a franqueza a lealdade a pouca iniciativa individual o patriotismo vibrante a imprevidência a inteligência o fatalismo a primorosa aptidão para imitar 10 Mas o luxo de antagonismos no caráter português surpreendeuo magnificamente Eça de Queirós O seu Gonçalo dA ilustre casa de Ramires é mais que a síntese do fidalgo 11 é a síntese do português de não importa que classe ou condição Que todo ele é e tem sido desde Ceuta da Índia da descoberta e da colonização do Brasil como o Gonçalo Ramires cheio de fogachos e entusiasmos que acabam logo em fumo mas persistente e duro quando se fila à sua idéia de uma imaginação que o leva a exagerar até a mentira e ao mesmo tempo de um espírito prático sempre atento à realidade útil de uma vaidade de uns escrúpulos de honra de um gosto de se arrebicar de luzir que vão quase ao ridículo mas também de uma grande simplicidade melancólico ao mesmo tempo que palrador sociável generoso desleixado trapalhão nos negócios vivo e fácil em compreender as coisas sempre à espera de algum milagre do velho Ourique que sanará todas as dificuldades desconfiado de si mesmo acovardado encolhido até que um dia se decide e aparece um herói 12 Extremos desencontrados de introversão e extroversão ou alternativas de sintonia e esquizoidia como se diria em moderna linguagem científica Considerando no seu todo o caráter português dános principalmente a idéia de vago impreciso pensa o crítico e historiador inglês Aubrey Bell e essa imprecisão é que permite ao português reunir dentro de si tantos contrastes impossíveis de se ajustarem no duro e anguloso castelhano de um perfil mais definitivamente gótico e europeu 13 O caráter português comparação do mesmo Bell é como um rio que vai correndo muito calmo e de repente se precipita em quedas de água daí passar do fatalismo a rompantes de esforço heróico da apatia a explosões de energia na vida particular e a revoluções na vida pública da docilidade a ímpetos de arrogância e crueldade da indiferença a fugitivos entusiasmos amor ao progresso dinamismo É um caráter todo de arrojos súbitos que entre um ímpeto e outro se compraz em certa indolência voluptuosa muito oriental na saudade no fado no lausperene Místicos e poéticos são ainda os portugueses segundo Bell o inglês que depois de Beckford melhor tem sentido e compreendido a gente e a vida de Portugal com intervalos de intenso utilitarismo caindo dos sonhos vãos numa verdadeira volúpia de proveito imediato das alturas da alegria na tristeza no desespero no suicídio da vaidade no pessimismo alternando a indolência com o amor da aventura e do esporte 14 O que se sente em todo esse desadoro de antagonismos são as duas culturas a européia e a africana a católica e a maometana a dinâmica e a fatalista encontrandose no português fazendo dele de sua vida de sua moral de sua economia de sua arte um regime de influências que se alternam se equilibram ou se hostilizam Tomando em conta tais antagonismos de cultura a flexibilidade a indecisão o equilíbrio e a desarmonia deles resultantes é que bem se compreende o especialíssimo caráter que tomou a colonização do Brasil a formação sui generis da sociedade brasileira igualmente equilibrada nos seus começos e ainda hoje sobre antagonismos Vários antecedentes dentro desse de ordem geral bicontinentalidade ou antes dualismo de cultura e de raça impõemse à nossa atenção em particular um dos quais a presença entre os elementos que se juntaram para formar a nação portuguesa dos de origem ou estoque semita 15 gente de uma mobilidade de uma plasticidade de uma adaptabilidade tanto social como física que facilmente se surpreendem no português navegador e cosmopolita do século XV 16 Hereditariamente predisposto à vida nos trópicos por um longo habitat tropical o elemento semita móvel e adaptável como nenhum outro terá dado ao colonizador português do Brasil algumas das suas principais condições físicas e psíquicas de êxito e de resis tência Entre outras o realismo econômico que desde cedo corrigiu os excessos de espírito militar e religioso na formação brasileira A mobilidade foi um dos segredos da vitória portuguesa sem ela não se explicaria ter um Portugal quase sem gente17 um pessoalzinho ralo insignificante em número sobejo de quanta epidemia fome e sobretudo guerra afligiu a Península na Idade Média conseguido salpicar virilmente do seu resto de sangue e de cultura populações tão diversas e a tão grandes distâncias umas das outras na Ásia na África na América em numerosas ilhas e arquipélagos A escassez de capitalhomem supriramna os portugueses com extremos de mobilidade e miscibilidade dominando espaços enormes e onde quer que pousassem na África ou na América emprenhando mulheres e fazendo filhos em uma atividade genésica que tanto tinha de violentamente instintiva da parte do indivíduo quanto de política de calculada de estimulada por evidentes razões econômicas e políticas da parte do Estado Os indivíduos de valor guerreiros administradores técnicos eram por sua vez deslocados pela política colonial de Lisboa como peças em um tabuleiro de gamão da Ásia para a América ou daí para a África conforme conveniências de momento ou de religião A Duarte Coelho enriquecido pela experiência da Índia entrega D João III a nova capitania de Pernambuco seus filhos Jorge e Duarte de Albuquerque adestrados nos combates contra os índios americanos são chamados às guerras mais ásperas na África da Madeira vem para os engenhos do norte do Brasil técnicos no fabrico do açúcar Aproveitamse os navios da carreira das Índias para o comércio com a colônia americana Transportamse da África para o trabalho agrícola no Brasil nações quase inteiras de negros Uma mobilidade espantosa O domínio imperial realizado por um número quase ridículo de europeus correndo de uma para outra das quatro partes do mundo então conhecido como em um formidável jogo de quatro cantos18 Quanto à miscibilidade nenhum povo colonizador dos modernos excedeu ou sequer igualou nesse ponto aos portugueses Foi misturandose gostosamente com mulheres de cor logo ao primeiro contato e multiplicandose em filhos mestiços que uns milhares apenas de machos atrevidos conseguiram firmarse na posse de terras vastíssimas e competir com povos grandes e numerosos na extensão de domínio colonial e na efcácia de ação colonizadora A miscibilidade mais do que a mobilidade foi o processo pelo qual os portugueses compensa ramse da deficiência em massa ou volume humano para a colonização em larga escala e sobre áreas extensíssimas Para tal processo prepararaos à íntima convivência o intercurso social e sexual com raças de cor invasora ou vizinhas da Península uma delas a de fé maometana em condições superiores técnicas e de cultura intelectual e artística à dos cristãos louros19 O longo contato com os sarracenos deixara idealizada entre os portugueses a figura da mouraencantada tipo delicioso de mulher morena e de olhos pretos20 envolta em misticismo sexual sempre de encarnado21 sempre penteando os cabelos ou banhandose nos rios ou nas águas das fontes malassombradas22 que os colonizadores vieram encontrar parecido quase igual entre as índias nuas e de cabelos soltos do Brasil Que estas tinham também os olhos e os cabelos pretos o corpo pardo pintado de vermelho23 e tanto quanto as nereidas mouriscas eram doidas por um banho de rio onde se refrescasse sua ardente nudez e por um pente para pentear o cabelo24 Além do que eram gordas como as mouras Apenas menos ariscas por qualquer burgiganga ou caco de espelho estavam se entregando de pernas abertas aos caraíbas gulosos de mulher Em oposição à lenda da mouraencantada mas sem alcançar nunca o mesmo prestígio desenvolveuse a da mouratorta Nesta vazouse porventura o ciúme ou a inveja sexual da mulher loura contra a de cor Ou repercutiu talvez o ódio religioso o dos cristãos louros descidos do Norte contra os infiéis de pele escura Ódio que resultaria mais tarde em toda a Europa na idealização do tipo louro identificado com personagens angélicas e divinas em detrimento do moreno identificado com os anjos maus com os decaídos os malvados os traidores25 O certo é que no século XVI os embaixadores mandados pela República de Veneza às Espanhas a fim de cumprimentarem o rei Felipe II notaram que em Portugal algumas mulheres das classes altas tingiam os cabelos de cor loura e lá na Espanha várias arrebicavam o rosto de branco e encarnado para tornarem a pele que é algum tanto ou antes muito trigueira mais alva e rosada persuadidas de que todas as trigueiras são feias26 Podese entretanto afirmar que a mulher morena tem sido a preferida dos portugueses para o amor pelo menos para o amor físico A moda de mulher loura limitada aliás às classes altas terá sido antes a repercussão de influências exteriores do que a expressão de genuíno gosto nacional Com relação ao Brasil que o diga o ditado Branca para casar mulata para f negra para trabalhar27 ditado em que se sente ao lado do convencionalismo social da superioridade da mulher branca e da inferioridade da preta a preferência sexual pela mulata Aliás o nosso lirismo amoroso não revela outra tendência senão a glorificação da mulata da cabocla da morena celebrada pela beleza dos seus olhos pela alvura dos seus dentes pelos seus dengues quindins e embelegos muito mais do que as virgens pálidas e as louras donzelas Estas surgem em um ou em outro soneto em uma ou em outra modinha do século XVI ou XIX Mas sem o relevo das outras Outra circunstância ou condição favoreceu o português tanto quanto a miscibilidade e a mobilidade na conquista de terras e no domínio de povos tropicais a aclimatabilidade Nas condições físicas de solo e de temperatura Portugal é antes África do que Europa O chamado clima português de Martone único na Europa é um clima aproximado do africano Estava assim o português predisposto pela sua mesma mesologia ao contato vitorioso com os trópicos seu deslocamento para as regiões quentes da América não traria as graves perturbações da adaptação nem as profundas dificuldades de aclimatação experimentadas pelos colonizadores vindos de países de clima frio Por mais que Gregory insista28 em negar ao clima tropical a tendência para produzir per se sobre o europeu do Norte efeitos de degeneração recordando ter Elkington verificado em 1922 na colônia holandesa de Kissav fundada em 1783 condições satisfeatórias de salubridade e prosperidade sem nenhuma evidência de degeneração física obvious evidence of physical degenere ration entre os colonos louros29 grande é a massa de evidências que parecem favorecer o ponto de vista contrário o daqueles que pensam revelar o nórdico fraco ou nenhuma aclimatabilidade nos trópicos O professor Oliveira Viana desprezando com extrema parcialidade depoimentos como os de Elkington e Gregory aos quais nem sequer alude reuniu contra a pretendida capacidade de adaptação dos nórdicos aos climas tropicais o testemunho de alguns dos melhores especialistas modernos em assunto de climatologia e antropogeografia Taylor Glenn Trewarka Huntington Karl Sapper Deste cita o sociólogo brasileiro expressivo juízo sobre os esforços colonizadores dos europeus do Norte nos trópicos Os europeus do Norte não têm conseguido constituir nos planaltos tropicais senão estabelecimentos temporários Eles têm tentado organizar nestas regiões uma sociedade permanente de base agrícola em que o colono viva do seu próprio trabalho manual mas em todas essas tentativas têm fracassado30 Mas é Taylor31 talvez aquele dentre os antropólogos cujas conclusões se contrapõem com mais força e atualidade às de Gregory Antes dos estudos de Taylor e de Huntington de antropogeografia e antropologia cultural e dos de Dexter de climatologia já Benjamin Kidd observara quanto à aclimatação dos europeus do Norte nos trópicos todas as experiências nesse sentido têm sido vãs e inúteis esforçós desde logo destinados a fracasso foredoomed to failure32 E Mayo Smith concluirá do ponto de vista da estatística aplicada à sociologia As nossas estatísticas não são suficientemente exatas para indicarem ser impossível aclimatarse permanentemente o europeu nos trópicos mas mostram ser isto extremamente difícil33 Ao contrário da aparente incapacidade dos nórdicos é que os portugueses têm revelado tão notável aptidão para se aclimatarem em regiões tropicais É certo que através de muito maior miscibilidade que os outros europeus as sociedades coloniais de feição portuguesa têm sido todas híbridas umas mais outras menos No Brasil tanto em São Paulo como em Pernambuco os dois grandes focos de energia criadora nos primeiros séculos da colonização os paulistas no sentido horizontal os pernambucanos no vertical34 a sociedade capaz de tão notáveis iniciativas como as bandeiras a catequese a fundação e consolidação da agricultura tropical as guerras contra os franceses no Maranhão e contra os holandeses em Pernambuco foi uma sociedade constituída com pequeno número de mulheres brancas e larga e profundamente mesclada de sangue indígena Diante do que tornase difícil no caso do português distinguir o que seria aclimatabilidade de colonizador branco já de si duvidoso na sua pureza étnica e na sua qualidade antes convencional que genuína de europeu da capacidade de mestiço formado desde o primeiro momento pela união do adventício sem escrúpulos nem consciência de raça com mulheres da vigorosa gente da terra De qualquer modo o certo é que os portugueses triunfaram onde outros europeus falharam de formação portuguesa é a primeira sociedade moderna constituída nos trópicos com características nacionais e qualidades de permanência Qualidades que no Brasil madrugaram amansadas e quando não subjugadas pela higiene ou pela engenharia sanitária De modo que o homem já não é o antigo manégostoso de carne abrindo os braços ou deixandoos cair ao aperto do calor ou do frio Sua capacidade de trabalho sua eficiência econômica seu metabolismo alteramse menos onde a higiene e a engenharia sanitária a dieta a adaptação do vestuário e da habitação às novas circunstâncias criamlhe condições de vida de acordo com o físico e a temperatura da região Os próprios sistemas de comunicação moderna fáceis rápidos e higiênicos fazem mudar de figura um problema outrora importantíssimo ligado às condições físicas de solo e de clima o da qualidade e até certo ponto o da quantidade de recursos de alimentação ao dispor de cada povo Ward salienta a importância do desenvolvimento da navegação a vapor mais rápida e regular que a navegação à vela veio beneficiar grandemente as populações tropicais47 O mesmo pode dizerse com relação aos processos de preservação e refrigeração dos alimentos Por meio desses processos e da moderna técnica de transporte o homem vem triunfando sobre a dependência absoluta das fontes de nutrição regionais a que estavam outrora sujeitas as populações coloniais dos trópicos Neste ensaio entretanto o clima a considerar é o cru e quase todopoderoso aqui encontrado pelo português em 1500 clima irregular palustre perturbador do sistema digestivo clima na sua relação com o solo desfavorável ao homem agrícola e particularmente ao europeu por não permitir nem a prática de sua lavoura tradicional regulada pelas quatro estações do ano nem a cultura vantajosa daquelas plantas alimentares a que ele estava desde há muitos séculos habituado48 O português no Brasil teve de mudar quase radicalmente o seu sistema de alimentação cuja base se deslocou com sensível déficit do trigo para a mandioca e o seu sistema de lavoura que as condições físicas e químicas de solo tanto quanto as de temperatura ou de clima não permitiram fosse o mesmo doce trabalho das terras portuguesas A esse respeito o colonizador inglês dos Estados Unidos levou sobre o português do Brasil decidida vantagem ali encontrando condições de vida física e fontes de nutrição semelhantes às da mãepátria No Brasil verificaramse necessariamente no povoado europeu desequilíbrios de morfologia tanto quanto de eficiência pela falta em que se encontrou de súbito dos mesmos recursos químicos de alimentação do seu país de origem A falta desses recursos como a diferença nas condições meteorológicas e geológicas em que teve de processarse o trabalho agrícola realizado pelo negro mas dirigido pelo europeu dá à obra de colonização dos portugueses um caráter de obra criadora original a que não pode aspirar nem a dos ingleses na América do Norte nem a dos espanhóis na Argentina49 Embora mais aproximado o português que qualquer colonizador europeu da América do clima e das condições tropicais foi ainda assim uma rude mudança a que ele sofreu transportandose ao Brasil Dentro das novas circunstâncias de vida física comprometeuse a sua vida econômica e social Tudo era aqui desequilíbrio Grandes excessos e grandes deficiências as da nova terra O solo excetuadas as manchas de terra preta ou roxa de excepcional fertilidade estava longe de ser o bom de se plantar nele tudo o que se quisesse do entusiasmo do primeiro cronista Em grande parte rebelde à disciplina agrícola Áspero intratável impermeável Os rios outros inimigos da regularidade do esforço agrícola e da estabilidade da vida de família Enchentes mortíferas e secas esterilizantes tal o regime de suas águas E pelas terras e matagais de tão difícil cultura como pelos rios quase impossíveis de ser aproveitados economicamente na lavoura na indústria ou no transporte regular de produtos agrícolas viveiros de larvas multidões de insetos e de vermes nocivos ao homem Particularmente ao homem agrícola a quem por toda parte afligem mal ele inicia as plantações as formigas que fazem muito dano à lavoura a lagarta das roças as pragas que os feiticeiros índios desafiam os padres que destruam com os seus sinais e as suas rezas50 Contrastemse essas condições com as encontradas pelos ingleses na América do Norte a começar pela temperatura substancialmente a mesma que a da Europa Ocidental média anual 56 F considerada a mais favorável ao progresso econômico e à civilização à européia De modo que não parece tocar ao caso brasileiro a generalização do professor Bogart sobre o povo por ele vagamente chamado raça latinoamericana O qual nem por se achar rodeado de grandes riquezas naturais se teria elevado às mesmas condições de progresso agrícola e industrial que os angloamericanos Essa incapacidade atribui o economista a ser a tal raça latinoamericana a weak ease loving race e não a virile energetic people como os angloamerica nos Estes sim souberam desenvolver os recursos naturais à sua disposição devoted themselves to the exploitation of the natural resources wirith wonderful sucess51 Mas foi esse mesmo povo tão viril e enérgico que fracassou em Old Providence e nas Bahamas O português vinha encontrar na América tropical uma terra de vida aparentemente fácil na verdade dificílima para quem quisesse aqui organizar qualquer forma permanente ou adiantada de economia e de sociedade Se é certo que nos países de clima quente o homem pode viver sem esforço da abundância de produtos espontâneos convém por outro lado não esquecer que igualmente exuberantes são nesses países as formas perniciosas de vida vegetal e animal inimigas de toda cultura agrícola organizada e de todo trabalho regular e sistemático No homem e nas sementes que ele planta nas casas que edifica nos animais que cria para seu uso ou sua subsistência nos arquivos e bibliotecas que organiza para sua cultura intelectual nos produtos úteis ou de beleza que saem de suas mãos em tudo se metem larvas vermes insetos roendo esfurracando corrompendo Semente fruta madeira papel carne músculos vasos linfáticos intestinos o branco do olho os dedos dos pés tudo fica à mercê de inimigos terríveis Foi dentro de condições físicas assim adversas que se exerceu o esforço civilizador dos portugueses nos trópicos Tivessem sido aquelas condições as fáceis e doces de que falam os panegiristas da nossa natureza e teriam razão os sociólogos e economistas que contrastando o difícil triunfo lusitano no Brasil com o rápido e sensacional dos ingleses naquela parte da América de clima estimulante flora equilibrada fauna antes auxiliar que inimiga do homem condições agrológicas e geológicas favoráveis onde hoje esplende a formidável civilização dos Estados Unidos concluem pela superioridade do colonizador louro sobre o moreno Antes de vitoriosa a colonização portuguesa do Brasil não se compreendia outro tipo de domínio europeu nas regiões tropicais que não fosse o da exploração comercial através de feitorias ou da pura extração de riqueza mineral Em nenhum dos casos se considerara a sério o prolongamento da vida européia ou a adaptação dos seus valores morais e materiais a meios e climas tão diversos tão mórbidos e dissolventes O colonizador português do Brasil foi o primeiro entre os colonizadores modernos a deslocar a base da colonização tropical da pura extração de riqueza mineral vegetal ou animal o ouro a prata a madeira o âmbar o marfim para a de criação local de riqueza Ainda que riqueza a criada por eles sob a pressão das circunstâncias americanas à custa do trabalho escravo tocada portanto daquela perversão de instinto econômico que cedo desviou o português da atividade de produzir valores para a de explorálos transportálos ou adquirilos Semelhante deslocamento embora imperfeitamente realizado importou em uma nova fase e em um novo tipo de colonização a colônia de plantação caraterizada pela base agrícola e pela permanência do colono na terra em vez do seu fortuito contato com o meio e com a gente nativa No Brasil iniciaram os portugueses a colonização em larga escala dos trópicos por uma técnica econômica e por uma política social inteiramente novas apenas esboçadas nas ilhas subtropicais do Atlântico A primeira a utilização e o desenvolvimento de riqueza vegetal pelo capital e pelo esforço do particular a agricultura a sesmaria a grande lavoura escravocrata A segunda o aproveitamento da gente nativa principalmente da mulher não só como instrumento de trabalho mas como elemento de formação da família Semelhante política foi bem diversa da de extermínio ou segregação seguida por largo tempo no México e no Peru pelos espanhóis exploradores de minas e sempre e desbragadamente na América do Norte pelos ingleses A sociedade colonial no Brasil principalmente em Pernambuco e no Recôncavo da Bahia desenvolveuse patriarcal e aristocraticamente à sombra das grandes plantações de açúcar não em grupos a esmo e instáveis em casasgrandes de taipa ou de pedra e cal não em palhoças de aventureiros Observa Oliveira Martins que a população colonial no Brasil especialmente ao norte constituiuse aristocraticamente isto é as casas de Portugal enviaram ramos para o ultramar desde todo o princípio a colônia apresentou um aspecto diverso das turbulentas imigrações dos castelhanos na América Central e Ocidental52 E antes dele já escrevera Southey que nas casas de engenho de Pernambuco encontravamse nos primeiros séculos de colonização as decências e o conforto que debalde se procurariam entre as populações do Paraguai e do Prata53 No Brasil como nas colônias inglesas de tabaco de algodão e de arroz da América do Norte as grandes plantações foram obra não do Estado colonizador sempre somítico em Portugal mas de corajosa iniciativa particular Esta é que nos trouxe pela mão de um Martim Afonso ao Sul e principalmente de um Duarte Coelho ao Norte54 os primeiros colonos sólidos as primeiras mães de família as primeiras sementes o primeiro gado os primeiros animais de transporte plantas alimentares instrumentos agrícolas mecânicos judeus para as fábricas de açúcar escravos africanos para o trabalho de eito e de bagaceira de que logo se mostrariam incapazes os indígenas molengos e inconstantes Foi a iniciativa particular que concorrendo às sesmarias dispôsse a vir povoar e defender militarmente como era exigência real as muitas léguas de terra em bruto que o trabalho negro fecundaria Como Payne salienta na sua History of european colonies os portugueses colonizadores do Brasil foram os primeiros europeus a verdadeiramente se estabelecerem em colônias vendendo para esse fim quanto possuíam em seu país de origem e transportandose com a família e cabedais para os trópicos55 LeroyBeaulieu56 assinala como uma das vantagens da colonização portuguesa da América tropical pelo menos diz ele nos dois primeiros séculos a ausência completa de um sistema regular e complicado de administração a liberdade de ação la liberté daction que lon trouvait dans ce pays peu gouverné característica do começo da vida brasileira Lorganisation coloniale ne précéde pas elle suivit le développement de la colonisation observa o economista francês no seu estudo sobre a colonização moderna E Ruediger Bilden escreve com admirável senso crítico que no Brasil a colonização particular muito mais que a ação oficial promoveu a mistura de raças a agricultura latifundiária e a escravidão tornando possível sobre tais alicerces a fundação e o desenvolvimento de grande e estável colônia agrícola nos trópicos Isto além de nos ter alargado grandemente para o oeste o território o que teria sido impossível à ação oficial cerceada por compromissos políticos internacionais57 A partir de 1532 a colonização portuguesa do Brasil do mesmo modo que a inglesa da América do Norte e ao contrário da espanhola e da francesa nas duas Américas caracterizase pelo domínio quase exclusivo da família rural ou semirural Domínio a que só o da Igreja faz sombra através da atividade às vezes hostil ao familismo dos padres da Companhia de Jesus A família não o indivíduo nem tampouco o Estado nem nenhuma companhia de comércio é desde o século XVI o grande fator colonizador no Brasil a unidade produtiva o capital que desbrava o solo instala as fazendas compra escravos bois ferramentas a força social que se desdobra em política constituindose na aristocracia colonial mais poderosa da América Sobre ela o rei de Portugal quase reina sem governar Os senados de Câmara expressões desse familismo político cedo limitam o poder dos reis e mais tarde o próprio imperialismo ou antes parasitismo econômico que procura estender do reino às colônias os seus tentáculos absorventes A colonização por indivíduos soldados de fortuna aventureiros degredados cristãosnovos fugidos à perseguição religiosa náufragos traficantes de escravos de papagaios e de madeira quase não deixou traço na plástica econômica do Brasil Ficou tão no raso tão à superfície e durou tão pouco que política e economicamente esse povoamento irregular e àtoa não chegou a definirse em sistema colonizador O seu aspecto puramente genético não deve entretanto ser perdido de vista pelo historiador da sociedade brasileira Sob esse critério há mesmo quem o considere tara étnica inicial e surpreenda entre traços da fisionomia coletiva do povo brasileiro inequívocos vestígios dos estigmas hereditários impressos por aqueles patriarcas pouco recomendáveis da nacionalidade De Azevedo Amaral de quem é essa observação aceitamos sobre o período em apreço duas generalizações que nos parecem caracterizálo com toda a exatidão uma que foi pela sua heterogeneidade racial um período não português mas promíscuo o cunho português só se imprimindo sobre a confusão de etnias pelo predomínio do idioma outra que constitui uma espécie de préhistória nacional Eliminar os primeiros cinqüenta anos escreve Azevedo Amaral durante os quais à revelia de qualquer supervisão política e fora mesmo da civilização o Brasil recebeu os primeiros aluviões complexos de povoadores equivale a suprimir um elemento básico da formação nacional cuja influência projetada pelos séculos seguintes podemos induzir seguramente de fatos positivos que a moderna pesquisa biológica demonstra suficientemente Se quisermos qualifiquemos esse período em uma categoria à parte de préhistória nacional Onde Azevedo Amaral nos parece lamentavelmente exagerado é em considerar todos aqueles povoadores sobre os quais reconhece ser tão escassa e precária a informação acessível uns tarados criminosos e semiloucos Referese principalmente aos degredados não há entretanto fundamentos nem motivos para duvidar de que alguns fossem gente sã degredada pelas ridicularias por que então se exilavam súditos dos melhores do reino para os ermos Era estreitíssimo o critério que ainda nos séculos XV e XVI orientava entre os portugueses a jurisprudência criminal No seu direito penal o misticismo ainda quente dos ódios de guerra contra os mouros dava uma estranha proporção aos delitos Carlos Malheiros Dias afirma que não existia na legislação coeva código de severidade comparável ao Livro V das Ordenações Manuelinas E acrescenta cerca de duzentos delitos eram nele punidos com degredo A lei de 7 de janeiro de 1453 de D Dinis diznos o general Morais Sarmento que mandava tirar a língua pelo pescoço e queimar vivos os que descriam de Deus ou dirigiam doestos a Deus ou aos Santos e por usar de feitiçarias por que uma pessoa queira bem ou mal a outra como por outros crimes místicos ou imaginários era o português nos séculos XVI e XVII degredado para sempre para o Brasil Em um país de formação antes religiosa do que etnocêntrica eram esses os grandes crimes e bem diversa da moderna ou da dos países de formação menos religiosa a perspectiva criminal Enquanto quem dirigisse doestos aos santos tinha a língua tirada pelo pescoço e quem fizesse feitiçaria amorosa era degredado para os ermos da África ou da América pelo crime de matar o próximo de desonrarlhe a mulher de estuprarlhe a filha o delinquente não ficava muitas vezes sujeito a penas mais severas que a de pagar dez de multa uma galinha ou a de pagar mil e quinhentos módios Contanto que fosse acoitarse a um dos numerosos coitos de homiziados Não faziam esses coitos mistério de sua função protetora de homicidas adúlteros e servos fugidos antes proclamavamna abertamente pela voz dos forais Não se julgue diz Gama Barros que as terras onde o soberano decretava que os criminosos ficassem imunes consideravam desonra para elas a concessão de tal privilégio E o professor Mendes Correia informanos que Sabugal em 1369 pedia que fossem dadas mais garantias aos refugiados nesse coito que no foral de Azurara a imunidade chegava ao ponto de se punir gravemente quem perseguisse até dentro da vila o criminoso fugitivo Temse a impressão de que os lugares mal povoados do reino disputavam a concessão do privilégio do coito e a gente que acoitavam eram com o grande número de servos fugidos os celerados de crime de morte e de estupro vindo para o Brasil antes os autores de delitos leves ou de crimes imaginários que a perspectiva criminal portuguesa da época deformava em atentados horríveis do que mesmo os criminosos de fato Estes entretanto devem ter vindo em número não de todo insignificante para a colônia americana de outro modo deles não se teria ocupado tão veementemente o donatário Duarte Coelho em uma de suas muitas cartas de administrador severo e escrupuloso rogando a elRei que lhe não mandasse mais dos tais degredados pois eram piores que peçonha É possível que se degredassem de propósito para o Brasil visando ao interesse genético ou do povoamento indivíduos que sabemos terem sido para cá expatriados por irregularidades ou excessos na sua vida sexual por abraçar e beijar por usar de feitiçaria para querer bem ou mal por bestialidade molície alcovitice A ermos tão mal povoados salpicados apenas de gente branca convinharn superexcitados sexuais que aqui exercessem uma atividade genésica acima da comum proveitosa talvez nos seus resultados aos interesses políticos e econômicos de Portugal no Brasil Atraídos pelas possibilidades de uma vida livre inteiramente solta no meio de muita mulher nua aqui se estabeleceram por gosto ou vontade própria muitos europeus do tipo que Paulo Prado retrata em traços de forte realismo Garanhões desbragados Outros como os grumetes que fugiram da armada de Cabral sumindose pelos matos aqui se teriam deixado ficar por puro gosto de aventura ou afoiteza de adolescência e as ligações destes de muitos dos degredados de intérpretes normandos de náufragos de cristãosnovos as ligações de todos esses europeus tantos deles na flor da idade e no viço da melhor saúde gente nova machos sãos e vigorosos aventureiros moços e ardentes em plena força com mulheres gentias também limpas e sãs nem sempre terão sido dos tais conúbios disgênicos de que fala Azevedo Amaral Ao contrário Tais uniões devem ter agido como verdadeiro processo de seleção sexual dada a liberdade que tinha o europeu de escolher mulher entre dezenas de índias De semelhante intercusso sexual só podem ter resultado bons animais ainda que maus cristãos ou mesmo más pessoas Juntese às vantagens já apontadas do português do século XV sobre os povos colonizadores seus contemporâneos a da sua moral sexual a moçárabe a católica amaciada pelo contato com a maometana e mais frouxa mais relassa que a dos homens do Norte Nem era entre eles a religião o mesmo duro e rígido sistema que entre os povos do Norte reformado e da própria Castela dramaticamente católica mas uma liturgia antes social que religiosa um doce cristianismo lírico com muitas reminiscências fálicas e animistas das religiões pagãs os santos e os anjos só faltando tornarse carne e descer dos altares nos dias de festa para se divertirem com o povo os bois entrando pelas igrejas para ser benzidos pelos padres as mães ninando os filhinhos com as mesmas cantigas de louvar o MeninoDeus as mulheres estéreis indo esfregarse de saia levantada nas pernas de São Gonçalo do Amarante os maridos cismados de infidelidade conjugal indo interrogar os rochedos dos cornudos e as moças casadouras os rochedos do casamento Nossa Senhora do Ó adorada na imagem de uma mulher prenhe No caso do Brasil que foi um fenômeno do século XVII o português trazia mais a seu favor e a favor da nova colônia toda a riqueza e extraordinária variedade de experiências acumuladas durante o século XV na Ásia e na África na Madeira e em Cabo Verde Entre tais experiências o conhecimento de plantas úteis alimentares e de gozo que para aqui seriam transplantadas com êxito o de certas vantagens do sistema de construção asiático adaptáveis ao trópico americano o da capacidade do negro para o trabalho agrícola Todos esses elementos a começar pelo cristianismo liricamente social religião ou culto de família mais do que de catedral ou de igreja que nunca as tiveram os portugueses grandes e dominadoras do tipo das de Toledo ou das de Burgos como nunca as teria o Brasil da mesma importância e prestígio que as da América Espanhola todos esses elementos e vantagens viriam favorecer entre nós a colonização que na América Portuguesa como nas colônias de proprietários dos ingleses na América do Norte repousaria sobre a instituição da família escravocrata da casagrande da família patriarcal sendo que nestas bandas acrescida a família de muito maior número de bastardos e dependentes em torno dos patriarcas mais femeiros que os de lá e um pouco mais soltos talvez na sua moral sexual A nossa verdadeira formação social se processa de 1532 em diante tendo a família rural ou semirural por unidade quer através de gente casada vinda do reino quer das famílias aqui constituídas pela união de colonos com mulheres caboclas ou com moças órfãs ou mesmo àtoa mandadas vir de Portugal pelos padres casamenteiros Vivo e absorvente órgão da formação social brasileira a família colonial reuniu sobre a base econômica da riqueza agrícola e do trabalho escravo uma variedade de funções sociais e econômicas Inclusive como já insinuamos a do mando político o oligarquismo ou nepotismo que aqui madrugou chocandose ainda em meados do século XVI com o clericalismo dos padres da Companhia Em oposição aos interesses da sociedade colonial queriam os padres fundar no Brasil uma santa república de índios domesticados para Jesus como os do Paraguai seráficos caboclos que só obedecessem aos ministros do Senhor e só trabalhassem nas suas hortas e roçados Nenhuma individualidade nem autonomia pessoal ou de família Fora o cacique todos vestidos de camisola de menino dormir como em um orfanato ou em um internato O trajo dos homens igualzinho ao das mulheres e das crianças Pela presença de um tão forte elemento ponderador como a família rural ou antes latifundiária é que a colonização portuguesa do Brasil tomou desde cedo rumo e aspectos sociais tão diversos da teocrática idealizada pelos jesuítas e mais tarde por eles realizada no Paraguai da espanhola e da francesa Claro que esse domínio de família não se teria feito sentir sem a base agrícola em que repousou entre nós como entre os ingleses colonizadores da Virgínia e das Carolinas a colonização Estabelecido nas ilhas do Atlântico diz Manuel Bonfim do colono português e não encontrando aí outra forma de atividade nem possibilidade de fortuna senão a exploração estável agrícola o povoamento regular assim procedeu e mostrou antes de qualquer outro povo da Europa medieval ser excelente povoador porque juntava as qualidades de pioneiro às de formador de vida agrícola e regular em terras novas É verdade que muitos dos colonos que aqui se tornaram grandes proprietários rurais não tinham pela terra nenhum amor nem gosto pela sua cultura Há séculos que em Portugal o mercantilismo bur guês e semita por um lado e por outro lado a escravidão moura sucedida pela negra haviam transformado o antigo povo de reis lavradores no mais comercializado e menos rural da Europa No século XVI é o próprio rei que dá despacho não em nenhum castelo gótico cercado de pinheiros mas por cima de uns armazéns à beira do rio e ele e tudo que é grande fidalgo enriquecem no tráfico de especiarias asiáticas O que restava aos portugueses do século XVI de vida rural era uma fácil horticultura e um doce pastoreio e como outrora entre os israelitas quase que só florescia entre eles a cultura da oliveira e da vinha Curioso portanto que o sucesso da colonização portuguesa do Brasil se firmasse precisamente em base rural Considerando o elemento colonizador português em massa não em exceções como Duarte Coelho tipo perfeito de grande agricultor pode dizerse que seu ruralismo no Brasil não foi espontâneo mas de adoção imposto pelas circunstâncias Para os portugueses o ideal teria sido não uma colônia de plantação mas outra Índia com que israelitamente comerciassem em especiarias e pedras preciosas ou um México ou Peru de onde pudessem extrair ouro e prata Ideal semita As circunstâncias americanas é que fizeram do povo colonizador de tendências menos rurais ou pelo menos com o sentido agrícola mais pervertido pelo mercantilismo o mais rural de todos do povo que a Índia transformara no mais parasitário o mais criador Entre aquelas circunstâncias avultam imperiosas as qualidades e as condições físicas da terra as condições morais e materiais da vida e cultura de seus habitantes Terra e homem estavam em estado bruto Suas condições de cultura não permitiam aos portugueses vantajoso intercusso comercial que reforçasse ou prolongasse o mantido por eles com o Oriente Nem reis de Cananor nem sobas de Sofala encontraram os descobridores do Brasil com que tratar ou negociar Apenas morubixabas Bugres Gente quase nua e àtoa dormindo em rede ou no chão alimentandose de farinha de mandioca de fruta do mato de caça ou peixe comido cru ou depois de assado em borralho Nas suas mãos não cintilavam pérolas de Cipango nem rubis de Pegu nem ouro de Sumatra nem sedas de Catar lhes abrilhantavam os corpos cor de cobre quando muito enfeitados de penas os pés em vez de tapetes da Pérsia pisavam a areia pura Animal doméstico ao seu serviço não possuíam nenhum Agricultura umas ralas plantações de mandioca ou mindubi de um ou outro fruto Oliveira Viana tem razão quando escreve que entre as Índias com uma maravilhosa riqueza acumulada e uma longa tradição comercial com os povos do Oriente e Ocidente e o Brasil com uma população de aborígines ainda na idade da pedra polida havia diferença essencial Essa ausência de riqueza organizada essa falta de base para organização puramente comercial acrescenta o autor da Evolução do povo brasileiro é que leva os peninsulares para aqui transplantados a se dedicarem à exploração agrícola Cravo pimenta âmbar sândalo canela gengibre marfim nenhuma substância vegetal ou animal de valor consagrado pelas necessidades e gostos da Europa aristocrática ou burguesa os portugueses encontraram nos trópicos americanos Isto sem falar no ouro e na prata mais farejados do que tudo e de que logo se desiludiram os exploradores da nova terra A conclusão melancólica de Vespúcio resume o amargo desapontamento de todos eles infinitas arvores de pau brasil e canna fistula Arvoredos de ponta a ponta e agoas muytas notara o arguto cronista do descobrimento Pero Vaz de Caminha Enormes massas de água é certo davam grandeza à terra coberta de grosso matagal Dramatizavamna Mas grandeza sem possibilidades econômicas para a técnica e conhecimentos da época Ao contrário às necessidades dos homens que criaram o Brasil aquelas formidáveis massas rios e cachoeiras só em parte e nunca completamente se prestaram às funções civilizadoras de comunicação regular e de dinamização útil Um rio grande daqueles quando transbordava em tempo de chuva era para inundar tudo cobrindo canaviais e matando gado e até gente Destruindo Devastando Lavoura e pecuária eram quase impossíveis às suas margens porque tanto tinha de fácil o estabelecimento quanto de fatal a destruição pelas enchentes pelas cheias que ou dizimavam as manadas ou corrompiamlhes o pasto e em vez de beneficiarem as plantações destruíamnas completamente ou em grande parte Sem equilíbrio no volume nem regularidade no curso variando extremamente em condições de navegabilidade e de utilidade os rios grandes foram colaboradores incertos se é que os possamos considerar colaboradores do homem agrícola na formação econômica e social do nosso país Muito deve o Brasil agrário aos rios menores porém mais regulares onde eles docemente se prestaram a moer as canas a alagar as várzeas a enverdecer os canaviais a transportar o açúcar a madeira e mais tarde o café a servir aos interesses e às necessidades de populações fixas humanas e animais instaladas às suas margens aí a grande lavoura floresceu a agricultura latifundiária prosperou a pecuária alastrouse Rios do tipo do Mamanguape do Una do Pitanga do Paranamirim do Serinhaém do Iguaçu do Cotindiba do Pirapama do Ipojuca do Mundáu do Paraíba foram colaboradores valiosos regulares sem as intermitências nem os transbordamentos dos grandes na organização da nossa economia agrária e da sociedade escravocrata que à sua sombra se desenvolveu Do Paraíba escreveu Alberto Rangel que pelo tempo do braço escravo foi o rio paradisíaco Eufrates das senzalas com Taubaté por metrópole77 Tanto mais rica em qualidade e condições de permanência foi a nossa vida rural do século XVI ao XIX onde mais regular foi o suprimento de água onde mais equilibrados foram os rios ou mananciais Se os grandes rios brasileiros já foram glorificados em monumento e cantada em poema célebre a cachoeira de Paulo Afonso por tanto tempo de um interesse puramente estético para não dizer cenográfico em nossa vida aos rios menores tão mais prestadios falta o estudo que lhes fixe o importante papel civilizador em nossa formação ligados às nossas tradições de estabilidade tanto quanto os outros os mais românticos talvez porém não mais brasileiros às de mobilidade de dinamismo de expansão pelos sertões adentro de bandeirantes e padres à procura de ouro de escravos e de almas para Nosso Senhor Jesus Cristo Os grandes foram por excelência os rios do bandeirante e do missionário que os subiam vencendo dificuldades de quedas de água e de curso irregular os outros os do senhor de engenho do fazendeiro do escravo do comércio de produtos da terra Aqueles dispersaram o colonizador os rios menores fixaramno tornando possível a sedentariedade rural Tendo por base física as águas ainda que encachoeiradas dos grandes rios prolongouse no brasileiro a tendência colonial do português de derramarse em vez de condensarse O bandeirante particularmente tornase desde os fins do século XVI um fundador de subcolônias Ainda não é dono da terra em que nasceu mas simples colonial e já se faz de senhor das alheias em um imperialismo que tanto tem de ousado quanto de precoce Com o bandeirante o Brasil autocolonizase Já Pedro Dantas fixou essa possível constante da nossa história derramamonos em superfície antes de nos desenvolvermos em densidade e profundidade78 A mesma tendência dispersiva da expansão colonial portuguesa No Brasil prolongouse a tendência talvez vinda de longe do semita79 no que pareceu a Alberto Torres o nosso afã de ir estendendo populações aventureiras e empresas capitalistas por todo o território Afã que ao seu ver devíamos contrariar por uma política de conservação da natureza de reparação das regiões estragadas de concentração das populações nas zonas já abertas à cultura sendo educado o homem para aproveitálas e para fazer frutificar valorizandoas80 Outra coisa não desejaria Pedro Dantas para o Brasil de hoje que essa concentração das populações dinâmicas nas zonas já abertas à cultura que o nosso desenvolvimento se processasse em densidade e profundidade Esta foi aliás a tendência esboçada no Brasil agrário de senhores de engenho e fazendeiros de que Azevedo Amaral se mostra tão severo crítico nas páginas dos Ensaios brasileiros81 Se é certo que o furor expansionista dos bandeirantes conquistounos verdadeiros luxos de terras é também exato que nesse desadoro de expansão comprometeuse a nossa saúde econômica e quase que se comprometia a nossa unidade política Felizmente aos impulsos de dissensão e aos perigos deles decorrentes de diferenciação e separatismo opuseramse desde o início da nossa vida colonial forças quase da mesma agressividade neutralizandoos ou pelo menos amolecendoos A começar pelo físico da região formando aquele ensemble naturel que Horace Say há quase um século contrastava com o da América espanhola Aucune limite ne sélève pour séparer les diverses provinces les unes des autres et cest là un avantage de plus que les possessions portugaises ont eu sur les possessions espagnoles en Amérique82 A mesma mobilidade que nos dispersa desde o século XVI em paulistas e pernambucanos ou paulistas e baianos e daí ao século XIX em vários subgrupos mantémnos em contato em comunhão mesmo através de difícil mas nem por isso infrequente intercomunicação colonial Fluminenses e paulistas estiveram a combater na Bahia e em Pernambuco que se defendiam do holandês lembra Manuel Bonfim a propósito da afirmativa de Euclides da Cunha de que essa luta do Norte contra o estrangeiro se realizara com divórcio completo das gentes meridionais São também paulistas que aco dem aos repetidos chamados da Bahia na defesa contra o gentio Aimoré como na defesa contra o holandês como a Pernambuco para resolver o caso dos Palmares83 Mais tarde é ainda Bonfim quem o destaca espontaneamente correm os cearenses a socorrer o Piauí ainda dominado pelas tropas portuguesas e juntos piauíenses e cearenses vão em prol do Maranhão84 pela mesma época correm os pernambucanos em auxílio da Bahia alcançando com os baianos a vitória de 2 de julho Os jesuítas foram outros que pela influência do seu sistema uniforme de educação e de moral sobre um organismo ainda tão mole plástico quase sem ossos como o da nossa sociedade colonial nos séculos XVI e XVII contribuíram para articular como educadores o que eles próprios dispersavam como catequistas e missionários Estavam os padres da S J em toda parte moviamse de um extremo ao outro do vasto território colonial estabeleceram permanente contato entre os focos esporádicos de colonização através da línguageral entre os vários grupos de aborígines85 Sua mobilidade como a dos paulistas se por um lado chegou a ser perigosamente dispersiva por outro lado foi salutar e construtora tendendo para aquele unionismo em que o professor João Ribeiro surpreendeu uma das grandes forças sociais da nossa história86 Para o unionismo preparanos aliás a singular e especialíssima situação do povo colonizador o qual chega às praias americanas unido política e juridicamente e por maior que fosse a sua variedade íntima ou aparente de etnias e de crenças todas elas acomodadas à organização política e jurídica do Estado unido à Igreja Católica Como observa M Bonfim a formação de Portugal se caracteriza por uma precocidade política tal que o pequeno reino nos aparece como a primeira nação completa na Europa do século XVI Observação que já fizera Stephens na sua The story of Portugal87 Os portugueses não trazem para o Brasil nem separatismos políticos como os espanhóis para o seu domínio americano nem divergências religiosas como os ingleses e franceses para as suas colônias Os marranos em Portugal não constituíam o mesmo elemento intransigente de diferenciação que os huguenotes na França ou os puritanos na Inglaterra eram uma minoria imperecível em alguns dos seus característicos economicamente odiosa porém não agressiva nem perturbadora da unidade nacional Ao contrário a muitos respeitos nenhuma minoria mais acomodática e suave O Brasil formouse despreocupados os seus colonizadores da unidade ou pureza de raça Durante quase todo o século XVI a colônia esteve escancarada a estrangeiros só importando às autoridades coloniais que fossem de fé ou religião católica Handelmann notou que para ser admitido como colono do Brasil no século XVI a principal exigência era professar a religião cristã somente cristãos e em Portugal isso queria dizer católicos podiam adquirir sesmarias Ainda não se opunha todavia continua o historiador alemão restrição alguma no que diz respeito à nacionalidade assim é que católicos estrangeiros podiam emigrar para o Brasil e aí estabelecerse 88 Oliveira Lima salienta que no século XVI Portugal tolerava em suas possessões muitos estrangeiros não sendo a política portuguesa de colonização e povoamento a de rigoroso exclusivismo posteriormente adotado pela Espanha89 Através de certas épocas coloniais observouse a prática de ir um frade a bordo de todo navio que chegasse a porto brasileiro a fim de examinar a consciência a fé a religião do adventício90 O que barrava então o migrante era a heterodoxia a mancha de herege na alma e não a mongólica no corpo Do que se fazia questão era da saúde religiosa a sífilis a bouba a bexiga a lepra entraram livremente trazidas por europeus e negros de várias procedências O perigo não estava no estrangeiro nem no indivíduo disgênico ou cacogênico mas no herege Soubesse rezar o padrenosso e a avemaria dizer creioemDeusPadre fazer o pelosinaldaSantaCruz e o estranho era bemvindo no Brasil colonial O frade ia a bordo indagar da ortodoxia do indivíduo como hoje se indaga da sua saúde e da sua raça Ao passo que o anglosaxão nota Pedro de Azevedo só considera de sua raça o indivíduo que tem o mesmo tipo físico o português esquece raça e considera seu igual aquele que tem religião igual à que professa91 Temiase no adventício acatólico o inimigo político capaz de quebrar ou de enfraquecer aquela solidariedade que em Portugal se desenvolvera junto com a religião católica Essa solidariedade mantivesse entre nós esplendidamente através de toda a nossa formação colonial reunindonos contra os calvinistas franceses contra os reformados holandeses contra os protestantes ingleses Daí ser tão difícil na verdade separar o brasileiro do católico o catolicismo foi realmente o cimento da nossa unidade92 Nos começos da nossa sociedade colonial encontramos em união com as famílias de origem portuguesa estrangeiros de procedências diversas sendo que alguns filhos de países reformados ou tocados de heresia Arzam Bandemborg Bentinck Lins Cavalcanti Doria Hollanda Accioly Furquim Novilher Barewel Lems mais tarde no século XVII Van der Lei93 Ainda outros cujos nomes se dissolveram nos portugueses Os originários de terras protestantes ou já eram católicos ou aqui se converteram o bastante para que fossem recebidos na intimidade da nossa vida social e até política aqui constituíssem família casando com a melhor gente da terra e adquirissem propriedade agrícola influência e prestígio Sílvio Romero observa que no Brasil foram o catecismo dos jesuítas e as Ordenações do Reino que garantiram desde os primórdios a unidade religiosa e a do direito94 Por sua vez o mecanismo da administração colonial a princípio com tendências feudais sem aquela adstringência do espanhol antes frouxo bambo deixando à vontade as colônias e em muitos respeitos os donatários quando o endureceu a criação do governogeral foi para assegurar a união de umas capitanias com as outras conservandoas sob os mesmos provedoresmores o mesmo governadorgeral o mesmo Conselho Ultramarino a mesma Mesa de Consciência embora separandoas no que fosse possível sujeitar cada uma de per si a tratamento especial da metrópole Visavase assim impedir que a consciência nacional que fatalmente nasceria de uma absoluta igualdade de tratamento e de regime administrativo sobrepujasse à regional mas não ao ponto de sacrificarse a semelhante medida de profilaxia contra o perigo do nacionalismo na colônia a sua unidade essencial assegurada pelo catecismo e pelas Ordenações pela liturgia católica e pela língua portuguesa auxiliada pela geral de criação jesuítica As condições físicas no Brasil que poderiam ter concorrido para aprofundar a extremos perigosos as divergências regionais não só toleradas como até estimuladas ao ponto de assegurarem a colônia tão extensa a relativa saúde política de que sempre gozou as condições físicas não agiram senão fracamente no sentido separatista através de diferenças consideráveis porém não dominadoras de clima e de qualidade física e química de solo de sistema de alimentação e de forma de cultura agrícola Podese antes afirmar que tais condições concorreram no Brasil para que as colônias se conservassem unidas e dentro do parentesco da solidariedade assegurada pelas tendências e pelos processos da colonização portuguesa regionalista mas não separatista unionista no melhor sentido no que justamente coincidia com o interesse da catequese católica O clima não variando de norte a sul nem da altitude máxima à mínima o bastante para criar diferenças profundas no gênero de vida colonial nem variando a qualidade física e química do solo ao ponto de estimular o desenvolvimento de duas sociedades radicalmente antagônicas nos interesses econômicos e sociais venceu a tendência no sentido da uniformização Por mais que a comprometesse a espantosa mobilidade dos bandeirantes e missionários sua influência se fez sentir desde o primeiro século de povoamento e de expansão territorial A canadeaçúcar começou a ser cultivada igualmente em São Vicente e em Pernambuco estendendose depois à Bahia e ao Maranhão a sua cultura que onde logrou êxito medíocre como em São Vicente ou máximo como em Pernambuco no Recôncavo e no Maranhão trouxe em consequência uma sociedade e um gênero de vida de tendências mais ou menos aristocráticas e escravocratas Por conseguinte de interesses econômicos semelhantes O antagonismo econômico se esboçaria mais tarde entre os homens de maior capital que podiam suportar os custos da agricultura da cana e da indústria do açúcar e os menos favorecidos de recursos obrigados a se espalharem pelos sertões em busca de escravos espécie de capital vivo ou a ficarem por lá como criadores de gado Antagonismo que a terra vasta pôde tolerar sem quebra do equilíbrio econômico Dele resultaria entretanto o Brasil antiescravocrata ou indiferente aos interesses da escravidão representado pelo Ceará em particular e de modo geral pelo sertanejo ou vaqueiro A igualdade de interesses agrários e escravocratas que através dos séculos XVI e XVII predominou na colônia toda ela dedicada com maior ou menor intensidade à cultura do açúcar não a perturbou tão profundamente como à primeira vista parece a descoberta das minas ou a introdução do cafeeiro Se o ponto de apoio econômico da aristocracia colonial deslocouse da canadeaçúcar para o ouro e mais tarde para o café mantevese o instrumento de exploração o braço escravo Mesmo porque a divergência de interesses que se de finiu a diferença de técnica de exploração econômica entre o Nordeste persistentemente açucareiro e a capitania de Minas Gerais e entre estes e São Paulo cafeeiro de algum modo compensouse nos seus efeitos separatistas pela migração humana que o próprio fenômeno econômico provocou dividindo entre a zona açucareira do Nordeste e a mineira e a cafeeira ao Sul um elemento étnico o escravo de origem africana que conservado em bloco pelo Nordeste até então a região mais escravocrata das três por ser a terra por excelência da canadeaçúcar teria resultado em profunda diferença regional de cultura humana Para as necessidades de alimentação foramse cultivando de norte a sul através dos primeiros séculos coloniais quase que as mesmas plantas indígenas ou importadas Na farinha de mandioca fixouse a base do nosso sistema de alimentação Além da farinha cultivouse o milho e por toda parte tornouse quase a mesma a mesa colonial com especializações regionais apenas de frutas e verduras dandolhe mais cor ou sabor local em certos pontos a maior influência indígena em outros um vivo colorido exótico a maior proximidade da África e em Pernambuco por ser o ponto mais perto da Europa conservandose como um equilíbrio entre as três influências a indígena a africana e a portuguesa No planalto paulista onde o sucesso apenas compensador da cultura da cana fez que se desviasse para outras culturas o esforço agrícola dos povoados esboçandose assim como uma tendência salutar para a policultura tentouse no primeiro século de colonização e logrou relativo êxito o plantio regular do trigo Tivesse sido o êxito completo e maior a policultura apenas esboçada e teriam resultado esses dois fatos em profunda diferenciação de vida e de tipo regional Mesmo dentro de sua relatividade tais fatos se fizeram sentir poderosamente na maior eficiência e na mais alta eugenia do paulista comparado com os brasileiros de outras zonas de formação escravocrata agrária e hibrida tanto quanto a deles porém menos beneficiados pelo equilíbrio de nutrição resultante em grande parte das condições referidas O regime nutritivo dos paulistas não teria sido pois dos fatores que menos concorreram para a prosperidade da gente do planalto95 conclui Alfredo Ellis Júnior no sugestivo capítulo que em Raça de gigantes dedica à influência do clima e da nutrição sobre o desenvolvimento eugênico dos paulistas De modo geral em toda parte onde vingou a agricultura dominou no Brasil escravocrata o latifúndio sistema que viera privar a população colonial do suprimento equilibrado e constante de alimentação sadia e fresca Muito da inferioridade física do brasileiro em geral atribuída toda à raça ou vaga e muculmanamente ao clima derivase do mau aproveitamento dos nossos recursos naturais de nutrição Os quais sem serem dos mais ricos teriam dado para um regime alimentar mais variado e sadio que o seguido pelos primeiros colonos e por seus descendentes dentro da organização latifundiária e escravocrata É ilusão suporse a sociedade colonial na sua maioria uma sociedade de gente bemalimentada Quanto à quantidade eramno em geral os extremos os brancos das casasgrandes e os negros das senzalas Os grandes proprietários de terras e os pretos seus escravos Estes porque precisavam de comida que desse para os fazer suportar o duro trabalho da bagaceira Sucedía porém que os plantadores de cana como o de que vivem é somente do que granjeiam com tais escravos os de Guiné não ocupavam quase os seus negros a nenhum deles em coisa que não fosse tocante à lavoura que professam96 Daí conclui o autor dos Diálogos das grandezas do Brasil que escreveu suas notas nos princípios do século XVII resulta a carestia e falta destas coisas97 Adversas ao trigo as condições de clima e de solo quase que só insistiram em cultiválo os padres da S J para o preparo de hóstias E a farinha de mandioca usada em lugar do trigo abandonam os plantadores de cana a sua cultura aos caboclos instáveis Daí pela ausência quase completa do trigo entre os nossos recursos ou possibilidades naturais de nutrição o rebaixamento do padrão alimentar do colonizador português pela instabilidade na cultura da mandioca abandonada aos índios agricultores irregulares a conseqüente instabilidade do nosso regime de alimentação Ao que deve acrescentarse a falta de carne fresca de leite e de ovos e até de legumes em várias das zonas de colonização agrária e escravocrata talvez em todas elas com a só exceção e essa mesma relativa do planalto paulista De modo que admitida a influência da dieta influência talvez exagerada por certos autores modernos98 sobre o desenvolvimento físico e econômico das populações temos que reconhecer ter sido o regime alimentar do brasileiro dentro da organização agrária e escravocrata que em grande parte presidiu a nossa formação dos mais deficientes e instáveis Por ele possivelmente se explicarão importantes diferenças somáticas e psíquicas entre o europeu e o brasileiro atribuídas exclusivamente à miscigenação e ao clima É certo que deslocandose a responsabilidade do clima ou da miscigenação para a dieta na acentuação de tais diferenças não se tem inocentado de todo o primeiro afinal dele e das qualidades químicas do solo é que depende em grande parte o regime alimentar seguido pela população Que condições senão as físicas e químicas de solo e de clima determinam o caráter da vegetação espontânea e as possibilidades da agrícola e através desse caráter e dessas possibilidades o caráter e as possibilidades do homem No caso da sociedade brasileira o que se deu foi acentuarse pela pressão de uma influência econômicosocial a monocultura a deficiência das fontes naturais de nutrição que a policultura teria talvez atenuado ou mesmo corrigido e suprido através do esforço agrícola regular e sistemático Muitas daquelas fontes foram por assim dizer pervertidas outras estancadas pela monocultura pelo regime escravocrata e latifundiário que em vez de desenvolvêlas abafouas secandolhes a espontaneidade e a frescura Nada perturba mais o equilíbrio da natureza que a monocultura principalmente quando é de fora a planta que vem dominar a região nota o professor Konrad Guenther99 Exatamente o caso brasileiro Na formação da nossa sociedade o mau regime alimentar decorrente da monocultura por um lado e por outro da inadaptação ao clima100 agiu sobre o desenvolvimento físico e sobre a eficiência econômica do brasileiro no mesmo mau sentido do clima deprimente e do solo quimicamente pobre A mesma economia latifundiária e escravocrata que tornou possível o desenvolvimento econômico do Brasil sua relativa estabilidade em contraste com as turbulências nos países vizinhos envenenouo e perverteuo nas suas fontes de nutrição e de vida Melhor alimentados repetimos eram na sociedade escravocrata os extremos os brancos das casasgrandes e os negros das senzalas Natural que dos escravos descendam elementos dos mais fortes e sadios da nossa população Os atletas os capoeiras os cabras os marujos E que da população média livre mas miserável provenham muitos dos piores elementos dos mais débeis e incapazes É que sobre eles principalmente é que têm agido aproveitandose da sua fraqueza de gente malalimentada a anemia palúdia o beribéri as verminoses a sífilis a bouba E quando toda essa quase inútil população de caboclos e brancarões mais valiosa como material clínico do que como força econômica se apresenta no estado de miséria física e de inércia improdutiva em que a surpreenderam Miguel Pereira e Belisário Pena os que lamentam não sermos puros de raça nem o Brasil região de clima temperado o que logo descobrem naquela miséria e naquela inércia é o resultado dos coitos para sempre danados de brancos com pretas de portugues com índias É da raça a inércia ou a indolência Ou então é do clima que só serve para o negro E sentenciase de morte o brasileiro porque é mestiço e o Brasil porque está em grande parte em zona de clima quente Do que pouco ou nenhum caso tem feito essa sociologia mais alarmada com as manchas da mestiçagem do que com as da sífilis mais preocupada com os efeitos do clima do que com os de causas sociais suscetíveis de controle ou retificação e da influência que sobre as populações mestiças principalmente as livres terão exercido não só a escassez de alimentação devida à monocultura e ao regime do trabalho escravo como a pobreza química dos alimentos tradicionais que elas ou antes que todos os brasileiros com uma ou outra exceção regional há mais de três séculos consomem é da irregularidade no suprimento e da má higiene na conservação e na distribuição de grande parte desses gêneros alimentícios São populações ainda hoje ou melhor hoje mais do que nos tempos coloniais pessimamente nutridas Entre caboclos do Norte as pesquisas de Araújo Lima fizeramno concluir que a maior parte desse elemento liricamente considerado pelos ingênuos a grande reserva de vitalidade brasileira vive reduzida a um estado de inferioridade orgânica às vezes de falência declarada O caboclo escreve esse higienista anula o seu valor econômico e social numa insuficiência nutritiva que secundada pelo alcoolismo e pela dupla ação distrófica do impaludismo e das verminoses tem de ser reconhecida como um dos fatores de sua inferioridade física e intelectual101 E não só terá sido afetada pela má ou insuficiente alimentação a grande massa de gente livre mas miserável como também aqueles extremos da nossa população as grandes famílias proprietárias e os escravos das senzalas em que Couty foi encontrar na falta de povo as únicas realidades sociais no Brasil102 Senhores e escravos que se consideramos bemalimentados em certo sentido estes melhor que aqueles103 é apenas em relação aos matutos caipiras caboclos agregados e sertanejos pobres os seis milhões de inúteis do cálculo de Couty para uma população de doze o vácuo enorme que lhe pareceu haver no Brasil entre os senhores das casasgrandes e os negros das senzalas La situation fonttionnalle de cette population peut se résumer dun mot le Brésil na pas de peuple escreveu Couty104 Palavras que Joaquim Nabuco repetiria dois anos depois do cientista francês São milhões escrevia Nabuco em 1883 que se acham nessa condição intermédia que não é o escravo mas também não é o cidadão Párias inúteis vivendo em choças de palha dormindo em rede ou estrado a vasilha de água e a panela seus únicos utensílios sua alimentação a farinha com bacalhau ou charque e a viola suspensa ao lado da imagem105 Os próprios senhores de engenho dos tempos coloniais que através das crônicas de Cardim e de Soares nos habituamos a imaginar uns regalões no meio de rica variedade de frutas maduras verduras frescas e lombos de excelente carne de boi gente de mesa farta comendo como uns desadorados eles suas famílias seus aderentes seus amigos seus hóspedes os próprios senhores de engenho de Pernambuco e da Bahia nutriamse deficientemente carne de boi má e só uma vez ou outra os frutos poucos e bichados os legumes raros A abundância ou excelência de víveres que se surprendesse seria por exceção e não geral entre aqueles grandes proprietários Grande parte de sua alimentação davamse eles ao luxo tolo de mandar vir de Portugal e das ilhas do que resultava consumirem víveres nem sempre bem conservados carne cereais e até frutos secos depreciados nos seus princípios nutritivos quando não deteriorados pelo mau acondicionamento ou pelas circunstâncias do transporte irregular e moroso Por mais esquisito que pareça faltavam à mesa da nossa aristocracia colonial legumes frescos carne verde e leite Daí certamente muitas das doenças do aparelho digestivo106 comuns na época e por muito doutor caturra atribuídas aos maus ares Pelo antagonismo que cedo se definiu no Brasil entre a grande lavoura ou melhor a monocultura absorvente do litoral e a pecuária por sua vez exclusivista dos sertões uma se afastando da outra quanto possível viuse a população agrícola mesmo a rica a opulenta senhora de léguas de terra privada do suprimento regular e constante de alimentos frescos Cowan tem razão quando apresenta o desenvolvimento histórico da maior parte dos povos condicionado pelo antagonismo entre a atividade nômade e a agrícola107 No Brasil esse antagonismo atuou desde os primeiros tempos sobre a formação social do brasileiro em uns pontos favoravelmente nesse da alimentação desfavoravelmente Da Bahia tão típica da agricultura latifundiária por um lado e da pecuária absorvente por outro que uma imensa parte de suas terras chegou a pertencer quase toda a duas únicas famílias a do Senhor da Torre e a do mestredecampo Antônio Guedes de Brito a primeira com 260 léguas de terra pelo rio de São Francisco acima à mão direita indo para o sul e indo do dito rio para o norte 80 léguas a segunda com 160 léguas desde o morro dos Chapéus até à nascente do rio das Velhas108 da Bahia latifundiária sabese que os grandes proprietários de terra a fim de não padecerem danos nas duas lavouras a de açúcar ou a de tabaco evitavam nos vastos domínios agrícolas os animais domésticos sendo as ovelhas e as cabras consideradas como criaturas inúteis109 os porcos difíceis por se tornarem monteses com o abandono o gado vacum insuficiente para o serviço dos engenhos gastos dos açougues e fornecimento dos navios110 Na zona agrícola tamanho foi sempre o descuido por outra lavoura exceto a da canadeaçúcar ou a do tabaco que a Bahia com todo o seu fasto chegou no século XVIII a sofrer de extraordinária falta de farinhas pelo que de 1788 em diante mandaram os governadores da capitania incluir nas datas de terra a cláusula de que ficava o proprietário obrigado a plantar mil covas de mandioca por cada escravo que possuísse empregado na cultura da terra111 Uma espécie de providência tomada pelo conde de Nassau com relação aos senhores de engenho e aos lavradores de Pernambuco no século XVII112 É certo que o padre Fernão Cardim nos seus Tratados está sempre a falar da fartura de carne de aves e até verduras e de frutas com que foi recebido por toda parte no Brasil do século XVI entre os homens ricos e os colégios de padres113 Mas de Cardim devese tomar em consideração o seu caráter de padre visitador recebido nos engenhos e colégios com festas e jantares excepcionais Era um personagem a quem todo agrado que fizes sem os colonos era pouco a boa impressao que lhe causassem a mesa farta e os leitos macios dos grandes senhores de escravos talvez atenuasse a péssima da vida dissoluta que todos eles levavam nos engenhos de açucar os peccados que se cometem nelles nos engenhos não tem conta quasi todos andam amanecbados por causa das muitas occasioes bem cheio de peccados vai esse doce por que tanto fazem grande é a paciência de Deus que tanto sofre Pelos grandes jantares e banquetes por essa ostentação de hospitalidade e de fartura não se há de fazer idéia exata da alimentação entre os grandes proprietários muito menos da comum entre o grosso dos moradores Comentando a descrição de um jantar colonial em Boston no século XVIII um jantar de dia de festa com pudim de ameixa carne de porco galinha toucinho bife carne de carneiro peru assado molho grosso bolos pastéis queijos etc todo um excesso de proteína de origem animal o professor Percy Goldthwait Stiles de Harvard observa muito sensatamente que semelhante fartura talvez não fosse típica do regime alimentar entre os colonos da Nova Inglaterra do ordinário do comum do de todo dia Que as festas gastronômicas entre eles talvez se compensassem com os jejuns O que parece poder aplicarse com literal exatidão aos banquetes coloniais no Brasil intermeados decerto por muita parcimônia alimentar quando não pelos jejuns e pelas abstinências mandadas observar pela Santa Igreja Desta a sombra matriarcal se projetava então muito mais dominadora e poderosa sobre a vida íntima e doméstica dos fiéis do que hoje Impossível concluir dos banquetes que o padre Cardim descreve e a que alude Soares que fosse sempre de fartura o passado dos colonos forte e variada sua alimentação que o Brasil dos primeiros séculos coloniais fosse o tal país de Cocagne da insinuação um tanto literária de Capistrano de Abreu É ainda no próprio Cardim que vamos recolher este depoimento de um flagrante realismo no Colégio da Bahia nunca falta um copinho de vinho de Portugal sem o qual nao se sustenta bem a natureza por a terra ser desleixada e os mantimentos fracos Notese de passagem que nesse mesmo vinho de Portugal os puritanos da Nova Inglaterra afogavam a sua tristeza País de Cocagne coisa nenhuma terra de alimentação incerta e vida difícil é que foi o Brasil dos três séculos coloniais A sombra da monocultura esterilizando tudo Os grandes senhores rurais sempre endividados As saúvas as enchentes as secas dificultando ao grosso da população o suprimento de víveres O luxo asiático que muitos imaginam generalizado ao norte açucareiro circunscreveuse a famílias privilegiadas de Pernambuco e da Bahia E este mesmo um luxo mórbido doentio incompleto Excesso em umas coisas e esse excesso à custa de dívidas deficiências em outras Palanquins forrados de seda mas telhavã nas casasgrandes e bichos caindo na cama dos moradores No Pará no século XVII as famílias de alguns homens nobres não podem vir à cidade pelas festas de Natal 1661 por causa de suas filhas donzelas não terem que vestir para irem ouvir missa Recorda João Lúcio de Azevedo que exprobrando António Vieira à Câmara do Pará não haver na cidade açougue nem ribeira ouvira em resposta ser impossível o remédio como impossível era haver pagamento pelo sustento ordinário E acrescenta A alimentação trivial de caça e pescado abundante nos primeiros tempos rarefezse à proporção que o número de habitantes aumentava As terras sem amanho nem inteligente cultura perdiam a primitiva fertilidade e os moradores retiravamse passando para outras estâncias suas casas e lavouras Do Maranhão é o padre Vieira quem salienta não haver no seu tempo em todo o Estado acougue nem ribeira nem horta nem tendas onde se vendessem as cousas usuais para o comer ordinário De todo o Brasil é o padre Anchieta quem informa andarem os colonos do século XVI mesmo os mais ricos e honrosos e os missionários de pé descalço a maneira dos indios costume que parece terse prolongado ao século XVII e aos próprios fidalgos olindenses os tais dos leitos de seda para a hospedagem dos padresvisitadores e dos talheres de prata para os banquetes de dia de festa Seus tecidos finos seriam talvez para as grandes ocasiões Por uma cena que Maria Graham presenciou em Pernambuco dos princípios do século XIX parece igualmente ter prevalecido entre nossos fidalgos de garfo de prata para inglês ver mas inglês raramente se deixa iludir por aparências douradas ou prateadas o gosto de comer regaladament com a mão Nem esqueçamos este formidável contraste nos senhores de engenho a cavalo grandes fidalgos de estribo de prata mas em casa uns franciscanos descalços de chambre de chita e às vezes só de ceroulas Quanto às grandes damas coloniais ricas sedas e um luxo de tetéias e jóias na igreja mas na intimidade de cabeção saia de baixo chinelo sem meias Efeitos em parte do clima esse vestuário tão à fresca mas também expressão do franciscanismo colonial no trajar como no comer de muito fidalgo dos dias comuns A própria Salvador da Bahia quando cidade dos vicereis habitada por muito ricaco português e da terra cheia de fidalgos e de frades notabilizouse pela péssima e deficiente alimentação Tudo faltava carne fresca de boi aves leite legumes frutas e o que aparecia era da pior qualidade ou quase em estado de putrefação Fartura só a de doce geléias e pastéis fabricados pelas freiras nos conventos era com que se arredondava a gordura dos frades e das sinhádonas Má nos engenhos e péssima nas cidades tal a alimentação da sociedade brasileira nos séculos XVI XVII e XVIII Nas cidades péssima e escassa O bispo de Tucumã tendo visitado o Brasil no século XVII observou que nas cidades mandava comprar um frangão quatro ovos e um peixes nada lhe traziam porque nada se achava na praça nem no açougue tinha que recorrer às casas particulares dos ricos As cartas do padre Nóbrega falamnos da falta de mantimentos e Anchieta refere nas suas que em Pernambuco não havia matadouro na vila precisando os padres do colégio de criar algumas cabeças de bois e vacas para sustento seu e dos meninos se assim não o fizessem não teria o que comer E acrescenta Todos sustentamse mediocrement ainda que com trabalho por as cousas valerem mui caras e tresdobro do que em Portugal Da carne de vaca informa não ser gorda não muito gorda por não ser a terra fertil de pastos E quanto a legumes da terra ha muito poucos É ainda do padre Anchieta a informação Alguns ricos comem pão de farinha de trigo de Portugal maxime em Pernambuco e Bahia e de Portugal também lhes vem vinho azeite vinagre azeitona queijo conserva e outras cousas de comer Era uma dieta a da Bahia dos vicereis com os seus fidalgos e burgueses ricos vestidos sempre de seda de Génova de linhos e algodão da Holanda e da Inglaterra e até de tecidos de ouro importados de Paris e de Lião era uma dieta a deles em que na falta de carne verde se abusava de peixe variandose apenas o regime ictiófago com carnes salgadas e queijosdoreino importados da Europa juntamente com outros artigos de alimentação Não se vê carneiro é raro é o gado bovino que preste informava sobre a Bahia o abade Reynal Nem carne de vaca nem de carneiro nem mesmo de galinha Nem frutas nem legumes que legumes eram raros na terra e frutos quase que só chegavam à mesa já bichados ou então tirados verdes para escaparem à gana dos passarinhpos dos tapurus e dos insetos A carne que se encontrava era magra de gado vindo de longe dos sertões sem pastos que o refizessem da penosa viagem Porque as grandes lavouras de açucar ou de tabaco não se deixavam manchar de pastos para os bois descidos dos sertões e destinados ao corte Bois e vacas que não fossem os de serviço eram como se fossem animais danados para os latifundiários Vacas leiteiras sabese que havia poucas nos engenhos coloniais quase não se fabricando neles nem queijos nem manteiga nem se comendo senão uma vez por outra carne de boi Isto explica Capistrano de Abreu pela dificuldade de criar reses em lugares impróprios à sua propagação Dificuldade que reduziu este gado ao estritamente necessário ao serviço agrícola Era a sombra da monocultura projetandose por léguas e léguas em volta das fábricas de açucar e a tudo esterilizando ou sufocando menos os canaviais e os homens e bois a seu serviço Não só na Bahia em Pernambuco e no Maranhão como em Sergipe delRei e no Rio de Janeiro verificouse com maior ou menor intensidade através do período colonial o fenômeno tão perturbador da eugenia brasileira da escassez de víveres frescos quer animais quer vegetais Mas talvez em nenhum ponto tão agudamente como em Pernambuco Nessa capitania por excelência açucareira e latifundiária onde ao findar o século XVIII e principiar o XIX calculavase a melhor terra agrícola vizinha do mar no domínio de oito ou dez senhores de engenho para duzentos vizinhos entre duzentos vizinhos oito ou dez proprietários que de ordinário só permitiam aos rendeiros plantar canna para ficarem com a meação a carestia de mantimentos de primeira necessidade se faz sentir às vezes angustiosamente entre os habitantes Debalde tentara o conde de Nassau no século XVII dar jeito a semelhante desequilíbrio na vida econômica da grande capitania açucareira E como na Bahia e em Pernambuco também no Rio de Janeiro o gado não chegou nunca para o consumo dos açougues e serviço dos engenhos evitandose a sua presença nas plantações de cana e mesmo a sua proximidade e tanto quanto naquelas capitanias do Norte estiveram sempre as terras no Rio de Janeiro concentradas nas mãos de poucos grandes latifundiários plantadores de cana inclusive os frades do mosteiro de São Bento Sob semelhante regime de monocultura de latifúndio e de trabalho escravo não desfrutou nunca a população da abundância de cereais e legumes verdes De modo que a nutrição da família colonial brasileira a dos engenhos e notadamente a das cidades surpreendenos pela má qualidade pela pobreza evidente de proteínas de origem animal e possível de albuminóides em geral pela falta de vitaminas pela de cálcio e de outros sais minerais e por outro lado pela riqueza certa de toxinas O brasileiro de boa estirpe rural dificilmente poderá como o inglês voltarse para o longo passado de família na certeza de dez ou doze gerações de avós bemalimentados de bifesteque e legumes de leite e ovos de aveia e frutas a lhe assegurarem de longe o desenvolvimento eugênico a saúde sólida a robustez física tão difíceis de ser perturbadas ou afetadas por outras influências sociais quando predomina a da higiene de nutrição Se a quantidade e a composição dos alimentos não determinam sozinhas como querem os extremistas os que tudo crêem poder explicar pela dieta as diferenças de morfologia e de psicologia o grau de capacidade econômica e de resistência às doenças entre as sociedades humanas sua importância é entretanto considerável como o vão revelando pesquisas e inquéritos nesse sentido Já se tenta hoje retificar a antropogeografia dos que esquecendo os regimes alimentares tudo atribuem aos fatores raça e clima nesse movimento de retificação deve ser incluída a sociedade brasileira exemplo de que tanto servem os alarmistas da mistura de raças ou da malignidade dos trópicos a favor da sua tese de degeneração do homem por efeito do clima ou da miscigenação É uma sociedade a brasileira que a indagação histórica revela ter sido em larga fase do seu desenvolvimento mesmo entre as classes abastadas um dos povos modernos mais desprestigiados na sua eugenia e mais comprometidos na sua capacidade econômica pela deficiência de alimento Aliás a indagação levada mais longe aos antecedentes do colonizador europeu do Brasil mesmo dos colonos de prol revelanos no peninsular dos séculos XV e XVI como adiante veremos um povo profundamente perturbado no seu vigor físico e na sua higiene por um pernicioso conjunto de influências econômicas e sociais Uma delas de natureza religiosa o abuso dos jejuns Podese generalizar sobre as fontes e o regime de nutrição do brasileiro as fontes vegetação e águas ressentemse da pobreza química do solo exíguo em larga extensão de cálcio o regime quando não peca pela deficiência em qualidade tanto quanto em quantidade ressentese sempre da falta de equilíbrio Esta última situação geral inclui as classes abastadas A deficiência pela qualidade e pela quantidade é e tem sido desde o primeiro século o estado de parcimônia alimentar de grande parte da população Parcimônia às vezes disfarçada pela ilusão da fartura que dá a farinha de mandioca intumescida pela água A pobreza de cálcio do solo brasileiro escapa quase de todo ao controle social ou à retificação pelo homem as outras duas causas porém encontram explicação na história social e econômica do brasileiro na monocultura no regime de trabalho escravo no latifúndio responsáveis pelo reduzido consumo de leite ovos e vegetais entre grande parte da população brasileira São suscetíveis de correção ou de controle Se exceptuamos da nossa generalização sobre a deficiência alimentar na formação brasileira as populações paulistas é por terem atuado sobre elas condições um tanto diversas das predominantes no Rio de Janeiro e ao Norte geológicas e meteorológicas favorecendo o esforço agrícola generalizado e até a cultura embora medíocre do trigo de provável superioridade de composição química do solo dando em resultado maior riqueza dos produtos destinados à alimentação sociais e econômicas da parte dos primeiros povoados que não sendo gente das mesmas tradições e tendências rurais nem dos mesmos recursos pecuniários dos colonizadores de Pernambuco mas na maior parte ferreiros carpinteiros alfaiates pedreiros tecelões entregaramse antes à vida semirural e gregária que à latifundiária e de monocultura e ainda econômicas por ter prevalecido no planalto paulista a concentração das duas atividades a agrícola e a pastoril em vez da divisão quase balcânica em esforços separados e por assim dizer inimigos que condicionou o desenvolvimento da Bahia do Maranhão de Pernambuco do Rio de Janeiro As generalizações do professor Oliveira Vianna que nos pintou com tão bonitas cores uma população paulista de grandes proprietários e opulentos fidalgos rústicos têm sido retificadas naqueles seus falsos dourados e azuis por investigadores mais realistas e melhor documentados que o ilustre sociólogo das Populações meridionais do Brasil Afonso de E Taunay Alfredo Ellis Júnior Paulo Prado e Alcântara Machado Baseados nesses autores e na documentação riquíssima mandada publicar por Washington Luís é que divergimos do conceito de ter sido a formação paulista latifundiária e aristocrática tanto quanto a das capitanias açucareiras do Norte Ao contrário não obstante as profundas perturbações do bandeirismo foi talvez a que se processou com mais equilíbrio Principalmente no tocante ao sistema de alimentação Muito equilibrada além de farta teria sido a nutrição nos primeiros séculos quanto aos seus elementos químicos escreve da alimentação dos povoadores paulistas Alfredo Ellis Júnior que para afirmálo baseiase em informações dos Inventários e testamentos pois acrescenta não só tinham eles em abundância a proteína da carne de seus rebanhos de bovinos como também lhes sobrava a carne de porco que é rica em matérias gordurosas de grande valor o que os fazia carnívoros além de copiosa variedade na alimentação cerealífera como o trigo a mandioca o milho o feijão etc cujas plantações semeavam às redondezas paulistanas e que contêm elevada percentagem de hidrocarbonatos muito ricos em calorias É ainda Alfredo Ellis Júnior que lembra esta observação de Martius sobre as populações paulistas que o caráter das doenças em São Paulo diferia consideravelmente das condições patológicas observadas no Rio de Janeiro Martius atribui o fato à diferença de clima fator que estava então em moda exaltarse e vagamente a diferenças de constituição dos habitantes Fosse mais longe no diagnóstico e chegaria sem dúvida a importante causa ou fato social determinante daquela diferença de condições patológicas entre populações tão próximas Essa causa a diferença nos dois sistemas de nutrição Um o deficiente de populações sufocadas no seu desenvolvimento eugênico e econômico pela monocultura o outro equilibrado em virtude da maior divisão de terras e melhor coordenação de atividades a agrícola e a pastori entre os paulistas Destes a saúde econômica se transmitiria mais tarde aos mineiros os quais passada a fase turbulenta do ouro e dos diamantes se aquietariam na gente mais estável mais equilibrada e talvez melhor nutrida do Brasil Cremos poderse afirmar que na formação do brasileiro considerada sob o ponto de vista da nutrição a influência mais salutar tem sido a do africano quer através dos valiosos alimentos principalmente vegetais que por seu intermédio vieramnos da África quer através do seu regime alimentar melhor equilibrado do que o do branco pelo menos aqui durante a escravidão Dizemos aqui como escravo porque bem ou mal os senhores de engenho tiveram no Brasil o seu arremedo de taylorismo procurando obter do escravo negro comprado caro o máximo de esforço útil e não simplesmente o máximo de rendimento Da energia africana ao seu serviço cedo aprenderam muitos dos grandes proprietários que abusada ou esticada rendia menos que bem conservada daí passarem a explorar o escravo no objetivo do maior rendimento mas sem prejuízo da sua normalidade de eficiência A eficiência estava no interesse do senhor conservar no negro seu capital sua máquina de trabalho alguma coisa de si mesmo de onde a alimentação farta e reparadora que Peckolt observou dispensarem os senhores aos escravos no Brasil A alimentação do negro nos engenhos brasileiros podia não ser nenhum primor de culinária mas faltar nunca faltava E sua abundância de milho toucinho e feijão recomendaa como regime apropriado ao duro esforço exigido do escravo agrícola O escravo negro no Brasil parecenos ter sido com todas as deficiências do seu regime alimentar o elemento melhor nutrido em nossa sociedade patriarcal e dele parece que numerosos descendentes conservaram bons hábitos alimentares explicandose em grande parte pelo fator dieta repetimos serem em geral de ascendência africana muitas das melhores expressões de vigor ou de beleza física em nosso país as mulatas as baianas as crioulas as quadraronas as oitavanas os cabras de engenho os fuzileiros navais os capoeiras os capangas os atletas os estivadores no Recife e em Salvador muitos dos jagunços dos sertões baianos e dos cangaceiros do Nordeste A exaltação lírica que se faz entre nós do caboclo isto é do indígena tanto quanto do índio civilizado ou do mestiço de índio com o branco no qual alguns querem enxergar o expoente mais puro da capacidade física da beleza e até da resistência moral da subraça brasileira não corresponde senão superficialmente à realidade Nesse ponto já o mestre ilustre que é o professor RoquettePinto insinuou a necessidade de retificarse Euclides da Cunha nem sempre justo nas suas generalizações Muito do que Euclides exaltou como valor da raça indígena ou da subraça formada pela união do branco com o índio são virtudes provindas antes da mistura das três raças que da do índio com o branco ou tanto do negro quanto do índio ou do português A mestiçagem diz RoquettePinto deu o jagunço o jagunço não é mameluco filho de índio e branco Euclides estudouo na Bahia Bahia e Minas são os dois estados da União em que mais se espalhou o africano Salienta mais o antropólogo brasileiro que é grave erro acreditar que no grande sertão central e na baixada amazônica o sertanejo seja só caboclo Tanto nas chapadas do Nordeste como nos seringais acrescenta há cafuzos ou caborés representantes de uma parte de sangue africano E sublinha o fato de muito negro ter deixado o litoral ou a zona açucareira para ir se aquilombar no sertão Muitos escravos fugiam para se aquilombar nas matas nas vizinhanças de tribos índias A fuga das mulheres era mais difícil de sorte que o rapto das índias foi largamente praticado pelos pretos quilombolas Já no seu estudo Rondônia RoquettePinto publicara interessante documentação por ele desencantada do arquivo do Instituto Histórico Brasileiro sobre os caborés da serra do Norte em pleno Brasil central híbridos de negros fugidos das minas com mulheres índias por eles raptadas Os raptos a que se entregaram por toda parte os negros aquilombados não foram apenas de sabinas pretas pelos engenhos como diz Ulisses Brandão mas também e principalmente de caboclas Gastão Cruls viajando há anos pelo baixo Cuminá deu com vários remanescentes de antigos mucambos ou quilombos isto é de negros fugidos de engenhos e de fazendas Aliás escreve ele quase todos os rios da Amazônia tiveram desses refúgios de escravos e até no alto Içá Crevaux foi surpresar a choça de uma preta velha Por onde se vê que até mesmo onde se supõe conservarse mais puro o sangue ameríndio ou o híbrido de portuguës com índio chegou o africano ao coração mesmo da Amazônia à serra do Norte e aos sertões A suposta imunidade absoluta do sertanejo do sangue ou da influência africana não resiste a exame demorado Se são numeroso os brancos puros em certas zonas sertanejas em outras se fazem notar resíduos africanos Um estudo interessantíssimo a fazer seria a localização de redutos de antigos escravos que teriam borrado de preto hoje empalidecido muita região central do Brasil Essas concentrações de negros puros correspondem necessariamente a manchas da segunda leva de gente européia Quando os povoadors regulares aqui chegaram já foram encontrando sobre o pardo avermelhado da massa indígena aquelas manchas de gente mais clara Ainda que sem definida caracterização européia esses mestiços quase pelo puro fato da cor mais próxima da dos brancos e por um ou outro traço de cultura moral ou material já adquirido dos pais europeus devem ter sido um como calço ou forro de carne amortecendo para colonos portugueses ainda virgens de experiências exóticas e os havia decerto numerosos vindos do Norte o choque violento de contato com criaturas inteiramente diversas do tipo europeu Muitos dos primeiros povoadores não fizeram senão dissolverse no meio da população nativa Raros os verdadeiros régulos que fala Paulo Prado os grandes patriarcas brancos que sozinhos no meio dos índios conseguiram em parte sujeitar a sua vontade de europeus bandos consideráveis de gente nativa Mesmo aqueles porém que desaparecem no escuro da vida indígena sem deixar nome impoemse pelas evidentes consequências de sua ação procriadora e sutilizadora à atenção de quem se ocupe da história genética da sociedade brasileira Bem ou mal neles é que madurou essa sociedade Deles se contaminou a formação brasileira de alguns dos seus vícios mais persistentes e característicos taras étnicas diria Azevedo Amaral sociais preferimos dizer A sifulização do Brasil resultou ao que parece dos primeiros encontros alguns fortuitos de praia de europeus com índias Não só de portugueses como de franceses e espanhóis Mas principalmente de portugueses e franceses Degredados cristãosnovos traficantes normandos de madeira de tinta que aqui ficavam deixados pelos seus para irem se acamaradando com os indígenas e que acabavam muitas vezes tomando gosto pela vida desregrada no meio de mulher fácil e à sombra de cajueiros e araçazeiros Oscar da Silva Araújo a quem se devem indagações valiosas sobre o aparecimento da sífilis no Brasil ligao principalmente ao contato dos indígenas com os franceses No século XVI recorda o cientista brasileiro surgiu na França a grande epidemia de sífilis nas crônicas dos contrabandistas dessa época vêemse referências à existência de doenças venéreas entre eles dizimando muitas vezes as populações É de presumir que os aventureiros franceses que comerciavam com os nossos indígenas estivessem também infectados e que tenham sido os introdutores e primeiros propagadores dessa doença entre eles Menos infectados não deviam estar os portugueses gente ainda mais móvel e sensual que os franceses 0 mal que assolou o Velho Mundo em fins de século XV observa em outro dos seus trabalhos Oscar da Silva Araújo propagouse no Oriente tendo sido para aí levado pelos portugueses As investigações de Okamura Dohi e Susuky no Japão e na China e as de Jolly e outros na Índia demonstram que a sífilis apareceu nesses países somente depois que eles se puseram em relações com os europeus Na Índia apareceu depois da chegada de Vasco da Gama em 1498 tendo ele saído de Portugal em 1497 Gaspar Correia nas Lendas da Índia refere que em Cacotorá no ano de 1507 a gente começou a adoecer de maus ares e de mau comer e principalmente com a conversação com as mulheres de que morriam 168 Recorda ainda Oscar da Silva Araújo que Engelbert Koempfer citado por Astruc assegura que o termo japonês manbakassam com a sua significação literal doença dos portugueses é aquele com que no Japão se designa a sífilis E ainda nos nossos dias acrescenta em muitos países do Oriente mal português é sinônimo de lues Nos idiomas indiano japonês e chinês não há nomes indígenas para a doença 169 Ainda que vários tropicalistas alguns deles com estudos especializados sobre o Brasil como Sigaud dêem a sífilis como autóctone 170 as evidências reunidas por Oscar da Silva Araújo fazemnos chegar a conclusão diversa Os viajantes médicos lembra ainda o autor brasileiro que nos últimos tempos estudaram as doenças dos nossos índios ainda não mesclados com civilizados e entre eles os Drs RoquettePinto Murilo de Campos e Olímpio da Fonseca Filho nunca observaram a sífilis entre esses indígenas não obstante terem assinalado a existência de várias dermatoses Acresce que os primeiros viajantes e escritores que se referem ao clima e às doenças do Brasil nunca assinalaram a existência desse mal entre os silvícolas que até então viviam isolados e não tinham tido contato com os europeus 171 De igual parecer é outro investigador ilustre o professor Pirajá da Silva que julga a lepra e a sífilis introduzidas no Brasil pelos colonos europeus e africanos 172 O que parece é ter havido muita confusão de pian ou mal boulbático com a sífilis O intercurso sexual entre o conquistador europeu e a mulher índia não foi apenas perturbado pela sífilis e por doenças européias de fácil contágio venéreo verificouse o que depois se tornaria extensivo às relações dos senhores com as escravas negras em circunstâncias desfavoráveis à mulher Uma espécie de sadismo do branco e de masoquismo da índia ou da negra terá predominado nas relações sexuais com nas sociais do europeu com as mulheres das raças submetidas ao seu domínio O furor femeeiro do português se terá exercido sobre vítimas nem sempre confraternizantes no gozo ainda que se saiba de casos de pura confraternização do sadismo do conquistador branco com o masoquismo da mulher indígena ou da negra Isso quanto ao sadismo de homem para mulher não raro precedido pelo de senhor para moleque Através da submissão do moleque seu companheiro de brinquedos e expressivamente chamado levapancadas iniciouse muitas vezes o menino branco no amor físico Quase que do moleque levapancadas se pode dizer que desempenhou entre as grandes famílias escravocratas do Brasil as mesmas funções de paciente do senhor moço que na organização patriíica do Império Romano o escravo púbere escolhido para companheiro do menino aristocrata espécie de vítima ao mesmo tempo que camarada de brinquedos em que se exerciam os premiers élans génésiques do filhofamília 173 Moll salienta que a primeira direção tomada pelo impulso sexual na criança sadismo masoquismo bestialidade ou fetichismo depende em grande parte de oportunidade ou chance isto é de influências externas sociais 174 Mais do que de predisposição ou de perversão inata Referese o autor de The sexual life of the child ao período de indiferenciação sexual que segundo Penta e Max Dessoirl 175 todo indivíduo atravessa como particularmente sensível àquelas influências Nesse período é que sobre o filho de família escravocrata no Brasil agiam influências sociais a sua condição de senhor cercado de escravos e animais dóceis induzindoo à bestialidade e ao sadismo Este mesmo dessexualizado depois não raro guardava em várias manifestações da vida ou da atividade social do indivíduo aquele sexual undertone que segundo Pfister is never lacking to wellmarked sadistic pleasure 176 Transformase o sadismo do menino e do adolescente no gosto de mandar dar surra de mandar arrancar dente de negro ladrão de cana de mandar brigar na sua presença capoeiras galos e canários tantas vezes manifestado pelo senhor de engenho quando homem feito no gosto de mando violento ou perverso que explodia nele ou no filho bacharel quando no exercício de posição elevada política ou de administração pública ou no simples e puro gosto de mando característico de todo brasileiro nascido ou criado em casagrande de engenho Gosto que tanto se encontra refinado em um senso grave de autoridade e de dever em um D Vital como abrutalhado em rude autoritarismo em um Floriano Peixoto Resultado da ação persistente desse sadismo de conquistador sobre conquistado de senhor sobre escravo parecenos o fato ligado naturalmente à circunstância econômica da nossa formação patriarcal da mulher ser tantas vezes no Brasil vítima inerme do domínio ou do abuso do homem 177 criatura reprimida sexual e socialmente dentro da sombra do pai ou do marido Não convém entretanto esquecerse o sadismo da mulher quando grande senhora sobre os escravos principalmente sobre as mulatas com relação a estas por ciúme ou inveja sexual Mas esse sadismo de senhor e o correspondente masoquismo de escravo excedendo a esfera da vida sexual e doméstica têmse feito sentir através da nossa formação em campo mais largo social e político Cremos surpreendêlos em nossa vida política onde o mandonismo tem sempre encontrado vítimas em quem exercerse com requintes às vezes sádicos certas vezes deixando até nostalgias logo transformadas em cultos cívicos como o do chamado marechaldeferro A nossa tradição revolucionária liberal demagógica é antes aparente e limitada a focos de fácil profilaxia política no íntimo o que o grosso do que se pode chamar povo brasileiro ainda goza é a pressão sobre ele de um governo másculo e corajosamente autocrático Mesmo em sinceras expressões individuais não de todo invulgares nesta espécie de Rússia americana que é o Brasil 178 de mística revolucionária de messianismo de identificação do redentor com a massa a redimir pelo sacrifício de vida ou de liberdade pessoal sentese o laivo ou o resíduo masoquista menos a vontade de reformar ou corrigir determinados vícios de organização política ou econômica que o puro gosto de sofrer de ser vítima ou de sacrificarse Por outro lado a tradição conservadora no Brasil sempre se tem sustentado do sadismo do mando disfarçado em princípio de Autoridade ou defesa da Ordem Entre essas duas místicas a da Ordem e a da Liberdade a da Autoridade e a da Democracia é que se vem equilibrando entre nós a vida política precocemente saída do regime de senhores e escravos Na verdade o equilíbrio continua a ser entre as realidades tradicionais e profundas sadistas e masoquistas senhores e escravos doutores e analfabetos indivíduos de cultura predominantemente européia e outros de cultura principalmente africana e ameríndia E não sem certas vantagens as de uma dualidade não de todo prejudicial à nossa cultura em formação enriquecida de um lado pela espontaneidade pelo frescor de imaginação e emoção do grande número e de outro lado pelo contato através das elites com a ciência com a técnica e com o pensamento adiantado da Europa Talvez em parte alguma se esteja verificando com igual liberalidade o encontro a intercomunicação e até a fusão harmoniosa de tradições diversas ou antes antagônicas de cultura como no Brasil É verdade que o vácuo entre os dois extremos ainda é enorme e deficiente a muitos respeitos a intercomunicação entre duas tradições de cultura Mas não se pode acusar de rígido nem de falta de mobilidade vertical como diria Sorokin o regime brasileiro em vários sentidos sociais um dos mais democráticos flexíveis e plásticos Uma circunstância significativa restanos destacar na formação brasileira a de não se ter processado no puro sentido da europeização Em vez de dura e seca rangendo do esforço de adaptarse a condições inteiramente estranhas a cultura européia se pôs em contato com a indígena amaciada pelo óleo da mediação africana O próprio sistema jesuítico talvez a mais eficiente força de europeização técnica e de cultura moral e intelectual a agir sobre as populações indígenas o próprio sistema jesuítico no que logrou maior êxito no Brasil dos primeiros séculos foi na parte mística devocional e festiva do culto católico Na cristianização dos caboclos pela música pelo canto pela liturgia pelas profissões festas danças religiosas mistérios comédias pela distribuição de verônicas com agnusdei que os caboclos penduravam no pescoço de cordões de fitas e rosários pela adoração de relíquias do Santo Lenho e de cabeças das Onze Mil Virgens Elementos muitos desses embora a serviço da obra de europeização e de cristianização impregnados de influência animística ou fetichista vinda talvez da África Porque os próprios Exercícios espirituais parece que assimilaram os Loyola de originais africanos são pelo menos produtos do mesmo clima místico ou religioso que as manifestações do voluptuoso misticismo dos árabes O céu jesuítico como o purgatório ou o inferno cujas delícias ou horrores o devoto que pratique os Exercícios acabará vendo sentindolhes o cheiro e o gosto ouvindolhes os cantos de gozo ou os aijesus de desespero esse céu esse purgatório e esse inferno ao alcance dos sentidos por meio daquela técnica admirável aproximaos o estudo comparado das religiões de antigos sistemas de mística muçulmana Um livro sobre as origens da Companhia de Jesus o de Hermann Müller conclui talvez precipitadamente pela imitação da técnica muçulmana por Santo Inácio de Loyola E Chamberlain na sua interpretação toda em termos de raça e esta a nórdica da cultura religiosa da Europa moderna repudia em absoluto Santo Inácio de Loyola por enxergar no seu sistema qualidades antieuropeías de imaginação de sentimento e de técnica de misticismo Ou no seu entender de antimisticismo Chamberlain não sente no sistema de Loyola nenhum perfume místico para ele os Exercícios resumemse num método grosseiramente mecânico arranjado com suprema arte para excitar o indivíduo 179 A possível origem africana Chamberlain consideraa definitivamente provada do sistema jesuítico nos parece importantíssima na explicação da formação cultural da sociedade brasileira mesmo onde essa formação dá a idéia de ter sido mais rigidamente européia a catequese jesuítica teria recebido a influência amolecedora da África A mediação africana no Brasil aproximou os extremos que sem ela dificilmente se teriam entendido tão bem da cultura européia e da cultura ameríndia estranhas e antagônicas em muitas das suas tendências Considerada de modo geral a formação brasileira tem sido na verdade como já salientamos às primeiras páginas deste ensaio um processo de equilíbrio de antagonismos Antagonismos de economia e de cultura A cultura européia e a indígena A européia e a africana A africana e a indígena A economia agrária e a pastoril A agrária e a mineira O católico e o herege O jesuíta e o fazendeiro O bandeirante e o senhor de engenho O paulista e o emboaba O pernambucano e o mascate O grande proprietário e o pária O bacharel e o analfabeto Mas predominando sobre todos os antagonismos o mais geral e o mais profundo o senhor e o escravo É verdade que agindo sempre entre tantos antagonismos contundentes amortecendolhes o choque ou harmonizandoos condições de confraternização e de mobilidade social peculiares ao Brasil a miscigenação a dispersão da herança a fácil e freqüente mudança de profissão e de residência o fácil e freqüente acesso a cargos e a elevadas posições políticas e sociais de mestiços e de filhos naturais o cristianismo lírico à portuguesa a tolerância moral a hospitalidade a estrangeiros a intercomunicação entre as diferentes zonas do país Esta menos por facilidades técnicas do que pelas físicas a ausência de um sistema de montanhas ou de rios verdadeiramente perturbador da unidade brasileira ou da reciprocidade cultural e econômica entre os extremos geográficos RESENHA Antropologia sociólogo e escritor pernambucano Gilberto Freyre publicou em 1933 CasaGrande Senzala que para alguns é importante enquanto análise da formação sociocultural brasileira uma vez que no contexto do livro e no período da construção da obra muito se discutiam sobre miscigenação nacionalismo No primeiro capítulo do livro intitulado Características gerais da colonização portuguesa do Brasil formação de uma sociedade agrária escravocrata e híbrida como pelo próprio título enfatiza questões agrárias sobre aspectos latifundiários e de monocultura relações entre senhores e escravos relações entre portugueses e indígenas assim como a relação da hibridização racial e sobretudo o enfoque da sexualização da mulher não branca indígenas e negras Dessa maneira Freyre inicia sobre a discursão da organização da sociedade brasileira imposto pelos portugueses já que aqui Portugal consolidou a colonização portuguesa em sociedade agrária patriarcal e escravocrata tudo isso subordinado ao espírito político e de realismo econômico e jurídico que aqui como em Portugal foi desde o primeiro século elemento decisivo de formação nacional FREYRE 2003 p 66 Nessa perspectiva que através de sua concepção o autor apresenta o período colonial Em defesa dos portugueses em uma suposta predisposição lusitana em se relacionar com outras nações em seu passado ao que parece um termo eufemista e contraditório já que o processo de colonização foi baseado em violência e hierarquização principalmente entre as raças Entretanto o escritor apresenta que a Europa parecia passível a cultura africana pois de acordo com Freire 2003 p66 a influência africana fervendo sob a europeia e dando um acre requeime à vida sexual à alimentação à religião O que explica a um processo já de miscigenação já que o autor apesar dos interesses políticos e economia sob suas colônias tudo partia das atrações sexuais Seguindo sua reflexão sobre as características antagônicas lusitanas a fim compreender a formação da sociedade brasileira o autor remete a críticos tais como Ferraz de Macedo e Eça de Queiroz no qual entre pontos convergentes e divergentes definem atributos dos portugueses que tiveram influência cultural do africanos Logo são essas características apontadas por esses críticos que diretamente influenciam no modo de ser pelo antagonismo na formação do brasileiro Portanto Portugal conseguido salpicar virilmente do seu resto de sangue e de cultura populações tão diversas e a tão grandes distâncias uma das outras na Ásia na África e na América em números ilhas e arquipélagos FREYRE 2003 p 70 através das sua flexibilidade Entretanto apesar dessa flexibilidade o autor aponta que o maior ponto forte dos portugueses foi sua habilidade enquanto à miscibilidade desde a extensão de terras colonização quanto as relações entre as raças de cor por ações sexuais Gilberto Freyre enfatiza o misticismo sexual ao tipo delicioso de mulher morena e de olhos pretosFREYRE 2003 p 71 até ao modo em que essas mulheres se comportam como uma sedução em modo comparativo e possivelmente ao desejo português por essas mulheres de cores pois aqui relaciona a mulçumanas as mulheres indígenas ou seja todo misticismo sexual atribuído as indígenas são por desejos relacionados as muçulmanas ambas mulheres de cor Mas que para o autor as indígenas eram mais passíveis e poderia se entregar ao ato sexual em troca de qualquer coisa Apesar dos termos relacionados às mulheres de cor o autor discute a relação em que a sensualidade e a sexualidade sob as mulheres não brancas foi abordados por outras mulheres e pela igreja o que fortaleceu a inferioridade e a relação da mulher negra ou indígena ao pecado e aos anjos maus enquanto por outro lado fortalecia o estereótipo da mulher branca ao divino e ao angelical Esses estereótipos foram enraizados no Brasil sobretudo pela preferência da mulher negra para as relações sexuais A partir disso da hierarquização sob outros povos que seja pelo domínio de terras ou dos povos o que o autor chama de aclimatabilidade Pois por sua capacidade de adaptação ao clima tropical Portugal consegue ser superior em relação a outra país que tiveram contato com o país por inserir sua nacionalidade e serem permanentes e sobretudo unir as raças FREYRE 2003 Nesse sentido o historiador aponta que naquele cenário o único ainda talvez racista fosse igreja que seria portadora de preconceitos raciais o que faz enaltecer uma visão para os portugueses como aqueles que foram capazes de aceitar a miscigenação já que não seriam mais capazes de distinguir aquela nação antes branca No entanto Freyre salienta que apesar das vitórias das terras enquanto território e das relações entre os povos por outro lado o português teve dificuldades no solo brasileiro e de suas águas no sistema de lavoura ou para adaptações das variações das aguas e a presença dos pesticidas que dificultava os agricultores Mas que não deixou de extrair as riquezas naturais que aqui era abundante como os minerais e vegetais que também é um ponto de influência portuguesa que ainda permanece no País Através da riqueza vegetal e pelo trabalho escravocrata nas lavouras se estabelecem a agricultura e as sesmarias que simultaneamente fortificam o patriarcalismo e a aristocracia E de acordo com Freyre 2003 p 80 essa iniciativa foram partidas de iniciativas particulares que com uma vasta terras se aproveitam do trabalho dos negros Sendo assim a família colonial na formação social brasileira atribuiu riquezas através das atividades agrícolas e do trabalho escravo que por outro lado os padres jesuítas em contrapartida preferiam uma formação da sociedade brasileira por índios catequizados pela religião cristã Por uma formação portanto aristocrata e escravagista o latifúndio nesse capítulo é um sistema bastante criticado pelo autor já que para ele foi motivo de o brasileiro ter uma grande deficiência nutritiva na sua alimentação e que faz comparações talvez equivocadas em suas comparações que já não bastasse apaziguar uma possível aceitação dos portugueses em relação a diferença de raças O autor aborda que os que eram mais alimentados seriam os brancos das casas grandes e os negros das senzalas já que estes precisavam de comida que desse para os fazer suportar o duro trabalho da bagaceiraFreyre 2003 p 95 Todavia sabemos que não se aproximam em direitos enquanto uma alimentação saudável Apesar disso a crítica ao latifúndio e monocultura discorrem entre as últimas páginas desse capítulo e que mesmo entre CasaGrande e senzalas os nutrientes em suas alimentação eram poucas isso nas regiões brasileiras pois até a própria Salvador quando cidades de vicereis habitadas por muito ricaços português e da terra cheia de fidalgos e de frades notabilizouse pela péssima e deficiente alimentação FREYRE 2003 p 102 e que a boa alimentação que ainda poderiam ter seria pela exportação de Portugal por exemplo Por fim esse capítulo aos dias atuais são bastantes reflexivos a críticas já que alguns termos que era influenciados a sua posição na sociedade assim como o modo de vida e de como era vistos as coisa e como pensavam sobre elas interferiram na produção da sua obra Contudo por mais que pareça equivocada em alguns termos talvez eufemista Gilberto Freyre já nesse capítulo aproxima a realidade de um período da chegada dos portugueses e de sua interferência assim como da cultura africana para a formação do Brasil É notório um lado a defesa pelos portugueses principalmente em relação sobre as mulheres de cor mas que não deixa de lado que nessa mesma formação agrária aristocrata escravagista latifundiária híbrida na sua miscigenação o efeito em relação a saúde de que aqui habitava que antes não conheciam doenças e logo estavam infestadas da sífilis que vinham de outros países Essa mesma miscigenação também é desconstruída pelos portugueses e índios no final do capítulo mas que ocorrem entre todas as raças que aqui habitam e que a partir disso e de todo antagonismo pela diversidade formaram a sociedade brasileira
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Características gerais da colonização portuguesa do Brasil formação de uma sociedade agrária escravocrata e híbrida Quando em 1532 se organizou econômica e civilmente a sociedade brasileira já foi depois de um século inteiro de contato dos portugueses com os trópicos de demonstrada na Índia e na Africa sua aptidão para a vida tropical Mudado em São Vicente e em Pernambuco o rumo da colonização portuguesa do fácil mercantil para o agrícola organizada a sociedade colonial sobre base mais sólida e em condições mais estáveis que na Índia ou nas feitorias africanas no Brasil é que se realizaria a prova definitiva daquela aptidão A base a agricultura as condições a estabilidade patriarcal da família a regularidade do trabalho por meio da escravidão a união do português com a mulher índia incorporada assim à cultura econômica e social do invasor Formouse na América tropical uma sociedade agrária na estrutura escravocrata na técnica de exploração econômica híbrida de índio e mais tarde de negro na composição Sociedade que se desenvolveria defendida menos pela consciência de raça quase nenhuma no português cosmopolita e plástico do que pelo exclusivismo religioso desdobrado em sistema de profilaxia social e política Menos pela ação oficial do que pelo braço e pela espada do particular Mas tudo isso subordinado ao espírito político e de realismo econômico e jurídico que aqui como em Portugal 1 foi desde o primeiro século ele mento decisivo de formação nacional sendo que entre nós através das grandes famílias proprietárias e autônomas senhores de engenho com altar e capelão dentro de casa e índios de arco e flecha ou negros armados de arcabuzez às suas ordens donos de terras e de escravos que dos senados de Câmara falaram sempre grosso aos representantes delRei e pela voz liberal dos filhos padres ou doutores clamaram contra toda espécie de abusos da metrópole e da própria Madre Igreja Bem diversos dos criollos ricos e dos bacharéis letrados da América espanhola por longo tempo inermes à sombra dominadora das catedrais e dos palácios dos vicereis ou constituídos em cabildos que em geral só faziam servir de mangação aos reinóis todopoderosos A singular predisposição do português para a colonização híbrida e escravocrata dos trópicos explicaa em grande parte o seu passado étnico ou antes cultural de povo indefinido entre a Europa e a África Nem intransigentemente de uma nem de outra mas das duas A influência africana fervendo sob a européia e dando um acre requeime à vida sexual à alimentação à religião o sangue mouro ou negro correndo por uma grande população brancacrana quando não predominando em regiões ainda hoje de gente escura 2 o ar da África um ar quente oleoso amolecendo nas instituições e nas formas de cultura as durezas germânicas corrompendo a rigidez moral e doutrinária da Igreja medieval tirando os ossos ao cristianismo ao feudalismo à arquitetura gótica à disciplina canônica ao direito visigótico ao latim ao próprio caráter do povo A Europa reinando mas sem governar governando antes a África Corrigindo até certo ponto tão grande influência do clima amolecedor atuaram sobre o caráter português entesandoo as condições sempre tensas e vibráteis de contato humano entre a Europa e a África o constante estado de guerra que entretanto não excluiu nunca a miscigenação nem a atração sexual entre as duas raças muito menos o intercuso entre as duas culturas 3 a atividade guerreira que se compensava do intenso esforço militar relaxandose após a vitória sobre o trabalho agrícola e industrial dos cativos de guerra sobre a escravidão ou a semiescravidão dos vencidos Hegemonias e subsequências essas que não se perpetuavam revezavamse 4 tal como no incidente dos sinos de Santiago de Compostela Os quais teriam sido mandados levar pelos mouros à mesquita de Córdoba às costas dos cristãos e por estes séculos mais tarde mandados reconduzir à Galiza às costas dos mouros Quanto ao fundo considerado autóctone de população tão movediça uma persistente massa de dólicos morenos 5 cuja cor à Africa árabe e mesmo negra alagando de gente sua largos trechos da Península mais de uma vez veio avivar de pardo ou de preto Era como se os sentisse intimamente seus por afinidades remotas apenas empalidecidas e não os quisesse desvanecidos sob as camadas sobrepostas de nórdicos nem transmudados pela sucessão de culturas europeizantes Toda a invasão de celtas germanos romanos normandos o angloescandinavo o H Europaeus L o feudalismo o cristianismo o direito romano a monogamia Que tudo isso sofreu restrição ou refração em um Portugal influenciado pela Africa condicionado pelo clima africano solapado pela mística sensual do islamismo Em vão se procuraria um tipo físico unificado notava há anos em Portugal o conde Hermann de Keysserling O que ele observou foram elementos os mais diversos e mais opostos figuras com ar escandinavo e negróides vivendo no que lhe pareceu união profunda A raça não tem aqui papel decisivo concluiu o arguto observador 6 E já da sociedade moçárabe escrevera Alexandre Herculano População indecisa no meio dos dois bandos contendedores nazarenos e maometanos meia cristã meia sarracena e que em ambos contava parentes amigos simpatias de crenças ou de costumes 7 Esse retrato do Portugal histórico traçado por Herculano talvez possa estenderse ao pré e próhistórico o qual nos vai sendo revelado pela arqueologia e pela antropologia tão dúbio e indeciso quanto o histórico Antes dos árabes e berberes capsienses libifenícios elementos africanos mais remotos O H Taganus 8 Ondas semitas e negras ou negróides batendose com as do Norte A indecisão étnica e cultural entre a Europa e a Africa parece ter sido sempre a mesma em Portugal como em outros trechos da Península Espécie de bicontinentalidade que correspondesse em população assim vaga e incerta à bissexualidade no indivíduo E gente mais flutuante que a portuguesa dificilmente se imagina o bambo equilíbrio de antagonismos refletese em tudo o que é seu dandolhe ao comportamento uma fácil e frouxa flexibilidade às vezes perturbada por dolorosas hesitações 9 e ao caráter uma especial riqueza de apti dões ainda que não raro incoerentes e difíceis de se conciliarem para a expressão útil ou para a iniciativa prática Ferraz de Macedo a quem a sensibilidade patriótica de seus conterrâneos não perdoa o amargo de algumas conclusões justas entre muitas de um grosso exagero procurando definir o tipo normal português deu logo com a dificuldade fundamental a falta de um tipo dinâmico determinado O que encontrou foram hábitos aspirações interesses índoles vícios virtudes variadíssimas e com origens diversas étnicas dizia ele culturais talvez dissesse mais cientificamente Entre outros verificou Ferraz de Macedo no português os seguintes características desencontrados a genesia violenta e o gosto pelas anedotas de fundo erótico o brio a franqueza a lealdade a pouca iniciativa individual o patriotismo vibrante a imprevidência a inteligência o fatalismo a primorosa aptidão para imitar 10 Mas o luxo de antagonismos no caráter português surpreendeuo magnificamente Eça de Queirós O seu Gonçalo dA ilustre casa de Ramires é mais que a síntese do fidalgo 11 é a síntese do português de não importa que classe ou condição Que todo ele é e tem sido desde Ceuta da Índia da descoberta e da colonização do Brasil como o Gonçalo Ramires cheio de fogachos e entusiasmos que acabam logo em fumo mas persistente e duro quando se fila à sua idéia de uma imaginação que o leva a exagerar até a mentira e ao mesmo tempo de um espírito prático sempre atento à realidade útil de uma vaidade de uns escrúpulos de honra de um gosto de se arrebicar de luzir que vão quase ao ridículo mas também de uma grande simplicidade melancólico ao mesmo tempo que palrador sociável generoso desleixado trapalhão nos negócios vivo e fácil em compreender as coisas sempre à espera de algum milagre do velho Ourique que sanará todas as dificuldades desconfiado de si mesmo acovardado encolhido até que um dia se decide e aparece um herói 12 Extremos desencontrados de introversão e extroversão ou alternativas de sintonia e esquizoidia como se diria em moderna linguagem científica Considerando no seu todo o caráter português dános principalmente a idéia de vago impreciso pensa o crítico e historiador inglês Aubrey Bell e essa imprecisão é que permite ao português reunir dentro de si tantos contrastes impossíveis de se ajustarem no duro e anguloso castelhano de um perfil mais definitivamente gótico e europeu 13 O caráter português comparação do mesmo Bell é como um rio que vai correndo muito calmo e de repente se precipita em quedas de água daí passar do fatalismo a rompantes de esforço heróico da apatia a explosões de energia na vida particular e a revoluções na vida pública da docilidade a ímpetos de arrogância e crueldade da indiferença a fugitivos entusiasmos amor ao progresso dinamismo É um caráter todo de arrojos súbitos que entre um ímpeto e outro se compraz em certa indolência voluptuosa muito oriental na saudade no fado no lausperene Místicos e poéticos são ainda os portugueses segundo Bell o inglês que depois de Beckford melhor tem sentido e compreendido a gente e a vida de Portugal com intervalos de intenso utilitarismo caindo dos sonhos vãos numa verdadeira volúpia de proveito imediato das alturas da alegria na tristeza no desespero no suicídio da vaidade no pessimismo alternando a indolência com o amor da aventura e do esporte 14 O que se sente em todo esse desadoro de antagonismos são as duas culturas a européia e a africana a católica e a maometana a dinâmica e a fatalista encontrandose no português fazendo dele de sua vida de sua moral de sua economia de sua arte um regime de influências que se alternam se equilibram ou se hostilizam Tomando em conta tais antagonismos de cultura a flexibilidade a indecisão o equilíbrio e a desarmonia deles resultantes é que bem se compreende o especialíssimo caráter que tomou a colonização do Brasil a formação sui generis da sociedade brasileira igualmente equilibrada nos seus começos e ainda hoje sobre antagonismos Vários antecedentes dentro desse de ordem geral bicontinentalidade ou antes dualismo de cultura e de raça impõemse à nossa atenção em particular um dos quais a presença entre os elementos que se juntaram para formar a nação portuguesa dos de origem ou estoque semita 15 gente de uma mobilidade de uma plasticidade de uma adaptabilidade tanto social como física que facilmente se surpreendem no português navegador e cosmopolita do século XV 16 Hereditariamente predisposto à vida nos trópicos por um longo habitat tropical o elemento semita móvel e adaptável como nenhum outro terá dado ao colonizador português do Brasil algumas das suas principais condições físicas e psíquicas de êxito e de resis tência Entre outras o realismo econômico que desde cedo corrigiu os excessos de espírito militar e religioso na formação brasileira A mobilidade foi um dos segredos da vitória portuguesa sem ela não se explicaria ter um Portugal quase sem gente17 um pessoalzinho ralo insignificante em número sobejo de quanta epidemia fome e sobretudo guerra afligiu a Península na Idade Média conseguido salpicar virilmente do seu resto de sangue e de cultura populações tão diversas e a tão grandes distâncias umas das outras na Ásia na África na América em numerosas ilhas e arquipélagos A escassez de capitalhomem supriramna os portugueses com extremos de mobilidade e miscibilidade dominando espaços enormes e onde quer que pousassem na África ou na América emprenhando mulheres e fazendo filhos em uma atividade genésica que tanto tinha de violentamente instintiva da parte do indivíduo quanto de política de calculada de estimulada por evidentes razões econômicas e políticas da parte do Estado Os indivíduos de valor guerreiros administradores técnicos eram por sua vez deslocados pela política colonial de Lisboa como peças em um tabuleiro de gamão da Ásia para a América ou daí para a África conforme conveniências de momento ou de religião A Duarte Coelho enriquecido pela experiência da Índia entrega D João III a nova capitania de Pernambuco seus filhos Jorge e Duarte de Albuquerque adestrados nos combates contra os índios americanos são chamados às guerras mais ásperas na África da Madeira vem para os engenhos do norte do Brasil técnicos no fabrico do açúcar Aproveitamse os navios da carreira das Índias para o comércio com a colônia americana Transportamse da África para o trabalho agrícola no Brasil nações quase inteiras de negros Uma mobilidade espantosa O domínio imperial realizado por um número quase ridículo de europeus correndo de uma para outra das quatro partes do mundo então conhecido como em um formidável jogo de quatro cantos18 Quanto à miscibilidade nenhum povo colonizador dos modernos excedeu ou sequer igualou nesse ponto aos portugueses Foi misturandose gostosamente com mulheres de cor logo ao primeiro contato e multiplicandose em filhos mestiços que uns milhares apenas de machos atrevidos conseguiram firmarse na posse de terras vastíssimas e competir com povos grandes e numerosos na extensão de domínio colonial e na efcácia de ação colonizadora A miscibilidade mais do que a mobilidade foi o processo pelo qual os portugueses compensa ramse da deficiência em massa ou volume humano para a colonização em larga escala e sobre áreas extensíssimas Para tal processo prepararaos à íntima convivência o intercurso social e sexual com raças de cor invasora ou vizinhas da Península uma delas a de fé maometana em condições superiores técnicas e de cultura intelectual e artística à dos cristãos louros19 O longo contato com os sarracenos deixara idealizada entre os portugueses a figura da mouraencantada tipo delicioso de mulher morena e de olhos pretos20 envolta em misticismo sexual sempre de encarnado21 sempre penteando os cabelos ou banhandose nos rios ou nas águas das fontes malassombradas22 que os colonizadores vieram encontrar parecido quase igual entre as índias nuas e de cabelos soltos do Brasil Que estas tinham também os olhos e os cabelos pretos o corpo pardo pintado de vermelho23 e tanto quanto as nereidas mouriscas eram doidas por um banho de rio onde se refrescasse sua ardente nudez e por um pente para pentear o cabelo24 Além do que eram gordas como as mouras Apenas menos ariscas por qualquer burgiganga ou caco de espelho estavam se entregando de pernas abertas aos caraíbas gulosos de mulher Em oposição à lenda da mouraencantada mas sem alcançar nunca o mesmo prestígio desenvolveuse a da mouratorta Nesta vazouse porventura o ciúme ou a inveja sexual da mulher loura contra a de cor Ou repercutiu talvez o ódio religioso o dos cristãos louros descidos do Norte contra os infiéis de pele escura Ódio que resultaria mais tarde em toda a Europa na idealização do tipo louro identificado com personagens angélicas e divinas em detrimento do moreno identificado com os anjos maus com os decaídos os malvados os traidores25 O certo é que no século XVI os embaixadores mandados pela República de Veneza às Espanhas a fim de cumprimentarem o rei Felipe II notaram que em Portugal algumas mulheres das classes altas tingiam os cabelos de cor loura e lá na Espanha várias arrebicavam o rosto de branco e encarnado para tornarem a pele que é algum tanto ou antes muito trigueira mais alva e rosada persuadidas de que todas as trigueiras são feias26 Podese entretanto afirmar que a mulher morena tem sido a preferida dos portugueses para o amor pelo menos para o amor físico A moda de mulher loura limitada aliás às classes altas terá sido antes a repercussão de influências exteriores do que a expressão de genuíno gosto nacional Com relação ao Brasil que o diga o ditado Branca para casar mulata para f negra para trabalhar27 ditado em que se sente ao lado do convencionalismo social da superioridade da mulher branca e da inferioridade da preta a preferência sexual pela mulata Aliás o nosso lirismo amoroso não revela outra tendência senão a glorificação da mulata da cabocla da morena celebrada pela beleza dos seus olhos pela alvura dos seus dentes pelos seus dengues quindins e embelegos muito mais do que as virgens pálidas e as louras donzelas Estas surgem em um ou em outro soneto em uma ou em outra modinha do século XVI ou XIX Mas sem o relevo das outras Outra circunstância ou condição favoreceu o português tanto quanto a miscibilidade e a mobilidade na conquista de terras e no domínio de povos tropicais a aclimatabilidade Nas condições físicas de solo e de temperatura Portugal é antes África do que Europa O chamado clima português de Martone único na Europa é um clima aproximado do africano Estava assim o português predisposto pela sua mesma mesologia ao contato vitorioso com os trópicos seu deslocamento para as regiões quentes da América não traria as graves perturbações da adaptação nem as profundas dificuldades de aclimatação experimentadas pelos colonizadores vindos de países de clima frio Por mais que Gregory insista28 em negar ao clima tropical a tendência para produzir per se sobre o europeu do Norte efeitos de degeneração recordando ter Elkington verificado em 1922 na colônia holandesa de Kissav fundada em 1783 condições satisfeatórias de salubridade e prosperidade sem nenhuma evidência de degeneração física obvious evidence of physical degenere ration entre os colonos louros29 grande é a massa de evidências que parecem favorecer o ponto de vista contrário o daqueles que pensam revelar o nórdico fraco ou nenhuma aclimatabilidade nos trópicos O professor Oliveira Viana desprezando com extrema parcialidade depoimentos como os de Elkington e Gregory aos quais nem sequer alude reuniu contra a pretendida capacidade de adaptação dos nórdicos aos climas tropicais o testemunho de alguns dos melhores especialistas modernos em assunto de climatologia e antropogeografia Taylor Glenn Trewarka Huntington Karl Sapper Deste cita o sociólogo brasileiro expressivo juízo sobre os esforços colonizadores dos europeus do Norte nos trópicos Os europeus do Norte não têm conseguido constituir nos planaltos tropicais senão estabelecimentos temporários Eles têm tentado organizar nestas regiões uma sociedade permanente de base agrícola em que o colono viva do seu próprio trabalho manual mas em todas essas tentativas têm fracassado30 Mas é Taylor31 talvez aquele dentre os antropólogos cujas conclusões se contrapõem com mais força e atualidade às de Gregory Antes dos estudos de Taylor e de Huntington de antropogeografia e antropologia cultural e dos de Dexter de climatologia já Benjamin Kidd observara quanto à aclimatação dos europeus do Norte nos trópicos todas as experiências nesse sentido têm sido vãs e inúteis esforçós desde logo destinados a fracasso foredoomed to failure32 E Mayo Smith concluirá do ponto de vista da estatística aplicada à sociologia As nossas estatísticas não são suficientemente exatas para indicarem ser impossível aclimatarse permanentemente o europeu nos trópicos mas mostram ser isto extremamente difícil33 Ao contrário da aparente incapacidade dos nórdicos é que os portugueses têm revelado tão notável aptidão para se aclimatarem em regiões tropicais É certo que através de muito maior miscibilidade que os outros europeus as sociedades coloniais de feição portuguesa têm sido todas híbridas umas mais outras menos No Brasil tanto em São Paulo como em Pernambuco os dois grandes focos de energia criadora nos primeiros séculos da colonização os paulistas no sentido horizontal os pernambucanos no vertical34 a sociedade capaz de tão notáveis iniciativas como as bandeiras a catequese a fundação e consolidação da agricultura tropical as guerras contra os franceses no Maranhão e contra os holandeses em Pernambuco foi uma sociedade constituída com pequeno número de mulheres brancas e larga e profundamente mesclada de sangue indígena Diante do que tornase difícil no caso do português distinguir o que seria aclimatabilidade de colonizador branco já de si duvidoso na sua pureza étnica e na sua qualidade antes convencional que genuína de europeu da capacidade de mestiço formado desde o primeiro momento pela união do adventício sem escrúpulos nem consciência de raça com mulheres da vigorosa gente da terra De qualquer modo o certo é que os portugueses triunfaram onde outros europeus falharam de formação portuguesa é a primeira sociedade moderna constituída nos trópicos com características nacionais e qualidades de permanência Qualidades que no Brasil madrugaram amansadas e quando não subjugadas pela higiene ou pela engenharia sanitária De modo que o homem já não é o antigo manégostoso de carne abrindo os braços ou deixandoos cair ao aperto do calor ou do frio Sua capacidade de trabalho sua eficiência econômica seu metabolismo alteramse menos onde a higiene e a engenharia sanitária a dieta a adaptação do vestuário e da habitação às novas circunstâncias criamlhe condições de vida de acordo com o físico e a temperatura da região Os próprios sistemas de comunicação moderna fáceis rápidos e higiênicos fazem mudar de figura um problema outrora importantíssimo ligado às condições físicas de solo e de clima o da qualidade e até certo ponto o da quantidade de recursos de alimentação ao dispor de cada povo Ward salienta a importância do desenvolvimento da navegação a vapor mais rápida e regular que a navegação à vela veio beneficiar grandemente as populações tropicais47 O mesmo pode dizerse com relação aos processos de preservação e refrigeração dos alimentos Por meio desses processos e da moderna técnica de transporte o homem vem triunfando sobre a dependência absoluta das fontes de nutrição regionais a que estavam outrora sujeitas as populações coloniais dos trópicos Neste ensaio entretanto o clima a considerar é o cru e quase todopoderoso aqui encontrado pelo português em 1500 clima irregular palustre perturbador do sistema digestivo clima na sua relação com o solo desfavorável ao homem agrícola e particularmente ao europeu por não permitir nem a prática de sua lavoura tradicional regulada pelas quatro estações do ano nem a cultura vantajosa daquelas plantas alimentares a que ele estava desde há muitos séculos habituado48 O português no Brasil teve de mudar quase radicalmente o seu sistema de alimentação cuja base se deslocou com sensível déficit do trigo para a mandioca e o seu sistema de lavoura que as condições físicas e químicas de solo tanto quanto as de temperatura ou de clima não permitiram fosse o mesmo doce trabalho das terras portuguesas A esse respeito o colonizador inglês dos Estados Unidos levou sobre o português do Brasil decidida vantagem ali encontrando condições de vida física e fontes de nutrição semelhantes às da mãepátria No Brasil verificaramse necessariamente no povoado europeu desequilíbrios de morfologia tanto quanto de eficiência pela falta em que se encontrou de súbito dos mesmos recursos químicos de alimentação do seu país de origem A falta desses recursos como a diferença nas condições meteorológicas e geológicas em que teve de processarse o trabalho agrícola realizado pelo negro mas dirigido pelo europeu dá à obra de colonização dos portugueses um caráter de obra criadora original a que não pode aspirar nem a dos ingleses na América do Norte nem a dos espanhóis na Argentina49 Embora mais aproximado o português que qualquer colonizador europeu da América do clima e das condições tropicais foi ainda assim uma rude mudança a que ele sofreu transportandose ao Brasil Dentro das novas circunstâncias de vida física comprometeuse a sua vida econômica e social Tudo era aqui desequilíbrio Grandes excessos e grandes deficiências as da nova terra O solo excetuadas as manchas de terra preta ou roxa de excepcional fertilidade estava longe de ser o bom de se plantar nele tudo o que se quisesse do entusiasmo do primeiro cronista Em grande parte rebelde à disciplina agrícola Áspero intratável impermeável Os rios outros inimigos da regularidade do esforço agrícola e da estabilidade da vida de família Enchentes mortíferas e secas esterilizantes tal o regime de suas águas E pelas terras e matagais de tão difícil cultura como pelos rios quase impossíveis de ser aproveitados economicamente na lavoura na indústria ou no transporte regular de produtos agrícolas viveiros de larvas multidões de insetos e de vermes nocivos ao homem Particularmente ao homem agrícola a quem por toda parte afligem mal ele inicia as plantações as formigas que fazem muito dano à lavoura a lagarta das roças as pragas que os feiticeiros índios desafiam os padres que destruam com os seus sinais e as suas rezas50 Contrastemse essas condições com as encontradas pelos ingleses na América do Norte a começar pela temperatura substancialmente a mesma que a da Europa Ocidental média anual 56 F considerada a mais favorável ao progresso econômico e à civilização à européia De modo que não parece tocar ao caso brasileiro a generalização do professor Bogart sobre o povo por ele vagamente chamado raça latinoamericana O qual nem por se achar rodeado de grandes riquezas naturais se teria elevado às mesmas condições de progresso agrícola e industrial que os angloamericanos Essa incapacidade atribui o economista a ser a tal raça latinoamericana a weak ease loving race e não a virile energetic people como os angloamerica nos Estes sim souberam desenvolver os recursos naturais à sua disposição devoted themselves to the exploitation of the natural resources wirith wonderful sucess51 Mas foi esse mesmo povo tão viril e enérgico que fracassou em Old Providence e nas Bahamas O português vinha encontrar na América tropical uma terra de vida aparentemente fácil na verdade dificílima para quem quisesse aqui organizar qualquer forma permanente ou adiantada de economia e de sociedade Se é certo que nos países de clima quente o homem pode viver sem esforço da abundância de produtos espontâneos convém por outro lado não esquecer que igualmente exuberantes são nesses países as formas perniciosas de vida vegetal e animal inimigas de toda cultura agrícola organizada e de todo trabalho regular e sistemático No homem e nas sementes que ele planta nas casas que edifica nos animais que cria para seu uso ou sua subsistência nos arquivos e bibliotecas que organiza para sua cultura intelectual nos produtos úteis ou de beleza que saem de suas mãos em tudo se metem larvas vermes insetos roendo esfurracando corrompendo Semente fruta madeira papel carne músculos vasos linfáticos intestinos o branco do olho os dedos dos pés tudo fica à mercê de inimigos terríveis Foi dentro de condições físicas assim adversas que se exerceu o esforço civilizador dos portugueses nos trópicos Tivessem sido aquelas condições as fáceis e doces de que falam os panegiristas da nossa natureza e teriam razão os sociólogos e economistas que contrastando o difícil triunfo lusitano no Brasil com o rápido e sensacional dos ingleses naquela parte da América de clima estimulante flora equilibrada fauna antes auxiliar que inimiga do homem condições agrológicas e geológicas favoráveis onde hoje esplende a formidável civilização dos Estados Unidos concluem pela superioridade do colonizador louro sobre o moreno Antes de vitoriosa a colonização portuguesa do Brasil não se compreendia outro tipo de domínio europeu nas regiões tropicais que não fosse o da exploração comercial através de feitorias ou da pura extração de riqueza mineral Em nenhum dos casos se considerara a sério o prolongamento da vida européia ou a adaptação dos seus valores morais e materiais a meios e climas tão diversos tão mórbidos e dissolventes O colonizador português do Brasil foi o primeiro entre os colonizadores modernos a deslocar a base da colonização tropical da pura extração de riqueza mineral vegetal ou animal o ouro a prata a madeira o âmbar o marfim para a de criação local de riqueza Ainda que riqueza a criada por eles sob a pressão das circunstâncias americanas à custa do trabalho escravo tocada portanto daquela perversão de instinto econômico que cedo desviou o português da atividade de produzir valores para a de explorálos transportálos ou adquirilos Semelhante deslocamento embora imperfeitamente realizado importou em uma nova fase e em um novo tipo de colonização a colônia de plantação caraterizada pela base agrícola e pela permanência do colono na terra em vez do seu fortuito contato com o meio e com a gente nativa No Brasil iniciaram os portugueses a colonização em larga escala dos trópicos por uma técnica econômica e por uma política social inteiramente novas apenas esboçadas nas ilhas subtropicais do Atlântico A primeira a utilização e o desenvolvimento de riqueza vegetal pelo capital e pelo esforço do particular a agricultura a sesmaria a grande lavoura escravocrata A segunda o aproveitamento da gente nativa principalmente da mulher não só como instrumento de trabalho mas como elemento de formação da família Semelhante política foi bem diversa da de extermínio ou segregação seguida por largo tempo no México e no Peru pelos espanhóis exploradores de minas e sempre e desbragadamente na América do Norte pelos ingleses A sociedade colonial no Brasil principalmente em Pernambuco e no Recôncavo da Bahia desenvolveuse patriarcal e aristocraticamente à sombra das grandes plantações de açúcar não em grupos a esmo e instáveis em casasgrandes de taipa ou de pedra e cal não em palhoças de aventureiros Observa Oliveira Martins que a população colonial no Brasil especialmente ao norte constituiuse aristocraticamente isto é as casas de Portugal enviaram ramos para o ultramar desde todo o princípio a colônia apresentou um aspecto diverso das turbulentas imigrações dos castelhanos na América Central e Ocidental52 E antes dele já escrevera Southey que nas casas de engenho de Pernambuco encontravamse nos primeiros séculos de colonização as decências e o conforto que debalde se procurariam entre as populações do Paraguai e do Prata53 No Brasil como nas colônias inglesas de tabaco de algodão e de arroz da América do Norte as grandes plantações foram obra não do Estado colonizador sempre somítico em Portugal mas de corajosa iniciativa particular Esta é que nos trouxe pela mão de um Martim Afonso ao Sul e principalmente de um Duarte Coelho ao Norte54 os primeiros colonos sólidos as primeiras mães de família as primeiras sementes o primeiro gado os primeiros animais de transporte plantas alimentares instrumentos agrícolas mecânicos judeus para as fábricas de açúcar escravos africanos para o trabalho de eito e de bagaceira de que logo se mostrariam incapazes os indígenas molengos e inconstantes Foi a iniciativa particular que concorrendo às sesmarias dispôsse a vir povoar e defender militarmente como era exigência real as muitas léguas de terra em bruto que o trabalho negro fecundaria Como Payne salienta na sua History of european colonies os portugueses colonizadores do Brasil foram os primeiros europeus a verdadeiramente se estabelecerem em colônias vendendo para esse fim quanto possuíam em seu país de origem e transportandose com a família e cabedais para os trópicos55 LeroyBeaulieu56 assinala como uma das vantagens da colonização portuguesa da América tropical pelo menos diz ele nos dois primeiros séculos a ausência completa de um sistema regular e complicado de administração a liberdade de ação la liberté daction que lon trouvait dans ce pays peu gouverné característica do começo da vida brasileira Lorganisation coloniale ne précéde pas elle suivit le développement de la colonisation observa o economista francês no seu estudo sobre a colonização moderna E Ruediger Bilden escreve com admirável senso crítico que no Brasil a colonização particular muito mais que a ação oficial promoveu a mistura de raças a agricultura latifundiária e a escravidão tornando possível sobre tais alicerces a fundação e o desenvolvimento de grande e estável colônia agrícola nos trópicos Isto além de nos ter alargado grandemente para o oeste o território o que teria sido impossível à ação oficial cerceada por compromissos políticos internacionais57 A partir de 1532 a colonização portuguesa do Brasil do mesmo modo que a inglesa da América do Norte e ao contrário da espanhola e da francesa nas duas Américas caracterizase pelo domínio quase exclusivo da família rural ou semirural Domínio a que só o da Igreja faz sombra através da atividade às vezes hostil ao familismo dos padres da Companhia de Jesus A família não o indivíduo nem tampouco o Estado nem nenhuma companhia de comércio é desde o século XVI o grande fator colonizador no Brasil a unidade produtiva o capital que desbrava o solo instala as fazendas compra escravos bois ferramentas a força social que se desdobra em política constituindose na aristocracia colonial mais poderosa da América Sobre ela o rei de Portugal quase reina sem governar Os senados de Câmara expressões desse familismo político cedo limitam o poder dos reis e mais tarde o próprio imperialismo ou antes parasitismo econômico que procura estender do reino às colônias os seus tentáculos absorventes A colonização por indivíduos soldados de fortuna aventureiros degredados cristãosnovos fugidos à perseguição religiosa náufragos traficantes de escravos de papagaios e de madeira quase não deixou traço na plástica econômica do Brasil Ficou tão no raso tão à superfície e durou tão pouco que política e economicamente esse povoamento irregular e àtoa não chegou a definirse em sistema colonizador O seu aspecto puramente genético não deve entretanto ser perdido de vista pelo historiador da sociedade brasileira Sob esse critério há mesmo quem o considere tara étnica inicial e surpreenda entre traços da fisionomia coletiva do povo brasileiro inequívocos vestígios dos estigmas hereditários impressos por aqueles patriarcas pouco recomendáveis da nacionalidade De Azevedo Amaral de quem é essa observação aceitamos sobre o período em apreço duas generalizações que nos parecem caracterizálo com toda a exatidão uma que foi pela sua heterogeneidade racial um período não português mas promíscuo o cunho português só se imprimindo sobre a confusão de etnias pelo predomínio do idioma outra que constitui uma espécie de préhistória nacional Eliminar os primeiros cinqüenta anos escreve Azevedo Amaral durante os quais à revelia de qualquer supervisão política e fora mesmo da civilização o Brasil recebeu os primeiros aluviões complexos de povoadores equivale a suprimir um elemento básico da formação nacional cuja influência projetada pelos séculos seguintes podemos induzir seguramente de fatos positivos que a moderna pesquisa biológica demonstra suficientemente Se quisermos qualifiquemos esse período em uma categoria à parte de préhistória nacional Onde Azevedo Amaral nos parece lamentavelmente exagerado é em considerar todos aqueles povoadores sobre os quais reconhece ser tão escassa e precária a informação acessível uns tarados criminosos e semiloucos Referese principalmente aos degredados não há entretanto fundamentos nem motivos para duvidar de que alguns fossem gente sã degredada pelas ridicularias por que então se exilavam súditos dos melhores do reino para os ermos Era estreitíssimo o critério que ainda nos séculos XV e XVI orientava entre os portugueses a jurisprudência criminal No seu direito penal o misticismo ainda quente dos ódios de guerra contra os mouros dava uma estranha proporção aos delitos Carlos Malheiros Dias afirma que não existia na legislação coeva código de severidade comparável ao Livro V das Ordenações Manuelinas E acrescenta cerca de duzentos delitos eram nele punidos com degredo A lei de 7 de janeiro de 1453 de D Dinis diznos o general Morais Sarmento que mandava tirar a língua pelo pescoço e queimar vivos os que descriam de Deus ou dirigiam doestos a Deus ou aos Santos e por usar de feitiçarias por que uma pessoa queira bem ou mal a outra como por outros crimes místicos ou imaginários era o português nos séculos XVI e XVII degredado para sempre para o Brasil Em um país de formação antes religiosa do que etnocêntrica eram esses os grandes crimes e bem diversa da moderna ou da dos países de formação menos religiosa a perspectiva criminal Enquanto quem dirigisse doestos aos santos tinha a língua tirada pelo pescoço e quem fizesse feitiçaria amorosa era degredado para os ermos da África ou da América pelo crime de matar o próximo de desonrarlhe a mulher de estuprarlhe a filha o delinquente não ficava muitas vezes sujeito a penas mais severas que a de pagar dez de multa uma galinha ou a de pagar mil e quinhentos módios Contanto que fosse acoitarse a um dos numerosos coitos de homiziados Não faziam esses coitos mistério de sua função protetora de homicidas adúlteros e servos fugidos antes proclamavamna abertamente pela voz dos forais Não se julgue diz Gama Barros que as terras onde o soberano decretava que os criminosos ficassem imunes consideravam desonra para elas a concessão de tal privilégio E o professor Mendes Correia informanos que Sabugal em 1369 pedia que fossem dadas mais garantias aos refugiados nesse coito que no foral de Azurara a imunidade chegava ao ponto de se punir gravemente quem perseguisse até dentro da vila o criminoso fugitivo Temse a impressão de que os lugares mal povoados do reino disputavam a concessão do privilégio do coito e a gente que acoitavam eram com o grande número de servos fugidos os celerados de crime de morte e de estupro vindo para o Brasil antes os autores de delitos leves ou de crimes imaginários que a perspectiva criminal portuguesa da época deformava em atentados horríveis do que mesmo os criminosos de fato Estes entretanto devem ter vindo em número não de todo insignificante para a colônia americana de outro modo deles não se teria ocupado tão veementemente o donatário Duarte Coelho em uma de suas muitas cartas de administrador severo e escrupuloso rogando a elRei que lhe não mandasse mais dos tais degredados pois eram piores que peçonha É possível que se degredassem de propósito para o Brasil visando ao interesse genético ou do povoamento indivíduos que sabemos terem sido para cá expatriados por irregularidades ou excessos na sua vida sexual por abraçar e beijar por usar de feitiçaria para querer bem ou mal por bestialidade molície alcovitice A ermos tão mal povoados salpicados apenas de gente branca convinharn superexcitados sexuais que aqui exercessem uma atividade genésica acima da comum proveitosa talvez nos seus resultados aos interesses políticos e econômicos de Portugal no Brasil Atraídos pelas possibilidades de uma vida livre inteiramente solta no meio de muita mulher nua aqui se estabeleceram por gosto ou vontade própria muitos europeus do tipo que Paulo Prado retrata em traços de forte realismo Garanhões desbragados Outros como os grumetes que fugiram da armada de Cabral sumindose pelos matos aqui se teriam deixado ficar por puro gosto de aventura ou afoiteza de adolescência e as ligações destes de muitos dos degredados de intérpretes normandos de náufragos de cristãosnovos as ligações de todos esses europeus tantos deles na flor da idade e no viço da melhor saúde gente nova machos sãos e vigorosos aventureiros moços e ardentes em plena força com mulheres gentias também limpas e sãs nem sempre terão sido dos tais conúbios disgênicos de que fala Azevedo Amaral Ao contrário Tais uniões devem ter agido como verdadeiro processo de seleção sexual dada a liberdade que tinha o europeu de escolher mulher entre dezenas de índias De semelhante intercusso sexual só podem ter resultado bons animais ainda que maus cristãos ou mesmo más pessoas Juntese às vantagens já apontadas do português do século XV sobre os povos colonizadores seus contemporâneos a da sua moral sexual a moçárabe a católica amaciada pelo contato com a maometana e mais frouxa mais relassa que a dos homens do Norte Nem era entre eles a religião o mesmo duro e rígido sistema que entre os povos do Norte reformado e da própria Castela dramaticamente católica mas uma liturgia antes social que religiosa um doce cristianismo lírico com muitas reminiscências fálicas e animistas das religiões pagãs os santos e os anjos só faltando tornarse carne e descer dos altares nos dias de festa para se divertirem com o povo os bois entrando pelas igrejas para ser benzidos pelos padres as mães ninando os filhinhos com as mesmas cantigas de louvar o MeninoDeus as mulheres estéreis indo esfregarse de saia levantada nas pernas de São Gonçalo do Amarante os maridos cismados de infidelidade conjugal indo interrogar os rochedos dos cornudos e as moças casadouras os rochedos do casamento Nossa Senhora do Ó adorada na imagem de uma mulher prenhe No caso do Brasil que foi um fenômeno do século XVII o português trazia mais a seu favor e a favor da nova colônia toda a riqueza e extraordinária variedade de experiências acumuladas durante o século XV na Ásia e na África na Madeira e em Cabo Verde Entre tais experiências o conhecimento de plantas úteis alimentares e de gozo que para aqui seriam transplantadas com êxito o de certas vantagens do sistema de construção asiático adaptáveis ao trópico americano o da capacidade do negro para o trabalho agrícola Todos esses elementos a começar pelo cristianismo liricamente social religião ou culto de família mais do que de catedral ou de igreja que nunca as tiveram os portugueses grandes e dominadoras do tipo das de Toledo ou das de Burgos como nunca as teria o Brasil da mesma importância e prestígio que as da América Espanhola todos esses elementos e vantagens viriam favorecer entre nós a colonização que na América Portuguesa como nas colônias de proprietários dos ingleses na América do Norte repousaria sobre a instituição da família escravocrata da casagrande da família patriarcal sendo que nestas bandas acrescida a família de muito maior número de bastardos e dependentes em torno dos patriarcas mais femeiros que os de lá e um pouco mais soltos talvez na sua moral sexual A nossa verdadeira formação social se processa de 1532 em diante tendo a família rural ou semirural por unidade quer através de gente casada vinda do reino quer das famílias aqui constituídas pela união de colonos com mulheres caboclas ou com moças órfãs ou mesmo àtoa mandadas vir de Portugal pelos padres casamenteiros Vivo e absorvente órgão da formação social brasileira a família colonial reuniu sobre a base econômica da riqueza agrícola e do trabalho escravo uma variedade de funções sociais e econômicas Inclusive como já insinuamos a do mando político o oligarquismo ou nepotismo que aqui madrugou chocandose ainda em meados do século XVI com o clericalismo dos padres da Companhia Em oposição aos interesses da sociedade colonial queriam os padres fundar no Brasil uma santa república de índios domesticados para Jesus como os do Paraguai seráficos caboclos que só obedecessem aos ministros do Senhor e só trabalhassem nas suas hortas e roçados Nenhuma individualidade nem autonomia pessoal ou de família Fora o cacique todos vestidos de camisola de menino dormir como em um orfanato ou em um internato O trajo dos homens igualzinho ao das mulheres e das crianças Pela presença de um tão forte elemento ponderador como a família rural ou antes latifundiária é que a colonização portuguesa do Brasil tomou desde cedo rumo e aspectos sociais tão diversos da teocrática idealizada pelos jesuítas e mais tarde por eles realizada no Paraguai da espanhola e da francesa Claro que esse domínio de família não se teria feito sentir sem a base agrícola em que repousou entre nós como entre os ingleses colonizadores da Virgínia e das Carolinas a colonização Estabelecido nas ilhas do Atlântico diz Manuel Bonfim do colono português e não encontrando aí outra forma de atividade nem possibilidade de fortuna senão a exploração estável agrícola o povoamento regular assim procedeu e mostrou antes de qualquer outro povo da Europa medieval ser excelente povoador porque juntava as qualidades de pioneiro às de formador de vida agrícola e regular em terras novas É verdade que muitos dos colonos que aqui se tornaram grandes proprietários rurais não tinham pela terra nenhum amor nem gosto pela sua cultura Há séculos que em Portugal o mercantilismo bur guês e semita por um lado e por outro lado a escravidão moura sucedida pela negra haviam transformado o antigo povo de reis lavradores no mais comercializado e menos rural da Europa No século XVI é o próprio rei que dá despacho não em nenhum castelo gótico cercado de pinheiros mas por cima de uns armazéns à beira do rio e ele e tudo que é grande fidalgo enriquecem no tráfico de especiarias asiáticas O que restava aos portugueses do século XVI de vida rural era uma fácil horticultura e um doce pastoreio e como outrora entre os israelitas quase que só florescia entre eles a cultura da oliveira e da vinha Curioso portanto que o sucesso da colonização portuguesa do Brasil se firmasse precisamente em base rural Considerando o elemento colonizador português em massa não em exceções como Duarte Coelho tipo perfeito de grande agricultor pode dizerse que seu ruralismo no Brasil não foi espontâneo mas de adoção imposto pelas circunstâncias Para os portugueses o ideal teria sido não uma colônia de plantação mas outra Índia com que israelitamente comerciassem em especiarias e pedras preciosas ou um México ou Peru de onde pudessem extrair ouro e prata Ideal semita As circunstâncias americanas é que fizeram do povo colonizador de tendências menos rurais ou pelo menos com o sentido agrícola mais pervertido pelo mercantilismo o mais rural de todos do povo que a Índia transformara no mais parasitário o mais criador Entre aquelas circunstâncias avultam imperiosas as qualidades e as condições físicas da terra as condições morais e materiais da vida e cultura de seus habitantes Terra e homem estavam em estado bruto Suas condições de cultura não permitiam aos portugueses vantajoso intercusso comercial que reforçasse ou prolongasse o mantido por eles com o Oriente Nem reis de Cananor nem sobas de Sofala encontraram os descobridores do Brasil com que tratar ou negociar Apenas morubixabas Bugres Gente quase nua e àtoa dormindo em rede ou no chão alimentandose de farinha de mandioca de fruta do mato de caça ou peixe comido cru ou depois de assado em borralho Nas suas mãos não cintilavam pérolas de Cipango nem rubis de Pegu nem ouro de Sumatra nem sedas de Catar lhes abrilhantavam os corpos cor de cobre quando muito enfeitados de penas os pés em vez de tapetes da Pérsia pisavam a areia pura Animal doméstico ao seu serviço não possuíam nenhum Agricultura umas ralas plantações de mandioca ou mindubi de um ou outro fruto Oliveira Viana tem razão quando escreve que entre as Índias com uma maravilhosa riqueza acumulada e uma longa tradição comercial com os povos do Oriente e Ocidente e o Brasil com uma população de aborígines ainda na idade da pedra polida havia diferença essencial Essa ausência de riqueza organizada essa falta de base para organização puramente comercial acrescenta o autor da Evolução do povo brasileiro é que leva os peninsulares para aqui transplantados a se dedicarem à exploração agrícola Cravo pimenta âmbar sândalo canela gengibre marfim nenhuma substância vegetal ou animal de valor consagrado pelas necessidades e gostos da Europa aristocrática ou burguesa os portugueses encontraram nos trópicos americanos Isto sem falar no ouro e na prata mais farejados do que tudo e de que logo se desiludiram os exploradores da nova terra A conclusão melancólica de Vespúcio resume o amargo desapontamento de todos eles infinitas arvores de pau brasil e canna fistula Arvoredos de ponta a ponta e agoas muytas notara o arguto cronista do descobrimento Pero Vaz de Caminha Enormes massas de água é certo davam grandeza à terra coberta de grosso matagal Dramatizavamna Mas grandeza sem possibilidades econômicas para a técnica e conhecimentos da época Ao contrário às necessidades dos homens que criaram o Brasil aquelas formidáveis massas rios e cachoeiras só em parte e nunca completamente se prestaram às funções civilizadoras de comunicação regular e de dinamização útil Um rio grande daqueles quando transbordava em tempo de chuva era para inundar tudo cobrindo canaviais e matando gado e até gente Destruindo Devastando Lavoura e pecuária eram quase impossíveis às suas margens porque tanto tinha de fácil o estabelecimento quanto de fatal a destruição pelas enchentes pelas cheias que ou dizimavam as manadas ou corrompiamlhes o pasto e em vez de beneficiarem as plantações destruíamnas completamente ou em grande parte Sem equilíbrio no volume nem regularidade no curso variando extremamente em condições de navegabilidade e de utilidade os rios grandes foram colaboradores incertos se é que os possamos considerar colaboradores do homem agrícola na formação econômica e social do nosso país Muito deve o Brasil agrário aos rios menores porém mais regulares onde eles docemente se prestaram a moer as canas a alagar as várzeas a enverdecer os canaviais a transportar o açúcar a madeira e mais tarde o café a servir aos interesses e às necessidades de populações fixas humanas e animais instaladas às suas margens aí a grande lavoura floresceu a agricultura latifundiária prosperou a pecuária alastrouse Rios do tipo do Mamanguape do Una do Pitanga do Paranamirim do Serinhaém do Iguaçu do Cotindiba do Pirapama do Ipojuca do Mundáu do Paraíba foram colaboradores valiosos regulares sem as intermitências nem os transbordamentos dos grandes na organização da nossa economia agrária e da sociedade escravocrata que à sua sombra se desenvolveu Do Paraíba escreveu Alberto Rangel que pelo tempo do braço escravo foi o rio paradisíaco Eufrates das senzalas com Taubaté por metrópole77 Tanto mais rica em qualidade e condições de permanência foi a nossa vida rural do século XVI ao XIX onde mais regular foi o suprimento de água onde mais equilibrados foram os rios ou mananciais Se os grandes rios brasileiros já foram glorificados em monumento e cantada em poema célebre a cachoeira de Paulo Afonso por tanto tempo de um interesse puramente estético para não dizer cenográfico em nossa vida aos rios menores tão mais prestadios falta o estudo que lhes fixe o importante papel civilizador em nossa formação ligados às nossas tradições de estabilidade tanto quanto os outros os mais românticos talvez porém não mais brasileiros às de mobilidade de dinamismo de expansão pelos sertões adentro de bandeirantes e padres à procura de ouro de escravos e de almas para Nosso Senhor Jesus Cristo Os grandes foram por excelência os rios do bandeirante e do missionário que os subiam vencendo dificuldades de quedas de água e de curso irregular os outros os do senhor de engenho do fazendeiro do escravo do comércio de produtos da terra Aqueles dispersaram o colonizador os rios menores fixaramno tornando possível a sedentariedade rural Tendo por base física as águas ainda que encachoeiradas dos grandes rios prolongouse no brasileiro a tendência colonial do português de derramarse em vez de condensarse O bandeirante particularmente tornase desde os fins do século XVI um fundador de subcolônias Ainda não é dono da terra em que nasceu mas simples colonial e já se faz de senhor das alheias em um imperialismo que tanto tem de ousado quanto de precoce Com o bandeirante o Brasil autocolonizase Já Pedro Dantas fixou essa possível constante da nossa história derramamonos em superfície antes de nos desenvolvermos em densidade e profundidade78 A mesma tendência dispersiva da expansão colonial portuguesa No Brasil prolongouse a tendência talvez vinda de longe do semita79 no que pareceu a Alberto Torres o nosso afã de ir estendendo populações aventureiras e empresas capitalistas por todo o território Afã que ao seu ver devíamos contrariar por uma política de conservação da natureza de reparação das regiões estragadas de concentração das populações nas zonas já abertas à cultura sendo educado o homem para aproveitálas e para fazer frutificar valorizandoas80 Outra coisa não desejaria Pedro Dantas para o Brasil de hoje que essa concentração das populações dinâmicas nas zonas já abertas à cultura que o nosso desenvolvimento se processasse em densidade e profundidade Esta foi aliás a tendência esboçada no Brasil agrário de senhores de engenho e fazendeiros de que Azevedo Amaral se mostra tão severo crítico nas páginas dos Ensaios brasileiros81 Se é certo que o furor expansionista dos bandeirantes conquistounos verdadeiros luxos de terras é também exato que nesse desadoro de expansão comprometeuse a nossa saúde econômica e quase que se comprometia a nossa unidade política Felizmente aos impulsos de dissensão e aos perigos deles decorrentes de diferenciação e separatismo opuseramse desde o início da nossa vida colonial forças quase da mesma agressividade neutralizandoos ou pelo menos amolecendoos A começar pelo físico da região formando aquele ensemble naturel que Horace Say há quase um século contrastava com o da América espanhola Aucune limite ne sélève pour séparer les diverses provinces les unes des autres et cest là un avantage de plus que les possessions portugaises ont eu sur les possessions espagnoles en Amérique82 A mesma mobilidade que nos dispersa desde o século XVI em paulistas e pernambucanos ou paulistas e baianos e daí ao século XIX em vários subgrupos mantémnos em contato em comunhão mesmo através de difícil mas nem por isso infrequente intercomunicação colonial Fluminenses e paulistas estiveram a combater na Bahia e em Pernambuco que se defendiam do holandês lembra Manuel Bonfim a propósito da afirmativa de Euclides da Cunha de que essa luta do Norte contra o estrangeiro se realizara com divórcio completo das gentes meridionais São também paulistas que aco dem aos repetidos chamados da Bahia na defesa contra o gentio Aimoré como na defesa contra o holandês como a Pernambuco para resolver o caso dos Palmares83 Mais tarde é ainda Bonfim quem o destaca espontaneamente correm os cearenses a socorrer o Piauí ainda dominado pelas tropas portuguesas e juntos piauíenses e cearenses vão em prol do Maranhão84 pela mesma época correm os pernambucanos em auxílio da Bahia alcançando com os baianos a vitória de 2 de julho Os jesuítas foram outros que pela influência do seu sistema uniforme de educação e de moral sobre um organismo ainda tão mole plástico quase sem ossos como o da nossa sociedade colonial nos séculos XVI e XVII contribuíram para articular como educadores o que eles próprios dispersavam como catequistas e missionários Estavam os padres da S J em toda parte moviamse de um extremo ao outro do vasto território colonial estabeleceram permanente contato entre os focos esporádicos de colonização através da línguageral entre os vários grupos de aborígines85 Sua mobilidade como a dos paulistas se por um lado chegou a ser perigosamente dispersiva por outro lado foi salutar e construtora tendendo para aquele unionismo em que o professor João Ribeiro surpreendeu uma das grandes forças sociais da nossa história86 Para o unionismo preparanos aliás a singular e especialíssima situação do povo colonizador o qual chega às praias americanas unido política e juridicamente e por maior que fosse a sua variedade íntima ou aparente de etnias e de crenças todas elas acomodadas à organização política e jurídica do Estado unido à Igreja Católica Como observa M Bonfim a formação de Portugal se caracteriza por uma precocidade política tal que o pequeno reino nos aparece como a primeira nação completa na Europa do século XVI Observação que já fizera Stephens na sua The story of Portugal87 Os portugueses não trazem para o Brasil nem separatismos políticos como os espanhóis para o seu domínio americano nem divergências religiosas como os ingleses e franceses para as suas colônias Os marranos em Portugal não constituíam o mesmo elemento intransigente de diferenciação que os huguenotes na França ou os puritanos na Inglaterra eram uma minoria imperecível em alguns dos seus característicos economicamente odiosa porém não agressiva nem perturbadora da unidade nacional Ao contrário a muitos respeitos nenhuma minoria mais acomodática e suave O Brasil formouse despreocupados os seus colonizadores da unidade ou pureza de raça Durante quase todo o século XVI a colônia esteve escancarada a estrangeiros só importando às autoridades coloniais que fossem de fé ou religião católica Handelmann notou que para ser admitido como colono do Brasil no século XVI a principal exigência era professar a religião cristã somente cristãos e em Portugal isso queria dizer católicos podiam adquirir sesmarias Ainda não se opunha todavia continua o historiador alemão restrição alguma no que diz respeito à nacionalidade assim é que católicos estrangeiros podiam emigrar para o Brasil e aí estabelecerse 88 Oliveira Lima salienta que no século XVI Portugal tolerava em suas possessões muitos estrangeiros não sendo a política portuguesa de colonização e povoamento a de rigoroso exclusivismo posteriormente adotado pela Espanha89 Através de certas épocas coloniais observouse a prática de ir um frade a bordo de todo navio que chegasse a porto brasileiro a fim de examinar a consciência a fé a religião do adventício90 O que barrava então o migrante era a heterodoxia a mancha de herege na alma e não a mongólica no corpo Do que se fazia questão era da saúde religiosa a sífilis a bouba a bexiga a lepra entraram livremente trazidas por europeus e negros de várias procedências O perigo não estava no estrangeiro nem no indivíduo disgênico ou cacogênico mas no herege Soubesse rezar o padrenosso e a avemaria dizer creioemDeusPadre fazer o pelosinaldaSantaCruz e o estranho era bemvindo no Brasil colonial O frade ia a bordo indagar da ortodoxia do indivíduo como hoje se indaga da sua saúde e da sua raça Ao passo que o anglosaxão nota Pedro de Azevedo só considera de sua raça o indivíduo que tem o mesmo tipo físico o português esquece raça e considera seu igual aquele que tem religião igual à que professa91 Temiase no adventício acatólico o inimigo político capaz de quebrar ou de enfraquecer aquela solidariedade que em Portugal se desenvolvera junto com a religião católica Essa solidariedade mantivesse entre nós esplendidamente através de toda a nossa formação colonial reunindonos contra os calvinistas franceses contra os reformados holandeses contra os protestantes ingleses Daí ser tão difícil na verdade separar o brasileiro do católico o catolicismo foi realmente o cimento da nossa unidade92 Nos começos da nossa sociedade colonial encontramos em união com as famílias de origem portuguesa estrangeiros de procedências diversas sendo que alguns filhos de países reformados ou tocados de heresia Arzam Bandemborg Bentinck Lins Cavalcanti Doria Hollanda Accioly Furquim Novilher Barewel Lems mais tarde no século XVII Van der Lei93 Ainda outros cujos nomes se dissolveram nos portugueses Os originários de terras protestantes ou já eram católicos ou aqui se converteram o bastante para que fossem recebidos na intimidade da nossa vida social e até política aqui constituíssem família casando com a melhor gente da terra e adquirissem propriedade agrícola influência e prestígio Sílvio Romero observa que no Brasil foram o catecismo dos jesuítas e as Ordenações do Reino que garantiram desde os primórdios a unidade religiosa e a do direito94 Por sua vez o mecanismo da administração colonial a princípio com tendências feudais sem aquela adstringência do espanhol antes frouxo bambo deixando à vontade as colônias e em muitos respeitos os donatários quando o endureceu a criação do governogeral foi para assegurar a união de umas capitanias com as outras conservandoas sob os mesmos provedoresmores o mesmo governadorgeral o mesmo Conselho Ultramarino a mesma Mesa de Consciência embora separandoas no que fosse possível sujeitar cada uma de per si a tratamento especial da metrópole Visavase assim impedir que a consciência nacional que fatalmente nasceria de uma absoluta igualdade de tratamento e de regime administrativo sobrepujasse à regional mas não ao ponto de sacrificarse a semelhante medida de profilaxia contra o perigo do nacionalismo na colônia a sua unidade essencial assegurada pelo catecismo e pelas Ordenações pela liturgia católica e pela língua portuguesa auxiliada pela geral de criação jesuítica As condições físicas no Brasil que poderiam ter concorrido para aprofundar a extremos perigosos as divergências regionais não só toleradas como até estimuladas ao ponto de assegurarem a colônia tão extensa a relativa saúde política de que sempre gozou as condições físicas não agiram senão fracamente no sentido separatista através de diferenças consideráveis porém não dominadoras de clima e de qualidade física e química de solo de sistema de alimentação e de forma de cultura agrícola Podese antes afirmar que tais condições concorreram no Brasil para que as colônias se conservassem unidas e dentro do parentesco da solidariedade assegurada pelas tendências e pelos processos da colonização portuguesa regionalista mas não separatista unionista no melhor sentido no que justamente coincidia com o interesse da catequese católica O clima não variando de norte a sul nem da altitude máxima à mínima o bastante para criar diferenças profundas no gênero de vida colonial nem variando a qualidade física e química do solo ao ponto de estimular o desenvolvimento de duas sociedades radicalmente antagônicas nos interesses econômicos e sociais venceu a tendência no sentido da uniformização Por mais que a comprometesse a espantosa mobilidade dos bandeirantes e missionários sua influência se fez sentir desde o primeiro século de povoamento e de expansão territorial A canadeaçúcar começou a ser cultivada igualmente em São Vicente e em Pernambuco estendendose depois à Bahia e ao Maranhão a sua cultura que onde logrou êxito medíocre como em São Vicente ou máximo como em Pernambuco no Recôncavo e no Maranhão trouxe em consequência uma sociedade e um gênero de vida de tendências mais ou menos aristocráticas e escravocratas Por conseguinte de interesses econômicos semelhantes O antagonismo econômico se esboçaria mais tarde entre os homens de maior capital que podiam suportar os custos da agricultura da cana e da indústria do açúcar e os menos favorecidos de recursos obrigados a se espalharem pelos sertões em busca de escravos espécie de capital vivo ou a ficarem por lá como criadores de gado Antagonismo que a terra vasta pôde tolerar sem quebra do equilíbrio econômico Dele resultaria entretanto o Brasil antiescravocrata ou indiferente aos interesses da escravidão representado pelo Ceará em particular e de modo geral pelo sertanejo ou vaqueiro A igualdade de interesses agrários e escravocratas que através dos séculos XVI e XVII predominou na colônia toda ela dedicada com maior ou menor intensidade à cultura do açúcar não a perturbou tão profundamente como à primeira vista parece a descoberta das minas ou a introdução do cafeeiro Se o ponto de apoio econômico da aristocracia colonial deslocouse da canadeaçúcar para o ouro e mais tarde para o café mantevese o instrumento de exploração o braço escravo Mesmo porque a divergência de interesses que se de finiu a diferença de técnica de exploração econômica entre o Nordeste persistentemente açucareiro e a capitania de Minas Gerais e entre estes e São Paulo cafeeiro de algum modo compensouse nos seus efeitos separatistas pela migração humana que o próprio fenômeno econômico provocou dividindo entre a zona açucareira do Nordeste e a mineira e a cafeeira ao Sul um elemento étnico o escravo de origem africana que conservado em bloco pelo Nordeste até então a região mais escravocrata das três por ser a terra por excelência da canadeaçúcar teria resultado em profunda diferença regional de cultura humana Para as necessidades de alimentação foramse cultivando de norte a sul através dos primeiros séculos coloniais quase que as mesmas plantas indígenas ou importadas Na farinha de mandioca fixouse a base do nosso sistema de alimentação Além da farinha cultivouse o milho e por toda parte tornouse quase a mesma a mesa colonial com especializações regionais apenas de frutas e verduras dandolhe mais cor ou sabor local em certos pontos a maior influência indígena em outros um vivo colorido exótico a maior proximidade da África e em Pernambuco por ser o ponto mais perto da Europa conservandose como um equilíbrio entre as três influências a indígena a africana e a portuguesa No planalto paulista onde o sucesso apenas compensador da cultura da cana fez que se desviasse para outras culturas o esforço agrícola dos povoados esboçandose assim como uma tendência salutar para a policultura tentouse no primeiro século de colonização e logrou relativo êxito o plantio regular do trigo Tivesse sido o êxito completo e maior a policultura apenas esboçada e teriam resultado esses dois fatos em profunda diferenciação de vida e de tipo regional Mesmo dentro de sua relatividade tais fatos se fizeram sentir poderosamente na maior eficiência e na mais alta eugenia do paulista comparado com os brasileiros de outras zonas de formação escravocrata agrária e hibrida tanto quanto a deles porém menos beneficiados pelo equilíbrio de nutrição resultante em grande parte das condições referidas O regime nutritivo dos paulistas não teria sido pois dos fatores que menos concorreram para a prosperidade da gente do planalto95 conclui Alfredo Ellis Júnior no sugestivo capítulo que em Raça de gigantes dedica à influência do clima e da nutrição sobre o desenvolvimento eugênico dos paulistas De modo geral em toda parte onde vingou a agricultura dominou no Brasil escravocrata o latifúndio sistema que viera privar a população colonial do suprimento equilibrado e constante de alimentação sadia e fresca Muito da inferioridade física do brasileiro em geral atribuída toda à raça ou vaga e muculmanamente ao clima derivase do mau aproveitamento dos nossos recursos naturais de nutrição Os quais sem serem dos mais ricos teriam dado para um regime alimentar mais variado e sadio que o seguido pelos primeiros colonos e por seus descendentes dentro da organização latifundiária e escravocrata É ilusão suporse a sociedade colonial na sua maioria uma sociedade de gente bemalimentada Quanto à quantidade eramno em geral os extremos os brancos das casasgrandes e os negros das senzalas Os grandes proprietários de terras e os pretos seus escravos Estes porque precisavam de comida que desse para os fazer suportar o duro trabalho da bagaceira Sucedía porém que os plantadores de cana como o de que vivem é somente do que granjeiam com tais escravos os de Guiné não ocupavam quase os seus negros a nenhum deles em coisa que não fosse tocante à lavoura que professam96 Daí conclui o autor dos Diálogos das grandezas do Brasil que escreveu suas notas nos princípios do século XVII resulta a carestia e falta destas coisas97 Adversas ao trigo as condições de clima e de solo quase que só insistiram em cultiválo os padres da S J para o preparo de hóstias E a farinha de mandioca usada em lugar do trigo abandonam os plantadores de cana a sua cultura aos caboclos instáveis Daí pela ausência quase completa do trigo entre os nossos recursos ou possibilidades naturais de nutrição o rebaixamento do padrão alimentar do colonizador português pela instabilidade na cultura da mandioca abandonada aos índios agricultores irregulares a conseqüente instabilidade do nosso regime de alimentação Ao que deve acrescentarse a falta de carne fresca de leite e de ovos e até de legumes em várias das zonas de colonização agrária e escravocrata talvez em todas elas com a só exceção e essa mesma relativa do planalto paulista De modo que admitida a influência da dieta influência talvez exagerada por certos autores modernos98 sobre o desenvolvimento físico e econômico das populações temos que reconhecer ter sido o regime alimentar do brasileiro dentro da organização agrária e escravocrata que em grande parte presidiu a nossa formação dos mais deficientes e instáveis Por ele possivelmente se explicarão importantes diferenças somáticas e psíquicas entre o europeu e o brasileiro atribuídas exclusivamente à miscigenação e ao clima É certo que deslocandose a responsabilidade do clima ou da miscigenação para a dieta na acentuação de tais diferenças não se tem inocentado de todo o primeiro afinal dele e das qualidades químicas do solo é que depende em grande parte o regime alimentar seguido pela população Que condições senão as físicas e químicas de solo e de clima determinam o caráter da vegetação espontânea e as possibilidades da agrícola e através desse caráter e dessas possibilidades o caráter e as possibilidades do homem No caso da sociedade brasileira o que se deu foi acentuarse pela pressão de uma influência econômicosocial a monocultura a deficiência das fontes naturais de nutrição que a policultura teria talvez atenuado ou mesmo corrigido e suprido através do esforço agrícola regular e sistemático Muitas daquelas fontes foram por assim dizer pervertidas outras estancadas pela monocultura pelo regime escravocrata e latifundiário que em vez de desenvolvêlas abafouas secandolhes a espontaneidade e a frescura Nada perturba mais o equilíbrio da natureza que a monocultura principalmente quando é de fora a planta que vem dominar a região nota o professor Konrad Guenther99 Exatamente o caso brasileiro Na formação da nossa sociedade o mau regime alimentar decorrente da monocultura por um lado e por outro da inadaptação ao clima100 agiu sobre o desenvolvimento físico e sobre a eficiência econômica do brasileiro no mesmo mau sentido do clima deprimente e do solo quimicamente pobre A mesma economia latifundiária e escravocrata que tornou possível o desenvolvimento econômico do Brasil sua relativa estabilidade em contraste com as turbulências nos países vizinhos envenenouo e perverteuo nas suas fontes de nutrição e de vida Melhor alimentados repetimos eram na sociedade escravocrata os extremos os brancos das casasgrandes e os negros das senzalas Natural que dos escravos descendam elementos dos mais fortes e sadios da nossa população Os atletas os capoeiras os cabras os marujos E que da população média livre mas miserável provenham muitos dos piores elementos dos mais débeis e incapazes É que sobre eles principalmente é que têm agido aproveitandose da sua fraqueza de gente malalimentada a anemia palúdia o beribéri as verminoses a sífilis a bouba E quando toda essa quase inútil população de caboclos e brancarões mais valiosa como material clínico do que como força econômica se apresenta no estado de miséria física e de inércia improdutiva em que a surpreenderam Miguel Pereira e Belisário Pena os que lamentam não sermos puros de raça nem o Brasil região de clima temperado o que logo descobrem naquela miséria e naquela inércia é o resultado dos coitos para sempre danados de brancos com pretas de portugues com índias É da raça a inércia ou a indolência Ou então é do clima que só serve para o negro E sentenciase de morte o brasileiro porque é mestiço e o Brasil porque está em grande parte em zona de clima quente Do que pouco ou nenhum caso tem feito essa sociologia mais alarmada com as manchas da mestiçagem do que com as da sífilis mais preocupada com os efeitos do clima do que com os de causas sociais suscetíveis de controle ou retificação e da influência que sobre as populações mestiças principalmente as livres terão exercido não só a escassez de alimentação devida à monocultura e ao regime do trabalho escravo como a pobreza química dos alimentos tradicionais que elas ou antes que todos os brasileiros com uma ou outra exceção regional há mais de três séculos consomem é da irregularidade no suprimento e da má higiene na conservação e na distribuição de grande parte desses gêneros alimentícios São populações ainda hoje ou melhor hoje mais do que nos tempos coloniais pessimamente nutridas Entre caboclos do Norte as pesquisas de Araújo Lima fizeramno concluir que a maior parte desse elemento liricamente considerado pelos ingênuos a grande reserva de vitalidade brasileira vive reduzida a um estado de inferioridade orgânica às vezes de falência declarada O caboclo escreve esse higienista anula o seu valor econômico e social numa insuficiência nutritiva que secundada pelo alcoolismo e pela dupla ação distrófica do impaludismo e das verminoses tem de ser reconhecida como um dos fatores de sua inferioridade física e intelectual101 E não só terá sido afetada pela má ou insuficiente alimentação a grande massa de gente livre mas miserável como também aqueles extremos da nossa população as grandes famílias proprietárias e os escravos das senzalas em que Couty foi encontrar na falta de povo as únicas realidades sociais no Brasil102 Senhores e escravos que se consideramos bemalimentados em certo sentido estes melhor que aqueles103 é apenas em relação aos matutos caipiras caboclos agregados e sertanejos pobres os seis milhões de inúteis do cálculo de Couty para uma população de doze o vácuo enorme que lhe pareceu haver no Brasil entre os senhores das casasgrandes e os negros das senzalas La situation fonttionnalle de cette population peut se résumer dun mot le Brésil na pas de peuple escreveu Couty104 Palavras que Joaquim Nabuco repetiria dois anos depois do cientista francês São milhões escrevia Nabuco em 1883 que se acham nessa condição intermédia que não é o escravo mas também não é o cidadão Párias inúteis vivendo em choças de palha dormindo em rede ou estrado a vasilha de água e a panela seus únicos utensílios sua alimentação a farinha com bacalhau ou charque e a viola suspensa ao lado da imagem105 Os próprios senhores de engenho dos tempos coloniais que através das crônicas de Cardim e de Soares nos habituamos a imaginar uns regalões no meio de rica variedade de frutas maduras verduras frescas e lombos de excelente carne de boi gente de mesa farta comendo como uns desadorados eles suas famílias seus aderentes seus amigos seus hóspedes os próprios senhores de engenho de Pernambuco e da Bahia nutriamse deficientemente carne de boi má e só uma vez ou outra os frutos poucos e bichados os legumes raros A abundância ou excelência de víveres que se surprendesse seria por exceção e não geral entre aqueles grandes proprietários Grande parte de sua alimentação davamse eles ao luxo tolo de mandar vir de Portugal e das ilhas do que resultava consumirem víveres nem sempre bem conservados carne cereais e até frutos secos depreciados nos seus princípios nutritivos quando não deteriorados pelo mau acondicionamento ou pelas circunstâncias do transporte irregular e moroso Por mais esquisito que pareça faltavam à mesa da nossa aristocracia colonial legumes frescos carne verde e leite Daí certamente muitas das doenças do aparelho digestivo106 comuns na época e por muito doutor caturra atribuídas aos maus ares Pelo antagonismo que cedo se definiu no Brasil entre a grande lavoura ou melhor a monocultura absorvente do litoral e a pecuária por sua vez exclusivista dos sertões uma se afastando da outra quanto possível viuse a população agrícola mesmo a rica a opulenta senhora de léguas de terra privada do suprimento regular e constante de alimentos frescos Cowan tem razão quando apresenta o desenvolvimento histórico da maior parte dos povos condicionado pelo antagonismo entre a atividade nômade e a agrícola107 No Brasil esse antagonismo atuou desde os primeiros tempos sobre a formação social do brasileiro em uns pontos favoravelmente nesse da alimentação desfavoravelmente Da Bahia tão típica da agricultura latifundiária por um lado e da pecuária absorvente por outro que uma imensa parte de suas terras chegou a pertencer quase toda a duas únicas famílias a do Senhor da Torre e a do mestredecampo Antônio Guedes de Brito a primeira com 260 léguas de terra pelo rio de São Francisco acima à mão direita indo para o sul e indo do dito rio para o norte 80 léguas a segunda com 160 léguas desde o morro dos Chapéus até à nascente do rio das Velhas108 da Bahia latifundiária sabese que os grandes proprietários de terra a fim de não padecerem danos nas duas lavouras a de açúcar ou a de tabaco evitavam nos vastos domínios agrícolas os animais domésticos sendo as ovelhas e as cabras consideradas como criaturas inúteis109 os porcos difíceis por se tornarem monteses com o abandono o gado vacum insuficiente para o serviço dos engenhos gastos dos açougues e fornecimento dos navios110 Na zona agrícola tamanho foi sempre o descuido por outra lavoura exceto a da canadeaçúcar ou a do tabaco que a Bahia com todo o seu fasto chegou no século XVIII a sofrer de extraordinária falta de farinhas pelo que de 1788 em diante mandaram os governadores da capitania incluir nas datas de terra a cláusula de que ficava o proprietário obrigado a plantar mil covas de mandioca por cada escravo que possuísse empregado na cultura da terra111 Uma espécie de providência tomada pelo conde de Nassau com relação aos senhores de engenho e aos lavradores de Pernambuco no século XVII112 É certo que o padre Fernão Cardim nos seus Tratados está sempre a falar da fartura de carne de aves e até verduras e de frutas com que foi recebido por toda parte no Brasil do século XVI entre os homens ricos e os colégios de padres113 Mas de Cardim devese tomar em consideração o seu caráter de padre visitador recebido nos engenhos e colégios com festas e jantares excepcionais Era um personagem a quem todo agrado que fizes sem os colonos era pouco a boa impressao que lhe causassem a mesa farta e os leitos macios dos grandes senhores de escravos talvez atenuasse a péssima da vida dissoluta que todos eles levavam nos engenhos de açucar os peccados que se cometem nelles nos engenhos não tem conta quasi todos andam amanecbados por causa das muitas occasioes bem cheio de peccados vai esse doce por que tanto fazem grande é a paciência de Deus que tanto sofre Pelos grandes jantares e banquetes por essa ostentação de hospitalidade e de fartura não se há de fazer idéia exata da alimentação entre os grandes proprietários muito menos da comum entre o grosso dos moradores Comentando a descrição de um jantar colonial em Boston no século XVIII um jantar de dia de festa com pudim de ameixa carne de porco galinha toucinho bife carne de carneiro peru assado molho grosso bolos pastéis queijos etc todo um excesso de proteína de origem animal o professor Percy Goldthwait Stiles de Harvard observa muito sensatamente que semelhante fartura talvez não fosse típica do regime alimentar entre os colonos da Nova Inglaterra do ordinário do comum do de todo dia Que as festas gastronômicas entre eles talvez se compensassem com os jejuns O que parece poder aplicarse com literal exatidão aos banquetes coloniais no Brasil intermeados decerto por muita parcimônia alimentar quando não pelos jejuns e pelas abstinências mandadas observar pela Santa Igreja Desta a sombra matriarcal se projetava então muito mais dominadora e poderosa sobre a vida íntima e doméstica dos fiéis do que hoje Impossível concluir dos banquetes que o padre Cardim descreve e a que alude Soares que fosse sempre de fartura o passado dos colonos forte e variada sua alimentação que o Brasil dos primeiros séculos coloniais fosse o tal país de Cocagne da insinuação um tanto literária de Capistrano de Abreu É ainda no próprio Cardim que vamos recolher este depoimento de um flagrante realismo no Colégio da Bahia nunca falta um copinho de vinho de Portugal sem o qual nao se sustenta bem a natureza por a terra ser desleixada e os mantimentos fracos Notese de passagem que nesse mesmo vinho de Portugal os puritanos da Nova Inglaterra afogavam a sua tristeza País de Cocagne coisa nenhuma terra de alimentação incerta e vida difícil é que foi o Brasil dos três séculos coloniais A sombra da monocultura esterilizando tudo Os grandes senhores rurais sempre endividados As saúvas as enchentes as secas dificultando ao grosso da população o suprimento de víveres O luxo asiático que muitos imaginam generalizado ao norte açucareiro circunscreveuse a famílias privilegiadas de Pernambuco e da Bahia E este mesmo um luxo mórbido doentio incompleto Excesso em umas coisas e esse excesso à custa de dívidas deficiências em outras Palanquins forrados de seda mas telhavã nas casasgrandes e bichos caindo na cama dos moradores No Pará no século XVII as famílias de alguns homens nobres não podem vir à cidade pelas festas de Natal 1661 por causa de suas filhas donzelas não terem que vestir para irem ouvir missa Recorda João Lúcio de Azevedo que exprobrando António Vieira à Câmara do Pará não haver na cidade açougue nem ribeira ouvira em resposta ser impossível o remédio como impossível era haver pagamento pelo sustento ordinário E acrescenta A alimentação trivial de caça e pescado abundante nos primeiros tempos rarefezse à proporção que o número de habitantes aumentava As terras sem amanho nem inteligente cultura perdiam a primitiva fertilidade e os moradores retiravamse passando para outras estâncias suas casas e lavouras Do Maranhão é o padre Vieira quem salienta não haver no seu tempo em todo o Estado acougue nem ribeira nem horta nem tendas onde se vendessem as cousas usuais para o comer ordinário De todo o Brasil é o padre Anchieta quem informa andarem os colonos do século XVI mesmo os mais ricos e honrosos e os missionários de pé descalço a maneira dos indios costume que parece terse prolongado ao século XVII e aos próprios fidalgos olindenses os tais dos leitos de seda para a hospedagem dos padresvisitadores e dos talheres de prata para os banquetes de dia de festa Seus tecidos finos seriam talvez para as grandes ocasiões Por uma cena que Maria Graham presenciou em Pernambuco dos princípios do século XIX parece igualmente ter prevalecido entre nossos fidalgos de garfo de prata para inglês ver mas inglês raramente se deixa iludir por aparências douradas ou prateadas o gosto de comer regaladament com a mão Nem esqueçamos este formidável contraste nos senhores de engenho a cavalo grandes fidalgos de estribo de prata mas em casa uns franciscanos descalços de chambre de chita e às vezes só de ceroulas Quanto às grandes damas coloniais ricas sedas e um luxo de tetéias e jóias na igreja mas na intimidade de cabeção saia de baixo chinelo sem meias Efeitos em parte do clima esse vestuário tão à fresca mas também expressão do franciscanismo colonial no trajar como no comer de muito fidalgo dos dias comuns A própria Salvador da Bahia quando cidade dos vicereis habitada por muito ricaco português e da terra cheia de fidalgos e de frades notabilizouse pela péssima e deficiente alimentação Tudo faltava carne fresca de boi aves leite legumes frutas e o que aparecia era da pior qualidade ou quase em estado de putrefação Fartura só a de doce geléias e pastéis fabricados pelas freiras nos conventos era com que se arredondava a gordura dos frades e das sinhádonas Má nos engenhos e péssima nas cidades tal a alimentação da sociedade brasileira nos séculos XVI XVII e XVIII Nas cidades péssima e escassa O bispo de Tucumã tendo visitado o Brasil no século XVII observou que nas cidades mandava comprar um frangão quatro ovos e um peixes nada lhe traziam porque nada se achava na praça nem no açougue tinha que recorrer às casas particulares dos ricos As cartas do padre Nóbrega falamnos da falta de mantimentos e Anchieta refere nas suas que em Pernambuco não havia matadouro na vila precisando os padres do colégio de criar algumas cabeças de bois e vacas para sustento seu e dos meninos se assim não o fizessem não teria o que comer E acrescenta Todos sustentamse mediocrement ainda que com trabalho por as cousas valerem mui caras e tresdobro do que em Portugal Da carne de vaca informa não ser gorda não muito gorda por não ser a terra fertil de pastos E quanto a legumes da terra ha muito poucos É ainda do padre Anchieta a informação Alguns ricos comem pão de farinha de trigo de Portugal maxime em Pernambuco e Bahia e de Portugal também lhes vem vinho azeite vinagre azeitona queijo conserva e outras cousas de comer Era uma dieta a da Bahia dos vicereis com os seus fidalgos e burgueses ricos vestidos sempre de seda de Génova de linhos e algodão da Holanda e da Inglaterra e até de tecidos de ouro importados de Paris e de Lião era uma dieta a deles em que na falta de carne verde se abusava de peixe variandose apenas o regime ictiófago com carnes salgadas e queijosdoreino importados da Europa juntamente com outros artigos de alimentação Não se vê carneiro é raro é o gado bovino que preste informava sobre a Bahia o abade Reynal Nem carne de vaca nem de carneiro nem mesmo de galinha Nem frutas nem legumes que legumes eram raros na terra e frutos quase que só chegavam à mesa já bichados ou então tirados verdes para escaparem à gana dos passarinhpos dos tapurus e dos insetos A carne que se encontrava era magra de gado vindo de longe dos sertões sem pastos que o refizessem da penosa viagem Porque as grandes lavouras de açucar ou de tabaco não se deixavam manchar de pastos para os bois descidos dos sertões e destinados ao corte Bois e vacas que não fossem os de serviço eram como se fossem animais danados para os latifundiários Vacas leiteiras sabese que havia poucas nos engenhos coloniais quase não se fabricando neles nem queijos nem manteiga nem se comendo senão uma vez por outra carne de boi Isto explica Capistrano de Abreu pela dificuldade de criar reses em lugares impróprios à sua propagação Dificuldade que reduziu este gado ao estritamente necessário ao serviço agrícola Era a sombra da monocultura projetandose por léguas e léguas em volta das fábricas de açucar e a tudo esterilizando ou sufocando menos os canaviais e os homens e bois a seu serviço Não só na Bahia em Pernambuco e no Maranhão como em Sergipe delRei e no Rio de Janeiro verificouse com maior ou menor intensidade através do período colonial o fenômeno tão perturbador da eugenia brasileira da escassez de víveres frescos quer animais quer vegetais Mas talvez em nenhum ponto tão agudamente como em Pernambuco Nessa capitania por excelência açucareira e latifundiária onde ao findar o século XVIII e principiar o XIX calculavase a melhor terra agrícola vizinha do mar no domínio de oito ou dez senhores de engenho para duzentos vizinhos entre duzentos vizinhos oito ou dez proprietários que de ordinário só permitiam aos rendeiros plantar canna para ficarem com a meação a carestia de mantimentos de primeira necessidade se faz sentir às vezes angustiosamente entre os habitantes Debalde tentara o conde de Nassau no século XVII dar jeito a semelhante desequilíbrio na vida econômica da grande capitania açucareira E como na Bahia e em Pernambuco também no Rio de Janeiro o gado não chegou nunca para o consumo dos açougues e serviço dos engenhos evitandose a sua presença nas plantações de cana e mesmo a sua proximidade e tanto quanto naquelas capitanias do Norte estiveram sempre as terras no Rio de Janeiro concentradas nas mãos de poucos grandes latifundiários plantadores de cana inclusive os frades do mosteiro de São Bento Sob semelhante regime de monocultura de latifúndio e de trabalho escravo não desfrutou nunca a população da abundância de cereais e legumes verdes De modo que a nutrição da família colonial brasileira a dos engenhos e notadamente a das cidades surpreendenos pela má qualidade pela pobreza evidente de proteínas de origem animal e possível de albuminóides em geral pela falta de vitaminas pela de cálcio e de outros sais minerais e por outro lado pela riqueza certa de toxinas O brasileiro de boa estirpe rural dificilmente poderá como o inglês voltarse para o longo passado de família na certeza de dez ou doze gerações de avós bemalimentados de bifesteque e legumes de leite e ovos de aveia e frutas a lhe assegurarem de longe o desenvolvimento eugênico a saúde sólida a robustez física tão difíceis de ser perturbadas ou afetadas por outras influências sociais quando predomina a da higiene de nutrição Se a quantidade e a composição dos alimentos não determinam sozinhas como querem os extremistas os que tudo crêem poder explicar pela dieta as diferenças de morfologia e de psicologia o grau de capacidade econômica e de resistência às doenças entre as sociedades humanas sua importância é entretanto considerável como o vão revelando pesquisas e inquéritos nesse sentido Já se tenta hoje retificar a antropogeografia dos que esquecendo os regimes alimentares tudo atribuem aos fatores raça e clima nesse movimento de retificação deve ser incluída a sociedade brasileira exemplo de que tanto servem os alarmistas da mistura de raças ou da malignidade dos trópicos a favor da sua tese de degeneração do homem por efeito do clima ou da miscigenação É uma sociedade a brasileira que a indagação histórica revela ter sido em larga fase do seu desenvolvimento mesmo entre as classes abastadas um dos povos modernos mais desprestigiados na sua eugenia e mais comprometidos na sua capacidade econômica pela deficiência de alimento Aliás a indagação levada mais longe aos antecedentes do colonizador europeu do Brasil mesmo dos colonos de prol revelanos no peninsular dos séculos XV e XVI como adiante veremos um povo profundamente perturbado no seu vigor físico e na sua higiene por um pernicioso conjunto de influências econômicas e sociais Uma delas de natureza religiosa o abuso dos jejuns Podese generalizar sobre as fontes e o regime de nutrição do brasileiro as fontes vegetação e águas ressentemse da pobreza química do solo exíguo em larga extensão de cálcio o regime quando não peca pela deficiência em qualidade tanto quanto em quantidade ressentese sempre da falta de equilíbrio Esta última situação geral inclui as classes abastadas A deficiência pela qualidade e pela quantidade é e tem sido desde o primeiro século o estado de parcimônia alimentar de grande parte da população Parcimônia às vezes disfarçada pela ilusão da fartura que dá a farinha de mandioca intumescida pela água A pobreza de cálcio do solo brasileiro escapa quase de todo ao controle social ou à retificação pelo homem as outras duas causas porém encontram explicação na história social e econômica do brasileiro na monocultura no regime de trabalho escravo no latifúndio responsáveis pelo reduzido consumo de leite ovos e vegetais entre grande parte da população brasileira São suscetíveis de correção ou de controle Se exceptuamos da nossa generalização sobre a deficiência alimentar na formação brasileira as populações paulistas é por terem atuado sobre elas condições um tanto diversas das predominantes no Rio de Janeiro e ao Norte geológicas e meteorológicas favorecendo o esforço agrícola generalizado e até a cultura embora medíocre do trigo de provável superioridade de composição química do solo dando em resultado maior riqueza dos produtos destinados à alimentação sociais e econômicas da parte dos primeiros povoados que não sendo gente das mesmas tradições e tendências rurais nem dos mesmos recursos pecuniários dos colonizadores de Pernambuco mas na maior parte ferreiros carpinteiros alfaiates pedreiros tecelões entregaramse antes à vida semirural e gregária que à latifundiária e de monocultura e ainda econômicas por ter prevalecido no planalto paulista a concentração das duas atividades a agrícola e a pastoril em vez da divisão quase balcânica em esforços separados e por assim dizer inimigos que condicionou o desenvolvimento da Bahia do Maranhão de Pernambuco do Rio de Janeiro As generalizações do professor Oliveira Vianna que nos pintou com tão bonitas cores uma população paulista de grandes proprietários e opulentos fidalgos rústicos têm sido retificadas naqueles seus falsos dourados e azuis por investigadores mais realistas e melhor documentados que o ilustre sociólogo das Populações meridionais do Brasil Afonso de E Taunay Alfredo Ellis Júnior Paulo Prado e Alcântara Machado Baseados nesses autores e na documentação riquíssima mandada publicar por Washington Luís é que divergimos do conceito de ter sido a formação paulista latifundiária e aristocrática tanto quanto a das capitanias açucareiras do Norte Ao contrário não obstante as profundas perturbações do bandeirismo foi talvez a que se processou com mais equilíbrio Principalmente no tocante ao sistema de alimentação Muito equilibrada além de farta teria sido a nutrição nos primeiros séculos quanto aos seus elementos químicos escreve da alimentação dos povoadores paulistas Alfredo Ellis Júnior que para afirmálo baseiase em informações dos Inventários e testamentos pois acrescenta não só tinham eles em abundância a proteína da carne de seus rebanhos de bovinos como também lhes sobrava a carne de porco que é rica em matérias gordurosas de grande valor o que os fazia carnívoros além de copiosa variedade na alimentação cerealífera como o trigo a mandioca o milho o feijão etc cujas plantações semeavam às redondezas paulistanas e que contêm elevada percentagem de hidrocarbonatos muito ricos em calorias É ainda Alfredo Ellis Júnior que lembra esta observação de Martius sobre as populações paulistas que o caráter das doenças em São Paulo diferia consideravelmente das condições patológicas observadas no Rio de Janeiro Martius atribui o fato à diferença de clima fator que estava então em moda exaltarse e vagamente a diferenças de constituição dos habitantes Fosse mais longe no diagnóstico e chegaria sem dúvida a importante causa ou fato social determinante daquela diferença de condições patológicas entre populações tão próximas Essa causa a diferença nos dois sistemas de nutrição Um o deficiente de populações sufocadas no seu desenvolvimento eugênico e econômico pela monocultura o outro equilibrado em virtude da maior divisão de terras e melhor coordenação de atividades a agrícola e a pastori entre os paulistas Destes a saúde econômica se transmitiria mais tarde aos mineiros os quais passada a fase turbulenta do ouro e dos diamantes se aquietariam na gente mais estável mais equilibrada e talvez melhor nutrida do Brasil Cremos poderse afirmar que na formação do brasileiro considerada sob o ponto de vista da nutrição a influência mais salutar tem sido a do africano quer através dos valiosos alimentos principalmente vegetais que por seu intermédio vieramnos da África quer através do seu regime alimentar melhor equilibrado do que o do branco pelo menos aqui durante a escravidão Dizemos aqui como escravo porque bem ou mal os senhores de engenho tiveram no Brasil o seu arremedo de taylorismo procurando obter do escravo negro comprado caro o máximo de esforço útil e não simplesmente o máximo de rendimento Da energia africana ao seu serviço cedo aprenderam muitos dos grandes proprietários que abusada ou esticada rendia menos que bem conservada daí passarem a explorar o escravo no objetivo do maior rendimento mas sem prejuízo da sua normalidade de eficiência A eficiência estava no interesse do senhor conservar no negro seu capital sua máquina de trabalho alguma coisa de si mesmo de onde a alimentação farta e reparadora que Peckolt observou dispensarem os senhores aos escravos no Brasil A alimentação do negro nos engenhos brasileiros podia não ser nenhum primor de culinária mas faltar nunca faltava E sua abundância de milho toucinho e feijão recomendaa como regime apropriado ao duro esforço exigido do escravo agrícola O escravo negro no Brasil parecenos ter sido com todas as deficiências do seu regime alimentar o elemento melhor nutrido em nossa sociedade patriarcal e dele parece que numerosos descendentes conservaram bons hábitos alimentares explicandose em grande parte pelo fator dieta repetimos serem em geral de ascendência africana muitas das melhores expressões de vigor ou de beleza física em nosso país as mulatas as baianas as crioulas as quadraronas as oitavanas os cabras de engenho os fuzileiros navais os capoeiras os capangas os atletas os estivadores no Recife e em Salvador muitos dos jagunços dos sertões baianos e dos cangaceiros do Nordeste A exaltação lírica que se faz entre nós do caboclo isto é do indígena tanto quanto do índio civilizado ou do mestiço de índio com o branco no qual alguns querem enxergar o expoente mais puro da capacidade física da beleza e até da resistência moral da subraça brasileira não corresponde senão superficialmente à realidade Nesse ponto já o mestre ilustre que é o professor RoquettePinto insinuou a necessidade de retificarse Euclides da Cunha nem sempre justo nas suas generalizações Muito do que Euclides exaltou como valor da raça indígena ou da subraça formada pela união do branco com o índio são virtudes provindas antes da mistura das três raças que da do índio com o branco ou tanto do negro quanto do índio ou do português A mestiçagem diz RoquettePinto deu o jagunço o jagunço não é mameluco filho de índio e branco Euclides estudouo na Bahia Bahia e Minas são os dois estados da União em que mais se espalhou o africano Salienta mais o antropólogo brasileiro que é grave erro acreditar que no grande sertão central e na baixada amazônica o sertanejo seja só caboclo Tanto nas chapadas do Nordeste como nos seringais acrescenta há cafuzos ou caborés representantes de uma parte de sangue africano E sublinha o fato de muito negro ter deixado o litoral ou a zona açucareira para ir se aquilombar no sertão Muitos escravos fugiam para se aquilombar nas matas nas vizinhanças de tribos índias A fuga das mulheres era mais difícil de sorte que o rapto das índias foi largamente praticado pelos pretos quilombolas Já no seu estudo Rondônia RoquettePinto publicara interessante documentação por ele desencantada do arquivo do Instituto Histórico Brasileiro sobre os caborés da serra do Norte em pleno Brasil central híbridos de negros fugidos das minas com mulheres índias por eles raptadas Os raptos a que se entregaram por toda parte os negros aquilombados não foram apenas de sabinas pretas pelos engenhos como diz Ulisses Brandão mas também e principalmente de caboclas Gastão Cruls viajando há anos pelo baixo Cuminá deu com vários remanescentes de antigos mucambos ou quilombos isto é de negros fugidos de engenhos e de fazendas Aliás escreve ele quase todos os rios da Amazônia tiveram desses refúgios de escravos e até no alto Içá Crevaux foi surpresar a choça de uma preta velha Por onde se vê que até mesmo onde se supõe conservarse mais puro o sangue ameríndio ou o híbrido de portuguës com índio chegou o africano ao coração mesmo da Amazônia à serra do Norte e aos sertões A suposta imunidade absoluta do sertanejo do sangue ou da influência africana não resiste a exame demorado Se são numeroso os brancos puros em certas zonas sertanejas em outras se fazem notar resíduos africanos Um estudo interessantíssimo a fazer seria a localização de redutos de antigos escravos que teriam borrado de preto hoje empalidecido muita região central do Brasil Essas concentrações de negros puros correspondem necessariamente a manchas da segunda leva de gente européia Quando os povoadors regulares aqui chegaram já foram encontrando sobre o pardo avermelhado da massa indígena aquelas manchas de gente mais clara Ainda que sem definida caracterização européia esses mestiços quase pelo puro fato da cor mais próxima da dos brancos e por um ou outro traço de cultura moral ou material já adquirido dos pais europeus devem ter sido um como calço ou forro de carne amortecendo para colonos portugueses ainda virgens de experiências exóticas e os havia decerto numerosos vindos do Norte o choque violento de contato com criaturas inteiramente diversas do tipo europeu Muitos dos primeiros povoadores não fizeram senão dissolverse no meio da população nativa Raros os verdadeiros régulos que fala Paulo Prado os grandes patriarcas brancos que sozinhos no meio dos índios conseguiram em parte sujeitar a sua vontade de europeus bandos consideráveis de gente nativa Mesmo aqueles porém que desaparecem no escuro da vida indígena sem deixar nome impoemse pelas evidentes consequências de sua ação procriadora e sutilizadora à atenção de quem se ocupe da história genética da sociedade brasileira Bem ou mal neles é que madurou essa sociedade Deles se contaminou a formação brasileira de alguns dos seus vícios mais persistentes e característicos taras étnicas diria Azevedo Amaral sociais preferimos dizer A sifulização do Brasil resultou ao que parece dos primeiros encontros alguns fortuitos de praia de europeus com índias Não só de portugueses como de franceses e espanhóis Mas principalmente de portugueses e franceses Degredados cristãosnovos traficantes normandos de madeira de tinta que aqui ficavam deixados pelos seus para irem se acamaradando com os indígenas e que acabavam muitas vezes tomando gosto pela vida desregrada no meio de mulher fácil e à sombra de cajueiros e araçazeiros Oscar da Silva Araújo a quem se devem indagações valiosas sobre o aparecimento da sífilis no Brasil ligao principalmente ao contato dos indígenas com os franceses No século XVI recorda o cientista brasileiro surgiu na França a grande epidemia de sífilis nas crônicas dos contrabandistas dessa época vêemse referências à existência de doenças venéreas entre eles dizimando muitas vezes as populações É de presumir que os aventureiros franceses que comerciavam com os nossos indígenas estivessem também infectados e que tenham sido os introdutores e primeiros propagadores dessa doença entre eles Menos infectados não deviam estar os portugueses gente ainda mais móvel e sensual que os franceses 0 mal que assolou o Velho Mundo em fins de século XV observa em outro dos seus trabalhos Oscar da Silva Araújo propagouse no Oriente tendo sido para aí levado pelos portugueses As investigações de Okamura Dohi e Susuky no Japão e na China e as de Jolly e outros na Índia demonstram que a sífilis apareceu nesses países somente depois que eles se puseram em relações com os europeus Na Índia apareceu depois da chegada de Vasco da Gama em 1498 tendo ele saído de Portugal em 1497 Gaspar Correia nas Lendas da Índia refere que em Cacotorá no ano de 1507 a gente começou a adoecer de maus ares e de mau comer e principalmente com a conversação com as mulheres de que morriam 168 Recorda ainda Oscar da Silva Araújo que Engelbert Koempfer citado por Astruc assegura que o termo japonês manbakassam com a sua significação literal doença dos portugueses é aquele com que no Japão se designa a sífilis E ainda nos nossos dias acrescenta em muitos países do Oriente mal português é sinônimo de lues Nos idiomas indiano japonês e chinês não há nomes indígenas para a doença 169 Ainda que vários tropicalistas alguns deles com estudos especializados sobre o Brasil como Sigaud dêem a sífilis como autóctone 170 as evidências reunidas por Oscar da Silva Araújo fazemnos chegar a conclusão diversa Os viajantes médicos lembra ainda o autor brasileiro que nos últimos tempos estudaram as doenças dos nossos índios ainda não mesclados com civilizados e entre eles os Drs RoquettePinto Murilo de Campos e Olímpio da Fonseca Filho nunca observaram a sífilis entre esses indígenas não obstante terem assinalado a existência de várias dermatoses Acresce que os primeiros viajantes e escritores que se referem ao clima e às doenças do Brasil nunca assinalaram a existência desse mal entre os silvícolas que até então viviam isolados e não tinham tido contato com os europeus 171 De igual parecer é outro investigador ilustre o professor Pirajá da Silva que julga a lepra e a sífilis introduzidas no Brasil pelos colonos europeus e africanos 172 O que parece é ter havido muita confusão de pian ou mal boulbático com a sífilis O intercurso sexual entre o conquistador europeu e a mulher índia não foi apenas perturbado pela sífilis e por doenças européias de fácil contágio venéreo verificouse o que depois se tornaria extensivo às relações dos senhores com as escravas negras em circunstâncias desfavoráveis à mulher Uma espécie de sadismo do branco e de masoquismo da índia ou da negra terá predominado nas relações sexuais com nas sociais do europeu com as mulheres das raças submetidas ao seu domínio O furor femeeiro do português se terá exercido sobre vítimas nem sempre confraternizantes no gozo ainda que se saiba de casos de pura confraternização do sadismo do conquistador branco com o masoquismo da mulher indígena ou da negra Isso quanto ao sadismo de homem para mulher não raro precedido pelo de senhor para moleque Através da submissão do moleque seu companheiro de brinquedos e expressivamente chamado levapancadas iniciouse muitas vezes o menino branco no amor físico Quase que do moleque levapancadas se pode dizer que desempenhou entre as grandes famílias escravocratas do Brasil as mesmas funções de paciente do senhor moço que na organização patriíica do Império Romano o escravo púbere escolhido para companheiro do menino aristocrata espécie de vítima ao mesmo tempo que camarada de brinquedos em que se exerciam os premiers élans génésiques do filhofamília 173 Moll salienta que a primeira direção tomada pelo impulso sexual na criança sadismo masoquismo bestialidade ou fetichismo depende em grande parte de oportunidade ou chance isto é de influências externas sociais 174 Mais do que de predisposição ou de perversão inata Referese o autor de The sexual life of the child ao período de indiferenciação sexual que segundo Penta e Max Dessoirl 175 todo indivíduo atravessa como particularmente sensível àquelas influências Nesse período é que sobre o filho de família escravocrata no Brasil agiam influências sociais a sua condição de senhor cercado de escravos e animais dóceis induzindoo à bestialidade e ao sadismo Este mesmo dessexualizado depois não raro guardava em várias manifestações da vida ou da atividade social do indivíduo aquele sexual undertone que segundo Pfister is never lacking to wellmarked sadistic pleasure 176 Transformase o sadismo do menino e do adolescente no gosto de mandar dar surra de mandar arrancar dente de negro ladrão de cana de mandar brigar na sua presença capoeiras galos e canários tantas vezes manifestado pelo senhor de engenho quando homem feito no gosto de mando violento ou perverso que explodia nele ou no filho bacharel quando no exercício de posição elevada política ou de administração pública ou no simples e puro gosto de mando característico de todo brasileiro nascido ou criado em casagrande de engenho Gosto que tanto se encontra refinado em um senso grave de autoridade e de dever em um D Vital como abrutalhado em rude autoritarismo em um Floriano Peixoto Resultado da ação persistente desse sadismo de conquistador sobre conquistado de senhor sobre escravo parecenos o fato ligado naturalmente à circunstância econômica da nossa formação patriarcal da mulher ser tantas vezes no Brasil vítima inerme do domínio ou do abuso do homem 177 criatura reprimida sexual e socialmente dentro da sombra do pai ou do marido Não convém entretanto esquecerse o sadismo da mulher quando grande senhora sobre os escravos principalmente sobre as mulatas com relação a estas por ciúme ou inveja sexual Mas esse sadismo de senhor e o correspondente masoquismo de escravo excedendo a esfera da vida sexual e doméstica têmse feito sentir através da nossa formação em campo mais largo social e político Cremos surpreendêlos em nossa vida política onde o mandonismo tem sempre encontrado vítimas em quem exercerse com requintes às vezes sádicos certas vezes deixando até nostalgias logo transformadas em cultos cívicos como o do chamado marechaldeferro A nossa tradição revolucionária liberal demagógica é antes aparente e limitada a focos de fácil profilaxia política no íntimo o que o grosso do que se pode chamar povo brasileiro ainda goza é a pressão sobre ele de um governo másculo e corajosamente autocrático Mesmo em sinceras expressões individuais não de todo invulgares nesta espécie de Rússia americana que é o Brasil 178 de mística revolucionária de messianismo de identificação do redentor com a massa a redimir pelo sacrifício de vida ou de liberdade pessoal sentese o laivo ou o resíduo masoquista menos a vontade de reformar ou corrigir determinados vícios de organização política ou econômica que o puro gosto de sofrer de ser vítima ou de sacrificarse Por outro lado a tradição conservadora no Brasil sempre se tem sustentado do sadismo do mando disfarçado em princípio de Autoridade ou defesa da Ordem Entre essas duas místicas a da Ordem e a da Liberdade a da Autoridade e a da Democracia é que se vem equilibrando entre nós a vida política precocemente saída do regime de senhores e escravos Na verdade o equilíbrio continua a ser entre as realidades tradicionais e profundas sadistas e masoquistas senhores e escravos doutores e analfabetos indivíduos de cultura predominantemente européia e outros de cultura principalmente africana e ameríndia E não sem certas vantagens as de uma dualidade não de todo prejudicial à nossa cultura em formação enriquecida de um lado pela espontaneidade pelo frescor de imaginação e emoção do grande número e de outro lado pelo contato através das elites com a ciência com a técnica e com o pensamento adiantado da Europa Talvez em parte alguma se esteja verificando com igual liberalidade o encontro a intercomunicação e até a fusão harmoniosa de tradições diversas ou antes antagônicas de cultura como no Brasil É verdade que o vácuo entre os dois extremos ainda é enorme e deficiente a muitos respeitos a intercomunicação entre duas tradições de cultura Mas não se pode acusar de rígido nem de falta de mobilidade vertical como diria Sorokin o regime brasileiro em vários sentidos sociais um dos mais democráticos flexíveis e plásticos Uma circunstância significativa restanos destacar na formação brasileira a de não se ter processado no puro sentido da europeização Em vez de dura e seca rangendo do esforço de adaptarse a condições inteiramente estranhas a cultura européia se pôs em contato com a indígena amaciada pelo óleo da mediação africana O próprio sistema jesuítico talvez a mais eficiente força de europeização técnica e de cultura moral e intelectual a agir sobre as populações indígenas o próprio sistema jesuítico no que logrou maior êxito no Brasil dos primeiros séculos foi na parte mística devocional e festiva do culto católico Na cristianização dos caboclos pela música pelo canto pela liturgia pelas profissões festas danças religiosas mistérios comédias pela distribuição de verônicas com agnusdei que os caboclos penduravam no pescoço de cordões de fitas e rosários pela adoração de relíquias do Santo Lenho e de cabeças das Onze Mil Virgens Elementos muitos desses embora a serviço da obra de europeização e de cristianização impregnados de influência animística ou fetichista vinda talvez da África Porque os próprios Exercícios espirituais parece que assimilaram os Loyola de originais africanos são pelo menos produtos do mesmo clima místico ou religioso que as manifestações do voluptuoso misticismo dos árabes O céu jesuítico como o purgatório ou o inferno cujas delícias ou horrores o devoto que pratique os Exercícios acabará vendo sentindolhes o cheiro e o gosto ouvindolhes os cantos de gozo ou os aijesus de desespero esse céu esse purgatório e esse inferno ao alcance dos sentidos por meio daquela técnica admirável aproximaos o estudo comparado das religiões de antigos sistemas de mística muçulmana Um livro sobre as origens da Companhia de Jesus o de Hermann Müller conclui talvez precipitadamente pela imitação da técnica muçulmana por Santo Inácio de Loyola E Chamberlain na sua interpretação toda em termos de raça e esta a nórdica da cultura religiosa da Europa moderna repudia em absoluto Santo Inácio de Loyola por enxergar no seu sistema qualidades antieuropeías de imaginação de sentimento e de técnica de misticismo Ou no seu entender de antimisticismo Chamberlain não sente no sistema de Loyola nenhum perfume místico para ele os Exercícios resumemse num método grosseiramente mecânico arranjado com suprema arte para excitar o indivíduo 179 A possível origem africana Chamberlain consideraa definitivamente provada do sistema jesuítico nos parece importantíssima na explicação da formação cultural da sociedade brasileira mesmo onde essa formação dá a idéia de ter sido mais rigidamente européia a catequese jesuítica teria recebido a influência amolecedora da África A mediação africana no Brasil aproximou os extremos que sem ela dificilmente se teriam entendido tão bem da cultura européia e da cultura ameríndia estranhas e antagônicas em muitas das suas tendências Considerada de modo geral a formação brasileira tem sido na verdade como já salientamos às primeiras páginas deste ensaio um processo de equilíbrio de antagonismos Antagonismos de economia e de cultura A cultura européia e a indígena A européia e a africana A africana e a indígena A economia agrária e a pastoril A agrária e a mineira O católico e o herege O jesuíta e o fazendeiro O bandeirante e o senhor de engenho O paulista e o emboaba O pernambucano e o mascate O grande proprietário e o pária O bacharel e o analfabeto Mas predominando sobre todos os antagonismos o mais geral e o mais profundo o senhor e o escravo É verdade que agindo sempre entre tantos antagonismos contundentes amortecendolhes o choque ou harmonizandoos condições de confraternização e de mobilidade social peculiares ao Brasil a miscigenação a dispersão da herança a fácil e freqüente mudança de profissão e de residência o fácil e freqüente acesso a cargos e a elevadas posições políticas e sociais de mestiços e de filhos naturais o cristianismo lírico à portuguesa a tolerância moral a hospitalidade a estrangeiros a intercomunicação entre as diferentes zonas do país Esta menos por facilidades técnicas do que pelas físicas a ausência de um sistema de montanhas ou de rios verdadeiramente perturbador da unidade brasileira ou da reciprocidade cultural e econômica entre os extremos geográficos RESENHA Antropologia sociólogo e escritor pernambucano Gilberto Freyre publicou em 1933 CasaGrande Senzala que para alguns é importante enquanto análise da formação sociocultural brasileira uma vez que no contexto do livro e no período da construção da obra muito se discutiam sobre miscigenação nacionalismo No primeiro capítulo do livro intitulado Características gerais da colonização portuguesa do Brasil formação de uma sociedade agrária escravocrata e híbrida como pelo próprio título enfatiza questões agrárias sobre aspectos latifundiários e de monocultura relações entre senhores e escravos relações entre portugueses e indígenas assim como a relação da hibridização racial e sobretudo o enfoque da sexualização da mulher não branca indígenas e negras Dessa maneira Freyre inicia sobre a discursão da organização da sociedade brasileira imposto pelos portugueses já que aqui Portugal consolidou a colonização portuguesa em sociedade agrária patriarcal e escravocrata tudo isso subordinado ao espírito político e de realismo econômico e jurídico que aqui como em Portugal foi desde o primeiro século elemento decisivo de formação nacional FREYRE 2003 p 66 Nessa perspectiva que através de sua concepção o autor apresenta o período colonial Em defesa dos portugueses em uma suposta predisposição lusitana em se relacionar com outras nações em seu passado ao que parece um termo eufemista e contraditório já que o processo de colonização foi baseado em violência e hierarquização principalmente entre as raças Entretanto o escritor apresenta que a Europa parecia passível a cultura africana pois de acordo com Freire 2003 p66 a influência africana fervendo sob a europeia e dando um acre requeime à vida sexual à alimentação à religião O que explica a um processo já de miscigenação já que o autor apesar dos interesses políticos e economia sob suas colônias tudo partia das atrações sexuais Seguindo sua reflexão sobre as características antagônicas lusitanas a fim compreender a formação da sociedade brasileira o autor remete a críticos tais como Ferraz de Macedo e Eça de Queiroz no qual entre pontos convergentes e divergentes definem atributos dos portugueses que tiveram influência cultural do africanos Logo são essas características apontadas por esses críticos que diretamente influenciam no modo de ser pelo antagonismo na formação do brasileiro Portanto Portugal conseguido salpicar virilmente do seu resto de sangue e de cultura populações tão diversas e a tão grandes distâncias uma das outras na Ásia na África e na América em números ilhas e arquipélagos FREYRE 2003 p 70 através das sua flexibilidade Entretanto apesar dessa flexibilidade o autor aponta que o maior ponto forte dos portugueses foi sua habilidade enquanto à miscibilidade desde a extensão de terras colonização quanto as relações entre as raças de cor por ações sexuais Gilberto Freyre enfatiza o misticismo sexual ao tipo delicioso de mulher morena e de olhos pretosFREYRE 2003 p 71 até ao modo em que essas mulheres se comportam como uma sedução em modo comparativo e possivelmente ao desejo português por essas mulheres de cores pois aqui relaciona a mulçumanas as mulheres indígenas ou seja todo misticismo sexual atribuído as indígenas são por desejos relacionados as muçulmanas ambas mulheres de cor Mas que para o autor as indígenas eram mais passíveis e poderia se entregar ao ato sexual em troca de qualquer coisa Apesar dos termos relacionados às mulheres de cor o autor discute a relação em que a sensualidade e a sexualidade sob as mulheres não brancas foi abordados por outras mulheres e pela igreja o que fortaleceu a inferioridade e a relação da mulher negra ou indígena ao pecado e aos anjos maus enquanto por outro lado fortalecia o estereótipo da mulher branca ao divino e ao angelical Esses estereótipos foram enraizados no Brasil sobretudo pela preferência da mulher negra para as relações sexuais A partir disso da hierarquização sob outros povos que seja pelo domínio de terras ou dos povos o que o autor chama de aclimatabilidade Pois por sua capacidade de adaptação ao clima tropical Portugal consegue ser superior em relação a outra país que tiveram contato com o país por inserir sua nacionalidade e serem permanentes e sobretudo unir as raças FREYRE 2003 Nesse sentido o historiador aponta que naquele cenário o único ainda talvez racista fosse igreja que seria portadora de preconceitos raciais o que faz enaltecer uma visão para os portugueses como aqueles que foram capazes de aceitar a miscigenação já que não seriam mais capazes de distinguir aquela nação antes branca No entanto Freyre salienta que apesar das vitórias das terras enquanto território e das relações entre os povos por outro lado o português teve dificuldades no solo brasileiro e de suas águas no sistema de lavoura ou para adaptações das variações das aguas e a presença dos pesticidas que dificultava os agricultores Mas que não deixou de extrair as riquezas naturais que aqui era abundante como os minerais e vegetais que também é um ponto de influência portuguesa que ainda permanece no País Através da riqueza vegetal e pelo trabalho escravocrata nas lavouras se estabelecem a agricultura e as sesmarias que simultaneamente fortificam o patriarcalismo e a aristocracia E de acordo com Freyre 2003 p 80 essa iniciativa foram partidas de iniciativas particulares que com uma vasta terras se aproveitam do trabalho dos negros Sendo assim a família colonial na formação social brasileira atribuiu riquezas através das atividades agrícolas e do trabalho escravo que por outro lado os padres jesuítas em contrapartida preferiam uma formação da sociedade brasileira por índios catequizados pela religião cristã Por uma formação portanto aristocrata e escravagista o latifúndio nesse capítulo é um sistema bastante criticado pelo autor já que para ele foi motivo de o brasileiro ter uma grande deficiência nutritiva na sua alimentação e que faz comparações talvez equivocadas em suas comparações que já não bastasse apaziguar uma possível aceitação dos portugueses em relação a diferença de raças O autor aborda que os que eram mais alimentados seriam os brancos das casas grandes e os negros das senzalas já que estes precisavam de comida que desse para os fazer suportar o duro trabalho da bagaceiraFreyre 2003 p 95 Todavia sabemos que não se aproximam em direitos enquanto uma alimentação saudável Apesar disso a crítica ao latifúndio e monocultura discorrem entre as últimas páginas desse capítulo e que mesmo entre CasaGrande e senzalas os nutrientes em suas alimentação eram poucas isso nas regiões brasileiras pois até a própria Salvador quando cidades de vicereis habitadas por muito ricaços português e da terra cheia de fidalgos e de frades notabilizouse pela péssima e deficiente alimentação FREYRE 2003 p 102 e que a boa alimentação que ainda poderiam ter seria pela exportação de Portugal por exemplo Por fim esse capítulo aos dias atuais são bastantes reflexivos a críticas já que alguns termos que era influenciados a sua posição na sociedade assim como o modo de vida e de como era vistos as coisa e como pensavam sobre elas interferiram na produção da sua obra Contudo por mais que pareça equivocada em alguns termos talvez eufemista Gilberto Freyre já nesse capítulo aproxima a realidade de um período da chegada dos portugueses e de sua interferência assim como da cultura africana para a formação do Brasil É notório um lado a defesa pelos portugueses principalmente em relação sobre as mulheres de cor mas que não deixa de lado que nessa mesma formação agrária aristocrata escravagista latifundiária híbrida na sua miscigenação o efeito em relação a saúde de que aqui habitava que antes não conheciam doenças e logo estavam infestadas da sífilis que vinham de outros países Essa mesma miscigenação também é desconstruída pelos portugueses e índios no final do capítulo mas que ocorrem entre todas as raças que aqui habitam e que a partir disso e de todo antagonismo pela diversidade formaram a sociedade brasileira