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Psicologia ·

Psicologia Social

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Atualizado de acordo com o DSM5 e a CID11 Paulo Dalgalarondo Psicopatologia e Semiologia dos Transtornos Mentais 3a Edição Aviso Todo esforço foi feito para garantir a qualidade editorial desta obra agora em versão digital Destacamos contudo que diferenças na apresentação do conteúdo podem ocorrer em função das características técnicas específicas de cada dispositivo de leitura Nota A medicina é uma ciência em constante evolução À medida que novas pesquisas e a própria experiência clínica ampliam o nosso conhecimento são necessárias modificações na terapêutica em que também se insere o uso de medicamentos Os autores desta obra consultaram as fontes consideradas confiáveis num esforço para oferecer informações completas e geralmente de acordo com os padrões aceitos à época da publicação Entretanto tendo em vista a possibilidade de falha humana ou de alterações nas ciências médicas os leitores devem confirmar estas informações com outras fontes Por exemplo e em particular os leitores são aconselhados a conferir a bula completa de qualquer medicamento que pretendam administrar para se certificar de que a informação contida neste livro está correta e de que não houve alteração na dose recomendada nem nas precauções e contraindicações para o seu uso Essa recomendação é particularmente importante em relação a medicamentos introduzidos recentemente no mercado farmacêutico ou raramente utilizados Psicopatologia e Semiologia dos Transtornos Mentais Paulo Dalgalarrondo Professor Titular de Psicopatologia da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp Doutor em Antropologia Social pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp Doutor em Medicina pela Universidade de Heidelberg Alemanha Versão impressa desta edição 2019 2019 Artmed Editora Ltda 2019 Gerente editorial Letícia Bispo de Lima Colaboraram nesta edição Coordenadora editorial Cláudia Bittencourt Capa projeto gráfico e editoração Paola Manica e equipe Preparação do original Camila Wisnieski Heck Leitura final Antonio Augusto da Roza Ilustrações Gilnei da Costa Cunha Produção digital Loope wwwloopecombr D142p Dalgalarrondo Paulo Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais recurso eletrônico Paulo Dalgalarrondo 3 ed Porto Alegre Artmed 2019 Epub Editado também como livro impresso em 2019 ISBN 9788582715062 1 Psicopatologia 2 Transtornos mentais I Título CDU 61689008 Catalogação na publicação Karin Lorien Menoncin CRB 102147 Reservados todos os direitos de publicação à ARTMED EDITORA LTDA uma empresa do GRUPO A EDUCAÇÃO SA Av Jerônimo de Ornelas 670 Santana 90040340 Porto Alegre RS Fone 51 30277000 Fax 51 30277070 SÃO PAULO Rua Doutor Cesário Mota Jr 63 Vila Buarque 01221020 São Paulo SP Fone 11 32219033 SAC 0800 7033444 wwwgrupoacombr É proibida a duplicação ou reprodução deste volume no todo ou em parte sob quaisquer formas ou por quaisquer meios eletrônico mecânico gravação fotocópia distribuição na Web e outros sem permissão expressa da Editora Para minha mãe Maria Teresa que me ensinou a curiosidade por tudo o que é humano Rigorosamente todas estas notícias são desnecessárias para a compreensão da minha aventura mas é um modo de ir dizendo alguma coisa antes de entrar em matéria para a qual não acho porta grande nem pequena o melhor é afrouxar a rédea à pena e ela que vá andando até achar entrada Há de haver alguma tudo depende das circunstâncias regra que tanto serve para o estilo como para a vida palavra puxa palavra uma ideia traz outra e assim se faz um livro um governo ou uma revolução alguns dizem mesmo que assim é que a natureza compôs as suas espécies Machado de Assis em Primas de Sapucaia Histórias sem data 1884 Prefácio à 3ª edição1 Esta nova edição de Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais foi cuidadosa e amplamente revista buscando oferecer a estudantes e profissionais além de conceitos descritivos da rica tradição da psicopatologia os conhecimentos científicos contemporâneos mais relevantes sobre a mente humana e seus transtornos Assim considerando os sistemas diagnósticos de transtornos mentais da atualidade DSM e CID são apresentados conceitos psicopatológicos diretrizes e critérios diagnósticos sempre que possível correspondentes às versões mais recentes desses sistemas Foi consultada a recémpublicada classificação da Organização Mundial da Saúde CID11 além das publicações sobre tal classificação Buscouse ainda integrar conceitos e definições da nova linha de pesquisa em transtornos mentais o chamado Research Domain Criteria RDoC do National Institute of Mental Health NIMH dos Estados Unidos A psicopatologia é não se deve esquecer uma linguagem um idioma e como já assinalou o grande psicopatólogo francês Philippe E A Chaslin 1857 1923 uma ciência bem feita necessita de um idioma bem construído claro compreensível e honesto para a comunicação dos fatos clínicos Além da expansão e da atualização do conteúdo foi desenvolvido para a presente edição um hotsite exclusivo em que o leitor pode acessar materiais complementares como instrumentos escalas e modelos de histórias clínicas que auxiliarão em sua prática clínica textos históricos citados no livro para os interessados em conhecer a história da psicopatologia e suas bases conceituais um breve atlas com imagens neuroanatômicas para ajudar os estudantes na compreensão dos conteúdos instrumentos padronizados de avaliação psicológica e neuropsicológica para pesquisa ou mesmo para avaliações clínicas quantificáveis ou mais objetificáveis além de questões para revisão dos conhecimentos adquiridos em cada capítulo e um glossário de denominações populares relacionadas a comportamentos estados e transtornos mentais substâncias psicoativas e psicopatologia em geral Não posso deixar de mencionar e agradecer a um grupo de professores profissionais e estudantes de graduação que gentilmente contribuíram com esta nova edição lendo criticamente as primeiras versões apontando falhas e fazendo valiosas sugestões O psicólogo de nosso departamento na Unicamp Luiz Fernando L Pegoraro contribuiu com revisões detalhadas de vários capítulos assim como com orientações e sugestões referentes a testes padronizados em avaliação psicológica e neuropsicológica A psicóloga Rafaela T Zorzanelli professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro UERJ leu e fez valiosas sugestões sobre os capítulos e pontos de interface entre psicopatologia e epistemologia filosofia e antropologia médica Lucas F B Mella e Luiz Fernando Lima e Silva psiquiatras de idosos da Unicamp revisaram cuidadosamente os temas de psicopatologia do idoso Meu companheiro fraterno na psicopatologia com quem busco no dia a dia a decifração de pacientes com transtornos mentais graves e intrigantes Claudio EM Banzato leu comentou e revisou partes importantes do livro sempre com olhar apurado e mente lúcida Fez sugestões valiosíssimas com precisão e generosidade Também leram os rascunhos desta edição Gabriela Jacques de Moraes Dalgalarrondo e Letícia Daher Pereira estudantes de graduação em psicologia e Luísa Rocco Banzato Elisa de Carvalho Iwamoto e Rafael Daher Pereira estudantes de medicina devolvendo ao autor uma primeira perspectiva que estudantes de graduação terão ao ler o livro Permitiram assim que eu pudesse adequar ao máximo o texto aos leitores nas diversas fases do aprendizado O médicoresidente em psiquiatria Rafael Gobbo me ajudou com sugestões no capítulo sobre sexualidade Luísa Jacques de Moraes Dalgalarrondo contribuiu nos temas relacionados a percepção e emoção sobretudo as não conscientes Minha amiga querida psiquiatra de crianças e adolescentes e psicanalista Eloísa Valler Celeri leu várias das partes relacionadas a infância e adolescência e a conceitos psicanalíticos apontando falhas e fazendo sugestões valiosas Nosso jovem amigofilho acadêmico e professor de psiquiatria da Unicamp Amilton dos Santos Júnior fez sugestões valiosas e me ajudou na pesquisa bibliográfica A psicóloga Juliana T Fiquer pesquisadora da comunicação não verbal em psicopatologia deu importante contribuição revisando o capítulo sobre o tema que é novo nesta edição As professoras de nosso departamento Renata C S de Azevedo especialista em dependência química e Ana Maria G R Oda psiquiatrahistoriadora da psiquiatria fizeram correções e deram sugestões generosas e atualizadas bem como ajudaram a encontrar artigos de grandes autores da área Alexandre Saadeh do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo forneceu orientação com toda sua generosidade e experiência no campo da sexualidade humana Também devo assinalar minha gratidão aos demais colegas do Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp que todas as terçasfeiras em nossas reuniões clínicas discutem questões psicopatológicas e dilemas humanos referentes a pacientes com os mais diferentes quadros e dificuldades Sou aluno e devedor dessa nossa pequena e íntima escola de psicopatologia Minha esposa Mônica Jacques de Moraes fez preciosas sugestões para a organização geral do livro com sua visão pragmática e inteligente Meus amigos fraternos Neury José Botega e Mário E Costa Pereira me deram como sempre dicas e conselhos sábios Utilizeios na medida de minhas possibilidades Finalmente agradeço a Artmed Editora pelo incentivo paciência apoio e compreensão na realização desta 3ª edição As pessoas que estão à frente dessa grande editora não pouparam esforços em me ajudar com material bibliográfico e sugestões para que a edição ficasse o melhor do que podemos produzir nesta fase da vida e do conhecimento científico e humanístico disponível Desde a 1ª edição até esta este livro persegue um fim busca realizar um projeto específico e relativamente ambicioso construir e tornar disponível uma obra formada por duas grandes correntes do conhecimento científico e humanístico sobre os transtornos mentais A primeira dessas duas correntes é a tradição da psicopatologia construída de forma artesanal e muitas vezes genial com apuradíssimo método de observação e análise de dados clínicos desenvolvida pelos grandes autores dos séculos XIX e XX bebedores das melhores fontes da tradição filosófica e clínica A segunda corrente é constituída pelas neurociências cognitivas modernas possivelmente uma das mais produtivas áreas do conhecimento científico atual com implicações crescentes para o conhecimento dos transtornos psicopatológicos Se ao unirmos a valiosa tradição psicopatológica com as sofisticadas neurociências modernas foi possível ou não produzir uma obra útil e relevante cabe apenas aos leitores decidir 1 Para ler os Prefácios da 1ª e da 2ª edição acesse o hotsite do livro Sumário Parte I Aspectos gerais da psicopatologia Capítulo 1 Introdução geral à semiologia psiquiátrica Capítulo 2 Definição de psicopatologia e ordenação dos seus fenômenos Capítulo 3 Os principais campos e tipos de psicopatologia Capítulo 4 A questão da normalidade e da medicalização Capítulo 5 Contribuições das neurociências à psicopatologia Capítulo 6 Contribuições da filosofia à psicopatologia Capítulo 7 Princípios gerais do diagnóstico psicopatológico Parte II Avaliação do paciente e funções psíquicas alteradas Capítulo 8 A avaliação do paciente Capítulo 9 A entrevista com o paciente Capítulo 10 Aspecto geral do paciente e comunicação não verbal Funções psíquicas elementares e suas alterações no exame do estado mental Capítulo 11 Introdução às funções psíquicas elementares Capítulo 12 A consciência e suas alterações Capítulo 13 A atenção e suas alterações Capítulo 14 A orientação e suas alterações Capítulo 15 As vivências do tempo e do espaço e suas alterações Capítulo 16 A sensopercepção e suas alterações incluindo a representação e a imaginação Capítulo 17 A memória e suas alterações Capítulo 18 A afetividade e suas alterações Capítulo 19 A vontade a psicomotricidade o agir e suas alterações Capítulo 20 O pensamento e suas alterações Capítulo 21 O juízo de realidade e suas alterações o delírio Capítulo 22 A linguagem e suas alterações Funções psíquicas compostas e suas alterações Capítulo 23 Introdução às funções psíquicas compostas Capítulo 24 O eu o self psicopatologia Capítulo 25 A personalidade e suas alterações Capítulo 26 Inteligência e cognição social Parte III As grandes síndromes psicopatológicas Capítulo 27 Do sintoma à síndrome Capítulo 28 As síndromes da psicopatologia os transtornos e os modos de proceder em relação aos diagnósticos Capítulo 29 Síndromes depressivas Capítulo 30 Síndromes maníacas e transtorno bipolar Capítulo 31 Síndromes ansiosas e síndromes com importante componente de ansiedade Capítulo 32 Síndromes psicóticas quadros do espectro da esquizofrenia e outras psicoses Capítulo 33 Síndromes psicomotoras Capítulo 34 Síndromes relacionadas ao comportamento alimentar Capítulo 35 Transtornos devidos ou relacionados a substâncias e comportamentos aditivos Capítulo 36 Síndromes relacionadas ao sono Capítulo 37 Sexualidade e psicopatologia Capítulo 38 Transtornos neurocognitivos síndromes mentais orgânicas Capítulo 39 Demências e outros transtornos neurocognitivos de longa duração Capítulo 40 Síndromes relacionadas à cultura Referências Conheça também Grupo A Parte I Aspectos gerais da psicopatologia tomnipresent ABDI genYou comin 1t back ME VE GE HI WE NE MI CY PL LE 1 Introdução geral à semiologia psiquiátrica Um dia escrevi que tudo é autobiografia que a vida de cada um de nós a estamos contando em tudo quanto fazemos e dizemos nos gestos na maneira como nos sentamos como andamos e olhamos como viramos a cabeça ou apanhamos um objeto no chão Queria eu dizer então que vivendo rodeados de sinais nós próprios somos um sistema de sinais José Saramago O QUE É SEMIOLOGIA EM GERAL E SEMIOLOGIA MÉDICA E PSICOPATOLÓGICA A semiologia tomada em um sentido geral é a ciência dos signos não se restringindo obviamente à medicina à psiquiatria ou à psicologia É campo de grande importância para o estudo da linguagem semiótica linguística da música semiologia musical das artes em geral e de todos os campos de conhecimento e de atividades humanas que incluam a interação e a comunicação entre dois interlocutores por meio de sistemas de signos Já a semiologia psicopatológica por sua vez é o estudo dos sinais e sintomas dos transtornos mentais Entendese por semiologia médica o estudo dos sintomas e dos sinais das doenças o qual permite ao profissional da saúde identificar alterações físicas e mentais ordenar os fenômenos observados formular diagnósticos e empreender terapêuticas Embora esteja intimamente relacionada à linguística a semiologia geral não se limita a esta uma vez que o signo transcende a esfera da língua São também signos os gestos as atitudes e os comportamentos não verbais os sinais matemáticos os signos musicais etc De fato a semiologia geral como ciência dos signos foi postulada pelo linguista suíço Ferdinand de Saussure 1916 1970 p 24 que afirmou Podese então conceber uma ciência que estude a vida dos signos no seio da vida social chamálaemos de Semiologia do grego semeion signo Ela nos ensinará em que consistem os signos que leis os regem Charles Morris 1946 discrimina três campos distintos no interior da semiologia a semântica responsável pelo estudo das relações entre os signos e os objetos a que se referem a sintaxe que compreende as regras e leis que regem as relações entre os vários signos de um sistema e por fim a pragmática que se ocupa das relações entre os signos e seus usuários os sujeitos que os utilizam concretamente em situações e contextos sociais e históricos do dia a dia O signo é o elemento nuclear da semiologia ele está para a semiologia assim como a célula está para a biologia e o átomo para a física O signo é um tipo de sinal Definese sinal como qualquer estímulo emitido pelos objetos do mundo Assim por exemplo a fumaça é um sinal do fogo a cor vermelha do sangue etc O signo é um sinal especial sempre provido de significação Dessa forma na semiologia médica sabese que a febre pode ser um sinalsigno de uma infecção ou a fala extremamente rápida e fluente pode ser um sinalsigno de uma síndrome maníaca A semiologia médica e a psicopatológica tratam particularmente dos signos que indicam a existência de transtornos e patologias Os signos de maior interesse para a psicopatologia são os sinais comportamentais objetivos verificáveis pela observação direta do paciente e os sintomas isto é as vivências subjetivas relatadas pelos indivíduos suas queixas e narrativas aquilo que o sujeito experimenta e de alguma forma comunica a alguém Sá Junior 1988 apresenta uma definição de sintoma e sinal um pouco diferente Ele discrimina os sintomas objetivos observados pelo examinador dos sintomas subjetivos percebidos apenas pelo paciente Os sinais por sua vez são definidos como dados elementares das doenças que são provocados ativamente evocados pelo examinador sinal de Romberg sinal de Babinski etc Segundo o linguista russo Roman Jakobson 18961982 já os antigos filósofos estoicos desmembraram o signo em dois elementos básicos signans o significante e signatum o significado Jakobson 1962 1975 Assim todo signo é constituído por estes dois elementos o significante que é o suporte material o veículo do signo e o significado isto é aquilo que é designado e que está ausente o conteúdo do veículo De acordo com o filósofo norteamericano Charles S Peirce 18391914 segundo as relações entre o significado conteúdo e o significante suporte material de um signo há três tipos de signos o ícone o indicador e o símbolo Peirce 19041974 O ícone é um tipo de signo no qual o elemento significante evoca imediatamente o significado graças a uma grande semelhança entre eles como se o significante fosse uma fotografia do significado O desenho esquemático no papel de uma casa pode ser considerado um ícone do objeto casa No caso do indicador ou índice a relação entre o significante e o significado é de contiguidade o significante é um índice algo que aponta para o objeto significado Assim uma nuvem é um indicador de chuva e a fumaça de fogo O símbolo por sua vez é um tipo de signo totalmente diferente do ícone e do indicador aqui o elemento significante e o objeto ausente significado são distintos em aparência e sem relação de contiguidade Não há qualquer relação direta entre eles tratase de uma relação puramente convencional e arbitrária Entre o conjunto de letras agrupadas CASA e o objeto casa não existe qualquer semelhança visual ou de qualquer outro tipo o que constitui uma relação totalmente convencional Por isso o sentido e o valor de um símbolo dependem necessariamente das relações que este mantém com os outros símbolos do sistema simbólico total depende por exemplo da ausência ou presença de outros símbolos que expressam significados próximos ou antagônicos a ele DIMENSÃO DUPLA DO SINTOMA PSICOPATOLÓGICO INDICADOR E ELEMENTO SIMBÓLICO AO MESMO TEMPO Os sintomas médicos e psicopatológicos têm como signos uma dimensão dupla Eles são tanto um índice indicador como um símbolo O sintoma como índice sugere uma disfunção que está em outro ponto do organismo ou do aparelho psíquico porém aqui a relação do sintoma com a disfunção de base é em certo sentido de contiguidade A febre pode corresponder a uma infecção que induz os leucócitos a liberarem certas citocinas que por sua ação no hipotálamo produzem o aumento da temperatura Assim o sintoma febre tem determinada relação de contiguidade com o processo infeccioso de base Além de tal dimensão de indicador os sintomas psicopatológicos ao serem nomeados pelo paciente por seu meio cultural ou pelo médico passam a ser símbolos linguísticos no interior de uma linguagem No momento em que recebe um nome o sintoma adquire o status de símbolo de signo linguístico arbitrário que só pode ser compreendido dentro de um sistema simbólico dado em determinado universo cultural Dessa forma a angústia manifestase e realizase ao mesmo tempo como mãos geladas tremores e aperto na garganta que indicam p ex uma disfunção no sistema nervoso autônomo e ao ser tal estado designado como nervosismo neurose ansiedade ou gastura passa a receber certo significado simbólico e cultural por isso convencional e arbitrário que só pode ser adequadamente compreendido e interpretado tendose como referência um universo cultural específico um sistema de símbolos determinado A semiologia psicopatológica portanto cuida especificamente do estudo dos sinais e sintomas produzidos pelos transtornos mentais signos que sempre contêm essa dupla dimensão DIVISÕES DA SEMIOLOGIA A semiologia tanto a médica como a psicopatológica pode ser dividida em duas grandes subáreas semiotécnica e semiogênese Marques 1970 A semiotécnica referese a técnicas e procedimentos específicos de observação e coleta de sinais e sintomas assim como da descrição de tais sintomas No caso dos transtornos mentais a semiotécnica concentrase na entrevista direta com o paciente seus familiares e demais pessoas com as quais convive A coleta de sinais e sintomas requer a habilidade sutil em formular as perguntas mais adequadas para o estabelecimento de uma relação produtiva e a consequente identificação dos signos dos transtornos mentais São fundamentais o tipo de perguntas e como e quando fazêlas assim como o modo de interpretar as respostas e a decorrente formulação de novas perguntas Além disso é crucial sobretudo para a semiotécnica em psicopatologia a observação minuciosa atenta e perspicaz do comportamento do paciente do conteúdo de seu discurso e do seu modo de falar da sua mímica da postura da vestimenta da forma como reage e do seu estilo de relacionamento com o entrevistador com seus familiares e eventualmente com outros pacientes Já a semiogênese por sua vez é o campo de investigação da origem dos mecanismos de produção do significado e do valor diagnóstico e clínico dos sinais e sintomas Por fim alguns autores utilizam o termo propedêutica médica ou psiquiátrica para designar a semiologia O termo propedêutica de modo geral é empregado em várias áreas do saber para designar o ensino prévio os conhecimentos preliminares necessários ao início de uma ciência ou filosofia Prefiro o termo semiologia a propedêutica mas reconheço que a semiologia psicopatológica como propedêutica pode ser concebida como uma ciência preliminar necessária a todo estudo psicopatológico e prática clínica em psiquiátrica e em psicologia clínica SÍNDROMES E ENTIDADES NOSOLÓGICAS TRANSTORNOS ESPECÍFICOS Na prática clínica os sinais e os sintomas não ocorrem de forma aleatória surgem em certas associações certos clusters agrupamentos mais ou menos frequentes Definemse portanto as síndromes como agrupamentos relativamente constantes e estáveis de determinados sinais e sintomas Entretanto ao se delimitar uma síndrome como síndrome depressiva demencial paranoide etc não se trata ainda da definição e da identificação de causas específicas de um curso e evolução relativamente homogêneos e de uma estrutura básica do processo patológico A síndrome é puramente uma definição descritiva de um conjunto momentâneo e recorrente de sinais e sintomas Denominamse em medicina e psiquiatria entidades nosológicas doenças ou transtornos específicos como esquizofrenia doença de Alzheimer anorexia nervosa etc São os fenômenos mórbidos nos quais podemse identificar ou pelo menos presumir com certa consistência certas causas ou fatores causais etiologia o curso relativamente homogêneo certos padrões evolutivos e estados terminais típicos Além disso nas entidades nosológicas ou transtornos buscase identificar mecanismos psicológicos e psicopatológicos característicos antecedentes genéticofamiliares algo específicos e respostas a tratamentos e intervenções mais ou menos previsíveis Em psicopatologia e psiquiatria frequentemente somos obrigados a trabalhar no âmbito das síndromes pois muitas vezes o diagnóstico preciso de entidades nosológicas doenças ou transtornos específicos é difícil ou incerto Embora muito esforço tenha sido há mais de 200 anos empreendido no sentido de se identificar transtornos mentais específicos bem delimitados na prática isso ainda não se consegue em todos os casos clínicos Cabe ainda lembrar que o reconhecimento dessas entidades não tem apenas um interesse científico ou acadêmico valor teórico ele geralmente viabiliza ou facilita o desenvolvimento de procedimentos e intervenções terapêuticos e preventivos mais eficazes valor pragmático tomnipresent ABDI genYou comin 1t back ME VE GE HI WE NE MI CY PL LE 2 Definição de psicopatologia e ordenação dos seus fenômenos Um fenômeno é sempre biológico em suas raízes e social em sua extensão final Mas nós não nos devemos esquecer também de que entre esses dois ele é mental Jean Piaget Campbell 1986 define a psicopatologia como o ramo da ciência que trata da natureza essencial da doença ou transtorno mental suas causas as mudanças estruturais e funcionais associadas a ela e suas formas de manifestação Entretanto nem todo estudo psicopatológico segue a rigor os ditames de uma ciência dura ciência sensu strictu A psicopatologia em acepção mais ampla pode ser definida como o conjunto de conhecimentos referentes ao adoecimento mental do ser humano É um conhecimento que se esforça por ser sistemático elucidativo e desmistificante Como conhecimento que visa ser científico a psicopatologia não inclui critérios de valor nem aceita dogmas ou verdades a priori Ao se estudar e praticar a psicopatologia não se julga moralmente aquilo que se estuda buscase apenas observar identificar e compreender os diversos elementos do transtorno mental Além disso em psicopatologia devese rejeitar qualquer tipo de dogma qualquer verdade pronta e intocável seja ela religiosa seja ela filosófica psicológica ou biológica o conhecimento que se busca está permanentemente sujeito a revisões críticas e reformulações Ou seja a psicopatologia como ciência dos transtornos mentais requer um debate científico e público constante de todos os seus postulados noções e verdades encontradas O campo da psicopatologia inclui uma variedade de fenômenos humanos especiais associados ao que se denominou historicamente de doença mental São vivências estados mentais e padrões comportamentais que apresentam por um lado uma especificidade psicológica as vivências das pessoas com doenças mentais apresentam dimensão própria genuína não sendo apenas exageros do normal e por outro conexões complexas com a psicologia do normal o mundo da doença mental não é totalmente estranho ao mundo das experiências psicológicas normais A psicopatologia tem boa parte de suas raízes na tradição médica na obra dos grandes clínicos e alienistas do passado sobretudo dos séculos XVIII até o presente que propiciou nos últimos 300 anos a observação prolongada e cuidadosa de um considerável contingente de pessoas com transtornos mentais Em outra vertente a psicopatologia nutrese de uma tradição humanística e universitária filosofia literatura artes psicologia psicanálise a qual sempre viu na alienação mental no pathos do sofrimento mental extremo uma possibilidade excepcionalmente rica de reconhecimento de dimensões humanas que sem o fenômeno doença mental permaneceriam desconhecidas Apesar de se beneficiar das tradições neurológicas psicológicas e filosóficas a psicopatologia não se confunde com a neurologia das chamadas funções corticais superiores não se resume portanto a uma ciência natural dos fenômenos relacionados às zonas associativas do cérebro lesado nem com a hipotética psicologia das funções mentais desviadas Assim podemos definila como uma ciência autônoma e não um prolongamento da neurologia da neuropsicologia ou da psicologia seja ela experimental seja ela psicométrica ou social Ela é ricamente nutrida por essas tradições mas não se confunde com elas Karl Jaspers 18831969 um dos principais autores da psicopatologia moderna pensa que esta é uma ciência básica que serve de auxílio à psiquiatria e à psicologia clínica a qual é por sua vez um conhecimento aplicado a uma prática profissional e social concreta Jaspers é muito claro em relação aos limites da psicopatologia embora o objeto de estudo seja o ser humano na sua totalidade Nosso tema é o homem todo em sua enfermidade Jaspers 19131979 os limites da ciência psicopatológica consistem precisamente em nunca se poder reduzir por completo o ser humano a conceitos psicopatológicos O domínio dessa ciência segundo ele estendese a todo fenômeno psíquico que possa ser apreendido em conceitos de significação constantes e com possibilidade de comunicação Jaspers 1979 p 13 Assim a psicopatologia como ciência exige um rigoroso pensamento conceitual que seja sistemático e que possa ser comunicado de modo inequívoco Entretanto na prática profissional no trabalho clínico além da ciência psicopatológica que o clínico deve ter participam ainda opiniões instintivas uma intuição pessoal que nunca se pode comunicar Dessa forma a ciência psicopatológica é tida como uma das abordagens possíveis do ser humano mentalmente doente uma parte do que compõe o saber clínico mas não o único saber ou conhecimento Há ao lado da ciência a arte do trabalho clínico as habilidades intuições que compõem o encontro clínico Em todo indivíduo ocultase algo que não se consegue conhecer pois a ciência requer um pensamento conceitual sistemático o qual cristaliza e torna evidente mas também aprisiona e limita o conhecimento Quanto mais conceitualiza afirma Jaspers quanto mais reconhece e caracteriza o típico o que se acha de acordo com os princípios tanto mais reconhece que em todo indivíduo se oculta algo que não pode conhecer Jaspers 1979 p 12 Assim a psicopatologia como ciência sempre perde obrigatoriamente aspectos essenciais do ser humano sobretudo nas dimensões existenciais estéticas éticas e metafísicas O filósofo HansGeorg Gadamer 19002002 postula para a arte o que pode ser também formulado para a prática clínica Gadamer 1990 p 220 diante de uma obra de arte experimentamos uma verdade inacessível por qualquer outra via é isso o que constitui o significado filosófico da arte Da mesma forma que a experiência da filosofia também a experiência da arte incita a consciência científica a reconhecer seus limites Dito de outra forma não se pode compreender ou explicar tudo o que existe em um ser humano por meio de conceitos psicopatológicos Assim ao se diagnosticar Van Gogh como esquizofrênico ou epiléptico maníacodepressivo ou qualquer que seja o diagnóstico formulado ao se fazer uma análise psicopatológica de sua biografia isso nunca explicará totalmente sua vida e sua obra Sempre resta algo que transcende à psicopatologia e mesmo à ciência permanecendo no domínio do mistério FORMA E CONTEÚDO DOS SINTOMAS PATOGÊNESE E PATOPLASTIA Em geral quando se estudam os sintomas psicopatológicos dois aspectos básicos devem ser enfocados a forma dos sintomas isto é sua estrutura básica relativamente semelhante nos diversos pacientes e nas diversas sociedades a forma alucinação delírio ideia obsessiva fobia etc e seu conteúdo ou seja aquilo que preenche a alteração estrutural o conteúdo de culpa religioso de perseguição de um delírio de uma alucinação ou de uma ideia obsessiva por exemplo Na tradição psicopatológica seguindose o modelo proposto pelo psicopatólogo alemão Karl Birbaum 18781950 a forma dos sintomas se relaciona ao que ele chamou de patogênese que representa o processo de como os diferentes sintomas da psicopatologia se formam e se estruturam À configuração e preenchimento dos conteúdos dos sintomas ou seja como a forma é preenchida pelos temas específicos Birbaum 1923 denominou patoplastia Assim os contornos específicos dos sintomas os temas e histórias que preenchem essas manifestações dependentes da história de vida singular do paciente e da cultura em que vive são determinados pela chamada patoplastia Enfim a forma patogênese seria mais geral e universal comum a todos os pacientes em todas ou quase todas as culturas enquanto o conteúdo patoplastia seria algo bem mais pessoal dependendo da história de vida singular do indivíduo de seu universo cultural específico e da personalidade e cognição prévias ao adoecimento Birbaum 1924 De modo geral embora sejam pessoais singulares os conteúdos dos sintomas são extraídos ou constituídos pelos temas centrais da existência humana como sobrevivência e segurança sexualidade ameaças e temores básicos morte doença miséria abandono desamparo etc religiosidade entre outros Esses temas representam uma espécie de substrato que participa como ingrediente fundamental na constituição da experiência psicopatológica Nesse sentido os Quadros 21 e 22 apresentam um esquema simplificado de temas e temores básicos e universais do ser humano Quadro 21 Temas existenciais básicos que com frequência se expressam no conteúdo dos sintomas psicopatológicos TEMAS E INTERESSES CENTRAIS PARA O SER HUMANO O QUE BUSCA E DESEJA Alimentação Sexo Conforto físico Sobrevivência Prazer Poder econômico político social etc Prestígio Relacionarse com os outros Segurança Controle sobre si e sobre os outros Ser reconhecido pelos demais Quadro 22 Temores que frequentemente se expressam no conteúdo dos sintomas psicopatológicos TEMORES CENTRAIS DO SER HUMANO FORMAS FREQUENTES DE LIDAR COM TAIS TEMORES Morte Religiãomundo místico Continuidade através das novas gerações 1 2 Ter uma doença grave Sofrer dor física ou moral Miséria Vias sobrenaturaismedicinapsicologia etc Falta de sentido existencial Perda da identidade e do sentido do self Relações interpessoais significativas Cultura A ORDENAÇÃO DOS FENÔMENOS EM PSICOPATOLOGIA O estudo da doença ou transtorno mental como o de qualquer outro objeto se inicia pela observação cuidadosa de suas manifestações A observação articula se dialeticamente com a ordenação dos fenômenos Isso significa que para observar também é preciso definir classificar interpretar e ordenar o objeto observado em determinada perspectiva seguindo certa lógica observacional e classificatória Assim desde Aristóteles o problema da classificação está intimamente ligado ao da definição e do conhecimento de modo geral Segundo ele definir é indicar o gênero próximo e a diferença específica Isso quer dizer que definir é por um lado afirmar a que o fenômeno definido se assemelha do que é aparentado com o que deve ser agrupado gênero próximo e por outro identificar do que ele se diferencia ao que é estranho ou oposto diferença específica Portanto na linha aristotélica o problema da classificação é a questão da unidade e da variedade dos fatos e dos conhecimentos que sobre eles são produzidos Classicamente distinguemse três tipos de fenômenos humanos para a psicopatologia Fenômenos semelhantes em todas ou quase todas as pessoas É o plano dos fenômenos psicológicos fisiológicos daquilo que é o normal De modo geral todo ou quase todo ser humano sente fome sede ou sono Aqui se inclui também o medo de um animal perigoso a ansiedade perante desafios difíceis o desejo por uma pessoa amada etc Embora haja uma qualidade pessoal própria para cada ser humano certas experiências são basicamente semelhantes para todos Fenômenos em parte semelhantes e em parte diferentes É o plano em que o psicológico e o psicopatológico se sobrepõem São fenômenos que o ser 3 humano comum experimenta mas que apenas em parte são semelhantes aos vivenciados pela pessoa com transtorno mental Assim todo indivíduo comum pode sentir tristeza mas a alteração profunda avassaladora que uma paciente com depressão psicótica experimenta é apenas parcialmente semelhante à tristeza normal A depressão grave por exemplo com ideias de ruína lentificação psicomotora apatia etc introduz algo qualitativamente novo na experiência humana Fenômenos qualitativamente novos distintos das vivências normais É o campo específico das ocorrências e vivências psicopatológicas São praticamente próprios a apenas ou quase apenas certas doenças transtornos e estados mentais Aqui incluemse alguns fenômenos psicóticos como alucinações e delírios ou cognitivos como turvação da consciência alteração da memória nas demências entre outros tomnipresent ABDI genYou comin 1t back ME VE GE HI WE NE MI CY PL LE 3 Os principais campos e tipos de psicopatologia Umas das principais características da psicopatologia como campo de conhecimento é a multiplicidade de abordagens e referenciais teóricos que tem incorporado nos últimos 200 anos Tal multiplicidade é vista por alguns como debilidade científica como prova de sua imaturidade Os psicopatólogos são criticados por essa diversidade de explicações e teorias por seu aspecto híbrido em termos epistemológicos Ionesco 1994 Dizem alguns que quando se conhece realmente algo temse apenas uma teoria que explica cabalmente e organiza a observação dos fatos quando não se conhece a realidade que se estuda são construídas centenas de teorias conflitantes Discordo de tal visão querer uma única explicação uma única concepção teórica que resolva todos os problemas e dúvidas de uma área tão complexa e multifacetada como a psicopatologia é impor uma solução simplista e artificial que deformaria o fenômeno psicopatológico A psicopatologia é por natureza e destino histórico um campo de conhecimento que requer debate constante e aprofundado no qual não há e não pode haver uma teoria ou perspectiva amplamente hegemônica Aqui o conflito de ideias não é uma debilidade mas uma necessidade Não se avança em psicopatologia negando e anulando diferenças conceituais e teóricas evoluise sim pelo esforço de esclarecimento e aprofundamento de tais diferenças em discussão aberta desmistificante e honesta A seguir são apresentadas algumas das principais correntes da psicopatologia dispostas de forma arbitrária por motivos estritamente didáticos em pares antagônicos PSICOPATOLOGIA DESCRITIVA VERSUS PSICOPATOLOGIA DINÂMICA Para a psiquiatria descritiva interessa fundamentalmente a descrição das formas de alterações psíquicas as estruturas dos sintomas aquilo que caracteriza e descreve a vivência patológica como sintoma mais ou menos típico Já para a psiquiatria dinâmica interessa o conteúdo das vivências os movimentos internos de afetos desejos e temores do indivíduo sua experiência particular pessoal singular não necessariamente classificável em sintomas previamente descritos A boa prática em saúde mental implica a combinação hábil e equilibrada de uma abordagem descritiva diagnóstica e objetiva e de uma abordagem dinâmica pessoal e subjetiva do paciente e de sua doença Assim logo na introdução de seu tratado de psiquiatria Eugen Bleuler 18571939 afirma que Quando um médico se defronta com a grande tarefa de ajudar uma pessoa psiquicamente enferma vê à sua frente dois caminhos ele pode registrar o que é mórbido Irá então a partir dos sintomas da doença concluir pela existência de um dos quadros mórbidos impessoais que foram descritos ou pode trilhar outro caminho pode escutar o doente como se fosse um amigo de confiança Nesse caso dirigirá a sua atenção menos para constatar o que é mórbido para anotar sintomas psicopatológicos e a partir disso chegar a um diagnóstico impessoal e mais para tentar compreender uma pessoa humana na sua singularidade e covivenciar suas aflições seus temores seus desejos e suas expectativas pessoais Bleuler 1985 p 1 PSICOPATOLOGIA MÉDICA VERSUS PSICOPATOLOGIA EXISTENCIAL A perspectiva médiconaturalista trabalha com uma noção de ser humano centrada no corpo no ser biológico como espécie natural e universal Assim o adoecimento mental é visto como um mau funcionamento do cérebro uma desregulação uma disfunção de alguma parte ou sistema do aparelho biológico Já na perspectiva existencial o paciente é visto principalmente como existência singular como ser lançado a um mundo que é apenas natural e biológico na sua dimensão elementar mas que é fundamentalmente histórico e humano O ser é construído por meio da experiência particular de cada sujeito na sua relação com os outros na abertura para a construção de cada destino pessoal O transtorno mental nessa perspectiva não é visto tanto como disfunção biológica ou psicológica mas sobretudo como um modo particular de existência uma forma muitas vezes trágica de ser no mundo de construir um destino um modo particularmente doloroso de ser com os outros PSICOPATOLOGIA COMPORTAMENTAL E COGNITIVISTA VERSUS PSICOPATOLOGIA PSICANALÍTICA Na visão comportamental o ser humano é visto como um conjunto de comportamentos observáveis verificáveis que são regulados por estímulos específicos e gerais bem como por suas respostas estímulos antecedentes e consequências contingências Em suma o comportamento se baseia em certas leis e determinantes do aprendizado Associada a essa visão a perspectiva cognitivista centra seu foco sobre as representações cognitivas cognições de cada indivíduo As cognições seriam vistas como essenciais ao funcionamento mental tanto normal como patológico Os sintomas resultam de comportamentos e representações cognitivas disfuncionais aprendidas e reforçadas pela experiência familiar e social Em contraposição na visão psicanalítica o ser humano é visto como ser sobredeterminado dominado por forças desejos e conflitos inconscientes A psicanálise dá grande importância aos afetos que segundo ela dominam o psiquismo O ser humano racional autocontrolado senhor de si e de seus desejos é para ela uma enorme ilusão Na visão psicanalítica os sintomas e síndromes mentais são considerados formas de expressão de conflitos predominantemente inconscientes de desejos que não podem ser realizados de temores aos quais o indivíduo não tem acesso O sintoma é encarado nesse caso como uma formação de compromisso um certo arranjo entre o desejo inconsciente as normas e as permissões culturais e as possibilidades reais de satisfação desse desejo A resultante desse emaranhado de forças dessa trama conflitiva inconsciente é o que se identifica como sintoma psicopatológico PSICOPATOLOGIA CATEGORIAL VERSUS PSICOPATOLOGIA DIMENSIONAL As entidades nosológicas ou doenças mentais específicas podem ser compreendidas como entidades completamente individualizadas com contornos e fronteiras bem demarcados As categorias diagnósticas seriam espécies únicas tal qual espécies biológicas cuja identificação precisa constituiria uma das tarefas da psicopatologia Assim entre a esquizofrenia e os transtornos bipolares e os delirantes haveria por exemplo uma fronteira nítida configurandoos como entidades ou categorias diagnósticas diferentes e discerníveis em sua natureza básica Em contraposição a essa visão categorial alguns autores propõem uma perspectiva dimensional em psicopatologia que seria hipoteticamente mais adequada à realidade clínica Haveria então dimensões como por exemplo o espectro esquizofrênico que incluiria desde formas muito graves tipo demência precoce com grave deterioração da personalidade embotamento afetivo muitos sintomas negativos residuais formas menos deteriorantes de esquizofrenia formas com sintomas afetivos chegando até um outro polo de transtornos afetivos incluindo formas de transtorno afetivo com sintomas psicóticos até formas puras de depressão e mania hipótese esta que se relaciona à antiga noção de psicose unitária Algumas polaridades dimensionais em psicopatologia seriam por exemplo Esquizofrenia deficitária esquizofrenia benigna psicoses esquizoafetivas transtornos afetivos com sintomas psicóticos transtornos afetivos menores ou Depressões graves estupor psicótica depressão bipolar depressões moderadas distimia personalidade depressiva depressão subclínica PSICOPATOLOGIA BIOLÓGICA VERSUS PSICOPATOLOGIA SOCIOCULTURAL A psicopatologia biológica enfatiza os aspectos cerebrais neuroquímicos ou neurofisiológicos das doenças e dos sintomas mentais A base de todo transtorno mental consiste em alterações de mecanismos neurais e de determinadas áreas e circuitos cerebrais Nesse sentido o aforismo do psiquiatra alemão Wilhelm Griesinger 18171868 resume bem essa perspectiva doenças mentais devem ser vistas como afecções do cérebro Griesinger 1997 p 7 Em contraposição a perspectiva sociocultural visa estudar os transtornos mentais como comportamentos desviantes que surgem a partir de certos fatores socioculturais como discriminação pobreza migração estresse ocupacional desmoralização sociofamiliar etc Os sintomas e os transtornos devem ser estudados segundo essa visão no seu contexto eminentemente sociocultural simbólico e histórico É nesse contexto de normas valores e símbolos culturalmente construídos que os sintomas recebem seu significado e portanto poderiam ser precisamente estudados e tratados Mais que isso a cultura em tal perspectiva é elemento fundamental na própria determinação do que é normal ou patológico na constituição dos transtornos e nos repertórios terapêuticos disponíveis em cada sociedade PSICOPATOLOGIA OPERACIONAL PRAGMÁTICA VERSUS PSICOPATOLOGIA FUNDAMENTAL Na visão operacionalpragmática as definições básicas de transtornos mentais e sintomas são formuladas e tomadas de modo arbitrário em função de sua utilidade pragmática clínica ou orientada à pesquisa Não se questiona a natureza da doença ou do sintoma tampouco os fundamentos filosóficos ou antropológicos de determinada definição Tratase do modelo adotado pelas modernas classificações de transtornos mentais o Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais DSM5 norteamericano e a Classificação internacional de doenças e problemas relacionados à saúde CID11 da Organização Mundial da Saúde OMS Por sua vez o projeto de psicopatologia fundamental proposto pelo psicanalista francês Pierre Fedida visa centrar a atenção da pesquisa psicopatológica sobre os fundamentos históricos e conceituais de cada conceito psicopatológico os quais incluem não apenas a tradição médica da psicopatologia mas também as tradições literárias artísticas e de outras áreas das humanidades Além disso tal psicopatologia dá ênfase à noção de doença mental como pathos que significa sofrimento paixão e passividade O pathos diz Manoel T Berlinck 19372016 é um sofrimentopaixão que ao ser narrado a um interlocutor em certas condições pode ser transformado em experiência e enriquecimento Berlinck 1977 1 As dicotomias apresentadas revelam a pluralidade teórica e de modos de aplicação clínica desses diversos campos e abordagens Visões mais integrativas e menos parciais são desejáveis no sentido de superação das dicotomias das dimensões biológicas o congênito genético e ambientais o aprendido cultural nas diversas psicopatologias CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA À PSICOPATOLOGIA A psicologia em suas diversas áreas psicologia das diferentes funções mentais experimental social do desenvolvimento etc tem fornecido contribuições fundamentais à ciência sendo portanto fonte de consulta inspiração e orientação à psicopatologia geral Não cabe aqui tentar resumir de forma apressada e incompleta esse vasto campo de conhecimento Nessa linha sugerese a consulta a bons textos de psicologia geral como os excelentes tratados Ciência psicológica mente cérebro e comportamento Gazzaniga Heatherton 2005 Desenvolvimento humano Papalia Feldman 2013 e Introdução à psicologia Feldman 2015 RELAÇÕES DA PSICOPATOLOGIA COM A PSICOLOGIA GERAL Segundo Sonenreich e Bassitt 1979 as relações da psicopatologia com a psicologia geral e a psiquiatria são múltiplas Há diversas visões sobre a posição exata da psicopatologia em relação a essas duas outras ciências Ionescu 1997 Apresentamse aqui algumas dessas visões Psicopatologia como patologia do psicológico Aqui a psicopatologia é tida como um ramo da psicologia geral Nesse sentido se a psicologia é o estudo sistemático da vida psíquica normal a psicopatologia deveria ser vista então não propriamente como uma disciplina autônoma mas como uma parte ou um ramo da psicologia geral uma subdisciplina que estuda os fenômenos anormais Os fenômenos psicopatológicos delírios alucinações alterações do humor da vontade etc seriam derivados dos fenômenos psicológicos normais desvios em certa continuidade com os fenômenos normais 2 3 4 Psicopatologia como psicologia especial do patológico da mente alterada ou patológica A psicopatologia seria neste caso uma ciência autônoma porque em seu campo de estudo entraria uma série de fenômenos especiais que não representam alterações quantitativas do normal simples desvios do normal Alguns fenômenos psicopatológicos seriam produções novas como o delírio verdadeiro as alucinações verdadeiras as alterações de humor no transtorno bipolar TB Seriam fenômenos originais descontínuos não deriváveis dos fenômenos psicológicos normais como o pensamento e julgamento normal as percepções normais a afetividade normal Psicopatologia como semiologia psiquiátrica Em tal concepção a psicopatologia se concentraria na descrição e no estudo dos sintomas e dos sinais dos transtornos mentais como unidades de estudo sem se ater a questões outras da psiquiatria e psicologia clínica É nesse sentido que Henri Ey 1965 emprega o termo assim como muitos tratados clássicos de psiquiatria É aparentemente uma perspectiva menos ambiciosa de ciência mas de grande relevância para o avanço do conhecimento Psicopatologia como propedêutica psiquiátrica Nessa conceitualização a psicopatologia passa a ser vista como o campo de estudo dos princípios e dos métodos de estudo do adoecimento mental a ciência introdutória e prévia à psiquiatria e psicologia clínica Ela visaria elucidar as bases conceituais e epistêmicas da prática clínica em saúde mental da psiquiatria e psicologia clínica como campos de saber bem como os pressupostos filosóficos e metodológicos que fundamentam o estudo dos transtornos mentais Seria então uma disciplina introdutória preparatória para os estudos em psiquiatria e psicologia clínica Etsy Shop Newsletter Signup 4 A questão da normalidade e da medicalização Que é loucura ser cavaleiro andante ou seguilo como escudeiro De nós dois quem o louco verdadeiro O que acordado sonha doidamente O que mesmo vendado vê o real e segue o sonho de um doido pelas bruxas embruxado Carlos Drummond de Andrade A QUESTÃO DA NORMALIDADE EM PSICOPATOLOGIA O conceito de saúde e de normalidade em psicopatologia é questão de grande controvérsia sendo fundamental o questionamento permanente e aprofundado sobre o que seriam o normal e o patológico Almeida Filho 2000 Há questões particularmente difíceis na determinação de normalidadeanormalidade em psicopatologia Historicamente essas noções receberam grande carga valorativa assim definir alguém como normal ou anormal psicopatologicamente tem sido associado àquilo que é desejável ou indesejável ou àquilo que é bom ou ruim Tais valores mesmo que se busque esclarecer que não devam estar presentes retornam quase sempre de forma explícita ou camuflada quando se caracteriza alguém como anormal psicopatologicamente Duyckaerts 1966 Além disso o comportamento e o estado mental das pessoas não são fatos neutros exteriores aos interesses e preocupações humanas Não se fica indiferente perante outros indivíduos ao lidar com seus comportamentos sentimentos e outros estados mentais A classificação de Plutão como planeta anão ou plutoide asteroide ou cometa perdendo enfim o status de planeta não afeta nada ou quase nada a vida dos seres humanos Já classificar de normalanormal ou patológicosaudável alguém cuja orientação do desejo erótico é homossexual ou cuja identidade de gênero é de transgênero afeta marcadamente milhares de pessoas reais para as quais essas definições interferem diretamente em suas vidas Assim o debate sobre normalidade em psicopatologia é um debate vivo intenso interessado repleto de valores explícitos ou não com conotações políticas e filosóficas explícitas ou não e conceitos que implicam o modo como milhares de pessoas serão situadas em suas vidas na sociedade Obviamente quando são casos extremos que estão em discussão cujas alterações comportamentais e mentais são de intensidade acentuada e de longa duração com sofrimento mental intenso e disfunções graves no dia a dia como demências avançadas psicoses graves ou deficiência intelectual profunda o delineamento das fronteiras entre o normal e o patológico não é tão problemático Entretanto há muitos casos menos intensos e delimitados além daqueles limítrofes e complexos em sua definição nos quais a delimitação entre comportamentos estados mentais e formas de sentir normais ou patológicas é bastante difícil e problemática Nessas situações o conceito de normalidade em psicopatologia e saúde mental ganha especial relevância Na CID11 o transtorno leve de personalidade mild personality disorder é um exemplo infeliz de criação de entidade nosológica que por ser muito próxima ao comportamento de um grande número de pessoas em geral tidas como normais p ex que em apenas alguns contextos sociais apresentam problemas não graves na identidade alguma dificuldade em relações interpessoais desempenho no trabalho e em relações sociais poderá gerar diagnósticos psicopatológicos exagerados e medicalização inapropriada Tal problema não é exclusivo da psicopatologia mas de toda a medicina e psicologia clínica Almeida Filho 2001 Tomese como exemplo a questão da delimitação dos níveis de tensão arterial para a determinação de hipertensão ou de glicemia na definição do diabetes Essas delimitações mudaram em função de visões de saúde e de políticas sanitárias da sociedade Esse problema foi cuidadosamente estudado pelo filósofo e médico francês Georges Canguilhem 19431978 cujo livro O normal e o patológico tornouse uma obra clássica e indispensável em tal discussão O conceito de normalidade em psicopatologia também implica a própria definição do que é saúde e doençatranstorno mental Os próprios termos levantam discussão No século XIX usavase o termo alienação oriundo do 1 2 3 direito no século XX passouse a usar o termo doença mental e nas últimas décadas com os sistemas diagnósticos Classificação internacional de doenças e problemas relacionados à saúde CID e Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais DSM ganhando protagonismo passouse a usar o termo transtorno mental O termo doença foi criticado para a área de psiquiatria e psicologia clínica pois implicaria sempre ou quase sempre alterações patológicas no corpo no caso no cérebro Como em muitas das condições psicopatológicas não se evidenciam alterações anatômicas fisiológicas ou histológicas no cérebro convencionouse usar o termo transtorno Neste livro usamse como sinônimos os termos doença e transtorno Os temas relacionados ao debate sobre normalidade apresentam desdobramentos em várias áreas da saúde mental e da psicopatologia a saber Psiquiatria e psicologia legal ou forense A determinação de anormalidade psicopatológica pode ter importantes implicações legais criminais e éticas podendo definir o destino social institucional e legal de uma pessoa A definição de alguém como normal psicopatologicamente significa que o indivíduo em questão é plenamente responsável por seus atos e deve responder legalmente por eles Caso se defina a pessoa como anormal e tal anormalidade a impeça de avaliar a realidade e de agir racionalmente respeitando as leis de sua sociedade ela passa a ser considerada não responsável por seus atos perdendo a autonomia de um lado e de outro a possibilidade de ser acusada e punida judicialmente Assim a definição de normalidadeanormalidade tem um peso marcante nessa dimensão da vida Epidemiologia dos transtornos mentais Nesse caso a definição de normalidade é tanto um problema como um objeto de trabalho e pesquisa A epidemiologia inclusive pode contribuir para a discussão e o aprofundamento do conceito de normalidade em saúde em geral e em psicopatologia em particular Psiquiatria cultural e etnopsiquiatria Aqui o conceito de normalidade é tema importante de pesquisas e debates De modo geral o conceito de normalidade em psicopatologia impõe a análise do contexto sociocultural Aqui se exige necessariamente o estudo da relação entre o fenômeno supostamente patológico e o contexto social no qual tal fenômeno emerge e recebe este ou aquele significado cultural 4 5 6 1 Planejamento em saúde mental e políticas de saúde Nessa área é preciso estabelecer critérios de normalidade principalmente no sentido de verificar as demandas assistenciais de determinado grupo populacional as necessidades de serviços quais e quantos serviços devem ser colocados à disposição desse grupo etc Orientação e capacitação profissional São importantes na definição de capacidade e adequação de um indivíduo para exercer certa profissão manipular máquinas usar armas dirigir veículos etc por exemplo o caso de indivíduos com déficits cognitivos e que desejam dirigir veículos pessoas psicóticas que querem portar armas sujeitos com crises epilépticas que manipulam máquinas perigosas entre outros casos Prática clínica É muito importante a capacidade de discriminar no processo de avaliação e intervenção clínica se tal ou qual fenômeno é patológico ou normal se faz parte de um momento existencial do indivíduo ou se é algo francamente patológico De modo geral são incluídas na prática clínica apenas as pessoas com transtornos mentais entretanto isso não é absoluto pois aquelas com sofrimento mental significativo sem uma psicopatologia também podem se beneficiar de intervenções profissionais em saúde mental como psicoterapia arteterapia orientação e mesmo em certos casos avaliados individualmente e com cuidado uso de psicofármacos por períodos breves Critérios de normalidade Há vários e distintos critérios de normalidade e anormalidade em medicina e psicopatologia A adoção de um ou outro depende entre outras coisas de opções filosóficas ideológicas e pragmáticas do profissional ou da instituição em que ocorre a atenção à saúde Canguilhem 1978 Os principais critérios de normalidade utilizados em psicopatologia são Normalidade como ausência de doença O primeiro critério que geralmente se utiliza é o de saúde como ausência de sintomas de sinais ou de doenças Segundo expressiva formulação de um dos fundadores das pesquisas médicas de intervenção sobre a dor física René Leriche 18791955 a saúde é a vida no silêncio dos órgãos Leriche 1936 Normal do ponto de vista psicopatológico seria então aquele indivíduo que simplesmente não é portador de um transtorno mental definido Tal critério é 2 3 4 bastante falho e precário pois além de redundante baseiase em uma definição negativa ou seja definese a normalidade não por aquilo que ela supostamente é mas por aquilo que ela não é pelo que lhe falta Almeida Filho Jucá 2002 Normalidade ideal A normalidade aqui é tomada como certa utopia Estabelecese arbitrariamente uma norma ideal aquilo que é supostamente sadio mais evoluído Tal norma é de fato socialmente constituída e referendada Depende portanto de critérios socioculturais e ideológicos arbitrários e às vezes dogmáticos e doutrinários Exemplos de tais conceitos de normalidade são aqueles com base na adaptação do indivíduo às normas morais e políticas de determinada sociedade como nos casos do macarthismo nos Estados Unidos e do pseudodiagnóstico de dissidentes políticos como doentes mentais na antiga União Soviética Normalidade estatística A normalidade estatística identifica norma e frequência Tratase de um conceito de normalidade que se aplica especialmente a fenômenos quantitativos com determinada distribuição estatística na população geral como peso altura tensão arterial horas de sono quantidade de sintomas ansiosos etc O normal passa a ser aquilo que se observa com mais frequência Os indivíduos que se situam estatisticamente fora ou no extremo de uma curva de distribuição normal passam por exemplo a ser considerados anormais ou doentes Esse é um critério muitas vezes falho em saúde geral e mental pois nem tudo o que é frequente é necessariamente saudável assim como nem tudo que é raro ou infrequente é patológico Tomemse como exemplo fenômenos como as cáries dentárias a presbiopia os sintomas ansiosos e depressivos leves o uso pesado de álcool os quais podem ser muito frequentes mas que evidentemente não podem a priori ser considerados normais ou saudáveis Normalidade como bemestar A Organização Mundial da Saúde WHO 1946 definiu em 1946 a saúde como o completo bemestar físico mental e social e não simplesmente como ausência de doença É um conceito criticável por ser muito amplo e impreciso pois bemestar é algo difícil de se definir objetivamente Além disso esse completo bemestar físico mental e social é tão utópico que poucas pessoas se encaixariam na categoria saudáveis 5 6 7 8 Normalidade funcional Tal conceito baseiase em aspectos funcionais e não necessariamente quantitativos O fenômeno é considerado patológico a partir do momento em que é disfuncional e produz sofrimento para o próprio indivíduo ou para seu grupo social Normalidade como processo Nesse caso mais que uma visão estática consideramse os aspectos dinâmicos do desenvolvimento psicossocial das desestruturações e das reestruturações ao longo do tempo de crises de mudanças próprias a certos períodos etários Esse conceito é particularmente útil na chamada psicopatologia do desenvolvimento relacionada a psiquiatria e psicologia clínica de crianças adolescentes e idosos Normalidade subjetiva Aqui é dada maior ênfase à percepção subjetiva do próprio indivíduo em relação a seu estado de saúde às suas vivências subjetivas O ponto falho desse critério é que muitas pessoas que se sentem bem muito saudáveis e felizes como no caso de sujeitos em fase maníaca no transtorno bipolar apresentam de fato um transtorno mental grave Normalidade como liberdade Alguns autores de orientação fenomenológica e existencial propõem conceituar a doença mental como perda da liberdade existencial Dessa forma a saúde mental se vincularia às possibilidades de transitar com graus distintos de liberdade sobre o mundo e sobre o próprio destino O psicopatólogo francês Henri Ey 19001977 formulou com clareza esta noção as enfermidades físicas são ameaças à vida as enfermidades mentais são ataques à liberdade no transtorno mental o processo mórbido travando bloqueando dissolvendo a atividade psíquica diminui a liberdade e responsabilidade do paciente mental Ey 2008 p 77 A doençatranstorno mental é portanto constrangimento do ser é fechamento fossilização das possibilidades existenciais Dentro desse espírito o psiquiatra gaúcho Cyro Martins apud Guilhermano 1996 p 12 afirmava que a saúde mental poderia ser vista em certo sentido como a possibilidade de dispor de senso de realidade senso de humor e de um sentido poético perante a vida atributos esses que permitiriam ao indivíduo relativizar os sofrimentos e as limitações inerentes à condição humana e assim desfrutar do resquício de liberdade e prazer que a existência oferece 9 Normalidade operacional Tratase de um critério assumidamente arbitrário com finalidades pragmáticas explícitas Definese a priori o que é normal e o que é patológico e buscase trabalhar operacionalmente com esses conceitos aceitando as consequências de tal definição prévia Até certo ponto a demarcação de separação entre normal e patológico dos sistemas diagnósticos atuais CID e DSM emprega critérios operacionais e pragmáticos na definição dos transtornos mentais Portanto de modo geral podese concluir que os critérios de normalidade e de doença em psicopatologia variam consideravelmente em função dos fenômenos específicos com os quais se trabalha e também de acordo com as opções filosóficas do profissional ou da instituição Além disso em alguns casos podese utilizar a associação de vários critérios de normalidade ou doençatranstorno de acordo com o objetivo que se tem em mente De toda forma essa é uma área da psicopatologia que exige postura permanentemente crítica e reflexiva dos profissionais MEDICALIZAÇÃO PSIQUIATRIZAÇÃO PSICOLOGIZAÇÃO Em excelente trabalho abrangente e crítico Rafaela T Zorzanelli e colaboradores apontam para os múltiplos e às vezes confusos sentidos do termo medicalização na atualidade Zorzanelli et al 2014 Campos e condições como infância e transtorno de déficit de atençãohiperatividade TDAH timidez e fobia social envelhecimento e menopausa memória e transtorno de estresse póstraumático exemplificam temas que são reiteradamente incluídos nas críticas sobre medicalização Por medicalização entendese o processo pelo qual problemas não médicos passam a ser definidos e tratados como problemas médicos frequentemente em termos de doenças ou transtornos Conrad 2007 No campo da psicopatologia medicalização é um conceito que se refere mais especificamente à transformação de comportamentos desviantes em doenças ou transtornos mentais implicando geralmente a ação do controle e poder médico sobre as condições transformadas em entidades médicas Assim o termo medicalização teve no início do uso desse construto um sentido de denúncia sobre o chamado poder médico ver por exemplo as críticas de Zola 1972 Os termos psiquiatrização transformação de problemas não psiquiátricos em psiquiátricos e psicologização transformação de problemas não psicológicos em psicológicos embora menos empregados teriam um sentido análogo ao de medicalização Assim o que está em jogo na crítica que o termo medicalização implica é o processo ideológico e político de rotular comportamentos desviantes moralmente repreensíveis ou maladaptados e transgressivos como doença como transtorno mental e assim monitorar regular e controlálos melhor ou desqualificar as pessoas que recebem tal rótulo Na atualidade a noção de medicalização se tornou mais problemática e complexa sobretudo pela busca que pessoas não profissionais fazem por identidades relacionadas a certas condições médicas e pela apropriação de categorias médicas pela população em geral Zorzanelli et al 2014 Embora a denúncia da medicalização psiquiatrização e psicologização seja importante há diversos aspectos controversos em torno dela Em diversos países e no Brasil em particular há o paradoxo de muitas pessoas com transtornos mentais graves como esquizofrenia transtorno bipolar autismo depressão grave etc não terem acesso a cuidados de saúde mental adequados enquanto em outros grupos socioeconomicamente mais privilegiados há medicalização e psiquiatrização de condições não médicas p ex a tristeza comum decorrente de conflitos eou infelicidade conjugal sendo medicalizada como depressão e tratada com psicofármacos ou o fracasso escolar devido a inadequações pedagógicas sendo psiquiatrizado como TDAH A questão na maioria das vezes não é se o indivíduo recebe ou não diagnóstico e tratamento médico psiquiátrico ou psicológico mas antes se aqueles que necessitam de fato recebem diagnóstico e tratamento adequados e aqueles que não necessitam possam ficar isentos de ações médicas com implicações inadequadas Glasziou 2013 A definição de um conjunto de comportamentos como normal ou anormal como transtorno mental transgressão legal ou anormalidade social tem implicações marcantes sobre a economia p ex a indústria farmacêutica a vida política o sistema judicial e enfim sobre a vida concreta muitas vezes de milhares de pessoas Etsy Shop Newsletter Signup 5 Contribuições das neurociências à psicopatologia Upa Cá estamos Custoute não leitor amigo É para que não acredites nas pessoas que vão ao Corcovado e dizem que ali a impressão da altura é tal que o homem fica sendo cousa nenhuma Opinião pânica e falsa falsa como Judas e outros diamantes Não creias tu nisso leitor amado Nem Corcovados nem Himalaias valem muita cousa ao pé da tua cabeça que os mede Machado de Assis VISÃO GERAL DOS SISTEMAS NEURONAIS De fato como Machado de Assis menciona no texto apesar da riqueza do universo a cabeça que o estuda e o admira talvez seja uma de suas partes mais ricas A riqueza do cérebro humano está basicamente relacionada a sua capacidade de receber armazenar e elaborar informações bem como fazer planos e promover ações o que depende intimamente das conexões neuronais via sinapses O cérebro humano contém cerca de 100 bilhões de neurônios cada neurônio isto é válido sobretudo para neurônios do neocórtex com seus axônios e dendritos faz aproximadamente 10 mil conexões com outros neurônios um total que pode alcançar para todo o cérebro humano 100 trilhões de conexões Sporns 2010 Hoje se pensa que a unidade funcional do cérebro não é o neurônio isolado mas os circuitos e conexões neuronais Percepção imaginação memória emoções e mesmo o pensamento surgem vinculados com a atividade desses circuitos neuronais O desenvolvimento de tais circuitos baseiase em parte em uma programação genética mas é intensamente dependente das experiências individuais do sujeito em seu ambiente Pally 1997 Sporns 2010 A arquitetura e a organização do cérebro são produtos de uma longa história de evolução filogenética Dalgalarrondo 2011 As partes filogeneticamente mais antigas do órgão são o tronco cerebral e o diencéfalo responsáveis pelas funções vitais como respiração batimentos cardíacos temperatura corporal e ciclo sonovigília MacLean 1990 Também antigas são as estruturas límbicas na parte mesial dos lobos temporais e frontais associadas às respostas emocionais e à memória assim como em certa medida a padrões típicos dos mamíferos como cuidados parentais amamentação brincar e choro infantil Em termos evolutivos a parte mais recente do cérebro é o neocórtex de seis camadas neuronais dos mamíferos Esse córtex teve seu desenvolvimento maior nos primatas e na espécie humana principalmente por meio das áreas associativas temporoparietoccipitais e das áreas préfrontais O córtex préfrontal é o centro executivo do cérebro responsável pelos pensamentos abstrato e simbólico pelo planejamento de ações futuras pela capacidade de montar um esquema de causas efeitos e consequências das ações córtex préfrontal dorsolateral por dirigir a atenção para uma tarefa modular o afeto e as emoções córtex orbitofrontal assim como adiar uma gratificação e lidar com as frustrações Pally 1997 A localização precisa de atividades cognitivas e mentais em geral em termos de regiões cerebrais e módulos cognitivoscerebrais isoláveis tem sido criticada por simplificar a análise do funcionamento do cérebro humano Há muitos elementos que indicam que os neurônios de determinada área do cérebro não exercem apenas uma função como linguagem percepção de objetos pensamento ou ações motoras De modo geral segundo as pesquisas originais de Michael L Anderson 2016 neurônios localizados em uma parte do cérebro exercem muitas funções diferentes conforme são requisitados revelando uma plasticidade maior do que se imaginava décadas atrás Há o chamado reuso neuronal no qual neurônios são utilizados e reutilizados para múltiplas e distintas funções cognitivas mentais e comportamentais Assim por exemplo a área da ínsula anterior esquerda está envolvida em funções tão distintas como linguagem memória de trabalho atenção raciocínio audição e emoção De acordo com os desafios ambientais colocados diante do indivíduo muitas áreas neuronais localizadas e circunscritas assumem diferentes funções assim não há muito espaço para ultraespecialistas no cérebro humano para uma excelente apresentação desse tema ver Anderson 2016 Nos dias atuais está cada vez mais evidente que mais importante do que a localização de um neurônio no cérebro são as conexões que ele faz com outras células cerebrais o modo como as sinapses são feitas e refeitas Além disso hoje é consenso que a construção das importantes conexões cerebrais depende intimamente das experiências pelas quais o indivíduo passa Anderson 2016 Devese destacar também que nas últimas décadas foi descoberto que os neurônios não são os únicos atores importantes do cérebro As células da glia como os astrócitos os oligodendrócitos e as células de Schwann que representam cerca de 85 das células no cérebro humano os neurônios representam apenas 15 das células cerebrais e anteriormente eram vistas apenas com a função de massa de preenchimento de transporte de nutrientes e de proteção dos neurônios estes sim eram os atores do cérebro foram redescobertas pelas neurociências Descobriuse nos últimos anos por exemplo que tais células da glia participam intensamente do processamento de informação no cérebro são fundamentais para o funcionamento das sinapses controlam a comunicação sináptica têm receptores para os mesmos neurotransmissores dos neurônios e influenciam a transmissão sináptica mesmo longe da região onde estão localizadas A glia está implicada tanto em processos neurofisiológicos complexos na aprendizagem e nas alterações patológicas como nos transtornos mentais esquizofrenia depressão e transtorno obsessivo compulsivo TOC e neurológicos esclerose múltipla e neuroquímica da dor Fields 2010 DESENVOLVIMENTO DO CÉREBRO NO CICLO VITAL Em relação ao desenvolvimento ontogenético podese afirmar que o cérebro humano nasce prematuro Muito do seu desenvolvimento ocorre após o nascimento até o período adulto A migração dos neurônios no período fetal do tubo neural para seu destino final a maior parte no córtex cerebral ocorre sob controle genético direto Postulase que anormalidades nesse processo migratório possam contribuir para a gênese de alguns transtornos mentais Nos primeiros anos de vida há um grande número de sinapses a chamada exuberância sináptica Ao fim do primeiro ano de vida a criança chega a ter o dobro de sinapses do adulto para o mesmo número de neurônios O período de exuberância sináptica dura até o início da adolescência Nesse período as sinapses serão gradativamente reduzidas podadas de acordo com o uso que se fez e se faz delas ao longo da vida Sinapses e circuitos ativados e utilizados com frequência irão permanecer e serão reforçados os que não são usados desaparecem nos anos de adolescência e juventude Embora esse processo de poda ou reforço ocorra ao longo de toda a vida é na adolescência que ele ocorre de forma mais rápida e acentuada Dennis et al 2013 Outro aspecto importante é a mielinização uma vez que as bainhas de mielina permitem uma condução neuronal muito mais rápida e eficiente potencializando em grau maior as funções cerebrais As áreas sensoriais primárias são mielinizadas nos primeiros meses de vida o córtex préfrontal por sua vez responsável por funções mentais extremamente complexas sofre lento processo de mielinização do terceiro mês de vida até o início do período adulto ou seja até os 30 anos de idade quando o córtex préfrontal enfim se estabiliza Com o envelhecimento o cérebro humano também se transforma o número de neurônios decresce por volta de 5 a 10 o cérebro todo diminui de tamanho e a substância branca perde parte de sua integridade Há declínio de habilidades neuropsicológicas como velocidade de processamento memória de trabalho e memória de longo prazo Entretanto na velhice se há engajamento da pessoa em atividades cognitivas e exercício físico ocorrem mecanismos compensatórios de ativação aumentada das regiões préfrontais Park ReuterLorenz 2009 FUNÇÕES E ÁREAS CEREBRAIS De forma bastante simplificada mas didática podemse identificar dois pares de áreas cerebrais antagônicos em certo sentido mas também complementares Distinguemse funcionalmente no cérebro as porções anteriores versus as posteriores assim como o hemisfério direito versus o esquerdo A seguir são apresentados alguns aspectos do funcionamento cerebral nessas duas díades Porção anterior frontal versus posterior do cérebro A porção posterior do cérebro incluindo os lobos occipitais parietais e temporais contém as áreas sensoriais primárias da visão do tato da propriocepção da audição do olfato e da gustação as áreas secundárias adjacentes e funcionalmente relacionadas às primárias e a extensa área terciária de associação a saber a grande área associativa da encruzilhada temporoparietoccipital Essa porção posterior do cérebro relacionase mais intimamente à recepção à identificação e à ordenação do ambiente em relação ao indivíduo Podese dizer didaticamente que é a região do cérebro que recebe o mundo Obviamente essas áreas também participam de tarefas ativas e motoras do indivíduo sobre o meio mas seu funcionamento mais característico referese à percepção do mundo e à organização dessa percepção em unidades ordenadas e integradas na codificação na decodificação e na recodificação em níveis de complexidade crescente de todos os elementos sensoriais e por fim na configuração e representação coerente da realidade A porção anterior frontal do cérebro relacionase mais intimamente com as atividades do indivíduo É a porção do cérebro que age sobre o mundo As áreas anteriores do órgão principalmente os córtices préfrontal e frontal e os núcleos da base sobretudo o núcleo caudado também participam da identificação de problemas a serem solucionados assim como são fundamentais para os mecanismos da atenção Sua especificidade relacionase à criação e ao planejamento de estratégias de ação à colocação na prática de tais estratégias à monitoração dos efeitos da ação sobre o meio e à adequação contínua dessa ação perante as condições cambiantes do meio De modo simplificado e resumido podese afirmar que os lobos frontais são responsáveis pelo planejamento da ação e do futuro assim como pelo controle dos movimentos os lobos parietais pelas sensações táteis imagem corporal e parte da consciência de si os lobos occipitais pela visão e reconhecimento visual do ambiente e os lobos temporais pela audição e pelos principais aspectos da linguagem e nas regiões mesiais temporais parte interna sistema límbico pela memória aprendizado e emoções Kandel Schwartz Jessel 1995 Hemisfério esquerdo versus direito Desde as pesquisas de Paul Broca 1861 e de Carl Wernicke 1874 no século XIX sabese que os dois hemisférios cerebrais não são nem semelhantes do ponto de vista anatômico nem totalmente equivalentes do ponto de vista funcional Tanto estudos clínicopatológicos com pacientes que sofreram acidentes vasculares cerebrais ou tumores como pesquisas experimentais têm demonstrado que os hemisférios esquerdo e direito são assimétricos em múltiplos aspectos funcionais e cognitivos Para a maioria dos seres humanos o hemisfério esquerdo desenvolvese ontogeneticamente de forma mais lenta que o direito e está intimamente associado a funções linguísticas verbais O hemisfério direito por sua vez relacionase com habilidades visuoespaciais aspectos prosódicos da linguagem e aspectos da percepção e expressão musical O Quadro 51 apresenta algumas das funções e das habilidades diferenciais entre os dois hemisférios Gaebel 1988 Quadro 51 Funções neuropsicológicas predominantes dos hemisférios esquerdo e direito HEMISFÉRIO ESQUERDO HEMISFÉRIO DIREITO Verbal linguístico Semântica Sintáxica lógica da língua Visuoespacial Musical Prosódica música da fala entonação Cabe assinalar que a chamada dominância hemisférica para a linguagem sobretudo para os aspectos semânticos e sintáticos é esquerda para 96 dos indivíduos destros e para 58 dos canhotos Pessoas canhotas ambidestras ou com lateralidade ambígua representam geralmente 10 da população entretanto em países como Índia e Japão são em torno de 5 possivelmente por pressões culturais Ferrari 2007 Em 27 dos canhotos a dominância hemisférica para a linguagem fica no hemisfério direito e em 15 deles a dominância para a linguagem é bilateral Madalozzo Tognola 2006 NEUROPSICOLOGIA E PSICOPATOLOGIA A neuropsicologia investiga as relações entre as funções psicológicas e a atividade cerebral É de seu particular interesse o estudo das funções cognitivas como a memória a linguagem o raciocínio as habilidades visuoespaciais o reconhecimento a capacidade de resolução de problemas as habilidades musicais etc As alterações inicialmente estudadas pela neuropsicologia foram as afasias perda de linguagem as agnosias perda da capacidade de reconhecimento as amnésias déficits de memória e as apraxias perda da capacidade de realizar gestos complexos do saberfazer Além dessas funções e sintomas temse dado ênfase a outras dimensões da cognição como as atividades construtivas execução de tarefas complexas realização de atos construtivos em sequência tarefas psicomotoras etc e as habilidades visuoespaciais análise e julgamento de relações espaciais reconhecimento e memorização de figuras complexas etc Outras funções e dimensões estudadas pela neuropsicologia nas últimas décadas são habilidades musicais discriminação de tons e melodias ritmo e harmonia etc atenção sustentada e seletiva percepção e organização temporal funções executivas identificação e resolução de problemas novos 1 2 3 1 elaboração de estratégias de ação execução de tarefas sequenciais etc e funções conceituais formação de conceitos desenvolvimento de raciocínios pensamento lógico habilidades aritméticas etc A neuropsicologia é uma área de interesse crescente em psicopatologia e psiquiatria de modo geral Nas últimas décadas tem aumentado o uso de modelos neuropsicológicos para o entendimento dos transtornos mentais assim como o emprego de testes neuropsicológicos e o estudo de diversos déficits cognitivos sutis ou marcantes em transtornos mentais clássicos como esquizofrenia depressão autismo transtorno de déficit de atençãohiperatividade TDAH e TOC revisão em Keefe 1995 A neuropsicologia moderna ganhou importante impulso com a obra do neurologista e neuropsicólogo russo Alexander R Luria 19021977 Ele propôs substituir a noção tradicional de sintoma em neurologia e neuropsiquiatria que segundo ele seria demasiadamente simplista e mecanicista por uma abordagem mais dinâmica e complexa A noção de sintoma como decorrente de uma lesão delimitada do cérebro não corresponde à realidade diversificada da vida mental particularmente dos processos cognitivos Segundo Luria no modelo tradicional localizacionista das neurociências haveria algo que corresponderia ao seguinte esquema tecido em área cerebral específica delimitada é responsável por determinadas funções elementares linguagem memória reconhecimentos etc funções elementares são diretamente afetadas por lesão nesse tecido nessa área logo lesão localizada sintoma específico Luria 1981 propõe substituir esse esquema pela noção de sistema funcional complexo SFC Segundo ele o SFC estaria organizado de acordo com as seguintes premissas Os processos mentais complexos como linguagem pensamento memória abstração praxias gnosias etc não estão prontos no adulto não são fenômenos fixos derivados mecânicos de uma área cerebral que entra em ação independentemente do desenvolvimento do indivíduo Eles são de fato processos mentais construídos durante a ontogênese por meio da experiência social ou seja pela interação intensa e contínua da criança com seus pais e seu meio social Essa interação é que permite ao indivíduo 2 3 1 2 3 adquirir todas as suas funções cognitivas como memória linguagem pensamento reconhecimento etc Do ponto de vista cerebral as funções e os processos mentais complexos são organizados em sistemas que envolvem zonas cerebrais distintas cada uma delas desempenhando um papel específico no sistema funcional agindo e interagindo em concerto Tais zonas na maior parte das vezes estão em áreas diferentes e em geral distantes umas das outras no cérebro Embora distantes agem de forma coordenada para produzir uma função mental complexa A lesão de uma das áreas cerebrais implicada em determinada função mental superior pode acarretar a desintegração de todo o sistema funcional Portanto a perda de uma função particular pode informar pouco sobre sua localização Muito mais relevante que uma área cerebral circunscrita são os sistemas funcionais complexos constituídos por redes neuronais amplas e muito dinâmicas Os três grandes sistemas funcionais do cérebro humano segundo Luria 1981 são Sistema do tônus do córtex Formado por aferências da periferia partes superiores do tronco cerebral córtex límbico e com modulação das regiões préfrontais Esse sistema segundo Luria é responsável pela ativação geral do sistema nervoso central SNC Ele controla particularmente o nível de ativação do córtex mantendo o nível de consciência a vigilância e a atenção do sujeito Sistema de recepção elaboração e conservação de informações Formado por áreas posteriores do córtex cerebral occipital temporal e parietal ou seja por zonas sensoriais visuais auditivas táteis e proprioceptivas primárias e secundárias além do carrefour encruzilhada temporoparietaloccipital Esse sistema de acordo com Luria é responsável pela recepção pela decodificação e pela interpretação das informações provenientes do ambiente externo e interno É o sistema que reconhece o mundo nas várias modalidades sensoriais auditiva visual tátil olfativa etc e integra tais informações ambientais em um todo coerente Sistema de programação regulação e controle da atividade Formado por áreas anteriores frontais dos grandes hemisférios Esse sistema conforme Luria é responsável pela ação do indivíduo sobre o meio ambiente A partir 1 2 do reconhecimento de problemas novos e tarefas necessárias os sistemas préfrontais programam a atividade complexa do indivíduo montam estratégias de ação colocamnas em funcionamento e monitoram a eficácia de tais ações modulandoas segundo as variações do ambiente Para Luria a linguagem é um dos elementos organizadores mais importantes da atividade cerebral A partir dela todas as outras funções cognitivas superiores se organizam A linguagem por sua vez é fenômeno cerebral e sociocultural produzido e modificado historicamente Assim o próprio funcionamento do cérebro particularmente no que concerne às funções corticais superiores linguagem memória pensamento etc é organizado a partir das interações sociofamiliares básicas bem como do contexto sociocultural e histórico no qual o indivíduo se insere desde seus primeiros anos de vida LIMITES DA APLICAÇÃO DA NEUROPSICOLOGIA E DOS TESTES NEUROPSICOLÓGICOS EM PSIQUIATRIA Apesar de representar uma importante contribuição à psicopatologia abrindo novas perspectivas de entendimento da doença mental e de contribuir por meio de um grande número de testes padronizados e sofisticados para a avaliação de sutis alterações dos rendimentos intelectuais nos transtornos mentais o modelo neuropsicológico também apresenta claras limitações quando aplicado à psiquiatria Lezak et al 2012 Howieson Loring 2004 A utilização em psicopatologia dos testes neuropsicológicos é complexa marcada pelas seguintes dificuldades Os testes neuropsicológicos ao contrário do que às vezes se afirma não medem funções absolutamente específicas O desempenho pobre em um teste não indica necessariamente um déficit neuropsicológico específico Por exemplo um mau desempenho em um teste visuoespacial p ex o teste de Bender ou o de Benton pode ser decorrente de déficit visual déficit de integração de informações visuais apraxia construcional agnosia visual eou de funções executivas frontais De modo geral devese constatar que há grande sobreposição entre as várias funções neurocognitivas complexas Decorrente da primeira constatação é preciso lembrarse de que o desempenho anormal em um teste neuropsicológico não significa necessariamente uma disfunção cerebral regional específica Quanto mais complexa for a tarefa p ex funções executivas raciocínio abstrato etc tanto mais provável será que o déficit se deva a múltiplos fatores alguns deles inespecíficos entrando em jogo diferentes redes e sistemas neuronais revisão em Dodrill 1997 PLASTICIDADE NEURONAL O CÉREBRO TRANSFORMASE POSITIVA E NEGATIVAMENTE COM A EXPERIÊNCIA A experiência é o elemento mais importante que estimula ou restringe a plasticidade neuronal Desde os anos de 1960 o velho dogma de que o cérebro uma vez formado tornase uma estrutura fixa pouco passível de modificações vem sendo substituído pela constatação de que o sistema nervoso de fato exibe uma importante característica a neuroplasticidade Mellon Clark 1990 Tem sido verificada a capacidade do tecido neuronal de se transformar e adaptar às exigências ambientais ou internas do organismo não só na fase embrionária e no início da vida mas ao longo de todo o ciclo vital A experiência é elemento fundamental que estimula ou restringe a plasticidade neuronal Arteni Alexandre Netto 2004 A neuroplasticidade é verificada pelo nascimento de novos neurônios neurogênese pelo aumento ou redução no tamanho dos dendritos e espinhas dendríticas pela formação ou eliminação de sinapses pelo aumento da atividade glial e pelas alterações na atividade metabólica de distintas áreas cerebrais Pequenas proteínas atuantes no cérebro as neurotrofinas NTs também são importantes para a plasticidade neuronal perante a experiência São algumas delas fator de crescimento neuronal NGF fator neurotrófico derivado do cérebro BDNF NT3 e NT45 Vinculados à experiência o aprendizado e a memória estão associados a modificações sinápticas O fortalecimento de vias sinápticas a criação de novas sinapses e o recrutamento de neurônios adjacentes formando novas conexões relacionamse assim à neuroplasticidade derivada da experiência Um exemplo de neuroplasticidade são as modificações neuronais verificadas no cérebro de músicos profissionais por exemplo violinistas experientes cujas representações neuronais de suas polpas digitais no córtex tornamse após longos anos de aprendizado com o instrumento muito mais extensas desenvolvidas e complexas em comparação às de pessoas sem tal experiência Elbert et al 1995 Jancke Shan Peters 2000 Bilder 2011 EXPERIÊNCIAS NEGATIVAS TRANSTORNOS MENTAIS E NEUROPLASTICIDADE ASPECTOS DA EPIGENÉTICA Tanto o estresse prolongado como possivelmente as experiências de depressão e ansiedade graves e duradouras exercem importante efeito negativo sobre a plasticidade neuronal A liberação de adrenalina e de glicocorticoides endógenos como o cortisol após o estresse pode causar dano neuronal principalmente no córtex préfrontal e no hipocampo regiões com muitos receptores para glicocorticoides e intimamente relacionadas ao aprendizado e à memória Episódios repetidos graves e longos de depressão foram associados com a redução do volume do hipocampo e do córtex Postulase uma neuroplasticidade maladaptativa relacionada à origem ou ao agravamento de condições como esquizofrenia depressão autismo transtorno de estresse póstraumático TEPT e deficiência intelectual Thome Eisch 2005 A partir de observações clínicas e pesquisas experimentais postulase também que separação precoce da mãe maustratos e negligência fatores considerados atualmente estresse tóxico para o cérebro durante os primeiros anos de vida possam por meio de neuroplasticidade maladaptativa gerar padrões neuronais disfuncionais relacionados a maior vulnerabilidade aos transtornos mentais como depressão esquizofrenia e mesmo TEPT ao longo da infância e da vida adulta O encurtamento dos telômeros dos cromossomos decorrente de estresse tóxico sinal de envelhecimento genético e celular tem sido demonstrado em muitas condições psicopatológicas Shalev et al 2013 Em contrapartida por exemplo o exercício físico ocasiona a liberação de substâncias que estimulam a funcionalidade dos neurônios como o BDNF Cabe mencionar nessa linha o trabalho do neurocientista Hongjun Song e colaboradores Song Stevens Gage 2002 que demonstrou que o nascimento de novos neurônios ocorre no hipocampo até o fim da vida o que é importante para a manutenção da memória do aprendizado e da inteligência inclusive na velhice No cérebro humano mecanismos epigenéticos de grande relevância têm sido descobertos São mecanismos mediados por enzimas que atuam em determinadas substâncias apagadoras ou escritoras no sentido de ativar ou silenciar os genes que se expressam no cérebro humano Esses mecanismos bioquímicos são fortemente influenciados por experiências pessoais por estímulos ambientais positivos ou negativos O estudo dos mecanismos epigenéticos cerebrais relacionados a processos psicológicos e psicopatológicos está apenas se iniciando mas é possível que traga conhecimento valioso sobre a interação geneambiente naturezacultura Franklin et al 2010 GENÉTICA MOLECULAR NEUROCIÊNCIAS E PSICOPATOLOGIA Nesse ponto é relevante lembrar que embora o cérebro no adulto represente apenas 2 do peso corporal cerca de metade do genoma humano é dedicada a sua produção Atualmente os neurocientistas e geneticistas já conseguem mapear no cérebro humano como os genes se expressam ou são silenciados nas diferentes áreas cerebrais a ação de mais de 20 mil genes já foi identificada Assim está em andamento a construção de um mapa genético do cérebro humano Hawrylycz et al 2012 Na fase inicial dessa linha de investigação tem sido evidenciado que a atividade gênica expressão dos genes no cérebro é relativamente homogênea em relação às diferentes áreas cerebrais o que mais difere em relação à expressão gênica é o tipo de célula neuronal cortical p ex os distintos neurônios cerebrais como células granuladas células piramidais células triangulares células horizontais de Cajal células piramidais gigantes Os genes definem mais que tipos de células estarão presentes em determinada região cortical o que define como o córtex se comporta é antes a forma como os neurônios estão conectados entre si e o histórico de experiências pelas quais o indivíduo passou o que por sua vez estimulou a formação de determinados circuitos cerebrais determinadas sinapses Entretanto o trabalho de identificar a atividade gênica no cérebro está apenas se iniciando nos próximos anos e décadas possivelmente se saberá muito mais nessa estratégica área de pesquisa Hawrylycz et al 2012 Etsy Shop Newsletter Signup 6 Contribuições da filosofia à psicopatologia Muitas são as contribuições da tradição filosófica à psicopatologia Não se pode pretender neste reduzido espaço explorálas de modo abrangente Foram selecionados então apenas quatro temas que são particularmente relevantes 1 a relação mentecérebro 2 o problema da causalidade em psicopatologia 3 o problema da verdade em psicopatologia e 4 a questão dos valores em psicopatologia e na prática clínica A RELAÇÃO MENTECÉREBRO As possíveis relações entre a atividade mental aquilo que a tradição filosófica chama de espírito alma ou mente e o órgão do corpo humano responsável por essa atividade ou seja o cérebro têm sido objeto de reflexões e intensas discussões filosóficas desde a Antiguidade Tratase da complexa relação mentecérebro RMC ou almacorpo No período contemporâneo a disciplina filosófica que lida com essa questão é a chamada Filosofia da Mente ver Costa 2005 Matthews 2007 Teixeira 2012 Kiekhöfel 2014 Perguntase se seria a mente simplesmente um produto secundário da atividade cerebral uma secreção do cérebro um epifenômeno ou se ela teria autonomia em relação ao cérebro Mais que isso como postula o filósofo Thomas Nagel 1974 devese pensar até que ponto ter uma mente que se relaciona com um corpo e ter experiências mentais conscientes pode indicar o que seria algo como what is it like ser alguém eu mesmo ou um outro diferente de mim enfim o que poderia ser a experiência de um outro ser radicalmente distinto de mim mesmo A primeira reflexão consistente sobre a RMC naquele contexto histórico seria a relação mentecorpo ou almacorpo foi enunciada por Aristóteles por volta de 330 aC em sua obra Peri psyches Sobre a alma 1994 Nela o filósofo constata que há relativa facilidade em relacionar as funções sensitivas locomotoras nutritivas e reprodutivas da alma a processos físicos do organismo Entretanto quando se trata das funções do intelecto as coisas parecem ficar mais complicadas A filosofia aristotélica afirma que o conhecimento sobre as coisas materiais por meio dos órgãos dos sentidos reflete simplesmente a capacidade de essas coisas impressionarem a mente Contudo o conhecimento racional do ser humano que inclui as verdades universais não poderia partir apenas da impressão das coisas sobre os órgãos dos sentidos Aristóteles acredita que aquela parte pensante da alma que denomina espírito não se mistura com o corpo não é capaz de sentir ou sofrer mas pode pensar na sua nomenclatura é uma substância distinta da substância material As principais teses filosóficas sobre a RMC podem ser divididas em dois grandes grupos as teses dualistas na RMC há duas realidades distintas ou duas substâncias e as monistas na RMC só há uma realidade ou uma só substância A seguir são apresentadas as principais visões expostas resumidamente de forma didática e simplificada para revisões sobre o tema ver Bunge 1989 Goodman 1991 Kandel 1998 Churchland 2004 Costa 2005 Matthews 2007 Teixeira 2012 PERSPECTIVAS DUALISTAS Nas teses dualistas o pressuposto básico é o de que haveria duas substâncias ou duas realidades distintas a mente e o cérebro ou corpo As principais versões de dualismo são apresentadas a seguir Dualismo interacionista ou cartesiano Essa tese postula a ação recíproca e de influência mútua entre duas substâncias independentes e autônomas a mente e o corpo incluído aqui o cérebro É também chamada de dualismo psicofísico Embora a alma e o corpo sejam considerados duas realidades distintas com determinada autonomia uma influenciaria a outra intimamente havendo interação constante Tal posição foi defendida pelo filósofo René Descartes 15961650 em suas obras Meditações metafísicas e As paixões da alma Para ele haveria então duas substâncias distintas a res extensa matéria uma coisa que se estende no espaço e a res cogitans pensamento ou mente uma coisa que pensa O filósofo afirmou no fim das Meditações Minha alma pela qual eu sou o que sou é inteiramente e verdadeiramente distinta de meu corpo e ela pode ser ou existir sem ele 2017 p 144 Para Descartes 1973 a alma se comunica com o corpo e este com a alma revelando sua tese interacionista Por exemplo no artigo 19 p 234 de seu livro As paixões da alma diz Há duas classes de percepções umas causadas pela alma e outras pelo corpo As causadas pela alma são as percepções de nossas vontades e de todas imaginações e outros pensamentos que dela dependam as causadas pelo corpo dependem dos nervos Mais adiante no artigo 47 o autor p 245 explica como alma e corpo se comunicam e interagem pode a glandulazinha pineal que há no meio do cérebro ser impulsionada de um lado pela alma e por outro lado pelos espíritos animais do corpo que são corpúsculos presentes no sangue Sucede que muitas vezes estes impulsos são contrários e o mais forte anulará o efeito do outro Dessa forma Descartes formulou sua visão dualista da relação mentecorpo que teve grande influência no Ocidente Ela passou a ser questionada de forma crescente apenas no século XIX com a emergência de forte corrente de materialismo cientificista A tese de Descartes acaba por sustentar a existência de uma alma imaterial no ser humano que sobrevive à morte do corpo crença esta que se situa no campo da religião da fé e não no campo da ciência das demonstrações empíricas inequívocas Assim no campo científico da atualidade é difícil manter a tese cartesiana Dualismo paralelista Alma e corpo representam duas espécies de realidade duas substâncias totalmente distintas e autônomas independentes e ininfluenciáveis entre si Uma e outra coexistem e transcorrem paralelamente sem interações recíprocas posição defendida por exemplo pelo filósofo Gottfried Wilhelm Leibniz 16461716 A marcante fragilidade dessa tese transparece no fato de inúmeros fenômenos neuropsicológicos clínicos e experimentais revelarem íntima correlação entre fenômenos mentais e ocorrências cerebrais Por exemplo um trauma craniano uma hemorragia cerebral ou um tumor cerebral de extensão importante associamse temporalmente a graves perturbações do nível de consciência da atenção da orientação da memória uma despolarização intensa no córtex cerebral se associa sempre a uma crise convulsiva Dualismo epifenomenista Essa tese ainda dualista mas mais próxima de uma visão monista materialista ou fisicalista afirma que o cérebro produziria ou causaria os fenômenos mentais que por sua vez seriam epifenômenos do cérebro mas que não retroagiriam sobre ele Foi uma tese defendida por exemplo pelo filósofo Thomas Hobbes 15881679 e pelo anatomista evolucionista Thomas Henry Huxley 1825 1895 A principal objeção a essa tese baseiase na necessidade de se aceitar uma mente ou espírito que de alguma forma se diferenciaria do cérebro passando a ter vida autônoma Além disso muitos fenômenos mentais produzem alterações funcionais e mesmo estruturais no cérebro Por exemplo em uma criança privada de visão por problemas nos globos oculares as áreas corticais relacionadas à visão não se desenvolvem o estresse intenso e duradouro pode produzir alterações no hipocampo área temporal medial do indivíduo PERSPECTIVAS MONISTAS As teses monistas só há uma substância uma realidade são na sua grande maioria teses materialistas também chamadas de fisicalistas a única substância que existe é a matéria física A seguir examinaremos as várias versões de monismo Monismo espiritualista Tese atualmente defendida por poucos Nela só o espírito seria real portanto tratase de uma tese diametralmente oposta ao materialismofisicalismo Tratase de uma forma de idealismo subjetivista extremo O essencial da realidade seria a experiência interna imediata Tudo se reduziria à experiência subjetiva ou mental do indivíduo mentalismo radical A tese acaba desembocando em um espiritualismo radical em certo sentido negador da matéria muito difícil de sustentar Seu principal defensor foi o filósofo George Berkeley 16851753 que afirmava esse est percipi ser é ser percebido A realidade se resume a perceber ou ser percebido só existiria uma única realidade última a espiritual Monismos materialistas ou fisicalismos Como mencionado a grande maioria das teses monistas em filosofia da mente é materialista fisicalista O fisicalismo é uma concepção materialista radical Os primeiros fisicalistas foram os filósofos materialistas da Antiguidade como Demócrito Epicuro e Lucrécio Para eles só a matéria e o movimento seriam reais e eternos Na modernidade essa tese foi adotada e desenvolvida por filósofos do Iluminismo no século XVIII posteriormente por materialistas e positivistas do século XIX e nos dias atuais por filósofos da mente agrupados como fisicalistas O fisicalismo é linha filosófica na filosofia da mente geralmente circunscrita ao naturalismo nada existiria fora da natureza Os estados mentais seriam na verdade estados físicos cerebrais que obedecem a leis naturais A alma seria uma atividade fisiológica do cérebro processos e eventos mentais seriam expressões de atividade neuronal Essa tese começou a ganhar mais força no fim do século XIX quando se defende que tudo se reduz à matéria Ao longo do século XX e no início do XXI o fisicalismo ganha força adicional com o crescimento das neurociências cognitivas sobretudo a partir dos métodos de neuroimagem funcional nas últimas décadas do século XX e neste início de XXI De modo geral as teses fisicalistas são reducionistas pois visam assumidamente reduzir o conjunto de fenômenos descritos como mentais ou físicos a fenômenos de um só tipo ou seja materiais físicos neuronais mesmo havendo a descrição de vários tipos de fenômenos aqui todos são e devem ser reduzidos a um só tipo de fenômeno Veremos agora algumas das principais versões contemporâneas do fisicalismo que se opõem ao dualismo Fisicalismo 1 Teoria da identidade mentecérebro ou espíritomatéria Para os defensores dessa tese haveria uma identidade entre eventos mentais e físicos neuronais eles seriam de fato uma única coisa Uma das primeiras versões de tese de identidade espíritomatéria foi sustentada pelo filósofo Baruch Spinoza 16321677 Segundo ele os fenômenos naturais cérebro e os espirituais mente são no fundo a mesma coisa havendo apenas diferentes vias de acesso a uma mesma e única substância Essa é uma versão relativamente branda de fisicalismo pois coloca as duas dimensões matéria e espírito que de fato seriam uma só dimensão em posições hierárquicas semelhantes As versões atuais de identidade mente cérebro foram formuladas no contexto do positivismo lógico e da filosofia analítica pelos filósofos Herbert Feigl 19021988 Ullin Thomas Place 1924 2000 e John J Carswell Smart 19202012 A tese básica é a de que estados ou eventos mentais seriam de fato a mesma coisa que estados ou eventos físicos neuronais Fisicalismo 2 Eliminacionismo Nessa versão radical de fisicalismo nada genuína e cientificamente verdadeiro pode ser chamado de mental ou espiritual Para o eliminacionismo a linguagem que se usa convencionalmente para se referir aos fenômenos mentais é oriunda de uma psicologia intuitiva referente a sentimentos desejos crenças ideias Tal linguagem seria a chamada psicologia popular ou do senso comum folk psychology Nessa linguagem os fenômenos como medo desejo timidez raiva lembrança etc são dotados de intencionalidade algo que os fenômenos naturais não teriam Os principais representantes dessa versão são os filósofos Paul K Feyerabend 19241994 e o casal Paul 1942 e Patricia 1943 Churchland O que os fisicalistas eliminacionistas propõem é a eliminação da linguagem psicológica tradicional principalmente da folk psychology substituída por termos das neurociências Assim a sentença eu sinto uma tremenda dor de dente deveria ser eliminada da ciência e substituída por algo como as fibrasC células nervosas que ativadas em sincronia produzem a sensação desagradável de dor de minha boca foram intensamente ativadas Uma das críticas ao eliminacionismo é a de que não temos nenhuma garantia de que as neurociências possam produzir uma linguagem que expresse de fato a riqueza de experiências subjetivas que a psicologia popular e também a científica apresenta Também podese criticar essa tese ao afirmar que talvez seja uma grande perda abandonar os termos subjetivistas dotados de intencionalidade e valor que a psicologia popular apresenta Nesse sentido Mario Bunge 1989 p 57 afirma que não nos livramos do problema da natureza da mente declarando que ela não existe ou que não é possível estudála cientificamente Fisicalismo 3 Teorias do duplo aspecto ou monismo anômalo Essa tese formulada pelo filósofo Donald Davidson 19172003 postula que embora só haja matéria devido à não existência de leis psicofísicas leis que relacionam a matéria ao espírito o cérebro à mente existiriam dois tipos legítimos de descrição do cérebro e da mente não redutíveis um ao outro É portanto uma versão de fisicalismo moderado Outra forma de fisicalismo menos radical que se difundiu nos séculos XVIII e XIX foi a chamada teoria do duplo aspecto Segundo ela o organismo é unitário revelando porém dois aspectos um físico e outro mental um não se reduzindo nem sendo mais válido que o outro Não há duas realidades mas dois aspectos de uma só realidade que em última análise é material Alguns de seus representantes foram Julien Offray de la Mettrie 17091751 Charles Louis de Secondat ou Montesquieu 16891755 e Ernst Haeckel 18341919 Fisicalismo 4 Teoria da mente como emergente Aqui os fenômenos mentais são conceitualizados como emergentes relativos ao cérebro Eles seriam gerados e constituídos por eventos físicos e físico químicos da matéria cerebral Entretanto os fenômenos mentais são caracterizados no seu aspecto mais específico e fundamental por propriedades diferentes e irredutíveis àquelas do cérebro Essa tese aproximase de fato ao dualismo epifenomenista e ao monismo materialista na versão da teoria do duplo aspecto Seus representantes mais destacados foram os filósofos Denis Diderot 17131784 e Mario Augusto Bunge 1919 bem como os neurocientistas Santiago Ramón y Cajal 18521934 e Roger Wolcott Sperry 19131994 Fisicalismo 5 Behaviorismo analítico Essa versão do fisicalismo que é de fato antes de tudo uma versão antidualista passou a ser defendida por filósofos do positivismo analítico vienense assim como por Gilbert Ryle 19001976 considerado um dos fundadores da filosofia da mente contemporânea Para eles a crítica ao dualismo se referiria às fragilidades de um mentalismo baseado em entidades subjetivas vagas e não consistentes Para a tese do behaviorismo analítico entidades mentais como emoções dores pensamentos e crenças ou não existem ou não desempenham qualquer papel Esses estados devem ser abordados e analisados como comportamentos ou disposições comportamentais Estes seriam fenômenos mais circunscritos e definíveis Fisicalismo 6 Funcionalismo em filosofia da mente A versão funcionalista em filosofia da mente repousa no argumento de que certas coisas são definidas por sua natureza material como uma montanha um cavalo ou um arbusto outras são mais bem definidas pelas funções que exercem como ser alpinista ser veloz ou ser um jardineiro O que importa aqui para a definição é a função exercida e não o aspecto material Em filosofia da mente argumetam os funcionalistas os estados e eventos mentais pertencem ao tipo de coisas definidas por sua função e não por sua natureza material A mente ou psiquismo não se define pela sua base material mas pelo que faz ou como funciona Quando se abordam eventos como percepções pensamentos lembranças e emoções não se está abordando coisas compostas por certo tipo de substância mas as funções o papel causal desses eventos na vida mental de um ser Raiva ou medo não são algo que acontece na mente ou no cérebro de uma pessoa são antes eventos desencadeados por estímulos como uma frustração ou ameaça que levarão o indivíduo a gritar ou a ficar tremendo Essa versão de monismo se aproxima do behaviorismo analítico porém difere dele por aceitar os termos e descrições mentalistas Embora seja uma versão proposta por autores materialistas o funcionalismo pode também ser compatível com o dualismo cartesiano Hilary Putnam 19262016 e Jerry Alan Fodor 1935 foram filósofos que aceitaram essa proposta e este último usou a metáfora da computação para descrever sua versão funcionalista aproximou o cérebro do hardware e a mente do software Assim a mente passa a ser descrita metaforicamente como uma programação de computador uma programação feita no cérebro das pessoas Argumentos contra o fisicalismo Embora as várias versões do fisicalismo estejam mais integradas à perspectiva científica atual ao recusar a realidade de entidades mentais de uma alma humana imaterial muitos problemas filosóficos surgem quando se adota teses fisicalistas que negam as especificidades da mente Uma das principais objeções ao fisicalismo é a de que na experiência humana o mental não pode ser reduzido ao neuronal sem uma perda importante de significados e de possibilidades de expressar o que ocorre de fato com o indivíduo O filósofo Thomas Nagel 1937 chamou de qualia as qualidades privadas e diretamente experimentadas como percepções emoções ou imagens mentais vivenciadas na primeira pessoa Nagel 2010 Ao observar um pôr do sol impressionante ao beber um vinho especialmente bom ao sentir um medo aterrorizante vivemos experiências que nos ocorrem como eventos privados únicos que não podem ser descritos de forma objetiva absoluta na terceira pessoa sem uma perda considerável nessa descrição da riqueza de tal experiência A possibilidade de reduzir os qualia a eventos neuronais parece impossível ou muito distante da realidade das neurociências atuais Podese descrever determinados eventos mentais por meio de fenômenos observados na ressonância magnética cerebral funcional porém não se encontra nada parecido aos qualia por meio de estudos cerebrais Outra objeção ao fisicalismo é a chamada múltipla realizabilidade Sabese que o cérebro humano é um órgão extremamente plástico em suas funções e a verificação de tal plasticidade nas últimas décadas só tem aumentado com o avanço do conhecimento desse órgão Estados e eventos cerebrais não podem ser aproximados correlacionados ou identificados com estados e eventos mentais de forma unívoca Eventos mentais singulares podem ocorrer associados a diferentes arranjos ativações em áreas ou circuitos cerebrais Ativações de áreas ou circuitos cerebrais específicos podem resultar em distintas pessoas em diferentes eventos mentais Se as RMCs apesar de fundamentais para a ciência não são unívocas mas ocorrem segundo a múltipla realizabilidade como será possível chegar a uma psicologia e psicopatologia que repouse unicamente em descrições de eventos cerebrais O PROBLEMA DA CAUSALIDADE EM PSICOPATOLOGIA Um dos problemas filosóficos e científicos mais complexos que a psicopatologia enfrenta é a questão das relações de causalidade entre diversos eventos e fenômenos Por exemplo pensar corretamente seguindo a lógica do raciocínio científico implica sair da posição ingênua em relação à atribuição de causalidade na qual muitas vezes as pessoas se colocam Ele ficou louco depois que levou aquele susto ou Aquela discussão foi o começo de sua esquizofrenia Confundemse com frequência associações fortuitas epifenômenos eventos já pertencentes ao quadro clínico com fatores verdadeiramente causais Lyketsos Treisman 1996 Um dos equívocos mais comuns cometido mesmo por profissionais e pesquisadores é confundir mecanismos funcionais processos psicológicos e psicopatológicos envolvidos em determinado transtorno mental com eventos causais propriamente ditos Assim descrevemse processos de regressão mecanismos mentais como a projeção a negação e a foraclusão em psicanálise ou processos cognitivos como a organização de determinados conteúdos cognitivos negativos em abordagens cognitivocomportamentais e atribuise 1 2 3 4 às vezes sem os critérios científicos adequados a qualidade de fator causal a tais mecanismos Da mesma forma em psiquiatria biológica observamse certas alterações neurobioquímicas ou de neuroimagem e apressadamente deduzse que essas alterações causaram os transtornos em questão É a tentação de se atribuir a mecanismos envolvidos na doença o poder de verdadeiros elementos etiológicos supostamente identificados pelo investigador Entretanto o rigor científico exige mais não basta que certo fenômeno esteja presente no transtorno para que seja considerado elemento etiológico fator causal indubitável Podese tomar como exemplo a associação entre dois ou mais fenômenos Muitas vezes encontramse em psicopatologia como em qualquer outro ramo da ciência associações de fenômenos eventos que ocorrem de forma conjunta Entretanto é importante sempre lembrar que as associações entre eventos podem ou não implicar um nexo causal Dessa forma o método científico rigoroso alerta que apenas determinadas características de uma associação indicam uma possível relação de causalidade Em 1964 Sir Austin BradfordHill sugeriu um guia para poder se presumir com mais segurança quando se está diante de associações estatísticas fortes que configuram verdadeiras relações de causalidade A causando B Suas propostas norteadoras são as seguintes BradfordHill 1964 Plausibilidade Caso a associação seja considerada como de causalidade isto é plausível do ponto de vista biológico eou psicológico eou social É plausível que a infecção por um vírus como o HIV produza a doença aids é plausível que um evento traumático como estupro ou sequestro seja fator causal para a ocorrência de transtorno de estresse póstraumático em determinada pessoa Temporalidade A suposta causa deve ocorrer sempre antes do suposto efeito Podese acrescentar às propostas sugeridas por BradfordHill e conectado à temporalidade a reversibilidade que se evidencia quando a remoção ou redução do possível fator causal cessa ou diminui o suposto efeito Força da associação Relações intensas e muito frequentes entre dois fenômenos podem junto com outros itens aqui assinalados sugerir causalidade Associações fortes têm mais chances de serem causais Gradiente biológico ou doseresposta Níveis crescentes de exposição ao fator causal aumentam o risco de ocorrer o suposto efeito ou a intensidade do 5 6 7 8 9 efeito Consistência Diferentes estudos distintas observações em contextos diversos em diferentes populações chegam a resultados semelhantes revelando a relação de causalidade entre dois eventos Especificidade A presença e a atuação da causa específica são necessárias para o surgimento do efeito Evidência experimental Quando a relação de causalidade é demonstrada por experimentos feitos com as condições exigidas pela boa pesquisa científica tal relação causal é reforçada Coerência A relação de causalidade que será estabelecida não deve conflitar ou ser totalmente díspar em relação a conhecimentos já bem estabelecidos e bem demonstrados pela ciência Dessa forma a suposta relação de causalidade não entra em conflito com dados científicos mais robustos que contradigam a suposta relação de causalidade Analogia Para a relação de causalidade que está sendo aventada esperase que por analogia relações causais análogas já tenham sido demonstradas Por exemplo se um vírus causa certa doença em primatas ele pode também por analogia humanos são também primatas causar doença semelhante em seres humanos As relações causais unilineares e unifatoriais só um fator ou evento necessário para produzir o resultado com fatores causais bem estabelecidos que são necessários e suficientes para produzir um quadro psicopatológico são de fato relativamente raras no campo da psicopatologia Nesse sentido Araújo Dalgalarrondo e Banzato 2014 sugeriram que para muitas áreas da medicina e para a maior parte da psicopatologia o guia de BradfordHill pode ser de difícil aplicação Araújo Dalgalarrondo Banzato 2014 Assim com base no filósofo da ciência John L Mackie Araújo Dalgalarrondo e Banzato 2014 propõem um sistema de causalidade em que a causa não ocorra como evento isolado mas que se trate de uma somatória de eventos que podem ser individualmente fracos mas em conjunto serão suficientes em certo contexto causal todo o contexto também necessário para que a relação de causalidade se estabeleça produzindo o efeito Em psicopatologia por exemplo para que a perda de uma pessoa próxima se relacione com o eclodir de um episódio depressivo é necessário além da perda que uma situação de fundo um background com vários outros fatores esteja também presente como certa vulnerabilidade genética para a depressão uma situação existencial já difícil antes da perda falta de apoios sociais etc A essa situação de fundo Mackie denominou campo causal Em psicopatologia de modo geral para que determinado efeito surja deve estar presente um conjunto de fatores causais isoladamente fracos porque isoladamente não causam o transtorno mas que somados atuando em um campo causal contribuem para a ocorrência do efeito no caso transtorno ou sintoma psicopatológico Vale no sentido de se recomendar cautela para as associações de causalidade retomar a fórmula com que os filósofos escolásticos da Idade Média versados em lógica criticavam as atribuições apressadas de causalidade Eles citavam a fórmula latina que resume uma atitude aparentemente lógica mas enganadora Post hoc ergo propter hoc depois disso logo em consequência disso Assim de modo geral em psicopatologia são necessários mais elementos do que a simples sequência temporal de um único fator causal isolado produzindo um único efeito O PROBLEMA DA VERDADE EM PSICOPATOLOGIA A questão da verdade é fundamental para qualquer campo científico ou de saber Certamente não cabe introduzir aqui uma discussão filosófica extensa sobre a verdade apenas se busca assinalar que tal questão é relevante para a psicopatologia para debate nessa área ver Zorzanelli Dalgalarrondo Banzato 2016 De modo geral considerase a verdade como uma propriedade ou um valor que se atribui a teorias teses e proposições Três conceitos de verdade podem ser aqui evocados o convencionalista o pragmático e o realista Tarski 1960 Segundo o conceito convencionalista a verdade de uma proposição ou teoria depende da relação que esta estabelece com outras proposições nesse sentido a verdade é sinônimo de coerência Uma teoria psicopatológica verdadeira seria uma teoria coerente bem arquitetada sem contradições internas Tal concepção agrada aos autores que prezam sobretudo a lógica a coerência e o raciocínio dedutivo impecável entretanto ela é bastante criticável pois uma teoria muito bem montada e coerente pode estar em total desacordo com os fatos bem arquitetada mas falsa Já segundo a perspectiva pragmática a verdade se identifica com os resultados que uma teoria produz com o efeito ou êxito resultante de sua ação com determinado sucesso nos resultados obtido ao assumir tal verdade É verdadeiro aquilo que se prova eficaz que produz os melhores resultados práticos Essa perspectiva embora atraente para profissionais práticos e voltados à ação tem sua fragilidade pois historicamente muitas teorias e concepções que funcionaram bem mostraramse falsas Uma vertente mais crítica de pragmatismo afirma que não sendo possível o acesso à verdade última das coisas verdades pressupostas metafisicamente as teorias e as concepções devem ser julgadas pelas consequências de várias naturezas como eficácia ética política etc que decorrem de seu uso e aplicação Por fim a concepção realista baseiase na tese aristotélica da verdade como a correspondência do pensamento à realidade fatual a proposição deve estar de acordo com o fato que afirma Esse conceito de verdade embora o mais aceito pelo senso comum e de forma aparente o único realmente sustentável é muitas vezes difícil de utilizar e mais complexo do que parece Hoje se sabe que na própria formulação sobre o que seriam os fatos reais ou concretos intervêm a linguagem e certa interpretação e valoração prévia desses fatos Fatos brutos originais intocados pelas representações valores e teorias que deles são feitas são na verdade mais virtuais que reais A rigor uma teoria científica em psicopatologia que queira se afirmar como teoria plenamente verdadeira o que em geral é uma utopia deveria idealmente preencher estas quatro dimensões ou seja ser coerente sem contradições internas produzir os resultados pragmáticos desejados e mostrar se adequada à realidade fatual revelandose plenamente correspondente ao fato que descreve e explica Além do exposto duas outras qualidades são desejáveis a uma teoria científica poder de previsão e qualidade heurística Uma teoria capaz de prever fatos a partir de um conjunto de variáveis dadas além de ser pragmaticamente mais poderosa revelaria uma relação com a verdade fatual possivelmente mais sólida A qualidade heurística por sua vez indica o poder de uma teoria de enriquecer e esclarecer a percepção da realidade em questão além de gerar novas teorias e abrir perspectivas mais variadas e fecundas Apesar de ter vivido há mais de 700 anos o filósofo Roger Bacon 1214 1294 sugeriu quatro preceitos que auxiliariam a distanciarse do erro e aproximarse da verdade Ele recomendou evitar 1 2 3 4 As referências a autoridades não apropriadas porque um grande autor afirmou algo isso não torna a afirmação automaticamente verdadeira É a crítica ao chamado argumento de autoridade A influência indevida dos costumes determinados hábitos cognitivos podem induzir a graves erros As opiniões da multidão não educada hoje chamadas de senso comum que podem ser apesar de amplamente aceitas cientificamente falsas As atitudes de aparente sabedoria pois muitas vezes apenas disfarçam a ignorância A QUESTÃO DOS VALORES EM PSICOPATOLOGIA E NA PRÁTICA CLÍNICA Nos últimos anos impulsionado principalmente pelos trabalhos do filósofo e psiquiatra inglês Bill Fulford o tema dos valores implicados na prática e teoria psiquiátrica e psicopatológica tem ganhado considerável relevância Muito centrada em supostos fatos científicos objetivos a teoria e prática em saúde mental e psicopatologia deve considerar com a devida importância os valores que estão em jogo tanto para a prática como para a teoria Fulford 2004 Tradicionalmente médicos psiquiatras e em certa medida psicólogos tenderam a considerar suas práticas e teorias como baseadas em fatos objetivos isentos de valores a partir dos projetos cientificistas e positivistas que herdamos do século XIX Entretanto tal perspectiva é quase sempre irreal e artificial De fato nossa prática em saúde geral e mental assim como nossas teorias dialogam dependem ou são consideravelmente influenciadas por valores básicos e profundamente arraigados os quais se tende a negligenciar ou não perceber A psicopatologia é portanto nas suas várias vertentes dependente e relacionada tanto a fatos objetivos sintomas sinais e transtornos identificados tratamentos e técnicas de intervenção como a valores que estão intimamente imbricados entrelaçados em tais fatos que apenas artificialmente são neutros em relação a valores Os valores podem ser mais ou menos visíveis perceptíveis ou não perceptíveis Aqueles que de modo geral no dia a dia nos influenciam permanecem pouco explicitados a não ser nos momentos de conflitos de valores Por exemplo quando se decide diagnosticar com demência uma pessoa idosa com perda importante da memória recente e de outras funções cognitivas 1 2 3 e a partir disso orientar os familiares sobre como lidar com o idoso tendemos a não perceber questões relacionadas a valores Entretanto no caso do diagnóstico de uma jovem com anorexia nervosa grave e desnutrição acentuada que não deseja qualquer intervenção mas corre determinado risco à saúde e à vida os valores que orientam nossa prática saltam aos olhos Uma pessoa com grave risco de morte mas que sem sintomas psicóticos ou déficits cognitivos opta por não receber intervenção médica deixa nossas equipes de saúde inexoravelmente perplexas e mesmo confusas A questão dos valores surge mais claramente em relação a certas áreas diagnósticas questões diagnósticas relacionadas a sexualidade uso de substâncias comportamentos alimentares personalidade em relação a certos domínios da vida religião e religiosidade política sexualidade grupos minoritários e a certas questõeschave autonomia do indivíduo e poderalcance das ações da equipe de saúde da família do Estado com seu poder legal e policial comportamentos autodestrutivos e suicídio De modo geral questões de valores se intensificam quando relacionadas às intervenções médicas e psicológicas mas estão profundamente presentes também em relação às fases diagnósticas e de avaliação em saúde mental A questão dos valores tem marcantes implicações não apenas nas arenas políticas sociais e legais mas também nos campos éticos e estéticos Fulford 2004 indica alguns pontos relevantes sobre a questão dos valores na prática clínica em saúde mental mas válidos para toda a área da saúde Todas as decisões inclusive sobre identificar sintomas e fazer diagnósticos repousam inexoravelmente em dois pés fatos e valores necessitamos estar sempre atentos a esses dois pés Valores estão sempre presentes mas são mais bem percebidos quando há conflitos de valores entre pacientes eou familiares e equipe profissional ou conflitos de valores no interior da equipe profissional São exemplos de eventos que revelam conflitos de valores de forma marcante a internação psiquiátrica contra a vontade do paciente as internações involuntárias e compulsórias o uso de psicofármacos em indivíduos sem insight do transtorno mas mais ainda em pessoas com insight mas sem desejo de tratamento o manejo da agressividade eou destrutividade sobretudo em indivíduos sem psicose demência avançada ou deficiência intelectual grave a alimentação por sonda em pessoas que se recusam a se alimentar e entram em risco de morte e intervenções em 4 5 6 7 8 menores de idade que usam substâncias como crack e outras drogas e idosos com perdas cognitivas leves Tais eventos geralmente são os que trazem com maior impacto as questões de conflitos de valores O progresso dos conhecimentos científicos em vez de diminuir a presença de valores e seus potenciais conflitos na verdade incrementa essa questão pois abre novas possibilidades para diferentes valores se expressarem Na questão de conflitos de valores devese sempre buscar ouvir atentamente e com respeito a perspectiva do paciente eou de seus familiares pois são com muita frequência principalmente a clientela que usa o Sistema Único de Saúde SUS o polo menos empoderado nas relações com o sistema de saúde Resolver conflitos de valores implica um processo relacionado à consideração balanceada e à negociação de distintas perspectivas que devem ser respeitadas em suas particularidades como igualmente legítimas Na abordagem e tentativa de resolução de conflito de valores a linguagem utilizada pelos profissionais deve ser considerada como ponto importante pois é elemento fundamental para a exposição adequada honesta compreensível e equilibrada das diferentes perspectivas Questões legais baseadas na constituição federal e código penal por exemplo e da ética profissional estabelecida códigos de ética das profissões devem ser consideradas mas não utilizadas de forma cega e mecânica pois podese cair em soluções legalistas ou formais que desconsideram de forma abusiva as perspectivas de valores dos sujeitos no caso pacientes e familiares menos empoderados nas relações com o sistema de saúde 7 Princípios gerais do diagnóstico psicopatológico Discutese muito sobre o valor e os limites do diagnóstico em saúde mental Podese identificar inclusive duas posições extremas a primeira afirma que o diagnóstico em saúde mental não tem valor algum pois cada pessoa é uma realidade única e inclassificável O diagnóstico apenas serviria para rotular as pessoas diferentes excêntricas permitindo e legitimando o poder médico o controle social sobre o indivíduo desadaptado ou questionador Essa crítica é particularmente válida nos regimes políticos totalitários quando se utilizou o diagnóstico psiquiátrico para punir e excluir pessoas dissidentes ou opositoras ao regime Já a segunda posição em defesa do diagnóstico em saúde mental sustenta que seu valor e seu lugar são absolutamente semelhantes aos do diagnóstico nas outras áreas e especialidades médicas O diagnóstico nessa visão é o elemento principal e mais importante da prática psiquiátrica A minha posição é a de que apesar de ser absolutamente imprescindível considerar os aspectos pessoais singulares de cada indivíduo sem um diagnóstico psicopatológico aprofundado não se pode nem compreender adequadamente o paciente e seu sofrimento nem escolher o tipo de estratégia terapêutica mais apropriado A favor dessa visão pródiagnóstico está a afirmação de Aristóteles 1973 p 211212 logo nas primeiras páginas do livro alpha de sua Metafísica A arte aparece quando de um complexo de noções experimentadas se exprime um único juízo universal dos casos semelhantes Com efeito ter a noção de que a Cálias atingido de tal doença tal remédio deu alívio e a Sócrates também e da mesma maneira a outros tomados singularmente é da experiência mas julgar que tenha aliviado a todos os semelhantes determinados segundo uma única espécie atingidos de tal doença como os fleumáticos os biliosos ou os incomodados por febre ardente isso é da arte E isso porque a experiência é conhecimento dos singulares e a arte dos universais 1 2 3 Entretanto é bom lembrar que o próprio filósofo defende que somente o individual é real o que se tem acesso direto é apenas aos objetos concretos e particulares O universal afirmava o filósofo não existe na natureza apenas no espírito humano que capta e constitui as ideias a partir do processo de abstração e generalização Assim Aristóteles 1973 p 212 prossegue Portanto quem possua a noção sem a experiência e conheça o universal ignorando o particular nele contido enganarseá muitas vezes no tratamento porque o objeto da cura é de preferência o singular No entanto nós julgamos que há mais saber e conhecimento na arte do que na experiência e consideramos os homens de arte mais sábios que os empíricos visto a sabedoria acompanhar em todos de preferência o saber Isso porque uns conhecem a causa e os outros não Assim há no processo diagnóstico uma relação dialética permanente entre o particular individual aquele paciente específico aquela pessoa em especial e o geral universal categoria diagnóstica à qual essa pessoa pertence Portanto não se deve esquecer os diagnósticos são ideias construtos fundamentais para o trabalho clínico e para o conhecimento científico Tanto na natureza como na esfera humana podemse distinguir três grupos de fenômenos em relação à possibilidade de classificação Aspectos e fenômenos encontrados em todos os seres humanos Fazem parte de uma categoria ampla demais para a classificação sendo pouco útil seu estudo taxonômico De modo geral em todos os indivíduos a privação das horas de sono causa sonolência e a restrição alimentar fome ou seja são fenômenos triviais que não despertam grande interesse à psicopatologia Aspectos e fenômenos encontrados em algumas pessoas mas não em todas Estes são os fenômenos de maior interesse para a classificação diagnóstica em psicopatologia Aqui situamse a maioria dos sinais sintomas e transtornos mentais Aspectos e fenômenos encontrados em apenas um ser humano em particular totalmente singular Estes fenômenos embora de interesse fundamental para a compreensão de um ser humano particular são restritos demais e de difícil classificação e agrupamento tendo maior interesse seus aspectos antropológicos existenciais e estéticos que propriamente taxonômicos 1 2 De modo geral podese afirmar que o diagnóstico só é útil e válido se for visto como algo mais que simplesmente rotular o paciente para uma abordagem crítica do diagnóstico em psiquiatria ver Zorzanelli Bezerra Jr Freire Costa 2014 Esse tipo de utilização do diagnóstico psiquiátrico seria uma forma precária questionável e não propriamente científica Funcionaria apenas como estímulo a preconceitos que devem ser combatidos A legitimidade do diagnóstico psiquiátrico sustentase na perspectiva de aprofundar o conhecimento tanto do indivíduo em particular como das entidades nosológicas utilizadas Isso permite o avanço da ciência a antevisão de um prognóstico e o estabelecimento de ações terapêuticas e preventivas mais eficazes Além disso o diagnóstico possibilita a comunicação mais precisa entre profissionais e pesquisadores Sem ele haveria apenas a descrição de aspectos unicamente individuais que embora de interesse humano são ainda insuficientes para o desenvolvimento científico da psicopatologia revisões sobre a questão do diagnóstico em psicopatologia em Leme Lopes 1980 Pichot 1994 Abdo 1996 Do ponto de vista clínico e específico da psicopatologia embora o processo diagnóstico em saúde mental siga os princípios gerais das ciências médicas há certamente alguns aspectos particulares que devem ser aqui apresentados O diagnóstico de um transtorno psiquiátrico é quase sempre baseado preponderantemente nos dados clínicos Dosagens laboratoriais exames de neuroimagem estrutural tomografia ressonância magnética etc e funcional tomografia computadorizada por emissão de fóton único SPECT tomografia por emissão de pósitrons PET mapeamento por eletrencefalograma EEG etc e testes psicológicos ou neuropsicológicos auxiliam de forma muito importante principalmente para o diagnóstico diferencial entre um transtorno psicopatológico primário esquizofrenia depressão primária transtorno bipolar TB etc e uma doença neurológica encefalites tumores doenças vasculares etc ou sistêmica hipotireoidismo insuficiência renal etc É importante ressaltar entretanto que os exames complementares semiotécnica armada não substituem o essencial do diagnóstico psicopatológico uma história clínica bem colhida e um exame do estado mental minucioso ambos interpretados com habilidade O diagnóstico psicopatológico com exceção dos quadros psicoorgânicos delirium demências síndromes focais etc de modo geral não é baseado 3 em mecanismos etiológicos supostos pelo avaliador Baseiase principalmente no perfil de sinais e sintomas apresentados pelo paciente na história do transtorno desde que surgiu até o momento atual da avaliação Por exemplo ao ouvir do paciente ou familiar uma história de vida repleta de sofrimentos fatos emocionalmente dolorosos ocorridos pouco antes do eclodir dos sintomas a tendência natural é estabelecer o diagnóstico de um transtorno psicogênico como psicose psicogênica histeria depressão reativa etc No entanto isso pode ser um equívoco A maioria dos quadros psicopatológicos sejam eles de etiologia psicogênica sejam eles de etiologia endogenética ou mesmo orgânica surge após eventos estressantes da vida Além disso é frequente que o próprio eclodir dos sintomas psicopatológicos contribua para o desencadeamento de eventos na vida do indivíduo como perda do cônjuge separações perda de emprego brigas familiares etc Muitas vezes o raciocínio diagnóstico baseado em pressupostos etiológicos mais confunde que esclarece Devese portanto manter duas linhas paralelas de raciocínio clínico uma linha diagnóstica baseada fundamentalmente na cuidadosa descrição evolutiva e atual dos sintomas que de fato o paciente apresenta e uma linha etiológica que busca na totalidade dos dados biológicos psicológicos e sociais uma formulação hipotética plausível sobre os possíveis fatores etiológicos envolvidos no caso De modo geral não existem sinais ou sintomas psicopatológicos específicos de determinado transtorno mental Isso quer dizer que de fato não há sintomas patognomônicos em psicopatologia como afirmava Emil Kraepelin 1913 1996 Infelizmente não existe no domínio dos distúrbios psíquicos um único sintoma mórbido que seja totalmente característico de uma enfermidade p 101 O que quase nunca é produzido totalmente de forma idêntica pelos diferentes transtornos mentais é o quadro total incluindo o desenvolvimento dos sintomas o curso e o desenlace final da doença p 106 Portanto o diagnóstico psicopatológico repousa sobre a totalidade dos dados clínicos momentâneos exame do estado mental e evolutivos anamnese história dos sintomas e evolução do transtorno É essa totalidade clínica que detectada avaliada e interpretada com conhecimento teórico e 4 5 científico e habilidade clínica e intuitiva conduz ao diagnóstico psicopatológico mais preciso e útil O diagnóstico psicopatológico é em inúmeros casos apenas possível com a observação do curso do transtorno Dessa forma o padrão evolutivo de determinado quadro clínico obriga o psicopatólogo a repensar e refazer continuamente seu diagnóstico Uma das funções do diagnóstico em medicina é prever e prognosticar a evolução e o desfecho da doença o diagnóstico deveria indicar o prognóstico Porém às vezes isso se inverte no contexto da psicopatologia Não é incomum que o prognóstico a evolução do caso obrigue o clínico a reformular seu diagnóstico inicial Como salientou o psiquiatra brasileiro José Leme Lopes 19041990 em 1954 o diagnóstico psiquiátrico deve ser sempre pluridimensional Várias dimensões clínicas e psicossociais devem ser incluídas para uma formulação diagnóstica completa identificase um transtorno mental como a esquizofrenia a depressão a dependência de álcool etc diagnosticamse condições ou doenças ou condições físicas associadas hipertensão cirrose hepática obesidade etc e avaliamse a personalidade e o nível intelectual desse paciente sua rede de apoio social além de fatores ambientais protetores ou desencadeantes Leme Lopes 1954 O sistema norteamericano Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais DSM desde o início dos anos de 1980 enfatizou até sua quarta edição a importância da formulação diagnóstica em vários eixos infelizmente o DSM5 suprimiu os cinco eixos diagnósticos Também é sumamente importante o esforço para a formulação dinâmica do caso conflitos conscientes e inconscientes implicados no caso específico mecanismos de defesa ganho secundário aspectos transferenciais etc e a formulação diagnóstica cultural símbolos e linguagem cultural específica para aquele indivíduo representações sociais do indivíduo e familiares valores rituais religiosidade envolvidos no caso Quadro 71 Quadro 71 O diagnóstico pluridimensional em saúde mental sistema multiaxial do DSMIV suprimido no DSM5 acrescentandose a dimensão psicodinâmica e cultural EXEMPLOS DE FORMULAÇÃO DIAGNÓSTICA Eixo 1 Diagnóstico do transtorno mental Esquizofrenia paranoide episódio depressivo grave dependência de álcool anorexia nervosa etc 6 Eixo 2 Diagnóstico de personalidade e do nível intelectual Personalidade histriônica personalidade borderline etc deficiência intelectual leve deficiência intelectual grave etc Eixo 3 Diagnóstico de distúrbios somáticos associados Diabetes hipertensão arterial cirrose hepática infecção urinária etc Eixo 4 Problemas psicossociais e eventos da vida desencadeantes ou associados Morte de uma pessoa próxima separação falta de apoio social viver sozinho desemprego pobreza extrema detenção exposição a desastres etc Eixo 5 Avaliação global do nível de funcionamento psicossocial Bom funcionamento familiar e ocupacional incapacidade de realizar a própria higiene não sabe lidar com dinheiro dependência de familiares ou serviços sociais nas atividades sociais ou na vida diária etc Formulação psicodinâmica do caso Que conflitos afetivos são mais importantes neste paciente Dinâmica afetiva da família Conflitos relativos à sexualidade Que tipo de transferência o paciente estabelece com os profissionais da saúde Que sentimentos contratransferenciais desperta nos profissionais que o tratam Que mecanismos de defesa utiliza preponderantemente Qual o padrão relacional do paciente Qual a estrutura psicopatológica do ponto de vista psicanalítico estrutura neurótica obsessiva histérica fóbica etc estrutura psicótica etc Formulação cultural do caso Como é o meio sociocultural atual do indivíduo bairro de periferia morador de rua de uma instituição etc Como o paciente e seu meio cultural concebem e representam o problema Quais as suas teorias etiológicas e de cura Como é a identidade étnica e cultural do paciente Conflitos relativos à identidade psicossocial Qual e como é sua religiosidade Como o indivíduo e seu meio cultural encaram o diagnóstico e o tratamento psiquiátrico oficial O paciente é migrante de área rural Como isso interfere no diagnóstico e na terapêutica Qual o idioma que ele fala e qual seu domínio da língua portuguesa Qual a linguagem das emoções que utiliza Qual o impacto das mudanças socioculturais pelas quais o paciente passou em seu transtorno mental Confiabilidade e validade do diagnóstico em psicopatologia ver revisão em Rodrigues Banzato 2012 A confiabilidade reliability de um procedimento diagnóstico técnica de entrevista padronizada escala teste diferentes entrevistadores etc diz respeito a sua capacidade de produzir em relação a um mesmo indivíduo ou para pacientes de um mesmo grupo diagnóstico em circunstâncias diversas o mesmo diagnóstico Ao mudar diferentes aspectos do processo de avaliação avaliador ou momento de avaliação o resultado final permanece o mesmo Assim quando a avaliação é feita por examinadores distintos interrater reliability ou em diferentes momentos testretest reliability obtémse o mesmo diagnóstico Temse um indicador de reprodutibilidade do diagnóstico Já a validade validity diz respeito à capacidade de um procedimento diagnóstico conseguir captar identificar ou medir aquilo que realmente se propõe a reconhecer Para saber se um novo procedimento diagnóstico é válido é preciso comparálo com outro que seja bem aceito e reconhecido como mais acurado padrãoouro capaz de identificar satisfatoriamente o objeto pesquisado de certo modo mais próximo da verdade A validade também se refere à capacidade de o diagnóstico prever a evolução do caso a resposta a tratamentos específicos e o desfecho final do transtorno diagnosticado Por sua vez a sensibilidade de um novo procedimento diagnóstico está relacionada a sua capacidade de detectar com acurácia os casos verdadeiros incluídos na categoria diagnóstica que se visa identificar Já a especificidade do procedimento referese à capacidade de identificar verdadeiros não casos em relação à categoria diagnóstica que se pesquisa Um procedimento com alta sensibilidade identifica quase todos os casos mas pode falhar reconhecendo erroneamente um não caso falso positivo como caso Outro procedimento com alta especificidade pode ter a qualidade de apenas reconhecer casos verdadeiros mas falhar ao deixar de reconhecêlos considerandoos como não casos O ideal de um procedimento diagnóstico é que ele seja confiável reprodutível válido o mais próximo possível da verdade diagnóstica e com alta sensibilidade e especificidade Parte II Avaliação do paciente e funções psíquicas alteradas 1 2 8 A avaliação do paciente Todos os homens por natureza desejam conhecer Aristóteles AVALIAÇÃO PSICOPATOLÓGICA A avaliação do paciente em psicopatologia é feita principalmente por meio da entrevista Aqui a entrevista não pode de forma alguma ser vista como algo banal um simples perguntar ao paciente sobre alguns aspectos de sua vida Junto com a observação cuidadosa do indivíduo ela é de fato o principal instrumento de conhecimento da psicopatologia Por meio de uma entrevista realizada com arte e técnica o profissional pode obter informações valiosas para o diagnóstico clínico para o conhecimento da dinâmica afetiva do paciente e o que pragmaticamente é mais importante para a intervenção e o planejamento terapêuticos mais adequados Extrair um conhecimento relevante do encontro com o paciente e nesse encontro agir de forma útil e criativa eis um dos eixos básicos da prática profissional em saúde mental A entrevista psicopatológica permite a realização dos dois principais aspectos da avaliação A anamnese ou seja o histórico dos sinais e dos sintomas que o indivíduo apresenta ao longo de sua vida seus antecedentes pessoais e familiares assim como de sua família e meio social O exame psíquico também chamado exame do estado mental atual Apresentamse a seguir alguns dos aspectos considerados mais relevantes sobre a técnica de entrevista em psicopatologia AVALIAÇÃO FÍSICA A avaliação da saúde física do paciente com transtorno mental é um aspecto fundamental da avaliação global do indivíduo inclusive para a psicopatologia Aqueles com transtornos mentais graves TMGs apresentam doenças físicas bem mais frequentemente do que a população em geral Isso ocorre em associação ao enfrentamento de múltiplas barreiras para o acesso ao cuidado apropriado em saúde física Essas combinações têm como consequência a mortalidade precoce das pessoas com TMG Esses indivíduos têm uma expectativa de vida reduzida em 15 a 20 anos em comparação com a população em geral Banzato Dalgalarrondo 2017 As condições os riscos e as doenças físicas mais frequentes em pessoas com TMG são diabetes tipo II e resistência à insulina dislipidemia doenças cardiovasculares hipertensão arterial arritmias cardíacas neoplasias malignas HIVaids hepatite C osteoporose hiperprolactinemia obesidade tabagismo uso de álcool e de outras substâncias e efeitos colaterais dos psicofármacos Banzato Dalgalarrondo 2017 Portanto o exame físico do paciente com transtorno mental é muito importante Ele não difere em essência daquele que deve ser feito em indivíduos sem patologias mentais Entretanto devese ressaltar que apesar desse aumento na frequência de doenças físicas em pessoas com TMG as patologias físicas são subdiagnosticadas não sendo adequadamente reconhecidas e tratadas nesses pacientes Algumas das causas dessas falhas são O clínico geral o médico não psiquiatra de forma geral tende a não examinar adequadamente o paciente com TMG pois ele não é seu paciente é paciente apenas do psiquiatra ou do psicólogo O psiquiatra não realiza o exame físico do indivíduo pois não se considera médico do corpo mas especialista da mente ou médico exclusivamente do psiquismo Os pacientes com TMG têm dificuldades em acessar os serviços gerais de saúde Estas podem decorrer de desorganização comportamental dificuldades cognitivas ou inibição em decorrência de sintomas mentais como ideias paranoides depressão baixa autoestima assim como desgaste da família e consequente descuido com a saúde do familiar com TMG Os pacientes com TMG podem ter dificuldades em comunicar objetivamente suas queixas somáticas Os indivíduos com TMG podem não ser adequadamente ouvidos pelos médicos em geral pois o estigma de louco de doente mental ou de paciente psiquiátrico às vezes infelizmente invalida suas queixas somáticas para quem as ouve 1 2 Há considerável preconceito contra pessoas com TMG em muitos serviços de saúde geral e de especialidades médicas impedindo que essas pessoas recebam os cuidados devidos em saúde física O exame físico do paciente com transtornos mentais diferentemente do que alguns supõem quando realizado de forma adequada pode ser um excelente instrumento de aproximação afetiva principalmente com indivíduos muito regredidos inseguros e mesmo psicóticos Ser examinado respeitosamente pelo médico pode inclusive transmitir segurança e confiança a muitos pacientes O médico deve saber lidar ou pelo menos buscar aprender a lidar com possíveis aspectos paranoides e eróticos que eventualmente podem emergir em alguns indivíduos quando tocados e apalpados por seus médicos Assim ao tratar qualquer pessoa com transtorno mental sobretudo grave é preciso lembrar da possibilidade de doenças físicas Tais pacientes devem ser examinados do ponto de vista somático além da anamnese e exame físico por meio da semiologia armada exames laboratoriais e de imagem AVALIAÇÃO NEUROLÓGICA A avaliação neurológica do paciente com transtorno mental é de modo geral semelhante à da clientela em geral Alguns pontos entretanto devem ser aqui lembrados A avaliação neurológica depende de anamnese bem colhida e de exame neurológico objetivo que bem realizado visa identificar topograficamente uma possível lesão ou disfunção no sistema nervoso central eou periférico Devese lembrar entretanto de que muitas afecções neuronais responsáveis por quadros neuropsiquiátricos embora presentes e clinicamente significativas não produzem sintomas localizatórios Em muitos casos ainda que haja lesão ou disfunção neurológica não se identifica um sintoma ou sinal que indique lesão com topografia cerebral localizável A avaliação neurológica baseiase sobremodo no exame neurológico Neste a presença de sinais neurológicos claramente patológicos como o sinal de Babinski na síndrome piramidal e as assimetrias são aspectos muito relevantes O médico sempre deve estar atento à assimetria da força muscular nos membros dos reflexos miotáticos profundos e musculocutâneos superficiais Igualmente deve pesquisar de forma cuidadosa as diversas 3 alterações sensitivas tátil dolorosa vibratória térmica etc De particular importância em neuropsiquiatria são alguns sinais e reflexos neurológicos ditos primitivos indicadores de lesão cerebral cortical difusa encefalopatia ou lesões corticais frontais difusas sem que haja necessariamente outros sinais localizatórios São os seguintes os reflexos primitivos Reflexo de preensão grasping ou grasp reflex É a resposta de flexão dos dedos evocada pelo contato rápido de um objeto uma espátula ou o dedo indicador do examinador com a região palmar ou plantar do paciente respondendo este com um movimento involuntário de preensão O grasping é considerado uma manifestação motora primitiva pois é observado em recémnascidos e lactentes Em adultos o reflexo de preensão tem importante valor diagnóstico sendo bilateral é muito sugestivo de lesão ou disfunção frontal ou de sofrimento cerebral difuso encefalopatias sendo unilateral localiza a lesão na área 6 de Broadman contralateral O grasping é o mais significativo dos reflexos primitivos Reflexo de sucção Tratase de uma resposta primitiva à estimulação da região perioral com uma espátula na qual há protusão dos lábios desvio para o lado estimulado e movimentos de sucção Esse reflexo pode ocorrer em lesões frontais mas também em encefalopatias difusas Reflexo orbicular dos lábios A percussão da área acima do lábio superior na linha média pode produzir a projeção reflexa dos lábios para a frente A compressão dessa área pode desencadear uma clara projeção dos lábios como se o indivíduo fizesse um bico ou focinho snout reflex ou reflexo do focinho Embora menos específico que o grasping e o reflexo de sucção o reflexo orbicular dos lábios e o snout reflex podem ser indicativos de dano cerebral difuso Reflexo palmomentual Pelo estímulo cutâneo da eminência tenar da mão podese observar no queixo do paciente a contração do pequeno músculo do mento ipsilateral e sua elevação e eventualmente a elevação do lábio inferior ipsilateral à mão estimulada Esse reflexo pode ser observado em idosos em indivíduos com lesões piramidais e em quadros encefalopáticos difusos Para uma revisão sobre o exame neurológico sugeremse por seu aspecto didático os excelentes livros Propedêutica neurológica básica de Sanvito 2000 A neurologia que todo médico deve saber de Nitrini e Bacheschi 2015 e Semiologia neurológica de Martins Jr e colaboradores 2017 Um texto mais antigo mas um clássico muito recomendado é DeJongs The Neurologic Examination de Haerer 1992 O exame neuropsicológico é considerado parte importante da avaliação psicopatológica tanto em psiquiatria como em psicologia clínica e em neurologia Quadro 81 Nesse sentido indicase o livro clássico da área de autoria de Lezak e colaboradores 2012 Quadro 81 Exame neurológico Fácies atitude marcha equilíbrio Nervos cranianos II III IV e VI campo visual reflexos pupilares motilidade ocular V mastigação VII músculos mm da mímica XI mm pescoço e ombros e XII musculatura da língua Tônus e força muscular grau 0 paralisia 1 contração muscular sem deslocamento 2 contração muscular sem oposição da gravidade 3 contração muscular contra a gravidade 4 capaz de vencer resistência 5 normal Reflexos miotáticos axiais da face membros superiores e inferiores e reflexos musculocutâneos Sistema sensitivosomático superficial tato dor temperatura profundo sensibilidade vibratória pressão cinéticopostural funções cerebelares marcha equilíbrio coordenação Movimentos involuntários tremores tiques fasciculações mioclonias coreia atetose balismo etc AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA O PSICODIAGNÓSTICO A área desenvolvida pela psicologia clínica denominada psicodiagnóstico representa de fato um importante meio de auxílio ao diagnóstico psicopatológico Embora haja contribuições dessa área a quase todos os aspectos da psicopatologia os testes de personalidade inteligência cognição social atenção e memória além dos rastreamentos screening para organicidade são os mais utilizados na prática clínica diária para revisão de testes psicológicos sobre personalidade inteligência e cognição social ver os capítulos respectivos Sempre que possível a avaliação psicológica com os melhores instrumentos disponíveis para o psicodiagnóstico e feita por profissionais bem capacitados deve ser um fundamental complemento à avaliação clínica psicopatológica EXAMES COMPLEMENTARES Os exames complementares laboratoriais neurofisiológicos e de neuroimagem também são um auxílio fundamental ao diagnóstico psicopatológico particularmente na detecção de disfunções e patologias neurológicas e sistêmicas que produzem síndromes e sintomas psiquiátricos ver revisão em Dalgalarrondo Jacques de Moraes 2004 Os exames laboratoriais de sangue urina e fezes assim como as biópsias e as diferentes avaliações da patologia clínica devem ser sempre utilizados de acordo com a boa prática médica geral São de particular importância na prática clínica diária pela frequência com que as alterações correspondentes são encontradas hemograma completo glicemia hormônio tireoestimulante TSH creatinina dosagem de vitamina B12 e vitamina D e sorologias para lues hepatites e HIVaids A avaliação do líquido cerebrospinal é um exame relativamente barato e que fornece muitas vezes informações valiosas ao profissional em encefalites doenças inflamatórias neoplasias infecções do sistema nervoso central SNC etc mas que infelizmente é com frequência negligenciado na psiquiatria O eletrencefalograma EEG por sua vez é bastante útil no diagnóstico diferencial dos quadros confusionais agudos delirium na classificação das diferentes formas de epilepsia e como parte da avaliação dos transtornos do sono polissonografia Já os exames de neuroimagem estrutural e funcional tomografia computadorizada ressonância magnética estrutural e funcional e perfusão sanguínea cerebral por meio de tomografia computadorizada por emissão de fóton único SPECT são instrumentos sofisticados de grande auxílio para o diagnóstico diferencial em psicopatologia para orientação em neuroanatomia para avaliação de neuroimagem ver Arantes 2007 tendo sido incorporados à prática psiquiátrica diária Erhart et al 2005 Não é do escopo deste livro entretanto apresentar em detalhes as indicações e as alterações encontradas nesses exames para isso há bons textos de neurologia geral e obras especializadas em neurorradiologia 杏鲍菇生长在树木的根部和枯木上质地脆嫩富含蛋白质是烹饪中的佳品 9 A entrevista com o paciente Não sei não sei Não devia de estar relembrando isto contando assim o sombrio das coisas Lengalenga Não devia de O senhor é de fora meu amigo mas meu estranho Mas talvez por isto mesmo Falar com o estranho assim que bem ouve e logo longe se vai embora é um segundo proveito faz do jeito que eu falasse mais mesmo comigo João Guimarães Rosa O psiquiatra norteamericano Harry Stack Sullivan 1983 afirmava que o domínio da técnica de realizar entrevistas é o que qualifica especificamente o profissional habilidoso Nesse sentido por exemplo o autor define o psiquiatra poderia ser um psicólogo clínico ou enfermeiro em saúde mental como um perito do campo das relações interpessoais ou seja um profissional especialmente hábil em realizar entrevistas que sejam de fato úteis pelas informações que fornecem e pelos efeitos terapêuticos que exercem sobre os pacientes Assim a técnica e a habilidade em realizar entrevistas são atributos fundamentais e insubstituíveis do profissional da saúde em geral e da saúde mental em particular Tal habilidade é em parte aprendida e em parte intuitiva atributo da personalidade do profissional de sua sensibilidade nas relações pessoais É a respeito dos aspectos passíveis de serem desenvolvidos aprendidos corrigidos e aprofundados que trata este capítulo Cabe lembrar que há livros muito bons e específicos sobre a entrevista em saúde mental como as obras detalhadas de Mackinnon e Michels 2008 de Othmer e Othmer 1994 e de Shea 1998 que descrevem a dinâmica da entrevista de forma direcionada para vários tipos de pacientes O pequeno livro de Carlat 2007 é um texto enxuto embora bastante didático e prático A obra de James Morrison 2010 Entrevista inicial em saúde mental é muito bem feita e útil Sobre o desenvolvimento de habilidades de comunicação na entrevista recomendase de Pendleton e colaboradores A nova consulta 2011 De início podese afirmar que a habilidade do entrevistador se revela pelas perguntas que formula por aquelas que evita formular e pela decisão de quando 1 2 3 4 e como falar ou apenas calar Também é atributo essencial do entrevistador a capacidade de estabelecer uma relação ao mesmo tempo empática e tecnicamente útil para a prática clínica É fundamental que o profissional possa estar em condições de acolher o paciente em seu sofrimento de ouvilo realmente escutandoo em suas dificuldades e idiossincrasias Além de paciência e respeito o profissional necessita de certa têmpera e habilidade para estabelecer limites aos pacientes invasivos ou agressivos e assim protegerse e assegurar o contexto da entrevista setting Às vezes uma entrevista bem conduzida é aquela na qual o profissional fala muito pouco e ouve pacientemente o enfermo Outras vezes o paciente e a situação exigem que o entrevistador seja mais ativo mais participante falando mais fazendo muitas perguntas intervindo mais frequentemente Isso varia muito em função Do paciente de sua personalidade de seu estado mental e emocional no momento de suas capacidades cognitivas etc Às vezes o entrevistador precisa ouvir muito pois o indivíduo precisa muito falar desabafar descrever seu sofrimento para alguém que o ouça com atenção e respeito outras vezes o entrevistador deve falar mais para que o paciente não se sinta muito tenso ou retraído Do contexto institucional da entrevista caso a entrevista se realize em prontosocorro enfermaria ambulatório centro de saúde Centro de Atenção Psicossocial CAPS consultório particular consultório de rua etc Dos objetivos da entrevista diagnóstico clínico estabelecimento de vínculo terapêutico inicial entrevista para psicoterapia tratamento farmacológico orientação familiar conjugal pesquisa finalidades forenses trabalhistas etc E por fim mas não menos importante da personalidade do entrevistador Alguns profissionais são ótimos entrevistadores falam muito pouco durante a entrevista sendo discretos e introvertidos outros só conseguem trabalhar bem e realizar boas entrevistas sendo espontaneamente falantes e extrovertidos Devese ressaltar que de modo geral algumas atitudes são na maior parte das vezes inadequadas e improdutivas devendo o profissional sempre que possível evitar 1 2 3 4 5 6 7 Posturas rígidas estereotipadas fórmulas que o profissional acha que funcionaram bem com alguns pacientes e portanto devem funcionar com todos Assim ele deve buscar uma atitude flexível que seja adequada à personalidade do doente aos sintomas que apresenta no momento a sua bagagem cultural aos seus valores e a sua linguagem Atitude excessivamente neutra ou fria que muito frequentemente em nossa cultura transmite ao paciente sensação de distância e desprezo Reações exageradamente emotivas ou artificialmente calorosas que produzem na maioria das vezes uma falsa intimidade Uma atitude receptiva e calorosa mas discreta de respeito e consideração pelo paciente é o ideal para a primeira entrevista Criar um clima de confiança para que a história do doente surja em sua plenitude tem grande utilidade tanto diagnóstica como terapêutica Comentários valorativos ou julgamentos sobre o que o paciente relata ou apresenta Reações emocionais intensas de pena ou compaixão O paciente desesperadamente transtornado aos prantos em uma situação existencial dramática beneficiase mais de um profissional que acolhe tal sofrimento de forma empática mas discreta que de um profissional que se desespera junto com ele Responder com hostilidade ou agressão às investidas hostis ou agressivas de alguns pacientes O profissional deve se esforçar por demonstrar serenidade e firmeza diante de um doente agressivo ou muito hostil Também deve ficar claro que na entrevista há limites O clínico procura responder ao paciente que eleva a voz e se exalta sempre em voz mais baixa que a dele Em algumas situações apesar de não revidar às agressões o profissional deve mostrar ao paciente que ele está sendo inadequadamente hostil e que não será aceita agressão física ou verbal exagerada Querelas e discussões acirradas costumam ser inúteis no contato com os pacientes Entrevistas excessivamente prolixas nas quais o paciente fala fala fala mas no fundo não diz nada de substancial sobre seu sofrimento Fala às vezes para se esconder para dissuadir a si mesmo e ao entrevistador Nesse sentido o profissional deve ter a habilidade de conduzir a entrevista para termos e pontos mais significativos interrompendo o discurso do paciente quando julgar necessário 8 1 2 Fazer muitas anotações durante a entrevista pois em alguns casos isso pode transmitir ao paciente que as anotações são mais importantes que a própria entrevista o profissional precisa observar se o indivíduo se sente incomodado quando se tomam notas Dificuldades comuns nas entrevistas realizadas em serviços públicos incluem falta de tempo dos profissionais excesso de trabalho estresse e condições físicas arquitetôn icas de atendimento precárias Assim muitas vezes o profissional da saúde está impaciente para ouvir pessoas com queixas pouco precisas os chamados poliqueixosos rejeita aqueles pacientes que informam de forma vaga ou que estão muito desorganizados psiquicamente etc Entretanto no atendimento em saúde a paciência do entrevistador é fundamental Às vezes o profissional dispõe de não mais que 5 ou 10 minutos p ex no prontosocorro ou em um ambulatório repleto de pacientes à espera mas se nesse pouco tempo puder ouvir e examinar o indivíduo com paciência e respeito criando uma atmosfera de confiança e empatia mesmo com as restrições de tempo isso poderá propiciar o início de um trabalho de boa qualidade Muitas vezes não é a quantidade de tempo com o paciente que mais conta mas a qualidade da atenção que o profissional consegue lhe oferecer Assim o entrevistador ao entrar em contato com cada novo paciente deve preparar seu espírito para encarar o desafio de conhecer essa nova pessoa formular um diagnóstico e entender quando possível algo do que realmente se passa em seu mundo interior e nas suas relações interpessoais Aqui a paciência é um dos elementos mais fundamentais Não é possível saber quantas entrevistas e quanto tempo serão necessários para conhecer adequadamente o paciente A experiência e a atitude do profissional curiosa atenta e receptiva determinam o quão profundo e abrangente será o conhecimento extraído das entrevistas O Quadro 91 apresenta as três regras de ouro da entrevista em saúde mental Quadro 91 As três regras de ouro da entrevista em saúde mental Pacientes organizados mentalmente com inteligência normal com escolaridade boa ou razoável fora de um estado psicótico devem ser entrevistados de forma mais aberta permitindo que falem e se expressem de maneira mais fluente e espontânea O entrevistador fala pouco fazendo algumas pontuações para que o indivíduo conte a sua história Pacientes desorganizados com nível intelectual baixo em estado psicótico ou paranoide travados por alto nível de ansiedade devem ser entrevistados de forma mais estruturada Nesse caso o entrevistador fala mais faz perguntas mais simples e dirigidas perguntas fáceis de serem compreendidas e respondidas 3 1 Nos primeiros contatos com pacientes muito tímidos ansiosos ou paranoides devese fazer primeiro perguntas neutras nome onde mora profissão estado civil nome de familiares etc para apenas então gradativamente começar a formular perguntas mais quentes às vezes constrangedoras para o indivíduo como Qual o seu problema Por que foi trazido ao hospital O que aconteceu para que você agredisse seus familiares etc Vale a sabedoria popular que diz O mingau quente se come pela beirada AS PRIMEIRAS ENTREVISTAS A entrevista inicial é considerada um momento crucial no diagnóstico e no tratamento em saúde mental Esse primeiro contato sendo bem conduzido deve produzir no paciente uma sensação de confiança e de esperança em relação ao alívio do sofrimento Entrevistas iniciais desencontradas desastrosas nas quais o profissional é involuntariamente ou não negligente ou hostil para com o paciente em geral são seguidas de abandono do tratamento Logo no início o olhar e com ele toda a comunicação não verbal já têm sua importância é o centro da comunicação que inclui toda a carga emocional do ver e ser visto do gesto da postura das vestimentas do modo de sorrir ou expressar sofrimento MayerGross Slater e Roth 1976 assinalam nesse sentido que A primeira impressão tem o seu valor próprio e dificilmente poderá ser recapturada em ocasiões posteriores E prosseguem com maior frequência essa impressão é correta mesmo que desapareça aos poucos ou passe a ser considerada como enganosa quando a atenção estiver voltada para os detalhes as ideias e as informações fornecidas pelo paciente p 44 O profissional se apresenta ao paciente Logo no início da entrevista é conveniente que o profissional se apresente dizendo seu nome se necessário sua profissão e especialidade e se for o caso a razão da entrevista A confidencialidade a privacidade e o sigilo poderão ser explicitamente garantidos caso se note o paciente tímido ou desconfiado ou se o contexto da entrevista assim o exigir Para isso em alguns casos é importante que o profissional garanta explicitamente o que segue A entrevista e o tratamento ocorrerão com sigilo e discrição O profissional esclarece ao paciente e aos familiares quando necessário que aquilo que for relatado durante as entrevistas não será revelado a ninguém Caso isso se faça necessário por exigência do próprio tratamento encaminhamento a outro profissional carta a alguma instituição informação à família para proteger o paciente etc só será feito após consulta e anuência do 2 entrevistado O sigilo poderá ser rompido somente no caso de ideias planos ou atos gravemente auto ou heterodestrutivos Em qualquer caso é preciso ressaltar a necessidade de colaboração mútua entre o profissional e o paciente Ambos devem trabalhar ativamente para que o processo terapêutico tenha bons resultados Na primeira entrevista o profissional deve inicialmente colher os dados sociodemográficos básicos como nome idade data de nascimento naturalidade e procedência estado civil com quem reside profissão atividade profissional religião etc Após tais informações que de fato situam quem é o paciente que chega ao serviço de saúde devese solicitar que o indivíduo relate a queixa básica o sofrimento a dificuldade ou o conflito que o traz à consulta Esse primeiro relato deve ocorrer de forma predominantemente livre para que o paciente expresse de forma espontânea seus sintomas e sinais O profissional ouve o relato e observa além do conteúdo daquilo que o indivíduo conta como esse relato é feito o estilo do paciente sua aparência e suas atitudes básicas O entrevistador deve nesse momento muito mais ouvir que falar Suas intervenções objetivam facilitar o prosseguimento da fala do entrevistado O psiquiatra espanhol Vallejo Nágera 1944 p 8 aconselhava ao jovem profissional El explorador hablará poco y dejará que hable mucho el enfermo la regla más importante del interrogatorio es que el alienista hable muy poco para que sea locuaz el alienado Cabe lembrar entretanto que embora a atitude básica do entrevistador na fase inicial da avaliação seja de escuta isso não significa colocarse em posição totalmente passiva Bem ao contrário pois como enfatizado por Sullivan 1983 os dados essenciais da clínica psicopatológica emergem basicamente de uma observação participativa da interação intensa entre paciente e profissional Nesse sentido Sullivan 1983 p 33 afirmava que o entrevistador desempenha um papel muito ativo na introdução de interrogações não para mostrar que é inteligente ou cético mas literalmente para ter certeza que ele sabe o que está sendo dito Quase toda vez que se pergunta Bem você quer dizer assim e assado o paciente é um pouco mais claro sobre o que ele quer dizer O entrevistador deve lembrar que nas fases mais iniciais da entrevista o paciente pode estar muito ansioso e usar manobras e mecanismos defensivos como riso silêncio perguntas inadequadas comentários circunstanciais sobre o 1 2 3 4 profissional etc Por exemplo O senhor é jovem não ou O senhor é casado tem filhos ou ainda Por que será que todo psiquiatra é tão sério ou tem barba etc São estratégias involuntárias ou propositais que podem estar sendo utilizadas para que o paciente evite falar de si de seu sofrimento de suas dificuldades O profissional deve lidar com tais manobras lembrando polidamente o indivíduo de que a entrevista tem por finalidade identificar seu problema para assim poder melhor ajudálo Ele também deve deixar claro para o paciente que a pessoa do entrevistador não é o tema da entrevista Nos primeiros encontros o entrevistador deve evitar pausas e silêncios prolongados que possam aumentar muito o nível de ansiedade do paciente e deixar a entrevista muito tensa e improdutiva Alguns procedimentos podem facilitar a entrevista no momento em que o entrevistador lida com o silêncio do paciente O profissional deve fazer perguntas e colocações breves que assinalem sua presença efetiva e mostrem ao paciente que ele está atento e tranquilo para ouvilo O entrevistador deve evitar perguntas muito direcionadas fechadas que possam ser respondidas com um sim ou um não categóricos também deve evitar perguntas muito longas e complexas difíceis de serem compreendidas pelo paciente É sempre melhor fazer intervenções do tipo Como foi isso Explique melhor Conte um pouco mais sobre isso do que questões como Por quê ou Qual a causa Estas últimas estimulam o paciente a fechar e encerrar sua fala O entrevistador deve buscar para cada paciente em particular o tipo de intervenção que facilite a continuidade de sua fala Mesmo realizando entrevistas abertas nos primeiros encontros o profissional deve ter a estrutura da entrevista em sua mente permitindo ao mesmo tempo que o paciente conte sua própria versão Falar de forma livre permite que o entrevistador avalie melhor a personalidade e por vezes alguns conflitos do paciente A fala livre também tem frequentemente uma dimensão catártica de desabafo que pode ser muito útil e servir de alívio para o doente À medida que o relato feito pelo indivíduo progride ele vai sendo encaixado em determinada estrutura de história que está na mente do entrevistador Surgirão lacunas nessa história que saltarão à mente do profissional Após a fase de exposição livre ele fará as perguntas que faltam para completar e esclarecer os pontos importantes da história e da anamnese de modo geral A duração e o número de entrevistas iniciais com fins diagnósticos e de planejamento terapêutico não são fixos dependendo do contexto institucional onde se dá a prática profissional da complexidade e da gravidade do caso e da habilidade do entrevistador Transferência e contratransferência O conceito de transferência introduzido por Freud é um elemento fundamental que o profissional deve conhecer para realizar as entrevistas de forma mais habilidosa entendendo e tratando seus pacientes de modo menos ingênuo mais profundo e sensível A transferência compreende atitudes percepções pensamentos e sentimentos cuja origem é basicamente inconsciente para o indivíduo Inclui tanto sentimentos positivos como confiança amor e carinho quanto negativos como raiva hostilidade inveja etc Esses sentimentos são uma repetição inconsciente do passado o analista ou médico psicólogo profissional da saúde etc passa a ocupar no presente o lugar que o pai ou a mãe ocupavam no passado O paciente não se dá conta dizia Freud 19261986 da natureza de tais sentimentos e os considera como novas experiências reais em vez de identificar o que realmente são ou seja reflexos repetições de sentimentos do passado O próprio Freud 1926 1986 p 85 assim descreveu a transferência Eles desenvolvem com seu médico relações emocionais tanto de caráter afetuoso como hostil que não se baseiam na situação real sendo antes derivadas de suas relações com os pais o complexo de Édipo A transferência é a prova de que os adultos não superaram sua dependência infantil Assim para Dewald 1981 a transferência é uma forma de deslocamento que dirige para um objeto presente todos aqueles impulsos defesas atitudes sentimentos e respostas que o indivíduo experimentou e desenvolveu no relacionamento com os primeiros objetos de sua vida Segundo Jung 1999 a transferência não é mais que o processo comum de projeção o paciente tende a projetar inconscientemente no profissional os afetos básicos que nutria e nutre pelas figuras significativas de sua vida Tratase então de um fenômeno geral não apenas exclusivo da relação analítica Para Jung podese observar a transferência sempre que uma relação íntima entre duas 1 2 pessoas se estabelece O paciente projeta inconscientemente no profissional da saúde os sentimentos primordiais que nutria por seus pais na infância Sente seu médico atual como o pai poderoso e onipotente ou cruel e autoritário da infância ou a enfermeira como a mãe carinhosa e preocupada ou omissa e negligente de seus primeiros anos A contratransferência é em certo sentido a transferência que o clínico estabelece com seus pacientes Da mesma forma que o paciente o profissional da saúde projeta inconscientemente no paciente sentimentos que nutria no passado por pessoas significativas de sua vida Sem saber por que este ou aquele indivíduo desperta no clínico sentimentos de raiva medo piedade carinho repulsa etc Ao identificar tais reações contratransferenciais e conscientizarse de que elas têm a ver com seus próprios conflitos o profissional poderá lidar de forma mais racional e objetiva com o que está ocorrendo na relação com o paciente A avaliação psicopatológica como um todo anamnese exame psíquico exames somáticos e exames complementares Na entrevista inicial realizase a anamnese ou seja o recolhimento de todos os dados necessários para um diagnóstico pluridimensional do paciente o que inclui os dados sociodemográficos a queixa ou o problema principal e a história dessa queixa os antecedentes mórbidos somáticos e psíquicos pessoais da pessoa A anamnese contém ainda os hábitos e o uso de substâncias químicas os antecedentes mórbidos familiares a história de vida do indivíduo englobando as várias etapas do desenvolvimento somático neurológico psicológico e psicossocial e por fim a avaliação das interações familiares e sociais do paciente O exame psíquico é o exame do estado mental atual realizado com cuidado e minúcia pelo entrevistador desde o início da entrevista até a fase final quando são feitas outras perguntas Detalhes do exame psíquico serão desenvolvidos na próxima parte deste livro O Quadro 92 apresenta um resumo do exame psíquico do paciente Quadro 92 Resumo do exame do estado mental do paciente o exame psíquico Verificase o estado mental atual e nos dias anteriores à consulta geralmente última semana ou último mês utilizar de preferência as palavras do indivíduo 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 3 4 5 Aspecto geral e comunicação não verbal cuidado pessoal higiene trajes postura mímica atitude global do paciente Nível de consciência Orientação alo e autopsíquica Atenção Memória fixação e evocação Sensopercepção Pensamento curso forma e conteúdo Linguagem Inteligência Juízo de realidade presença de delírios ideias prevalentes etc Vida afetiva estado de humor basal emoções e sentimentos predominantes Volição Psicomotricidade Consciência e valoração do Eu Vivência do tempo e do espaço Personalidade Descrever sentimentos contratransferenciais Crítica em relação a sintomas e insight Desejo de ajuda O exame físico geral e neurológico deve ser mais ou menos detalhado a partir das hipóteses diagnósticas que se formam com os dados da anamnese e do exame do estado mental do paciente Caso o profissional suspeite de doença física deverá examinar o indivíduo somaticamente em detalhes caso suspeite de transtorno neurológico ou neuropsiquiátrico o exame neurológico deverá ser completo e detalhado De qualquer forma é conveniente que todos os pacientes passem por uma avaliação somática geral e neurológica sumária mas bem feita Avaliação psicológicapsicodiagnóstico e avaliação neuropsicológica aquelas feitas por meio de testes da personalidade da inteligência da atenção da memória etc Exames complementares semiotécnica armada exames laboratoriais p ex exame bioquímico citológico e imunológico do líquido cerebrospinal hemograma eletrólitos TSH dosagem de vitaminas B12 e D metabólitos hormônios etc de neuroimagem tomografia computadorizada do cérebro ressonância magnética do cérebro tomografia computadorizada por emissão de fóton único SPECT etc e neurofisiológicos eletrencefalograma EEG potenciais evocados etc Alguns pontos adicionais sobre a anamnese em psicopatologia Na anamnese o entrevistador se interessa tanto pelos sintomas objetivos como pela vivência subjetiva do paciente em relação àqueles sintomas pela cronologia dos fenômenos e pelos dados pessoais e familiares Além disso o profissional permanece atento às reações do paciente ao fazer seus relatos Realiza assim parte do exame psíquico e da avaliação do estado mental atual durante a coleta da história anamnese Em alguns casos o indivíduo consegue formular com certa clareza e precisão a queixa principal que ao entrevistador parece consistente e central no sofrimento do paciente e para seu diagnóstico Isso pode ajudar o clínico a limitar o campo de procura a ser investigado Muitas vezes entretanto a pessoa não tem qualquer queixa a fazer ou simplesmente não tem crítica ou insight de sua situação de seu sofrimento Outras vezes ainda recusase defensivamente a admitir que tenha um problema mental comportamental emocional ou psicológico e que esteja sofrendo por ele isso ocorre mais frequentemente em pacientes do sexo masculino Sobre isso MayerGross Slater e Roth 1976 p 38 esclarecem Nenhum homem é capaz de avaliar devidamente sua própria personalidade posto que está ele mesmo dentro de suas próprias fronteiras tal como nossos astrônomos não são capazes de ver a forma da galáxia na qual se move o sistema solar Entrevista e dados fornecidos por um informante Muitas vezes para a avaliação adequada do indivíduo fazse necessária a informação de familiares amigos conhecidos e outros Os dados fornecidos pelo informante também padecem de certo subjetivismo que o entrevistador deve levar em conta A mãe o pai ou o cônjuge do paciente por exemplo têm sua visão do caso e não a visão correta e absoluta do caso De qualquer forma muitas vezes as informações fornecidas pelos acompanhantes podem revelar dados mais confiáveis claros e significativos Cabe a quem está avaliando o paciente decidir quem é o informante mais confiável de quem vêm as informações mais seguras e úteis para a história e o trabalho clínico Nessa linha é preciso muitas vezes decidir qual das versões sobre a história do paciente é a mais correta a mais afiançada Para isso lançamos mão da coerência da história da plausibilidade do relatado e também da forma como os dados são relatados Essa decisão é fundamental e nem sempre é tarefa simples e fácil Pacientes com quadro demencial déficit cognitivo em estado psicótico grave e em mutismo geralmente não conseguem informar dados sobre sua história sendo nesses casos fundamental a contribuição do acompanhanteinformante Sobre a confiabilidade dos dados obtidos simulação e dissimulação O profissional com alguma experiência clínica em psicopatologia aprende prontamente que os dados obtidos em uma entrevista podem estar subestimados ou superestimados Não é raro o paciente esconder deliberadamente um sintoma que vem apresentando às vezes de forma intensa ou relatar um sintoma ou vivência que de fato não apresenta O profissional deve exercer toda a sua habilidade para buscar diferenciar as informações verdadeiras confiáveis e consistentes das falsas e inconsistentes Denominase dissimulação o ato de esconder ou negar voluntariamente a presença de sinais e sintomas psicopatológicos Ao ser questionado se tem algum temor se tem cismas ou se acredita que alguém queira prejudicálo o paciente mesmo tendo ideias de perseguição ou delírio nega terminantemente experimentar tais vivências Em geral tal negativa ocorre por medo de ser internado de receber medicamentos ou de ser rotulado como louco O indivíduo por exemplo nega alucinações auditivas mas cochicha frequentemente com um ser imaginário que ele percebe ao seu lado ou seja apesar de dissimular as alucinações para o profissional revela indícios de sua presença por meio de comportamento que é incapaz de dissimular Já a simulação é a tentativa do paciente de criar apresentar como o faria um ator voluntariamente um sintoma sinal ou vivência que de fato não tem Turner 1997 O sujeito diz ouvir vozes estar profundamente deprimido ou ter fortes dores nas costas tudo isso com o intuito de obter algo Geralmente o paciente que simula sintomas visa obter algum ganho com isso dispensa do trabalho aposentadoria internação para não ser encontrado por traficantes de drogas etc Devese ressaltar que a simulação é por definição um ato voluntário e consciente não se incluindo aqui os sintomas psicogênicos como paralisia conversiva sem base orgânica mas com suas raízes em processos e conflitos inconscientes Crítica do paciente e insight em relação a sintomas e transtornos Em psicopatologia um aspecto característico da clínica é que parte dos pacientes apesar de apresentar sintomas graves que comprometem profundamente suas vidas não os reconhece como tal Lewis 2004 Foi 1 2 3 proposto que o insight não é um fenômeno categorial e unidimensional mas inclui vários níveis de intensidade e distintas dimensões Dantas Banzato 2004 Por exemplo nessa linha David 1990 afirma que o insight longe de ser um fenômeno tudoounada compreende vários níveis e é composto por três componentesimplicações David 1990 Consciência de que tem um problema é a consciência de que algo não vai bem que pode se estar doente apresentando um transtorno mental ou uma alteração emocional patológica Esse estágio pode ser dividido em dois 1 consciência de que tem um problema em geral que algo vai mal e 2 consciência de que tal problema pode ser um transtorno mental algo diferente do normal no sentido de estar doente com alteração em sua saúde Esses dois aspectos são fundamentais no processo de insight pacientes em psicose aguda ou mania aguda quase nunca têm insight muitas vezem nem reconhecem que têm algum problema já aqueles fora do estado agudo costumam ter relativamente um pouco mais de insight Modo de nomear ou renomear os sintomas não é raro que pessoas com delírios alucinações ou alterações marcantes do humor atribuam significados às suas experiências que diferem em maior ou menor grau das noções da psicopatologia mas que são formas de significar suas mais íntimas experiências Isso é considerado ausência de insight embora possa ser considerado relativamente um tipo de insight em outro sistema de ideias O que tenho não é doença transtorno mental é influência do demônio de espíritos de coisas que fizeram contra mim etc Adesão a tratamentos propostos de modo geral mas não sempre pessoas que têm insight sobre sua condição psicopatológica aceitam seguir os tratamentos inclusive o uso de psicofármacos A ausência total de insight de admitir que tem algum problema que suas dificuldades são na área da saúde relacionase frequentemente com a recusa de usar psicofármacos prescritos ou mesmo de seguir acompanhamento em serviço de saúde Em particular pacientes graves como psicóticos com esquizofrenia Dantas Banzato 2007 aqueles com transtorno bipolar em quadro maníaco alguns indivíduos que apresentam dependência química deficiência intelectual síndromes autísticas ou demências apresentam graves prejuízos quanto ao insight Antoine et al 2004 Perspectiva transversal versus longitudinal A avaliação em psicopatologia apresenta uma dimensão longitudinal histórica temporal e outra transversal momentânea atual da vida do paciente Ao se colher a dimensão longitudinal devese buscar descrever relações temporais cronológicas de forma clara e compreensível e observar como o indivíduo relata sente e reage aos eventos passados Sem essa dimensão a dimensão transversal fica obscura e incompleta sendo difícil sua devida apreciação Assim as relações temporais ficam perdidas Relato do caso por escrito Ao término da entrevista e da avaliação do paciente formase o esboço do caso na mente do entrevistador O estado mental foi observado durante toda a coleta dos dados surgindo dessa forma a síntese do estado mental do indivíduo para o profissional O relato do caso por escrito deve conter de preferência as próprias palavras que o paciente e os informantes usaram ao descrever os sintomas mais relevantes O uso de termos técnicos deve ser sóbrio e proporcional ao grau de conhecimento que o profissional obteve do caso Já a caligrafia deve ser legível e o estilo claro preciso com frases e parágrafos curtos e diretos Devese evitar terminologia por demais tecnicista que às vezes revela mais a insegurança do que conhecimento do profissional o qual busca compensar na linguagem psicopatológica rebuscada os vácuos de sua ignorância sobre o caso ou quer demonstrar de modo exibicionista sua erudição e seu saber médico Além disso o profissional deve evitar a interpretação precoce dos dados seja ela psicológica psicanalítica seja ela sociológica ou biológica Uma interpretação precoce feita muitas vezes de modo apressado e excessivo pelo profissional que quer logo ver um sentido em tudo e estabelecer as causas pode impedir que se enxergue o paciente que está a sua frente É preciso lembrar que apesar de serem descritos fenômenos irracionais em uma história psicopatológica muitas vezes relatando estados mentais e comportamentais marcadamente desorganizados e caóticos o relato em si deve ser organizado e coerente facilitando o estabelecimento de hipóteses diagnósticas e o planejamento terapêutico adequado O paciente tem o direito de ser confuso contraditório ilógico já o profissional ao relatar o caso não Além do aspecto médico e psicopatológico essencial que é o diagnóstico clínico a entrevista e seu relato devem fornecer uma compreensão suficientemente ampla da personalidade do paciente da dinâmica de sua família e de seu meio sociocultural A história clínica bem feita não serve apenas para a formulação diagnóstica que é aspecto importante mas está longe 1 2 3 4 de ser o objetivo exclusivo da avaliação O diagnóstico clínico deve ser considerado um ponto de partida e não de chegada que encerraria a compreensão do paciente o qual deve ser enriquecido confrontado e contrastado com o conjunto de aspectos singulares do indivíduo e sua vida em particular O relato escrito de um caso tem além de valor clínico e médico importante valor legal É um documento que sendo bem redigido poderá ser decisivo em questões legais futuras impensáveis no momento em que a avaliação está sendo feita No momento em que o entrevistador redige os dados que coletou deve lembrarse de que a história clínica deve ser redigida com uma linguagem simples precisa e compreensível O relato deve ser pormenorizado mas não excessivamente prolixo detalhado naquilo que é essencial ao caso e conciso naquilo que é secundário Não será enfocada aqui a entrevista de crianças e adolescentes Um bom protocolo de avaliação psicopatológica desses grupos etários é o sugerido pela American Academy of Child and Adolescent Psychiatry 1997 Também são recomendados os trabalhos de Shaffer Lucas e Richters 1999 o livro de Rutter e Taylor 2002 assim como a obra acessível e didática de Goodman e Scott 2004 e o trabalho de Woerner e colaboradores 2004 Avaliação inicial e perguntas introdutórias Providenciar um local com pelo menos o mínimo de privacidade e conforto para a entrevista no caso de pacientes muito irritados potencialmente agressivos evitar lugares trancados e de difícil acesso ou evasão Apresentarse ao paciente e então explicar brevemente o objetivo da entrevista Buscando estabelecer um contato empático com o indivíduo iniciar com as perguntas gerais sobre quem é ele como se chama Quantos anos tem Qual seu estado civil Tem filhos Com quem mora Até que ano foi à escola Qual sua profissão Em que trabalha Qual sua religião Pratica Qual o seu problema Alternativa O que o traz aqui Como temse sentido Tem alguma dificuldade Sente que algo não vai bem Está se sentindo doente 5 6 7 8 9 10 11 Como começaram seus problemas Como tem passado nos últimos anos meses ou semanas Quais os tratamentos que fez até hoje Quais foram os resultados desses tratamentos De onde vêm seus problemas Alternativa A que atribui os seus problemas Observar com atenção desde o início da entrevista postura atitudes globais roupas e acessórios comportamentos não verbais e mímica enfim prestar atenção e descrever com detalhes a aparência física comunicação não verbal e aspectos psíquicos gerais do paciente Verificar o impacto que o paciente causa no entrevistador os sentimentos que a entrevista produz pena medo curiosidade chateação confusão dúvidas tédio irritação etc Perguntar a si mesmo se o indivíduo é repulsivo ou atraente simpático ou antipático produz o desejo de ajudálo ou de não querer mais vêlo etc Lembrarse de que é necessário na entrevista utilizar linguagem e vocabulário compatíveis com o nível intelectual do paciente adequados ao seu universo cultural e aos seus valores morais e religiosos É conveniente utilizar perguntas mais abertas para os pacientes com bom nível intelectual Já para aqueles com déficit intelectual quadros demenciais ou muito desestruturados empregar perguntas mais fechadas mais estruturadas que permitam respostas do tipo sim ou não Para um guia de referência à história clínica do paciente recomendo algumas fichas de história clínica disponíveis no hotsite do livro Entrevistas diagnósticas padronizadas em psicopatologia Há uma série de entrevistas padronizadas organizadas principalmente para a realização de pesquisas nas quais se deseja o máximo possível de confiabilidade nas avaliações De modo geral na prática clínica é melhor não se utilizar primordialmente de tais instrumentos pois para a obtenção da confiabilidade nos resultados p ex o mesmo diagnóstico obtido por diferentes profissionais utilizamse nos instrumentos padronizados perguntas e sequências de questões previamente estabelecidas produzindo certa rigidez na avaliação 1 2 3 Para a prática clínica é mais desejável que o profissional possa utilizar roteiros de avaliação mais flexíveis e variáveis de acordo com o paciente em seu quadro clínico background cultural história de vida particular personalidade e nível de inteligência específicos Um exemplo de instrumento padronizado de entrevista para diagnóstico psicopatológico é o Mini International Neuropsychiatric Interview Plus MINI Plus Tratase de uma entrevista diagnóstica padronizada breve compatível com diretrizes do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais DSMIV e da Classificação internacional de doenças e problemas relacionados à saúde CID10 Sua vantagem é ter sido feita com perguntas chave no início de cada capítulo que orientam a investigação mais aprofundada ou a mudança de capítulo Isso faz dela uma entrevista diagnóstica mais rápida sendo aplicada em cerca de 25 a 45 minutos A versão brasileira foi validada Amorim 2000 e tem sido utilizada em pesquisas no Brasil Entretanto não há ainda uma versão para o DSM5 e para a CID11 Além disso há também o exame do estado mental Present State Examination de Wing Cooper Sartorius 1974 e aqueles desenvolvidos pela Organização Mundial da Saúde OMS Composite International Diagnostic Interview CIDI The Schedules for Clinical Assessment in Neuropsychiatry SCAN uma entrevista semiestruturada muito utilizada The Structured Clinical Interview for DSM SCID e sua versão adaptada para a prática clínica SCIDClinical Version SCIDCV que inclui apenas os quadros mais frequentes nessa área Por fim foi desenvolvido para uso clínico o The Standard for Clinicians Interview in Psychiatry SCIP O SCIP é um método de avaliação clínica psicopatológica bastante amplo que tem três componentes 1 a entrevista SCIP dimensional 2 a avaliação do componente etiológico e 3 a classificação do transtorno A avaliação SCIP produz três tipos de dados clínicos 1 a classificação diagnóstica do transtorno mental 2 a avaliação e o escore dimensional de dimensões como ansiedade obsessões compulsões depressão mania suicidalidade delírios alucinações desorganização agitação sintomas negativos catatonia dependência de álcool e outras substâncias alterações de atenção e hiperatividade e 3 dados quantitativos numéricos da gravidade dos sintomas e sinais Aboraya et al 2016 O quanto sabemos não há tradução ou validação desse interessante instrumento para o português do Brasil 牛肝菌生长于腐烂的木头上质地较软味道鲜美常用来制作汤及炖菜 10 Aspecto geral do paciente e comunicação não verbal Os movimentos expressivos do rosto e do corpo qualquer que seja sua origem são por si mesmos muito importantes para o nosso bemestar Eles são o primeiro meio de comunicação entre a mãe e seu bebê sorrindo ela encoraja seu filho quando está no bom caminho se não ela franze o semblante em sinal de desaprovação Nós facilmente percebemos simpatia nos outros por sua expressão nossos sofrimentos são assim mitigados e os prazeres aumentados o que reforça um sentimento mútuo positivo Os movimentos expressivos conferem vivacidade e energia às nossas palavras Eles revelam os pensamentos e as intenções alheias melhor do que as palavras que podem ser falsas Charles Darwin Em um trabalho importante sobre o diagnóstico em saúde mental Sandifer Hordern e Grenn 1970 observaram por meio de pesquisas empíricas que em profissionais com alguma experiência clínica a entrevista em saúde mental não funciona como uma máquina de somar simples na qual o passar do tempo vai acrescentando informações em progressão linear De fato esses pesquisadores verificaram que os primeiros três minutos da entrevista são extremamente significativos sendo muitas vezes úteis tanto para a identificação do perfil predominante de sintomas do paciente como para uma primeira formulação da hipótese diagnóstica A primeira impressão que o indivíduo produz no entrevistador é na verdade o produto de muitos fatores como a aparência global do paciente seu tom de voz sua face e olhar suas roupas e postura Importante também nesse primeiro momento é a experiência clínica do profissional Além disso há grande dose de intuição que lapidada pelo estudo e amadurecida pela prática clínica pode se tornar instrumento valioso para a avaliação do paciente Muitas vezes a entrevista transcorre em uma espécie de luta para se confirmar ou refutar a avaliação geral inicial o diagnóstico a percepção da personalidade que a primeira impressão causou no entrevistador ASPECTO GERAL DO PACIENTE Um fator importante nas fases iniciais da avaliação do paciente é notar e descrever seu aspecto global expresso pelo corpo e pela postura corporal pela indumentária roupas sapatos etc pelos acessórios colares brincos piercing etc por detalhes como maquiagem perfumes odores marcas corporais tatuagens queimaduras etc porte e atitudes psicológicas específicas e globais A aparência do paciente suas vestes seu olhar sua postura gestos etc podem às vezes revelar muito de seu estado mental interior sendo um recurso importante para o diagnóstico e para conhecer o indivíduo como pessoa Assim o aspecto geral do paciente que percebemos se relaciona à área denominada comunicação não verbal que examinaremos a seguir PSICOPATOLOGIA E SEMIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO NÃO VERBAL Comunicação não verbal Há consenso de que o comportamento não verbal CNV verificado por meio da mímica da face do olhar dos movimentos da boca da postura do gestual da qualidade e do tom da voz do modo de andar e se mexer e até de se vestir e utilizar adereços informa muito sobre a personalidade e o estado mental das pessoas Knapp Hall 1999 Eventualmente a CNV informa de forma mais verdadeira sintética e expressiva do que a comunicação verbal Knapp e Hall 1999 p 40 afirmam A relevância dos sinais não verbais nas artes é óbvia dança apresentações teatrais música filmes fotografia e assim por diante O simbolismo não verbal de várias cerimônias e rituais provoca respostas importantes e necessárias em seus participantes tais como a pompa da cerimônia de casamento as decorações de Natal rituais religiosos funerais etc Em psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais a CNV não é menos importante do que nas áreas descritas De fato os sistemas de comunicação verbal e não verbal ocorrem no mais das vezes de forma conjugada ambos sendo importantes para a comunicação e para a expressão do quadro psicopatológico Desde a Antiguidade filósofos dramaturgos atores e poetas reconheceram a importância da CNV Em Roma a obra Instituti Oratoria do orador e professor de retórica Marco Fábio Quintiliano Quintiliano 2015 escrita no século I é fonte importante sobre a relevância do gesto nas interações humanas naquele período No período moderno desde o século XVI os estudos de fisiognomia e expressão facial vêm crescendo gradativamente ver histórico em Courtine Haroche 2016 No século XIX o cantor e filósofo francês François Delsarte 18111871 escreveu uma importante obra sobre as possibilidades da expressividade gestual e vocal Foi entretanto o genial Charles Darwin que produziu uma das primeiras e mais originais obras científicas sobre a expressão não verbal das emoções nos homens e nos animais Darwin 2009 Ver texto histórico no original em inglês Nela além de descrição detalhada da CNV em diferentes povos e em animais expressão de distintos estados emocionais é apresentada a tese relacionando a evolução humana com a evolução da expressividade gestual nas diferentes espécies De modo geral para a interação e comunicação humana as funções básicas do comportamento não verbal são 1 expressar emoções 2 apresentar a própria personalidade ao outro 3 acompanhar a fala com a finalidade de controlar a alternância entre os interlocutores monitorar o tema da conversa e a atenção dos participantes e 4 transmitir sinais relacionados às atitudes interpessoais como afetodesafeto dominaçãosubmissão confiançadesconfiança ternurahostilidade etc A CNV se baseia mais em respostas automáticas e reflexas sendo menos dependente do que a comunicação verbal de habilidades cognitivas adquiridas Também por estar sob menor controle intencional a CNV é considerada um sistema comunicacional mais espontâneo e sincero que o verbal A CNV de modo geral tende a fornecer informações tão valiosas eventualmente mais valiosas quanto a comunicação verbal mentese mais facilmente com as palavras do que com a expressão facial corporal e da voz canais comunicativos dominados apenas por bons atores e por alguns poucos hábeis mentirosos Também cabe aqui chamar atenção para uma das características da CNV que a faz ser um veículo particularmente potente de comunicação de intenções sociais e afetos ela é redundante isto é utiliza múltiplos canais que se somam A CNV utiliza canais faciais de movimentação das mãos e do corpo do timbre e 1 2 3 volume da voz etc Esses múltiplos canais reforçam a mensagem que está sendo passada decorre disso também a dificuldade de modificála intencionalmente No entanto grande parte dos textos e cursos de psicopatologia psicologia clínica e psiquiatria tende a não abordar ou a abordar muito superficialmente os comportamentos não verbais Isso ocorre talvez porque a ênfase de nossa cultura ocidental inclusive a médica e psicológica se volta sobretudo para a comunicação verbal e os aspectos linguísticos do conhecimento Estimase que em conversas regulares entre duas pessoas os componentes verbais provavelmente cubram menos de 35 do significado social da interação assim pelo menos 65 do significado social seria transmitido por canais não verbais Knapp Hall 1999 Os sinais emitidos por uma pessoa quando em interação com uma ou mais pessoas cobrem amplo leque de sinais visuais acústicos e eventualmente táteis e olfativos importantes para a CNV Isso inclui aspectos como Knapp Hall 1999 1 o ambiente da comunicação no qual ocorre o encontro das pessoas 2 a aparência física das pessoas em interação 3 a proxêmica 4 os vários movimentos corporais e 5 a paralinguagem Vejamos tais aspectos com mais detalhes Ambiente da comunicação a influência de fatores não humanos do ambiente físico na comunicação humana tem sido cada vez mais salientada O tipo de ambiente p ex pequeno ou grande barulhento ou silencioso escuro ou claro com muita ou pouca gente etc pode afetar o humor das pessoas a expressão corporal a escolha de palavras e de temas da narrativa Aparência física é um sinal não verbal muito influente Aqui se incluem o corpo das pessoas sua forma física altura peso cabelos cor e tonalidade da pele tipo de pele com ou sem alterações dermatológicas beleza ou feiura física Também estão incluídas as roupas maquiagem óculos adereços acessórios e pertences como bolsas mochilas maletas pastas executivas canetas além dos odores emitidos pelo corpo pelo hálito pelos perfumes utilizados Proxêmica por proxêmica compreendese a utilização e a percepção do espaço que as pessoas estabelecem entre si como elas usam e reagem à disposição espacial em relacionamentos humanos Inclui também a ocupação do espaço posicionamentos em uma sala relacionados a gênero status hierarquia papéis sociais formação cultural intensão ou recusa a se comunicar e interagir afabilidade ou hostilidade entre as pessoas 4 41 42 43 44 Movimentos do corpo esse é um aspecto muito importante da CNV Inclui como as pessoas se expressam por meio de postura gestos toque expressões faciais movimentos oculares Cabe detalhar estes itens Gestos relacionados à fala chamados gestos ilustradores servem para acentuar ou enfatizar uma palavra um verbo substantivo ou adjetivo traçar uma linha de pensamento descrever uma relação espacial descrever o ritmo de um evento descrever uma ação corporal dar ênfase a um adjetivo verbo ou substantivo etc por exemplo quando alguém diz muito grande e abre os braços e faz um sinal de ampliação com as mãos Gestos independentes da fala podem substituir palavras ou resumir símbolos como gestos de adeus de cumprimento de aprovação com o polegar eou com a cabeça de paz de agressão intimidação xingamentos sexuais etc Também devem ser aqui incluídos os gestos de autotoque ou manuseamento de objetos conhecidos como gestos adaptativos Os gestos independentes da fala incluem movimentos feitos com as mãos que não servem para dar respaldo à fala como os gestos ilustrativos não têm uma função clara como pegar uma caneta para escrever algo ou se coçar após ter sido picado por um inseto mas são movimentos que sinalizam com frequência algum nível de ansiedade e tensão por exemplo alguém que fica passando as mãos nos cabelos enquanto fala como se estivesse se penteando ou que fica apertando os dedos enquanto fala ou escuta outra pessoa ou que fica mexendo em uma borracha ou caneta durante a entrevista Fiquer Boggio Gorenstein 2013 Postura pode indicar o nível de atenção ou envolvimento na interação com outras pessoas a relação hierárquica postura autoritária superior ou de submissão o grau de empatia pelo outro Por exemplo a inclinação do corpo para a frente na direção do interlocutor é associada a maior envolvimento na conversa maior empatia e eventualmente menor status em relação ao parceiro de interação A postura é também indicativa da intensidade de certos estados emocionais como por exemplo quando é tensa rígida estando associada à raiva enquanto a postura curvada é associada à tristeza Comportamento tátil o modo a frequência e a intensidade com que as pessoas se tocam são muito importantes na CNV O modo como a pessoa 45 46 5 dá seu aperto de mão firme forte delicado muito fraco e largado apertado em demasia etc por quanto tempo e de que modo a pessoa abraça o interlocutor bem como se dá tapinhas nas costas ou na cabeça se alisa o outro com a mão e o grau de erotização do contato são elementos importantes da CNV Aqui é importante considerar o histórico cultural dos interlocutores há grupos e ambientes culturais nos quais quase todo toque é praticamente proibido e outros em que é normal e incentivado De modo geral na prática clínica em saúde clínica e mental os profissionais devem ser muito cuidadosos e discretos em relação ao comportamento tátil é preciso conhecer bem o paciente para saber o que o mínimo toque significa para ele Expressões faciais o rosto e as expressões faciais revelam de forma particularmente importante o estado afetivo de uma pessoa O rosto certamente é um lócus primário do afeto Na expressão facial sobretudo o movimento dos olhos das sobrancelhas e da região da boca sorrisos lábios cerrados curvatura dos lábios e boca etc revela os afetos básicos tristeza raiva alegria surpresa medo e nojo Além disso o rubor a palidez eou suor facial são expressões marcantes em algumas pessoas de vergonha raiva medo surpresa ou susto Comportamento ocular são os movimentos de corpo cabeça e olhos que indicam em que direção quando e por quanto tempo uma pessoa olha para outra ou para objetos do ambiente Na análise do olhar atenta se aos movimentos oculares ao tempo e ao modo como a pessoa fixa seu olhar no interlocutor assim como à dilatação e à contração das pupilas Sobre os olhos e a boca na CNV Darwin 2009 p 308309 afirmava mas as maneiras mais refinadas de demonstrar desprezo ou desdém abaixando as pálpebras ou desviando os olhos e o rosto como se a pessoa desprezada não fosse digna de ser olhada Fúria e nojo no entanto continuariam sendo expressos por movimentos ao redor dos lábios e da boca e os olhos alternariam entre brilhantes e apagados de acordo com o estado da circulação Paralinguagem são as qualidades vocais e vocalizações latências de respostas silêncios pausas que o indivíduo produz ou deixa de produzir na interação humana ao se comunicar verbalmente A paralinguagem é sobretudo a maneira como se diz algo e não o que foi dito o conteúdo verbal São as variações sonoras as mudanças na altura da voz sua intensidade assim como os silêncios produzidos as pausas entre as palavras o modo de articulálas A paralinguagem inclui a prosódia ou seja canto entonação inflexões da linguagem falada A prosódia é constituída pelos aspectos sonoros da fala que incluem a intensidade dos sons forte ou fraco sua frequência agudos ou graves e a duração de cada um deles A paralinguagem abarca também sons intrusos na fala como humm ahá ihh xii risos bocejos arrotos gemidos etc que podem acentuar a comunicação verbal ou se contrapor contradizer ao que é falado Cabe acentuar aqui em relação a todas as dimensões da CNV listadas que o histórico cultural dos indivíduos que participam do encontro comunicativo é fundamental Diferentes grupos culturais apresentam distintas formas de CNV Por exemplo em culturas germânicas anglosaxãs e japonesas a proximidade corporal que os indivíduos devem respeitar a cerimônia e o cuidado com o toque entre pessoas que não são íntimas a forma de gesticular e se comportar em espaços públicos diferem às vezes marcadamente daquilo que se observa em culturas latinas e de influência africana como as brasileiras e demais sul americanas Comunicação não verbal e psicopatologia A CNV especialmente a expressão facial foi estudada cuidadosamente pelo psicopatólogo alemão Karl Leonhard 19041988 Esse autor subdividiu os gestos faciais e corporais em intencionais gestos com finalidades controladas pela vontade e expressivos gestos espontâneos que expressam estados emocionais volitivos e cognitivos muitas vezes de forma inadvertida Os gestos expressivos seriam os de maior valor e interesse para a semiologia psicopatológica Leonhard 1949 Para Leonhard a expressão facial se constitui como uma verdadeira linguagem Ela é composta por um conjunto global de sinais que ocorrem de forma simultânea mas que podem ser subdivididos em aspectos parciais como por exemplo as contrações da testa e das sobrancelhas a direção e o modo de olhar os movimentos dos lábios e da boca os movimentos da cabeça etc Os sinais emitidos pela expressão facial representariam na sua visão uma linguagem extremamente fina detalhada e relativamente estável e universal para os humanos Tal linguagem expressiva teria se formado durante a evolução da espécie humana não variando tanto como a linguagem verbal de geração em geração de grupo humano para grupo humano Leonhard afirma que apesar de a expressão facial comunicar principalmente estados afetivos e emoções as mais variadas a riqueza da mímica facial também comunica estados volitivos desejos e inclinações assim como estados cognitivos como pensamentos noções reflexões dúvidas etc Para ele a CNV tem três grandes componentes 1 a expressão facial que é o componente mais importante e mais rico em detalhes da CNV 2 o gestual que representa os variados gestos executados pela cabeça tronco membros mãos e dedos 3 a altura e a expressão sonora da voz também muito ricas em possibilidades expressivas Em seu tratado de CNV chamado Linguagem expressiva da alma de mais de 500 páginas Leonhard 1949 apresenta em detalhes a expressão mímica da testa da boca e dos lábios das bochechas assim como a participação da mandíbula e do nariz Detalha como se compõe a mímica de estados afetivos como por exemplo alegria excitação diversão surpresa medo tristeza desconfiança inveja padecimento dor preocupação angústia raiva saudades estupefação perplexidade susto interesse nojo esgotamento entre muitos outros Em todos os estados Leonhard mostra com fotografias e explica detalhadamente as mínimas contrações musculares e movimentos apresentando como tais experiências são expressas pela mímica da boca e dos lábios da testa e das sobrancelhas dos gestos da cabeça do tronco dos membros e das mãos além da altura da voz e da expressão vocal Ao final o autor mostra como esses diferentes aspectos da CNV expressão facial gestual e altura e expressão da voz se integram formando expressões globais e emitindo sinais que se estudados em detalhes e interpretados adequadamente permitem verdadeira leitura sobre o psiquismo humano em pessoas sadias e naquelas com quadros psicopatológicos Comunicação não verbal nas principais síndromes e transtornos psicopatológicos Os tipos assim como as competências relacionados à CNV têm sido associados a diferentes síndromes estados e transtornos mentais revisão em Philippot Coats 2003 A ideia de diferenciar os quadros psicopatológicos e os transtornos por sua expressão eou sensibilidade não verbal é antiga mas somente a partir de meados do século XX esse tema tem sido estudado de forma empírica detalhada A CNV em psicopatologia se refere principalmente a aspectos emocionais volitivos e sociointerativos do comportamento humano Nesse campo têm sido estudados com maior ênfase aspectos como 1 expressão emocional que é a capacidade de expressar diferentes estados emocionais por meio de mímica gestos postura tom de voz etc 2 sensibilidade aos sinais não verbais que diz respeito à capacidade de perceber nos outros e decodificar principalmente estados emocionais emitidos por vias não verbais e 3 controle e monitoração de estados emocionais que significa a capacidade de controlar estados emocionais percebidos e emitidos por CNV Por razões de espaço serão abordados apenas os principais achados sobre CNV nas seguintes síndromes e transtornos depressão ansiedade esquizofrenia autismo e mania Depressão Nos quadros depressivos sobretudo de intensidade moderada ou grave há de modo geral uma redução da expressividade afetiva O contato ocular com as outras pessoas é diminuído o paciente gravemente deprimido tende a não olhar ou a evitar a face e os olhos do interlocutor O olhar pode dirigirse para baixo e há redução global das interações sociais A face como um todo revela emoções tristes melancólicas ou simplesmente apáticas Em alguns casos por contração excessiva de alguns músculos da testa sobretudo do músculo corrugador músculos que Darwin sagazmente chamou de griefmuscles músculos do pesar ao descrever detalhadamente a expressão não verbal da melancolia há o enrugamento da pele sobre o nariz e entre as sobrancelhas que se contrai e se curva em direção ao centro da testa produzindo dobras no andar superior da face que parecem desenhar a letra ômega do alfabeto grego Ω Por isso tal expressão facial foi chamada pelo psiquiatra alemão Heinrich Schüle 1878 de sinal do ômega ou ômega melancholicum sinal típico das descrições clássicas da melancolia depressão grave Fig 101 Figura 101 Sinal do ômega em pessoa com melancolia depressão grave Além disso nos quadros depressivos a boca pode curvarse para baixo e igualmente o ângulo da cabeça também se dobra para o chão O indivíduo não sorri ou sorri muito pouco riso frágil e forçado Pode haver uma diminuição global dos gestos e movimentos da cabeça das mãos e do corpo em geral A voz produzida é com frequência baixa eou monótona com pouca expressividade e em alguns quadros extremos de difícil compreensão Em pesquisa original Canales Fiquer e Campos 2017 estudaram a postura de pacientes deprimidos em relação à gravidade e à recorrência do episódio depressivo Os pesquisadores notaram que os pacientes apresentam alterações posturais desalinhamento postural que corroboram o aspecto corcunda cabisbaixo do indivíduo deprimido Esse desvio postural diminui à medida que os pacientes apresentam remissão do quadro e é menor em quadros de episódio único do que em episódios recorrentes outro achado interessante do quanto o aspecto corporal postural pode refletir a presençarecorrência do humor deprimido Canales Fiquer Campos 2017 Outras pesquisas revelam que a face e o gestual triste não apenas expressam o estado interno da pessoa mas também a expressão triste pode reforçar e mesmo participar da gênese de tal estado apresentar e manter um rosto marcadamente triste pode fazer a pessoa passar a sentirse de fato mais triste Perez Riggio 2003 Além disso Juliana T Fiquer e colaboradores demonstraram haver correlação entre a intensidade da depressão e a intensidade da redução da CNV como expressão facial e movimentos expressivos da cabeça e das mãos Fiquer Boggio Gorenstein 2013 Ansiedade Nos quadros ansiosos há muitas vezes uma expressão facial tensa preocupada ou amedrontada A tensão muscular costuma comprometer todo o corpo mas pode ser mais intensa nos músculos cervicais do pescoço e na musculatura da face Pode haver sobretudo nos quadros de ansiedade aguda eou crises de pânico descarga importante do sistema nervoso autônomo inicialmente descarga simpática e depois rebote parassimpático Na descarga simpática há a clássica reação de lutar ou fugir to fight or to flight que é reação de alarme do organismo situações agudas de ameaça intensa medo arrebatador com manifestações físicas como vasoconstrição cutânea e consequente palidez da face e midríase dilatação das pupilas podendo haver ereção dos pelos assim como aumento do ritmo cardíaco que o paciente pode perceber como batedeira no peito Nas mãos e nos pés pode ocorrer suor frio assim como tremores das extremidades tremores de mãos dedos e lábios e o indivíduo pode sentir sua respiração como dificultosa e incômoda às vezes sensação de sufocamento A voz pode ficar tensa hesitante projetandose às vezes com dificuldade o que pode tornar sua compreensão difícil Pessoas com ansiedade social ou fobia social são de modo geral muito sensíveis às reações e expressões faciais dos outros sobretudo de mínimos sinais negativos percebidos de forma exacerbada em indivíduos considerados como importantes ou dotados de significação superior autoritária ou ameaçadora De fato em várias pesquisas tem sido evidenciado como pacientes com ansiedade ou fobia social são marcadamente sensíveis à exposição de faces críticas ou bravas O estado de hipervigilância atenção acentuada contínua e hiperativa em relação ao exterior sobretudo perante estímulos ameaçadores ou potencialmente ameaçadores é uma verdadeira marca das pessoas com acentuada ansiedade social Perez Riggio 2003 Esquizofrenia Nos escritos clássicos de Kraepelin e Bleuler já estão presentes descrições de pacientes com esquizofrenia que apesar de experimentarem emoções desagradáveis intensas não expressavam tais sentimentos pareciam não conseguir emitir sinais exteriores de tais emoções Na esquizofrenia devese distinguir dois estados em relação à CNV agudos e crônicos Nos estados ou episódios agudos sobretudo nas fases iniciais da esquizofrenia observamse alterações da CNV relacionadas ao tipo de episódio agudo Assim em quadros paranoides podem ser observados gestos e movimentos faciais que indicam um estado intenso de medo e desconfiança relacionados às vivências paranoides como delírio de perseguição e vozes ameaçadoras alucinações auditivas Além disso o episódio agudo pode ser marcado por desorganização mental e comportamental intensa que se expressa nos gestos e movimentos do paciente que indicam desorganização inclusive às vezes em atos básicos da vida como alimentação banho caminhada posturas bizarras de repouso e no encontro com outra pessoa Nos quadros mais crônicos com alguns anos de evolução observase com frequência uma diminuição da expressão afetiva na face e no corpo como um todo que pode ir de uma leve indiferença afetiva até embotamento dos afetos podendo chegar a um completo achatamento das expressões afetivas Pacientes com esquizofrenia expressam de forma deficitária emoções tanto negativas como positivas Assim há uma tendência a diminuição dos gestos e redução ou imobilidade na expressão facial Eventualmente podem apresentar estereotipias faciais com caretas piscamento amplo dos olhos e movimentos bucais que podem ocorrer por discinesia tardia provocada por antipsicóticos de primeira geração ou pelo próprio adoecimento cerebral relacionado à esquizofrenia Perez Riggio 2003 Há também empobrecimento das inflexões vocais diminuição dos movimentos espontâneos e redução do contato ocular Assim estudos controlados indicam que pessoas com esquizofrenia já estabelecida apresentam menos expressões faciais diminuição da troca de olhares além de gestos e posturas não habituais às vezes bizarras Esse empobrecimento da CNV não pode ser atribuído apenas ao uso de neurolépticos antipsicóticos de primeira geração estudos com pessoas que nunca usaram neurolépticos apesar do desenvolvimento da esquizofrenia revelam igualmente tal empobrecimento Kring Earnest 2003 De modo geral pacientes com esquizofrenia apresentam menos comportamentos prósociais e de afiliação como inclinação lateral da cabeça levantar de sobrancelhas sorrisos movimentos afirmativos de cabeça o chamado yesnodding assim como menos gesticulação Além disso tais indivíduos revelam menos CNV de relaxamento rir cruzar os braços relaxadamente soltar o corpo na cadeira etc Os déficits expressivos nesse transtorno tendem a se correlacionar com o prognóstico por exemplo quanto mais contato ocular o paciente apresenta maior é a tendência à melhor evolução do quadro Fiquer 2017 Indivíduos com esquizofrenia tendem também a perceber os sinais de CNV emitidos por pessoas do ambiente com um marcante viés de interpretação Quando apresentam por exemplo quadros paranoides intensos percebem em detalhes da mímica e da voz dos outros que muitas vezes emitiram apenas sinais neutros sinais ameaçadores com conteúdos de desprezo ameaça ou condenação em relação a eles Pesquisas também indicam que pacientes com esquizofrenia têm performance relativamente ruim em tarefas de reconhecimento de afeto facial tendem a perceber menos holisticamente a face alheia Kring Earnst 2003 Alguns autores sugerem que as dificuldades em expressar emoções vistas nas pessoas com esquizofrenia se associam na verdade a uma tendência a perceber de forma demasiadamente intensa e distorcida sinais não verbais mínimos das emoções alheias Tais dificuldades em decodificar afetos faciais corretamente têm sido atribuídas por alguns autores a possíveis alterações no córtex parietal direito desses pacientes Perez Riggio 2003 Autismo Os primeiros casos de crianças com autismo descritos por Leo Kanner em 1943 já revelavam uma importante quando não total redução das respostas ao ambiente Notaramse graus às vezes acentuados de ausência de interesse por seres humanos e de forma muito importante evitação do contato ocular com outras pessoas Também foi percebido que tais crianças preferiam brincar sozinhas a brincar acompanhadas Com o tempo passaram a ser percebidas as marcantes dificuldades das crianças com autismo tanto em expressar CNV como em entender os sinais não verbais emitidos pelas pessoas que buscavam interagir com elas McGee Morrier 2003 Indivíduos com autismo tendem a apresentar dificuldades importantes em CNV que regulam a interação social tanto em exprimir como em compreender a CNV dos outros Assim apresentam um contato ocular ausente ou inconsistente Esse é um dos déficits de CNV mais frequentes nesse transtorno Os sorrisos socialmente dirigidos podem não existir ou ser apenas frustros e descompassados Observase na interação com os pares que as crianças com autismo quando caminham em ambiente com várias outras parecem atravessar o grupo como se as demais crianças não estivessem aí Podese notar também ausência de postura antecipatória ao contato estender os braços para o abraço e às vezes resistência ao toque ou abraço Pessoas com autismo apresentam com frequência comportamentos repetitivos estereotipias motoras como balanceio do tronco andar na ponta dos pés balançar as mãos como bater asas flapping emissão de ruídos e estalos com a boca ou mãos Também se nota que pessoas com autismo podem não expressar esforço eou habilidade em compartilhar a alegria por algo de bom que eventualmente acontece Têm dificuldades em expressar seus interesses e conquistas para os outros Crianças com autismo geralmente não iniciam interações com seus pares por meio do mostrar pegar ou trazer coisas para que os outros vejam ou ainda apontar para objetos de interesse e se certificar de que o outro também se interessa por isso expressão da chamada atenção conjunta Enfim tais crianças parecem não ter o interesse e as habilidades para responder efetivamente às aproximações sociais feitas pelos outros Em relação à voz e aos elementos sonoros da comunicação verbal indivíduos com autismo de alto funcionamento ou do tipo Asperger desenvolvem a linguagem mas tendem a apresentar uma voz monótona de afinação alta ou um falar com volume muito baixo Às vezes a voz de pacientes com autismo se assemelha à de personagens de desenho animado ou à de um robô Muitas pesquisas indicam que indivíduos com autismo têm déficits no reconhecimento facial e da expressão emocional em faces os quais não correspondem a um simples atraso no desenvolvimento mas tendem a ser persistentes sobretudo naqueles que não recebem tratamento especializado e adequado Em casos de maior gravidade a compreensão de expressões faciais vocais e corporais pode estar gravemente reduzida Ao que parece o reconhecimento de emoções mais complexas como orgulho ou constrangimento é bem mais difícil que o de emoções simples como alegria e tristeza McGee Morrier 2003 Nas últimas décadas com o desenvolvimento de abordagens terapêuticas mais específicas e eficazes como Análise do Comportamento Aplicada ABA tem sido verificado que alguns aspectos das dificuldades comunicacionais das pessoas com autismo podem ser reduzidos com a elaboração de estratégias alternativas ou originais para incrementar e melhorar a qualidade da interação e da comunicação Mania Nas fases de mania do transtorno bipolar há um conjunto de elementos da CNV bastante característico O comportamento global do paciente é muito ativo alegre eufórico ou irritável interage com o interlocutor logo ao conhecêlo como se fosse seu amigo íntimo A proxêmica está alterada e o indivíduo se aproxima de pessoas desconhecidas podendo não respeitar a distância mínima de corpo com corpo A psicopatologia alemã descreveu tal sintoma como Distanzlosigkeit ou Abstandslosigkeit ou seja a perda da distância espontânea culturalmente determinada entre o paciente e seu interlocutor Nas conversas aproximase do corpo do interlocutor como se fosse uma pessoa íntima Entretanto ao que parece um subgrupo de pacientes com mania com sintomas psicóticos apresenta o contrário maior distância e não menor com o interlocutor Fiquer 2017 A perda da inibição social é frequente no episódio de mania O paciente fala com o médico que acabou de conhecer como se fosse um amigo íntimo e antigo se expressa diante de uma classe de alunos contando sobre sua vida pessoal às vezes íntima sem o menor receio ou inibição por isso devese sempre procurar proteger a intimidade do paciente em mania O paciente pode expressar alegria e grandeza contentamento transbordante com risos sobretudo quando conta de suas peripécias Geralmente se considera uma pessoa extraordinária por isso deve receber toda a atenção dos outros Não admite qualquer dificuldade para seus projetos ou ideias Monedero 1975 No começo do quadro pode haver algumas CNVs que indicam o início da fase maníaca Além de diminuição da necessidade de sono vestese com roupas mais chamativas às vezes provocativas sexualmente bem como usa mais maquiagem ou adereços corporais tem acessos de limpeza ou de arrumação p ex resolve arrumar todas as suas roupas ou objetos guardados há anos toma providências diversas faz compras excessivas e investe em falas proselitistas sobre religião política ou costumes É comum que o paciente com mania acorde muito cedo pela manhã manifestando já uma hiperatividade ruidosa canta e sobretudo se for religioso prega para todos entoa os hinos e canções de sua igreja ou outros hinos conhecidos Tem uma loquacidade quase inesgotável com condutas diversas e às vezes escandalosas Caillard 1984 Seus movimentos às vezes são incessantes acelerados e endiabrados faz barulho suas roupas podem ser vestidas de forma descuidada colocando várias camisas saias ou calças umas sobre as outras A mímica pode exprimir de forma exagerada as emoções que se impõem ao paciente A fala pode ser acelerada em voz alta às vezes com gritos insultos ou declarações e declamações veementes Caillard 1984 Há aceleração em todas as esferas psíquicas e comportamentais da ação do pensamento das lembranças e das representações na imaginação O ritmo global é não apenas acelerado mas exagerado e descompassado O paciente maníaco pode permanecer muitas horas às vezes dias em movimento agitado Tendo riscos cardíacos pode inclusive padecer ou mesmo ter eventos graves como infarto agudo do miocárdio De modo geral o indivíduo em mania no início do quadro está animado alegre acelerado com ideias grandiosas Com o passar dos dias e semanas as pessoas que lhe são mais próximas passam a impor limites aos seus atos como por exemplo negam lhe dar dinheiro censuram sua atitude e fazem críticas crescentes Geralmente então o paciente pode mudar de um estado global de alegria elação e excitação para o estado de irritação beligerância podendo agredir familiares profissionais da saúde ou outros que interagem com ele e lhe coloquem qualquer limite ou oposição Semiotécnica do aspecto geral do paciente e da comunicação não verbal Para a avaliação do paciente sugerese utilizar como guia possível os quadros apresentados a seguir O Quadro 101 resume os principais aspectos a serem observados na CNV do indivíduo Já o Quadro 102 organizado a partir dos trabalhos de Betta 1972 e de Cheniaux 2005 visa resumir os principais padrões de roupas e acessórios observados sobre o aspecto geral do paciente Por fim o Quadro 103 apresenta algumas das possíveis atitudes globais do indivíduo Podem ser usadas para uma única pessoa uma ou mais das atitudes globais listadas Além disso para descrever a aparência do paciente convém relatar o que se observou de forma detalhada objetiva e precisa mas sem precipitações ou inferências indevidas No hotsite do livro o leitor encontrará um quadro que apresenta alguns dos possíveis termos descritivos relativos à aparência física do paciente Quadro 101 Principais aspectos da comunicação não verbal do paciente 1 2 3 4 41 42 43 44 45 46 5 6 Ambiente da comunicação anote os aspectos principais do ambiente p ex pequeno ou grande barulhento ou silencioso escuro ou claro com muitas ou poucas pessoas etc onde ocorreu a avaliação e se tal ambiente teve alguma influência na interação Aparência física busque resumir os principais aspectos da aparência física do paciente altura cabelos cor e tonalidade da pele além das roupas que usa maquiagem adereços e acessórios Note a higiene geral em que se apresenta e cuidados globais com a aparência física cuidados e higiene do cabelo dos dentes e da boca se estão sujos quebrados ou apodrecidos Proxêmica note o espaço que o paciente estabelece entre si e as outras pessoas bem como sua ocupação do espaço posicionamento na sala distância de conversação estabelecida com interlocutores Movimentos do corpo Gestos relacionados à fala note como são os gestos que acompanham a linguagem verbal gestos ilustradores Gestos independentes da fala repare e anote se emite os gestos adaptativos como os de autotoque ou de manuseamento de objetos que podem revelar o estado de tensão e ansiedade Postura repare na postura que indica o nível de atenção ou envolvimento na interação com outras pessoas o grau de empatia que desenvolve na entrevista se revela postura tensa rígida associada à raiva postura curvada associada à tristeza ou de outro tipo Comportamento tátil note o modo a frequência e a intensidade com que o paciente toca nos outros o modo como dá seu aperto de mão firme forte delicado muito fraco e largado apertado em demasia etc Expressões faciais procure descrever com particular atenção o rosto e as expressões faciais principais Comportamento ocular repare na direção quando e por quanto tempo o paciente olha na interação com as pessoas o tempo e o modo como fixa seu olhar nos interlocutores Paralinguagem descreva as principais qualidades vocais e vocalizações do paciente repare a maneira como faz seu relato como desenvolve sua narrativa Histórico cultural descreva o contexto cultural básico do paciente e sua possível influência na CNV Quadro 102 Aspectos gerais dos pacientes verificados por meio de roupas higiene e adornos corporais segundo o diagnóstico clínico ROUPAS E ACESSÓRIOS SEGUNDO ALGUNS QUADROS CLÍNICOS Anorexia nervosa roupas largas e escuras geralmente para esconder o grau de magreza em que se apresentam Demência pode apresentar higiene e roupas descuidadas dentes sujos ausência de senso crítico em relação à aparência Depressão às vezes roupas desalinhadas ou sujas cabelos despenteados higiene descuidada sem maquiagem preferência por roupas escuras Esquizofrenia nos pacientes mais crônicos podese notar higiene e roupas descuidadas e sujas indiferença pela vestimenta é possível que apresentem roupas adereços e acessórios bizarros que expressam delírios medalhas colares e tiaras que podem ter significado no delírio ou a desorganização mental do paciente Transtorno da personalidade histriônica algo semelhante à mania roupas chamativas muita maquiagem roupas muito curtas e decotadas comportamento sedutor Mania roupas coloridas chamativas muita maquiagem perfume em excesso pode utilizar roupas muito curtas e decotadas devido a desinibição social e sexual Pode colocar uma roupa sobre outra de forma desordenada Transtorno da personalidade borderline marcas no corpo como de cortes por faca ou gilete na parte ventral dos braços cicatrizes de queimaduras de cigarro nos braços e pernas Pode apresentar roupas extravagantes piercings mas isso pode ser usado por pessoas de subgrupos culturais sem qualquer transtorno mental É comum que esses pacientes tentem encobrir essas marcas com roupas com mangas compridas Transtorno obsessivocompulsivo e personalidade obsessiva às vezes roupas e acessórios muito certinhos roupas passadas de forma impecável cabelos penteados de modo ultracuidadoso etc Quadro 103 Possíveis atitudes globais do paciente Afetada modo de falar gesticular e andar muito teatral e artificial Amaneirada comportamento caricatural curvase diante do entrevistador diz vossa excelência Arrogante colocase como superior acima do entrevistador ironiza e critica constantemente Confusa parece não entender nada não estar na situação de entrevista Deprimida paciente triste e desanimado de modo geral Desconfiada ou suspicaz pelo olhar postura pelo modo de ouvir e responder revela desconfiança medo Desinibida contato extremamente fácil próximo fisicamente trata como se conhecesse o entrevistador há anos fala e pergunta sobre intimidades sem inibição Dissimuladora tenta ocultar sintomas ou fatos de sua vida com algum intuito Dramática ou teatral hiperemocional quer chamar atenção dá grande expressão a coisas corriqueiras Esquiva não deseja o contato social e foge dele Evasiva evita responder a perguntas dá respostas muito gerais e inespecíficas Excitada fala e gesticula muito e de forma acelerada Expansiva fala alto é o dono do pedaço comportase como se fosse muito importante Gliscroide ou grudenta difícil de encerrar a conversa quer atenção na sua prolixidade Hostil ou beligerante provoca irrita parece querer confronto Indiferente não parece estar na entrevista não gosta nem se sente incomodado por estar na entrevista Inibida ou contida não encara o examinador demonstra estar pouco à vontade se segura para não falar Irônica faz comentários críticos a toda hora mas não revela superioridade como o arrogante Lamuriosa ou queixosa queixase o tempo todo de seus problemas demonstra autopiedade Manipuladora tenta obrigar o entrevistador a fazer o que ele quer com chantagens indiretas ameaças Não cooperante não colabora com solicitações básicas na entrevista Oposicionista ou negativista recusase a participar da entrevista se opõe a tudo que solicitam Perplexa assustado parece não entender nada do que está acontecendo na entrevista Querelante discute ou briga com o entrevistador por se sentir ofendido ou prejudicado Reivindicativa exige de forma insistente aquilo que julga ser seu direito mesmo se inadequado Sedutora elogia e tenta agradar o examinador às vezes sexualmente Simuladora tenta parecer que tem um sintoma ou problema que realmente não tem Submissa atende passiva e imediatamente sem questionar a todas as solicitações do entrevistador 松露是一种名贵的食用菌生长在树根附近气味浓郁曾被称为地下的钻石 Funções psíquicas elementares e suas alterações no exame do estado mental Failed С М 11 Introdução às funções psíquicas elementares ADVERTÊNCIA LIMITAÇÕES DE UMA PSICOPATOLOGIA DAS FUNÇÕES PSÍQUICAS Apesar de ser absolutamente necessário o estudo analítico das funções psíquicas isoladas e de suas alterações nunca é demais ressaltar que a separação da vida e da atividade mental em distintas áreas ou funções psíquicas é um procedimento essencialmente artificial Tratase apenas de uma estratégia de abordagem da vida mental que por um lado é bastante útil mas por outro um tanto arriscada pois pode suscitar enganos e simplificações inadequadas É útil porque permite o estudo mais detalhado e aprofundado de determinados fatos da vida psíquica normal e patológica é arriscada porque facilmente se passa a acreditar na autonomia desses fenômenos como se fossem objetos naturais Com o passar do tempo na prática clínica diária passase inadvertidamente a crer que a memória a sensopercepção a consciência do Eu a vontade a afetividade etc são áreas autônomas e naturais separadas umas das outras e com vida própria Deixase de lembrar o que elas realmente são isto é construtos aproximativos da psicologia e da psicopatologia que permitem uma comunicação mais fácil e um melhor entendimento dos fatos Que fique claro não existem funções psíquicas isoladas e alterações psicopatológicas compartimentalizadas desta ou daquela função É sempre a pessoa na sua totalidade que adoece Essa questão é discutida com muita propriedade pelo psicopatólogo Eugène Minkowski 1966 Ele questiona se o objeto da psicopatologia seria o estudo de sintomas isolados atomizados e cindidos ou se de fato não seria mais adequado um projeto de estudo que vise abordar globalmente a pessoa que adoece Além disso para Minkowski 1966 a psicopatologia deve sempre e necessariamente estudar o homem na primitiva solidariedade inter humana A psicopatologia é impreterivelmente uma ciência a pelo menos duas vozes no mais das vezes polifônica fundamentada em determinado encontro de pelo menos dois seres humanos O que conta não são os sinais e os sintomas mas sobretudo o fundo mental e interhumano do qual eles procedem e no qual se realizam e que afinal determina sua significação seu sentido As funções perturbadas fazem pressentir transtornos subjacentes ligados à personalidade inteira atingida na sua estrutura e em seu modo de existir A psicopatologia geral dos manuais que Minkowski 1966 critica seria apenas a descrição mecânica e irrefletida dos sintomas um exercício classificatório vazio sem indicar o essencial ou seja a significação dos fenômenos Nos transtornos mentais não se trata apenas de agrupamentos de sintomas que coexistem com regularidade e revelam assim sua origem comum Os sintomas que os compõem são ligados estruturalmente entre si A psicopatologia na medida em que é centrada na pessoa humana não se desenvolve a não ser partindo de determinadas síndromes psicopatologia sindrômica A psicopatologia sintomática como estudo dos sintomas isolados não passa de uma semiologia psiquiátrica rudimentar Quadro 111 Funções psíquicas no exame do estado mental atual FUNÇÕES MAIS AFETADAS NOS TRANSTORNOS PSICOORGÂNICOS FUNÇÕES MAIS AFETADAS NOS TRANSTORNOS DO HUMOR E DA PERSONALIDADE FUNÇÕES MAIS AFETADAS NOS TRANSTORNOS PSICÓTICOS Nível de consciência Atenção Orientação Memória Inteligência Linguagem Afetividade Vontade Psicomotricidade Personalidade Sensopercepção Pensamento Juízo de realidade Vivência do Eu e alterações do self Também nos quadros afetivos mania principalmente Também nas psicoses Monedero 1973 p 21 explicita essa questão utilizando um exemplo claramente clínico As alucinações durante as intoxicações não são iguais às do esquizofrênico do histérico ou às que aparecem no extremo cansaço Se no estudo das alucinações prescindimos das diferenças entre umas e outras seria inútil todo o nosso trabalho psicopatológico Por isso tornase necessária a contínua referência aos quadros nosográficos que são estruturas totalizantes nos quais adquirem sentido os fenômenos particulares Há portanto em psicopatologia uma relação dialética fundamental entre o conhecimento do elementar e o do global da inserção de estruturas básicas em estruturas totalizantes as quais redimensionam constantemente o sentido das primeiras É finalmente Eugen Bleuler 1985 p 16 quem adverte sobre o perigo compartimentalizador de qualquer psicopatologia Em um ato psíquico apenas pode ocorrer uma separação teórica não uma separação real entre as distintas qualidades psíquicas de que se trata Na observação e descrição do mundo das manifestações psíquicas e psicopatológicas tendemos de há muito à fragmentação descrevemos funções psíquicas singulares como a sensação a percepção a atenção a memória o pensamento o juízo Se reunirmos estes fragmentos ficamos com a impressão de que a vida psíquica pode ser compreendida como um mosaico a partir de uma soma de manifestações isoladas Esta impressão não obstante não corresponde à realidade Cada função parcial na vida psíquica e cada aspecto da realidade psíquica só existem em vinculação estreita com toda a vida e com a realidade psíquica total Failed С М 12 A consciência e suas alterações DEFINIÇÕES BÁSICAS Este capítulo apresenta como dificuldade inicial a definição de consciência Os muitos psicopatólogos e filósofos que estudaram a consciência humana utilizam o termo com sentidos diferentes Há acepções muito extensas como equiparar consciência ao conjunto de atividades psíquicas conscientes do indivíduo consciência aqui equivale à mente humana consciente até acepções restritas como equiparar consciência ao nível de consciência que será o uso predominante neste capítulo Podemse resumir os usos do termo consciência em pelo menos três acepções diferentes que implicam três definições distintas apresentadas a seguir A definição neuropsicológica emprega o termo consciência no sentido de estado vígil vigilância o que de certa forma iguala a consciência ao grau de clareza do sensório Consciência aqui é fundamentalmente o estado de estar desperto acordado vígil lúcido Tratase especificamente do nível de consciência Já a definição psicológica a conceitua como a soma total das experiências conscientes de um indivíduo em determinado momento Nesse sentido consciência é o que se designa campo da consciência É a dimensão subjetiva da atividade psíquica do sujeito que se volta para a realidade Na relação do Eu com o meio ambiente a consciência é a capacidade do indivíduo de entrar em contato com a realidade perceber e conhecer os seus objetos Por fim a definição éticofilosófica é utilizada mais frequentemente no campo da ética da filosofia do direito ou da teologia O termo consciência referese à capacidade de tomar ciência dos deveres éticos e assumir as responsabilidades os direitos e os deveres concernentes a essa ética Assim a consciência éticofilosófica é atributo do homem desenvolvido e responsável engajado na dinâmica social de determinada cultura Referese a consciência moral ética e política Uma corrente filosófica que se ocupou de modo particular da consciência foi a fenomenologia desenvolvida inicialmente pelo filósofo Edmund Husserl 18591938 A psicologia clássica com base na teoria sensualistaempirista compreendia a consciência como algo passivo uma tábula rasa ou papel em branco no qual os objetos do mundo penetram e imprimem suas marcas formando as imagens e as representações Husserl propõe inverter essa visão meramente passiva da consciência para ele o fundamental da consciência é ser profundamente ativa visando o mundo e produzindo sentido para os objetos que se lhe apresentam Não existiria então uma consciência pura pois ela é necessariamente consciência de algo A intencionalidade isto é o visar algo o dirigirse aos objetos e sujeitos do mundo de modo ativo e produtivo é próprio da consciência na visão fenomenológica Penha 1991 John Searle 2000 talvez um dos filósofos contemporâneos que mais se tem dedicado ao estudo da consciência ressalta a importância de articular conceitualmente a consciência com a busca das neurociências contemporâneas de correlatos neuronais dos estados de consciência CNEC O aspecto fundamental da consciência que se deve tentar explicar segundo ele é seu caráter de unidade qualitativa subjetiva Mas o que vem a ser isso Todo estado de consciência vem acompanhado de um sentimento qualitativo especial A experiência de beber uma cerveja com os amigos é muito diferente da de ouvir uma sinfonia de Beethoven e ambas são distintas de sentir o perfume de uma mulher bonita ou ver o crepúsculo na praia Esses exemplos revelam o caráter qualitativo das experiências conscientes Experimentar os estados de consciência é também algo essencialmente subjetivo A experiência da consciência é sempre realizada em um sujeito vivenciada na primeira pessoa Searle 2000 afirma que sem subjetividade não há experiência consciente Assim os estados de consciência são experimentados como um campo de consciência unificado Dessa forma unidade subjetividade e caráter qualitativo são as marcas da experiência dos estados de consciência Searle 2000 ainda acrescenta outras características aos estados de consciência Segundo ele estes são sempre vivenciados com caráter prazeroso ou desprazível como experiências totais e globalizantes caráter gestáltico e com um senso de familiaridade que impregna todas as experiências conscientes mesmo quando vejo uma casa que nunca vi antes ainda reconheço que é uma casa sua forma e estrutura me são familiares Os pintores surrealistas tentaram quebrar tal senso de familiaridade mas mesmo o relógio derretendo de Salvador Dali nos remete à estrutura familiar de um relógio Este capítulo entretanto não se aprofunda nos aspectos filosóficos da consciência humana recomendamse nesse sentido o texto de Searle 2000 e o 1 2 3 4 trabalho de Nagel 1974 Aqui serão abordados apenas os seus aspectos psicológicos e principalmente neuropsicológicos NEUROPSICOLOGIA DA CONSCIÊNCIA O sistema Research Domain Criteria RDoC httpswwwnimhnihgovrese archprioritiesrdoc contém construtos psicológicos dimensionais relevantes tanto para o comportamento humano normal como para a psicopatologia No campo da neuropsicologia da consciência o RDoC propõe sistemas reguladores relacionados ao nível de consciência arousal os quais são responsáveis por gerar toda a ativação dos sistemas neurais nos vários contextos da vida Eles têm por função produzir uma regulação adequada dos estados de consciência vígil sujeito acordado e dos períodos de sono Segundo o RDoC devese salientar que o nível de consciência é o continuum de sensibilidade e alerta do organismo perante os estímulos tanto internos como externos As principais características e propriedades do nível de consciência são O nível de consciência facilita a interação da pessoa com o ambiente de forma adequada ao contexto no qual o sujeito está inserido p ex em situações de ameaça alguns estímulos podem ser ignorados e ao mesmo tempo a sensibilidade para outros mais relevantes pode estar aumentada expressando o chamado estado de alerta O nível de consciência adequado pode ser evocado tanto por estímulos externos ambientais como por estímulos internos como pensamentos emoções recordações O nível de consciência pode ser modulado tanto pelas características dos estímulos externos como pela motivação que o estímulo implica para o indivíduo em questão O nível de consciência varia ao longo de um continuum que inclui desde o estado total de alerta passando por níveis de redução da consciência até os estados de sono variação normal ou coma variação patológica AS BASES NEUROANATÔMICAS E NEUROFUNCIONAIS DO NÍVEL DE CONSCIÊNCIA O primeiro elemento do sistema nervoso relacionado ao nível de consciência é o chamado sistema reticular ativador ascendente SRAA Foram Horace Winchell Magoun e Giuseppe Moruzzi Moruzzi Magoun 1949 que inicialmente propuseram o SRAA Esses autores partiram da noção de que a capacidade de estar desperto e agir conscientemente depende da atividade do tronco cerebral e do diencéfalo Essas estruturas exercem poderosa influência sobre os hemisférios cerebrais ativandoos e mantendo o tônus necessário para seu funcionamento normal O SRAA se origina no tronco cerebral e sua ação se estende até o córtex por meio de projeções talâmicas Elementos do SRAA particularmente importantes para a ativação cortical são os neurônios da parte superior da ponte e os do mesencéfalo Tais neurônios recebem impulsos da maioria das vias ascendentes as quais trazem estímulos intrínsecos proprioceptivos e viscerais e extrínsecos órgãos dos sentidos visão audição tato paladar e olfato Lesões ou disfunções no SRAA produzem alterações do nível de consciência e prejuízo a todas as funções psíquicas Embora a importância do SRAA para o nível de consciência seja aceita até hoje sabese atualmente que várias estruturas mais altas do telencéfalo têm também participação crítica na gênese do nível de consciência Verificouse por exemplo que a ação sincrônica de numerosas áreas corticais visuais que contêm amplas redes neuronais bidirecionais é uma précondição para a visão consciente É de fundamental importância para a atividade mental consciente a atividade do lobo parietal direito o qual está intimamente relacionado ao reconhecimento do próprio corpo dos objetos e do mundo assim como da apreensão daquilo que convencionalmente se denomina realidade Também as áreas préfrontais são fundamentais na organização da atividade mental consciente Por fim reconhecese a importância das interações talamocorticais na ativação e na integração da atividade neuronal cortical relacionada à consciência Zeman Grayling Cowey 1997 Nos anos de 1990 o cientista Francis Crick que formulou com James Watson a tese do DNA como dupla hélice também propôs juntamente com o neurocientista Cristof Koch uma hipótese original para dar conta das atividades mentais conscientes mediadas pelo nível de consciência Eles propuseram que as atividades mentais conscientes emergiriam relacionadas aos disparos sincronizados dos neurônios do tálamo e das camadas quatro e seis do córtex cerebral em ritmo de 40 vezes por segundo Apesar do caráter ambicioso da proposta de Crick e Koch 1998 a maioria dos neurocientistas concorda que é extremamente difícil encontrar os correlatos neuronais da emergência dessa experiência humana chamada atividade mental consciente Estão relacionados a alterações do nível da consciência na síndrome denominada delirium que veremos adiante as regiões do córtex parietal posterior direito superficial o córtex préfrontal bilateral o córtex fusiforme ventromedial temporoparietal o giro lingual o tálamo anterior direito e os núcleos da base Também têm sido reconhecidas as conexões talamofrontais e temporolímbicas frontais em nível subcortical como importantes na gênese dos quadros de delirium Trzepacz Meagher Wise 2006 Assim podese concluir que além do SRAA também o tálamo e as regiões do córtex parietal direito e préfrontal direito têm importância estratégica para o funcionamento da consciência sobretudo no seu aspecto de nível de consciência O tálamo é uma estrutura posicionada singularmente no centro do cérebro para filtrar integrar e regular as informações que chegam ao córtex cerebral dados que partem da periferia do organismo e meio externo e se dirigem ao córtex cerebral O tálamo é extensiva e reciprocamente interligado a todas as áreas do córtex cerebral de forma que uma pequena lesão talâmica pode produzir graves alterações do nível de consciência como por exemplo o delirium Trzepacz Meagher Wise 2006 Por fim devese ressaltar a importância das estruturas encefálicas do lado direito parietais frontais e mesmo talâmicas na origem dos transtornos da consciência CAMPO DA CONSCIÊNCIA Ao voltarse para a realidade a consciência demarca um campo no qual se pode delimitar um foco ou parte central mais iluminada da consciência e uma margem franja ou umbral que seria sua periferia menos iluminada mais nebulosa Segundo a psicopatologia clássica é na margem da consciência que surgem os chamados automatismos mentais e os estados ditos subliminares O inconsciente Agora porém o caminho é escuro Passamos da consciência para a inconsciência onde se faz a elaboração confusa das ideias onde as reminiscências dormem ou cochilam Aqui pulula a vida sem formas os gérmens e os detritos os rudimentos e os sedimentos é o desvão imenso do espírito Machado de Assis 1896 O conceito de inconsciente dinâmico e determinante da vida psíquica é um dos pilares mais importantes da psicanálise e da psicopatologia dinâmica com base na psicanálise Já no fim do século XIX Freud e Breuer 1895 pesquisando com a hipnose os conteúdos esquecidos reprimidos de seus pacientes verificaram que certas ideias que surgiam em estado hipnótico eram intensas mas isoladas da comunicação associativa com o restante do conteúdo da consciência organizandose então como uma segunda consciência Perceberam que em pacientes histéricos os atos podem ser regidos por essa outra vontade que não a consciente Freud chegou à conclusão ao longo de suas investigações de que existem duas classes de inconsciente o verdadeiro inconsciente e o inconsciente pré consciente O primeiro é fundamentalmente incapaz de consciência Já o pré consciente é composto por representações ideias e sentimentos suscetíveis de recuperação por meio de esforço voluntário fatos lembranças ideias que esquecemos deixamos de lado mas que podemos a qualquer hora evocar voluntariamente Por sua vez o inconsciente verdadeiro é muito diferente inacessível à evocação voluntária só tem acesso à via préconsciente e apenas por meio de uma técnica especial hipnose psicanálise etc pode tornarse consciente A rigor para Freud o inconsciente verdadeiro só se revela por meio de subprodutos que surgem na consciência as chamadas formações do inconsciente os sonhos os atos falhos os chistes e os sintomas neuróticos Em seu verbete sobre psicanálise na Enciclopédia Britânica Freud 19261994 p 104105 aproxima o inconsciente ao conjunto de conteúdos recalcados excluídos da consciência Chamamos então essas tendências de recalcadas Elas permanecem inconscientes e se o médico tenta trazêlas à consciência do paciente provoca resistência Esses impulsos instintivos recalcados não têm contudo seu poder anulado por esse processo Em muitos casos conseguem fazer sentir sua influência por caminhos tortuosos e a satisfação indireta ou substitutiva de impulsos recalcados é o que cria os sintomas neuróticos Características funcionais do inconsciente Para Freud o inconsciente é bem mais do que um simples estado mental fora da consciência Ele é embora obscuro a estrutura mental mais importante do psiquismo humano Segundo Freud o sistema inconsciente funciona regido pelo princípio do prazer por meio do processo primário em forma de condensação e deslocamento É também isento de contradições mútuas e não apresenta referência ao tempo Explicando melhor Atemporalidade No inconsciente não existe tempo ele é atemporal Os processos inconscientes não são ordenados temporalmente não se alteram com a passagem do tempo não têm qualquer referência ao tempo Não existe aqui passado presente ou futuro Isenção de contradição No sistema inconsciente não há lugar para negação ou dúvida nem graus diversos de certeza ou incerteza Tudo é absolutamente certo afirmativo Princípio do prazer O funcionamento do inconsciente não segue as ordens da realidade submetese apenas ao princípio do prazer Toda a atividade inconsciente visa evitar o desprazer e proporcionar o prazer independentemente de exigências éticas ou realistas A busca do prazer se dá por meio da descarga das excitações diminuindose ao máximo a carga de excitações no aparelho psíquico Processo primário As cargas energéticas catexias acopladas às representações psíquicas às ideias são totalmente móveis Uma ideia pode ceder a outra toda sua cota de energia processo de deslocamento ou apropriarse de toda a energia de várias outras processo de condensação Caráter dinâmico do inconsciente O sentido dinâmico não designa apenas o inconsciente como sede de ideias latentes em geral mas especialmente como sede daquelas que têm certo caráter dinâmico e atuante O inconsciente é dinâmico segundo Freud na medida em que exerce uma ação permanente sobre a vida psíquica Do ponto de vista clínico esse caráter dinâmico verificase simultaneamente pelo fato de encontrarmos uma resistência para chegarmos ao inconsciente e pela produção renovada de derivados do recalcado Laplanche Pontalis 1986 ALTERAÇÕES NORMAIS DA CONSCIÊNCIA Ritmos circadianos 1 2 3 4 1 2 3 4 5 As alterações normais da consciência ocorrem no contexto dos chamados ritmos circadianos Segundo definição do RDoC os ritmos circadianos são oscilações endógenas autossustentadas do ritmo biológico no período de um dia de 24 horas que inclui centralmente as oscilações do nível de consciência da vigília e do sono as quais nesse intervalo organizam a temporalidade dos sistemas biológicos do organismo e otimizam a fisiologia o comportamento e a saúde Quanto às suas propriedades os ritmos circadianos segundo o RDoC são sincronizados por pistas ambientais recorrentes como o nível de luminosidade permitem respostas eficientes perante os desafios e oportunidades no ambiente físico e social modulam a homeostase interna do cérebro assim como de outros sistemas como demais órgãos e tecidos se expressam em vários níveis do funcionamento do organismo desde o molecular celular órgãos e circuitos orgânicos até sistemas sociais aos quais o indivíduo pertence Sono O RDoC define sono e vigília wakefulness como estados comportamentais endógenos e recorrentes que expressam mudanças dinâmicas na organização da função cerebral e que otimizam aspectos como fisiologia comportamento e saúde Processos circadianos do período de um dia de 24 horas homeostáticos regulam a propensão do organismo à vigília e ao sono O sono se caracteriza por ser um estado reversível tipicamente expresso pela postura de repouso comportamento quieto e redução da responsividade ter uma arquitetura neurofisiológica complexa com estados cíclicos de sono não REM e de sono REM tendo tais estados substratos neuronais distintos neurotransmissores moduladores circuitos específicos e propriedades oscilatórias do eletrencefalograma EEG ter duração e intensidade dos seus vários períodos afetadas por mecanismos de regulação homeostáticos ser afetado por experiências ocorridas durante a vigília ter efeitos restauradores e transformadores que otimizam funções neurocomportamentais da vigília Podese portanto descrever o sono como um estado especial da consciência que ocorre de forma recorrente e cíclica nos organismos superiores AyalaGuerrero 1994 É também ao mesmo tempo um estado comportamental e uma fase fisiológica normal e necessária do organismo Dividemse as fases do sono em duas o sono sincronizado sem movimentos oculares rápidos sono não REM e o sono dessincronizado com movimentos oculares rápidos rapid eye movements sono REM Aloé Azevedo Hasan 2005 O sono sincronizado não REM caracterizase por atividade elétrica cerebral síncrona com elementos eletrencefalográficos próprios como os fusos do sono os complexos K e as ondas lentas de grande amplitude Há nesse tipo de sono diminuição da atividade do sistema nervoso autônomo simpático e aumento relativo do tônus do sistema nervoso autônomo parassimpático permanecendo vários parâmetros fisiológicos estáveis em um nível de funcionamento mínimo como as frequências cardíaca e respiratória a pressão arterial o débito cardíaco e os movimentos intestinais Durante o sono não REM ocorrem quatro estágios Irwin 2015 Estágio 1 mais leve e superficial com atividade regular do EEG de baixa voltagem de 4 a 6 ciclos por segundo 25 do tempo total de sono Estágio 2 um pouco menos superficial com traçado do EEG revelando aspecto fusiforme de 13 a 15 ciclos por segundo fusos do sono e algumas espículas de alta voltagem denominadas complexos K 4555 do tempo total de sono Estágio 3 sono mais profundo com traçado do EEG mais lentificado com ondas delta atividade de 05 a 25 ciclos por segundo ondas de alta voltagem 38 do tempo total de sono Estágio 4 estágio de sono mais profundo com predomínio de ondas delta e traçado bem lentificado É mais difícil de despertar alguém nos estágios 3 e 4 podendo o indivíduo apresentarse confuso ao ser despertado 1015 do tempo total de sono O sono REM por sua vez não se encaixa em nenhuma dessas quatro fases Sua duração total em uma noite perfaz de 20 a 25 do tempo total de sono É um estágio peculiar cujo padrão do EEG é semelhante ao do Estágio 1 do não REM O sono REM não é entretanto um sono leve tampouco profundo mas um tipo de sono qualitativamente diferente Caracterizase por instabilidade no sistema nervoso autônomo simpático com variações das frequências cardíaca e respiratória da pressão arterial do débito cardíaco e do fluxo sanguíneo cerebral No sono REM há um padrão de movimentos oculares rápidos e conjugados movimentos oculares sacádicos bem como um relaxamento muscular profundo e generalizado atonia muscular interrompido esporadicamente por contrações de pequenos grupos musculares como os dos olhos Além de irregularidade das frequências cardíaca e respiratória e da pressão sanguínea ocorrem ereções penianas totais e parciais É durante o sono REM que ocorre a maior parte dos sonhos e em 60 a 90 das vezes se o indivíduo for despertado durante a fase REM relatará que estava sonhando Durante o sono REM dáse a ativação das vias neuronais que ligam o tronco cerebral ao córtex occipital ie a área da visão são as chamadas ondas ponto genículooccipitais Tal ativação cerebral das áreas occipitais se relaciona ao caráter visual dos sonhos como será visto adiante Em uma noite normal de sono as fases não REM e REM se repetem de forma cíclica a cada 70 a 110 minutos com 4 a 6 ciclos completos por noite O sono se inicia com o tipo não REM havendo a sucessão dos Estágios de 1 a 4 O primeiro período REM que geralmente é bem curto ocorre cerca de 70 a 120 minutos após o indivíduo adormecer Ao longo da noite os períodos REM vão se tornando mais frequentes e prolongados desaparecendo os Estágios 3 e 4 A maior quantidade de sono REM ocorre no último terço da noite geralmente de madrugada das 4 às 7h da manhã momento em que a maioria das pessoas mais sonha O Estágio 4 de forma oposta ocorre predominantemente no primeiro terço da noite Tavares Aloé 1998 Pessoas com depressão grave e narcolepsia podem ter a latência adormecimentoprimeiro sono REM bastante diminuída implicando geralmente uma inversão da arquitetura do sono O sono normal Várias estruturas neuronais têm sido relacionadas com o controle dos estados de vigília e de sonos não REM e REM De fundamental importância na regulação fisiológica do sono é o núcleo supraquiasmático localizado no hipotálamo anterior Além dele são também fundamentais estruturas como a glândula pineal que secreta melatonina e funciona como oscilador que controla o ritmo sonovigília no período de 24 horas os sistemas reticulares mesencefálicos e bulbares e os geradores de sono REM localizados na ponte Quimicamente neurônios aminérgicos colinérgicos e histaminérgicos estão envolvidos de forma mais estreita nos mecanismos neuronais do sono Tavares Aloé 1998 O sonho O sonho fenômeno associado ao sono pode ser considerado uma alteração normal da consciência É sem dúvida uma experiência humana fascinante e enigmática Hobson 2002 Domhoff 2003 Nas mais diversas sociedades ao longo da história ele tem exercido grande curiosidade sendo interpretado das mais diversas formas No século XIX tomouse o sonho como modelo da loucura pois para o francês Moreau de Tours 18041884 a loucura é o sonho do homem acordado uma espécie de invasão da vigília pela atividade onírica Também o antropólogo inglês Edward Burnett Tylor 18321917 formulou a hipótese de que o sonho com suas visões arrebatadoras seria a experiência humana que teria dado origem à crença em seres espirituais e posteriormente às religiões Apesar de essas teorias terem sido abandonadas o sonho permanece como uma experiência intrigante a ser desvendada Para o escritor Gérard de Nerval 18081855 o sonho é um modelo fértil para o entendimento da condição humana Em seu romance Aurélia 1855 1999 p17 ele diz O sonho é uma segunda vida Não posso passar sem um frêmito por estas portas de marfim ou córneas que nos separam do mundo invisível Os primeiros instantes do sono são a imagem da morte um entorpecimento nebuloso toma nosso pensamento e não podemos determinar o instante preciso em que o eu sob outra forma continua o trabalho de existir É um subterrâneo vago que se aclara aos poucos e onde saem da sombra e da noite as pálidas figuras gravemente imóveis que habitam a morada dos limbos Os modernos laboratórios de sono com a polissonografia do sono EEG eletroculograma eletromiograma de superfície da região submentoniana e outros registros fisiológicos têm demonstrado que ao contrário do que se pensava no passado sonhar não é algo raro infrequente para uma excelente revisão sobre o sonho e o cérebro ver Nir Tononi 2010 A maioria das pessoas sonha várias vezes durante uma noite apenas não se lembra da maior parte pois se acordarem ou forem despertadas após mais de oito minutos de um sono REM durante o qual sonharam não se lembrarão mais do conteúdo do sonho Oliveira Amaral 1997 Os sonhos são vivências predominantemente visuais sendo rara a ocorrência de percepções auditivas olfativas ou táteis Isso se relaciona às ondas ponto genículooccipitais que ativam as áreas corticais visuais do lobo occipital durante sua ocorrência Nir Tononi 2010 Em sonhos eróticos podem ocorrer sensações de orgasmo Pessoas cegas de nascença geralmente relatam sonhos com sensações corporais e de movimento mas obviamente sem o caráter visual das pessoas que enxergam Os significados dos conteúdos dos sonhos permanecem controvertidos As diversas culturas tendem a interpretálos a partir de seus símbolos crenças religiosas e valores próprios geralmente tomandoos como mensagens divinas ou demoníacas No ano de 1900 Freud publicou um de seus mais importantes trabalhos A interpretação do sonho Nessa obra ele busca demonstrar que o sonho não é nem um produto aleatório e sem sentido de um cérebro em condições alteradas de funcionamento nem um mensageiro de recados do além O sonho é um fenômeno psicológico extremamente rico e revelador de desejos e temores ainda que de forma indireta e disfarçada Enfim para ele o conteúdo do sonho tem um sentido Ao descrever o que chamou de trabalho do sonho Freud afirma que tal trabalho transforma os conteúdos latentes inconscientes do sonho original em conteúdos manifestos conscientes do sonho lembrado Isso se dá por meio da condensação fusão de duas ou mais representações do deslocamento passagem da energia de uma representação a outra representação e da figurabilidade desejos transformamse em imagens visuais Esses três mecanismos servem para disfarçar o desejo reprimido inconsciente possibilitando seu acesso à consciência ainda que com deformações e restrições pois existe a censura entre as duas instâncias inconsciente e conscientepré consciente Dessa forma para Freud o sonho é uma solução de compromisso o resultado de uma intensa negociação entre o inconsciente que visa expulsar forçar os desejos para a consciência e o consciente que visa impedir que tais desejos inconscientes surjam ALTERAÇÕES PATOLÓGICAS DA CONSCIÊNCIA A consciência pode se alterar tanto por processos fisiológicos normais como por processos patológicos A seguir são apresentados os quadros patológicos de alteração da consciência Alterações patológicas quantitativas da consciência rebaixamento do nível de consciência Em diversos quadros neurológicos e psicopatológicos o nível de consciência diminui de forma progressiva desde o estado normal vígil desperto até o estado de coma profundo no qual não há qualquer resquício de atividade consciente Os diversos graus de rebaixamento da consciência Ramos Jr 1986 são 1 obnubilação 2 torpor 3 sopor e 4 coma Examinemolos com mais detalhes 1º grau obnubilação turvação da consciência ou sonolência patológica leve Tratase do rebaixamento da consciência em grau leve a moderado À inspeção inicial o paciente pode já estar claramente sonolento ou parecer desperto o que pode dificultar o diagnóstico desse estado De qualquer forma há sempre diminuição do grau de clareza do sensório com lentidão da compreensão e dificuldade de concentração Notase que o indivíduo tem dificuldade para integrar as informações sensoriais oriundas do ambiente Assim mesmo não se notando a sonolência do paciente de forma evidente observase nos quadros de obnubilação que a pessoa se encontra um tanto perplexa com a compreensão dificultada podendo o pensamento que expressa revelar confusão mental No geral o indivíduo diminui a atenção para as solicitações externas dirigindose para a sonolência Já se pode observar alguma lentificação do traçado eletrencefalográfico 2º grau torpor é um grau mais acentuado de rebaixamento da consciência O paciente está evidentemente sonolento responde ao ser chamado apenas de forma enérgica e depois volta ao estado de sonolência evidente A resposta aos estímulos externos quando solicitado energicamente é mais curta do que nos estados de obnubilação mas menos frustra que no estado de sopor Na obnubilação e no torpor o paciente pode ainda apresentar traços de crítica e pudor tentando cobrir as partes íntimas de seu corpo com o cobertor quando em uma enfermaria ou emergência de hospital No sopor e no coma tal pudor e crítica da situação não existe mais estando o indivíduo totalmente indiferente à exposição de partes íntimas o que deve ser evitado sempre que possível em respeito à pessoa 3º grau sopor é um estado de marcante e profunda turvação da consciência de sonolência intensa da qual o indivíduo pode ser despertado apenas por um tempo muito curto por estímulos muito enérgicos do nível de uma dor intensa Nesse momento o paciente pode revelar fácies de dor e ter alguma gesticulação de defesa Retorna então muito rapidamente em segundos à quase ausência de atividade consciente Portanto aqui ele sempre se mostra intensamente sonolento quase em coma Embora ainda possa apresentar reações de defesa muito esporádicas é incapaz de qualquer ação espontânea A psicomotricidade encontrase mais inibida do que nos estados de obnubilação e de torpor O traçado eletrencefalográfico achase global e marcadamente lentificado podendo surgir as ondas mais lentas do tipo delta e teta 4º grau coma é a perda completa da consciência o grau mais profundo de rebaixamento de seu nível No estado de coma não é possível qualquer atividade voluntária consciente Além da ausência de qualquer indício de consciência os seguintes sinais neurológicos podem ser verificados movimentos oculares errantes com desvios lentos e aleatórios nistagmo transtornos do olhar conjugado anormalidades dos reflexos oculocefálicos cabeça de boneca e oculovestibular calórico e ausência do reflexo de acomodação Além disso dependendo da topografia e da natureza da lesão cerebral podem ser observadas rigidez de decorticação ou de decerebração anormalidades difusas ou focais do EEG com lentificações importantes e presença de ondas patológicas Os graus de intensidade de coma são classificados de I a IV I semicoma II coma superficial III coma profundo e IV coma dépassé Perdas abruptas da consciência Vários fatores e condições médicas eou psicopatológicas podem produzir a perda abrupta da consciência Tal perda pode ser causada por fatores emocionais neurofuncionais ou orgânicos de diversas naturezas Podem também ser rapidamente reversíveis ou irreversíveis indicando quadros orgânicos mais graves As perdas abruptas e transitórias duram geralmente segundos a minutos da consciência recebem várias denominações médicas e populares lipotimia síncope desmaios e perdas da consciência de outra natureza Ramos Jr 1986 Bickley Szilagyi 2013 A lipotimia se caracteriza por perda parcial e rápida da consciência dura apenas segundos geralmente com visão borrada palidez da face suor frio vertigens e perda parcial e momentânea do tônus muscular dos membros com ou sem queda do corpo ao chão A pessoa tem a sensação desagradável de que vai desmaiar A lipotimia é rápida e completamente reversível Às vezes utiliza se o termo lipotimia para descrever a fase inicial da síncope A síncope designa um colapso bem súbito com perda abrupta e completa da consciência perda total do tônus muscular com queda completa ao chão O mecanismo básico é a instalação rápida de irrigação cerebral insuficiente por causas diversas A síncope pode ou não ser reversível dependendo dos fatores causais envolvidos O termo desmaio é uma designação não médica da linguagem comum que geralmente significa uma perda abrupta da consciência Corresponde de forma genérica aos termos médicos síncope ou lipotimia O Quadro 121 apresenta um resumo didático das condições que mais frequentemente produzem perdas abruptas da consciência Quadro 121 Perdas abruptas da consciência síncopes lipotimias desmaios TIPO POSIÇÃO FÍSICA DO PACIENTE MANIFESTAÇÕES PRODRÔMICAS PREDISPONENTES PRECIPITANTES RECUPERAÇÃO MECANISMO CAUSAL Hipotensão ortostática Ocorre de forma rápida quando a pessoa se levanta e a pressão arterial cai Geralmente nenhuma Costuma ocorrer em ambientes quentes e úmidos Pressão baixa uso de drogas vasodilatadoras anti hipertensivos neuropatia Parkinson Levantarse da posição deitada ou sentada de forma abrupta Recuperação rápida quando a pessoa é colocada em posição deitada Reflexo vasoconstritor inadequado com congestão venosa e do fluxo cerebral Hipoglicemia Ocorre com o paciente em qualquer posição Tremores sudorese palpitações fome dor de cabeça confusão mental Uso de insulina dieta com baixa caloria Muito variável mas frequente em períodos de jejum Variável depende da gravidade da hipoglicemia e de haver tratamento adequado Nível baixo de glicose no sangue para manter o metabolismo cerebral Síncope vasovagal Após súbita inesperada e desagradável visão som cheiro ou dor Geralmente ocorre quando o paciente está em pé mas pode ocorrer quando está sentado Palidez notável fraqueza inquietação náusea salivação sudorese Cansaço fome ambiente quente e úmido Emoções fortes medo susto ou dor Mais comum após ver ou ouvir cheirar algo intensamente desagradável ou assustador Retorno rápido à consciência quando deitado podendo persistir um pouco de palidez fraqueza e náusea Vasodilatação periférica abrupta especialmente nos músculos sem o cardíaco compensatório havendo então do fluxo cerebral Hipocapnia por hiperventilação A consciência é mantida durante todo o episódio pode haver apenas rápida turvação Ocorre com o paciente em qualquer posição Desconforto respiratório dispneia palpitações formigamento das mãos e dos lábios Ansiedade geralmente intensa Ansiedade crises de pânico Recuperação lenta após parar a hiperventilação Constrição de vasos cerebrais provocada por queda de CO2 hipocapnia devido a hiperventilação Síncopes por condições cardíacas Ocorrem com o paciente em qualquer posição Nenhuma ou dor torácica dispneia Doenças cardíacas doença coronariana trombose venosa profunda TVP Variável Podem ocorrer durante ou após atividade física intensa Variável depende da demora para o diagnóstico da gravidade e de haver tratamento adequado Arritmias infarto do miocárdio embolia pulmonar grave etc Crise dissociativa abrupta e curta Paciente pode cair ao chão mas geralmente sem se machucar Movimentos bizarros Muito variável A crise tende a ocorrer na presença de outras pessoas significativas para o paciente Traços de personalidade histriônica pessoa muito sugestionável instabilidade emocional Situações estressantes brigas conjugais ou familiares discussões notícias ruins Muito variável pode durar minutos a horas e a consciência pode flutuar nesse período A crise pode ser a expressão simbólica de algo inaceitável por meio da linguagem corporal Crises convulsivas epilepsia Ocorrem com o paciente em qualquer posição A pessoa pode urinar durante a crise Pode haver rápida aura epiléptica com automatismos e sensações estranhas Muito variável Período pré menstrual privação de sono uso de bebida alcoólica etc Geralmente não se identificam Pode haver febre uso de drogas que baixam o limiar convulsivo Recuperação lenta Pode haver cefaleia tontura sonolência confusão fadiga dor muscular Despolarização de áreas do córtex cerebral produzem as crises epilépticas de vários tipos Síncope por tosse intensa Ocorre com o paciente em qualquer posição Nenhuma exceto a tosse intensa Bronquite crônica em uma pessoa musculosa Tosse paroxística intensa Recuperação rápida Mediada por fatores neuronais possivelmente estímulo vagal Síncope por micção defecação deglutição ou dor visceral Na posição de urinar ou defecar Nenhuma Nictúria geralmente em pessoa idosa ou homem adulto Urinar ou defecar após ter levantado da cama para isso Recuperação rápida Estímulo vagal intenso Adaptado e modificado de Bickley e Szilagyi 2013 As crises epilépticas são de muitos tipos diferentes pensouse aqui principalmente em crises convulsivas tônicoclônicas Síndromes psicopatológicas associadas ao rebaixamento prolongado do nível de consciência Delirium ver também o tema no capítulo Transtornos neurocognitivos Delirium é o termo atual mais adequado para designar a maior parte das síndromes confusionais agudas o termo paciente confuso muito usado em serviços de emergência e enfermarias médicas referese a tais síndromes confusionais ou seja ao delirium Cabe ressaltar que esses termos síndrome confusional e paciente confuso dão ênfase ao aspecto confuso do pensamento e do discurso do paciente fala incongruente com conteúdos absurdos e sem articulação lógica um dos traços do delirium mas não necessariamente o mais importante ou mais frequente Daí a opção preferencial de se utilizar o termo delirium em vez de síndrome confusional O delirium é uma das síndromes mais frequentes na prática clínica diária principalmente em pacientes com doenças somáticas emergências e enfermarias médicas e geriátricas e idade avançada Trzepacz Meagher Wise 2006 O delirium diz respeito portanto aos vários quadros com rebaixamento leve a moderado do nível de consciência acompanhados de desorientação temporoespacial dificuldade de concentração perplexidade ansiedade em graus variáveis agitação ou lentificação psicomotora discurso ilógico e confuso e ilusões eou alucinações quase sempre visuais Tratase de um quadro que oscila muito ao longo do dia Geralmente o paciente está com o sensório claro pela manhã e no início da tarde o nível de consciência afunda piorando no fim da tarde e à noite Podem surgir então ilusões e alucinações visuais bem como intensificarse a desorientação e a confusão do pensamento e do discurso com a possibilidade de haver também agitação psicomotora e sudorese Não se deve confundir delirium quadro sindrômico causado por alteração do nível de consciência em pacientes com distúrbios cerebrais agudos com o termo delírio ideia delirante alteração do juízo de realidade encontrada principalmente em psicóticos esquizofrênicos ou em outras psicoses Outras síndromes com rebaixamento prolongado do nível de consciência próximas ao delirium Estado onírico ou oniroide état oniroide dreamlike state oneiroider Zustand é o termo da psicopatologia clássica MayerGross 1924 para designar uma alteração da consciência na qual paralelamente à turvação da consciência o indivíduo entra em um estado semelhante a um sonho muito vívido Peters 1984 Em geral predomina a atividade alucinatória visual intensa com caráter cênico e fantástico A pessoa vê cenas complexas ricas em detalhes às vezes 1 terríficas com lutas matanças fogo assaltos sangue etc Há carga emocional marcante na experiência onírica com angústia terror ou pavor O doente manifesta esse estado onírico angustioso gritando movimentando se debatendose na cama e apresentando às vezes sudorese profusa Há geralmente amnésia consecutiva ao período em que o doente permaneceu nesse estado onírico Tal estado ocorre com mais frequência devido a psicoses tóxicas síndromes de abstinência de substâncias com maior frequência no delirium tremens e quadros febris tóxicoinfecciosos Alguns autores descrevem estados oníricos em pacientes com psicose esquizofrenia mania e depressão psicóticas mas nessa acepção o termo não tem sido mais utilizado Na prática o estado onírico ou estado tiposonho tem sido cada vez mais absorvido pela categoria ampla do delirium O termo amência era utilizado na psiquiatria clássica Meynert 1890 para designar quadros mais ou menos intensos de confusão mental por rebaixamento do nível de consciência com excitação psicomotora marcada incoerência do pensamento perplexidade e sintomas alucinatórios com aspecto de sonho oniroide Peters 1984 Assim como para o estado onírico atualmente se tende a designar a amência com o termo delirium Alterações qualitativas da consciência Além dos diversos estados de redução global do nível de consciência a observação psicopatológica registra uma série de estados alterados da consciência nos quais se tem mudança parcial ou focal do campo da consciência Uma parte do campo da consciência está preservada normal e outra alterada De modo geral há quase sempre nessas alterações qualitativas algum grau de rebaixamento mesmo que mínimo do nível de consciência Sims 1995 Tratase de uma área muito controversa da semiologia psiquiátrica e da psicopatologia Os neurologistas tendem a denominar tais alterações de distúrbios focais ou do conteúdo da consciência enquanto os psiquiatras as definem como alterações qualitativas da consciência Têmse então as seguintes alterações qualitativas da consciência Estados crepusculares état crepusculaire twilight state Dämmerzustand Consistem em um estado patológico transitório no qual uma obnubilação leve da consciência mais ou menos perceptível é acompanhada de relativa conservação da atividade motora coordenada Porot 1967 Nos estados 2 crepusculares há portanto estreitamento transitório do campo da consciência e afunilamento da consciência que se restringe a um círculo de ideias sentimentos ou representações de importância particular para o sujeito acometido com a conservação de uma atividade psicomotora global mais ou menos coordenada permitindo a ocorrência dos chamados atos automáticos Peters 1984 O estado crepuscular caracterizase por surgir e desaparecer de forma abrupta e ter duração variável de poucos minutos ou horas a algumas semanas Sims 1995 Durante esse estado ocorrem com certa frequência atos explosivos violentos e episódios de descontrole emocional podendo haver implicações legais de interesse à psicologia e à psiquiatria forense Geralmente ocorre amnésia lacunar para o episódio inteiro podendo o indivíduo se lembrar de alguns fragmentos isolados Os estados crepusculares foram descritos classicamente como associados à epilepsia relacionados à turvação da consciência após uma crise ou a alterações pré ictais ou ictais mas também podem ocorrer em intoxicações por álcool ou outras substâncias após traumatismo craniano em quadros dissociativos histéricos agudos e eventualmente após choques emocionais intensos Peters 1984 Estado segundo Estado patológico transitório semelhante ao estado crepuscular caracterizado por uma atividade psicomotora coordenada a qual entretanto permanece estranha à personalidade do sujeito acometido e não se integra a ela Com certa frequência alguns autores utilizam os termos estado segundo e estado crepuscular de forma indistinta ou intercambiável Em geral atribuise ao estado segundo uma natureza mais psicogenética sendo produzido por fatores emocionais choques emocionais intensos Já ao estado crepuscular são conferidas causas mais frequentemente orgânicas confusão pósictal intoxicações traumatismo craniano etc Os atos cometidos durante o estado segundo são geralmente incongruentes extravagantes em contradição com a educação as opiniões ou a conduta habitual do sujeito acometido mas quase nunca são realmente graves ou perigosos como no caso dos estados crepusculares Porot 1967 Do ponto de vista do mecanismo produtor da alteração o estado segundo se aproxima mais da dissociação da consciência do que do estado crepuscular 3 4 Dissociação da consciência Tal expressão designa a fragmentação ou a divisão do campo da consciência ocorrendo perda da unidade psíquica comum do ser humano O termo dissociação pode cobrir não apenas a consciência como também a memória a percepção a identidade e o controle motor KrauseUtz et al 2017 Neste livro entretanto optamos por utilizar a noção de dissociação centrando nas alterações da consciência A dissociação da consciência ocorre com mais frequência nos quadros anteriormente chamados histéricos crises histéricas de tipo dissociativo Nessas situações observase dissociação da consciência um estado semelhante ao sonho ganhando o caráter de estado onírico em geral desencadeada por acontecimentos psicologicamente significativos conscientes ou inconscientes que produzem grande ansiedade para o paciente Essas crises duram de minutos a horas raramente permanecendo por dias Alguns pacientes têm crises ou estados dissociativos agudos que se iniciam com queda ao chão abalos musculares e movimentação do corpo semelhante à crise convulsiva da epilepsia Nesses casos designase tal crise como crise pseudoepiléptica em relação à crise epiléptica verdadeira A dissociação da consciência pode ocorrer também em quadros de ansiedade intensa independentemente de se tratar de paciente com personalidade histriônica ou traços histéricos sendo a dissociação então vista como uma estratégia defensiva inconsciente ie sem a deliberação voluntária plena para lidar com a ansiedade muito intensa o indivíduo desliga da realidade para parar de sofrer Quadros dissociativos são também frequentes em pessoas com o diagnóstico de transtorno da personalidade borderline Transe Estado de alteração qualitativa da consciência que se assemelha a sonhar acordado diferindo disso porém pela presença em geral de atividade motora automática e estereotipada acompanhada de suspensão parcial dos movimentos voluntários O estado de transe ocorre sobretudo em contextos religiosos e culturais espiritismo kardecista religiões afrobrasileiras e religiões evangélicas pentecostais e neopentecostais O transe dito extático pode ser induzido por treinamento místicoreligioso ocorrendo geralmente a sensação de fusão do eu com o universo Não se deve confundir o transe religioso culturalmente contextualizado e sancionado com o chamado transe histérico que é um 5 estado dissociativo da consciência relacionado frequentemente a conflitos interpessoais e alterações psicopatológicas Os estados de transe e possessão culturalmente contextualizados e sancionados são fenômenos muito difundidos nas várias culturas em todo o mundo vistos na atualidade como um recurso religioso e sociocultural que permite às pessoas sobretudo às mulheres lidar com as dificuldades da vida por meio de estratégias religiosas socialmente legitimadas Estado hipnótico É um estado de consciência reduzida e estreitada e de atenção concentrada que pode ser induzido por outra pessoa hipnotizador Tratase de um estado de consciência semelhante ao transe no qual a sugestionabilidade do indivíduo está aumentada e sua atenção concentrada no hipnotizador Nesse estado podem ser lembradas cenas e fatos esquecidos e podem ser induzidos fenômenos como anestesia paralisias rigidez muscular alterações vasomotoras Não há nada de místico ou paranormal na hipnose É apenas uma técnica refinada de concentração da atenção e de alteração induzida do estado da consciência Outras alterações da consciência Perplexidade patológica perplexidade como experiência psicopatológica A experiência mental de perplexidade difusa e intensa diante do ambiente relatada por alguns psicopatólogos p ex Carl Wernicke Gustav E Störring Louis A Sass Josef Parnas é com frequência observada em pacientes com quadros psicopatológicos agudos e graves sobretudo em fases agudas das psicoses É discutível se o sintoma perplexidade patológica deve ser apresentado neste capítulo de consciência ou se ficaria melhor nos capítulos de vivências do tempo e do espaço ou no de afetividade Humpston Broome 2016 Perplexidade no contexto psicopatológico é definida como a perda de uma sensação de naturalidade na experiência comum e óbvia do dia a dia perda de uma certa autoevidência do ambiente e seus objetos Na experiência comum normal sentome no sofá de minha casa olho a mesa os quadros as janelas tudo é natural de uma realidade autoevidente Na perplexidade como experiência psicopatológica a pessoa sente uma estranheza inquietante uma sensação de incapacidade de captar o significado comum das coisas pessoas e acontecimentos O psicopatólogo alemão Gustav E Störring 19032000 por sua vez define perplexidade como experiência psicopatológica como a consciência opressiva que o indivíduo sente relacionada a sua incapacidade para perceber e compreender sua situação sua experiência presente interna e externa Störring 1939 Tal consciência de estranhamento é difícil mesmo de ser comunicada pela pessoa acometida Notamos ao examinar o paciente com perplexidade patológica sua atitude de estranhar o ambiente de forma radical O olhar e a face perplexa com certa angústia e incerteza transmitem para nós essa experiência de não captar com naturalidade o ambiente A perplexidade psicopatológica é experimentada geralmente em quadros psicóticos agudos sobretudo nos primeiros dias do episódio podendo ocorrer em quadros psicóticos esquizofrênicos ou em transtornos do humor depressão ou mania com sintomas psicóticos Nas psicoses breves quadros psicóticos mais reativos e agudos também se observa com considerável frequência tal experiência de perplexidade como experiência psicopatológica Quadro 122 Semiotécnica da consciênciaI Lembrar que qualquer alteração do nível de consciência repercute no funcionamento global do psiquismo O nível de consciência deve ser averiguado no início da avaliação do paciente Observar a fácies e a atitude do paciente e se possível notar se ele está desperto levemente sonolento ou claramente sonolento Notar se o paciente está perplexo com dificuldade de integrar coerentemente os estímulos ambientais se a atenção está diminuída e a concentração prejudicada Lembrar que é por meio da orientação sobretudo temporoespacial que muitas vezes se verifica a alteração no nível de consciência Perguntar sobre dia da semana do mês em que mês e ano estamos e aproximadamente que horas são no momento Teste da parede ou do papel branco pedir ao paciente que olhe atenta e fixamente para uma parede branca ou papel grande branco o indivíduo com leve rebaixamento do nível de consciência pode ao fazer isso apresentar alucinações visuais simples ou complexas Experiência de quasemorte near death experience NDE Um estado especial de consciência é verificado em situações críticas de ameaça grave à vida como parada cardíaca hipoxia grave isquemias acidente automobilístico grave afogamento quedas com trauma craniano entre outras quando alguns sobreviventes afirmam ter vivenciado as chamadas experiências de quasemorte EQMs São experiências muito rápidas de segundos a minutos em que um estado de consciência particular é vivenciado e registrado por essas pessoas O genial geólogo suíço Albert von St Gallen Heim 18491937 teve uma marcante EQM ao sofrer grave queda quando escalava os Alpes suíços em 1872 Ele passou então a coletar relatos de experiências semelhantes e as descreveu no Clube Alpino Suíço em 1892 Em seu relato afirmou a sensação de paz e tranquilidade imensa e deslocamento muito rápido ao longo de um túnel escuro que ao fim tinha uma luz particularmente brilhante Disse ainda que tal viagem se acompanhara da passagem rapidíssima de um retrospecto da vida e da sensação da presença de um espírito pleno de amor Vignat 1996 Nahm 2016 Estudos de revisão Nelson et al 2006 têm mostrado que as características mais frequentes desses estados EQM são as seguintes em 55 casos revisados a partir da literatura científica internacional sensação de paz 87 de estar fora do próprio corpo 80 de estar rodeado por uma luz intensa 78 de estar em outro mundo 75 sensações de união cósmica 67 de ter atingido um ponto de não retorno 67 de alegria intensa 64 de compreensão imediata 60 e de contato com uma entidade mística 55 As EQMs parecem ocorrer em muitas culturas com variações nos seus conteúdos Nos Estados Unidos aparentemente ocorrem em 6 a 12 das pessoas que sobreviveram a uma parada cardíaca e na Europa 6 de uma amostra de 14 mil pessoas da população em geral relatou já ter experienciado EQM Em estudo recente Nelson e colaboradores 2006 buscaram demonstrar que a EQM seria a consequência de uma invasão maciça de atividade cerebral do tipo sono REM nas pessoas enquanto passavam por tais experiências Entretanto há também consistentes hipóteses socioculturais e históricas para tal experiência Kellehear 1993 Failed С М 13 A atenção e suas alterações DEFINIÇÕES BÁSICAS A atenção pode ser definida como a direção da consciência o estado de concentração da atividade mental sobre determinado objeto Cuvillier 1937 A fim de explicitar o que os mecanismos de atenção representam para o funcionamento psíquico normal William James 1952 p 260261 dizia que Milhões de itens que são apresentados aos meus sentidos nunca ingressam propriamente em minha experiência Por quê Porque esses itens não são de interesse para minha pessoa Minha experiência é aquilo que eu consinto em captar Todos sabem o que é a atenção É o tomar posse pela mente de modo claro e vívido de um entre uma diversidade enorme de objetos ou correntes de pensamentos simultaneamente dados Focalização concentração da consciência são a sua essência Ela implica abdicar de algumas coisas para lidar eficazmente com outras A atenção se refere portanto ao conjunto de processos psicológicos que torna o ser humano capaz de selecionar filtrar e organizar as informações em unidades controláveis e significativas Os termos consciência e atenção estão estreitamente relacionados A determinação do nível de consciência é essencial para a avaliação da atenção Cohen Salloway Zawacki 2006 Assim a atenção é um construto psicológico complexo que se refere a uma variedade de componentes sendo eles principalmente 1 início da atividade consciente e focalização 2 atenção sustentada e nível de alerta vigilance 3 atenção seletiva ou inibição de resposta a estímulos irrelevantes e 4 capacidade de mudar o foco de atenção setshifting ou atenção alternada O sistema Research Domain Criteria RDoC conceitualiza a atenção afirmando que ela engloba um conjunto de processos mentais que regulam o acesso a sistemas cognitivos de capacidades limitadas Tais sistemas incluem a consciência awareness processos perceptivos e a ação motora As noções de capacidade limitada e de competição são inerentemente relacionadas aos conceitos de atenção seletiva e atenção dividida que veremos neste capítulo PSICOLOGIA DA ATENÇÃO Conceitos da psicologia e da psicopatologia clássicas da atenção Tomandose em consideração a natureza da atenção podese discernir dois tipos básicos de atenção a voluntária que exprime a concentração ativa e intencional da consciência sobre um objeto e a espontânea que é aquele tipo de atenção suscitado pelo interesse momentâneo incidental que desperta este ou aquele objeto Esta última geralmente está aumentada nos estados mentais em que o indivíduo tem pouco controle voluntário sobre sua atividade mental Em relação à direção da atenção podese discriminar duas formas básicas a atenção externa projetada para fora do mundo subjetivo do sujeito voltada para o mundo exterior ou para o corpo geralmente de natureza mais sensorial utilizando os órgãos dos sentidos Diferese da atenção interna que se volta para os processos mentais do próprio indivíduo É uma atenção mais reflexiva introspectiva e meditativa Em relação à amplitude atencional há a atenção focal que se mantém concentrada sobre um campo determinado e relativamente delimitado e restrito da consciência em contraposição à atenção dispersa que não se concentra em um campo determinado espalhandose de modo menos delimitado Foi o psiquiatra suíço Eugen Bleuler 18571939 que sugeriu no início do século XX que a atenção tinha duas qualidades fundamentais tenacidade e vigilância A tenacidade consiste na capacidade do indivíduo de fixar e manter sua atenção sobre determinado estímulo em um tema da conversa ou em um campo de atenção Na tenacidade a atenção se prende a certo estímulo fixando se sobre ele A vigilância nessa conceitualização de Bleuler é definida como o aspecto da atenção relacionado a mudança de foco de um objeto para outro Tais qualidades são com frequência antagônicas por exemplo nos estados maníacos os pacientes costumam apresentar hipotenacidade redução da capacidade de fixar a atenção e hipervigilância uma atenção que salta rapidamente de um estímulo para outro Atenção flutuante é um conceito desenvolvido por Freud 18561939 relativo ao estado de como deve funcionar a atenção do psicanalista durante uma sessão analítica Segundo Freud a atenção do analista não deve privilegiar a priori qualquer elemento do discurso ou comportamento do paciente o que implica deixar funcionar livremente sua própria atividade mental consciente e inconsciente deixando livre a atenção e suspendendo ao máximo as motivações os desejos e os planos próprios É um estado artificial da atenção cultivado pela necessidade técnica do processo psicanalítico Para o psicanalista inglês Wilfred Bion 18971979 a atenção do analista deve se manter o máximo possível aberta à experiência imediata evitando a fuga para o passado ou para o futuro assim o profissional buscaria abolir momentaneamente a memória e o desejo a fim de que sua atenção permaneça livre para o que realmente emerge na experiência mútua analistaanalisando da situação analítica Hábito e sensibilização Um aspecto importante da atenção é o que o neurocientista e psicólogo russo Ivan Petrovich Pavlov 18491936 denominou resposta de orientação Quando um indivíduo ou animal é exposto a um estímulo novo há um padrão de respostas motoras do sistema nervoso autônomo excitação fisiológica e da atividade elétrica cerebral que indica que o organismo entrou em certo estado de alerta de prontidão para captar o estímulo e a ele responder Se tal estímulo se dá de forma contínua ou repetitiva ele deixa de desencadear a resposta de orientação Esse fenômeno é denominado hábito O fenômeno oposto é a sensibilização que ocorre quando devido à natureza ou ao contexto do estímulo o organismo passa a se excitar mais e mais com a repetição do estímulo aumentando a prontidão geral de resposta A neuropsicologia contemporânea da atenção Nas últimas décadas a psicologia fortemente marcada pelas abordagens cognitivistas e neuropsicológicas passou a abordar e a subdividir a atenção em alguns aspectos fundamentais Não há entretanto pleno consenso sobre a melhor divisão de subtipos de atenção De toda forma os subtipos mais utilizados e estudados são Cohen Salloway Zawacki 2006 Buschman Kastner 2015 1 capacidade e foco de atenção atenção concentrada ou concentração 2 atenção seletiva 3 atenção dividida 4 atenção alternada 5 atenção sustentada sustained attention 6 seleção de resposta e controle executivo 1 2 Capacidade e foco de atenção referemse à focalização da atenção e estão intimamente associados à experiência subjetiva de concentração A capacidade de atenção concentrada sobre um estímulo ou um campo atencional se verifica quando o indivíduo consegue aplicar e focar toda sua atenção em tal campo ou estímulo Ela não é constante com o passar do tempo flutuando em função de fatores extrínsecos valor dos estímulos para o indivíduo demandas de respostas predominantes e de fatores intrínsecos fatores energéticos como estado afetivo e grau de motivação e fatores estruturais como velocidade de processamento e capacidade de memória A capacidade de focalizar a atenção concentrandose relacionase diretamente com o número de operações mentais que precisam ser realizadas ao mesmo tempo e com a dificuldade das tarefas Atenção seletiva diz respeito aos processos que permitem ou facilitam a seleção de estímulos e informações relevantes para o sujeito e seu processamento cognitivo Ela resume a qualidade mais importante dos processos atencionais a seletividade A atenção seletiva diz respeito portanto à manutenção da atenção apesar da presença de estímulos distratores eou concorrentes Todo o tempo o sujeito é inundado por um número quase infinito de sinais vindos do exterior ou do interior a atenção seletiva limita as informações que chegam aos sistemas cerebrais neurocognitivos Além disso aumenta a capacidade de processar e dar conta dos estímulos e das informações mais relevantes mais essenciais para o sujeito fundamentais para o desempenho cognitivo e o comportamental global Quando a atenção elege certos estímulos a capacidade de responder a outros diminui proporcionalmente Um indivíduo que lê um livro em um ônibus lotado de pessoas com mil ruídos no ambiente está exercendo exitosamente sua capacidade de atenção seletiva Há certa sobreposição entre os conceitos de atenção seletiva e atenção concentrada Tem sido proposto que há um filtro que seleciona os estímulos que serão utilizados pelo cérebro sobretudo via controle topdown estruturas neurais corticais sobre estruturas subcorticais O sistema de atenção seletiva inclui dois processos que competem entre si bottomup e topdown O processo bottomup de baixo para cima ocorre quando o cérebro automaticamente capta os estímulos sensoriais notáveis do ambiente Já o sistema topdown 3 4 5 de cima para baixo implica esforço consciente para controlar a atenção em direção a um alvo determinado o que inclui também a possibilidade de mudar o alvo shift conforme o interesse e a vontade da pessoa O sistema bottomup é dependente das áreas parietais posteriores enquanto o topdown depende do córtex préfrontal e de suas conexões Awh Belopolsky Theeuwes 2012 Atenção dividida Os processos atencionais não se limitam a um único alvo ou foco da atenção abordado no item anterior como atenção seletiva com frequência ocorre o processamento simultâneo e paralelo de dois ou mais estímulos captados pela atenção ao mesmo tempo A atenção dividida é portanto acionada quando duas ou mais tarefas ou estímulos concorrentes se apresentam ao sistema atencional Ocorre aqui uma demanda adicional para mais de um item no campo atencional o que irá requerer um tipo de controle topdown específico para tarefas paralelas Para testar a atenção dividida utilizase geralmente um paradigma de duas tarefas no qual primeiramente se oferece um estímulo único e depois dois ao mesmo tempo comparandose a eficiência do processo atencional nessas duas tarefas distintas Quando estamos dirigindo um carro e ouvindo música ao mesmo tempo estamos utilizando a atenção dividida Atenção alternada diz respeito à capacidade de mudança do foco de atenção setshifting alternando voluntariamente o foco atencional de um estímulo a outro durante a execução de tarefas Quando estamos assistindo a uma série na televisão e recebemos uma chamada telefônica atendemos o telefone e respondemos a algumas perguntas rápidas do interlocutor depois voltamos ao enredo da série estamos exercendo nossa capacidade para a atenção alternada Tratase de uma capacidade atencional em certa medida sobreposta conceitualmente à atenção dividida A atenção alternada se relaciona intimamente às funções executivas frontais A integridade do córtex orbitofrontal do córtex préfrontal medial e do córtex do cíngulo anterior é fundamental para essa capacidade Bissonette Powell Roesch 2013 Atenção sustentada sustained attention diz respeito à capacidade de manter a atenção ao longo do tempo geralmente durante uma atividade contínua e repetitiva Quando um estudante consegue manter sua atenção em uma aula por uma ou duas horas seguindo o raciocínio e a exposição do professor sem se distrair com outros estímulos do ambiente está utilizando 6 sua atenção sustentada Tal capacidade varia geralmente diminui com o passar do tempo Como função psíquica a atenção é mais variável ao longo do tempo que a percepção e a memória Todas as pessoas apresentam limites na capacidade de manter a atenção por longo tempo tal desempenho depende da relação entre os estímulosalvo sinal e os estímulos distrativos ruído do nível de consciência vigilância da motivação incluindo aqui a excitação com a tarefa e seu oposto o tédio e da fadiga Os paradigmas de teste da atenção sustentada exigem que o indivíduo detecte mudanças em estímulos ao longo de um período de tempo como ocorre nos Continuous Performance Tests ver adiante no item de avaliação da atenção Seleção de resposta e controle seletivo são de extrema relevância pois o ato de prestar atenção está quase sempre associado a uma ação planejada voltada a certos objetivos Assim a atenção está sempre envolvida na seleção não apenas dos estímulos e das informações mas também das respostas e do controle destas A atenção vinculase a processos cognitivos complexos que envolvem a intenção o planejamento e a tomada de decisões Esses processos estão na base da ação volitiva dos atos de vontade são denominados funções executivas e dependem intensamente de sistemas cerebrais préfrontais sobretudo em circuitos subcorticais O controle executivo possibilita que se mude com eficácia de uma resposta possível para outra conforme as demandas cambiantes do ambiente NEUROPSICOLOGIA DA ATENÇÃO Atenção e funções executivas frontais As funções executivas processadas nos lobos frontais áreas préfrontais são um conjunto de habilidades cognitivas relacionadas à capacidade do indivíduo de planejar executar e monitorar de forma flexível comportamentos com objetivos Lezak Howieson Bigler 2012 Os déficits em funções executivas impedem o indivíduo de iniciar parar ou mudar seus comportamentos conforme as exigências ambientais As funções executivas incluem processos cognitivos relacionados à ação apropriada sobre o ambiente ou seja processos relacionados ao agir como planejamento da ação início da atividade geração de hipóteses flexibilidade cognitiva tomada de decisões regulação do comportamento julgamento utilização de feedback e autopercepção Yuana Raza 2014 As funções executivas são divididas em quentes e frias As quentes incluem os aspectos emocionais e volicionais como parte central de tais funções enquanto as frias se referem a atividades cognitivas sem envolvimento de fatores emocionais como por exemplo realizar cálculos matemáticos mentalmente ou decorar números Em neuropsicologia a atenção é vista por alguns autores como uma função básica de apoio às funções executivas e por outros como parte das funções executivas De qualquer forma como modelo da interação entre a atenção e as funções executivas incluindo o controle executivo quatro componentes têm sido sugeridos memória de trabalho seleção competitiva competição entre diferentes estímulos controle sensorial topdown do córtex préfrontal para os processos sensoriais e de vigília e filtros de saliência seleção dos estímulos mais salientes No processo bottomup as informações sensoriais que chegam ao cérebro são filtradas a partir de sua importância para o sujeito sendo filtrados os estímulos mais relevantes do ponto de vista de sobrevivência assim como os mais infrequentes Os estímulos são então codificados e sofrem uma seleção competitiva baseada na força relativa do sinal no sentido de poder acessar o sistema de memória de trabalho Sendo um dos elementos principais das funções executivas a memória de trabalho usa a informação fornecida pelo processo atencional para dirigir e gerenciar os comportamentos subsequentes assim como faz dirigir a atenção por meio de um mecanismo topdown mediado pelo córtex préfrontal Atenção e memória de trabalho As relações entre a atenção e a memória de trabalho ver também capítulo A memória e suas alterações são complexas A memória de trabalho tem um papel central em toda a cognição Ela corresponde à habilidade de manter itens percepções e tarefas ativos na mente online sem se apoiar em mais estímulos do mundo externo A memória de trabalho age como um núcleo gerenciador de trabalho no qual percepções e pensamentos constantemente atualizados são processados transformados e manipulados As áreas cerebrais envolvidas no controle da atenção se sobrepõem às áreas requeridas pela memória de trabalho em particular as redes frontoparietais Para a memória de trabalho funcionar adequadamente é necessária uma central executiva que controle e manipule os conteúdos da memória de trabalho essa central executiva seria a atenção Nesse sentido a atenção filtra o que entra no sistema da memória de trabalho além de contribuir para a manutenção de tais itens em tal sistema A velocidade de processamento é um aspecto geral de quase toda cognição humana ela corresponde ao tempo que um indivíduo leva para realizar uma tarefa mental da fase inicial de perceber a tarefa até sua realização completa Na avaliação da atenção alguns testes medem a tarefa cronometrando o tempo que o indivíduo utiliza para realizála estimando assim a velocidade de processamento NEUROANATOMIA E REDES NEURAIS DA ATENÇÃO 1 A atenção resulta da interação complexa de diversas áreas corticais e subcorticais do sistema nervoso não sendo portanto um processo unitário Cohen Salloway Zawacki 2006 As principais estruturas subcorticais do sistema nervoso relacionadas à atenção são no tronco cerebral o sistema reticular ativador ascendente SRAA e o locus ceruleus noradrenérgico LCN no diencéfalo o tálamo e no telencéfalo o corpo estriado no nível cortical o córtex parietal posterior direito não dominante o córtex préfrontal e o giro cingulado anterior também na região frontal assim como estruturas do lobo temporal medial do sistema límbico O SRAA possibilita o nível de consciência básico para manter a vigilância necessária aos processos de atenção assim fornece a preparação inespecífica à atenção O LCN é o principal centro de alerta subcortical importante para a manutenção de um estado de alerta eficiente A noradrenalina do LCN inibe a atividade neuronal espontânea permitindo o aumento da resposta neuronal específica para estímulos sensoriais Os núcleos intralaminares do tálamo filtram os sinais enviados pelo tronco cerebral e os projetam para o núcleo caudado no corpo estriado e para o córtex préfrontal assim como para outras áreas corticais exceto as áreas sensoriais primárias O núcleo reticular do tálamo também tem associações recíprocas com o córtex préfrontal e com núcleos sensoriais do tálamo Ele age como um filtro ou uma comporta permitindo que apenas algumas informações prossigam em direção ao córtex cerebral Cohen Salloway Zawacki 2006 Langner Eickhoff 2013 Por sua vez o córtex parietal sobretudo o posterior direito também está envolvido na seleção sensorial principalmente na atenção seletiva visual e na atenção dirigida ao espaço extrapessoal ao passo que o córtex frontal do cíngulo se vincula à intensidade do foco de atenção e à motivação No nível cortical são as estruturas do córtex préfrontal as mais relevantes à atenção As áreas préfrontais dorsolaterais na porção mais externa e alta do cérebro frontal estão muito relacionadas à seleção de resposta e controle seletivo Além disso desempenham um papel na manutenção da flexibilidade da resposta e na geração de alternativas de respostas assim como na memória de trabalho ver esse conceito no capítulo sobre memória e no sequenciamento da informação temporal Na região préfrontal em particular o córtex do cíngulo anterior e o córtex préfrontal dorsolateral direito agem para manter o nível de atenção modulando a atividade do locus ceruleus via núcleo reticular do tálamo Além disso o sistema atencional de alerta é mediado ainda por um circuito frontoparietal ventral direito também responsável pela obtenção e manutenção de um nível apropriado de alerta atencional Lesões nas áreas frontais dorsolaterais produzem alterações da atenção como distraibilidade impersistência e perseveração repetição automática de respostas Já as áreas préfrontais orbitomediais córtex frontal medial acima dos globos oculares relacionamse à modulação dos impulsos ao humor e à memória de trabalho Lesões nessas áreas ocasionam alterações da atenção relacionadas a impulsividade desinibição e labilidade afetiva Cohen Salloway Zawacki 2006 Langner Eickhoff 2013 Além dos lobos frontais diversas estruturas límbicas nas porções medianas dos lobos temporais estão envolvidas no interesse afetivo principalmente no que diz respeito a atração motivação importância do estímulo e carga emocional que este ou aquele objeto desperta na mente Assim também participam dos mecanismos neuronais da atenção Nesse sentido há consenso de que os aspectos motivacionais e afetivos da atenção mobilizados em áreas límbicas devam interagir com os aspectos de seleção e hierarquização da atividade consciente elaborados em áreas préfrontais e parietais produzindo um vetor final a saber a atividade atencional do indivíduo Engelhardt Laks Rozenthal 1996 Cabe mencionar ainda que a atenção sustentada depende intimamente da ação do mesencéfalo e do tronco cerebral interagindo com o córtex préfrontal A atenção seletiva focada também depende do córtex temporal superior do córtex parietal inferior e do striatum Por fim o processo de codificação dos estímulos processados pelo sistema atencional irá depender intimamente do hipocampo e da amígdala Psicopatologia da atenção A alteração mais comum e menos específica da atenção é sua diminuição global a chamada hipoprosexia Nessa condição se verifica uma perda básica da capacidade de concentração com fatigabilidade aumentada o que dificulta a percepção dos estímulos ambientais e a compreensão as lembranças tornamse mais difíceis e imprecisas e há dificuldade crescente em todas as atividades psíquicas complexas como o pensar o raciocinar e a integração de informações Denominase aprosexia a total abolição da capacidade de atenção por mais fortes e variados que sejam os estímulos utilizados Por sua vez a hiperprosexia consiste em um estado da atenção exacerbada no qual há uma tendência incoercível a obstinarse a deterse indefinidamente sobre certos objetos com surpreendente infatigabilidade Em psicopatologia usase o termo distração para um sinal não de déficit propriamente não é anormalidade mas de superconcentração ativa da atenção sobre determinados conteúdos ou objetos com a inibição de tudo o mais Nobre de Melo 1979 Há nesse sentido certa hipertenacidade e hipovigilância É o caso do cientista que pelo fato de seu interesse e de sua atenção estarem totalmente voltados para um problema comete erros do tipo esquecer onde estacionou o carro ou colocar meias de cores diferentes Já a distraibilidade diferentemente da distração é um estado patológico que se exprime por instabilidade marcante e mobilidade acentuada da atenção voluntária com dificuldade ou incapacidade para fixarse ou deterse em qualquer coisa que implique esforço produtivo Ou seja a atenção do indivíduo é muito facilmente desviada de um objeto para outro VALOR DIAGNÓSTICO DAS ALTERAÇÕES DA ATENÇÃO Veremos a seguir os quadros clínicos nos quais são verificadas alterações da atenção Essas alterações podem ocorrer tanto em distúrbios neuropsiquiátricos e neuropsicológicos como em transtornos mentais Distúrbios neuropsiquiátricos e neuropsicológicos Quadros de delirium causados por distúrbios sistêmicos neurológicos e neuropsicológicos em que se verificam diminuição do nível de consciência e déficit de atenção ocorrem em encefalopatias metabólicas por alteração de níveis de oxigênio glicose e do equilíbrio eletrolítico acúmulo de catabólitos etc meningoencefalites acidentes vasculares cerebrais esclerose múltipla e quadros tumorais Os distúrbios da atenção estão sempre ou quase sempre presentes nos quadros de delirium No transtorno cognitivo leve TCL declínio cognitivo leve comum em idosos verificamse alterações da atenção relacionadas a maior demora em realizar as tarefas do dia a dia Devido ao déficit de atenção o indivíduo passa a cometer mais erros em suas tarefas rotineiras e a ter dificuldades na atenção dividida p ex dificuldade para ouvir o noticiário no rádio e preparar a refeição American Psychiatric Association 2014 De modo geral o déficit atencional no TCL vem associado a déficits em funções executivas muitas vezes a família relata que o paciente se apresenta com algumas novas dificuldades na vida diária como dificuldade em preparar as refeições assinar cheques ou documentos se distrai com facilidade etc e os familiares se preocupam com a capacidade de autocuidado do indivíduo Langa Levine 2014 Nas demências as alterações de atenção costumam estar presentes desde as fases iniciais Clinicamente elas se revelam pelas marcantes perturbações do paciente em ambientes com múltiplos estímulos e nas limitações que apresenta no lidar com eventos e estímulos concomitantes Os déficits atencionais nas demências também se entrelaçam com as funções executivas a memória e a aprendizagem American Psychiatric Association 2014 Na demência de Alzheimer DA assim como na demência vascular DV os pacientes têm dificuldades em tarefas que requerem concentração e foco assim como em atividades de controle executivo A atenção seletiva e a atenção dividida já estão comprometidas em formas leves de DA e DV implicando perturbação do controle executivo O paciente geralmente tem dificuldades marcantes em testes que avaliam o efeito stroop habilidade de inibir inferências cognitivas em estímulos conjuntos ver adiante nos testes de atenção e em testes que avaliam a atenção alternada Kolanowski et al 2012 Em contraste a tais déficits marcantes no início da DA e da DV o nível de consciência e o nível de alerta podem estar preservados assim como a atenção sustentada que pode estar relativamente preservada até estágios intermediários da doença Parasuraman Greenwood 2002 Os déficits de atenção e concentração nas demências também se associam com lentificação da velocidade de processamento impactando também quase todas as outras áreas da cognição Por exemplo o déficit atencional afeta o desempenho da memória das funções executivas e eventualmente até de funções locomotoras implicando a quase totalidade de comportamentos do indivíduo Kolanowski et al 2012 Na demência frontotemporal a atenção é consideravelmente prejudicada podendo haver pronunciada distraibilidade impulsividade e dificuldades com estímulos distraidores como no Stroop test As alterações atencionais nessa demência estão intricadamente associadas a funções executivas frontais como memória de trabalho e planejamento As habilidades visuoespaciais costumam estar preservadas Caixeta 2006 Na demência com corpos de Lewy e na demência associada à doença de Parkinson as alterações da atenção costumam ser mais acentuadas que na DA Na demência com corpos de Lewy as alterações de atenção e função executivas junto com as flutuações no nível de consciência parecem estar implicadas na origem das alucinações visuais encontradas em tal demência Firbank et al 2016 Nas demências em que há um componente subcortical mais marcante como na demência na doença de Huntington na demência associada a HIVaids e sobretudo em demências vasculares com predomínio subcortical verificase maior prejuízo da atenção maior lentificação na velocidade de procedimento e prejuízo nas funções executivas frontais Wallin et al 2016 Cabe lembrar por fim que nas demências alterações de atenção também podem estar relacionadas a quadros episódicos de rebaixamento do nível de consciência delirium que se sobrepõe ao quadro demencial Transtornos mentais Sabese desde os primórdios da semiologia psicopatológica no século XIX que a atenção quase sempre está alterada nos transtornos mentais graves Um dos fundadores da psicopatologia moderna o francês JeanÉtienneDominique Esquirol 17721840 afirmou que a atenção é fugitiva no maníaco concentrada no monomaníaco melancólico delirante e vaga e difusa no demente Mattos 1884 p 31 As alterações mais frequentes da atenção são encontradas nas seguintes condições transtorno de déficit de atençãohiperatividade TDAH transtornos do humor depressão e mania transtorno obsessivocompulsivo TOC e esquizofrenia No TDAH transtorno bastante importante na infância e na adolescência mas também significativamente presente em adultos há dificuldade marcante de direcionar e manter a atenção a estímulos internos e externos pois o paciente tem a capacidade prejudicada em organizar e completar tarefas assim como graves dificuldades em controlar seus comportamentos e impulsos Pacientes com TDAH revelam em estudos de imagem cerebral alterações no córtex frontal e em suas conexões Tem sido dada ênfase a estruturas como o córtex préfrontal dorsolateral o córtex frontal medial superior o córtex do cíngulo anterior e a regiões do lobo parietal como o lobo parietal inferior e o sulco intraparietal A área 10 de Brodmann parte lateral na parte anterior do córtex préfrontal e regiões anteriores da ínsula e do operculum frontal têm sido também implicadas nas disfunções atencionais e executivas do TDAH Matthews Nigg Fair 2014 Podese afirmar que o principal circuito neuronal relacionado com atenção que se revela hipofuncional no TDAH é o circuito atencional cíngulofrontalparietal Um considerável número de estudos confirma disfunção em tal circuito Bush 2011 Os processos atencionais prejudicados inibição falha e impulsividade são aspectos importantes dessa condição A dificuldade é maior quando se faz necessário um estado de vigilância para detectar informação infrequente sobretudo quando tal informação não é motivacionalmente saliente para o sujeito Pessoas com TDAH têm portanto prejuízo relacionado à filtragem de estímulos irrelevantes à tarefa embora seja questionável se a filtragem atencional é ou não o principal problema desses pacientes Cohen Salloway Zawacki 2006 Matthews Nigg Fair 2014 Há também perturbação da inibição de respostas no TDAH com déficits nas respostas inibitórias que por sua vez envolve disfunção nas funções executivas frontais As respostas de inibição implicam inibir ou suprimir respostas inapropriadas em determinado contexto em favor de respostas alternativas mais apropriadas Tal autocontrole fundamental para a regulação emocional é exercido pelos circuitos frontoestriatais e frontossubtalâmicos A inibição de respostas assim como a seleção de respostas são fatoreschave para o comportamento dirigido a objetivos sendo os déficits em tais funções fundamentais no TDAH Por fim cabe mencionar que estão também implicadas no TDAH a memória de trabalho a mudança de tarefas e contexto set shifting atenção alternada e a capacidade de manterse na tarefa atenção sustentada ou seja muitas das funções executivas frontais Matthews Nigg Fair 2014 Já os pacientes com transtornos do humor têm importantes dificuldades de concentração e atenção sustentada Há nos quadros maníacos diminuição marcante da atenção voluntária e aumento da atenção espontânea com hipervigilância e hipotenacidade A atenção do indivíduo em fase maníaca salta rapidamente de um estímulo para outro sem se fixar em algo Nos quadros depressivos com muita frequência há diminuição geral da atenção ou seja hipoprosexia Em alguns casos graves ocorre a fixação da atenção em certos temas depressivos hipertenacidade com rigidez e diminuição da capacidade de mudar o foco da atenção hipovigilância Isso acontece pelo fato de o indivíduo estar em um quadro depressivo grave muitas vezes voltado totalmente para si concentrado em conteúdos de fracasso doença culpa pecado ou ruína Em pacientes deprimidos o desempenho prejudicado em tarefas de atenção sustentada é de modo geral proporcional à gravidade do estado depressivo A atenção seletiva sensorial costuma ser menos afetada Cohen Salloway Zawacki 2006 Em pessoas com transtorno depressivo mesmo fora dos episódios de depressão pode haver prejuízo da atenção e das funções executivas Tais prejuízos atencionais podem também ter implicações para a funcionalidade ocupacional dos pacientes Woo et al 2016 Já pessoas com TOC apresentam atenção e vigilância excessivas e desreguladas e alterações em funções executivas que geralmente se sobrepõem aos déficits atencionais Foi identificado no TOC prejuízo na atenção alternada setshifting no planejamento na inibição de respostas na memória de trabalho e na velocidade de processamento Abramovitch et al 2015 Na esquizofrenia o déficit de atenção também é muito importante A inadequada filtragem de informação irrelevante é uma dificuldade comum em pacientes com o transtorno Tais indivíduos costumam ter dificuldade em anular adequadamente estímulos sensoriais irrelevantes enquanto realizam determinada tarefa e são muito suscetíveis a distrairse com estímulos visuais e auditivos externos Sob testagem neuropsicológica revelam lentificação no tempo de reação em consequência da distraibilidade não conseguem suprimir informações interferentes e têm grande dificuldade com a atenção sustentada possivelmente devido a essa forte tendência à distraibilidade Cohen Salloway Zawacki 2006 Cabe mencionar que as dificuldades atencionais relacionadas a atenção alternada setshifting inibição de resposta e atenção seletiva foram correlacionadas em pacientes com esquizofrenia com a presença de sintomas positivos como alucinações e delírios Morris et al 2013 Além disso verificouse que modulação das emoções em relação à atenção também se revela anômala na esquizofrenia WalshMessinger et al 2014 SEMIOTÉCNICA DA ATENÇÃO A AVALIAÇÃO DO PROCESSO ATENCIONAL VER QUADRO 131 Testes de atenção Os continuous performance tests Os continuous performance tests CPTs em português testes de desempenho contínuo TDCs são constituídos por um grupo de paradigmas cognitivos apresentados em forma de testes psicológicos cujo objetivo central é a avaliação da atenção Tratase de uma das medidas mais utilizadas para avaliar a atenção sustentada e o nível de alerta O paradigma do CPT inclui além da atenção sustentada a atenção seletiva e o nível de alerta na resposta a estímulos que oco rem de forma infrequente Na prática o CPT se caracteriza pela rápida apresentação de estímulos que continuamente mudam havendo um estímuloalvo target stimulus que deve ser corretamente identificado A duração do teste é variada mas deve ser suficiente para avaliar a atenção sustentada Há várias modalidades de CPTs disponíveis Atualmente os mais utilizados incluem estímulos visuais e auditivos integrados O mais utilizado na prática clínica é o Conners Continuous Performance Test CPT III Conners 2002 É comum que o CPT faça parte de uma bateria de testes neuropsicológicos com o intuito específico de avaliar a capacidade do indivíduo de lidar e manipular informações e utilizar a atenção e as funções executivas O teste é um dos mais importantes na avaliação de pessoas crianças e adultos com TDAH Na realização do CPT é apresentada ao sujeito investigado uma tarefa em que ele deve manter o foco da atenção em uma sequência repetitiva de estímulos que podem ser números símbolos letras ou sons para responder apenas quando o estímuloalvo aparece e para inibir a resposta quando estímulos confundidores aparecem 1 2 3 4 Os escores finais dos CPTs variam de teste para teste havendo quatro escores principais Detecções corretas revela o número de vezes que o testando respondeu corretamente ao estímulo quanto mais alto esse escore melhor a atenção do sujeito Tempo de reação avalia a quantidade de tempo entre a apresentação do estímulo e a resposta do indivíduo Erros por omissão indica o número de vezes que o estímulo foi apresentado mas o testando não respondeu geralmente clicando um mouse Muitos erros desse tipo indicam alta distraibilidade do sujeito Erros por coomissão esses erros ocorrem quando o sujeito responde clicando o mouse mas o estímuloalvo não foi apresentado e sim um outro estímulo Tempo de reação rápido e muitas respostas de coomissão da parte do testando podem indicar impulsividade no processo atencional e nas capacidades de controle executivo No Brasil foi validado o KCPT Conners para crianças Miranda et al 2008 Também uma versão para adolescentes foi estudada e validada no Brasil em relação a idade e gênero Miranda Rivero Amodeo Bueno 2013 Quadro 131 Semiotécnica clínica simplificada e rápida da atenção Fazer perguntas de triagem sobre dificuldades atencionais ao paciente e à pessoa que o acompanha em especial a ele Tem dificuldade para se concentrar Distraise com facilidade Não escuta quando lhe falam Tem problemas para terminar tarefas Não consegue organizar as tarefas Perde seus pertences ou coisas necessárias para a realização de tarefas Esquece com muita frequência seus pertences em lugares variados Solicitar ao paciente que olhe os objetos que estão na sala da entrevista e logo em seguida cite o que viu Outros testes de atenção Teste de Dígitos Digit Span ou Extensão de dígitos das baterias WISCIII e WAISIII Esse é um teste bastante simples prático e fácil de utilizar Ele avalia a atenção geral e a focalizada que mantém a informação na memória operacional É um teste muito utilizado pois tem a vantagem de ser rápido Em contrapartida devido a sua rapidez de certa forma impede a avaliação da atenção sustentada O examinador lê uma sequência de números para o sujeito que está sendo testado o qual deverá repetila Primeiro é feito o teste com a ordem direta dos números depois com a ordem inversa o sujeito deve repetir os números na ordem inversa ao que foi apresentado Assim o teste se inicia com a leitura pelo examinador da lista de números respeitandose o intervalo de um segundo entre cada número Para a ordem direta após a leitura solicitase ao paciente que tente repetir os números na mesma ordem que foram lidos pelo examinador Após duas sequências repetidas de forma errada o profissional deve passar outra lista de números Na ordem direta a mediana de números repetidos corretamente para pessoas adultas até 40 anos é sete e para pessoas com mais de 40 anos seis números Na ordem inversa após a leitura dos números pedese ao paciente para repetir os números do fim para o começo da sequência que foi falada pelo examinador Aqui também duas sequências respondidas de forma errada devem encerrar o teste Na ordem inversa a mediana de números repetidos corretamente para pessoas adultas até 30 anos é cinco e para pessoas com mais de 30 anos quatro números Valores abaixo da mediana indicam dificuldades atencionais que serão mais graves quanto menor for o número de repetições corretas O teste na ordem direta avalia a atenção geral e a concentração já o teste na ordem inversa implica também a avaliação da memória de trabalho O Quadro 132 apresenta alguns dos principais testes e subtestes de atenção disponíveis em nosso meio Quadro 132 Testes psicológicos padronizados para a avaliação da atenção desenvolvidos ou disponíveis no Brasil TESTE O QUE AVALIA COMENTÁRIOS BPA Bateria Psicológica para Avaliação da Atenção Avalia os vários tipos de atenção como atenção sustentada seletiva dividida e alternada Teste de uso internacional validado no Brasil por Rueda e Monteiro 2013 CTT Teste das Trilhas Coloridas e TMT Teste de Trilhas A e B Avaliam principalmente atenção seletiva mas também a atenção alternada planejamento e sequenciamento Não avaliam bem a atenção sustentada pois são muito rápidos O Trilhas B avalia mais memória de trabalho O CTT é uma adaptação do Trail Making Test TMT ou em português Teste de Trilhas A e B de uso internacional Teste de Cancelamento dos Sinos Avalia atenção seletiva e atenção sustentada É um teste com a exposição de muitos estímulos visuais nos quais o testando deve achar os sinos Teste FDT Teste dos Cinco Dígitos teste para avaliar funções Avalia o efeito de interferência atencional efeito Stroop ao utilizar informações conflitantes sobre números e quantidades Como o controle inibitório é um aspecto importante das funções executivas esse teste não é exclusivo para atenção Teste usado internacionalmente com boas propriedades psicométricas e validado para a população brasileira executivas e atenção Teste Stroop Stroop Test O mais utilizado é o The Stroop Color and Word Test SCWT Há várias versões desse teste As duas mais famosas são a versão Victoria e a versão Golden Avalia controle inibitório atenção alternada e atenção seletiva Avaliase o número de erros e a velocidade em realizar as tarefas Por avaliar controle inibitório avalia também funções executivas frontais O chamado efeito stroop é a habilidade de inibir inferências cognitivas que ocorrem quando o processamento de um estímulo específico se faz junto com a apresentação simultânea de um segundo estímulo confundidor p ex expõese a palavra vermelho escrita em letras azuis e se pergunta o que está escrito aqui A resposta correta é vermelho o testando devendo ter inibido o estímulo da cor azul das letras Teste nBack Avalia atenção sustentada mas tratase de um teste sobretudo para memória de trabalho O testando deve assinalar positivamente qualquer letra que aparecer em sequência uma duas ou três depois da letraalvo SUBTESTES DE ATENÇÃO DAS BATERIAS DE INTELIGÊNCIA DE WECHSLER WISCIIIIV E WAISIII TESTE O QUE AVALIA COMENTÁRIOS Códigos Avalia atenção sustentada atenção alternada e atenção seletiva Entretanto também são testadas velocidade de processamento coordenação motora e percepção visual A pessoa examinada no teste tem 2 minutos para realizálo É um teste em que números de 1 a 9 são expostos na primeira linha e para cada número é apresentado na linha justamente abaixo um sinal ou código ou X ou ou O etc A pessoa deve preencher o mais rápido possível sete linhas em que estão os números mas não os sinaiscódigo Aritmética Avalia atenção para cálculos mentais mas também inclui memória de trabalho Por exemplo pedir que a pessoa subtraia de cem sete e depois mais sete até cinco vezes Verificar o número de acertos e o tempo que o indivíduo usa para fazer os cálculos mentais Também são subtestes Wechsler que avaliam além de outras funções a atenção Procurar Símbolos Completar Figuras Sequência de Números e Letras Cancelamento Cubos Fontes Miller et al 2009 Rueda Monteiro 2013 Campos et al 2016 Na prática clínica para a avaliação da atenção é recomendável aplicar uma bateria de testes que avalie os vários tipos de atenção como o BPA ou o conjunto de medidas de atenção dos testes Wechsler Caso não se disponha desses recursos uma avaliação mínima da atenção deveria incluir por exemplo o Teste de Dígitos atenção geral e focalizada e o Teste de Códigos atenção sustentada atenção alternada e atenção seletiva 1 Para revisão detalhada ver Langner Eickhoff 2013 who are people who are not in the choir likely to be Demographics to know the relevant Life Experience to help shape the message Aspirations values concerns worries to consider Where and how do these people get info Why might they decide to listen 14 A orientação e suas alterações Este capítulo e o próximo As vivências do tempo e do espaço e suas alterações tratam de temas que se sobrepõem a orientação temporoespacial e as vivências de tempo e espaço Esses capítulos poderiam ter sido agrupados em um só entretanto como o capítulo presente é de maior relevância prática para o estudante e o seguinte sobre vivências do tempo e espaço tem um conteúdo e desdobramentos um tanto mais complexos optouse por mantêlos separados sobretudo por questões didáticas DEFINIÇÕES BÁSICAS A capacidade de situarse quanto a si mesmo e quanto ao ambiente é elemento básico da atividade mental e fundamental para a sobrevivência do indivíduo A avaliação da orientação é um instrumento valioso para a verificação das perturbações do nível de consciência da percepção da atenção da memória e de toda a cognição As alterações da orientação também podem ser decorrentes de déficits cognitivos graves como nas demências e de qualquer transtorno mental grave que desorganize de modo marcante o funcionamento mental global Quadro 141 Quadro 141 Os distúrbios da orientação na psicopatologia de Carl Wernicke 18481905 Foi o grande neuropsiquiatra alemão Carl Wernicke que propôs que na base de todas as psicoses sobretudo as agudas haveria algum grau mesmo que sutil de perturbação da orientação Wernicke postulou que para cada dimensão da vida consciente a saber a corporal ou somatopsíquica a ambiental ou alopsíquica e a referente ao próprio psiquismo e personalidade a autopsíquica haveria também um tipo específico de desorientação Assim uma pessoa pode estar desorientada quanto a si mesma desorientação autopsíquica quanto ao seu próprio corpo desorientação somatopsíquica e quanto ao tempo e espaço desorientação alopsíquica Quando o paciente está desorientado em uma ou em todas essas dimensões da orientação é frequente surgir concomitantemente um afeto marcante Tal afeto para Wernicke é captado pela noção de perplexidade Assim desorientação e perplexidade seriam dois fenômenos mentais que caminhariam juntos Fonte Wernicke 1996 edição original em alemão Grundriss der Psychiatrie in klinischen Vorlesungen 1900 Muitas vezes verificase que um paciente com nível de consciência aparentemente normal está de fato desorientado Assim ao examinálo melhor verificase que na realidade ele está com a consciência ligeiramente turva e rebaixada o que se revela pela sua desorientação Desse modo investigar a orientação é também um recurso útil para aferir o nível de consciência dos pacientes A capacidade de orientarse requer de forma consistente a integração das capacidades de nível de consciência preservado atenção percepção e memória Alterações de atenção e retenção memória imediata e recente moderadas ou graves costumam resultar em alterações globais da orientação Além disso a orientação é excepcionalmente vulnerável aos efeitos da disfunção ou do dano cerebral A desorientação é um dos sintomas mentais mais frequentes e sensíveis das doenças cerebrais Apesar disso cabe lembrar que a orientação preservada não significa necessariamente que o sujeito não apresente qualquer alteração cognitiva ou atencional Lezak Howieson Bigler 2012 A capacidade de orientarse é classificada em autopsíquica e alopsíquica A orientação autopsíquica é aquela do indivíduo em relação a si mesmo Revela se o sujeito sabe quem é seu nome idade profissão estado civil com quem mora etc Já a orientação alopsíquica diz respeito à capacidade de orientarse em relação ao mundo isto é quanto ao espaço orientação espacial ou topográfica e quanto ao tempo orientação temporal Orientação espacial Por orientação espacial entendese vários subtipos de orientação quanto ao local onde o sujeito está no momento o local específico o tipo de edifício distância entre onde está e sua casa etc orientação topográfica ter a noção do arranjo e da organização de seu quarto de sua casa saber se localizar em seu bairro sua cidade orientação geográfica saber onde fica sua cidade seu país saber localizarse em relação a mapas julgamento de distância quão longe é o hospital de sua casa sua cidade de outras cidades conhecidas etc e capacidades de navegação conseguir seguir caminhos e rotas previamente conhecidos ou com pistas suficientes Lezak Howieson Bigler 2012 Assim a orientação espacial é uma capacidade complexa constituída por vários componentes reconhecer locais edifícios e casas com suas partes cozinha quartos sala etc reconhecer cenas perceber de forma acurada relações espaciais entre diferentes locais e ter habilidade de navegação locomoverse em distintos caminhos utilizando distintas pistas A orientação espacial é investigada perguntandose ao paciente o lugar exato onde ele se encontra a instituição em que está o andar do prédio o bairro a cidade o estado e o país Também é investigada a capacidade do indivíduo de identificar a distância entre o local da entrevista e sua residência em quilômetros ou horas de viagem É importante verificar detidamente se o paciente sabe o tipo de lugar em que está p ex se está em um hospital uma unidade básica de saúde um consultório médico ou psicológico Centro de Atenção Psicossocial CAPS etc se pode dizer o nome do recinto Hospital das Clínicas da Unicamp Consultório da Dra Raquel Unidade Básica de Saúde da Vila Carrão etc e onde se situa esse estabelecimento no Distrito de Barão Geraldo em Campinas no bairro do Cambuci em São Paulo etc Orientação temporal A orientação temporal necessita de uma adequada percepção do tempo e da sequência de intervalos temporais de sua correspondente representação mental e do processamento mental da temporalidade Essa orientação é de modo geral mais sofisticada que a espacial e a autopsíquica A orientação temporal indica se o paciente sabe em que momento cronológico está vivendo a hora do dia se é de manhã de tarde ou de noite o dia da semana o dia do mês o mês do ano a época do ano bem como o ano corrente Também é possível avaliar a noção que o paciente tem da duração dos eventos e da continuidade temporal O examinador pode perguntar há quanto tempo o senhor está neste local Há quanto tempo trabalhou ou se alimentou pela última vez Faz quanto tempo que o senhor não me vê A orientação temporal é adquirida mais tardiamente que a autopsíquica e a espacial na evolução neuropsicológica da criança Jean Piaget notou que crianças de 4 a 7 anos no nível préoperatório têm ainda algumas dificuldades com a noção de tempo Elas acreditam que pessoas mais altas são sempre mais velhas que árvores altas mais largas e com mais frutos são sempre mais velhas e que a duração de uma viagem é dada pelos pontos de chegada sem consideração da velocidade de locomoção Beard 1978 Assim a temporalidade timing em relação à espacialidade é uma função que exige maior desenvolvimento cognitivo do indivíduo além da integração de estímulos ambientais de forma mais elaborada Por isso em relação à orientação espacial a orientação temporal é mais fácil e rapidamente prejudicada pelos transtornos mentais e distúrbios neuropsicológicos e neurológicos particularmente pelos que afetam a consciência do mesmo modo costuma ser o último aspecto da orientação a se recuperar 1 2 3 NEUROPSICOLOGIA DA ORIENTAÇÃO A desorientação temporoespacial ocorre de modo geral em quadros psico orgânicos quando três áreas encefálicas são comprometidas nas lesões corticais difusas e amplas ou em lesões bilaterais como na doença de Alzheimer nas lesões mesotemporais do sistema límbico como na síndrome de Korsakoff em patologias que afetam o tronco cerebral e o sistema reticular ativador ascendente comprometendo o nível de consciência como no delirium e nas demais síndromes decorrentes de alteração do nível de consciência Lezak Howieson Bigler 2012 Neuropsicologia da orientação espacial ou topográfica Vários componentes cerebrais da orientação espacial têm sido estudados pelos neuropsicólogos e neurocientistas Benton Tranel 1993 O déficit de orientação espacial ou topográfica parece de modo geral depender de lesões ou disfunções bilaterais ou unilaterais à direita nas áreas posteriores do córtex cerebral ou seja as regiões retrorolândicas do cérebro implicando os lobos parietais occipitais e partes do temporal De modo geral a capacidade de avaliar corretamente direção e distância tanto para estímulos visuais como táteis relacionase mais com as estruturas corticais do hemisfério direito do que do esquerdo sendo entretanto as lesões bilaterais as que mais produzem os sintomas O Quadro 142 apresenta de forma resumida alterações da orientação espacial e as respectivas áreas cerebrais lesadas ou disfuncionais Kim et al 2015 Quadro 142 Alterações da orientação espacial e respectivas áreas cerebrais disfuncionais ÁREA CEREBRAL ENVOLVIDA DISFUNÇÃO NA ORIENTAÇÃO ESPACIAL Córtex parietal posterior Déficit em representar a localização de objetos em relação a si próprio ao próprio corpo Córtex occipitotemporal eou córtex para hipocampal Dificuldades em navegação por déficit no reconhecimento de localidades previamente familiares conhecidas Córtex retrosplenial córtex imediatamente atrás do splenium do corpo caloso Embora podendo reconhecer localidades familiares o paciente é incapaz de codificar e aproveitar informações visuoespaciais de tais localidades Estruturas mediais do lobo temporal Desorientação espacial devido a incapacidade de representar localidades do ambiente e caminhos aprendidos recentemente Além disso tem sido identificado em estudos com pacientes que tiveram lesões cerebrais e naqueles com doenças neurodegenerativas que as seguintes estruturas estão também relacionadas à desorientação espacial regiões do lobo temporal medial principalmente hipocampo córtex parahipocampal e amígdala assim como regiões cerebrais posteriores como o giro fusiforme o giro lingual a região posterior do giro do cíngulo o córtex parietal posterior o giro occipital inferior e o cerebelo TaeSung et al 2010 A síntese visual ou seja a capacidade de integrar diferentes estímulos visuais para a orientação espacial pode ser afetada por lesões no córtex occipital associativo produzindo quadros de simultanagnosia déficit em captar os elementos mais importantes a partir de estímulos visuoespaciais complexos embora o indivíduo consiga identificar corretamente cada detalhe A localização adequada de pontos no espaço depende por sua vez da integridade do córtex parietoccipital Um aspecto neuropsicológico interessante é a associação frequente entre desorientação espacial e a prosopagnosia incapacidade de reconhecer faces conhecidas cerca de 30 das pessoas com prosopagnosia adquirida geralmente após acidente vascular têm também importante desorientação topográfica Corrow et al 2016 A principal explicação para tal associação é que as duas alterações são provocadas por lesão ou disfunção em áreas cerebrais posteriores próximas irrigadas pela artéria cerebral posterior A prosopagnosia ocorre frequentemente como consequência de lesões na área fusiforme estrategicamente importante para o reconhecimento de faces sendo que a área fusiforme é muito próxima da área espacial do córtex parahipocampal importante para a orientação espacial pois é ativada quando vemos e reconhecemos cenas visuais Corrow et al 2016 Neuropsicologia da orientação temporal A orientação temporal depende de uma adequada percepção da passagem do tempo do registro e da discriminação dos intervalos temporais assim como da capacidade de apreender o tempo passado e antever o tempo futuro Damasceno 1996 A orientação temporal a representação e o processamento mental do tempo timing foram amplamente revistos por Sundeep Teki 2016 Nessa área 1 2 3 4 5 6 7 8 9 complexa de estudo foram constatados alguns dados relevantes como a língua nativa das pessoas demarca como elas pensam sobre o tempo p ex falantes de inglês e de mandarim pensam sobre o tempo de formas claramente distintas e alguns grupos aborígenes australianos usam os pontos cardinais para a percepção temporal as informações espaciais afetam a temporalidade e a percepção do tempo mas não o contrário a orientação temporal depende de eventos sensoriais diferentes áreas cerebrais codificam e processam o tempo no nível abaixo de um segundo ou acima de um segundo crianças recémnascidas já têm percepção de batidas rítmicas a dopamina nos circuitos dopaminérgicos modula componentes atencionais de intervalos de tempo a temporalidade motora está alterada em crianças com transtorno de déficit de atençãohiperatividade TDAH com impulsividade áreas corticais relacionadas à emoção influem claramente no processamento do tempo experiências corporais embodiment são importantes na modulação emocional de percepção do tempo A temporalidade timing não é processada em uma área específica do cérebro sendo sua neuropsicologia extremamente complexa e heterogênea Ao que parece diferentes escalas de tempo p ex abaixo de um segundo e acima de um segundo são processadas por diferentes estruturas cerebrais A percepção e o processamento do tempo implicam amplas redes neurais situadas em áreas corticais e subcorticais nos córtices frontal parietal e temporal implicando córtices sensoriais e prémotores na ínsula nos núcleos da base no cerebelo e no núcleo olivar inferior Assim foram propostos por toda uma linha de pesquisa nas últimas décadas alguns centros organizadores da temporalidade core timer apresentados no Quadro 143 revisão em Teki 2016 Quadro 143 Áreas cerebrais e diferentes aspectos da orientação temporal da percepção do tempo e da temporalidade ÁREA CEREBRAL ENVOLVIDA ASPECTO DA PERCEPÇÃO DO TEMPO E PROCESSAMENTO DA TEMPORALIDADE Núcleos da base Marcador do tempo timer para intervalos temporais sobretudo mais longos Núcleos da base e área motora suplementar medeiam a percepção de batidas rítmicas O striatum é um marcador de tempo timer sendo parte de um sistema amplo de temporalidade Gânglios da base são fundamentais para a temporalidade explícita consciente e áreas parietais e pré motoras para a temporalidade implícita Em tarefa de estimar o tempo em ressonância magnética funcional o putame à direita foi marcadamente ativado Cerebelo Marcador do tempo timer sobretudo para intervalos temporais mais curtos e precisos Estudos sugerem que o cerebelo pode funcionar como um relógio interno Representação explícita do tempo Pacientes com lesão cerebelar podem produzir movimentos rítmicos contínuos mas não os descontínuos O cerebelo pode aprender respostas temporais adaptativas O cerebelo posterior fornece sinais sobre a temporalidade para circuitos corticais de orientação espacial Córtex préfrontal O córtex préfrontal dorsolateral modula tanto a memória de trabalho como a temporalidade e está envolvido na percepção do tempo Os circuitos préfrontais que incluem o núcleo caudado o núcleo talâmico dorsolateral e o giro cingulado participam da percepção do tempo da orientação temporal da síntese temporal e da noção de duração Pacientes com lesões nas áreas préfrontais têm suas capacidades de perceber e avaliar intervalos de tempo tanto do passado como do futuro comprometidas Devido ao déficit de síntese temporal seu comportamento é altamente suscetível de perturbação por interferência de estímulos externos ou internos Sistemas motores automáticos e cognitivos frontais e parietais Regulação e mensuração do tempo timing measurement A escuta passiva de ritmos recruta regiões motoras do cérebro Circuitos corticoestriatais Atenção dirigida à temporalidade Esses circuitos são ativados na percepção de intervalos de tempo Circuitos frontoestriatais processam intervalos de tempo Hipocampo Neurônios hipocampais especializados em temporalidade codificam momentos sucessivos em uma sequência de eventos Também participam da temporalidade circuitos hipocampais que incluem além do hipocampo os corpos mamilares os núcleos anteriores e mediais do tálamo e os núcleos septais Ínsula A ínsula está intimamente envolvida na percepção do próprio corpo do self corporal e a percepção do tempo processada pela ínsula relacionase à mensuração interna e subjetiva do tempo marcada pelas experiências do self corporal Áreas posteriores da ínsula modulam gratificações atrasadas do sistema de recompensa enquanto o striatum codifica intervalos de tempo Ínsula é um marcador de tempo timer central O operculum é áreachave para mediar aspectos atencionais da estimação do tempo Fonte Teki 2016 PSICOPATOLOGIA DA ORIENTAÇÃO ALTERAÇÕES SEGUNDO A ALTERAÇÃO DE BASE Distinguemse vários tipos de desorientação de acordo com a alteração de base que a condiciona É preciso lembrar que geralmente a desorientação ocorre em primeiro lugar em relação ao tempo Só após o agravamento do transtorno o indivíduo se desorienta quanto ao espaço e por fim quanto a si mesmo Desorientação por redução do nível de consciência Também denominada desorientação torporosa ou confusa é aquela na qual o indivíduo está desorientado por rebaixamento ou turvação da consciência Tais turvação e rebaixamento do nível de consciência produzem alteração da atenção da concentração da memória recente e de trabalho e consequentemente da capacidade de percepção e retenção dos estímulos ambientais Isso impede que o indivíduo apreenda a realidade de forma clara e precisa e integre assim a cronologia dos fatos Portanto nesse caso a alteração do nível de consciência é a causa da desorientação Essa é a forma mais comum de desorientação Desorientação por déficit de memória imediata e recente Também denominada desorientação amnéstica Aqui o indivíduo não consegue reter as informações ambientais básicas em sua memória recente Não conseguindo fixar as informações perde a noção do fluir do tempo do deslocamento no espaço passando a ficar desorientado temporoespacialmente A desorientação amnéstica é típica da síndrome de Korsakoff Já a desorientação demencial é muito próxima à amnéstica Ocorre não apenas por perda da memória de fixação mas por déficit de reconhecimento ambiental agnosias e por perda e desorganização global das funções cognitivas Ocorre nos diversos quadros demenciais doença de Alzheimer demências vasculares etc Desorientação apática ou abúlica Ocorre por apatia marcante eou desinteresse profundos Aqui o indivíduo tornase desorientado devido a uma marcante alteração do humor e da volição comumente em quadro depressivo grave Por falta de motivação e interesse o paciente geralmente muito deprimido não investe sua energia no mundo não se atém aos estímulos ambientais e portanto tornase desorientado Desorientação delirante Ocorre em indivíduos que se encontram imersos em profundo estado delirante vivenciando ideias delirantes muito intensas crendo com convicção plena que estão habitando o lugar eou o tempo de seus delírios Nesses casos podese eventualmente observar a chamada dupla orientação na qual a orientação falsa delirante coexiste com a correta O paciente afirma que está no inferno cercado por demônios mas também pode reconhecer que está em uma enfermaria do hospital ou em um CAPS Pode ainda ocorrer de o indivíduo dizer em um momento que está na cadeia e que as enfermeiras são carcereiros e afirmar logo em seguida que são enfermeiras do hospital alternando sequencialmente os dois tipos de orientação Desorientação por déficit intelectual Ocorre em pessoas com deficiência intelectual DI grave ou moderada eventualmente em DI leve Nesse caso a desorientação ocorre pela incapacidade ou dificuldade em compreender aspectos complexos do ambiente e de reconhecer e interpretar as convenções sociais horários calendário etc que padronizam a orientação do indivíduo no mundo Desorientação por dissociação ou desorientação histérica Ocorre em geral em quadros dissociativos graves normalmente acompanhada de alterações da identidade pessoal fenômeno do desdobramento da personalidade e de alterações da consciência secundárias à dissociação associada ou não com personalidade histriônica antigamente chamada de estado crepuscular histérico e na atualidade de quadros dissociativos Desorientação por desagregação Ocorre em pacientes com psicose geralmente com esquizofrenia em estado crônico e avançado da doença quando o indivíduo por desagregação profunda do pensamento apresenta toda a sua atividade mental gravemente desorganizada o que o impede de se orientar de forma adequada quanto ao ambiente e quanto a si mesmo Desorientação quanto à própria idade É definida como uma discrepância de cinco anos ou mais entre a idade real e aquela que o indivíduo diz ter Tem sido descrita em alguns pacientes com esquizofrenia crônica e parece ser um fiel indicativo clínico de déficit cognitivo na esquizofrenia Crow Stevens 1978 Cabe lembrar que em indivíduos com quadros de desorientação por lesão ou disfunção cerebral o modo de recuperação do paciente quando há reversão e cura do quadro e a lesão ou disfunção não produz sequelas definitivas é o seguinte 1 inicialmente recupera a orientação quanto a si mesmo 2 depois recupera a orientação espacial e por fim 3 recupera a orientação temporal Tate Pfaff Jurjevic 2000 Em pacientes com amnésia além de desorientação nos quadros de lesões neuronais leves a recuperação da orientação tende a ocorrer antes da recuperação da amnésia Nos quadros de lesão grave a recuperação da orientação tende a ocorrer depois da recuperação da amnésia Tate Pfaff Jurjevic 2000 Pacientes com doença de Parkinson doença de Huntington TDAH e esquizofrenia podem apresentar alterações da percepção da codificação e do processamento do tempo independentemente de terem alterações do nível de consciência Teki 2016 No Quadro 144 estão resumidas as principais alterações de orientação percepção e processamento da temporalidade em transtornos neurológicos e mentais mesmo quando não há alteração do nível de consciência Para a avaliação da orientação ver o Quadro 145 Quadro 144 Alterações da orientação temporal e temporalidade em algumas condições neurológicas e em transtornos mentais TRANSTORNO ALTERAÇÕES DA ORIENTAÇÃO TEMPORAL E TEMPORALIDADE Esquizofrenia Pacientes superdimensionam intervalos de tempo quando a tarefa é verbal e subdimensionam quando a tarefa é de produção de intervalos de tempo TDAH Déficits em discriminação da duração de eventos e na reprodução e produção de duração em intervalos de tempo Anormalidades na temporalidade motora e alterações da percepção do tempo relacionadas à impulsividade Doença de Parkinson Alterações da temporalidade de ações motoras consequência de ativação inadequada do striatum e de má conectividade corticoestriatal Alterações da percepção do tempo na faixa de subsegundos e de segundos Doença de Huntington Distúrbios na performance de estimação do tempo são encontrados na fase préclínica e na fase clínica A performance piora se a tarefa for baseada em ações motoras Encefalite límbica Alteração da percepção subjetiva do tempo alteração autobiográfica da consciência da própria idade Fonte Piras e colaboradores 2014 Quadro 145 Semiotécnica da orientação Orientação temporal Que dia é hoje Qual o dia da semana Qual o dia do mês Em que mês estamos Em que ano estamos Qual a época do ano começo meio ou fim do ano Aproximadamente que horas são agora Lembrarse de que alguns sujeitos com baixa escolaridade menos de oito anos podem eventualmente apresentar dificuldades na orientação temporal e sobretudo nas noções de duração e continuidade temporal Anthony Le Resche Niaz 1982 Orientação espacial Onde estamos Como se chama a cidade em que estamos E o bairro Qual o caminho e quanto tempo leva para vir de sua casa até aqui Que edifício é este hospital ambulatório consultório etc em que estamos Em que andar estamos Orientação autopsíquica Quem é você Qual o seu nome O que faz Qual a sua profissão Quem são seus pais Qual a sua idade verificar a idade real do paciente Qual o seu estado civil Carlat 2007 sugere que se investigue a orientação do mais fácil para o mais difícil Se o paciente tiver dificuldade em responder que se pergunte Onde fica sua casa Que lugar é este Onde estamos agora Em que ano estamos Que mês Que dia da semana Que dia do mês Preaching only to the choir Who talks about the future of politics 15 As vivências do tempo e do espaço e suas alterações O segundo não o tempo é implacável Tolerase o minuto A hora suportase Admitese o dia o mês o ano a vida a possível eternidade Mas o segundo é implacável Sempre vigiando e correndo e vigiando De mim não se condói não para não perdoa Avisa talvez que a morte foi adiada ou apressada Por quantos segundos Carlos Drummond de Andrade DEFINIÇÕES BÁSICAS As vivências do tempo e do espaço constituemse como dimensões fundamentais de todas as experiências humanas O ser de modo geral só é possível nas dimensões reais e objetivas do espaço e do tempo Portanto o tempo e o espaço são ambos condicionantes fundamentais do universo humano e estruturantes básicos da nossa experiência Em seu Tratado do tempo Física IV 1014 Aristóteles busca abordar algumas das principais dificuldades teóricas sobre a natureza do tempo e a temporalidade se o tempo existe ou não e se ele é constituído por momentos presentes que se sucedem Assim movimento e repouso mudança e permanência bem como a natureza dos entes que estão submetidos ao tempo foram temas difíceis e relevantes para o grande filósofo da Antiguidade Puente Baracat Jr 2014 Mais tarde Santo Agostinho irá questionar o que é por conseguinte o tempo Se alguém me perguntar eu sei se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta já não sei Puente Baracat Jr p122 Para ele só o tempo passado e o futuro podem ser longos ou curtos apenas eles têm duração Mas como algo que não existe pode ser longo ou curto O passado e o futuro parecem ter duração mas não existência o presente existe mas não tem duração Assim esse importante filósofo medieval levantou questões difíceis e sutis sobre o tempo e a temporalidade Puente Baracat Jr 2014 Para o físico Isaac Newton 16431727 e o filósofo Gottfried W Leibniz 16461716 o espaço e o tempo produzemse exclusivamente fora do homem e têm uma realidade objetiva plena São realidades independentes do ser humano Em contraposição a essa noção o filósofo alemão Immanuel Kant 1724 1804 defende que o espaço e o tempo são dimensões básicas que possibilitam todo e qualquer conhecimento intrínsecas ao ser humano como ser cognoscente Segundo ele não se pode conhecer realmente nada que exista fora do tempo e do espaço Para o filósofo alemão entidades que pairam fora do tempo e do espaço como Deus a liberdade ou a alma humana não podem ser propriamente conhecidas Podese pensar sobre elas mas nunca conhecêlas objetivamente pois não se dão no tempo e no espaço Nesse sentido Kant acrescenta à visão de Newton a dimensão subjetiva do tempo e do espaço elevandoos ao status de categorias do conhecimento humano Para o filósofo o tempo e o espaço são entidades potenciais ou ocas isto é embora sejam absolutamente necessárias ao conhecimento e se encontrem presentes no interior do homem só adquirem plena realidade quando preenchidas por objetos do conhecimento Para o filósofo francês Henri Bergson 18591941 uma das principais dificuldades para compreender o que o tempo realmente é originase na história da filosofia quando o espaço e o tempo foram considerados como do mesmo gênero Estudouse o espaço determinouse sua natureza e sua função depois transportaramse para o tempo as conclusões obtidas Para passar de um a outro foi suficiente mudar uma palavra justaposição por sucessão Segundo esse filósofo o problema é que os pensadores sempre se referiram à duração temporalidade como uma extensão espacialidade Quando evocamos o tempo é o espaço que responde ao chamado Bergson 1984 Ao tentar estudar o movimento o fluir da vida e das coisas a inteligência se concentrou em uma série de posições fixas sucessivas Bergson 1984 propõe que para captar o que realmente o tempo é o que significa a duração devese abandonar tal atitude Diz ele Abandonemos esta representação intelectual do movimento que o desenha como uma série de posições Vamos direto a ele consideremolo sem conceitos interpostos nós o vemos simples e uno A essência da duração está em fluir nunca veremos algo que dure ao nos atermos ao estável acoplado ao estável O tempo a duração o movimento é o contrário é o fluxo é a continuidade de transição a mudança ela mesma Esta mudança é indivisível Bergson 1984 p 103 Os filósofos existencialistas também deram grande ênfase à questão da temporalidade Para eles o tempo não é simplesmente um objeto real exterior ao homem como queria Newton nem uma entidade oca como postulava Kant mas um dos elementos constituintes do ser Para Martin Heidegger 18891976 o homem deve ser compreendido pelas condições básicas do estarser no mundo estarser com os outros e fundamentalmente como ser para a morte Assim a morte e por consequência a temporalidade definem a condição humana Para o filósofo alemão analisar o tempo é observar o homem em sua maior contradição a tensão permanente entre permanência e transitoriedade poder e impotência desejo pela vida e irremediavelmente marcado pela inevitável morte Por fim cabe ressaltar que a dimensão temporal da experiência humana relacionase com os chamados ritmos biológicos Os de maior importância para a psicopatologia são o ritmo circadiano dura cerca de 24 horas alternandose o dia e a noite os ritmos mensais relacionados principalmente ao ciclo menstrual dura cerca de 28 dias as variações sazonais as quatro estações do ano e as grandes fases e marcos da vida humana gestação nascimento infância adolescência período adulto velhice e morte Muitos dos ritmos biológicos associamse tanto a flutuações hormonais e bioquímicas como a símbolos culturais datas festivas representações culturais das fases da vida ritos de passagem etc contribuindo para a determinação do estado mental do indivíduo PERCEPÇÃO DO TEMPO E SENSO DE REALIDADE O neurocientista Armin Schnider 2013 identificou uma série de pacientes com desorientação temporal e confabulação cuja neuroimagem revelava certas lesões neurológicas que implicavam a perda da capacidade de discriminar entre um evento ou pensamento ocorridos no passado e algo que está ocorrendo no momento Tal discriminação é essencial para o contato com a realidade para se discriminar o que é real acontecendo neste momento conosco do que é uma lembrança passada ou uma fantasia relacionada ao futuro de fato neuropsicologicamente construir um futuro em nossa mente utiliza os mesmos mecanismos neurais da construção mental de nosso passado Schnider 2013 Todos os 14 pacientes de Schnider tinham algo em comum a principal área lesada situavase em uma área filogeneticamente antiga do cérebro o córtex orbitofrontal medial posterior Assim Schnider postulou que para a discriminação do que é real em relação ao que é lembrança ou fantasia é essencial a integridade dessa área do lobo frontal que realiza o que os neuropsicólogos chamam de filtragem da realidade reality filtering Dessa forma formulouse a hipótese de que um dos componentes importantes da construção mental da realidade seria a chamada orbitofrontal reality filtering Liverani et al 2016 Qualidades da vivência de tempo A experiência da temporalidade é fundamental para o senso de coerência e continuidade do self e da identidade pessoal Stanghellini et al 2016 Vários elementos compõem a experiência de temporalidade percepção do tempo estimação prospectiva e retrospectiva de intervalos percepção da duração experiência da passagem do tempo e duração antecipada Assim como salienta Marc Wittmann 2009 a experiência da temporalidade é influenciada de forma muito marcante pelos estados afetivos e emoções assim como pelas experiências de vivências corporais embodiment Dessa forma quando falamos do tempo usamos expressões como aqueles 40 minutos de dor intensa parecem ter durado um século as duas horas de espera pelo retorno de meu filho duraram uma eternidade ou estava tão alegre com minha namorada que o tempo voou não percebi que se passaram três horas Além desses elementos afetivos a percepção do tempo é também influenciada por outros aspectos cognitivos como atenção memória de trabalho e memória de longo prazo Wittmann 2009 De toda forma é inquestionável que a vida psíquica além de ocorrer e se configurar no tempo tem ela mesma um aspecto especificamente temporal e por isso é legítima a distinção do tempo em tempo subjetivo interior pessoal e tempo objetivo exterior cronológico mensurável Muitas vezes ocorre certo descompasso entre o tempo subjetivo e o cronológico Tal discrepância pode ser tanto um fenômeno primário uma legítima alteração da consciência do tempo como um fenômeno secundário decorrente de alterações da consciência da memória do pensamento etc O poeta Fernando Pessoa 18881935 ilustra a dessincronia que pode existir entre o tempo cronológico objetivo e o subjetivo vivenciado internamente pelo indivíduo algo próximo à duração de Bergson Viajei Julgo inútil explicarvos que não levei meses nem dias nem outra quantidade qualquer de medida de tempo a viajar Viajei no tempo é certo mas não do lado de cá do tempo onde o contamos por horas dias e meses foi do outro lado do tempo que eu viajei onde o tempo se não conta por medida Decorre mas sem que seja possível medilo É como que mais rápido que o tempo que vimos vivernos Pessoa 1995 p 293 ESPAÇO E TEMPO PROFANOS E SAGRADOS Segundo o historiador Mircea Eliade 1992 o espaço e o tempo têm qualidades particulares e diferentes para o homem religioso em relação ao não religioso Para o primeiro o espaço não é homogêneo apresenta rupturas quebras O espaço sagrado é forte significativo o único que para o homem religioso é de fato real que existe realmente O espaço sagrado constitui uma experiência primordial que corresponde à fundação do mundo Para o indivíduo devoto de uma religião o templo faz parte de um espaço diferente da rua onde ele se encontra A porta que se abre para o interior do templo significa o limiar que separa dois modos de ser o profano e o religioso é a fronteira que distingue e opõe dois mundos mas ao mesmo tempo a via pela qual esses dois mundos se comunicam Da mesma forma por meio dos ritos o homem religioso passa da duração temporal ordinária para o tempo sagrado Esse é um tempo indefinidamente recuperável repetitivo por tratarse de um tempo mítico e primordial tornado presente por meio do rito da festa religiosa Segundo Eliade 1992 p 38 toda festa religiosa todo tempo litúrgico representa a reatualização de um evento sagrado que teve lugar num passado mítico nos primórdios ANORMALIDADES DA VIVÊNCIA DO TEMPO E RITMO PSÍQUICO NAS SÍNDROMES DEPRESSIVAS E MANÍACAS Embora em quadros depressivos leves pareça haver uma percepção do tempo mais precisa fenômeno chamado de realismo depressivo Kornbrot et al 2013 nos graves a passagem do tempo é percebida como lenta e vagarosa Em contrapartida nos estados maníacos é percebida como rápida e acelerada O ritmo psíquico também é oposto nesses dois transtornos na mania há taquipsiquismo geral com aceleração de todas as funções psíquicas pensamento psicomotricidade linguagem etc e na depressão grave ocorre bradipsiquismo com lentificação de todas as atividades mentais Kitamura Kumar 1982 Ilusão sobre a duração do tempo Tratase da deformação acentuada da percepção da duração temporal Ocorre sobretudo nas intoxicações por alucinógenos ou psicoestimulantes cocaína anfetamina etc nas fases agudas e iniciais das psicoses e em situações emocionais especiais e intensas Acontece também quando são recebidas por exemplo muitas informações novas o tempo pode parecer transcorrer de modo extremamente veloz ou comprimido ou de forma muito lenta e dilatada Atomização do tempo Vivemos no tempo presente em um agora que se vincula intimamente aos acontecimentos passados e às possibilidades do porvir A alteração ou a falta dessa experiência subjetiva natural do fluir temporal decorrente da perda ou do enfraquecimento de ambas as margens do tempo passado e futuro produz uma redução quase puntiforme ou atomizada do tempo fazendoo parecer uma sucessão de pontos presentes que não se articulam entre si O indivíduo não consegue inserirse naturalmente na continuidade do devir adere a momentos quase descontínuos Esse fenômeno ocorre nos estados de exaltação e agitação maníaca geralmente acompanhados da chamada fuga de ideias e de distraibilidade intensa Inibição da sensação de fluir do tempo inibição do devir subjetivo A experiência normal do tempo implica a ampliação de um agora que se estende ao passado e se dirige ao porvir Implica também um movimento mental que integra o fluir dos acontecimentos objetivos e externos à dimensão temporal subjetiva ou seja ao devir da vida subjetiva A anormalidade da sensação do fluir do tempo corresponde à falta da sensação do avançar subjetivo do tempo na qual o sujeito perde o sincronismo entre o passar do tempo objetivo cronológico e o fluir de seu tempo interno Isso ocorre em síndromes depressivas graves Certos pacientes com depressão grave expressam sua vivência do tempo dizendo que o tempo encolheu que não passa deixou de fluir ou que está passando muito mais devagar que o normal Indivíduos muito ansiosos descrevem uma pressão temporal como se o tempo de que dispõem fosse sempre insuficiente Sinto que nunca vou dar conta de fazer o que devo fazer em determinado período Pacientes com transtorno obsessivocompulsivo TOC grave ocasionalmente experimentam uma lentificação enorme de todas as atividades sobretudo quando devem completar alguma tarefa Alterações da vivência do tempo na esquizofrenia Pacientes com esquizofrenia sobretudo em surtos agudos apresentam importantes alterações da vivência do tempo Podese descrever tais alterações como fundadas na desarticulação e quebra do aspecto natural préreflexivo que caracteriza a vivência normal do tempo A experiência temporal em pessoas com esquizofrenia sobretudo nos períodos de agudização é marcada pela fragmentação que se verifica pela alteração da percepção do fluir do tempo bem como por vivências anormais como déjà vu e déjà vecu e estranhamento do tempo passado e futuro relacionados a delírios e alucinações Stanghellini et al 2016 Alguns pacientes com esquizofrenia experimentam certa passividade em relação ao fluir do tempo sentem que sua percepção temporal é controlada por uma instância exterior ao seu Eu Outros geralmente mais graves sofrem verdadeira desintegração da sensação do tempo e do espaço As alterações das vivências do tempo de modo geral estão associadas a alterações da experiência do self marcantes na esquizofrenia Stanghellini et al 2016 ANORMALIDADES DA VIVÊNCIA DO ESPAÇO No estado de êxtase há perda das fronteiras entre o eu e o mundo exterior Nesse caso que também pode ser classificado como transtorno da consciência do eu o sujeito sente como se estivesse fundido ao mundo exterior López Ibor 1957 A vivência do espaço no indivíduo em estado maníaco é a de um espaço extremamente dilatado e amplo que invade o das outras pessoas O paciente desconhece as fronteiras espaciais e vive como se todo o espaço exterior fosse seu Esse espaço não oferece resistências ao seu eu Nos quadros depressivos o espaço exterior pode ser vivenciado como muito encolhido contraído escuro e pouco penetrável pelo indivíduo e pelos outros Já o paciente com quadro paranoide vivencia seu espaço interior como invadido por aspectos ameaçadores perigosos e hostis do mundo O espaço exterior é em princípio invasivo fonte de perigos e ameaças No caso do indivíduo com agorafobia o espaço exterior é percebido como sufocante pesado perigoso e potencialmente aniquilador Only half of Americans know with any degree of confidence if the person they will vote for is a Republican or Democrat 51 mentioned a political party without being prompted while 44 mentioned an issue or a value and 5 said dont know 16 A sensopercepção e suas alterações incluindo a representação e a imaginação DEFINIÇÕES BÁSICAS Todas as informações do ambiente necessárias à sobrevivência do indivíduo chegam até o organismo por meio das sensações Os diferentes estímulos físicos luz som calor pressão etc ou químicos substâncias com sabor ou odor estímulos sobre as mucosas e a pele agem sobre os órgãos dos sentidos estimulando os diversos receptores e assim produzindo as sensações O ambiente fornece constantemente informações sensoriais ao organismo que por intermédio delas se autorregula e organiza suas ações voltadas à sobrevivência ou à interação com o mundo com as outras pessoas Goldstein 2010 Definese sensação como o fenômeno elementar gerado por estímulos físicos químicos ou biológicos variados originados fora ou dentro do organismo que produzem alterações nos órgãos receptores estimulandoos Os estímulos sensoriais fornecem a alimentação sensorial aos sistemas de informação do organismo As diferentes formas de sensação são geradas por estímulos sensoriais específicos como visuais táteis auditivos olfativos gustativos proprioceptivos e cinestésicos Goldstein 2010 Por percepção entendese a tomada de consciência pelo indivíduo do estímulo sensorial Arbitrariamente então se atribui à sensação a dimensão neuronal ainda não plenamente consciente no processo de sensopercepção Já a percepção diz respeito à dimensão propriamente neuropsicológica e psicológica do processo à transformação de estímulos puramente sensoriais em fenômenos perceptivos conscientes Grondin 2016 Nessa linha de raciocínio Piéron 1996 define percepção como a tomada de conhecimento sensorial de objetos ou de fatos exteriores mais ou menos complexos A sensação é considerada portanto um fenômeno passivo estímulos físicos luz som pressão ou químicos atuam sobre sistemas de recepção do organismo 1 Já a percepção seria fenômeno ativo o sistema nervoso e a mente do sujeito constroem um percepto por meio da síntese dos estímulos sensoriais confrontados com experiências passadas registradas na memória e com o contexto sociocultural em que vive o indivíduo e que atribui significado às experiências Tal percepto ou seja a percepção final é dessa forma apreendido pelo sujeito consciente Nos dias atuais afirmase que a percepção não resulta simples e passivamente do conjunto de estímulos e sensações é o produto ativo criativo e pessoal de experiências que partem de estímulos sensoriais mas são recriadas na mente de quem percebe algo Por exemplo a percepção visual de uma mesa a partir da sensação visual de quatro troncos e de uma tábua acima deles só é possível por sujeitos que pertencem a sociedades que fabricam mesas e lhes dão o significado de determinado móvel Fora desse contexto o objeto percebido não apresenta o caráter total do percepto mesa Goldstein 2010 Grondin 2016 Já a diferença proposta entre percepção e apercepção é mais sutil e controversa O termo apercepção foi introduzido pelo filósofo Gottfried Wilhelm Leibniz 16461716 e significa a plena entrada de uma percepção na consciência e sua articulação com os demais elementos psíquicos Para ele aperceber é perceber algo integralmente com clareza e plenitude por meio de reconhecimento ou identificação do material percebido com o preexistente Carl Gustav Jung 18751961 definia a apercepção como um processo psíquico em virtude do qual um novo conteúdo é articulado de tal modo a conteúdos semelhantes já dados que se pode considerar imediatamente claro e compreendido Sharp 1991 Nesse caso a apercepção seria propriamente uma gnosia ou seja o pleno reconhecimento de um objeto percebido Cabral Nick 1996 Devese ressaltar que a maioria dos autores em psicologia e psicopatologia não faz diferença entre percepção e apercepção Da mesma forma vários psicopatólogos preferem não separar a sensação da percepção e denominam o fenômeno de sensopercepção DELIMITAÇÃO DOS CONCEITOS DE IMAGEM REPRESENTAÇÃO E IMAGINAÇÃO O elemento básico do processo de sensopercepção é a imagem perceptiva real ou simplesmente imagem A imagem sensoperceptiva se caracteriza 2 pelas seguintes qualidades nitidez a imagem é nítida seus contornos são precisos corporeidade a imagem é viva corpórea tem luz brilho e cores vivas estabilidade a imagem percebida é estável enquanto estiver presente o objeto estimulador a imagem não muda de um momento para outro extrojeção a imagem provinda do espaço exterior também é percebida nesse espaço ininfluenciabilidade voluntária o indivíduo não consegue alterar voluntariamente a imagem percebida completude a imagem apresenta desenho completo e determinado com todos os detalhes diante do observador É preciso distinguir o fenômeno imagem do fenômeno representação Diferentemente da imagem sensoperceptiva real a representação ou imagem representativa ou mnêmica se caracteriza por ser apenas uma revivescência de uma imagem sensoperceptiva determinada sem que esteja presente o objeto original que a produziu A diferença entre a experiência vívida da sensopercepção e as experiências da imaginação e da representação é bem descrita pelo criador da psicologia empírica o filósofo inglês David Hume 17111776 Todos admitirão sem hesitar que existe uma considerável diferença entre as percepções da mente quando o homem sente a dor de um calor excessivo ou o prazer de um ar moderadamente tépido e quando relembra mais tarde essa sensação ou a antecipa pela imaginação Essas faculdades podem remedar ou copiar as percepções dos sentidos mas jamais atingirão a força e a vivacidade do sentimento original O máximo que podemos dizer delas mesmo quando operam com todo o seu vigor é que representam o seu objeto de maneira tão viva que quase se poderia dizer que os vemos ou sentimos O mais vivo pensamento é ainda inferior à mais embotada das sensações Hume 1973 p 134 Representação é portanto a reapresentação de uma imagem na consciência sem a presença real externa do objeto que em um primeiro momento gerou uma imagem sensorial A representação imagem representativa ou mnêmica se caracteriza por pouca nitidez os contornos geralmente são borrados 3 pouca corporeidade a representação não tem a vida de uma imagem real instabilidade a representação aparece e desaparece facilmente do campo de consciência introjeção a representação é percebida no espaço interno incompletude a representação demonstra um desenho indeterminado apresentandose geralmente incompleta e apenas com alguns detalhes Existem alguns subtipos de imagem representativa Imagem eidética eidetismo É a evocação de uma imagem guardada na memória ou seja de uma representação de forma muito precisa com características semelhantes à percepção A imagem eidética é experimentada por alguns indivíduos que por uma capacidade excepcional conseguem ver em sua mente uma representação de um objeto com tamanha nitidez e clareza uma cadeira a face de uma pessoa etc que parecem ser percepções e não representações A evocação de uma imagem eidética é voluntária e não significa necessariamente sintoma de transtorno mental Pareidolias São na verdade um misto de percepção e representação São imagens visualizadas voluntariamente a partir de estímulos imprecisos do ambiente Ao olhar uma nuvem e poder ver nela um gato ou um elefante a criança está experimentando o que se denomina pareidolia A imaginação é uma atividade psíquica geralmente voluntária que consiste na evocação de imagens percebidas no passado imagem mnêmica ou na criação de novas imagens imagem criada A imaginação ou processo de produção de imagens geralmente ocorre na ausência de estímulos sensoriais A fantasia ou fantasma é uma forma de imaginação uma produção imaginativa produto minimamente organizado do processo imaginativo No sentido psicanalítico a fantasia pode ser consciente ou inconsciente Ela se origina de desejos temores e conflitos tanto conscientes como inconscientes A produção de fantasias é muito frequente e intensa em crianças e tem uma importante função psicológica ajudar o indivíduo a lidar com as frustrações com o desconhecido e de modo geral com seus conflitos Muitas pessoas encontram grande prazer em suas atividades fantasmáticas e os profissionais da criatividade artistas inventores poetas etc dependem basicamente de sua capacidade de produzir desenvolver e elaborar fantasias NOVAS PERSPECTIVAS SOBRE FENÔMENOS PERCEPTIVOS ESTUDOS SOBRE VISÃO CEGA E PERCEPÇÃO CEGA DE ODORES O interessante fenômeno da visão cega blindsight é uma condição em que o sujeito acometido responde a um estímulo visual mas não consegue ter consciência dele não percebe conscientemente o estímulo visual Assim algumas pessoas cegas processam estímulos visuais que elas conscientemente não enxergam revisão em Weiskrantz 2009 Os casos de visão cega foram descritos em pessoas com cegueira visual central ou seja que ficaram cegas por terem perdido por tumor hemorragia isquemia etc a área cerebral cortical responsável pela visão que é a área do córtex estriatal occipital área 17 de Brodmann ou V1 Lesões completas bilaterais na área V1 produzem cegueira total se ocorrer em só um dos hemisférios cerebrais a cegueira será de apenas um dos hemicampos da visão Weiskrantz 2009 Em algumas pessoas com tal cegueira quando se fazem testes com estímulos visuais elas embora relatem que nada enxergaram seguem com movimentos oculares esses estímulos visuais Em dois casos detalhadamente estudados Weiskrantz 2009 dos pacientes DB e GY que tiveram um dos campos visuais perdidos pela remoção de tumor do córtex estriatal occipital a visão cega foi constatada Ao se testar o campo cego de pacientes como DB e GY verificouse que eles desempenhavam corretamente com acertos claramente acima do acaso tarefas visuais como acertar a posição a orientação e o movimento de estímulos visuais A explicação mais plausível para o fenômeno reside na neuroanatomia do sistema visual Esse sistema tem duas vias neuronais A primeira via retino genículoestriatal da retina para o núcleo geniculado lateral do tálamo chegando ao córtex estriado occipital é uma via neuronal filogeneticamente nova responsável pela visão consciente Há uma segunda via para os estímulos visuais filogeneticamente mais antiga que é a via retinotectopulvinar extraestriado da retina para o colículo superior e depois para o pulvinar do tálamo chegando ao córtex occipital extraestriatal Essa segunda via recebe estímulos visuais que chegam ao córtex extraestriado área que não torna a visão consciente Assim sem ter consciência o organismo recebe informações visuais as quais de alguma forma são processadas sem que o indivíduo perceba o estímulo Weiskrantz 2009 Em pacientes com visão cega embora o córtex estriado visual tenha sido totalmente danificado estímulos visuais que chegam aos olhos e são transmitidos pelo nervo óptico para as áreas do córtex occipital extraestriatal informam o organismo sobre os estímulos mas não há percepção consciente de tal estímulo visual Recentemente Zucco Priftis e Stevenson 2015 descreveram fenômeno análogo que denominaram percepção olfativa sem consciência Em experimentos distintos pessoas são expostas a odores agradáveis e desagradáveis em nível subliminar Mesmo sem perceber conscientemente esses odores respondem a tais estímulos ficam satisfeitas com os agradáveis e irritadas tristes com os desagradáveis Ao que parece o olfato consciente é processado pelo giro frontal inferior e outras áreas das vias olfativas localizadas no tálamo recebem estímulos olfativos e dirigem a atenção para eles sem haver processamento consciente do fenômeno Por fim cabe mencionar a linha de pesquisa que revela que estímulos externos com conotação emocional mesmo quando expostos aos indivíduos em nível perceptivo subliminar em que não há percepção consciente do estímulo ativam áreas da amígdala relacionadas à emoção em questão e produzem reações emocionais no indivíduo Dessa forma é possível com estímulos externos excitar áreas emocionais do cérebro e desencadear reações emocionais mudanças em ações expressivas e instrumentais respostas neuroendócrinas e psicofisiológicas assim como modulação de comportamentos motivados nas pessoas sem que elas tenham consciência da emoção ver revisão em Diano et al 2017 Essas linhas de pesquisam revelam que os fenômenos da sensopercepção são extremamente ricos e complexos e envolvem tanto processos cognitivos conscientes como fenômenos importantes que ocorrem fora do campo da consciência ALTERAÇÕES DA SENSOPERCEPÇÃO As alterações da sensopercepção como as alucinações as ilusões visuais e outros fenômenos desse tipo têm intrigado os estudiosos há séculos Lucrécio 9655 aC o filósofo epicurista da Roma antiga manifesta seu assombro com tais fenômenos da seguinte maneira donde provém a alma e qual é a sua natureza e quais são essas coisas que vindo ao encontro da gente acordada mas abalada pela doença ou mergulhada no sono aterrorizam os espíritos dandonos a ilusão de que estão diante de nós e os podemos ouvir aqueles cujos ossos tocados pela morte se encontram recobertos de terra Lucrécio 1973 p 41 Alterações quantitativas da sensopercepção Biller Gruener Brazis 2011 Fuller 2013 Nas alterações quantitativas as imagens perceptivas têm intensidade anormal para mais ou para menos configurando hiperestesias hiperpatias hipoestesias anestesias e analgesias Eventualmente esses termos são empregados em neurologia com um sentido um pouco diverso do utilizado em psicopatologia A hiperestesia no sentido psicopatológico é a condição na qual as percepções encontramse anormalmente aumentadas em sua intensidade ou duração Os sons são ouvidos de forma muito amplificada um ruído parece um estrondo as imagens visuais e as cores tornamse mais vivas e intensas A hiperestesia ocorre nas intoxicações por alucinógenos como a dietilamida do ácido lisérgico LSD eventualmente também após a ingestão de substâncias como cocaína maconha harmina e harmalina estas duas últimas contidas na beberagem Ayahuasca de uso ritual nas religiões Santo Daime e União do Vegetal em algumas formas de epilepsia e na enxaqueca Embora raramente também pode surgir no hipertireoidismo na esquizofrenia aguda e em certos quadros maníacos Denominase hiperpatia no sentido neurológico quando uma sensação desagradável geralmente de queimação dolorosa é produzida por um leve estímulo da pele A hiperpatia costuma ocorrer nas síndromes talâmicas Já a hipoestesia no sentido psicopatológico é observada em alguns pacientes com depressão grave nos quais o mundo circundante é percebido como mais escuro as cores tornamse mais pálidas e sem brilho os alimentos não têm mais sabor e os odores perdem sua intensidade As hipoestesias táteis com sentido neurológico são alterações localizadas em territórios cutâneos de inervação anatomicamente determinada compondo as chamadas síndromes sensitivas de interesse à neurologia clínica As mais comuns são decorrentes de lesões da medula das raízes medulares dos nervos hipoestesia em faixa e dos neurônios periféricos hipoestesias em bota e em luva das várias polineuropatias Por sua vez as anestesias táteis implicam a perda da sensação tátil em determinada área da pele Usase com frequência o termo anestesia para indicar também analgesias perda das sensações dolorosas de áreas da pele e partes do corpo Anestesias hipoestesias e analgesias em áreas que não correspondem a territórios de nervos anatomicamente definidos em geral são de causa psicogenética com fatores emocionais em sua base Tais alterações ocorrem mais em pacientes com transtornos histéricos conversão histérica em sujeitos com alto grau de sugestionabilidade e em alguns quadros depressivos e psicóticos graves Por fim fenômenos e termos próximos aos recémdescritos são as parestesias e as disestesias Eles se referem a alterações da sensopercepção sobretudo do sentido tátil e doloroso associadas mais frequentemente a doenças neurológicas Parestesias são sensações táteis desagradáveis embora não sentidas propriamente como dor em geral espontâneas descritas pelos pacientes como formigamentos adormecimentos picadas agulhadas ou queimação mais ou menos intensas Uma forma fisiológica não patológica de parestesia é a chamada parestesia de Berger que ocorre quando um sujeito cruza as pernas por longo tempo e passa a sentir formigamento adormecimento e fraqueza em parte do membro por compressão transitória do nervo correspondente As disestesias táteis são sensações anômalas em geral dolorosas desencadeadas por estímulos externos assim ao estimular a pele do paciente com calor este refere sensação de frio e após um leve roçar sobre a pele refere dor aqui a disestesia assemelhase à hiperpatia As parestesias diferem das disestesias pelo fato de aquelas ocorrerem de forma espontânea e estas serem desencadeadas por estímulos externos Parestesias e disestesias ocorrem em doenças dos nervos como neuropatia diabética periférica mononeurite diabética neuropatia por carências nutricionais ou outras neuropatias de natureza alcoólica amiloide ou carcinomatosa Também podem ocorrer na esclerose múltipla e na síndrome de GuillainBarré Algumas disestesias e parestesias corporais quando de origem não neurológica podem acometer pacientes com transtornos conversivos quadros hipocondríacos graves quadros ansiosos com marcante somatização e ocasionalmente indivíduos submetidos a estados emocionais intensos Alterações qualitativas da sensopercepção 1 2 3 As alterações qualitativas da sensopercepção são as mais importantes em psicopatologia Compreendem as ilusões as alucinações a alucinose e a pseudoalucinação A primeira diferenciação importante entre tais alterações foi proposta pelo alienista francês JeanÉtienne Dominique Esquirol 17721840 em 1817 Esquirol propôs diferenciar ilusão e alucinação Ele afirmou Um homem que tem a convicção íntima de estar percebendo uma sensação estímulo sensorial para a qual não há objeto externo estimulante está então em um estado de alucinação é um visionário alucinado Esquirol 2004 p 107 As alucinações prossegue Esquirol não são falsas sensações ilusões dos sentidos percepções errôneas ou erros da sensibilidade orgânica apud Berrios 1996 p 37 Dessa forma Esquirol propõe uma clara diferenciação entre alucinações verdadeiras e as ilusões dos sentidos ou simplesmente ilusão O fenômeno descrito como ilusão se caracteriza pela percepção deformada alterada de um objeto real e presente Na ilusão há sempre um objeto externo real gerador do processo de sensopercepção mas tal percepção é deformada adulterada por fatores patológicos diversos As ilusões ocorrem basicamente em três condições Estados de rebaixamento do nível de consciência Por turvação da consciência a percepção tornase imprecisa fazendo os estímulos sensoriais reais serem percebidos de modo deformado Estados de fadiga grave ou de inatenção marcante Podem ocorrer ilusões transitórias e sem muita importância clínica Alguns estados afetivos Por sua acentuada intensidade o afeto pode deformar o processo de sensopercepção gerando as chamadas ilusões catatímicas Tipos de ilusão As ilusões mais comuns são as ilusões visuais nas quais o paciente geralmente vê pessoas monstros animais entre outras coisas a partir de estímulos visuais como móveis roupas objetos ou figuras penduradas nas paredes Também não são raras as ilusões auditivas nas quais a partir de estímulos sonoros inespecíficos o paciente ouve seu nome palavras significativas ou chamamentos Ilusões em diferentes transtornos mentais As ilusões são encontradas com maior frequência nos quadros de delirium em que há rebaixamento do nível de consciência e consequente distorção do processo perceptivo Há nessa síndrome uma perturbação da capacidade de perceber com clareza ficando o indivíduo mais suscetível a experimentar as ilusões dos sentidos Por exemplo um crucifixo na parede parece um morcego pronto para atacar o paciente ou uma roupa pendurada no cabide parece uma pessoa ou um monstro que irá atacálo Em quadros marcantes de alterações do humor e da afetividade como estados intensos de medo e ansiedade mais frequentes em pessoas com quadros de depressão e ansiedade e em transtornos da personalidade o sujeito pode experimentar as chamadas ilusões catatímicas ouve alguém desprezálo ou ofendêlo a mãe temerosa com a segurança da filha ouve de ruídos ao longe a voz de sua filha Ao voltar para casa à noite em bairro escuro cada sombra de árvore parece um assaltante pronto para atacála Cabe destacar que a psicologia experimental tem desde o século XIX até o presente utilizado do fenômeno ilusões dos sentidos para a investigação de processos sensoperceptivos na população sadia e em transtornos mentais Há os seguintes tipos de ilusões ilusões relacionadas ao próprio corpo como o paradigma experimental da ilusão da mão de borracha rubber hand ilusion ilusões visuais deflagradas por paradigmas experimentais como as ilusões de Ebbinghaus de Hering ou dos círculos de Titchener de MüllerLyer de Ponzo e as figuras ilusórias de Kanizsa ilusões relacionadas a objetos móveis ilusão de Frohlich ilusões de peso e tamanho e ilusões relacionadas à percepção de palavras faladas Esses paradigmas experimentais têm sido utilizados sobretudo na pesquisa sobre processos sensoperceptivos na esquizofrenia Notredame et al 2014 mas também no autismo na dismorfofobia e no transtorno obsessivocompulsivo TOC A ilusão de distorção da imagem da própria face no espelho é bem descrita na esquizofrenia tendo sido também descrita em adolescentes com traços esquizotípicos FonsecaPedrero et al 2015 Alucinações Definese alucinação desde a primeira metade do século XIX a época de Esquirol como a percepção de um objeto sem que este esteja presente sem o estímulo sensorial respectivo Há aqui certa dificuldade conceitual se a percepção é um fenômeno sensorial que obrigatoriamente inclui um objeto estimulante as formas de uma bola o ruído de uma voz o odor de uma substância química e um sujeito receptor como podese falar em percepção sem objeto Entretanto a clínica registra indivíduos que percebem perfeitamente uma voz ou uma imagem com todas as características de uma percepção normal mas sem a presença real do objeto Eis um desafio conceitual que a patologia mental coloca à psicologia do normal Ey 2009 Portanto alucinação é a percepção clara e definida de um objeto voz ruído imagem sem a presença de objeto estimulante real Alguns autores chamam de alucinações verdadeiras aquelas que têm todas as características de uma imagem perceptiva real nitidez corporeidade projeção no espaço exterior constância As alucinações na grande maioria dos casos são percebidas pelos dois ouvidos dois olhos duas narinas Entretanto casos raros que implicam apenas um ouvido um olho ou uma narina ou apenas um hemicampo visual também foram descritos Aleman Larøi 2008 Alucinações em pessoas sem transtorno mental Embora as alucinações sejam mais comuns em indivíduos com transtornos mentais graves sobretudo nas psicoses podem ocorrer também em pessoas que não apresentam tais condições Behrendt Young 2004 Diversos estudos revelam que alucinações de qualquer tipo mas sobretudo visuais e auditivas ocorrem na população sadia com prevalência de 2 a 28 a mediana em torno de 10 e incidência anual de 4 a 5 sendo as alucinações visuais mais comuns que as auditivas Tien 1991 Van Os Hanssen Bijl Ravelli 2000 Strauss 1969 Scott et al 2006 Na África do Sul um estudo com 4250 indivíduos da comunidade revelou que 125 apresentavam alucinações essas pessoas tinham mais dificuldades em seus papéis sociais mais busca de serviços de saúde e mais tendências suicidas revelando o significado clínico de tal fenômeno em populações não clínicas Temmingh 2011 As alucinações em populações não clínicas podem dessa forma implicar formas atenuadas ainda sem expressão clínica de psicoses fases préclínicas que precedem o eclodir de psicoses Entretanto podem ainda não estar no continuum com a psicose clínica mas associadas a ansiedade e depressão ou ainda não ter qualquer significado clínico e sim significados culturais As diferenças das alucinações entre as populações clínicas sobretudo de pacientes psicóticos e não clínicas incluem em populações clínicas ocorrem com mais intensidade e duração do que nas populações não clínicas as alucinações verbais ocorrem com mais frequência sobretudo nas psicoses esquizofrênicas e são percebidas como algo fora do controle e desprazeroso Nas populações não clínicas predominam as alucinações visuais em relação às audioverbais as pessoas sentem que têm mais controle sobre as alucinações e elas não são tão desprazerosas como nas psicoses Além disso parece haver mais alucinações em populações não clínicas que residem em áreas urbanas Leede Smith Barkus 2013 Alucinações estresse ansiedade e problemas do sono Alucinações muitas vezes geram desconforto ansiedade e sentimentos negativos Entretanto há uma consistente linha de pesquisa que revela como humor e emoções negativas ansiedade estresse e disforias em geral têm o poder de desencadear as alucinações em pessoas vulneráveis Assim em uma ampla e cuidadosa revisão Ratcliffe e Wilkinson 2016 mostram como a ansiedade pode ser um fator importante ao desencadear alucinações auditivas com vozes acusativas humilhantes e ameaçadoras Sarah Reeve e colaboradores por meio de detalhada revisão de 66 estudos mostram como problemas no sono e sono ruim estão associados à eclosão de alucinações e delírios em pessoas com transtornos psicóticos Reeve et al 2015 Verificouse também que sintomas psicóticos delírios e alucinações audioverbais ocorrem associados a suscetibilidade aumentada ao estresse preocupação aumentada com ameaças e estresses mínimos que são aberrantemente salientes para pessoas vulneráveis com alto risco para psicose ou já no primeiro episódio de psicose Reininghaus et al 2016 A Figura 161 apresenta a relação entre estresses e alucinações Figura 161 Esquema da relação entre estresses e alucinações Tipos de alucinações mais importantes na clínica Alucinações auditivas As alucinações auditivas são o tipo de alucinação mais frequente nos transtornos mentais mas não nos transtornos neurológicos nos quais preponderam as alucinações visuais Elas podem ser divididas em simples e complexas estas de maior interesse à psicopatologia Alucinações auditivas simples são aquelas nas quais se ouvem apenas ruídos primários Elas são menos frequentes que as alucinações auditivas complexas Alucinações auditivas simples o tinnitus A principal forma de algo que poderíamos chamar de alucinação auditiva simples audição de ruídos primários é o tinnitus ou tinnitus aurium Ele corresponde à sensação subjetiva de ouvir ruídos em um ou nos dois ouvidos mais frequentemente zumbidos mas também eventualmente burburinhos cliques e estalidos Podem ser contínuos intermitentes ou pulsáteis nesse caso o ruído pode ocorrer em sincronia com os batimentos cardíacos Kreuzer et al 2013 O tinnitus em geral é decorrente de doenças ou alterações do sistema auditivo ouvido externo ou médio cóclea nervo acústico e de conexões auditivas centrais sendo com frequência acompanhado de perda auditiva hipoacusia sensórioneural ou de condução A condição ocorre em 5 a 15 da população em geral depois dos 60 anos de 8 a 20 e em 3 a 5 da população a gravidade é de tal monta que requer tratamento Metade dos indivíduos que necessitam de tratamento afirma que a condição prejudica consideravelmente sua qualidade de vida Em 93 de todos os pacientes com tinnitus há perdas auditivas concomitantes quando avaliados por audiometria e em 40 a 50 deles há comorbidades psiquiátricas como ansiedade e depressão Hoffmann Ree 2004 O mecanismo que causa o tinnitus não foi totalmente esclarecido Apesar de problemas na cóclea desencadearem o quadro ele não é uma disfunção periférica do ouvido e sim resultado de disfunção central no cérebro e nas áreas e circuitos relacionados com a audição Aceitase que haja no tinnitus mecanismos compensatórios pela deaferentação decorrente dos déficits auditivos das pessoas com a condição A disfunção na conectividade entre as áreas auditivas e o sistema límbico também tem ganhado sustentação em pesquisas Eggermont Larry Robe 2015 Um exemplo típico de patologia otológica com esse problema é a doença de Ménière com a tríade tinnitus perda auditiva e vertigem O tinnitus também pode ocorrer em doenças cerebrovasculares como lesões arteriais estenóticas 1 2 3 aneurismas e tumores vasculares Quando persistente e grave a condição requer avaliação otológica e neurológica cuidadosa Alucinações auditivas complexas A forma de alucinação auditiva complexa mais frequente e significativa em psicopatologia é a alucinação audioverbal na qual o paciente escuta vozes sem qualquer estímulo real São vozes que geralmente o ameaçam ou insultam Muito frequentemente a alucinação audioverbal é de conteúdo depreciativo eou de perseguição Devese chamar atenção para o fato de que sobretudo na esquizofrenia as alucinações audioverbais com frequência impõem determinada convicção nos pacientes deixandoos intrigados e assustados a procurar a fonte daquela voz invisível revisão em LeedeSmith Barkus 2013 O insight em relação às alucinações audioverbais na esquizofrenia geralmente é pequeno ou ausente os pacientes tendem a acreditar que tais vozes não são o produto de um transtorno mental mas uma realidade apavorante que se lhes impõe bem como que elas devem ser produzidas pelo demônio por máfias ou por grupos que estão contra ele e querem destruílo As chamadas alucinações schneiderianas estudadas pelo psicopatólogo alemão Kurt Schneider 18871967 são alucinações audioverbais em que as vozes comandam a ação ou comentam a ação e as atividades corriqueiras do paciente por exemplo olha agora o João está indo beber água agora ele vai lavar a mão Vozes que comandam são aquelas que mandam o indivíduo fazer coisas como por exemplo Lave as mãos Ponha fogo em suas roupas Dê uma facada em sua barriga De modo geral embora as alucinações schneiderianas não sejam mais consideras específicas ou patognomônicas da esquizofrenia elas ainda ajudam na prática clínica pois indicam gravidade do quadro e associação frequente mais de 95 das vezes de tais alucinações com delírios Shinn et al 2013 Erkwoh e colaboradores 2002 identificaram em pacientes que obedecem às vozes de comando muitas vezes com implicações gravíssimas com risco de suicídio eou homicídio que isso ocorre quando a voz tem a sonoridade de uma pessoa já conhecida pelo indivíduo o paciente tem envolvimento emocional com a voz o indivíduo percebe a alucinação como uma voz real que está ouvindo Cabe mencionar também outros fenômenos muito próximos das alucinações audioverbais característicos da esquizofrenia São aqueles referidos como 1 2 sonorização do pensamento ou eco do pensamento e publicação do pensamento A sonorização do pensamento do alemão Gedankenlautwerden muito próxima do eco do pensamento é experimentada como a vivência sensorial de ouvir o pensamento no momento mesmo em que ele está sendo pensado sonorização ou de forma repetida logo após ter sido pensado como eco do pensamento Existem dois tipos básicos de sonorização ou eco do pensamento Sonorização do próprio pensamento É um fenômeno do tipo alucinatório no qual a vivência é semelhante a uma alucinação auditiva audioverbal em que o paciente reconhece claramente que está ouvindo os próprios pensamentos escutandoos no exato momento em que os pensa Sonorização de pensamentos como vivência alucinatóriodelirante É a experiência na qual o indivíduo ouve pensamentos que foram introduzidos em sua mente por alguém estranho sendo agora ouvidos por ele Por fim na publicação do pensamento o paciente tem a nítida sensação de que as pessoas ouvem o que ele pensa no exato momento em que está pensando Valor diagnóstico A Tabela 161 apresenta os transtornos psicopatológicos e neurológicos em que mais frequentemente se encontram alucinações auditivas Há variações no tipo de amostra e nos instrumentos de pesquisa utilizados por isso as taxas são variáveis Tabela 161 Frequência de alucinações auditivas geralmente audioverbais nos diferentes transtornos mentais TRANSTORNO FREQUÊNCIA COMENTÁRIOS Esquizofrenia de início na infância 95 David 2011 Outros tipos de alucinações são também frequentes na esquizofrenia de início na infância visuais 80 táteis ou corporais 61 e olfativas 30 David 2011 Esquizofrenia em adultos 756 Shinn et al 2012 59 Waters et al 2014 Embora a maior parte das revisões aponte para os valores de 7080 na revisão recente de Waters 2014 a média ponderada em 27 estudos foi de 59 Transtorno bipolar 34 Shinn et al 2012 28 Waters et al 2014 Em muitos estudos não se diferencia no transtorno bipolar TB se o paciente estava em mania ou depressão ou eutímico quando ocorreram as alucinações Mania 1754 Mediana 2530 Waters et al 2014 Waters e colaboradores 2014 relatam 7 estudos com n grande que indicaram 17 54 ficando a mediana entre 2530 Depressão maior 559 Baethge et al 2005 O tipo de alucinação mais frequente na depressão psicótica é a auditiva As frequências variam muito em função do tipo de amostra comunidade hospitalar ambulatorial etc Transtorno da personalidade borderline 50 Pearse et al 2014 27 auditivas e 21 audioverbais Niemantsverdriet et al 2017 As alucinações no transtorno da personalidade borderline podem ser contínuas ou episódicas Delirium 18 Cutting 1997 Embora predominem alucinações visuais podem ocorrem também as auditivas Demência frontotemporal 31 Waldö et al 2015 Embora predominem alucinações visuais podem ocorrem também as auditivas Doença de Parkinson 8 Cutting 1997 2 Kulick et al 2018 Embora predominem alucinações visuais podem ocorrer também as auditivas Idosos sadios 25 Soares et al 2017 Embora predominem alucinações visuais podem ocorrem também as auditivas Crianças sadias Adolescentes sadios 138 em crianças e 157 em adolescentes Kelleher et al 2012 Alucinações em crianças e adolescentes sadios parecem ser um pouco mais frequentes que em adultos sadios Adultos sadios 132 Beavan Read Cartwright 2011 Fora da transição sonovigília 06 Nos levantamentos na população geral estão inclusas também alucinações relacionadas à transição sonovigília Fora dessa transição as porcentagens são bem menores Fontes Shinn et al 2012 Cutting 1997 Chaudhury 2010 Waters 2014 Rothschild 2013 Soares et al 2017 David et al 2011 Niemantsverdriet et al 2017 Kelleher et al 2012 Beavan Read Cartwright 2011 Baethge et al 2005 Pearse et al 2014 Waldö et al 2015 Kulick et al 2018 Como pode ser observado as alucinações audioverbais ocorrem com maior frequência nos transtornos do espectro da esquizofrenia com o paciente tendo convicção marcante da realidade das vozes que ouve As alucinações audioverbais também ocorrem nos transtornos do humor no episódio de mania são ouvidas mais comumente vozes com conteúdo de grandeza ou místicoreligioso e na depressão grave podemse ouvir vozes com conteúdo negativo de ruína ou culpa As alucinações audioverbais que ocorrem nos transtornos do humor são classificadas em humorcongruentes na depressão vozes com temas depressivos na mania vozes com temas de grandeza ou humorincongruentes o tema não tem a ver com o estado de humor do paciente p ex vozes acusatórias na mania e vozes religiosas da Virgem na depressão Com relativa frequência as alucinações auditivas também são experimentadas por pacientes com transtornos da personalidade borderline Nos quadros neurocognitivos as alucinações auditivas ocorrem mais na demência frontotemporal e na doença de Parkinson 1 2 Cabe lembrar entretanto que em um quadro psicótico quando se verificam alucinações audioverbais em pacientes com nível de consciência normal alucinações com forte convicção sem insight e crítica havendo ausência de transtorno do humor mania ou depressão a hipótese que primeiro deve ser considerada é a de esquizofrenia Cabe mencionar que nas fases iniciais de muitos quadros psicóticos se observa o fenômeno perceptivo difuso de estranheza do mundo percebido no qual o mundo como um todo é percebido como alterado bizarro difícil de definir pelo paciente O mundo parece que está se transformando ou parece morto sem vida vazio ou ainda sinistramente outro estranho Não se trata ressalta Ubinha 1974 de erro de julgamento mas de fato o próprio mundo é percebido de outra forma a visão de mundo é que está alterada e não o julgamento sobre ele É um fenômeno psicótico muito próximo da desrealização Alucinações musicais Fenômeno intrigante a alucinação musical é descrita como a audição de tons musicais melodias ritmos e harmonias sem o correspondente estímulo auditivo externo Esse tipo de alucinação é pouco frequente sendo menos observado que os outros tipos de alucinação ou de tinnitus Tais alucinações podem ser contínuas ou intermitentes e em geral são acompanhadas de consciência clara e crítica por parte do paciente Podem ser ouvidas músicas cantadas ou instrumentais geralmente que o paciente já conhecia Berrios 1991 Kumar et al 2014 Dividemse as alucinações musicais em dois grupos quando ocorrem sem a presença de um transtorno neurológico ou psicopatológico mas com frequência com déficit auditivo hipoacusia são classificadas como alucinações musicais idiopáticas quando associadas a transtorno neurológico ou psicopatológico são classificadas como alucinações musicais sintomáticas Em pacientes com suspeita de déficit auditivo e que buscaram serviços para teste audiométrico foi estimada a prevalência de alucinações musicais em 36 Embora algumas pessoas tolerem esse quadro para a maior parte dos indivíduos acometidos ele causa muito desconforto piora na qualidade de vida ansiedade e depressão Muitos pacientes com alucinações musicais temem que isso seja um sinal de que estão iniciando uma demência de Alzheimer As alucinações musicais são classificadas como alucinações por deaferentação ou seja ocorrem frequentemente como resposta do cérebro à privação sensorial Kumar e colaboradores 2014 propuseram que um circuito que inclui o giro temporal superior esquerdo o córtex posteromedial e o córtex motor estaria implicado nesse tipo de alucinações Valor diagnóstico As alucinações musicais são encontradas sobretudo em mulheres idosas com perda progressiva da audição geralmente por doenças ou lesões otológicas Ocorrem também em distúrbios neurológicos e neuropsicológicos p ex demências lesão cerebral traumática epilepsia uso de psicofármacos ou intoxicações e transtornos psicopatológicos principalmente depressão embora também possam ser desencadeadas pelo uso de antidepressivos em idosos Pessoas com esquizofrenia também podem apresentar alucinações muisicais Baba Hamada 1999 Esses fatores podem ocorrer conjuntamente como por exemplo em uma mulher idosa com depressão déficit auditivo uso de antidepressivo e algum comprometimento cerebral Berrios 1991 German Berrios publicou em 1991 uma série de 40 casos de pacientes com alucinações musicais descritos entre 1846 e 1987 Nesse grupo havia uma concentração de mulheres pessoas com história de perdas auditivas e pacientes com tumores cerebrais sobretudo no lobo temporal ou epilepsia Essas são portanto as situações em que mais são encontradas tais alucinações Berrios 1991 Alucinações visuais Waters et al 2014 Carter Ffytche 2015 As alucinações visuais são visões muitas vezes nítidas que o paciente experimenta sem a presença de estímulos visuais Podem ser simples ou complexas As alucinações visuais simples também são denominadas fotopsias Nelas o indivíduo vê cores bolas e pontos brilhantes Os chamados escotomas de interesse maior para a oftalmologia são pontos cegos ou manchas no campo visual Eles podem ser positivos manchas escuras absolutos cegueira em parte do campo visual negativos escotomas absolutos só revelados ao exame médico móveis por opacidades do humor vítreo ou imóveis Os escotomas indicam quase sempre distúrbios oftalmológicos doenças ou alterações da retina do nervo óptico e do humor vítreo As alucinações visuais simples ocorrem com mais frequência em pacientes com doenças oculares com déficit ou privação visual mas podem se manifestar também em acidentes vasculares que comprometem as vias visuais na esquizofrenia no uso de álcool na enxaqueca e na epilepsia Collerton Perry McKeith 2005 As alucinações visuais complexas ou configuradas complex or formed hallucinations incluem por exemplo figuras e imagens de pessoas vivas ou mortas familiares ou desconhecidas de partes do corpo órgãos genitais caveiras olhos assustadores cabeças disformes etc de entidades o demônio uma santa um fantasma de objetos inanimados animais ou crianças As alucinações visuais complexas podem eventualmente incluir visões de cenas completas p ex o quarto pegando fogo sendo então denominadas alucinações cenográficas Um tipo curioso de alucinação visual é a chamada alucinação liliputiana na qual o indivíduo vê cenas com personagens diminutos minúsculos entre os objetos e pessoas reais de sua casa mais frequentes na síndrome de Charles Bonnet As alucinações cenográficas e as liliputianas são relativamente raras podendo ser observadas nas diversas psicoses Valor diagnóstico As alucinações visuais podem ocorrer tanto em estados normais e fisiológicos como em estados de adormecimento alucinações hipnagógicas ou na fase de despertar do sono alucinações hipnopômpicas e em estados de fadiga e de emoção intensa As alucinações visuais simples ocorrem em casos de enxaqueca doenças oftalmológicas sobretudo quando há perda total ou parcial da visão 10 a 30 dos indivíduos cegos têm alucinações visuais simples ou complexas Lepore 1990 epilepsia e eventualmente esquizofrenia Já as alucinações visuais complexas se manifestam na ordem de frequência apresentada na Tabela 162 Tabela 162 Frequência point prevalence de alucinações visuais nos diferentes transtornos mentais e neurológicos TRANSTORNO FREQUÊNCIA REFERÊNCIA Usointoxicação por alucinógenos 100 Collerton Perry McKeith 2005 Pode haver apenas distorções da percepção visual Síndrome de Charles Bonnet 100 Pang 2016 Esquizofrenia de início na infância 803 David 2011 4665 Harding et al 2002 Demência com corpos de Lewy 80 Carter Ffytche 2015 Narcolepsia Aluc hipnagógicas 509 Aluc hipnopômpicas 283 Dodet et al 2015 Doença de Parkinson 37 2238 Prevalência na vida 75 Cutting 1997 Carter Ffytche 2015 Delirium 34 Cutting 1997 Transtorno bipolar 28 Waters et al 2014 Esquizofrenia em adultos 27 Waters et al 2014 Mania 927 Waters et al 2014 Depressão 13 até 25 muita variação devido à heterogeneidade das amostras de pacientes Baethge et al 2005 Alucinações visuais tendem a ser menos comuns na depressão psicótica às vezes menos frequentes que as alucinações somáticas Transtorno da personalidade borderline 11 Niemantsverdriet et al 2017 Demência de Alzheimer 13 Carter Ffytche 2015 Atrofia cortical posterior 25 Josephs 2006 Demência frontotemporal 144 Waldö et al 2015 Idosos sadios 45 Soares et al 2017 População em geral sadia Alucinações visuais hipnagógicas 248 Fora da transição sonovigília 32 Ohayon 2000 Nos levantamentos na população geral estão inclusas também alucinações relacionadas à transição sonovigília Fora dessa transição as porcentagens são bem menores Fontes Cummings Miller 1987 Cutting 1997 Harding Broe Halliday 2002 Chaudhury 2010 Waters et al 2014 Carter Ffytche 2015 Josephs et al 2006 Pang 2016 Ohayon 2000 Baethge et al 2005 Soares et al 2017 Waldö et al 2015 A demência com corpos de Lewy DCL é uma condição caracterizada pela ocorrência em idosos de alucinações visuais proeminentes declínio cognitivo flutuação do nível de consciência e posteriormente na evolução da doença sintomas extrapiramidais As alucinações costumam acontecer no fim do dia associadas com alteração da consciência transtornos do sono e sonhos vívidos Os corpos de Lewy são inclusões citoplasmáticas esféricas encontradas nos neurônios dos núcleos subcorticais da substância negra e do córtex nas regiões paralímbicas É preciso lembrar que os pacientes com DCL apesar de apresentarem alucinações visuais marcantes são muito sensíveis a antipsicóticos de primeira geração ocorrem efeitos colaterais graves com esses medicamentos Na doença de Parkinson uma doença do mesmo grupo que a DCL alfa sinucleinopatias as alucinações predominantemente visuais indicam um pior prognóstico implicando maior risco de desenvolvimento de demência mais disfunções cognitivas e afetivas pior quadro motor e maior necessidade de cuidados de enfermagem Mack et al 2012 Assim as alucinações visuais embora possam se manifestar em condições normais e em transtornos mentais como a esquizofrenia são mais frequentes em quadros neurológicos e neuropsicológicos Portanto quando um paciente sobretudo se for idoso ou apresentar estado físico geral ruim intoxicaçãoabstinência de álcool ou drogas ou alterações motoras relatar uma alucinação visual devese aventar a possibilidade de causa eou doença orgânica Para uma ampla e completa revisão sobre as alucinações visuais ver Collerton Perry e McKeith 2005 A síndrome de Charles Bonnet nome do filósofo e naturalista suíço Charles Bonnet 17201793 que descreveu a síndrome em seu avô Charles Lullin quando este tinha 90 anos ocorre com mais frequência em pessoas com graus variáveis de déficit visual por doenças oculares como catarata degeneração macular lesões de córnea ou retina ou das vias neurais visuais Os pacientes geralmente em mais de 90 dos casos têm insight sobre o caráter anormal da experiência alucinatória têm a inteligência e as funções cognitivas mantidas e não apresentam alucinações de outro tipo auditivas táteis etc A síndrome ocorre mais em pessoas idosas que são as que mais têm problemas visuais mas pode acontecer em todas as idades Pang 2016 Nessa síndrome as alucinações visuais complexas chamam atenção pois podem apresentar cenas vívidas envolvendo a imagem de animais flores pessoas faces árvores veículos imagens em miniatura de pessoas e objetos As alucinações são a cores em metade dos pacientes e em branco e preto na outra metade Além das alucinações vívidas e complexas pode haver também alucinações simples luzes nuvens bolas disformes etc na síndrome de Charles Bonnet A maior parte dos pacientes refere uma atitude neutra em relação aos fenômenos alucinatórios mas cerca de um terço tem experiências ruins às vezes terroríficas com tais alucinações Pang 2016 Alucinações táteis Berrios 1982 Nessas alucinações o paciente sente espetadas choques ou insetos ou pequenos animais correndo sobre sua pele As alucinações táteis com pequenos animais ou insetos geralmente ocorrem associadas ao delírio de infestação síndrome de Ekbom do neurologista sueco KarlAxel Ekbom 19071977 Essa síndrome também foi chamada de acarofobia ou parasitofobia Também são relativamente frequentes as alucinações táteis sentidas nos genitais sobretudo em pacientes com esquizofrenia que sentem de forma passiva que forças estranhas tocam cutucam ou penetram seus genitais Valor diagnóstico As alucinações táteis são frequentes na esquizofrenia no delirium tremens e nas psicoses tóxicas sobretudo naquelas produzidas pelo uso de cocaína até 15 dos usuários dessa droga podem ter tais alucinações Alucinações olfativas e gustativas revisão em Henkin et al 2013 As alucinações olfativas ou fantosmias assim como as gustativas ou fantageusias são relativamente pouco comuns Hiperosmia diz respeito à sensopercepção anormalmente aumentada hiposmia é a redução desse sentido e anosmia sua perda total Parosmia é uma ilusão do olfato ou seja a distorção da percepção olfativa quando algo real estimula esse sentido As alucinações olfativas em geral manifestamse como o sentir o odor de coisas podres de cadáver de fezes de pano queimado gás gasolina etc Lembranças ou sensações olfativas normalmente vêm acompanhadas de forte impacto emocional Ocorrem principalmente na esquizofrenia e em epilepsia do lobo temporal geralmente precedendo as crises epilépticas generalizadas auras com alucinações olfativas em crises parciais complexas crises uncinadas ou precedendo crises de enxaqueca auras da enxaqueca com cheiro de carne podre de cigarro de gás Por exemplo um paciente com esquizofrenia sentia forte cheiro de pus que segundo ele provinha de seu próprio abdome alucinação autoósmica As alucinações olfativas costumam ter impacto pessoal especial podendo estar relacionadas a interpretações delirantes sinto o cheiro de veneno de rato na comida pois estão tentando me envenenar Nas alucinações gustativas fantageusias os pacientes sentem na boca o sabor de ácido de sangue de urina etc sem qualquer estímulo gustativo presente Elas ocorrem muitas vezes associadas a alucinações olfativas Valor diagnóstico As alucinações olfativas podem ocorrer com maior frequência como alucinações de deaferentação relacionadas à perda sensorial do sentido específico pois podem surgir em até 40 a 60 dos casos de hiposmia ou anosmia perda da capacidade de perceber odores decorrentes de trauma craniano uso de alguns fármacos doenças nasais ou causa indeterminada Esse é o principal tipo de alucinação olfativa pois cerca de 7 da população em geral estudada nos Estados Unidos apresenta hiposmia No entanto as alucinações olfativas são relativamente frequentes nos quadros de epilepsia do lobo temporal em geral precedendo a crise em 1 até 30 dos casos e nas enxaquecas também geralmente as precedendo Além disso foram descritas tais alucinações em neoplasias cerebrais hemorragia intracerebral em doenças nasais rinossinusite em pacientes com doença de Parkinson que apresentam hiposmia redução ou abolição do olfato ou nessa doença após o tratamento com rasagilina Em quadros psicopatológicos observamse alucinações olfativas na esquizofrenia na vida em até cerca de 10 dos casos em depressões graves 1933 e em pacientes com transtornos alimentares anorexia e bulimia após o uso do antidepressivo bupropiona Em psicopatologia há ainda a chamada síndrome de autorreferência olfatória na qual o paciente sente um cheiro podre exalando de algum orifício de seu corpo com exceção das narinas ou do corpo todo Tentativas insistentes de se lavar não conseguem diminuir tais alucinações As alucinações gustativas ou do paladar ocorrem na epilepsia do lobo temporal geralmente precedendo as crises na esquizofrenia e após o uso do antidepressivo bupropiona Também podem ocorrer em tumores cerebrais Alucinações cenestésicas somáticas e cinestésicas Berrios 1996 Ey 20091973 Alucinações cenestésicas ou somáticas ocorrem como sensações incomuns e claramente anormais em diferentes partes ou órgãos do corpo como sentir o cérebro encolhendo o fígado despedaçando ou as mãos se esfarelando Esse tipo de alucinação é característico da síndrome de Cotard que ocorre nas depressões graves geralmente associadas a marcante ansiedade Outro tipo de alucinação somática ou cenestésica ocorre quando o paciente percebe uma víbora dentro do abdome que se move para lá e para cá Nesses casos fica difícil a diferenciação entre alucinação somática e delírio com referência ao corpo Os termos cenestesia e cenestopatia foram utilizados sobretudo na psicopatologia francesa do início do século XX Berrios 1996 Cenestesia diz respeito a sensações difusas no corpo como bemestar físico fadiga fome náusea fraqueza muscular Já cenestopatia se refere a alterações na sensibilidade geral do corpo como sentir os órgãos internos torcendo encolhendo esticando com dores e sensações desconfortáveis difusas Como normalmente não sentimos órgãos como o fígado os rins e o cérebro a alteração da sensibilidade nesses órgãos às vezes é descrita como alucinação corporal e às vezes como um delírio com referência ao corpo Uma forma não rara é a alucinação somática oral conceituada por alguns autores como delírio somático que em geral ocorre em pacientes adultos ou idosos frequentemente com depressão ansiosa Tais indivíduos referem sensação marcante e desagradável na boca na língua e na garganta queixandose de queimação ou de como se houvesse moedas ou arames na boca Umezaki et al 2013 O exame bucal feito por dentistas ou otorrinolaringologistas não revela anormalidades Estudos de neuroimagem funcional em pacientes com alucinações somáticas têm indicado ativação das áreas cerebrais responsáveis normalmente por sensações somáticas que são ativadas nesses indivíduos em função do processo alucinatório Shergill et al 2001 Por sua vez as alucinações cinestésicas são vivenciadas pelo paciente como sensações alteradas de movimentos do corpo como sentir o corpo afundando as pernas encolhendo ou um braço se elevando Ey 20091973 Valor diagnóstico Alucinações cenestésicas e cinestésicas ocorrem principalmente na esquizofrenia As ocorrências em que se percebem os órgãos encolhendo ou sumindo se dão sobretudo em depressões graves esquizofrenia ou transtornos psicoorgânicos Tais alucinações são muitas vezes descritas como delírio de Cotard pois os órgãos internos não são normalmente percebidos ou seja é a ideia de encolhimento ou desaparecimento do fígado ou do coração e não a falsa percepção Na dúvida entre os diagnósticos de alucinação somática ou delírio somático sugerese considerar alucinação quando predomina o aspecto sensorial na experiência e delírio quando os aspectos ideativos são predominantes Alucinações funcionais ou reflexas Ey 20091973 Denominamse alucinações funcionais quando verdadeiras alucinações e não ilusões perceptivas são desencadeadas por estímulos sensoriais A alucinação funcional difere da ilusão pois enquanto esta é a deformação de uma percepção de um objeto real e presente aquela é uma alucinação ausência do objeto apenas desencadeada por um estímulo real Alguns pacientes relatam por exemplo que quando abrem o chuveiro ou a torneira da pia começam a ouvir vozes Narang et al 2015 Valor diagnóstico Essas alucinações são encontradas na esquizofrenia e no transtorno esquizoafetivo Fenômenos próximos às alucinações funcionais ou reflexas são as sinestesias e o Mitempfindung As sinestesias são fenômenos conhecidos há mais de 200 anos em que a estimulação em um sistema ou via sensorial desencadeia percepções também em outro sistema sensorial Assim ao escutar um som o indivíduo percebe uma luz vermelha em seu campo visual ou sente um cheiro ao ouvir uma música A sinestesia ocorre em 1 a 2 da população geral van Leeuwen et al 2015 O fenômeno descrito como Mitempfindung do alemão sensibilidade ou sensação conjunta ocorre quando um estímulo aplicado em uma região corpórea deflagra sensações táteis em outras Tratase de um fenômeno relativamente raro observado em alguns casos de psicose mas eventualmente em pessoas sem transtornos mentais Narang et al 2015 Alucinações combinadas multimodais ou polimodais São experiências alucinatórias nas quais ocorrem alucinações de várias modalidades sensoriais auditivas visuais táteis etc ao mesmo tempo ou sucessivamente Por exemplo o indivíduo vê uma pessoa inexistente que fala com ele e toca em seu corpo Valor diagnóstico As alucinações combinadas ocorrem com maior frequência em síndromes com alteração do nível de consciência mas também podem aparecer na esquizofrenia e em uma forma curiosa de alucinação a chamada síndrome de Alice no país das maravilhas Farooq Fine 2017 Tratase de uma condição neuropsiquiátrica em que há desorientação e alterações sensoperceptivas da visão e da percepção do movimento cinestesia Os pacientes relatam experimentar alteração da percepção do tamanho dos objetos e de partes de seu corpo ou do organismo todo que parecem muito grandes ou muito pequenas a chamada metamorfopsia Essa síndrome tem sido descrita em quadros de enxaqueca e epilepsia ou desencadeada por drogas tóxicas ou doenças infecciosas O nome diz respeito ao livro de Lewis Carroll no qual Alice sente seu corpo ficar muito pequeno ou muito grande e partes dele mudarem de forma A percepção muito distorcida do tamanho dos objetos do mundo é descrita com o nome de alucinações liliputianas nome baseado na obra As viagens de Gulliver escrita por Jonathan Swift em 1726 Alucinações extracampinas ver Wood et al 2015 São alucinações experimentadas fora do campo sensoperceptivo habitual como quando o indivíduo vê nitidamente uma imagem às suas costas ou atrás de uma parede Com essa definição é um fenômeno raro associado geralmente a psicoses como a esquizofrenia Entretanto uma definição mais ampla de alucinação extracampina tem sido proposta Wood et al 2015 Nesse caso ela inclui além de ver ou ouvir sentir a presença de uma pessoa bem como seus movimentos fugazes atrás ou ao lado de si mesmo Com tal definição as alucinações extracampinas são descritas na doença de Parkinson prevalência na vida de até 50 indicando possivelmente pior prognóstico na epilepsia na doença cerebrovascular na paralisia do sono e no trauma craniencefálico Em indivíduos sem transtornos neurológicos ou psicopatológicos as alucinações extracampinas são descritas naqueles que passam por situações de grave risco à vida como navegadores alpinistas e exploradores polares Wood et al 2015 Alucinação autoscópica ver revisão em Anzellotti et al 2011 Em geral a alucinação autoscópica é uma alucinação visual que também pode apresentar componentes táteis e cenestésicos na qual o indivíduo enxerga a si mesmo ou seja vê seu corpo como se estivesse fora dele contemplandoo É um fenômeno relativamente raro associado a epilepsia lesões do lobo parietal e mais raramente esquizofrenia A sensação de que há um Eu dentro do próprio corpo e um Eu fora dele é denominada Doppelgänger ou fenômeno do duplo Tratase de um fenômeno que pode ser apenas ideativo mas com certa frequência igualmente sensoperceptivo Em muitos grupos culturais do norte da Europa há a crença de que o indivíduo será visitado por seu duplo pouco tempo antes de sua morte Sims 1995 O fenômeno do duplo ocorre em pacientes com lesões cerebrais delirium esquizofrenia intoxicações por alucinógenos e em indivíduos sadios Um fenômeno próximo ao Doppelgänger é a sensação de uma presença feeling of a presence Nesse caso o indivíduo tem a nítida sensação de que um ser invisível o acompanha Embora o paciente seja crítico em relação à natureza ilusória da experiência a sensação é tão forte que alguns chegam a sentir um impulso para oferecer alimento ou cadeira para esse ser acompanhante Nessa acepção a sensação de uma presença pode ser indistinguível da alucinação extracampina descrita anteriormente Valor diagnóstico A sensação de uma presença ocorre em síndromes psicoorgânicas epilepsia esquizofrenia enxaqueca e intoxicações por substâncias alucinógenas Brugger Regard Landis 1996 Em um caso detalhadamente estudado Anzellotti et al 2011 foi identificada epilepsia com a captação pelo eletrencefalograma de descargas no lobo parietal direito durante a experiência de alucinação autoscópica Os autores propõem o envolvimento da junção temporoparietal na percepção anormal do corpo durante tal alucinação Entretanto o fenômeno é de grande complexidade e riqueza podendo ser estudado e compreendido em suas dimensões neurofuncionais psicológicas e sóciohistóricas Alucinações hipnagógicas e hipnopômpicas ver revisão em Waters et al 2016 São alucinações visuais 86 dos casos auditivas 834 dos casos ou somáticas e cenestésicas 2544 dos casos relacionadas à transição sono vigília adormecimento e despertar As alucinações hipnopômpicas ocorrem na fase em que o indivíduo está despertando Já as alucinações hipnagógicas se manifestam no momento em que ele está adormecendo Essas alucinações são frequentemente desprazerosas associadas a sentimentos de medo ou ameaça Nas alucinações visuais veemse imagens caleidoscópicas padrões geométricos e luzes em forma de flash Também são vistos animais pessoas faces e cenas que podem ser detalhadas e coloridas Durante essas alucinações o eletrencefalograma registra um padrão fisiológico de sono REM do inglês rapid eye movement São episódios alucinatórios nem sempre fáceis de se distinguir de pesadelos e sonhos desprazerosos que também ocorrem na narcolepsia Essas alucinações geralmente são complexas vívidas e parecem um sonho Valor diagnóstico Essas alucinações ocorrem de forma frequente em cerca de 50 dos casos na narcolepsia um transtorno do sono no qual o indivíduo durante a vigília é invadido por atividade cerebral de sono REM apresentando bruscamente sonolência marcante e fraqueza muscular Nessa doença as alucinações hipnagógicas se associam com frequência aos ataques de sono sendo que o paciente geralmente consegue criticar o conteúdo da alucinação Também na narcolepsia as alucinações hipnagógicas mais frequentes e as hipnopômpicas menos frequentes podem ocorrer na sequência de episódios de cataplexia relaxamento profundo dos músculos esqueléticos com queda ao chão ou de paralisia do sono sensação de paralisia motora marcante na transição sonovigília Essas alucinações são relativamente fáceis de se distinguir daquelas que ocorrem nas psicoses como na esquizofrenia e nas psicoses afetivas Cabe lembrar que nem sempre tais alucinações são sinal de transtorno pois na população geral sadia sem narcolepsia também são frequentes as alucinações hipnagógicas do adormecimento em cerca de 25 dos adultos e as hipnopômpicas do despertar em 18 dos adultos Alucinose A alteração da sensopercepção denominada alucinose é o fenômeno pelo qual o paciente percebe a experiência alucinatória como estranha a sua pessoa Assim os psicopatólogos franceses Henri Charles Jules Claude 18691945 e Henri Ey 19001977 afirmavam que a característica das alucinoses é serem adequada e imediatamente criticadas pelo sujeito reconhecendo seu caráter patológico Cheniaux 2005 Nessa condição embora o paciente veja a imagem ou ouça a voz ou o ruído está ausente a crença muito frequente nas psicoses que o alucinado tem em sua alucinação na realidade plena dela O indivíduo permanece consciente de que aquilo é um fenômeno estranho patológico não tem nada a ver com sua pessoa estabelecendo distanciamento entre seu self e o sintoma Dizse que a alucinose é um fenômeno periférico ao Eu é como se o indivíduo assistisse a uma cena de uma peça terrorífica como se estivesse na plateia enquanto a alucinação verdadeira é central ao Eu o indivíduo é ator que participa vive e sofre na trama terrorífica A alucinose ocorre com maior frequência em quadros psicoorgânicos por isso foi também denominada alucinação neurológica Cheniaux 2005 Em sua modalidade visual a alucinose ocorre com maior frequência em pacientes com intoxicações por substâncias alucinógenas como LSD psilocibina mescalina anticolinérgicos Ayahuasca etc Alucinose peduncular de Lhermitte Tratase de uma experiência alucinatória descrita em 1922 pelo neurologista francês Jacques Jean Lhermitte 18771959 de natureza em geral visual ou visuoacústica tipicamente vívida e brilhante parecendo ser algo muito real Pode incluir cenas pessoas animais e figuras geométricas e surge geralmente em ambientes escuros com duração de muitos minutos Costuma ocorrer mais no fim do dia associada a sonhos vívidos podendo haver turvação da consciência Na maioria dos casos a alucinose peduncular é causada por lesões vasculares vasoespasmo ou lesões tumorais com compressões nas porções superiores do tronco cerebral principalmente nos pedúnculos cerebrais Localizações frequentes também são áreas do mesencéfalo próximas aos núcleos da rafe ao tálamo à ponte e ao diencéfalo basal Behrendt Young 2004 Kulhari et al 2016 Alucinose auditiva Uma forma não rara de alucinose auditiva é a denominada alucinose alcoólica Perme et al 2003 Em geral ela ocorre em indivíduos com dependência crônica de álcool e consiste em vozes que falam do paciente na terceira pessoa Olha como o João está sujo hoje ou a Maria é mesmo uma covarde Essa forma de alucinose aparece com preservação do nível de consciência e muitas vezes o paciente apresenta crítica em relação à vivência alucinatória reconhecendo seu aspecto patológico O indivíduo pode estar embriagado ou sóbrio quando ouve as vozes Alguns autores utilizam o termo alucinose alcoólica de forma um tanto ampla e imprecisa para designar as ilusões e as alucinações visuais de pacientes em delirium tremens quando há rebaixamento do nível de consciência e flutuação do quadro POSSÍVEIS CAUSAS E TEORIAS ETIOLÓGICAS DAS ALUCINAÇÕES De forma curiosa apesar de as alucinações serem estudadas sistematicamente há mais de dois séculos por médicos psicólogos e neurocientistas ainda são controversas as suas possíveis causas e os seus mecanismos neurofisiológicos neuropsicológicos e psicológicos Contudo o fato de os medicamentos antipsicóticos serem eficazes na redução das alucinações de diversos tipos e de diferentes etiologias sugere a existência de mecanismos comuns na base de todos os fenômenos alucinatórios Behrendt Young 2004 Abordagem fenomenológica das alucinações As alucinações surgem na perspectiva fenomenológica em um contexto de transformação profunda da experiência subjetiva do sujeito pela psicose Há uma alteração do senso natural de si mesmo e uma tendência a perceber os fenômenos do dia a dia como transformados plenos de sentidos anômalos incompreensíveis As alucinações reforçam então o estado de passividade do sujeito gerado pelo senso de perda de controle que elas produzem em sua vida diária Com a experiência alucinatória o arco intencional da consciência do indivíduo em relação ao mundo se inverte Na experiência normal somos sujeitos cuja consciência se dirige ao mundo para construir significações No paciente alucinado é o mundo que invade sua subjetividade produzindo uma reconfiguração na qual o senso de agência perturbase profundamente e a experiência revela um mundo que é fonte de ameaças constantes Fuchs 2015 Perspectivas psicanalíticas das alucinações Segundo essas perspectivas necessidades e tendências afetivas desejos e sobretudo conflitos inconscientes constituiriam a base das alucinações O indivíduo projetaria no espaço exterior seus desejos temores e conflitos recalcados As alucinações verbais poderiam representar autoridade de pais professores e chefes sentimentos de culpa ou gratificação Assim as alucinações fariam parte de um processo defensivo com base em um mecanismo de defesa do ego a saber a projeção Representariam de fato um grande movimento inconsciente que o aparelho psíquico empreende no sentido de expulsar de seu interior conteúdos conflituosos insuportáveis material recalcado impossível de ser aceito pelo Eu consciente Nessa visão as alucinações seriam um produto análogo ao sonho Produções do próprio indivíduo que as experimenta as vozes alucinadas constituiriamse como aspectos significativos dos fantasmas pessoais inconscientes do alucinado No caso das manifestações verbais os aspectos psicológicos parecem ser mais proeminentes p ex em relação às alucinações visuais táteis e gustativas pelo menos em seu desencadeamento O ressurgimento periódico dessas alucinações parece ser dependente de contextos contextdependent refletindo a sensação dos pacientes de estarem deslocados marginalizados ou ameaçados em determinadas relações pessoais A comunicação humana e as relações interpessoais são amplamente mediadas pela linguagem dessa forma as alucinações verbais refletem a experiência social em pessoas com graves problemas na interação pessoal ansiedade e desmoralização como é o caso de muitos sujeitos psicóticos Behrendt Young 2004 Rabeyron Loose 2015 Teoria irritativa ou disfuncional cortical A noção de que as alucinações corresponderiam a lesões irritativas ou disfuncionais em áreas cerebrais corticais relacionadas à percepção complexa foi introduzida no fim do século XIX por autores como Augusto Tamburini Itália Theodor H Meynert Áustria e Carl Wernicke Alemanha entre outros Quadro 161 Quadro 161 Os estudos de Augusto Tamburini sobre as alucinações O alienista italiano Augusto Tamburini 18481919 realizou pesquisas psicopatológicas e teóricas extremamente sofisticadas sobre a origem das alucinações cuja melhor expressão é seu trabalho de 1880 Sulla genesi delle allucinazioni Rivista Sperimentale di Freniatria e di Medicina Legale 126158 Nele o autor aborda duas hipóteses sobre as causas e a neurofisiologia das alucinações que na época competiam a que propunha a origem periférica nos órgãos dos sentidos e a da origem central que afirmava que as alucinações surgiam nas áreas de onde provêm as ideias no cérebro Por meio de estudos próprios em animais de seu amplo conhecimento clínicopsicopatológico com pacientes e da utilização sagaz dos conhecimentos neuroanatômicos neurofisiológicos e neuropsicológicos da época relativamente limitados Tamburini defende sua tese de que as alucinações não são geradas em nenhum desses dois polos extremos mas surgem de áreas cerebrais que conectam as impressões sensoriais com os conteúdos de memória sensorial das respectivas áreas centrais O trabalho de Tamburini permaneceu em debate por muitas décadas e até hoje pode ser lido com proveito por quem se interessa pelo debate qualificado sobre as alucinações Para esses autores lesões destrutivas produziriam déficits motores e sensoriais plegias paralisias hipoestesias anestesias surdez ou cegueira quando ocorressem em áreas motoras ou sensitivas primárias Por sua vez lesões irritativas ou disfuncionais nessas mesmas áreas poderiam produzir fenômenos novos anômalos como convulsões movimentos anormais em áreas motoras parestesias e hiperestesias em áreas sensoriais primárias Entretanto quando a lesão destrutiva ou irritativa ocorresse em áreas sensoriais secundárias ou em regiões associativas relacionadas com linguagem memória ou percepção complexa ocorreriam então as alucinações As vozes do alucinado ou seja as alucinações auditivas verbais seriam por exemplo o produto de hipotéticas áreas hiperativadas ou descargas irritativas em regiões associativas da linguagem e da memória semântica Essa teoria tem sido criticada por seu aspecto demasiado mecanicista Estudos que indicam haver um estado de hipervigilância hyperarousal em pessoas com quadros psicóticos agudos e alucinações reforçam a ideia de que nos quadros alucinatórios uma hiperexcitabilidade geral do sistema nervoso parece ser fator relevante para o surgimento ou o desencadeamento de alucinações Behrendt Young 2004 Alucinações como fenômeno de deaferentaçãoliberação neuronal Com frequência certas alucinações auditivas principalmente as musicais visuais e olfativas são postuladas como fenômenos de liberação neuronal releasing hallucination A base dessa linha de hipótese causal se relaciona ao fato de as alucinações ocorrerem com maior frequência em indivíduos com déficits sensoriais p ex déficit auditivo visual ou olfativo e se atenuarem ou desaparecerem com estímulos sensoriais externos como o som do rádio e da televisão ou luzes fortes Assim ocorreria um fenômeno de liberação neuronal associado à deaferentação redução das aferências de estímulos que chegam ao cérebro por privação de estímulos sensoriais Nessa linha de raciocínio seria plausível o sistema nervoso ao ser privado de estímulos externos produzir ele próprio algum fenômeno sensorial para manter o equilíbrio a homeostase ou seja um certo nível de ativação e funcionamento básico Fénelon et al 1993 Os quadros alucinatórios de deaferentação mais típicos são as alucinações auditivas musicais em pessoas com déficits auditivos as vívidas alucinações visuais na síndrome de Charles Bonnet em pessoas com déficits visuais e as desagradáveis alucinações olfativas em pessoas com hiposmia ou anosmia perda da capacidade de sentir odores As alucinações visuais na síndrome de Charles Bonnet compreendem percepções visuais complexas reconhecidas pelo paciente como irreais não acompanhadas de redução do nível de consciência Tal síndrome ocorre em geral em pessoas com déficit visual marcante ou cegueira decorrente de doenças oculares como degeneração macular hemorragias retinianas ou catarata As alucinações costumam ser claras e marcantes o paciente vê cenas pessoas ou animais prédios e plantas podendo as imagens se apresentarem em tamanho muito reduzido alucinações liliputianas Behrendt Young 2004 No Quadro 162 são apresentadas de modo resumido as diferentes características das alucinações de deaferentaçãoliberação neuronal em contraposição às alucinações ictais da epilepsia e às das psicoses funcionais Quadro 162 Características das alucinações de deaferentação das alucinações ictais epilepsia e das alucinações das psicoses funcionais ALUCINAÇÕES DE DEAFERENTAÇÃOLIBERAÇÃO NEURONAL ALUCINAÇÕES ICTAIS NAS EPILEPSIAS ALUCINAÇÕES NAS PSICOSES Ocorrem em lesões neuronais que produzem déficit sensorial e deaferentação Presentes na epilepsia Frequentes principalmente na esquizofrenia Longa duração minutos a horas Breve duração segundos a minutos Longa duração minutos a horas Conteúdo variável cenas músicas etc Conteúdo estereotipado repetitivo Conteúdo geralmente persecutório ou depreciativo Estrutura complexa independentemente da localização da lesão Forma simples e elementar cores malformadas ruídos etc Estrutura complexa tipicamente vozes que comentam ou comandam a ação Déficit no campo sensorial correspondente Sem alterações no campo sensorial Sem alterações no campo sensorial Tipicamente lateralizadas para o lado do déficit sensorial Raramente lateralizadas Raramente lateralizadas Conteúdo geralmente novo ou original O conteúdo das alucinações geralmente provém de material mnêmico O conteúdo das alucinações provém de estado paranoide geral Sem alteração do nível de consciência Quase sempre há alteração do nível de consciência Sem alteração do nível de consciência Paciente geralmente tem crítica em relação à alucinação Paciente não se recorda da alucinação portanto não tem crítica Paciente geralmente não tem crítica do significado patológico das alucinações Podem ser modificadasabolidas por estímulos ambientais Geralmente não podem ser modificadas por estímulos ambientais Geralmente não podem ser modificadas por estímulos ambientais Teoria da desorganização global do funcionamento cerebral e mental Nessa concepção que segue as teorias do neurologista inglês John Hughlings Jackson 18351911 e do psicopatólogo francês Henri Ey 19001977 alterações globais e amplas do funcionamento cerebral produziriam a perda das inibições mais desenvolvidas filogeneticamente e complexas do ponto de vista funcional permitindo a eclosão de circuitos em geral inibidos Quadro 163 Quadro 163 O tratado de Henri Ey sobre as alucinações Foi o psicopatólogo francês Henri Ey 19001977 que escreveu o trabalho mais detalhado profundo e psicopatologicamente mais sofisticado sobre as alucinações o seu Traité des hallucinations de 1973 traduzido no ano de 2009 para o espanhol pela editora Polemos de Buenos Aires Em dois grossos volumes que somam mais de 1600 páginas Henri Ey percorre toda a tradição psicopatológica apresentando discutindo questionando e criticando a partir de seu vasto e sólido conhecimento psicopatológico tudo o que os alienistas e pesquisadores dos séculos XIX e XX até os anos de 1970 produziram de relevante sobre as alucinações Sua tese a do modelo organodinâmico inspirada nas ideias de Hughlings Jackson é apresentada ao final dos dois volumes a de que as alucinações devem ser compreendidas no contexto psicopatológico amplo do adoecimento mental sobretudo nas suas relações com o processo psicótico global do indivíduo As alucinações interagem dialogam influenciam e são influenciadas pelo quadro delirante resultado da transformação profunda do mundo mental do paciente pela psicose Henri Ey alerta que considerálas como alterações sensoriais simples estanques e mecanicamente isoladas de todo o processo patológico mental e cerebral é não compreender a natureza mesma do fenômeno humano absolutamente intrigante que são A perda das inibições superiores favoreceria o surgimento de fenômenos patológicos como as alucinações as ilusões e outros automatismos mais simples e filogeneticamente mais antigos do sistema nervoso central SNC Além disso haveria nesse processo global de desorganização do cérebro crescente indiferenciação entre o mundo e os perceptos internos e externos As alucinações seriam tentativas de suplantar os déficits em estruturas mentais mais sofisticadas Teorias neurobioquímicas das alucinações Diversas substâncias podem produzir alucinações em indivíduos sadios Os agentes químicos que mais frequentemente ocasionam alucinações estão relacionados a três neurotransmissores serotonina dopamina e acetilcolina Os mais importantes alucinógenos indólicos agonistas da serotonina são o LSD a psilocibina a harmina presente na Ayahuasca a dimetiltriptamina e a mescalina As substâncias dopaminérgicas usadas rotineiramente na prática clínica e que produzem alucinações como efeito colateral são a levodopa e a bromocriptina utilizadas na doença de Parkinson De modo geral as substâncias com ação anticolinérgica atropínicas quando usadas em doses altas podem produzir alucinações As alucinações induzidas por agentes serotonérgicos e dopaminérgicos geralmente aparecem com preservação do nível de consciência ocorrendo alucinações claras e bem formadas Já as alucinações por anticolinérgicos surgem associadas a quadro de rebaixamento do nível de consciência e confusão mental e as alucinações são pouco precisas e de contornos pouco nítidos Goetz Tanner Klawans 1982 Cummings 1985 Em função desses achados postula se que a alucinação em indivíduos com transtornos mentais esteja relacionada possivelmente à hiperativação de circuitos serotonérgicos eou dopaminérgicos Mais recentemente a importância para os sintomas psicóticos sobretudo do glutamato mas também do ácido gamaaminobutírico GABA assim como das vias glutamatérgicas e gabaérgias tem sido evidenciada por muitas pesquisas Marsman et al 2013 Hugdahl et al 2015 As hipóteses glutamatérgicas e gabaérgicas para a gênese das alucinações formulam entre outros aspectos que as alucinações auditivas se iniciariam com uma hiperativação dos lobos temporais sobretudo áreas relacionadas à linguagem que geraria o foco atencional para processos mentais internos do indivíduo não sendo tal processo refreado por hipoativação do lobo frontal Haveria assim um desbalanço excitatórioinibitório mediado por disfunções em processos neuronais relacionados ao glutamato e ao GABA Jardri et al 2016 Teoria da alucinação como transtorno da linguagem interna inner speech Nesse modelo as alucinações auditivas verbais as vozes que o alucinado ouve são explicadas como pensamentos verbais do próprio paciente que falsamente os percebe como de origem externa como se fossem vozes de terceiros e não o que seriam de fato ou seja vozes internas pensamentos próprios Frith Done 1988 O processo patológico básico das alucinações residiria então na incapacidade do paciente de discriminar e monitorar suas próprias produções mentais sua linguagem interna inner speech em contraposição às percepções vindas do meio externo Essa postulação apesar de baseada na teoria cognitivista apresenta interessante semelhança com as concepções psicodinâmicas sobre a alucinação ESTUDOS DE NEUROCIÊNCIAS E NEUROIMAGEM FUNCIONAL RM FUNCIONAL PET SPECT DAS ALUCINAÇÕES Uma linha de pesquisa importante utiliza métodos de neuroimagem funcional para identificar possíveis mecanismos neurais e neuropsicológicos associados às alucinações cujos resultados produzidos são interessantes Para uma excelente revisão atual sobre neuroimagem e estudos de neurociências das alucinações que revela a marcante sofisticação e o crescimento vertiginoso da área ver a revisão de Dominic H Ffytche e Cynthia G Wible 2014 Temse verificado por exemplo que no momento em que o paciente experimenta a alucinação audioverbal quando ouve as vozes são hiperativadas áreas temporais parietais e frontais associadas à produção e à recepção da linguagem áreas de Wernicke e de Broca Além desses circuitos neuronais associados à linguagem também áreas límbicas hipocampo giros parahipocampais e cingulado e regiões orbitofrontais e subcorticais tálamo e gânglios da base parecem estar implicadas nos mecanismos neuronais das alucinações audioverbais Friedman Wiechers 1996 Kühn Gallinat 2012 É interessante notar que os trabalhos em que aparecem mais ativadas as áreas temporais da linguagem área de Wernicke reforçam a noção de que as alucinações seriam vozes externas que o paciente de fato ouve com toda a sensorialidade da escuta normal de vozes externas Já os trabalhos que mostram ativação de áreas da linguagem associadas à produção verbal área frontal de Broca favorecem a hipótese de que as alucinações audioverbais sejam de fato produto da linguagem interna inner speech do paciente relacionado à linguagem que ele produz ativamente de forma não consciente Mcguire Shah Murray 1993 Silbersweig et al 1995 Kühn Gallinat 2012 Em interessante estudo de Shergill e colaboradores 2004 com ressonância magnética funcional solicitouse aos pacientes apertar um botão com a mão esquerda no exato momento em que começavam a ouvir as vozes Verificouse que poucos segundos antes de começarem as alucinações era ativada a área frontal inferior à esquerda região de Broca da produção da linguagem e quando o indivíduo começava realmente a ouvir as vozes a área ativada era a região temporal superior bilateral incluindo a região de Wernicke área de recepção da linguagem Esse estudo indicou portanto que a alucinação audioverbal parece se iniciar com a geração interna de linguagem no lobo frontal esquerdo seguida do fenômeno de ouvir uma voz quando há ativação das áreas temporais superiores esquerdas Isso reforça e revela aspectos neurofuncionais da hipótese da alucinação audioverbal como decorrente de falsa apreensão da linguagem interna inner speech Frith Done 1988 Ffytche Wible 2014 Estudos recentes de neuroimagem funcional têm corroborado a hipótese de que áreas corticais relacionadas à linguagem assim como estruturas que as auxiliam são as mais ativadas em pessoas em processo de alucinação No momento em que o indivíduo alucina há ativação sobretudo da área de Broca e ter tendência a alucinar se relaciona a disfunções nas áreas receptivas da linguagem Kühn Gallinat 2012 Ffytche Wible 2014 Apesar de a pesquisa neurocientífica se concentrar nas alucinações audioverbais a pesquisa sobre as alucinações visuais tem fornecido muitos insights sobre os processos neuronais do fenômeno alucinatório Waters et al 2014 Hugdahl 2015 PSICOPATOLOGIA DA IMAGINAÇÃO E DA REPRESENTAÇÃO Em muitas pessoas a atividade imaginativa pode de fato ser muito intensa tanto em crianças como em alguns adultos com ou sem transtorno mental Algumas vezes o indivíduo sadio vive tão intensamente sua atividade imaginativa que chega a ter dificuldade em diferenciála de experiências reais Os termos pseudologia fantástica e mitomania são utilizados para descrever fenômenos desse tipo serão vistos no capítulo O juízo de realidade e suas alterações o delírio O escritor Graciliano Ramos 18921953 em seu conto Minsk relata de forma expressiva algo que é bastante comum na infância Ele descreve como a menina Luciana vivia muito mais imersa no seu mundo de fantasias que na realidade Luciana estava no mundo da lua monologando imaginando casos romanescos viagens para lá da esquina com figuras misteriosas que às vezes se uniam outras vezes se multiplicavam Ramos 2013 p 58 Certamente o refúgio na atividade imaginativa sempre serviu ao ser humano ajudandoo a livrarse dos sofrimentos e das limitações do cotidiano Alterações da representação imagens representativas A chamada pseudoalucinação ver revisão em Berrios 1996 é um fenômeno que embora se pareça com a alucinação dela se afasta por não apresentar os aspectos vivos e corpóreos de uma imagem perceptiva real A pseudoalucinação apresenta mais as características de uma imagem representativa de uma representação Um dos estudos mais importantes sobre pseudoalucinações foi escrito pelo primo do famoso pintor Wassily Kandinsky o psiquiatra russo Victor K Kandinsky 18491889 Seu livro sobre as pseudoalucinações foi escrito a partir de suas próprias experiências com esse sintoma Kandinsky 1885 Ele foi por fim internado por psicose no hospital psiquiátrico que dirigiu onde morreu Na pseudoalucinação a voz ou imagem visual percebida é pouco nítida de contornos imprecisos sem vida e sem corporeidade A vivência é projetada no espaço interno são vozes que tipicamente vêm de dentro da cabeça do interior do corpo O paciente relata que parece uma voz ou no caso visual uma imagem ou que é como se fosse uma voz ou imagem mas não é bem uma voz confundese com um pensamento muito marcante Em certos casos a chamada pseudoalucinação surge de um pensamento ou uma representação que de tão intenso ganha por assim dizer sensorialidade O pensamento é tão intenso para o paciente que é como se fosse uma voz interna falando comigo Embora a pseudoalucinação possa ocorrer nas psicoses esquizofrenia e psicoses afetivas e nos transtornos psicoorgânicos ela é mais inespecífica e tem menos peso para o diagnóstico de psicoses Pode se manifestar também em estados afetivos intensos na fadiga em quadros de rebaixamento do nível de consciência e em intoxicações Um fenômeno semelhante à pseudoalucinação é a imagem pósóptica É o caso por exemplo do indivíduo que permaneceu muito tempo estudando histologia observando atentamente por muitas horas no microscópio determinadas imagens de tecidos e à noite no momento em que vai dormir nota a persistência de tais imagens Obviamente esse não é um fenômeno patológico Outro tipo de vivência passível de ser confundido com as pseudoalucinações é a chamada alucinação psíquica Paim 1986 a descreve como imagens alucinatórias sem um verdadeiro caráter sensorial Assim pacientes relatam a experiência de ouvirem palavras sem som vozes sem ruído vivenciarem uma comunicação direta de pensamento a pensamento por meio de palavras secretas e interiores que não soam Tais experiências não deveriam a rigor receber a denominação de alucinação já que lhes falta o caráter de sensorialidade importante na experiência alucinatória São experiências mais relacionadas à esfera do pensamento e da intuição O termo alucinação negativa para designar a ausência de visão de objetos reais presentes no campo visual do paciente também gera controvérsias Tal ausência ou falha perceptiva é geralmente determinada por fatores psicogênicos em pacientes com transtorno da personalidade histriônica ou muito sugestionáveis O indivíduo por exemplo sentindose ameaçado muito constrangido ou humilhado pela presença de certa pessoa em seu ambiente por meio de um processo inconsciente escotomiza abole tal imagem de seu campo perceptivo Ubinha 1974 considera inadequado o termo alucinação para tal fenômeno preferindo denominálo cegueira histérica conversiva ou escotomização parcial Os aspectos semiológicos da sensopercepção e em particular a questão das alucinações são complexos e intrigantes Para um estudo mais aprofundado são sugeridas as revisões de Paim 1972 Johnson 1978 LanteriLaura 1994 Behrendt e Young 2004 e de Collerton Perry e McKeith 2005 Também está disponível a edição em espanhol do tratado sobre alucinações de Henri Ey 20111973 Alucinação e delírio Em pacientes com psicoses ocorrem frequentemente ao mesmo tempo alucinações de várias modalidades audioverbais visuais somáticas etc Também podem ocorrer com frequência alucinações associadas a delírios ver esse tópico no capítulo O juízo de realidade e suas alterações o delírio As alucinações tendem a indicar uma gravidade considerável da psicose Um estudo com cem pacientes com esquizofrenia paranoide avaliou aqueles que só apresentavam alucinações e aqueles que só apresentavam delírios Os que apresentavam só alucinações tiveram sintomas positivos e negativos mais graves pior funcionamento social pior prognóstico e maior necessidade de reabilitação intensiva do que aqueles que apresentavam só delírios Kreinin et al 2015 Outros estudos que analisem o impacto diferencial dos distintos sintomas psicóticos são necessários para se chegar a conclusões mais firmes sobre o papel de cada sintoma na psicose Semiotécnica da sensopercepção Para avaliar alterações da sensopercepção sugiro as perguntas que constam no Quadro 164 Há algumas escalas e instrumentos padronizados para a avaliação das alucinações como a Psychotic Symptom Rating Scales PSYRATS a LaunaySlade Hallucinations Scale LSHS e o Beliefs about Voices Questionnaire BAVQ Quadro 164 Semiotécnica da sensopercepção ALUCINAÇÕES AUDITIVAS Perguntas iniciais Tem observado coisas que não consegue explicar Tem ouvido vozes de pessoas estranhas ou desconhecidas Ouve vozes sem saber de onde vêm São ruídos murmúrios ou vozes bem claras Perguntas posteriores Entende o que dizem as vozes Elas vêm de perto ou de longe O volume é alto ou baixo São pessoas conhecidas ou desconhecidas São vozes de homens mulheres ou crianças As vozes vêm de dentro da cabeça ou de fora do corpo Por qual dos dois ouvidos ouve as vozes Vê ou sente as pessoas que lhe falam Desagradamlhe as vozes que ouve Fica irritadoa Tem medo Por quê Que lhe dizem as vozes Xingam insultam ou ameaçam As vozes falam com você Comentam algo sobre você As vozes ordenam ou proíbem alguma coisa As vozes são seu próprio pensamento em voz alta São repetições de seus pensamentos São palavras isoladas frases ou parágrafos Por favor repita textualmente o que dizem as vozes Acredita que eu também possa ouvilas Ouviu as vozes durante a entrevista As vozes que oa senhora ouve são reais ou produtos de um transtorno ou doença ALUCINAÇÕES VISUAIS Perguntas iniciais Tem visto algo estranho que lhe chamou atenção Talvez tenha percebido visões animais homens figuras sombras fogo fantasmas demônios ou coisas do tipo Perguntas posteriores Essas visões se mexiam ou eram fixas Assustouse com elas As visões se aproximam ou se afastam de você São escuras ou claras São coloridas De que cor Tem as visões apenas de noite ou também de dia Apenas quando está acordando ou adormecendo ou a qualquer hora O que vê Descreva para mim De onde vêm essas visões ALUCINAÇÕES OLFATIVAS E GUSTATIVAS Perguntas iniciais Tem notado sabor ou cheiro diferente nos alimentos Os cheiros eram agradáveis ou desagradáveis Perguntas posteriores De onde você acredita que vêm esses cheiros ou o gosto ruim Alguém tem desejado envenenáloa O cheiro passou rápido ou durou muito tempo ALUCINAÇÕES TÁTEIS E CENESTÉSICAS Perguntas iniciais Sente algo estranho em seu corpo Sente algo estranho dentro de seu corpo Essas sensações são agradáveis ou desagradáveis Incomodamlhe correntes elétricas ou influências estranhas Perguntas posteriores Sente como se lhe tocassem o corpo beliscassem batessem ou beijassem Tem a sensação de que tocam nos seus genitais Sente como se houvesse um animal ou inseto dentro de seu corpo ALUCINAÇÕES CINESTÉSICAS Perguntas iniciais Sente movimentos no corpo como se levasse um empurrão Sente como se o chão oscilasse Perguntas posteriores Tem feito movimentos contra sua vontade Partes de seu corpo têm mudado de posição sem seu controle Sente como se levantassem seu corpo no ar A PSYRATS avalia detalhadamente alucinações auditivas em 11 domínios com 5 pontos cada um frequência duração localização intensidade crenças sobre a origem das vozes quantidade de conteúdos negativos grau dos conteúdos negativos grau de incomodo distress intensidade do incômodo grau de prejuízo sobre a vida da pessoa e capacidade de controle sobre as vozes Além disso avalia referência a outras alucinações visuais táteis e olfativas se as vozes são experimentadas como prazerosas nunca às vezes frequentemente e se as alucinações são persistentes Drake et al 2007 A LSHS Larøi van der Linden 2005 é uma escala de 16 itens que avalia diferentes modalidades de alucinações auditivas visuais olfativas táteis hipnagógicas e hipnopômpicas Usa uma escala Likert de 0 a 4 O escore total vai de 0 a 64 Por fim a BAVQ é um instrumento de autorrelato com 30 itens que avaliam como a pessoa percebe e reage às alucinações audioverbais Inclui cinco subescalas três delas a respeito de crenças sobre as vozes duas sobre reações emocionais e comportamentais em relação às vozes e cinco escalas sobre malevolência benevolência omnipotência resistência e engajamento em relação às vozes Chandwick et al 2000 Não temos conhecimento sobre possíveis traduções e validações para o português do Brasil desses instrumentos padronizados para avaliação das alucinações Student Loans Student loan debt is the second highest consumer debt category behind mortgages Student loan debt 17 trillion Borrowers 45 million Average balance 37558 Percentage of total debt 107 1 2 17 A memória e suas alterações DEFINIÇÕES BÁSICAS A memória é a capacidade de codificar armazenar e evocar as experiências impressões e fatos que ocorrem em nossas vidas Tudo o que uma pessoa aprende em sua existência depende intimamente da memória Além disso como será abordado neste capítulo todos os processos relacionados com a memória são altamente contextualizados integrados em uma rede de múltiplas informações e contextos da vida A capacidade específica de memorizar relacionase com vários fatores entre eles o nível de consciência e atenção o estado emocional e o interesse motivacional e particularmente importante os contextos como lugar momento com que pessoas em que tipo de atividade e em que fase da vida a codificação o armazenamento e a evocação das informações ocorrem para uma revisão acessível e de qualidade ver Foster 2011 Alguns dos principais pesquisadores atuais em neurociências da memória atribuem à memória um papel central na própria definição e identidade do ser humano Para Iván Izquierdo 2002 somos aquilo que recordamos ou que de um modo ou de outro resolvemos esquecer Perder a memória segundo Squire e Kandel 2003 leva à perda de si mesmo à perda da história de uma vida e das interações duradouras com outros seres humanos De forma genérica podemse distinguir para os seres humanos os seguintes tipos de memória Memória psicológica cognitiva ou neuropsicológica É uma atividade altamente diferenciada do sistema nervoso que permite ao indivíduo codificar conservar e evocar a qualquer momento os dados aprendidos da experiência Memória genética e epigenética Esse tipo de memória abrange conteúdos de informações biológicas adquiridos ao longo da história filogenética da espécie e ao longo das vivências do indivíduo e de seus ancestrais contidos no material biológico DNA RNA cromossomos mitocôndrias mudanças 3 4 epigenéticas dos seres vivos Memória imunológica Esse tipo de memória reúne informações registradas e potencialmente recuperáveis pelo sistema imune de um ser vivo Memória coletiva social ou cultural Envolve conhecimentos e práticas sociais e culturais costumes valores práticas linguagem habilidades artísticas conceitos e preconceitos ideologias estilos de vida rituais gesticulações etc produzidos acumulados e mantidos por um grupo social Esse tipo de memória tem importância fundamental para as sociedades humanas Sem ela os grupos sociais perdem sua identidade básica a possibilidade de perceber o sentido de suas existências a gratidão e crítica em relação ao passado e a esperança e prudência em relação ao futuro O Quadro 171 apresenta alguns elementos básicos da memória social Quadro 171 A memória social O sociólogo francês Maurice Halbwachs 18771945 aluno de Henri Bergson e Émile Durkheim é conhecido por ter aberto e desenvolvido o campo de estudo sobre a memória coletiva também chamada memória social ou cultural Seus livros Le Cadres Sociaux de la Mémoire de 1925 e La Mémoire Collective publicado postumamente em 1950 pois ele foi executado em 1945 em um campo de concentração nazista são referências fundamentais sobre o estudo da memória coletiva Em A memória coletiva ele afirma Mas nossas lembranças permanecem coletivas e elas nos são lembranças pelos outros mesmo que se trate de acontecimentos nos quais só nós estivemos envolvidos Não é necessário que outros homens estejam lá que se distingam materialmente de nós porque temos sempre conosco e em nós uma quantidade de pessoas que não se confundem 2004 p 30 Mais adiante ele aprofunda só temos capacidade de nos lembrar quando nos colocamos no ponto de vista de um ou mais grupos e de nos situar em uma ou mais correntes do pensamento coletivo p 40 Então conclui um pouco adiante afirmando a memória coletiva tira sua força e sua duração do fato de ter por suporte um conjunto de seres humanos cada memória individual é um ponto de vista sobre a memória coletiva quando tentamos explicar essa diversidade voltamos sempre a uma combinação de influências que são todas de natureza social p 55 Um dos mais importantes historiadores do século XX o também francês Jacques Le Goff 19242014 participou do desenvolvimento da chamada história das mentalidades que de alguma forma se conecta à memória coletiva Em um estudo sobre memória ele afirma a memória coletiva foi posta em jogo de forma importante na luta das forças sociais pelo poder Tornarse senhores da memória e do esquecimento é uma das grandes preocupações das classes dos grupos dos indivíduos que dominaram e dominam as sociedades históricas Os esquecimentos e os silêncios da história são reveladores destes mecanismos de manipulação da memória coletiva 2003 p 422 Por fim cabe mencionar a original e lúcida psicóloga social brasileira Ecléa Bosi 19362017 que em seu livro Memória e sociedade 1994 traça com sutileza a memória coletiva de idosos que participaram da construção da cidade de São Paulo no século XX Por meio de entrevistas aprofundadas e afetivamente cuidadosas Bosi recupera as preciosas narrativas memorialísticas de seus idosos o mundo do trabalho e da política Ela busca recuperar como os contextos sociais e as convenções de linguagem produzem elementos simbólicos de uma geração A memória é uma construção que as pessoas tecem com aquilo que foi mais significativo em suas vivências pessoais e sociais nos mundos concretos e simbólicos que habitaram Apesar da importância da memória coletiva não a estudaremos aqui Neste capítulo será abordada principalmente a memória psicológica cognitiva ou neuropsicológica usadas neste texto como sinônimos Ao longo das últimas décadas estudos em psicologia cognitiva e neuropsicologia idenficaram dois aspectos importantes sobre a memória psicológica Primeiro a memória não é um processo unitário Ela é composta de múltiplos elementos que podem ser organizados e expostos de distintas formas e exigem redes e estruturas cerebrais diferentes Segundo a memória não é um processo passivo e fidedigno de fixação de elementos e de evocação exata e realista do que foi arquivado Nesse sentido ela é muito mais um processo ativo no qual vários elementos do indivíduo participam da codificação e da evocação como elementos sensoriais imaginativos semânticos e afetivos A memória é frequentemente reeditada ou seja as informações de eventos cenas e acontecimentos do passado que já foram armazenadas podem ser reconfiguradas com acréscimos de elementos novos vividos ou imaginados pelo próprio indivíduo ou instigados por estímulos externos conscientes ou não Assim há um processo de recriação e reinterpretação no arquivo de longo prazo de nossas memórias Elas frequentemente não são o filme realista do que aconteceu mas reedições criativas de vários diretores que influem no conteúdo do arquivo de memórias FASES OU ELEMENTOS BÁSICOS DA MEMÓRIA Cabe agora apresentar a memória psicológica em suas três fases ou elementos básicos Codificação captar adquirir e codificar informações Armazenamento reter as informações de modo fidedigno Recuperação ou evocação também denominada de lembranças ou recordações é fase em que as informações são recuperadas para distintos fins Usando a metáfora de uma biblioteca ou de um arquivo eletrônico para a memória a fase de codificação corresponde à escrita de um livro em papel ou em arquivo eletrônico AE A codificação ocorre quando ao vermos uma coisa pequena de uns 10 centímetros coberta de uma capa colorida penas com cabeça corpo e patinhas que se move e canta denominamos de passarinho A informação codificada semanticamente na palavra passarinho passará assim a ser arquivada já tendo sido codificada A fase de armazenamento implica a classificação do livro ou do AE e sua colocação em uma determinada estante ou pasta assim como a conservação desse livro nessa estante protegendoo do sol e da chuva ou na memória do computador Por fim a fase de evocação ou recuperação significa poder 1 acessar o livro na estante ou o AE no computador e poder lêlo da melhor forma possível A codificação é o processo inicial da memorização Ela depende muito da atenção A evocação a capacidade de acessar os dados fixados seria a etapa final do processo de memória Lembrança é a capacidade de acessar elementos no banco da memória de longo prazo Reconhecimento é a capacidade de identificar uma informação apresentada ao sujeito com informações já disponíveis na memória de longo prazo Esquecimento por sua vez é a denominação que se dá à impossibilidade de evocar e recordar Em relação à evocação há ainda dois aspectos distintos a disponibilidade e a acessibilidade da informação Às vezes tentamos lembrar o nome de uma pessoa sentimos que esse nome está na ponta da língua sabemos qual a primeira sílaba se o nome é curto ou longo mas o nome inteiro não vem fenômeno da ponta da língua Nesse caso a informação ainda está disponível em nossa memória de longo prazo mas não está no momento exato que queremos lembrar acessível para nós Mais adiante veremos como há peculiaridades neurofuncionais psicológicas e neuropsicológicas em cada uma dessas fases A memória pode falhar e ser destruída em cada uma dessas três etapas por distintos fatores e transtornos psicopatológicos Memória segundo o tempo de aquisição armazenamento e evocação Em relação ao processo temporal de aquisição armazenamento e evocação de elementos mnêmicos a neuropsicologia moderna divide a memória em quatro momentos temporais Izquierdo 2002 Foster 2011 Memória sensorial e depósito sensorial até 1 segundo Aqui percepção atenção e memória se sobrepõem As memórias sensoriais são ricas muitos conteúdos mas muitíssimo breves os conteúdos se apagam rapidamente Quando estímulos visuais memória icônica ou auditivos memória ecoica são expostos ao indivíduo ele capta não de modo consciente um número relativamente grande de informações mas pode guardálas apenas por um período muito curto Há um depósito sensorial que funciona geralmente abaixo do limiar da consciência em apenas 50 milissegundos quando se deve decidir quase sempre sem consciência se voltamos a atenção para certos estímulos ou se 2 3 4 estes serão rapidamente apagados Por exemplo em uma festa passamos por um grupo nosso nome é rapidamente falado por alguém e às vezes mesmo sem perceber conscientemente passamos a dirigir a atenção para a fala desse grupo Memória imediata ou de curtíssimo prazo de poucos segundos até 1 a 3 minutos Esse tipo de memória se confunde conceitualmente também com a atenção e com a memória de trabalho que será abordada adiante Tratase da capacidade de reter o material palavras números imagens etc imediatamente após ser percebido como reter um número telefônico para logo em seguida discar A memória imediata tem também capacidade limitada e depende da concentração da fatigabilidade e de certo treino As memórias imediata e de trabalho dependem sobretudo da integridade das áreas préfrontais Memória recente ou de curto prazo de poucos minutos até 3 a 6 horas Referese à capacidade de reter a informação por curto período Também é um tipo de memória de capacidade limitada Muitas vezes as memórias de curto prazo e de curtíssimo prazo são consideradas simplesmente como memória de curto prazo A memória recente depende de estruturas cerebrais das partes mediais dos lobos temporais como a região CA1 do hipocampo do córtex entorrinal assim como do córtex parietal posterior Izquierdo 2002 Memória de longo prazo ou remota de dias meses até muitos anos É a função relacionada à transferência de informações para depósitos de longo prazo tendo capacidade quase ilimitada Ela também se relaciona à evocação de informações e acontecimentos ocorridos no passado geralmente após muito tempo do evento pode durar por toda a vida É um tipo de memória de capacidade bem mais ampla em termos de itens a serem guardados que a memória imediata e a recente As informações a serem guardadas na memória de longo prazo são armazenadas de modo organizado em sistemas que proporcionam uma estrutura organizacional Assim as informações são arquivadas e conservadas de acordo com seu significado em redes semânticas nas quais conceitos semelhantes ou semanticamente relacionados são armazenados de maneira vinculada próximos uns dos outros Portanto o significado proporciona organização no arquivo de longo prazo Assim podemos ouvir uma história com várias frases distintas e meses depois sermos incapazes de reproduzir essas frases corretamente Contudo o significado geral da história tendo sido percebido por nós foi armazenado e poderá ser evocado Acreditase que a memória remota se relacione tanto ao hipocampo no processo de transferência de memórias recentes para memórias de longo prazo como implicando também para o armazenamento de longo amplas e difusas áreas corticais de associação em todos os lobos cerebrais mas principalmente nos frontais Kroll et al 1997 Gazzaniga Heatherton 2005 BASES NEUROBIOLÓGICAS DA MEMÓRIA Parece haver bastante concordância entre os pesquisadores de que para o fenômeno da memorização ou engramação mnéstica ou seja para a formação das unidades de memória as estruturas límbicas temporomediais principalmente relacionadas ao hipocampo à amígdala e ao córtex entorrinal são fundamentais Gordon 1997 Izquierdo 2002 Elas atuam em especial na consolidação dos registros e na transferência das unidades de memória de curto e médio prazos intermediária para a de longo prazo estocagem da memória remota O substrato neural da memória de longo prazo registros bem consolidados repousa basicamente no córtex cerebral ou seja nas áreas de associação neocorticais principalmente frontais e temporoparietoccipitais Há evidências de que o processo neuronal de memorização difere entre memórias recentes minutos a horas e memórias de longo prazo meses a anos Nas memórias recentes há mudanças e consolidações de sinapses neuronais relacionadas a complexas cascatas de eventos moleculares e celulares necessárias para a primeira estabilização de informações recentemente adquiridas nas redes neuronais coordenadas pelo hipocampo Em contraste nas memorizações lentas e de longo prazo a consolidação das memórias se baseia em processos de nível sistêmico redes neuronais lentos tempodependentes que convertem os traços lábeis de memória recente em formas mais permanentes estáveis e ampliadas baseadas na reorganização de redes neurais de suporte à memória também coordenadas pelos hipocampos Harand et al 2012 A interrupção bilateral do circuito hipocampomamilotálamocíngulo pode determinar a incapacidade de fixação de novos elementos mnêmicos produzindo assim a síndrome amnéstica de maior ou menor intensidade As estruturas mais importantes para a memória são certamente os hipocampos O Quadro 172 resume alguns dos aspectos principais dos hipocampos Quadro 172 Hipocampos memória e cognição geral revisão em Eichenbaum et al 2016 Os hipocampos direito e esquerdo são estruturas do cérebro localizadas na parte medial dos lobos temporais filogeneticamente antigas de importância central para os processos de aprendizagem e memória Entretanto de certa forma quase toda a cognição está relacionada a eles pois os hipocampos se conectam a múltiplas áreas do córtex cerebral organizam eventos relacionados entre si em uma rede estruturada de memórias além de atuarem na percepção e na organização mental espacial e temporal dos eventos Eles são possivelmente a estrutura mais bem estudada em neurociências cognitivas havendo uma revista científica específica para eles chamada Hippocampus Eichenbaum et al 2016 A retirada cirúrgica ou destruição por doença dos dois hipocampos causa uma terrível síndrome de amnésia anterógrada na qual o indivíduo fica totalmente sem memória para fatos novos e com profunda incapacidade para aprender com exceção de funções da memória de procedimentos como abordado a seguir Anatomicamente o hipocampo dos mamíferos tem três grandes regiões o giro denteado GD o corno de Ammon CA este dividido em quatro partes CA1 CA2 CA3 e CA4 e o córtex entorrinal lateral e medial Essas três regiões têm diferentes padrões de conectividade tipos de neurônios e suscetibilidade a fatores destrutivos Funcionalmente os hipocampos são divididos em hipocampo dorsal mais ligado especificamente ao aprendizado e à memória e hipocampo ventral mais ligado ao processamento emocional Todo o hipocampo tem grande capacidade de plasticidade sináptica Strange et al 2014 Os hipocampos foram tradicionalmente relacionados à memória explícita consciente e não à implícita Entretanto pesquisas têm revelado que eles desempenham um papel que vai além dos processos conscientes da memória Estudos neuroanatômicos indicam que tanto a memória explícita como a implícita usam o hipocampo nos mesmos locais mas com processos funcionais diferentes Em nosso cérebro é criado um modelo do mundo a nossa volta Experienciar e reexperienciar vivamente cenas do passado e poder imaginar o futuro são ações que dependem intimamente da integridade dos hipocampos Utilizamos as representações do mundo para perceber e compreender o que ocorre a cada momento Trabalhos recentes indicam que funções como percepção imaginação e lembrança de cenas e eventos estão particularmente ligadas ao hipocampo anterior Zeidman Maguire 2016 FATORES ASSOCIADOS AO PROCESSO DE MEMORIZAÇÃO CODIFICAÇÃO E ARMAZENAMENTO Desde a Antiguidade a humanidade temse preocupado em como aperfeiçoar as capacidades de memória em como desenvolver uma arte da memória ars memoriae ou ars memorativa Desde Aristóteles mas sobretudo desde meados do primeiro milênio técnicas mnemônicas foram desenvolvidas de forma minuciosa relacionadas à retórica e à lógica Isso sucede sobretudo porque a manutenção de informações valiosas para as pessoas arquivadas em papiros livros e atualmente na memória eletrônica dos computadores ainda não estava disponível ou era de dificílimo acesso Rossi 2010 Atualmente os estudos psicológicos e neurocientíficos sobre a memória psicológica indicam que o processo de memorização codificação armazenamento e futura evocação de novos elementos da memória depende de Nível de consciência e estado geral do organismo o indivíduo deve estar desperto não muito cansado calmo em bom estado geral para que a memorização ocorra da melhor maneira possível Atenção focal diz respeito à capacidade de manutenção de atenção concentrada sobre o conteúdo novo a ser fixado Informações novas entram na memória de longo prazo principalmente quando se presta bastante atenção durante o aprendizado Organização e distribuição temporal diz respeito a distribuir no processo de aprendizado de novas informações as tentativas de aprendizado ao longo de um período de tempo mais longo e cadenciado é melhor praticar pouco e sempre do que tentar memorizar e aprender tudo apressadamente em um único dia p ex no dia antes da prova Interesse e colorido emocional relacionase às informações a serem fixadas assim como ao empenho do indivíduo em aprender vontade e afetividade Conhecimento anterior elementos já conhecidos ajudam a adquirir elementos novos principalmente quando se articulam os novos conhecimentos a informações classificações e esquemas cognitivos já bem assentados formando uma cadeia de elementos mnêmicos Capacidade de compreensão do significado da informação buscar entender o significado da informação ou conhecimento que se está tentando aprender é de fundamental ajuda para a memorização Se a informação não tem um significado particular é algo aleatório então é útil atribuirlhe um significado arbitrário Estabelecimento de um contexto rico e elaborado o contexto e as circunstâncias associadas à informação que se quer memorizar têm papel central na eficácia da memorização Codificação da informação nova em mais de uma via para o armazenamento mais eficaz de uma informação nova quanto maior for o número de canais sensoriais e dimensões cognitivas distintas mais eficaz será a fixação Por exemplo se a informação for uma palavra devese buscar associar uma imagem visual se for visual devese buscar associar uma palavra Com isso são criados mapas mentais que colaboram para o armazenamento eficaz TIPOS ESPECÍFICOS DE MEMÓRIA Com o avançar das neurociências não se pode mais falar em memória como processo unitário Devemos sim falar em memórias ou tipos específicos de memória Distinguemse esses tipos de acordo com o caráter consciente ou não consciente do processamento do conteúdo mnêmico e com as áreas e estruturas cerebrais envolvidas Kandel Schwartz Jessel 1995 Miotto et al 1996 Dalla Barba 1998 Izquierdo 2002 Budson Price 2005 Tipos dependentes do caráter consciente ou não consciente do processo mnêmico memória explícitadeclarativa versus implícitanão declarativa Segundo o caráter consciente ou não consciente do processo mnêmico têmse as memórias explícita e implícita A memória explícita memória declarativa é relacionada ao conhecimento consciente obtido geralmente com algum esforço Esse tipo de memória é adquirido e evocado com plena intervenção da consciência Izquierdo 2002 incluindo as lembranças de fatos autobiográficos memória autobiográfica Um episódio como ter almoçado no último domingo com a avó pode ser lembrado com algum esforço e de forma consciente A memória explícita pode ser de imagens visuais palavras conceitos ou eventos A memória implícita memória sem consciência ou não declarativa é um tipo de memória que adquirimos e utilizamos sem que percebamos sem consciência e geralmente sem esforço É uma forma relativamente automática e espontânea Ela pode incluir procedimentos ver adiante memória de procedimentos como muitas habilidades motoras andar de bicicleta saber bordar saber escovar os dentes assim como conhecimentos gerais ancorados em palavras que adquirimos e utilizamos sem perceber como aprender e falar a língua materna A partir de pesquisas realizadas nos últimos 40 anos sobre a memória humana descobriuse que a memória implícita influi cotidianamente em nossas vidas de formas mais ou menos sutis Por exemplo ao dirigir o carro para casa podemos ouvir uma música no rádio e nela viajar ou submergir em um devaneio relacionado a um encontro amoroso obstante conseguimos continuar a conduzir e chegamos em casa Mesmo sem perceber conscientemente paramos nos semáforos vermelhos e seguimos o trajeto de casa sem errar É nossa memória implícita que nos possibilita isso Esse tipo de memória parece incluir a memória para informações mostradas à pessoa durante uma anestesia pois embora em sono farmacológico ela pode registrar elementos do que é dito no ambiente Além disso parte das pessoas expostas repetidamente a publicidade comercial beba Cocacola responde a tal publicidade com comportamentos preferência automática de pedir Coca cola em vez de um novo refrigerante sem propaganda sem se dar conta muitas vezes do porquê o fazem Foster 2011 A memória implícita está envolvida ainda com as chamadas sensações de familiaridade Vemos uma pessoa no ônibus sabemos que a conhecemos sensação de familiaridade mas não localizamos de onde e quem exatamente ela é Geralmente a pessoa é conhecida de um contexto diferente do ônibus p ex é um antigo funcionário da escola de ensino fundamental que raramente pega condução Em testes de psicologia experimental o construto memória implícita se torna evidente quando informações previamente captadas mesmo de forma não consciente afetam no sentido de facilitar o desempenho em testes de memória Em geral a memória implícita age integrada à memória explícita ampliando seu poder O termo priming a melhor tradução é aprimoramento de repetição se refere a um tipo de memória implícita importante no processo de recordação e execução de tarefas cognitivas Estímulos que já foram expostos ao sujeito de forma consciente ou não consciente são mais bem processados do que aqueles que nunca lhe foram expostos Por exemplo ter sido previamente exposto a uma lista de palavras contendo a palavra BOLA facilita o desempenho em testes de completar palavras quando aparece a tarefa de preencher BL esta é feita mais rapidamente do que as tarefas CS ou PDR O priming também se verifica quando identificamos uma maçã em meio a muitas imagens de objetos mais rapidamente quando ela nos foi exposta antes priming perceptivo e itemespecífico Também se verifica quando identificamos mais rapidamente a palavra maçã em meio a muitas palavras quando fomos expostos previamente à palavra fruta priming semântico e categorial O priming ocorre sem que tenhamos a sensação subjetiva de reencontro com o estímulo reforçando a ideia de que ele é um mecanismo da memória implícita 1 2 3 4 Efeitos do priming se verificam ainda quando fragmentos de um conteúdo mnêmico amplo são evocados e a partir deles todo o resto é gradativamente recuperado Assim um músico toca ou ouve os primeiros dois ou três acordes de uma canção aparentemente esquecida e de forma gradativa a composição toda e sua sequência de acordes e melodias começa a ressurgir para ele Do ponto de vista anatômico o priming é um fenômeno predominantemente neocortical participando dele as áreas préfrontais e corticais associativas temporoparietoccipitais Izquierdo 2002 Memórias devaneios e viagem mental no tempo O fenômeno chamado devaneio mind wandering tem muito a ver com a memória tanto explícita como implícita O devaneio ocorre quando soltamos a mente e relaxadamente construímos histórias e eventos mentais variando ou inventando cenas e episódios em relação tanto ao nosso passado como ao nosso futuro A capacidade de mentalmente reviver o passado e imaginar possíveis futuros foi denominada viagem mental no tempo mental time travel Suddendorf Corballis 2007 Tratase de um processo essencialmente construtivo Há ativação de várias áreas cerebrais principalmente dos hipocampos e dos lobos frontais A capacidade de fazer viagens mentais no tempo tem sido relacionada ao surgimento da linguagem no Homo sapiens sendo importante também para formar memórias autobiográficas e para o funcionamento da teoria da mente Tipos de memória classificados segundo a estrutura cerebral envolvida ver revisão em Matthews 2015 São quatro os principais tipos de memória que correspondem a estruturas cerebrais diversas Esses quatro tipos são afetados de forma diferente nas doenças e condições que diminuem ou destroem a memória p ex demências São nesse sentido as principais formas de memória de interesse à semiologia neurológica psicopatológica e neuropsicológica Izquierdo 2002 Budson Price 2005 São eles Memória de trabalho Memória episódica Memória semântica Memória de procedimentos Memória de trabalho A memória de trabalho working memory situase entre os processos e habilidades da atenção e os da memória imediata São exemplos de memória de trabalho ouvir um número telefônico e retêlo na mente para em seguida discá lo assim como ao dirigir em uma cidade desconhecida perguntar sobre um endereço receber a informação e a sugestão do trajeto e mentalmente executar o itinerário de forma progressiva A memória de trabalho é de modo geral uma memória explícita consciente que exige esforço Para diferenciála da memória de curto prazo devese realçar que a memória de trabalho é plenamente ativa que realiza operações mentais de modo constante por isso está trabalhando constantemente Ela representa um conjunto de habilidades que permite manter e manipular informações novas acessandoas em face às antigas Tais informações verbais ou visuoespaciais são mantidas ativas em operação online geralmente por curto período poucos segundos até no máximo alguns minutos a fim de serem manipuladas com o objetivo de selecionar um plano de ação e realizar determinada tarefa O conteúdo mnêmico deve ser utilizado imediatamente sob alguma forma de resposta A memória de trabalho também é vista como uma gerenciadora da memória Seu papel não é tanto formar arquivos mas antes o de analisar e selecionar as informações que chegam constantemente e comparálas com as existentes nas demais memórias de curta e de longa duração Esse processo requer mecanismos neurais adequados à seleção de informações pertinentes mantendoas online por breve período até que a decisão e a resposta adequada sejam tomadas Investigações têm indicado que a memória de trabalho é composta por três componentes alça fonológica esboço visuoespacial e sistema executivo O esboço visuoespacial realiza armazenamento temporário e manipulação das imagens A alça fonológica utiliza códigos articulatórios e depósitos fonológicos para sintetizar e operacionalizar as informações O sistema executivo faz a mediação da atenção e das estratégias para coordenar os recursos cognitivos entre a alça fonológica e o esboço visuoespacial Foster 2011 As regiões corticais préfrontais são importantes para a integridade da memória de trabalho Nas tarefas verbais há maior envolvimento das áreas pré frontais esquerdas assim como das áreas de Broca frontal esquerda inferior e de Wernicke temporal esquerda superior Nas tarefas visuoespaciais seguir mapas mentalmente sair de labirintos gráficos e montar quebracabeças há 1 2 3 maior implicação das áreas préfrontais direitas assim como de zonas visuais de associação do carrefour temporoparietoccipital direito Quando o córtex temporal é lesado há prejuízo da memória de trabalho visual mas a memória de trabaho espacial é preservada quando há lesão dos lobos parietais ocorre o oposto Pacientes com lesões nas áreas cerebrais associadas aos conhecimentos semânticos sentido das palavras como o córtex dos lobos temporais laterais e temporoparietais têm prejuízos nos desempenhos da memória de trabalho verbal Investigação semiológica da memória de trabalho Observase inicialmente o grau de habilidade do paciente de prestar atenção e se concentrar Particularmente importante é a dificuldade em realizar novas tarefas que incluam a execução de várias etapas distintas em uma sequência após instrução Um teste simples é aquele incluído no Teste Minimental quando se solicita ao paciente que realize a tarefa Veja esta folha de papel em minha mão quero que pegue este papel com sua mão direita que o dobre no meio e depois o coloque no chão Também são formas de testar a memória de trabalho solicitar que uma pessoa repita números em sequência direta a pessoa sem alterações repete de 5 a 8 dígitos 4 é resultado limítrofe e 3 ou menos dígitos resultado alterado e sequência inversa normal de 4 a 5 dígitos 3 resultado limítrofe e 2 ou menos dígitos alterado Podese igualmente testar a memória de trabalho de natureza visuoespacial utilizandose labirintos gráficos e quebracabeças Howieson Loring 2004 Lezak 2012 Valor diagnóstico das alterações da memória de trabalho De modo geral todas as condições que afetam as regiões préfrontais causam alteração da memória de trabalho Elas ocorrem em distintas condições clínicas mas sobretudo nas demências como demência frontotemporal DFT sobretudo na variante frontal da DFT demência de Alzheimer sobretudo na varitante frontal desta demência demências vasculares e demência com corpos de Lewy A memória de trabalho pode também estar comprometida na esclerose múltipla e no traumatismo craniano Na demência de Alzheimer o componente sistema executivo parece ser o que mais está prejudicano na memória de trabalho Em quadros psicopatológicos como esquizofrenia transtorno de déficit de atençãohiperatividade e transtorno obsessivocompulsivo também se verificam alterações da memória de trabalho No envelhecimento normal ocorrem frequentemente dificuldades de leves a moderadas na memória de trabalho Memória episódica Pause et al 2013 Tratase de memória explícita de médio e longo prazos relacionada a eventos específicos da experiência pessoal do indivíduo ocorridos em determinado contexto Relatar o que foi feito no último fim de semana é um típico exemplo de memória episódica Ela corresponde a eventos específicos e concretos comumente autobiográficos bem circunscritos em determinado momento e local Referese assim à recordação consciente de fatos reais A perda da memória episódica em geral se evidencia para eventos autobiográficos recentes mas com o evoluir da doença p ex doença de Alzheimer pode incluir elementos mais antigos Nesse sentido a perda de memória episódica obedece à lei de Ribot perdemse primeiro os elementos recentemente adquiridos e depois os mais antigos Esse tipo de memória depende em essência de mecanismos relacionados àsregiões da face medial dos lobos temporais particularmente o hipocampo e os córtices entorrinal e perirrinal Quando tais áreas se deterioram por exemplo com o avançar da demência de Alzheimer o paciente perde totalmente a capacidade de fixar e lembrar eventos ocorridos há poucos minutos ou horas inclusive situações marcantes e significativas para ele Os pacientes com síndrome de WernickeKorsakoff têm déficits graves na memória episódica uma condição relacionada a danos no diencéfalo primariamente nos corpos mamilares no trato mamilotalâmico e no tálamo anterior Respeitando a lei de Ribot a memória remota de eventos antigos permanece mais tempo sem alterações O hipocampo é um depósito transitório de memórias uma estação de transferência de elementos recentemente registrados para um arquivo mais permanente de lembranças localizado de modo difuso em amplas áreas do córtex dos distintos lobos cerebrais A memória episódica interage constantemente com a memória semântica de conhecimentos gerais e conceitos ver adiante contrastando ou se articulando com ela Investigação semiológica da memória episódica Suspeitase de alteração da memória episódica quando se nota que o sujeito vai se tornando incapaz de reter e lembrar informações e experiências recentes de maneira correta e acurada Um modo simples de fazer um primeiro rastreamento sobre a memória episódica de uma pessoa é contar uma pequena história para ela e alguns minutos depois pedir que a reconte Devese entrevistar o paciente investigando a evolução temporal das falhas de memória Nesse sentido o relato de parentes próximos e cuidadores é essencial pois o indivíduo geralmente não tem crítica de seu estado cognitivo e não costuma perceber suas perdas Um modo prático de inquirir parentes e cuidadores é perguntar se em comparação a alguns anos atrás o paciente tem agora mais dificuldades em se lembrar de coisas que acontecem recentemente com ele É importante para avaliar o significado da alteração da memória episódica que sejam investigadas outras áreas cognitivas além da memória como linguagem atenção habilidades visuoespaciais e funções executivas Por fim devem ser examinados sinais neurológicos focais e alterações de possíveis doenças físicas sistêmicas Valor diagnóstico das alterações da memória episódica As perdas de memória episódica ocorrem principalmente nos transtornos neurocognitivos sobretudo na demência de Alzheimer Nesses casos os déficits de memória instalamse de forma lenta e progressiva Também nos transtornos neurocognitivos especificamente associados à memória como na síndrome de WernickeKorsakoff ocorre prejuízo marcante da memória episódica Na demência com corpos de Lewy embora se verifiquem déficits importantes nas funções executivas frontais há preservação da memória episódica Simard et al 2000 Até há pouco tempo consideravase que a memória episódica estaria relativamente preservada na DFT Entretanto estudos recentes indicam que ela pode estar significativamente prejudicada sobretudo na variante comportamental dessa doença Wong et al 2014 Também é relatado prejuízo da memória episódica em condições como esquizofrenia transtorno dissociativo aqui a dificuldade é na evocação da memória episódica e doença de Parkinson Pause et al 2013 Memória semântica Esse tipo de memória se refere ao aprendizado à conservação e à utilização do arquivo geral de conceitos e conhecimentos do indivíduo os chamados conhecimentos gerais sobre o mundo Assim conhecimentos como a cor do céu azul ou de um papagaio verde ou quantos dias há na semana sete são de caráter geral e se cristalizam por meio da linguagem ou seja também são de caráter semântico Assim como a episódica a memória semântica é frequentemente explícita mas pode ser eventualmente implícita Ela é enfim a representação de longo prazo dos conhecimentos que temos sobre o mundo entre eles o significado das palavras dos objetos e das ações Também cabe assinalar a memória semântica diz respeito ao registro e à retenção de conteúdos em função do significado que têm Ela é um componente da memória de longo prazo que inclui os conhecimentos de objetos fatos operações matemáticas assim como das palavras e seu uso A memória semântica é de modo geral compartilhada socialmente reaprendida de forma constante não sendo temporalmente específica Dalla Barba et al 1998 A contraposição desses dois tipos de memória episódica e semântica exemplificase da seguinte forma lembrar como foi um almoço com os avós em Belo Horizonte há três semanas depende do sistema de memória episódica Já o conhecimento do significado das palavras almoço Belo Horizonte avós etc depende da memória semântica Embora esses dois tipos de memória tenham certa independência eles constantemente interatuam Memórias episódicas são convertidas ao longo do tempo e por exposição repetida em memórias semânticas A memória semântica previamente adquirida é muitas vezes preservada em pacientes que apresentam graves alterações no sistema de memória episódica Indivíduos com síndrome de WernickeKorsakoff por exemplo têm grave déficit de memória episódica mas podem ter a memória semântica preservada A memória semântica em acepção restrita corresponde às capacidades de nomeação e categorização Depende de forma estreita das regiões inferiores e laterais dos lobos temporais sobretudo no hemisfério esquerdo diferentemente da memória episódica que depende das regiões mediais desses lobos sobretudo dos hipocampos Investigação semiológica da memória semântica Pesquisamse alterações de memória semântica verificandose a dificuldade do paciente em tarefas como nomear itens cujos nomes ele previamente sabia mostrar um relógio uma caneta e uma régua e pedir que o indivíduo os nomeie Devese diferenciar as dificuldades leves e benignas como lembrar o nome de pessoas ou outros nomes próprios muito comuns em adultos de meia idade e idosos da verdadeira perda da capacidade de lidar com informação semântica Pacientes com disfunções leves na memória semântica têm capacidade reduzida em testes de geração de palavras p ex solicitar ao indivíduo que nomeie o maior número possível de animais em 1 minuto Aqueles com alterações mais avançadas na memória semântica tipicamente revelam déficits de duas vias na nomeação isto é são incapazes de dizer o nome de um item quando este lhes é mostrado e de descrever um item cujo nome lhes é apresentado Os pacientes com déficits de memória semântica mais avançada também apresentam empobrecimento marcante de conhecimentos gerais não são capazes de citar algumas cidades do Brasil dizer quem é o atual presidente do País dizer a cor do papagaio etc Valor diagnóstico das alterações da memória semântica Na demência de Alzheimer há alterações pronunciadas da memória semântica Isso ocorre devido à deterioração das regiões mediais e ventrais dos lobos temporais e de regiões temporoparietais do hemisfério esquerdo Na DFT na variante que afeta mais os lobos temporais variante semântica da DFT ocorre significativa perda da memória semântica o que leva a dificuldades nas tarefas de nomeação e compreensão de palavras isoladas além de empobrecimento dos conhecimentos gerais condição descrita por alguns autores como demência semântica Na variante comportamental da DFT que afeta mais os lobos frontais a memória semântica pode estar menos comprometida Também na demência com corpos de Lewy embora se verifiquem déficits significativos nas funções executivas frontais há relativa preservação da memória semântica Simard et al 2000 Memória de procedimentos Tratase de um tipo de memória automática não consciente Exemplos desse tipo de memória são habilidades motoras e perceptuais mais ou menos complexas andar de bicicleta digitar no computador tocar um instrumento musical bordar etc habilidades visuoespaciais como a capacidade de aprender soluções de labirintos e quebracabeças e habilidades automáticas relacionadas ao aprendizado de línguas regras gramaticais incorporadas na fala automaticamente decorar a conjugação de verbos de uma língua estrangeira etc A memória de procedimentos de modo geral é implícita e não declarativa mas durante a aquisição da habilidade pode ser explícita na fase de aprendizado como quando por exemplo se aprende a dirigir um carro seguindo orientações verbais Na maioria das vezes a memória de procedimentos é implícita pois manifestase tipicamente por ações motoras e desempenho de atividades e não pela expressão de palavras tornandose consciente apenas com esforço Aqui a memorização ocorre de forma lenta por meio de repetições e múltiplas tentativas A localização da memória de procedimentos está relacionada com o sistema motor eou sensorial específico envolvido na tarefa As principais áreas envolvidas são a área motora suplementar lobos frontais osnúcleos da base sobretudo o striatume ocerebelo Investigação semiológica da memória de procedimentos Suspeitase da presença de alterações da memória de procedimentos quando o indivíduo apresenta ou perda de habilidades motoras ou visuoespaciais previamente aprendidas ou grande dificuldade em aprender novas habilidades Por exemplo o paciente pode perder a habilidade de escrever à mão ou de digitar em um teclado de tocar um instrumento musical de pregar um botão ou de chutar uma bola Eventualmente ele pode reaprender essas habilidades mas para isso necessita de ordens explícitas verbais conscientes para realizar cada etapa da habilidade Em consequência um paciente com lesão no sistema de memória de procedimentos pode nunca mais readquirir as habilidades motoras automáticas que pessoas saudáveis realizam sem perceber Por fim aqueles cuja memória episódica foi devastada quadros graves de demência de Alzheimer ou síndrome de WernickeKorsakoff podem ter ganhos relativos em um processo de reabilitação que lance mão do sistema de memória de procedimentos preservada e assim aprender novas habilidades Oudman et al 2015 Valor diagnóstico das alterações da memória de procedimentos A doença de Parkinson assim como a síndrome de Parkinson por causas vasculares tumorais etc é a condição mais frequente em que se observa perda da memória de procedimentos Outras doenças que comprometem a memória de procedimentos são doença de Huntington paralisia supranuclear progressiva e degeneração olivopontocerebelar Também tumores acidentes vasculares cerebrais AVCs hemorragias degenerações e outras lesões nos núcleos da base ou no cerebelo degeneração cerebelar podem prejudicar a memória de procedimentos Pacientes nas fases iniciais da doença de Parkinson e da coreia de Huntington assim como na degeneração olivopontocerebelar e na paralisia supranuclear progressiva apresentam desempenho quase normal em testes de memória episódica mas revelam acentuada incapacidade de aprender novas habilidades motoras visuoespaciais e linguísticas Para as demências vasculares inclusive a demência após AVC os tipos de memória comprometidos de trabalho episódica semântica ou de procedimentos dependem muito de fatores como tipo de AVC volume número de AVCs e localização das lesões vasculares Portanto as perdas de memória nas demências vasculares são muito heterogêneas Kalaria et al 2016 De modo geral esse tipo de memória não fica gravemente prejudicado na demência de Alzheimer apresentandose mais deteriorado sobretudo como perda da capacidade de aprendizado motor em outras doenças degenerativas que envolvem habilidades psicomotoras ALTERAÇÕES PATOLÓGICAS DA MEMÓRIA ALTERAÇÕES QUANTITATIVAS Hipermnésias Em alguns pacientes em mania ou hipomania representações elementos mnêmicos afluem rapidamente uma tempestade de informações ou imagens ganhando em número perdendo porém em clareza e precisão A hipermnésia nesses casos traduz mais a aceleração geral do ritmo psíquico que uma alteração propriamente da memória Nobre de Melo 1979 Há outro tipo de hipermnésia chamada hipermnésia para memória autobiográfica Tratase de um fenômeno raro no qual o indivíduo tem uma memória autobiográfica quase perfeita Parker et al 2006 Foi estudado detalhadamente o caso de HK um rapaz de 20 anos cego de nascença que apresentava hipermnésia autobiográfica Sua memória para detalhes de vários eventos de sua vida passada era profunda e minuciosa quase perfeita Por meio de várias fontes a memória de HK foi checada em relação ao diário de sua avó entrevistas com vários familiares e registros de prontuários médicos do hospital onde ele era tratado revelandose altamente fidedigna Ally et al 2013 HK apresentava em relação a controles hipertrofia da amígdala direita de cerca de 20 e conectividade aumentada entre a amígdala e o hipocampo 10 vezes acima do desviopadrão A hipermnésia autobiográfica é considerada um 1 2 3 4 fenômeno complexo dependente de intricada interação entre memória episódica memória semântica habilidades visuoespaciais memória para emoções viagem mental no tempo teoria da mente e funções executivas Embora muito rara ela fornece elementos valiosos para a compreensão da memória autobiográfica Amnésias ou hipomnésias Denominase amnésia de forma genérica a perda da memória seja da capacidade de fixar seja da capacidade de manter e evocar antigos conteúdos mnêmicos Em relação às amnésias associadas à memória episódica autobiográfica cabe citar a Lei da regressão mnêmica de Théodule Ribot 18391916 formulada em seu livro Les Maladies de la Mémoire de 1881 Apesar de ter sido formulada há mais de um século ela pode ser ainda de utilidade Harand et al 2012 Segundo a lei de Ribot atualmente denominada temporally graded amnesia no indivíduo que sofre uma lesão ou doença cerebral sempre que esse processo patológico atinja seus mecanismos mnêmicos de codificação armazenamento e recordação a perda dos elementos da memória esquecimento segue algumas regularidades O sujeito perde as lembranças e seus conteúdos na ordem e no sentido inverso que os adquiriu Consequência do item anterior ele perde primeiro elementos recentemente adquiridos e depois os mais antigos Perde primeiro elementos mais complexos e depois os mais simples Perde primeiro os elementos mais estranhos menos habituais e só posteriormente os mais familiares Em relação aos processos fisiopatológicos as amnésias podem ser divididas em dois grandes grupos psicogênicas ou dissociativas e orgânicas Nas amnésias dissociativas ou psicogênicas há perda de elementos mnêmicos seletivos os quais podem ter valor psicológico específico simbólico afetivo O indivíduo esquece por exemplo uma fase ou um evento de sua vida que teve um significado especial para ele mas consegue lembrar de tudo que ocorreu ao seu redor É quase sempre uma amnésia retrógrada ver adiante A amnésia dissociativa pode surgir em sequência a um episódio de trauma emocional eou relacionada a fuga dissociativa quando o indivíduo foge de sua casa em estado dissociativo 1 Já nas amnésias orgânicas a perda de memória é geralmente menos seletiva em relação ao conteúdo emocional eou simbólico do material esquecido do que na amnésia psicogênica Em geral perdese primeiramente a capacidade de memorização de fatos e eventos recentes e em estados avançados da doença geralmente demência o indivíduo passa gradualmente a perder conteúdos mais antigos Amnésia anterógrada e retrógrada Na amnésia anterógrada o indivíduo não consegue mais fixar elementos mnêmicos a partir do evento que lhe causou o dano cerebral Por exemplo ele não lembra o que ocorreu nas semanas ou meses seguintes a um trauma craniencefálico A amnésia anterógrada é um distúrbiochave e bastante frequente na maior parte dos distúrbios neurocognitivos transtornos de base orgânica Já na amnésia retrógrada verificável na amnésia dissociativa o indivíduo perde a memória para fatos ocorridos antes do início do transtorno ou trauma Sua ocorrência sem amnésia anterógrada é observada em quadros dissociativos psicogênicos como a amnésia dissociativa e a fuga dissociativa Othmer 1994 De modo geral é comum após trauma craniencefálico a ocorrência de amnésias retroanterógradas ou seja déficits de fixação para o que ocorreu dias semanas ou meses antes e depois do evento patógeno Alterações qualitativas paramnésias As alterações qualitativas da memória envolvem sobretudo a deformação do processo de evocação de conteúdos mnêmicos previamente fixados O indivíduo apresenta lembrança deformada que não corresponde à sensopercepção original Os principais tipos de paramnésias são Ilusões mnêmicas Nesse caso há o acréscimo de elementos falsos a elementos da memória de fatos que realmente aconteceram Por isso a lembrança adquire caráter fictício Muitos pacientes informam sobre seu passado indicando claramente deformações marcantes de lembranças reais Tive 20 filhos com minha mulher teve de fato 4 filhos com ela mas não 20 Se não for uma deformação marcante é difícil diferenciar a ilusão mnêmica do processo normal de recordação pois a memória é um processo construtivo que se refaz e modifica normalmente As ilusões mnêmicas podem ocorrer na esquizofrenia no transtorno delirante e menos 2 1 2 3 frequentemente nos transtornos da personalidade borderline histriônica esquizotípica etc Alucinações mnêmicas São criações imaginativas dotadas de sensorialidade marcadamente com a aparência de lembranças ou reminiscências que não correspondem a qualquer elemento mnêmico a qualquer lembrança verdadeira Podem surgir de modo repentino sem corresponder a qualquer acontecimento Ocorrem principalmente na esquizofrenia e em outras psicoses As ilusões e as alucinações mnêmicas constituem muitas vezes o material básico para a formação e a elaboração de delírios delírio imaginativo ou delírio mnêmico Confabulações ou fabulações Dalla Barba La Corte 2015 Confabulações são produções de relatos narrativas e ações que são involuntariamente incongruentes com a história passada do indivíduo com sua situação presente e futura As confabulações são caracterizadas por três aspectos básicos Elas são memórias ou recordações falsas a falsidade repousa ou no seu conteúdo ou no seu contexto A pessoa que confabula não sabe da falsidade de suas recordações Confabulações são recordações plausíveis ou seja elas se parecem com o que poderia ter acontecido mas que não aconteceu As chamadas confabulações de embaraço são produzidas e estimuladas quando na entrevista se pergunta se lembra de um encontro que tivemos há dois anos em uma festa em seu bairro ou o que você fez no domingo anterior A pessoa premida pela pergunta sem perceber suas dificuldades de memória passa a relatar fatos falsos relacionados às perguntas plausíveis mas falsos Tradicionalmente a psicopatologia considerou por muitas décadas que as confabulações eram formadas por elementos da imaginação do sujeito que completariam artificialmente lacunas de memória Essas lacunas ou falhas seriam produzidas por déficit da memória de fixação sobretudo da memória episódica Além do déficit de fixação a pessoa não seria capaz de reconhecer como falsas as imagens produzidas pela fantasia As confabulações seriam portanto invenções involuntárias produtos da imaginação do paciente que preencheriam um vazio da memória Atualmente outras teorias têm sido propostas Não cabe aqui apresentálas detalhadamente Algumas enfatizam a deslocação temporal das memórias outras chamam atenção a déficits na monitoração das fontes de memórias Dalla Barba 1993 Outras ainda afirmam que as confabulações sendo memórias falsas mas plausíveis se baseiam em lembranças de eventos pessoais que se repetiram mas que são erroneamente associadas a eventos específicos e únicos falsos Shakeel Docherty 2015 As confabulações ocorrem principalmente na síndrome de Wernicke Korsakoff frequentemente secundária ao alcoolismo crônico associado a déficit de tiamina vitamina B1 Elas também podem ocorrer em traumatismo craniencefálico encefalites que implicam os lobos temporais como a encefalite herpética intoxicação por monóxido de carbono aneurisma da artéria comunicante anterior e doença de Alzheimer No passado pensavase que ela praticamente só ocorria em transtornos psicoorgânicos entretanto constatouse que também pode ocorrer não muito raramente na esquizofrenia ver revisão em Shakeel Docherty 2015 As alterações anatômicas relacionadas às confabulações compreendem lesões nos corpos mamilares no núcleo dorsomedial do tálamo assim como no córtex orbitofrontal Entretanto cerca de outras 20 áreas lesadas já foram associadas às confabulações indicando a complexidade de sua fisiopatologia Dalla Barba La Corte 2015 Outras alterações qualitativas da memória Alguns autores AlonsoFernández 1976 Sims 2001 classificam como alteração qualitativa da memória talvez por sua semelhança com as confabulações a pseudologia fantástica ou mentira patológica histórias e construções fantasiosas extensas e geralmente mescladas com a realidade experimentadas com tanta intensidade que o sujeito quase crê nelas Embora tal fenômeno possa utilizar elementos do passado este não é o capítulo mais adequado para situálo Ele será abordado no Capítulo 21 que trata do juízo de realidade Criptomnésias Tratase de um falseamento da memória em que as lembranças aparecem como fatos novos ao paciente que não as reconhece como lembranças vivendo as como uma descoberta Por exemplo um indivíduo com demência como do tipo Alzheimer conta aos amigos uma história muito conhecida como se fosse inteiramente nova mas que há poucos minutos foi relatada por outra pessoa do grupo Ecmnésia Tratase da recapitulação e da revivescência intensa abreviada e panorâmica da existência uma recordação condensada de muitos eventos passados que ocorre em breve período Na ecmnésia o indivíduo tem a vivência perceptiva de visão de cenas passadas como forma depresentificação do passado Esse tipo de ecmnésia pode ocorrer em alguns pacientes com crises epilépticas O fenômeno denominado visão panorâmica da vida associado às chamadas experiências de quasemorte é de certa forma um tipo de ecmnésia que ocorre geralmente associado à iminência da morte por acidente sobretudo afogamento sufocamento ou intoxicação Quando a ecmnésia ocorre associada à proximidade da morte alguns indivíduos que sobreviveram relatam ter visto um túnel uma luz forte e uma névoa luminosa associados a essa visão de filme condensado da própria vida Lembrança obsessiva A lembrança obsessiva também denominada ideia fixa ou representação prevalente manifestase como o surgimento espontâneo de imagens da memória ou conteúdos ideativos do passado que uma vez instalados na consciência não podem ser repelidos voluntariamente pelo indivíduo A imagem da memória embora reconhecida como indesejável reaparece de forma constante e permanece como um incômodo na consciência do paciente Manifestase em indivíduos com transtornos do espectro obsessivocompulsivo ALTERAÇÕES DO RECONHECIMENTO As alterações do reconhecimento dividemse em dois grandes grupos as diferentes formas de agnosias de origem essencialmente cerebral e as alterações de reconhecimento psicopatológicas mais frequentemente associadas aos transtornos mentais sem base orgânica definida Agnosias As agnosias são fenômenos relativamente raros definidos como déficits do reconhecimento de estímulos sensoriais de objetos e fenômenos que não podem 1 11 12 ser explicados por um déficit sensorial elementar por distúrbios da linguagem e da atenção ou por perdas cognitivas globais Heiman Valenstein 1993 As agnosias são sempre de modalidades sensoriais específicas nas quais o indivíduo perde a capacidade de reconhecimento de objetos faces sons etc por determinada via sensorial visão audição ou tato mas pode reconhecer os objetos por outra via sensorial As agnosias mais importantes são as visuais e as auditivas Um longo e antigo debate científico entre os neuropsicólogos visa determinar se as agnosias são fundamentalmente alterações neuropsicológicas da percepção ou da memória Uma vez que são transtornos do reconhecimento elas podem ser descritas como transtornos do acoplamento da percepção à memória Heiman Valenstein 1993 Os principais tipos de agnosia são As agnosias visuais são aquelas nas quais o paciente não consegue mais reconhecer pela visão determinados objetos ou faces cores etc enxerga os pode descrevêlos mas não sabe o que realmente são Se puder tocálos palpálos ou cheirálos outra via sensorial então poderá reconhecêlos A representação dos objetos nas áreas visuais associativas occipitais e occipitotemporais é danificada por tumor lesão vascular etc Frequentemente em associação com a agnosia visual há alterações perdas do campo visual sobretudo superior A prosopagnosia é um tipo de agnosia visual no qual o reconhecimento de faces humanas está prejudicado ou abolido Atualmente o conceito de prosopagnosia inclui também a incapacidade de reconhecer membros específicos de determinada classe semântica ou grupo de objetos como o caso real de um especialistaamante de aves birdwatcher que após lesão cerebral não mais reconhecia e diferenciava distintas aves entre o conjunto habilidade que antes da prosopagnosia ele dominava perfeitamente Lesões que produzem prosopagnosia são geralmente bilaterais e envolvem as áreas mesiais das regiões occipitotemporais inclusive a área fusiforme A agnosia para cores se caracteriza pela incapacidade do indivíduo de dizer o nome da cor quando esta lhe é mostrada ou de apontar para a cor certa quando se lhe diz o nome dela Entretanto ele consegue ter desempenho normal em testes não verbais de percepção de cores A acromatopsia central é a perda da capacidade de ver cores Ocorre por lesões na parte inferior ventromedial dos lobos occipitais incluindo os 2 21 22 23 giros fusiforme e lingual A agnosia auditiva é a incapacidade de reconhecer sons sem haver déficit auditivo sejam não linguísticos agnosia auditiva seletiva sejam linguísticos agnosia verbal Os principais tipos de agnosia auditiva são A agnosia verbal ou surdez verbal pura ocorre mais frequentemente por lesão da área auditiva primária bilateral giro de Heschl O paciente pode falar ler e escrever correta e fluentemente entretanto não entende as palavras faladas que ouve apenas as reconhece como ruídos Há também a cegueira verbal pura na qual o indivíduo fala escreve e entende palavras faladas normalmente porém não pode ler de forma compreensível um texto alexia agnósticasem disgrafia em geral acompanhada de inabilidade em nomear cores apesar de percebêlas corretamente A amusia sensorial é uma forma de agnosia auditiva relativamente frequente na qual a pessoa nasce sem a capacidade de reconhecer e usufruir da audição de sons musicais diferenciar notas melodias harmonias ritmo ou a perde por lesões posteriores As amusias se dividem em congênita 24 das pessoas e adquirida 3569 nos acidentes vasculares de artéria cerebral média As áreas cerebrais disfuncionais na amusia estão localizadas principalmente no hemisfério direito e envolvem estruturas como os giros temporais inferior médio e superior os giros frontais e occipitais médios a ínsula a amígdala o hipocampo o núcleo caudado e o putâmen Sihvonen et al 2017 Outras alterações orgânicas do reconhecimento A anosognosia é a incapacidade do indivíduo em reconhecer um déficit ou uma doença que o acomete Tipicamente o paciente não reconhece por exemplo que tem a parte esquerda do corpo paralisada chegando mesmo a não identificar a existência de um membro como a perna esquerda Já a simultanagnosia é a incapacidade de reconhecer mais de um objeto ao mesmo tempo Por fim a grafestesia é o reconhecimento da escrita pelo tato Escrevemse na mão do paciente letras ou números com um objeto semelhante a uma caneta mas sem a tinta e pedese que ele os reconheça com os olhos fechados O comprometimento da grafestesia é um indicativo de perturbação do reconhecimento por déficit da integração sensóriomotora no nível cortical Yudofsky Hales 1996 Alterações do reconhecimento associadas a transtornos mentais Alterações do reconhecimentoidentificação de origem delirante delusional misidentification syndrome Essas alterações incluem os falsos desconhecimentos e falsos reconhecimentos produzidos por processos delirantes São quadros delirantes muito peculiares que envolvem desconhecimentos reconhecimentos e falsas identificações Nos falsos desconhecimentos o paciente não reconhece pessoas muito familiares como a mãe a esposa ou marido o filho uma irmã ou próximas Ao ser visitado pelos pais outros familiares ou amigos o indivíduo afirma não os conhecer diz nunca os ter vistos anteriormente Com frequência os falsos desconhecimentos são fenômenos delirantes associados a quadros psicóticos como esquizofrenia mania ou depressão psicóticas Os falsos reconhecimentos também ocorrem com certa frequência em quadros psicóticos agudos p ex esquizofrenia depressão psicótica mania psicótica em que o paciente identifica alguém desconhecido previamente como um enfermeiro uma médica ou um psicólogo da equipe como se fosse seu conhecido há muito tempo por exemplo diz ao enfermeiro você é meu avô ou à médica você é minha vizinha O paciente acredita fortemente em tais falsos reconhecimentos Há falsos reconhecimentos também delirantes que se inserem em um dos tipos de síndromes delirantes de falsa identificação delusional misidentification syndrome Tais síndromes são apresentadas a seguir Na síndrome de Capgras o indivíduo afirma que uma pessoa próxima e familiar que o visitou dizendo ser seu pai ou sua mãe é na verdade um sósia quase idêntico uma falsa cópia Aquele que afirma ser o pai é um duplo um sósia impostor uma falsificação quase perfeita que o substituiu e quer que o paciente acredite tratarse do seu verdadeiro pai Um caso descrito por nós Dalgalarrondo Fujisawa Banzato 2002 foi o de uma jovem cega com a síndrome de Capgras que reconhecia seu marido real como um sósia Esse falso reconhecimento ocorria não pela aparência física visual pois a paciente era completamente cega mas pelo tato e pelo odor Ela dizia que a pele e o cheiro deles marido e sósia eram muito parecidos mas de fato não era o verdadeiro marido que a visitava era um impostor uma cópia quase idêntica Tal caso corrobora a ideia de que na síndrome de Capgras o ponto central não é a questão perceptiva visual ou de outra modalidade ou mesmo de memória mas a alteração delirante implicada no reconhecimento de alguém significativo para o paciente Na chamada síndrome de Capgras inversa reverse Capgras o sujeito acredita que houve transformação radical em si mesmo que ele próprio é um impostor e esse impostor passou a habitar seu corpo não reconhecendo o corpo como o seu próprio e verdadeiro O paciente afirma Este sujeito aqui é na verdade um sósia uma cópia quase idêntica de mim mesmo A síndrome do duplo subjetivo é um tanto semelhante e mesmo conceitualmente sobreposta à de Capgras inversa Nesse caso o paciente acredita que outra pessoa se transformou fisicamente a ponto de tornarse idêntica a ele vindo a ser o seu próprio Eu um duplo perfeito Sims 1995 Assim essa psicopatologia é análoga à síndrome de Capgras porém o sósia nesse caso é o próprio Eu do indivíduo ver Rank 1939 A síndrome de Frégoli é um falso reconhecimento delirante em que o indivíduo identifica falsamente uma pessoa estranha como se fosse alguém de seu círculo pessoal Na prática clínica é frequente observar pacientes psicóticos que identificam o médico o psicólogo ou o enfermeiro como uma pessoa de sua família ou como um velho conhecido a quem atribuem o mesmo nome e com quem conversam como se fossem velhos amigos Por sua vez na síndrome de Frégoli inversa reverse Frégoli há a crença delirante de que houve ou está havendo uma mudança radical da própria aparência física sem alteração do self psicológico O corpo e a aparência física do paciente não são mais os mesmos mas sua identidade psicológica permanece igual Na síndrome de intermetamorfose o indivíduo relata que certa pessoa de seu círculo familiar geralmente percebida como perseguidora e uma terceira estranha também perseguidora têm características físicas e psicológicas em comum Com o termo paramnésia reduplicativa se descreve um grupo de alterações delirantes do reconhecimento no qual a pessoa tem certeza subjetiva de que lugares familiares como sua casa ou o hospital em que está internada pessoas partes do corpo ou objetos foram duplicados ou triplicados quadruplicados etc Politis Loane 2012 Em relação à duplicação de lugares o paciente acredita por exemplo que o hospital onde está internado fora duplicado e ele foi trazido para lá para o lugar duplicado Sente que existem cópias duas ou mais de um mesmo lugar É como se existissem dois mundos paralelos A paramnésia reduplicativa pode ocorrer associada a outros quadros delirantes de falsos reconhecimentos A paramnésia reduplicativa pode ser causada por afecções cerebrais como encefalopatia póstraumática tumores do terceiro ventrículo acidentes vasculares encefalopatias tóxicas ou metabólicas Também pode ocorrer nas demências na esquizofrenia e em outros transtornos psicóticos Hakim et al 1988 Valor diagnóstico De modo geral os falsos desconhecimentos delirantes e os falsos reconhecimentos delirantes assim como as demais síndromes delirantes dessa natureza ocorrem com mais frequência associados a esquizofrenia depressões graves psicóticas e síndromes psicoorgânicas agudas ou crônicas com sintomas psicóticos incluindo as demências Entretanto também podem se manifestar de forma isolada sendo então classificados como transtorno delirante O Quadro 173 apresenta um resumo das síndromes delirantes de falso reconhecimento e identificação Quadro 173 Resumo das síndromes delirantes de falso reconhecimento e identificação SÍNDROME DESCRIÇÃO Falso desconhecimento Não reconhecimento durante episódio psicótico de familiares mãe esposa filho etc ou de pessoas próximas Síndrome de Capgras Uma pessoa próxima e familiar é considerada um sósia quase idêntico uma cópia falsa Síndrome de Capgras inversa O próprio Eu é percebido como um impostor uma cópia falsa de si mesmo Síndrome do duplo subjetivo Outra pessoa transformouse fisicamente a ponto de tornarse idêntica ao próprio paciente um duplo quase perfeito de si mesmo Falso reconhecimento ou síndrome de Frégoli Identificação falsa e delirante de uma pessoa estranha como se fosse alguém do círculo pessoal do paciente disfarçada de estranho enfermeiro ou médico Síndrome de Frégoli inversa O próprio Eu físico do paciente é percebido como se transformando radicalmente sua aparência não é mais a mesma apenas sua identidade psicológica permanece igual Síndrome de intermetamorfose Pessoa do círculo familiar do paciente tida como perseguidor e um estranho também perseguidor são percebidos apresentando características físicas e psicológicas em comum Para uma boa revisão e análise das síndromes delirantes de falso reconhecimento e falsa identificação ver Rodrigues e Banzato 2006 Alterações do reconhecimento não delirantes Os fenômenos apresentados a seguir não são de modo geral associados a psicose e podem estar presentes em condições neurológicas psicopatológicas e em indivíduos sadios Fenômenos do já visto mais raramente do já ouvido já vivido do francês déjàvu déjà entendu déjà vécu São também chamados de fenômenos déjà O indivíduo tem a nítida impressão de que o que está vendo ouvindo ou vivenciando no momento já foi visto já foi experimentado no passado As experiências do tipo déjà já visto já ouvido já vivido são mais frequentes em quadros de epilepsia sobretudo do lobo temporal nas crises parciais simples Tem sido proposto que disfunções nos lobos temporais sobretudo nas áreas parahipocampais estariam relacionadas à base orgânica desses fenômenos Illman N A et al 2012 Em pessoas sadias os fenômenos déjà são também observados não estando claro seu significado neuropsicológico OConnor Moulin 2013 Além disso são observados em pessoas sadias em estado de fadiga importante ou em estados de ansiedade Wells et al 2014 Fenômenos do jamais visto Mais raramente descrevemse os fenômenos do jamais visto jamaisvu assim como os do jamais ouvido e jamais vivido Eles ocorrem quando o paciente apesar de já ter passado por determinada experiência tem a forte sensação de que nunca a viu ouviu pensou ou viveu Seu significado ainda não é claro Para semiotécnica da memória ver Quadro 174 Para instrumentos neuropsicológicos de avaliação da memória ver Quadro 175 Quadro 174 Semiotécnica da memória PERGUNTAS RELATIVAS À MEMÓRIA RECENTE APRESENTARSE INICIALMENTE AO PACIENTE Há quanto tempo está nesta enfermaria ou neste serviço de saúde consultório Onde dormiu na última noite Onde esteve ontem E há uma semana No mês passado O que comeu ontem E hoje A que horas se levantou da cama Trabalhou ou estudou ontem E hoje Há quanto tempo estamos conversando Quem sou eu e qual é meu nome 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 PERGUNTAS RELATIVAS À MEMÓRIA REMOTA Estado civil Com que idade casou Como se chama seu cônjuge Que idade tem seu cônjuge Em que cidade casou Tem filhos Como se chamam Que idade têm Como se chamam seus pais Vivem ainda Que idade têm Onde nasceu Foi à escola Qual é o nome da escolafaculdade que cursou Lembrase do nome de algum professor De algum colega de escola Como era a cidade de sua infância e a de sua juventude O que fez em termos de trabalho ou atividade no passado Como aprendeu Em que eleições você votou Lembrase do nome dos últimos presidentes Se for viúvoa qual a data e causa da morte do cônjuge Se for divorciadoa separadoa qual a data e motivo do divórcio separação TESTES SIMPLIFICADOS DE MEMÓRIA Testes de memória verbal simples Pedir ao paciente que preste atenção em quatro palavras aleatórias que serão ditas p ex rua cadeira paz e chapéu Solicitar que ele as repita em seguida assegurando que prestou atenção e registrou imediatamente o que foi dito Deixar passar 5 a 10 minutos fazer alguns exames de força muscular e reflexos neurológicos ou solicitar ao paciente que conte de frente para trás a partir de 10 Solicitar então que ele repita as palavras ele deve recordar 3 ou 4 palavras Teste de memória visual Esconder quatro objetos p ex caneta relógio chave e livro diante do paciente que repete imediatamente o nome dos objetos e diz onde eles estão Continuar a testagem outros testes ou perguntas e após 10 minutos solicitar ao indivíduo que diga onde estão os objetos escondidos Pessoas com memória visual normal e sem afasias tendem a lembrar de 3 a 4 locais Teste de memória verbal por associação de palavras Dizer ao paciente que vai ler uma lista de 10 pares de palavras relacionadas logicamente entre si p ex altobaixo Depois pronunciar a primeira palavra do par e pedir ao indivíduo que diga a palavra correspondente Por exemplo Quando eu disser alto você deve dizer baixo Ler primeiramente todos os pares devagar e de forma bem pronunciada pedindo ao paciente para que preste atenção Em seguida falar a primeira palavra do par e solicitar que ele diga a correspondente Exemplo de lista de palavras grandepequenolivrocadernocadeiramóvelchuvabarrocriançabrinquedosolverãomonstromedorio águadinheiroluxoprofessorescola O indivíduo adulto sem déficit de memória verbal acerta pelo menos cerca de seis palavras Teste de memória lógica repetição imediata de uma história Contar ao paciente uma história simples com 16 itens distintos Por exemplo Pedro de 23 anos ajudante de mecânico morador de Hortolândia foi ao cinema com sua namorada na saída da sessão viu um assalto dois homens fortes com revólveres na mão disseram a uma velha que entregasse a bolsa ela ficou nervosa caiu no chão bateu a cabeça e 16 foi levada para o hospital Solicitar em seguida que o paciente repita a história completa De modo geral o indivíduo sadio consegue lembrar pelo menos 5 a 6 segmentos narrativos Quadro 175 Instrumentos neuropsicológicos padronizados para a avaliação da memória TESTE DESCRIÇÃO Subtestes Dígitos e Vocabulário do WISCIV e do WAIS III Avaliam memória imediata e memória semântica As escalas de inteligência e esses subtestes foram validados no Brasil São de uso exclusivo por psicólogos Subteste de Memória Lógica da Wechsler Memory Scale WMS1 A WMS é o instrumento padronizado mais utilizado no mundo para avaliar a memória Ele não foi integralmente traduzido e validado no Brasil Entretanto os subtestes para avaliar memória episódica recente e de longo prazo já foram traduzidos e validados Teste de Aprendizagem AuditivoVerbal de Rey RAVLT2 Um dos testes mais utilizados avalia memória episódica recente e processo de evocação Padronizado e validado por vários estudos internacionais e também no Brasil Seu uso não é restrito ao psicólogo Figuras Complexas de Rey Teste de memória visuoespacial que avalia memória recente visual e processo de evocação Uso restrito por psicólogos disponível Editora Pearson Teste de Aprendizado Verbal da Califórnia3 Teste equivalente ao RAVLT Um rival de peso que tem sido utilizado no mundo todo No Brasil está em fase de validação Subtestes de Memória das baterias CERAD4 e CAMCOG5 Avaliam memória auditiva visual recente de longo prazo evocação e semântica São subtestes análogos aos citados anteriormente Foram padronizados no Brasil e não são restritos ao psicólogo Devem ser usados no entanto apenas para triagem e não para substituir a avaliação neuropsicológica mais ampla Teste de Retenção Visual de Benton Teste validado no Brasil que avalia memória visual Teste Comportamental de Memória de Rivermead Um dos testes mais completos com melhor validade ecológica e valorizado pelos neuropsicólogos que atuam com idosos Está em fase de estudos no Brasil Memória Visual de Rostos e Teste de Memória de Reconhecimento Testes brasileiros recentemente criados para avaliar memória visual e episódica WISCIII Escala de Inteligência Wechsler para Crianças WAISIII Escala de Inteligência Wechsler para Adultos CERAD Consortium to Establish a Registry for Alzheimers Disease CAMCOG Cambridge Cognitive Examination 1 Martins et al 2015 2 MalloyDiniz et al 2007 3 Selaimen et al 2007 4 Ribeiro et al 2010 5 Paradela et al 2009 Title ETR Helps Houston Students Find a CTE Pathway Experiencebased Career Technical Education programs get more students into career pathways and help them graduate executives who attended ETRs 22nd Annual Texas Educators Symposium and Business Partnership Luncheon in Houston TX ZipTrips Live is the main highlight of ETRs annual event Educators from across Texas toured sites on a bus to learn more about workbased learning experiences and get efforts started or expanded in their communities Inside the Houston ISD career center about 300 educators and business community leaders shared strategies to help shape the next generation workforce If you want to increase the graduation rate and college and career readiness you have to get into what really motivates students said Mike Rogers program director at Baytowns San Jacinto College Rogers hosted the San Jacinto K16 Link Summer Occupational Internship Program session Internships and work experiences work In Houston ISD alone these programs have reached 70000 students in 202122 2862 students earning college credit 5500 students in paid and unpaid work experiences Like the educators many of the business partners are personally motivated to connect students with career opportunities Kimberly Hultz program manager and recruiter with CareWorks Permanent Placement said her company places interns in hospitals rehab centers and other healthcare organizations Students are eager to learn and every company wants to be part of the community to grow the future workforce Hultz said Participating ZIP trip hosts included Houston Methodist HCA Houston Healthcare Environmental Services Chevron Phillips Chemical Company Beckman Coulter HewlettPackard Inc Houston Community College ExxonMobil and San Jacinto College The OneGoal Education initiative an ETR partner also shared strategies to help underserved students overcome barriers through ongoing mentoring and guidance Anytime I can connect with teachers and give them information and handshake opportunities for their students outside the classroom I knew I was in the right place Hultz said The positive feedback from the event and the indepth discussion at the luncheon point to continued growth in workbased learning education efforts in Texas ETR coordinates business partnerships and other business engagement through the Texas Workforce Development Foundation Connect with ETRs workforce development team to get help setting up career readiness and business partnership connections in your school or community etrorgworkforcedevelopment 1 2 3 4 5 18 A afetividade e suas alterações Súbita uma angústia Ah que angústia que náusea do estômago à alma Fernando Pessoa DEFINIÇÕES BÁSICAS A vida afetiva é a dimensão psíquica que dá cor brilho e calor a todas as vivências humanas Sem afetividade a vida mental tornase vazia sem sabor Afetividade é um termo genérico que compreende várias modalidades de vivências afetivas como o humor as emoções e os sentimentos Segundo o psicopatólogo hispanocubano Emílio Mira y López 18961964 quanto mais os estímulos e os fatos ambientais afetam o indivíduo até a intimidade do ser mais nele aumenta a alteração e diminui a objetividade Quanto menor a distância real ou virtual entre quem percebe e o que é percebido mais o objeto se confunde com quem o percebe Mira y López1974 Assim vai desaparecendo a possibilidade de configurar ou formar imagens delimitadas e surge uma nova modalidade de experiência íntima que afeta a totalidade individual e que por isso mesmo recebe o qualificativo de afetiva Nesse sentido para Mira y López 1974 a fronteira entre a percepção e a afeição entre a sensação e o sentimento entre o saber e o sentir é a mesma fronteira entre o Eu e o não Eu Embora seja controversa a ordenação das experiências da vida afetiva na tradição psicopatológica distinguemse cinco tipos básicos de vivências afetivas Humor ou estado de ânimo Emoções Sentimentos Afetos Paixões Humor ou estado de ânimo O humor ou estado de ânimo é definido como o tônus afetivo do indivíduo o estado emocional basal e difuso em que se encontra a pessoa em determinado momento É a disposição afetiva de fundo que penetra toda a experiência psíquica a lente afetiva que dá às vivências do sujeito a cada momento uma cor particular ampliando ou reduzindo o impacto das experiências reais e muitas vezes modificando a natureza e o sentido das experiências vivenciadas Segundo Paim 1986 no estado de ânimo ou humor há confluência entre a vertente somática e a vertente psíquica que se unem de maneira indissolúvel para fornecer um colorido especial à vida psíquica momentânea Em boa parte o humor é vivido corporalmente e relacionase de forma considerável às condições corporais vegetativas do organismo Enfim o humor ou estado de ânimo é um dos transfundos essenciais da vida psíquica Emoções As emoções podem ser definidas como reações afetivas momentâneas agudas desencadeadas por estímulos significativos Assim a emoção é um estado afetivo intenso de curta duração originado geralmente como reação do indivíduo a certas excitações internas ou externas conscientes não conscientes ou inconscientes Assim como o humor as emoções são frequentemente acompanhadas de reações somáticas corporais neurovegetativas motoras hormonais viscerais e vasomotoras mais ou menos específicas O humor e as emoções são ao mesmo tempo experiências psíquicas e somáticas e revelam sempre a unidade psicossomática básica do ser humano A emoção segundo Mira y López 1974 é uma alteração global da dinâmica pessoal um movimento emergente podendo representar uma tempestade anímica que desconserta comove e perturba o instável equilíbrio existencial Sentimentos Os sentimentos são estados e configurações afetivas estáveis em relação às emoções são mais atenuados em sua intensidade e menos reativos a estímulos passageiros Os sentimentos estão comumente associados a conteúdos intelectuais valores representações e em geral não implicam concomitantes somáticos Constituem fenômeno muito mais mental do que somático Por serem associados a conteúdos intelectuais os sentimentos mas também o humor e as emoções dependem da existência na língua e na cultura de cada povo de palavras que possam codificar este ou aquele estado afetivo Assim há grande variação de cultura para cultura de um para outro universo semântico e linguístico em relação aos diversos sentimentos que podem ser expressos e portanto ganhar existência própria Os diferentes idiomas apresentam muitas vezes sutis diferenças e nuanças de um sentimento em relação a outro próximo Por exemplo para o sentimento expresso em português como saudade no espanhol utilizamse termos como estrañar no sentido de sentir a falta de algo ou alguém ou nostalgia que apesar de próximos não expressam exatamente o mesmo sentimento de saudade em português Podese com certa arbitrariedade classificar e ordenar os sentimentos em vários grupos Os afetos e os sentimentos são vivenciados de modo geral em dois polos agradável e desagradável prazeroso e desprazível A seguir são apresentados alguns dos vários sentimentos existentes de acordo com sua tonalidade afetiva Sentimentos da esfera da tristeza melancolia saudade tristeza nostalgia vergonha impotência aflição culpa remorso autodepreciação autopiedade sentimento de inferioridade infelicidade tédio desesperança etc O poeta Fernando Pessoa 1993 p 30 descreve o sentimento doloroso que é o tédio da seguinte forma O meu tédio não dormeCansado existe em mimComo uma dor informeQue não tem causa ou fim Sentimentos da esfera da alegria euforia júbilo contentamento satisfação confiança gratificação esperança expectativa Sentimentos da esfera da agressividade raiva revolta rancor ciúme ódio ira inveja vingança repúdio nojo desprezo Sentimentos relacionados à atração pelo outro amor atração tesão estima carinho gratidão amizade apego apreço respeito consideração admiração etc A título de exemplo o filósofo FrançoisMarie Arouet conhecido como Voltaire 16941778 descreve em seu Dicionário filosófico o precioso sentimento que é a amizade Amizade Contrato tácito entre duas pessoas sensíveis e virtuosas Sensíveis porque um monge um solitário pode não ser ruim e viver sem conhecer a amizade Virtuosas porque os maus não atraem mais que cúmplices Os voluptuosos carreiam companheiros na devassidão Os interesseiros reúnem sócios Os políticos congregam partidários O comum dos homens ociosos mantém relações Os príncipes têm cortesãos Só os virtuosos possuem amigos Voltaire 17641959 p 21 22 Do mesmo modo Luís de Camões 15241580 1997 p 16 em um breve verso exprime preciosamente o que é o sentimento amor Amor é um fogo que arde sem se ver é ferida que dói e não se sente é um contentamento descontente é dor que desatina sem doer Sentimentos associados ao perigo medo temor receio desamparo abandono rejeição Sentimentos de tipo narcísico vaidade orgulho arrogância onipotência superioridade empáfia prepotência Afetos Definese afeto como a qualidade e o tônus emocional que acompanham uma ideia ou representação mental Os afetos acoplamse a ideias anexando a elas um colorido afetivo Seriam assim o componente emocional de uma ideia Em acepção mais ampla usase também o termo afeto para designar de modo inespecífico qualquer estado de humor sentimento ou emoção Paixões A paixão é um estado afetivo extremamente intenso que domina a atividade psíquica como um todo captando e dirigindo a atenção e o interesse do indivíduo em uma só direção inibindo os demais interesses Nessa linha para Pieron 1996 a paixão intensa impede o exercício de uma lógica imparcial A análise e a reflexão sobre as paixões humanas têm uma longa história no Ocidente O Quadro 181 apresenta de forma resumida algumas das concepções de importantes filósofos da tradição ocidental Quadro 181 Alguns filósofos ocidentais e as principais paixões emoções e sentimentos FILÓSOFO E OBRAS PRINCIPAIS PAIXÕES HUMANAS COMENTÁRIOS Platão 428 348 aC República Mênon As paixões ἐπιθυμητικόν ou apetites são inevitavelmente importantes na vida humana devem ser controladas e submetidas pela razão ou logos λογιστικόν O thymos θυμοειδές constituído por afetos e vontades deve se alinhar e se submeter à razão para ajudála no domínio das paixões A mente é concebida tendo três elementos ou partes concupiscível paixões desejos carnais irascível afetos e vontade e razão ou logos Aristóteles 384322 aC Retórica das paixões Aristóteles estuda as seguintes paixões cólera mansidão amoramizade ódio medo confiança vergonha falta de vergonha benevolência falta de benevolência compaixãopena indignação inveja competição desprezo O estudo das paixões em Aristóteles é descrito no livro II de sua Retórica As paixões na Retórica não são compreendidas como virtudes ou vícios permanentes mas antes se relacionam a situações transitórias produzidas pelas habilidades do bom orador As paixões produzindo mudanças nas pessoas fazemnas chegar a diferentes julgamentos Estoicismo e epicurismo Estoicismo devese combater as paixões submetêlas à razão O bem maior é a perfeita serenidade a ataraxia Epicurismo os humanos são atormentados por medos infundados como da morte e dos Deuses Defende um hedonismo com cálculo buscar os prazeres que não tragam uma dor maior A concepção estoica de submissão das paixões pela razão funcionou como norma que influiu duradouramente no pensamento ocidental por meio do Cristianismo O epicurismo privilegia de certa forma as paixões serenas em detrimento das paixões intempestivas Tomás de Aquino 1225 1274 As paixões da alma e Os Sete pecados capitais São quatro as paixões principais da alma tristeza alegria medo e esperança Para Tomás de Aquino todo pecado se fundamenta em algum desejo natural e todo bem naturalmente desejado tem uma semelhança com a bondade divina Lacerda 2013 Tomás de Aquino recusa a condenação absoluta das paixões feita pelos filósofos estoicos René Descartes 15961650 As paixões da alma Esse tratado se relaciona ao importante movimento de reabilitação das paixões ocorrido no século XVIII Descartes estuda as seguintes paixões admiração estima e menosprezo veneração e desprezo amor e ódio desejo esperança medo ciúmes segurança desespero dúvida atrevimento competição covardia espanto remorsos alegria tristeza burla inveja compaixão satisfação consigo mesmo arrependimento simpatia gratidão indignação cólera glória vergonha desgosto pesar regozijo Nas Paixões da alma Descartes procura mostrar os pontos de aproximação entre alma e corpo As paixões são os fenômenos nos quais a alma padece por ações vindas do corpo O filósofo francês pensa que há de fato seis paixões primitivas amor ódio desejo admiração alegria e tristeza Para ele as paixões não devem ser combatidas mas bem utilizadas Baruch Espinoza 16321677 Ética em particular a 3ª parte A origem e natureza dos afetos e a 4ª parte A servidão humana ou a força dos afetos O desejo é a própria essência do homem p 140 na tristeza a potência de agir do homem é refreada p 141 a atração é uma alegria acompanhada da ideia de uma coisa que por acidente é causa de alegria p 143 A esperança é uma alegria instável p 143 A inveja é o ódio à medida que afeta o homem de tal maneira que ele se entristece com a felicidade de um outro p 145 A teoria dos afetos de Espinoza se assenta na negação da transcendência Ao não se basear em valores transcendentes o desejo é a bússola Não se deseja algo porque é bom mas porque se deseja algo esse algo se torna bom Alegria e tristeza são os afetos fundamentais Fontes Aristóteles 2000 Aquino 2015 Descartes 1998 Espinosa 2009 Meyer 1994 Dalgalarrondo 2018 EMOÇÃO VERSUS RAZÃO Em uma parte da tradição do pensamento ocidental a emoção opõese frontalmente à razão segundo essa tradição a emoção cega o ser humano e o impede de pensar com clareza e sensatez ver revisão histórica em Meyer 1994 Assim por exemplo afirma o psicólogo francês Paul Guillaume 18781962 A emoção pode ter um efeito paralisante tanto para o pensamento como para a ação A emoção intensa cria um vácuo no espírito não encontramos mais o que dizer ou fazer não podemos mais pensar já não vemos com clareza na situação concreta não compreendemos mais as palavras o aspecto do homem emocionado é muitas vezes o de um imbecil dá impressão de impotência mental Guillaume 1966 p95 Essa concepção considera a emoção e a vida afetiva de modo geral como inferior à razão A emoção turva a razão distancia o ser humano da verdade e da conduta correta Além disso ela corresponde a uma dimensão inferior do ser humano seria o resquício animalesco de um suposto homem primitivo dentro do homem maduro Contrários a tal concepção vários autores como Berdiaeff Scheller afirmam que a dimensão emocional pode contribuir e não atrapalhar no contato do ser humano com a realidade ajudandoo a perceber melhor as coisas Nesse sentido o ser humano seria dotado de um certo tipo de compreensão afetiva que se faz por uma sintonização empática Dória 1977 o ser humano compreenderia melhor se emocionando sentindo afetivamente os fenômenos da realidade Alguns existencialistas chegam a hipervalorizar a emoção no processo de conhecimento Assim o filósofo Nikolai A Berdyaev 18741948 afirma que conhecemos muito mais pelos sentimentos que pela inteligência Não só a simpatia e o amor porém mesmo a inimizade e a raiva auxiliam no conhecimento Berdyaev 1935 Mesmo se o objetivo for aceitar a tradicional primazia da razão sobre a emoção na apreensão da verdade devese admitir que certas dimensões da vida só são realmente acessíveis pela lente da emoção e do sentimento pois como afirmou o filósofo Blaise Pascal 16231662 há razões que a razão desconhece REAÇÃO AFETIVA A vida afetiva ocorre sempre em um contexto de relações do Eu com o mundo e com as pessoas variando de um momento para outro à medida que os eventos e as circunstâncias da vida se sucedem Assim a afetividade caracterizase particularmente por sua dimensão de reatividade Nesse sentido há duas importantes dimensões da resposta ou reação afetiva de um indivíduo Denominase sintonização afetiva a capacidade de a pessoa ser influenciada afetivamente por estímulos externos assim o sujeito entristecese com ocorrências dolorosas alegrase com eventos positivos ri com uma boa piada enfim entra em sintonia com o ambiente A irradiação afetiva por sua vez é a capacidade que o indivíduo tem de transmitir irradiar ou contaminar os outros com seu estado afetivo momentâneo por meio da irradiação afetiva faz outros entrarem em sintonia com ele Giglio 1974 TIPOS E CLASSIFICAÇÕES DAS EMOÇÕES Experiências afetivas negativas e positivas Uma primeira classificação das emoções se refere a uma polarização positiva ou negativa Assim emoções positivas seriam aquelas que promovem o bemestar favorecem a socialização e resultam geralmente de gratificações quando um desejo ou necessidade é satisfeito Emoções negativas se relacionariam com as sensações de repulsa raiva e agressividade que por sua vez resultam ou interferem nas desavenças nas relações interpessoais Cabe frisar que tal classificação é consideravelmente arbitrária e excessivamente relacionada a valores sociais que podem ser questionados a todo momento Uma forma contemporânea de agrupar experiências afetivas tem sido proposta pelo Research Domain Criteria RDoC Polos ou valências da afetividade domínios e construtos do Research Domain Criteria O RDoC do National Institute of Mental Health NIMH busca identificar sobretudo para a pesquisa construtos que sejam passíveis de investigação que abarquem um leque de dimensões que possam incluir base genética e genômica biologia do desenvolvimento redes e mecanismos neurais neurofisiológicos e neurobioquímicos chegando até o nível das experiências e comportamentos Particularmente no caso de sistemas com polaridade afetiva o RDoC sugere que sejam organizados dois grandes grupos de construtos os sistemas de valência negativa e os de valência positiva Os sistemas de valência negativa incluem por exemplo respostas a situações aversivas como resposta a ameaça aguda ou medo reposta a ameaça potencial ou ansiedade resposta a ameaça constante experiências de perda e não recompensa frustrante Os sistemas de valência positiva incluem respostas anímicas e comportamentais positivas como motivação para a aproximação avaliação de recompensas aprendizado positivo de recompensas ou de hábitos que liberem outros recursos psíquicos como por exemplo recursos cognitivos São as emoções das pessoas as mesmas em todo o mundo Uma segunda grande forma de situar e ordenar as emoções humanas se baseia na hipótese do caráter universal para toda a humanidade todos os subgrupos culturais e todos os períodos históricos de um pequeno grupo de emoções Contra essa hipótese estão algumas correntes contemporâneas que enfatizam a relatividade cultural das experiências emocionais segundo as quais de modo geral todos os tipos de vivências emocionais são localizados no tempo histórico e nas diferentes sociedades e culturas humanas Rosenwein 2011 Interligada a tal debate universal versus localcultural há uma constante argumentação entre os autores sobre se as emoções têm base predominantemente neurobiológica psicológica ou sociocultural Charles Darwin 18091882 acreditava que um certo número de emoções e suas expressões corporais sobretudo faciais eram semelhantes nos animais sobretudo nos primatas e nos seres humanos bem como nas diversas sociedades e culturas Teriam para ele base biológicaevolutiva e seriam importantes para a sobrevivência do indivíduo e da espécie Darwin 18711974 Na visão darwinista portanto emoções e sentimentos como medo raiva ciúmes amor materno seriam universais presentes em todos os indivíduos e em muitas espécies animais Darwin 18711974 Além disso segundo ele a manifestação das emoções por certas expressões faciais e corporais foi sendo lentamente adquirida na evolução da espécie Homo sapiens constituindose muitas das emoções comuns a seres humanos e animais Segundo sugestão do neurocientista António Damásio os afetos e as emoções seriam divididos em três grandes grupos Damásio 2012 emoções básicas ou primárias emoções secundárias e emoções de fundo Vejamos a seguir cada uma delas Emoções universais primárias ou básicas A concepção de emoções universais tornouse modernamente conhecida sobretudo pelos trabalhos do psicólogo norteamericano Paul Ekman 1934 Suas pesquisas sobre comportamentos não verbais se iniciaram no fim dos anos de 1950 Ekman 1957 e continuam até o presente No começo estimulado pelo antropólogo inglês Gregory Bateson 1904 1980 que havia filmado nativos em Bali nos anos de 1930 Ekman passou a se dedicar à análise dos comportamentos gestuais para fins de estudos transculturais Seu professor de psicologia Silvan S Tomkins 19111991 convenceuo a se concentrar nas expressões faciais das emoções Utilizando um grande número de fotografias de rostos humanos com expressões emocionais e comparando as percepções entre diferentes grupos sociais e étnicos ocidentais e orientais Ekman notou que havia uma consistente concordância na ordenação de certas emoções que pareavam com determinadas expressões faciais apresentadas em fotografias A partir dessa concordância chegou à conclusão de que haveria comportamentos faciais específicos universalmente associados às emoções também específicas ou seja era possível demonstrar empiricamente a existência de emoções universais Também foi notado por Ekman que nas várias culturas certas emoções só podiam ser exibidas de uma forma ditada por regras sociais seguindo prescrições do que seria o socialmente aceito Muitas vezes as emoções universais eram disfarçadas por tais expressões culturalmente controladas Isso explicaria segundo Ekman como as diferenças culturais podem encobrir a expressão das emoções universais de fato Ekman chegou à conclusão de que os músculos faciais humanos podem produzir até 3 mil expressões faciais diferentes relacionadas às emoções Assim trabalhando com Wallace V Friesen 1930 Paul Ekman estudou as expressões faciais no grupo étnico Fore da Papua Nova Guiné Esse grupo devido a sua forma de vida estava muito pouco exposto às expressões faciais de emoção do Ocidente representando uma sociedade relativamente isolada Ekman e Friesen contavam aos Fore uma história depois mostravamlhes um conjunto de três faces com expressões próximas mas distintas e lhes pediam para selecionar a face que revelava a emoção correspondente à história Como os Fore acertavam claramente acima do acaso taxa de acerto entre 76100 o pareamento das faces com os conteúdos emocionais das histórias os pesquisadores concluíram que havia de fato uma associação universal entre padrões musculares faciais particulares com emoções específicas universalmente passíveis de reconhecimento Ao final concluíram que seriam seis as emoções humanas básicas e universais alegria tristeza medo raiva nojo aversão ou repugnância e surpresa Ekman Friesen 1971 Nos anos de 1990 Ekman reavaliou sua teoria das seis emoções universais ampliandoas para onze culpa orgulho vergonha desprezo contentamento constrangimento diversão ou divertimento amusement excitação satisfação prazer sensorial e alívio Ekman 1999 Além disso Ekman e Friesen acharam não apenas uma expressão facial para cada emoção mas uma variedade de diferentes manifestações discretamente diferentes para cada uma delas Haveria famílias de emoções assim encontraram 60 microvariações de expressões faciais para a emoção raiva distintas do conjunto de microvariações da emoção medo ou da família de emoção nojo e assim por diante O antropólogo norteamericano Donald E Brown 1934 em 1991 publicou seu livro Human Universals que gerou respostas calorosas positivas e negativas Brown 1991 Ele formula que uma série de aspectos do comportamento humano seriam universais na sua base Em relação às expressões faciais das emoções muitas delas seriam devidas ao aspecto universal das emoções Brown irá sugerir um número ainda maior de emoções universais do que Darwin e Ekman propuseram Quadro 182 Quadro 182 Emoções e experiências emocionais postuladas como universais segundo a sugestão de Brown 1991 Afeição expressa e sentida Ambivalência Apego Atração sexual Brincadeira Brincar de fingir Choro Ciúme sexual Conflito meios para lidar com conflitos ou mediação de conflitos Desaprovação da sovinice Dor expressão emocional Empatia Esperança Exibição de recato Expressão facial de Alegria Desprezo Medo Nojo Raiva Surpresa Tristeza Disfarce Generosidade admiração Gosto por fofoca Inveja Luto Medo e precauções contra cobras Medo de Estranhos na infância Ruídos altos na infância Morte Orgulho Prazer com piadas Prazer em correr riscos Recato sexual Reciprocidade afetiva Reparação de ofensas Sentimentos morais Vergonha Vida íntima privada Emoções secundárias ou sociais não universais Nesse grupo está reunido um conjunto extenso de emoções em geral mais complexas do ponto de vista psicológico e neuropsicológico mais aprendidas socialmente e mais variáveis entre os subgrupos culturais Elas seriam construídas com mesclas de emoções de fundo emoções primárias e outras emoções sociais Como exemplos de emoções sociais ou secundárias podem ser citados vergonha culpa remorso simpatia compaixão embaraço orgulho ciúmes inveja gratidão admiração submissão indignação e desprezo Emoções de fundo Segundo proposta de António Damásio 2012 emoções de fundo são estados basais mais basais inclusive do que o humor ou estado de ânimo que constituem uma espécie de colorido do estado afetivo de uma pessoa Sensações de bem ou de malestar sensação de fadiga lassidão de ter mais ou menos energia são citadas como emoções de fundo De qualquer forma é difícil notar as diferenças entre o construto emoção de fundo e o construto humor ou estado de ânimo utilizado neste livro Cabe mencionar por fim que contra a noção de que as emoções primárias são fenômenos biológicos o filósofo Andrea Scarantino 2009 argumenta que não há base empírica suficiente para a separação entre emoções primárias neurobiológicas e secundárias socioculturais Outras perspectivas defendidas por muitos autores discordam da teoria das emoções universais salientando a dimensão histórica e especificamente cultural das experiências emocionais revisões em Rezende Coelho 2010 Rosenwein 2011 Em certa medida nessa linha cada povo e cada época configurariam modos específicos de experiência emocional De toda forma o debate sobre o tema continua vivo despertando emoções nos debatedores Levenson 2011 Dubois Adolphs 2015 Du Tao Martinez 2014 Emoções não conscientes revisão em Lee et al 2016 Emoções não conscientes ENCs são aquelas cujos processamentos incluem fenômenos automáticos não controlados e ultrarrápidos que ocorrem sem que haja tomada de consciência pelo indivíduo que as experimenta Nas pesquisas sobre ENCs usamse paradigmas de experimentação em que os estímulos emocionais p ex imagem de faces expressando fortes emoções são apresentados de forma ultrarrápida durante menos de 30 milissegundos sendo imediatamente seguidos por outro estímulo neutro do ponto de vista emocional Este último interrompe ou mascara o estímulo emocional prévio Após isso são testados nos sujeitos desempenhos comportamentais como a correção e a acurácia na detecção a identificação ou a discriminação do estímulo emocional previamente apresentado Os indivíduos para ser considerada uma ENC não devem lembrar as faces que lhes foram apresentadas e não devem acertar os testes mais do que as taxas do acaso revelando que permaneceram totalmente não conscientes em relação ao estímulo emocional Apesar da total não consciência da ENC os sujeitos avaliados revelam mudanças em parâmetros neurofisiológicos geralmente medidas com potenciais evocados N2 P3 N170 observados em geral com experiências emocionais vividas conscientemente Faces emocionalmente carregadas mudam sensivelmente os parâmetros neurofisiológicos mais do que as neutras Assim nos experimentos os sujeitos apresentam os parâmetros neurofisiológicos da vivência consciente mas de fato tiveram uma ENC verificada pelos testes mencionados As ENCs ativam algumas regiões cerebrais semelhantes às das emoções conscientes mas ativam com mais intensidade outras regiões como a amígdala os colículos superiores e o córtex do hemisfério direito Mesmo que os sujeitos se mantenham totalmente não conscientes da presença de estímulos com conteúdos emocionais ocorrem também respostas psicológicas que indicam que houve mudanças no estado e no funcionamento mental das pessoas decorrentes das ENCs As respostas psicológicas incluem mudanças em comportamentos e nas tomadas de decisão geralmente mais pronunciadas do que nas emoções processadas conscientemente Por exemplo foi verificado em um estudo que pessoas com sede às quais eram apresentadas faces alegres com o paradigma não consciente bebiam muito mais água espontaneamente do que a quem não foram apresentadas as faces alegres depois dos testes As escolhas do tipo de obras de arte diferiam também claramente entre os expostos a estímulos emocionais não conscientes e os expostos a estímulos neutros ou seja as ENCs influenciaram a escolha de um padrão de obra de arte sem o indivíduo saber por quê Assim atualmente existe uma base de estudos empíricos indicando que uma parte possivelmente importante de nossas experiências emocionais pode ocorrer de forma não consciente e é possível que processos emocionais significativos ocorram totalmente à margem de nossa percepção consciente Na parte final deste capítulo veremos como as ENCs ocorrem e são processadas nos diversos transtornos mentais Teorias da afetividade e das emoções Teoria de JamesLange 1884 O filósofo e psicólogo norteamericano William James 18421910 e o médico e psicólogo dinamarquês Carl Georg Lange 18341900 desenvolveram independentemente um do outro uma influente teoria sobre as emoções que afirmava que a base da experiência emocional deveria se encontrar na periferia do corpo principalmente nas reações fisiológicas do sistema nervoso autônomo periférico Nessa concepção teórica a emoção era concebida como a percepção a tomada de consciência das modificações fisiológicas produzidas por determinados eventos James 18901952 p 743 diz que após as mudanças corpóreas seguese imediatamente a percepção do fato excitante e a emoção é o que sentimos dessas mudanças corpóreas Assim nessa teoria a pessoa primeiro vê o tigre começa em seguida a suar a empalidecer a ter taquicardia e em consequência dessas mudanças corporais passa então a sentir propriamente o medo James 18901952 p 743 afirma que seria impossível imaginar o que sobraria da emoção medo se não se sentisse o pulsar do coração a respiração ofegante o tremor dos lábios o dobrar das pernas a pele de ganso Seria outra coisa mas não a verdadeira emoção Contra a teoria de JamesLange temse verificado que em várias situações fisiológicas há alterações viscerais e autonômicas sem qualquer concomitante emocional ou mental No entanto em favor dela verificase nos indivíduos com lesões medulares as quais impedem as sensações proprioceptivas alterações da qualidade das emoções Tais indivíduos relatam uma mudança radical na qualidade de suas emoções após a lesão medular Falam que a partir da lesão sentem uma raiva fria ou uma espécie de raiva mental que parece uma raiva sem a força e a intensidade que tinham antes da lesão antes da supressão das informações corporais que recebiam Sanvito 1982 Teoria de CannonBard 1927 1929 O fisiologista norteamericano Walter B Cannon 18711945 introdutor do conceito de homeostase formulou no fim dos anos de 1920 uma hipótese sobre as emoções que refutava e formulava uma alternativa à teoria de JamesLange Cannon 1927 Suas ideias foram completadas pelo também fisiologista Phillip Bard 1898 1945 que com base em suas pesquisas com animais de laboratório havia descoberto que as informações sensoriais e fisiológicas passavam pelo diencéfalo especialmente pelo tálamo antes de serem analisadas e processadas atingindo então as áreas corticais da percepção consciente e ao mesmo tempo as áreas fisiológicas do sistema nervoso autônomo Não seria possível anatomicamente que primeiro fossem ativadas as áreas fisiológicas autonômicas e depois a percepção sensorial consciente Nessa teoria os estímulos que gerarão a emoção por exemplo a visão do tigre ao passarem pelo tálamo dividemse em aferências que vão para o córtex visual produzindo a sensação ameaçadora de ver o animal e ao mesmo tempo outras aferências que vão para o hipotálamo as quais geram as respostas fisiológicas de taquicardia sudorese palidez As respostas fisiológicas e psicológicas do medo ocorreriam ao mesmo tempo com coordenação efetuada pelo tálamo Teoria de SchachterSinger ou teoria dos dois fatores 1962 O psicólogo social norteamericano Stanley Schachter 19221997 juntamente com seu aluno o psicólogo Jerome E Singer 19342010 formularam uma visão da emoção composta por dois grandes fatores a estimulação e resposta fisiológica geral e a avaliação cognitiva e atribuição de significado também cognitivo à experiência A avaliação cognitiva e atribuição de significado regula o sentido e a intensidade da experiência afetiva diferencia e dá qualidades específicas às emoções A experiência emocional é dominada por aspectos cognitivos que assinalam o sentido que as emoções devem ter Teoria de Lazarus 1966 1977 Ainda na linha cognitivista o psicólogo norteamericano Richard S Lazarus 19222002 apresentou uma teoria na qual se valoriza a avaliação cognitiva da experiência emocional atribuindolhe sentido negativo positivo ou neutro A avaliação cognitiva imediata dispara a ativação fisiológica taquicardia sudorese palidez etc e então ocorre a experiência completa da emoção Essa abordagem é particularmente útil no processo das terapias cognitivo comportamentais Essa teoria na verdade é inspirada no trabalho da psicóloga checa canadense Magda B Arnold 19032002 que formulou a teoria da avaliação das emoções appraisal theory na qual antes de a emoção surgir há uma avaliação automática e inconsciente do que está acontecendo e irá acontecer Isso deflagra uma ação a tendência a se aproximar de situações agradáveis e se distanciar de situações desagradáveis Após isso o indivíduo tem a experiência final da emoção Arnold 1960 No sentido oposto a essas teorias cognitivistas da emoção o psicólogo social polacoamericano Robert Zajonc 19232008 postulou uma teoria na qual o processo emocional ocorre antes e independentemente da cognição do significado cognitivo que a experiência emocional irá ter Assim o processamento emocional pode ocorrer na ausência de conhecimento consciente Zajonc 1980 Essa teoria é atualmente reforçada pelas pesquisas que descrevem ativações relacionadas a emoções na amígdala mesmo com estímulos não conscientes ver emoções não conscientes neste capítulo Cabe citar também a teoria da perspectiva contextual das emoções desenvolvida pelos filósofos Paul E Griffiths e Andrea Scarantino que se afastando tanto de teorias neurobiológicas como das cognitivas enfatizam a importância fundamental do contexto social para o desenvolvimento e a comunicação das emoções As emoções não devem ser vistas como puros processos internos com o ambiente apenas agindo como estímulo para sua eclosão Contrariamente elas são o produto do organismo investigando o ambiente e observando a resposta dos outros As emoções evoluíram dessa forma e só são corretamente analisadas quando consideradas intrinsecamente um fenômeno contextual Griffiths 1997 Griffiths Scarantino In press Ainda Thomas Fuchs e Sabine C Koch 2014 apresentaram trabalho original no qual analisam detalhadamente a noção de emoção e sugerem uma abordagem que valorize de modo adequado o fato de a experiência afetiva ser algo marcadamente corporal ou corporalizado embodied affectivity Muitas pesquisas têm revelado que a experiência afetiva humana não é apenas composta pelas conhecidas sensações corporais do humor e das emoções mas também que nas vivências afetivas as posturas os gestos os movimentos e as expressões corporais são elementos centrais que influenciam tácita e profundamente o modo como a afetividade do indivíduo se constitui Fuchs Koch 2014 ASPECTOS CEREBRAIS E NEUROPSICOLÓGICOS DAS EMOÇÕES O sistema límbico e as emoções contribuição de PapezMacLean Em 1937 o neuroanatomista norteamericano James W Papez 18831958 propôs uma base cerebral para as emoções Segundo ele as estruturas e os circuitos cerebrais das emoções incluiriam o hipotálamo conectado com estruturas da face medial dos lobos temporais e frontais grande lobo límbico Esse grande lobo límbico descrito por Paul Broca em 1877 incluía os giros do cíngulo e o giro parahipocampal Broca 1877 Posteriormente com James W Papez essas áreas relacionadas às emoções passaram a incluir também o hipocampo o fórnice os corpos mamilares e os núcleos talâmicos anteriores Papez 1995 Essas estruturas médiotemporais e subcorticais relacionadas às emoções são partes filogeneticamente muito antigas do cérebro O hipocampo teria um importante papel na memória e na expressão emocional e o giro do cíngulo seria uma região receptora da experiência emocional Sanvito 1982 Laks Rozenthal Engelgardt 1996 Em concepção muito próxima a essa o neurocientista norteamericano Paul D MacLean 19132007 propôs já em 1952 nomear tais estruturas de sistema límbico das emoções a partir das contribuições de Broca e Papez Para MacLean 1990 o sistema límbico seria o sistema central na integração das emoções As estruturas subcorticais desse sistema seriam a amígdala o hipocampo os núcleos septais e os núcleos anteriores do tálamo e parte dos núcleos da base todas estruturas relacionadas ao processamento emocional Em tal sistema está incluído o hipotálamo que representa o elemento fundamental na expressão psicofisiológica e hormonal das emoções Fig 181 Figura 181 Sistema límbico Por sua vez comporiam também o sistema certas estruturas corticais como o córtex límbico frontotemporal e o giro cingulado Tais estruturas corticais seriam as instâncias que codificam decodificam e recodificam constantemente as experiências afetivas atribuindolhes significados acoplando à dimensão psicofisiológica e hormonal as representações psicológicas das emoções MacLean 1990 Nos últimos anos algumas estruturas cerebrais algumas pertencentes ao sistema límbico outras não têm sido estudadas de forma muito detalhada revelando sua importância fundamental para as respostas e os processamentos emocionais Elas são apresentadas a seguir revisão em Rolls 2000 Franks 2010 Lindquist et al 2012 A amígdala A amígdala é considerada atualmente uma das principais estruturas neurais relacionadas às emoções Situada na região temporal medial juntamente com suas projeções aferentes de chegada e eferentes de saída ela tem grande importância nas reações de medo particularmente no aprendizado do medo e no medo condicionado fear conditioning além de papel destacado na raiva e na resposta hormonal ao estresse Ledoux 2000 Rolls 2000 O pequenino tamanho da amígdala pode ser à primeira vista enganador pois ela exerce grande influência nos processos neuroemocionais Entretanto o maior especialista na área Joseph LeDoux alerta que sozinha isolada a amígdala não é nada apenas um pedacinho de carne O fundamental são suas conexões e as redes neurais nas quais participa bem como o funcionamento global do sistema neuroemocional A amígdala recebe muitas informações vindas do tálamo das outras estruturas do sistema límbico visto anteriormente e de áreas corticais sensoriais Além de estímulos auditivos também chegam à amígdala estímulos visuais principalmente relacionados à expressão facial emocional vindos do giro fusiforme occipitotemporal olfativos e gustativos informando sobre o ambiente sobretudo a respeito de estímulos afetivamente relevantes e importantes para a sobrevivência Após tais estímulos serem rapidamente processados no interior da amígdala saem dela eferências para o córtex cerebral que vão processar o significado das emoções o hipotálamo o tronco cerebral e os núcleos da estria terminal produzindo respostas mentais comportamentais fisiológicas e hormonais relacionadas a fuga ou luta compatíveis com o padrão de medo desencadeado Ledoux 2000 A amígdala é sobretudo um sistema de alerta warning system do organismo com 12 núcleos sensíveis diferencialmente para atenção aprendizagem e memória Em algumas circunstâncias ela emite projeções para o tronco cerebral principalmente para a substância cinzenta periaquedutal desencadeando reações de raiva e agressividade ou reações de imobilidade e congelamento freezing tonic immobility em mamíferos similares à catatonia e ao estupor em humanos ver Cap 19 sobre vontade Embora a amígdala esteja primordialmente relacionada à emoção do medo estudos revelam que ela pode ser ativada por outros tipos de emoções geralmente negativas Rolls 2000 Além da função de alerta sobretudo para mudanças ambientais a amígdala tem um papel neuromodulador integrativo de processos emocionais atuando nas interfaces entre emoção e funções cognitivas como em tomadas de decisão aprendizado e atenção Bzdok et al 2013 A amígdala também está relacionada às funções sexuais Lesões em sua porção lateral podem desencadear comportamento hipersexual Quando estimulada com microelétrodos podese observar reações como ereção ejaculação e movimentos de cópula Na amígdala se encontra expressiva quantidade de receptores de hormônios sexuais Assim emoções e sexualidade estão neuronalmente muito próximas o que corresponde à proximidade psicológica dessas duas dimensões da vida Lesões nessa estrutura se relacionam principalmente a perda ou diminuição das respostas de medo a pessoa não se assusta com vozes corpos ou faces assustadoras não tem medo quando exposta a cobras e aranhas e de agressão A amígdala geralmente está hiperativada em condições clínicas psicopatológicas relacionadas a ansiedade fobias e estresse crônico Além disso na depressão e no transtorno bipolar ela também está hiperativada Na depressão grave há remodelação dendrítica e alterações da plasticidade sináptica na amígdala Redução da conectividade dessa estrutura com o lobo frontal foi identificada na depressão grave tanto em crianças como em adultos Cowan et al 2017 Amígdala e respostas emocionais não conscientes revisão em Diano et al 2017 A amígdala processa as informações de forma muito rápida sendo muito veloz para aprender mas muito lenta para esquecer Franks 2010 Nos últimos anos estudos de psicologia experimental com seres humanos têm evidenciado que a amígdala é ativada por estímulos ambientais afetivos geralmente relacionados a medo perigo raiva ou alegria mesmo quando tais estímulos não são percebidos conscientemente Diano et al 2017 Assim há como exposto anteriormente um conjunto sólido de pesquisas empíricas que demonstram que muitos processos emocionais não conscientes importantes ocorrem e produzem reações físicas e psicológicas geralmente associadas a medo e afetos negativos que o indivíduo não percebe e não processa conscientemente Nesses processos emocionais não conscientes a ativação da amígdala parece ter um papel fundamental Diano et al 2017 Os lobos frontais e as emoções córtex orbitofrontal e córtex frontal ventromedial Franks 2010 Lindquist et al 2012 Intimamente relacionadas às emoções essas áreas se situam na parte dianteira dos lobos frontais em posição acima e adjacente aos globos oculares córtex orbitofrontal COF e na porção medial e inferior córtex frontal ventromedial CVM dos lobos frontais De modo geral os lobos frontais utilizam informações oriundas da amígdala para monitorar o estado interno e afetivo do organismo e regular as respostas apropriadas O COF exerce ação de modulação sobre a amígdala e está intimamente relacionado a respostas emocionais e aprendizado rápido memória de trabalho após estímulos emocionalmente carregados como a visão de faces expressivas e a audição de vozes com tonalidades emocionalmente marcantes Embora o COF seja uma grande estrutura com funções neuropsicológicas complexas experiências emocionais de raiva se relacionam em estudos de neuroimagem funcional com hiperativação do COF Lesões nessa estrutura em primatas podem por sua vez reduzir a agressividade Quando o COF é disfuncional ou lesado o indivíduo passa a não identificar os estímulos de forma correta e tende a responder de modo socialmente inadequado a estímulos faciais e vozes sobretudo quando envolvem frustração e evitação de comportamentos prejudiciais a si mesmo ou a terceiros Rolls 2000 Pacientes com lesões importantes no COF podem apresentar impulsividade agressividade e perda do tato social inadequação em comportamentos sociais O CVM também tem importância na modulação da amígdala Ele é componente relevante no circuito das emoções Essa área apresenta importantes eferências para a amígdala e as zonas do mesencéfalo Além disso é parte do sistema modulador cardiovascular e de respostas dopaminérgicas e de corticotrofinacorticosterona a estímulos aversivos Lesões nas áreas do CVM dificultam o ajuste de respostas a estímulos afetivamente significativos o que explica a resistência à extinção de determinados padrões comportamentais e emocionais em indivíduos com disfunções no CVM Pacientes com lesões importantes nessa estrutura podem apresentar apatia diminuição da iniciativa e prejuízo na motivação A ínsula A ínsula do latim ilha é uma porção de córtex cerebral oculta situada na base da fissura de Sylvius separando os lobos temporal e frontal Tratase de uma estrutura relativamente recente na evolução filogenética não existindo em animais não sociais Ela teve grande expansão na evolução filogenética dos primatas e do ser humano Frank 2010 No passado pensavase erroneamente que essa pequena porção de córtex estava associada apenas a comportamento alimentar e sexual Pesquisas revelaram que a ínsula é uma área fundamental que lê o estado fisiológico de todo o corpo gerando sentimentos subjetivoscorporais desagradáveis e agradáveis Quando uma pessoa percebe um cheiro de coisa podre sentindo marcante nojo a ínsula é ativada Entretanto experiências emocionais relacionadas a repugnância ou aversão disgust por uma situação ou por uma pessoa ativam a ínsula da mesma forma A experiência unificada mental e corporal das emoções ocorre com ativação da ínsula a qual também é importante para colocar o corpo em uma atitude de expectativa quando um comportamento possa gerar consequências ruins Também se correlacionou experiência emocional de alegria e ativação da ínsula Enfim essa estrutura parece estar intimamente relacionada a alguns aspectos daquilo que Fuchs e Koch 2014 apresentam com dimensão corporificada das emoções embodied affectivity O giro do cíngulo sobretudo anterior Essa porção de córtex localizada longitudinalmente na porção medial dos lobos frontais parietais e occipitais logo acima do corpo caloso está envolvida de modo importante no controle das emoções Lesões no cíngulo anterior foram associadas a hipersensitividade e aumento da tendência a chorar em eventos tristes Lindquist et al 2012 A relação do cíngulo anterior com a experiência de tristeza surgiu da ativação dessa estrutura em filhotes quando separados das mães Lindquist et al 2012 De toda forma parece que o cíngulo anterior é uma estrutura importante nos comportamentos de cuidados p ex cuidados parentais e para a ressonância afetiva no contato interpessoal As respostas afetivas de uma mãe humana a seu bebê podem ser muito prejudicadas por lesões no cíngulo anterior Também a deterioração do cíngulo anterior pode reduzir a expressão emocional a empatia e a motivação para comunicação O cíngulo posterior por sua vez foi associado a experiência emocional de alegria em estudos de neuroimagem funcional A estimulação com eletrodos do córtex do cíngulo anterior sobretudo na sua porção subgenual pode beneficiar pacientes com depressão refratária melhorando a apatia e a anedonia O lobo parietal direito Pacientes com lesões nessa área apresentam agnosia do dimídio esquerdo com heminatenção visual à esquerda Respondem com indiferença quando são constatados seus déficits anosognosia e podem apresentar também humor expansivo alegre em contraposição ao humor triste ou apático dos indivíduos com lesões nas áreas frontais anteriores esquerdas O lobo parietal direito recebe projeções da amígdala permitindo que os estímulos emocionais sejam integrados a aspectos objetivos da consciência e da memória declarativa consciente As lesões parietais à direita dificultam o processamento cortical multimodal dos estímulos proprioceptivos e exteroceptivos gerando desconhecimento afetivo da situação O circuito septohipocampal Esse circuito tem sido implicado nas experiências de ansiedade Também outros circuitos que envolvem o hipotálamo o tronco cerebral Ledoux 2000 o córtex rinal adjacente e o telencéfalo basal Parker 2000 têm sido apontados como relevantes para diferentes experiências emocionais Estudos de neuroimagem funcional e emoções têm revelado correlatos relevantes entre a experiência emocional e ativações de áreas e circuitos cerebrais Tais correlatos não implicam que determinada emoção esteja situada ou seja produzida por certa área cerebral mas que a ocorrência de determinada experiência emocional exige certos correlatos anatomofuncionais O Quadro 183 apresenta que áreas cerebrais são ativadas durante determinadas experiências emocionais Quadro 183 Estudos de neuroimagem funcional áreas cerebrais ativadas durante experiências emocionais EXPERIÊNCIA EMOCIONAL ÁREA ATIVADA EM NEUROIMAGEM FUNCIONAL Medo medo condicionado aprendizado do medo Alerta para mudanças ambientais estímulos motivacionais relevantes mudanças afetivas Transtorno de ansiedade transtorno de estresse póstraumático depressão Amígdala Repugnância nojo aversão disgust Ínsula anterior Raiva agressividade Córtex orbitofrontal Tristeza Choro em filhotes quando separados da mãe Depressão Córtex do cíngulo anterior Sentimentos de sofrimento Córtex do cíngulo anterior área subgenual anterior Fúria raiva mas também medo alegria distress freezing Comportamentos defensivos Substância cinzenta periaquedutal no interior do tegmento do mesencéfalo Fonte Lindquist e colaboradores 2012 ASPECTOS PSICODINÂMICOS DAS EMOÇÕES E VIDA AFETIVA Concepção freudiana Uma das contribuições mais fundamentais da psicanálise à psicopatologia foi e continua sendo na área da afetividade A angústia tem importância central na teoria freudiana dos afetos De modo geral Freud concebe a angústia como um afeto básico emergindo do eterno conflito entre o indivíduo seus impulsos instintivos primordiais seus desejos e suas necessidades por um lado e por outro as exigências de comportamento civilizado restrições p ex não desejar a mulher do próximo não matar respeitar o tabu do incesto etc que a cultura lhe impõe Devido a tais restrições o ser humano experimenta irremediável malestar na cultura Em uma primeira teorização Freud 1895 1986 postulou que a angústia seria uma transformação da libido não descarregada Ou seja a energia sexual que por algum motivo não fosse adequadamente descarregada p ex por meio de comportamento ou ato sexual ficaria retida represada no aparelho psíquico gerando a angústia como subproduto Em teoria posterior Freud 19261986 postulou que a angústia seria não um subproduto da libido represada mas um sinal de perigo enviado pelo Eu no sentido de evitar o surgimento de algo muito mais ameaçador ao indivíduo algo que poderia gerar angústia muito mais intensa A angústia funcionaria então como sinal de desprazer que suscitaria da parte do Eu uma reação de defesa passiva ou ativa ativando o recalque ou outros mecanismos de defesa a fim de evitar uma situação de perigo mais importante e consequentemente uma angústia muito maior A depressão ou melancolia termo mais utilizado em psicanálise relaciona se ao modo particular de elaboração inconsciente de perdas reais ou simbólicas Para Freud quando o sujeito perde um objeto significativo pessoa próxima um ideal certo status o emprego etc ele tende para não o perder por completo a identificarse narcisicamente com tal objeto e a introjetálo ao próprio Eu Caso esse objeto de alguma forma fosse muito amado mas também inconscientemente muito odiado investimento libidinal ambivalente pelo sujeito o rancor e o ódio inconsciente que guardava por ele tenderiam a ser vertidos sobre o próprio Eu Surgem então os sintomas melancólicos autoacusações sentimentos de culpa e de fracasso autopunição em forma de descuido consigo próprio perda do apetite e comportamentos suicidas Concepção de Melanie Klein A psicanalista austríaca Melanie Klein 18821960 da escola inglesa de psicanálise deu importante ênfase à vida afetiva em suas concepções sobre o funcionamento mental humano Os afetos em sua teoria seriam centrais para toda a psicopatologia e estariam intimamente associados às fantasias primitivas e às chamadas relações de objeto objeto aqui é conceitualizado como representações mentais na maior parte das vezes inconscientes de pessoas ou personagens reais ou fantasiadas completas ou parciais Melanie Klein 1974 Na concepção de Melanie Klein haveria afetos primários primitivos como o ódio a inveja o medo da retaliação que indicariam menor maturidade psíquica do indivíduo Afetos mais maduros resultantes de uma posição mais madura e integrada do Eu seriam a gratidão a reparação e o amor Os afetos resultariam em grande parte do tipo e da qualidade das relações do sujeito com seus objetos internos conscientes e sobretudo inconscientes Assim as fantasias de ataque invejoso e destrutivo a objetos internos gerariam sentimentos de medo ou ansiedade paranoide e temor de retaliação Já o reconhecimento dos objetos internos como seres inteiros protetores e vivos geraria afetos como os sentimentos de reparação e de gratidão ALTERAÇÕES PSICOPATOLÓGICAS DA AFETIVIDADE Alterações do humor Distimia em psicopatologia é o termo que designa a alteração básica do humor tanto no sentido da inibição como no sentido da exaltação Não se deve confundir o sintoma distimia com o transtorno distimia que segundo as classificações da Classificação internacional de doenças e problemas relacionados à saúde CID11 e do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais DSM5 é um transtorno depressivo leve e crônico Da mesma forma nas últimas décadas o termo genérico depressão significando tristeza patológica tornouse uma designação consagrada que vem substituindo os termos clássicos distimia hipotímica e melancolia A psicopatologia utiliza nessa mesma linha os termos distimia hipertímica expansiva ou eufórica para nomear a exaltação patológica do humor ou seja as bases afetivas dos quadros maníacos Muito frequentemente junto com o humor depressivo sobretudo quando este é acompanhado de desesperança e angústia ocorrem ideias relacionadas à morte Gostaria de morrer para que o sofrimento acabasse ideias suicidas Penso em me matar em acabar com minha vida planos suicidas Planejei como iria me matar atos Comprei remédios veneno uma corda para me enforcar e tentativas de suicídio A ideação suicida deve ser sempre investigada cuidadosamente em pacientes com humor triste angústia e desesperança O termo disforia por sua vez diz respeito à distimia acompanhada de uma tonalidade afetiva desagradável malhumorada Quando se fala em depressão disfórica ou mania disfórica está sendo designado um quadro de depressão ou de mania acompanhado de forte componente de irritação amargura desgosto ou agressividade Os dois polos básicos das alterações do humor ou timopatias são o depressivo ou hipotímico e o maníaco ou hipertímico Assim hipotimia referese à base afetiva de todo transtorno depressivo Por sua vez o termo hipertimia ou distimia hipertímica referese a humor patologicamente alterado no sentido da exaltação e da alegria No espectro maníaco o termo euforia ou alegria patológica define o humor morbidamente exagerado no qual predomina um estado de alegria intensa e desproporcional às circunstâncias Já no estado de elação há além da alegria patológica a expansão do Eu uma sensação subjetiva de grandeza e de poder O Eu vai além dos seus limites ganhando o mundo A puerilidade é uma alteração do humor que se caracteriza pelo aspecto infantil simplório regredido O indivíduo ri ou chora por motivos banais sua vida afetiva é superficial sem afetos profundos consistentes e duradouros Verificase a puerilidade especialmente em alguns pacientes com esquizofrenia antigamente denominada esquizofrenia hebefrênica em indivíduos com déficit intelectual em algumas pessoas com transtorno da personalidade histriônica e em personalidades imaturas de modo geral Assemelhandose à puerilidade a moria é uma forma de alegria muito pueril ingênua boba que ocorre principalmente em pacientes com lesões extensas dos lobos frontais em pessoas com deficiência mental e naquelas com quadros demenciais acentuados No estado de êxtase há uma experiência de beatitude uma sensação de dissolução do Eu no todo de compartilhamento íntimo do estado afetivo interior com o mundo exterior muitas vezes com colorido hipertímico e expansivo O estado de êxtase está frequentemente associado a experiências circunscritas a um contexto religioso ou místico não sendo então considerado fenômeno psicopatológico mas cultural Entretanto o êxtase também pode estar presente em condições psicopatológicas como no transe histérico na esquizofrenia ou na mania Já na irritabilidade patológica há hiperreatividade desagradável hostil e eventualmente agressiva a estímulos mesmo leves do meio exterior Qualquer estímulo é sentido como perturbador e o indivíduo reage prontamente de forma disfórica Qualquer ruído de crianças dos vizinhos de carros etc a presença de muitas pessoas no local qualquer crítica ao paciente enfim tudo é vivenciado com muita irritação A irritabilidade patológica é sintoma bastante frequente e inespecífico indicando não raramente quadro de natureza orgânica com disfunção cerebral identificável Muitas vezes está associada a experiências e transtornos de ansiedade Também é frequente em pacientes com síndromes depressivas quadros maníacos e esquizofrenia O profissional deve sempre procurar diferenciar a irritabilidade primária oriunda diretamente de um transtorno mental depressão ansiedade mania esquizofrenia da irritabilidade secundária relacionada a transtorno neurocognitivo eou a pacientes com lesõesdisfunções cerebrais Catatimia O psiquiatra suíço Paul Eugen Bleuler 18571939 denominou catatimia a importante influência que a vida afetiva sobretudo o estado de humor mas também as emoções os sentimentos e as paixões exerce constantemente sobre as demais funções psíquicas Bleuler 1942 A pesquisa psicopatológica tem identificado historicamente quão penetrante é a influência da afetividade sobre toda a vida mental normal e patológica A atenção é captada dirigida desviada ou concentrada em função do valor afetivo de determinado estímulo a vivência do tempo oscila segundo o colorido afetivo do estado emocional no qual estamos a memória é altamente detalhada ou muito pobre dependendo do significado afetivo dos fatos ocorridos a sensopercepção pode se alterar em função de estados afetivos intensos desencadeando inclusive alucinações em pessoas com psicoses Nossos pensamentos e decisões tendem a seguir os imperativos de emoções e sentimentos sejam eles conscientes sejam não conscientes ANSIEDADE ANGÚSTIA E MEDO Embora muitos autores utilizem os termos ansiedade e angústia como sinônimos cabe ressaltar algumas diferenças sutis entre tais conceitos A ansiedade é definida como estado de humor desconfortável apreensão negativa em relação ao futuro inquietação interna desagradável Inclui manifestações somáticas e fisiológicas dispneia ou desconforto respiratório taquicardia vasoconstrição ou vasodilatação tensão muscular parestesias tremores sudorese tontura etc e manifestações psíquicas inquietação interna apreensão desagradável desconforto mental expectativa ruim em relação ao futuro etc Quadro 184 Quadro 184 Dimensões mentais e somáticas da ansiedade SINTOMAS MENTAIS MANIFESTAÇÕES PSÍQUICAS DA ANSIEDADE SINTOMAS FÍSICOS MANIFESTAÇÕES SOMÁTICAS DA ANSIEDADE Inquietação interna Medo difuso e impreciso Apreensão desagradável Sensação de opressão e desconforto Preocupações exageradas Insegurança Irritabilidade Dificuldade para se concentrar Insônia Termos populares nervosismo agonia coisa ruim na cabeça Taquicardia palpitações opressão torácica Desconforto respiratório Sudorese geralmente fria Parestesias como formigamentos agulhadas etc que não obedecem à distribuição anatômica de uma neuropatia Tensão muscular dificuldade para relaxar Dores musculares cefaleia precordialgia Tontura tremedeira secura na boca palidez acessos de calor Epigastralgias náuseas diarreias etc Termos populares gastura repuxamento nos nervos O termo angústia relacionase diretamente à sensação de aperto no peito e na garganta de compressão de sufocamento Assemelhase muito à ansiedade mas tem conotação mais corporal e mais relacionada ao passado Do ponto de vista existencial a angústia tem significado mais marcante é algo que define a condição humana é um tipo de vivência mais pesada mais fundamental que a experiência da ansiedade Cabe ressaltar que o medo caracterizado por referirse a um objeto mais ou menos preciso diferenciase da ansiedade e da angústia que não se referem a objetos precisos o medo é quase sempre medo de algo Temse definido em determinadas correntes teóricas da psicopatologia certos tipos de angústia e de ansiedade como será visto a seguir Na escola psicanalítica 1 2 3 4 5 6 Angústia de castração Freud Em stricto sensu seria o medo de perder ou ferir os genitais de ser castrado no contexto do complexo de Édipo Tal conceito foi ampliado posteriormente recebendo o sentido de uma angústia de perda ou de risco de perda de algo importante do ponto de vista narcísico para o indivíduo Angústia de morte ou de aniquilamento escola kleiniana É a sensação intensa de angústia perante perigo ou situação real ou fantasiada que indiquem ao sujeito a proximidade ou a possibilidade iminente da morte ou do aniquilamento do corpo do ego Ansiedade depressiva escola kleiniana Tal ansiedade é vivida por um sujeito que teme perder seus objetos bons teme que estes internalizados ou reais externos ou internos sejam destruídos ou desintegrados juntamente com seu próprio Eu Ansiedade persecutória ou paranoide escola kleiniana É o tipo de ansiedade vivido como temor de retaliação feroz aos ataques imaginários fantasmáticos que o sujeito em sua fantasia perpetrou contra seus objetos internos ou externos Angústia de separação Spitz Bowlby Seriam as reações emocionais vividas pela criança quando separada da mãe manifestando seus afetos com choro desespero e grande aflição Na escola existencial Angústia existencial Para a filosofia existencialista a angústia não seria apenas um sintoma patológico mas antes de tudo um estado anímico básico constituinte do ser humano O ser humano se angustia diante de algumas situações existenciais inescapáveis da vida as situações heideggerianas do filósofo alemão Martin Heidegger 18891976 de estar nomundo de estarcomooutro de serparaamorte O indivíduo não existe isolado de um mundo humano há tensão permanente entre ele suas idiossincrasias e a comunidade de outros humanos Além disso a condição fundamental do ser humano para Heidegger é a de serparaamorte ser que anseia a imortalidade e encontrará inevitavelmente a finitude a morte No existencialismo de JeanPaul Sartre 19051980 a angústia existencial se articula ao fato de o ser humano estar inevitavelmente condenado a ser livre a não poder de forma alguma abdicar de seu livrearbítrio em oposição a todos os determinismos históricos e sociais O indivíduo não pode abrir 7 8 9 mão de sempre poder fazer algo com o que fizeram de mim de interferir no seu próprio destino Ao negar sua condição de condenado a ser livre ao negar essa angústia existencial básica o ser humano cai no que o filósofo francês chama de máfé e de alienação existencial A forma de angústia chamada angústia vital proposta por López Ibor está dentro dessa noção existencialista de angústia ver revisão em Ojeda 2003 Na psicologia clínica dois tipos relevantes de ansiedade são estudados Ansiedade de desempenho É a reação de ansiedade associada a temores em relação à execução de uma tarefa à possibilidade de ser avaliado criticamente por pessoas importantes ou significativas frequente na fobia social e na vida cotidiana Ansiedade antecipatória É a ansiedade vivenciada antes da ocorrência de uma situação estressante experimentada na imaginação do indivíduo que fica remoendo como será sua futura situação desconfortável Tratase de um tipo de ansiedade muito comum em indivíduos com fobias sociais que por exemplo ao imaginarem que no dia seguinte irão entrar em contato com pessoas desconhecidas ou críticas sofrem antecipadamente diante da possibilidade de tal encontro Na análise de comportamento no contexto do behaviorismo O conceito de ansiedade é utilizado de distintas formas revisão em Coêlho Tourinho 2008 A exposição de uma pessoa a estímulos aversivos pode produzir uma condição psicofisiológica e neurofisiológica específica componentes mentais comportamentais e físicos da ansiedade que é concomitante a mudanças nas respostas gerais do organismo No behaviorismo o foco se volta para as contingências sob as quais a condição psicofisiológica da ansiedade é produzida Assim Queiróz e Guilhardi 2001 formulam que a ansiedade é um estado corporal produzido por contingências de reforçamento específicas um estímulo sinaliza a apresentação de um estímulo aversivo e não há comportamento de fuga esquiva possível ALTERAÇÕES DAS EMOÇÕES E DOS SENTIMENTOS 1 2 3 4 5 6 Medo A rigor o medo não é uma emoção patológica mas uma característica universal de muitas espécies animais e do ser humano Nos humanos o medo é um estado de progressiva insegurança e angústia de impotência e invalidez crescentes ante a impressão iminente de que sucederá algo que o indivíduo quer evitar o que progressivamente se considera menos capaz de fazer Mira y López 1974 divide o medo em seis fases de acordo com o grau de extensão e intensidade que nele alcançam as manifestações de inativação São elas Prudência Cautela Alarme Ansiedade Pânico medo intenso Terror medo intensíssimo Fobias São medos determinados psicopatologicamente desproporcionais e incompatíveis com as possibilidades de perigo real oferecidas pelos desencadeantes chamados de objetos ou situações fobígenas Assim o indivíduo tem um medo terrível e desproporcional de entrar em um elevador de gatos ou de contato com pessoas desconhecidas No indivíduo fóbico o contato com os objetos ou situações fobígenas desencadeia muito frequentemente intensa crise de ansiedade A fobia simples é o medo intenso e desproporcional de determinados objetos geralmente pequenos animais barata sapo cachorro etc Já a fobia social é o medo de contato e interação social principalmente com pessoas pouco familiares ao indivíduo e em situações nas quais o paciente possa se sentir examinado ou criticado por tais pessoas proferir aulas ou conferências ir a festas encontros etc Por sua vez a agorafobia é o medo de espaços amplos e de aglomerações como estádios cinemas supermercados Incluise na agorafobia o medo de ficar retido em congestionamentos Já a claustrofobia é o medo de entrar e ficar preso em espaços fechados como elevadores salas pequenas túneis etc Há além dessas quatro formas mais comuns de fobia um número enorme de subtipos de fobia classificados de acordo com o objeto ou a situação fobígenos Pânico crises de pânico e transtorno de pânico O pânico se manifesta praticamente sempre como crises de pânico Estas são crises agudas e intensas de ansiedade acompanhadas por medo intenso de morrer ou de perder o controle e de acentuada descarga autonômica taquicardia sudorese etc As crises caracterizamse pelo início abrupto de uma sensação de grande perigo e desejo de fugir ou escapar da situação Ocorrem sintomas somáticos autonômicos decorrentes da ansiedade intensa como palpitações sudorese fria tremores parestesias principalmente formigamentos nos lábios eou ponta dos dedos sensação de falta de ar desconforto respiratório dor ou desconforto no peito náusea sensação de cabeça leve medo de perder o controle ou enlouquecer medo de morrer ou de ter um infarto e em alguns casos despersonalização eou desrealização O paciente frequentemente relata que teve a nítida sensação de que iria morrer perder o controle ou ter um ataque do coração As crises duram alguns minutos e tendem a repetirse com periodicidade variável Podem ocorrer após a exposição a desencadeantes contato com situações ou objetos fobígenos morte de pessoa próxima eou significativa estresse intenso etc mas em muitos casos não se consegue identificar o fator que provocou a crise Segundo Pereira 1997 na base da crise de pânico estaria o sentimento primário de desamparo Hilflosigkeit de não poder sentir o acolhimento básico o apoio implícito que fundamenta o sentimento de segurança tácita que a criança tem diante do adulto que a cuida geralmente a mãe Devese ressaltar que não é apenas a falta de apoio que é angustiante mas sobretudo o caráter desorganizador das tensões libidinais para as quais não é possível qualquer satisfação fora do acolhimento da mãe Alguns sentimentos e emoções considerados normais podem ter implicações psicopatológicas conforme a intensidade e o contexto no qual surgem e se desenvolvem Vale ressaltar aqui a inveja e o ciúme O ciúme é um fenômeno emocional complexo no qual o indivíduo sente receio medo tristeza ou raiva diante da ideia sensação ou certeza de que a pessoa amada gosta mais de outra pessoa ou objeto e pode abandonálo ou preterilo O ciúme de intensidade extrema desprovido de crítica é difícil de ser diferenciado do delírio de ciúmes Silva 1997 A inveja por sua vez é a sensação de desconforto raiva e angústia diante da constatação de que outra pessoa possui objetos qualidades relações que o indivíduo gostaria de ter mas não tem Pode ser importante fonte de sofrimento em indivíduos imaturos extremamente neuróticos eou com transtornos da personalidade Além disso a inveja intensa pode ter efeitos devastadores nas relações interpessoais Na condição de rigidez afetiva o indivíduo não deseja tem dificuldade ou impossibilidade tanto de sintonização como de irradiação afetiva ele não produz reações afetivas nos outros nem reage afetivamente diante da situação existencial cambiante Apatia É a diminuição da excitabilidade emocional Os pacientes queixamse de não poder sentir nem alegria nem tristeza nem raiva nem nada Na apatia emocional em alguns indivíduos acometidos apesar de saberem da importância afetiva que determinada experiência deveria ter para eles não conseguem sentir nada não reagem afetivamente O paciente tornase hiporreativo é um tanto faz quanto tanto fez para tudo na vida Como uma síndrome específica a apatia também é definida como o conjunto de déficits ou redução motivacional em comportamentos dirigidos a objetivos Há perda da motivação emocional para buscar e alcançar objetivos desejados Tratase de um estado afetivo próprio dos quadros depressivos apesar de poder ocorrer de forma inespecífica em outros transtornos mentais A apatia está presente também podendo ser de relevante gravidade na esquizofrenia na doença de Parkinson e na demência de Alzheimer Ela indica nesses quadros lesão ou disfunção na parte dorsal e anterior do córtex do cíngulo e na parte ventral do corpo estriado Le Heron et al 2017 Sentimento de falta de sentimento É a vivência de incapacidade para sentir emoções experimentada de forma muito penosa pelo indivíduo Tratase de um sentimento claramente percebido pelo paciente que se queixa de sentirse intimamente morto ou em estado de vazio afetivo Diferentemente da apatia o sentir o não sentir é vivenciado com muito sofrimento como uma tortura Pode ocorrer em quadros depressivos graves Anedonia É a incapacidade total ou parcial de obter e sentir prazer com determinadas atividades e experiências da vida O indivíduo relata que diferentemente do que ocorria antes de adoecer agora não consegue mais sentir prazer sexual não consegue desfrutar de um bom papo com os amigos de um almoço gostoso com a família de um bom filme etc Os pacientes dizem Agora não vejo mais graça em nada as coisas perderam o sabor não vibro com mais nada A anedonia é um sintoma central das síndromes depressivas podendo ocorrer também em quadros esquizofrênicos e em transtornos da personalidade A apatia incapacidade de sentir afetos e a anedonia incapacidade de sentir prazer são fenômenos muito próximos que ocorrem na maioria das vezes de forma simultânea Tradway Zald 2011 Indiferença afetiva e bela indiferença No passado foi descrita particularmente na histeria como uma bela indiferença belle indifférence Tratase de certa frieza afetiva incompreensível diante dos sintomas que o paciente apresenta p ex paralisia psicogênica das pernas somatizações perdas psicogênicas da voz da visão etc uma frieza e uma indiferença que parecem indicar que no fundo de forma inconsciente o paciente sabe que seus sintomas são psicogênicos e potencialmente reversíveis Ramadan 1985 Não é uma indiferença profunda sendo mais aparente e teatral que real daí bela A bela indiferença da histeria contrapõese à triste indiferença do paciente depressivo com apatia marcante e à pálida indiferença do indivíduo com esquizofrenia crônica que perdeu aspectos fundamentais de sua vida afetiva em virtude dos sintomas negativos do transtorno Porot 1967 Labilidade afetiva e incontinência afetiva Encontradas em amplo número de quadros psicopatológicos labilidade e incontinência afetiva são os estados nos quais ocorrem mudanças súbitas e imotivadas de humor sentimentos ou emoções Na labilidade afetiva o indivíduo oscila de forma abrupta rápida e inesperada de um estado afetivo para outro O paciente está falando de algo ameno e começa a chorar passando logo a seguir a sorrir de forma tranquila e daí a pouco volta a chorar Na incontinência afetiva o indivíduo não consegue conter de forma alguma sua reação afetiva A resposta afetiva ocorre geralmente em consequência a estímulos apropriados mas é sempre muito desproporcional A labilidade e a incontinência afetiva são consideradas formas de hiperestesia emocional indicando exagero e inadequação da reatividade afetiva Podem ocorrer em quadros de depressão ou mania estados graves de ansiedade e esquizofrenia Entretanto apesar de serem frequentemente encontradas na mania devese lembrar que tanto a labilidade como a incontinência afetiva são sintomas que podem estar associados a quadros psico orgânicos como encefalites tumores cerebrais doenças degenerativas do sistema nervoso central SNC síndromes frontais síndrome pseudobulbar etc Nesse sentido o riso patológico e o choro patológico pathological laughter and crying fou rire ocorrem como episódios imotivados de choro eou riso intensos e abruptos de curta duração em forma de crises associados geralmente a lesões eou disfunções neuronais Tais lesões podem ocorrer no tronco cerebral implicando sobretudo núcleos da ponte eou no cerebelo revelando a importância da ponte e do cerebelo na modulação dos dispositivos do riso e do choro Damásio 2012 O riso eou choro patológicos ocorrem em doenças como paralisia pseudobulbar vascular esclerose lateral amiotrófica esclerose múltipla e lesões vasculares difusas Poeck 1985 REDUÇÃO DOS AFETOS NAS PSICOSES Nas psicoses sobretudo na esquizofrenia pode haver vários quadros de redução dos afetos hipomodulação distanciamento e pobreza embotamento e devastação afetiva Eles são apresentados a seguir Hipomodulação do afeto Tratase da incapacidade do paciente de modular a resposta afetiva de acordo com a situação existencial indicando rigidez na sua relação com o mundo Verificase a hipomodulação do afeto sobretudo em pacientes com esquizofrenia mas também em alguns quadros depressivos graves transtornos da personalidade esquizotípica esquizoide ou obsessivocompulsiva e em alguns indivíduos com demências Distanciamento afetivo e pobreza de sentimentos Perda progressiva e patológica das vivências afetivas Há aqui o empobrecimento relativo à possibilidade de vivenciar alternâncias e variações sutis na esfera afetiva Ocorre nas síndromes psicoorgânicas nas demências e em alguns pacientes com esquizofrenia Embotamento afetivo e devastação afetiva Perda profunda devastação de todo tipo de vivência afetiva Diferentemente da apatia que é basicamente subjetiva o embotamento afetivo é observável constatável por meio da mímica da postura e da atitude do paciente Ocorre em geral nas formas negativas e deficitárias de esquizofrenia AFETOS QUALITATIVAMENTE ALTERADOS NAS PSICOSES Foram descritas várias alterações dos afetos sobretudo na esquizofrenia que revelam mudanças afetivas qualitativas com caráter distinto do que ocorre na vida afetiva normal São elas ambivalência afetiva inadequação do afeto ou paratimia e neotimia Ambivalência afetiva Descreve a experiência de sentimentos opostos em relação a um mesmo estímulo ou objeto sentimentos que ocorrem de modo simultâneo Assim o indivíduo sente ao mesmo tempo ódio e amor rancor e carinho por alguém Quando ocorre de forma radical e intensa a ambivalência afetiva caracteriza um aspecto importante da experiência afetiva de alguns pacientes com esquizofrenia Ela indicaria um processo de cisão radical do Eu de desarmonia profunda das vivências psíquicas A essa desarmonia intrapsíquica fundamental na esquizofrenia o psiquiatra vienense Erwin Stransky 18771962 denominou ataxia intrapsíquica Stransky 19041987 Devese distinguir entre a ambivalência afetiva de quadros psicóticos esquizofrênicos e a ambivalência afetiva normal presente na experiência afetiva de pessoas sem psicose que vivenciam sentimentos contrários ao mesmo tempo Nesse sentido o poeta romano Catulo 8754 aC afirmava Odeio e amo Por quê você quer saber Não sei mas sinto assim e isso me atormenta Inadequação do afeto ou paratimia Reação completamente incongruente a situações existenciais ou a determinados conteúdos ideativos revelando desarmonia profunda da vida psíquica ataxia intrapsíquica contradição profunda entre a esfera ideativa e a afetiva A inadequação do afeto pode ser observada na esquizofrenia e no transtorno da personalidade esquizotípica Neotimia É a designação para sentimentos e experiências afetivas inteiramente novos vivenciados por pacientes em estado psicótico São afetos muito estranhos e bizarros para a própria pessoa que os experimenta Faz parte da experiência peculiar e radicalmente diferente da esquizofrenia Nessa linha o psicopatólogo espanholvalenciano Juan José Lópes Ibor 19061991 denominou esquizoforia um tipo de experiência afetiva radicalmente nova ameaçadora e estranha de pacientes com esquizofrenia geralmente no período que antecede o surgimento de um delírio Lópes Ibor 1970 VALOR DIAGNÓSTICO Segundo Castilla Del Pino 2003 não há transtorno mental condição psicopatológica no qual não esteja afetado primária ou secundariamente o sistema emocional da pessoa A seguir será abordado de forma resumida o valor diagnóstico das alterações afetivas nos quadros de transtornos primários do afeto depressão e mania seguido de alguns aspectos da afetividade tanto na esquizofrenia como nos transtornos da personalidade e das alterações afetivas nos transtornos neurocognitivos sobretudo nas demências Transtorno depressivo No transtorno depressivo TD praticamente todas as alterações afetivas negativas podem ser vivenciadas A tristeza pode ser mais ou menos central intensa e explícita podendo haver entretanto depressão sem tristeza mas com outros sintomas de depressão Os sentimentos de culpa e arrependimento são frequentes A autoestima geralmente é ruim ou péssima Os pacientes fazem acusações a si próprios insistentemente podendo nos quadros mais graves ter ideias delirantes de culpa castigo ou condenação O indivíduo com depressão tende a olhar mais para o passado do que para o presente ou o futuro o que foi e não deveria ser ou o que foi e ocasionou no presente sua condição lamentável intolerável Vive um constante lamento ante a impossibilidade de mudar as coisas apresenta desesperança às vezes total nada vai melhorar não tem saída Diante de tudo isso as ideias e planos suicidas surgem com considerável frequência Mania A mania se caracteriza por humor alegre às vezes eufórico ou exaltado outras vezes o humor alegre é substituído pela irritabilidade ou mesmo agressividade sobretudo ao longo do episódio maníaco quando o indivíduo se sente frustrado ou impedido de realizar seus desejos e ideias O paciente tende a sentir seu Eu expandido elação do Eu poderoso Seu sentimento corporal vital pode ser muito positivo jamais me senti tão bem Esquizofrenia Nas fases agudas ou nos surtos de esquizofrenia podem surgir nos primeiros momentos sentimentos de estranhamento de sensação de que o mundo as coisas e o próprio Eu estão diferentes modificados ou carregados com significações esdrúxulas incompreensíveis Também nesse sentido o paciente pode ter experiências de neotimia e ambivalência afetiva Nesse estado de mudança do mundo e do Eu pode surgir sentimento de uma perplexidade patológica que ocorre em maior ou menor grau Essas experiências geralmente prédelirantes antes ou no começo do surgimento dos sintomas produtivos nas psicoses são conhecidas como humor delirante Sentimentos e vivências recorrentes de perseguição e insegurança ao longo da evolução do transtorno marcam muitos quadros de esquizofrenia Os quadros nos quais há delírios de perseguição e alucinações audioverbais com conteúdos persecutórios incrementam mais ainda os sentimentos difusos de insegurança e perseguição gerando um círculo vicioso nas relações entre os afetos e os sintomas positivos da psicose Com o avançar da esquizofrenia após os primeiros anos ou décadas dessa psicose pode surgir uma mudança qualitativa da afetividade em que a apatia a anedonia a hipomodulação do afeto certo distanciamento e indiferença afetiva encaminham o sujeito para um estado afetivo mais grave com verdadeiro embotamento e vazio afetivos Entretanto tal redução e aplainamento da afetividade é acompanhada de forma aparentemente paradoxal de hipersensibilidade a estímulos afetivos que pode gerar sofrimento disforias e incremento de sintomas positivos como alucinações eou delírios Por sua vez tais alucinações eou delírios podem incrementar o humor ansioso o medo a disforia e sensações paranoides gerando um círculo vicioso Transtornos da personalidade No transtorno da personalidade borderline TPB podese verificar uma frequência maior de humor disfórico e sentimentos crônicos ou recorrentes de vazio Assim a depressão associada frequentemente ao TPB é descrita como depressão com sensação de vazio interno O humor e as reações afetivas podem ser descontrolados muito instáveis revelando a dimensão de impulsividade associada a esse transtorno da personalidade Já no transtorno da personalidade histriônica verificase com alguma frequência um humor infantilizado superficial com alta vulnerabilidade a estímulos emocionais do ambiente Nos transtornos da personalidade esquizoide e esquizotípica podem ocorrer vivências afetivas próximas ao descrito para a esquizofrenia perplexidade incremento de sentimentos de desconfiança hipersensibilidade a estímulos emocionais ou distanciamento e certo aplainamento afetivo Demências e outras condições neuropsiquiátricas revisões em Baquero Martín 2015 Kratz 2017 Nos vários quadros das diferentes formas de demência as alterações do humor das emoções e dos sentimentos são consideravelmente frequentes ocorrendo ao longo da demência em cerca de 60 a 80 dos pacientes A apatia e o humor deprimido são os sintomas mais frequentes As alterações afetivas podem ser difíceis de ser identificadas sobretudo em quadros já bem instalados e nos quadros avançados de demência Tais alterações podem se expressar em comportamentos como aparência triste ou chorosa recusa alimentar e perda de peso queixas físicas múltiplas irritabilidade agressividade e agitação psicomotora diminuição no interesse e prazer anedonia pelas coisas insônia ou hipersonia fadiga excessiva e falta de energia em quase todos os dias No declínio cognitivo leve DCL podem ocorrer apatia ansiedade depressão irritabilidade e menos frequentemente euforia Depressão e apatia ou apatia isolada são preditores de conversão do DCL em demência Na demência de Alzheimer DA cerca de 80 dos pacientes podem apresentar sintomas depressivos ao longo da doença sendo o humor triste e a diminuição de prazer nas atividades diárias elementos importantes para o diagnóstico de depressão na DA Entretanto na DA é difícil diferenciar a apatia de outros sintomas depressivos Nas demências vasculares além de apatia e depressão serem também frequentes a labilidade afetiva é particularmente encontrada Nas fases iniciais da demência com corpos de Lewy a depressão pode também ser frequente e se assemelha à da DA Nas demências frontotemporais a depressão é igualmente frequente afetando cerca de 40 dos pacientes Os sintomas característicos incluem apatia diminuição de energia hiperfagia comer em excesso e autoestima elevada ou preservada de forma inapropriada esse sintoma é raríssimo nas depressões sem demência Em outras condições neuropsiquiátricas sintomas afetivos são também frequentes Na doença de Parkinson DP além de sintomas não motores como alterações do olfato e do sono também ocorrem com frequência depressão fadiga e apatia Aqui caracteristicamente sintomas afetivos podem da mesma forma que os sintomas motores flutuar ao longo do dia A prevalência de sintomas depressivos na DP é de 20 a 50 os quais predizem progressão mais rápida dos sintomas motores e mais déficits cognitivos posteriores Na doença de Huntington DH apatia agressividade e desinibição são frequentes Depressão pode ser diagnosticada em até 40 dos casos e a taxa de suicídio na DH é quatro vezes mais alta do que na população geral Na degeneração corticobasal a depressão 73 é mais comum do que a apatia 40 A apatia é também um sintoma consideravelmente frequente após acidentes vasculares cerebrais e traumas cranianos Le Heron et al 2017 EMOÇÕES NÃO CONSCIENTES EM PESSOAS COM TRANSTORNOS MENTAIS REVISÃO EM LEE ET AL 2016 Vimos anteriormente neste capítulo como as ENCs ocorrem e podem interferir na vida das pessoas com e sem transtornos mentais Em sujeitos com ansiedade elevada e transtornos de ansiedade TAs experimentos com ENCs revelam que os estímulos não conscientes dirigem o foco de atenção do indivíduo para tendências e valências emocionais negativas como raiva medo e sentirse ameaçado Em um teste do tipo tarefa Stroop ver Cap 26 sobre inteligência com palavras apresentadas de forma ultrarrápida não percebidas conscientemente pacientes com TA apresentaram um viés atencional para palavras semanticamente relacionadas com ansiedade Indivíduos com esquizofrenia têm dificuldades com a expressão consciente de comportamentos emocionais relacionadas a déficits na classificação de emoções Em relação às ENCs pacientes com esquizofrenia não parecem revelar diferenças importantes em comparação a controles sadios Entretanto estudos têm revelado uma maior ativação da amígdala para faces com valências emocionais negativas e positivas em pessoas com esquizofrenia em comparação a controles sadios Em geral pessoas com transtorno bipolar TB têm menos dificuldades no processamento de emoções do que aquelas com esquizofrenia mas mais dificuldades em relação a pacientes com depressão unipolar e ansiedade Em tarefas de ENC nas quais áreas do cérebro relacionadas a emoções são ativadas pacientes em fase maníaca ou hipomaníaca apresentam hiperativação nas regiões frontoestriatais talâmicas em resposta a faces alegres apresentadas de forma não consciente Em indivíduos na fase depressiva do TB há hiperativação das regiões corticolímbicas quando da exposição não consciente de faces tristes Pacientes com depressão unipolar revelam um viés para a percepção consciente e não consciente de faces tristes com tempo de reação mais rápido e maior acurácia no reconhecimento ou resposta às faces tristes Esses indivíduos necessitam de intensidades maiores para as respostas relacionadas a faces alegres As respostas automáticas e não conscientes para faces tristes parecem também ser mais elaboradas nos pacientes com depressão Por fim cabe indicar um importante trabalho de orientação fenomenológica sobre a afetividade Esboço de uma teoria das emoções de JeanPaul Sartre 19391965 Além disso devese ressaltar a excelente e aprofundada revisão sobre a psicologia e psicopatologia da afetividade a Teoría de los sentimientos 2003 publicada pelo psicopatólogo espanhol Carlos Castilla Del Pino 1922 2009 Para a avaliação clínica da afetividade ver o Quadro 185 resumo da semiotécnica da afetividade Quadro 185 Semiotécnica da afetividade Humor ansioso Sentese nervosoa Sentese agoniadoa Com inquietação interna Sente angústia ou ansiedade Sente medos ou temores Sentese tensoa Tem dificuldades para relaxar Tem dificuldades para se concentrar Tem insônia Sente dores de cabeça dores nas costas etc Tem taquicardia falta de ar Humor irritado Você temse irritado com mais facilidade que antes Os ruídos da rua de pessoas falando de buzinas etc oa incomodam muito As crianças oa incomodam Tem discutido ou brigado com facilidade Às vezes acha que vai explodir Os nervos estão à flor da pele Tem às vezes vontade de matar ou esganar alguém Humor triste apático ou inibido Você temse sentido triste ou melancólicoa Desanimadoa As coisas que antes lhe davam prazer agora lhe são indiferentes Sentese cansadoa sem energia Sentese fracoa Não se alegra com mais nada Perdeu ou aumentou o apetite ou o sono Perdeu o interesse pelas coisas Tem vontade de sumir ou morrer Sente que não tem mais saída desesperança Sente tédio Realizar as tarefas rotineiras passou a ser um grande fardo para você Prefere se isolar não receber visitas Sente um vazio por dentro Às vezes sentese como se estivesse mortoa Humor hipertímico alegre Sentese mais alegre que o comum Mais dispostoa Tem nos últimos dias mais vontade de falar e andar que geralmente Sentese mais forte Mais poderosoa Sente o tempo passar mais rápido Tem muitos amigos Eles são importantes Tem propriedades ou é uma pessoa influente Você se acha inteligente Achase uma pessoa especial Verificar para todas as alterações do humor se são mais frequentes e intensas pela manhã à tarde ou à noite Emoções e sentimentos Verificar o padrão de reações emocionais do paciente reações emocionais intensas ou atenuadas fáceis ou difíceis de serem desencadeadas rápidas e superficiais ou profundas e duradouras etc Investigar os sentimentos predominantes que o indivíduo tem pelas pessoas significativas de seu convívio Perguntar por exemplo Você tem muitos amigos Você os vê com que frequência Como você se dá com seus familiares Você tem relacionamentos íntimos com amigos ou parentes Como são esses relacionamentos Tem inimigos ou pessoas que odeia Como isso começou Perguntar há quanto tempo o paciente tem os sintomas o que os desencadeou o que os faz piorar ou melhorar Os afetos que o paciente está apresentando recentemente diferem do padrão afetivo do paciente ao longo de sua vida INSTRUMENTOS PADRONIZADOS DE AVALIAÇÃO DA AFETIVIDADE Estão disponíveis em nosso meio muitos instrumentos padronizados e validados para a avaliação de ansiedade depressão mania e impulsividade Uma excelente apresentação e discussão de tais instrumentos encontrase em Gorenstein e colaboradores 2016 TRANSFORMING LIVES THROUGH EDUCATION Texas on the move Fall 2022 Program Creates Culturally Responsive Curriculum The program addresses systemic barriers to success and creates inclusive curriculum for diverse learners through various strategies and supports to ensure academic achievement The program provides teachers support and professional development while engaging families and community to create holistic education The program focuses on equity and access ensuring all students receive quality education ETR is 100 Grassroots Private sector and foundation funding support 75 of the programs and services ETR delivers statewide The remaining 25 comes from fees for service and other income ETR is one of the longestserving grassroots educational consulting and professional development organizations in Texas Longerserving organizations are more often supported by public funding For more information visit etrorg 5124766861 etrorg LongerServing Educational Consulting and Professional Development Provider in TEXAS ETR Provides Curriculum Development Conference Planning Data Collection and Analysis Effective InstructionalBehavioral Practices Community Engagement Comprehensive School Improvement ComputerBased Assessments Early Childhood Assessment Formative Assessments Career and Technical Education MultiTiered Systems of Support MTSS Health Education Social Emotional Learning SEL STAAR Test Preparation etrorg 5124766861 19 A vontade a psicomotricidade o agir e suas alterações As borboletas o pássaro engaiolado contempla malícia em seus olhos Haikai de Issa DEFINIÇÕES BÁSICAS A vontade ou volição é uma dimensão complexa da vida mental relacionada intimamente com as esferas instintiva afetiva e intelectiva que envolve avaliar julgar analisar decidir bem como com o conjunto de valores princípios hábitos e normas éticas socioculturais do indivíduo Não é ponto pacífico se ela depende mais da esfera instintiva de forças inconscientes do âmbito afetivo de valores culturais ou de componentes intelectuais conscientes A vontade é tema importante em toda a tradição intelectual do Ocidente e ponto central de alguns filósofos como Kant Schopenhauer e Nietzsche Quadro 191 Para o filósofo alemão Arthur Schopenhauer 17881860 a essência do mundo é a vontade cega e irracional A vontade para a vida Wille zum Leben é o princípio universal do esforço instintivo pelo qual todo ser realiza o tipo central de sua espécie e luta contra os outros seres para manter a forma de vida que é a sua Em sua principal obra O mundo como vontade e representação 1819 1974 ele afirma que a vontade considerada puramente em si mesma não conhece e é apenas um impulso cego e irresistível Friedrich Nietzsche 18441900 contrapõe a razão à vontade e considera esta última força motriz universal do desenvolvimento a luta pela existência que se converte em vontade de poder Wille zur Macht Quadro 191 Filósofos e pensadores sobre vontade livrearbítrio e determinismo ver também Marcondes 2007 FILÓSOFO TESES PRINCIPAIS SOBRE VONTADE LIVREARBÍTRIO E DETERMINISMO Platão 428348 aC O sábio é aquele que tendo atingido o conhecimento do Bem pela via dialética é capaz de agir de forma justa República 517c O indivíduo que age de modo ético é aquele que é capaz de autocontrole de governar a si mesmo Górgias Na obra posterior As leis Platão afirma a liberdade como base necessária a uma vida justa O ser humano é livre para construir uma vida que valha a pena viver Aristóteles 384322 aC Aristóteles examina a natureza humana e valoriza o saber prático para que se estabeleçam as condições para agir da melhor forma possível É uma ética da virtude areté e a virtude é disposição ou hábito que implica escolha livre arbítrio O objetivo primordial da vida é a felicidade eudaimonia para obtêla o indivíduo deve utilizar o saber prático sobretudo a prudência phronesis Santo Agostinho 354430 Santo Agostinho aborda diretamente o livrearbítrio versus a predestinação destino pela vontade de Deus Deus concede ao ser humano o livrearbítrio Tanto a punição como a salvação divina seriam injustas se o ser humano não tivesse livrearbítrio De libero arbitrior Tomás de Aquino 12241274 O livrearbítrio decorre da natureza humana pois Deus criou o ser humano como ser racional A razão pode seguir direções opostas pode realizar comparações e por isso é capaz de decidir por si O livrearbítrio entretanto é insuficiente se o ser humano não for movido e auxiliado por Deus Tratado sobre o homem questão 83 T Hobbes 15881679 Tudo no universo está sujeito a uma série de causas e efeitos inclusive as ações e o destino dos seres humanos seguem o determinismo O indivíduo percebe desejos e aversões que se alternam que são elas mesmas determinadas A vontade dos humanos ela mesma é causada Portanto de fato não há livrearbítrio R Descartes 15961650 Espírito e matéria são substâncias distintas nitidamente distinguíveis O mundo material obedece a leis mecânicas absolutas O corpo humano faz parte do universo mecânico é totalmente determinado O espírito é livre mas a ciência moral é provisória pois ainda não se tem uma ciência completa da natureza da alma humana O erro moral advém não de um erro intelectual mas de um mau uso da vontade Esta erra quando se baseia em ideias que não são claras e distintas A vontade deve se guiar pela razão não pelas paixões B Espinoza 16321677 O bem é útil e o mal aquilo que impede o bem Há afecções paixões que são boas e outras que são más As boas são aquelas que contribuem para o desenvolvimento da natureza humana as más o impedem O ser humano é livre quando busca o bem e evita o mal Porém quando compreende a cadeia causal percebe que não é absolutamente livre D Hume 17111761 A base para as ações humanas são as paixões os impulsos e os sentimentos que motivam a ação Quando a ação do indivíduo provém de sua natureza e desejos o sujeito é livre Se algo externo ao ser humano obriga a ação contra seu desejo então ele deixa de ser livre Juízos e avaliações morais não devem derivar dos fatos e juízos que os descrevem Não devemos ought to agir porque algo é is de determinada maneira mas porque optamos moralmente por algo Juízos factuais podem ser falsos ou verdadeiros juízos morais são valorativos não falsos ou verdadeiros Eles dependem dos valores escolhidos I Kant 17241804 Não é pela experiência que se pode encontrar a ideia de liberdade a comprovação do livrearbítrio O livrearbítrio é uma ideia que o ser humano constrói devido às exigências de sua natureza moral Kant defende uma ética de princípios O imperativo categórico fundamento de sua ética é age somente de acordo com aquela máxima pela qual possas ao mesmo tempo querer que ela se torne uma lei universal uma lei para todos os seres humanos GWF Hegel 17701831 Deus é igual à razão viva e movimentadora do mundo O ser humano é livre mas livre para realizar a natureza do mundo Ao fazer isso realizase completamente A liberdade é inerente ao mundo e se realiza inteiramente no ser humano na sociedade e na história A Schopenhauer 17881860 A vontade é o núcleo central do mundo Luta e vontade estão em todas as coisas são o princípio da existência de tudo Mas em seu Ensaio sobre o livrearbítrio de 1841 Schopenhauer afirma que a vontade do ser humano é sempre determinada a menor das nossas volições é um efeito necessário Ele também defende o inatismo dos vícios e virtudes S Kierkegaard 18131855 Central para ele é a experiência subjetiva individual O indivíduo se situa diante do absurdo do mundo e do silêncio de Deus Deve ele próprio encontrar o sentido de sua vida de sua existência F Nietzsche 18441900 Crítico da modernidade ocidental filósofo da suspeita da crítica radical A ação ética não se fundamenta na razão A moral ocidental é a moral do homem do ressentimento Sua obra crítica busca reconquistar os valores afirmativos da vida da superação de limitações do incentivo à vontade à criatividade e à sensibilidade S Freud 18561939 Ao afirmar o Eu não é senhor em sua própria casa em sua Introdução à psicanálise 1917 Freud atesta a centralidade do inconsciente dinâmico determinante Não dominamos conscientemente nossos atos nossas vidas nossos desejos somos em grande medida determinados por desejos e temores inconscientes M Foucault 19261984 Construiu uma história e filosofia social crítica realizando sua arqueologia das práticas e saberes de instituições modernas relacionadas ao poder ou aos poderes Os discursos as práticas e os dispositivos fazem os poderes permearem até a mais recôndida intimidade da pessoa moderna Radicaliza a suspeita de Nietzsche e Freud que incide sobre as construções de livrearbítrio e liberdade das sociedades ocidentais na modernidade Para a corrente filosófica denominada existencialismo o conflito entre livre arbítrio tenho liberdade para decidir como agir e determinismo são fatores externos a mim que determinam o que faço é uma das questões mais fundamentais para o ser humano É a questão da liberdade e da responsabilidade de decidir que destino tomar perante as contingências da vida que nos arrastam de um lado para outro Quadro 191 O instinto é definido como um modo relativamente organizado fixo e mais ou menos complexo de resposta comportamental padronizada de determinada espécie a qual por meio dela pode sobreviver melhor em seu ambiente natural Geralmente envolve um conjunto de respostas e comportamentos herdados que serve à adaptação do organismo p ex as reações e os comportamentos associados a fome e sede os instintos de sobrevivência e aqueles relacionados a sexo e reprodução Na psicanálise em contraposição à noção inteiramente biológica de instinto definese pulsão como um conjunto de elementos inatos inconscientes de origem parcialmente biológica e parcialmente psicológica que movem o sujeito em direção à vida ou à morte p ex a pulsão sexual e a pulsão de morte O desejo é um querer um anseio um apetite de natureza consciente ou inconsciente que visa sempre algo que busca sempre sua satisfação Os desejos diferenciamse das necessidades pois estas são fixas e inatas independentes da história individual e cultural enquanto os desejos são móveis moldados e transformados social e historicamente A inclinação por sua vez é a tendência a desejar buscar gostar etc intimamente relacionada à personalidade do indivíduo duradoura e estável que inclui aspectos tanto afetivos como volitivos Tratase de algo constitutivo do indivíduo e é em certa proporção de natureza genética A psicologia clássica e a contemporânea utilizam com muita frequência o construto motivação A partir dele buscase estudar os fatores que energizam e 1 2 3 4 moldam os comportamentos Também pela motivação investigase como o comportamento é iniciado dirigido e sustentado Para a psicologia contemporânea a motivação é tanto intencional estimula e orienta as ações como reguladora permite ao sujeito controlar seu comportamento e o dos outros Gazzaniga Heatherton 2005 ATO VOLITIVO OU ATO DE VONTADE Para o psicopatólogo brasileiro Augusto Luiz Nobre de Melo 19091984 o ato volitivo é traduzido pelas expressões típicas do eu quero ou do eu não quero que caracterizariam a vontade humana sensu stricto Distinguemse também os motivos ou razões intelectuais que influem sobre o ato volitivo dos móveis ou influências afetivas atrativas ou repulsivas que pressionam a decisão volitiva para um lado ou para outro Nobre de Melo 1979 O ato volitivo se dá de forma geral como um processo o chamado processo volitivo no qual se distinguem quatro etapas ou momentos fundamentais e em geral cronologicamente seguidos Processo volitivo A fase de intenção ou propósito na qual se esboçam as tendências básicas do indivíduo suas inclinações e interesses Nesse momento impulsos desejos e temores inconscientes exercem influência decisiva sobre o ato volitivo muitas vezes imperceptíveis para o próprio indivíduo A fase de deliberação que diz respeito à ponderação consciente levando se em conta tanto os motivos como os móveis implicados no ato volitivo O indivíduo faz uma análise básica do que seria positivo ou negativo favorável ou desfavorável benéfico ou maléfico em sua decisão É um momento de apreciação consideração dos vários aspectos e das implicações de determinada decisão A fase de decisão propriamente dita é o momento culminante do processo volitivo instante que demarca o começo da ação no qual os móveis e os motivos vencidos dão lugar aos vencedores A fase de execução constitui a etapa final do processo volitivo na qual os atos psicomotores simples e complexos decorrentes da decisão são postos em funcionamento a fim de realizar e consumar aquilo que mentalmente foi decidido e aprovado pelo indivíduo O ato de vontade pautado por essas quatro fases em que ponderação análise e reflexão precedem a execução motora é denominado ação voluntária O debate sobre o quanto o ser humano é dirigido por sua vontade por seu livrearbítrio e o quanto seus atos na vida são dependentes de determinismos vários genéticos anatômicos e fisiológicos históricos econômicos sociais ou culturais tem uma longa tradição no Ocidente COMPORTAMENTO MORAL AGRESSIVIDADE E FUNCIONAMENTO CEREBRAL Nos últimos anos vários pesquisadores têm identificado estruturas cerebrais relacionadas a processos psicológicos envolvidos em julgamentos e comportamentos morais que são em certo sentido dependentes das funções volitivas O pesquisador Marc Hauser 1959 e o neurologista e neurocientista António Damásio 1944 identificaram que pacientes com lesões no córtex pré frontal ventromedial demonstravam menos empatia compaixão culpa vergonha e arrependimento quando tomavam decisões que embora utilitárias causavam dano a alguém mesmo a uma pessoa próxima Além disso duas outras estruturas cerebrais têm sido relacionadas aos comportamentos impulsivos e à agressividade Hollander Posner Cherkasky 2006 o hipotálamo na região anterior dorsomedial e ventromedial e a amígdala a estimulação da amígdala em gatos pode dependendo do estado basal do animal produzir agressividade ou comportamento dócil Por fim tem sido identificada hiperatividade neural nos córtices orbitofrontal do cíngulo anterior e do corpo estriado circuito frontoestriado em pacientes com compulsões Miguel Rauch Jenike 1998 A AÇÃO DO INDIVÍDUO SOBRE O MUNDO E OS LOBOS FRONTAIS FUNÇÕES EXECUTIVAS Como já foi assinalado neste livro o córtex préfrontal é o centro executivo do cérebro e está relacionado à identificação ao planejamento e à monitoração das ações a serem realizadas Além disso está implicado em dirigir a atenção para uma tarefa e em poder adiar uma gratificação para cumprir os objetivos traçados 1 2 3 4 5 1 2 3 4 5 Pally 1997 O córtex frontal representa uma estrutura relacionada ao que designamos psicologicamente como vontade volição e psicomotricidade As chamadas funções executivas frontais são processadas sobretudo pela convexidade ou também chamada parte dorsolateral a parte mais alta e lateral dos lobos préfrontais As funções executivas mais importantes são identificação de problemas novos que suscitam determinadas estratégias de ação criação e planejamento de estratégias de ação incluindo a busca de estratégias novas para problemas novos colocação em prática de tais estratégias incluindo a execução de tarefas sequenciais monitoração da ação e de seus resultados ou seja adequação contínua da ação perante as condições cambiantes do meio incluindo adiar gratificações para obter os objetivos traçados flexibilidade cognitiva mudar estratégias cognitivas quando as condições e variáveis mudam e exigem novas estratégias de ação As alterações da vontade e da capacidade de agir sobre o mundo relacionadas com déficits das funções executivas lesões disfunções e danos ao córtex préfrontal são perda ou diminuição da capacidade de planejamento e monitoração de ações e atos complexos perda ou diminuição da capacidade de solução de problemas novos diminuição da fluência verbal perseveração de ações que se fixam de forma mecânica não mudando conforme as demandas de mudanças do ambiente perda da flexibilidade cognitiva Lesões nos lobos préfrontais produzem as síndromes frontais relacionadas à volição e à ação do indivíduo sobre o meio ambiente suas relações sociais e contextos socioculturais Nesse sentido são apresentadas as principais síndromes frontais relacionadas às três grandes subdivisões dos lobos préfrontais descritas a seguir Na síndrome orbitofrontal a lesão situase na região frontal supraorbitária parte do lobo frontal situada logo acima dos olhos O indivíduo tornase desinibido grosseiro perde a sensibilidade social faz comentários e piadas inadequados Não demonstra empatia e pode apresentarse muito irritável e lábil bem como às vezes tende a impulsividade e reações explosivas Apesar dessas alterações pode apresentar uma cognição global relativamente preservada Na síndrome frontalmedial porção que se vê no plano médio ao se separar os dois hemisférios ocorrem alterações comportamentais significativas sendo a indiferença e a inibição afetiva os elementos mais característicos Dependendo da extensão os quadros podem incluir vários graus de diminuição da motivação e da vontade De modo geral pacientes com lesões em áreas mediais dos lobos préfrontais apresentam apatia diminuição da iniciativa e da mímica e motivação reduzida Na síndrome da convexidade frontal ou área dorsolateral área mais alta e lateral predominam os sintomas cognitivos relativos às chamadas funções executivas frontais como resolução de problemas novos planejamento do futuro e realização de atividades sequenciadas Pode haver perseverações dos atos da linguagem dos gestos dificuldades nos comportamentos sequenciais impersistência incapacidade de persistir em tarefas complexas capacidade reduzida de mudar shifting de uma estratégia cognitiva para outra Os indivíduos apresentam também empobrecimento da capacidade de julgar e tendência a dar respostas concretas quando se avalia o pensamento abstrato A depressão frequentemente está presente sobretudo quando há lesão no hemisfério esquerdo Essas três síndromes frontais são resumidas no Quadro 192 Quadro 192 Principais síndromes frontais de acordo com suas subdivisões LOCAL DA LESÃO OU DISFUNÇÃO TIPO DE SÍNDROME FRONTAL ASPECTOS CLÍNICOS Orbitofrontal Síndrome de desinibição Impulsividade agressividade perda do tato social indivíduo tornase grosseiro sem sensibilidade Frontalmedial Síndrome apáticoacinética Indivíduo apático sem iniciativa Diminuição da motivação Convexidade frontal área dorsolateral Síndrome cognitiva com perda das funções executivas Perseveração perda da capacidade de persistência incapacidade de realizar tarefas que incluam sequências complexas ATOS VOLITIVOS COMPORTAMENTOS MORAIS E VARIABILIDADE CULTURAL Segundo Marc Hauser 2007 o Homo sapiens foi equipado pela evolução com a capacidade de fazer julgamentos morais e realizar atos de vontade seguindo algumas regras universais Quadro 193 Capacidades como a de distinguir entre uma ação intencional e uma acidental ou o valor atribuído a uma ação protetora ou destrutiva sobre alguém próximo ou distante seriam elementos universais ancorados no cérebro humano adquiridos pela espécie ao longo da evolução e também parcialmente presentes em outros primatas O Quadro 193 apresenta uma série de comportamentos e valores com implicações morais que seriam universais da espécie humana ou seja estariam presentes em quase todas as culturas Entretanto tal universalidade é controvertida no debate antropológico Quadro 193 Comportamentos volitivos e valores morais propostos por Brown 1991 como presentes em quase todas as culturas Assistência a crianças Conceito de justiça e equidade Compartilhar alimentos Complexo de Édipo Cooperação Cópula preferencialmente praticada na privacidade Crença no sobrenatural Dar presentes Deveres e moralidade sentimentos morais com alcance efetivo limitado Distinção entre certo e errado Distinção entre bom e mau Distinção entre falso e verdadeiro Distinção entre pertencentes e não pertencentes ao grupo Divisão do trabalho por sexo e idade Dominânciasubmissão Estupro proscrito alguma forma de normatização Etiqueta Etnocentrismo Julgar os outros Identidade coletiva Lei direitos e obrigações e sanções por crimes contra a coletividade Manipulação de relações sociais Status de parentesco e por idade Presença de tabus em geral Tabus alimentares e na fala Prevenção ou abstenção do incesto Preferência pelos próprios filhos e parentes próximos Proscrição de algumas formas de violência e prescrição de outras Regras de herança Regras de parentesco Regulação sexual Resistência a abuso de poder e dominância Ritos de passagem Rituais Rituais fúnebres Trocas recíprocas ALTERAÇÕES DA VONTADE Hipobuliaabulia Pacientes com hipobuliaabulia apresentam diminuição ou até abolição da volição O indivíduo refere que não tem vontade para nada sentese muito desanimado sem forças sem energia Geralmente a hipobuliaabulia encontra se associada à apatia à fadiga fácil e à dificuldade de decisão tão típicas dos pacientes com depressão grave A abulia não se confunde com a ataraxia que é um estado de indiferença volitiva e afetiva desejado e buscado ativamente pelo indivíduo Tratase do estado de imperturbabilidade almejado por místicos ascetas e filósofos da 1 chamada escola estoica A busca voluntária ativa de libertação por meio desse estado de desprendimento é bem exemplificada por este poema Não penses nas coisas que se foram e passaram pensar no que passou é aflição inútil Não penses no que há de suceder pensar no futuro é impaciência vã É melhor que de dia sentes como um paletó na cadeira que de noite deites como uma pedra no leito Quando vem o jantar abre a boca fecha os olhos quando vem o sono e o sonho Po Chu Yi poeta chinês da Dinastia Tang 618960 ATOS IMPULSIVOS E ATOS COMPULSIVOS Atos impulsivos Em contraposição à ação voluntária há os atos impulsivos que são uma espécie de curto circuito do ato voluntário um salto da fase de intenção à fase de execução O ato impulsivo abole abruptamente as fases de deliberação e decisão em função tanto da intensidade dos desejos ou temores conscientes ou inconscientes como da fragilidade das instâncias psíquicas implicadas na reflexão na análise na ponderação e na contenção dos impulsos e dos desejos A impulsividade é definida como uma predisposição para agir e reagir de forma rápida não planejada respondendo a estímulos externos ou internos com pouca ou nenhuma preocupação sobre as possíveis consequências negativas para si eou para os outros Os impulsos patológicos são tipos de atos impulsivos nos quais predominam as ações psicomotoras automáticas sem reflexão ponderação ou decisões prévias de tipo instantâneo e explosivo Eles também se caracterizam pela incoercibilidade ou seja são incontroláveis revisão em Herpertz Sass 1997 Os atos impulsivos apresentam as seguintes características São realizados sem fase prévia de deliberação e decisão 2 3 1 2 3 4 5 São realizados de modo geral de forma egossintônica ou seja o indivíduo não percebe tal ato como inadequado não tenta evitálo ou adiálo O ato impulsivo frequentemente não é contrário aos valores morais e sobretudo aos desejos de quem o pratica São geralmente associados a impulsos patológicos de natureza inconsciente ou à incapacidade de tolerância à frustração e à necessária adaptação à realidade objetiva Da mesma forma o indivíduo dominado pelo ato impulsivo tende a desconsiderar os desejos e as necessidades das outras pessoas Atos compulsivos ou compulsão Os atos compulsivos ou compulsões diferem dos atos impulsivos por serem reconhecidos pelo indivíduo como indesejáveis e inadequados assim como pela tentativa de refreálos ou adiálos A compulsão é geralmente uma ação motora complexa que pode envolver desde atos relativamente simples como coçarse picarse arranharse até rituais compulsivos complexos como tomar banho de forma repetida e muito ritualizada lavar as mãos e secarse de modo repetitivo eou estereotipado por inúmeras vezes seguidas etc A compulsividade por sua vez é descrita como a realização de comportamentos geralmente motores mas podem ser comportamentos mentais repetitivos de modo mais ou menos estereotipado podendo seguir regras rígidas ou servir como meio de evitar sem base realística consequências negativas em geral relacionadas às ideias obsessivas Os atos e os rituais compulsivos apresentam as seguintes características Há a vivência frequente de desconforto subjetivo por parte do indivíduo que realiza o ato compulsivo São egodistônicos isto é experienciados como indesejáveis contrários aos valores morais e anseios do paciente Há a tentativa de resistir ou pelo menos adiar à realização do ato compulsivo há luta entre a compulsão e a vontade do indivíduo no ato impulsivo não há essa luta Há a sensação de alívio ao realizar o ato compulsivo alívio que logo é substituído pelo retorno do desconforto subjetivo e pela urgência em realizá lo novamente Os atos ocorrem frequentemente associados a ideias obsessivas muito desagradáveis representando muitas vezes tentativas de neutralizar tais pensamentos O indivíduo tem um pensamento obsessivo desagradável como a ideia de que é impuro ou está contaminado sente então a necessidade de lavarse compulsivamente e isso alivia de forma transitória os pensamentos de ser contaminado Logo após o alívio os pensamentos obsessivos retornam à consciência do paciente e ele se sente novamente forçado a realizar o ato compulsivo neutralizador O Quadro 194 mostra as condições e transtornos em que se verificam atos compulsivos e atos impulsivos Quadro 194 Transtornos relacionados a atos compulsivos e impulsivos TRANSTORNOS MENTAIS PREDOMINANTEMENTE RELACIONADOS AOS ATOS COMPULSIVOS TRANSTORNOS MENTAIS PREDOMINANTEMENTE RELACIONADOS AOS ATOS IMPULSIVOS Transtorno obsessivocompulsivo Transtorno dismórfico corporal Transtorno de acumulação ou colecionismo hoarding disorder Tricotilomania arrancar pelos e cabelo Transtorno de escoriação skinpicking Comportamentos repetitivos focados no corpo semelhantes ao grooming de primatas p ex mexer e beliscar a pele os cabelos roer as unhas etc Uso e dependência de substâncias Uso e dependências comportamentais p ex jogo patológico dependência de internet etc Transtorno da personalidade borderline Transtorno explosivo intermitente Transtorno da personalidade antissocial Transtorno de déficit de atençãohiperatividade e transtornos agressivos na infância Transtorno disruptivo da regulação do humor Bases neurobiológicas da impulsividade e da compulsividade revisão em Fineberg et al 2014 Os dois construtos impulsividade e compulsividade foram do ponto de vista histórico considerados como diametralmente opostos com a impulsividade sendo associada à tomada de comportamentos de risco e a compulsividade associada à evitação de danos Entretanto nos últimos anos têm sido identificados mecanismos neuropsicológicos compartilhados nesses dois construtos Além disso existe uma alta frequência de comorbidade entre os transtornos compulsivos e impulsivos e quando eles ocorrem ao mesmo tempo costumam ser mais graves Os circuitos neuronais envolvidos com a impulsividade e a compulsividade abrangem um amplo leque de processos neuropsicológicos disfuncionais que incluem atenção percepção e coordenação das respostas motoras e cognitivas Tais processos neuropsicológicos se relacionam aos circuitos que envolvem os lobos frontais e os corpos estriatais striatum nos quais funcionam distintos neurotransmissores O subcircuito da impulsividade inclui um componente estriatal striatum ventral e nucleus accumbens ativando comportamentos impulsivos enquanto o componente préfrontal giro do cíngulo anterior e córtex préfrontal ventromedial agiria exercendo controle inibitório Já o subcircuito da compulsividade incluiria um componente estriatal núcleo caudado putame que é modulado por componente préfrontal córtex orbitofrontal que exerce controle inibitório A região préfrontal dorsolateral convexidade também exerce função modulatória sobre a impulsividade e a compulsividade principalmente relacionada à cognição social Hiperatividade no striatum e anormalidades pré frontais geralmente hipoatividade podem favorecer a emergência de atos impulsivos eou compulsivos Em uma mesma pessoa a estimulação cerebral profunda do nucleus accumbens por exemplo pode reduzir a compulsividade em determinada voltagem ou deflagar a impulsividade em outra Isso indica que sob diferentes contingências pode haver no mesmo circuito deflagração tanto da impulsividade como da compulsividade Tipos de impulsos e compulsões patológicas Impulsos e compulsões agressivas auto ou heterodestrutivas Automutilação É o impulso ou a compulsão seguido de comportamento de autolesão voluntária São pacientes que produzem escoriações na pele e nas mucosas com facas eou estiletes furam os braços com pregos e pedaços de vidro arrancam os cabelos tricotilomania queimam a pele com cigarros etc As automutilações leves e moderadas são observadas em indivíduos com transtorno da personalidade borderline naqueles com transtorno obsessivocompulsivo TOC e em algumas pessoas com deficiência intelectual As formas graves de automutilação são a autoenucleação extração do próprio olho e a autoamputação do pênis ou de uma mão que ocorrem em pacientes psicóticos geralmente com esquizofrenia em estado alucinatóriodelirante e indivíduos com psicoses tóxicas produzidas por alucinógenos Frangofilia Impulso patológico de destruir os objetos que circundam o indivíduo Está associado geralmente a estados de excitação impulsiva intensa e agressiva Ocorre nas psicoses principalmente esquizofrenia e mania em alguns quadros de intoxicação por psicotrópicos drogas eou medicamentos em indivíduos com transtornos da personalidade explosiva borderline antissocial etc e em alguns pacientes com transtornos mentais associados a deficiências intelectuais Piromania É o impulso de atear fogo a objetos prédios lugares etc Ocorre principalmente em indivíduos com transtornos do controle de impulsos eou transtornos da personalidade borderline narcisista ou antissocial Merecem destaque aqui o impulso o comportamento e o ato suicidas Há em muitos pacientes gravemente deprimidos e ansiosos o desejo de morrer e de desaparecer Gostaria de dormir ou apagar por um tempo Tal impulso ocorre com frequência associado a outros sintomas mentais e condições gerais como humor depressivo desesperança ansiedade intensa uso pesado ou dependência de álcool e outras drogas desmoralização crônica dor ou disfunções orgânicas crônicas Sempre que o examinador encontrar um paciente deprimido cronicamente ansioso e hostil desmoralizado sem perspectivas que usa ou é dependente de álcool deve investigar detidamente os impulsos planos e comportamentos suicidas Hawton 1987 Os grupos diagnósticos que mais frequentemente envolvem o impulso ideação grave eou comportamentos de suicídio são depressão moderada ou grave dependência de álcool ou outras drogas esquizofrenia distimias e transtornos da adaptação do tipo depressivo Já os transtornos da personalidade que mais apresentam ideação eou comportamento suicida são os da personalidade borderline dependente esquizoide histriônica e evitativa Ferreira de Castro et al 1998 Botega 2015 O Quadro 195 apresenta os fatores de risco e os fatores de proteção para o suicídio Quadro 195 Fatores de risco e de proteção para o suicídio FATORES DE RISCO PARA O SUICÍDIO FATORES DE PROTEÇÃO PARA O SUICÍDIO Depressão moderada ou grave Gênero masculino Desesperança falta de perspectivas sensação de fracasso Morar sozinho não ter família ou vínculos sociais Separações recentes doa namoradoa esposoa amante etc História de tentativas ou ameaças suicidas recentes Dor crônica doenças físicas ou déficits funcionais crônicos Idade adolescentes adultos maduros e idosos Fácil acesso a meios violentos revólveres altura venenos fármacos potencialmente perigosos etc Esquizofrenia alcoolismo e dependência de substâncias suicídio tipo balanço existencial transtornos da personalidade borderline dependente esquizoide histriônica e evitativa Traços autodestrutivos e impulsivos Boa saúde física e mental Gênero feminino Perspectivas futuras habilidades profissionais e educacionais Bons e intensos vínculos sociais Ser casado ou viver com alguém e ter filhos Pertencer a uma religião e praticála Ter medo de atos violentos Ter emprego 1 2 3 4 5 A ideação os impulsos e os planos suicidas devem ser sempre investigados no caso de mínima suspeita O tema deve ser tratado como algo delicado e pessoal de modo circunspecto mas franco O Quadro 196 mostra como lidar na entrevista com pacientes com comportamento e risco de suicídio Quadro 196 Semiotécnica da ideação e do impulso suicidas Após contato inicial e estabelecimento de um contato empático minimamente bom com o paciente rapport inquirir do modo que seja mais fácil para ele falar sobre o tema começando a perguntar sobre o desejo de desaparecer de sair de cena de dormir para sempre até o desejo definido de se matar O paciente potencialmente suicida sentese muitas vezes aliviado por poder falar sobre o tema você não estará dando ideias para ele Perguntar por exemplo Às vezes você se sente tão mal que gostaria de desaparecer dormir muito tempo sair de cena ou não mais viver Prosseguir então avaliando ideias suicidas e planos suicidas Perguntar por exemplo Pensa em terminar com sua vida Já fez alguma coisa no sentido de realizar tais ideias Verificar se o paciente pensa em adquirir ou se já comprou veneno remédios uma corda um revólver etc Verificar se ele tem outros sentimentos ideias ou atos autodestrutivos Perguntar se já tentou o suicídio alguma vez FICAR ATENTO A PACIENTES QUE Tentaram o suicídio recentemente nos últimos meses ou anos e continuam com graves problemas Estavam muito deprimidos e melhoraram subitamente pois tal melhora pode resultar do fato de finalmente ter decidido cometer o suicídio e assim livrarse do sofrimento Embora neguem o impulso suicida comportamse de forma muito autodestrutiva revelando seu potencial suicida Resolvem seus negócios vendem pertences fazem testamento etc sem motivo aparente Saíram de alta há menos de 4 semanas de uma internação psiquiátrica por tentativa de suicídio Impulsos e compulsões relacionados à ingestão de substâncias ou alimentos Tais impulsos estão presentes em algumas formas de ingestão de alimentos eou uso de substâncias nas quais o uso das substâncias se caracteriza por grande impulsividade Os mais importantes são Bulimia É o impulso irresistível de ingerir rapidamente grande quantidade de alimentos muitas vezes doces chocolate etc em geral como ataque à geladeira Após a ingestão rápida o paciente com bulimia sentese culpado com medo de engordar e induz vômitos ou toma laxativos Dipsomania Ocorre como impulso ou compulsão periódica para ingestão rápida de grandes quantidades de álcool O indivíduo bebe seguidamente até ficar inconsciente a crise é superada voltando o paciente à situação anterior e costuma haver amnésia retrógrada para o ocorrido Nos dias atuais temse utilizado o termo binge drinking para a ingestão de grandes quantidades de álcool Potomania É a compulsão de beber água ou outros líquidos sem que haja sede exagerada Difere da polidipsia pois nesta o indivíduo sente sede exagerada geralmente devido a alterações metabólicas em seu organismo A potomania é observada em pacientes com esquizofrenia crônica e pode acarretar complicações metabólicas como queda do sódio sanguíneo e intoxicação por excesso de água Na enfermaria de psiquiatria do Hospital de Clínicas da Universidade Estadual de Campinas HCUNICAMP atendemos em 2017 um paciente que apresentava esquizofrenia há cerca de 20 anos e que bebia em sua casa de 20 a 30 litros de água por dia Seu nível de sódio chegou a 99 valores normais de 136145 mEqL e ele corria risco de morte Após receber tratamento a potomania remitiu Atos e compulsões relacionados ao desejo e ao comportamento sexuais São diversos os atos impulsivos e compulsivos de natureza sexual Eles foram classicamente descritos como perversões sexuais preferindose hoje os termos parafilia e atos impulsivos e compulsões sexuais pois a designação perversão tem conotação moral fortemente negativa e depreciativa na linguagem comum As principais parafilias que podem incluir atos impulsivos eou compulsivos de natureza sexual são descritas a seguir A pedofilia é o desejo e a atividade sexuais voltados a crianças ou púberes com consequências potenciais muito graves para tais crianças A gerontofilia é o desejo sexual por pessoas consideravelmente mais velhas que o indivíduo Ela se encaixa na chamada cronoinversão do desejo sexual O exibicionismo também com consequências potencialmente graves é o impulso de mostrar os órgãos genitais geralmente contra a vontade da pessoa a quem o ato se direciona a crianças ou adolescentes mas não apenas O ato de exibirse já é suficiente para o indivíduo obter prazer Ele em geral não busca contato sexual direto com a pessoa para a qual se exibe o prazer que sente está relacionado ao pavor causado no outro O voyeurismo é o impulso de obter prazer observando uma pessoa que está tendo relação sexual ou que simplesmente está nua ou se despindo O fetichismo é o impulso e o desejo sexuais concentrados em ou exclusivamente relacionados a partes da vestimenta ou do corpo da pessoa desejada O sadismo e o masoquismo envolvem obter excitação e prazer sexuais causando dor e humilhaçãodominação no parceiro ou padecendo de dor e sendo dominado e humilhado pelo parceiro A zoofilia ou bestialismo é o desejo sexual dirigido a animais a necrofilia ou vampirismo a cadáveres e a coprofilia é a busca do prazer com o uso de excrementos no ato sexual Há compulsões pela utilização repetida de clisteres e pela introdução de objetos no ânus ou na vagina como lâmpadas potes de vidro garrafas A compulsão pela masturbação é vivenciada como intensa necessidade de realizar atividade masturbatória repetitiva até mesmo praticada com desprazer A ninfomania é o desejo sexual quantitativamente muito aumentado na mulher e a satiríase em nível muito aumentado no homem Esses aumentos patológicos do desejo sexual ocorrem com certa frequência em indivíduos em fase maníaca do transtorno bipolar Outros impulsos e compulsões Poriomania É o impulso e o comportamento de andar a esmo viajar desaparecer de casa ganhar o mundo como se diz na linguagem popular Ocorre em pacientes com esquizofrenia às vezes por imaginar que está sendo perseguido e precisar sumir do mapa em pessoas com quadros psicoorgânicos com deficiência intelectual etc Cleptomania ou roubo patológico É o ato impulsivo ou compulsivo de furtar precedido geralmente de ansiedade e apreensão que apenas se alivia quando o indivíduo realiza o roubo O valor econômico do objeto roubado não é o mais importante O fundamental é o ato de furtar e a excitação e o prazer que isso produz no indivíduo Uma forma frequente de roubo patológico é aquela caracterizada por pequenos furtos em supermercados e lojas de departamentos shoplifting Embora no passado esse problema tenha sido verificado mais entre garotas adolescentes menores de 18 anos tem havido aumento entre adultos jovens do sexo masculino em geral desempregados e socialmente desmoralizados Um terço dos assaltantes apresenta algum diagnóstico psicopatológico com mais frequência transtornos de ansiedade psicossomáticos e da personalidade e eventualmente psicoses e deficiência intelectual Sims 1995 Jogo patológico É a compulsão por se envolver em jogos de azar fazer apostas especular com dinheiro apesar de prejuízos financeiros e sociais percebidos pelo sujeito Abreu et al 2008 Hoje em dia tornouse relativamente frequente a compulsão por games na internet ver adiante Compulsão por compras É um tipo de compulsão contemporâneo observado com relativa frequência O indivíduo sente necessidade premente de comprar objetos roupas sapatos bijuterias joias etc Compra de forma compulsiva sem observar a utilidade e o sentido da compra bem como sem ter necessidade ou poder utilizar adequadamente os objetos adquiridos No momento em que realiza a compra sente certo alívio que geralmente é de curta duração seguindose sentimentos de culpa e arrependimento Compulsão e dependência de internet eou videogames Recentemente um número cada vez maior de pessoas passou a apresentar dependência significativa de internet games redes sociais sites eróticos e de compras etc Nos últimos 15 anos o número de pessoas que usa a rede aumentou 1000 no mundo A dependência de internet acomete principalmente adolescentes e jovens na faixa entre 08 na Itália e 88 na China Os fatores de risco são sexo masculino menor idade maior renda familiar maior tempo que fica rotineiramente na internet uso de aplicativos para jogar e se socializar neuroticismo solidão e sintomas comórbidos como depressão ansiedade e psicopatologia geral ver revisão em Kuss Lopez Fernandez 2016 Outras alterações da vontade Negativismo É a oposição do indivíduo às solicitações do meio ambiente Verificase uma resistência automática e obstinada a todos ou quase todos os pedidos que os profissionais da saúde ou a família fazem ao paciente O indivíduo negase a colaborar nas condutas diagnósticas ou terapêuticas e opõese ao contato nas tentativas de relacionamento interpessoal Na forma ativa ou seja no negativismo ativo o paciente faz o oposto ao solicitado na forma passiva ou negativismo passivo simplesmente nada faz quando solicitado pelo ambiente O mutismo a recusa automática a falar é frequentemente uma forma de negativismo verbal Observase o negativismo na esquizofrenia principalmente em conjunto com sintomas catatônicos às vezes associado a catalepsia e flexibilidade cerácea nos quadros depressivos graves e eventualmente em alguns pacientes com graves transtornos da personalidade A sitiofobia é a recusa sistemática de alimentos geralmente revelando negativismo profundo O termo também é utilizado para designar a recusa de alimentos associada a quadros delirantes persecutórios delírio de envenenamento ou depressões graves Obediência automática É o oposto do negativismo Nesse caso o paciente obedece automaticamente como um robô teleguiado às solicitações de pessoas que entrem em contato com ele Há profunda alteração do processo e da atividade volitivos e o paciente perde a autonomia e a capacidade de conduzir seus atos volitivos Fenômenos em eco ecolalia ecopraxia ecomimia ecografia Nesse caso o indivíduo repete de forma automática durante a entrevista mas também em outras situações as últimas palavras ou sílabas do entrevistador ecolalia seus atos ou gestos ecopraxia reações mímicas ou escrita Os fenômenos em eco revelam acentuada perda do controle da atividade voluntária e sua substituição por atos automáticos sugeridos pelo ambiente circundante Ocorrem na esquizofrenia classificados então como fenômenos catatônicos nos transtornos neurocognitivos e nos transtornos do espectro autista revisão em Stiegler 2015 Automatismos O termo automatismo apresenta alguns significados diferentes que embora parecidos têm algumas especificidades Por um lado referese aos sintomas psicomotores automáticos movimentos de lábios língua e deglutição abotoardesabotoar a roupa deambular a esmo etc associados a crises epilépticas geralmente do tipo parcial complexa Por outro lado há o termo automatismo desenvolvido principalmente pelo psicólogo e psicopatólogo francês Pierre Janet 18591947 em sua tese Lautomatisme psychologique essai de psychologique expérimentale sur les formes inférieures de lactivité humaine de 1889 para quem o automatismo representa o surgimento de pensamentos representações lembranças e comportamentos apenas muito precariamente controlados pela atenção voluntária e pelos desejos conscientes do indivíduo As forças voluntárias do comportamento decaem deixando eclodir elementos psíquicos primitivos espontâneos automáticos Outra acepção de automatismo próxima à de Janet foi feita pelo psiquiatra e psicopatólogo francês Gaëtan Gatian de Clérambault 18721934 referindose a fenômenos psíquicos sentidos pelo paciente mas não reconhecidos por ele como provindos de sua personalidade por atribuílos a uma ação externa O paciente se sente conduzido por forças e influências externas De modo geral os automatismos são decorrentes de estreitamento do campo da consciência Clérambault 19201995 ALTERAÇÕES DA PSICOMOTRICIDADE Assim como o ato motor é o componente final do ato volitivo as alterações da psicomotricidade frequentemente são a expressão final de alterações da volição Dessa forma optouse neste livro por abordar as alterações da psicomotricidade assim como as de uma série de sinais motores neuropsiquiátricos no mesmo capítulo que trata das alterações da vontade Entre todas as alterações da psicomotricidade a agitação psicomotora é uma das mais comuns Implica a aceleração e a exaltação de toda a atividade motora do indivíduo em geral secundárias a taquipsiquismo aceleração de todos os processos mentais acentuado Comumente se associa à hostilidade e à heteroagressividade A agitação psicomotora é um sinal psicopatológico muito frequente e relativamente inespecífico sendo vista todos os dias nos serviços de emergência e de internação psiquiátrica Está associada a quadros maníacos episódios esquizofrênicos agudos quadros psicoorgânicos agudos por intoxicação com substâncias síndromes de abstinência traumas craniencefálicos encefalopatias metabólicas etc e quadros paranoides em pessoas com deficiência intelectual e em indivíduos com demências Por sua vez a lentificação psicomotora reflete a lentificação de toda a atividade psíquica bradipsiquismo Toda a movimentação voluntária tornase lenta difícil pesada podendo haver período de latência entre uma solicitação ambiental e a resposta motora do paciente O que se denomina classicamente em psicopatologia de inibição psicomotora é um estado acentuado e profundo de lentificação psicomotora com ausência de respostas motoras adequadas sem que haja paralisias ou déficit motor primário Estupor e catatonia Há ao longo da história da medicina e da psicopatologia sobretudo nos últimos 200 anos uma grande confusão terminológica relacionada aos conceitos de estupor e catatonia que são muitas vezes utilizados como sinônimos às vezes o estupor engloba a catatonia e outras vezes ocorre o contrário Berrios 1981 A seguir é apresentada a diferença entre esses dois conceitos considerando os sistemas diagnósticos atuais Estupor O estupor é a perda de toda a atividade psicomotora espontânea atingindo o indivíduo de modo global na vigência de um nível de consciência aparentemente preservado e de capacidade sensóriomotora para reagir ao ambiente O estupor costuma envolver toda a atividade voluntária incluindo a comunicação verbal e não verbal a mímica o olhar a gesticulação e a marcha Em geral o indivíduo em estupor fica restrito ao leito acordado porém sem reagir de modo algum ao ambiente Suas reações ficam como se ele estivesse congelado correspondendo aos estados de freezing e imobilidade tônica descritos a seguir O indivíduo chega a urinar e defecar no leito não se alimenta voluntariamente e se lá deixado fatalmente irá falecer Distinguemse quanto ao tônus muscular presente no quadro de estupor o subtipo hipertônico com rigidez muscular que é a forma mais frequente o normotônico sem alteração do tônus e o hipotônico ou flácido mais raro e geralmente associado a transtornos psicoorgânicos graves Catatonia revisão em Gazdag et al 2017 Descrita pelo psicopatólogo alemão Karl Kahlbaum 18281899 em 1874 entendese por catatonia atualmente segundo os critérios do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais DSM5 e da Classificação internacional de doenças CID11 os sintomas de estupor em conjunto com uma série de outros sintomas sobretudo psicomotores são necessários segundo o DSM5 três sintomas para o diagnóstico de catatonia São eles catalepsia flexibilidade cerácea postura espontânea e ativa contrária à gravidade mutismo negativismo maneirismo estereotipias agitação caretas ecolalia e ecopraxia A CID11 que inclui a catatonia como transtorno passível de ser diagnosticado de forma autônoma valoriza a lentificação ou ausência de resposta psicomotora o mutismo as posturas rígidas bizarras da flexibilidade cerácea e o negativismo Na catalepsia há grande redução da mobilidade passiva dos vários segmentos corporais geralmente com aumento do tônus muscular e postural Assim nessa condição há frequentemente hipertonia muscular global mais de tipo plástico hipertonia do tipo rigidez do que elástico ou espástico O indivíduo está enrijecido parecendo uma estátua e oferece resistência à movimentação passiva ao longo de toda a tentativa p ex de fletir e desfletir o braço do paciente De modo geral tratase de uma hipertonia distinta das hipertonias elásticas ou espásticas hipertonia do tipo espasticidade Na hipertonia elástica há resistência à movimentação passiva p ex do braço no início do movimento após certo esforço a resistência cede como na abertura de um canivete por isso chamado sinal do canivete Depois o braço volta progressivamente para a posição inicial Tal hipertonia elástica ocorre nas síndromes que comprometem os neurônios córticoretículo bulboespinais como por exemplo nas síndromes piramidais após acidente vascular cerebral Assim devese lembrar que na catalepsia e também na catatonia não há aumento assimétrico dos reflexos tendinosos e não se encontra o sinal de Babinski reflexo plantar patológico quando há a extensão do hálux ou primeiro dedo do pé e abertura em leque dos outros dedos Na flexibilidade cerácea descrita por Carl Wernicke também chamada de posturas congeladas ou rigidez em cano de chumbo o indivíduo ou uma parte de seu corpo braço perna cabeça é colocado pelo examinador em determinada posição incluindo posições desconfortáveis contra a gravidade e assim permanece como se fosse um boneco de cera moldável por outra pessoa Alguns autores equivocadamente colocam a flexibilidade cerácea como parte da catalepsia ou usam os dois conceitos como sinônimos há ainda quem erradamente use catalepsia como sinônimo de catatonia Mutismo no item negativismo ecolalia e ecopraxia no item fenômenos em eco já foram vistos anteriormente neste capítulo Não se deve confundir a catalepsia com a cataplexia que é a perda abrupta do tônus muscular geralmente acompanhada de queda ao chão Está presente na narcolepsia crises recorrentes de sono tipo REM no indivíduo desperto A catatonia é considerada atualmente uma síndrome ou entidade presente em vários transtornos mentais e condições neurológicas e médicas gerais Nesse sentido ela é encontrada além de na esquizofrenia no transtorno depressivo grave no transtorno bipolar no transtorno esquizoafetivo no transtorno psicótico breve em quadros psicogênicos agudos catatonia ou estupor psicogênico histérico ou dissociativo e em encefalopatias em geral infecciosas autoimunes traumáticas metabólicas paraneoplásicas etc Fink et al 2010 Nessa síndrome o paciente tem os movimentos voluntários muito diminuídos imobilidade mas pisca os olhos e não raro consegue deglutir alimentos Geralmente a musculatura está hipertônica mas pode estar normal e há sinais indiretos de que o indivíduo é capaz de responsividade Ele por exemplo pode resistir ativamente à elevação das pálpebras e às vezes à tentativa de colocar o braço em determinada posição mas quando coloca pode apresentar flexibilidade cerácea Kasper 2017 Estimase que cerca de 10 dos pacientes adultos admitidos em serviços psiquiátricos de internação apresentem catatonia Tratase de uma condição grave que deve ser identificada e tratada prontamente pois representa grave risco à vida Sienaert et al 2014 Em Ontário no Canadá em 220 pacientes internados com diagnóstico de catatonia Sean A Rasmussen e colaboradores 2016 encontraram 97 com imobilidade ou estupor 97 com mutismo 91 com recusa a se alimentar e a ter contato com pessoas 87 com olhar fixo parado 67 com negativismo 58 com posturas bizarras 27 com flexibilidade cerácea 24 com estereotipias e 14 com ecolalia Muitos pacientes relatam que sentiram ansiedade extrema antes e durante a catatonia Alguns durante o período de catatonia acreditavam que iriam morrer ou que já haviam morrido Pacientes psicóticos não raramente relatam ter ouvido vozes e ter tido pensamentos delirantes ou ainda ter sentido necessidade de permanecer imóvel durante o episódio de catatonia Rasmussen et al 2016 Sintomas de catatonia são também observados em adolescentes com autismo Cerca de 17 dos adolescentes com o transtorno em revisão de Lorna Wing e Amitta Shah 2006 em um centro inglês de referência para o diagnóstico de autismo apresentaram sintomas catatônicos Esses jovens apresentaram com frequência lentificação psicomotora dificuldades em iniciar movimentos marcha e posturas bizarras e imobilidade freezing Por fim devese lembrar que a catatonia pode se confundir ou se sobrepor a duas síndromes que embora raras são potencialmente muito graves a síndrome neuroléptica maligna SNM causada pelos antipsicóticos sobretudo aqueles de primeira geração e a síndrome serotonérgica SS causada pelo uso de antidepressivos serotonérgicos Elas podem surgir em horas e evoluir em dias ou semanas Na SNM há geralmente no início tremores eou cãibras depois surgem rigidez muscular muitas vezes intensa febre temperatura acima de 38ºC sudorese intensa instabilidade do sistema nervoso autonômico com taquicardia ou bradicardia hipertensão ou hipotensão arterial e rebaixamento do nível de consciência Os exames laboratoriais revelam aumento dos glóbulos brancos e do nível sérico da proteína creatinofosfoquinase CPK por rabdomiólise lesão dos músculos esqueléticos Strawn et al 2007 Na SS pode haver sintomas muito semelhantes aos da SNM Perry Wilborn 2012 A apresentação clínica pode ir de sintomas leves de inquietação e tremores podendo haver diarreia sudorese hiperatividade autonômica mioclonias hiperreflexia clônus ocular e ataxia a estado tóxico grave com crises epilépticas tônicoclônicas febre acima de 40ºC coma e morte Birmes et al 2003 Os exames laboratoriais mostram padrão relativamente semelhante ao da SNM e o eletrencefalograma EEG pode revelar na SS atividade lentificada ondas delta espículas e ondas poliespículas e ondas e ondas trifásicas padrão possivelmente distinto da SNM Krishnamoorthy et al 2016 Cascata de defesa freezing e reações de imobilidade revisão em Kozlowska et al 2015 Um modo de abordar e compreender o estupor e a catatonia é relacionálos a certos fenômenos observados e estudados tanto em animais como em humanos A evolução filogenética produziu nos animais sobretudo nos mamíferos incluindo os seres humanos um sistema de comportamentos e reações defensivas perante situações de grande perigo denominado cascata de defesa defense cascade Essa cascata é deflagrada dependendo do grau de perigo e ameaça do tipo e distância física do predadoragressor e da presavítima O construto cascata de defesa tem sido vastamente utilizado em pesquisas com animais de laboratório e na natureza e mais recentemente em humanos Bracha 2004 De modo geral diante de uma situação de perigo importante nos animais estado chamado iminência predatória ou predatory imminence o organismo responde inicialmente com reação de alerta arousal Logo depois pode ser ativada uma reação de fuga ou luta flight or fight de Cannon que se expressa pela ativação do sistema nervoso autônomo simpático liberação de adrenalina taquicardia dilatação dos brônquios vasoconstrição cutânea etc Se essa reação não for suficiente ou falhar um terceiro passo pode ocorrer uma reação de imobilidade atenta freezing Alguns autores invertem colocando o freezing antes da fuga ou luta De qualquer forma o freezing pode ocorrer ainda como um estado de preparação para luta ou fuga Podem se seguir depois do freezing imobilidade tônica imobilidade colapsada collapsed immobility eou imobilidade quiescente quiescent immobility A imobilidade tônica é resposta a ameaça inescapável representando uma estratégia de tábua de salvação ou de último recurso quando as respostas de fuga ou luta tiverem falhado totalmente A imobilidade colapsada é uma variante da imobilidade tônica Nela perdese o tônus muscular há queda ao chão e o nível de consciência é rebaixado devido a hipoxia cerebral por bradicardia Por fim pode também ocorrer a imobilidade quiescente que é um estado de imobilidade para repouso e recuperação quando o organismo volta para uma situação segura A cascata de defesa é concebida como um fenômeno emocionalvolitivo básico de padrões de respostas neurocomportamentais sensoriais motoras e autonômicas coordenadas e automáticas para responder a perigo A via neuronal comum nesse padrão é a ativação ou inibição de componentes funcionais específicos principalmente do córtex límbico da amígdala do hipotálamo e da substância cinzenta periaquedutal mas pode também incluir o tegmento pontino ventral a parte dorsal do bulbo os núcleos simpáticos e vagais do sistema nervoso autonômico e a medula espinal Na defesa ao ataque é vantajoso ao organismo não sentir dor assim uma analgesia não opioide acompanha a resposta ativa de fuga ou luta e uma analgesia opioide acompanha as respostas passivas de freezing imobilidade tônica imobilidade colapsada ou imobilidade quiescente Na prática clínica essa cascata de defesa sobretudo o freezing e o estado de imobilidade tônica possivelmente se relacionam a condições psicopatológicas distintas como a catatonia Moskowitz 2004 o estupor depressivo dissociativo eou psicogênico o transtorno de estresse póstraumático TEPT e de modo geral a reações a traumas e estresses intensos O Quadro 197 apresenta a cascata de defesa e as respectivas mudanças corporais e vias neuronais Quadro 197 Cascata de defesa nos mamíferos e nos humanos FASES DA CASCATA DE DEFESA MUDANÇAS E REAÇÕES CORPORAIS Reação de alerta arousal É a preparação inicial do corpo para uma ação de fuga ou luta A atenção se intensifica todos os músculos lisos e estriados aumentam de tônus Os ritmos cardíaco e respiratório aceleram a postura se estabiliza Iniciase a ativação do sistema nervoso autônomo simpático Reação de fuga ou luta É mediada pela substância cinzenta periaquedutal SCPA que ativa padrões básicos e estereotipados de fuga ou luta como atacar correr pisar firme Ocorre ativação do sistema simpático com aceleração das frequências cardíaca e respiratória e aumento de perfusão nos músculos no coração e no cérebro Há também uma analgesia geral não opioide Ocorre fuga mais frequente em mamíferos ou luta Freezing ou imobilidade atenta bem estudado em roedores e primatas apresentando variações entre espécies Freezing é deixar pronta engatilhada uma resposta de fuga ou luta Em animais na natureza pode durar de segundos até 60 minutos O freezing possibilita ao organismo continuar observando scanning o ambiente e o prepara para uma resposta ativa do tipo fuga ou luta Há ativação da SCPA ventrolateral pelo núcleo central da amígdala impondo a imobilidade e cancelando qualquer movimento do organismo com exceção das vocalizações Entretanto via hipotálamo o tônus muscular é mantido Em humanos o freezing é transitório com duração de apenas alguns segundos e envolve atenção aumentada dirigida a pistas de perigo corpo tenso e rígido posicionamento para ação A experiência é processada conscientemente e tem representação subjetiva Imobilidade tônica resposta filogenética antiga de insetos crustáceos peixes anfíbios répteis aves mamíferos inclusive primatas e humanos Esse padrão de reação é geralmente uma última defesa utilizada quando a fuga ou luta fracassaram assim como o freezing e o organismo está pego rendido ou assim se sente pelo agressorpredador Sua função biológica parece ser desativar reflexos de ataques mortais do agressorpredador ou desencorajálo a consumir a carne de animal morto é portanto espécie de fingir de morto Entretanto em algumas espécies pode ser uma primeira defesa A imobilidade tônica parece ser desencadeada quando os estímulos sensoriais alcançam um certo limiar muito alto A imobilidade cerácea ficar parado na posição em que se é colocado é mediada pela SCPA Há bradicardia arritmias cardíacas diminuição da temperatura e do ritmo respiratório e defecação Junto com o freezing a imobilidade tônica foi sugerida como modelo de quadros psicopatológicos em humanos como o estado catatônico na esquizofrenia os quadros de estupor depressivo psicogênico ou dissociativo e estados mentais associados ao transtorno de estresse póstraumático ou a outras situações de trauma e ameaça intensa Imobilidade colapsada primeira defesa em coelhos gambás beijaflores lagartos Parece ser uma variante da imobilidade tônica pois as mesmas redes neurais participam desses dois tipos de imobilidade Aqui há perda do tônus muscular com queda do organismo ao chão Há também bradicardia mas devido à redução do fluxo sanguíneo cerebral pode haver rebaixamento ou perda da consciência Há variações individuais entre as pessoas na sensibilidade à queda do oxigênio cerebral o que pode determinar se o indivíduo irá responder com freezing imobilidade tônica ou imobilidade colapsada Imobilidade quiescente Essa é uma reação à dor profunda e inescapável ou a lesões graves por lutas com predadores ou organismos da mesma espécie Corresponde à tentativa de recuperação de estados de grande exaustão estresses intensos quando o organismo retorna a um ambiente protegido e a recuperação após as lesões e os estresses se faz necessária Parece ser também uma variante neurofuncional de ativações de circuitos relacionados à SCPA Desamparo aprendido Maier Seligman 2016 Diferentemente do apresentado sobre a cascata de defesa o freezing e as reações de imobilidade o construto desamparo aprendido DA learned helplessness foi concebido por Seligman Maier 1967 há 50 anos como um fenômeno totalmente aprendido não inato O DA é a falência em escapar do choque ou estresse produzido por eventos aversivos não controláveis Ele surge no campo de estudos da psicologia pavloviana foi amplamente desenvolvido pela análise experimental do comportamento behaviorismo e hoje é muito utilizado nas neurociências cognitivas O DA se refere a uma diminuição generalizada de respostas do sujeito ou do organismo cujo comportamento ao longo de sua história de vida controla muito pouco ou nada a frequência de estímulos aversivos em seu ambiente Por exemplo uma criança com pais abusivos que punem indiscriminadamente seus comportamentos experimenta condições contingências nas quais ela não controla seu ambiente Tal ambiente se revela aversivo fonte de sofrimento independentemente da forma como a criança se comporta nada que ela faça importa ou faz diferença Por sua vez outra criança que vive em um ambiente também muito difícil mas cujos comportamentos produzem efeitos em seu ambiente em sua vida terá mais possibilidades de aprender novas estratégias de criar novos repertórios para lidar com situações aversivas É muito frequente que crianças com tal história de DA tenham dificuldades volitivas e emocionais importantes as quais podem persistir também na adolescência e na adultez pois podem se tornar marcadamente apáticas e hipobúlicas em relação a todas as situações novas que enfrentam Assim o DA pode estar relacionado a muitas condições psicopatológicas em que a volição está centralmente prejudicada O modelo da DA tem sido muito usado na compreensão de quadros afetivos como a depressão e o TEPT Hammack et al 2012 Entretanto mais recentemente os criadores do construto concluíram que uma parte do DA não é aprendida mas corresponde a padrões inatos de resposta análogos aos de fuga ou luta freezing e imobilidade tônica Estereotipias motoras e maneirismos As estereotipias motoras são repetições automáticas e uniformes de determinado ato motor complexo indicando geralmente marcante perda do controle voluntário sobre a esfera motora Por exemplo o paciente repete o mesmo gesto com as mãos dezenas ou centenas de vezes em um mesmo dia Observamse as estereotipias motoras na esquizofrenia sobretudo nas formas crônicas e catatônicas assim como na deficiência intelectual Já o maneirismo é um tipo de estereotipia motora caracterizado por movimentos bizarros e repetitivos geralmente complexos que parecem buscar certo objetivo mesmo que esdrúxulo Tratase de alteração do comportamento expressivo mímica gestos linguagem em que a harmonia normal do conjunto de gestos do indivíduo é substituída por posturas e movimentos estranhos exagerados afetados ou bizarros Por exemplo o paciente pega a colher de modo muito próprio e realiza gestos bizarros para levar o alimento à boca Ao falar com o enfermeiro gesticula faz caretas encolhe os ombros de modo peculiar faz rodopios com as mãos e movimenta a cabeça de forma afetada Os maneirismos podem ocorrer em especial na esquizofrenia predominantemente com sintomas catatônicos em formas graves de histeria e na deficiência intelectual Tiques múltiplos motores eou vocais Do ponto de vista motor os tiques são atos coordenados repetitivos resultantes de contrações súbitas breves e intermitentes envolvendo geralmente um grupo de músculos que atua em suas relações sinérgicas normais Acentuamse muito com a ansiedade Os tiques geralmente são reflexos condicionados os quais surgiram associados a determinados estímulos emocionais ou físicos mantendo se de forma estereotipada como um movimento involuntário Podem ocorrer em indivíduos sem qualquer outra alteração mental e entre crianças ansiosas submetidas a estresse Tiques múltiplos motores eou vocais podem indicar a presença do transtorno de Tourette Os tiques ocorrem com mais frequência em crianças do que em adultos Haerer 1992 No transtorno de Tourette pode haver também a coprolalia falar abruptamente de forma involuntária palavrões ou termos relacionados aos excrementos e a copropraxia fazer gestos abruptos e involuntários sinalizando palavrões agressões ofensas Conversão Na conversão há o surgimento mais ou menos abrupto de sintomas físicos paralisias anestesias parestesias cegueira etc de origem psicogênica A conversão motora paralisias contraturas conversivas ataxias psicogênicas etc ocorre geralmente em situação estressante de ameaça ou conflito intrapsíquico ou interpessoal significativo para o indivíduo Harvey et al 2006 Por exemplo após discussão violenta com uma pessoa significativa um rapaz passa a apresentarse paraplégico paralisia das pernas não conseguindo mais andar ou uma moça após descobrir a infidelidade de seu parceiro passa abruptamente a apresentar hemiplegia à direita paralisia do hemicorpo direito de base psicogênica Segundo a teoria psicanalítica a conversão expressa a representação simbólica de um conflito psíquico em termos de manifestações motoras ou sensoriais A conversão ocorre sobretudo na histeria e em pessoas com tendência a viver no corpo seus conflitos interpessoais e mentais ALTERAÇÕES DA MARCHA Apesar de as alterações da marcha representarem fenômenos geralmente relacionados a doenças e síndromes neurológicas há também algumas alterações da marcha em pessoas com transtornos mentais geralmente graves A marcha de alguns pacientes com transtornos dissociativos e conversivos descritos no passado como histeria é descrita como irregular mutável bizarra podendo ter elementos de ataxia espasticidade e outras alterações mas raramente revela um padrão preciso e estável de determinada marcha neurológica Quadro 198 Quadro 198 Principais padrões de marchas neurológicas Marcha espástica O paciente caminha traçando com o membro inferior comprometido um semicírculo daí o termo marcha ceifante Nas paraplegias espásticas de origem medular o indivíduo caminha com grande dificuldade com passos curtos arrastando os pés pelo chão Marcha atáxica das síndromes cordonais ataxia sensitiva O paciente sem as informações proprioceptivas das sensibilidades profundas caminha inseguro tendo que olhar para o chão para tentar regularizar por meio de informação visual os movimentos descoordenados dos membros inferiores a marcha piora muito ou é impossível com os olhos fechados Os passos são desordenados a marcha é insegura e as pernas estão afastadas uma da outra O indivíduo projeta as pernas com energia sobre o solo tocandoo com o calcanhar marcha talonante Marcha atáxica das síndromes cerebelares O paciente necessita ampliar a base de sustentação para permanecer de pé O andar é bastante vacilante com a base de sustentação alargada e tendência à queda em qualquer direção Ao solicitar ao paciente que ande em linha reta ele apresenta desvios como se estivesse embriagado marcha do tipo ebrioso Marcha das lesões vestibulares A marcha é insegura o paciente apresenta desvio ou queda na direção do lado lesionado Marcha das polineuropatias periféricas álcool arsênico Tratase de marcha acompanhada de hiperestesia dolorosa nas plantas dos pés O paciente caminha com pequenos passos evitando apoiar todo o peso do corpo sobre os pés caminha como se andasse sobre areias muito quentes escaldantes Marcha das afecções extrapiramidais p ex doença de Parkinson Observase uma marcha em bloco como se o paciente fosse uma peça única Os passos são curtos e a marcha vagarosa Às vezes o indivíduo se detém quando encontra um obstáculo irrisório ou quando há mudança na cor ou no tipo de piso Marcha dos quadros pseudobulbares Tratase de uma marcha de pequenos passos o paciente arrasta os pés e caminha com passos curtos e irregulares Marcha das miopatias Há devido à atrofia da musculatura da cintura pélvica amplo afastamento das pernas lordose exagerada e movimentos oscilatórios dos quadris marcha anserina por se assemelhar ao andar de um pato É uma marcha que lembra aquela de mulheres gestantes quando há mudança do eixo da coluna vertebral com acentuação da lordose lombar Em alguns casos de transtornos dissociativos e conversivos histeria pode haver movimentos supérfluos e balancear exagerado de um lado para outro arremessos das pernas e tremores das extremidades Temse a impressão de que o paciente está prestes a cair mas ele raramente cai a não ser na presença de outros Quando cai em geral não se machuca gravemente O exame neurológico para tônus força muscular coordenação motora e reflexos estes principalmente nesses casos é normal Alguns pacientes com histeria apresentam camptocormia que é o caminhar com o tronco fletido para a frente Na chamada hemiplegia histérica o indivíduo em geral arrasta o pé paralisado sobre o solo diferentemente da marcha ceifante da hemiplegia orgânica que revela de fato uma paralisia espástica do membro afetado Os termos astasia e abasia foram muito utilizados no passado no contexto dos transtornos histéricos da marcha ou mesmo em epidemias de alterações psicogênicas da marcha e da postura A abasia é a impossibilidade ou dificuldade para a marcha e a astasia a impossibilidade de ficar de pé quando não há razão orgânica para isso Apresenta então astasiaabasia aquele paciente em geral com histeria ou quadros conversivos graves que revela total ou parcial incapacidade de levantarse e andar apesar de não apresentar qualquer paralisia ou ataxia de origem orgânica A marcha de alguns pacientes com esquizofrenia é marcadamente bizarra com maneirismos e estereotipias motoras variadas Quando estão usando neurolépticos tradicionais alguns indivíduos psicóticos apresentam como efeitos colaterais dessas medicações distonias de tronco ou membros revelando marcha bizarra pelo componente distônico de sua postura Alguns pacientes gravemente deprimidos apresentam marcha lentificada e difícil O padrão da marcha de indivíduos com transtorno mental grave deve ser comparado a título de diagnóstico diferencial com os principais padrões de marchas alteradas das doenças neurológicas apresentados no Quadro 198 OUTRAS ALTERAÇÕES PSICOPATOLÓGICAS DA PSICOMOTRICIDADE Na hiperventilação psicogênica a respiração se acelera fica quase imperceptível e é marcada por suspiros não obstrutivos Ocorre associada a ansiedade ou situação estressante Observase esse problema naqueles com transtorno de pânico em pacientes histéricos e de modo geral em indivíduos muito ansiosos Pode produzir alcalose respiratória Bassitt 1998 Hipopragmatismo é a dificuldade ou incapacidade de realizar condutas volitivas e psicomotoras minimamente complexas como cuidar da higiene pessoal limpar o quarto participar de trabalhos domésticos envolverse em qualquer tipo de atividade produtiva para si ou para seu meio Essa condição resulta de alteração básica das esferas volitivas e afetivas está geralmente associado a hipobulia apatia e desorganização psíquica geral Não deve ser confundida com a apraxia perda da atividade gestual complexa devido a lesão neuronal ver conceito a seguir O hipopragmatismo é uma alteração frequente em pacientes psicóticos crônicos sobretudo na esquizofrenia e representa um desafio à reabilitação psicossocial pois é sintoma importante que tem impacto central na vida diária do paciente e de seus familiares Apraxias revisão em Park 2017 Por praxia entendese a capacidade de realizar atos movimentos e gestos habilidosos eou aprendidos Podese então descrever as apraxias como impossibilidade ou dificuldade em realizar atos intencionais gestos complexos voluntários conscientes sem que haja paralisias paresias ou ataxias e sem que faltem também o entendimento da solicitação para fazêlo ou a decisão de fazêlo Além disso a incapacidade de realizar o ato motor complexo deve ocorrer na ausência de perturbações da inteligência e capacidade de compreensão reconhecimento e manipulação instrumental dos objetos agnosias e afasias A apraxia decorre sempre de lesões neuronais geralmente corticais A apraxia ideativa ou ideacional é a incapacidade de usar objetos comuns de forma adequada ou de realizar movimentos sequenciais apesar de se conservar a capacidade para executar as ações individuais que fazem parte da sequência de movimentos em questão O paciente revela incapacidade de conceitualizar uma tarefa apesar de identificar corretamente as ferramentas Tem nas mãos uma escova de dentes sabe identificála nomeála mas é incapaz de demonstrar como é utilizada na escovação O examinador identifica que o paciente não consegue realizar corretamente uma sequência de atos requeridos para um tipo específico de atividade A apraxia ideativa ocorre por lesões no hemisfério esquerdo abarcando as áreas prémotoras préfrontais mediotemporais e parietais A apraxia ideomotora é a incapacidade de completar um ato de forma voluntária em resposta a uma solicitação verbal Entretanto o indivíduo tem conhecimento do que é o ato ou gesto p ex sabe descrever o que é escovar os cabelos e consegue realizálo de modo espontâneo Essa apraxia ocorre com mais frequência após acidentes vasculares cerebrais e condições neurodegenerativas como nas demências As apraxias ideomotoras são resultantes de lesões no hemisfério esquerdo Nesse hemisfério a lesão se localiza geralmente no córtex prémotor no córtex motor suplementar no lobo parietal inferior ou no corpo caloso A apraxia de movimento de membros limbkinetic apraxia é outro tipo de apraxia que revela a perda de habilidade para realizar movimentos distais precisos independentes mas coordenados dos dedos e das mãos por exemplo gestos requeridos para atos motores finos como abotoar uma camisa ou rodar uma moeda que podem ser utilizados como teste de apraxia e coordenação motora fina Esse tipo de ação ocorre por exemplo ativando regiões do cérebro relacionadas ao agarrar pegar com os dedos com movimentos de pinça regiões que envolvem o córtex prémotor porção ventral contralateral De toda forma as redes neurais parietoprémotorfrontal e frontoparietonúcleos da base estão envolvidas na execução dos atos e gestos perdidos nas apraxias Gross Grossman 2008 A apraxia construcional é a incapacidade de construir figuras geométricas montar quebracabeças ou desenhar um cubo ou outras figuras geométricas Uma forma de classificar as apraxias é correlacionálas a tarefas específicas como vestirse sentarse abrir os olhos andar etc Assim a apraxia de vestir se é a perda da capacidade de vestirse mantendose as capacidades motoras simples e a cognição global Tanto a apraxia construcional como a de vestimenta resultam geralmente de lesões no hemisfério direito A apraxia da marcha é a incapacidade de iniciar espontaneamente o movimento e organizar a atividade gestual da marcha ocorrendo com frequência a marcha em pequenos passos petit pas Essa condição resulta de lesões dos lobos frontais lesões subcorticais e alterações associadas à hidrocefalia de pressão normal O Quadro 199 apresenta com fins didáticos os diversos tipos de apraxias de acordo com as áreas lesadas Quadro 199 Tipos de apraxias de acordo com o hemisfério cerebral lesado 1 2 Lesão no hemisfério esquerdo Apraxia ideativa Apraxia ideomotora Lesão no hemisfério direito Apraxia construcional Apraxia de vestimenta O Quadro 1910 apresenta sugestões de procedimentos para a avaliação das apraxias Quadro 1910 Semiotécnica resumida da apraxia As apraxias são avaliadas solicitandose ao paciente comandos simples como feche os olhos ou lamba seus lábios Pedese ao indivíduo que realize com a mão direita e depois com a esquerda ações como fazer de conta que irá pentear os cabelos escovar os dentes cortar as unhas É possível também pesquisar o uso de objetos solicitandose ao paciente que imite o ato de acender um fósforo ou usar o telefone Solicitase ao indivíduo que desenhe um cubo e que tire e vista novamente sua camisa e seus sapatos Avaliase e descrevese cuidadosamente seu desempenho nessas tarefas ALTERAÇÕES MOTORAS RELACIONADAS AO USO DE PSICOFÁRMACOS E A DOENÇAS NEUROLÓGICAS No diagnóstico diferencial das alterações psicomotoras próprias dos transtornos mentais psicopatológicos devemse considerar dois grandes grupos de alterações motoras e psicomotoras as decorrentes do uso de psicofármacos e as resultantes de doenças neurológicas Alterações motoras decorrentes do uso de psicofármacos Os psicofármacos principalmente os neurolépticos de primeira geração haloperidol zuclopentixol pimozida clorpromazina etc utilizados no tratamento das psicoses produzem com frequência alterações no tônus muscular na postura e na movimentação voluntária e involuntária Além dos neurolépticos eventualmente outros fármacos podem também produzir essas alterações mas isso ocorre de forma bem mais rara O Quadro 1911 apresenta um resumo das alterações produzidas pelos neurolépticos Quadro 1911 Alterações motoras associadas ao uso de psicofármacos principalmente neurolépticos EFEITO COLATERAL MOTOR DESCRIÇÃO Parkinsonismo medicamentoso impregnação neuroléptica Rigidez hipocinesia redução dos movimentos tremores de repouso e postural dificuldade de deglutição com consequente acúmulo de saliva na boca sinal da roda denteada ao abrir os braços fletidos dos pacientes notase que eles se abrem mas como fossem uma roda denteada com pequenos solavancos Distonia aguda Contrações musculares sustentadas e geralmente dolorosas ou muito incômodas Manifestase como posturas distorcidas de membros e tronco crise oculógira ou torcicolo opistótono protusão da língua deslocamento lateral da mandíbula ou espasmo laríngeo Acatisia Inquietação motora necessidade de andar de um lado para outro incapacidade de manter posições em geral acompanhada de movimentos de cruzar as pernas bater os pés no chão repetidamente balançar o tronco quando sentado e andar no lugar quando de pé Há forte sensação subjetiva de desconforto inquietação e ansiedade Discinesia tardia Consequente ao uso prolongado de neurolépticos expressandose com movimentos bucolinguomastigatórios e movimentos coreoatetoicos de membros e tronco São característicos os movimentos da região oral do tipo mastigar beijar e franzir Deve ter havido uso de neurolépticos por pelo menos três meses Síndrome do coelho Tratase de tremor fino e rápido 5 Hz que envolve os lábios e eventualmente a língua Distonia tardia e acatisia tardia Quadro clínico semelhante ao da distonia e da acatisia agudas mas decorrente do uso prolongado de neurolépticos e geralmente persistente por longo período após a retirada do medicamento Tourette tardio Quadro semelhante ao do transtorno de Tourette mas decorrente do uso prolongado de neurolépticos Ocorrem tiques motores múltiplos e complexos tiques vocais e mais raramente coprolalia Fonte Haeres 1992 Bassitt 1998 Alterações motoras e movimentos involuntários decorrentes de doenças e condições neurológicas Muitas alterações motoras e movimentos involuntários ocorrem em doenças e condições neurológicas Consequentemente são descritos pela semiologia neurológica diversos movimentos involuntários decorrentes de lesões neuronais Não se trata de apresentálos aqui de forma completa O Quadro 1912 apresenta um panorama breve de tais alterações Quadro 1912 Movimentos involuntários decorrentes de doenças neurológicas MOVIMENTO INVOLUNTÁRIO DESCRIÇÃO Tremores Série de movimentos involuntários rítmicos 320 Hz regulares oscilatórios sem finalidade Tremor de repouso ou estático ocorre nas síndromes parkinsonianas tremor postural ou tensional nos quadros de ansiedade também nas síndromes parkinsonianas e tremor cinético ou intencional nos quadros cerebelares e espinocerebelares Causas comuns de tremores são estado de ansiedade síndromes parkinsonianas alcoolismo hipertireoidismo níveis tóxicos de lítio e síndromes cerebelares Tiques Atos repetitivos involuntários resultantes de contrações súbitas breves e intermitentes envolvendo um grupo de músculos que atuam em suas relações sinérgicas normais São acentuados com ansiedade e tensão Mioclonias Contrações abruptas breves rápidas arrítmicas assinérgicas e involuntárias envolvendo porções de músculos ou músculos inteiros ou grupos de músculos independentemente de suas associações funcionais Mioquimias Movimentos espontâneos transitórios ou persistentes que afetam poucos feixes musculares em um único músculo mas geralmente não são extensivos o suficiente para produzir movimentação de parte do corpo Podem ser fisiológicos ou associados com fadiga ou exaustão Fasciculações e fibrilações Contrações finas e rápidas que implicam um feixe muscular ou um fascículo de fibras musculares Em geral não são contrações extensas o suficiente para causar movimento exceto ocasionalmente nos dedos Estão associadas a amiotrofia geralmente resultante de afecções dos neurônios do corno anterior da medula Coreia Movimentos sem finalidade irregulares bruscos breves e arrítmicos geralmente de grande amplitude e de caráter explosivo Ocorrem em qualquer segmento corporal mas sobretudo nas articulações distais dos membros na face e na língua Em geral há padrão irregular de movimentos multiformes constantemente mutáveis em diferentes partes do corpo Atetose Movimentos lentos ondeantes às vezes serpentiformes irregulares e arrítmicos que se sucedem de forma contínua Ocorrem preferencialmente nas extremidades distais dos membros podendo atingir também o pescoço a região inferior da face e a língua Balismo e hemibalismo Movimentos de grande amplitude ritmados rápidos e abruptos Localizamse de modo predominante nos segmentos proximais dos membros dando a impressão de que o paciente arremessa o membro em várias direções Em geral ocorre como hemibalismo unilateral decorrente de lesão do núcleo subtalâmico de Luys Distonia Contrações musculares lentas e intensas podendo ocorrer torções no tronco no pescoço e na cabeça Às vezes são dolorosas e apresentam aspecto bizarro Espasmos Contratura muscular intensa involuntária implicando geralmente um grupo muscular localizado em determinada região corporal Cãibras Espasmos musculares dolorosos que ocorrem geralmente em resposta a forte contração muscular Costumam ser aliviadas por manobras que produzem o estiramento do músculo acometido Fonte Sanvito 1981 Haeres 1992 Por fim o Quadro 1913 apresenta a avaliação global da volição e da psicomotricidade Quadro 1913 Semiotécnica da volição e da psicomotricidade O paciente comparece à consulta por iniciativa própria ou é trazido por alguém A atitude geral do paciente é passiva ou ativa Colabora com o entrevistador é indiferente ou se opõe a ele Como são seus movimentos espontâneos Seus gestos são lentos e difíceis ou rápidos e fáceis Anda de um lado para outro Esfrega as mãos Mexe as pernas inquietamente Como é sua mímica de repouso O tom da voz é alto baixo ou estridente Fala espontaneamente ou apenas quando solicitado Mostrase hostil contrariado agressivo Parece ter dificuldades em controlar seus impulsos O paciente parece estar pronto a explodir a qualquer momento Faz movimentos inadequados Faz movimentos ou gestos bizarros O paciente parece ter dificuldade em controlar suas emoções Pragmatismo O que você tem feito nos últimos dias e semanas Tem sido capaz de trabalhar ou estudar no último mês O que você tem sido capaz de fazer Tem dificuldade em terminar o que começa O que faz para se divertir Impulsividade Perguntar ao paciente mas sobretudo aos acompanhantes Ele você responde sem pensar Interrompe com frequência os outros Não consegue esperar sua vez Tem pavio curto é explosivo Descreva as explosões Julgamento e sentimento moral Se você encontrasse um envelope endereçado e selado em uma calçada o que faria Se encontrasse uma carteira com dinheiro e com uma carteira de identidade em uma calçada o que faria INSTRUMENTOS PADRONIZADOS DE AVALIAÇÃO DAS ALTERAÇÕES DA VOLIÇÃO Para a avaliação padronizada da impulsividade compulsividade e outros aspectos da volição há muitos instrumentos disponíveis ver Gorenstein et al 2016 O instrumento mais utilizado para avaliar a impulsividade no contexto clínico e na pesquisa é a Escala de Impulsividade de Barratt BIS11 Tratase de instrumento de rápida aplicação 510 minutos e que pode ser autoaplicado Se a pessoa não compreende um item este pode ser explicado pelo examinador De interesse crescente é a avaliação padronizada da dependência de internet O Teste de Dependência da Internet TDI tem duas versões uma com 20 e outra com 8 itens e objetiva avaliar as dimensões da vida que são prejudicadas pelo uso excessivo da rede Há também escalas para tricotilomania compras compulsivas cleptomania comportamento sexual compulsivo e risco de violência ver Gorenstein et al 2016 LLI 8242 7 8 NL 20 O pensamento e suas alterações Eu sou eu existo isso é certo mas por quanto tempo A saber por todo o tempo em que eu penso pois poderia ocorrer que se eu deixasse de pensar eu deixaria ao mesmo tempo de ser ou de existir Agora eu nada admito que não seja necessariamente verdadeiro portanto eu não sou precisamente falando senão uma coisa que pensa Descartes Cabe alertar que este capítulo se sobrepõe e dialoga com os capítulos seguintes sobre o juízo de realidadedelírio e sobre a linguagem e suas alterações O juízo de realidadedelírio embora seja um aspecto do pensamento pela importância do delírio em psicopatologia foi tratado em capítulo próprio A linguagem embora distinta do pensamento muitas vezes é sobreposta a ele ou considerada sua simples e automática expressão Isso não nos parece adequado pois embora pensamento e linguagem se articulem muito intimamente no ser humano há aspetos específicos e autônomos em cada um deles para este debate ver Pinker 2008 Arendt 2017 DEFINIÇÕES BÁSICAS Desde o tempo dos filósofos da Grécia antiga os elementos propriamente intelectivos do pensamento costumam ser divididos em três categorias básicas ou componentes constitutivos do pensamento os conceitos os juízos e o raciocínio Conceitos ver HarkyVallée 2013 Os conceitos se formam a partir das percepções e representações Diferentemente das percepções e em certo sentido também das representações o conceito não apresenta elementos de sensorialidade não sendo possível contemplálo nem imaginálo O conceito é algo puramente cognitivo intelectivo não devendo ter qualquer resquício sensorial Não é possível visualizálo ouvilo ou sentilo Nos conceitos exprimemse as características mais abstratas e gerais dos objetos e dos fenômenos Lalande 1996 Para a formação dos conceitos são necessários dois passos fundamentais Eliminação dos caracteres de sensorialidade Esses caracteres ainda marcam essencialmente as representações Por exemplo quando se representa uma cadeira ela ainda é visualizada mentalmente imaginase uma cadeira preta de madeira bonita ou feia pequena ou grande etc Essa representação de cadeira ainda tem forte aspecto sensorial Quando se conceitualiza cadeira como um objeto de quatro pés móvel utilizado para sentar suprimese a dimensão sensorial no caso aqui visual ficando apenas a dimensão puramente conceitual Generalização Quando por exemplo se pensa em cadeira como conceito tal conceito é válido para qualquer tipo de cadeira seja a usada em casa seja a cadeira de trabalho a cadeira de criança etc Assim o conceito resulta da síntese por abstração e generalização de um número considerável de fenômenos singulares Há um debate na psicologia moderna Gazzaniga Heatherton 2005 sobre se as representações são de fato imagens como fotografias armazenadas na mente humana ou se são representações proposicionais Nessa linha de raciocínio a representação proposicional de uma mesa não seria a imagemfotografia de uma mesa genérica no cérebro mas as proposições quase sempre de natureza linguística associadas à ideia de mesa Assim ao evocar a representação visual de uma cadeira ou mesa carro etc não viria à mente uma massa visual neutra sem sentido utilitário mas um objeto quase sempre com um assento ou tampo plano quatro ou três pés de sustentação de madeira plástico ou ferro ou seja um objeto que é construído culturalmente e que apresenta significado linguístico O conceito pode ser visto como o elemento estrutural básico do pensamento nele se exprimem os caracteres essenciais dos objetos e os fenômenos da natureza e da cultura Como afirma HardyVallée 2013 p 16 o conceito é a unidade primeira do pensamento e do conhecimento só pensamos e conhecemos na medida em que manipulamos conceitos Juízos Como afirma o filósofo e lógico francês Robert Blanché 18981975 um conceito nunca está só Sem falar da rede infinitamente complexa que o liga 1 pouco a pouco ao conjunto de outros conceitos Assim os conceitos se articulam com outros próximos ou distantes estabelecendo relações de conjunção ou de negação Blanché 2012 p 65 A noção de juízo consiste portanto na articulação entre dois ou mais conceitos ou termos Lalande 1996 Formar juízos é o processo que conduz ao estabelecimento de relações significativas entre conceitos Por exemplo ao tomarse o conceito cadeira e o conceito utilidade ou seja qualidade de ser útil podese formular o seguinte juízo a cadeira é útil Tal juízo estabelece determinada relação entre dois ou mais conceitos relação denominada cópula Portanto o juízo tem por função básica formular uma relação unívoca entre um sujeito e um predicado Na dimensão linguística os conceitos se expressam geralmente por palavras e os juízos por frases ou proposições Raciocínio A função que relaciona conceitos e juízos formando uma narrativa ou argumentação recebe a denominação de raciocínio O processo do raciocínio representa o modo especial de ligação entre termos ou conceitos de sequência de juízos de encadeamento de conhecimentos derivando sempre uns dos outros afirmandoos negandoos ou confrontandoos Assim como a ligação entre conceitos permite a formação de juízos a ligação entre juízos conduz à formação de novos juízos Dessa forma o raciocínio e o próprio pensamento se desenvolvem Lalande 1996 PENSAMENTO LÓGICO O que caracteriza o pensamento normal é ser regido pela lógica formal e orientarse segundo a realidade e os princípios de racionalidade da cultura na qual o indivíduo se insere Nós herdeiros das culturas ocidentais tendemos a valorizar a lógica e a racionalidade pois esses são elementos fundamentais ao longo da história das sociedades do Ocidente ver Vietta 2015 Segundo a visão aristotélica os princípios básicos do pensamento lógico formal que orientam o pensamento normal e maduro são Princípio da identidade Também é denominado princípio da não contradição Tratase de princípio relativamente simples e essencial do pensamento lógico o qual afirma que se A é A e B é B logo A não pode 2 3 1 2 3 ser B Princípio da causalidade Esse princípio afirma que se A é causa de B A não pode ser ao mesmo tempo efeito de B ou dito de outra forma se A é causa de B então B não pode ser ao mesmo tempo causa de A Também faz parte do princípio da causalidade a regra segundo a qual sendo as condições mantidas as mesmas causas devem produzir os mesmos efeitos Lei da parte e do todo Esse princípio discrimina rigorosamente a parte do todo se A é parte de B então B não pode ser parte de A Assim se o Brasil é uma parte da América do Sul então a América do Sul não pode ser uma parte do Brasil Esses princípios receberam tratamento crítico e em certa medida foram questionados pelo desenvolvimento da dialética hegeliana De acordo com o filósofo alemão Georg W F Hegel 17701831 as principais leis da dialética que desafiam as limitações da lógica aristotélica são Lei da transformação da quantidade em qualidade Toda afirmação encerra em si mesma o princípio de sua negação Tudo é a um só tempo causa e efeito de si mesmo PENSAMENTO INDUTIVO E DEDUTIVO Em termos de tipos de pensamentos relacionados à aquisição de conhecimentos foram propostos dois outros tipos de pensamento ou métodos de adquirir conhecimentos indutivo e dedutivo Lalande 1996 O pensamento ou método indutivo parte da observação dos fatos elementares da experimentação e da comparação entre fenômenos para chegar a conclusões e concepções mais gerais a hipóteses explicativas e classificações mais amplas O pensamento ou método dedutivo parte de esquemas axiomas definições e teoremas constituídos já bem arquitetados para por meio de demonstrações lógicas assim deduzir a correção do pensamento O método dedutivo prestase mais às ciências matemáticas à lógica formal a conhecimentos teóricos Já o método indutivo é mais utilizado nas ciências empíricas baseadas na investigação de fatos e objetos do mundo real Aqui tem se as ciências naturais p ex física química biologia geologia etc e certos aspectos das ciências humanas p ex sociologia economia demografia ciências políticas antropologia etc PENSAMENTO INTUITIVO Definese intuição ou pensamento intuitivo a apreensão de uma realidade mais ou menos complexa de forma direta e imediata Para o filósofo francês Henri Bergson 18591941 a intuição é uma forma de conhecimento de apreensão direta da realidade vivida oposta ao pensamento positivista que abarca os elementos especializados da realidade Bergson 1984 A intuição visa captar a interioridade das coisas inclusive aquelas dimensões muito difíceis de serem expressas por palavras e pelo pensamento analítico PENSAMENTO CRÍTICO Por fim cabe assinalar a importância para a saúde mental do chamado pensamento crítico Este é um modo de pensar no qual o indivíduo em seu processo pensante está atento às possíveis falhas em seu raciocínio falhas decorrentes de tendências préfixadas vieses sistemáticos e conclusões prematuras Deve haver um esforço nos projetos educacionais para que se desenvolva essa forma de pensar ou seja um pensamento que busque ser amplo e aprofundado aberto a visões de mundo divergentes sistemático no seu proceder analítico e curioso em relação a novas possibilidades Arendt 2017 O pensamento crítico busca um estado de maturidade no qual se admita que há questões e problemas multifacetados complexos que aceite que há questões que comportam mais de duas respostas mais que sim e não e que exigem diferentes níveis e formas de análise e solução Facione et al 2000 PENSAMENTOS ERRÔNEOS E VIESES DE PENSAMENTO EM PESSOAS SEM ALTERAÇÕES PSICOPATOLÓGICAS O tipo e o estilo de pensamento de muitas pessoas da população em geral sem transtornos mentais são apenas precariamente lógicos e coerentes respeitantes da realidade factual Na população sem transtornos mentais vários erros e vieses comuns e sistemáticos têm sido identificados por estudos de psicologia cognitiva e neuropsicologia Zawadzki et al 2012 O viés de confirmação diz respeito à busca ativa e seletiva que um sujeito faz no sentido de confirmar hipóteses ou preconceitos falsas ou sem fundamento e sem observar com cuidado os dados factuais da realidade Há assim uma tendência relativamente comum de muitas pessoas em distorcer de modo inconsciente os dados e as percepções da realidade para confirmar hipóteses previamente formuladas no início de um raciocínio O viés de salto para as conclusões jumping to conclusions se verifica quando conclusões apressadas sem base nas evidências factuais são formuladas com grau de certeza incompatível com tais evidências Tal viés é testado por meio de métodos de pesquisa em psicologia experimental e cognitiva bem estabelecidos p ex o bead task Esse viés foi investigado em 200 pessoas da população geral de Londres sem transtornos mentais ou neurológicos Identificouse que 20 delas apresentavam tal viés Tais indivíduos tinham também mais pensamentos de desconfiança e distorções perceptivas mas não apresentavam transtornos do humor Freeman et al 2008 Assim uma série de crenças preconceituosas sociais ou pessoais é criada e mantida de forma insistente por um número considerável de pessoas Yager Gitlin 1995 Tudo isso torna difícil a diferenciação e delimitação entre pensamento normal e patológico Pelo fato de vieses de pensamento assim como distorções perceptivas serem encontrados na população em geral a noção de abrangência fenotípica das experiências psicóticas tem sido estendida pois na população geral haveria distorções semelhantes a psicose em até 7 das pessoas van Os Reininghaus 2016 O PROCESSO DO PENSAR Outra forma de analisar o pensamento é distinguindo os seguintes aspectos do processo de pensar o curso a forma ou estrutura e o conteúdo ou temática do pensamento O curso do pensamento é o modo como o pensamento flui sua velocidade e seu ritmo ao longo do tempo Já a forma do pensamento é sua estrutura básica sua arquitetura preenchida pelos mais diversos conteúdos e interesses do indivíduo Por sua vez o conteúdo do pensamento pode ser definido como aquilo que lhe dá substância seus temas predominantes o assunto em si Há tantos conteúdos de pensamento quantos são os temas de interesse do ser humano PSICOPATOLOGIA DO PENSAMENTO A tradição psicopatológica registra uma série de tipos alterados de pensamento mais comumente associados a estados mentais patológicos e transtornos mentais Infelizmente os termos e conceitos relacionados à psicopatologia do pensamento revelam um campo semântico às vezes pouco claro que causa dificuldades para os estudantes Ashley Rule 2005 realizou uma pesquisa em tratados de psiquiatria dicionários de terminologia médica e artigos publicados sobre psicopatologia do pensamento em língua inglesa desde 1979 até 2005 a fim de fazer um levantamento dos construtos usados em psicopatologia nessa área Ele identificou 68 termos relacionados a transtornos do pensamento e da linguagem com não raras sobreposições entre os termos e ambiguidades na definição ou no seu uso De toda forma neste capítulo é apresentado um esquema de transtornos do pensamento o mais claro possível a fim de que tais esquema e forma de apresentação sejam de utilidade para estudantes e profissionais Alterações dos conceitos dos juízos e do raciocínio Desintegração e transformação dos conceitos Ocorre quando os conceitos sofrem um processo de perda ou transformação radical de seu significado original Segundo Paim 1986 os conceitos se desfazem e uma mesma palavra passa a ter significados cada vez mais diversos A ideia de determinado objeto e a palavra que normalmente a designa passam a não mais coincidir É comum na desintegração dos conceitos que o sujeito passe a utilizar as palavras de forma totalmente pessoal e idiossincrática no plano da linguagem isso é chamado neologismo patológico Para um paciente de Paim 1986 a palavra ateu deixa de significar descrente de Deus para significar justamente o seu oposto O indivíduo subverteu o sentido comum de ateu interpretando que significava a teu comando ou seja a comando de Deus crente A desintegração e a transformação dos conceitos são bastante características da esquizofrenia e podem ocorrer também nas síndromes demenciais Condensação dos conceitos Ocorre quando dois ou mais conceitos são fundidos o paciente involuntariamente condensa duas ou mais ideias em um único conceito que se expressa por uma nova palavra Na dimensão da linguagem as desintegrações e as condensações dos conceitos são designados neologismos patológicos Estes diferem dos neologismos não patológicos que decorrem da produção poética ou literária ou de processos culturais e sociolinguísticos próprios da criação da linguagem normal Alterações dos juízos Juízo deficiente ou prejudicado É um tipo de juízo falso que se estabelece porque a elaboração dos juízos é prejudicada por deficiência intelectual e pobreza cognitiva do indivíduo Aqui os conceitos são inconsistentes e o raciocínio pobre e defeituoso Os juízos são por demais simplistas concretos e sujeitos à influência do meio social Às vezes é difícil diferenciar um juízo deficiente com muito material fantasioso de um delírio De modo geral os erros de juízo que não são delírios mas produzidos pela deficiência intelectual tendem a não ser persistentes e irredutíveis mudando com certa frequência diferentemente dos delírios que tendem a ser mais contínuos e tendo frouxa consistência interna Juízos de realidade ou de existência As alterações do juízo de realidade em psicopatologia têm seu exemplo mais paradigmático no delírio ou ideias delirantes Estas são de fato as alterações do juízo mais relevantes em psicopatologia Por sua importância e extensão esse tema será tratado em capítulo específico TIPOS ALTERADOS DE PENSAMENTO INCLUINDO JUÍZO E RACIOCÍNIO Pensamento mágico pensamento dereístico e wishful thinking Esse grupo de tipos de pensamento se caracteriza por ferir frontalmente os princípios da lógica formal bem como os indicativos e imperativos da realidade Eles seguem os desígnios dos desejos das fantasias e dos temores conscientes ou inconscientes do sujeito adequando a realidade ao pensamento e não o contrário 1 2 O pensamento mágico PM pressupõe que a uma relação puramente subjetiva de ideias corresponda uma associação objetiva de fatos As associações fortuitas ocasionais entre ideias seriam equivalentes a relações realmente causais entre os fenômenos Montero 1990 Por exemplo porque vi um carro batido hoje cedo concluo que meu pai irá morrer atropelado nos próximos dias Um dos fundadores da antropologia social o antropólogo escocês James George Frazer 18541941 estudou a magia e o PM em distintas culturas Embora suas teses antropológicas sejam atualmente criticadas algumas de suas definições são úteis do ponto de vista didático Frazer 19111982 Ele sugeriu algumas leis e particularidades do ato e do pensamento mágico Lei da contiguidade É a base da magia de contágio que utiliza o preceito de que coisas que estiveram em contato continuam unidas Assim se o ato mágico agir sobre um objeto que pertenceu a uma pessoa roupa adorno móvel etc há a crença de que estará de fato agindo sobre a própria pessoa p ex ao queimar e destruir uma camisa do indivíduo estará queimando e destruindo a própria pessoa Lei da similaridade É a base da chamada magia imitativa Nesse caso domina a ideia de que o semelhante produz o semelhante A ação ou o pensamento mágico pensa produzir efeito desejado por imitação da ação real Por exemplo ao queimar e destruir um boneco com alguma semelhança com um inimigo estará queimando e destruindo o próprio inimigo O PM seria mais comum entre as crianças embora nelas de modo geral também predomine uma visão realista Também se pode eventualmente verificar a ocorrência de tal forma de pensar em alguns transtornos da personalidade TPs como nos TPs esquizotípica histriônica borderline e narcisista Nos quadros obsessivocompulsivos alguns sintomas são permeados de PM constatável em ideias e pensamentos obsessivos e rituais compulsivos dominados de forma mais ou menos direta pelas leis da magia Também em alguns pacientes com esquizofrenia podem se encontrar eventualmente PMs O pensamento dereístico PD conceito em parte sobreposto ao de PM é a descrição do tipo de pensamento que se opõe marcadamente ao pensamento crítico e realista o qual se submete à lógica e à realidade Entretanto pode não haver aqui a dimensão mágica no pensamento O PD só obedece à lógica e à realidade naquilo que interessa ao desejo do indivíduo distorcendo a realidade para que esta se adapte aos seus anseios Aqui o pensar voltase muito mais para o mundo interno do sujeito suas fantasias e seus sonhos manifestandose como um devaneio no qual tudo é possível e favorável ao indivíduo A pseudologia fantástica e a mitomania discutidas no Cap 21 implicam boa dose de PD Na língua inglesa utilizase o termo wishful thinking WT pensamento desejoso para indicar a identificação errônea dos próprios desejos com a realidade o conjunto de crenças adotadas pelo indivíduo que se baseia mais nos desejos do que em fatos ou seja um aspecto do PD Portanto em psicopatologia os conceitos de PM PD e WT são muito próximos e usados às vezes como sinônimos De modo geral esse grupo de tipos de pensamento pode ser observado em TPs esquizotípica histriônica borderline narcisista etc na esquizofrenia e eventualmente em crianças e adolescentes e mesmo em adultos sadios Pensamento inibido Aqui ocorre a inibição do raciocínio com diminuição da velocidade e do número de conceitos juízos e representações utilizados no processo de pensar o pensamento tornase lento difícil rarefeito pouco produtivo à medida que o tempo flui Ocorre em quadros demenciais e em quadros depressivos graves Pensamento vago As relações conceituais a formação dos juízos e a concatenação destes em raciocínios são caracterizadas pela imprecisão O paciente expõe um pensamento muito ambíguo podendo mesmo parecer obscuro Não há propriamente o empobrecimento do pensamento mas antes a marcante falta de clareza e precisão no raciocínio O pensamento vago pode ocorrer em pessoas sem transtorno mental mas também pode ser um sinal inicial de esquizofrenia ou ocorrer em quadros demenciais iniciais e em TPs p ex esquizotípica Pensamento prolixo Aqui o indivíduo não consegue chegar a qualquer conclusão sobre o tema de que está tratando a não ser após muito tempo e esforço O paciente dá longas voltas ao redor do tema e mescla de forma imprecisa o essencial com o supérfluo Há dificuldade em obter construção direta clara e acabada além de notável falta de capacidade de síntese A tangencialidade pensamento tangencial e a circunstancialidade pensamento circunstancial são tipos de pensamento prolixo A tangencialidade ocorre quando o paciente responde às perguntas de forma oblíqua e irrelevante não sabendo discriminar o supérfluo do essencial As respostas apenas tangenciam aquilo que foi perguntado nunca chegando ao ponto central ao objetivo final sem jamais concluir algo de substancial A circunstancialidade descreve o raciocínio e a digressão do paciente como rodando em volta do tema sem entrar nas questões essenciais e decisivas Entretanto eventualmente o indivíduo alcança o objetivo de seu raciocínio Em alguns casos a conversa tornase uma massa de parênteses e cláusulas subsidiárias Sims 1995 Esses tipos de pensamento podem ocorrer em alguns pacientes com TPs em indivíduos com lesões cerebrais em algumas pessoas com deficiência intelectual ou naquelas com inteligência limítrofe em pacientes que se encontram no início de um processo esquizofrênico e em alguns daqueles com quadros obsessivo compulsivos que devido ao excesso de detalhes e atalhos colaterais não conseguem desenvolver adequadamente suas ideias Pensamento concreto ou concretismo Tratase de um tipo de pensamento no qual não ocorre a distinção entre a dimensão abstrata simbólica e a dimensão concreta imediata dos fatos O indivíduo não consegue entender ou utilizar metáforas o pensamento é muito aderido ao nível sensorial da experiência e às coisas concretas É relativamente comum que faltem em pessoas com pensamento concreto aspectos mais desenvolvidos e sutis do pensar como a metáfora a ironia o subentendido o duplo sentido bem como categorias abstratas e simbólicas de modo geral Tanto os indivíduos com deficiência intelectual como os pacientes com esquizofrenia grave podem apresentar pensamento concreto e concretismo Pensamento deficitário relacionado à deficiência intelectual É um pensamento de estrutura pobre e rudimentar O indivíduo tende a apresentar raciocínio concreto os conceitos são escassos e utilizados em sentido mais literal que abstrato ou metafórico A abstração apenas ocorre com dificuldade sem consistência ou grande alcance Não há falta porém da generalização e da utilização da memória sempre vinculadas às necessidades mais imediatas do sujeito Há pouca flexibilidade na aplicação de regras e conceitos aprendidos o indivíduo tende a tomar tudo ao pé da letra Não há distinção pormenorizada e precisa de categorias como essencial e supérfluo necessário ou acidental causa e efeito o todo e as partes o real e o imaginário o concreto e o simbólico A compreensão e a explicação de fatos complexos da vida são difíceis e o paciente apreende apenas a realidade de forma vaga e simplificada A memorização de determinados conteúdos ou temas números telefônicos nomes de pessoas ruas tipos de carros etc pode eventualmente ser muito extensa e numerosa porém é mecânica e rígida Esse fenômeno de extensa memorização mecânica é denominado ilhotas de memória e ocorre geralmente em pessoas com deficiência intelectual e naquelas com autismo Em função de terem tais habilidades essas pessoas são designadas savant Pensamento demencial Tratase também de pensamento pobre porém tal empobrecimento é desigual diferentemente do que ocorre no pensamento deficitário no qual o empobrecimento é mais homogêneo Em certos pontos o pensamento demencial pode revelar elaborações mais ou menos sofisticadas embora de forma geral seja imperfeito irregular sem unidade ou congruência Em relação aos conceitos abstratos e aos raciocínios diferenciados e complicados podemse observar seus resquícios no pensamento demencial embora com o progredir da síndrome demencial vá predominando cada vez mais o pensamento pobre e desorganizado É frequente o indivíduo com demência nas fases iniciais tentar dissimular suas dificuldades cognitivas Ao se deparar com a dificuldade em encontrar as palavras aspecto do início das demências procura termos mais genéricos evita os adjetivos e os substantivos específicos Por exemplo Não consigo encontrar aquela coisa o meu batom aquilo para passar aqui indica a boca com o dedo Vou pedir ao àquele homem o guarda que me ajude a atravessar aqui a rua Pensamento confusional Verificase devido ao rebaixamento e à turvação da consciência um pensamento incoerente de curso tortuoso O indivíduo está impedido de apreender de forma clara e precisa os estímulos ambientais e não consegue processar seu raciocínio adequadamente Há marcante dificuldade em estabelecer vínculos entre conceitos e juízos devido às alterações do nível de consciência da atenção e da memória imediata e de trabalho impedindo a formação adequada do raciocínio Ocorre principalmente nas síndromes confusionais agudas delirium Pensamento desagregado Tratase de pensamento marcadamente incoerente no qual os conceitos e os juízos não se articulam minimamente de forma lógica O paciente produz um pensamento que se manifesta como uma mistura aleatória de palavras que nada comunica ao interlocutor A linguagem correspondente é o que se denomina salada de palavras ou esquizofrasia Ocorre nas formas graves e marcadamente desorganizadas de esquizofrenia Pensamento obsessivo Aqui predominam ideias ou representações que apesar de terem conteúdo absurdo ou repulsivo para o indivíduo se impõem à consciência dele de modo persistente e incontrolável Isso determina uma luta constante entre as ideias obsessivas que voltam de forma recorrente à consciência e o indivíduo que se esforça para banilas de sua consciência gerando um estado de angústia constante Com certa frequência em pacientes gravemente obsessivos aspectos do PM também estão presentes p ex Se eu tocar na roupa de uma pessoa no ônibus ficarei contaminado ou Se eu repetir a palavra santo cinquenta vezes impedirei que meu pai morra Ruminações ou pensamento ruminativo perseverativo Muito próximas e às vezes sobrepostas ao pensamento obsessivo as ruminações são formas de pensamento repetitivo que implicam preocupações e pensamentos negativos recorrentes vivenciados de forma passiva As ruminações correm em pacientes com quadros de ansiedade depressão transtorno bipolar TB no comer eou beber compulsivo binge eating e binge drinking e em pessoas que se automutilam skin picking eou cutting São pensamentos com conteúdos negativos relacionados sobretudo ao futuro e eventualmente ao passado Ruscio et al 2011 Ghaznavi Deckersbach 2012 Préadolescentes e adolescentes em fase inicial de transtornos do humor apresentam com certa frequência as ruminações em torno de 10 dos adolescentes estudados Elas podem anteceder a eclosão de transtornos de ansiedade depressão e compulsões Hilt Pollak 2013 ALTERAÇÕES DO PROCESSO DE PENSAR DO CURSO FORMA OU CONTEÚDO Alterações do curso do pensamento As principais alterações do curso do pensamento são a aceleração a lentificação o bloqueio e o roubo do pensamento Aceleração do pensamento O pensamento flui de forma muito acelerada com uma ideia se sucedendo à outra rapidamente podendo até ser difícil acompanhar o ritmo do indivíduo Pode ocorrer nos quadros de mania em alguns pacientes com esquizofrenia eventualmente nos estados de ansiedade intensa nas psicoses tóxicas sobretudo por anfetamina e cocaína e na depressão ansiosa Lentificação do pensamento Nesse caso o pensamento progride lentamente de forma lenta e dificultosa Há certa latência entre as perguntas formuladas e as respostas Ocorre principalmente em pacientes gravemente deprimidos em alguns casos de rebaixamento do nível de consciência em certas intoxicações por substâncias sedativas e em quadros psicoorgânicos que afetam estruturas subcorticais Bloqueio ou interceptação do pensamento Verificase o bloqueio do pensamento quando o indivíduo ao relatar algo no meio de uma conversa brusca e repentinamente interrompe seu pensamento sem qualquer motivo aparente O paciente pode relatar que sem saber por que o pensamento para é bloqueado Tratase de alteração quase exclusiva da esquizofrenia Roubo do pensamento É uma vivência frequentemente associada ao bloqueio do pensamento na qual o indivíduo tem a nítida sensação de que seu pensamento foi roubado de sua mente por uma força ou ente estranho por uma máquina uma antena etc O roubo do pensamento é um tipo de vivência de influência ver descrição também na seção sobre delírio de influência Tratase de uma alteração característica da esquizofrenia Fuga de ideias É uma alteração do fluxo e da estrutura do pensamento secundária a acentuada aceleração do pensamento na qual uma ideia se segue a outra de forma extremamente rápida perturbandose as associações lógicas entre os juízos e os conceitos A fuga de ideias pode ser classificada como alteração do curso ou como alteração formal do pensamento Na fuga de ideias as associações entre as palavras deixam de seguir uma lógica ou finalidade do pensamento e passam a ocorrer por assonância p ex amor flor cor ou cidade idade realidade e as ideias se associam muito mais pela presença de estímulos externos contingentes as pessoas que estão presentes na entrevista os móveis e os quadros da sala de entrevista um ruído incidental alguém que entra na sala etc Segundo Nobre de Melo 1979 na fuga de ideias há o progressivo afastamento da ideia diretriz ou principal sem prejuízo manifesto contudo para a coerência final do relato Tal noção de preservação da coerência nessa condição não é entretanto aceita por todos os autores A fuga de ideias é uma alteração muito característica dos quadros maníacos do TB Alterações formais do pensamento ver Radanovic et al 2013 Tais alterações do pensamento geralmente implicam psicopatologia significativa e têm impacto negativo na vida das pessoas Elas se correlacionam com dificuldades nas funções executivas frontais com pior desempenho em teoria da mente e em tomada de perspectiva Ziermans et al 2017 Segundo a proposta de Nancy Andreasen 1979 as alterações formais do pensamento formal thought disorder FTD seriam divididas em negativas positivas ou desorganizadas As alterações negativas incluem pobreza do discurso e do conteúdo do pensamento assim como bloqueio deste As alterações positivas incluem pressão para falar verbosidade Já as alterações desorganizadas incluem perda do pensamento objetivo tangencialidade descarrilhamento pensamento idiossincrático incoerência e ilogicidade Como assinalado anteriormente as FTD utilizadas nos trabalhos publicados em língua inglesa contêm muitas denominações sobrepostas tornando um tanto confuso o cenário Consideramos mais lógico separar as alterações da forma ou estrutura do pensamento das alterações do conteúdo Nesse sentido primeiro veremos as alterações formais e depois as alterações do conteúdo do pensamento As alterações formais a serem apresentadas incluem afrouxamento das associações descarrilhamento dissociação e incoerência do pensamento e desagregação do pensamento Afrouxamento das associações Nesse caso embora ainda haja concatenação lógica entre as ideias notase já o afrouxamento dos enlaces associativos Nobre de Melo 1979 As associações parecem mais livres não tão bem articuladas Manifestase nas fases iniciais da esquizofrenia e em TPs sobretudo TP esquizotípica Descarrilhamento do pensamento O pensamento passa a extraviarse de seu curso normal toma atalhos colaterais desvios pensamentos supérfluos retornando aqui e acolá ao seu curso original Geralmente está associado a marcante distraibilidade Se o descarrilhamento for muito acentuado e os desvios muito frequentes e longos podese não mais captar a sequência lógica do pensamento O descarrilhamento é observado na esquizofrenia e eventualmente nos transtornos maníacos Dissociação e incoerência do pensamento É a designação cunhada por Eugen Bleuler 19111985 para o tipo de desorganização do pensamento Beziehungslosigkeit perda ou afrouxamento das relações associativas de importância central na esquizofrenia Em geral quando o afrouxamento das associações se acentua os pensamentos passam progressivamente a não seguir uma sequência lógica e bem organizada e os juízos não se articulam de forma coerente uns com os outros De início a incoerência pode ser discreta ainda sendo possível captar aquilo que o indivíduo quer comunicar Com o agravamento do processo patológico o pensamento pode tornarse totalmente incoerente e incompreensível Desagregação do pensamento Nesse caso há profunda e radical perda dos enlaces associativos total perda da coerência do pensamento Sobram apenas pedaços de pensamentos conceitos e ideias fragmentados muitas vezes irreconhecíveis sem qualquer articulação racional sem que sejam detectadas uma linha diretriz e uma finalidade no ato de pensar Tratase de alteração típica de formas avançadas de esquizofrenia e de quadros demenciais Valor diagnóstico das alterações formais do pensamento Na esquizofrenia de modo geral o progredir da desestruturação do pensamento segue esta sequência em ordem de gravidade afrouxamento das associações descarrilhamento do pensamento dissociação e incoerência do pensamento e por fim desagregação do pensamento Entretanto tal sequência embora lógica não é necessária podendo essas alterações surgirem nas mais diversas combinações e sequências Cabe lembrar que as formas mais leves de alteração da forma do pensamento podem ser encontradas de modo ainda incipiente em parentes de primeiro grau de pessoas com esquizofrenia Catts et al 1993 Acreditavase que os transtornos formais do pensamento eram específicos da esquizofrenia Entretanto temse verificado que pacientes com transtornos afetivos mania ou depressão psicóticas ou não psicóticas também os apresentam No entanto quanto mais bizarra for a estrutura do pensamento maior é a probabilidade de se tratar de esquizofrenia Marengo Harrow 1987 Nos transtornos do espectro autista sobretudo naqueles com alto funcionamento pode haver o que alguns autores denominam alterações negativas do pensamento o que inclui empobrecimento em relação às ideias Recentemente também têm sido relatadas no autismo alterações positivas do pensamento como afrouxamento das associações e incoerência Tanto na esquizofrenia como no autismo há marcante associação entre essas alterações do pensamento e pior desempenho em funções frontais executivas como memória de trabalho inibição de respostas realização de tarefas sequenciais flexibilidade cognitiva Ziermans et al 2017 Os transtornos formais do pensamento nas psicoses sobretudo na esquizofrenia são indicadores da gravidade do quadro Os aspectos de empobrecimento e de desorganização do pensamento indicam pior prognóstico sendo que os de empobrecimento predizem com mais força desfechos ruins Roche et al 2015 Alterações do conteúdo do pensamento O conteúdo do pensamento é aquilo que preenche a estrutura do processo de pensar Embora muitos autores classifiquem os delírios como alterações do conteúdo do pensamento isso nos parece incorreto O conteúdo do pensamento apenas preenche uma forma uma estrutura Nesse sentido corresponde à temática do pensamento Assim não se pode falar propriamente em alterações patológicas do conteúdo do pensamento Há tantos conteúdos quanto são os temas de interesse ao ser humano Optouse aqui consequentemente por não incluir o importante tema dos delírios no item conteúdo do pensamento mas no capítulo referente às 1 2 3 4 5 6 7 alterações do juízo de realidade Quando um indivíduo acometido por uma psicose afirma que os vizinhos preparam um complô para matálo o conteúdo é de perseguição mas o que está patologicamente alterado é a atribuição de realidade absoluta a esse pensamento ou seja o modo como o juízo de realidade se constitui De modo similar uma pessoa com um cargo político em um contexto político tenso e muito conflitivo pode viver pensando que querem prejudicála querem armar contra ela Seus conteúdos de pensamento são basicamente de desconfiança e possível perseguição entretanto ela não está necessariamente delirando A observação clínica indica que os principais conteúdos que preenchem os sintomas psicopatológicos são persecutórios depreciativos de ataque à autoestima de poder riqueza grandeza ou missão religiosos místicos mágicos eróticos sexuais de ciúmes de culpa conteúdos hipocondríacos As razões pelas quais tais conteúdos e não outros são os mais prevalentes são certamente complexas A importância desses conteúdos tem a ver com a constituição social e histórica do indivíduo com o universo cultural no qual ele se insere assim como com a estrutura psicológica e neuropsicológica do Homo sapiens como espécie A seguir são apresentadas algumas hipóteses acerca dos motivos pelos quais esses conteúdos são frequentes na psicopatologia A persecutoriedade ou vivências de perseguição é provavelmente muito importante pelo fato de a sobrevivência em um mundo potencialmente ameaçador ser tema onipresente em quase todos os grupos sociais A sobrevivência e a segurança do indivíduo e em consequência o seu oposto ou seja a possibilidade de ser atacado e destruído são elementares tanto na perspectiva biológica como na psicológica e na sociocultural Os conteúdos depreciativos de menosvalia vergonha e desvalorização são frequentes pois estados afetivos depressivos são muito prevalentes em praticamente todos os grupos sociais Os conteúdos de poder riqueza grandeza ou missão têm conexão com a dimensão de segurança mas também se relacionam a questões narcísicas e de negação das dificuldades limites e sofrimentos da vida cotidiana Os temas religiosos e místicos também são muito comuns na psicopatologia o que se justifica pelo fato de não haver cultura ou grupo social humano em que a religião não desempenhe papel central na organização da representação do mundo na articulação de formas de compreensão da origem e do destino do ser humano dos valores éticomorais da compreensão do sofrimento e dos modos de constituição da subjetividade A sexualidade e a vida erótica por sua vez apesar de secularmente reprimidas em muitas sociedades nunca deixaram de ser temas de primordial interesse ao ser humano Freud e o desenvolvimento de sua psicanálise trouxeram à luz da sociedade vitoriana e conservadora a grande importância da sexualidade e da vida erótica para a esfera mental e social do ser humano Tal importância se relaciona tanto a fatores instintivobiológicos sobrevivência da espécie como a fatores psicológicos pois paralelamente ao desenvolvimento das relações afetivas há a erotização dessas relações amar é ao mesmo tempo um fenômeno afetivo e erótico Os temas hipocondríacos e de preocupações somáticas revelam a importância que o corpo tem na experiência humana Toda a nossa vivência é corporificada embodied o corpo é central para nós é nosso limite fonte de prazer e de dor estejamos saudáveis ou doentes Também estão implicados com essas questões o narcisismo relacionado às vivências corporais o desejo de bem estar físico os temores relacionados ao risco permanente que todo ser humano tem de adoecer fisicamente sofrer e falecer Pessoas com quadros de ansiedade generalizada e depressão ansiosa tendem a expressar em seus pensamentos conteúdos sobre eventos futuros negativos Wu 2015 SEMIOTÉCNICA DO PENSAMENTO E INSTRUMENTOS PADRONIZADOS PARA AVALIAR ALTERAÇÕES DO PENSAMENTO No Quadro 201 são apresentadas sugestões para a avaliação clínica do pensamento São utilizados para pesquisa os instrumentos de avaliação de transtornos do pensamento cujo foco central na literatura científica de língua inglesa são as FTDs descritos a seguir 1 2 3 Quadro 201 Semiotécnica do pensamento Perguntas para verificar o desenvolvimento e a estrutura global do pensamento verificar a capacidade de abstração e de generalização e o grau de sofisticação das respostas Que diferença há entre a mão e o pé Entre o boi e o cavalo Entre a água e o gelo E entre o cristal e a madeira Entre 1 kg de chumbo e 1 kg de palha o que pesa mais Que diferença há entre falar uma coisa errada e dizer uma mentira E entre a admiração e a inveja E entre ser uma pessoa econômica e ser uma pessoa mesquinha um pãoduro Que semelhanças há entre o carro o trem e o avião Resposta precária e concreta São coisas Resposta correta mas ainda concreta Servem para a gente andar Resposta com bom nível de generalização São veículos ou meios de transporte Que semelhança há entre o martelo a enxada e o trator Mesmo tipo de interpretação Ao longo da entrevista verificar o curso do pensamento Como flui o pensamento do paciente seu curso velocidade ritmo forma e conteúdos O pensamento é lento e difícil ou rápido e fácil O raciocínio alcança seu objetivo chega a um ponto final ou fica orbitando em temas secundários Verificar as formas e os tipos de pensamentos O pensamento é coerente e bem compreensível Ou é vago com trechos incompreensíveis O pensamento é predominantemente incompreensível muito incoerente Há associações por assonância Há fuga de ideias É concreto ou revela capacidade de abstração e uso de símbolos e categorias de generalização O pensamento respeita a realidade ou segue os desígnios dos desejos e temores do paciente Caso se trate de pensamento desorganizado incoerente verificar Tal desorganização é do tipo confusional alteração da consciência demencial alteração da cognição ou deficitário pobreza homogênea Estão presentes alterações características da esquizofrenia afrouxamento descarrilhamento desagregação Há ideias ou pensamentos do tipo obsessivo Quais são os conteúdos os temas mais recorrentes e marcantes no discurso do paciente A Scale for the Assessment of Thought Language and Communication TLC é uma escala que abarca 18 tipos de transtornos do pensamento a qual pela influência dos trabalhos de Nancy Andreasen se tornou uma referência nas pesquisas Andreasen 1986 Também são utilizados o Thought Disorder Index TDI o Thought and Language Index TLI e o Assessment of BizarreIdiosyncratic Thinking BIT Todas essas escalas devem ser utilizadas por pessoas com conhecimentos clínicos Até o momento esses instrumentos não foram validados para uso no Brasil LLI 8242 7 8 NL 21 O juízo de realidade e suas alterações o delírio DEFINIÇÕES PSICOLÓGICAS O ajuizar isto é produzir juízos é uma atividade humana por excelência Quando articulamos dois conceitos duas ideias como mesa e estudo e afirmamos a proposição está é uma mesa de estudo estamos formando juízos Ajuizar quer dizer julgar Todo juízo implica certamente um julgamento que por um lado é subjetivo individual e por outro social produzido historicamente em consonância com os determinantes socioculturais Segundo Nobre de Melo 1979 por meio dos juízos o ser humano afirma sua relação com o mundo discerne a verdade do erro assegurase da existência ou não de um objeto perceptível juízos de realidade ou de existência assim como distingue uma qualidade de outra juízos de valor Há ainda juízos estéticos esta mesa é bonita juízos coerentes ou incoerentes juízos certos ou opinativos graus de certeza juízos refletidos ou espontâneos Orbitando em relação à noção de juízo há dimensões como dúvida ou certeza correção ou falsidade crença ou evidência coerência ou incoerência verdade ou falsidade objetividade ou subjetividade Para a psicopatologia entretanto de grande interesse são os juízos de realidade e as dimensões a eles relacionadas como falsidade ou veracidade e graus de certeza de evidência e de coerência Mas de qual ou de quais realidades se trata em psicopatologia quando se examinam juízos de realidade Certamente não se trata da realidade como construto filosófico altamente desenvolvido e debatido com toda uma série de noções metafísicas associadas a tal questão A realidade que a psicopatologia considera operacionalmente e de utilidade para essa ciência é a realidade compartilhada aquela que as pessoas tacitamente aceitam e com a qual buscam viver de modo mais ou menos coerente É preciso lembrar que as alterações do juízo de realidade são alterações do pensamento Tais alterações são destacadas em capítulo próprio devido à 1 2 3 importância e à extensão que o tema apresenta em psicopatologia sobretudo com relação ao construto delírio Juízos falsos podem ser produzidos de inúmeras formas e podem ser ou não ser patológicos Em psicopatologia a primeira distinção essencial a se fazer é entre o erro simples não determinado por processo mórbido por transtornos mentais e as diversas formas de juízos falsos determinados por transtornos mentais sendo a principal delas o delírio DISTINÇÃO FUNDAMENTAL ERRO SIMPLES VERSUS DELÍRIO De início devese reconhecer que não existe limite nítido fácil e decisivo entre o erro simples e o delírio O erro se origina da ignorância do julgar apressado do uso de premissas falsas ou da carência de lógica no pensamento Por exemplo o erro simples ocorre no julgar quando Tomamse coisas parecidas ou semelhantes por iguais ou idênticas isto é confusão de coisas semelhantes por exemplo um camelo ser considerado um cavalo são um tanto semelhantes mas de fato diferentes ou tomarse uma pessoa simpática bem apresentada como boa honesta confiável etc ou inversamente considerar uma pessoa malvestida com aparência desagradável expressão rude como má ou desonesta Atribuise a coincidências ocasionais ou fortuitas a força de relações consistentes de causaefeito Sempre que me cair um dente alguém conhecido irá morrer Aceitar ingenuamente as impressões de nossos sentidos como verdades indiscutíveis erros por enganos dos sentidos O Sol gira em torno da Terra Os erros simples são social ou psicologicamente compreensíveis enquanto o delírio tem como característica principal a incompreensibilidade Os erros são passíveis de correção pela experiência pelas provas e pelos dados que a realidade oferece por se aprender a pensar com lógica Uma boa parte dos erros de ajuizamento de apreciação é determinada por situações afetivas intensas ou dolorosas que impedem que o indivíduo analise a experiência de forma objetiva e lógica Segundo o psicopatólogo Karl Jaspers 18831969 os erros são psicologicamente acrescentaríamos também sociologicamente compreensíveis pois admitese que possam surgir e persistir em virtude de ignorância eou fanatismo religioso ou político enquanto o delírio tem como característica principal a incompreensibilidade Nessa concepção não se pode compreender psicologicamente o delírio Jaspers 1979 Os tipos de erros mais comuns não determinados necessariamente por transtorno mental são os preconceitos as crenças culturalmente sancionadas as superstições e as chamadas ideias prevalentes Preconceito Tratase geralmente de um juízo a priori sem reflexão um ajuizamento apressado com base em premissas falsas uma opinião precipitada que transformase numa prevenção Paim 1993 Os preconceitos são em geral produzidos social e culturalmente por interesses de determinados grupos sociais que no mais das vezes constroem tais concepções preconceituosas para se colocarem em situação de superioridade eou para justificar atitudes posturas normas regras e políticas institucionais que privilegiam certos grupos em detrimento de outros A discriminação social é um dos modos mais comuns e nefastos do preconceito Ela se dá entre outras formas como racismo os brancos são superiores aos negros sexismo os homens são mais inteligentes que as mulheres etnocentrismo o ocidental é mais sensível que o indígena classismo ou preconceito de classe os pobres são preguiçosos preconceito religioso os muçulmanos são desequilibrados Crenças culturais e superstições As crenças culturalmente sancionadas são aquelas compartilhadas e referendadas constantemente por um grupo cultural religioso político étnico grupo de jovens grupo místico ou outro agrupamento social O indivíduo por exemplo acredita plenamente em demônios em entidades mágicoespirituais na ação de entidades sobrenaturais sobre os vivos Da mesma forma podese citar os membros de grupos new age que acreditam com convicção plena em discos voadores ou em gnomos entre outras coisas Um tipo frequente de crença culturalmente sancionada são as superstições Elas são de modo geral motivadas por fatores afetivos desejos temores etc 1 2 As crenças culturalmente sancionadas não devem ser confundidas com os sintomas psicopatológicos descritos a seguir Por exemplo o elemento diferencial básico das ideias delirantes é que nas crenças culturalmente sancionadas há evidências de que o indivíduo compartilha sua crença com um grupo social mesmo que essa crença seja bizarra ou absurda para quem não pertence a tal grupo cultural Alterações patológicas do juízo Ideias prevalentes ou sobrevaloradas ideias errôneas por superestimação afetiva As ideias prevalentes são ideias que por conta da importância afetiva que têm para o indivíduo adquirem marcante predominância sobre os demais pensamentos conservandose obstinadamente na mente Não consigo pensar em outra coisa é um exemplo de queixa típico de quem experimenta essas ideias As ideias prevalentes diferem das ideias obsessivas pois são egossintônicas aceitas pela pessoa que as produz de acordo com seus ideais Além disso fazem sentido para o indivíduo As pessoas que têm ideias prevalentes ou sobrevaloradas identificamse plenamente com elas e colocam sua personalidade totalmente a seu serviço Elas são geradas e mantidas por motivações afetivas pessoais Nobre de Melo 1979 encontrou uma denominação feliz para as ideias prevalentes referindose a elas como ideias errôneas por superestimação afetiva Nesse caso a catatimia influência dos afetos sobre as demais funções psíquicas manifestase de modo evidente David Veale 2002 revisou a literatura sobre a definição e o significado clínico das ideias prevalentes Ele esclarece que os autores norteamericanos consideram a intensidade da convicção na ideia e o nível de crítica como os critérios centrais para considerar e identificar uma ideia sobrevalorada over valued ideas Nesse caso as ideias sobrevaloradas se situariam no meio de um continuum de insight ou crítica que vai das ideias obsessivas muito insight até as delirantes ausência de insight Já os autores europeus tendem a conceitualizar as ideias sobrevaloradas lançando mão de algumas características a saber A ideia é sustentada com forte convicção mas menos que em um delírio A ideia prevalente ou sobrevalorizada é egossintônica ou seja aceitável para os ideais e valores do indivíduo comparável a muitas ideias 3 4 5 6 7 8 9 10 obsessivas É associada a um alto grau de emoção ou afeto ansiedade ou raiva quando há a ameaça de perda de uma pessoa ou do objetivo expresso na ideia Geralmente se desenvolve em pessoas com dificuldades emocionais e de personalidade Em geral é compreensível a partir das experiências passadas do indivíduo e de sua personalidade Causa sofrimento ou disfunção no sujeito ou naqueles que com ele convivem Geralmente induz o indivíduo a agir Pode eventualmente progredir para delírio verdadeiro O paciente não busca ajuda por conta dessas ideias Assemelhase a convicções religiosas ou políticas apaixonadas Algumas ideias sobrevaloradas ou prevalentes não têm significado patológico podendo ser consideradas patológicas apenas a partir do contexto específico do paciente e de sua personalidade Elas são exemplificadas nos seguintes casos uma mãe se preocupa excessivamente com o filho ausente e acredita que ele sempre está em perigo o sujeito inseguro não para de pensar se sua amada realmente o ama buscando em cada detalhe provas contra esse amor ideias de conteúdo religioso ético ou político defendidas intransigentemente pelo indivíduo Nesses casos tais ideias ainda fazem parte da psicologia do normal Outras ideias prevalentes já têm sentido claramente patológico sendo observadas em algumas situações clínicas como as apresentadas no Quadro 211 Quadro 211 Transtornos mentais nos quais ocorrem ideias prevalentes ou sobrevaloradas TRANSTORNO MENTAL IDEIA SOBREVALORADA TÍPICA Anorexia nervosa observase também na bulimia Em pessoa muito emagrecida Tenho certeza de que estou muito gorda Minha barriga está enorme Dismorfofobia Em pessoa com nariz considerado normal Meu nariz é disforme enorme e muito feio Hipocondria Em pessoa sem dados médicos e laboratoriais Estou convencido de que tenho câncer de estômago Apotemnofilia Tenho a nítida sensação de que minha perna não me pertence Teria de ser amputada para me sentir confortável 1 2 Ciúmes patológico não delirante Tenho certeza de que minha mulher está tendo um caso Estado paranoide litigioso A companhia de seguros me deve milhões de reais como compensação Fonte Veale 2002 O DELÍRIO Segundo Karl Jaspers 18831969 as ideias delirantes ou delírio são juízos patologicamente falsos Dessa forma o delírio é um erro do ajuizar que tem origem no adoecimento mental Sua base é mórbida pois ele é motivado por fatores patológicos Jaspers 1979 Ideias delirantes típicas observadas na prática clínica são por exemplo Tenho certeza de que meus pais ou os vizinhos querem me envenenar As pessoas que trabalham em minha empresa fizeram um plano para acabar comigo primeiro me desmoralizando para depois me prender e torturar Eu sou a nova divindade que tem poderes para acabar com o sofrimento no mundo a hora que quiser Implantaram um chip em meu cérebro que comanda meus pensamentos Entretanto cabe assinalar que não é tanto a falsidade do conteúdo que faz um juízo uma crença ser um delírio embora quase sempre a crença delirante seja falsa mas sobretudo a justificativa para a crença que o delirante apresenta o tipo de evidência que lhe assegura que as coisas são assim Karl Jaspers 1979 descreveu três características ou indícios externos äussere Merkmale que do ponto de vista prático são muito importantes para a identificação clínica do delírio O indivíduo que apresenta o delírio tem convicção extraordinária ausser gewöhnlinche Überzeugung uma certeza subjetiva praticamente absoluta subjektive Gewissheit Sua crença é total a seu ver não se pode colocar em dúvida a veracidade de seu juízo delirante É impossível a modificação do delírio pela experiência objetiva por provas explícitas da realidade por argumentos lógicos plausíveis e aparentemente convincentes Assim dizse que o delírio é irremovível irrefutável mesmo pela prova de realidade mais cabal ele não pode ser influenciado externamente Unbeeinflussbarkeit por pessoas que queiram demover o delirante de suas crenças 3 4 5 6 O delírio é quase sempre um juízo falso seu conteúdo é impossível Unmöglichkeit des Inhalts Embora esse seja o aspecto mais evidente do delírio mais fácil de caracterizar é também seu aspecto do ponto de vista psicopatológico mais frágil Sabese que alguns pacientes delirantes podem eventualmente ter delírios verídicos O fato que o paciente relata pode ocorrer realmente Bastos 1986 É o caso do indivíduo com alcoolismo crônico que tem delírios de ciúmes e sua mulher realmente o trai ou o do líder político com delírio de perseguição sendo que de fato algumas pessoas querem prejudicálo ou mesmo matálo Isso entretanto não invalida o fato de que para aquele indivíduo o que se passa do ponto de vista psicopatológico é um delírio O modo como ela construiu seu ajuizamento e como mantém a crença são patológicos determinados por fatores mórbidos Entretanto cabe reforçar na maioria dos casos o delírio é de fato um juízo falso Além das três características ou indícios de delírio outros autores acrescentaram algumas categorias adicionais relevantes Butler Braff 1991 O delírio é muitas vezes vivenciado como algo evidente o indivíduo acredita que é claro óbvio que as coisas estejam acontecendo da forma como estão segundo seu juízo delirante mesmo que o conteúdo seja totalmente implausível impossível o paciente acha que é evidente que as coisas estejam acontecendo como estabelece seu juízo delirante Para se identificar a crença falsa como delírio é preciso que o indivíduo delirante tenha inteligência suficiente os recursos cognitivos básicos para avaliar se uma crença desse tipo é de fato real ou falsa erros por deficiência cognitiva não podem de modo geral ser considerados delírio Devese acrescentar aos indicativos ou características externas do delírio descritos uma sexta característica que ajuda a diferenciar o delírio de determinadas crenças culturais Assim devese acrescentar que O delírio é uma produção associal idiossincrática em relação ao grupo cultural do paciente Geralmente se trata de uma convicção de uma só pessoa O delírio no mais das vezes não é nem produzido nem compartilhado ou sancionado por um grupo religioso político ou de outra natureza Pelo contrário ao delirar o indivíduo se desgarra de sua trama social do universo cultural no qual se formou e passa mesmo contra esse grupo cultural a produzir suas crenças individuais Podese dizer que ao 1 2 3 4 produzir um delírio o sujeito engendra sua própria religião seu próprio sistema ideológico ou científico que são criações geralmente falsas individuais e associais Dimensões do delírio Kendler e colaboradores 1983 propuseram uma série de dimensões ou vetores da atividade delirante que além de serem dimensões do delírio servem como indicadores de sua gravidade Posteriormente Appelbaum Robbins e Roth 1999 estudaram essas dimensões do delírio nos diferentes transtornos mentais A seguir são apresentadas as dimensões do delírio Grau de convicção Esse grau determina até que ponto o paciente está convencido da realidade de suas ideias delirantes A convicção do delírio é de modo geral mais marcante na esquizofrenia e menos intensa por exemplo nas psicoses reativas breves e nos transtornos do humor com sintomas psicóticos Extensão Tratase da extensão com que as ideias delirantes envolvem diferentes áreas da vida do paciente Bizarrice ou implausibilidade Tratase do grau em que as crenças delirantes se distanciam das convicções culturalmente compartilhadas pelo grupo social de origem do paciente ou seja do quanto seu delírio se distancia da realidade consensual do quão implausível e impossível é o delírio Delírios que envolvem a perda do controle da mente ou do corpo por forças ou entidades externas são considerados pelo Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais DSM5 como bizarros Segundo o DSM5 os delírios bizarros implausíveis no contexto sociocultural do paciente têm valor diagnóstico mais importante para se identificar a esquizofrenia do que os delírios não bizarros Desorganização Aqui se verifica até que ponto as ideias delirantes são consistentes internamente têm lógica própria e em que grau são sistematizadas com ordem interna Os delírios mais organizados são observados nos transtornos delirantes e em pacientes psicóticos que de modo geral têm inteligência mais privilegiada Indivíduos com deficiência intelectual eou demência geralmente apresentam delírios mais desorganizados 5 6 7 Pressão ou preocupação Têm a ver como o quanto o paciente está preocupado e envolvido com suas crenças delirantes o quanto ele se sente pressionado pelo delírio Resposta afetiva ou afeto negativo Tratase do quanto as crenças delirantes abalam ou tocam afetivamente o paciente do quanto ele fica assustado ansioso triste ou irritado em consequência do delírio Comportamento em função do delírio Aqui se verifica o quanto o paciente age em função de seu delírio e em que medida ele pratica atos estranhos perigosos ou inconvenientes a partir de suas ideias delirantes Comportamentos perigosos violentos foram relacionados aos seguintes fatores do delírio afirmar que está sendo espionado ou seguido que conspiram contra ele estar sob o controle de uma pessoa ou de uma força inserção de pensamentos e crer que tem poderes especiais O afeto sentir raiva angry é um elemento importante nessa relação de delírio com violência Ullrich et al 2014 Delírio primário ou ideias delirantes verdadeiras Segundo Jaspers 1979 o verdadeiro delírio é um fenômeno primário O que isso significa Sendo um fenômeno primário é psicologicamente incompreensível não tem raízes na experiência psíquica do ser humano sadio por isso é impenetrável incapaz de ser atingido pela relação intersubjetiva pelo contato empático entre entrevistador e entrevistado Tratase de algo inteiramente novo que se insere em determinado instante na curva vital do indivíduo O verdadeiro delírio expressa uma quebra radical na biografia do sujeito a transformação qualitativa de toda a sua existência sua pessoa se modifica sua personalidade sofre verdadeira transmutação Umwandlung der Persönlichkeit Delírio secundário ou ideias deliroides e os delírios compartilhados O delírio secundário assemelhase externamente ao primário diferindo deste por não se originar de alteração primária do pensamento do ajuizar mas de alterações profundas em outras áreas da atividade mental afetividade nível de consciência etc que indiretamente produzem juízos falsos É fruto de condições psicologicamente rastreáveis e compreensíveis Leme Lopes 1982 1 2 O delírio de ruína ou culpa do indivíduo com depressão grave é compreensível e derivável psicologicamente de estado de humor alterado catatimia de forma profunda constitui mais um aspecto mais uma dimensão que o humor depressivo adquire Dessa forma podese tomar como secundários e compreensíveis o delírio de grandeza do paciente em estado maníaco franco os delírios paranoides do indivíduo com personalidade paranoide com graves sentimentos de inferioridade e com forte tendência a sentirse preterido ofendido ou discriminado Assim os delírios podem ocorrer eventualmente em mais de uma pessoa São os chamados delírios compartilhados da loucura a dois folie à deux Nesses casos em geral há um sujeito realmente psicótico com esquizofrenia ou transtorno delirante por exemplo que apresenta delírio primário e ao interagir intimamente com outra pessoa influenciável ou com mais pessoas folie à trois à quatre etc acaba por gerar o delírio em tal pessoa Há nesses casos uma dupla o verdadeiro delirante e outras pessoas irmão cônjuge amigo próximo filho etc em geral uma personalidade sugestionável dependentes frágileis socialmente ou com limitações físicas ou psicossociais Com a convivência e a interação pessoal o acompanhante também passa a delirar apresentando o mesmo delírio que o verdadeiro delirante ou a ideação tematicamente relacionada Tratase portanto para o sujeito sugestionável de delírio secundário ou ideia deliroide às vezes ideias prevalentes ou simples crenças e não de verdadeiro delírio primário Ao separaremse fisicamente os dois em geral o sujeito influenciável deixa de forma gradativa de delirar São descritas formas coletivas de delírio compartilhado um líder verdadeiramente delirante delírio primário e um grupo social sugestionável que acaba por compartilhar das convicções delirantes do líder ideias deliroides ou simples crenças induzidas Estrutura dos delírios Segundo a estrutura os delírios são classificados em simples monotemáticos ou complexos pluritemáticos e em não sistematizados ou sistematizados Delírios simples monotemáticos São ideias que se desenvolvem em torno de um só conteúdo de um tema único geralmente de um único tipo apenas um tema religioso persecutório etc Delírios complexos pluritemáticos São aqueles que englobam vários temas ao mesmo tempo com múltiplas facetas envolvendo conteúdos de 3 4 perseguição místicoreligiosos de ciúme de reivindicação etc Delírios não sistematizados Nesse caso são delírios sem concatenação consistente Os conteúdos e os detalhes dos delírios não sistematizados variam de momento para momento e costumam ser encontrados em indivíduos com baixo nível intelectual naqueles com deficiência intelectual ou em pacientes com quadros confusionais ou com demência Delírios sistematizados São bem organizados com histórias ricas consistentes e bem concatenadas que mantêm ao longo do tempo os mesmos conteúdos com riquezas de detalhes Ocorrem mais em indivíduos intelectualmente desenvolvidos e nos chamados transtornos delirantes o termo clássico de Kraepelin é paranoia Aqui observase o que Jaspers denominou de inteligência a serviço do delírio a inteligência do paciente não se presta a impedir ou criticar o delírio como se pensou no século XIX mas a buscar mais elementos para justificálo desenvolvêlo e sustentálo De fato muitas vezes é como se a inteligência do indivíduo fosse sequestrada pelo delírio pela forte imantação que este representa na vida do sujeito para servir à lógica do delírio Surgimento e evolução do delírio estados pré delirantes Em geral os delírios surgem após um período prédelirante denominado humor delirante Jaspers 1979 Nesse período o paciente experimenta aflição e ansiedade intensas sente como se algo terrível estivesse por acontecer mas não sabe exatamente o quê Ver Berrios Fuentenebro de Diego 1996 Predominam aqui marcante perplexidade sensação de fim do mundo de estranheza radical Esse estado pode durar horas ou dias O humor delirante cessa quando o paciente configura o delírio isto é quando descobre como se fosse por uma revelação inexplicável o que está de fato acontecendo Ah então é isso os vizinhos organizaram um grande complô para me matar ou Já entendi a minha esposa está tendo relações com todos esses homens Curiosamente após a revelação do delírio o indivíduo muitas vezes se acalma como se tivesse encontrado explicação plausível para a perplexidade anteriormente inexplicável Klaus Konrad 1992 propõe haver um processo sequencial no desenvolvimento do delírio com períodos prédelirantes delirantes e de 1 2 3 4 5 reorganização da personalidade bem como fases residuais Esse autor sugere as seguintes cinco fases ou momentos de formação do delírio Trema Esse termo vem do jargão do teatro tratase da tensão e da expectativa da atriz logo antes de entrar em cena Corresponde ao humor delirante de Jaspers No processo temporal de surgimento do delírio o trema é a fase que precede imediatamente o surgimento das ideias delirantes Há tensão geral clima ameaçador mal definido e difuso pairando ainda sem significação O campo vivencial do sujeito se estreita ele tem a sensação de que não há como escapar mas não sabe bem do quê Apofania O termo grego apophainein significa tornarse manifesto A tensão acumulada durante o trema agora se desdobra em delírio O sujeito tem a vivência de verdadeira revelação Nessa fase ocorrem experiências delirantes descritas como percepção delirante falsos reconhecimentos e desconhecimentos delirantes Personenverkennung difusão e sonorização do pensamento e vivências corporais delirantes Um aspecto dessa fase é o que Konrad descreve como anástrofe do grego anastrophé inversão deslocamento tudo se volta para o indivíduo não é ele que se dirige intencionalmente para o mundo mas o contrário ele se sente de forma passiva no centro do mundo observado por todos Para Konrad a apofania revelação do delírio e a anástrofe quando o mundo se volta para o delirante formam o núcleo da experiência esquizofrênica Fase apocalíptica Essa fase corresponde a certa desorganização do sujeito após a primeira revelação do delírio inicial É acompanhada de vivências ameaçadoras de fim de mundo Weltuntergang de perda da sensação de que há alguma continuidade de sentido no mundo O sujeito delirante parece viver a estranha reestruturação de seu mundo Podem surgir sintomas catatônicos excitação motora e psíquica bem como vivências de alteração do Eu psíquico e corporal Eu não sou mais eu ou Sinto que já morri Consolidação Depois de certo tempo do início do processo psicótico de idas e vindas de desorganização e reorganização ocorre certa estabilização O delírio tende a cristalizarse há certa elaboração intelectual em torno dele com a fixação de elementos a partir da personalidade do sujeito o que pode incluir também defesas neuróticas Finalmente me deixaram em paz apesar de ainda estarem me observando Fase de resíduo Geralmente se trata da fase final do processo psicótico delirante Há perda do impulso e da afetividade manifesta O sujeito não pode mais confiar e relacionarse calorosamente com os outros busca passiva ou ativamente certo isolamento concentrase no impessoal da vida Ellen Corin Corin Lauzon 1992 Corin 1998 identificou entretanto que alguns pacientes com esquizofrenia crônica buscam peculiar reestruturação denominada por ela retração positiva retrait positif positive withdrawal na qual mantêm distância das pessoas mas procuram interagir de modo impessoal com elas frequentando certos bares certas praças certos grupos de pessoas geralmente um tanto marginalizadas bem como acessando chats e redes sociais na internet etc Em relação ao curso os delírios podem ainda ser agudos ou crônicos Os delírios agudos surgem de forma rápida podendo desaparecer em pouco tempo horas a dias Podem ser passageiros e fugazes estando nesses casos associados a transtornos da consciência em psicoses tóxicas ou infecciosas Já os delírios crônicos tendem a ser persistentes contínuos de longa duração vários anos pouco modificáveis ao longo do tempo Os mecanismos constitutivos do delírio Para a formação do delírio podem contribuir diversos fatores e tipos de vivências Como em relação à maioria dos sintomas psicóticos a interação de fatores cerebrais psicológicos afetivos da personalidade prémórbida e socioculturais é complexa e provavelmente multifatorial No caso específico do delírio tal interação é ainda mais complexa Devese pensar o delírio como uma construção Tal construção está inserida em um processo de tentativa de reorganização do funcionamento mental o esforço que o aparelho psíquico do paciente empreende no sentido de lidar com a desorganização que a doença de fundo produz Podese falar em mecanismos constitutivos do delírio apenas com certa reserva pois a psicopatologia ainda não dispõe de evidências consistentes relativas à etiofisiopatologia ou à psicogênese do delírio Nesse sentido o psicopatólogo argentino Carlos Pereyra 1973 alerta que Costumase considerar como mecanismos formadores dos delírios aqueles fenômenos ostensivos ou processos segundo os quais se produzem as ideias delirantes Assim falase em mecanismo alucinatório interpretativo intuitivo imaginativo retrospectivo fantasias da memória onírico etc De fato tal distinção apenas tem um valor prático de modo algum podese pretender que se trate de verdadeiros mecanismos e muito menos que eles sejam puros e genuínos engendradores do delírio O delírio nasce de uma multiplicidade de fatores complexos que implicam e comprometem o psiquismo todo Tomando esse cuidado são descritos os mecanismos formadores do delírio apresentados a seguir Interpretação delírio interpretativo ou interpretação delirante Devese ressaltar que a atividade interpretativa é um mecanismo que de forma geral está na base constituinte de todos os delírios Em alguns delírios entretanto verificase que sua formação se deve quase exclusivamente a uma distorção radical na interpretação de fatos e vivências e o indivíduo apresenta a partir de múltiplas interpretações dos fatos da vida um delírio mais ou menos complexo O delírio interpretativo geralmente respeita determinada lógica produzindo histórias que embora delirantes guardam verossimilhança Intuição delírio intuitivo ocorrência ou intuição delirante O indivíduo intui o delírio de repente pois capta de forma imediata novo sentido nas coisas percebe nova realidade totalmente convincente e irredutível Nesse caso o paciente não sente qualquer necessidade de fundamentar o delírio em possibilidades plausíveis e verossímeis ele não interpreta e conclui não busca provas que certifiquem a verdade de seu delírio ele simplesmente sabe simplesmente intui a revelação delirante Imaginação delírio imaginativo Assim como a interpretação a imaginação está presente na constituição da maior parte dos delírios acompanhando a atividade interpretativa lado a lado O indivíduo imagina determinado episódio ou acontecimento e a partir disso pela interpretação vai construindo o delírio Afetividade delírios catatímicos da mania e da depressão Keck et al 2003 Em estados afetivos intensos como nas depressões graves e nos quadros de mania o indivíduo passa a viver em um mundo fortemente marcado por eles A influência penetrante da afetividade sobre todas as funções mentais é chamada catatimia É nesse contexto que se desenvolvem os chamados delírios catatímicos ou seja delírios humorcongruentes dos transtornos do humor com sintomas psicóticos p ex delírios de ruina e de culpa nas depressões graves e delírios de grandeza na mania Em estado de profunda depressão o sujeito reorganiza o mundo e seu Eu com delírios de conteúdo depressivo o paciente em mania cria a partir de seu estado afetivo de euforia e exaltação um delírio de grandeza coerente com tal estado Os delírios da mania psicótica e da depressão psicótica são atualmente classificados como congruentes ou incongruentes com o humor OMS 1993 APA 2002 Nos transtornos do humor com sintomas ou características psicóticas depressão e mania psicóticas afirmase que o delírio é humor congruente se no caso da depressão houver temática de culpa ruína hipocondria ou no caso da mania ocorrer temática de grandeza poder ou religiosidadegrandeza inclusive ser ou ter contato com entidades especiais poderosas Se na depressão psicótica o delírio for de perseguição sem que tal perseguição seja sentida como merecida decorrente de falta culpa ou erro do paciente ou na mania o delírio for de controle ou de influência designamse tais delírios como humorincongruentes o delírio não segue o estado afetivo de base não é congruente com tal estado Esse tipo de delírio humor incongruente parece implicar pior evolução clínica para o paciente e aponta mais para psicose esquizofrênica e menos para psicose afetiva Na mania os delírios humorcongruentes somam 71 e os humor incongruentes são 29 Na depressão grave por sua vez os delírios humor congruentes são 65 e os humorincongruentes somam 35 Coryell et al 2001 Keck et al 2003 Maj 2008 Memória delírio mnêmico recordação delirante Nesse caso o delírio é construído por recordações e elementos da memória verdadeiros ou falsos que ganham dimensão delirante O indivíduo utiliza tanto recordações verdadeiras quanto falsificações da memória como as alucinações ou ilusões mnêmicas para construir seu delírio Por exemplo o paciente afirma que foi raptado quando era criança que foi criado por pais milionários e que por isso é herdeiro de grande fortuna etc Alteração da consciência delírio onírico São os delírios associados a quadros de turvação da consciência ricos em vivências oníricas com alucinações cênicas ansiedade intensa e certa confusão do pensamento Eles se desenvolvem principalmente devido à crítica insuficiente relacionada às vivências oníricas e podem ocorrer durante ou após a turvação da consciência Alterações sensoperceptivas delírio alucinatório O delírio pode ser construído a partir de experiências alucinatórias ou pseudoalucinatórias intensas como alucinações auditivas de conteúdo persecutório ou alucinações visuais muito vívidas O indivíduo forma seu delírio desenvolvendo de certa forma a temática e a experiência gerada pela atividade alucinatória A experiência alucinatória é tão marcante e penetrante que não lhe resta alternativa a não ser integrála em sua vida por meio do delírio Tal integração ocorre mediada por atividade interpretativa logo o delírio alucinatório também é em certo sentido um delírio interpretativo A percepção delirante de Kurt Schneider é um tipo especialmente importante de delírio O delírio surge a partir de uma percepção normal que recebe imediatamente ao ato perceptivo significação delirante Tratase de processo com duas vertentes perceptiva e ideativa que ocorrem de forma simultânea Por exemplo ao entrar na sala o indivíduo vê um lenço amarelo sobre a mesa uma percepção real ao vêlo logo entende que se trata de conspiração contra ele que querem matálo atribuição de um significado delirante à percepção normal A percepção delirante é vivenciada como uma revelação uma descoberta abrupta que o indivíduo faz passando então a entender tudo o que se passa Segundo Nobre de Melo 1979 há no paciente delirante uma tendência interna irreprimível a viver significações A percepção delirante é um sintoma muito característico da esquizofrenia sintoma de primeira ordem de Kurt Schneider RELAÇÕES ENTRE DELÍRIO E ALUCINAÇÃO Assim como as relações entre delírio e afetividade são complexas uma via de dois sentidos também as relações entre delírio e alucinação o são Ambas as manifestações interagem muitas vezes de forma complexa também nos dois sentidos alucinações incrementam delírios e estes podem incrementar aquelas A ideia de que as alucinações precedam os delírios atualmente postulada como hipótese das experiências anômalas está em consonância com a hipótese dos delírios alucinatórios mencionada anteriormente Por exemplo em estudo que monitorou diariamente vivenciar alucinações e delírios em 130 pacientes com esquizofrenia vivendo na comunidade BenZeev e colaboradores 2012 identificaram que as experiências alucinatórias prediziam o surgimento de delírios no mesmo dia horas após terem tido as alucinações Assim estudos empíricos De Loore et al 2011 sustentam a hipótese de que delírios com certa frequência surgem depois das alucinações possivelmente como um processo desencadeado ou influenciado por elas Por exemplo ao ouvir vozes que ameaçam de morte o sujeito ele passa a formular o delírio de que planejam contra ele de que o matarão Entretanto como mencionado o inverso pode também ocorrer Como em uma parte dos pacientes as alucinações surgem depois dos delírios é plausível que a atividade delirante em um sujeito vulnerável afete a sensopercepção e o indivíduo passe a alucinar Mais que isso delírios e alucinações não apenas podem se incrementar reciprocamente mas as alucinações podem dar uma espécie de prova de realidade ao delírio se ouço essas vozes me ameaçando é porque realmente tramam contra mim e vão me matar Na mesma linha o delírio pode conferir sentido à alucinação ouço as vozes porque eles são da máfia e querem acabar comigo Formase um círculo de confirmação e sentido no qual mutuamente delírio e alucinação ajudam a sustentar o estado delirantealucinatório da psicose Enfim as interrelações entre delírio e alucinação revelam uma dimensão importante e complexa da psicopatologia das psicoses que ao serem estudadas podem nos fornecer mais pistas para a compreensão do que ocorre na enigmática experiência de muitos pacientes psicóticos Compton et al 2012 A Figura 211 apresenta um esquema para o surgimento e a retroalimentação entre disforias alucinações e delírios 1 2 3 4 Figura 211 Esquema para o surgimento e a retroalimentação entre disforias alucinações e delírios MECANISMOS DE MANUTENÇÃO DO DELÍRIO Se por um lado é possível supor e investigar fatores cerebrais psicológicos e psicopatológicos especificamente envolvidos no surgimento e na constituição de um delírio ou sistema delirante por outro é relevante saber por que motivo muitos pacientes se mantêm delirantes Por que em muitos o delírio se estabiliza e permanece ao longo do tempo Sims 1995 assinala alguns fatores envolvidos em tal estabilização do delírio A inércia em mudar as próprias ideias e a necessidade de consistência das produções ideativas que são formadas ao longo do tempo A pobreza na comunicação interpessoal a falta de contatos pessoais satisfatórios o isolamento social o fato de ser estrangeiro e não falar a língua dominante etc O comportamento agressivo por parte do paciente resultante do delírio persecutório pode desencadear mais rejeição pelo meio social e dessa forma reforçar o círculo vicioso de sentimentos paranoides rejeição hostilidade mais sentimentos paranoides e assim por diante O delírio pode diminuir o respeito e a consideração que as pessoas que convivem com o paciente têm por ele A partir dessa situação o indivíduo delirante pode construir novas interpretações delirantes a fim de involuntariamente tentar manter sua autoestima OS TIPOS DE DELÍRIO SEGUNDO SEUS CONTEÚDOS OU TEMÁTICAS DELIRANTES DELUSION CONTENT OU WAHNTHEMEN Serão abordados adiante os vários tipos de delírios segundo seus conteúdos ou temáticas Em primeiro lugar são apresentados os mais frequentes depois os menos encontrados na prática clínica diária A temática seguramente mais frequente é a perseguição Ela inclui ameaças planos de homicídio envenenamento torturas complôs calúnias enfim atos planejados ou realizados contra o sujeito por seus perseguidores Nesse sentido agrupamos aqui o delírio de perseguição propriamente dito junto com os delírios de autorreferência de relação e de influência ou controle Esses três últimos embora não sejam nominalmente designados como persecutórios revelam a temática o colorido de perseguição Delírios de perseguição O indivíduo acredita com toda a convicção que é vítima de um complô e está sendo perseguido por pessoas conhecidas ou desconhecidas como máfias vizinhos polícia pais esposa ou marido chefe ou colegas do trabalho ou do ambiente estudantil Ele pensa que querem envenenálo prendêlo torturálo matálo prejudicálo no trabalho ou na escola desmoralizálo expôlo ao ridículo ou mesmo enlouquecêlo Delírio de referência de alusão ou autorreferência Aqui o indivíduo apresenta a tendência dominante a experimentar fatos cotidianos fortuitos objetivamente sem maiores implicações como referentes a sua pessoa Diz ser alvo frequente ou constante de referências depreciativas caluniosas Ao passar diante de um bar e observar as pessoas conversando e rindo entende que estão falando dele rindo dele dizendo que ele é ladrão ou traidor tudo enfim se refere a ele Às vezes o paciente ouve seu nome e que o xingam mecanismo alucinatório associado ao delírio de referência ou simplesmente deduz que a conversa das pessoas no trabalho em um bar ou na escola é sobre ele mecanismo interpretativo associado ao delírio de referência Esse tipo de delírio geralmente ocorre nas psicoses em geral sobretudo na esquizofrenia e nos transtornos delirantes Também pode ser encontrado nas demências e em quadros de depressão ou mania delirante Delírios de perseguição e o mecanismo de projeção Um mecanismo psicológico particularmente importante na formação dos delírios de perseguição e de referência é o que Freud 1911 1976 denominou de projeção Inconscientemente o indivíduo projeta para fora de seu mundo mental no mundo externo ideias conflitos temores e desejos que seriam insuportáveis se fossem percebidos como pertencentes ao seu mundo interno Além de projetar para o exterior Freud supôs que o sujeito delirante também deforma o conteúdo inaceitável invertendo o tipo de afeto associado a tal ideia amor em ódio desejo em repugnância etc Outro aspecto hipotético associado ao delírio de perseguição é sua suposta função de proteger o sujeito de rebaixamento de sua autoestima relutante em admitir seus próprios fracassos o indivíduo ao projetar nos outros os aspectos negativos da existência tornase vítima em vez de fracassado Sims 1995 Delírio de relação O indivíduo delirante constrói aqui conexões significativas delirantes entre os fatos normalmente percebidos Essas conexões novas surgem geralmente sem motivação compreensível Por exemplo o paciente agora sabe que tudo faz sentido os fatos se relacionam as chuvas do verão passado o inverno atual mais frio etc indicando que realmente a guerra dos seres alienígenas que visa me destruir irá começar Tal tipo de delírio também apresenta quase sempre colorido persecutório Delírio de influência ou controle também denominado vivência de influência O indivíduo vivencia intensamente o fato de estar sendo controlado comandado ou influenciado por força pessoa ou entidade externasHá por exemplo uma máquina antena computador aparelho eletrônico que envia raios que controlam seus pensamentos e seus sentimentos Um ser extraterrestre um demônio ou entidade paranormal controla seus sentimentos suas funções corporais e visa com isso destruílo ou fazêlo sofrer O paciente afirma ter perdido a capacidade de resistir a essa força externa e passa a submeterse inteiramente a ela Incluídas nas vivências de influência estão as experiências de pensamentos feitos sentimentos feitos além das influências sobre partes ou órgãos do corpo Os delírios ou vivências de influência são indicativos de esquizofrenia e revelam o quão profundamente os limites do Eu a membrana que separa o Eu privado íntimo do mundo externo estão fragmentados porosos e permeáveis no processo psicótico Delírio de grandeza ou missão ou de enormidade Saindo agora da órbita dos delírios com teor persecutório o segundo conteúdo mais frequente dos delírios é a grandeza ou missão Nesse caso o indivíduo acredita ser pessoa muito especial dotada de capacidades e poderes também especiais Acredita ter um destino espetacular assim como sua origem e seus antecedentes indicam que é um ser superior Assim o delírio é dominado por ideias de poder missão especial ou riqueza O sujeito pensa que pode tudo que tem poderes mentais além de conhecimentos superiores ou especiais A autoestima pode estar extremamente aumentada Os delírios de grandeza ocorrem tipicamente nos quadros maníacos mas também são frequentes na esquizofrenia segundo ou terceiro conteúdo mais frequente nessa doença No passado eram observados com frequência nas psicoses associadas à sífilis terciária parenquimatosa cerebral a clássica paralisia geral progressiva PGP Delírio religioso ou místico revisão em Bhavsar Bhugra 2008 Cook 2015 A temática religiosa mística do sagrado ou do demoníaco representa o segundo ou terceiro conteúdo mais frequente nos delírios Os chamados delírios religiosos ou místicos frequentemente apresentam também aspecto grandioso enfatizando a importância do sujeito que delira Cook 2015 O indivíduo afirma ser um novo messias ou estar em comunhão permanente com divindades e receber mensagens ou ordens delas um Deus Jesus um santo poderoso ou que está sendo influenciado pelo demônio este quer conquistálo ou destruílo Essas são temáticas delirantes frequentes no contexto sociocultural brasileiro Dalgalarrondo et al 2003 O paciente sente que tem poderes místicos que entrou em contato com Nossa Senhora com o Espírito Santo ou então com o demônio estando sob influência de satanás Também pode delirar sobre sua missão mística ou religiosa importante para transformar este mundo tem certeza de que é portador de uma mensagem religiosa nova e fundamental Os delírios místicoreligiosos podem ocorrer em quase todas as formas de psicose 1 2 3 predominando porém na mania psicótica na esquizofrenia e na depressão psicótica Sims 1995 afirma que essa condição não é causada por crenças religiosas excessivas nem por interpretação de atos supostamente pecaminosos praticados no passado pelo paciente Tais delírios religiosos apenas refletiriam quando o indivíduo adoece mentalmente os interesses e as preocupações predominantes do sujeito e de seu meio cultural Um aspecto difícil mas importante nesse tipo de delírio é distinguir delírios místicoreligiosos de crenças ou ideias religiosas normais mas intensas ou mesmo fanáticas sustentadas muitas vezes com considerável tenacidade A dificuldade nessa distinção se origina no fato de que muitas vezes um verdadeiro delírio tem os mesmos conteúdos p ex o demônio está por toda parte quer agir sobre a vida das pessoas que se afastam da fé das crenças religiosas que são marcadamente presentes em determinado grupo social p ex igrejas cristãs que enfatizam muito a omnipresença e o impacto da presença do demônio Para poder fazer tal distinção na prática clínica recomendamos que sejam utilizados os seguintes elementos semiológicos e psicopatológicos Sims 1995 No delírio mas não na crença intensa e fanática a experiência vinculada à ideação tem as características descritas de um verdadeiro delírio convicção absoluta irrefutável por provas da realidade falsidade do conteúdo vivenciado como autoevidente e experiência associal não compartilhada pelas pessoas de seu grupo social ou religioso Estão presentes outros sintomas de transtornos psicóticos alucinações alterações formais do pensamento da afetividade outros tipos de delírio etc No delírio o estilo de vida o comportamento e as relações sociais são consistentes com transtorno psicótico e não com a experiência de alguém socialmente envolvido com fé religiosa Também cabe lembrar que o ambiente religioso da família eou comunidade pode ser um elemento da origem e da manutenção de um delírio místico religioso Bhavsar Bhugra 2008 Delírio de ciúmes e de infidelidade Nesse caso o indivíduo percebese traído pelo cônjuge de forma vil e cruel afirma que ele tem centenas de amantes que o trai com parentes amigos etc Em geral o indivíduo acometido pelo delírio de ciúmes é extremamente ligado e emocionalmente dependente do ser amado O sentimento de ciúmes intenso e desproporcional em sujeitos muito possessivos e inseguros pode eventualmente ser difícil de diferenciar do delírio de ciúmes O ciúme patológico nesse sentido pode ser tanto um verdadeiro delírio como em muitos casos apenas uma ideia prevalente superestimação afetiva com temática de ciúmes O delírio de ciúmes e infidelidade pode ocorrer em todas as psicoses mas é mais característico no alcoolismo crônico e no transtorno delirante crônico Pacientes com intensa atividade delirante do tipo ciúmes não raramente cometem violência física ou mesmo homicídio contra oa supostoa traidora Delírio erótico erotomania síndrome ou delírio de Clerambault Aqui o indivíduo afirma que uma pessoa geralmente de destaque social um artista ou cantor famoso um milionário etc ou de grande importância para o paciente o médico ou psicólogo que o trata está totalmente apaixonada por ele e irá abandonar tudo para que possam ficar juntos se casar A erotomania na variante descrita por Gaetan H Gatian de Clerambault 18721934 ocorre mais entre mulheres e a pessoa amanteamada geralmente é mais rica com mais idade de status social mais alto em comparação ao paciente Clerambault 19211995 É relativamente frequente que a pessoa escolhida seja o médico do indivíduo A erotomania ocorre com mais frequência como sintoma isolado em transtornos delirantes revisão em Signer 1991 Delírios de falsa identificação misidentification delusion revisão em Rodrigues Banzato 2006 Em 1923 o psiquiatra francês JeanMarie Joseph Capgras 18731950 e seu aluno o médicoresidente Jean ReboulLachaux descreveram o primeiro caso de delírio de falsa identificação Capgras ReboulLachaux 1923 Nesse caso a paciente acreditava que as pessoas que com ela interagiam seu marido e filhos membros da equipe do hospital haviam sido substituídas por duplos ou sósias Tais sósias a estariam enganando e de modo geral agiam ou tencionavam agir contra ela Esse fenômeno passou a ser designado síndrome ou delírio de Capgras que é observado em pessoas com esquizofrenia transtorno delirante forma pura do delírio de Capgras transtorno bipolar TB e depressão grave Também ocorrem em um quarto a um terço dos quadros com Capgras transtornos neurológicos como tumor ou infartos cerebrais trauma craniencefálico hemorragia subaracnoide enxaqueca basilar e demências Rodrigues et al 2013 A síndrome ou delírio de Frégoli foi descrita em 1927 por Courbon e Fail na qual se relatou o caso de uma jovem parisiense que acreditava que duas atrizes Sarah Bernhardt e Robine a perseguiam Tais atrizes se tornavam irreconhecíveis porque tomavam a forma de pessoas que ela conhecia ou encontrava entre elas estranhos na rua médicos amigos e antigos empregados Assim o delírio de Frégoli é um delírio de falsa identificação no qual o paciente crê que diferentes pessoas de seu ambiente são de fato uma só pessoa que muda de aparência rapidamente em geral para lhe causar algum mal Courbon Fail 1927 Seu nome foi baseado no lendário ator de teatro italiano Leopoldo Frégoli 18671936 excepcionalmente hábil e versátil que conseguia mudar rapidamente de um personagem para outro impactando o público Chegou a haver em Londres o boato de que existiria na verdade mais do que um Frégoli rumor que se mostrou falso Também se denomina delírio de Frégoli quando o indivíduo acredita delirantemente que uma pessoa ou pessoas do ambiente geralmente estranhas para ele são de fato um conhecido que se disfarça de estranho para enganálo ou lhe fazer mal Langdon et al 2014 São ainda descritos vários subtipos de delírios de falsa identificação como por exemplo aqueles em que o indivíduo crê que há sósias de sua própria pessoa e aqueles em que o indivíduo crê que há várias duplicações de si mesmo como clones de sua pessoa Vörös et al 2003 As bases psicopatológicas e etiológicas desses curiosos delírios não foram bem esclarecidas Margariti Vassilis Kontaxakis 2006 e tais quadros delirantes podem ser também descritos como transtornos da memória de reconhecimento ver capítulo sobre memória Os delírios de identificação são observados principalmente na esquizofrenia e como forma pura nos transtornos delirantes Também são observados com alguma frequência em transtornos neurocognitivos especialmente nas demências Menos frequentemente podem ocorrer após trauma craniencefálico acidente vascular cerebral em algumas pessoas com deficiência intelectual nos quadros psicóticos do TB na mania e depressão delirantes e eventualmente no transtorno obsessivocompulsivo TOC Förstl et al 1991 Delírios de conteúdo depressivo Os delírios de conteúdo depressivo são aqueles que têm temática de colorido marcadamente triste como ruína ou miséria culpa ou autoacusação doenças e mesmo o desaparecimento de partes do corpo negação de órgãos São tipos de delírio intimamente associados a depressão grave em pessoas que vivenciam estados depressivos profundos Esses delírios são o inverso dos delírios de grandeza ou daqueles em que o sujeito acredita ser alguém muito especial verificados em certos quadros de mania Além disso dizse que nos transtornos do humor que cursam com ideias delirantes o delírio é congruente com o humor quando em episódio de depressão psicótica se observam delírios de ruína culpa negação de órgãos ou hipocondríacos e no caso da mania delírios de grandeza Quando os conteúdos dos delírios não estão coerentes com a alteração do humor dizse que eles são incongruentes com o humor ou humor incongruentes delírio persecutório em quadro depressivo sem a ideia de merecer ser perseguido ou delírio de controle em quadro de mania Os principais delírios de conteúdo depressivo são os de ruína culpa e autoacusação negação de órgãos e hipocondríacos Delírio de ruína ou niilista Nesse caso o indivíduo vive em um mundo repleto de desgraças está condenado à miséria ele e sua família irão passar fome o futuro lhe reserva apenas sofrimentos e fracassos Em alguns casos o paciente acredita estar morto ou que o mundo inteiro está destruído e todos estão mortos Delírio de culpa e de autoacusação Aqui o indivíduo afirma sem base real para isso ser culpado por tudo de ruim que acontece no mundo e na vida das pessoas que o cercam ter cometido um grave crime ser uma pessoa indigna pecaminosa suja irresponsável que deve ser punida por seus pecados O delírio de culpa ou autoacusação é bastante característico das formas graves de depressão sendo então denominadas depressão psicótica ou com sintomas psicóticos Delírio de negação de órgãos Nessa forma de delírio depressivo o indivíduo experimenta profundas alterações corporais Relata que seu corpo está destruído ou morto que não tem mais um ou vários órgãos como o coração o fígado ou o cérebro suas veias estão secas não tem mais nem uma gota de sangue seu corpo secou ou apodreceu seus braços e pernas estão se esfarelando A síndrome ou delírio de Cotard nome do psiquiatra francês Jules Cotard 18401889 que descreveu esse quadro em 1880 e 1882 se refere ao delírio de negação de órgãos que eventualmente pode vir também acompanhado de delírio de imortalidade Não vou morrer nunca mais vou sofrer para o resto da eternidade e mais raramente de delírio de enormidade o paciente vivencia o corpo se expandindo tomando conta de todo o quarto crescendo até proporções gigantescas Na literatura científica de língua inglesa muitas vezes se denomina o delírio de Cotard como delírio niilista o que expressa certa imprecisão conceitual O delírio de negação de órgãos e a síndrome de Cotard são típicos das depressões graves com marcante componente ansioso Podem ocorrer também em quadros psicoorgânicos e na esquizofrenia Bott et al 2016 Delírio hipocondríaco O indivíduo crê com convicção extrema que tem uma doença grave incurável que está contaminado pelo vírus da aids que irá morrer brevemente em decorrência do câncer sendo que na realidade ele não tem essas doenças É um tipo de delírio muitas vezes difícil de ser diferenciado das ideias hipocondríacas intensas não delirantes Nenhuma das contestações como os exames laboratoriais negativos as avaliações de diferentes especialistas os exames de imagem tomografia computadorizada ressonância magnética etc demovemno da crença absoluta de que sofre de uma doença terrível O que diferencia o delírio hipocondríaco da ideia hipocondríaca é a intensidade da crença assim como a total ausência de crítica do paciente e seu envolvimento com as preocupações hipocondríacas O delírio hipocondríaco ocorre em pacientes com depressões graves em casos de transtorno delirante paranoia e na esquizofrenia Delírio cenestopático Essa é uma forma de delírio relativamente próxima do delírio hipocondríaco e do delírio de negação de órgãos pois também se refere ao corpo cenestesia é o conjunto de sensações subjetivas normais referentes ao corpo interior referido geralmente como boa disposição vigor bemestar físico geral e cenestopatia a sensação difusa e desagradável de que o corpo sobretudo seus órgãos internos não está bem é malestar expresso geralmente com palavras referidas aos órgãos internos como peso vazio torção gelado encolhido queimando etc No delírio cenestopático o indivíduo afirma com convicção que seu corpo está alterado tem sensações estranhas nos órgãos internos mais penosas que dolorosas referindose com frequência a um ou mais órgãos específicos coração cérebro estômago faringe órgãos genitais etc Esse tipo de delírio baseiase na interpretação delirante de sensações corporais vivenciadas pelo paciente vividas no corpo mas sem a temática de doença Pode ocorrer principalmente na esquizofrenia na depressão com sintomas psicóticos e nos transtornos delirantes O Quadro 212 apresenta resumidamente outros tipos de delírio menos frequentes Quadro 212 Delírios menos frequentes Delírio de reivindicação ou de querelância Nesse caso o indivíduo de forma completamente desproporcional em relação à realidade afirma ser vítima de terríveis injustiças e discriminações e em consequência disso envolvese em intermináveis disputas legais querelas familiares processos trabalhistas etc São frequentes os delírios de reivindicação associados a questões de herança e trabalhistas aposentadorias direitos não recebidos etc O indivíduo considerase o representante dos mais injustiçados dos perseguidos e engajase tenazmente contra as injustiças das quais julga ser a principal vítima Ocorre mais comumente em transtornos delirantes paranoia Delírio de invenção ou de descobertas Aqui o indivíduo mesmo completamente leigo na ciência ou na área tecnológica em questão revela ter descoberto a cura de uma doença grave da aids do câncer etc ou ter desenvolvido um aparelho moderno fantástico enfim descobertas ou invenções que irão mudar o mundo Verificase principalmente nos transtornos delirantes antiga paranoia na esquizofrenia e na mania Delírio de reforma ou salvacionista Ocorre entre indivíduos que se sentem destinados a salvar reformar revolucionar ou redimir o mundo ou a sociedade Tal plano revolucionário ou salvacionista está muitas vezes fundamentado em dogma ou sistema religioso ou político desenvolvido pelo próprio delírio Esses sujeitos delirantes têm convicção plena de que seu sistema religioso ou político é absolutamente o único capaz de salvar de fato a humanidade Às vezes é difícil diferenciar a pessoa com delírio de reforma daquelas com crenças religiosas ou políticas marcadamente fanáticas Delírio de infestação síndrome de Ekbom nome do neurologista sueco KarlAxel Ekbom 19071977 Em 1938 Ekbom descreveu vários casos de mulheres adultas ou idosas que apresentavam o delírio de que vermes e micróbios estavam infestando suas peles Nesses casos o indivíduo acredita que seu corpo principalmente sua pele eou seus cabelos está infestado por pequenos organismos Relata no mais das vezes que há bichinhos sob a pele insetos nos cabelos vermezinhos aranhas etc Acompanhando o delírio podem ocorrer alucinações táteis correspondentes aos pequenos insetos Sims 1995 Esse tipo de delírio ocorre mais em mulheres mais em idosas que vivem em certo isolamento social Pode ocorrer como um transtorno delirante em pacientes com esquizofrenia com depressão psicótica no delirium tremens em intoxicações por cocaína ou alucinógenos e em indivíduos obcecados pela higiene corporal Dos pacientes com esse tipo de delírio 34 remitem espontaneamente e 52 com o uso de antipsicóticos Ekbom et al 19382003 Trabert 1995 Delírio fantástico ou mitomaníaco O indivíduo descreve presenciar ou viver histórias fantásticas mirabolantes com convicção plena sem qualquer crítica Esse tipo de delírio é notável pelas histórias e narrativas fabulosas totalmente irreais descrições que se assemelham a contos fantásticos ricos em detalhes e francamente inverossímeis O delírio fantástico ocorre tipicamente na esquizofrenia sobretudo de surgimento tardio denominada parafrenia fantástica por Kraepelin 1996 FREQUÊNCIA DOS DELÍRIOS SEGUNDO SEUS CONTEÚDOS Os delírios mais frequentes três quartos do total são os que têm conteúdos de perseguição que incluem não apenas os delírios propriamente persecutórios mas também os de referência de relação e de influência todos eles quase sempre com colorido persecutório Outros tipos são mais raros como o de invenção o de infestação o cenestopático e o fantástico embora possam ser eventualmente observados A Tabela 211 apresenta resumidamente alguns trabalhos feitos em diferentes contextos socioculturais que identificaram os tipos de delírio mais frequentes em pacientes acompanhados em serviços de saúde mental Tabela 211 Tipos de delírio segundo seus conteúdos mais frequentes em diferentes contextos socioculturais com pacientes com transtornos do espectro da esquizofrenia esquizofrenia psicoses esquizofreniformes psicoses não afetivas LOCAL DA PESQUISA Nº DE PACIENTES ESTUDADOS PERSEGUIÇÃO GRANDEZA OU MISSÃO RELIGIOSO DOENÇA HIPOCONDRÍACO CULPA CIÚMES EROTOMANIA Brasil 831 75 25 25 20 EUA 3172 511 23 18 19 22 EUA 2453 só 1º episódio 743 462 356 18 13 102 EUA 10210 Série histórica 19002000 78 20 39 29 Envenenamento 25 Áustria 6394 732 47 66 14 44 25 Áustria 1265 794 214 214 103 189 08 31 Áustria 1016 872 198 198 198 208 10 59 Alemanha 1507 834 187 213 93 153 60 67 Inglaterra 3837 80 30 21 19 12 2 Japão 3246 888 194 68 86 49 19 65 Coreia do Sul 1439 723 482 471 234 312 17 Coreia do Sul 37011 781 416 251 138 49 10 China 17611 574 17 72 142 28 China 1479 789 275 79 141 49 85 Taiwan 1409 791 388 410 245 58 36 Paquistão 1085 815 102 46 37 19 09 Índia 20012 82 195 205 16 21 25 África do Sul 2008 Povo Xhosa 86 59 625 feitiçaria 40 ser divino 365 60 Faixa geral 5189 2550 2062 14365 22312 1921 0925 Fontes 1Dalgalarrondo et al 2003 nessa amostra originalmente com 83 pacientes delirantes 24 estudados mais profundamente 42 apresentavam esquizofrenia e 58 psicoses afetivas e outras psicoses 2Appelbaum Robbins Roth 1999 3Paolini Moretti Compton 2016 4GutiérrezLobos et al 2001 5Stompea et al 1999 6Tateyama et al 1998 7Iyassu et al 2014 8Campbell et al 2017 9Kim et al 2001 10Cannon Kramer 2011 11Kim et al 1993 12Kala Wig 1982 Obs não pesquisado ou nenhum caso encontrado Um paciente pode apresentar mais de um tipo de delírio Os delírios com conteúdos místicos ou religiosos ocorrem em diferentes culturas em uma faixa inferior de 5 Paquistão e 7 Japão até a faixa superior de 40 Nigéria e 48 Gana revisão em Dalgalarrondo 2007 Na África do Sul os dados apresentados são relativos exclusivamente ao grupo étnico Xhosa que é um grupo que fala o Bantu pertencente às tribos e língua Nguni Cabe notar que alguns estudos com séries históricas de descrição de pacientes delirantes revelaram também que nos últimos 100 a 200 anos o tipo de delírio mais frequente é o de perseguição A historiadora Laure Murat 2012 realizou um estudo em arquivos franceses do fim do século XVIII ao fim do XIX e encontrou alta frequência de delírios de perseguição e de grandeza Na Eslovênia foram estudadas 120 fichas clínicas de pessoas com delírios na primeira internação de 1881 a 2000 no hospital psiquiátrico de Ljubljana Os delírios com conteúdo de perseguição foram os mais frequentes seguidos dos delírios religiosos e mágicos Nos últimos 120 anos houve aumento da frequência de delírios persecutórios de controle ou influência e redução dos religiosos Os autores defendem que mudanças sociopolíticas em meios de comunicação rádio e televisão e tecnológicas na sociedade influenciaram os conteúdos dos delírios Skodlar et al 2008 Cannon e Kramer 2011 realizaram um estudo sobre o conteúdo dos delírios de 102 pessoas 53 mulheres e 47 homens com psicoses a maioria com esquizofrenia internadas no Hospital Psiquiátrico da Pensilvânia de 1913 a 1999 nos Estados Unidos Os delírios de perseguição 76 foram os mais frequentes seguidos dos religiosos 38 dos somáticos 28 e de grandeza 20 Houve tendência de os delírios de perseguição aumentarem ainda mais de frequência depois dos anos de 1950 Cannon Kramer 2011 FATORES QUE DETERMINAM OS CONTEÚDOS DOS DELÍRIOS Que fatores seriam importantes na produção de um conteúdo ou outro nos delírios Em psicopatologia há certo consenso de que o sistema de crenças os símbolos sociais culturais e religiosos o conceito de self mais coletivo ou mais individualista os eventos sociais e históricos bem como o contexto socioeconômico cultural e político seriam importantes na determinação desse conteúdo Os delírios também variariam em conteúdo segundo variáveis relacionadas à pessoa que delira como gênero idade nível educacional status socioeconômico moradia se mora no campo em cidade pequena ou em metrópole Como já exposto o consenso em estudos internacionais transculturais e históricos é o de que o conteúdo mais frequente dos delírios é seguramente o de perseguição Isso parece ser válido nas Américas do Norte e do Sul na Europa na Ásia e na África Também parece ser válido desde o início do século XIX até o fim do século XX Uma tentativa de explicar por que a temática de perseguição é a mais frequente nos delírios se baseia na ideia de que o conflito entre segurança e necessidade de proteção versus medo desamparo e sensação de perigo seja tão central para o ser humano que quando adoece mentalmente seria esse o elemento perseguição mais frequente a eclodir Tratase de especulação que requer mais estudos para ser ou não confirmada De qualquer forma resta a pergunta fundamental por que estes três tipos de delírio de perseguição de grandeza ou missão e religioso e não outros delírios hipocondríacos de culpa de ciúmes ou erotomania são os mais frequentes nos vários locais e momentos históricos estudados Delírios internet e mundo tecnológico contemporâneo Presenciamos uma verdadeira revolução social econômica e cultural com o uso e a influência da internet e da cibercultura que surgiram e cresceram vertiginosamente nas últimas duas a três décadas A internet hoje é o principal meio de comunicação social de obtenção e troca de informações muitas vezes também de afetos e valores e influencia radicalmente a experiência subjetiva de boa parte da humanidade Não é surpreendente que a internet e toda a cultura que ocorre nela e no seu entorno tenhamse tornado importante elemento da experiência psicopatológica em geral e do delírio em particular Relatos de casos de delírios intimamente relacionados à internet começaram a surgir no fim dos anos de 1990 Tan et al 1997 Catalano et al 1999 ideias delirantes de que pessoas via internet controlam sua vida suas ações e pensamentos ou de que estão lendo seus pensamentos através da rede fazendo fotografias sexuais e expondoas nas redes sociais de que Bill Gates estaria espionando e destruindo seus arquivos suas atividades estariam sendo publicadas na internet ou ainda de que implantaram um chip em seu cérebro e transmitem pela web tudo o que pensa vê ou sente revisão em Bell et al 2005 Também revelando o marcante efeito da vida contemporânea sobre a formação dos delírios foi descrito em 2008 o chamado delírio tipo Truman Truman delusion cujo nome foi inspirado no filme O show de Truman Analogamente ao que acontece no longametragem nesse delírio o indivíduo acredita delirantemente que sua vida é uma grande encenação parte de um reality show Também pode acreditar que está constantemente sendo vigiado e filmado por câmeras escondidas e que essas gravações serão transmitidas mundo afora para divertimento das pessoas ou com outros fins nefastos para o sujeito Gold Gold 2012 De toda forma as inovações tecnológicas no campo da comunicação cujo ponto central hoje é a internet e a vida plugada a um smartphone estão se tornando cada vez mais importantes para a psicopatologia inclusive a 1 2 3 psicopatologia das alucinações delírios e afetividade Hirjak Fuchs 2010 Mason et al 2014 Possíveis causas e teorias etiológicas dos delírios Mesmo sendo o delírio um dos fenômenos mais centrais da psicopatologia não há uma única teoria que explique satisfatoriamente sua etiologia Como as alucinações o delírio embora em menor grau tende a regredir de forma inespecífica com o uso de medicamentos antipsicóticos Isso estimula a crença de que haja fatores comuns a todos os tipos de delírio mesmo que eles ocorram em transtornos tão distintos como esquizofrenia depressão mania transtorno da personalidade borderline demências e psicoses orgânicas Entretanto a investigação de tais fatores hipotéticos comuns ainda não oferece evidências empíricas suficientes para sustentar uma teoria etiológica geral do delírio De qualquer forma são apresentadas a seguir algumas das principais hipóteses sobre as possíveis causas do delírio divididas em cinco grandes grupos modelos psicanalíticos modelos existenciais modelos de afetividade modelos cognitivistas e modelos neurobiológicos Hipóteses causais modelos psicanalíticos e psicodinâmicos Freud 1911 1976 postulou que haveria na base do delírio sobretudo no de perseguição um processo de transformação de impulsos e desejos inaceitáveis em especial homossexuais ao sujeito consciente e o qual expressaria como delírios persecutórios Simanke 1994 Seu modelo básico foi uma cadeia de três enunciados que se sucederiam Eu um homem amo aquele homem conteúdo básico inconsciente Eu odeio aquele homem inversão afetiva inconsciente de amor em ódio Aquele homem me odeia projeção também inconsciente de impulsos inconscientes sobre objetos externos ao Eu gerando conteúdo consciente agora aceitável A chamada teoria da hostilidade Swanson Bohnert Smith 1970 postula que ocorrem os dois últimos passos da fórmula freudiana Assim sujeitos delirantes paranoides projetariam inconscientemente seu ódio ou hostilidade intensos nos outros e passariam a sentir que estes os odeiam e querem destruí los Uma variante dessa formulação foi proposta pelo original psiquiatra norte americano Harry Stack Sullivan 18921949 em sua teoria da humilhação Nela ele postula que a projeção de autoacusações em outros sobretudo quando o sujeito transfere a acusação de inferioridade pessoal para fora de seu Eu não é mais o paciente que se acusa de inferioridade são os outros que o acusam é componente importante do desenvolvimento da ideação delirante de perseguição Sullivan 1965 A escola inglesa de psicanálise Melanie Klein Bion Rosenfeld propôs que já entre as crianças pequenas as fantasias agressivas conduziriam ao medo intenso da retaliação Hinshelwood 1992 Tal medo reforçaria a ansiedade que por sua vez incrementaria as fantasias agressivas círculo vicioso dominado pela pulsão de morte Há também no psiquismo infantil que se mantém em parte nos adultos a cisão dos objetos internos em maus e persecutórios por um lado e bons e protetores por outro Na psicose nos quadros paranoides o delírio adviria da projeção inconsciente maciça tanto das fantasias agressivas como dos objetos maus persecutórios em pessoas reais do meio externo Por fim Jacques Lacan 19011981 formulou que o delírio pode implicar tentativa de autocura O sujeito psicótico apresentaria um mecanismo de rechaço ou eliminação radical de elementos essenciais à constituição do psiquismo especificamente de sua dimensão simbólica o qual Lacan denominou foraclusão Ao excluir do psiquismo por exemplo a construção simbólica de paternidade o nome do pai como elemento simbólico essencial surgiria um vazio avassalador que o sujeito psicótico buscaria preencher por meio de construções delirantes substitutivas Lacan 1985 Lepoutre et al 2017 Hipóteses causais modelos existenciais Na perspectiva da psicopatologia existencial o delírio advém de profunda transformação do encontro entre os seres humanos Haveria um transtorno fundamental da comunicação e da interação interhumana O psicopatólogo suíço Ludwig Binswanger 18811966 propõe que no sujeito delirante é a estrutura de sua existência de seu estarnomundo que se transforma profundamente Conforme Binswanger ocorre no delírio uma decapitação existencial um esvaziamento das capacidades relacionais fundamentais Entmächtigung e uma limitação da liberdade existencial O mundo do estar nomundo do sujeito delirante não mais significa a totalidade de condições variadas que a existência tomou no seu progredir e que lhe permite a liberdade de locomoverse em distintos sentidos e sim uma fonte constante e estereotipada de ameaças de hostilidades Binswanger 1949 O psicopatólogo romeno radicado no Brasil Carol Sonenreich 1923 formula que o sujeito delirante apresentaria um modo peculiar de interação com os outros marcado pela perda da capacidade de comunicação lógica O indivíduo não poderia mais se colocar na relação com o outro por meio de um diálogo em que normalmente são formuladas várias e diversificadas hipóteses não pode interrogarse sobre o mundo experimentar diversas soluções e optar entre elas Para Sonenreich o delirante se enrijece e se empobrece lançando mão de ideias automatizadas de uso comum préfabricadas Segundo ele o delirante é o sujeito com mais certezas que há não admite a dúvida por isso é privado de liberdade relacional e existencial Sonenreich Corrêa 1985 Nessa linha de raciocínio conforme assinala o psicopatólogo francês Arthur Tatossian 19291995 no delírio existe o que se poderia chamar de abolição do acaso tudo que acontece na vida no mundo próprio e no mundo externo tem uma razão para acontecer está conectado entre si conspira em determinado sentido contra o paciente Nada é fruto do acaso Tatossian 2006 Indo de certa forma contra a perspectiva existencialista do delírio que defende que ele tem um sentido para quem delira sentido escondido que deve ser buscado e identificado German Berrios e Fuentenebro de Diego 1996 defendem a ideia de que de fato não haveria um sentido encoberto no delírio Postulam que os delírios seriam atos linguísticos vazios empty speech acts A narrativa delirante constituiriase como um conjunto de retalhos semânticos destroços de sentidos tomados aleatoriamente no momento da cristalização do delírio Daí a presença de conteúdos culturais no discurso delirante sem as amarras coletivas que os tornariam significativos na interação social e cultural Hipóteses causais afetividade emoções negativas estresse diário e delírio A afetividade via emoções negativas estresse incluindo problemas de sono e baixa autoestima tem sido cada vez mais associada em estudos empíricos ao surgimento à recaída e à manutenção de delírios Por exemplo em um estudo que monitorou diariamente o estado afetivo e os delírios de 130 pacientes com esquizofrenia vivendo na comunidade BemZeev e colaboradores 2012 verificaram que experimentar baixa autoestima se relacionou ao surgimento de ideias delirantes Em um estudo com realidade virtual Veling e colaboradores 2017 verificaram que estresses socioambientais ir a um bar virtual com muita gente 1 2 3 com pessoas hostis estranhas ao sujeito se relacionam intimamente ao incremento de sintomas psicóticos paranoides A relação entre sono ruim e emergência de sintomas psicóticos sobretudo de perseguição tem sido amplamente demonstrada em estudos empíricos Ter sono ruim aumenta sintomas de ansiedade e depressão e estes incrementam os sintomas psicóticos paranoides Reeve et al 2015 Por fim cabe lembrar que emoções negativas estresse e dificuldades no sono são fatores que podem tanto desencadear o delírio em pessoas com vulnerabilidade para a psicose como ocorrer em consequência dele Hipóteses causais psicologia cognitivista processamento de informações e delírio Connors Halligan 2015 Nos últimos anos os modelos cognitivos do delírio sobretudo para o de perseguição têm ganhado relevância no debate científico internacional revisão em Blackwood et al 2001 Os principais modelos cognitivos são No modelo da experiência anômala sugerese que alguns sujeitos que experimentam vivências estranhas como ilusões e alucinações sensoriais eou estados afetivos disfóricos intensos desconforto e angústia intensos tenderiam a atribuir um significado delirante a tais experiências O delírio nesse caso está intimamente relacionado às alucinações eou outras alterações sensoperceptivas tendo em seu leque de causas a experiência mesma da alucinação delírio alucinatório Já no modelo do viés atencional verificouse que as pessoas que apresentam delírios de perseguição têm a tendência já anterior ao delírio de dirigir sua atenção seletivamente para estímulos ameaçadores do ambiente costumando lembrar de forma constante de tais episódios Desses sujeitos alguns interpretariam os perigos recorrentes de forma francamente delirante Tal modelo por si só parece insuficiente para explicar o surgimento e a manutenção dos delírios O modelo do viés atributivo postula que os delírios poderiam estar vinculados a processos distorcidos de atribuição de causas atos e intenções Parte desse modelo surge da constatação de que a maioria das pessoas sadias faz atribuições causais uma atribuição que inclui o termo porque beneficiando a si mesmas Esse viés serviria para o aumento ou a manutenção da autoestima 4 5 Alguns indivíduos delirantes sobretudo aqueles com delírio de perseguição tenderiam a exagerar marcadamente tal viés de atribuição causal selfserving attributional bias imputando a si mesmos o papel de vítimas passivas e aos perseguidores o papel dos que detêm todos os defeitos e perversidades Em parte o viés atributivo também participa do modelo da experiência anômala pois o processo de interpretar um fenômeno anômalo constituindo um delírio implica atribuições de sentido No modelo com base no viés de saltoparaconclusões jumpingto conclusions Hemsley e Garety 1986 utilizaram o teorema de tomada de decisões de Bayes do trabalho do reverendo Thomas Bayes 17021761 Essay towards solving a problem in the doctrine of chances publicado em 1764 como base teórica para o exame dos vieses de raciocínio de sujeitos delirantes Nesse teorema a confiança do sujeito em uma crença corrente deveria aumentar ou diminuir de acordo com o valor de novas evidências obtidas isso não ocorreria em pacientes delirantes Assim verificouse que pacientes com delírios tendem bem mais que sujeitos sadios a extrair firmes conclusões com muito menos evidências fatuais Eles saltam logo para as conclusões sem recorrer ao conjunto de fatos percebidos apegandose firmemente a tais conclusões distorcidas Estudos empíricos têm revelado que sujeitos delirantes apresentam também um viés de coleta de dados buscando menos informações antes de chegar a decisões mais que propriamente um viés de raciocínio probabilístico pois são capazes de acumular informações corretamente gerar hipóteses e testá las Revisões e metanálises têm confirmado que o viés de salto para conclusões é consistentemente relacionado ao delírio Dudley et al 2016 Como os delírios de perseguição refletem uma crença falsa sobre a intenção e o comportamento do outro o delírio poderia advir de um déficit na capacidade em ter tal teoria da mente ou de têla de forma anômala No modelo com base no déficit de teoria da mente investigase a habilidade que o indivíduo tem de inferir o estado mental crenças pensamentos e intenções alheio para com isso predizer e explicar os comportamentos das outras pessoas Tal capacidade é denominada teoria da mente O modelo de déficit ou anomalia em teoria da mente foi testado por muitos estudos empíricos com instrumentos variados de pesquisa Os resultados são contraditórios Embora alguns sujeitos delirantes apresentem déficits da teoria da mente na maioria das vezes tais déficits parecem mais indicar a desorganização geral do psiquismo encontrada em indivíduos psicóticos Hipóteses causais modelos neurobiológicos e neuropsicológicos O fato de frequentemente surgirem delírios em muitos transtornos mentais orgânicos assim como de haver boa taxa de remissão da atividade delirante com o uso de antipsicóticos sugere mecanismos neuronais e neuropsicológicos implicados nos aspectos neuronais do delírio A capacidade de autoobservação e autoavaliação assim como a monitoração e o teste da realidade são funções psicológicas altamente dependentes da integridade das áreas préfrontais Tais capacidades e funções estão quase sempre comprometidas nos sujeitos delirantes Benson e Stuss 1990 propuseram a presença de disfunção das áreas cerebrais frontais associada ao delírio Nessa linha de raciocínio em um estudo com ressonância funcional do cérebro em repouso Gao et al 2015 a área do giro frontal superior médio e o giro do cíngulo de pacientes delirantes foram observados com padrões distintos dos de controles sadios Outro estudo revelou alterações associadas a uma tarefa em ressonância magnética funcional com frases ambíguas que ativavam delírios de referência Nos pacientes delirantes as áreas mediais corticais mesotemporais e mesofrontais assim como a amígdala e o striatum foram fortemente ativadas em associação com os delírios Menon et al 2011 Em um estudo que comparou 19 pacientes com esquizofrenia e atividade delirante intensa 30 indivíduos com esquizofrenia sem delírios e 30 controles saudáveis foi verificado usandose ressonância magnética funcional que a ativação do giro do cíngulo anterior estava marcadamente reduzida no grupo com esquizofrenia e delírios intensos Zhu et al 2016 Em outro estudo com desenho semelhante feito com ressonância magnética mas que avaliou a estrutura do cérebro de 24 pacientes com primeiro surto de esquizofrenia e atividade delirante em comparação com 18 pacientes com esquizofrenia em primeiro surto mas sem atividade delirante e 26 controles sadios foi observado que os sujeitos com atividade delirante apresentavam significativa redução do volume do tálamo e do putame núcleo da base na parte frontal do cérebro no hemisfério esquerdo Huang et al 2017 Além dessas áreas frontais mesotemporais e subcorticais mencionadas o claustrum uma camada de substância cinzenta entre a cápsula extrema e a externa próxima ao striatum e à ínsula relacionada à organização de informações foi sugerido como uma estrutura envolvida de forma significativa no delírio Patru Reser 2015 Estudos mais recentes têm buscado avançar na compreensão neurobiológica do delírio entretanto a atividade delirante é marcadamente complexa não sendo sujeita a modelos animais pois o delírio envolve pensamento julgamento compreensão lógica ou seja elementos praticamente impossíveis de se abordar em modelos animais Revisões de interesse sobre as hipóteses neurobiológicas e neuropsicológicas do delírio são encontradas em Corlett e colaboradores 2010 Sultzer e colaboradores 2014 e Jiajia Zhu e colaboradores 2016 Por fim cabe assinalar e concluir que o delírio é um dos fenômenos mais complexos de toda a psicopatologia e que em sua gênese intervêm diferentes fatores de diversos níveis e naturezas É possivelmente o conjunto de fatores neuropsicológicos emocionais e sociais em determinado sujeito em certa situação existencial o que produz como resultante final o delírio DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DO DELÍRIO Ideias prevalentes versus ideias delirantes A diferenciação entre ideias prevalentes e delirantes baseiase sobretudo em observar cuidadosamente se os indícios externos do delírio estão ou não presentes Assim para considerar uma ideação como delirante e não como ideia prevalente deve haver convicção extraordinária a certeza subjetiva praticamente absoluta impossibilidade de modificação da ideia pela experiência evidente falsidade ou impossibilidade da ideia sustentada bem como o caráter associal não compartilhado pelo grupo cultural do sujeito do juízo afirmado É com certa frequência particularmente bastante difícil estabelecer a distinção nos casos das ideias hipocondríacas e das ideias de ciúmes que podem ser ideias prevalentes ou delirantes Ambas são geralmente sustentadas e defendidas com grande certeza e total relutância em considerar outras possibilidades em pesar o conjunto de evidências disponíveis Ideias obsessivas versus ideias delirantes Ideias ou pensamentos obsessivos são ideias estranhas ou absurdas recorrentes que se introduzem de forma repetida e muito incômoda na consciência do sujeito o qual apesar de sofrer tem crítica em relação a seu caráter absurdo O indivíduo por exemplo que teve uma educação religiosa muito intensa pode pensar de forma recorrente que Jesus é um semvergonha ou que a Virgem Maria é uma prostituta Ele reconhece tais pensamentos como absurdos mas não consegue se livrar deles O elemento diferencial entre essas ideias obsessivas e as delirantes é que no delírio falta de modo geral a crítica ao caráter absurdo do juízo em questão No delírio o indivíduo acredita na realidade dos conteúdos delirantes aceitaos e defende com vigor sua realidade Já nas ideias obsessivas há crítica e luta entre o sujeito e as recorrentes ideias obsessivas que lhe importunam Entretanto particularmente em pacientes adolescentes em indivíduos com inteligência limítrofe ou deficiência intelectual leve assim como em alguns pacientes com esquizofrenia com traços obsessivos de personalidade muitas vezes é bastante difícil estabelecer a distinção entre ideias obsessivas e ideias delirantes Delírio versus alucinação Algumas experiências como vivências corporais bizarras Sinto que não tenho mais fígado Sinto que uma cobra anda dentro do meu corpo ou É como se toda noite o demônio tocasse meus órgãos genitais viesse para me obrigar à penetração não têm qualquer referência em percepções normais a pessoa sadia não sente seu fígado para poder perceber que ele não mais está lá ou nelas a experiência sensorial é amplamente interpretativa com caráter ideativo Assim em certos casos tornase bastante difícil afirmar se o caso é de uma alucinação com elaborações ideativas em torno dela ou de uma ideia delirante sobre algo que aparentemente tem uma dimensão sensorial Nessas situações sugerese que se opte por classificar o fenômeno por meio do caráter predominante da experiência quando sensorial considerase como alucinação quando ideativo ou de caráter mais interpretativo como delírio Mitomania versus ideias delirantes A mitomania deve ser diferenciada sobretudo do delírio fantástico Ela foi descrita pelo francês Ernest Dupré 18621921 em seu estudo de 1905 La Mythomanie Étude psychologique et médicolégale du mensonge et de la fabulation morbide A mitomania é definida segundo Dupré como a tendência patológica a mentir e criar mitos de modo mais ou menos voluntário e consciente O paciente mitômano conta longas e complicadas histórias que mais parecem fábulas seus feitos suas aventuras tudo é falso Dupré descreveu alguns subtipos de mitomania Na mitomania maligna o sujeito inventa histórias orais ou escritas cria fatos falsos e os divulga para prejudicar ou depreciar alguém geralmente uma pessoa ingênua e confiante que vive no ambiente do mitômano Tais mitômanos comumente se mantêm no anonimato e gozam em segredo Já na mitomania vaidosa mais benigna que a anterior o sujeito em geral fanfarrão e charlatão busca apenas impressionar os outros para se promover A mitomania da criança por sua vez é considerada não patológica pois expressa a inclinação natural pelo maravilhoso e pelo legendário Valor diagnóstico em adultos a mitomania ocorre mais frequentemente em indivíduos com transtornos da personalidade sobretudo dos subtipos antissocial esquizotípico histriônico e borderline Pessoas com perfil hipertímico estado hipomaníaco prolongado também podem ser propensas a apresentar mitomania Pseudologia fantástica versus ideias delirantes Thom et al 2017 A pseudologia fantástica foi descrita em 1891 pelo psiquiatra alemão Anton W A Delbrück 18621944 que em sua tese de livredocência Die pathologische Lüge und die psychisch abnormen Schwindler defende que essa forma de mentira patológica se desenvolve gradualmente em indivíduos sadios até se tornarem nas suas palavras impostores ou trapaceiros anormais De qualquer forma a pseudologia fantástica é bastante difícil de ser diferenciada da mitomania e em alguns casos do delírio fantástico De fato muitos autores utilizam os conceitos pseudologia fantástica e mitomania de forma indistinta agrupandoos na chamada mentira patológica A pseudologia fantástica ocorreria quando o indivíduo mescla sua fantasia intensa e penetrante com a realidade um paciente disse a Kurt Schneider por desgraça a minha capacidade de confundir o pensamento com a realidade viva é muito grande para que possa discernir os limites entre ser e parecer Os relatos são geralmente grandiosos e extremos e o sujeito parece acreditar plenamente no que relata Com frequência as pessoas com pseudologia fantástica têm uma enorme ânsia pela estima dos outros uma tendência à vida imaginativa muito intensa e em contraposição o sentido de realidade relativamente débil Além disso suas personalidades são dotadas de certa teatralidade e sugestionabilidade A pseudologia fantástica pode ser tanto transitória e passageira como duradoura e estável A situação clássica é a de um indivíduo solitário sem familiares ou amigos que tarde da noite aparece no prontosocorro de um hospital de uma cidade estranha relatando histórias às vezes bizarras referentes a sua grande importância sobre como tem sido injustiçado e sobre os infortúnios pelos quais tem passado Sims 1995 Thom et al 2017 A pseudologia fantástica ocorre geralmente por sugestão autoinduzida Sá Júnior 1988 com mais frequência em pacientes com transtornos da personalidade principalmente histriônica e borderline Como visto há considerável sobreposição entre os construtos delírio fantástico mitomania e pseudologia fantástica O delírio se diferencia pelo marcante componente de convicção tal convicção sendo praticamente absoluta e não modificável por provas de realidade ou confrontações Já no caso da mitomania versus pseudologia fantástica devese considerar que ambas contêm uma mescla de mentira manipulação autoengano autossugestão e ânsia pela estima e pelo reconhecimento dos outros Na mitomania prevalece o componente da mentira e da manipulação principalmente na mitomania maligna e na pseudologia fantástica o autoengano a autossugestão e a busca por estima alheia É muito difícil diferenciar entre a pseudologia fantástica e o subtipo mitomania vaidosa A pseudologia fantástica mas também a mitomania em menor grau tem sido considerada por diferentes autores ora como transtorno da imaginação ou da memória ora como transtorno do pensamento e do juízo Optouse por razões práticas em situálas próximo aos delírios tanto pelo aspecto de mescla de juízos verdadeiros e falsos como pela relevância para o diagnóstico diferencial entre elas e o verdadeiro delírio O delírio é um dos temas mais fundamentais e instigantes da psicopatologia Para leituras adicionais sugeremse os livros Delírio perspectiva e tratamento do professor José Leme Lopes 1982 assim como Delírio história clínica metateoría de German E Berrios e Filiberto Fuentenebro de Diego 1996 sendo que este último contém excelente histórico do conceito de delírio Indicamse também as séries Curso sobre delírios de Othon Bastos 1986 publicadas no Jornal Brasileiro de Psiquiatria e o rico suplemento do British Journal of Psychiatry Delusions and awareness of reality editado por Andrew Sims 1991 Nos últimos anos surgiram Delírio um novo conceito projetado em cinemas de Fiks 2002 com a hipótese peirceana do delírio e por fim As lógicas do delírio de Bodei 2003 que apresentam interessante análise filosófica do delírio com influências psicanalíticas articuladas de forma inteligente Também se recomenda para abordagem fenomenológica do delírio o livro A fenomenologia das psicoses de Arthur Tatossian 2006 Outra obra muito importante que aborda o delírio sob a perspectiva contemporânea da filosofia da mente e das neurociências cognitivas é de Philip Gerrans The measure of madness Philosophy of Mind and Cognitive Neuropsychiatry 2014 Valor diagnóstico dos delírios Embora a presença de delírios seja fundamentalmente relacionada às psicoses sobretudo as do espectro da esquizofrenia os delírios não são específicos ou exclusivos desse transtorno De um largo arco que vai da esquizofrenia e do transtorno delirante passando pelos transtornos do humor mania e depressão com sintomas psicóticos até os transtornos da personalidade e os transtornos neurocognitivos o delírio pode estar presente A Tabela 212 apresenta a frequência aproximada de delírio nos principais grupos diagnósticos em que ele é verificado Tabela 212 Frequência de delírio nos diferentes transtornos mentais e neuropsiquiátricos GRUPO DIAGNÓSTICO FREQUÊNCIA DO DELÍRIO NOS DIFERENTES GRUPOS DIAGNÓSTICOS COMENTÁRIOS E REFERÊNCIAS Esquizofrenia 91 Áustria 90 Austrália 7691 China 8193 Coreia do Sul 89 Japão 87 Alemanha 80 Malásia Mediana 85 A esquizofrenia é o grupo no qual o delírio é mais frequente Kim e colaboradores 1993 Tateyama e colaboradores 1998 Appelbaum e colaboradores 1999 Jablensky e colaboradores 1999 GutiérrezLobos e colaboradores 2001 Kim e colaboradores 2001 Mania 2273 mediana 45 no episódio de mania 68 lifetime prevalence 71 delírios humorcongruentes 29 delírios humorincongruentes Pope Lipinski Jr 1978 Coryell et al 2001 Keck et al 2003 Depressão maior 25 em pacientes internados 65 delírios humorcongruentes 18 humorincongruentes e 9 os dois tipos Maj 2008 15 em pacientes ambulatoriais Transtorno da personalidade borderline 20 Pearse e colaboradores 2014 Delirium 31 45 Delírios desorganizados Meagher e colaboradores 2007 Grover e colaboradores 2014 Demências em geral 60 Jellinger 2012 Demência de Alzheimer 45 Binetti et al 1993 30 Holt Albert 2006 36 Jellinger 2012 Os delírios mais frequentes são os persecutórios e os de falsos reconhecimentos misidentification delusion Demência vascular 38 Binetti e colaboradores 1993 Demência com corpos de Lewy 2529 Jellinger 2012 Demência na doença de Parkinson 2530 Jellinger 2012 Doença de Parkinson 21 Jellinger 2012 Demência frontotemporal 175 Predomínio de delírios de perseguição seguidos de delírios somáticos Waldö et al 2015 Doença de Huntington 11 Jellinger 2012 Idosos sadios 5 3 Holt Albert 2006 Soares e colaboradores 2017 População adulta sadia 25 ideias bizarras delusionlike 84 delírios de referência e persecutórios Pechey e Halligan 2011 Nuevo e colaboradores 2012 estudo em 52 países com 256445 pessoas 1 de pessoas com esquizofrenia na amostra Fontes Pope e Lipinski Jr 1978 Jablensky e colaboradores 1999 Keck e colaboradores 2003 Coryell e colaboradores 2001 Maj 2008 Holt e Albert 2006 Soares e colaboradores 2017 Pearse e colaboradores 2014 Binetti e colaboradores 1993 Pechey e Halligan 2011 Nuevo e colaboradores 2012 Meagher e colaboradores 2007 Grover e colaboradores 2014 Jellinger 2012 Waldö e colaboradores 2015 INSTRUMENTOS PADRONIZADOS PARA A AVALIAÇÃO DO DELÍRIO Sobretudo para pesquisas mas eventualmente também para uso clínico como visto no capítulo sobre alterações da sensopercepção e alucinações o instrumento Psychotic Symptom Rating Scales PSYRATS além de avaliar alucinações auditivas também avalia de forma detalhada os delírios Drake et al 2007 Quadro 213 Semiotécnica do delírio e dos demais transtornos do juízo de realidade PERGUNTAS PARA EXPLORAR E DETALHAR Iniciar a entrevista com perguntas neutras idade estado civil onde mora etc Após ter estabelecido esse contato com cuidado ir chegando perto dos delírios Sempre que o paciente relatar o delírio ou algo dele perguntar como é que você sabe disso como chegou a essas conclusões A seguir são apresentadas perguntas referentes aos distintos tipos de delírio Delírios de perseguição Você tem motivos para desconfiar de alguém Alguém tentou prejudicálo Recebeu ameaças Foi roubado ou enganado Alguém o persegue Tem inimigos Insultamno Por que motivos Tratase de um complô de uma armação de uma máfia Como se comporta sua família em relação a você Também querem prejudicálo E seu cônjuge confia nele Também quer prejudicálo Quando começou a perseguição e por que motivo Você está certo do que me disse ou acha que podem ser coisas de sua imaginação Você não está enganado Como pensa defenderse desses perigos Delírios de referência Observou se as pessoas falam de você quando conversam Tem notado se na rua ou em outro lugar alguém o segue ou espia Alguém faz gestos ou sinais quando você passa Viu nos jornais ou na televisão alguma coisa a seu respeito Conhece as pessoas que fazem essas coisas Que intenção elas têm Delírios de influência Já sentiu algo externo influenciando seu corpo Já recebeu algum tipo de mensagem Alguma força externa influencia ou controla seus pensamentos Já teve a sensação de que alguém ou algo pode ler sua mente Já sentiu que seus pensamentos podem ser percebidos ou ouvidos pelos outros Tem a sensação de que controlam seus sentimentos seu corpo ou suas vontades Ideiasdelírios de ciúmes Você confia no seu cônjuge Tem motivos para suspeitar de sua fidelidade Tem provas de que o enganou ou o traiu Como foi que começou Como tem certeza de que o traiu Delírios depressivos e hipocondríacos Tem pensamentos tristes ou negativos Há algo de que se arrepende Fez mal a alguma pessoa Culpamno de algum crime ou falta As pessoas reprovam ou condenam seu comportamento Teme arruinarse Acha que não poderá mais trabalhar e que sua família passará fome Preocupase com sua saúde Que partes de seu corpo estão doentes Algo está errado com ele Falta algo em seu corpo Alguma parte dele está podre ou estragada Delírios de grandeza Sentese especialmente forte ou capaz Tem algum talento ou alguma habilidade especial Tem projetos realizações especiais para o futuro Aumentou ultimamente sua capacidade para o trabalho Observou se uma pessoa importante se interessa por você Você é uma pessoa rica Delírios religiosos Você é uma pessoa religiosa Já teve contato ou recebeu influências de espíritos ou forças sobrenaturais Você sente que tem uma relação especial com Deus Teve contato com forças sobrenaturais como espíritos anjos ou demônios Já conversou com Deus Já conversou com espíritos Ideias obsessivas Há pensamentos que surgem com frequência em sua mente Quais são esses pensamentos Eles se repetem constantemente De onde vêm tais pensamentos São seus mesmo São desagradáveis Você faz algo para livrarse deles Pratica rituais de verificação de limpeza etc para atenuar ou neutralizar esses pensamentos O Peters et al Delusions Inventory PDI é um dos instrumentos mais utilizados para a avaliação do delírio em pesquisas Ele contém 40 itens relacionados a crenças incomuns e delírios retirados da entrevista Present State Examination PSE e reúne um amplo leque de crenças delirantes Avalia delírios de referência de perseguição expansivos de controle e influência de culpa ou pecado hipocondríacos e despersonalização Peters et al 1999 O PDI já foi traduzido para chinês francês espanhol japonês coreano alemão polonês e italiano Também são utilizados para avaliar o delírio em pesquisas os seguintes instrumentos Delusions Rating Scale DRS Characteristics of Delusional Rating Scale CDRS e Heidelberg Profile of Delusional Experience Para delírios na depressão psicótica foi desenvolvido o Delusion Assessment Scale for Psychotic Major Depression Meyers et al 2006 LLI 8242 7 8 NL 22 A linguagem e suas alterações Temos à escolha um ou outro dos hemisférios cerebrais mas vamos por este que é onde nascem os substantivos Os adjetivos nascem no da esquerda Descoberta minha que ainda assim não é a principal mas a base dela como se vai ver Sim meu senhor os adjetivos nascem de um lado e os substantivos de outro e toda a sorte de vocábulos está assim dividida por motivo da diferença sexual Sexual Sim minha senhora sexual As palavras têm sexo Estou acabando a minha grande memória psicoléxicológica em que exponho e demonstro esta descoberta Palavra tem sexo Mas então amamse umas às outras Amamse umas às outras E casamse O casamento delas é o que chamamos estilo Senhora minha confesse que não entendeu nada Machado de Assis DEFINIÇÕES A linguagem particularmente na sua forma verbal é uma atividade especificamente humana talvez a mais característica de nossas atividades mentais É o principal instrumento de comunicação dos seres humanos Além disso é fundamental na elaboração e na expressão do pensamento e das emoções Especificamente em relação à língua é preciso diferenciar as dimensões ou elementos essenciais de qualquer língua ou idioma fonética fônica semântica sintática prosódica e pragmática A dimensão fonética estudada pela disciplina de mesmo nome se refere aos sons produzidos transmitidos e recebidos pela linguagem humana Inclui a produção do som fonética articulatória sua transmissão física fonética acústica e sua percepção pelo sistema auditivo e neurossensorial fonética perceptiva A dimensão fônica estudada pela disciplina fonologia se refere aos fonemas as unidades fonológicas mínimas distintivas de cada língua A fonologia estuda por exemplo como os fonemas se organizam nas diferentes sílabas e como operam os traços mínimos que definem os diferentes fonemas Roberto 2016 A dimensão semântica diz respeito à significação dos vocábulos das palavras utilizadas em determinada língua Já a dimensão sintática implica a relação e a articulação lógica das diversas palavras entre si no dizer de Machado de Assis como as palavras se casam Por sua vez a dimensão da prosódia a entonação da fala essencial na transmissão e reconhecimento das emoções utiliza a intensidade dos sons forte ou fraca sua frequência aguda ou grave e a duração de cada som para compor uma espécie de música da fala fundamental ao sentido e poder da comunicação verbal Por fim a dimensão da linguagem conhecida como pragmática se refere ao emprego da linguagem em situações sociais concretas os contextos circunstâncias implicações e repercussões da linguagem quando utilizada concretamente pelos seres humanos em suas vidas sociais O trabalho do linguista Ferdinand de Saussure 18571913 publicado em 1916 foi fundamental ao distinguir na linguagem a langue ou seja a língua o sistema linguístico que inclui todas as regularidades e os padrões que subjazem aos enunciados de um idioma e a parole em português palavra seja ela falada seja ela lida ou escrita ou seja os comportamentos linguísticos empreendidos pelas pessoas seus enunciados suas falas concretas e reais Weedwood 2002 A questão sobre o que é afinal a linguagem já motivou muitas controvérsias e intensos debates na teoria linguística moderna Cabe aqui citar textualmente o linguista dinamarquês Louis Trolle Hjelmslev 18991965 que de modo muito expressivo procurou descrever o que é a linguagem A linguagem a fala é uma inesgotável riqueza de múltiplos valores A linguagem é inseparável do homem e segueo em todos os seus atos A linguagem é o instrumento graças ao qual o homem modela seu pensamento seus sentimentos suas emoções seus esforços sua vontade e seus atos o instrumento graças ao qual ele influencia e é influenciado a base última e mais profunda da sociedade humana Mas é também o recurso último e indispensável do homem seu refúgio nas horas solitárias em que o espírito luta com a existência e quando o conflito se resolve no monólogo do poeta e na meditação do pensador Para o bem e para o mal a fala é a marca da personalidade da terra natal e da nação é o título de nobreza da humanidade Hjelmslev 1975 p 185 A linguagem pode ser descrita ainda como um sistema de signos arbitrários o signo linguístico as palavras Esses signos ganham seus significados específicos por meio de um sistema de convenções historicamente dado A linguagem é portanto uma criação social de cada um e de todos os grupos humanos Para o linguista norteamericano Avram Noam Chomsky 1928 independentemente da causa que em um passado remoto incitou o ser humano a começar a falar a criar e a utilizar a linguagem o que deve ser sublinhado é que todos os seres humanos independentemente de raça de cultura ou de época utilizam o mesmo aparelho fisiológico para falar Chomsky 2005 em sua gramática gerativa propõe que se distinga entre o conhecimento tácito ou explícito que uma pessoa tem das regras de uma língua competência e o uso efetivo dessa língua em situações reais desempenho Para ele os falantes usam sua competência de forma muito mais rica que as limitações de sua língua específica seu corpus linguístico É importante pois descobrir as realidades mentais subjacentes ao modo como as pessoas usam sua língua Weedwood 2002 Para Chomsky é pelo menos admissível que os seres humanos sejam geneticamente programados para falar para utilizar a linguagem Ele acredita que existam certas unidades fonológicas sintáticas e semânticas de caráter universal Categorias sintáticas como substantivo verbo tempo passado e componentes do significado de palavras como masculino ou objeto físico pertencem a conjuntos fixos de elementos segundo os quais se pode descrever a estrutura sintática e semântica em todas as línguas É o que o autor chama de universais substantivos Lyons 1989 Além disso Chomsky chama atenção para um aspecto essencial da linguagem humana a criatividade ou em sua terminologia a abertura Para ele qualquer concepção de linguagem qualquer teoria linguística deve refletir a capacidade quase inesgotável que os sujeitos têm de produzir e compreender sentenças novas que jamais ouviram anteriormente As pessoas produzem enunciam e entendem frases novas a partir de princípios sistemáticos ou regras gramaticais os quais embora determinantes são desconhecidos são inconscientes tácitos pelos próprios sujeitos Esse domínio criativo da linguagem apanágio do ser humano torna o estudo dos distúrbios da linguagem em psicopatologia um dos mais complexos pois devido à grande flexibilidade 1 2 3 4 5 da produção da linguagem tornase muitas vezes difícil discriminar o normal do patológico FUNÇÕES DA LINGUAGEM O linguista russo Roman Jakobson 18961982 descreveu diferentes funções da linguagem as quais pelo seu valor eurístico e amplo uso são apresentadas a seguir Jakobson 1970 Função referencial ou cognitiva é a função mais comum da linguagem centrada na informação Na linguagem predomina a função referencial quando ela serve para designar objetos pessoas situações ações atribuindo lhes significações É a linguagem na sua tarefa básica de representar e transmitir dados da realidade Função emotiva ou expressiva ou seja a linguagem como instrumento de expressão dos estados emocionais das vivências internas subjetivas A pessoa que fala expressa e suscita certa emoção verdadeira ou falsa no seu interlocutor As interjeições ai ih ah nossa etc representam o estrato puramente emotivo da linguagem porém quase sempre a dimensão emotiva caminha junto com as outras funções da linguagem Função conativa ou apelativa é a linguagem que visa uma ação intencional sobre o interlocutor que escuta a linguagem que busca persuadir mudar algo enfim influenciar as ações do interlocutor As sentenças imperativas que diferem claramente das declarativas com função referencial são exemplos da função conativa fique quieto beba o seu leite menino Função fática esta se revela quando a mensagem linguística visa basicamente estabelecer o contato prolongar confirmar controlar ou interromper a comunicação quem fala visa manter um controle sobre o fluxo da fala com o interlocutor Ao longo da conversa o falante diz ao seu interlocutor ah sim ou que interessante ou ainda veja bem ou mais diretamente continue estou ouvindo Função metalinguística nesse caso a preocupação do produtor da mensagem é com a própria linguagem utilizada com o próprio código que está sendo utilizado Quando falamos discutindo colocando em pauta elementos de nossa própria fala estamos exercendo a função metalinguística Afirmações como não entendo o que você quer dizer com tudo acabou entre nós ou quando digo fim é fim mesmo ou ainda o sentido da 6 palavra psicopatologia não é claro para mim são exemplos de função metalinguística Função poética ou estética quando o emissor produz uma fala ou texto escrito e ao fazêlo considera e dá atenção à seleção e à combinação de palavras preocupado com a sonoridade o ritmo a surpresa das imagens ou situações que tais palavras evocam a função poética é a que está então predominando nessa fala ou texto A função poética ultrapassa os limites da poesia em uma fala comum no dia a dia em um anúncio de publicidade ou em uma aula pode ocorrer a função poética Cabe assinalar que as funções da linguagem não são exclusivas uma se associa ou se sobrepõe à outra podendo uma delas prevalecer mas várias estão presentes ao mesmo tempo Além das funções sugeridas por Jakobson cabe lembrar que é a linguagem que permite e garante a socialização plena do indivíduo ela é fundamental para a afirmação do eu e das oposições eumundo eutu euoutros Enfim a linguagem é também o suporte do pensamento particularmente em sua forma mais desenvolvida relacionada ao pensamento lógico e abstrato Em relação às contribuições mais relevantes à compreensão da linguagem cabe aqui citar o linguista russo Mikhail Bakhtin 18951975 1992 Para ele a língua é fundamentalmente uma atividade social não importando tanto o enunciado o produto mas sobretudo a enunciação o processo verbal Nesse sentido a língua é concebida como um fato social cuja existência se baseia na necessidade de comunicação Só há linguagem onde ocorre a possibilidade de interação social de diálogo Para Bakhtin a língua não se situa isoladamente na mente dos falantes nem é um sistema abstrato pairando acima das relações sociais A língua é um processo empreendido conjuntamente pelos falantes e pelos ouvintes em interação recíproca e constante contextualizada em determinado ambiente histórico político e cultural Weedwood 2002 Segundo o linguista e psicopatólogo canadense Jonathan Fine 19492015 na perspectiva da linguística sistêmicofuncional a linguagem em conjunto com os comportamentos não verbais que frequentemente a acompanham cria a realidade interativa e assim funda a interação social entre os falantes de uma mesma comunidade de fala O uso da linguagem em uma comunidade oferece ao falante opções diversas do que se pode e não se pode social e linguisticamente dizer com sentido Halliday 2004 Só no contexto social específico e concreto dos falantes a linguagem pode ser compreendida interpretada e analisada p ex se se trata de linguagem normal ou patológica Fine 2007 Há uma polêmica histórica na literatura científica quanto à independência e à autonomia da linguagem em relação ao pensamento e à inteligência Muitos autores formulam que ela é íntima e necessariamente conectada ao pensamento sendo a forma de expressão de processos de pensar Nessa perspectiva ela nada mais seria que uma parte ou forma de expressão do pensamento Berrios 1996 Contra essa visão muito intuitiva e difundida há algumas críticas teóricas e dados empíricos que apontam para uma relativa independência da linguagem em relação ao pensamento Inicialmente podese citar a psicologia do desenvolvimento cognitivo de Jean Piaget 18961980 que formula a existência de pensamento e inteligência antes de haver linguagem verbal nos bebês São as formas de pensamentointeligência relacionadas a esquemas sensório motores prévios e independentes em relação à linguagem Piaget Inhelder 1973 Há duas síndromes diferentes que fornecem dados empíricos a favor da independência dos domínios da linguagem e do pensamentointeligência a síndrome de Williams SW e os transtornos específicos da linguagem Gerrans 2003 A SW é uma condição genética deleção de 17 genes contíguos do cromossomo 7q1123 na qual a criança apresenta quociente de inteligência QI médio em torno de 50 a 65 semelhante ao de uma criança com síndrome de Down Entretanto as crianças com SW têm habilidades linguísticas fluência verbal profundidade de vocabulário e sociabilidade relacionada semelhantes às de uma criança cognitivamente sadia Ou seja embora tenham deficiência intelectual suas habilidades linguísticas estão próximas às de uma criança cognitivamente sadia Já nos chamados transtornos específicos da linguagem a criança tem desempenho cognitivo claramente melhor que sua linguagem em todas as esferas cognitivas Essas crianças apresentam às vezes pronunciadas dificuldades na linguagem expressiva eou receptiva e a inteligência não está proporcionalmente prejudicada Isso aponta para certa independência tanto cognitiva como neurofuncional entre o domínio da linguagem e os outros domínios cognitivos que comumente são associados à inteligência e ao pensamento ALTERAÇÕES PATOLÓGICAS DA LINGUAGEM REVISÃO EM THOMAS FRASER 1994 ELVEVÅG ET AL 2016 Embora seja um tanto artificial ou criticável por motivos didáticos serão apresentadas separadamente as alterações da linguagem secundárias a disfunção ou lesão neuronal alterações orgânicas da linguagem e as alterações da linguagem específicas da psicopatologia mais presentes nos transtornos mentais Alterações da linguagem secundárias a disfunção ou lesão neuronal identificável Tais alterações ocorrem geralmente associadas a acidentes vasculares cerebrais tumores cerebrais trauma cranioencefálico etc Há portanto alterações neuronais identificáveis evidentes que produzem esses sintomas Na maioria dos casos as lesões ocorrem no hemisfério esquerdo nas regiões conhecidas como áreas cerebrais da linguagem frontal posteroinferior temporal posterossuperior e suas conexões adjacentes É comum portanto que os déficits orgânicos da linguagem venham acompanhados de hemiparesias do dimídio direito do corpo A seguir são apresentadas as alterações específicas da linguagem secundárias a disfunçãolesão neuronal Linguagem e cérebro revisão em CahanaAmitay Albert 2014 Os modelos cerebrais relacionados com as afasias são conhecidos como modelo clássico de BrocaWernickeLichtheimGeschwind Nele a linguagem é concebida como localizada e lateralizada no hemisfério esquerdo do cérebro as áreas dos lobos frontais inferiores e posteriores área de Broca estão ligadas à produção da linguagem e as áreas dos lobos temporais posteriores e superiores área de Wernicke estão relacionadas à compreensão da linguagem Por fim o fascículo arqueado fibras neuronais axonais conecta as duas grandes áreas da linguagem e está relacionado à capacidade de repetir palavras A área unimodal auditiva primária área de Heschl na face superior do lobo temporal esquerdo envia sinais acústicos para o giro temporal superior na área de Wernicke área da recepção da linguagem que é uma área heteromodal fundamental no processo de percepção da linguagem várias modalidades sensórias A área de Wernicke é o polo da rede de aspectos semânticos lexicais da linguagem Essa área se conecta com o fascículo arqueado que é um 1 componente do fascículo superior longitudinal e tal fascículo faz a conexão com a área de Broca no lobo frontal inferior esquerdo A área de Broca é o polo sintático e articulatório da linguagem Essa área frontal de Broca é essencial para a produção da linguagem e conectase com a área motora primária para possibilitar a fala e a escrita Heilman Valenstein 1993 Esse esquema de relação cérebrolinguagem forneceu as bases da classificação moderna das afasias e continua até os dias atuais a guiar a prática clínica e a pesquisa sobre as afasias Atualmente entretanto uma visão de relação cérebrolinguagem mais abrangente e dinâmica tem sido proposta Na perspectiva neural multifuncional concebemse redes neurais especializadas em atividades cognitivas afetivas e pragmáticas práxis que constante e dinamicamente interagem com as redes neurais especializadas em linguagem áreas de Broca e de Wernicke e fascículo arqueado para dar suporte e ao final criar a linguagem em seus múltiplos aspectos CahanaAmitay Albert 2014 Afasias As afasias são as síndromes relacionadas à perda da linguagem falada e ouvida por incapacidade de compreender e utilizar os símbolos verbais decorrente de lesão neuronal revisões em Butler et al 2014 Yourganov et al 2015 A afasia é sempre a perda de habilidade linguística que foi previamente adquirida no desenvolvimento cognitivo do indivíduo tal perda se deve sempre a lesão neuronal do sistema nervoso central SNC se não for o caso não é afasia Assim a afasia é por definição um distúrbio orgânico da linguagem na ausência de incapacidade motora do órgão fonador para produzila Também importante para o diagnóstico dessa condição é que não haja perda global e grave da cognição como um todo Os principais tipos de afasia são Afasia de expressão ou de Broca Watari et al 2014 Tratase de afasia não fluente na qual o indivíduo apesar do órgão fonador preservado não consegue falar ou fala com dificuldades de forma monótona pois seus pronunciamentos são curtos com latência aumentada nas respostas e sem contorno melódico Assim o paciente tem grande dificuldade ou impossibilidade de produzir a linguagem de expressála de modo fluente Entretanto a compreensão da linguagem está relativamente preservada A afasia de Broca ocorre por lesões na maior parte das vezes vasculares dos 2 3 4 giros frontais posteroinferiores esquerdos área de Broca Acompanhase geralmente de hemiparesia direita mais acentuada no braço Pode também ser observado o agramatismo o indivíduo fala sem poder observar as preposições os tempos verbais etc produzindo enunciados como Eu querer isso Gostar água etc Afasia de compreensão ou de Wernicke Robson et al 2014 Consiste em afasia fluente na qual o indivíduo continua podendo falar mas sua fala é muito defeituosa vazia às vezes totalmente incompreensível O paciente não consegue compreender a linguagem falada e escrita e tem dificuldades para a repetição Fala sem hesitação mas produz muitos erros na escolha de palavras para expressar uma ideia Geralmente não há hemiparesias associadas Ocorre por lesões das áreas temporais esquerdas posterossuperiores área de Wernicke Muitos pacientes com afasia de Wernicke não parecem fisicamente doentes e não têm outros sintomas neurológicos como as hemiplegias ou hemiparesias à direita São indivíduos que parecem bem fisicamente mas produzem um discurso sem sentido com muitas parafasias não conseguem se relacionar de forma lógica e sensata com o interlocutor Por isso com certa frequência são percebidos e falsamente diagnosticados com uma psicose Afasia global Geralmente é uma afasia muito grave não fluente acompanhada por hemiparesia direita mais acentuada no braço Devese a lesões amplas da região perisilviana esquerda Afasias associadas a demências Na doença de Alzheimer ocorre um tipo de afasia com os aspectos de uma afasia extrassilviana fora da região específica da linguagem adjacente à fissura de Sylvius ou afasia transcortical O paciente tem assim uma afasia predominantemente não fluente podendo ter relativamente preservada a capacidade de repetir palavras mas progressivas dificuldades na nomeação Nos últimos anos como mencionado anteriormente a neuroanatomia das afasias tem sido revista com a indicação de que outras regiões interagem íntima e dinamicamente com as áreas da linguagem produzindo o quadro final Mesulam et al 2015 Além dos quatro tipos de afasia expostos existem outras formas de afasia de condução transcorticais anômicas etc as quais são apresentadas de modo resumido no Quadro 221 Quadro 221 Resumo dos tipos de afasia e suas características clínicas TIPO DE AFASIA FLUÊNCIA COMPREENSÃO REPETIÇÃO HEMIPARESIA ASSOCIADA LOCALIZAÇÃO NO HEMISFÉRIO ESQUERDO Wernicke Fluente Comprometida Comprometida Raramente Temporal posterossuperior Broca Não fluente Intacta Comprometida Comum Frontal inferior De condução2 Fluente Intacta Comprometida Raramente Fascículo arqueado Transcortical sensorial Fluente Comprometida Intacta Ocasionalmente Giro angular Talâmica Fluente Comprometida Intacta Raramente Tálamo início com mutismo disartria e grave hemiparesia Anômica1 Fluente mas produz fala vazia Intacta mas não consegue nomear Intacta Raramente Temporal anterior ou no giro angular Transcortical motora3 Não fluente Intacta Intacta Ocasionalmente Frontal medial ou área superior de Broca Transcortical mista Não fluente Comprometida Intacta Comum Lesões das afasias transcorticais motoras e sensoriais Global Não fluente Comprometida Comprometida Comum Áreas de Broca e de Wernicke 1 Na afasia anômica o indivíduo é fluente sem ou com pouca parafasia compreende bem e repete bem as palavras Entretanto a fala é vazia de sentido com circunlocuções É geralmente acompanhada de alexia agrafia e síndrome de Gerstmann desorientação esquerdadireita agnosia dos dedos acalculia e agrafia 2 Na afasia de condução a fala é fluente mas há muitas parafasias deformação de palavras uma compreensão relativamente normal da linguagem falada mas perda da capacidade de repetir palavras e incapacidade de nomeação causada por contaminação pelas parafasias 3 A afasia transcortical motora é uma afasia não fluente como produção de ecolalias e relativamente boas compreensão e repetição No seu início pode haver uma fase de mutismo a qual é seguida por fala lenta e com pouco volume de som que gradativamente melhora com a repetição Fonte Heilman Valenstein 1993 Cummings Trimble 1995 A chamada afasia progressiva primária difere das afasias anteriormente mencionadas pois tratase de uma condição em que há um lento e progressivo declínio da linguagem em um período de pelo menos dois anos São afetados os aspectos sintáticos a nomeação o encontrar as palavras wordfinding e a compreensão de palavras na ausência de outras causas específicas de afasia como acidentes vasculares cerebrais tumores e neoplasias Diversos sintomas neuropsicológicos e comportamentais costumam ocorrer como complicações das afasias Além das dificuldades em produzir a fala uma parte dos pacientes evolui com mutismo ver adiante disartria gagueira eou palilalia repetição automática da última palavra pronunciada Especialmente a ansiedade relacionada a todo o quadro e incrementada nos momentos em que se solicita que o indivíduo fale representa um aspecto difícil na evolução das afasias CahanaAmitay et al 2011 A amusia perda da capacidade de captar e produzir sons musicais pode ocorrer em pacientes com afasias ou agnosias Agrafia Embora a escrita esteja intimamente associada à palavra falada do ponto de vista neuropsicológico ela tem certa autonomia em relação à fala Agrafia é a perda por lesão orgânica da linguagem escrita sem que haja qualquer déficit motor ou perda cognitiva global A forma mais comum de agrafia é a agrafia associada à afasia Tal tipo de síndrome pode ocorrer nas afasias de Broca de condução de Wernicke e na afasia sensorial transcortical A forma mais rara é a agrafia pura ou seja agrafia sem afasia Ocorre por lesão na segunda circunvolução frontal na área de Exner também chamada de centro da escrita ou por lesão no giro angular A agrafia com alexia incapacidade ou prejuízo para a leitura ver a seguir às vezes é chamada de agrafia parietal pois quando ocorre tal agrafiaalexia sem afasia geralmente a lesão é no lobo parietal esquerdo dominante para a linguagem A agrafia apráxica se caracteriza por dificuldade em formar os grafemas tanto na escrita espontânea como no ditado Essa forma de agrafia também ocorre devido a lesões no lobo parietal esquerdo Já quando a lesão é no lobo parietal não dominante para linguagem geralmente o direito pode ocorrer a agrafia espacial muitas vezes associada a síndromes de heminegligência Heilman Valenstein 1993 Para se testar a agrafia devese lembrar que há três componentes na escrita o linguístico o motor e as habilidades visuoespaciais O componente linguístico inclui a escolha certa de letras soletração e a escolha correta de palavras segundo seu sentido O componente motor e visuoespacial inclui as habilidades neuropsicológicas necessárias para a produção correta das letras e das palavras Por isso quando se avalia esses pacientes devese testar a escrita espontânea a escrita por ditado e a escrita por cópia Heilman Valenstein 1993 Alexia É a perda da capacidade previamente adquirida para a leitura decorrente de disfunção ou lesão neuronal Ocorre frequentemente associada às afasias e às agrafias Desde o início do século XX os neurologistas perceberam que havia um tipo de alexia mais relacionado a déficits visuais e outros mais relacionados a déficits linguísticos propriamente ditos Assim ficou claro que a leitura não é um processo unitário simples e homogêneo Heilman Valenstein 1993 Há muitos subtipos de alexias não cabe aqui detalhálos Há a alexia atencional déficits graves na atenção seletiva implicando alexia a alexia por síndromes de heminegligência incapacidade de perceber um hemicampo visual a alexia ortográfica e a alexia fonológica Cabe apenas destacar a alexia pura na qual a doença ocorre sem afasias e agrafias concomitantemente pois todos os aspectos léxicos ortográficos e semânticos estão preservados Na alexia pura a habilidade em transferir os resultados da análise das formas das letras para o léxico ortográfico está comprometida O paciente é capaz de escrever bem tanto espontaneamente como por ditado mas tem grande dificuldade em ler mesmo os escritos que ele próprio produziu há pouco O giro angulado é uma área central para a leitura sua destruição ou isolamento pode estar na base da alexia pura Na chamada alexia profunda ou dislexia profunda há uma paralexia semântica ou seja a palavra é visual e fonologicamente percebida de forma correta mas o significado das palavras é modificado transformado em algum aspecto relacionado à palavra mas distinto dela Assim expõese o paciente à palavra quente e ele lê frio à palavra gato e ele lê animal à palavra perna e ele lê braço Várias lesões podem estar na base da alexia profunda como as alterações decorrentes do corte do corpo caloso calosotomia que comunica os dois hemisférios no tratamento de epilepsias refratárias Na alexia relacionada à doença de Alzheimer há prejuízo do processo semântico do significado das palavras O paciente consegue ler palavras reais ou irreais mas tem muitas dificuldades para compreender o significado delas Além disso na doença de Alzheimer há também dificuldade crescente na compreensão das palavras faladas além das escritas Disartria É a dificuldade ou incapacidade motora de articular corretamente as palavras devido a fraqueza muscular paralisia ou coordenação falha dos músculos responsáveis pela fala músculos do aparelho fonador Embora a compreensão a formulação e o significado das palavras sejam normais não há afasia sua articulação motora está prejudicada por alterações paresias paralisias ou ataxias da musculatura da fonação Haerer 1992 A fala é fraca pastosa aparentemente embriagada com seu ritmo prejudicado A articulação é pobre com pouca precisão na pronúncia dos fonemas o que resulta em uma fala lenta e variável em sua intensidade Particularmente a articulação das consoantes labiais e dentais é muito defeituosa além disso a produção das vogais é distorcida tornando às vezes difícil ou impossível a compreensão nesse caso disartrias muito intensas são designadas anartria Mustafa et al 2014 Foram descritas formas flácidas espásticas hiper e hipocinéticas de disartria O tipo de disartria se relaciona ao sistema motor prejudicado a disartria atáxica é tipicamente relacionada a lesões no cerebelo ou nas vias que chegam ou saem dele a disartria hipocinética se relaciona a lesões nos núcleos da base e nos circuitos por eles controlados e a disartria espástica está associada a lesões bilaterais no neurônio motor superior A disartria é um sintoma relativamente comum em condições neurológicas e lesões neuronais decorrentes de acidentes vasculares e lesões traumáticas A disartria hipocinética da doença de Parkinson DP é uma condição que surge em decorrência do curso progressivo da doença por volta de 70 das pessoas com DP são afetadas por problemas na voz e na fala que incluem a disartria hipocinética A disartria pura é um quadro de surgimento agudo de uma disartria sem outros sintomas neurológicos ou neuropsicológicos geralmente devido a insulto vascular acidente vascular do tipo síndrome lacunar com lesões na cápsula interna eou na corona radiata Ocorrem também disartrias nas paralisias bulbares e pseudobulbares Cabe por fim mencionar as disartrias que ocorrem em inúmeras condições neuropsiquiátricas particularmente a paralisia cerebral quadro sobretudo motor decorrente de hemorragias cerebrais no período fetal na paralisia geral progressiva associada à neurossífilis e disartrias no complexo cognitivomotor da aids Em indivíduos marcadamente sedados por psicofármacos ou gravemente embriagados por álcool podese observar diversos graus de disartria Parafasias São alterações da linguagem nas quais são deformadas determinadas palavras Há perda da habilidade em colocar as sílabas ou palavras na sequência correta O paciente fala cameila em vez de cadeira ibro em vez de livro parafasia fonêmica e porta em vez de janela parafasia semântica As parafasias ocorrem com frequência nas afasias sobretudo como parafasias fonêmicas que refletem um déficit na seleção de segmentos fonêmicos resultando na troca de um fonema por outro Kurowski Blumstein 2016 As parafasias fonêmicas nas quais há troca de fonemas das palavras deformando as palavras e as parafasias semânticas troca de palavras podem ocorrer muitas vezes no início das síndromes demenciais Kurowski Blumstein 2016 Foram descritas parafasias principalmente na demência de Alzheimer DA ver adiante Elas podem ser encontradas também na encefalite límbica com lesão bilateral nos hipocampos Kishi et al 2010 O processamento semântico em pessoas com esquizofrenia tem sido avaliado nas últimas décadas e temse encontrado um padrão anômalo talvez relacionado a parafasias semânticas que eventualmente são encontradas Lerner et al 2012 Quadro 222 Semiotécnica simplificada da afasia Observar inicialmente como é a fala espontânea do paciente É possível estabelecer contato verbal com ele A fala é fluente ou reduzida Levandose em conta a experiência escolar do indivíduo sua fala é correta ou incorreta do ponto de vista gramatical A fala revela riqueza ou empobrecimento da linguagem Verificar a adaptação dos termos às ideias as orações incompreensíveis as perifrases as repetições intoxicação por uma palavra Verificar a capacidade do paciente de compreender o que lhe é dito repetir palavras e frases Testar a fluência verbal em 1 minuto quantos animais pode citar quantas coisas que começam com a letra d pode falar Verificar se consegue ler palavras se lê uma frase um pequeno texto e compreende Solicitar inicialmente ao paciente que escreva uma frase completa por exemplo Escreva por que motivo você está aqui Caso o indivíduo consiga escrever uma frase completa com sentido e gramaticalmente correta uma afasia grave ou moderada é pouco provável Verificar se o paciente consegue compreender estas perguntas Qual é o nome de sua mãe O que é um barco O que você faria se tivesse de ir ao centro da cidade e estivesse chovendo Em quem você acredita mais naquela pessoa que promete ou naquela que cumpre Fazer a prova do neurologista francês Pierre Marie 18531940 para verificar a audição e a compreensão verbal Entregar ao paciente três pedaços de papel de tamanhos diferentes e pedir para ele entregar o papel grande guardar o médio no bolso e jogar o pequeno no chão Solicitar a seguir que repita casa lápis Pindamonhangaba rio Capiberibe Pedir que repita O rio Amazonas cruza uma floresta enorme e úmida e O jogador de futebol ganha muito dinheiro mas leva muitos chutes Testar a fluência verbal Pedir ao paciente que cite o maior número de animais em 1 minuto ou como teste alternativo que diga o maior número de palavras que comecem com a letra m normal pelo menos 12 a 13 animais ou palavras Por fim solicitar ao paciente que leia palavras e frases pois a leitura em voz alta indica a presença ou ausência de cegueira verbal Alterações da linguagem associadas a estados condições ou transtornos psicopatológicos Dislexia revisões em Snowling MelbyLervåg 2016 O termo dislexia é utilizado com definições mais ou menos amplas Em sentido mais estrito o termo dislexia designa disfunção no aprendizado da leitura havendo dificuldades em graus variáveis em identificar a correspondência entre os símbolos da escrita e os fonemas assim como em transformar signos escritos em signos verbais No Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais DSM5 o termo dislexia está incluído nos transtornos específicos da aprendizagem que englobam transtornos na aprendizagem da leitura e da escrita e em habilidades matemáticas Cabe acentuar que o termo dislexia é mais utilizado para designar dificuldades de linguagem em que há trocas de fonemas tanto na fala como na leitura e na escrita Pode haver nessa condição dificuldades mais acentuadas na leitura na aprendizagem da escrita ou ainda na capacidade de soletrar A dislexia é uma condição frequente que ocorre em 3 a 7 das pessoas Como outros transtornos do neurodesenvolvimento há clara recorrência familiar it runs in families e estudos com amplas amostras de gêmeos demonstram que habilidades fonológicas bem como habilidades de leitura e escrita têm um forte componente herdável que interage com condições de educação mais ou menos favoráveis Entretanto os mecanismos genéticos parecem ser extremamente complexos e dependem de muitos genes de efeito reduzido e somatório Snowling MelbyLervåg 2016 No Brasil uma revisão ampla e bem feita sobre dislexia foi organizada por Luciana Mendonça Alves e colaboradores 2011 Alterações da fala Disfonia revisão em Reiter et al 2015 Disfonia rouquidão é o termo utilizado para a perturbação da qualidade da voz humana que em geral se traduz por rouquidão restrição do desempenho vocal e vocalização tensa ou contida As disfonias envolvem a intensidade da voz sua altura frequência aguda ou grave e o esforço empreendido para produzila A condição pode ter um impacto negativo para o paciente prejudicando a naturalidade na produção da fala e dificultando a comunicação A fisiopatologia da rouquidão se caracteriza por irregularidades relacionadas ao tônus muscular implicado na oscilação das pregas vocais que resultam em disfonia hipertônica eou incompleto fechamento da glote durante a vocalização Cerca de 1 a 3 das pessoas apresentam algum grau ou tipo de disfonia As disfonias são classifcadas em orgânicas ou funcionais As disfonias orgânicas são causadas por problemas orgânicos como refluxo gastresofágico paralisia das pregas vocais e doenças sistêmicas como DP e esclerose lateral amiotrófica As disfonias funcionais disfonia por tensão ou disfonia comportamental são decorrentes de eventos fonotraumáticos como abuso ou uso inadequado da voz técnica vocal ruim desbalanço muscular relacionado à fonação com ou sem envolvimento emocional Algumas pessoas podem apresentar disfonia como um fenômeno emocional de conversão Behlau et al 2015 Afonia A afonia ou disfemia se caracterizasse pela perda mais ou menos abrupta da voz de modo geral sem causa neurológica ou laríngea com exceções que serão abordadas adiante Ela eclode com maior frequência após um evento de vida estressante no qual o indivíduo fica totalmente sem voz Há intenção de se comunicar mas a voz não sai É então denominada afonia conversiva ou histérica e está relacionada a fatores de personalidade vulnerável tendência à conversão estados emocionais intensos e graves conflitos inconscientes ou conscientes Neeleman Mann 1993 Embora no passado a grande maioria dos casos de afonia se caracterizasse como conversiva nos últimos anos têm sido descritos alguns casos de afonia após uso de anestésico peridural fentanil com bupivacaína Nesses casos impõese o diagnóstico diferencial entre bloqueio espinal alto acidente vascular transitório ou afonia conversiva Ray et al 2012 Também foram descritos casos de afonia abrupta associados a acidentes vasculares isquêmicos nos núcleos da base putame Senatorov et al 2013 Distúrbios da fala em crianças Terband et al 2014 O extenso capítulo dos distúrbios da fala em crianças é palco de muitos debates sobre questões relacionadas à classificação e à diferenciação dos transtornos A diferenciação entre transtornos fonológicos TF atraso da fala AF e transtornos motores da fala TMFs é particularmente controversa e nos TMFs a diferenciação de uma apraxia da fala também gera debates A seguir para fins didáticos será apresentada uma terminologia e uma classificação relativamente tradicionais que se sabe estarem sujeitas a críticas Dislalia e disglossia Relativamente comum em crianças a dislalia é a alteração da fala speech disorder que resulta da deformação da omissão ou da substituição de fonemas não havendo alterações neurológicas identificáveis nos movimentos dos músculos que participam da articulação e da emissão das palavras Haerer 1992 Geralmente para determinados fonemas há alterações omissões ou subtrações Um dos modos de classificar as dislalias é separálas em dislalias fisiológicas audiogênicas funcionais e orgânicas O termo dislalia fisiológica é empregado para crianças pequenas sadias cuja maturidade do aparelho fonoarticulatório ainda não foi atingida plenamente para emitir de modo correto todos os fonemas de sua língua Na dislalia audiogênica o problema da fala já está no campo das alterações patológicas sendo a dislalia decorrente de problemas na audição o que impede que a criança aprenda a imitar os sons de sua língua O termo dislalia funcional diz respeito a uma dislalia fisiológica que se mantém apesar de já haver amadurecido todo o aparelho fonoarticulatório portanto tratase de algo patológico mas sem substrato orgânico Nas dislalias funcionais não se observam alterações orgânicas do aparelho fonador Por fim a dislalia orgânica também chamada de disglossia se refere a problemas orgânicos estruturais ou funcionais nos órgãos da fala e no aparelho fonador e articulador revisão em Leite et al 2008 As disglossias resultam de alterações na fala relacionadas a distúrbios anatômicos ou fisiológicos dos órgãos fonoarticulatórios que incluem língua lábios arcada dentária mandíbula e abóbada palatina As alterações ou lesões que estão na base das disglossias podem ser congênitas ou adquiridas relacionadas a agravos aos órgãos fonoarticulatórios por lesão física ou extirpações cirúrgicas A disglossia lingual ocorre por alterações da língua quando se perdem os movimentos precisos e sincrônicos desse órgão Pode ser devida a paralisias bilaterais ou unilaterais dos músculos do órgão ou a frênulo muito pequeno anquiloglossia que limita o alcance dos movimentos do órgão ou ainda a língua muito grande macroglossia Particularmente sensível a tais alterações é a articulação das consoantes devido às mudanças que provocam no fluxo de ar Os chamados fonemas fricativos f v s z Ʒ ʃ produzidos por obstrução parcial do ar por isso produzem fricção ou turbulência são os que mais aparecem no ceceio O popularmente conhecido como ceceio língua solta ou ainda língua presa é portanto uma forma de disglossia lingual decorrente de flacidez dos músculos da língua sendo que os fonemas fricativos s e z são os mais produzidos de forma anômala com apoio nos dentes ou projetados entre eles Conforme a localização da dificuldade o desvio no posicionamento da língua os ceceios são classificados em central ou anterior lateral nasal retração da língua São descritas também as disglossias labiais alterações da forma eou da força dos lábios causadas com frequência por fendas labiais A disglossia dental se relaciona à forma e à disposição defectiva dos dentes A disglossia mandibular ocorre por alterações da mandíbula e a disglossia palatal por alterações da abóbada palatina Por fim a disglossia nasal ocorre por anormalidades no nariz que restringem a inspiração de ar necessário para a produção dos fonemas Os transtornos da fala são relativamente comuns na criança até os 5 anos de idade estimativa de 14 a 25 de crianças acometidas Após essa idade quando o infante entra na escola as taxas caem para 4 a 9 As crianças que mantêm o problema na fala devem ser avaliadas cuidadosamente por fonoaudiólogos neuropediatras e otorrinolaringologistas O profissional da saúde mental deve ter conhecimentos básicos sobre esses transtornos para orientar e encaminhar seus pacientes de forma adequada Transtornos da fluência da fala a gagueira ver revisão em Neumann et al 2017 A gagueira tartamudez ou disfluência da fala é considerada pelo DSM5 um transtorno da comunicação mais especificamente da fluência normal e do padrão temporal da fala A fluência da fala implica uma fala contínua e suave sem interrupções abruptas Na gagueira há perturbação da fluência normal com descontinuidade no fluxo da fala e repetições de sons e sílabas As palavras podem ser interrompidas no meio da locução bem como as frases Pode haver prolongamento sonoro de consoantes e vogais em geral maior dificuldade com consoantes de interjeições e de blocos da frase com prejuízo da velocidade e do ritmo da fala Além disso o paciente apresenta com frequência circunlocuções que são evitações de certas sílabas e palavras no início ou ao longo de uma frase e substituições de certas palavras percebidas pelo falante como mais difíceis ou problemáticas Há repetições de sílabas ou de palavras monossilábicas vo vo vo você me ajuda ou eu eu eu eu não vou lá e palavras pronunciadas com excesso de tensão física De modo geral quanto mais ansioso e tenso o paciente mais se acentua a gagueira Assim há um círculo vicioso quando o indivíduo sente a dificuldade em falar fica mais ansioso e tal ansiedade piora a dificuldade na fluência da fala A gravidade da gagueira varia conforme o contexto tornandose mais intensa quando há pressão social para que a pessoa se comunique em sala de aula quando deve apresentar um trabalho ao falar em público ao conversar com professores diretores etc Pode haver ainda trepidação na fala Às vezes não conseguindo falar determinada palavra a pessoa revela evidente esforço e acaba por dizêla de forma expulsiva ou sibilante e rápida A gagueira geralmente tem início na infância entre os 2 e 6 anos de idade Em estudos internacionais cerca de 1 das crianças e adolescentes apresentam gagueira sendo 02 no sexo feminino e 08 no masculino A remissão da gagueira na idade adulta ocorre em 70 a 80 dos casos Estudos com gêmeos indicam que a gagueira tem herdabilidade de 69 a 85 Neumann 2017 Disfunções nos núcleos da base e nas conexões dos núcleos da base com a área de Broca frontal inferior esquerda foram identificadas em estudos de neuroimagem CraigMcQuaide et al 2014 Alterações da linguagem em crianças revisão em Norbury et al 2017 Na psicopatologia da criança as alterações da linguagem ocupam lugar de destaque É importante ressaltar que na criança pequena a aquisição da linguagem é um processo complexo e dinâmico A linguagem implica a compreensão o processamento e a produção dos meios linguísticos de comunicação com o mundo fundamentais na socialização da criança em sua constituição como pessoa madura Bishop 2014 Os transtornos da linguagem nas crianças implicam defasagem de linguagem considerando a inteligência global do infante que pode ser normal ou deficitária Assim uma alteração de linguagem é sempre algo mais pronunciado do que é esperado para crianças na faixa etária e de inteligência na qual o indivíduo se situa 1 2 3 Estudos epidemiológicos indicam que cerca de 7 das crianças começam a vida escolar com algum transtorno da linguagem e que adicionais 23 têm problemas de linguagem decorrentes de transtornos globais do desenvolvimento entre eles o autismo Dificuldades da linguagem de modo geral ocorrem com maior frequência nos meninos do que nas meninas Norbury 2017 Os problemas de linguagem na criança são agrupados no DSM5 nos transtornos do neurodesenvolvimento no subcapítulo dos transtornos da comunicação Nesse capítulo estão incluídos 1 os transtornos da linguagem 2 os transtornos da fala e 3 os transtornos da fluência Os transtornos da linguagem se referem a dificuldades na aquisição e no uso da linguagem em suas várias modalidades linguagem falada escrita língua brasileira de sinais LIBRAS devido a déficits na produção eou na compreensão Pode haver vocabulário reduzido para a idade estruturas das frases limitadas devido a dificuldades gramaticais e morfológicas e prejuízos no discurso em termos de unir frases em uma conversa e usar o vocabulário adequadamente ao longo do discurso O atraso da linguagem expressiva pode ocorrer sem o respectivo atraso do desenvolvimento da linguagem compreensiva mas eles com frequência acontecem concomitantemente É mais comum entretanto que a linguagem expressiva seja mais prejudicada do que a compreensiva assim de modo geral crianças com déficits em linguagem compreendem mais a fala dos outros do que conseguem produzir a sua própria Os problemas no desenvolvimento adequado da linguagem podem incluir dificuldades gramaticais sintáticas com palavras e vocabulário semânticas com regras e sistemas de produção sonora da fala transtornos fonológicos e com significado de unidades de palavras morfológicas Os transtornos da fala se caracterizam por dificuldades persistentes na produção da fala que interferem na inteligibilidade e no poder de comunicação já abordados neste capítulo Tais transtornos são comumente associados a paralisia cerebral fenda palatina perda auditiva ou surdez congênitas ou adquiridas após o nascimento Por fim os transtornos da fluência ou gagueira são perturbações da fluência normal da fala também já abordados neste capítulo Acelerações psicopatológicas da linguagem mais observadas em adultos logorreia taquifasia e loquacidade Na logorreia existe a produção aumentada e acelerada taquifasia da linguagem verbal um fluxo incessante de palavras e frases frequentemente associado à aceleração geral de todos os processos psíquicos taquipsiquismo podendo haver perda da lógica do discurso Descrevese como pressão para falar a atividade linguística do paciente em quadro maníaco ou maniatiforme na qual este sente a pressão incoercível para falar sem parar Por exemplo um indivíduo em fase maníaca dizia Querem que eu fale menos mas não consigo mesmo tem uma coisa aqui dentro de mim que não me deixa parar de falar Loquacidade é o aumento da fluência verbal sem qualquer prejuízo da lógica do discurso Em contraposição na logorreia há perturbação leve ou grave da lógica e da organização do discurso Lentificação patológica da linguagem bradifasia Tratase de uma alteração da linguagem oposta à taquifasia Na bradifasia o paciente fala muito vagarosamente as palavras seguemse umas às outras de forma lenta e difícil Há também geralmente latência duração aumentada entre a pergunta que lhe fazemos e sua resposta Em geral a bradifasia está associada a quadros depressivos graves estados demenciais e esquizofrenia crônica ou com sintomas negativos Mutismo O mutismo é definido como a ausência de resposta verbal oral por parte do paciente O indivíduo não responde ao interlocutor embora esteja desperto sem comprometimento da audição sem comprometimento do nível de consciência e sem paralisias motoras que comprometam a produção da palavra falada Os fatores e síndromes que estão na base do mutismo são muito variáveis podendo ser de natureza neurobiológica psicótica ou psicogênica O mutismo nas síndromes psicopatológicas é muitas vezes uma forma de negativismo verbal de tendência automática a se opor passiva ou ativamente às solicitações das pessoas no que concerne à resposta e à produção verbal Nesse caso não há desejo motivação drive ou intenção de se comunicar com os interlocutores por outras vias de comunicação gestos escrita comunicação alternativa O mutismo é observado nos vários tipos de estupor Ele ocorre em quadros de esquizofrenia com ou sem catatonia e em depressões graves podendo também surgir eventualmente em quadros conversivos graves Altshuler et al 1986 Particularmente o autor desta obra observou três pacientes com esquizofrenia dois rapazes no Hospital de Clínicas da Universidade Estadual de Campinas HCUNICAMP e uma moça no consultório com quadros de mutismo completo prolongado de 2 a 8 anos de duração sem outros sintomas da catatonia mas com sintomas paranoides que precederam ou sucederam o período de mutismo Quadros desse tipo são relatados na literatura médica Basu et al 2013 Mutismo eletivo revisão em Hua Major 2016 Em crianças observase o mutismo eletivo ou seletivo Tratase de uma forma de mutismo relativamente pouco comum relacionada a ansiedade social intensa em que há ausência da fala em contextos específicos escola grupo de amigos igreja clube nos quais é socialmente esperado que a criança fale Em outros contextos mais frequentemente no ambiente da família nuclear a criança demonstra que é capaz de ouvir e falar normalmente embora tenda a ser lacônica de poucas palavras O mutismo eletivo ocorre principalmente na escola onde há em geral dificuldades de relacionamento social frustrações medos marcante ansiedade social intensa timidez ou hostilidade Muris et al 2016 Assim o mutismo eletivo surge geralmente em crianças com alto nível de ansiedade social tensão nas interações pessoais e traços de personalidade marcados por obstinação São comorbidades mais ou menos frequentes do mutismo eletivo além de ansiedade ou fobia social depressão enurese encoprese transtorno obsessivocompulsivo TOC atraso na aquisição da fala e transtorno de Asperger Wong 2010 Mutismos com bases neurobiológicas Podese observar o mutismo associado a algumas formas de afasia como nos períodos iniciais da afasia transcortical motora ou afasia por lesão na área motora suplementar ou das afasias subcorticais lesões nos núcleos da base ou no tálamo Geralmente o paciente apresenta mutismo no início do quadro que remite progredindo com fala lenta e hipofônica de baixa intensidade Há também mutismo nas fases iniciais dos quadros afásicos chamados de afemia Aqui há mudez para as palavras ou anartria incapacidade de articular palavras mas a compreensão está preservada assim como a capacidade de ler e escrever não havendo agramatismo ou anomia O paciente em mutismo nesses casos rapidamente aprende a se comunicar pela linguagem escrita e lida Assim tais mutismos associados a afasias são claramente distinguíveis dos mutismos nos quadros psicopatológicos em que há grave alteração da volição paciente geralmente negativista não faz esforço para a comunicação escrita gestual ou alternativa Mutismo acinético O termo mutismo acinético foi introduzido por Cairns e colaboradores em 1941 para descrever uma síndrome em que há ausência de responsividade em um paciente com a consciência e a vigilância plenamente preservadas O mutismo acinético é portanto um termo reservado para descrever uma variedade de estados nos quais há completa não responsividade do indivíduo com manutenção dos olhos abertos em paciente vígil De fato chama atenção nesses indivíduos despertos a total suspenção de comportamentos direcionados a objetivos embora não haja lesões no sistema motor primário O dano ou disfunção neuronal costuma estar nas porções mediais bilaterais dos lobos frontais e do córtex anterior do cíngulo geralmente decorrente de infarto na artéria cerebral anterior ou de tumor com efeito de massa nessas regiões Podem estar comprometidos os núcleos da base as áreas centrais ou dorsais do tálamo ou o mesencéfalo visto que tais áreas integram com os lobos frontais e o cíngulo anterior as estruturas cerebrais para a geração de comportamentos com objetivos Mutismo cerebelar O mutismo cerebelar é uma condição pouco frequente observada predominantemente em crianças em que o mutismo ocorre relacionado a tumores da fossa posterior geralmente meduloblastomas sobretudo após a ressecção de tais tumores Pode ocorrer também após trauma craniencefálico As áreas lesadas no mutismo cerebelar implicam a substância branca do cerebelo direito relacionada à via cerebelotálamocerebral O mutismo nesses quadros seria decorrente da perda de comunicação entre o cerebelo direito e o córtex frontal esquerdo Law et al 2012 Outras formas de mutismo orgânico foram descritas associadas a demência avançada a lesões bilaterais dos núcleos da base e a paralisia pseudobulbar O Quadro 223 apresenta os diagnósticos diferenciais no mutismo Quadro 223 Diagnósticos diferenciais no mutismo Quadros psiquiátricos Depressão com estupor Esquizofrenia com estupor catatonia Estupor psicogênico Condições relacionadas ao desenvolvimento da criança Mutismo eletivo Ausência de desenvolvimento da linguagem atraso no desenvolvimento psicomotor autismo surdez etc Doenças neurológicas Fase aguda da afasia não fluente Paralisia pseudobulbar Mutismo acinético Mutismo cerebelar Síndromes do lobo frontal com acentuada abulia Encefalite herpética Encefalopatia póstraumática Doenças e condições médicas gerais Intoxicação por álcool ou outras substâncias Hipotireoidismo Encefalopatias metabólicas Síndrome neuroléptica maligna Fonte Com base em Cummings Trimble 1995 Perseveração verbal Na perseveração verbal há repetição automática de palavras ou trechos de frases de modo estereotipado mecânico e sem sentido o que indica lesão neuronal particularmente das áreas cerebrais préfrontais mas não apenas A perseveração da linguagem pode ser da linguagem falada ou escrita Bayles et al 2004 Ela ocorre nas demências de Alzheimer e vascular em lesões do hemisfério direito em conjunto com heminegligência nas afasias e em quadros póstrauma craniencefálico A perseveração tem sido atribuída a redução do controle inibitório pelas áreas préfrontais Hauser et al 1999 mas ultimamente têm sido implicados déficits na memória de trabalho também relacionados ao lobo frontal FischerBaum et al 2016 A perseveração verbal é encontrada com certa frequência na esquizofrenia Crider 1997 em quadros graves de TOC e menos frequentemente sob a forma de ruminações depressivas nos quadros graves de depressão Quadro 224 Semiotécnica em pacientes que estão em mutismo Observar o aspecto geral do paciente o modo como entra na sala como se senta ou como fica no leito a mímica as roupas o penteado a maquiagem a higiene etc Verificar a atitude global do indivíduo há imobilidade astênica ou rígida A atitude é passiva reservada ou ativa Está indiferente ao meio ou ligado a tudo Parece estar com medo ou desconfiado Parece desafiador hostil ou beligerante O paciente dá a impressão de estar ouvindo vozes ou vendo imagens Parece estar ansioso Parece estar deprimido triste ou apático Observar a mímica facial do paciente a mímica revela tristeza pavor indiferença excitação alegria ironia hostilidade esforço por se fazer compreender O indivíduo parece distante ou próximo do investigador Quer colaborar mas não pode Parece querer que todos saiam de perto Ou parece totalmente indiferente ao meio Observar o tônus muscular há hipertonia ou hipotonia generalizada Há flexibilidade cerácea Além de não falar o paciente também recusa se alimentar Verificar se o paciente aceita se comunicar por escrito ou por gestos em caso positivo perguntarlhe o que está sentindo medo tristeza indiferença ansiedade etc e o que está pensando Verificar junto à família os antecedentes do indivíduo como o quadro se iniciou foi de repente em minutos horas ou devagar durando dias ou semanas como o paciente estava antes de parar de falar estava triste apático ou com medo e desconfiado falava sozinho ou dizia coisas sem sentido Além de fazer o exame físico e neurológico geral verificar há sudorese ou pele seborreica Urina ou defeca no leito O paciente tem febre ou está desidratado Como estão os reflexos primitivos grasping snout e palmomentual Há rigidez de nuca Há algum sinal neurológico localizável Também relacionadas à repetição e à perseveração na linguagem alterações que implicam certa perda do controle voluntário da fala estão aquelas conhecidas como ecolalia palilalia logoclonia tiques fonéticos e verbais e coprolalia que serão abordados a seguir Magnin et al 2018 Ecolalia É a repetição da última ou das últimas palavras que o entrevistador ou alguém no ambiente falou ou dirigiu ao paciente uma repetição em eco da fala É um fenômeno automático involuntário realizado sem planejamento ou controle Ao ser questionado Qual é seu nome o paciente fala Nome nome nome Qual é sua idade ele diz Idade idade idade A ecolalia pode ser imediata logo ao ouvir uma palavra ou frase ou tardia delayed echolalia quando ocorre minutos às vezes horas depois de ouvida a palavra ou frase A ecolalia é encontrada principalmente na esquizofrenia sobretudo quando há sintomas catatônicos nos transtornos neurocognitivos em especial nas demências nos transtornos do espectro autista TEAs e em algumas deficiências intelectuais geralmente graves ou profundas Foxx Faw 1990 Em crianças entretanto devese alertar que a ecolalia pode ocorrer no início do desenvolvimento normal da linguagem Bloom et al 1976 Há também certa controvérsia na literatura quanto a se a ecolalia é uma repetição sem significado ou objetivo uma fala indiferente ao outro ou a qualquer interpretação ou se é uma tentativa primitiva de manter contato social Saad Goldfeld 2009 A ecolalia também é observada com frequência em algumas formas de afasia como na afasia sensorial extrassilviana e na afasia transcortical motora ou afasia por lesão na área motora suplementar revisão em Berthier et al 2017 Tem sido sugerido que a ecolalia ocorre devido a lesão ou disfunção no hemisfério esquerdo no córtex temporoparietal nas áreas não perissilvianas lesões na região mesial do córtex frontal bilateral no córtex do cíngulo anterior e devido à ação vicariante compensatória do hemisfério direito para revisão dos mecanismos neuronais das ecolalias ver Berthier et al 2017 Palilalia e logoclonia A palilalia é a repetição automática e estereotipada pelo paciente de suas palavras ou frases que ele próprio emitiu em seu discurso Ela foi descrita pelo neurologista francês AlexandreAchille Cyprien Souques 18601944 em 1908 É comum mas não necessário que a palavra repetida seja a última da frase A palilalia ocorre de forma involuntária sem controle por parte do indivíduo Ao falar sobre sua residência o indivíduo diz Eu moro em uma casa em Jundiaí em Jundiaí Jundiaí Jundiaí ou gosto de maçã gosto de maçã gosto de maçã A logoclonia é um fenômeno semelhante à palilalia sendo que aqui a repetição automática e involuntária é a das últimas sílabas que o paciente pronunciou Ele diz Moro em Jundiaí aí aí aí Tanto a palilalia como a logoclonia são formas de alteração da linguagem que indicam a desestruturação do controle voluntário complexo da linguagem e sua substituição por mecanismos mais automáticos e estereotipados de comportamento verbal Ambas as condições podem ocorrer nos quadros demenciais Não é raro que a palilalia ocorra em doenças ou lesões que impliquem o sistema extrapiramidal DP doença de Huntington paralisia supranuclear progressiva Podem ocorrer também em pacientes com infartos no tálamo medial nos núcleos subtalâmicos e no mesencéfalo Yasuda et al 1990 A palilalia com ecolalia ecopraxia e palipraxia pode ainda ser manifestação ictal de epilepsia do lobo frontal esquerdo Cho et al 2009 Tiques verbais ou fonéticos e coprolalia Tanto os tiques fonéticos e verbais mais frequentes como a coprolalia menos frequente são fenômenos muito característicos do transtorno de Tourette Os tiques fonéticos ou verbais são produções de fonemas ou palavras de forma recorrente imprópria e irresistível No tique verbal o paciente produz geralmente sons guturais abruptos e espasmódicos É algo desagradável mas impossível de ser contido pelo indivíduo que pode apenas adiálo um pouco Já a coprolalia é a emissão involuntária e repetitiva de palavras obscenas vulgares ou relativas a excrementos que ocorre em cerca de 25 dos pacientes com transtorno de Tourette Kobierska et al 2014 Pode ser também encontrada sob a forma de coprolalia ictal durante as crises epilépticas nas epilepsias do lobo temporal ou orbitofrontal geralmente precedidas de auras límbicas ou automatismos A disfunção na coprolalia ictal está supostamente na rede neural paralímbica temporoorbitofrontal MassotTarrús et al 2016 Alogia verbigeração e mussitação A alogia ou discurso lacônico laconic speech é o empobrecimento da produção de linguagem e do pensamento que se verifica pela diminuição da fluência verbal e pelo discurso empobrecido É sintoma principalmente da esquizofrenia sendo considerado um sintoma de tipo negativo A verbigeração é a repetição de forma monótona e sem sentido comunicativo aparente de palavras sílabas ou trechos de frases A mussitação fenômeno próximo à verbigeração é a produção repetitiva de uma voz muito baixa murmurada em tom monocórdico geralmente sem significado comunicativo Aqui o paciente fala como que para si apenas movendo discretamente os lábios emitindo fonemas palavras ou frases pouco compreensíveis e muito repetitivos Tanto a verbigeração quanto a mussitação são formas de automatismo verbal mais frequentemente encontradas na esquizofrenia em particular em pacientes com predomínio de sintomas negativos e com quadros catatônicos Lee 2004 A mussitação pode ser eventualmente encontrada no delirium tremens Glossolalia e pararrespostas É a produção de uma fala pouco ou nada compreensível um verdadeiro conglomerado ininteligível de sons ou no plano escrito de letras ininteligíveis Os sons apesar de não terem sentido têm a sonoridade a inflexão de uma fala normal nos seus aspectos prosódicos a música da fala mantendo as distinções de palavras sentenças e até de parágrafos A glossolalia é muito frequente nos cultos pentecostais e neopentecostais nos quais o fiel da igreja ao receber esse dom ou essa graça fala em línguas estrangeiras sem nunca as ter estudado Sua fala gutural e pouco inteligível é interpretada nesse contexto como uma graça do Espírito Santo um dom celestial Também se observa a glossolalia em estados de êxtase associados a outras religiões que não o pentecostalismo ou o neopentecostalismo Koić et al 2005 A glossolalia pode ser observada também no sonambulismo Em quadros clínicos psicopatológicos ou neuropsicológicos a glossolalia pode ser observada na esquizofrenia e na epilepsia do lobo temporal como fenômeno ictal durante descargas epileptiformes no eletrencefalograma EEG Reeves et al 2014 Em um estudo que avaliou a atividade cerebral com tomografia computadorizada por emissão de fóton único SPECT durante a experiência da glossolalia verificouse um padrão de ativação intensa dos lobos frontais parietais e do núcleo caudado esquerdo Newberg et al 2006 Também foi relatado um caso de longa duração de glossolalia além de problemas na marcha dificuldade na ingestão de líquidos e cefaleia na região cervical associada a paquimeningite que após tratamento neurológico e neurocirúrgico revelou regressão da glossolalia assim como da cefaleia cervical Na imagem da ressonância verificaramse alterações nas regiões mesotemporais e cerebelares Huang et al 2017 Portanto é plausível que nos quadros neuropsiquiátricos de glossolalia o hemisfério esquerdo e os lobos temporais estejam mais implicados nesse curioso sintoma A glossolalia entretanto sempre que produzida em contexto cultural específico como nos cultos religiosos não é considerada um fenômeno psicopatológico mas expressão ritualizada de determinado grupo cultural Grady Loewenthal 1997 O fenômeno das pararrespostas implica a alteração tanto do pensamento como do comportamento verbal mais amplo Ao ser questionado sobre determinado assunto p ex qual seu nome idade onde mora etc o paciente responde algo com a inflexão verbal de uma resposta como se estivesse respondendo de fato a uma pergunta porém o conteúdo de sua fala é completamente disparatado em relação ao conteúdo Ao ser indagado por exemplo sobre onde mora o indivíduo responde O dia está muito quente As pararrespostas ocorrem nos diversos tipos de psicoses mas com maior frequência na esquizofrenia É importante diferenciar uma pararresposta verdadeira de uma atitude voluntária de birra ironia ou escárnio que alguns pacientes hostis apresentam em relação a seus entrevistadores Neologismos Os neologismos patológicos são palavras inteiramente novas criadas pelo paciente ou palavras já existentes que recebem acepção totalmente nova O psicopatólogo francês Jules Séglas 18561939 propôs que se dividissem em dois grupos os neologismos patológicos passivos e ativos Séglas 18922012 Os neologismos passivos são gerados de processos automáticos e os ativos são criados voluntariamente pelo paciente Nos neologismos passivos os fonemas palavras imagens ideias se associam por si mesmos como resultado de automatismo psicológico Nesses casos as associações se dão por contiguidade uma palavra semanticamente próxima de outra árvore vegetal arbusto planta ou por semelhança estas geralmente por associação por assonância som principalmente final das palavras associadas sapato carrapato sovaco ou por associação representacional mesa cadeira cama Os neologismos passivos são encontrados nos quadros maníacos geralmente com associações por assonância pelos elementos sonoros das palavras na esquizofrenia em quadros psicoorgânicos como a paralisia geral progressiva da neurossífilis em demências e nas deficiências intelectuais Os neologismos ativos são criados voluntariamente pelo paciente com intenção definida correspondendo a uma ideia mais ou menos clara da mente de tal paciente São neologismos desprovidos de significado para as outras pessoas Muitas vezes o neologismo ativo se relaciona a delírios sistematizados na esquizofrenia ou no transtorno delirante Nesse sentido Jules Séglas diz Uma vez organizado o delírio com maior ou menos engenho segundo os recursos da mente do paciente depois de ter pensado longamente e procurado por um bom tempo ter meditado seus argumentos o paciente se concentra em um grupo de palavras novas que lhe parecem mais apropriadas melhor feitas para os fins de expressar de um modo mais preciso suas convicções delirantes Séglas 18922012 p 41 A LINGUAGEM NA ESQUIZOFRENIA Normalmente falamos e conversamos para interagir com os outros interação essa que gera a própria realidade social Os falantes contribuem para a interação e a construção de sentidos baseandose no contexto que foi e continua sendo referência para os interlocutores Entretanto a linguagem em alguns pacientes com esquizofrenia grave fracassa na construção dessa realidade social A linguagem é com considerável frequência empobrecida e lacônica alogia na esquizofrenia podendo se tornar de difícil compreensão porque não se encaixa no sentido contextual dos diálogos compartilhados Fine 2007 Parte das pessoas com esse transtorno utiliza menos conexões com o anteriormente falado ele ela a o aquele depois ou utiliza referências muito ambíguas enfraquecendo a interação contextualizada da linguagem Fine 2007 Assim a linguagem na esquizofrenia pode sofrer desorganizações muito importantes em vários aspectos Biéder 2000 Spoletini et al 2008 Tais desorganizações são tradicionalmente vistas como indicativos de como o processo de pensar a formação e a utilização de conceitos juízos e raciocínios podem estar profundamente comprometidos pela desestruturação psicótica na esquizofrenia sobretudo nos quadros mais graves Entretanto recentemente Hinzen e Rosselló propuseram um modelo em que os transtornos da linguagem na esquizofrenia são vistos como relativamente independentes das alterações de pensamento podendo mesmo estar na base causal da desorganização inclusive do pensamento Levy et al 2010 Hinzen Rosselló 2015 O descarrilhamento é uma forma de desorganização da linguagem e de pensamento na qual os relaxamentos das associações permitem que haja um deslizamento de uma para outra linha argumentativa com pouca ou sem nenhuma relação entre si ou com relações indiretas difíceis para o interlocutor captar O paciente pode mudar de tema de forma pessoal de um marco referencial a outro falar coisas justapostas que carecem de relação com o significado compartilhado da mensagem Fine 2007 Os neologismos tanto passivos como ativos são com certa frequência encontrados na esquizofrenia É preciso cuidado na avaliação do paciente para se identificar se o caso é de um neologismo patológico relacionado à psicopatologia do paciente ou de um neologismo normal produzido por um grupo sociocultural do qual o indivíduo participa São encontrados também em pacientes com esquizofrenia estilizações rebuscamentos e maneirismos que indicam a transformação do pensamento e do comportamento geral do indivíduo no sentido de adotar posturas e funcionamentos rígidos e estereotipados perdendose a adequação e a flexibilidade do comportamento verbal em relação ao contexto sociocultural e interativo em questão Tais alterações geram às vezes um caráter inteiramente privado e idiossincrático da linguagem em alguns pacientes Nos estados avançados de desorganização esquizofrênica podemse observar a chamada jargonofasia ou esquizofazia também denominada salada de palavras Tratase de produção de palavras e frases sem sentido com fluxo verbal desorganizado e caótico O sinal extremo da desarmonia das estruturas de pensamento e de linguagem é o desenvolvimento de uma linguagem completamente incompreensível uma língua privada do paciente que ninguém entende denominada criptolalia no caso da linguagem falada e criptografia no caso da linguagem escrita A LINGUAGEM NAS DEMÊNCIAS Demência de Alzheimer DA revisão em Szatloczki et al 2015 No início dos quadros da DA podem ser encontradas alterações como dificuldade em encontrar as palavras wordfinding difficulties ou em achar a palavra certa Nessa fase a fluência verbal e a nomeação podem já estar alteradas embora outras capacidades linguísticas se mantenham como as habilidades de repetição e articulação das palavras A disfunção da linguagem pode ser um marcador da perda da memória semântica primária enquanto as outras funções cognitivas ainda se mantêm relativamente íntegras Pesquisas sugerem que muitos anos antes de a demência surgir já ocorrem perdas semânticas nas pessoas que irão desenvolver a DA Verma Howard 2012 Na fase inicial o paciente pode tender a usar termos inespecíficos vagos como o prédio em vez de a prefeitura ou o hospital o homem em vez de o pedreiro ou o médico Também responde às perguntas de modo inespecífico De onde vem a senhora resposta De lá detrás Onde fica este ambulatório resposta Aqui Também na fase inicial da DA podese verificar parafasias fonêmicas e semânticas que progridem ao lado de prejuízos na nomeação e na compreensão da linguagem falada e escrita Como a memória episódica está marcadamente prejudicada nos diálogos o paciente pode ter dificuldade para reagir às perguntas não entendendo partes da conversa e tendo dificuldade crescente em expressar seus pensamentos As alterações de linguagem progridem até se chegar à grave afasia nominal déficit em nomear objetos e figuras apresentados ao paciente Há perda do conhecimento dos atributos e das associações que definem uma categoria semântica particular Por isso pacientes com DA têm proporcionalmente mais prejuízos na fluência semântica ou categorial p ex gerar nomes de animais do que na fluência fonêmica ou fonológica dizer palavras que começam com uma letra específica como p ex M ou D Esses indivíduos têm portanto a estrutura e a organização de sua memória semântica mais deterioradas Por fim nas fases mais avançadas da doença pode haver perda completa da capacidade de produzir e utilizar qualquer linguagem verbal Alterações da linguagem nas outras demências não Alzheimer revisão em Reilly et al 2010 Demência frontotemporal DFT A DFT é a segunda causa de demência em adultos que surge antes dos 65 anos de idade Há três subtipos ou variantes de DFT afasia progressiva não fluente demência semântica e variante frontal ou comportamental Na afasia progressiva não fluente APnF verificamse agramatismo erros gramaticais frequentes parafasias e anomia incapacidade para a nomeação Também podem surgir gagueira apraxia oral incapacidade de iniciar e coordenar movimentos da mandíbula língua e lábios déficit para repetição de palavras alexia agrafia e nas formas avançadas mutismo É interessante notar que na APnF os déficits de linguagem podem ocorrer nas fases iniciais da demência enquanto a memória episódica as funções visuoespaciais e a orientação temporal ainda podem estar preservadas Na demência semântica DS descrita por Elizabeth Warrington em 1975 como déficit seletivo da memória semântica a perda do significado das palavras é um aspecto nuclear do quadro afetando tanto a produção como a compreensão da linguagem verbal O paciente com DS acaba por produzir um discurso fluente mas vazio pleno de expressões dêiticas lá aqui eu não sei é aquela coisa e parafasias semânticas gato em vez de cachorrinha Cabe notar que apesar de déficit grave na nomeação o paciente pode produzir facilmente frases que já conhece bem Como resultado uma conversa fluida pode tornar difícil a detecção dos déficits linguísticos a combinação de fala fluente afeto adequado e insight relativamente bom pode mascarar as dificuldades conceituais e de memória semântica A variante frontal ou comportamental VF da DFT caracterizase por déficits frontais como dificuldades atencionais controle inibitório pobre atenta para estímulos salientes e ignora estímulos não salientes habilidade pobre no sequenciamento das ações e limitação da memória de trabalho Na produção da narrativa nas conversas notamse claramente os déficits frontais influenciado o discurso com coesão temática reduzida e organização prejudicada dos eventos narrados Demência vascular São relativamente comuns na demência vascular DV lentificação psicomotora déficits atencionais e disfunção executiva frontal que resultam em prejuízo da autorregulação Pacientes com DV apresentam geralmente diminuição da fluência verbal sobretudo fonêmica ou fonológica p ex dizer palavras que começam com B diminuição da complexidade gramatical na produção das sentenças apagamento das variações de altura da fala agudo grave e diminuição da amplitude dos contornos prosódicos no discurso Demência com corpos de Lewy Apenas cerca de 5 dos pacientes com demência com corpos de Lewy DCL apresentam queixas primárias de linguagem Entretanto uma combinação de prejuízos de memória habilidades visuoespaciais e dificuldades na linguagem é mais comumente descrita Os problemas de linguagem ao longo do curso da DCL se caracterizam por confabulações incoerência e perseverações durante a conversa Pode haver dificuldade em nomear objetos e redução da fluência verbal Demência na doença de Parkinson É de particular interesse que na demência na doença de Parkinson DDP a fluência na geração de nomes relacionados à ação p ex verbos esteja bem mais prejudicada do que a fluência semântica p ex dizer nomes de animais de frutas etc ou a fluência fonêmica p ex dizer palavras que começam com B Nesse sentido também pacientes com DDP podem apresentar anomia mais acentuada para ações do que para objetos Esses indivíduos podem apresentar déficits na comunicação verbal entre os quais dificuldades na compreensão de metáforas e de inferências bem como prejuízos na compreensão da prosódia linguística e emocional Por fim os déficits de comunicação verbal também podem incluir dificuldades na formação de conceitos perseveração e reduzida fluência verbal Foi sugerido que a redução da fluência de nomes que implicam ação seria um preditor da conversão da doença de Parkinson para a DDP Linguagem nos transtornos do espectro autista Algumas alterações típicas e características são identificadas em crianças com TEA a inversão pronominal ou uso dos pronomes você ou ele quando o correto seria o pronome eu e uma reduzida ou invertida defasagem entre os processos de produçãocompreensão da linguagem no início do desenvolvimento crianças sadias produzem menos linguagem sofisticada do que podem compreender ou seja algumas crianças com TEA parecem compreender menos do que podem produzir Pessoas com TEA apresentam também inflexibilidade interacional e rigidez em perceber e dialogar de modo distinto quando o contexto da narrativa muda não sintonizando com o outro na narrativa Também típico no TEA é a ecolalia já descrita no autismo por Leo Kanner em 1943 Em seu trabalho original que incluiu oito crianças autistas todas apresentavam ecolalia sobretudo ecolalia tardia Saad Goldfeld 2009 Entretanto nenhuma dessas alterações ditas típicas se revelou específica para os TEA podendo ocorrer em outros transtornos e no início do desenvolvimento em crianças sadias ver revisão em Gernsbacher et al 2016 De toda forma no TEA nas formas mais comuns de autismo a linguagem em geral está ausente ou marcadamente alterada Fine 2007 O vocabulário e a gramática podem estar muito pouco desenvolvidos Há comumente ausência em iniciar o diálogo para a interação com o outro e limitação das falas para chamar ou cumprimentar saudar os demais Especialmente a informação e a descrição sobre emoções estão muito empobrecidas ou ausentes No diálogo há ausência de indicadores para a interação continuada O paciente com TEA pode ainda apresentar linguagem estereotipada repetitiva ou idiossincrática Há rigidez nos aspectos interpessoais da fala e na entonação além de linguagem descontextualizada importação de partes da fala de outro contexto para o contexto presente No transtorno de Asperger atualmente classificado dentro da categoria TEA embora a linguagem esteja menos prejudicada que nas formas mais comuns de TEA ela reflete as dificuldades na interação socioafetiva com os outros Pode haver ausência de início de falas com interlocutores ausência de dar informações que o outro gostaria de saber diminuição ou ausência de atender a chamados eou cumprimentos Especialmente a prosódia pode se revelar bizarra ou monótona Observase ainda diminuição de falas que tenham a ver com reciprocidade social ou emocional A pessoa com transtorno de Asperger pode ter dificuldades especiais com a descrição eou informação sobre emoções próprias e as dos interlocutores Quadro 225 Semiotécnica simplificada da linguagem PRODUÇÃO DA LINGUAGEM Como é a fala do paciente Ele fala espontaneamente ou apenas quando solicitado Caso não fale é possível notar se se recusa ou é incapaz de falar A fala é lenta ou rápida Percebese a fala como incoercível inibida ou interceptada QUALIDADE DA LINGUAGEM As respostas do paciente às perguntas do entrevistador são coerentes ou incoerentes Seu discurso é compreensível parcialmente compreensível ou totalmente incompreensível O discurso é gramaticalmente correto ou incorreto O paciente pode produzir uma narrativa coerente É capaz de entabular um diálogo interativo com o interlocutor O paciente emprega palavras estranhas ou bizarras Há neologismos ou paralogismos Há ecolalia palilalia ou logoclonia Verificamse repetições estereotipadas no discurso do paciente Há tiques verbais Há verbigeração ou mussitação O paciente tem dificuldades em encontrar as palavras Usa termos vagos ou específicos Seu vocabulário é pobre mediano ou rico Linguagem em outros transtornos mentais revisão ampla em Fine 2007 Transtorno de déficit de atençãohiperatividade No transtorno de déficit de atençãohiperatividade TDAH o paciente tem dificuldades para manter a atenção em tarefas jogos e diálogos Assim sua linguagem é cheia de saltos pulando de um interlocutor para outro ou de um tema para outro O indivíduo não parece escutar quando se lhe é falado Pode haver rapidez na fala com menos pausas ou pausas mais breves do que o comum Muitas vezes temse a sensação de que o paciente fala de mais é uma matraca fala sem parar podendo interromper ou invadir o espaço de fala do outro Dispara respostas antes que a formulação das perguntas tenha sido terminada Transtornos do humor depressão Podese observar nos quadros depressivos moderados ou graves um discurso mais lento com pausas mais longas do que o habitual A quantidade geral da fala pode estar diminuída Pode haver redução na variedade do conteúdo do discurso do paciente Também se observa com certa frequência o uso de mais termos léxicos com sentido de inutilidade ou de culpa A entonação pode ser plana nem ascendentes nem descendentes na entonação das frases Transtornos do humor mania O paciente em fase maníaca costuma utilizar poucas palavras negativas pode haver um incremento de atributos positivos nas frases a festa foi super mega hiper legal ou mais uso de epítetos sensacional aquela viagem Podem ser expressos conteúdos na fala que revelam autoestima elevada A fala pode ser em voz mais alta que o comum com pausas mais escassas e sílabas fortemente acentuadas O discurso pode ser jocoso com jogos de palavras podendo também interromper a fala do outro Se o paciente em mania estiver irritado pode haver tendência a rechaçar ofertas ou ordens alheias Em quadros de mania grave ou muito grave é observada a fuga de ideias Aqui a fala é muito rápida muito acelerada há mudanças rápidas bruscas e frequentes As associações entre palavras podem não se guiar mais pela lógica e se basear em associações circunstanciais objetos que vê à frente pessoas que passam por onde está etc ou por assonâncias rimando os termos Ao final o tema da fala a estrutura do discurso pode se tornar ininteligível Transtornos da personalidade No transtorno da personalidade esquizotípica pode ser observada a fala idiossincrática conteúdo incomum bizarro ou insólito e o discurso parece um tanto digressivo e vago com conexões um tanto frouxas Podem ser usadas palavras arcaicas pouco frequentes e o repertório afetivo da conversa pode estar reduzido No transtorno da personalidade dependente o indivíduo dialoga como que buscando a atenção e a aprovação do interlocutor Evita negativas à fala dos outros No transtorno da personalidade obsessivocompulsiva a fala pode ser excessivamente controlada rígida ou formalista O discurso pode aparecer lento com uma preocupação pela lógica exacerbada O vocabulário pode ser predominantemente neutro sem termos emocionais podendo expressar mesmo incômodo quando os interlocutores expressam muita emoção No transtorno da personalidade narcisista o discurso pode revelar certo egocentrismo o indivíduo só fala sobre si ou sobre seu ponto de vista Usa mais pronomes na primeira pessoa e menos palavras referentes aos outros Pode ignorar as ideias sentimentos ou toda a fala alheia Por fim no transtorno da personalidade histriônica e eventualmente também no da personalidade borderline pode haver excesso de emotividade com uso de verbos de processos mentais como amar odiar adorar bem como verbos de relação com atributos de emoção fiquei horrorizado O paciente pode usar muitas palavras reforçadoras muito demais realmente incrivelmente assim como uma entonação exagerada também reforçadora Cells divide to form chromosomes while chromatin becomes loosely coiled and a nuclear envelope disappears Funções psíquicas compostas e suas alterações Cell division Mitosis Chromosome become Xshaped 23 Introdução às funções psíquicas compostas Este e os próximos três capítulos tratam de funções psíquicas que mais que as anteriormente estudadas resultam de vários agrupamentos de funções de uma somatória de atividades e capacidades mentais e comportamentais Assim por exemplo a inteligência não pode ser compreendida como uma função psíquica elementar já que inclui o conjunto de habilidades talentos limitações e capacidades cognitivas de um indivíduo Da mesma forma a personalidade é por definição a soma dos traços e características psicológicas individuais das marcas pessoais formas de sentir e reagir relativamente estáveis no tempo e formados ao longo do desenvolvimento mental e físico do indivíduo Chamamos essas funções de compostas para contrapôlas às anteriores mais elementares mas que também em certo nível poderiam ser vistas como compostas como atenção orientação sensopercepção pensamento etc De todos esses construtos as noções de Eu de self de identidade e o domínio da personalidade assim como termos próximos como sujeito caráter tipos humanos temperamento traços individuais são termos com demasiada sobreposição entre si Quem estuda o tema tende a ficar confuso pois as sobreposições e as eventuais definições vagas eou contraditórias por vezes dominam nesse campo da psicopatologia Na verdade as distinções entre os termos quando existem são sutis às vezes difíceis de demarcar e no fim o emprego dos termos pelos diversos autores nem sempre é conduzido de forma clara e coerente Decidiuse enfim por abordar todos esses construtos neste e nos capítulos seguintes pois quando bem definidos e explorados podem ser úteis à psicopatologia Individual chromosomes may be positioned randomly or in distinct bands within the nucleus These distinct bands are called chromosome territories 1 2 3 4 24 O Eu o self psicopatologia ORIGEM E DESENVOLVIMENTO DO EU ONTOGENIA DO EU A constituição e a delimitação do que muitos psicólogos e psicopatólogos chamam de Eu como referido na introdução desta seção são variadas Optamos por adotar a noção do Eu da psicologia que de certa forma se aproxima da visão psicodinâmica e psicossocial Papalia Feldman 2013 O Eu desenvolvese na criança progressivamente ao longo do primeiro ano de vida Ao fim desse período a imagem do Eu tornase um tanto mais nítida e consistente Papalia Feldman 2013 A criança se torna apta a perceber e a representar objetos autônomos e estáveis em sua mente O autoconceito e a visão de si mesma como um ser relativamente autônomo e separado dos demais vão gradativamente ficando mais claros e estáveis Do ponto de vista da psicanálise freudiana o Eu ego surge como a diferenciação adaptativa do aparelho psíquico a partir do contato da criança com a realidade Freud 1911 A criança forma gradativamente seu ego por meio de Contato contínuo com a realidade e consequente submissão às suas vicissitudes princípio de realidade Para autores como Jaspers 1979 e Freud 1911 a realidade é aquilo que oferece resistência ao indivíduo opondose aos seus desejos princípio do prazer possibilitando que um mundo externo e objetivo seja reconhecido com o tempo Investimento amoroso e narcísico dos pais sobre a criança Projeção dos desejos inconscientes dos pais sobre a criança e consequente assimilação desses desejos pela própria criança Identificações da própria criança por meio de mecanismos conscientes e inconscientes de introjeção no relacionamento com as figuras parentais primárias Então os pais psicológicos são tomados como modelos de identificação e assim introjetados assimilados à personalidade da criança a qual busca ser como o pai e a mãe agir e sentir como eles O ego atua como um fator de ligação e integração de todos os processos psíquicos Assim ele tem uma relação de dependência em três instâncias as pulsões do id que forçam para serem satisfeitas as cobranças do superego regras e ideais morais da sociedade e as exigências da realidade No conflito neurótico o ego representa o polo defensivo da personalidade Ele lança mão de um conjunto de mecanismos de defesa sempre que percebe que um afeto desagradável sinal de angústia se insinua perante o aparelho psíquico Laplanche Pontalis 1986 Por volta dos 3 aos 4 anos de idade o autoconceito já é mais abrangente pois a criança identificase com um conjunto de características mais numeroso e diversificado a linguagem já está amplamente desenvolvida assim como funções como atenção memória e cognição social Tudo isso permite que ela se perceba mais nitidamente e estabeleça relações mais bem demarcadas com os outros Papalia Feldman 2013 A noção de que algo existe fora o externo à criança marca o instante de singular significação para a formação do que se entende por consciência do Eu Desenvolvese assim o sentimento de oposição entre o Eu e o mundo constituindose progressivamente as dimensões subjetiva e objetiva da experiência humana A consciência do Eu pressupõe a tomada de consciência do próprio corpo do Eu físico A esse Eu corporal psíquico e somático a um só tempo a psicologia denominou imagem ou esquema corporal Schilder Wertman 1994 Se a consciência do Eu também abrange o corpo então nela se entrelaçam o psíquico e o somático Cabe lembrar que Freud formulou brilhantemente o caráter corporal do Eu afirmando O eu é antes de tudo uma entidade um ser corporal Das Ich ist vor allem ein körperlicheswesen Freud 19231982 A NOÇÃO DE SELF E SUAS VICISSITUDES Para se definir e estudar o Eu em várias abordagens psicológicas ou psicopatológicas parte dos autores prefere o termo self si mesmo em português visando na maioria das vezes um construto mais abrangente do que a noção de Eu Em psicologia e psicopatologia apresentaram e desenvolveram noções originais de self autores tão diversos como William James Pierre Janet Carl G Jung Jacob L Moreno Erving Goffman Carl Rogers e George Herbert Mead para mencionar alguns dos mais influentes Por questões de espaço optamos neste livro por adotar a proposta de definição de self de William James 18421910 pois ele desenvolveu de forma elucidativa tal noção James 1977 Para James o self de uma pessoa pode ser considerado a soma total de tudo aquilo que ela possa chamar de seu no sentido íntimo Tal self se refere não apenas ao corpo e a traços psíquicos mas também aos sentimentos de relação referentes às pessoas mais intimamente relacionadas ao indivíduo a mãe o pai os amigos mais íntimos os filhos e até mesmo caso forem muito significativos para o sujeito a casa onde vive seus papéis sociais mais plenamente incorporados seu trabalho e profissão Todas essas pessoas papéis e objetos que orbitam na esfera do self lhe trazem emoções significativas e marcantes quando se trata de pessoa muito ligada à mãe ou ao pai por exemplo se um deles falece uma parte do self do indivíduo também morre quando tais pessoas muito próximas sofrem ou são humilhadas uma parte do self também sofre ou se sente marcadamente humilhada James propõe descrever o self por meio de três dimensões fundamentais 1 self material 2 self social e 3 self anímico O self material material self é constituído principalmente pelo corpo a parte mais interior e íntima do self denominado então self corporal No corpo nem tudo é igualmente self notamos bem mais alguns órgãos e partes como marcadamente significativos e mais nossos p ex o rosto os olhos a pele os cabelos os órgãos genitais as mãos os seios etc com variações no grau de importância entre as pessoas e os grupos socioculturais Cabe assinalar que para James também podem constituir o self material as roupas e os adereços que o indivíduo usa no dia a dia e dentre esses os que mais gosta especialmente aqueles com que mais se identifica James cita o ditado popular que diz que uma pessoa é constituída por sua alma corpo e roupas As pessoas mais íntimas como família imediata e amigos muito próximos podem também fazer parte do que James chama de self material Com pessoas muito íntimas temos muitas vezes relações de identificação projeção e introjeção tão intensas que podemos chegar a sentilas como verdadeiras partes de nosso self O self social diz respeito a como somos reconhecidos por nossos pares e pela sociedade em geral James diz que não somos apenas animais gregários que gostam de estar perto de outros humanos Temos de fato forte propensão e desejo de sermos notados reconhecidos e valorizados pelas pessoas com quem convivemos Se ninguém nos nota reconhece e valoriza podemos nos sentir mais que arrasados aniquilados mortos em termos psicossociais Uma pessoa teria tantos selfs sociais quanto há pessoas e grupos que a reconhecem de forma diferenciada atribuindolhe papéis capacidades e funções distintas Um jovem por exemplo pode ter um self social em relação aos pais outro self social em relação aos amigos mais próximos e talvez outro em relação a companheiros do trabalho cada self social com determinado contorno com sua fama prestígio ou desprestígio expectativas positivas ou negativas funções e qualidades O self anímico ou psíquico James o denomina spiritual self com o sentido de self anímico é o ser subjetivo o ser interior de uma pessoa o conjunto de todas as faculdades e disposições psíquicas sensibilidade afetividade cognição vontades e desejos conscientes e inconscientes Segundo James o self anímico é vivenciado como a dimensão mais íntima e interior de uma pessoa em oposição ao mundo exterior não importando diz o autor se esse núcleo central do self é uma substância espiritual ou algo que só existe como vivência do sujeito Cabe acrescentar que no sistema Research Domain Criteria RDoC a noção de self é colocada como um de seus construtos A compreensão e a percepção do self são definidas como os processos eou representações implicados em ser consciente do próprio self bem como em acessar conhecimentos e fazer julgamentos sobre ele Esse processo inclui os estados internos e os traços e habilidades tanto cognitivos como emocionais O RDoC estabelece que o self deve ser considerado tanto isoladamente quanto em relação com os outros A noção de self implica também os mecanismos nos quais se baseiam a autoconsciência o automonitoramento e o autoconhecimento Para o RDoC as percepções e o conhecimento do self são organizados de acordo com os seguintes subconstrutos Agência é a habilidade em reconhecer o próprio self como agente das próprias ações e pensamentos inclusive o reconhecimento do próprio corpo Agência é uma noção fundamental que revela como e quanto o indivíduo tem poder sobre sua própria vida interferindo de forma voluntária e autônoma sobre o que acontece consigo mesmo Autoconhecimento é a habilidade em fazer julgamentos sobre os traços as habilidades e os estados cognitivos e emocionais internos 1 2 3 4 PSICOPATOLOGIA DO EU E DO SELF Nesta parte inicial do capítulo serão abordadas as chamadas alterações da consciência do Eu segundo Karl Jaspers Na parte final serão apresentadas as alterações psicopatológicas do self segundo o sistema de avaliação dos psicopatólogos de Copenhague Parnas et al 2005 chamado Examination of Anomalous SelfExperience EASE O Eu e a consciência do Eu segundo Karl Jaspers 1979 Para Jaspers a consciência é dimensão fundamental da atividade psíquica humana Ela tem dois aspectos ou dimensões fundamentais a consciência do mundo e dos eventos e objetos contidos nele e a consciência do Eu A consciência do mundo situase sempre em relação e contraposição à consciência do Eu Para investigar as alterações psicopatológicas do Eu Jaspers propõe subdividir e compreender a consciência do Eu em quatro aspectos consciência de unidade do Eu consciência de identidade do Eu no tempo consciência da oposição do Eu em relação ao mundo consciência de atividade do Eu consciência de existência e de execução Consciência de unidade do Eu A cada momento o Eu é sentido como algo uno e indivisível Essa é uma qualidade da vivência do Eu sentida como natural e espontânea Na alteração da unidade do Eu não se trata de dissociação da personalidade ou de expressões metafóricas referidas como moram em meu peito duas almas ou razão e sentimento se acham em luta no meu interior metáforas que são usadas com frequência na experiência cotidiana das pessoas Também não se trata de tomar consciência de conflitos ou aspectos multifacetados da própria personalidade O que está em jogo na chamada alteração da unidade do Eu é algo mais radical e decisivo A vivência radical de cisão do Eu só existe segundo Jaspers quando ambas as séries de identificações e processos anímicos se desenvolvem de forma absolutamente simultânea e contraditória uma ao lado da outra Nessa alteração constituemse conjuntos de percepções e sentimentos que se opõem radicalmente como estranhos O indivíduo sentese profundamente dividido sentese anjo e demônio ao mesmo tempo ou homem e mulher simultaneamente Tais vivências ocorrem sobretudo nas psicoses agudas Consciência de identidade do Eu no tempo Tratase da consciência de ser o mesmo ao longo do tempo na sucessão temporal Mudam aspectos da personalidade mas o Eu nuclear é normalmente vivenciado como o mesmo ao longo do tempo Nas alterações da consciência de identidade do Eu no tempo alguns pacientes relatam que atualmente em comparação a sua vida anterior em especial antes do início da psicose o Eu não é a mesma pessoa Diz um paciente ao descrever a minha história tenho a nítida consciência de que apenas uma parte do meu Eu atual vivenciou tudo isso que aconteceu no passado ou O Eu de então me parece um anão dentro de mim Alguns pacientes com psicose chegam a usar a terceira pessoa para se referirem ao seu Eu do passado Consciência da oposição do Eu em relação ao mundo A consciência de evidente separação entre o Eu subjetivo e o espaço e mundo externo é algo espontâneo que no estado mental sadio nem é questionado é simplesmente aceito como algo natural A alteração dessa dimensão da consciência do Eu é a perda da sensação de fronteira e oposição entre o Eu e o mundo Os pacientes identificamse completamente com os objetos pessoas animais máquinas do mundo externo O indivíduo sente que seu Eu se expande para o mundo exterior e dele não mais se diferencia Em alguns pacientes psicóticos pode ocorrer a vivência de sentirse transformado em um robô em outra pessoa ou em um animal denominada transitivismo ver também adiante em Alterações do self De acordo com a hipótese psicanalítica esses pacientes projetariam então seus estados subjetivos no outro transladandose para um Eu alheio ou para o corpo de um animal A vivência de publicação do pensamento que pacientes com esquizofrenia experimentam é relatada de várias maneiras meus pensamentos se extravasam fazemse conhecidos de toda a gente é como se fossem publicados publicação do pensamento difusão do pensamento segundo Kurt Schneider 1976 A publicação do pensamento muitas vezes vem associada a vivências de sonorização do pensamento o indivíduo tem a experiência de ouvir os próprios pensamentos no exato momento em que os pensa e de eco do pensamento fenômeno no qual um pensamento original é percebido de forma repetida segundos após ter sido pensado pela primeira vez como se fosse um eco produzido por sua cabeça ou por outra pessoa Ocorre assim nesses sintomas relatados a queda ou rompimento da barreira divisória fundamental entre o Eu e o não Eu A perda da consciência de oposição entre o Eu e o mundo pode ocorrer nas psicoses mais comumente na esquizofrenia nas intoxicações por substâncias sobretudo alucinógenos como a dietilamida do ácido lisérgico LSD e em alguns fenômenos culturais intensos como o êxtase religioso os estados de transe a possessão a meditação profunda nos casos desses fenômenos culturais a vivência não é classificada como fenômeno patológico e sim como experiência cultural normal Consciência de atividade do Eu Há em todas as atividades psíquicas sejam elas percepções sensações corporais lembranças sejam elas representações pensamentos sentimentos um tom especial de meu de pessoal daquilo que é feito e vivenciado por mim mesmo Jaspers 1979 chama esse fenômeno de personalização Ele subdivide as alterações da consciência de atividade do Eu em dois grupos alterações da consciência da existência e alterações da consciência de execução Alteração da consciência da existência Essa alteração psicopatológica consiste na suspensão da sensação normal de existência do próprio Eu corporal e psíquico O indivíduo perde ou tem diminuída sua consciência do ser ele próprio percebe um distanciamento do mundo perceptivo e perde mesmo a consciência do sentimento do Eu Para Jaspers o curioso desse fenômeno é a condição na qual o ser humano existindo já não pode mais sentir sua existência Alguns pacientes psicóticos e eventualmente alguns com depressão muito grave relatam que se sentem modificados estranhos a si mesmos Sou apenas uma máquina um autômato um robô ou Sintome como um nada como um morto Alteração da consciência de execução Na naturalidade da experiência e ação diárias não se nota quão essencial é a unidade da vivência de execução Para cada sujeito é evidente que quando se pensa se sente e se deseja é o Eu próprio que o faz Na alteração da consciência de execução o paciente sobretudo em quadros psicóticos ao pensar ou desejar alguma coisa sente porém que de fato foi outro que pensou ou desejou tais pensamentos ou desejos e os impôs de alguma maneira Alguns pacientes psicóticos sobretudo na esquizofrenia não apenas deixam de se sentir senhores de seus pensamentos impulsos sentimentos como passam a se sentir possuídos por um poder estranho externo e inapreensível Os pensamentos podem ser vivenciados como feitos e impostos por alguém ou algo externo ou como roubados extraídos arrancados do paciente a psicopatologia jasperiana nomeia isso como vivência do feito Kurt Schneider 1976 descreve tais vivências como pensamentos feitos pensamentos impostos e roubo do pensamento A vivência do feito por uma força externa pode abarcar todos os tipos de atividade psíquica não apenas o pensamento mas também o falar o fazer o caminhar o querer e o sentir bem como os impulsos inclusive sexuais Os pacientes passam a se sentir inibidos ou contidos mas não por algo interno e sim por alguma coisa externa totalmente desconhecida que se lhes impõe com brutalidade DESPERSONALIZAÇÃO E DESREALIZAÇÃO Abordadas também por Karl Jaspers 1979 a despersonalização e a desrealização são duas vivências que passaram a ser descritas e utilizadas em psicopatologia desde o fim do século XIX Berrios 1996 A primeira é o sentimento de estranheza de si mesmo e a segunda o sentimento de estranheza de perda de familiaridade em relação a ambientes bem conhecidos A despersonalização é vivência geralmente muito perturbadora pois a experiência de perda ou transformação do Eu costuma assustar e inquietar o paciente marcadamente O indivíduo sentese estranho consigo mesmo vive marcante transformação na qual seu Eu familiar e cotidiano inclusive seu próprio corpo são vivenciados como algo estranho diferente bizarro Isso ocorre em geral com sentimentos angustiantes e profunda perplexidade Há frequentemente a sensação de que se está perdendo o controle ou mesmo enlouquecendo Na despersonalização há perda total ou parcial da relação empática básica da familiaridade inequívoca do Eu consigo mesmo Há profundo estranhamento daquilo que nos é mais familiar nosso próprio Eu Como mencionado essa condição abarca tanto o Eu psíquico como o Eu corporal Na despersonalização corporal há sensação intensa de estranhamento e perda da familiaridade do indivíduo com seu próprio corpo Comumente associada à despersonalização pode ocorrer a desrealização que é a transformação e a perda da relação de familiaridade com o mundo comum familiar O indivíduo passa a estranhar muitas das coisas que sempre lhe foram familiares bem conhecidas como sua própria casa seus móveis suas roupas os lugares que frequenta Seu mundo antes familiar caseiro passa a ser percebido como muito estranho mudado As pessoas e os lugares mesmo íntimos parecem alheios os sons são percebidos com um timbre novo as cores têm características diferentes Em geral tanto a despersonalização como a desrealização são vivenciadas com muita angústia Segundo Nobre de Melo 1979 o despersonalizado vivenciaria então algo como a pessoa que perdeu a segurança de uma relação familiar com o mundo condenada assim ao frio de uma terra estranha de um país desconhecido Valor semiológico Não é infrequente a ocorrência de despersonalização e de desrealização nas crises intensas de ansiedade nas crises de pânico Elas ocorrem também nas psicoses tóxicas por alucinógenos e nos episódios agudos de esquizofrenia podendo ser vivenciadas inclusive em formas graves de depressão PSICOPATOLOGIA DO EU CORPORAL Definições básicas Definese imagem ou esquema corporal como a representação que cada indivíduo faz de seu próprio corpo Essa percepção do próprio corpo é construída e organizada tanto pelos sentidos corporais externos e internos como pelas representações mentais afetivas e cognitivas referentes ao organismo Assim a diferenciação entre o corpo físico objetivo corpo anatômico e o vivenciado percebido subjetivamente pelo sujeito esquema corporal é de suma importância O esquema corporal com todas as representações e valores do corpo é construído ao longo da história de vida do sujeito Ele envolve a forma como os pais sobretudo a mãe significavam o corpo e partes do corpo da criança a forma como irmãos e pares nomeavam significavam e valorizavam as partes e funções do corpo López Ibor Lópes Ibor Aliño 1974 Rix Snaith 1988 Igualmente fundamentais para o esquema corporal são as noções e símbolos culturais referentes ao corpo seus limites partes e funções presentes na sociedade do indivíduo Os limites do corpo o que está em seu interior como as partes funcionam o valor que cada parte tem são elementos que podem variar muito de cultura para cultura Algumas partes do corpo por exemplo tendem a ter marcante valor simbólico como o útero em linguagem popular brasileira a mãe do corpo o sangue quase sempre intensamente significado nas culturas com rica simbologia os órgãos genitais a pele os seios o rosto as nádegas os olhos que podem transmitir fluidos malignos mauolhado as mãos etc Helman 2009 O psicopatólogo espanhol Carmelo Monedero 1973 p 235 afirma que o corpo é um objeto peculiar que percebe e é percebido sendo objeto por demais importante para o ser humano pois O homem no mundo é um corpo lidando com as coisas e com outros homens Somos nosso corpo e sem ele não seria concebível nenhuma forma de existência Existir é uma peculiar referência à corporeidade O modo como as pessoas percebem subjetivamente seu corpo difere bastante do que se encontra nos livros de anatomia ou fisiologia Para Paul Schilder Schilder Wertman 1935 1994 o esquema corporal está sempre ligado à experiência afetiva imposta pela relação com o outro além da história de vida e experiências culturais do indivíduo Um atleta um bailarino um trabalhador braçal e um trabalhador intelectual percebem e representam o corpo de forma bastante diferenciada sendo que os diferentes grupos sociais e culturais tendem a perceber representar e valorizar o corpo suas partes e funções de formas muito distintas Boltanski 1984 As duas dimensões básicas do Eu corporal referemse à intimidade à privacidade distinção Eumundo e à sexualidade O Eu corporal é também devese destacar um Eucorporalsexuado A dinâmica essencial da experiência corporal referese à relação do corpo sexuado do Eu com os corpos sexuados dos outros O corpo é um dos principais palcos de nossas vidas Palco de dor de prazer de preocupação de medo e desejo Assim Drummond fala dessas dimensões da experiência corporal Claro que o corpo não é feito só para sofrer Mas para sofrer e gozar Na inocência do sofrimento como na inocência do gozo o corpo se realiza vulnerável e solene A relação do indivíduo com seu corpo sua forma de percebêlo de com ele se relacionar cuidandoo ou destratandoo amandoo ou odiandoo é também um ponto crucial para a prática médica e para a prática de todas as profissões da saúde Cenestesia e cenestopatia Desde o fim do século XIX denominase cenestesia o conjunto de sensações internas oriundas de todos os pontos do corpo que se dirigem ao córtex cerebral principalmente pelas vias vegetativas permitindo que sintamos nosso corpo de forma global A cenestesia é portanto a integração de diversas sensações corporais A cenestesia em uma pessoa sadia sem doenças ou incômodos físicos produz um sentimento difuso de existência agradável vitalidade física e bem estar Em contraposição à cenestesia normal temse a cenestopatia que é o conjunto de sensações incômodas de malestar difuso São geralmente sensações corporais mais penosas e sofridas do que propriamente dolorosas É frequente que a cenestopatia tenda a se concentrar em um ou alguns órgãos como por exemplo estômago cérebro gargantafaringe coração intestinos órgãos genitais língua no caso da língua sensação ruim de queimação ou amargor intenso O órgão referido pelo paciente pode ou não corresponder ao órgão anatômico exato O malestar e as sensações ruins são com certa frequência nomeados pelos pacientes como fraqueza compressão torção pressão encolhimento queimação aperto como gelo como pedra etc A cenestopatia ocorre mais frequentemente associada a quadros ansiosos ansiedade generalizada pânico depressivos e hipocondríacos não delirantes mas pode acontecer de forma inespecífica em quase todos os transtornos mentais Somatognosia e suas alterações As conexões corticais intra e interhemisféricas conferem ao lobo parietal um papel central na integração sensorial somatossensitiva e vestibular permitindo a somatognosia ou consciência do corpo Bernard Trouvé 1977 Em lesões vasculares tumorais ou de outra natureza da região parietal direita não é infrequente a perda da consciência do hemicorpo do lado oposto geralmente esquerdo denominada síndrome de heminegligência ou hemiassomatognosia O indivíduo passa a não reconhecer mais a existência de seu hemicorpo esquerdo Em alguns casos reconhece sua existência mas não identifica que aquele lado está quase sem nenhuma força muscular hemiparesia ou hemiplegia apresentando assim anosognosia ou seja a perda da capacidade de reconhecimento da doença ou do déficit naquela metade do corpo hemianosognosia esquerda O lobo parietal intervém não apenas na integração perceptiva que produz a imagem corporal mas participa também do estabelecimento de esquemas de ação da atividade gestual complexa que é enfim a concatenação das percepções corporais integradas e das ações do corpo dirigidas ao mundo e ao espaço externo Assim é artificial a separação entre a dimensão receptiva perceptiva do corpo e suas sensações e a dimensão ativa motora relativa ao corpo agindo no mundo A percepção corporal e a atuação motora formam do ponto de vista neurológico e neuropsicológico uma unidade indivisível Um exemplo disso é a apraxia construtiva ou incapacidade de desenhar um modelo cubo casa etc de montar um quebracabeças de construir formas simples com cubos etc A apraxia construtiva ocorre com frequência devido a lesões dos lobos parietais ALTERAÇÕES DO ESQUEMA CORPORAL EM TRANSTORNOS MENTAIS Uma pessoa com depressão grave vive seu corpo como algo pesado lento difícil fonte de sofrimento e não de prazer Sentese fraca esgotada incapaz de fazer frente às exigências da vida astenia Seu corpo já não tem vida é um peso morto a pessoa se sente impotente ou muito doente cenestopatia Pacientes com depressão grave podem também ter alterações do esquema corporal como no delírio de negação de órgãos delírio de Cotard no qual o indivíduo sente por exemplo que seu fígado cérebro ou coração não estão mais em seu corpo ou apodreceram Sente que não tem mais sangue que seu corpo secou que mãos e pés braços e pernas estão se esfarelando como areia Pode sentir e concluir que está fisicamente morto ou que seu corpo irá se expandir tomando todo o espaço do quarto Essas vivências de alterações profundas do esquema corporal com o delírio de negação de órgãos de expansão do corpo eou de imortalidade sente que irá sofrer pelo resto da eternidade são denominadas síndrome de Cotard Cotard 1882 Já o paciente em mania pode vivenciar seu corpo como algo extremamente ativo poderoso e vivo Não é raro que o indivíduo em mania sintase forte e ágil não conseguindo parar e repousar por período um pouco prolongado Quando inquirido sobre como se sente corporalmente muitas vezes responde que está muito bem cheio de vigor melhor que nunca Há mesmo com frequência a incapacidade de perceber as limitações reais do corpo Muitos pacientes idosos em mania atuam corporalmente até a exaustão podendo inclusive vir a falecer devido a esse excesso de ação motora p ex por infarto do miocárdio Alguns pacientes com esquizofrenia experimentam diversas e profundas alterações do esquema corporal O sujeito pode apresentar vivências de influência sobre o corpo a sensação de que alguém algo ou uma força externa desconhecida age sobre seu organismo manipulandoo ou controlandoo Não é rara na esquizofrenia a sensação de que uma entidade ou pessoa está manipulando os genitais do paciente aplicando agulhadas beliscões toques tendo relações sexuais com ele ou ela contra sua vontade O indivíduo sente eventualmente que seus movimentos são controlados por essas forças externas Também pode ocorrer a experiência de esvaziamento ou roubo de partes do corpo como o cérebro ou as vísceras Delírios de negação ou de apodrecimento dos órgãos também são observáveis Alguns pacientes com esquizofrenia referem sentir que há pequenos animais ou objetos dentro de seus corpos como por exemplo uma cobra um rato que se mexem vão de um lado a outro Por sua vez os pacientes com psicoses tóxicas produzidas por alucinógenos LSD mescalina harmina psilocibina haxixe ou mais raramente maconha podem ter experiências de deformação do esquema corporal O braço ou a cabeça são vivenciados como enormes crescendo ou encolhendo O corpo é sentido como excessivamente leve ou pesado como se estivesse voando ou afundando Já pessoas com transtorno da personalidade histriônica podem tender a erotizar intensamente o corpo todo mas em contrapartida sentir seus genitais e a atividade genital como insensíveis ou perigosos Paradoxalmente à erotização excessiva de todo o corpo não é incomum haver disfunção orgásmica e anestesia genital Os indivíduos com quadros de ansiedade grave sentem o corpo comprimido asfixiado como se existisse uma pressão externa sobre ele sobretudo uma constrição ou aperto no peito e na garganta Nas crises de pânico são frequentes a despersonalização corporal e a sensação de morte iminente de que o corpo irá entrar em colapso desorganizar se de que irá ter um infarto no coração ou derrame cerebral Pessoas com quadro de transtorno obsessivocompulsivo TOC podem sentir o corpo como sujo ou contaminado tendo de esforçarse constantemente para limpálo purificálo ou protegêlo da contaminação O indivíduo com hipocondria vive seu corpo de forma muito peculiar trata se do lugar de todo seu sofrimento investido intensamente por toda sua atenção e libido Há nos quadros hipocondríacos relação ambígua com o corpo o indivíduo teme seus presságios fica a adivinhar seus mistérios e perigos mas não deixa por um só momento de voltarse para ele de observálo e mesmo cultivar suas sensações corporais pretensamente mórbidas As pessoas com anorexia nervosa revelam alteração marcante do esquema corporal Apesar de muito emagrecidas percebemse gordas com barriga com nádegas braços e coxas enormes etc Em associação a tal percepção distorcida que de fato é uma ideia prevalente submetemse a dietas e exercícios físicos que as emagrecem mais e mais podendo ocorrer em alguns casos estados extremos de caquexia Por sua vez pacientes com dismorfofobia ou transtorno dismórfico corporal percebem distorcidamente partes de seu corpo nariz orelhas face seios nádegas mãos etc Eles afirmam que essas partes são horríveis desproporcionais enormes e dignas de enorme vergonha Pequenas variações físicas que passariam despercebidas pela maioria das pessoas são consideradas horrorosas revisão em Berrios Kan 1996 Devido a tal percepção distorcida insistem junto a cirurgiões plásticos e dermatologistas para que os operem e às vezes conseguem reduzindo por meio de repetidas cirurgias o tamanho do nariz das orelhas etc O fenômeno do membro fantasma ocorre em alguns indivíduos que sofreram amputações O paciente após a cirurgia de amputação de um membro perna pé braço mão etc continua sentindo como se o membro ainda estivesse lá Pode apresentar parestesias e mesmo dores intensas nesse membro ausente Com o tempo o membro parece mudar de tamanho geralmente encolhendo Além de ocorrer em braços e pernas amputados o fenômeno também pode ser observado nas amputações de olhos do reto da laringe e de outras partes do corpo No caso de pacientes que sofreram mastectomia podem ser verificadas alterações significativas do esquema corporal algumas mulheres sentem que com a transformação de seu corpo perderam sua feminilidade sentemse como homem sentem um vazio em seu corpo além de por vezes desenvolverem quadros de depressão e de diminuição da autoestima A VALORAÇÃO DO EU OS CONCEITOS DE NARCISISMO E AUTOESTIMA Definições básicas O termo narcisismo referese de modo geral ao direcionamento do amor do indivíduo para si próprio Na visão freudiana a libido voltase para o próprio Eu deixando de investir no mundo e nas pessoas Nesse estado o Eu percebe o prazer como oriundo sempre de seu interior e o desprazer como proveniente do mundo externo Há assim no narcisismo que é marcante no transtorno da personalidade narcisista a ilusão de autossuficiência sentimento de poder de grandiosidade de desprezo pelo mundo exterior O próprio Eu é tomado pelo indivíduo como sua grande paixão seu principal objeto de amor O narcisismo não é entretanto necessariamente positivo ou negativo patológico ou saudável Todo indivíduo necessita investir amorosamente em seu próprio Eu para sobreviver para cuidar de si mesmo e para poder amar outras pessoas O fundamental aqui é o grau e a intensidade com que o amor é investido em si mesmo ou em outras pessoas O indivíduo totalmente narcísico não se relaciona de fato com o mundo e com isso empobrecese Por sua vez o sujeito sem qualquer amor narcísico sentese vazio sem valor sem qualidades mínimas que o façam ser amado e digno de viver neste mundo O transtorno da personalidade narcisista é um bom exemplo de manutenção de um modo de funcionamento mental e de investimento da libido no qual predomina o narcisismo Também se verificam com frequência aspectos narcísicos em pacientes com transtorno da personalidade histriônica transtorno da personalidade antissocial e em alguns indivíduos com quadros de mania Diminuição da valoração do Eu Em muitos pacientes deprimidos encontramse sentimentos profundos de menosvalia de redução da autoestima e de autodepreciação De fato o processo de autodepreciação é considerado central na depressão O indivíduo tende a sentirse sem valor não merece viver e ser amado deve morrer para deixar de incomodar os outros Aqui se torna patente com frequência a vivência do paciente de perceber sua vida como fracasso existencial Além da depressão em inúmeras situações relacionadas à doença mental temse a vivência de autodepreciação Muitos indivíduos com dificuldades psicológicas e sociais crônicas desadaptados desajeitados na vida social com dificuldades graves no campo do trabalho do estudo da família sentemse profundamente desmoralizados Pacientes com dependência crônica de álcool e outras substâncias também podem desenvolver um sentimento marcante de autodepreciação Além disso ter uma doença crônica física eou mental pode implicar grave processo de desmoralização e autodepreciação O indivíduo limitado física eou mentalmente pode tender a sentirse sem valor como um peso para sua família um fracassado um inútil Isso muitas vezes vem associado a descuido crônico de si mesmo autonegligência falta de higiene além de atos e condutas suicidas O conceito de identidade psicossocial Para o psicanalista e antropólogo Erik Erikson 19021994 o sentimento de identidade referese à sensação de ser alguém em contraposição a sentirse um ser anônimo É a sensação de ter certa continuidade no tempo e pertencer a algo ser parte de algo A identidade psicossocial permite que o indivíduo se oriente em relação às outras pessoas e ao seu meio sociocultural estabeleça e delineie as fronteiras do Euself Erikson 1985 A identidade psicossocial depende intimamente do reconhecimento do outro ser reconhecido por seus pares como pertencente ao grupo e de certo contraste com aqueles que não pertencem ao seu grupo identitário Assim a identidade psicossocial é um fenômeno contrastivo o indivíduo é isso aqui e não é aquilo outro ou seja está em contraposição a aquele outro é definido e configurado por tal contraposição A identidade é portanto um processo que decorre de um julgamento e atribuição de significados que o sujeito faz de si mesmo mas também do modo como os outros o julgam e significam A identidade baseiase portanto em um processo contrastante de construção de um sentido e sentimento pessoal em relação a um ou vários grupos sociais e culturais Deveriase mais propriamente falar de identidades no plural e não de identidade no singular já que tanto a cultura como os processos históricos e o sujeito não são todos homogêneos e unívocos mas dimensões múltiplas e cambiantes Participam dessa dinâmica os valores os ideais e os modos de ser do indivíduo de seu grupo sociocultural e de grupos culturais alheios ou contrastivos que se contrapõem ao grupo do sujeito em questão Isso tudo deve ser entendido como um processo em movimento já que a identidade é algo dinâmico que está sempre mudando e se transformando Para Erikson uma identidade positiva não é algo estabelecido não é uma realização fechada ou uma forma de armadura da personalidade Ela se transforma ao longo de toda a vida do sujeito e se relaciona a elementos centrais da cultura coletiva do sujeito e de sua localização no fluxo histórico Além de fenômeno social e cultural a identidade é também uma construção subjetiva ou seja algo que se constitui e se realiza no mais íntimo do sujeito no âmago do indivíduo No nível pessoal e intrapsíquico participa da formação da identidade do sujeito um conjunto de identificações conscientes e inconscientes que a criança e o adolescente fazem ao longo de seu desenvolvimento Por meio desse processo de identificação a criança vai introjetando incorporando ao seu Euself aspectos diversos dos adultos pais avós tios professores amigos e de seus pares outras crianças ou adolescentes como irmãos amigos primos com quem convive Sendo múltipla a identidade psicossocial é portanto composta de diversas identidades como por exemplo a de grupo etário a étnica ou racial a religiosa a profissional a de gênero a de orientação erótica a identidade relativa à nacionalidade entre outras Também estão aqui incluídas as identidades referentes ao sentimento de pertencer a pequenos grupos identidade de ser estudante de medicina estudante de psicologia pertencer a uma igreja a um grupo político ser motoboy ser de um time de futebol de um grupo de jovens que gostam de certo tipo de gênero musical etc A identidade psicossocial representa com muita frequência fonte básica de reconhecimento social e legitimação fundamental para a autoestima do sujeito Os transtornos de identidade Visto que a identidade psicossocial é fonte básica e significativa de autoestima reconhecimento social e legitimação seus problemas estão relacionados à confusão de identidade e à desorientação em relação ao que o indivíduo é no contexto sociocultural ao que esperam dele a como se sente ao seu lugar no mundo e assim por diante Crise de identidade A chamada crise de identidade descrita e estudada por Erikson desde os anos de 1950 e 1960 Erikson 1976 referese às dificuldades intensas e ao surgimento em curto período da sensação de insegurança e confusão em relação a identidades e escolhas do sujeito A confusão de identidade pode se expressar em termos de identidade de gênero ou de orientação erótica identidade etária religiosa étnica ou racial assim como escolha e padrões de amizades valores morais e papéis relacionais perante os pais e os professores Um tipo de crise de identidade marcante em nossa cultura é a que ocorre entre os adolescentes Essa crise pode ser suficientemente intensa a ponto de causar muita angústia e interferir na vida do jovem Algumas crises intensas de confusão de identidade podem ser parecidas com episódios psicóticos agudos e necessitam de avaliação cuidadosa Estados de possessão como experiência cultural relacionada ao Eu Os estados de possessão podem ocorrer no mais das vezes em pessoas que participam de rituais organizados e configurados em determinado contexto religiosocultural Assim de modo geral os estados de possessão são fenômenos culturais e não psicopatológicos Entretanto tais estados podem ocorrer também porém com menos frequência em indivíduos com transtornos mentais p ex nos transtornos dissociativos ou histeria Ao entrar no estado de possessão o indivíduo apresenta perda temporária de sua identidade pessoal que é substituída por uma entidade que toma conta do sujeito Com mais frequência o sujeito permanece consciente em relação à percepção do ambiente Geralmente nos contextos culturais os estados de possessão ocorrem associados a estados de transe que duram minutos ou horas Tais estados são em geral desencadeados em circunstâncias rituais nas quais a dança o ritmo os movimentos do corpo os cantos as rezas enfim todo o contexto ritual guia o sujeito no sentido de alterar momentaneamente seu estado de consciência e permitir que uma entidade tome posse dele É comum nesses casos que o indivíduo apresente movimentos rítmicos do tronco tremores gestos atitudes e mímica estereotipada e fala alterada infantil brava etc Pode ou não haver amnésia para o ocorrido durante o estado de possessão Os estados de possessão de natureza psicopatológica em quadros dissociativos são também de curta duração minutos ou horas e há amnésia parcial ou total para o ocorrido ALTERAÇÕES DA EXPERIÊNCIA DO SELF OU EXPERIÊNCIAS ANÔMALAS DO SELF A seguir será apresentado de forma resumida o conjunto de alterações psicopatológicas ou anômalas do self de acordo com a proposta do instrumento EASE formulada nos últimos anos pelo grupo de trabalho centrado na Universidade de Copenhague obra coordenada pelo psicopatólogo Josef Parnas para mais detalhes ver Parnas et al 2005 Zahavi 2006 propõe subdividir o self em dois aspectos o self nuclear básico a experiência dada e vivenciada na primeira pessoa e o self estendido que seria o self narrativo mediado pela reflexão linguagem e narrativa de si mesmo As experiências anômalas do self apresentadas no EASE se referem principalmente à primeira dimensão o self nuclear As experiências anômalas do self ocorrem principalmente nas psicoses sobretudo na esquizofrenia podendo também mas menos frequentemente ocorrer em psicoses afetivas depressão psicótica ou mania psicótica e outras psicoses reativas transtorno delirante e psicoses orgânicas Por razões didáticas elas foram divididas em alterações do self anímicopsíquico do self corporal do self social e do self total Alterações do self anímico self psíquico Sentimento de diminuição do self básico sensação abrangente de vazio interior de falta de um núcleo interno de ausência de identidade sentimentos de ser anônimo como se a pessoa não existisse ou fosse profundamente diferente das demais Ocorre no início das psicoses Distorção da perspectiva de primeira pessoa Distúrbios da iniciativa ou da intencionalidade do pensamento impulsos sentimentos imaginações o indivíduo tem a sensação de que seus pensamentos impulsos ou sentimentos não são seus ou de que não se originaram de si mesmo Há perda de certa naturalidade que temos ao pensar sentir imaginar bem como da sensação de que quando o fazemos somos nós mesmos que realizamos tais atos psíquicos Essa alteração inclui também a perda ou alteração da sensação de agência do self Pode ser que os pensamentos sentimentos e impulsos pareçam ao indivíduo como impessoais anônimos ou mecanicamente formados A sensação interna de que isso é meu nos pensamentos sentimentos e ações é diminuída ou pode até estar abolida Pode ser que o indivíduo tenha a sensação de estar observando de fora as próprias atividades e conteúdos mentais até como se fosse uma outra pessoa a observar o que se passa em seu self Ocorre na esquizofrenia Perda da consciência de continuidade da própria ação tratase de quebra na consciência da própria ação o indivíduo tem a sensação de que ao agir é outra pessoa ou outra força que toma a iniciativa ou continua a ação Ocorre na esquizofrenia Alterações do self corporal Mudanças morfológicas sensações de mudança no corpo ou de partes do corpo que aumentam ou diminuem ficam mais finas ou grossas mais curtas ou compridas Ocorrem sobretudo nas psicoses Fenômenos relacionados à imagem especular com mais frequência em espelhos mas também podem ocorrer com imagens de si em fotografias em vidraças etc o indivíduo olhase mais frequentemente no espelho e percebe mudanças em sua face ficando muito surpreso eou assustado Pode perceber os olhos deformados como bolas negras percebe o rosto a derreter ou muito envelhecido Esses fenômenos podem ocorrer na esquizofrenia e em psicoses tóxicas por alucinógenos como LSD Estranhamento do self corporal o indivíduo sente o corpo como se ele não fosse mais o que era percebe o corpo ou partes dele como maiores ou menores deformadas em relação ao que lhe era comum Ocorre nas psicoses Desintegração do self corporal o paciente sente o corpo se desintegrando ou se dissolvendo Ocorre na esquizofrenia e em psicoses tóxicas por alucinógenos como LSD Espacialização e anomalia de experiências corporais o indivíduo sente o corpo como um objeto físico e não como o próprio corpo Também sente partes que normalmente não são sentidas Uma paciente com esquizofrenia dizia que sentia seu útero como se não fosse seu outro paciente dizia sentir o sangue correndo em suas veias Experiências cenestésicas do self corporal o indivíduo tem sensações estranhas no corpo como de amortecimento de suas partes de coisas que migram pelo organismo sensações elétricas no corpo assim como de que partes dele estão mais leves ou mais pesadas levitando ou se elevando bem como sensações de que partes do corpo são tocadas além de beliscões choquinhos etc Ocorrem com mais frequência na esquizofrenia mas também podem aparecer em psicoses tóxicas e na depressão psicótica Alterações motoras do self corporal o paciente tem a sensação de que o corpo todo ou partes dele se mexem de forma autônoma ou contra sua vontade Há bloqueio abrupto dos movimentos voluntários por uma força externa e perda da sensação dos movimentos automáticos para andar correr sentar etc como se eles não fossem mais automáticos e naturais Ocorre sobretudo na esquizofrenia Experiências miméticas de movimentação quando o paciente geralmente com esquizofrenia se move percebe movimentos iguais em objetos ou pessoas e tenta então parar de se movimentar Alternativamente coisas ou pessoas se movimentam e o paciente sente que se movimenta de forma idêntica Sensações ameaçadoras pelo contato corporal o indivíduo tem sensação muito desagradável no contato físico com outra pessoa ao ser abraçado sente medo ou desconforto intenso como se fosse aniquilado ou gravemente ameaçado Ocorre sobretudo na esquizofrenia Alterações do self social alterações das identidades psicossociais e socioculturais que ocorrem com mais frequência na esquizofrenia Confusão com o outro alguns pacientes têm a sensação de que são outra pessoa eu sinto como se fosse minha mãe Não sei bem se é uma sensação psíquica ou física Um paciente dizia que se sentia concretamente como se fosse um cachorro Confusão radical de identidade sensação de que o self diminuiu ou encolheu de que não consegue diferenciar aspectos de sua própria identidade com relação à dos outros Sensação de mudança em relação à idade cronológica alguns pacientes têm a clara e marcante sensação de que pertencem concretamente a outro grupo etário uma senhora de 57 anos dizia que se sentia e percebia como uma menininha de 5 anos de idade Outra paciente de cabelos negros e olhos castanhos de 42 anos sentia que era uma menina de 12 anos loira de olhos verdes Sensação de mudança em relação ao gênero alguns pacientes psicóticos têm a sensação de que mudaram abruptamente de gênero até janeiro passado eu era José um homem de 30 anos agora sou Cristina uma garota de 18 anos Devese notar que aqui se está descrevendo uma experiência psicótica não se trata de disforia de gênero ou incongruência de gênero que são experiências não psicóticas e não patológicas nas quais alguns indivíduos têm a sensação a experiência e o desejo de ser do gênero oposto àquele em que biologicamente nasceram Alterações do self total podem estar presentes em diferentes psicoses mas ocorrem com mais frequência na esquizofrenia Alterações da autoconsciência e da presença selfawareness e selfpresence Diminuição da sensação de presença no dia a dia uma pessoa saudável tem certa sensação de existência de que é ou vive uma espécie de presença natural espontânea não refletida Ela inclui tanto a sensação de existência do self como de existência presença e imersão no mundo Tudo que fazemos e experimentamos nos passa a sensação de presença e imersão natural no mundo Em alguns quadros psicóticos há a sensação de diminuição dessa presença do self e de imersão ou atração natural no mundo Há nos termos do EASE uma alteração na perspectiva de primeira pessoa Pode haver uma sensação bizarra de vazio interior de que falta um núcleo interno de ser uma espécie de ser anônimo como se não existisse ou fosse profundamente diferente das outras pessoas Alguns pacientes psicóticos relatam é como se eu não fizesse parte deste mundo como se eu fosse um não existente como se tivesse cessado de existir Perdi contato com o mundo e comigo como se eu fosse uma coisa inerte uma geladeira uma máquina não uma pessoa Sensação radical de centralidade alguns indivíduos têm a forte sensação de que são concretamente o ponto central do universo ou de que não há mais nada apenas a sua pessoa e todo o resto desapareceu Uma paciente em quadro de depressão psicótica perguntava por que o universo inteiro acabou desapareceu Hiperreflexividade esse é um sintomaexperiência bastante importante em alguns pacientes especialmente com esquizofrenia É a tendência marcante observada sobretudo no início do quadro psicótico de abordar a si mesmo e eventualmente englobando também o mundo com seus objetos e eventos com uma intensa e concentrada reflexão vivenciada como algo que se impõe ao indivíduo Há também perda da espontaneidade e da natural ingenuidade do modo como vivemos o dia a dia e abordamos o mundo Perdese a sensação irrefletida e natural de que o self e as coisas objetos eventos lugares pessoas simplesmente existem estão no mundo e não questionamos a toda hora se o que percebemos em nós ou vemos a nossa frente realmente existe Há nesses casos aumento marcante da tendência a refletir quase compulsivamente sobre como se está pensando sentindo e se comportando a monitorar intensamente a própria vida interior com suas percepções sensações imaginações Paralelamente a certa perda do senso comum e do estado natural há uma tendência crescente a refletir intensamente sobre detalhes do mundo e de si mesmo O indivíduo levanta questões como Por que meu corpo não se desfaz com o vento Por que o chão não afunda quando andamos Por que todas as casas e prédios não desabam a todo momento Tais questões passam a intrigar o sujeito que geralmente percebe tudo com marcante perplexidade Cisão radical do self IchSpaltung algumas pacientes psicóticas percebem o próprio self como se estivesse se compartimentalizando se desintegrando em partes semiindependentes deixando de existir de forma coesa como um todo Tal sensação pode vir a ter uma interpretação delirante Uma paciente dizia que era duas pois enxergava a si mesma de fora fenômeno do duplo Outro paciente referia que não tinha contato com seu lado esquerdo como se ele fosse só meio Ainda uma terceira paciente via a si mesma como uma caveira com coisas dentro como se tivesse dois cérebros Ela havia se transformado em duas pessoas deitadas uma ao lado da outra na cama novamente aqui fenômeno do duplo Transitivismo ocorre perda das fronteiras do self com indiscriminação em relação a pessoas animais ou objetos O paciente se confunde radicalmente com outra pessoa sente que é o outro ou se sente profundamente invadido A outra pessoa ou objeto passa ao interior do paciente Pode haver confusão com a própria imagem especular o indivíduo olhase no espelho e não sabe quem é quem Pode ter essa mesma sensação ao olhar fotografias ou desenhos de si mesmo Sensação de aniquilamento total de desaparecimento o sujeito tem a sensação de que vai desaparecer ou de que está desaparecendo às vezes quando em contato físico ou sexual com outra pessoa O Quadro 241 pretende facilitar a correspondência entre a abordagem de alterações da consciência do Eu tal como formulada por Karl Jaspers e a proposta do EASE Na primeira coluna são apresentadas as alterações da consciência do Eu e na segunda as correspondentes mesmo que a correspondência não seja total mas apenas parcial vivências apresentadas no EASE Quadro 241 Correspondência entre a abordagem de alterações da consciência do Eu em Jaspers e a proposta do EASE ALTERAÇÕES DA CONSCIÊNCIA DO EU JASPERS EXPERIÊNCIAS ANÔMALAS DO SELF EASE Alterações da consciência de unidade do Eu Cisão do Eu partes do Eu se opõem radicalmente como estranhas Cisão radical do self Estranhamento do self corporal Desintegração do self corporal Alterações da consciência de identidade do Eu no tempo Percepção de não ser a mesma pessoa ao longo do tempo Senso de mudança em relação à idade cronológica Sensação de mudança em relação ao gênero Perda da consciência de continuidade da própria ação Alterações da consciência da oposição do Eu em relação ao mundo Perda da sensação de oposição e fronteira entre o Eu e o mundo Transitivismo sentirse transformado em outra pessoa em um animal em robô Confusão com o outro Confusão radical de identidade Transitivismo Sensação radical de centralidade Sonorização eou publicação do pensamento Fenômenos relacionados à imagem especular Desintegração do self corporal Experiências miméticas de movimentação Sensações ameaçadoras pelo contato corporal Confusão com o outro Confusão radical de identidade Alterações da consciência de atividade do Eu Alterações da consciência de existência Perde a consciência do ser eu próprio percebe um distanciamento do mundo perceptivo e perde mesmo a consciência do sentimento do Eu Alterações da consciência de execução Pensamentos podem ser vivenciados como feitos e impostos por alguém ou algo externo Sentimento de diminuição do self básico Diminuição da sensação de presença Hiperreflexividade Sensação de aniquilamento total de desaparecimento Distúrbios da iniciativa ou da intencionalidade do pensamento impulsos sentimentos imaginações Perda da consciência de continuidade da própria ação Um tipo de experiência anômala do self pode se correlacionar com mais de uma alteração de consciência do Eu de Jaspers e viceversa Parte III 25 A personalidade e suas alterações DEFINIÇÕES BÁSICAS O assunto personalidade e suas alterações talvez seja um dos mais difíceis e polêmicos de toda a psicopatologia Há um rico debate sobre o tema sobretudo nas tradições das psicopatologias francesa e alemã sendo vários os termos e conceitos utilizados para esse assunto personalidade transtorno da personalidade caráter caractereopatia temperamento constituição self traços de personalidade psicopatia entre outros Ao longo do capítulo tentaremos na medida do possível apresentar as acepções mais esclarecedoras desses termos os quais entretanto foram e ainda são frequentemente empregados de forma intercambiável pelos diversos autores Berrios 1996 Uma definição curta de personalidade afirma ser ela o modo característico como uma pessoa sente pensa reage se comporta e se relaciona com as outras pessoas Widiger 2011 Bastos 1997b apresenta outra definição elucidativa personalidade é o conjunto integrado de traços psíquicos consistindo no total das características individuais em sua relação com o meio conjugando tendências inatas e experiências adquiridas no curso de sua existência Ao se adentrar no estudo da personalidade humana devese estar atento à complexidade do tema a sua dimensão multifacetada e à facilidade com que se cometem erros e simplificações inadequadas sobretudo quando se ambiciona o conhecimento total da personalidade de um ser humano Para o psicopatólogo e filósofo Karl Jaspers 18831969 o conhecimento exaustivo de uma personalidade humana na sua totalidade é uma tarefa fadada ao fracasso sempre há e haverá dimensões e elementos que não poderão ser alcançados que se nos irão escapar Segundo uma longa tradição da psicologia e da psicopatologia de autores como JG Lavater G Viola E Kretschmer W H Sheldon entre tantos busca se construir uma tipologia humana que integre várias dimensões e aspectos relacionados à personalidade como as noções de constituição corporal temperamento caráter e traços de personalidade Cloninger Gottesman 1987 Livesley et al 1993 Berrios 1996 Buscaremos a seguir elucidar alguns dos construtos associados à personalidade que mais influência tiveram na visão de personalidade da psicopatologia como constituição corporal temperamento e caráter Constituição corporal Sobretudo psicopatólogos do século XIX e da primeira metade do XX propuseram que haveria um conjunto de propriedades morfológicas metabólicas bioquímicas hormonais entre outras transmitidas ao indivíduo principalmente mas não apenas pelos mecanismos genéticos e que se correlacionariam com a personalidade Assim muitos autores procuraram identificar um possível paralelo entre a constituição corporal e o temperamento e caráter dos seres humanos A constituição corporal seria responsável em boa parte pelo aspecto corporal do indivíduo sua aparência física o perfil de seus gestos sua voz o estilo de seus movimentos Tal constituição teria significativa influência sobre as experiências psicológicas da pessoa ao longo de sua vida A tentativa de aproximar tipos anatômicos fisiológicos ou endócrinos de determinados padrões de caráter psicológico biotipologia tem sido empreendida desde Hipócrates com sucesso bastante discutível Uma das biotipologias mais marcantes na história da psicopatologia foi a do psiquiatra alemão Ernst Kretschmer 18881964 que buscou dividir os tipos humanos em três grupos morfológicos e psicológicos distintos os leptossômicos ou astênicos os pícnicos e os atléticos ou musculares Häfner 1990 Entretanto apesar dos esforços de Kretschmer e outros não se conseguiu até hoje forjar uma biotipologia cientificamente bem aceita e consensual Assim a influência da constituição corporal para a personalidade continua uma hipótese a ser verificada Pailhez Bulbena 2010 Temperamento Por temperamento vários autores buscaram captar o conjunto de particularidades psicofisiológicas e de padrões de reação psicológica inatos de base neurobiológica que diferenciam um indivíduo de outro Berrios 1996 O temperamento seria portanto determinado por fatores genéticos ou constitucionais precoces que formariam a base genéticoneuronal da personalidade Assim por exemplo alguns indivíduos nasceriam com tendência à passividade à hipoatividade à baixa reatividade ou seja com temperamento astênico enquanto outros nasceriam com temperamentos estênicos ativos com forte tendência à iniciativa e a reagir prontamente aos estímulos ambientais Diferenças de temperamento entre as pessoas ao que parece são identificadas desde muito cedo na vida Por exemplo alguns bebês já nas primeiras semanas de vida são mais ativos outros menos alguns são mais medrosos receosos outros são mais ousados menos receosos e isso frequentemente se conserva ao longo da vida Assim dimensões como medo ousadia ou atividadepassividade podem se expressar muito cedo e ser incrivelmente estáveis ao longo de todo o ciclo vital Kagan 1999 Entretanto a identificação de traços e configurações congênitas individuais de temperamento é tarefa muito difícil já que o que se tem são indivíduos que sempre trazem consigo a combinação dos aspectos inatos aos aspectos adquiridos aprendidos incorporados pela interação constante com os pais e a sociedade Assim a apreensão do temperamento de uma pessoa em estado puro original é extremamente difícil se não impossível pois o temperamento inato se integra ao caráter para formar a personalidade total Caráter Embora o termo caráter tenha na linguagem comum conotação moral indicando força vontade perseverança não é esse o sentido que se dá ao termo em psicopatologia O termo caráter foi muito utilizado e debatido na psicopatologia europeia muitas vezes utilizado como sinônimo de personalidade mas outras vezes para indicar o comportamento geral do indivíduo nas relações sociais ou sua disposição sentimental ou de humor predominante Entretanto muitos autores do século XX AlonsoFernandéz 1976 preferem conceber o termo caráter de forma mais circunscrita O caráter seria o conjunto de elementos da personalidade de base psicossocial e sociocultural Ele representaria os aspectos da experiência psicológica do indivíduo que desde cedo incidem sobre seu temperamento este de base hereditária biológica O caráter resultaria do temperamento moldado modificado e inserido no meio familiar e sociocultural O termo caráter portanto diz respeito aos aspectos mais especificamente psicológicos da personalidade O temperamento não deve ser confundido com o caráter pois seria algo básico e constitutivo do indivíduo ao passo que o caráter se traduz pelo tipo de reação predominante da pessoa ante diversas situações e estímulos do ambiente Mira y López 1974 afirma que é compreensível que frequentemente não coincidam o temperamento tendências inatas iniciais e o caráter conjunto de reações finalmente exibidas pelo indivíduo já que entre ambos se interpõe o conjunto de funções intelectuais discriminativas críticas e judicativas assim como as inibições e os hábitos criados pela educação Em certos casos o caráter se desenvolveria no sentido oposto ao do temperamento por sobrecompensação psíquica muitas vezes um indivíduo com caráter exibicionista e teatral esconde um temperamento tímido e fóbico ou um caráter agressivo e audaz encobre um temperamento medroso e angustiado TIPOLOGIAS HUMANAS OU PADRÕES DE PERSONALIDADE A ideia de agrupar e classificar as pessoas em tipos pelas suas características individuais modos de ser e reagir fragilidades e pontos fortes é muito antiga na história da humanidade Não seria exagero dizer que praticamente todo grande investigador do ser humano acabou por formular sua tipologia para identificar e ordenar as pessoas em alguns tipos básicos A primeira tipologia desenvolvida na história da medicina e da psicologia mais bem conhecida e divulgada foi a da escola hipocráticogalênica A medicina do médico da Grécia Antiga Hipócrates de Cós 460370 aC e de seus discípulos chamada então medicina ou escola hipocrática é essencialmente ambientalista isto é dieta clima influência dos ventos etc são muito considerados Entretanto segundo a teoria dos hipocráticos os tipos humanos básicos e o surgimento da doença ou a manutenção da saúde dependeriam intimamente também da presença equilibrada e da convivência harmônica dos quatro humores essenciais do organismo humano o sangue a bílis a fleuma ou linfa e a atrabílis ou bílis negra Já no período moderno várias tipologias foram formuladas por diferentes autores e distintas escolas Não podendo abordar exaustivamente todas elas cabe aqui mencionar algumas das mais marcantes A tipologia de Carl Gustav Jung 18751961 exposta em sua grande obra Tipos psicológicos é uma concepção extremamente original sobre a estrutura e o funcionamento do psiquismo e da personalidade humana As duas atitudes básicas a extroversão e a introversão indicam o movimento e a direção fundamental da energia psíquica libido em Jung na vida de cada pessoa Na extroversão a libido flui sem embaraço ou dificuldade em direção aos objetos externos Os extrovertidos são pessoas que partem rápida e diretamente em direção ao mundo externo têm suas referências e buscam suas satisfações no ambiente externo A introversão por sua vez indica que a libido recua perante os objetos do mundo externo voltandose para seu interior o mundo externo é ameaçador ou sem importância as satisfações e referências provêm do próprio mundo interno Outros elementos do psiquismo humano pensamento sentimento percepção intuição entram na composição do tipo de personalidade que resultará ao final O trabalho de Jung inspirou a criação de um teste de tipologia muito utilizado nos Estados Unidos e na Europa atualmente o Indicador de Myers Briggs MBTI Myers Briggs 19431962 No Brasil estão disponíveis dois testes de personalidade segundo as teorias de personalidade de Jung o Questionário de Avaliação Tipológica QUATI Zacharias Vetor 1994 e o Teste de Wartegg Wartegg Casa do Psicólogo 1993 baseado na teoria junguiana dos arquétipos mais utilizado no Brasil na área de recursos humanos A PERSONALIDADE SEU DESENVOLVIMENTO E SEUS TIPOS SEGUNDO SIGMUND FREUD 1856 1939 A teoria psicanalítica desenvolvida por Freud tem repercussões muito influentes sobre como se compreende a personalidade humana Além disso a maior parte dos testes projetivos de personalidade que veremos na parte final deste capítulo utiliza em parte ou na sua totalidade abordagens e conceitos oriundos da psicanálise freudiana Podese concordar ou não com as perspectivas e teorias de Freud sobre o ser humano não se pode entretanto desconhecêlas Para Freud a personalidade ele usa para o que atualmente chamamos personalidade as palavras alemãs Charakter caráter ou Typen tipos se desenvolve marcada pelo modo como a criança é gratificada em termos de sua libido compreendida como energia vitalsexual A libido na criança passa por diversas fases ela está concentrada inicialmente no prazer oral relacionado com a amamentação Depois o centro do prazer e a libido se deslocam para a região anal para a fálica e no adulto estariam concentrados na atividade genital Assim as fixações infantis da libido em modos prégenitais e a tendência à regressão a esses pontos de fixação prégenitais acabam por determinar tanto os diversos tipos de neuroses como o perfil de personalidade do adulto Particularmente importante na concepção freudiana é a trama estrutural inconsciente de amor ódio e temor de represália em relação aos pais o complexo de Édipo Assim a personalidade do adulto formase pela introjeção sobretudo inconsciente de aspectos dos relacionamentos que se estabelecem no interior das relações familiares sobretudo da criança pequena com seus pais e destes com ela Além disso a personalidade é marcada pelo modo como se estrutura o desejo inconsciente e pelas formas como o ego lida com seus conflitos e frustrações sobretudo libidinais por meio dos variados mecanismos de defesa Freud 1986 Sobre os tipos de caráter Charaktertypen e tipos libidinosos libidinöse Typen Freud dedicou vários trabalhos Sua primeira obra sobre um tipo específico de personalidade foi sobre o caráter e o erotismo anal de 1908 Freud 1982 Para ele chama atenção no tipo de caráter anal indivíduos fixados na fase anal que tais pessoas seriam particularmente ordenadas organizadas econômicas até o nível de avareza e obstinadas com inclinações para a ira e a vingança tendo uma forma unilateral de enfrentar os problemas O caráter anal decorreria da segunda forma de organização da libido a fase anal Esta se caracteriza pelo marcado interesse e prazer da criança em reter e expelir as fezes compreendendo o desenvolvimento da libido do segundo ao terceiro ano de vida O caráter anal pode ter seu prazer concentrado tanto no reter seus afetos atos e pensamentos como no expelir expulsar abruptamente esses elementos psíquicos Os traços de caráter obsessivo e compulsivo o desejo de controlar a si mesmo e aos outros assim como as tendências a fantasias de onipotência e pensamento mágico são associados ao chamado perfil anal Antes da fase anal entretanto a primeira forma de organização do desejo libidinal da criança relacionase à chamada fase oral estendendose ao longo do primeiro ano de vida Aqui a zona e o modo corporal de maior fonte de prazer são a boca e o ato de sucção a libido concentrase no mamar Assim O ato que consiste em chupar o seio materno tornase o ponto de partida de toda a vida sexual o ideal jamais atingido ideal a que a imaginação aspira nos momentos de grande necessidade e de grande privação Freud 1905 1958 p169 O indivíduo fixado em um modo oral de organização da libido caráter oral tende à avidez no tomar e no receber não suporta a privação e tem dificuldades com a rejeição Tende a ser passivo e exigentemente ávido por receber em relação às pessoas mais próximas O exagero do tipo oral é descrito tradicionalmente como dependente sem iniciativa passivo e acomodado Na terceira fase dos 3 aos 5 anos denominada fase fálica as crianças de ambos os sexos se interessam crescentemente por seus próprios genitais Nessa fase a libido dirigese ao phalus do menino e na visão freudiana à ausência do phalus na menina Há intenso investimento narcísico sobre esse phalus que é anatômicoreal e simbólico ao mesmo tempo Nesse contexto configurase o complexo de Édipo o conflito da criança marcado por amor e desejo dirigidos ao progenitor do sexo oposto e ódio e rivalidade ao progenitor do mesmo sexo Assim a criança que inconscientemente hostiliza o progenitor do mesmo sexo também inconscientemente aguarda a represália sob a forma de castração de destruição daquilo que julga ser o mais valioso em seu ser O caráter fálico pode tender ao narcisismo de suas qualidades ao exibicionismo físico e mental aos atributos e poderes ou à inibição amedrontada em desejar qualquer coisa que lhe seja de valor Além de exibicionista o tipo fálico pode ser descrito como agressivo intrometido julgandose narcisisticamente merecedor de penetrar em qualquer espaço que considera como seu de direito No fim de sua vida Freud escreveu um trabalho Freud 1986 no qual propôs uma forma adicional de classificar os tipos de personalidade ou tipos libidinais como denominou nesse trabalho Por meio da forma de direcionamento da libido Freud vislumbrou três tipos libidinais básicos tipo erótico tipo compulsivo e tipo narcisista O tipo erótico emprega toda sua libido na vida amorosa desejando intensamente amar e sobretudo ser amado É governado pela angústia de possível perda do amor dos outros sendo por isso particularmente dependente dos demais O tipo compulsivo é dominado por seu superego é governado pela consciência moral trocando a dependência dos outros pela dependência interna de normas de conduta Ele se considera o genuíno portador dos valores de sua sociedade sendo geralmente uma pessoa conservadora Por fim o tipo narcisista se define negativamente por não apresentar qualquer tensão entre o ego e o superego não atribuindo também importância às necessidades eróticas Na vida amorosa prefere quase apenas ser amado do que amar Tende a se impor como personalidade forte diante dos outros para liderar desprezando os valores estabelecidos É importante frisar que os tipos descritos ocorrem com frequência em formas não puras afirma Freud podendo haver variados tipos combinados compulsivo narcisista erótico compulsivo etc A perspectiva de Freud sobre a personalidade e sobre os mecanismos mentais após tantos anos de sua formulação continua a influenciar de forma marcante boa parte dos profissionais da saúde mental que atuam no dia a dia da clínica Apesar da questionada base empírica da teoria e da dificuldade em testá la ela representa uma forma bem elaborada e sofisticada de compreender a personalidade humana e suas dificuldades instrumento percebido como muito útil por muitos profissionais Por fim cabe assinalar que o emprego das concepções psicanalíticas nos testes projetivos de personalidade não se restringe à possível identificação de tipos de caráter ou tipos libidinais muito além disso nos testes buscase identificar mecanismos de defesa formas de estruturação do ego desejos e fantasias conflitos temores e angústias que retratam o mundo interno das pessoas em avaliação ESTUDO DA PERSONALIDADE POR MEIO DE MÉTODOS EMPÍRICOS E PSICOMÉTRICOS TRAÇOS HIPÓTESE LÉXICA FUNDAMENTAL E ANÁLISE FATORIAL O estudo dos traços de personalidade A ideia de estudar a personalidade não buscando tipos formulados em relação a teorias globais do psiquismo humano mas por meio da identificação de traços de personalidade que podem se combinar de distintas formas foi defendida pelo psicólogo humanista norteamericano Gordon Allport 18971967 Esse importante autor entretanto estava bem mais interessado em avaliações individuais de cada paciente nas suas pesquisas de traços de personalidade não investindo em validações objetivas de uma teoria de personalidade Sua visão foi mais idiográfica centrada nas singularidades de cada pessoa de cada paciente com uma profunda sensibilidade sobre aspectos existenciais únicos e 1 2 3 profundos de cada indivíduo ao longo de sua história pessoal Allport 1973 Tavares Gorenstein 2016 Desde então a noção de traço na psicologia e psicopatologia da personalidade vem ganhando muita importância sobretudo nas últimas décadas Traços são tendências características modos específicos que são estáveis e determinantes para a personalidade do indivíduo Traços se diferenciam de estados que são aspectos temporários e breves eliciados por fatores externos circunstanciais como uma demissão briga familiar ou outro fator estressante momentâneo Gordon Allport propôs distinguir os traços de personalidade em três grupos Pervin John 2004 traços cardiais que revelam disposições penetrantes e marcantes para o conjunto da personalidade de uma pessoa p ex ser marcadamente autoritário sádico tímido traços centrais como honestidade assertividade generosidade que são importantes e cobrem amplas áreas da vida de uma pessoa não sua totalidade traços secundários que seriam disposições menos significativas consistentes e conspícuas A hipótese léxica fundamental da linguagem cotidiana à personalidade A linha de estudos empíricos da personalidade baseada em traços e seus agrupamentos fatoriais ver adiante pressupõe uma hipótese mais básica a hipótese léxica fundamental HLF Os investigadores de traços de personalidade perceberam que era possível captar de forma sensível por perguntas ou afirmações formuladas com elementos semânticos da linguagem cotidiana natural sou uma pessoa insegura sou uma pessoa que se irrita com facilidade sou uma pessoa ousada sou uma pessoa vingativa como é a personalidade de uma pessoa Na HLF utilizamse descritores de traços baseados principalmente em adjetivos p ex inseguro irritado ousado vingativo Essa hipótese pressupõe portanto que as diferenças de personalidade mais importantes para a vida diária das pessoas e suas relações interpessoais sejam codificadas e expressas na linguagem cotidiana Para a vida social é fundamental que as pessoas possam identificar e falar sobre as características que melhor definem um indivíduo ou a si mesmos os aspectos das outras pessoas que nos indicam como elas irão agir sentir e interagir conosco Por isso todos os idiomas humanos desenvolveram uma linguagem vocabulário com verbos adjetivos advérbios construções gramaticais etc que descreve e identifica de modo sensível os aspectos fundamentais da personalidade humana Abordagem fatorial dos traços a análise fatorial Desde o trabalho pioneiro de Leon Louis Thurstone 1934 buscouse verificar como os traços colhidos por meio de perguntas formuladas com a linguagem cotidiana HLF se agrupavam de forma mais ou menos intensa mais ou menos estável ou seja como de um conjunto geralmente numeroso de perguntas diferentes e variadas sobre como a pessoa se descreve age sente e interage seria possível extrair matematicamente fatores que revelam agrupamentos de traços individualizados Os fatores seriam um importante indicativo de como se formam distintas organizações da personalidade A análise fatorial é um procedimento matemático bem conhecido pelos estatísticos que torna possível esse tipo de estudo MODELOS ATUAIS DE PERSONALIDADE BASEADOS EM ESTUDOS EMPÍRICOS Um dos modelos de personalidade oriundo de estudos empíricos e psicométricos que lança mão consideravelmente dos pressupostos expostos bastante difundido e utilizado é o famoso teste Minnesota Multiphasic Personality Inventory MMPI Sua forma atual é o MMPI2Restructured Form MMPI2RF O MMPI2RF contém 567 itens afirmações que o avaliando considera certas ou erradas e sua aplicação tem duração de 90 a 120 minutos Exemplos de itens são gosto de ir a festas e outras reuniões onde haja muita animação ou certamente às vezes sinto que sou inútil ou ainda gosto de liderar negociações difíceis A nosso ver o MMPI apesar de apresentar boas propriedades psicométricas e ser muito utilizado em todo o mundo tem as limitações de ser um teste caro de aplicação muito longa e de incluir às vezes confundindo a avaliação em uma mesma avaliação diagnósticos de síndromes mentais com avaliação e diagnóstico de personalidade Os modelos de Raymond B Cattel 19051998 e de Hans Jürgen Eysenck 19161997 O estudo da personalidade humana com base nos traços desenvolveuse com maior ênfase a partir dos anos de 1940 por meio das pesquisas de dois psicólogos muito atuantes na Inglaterra o britânico Raymond B Cattel e o alemão Hans J Eysenck Eles investiram no projeto de basear o estudo da personalidade humana em métodos empíricos e psicométricos com amostras populacionais pressupondo a hipótese dos traços e a HLF e baseandose em análises estatísticas sobretudo na análise fatorial Cattel 1947 procurou de forma muito produtiva dar continuidade à linha aberta pelas propostas de McDougall 1932 e de Thurstone 1934 na busca de agrupamentos fatores da personalidade seus estudos entre outras coisas resultaram no famoso teste de personalidade Sixteen Personality Factor Questionnaire questionário 16PF Eysenck por sua vez dirigiu desde os anos de 1940 até o início dos anos de 1980 o departamento de psicologia do Maudsley Hospital Instituto de Psiquiatria de Londres A abordagem de Eysenck incorpora vários elementos aspectos da proposta de Jung extroversãointroversão uma visão da importância da genética na personalidade humana e a aceitação de alguns dos pressupostos do behaviorismo Além disso como Cattel Eysenck acreditava que o recurso aos métodos estatísticos seria fundamental para a pesquisa em psicologia da personalidade Surgiram então nos estudos empíricos de Eysenck inicialmente dois domínios básicos neuroticismo e extroversão O neuroticismo diz respeito a traços como instabilidade emocional tensão tendência à ansiedade e à depressão preocupação e autopiedade o oposto do neuroticismo é a estabilidade emocional boa tolerância à frustração ser pessoa calma estável sentirse à vontade consigo mesma O segundo domínio extroversão inspirado pela visão de Jung indica a presença de traços de propensão à atividade assertividade energia entusiasmo busca dos outros e socialização O oposto da extroversão é a introversão com tendência à timidez retraimento evitação da intimidade tendência à desconfiança e afetividade restrita Posteriormente Eysenck identificou o domínio psicoticismo que inclui traços como tendência a ter experiências incomuns bizarras percepções incomuns ou estranhas expressão anormal das emoções negligência em relação a si mesmo e excentricidade Devido a tais traços lembrarem aspectos da psicose esse domínio foi denominado psicoticismo Modelo dos cinco grandes fatores CGF ou Big Five Nas últimas três a quatro décadas o modelo de personalidade de base empírica mais estudado e difundido no mundo acadêmico é o modelo dos cinco grandes fatores de personalidade fivefactor model ou Big Five Esse modelo teve inicialmente sua inspiração nos trabalhos de Leon Louis Thurstone 18871955 que partira das sugestões de William McDougall 1871 1938 sobre o estudo dimensional da personalidade McDougall 1932 Thurstone 1934 realizou estudo empírico original que gerou um modelo de personalidade baseado em cinco fatores É impressionante a proximidade entre alguns dos agrupamentos fatores obtidos por Thurstone e os do Big Five como sociabilidadeafabilidade estabilidade emocional realizaçãoresponsabilidade e antagonismo Thurstone 1934 Assim a partir dos projetos iniciados por Thurstone Cattel e Eysenck e desenvolvidos nos anos de 1960 em diante por Tupes e Christal 1961 Norman 1963 Borgatta 1964 e W T Norman e Lewis R Goldberg 1966 o Big Five foi ganhando crescente importância Posteriormente foi testado e mais amplamente validado em pesquisas empíricas transculturais e em distintos grupos etários por Robert R MacCrae e Paul T Costa Jr McCrae Costa 1997 O Big Five é o modelo contemporâneo que tem revelado maior sucesso empírico por isso a maior ênfase dada a ele aqui Nele estão incluídos os agrupamentos 1 extroversãointroversão 2 neuroticismoestabilidade emocional 3 responsabilidadedesinibição 4 sociabilidadeantagonismo e 5 abertura à experiênciafechamento Cabe mencionar que os cinco grandes domínios têm facetas ou subdomínios que podem ser analisados separadamente Por exemplo o domínio desinibição contém as facetas irresponsabilidade impulsividade perfeccionismo rígido distraibilidade e exposição a riscos e o domínio antagonismo tem as facetas manipulação desonestidade grandiosidade busca de atenção e insensibilidade Os agrupamentos extroversãointroversão e neuroticismoestabilidade emocional foram apresentados anteriormente sendo muito próximos aos de Cattel e Eysenck Indivíduos que têm níveis altos de responsabilidadeconsciênciarealização às vezes se usa o termo meticulosidade para esse domínio tendem a ser organizados autodisciplinados planejam e se esforçam para obter seus objetivos têm necessidade alta de realização tendem a ser pontuais bem organizados e confiáveisprevisíveis levam as obrigações muito a sério colocandoas antes do prazer e tendem a ser tenazes e persistentes No polo oposto do domínio de responsabilidade está o domínio chamado desinibiçãofalta de direção no qual predominam a irresponsabilidade a impulsividade a exposição a riscos o descuido a negligência e o hedonismo O outro domínio acrescentado pelo Big Five foi o de antagonismo versus afabilidadeamabilidade Pessoas com alto nível de antagonismo tendem a ser rudes ou insensíveis hostis não cooperativas manipuladoras com tendência a inescrupulosidade cinismo grandiosidade e busca de atenção Já no polo da sociabilidadeamabilidadeafabilidade encontramse características como tendência à empatia honestidade prestatividade tendência à generosidade a ser confiante e a perdoar Além disso no modelo Big Five o terceiro fator de Eysenck o psicoticismo foi substituído pelo domínio abertura em contraposição a fechamento Pessoas com níveis altos de abertura à experiência são mais curiosas imaginativas buscam a novidade e a variedade têm preferência pela complexidade consciência dos próprios sentimentos reconhecem os sentimentos dos outros são sensíveis à beleza na arte e à natureza têm atração por sistemas de valores e pensamentos não convencionais tendendo a ser mais tolerantes e criativas O oposto de abertura é o domínio fechamento com características como ser mais convencional ter interesses limitados não imaginativos não criativos não reflexivos Nesse modelo a partir do agrupamento de traços de personalidade os cinco domínios obtidos se revelaram estáveis e consistentes em grande número de estudos empíricos em culturas distintas Allik McCrae 2002 Allik McCrae 2004 McCrae Terracciano 2005 Heine Buchtel 2009 Há vários estudos que identificam pelo menos quatro dos cinco domínios do Big Five em grandes primatas como chimpanzés quando suas características são avaliadas pelos cuidadores que lidam diariamente com eles esboço de validação que poderia se denominar transespécies em primatas não humanos e humanos Weiss et al 2007 Latzman et al 2016 Por terse revelado um modelo de personalidade muito consistente em distintos contextos socioculturais grupos e faixas etárias o modelo dos cinco domínios foi assumido no modelo alternativo do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais DSM5 na parte que utiliza os traços de personalidade para abordar pessoas com dificuldades e limitações em suas personalidades ver discussão mais adiante As dimensões ou domínios obtidos nas pesquisas são apresentados por meio de pares antagônicos ou polos opostos que resumem os principais aspectos da personalidade nos cinco domínios O Quadro 251 apresenta de forma resumida e didática os domínios do modelo Big Five e da proposta do DSM5 São dois modelos muito parecidos e sobrepostos por isso não são enfatizadas as diferenças entre eles Quadro 251 Domínios do modelo dos cinco grandes fatores Big Five e do modelo alternativo do DSM 5 para traços de personalidade CINCO DOMÍNIOS 1 Afetividade negativaNeuroticismo versus Estabilidade emocional Afetividade negativaNeuroticismo Instabilidade preocupação hostilidade traços ansiosos tensão autopiedade depressãoculpavergonha baixa tolerância à frustração Estabilidade emocional Boa tolerância à frustração calma estabilidade sentirse à vontade consigo mesmo 2 Distanciamento Introversão versus Extroversão DistanciamentoIntroversão Evitação da intimidade retraimento nas interações evitação de contatos afetividade restrita desconfiança Extroversão Atividade busca dos outros entusiasmo assertividade busca de excitação socialização 3 Antagonismo versus Socialização amabilidadeafabilidade Antagonismo Manipulação dos outros sentimento exagerado da própria importância busca de atenção insensibilidade em relação aos outros SociabilidadeAmabilidadeAfabilidade Empatia gentileza com os outros tendência a ser confiável valorizador generoso perdoador 4 DesinibiçãoFalta de direção versus Realização ResponsabilidadeMeticulosidade DesinibiçãoFalta de direção Busca de gratificação imediata irresponsabilidade impulsividade exposição a riscos atenção facilmente desviada ResponsabilidadeConsciênciaRealização Tendência a ser organizado eficiente responsável confiável planejador autocontrole adesão e filiação a códigos morais 5 Psicoticismo Fechamento versus Abertura a novas experiências Psicoticismo Comportamentos crenças e cognições estranhos excêntricos desregulação cognitiva perceptiva Fechamento Convencionais dogmáticas rígidas conservadoras menos reativas emocionalmente Abertura a novas experiências Curiosidade imaginação originalidade tendência à arte maior insight e abertura de interesses Obs Este quadro apresenta uma adaptação didática não completa que aproxima o modelo dos CGF Big Five e aquele adotado para identificação de traços de personalidade do DSM5 Há algumas diferenças entre esses dois modelos que por motivos didáticos não são apresentadas aqui Embora sejam apresentadas como pares antagônicos como no modelo do DSM5 as dimensões não o são rigorosamente Embora o DSM5 contraponha no quinto domínio psicoticismo a lucidezabertura o que não faz muito sentido isso difere muito do modelo original do Big Five no qual a abertura se contrapõe a fechamento indivíduo convencional conservador interesses limitados não imaginativo não criativo não reflexivo com menor reatividade emocional Modelo dos cinco fatores e estrutura e funcionamento cerebral Uma série de estudos tem buscado aproximar os domínios e traços do Big Five e o funcionamento cerebral por meio de estudos de neuroimagem estrutural e funcional Abram DeYoung 2017 Os domínios neuroticismo responsabilidadeconsciência e socializaçãoamabilidade foram os mais estudados Pessoas com altos níveis de neuroticismoafetividade negativa tendem a apresentar alterações na neurotransmissão de serotonina e noradrenalina na integridade da substância branca fibras axônios assim como alterações da amígdala em si e déficits de regulação da amígdala pelas áreas préfrontais No neuroticismo possivelmente as áreas corticais exercem controle deficitário sobre as regiões subcorticais e sobre estruturas límbicas Responsabilidadeconsciênciarealização está associada à integridade das áreas préfrontais dorsolaterais Essa área está implicada em comportamentos orientados para objetivos assim como no direcionamento da atenção quando há estímulos distraidores Também envolvidas com responsabilidadeconsciência estão áreas como a ínsula e o córtex do cíngulo anterior Sociabilidadeamabilidadeafabilidade parece depender da conectividade global do cérebro avaliada por técnicas que identificam o chamado default model network Tal integridade é importante para aspectos como altruísmo e cooperação que implicam poder perceber e assumir a perspectiva dos outros nas relações interpessoais relacionados à sociabilidadeafabilidade Outro componente importante para sociabilidadeafabilidade é a inibição de impulsos agressivos relacionados ao volume da amígdala tendência de maior volume estar associado a agressividade Abram DeYoung 2017 O modelo de personalidade de Robert Cloninger O psiquiatra norteamericano Claude Robert Cloninger 1944 tem descrito desde o fim dos anos de 1970 um modelo de personalidade que busca fundamentos neuroestruturais neuroquímicos e genéticos para identificar padrões de reação a estímulos específicos buscando chegar a padrões de personalidade 1 2 3 Além disso seu modelo se contrapõe aos modelos empíricos apresentados neste capítulo pois embora também se baseie em estudos experimentais Cloninger formula um modelo de personalidade com uma base teórica explícita que visa integrar o temperamento ao caráter produzindo uma resultante final que é a personalidade Por meio de estudos de famílias em desenvolvimento com análises psicométricas somados a pesquisas neuroanatômicas e neuroquímicas e investigações comportamentais e de aprendizagem em seres humanos e animais Cloninger 1994 formulou seu modelo psicobiológico de temperamento e caráter O instrumento de avaliação que corresponde ao modelo de Cloninger utilizado em pesquisas e na clínica é o Inventário de Temperamento e Caráter TCIR já traduzido e validado em nosso meio Nesse modelo Cloninger identificou quatro dimensões de temperamento dimensões neurobiológicas de temperamento que seriam segundo seus postulados de natureza genética e neurobioquímica Tais dimensões revelariam padrões predizíveis de interação em suas respostas adaptativas a classes específicas de estímulos do meio ambiente Assim esse autor identificou as seguintes dimensões ou fatores de temperamento Procura por novidade novelty seeking Nessa dimensão os estímulos mais relevantes seriam a novidade a recompensa potencial e o alívio da monotonia Aqui haveria a tendência herdada para a excitação e a exaltação perante estímulos novos assim como a busca intensa por aventuras e explorações emocionantes O sujeito seria intolerante em relação à monotonia Ele agiria por impulso e mudaria rapidamente de interesses e amizades Temse buscado associar esse padrão de Cloninger ao maior risco de uso e dependência de substâncias em adolescentes e aos comportamentos de risco e potencialmente antissociais As vias neuronais mais ativadas nesse padrão seriam os sistemas dopaminérgicos de recompensa Evitação de danos harm avoidance Aqui haveria a tendência inata do sujeito de responder com intensidade a sinais de estímulos aversivos O indivíduo é quase sempre temeroso antecipando os danos possíveis Isso revelaria uma pessoa pessimista e inibida que evita os menores riscos e busca avidamente o familiar e o previsível As vias neuroquímicas envolvidas seriam as serotonérgicas Dependência de gratificação ou recompensa reward dependence Em tal dimensão haveria a tendência herdável do sujeito a responder intensamente 4 1 2 3 a sinais ou indicativos de recompensa em especial sinais de aprovação social Nos sujeitos em que predomina esse padrão verificase extrema dependência de apoios emocionais e intimidade com os outros são muito sensíveis às sugestões sociais e responsivos à pressão social além de extremamente sensíveis à rejeição mesmo em relação a pequenos menosprezos As vias neuroquímicas envolvidas seriam as noradrenérgicas Persistência persistence Nessa dimensão seriam encontrados aspectos como ambição tenacidade e perseverança bem como capacidade de manter um comportamento inicialmente recompensado mesmo que com o tempo não haja mais reforços ao comportamento O caráter é concebido como os aspectos da personalidade que por meio das experiências dos hábitos surgem do desenvolvimento da interação do temperamento com os fatores ambientais da história pessoal de cada indivíduo São três as dimensões ou fatores de caráter de Cloninger Autodirecionamento selfdirectedness percepção de si mesmo como uma pessoa autônoma a característica de ser responsável e capaz de estabelecer objetivos para si versus a tendência a culpar os outros e não ter objetivos na vida pessoal Cooperatividade cooperativeness capacidade de perceber as outras pessoas com seus interesses valores e visões e de estabelecer soluções conciliatórias de ser tolerante versus a propensão a ser vingativo e preconceituoso Autotranscendência selftranscendence dimensão relacionada à espiritualidade em sentido amplo de autoaceitação que implica a percepção de si mesmo como parte integral de uma realidade ampliada versus a propensão a ser egocêntrico preso a aspectos exclusivamente materialistas da existência O modelo de Cloninger tem um instrumento de avaliação o TCI há também a versão revisada TCIR Esse modelo se mostrou consistente e válido do ponto de vista psicométrico havendo tradução para o português do Brasil também já validada em nosso meio Gonçalves Cloninger 2010 TRANSTORNOS DA PERSONALIDADE Conceito A categoria transtorno da personalidade TP foi ao longo dos últimos dois séculos nomeada de diversas formas pela psicopatologia insanidade moral moral insanity monomania moral neurose de caráter caracteropatia psicopatia e por fim transtorno da personalidade Entretanto um termo que se tornou popular entre os profissionais da saúde mental migrando para o uso popular foi psicopatia Tal termo foi infelizmente utilizado de modo muito impreciso e variável identificandose psicopatia ora com personalidade antissocial ou sociopática ora com transtornos da personalidade em geral sendo até usado como sinônimo de transtorno mental em geral O psicopatólogo alemão Kurt Schneider Schneider 1950 estudou intensamente os TPs por ele chamados de personalidades anormais ou psicopáticas e influenciou toda a psiquiatria até os tempos atuais Schneider concebia as personalidades anormais como desvios estatísticos de uma norma mediana estimada Isso incluía pessoas com personalidades anormais tanto no sentido negativo com muitas dificuldades e problemas pessoais e interpessoais como no sentido positivo ou seja pessoas muito criativas sagazes e produtivas Nem todas as personalidades anormais portanto teriam implicação para a psiquiatria As personalidades anormais relevantes para a psiquiatria seriam as chamadas personalidades psicopáticas que incluiriam as pessoas cuja anormalidade de personalidade lhes faria sofrer e causaria sofrimento à sociedade as pessoas que com elas convivem É importante frisar que para Schneider as personalidades anormais inclusive as psicopáticas não são doenças mentais que para ele deveriam ter substrato corporal conhecido ou suposto são apenas variações de normas populacionais Parte das noções de Schneider sobrevive nos conceitos atuais de TP Os TPs embora de modo geral produzam consequências muito penosas para o indivíduo seus familiares e as pessoas próximas não são facilmente modificáveis por meio das experiências da vida não aprende com a experiência K Schneider Além disso embora muitas vezes o indivíduo com TP não reconheça suas dificuldades e problemas comportamentais e emocionais padece de limitações em sua vida Enfim o TP implica muito frequentemente sofrimento significativo para si mesmo e para as pessoas que mais convivem com o paciente 1 2 3 4 5 6 Segundo as classificações atuais de transtornos mentais a Classificação internacional de doenças e problemas relacionados à saúde CID11 e o DSM 5 os TPs são definidos pelas seguintes características Geralmente começam a surgir no final da infância e adolescência e no início do período adulto costumam estar claramente configurados Tendem a durar e permanecer ao longo da vida a ser relativamente constantes no ciclo vital do indivíduo com atenuação de alguns traços apenas na idade adulta madura e na velhice Assim o padrão anormal de comportamento experiências internas e respostas afetivas e volitivas é persistente e consideravelmente estável não se limitando a um episódio da vida ou de transtorno mental associado como uma fase maníaca ou depressiva um surto esquizofrênico etc Manifestam um conjunto amplo de comportamentos e experiências internas assim como reações afetivas e cognitivas que são claramente desarmônicas envolvendo vários aspectos da vida e da experiência do indivíduo como afetividade expressão emocional comportamento controle de impulsos modo e estilo de relacionamentos interpessoais Assim o padrão anormal de experiências internas e comportamentos inclui muitos aspectos do psiquismo e da vida psíquica e social do indivíduo não sendo restrito a apenas um tipo de reação ou a uma área circunscrita do psiquismo ele não se limita a uma relação pessoal ou a uma situação específica e única O padrão comportamental é maladaptativo produz uma série de dificuldades para o indivíduo eou para as pessoas que com ele convivem De modo geral esse padrão está em desacordo com a expectativa da cultura na qual o paciente cresceu eou se situa São condições de modo geral não relacionadas diretamente a lesão cerebral evidente ou a outro transtorno psiquiátrico embora haja alterações de personalidade secundárias a lesão cerebral classificadas em outro capítulo sobre síndromes mentais orgânicas O TP leva a diferentes graus de sofrimento solidão sensação de fracasso pessoal dificuldades nos relacionamentos vividos com amargura dor psíquica Em geral o TP contribui para pior desempenho ocupacional no trabalho nos estudos etc e social com familiares amigos colegas de trabalho ou estudo Entretanto tal desempenho precário não é condição obrigatória 7 a b c Estudos realizados nas últimas décadas com seguimento de grupos de indivíduos com TP têm identificado algumas mudanças relacionadas ao envelhecimento Nos TPs do Grupo B ver adiante por exemplo TP borderline ou histriônica pode haver certa atenuação sobretudo a impulsividade e a instabilidade afetiva podem diminuir de intensidade Já os TPs dos Grupos A e C parecem revelar menor mudança com a idade tendendo a ser mais estáveis Amad et al 2013 Arens et al 2013 Considerando o conjunto de estudos epidemiológicos disponíveis embora haja significativa variação a prevalência mediana de TP na população em geral em vários países fica em torno de 10 a 15 Grant et al 2004 Tyrer et al 2010 Guzzetta Girolam 2012 Como os TPs são uma categoria que só se aplica a adultos aproximadamente 1 em cada 10 adultos teria algum TP de acordo com as classificações atuais DSM eou CID Transtornos da personalidade segundo as classificações atuais Segundo o DSM5 os TPs podem ser agrupados em três grandes subgrupos com semelhanças descritivas ou seja esse agrupamento tem valor apenas descritivo e didático padrão esquisitos eou desconfiados padrão instáveis eou manipuladores eou centro das atenções e padrão ansiosos eou controladoscontroladores Os TPs da CID11 e do DSM5 se sobrepõem em boa medida havendo portanto certo consenso em relação a quais TPs se utilizar na clínica e em pesquisa Um dos principais problemas de todo o capítulo de TP é que tais transtornos se sobrepõem muito frequentemente uns com os outros Assim pessoas que preenchem critérios para um TP com muita frequência também preenchem critério para outro ou outros É a chamada coocorrência de diagnósticos de TP e limitação da validade discriminativa de tais categorias Por exemplo não é incomum encontrar quadros clínicos que preenchem critérios para TP borderline mas também para TP histriônica dependente e ansiosa Nesse caso podese perguntar qual deles deve ser mais valorizado clinicamente Todos Aquele com mais itens dos critérios confirmados O TP que presumivelmente mais problemas traz à vida da pessoa Outra questão bastante problemática com essa área de diagnósticos é que em muitas diretrizes critérios específicos e características de definição do TP há marcante presença de elementos valorativos com implicações morais ou moralizantes p ex características como mentir trapacear não sentir remorso ser excêntrico narcisista teatral sedutor invejoso arrogante etc Muitas vezes a realização de um diagnóstico de TP aproximase de um julgamento moral que implica definir se o indivíduo é uma boa ou má pessoa Como citado no Capítulo 4 a criação na CID11 da categoria transtorno leve de personalidade é um exemplo a nosso ver infeliz de categoria diagnóstica de TP que poderá se prestar a uso inadequado da psicopatologia para julgar moralmente o comportamento de pessoas sem transtorno mental definido que apenas apresentam variação leve de normas comportamentais De modo geral a abordagem clínica e científica da psicopatologia almeja determinada neutralidade valorativa em relação a posições éticas e políticas Entretanto nenhum ato ou pensamento humano pode ser totalmente neutro em relação a valores sejam eles éticos morais sejam eles culturais ou políticos Nos TPs porém o peso dos valores morais parece ser exageradamente grande para a psicopatologia disciplina que visa ter uma base científica e não moral Decorrente de tal marca moral receber o diagnóstico de TP muitas vezes implica um estigma considerável para o indivíduo Os TPs propostos e utilizados pela CID11 e pelo DSM5 são apresentados no Quadro 252 Quadro 252 Transtornos da personalidade segundo o DSM5 e a CID11 ESQUISITICEDESCONFIANÇA IMPULSIVIDADEMANIPULAÇÃO ANSIEDADECONTROLE Esquizoide Distanciamento Indiferença Distante sem relações íntimas Esquisito estranho Vive no seu próprio mundo Solitário Não se emociona imperturbável Borderlineemocionalmente instável Relações pessoais muito instáveis Atos autolesivos repetitivos Humor muito instável Impulsivo e explosivo Graves problemas de identidade Sentimentos intensos de vazio Anancástico ou obsessivo Rígido metódico minucioso Não tolera variações ou improvisações Perfeccionista e escrupuloso Muito convencional segue rigorosamente as regras Controlador dos outros e de si Paranoide Desconfiança constante Sensível às críticas Antissocial Dissocial Frio insensível Sem compaixão Dependente Depende em alto grau Necessita muito agradar Rancoroso arrogante Culpa os outros Reivindicativo Sentese prejudicado nas relações Agressivo cruel Não sente culpa ou remorso Irresponsável inconsequente Mente recorrentemente Aproveitase dos outros Desamparado quando sozinho Sem iniciativa Sem energia Sem autonomia pessoal Esquizotípico Ideias e crenças estranhas e de autorreferência Desconforto nas relações interpessoais Pensamento muito vago e excessivamente metafórico Aparência física excêntrica Obs Não está na CID11 como TP Histriônico Busca atenção visa ser o centro das atenções Dramatiza é muito teatral Sugestionável e superficial Manipulador Discurso vago impressionista Erotiza situações não normalmente erotizáveis Evitativo Evita ao máximo interações sociais Sentimentos constantes de inadequação Muita sensibilidade à avaliação negativa Obs Não está na CID11 como TP Narcisista Tem necessidade intensa e constante de admiração sentese muito superior muito melhor que os outros Grandiosidade Obs Não está na CID11 como TP A Tabela 251 apresenta a prevalência desses transtornos na população geral e uma estimativa em populações clínicas de pessoas que são tratadas em serviços de saúde mental a maior parte nos serviços de psiquiatria Tabela 251 Prevalência dos TPs na população geral e em populações clínicas de pessoas que são tratadas em serviços de saúde mental TRANSTORNO DA PERSONALIDADE PREVALÊNCIA MEDIANA NA POPULAÇÃO GERAL FREQUÊNCIA COMPARATIVA EM AMOSTRAS CLÍNICAS SERVIÇOS DE SAÚDE MENTAL TP obsessivocompulsiva 1778 TP paranoide 0644 TP antissocial 1936 TP esquizoide 0431 TP borderline 1827 TP evitativa 0724 TP histriônica 1820 TP passivoagressiva 17 TP narcisista 0412 TP dependente 0507 TP esquizotípica 06 Total todos os TP juntos vários dos TP acima ocorrem conjuntamente 1015 mais do que 50 mas as taxas são muito variáveis O TP passivoagressiva embora seja relevante não está incluso nos sistemas DSM e CID Os TPs borderline histriônica e esquizotípica são os mais frequentes em amostras clínicas possivelmente por implicarem maior prejuízo do funcionamento social Fonte Grant et al 2004 Tyrer et al 2010 Guzzetta Girolam 2012 Em vez de iniciar a exposição dos TPs pelo Grupo A que seria o esperado pela ordem das letras iniciaremos discutindo o Grupo B pois nele se encontram os transtornos com maior repercussão para a prática clínica Na apresentação dos transtornos específicos será dada maior ênfase à categorização do DSM5 mas são consideradas também a da CID11 e outras sugestões da tradição psicopatológica Grupo B padrão instabilidade eou manipulação ou dramáticos emotivos Transtorno da personalidade borderline TPB TP borderline DSM5 e padrão borderline CID11 Esse é um dos TP mais frequentes na população em geral prevalência de cerca de 1 a 5 mediana em torno de 18 cuja prevalência na atenção primária nas unidades básicas de saúde UBS é de cerca de 6 Em serviços ambulatoriais de saúde mental aproximadamente 10 dos pacientes têm TPB em internações psiquiátricas essa porcentagem varia entre 15 e 25 O TPB é o TP mais frequente e importante em populações clínicas em serviços de saúde mental Gras et al 2014 Pessoas com TPB tendem a estar mais representadas nos grupos populacionais mais jovens esse transtorno acomete mais mulheres do que homens 181 mais populações urbanas e pobres A grande maioria desses pacientes irá apresentar outro transtorno mental ao longo da vida mais frequentemente transtornos do humor eou transtorno por uso de álcool e outras substâncias Os fatores causais para o desenvolvimento do TPB incluem ocorrência na infância de traumas emocionais importantes negligência abuso físico eou sexual problemas graves em termos de má ou não responsividade emocional de figuras adultas sobretudo parentais de ligação attachment além de componente genético Essas experiências de adversidades graves na infância 1 2 3 4 5 6 7 8 9 marcam o indivíduo de tal forma que no período adulto a qualidade e a confiança nas relações interpessoais são gravemente afetadas O TPB implica marcante impacto sobre a vida pessoal e social dos indivíduos acometidos assim como na de seus familiares e pessoas próximas Chama atenção aqui uma importante instabilidade nas relações pessoais na autoimagem na vida afetiva e emocional na identidade pessoal e social assim como um padrão de impulsividade em diferentes contextos da vida geralmente com consequências significativas São necessárias pelo menos cinco das seguintes características para o diagnóstico de TPB DSM5 Esforços excessivos e desesperados para evitar abandono real ou imaginário intensa sensibilidade às menores pistas de possível abandono Relacionamentos pessoais intensos mas muito instáveis oscilando em períodos de idealização de uma grande paixão ou amizadeadoração para outros de desvalorização ódio e rancor profundos Perturbação da identidade dificuldades graves e instabilidade com relação à autoimagem aos objetivos e às preferências pessoais inclusive as de orientação sexual e de identidade de gênero Impulsividade em pelo menos duas áreas autodestrutivas p ex gastos exagerados sexo com desconhecidos uso de substâncias compulsão alimentar dirigir de forma perigosairresponsável Atos repetitivos de autolesão p ex cortarse propositalmente Comportamentos gestos e atos suicidas repetitivos ou comportamentos de automutilação Instabilidade emocional intensa decorrente de acentuada reatividade do humor irritabilidade ou ansiedade intensas de poucas horas raramente de dias disforias episódicas Sentimentos crônicos de vazio sentimentos depressivos com a marca de sentir um vazio interno Raiva intensa e inapropriada eou muita dificuldade em controlála brigas físicas recorrentes irritação raiva explosões comportamentais De forma transitória podem ocorrer ideias de perseguição de que se está sendo traído perseguido ameaçado eou sintomas ou episódios dissociativos intensos decorrentes de estresses de situações pessoais difíceis No domínio cognitivo pessoas com TPB apresentam distorções como tendência a tomar decisões de risco processamento de feedback falho estilo de atribuição defectivo e monocausal tendência a chegar a conclusões inadequadas e muito apressadamente jumping to conclusions e estilo cognitivo paranoide Há alterações na cognição social como inferências errôneas em situações sociais déficit de empatia social reconhecimento facial pobre e reconhecimento de emoções faciais prejudicado Mak Lam 2013 Cerca de 25 a 30 das pessoas com TPB apresentam alucinações principalmente auditivas sobretudo audioverbais em forma de vozes Ocorrem também alucinações visuais em cerca de 10 das pessoas com o transtorno As alucinações tendem a ser transitórias podem se tornar crônicas em alguns pacientes desencadeadas por estresse e causam muito desconforto Distorções no contato e na percepção da realidade são também comuns acometendo pelo menos um quarto das pessoas com TPB Estimase que até 75 dos pacientes com TPB apresentem em algum momento experiências dissociativas e ideação paranoide Gras et al 2014 Zonnenberg et al 2016 Em indivíduos com TPB estudos de neuroimagem têm identificado redução do volume da amígdala e do hipocampo déficit de ativação em circuitos de regulação do comportamento como o cíngulo anterior e o córtex préfrontal dorsolateral e diante da exposição a emoções negativas hiperativação de estruturas do sistema límbico como ínsula e amígdala Entretanto há ainda muitas limitações metodológicas nessa área de estudo Abram DeYoung 2017 O curso do TPB está sendo muito estudado atualmente O padrão de sociabilidade e de atividades na vida trabalho estudo etc tende a permanecer problemático com funcionamento psicossocial relativamente pobre Uma parte dos pacientes entretanto apresenta melhora em relação a comportamentos suicidas impulsividade neuroticismo e traços de agressãohostilidade A comorbidade com outros transtornos psiquiátricos transtornos do humor alimentares uso de substâncias entre outros e com outros TP permanece relativamente alta ao longo dos anos AlvarezTomás et al 2016 Transtorno da personalidade histriônica TPH Esse é um TP frequente na população em geral com prevalência mediana em torno de 2 com leve preponderância em mulheres mas há estudos que identificam prevalências semelhantes entre homens e mulheres Esse TP depois do TPB é também muito importante em contextos clínicos 1 2 3 4 5 6 7 8 As principais características para o diagnóstico do TPH DSM5 são pelo menos cinco das seguintes O indivíduo sente desconforto em situações em que não é o centro das atenções Há busca contínua de atenção e apreciação por parte dos outros quer ser o centro das atenções A interação com as pessoas com frequência é caracterizada por comportamento sexualmente sedutor inadequado e provocativo O indivíduo apresenta mudanças rápidas das emoções e expressão superficial delas A afetividade tende assim a ser superficial pueril e lábil Usa de modo reiterado a aparência física para atrair atenção para si Tem um estilo de falar um discurso carente de detalhes e de exatidão com um caráter impressionista meio vago O indivíduo utiliza dramatização e autodramatização teatralidade expressão exagerada das emoções Há sugestionabilidade aumentada o indivíduo é facilmente influenciado por outros ou pelas circunstâncias Considera as relações pessoais mais íntimas do que na realidade são No TPH também pode ser notada certa infantilidade ou seja tendência a apresentar reações infantis regredidas com pouca tolerância à frustração Transtorno da personalidade antissocial TPA sociopatia psicopatia As pessoas com TPA apresentam muita dificuldade em ter uma interação afetiva recíproca respeitosa e duradoura Com frequência não têm consideração ou compaixão pelas outras pessoas mentem enganam trapaceiam prejudicam os outros mesmo a quem nunca lhes fez nada São indivíduos que embora reconhecidos há muito tempo tanto nos textos psicopatológicos como na vida diária têm um status polêmico nas classificações em psicopatologia o qual sempre volta para a reflexão psicopatológica Seria uma variação da normalidade ou uma doença Um modo de ser ou uma categoria médicapsiquiátricapsicológica Uma categoria do direito ou da éticamoral ou uma categoria das ciências do comportamento Segundo a tradição psicopatológica pessoas com TPA têm muita dificuldade nas relações interpessoais faltalhes sensibilidade ao sofrimento dos outros ou podem apresentar mesmo elementos de sadismo tendo satisfação ou prazer com o sofrimento alheio Há um padrão difuso de desconsideração pelas outras pessoas violação dos direitos alheios 1 2 3 4 5 6 7 Para o diagnóstico de TPA deve haver pelo menos três das seguintes características DSM5 Fracasso em ajustarse às normas sociais relativas a comportamentos legais Repetição de atos que podem constituir motivos de detenção Tendência à falsidade a mentir repetidamente a praticar a falsidade falsificar nomes documentos trapacear para ganho pessoal ou por prazer Impulsividade ou fracasso em fazer planos para o futuro No sentido da impulsividade e da inconstância pode haver incapacidade de manter relacionamentos embora não haja dificuldade em iniciálos Irritabilidade e agressividade envolvimento frequente em brigas lutas e agressões verbais e físicas Hostilidade em muitos contextos Nesse sentido também é comum haver baixa tolerância a frustrações e baixo limiar para descarga de agressão inclusive violência Descaso pela segurança de si e dos outros Irresponsabilidade reiterada indicada por falha em manter conduta consistente no trabalho ou em honrar obrigações financeiras p ex pagar contas Dessa forma esses indivíduos apresentam irresponsabilidade e desrespeito por normas regras e obrigações sociais Ausência de remorso verificada pela indiferença ou racionalização em relação a ter ferido maltratado prejudicado gravemente ou roubado outras pessoas Assim verificase muitas vezes incapacidade de experimentar culpa e de aprender com a experiência particularmente com a punição Outras características que embora não sejam arroladas como critérios diagnósticos do DSM5 são também com frequência encontradas 1 propensão marcante para culpar os outros ou para oferecer racionalizações plausíveis para o comportamento que gerou seu conflito com a sociedade 2 crueldade e sadismo 3 indiferença e insensibilidade aos sentimentos alheios O TPA é mais frequente em homens proporção entre 21 e 71 em jovens adultos pessoas que vivem em áreas urbanas e de nível socioeconômico baixo Indivíduos com esse diagnóstico tendem também a utilizar mais serviços de saúde Transtorno da personalidade narcisista Nesse TP observase um padrão de comportamentos em vários contextos e ao longo da vida no qual predominam a necessidade de ser admirado a grandiosidade em fantasia ou na vida real e a falta de empatia 1 2 3 4 5 6 7 8 9 1 Nesse sentido deve haver então pelo menos cinco ou mais dos seguintes aspectos DSM5 O indivíduo apresenta senso grandioso e irreal da própria importância Julga ter talentos especiais e espera ser reconhecido como superior sem que tenha feito algo concreto para isso É muito voltado para fantasias de grande sucesso pessoal de poder brilho beleza ou de um amor ideal Achase excepcionalmente especial e único acreditando que só pessoas ou instituições também excepcionalmente especiais ou únicas podem estar a sua altura Requer admiração excessiva Apresenta expectativas irracionais de tratamento especial sentimentos de ter direitos ou de que as pessoas estejam de acordo com suas expectativas Tende a ser explorador nas relações interpessoais buscando vantagens sobre os outros para atingir seu fim ou sucesso pessoal Sem empatia pelos outros reluta em reconhecer os sentimentos e as necessidades das pessoas ou em se identificar com elas em tais sentimentos e necessidades Frequentemente invejoso dos outros ou do sucesso alheio acha sempre que os outros têm inveja dele É frequentemente arrogante nos seus comportamentos e atitudes Grupo A padrão esquisitice eou desconfiança ou estranhos excêntricos Transtorno da personalidade esquizoide Nesse TP há um padrão de distanciamento nas relações sociais em praticamente todos os contextos da vida assim como uma faixa restrita de expressão das emoções verificada sobretudo em contextos de relações interpessoais O indivíduo apresenta capacidade limitada para expressar sentimentos calorosos ternos ou raiva para com os outros Para o diagnóstico deve haver então pelo menos quatro ou mais das características apresentadas a seguir O indivíduo com transtorno da personalidade esquizoide não deseja nem desfruta de relações íntimas inclusive ser parte de uma família 2 3 4 5 6 7 1 2 3 4 5 6 7 tem preferência quase invariável por atividades solitárias demonstra pouco interesse em ter experiências sexuais com outras pessoas realiza poucas atividades que produzem prazer não tem amigos próximos nem pessoas confidentes a não ser familiares de primeiro grau mostra indiferença aparente a elogios ou críticas demonstra frieza emocional apresenta distanciamento ou embotamento afetivo Esse perfil de personalidade não pode ser notado apenas durante o curso da esquizofrenia de um transtorno do humor ou de outro transtorno psicótico ou do espectro do autismo Transtorno da personalidade paranoide Há pessoas que têm uma estrutura de personalidade na qual domina um padrão de desconfiança difusa das outras pessoas elas sentem a suspeita de que os outros estão sempre contra elas ou têm motivações negativas destrutivas invejosas em relação a sua pessoa Para o diagnóstico é necessário que tal perfil de personalidade se revele por meio de quatro ou mais das seguintes características Suspeitas recorrentes sem base na realidade de estar sendo enganado maltratado ou explorado pelos outros O indivíduo se preocupa sem justificativas ou embasamento real e tem dúvidas sobre a lealdade ou a confiabilidade de amigos e sócios Porque pensa ou conclui que as informações serão usadas negativamente contra si reluta em confiar nas outras pessoas e tem medo infundado da ação delas Tende a perceber significados ocultos humilhantes ou ameaçadores em comentários ou acontecimentos benignos ou indiferentes Guarda rancor de forma persistente p ex não perdoa desprezo insultos ou injúrias Tende a perceber ataques a sua reputação ou a seu caráter que não são percebidos pelos outros reage com raiva e contraataca rapidamente Tem suspeitas recorrentes sem justificativa com respeito à fidelidade do cônjuge ou parceiro sexual 1 2 3 4 5 Pessoas com TP paranoide têm sensibilidade excessiva a rejeições e contratempos desconfiança excessiva e tendência exagerada a distorcer as experiências por interpretar erroneamente as ações dos outros Tais indivíduos tendem a ter senso obstinado por direitos pessoais e sensação de estar sendo injustiçados em relação a esses direitos em desacordo com a situação real Algumas pessoas com TP paranoide apresentam tendência a experimentar autovalorização excessiva manifesta por meio de atitude persistente de autorreferência As preocupações com explicações conspiratórias sem fundamento em dados reais ocupam parte significativa da vida de pessoas com TP paranoide Transtorno da personalidade esquizotípica1 As pessoas com TP esquizotípica apresentam um padrão ao longo da vida de aspectos da personalidade em que há desconforto em relacionamentos pessoais sobretudo à medida em que a intimidade aumenta Elas têm dificuldades e desconfianças nas relações interpessoais e apresentam com certa frequência distorções cognitivas na forma de perceber e interpretar os fatos e perceptivas têm sensações estranhas percebem coisas no seu corpo ao seu redor relacionadas às vezes à paranormalidade a percepções anômalas Pessoas com tal perfil recebem o diagnóstico de TP esquizotípica se apresentam cinco ou mais das seguintes características Ideias de referência com exclusão de delírios de referência ou seja têm a tendência a interpretar os eventos que acontecem ao seu redor no seu local de moradia de trabalho ou lazer como relacionados especificamente consigo geralmente com sentido negativo tudo se refere à pessoa de forma negativa pejorativa Ideias e crenças estranhas tendendo a apresentar pensamento mágico ideias essas que são inconsistentes com as normas subculturais de sua família de seu grupo religioso de seu grupo de amigos da escola ou trabalho Experiências perceptivas incomuns inclusive ilusões corporais Pensamento e discurso incomuns estranhos por exemplo pensamento vago exageradamente metafórico hiperelaborado ou estereotipado parece tratarse de ideias filosóficas mas é vago inconsistente e mesmo bastante confuso Ideação paranoide indivíduo muito desconfiado 6 7 8 9 Afetos inapropriados ou muito reduzidos Comportamento eou aparência física inclusive vestimenta adornos corporais cabelos etc muito estranhos os pacientes parecem demasiadamente excêntricos ou muito peculiares Ausência de amigos íntimos ou confidentes além dos parentes de primeiro grau Ansiedade excessiva em situações sociais que não diminui com a familiaridade em relação a tal situação ou é colorida com ideação paranoide Na maioria das vezes é bastante difícil diferenciar entre o TP esquizoide e o TP esquizotípica Descrevendo uma personagem que muito lembra uma personalidade esquizotípica assim se expressa Machado de Assis 1884 1994 cap 4 p 76 Eulália era uma esquisita para usarmos a linguagem da mãe ou romanesca para empregarmos a definição das amigas Tinha em verdade uma singular organização Saiu ao pai O pai nascera com o amor do enigmático do arriscado e do obscuro morreu quando aparelhava uma expedição para ir à Bahia descobrir a cidade abandonada Eulália recebeu essa herança moral modificada ou agravada pela natureza feminil Nela dominava principalmente a contemplação Era na cabeça que ela descobria as cidades abandonadas Tinha os olhos dispostos de maneira que não podiam apanhar integralmente os contornos da vida Começou idealizando as coisas e se não acabou negandoas é certo que o sentimento da realidade esgarçouselhe até chegar à transparência fina em que o tecido parece confundirse com o ar Grupo C padrão ansiedade eou controle eou insegurança ou ansiosos medrosos Transtorno da personalidade obsessivocompulsiva Esse é um TP relativamente frequente com prevalência mediana de 17 na população em geral sendo que os homens têm uma taxa cinco vezes maior do que as mulheres Esse TP tende a ser mais frequente em pessoas com maior escolaridade casadas e empregadas Há indivíduos que têm traços obsessivo compulsivos e são bemadaptados a tais traços entretanto o TP obsessivo compulsiva com frequência se associa a transtornos de ansiedade Tratase de pessoas de modo geral muito controladoras em relação a sua vida e suas relações interpessoais que apresentam estilo perfeccionista e carente de 1 2 3 4 5 6 7 8 flexibilidade Para o diagnóstico é necessária a presença de pelo menos quatro destas características Preocupação excessiva com detalhes regras listas ordem organização ou esquemas a ponto de o objetivo principal da atividade que realiza ser perdido Perfeccionismo que interfere na conclusão de tarefas e preocupação indevida com detalhes da vida Dedicação excessiva ao trabalho e à produtividade em detrimento de ocuparse com amizades lazer relações pessoais não explicada por dificuldades financeiras Excesso de escrúpulos e inflexibilidade em relação a assuntos de moralidade ética ou valores não explicado por questões religiosas ou culturais Incapacidade de jogar fora objetos usados ou sem valor mesmo quando não têm valor sentimental O indivíduo reluta em delegar tarefas ou trabalhar com outras pessoas a menos que elas se submetam ao seu modo exato de fazer as coisas Insistência incomum para que os outros se submetam exatamente a sua maneira de fazer as coisas Estilo mesquinho para lidar com gastos com o dinheiro mesmo que isso não se justifique por carência econômica Tendência a rigidez e teimosia Dessa forma esse padrão de personalidade se caracteriza pela rigidez e controle pela dificuldade em relaxar e ter prazer na vida nas relações interpessoais sobretudo quando tal prazer depende de desligar um pouco e deixar as coisas acontecerem Pode haver também adesão excessiva às convenções sociais e certo pedantismo Transtorno da personalidade dependente Os indivíduos que apresentam esse TP são de modo geral muito dependentes de outras pessoas com frequência de uma pessoa principal como consequência acabam por se submeter de forma intensa a elas Temem intensamente a separação dessas pessoas Nesse contexto são indivíduos que se percebem como incapazes sem habilidades pessoais até para tomar decisões na vida diária como o que vestir com quem devem ter amizade o que fazer no trabalho 1 2 3 4 5 6 7 8 9 1 2 etc Para o diagnóstico desse TP é necessária a presença de pelo menos cinco das seguintes características Subordinação das próprias necessidades e desejos àqueles dos outros dos quais é dependente Dificuldades para tomar decisões cotidianas e solicitação constante de que outros dos quais depende tomem as decisões diárias e importantes em sua vida Esses indivíduos pedem frequentemente reasseguramentos e conselhos dos outros Necessidade de que os outros assumam responsabilidade na maior parte dos assuntos de sua vida Dificuldades em manifestar desacordo em decorrência do medo que têm de perder o apoio ou a aprovação Dificuldades em iniciar projetos em fazer coisas por conta própria por falta de confiança em si nas suas capacidades ou julgamentos não se trata de falta de motivação ou energia mas de falta de autoconfiança Tais pessoas podem ir a extremos para obter apoio aprovação e carinho dos outros a ponto de se voluntariar para fazer coisas desagradáveis Sentimento de desamparo e desconforto significativo quando sozinho por causa de medo exagerado de ser incapaz de se cuidar Logo após o término de um relacionamento íntimo tais pessoas buscam intensamente com urgência outro relacionamento para obter fonte de cuidado e apoio Preocupações eou medo importante de ser abandonado à própria sorte Transtorno da personalidade evitativa Há nesse TP um padrão importante de inibição social sentimentos marcantes de inadequação e uma sensibilidade muito acentuada diante da possibilidade de receber avaliações negativas das outras pessoas Para o diagnóstico desse tipo de TP deve haver quatro ou mais das seguintes características Evitação de atividades profissionais ou estudantis que impliquem contato interpessoal significativo pois o indivíduo tem muito medo de críticas desaprovação ou rejeição Falta de disposição para se envolver com outras pessoas 3 4 5 6 7 1 2 3 4 5 Reserva e evitação de relacionamentos íntimos decorrentes do medo de passar vergonha ou ser ridicularizado Muita preocupação com possíveis críticas ou rejeição em situações sociais Inibição para interações decorrente dos sentimentos de inadequação Tendência a ver a si mesmo como socialmente incapaz sem atrativos pessoais ou inferior aos outros Relutância em assumir riscos pessoais ou em se envolver em atividades ou situações novas por medo de constrangimentos Transtorno da personalidade ansiosa O TP ansiosa embora não esteja nem na CID11 nem no DSM5 é muito próximo do padrão de personalidade evitativa O diagnóstico de TP ansiosa se faz mediante a identificação das seguintes características Estado constante de tensão e apreensão Crença de ser socialmente incapaz desinteressante ou inferior aos outros Preocupação ou medo excessivo de ser criticado ou rejeitado Restrições na vida diária devido à necessidade de segurança física ou psíquica Evitação de atividades sociais e ocupacionais que envolvam contato interpessoal significativo principalmente por medo de críticas desaprovação ou rejeição PERSONALIDADE E CONDIÇÕES MÉDICAS E NEUROLÓGICAS Há considerável controvérsia sobre se alterações da personalidade seriam mais frequentes em algumas condições médicas e neurológicas como por exemplo a epilepsia e as disfunções do lobo temporal Sobretudo lesões cerebrais após traumas craniencefálicos importantes tumores hemorragias e encefalites podem deixar como sequela alterações duradouras da personalidade do indivíduo acometido No passado muitos psiquiatras atribuíram alterações da personalidade a algumas formas de epilepsia Benson 1991 Algumas das alterações da personalidade encontradas em um subgrupo de pessoas com epilepsia sobretudo do lobo temporal com crises parciais complexas seriam irritabilidade impulsividade tendência a explosões comportamentais desconfiança e prolixidade No DSM5 esses traços são agrupados em um TP que deve ser diagnosticado em pessoas com alterações da personalidade devidas a condições médicas mudança de personalidade devido a condição médica No DSM5 são apresentados os seguintes subtipos de mudanças da personalidade TP tipo lábil com predominância de labilidade afetiva tipo desinibido com controle defectivo dos impulsos tipo agressivo com predomínio de comportamento agressivo tipo apático apatia e indiferença são marcantes e tipo paranoide predomina desconfiança ou ideação paranoide OUTROS TRANSTORNOS DA PERSONALIDADE E PADRÕES DE PERSONALIDADE NÃO INCLUSOS NA CID11 E NO DSM5 Personalidade padrão passivoagressiva Há um padrão de personalidade que embora não esteja incluso na CID11 ou no DSM5 tem um bom valor eurístico e se revela um construto clinicamente interessante por isso largamente utilizado é a chamada personalidade passivoagressiva Indivíduos com esse padrão combinam boa dose de agressividade e hostilidade encoberta com uma postura passiva geralmente se colocando como vítima A expressão da hostilidade e de outros sentimentos negativos não é direta expressa abertamente mas indireta e encoberta por ações ou respostas dúbias em que o indivíduo se coloca como vítima Pessoas com tal padrão costumam usar estratégias como dizer eu não estou chateadoa não estou com raiva ou tudo bem para mim tanto faz mas agem ou falam coisas que indiretamente revelam sua hostilidade frustração e sentimento de ser vítima na situação Há uma camuflagem da hostilidade por meio da criação de situações confusas atrasos a compromissos faltas esquecimentos etc Em vez de o indivíduo reconhecer sua raiva e sentimento de frustração culpa indiretamente os outros e os pune com atos camuflados geralmente boicotando acordos feitos no relacionamento interpessoal ou grupal TRANSTORNOS DA PERSONALIDADE E TRAÇOS DO MODELO DOS CINCO GRANDES FATORES BIG FIVE Cabe destacar que várias metanálises Sausman Page 2004 Samuel Widiger 2008 identificaram que os TPs apresentam relação consistente com os domínios obtidos no modelo CGF Big Five Assim é possível formular os TPs em termos de traços preponderantes do Big Five O Quadro 253 busca identificar os traços de personalidade de acordo com o modelo dos cinco domínios Big Five mais relacionados com os TPs Quadro 253 Transtornos da personalidade e traços do modelo dos cinco grandes fatores Big Five TRANSTORNO DA PERSONALIDADE TRAÇOS MAIS COMUNS NO MODELO DOS CINCO GRANDES FATORES BIG FIVE NEOPI R PID5 BFP Borderline Domínio afetividade negativaneuroticismo labilidade emocional insegurança de separação tendência à ansiedade tendência à depressão Domínio desinibição impulsividade exposição a riscos Domínio meticulosidade níveis baixos de pragmatismo autodisciplina organização Domínio antagonismo hostilidade Antissocial Domínio antagonismo manipulação insensibilidade desonestidade hostilidade Domínio desinibição exposição a riscos impulsividade irresponsabilidade Domínio extroversão busca de excitação assertividade Domínio meticulosidade níveis baixos de autodisciplina confiabilidade organização Obsessivocompulsiva Domínio meticulosidade perfeccionismo rígido Domínio afetividade negativaneuroticismo perseverança mecânica Domínio distanciamento evitação da intimidade afetividade restrita Histriônica Domínios extroversão abertura e afabilidade níveis aumentados Domínio afetividade negativaneuroticismo níveis altos de labilidade emocional Domínio antagonismo níveis altos de grandiosidade Narcisista Domínio antagonismo grandiosidade busca de atenção Domínio afabilidade níveis baixos de modéstia cooperatividade e prestatividade Dependente Domínio afetividade negativaneuroticismo tendência à ansiedade insegurança de separação submissão tendência à depressão insatisfação e labilidade emocional Evitativa Domínio afetividade negativaneuroticismo tendência à ansiedade hostilidade tendência à depressão inseguança labilidade emocional Domínio distanciamento níveis altos de retraimento selfconsciousness Paranoide Domínio afetividade negativaneuroticismo níveis altos de hostilidade Domínio antagonismo níveis altos de desconfiança e de não cooperatividade Esquizotípica Domínio psicoticismo desregulação cognitiva e perceptiva crenças e experiências incomuns excentricidade Domínio distanciamento afetividade restrita retraimento desconfiança Esquizoide Domínio distanciamentointroversão níveis altos de retraimento e de anedonia afetividade restrita Fontes Rossier et al 2008 Trull Widiger 2013 Furnham 2014 TRAÇOS PROEMINENTES DE PERSONALIDADE E MODELO ALTERNATIVO PARA AVALIAR A PERSONALIDADE Há um grupo considerável de pessoas que embora não apresentem um TP apresentam traços ou aspectos de personalidade que pela sua proeminência intensidade ou duração estão associados a dificuldades pessoais e prejuízo na vida A CID11 propõe considerar essa característica como um diagnóstico adicional denominado traços proeminentes de personalidade Entretanto esse sistema de classificação exige que tais traços estejam no contexto de dificuldades de personalidade uma categoria situada fora dos transtornos mentais colocada no capítulo de fatores que influenciam o status de saúde ou o contato com serviços de saúde Nesses traços proeminentes todos os múltiplos traços de personalidade identificados em uma pessoa e que signifiquem alguma dificuldade para ela podem ser considerados desde que notada sua relevância para explicar as dificuldades e propiciar ajuda profissional a tal indivíduo No DSM5 há um modelo alternativo para TP com uma abordagem diferente do diagnóstico tradicional de TP Oldham 2015 Nele há a possibilidade de identificação tanto de prejuízos no nível de funcionamento da personalidade como de traços e domínios de personalidade relacionados ao modelo dos cinco fatores Big Five que podem ser úteis para caracterizar uma pessoa que necessita de ajuda profissional São exemplos de tais domínios e facetas labilidade emocional submissão hostilidade insegurança de separação perseverança desconfiança retraimento evitação da intimidade manipulação impulsividade busca de atenção perfeccionismo rígido excentricidade entre outros Nível de funcionamento da personalidade modelo do DSM5 Em seu modelo alternativo o DSM5 introduz o chamado nível de funcionamento da personalidade com duas grandes áreas self e relações interpessoais Na área do self são avaliadas as dificuldades e capacidades relacionadas à identidade vivência de si fronteiras claras entre si mesmo e os outros estabilidade da autoestima habilidade em regular as experiências emocionais e ao autodirecionamento busca de objetivos de curto prazo coerentes e significativos padrões internos de comportamentos construtivos e prósociais capacidade de autorrefletir produtivamente Na área de relações interpessoais devem ser avaliadas a empatia compreensão das experiências e motivações alheias tolerância em relação a perspectivas divergentes compreensão dos efeitos dos próprios comportamentos sobre os outros e a intimidade profundidade e duração do vínculo com outras pessoas desejo e capacidade de proximidade respeito mútuo no comportamento interpessoal Quadro 254 Para mais detalhes ver o Modelo Alternativo do DSM5 APA 2014 p 761781 Quadro 254 Nível de funcionamento da personalidade no Modelo Alternativo do DSM5 apresentação simplificada GRAU DE PREJUÍZO EM RELAÇÃO A SI MESMO SELF EM RELAÇÃO AOS RELACIONAMENTOS INTERPESSOAIS Identidade Autodirecionamento Empatia Intimidade 0 Sem prejuízo ou muito pouco prejuízo Consciência clara de ter um self único Autoestima consistente Experimenta tolera e regula muitas emoções Objetivos pessoais razoáveis e realistas Satisfação em múltiplas esferas Reflete sobre si e dá um significado à experiência interna Capaz de compreender motivações e perspectivas do outro Consciente do efeito das próprias ações sobre o outro Relacionamentos satisfatórios duradouros Relacionamentos íntimos recíprocos e profundos Flexibilidade cooperação a ideias emoções e ações do outro 1 Algum prejuízo Algum decréscimo na clareza das fronteiras autoestima ocasionalmente da experiência emocional Objetivos pessoais irrealistas Inibido quanto aos objetivos Capaz de refletir mas unilateral Leve dificuldade em considerar os outros Consciência básica do efeito de ações sobre o outro Relacionamentos duradouros limitação na profundidade Relacionamentos íntimos mas inibe emoções intensas Irrealista sobre o outro 2 Prejuízo moderado Depende muito do outro para Precisa de muita Considera os outros mas em relação a si Forma relacionamentos mas sua identidade Autoestima vulnerável regulação emocional aprovação externa Objetivos irreais muito altos ou baixos capacidade de refletir sobre si Muito autorreferente Não percebe o outro ou irrealista superficiais Relacionamentos íntimos mas quase só para si Precariamente tem relacionamentos com reciprocidade 3 Prejuízo grave Fronteira de identidade rígida ou muito pobre Autoestima frágil regulação emocional Dificuldade em estabelecer objetivos pessoais Vida sem significado capacidade de refletir sobre si consideração dos outros Incapaz de considerar as perspectivas dos outros Algum desejo de relacionamentos mas sem vínculos Expectativa de abandono ou abuso Muito pouca reciprocidade 4 Prejuízo extremo Experiência de si mesmo e senso de autonomia ausentes Fronteiras com os outros confusas ou ausentes Autoimagem fraca ou muito distorcida Emoções não congruentes com o contexto Diferenciação pobre entre pensamento e ações Definição de objetivos comprometida Objetivos irrealistas Padrões internos para o comportamento ausentes Satisfação genuína praticamente inconcebível Incapaz de refletir sobre a própria experiência Incapacidade acentuada de considerar e compreender a experiência e a motivação dos outros Atenção às perspectivas dos outros praticamente ausente Interações sociais confusas Profundo desinteresse pelos outros ou expectativa de ser prejudicado Com os outros é distanciado desorganizado ou muito negativo Relações vistas praticamente só para conforto ou infligir dor ou sofrimento Ausência de qualquer reciprocidade RELAÇÃO ENTRE PERSONALIDADE E OS OUTROS TRANSTORNOS MENTAIS Em psicopatologia um aspecto importante dos TPs é sua influência sobre a apresentação e a expressão dos outros sintomas psicopatológicos p ex delírio e alucinações e seus conteúdos pensamento afeto e comportamento e de outros transtornos mentais que ocorrem em comorbidade com os TPs Assim o perfil de personalidade influencia muito os contornos de todos os sintomas e síndromes psicopatológicos sobretudo a maneira como os sintomas são vivenciados e expressados é a chamada patoplastia dos sintomas Birnbaum 1923 Widiger 2011 Os TPs se associam com considerável frequência a outros transtornos mentais como por exemplo depressão transtorno bipolar TB transtorno por uso de substâncias transtorno obsessivocompulsivo TOC fobias anorexia nervosa entre outros De modo geral a existência de um TP além de aumentar o risco da ocorrência de outro transtorno mental como transtornos de ansiedade depressivos alimentares e aqueles por uso de álcool e outras substâncias torna mais difícil o tratamento e muitas vezes piora o prognóstico dos outros transtornos mentais associados Além disso a experiência de ter passado por um ou mais episódios de um transtorno mental grave ou moderado como transtorno de pânico depressão mania transtorno de estresse póstraumático TEPT ou mesmo uma psicose pode produzir efeitos duradouros ou irreversíveis no modo como a pessoa pensa sente e se relaciona com os outros ou seja em traços da personalidade Mudanças de traços e de funcionamento da personalidade decorrentes de episódios de transtorno mental têm sido descritas como cicatrizes scars de personalidade Widiger 2011 A Tabela 252 relaciona alguns transtornos mentais importantes com a presença de TP ou traços de personalidade mais frequentes encontrados nesses grupos diagnósticos Os percentuais apresentados foram obtidos de trabalhos empíricos epidemiológicos Por isso os percentuais variam pois estudos distintos encontram taxas também distintas Tabela 252 Transtornos mentais e sua associação com transtornos da personalidade TPs e traços de personalidade segundo os modelos Big Five e de Cloninger TRANSTORNO MENTAL TP TIPOS ESPECÍFICOS DE TPs ASSOCIADOS TRAÇOS DE PERSONALIDADE MAIS ENCONTRADOS NOS TRANSTORNOS MENTAIS DA 1ª COLUNA BIG FIVE E CLONINGER Transtorno por uso de substâncias não álcool Muito variável 29 62 TP antissocial 918 TP borderline 1217 TP evitativa 15 Big Five altos níveis de desinibição neuroticismo e antagonismo Baixos níveis de afabilidade e responsabilidade Cloninger altos níveis de busca de novidade resultado bem replicado baixos níveis de evitação de dano Transtorno por uso de álcool Muito variável 24 38 até 58 78 TP antissocial 20 TP borderline 14 TP dependente 13 TP paranoide 10 Big Five altos níveis de neuroticismo baixos níveis de afabilidade e de responsabilidade Cloninger altos níveis de busca de novidade baixos níveis de autodirecionamento TP obsessivo compulsiva 10 Depressão Comorbidade de depressão e TP dobra o risco de evolução ruim da depressão 1444 TP borderline 1631 TP obsessivo compulsiva 16 TP paranoide 10 TP esquizoide 74 TP evitativa 65 TP antissocial 63 Big Five altos níveis de neuroticismo labilidade emocional anedonia distanciamento desinibição irresponsabilidade distratibilidade Baixos níveis de extroversão e de responsabilidade Cloninger altos níveis de evitação de dano e baixos níveis de autodirecionamento Transtorno bipolar TB Neuroticismo prediz pior evolução do TB 444 TP borderline 1020 TP histriônica 77 TP obsessivo compulsiva 74 TP dependente 50 TP narcisista 45 Big Five altos níveis de instabilidade emocional antagonismo hostilidade desinibição traços ansiosos psicoticismo disfunção perceptiva baixos níveis de afabilidade Cloninger maiores níveis de busca de novidades evitação de dano dependência de gratificação e autotranscendência Anorexia nervosa AN 3058 TP evitativa 53 TP dependente 37 TP obsessivo compulsiva 22 33 TP borderline 2029 Big Five altos níveis de perseverança perfeccionismo rígido retraimento Cloninger alta dependência de gratificação baixa busca de novidades Bulimia nervosa BN TP borderline 2831 TP dependente 31 TP evitativa 30 Big Five alta impulsividade labilidade emocional busca de sensações Cloninger altos níveis de busca de novidade evitação de dano Transtorno obsessivo compulsivo TOC 2152 TP obsessivo compulsiva 94 TP narcisista 63 Big Five altos níveis de neuroticismo perfeccionismo rígido impulsividade baixos níveis de extroversão abertura afabilidade Cloninger altos níveis de evitação de dano baixos níveis de busca de novidade cooperatividade e autodirecionamento Transtorno de estresse póstraumático 3545 TP obsessivo compulsiva 16 22 Big Five níveis mais altos de neuroticismo traços ansiosos e hostilidade baixos níveis de extroversão meticulosidade Cloninger altos níveis de evitação de danos busca de novidade e autotranscendência níveis mais baixos de autodirecionamento Transtorno de pânico 4157 TP borderline 43 TP dependente 33 TP evitativa 32 Big Five altos níveis de neuroticismo Transtorno de pânico com agorafobia baixos níveis de extroversão Cloninger altos níveis de evitação de danos e de persistência ambição tenacidade e perseverança baixos níveis de autodirecionamento TP paranoide 32 Fobia social 4248 TP evitativa 42 89 TP dependente 30 TP borderline 45 TP paranoide 37 Big Five altos níveis de neuroticismo baixos níveis de extroversão e de confiança faceta de afabilidade Cloninger altos níveis de evitação de danos dependência de recompensa introversão baixos níveis de persistência busca de novidades autodirecionamento cooperatividade e autotranscendência Transtorno de ansiedade generalizada 2047 TP borderline 47 TP paranoide 30 Big Five altos níveis de neuroticismo baixos níveis de afabilidade Cloninger altos níveis de evitação de danos em particular ansiedade antecipatória e medo de incertezas baixos níveis de autodirecionamento Fontes Jakšić et al 2012 Marco 2013 Latas Milovanovic 2014 Ranjana et al 2014 Echeburua et al 2005 Cassin von Ranson 2005 Carrera et al 2006 Fein 2015 Bezerra Filho et al 2015 Schneider Jr et al 2015 Brito 2015 Ohi et al 2016 Frías et al 2016 Fornaro et al 2016 Krieger et al 2016 Zaninotto et al 2016 Qiu et al 2017 Zimmerman et al 2017 Como se pode observar na Tabela 252 há alta comorbidade entre muitos transtornos mentais como transtornos por uso de álcool e drogas do humor alimentares e os TPs Brito 2015 Essa alta comorbidade é em parte um fato clínico mas é também o reflexo dos sistemas diagnósticos atuais CID e DSM que abdicam quase sempre de formular hierarquias entre os transtornos mentais e os da personalidade entre si Também é um reflexo da tentativa de objetivar em demasia a definição e a conceitualização dos transtornos separando o modo de organização afetiva interpessoal cognitiva da vida de uma pessoa do transtorno mental que ela passa a apresentar em determinado momento de sua existência Por exemplo consideremos um indivíduo que é instável emocionalmente tem graves dificuldades em seus relacionamentos é vulnerável afetivamente não tolera bem as frustrações e após um fim de relacionamento fica muito abalado perde o apetite tem ideias suicidas baixa autoestima e insônia Nos sistemas atuais a tendência é de se formular que esse indivíduo tem dois diagnósticos depressão e TP borderline Esse não é um problema do indivíduo afetado é sim uma precariedade do sistema diagnóstico que não consegue uma formulação que dê conta com uma única categoria daquilo que ocorre com esse indivíduo No caso das pessoas com esquizofrenia é um tanto complexa e sobreposta a relação entre esse transtorno e os TPs Os mais encontrados aqui são os do Grupo A TPs paranoide esquizotípica esquizoide e os traços mais recorrentes são escores altos de neuroticismo e baixos de extroversão abertura afabilidade e meticulosidade Há dessa forma uma marcante relação entre TPs do Grupo A esquisitice desconfiança e transtornos do espectro da esquizofrenia Os TPs do Grupo A podem preceder a eclosão da esquizofrenia e é frequente encontrar tais transtornos ou traços deles em parentes consanguíneos de pessoas com esquizofrenia PERSONALIDADE DOENÇAS FÍSICAS E PSICOSSOMÁTICAS Uma linha relevante de investigação busca identificar certos traços e padrões de personalidade em relação à saúde física em particular às doenças cardiovasculares A Tabela 253 apresenta alguns desses modelos e traços Tabela 253 Padrões de personalidade e doenças físicas AUTORES DOENÇAS OU CONDIÇÕES FÍSICAS PADRÕES DE PERSONALIDADE Meyer Friedman e Ray Rosenma 1975 Doença coronariana inclusive mortalidade por infarto do miocárdio Personalidade tipo A pessoas caracterizadas por competitividade elevado nível de ambição agressividadehostilidade sentimento crônico de urgência temporal tentando sempre superarse tensão muscular facial hipervigilância impulsividade diminuição de tolerância à frustração inquietação discurso explosivo e gestos abruptos Os itens hostilidade e raiva parecem ser os mais importantes na personalidade tipo A Há controvérsia na literatura científica sobre a validade preditiva deste modelo Johan Denollet 1995 Risco de morte prematura e risco de doença coronariana Risco aumentado de morbidade e mortalidade associado a doença cardiovascular Personalidade tipo D D de distressed 1 Dimensão emoções negativas irritabilidade ansiedade disforia tristeza e irritação combinados os indivíduos tendem a ter uma visão mais negativa de si mesmos temem ser rejeitados têm uma visão mais pessimista da vida e tendem a não se sentir confortáveis com outras pessoas 2 Dimensão inibição social os indivíduos não expressam emoções em interações sociais e apresentam inibição afetiva tensão e insegurança na presença de outras pessoas Haveria um sinergismo entre as experiências de afetividade negativa e de inibição social Weston e colaboradores 2014 traços de personalidade do modelo Big Five e ocorrência de doenças físicas Abertura responsabilidade extroversão e afabilidade se relacionam a melhor saúde e neuroticismo a pior saúde Traços de personalidade não têm poder preditivo para diagnósticos de câncer A maior parte das doenças não revela associação com traços isolados Processos multifatoriais são mais relevantes Modelo Big Five traços como abertura e neuroticismo não estão apenas associados a melhor ou pior saúde ao que parece seriam fatores de proteção abertura ou de risco neuroticismo Há indícios de que uma unidade na pontuação em abertura diminui o risco de acidente vascular cerebral AVC em 31 de doenças cardíacas em 17 de pressão alta em 29 e de artrite em 21 uma unidade em responsabilidade diminui o risco de AVC em 37 de pressão alta em 27 de diabetes em 20 e de artrite em 23 uma unidade em extroversão diminui o risco de pressão alta em 26 uma unidade em afabilidade diminui o risco de artrite em 21 uma unidade em neuroticismo aumenta o risco de doença cardíaca em 24 de doença pulmonar em 37 e de artrite em 25 Fontes Rosenman et al 1975 Du et al 2016 Ferguson et al 2009 Rocha 2015 Razzini et al 2008 Weston et al 2014 A AVALIAÇÃO DA PERSONALIDADE E SEUS TRANSTORNOS SEMIOTÉCNICA DA PERSONALIDADE Há muitos problemas na avaliação da personalidade e de possíveis TPs na prática clínica diária assim como em áreas como pesquisa educação orientação vocacional psicologia do trabalho psicologia e psiquiatria forense entre outras Na prática clínica um dos aspectos mais difíceis é diante de uma pessoa com sofrimento mental acentuado ou com transtorno mental diagnosticável de Eixo 1 na visão multiaxial do DSMIV poder se saber se o que identificamos no paciente é algo da personalidade ou do estado mental atual As pessoas tendem a estender para todo o seu passado suas condições emocionais e de estado mental atual Assim um indivíduo em quadro depressivo grave tende a relatar seu passado e suas características pessoais fortemente marcadas com as lentes atuais com as quais vê e avalia o mundo sua própria pessoa e sua vida Esse efeito do estado atual sobre as respostas nos testes de personalidade é por exemplo notável no domínio neuroticismo do Big Five que tende a ser pontuado muito alto em pacientes com quadros agudos de depressão ou ansiedade A questão é complexa porque esse domínio presente em alguém que nunca teve episódios de transtornos de ansiedade ou depressivos aumenta significativamente o risco de essa pessoa ter um episódio psicopatológico de depressão ansiedade ou outro quando submetida a algum estresse ou evento perturbador na vida Widiger 2011 Nos instrumentos estruturados com perguntas para avaliar a personalidade há na maior parte das vezes questões que não deixam claro se a característica investigada é de algo atual ou de algo realmente presente e estável ao longo da vida Por exemplo afirmações como sou comunicativo confio no que as pessoas dizem gosto de manter a rotina sou uma pessoa nervosa essas questões são da Bateria Fatorial de Personalidade BFP do modelo Big Five em uma pessoa em estado depressivo maníaco ou com quadro paranoide não irão captar a personalidade presente ao longo da vida do indivíduo mas antes seu estado mental atual O mesmo é verdadeiro para os testes projetivos que podem captar o estado atual momentâneo Portanto é muito importante nas avaliações de 1 2 3 4 personalidade tomar as seguintes precauções para que a avaliação reflita a personalidade ao longo da vida e não o estado atual Em pessoas com outros transtornos mentais para se avaliar a personalidade é sempre preferível se não obrigatório realizar a avaliação da personalidade quando a pessoa está fora do estado agudo ou ativo do transtorno Por exemplo pacientes com TB devem estar fora de episódio maníaco ou hipomaníaco pacientes com transtornos depressivos recorrentes fora do quadro depressivo e com remissão completa ou o mais próximo a isso aqueles com esquizofrenia fora de surto agudo Ao se entrevistar clinicamente os pacientes e seus familiares devese deixar bem claro que o que se investiga é o perfil da pessoa suas características e modos de ser sentir e reagir ao longo da vida como um todo e não limitado ao período atual É interessante avaliar a personalidade em diferentes fases da vida e verificar a estabilidade dos dados obtidos Sempre que possível devese avaliar a personalidade por meio de entrevistas diretas com os indivíduos em avaliação bem como por meio de entrevistas cuidadosas com pessoas que convivem há considerável tempo com a pessoa em avaliação mãe pai irmãos cônjuge amigos próximos de longa data etc De modo geral a avaliação clínica qualitativa da personalidade é realizada por meio de observação cuidadosa e prolongada do paciente entrevistas detalhadas com ele e relato minucioso de familiares e conhecidos Investigase quais dos traços são mais claramente presentes no indivíduo Pedese aos familiares que descrevam como ele é no dia a dia como é seu jeito de ser seu estilo pessoal seu modo de reagir de sentir e de atuar ao longo dos anos nas diversas situações de vida Quadro 255 Semiotécnica da personalidade perguntas para identificar o perfil e o transtorno da personalidade Investigar a história de vida do paciente enfocando os padrões constantes de relacionamentos interpessoais formas de sentir e de reagir e modos de se comportar buscar investigar os traços de personalidade não apenas com o paciente mas sobretudo com pessoas que convivem com ele Ver entrevista clínica qualitativa no hotsite do livro Fonte Carlat 2007 RASTREAMENTO DE POSSÍVEIS TRANSTORNOS DA PERSONALIDADE E IDENTIFICAÇÃO DO PERFIL DE PERSONALIDADE ABORDAGEM CLÍNICA Perguntas gerais para rastrear a personalidade e possível transtorno da personalidade Conteme sobre sua infância e adolescência Faleme pensando em todo seu passado e presente sobre sua relação com seus pais e irmãos professores colegas de escola e de trabalho Faleme sobre seu modo de ser tente descrever a si mesmo como você tem sido ao longo de sua vida Como você se avaliaria Considerando tudo que já viveu e lhe aconteceu como as pessoas que conviveram e convivem com você o descreveriam Que coisas chatas ou desagradáveis sempre acontecem com você Quais são suas principais habilidades pessoais e dificuldades e limitações Você teve e tem amigos Como têm sido essas amizades e relacionamentos ao longo de sua vida E relacionamentos amorosos se tem ou já teve descreva como eles são quais são as dificuldades Que tipo de empregos e ocupações já teve O que costuma acontecer com esses empregos ou ocupações Considerando todo seu passado ou seja ao longo de sua vida geralmente quando uma coisa que quer ou deseja muito não acontece como se sente como reage o que faz Considerando sua personalidade ao longo de sua vida quais seus principais pontos fortes e pontos fracos O que melhor caracteriza você Avaliação padronizada da personalidade por meio de testes psicométricos e testes projetivos Há uma longa tradição na psicologia clínica de avaliar de forma metódica e cuidadosa tanto o perfil de personalidade das pessoas como os distintos traços de personalidade que caracterizam o indivíduo e os possíveis TPs existentes em um sujeito Os Quadros 256 a 258 apresentam de forma resumida os principais instrumentos de avaliação psicológica da personalidade psicodiagnóstico tanto os estruturados com questões prédeterminadas como aqueles que utilizam o fenômeno de projeção chamados de testes projetivos de personalidade Carvalho Bartholomeu e Silva Silva 2010 Quadro 256 Instrumentos padronizados baseados em questões hipótese léxica fundamental TESTES DISPONÍVEIS NO BRASIL Ver recomendação no site do Conselho Federal de Psicologia Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos Satepsi httpsatepsicfporgbr listaTesteFavoravelcfm Inventário Multifásico Minnesota de Personalidade MMPI Hathaway McKinley sdata Teste muito usado internacionalmente Entretanto nos últimos anos tem perdido espaço para os testes baseados no modelo do Big Five Duração da aplicação 90 minutos Big Five Inventário Revisado de Personalidade NEO NEOPIR Teste utilizado internacionalmente com propriedades psicométricas e transculturais muito boas Entretanto é inventário longo 240 itens com escala Likert de 5 pontos e a interpretação requer conhecer bem o modelo Big Five A aquisição do teste é relativamente cara e a correção é via computador Duração da aplicação 7590 minutos Big Five Bateria Fatorial de Personalidade BFP A BFP é um instrumento psicológico construído no Brasil para avaliação da personalidade a partir do modelo CGF A construção foi cuidadosa com os aspectos semânticos As propriedades psicométricas da BFP são muito boas Uso de lápis e papel na aplicação Duração da aplicação 4050 minutos Questionário de Crenças de Personalidade Forma Reduzida PBQSF Avalia crenças disfuncionais associadas a TPs Tem 65 itens em escala de 4 pontos A versão brasileira tem boa consistência interna É instrumento auxiliar na identificação e avaliação de TPs embora no Brasil não tenha sido testado em amostras clínicas Leite Lopes Lopes 2012 Questionário de Esquemas e Crenças da Personalidade QECP Por meio de 138 itens avalia mediante autorrelato os perfis cognitivos agrupados em oito fatores correspondentes aos TPs borderline dependente evitativa esquizoide histriônica narcisista obsessivocompulsiva e paranoide Instrumento elaborado por Peres e Laros 2016 a partir do Personality Belief Questionnaire de Beck Beck 1995 e do Personality Disorder Belief Questionnaire Dreessen et al 2004 Inventário dos Cinco Grandes Fatores de Personalidade IGFP5 Questionário de autoaplicação com 44 itens derivado do NEOPIR A variância total explicada é entretanto relativamente baixa Inventário de Personalidade para o DSM5 PID5 Questionário feito para o modelo alternativo de traços do DSM5 derivado diretamente do NEOPIR Traduzido para o português do Brasil em fase de validação Inventário Fatorial de O IFPII é um teste também baseado no modelo de fatores e que tem por objetivo traçar o perfil de personalidade do indivíduo com base em 13 necessidades ou motivos psicológicos assistência intracepção afago autonomia Personalidade IFP IFPII e IFPR Edwards 1997 deferência afiliação dominância desempenho exibição agressão ordem persistência e mudança Há a versão reduzida Inventário de Temperamento e Caráter de Cloninger TCI e TCIR Inventário validado no Brasil com boa consistência interna explica bem a variância total Adequado para uso em contextos clínicos Exige bom conhecimento da visão de personalidade de Cloninger O TCIR revisado foi validado no Brasil por Gonçalves e Cloninger 2010 No Brasil há duas padronizações do teste para o Modelo dos Cinco Grande Fatores Big Five o NEO PI e a BFP Foram dois grupos de pesquisadores diferentes que os validaram e os testes são de editoras distintas Casa do Psicólogo BFP e Vetor NEOPI O NEOPI atual é corrigido só no computador ao passo que a BFP pode ser corrigida manualmente Há diferenças de tradução e entre os subdomínios No Brasil a amostra utilizada na validação da BFP foi maior mas o NEOPI é muito utilizado internacionalmente NEO é um acrônimo para Neuroticism Extrovertion e Openess O instrumento é revisado e conta com a inclusão dos fatores AmabilidadeAfabilidade e ConsciênciaMeticulosidade Quadro 257 Instrumentos projetivos de avaliação da personalidade TESTES PROJETIVOS DE PERSONALIDADE DISPONÍVEIS NO BRASIL Ver recomendações no site do CFP Satepsi httpsatepsicfporgbr TAT para adultos CAT para crianças CATA e CATH SAT para idosos Bellak Bellak Psy1992 Christiana D Morgan e Henry A Murray 1935 Testes de apercepção temática desenvolvidos por Christiana D Morgan e Henry Murray Utilizam pranchas com situações instigantes ambíguas de interação pessoal significativa Pedese para a pessoa contar uma história sobre cada imagem Teste usado desde os anos de 1930 até hoje Muito rico quando empregado por profissionais experientes com amplo conhecimento clínico e das profundezas das situações e conflitos humanos A versão infantil CAT é particularmente fascinante para as crianças e muito útil para o trabalho clínico Há para crianças o CATA Bellak Bellak Mestre Jou 1981 com figuras de animais em diversas situações e o CATH Bellak Bellak Psy 1992 com figuras de humanos Versão para Idosos SAT Técnica de Apercepção para Idosos Bellak Bellak Psy 1992 Teste de Rorschach Rorschach Manole 1997 Hermann Rorschach 1921 Teste projetivo mais antigo e um dos mais estudados Baseiase na visão dinâmica da personalidade e dá grande importância à noção de inconsciente Utilizamse 10 pranchas com manchas de tinta solicitase que os sujeitos observem cada prancha e relatem ao examinador da maneira mais livre possível o que veem O trabalho interpretativo é muito detalhado e complexo Pode ser muito rico quando utilizado por profissionais experientes e com sólida formação nesse teste Sua principal limitação é ser longo e exigir considerável tempo e investimento de profissional com formação muito específica e aprofundada no teste Teste de Zulliger Hans Zulliger 1948 Teste projetivo equivalente ao Rorschach com três cartões com manchas de tinta Solicitase à pessoa que diga com o que tais imagens nos cartões se parecem o que poderiam ser Ele é mais fácil de aplicar e corrigir que o Rorschach mas não tão rico Teste de Pirâmides Teste baseado em técnica expressiva para avaliação da dinâmica emocional e da personalidade por meio do como o indivíduo constrói com cores três pirâmides com cinco degraus Há duas versões atuais do Pfister uma para adultos e outra 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Coloridas de Pfister Heiss Hiltmann CEPA 1976 Max Pfister 1951 para crianças É teste famoso e muito utilizado mas sua confiabilidade e sensibilidade são questionáveis A interpretação nesse teste é em parte subjetiva e criticada por alguns por consideraremna relativamente vaga HTP e HTPF inclui o desenho da família Jonh N Buck 1940 O Desenho de Casa Árvore Pessoa é um teste projetivo de aplicação relativamente rápida e de baixo custo Baseado em noções psicodinâmicas pedese à pessoa que além de desenhar discorra sobre o que desenhou Exige muita experiência clínica do aplicador além de sólidos conhecimentos psicodinâmicos Sua limitação é que tal procedimento tem confiabilidade duvidosa entre diferentes aplicadores e em testereteste e validação objetiva ainda a ser adequadamente realizada O HTPF que inclui o desenho da família não é autorizado pelo CFP entretanto é um modelo interessante principalmente quando se solicita que se desenhe e comente sobre uma família ideal e outra real Quadro 258 Outros testes de personalidade disponíveis no Brasil Cornell Index Weider et al CEPA sem data Série de questões estruturadas para a identificação de problemas de personalidade e psicopatologia 16PF 5ª edição Cattell Cattell Cattell CEPA 1999 Contém 16 escalas de itens bipolares para avaliar os seguintes fatores de personalidade expansividade inteligência estabilidade emocional afirmação preocupação consciência desenvoltura brandura confiança imaginação requinte apreensão abertura a novas experiências autossuficiência disciplina e tensão Escala de Personalidade de Comrey Comrey Vetor 1997 Instrumento com 100 itens para avaliar personalidade com autorrelatos verbais Avalia as seguintes características confiança versus atitude defensiva ordem versus falta de compulsão conformidade social versus rebeldia atividade versus passividade estabilidade emocional versus neuroticismo extroversão versus introversão masculinidade versus feminilidade empatia versus egocentrismo Aplicação de 30 a 40 minutos Psicodiagnóstico Miocinético PMK Mira y López Vetor 1987 Teste que avalia características estruturais e reacionais da personalidade a partir da Teoria Motriz de Consciência que associa intenções ou propósitos dos indivíduos a modificações do tônus Teste usado para avaliar candidatos à obtenção da Carteira Nacional de Habilitação CNH Avalia características como agressividade emotividade predomínio tensional etc Questionário de Avaliação Tipológica QUATI Zacharias Vetor 1994 Tratase de teste baseado nos modelos tipológicos de Jung bastante utilizado no Brasil Avalia a personalidade por meio de escolhas situacionais Duração da aplicação de cerca de 45 minutos Questionário de Personalidade Dadahie Andrade Moraes Wendel CEPA sem data Esse teste avalia dimensões da personalidade como dominância agressividade deferência humildade e autonomia Testes das Cores Braga CEPA 1978 Teste que para avaliar a personalidade utiliza as preferências e rejeições que o indivíduo tem pelas cores Teste das Fábulas Düss CETEPP 1993 Teste que se aplica em crianças São narradas 10 histórias para a criança e esta deve dar um desfecho em relação às histórias e às situações apresentadas Teste Palográfico Milá Vetor 1976 Teste consideravelmente utilizado no Brasil Baseado na grafologia forma de o indivíduo escrever inclusive a caligrafia é usado para avaliar características da personalidade por meio de expressão gráfica verificandose inclinação da escrita margens distância entre as linhas direção das linhas tamanho pressão e qualidade do traçado o simbolismo do espaço organização velocidade ritmo e arpões ou ganchos etc Teste Projetivo Ômega TPO Villas Boas Filho CEPA 1967 Tratase de teste de apercepção temática baseado no TAT relativamente simplificado mas construído para ser utilizado em orientação profissional Contém quatro cartões de estímulos As imagens são menos estruturadas que as do TAT planejadas para abordar questões básicas do jovem em relação à escolha profissional 11 Teste de Wartegg Wartegg Casa do Psicólogo 1993 Teste baseado na teoria dos arquétipos de Jung É uma prova gráfica projetiva bastante livre que por meio de uma série de traços ou estímulos solicita ao testando que produza desenhos os quais serão interpretados com referência à teoria mencionada Fonte Porto Noronha 2002 De modo geral os instrumentos estruturados de personalidade NEOPI R PID5 TCI entre outros com questões fechadas desenvolvidos segundo parâmetros psicométricos rigorosos têm a vantagem metodológica de apresentar maior confiabilidade testereteste melhor consistência interna e propriedades psicométricas mais bem averiguadas Por isso de modo geral tais testes são preferidos para pesquisas e por profissionais acadêmicos Já os testes projetivos p ex Rorschach TATCAT e HTPF embora preferidos por muitos clínicos sobretudo de orientação psicodinâmica e psicanalítica são instrumentos muito interessantes para se abordar os pacientes de forma exploratória para se levantar hipóteses iniciais sobre o funcionamento mental e da personalidade Entretanto tais instrumentos têm sido criticados metodologicamente pois apresentam confiabilidade testereteste e confiabilidade entre diferentes avaliadores interater reliability baixas ou não estudadas e não foram de modo geral suficientemente validados em termos de consistência interna Há o risco de o profissional encontrar com tais ferramentas patologia excessiva em relação ao que realmente há no paciente Como todo teste os testes projetivos devem ser usados com cautela interpretativa e senso crítico e seus resultados devem ser cuidadosamente checados com observações objetivas De modo geral quanto mais aberto o teste como no caso dos testes projetivos mais experiência conhecimento e habilidades clínicas deve ter o aplicador para que os resultados sejam úteis Cabe lembrar que há também a possibilidade da avaliação de aspectos da personalidade de crianças apesar de não ser possível realizar diagnóstico de TP pois os critérios diagnósticos exigem que a pessoa já seja adulta A ideia é que a personalidade ainda não está completamente formada na infância e na adolescência portanto não se pode ainda falar de TP Contudo pode ser útil clinicamente avaliar aspectos da personalidade de uma criança ou de um adolescente Há testes projetivos para isso p ex Teste de Apercepção Infantil CAT bem como técnicas relacionadas ao brincar com jogos e caixa lúdica planejadas especialmente para essa avaliação Há grande quantidade de testes de personalidade já traduzidos e validados no Brasil e aprovados para uso pelo Conselho Federal de Psicologia CFP a maioria só pode ser utilizada por psicólogos com registro no Conselho Regional de Psicologia CRP O site do CFP mostra os testes autorizados aos psicólogos para uso no Brasil Satepsi ENTREVISTAS PSIQUIÁTRICAS PADRONIZADAS PARA DIAGNÓSTICO DE TRANSTORNOS DA PERSONALIDADE Há várias entrevistas padronizadas para a realização sistemática e metodologicamente controlada dos diagnósticos de TP O Structured Clinical Interview for DSM5 Personality Disorders SCID5PD é uma entrevista diagnóstica semiestruturada para uso de profissionais clínicos e de pesquisa que aborda os TPs do DSM5 É uma entrevista detalhada relativamente longa que tem o valor de fornecer o diagnóstico em um sistema amplamente utilizado e bem conhecido Embora as versões para o DSMIV já tenham sido traduzidas e utilizadas em nosso meio a versão para o DSM5 ao que saibamos ainda não foi traduzida e validada para o português do Brasil O International Personality Disorder Examination IPDE da Organização Mundial da Saúde OMS é um instrumento de 77 itens resposta falso ou verdadeiro que abrange 10 categorias de TPs do DSMIV foi testado e validado em quarto continentes inclusive na África É uma ferramenta de valor entretanto uma versão para o DSM5 ainda não foi organizada não havendo portanto versões disponíveis para o português 1 Esse transtorno só existe no DSM5 na CID11 o padrão transtorno esquizotípico é colocado como um transtorno mental do espectro da esquizofrenia 26 Inteligência e cognição social Na primeira parte deste capítulo será examinada a inteligência Na segunda apresentamse as noções básicas referentes ao crescente campo de conhecimentos psicológicos e psicopatológicos denominado cognição social INTELIGÊNCIA DEFINIÇÕES A inteligência é um conceito fundamental da psicologia moderna que quase todos utilizam de muita relevância para a psicopatologia Entretanto ninguém consegue definila de modo decisivo ou pelo menos amplamente convincente Richardson 1999 O próprio criador de um dos principais instrumentos de avaliação e mensuração da inteligência em crianças e adultos David Wechsler 1958 certa vez ao comentar sobre a dificuldade em definir exatamente o que é inteligência afirmou ironicamente O que é inteligência ora inteligência é aquilo que os meus testes medem Na verdade Wechsler 1958 tinha sua definição de inteligência ela deveria ser entendida segundo ele como a capacidade global do indivíduo de agir com propósitos de pensar racionalmente e de lidar eficazmente com o seu ambiente A inteligência é portanto o conjunto das habilidades cognitivas da pessoa a resultante o vetor final dos diferentes processos intelectivos Tais habilidades permitem ao indivíduo identificar e resolver problemas novos reconhecer adequadamente as situações cambiantes da vida e encontrar soluções as mais satisfatórias possíveis para si e para o ambiente respondendo às exigências de adaptação às demandas do dia a dia Devese deixar claro que mais que qualquer outra função psíquica a inteligência não é um aspecto do indivíduo com materialidade delimitável e independente das formulações que sobre ela se faz A inteligência é um construto um modo de ver e estudar uma dimensão do funcionamento mental dos rendimentos psíquicos dimensão esta construída historicamente pela psicologia pela medicina e pela pedagogia As principais habilidades reunidas no construto inteligência são raciocínio planejamento resolução de problemas abstração categorização compreensão de ideias complexas aprendizagem eficaz e aprendizagem a partir da experiência A inteligência reflete capacidade abrangente do indivíduo para compreender o mundo ao seu redor e lhe permite lidar de forma mais ou menos eficiente com suas demandas AAMR 2006 PSICOLOGIA DA INTELIGÊNCIA E NEUROPSICOLOGIA Nas últimas décadas a neuropsicologia seus construtos e avaliações têm ganho peso tanto na psiquiatria como na psicologia clínica Perfil e capacidades neuropsicológicas se sobrepõem muito ao construto inteligência às vezes é difícil identificar quando se está falando de psicologia da inteligência e quando se está falando de neuropsicologia Devese ressaltar que a neuropsicologia surgida no fim do século XIX com o estudo das afasias em pessoas com lesões cerebrais nas áreas da linguagem busca constantemente as relações entre funções cognitivas como linguagem memória atenção funções executivas e áreas e circuitos cerebrais alterados ou lesionados Distinguese da psicologia da inteligência pois esta apesar de também tratar das funções cognitivas cuja somatória chamamos de inteligência busca mais as variações em grupos populacionais e não a correlação íntima com áreas e circuitos cerebrais As distinções principais apresentadas no Quadro 261 podem ajudar o leitor a identificar distinções entre as duas áreas e seus construtos psicologia da inteligência e funções neuropsicológicas Quadro 261 Diferenças dos construtos psicologia da inteligência e neuropsicologia PSICOLOGIA DA INTELIGÊNCIA NEUROPSICOLOGIA Disciplinas científicas que a estudam e utilizam prioritariamente Psicologia geral psicologia social e clínica pedagogia psiquiatria administração de recursos humanos Psicologia clínica neurologia psiquiatria neurociências Surgimento histórico Avalições de grupos de crianças por A Binet e T Simon na França para identificar quais eram mais indicadas a receber educação especial Estudo de pacientes com afasias e de seus cérebros em autópsias por autores como P Broca França e C Wernicke Alemanha e investigações de A R Luria Rússia Objetivos principais Descrever habilidades cognitivas como raciocínio vocabulário abstração categorização memória atenção etc e o modo como se distribuem em grupos populacionais Identificar e estudar crianças e adultos com inteligência deficiente Identificar as relações entre habilidades cognitivas como linguagem habilidades visuoespaciais atenção memória etc e áreas e circuitos cerebrais lesados ou normais Identificar e estudar as alterações cognitivas em pessoas com lesões e doenças cerebrais Foco principal Habilidades e dificuldades cognitivas e sua distribuição e comparação nos grupos Relação entre lesão cerebral ou alteração cerebral e habilidade cognitiva específica Populaçõesalvo para seu estudo na fase histórica inicial de seu estudo Grupos populacionais como crianças e adolescentes em idade escolar soldados trabalhadores identificação das deficiências intelectuais Indivíduos ou grupos com lesões cerebrais como traumas cranianos acidentes vasculares cerebrais tumores ou transtornos mentais nos quais há disfunção cerebral Procedimentos metodológicos para seu estudo Métodos psicométricos de análise de populações com forte apoio na estatística No início da neuropsicologia método clínico de correlação anatomoclínica Posteriormente métodos psicométricos e de neuroimagem Utilizações principais Avaliação de crianças e adolescentes em relação à escolaridade avaliação de possível deficiência intelectual para a prática clínica em psicologia e psiquiatria administração de recursos humanos seleção de pessoas para funções específicas Avaliação clínica de indivíduos com suspeita de lesão ou disfunção cerebral em neurologia psiquiatria e psicologia clínica Estudo das neurociências correlações entre neuroimagem e alterações cognitivas Bases cerebrais da cognição DESENVOLVIMENTO DA INTELIGÊNCIA NA CRIANÇA E NO ADOLESCENTE Como surge e se desenvolve a inteligência em um indivíduo De onde vêm as habilidades cognitivas que permitem ao sujeito adaptarse continuamente às exigências de um ambiente cambiante e desafiador Seriam elas predominantemente herdadas ou totalmente aprendidas ao longo da educação O genial pensador e pesquisador suíço Jean Piaget 18961980 recusa uma solução unilateral Para ele a inteligência na criança não é nem somente herdada nem apenas aprendida A inteligência isto é os processos mentais que criam organizam e utilizam adaptativamente os conceitos e os raciocínios não são inatos pois mudam ao longo da vida não são também apenas aprendidos dos adultos pois estes não nasceram com elas foramnos adquirindo ao longo de seu desenvolvimento pessoal As ideias das crianças sobre o mundo são construções que envolvem as estruturas mentais inatas e a experiência sociocultural O desenvolvimento da inteligência por sua vez ocorre pela substituição de esquemas cognitivos prévios aquisição e integração de novos esquemas cognitivos e não apenas pela adição de habilidades cognitivas Piaget descreveu quatro estágios do desenvolvimento Para ele cada fase do desenvolvimento da inteligência deve ser considerada como formada por estruturas mentais e comportamentais distintas em quantidade e qualidade Tais estruturas desenvolvemse progressivamente ao longo da vida da criança uma se sucedendo a outra enriquecendo de forma gradativa a cognição do indivíduo conforme descrito a seguir Período sensóriomotor Ocorre nos dois primeiros anos de vida Nesse período as estruturas mentais restringemse ao domínio dos objetos concretos das percepções e atos concretos Na fase inicial predominam os atos reflexos congênitos e surgem gradativamente os primeiros hábitos motores os primeiros esquemas perceptivos organizados e os afetos diferenciados O bebê ainda não apresenta um pensamento propriamente dito Ainda não existem a linguagem e a função simbólica repousando as atividades mentais exclusivamente em percepções e movimentos A atividade cognitiva do bebê concentrase portanto em um conjunto coordenado de atividades sensório motoras sem que dela participe a representação ou o pensamento A imitação é um procedimento fundamental nesse período para o desenvolvimento da cognição imitação aqui é uma prefiguração um núcleo embrionário da representação No dizer de Piaget uma espécie de representação em atos materiais e ainda não em pensamento No início até a metade do primeiro ano de vida quando a mamadeira é afastada do campo visual do bebê ele chora desesperadamente como se ela se tivesse desfeito Quando algo é escondido atrás de um pano o bebê tem a sensação de que o objeto deixou de existir Por volta dos 9 a 10 meses o objeto escondido na frente do bebê passa a ser procurado ativamente por ele denotando o início dos chamados objetos permanentes Os conceitos de coisas espaço tempo e causalidade como categorias práticas do dia a dia estruturamse no fim desse período Período préoperatório Ocorre entre os 2 e os 7 anos de vida quando são processados e desenvolvidos o domínio dos símbolos a linguagem os sentimentos interpessoais e as relações sociais O brincar passa a ser um dos principais instrumentos do desenvolvimento cognitivo da criança Segundo Piaget entre 15 e 2 anos de idade surge uma função extremamente importante para a evolução das habilidades cognitivas posteriores que consiste na capacidade de poder representar alguma coisa Um objeto ou um acontecimento passam a ter um significado que é representado por um significante específico geralmente uma palavra o qual só serve para essa representação Surgem e desenvolvemse portanto a linguagem as imagens mentais os gestos simbólicos entre outras funções O tipo de inteligência do estágio préoperatório baseiase naquilo que Piaget chama de meialógica Nessa meialógica as operações mentais já obedecem a determinada lógica entretanto esta é incompleta faltandolhe por exemplo a noção de reversibilidade nas operações e de conservação física O pensamento lógico trabalha apenas em uma direção A noção de identidade é por exemplo fundamentalmente qualitativa faltando sua dimensão quantitativa Assim diz Piaget uma criança em fase préoperatória comete o erro lógico de afirmar que a quantidade de água varia de acordo com a forma de seu recipiente uma garrafa fina e alta com 1 litro contém mais água que uma larga mas baixa também com 1 litro de água não reconhece a identidade quantitativa da água Entretanto essa mesma criança afirmará que ao se mudar o recipiente é a mesma água qualitativamente que se encontra no novo vasilhame Segundo Piaget atividades semióticas representativas como o desenho o brincar e a linguagem desenvolvemse plenamente nesse período com consequências essenciais para o desenvolvimento sociocognitivo a palavra vai gradativamente se interiorizando plasmandose uma linguagem interior base do pensamento propriamente dito Período operatórioconcreto Entre os 7 e os 12 anos de idade a criança aprende a dominar cabalmente as classes as relações e os números assim como a raciocinar sobre eles É o início do pensamento lógico denominado por Piaget como operações intelectuais concretas A socialização desenvolvese plenamente por meio da escola ou fora dela surgindo o sentido de cooperação social A operatividade marca do período operatórioconcreto é caracterizada pela possibilidade de a criança agir seguindo uma lógica em função das implicações e consequências de suas ideias e pensamentos Entretanto nesse estágio as relações entre as classes somente podem ser compreendidas quando apresentam evidência completa isto é quando estão de alguma forma presentes ou relacionadas ao campo perceptivo Os sistemas de pensamento símbolos e relações puramente abstratas só chegarão ao seu pleno desenvolvimento no período seguinte Período operatórioformal Dos 12 aos 16 anos o adolescente se envolve com o domínio do pensamento plenamente abstrato com os sistemas simbólicos e as categorias abstratas mais gerais com o funcionamento mental e cognitivo do mundo adulto ideias e sistemas de ideias como um sistema de valores éticos o sistema democrático os sistemas filosóficos etc Desenvolvese nesse último período a capacidade de analisar o pensamento próprio em relação ao dos outros Aqui o adolescente já pode trabalhar com relações complexas e abstratas sendo capaz inclusive de prever as situações necessárias para provar ou refutar hipóteses iniciais Nessa fase tornamse possíveis os sistemas lógicos e abstratos mais desenvolvidos do pensamento Tais sistemas podem incluir complexas combinações de classes sistemas de transformação de proposições lógicas como operações inversas negativas recíprocas e contrárias A perspectiva de Lev S Vygotsky Outro modo de conceber o desenvolvimento da inteligência na criança é por meio dos conceitos formulados pelo psicólogo russo Lev Semenovitch Vygotsky 18961934 que trabalhou com o neuropsicólogo Alexander R Luria 1902 1977 Para Vygotsky 2008 o desenvolvimento da inteligência consiste na interiorização progressiva de instrumentos culturais externos A criança participa e é constituída por uma cultura cultura essa que já possui um enorme arsenal de conhecimentos e habilidades cognitivas No encontro de uma mente imatura pronta para aprender e assimilar estruturas cognitivas de sua sociedade e cultura e uma sociedade que se dispõe a ensinar a criança se desenvolve cognitivamente Portanto a inteligência da criança se desenvolve em sociedades e culturas que têm instrumentos culturais de cognição já prontos instrumentos que vão desde a língua materna falada e escrita os instrumentos práticos alicates facas máquinas computadores etc e os procedimentos de resolução de problemas até as regras institucionais que regulam as interações sociais como família justiça mundo do trabalho escola entre outras A partir de um processo que Vygotsky 2008 chamou de interiorização a criança incorpora o uso de instrumentos sociais regras saberes rituais etc que direcionam suas ações e funções mentais até que elas possam ser plenamente integradas pelo seu mundo cognitivo interno Para Vygotsky 2008 a inteligência não brota espontaneamente da criança não é um conjunto de habilidades latentes que irão se desenvolver com o crescimento do cérebro ela é construída de fora para dentro da sociedade e da cultura para o interior da mente da criança que dialeticamente interage com o conjunto da cognição cultural para incorporála de forma sempre nova e criativa OS MODELOS DE INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS Inteligência geral versus inteligências múltiplas Há várias décadas muitos autores distinguem diferentes tipos de inteligência que correspondem às várias habilidades ou áreas da cognição como inteligência verbal visuoespacial visuoconstrutiva aritmética capacidade lógica capacidade de planejamento e execução capacidade de resolução de problemas novos inteligência para a abstração e para a compreensão inteligência criativa entre outras Tais modelos de inteligências múltiplas questionam a noção de inteligência geral ou seja a noção de que a inteligência de uma pessoa pode ser expressa ou resumida a um traço latente unifatorial revisão em Blair 2006 No início do século XX os psicólogos que estudaram a inteligência formularam um modelo unifatorial ou unidimensional da inteligência O psicólogo inglês Charles E Spearman 18631945 por meio de estudos de correlação entre diferentes áreas do desempenho cognitivo discriminação de tons peso e luz perspicácia e raciocínio esperto na escola postulou já em 1904 Spearman 1904 que haveria um fator geral que explicaria toda a inteligência construto este denominado inteligência geral abreviado como fator g Spearman 1904 acreditava que haveria um fator unitário e geral na inteligência que consistiria em algo da natureza de uma energia ou força que serve em geral todo o córtex ou possivelmente todo o sistema nervoso de forma que a totalidade de operações cognitivas é abastecida por determinados fatores gerais em comum Assim para ele haveria uma força unitária que estaria na base de todos os subtipos variados de habilidades intelectivas Spearman 1927 Entretanto no início dos anos de 1930 nem todos concordavam com a tese de Spearman O psicólogo norteamericano Louis Leon Thurstone 18871955 aplicou a análise fatorial ao estudo da inteligência e postulou uma visão hierárquica e múltipla da inteligência Haveria alguns centros da inteligência com a possibilidade de várias e distintas habilidades mentais primárias que variariam em diferentes indivíduos os quais apresentariam tipos e graus diversos dessas habilidades Assim ele se opunha à noção de um fator g de inteligência geral As distintas habilidades primárias potenciais centros da inteligência para distintos indivíduos seriam a compreensão e a capacidade verbal o raciocínio indutivo a fluência verbal a capacidade espacial a memória associativa a capacidade numérica e a velocidade e capacidade de percepção Thurstone 1938 Na segunda metade do século XX outros pesquisadores da psicologia da inteligência passaram a propor que a inteligência seria mais bem concebida como múltiplas e autônomas formas de inteligência ou seja passaram a defender um modelo totalmente multifatorial ou multidimensional Cattell 1971 Gardner 1994 Goleman 1994 Essas inteligências específicas ou parciais teriam considerável autonomia e independência em relação ao construto global do fator g Passouse então a estudar as formas de inteligência como por exemplo a inteligência fluida ou cristalizada a inteligência social intrapessoal e interpessoal e a inteligência emocional A inteligência fluida se contrapõe à cristalizada Ela Cattel 1971 se verifica pela capacidade de resolução de problemas novos independentemente de conhecimentos prévios Tais problemas não são passíveis de resolução automática pois dependem de raciocínio da atenção sustentada e seletiva da inibição de estímulos e de informações irrelevantes da memória de trabalho e das funções executivas planejamento busca de estratégias novas e monitoração da ação e de seus resultados A inteligência fluida teria uma base genética e seria relativamente independente do histórico de conteúdos aprendidos pelo indivíduo A inteligência cristalizada Cattell 1971 por sua vez diz respeito ao conjunto de conhecimentos previamente adquiridos e armazenados no cérebro do indivíduo disponíveis na memória de longo prazo para serem utilizados Ela traduz o conjunto de conhecimentos em termos de linguagem informações e conceitos da cultura da pessoa em toda sua amplitude e profundidade Haveria também uma inteligência social considerando que o ser humano apresenta um marcante elemento social reflexivo que o faz participar ativamente e ser definido e constituído por seu ambiente social Os processos cognitivos mais importantes se desenvolvem em relação estreita com o mundo social e cultural em que se vive Os comportamentos cognitivos por serem intimamente conectados com o contexto social só podem ser compreendidos a partir da análise de tais contextos Além da inteligência social o construto inteligência emocional diz respeito ao conjunto de capacidades relativas ao processamento de informações emocionais As várias definições de inteligência emocional incluem habilidades como autoconsciência emocional empatia consciência emocional do outro capacidade de utilizar emoções para fazer julgamentos capacidade de administrar conflitos habilidade de construir laços de trabalho e de trabalhar em equipe BarOn Parker 2002 Assim como o construto inteligência social o construto inteligência emocional tem sido absorvido nas últimas décadas pela noção de cognição social que é estudado de forma mais sistemática na comunidade científica contemporânea por isso abordado mais detalhadamente neste capítulo O Quadro 262 apresenta alguns dos principais modelos de subtipos de inteligência em uma perspectiva multidimensional Quadro 262 Alguns modelos multidimensionais de inteligência CATTELL 1971 GARDNER 1994 STERNBERG 1997 CARROLL 1993 Inteligência cristalizada conhecimentos previamente adquiridos pela experiência e disponíveis na memória de longo prazo Inteligência fluida capacidades atenção controlada inibição de estímulos irrelevantes raciocínio e memória de trabalho solução de problemas novos Oito subtipos de inteligência Linguística compreender as palavras e as nuanças de significados Lógicomatemática manipular números e resolver problemas lógicos Espacial orientarse no espaço e avaliar relações entre objetos no espaço Musical perceber e criar padrões de tons harmonias e ritmos Corporal apresentar consciência corporal e motricidade desenvolvidas Interpessoal inteligência social compreender relacionarse e comunicar se bem com os outros Inteligência componencial capacidade analítica eficiência com que as pessoas processam informações e resolvem problemas Inteligência experiencial entendimento e originalidade aspecto perceptivo da inteligência eficiência com que se abordam tarefas novas como familiares Inteligência contextual aspecto prático da inteligência eficiência com que as pessoas lidam com seu ambiente Modelo dos Três Estratos de CattellHorn e Carroll 1º estrato Inteligência geral 2º estrato Inteligência fluida Inteligência cristalizada Memória e aprendizagem geral Percepção visual ampla Percepção auditiva ampla Capacidade de evocação Intrapessoal perceber e compreender bem a si mesmo Naturalística distinguir e classificar espécies e agrupamentos ampla Velocidade cognitiva ampla Velocidade de decisão 3º estrato Fatores de nível fatores de velocidade e fatores de taxa OS TESTES DE INTELIGÊNCIA QI No ano de 1904 o ministro de Instrução Pública da França quando a escola pública se torna obrigatória naquele país nomeia uma comissão chefiada pelo psicólogo Alfred Binet 18571911 a fim de definir um método para diferenciar crianças intelectualmente sadias daquelas com déficits de forma que só fossem encaminhadas para escolas especiais as que realmente apresentassem necessidade Assim o psicólogo já experiente Alfred Binet e seu jovem discípulo o psiquiatra pediátrico Théodore Simon 18731961 recolheram um extenso número de testes uns fáceis outros mais difíceis e investigaram várias crianças nas escolas da França observando testando perguntando e gravando as experiências A partir de um método marcadamente empírico não partiram de uma definição ou teoria já elaborada de inteligência escolheram os testes que melhor diferenciavam as crianças que conseguiam aprender daquelas que apresentavam mais dificuldades as mais espertas das menos hábeis intelectualmente Binet desejava desenvolver um método que não fosse contaminado por aquilo que a criança já havia aprendido na escola por sua experiência escolar prévia e sim que indicasse com que facilidade ela poderia aprender no futuro O que Binet e Simon 1904 identificaram inicialmente é que os testes de compreensão de palavras conceitos frases imagens eram aparentemente os mais poderosos em capacidade de diferenciação Assim foi construído o primeiro teste de inteligência que com bastante êxito conseguia estabelecer uma escala de nível intelectual O teste desses pesquisadores incluía itens como definir palavras simples nomear objetos em gravuras desenhar de memória compreender perguntas abstratas quando alguém lhe pede desculpas o que você deve fazer definir palavras abstratas qual a diferença entre tédio e aborrecimento entre respeito por alguém e amizade por alguém repetir dígitos entre outros Binet e Simon utilizaram a diferença entre idade mental passar pela metade dos testes que crianças de determinada idade passam e idade cronológica como um índice de atraso do desenvolvimento intelectual Richardson 1991 Em 1916 o psicólogo norteamericano Lewis M Terman 18771956 realizou na Universidade de Stanford uma ampla revisão do teste de Binet Simon visando aperfeiçoálo Ele incluiu muito mais itens chegou a 90 itens mais tempo de apresentação uma instrução cuidadosa àqueles que iriam aplicar a avaliação e padrões de respostas corretas ou não Surgiu então a Escala de Inteligência de StanfordBinet ainda amplamente utilizada nos dias de hoje Ela inclui seis áreas vocabulário contagem de cubos definir palavras abstratas encontrar razões para comportamentos e eventos fluência verbal dizer o máximo de palavras em 1 minuto e repetir dígitos de sequências até seis dígitos Até os anos de 1960 essa escala era o teste padrão de quociente de inteligência QI utilizado em muitos países No fim dos anos de 1930 e início dos de 1940 o psicólogo romenonorte americano David Wex Wechsler 18961981 insatisfeito com algumas limitações das escalas de BinetSimon e da StanfordBinet criou suas próprias medidas Wechsler não aceitava a ideia de atraso na idade mental que o índice de Binet utilizava Discípulo de Charles Spearman do fator g e de Karl Pearson ambos psicólogos com profundos conhecimentos matemáticos desenvolveram as análises de correlação e análise fatorial Wechsler 1943 abandonou a ideia de atraso na idade mental substituindoa por uma formulação matemática estatística Fixou a inteligência média e mediana das populações no valor de 100 como era nos testes de idade mental e atribuiu arbitrariamente 15 pontos para um desviopadrão de inteligência O grupo com dois desviospadrão abaixo da média seria identificado como com deficiência intelectual Wechsler 1943 também pensava que em vez de um fator geral de inteligência fator g a inteligência deveria ser compreendida em dois grandes grupos as habilidades mais relacionadas a capacidades linguísticas e aritméticas que chamou de escala verbal e outro grupo de capacidades mais visuoespaciais que chamou de escala de desempenho Sabese atualmente que a escala verbal é mais resistente a mudanças transitórias relacionadas ao estado momentâneo do indivíduo se alguém está mais deprimido com dificuldades atencionais mais desmotivado ou perturbado por fatores psicopatológicos e que a escala de desempenho é mais suscetível a alterações por tais fatores perturbadores É interessante notar que Wechsler 1943 chegou à conclusão de que as escalas de inteligência inclusive as suas não captavam muitas das capacidades fundamentais de uma pessoa para a vida real ele também acreditava que nos testes de inteligência outros aspectos eram muito importantes para os resultados Para ele fatores afetivos e emocionais assim como aqueles relacionados à vontade e aos desejos tinham grande importância nas habilidades gerais de uma pessoa inclusive nos domínios cognitivos Essa área vislumbrada por Wechsler 1943 atualmente vem sendo estudada por meio do construto cognição social abordado na segunda parte deste capítulo Atualmente os testes de inteligência mais bem conhecidos estudados e utilizados internacionalmente são a Escala de Inteligência de StanfordBinet e os testes inicialmente desenvolvidos por Wechsler em suas várias edições revisadas WISC WAIS e WASI Críticas ao construto inteligência e aos testes de QI O construto inteligência e os testes de QI têm sido muito criticados nas últimas décadas Certamente eles foram utilizados de forma nefasta do ponto de vista político e ideológico sobretudo na primeira metade do século XX Gould 1991 Buscouse atribuir maior inteligência a grupos populacionais como aos homens aos brancos aos europeus e com isso desqualificar outros grupos humanos como as mulheres os negros os indígenas os hispanoamericanos entre outros Gould 1991 Em virtude disso muitos autores e atores políticos passaram a desconfiar do construto inteligência e sobretudo dos testes de inteligência bem como a propor que se abandone tal construto Entretanto independentemente de seu uso nefasto no passado e das muitas controvérsias em sua definição a inteligência é um construto da psicologia bastante robusto e consistente Poucos construtos psicológicos sociológicos e mesmo biológicos são tão estáveis ao longo do ciclo vital dos seres humanos O QI avaliado com testes completos com confiabilidade e validade comprovadas em um adolescente com 15 anos tende a ser incrivelmente estável até que o jovem complete 60 anos ou mais obviamente descontandose doenças que possam vir a prejudicar sua cognição Cohen Swerdlik Sturman 2014 INTELIGÊNCIA GENÉTICA E AMBIENTE Há certo consenso na literatura científica de que a inteligência pelo menos uma parte importante dela depende de influências genéticas A correlação média da inteligência dos pais com a dos filhos biológicos fica em torno de 50 entre gêmeos idênticos em torno de 90 e entre pais e filhos adotivos em torno de 25 Sims 1995 Entretanto embora os fatores genéticos sejam importantes o componente ambiental aprendizado estímulos psicossociais nos períodos cruciais do desenvolvimento cognitivo da criança nutrição e condições adequadas de saúde apoio afetivo escolas de qualidade ambiente motivador entre outros é seguramente fundamental para que o indivíduo possa desenvolver de forma plena seu potencial genético O QI que avalia quantitativamente o nível de inteligência de uma pessoa embora bastante estável pode mudar com intervenções psicopedagógicas adequadas intensas e precoces bem como declinar com a idade ou devido a doenças Na velhice em pessoas com QI mais alto pode haver perda de até 6 pontos na esquizofrenia pode haver perda pelo efeito da doença de até 10 a 15 pontos Salthouse 1996 Já no caso de crianças pequenas que nasceram em ambiente muito ruim com abandono negligência violência quando são adotadas por famílias adequadas e empenhadas pode haver aumento de 12 ou mais pontos no QI Intervenções psicopedagógicas intensivas em escolas podem aumentar o escore em 10 pontos ou mais sobretudo no início da infância do nascimento até os 4 ou 5 anos de idade Neisseer et al1996 TuckerDrob et al 2011 INTELIGÊNCIA E CÉREBRO As relações entre cérebro e inteligência têm sido postuladas desde a Antiguidade e foram primeiramente mencionadas por Erasistratus e Herophilus no século III aC em Alexandria Finger 1994 No século XVI dC o médico e anatomista belga Andreas Vesalius 1514 1564 após dissecar muitos cérebros de distintos animais e de humanos chegou à conclusão de que a inteligência estaria relacionada com o tamanho e a complexidade do órgão Ele afirmou os cérebros variam de acordo com a inteligência que os animais possuem o homem possui o maior cérebro seguido dos macacos do cão e assim por diante e isto está de acordo à maior inteligência nesta sequência Vesalius 1543 citado por Finger 1994 No fim do século XVII e início do XVIII ficou estabelecida a noção de que os hemisférios cerebrais eram as áreas do órgão mais relacionadas com a inteligência e na virada do século XIX para o XX Paul Flechsig 18471929 pôde estabelecer com estudos sobre a mielinização do cérebro que as áreas do córtex associativo eram as estruturas mais importantes para a inteligência Finger 1994 Atualmente por meio de estudos com neuroimagem e avaliações psicométricas sistematizadas há um renovado interesse por se entender quais estruturas cerebrais estariam mais intimamente relacionadas com a inteligência Estudos com ressonância magnética cerebral RMC indicam correlações positivas entre o QI e a substância cinzenta no córtex préfrontal e no córtex do cíngulo anterior CCA Tanto a quantidade de córtex como a compactação de neurônios nele parecem ser relevantes Blair 2006 Estudos com RMC funcional com estímulos que exigem atividade cognitiva como as Matrizes Progressivas de Raven indicam que a ativação do córtex préfrontal dorsolateral CPFDL se relaciona intimamente com a inteligência Tais estudos sugerem haver correlação entre o fator g de inteligência e a estrutura e a função do CPFDL e do CCA A integração dessas regiões frontais com outras áreas fundamentais para a inteligência principalmente nos lobos parietais mas também nos temporais e occipitais por meio de mecanismos de eficiente conectividade via substância branca é considerada também fundamental para a inteligência humana Jung Haier 2007 Além disso as bases celulares da cognição têm sido também muito exploradas nas últimas décadas Sendo os neurônios as unidades básicas do sistema nervoso condutores dos sinais e de informações básicas devese atentar particularmente para as sinapses como local privilegiado do contato entre axônios e dendritos e portanto do fluxo e processamento de informações A formação e a poda de sinapses são elementos fundamentais da cognição e da inteligência assim como da plasticidade neuronal e cognitiva Nesse contexto a morfologia e o funcionamento dos dendritos e das espinhas dendríticas têm sido investigados em relação ao controle e à modulação genética da inteligência Vasconcelos 2004 As espinhas dendríticas constituemse de minúsculos elementos presentes na área póssináptica sobretudo em sinapses excitatórias Elas são elementos importantes no contato dos axônios e dendritos e participam de forma central na plasticidade sináptica elemento fundamental para memória aprendizagem e cognição em geral Vários genes localizados no cromossomo X codificam proteínas que são fundamentais para a formação e a regulação da morfologia dessas espinhas Alterações dos dendritos e das espinhas dendríticas têm sido associadas a deficiências intelectuais sobretudo em condições como síndrome de Down síndrome do X frágil e síndrome de Rett assim como nos transtornos do espectro autista TEAs Vasconcelos 2004 TRANSTORNOS DO DESENVOLVIMENTO INTELECTUAL CID11 OU DEFICIÊNCIAS INTELECTUAIS DSM5 Segundo a Classificação internacional de doenças e problemas relacionados à saúde CID11 e o Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais DSM5 os transtornos do desenvolvimento intelectual ou deficiências intelectuais a partir de agora usaremos apenas DIs são transtornos do neurodesenvolvimento que incluem condições de desenvolvimento comportamental e cognitivo deficitárias que surgem durante o período de desenvolvimento da infância geralmente antes de a criança ingressar na escola e implicam dificuldades significativas na aquisição de funções específicas nas áreas intelectuais sociais e motoras CID11 APA 2014 Nas DIs há comprometimento das habilidades cognitivas que são adquiridas desde as primeiras fases de desenvolvimento da criança assim essas deficiências se iniciam obrigatoriamente na infância Adultos que aparentemente têm DI mas têm um histórico confiável de infância e adolescência normais em termos cognitivos não apresentam por definição DI devese então nesses casos pensar em transtornos neurocognitivos demências As pessoas que apresentam DI devem ter necessariamente déficits funcionais em suas vidas Tais déficits têm uma base cognitiva déficit de inteligência mas implicam necessariamente outros aspectos além dos cognitivos e conceituais do comportamento da pessoa e de sua vida de relações sociais Portanto as DIs devem obrigatoriamente para o diagnóstico implicar problemas e dificuldades adaptativas nos domínios conceituais e intelectuais sociais e práticos DSM5 CID11 O prejuízo intelectual nas DIs implica dificuldade significativa ou impossibilidade em áreas como juízos e raciocínios solução de problemas planejamento pensamento abstrato capacidade de aprendizagem na escola e aprendizagem por experiência Tais prejuízos devem ser sempre que possível confirmados por testes de inteligência devidamente padronizados validados para o idioma e a cultura do indivíduo e aplicados e interpretados de forma individualizada O prejuízo em funções adaptativas nas DIs é expresso pelas dificuldades significativas ou impossibilidade da pessoa em ter uma vida independente e autônoma com as responsabilidades sociais concernentes considerando os padrões da sociedade e da cultura na qual vive Indivíduos com DI necessitam de apoio geralmente continuado em diferentes níveis Sem tal suporte suas vidas serão limitadas ou prejudicadas em relação a comunicação participação social e vida independente em variados ambientes como em casa na escola no trabalho e na comunidade O diagnóstico de DI só pode ser realizado de forma confiável a partir dos 5 anos de idade antes disso devese diagnosticar os atrasos na progressão cognitiva da criança não é possível concluir que já existe DI A DI no adulto caracterizase pela presença de inúmeras limitações em áreas como linguagem e comunicação autocuidado saúde higiene e segurança habilidades em alcançar as expectativas de seu grupo cultural capacidade de utilização dos recursos comunitários e capacidade adaptativa básica na escola trabalho eou lazer Dessa forma o diagnóstico de DI exige além de desempenho inferior a 70 em testes individuais de QI padronizados e validados para o grupo cultural do indivíduo a identificação de um padrão de dificuldades significativas eou incapacidades para a adaptação e baixos rendimentos cognitivos na vida diária Teste de QI e DI A média de QI da população é por convenção igual a 100 e o desviopadrão é 15 Um QI inferior a 70 dois desviospadrão abaixo da média populacional é normalmente relacionado ao diagnóstico de DI Entretanto não deve ser feito tal diagnóstico caso tenha sido verificado por meio de testes de inteligência um QI abaixo de 70 mas as habilidades sociais escolares e profissionais indiquem boa e complexa adaptação social bem como alto rendimento intelectual individual nesse caso o resultado de QI baixo do teste foi um falso positivo O diagnóstico de DI portanto exige além de desempenho inferior a 70 nos testes individuais de QI a identificação de um padrão de dificuldades e incapacidades de adaptação e baixos rendimentos cognitivos na vida diária do indivíduo Devese lembrar também que pessoas com DI apresentam de modo geral as habilidades visuoespaciais mais desenvolvidas que as capacidades cognitivas relacionadas à linguagem A DI não deve ser considerada uma forma de doença ou transtorno mental sensu stricto Os déficits na resolução de problemas no pensamento abstrato e no julgamento social são consequências do desenvolvimento intelectual deficitário e não de processo adquirido de transtorno do pensamento Entre as limitações mais significativas no indivíduo com DI estão as dificuldades com o pensamento abstrato metafórico e categorial além da incapacidade de planejamento estratégico e de previsão das consequências de ações complexas A rigidez cognitiva e a dificuldade de aprender com os erros e desenvolver a partir deles novas e diferentes estratégias cognitivas e de ação são elementos característicos da DI EPIDEMIOLOGIA DAS DEFICIÊNCIAS INTELECTUAIS A prevalência de indivíduos com DI nas diversas sociedades parece ser bastante variável com taxas que vão de 1 a 4 com mediana de 18 a maioria das DIs cerca de 80 é de grau leve Maulik et al 2011 Nos países subdesenvolvidos a prevalência de DI é estimada em 46 nos países desenvolvidos essa taxa varia entre 05 e 25 Essa diferença possivelmente ocorre porque nos países pobres há precárias condições de saúde e de cuidados a gestantes e bebês o que impacta no desenvolvimento neurocognitivo das crianças Nesses países gestantes e bebês também são afetados com mais frequência por doenças infectocontagiosas desnutrição violência entre outros fatores Mercadante et al 2009 O levantamento do Censo Brasileiro de 2010 estimou que 14 das pessoas de todas as faixas etárias teriam DI no Brasil Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência 2012 Entretanto essa é uma estimativa possivelmente baixa já que se baseia em informação dos moradores do domicílio e não em avaliação objetiva das pessoas com suspeita de DI Um estudo multicêntrico internacional o International Pilot Study of Severe Childhood Disability do UNICEF Columbia University e New York Psychiatric Institute dos anos de 1980 com 1050 crianças de 3 a 9 anos encontrou por meio de questionário aos pais e avaliação por psicólogo a estimativa de 67 de DI em crianças no nosso país Stein Durkin Belmon 1986 Mais recentemente outro estudo realizado no Rio de Janeiro com 500 crianças de 6 a 12 anos Assis 2009 identificou 4 delas com DI QI 70 Assim a prevalência desse tipo de deficiência no Brasil possivelmente deve ser maior do que o valor de 14 do levantamento do Censo Brasileiro situandose em torno de 4 a 6 OS DIFERENTES NÍVEIS DE GRAVIDADE DA INTELIGÊNCIA LIMÍTROFE ÀS DIs PROFUNDAS Inteligência limítrofe Muitos indivíduos com inteligência limítrofe costumam apresentar dificuldades sociais e cognitivas no contexto escolar somente quando chegam ao ensino médio ou em alguns poucos casos nos primeiros anos da universidade Em termos de nível de desempenho intelectual para os sistemas DSM e CID indivíduos com QI entre 70 e 84 estão na faixa de inteligência limítrofe Entretanto nas escalas Wechsler WISCIV WAISIII e WASI a inteligência limítrofe é considerada apenas quando o QI está entre 70 e 79 possivelmente porque 5 pontos é a margem de erro da medida Essa diferença às vezes gera confusão na classificação e na comunicação entre profissionais Pessoas com inteligência limítrofe por definição não têm DI e muitas delas não revelam dificuldades especiais na vida Dificuldades podem surgir quando essas pessoas são confrontadas com exigências cognitivas mais complexas e sofisticadas nos estudos no trabalho ou na vida familiar Isso ocorre sobretudo quando são confrontadas com responsabilidades mais complexas como em fases do casamento da criação dos filhos e no trabalho e estudo quando houver exigências e desafios mais complexos As dificuldades escolares em geral surgem quando tais indivíduos chegam ao final do ensino fundamental no ensino médio ou mais raramente quando alcançam os primeiros anos de universidade Eles podem se beneficiar de adaptações no ambiente escolar orientação e reforço escolar adequado adaptação dos métodos pedagógicos para suas dificuldades e de ajuste individualizado das expectativas pessoais e familiares às suas reais habilidades cognitivas e profissionais Podem também eventualmente se beneficiar de apoio psicoterápico especificamente planejado para suas condições Pessoas com inteligência limítrofe têm uma frequência mais alta de transtornos mentais TMs como transtornos do humor por uso de substâncias e da personalidade em relação à população geral Entretanto devese lembrar que pessoas com inteligência limítrofe podem ter uma vida plenamente produtiva e feliz sempre que não sejam confrontados ou discriminados por suas dificuldades cognitivas em tarefas e demandas mais sofisticadas e exigentes do que podem atender mas isso também é válido para pessoas com inteligência normal Devese lembrar sobretudo ao se comunicar com os pais de crianças com DI que essa deficiência não é algo que a criança tem como a cor dos olhos ou uma doença cardíaca não é algo que ela é como ser magra ou ser alta e também não é uma doença ou TM embora seja codificada na CID A DI é um estado particular de funcionamento mental e de interações e dificuldades sociais que é multidimensional e que pode ser afetado positivamente por apoios individualizados bem estruturados Ela requer uma abordagem ampla e multidimensional que identifique os diferentes tipos de dificuldades e ofereça a partir daí apoios orientações e intervenções que visem ajudar tais pessoas em suas vidas diárias Por isso como será abordado adiante a American Association on Intellectual and Developmental Disabilities AAIDD preconiza que se avalie as pessoas com DI em três domínios a fim de que se possam planejar intervenções e apoios o mais realistas e adequados possível domínio conceitual que inclui linguagem receptiva e expressiva leitura e escrita conceito de dinheiro conceitos abstratos raciocínio lógico domínio social que implica as relações interpessoais ações como assumir responsabilidades e seguir regras autoestima e vulnerabilidade de ser usado ou enganado e por fim domínio prático que inclui as atividades da vida diária alimentarse vestirse usar o banheiro locomoverse e as atividades instrumentais da vida diária preparar refeições ajudar a cuidar da casa usar o transporte lidar com os medicamentos lidar com a internet e as redes sociais O diagnóstico cuidadoso de DI e de seu nível leve moderado grave e profundo é importante pois permite que se identifiquem dificuldades riscos e limitações que podem ser objeto de intervenções bem planejadas As áreas que necessitam de avaliação por exemplo se referem a apoio e orientação na vida doméstica na escola no ensino e na aprendizagem ajuda de amigos 1 2 3 1 2 3 4 1 planejamento da vida econômica assistência e apoio no trabalho acesso a recursos da comunidade uso de transporte público participação em centros culturais brinquedotecas prevenção e assistência à saúde riscos em relação à segurança e a ser manipulado abusado e explorado por pessoas ou grupos Deficiência intelectual leve Tratase do grupo mais frequente de pacientes e compreende cerca de 80 de todos os indivíduos com algum grau de DI As pessoas com grau leve de DI apresentam as seguintes características No domínio conceitual As aquisições no desenvolvimento neuropsicomotor dos três primeiros anos podem ser normais A aquisição da linguagem nos primeiros anos de vida pode ter sido normal ou um pouco mais demorada entretanto essas pessoas são capazes de usar a fala adequadamente em situações do dia a dia Dificuldades nas habilidades escolares como aprendizagem de leitura escrita e matemática e necessidade de apoio significativo para alcançar as expectativas associadas à idade Dificuldades em lidar com conceitos abstratos complexos e raciocínio lógico além de problemas matemáticos No domínio social ou seja nas interações sociais em tarefas que impliquem relacionamentos com pares da idade e com familiares Dificuldades para perceber com exatidão e acurácia pistas sociais na relação com pares As conversas e a linguagem indicam que seu pensamento é mais concreto e imaturo do que o de pares da mesma idade Possíveis dificuldades na regulação das emoções com os pares da mesma idade Possíveis dificuldades em lidar com a noção de risco apresentar julgamento social imaturo além de risco de ser manipulado pelos outros No domínio prático ou seja nas atividades da vida diária e da vida laboral na autonomia Podem ser totalmente independentes em relação aos próprios cuidados alimentarse vestirse lavarse controlar esfincteres mas precisar de apoio 2 3 1 2 para realizar tarefas complexas da vida diária que envolvam por exemplo a organização das compras para a casa o uso dos meios de transporte a administração do dinheiro São potencialmente capazes de realizar atividades que requeiram mais habilidades práticas que intelectuais como trabalhos manuais não especializados ou semiespecializados No período adulto podem ter vida bastante independente e autônoma e requerer apoio para situações mais complexas e mudanças ambientais abruptas No caso de se casarem e terem filhos pode haver dificuldades significativas para lidar com os diversos desafios e exigências do casamento e da paternidadematernidade podem necessitar de apoio de familiares ou amigos Pessoas com DI leve apresentam nos testes de inteligência QI na faixa de 50 a 69 Crianças com DI leve com frequência revelam algumas dificuldades emocionais ansiedade depressão às vezes com agressividade sobretudo quando percebem que são diferentes e rejeitadas pelos colegas São com relativa frequência discriminadas na escola e podem sofrer bullying em variados graus Goodman Scott 2004 Deficiência intelectual moderada Pessoas com DI moderada constituem cerca de 10 a 15 do total da população com DI Elas revelam nos testes de inteligência QI na faixa de 35 a 49 Esses indivíduos apresentam desenvolvimento neuropsicomotor particularmente da linguagem e da compreensão lentificado e incompleto Apresentam as seguintes características No domínio conceitual A aquisição da fala e de outras habilidades no período préescolar é claramente mais lenta em relação à das crianças de mesma idade A aquisição escolar é bastante limitada Os progressos em leitura escrita matemática percepção e uso do tempo e do dinheiro são lentos e ficam bem atrás dos de pares de mesma idade Apenas alguns indivíduos com esse grau de deficiência aprendem elementos de leitura escrita e cálculo Dificilmente vão além do primeiro ou segundo ano escolar em contextos educacionais onde não há aprovação automática 3 1 2 3 4 5 1 2 3 4 5 São capazes de realizar tarefas e trabalhos práticos e simples se forem adequadamente estruturados e tiverem apoio nos vários aspectos do trabalho No domínio social Há diferenças importantes em relação aos pares em termos de comportamento social e comunicação A linguagem comunicativa é bem menos complexa do que a de pares de mesma idade Podem ter e manter amizades satisfatórias e eventualmente ter relacionamentos românticos namorar paquerar mas podem apresentar dificuldades para perceber regras e pistas sociais Podem ter dificuldades para tomar decisões e os relacionamentos interpessoais podem ser limitados pelas dificuldades de comunicação e interação social Têm necessidade de receber apoio social e na comunicação para que atividades no trabalho geralmente tarefas simples possam ocorrer com sucesso Muitos desses indivíduos apesar de visivelmente deficientes e desajeitados no contato interpessoal gostam da interação social e podem estabelecer uma conversa simples No domínio prático Uma vida completamente independente na idade adulta poucas vezes é alcançada Podem ser capazes de dar conta de atividades básicas como alimentarse vestirse controlar esfincteres e realizar higiene pessoal As tarefas domésticas como limpar a casa lavar pratos arrumar as camas podem ser aprendidas depois de paciente período de ensino Na vida adulta necessitam de amplo apoio para o manejo de tarefas um pouco mais complexas no trabalho para o transporte em meios coletivos e para o controle do dinheiro Epilepsia e incapacidades neurológicas e físicas são mais frequentes na DI moderada do que na leve Deficiência intelectual grave Na DI grave a linguagem geralmente está bastante afetada ou há quase total incapacidade na comunicação verbal devendose em vários casos utilizar 1 2 1 2 3 1 2 3 comunicação alternativa Às vezes os indivíduos não falam ou apenas aprendem algumas palavras Os pacientes têm QI de 20 a 34 Pessoas com DI grave apresentam No domínio conceitual Pouca ou nenhuma compreensão da linguagem escrita e de conceitos que envolvam números quantidade tempo e dinheiro Necessitam de cuidadores praticamente em tempo integral bem como de grande apoio deles para a solução de problemas ao longo da vida No domínio social A linguagem falada é muito limitada em termos de vocabulário e gramática A comunicação falada pode ser composta de palavras isoladas e é frequente a necessidade de uso de comunicação alternativa A comunicação se atém ao foco do aqui e agora dos eventos diários Entendem apenas comunicação com discursos simples ou comunicação gestual simples No domínio prático Necessitam de apoio para todas as atividades cotidianas inclusive para alimentarse vestirse tomar banho urinar e defecar De modo geral necessitam de supervisão em todos os momentos de suas vidas É comum que apresentem certos comportamentos maladaptativos como de autolesão De modo geral pessoas com DI grave tiveram durante a infância desenvolvimento motor e neuropsicológico bastante prejudicado e retardado Tais pacientes apresentam com frequência aumentada epilepsia déficits sensoriais e motores Muitas entretanto são capazes de andar sem auxílio Esse grupo reúne cerca de 3 a 4 dos indivíduos com DI Na DI grave são frequentes os quadros autísticos quando se observam sintomas característicos do autismo mas não de forma completa Nesses casos também são comuns a hiperatividade grave e os comportamentos de autolesão como bater a cabeça morder as mãos ou cutucar os olhos Goodman Scott 2004 1 2 1 2 3 4 1 2 Deficiência intelectual profunda Esse grupo compreende cerca de 1 a 2 dos indivíduos com DI O QI dessas pessoas fica abaixo de 20 São pacientes que apresentam grave limitação da capacidade de entender mesmo comandos simples ou de agir de acordo com solicitações ou instruções Muitos dos indivíduos com DI profunda ficam restritos ao leito devido a distúrbio motor grave sem capacidade para a fala e sem controle voluntário dos esfincteres Déficits visuais e auditivos também são frequentes assim como epilepsia e outras doenças físicas Para sobreviver requerem constante supervisão e cuidados básicos Apresentam No domínio conceitual Praticamente não há processos simbólicos as habilidades conceituais se restringem ao mundo físico podem utilizar objetos de forma simples de maneira direcionada a metas também simples Podem apresentar algumas habilidades visuoespaciais combinar e classificar baseadas em características físicas dos objetos Entretanto deficiências sensoriais e motoras podem prejudicar o uso dos objetos No domínio social Geralmente não há comunicação falada pois a comunicação simbólica na fala e nos gestos é muito limitada A comunicação é mais viável de forma não verbal não simbólica Podem entender algumas instruções muito simples e gestos elementares Apreciam relacionamento com pessoas bem conhecidas mas não conseguem iniciar interações sociais Com frequência apresentam prejuízos sensoriais e motores que impedem muitas atividades sociais No domínio prático Dependem de outras pessoas de forma integral para todos os aspectos do cuidado físico diário Ações simples com objetos podem servir como base para algumas atividades úteis 3 4 Podem gostar de ouvir música brincar na água sair para passear sempre com apoio integral de outras pessoas Os prejuízos sensoriais e motores com frequência impedem maior participação na vida prática da família Podem ter comportamentos de autolesão Alguns aspectos das DIs nos seus vários graus são resumidos na Tabela 261 Tabela 261 Aspectos gerais da deficiência intelectual em seus vários níveis GRAU DE DEFICIÊNCIA INTELECTUAL DI QI IDADE MENTAL MELHOR NÍVEL ESCOLAR ALCANÇÁVEL ESTIMATIVA APROXIMADA APROXIMADA DO TOTAL DE INDIVÍDUOS COM DI TRANSTORNOS ASSOCIADOS Limítrofe não é DI 7084 ou 70 79 Dificuldades aparecem apenas no período do ensino médio Não é considerado DI Dificuldades de comportamento no ambiente escolar DI leve 5069 912 anos 7º a 8º ano do ensino fundamental 80 Transtornos da conduta transtornos do espectro autista TEAs DI moderada 3549 69 anos 3º ano do ensino fundamental 1015 Transtornos da conduta TEAs DI grave 2034 36 anos Não consegue frequentar a escola 34 Déficits motores e sensoriais sintomas de autismo epilepsia DI profunda Abaixo de 20 Menos de 3 anos Não consegue frequentar a escola 12 Déficits motores e sensoriais epilepsia Idade mental grosseiramente seria a correspondência com a idade de uma criança sem DI Tal aproximação entretanto deve ser tomada de forma crítica 7084 é a faixa do DSM e da CID 7079 a faixa dos testes Wechsler Causas da deficiência intelectual Na avaliação clínica nem sempre é possível identificar as causas exatas da DI Entretanto estimase que uma avaliação correta e bemfeita de uma pessoa com DI que inclua uma anamnese completa e um exame clínico adequado seja capaz de identificar a etiologia da deficiência em até 70 dos casos Moeschler Shevell 2014 Sobretudo nos casos de DI leve e moderada muitas vezes não se reconhece uma etiologia clara e presumese a interação de fatores genéticos e ambientais desfavoráveis Há alguns fatores de risco importantes para esse tipo de deficiência que se correlacionam com maior chance de a criança apresentála mas que possivelmente agem de forma somatória com outros fatores para a ocorrência de DI São os seguintes os principais fatores de risco baixo peso ao nascer peso menor que 25 kg com risco maior para inferior a 15 kg idade gestacional significativamente menor crianças que nascem bem antes da data prevista do parto idade avançada da mãe nível educacional muito baixo da mãe e sexo masculino da criança A privação psicossocial grave relacionada a marcantes negligências ausência total dos pais ou substitutos desnutrição proteico calórica nos primeiros anos de vida falta de estímulos cognitivos e afetivos adequados e violência em relação à criança violência verbal ou física abuso físico sexual humilhações representam fatores relevantes para a DI sobretudo de leve e moderada A DI grave e profunda revela todavia na maioria das vezes uma causa orgânica eventualmente reconhecível e com frequência vem acompanhada de distúrbios físicos e neurológicos como epilepsia déficit visual eou auditivo e incapacidades motoras Como um todo as quatro causas mais frequentes de DI são 1 síndrome de Down 2 hipoxiaisquemia cerebral perinatal 3transtornos do espectro alcoólico fetal ou síndrome alcoólica fetal SAF e 4 síndrome do X frágil O Quadro 263 apresenta um resumo das causas de DI Quadro 263 Causas mais importantes das deficiências intelectuais CAUSAS GENÉTICAS CAUSAS AMBIENTAIS Cerca de 40 das DIs Cerca de 60 das DIs Anormalidades cromossômicas ACs com frequência estão associadas a DI cerca de 25 das DIs são causadas por ACs A trissomia do 21 síndrome de Down é a AC mais frequente estimandose que seja a causa de DI em até 20 dos casos Outras ACs são trissomias do cromossomo 13 e do 18 e síndrome de Klinefelter cariótipo 47 XXY que ocorre em 1 em cada 650 meninos Transtornos do espectro alcoólico fetal ou síndrome alcoólica fetal SAF exposição da gestante e consequentemente do feto ao álcool é a causa ambiental e prevenível mais frequente de DI e inteligência limítrofe até cerca de 8 das DIs seriam por SAF Causas monogênicas CMs cerca de 10 das DIs são causadas por CMs A síndrome do X frágil é a DI decorrente de causas monogênicas mais frequente cerca de 5 das DIs Eventos perinatais no feto ou bebê Hipoxiaisquemia cerebral Hemorragias periventriculares em prematuridade extrema são decorrentes da síndrome do X frágil mais comum no sexo masculino Outras causas monogênicas síndrome de Prader Willi síndrome de Angelman síndrome de Williams síndrome de Rett síndrome velocardiofacial Síndromes neurocutâneas Neurofibromatose tipo 1 com manchas na pele de coloração café com leite habilidades visuoespaciais comprometidas desatenção e déficit em funções executivas Esclerose tuberosa com nódulos periventriculares calcificados e túberes corticais Infecções durante a gestação e no período perinatal sobretudo as do grupo TORCH Toxoplasmose Outras sífilis varicelazóster parvovírus B19 Rubéola Citomegalovírus e infecções por Herpes vírus estão associadas a anomalias congênitas inclusive DI Malformações cerebrais displasia do córtex do corpo caloso do cerebelo ventriculomegalia Erros inatos do metabolismo fenilcetonúria galactosemia Eventos pósnatais como meningite e trauma craniano Desnutrição proteicocalórica nos dois primeiros anos de vida Combinada com privação psicossocial grave pode ter consequências nefastas e permanentes na criança Intoxicação por chumbo no início da infância também está associada a DI Nem toda criança com SK apresenta DI Muitas apresentam escores de QI em torno de 90 e algumas entre 90 e 100 mas têm pior desempenho nos testes verbais Cerca de 70 a 80 das crianças com SK têm problemas de linguagem Boada et al 2009 Fenótipo físico e comportamental Devese lembrar embora pareça óbvio que nem todas as pessoas com DI são semelhantes fisicamente ou apresentam comportamentos semelhantes Há diferenças em termos de comportamento e risco de TMs associados que caracterizam distintos fenótipos comportamentais O Quadro 264 apresenta alguns desses fenótipos diferenciais Quadro 264 Fenótipos físicos e comportamentais em diferentes síndromes com deficiência intelectual SÍNDROMES FENÓTIPO FÍSICO FENÓTIPO COMPORTAMENTAL E TRANSTORNOS MENTAIS ASSOCIADOS Síndrome de Down Trissomia completa do cromossomo 21 95 dos casos mosaico em 23 Rosto plano boca relativamente pequena palato arqueado língua com tendência à protusão Orelhas pequenas implantação às vezes baixa Olhos inclinados para cima com prega epicântica Tendência a baixa estatura membros e mãos curtos e largos e hipotonia muscular Melhor em habilidades visuoespaciais pior nas verbais dificuldade com números e para aprender escutando QI em torno de 50 mas um subgrupo pode chegar até 70 ou mais mosaicos Pontos fortes interação social aprendizado visual gestual e mímica aprende vendo A personalidade tende a ser afável com boa sociabilidade Podem ter TEA eou depressão esta sobretudo na vida adulta Síndrome do X frágil SXF Mutação no cromossomo X no gene FMR1 na região Xq273 Macrocefalia cabeça grande face alargada testa proeminente queixo pronunciado orelhas proeminentes e de implantação baixa Articulações hiperextensíveis e hipotonia muscular testículos grandes No cérebro estão aumentados o núcleo caudado o hipocampo e os ventrículos laterais Vérmis cerebelar pequeno Limítrofe ou DI QI geral entre 40 e 70 mais leve em garotas QI 6080 e DI tendendo a grave em meninos QI 3545 Pegoraro e colaboradores 2014 QI 544 46 92 meninos Melhor em habilidades verbais pior nas visuoespaciais Ponto forte em habilidades para a vida diária e autocuidado Mais associação com TDAH hiperatividade pouco contato visual fala reiterativa Sintomas de autismo ou mesmo TEA completo Transtornos do espectro alcoólico fetal O álcool produz no feto lesões no cérebro no coração no esqueleto e nos rins Baixo peso ao nascer cabeça pequena até microcefalia Fácies característico com face plana fendas palpebrais pequenas pregas epicânticas nariz curto lábio superior fino filtro nasal aplanado ponte nasal aplanada e queixo pequeno Alterações da visão estrabismo e déficit auditivo Pode haver convulsões assim como alterações cardíacas renais e oculares Dificuldades de memória linguagem expressiva matemática atenção e cognição social Faixa de QI muito variável média de 60 a 80 mas a maioria se situa entre QI 70 a 79 com média 75 limítrofes Pode haver hiperatividade irritabilidade instabilidade afetiva e agressividade Dificuldade de socialização Pode haver TDAH e TEA Síndrome de PraderWilli 70 têm uma deleção no cromossomo 15 paterno região 15q11 q13 Dissomia materna em 25 dos casos também no 15 Chama atenção a obesidade com hipotonia que pode ser grave com infecções respiratórias e problemas alimentares As mãos e os pés são pequenos Genitais pequenos Face característica com olhos um pouco puxados lábio superior fino boca voltada para baixo Melhor em habilidades visuoespaciais e pior em linguagem QI 6170 média 65 mais frequente DI leve 63 moderada 31 e grave 6 Pegoraro e colaboradores 2014 QI 564 83 Voracidade intensa por alimentos e ausência de saciedade que geram a obesidade Nos primeiros anos tendem a ser alegres e afetivos problemas de comportamento tendem a surgir depois dos 4 ou 5 anos Podem ter TOC irritabilidade e impulsividade Comportamentos obstinados automutilação repetição de palavras No adulto pode ocorrer psicose Síndrome de Angelman Deleção no cromossomo 15 materno região 15q11 q13 Crânio pequeno até microcefalia de instalação pósnatal Protusão da língua Hipotonia Alterações da pigmentação da pele da hipopigmentação até o albinismo oculocutâneo Estrabismo nistagmo Linguagem mínima ou ausente Podem ter episódios de risos Disposição feliz comportamento alegre Hiperatividade e transtornos do sono são comuns Pode haver problemas alimentares Crises convulsivas e tremor Síndrome velocardio facial Deleções no cromossomo 22 região 22q112 Orelhas de implantação baixa defeitos no palato e fala anasalada hipernasalidade severa e rouca Doenças cardíacas congênitas atraso no crescimento perda auditiva lesões renais e doenças autoimunes artrite reumatoide e doença de Graves Melhor em atividades verbais embora possa haver atraso na aquisição de linguagem e pior em habilidades visuoespaciais QI na faixa normal inferior até DI moderada Desatenção e hiperatividade irritabilidade fobias TOC e TEA na infância Pode haver esquizofrenia TB e depressão no período adulto Síndrome de Williams ou síndrome de Williams Beuren Microdeleções no cromossomo 7 região 7q1123 inclui o gene da elastina Face característica que lembraria elfos ou fadas nariz pequeno arrebitado empinado queixo pequeno bochechas proeminentes lábios grossos e grandes dentes pequenos muito espaçados ou faltosos esmalte dentário defeituoso cabelo encaracolado pálpebras volumosas e íris em formato de estrela Altura são mais baixos que os familiares Tórax afundado Alterações cardíacas p ex estenose aórtica supravalvular Alterações geniturinárias e esqueléticas Bem melhor em habilidades verbais do que visuoespaciais melhor em memória auditiva e no reconhecimento de faces Podem ser loquazes com tendência à distração interesse e facilidade com música Pior em habilidades visuoespaciais habilidades motoras finas e planejamento perceptual motor DI de leve a moderada QI na faixa entre 5060 média 5658 QI verbal melhor que QI de execução Pegoraro e colaboradores 2014a 589 59 Tendem a ser cordiais e afetivos com personalidade amigável Muito sociáveis confiam em estranhos com sorriso frequente Podem ter medo de sons altos e do contato físico Podem ser comuns transtornos de ansiedade TDAH impulsividade sintomas de autismo Síndrome de Smith Magenis Deleção de genes no cromossomo 17 região 17p112 A face é larga e quadrada raiz nasal ampla queixo pequeno no início da vida depois tornase proeminente Orelhas de implantação baixa boca com lábio superior em tenda e tendência a manter a boca aberta com hipotonia disfunção oromotora atraso no crescimento Atraso na aquisição da fala dificuldades em processamento sequencial graus de DI e QI muito variáveis Voz com tonalidade hipernasal rouca e grave Mais comum apresentarem problemas de sono autolesões letargia estereotipias e impulsividade Fontes AAMR 2006 Pegoraro et al 2014a DEFICIÊNCIA INTELECTUAL E TRANSTORNOS MENTAIS MUNIR 2016 Crianças e adolescentes com DI têm de 3 a 4 vezes mais chances de apresentar um TM concomitante do que aqueles com inteligência normal Munir 2016 A comorbidade de DI e outros TMs além de comum tende a durar por todo o ciclo de vida Estimase que cerca de 40 das crianças e adolescentes com DI irão apresentar outro TM e que 30 irão apresentar um TM persistente Em um estudo com 474 crianças e adolescentes 720 anos de idade holandeses com déficits que iam da inteligência limítrofe até a DI moderada 25 apresentavam transtornos disruptivos transtorno de oposição desafiante e transtorno da conduta 22 transtornos de ansiedade e 44 transtornos do humor Dekker Koot 2003 Apenas 1 em cada 10 crianças e adolescentes que têm comorbidade DITM recebe tratamento em serviços especializados de saúde mental Essa comorbidade tem maior poder de prever problemas de participação na escola e no trabalho assim como de inclusão social em geral do que o nível de gravidade da DI isoladamente Da mesma forma tal comorbidade influencia mais o bem estar emocional dos pais do que o nível de gravidade da DI Em adultos os TMs ocorrem também com frequência aumentada em pessoas com DI A prevalência total varia muito nos estudos 1475 mas a maior parte deles a situa entre 30 e 35 Os transtornos mais frequentes variam de acordo com o grau de DI mas de modo geral são os transtornos de ansiedade 48 e a esquizofrenia 345 os que mais aparecem Deb et al 2001 Independentemente de diagnóstico psiquiátrico adultos com DI têm mais problemas agressivos e disruptivos de comportamento do que a população em geral cerca de 8 têm comportamentos como autolesão comportamentos destrutivosagressivos e comportamentos estereotipados Pessoas com DI mais grave e com mais problemas de comunicação têm mais frequentemente tais problemas disruptivos Epilepsia sintomas autísticos e déficits sensoriais e motores são muito frequentes em pessoas com DI grave e profunda Nesse nível de deficiência é muitas vezes bastante difícil discriminar entre DI e TEA Bowring et al 2017 SEMIOTÉCNICA DA INTELIGÊNCIA AVALIAÇÃO SIMPLIFICADA DA INTELIGÊNCIA 3 Será apresentada adiante uma avaliação inicial simplificada para uma primeira inferência sobre a inteligência de uma pessoa Para a avaliação inicial e clínica da inteligência ver Quadro 265 Atenção tal investigação inicial não substitui uma avaliação aprofundada com testes bem validados aplicados individualmente e interpretados com senso crítico Quadro 265 Semiotécnica da inteligência Verificar logo no início da avaliação da inteligência se o paciente está com o nível de consciência preservado se está plenamente desperto sem sonolência excessiva ou turvação da consciência se está orientado temporoespacialmente qual seu grau de concentração e motivação e seu estado de humor essas variáveis influenciam muito no desempenho e consequentemente na interpretação do nível intelectual Devese obter com precisão a escolaridade do paciente Caso tenha tido repetências ou fracassos na escola quantos anos de repetência Quais os motivos mencionados para essas repetências ou fracasso escolar Faltava muito às aulas por doença ou outro motivo não se sentia aceito na instituição não prestava atenção às aulas não fazia os deveres de casa brigava muito tinha medo da professora ou não conseguia aprender mesmo com esforço e condições de ensino adequadas Perguntar ao paciente e a um familiar se ele sabe fazer contas se sabe lidar com dinheiro como conferir o troco podese simular uma compra simples e verificar essa habilidade no indivíduo Perguntar também se o paciente se veste sozinho se se alimenta sozinho e se usa talheres apenas colher ou se usa garfo e faca se sabe cortar o alimento sozinho se toma banho sozinho adequadamente se faz a higiene por conta própria adequadamente se é capaz de ir sozinho de ônibus ao centro da cidade se assiste à televisão e entende o que acontece nas novelas séries desenhos programas infantis ou filmes É interessante que crianças ou mesmo adultos que assistem a programas na TV ou séries no computador ou TV descrevam quais são os personagens principais como se comportam quais suas características verificarse assim o grau de compreensão que o indivíduo tem daquilo que assiste na TV ou acompanha no computador Perguntar se usa o computador e em caso afirmativo como é esse uso o que faz nele Após essa triagem inicial verificar a extensão do vocabulário e o uso preciso bem contextualizado das palavras pelo paciente pessoas que usam vocabulário relativamente extenso preciso e bem contextualizado geralmente não têm DI nem inteligência limítrofe Perguntar se sabe ler se atualmente ou em algum período de sua vida leu gibis revistas livros ou jornais caso o livro que costuma ler ou sempre leu seja a Bíblia pedir que cite uma passagem e que interprete seu significado para verificar o grau de compreensão e abstração Se já leu algum livro pedir que resuma a obra e interprete seu conteúdo Perguntar se sabe escrever seu nome se sabe copiar palavras frases e se além de saber copiar sabe escrever de sua cabeça bilhetes relatos ou cartas Em caso positivo pedir para o paciente escrever um bilhete ou relato com algum pedido ou lembrança de pelo menos 3 a 5 linhas Verificar se o texto produzido é claro lógico bem concatenado se apresenta ideias mais ou menos complexas se é mais concreto ou mais abstrato Verificar informações e conhecimentos gerais endereço e telefone atuais nome e idade de familiares dos pais e dos irmãos Perguntar qual é a capital do Brasil e a do Estado onde se encontra Perguntar quem foram os três últimos presidentes do País quem é o prefeito de sua cidade qual é a diferença entre ditadura e democracia Em que continente fica o Brasil a França o Canadá e o Egito Tentar verificar a capacidade de abstração generalização e sofisticação da inteligência perguntando quais aves pássaros você conhece O que é uma fera O que é um monstro De onde se obtém o açúcar E o mel E a gasolina O que é maior a Lua ou o Sol A Terra ou a Lua O que é uma pessoa covarde e uma pessoa corajosa Qual é a diferença entre fé e conhecimento Entre mentir sobre algo errar com alguma intenção secundária e simplesmente falar algo errado falso por ignorância errar por desconhecimento A compreensão de situações da vida é um elemento estratégico para se avaliar qualitativamente o nível de inteligência é muito explorada nos testes de Wechsler Podese por exemplo caso a pessoa goste de futebol perguntar por que o time precisa de goleiro ou o jogo de juiz Outras perguntas de compreensão são por exemplo o que você faria se a casa do vizinho estivesse pegando fogo Ou se encontrasse a carteira de alguém na rua É interessante que se façam perguntas cada vez mais complexas como por que é importante uma pessoa ter liberdade de escolha Devese notar elementos como lógica sofisticação e abstração nas respostas Ver no hotsite avaliação rápida da inteligência QI e testes de avaliação da inteligência O QI é uma medida convencional da capacidade intelectual do indivíduo baseada na averiguação das distintas habilidades intelectuais verbais visuoespaciais abstração cálculo compreensão entre outras sendo obtido por meio de testes individuais padronizados Os testes mais utilizados e mais bem validados internacionalmente são a Escala de Inteligência de StanfordBinet a Escala de Inteligência Wechsler para Adultos Revisada WAISR e a Escala de Inteligência Wechsler para Crianças Revisada WISCR Nos últimos anos o grupo de psicólogos da WAIS e da WISC introduziu a WASI que é forma abreviada dos testes de Wechsler Por meio da aplicação dos testes em extensas amostras populacionais obtiveramse normas quantitativas do QI A média populacional do QI é igual a 100 Na faixa de 85 a 115 QI normal médio encontramse 68 da população Um QI superior a 115 ou 120 indica inteligência superior e acima de 130 inteligência muito superior Pessoas com QI acima do percentil 98 ou seja os 2 com maior QI que apresentam portanto QI acima de 130 são denominadas superdotadas A avaliação da inteligência deve buscar identificar um padrão geral de rendimento intelectual não se fixando apenas em ou supervalorizando áreas específicas da inteligência A interpretação dos resultados de testes de QI deve ser feita com cautela e flexibilidade o teste deve ser considerado um guia um indicativo e não algo absoluto Testes de avaliação da inteligência e cultura Todo o passado cultural e o contexto cultural do indivíduo os valores as normas e os estilos cognitivos de seu grupo social e cultural devem ser seriamente considerados na interpretação dos resultados É esperado que uma criança indígena que nunca frequentou escolas com os modelos de escolaridade e de conhecimentos como os ocidentais apresente estratégias cognitivas e formas de organizar sua cognição diferentes daquelas de crianças para as quais o teste foi padronizado e normatizado Assim o uso de testes padronizados para pessoas da cultura ocidental majoritária de modo geral deve ser considerado com muita cautela em minorias culturais ou grupos culturais distantes do padrão ocidental Muitos psicólogos pesquisadores dos testes de QI propuseram que os testes não verbais seriam mais neutros ou menos influenciados pela cultura e escolaridade Por isso tais testes seriam melhores para avaliar pessoas de minorias culturais ou grupos sem escolaridade Entretanto tal suposição não se confirmou na prática Os testes não verbais parecem não prever tão bem a evolução acadêmica e profissional das pessoas quanto aqueles em que há tanto componentes verbais quanto não verbais Além disso mesmo testes exclusivamente não verbais são consideravelmente influenciados pela cultura Cohen Swerdlik Sturman 2014 Cabe mencionar ainda sobre testes de inteligência a noção de validade ecológica ou do contexto sociocultural em que se utilizam recursos e elementos da cultura específica do grupo para a criação eou padronização de testes de inteligência Tais recursos aumentariam a confiabilidade e a validade dos testes Roazzi Campello de Souza 2002 Há certo consenso de que algumas características dos testes os tornam um pouco menos vulneráveis à influência da cultura como por exemplo instruções orais na sua realização assim como respostas orais pelo testando prática preliminar dos itens testes puramente pictóricos conteúdo não verbal testes que avaliam principalmente resolução de problemas novos e raciocínio abstrato não uso de habilidades escolares Além disso para serem menos dependentes de escolaridade e cultura os conteúdos dos itens devem ser familiares ao testando ou seja deve haver temas objetos e valores de seu grupo social e cultural Cohen et al 2014 Devese portanto tomar particular cuidado na interpretação e validação dos resultados principalmente quando o teste é aplicado em pessoas de outras culturas em indivíduos marginalizados da cultura ocidental como crianças que vivem nas ruas grupos indígenas pessoas de ambiente estritamente rural entre outros grupos e em pessoas sem escolaridade formal Ademais quando houver clara discrepância entre as subescalas verbais e de desempenho execução é recomendável questionar a adequação do teste Entretanto apesar de tais ressalvas os testes de QI que são bem conduzidos têm seu lugar como importantes instrumentos diagnósticos úteis na clínica psiquiátrica e em psicologia clínica Nos Quadros 266 e 267 são apresentados resumidamente os principais testes de inteligência disponíveis no Brasil e no mundo No Quadro 266 são apresentados os mais simples que não testam todas ou um amplo conjunto de funções cognitivas para verificar a inteligência mas utilizam uma ou algumas habilidades para inferir a inteligência geral do indivíduo No Quadro 267 são resumidos aqueles que avaliam a inteligência de forma mais completa com amplo leque de habilidades que constituem o construto inteligência Quadro 266 Testes de inteligência avaliação da inteligência geral por inferência de uma ou algumas habilidades cognitivas NOME DO TESTE E AUTOR CARACTERÍSTICAS DO TESTE GRUPO POPULACIONAL VISADO VALIDADE E CONFIABILIDADE Escala de Inteligência Wechsler Abreviada WASIII Segunda edição Wechsler 1999 2011 Composto de 4 subescalas das escalas de Wechsler vocabulário cubos análise de estímulos visuais abstratos raciocínio matricial e semelhanças A partir dessas subescalas estimase a inteligência geral Duração de cerca de 30 minutos Pessoas entre 6 e 89 anos Para uso clínico e educacional Propriedades psicométricas muito boas É considerado por muitos o melhor teste de inferência da inteligência Traduzida para o português e validada no Brasil Matrizes Progressivas de Raven Universidade de Dumfries Escócia Raven 1936 Testes de múltipla escolha a partir de 39 matrizes com várias figuras entre as quais há um padrão lógico Sempre uma das caselas de cada matriz está em branco e o examinando deve preenchêla de acordo com seu raciocínio Pressupõe para inferir a inteligência que o raciocínio lógico espacial tem o potencial de inferir o fator g de inteligência É possivelmente o teste de raciocínio lógico visuoespacial mais difundido e aceito internacionalmente Abrange todo o desenvolvimento intelectual a partir da fase em que a criança compreende a noção de encontrar a parte que falta para completar um desenho No Brasil há 3 escalas Raven validadas Escala Geral Escala Avançada e Escala Especial Matrizes Progressivas Coloridas para públicos e idades distintos Validada no Brasil Escala de Maturidade Mental Colúmbia EMMC Universidade Columbia EUA Burgemeister Blum Lorge 19472001 Estimativa da habilidade intelectual da criança avalia seu raciocínio geral e sua maturidade São apresentados 100 cartões Cada cartão tem de 3 a 5 desenhos sendo um deles a resposta correta Correlações razoáveis com WISC com melhor sensibilidade do que especificidade Para crianças de 3 a 12 anos desenvolvida inicialmente para avaliar crianças com paralisia cerebral ou com outras deficiências verbais ou motoras Escala de aplicação rápida mas pode falhar na detecção de inteligência limítrofe IL e DI leve Validada no Brasil Teste de Inteligência Geral Não Verbal TIG NV Teste que avalia algumas habilidades cognitivas como atenção orientação espacial conhecimentos formais memória percepção e flexibilidade cognitiva Há 30 questões que exigem distintos tipos de raciocínio Há 6 respostas alternativas com apenas 1 correta Pessoas entre 10 e 79 anos sem exigência de escolaridade Propriedades psicométricas relativamente boas mas correlação moderada com a Raven r 056 Desenvolvido e validado no Brasil Tosi 2012 Conjunto R1 e conjunto R 2 Oliveira 1973 Testes não verbais de inteligência que pressupõem que o raciocínio visuoespacial se correlaciona fortemente com o fator g de inteligência concebida de forma unidimensional Compostos de figuras em que falta uma parte as quais devem ser completadas com uma das alternativas apresentadas Para adultos R1 e crianças R2 Testes de validade questionável para detecção de IL e DI leve pessoas com IL e DI leve podem ter habilidades visuoespaciais relativamente preservadas Não exigem escolaridade apenas que a pessoa seja alfabetizada Desenvolvidos e validados no Brasil Quadro 267 Testes de inteligência avaliação da inteligência por meio do exame do conjunto amplo de várias habilidades cognitivas BATERIA OU TESTE CARACTERÍSTICAS DO TESTE GRUPO POPULACIONAL VISADO Escala de Inteligência de StanfordBinet 5ª edição Gale Roid 2003 Uma das melhores escalas de QI desenvolvidas até hoje Composta de 10 subescalas avalia amplos e distintos aspectos da inteligência Pode ser aplicada em crianças pequenas de 2 anos em diante adultos e idosos Propriedades psicométricas muito boas Infelizmente não foi traduzida para o português nem validada para o Brasil Woodcock Johnson IV WJ IV Schrank et al 2014 Excelente escala que avalia por meio de 18 baterias testes conjuntos de aquisições intelectuais acadêmicas habilidades cognitivas e linguagem oral Para crianças adolescentes e adultos Infelizmente não foi traduzida para o português nem validada para o Brasil Escala de Inteligência Wechsler para Adultos WAIS IV 4ª edição nos EUA Apresenta propriedades psicométricas muito boas É composta por 10 subtestes nucleares e 5 complementares Produz QI global QI verbal e QI de desempenho assim como 4 índices compreensão verbal raciocínio perceptivo memória de trabalho e velocidade de processamento Para pessoas entre 16 e 90 anos de idade No Brasil está disponível apenas a 3ª edição WAISIII A WAISIII foi traduzida para o português e validada para a população brasileira Escala de Inteligência Wechsler para Crianças WISCV 5ª edição nos EUA Semelhante à WAIS mas adaptada para crianças e adolescentes Para crianças e adolescentes de 6 a 16 anos No Brasil está disponível apenas a 4ª edição WISCIV A WISCIV foi traduzida para o português e validada para a população brasileira Escala de Inteligência Wechsler para Idade Pré escolar WPPSI III 3ª edição Semelhante às outras escalas Wechsler com subtestes que produzem QI global e QI verbal e de procedimentos Propriedades psicométricas muito boas Para crianças com idades entre 25 e 7 anos e 7 meses Não foi traduzida para o português nem validada para o Brasil Escala de Inteligência Wechsler para Adultos Revisada como Instrumento Neuropsicológico WAISR NI Cada subteste é calibrado em relação a desempenho neuropsicológico normal em comparação a padrões de desempenho em pessoas com danos ou lesões cerebrais Para adultos de 16 a 90 anos Não foi traduzida para o português nem validada para o Brasil Bateria de Provas de Escala de inteligência construída no Brasil Avalia 5 áreas cognitivas raciocínio abstrato verbal espacial Para adolescentes a partir de 11 anos e adultos Parece apresentar boas propriedades psicométricas Raciocínio BPR5 Primi Almeida 2000 numérico e mecânico e produz um fator g inteligência geral Há a forma A para indivíduos com nível de escolaridade entre o 7º e o 9º ano e a forma B para aqueles com nível médio e universitário Foi desenvolvida no Brasil e validada para a população brasileira Teste Não Verbal de Inteligência SONR 2127 SONR Holanda Laros Tellegen 1998 Versão abreviada das escalas SON usadas na Europa Avalia habilidades cognitivas de crianças pequenas e investiga raciocínio abstrato e concreto habilidades espaciais e visuomotoras Desenvolvido a partir da Escala SnijdersOomen Não verbal por isso o nome SONR Foi desenhado para crianças de 25 a 7 anos e 11 meses Por não avaliar ou incluir habilidades linguísticas é também adequado a crianças sem escolaridade e sem o domínio da língua portuguesa Propriedades psicométricas muito boas Foi traduzido para o português e validado para a população brasileira AVALIAÇÃO MÉDICA DA DI A avaliação médica de pessoas com DI é feita de modo mais frequente em crianças ou adolescentes e apenas eventualmente em adultos presumese que tal avaliação já deveria ter sido feita na infância Tal avaliação deve incluir uma anamnese completa com dados sobre a gestação o parto e o período pósnatal a história do desenvolvimento neuropsicomotor e a história familiar de pelo menos três gerações A avalição clínica deve também incluir perímetro cefálico altura baixa estatura pode sugerir síndrome alcoólica fetal e alta estatura síndrome do X frágil e síndrome de Sotos avaliação neurológica com exame neurológico avaliações oftalmológicas e otorrinolaringológicas avaliação da pele anormalidades de pigmentação dismorfismos de face e extremidades e avaliação de malformações internas COGNIÇÃO SOCIAL DEFINIÇÕES Nas últimas décadas o emergente campo da cognição social surgiu com grande interesse para a psicopatologia Por cognição social entendese o conjunto de habilidades necessárias e que são a base cognitiva e neuropsicológica da interação social da sociabilidade enfim da vida de uma pessoa em sociedade Essas habilidades se relacionam ao processamento de informações emocionais e sobretudo socioemocionais Tal processamento implica inicialmente o reconhecimento de faces e do estado afetivo no rosto observado da voz da prosódia e dos gestos do interlocutor Também inclui a capacidade de perceber processar e interpretar os signos sociais adequadamente bem como de atribuir um estado mental aos outros independente e autônomo em relação ao 1 2 3 4 próprio estado mental a chamada teoria da mente Mecca Dias Berberian 2016 Os principais domínios da cognição social portanto são Percepção e processamento das emoções que incluem a identificação e o reconhecimento de expressões faciais assim como a habilidade em reconhecer as emoções nos outros a partir de dicas não faciais como o tom de voz a prosódia o ritmo da fala a postura corporal os gestos entre outras Percepção social que inclui a capacidade de compreender decodificar e interpretar adequadamente elementos e dicas sociais do contexto ambiental Isso inclui perceber o contexto social e de interação social entender as regras sociais os modos culturalmente determinados de comportamento suas funções e objetivos bem como identificar os elementos e contextos que estão em jogo no comportamento dos outros e como se deve comportar a partir de tais dicas sociais a fim de estabelecer e desenvolver relações sociais Teoria da mente theory of mind Talvez seja um dos elementos centrais e mais estudados da cognição social A teoria da mente se refere a um conjunto de percepções inferências e processamentos mentais que permitem ao indivíduo identificar e compreender as intenções os desejos as disposições mentais as crenças e os raciocínios dos outros e de si mesmo Ela pode ser resumida como a capacidade de interpretar a mente alheia A teoria da mente implica a capacidade de se dar conta plenamente de que as outras pessoas têm uma mente autônoma e independente em relação à nossa própria Ter as habilidades de teoria da mente significa ter a capacidade de perceber e inferir que outra pessoa pode ter e no mais das vezes tem pensamentos percepções desejos preferências intenções e crenças distintos e independentes dos do indivíduo que ocorrem de forma autônoma em relação à mente deste Ter tal habilidade é fundamental para que relações sociais se estabeleçam e se desenvolvam plenamente Ela permite que relações de troca reciprocidade e respeito pelas perspectivas dos outros possam ser estabelecidas e mantidas Viés ou estilo de atribuição ou seja identificouse que também é importante para a cognição social o modo como o indivíduo atribui ou infere relações causais como ele infere as causas dos acontecimentos De modo geral as pessoas fazem constantemente inferências positivas ou negativas das relações causais do porquê tal evento se relaciona a um outro 1 2 Quando alguém nos diz algo faz um comentário descreve ou nos pede algo inferimos sobre por que essa pessoa faz isso por exemplo ela diz algo ou me pede esse favor porque gosta de mim me considera uma pessoa especial ou porque tem raiva de mim quer me prejudicar Tal estilo de atribuição é fundamental nas relações pessoais na sociabilidade de um indivíduo A todo momento diuturnamente os seres humanos estão observando imaginando analisando e buscando prever como os outros sentem pensam avaliam e reagem Tal atividade cognitiva e emocional ao mesmo tempo é atualmente considerada fundamental para toda a vida pessoal e social dos seres humanos Ela requer uma complexa rede cerebral em ação e depende do desenvolvimento adequado do indivíduo sobretudo nos anos de infância e adolescência Ela é estudada neste domínio chamado cognição social O sistema Research Domain Criteria RDoC dá ênfase à cognição social Nele está assinalado que a cognição social é composta por sistemas cognitivos e afetivos os quais fazem a intermediação das respostas mentais e comportamentais em contextos interpessoais Para o RDoC duas dimensões da cognição social são de particular importância o envolvimento com o outro e a comunicação social A primeira dimensão de envolvimento com o outro inclui dois aspectos Pertencimento affiliation é o engajamento da pessoa em interações sociais positivas com outras pessoas O pertencimento é uma consequência da motivação social e se manifesta por meio de comportamentos de aproximação social LigaçãoApego attachment é o engajamento seletivo do indivíduo com outra pessoa que ocorre como consequência do desenvolvimento de um contato e ligação social Tanto o pertencimento como a ligaçãoapego necessitam da atenção e da detecção de pistas sociais assim como de aprendizado social e da memória associados à formação de relações sociais As manifestações clínicas de distúrbios no pertencimento e na ligaçãoapego incluem o isolamento social a indiferença social a anedonia e uma hiperligação overattachment insegura e defensiva A segunda dimensão da cognição social para o RDoC é a comunicação social Ela implica o processo dinâmico de troca de informações socialmente relevantes que inclui aspectos tanto receptivos como produtivos de linguagem e comunicação não verbal A comunicação social é essencial para a manutenção e a integração do indivíduo em seu ambiente Essa comunicação deve ser interativa e recíproca Para a comunicação social são importantes o reconhecimento de afetos sobretudo por meio da face o contato ocular e a reciprocidade nos contatos A comunicação social tipicamente utiliza informações de várias modalidades que incluem ver a face do outro ouvir os estímulos vocais que podem incluir desde o choro do bebê o encarar do bebê a sua mãe o balbuciar na presença da mãe até a fala adulta observar a postura e os gestos alheios e perceber a prosódia afetiva da fala do outro DESENVOLVIMENTO DA COGNIÇÃO SOCIAL NA CRIANÇA Vimos que o processo de reconhecimento de faces e de emoções por meio da face da voz e de todo o gestual é elemento básico da cognição social Pesquisas indicam que recémnascidos RNs poucas horas depois de nascer já evidenciam que têm preferência por rostos humanos em relação a outros objetos Tais bebês já dirigem especificamente sua atenção para a face de suas mães sobretudo para os olhos delas Os RNs também quando ouvem sons dão clara preferência à voz humana com predileção maior ainda para a voz de suas mães Assim os seres humanos nascem com evidente propensão para a interação com outros humanos e para a cognição social Gopnik 2009 Por volta dos 2 meses de idade o bebê já é capaz de diferenciar expressões faciais focando em partes do rosto humano Nos 2 a 3 meses seguintes ele discrimina nos rostos e na voz emoções como alegria tristeza raiva irritação As emoções básicas alegria tristeza raiva medo e nojo são discriminadas primeiro primeiro alegria e tristeza depois medo e raiva As emoções secundárias ou sociais como vergonha orgulho culpa ciúme constrangimento são percebidas e discriminadas um pouco mais tarde Começam a ser incorporadas pela criança quando esta tem 15 a 2 anos e são mais bem percebidas quando o indivíduo já tem 3 ou 4 anos de idade quando a linguagem e a socialização já estão mais desenvolvidas Andrade et al 2016 No final do primeiro ano de vida surge a chamada atenção conjunta AC que é o fenômeno do envolvimento do bebê em interações triádicas a criança se interessa e se torna capaz de compartilhar sua atenção com outro ser humano quase sempre a mãe A atenção ou o interesse por um objeto ou por um evento é expresso pelo bebê que também percebe a atenção e o interesse da mãe por esses mesmos estímulos Ocorre então a triangulação bebê coisaevento mãe A AC pode ser uma resposta da criança à sugestão da mãe que demonstra seu interesse pelo estímulo com o olhar ou apontando para ele ou pode ser também algo espontâneo do bebê que ao ver algo interessante olha ou aponta para esse estímulo e logo voltase para a mãe para ver se ela também está olhando para o estímulo Pode ser ainda alguma coisa que a criança olha ou para a qual aponta pedindo algo para a mãe A AC é muito importante para o desenvolvimento psíquico e social da criança pois lhe permite compartilhar seus interesses com outra pessoa assim como direcionar seu interesse e o interesse do outro para algo constituindo uma espécie de base para todas as interações interpessoais e sociais futuras A aquisição da linguagem é elemento fundamental para o desenvolvimento posterior da cognição social No final do segundo ano de vida a criança já emprega a linguagem para lidar com suas necessidades emocionais e a partir do terceiro e quarto anos de vida utiliza as palavras para expressar suas emoções e sentimentos Andrade et al 2016 então vai aprendendo que é possível lidar com os sentimentos e regular as emoções por meio de elementos simbólicos como palavras frases enfim com narrativas A partir da segunda metade do segundo ano de vida em diante as crianças começam a usar palavras para nomear desejos e conseguem atribuir intenções às outras pessoas No terceiro e quarto anos de vida elas também já conseguem perceber que pessoas diferentes têm desejos diferentes e que os desejos se relacionam com emoções e ações A teoria da mente ou seja a capacidade de perceber que pessoas diferentes têm intenções desejos estados mentais e crenças diferentes e com isso entender e mesmo prever os comportamentos alheios começa com a percepção de expressão emocional na face na voz e no gestual e com a inferência de que tais expressões correspondem a estados mentais Isso já vem se desenvolvendo desde o primeiro ano de vida e ao final do segundo ano já está relativamente desenvolvido Um segundo aspecto da teoria da mente é aquele relacionado à reflexão sobre os estados mentais e as ações das outras pessoas aos raciocínios que articulam as percepções das expressões emocionais nos outros às inferências de seus estados mentais e modos como explicam suas ações Tal dimensão mais cognitiva do que perceptiva da teoria da mente irá se desenvolver ao longo de todos os primeiros cinco anos da infância alcançando geralmente uma relativa maturidade no final do quarto ano de vida Com 5 anos a maior parte das crianças já deve ter uma teoria da mente bastante desenvolvida A partir dos 6 anos de idade com o desenvolvimento pleno da teoria da mente a criança consegue iniciar a compreensão de ironia diferencia uma emoção real de uma apenas aparente e consegue compreender o que são gafes sociais ou seja como algo que se fala ou se faz de forma não intencional pode causar inadvertidamente vários tipos de constrangimentos nas pessoas Também a partir dessa idade a criança consegue fazer inferências do estado mental de alguém sobre um terceiro chamado de atribuição de crenças de segunda ordem Por exemplo eu Paulo apesar de saber que Pedro fez algo errado de forma maldosa consigo inferir que Antônio por não ter informações suficientes pode estar sentindo pena de Pedro e não raiva como era de se esperar São elementos importantes para promover o desenvolvimento da teoria da mente segundo uma metanálise Wellman et al 2001 1 ter bom desenvolvimento da linguagem 2 brincar de faz de conta com frequência 3 ter irmãos 4 participar em conversas com as mães quando estas usam termos mentais e 5 usar termos mentais nas conversas com seus pares A cognição social que inclui percepção de emoções em si e nos outros percepção social e teoria da mente é elemento essencial para as interações sociais e toda a sociabilidade da criança do adolescente e do adulto Considerar a perspectiva alheia ter habilidades sociais básicas e compreender as regras e o funcionamento da cultura em que se vive são elementos essenciais para o desenvolvimento humano pleno O desenvolvimento adequado da cognição social tem portanto enormes implicações para a vida social para o desenvolvimento pessoal afetivo escolar e laboral e para a qualidade de vida Cognição social defectiva ou incompleta pode ocasionar graves consequências para crianças adolescentes e adultos COGNIÇÃO SOCIAL E CÉREBRO FRANKS 2010 Desde os anos de 1990 tem sido reconhecido nas neurociências que um grupo de áreas e circuitos cerebrais está particularmente associado a habilidades para a interação social e a sociabilidade Essas estruturas têm sido descritas como componentes do chamado cérebro social e são constituídas principalmente por área fusiforme facial lobo temporal em particular áreas relacionadas ao sulco temporal superior ínsula córtex do cíngulo amígdala e córtex préfrontal ventral medial Fig 261 Figura 261 Alguns circuitos do cérebro social A área ou giro fusiforme facial situase na parte ventral do lobo occipital na transição com o lobo temporal É córtex associativo que recebe e faz o primeiro processamento de imagem de faces A imagem facial conhecida ou desconhecida com os vários tipos e intensidade de expressão emocional é enviada à amígdala Essa estrutura situada na parte medial do lobo temporal processa e integra muito rapidamente os estímulos faciais e suas cargas afetivas a amígdala é muito rápida para aprender e muito lenta para esquecer Ela é muito ativada com faces que demonstram intensamente as emoções sobretudo medo raiva ligação aprendizado não consciente e memória emocional As emoções ativadas na amígdala são monitoradas e reguladas pelas áreas préfrontais supraorbitais mediais e indiretamente pelas áreas préfrontais dorsolaterais Áreas dos lobos temporais como as relacionadas ao sulco temporal superior também integram e analisam as informações de faces processadas na amígdala e da voz humana Nessas áreas localizamse muitos dos chamados neurôniosespelho que são fundamentais para os processos de empatia e de ressonância afetiva Esses neurônios são ativados da mesma forma quando se sente dor nojo ou abandono e quando são percebidos em outra pessoa sentimentos como dor nojo ou abandono A ínsula outra estrutura medial dos hemisférios cerebrais também tem grande população de neurôniosespelho e só existe em animais sociais ela se expandiu nos primatas sobretudo nos humanos Parece colocar nosso corpo na experiência emocional também permitindo que ele sinta o que o outro sente Estudos de ressonância magnética funcional revelam que há ativação das mesmas áreas do córtex da ínsula tanto quando sentimos dor ou nojo ou quando observamos faces mesmo desconhecidas sentindo dor ou nojo Finalmente o córtex do cíngulo sobretudo anterior se relaciona a comportamentos de cuidado de crianças empatia expressão emocional e ressonância afetiva Quando passamos por experiências de dor social ou seja rejeição exclusão ostracismo ou perda de alguém querido há ativação do córtex do cíngulo anterior da ínsula da amígdala e do córtex préfrontal supraorbital medial Há ativação dessas áreas também quando observamos pessoas passando por experiências de dor social A regulação emocional ou seja a capacidade de monitorar e modular as respostas emocionais diante de estímulos e frustrações depende da ativação de estruturas corticais frontais como o córtex do cíngulo o córtex frontal supraorbital medial e o córtex préfrontal dorsolateral Essas estruturas exercem ação regulatória sobre estruturas do sistema límbico como a amígdala e a ínsula Cabe ressaltar também que estudos de neuroimagem funcional indicam que em atividades que requerem que o indivíduo utilize a teoria da mente são ativadas quatro áreas corticais principais aquelas relacionadas ao sulco temporal superior o córtex frontal supraorbital medial o córtex do cíngulo anterior e o córtex da junção temporoparietal Além disso os neurôniosespelho representam um elemento básico da atividade do sistema nervoso relacionada à sociabilidade Eles são particularmente ativados em atividades mentais e cognitivas que implicam imitação estabelecimento de empatia compreensão da ação e intenção das outras pessoas e observação e internalização da ação alheia Todas essas atividades estão relacionadas à teoria da mente e à cognição social de modo geral COGNIÇÃO SOCIAL E PSICOPATOLOGIA A cognição social está alterada em várias condições e TMs Abordaremos aqui apenas os transtornos nos quais ela já foi estudada e aqueles nas quais ela é mais marcante e significativa para o quadro clínico para a compreensão de mecanismos psicopatológicos e para a evolução da doença Transtornos do espectro autista Em 1866 o médicopediatra inglês John Langdon Haydon Down 18281896 enquanto trabalhava no Asilo de Earlswood para crianças com DI em Londres descreveu vários subtipos dessa deficiência Down 1866 Notou que um grupo de crianças com DI apresentava aspecto físico corporal que lembrava os habitantes da Mongólia e denominou esse subgrupo de DI de mongoloídeos posteriormente a síndrome cromossômica com trissomia do 21 foi denominada síndrome de Down em homenagem a ele Entretanto devese assinalar o termo mongoloídeos é infeliz assim como as teorias explicativas de John L H Down para as DIs apesar de seu grande poder de observação eram infelizmente marcadas por visões distorcidas marcadamente racistas comuns em sua época e meio médico e intelectual que viam uma hierarquia de inteligência entre os povos inteligência que seria inferior em não brancos e não europeus Em 1887 Down descreveu o que chamou de DI terceiro tipo third kind O primeiro tipo seriam as DIs por ele consideradas congênitas ou hereditárias e o 1 2 3 segundo as acidentais relacionadas a doenças na gestação ou problemas e traumas no parto Down 1887 Para Down três aspectos caracterizavam essas crianças que apresentavam o terceiro tipo de DI Não apresentavam os aspectos físicos de muitas crianças com DI ditos estigmas genéticos como baixa estatura fenda palatina baixa implantação de orelhas entre outros Eram crianças que regrediam perdiam seu brilho sua linguagem O desenvolvimento intelectual normal era interrompido e essas crianças pareciam viver em um mundo seu próprio lived in a world of their own falavam de si na terceira pessoa spoke in the third person apresentavam movimentos estereotipados rítmicos e automáticos rhythmical and automatic movements e pouco responsivas a todas as aproximações afetivas de amigos lessened responsiveness to all endearments of friends Essa descrição de John L H Down corresponde à descrição do psiquiatra austríaco Leo Kanner 18941981 em 1943 que chamou de distúrbios autísticos do contato afetivo o que hoje se denomina autismo Tais crianças segundo Kanner 1943 teriam o transtorno de não conseguir se relacionar de forma normal natural com as outras pessoas desde o início de suas vidas Apresentavam um tipo peculiar de solidão autística autistic aloneness relacionandose melhor ou mais com objetos inanimados do que com pessoas e apresentavam uma busca intensa por manter as coisas rotinas objetos sempre da mesma forma ou seja não toleravam mudanças da rotina desire for the maintenance of sameness Um ano depois em 1944 em Viena o pediatra Hans Asperger 19061980 descreveu um grupo de crianças que apresentavam um padrão comportamental bizarro com falta de empatia nos contatos interpessoais baixa capacidade para formar amizades foco intenso em assuntos restritos de interesse especial e um tipo de fala distinto do comum das crianças com certa formalidade e atitude que lembrava algo pedante que as faziam parecer pequenos professores Asperger 1944 Os TEAs se caracterizam por comportamentos e particularidades que surgem no início da vida nos primeiros três anos Há significativa dificuldade de se relacionar socialmente sobretudo na interação socioafetiva com pessoas que se expressa por exemplo no bebê por ausência ou atraso do sorriso social e por dificuldades no aconchego ao colo da mãe Pegoraro Setz Dalgalarrondo 2014b Uma parte dessas crianças de modo geral não desenvolve a linguagem adequadamente ou quando desenvolve alguns poucos elementos pode regredir perdendoos ainda nesses primeiros anos de vida perda da linguagem e uso de referência a si na terceira pessoa segundo J L Down Um número significativo das crianças com TEA não têm linguagem funcional capaz de desenvolver um diálogo mesmo que mínimo com outra pessoa Algumas pessoas com TEA de alto funcionamento como as com a síndrome de Asperger apresentam linguagem normal entretanto podem apresentar alterações na prosódia geralmente com pouca modulação ou fala semelhante à de personagem de desenho animado ou robótica com certa formalidade o aspecto de pequenos professores segundo H Asperger e na dimensão pragmática da linguagem uso da linguagem em situações sociais específicas Também são elementos importantes para o diagnóstico de TEA os comportamentos estereotipados repetitivos como balanceio flapping com as mãos o ato de andar na ponta dos pés estalo de dedos ruídos com a língua ou garganta como descritos por J L Down Também fazem parte desse repertório comportamental repetitivo as ecolalias imediatas ou tardias e a sameness ou seja incômodo importante com mudanças ambientais da rotina do lugar dos objetos na casa Há considerável consenso na literatura científica de que nos TEAs há significativo déficit da cognição social Pessoas com TEA mesmo as com alto funcionamento com linguagem e inteligência normais ou próximas do normal e interações sociais apresentam dificuldades de diferentes níveis em tarefas de cognição social como reconhecimento de emoções sobretudo negativas como aversão tristeza e susto e de emoções expressas pela voz na percepção na interpretação e uso de regras sociais e na teoria da mente sobretudo nas formas mais sofisticadas de teoria da mente Além disso nos TEAs também há no campo da cognição social dificuldades precoces com a atenção conjunta AC principalmente no que diz respeito ao ato de a criança deliberadamente iniciar a AC no outro por exemplo apontando ou vocalizando enquanto estabelece contato visual Apesar de tais disfunções na cognição social no TEA tratamentos psicológicos especializados têm sido desenvolvidos propiciando melhoras significativas em aspectos da vida diária e na sociabilidade dessas crianças Esquizofrenia Na esquizofrenia também têm sido descritos déficits significativos na cognição social O déficit no reconhecimento de emoções também pode ser verificado nessa psicose sobretudo em emoções como raiva e no processamento de emoções e empatia Além disso há dificuldades na identificação e na interpretação de regras sociais A cognição social está implicada em todas as fases da esquizofrenia e na maior parte dos seus sintomas Nos sintomas positivos há distorções importantes no reconhecimento de emoções em faces interpretação enviesada de expressões emocionais ou de faces neutras e vieses de atribuição de causas particularmente em sintomas paranoides e outros quadros delirantes Um dos vieses de atribuição mais estudados é o chamado salto para conclusões jump to conclusions que se revela por meio do modo como o paciente percebe as pessoas e os contextos sociais ou seja de forma muito autorreferente fazendo atribuições indiscriminadas de intenções negativas aos outros e ao testar a realidade rapidamente aceitando hipóteses delirantes que seu estado afetivo lhe sugere O déficit em teoria da mente se relaciona ao risco de desenvolver esquizofrenia aos sintomas clínicos como delírios de perseguição e com maior impacto ao desfecho funcional do paciente quanto maior o déficit em teoria da mente pior o prognóstico funcional Fett et al 2011 Síndrome de Williams A síndrome de Williams SW causada por microdeleções no cromossomo 7 revela um fenótipo comportamental intrigante no qual além da DI há hipersociabilidade contato visual intenso e comportamentos sociais desinibidos ou indiscriminados À primeira vista essa síndrome parece o oposto dos quadros de autismo TEA entretanto há casos de SW em que se desenvolve um TEA e algumas dimensões da cognição social estão prejudicadas Estudos sobre cognição social e SW devem em breve futuro contribuir para uma melhor compreensão tanto da síndrome como da cognição social Osório et al 2016 Por fim cabe assinalar que alterações da cognição social têm sido identificadas e estudadas em outros transtornos como transtorno bipolar TB transtornos da personalidade como borderline e antissocial transtornos depressivos transtorno de déficit de atençãohiperatividade TDAH entre outros O fenômeno savant a inteligência e o autismo No mesmo livro de 1887 J L H Down descreveu o fenômeno intrigante de que algumas crianças com DI apesar da deficiência apresentavam habilidades especiais que se desenvolviam até um nível avançado ou extremo Havia crianças ou jovens com marcantes habilidades artísticas de desenho e pintura habilidades musicais e numéricas ou memória extraordinária para classes especiais de objetos animais bem como para livros inteiros Down chamou essas crianças com o termo idiots savants idiot termo que se tornou muito pejorativo atualmente era o termo empregado na época para pessoas com DI e savant do francês sábios ou seja deficientessábios Tais pessoas têm sido desde então descritas com bastante minúcia Treffert 2009 e são hoje denominadas simplesmente savant ou fenômeno savant Os savants são pessoas que apesar de terem desempenho intelectual em testes de QI um pouco abaixo da média na faixa da inteligência limítrofe ou DI leve mas há indivíduos com inteligência normal apresentam habilidades muito desenvolvidas em áreas como memorização de números e listas como listas telefônicas marcas de carros certos cálculos de calendário ou idade dizer imediatamente em que dia da semana caiu 23 de março de 1312 ou quantos segundos contém o período 46 anos desenho música etc São as chamadas ilhas de genialidade Há espectro no fenômeno savant isto é há formas muito leves e formas muito acentuadas em relação às habilidades De modo geral há um componente muito importante de memória Os diagnósticos mais frequentes das pessoas com fenômenos savant são TEA 10 dos pacientes com TEA apresentam habilidades savant ou o fenômeno completo e 50 das pessoas savant têm TEA e DI Mais recentemente tem sido descrito tal fenômeno em adultos ou idosos com demência ou transtorno neurocognitivo frontotemporal e após lesões cerebrais Gazzaniga Heaherton 2005 Treffert 2009 O fenômeno ainda é pouco compreendido e há algumas hipóteses neuropsicológicas que buscam explicar essa relação entre déficit intelectual autismo e ilhas de cognição ou de habilidades artísticas A maior parte das hipóteses entretanto propõe que o fenômeno deve implicar redução ou perda de função de certas áreas e circuitos cerebrais e paralelamente o aumento intenso e talvez compensatório de função em outras regiões ou circuitos do córtex cerebral Treffert 2009 TESTES DE AVALIAÇÃO DA COGNIÇÃO SOCIAL Nas últimas décadas vários autores têm buscado desenvolver um considerável número de testes ou ferramentas para avaliação da cognição social sobretudo da teoria da mente ver boa revisão em Oliveira Mecca 2016 SanvicenteVieira et al 2016 Testes baseados na tarefa de crença falsa como o Teste SallyAnne desenvolvido a partir dos anos 1980 por BaronCohen e seu grupo têm sido usados para se avaliar se a criança já adquiriu o estágio básico de teoria da mente aquele em que ela consegue captar que outra criança tem uma visão das coisas e dos eventos diferente da sua Um teste de tarefas de Crença e Emoção e Emoção real x Emoção aparente foi desenvolvido por Wellman e Liu 2004 e traduzido e validado no Brasil por Pavarini e Souza 2010 Ele avalia capacidade de compartilhamento de emoções e de comportamento prósocial No Brasil Mecca e Dias 2015 vêm desenvolvendo o Teste da Teoria da Mente para Crianças TMEC que avalia compreensão de perspectiva atribuição de pensamento conhecimento e atribuição de emoções básicas e teoria da mente O teste é composto por pequenas histórias e material visual como bonecos cartões com ilustrações caixas sacolas bolinhas As propriedades psicométricas do instrumento revelam bons índices de fidedignidade Mecca Dias 2015 Também já foi validado para a população brasileira um teste em adultos para avaliação de identificação de estados mentais por meio de imagens da região dos olhos desenvolvido pelo influente pesquisador BaronCohen e colaboradores 2001 Esse teste avalia a percepção de estados mentais que também contribuem para os aspectos perceptivos da teoria da mente A validação no Brasil Miguel et al 2017 revelou que a versão em português é adequada Por fim cabe notar que recentemente foi conduzida pesquisa em Portugal na Universidade de Algarve Faisca et al 2016 para validar a tradução de teste de avaliação da percepção social e de gafes sociais o Faux Pas FP Recognition Test Teste de Reconhecimento de Faux Pas originalmente desenvolvido por BaronCohen Foi tentada pelos mesmos autores a validação de um teste de teoria da mente ToM Picture Stories Task mas os resultados psicométricos foram ruins O Teste de Reconhecimento de Faux Pas avalia a habilidade de um adulto em inferir pensamentos e sentimentos nas outras pessoas em situações de gafes sociais faux pas É composto de 20 historietas 10 de controle e 10 de gafes sociais O Quadro 268 apresenta os principais testes de cognição social traduzidos e validados no Brasil ou Portugal ou mesmo desenvolvidos no Brasil Quadro 268 Principais testes de cognição social traduzidos e validados no Brasil ou Portugal ou desenvolvidos no Brasil AUTOR E ANO DESCRIÇÃO FAIXA ETÁRIA DE APLICAÇÃO Wellman e Liu 2004 Validado no Brasil por Pavarini e Souza 2010 O Teste de Tarefas de Crença e Emoção e Emoção real x Emoção aparente avalia a capacidade de compartilhamento de emoções e de comportamento prósocial inferindose a cognição social Crianças pré escolares Mecca e Dias 2015 O Teste da Teoria da Mente para Crianças TMEC avalia compreensão de perspectiva atribuição de pensamento conhecimento e atribuição de emoções básicas e teoria da mente O teste utiliza pequenas histórias e material visual como bonecos cartões com ilustrações caixas sacolas e bolinhas Crianças BaronCohen et al 2001 Validado no Brasil por Miguel et al 2017 O teste Lendo a mente nos olhos é usado para avaliar a identificação de estados mentais por meio de imagens da região dos olhos Indica os aspectos perceptivos da teoria da mente Adultos BaronCohen et al 1999 Validado para o português de Portugal por Faisca et al 2016 O Teste de Reconhecimento de Faux Pas avalia a percepção social e de gafes sociais Adultos 3 Ver avaliação e testes simplificados no hotsite do livro Psicopatologia e as grandes síndromes e transtornos psicopatológicos LA RESISTENCIA Para ganar hay que Resistir Para Resistir hay que Luchar Para luchar hay que CREER Porque creer es condición indispensable para Resistir y para ganar 1 27 Do sintoma à síndrome TRANSFUNDO OU ANCORAGEM DAS VIVÊNCIAS PSICOPATOLÓGICAS E SINTOMAS EMERGENTES Desenvolvendo o modelo sugerido inicialmente por Karl Jaspers e Kurt Schneider o psicopatólogo alemão Hans Jörg Weitbrecht 19091975 propõe ordenar as vivências psicopatológicas em duas perspectivas fundamentais De um lado têmse os transfundos ou ancoragens das vivências psicopatológicas espécie de palco de contexto mais geral Nesses transfundos surgem por outro lado os chamados sintomas específicos ou emergentes aqueles que ocorrem e se desenvolvem de forma perceptível e delimitável Weitbrecht 1978 Esses sintomas específicos ou emergentes são portanto vivências pontuais que ocorrem sempre sobre determinado transfundo Esse transfundo ou ancoragem por sua vez influencia de modo marcante o sentido a direção a qualidade específica do sintoma emergente Há uma relação dialética entre o sintoma emergente e o transfundo entre a figura e o fundo a parte e o todo o pontual e o contextual Nesse modelo discriminamse dois tipos básicos de transfundos os estáveis e duradouros personalidade e inteligência e os mutáveis e momentâneos nível de consciência e atenção humor e estado afetivo de fundo Os transfundos estáveis pouco mutáveis são representados basicamente pela personalidade e a inteligência Qualquer experiência alucinação delírio afeto entre outras ganha conotação diferente a partir da personalidade específica do indivíduo que a vivencia Pacientes passivos dependentes sem energia e astênicos tendem a vivenciar os sintomas de modo também passivo já indivíduos hipersensíveis explosivos muito reativos a diferentes estímulos tendem a responder aos sintomas de forma mais viva e ampla e assim por diante A inteligência é o outro transfundo estável Ela determina essencialmente os contornos a diferenciação a profundidade e a riqueza de todos os sintomas psicopatológicos Pacientes 2 muito inteligentes produzem por exemplo delírios ricos e complexos interpretam constantemente suas vivências e desenvolvem as dimensões conceituais dessas experiências de forma mais acabada Sujeitos com inteligência reduzida criam quadros psicopatológicos indiscriminados com menos detalhes superficiais e às vezes pueris Os transfundos mutáveis e momentâneos são representados pelo nível de consciência e atenção e pelo humor e estado afetivo de fundo Eles atuam decisivamente na determinação da qualidade e no sentido do conjunto das vivências psicopatológicas O nível de consciência e a atenção estabelecem a clareza a precisão e a nitidez dos sintomas emergentes Sob o estado de turvação da consciência alucinações auditivas ou visuais recordações sentimentos são experimentados em uma atmosfera nebulosa menos clara e até confusa O humor e o estado afetivo de fundo momentâneos e passageiros influem decisivamente não apenas no desencadeamento de sintomas os chamados sintomas catatímicos mas também no colorido e no brilho específico do sintoma Uma lembrança uma alucinação um delírio em um contexto ansioso ou irritado intenso pode ganhar dimensões muito próprias Em um estado depressivo grave quaisquer dificuldade cognitiva lembrança ou pensamento recorrente passam a ter uma importância enorme para o sujeito Os chamados sintomas emergentes ou específicos são portanto todas as vivências psicopatológicas mais destacadas individualizáveis que o paciente experimenta vivências de todos os capítulos da psicopatologia geral Incluem as esferas que diferentemente dos transfundos e das ancoragens são elementos precisos mais circunscritos como uma alucinação sensopercepção um sentimento determinado afetividade um delírio juízo um pensamento obsessivo pensamento uma paramnésia memória uma alteração da linguagem ou da vontade COMPONENTES DO SURGIMENTO CONSTITUIÇÃO E MANIFESTAÇÃO DOS SINTOMAS E DOS TRANSTORNOS MENTAIS Cabe abordar aqui as distintas relações entre história de vida eventos vitais e projeto existencial do indivíduo Além disso em relação tanto aos sintomas como às síndromes devese buscar esclarecer quais são os possíveis fatores predisponentes carga genética experiências emocionais na infância e adolescência condições pregressas de vida e precipitantes estresses perdas fatores atuais ou mais recentes e o surgimento dos transtornos mentais Assim é preciso notar como se articula ao longo da vida o conjunto de fatos biológicos psicológicos e sociais para a ocorrência ou não de sintomas síndromes ou transtornos mentais Desde a obra do psicopatólogo suíçoamericano Adolf Meyer 18661950 considerase em psicopatologia que ao lado dos fatores genéticos gestacionais e perinatais que precedem o início propriamente dito da vida de relações de um sujeito estão os fatores predisponentes Assim antes de nascer as pessoas carregam consigo a vulnerabilidade constitucional hereditariedade constituição para os distintos transtornos Os chamados fatores predisponentes predisposing events são aqueles que se configuram com a articulação da vulnerabilidade constitucional e as primeiras experiências no início da vida que ocorrem na primeira e na segunda infância 06 anos Meyer 1951 Rahe 1990 Esses fatores predisponentes sensibilizam o indivíduo para as diversas situações que a vida lhe colocará e tornam as pessoas mais ou menos vulneráveis para os fatores precipitantes precipitating ou lifeevents eventos que ocorrem em proximidade temporal ao surgimento propriamente dito dos sintomas e transtornos mentais Rahe 1990 Assim os fatores predisponentes podem incluir além da genética eventos ocorridos nos primeiros anos de vida como a morte de um dos pais abuso sexual violência ou negligência física ou emocional entre outros Fatores precipitantes também chamados de eventos de vida ou life events por sua vez são geralmente eventos estressantes eou traumáticos que ocorrem em proximidade ao deflagramento do transtorno mental como morte de pessoa próxima brigas familiares importantes separações conjugais desemprego mudanças no trabalho ou estudo casamento perda ou ganho financeiros traição de parceiroa reprovações escolares brigas com amigos entre outros Os fatores predisponentes tornam as pessoas mais ou menos vulneráveis para a ação dos fatores precipitantes Meyer 1951 Também é importante assinalar que a resiliência capacidade de absorver e lidar com os fatores precipitantes é fundamental no processo de saúdedoença no campo da psicopatologia 1 2 3 Cabe lembrar ainda que fatores precipitantes associados à vulnerabilidade constitucional e a fatores predisponentes ocorrem sempre em um sujeito com uma história de vida específica Lebensgeschichte Tal história é absolutamente única só ocorre uma vez em um contexto socioeconômico político e cultural determinado em certo período histórico A história de vida de um sujeito relacionase a um projeto de vida Lebensentwurf como descrito por Janzarik 1996 com toda a densidade existencial e a complexidade que as noções de sujeito projeto existencial e história de vida implicam Manifestação dos transtornos mentais patogenia patoplastia e psicoplastia Desde o século XIX os clínicos têm percebido que nem todos os aspectos da manifestação de uma doença derivam diretamente do processo patológico de base em geral relacionados à predisposição constitucional e a fatores predisponentes Nessa linha o psicopatólogo alemão Karl Birnbaum 1878 1950 propôs que se discriminem três fatores envolvidos nas manifestações das doenças mentais Birnbaum1923 O fator patogenético patogênese propriamente dito está mais relacionado à manifestação dos sintomas diretamente produzidos pelo transtorno mental de base assim há o humor triste o desânimo e a inapetência relacionados à depressão ou as alucinações auditivas e a percepção delirante relacionadas à esquizofrenia O fator patoplástico patoplastia inclui as manifestações relacionadas à personalidade prémórbida do paciente à história de vida específica do sujeito e aos padrões de sentir e se comportar relacionados à cultura de origem do indivíduo seu meio familiar religioso de classe social profissional que lhe eram particulares desde antes de adoecer São fatores externos e prévios ao processo patológico de base mas nem por isso menos importantes pois intervêm de forma marcante na constituição e na conformação dos sintomas e na exteriorização do quadro clínico O fator psicoplástico psicoplastia relacionase aos eventos e às reações do indivíduo e do meio psicossocial posteriores ao adoecer São as reações aos conflitos familiares à desmoralização às perdas sociais e ocupacionais associadas aos episódios e ao curso da síndrome ou do transtorno Essas reações do meio o padrão de interação do indivíduo adoentado e seu meio sociofamiliar contribuem para determinar o quadro clínico resultante Podese assim exemplificar esses três fatores um homem de 50 anos é acometido de um episódio depressivo grave fator patogenético ele sempre teve personalidade extrovertida ativa e enérgica e é filho de italianos napolitanos fatores patoplásticos Após alguns meses do início dos sintomas depressivos estando ele muito descuidado com suas tarefas profissionais acaba por perder o emprego fator psicoplástico A manifestação dramática e demonstrativa dos sintomas depressivos fica por conta dos fatores patoplásticos o humor triste a perda do apetite e a anedonia podem ser atribuídos aos fatores patogenéticos e por fim as sensações de fracasso de inutilidade e de desmoralização diante da vida são devidas aos fatores psicoplásticos A EVOLUÇÃO TEMPORAL DOS TRANSTORNOS MENTAIS Conceito de processo desenvolvimento surto fase reação crise e episódio Schneider 1976 Vallejo Nagera 1977 Jaspers 1979 Segundo a concepção psicopatológica com base na patologia geral e na escola jasperiana os cursos longitudinais dos transtornos mentais crônicos podem ser de dois tipos processo e desenvolvimento Já os fenômenos agudos ou subagudos com caráter episódico classificamse em crises ou ataques reações vivenciais fases e surtos Quadro 271 Quadro 271 Tipos de evolução dos quadros psiquiátricos segundo as visões de Karl Jaspers e Kurt Schneider DIMENSÃO TEMPORAL PSICOLOGICAMENTE COMPREENSÍVEL CONEXÃO DE SENTIDO NÃO COMPREENSÍVEL PSICOLOGICAMENTE RUPTURA NA LINHA VITAL Crônico Desenvolvimento Processo Agudo Reação vivencial Fase não há alterações cognitivas afetivas e de personalidade que se mantêm após a fase Surto há alterações cognitivas afetivas e de personalidade após o episódio agudo 1 2 3 Processo referese a uma transformação lenta e insidiosa da personalidade decorrente de alterações psicologicamente incompreensíveis de natureza endógena O processo irreversível supostamente de natureza corporal neurobiológica rompe a continuidade do sentido normal do desenvolvimento biográfico de uma pessoa Utilizase o termo processo por exemplo para caracterizar a natureza de um quadro esquizofrênico de evolução insidiosa que lenta e radicalmente transforma a personalidade do sujeito acometido Desenvolvimento referese à evolução psicologicamente compreensível de uma personalidade Essa evolução pode ser normal configurando os distintos traços de caráter do indivíduo ou anormal determinando os transtornos da personalidade e as neuroses Nesse caso há uma conexão de sentido uma trajetória compreensível ao longo da vida do sujeito Falase então em desenvolvimento histriônico desenvolvimento hipocondríaco Por sua vez os fenômenos agudos ou subagudos classificamse em 1 crises ou ataques 2 reações vivenciais 3 fases e 4 surtos A crise ou ataque caracterizase em geral por surgimento e término abruptos com duração de segundos ou minutos raramente horas Utilizam se os termos crise ou ataque para fenômenos como crises epilépticas crises ou ataques de pânico crises dissociativas crises de agitação psicomotora entre outros A reação vivencial anormal caracterizase como um fenômeno psicologicamente compreensível desencadeado por eventos vitais significativos para o indivíduo que os experimenta É designada reação anormal por causa da intensidade muito marcante e duração prolongada dos sintomas Ocorre geralmente em personalidades vulneráveis predispostas a reagir de forma anormal a certas ocorrências da vida Após a morte de uma pessoa próxima a perda do emprego ou a separação conjugal o indivíduo reage por exemplo apresentando um conjunto de sintomas depressivos ou ansiosos sintomas fóbicos ou mesmo paranoides A reação vivencial pode durar semanas ou meses eventualmente alguns anos Passada a reação vivencial o indivíduo retorna ao que era antes sua personalidade não sofre ruptura pode empobrecerse ou enriquecerse mas não se modifica radicalmente Já a fase referese particularmente aos períodos de depressão e de mania dos transtornos afetivos transtorno bipolar e transtorno depressivo recorrente Passada a fase o indivíduo retorna ao que era antes dela sem alterações 4 duradouras na personalidade ou seja não há sequelas na personalidade A fase é em sua gênese incompreensível psicologicamente e tem um caráter endógeno Uma fase pode durar semanas ou meses menos frequentemente anos e há sempre ou quase sempre restitutio ad integrum ou seja recuperação total Falase então em fase depressiva fase maníaca e período interfásico assintomático eutímico O surto segundo a noção da patologia geral mas assumida pela psicopatologia é uma ocorrência aguda que se instala de forma mais ou menos repentina fazendo eclodir uma doença de base endógena não compreensível psicologicamente A característica do surto é que ele produz sequelas irreversíveis danos à personalidade eou à esfera cognitiva eou afetiva do indivíduo Assim como após o primeiro surto de esclerose múltipla o paciente sai geralmente com alguma sequela sensitiva ou motora após o primeiro surto de esquizofrenia com alucinações delírios percepção delirante etc que pode durar de 3 a 4 meses por exemplo o indivíduo sai diferente seu contato com os amigos tornase mais distanciado o afeto modula menos e ele tem dificuldades na vida social as quais não consegue explicar ou entender Isso decorre de déficit pósesquizofrênico devido àquilo que Eugen Bleuler 1960 p 268 afirmava Do ponto de vista científico na esquizofrenia não há restitutio ad integrum recuperação completa ou pelo menos ao status quo ante estado anterior à doença Temse portanto como possibilidades um surto esquizofrênico agudo um surto catatônico entre outros tipos Após vários anos de doença nos quais vários surtos foram se sucedendo ou um processo insidioso foi se implantando de forma lenta em geral o paciente se encontra no chamado estado residual da patologia apresentando apenas sinais e sintomas que são sequelas desta sintomas predominantemente negativos A designação episódio é mais genérica compreende duração de dias até semanas Tanto o termo crise como o termo episódio não especificam a natureza do fenômeno mórbido são denominações referentes apenas ao aspecto temporal dele Na prática é comum utilizarse o termo episódio de forma inespecífica quando não há condições de precisar a natureza do fenômeno mórbido Assim podese falar em episódio maniatimorfo ou maniatiforme episódio paranoide 1 2 3 4 episódio apáticodepressivo episódio esquizofreniforme Quando o diagnóstico está mais bem estabelecido devese usar por exemplo os termos fase maníaca fase depressiva surto esquizofrênico Dessa forma portanto é incorreto falar em surto maníaco fase esquizofrênica crise maníaca tal uso revela o desconhecimento da terminologia e dos conceitos psicopatológicos básicos Na dúvida quando não se conhece ainda o tipo de fenômeno e o curso temporal do ocorrido sugerese utilizar o termo neutro episódio assim não haverá erro ao chamar de episódio ou crise algo que é de fato um surto esquizofrênico ou uma fase maníaca A personalidade prémórbida e os sinais prémórbidos são aqueles elementos identificados em períodos da vida do paciente claramente anteriores ao surgimento da síndrome ou transtorno propriamente dito em geral na infância Já pertencendo ao início do transtorno falase em sinais e sintomas prodrômicos que representam de fato a fase precoce inicial do adoecimento A literatura psiquiátrica principalmente a de língua inglesa utiliza os seguintes termos em relação ao curso dos episódios de transtornos mentais Frank et al 1991 Remissão remission É o retorno ao estado normal tão logo acaba o episódio agudo Falase em remissão espontânea quando o paciente se recupera sem o auxílio de intervenção terapêutica Recuperação recovery É o retorno e a manutenção do estado normal já tendo passado um bom período de tempo geralmente se considera um ano sem que o paciente apresente recaída do quadro Recaída ou recidiva relapse É o retorno dos sintomas logo após haver ocorrido melhora parcial do quadro clínico ou quando o estado assintomático é ainda recente não tendo passado um ano do episódio agudo Recorrência recurrence É o surgimento de um novo episódio depois de o indivíduo apresentarse assintomático por um bom período pelo menos por cerca de um ano Podese dizer que a recorrência é um novo episódio da doença CONTEXTUALIZAÇÃO DO SINTOMA EM RELAÇÃO A SUA ORIGEM NEUROBIOLÓGICA OU SOCIOCULTURAL A seguir é apresentado um esquema que visa estabelecer uma contextualização mais clara do sintoma psicopatológico em relação a possíveis mecanismos cerebrais biológicos ou psicológicos e socioculturais Quadro 272 Quadro 272 A posição dos fenômenos psicopatológicos em relação à dimensão biológicocerebral e à dimensão psicológicosubjetiva e cultural PLANO SINTOMÁTICO TIPOS QUALIDADES ESPECÍFICAS DE SINTOMAS ÁREA ENVOLVIDA RELAÇÃO DE DEPENDÊNCIA COM O CEREBRAL E O CULTURAL Primeiro nível neurológico Sintomas sinais e síndromes sensitivomotoras da neurologia clássica Sinal de Babinski na síndrome piramidal cegueira cortical por lesão da área visual primária etc Áreas sensitivomotoras primárias e secundárias Cérebromente Relação muito íntima com o plano biológico Tende a ser universal com pouca plasticidade independentemente da biografia e da cultura Segundo nível neuropsicológico Sintomas sinais e síndromes neuropsicológicas clássicas Afasias agnosias apraxias sintomas deficitários no deliriumdemências Sintomas esquizofrênicos negativos Estado alucinatório Sintomas psicóticos primários Alucinações audioverbais Áreas secundárias e terciárias frontais temporoparietoccipitais e límbicas Cérebromente Relação íntima com o plano cerebral mas já recebe influência do plano cultural O sintoma é produzido pela lesão orgânica porém é influenciado pela biografia e pela cultura Terceiro nível psicopatológico primário Delírio e alucinações na esquizofrenia sintomas catatímicos no transtorno bipolar TB Obsessões e fobias Afetos primários como depressão e ansiedade Áreas terciárias Cérebromente Relação mais equilibrada entre o biológico e o cultural Sintomas são produzidos pela interação entre as alterações cerebrais patológicas e a biografia e a cultura Quarto nível psicopatológico secundário Sintomas afetivos secundários conflitos emocionais aspectos da personalidade conteúdo de sintomas como delírio e obsessões Reações da personalidade em transtornos como TB transtorno obsessivocompulsivo TOC e esquizofrenia Cérebromente Relação íntima com o biográfico e cultural e menos determinados pelo cerebral Sintomas são construídos tendo por base a cultura e a biografia do sujeito Muita plasticidade e especificidade cultural do sintoma Dessa forma certos sintomas são tidos como intimamente dependentes de alterações neuronais como os sintomas neurológicos primários paralisias anestesias perdas sensoriais ou os sintomas neuropsicológicos afasias agnosias apraxias algumas formas de amnésias Em outro extremo há sintomas mais independentes de determinações e fatores neurobiológicos e mais associados a processos e mecanismos psicológicos subjetivos e simbólicos mediados pela cultura Tal esquema visa auxiliar o estudante em relação à contextualização e à origem dos variados fenômenos observados na psicopatologia LA RESISTENCIA Para ganar hay que Resistir Para Resistir hay que Luchar Para luchar hay que CREER Porque creer es condición indispensable para Resistir y para ganar 28 As síndromes da psicopatologia os transtornos e os modos de proceder em relação aos diagnósticos Embora haja atualmente dois sistemas de classificação DSM5 e CID11 que definem e descrevem os transtornos mentais específicos de forma clara considerase útil clinicamente a abordagem inicial dos quadros mentais por meio da perspectiva sindrômica As síndromes são conjuntos de sinais e sintomas que se agrupam de forma recorrente e são observados na prática clínica diária São agrupamentos estáveis de sintomas conjuntos sígnicos Saurí 2001 que podem ser produzidos por várias causas Berrios 1996 Identificar síndromes é o primeiro passo no sentido de ordenar a observação psicopatológica dos sinais e dos sintomas dos pacientes Leme Lopes 1980 O diagnóstico sindrômico é um ato clínico modesto mas estrategicamente importante no raciocínio clínico Tratase de uma indicação preciosa para o diagnóstico Van Den Berg 1970 Assim o raciocínio clínico vai evoluindo gradativamente ao longo das primeiras avaliações para o conhecimento mais aprofundado sobre o paciente e seu sofrimento mental Na psicopatologia clássica a chamada teoria das síndromes foi defendida por autores como Johannes Lange 18911938 Adolf Meyer 18661950 Bartolomé L Lloret 19051966 entre outros Nessa teoria postulase que no complexo sintomático geral denominado síndrome há sintomas nucleares como a alteração de nível de consciência e atenção no delirium ou a mudança do humor e do ritmo psíquico nos transtornos afetivos e sintomas periféricos que se articulam em torno e hierarquicamente de forma secundária aos sintomas nucleares Jablensky 2012 Seguramente é desejável sempre que possível após a precisa caracterização dos sinais e dos sintomas e seu ordenamento em síndromes clínicas formular hipóteses diagnósticas relativas aos transtornos mentais específicos que idealmente teriam mas raramente têm etiologia ou fatores etiológicos determinados fisiopatologia ou psicopatologia específicas e curso relativamente homogêneo Betta 1972 Messas et al 2017 É interessante e mais útil que os transtornos sejam definidos segundo sistemas internacionais de diagnóstico e classificação estabelecidos por grupos de pesquisadores e profissionais experientes como DSM5 e CID11 com vocabulário e construtos compreendidos e utilizados de forma estável pelos profissionais e pesquisadores visto que dessa forma o conhecimento pode progredir no mundo todo de modo mais rápido e fecundo Em muitas situações clínicas por disporse de pouca informação sobre o paciente pela dificuldade intrínseca do caso ou pela insuficiência de conhecimento científico fazse necessário utilizar e se contentar provisoriamente com o diagnóstico sindrômico Eisenberg 1993 Mais recentemente os construtos síndrome protótipo e dimensionalidade têm ganhado renovado interesse em psicopatologia por meio de modelos matemáticos computadorizados sofisticados desenvolvidos para a partir de grande número de dados empíricos identificar síndromes sustentáveis que possam orientar estratégias terapêuticas mais eficazes Goekoop Goekoop 2014 A ideia de uma chamada medicina e psiquiatria de precisão que em vez de categorias diagnósticas preestabelecidas utilize dados básicos das dimensões clínicas no nosso caso psicopatologia neuronais e genômicas lance mão de grandes bancos de dados bigdata systems bigdata driven ou seja análises estatísticas sofisticadas com grande número de dados e de procedimentos como uso de definições multidimensionais diagnósticos dimensionais em vez de categoriais estabelecimento de hierarquias e trajetórias multivariadas tem sido defendida por alguns autores Ozomaro et al 2013 Huys et al 2016 Joyce et al 2017 PREVALÊNCIA DE TRANSTORNOS MENTAIS NO MUNDO E NO BRASIL Na Europa um amplo estudo multicêntrico Lépine et al 2005 que envolveu França n 2894 Alemanha n 3555 Bélgica n 2419 Espanha n 5473 Itália n 4712 e Países Baixos n 2372 pesquisou a prevalência na vida e no último ano de transtornos depressivos de ansiedade e relacionados ao uso de álcool Foi identificada a prevalência de pelo menos uma dessas condições no ano de 10 e na vida de 25 Uma metanálise de estudos internacionais realizados entre 1980 e 2013 174 estudos em 63 países diferentes sobre a prevalência de transtornos mentais comuns revelou que nos últimos 12 meses 176 das pessoas apresentavam alguma psicopatologia e durante a vida 292 apresentaram pelo menos uma Steel et al 2014 Os dados são relativamente elevados mas deve se lembrar que se referem a qualquer transtorno mental inclusive quadros leves como insônia fobia simples e quadros ansiosos e depressivos leves No Brasil dois estudos feitos com amostras probabilísticas representativas nas cidades de São Paulo nos dois estudos e Rio de Janeiro incluído em um dos estudos nos anos de 2005 a 2008 encontraram prevalências na vida no Rio de Janeiro de 421 e em São Paulo de 44 e prevalências nos últimos 12 meses de 312 RJ e de 296 a 325 SP Assim no Brasil de acordo com tais estudos a frequência de transtornos mentais parece ser consideravelmente elevada Devese atentar entretanto para o fato de esses dados serem de grandes metrópoles com vários milhões de habitantes o que pode em tese significar um importante componente de estresse e reunirem grande número de transtornos A Tabela 281 apresenta as prevalências para os transtornos mentais mais frequentes Tabela 281 Dois estudos sobre prevalência de transtornos mentais nas cidades de Rio de Janeiro e São Paulo TRANSTORNO MENTAL PREVALÊNCIA NOS ÚLTIMOS 12 MESES 5037 PESSOAS ANDRADE ET AL 2012 APENAS SÃO PAULO PREVALÊNCIA NOS ÚLTIMOS 12 MESES 3744 PESSOAS RIBEIRO ET AL 2013 SÃO PAULO E RIO DE JANEIRO PREVALÊNCIA NA VIDA 3744 PESSOAS RIBEIRO ET AL 2013 SÃO PAULO E RIO DE JANEIRO Dependência de álcool Total 13 casos graves 945 São Paulo 22 Rio de Janeiro 10 São Paulo 58 Rio de Janeiro 62 1 Abuso de álcool 2 Uso perigoso de álcool 1 Total 27 casos graves 472 2 São Paulo 12 Rio de Janeiro 17 2 São Paulo 81 Rio de Janeiro 94 Depressão maior Total 94 casos graves 431 São Paulo 82 Rio de Janeiro 60 São Paulo 199 Rio de Janeiro 174 Transtorno bipolar tipo I e tipo II Total 15 casos graves 654 não aferido não aferido Distimia Total 13 casos graves 509 São Paulo 08 Rio de Janeiro 08 São Paulo 14 Rio de Janeiro 19 Algum transtorno de ansiedade ou fobia Total 199 casos graves 365 São Paulo 208 Rio de Janeiro 188 São Paulo 308 Rio de Janeiro277 Transtorno de pânico Total 11 casos graves 566 São Paulo 01 Rio de Janeiro 10 São Paulo 07 Rio de Janeiro 13 Fobia específica Total 106 casos graves 35 São Paulo 102 Rio de Janeiro 96 São Paulo 168 Rio de Janeiro 146 Fobia social Total 39 casos graves 556 São Paulo 33 Rio de Janeiro 21 São Paulo 57 Rio de Janeiro 40 Agorafobia Total 16 casos graves 574 São Paulo 27 Rio de Janeiro 21 São Paulo 40 Rio de Janeiro 35 Transtorno de ansiedade generalizada Total 23 casos graves 419 São Paulo 35 Rio de Janeiro 22 São Paulo 60 Rio de Janeiro 58 Transtorno obsessivo compulsivo Total 39 casos graves 425 São Paulo 33 Rio de Janeiro 28 São Paulo 41 Rio de Janeiro 36 Transtorno de estresse pós traumático Total 16 casos graves 511 São Paulo 50 Rio de Janeiro 33 São Paulo 102 Rio de Janeiro 87 Pelo menos algum transtorno mental Total 296 casos graves 339 São Paulo 325 Rio de Janeiro 312 São Paulo 440 Rio de Janeiro 421 Em São Paulo 20052007 com 5037 pessoas com 18 anos ou mais em São Paulo e no Rio de Janeiro 20072008 com 3744 pessoas entre 15 e 75 anos Fontes Andrade et al 2012 Ribeiro et al 2013 LA RESISTENCIA Para ganar hay que Resistir Para Resistir hay que Luchar Para luchar hay que CREER Porque creer es condición indispensable para Resistir y para ganar 29 Síndromes depressivas Um dos mais brilhantes historiadores da psicopatologia Jean Starobinski 1920 nos ensina que já no século VIII aC na Ilíada o grande poema épico da Grécia antiga temos o personagem Belofonte que padece de grave melancolia pois objeto de ódio para os deuses ele vagava só na planície de Aleia o coração devorado de tristeza evitando os vestígios dos homens Ilíada versos 2003 Séculos mais tarde na mesma Grécia antiga o fundador da medicina ocidental Hipócrates 460 aC370 aC afirmava Si metus et tristitia multo tempore perseverant melancholicum hoc ipsum Quando o medo e a tristeza persistem por muito tempo constituem a melancolia Hipócrates Aforismos VI 23 p 147 Da mesma forma na Idade Média os filhos de Saturno e os acometidos pelo pecado da acedia ao que parece eram melancólicos O período renascentista é considerado a idade de ouro da melancolia e nos séculos XVIII e XIX esse sentimento penetrou o espírito do romantismo Assim a depressão é reconhecida desde a Antiguidade mudando suas feições de época para época de cultura para cultura mas sempre acompanhando de perto o destino do ser humano Starobinski 2016 Atualmente estimase que no mundo a prevalência pontual point prevalence da depressão maior esteja em torno de 44 a 47 a prevalência nos últimos 12 meses de 30 a 66 e a prevalência na vida de até 162 baixa em torno de 5 em países como Taiwan China e Japão e alta com mais de 15 em países como Estados Unidos França e Holanda Ferrari et al 2013 Lam et al 2016 No Brasil um estudo na cidade de São Paulo com 1464 pessoas com mais de 18 anos de idade em 2002 revelou prevalência de depressão na vida de 17 Andrade et al 2002 Outro estudo que utilizou o instrumento Composite International Diagnostic Interview CIDI com amostra das cidades de Rio de Janeiro e São Paulo somando 3744 pessoas entre 15 e 75 anos em 2007 e 2008 encontrou prevalência de depressão na vida no Rio de Janeiro de 174 e em São Paulo de 199 Ribeiro et al 2013 Em uma pesquisa com amostra nacional do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE em 2013 com 49025 adultos entrevistados em 69954 domicílios a epidemióloga da Universidade Estadual de Campinas Unicamp Marilisa Berti de Azevedo Barros e colaboradores 2017 utilizaram o instrumento Patient Health Questionnaire9 PHQ9 para identificar depressão Eles verificaram que nas últimas duas semanas 97 dos entrevistados haviam apresentado algum quadro depressivo 39 de depressão maior e 21 haviam relatado humor depressivo além disso em 349 dos sujeitos o humor depressivo esteve presente por mais de sete dias Das pessoas entrevistadas 72 receberam em algum momento da vida um diagnóstico clínico da doença Assim podese inferir que no Brasil possivelmente os valores são relativamente elevados para depressão maior considerando o cenário internacional No mundo a depressão em 2010 teria acometido cerca de 298 milhões de pessoas das quais 187 milhões eram mulheres Kessler et al 2007 Ferrari et al 2013 A depressão causa considerável impacto na saúde física e mental e na qualidade de vida das pessoas acometidas ela é entre todas as doenças físicas e mentais uma das principais causas daquilo que a Organização Mundial da Saúde OMS chama de anos vividos com incapacidades YLDs years lived with disability e perda de anos em termos de morte prematura e perda de anos de vida produtiva DALY Disability Adjusted Life Years A DALY relacionada à depressão foi associada em 2010 a cerca de 16 milhões de suicídios Ferrari et al 2013 Estudos epidemiológicos indicam que 15 a 40 das pessoas com depressão maior já tentaram alguma vez o suicídio Estudos de suicídios completos revelam que 60 de todos eles são realizados por pessoas com depressão Ter a doença aumenta em 20 vezes o risco de suicídio Bolton et al 2010 Do ponto de vista psicopatológico as síndromes depressivas têm como elementos mais salientes o humor triste e na esfera volitiva o desânimo mais ou menos marcantes Tal tristeza e desânimo são na depressão desproporcionalmente mais intensos e duradouros do que nas respostas normais de tristeza que ocorrem ao longo da vida Del Pino 2003 Os quadros depressivos caracterizamse por uma multiplicidade de sintomas afetivos instintivos e neurovegetativos ideativos e cognitivos relativos à autovaloração à vontade e à psicomotricidade Também podem estar presentes em formas graves de depressão sintomas psicóticos delírios eou alucinações marcante alteração psicomotora geralmente lentificação ou estupor assim como fenômenos biológicos neuronais ou neuroendócrinos associados O Quadro 291 apresenta resumidamente os agrupamentos de sinais e sintomas de acordo com a área psicopatológica envolvida Quadro 291 Sintomas das síndromes depressivas nas diferentes esferas psicopatológicas SINTOMAS AFETIVOS E DE HUMOR ALTERAÇÕES DA VOLIÇÃO E DA PSICOMOTRICIDADE Tristeza sentimento de melancolia na maior parte do dia todos ou quase todos os dias Choro fácil eou frequente Apatia indiferença afetiva tanto faz como tanto fez na maior parte do dia todos ou quase todos os dias Sentimento de falta de sentimento É terrível não consigo sentir mais nada Sentimento de tédio de aborrecimento crônico Irritabilidade aumentada a ruídos pessoas vozes etc na maior parte do dia todos ou quase todos os dias São frequentes também Angústia Ansiedade Desespero Desesperança Desânimo diminuição da vontade hipobulia não tenho pique para mais nada Anedonia incapacidade de sentir prazer em várias esferas da vida como alimentação sexo amizades Tendência a permanecer quieto na cama por todo o dia com o quarto escuro recusando visitas Aumento na latência entre as perguntas e as respostas Lentificação psicomotora pode progredir até o estuporcatatonia Estuporcatatonia Diminuição da fala fala em tom baixo lenta e aumento da latência entre perguntas e respostas Mutismo negativismo verbal completo Negativismo recusa à alimentação à interação pessoal etc ALTERAÇÕES IDEATIVAS ALTERAÇÕES DA ESFERA INSTINTIVA E NEUROVEGETATIVA Ideação negativa pessimismo em relação a tudo Ideias de arrependimento e de culpa Ruminações com mágoas atuais e antigas Visão de mundo marcada pelo tédio A vida é vazia sem sentido nada vale a pena Realismo depressivo inferências sobre a vida mais realistas e pessimistas em relação a pessoas sem depressão sendo que estas tenderiam a apresentar um viés positivo de avaliação da realidade Ideias de morte desejo de desaparecer dormir para sempre Ideação planos ou atos suicidas Fadiga cansaço fácil e constante sente o corpo pesado Insônia ou hipersonia Diminuição ou aumento do apetite Constipação palidez pele fria com diminuição do turgor Diminuição da libido do desejo sexual Diminuição da resposta sexual disfunção erétil orgasmo retardado ou anorgasmia ALTERAÇÕES DA AUTOVALORAÇÃO ALTERAÇÕES COGNITIVAS Autoestima diminuída Sentimento de insuficiência de incapacidade Sentimento de vergonha Autodepreciação Déficit de atenção e concentração Déficit secundário de memória Dificuldade de tomar decisões Pseudodemência depressiva PERDAS E DEPRESSÃO SINTOMAS PSICÓTICOS ALGUNS ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DA DEPRESSÃO Ideias delirantes de conteúdo negativo Delírio de ruína ou miséria Delírio de culpa Delírio hipocondríaco eou de negação de órgãos e partes do corpo Delírio de inexistência de si eou do mundo Alucinações geralmente auditivas com conteúdos depressivos Ilusões auditivas ou visuais Ideação paranoide e outros sintomas psicóticos humor incongruentes delírio de perseguição quando presente pode revelar que de algum modo a pessoa mereceria ser perseguida e punida Alterações estruturais do cérebro Redução do volume do hipocampo que se associa a formas mais graves de depressão Redução de área cinzenta em cíngulo anterior striatum ínsula amígdala e córtex préfrontal Alterações funcionais do cérebro Alterações em circuitos préfrontallímbicos modulados por serotonina e circuitos striatumfrontais modulados por dopamina Aumento de atividade em sistemas neurais de base para o processamento de emoções amígdala e córtex préfrontal e redução em sistemas neurais de apoio à regulação de emoções córtex préfrontal dorsolateral Fontes Kupfer et al 2012 Singh Gotlib 2014 PERDAS E DEPRESSÃO As síndromes e as reações depressivas surgem com muita frequência após perdas significativas de pessoa muito querida emprego moradia status socioeconômico ou algo puramente simbólico Cabe aqui breve comentário sobre os diversos fatores causais e desencadeantes das síndromes depressivas Certamente fatores biológicos genéticos e neuroquímicos têm importante peso nos diversos quadros dessa doença Do ponto de vista psicológico as síndromes depressivas têm uma relação fundamental com as experiências de perda Hofer 1996 Del Pino 2003 Nesse sentido o poeta fala da experiência marcante que é a perda da pessoa amada A que perdi está misturada tão misturada comigo Que às vezes sobe ao meu coração o seu coração morto E sinto o seu sangue correr nas minhas veias A que perdi é tão presente no meu pensamento Que sinto misturaremse com as minhas lembranças de infância as lembranças de sua infância desconhecida A que perdi é tão minha que as minhas lágrimas vieram dos seus olhos E as suas é que descem dos meus A que perdi está dentro do meu espírito como o filho no corpo materno Como o pensamento na palavra Como a morte no fim dos caminhos do mundo Augusto Frederico Schmidt 19061965 Apesar de muitas vezes ser desencadeada por perdas a depressão não é o mesmo que o sentimento normal do luto mesmo que marcante Entretanto a distinção entre luto normal mas intenso e depressão nem sempre é fácil O Quadro 292 pretende ajudar nessa difícil tarefa de diferenciação Quadro 292 Diferenças entre luto intenso e depressão ASPECTOS DIFERENCIAIS LUTO INTENSO DEPRESSÃO Humortristeza experimentados e sua evolução Tristeza muito relacionada à experiência da perda que tende a diminuir com o passar das semanas e meses duração muito variável de semanas a vários meses eventualmente anos Humor deprimido constante que abrange mais que as perdas humor que não melhora com o passar do tempo duração variável mas a média dos episódios fica em torno de quatro meses Padrão temporal Tristeza ocorre em ondas dores do luto associada a lembranças da pessoa perdida Tristeza e desânimo oscilam menos ao longo dos dias com exceção da depressão atípica Conteúdo do pensamento Tristeza e angústia mais centradas em pensamentos relacionados à pessoa perdida Ruminações autocríticas e pessimistas abrangentes não apenas relacionadas a uma perda Pensamento típico Por que não disse à pessoa que perdi o quanto a amava por que não convivi mais com ela Nada na vida vale a pena eu não sirvo para nada sou um peso para as pessoas Fantasias relacionadas a pensamentos suicidas Gostaria de morrer para me juntar à pessoa perdida para revêla Quero morrer para não sofrer mais ou quero morrer pois não mereço mais viver não darei mais trabalho a meus familiares SUBTIPOS DE SÍNDROMES E TRANSTORNOS DEPRESSIVOS A ordenação da depressão em vários subtipos é um desafio psicopatológico permanente Kupfer et al 2012 Singh Gotlib 2014 Os subtipos de síndromes e transtornos depressivos mais utilizados na prática clínica de acordo com a Classificação internacional de doenças e problemas relacionados à saúde CID 11 e o Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais DSM5 são 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 Episódio de depressão e transtorno depressivo maior recorrente CID11 e DSM5 Transtorno depressivo persistente e transtorno distímico CID11 e DSM5 Depressão atípica DSM5 Depressão tipo melancólica ou endógena CID11 e DSM5 Depressão psicótica CID11 e DSM5 Estupor depressivo ou depressão catatônica DSM5 Depressão ansiosa ou com sintomas ansiosos proeminentes CID11 e DSM 5 e transtorno misto de depressão e ansiedade CID11 Depressão unipolar ou depressão bipolar Depressão como transtorno disfórico prémenstrual CID11 e DSM5 Depressão mista DSM5 Depressão secundária ou transtorno depressivo devido a condição médica incluindo aqui o transtorno depressivo induzido por substância ou medicamento CID11 e DSM5 Episódio de depressão e transtorno depressivo maior recorrente CID11 e DSM5 No episódio depressivo evidentes sintomas depressivos humor deprimido anedonia fatigabilidade diminuição da concentração e da autoestima ideias de culpa e de inutilidade distúrbios do sono e do apetite devem estar presentes por pelo menos duas semanas e não mais que dois anos de forma ininterrupta Os episódios na comunidade podem ser curtos cerca de 50 dura menos do que três meses ou longos Cerca de 15 a 26 das pessoas com depressão maior apresentam um curso crônico de depressão com duração de mais de dois anos Rubio et al 2011 Quadro 293 Quadro 293 Critérios diagnósticos para os transtornos depressivos segundo o DSM5 Pelo menos cinco critérios ou mais por duas semanas com prejuízo no funcionamento psicossocial ou sofrimento significativo Pelo menos um dos sintomas é humor deprimido ou perda do interesse ou prazer CRITÉRIOS PARA O DIAGNÓSTICO SUBTIPOS DE TRANSTORNOS DEPRESSIVOS TD Para depressão maior pelo menos 5 critérios por pelo menos duas semanas Sintoma obrigatório humor deprimido ou perda de interesse ou prazer na maior parte do dia quase todos os dias e mais pelo menos 4 dos seguintes Transtorno depressivo maior episódio único Transtorno depressivo maior recorrente 1 episódio Transtorno depressivo persistente e distimia humor cronicamente deprimido por pelo menos dois anos Gravidade TD leve moderado ou grave sintomas Desânimo acentuada perda do interesse ou prazer anedonia Redução ou aumento do apetite redução ou ganho de peso de 5 em 1 mês Sono insônia ou hipersonia Fadiga perda de energia Sentimentos de inutilidade eou culpa pessimismo Baixa autoestima Concentração prejudicada dificuldades para pensar Pensamentos recorrentes de morte ou suicídio Retardoagitação psicomotora Características que devem ser especificadas TD com sintomas psicóticos congruentes com o humor TD com sintomas psicóticos incongruentes com o humor TD com catatonia estupor depressivo imobilidade negativismo mutismo ecolalia TD com características melancólicas depressão endógena acentuado retardo ou agitação psicomotora perda total de prazer piora pela manhã perda de peso culpa excessiva TD com características atípicas aumento do apetite ou ganho de peso hipersonia sensação de peso no corpo sensibilidade extrema à rejeição interpessoal humor muito reativo de acordo com as situações ambientais TD com sintomas ansiosos TD com início no periparto TD com padrão sazonal somente episódios recorrentes geralmente no inverno É o escritor Otto Lara Resende 19221992 quem descreve de forma muito clara a experiência de vivenciar um episódio de depressão Em carta a um amigo ele diz Caí naquela depressão que me assalta de vez em quando por que Santo Deus Sei lá Depressão neurastênica vontade de ficar quieto calado macambúzio Me custa até a simples locomoção doméstica Para sair de casa é como arrancar uma tonelada inerte e sem rodas ladeira acima Transtorno depressivo persistente e transtorno distímico CID11 e DSM5 Um grupo de pacientes desenvolve a forma crônica de depressão muito duradoura pelo menos dois anos ininterruptos que pode ser de intensidade leve distimia ou de moderada a grave Ela começa geralmente na adolescência ou no início da vida adulta e persiste por vários anos Os sintomas depressivos mais importantes são em primeiro lugar o humor deprimido triste na maior parte do dia na maioria dos dias Além disso o paciente deve ter pelo menos dois dos seguintes sintomas diminuição da autoestima fatigabilidade aumentada ou falta de energia insônia ou hipersonia apetite diminuído ou aumentado dificuldade em tomar decisões ou em se concentrar e sentimentos de desesperança Também são comuns na distimia o mau humor crônico e a irritabilidade Em adultos os sintomas devem estar presentes de forma ininterrupta por pelo menos dois anos e em crianças e adolescentes por pelo menos um ano nesse grupo o humor básico pode ser a irritabilidade em vez do humor triste No Brasil estudos epidemiológicos nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro revelaram distimia nos últimos 12 meses em 08 a 13 da população e pelo menos uma vez na vida em 14 a 19 da população Andrade et al 2012 Ribeiro et al 2013 Depressão atípica ou depressão com características atípicas DSM5 Tratase de um subtipo de depressão que pode ocorrer em episódios depressivos de intensidade leve a grave em transtorno unipolar ou bipolar Além de reatividade do humor aumentada melhora rapidamente com eventos positivos e piora rapidamente com eventos negativos o indivíduo deve apresentar dois ou mais dos seguintes sintomas ganho de peso ou aumento do apetite principalmente para doces aumento do sono hipersonia geralmente mais do que 10 horas por dia ou 2 horas a mais que quando não deprimido sensação de corpo braços ou pernas muito pesados paralisia de chumbo a pessoa se sente de modo geral pesada com uma sobrecarga sobre os ombros sensibilidade exacerbada a rejeição interpessoal às vezes a indicativos mínimos e subjetivos de possível rejeição podendo se manter mesmo quando a pessoa não esteja no episódio depressivo Depressão tipo melancólica ou endógena CID11 e DSM5 Tratase de um subtipo no qual predominam os sintomas classicamente endógenos Nesse caso a pessoa deve apresentar 1 perda de prazer ou incapacidade de sentir prazer anedonia em todas ou quase todas as atividades ou 2 falta de reatividade a estímulos em geral prazerosos Além de um desses dois sintomas deve apresentar pelo menos três dos seguintes sintomas humor depressivo característico com prostração profunda desespero hiporreatividade geral lentificação psicomotora demora em responder às perguntas aumento da latência entre perguntas e respostas ou agitação psicomotora ideias ou sentimentos de culpa excessivos eou inadequados perda do apetite eou de peso corporal depressão pior pela manhã que pode melhorar um pouco ao longo do dia Na depressão melancólica ou endógena também se pode constatar a chamada tristeza vital que é uma tristeza diferente um peso uma agonia sentida no corpo qualitativamente diferente da tristeza normal Pode ser observado também um padrão de sono característico em que o indivíduo tende a apresentar a chamada insônia terminal acorda de madrugada às 3h ou 4h e não consegue mais dormir Del Porto 2000 A depressão melancólica é considerada como de natureza mais neurobiológica mais independente de fatores psicológicos em comparação com os outros tipos de depressão embora toda depressão maior tenha um significativo componente neurobiológico Depressão psicótica ou depressão com sintomas psicóticos CID11 e DSM5 Tratase de depressão muito grave na qual ocorrem associados aos sintomas depressivos um ou mais sintomas psicóticos como delírio eou alucinação Nesse caso os mais frequentes são sintomas como delírio de ruína ou culpa delírio hipocondríaco ou de negação de órgãos ou alucinações com conteúdos depressivos com vozes que dizem você não presta você vai morrer na miséria ou seus filhos vão passar fome As alucinações também podem ter o conteúdo de punição merecida vou morrer vou sofrer pois mereço isso Se os sintomas psicóticos são de conteúdo negativo depressivo classificam se como sintomas psicóticos humorcongruentes de culpa doença morte negação de órgãos punição merecida entre outros Caso contrário são denominados sintomas psicóticos humorincongruentes delírio de perseguição de inserção de pensamentos autorreferente entre outros Os delírios ocorrem em cerca de 25 das pessoas internadas com quadros depressivos e em 15 daquelas com depressões ambulatoriais de Unidades Básicas de Saúde UBSs Centros de Atenção Psicossocial CAPS ambulatórios ou consultórios Na maior parte das vezes 65 tratase de delírio humorcongruente e em cerca de 18 dos casos o delírio é humor incongruente em 9 dos deprimidos delirantes há delírios dos dois tipos Maj 2008 Alucinações auditivas ocorrem em 5 a 59 dos pacientes com depressão maior e alucinações visuais em 1 a 25 Essas frequências variam muito porque foram verificadas em amostras muito heterogêneas de pacientes com depressão De modo geral indivíduos deprimidos encontrados na comunidade e na atenção primária UBS têm frequência menor de sintomas psicóticos aqueles em ambulatórios especializados frequência intermediária e pessoas internadas por depressão frequências mais altas Baethge et al 2005 Por fim cabe notar que a depressão psicótica revela mais alterações cerebrais do que a não psicótica o que indica maior gravidade fisiopatológica dessa forma da doença Busatto et al 2013 Estupor depressivo ou depressão com catatonia DSM5 Tratase de estado depressivo muito grave no qual o paciente permanece dias na cama ou sentado em estado de catalepsia imóvel em geral rígido com negativismo que se exprime pela ausência de respostas às solicitações ambientais geralmente em estado de mutismo não fala com as pessoas apesar de estar consciente e não ter afasia recusando alimentação às vezes urinando no leito O indivíduo pode nesse estado desidratar e vir a falecer por complicações clínicas pneumonia insuficiência prérenal desequilíbrios hidreletrolíticos sepse entre outras Depressão ansiosa ou agitada ou com sintomas ansiosos proeminentes CID11 e DSM5 e transtorno misto de depressão e ansiedade CID11 A ansiedade é de modo geral um componente frequente e importante nos quadros depressivos O DSM5 e a CID11 propõem que se distinga uma forma de depressão geralmente moderada ou grave com marcante componente de ansiedade tensão e inquietação psicomotora chamada depressão ansiosa ou depressão agitada O paciente se queixa de angústia ou ansiedade acentuada associada aos sintomas depressivos sentese nervoso tenso não para quieto apresentase insone irritado anda de um lado para outro desesperado Pode ter ainda dificuldade para se concentrar devido a muitas preocupações tem medo de que algo horrível possa ou irá acontecer Também pode ter o sentimento de perda do controle de si mesmo Na depressão ansiosa há risco ainda maior de suicídio A depressão ansiosa grave é muitas vezes difícil de diferenciar de um episódio misto do transtorno bipolar TB ver adiante Já a CID11 propõe o transtorno misto de depressão e ansiedade no qual há sintomas geralmente leves de ambas as condições na maioria dos dias por pelo menos duas semanas A diferença em relação ao DSM5 é que na CID11 nesse transtorno misto não pode haver sintomas suficientemente graves e numerosos para justificar o diagnóstico de episódio depressivo distimia ou transtorno de ansiedade como ansiedade generalizada ou pânico Assim essa categoria estaria reservada para ser mais utilizada na atenção primária nas UBSs onde os quadros de humor são de modo geral leves ou moderados e uma mistura de sintomas depressivos e ansiosos leves é muito frequente Depressão unipolar ou depressão bipolar Ao se diagnosticar um quadro depressivo que ocorre pela primeira vez na vida os profissionais os pacientes seus familiares e amigos podem se perguntar se esse episódio está abrindo um possível transtorno depressivo recorrente o que é frequente e a depressão então é denominada unipolar ou se é o início de um TB com episódios futuros de mania ou hipomania então a depressão é denominada bipolar Essa não é uma questão trivial e sem maiores implicações Por exemplo o tratamento com antidepressivos pode frequentemente desencadear uma fase de mania quando é empregado em depressões bipolares a fase de mania podendo ter consequências muito graves na vida da pessoa Há muitos anos os pesquisadores têm buscado verificar se algum ou alguns aspectos no episódio depressivo revelam se o caso se trata de depressão unipolar ou bipolar O Quadro 294 apresenta algumas das características que podem ajudar a diferenciar ambas as condições Quadro 294 Características da depressão unipolar e da depressão bipolar CRITÉRIOS PARA O DIAGNÓSTICO DEPRESSÃO UNIPOLAR DEPRESSÃO BIPOLAR Idade de início Mais velha Mais jovem Duração da fase Mais longa Mais curta Características de personalidade Mais problemas de personalidade sobretudo mais neuroticismo mais controle dos impulsos e mais introversão Menos problemas de personalidade pior controle dos impulsos mais temperamento hipertímico e busca de estímulos História familiar de mania Menos frequente Mais frequente Resposta profilática a antidepressivos Boa Ruim Duração do sono Mais curta Mais longa Ansiedade queixas somáticas perda de apetite insônia inicial Mais frequente Menos frequente Labilidade do humor irritabilidade insônia terminal Menos frequente Mais frequente Episódio pósparto aspectos psicóticos uso de drogas Menos frequente Mais frequente Retardo lentificação psicomotora Menos frequente Mais frequente Agitação psicomotora Mais frequente Menos frequente Fonte Goodwin Jamison 2010 Depressão como transtorno disfórico prémenstrual CID11 e DSM5 Tratase de forma grave de depressão relacionada à síndrome prémenstrual que se caracteriza por ocorrer na semana final antes da menstruação na maioria dos ciclos menstruais Está presente pelo menos um dos seguintes sintomas intensos de humor tristeza marcante nervosismoansiedade acentuada sentimentos de estar no limite para explodir oscilações do humor ao longo do dia ou labilidade afetiva irritabilidade ou raiva acentuada Também devem estar presentes outros sintomas na maioria dos ciclos menstruais que quando somados aos anteriores irão resultar em pelo menos cinco sintomas São eles interesse diminuído dificuldade de concentração falta de energia ou fadiga fácil alteração do apetite hipersonia ou insônia sentirse sobrecarregada ou fora do controle sintomas físicos como inchaço e aumento da sensibilidade nas mamas dor articular ou muscular e sensação de inchaço no corpo Depressão mista ou depressão com características mistas DSM5 A possibilidade de uma síndrome depressiva ocorrer ao mesmo tempo que uma síndrome maníaca como que encavaladas uma com a outra já foi suspeita desde o fim do século XIX Nesse caso durante a maioria dos dias da depressão ocorrem também sintomas maníacos devem ocorrer pelo menos três deles como humor elevado ou expansivo grandiosidade e autoestima elevada inflada o paciente se apresenta loquaz falando muito e com pressão para falar há aceleração do pensamento até fuga de ideias aumento da energia no trabalho ou na vida sexual ou envolvimento em atividades excitantes mas perigosas Pode haver também redução da necessidade de sono Esses sintomas da série maníaca devem ter sido observados por outras pessoas e representar uma mudança no comportamento rotineiro do paciente apenas o relato pessoal pode não ser suficiente para o diagnóstico Depressão secundária ou orgânica transtorno depressivo devido a outra condição médica ou induzido por substância ou medicamento CID11 e DSM5 Aqui estão presentes as síndromes depressivas causadas ou fortemente associadas a uma doença física a um quadro clínico primariamente somático seja ele localizado no cérebro p ex doença de Parkinson doença de Huntington acidente vascular cerebral AVC trauma ou tumor cerebral seja ele sistêmico isto é em outra parte do organismo mas com consequências para todos os órgãos inclusive o cérebro Condições somáticas sistêmicas como doenças endocrinológicas do tipo hipo ou hipertireoidismo hipo ou hiperparatireoidismo síndrome de Cushing carências vitamínicas como déficit de vitamina B12 e possivelmente de vitamina D doenças autoimunes como lúpus eritematoso sistêmico sepse e câncer com significativa frequência produzem quadro depressivo que faz parte da própria condição somática patológica a síndrome depressiva é de causa orgânica No caso dos AVCs ocorre depressão após o episódio agudo e de modo geral AVCs no hemisfério esquerdo e mais próximos do polo frontal tendem a desencadear mais frequentemente depressões secundárias Cummings Trimble 1995 A condição médica que causa a depressão deve ser confirmada por história clínica exame físico eou achados laboratoriais referentes à doença somática Pode ocorrer também o transtorno depressivo induzido por substância ou medicamento Nesse caso há um quadro depressivo intimamente associado durante ou logo após a intoxicação por substâncias ou fármacos Drogas associadas à depressão são por exemplo álcool cocaína maconha inalantes opioides ou medicamentos como hipnóticos e ansiolíticos p ex benzodiazepínicos antihipertensivos e corticosteroides no seu uso ou em sua retirada abrupta A Tabela 291 apresenta algumas das principais condições médicas somáticas associadas à depressão Tabela 291 Frequência da ocorrência de depressão em diferentes doenças somáticas DOENÇA OU CONDIÇÃO MÉDICA FREQUÊNCIAS APROXIMADAS DE DEPRESSÃO Doença de Cushing tumor corticotrófico da hipófise 5080 Doença de Parkinson até 75 Esclerose múltipla 4060 Hipertireoidismo 3169 Hipotireoidismo subclínico relação controversa até 49 aumento do risco de depressão em cerca de 5 vezes Hipotireoidismo clínico letargia apatia e déficits de aprendizagem e memória são comuns às duas síndromes 1721 Doença de Alzheimer 3050 Carência de vitamina B12 Risco de depressão grave aumentado em 23 vezes Doença de Huntington mesmo em estágios préclínicos Sintomas depressivos em 3058 Epilepsia 2055 Doença pulmonar obstrutiva crônicaasma 2050 Lúpus eritematoso sistêmico 39 Câncer Muito variável até 38 Doenças cardíacas 1727 Diabetes 928 HIVaids 520 Acidentes vasculares cerebrais 1419 Substâncias relacionadas à depressão Corticosteroides sobretudo na retirada rápida efavirenz para HIVaids interferon no tratamento da hepatite C Fontes Gupta et al 2008 Meszaros et al 2012 Wysokinski Kłoszewska 2014 Park et al 2017 Seppälä et al 2013 Duff et al 2007 Sonino Fava 2001 Depressão como fator de risco para doenças físicas A depressão pode ser fator de risco para várias doenças e condições físicas Assim por exemplo o transtorno se associa a maior risco de obesidade doenças coronarianas AVC e diabetes Os mecanismos sugeridos para tal associação relacionamse a alterações metabólicas imunoinflamatórias autonômicas aumento do cortisol sanguíneo e desregulação no eixo hipotálamohipófise adrenal Penninx et al 2013 Telômeros são sequências de nucleotídeos situadas na parte terminal dos cromossomos que proporcionam estabilidade ao material genômico das células Eles se encurtam com a reprodução celular e com o envelhecimento das células e do organismo e tal encurtamento é indicativo de envelhecimento e desgaste celulares Em um número consistente de estudos a depressão assim como a gravidade da depressão foram associadas à significativa redução dos telômeros Assim pessoas com o transtorno sobretudo grave têm envelhecimento celular acelerado e possível aumento de condições e doenças associadas ao envelhecimento Ridout et al 2016 Depressão em crianças adolescentes e idosos A depressão também é frequente e potencialmente grave na infância e na adolescência em geral mais observada em meninas do que em meninos Nessa fase da vida é comum que os quadros depressivos ocorram associados a comportamentos disruptivos irritabilidade oposição aos adultos agressividade transgressões e dificuldades escolares falta às aulas impacto no rendimento escolar Tais comportamentos ocorrem sobretudo se a criança ou adolescente tiver baixo quociente de inteligência QI e viver em ambiente adverso com graves conflitos e hostilidade por parte dos pais ou cuidadores Nas crianças e adolescentes com depressão há frequentemente piora do rendimento escolar Tem sido proposto que haveria duas subformas de depressão na infância e na adolescência uma pura sem sintomas de comportamentos disruptivos mais frequente em garotas e uma com sintomas disruptivos mais comum em garotos e rapazes com redução no QI e pior desempenho escolar Riglin et al 2016 Idosos frequentemente apresentam depressão a prevalência pontual pode chegar até 15 a 20 Os sintomas mais comuns são além da tristeza ou dificuldade em sentirse alegre sentimentos de solidão choro pouco apetite descuido consigo mesmo falta de esperança não aproveitar a vida sentir que tudo é um grande esforço e dificuldades cognitivas A depressão em idosos se associa a risco maior de quedas incapacidades físicas e mortalidade Andreescu et al 2008 Brown et al 2016 Depressão e personalidade Uma linha consistente de estudos tem associado as síndromes depressivas com aspectos da personalidade antes durante e depois dos episódios de depressão De modo geral pessoas que apresentam episódios depressivos moderados ou graves tendem a apresentar o perfil de personalidade com base no BigFive aumentado para neuroticismo instabilidade emocional tensão tendência à ansiedade preocupação e autopiedade e diminuído para extroversão propensão à atividade assertividade energia entusiasmo busca dos outros socialização Klein et al 2011 Os transtornos da personalidade ocorrem em 14 a 44 das pessoas com depressão sendo os diagnósticos mais frequentes transtorno da personalidade borderline 1631 obsessivocompulsiva 16 paranoide 10 esquizoide 74 evitativa 65 e antissocial 63 ver Cap 25 sobre personalidade O Quadro 295 apresenta perguntas que facilitam a identificação da depressão na história do paciente Quadro 295 Semiotécnica de episódios depressivos no passado PERGUNTAS Você teve períodos em que se sentiu muito triste ou desanimado claramente diferente do habitual Nesses períodos não achava graça em nada perdeu o interesse ou o prazer pelas coisas Percebeu que o apetite diminuiu ou aumentou Emagreceu ou engordou Sentiase também irritado ou nervoso Tinha insônia ou dormia demais Sentiase mais cansado que o habitual Perdeu o pique Tinha dificuldade para trabalhar ou estudar Sentia dificuldades para se concentrar ou tomar decisões Tinha ideias negativas como pensar em morrer Sentiase culpado ou arrependido EM CASO DE RESPOSTA CONFIRMANDO QUE JÁ TEVE PERÍODOS DE DEPRESSÃO PERGUNTAR Quando foi que isso aconteceu pela primeira vez Ocorreu mais de uma vez Quanto tempo duravam esses períodos Quando foi o último período O que o ajudou a melhorar O que o fazia piorar Os instrumentos padronizados de avaliação da depressão Escala de Avaliação para Depressão de Montgomery e Åsberg MADRS e Escala de Hamilton para Avaliação de Depressão estão disponíveis no hotsite desta obra 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 48 49 50 51 52 53 54 55 56 57 58 59 60 61 62 63 64 65 66 67 68 69 70 71 72 73 74 75 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 100 101 102 103 104 105 106 10 2 10 3 10 4 10 5 10 6 10 7 10 8 10 9 110 111 112 113 114 115 116 117 118 119 120 30 Síndromes maníacas e transtorno bipolar HISTÓRICO Cento e cinquenta anos antes de Jesus Cristo Areteu da Capadócia escrevia alguns pacientes depois de estarem melancólicos têm arroubos de mania assim a mania é como uma variação do estado melancólico Portanto na Antiguidade há indícios de que já se reconhecia a possibilidade de se alternarem estados melancólicos com maníacos embora melancolia e mania naquele contexto não eram exatamente o mesmo que são hoje Entretanto foi apenas no século XIX que os alienistas passaram a reconhecer com mais clareza o que chamaram de loucura circular ou loucura maníacodepressiva o nosso atual transtorno bipolar TB Goodwin Jamison 2010 SINTOMAS DA SÍNDROME MANÍACA A base da síndrome maníaca são sintomas de euforia alegria exacerbada elação expansão do Eu grandiosidade ou irritabilidade marcante desproporcionais aos fatos da vida e distintos do estado comum de alegria ou entusiasmo que o indivíduo sadio apresenta em sua vida Belmaker 2004 Além disso quase sempre presente observase nos quadros maníacos a aceleração das funções psíquicas taquipsiquismo pode haver agitação psicomotora exaltação loquacidade e pressão para falar assim como pensamento acelerado até fuga de ideias Cassidy et al 1998 O quadro deve durar pelo menos uma semana mas a média de duração do episódio maníaco é por volta de três meses Goodwin Jamison 2010 A atitude geral do paciente pode ser alegre brincalhona eufórica ou também muito frequentemente irritada arrogante e às vezes agressiva Além das alterações propriamente do humor euforia elação e do ritmo psíquico aceleração na esfera ideativa verificase em geral pensamento com conteúdo 1 2 31 32 4 5 alegre grandioso e impreciso que tende a ser superficial e inconsequente Segundo o psicopatólogo suíço Ludwig Binswanger 18811966 na mania o paciente fala mais do que pensa Binswanger 1973 No episódio maníaco são frequentes a euforia que é alegria marcante e desproporcional aos eventos da vida a elação que é o sentimento de expansão e engrandecimento do Eu eou a irritabilidade em graus variados desde leve passando pela beligerância até a franca agressividade Não são raros comportamentos espalhafatosos como tirar a roupa em ambientes públicos ou ficar cantando eou pregando em uma enfermaria psiquiátrica ou em um CAPS Lim et al 2013 Também ocorrem ideias de grandeza poder riqueza eou importância social Elas podem chegar a configurar verdadeiros delírios humorcongruentes como delírios de grandeza missão ou poder ou humorincongruentes como delírio de perseguição ou de passividade Também podem estar presentes alucinações geralmente auditivas olfativas ou visuais O Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais DSM5 exige para o diagnóstico de episódio maníaco que estejam presentes na maior parte do dia por pelo menos uma semana geralmente duram bem mais que isso além de humor elevado euforia elação pelo menos mais três dos sintomas de mania quatro se o humor for apenas irritável descritos a seguir Aumento da autoestima O paciente se sente superior melhor que os outros mais potente Diminuição da necessidade de sono Às vezes os familiares referem como insônia mas tratase de fato de diminuição do tempo de sono sem queixas do paciente que dorme pouco de 3 a 4 horas por noite sem que isso o afete Loquacidade Produção verbal rápida fluente e persistente ou Logorreia Produção verbal muito rápida fluente com perda das concatenações lógicas substituídas por associações contingenciais ou por assonância ou Pressão para falar Tendência irresistível de falar sem parar de não conseguir interromper a fala Alterações formais do pensamento Expressamse como fuga de ideias desorganização do pensamento superinclusão conceitual tangencialidade descarrilhamento incoerência ilogicidade perda dos objetivos e repetição excessiva Pacientes maníacos apresentam também pensamentos com 6 7 8 combinações extravagantes com irreverência e jocosidade Distraibilidade Atenção voluntária diminuída e espontânea aumentada Aumento de atividade dirigida a objetivos no trabalho na escola na sexualidade ou agitação psicomotora Envolvimento excessivo em atividades potencialmente perigosas ou danosas como comprar objetos ou dar seus pertences indiscriminadamente e realizar investimentos financeiros insensatos ou indiscrições sexuais há comportamentos sexuais aumentados desinibidos e o paciente se torna particularmente vulnerável a exposições sexuais de risco sexo desprotegido Outros sintomas não citados pelo DSM5 como critérios diagnósticos também podem ser encontrados nos episódios de mania como Labilidade afetiva Oscilação rápida e fácil entre momentos alegres eufóricos e momentos de tristeza e choros abruptos De modo geral são afetos superficiais Agitação psicomotora Pode ser muito intensa e configurar até quadro de furor maníaco Arrogância Em alguns pacientes maníacos é um sintoma destacável Heteroagressividade Geralmente desorganizada e sem objetivos precisos Desinibição social e sexual Leva o indivíduo a praticar comportamentos inadequados em seu meio sociocultural os quais não realizaria fora da fase maníaca Em relação à frequência de comportamentos e sintomas apresentados na mania a partir de Goodwin e Jamison 2010 resumimos e adaptamos com base nas médias ponderadas em ordem de frequência nos episódios de mania 1 sintomas cognitivos e de humor 2 comportamentos disfuncionais e 3 sintomas psicóticos As Tabelas 301 a 303 apresentam de forma resumida tais porcentagens Tabela 301 Frequência dos sintomas cognitivos e de humor em episódios de mania SINTOMA OU COMPORTAMENTO FREQUÊNCIA SINTOMAS COGNITIVOS Pensamentos acelerados fuga de ideias 76 Distraibilidade e concentração fraca 75 Grandiosidade ideias de grandeza não psicóticas 73 Confusão 29 SINTOMAS DE HUMOR Irritabilidade 71 Euforia 63 Expansibilidade sensação do Eu engrandecido elação 60 Labilidade afetiva 49 Revisão de 13 estudos que somam 968 pacientes investigados Goodwin Jamison 2010 p 77 Revisão de 16 estudos que somam 1121 pacientes investigados Goodwin Jamison 2010 p 74 Tabela 302 Comportamentos em ordem de frequência no episódio de mania COMPORTAMENTOS FREQUÊNCIA Hiperatividade aumento significativo da atividade psicomotora anda muito faz muitas coisas se ocupa muito 90 Hiperverbosidade falar muito loquaz ou logorreico 89 Pressão para falar eou rapidez no discurso 88 Redução da necessidade de sono 83 Hipersexualidade desinibição sexual aumento de atividade sexual 51 Comportamentos de ataque ou comportamentos violentos 47 Hiperreligiosidade aumento de atividades religiosas pregação canto de hinos etc 39 Uso de adorno na cabeça 34 Extravagância comportamental nas roupas adereços comportamentos 32 Nudez eou exposição sexual em lugares públicos 29 Regressão comportamental pronunciada 28 Catatonia 24 Incontinência fecal eou sujidade comportamento de urinar ou defecar em qualquer lugar 13 Revisão de 16 estudos que somam 1857 pacientes investigados Fonte Goodwin Jamison 2010 p 94 Tabela 303 Frequência de sintomas psicóticos no episódio de mania SINTOMAS PSICÓTICOS FREQUÊNCIA Qualquer tipo de delírio 53 Delírio de grandeza 31 Delírio de perseguição 29 Delírio de passividade 12 Qualquer tipo de alucinação 23 Alucinações auditivas 18 Alucinações visuais 12 Alucinações olfativas 15 História de sintomas psicóticos no passado 61 Transtornos do pensamento 19 Sintomas de Kurt Schneider de primeira ordem Vozes que comandam ou comentam a ação vivências de influência sobre o corpo ou a mente percepção delirante 18 Revisão de 11 estudos que somam 5973 pacientes investigados Fonte Goodwin Jamison 2010 p 8788 SUBTIPOS DE SÍNDROMES MANÍACAS Mania franca ou grave Tratase da forma mais intensa de mania com aceleração grave de todas as funções psíquicas taquipsiquismo acentuado agitação psicomotora importante heteroagressividade alterações formais do pensamento como fuga de ideias ou desorganização do pensamento ideias e delírios de grandeza Pacientes idosos ou com lesões cerebrais prévias em fase de mania grave podem se apresentar confusos desorientados com aparente redução do nível de consciência Designase tal apresentação como mania confusa na qual pode ser difícil diferenciar entre síndrome maníaca e delirium ou pode mesmo exprimir a coocorrência das duas síndromes mania e delirium Mania irritada ou disfórica Tratase de uma forma de mania na qual predomina a irritabilidade o mau humor a hostilidade em relação às pessoas podem ocorrer heteroagressividade e destruição de objetos Mania com sintomas psicóticos Tratase de episódio maníaco grave com sintomas psicóticos como delírio de grandeza ou poder humorcongruente e delírios de perseguição humor incongruentes No meio sociocultural brasileiro os delírios místicoreligiosos são relativamente comuns em pacientes em fase de mania Também às vezes alucinações auditivas olfativas ou visuais podem ocorrer isoladamente ou acompanhar os delírios A mania psicótica é de modo geral um quadro muito grave com comportamentos bastante alterados podendo haver agitação psicomotora e comportamentos disfuncionais perigosos para o paciente e seu meio social Mania mista ou mania com características mistas revisão em Muneer 2017 Desde o início do século XX com a obra clínica de Emil Kraepelin são reconhecidos quadros em que sintomas maníacos e depressivos ocorrem conjuntamente ou se alternam no mesmo dia ou semana Nos chamados quadros mistos há sintomas maníacos p ex elação agitação irritabilidade loquacidade e sintomas depressivos p ex ideias de culpa desânimo tristeza ideias de suicídio ocorrendo ao mesmo tempo ou alternandose rapidamente Bourgeois Verdoux Mainard 1995 Muneer 2017 Kraepelin descreveu no volume III publicado em 1913 da oitava edição de seu tratado uma série de quadros mistos de mania Sobre esses quadros que o autor chamava de estados mistos Mischzustände ele afirmou Quando acompanhamos um número grande de casos dessa doença que revelam diferentes formas da loucura maníacodepressiva então fazse logo a observação que entre as formas básicas da excitação maníaca e da depressão numerosos quadros de transição Übergänge existem Kraepelin 1913 p 1284 O Quadro 301 apresenta os vários subtipos de estados mistos descritos por Kraepelin Quadro 301 Tipos de estados mistos mania e depressão juntas segundo Emil Kraepelin 1913 TIPO DE QUADRO MISTO HUMOR E AFETOS ALTERAÇÕES DO PENSAMENTO ATIVIDADE RESUMO Mania ansiosa ou depressiva Ansiedade angústia desesperante Distraibilidade pensamentos brotam sem parar fuga de ideias Muita atividade inquieto pressão para agir Humor deprimido Atividade maníaca Pensamento maníaco Mania com pobreza de pensamento Euforia satisfeito incontido Inibição e pobreza de pensamentos delírios Muita atividade dança muda de roupa violento Humor maníaco Atividade maníaca Pensamento deprimido Mania inibida Euforia exultante irritável Facilidade para iniciar conversas tolas fuga de ideias Retardo motor quieto grande tensão interna às vezes violento Humor maníaco Atividade deprimida Pensamento maníaco Estupor maníaco Euforia sorri sem motivo bem humorado Inibição de pensamento delírios isolados Retardo motor grave fica quieto deitado na cama Humor maníaco Atividade deprimida Pensamento deprimido Depressão excitada Ansiedade desanimado choroso Inibição de pensamento delírios monótono Atividade excessiva anda torce as mãos lamentação monótona Humor deprimido Atividade maníaca Pensamento deprimido Depressão com fuga de ideias Desanimado cabisbaixo ansioso e triste Fuga de ideias delírios ideias de pecados Retardo motor fica mudo e rígido em sua conduta Humor deprimido Atividade deprimida Pensamento maníaco Fontes Kraepelin 1913 Goodwin Jamison 2010 p 107108 Atualmente considerase que são sintomas frequentes nos quadros mistos pensamento eou comportamento confuso agitação psicomotora distúrbios do apetite ideação suicida e eventualmente sintomas psicóticos Pacientes com episódios mistos podem apresentar mais ansiedade uso de substâncias e risco de suicídio Muneer 2017 Há indicativos de que os quadros mistos sejam mais frequentes do que normalmente se pensa ocorrendo alguma vez em até 40 dos pacientes com TB Shim et al 2015 Pessoas com TB e quadros mistos também apresentam mais frequentemente ciclos rápidos que se repetem em um mesmo ano ver adiante Apresentam ainda tendência a ter um TB mais grave com episódios cada vez mais intensos pior resposta a sais de lítio e pior evolução psicossocial Muneer 2017 Devese alertar que se trata de um diagnóstico bastante difícil confundindo se com depressão ansiosa mania associada a transtornos da personalidade e mania ou depressão associadas a delirium Hipomania ou episódio hipomaníaco A hipomania é uma forma atenuada de episódio maníaco que muitas vezes passa despercebida sem receber atenção médica ou psicológica O indivíduo está mais disposto que o normal fala muito conta piadas faz muitos planos não se ressente com as dificuldades e os limites da vida Pode ter diminuição do sono mas não se sente cansado após muitas atividades e deseja sempre fazer mais Para o DSM5 a hipomania é muito semelhante à mania com a ressalva de que o episódio não pode ser suficientemente grave a ponto de causar prejuízo acentuado no funcionamento social ou profissional ou de necessitar de internação nesses casos automaticamente o episódio é considerado de mania e não de hipomania O DSM5 também exige para hipomania um período mínimo de quatro dias e não de uma semana como é o caso do episódio de mania O característico da hipomania é que o indivíduo e seu meio não são gravemente prejudicados a hipomania não produz disfunção social importante e não há sintomas claramente psicóticos Muitas vezes a pessoa acometida não busca serviços médicos Ciclotimia ou transtorno ciclotímico CID11 e DSM 5 Diversos pacientes apresentam ao longo de suas vidas muitos e frequentes períodos de poucos e leves sintomas depressivos p ex sentirse para baixo com interesses diminuídos cansaço seguidos em periodicidade variável de certa elevação do humor p ex um tanto eufórica irritável ou com expansão do Eu e ativação psicomotora Isso ocorre sem que o indivíduo apresente episódios completos de depressão O diagnóstico desses indivíduos segundo a Classificação internacional de doenças e problemas relacionados à saúde CID 11 e o DSM5 é de ciclotimia transtorno ciclotímico ou personalidade ciclotímica Para a CID11 e o DSM5 esses sintomas com as oscilações de humor devem durar no mínimo dois anos mas geralmente acompanham as pessoas acometidas por toda a vida Os períodos depressivos se assemelham à distimia e nas fases de hipomania ou de euforiairritabilidade sem necessariamente haver hipomania completa o paciente tem a sensação agradável de autoconfiança aumento da sociabilidade da atividade laborativa e da criatividade entre outras Ele permanece aos olhos da maioria das pessoas nos marcos da normalidade não sendo conduzido no mais das vezes a um tratamento médico eou psicológico TRANSTORNO BIPOLAR GOODWIN JAMISON 2010 O TB em seus vários tipos é marcado por seu caráter fásico episódico Post Silberstein 1994 Os episódios de mania e depressão ocorrem de modo relativamente delimitado no tempo e com frequência há períodos de remissão em que o humor do paciente encontrase normal eutímico e as alterações psicopatológicas mais intensas regridem ver revisão em Maso et al 2016 Uma revisão da prevalência de TB com 85 estudos em 44 países nos cinco continentes no período de 1980 a 2012 somou um total de 9696193 pessoas investigadas Dessa população 67373 tinham o transtorno Tal estudo indicou que a prevalência na vida foi de 102 de TB em adultos Houve pronunciadas diferenças regionais na África e na Ásia a prevalência é menos da metade em relação à da América do Norte e da América do Sul Comparandose os estudos verificouse que as taxas não variaram nessas últimas três décadas Moreira et al 2017 No Brasil por sua vez em um estudo epidemiológico na cidade de São Paulo com a entrevista CIDI e diagnóstico pelo DSMIV entre 2005 e 2007 constatouse a prevalência de TB tipo I e tipo II nos últimos 12 meses de 15 a maioria 654 desses 15 de casos graves Andrade et al 2012 Estudos mais antigos no Brasil haviam indicado prevalência na vida de 123 até 299 Moreira et al 2017 Portanto apesar das dificuldades nas comparações por diferenças metodológicas entre os estudos é plausível inferir que o TB é relativamente frequente em nosso país A idade média de início gira em torno de 21 anos e a chance de recorrência após um primeiro episódio de mania ou depressão bipolar é de 37 no primeiro ano chegando a 87 nos próximos cinco anos Sit 2004 Apesar da possibilidade de períodos de remissão mais ou menos completa o TB é um transtorno mental grave com importantes implicações em termos de prejuízo na qualidade de vida na produtividade e sociabilidade das pessoas acometidas bem como prejuízo neuropsicológico e risco aumentado de doenças físicas e suicídio Goodwin Jamison 2010 Até a década de 1980 em torno de 12 a 15 dos indivíduos com TB terminavam suas vidas com o suicídio Essas frequências ao que parece estão diminuindo para algo em torno de 5 possivelmente associadas a melhor tratamento farmacológico e psicossocial dos pacientes Goodwin Jamison 2010 De toda forma o risco de suicídio aumenta para indivíduos que apresentam episódios mistos ciclagem rápida e mais sintomas ansiosos que estão no período inicial do TB têm quadros refratários ou recebem tratamentos inadequados para o transtorno O risco aumenta de forma marcante se há comorbidade com transtornos da personalidade TPs do grupo B TPs borderline histriônica ou narcisista e uso de substâncias como álcool cocaína ou maconha Goodwin Jamison 2010 Em torno de 22 a 40 dos pacientes bipolares apresentam algum TP sendo os diagnósticos mais frequentes principalmente aqueles do grupo B transtorno da personalidade borderline 1020 histriônica 77 e narcisista 45 Porém também se verificam TPs de outros grupos como os da personalidade obsessivocompulsiva 74 e dependente 5 Goodwin Jamison 2010 BezerraFilho et al 2015 Frías et al 2016 Fornaro et al 2016 Transtorno bipolar tipo I e tipo II No caso do TB tipo I deve haver episódios depressivos intercalados com fases de normalidade e pelo menos uma mas geralmente várias fase maníaca bem caracterizada No TB tipo II ocorrem episódios depressivos intercalados com períodos de normalidade e seguidos de fases hipomaníacas aqui o paciente não deve apresentar fases evidentemente maníacas mas apenas hipomaníacas Quadro 302 Quadro 302 Critérios diagnósticos para os transtornos maníacos segundo o DSM5 e a CID11 período de pelo menos uma semana com sintomas bem demarcados de humor persistentemente elevado irritado ou expansivo DIAGNÓSTICO DE EPISÓDIO MANÍACO E HIPOMANÍACO SUBTIPOS DE TRANSTORNO BIPOLAR Episódio maníaco Humor anormal e persistentemente elevado expansivo ou irritável e pelo menos mais três dos sintomas abaixo quatro se o humor for apenas irritado durante pelo menos uma semana autoestima elevada ou grandiosidade muito falante loquaz ou logorreico fuga de ideias distraibilidade necessidade de sono aceleração psicomotora desinibição social eou sexual ou gasto de dinheiro envolvimento em atividades prazerosas de risco Episódio hipomaníaco Por pelo menos quatro dias deve haver três ou mais sintomas bem demarcados de humor persistentemente elevado irritado ou expansivo Não pode haver sintomas psicóticos os sintomas não perturbam claramente o funcionamento profissional ou social e não há necessidade de hospitalização TB tipo I com pelo menos um episódio maníaco Especificar se o episódio atual ou mais recente for do tipo hipomaníaco maníaco misto depressivo TB tipo II com pelo menos um episódio hipomaníaco Transtorno ciclotímico por pelo menos dois anos deve haver numerosos períodos com sintomas hipomaníacos e sintomas depressivos que não satisfazem os critérios para episódio depressivo Transtorno bipolar tipo ciclagem rápida Para o diagnóstico do tipo ciclagem rápida é necessário que o paciente tenha apresentado nos últimos 12 meses pelo menos quatro episódios bem caracterizados e distintos de transtorno do humor mania ou hipomania eou depressão Os episódios podem ocorrer em qualquer combinação ou ordem Para dois episódios da mesma polaridade devese verificar intervalos de pelo menos dois meses de remissão parcial ou total dos sintomas ou no caso de episódios de polaridade distinta guinada para episódio de polaridade oposta depressão para mania ou o inverso sem necessidade de períodos intermediários de normalidade do humor O TB do tipo ciclagem rápida tem surgimento mais precoce curso mais longo mais uso de álcool e substâncias ilícitas e aumento do risco de suicídio Estimase que 26 a 43 das pessoas com TB apresentam ou apresentarão ciclagem rápida Não se sabe a causa das ciclagens rápidas mas o uso de antidepressivos e o hipotireoidismo favorecem sua ocorrência Ela parece ser mais um fenômeno transitório do que um padrão estável que caracteriza um grupo de pacientes De toda forma implica pior desfecho da doença Carvalho et al 2014 Bases genéticas e neurobiológicas do transtorno bipolar O TB tem uma base genética que embora muito heterogênea é indubitavelmente relevante A concordância entre gêmeos idênticos é de 40 a 70 e a herdabilidade estimada chega a 09 ou seja os fatores genéticos em uma população homogênea para fatores ambientais explicam cerca de 90 da variabilidade para a ocorrência do transtorno Craddock Sklar 2013 Em relação ao componente cerebral do TB há certo consenso de que haveria uma combinação de comprometimento do controle cognitivoemocional implicando estruturas com ação deficitária como o córtex do cíngulo anterior dorsal e os córtices préfrontais dorsolaterais e dorsomediais assim como em contraste haveria desregulação por hiperresponsividade de áreas límbicas e paralímbicas como a amígdala o córtex frontal ventrolateral e o córtex do cíngulo anterior ventral Maletic Raison 2014 Transtorno bipolar em crianças e adolescentes Goodwin Jamison 2010 Serra et al 2017 Embora haja relativo consenso sobre os sintomas da depressão infantil o quadro clínico da mania antes da puberdade e a evolução no longo prazo do TB com início na infância são ainda palco de controvérsias À medida que a idade avança os quadros de mania nos adolescentes vão cada vez mais se assemelhando aos dos adultos e o TB infantojuvenil vai se equivalendo ao TB adulto É importante para o diagnóstico de episódio de mania antes da puberdade a presença de sintomas como euforia grandiosidade fuga de ideias ou pensamento acelerado diminuição da necessidade de sono e hipersexualidade Geller Zimerman Williams 2002 Entretanto alguns psiquiatras tendem a expandir a noção de mania sobretudo nos Estados Unidos sugerindo que ela se expressa na infância por sintomas comportamentais comuns como irritabilidade impulsividade raiva e ataques de birra concentração ruim hiperatividade e dificuldades comportamentais A evolução temporal nessa visão mais abrangente seria menos em fases bem delimitadas e mais crônica diferente portanto da dos adultos Dessa forma o diagnóstico de TB na infância se apresenta de forma mais frequente e se aproxima conceitualmente do transtorno de déficit de atençãohiperatividade TDAH e do transtorno disruptivo da desregulação do humor tornandose na verdade sobrerrepresentado artificialmente na infância Charfi Cohen 2005 Goodwin Jamison 2010 Parry 2012 Crianças em estado de mania podem se apresentar particularmente alegres engraçadas além da medida mostrar comportamentos imaturos para a idade e ser difíceis de conter pelos pais colegas ou cuidadores Podem ser também extremamente autoconfiantes iniciando projetos irrealistas e desafiando os adultos em níveis que podem chegar ao extremo Em casos graves podem também se apresentar destrutivas abusivas fisicamente e perigosas para si e para os outros A irritabilidade embora seja um sintoma muito inespecífico tende a ser frequente nos quadros de mania infantil Embora até os anos de 1980 o TB tenha sido considerado inexistente ou raríssimo na infância atualmente há consenso de que ele existe e pode ser mesmo relativamente frequente com prevalências entre 15 e 2 Entretanto o diagnóstico de TB na infância provavelmente é feito com mais frequência por psiquiatras norteamericanos do que da Europa da Austrália e da Nova Zelândia Parry 2012 O diagnóstico diferencial mais difícil nesse contexto é entre os episódios de mania em contraposição ao TDAH e ao transtorno disruptivo da desregulação do humor Carlson 2012 Nesse sentido o Quadro 303 apresenta alguns elementos a fim de facilitar essa difícil diferenciação Quadro 303 Sintomas e comportamentos para diferenciar mania TDAH e transtorno disruptivo da desregulação do humor na infância SINTOMAS E COMPORTAMENTOS MANIA NA INFÂNCIA TDAH TRANSTORNO DISRUPTIVO DA DESREGULAÇÃO DO HUMOR Grandiosidade Muito frequente Rara Rara Humor elevado euforia Muito frequente Raro Raro Redução da necessidade de sono Frequente Rara Rara Pensamento acelerado Frequente Muito raro Raro Fuga de ideias Frequente Pouco frequente Rara Frequentes Frequentes Muitíssimo frequentes Comportamentos de risco Procura desinibida por pessoas Frequente Pouco frequente Rara Tolices palhaçadas Frequentes Pouco frequentes Raras Hipersexualidade Bem frequente Pouco frequente Frequente Aumento de atividades dirigidas a objetivos Bem frequente Pouco frequente Frequente Fala acelerada Muitíssimo frequente Frequente Rara Humor irritável Muitíssimo frequente Muito frequente Muitíssimo frequente Hiperenérgico Muitíssimo frequente Muitíssimo frequente Frequente Distraibilidade Muito frequente Muitíssimo frequente Frequente Padrão de evolução temporal Ocorre em episódios relativamente bem delimitados Contínuo tende a ser transtorno crônico distraibilidade e hiperatividade persistentes Contínuo tende a ser transtorno crônico irritabilidade persistente explosões frequentes Comorbidades mais frequentes TDAH transtornos disruptivos sobretudo TOD e TC e transtornos de ansiedade Transtornos disruptivos sobretudo TOD e transtornos específicos da aprendizagem Transtornos disruptivos sobretudo TOD e transtornos de ansiedade Mutíssimo frequente 90 muito frequente 80 bem frequente 60 frequente 40 pouco frequente 15 raro 5 muito raro 04 TDAH transtorno de déficit de atençãohiperatividade TOD transtorno de oposição desafiante TC transtorno da conduta Fontes Goodwin Jaminson 2010 Carlson 2012 APA 2014 SEMIOTÉCNICA DA MANIA Para a investigação de episódios maníacos na história dos pacientes ver Quadro 304 O instrumento objetivo de avaliação de quadro maníaco Escala de Avaliação de Mania de Young YMRS está disponível no hotsite do livro Quadro 304 Semiotécnica de episódios maníacos no passado PERGUNTAS Você teve períodos em que se sentiu muito bem ou acelerado claramente diferente do habitual Seus familiares ou amigos acharam que era algo mais que simplesmente estar legal Teve períodos em que se sentiu muito irritado Nesses períodos sentia pouca necessidade de dormir Sentiase mais forte ou poderoso Teve períodos em que você esteve bem mais ativo que o comum envolvendose em muitas atividades Houve períodos em que não conseguia ficar parado tinha que se mexer a toda hora Vinham muitas ideias na cabeça Você se sentia especialmente autoconfiante Sentia que se distraía com muita facilidade No caso de as respostas confirmarem que já houve episódio de mania ou hipomania perguntar Quando foi que isso aconteceu pela primeira vez Ocorreu mais de uma vez Quanto tempo duravam esses períodos Teve internações psiquiátricas por causa desses episódios Quando foi o último episódio Algo ajudou você a sair desse estado ou a ficar mais calmo Sugestões de leitura Há dois trabalhos históricos clássicos sobre a psicopatologia dos quadros maníacos Sobre la forma maníaca de vida de Ludwig Binswanger 1961 1973 e La mania una psicopatologia de la alegria de Carmelo Monedero 1975 O livro de Frederick K Goodwin e Kay Redfield Jamison Doença maníacodepressiva transtorno bipolar e depressão recorrente 2010 é um grande clássico pois além de completo e abrangente inclui a maioria dos temas relevantes nessa área Escrito de forma crítica e equilibrada revela a excelência de seus autores em termos de conhecimentos científicos e clínicos 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 48 49 50 51 52 53 54 55 56 57 58 59 60 61 62 63 64 65 66 67 68 69 70 71 72 73 74 75 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 100 101 102 103 104 105 106 10 2 10 3 10 4 10 5 10 6 10 7 10 8 10 9 110 111 112 113 114 115 116 117 118 119 120 31 Síndromes ansiosas e síndromes com importante componente de ansiedade SÍNDROMES ANSIOSAS Neste capítulo serão abordados os transtornos mentais nos quais sintomas ansiosos configuram formas puras ou quase puras de transtornos de ansiedade transtorno de ansiedade generalizada TAG e transtorno de pânico ou aqueles nos quais a ansiedade tem importância central ou muito relevante fobias ansiedade social estresse póstraumático quadros dissociativos e conversivos quadros hipocondríacos e de somatização e transtorno obsessivo compulsivo TOC As síndromes ansiosas representam os transtornos mentais mais frequentes e apresentam mundo afora prevalência na vida em torno de até 17 a 30 e no último ano em torno de até 11 a 18 Somers et al 2006 Kessler et al 2007 Remes et al 2016 No Brasil estudos epidemiológicos nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro revelaram pelo menos algum transtorno de ansiedade eou fobias nos últimos 12 meses em 188 a 208 da população e pelo menos uma vez na vida em 277 a 308 Andrade et al 2012 Ribeiro et al 2013 As síndromes ansiosas puras são ordenadas inicialmente em dois grandes grupos quadros em que a ansiedade é constante e permanente ansiedade generalizada livre e flutuante e quadros em que há crises de ansiedade abruptas e mais ou menos intensas São as chamadas crises de pânico que podem configurar se ocorrerem de modo repetitivo o transtorno de pânico Hollander Simeon 2004 O Quadro 311 resume os principais elementos desses dois transtornos segundo o Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais DSM5 e a Classificação internacional de doenças e problemas relacionados à saúde CID11 Quadro 311 Critérios diagnósticos para os transtornos de ansiedade segundo o DSM5 e a CID11 TRANSTORNO DE ANSIEDADE GENERALIZADA TAG ATAQUE DE PÂNICO E TRANSTORNO DE PÂNICO Ansiedade apreensão e preocupações excessivas na maioria dos dias por muitos meses no DSM5 pelo menos seis meses em diferentes atividades e eventos da vida Além disso a pessoa considera difícil controlar a preocupação e a ansiedade A ansiedade e a preocupação estão associadas a pelo menos mais três dos seguintes sintomas inquietação ou sensação de estar com os nervos à flor da pele cansaço fácil fatigabilidade dificuldade de concentrarse irritabilidade pavio curto tensão muscular dificuldade de relaxar alteração do sono dificuldade de pegar no sono ou mantêlo O foco da ansiedade ou preocupação não é decorrente de outro transtorno mental como medo de ter crises de pânico ser contaminado no caso de TOC ganhar peso no caso da anorexia Ansiedade preocupação ou sintomas físicos causam sofrimento significativo ou prejuízo no funcionamento social Ataque de pânico Crises de ansiedade de intenso desconforto ou de sensação de medo que alcançam um pico em minutos geralmente não duram mais que meia ou uma hora com pelo menos quatro dos seguintes critérios palpitações ou taquicardia sensação de falta de ar desconforto respiratório sensação de asfixia ou de estar sufocando suor de mãos pés face geralmente frio medo de perder o controle ou enlouquecer medo de morrer de ter um ataque cardíaco tremores ou abalos formigamentos ou anestesias nos dedos e nos lábios ondas de calor ou calafrios desrealização sensação de que o ambiente familiar está estranho ou despersonalização sensação de estranheza quanto a si mesmo tontura instabilidade dor ou desconforto torácico náusea ou desconforto abdominal Transtorno de pânico Ter ataques de pânico de forma repetitiva e inesperada Pelo menos um dos ataques foi seguido por período mínimo de um mês com os seguintes critérios preocupação persistente com a possibilidade de ter novos ataques preocupação com implicações ou consequências dos ataques como perder o controle enlouquecer ou ter um infarto alterações do comportamento relacionadas aos ataques evitar aglomerações evitar sair de casa presença ou não de agorafobia associada O transtorno não é devido a efeitos fisiológicos diretos de uma substância medicamento uso de substâncias ou a uma condição médica ou doenças como hipertireoidismo lúpus diabetes entre outras Transtorno de ansiedade generalizada O quadro de TAG caracterizase pela presença de sintomas ansiosos excessivos na maior parte dos dias por vários meses A pessoa vive angustiada tensa preocupada permanentemente nervosa ou irritada Nesses quadros são frequentes sintomas como insônia dificuldade em relaxar angústia constante irritabilidade aumentada e dificuldade em concentrarse São também comuns sintomas físicos como cefaleias dores musculares dores ou queimação no estômago taquicardia tontura formigamento e sudorese fria Alguns termos populares para esses estados são gastura repuxamento dos nervos e cabeça ruim ver Glossário no hotsite do livro Para se fazer o diagnóstico de uma síndrome ansiosa também é necessário verificar se os sintomas ansiosos causam sofrimento clinicamente significativo e prejudicam a vida pessoal social e ocupacional do indivíduo No Brasil estudos epidemiológicos nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro revelaram a presença de TAG nos últimos 12 meses em 22 a 35 da população e pelo menos uma vez na vida em 58 a 60 Andrade et al 2012 Ribeiro et al 2013 Transtornos da personalidade TPs ocorrem com frequência associados ao TAG os diagnósticos de TP mais frequentes nesse grupo são borderline e paranoide Marco 2013 Latas Milovanovic 2014 Crises de ansiedade crises de pânico Em muitos pacientes a ansiedade se manifesta sob a forma de crises intermitentes com a eclosão de vários sintomas ansiosos em número e intensidade significativos Nardi Valença 2005 Associados às crises agudas e intensas de ansiedade pode ou não haver sintomas constantes de ansiedade generalizada Assim as crises de pânico são crises marcantes de ansiedade nas quais ocorre importante descarga do sistema nervoso autônomo Nelas ocorrem sintomas como batedeira ou taquicardia suor frio tremores desconforto respiratório ou sensação de asfixia náuseas formigamentos em membros dedos eou lábios Nas crises intensas os pacientes podem experimentar diversos graus da chamada despersonalização que se revela como sensação de a cabeça ficar leve de o corpo ficar estranho sensação de perda do controle estranharse a si mesmo Pode ocorrer também a desrealização ou seja a sensação de que o ambiente antes familiar parece estranho diferente não familiar Além disso ocorre com frequência nas crises de pânico um considerável medo de ter um ataque do coração um infarto de morrer eou enlouquecer As crises são de início abrupto chegam ao pico em 5 a 10 minutos e de curta duração duram em geral 15 minutos raramente mais de 1 hora São muitas vezes desencadeadas por determinadas condições como estar em aglomerados humanos ficar preso ou com dificuldade para sair em congestionamentos no trânsito supermercados com muita gente shopping centers ou estar em situações de ameaça Costa Pereira 1997 Transtorno de pânico Denominase o quadro de transtorno de pânico caso as crises sejam recorrentes com desenvolvimento de medo de ter novas crises preocupações com possíveis implicações da crise perder o controle ter um ataque cardíaco ou enlouquecer e sofrimento subjetivo significativo O transtorno de pânico pode ou não ser acompanhado de agorafobia ou seja muito desconforto e fobia de lugares amplos e aglomerações Nardi Valença 2005 No Brasil estudos epidemiológicos nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro revelaram a presença de transtorno de pânico nos últimos 12 meses em 188 a 208 da população e pelo menos uma vez na vida em 277 a 308 Andrade et al 2012 Ribeiro et al 2013 Pessoas com transtorno de pânico têm com bastante frequência TP e até um terço dos pacientes com transtorno de pânico pode ter um TP associado como TP borderline evitativa e paranoide Marco 2013 Latas Milovanovic 2014 Transtorno de ansiedade de separação CID11 e DSM5 Sobretudo em crianças pode haver medo e ansiedade importantes relacionados a separarse de pessoas significativas percebidas como protetoras mães avós pais entre outras Tipicamente a criança tem muito medo e ansiedade de para ir à escola separarse da mãe ou de outros membros da família Chora muito fica muito ansiosa e amedrontada tem medo de que algo muito ruim ocorra A criança muitas vezes pede ou exige que a mãe fique com ela na sala de aula Também pode ter dificuldades em dormir sozinha eou ter pesadelos relacionados à separação Em adultos isso pode ocorrer com oa companheiroa românticoa separarse doa namoradoa ou esposoa Para o diagnóstico os sintomas devem durar muitos meses e ser suficientemente graves prejudicando o desenvolvimento escolar pessoal e social da criança adolescente ou adulto Síndromes ansiosas de base orgânica Os quadros de ansiedade podem ser de origem orgânica isto é pode ocorrer uma síndrome ansiosa em crises de pânico ou ansiedade generalizada que é claramente resultante de doença física uso de fármacos substâncias ou outra condição orgânica Nesses casos a síndrome ansiosa associase temporalmente à instalação de uma doença orgânica p ex hipertireoidismo doença pulmonar obstrutiva crônica câncer entre outras ou ao uso de medicamentos como corticoides antiparkinsonianos antihipertensivos ou substâncias tóxicas como cocaína álcool maconha gasolina chumbo ou mercúrio As síndromes ansiosas também são comuns nos quadros psicopatológicos associados ao período prémenstrual e ao puerpério e relacionados a grandes cirurgias como transplante cardíaco Na ansiedade de base orgânica é particularmente frequente a presença da irritabilidade e da labilidade do humor A Tabela 311 apresenta as principais causas das síndromes de ansiedade secundárias ou orgânicas assim como as principais substâncias que desencadeiam ou causam depressão Tabela 311 Principais doenças físicas condições médicas e substâncias associadas aos quadros de ansiedade orgânica DOENÇAS FÍSICAS FREQUÊNCIA Hipertireoidismo 60 Hipotireoidismo 3040 Esclerose múltipla 32 Câncer Fases iniciais 1523 Fases terminais 6979 Doença pulmonar obstrutiva crônica Fases iniciais 3257 Fases terminais 5175 Acidente vascular cerebral 1825 Síndrome do ovário policístico 20 Doença coronariana 1050 Insuficiência cardíaca congestiva 249 Doenças cardiovasculares 1149 Diabetes 116 Substâncias que produzem ou desencadeiam quadros ansiosos Corticosteroides simpatomiméticos ou outros broncodilatadores cafeína hormônios tireoidianos antiparkinsonianos anticolinérgicos antihipertensivos inseticidas organofosforados gases asfixiantes dióxido e monóxido de carbono gasolina tinta cocaína álcool Cannabis alucinógenos Fontes DSM5 APA 2014 Remes et al 2016 SÍNDROMES COM IMPORTANTE COMPONENTE DE ANSIEDADE FOBIAS E ANSIEDADE SOCIAL DISSOCIAÇÕES CONVERSÕES SOMATIZAÇÕES TRANSTORNO DE ESTRESSE PÓSTRAUMÁTICO E TRANSTORNOS OBSESSIVOCOMPULSIVOS Os principais quadros psicopatológicos com predomínio de ansiedade eram de modo geral no passado considerados formas de neuroses Cordás 2004 Assim o TAG e o transtorno de pânico constituíam a neurose de angústia os transtornos fóbicos fobia social agorafobia e fobia simples eram considerados neurose fóbica quadros dissociativos e conversivos eram neurose histérica ou histeria quadros hipocondríacos e somatoformes neurose hipocondríaca e o TOC era a neurose obsessivacompulsiva Por fim o transtorno de estresse póstraumático TEPT era nomeado neuroses traumáticas ou neuroses de guerra shell shock e war neurosis Isso mudou com o advento das classificações internacionais CID10 e CID11 e com o DSMIII o DSMIV e o DSM5 Quadro 312 Quadro 312 Um pouco sobre a história e o significado do construto neurose O construto neurose forneceu ao longo da história da psicopatologia no século XX uma moldura conceitual e classificatória bastante rica que abarcava sintomas da série da ansiedade da fobia da obsessão da dissociação da conversão e da somatização As neuroses se caracterizavam no plano da subjetividade por dificuldades e conflitos intrapsíquicos e interpessoais que mantinham no indivíduo um estado contínuo de sofrimento associado a frustração angústia rigidez emocional e sentimentos de inadequação Seus mecanismos básicos eram o recalque mas também projeção deslocamento negação regressão racionalização e formação reativa que representava a luta interna quase sempre inconsciente entre impulsos inaceitáveis perante um julgamento rígido e automático Também de grande importância eram as dificuldades interpessoais do sujeito neurótico o qual era marcado pela rigidez e frustração recorrente nas relações pessoais e pela insatisfação constante com o que recebia e dava aos outros O psicopatólogo holandês Jan Hendrik van den Berg 19142012 em uma vertente existencialista concebia a neurose como uma perturbação do contato interhumano uma perturbação nas relações com o outro No centro de todas as neuroses situavase a angústia van den Berg 1970 p 237 Nessa mesma linha para Henri Ey 19001977 as neuroses representavam antes uma perturbação do equilíbrio interior do sujeito neurótico do que uma mudança em seu sistema de realidade que nesse caso seria a psicose Nos neuróticos de modo geral dominavam as manifestações de uma angústia permanente e de mecanismos de defesa que em última análise fracassavam na resolução de conflitos Ey 1974 Nos sistemas diagnósticos atuais DSM e CID o conceito de neurose acabou sendo totalmente suprimido Em seu lugar entrou um número maior de transtornos como os de ansiedade TAG e transtorno de pânico as fobias os TOCs os transtornos dissociativos os transtornos conversivos a hipocondria e a somatização assim como os transtornos relacionados ao estresse e a traumas psíquicos Assim o construto neurose como princípio organizador foi abandonado e trocado por uma variedade de transtornos específicos Certamente essa troca se relacionou a certo enfraquecimento das concepções psicanalíticas na psiquiatria contemporânea e à maior ênfase em tratamentos farmacológicos e concepções neurobiológicas relacionadas aos distintos quadros ansiosos De modo geral os profissionais de orientação psicanalítica continuam utilizando o construto neurose na prática clínica e no plano teórico Uma das consequências do abandono de construtos abrangentes como neurose é o aumento marcante dos diagnósticos de comorbidades em particular no campo dos transtornos de ansiedade e depressivos em relação a transtornos comórbidos da personalidade Ao se abandonar categorias amplas que incluem além de sintomas modos de ser e reagir como a personalidade do indivíduo os sistemas atuais geram a necessidade de múltiplos diagnósticos de comorbidade o que muitas vezes é feito de forma estabanada e confusa Transtornos fóbicos As síndromes ou transtornos fóbicos caracterizamse por medos intensos e irracionais desproporcionais desencadeados por situações objetos ou animais que objetivamente não oferecem ao indivíduo perigo real e proporcional à intensidade de tal medo As síndromes fóbicas mais importantes são apresentadas a seguir Hollander Simeon 2004 Na agorafobia o medo e a angústia relacionamse a um conglomerado de pessoas em supermercados shopping centers congestionamento no trânsito entre outros lugares em espaços amplos ou em locais de onde possa ser difícil escapar ou onde o auxílio ou a presença de pessoas próximas não seja rapidamente acessível Os indivíduos com agorafobia têm frequentemente crises de medo que chegam ao pânico quando estão fora de casa em um congestionamento em uma ponte ou túnel em meio a uma multidão em um estádio de futebol em um grande supermercado no cinema ou no teatro Têm com frequência medo de viajar de ônibus automóvel ou avião Há tendência de evitar tais situações o que geralmente leva a estreitamento das possibilidades vivenciais do indivíduo restringindoo às vezes a sua casa e a ambientes muito familiares e seguros No Brasil estudos epidemiológicos nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro revelaram presença de agorafobia nos últimos 12 meses em 16 a 27 da população e pelo menos uma vez na vida em 35 a 40 Andrade et al 2012 Ribeiro et al 2013 Já a fobia simples ou específica caracterizase por medo intenso persistente desproporcional e irracional como medo de animais barata sapo cobra passarinho cachorro cavalo entre outros medo de ver objetos cortantes como seringas faca vidros quebrados ou medo de ver sangue A exposição ao objeto ou animal fobígenos geralmente deflagra um estado de angústia que pode chegar a uma crise de pânico Os indivíduos acometidos reconhecem o caráter irracional e desproporcional de seus medos Nas cidades de Rio de Janeiro e São Paulo a fobia simples ocorre pelo menos uma vez na vida em 146 a 168 da população Andrade et al 2012 Ribeiro et al 2013 Por sua vez a ansiedade social e a fobia social caracterizamse por medo intenso e persistente de situações sociais que envolvam exporse ao contato interpessoal demonstrar capacidade de desempenho ou participar de situações competitivas e de cobrança Ansiedade social e fobia social são termos usados muitas vezes como sinônimos mas tendese a ver a fobia social como um quadro mais grave que a ansiedade social O indivíduo sente intensa angústia ao ter de falar em público apresentar um seminário fazer uma palestra chegando a apresentar dificuldade até em utilizar banheiros públicos alimentarse em refeitórios públicos ou assinar cheques na frente de pessoas desconhecidas O medo da exposição é mais forte com pessoas estranhas ou tidas por algum motivo como hierarquicamente em posição superior chefes no trabalho diretor da escola professores entre outras O indivíduo tenta evitar tais situações e reconhece o caráter absurdo de seus temores Há geralmente grande sofrimento com tais dificuldades que pode comprometer a carreira estudantil e profissional das pessoas acometidas e limitar sua vida social emocional e de lazer No Brasil estudos epidemiológicos nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro revelaram a presença de fobia social nos últimos 12 meses em 21 a 39 da população e pelo menos uma vez na vida em 40 a 57 Andrade et al 2012 Ribeiro et al 2013 Pessoas com fobia social têm com muita frequência como comorbidade o TP evitativa cerca de 60 das pessoas com fobia social têm TP evitativa Fallon et al 2012 Transtornos dissociativos e transtornos conversivos histeria No passado de uma forma ou outra todos os transtornos dissociativos e conversivos tendiam a ser agrupados no grande capítulo da histeria ou neurose histérica A CID11 e o sistema DSM desde o DSMIII do início dos anos de 1980 até o atual DSM5 desmontaram o construto histeria em várias condições distintas A CID11 entretanto mantém de certa forma o construto histeria ao agrupar todas ou quase todas as condições dissociativas e conversivas em uma rubrica única denominandoa transtornos dissociativos No entanto o DSM 5 e a CID11 mantêm separado desses construtos o transtorno da personalidade histriônica não mais presente na CID11 O Quadro 313 detalha um pouco mais essas transformações dos conceitos e classificações psicopatológicas Quadro 313 A histeria ou neurose histérica e os sistemas DSM5 e CID11 A chamada histeria foi uma das mais paradigmáticas condições na história da psicopatologia foi reconhecida partes do construto pelos médicos da Antiguidade nas tradições de Hipócrates e Galeno Muito estudada na segunda metade do século XIX e no início do XX por autores como Paul Briquet Joseph Babinski JeanMarie Charcot Sigmund Freud Emil Kraepelin e Pierre Janet foi marcadamente transformada nas influentes classificações norteamericanas atuais sistema DSM e internacionalmente na CID As crises histéricas com acometimento da consciência desmaios movimentos abruptos e marcantes parecidos mas na verdade distintos com a crise tônicoclônica de epilepsia ou os quadros conversivos com afonia cegueira ou paralisias psicogênicas ocorriam muitas vezes em pessoas com comportamento e personalidade caracteristicamente dramáticos certo infantilismo e eventualmente sedução pueril e necessidade de ser o centro das atenções Segundo van Den Berg 1970 o paciente histérico apresenta uma peculiaridade necessita de contato e tem incapacidade de mantêlo e aprofundálo Do ponto de vista existencial tais indivíduos vivem em um contexto de inautenticidade no contato interpessoal suas relações soam falsas eles parecem que precisam representar constantemente em seu relacionamento com as pessoas Subdividiamse os quadros histéricos em três grandes subgrupos histeria de conversão ou conversiva que corresponde ao atual transtorno conversivo no DSM5 histeria dissociativa que corresponde ao atual transtorno dissociativo e forma mista de histeria com conversão e dissociação Conforme salienta Ramadan 1985 p 8 o comprometimento provocado pela histeria não é equivalente à função biológica ou natural do órgão segundo suas estruturas e disposições anatomofuncionais o distúrbio corresponde sempre à utilização habitual que o paciente faz do órgão ou à representação imaginária e simbólica que tem daquela função Ao quebrar e subdividir a histeria ou neurose histérica em transtornos como transtorno da personalidade histriônica transtorno dissociativo de movimentos sensação ou cognição transtorno dissociativo de identidade amnésia dissociativa fuga dissociativa e transtorno conversivo os sistemas DSM e CID desmontaram a noção de uma entidade nosológica unitária com subformas interrelacionadas em várias condições relativamente independentes No entanto ao que parece tal mudança tem produzido pouco avanço tanto para a compreensão psicopatológica como para o tratamento das pessoas acometidas O sistema da CID CID10 e CID11 de certa forma mantém parcialmente a noção de histeria ao agrupar os transtornos dissociativos e os conversivos sob a rubrica única de transtornos dissociativos Entretanto os elementos da personalidade histriônica que eram integrados aos sintomas dissociativos e conversivos para formar o conceito clássico de histeria são também abandonados pela CID Conversão e dissociação Na conversão ocorrem tipicamente alterações das funções sensoriais ou das funções motoras que lembram sintomas neurológicos mas que são na realidade claramente distintos das condições neurológicas Há assim a conversão de um conflito psíquico inconsciente desejos temores inconscientes e inaceitáveis para o indivíduo para o corpo conversão aqui significa portanto salto do plano psíquico para o plano de sintomas corporais Em relação às funções sensoriais pode haver anestesias de partes do corpo perda da visão do olfato ou da audição Em relação às funções motoras pode haver fraqueza ou paralisias contraturas movimentos anormais perturbações do andar e no ficar de pé astasiaabasia e rouquidão psicogênicas ou perda total da voz afonia conversiva Por serem psicogênicas de causa predominantemente psicológica as alterações sensoriais como perda da visão ou audição perda da voz anestesia das mãos ou de um braço ou as motoras como paralisias de membros correspondem à representação mental e simbólica do corpo e não à neuroanatomia objetiva ou à função neurológica Por exemplo as paralisias de braços ou das pernas nos quadros conversivos não têm padrão neurológico ou seja no exame neurológico da região não correspondem a nenhuma síndrome neurológica como síndrome hemiplégica piramidal paralisia decorrente de lesão medular ou de nervo periférico Exames como ressonância magnética do cérebro ou da coluna vertebral ou eletroneuromiografia da parte afetada são geralmente 1 normais Por isso no DSM5 os transtornos conversivos são também chamados de transtornos de sintomas neurológicos funcionais denominação infeliz pois não são de fato sintomas neurológicos Chama atenção eventualmente nesses pacientes o fato de ao notarem seus distúrbios corporais aparentemente muito graves paralisias cegueira anestesias entre outros reagirem com certa indiferença A isso os clínicos antigos denominaram la belle indifférence des hystériques a bela indiferença das histéricas Essa indiferença seria devida talvez à noção mesmo que inconsciente de que tal alteração paralisia cegueira entre outras é na realidade transitória e passageira Na dissociação ocorre a perturbação a separação e o isolamento de aspectos da mente e da personalidade Aqui dissociação significa separação rechaço de uma parte da mente inaceitável para o indivíduo A dissociação pode ocorrer por meio de crises em que se perde parcialmente a consciência a pessoa se desliga do ambiente e de si mesma com desmaio parcial e abalos musculares ou em episódios em que parte da memória é momentaneamente apagada como a memória retrógrada de eventos traumáticos do passado Micale 1995 Pensamentos desejos e experiências vividas conflitantes com os valores do paciente são isolados e suprimidos do campo da consciência e da memória Transtornos conversivos e transtornos dissociativos DSM5 e CID11 Os transtornos conversivos e os dissociativos são denominados e agrupados de forma diferente no DSM5 e na CID11 No DSM5 eles são separados e situados em dois capítulos diferentes o de transtornos dissociativos de um lado e o de transtornos de sintomas somáticos e transtornos relacionados de outro estando neste último alojados os transtornos conversivos A CID11 coloca todos os transtornos conversivos e dissociativos em um capítulo único denominado transtornos dissociativos Transtornos conversivos Os transtornos conversivos no DSM5 são quadros em que um ou mais sintomas de alteração de função motora ou sensorial psicogênica estão presentes Os sintomas devem causar sofrimento eou disfunção e não são explicados por causas neurológicas ou médicas somáticas Assim no DSM5 os transtornos conversivos são de fraqueza ou paralisia das pernas de um braço de uma mão 2 3 4 5 6 7 movimentos anormais como tremores distonias mioclonias distúrbios da marcha dificuldades ou impossibilidade de deglutição alterações da fala como afonia ou disfonia rouquidão ou fala arrastada ataques semelhantes a uma convulsão epiléptica crise histérica anestesia ou perda sensorial cegueira ou visão em túnel perda auditiva ou olfativa sintomas mistos Transtornos dissociativos Os transtornos dissociativos se caracterizam por perda na continuidade da experiência subjetiva e perturbação da integração normal por isso dissociação da consciência da memória da identidade das emoções das percepções da representação corporal do controle motor eou do comportamento Em decorrência de traumas emocionais graves ou conflitos psíquicos o paciente necessita cindir parte de suas funções mentais rechaçando os elementos consciente ou inconscientemente temidos ou indesejados Há vários subtipos de transtornos dissociativos que serão apresentados a seguir Na amnésia dissociativa DSM5 e CID11 em geral o indivíduo esquece elementos seletivos e significativos do ponto de vista psicológico amnésia psicologicamente seletiva Do ponto de vista temporal tratase geralmente de uma amnésia retrógrada com o indivíduo esquecendo ou apagando todos ou alguns aspectos seletivos do passado ou de um evento passado particular em geral traumático ou inaceitável psicologicamente Associada à amnésia dissociativa pode ocorrer a chamada fuga dissociativa na qual o indivíduo perambula sem rumo por horas ou dias em estado parcialmente alterado da consciência e pode apresentar o chamado estado crepuscular da consciência Uma paciente nossa internada no Hospital de Clínicas da Universidade Estadual de Campinas HCUNICAMP na terceira década de vida havia sofrido grave agressão sexual quatro meses antes e apresentou quadro de fuga dissociativa Ao ser encontrada pela família apresentava amnésia dissociativa retrógrada que abarcava tudo o que havia acontecido em sua vida até o período em que sofreu o trauma sexual Afirmava que não lembrava nada de sua infância e adolescência que acreditava que seus pais seriam realmente seus pais pois eles o afirmavam mas de fato ela não se lembrava deles nem dos irmãos Não lembrava nada em sua vida escolar Sobre os eventos que ocorreram depois do trauma sexual ela apresentava boa memória memória anterógrada e não mostrava dificuldades em guardar informações adquiridas depois do episódio Transtorno dissociativo de identidade DSM5 e CID11 Brand et al 2016 No transtorno dissociativo de identidade há ruptura da identidade e presença de dois ou mais estados de personalidade distintos identidades dissociadas A ruptura da identidade implica geralmente marcante descontinuidade no senso de si mesmo no senso de agência e no domínio das próprias ações O comportamento é observado por outras pessoas ou é relatado pelo indivíduo Pelo menos duas personalidades distintas recorrentemente tomam o controle da consciência e do funcionamento do paciente e atuam em áreas específicas da vida diária como na família ou no trabalho Mudanças da personalidade são acompanhadas de alterações correlatas na sensopercepção na cognição no afeto no controle motor na memória e nos comportamentos Há tipicamente episódios de amnésia associados a tais dissociações Embora muitos casos tenham sido relatados em trabalhos internacionais ver Brand et al 2016 e servido de inspiração para filmes e livros na prática clínica em nosso meio cultural eles são relativamente pouco frequentes Transtorno de despersonalizaçãodesrealização DSM5 e CID11 A despersonalização é definida como estranhamento e sensação de irrealidade em relação ao próprio Eu A pessoa percebe seu self como algo estranho ou irreal sentese distante de si mesma como se fosse um observador externo de si dos seus sentimentos pensamentos ações e sensações corporais Já a desrealização é caracterizada por perceber o mundo ao redor pessoas e objetos conhecidos e familiares como se fossem irreais ou estranhos como se estivessem em um sonho em cenas distantes ou nubladas sem cor ou visualmente distorcidas Para o diagnóstico desse transtorno é necessário que o indivíduo tenha seu senso de realidade bem preservado Assim não deve estar psicótico ou apresentar sintomas psicóticos associados como delírios eou alucinações Transtorno do transe e transtorno do transe com possessão CID11 No transtorno do transe o indivíduo deve apresentar estados de transe nos quais há alteração de seu estado de consciência e o senso de identidade pessoal é alterado No transe com possessão a consciência e identidade da pessoa é substituída por uma instância ou identidade externa possuidora o indivíduo se comporta com a sensação de estar sendo controlado pela entidade ou agente possuidor Esses quadros de transe são recorrentes e se o diagnóstico for feito em um episódio único devem durar vários dias Os transtornos de transe e de transe com possessão são involuntários e indesejados Eles se diferenciam de transes religiosos culturais pois o caso diagnosticado não pode fazer parte de práticas religiosas culturais do indivíduo e de seu meio cultural Assim pessoas que experimentam estados de transe por exemplo em centros espíritas kardecistas centros de umbanda ou candomblé não devem receber esses diagnósticos são fenômenos religiosos e culturais normais não psicopatológicos Crises histéricas transtorno conversivo com ataques semelhantes a uma convulsão epiléptica DSM5 Muito importante na prática clínica é a identificação das anteriormente chamadas crises histéricas Nos dias atuais elas são denominadas pelo DSM5 como transtorno conversivo com ataques semelhantes a uma convulsão epiléptica Tal denominação e classificação são de certa forma inexatas pois se trata de mecanismo de dissociação da consciência e não de conversão conceitos vistos anteriormente Tratase de crises de curta duração minutos a poucas horas com turvação mais ou menos profunda da consciência espasmos tremores abalos hipertonia ou atonia muscular O paciente range os dentes saliva pela boca às vezes geme ou grita Em geral são crises desencadeadas por situação estressante as quais ocorrem após discussão ou briga pessoal recebimento de uma notícia inesperada ou ao presenciar cena emocionalmente carregada É raro durarem mais do que algumas horas praticamente nunca surgem durante o sono e quase nunca ocorrem sem a presença de outras pessoas Emil Kraepelin em um trabalho de 1905 Loucura histérica descreve uma crise desse tipo em um homem de 50 anos de idade Queixavase de malestar caía ao chão em estado de rigidez jogava a cabeça para trás do travesseiro suas pálpebras se fechavam convulsivamente e tinha as pupilas dilatadas com débil reação à luz Quando se lhe abriam forçosamente os olhos se viam os globos oculares em rotação brusca para cima Se observavam também movimentos de defesa quando se lhe tocavam com uma agulha ou se passava água ou uma solução de quinino em seus lábios As manifestações do ataque se agrandavam com a aproximação do médico a sua cama e diminuíam até desaparecer quando ninguém estava perto dele Atualmente o enfermo está dono de si lúcido e bem orientado ainda que um pouco confuso em suas manifestações Kraepelin 1905 p 104 Do ponto de vista clínico é fundamental poder diferenciar tais crises das crises epilépticas O Quadro 314 pretende resumir e sistematizar os elementos desse importante diagnóstico diferencial Quadro 314 Diferenças entre crises dissociativas e crises epilépticas CRISE DISSOCIATIVA OU CONVERSIVA SEMELHANTE A CONVULSÃO NO PASSADO CRISE HISTÉRICA CRISE EPILÉPTICA Mais comum em mulheres Distribuição equilibrada entre os sexos Antecedentes pessoais de personalidade histriônica quadros conversivos ou dissociativos ou conflitos psicológicos importantes Pode ou não haver alterações psiquiátricas prévias pode haver dificuldades emocionais relacionadas a ter uma doença crônica e aos estigmas preconceituosos relacionados à epilepsia Predominam manifestações motoras que tendem a ser mais bizarras Segue os padrões dos diferentes tipos de crises epilépticas como crises tônico clônicas as crises parciais complexas com seus automatismos também podem apresentar aspecto aparentemente bizarro Uma fase tônica que precede a clônica é mais rara A fase tônica contrações musculares típicas mantidas por segundos precede a clônica abalos musculares dos membros e do tronco no tipo grande mal O paciente quase sempre fica com os olhos fechados durante a crise O paciente pode ter a crise com os olhos abertos Quando o indivíduo prende a respiração as extremidades quase sempre se apresentam relaxadas Hipertonia generalizada Atividade motora bilateral com preservação de consciência indica pseudocrise Quando há atividade motora bilateral a consciência deve estar alterada exceção espasmos mioclônicos ou flexores Tende a surgir na presença de outras pessoas durante o dia após discussões ou brigas familiares raramente surge durante o sono Pode surgir durante o sono ou quando o indivíduo está sozinho A instalação costuma ser mais lenta que abrupta Instalação geralmente abrupta A duração tende a ser mais longa que a de uma crise epiléptica Duração mais curta geralmente de segundos a poucos minutos Geralmente não há confusão mental obnubilação tontura cefaleia intensa ou hipotonia muscular após a pseudocrise Após a crise podem ocorrer confusão mental e obnubilação tontura cefaleia intensa e hipotonia muscular Raramente há liberação de esfincteres e perda de urina durante a crise Pode haver liberação de esfincteres com perda de urina durante a crise Eletrencefalograma EEG não demonstra alterações durante a crise tende a ser normal nos períodos O EEG pode demonstrar manifestações do tipo epiléptico na fase interictal espículas pontas espículaonda na fase ictal há traçado típico de crise intercríticos generalizada no EEG Transtorno de estresse póstraumático CID11 e DSM5 O TEPT é um transtorno com forte componente de ansiedade que se desenvolve após a exposição do indivíduo a um ou mais eventos extremamente ameaçadores traumáticos e horríveis como estupro sequestro assalto homicídio desabamentos incêndios catástrofes naturais eventos de guerra entre outros O TEPT se caracteriza por lembranças ou recordações vívidas que invadem a consciência do indivíduo que passou pelo trauma os chamados flashbacks ou em forma de pesadelos Estes com frequência se acompanham por emoções fortes e profundas com ansiedade medo eou horror e sensações físicas marcantes Ocorrem assim de forma recorrente a intensa sensação física eou sentimentos de que se está imerso nas mesmas emoções de quando se experimentou o evento traumático O paciente busca evitar os pensamentos e as recordações do evento traumático ou ainda evitar atividades situações ou pessoas que de alguma forma representem reminiscências do evento No TEPT o indivíduo experimenta um estado de contínua sensação de ameaça tende a estar hipervígil ou pronto para reagir a estímulos como ruídos inesperados Os sintomas duram muitas semanas ou meses e causam grande sofrimento Wallace Cooper 2015 Como a sociedade brasileira apresenta níveis de violência muito altos o TEPT representa uma condição de grande relevância clínica e social para os profissionais da saúde mental Em uma amostra representativa de adolescentes jovens e adultos de 15 a 75 anos que somou 3744 pessoas entrevistadas no Rio de Janeiro e em São Paulo cerca de 90 já haviam experimentado eventos traumáticos violentos em suas vidas A prevalência de algum transtorno mental nessa amostra foi de 421 a 440 O TEPT ocorreu nos últimos 12 meses em 16 a 50 das pessoas e pelo menos uma vez na vida em 87 a 102 Andrade et al 2012 Ribeiro et al 2013 Transtorno obsessivocompulsivo Os quadros obsessivocompulsivos apesar de terem marcante componente de ansiedade tendem nas classificações atuais a ser colocados em um capítulo separado Eles se caracterizam por ideias fantasias e imagens obsessivas e por atos rituais ou comportamentos compulsivos Esses quadros são vividos como uma pressão sobre o indivíduo como algo que o obriga e a que se submete No Brasil estudos epidemiológicos nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro revelaram a presença de TOC nos últimos 12 meses em 28 a 39 da população casos graves em 425 dos casos e pelo menos uma vez na vida em 36 a 41 Andrade et al 2012 Ribeiro et al 2013 Os quadros obsessivocompulsivos dividemse em dois subtipos básicos aqueles nos quais predominam as ideias obsessivas e aqueles nos quais predominam os atos e os comportamentos compulsivos Miguel 1996 Muito frequentemente entretanto se observam formas mistas Os quadros obsessivos portanto caracterizamse por ideias pensamentos fantasias ou imagens persistentes que surgem de forma recorrente na consciência são vivenciados com angústia e como algo que invade a consciência Um paciente jovem de 24 anos relatava embora eu seja muito católico vêm repetidamente à minha mente ideias como de que a Virgem Maria é uma prostituta ou me imaginava tendo relação sexual com minha irmã É horrível mas tais ideias não param de vir à minha mente O indivíduo reconhece o caráter irracional e absurdo desses pensamentos e tenta às vezes lutar contra eles ou neutralizálos com outros pensamentos ou com atos e rituais específicos No entanto geralmente tais tentativas fracassam Nos quadros compulsivos predominam comportamentos e rituais repetitivos como lavar as mãos inúmeras vezes tomar muitos banhos verificar se as portas e janelas estão trancadas dezenas de vezes colocar todos os objetos do quarto em certa ordem etc assim como atos mentais como repetir palavras mentalmente em silêncio fazer listas mentais fazer determinadas contas em geral em resposta a uma ideia obsessiva Devo estar com câncer aids ou sífilis então tenho que me lavar constantemente Os comportamentos e os atos compulsivos também podem surgir como forma de cumprir regras mágicas que precisam ser rigidamente seguidas Outras razões para os atos e os rituais compulsivos são pensamentos mágicos que vinculam a realização do ato compulsivo com o afastamento de algum evento temível ou indesejado Se eu der 15 voltas no quarteirão antes de entrar em casa ninguém da família morrerá Na prática clínica nem sempre é fácil demarcar com precisão o limite entre a obsessão e a fobia p ex obsessão por limpeza fobia de sujeira ou contaminação ou entre a ideia delirante e a obsessão com pouca crítica e insight Da mesma forma em alguns casos é difícil diferenciar entre o ato compulsivo vivenciado como obrigatório e desprazeroso e o ato impulsivo Pessoas com TOC têm com frequência TP sobretudo do grupo C TP obsessivocompulsiva 921 TP evitativa 18 e TP dependente 18 Também podem apresentar TP paranoide 15 e TP narcisista 63 Fallon et al 2012 CONDIÇÕES PSICOPATOLÓGICAS VIVENCIADAS SOBRETUDO NO CORPO O termo somatização tem significação ampla referente ao processo pelo qual um indivíduo padece em seu corpo sintomas físicos que não têm origem exclusiva em uma doença física mas se relacionam bem mais a dificuldades psicológicas psicossociais ou interpessoais Sintomas comuns nesses quadros são dores difusas cefaleias lombalgias artralgias dores abdominais corpalgias entre outras sintomas gastrintestinais náuseas diarreia dispepsia fadiga sono ruim e sintomas psicopatológicos inespecíficos como ansiedade depressão e irritabilidade Somatizações são muito frequentes em adultos principalmente mulheres mas também ocorrem em crianças e idosos A somatização pode acontecer na presença de doença física demonstrável intensificando demasiadamente a apresentação sintomática assim como na ausência de qualquer doença ou condição física Pode haver mas não obrigatoriamente o desejo consciente ou inconsciente de estar no papel de doente físico a fim de obter de alguma forma ganhos primários nesse caso tentativa inconsciente de se reequilibrar psicologicamente ou ganhos secundários benefícios sociais ou interpessoais concretos como licenças médicas e aposentadoria Além disso é possível que a somatização sirva como um meio de comunicação quando a expressão verbal mais direta está bloqueada Pode também representar uma forma de expressão de sofrimento e desconforto em pessoas que não conseguem reconhecer e verbalizar seus sentimentos Denominase alexitimia a dificuldade de identificar sentimentos e outras experiências subjetivas e diferenciálas de sensações corporais assim como a dificuldade de falar sobre as próprias emoções e dificuldades subjetivas e a tendência a ter um estilo de pensamento orientado para o externo para o concreto A alexitimia tende a ser mais frequente em alguns grupos sociais e culturais homens trabalhadores braçais populações rurais migrantes do campo para a cidade e possivelmente se associa a certos traços de personalidade como introversão isolamento e dificuldades nas relações interpessoais Há entretanto certa controvérsia sobre se realmente há relação entre a alexitimia e maior ocorrência de somatizações revisão sobre alexitimia em Páez Casullo 2000 Os quadros de somatização podem ser situacionais e transitórios durante uma fase difícil da vida ou estáveis e duradouros passando a ser um estilo ou modo de conduzir a vida Ford 1986 Os indivíduos com quadros hipocondríacos e somatizações tendem a rejeitar a ideia de que seu sofrimento seja de origem psicológica ou psicossocial voltandose sempre à queixa corporal Sintomas médicos inexplicados Há atualmente a tendência a se identificar os processos de somatização com o que se convencionou chamar de sintomas médicos inexplicados SMIs medically unexplained symptoms MUS Tais sintomas são comuns na atenção primária e sobrecarregam tanto os pacientes como os profissionais da saúde Os profissionais têm de enfrentar a dificuldade de fornecer aos pacientes e familiares explicações que sejam minimamente convincentes e legitimadas van Ravenzwaaij et al 2010 Os SMIs têm considerável prevalência e apresentamse frequentemente como dores de cabeça dores nas costas e lombalgias dores musculares e nas juntas associadas a fadiga e malestar corporal geral Para tentar explicálos têm sido propostas abordagens e teorias explicativas como desregulação endócrina e imunológica disfunção do sistema nervoso autonômico modelo da amplificação somatossensorial sensitização sistêmica modelo do déficit em filtro de sinais e propriocepção anormal van Ravenzwaaij et al 2010 Na população em geral dois terços dos homens e quatro quintos das mulheres relatam pelo menos uma dessas queixas nas últimas duas semanas Em cerca de 25 a 50 dos sintomas vistos na atenção primária não há evidência de qualquer doença física Em ambulatórios e consultórios de especialistas tal frequência parece ser ainda maior 3070 van Ravenzwaaij et al 2010 Além de se sobrepor à noção de somatização a noção de SMI também se sobrepõe às noções de fibromialgia e síndrome da fadiga crônica que serão abordadas a seguir Fibromialgia e síndrome da fadiga crônica Denominase fibromialgia a condição na qual pacientes relatam dores corporais difusas mas com maior importância nos músculos A dor é real estudos neurofuncionais indicam ativação de estruturas neurais relacionadas à dor e se concentra em determinados pontos do corpo principalmente aqueles associados às articulações Há maior sensibilidade à dor Formase um círculo vicioso no qual o indivíduo com musculatura dolorida tem mais tensão muscular o que amplifica a dor Essas pessoas também têm sono de má qualidade mais ansiedade e depressão gerando dificuldades na realização de atividades físicas e exercícios O sedentarismo piora as dores e tensões musculares o que retroalimenta o círculo vicioso Na síndrome da fadiga crônica há cansaço ou fadiga persistentes e relevantes que duram de vários meses a vários anos exigese para o diagnóstico pelo menos seis meses sem o diagnóstico de uma doença física ou mental que explique melhor esses sintomas Tal síndrome acomete mais adultos mas também foi descrita em crianças Ela é acompanhada por outros sintomas subjetivos como sono ruim e não reparador dificuldades na atenção na concentração e na memória malestar após exercícios físicos dores musculares e nas articulações sensibilidade aumentada nos linfonodos cervicais ou axilares dor de garganta e cefaleia ver revisão em Zorzanelli 2010 Tanto a fibromialgia como a síndrome da fadiga crônica mas também a distimia os quadros mistos de ansiedade e depressão e outros transtornos de somatização se assemelham à categoria histórica chamada neurastenia Quadro 315 Quadro 315 A neurastenia Introduzida pelo norteamericano Georg Miller Beard 18391883 em 1869 a neurastenia já foi uma categoria muito utilizada por clínicos e pelo público leigo Atualmente está em relativo desuso e tende a ser substituída pelos conceitos de síndrome da fadiga crônica distimia fibromialgia entre outros A neurastenia se caracteriza por fadiga fácil depois de esforço físico ou mental dores musculares dificuldade em relaxar sensação de fraqueza e exaustão corporal irritabilidade dificuldade em concentrarse tonturas cefaleias e insegurança Pode haver dificuldades com o sono Sintomas depressivos sobrepõemse amplamente aos da neurastenia Bertolote 1997 Por fim cabe assinalar que na prática clínica diária sintomas como dores musculares cansaço tontura dores abdominais e de outras partes do corpo em mais de 15 dos casos permanecem sem justificativas biomédicas e são identificados como SMI Segundo Kirmayer e colaboradores 2004 tais sintomas ocorrem nas mais diversas culturas e estão associados a estresses emocionais e sociais dos mais variados as próprias culturas dispõem de sistemas médicoexplicativos que formulam hipóteses locais que elucidam e classificam tais experiências não sendo sempre adequado reduzilos à categoria de somatização ou transtorno psicossomático Hipocondria ou transtorno hipocondríaco No transtorno hipocondríaco transtorno de ansiedade de doença CID11 e DSM5 nosofobia CID11 predominam os temores e as preocupações intensas com a ideia de ter uma patologia grave Essas ideias surgem geralmente a partir de sensações corporais ou sinais físicos mínimos ou insignificantes O indivíduo procura constantemente médicos e serviços de saúde para ver se agora tem a doença mesmo ou para receber garantias do contrário Entretanto embora haja preocupação enorme com a possibilidade de sofrer de tais doenças tal preocupação não tem caráter delirante e o indivíduo pode fazer uma crítica em algum momento quanto ao caráter absurdo de suas preocupações Nos transtornos hipocondríacos são frequentes alterações comórbidas de personalidade 40 a 70 das pessoas com transtorno hipocondríaco têm algum TP geralmente os da personalidade paranoide 19 evitativa 18 e obsessivocompulsiva 14 Em um estudo na Grécia os TPs mais comuns foram TP histriônica 22 e TP obsessivocompulsiva 22 Fallon et al 2012 Os instrumentos padronizados de avaliação de quadros ansiosos Escala de Avaliação de Ansiedade de Hamilton e de TOC Escala YaleBrown de Obsessões e Compulsões YBOCS estão disponíveis no hotsite do livro Quadro 316 Semiotécnica de síndromes com predomínio de ansiedade PERGUNTAS Ataques de pânico Você já teve ataques ou crises de medo intenso em que se sentiu muito mal Teve crises intensas de ansiedade Sentia batedeira falta de ar formigamentos sensação de que iria morrer ou perder o controle Duravam quanto tempo Quando foi a primeira crise Quantas crises em média ocorriam em um mês Agorafobia Tem medo de lugares muito amplos como supermercados estádios cinemas congestionamento de carros Tem medo de ter um ataque de ansiedade nesses lugares ou de não poder escapar deles Fobias simples Tem medo de alguma coisa ou de algum animal em especial cobra sapo barata cachorro Tem medo de ver sangue facas giletes ou vidros quebrados Tem medo de avião Fobia social Você se acha uma pessoa tímida Tem medo de falar em público dar aulas ou apresentar seminários Tem medo de ir a festas e conhecer gente nova Tem receio de falar com pessoas que considera mais importantes que você Tem medo ou sente desconforto em se alimentar na frente de desconhecidos Crises dissociativas Já teve desmaios ou crises nervosas em que desligou perdeu a consciência Quando ocorreram Quanto tempo duravam as crises Com que frequência têm ocorrido Algo facilita que as crises ocorram discussões brigas contrariedades Você tem algum grau de controle sobre esses desmaios Sintomas conversivos Já teve paralisias ou anestesias de partes do corpo Como surgiram Estavam relacionadas a algum problema pessoal Você ficou assustado com isso Teve outros problemas no corpo p ex perder a voz a visão relacionados com períodos de nervosismo ou com brigas ou outros problemas pessoais Sintomas hipocondríacos Sentese muito preocupado com sua saúde física Acha que tem alguma doença Acha que pode ser algo grave Apesar de os exames serem negativos acha que realmente deve ter algo grave Em caso de as respostas confirmarem que já houve síndromes ansiosas sintomas ansiosos ou de somatizações perguntar Quando foi que esses problemas sintomas começaram a acontecer Houve períodos em que estiveram melhores ou piores Algo ajudou você a melhorar em relação a esses problemas SEMIOLOGIA DE QUADROS OBSESSIVOCOMPULSIVOS PERGUNTAS Ideias obsessivas Você tem algumas ideias ou pensamentos que não saem de sua cabeça e que voltam sem parar incomodandolhe Quais são esses pensamentos O que acha deles São absurdos ou reais Atos compulsivos Você realiza algum tipo de ato ou ritual de forma repetitiva Tem manias como lavar as mãos muitas vezes verificar repetidamente se as portas e as janelas da casa estão realmente fechadas Demora muito tempo no banho Os atos os rituais ou as manias servem para neutralizar algum pensamento ou ideia 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 48 49 50 51 52 53 54 55 56 57 58 59 60 61 62 63 64 65 66 67 68 69 70 71 72 73 74 75 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 100 101 102 103 104 105 106 10 2 10 3 10 4 10 5 10 6 10 7 10 8 10 9 110 111 112 113 114 115 116 117 118 119 120 32 Síndromes psicóticas quadros do espectro da esquizofrenia e outras psicoses As síndromes psicóticas caracterizamse por experiências como alucinações e delírios desorganização marcante do pensamento eou do comportamento ou comportamento catatônico Janzarik 2003 APA 2014 CID11 2018 Experiência intensa de estar sendo perseguido ou ameaçado por pessoas ou forças estranhas assim como alterações evidentes na vida pessoal familiar e social são frequentes nos quadros psicóticos São condições de modo geral de acentuada gravidade Schimid 1991 Gaebel Zielasek 2015 Não há consenso pleno entretanto sobre a definição precisa de psicose Nielsen et al 2008 Os autores de orientação psicodinâmica assim como muitos psicólogos clínicos tendem a dar ênfase à perda de contato com a realidade eou a distorções muito marcantes na percepção e na relação com a realidade O teste de realidade que é a função do ego em avaliar e julgar de modo objetivo o mundo externo estaria gravemente prejudicada na psicose tal visão tem origem nas noções de Freud e de Bleuler de esquizofrenia Já os autores de orientação fenomenológica formulam que na psicose ocorrem alterações básicas na estrutura de experiências fundamentais como as do espaço e do tempo Há então perda de elementos normalmente compartilhados do senso comum a chamada folk epistemology Ocorre transformação de como o indivíduo se dirige ao mundo e às pessoas uma mudança do vetor da intencionalidade Normalmente partimos de nós mesmos para dirigir nossa consciência em direção ao mundo na psicose o mundo é que é percebido como se dirigindo ao sujeito O mundo invade por assim dizer a consciência Há assim a chamada inversão do arco intencional da consciência Na visão fenomenológica profundas modificações do eu corporal e do senso de agência do self estariam na base da psicose Esse modo de entender o que é psicose em certo sentido se contrapõe à orientação da psiquiatria clínica que dá ênfase à noção de psicose como presença de sintomas psicóticos delírios alucinações desorganizações marcantes de pensamento e comportamento Tais elementos clínicos são os parâmetros de identificação e diagnóstico de psicoses sugeridos pela Classificação internacional de doenças e problemas relacionados à saúde CID 11 e pelo Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais DSM5 De toda forma é consensual que pacientes psicóticos geralmente têm insight muito prejudicado precária consciência da doença em relação aos seus sintomas e a sua condição clínica geral Mella et al 2011 Dantas et al 2011 Além disso a condição é um transtorno quase sempre muito grave e profundamente perturbador para o indivíduo e pessoas próximas ESQUIZOFRENIA A principal forma de psicose ou síndrome psicótica por sua frequência e sua importância clínica é certamente a esquizofrenia Tsuang Stone Faraone 2000 Tandon Keshavan Nasrallah 2008 Essa doença internacionalmente tem incidência anual casos novos por ano em torno de 15 a 42 por 100 mil habitantes e prevalência pontual point prevalence de 04 45 pessoas por 1000 habitantes O risco de ter esquizofrenia alguma vez na vida é em média de 07 7 pessoas em cada 1000 habitantes Tandon et al 2009 No Brasil a prevalência alguma vez na vida é semelhante em torno de 08 Mari Leitão 2000 Matos et al 2015 Um estudo recente sobre a incidência anual de casos tratados casos novos por ano que chegam a serviços de saúde mental de psicoses não afetivas em seis países cinco europeus e no Brasil em Ribeirão PretoSP envolveu população total de 129 milhões de pessoas de 2010 a 2015 A incidência global foi de 169 por 100 mil habitantes mas houve marcante variação entre os locais de 52 por 100 mil em Santiago Espanha a 575 por 100 mil no sudeste de Londres No Brasil em Ribeirão Preto SP nesse estudo a taxa de incidência anual foi de 148 por 100 mil habitantes No total dos países ter o status de minoria racial ou étnica se associou a maior risco de psicose Jongsma et al 2018 Assim os dados indicam que o Brasil tem situação intermediária nem baixa nem alta em termos de incidência e prevalência de psicoses não afetivas a maior parte das quais é esquizofrenia O conceito de esquizofrenia A proposta de se recortar uma entidade nosológica que incluiria formas distintas de loucura paranoide catatônica e dos jovens ou hebefrênica foi feita pelo psiquiatra alemão Emil Kraepelin 18561926 em 1896 que a nomeou dementia praecox dementia pela noção de que a maior parte dos pacientes teria evolução muito ruim e praecox pelo seu início frequente em jovens e adultos jovens Já o psiquiatra suíço Eugen Bleuler 18571939 propôs em 1911 o termo esquizofrenia dando ênfase à desarmonia interna do funcionamento mental e à quebra radical do contato com a realidade que ele notava nesse transtorno Apesar de o surgimento dos antipsicóticos de primeira anos de 1950 e segunda gerações anos de 1980 e 1990 ter mudado bastante as possibilidades terapêuticas alguns elementos clínicos do construto nosológico esquizofrenia permanecem com considerável estabilidade Leme Lopes 1980 desde Kraepelin e Bleuler até as visões e classificações atuais como a CID11 e o DSM5 Entre as mais importantes propostas para conceitualizar o que deve ser compreendido como esquizofrenia estão as noções apresentadas tanto por autores importantes da psicopatologia como pelos sistemas diagnósticos atuais Essas visões estão apresentadas no Quadro 321 Quadro 321 Definições e visões de esquizofrenia EMIL KRAEPELIN 18561926 EUGEN BLEULER 18571939 Alterações da vontade perda do elã vital negativismo Aplainamento até embotamento afetivo Alterações da atenção e da compreensão Transtorno do pensamento no sentido de associações frouxas Alterações do juízo da avaliação da realidade Alucinações especialmente auditivas Vivências de influência sobre o pensamento Evolução deteriorante 83 dos casos no sentido de embotamento geral da personalidade Alterações formais do pensamento no sentido de afrouxamento até perda das associações Aplainamento até embotamento afetivo Ambivalência afetiva afetos contraditórios vivenciados intensamente ao mesmo tempo Autismo como tendência a isolamento psíquico global em relação ao mundo Dissociação ideoafetiva desarmonia profunda entre as ideias e os afetos Evolução muito heterogênea muitos casos podem apresentar evolução benigna KARL JASPERS 18831969 KURT SCHNEIDER 18871967 Ideias delirantes primárias não compreensíveis psicologicamente Humor delirante precede o delírio Alucinações verdadeiras primárias Vivências de influência vivências do feito Analisandose a vida total do paciente notase que ocorreu quebra na curva existencial transformação radical da personalidade e da existência da pessoa Percepção delirante Vozes que comentam a ação Vozes que comandam a ação Eco ou sonorização do pensamento Difusão do pensamento Roubo do pensamento Vivências de influência no plano corporal dos afetos das tendências da vontade ou do A 1 2 3 4 5 B C pensamento CID11 DSM5 Podem estar presentes alterações em múltiplas dimensões mentais e comportamentais inclusive pensamento delírios eou desorganização da forma do pensamento percepção alucinações experiências de alterações do self experiência de que os sentimentos impulsos pensamentos ou atos estão sob controle de forças externas perdas cognitivas déficits na atenção na memória verbal e na cognição social alterações da volição perda da motivação alterações dos afetos aplainamento emocional alterações psicomotoras inclusive catatonia São considerados sintomas nucleares delírios eou alucinações persistentes transtornos formais do pensamento experiências de influência passividade ou controle Os sintomas devem estar presentes por pelo menos um mês Dois ou mais dos seguintes sintomas de 1 a 5 devem estar presentes com duração significativa por pelo menos um mês delírios alucinações discurso desorganizado comportamento grosseiramente desorganizado ou catatônico sintomas negativos embotamento afetivo alogia avolição Disfunções sociais no trabalho eou no estudo denotando perdas nas habilidades interpessoais e produtivas Duração dos sintomas principais de pelo menos um mês de A 1 a 5 e do quadro deficitário sintomas prodrômicos ou residuais de pelo menos seis meses Os psicopatólogos do fim do século XIX e início do XX distinguiram quatro subtipos de esquizofrenia a forma paranoide caracterizada por alucinações e ideias delirantes principalmente de conteúdo persecutório a forma catatônica marcada por alterações motoras hipertonia flexibilidade cerácea e alterações da vontade como negativismo mutismo e impulsividade a forma hebefrênica caracterizada por pensamento desorganizado comportamento bizarro e afeto marcadamente pueril infantilizado e um subtipo dito simples no qual apesar de faltarem sintomas característicos seria observado um lento e progressivo empobrecimento psíquico e comportamental com negligência quanto aos cuidados de si higiene roupas saúde embotamento afetivo e distanciamento social Entretanto os subtipos clínicos da esquizofrenia foram abandonados pelos sistemas de classificação atuais CID11 e DSM5 pois não se revelaram suficientemente úteis pelas seguintes razões Braff et al 2013 não são estáveis ao longo do tempo pacientes com frequência mudam de subtipo ao longo dos anos não predizem padrão de evolução da doença não predizem resposta a tratamentos farmacológicos ou psicossociais são muito heterogêneos em relação às bases genéticas e neuronais da esquizofrenia a delimitação dos subtipos tem sido cada vez menos utilizada em pesquisas 1 2 3 4 5 6 Nas últimas décadas em contraposição à definição de subtipos delimitados temse dado muito mais importância à identificação de conjuntos de sintomas e comportamentos que podem se combinar de formas muito variadas e heterogêneas nas diversas fases da esquizofrenia nas quais preponderariam distintas dimensões sintomatológicas Seria então de interesse estadiar a evolução da doença observandose a progressão e a regressão desses sintomas e dimensões sintomatológicas ao longo do tempo A seguir são apresentados os principais grupos de sintomas da esquizofrenia Andreasen 1995 Tandon et al 2009 APA 2014 CID11 2018 Sintomas negativos Sintomas positivos Sintomas de desorganização Sintomas psicomotorescatatonia Sintomasprejuízos cognitivos Sintomas de humor Sintomas negativos síndrome negativa ou deficitária Dantas Banzato 2007 Os sintomas negativos das psicoses esquizofrênicas caracterizamse pela perda de certas funções psíquicas na esfera da vontade do pensamento da linguagem etc e pelo empobrecimento global da vida afetiva cognitiva e social do indivíduo Os principais sintomas ditos negativos nas síndromes esquizofrênicas são Distanciamento e aplainamento afetivo ou afeto embotado em graus variáveis até em alguns casos grave embotamento afetivo perda da capacidade de se sintonizar afetivamente com as pessoas de ter eou demonstrar ressonância afetiva no contato interpessoal Um conjunto de alterações que resultam em retração social ou associalidade Assim em decorrência de alterações nas esferas afetivas sobretudo apatia e volitivas abulia e redução do drive do impulso para agir socialmente o indivíduo vai se isolando progressivamente do convívio social havendo restrição dos interesses Alogia ou empobrecimento da linguagem e do pensamento que se constata pela diminuição da fluência verbal e pelo discurso empobrecido Diminuição da vontade avolição que se expressa geralmente por diminuição da iniciativa e por hipopragmatismo ou seja dificuldade ou incapacidade de realizar ações tarefas trabalhos minimamente organizados que exijam iniciativa motivação organização e persistência Anedonia diminuição da capacidade de experimentar e sentir prazer A anedonia na esquizofrenia é distinta daquela experimentada nas depressões pois enquanto na esquizofrenia não há evidente desconforto subjetivo com a experiência de anedonia nos quadros depressivos ela se apresenta marcada por desconforto subjetivo mais ou menos intenso Buscase atualmente identificar se os sintomas negativos que o paciente apresenta são primários decorrentes de forma intrínseca da própria esquizofrenia ou secundários decorrentes de efeitos colaterais dos medicamentos antipsicóticos de depressão ou de privação e isolamento social Os sintomas negativos podem surgir devido à ação inibitória de sintomas positivos por exemplo o indivíduo fica pouco ativo sem iniciativa isolado dos outros pois experimenta delírio ou alucinação que o ameaça e impõe retaliações caso saia de seu isolamento Em decorrência dos sintomas negativos observase em uma parte das pessoas com esquizofrenia uma considerável negligência quanto a si mesmo que se revela pelo descuido e desinteresse para consigo mesmo com higiene pobre roupas malcuidadas descuido da aparência eou dos cuidados com a saúde cabelos sujos dentes apodrecidos entre outros aspectos O distanciamento e o embotamento afetivo assim como a retração social e a restrição dos interesses pelo mundo externo correspondem em certa medida ao que Eugen Bleuler 18571939 denominou autismo na esquizofrenia Bleuler 1911 Para o autor a síndrome autística da esquizofrenia construto claramente distinto do atual autismo infantil ou TEA incluiria além de dificuldade ou incapacidade de estabelecer contato afetivo com outras pessoas e retração do convívio social a inacessibilidade ao mundo interno do paciente em casos extremos mutismo e comportamento marcadamente negativista atitudes e comportamentos rígidos e pensamento bizarro ou idiossincrático Parnas Bovet 1991 Não se conhece o que causa a neurofisiopatologia dos sintomas negativos sabese que eles são relativamente refratários ao tratamento farmacológico e representam ao lado das perdas cognitivas importante componente que agrava o 1 curso da doença e empobrece consideravelmente a vida social laboral e afetiva de pessoas com esquizofrenia Sintomas positivos síndrome positiva ou de sintomas produtivos Diferentemente dos sintomas negativos que se manifestam principalmente pelas ausências e pelos déficits psíquicos e comportamentais os sintomas ditos positivos são manifestações novas salientes do processo esquizofrênico Os principais sintomas positivos da esquizofrenia são Alucinações que são consideravelmente frequentes mas também pode haver ilusões ou pseudoalucinações O tipo de alucinação mais frequente é a auditiva alucinações audioverbais ou seja vozes que o paciente ouve geralmente com conteúdos de acusação ameaça ou pejorativos mas também pode haver alucinaçõesilusões visuais táteis gustativas gosto de veneno nos alimentos eou olfativas autoósmicas sentir cheiro de pus ou de algo apodrecido dentro do abdome sentir cheiro de podre Ideias delirantes delírio frequentemente de conteúdo persecutório autorreferentes ou de influência mas pode haver delírios com outros conteúdos ou de outra natureza A duração a abrangência o grau de sistematização e a implicação de tendência à ação dos delírios são bem variáveis Os delírios e as alucinações com conteúdos implausíveis bizarros eventos ou fatos praticamente impossíveis de ocorrer assim como não congruentes com o humor basal do paciente são indicadores robustos de esquizofrenia Outras formas de distorção da realidade ou dificuldades com o teste de realidade como a presença de ideias muito deturpadas marcadamente bizarras sobre a realidade sobre os fatos do mundo sobre a história do paciente embora não sejam necessariamente delírios podem estar presentes O psicopatólogo alemão Kurt Schneider 18871967 propôs que alguns sintomas que poderiam ser incluídos junto ao grupo dos sintomas positivos teriam um peso maior para o diagnóstico da esquizofrenia Tandon Greden 1987 Schneider 1992 denominados então sintomas de primeira ordem São eles Percepção delirante Uma percepção normal recebe instantaneamente uma significação delirante Essa vivência delirante ocorre de modo simultâneo ao ato perceptivo em geral de forma abrupta maciça como uma espécie de 2 3 4 5 6 revelação Para Schneider 1992 essa é a forma fundamental do delírio na esquizofrenia Alucinações auditivas características São as vozes que acompanham as ações do paciente com observações que fazem comentários ocorrem na forma de fala e resposta ou vozes que comandam a ação do indivíduo Elas transmitem ordens ao paciente ou fazem comentários sobre seus atos Eco do pensamento ou sonorização do pensamento Gedankenlautwerden O indivíduo escuta seus pensamentos ao pensálos um paciente de Schneider dizia são os meus pensamentos que ouço Eles se fazem ouvir quando há silêncio Difusão divulgação ou publicação do pensamento Nesse caso o indivíduo tem a sensação de que seus pensamentos são ouvidos ou percebidos claramente pelos outros no momento em que os pensa Um paciente que entrevistamos dizia tudo o que penso é transmitido por uma espécie de rádio para todos os pontos da Terra todos ficam imediatamente sabendo Roubo do pensamento Experiência na qual o indivíduo tem a sensação de que seu pensamento é inexplicavelmente extraído de sua mente como se fosse roubado Distúrbios da vivência do eu Vivências de influência sobre o corpo ou sobre a vida mental Aqui dois tipos de vivências de influência são mais significativos Vivências de influência sobre o corpo São experiências nas quais o paciente sente que uma força ou um ser externo age sobre seu organismo sobre seus órgãos emitindo raios ondas sinais elétricos ou eletromagnéticos influenciando as funções corporais tocando seus genitais tendo relações sexuais consigo uma bala de revólver gira dentro de meu peito ou uma força pressiona meu cérebro ou ainda sou penetrada à noite pelo demônio Vivências do fabricado ou do feito por outros ou por forças externas impostas ao indivíduo nos campos da sensação do sentimento das tendências do impulso da vontade ou do pensamento Referemse à experiência de que algo influencia de forma maciça seus sentimentos impulsos vontades ou pensamentos Essas vivências têm a peculiar qualidade de serem experimentadas como algo feito ou fabricado e imposto de fora é a vivência de uma imposição estranha um chip de computador foi instalado em minha cabeça e comanda meus pensamentos ou sentimentos impulsos vontades Os sintomas de primeira ordem indicariam profunda alteração da relação eumundo uma alteração radical do self de membranas que delimitariam o euself em relação ao mundo uma perda marcante da dimensão da intimidade Ao sentir que uma força um comando sob a forma de raios transmissões ondas é imposto de fora feito a sua revelia o indivíduo vivencia a perda do controle sobre si mesmo a invasão maciça de algo do mundo externo sobre seu ser íntimo Esse tipo de experiência psicótica dos pensamentos mais íntimos serem imediatamente percebidos por outras pessoas de pensamentossentimentosvontades serem impostos de fora para dentro do eu em conjunto com a experiência de difusão ou publicação do pensamento expressa a vivência de uma considerável fusão do eu com o mundo um avançar terrível do mundo público sobre o privado assim como um extravasamento involuntário da experiência interior íntima e pessoal sobre o mundo circundante Sintomas de desorganização síndrome de desorganização Essa síndrome tem certa correspondência ou semelhança com o subtipo classicamente denominado esquizofrenia hebefrênica Assim nas formas desorganizadas da doença observamse Pensamento progressivamente desorganizado de leve afrouxamento das associações passando por descarrilamento do pensamento até a total desagregação e produção de um pensamento totalmente incompreensível totalmente incoerente Nesses casos geralmente é observada a fragmentação da progressão lógica do discurso Discurso que revela tangencialidade e circunstancialidade em níveis não totalmente desorganizados da linguagempensamento A presença de neologismos eventualmente é incluída aqui mas pode também ser classificada junto aos sintomas positivos Comportamentos desorganizados e incompreensíveis particularmente comportamentos sociais e sexuais bizarros e inadequados observados em vestimenta adornos aparência e expressão geral bizarra Afeto inadequado marcadamente ambivalente incongruente e em descompasso franco entre as esferas afetivas ideativas e volitivas pode ser incluído como parte da síndrome de desorganização Tal incongruência ou desarmonia interna foi reiteradamente pensada como um dos elementos centrais da esquizofrenia Foi denominada por Erwin Stransky 18771962 de ataxia intrapsíquica por Philippe Chaslin 18571923 de loucura discordante e por Eugen Bleuler 18571939 de dissociação ideoafetiva Sintomas psicomotores e catatonia síndrome psicomotora Não é incomum pacientes com esquizofrenia apresentarem lentificação e empobrecimento psicomotor com restrição do repertório da esfera gestual e motora Alterações psicomotoras também são verificadas na forma de estereotipias de movimentos atos gestos atitudes mais complexos que os tiques repetidos de forma mecânica sem finalidades maneirismos gestos complexos repetidos que parecem ter um objetivo e significado para o indivíduo mas que são percebidos pelo observador como algo excessivo excêntrico e muito bizarro e posturas bizarras Alguns pacientes fazem caretas que não se sabe por que vestem roupas e usam adornos bizarros A síndrome catatônica ou catatonia é a manifestação psicomotora mais marcante na esquizofrenia Na catatonia embora os pacientes apresentem o nível de consciência preservado podem revelar sintomas de estupor diminuição marcante até ausência de atividade psicomotora com retenção da consciência mutismo e negativismo o paciente fica no leito parado sem fazer nada sem responder a solicitações sem se alimentar e às vezes sem sair para urinar ou defecar Também pertencem à catatonia a flexibilidade cerácea ou catalepsia o paciente fica na posição que o colocam mesmo em posições dos membros contra a gravidade a ecolalia repetir mecanicamente palavras do interlocutor eou a ecopraxia repetir mecanicamente atos dos outros Um grupo menor de pacientes em catatonia apresenta alternadamente com a lentificação e o estupor momentos de muita agitação psicomotora às vezes com agressividade impulsiva aparentemente imotivada chamada de excitação catatônica ou furor catatônico Cabe salientar que na CID11 a catatonia é também considerada uma síndrome psicopatológica autônoma situada na vizinhança da esquizofrenia Sintomasprejuízos cognitivos Há alterações cognitivas difusas na doença que na maior parte das vezes precedem mesmo o surgimento dos sintomas psicóticos e são muito relevantes pois afetam marcadamente a evolução funcional dos pacientes revisão em Dantas et al 2010 Essas alterações são muito frequentes e acometem possivelmente a maioria dos indivíduos acometidos pela doença Alterações cognitivas na esquizofrenia incluem os seguintes domínios da cognição atenção memória episódica memória de trabalho velocidade de processamento e funções executivas frontais inclusive fluência verbal São particularmente importantes pelas suas repercussões para a vida social e socioafetiva do indivíduo as alterações da cognição social Aqui se verifica déficit em teoria da mente sistema de inferências ligado à compreensão de intenções disposições e crenças dos outros e de si mesmo Também em relação à cognição social observamse dificuldades na percepção e no gerenciamento de emoções perceber e compreender as emoções a partir de pistas faciais tom de voz gestos e déficit na percepção social compreender o contexto social decodificar e identificar dicas sociais de acordo com o ambiente Por fim a cognição social pode estar prejudicada em relação ao viés ou estilo de atribuição que é o modo como se inferem as causas dos acontecimentos referentes às outras pessoas a si mesmo ou a fatores ambientais Observase na esquizofrenia tendência a apresentar vieses de atribuição no sentido de atribuições negativas aos outros em vez de ao ambiente ou atribuições mais hostis às ações e aos comportamentos dos outros do que de fato está ocorrendo Mecca Martins Dias Berberian 2016 As alterações cognitivas na doença são atualmente consideradas uma dimensão muito relevante desse transtorno pois são fortes preditores de pior evolução na vida social e do trabalho Embora haja pesquisas com tentativas de intervenções tratamentos farmacológicos e neuropsicológicos são de muito modesta eficácia para as alterações cognitivas Sintomas de humor Há redução da experiência e da expressão emocional em muitos pacientes vista também como uma dimensão dos sintomas negativos Em contraste com tal redução os indivíduos apresentam com frequência aumento da reatividade emocional sobretudo quando também apresentam sintomas positivos quando expostos a muitos estímulos Essa combinação de redução da expressão emocional com maior reatividade emocional tem sido denominada de paradoxo emocional da esquizofrenia Aleman Kahn 2005 Pessoas com esquizofrenia apresentam taxas mais altas do que a população em geral de sintomas ansiosos e depressivos bem como depressão clínica Os sintomas ansiosos são dos diversos tipos ansiedade generalizada ataques de pânico ansiedadefobia social e sintomas obsessivocompulsivos Os sintomas de humor podem também surgir atrelados a sintomas da esquizofrenia ou a efeitos colaterais dos antipsicóticos chamada de disforia dos neurolépticos Tais sintomas podem ocorrer antes da eclosão dos sintomas positivos nos quadros com atividade psicótica entre os surtos ou nos períodos após os surtos no caso de sintomas depressivos denominase depressão póspsicótica Sintomas de humor contribuem significativamente para o sofrimento e as dificuldades pessoais e sociais que a esquizofrenia implica Outras características e sintomas associados à esquizofrenia A falta de insight é um elemento importante da maioria dos pacientes Dantas et al 2011 os quais em geral não acham que têm qualquer problema ou doença às vezes reconhecem a presença dos sintomas mas atribuemnos a outras causas ou fatores nervosismo influências espirituais religiosas ação do demônio dificuldades na vida que todos têm etc É também comum os pacientes negarem que tenham necessidade de tratamento acompanhamento médico eou psicológico ou tratamento medicamentoso O insight e sua falta não são de modo geral um fenômeno do tipo tudo ou nada há graus de insight e áreas dele mais prejudicadas ou não por exemplo uma pessoa com esquizofrenia pode não ter insight algum sobre o caráter patológico de sua condição mas reconhece que necessita de ajuda para dificuldades nas relações familiares e por isso aceita o uso de medicação antipsicótica e intervenções psicossociais para a doença Nos surtos psicóticos quando há necessidade de internação os pacientes com bastante frequência a recusam mesmo após terem apresentado comportamentos francamente disfuncionais ou destrutivos como agressões graves a pessoas ou destruição de objetos na casa entre outros Pacientes com esquizofrenia apresentam sintomas neurológicos inespecíficos neurological hard e principalmente soft signs prejuízo na função olfativa déficits na identificação e na discriminação de odores hipoalgesia sensibilidade diminuída à dor e alterações da motilidade dos olhos anormalidades oculomotoras dos movimentos sacádicos dos olhos Também 1 2 3 4 5 6 7 8 9 podem apresentar prejuízo nas habilidades de coordenação motora fina e de sequenciamento de tarefas motoras complexas presença aumentada de reflexos primitivos de liberação cortical assim como maior prevalência de mancinismo predomínio da mão esquerda ou dominância lateral mista o que indica possivelmente anomalia da dominância hemisférica cerebral Um bom resumo do que foi identificado e conhecido de forma consistente pelas pesquisas científicas sobre a esquizofrenia nas últimas décadas foi apresentado em uma série de artigos no periódico científico Schizophrenia Research que resultou na série Schizophrenia Just the Facts Tandon Keshavan Nasrallah 2008 Tandon et al 2009 O Quadro 322 apresenta resumidamente esses fatos e conhecimentos mais bem confirmados pelas pesquisas Quadro 322 Alguns dos aspectos mais relevantes descritos pela pesquisa científica sobre a esquizofrenia A esquizofrenia se caracteriza pela combinação de sintomas positivos negativos desorganização sintomas cognitivos psicomotores e de humor Ela geralmente é diagnosticada quando sintomas positivos e negativos ocorrem em conjunto com perdas no funcionamento social na ausência de sintomas proeminentes de humor mania eou depressão mas não são decorrentes de doenças neurológicas ou do uso de substâncias O surgimento dos sintomas psicóticos ocorre de modo geral na adolescência e no início do período adulto Nos homens tende a surgir alguns anos mais cedo do que nas mulheres A esquizofrenia é uma doença crônica com surtos recorrentes não há de modo geral remissão completa depois dos surtos A evolução da vida social e econômica implica geralmente menores taxas de emprego e de independência econômica e também há maior probabilidade de o indivíduo acometido ficar em situação de rua ou ser preso O curso da doença é de modo geral dividido em três fases fase prémórbida fase de sintomas psicóticos e fase crônica em que há graus diversos de perdas e deteriorações implicadas As causas etiologia da esquizofrenia não são conhecidas Nos estudos de neuroimagem e neuropatologia foram identificados de forma consistente redução do volume cerebral total e do volume de substância cinzenta alargamento dos ventrículos e redução de estruturas como áreas mediais dos lobos temporais do córtex préfrontal e do tálamo O componente genético é importante embora heterogêneo e fatores de risco identificados de pequeno efeito mas somatórios são complicações obstétricas e perinatais infecções na gestação baixo peso ao nascer uso de maconha na infância e na adolescência A pior evolução se associa a sexo masculino surgimento mais precoce da doença períodos mais prolongados sem tratamento duration of untreated psychosis gravidade do acometimento cognitivo sobretudo da cognição social e dos sintomas negativos A diferenciação nosológica entre a esquizofrenia e outros transtornos mentais graves pode ser pouco clara sobretudo com outros transtornos que ocorram com sintomas psicóticos alucinação delírio e desorganização Há considerável heterogeneidade entre os pacientes acometidos pela esquizofrenia em termos de bases neurobiológicas manifestações clínicas curso e resposta ao tratamento A gravidade dos diferentes sintomas e clusters agrupamentos de sintomas varia muito entre os pacientes e ao longo do curso da doença Há perdas ou acometimentos cognitivos globais mas de intensidades muito variáveis entre os pacientes Há pouco ou nenhum insight sobre a doença na maior parte das pessoas acometidas 10 11 12 13 Pode haver perdas adicionais em áreas específicas da cognição como funções executivas do lobo frontal memória atenção velocidade de processamento psicomotor e cognição social teoria da mente reconhecimento de emoções nas outras pessoas percepção social e viés de atribuição As perdas ou acometimentos cognitivos estão de modo geral presentes antes mesmo do surgimento dos sintomas psicóticos e persistem durante o curso da doença Há também em uma parte substancial de pacientes outros prejuízos prémórbidos que antecedem a patologia como retração social dificuldades nos relacionamentos ser desengonçado socialmente São muito frequentes entre os pacientes obesidade e doenças cardiovasculares Há prevalência aumentada em relação à população em geral de tabagismo e uso de substâncias Pessoas com esquizofrenia vivem em média 15 a 25 anos a menos do que a população em geral em decorrência de terem mais doenças e condições físicas além de obesidade e condições cardiovasculares diabetes doenças pulmonares infecções entre outras e hábitos e estilo de vida de maior risco para a saúde como os mencionados anteriormente Verificamse taxas aumentas e risco aumentado de suicídio entre os pacientes Pode haver aumento de comportamentos violentos em algumas fases específicas da doença Os antipsicóticos sobretudo para os sintomas positivos são as intervenções terapêuticas com mais evidência de eficiência entretanto não são ou são muito pouco eficazes para sintomas negativos e cognitivos A clozapina embora implique efeitos colaterais potencialmente graves é o tratamento mais eficaz entre todos os antipsicóticos Fontes Adaptado de Keshavan Nasrallah 2008 e Tandon et al 2009 TRANSTORNO DELIRANTE PARANOIA E ESQUIZOFRENIA TARDIA PARAFRENIA APA 2014 CID11 2018 OPJORDSMOEN 2014 Uma forma de psicose próxima à esquizofrenia mas distinta é o transtorno delirante que se caracteriza pelo surgimento e pelo desenvolvimento de um delírio ou sistema delirante vários delírios de alguma forma interligados tematicamente com considerável preservação da personalidade da afetividade da cognição e do resto do psiquismo do indivíduo acometido Não deve haver pensamento eou comportamento francamente desorganizado ou sintomas negativos marcantes No passado denominado paranoia por Kraepelin termo que curiosamente no linguajar popular é usado como sinônimo de ideias de perseguição esse transtorno se caracteriza por delírios bem organizados e sistematizados às vezes com temática complexa que permanecem como que encistados cristalizados em um domínio da vida e da personalidade do paciente sem comprometer todo o resto comprometimento que ocorre por exemplo na esquizofrenia Kraepelin caracterizava a paranoia como o desenvolvimento lento e insidioso de um sistema delirante durável imutável ao lado de uma perfeita conservação da lucidez e da ordem no pensamento vontade e ação Ramos 1933 Alucinações não devem ser o elemento proeminente do quadro mas se ocorrerem geralmente têm relação com o tema do delírio Também como alteração do reconhecimento podem ocorrer falsas identificações de pessoas em geral associadas ao tema do delírio O transtorno delirante ocorre geralmente em sujeitos com mais de 40 ou 50 anos de idade e costuma ter curso crônico e estável A duração do delírio deve ser de no mínimo um mês DSM5 ou três meses CID11 mas em geral é mais longa podendo perdurar anos O transtorno delirante tal como descrito nos sistemas diagnósticos atuais CID11 e DSM5 é um construto heterogêneo Poucos casos são subagudos e transitórios com remissão completa após alguns meses e outros evoluem para quadros mais graves de esquizofrenia Entre esses dois extremos há pessoas com delírios persistentes que expressam a ideia clássica de paranoia Opjordsmoen 2014 O termo parafrenia é uma entidade nosológica da tradição psicopatológica mas que não aparece nos sistemas atuais referente a formas de psicose esquizofreniforme de aparecimento tardio após os 50 ou 60 anos em que surgem delírios em geral organizados e acompanhados de alucinações mas nas quais de forma semelhante ao transtorno delirante há relativa preservação da personalidade sem alterações ou com alterações mínimas da afetividade e da vontade e quando ocorrem são relacionadas ao delírio e às alucinações Alguns autores consideram a parafrenia uma forma tardia de esquizofrenia que surge em geral após os 50 anos de idade Howard Almeida Levy 1994 TRANSTORNOS PSICÓTICOS AGUDOS BREVES E TRANSITÓRIOS PSICOSES REATIVAS EOU PSICOSES PSICOGÊNICAS NUGENT ET AL 2011 APA 2014 CID11 2018 A observação clínica registra desde há muitas décadas casos de pacientes com quadros psicóticos com sintomas mais ou menos semelhantes à esquizofrenia pode haver alucinações e delírios bem como discurso e comportamento desorganizados de surgimento bem agudo geralmente eclodem e alcançam máxima gravidade em até duas semanas Entretanto tais quadros diferentemente da esquizofrenia com curso em geral grave e deteriorante revelam remissão relativamente rápida dos sintomas dias ou semanas e não implicam deterioração da vida social ou empobrecimento psíquico em forma de sintomas negativos ou perdas cognitivas Castagnini Berrios 2009 A duração do episódio não deve ultrapassar três meses CID11 ou um mês DSM5 mas de modo geral dura de poucos dias a um mês Há após o episódio psicótico retorno completo ao nível de funcionamento anterior à eclosão dos sintomas psicóticos agudos Uma parte mas nem todos desses casos surge após estressores evidentes mais ou menos intensos como assalto acidente grave de trânsito ou de trabalho morte de parentes ou amigos queridos perderse em uma cidade ou em uma floresta entre ouras situações No transtorno psicótico breve predominam de característica sintomas floridos como ideias delirantes ou deliroides em geral paranoides alucinações visuais eou auditivas muitas vezes com intensa perplexidade certa confusão mental e turbulência emocional e pode haver ansiedade acentuada e medos difusos Sintomas catatônicos também podem estar presentes Os sintomas tipicamente mudam muito tanto em sua natureza como em sua intensidade às vezes de um dia para outro ou no mesmo dia Devese notar também que o surgimento de sintomas exuberantes floridos e rapidamente mutáveis sobretudo em casos de início bem agudo e com estressores importantes que desencadeiam o quadro indica de modo geral melhor prognóstico para tais episódios psicóticos Diagnóstico diferencial O transtorno psicótico agudo pode confundirse com transtorno de estresse pós traumático ou com quadros graves e prolongados de transtorno dissociativo frequentemente denominado na tradição psicopatológica de histeria Transtornos ou traços de personalidade do grupo B sobretudo transtornos da personalidade borderline e histriônica e transtorno da personalidade esquizotípica além de traços de personalidade do tipo psicoticismo podem preceder ou predispor as pessoas a apresentar transtorno psicótico agudobreve TRANSTORNO ESQUIZOAFETIVO HECKERS ET AL 2009 JAGER ET AL 2011 Um grupo de pacientes não pode ser compreendido e classificado nem plenamente no campo da esquizofrenia nem no campo de um transtorno do humor grave mesmo aqueles com sintomas psicóticos A ideia de que haveria uma psicose intermediária entre a esquizofrenia e as psicoses afetivas é antiga Kasanin 1933 e muitos estudos têm buscado esclarecer o status nosológico e sintomatológico dessas psicoses mescladas ou intermediárias Lena et al 2016 O transtorno esquizoafetivo se caracteriza pela presença de proeminentes sintomas requeridos para o diagnóstico de esquizofrenia em conjunto no mesmo episódio simultaneamente ou com distância de poucos dias entre eles com sintomas típicos de um episódio de depressão maior de mania ou de episódio misto para a CID11 concomitância com duração de pelo menos um mês Para o DSM5 o transtorno esquizoafetivo se caracteriza pela concomitância de sintomas evidentes de esquizofrenia critérios A associados a sintomas suficientes para o diagnóstico de episódio depressivo maior ou episódio maníaco Entretanto para diferenciar o transtorno esquizoafetivo dos quadros de depressão ou mania psicótica o DSM5 exige que haja pelo menos duas semanas de delírios ou alucinações na ausência de episódio depressivo maior ou mania Além disso para o DSM5 os episódios de depressão maior ou mania estão presentes na maior parte da duração total do transtorno A escala de avaliação padronizada de síndromes psicóticas Escala das Síndromes Positiva e Negativa PANSS expandida é um bom instrumento geral para a avaliação da sintomatologia psicótica Advanced Technical Support Active Diagnostics 33 Síndromes psicomotoras Os dois principais tipos de síndromes psicomotoras são as de agitação psicomotora e as de estuporcatatonia e lentificação psicomotora O conhecimento de tais síndromes tem particular relevância para a prática clínica em emergências psiquiátricas e serviços de saúde mental que recebem pacientes em estado agudo Wilcox Duffy 2015 Em muitos desses casos com certa frequência é difícil estabelecer um diagnóstico nosológico específico de um transtorno mental específico Por isso o recurso inicial ao diagnóstico sindrômico pode ser de considerável utilidade Também serão abordadas neste capítulo de forma breve as síndromes de transtornos disruptivos ou agressivos relevantes sobretudo na psicopatologia da infância e da adolescência SÍNDROMES DE AGITAÇÃO PSICOMOTORA Os quadros de agitação psicomotora são muito comuns nos serviços de emergência e representam considerável dificuldade diagnóstica e terapêutica revisões em Tardiff 1988 Tesar 1993 Nessas síndromes observamse acentuada aceleração da esfera motora e aumento da excitabilidade além disso o paciente anda de um lado para outro gesticula demonstrando inquietação constante É comum estarem associados à agitação psicomotora sintomas como loquacidade ou logorreia insônia irritabilidade hostilidade e agressividade Quadro 331 Chamberlain Sahakian 2007 Quadro 331 Algumas sugestões para a entrevista com paciente hostil ou agressivo Escolher para entrevistar o paciente ambiente seguro com possibilidade de evasão ou com facilidade para pedir ajuda a outras pessoas O profissional não deve se arriscar pois pode ser agredido fisicamente Lembrarse de que a atitude hostil do paciente é geralmente decorrente do transtorno quase nunca é específica em relação a quem o está entrevistando pela primeira vez na vida Com o paciente hostil e paranoide convém assegurarlhe de que na situação de entrevista está protegido seguro O profissional deve adotar atitude discreta tranquila com simplicidade e serenidade Apesar de atitude serena devese manter atitude firme e segura visando não demonstrar medo ou hostilidade em relação ao paciente O profissional deve gesticular pouco sem movimentos abruptos e falar em um tom sereno e firme mas um pouco mais baixo do que o do paciente Atualmente há protocolos detalhados para se identificar e lidar clinicamente com quadros graves de agitação psicomotora Recomendamos aquele realizado pela Universidade de Barcelona Vieta et al 2017 Não é incomum encontrar na sala de emergência um paciente em franca agitação psicomotora trazido por policiais ou transeuntes sem que uma história pregressa possa ser colhida Nesse sentido fazse necessária a rápida identificação de possíveis sinais e sintomas indicativos de uma ou outra nosologia específica A seguir são apresentados os subtipos de síndromes de agitação psicomotora Agitação maníaca Nesses casos muitas vezes há intensa agitação psicomotora secundária a um marcante taquipsiquismo que domina o quadro O indivíduo se apresenta logorreico inquieto com ideias de grandeza e perda das inibições sociais Pode apresentarse arrogante e eventualmente irritado e agressivo Agitação paranoide Aqui a agitação psicomotora é secundária a vivências paranoides como alucinações e ideias delirantes O paciente se apresenta muito desconfiado atento a tudo com o olhar assustado e fácies tensa pronto a se defender de supostas ameaças e possíveis agressões a sua pessoa Eventualmente fica hostil e agressivo Agitação catatônica É uma agitação impulsiva com momentos inesperados de explosões agressivas e agitação intensa Pode estar associada a ideias delirantes e alucinações mas em muitos casos revela apenas as profundas alterações volitivas da esquizofrenia catatônica Agitação psicoorgânica no delirium Nesses casos verificase que o paciente além de agitado e irritado apresenta rebaixamento do nível de consciência dificuldade em compreender o ambiente desorientação temporoespacial pensamento confuso e perplexidade As agitações psicomotoras em quadros psicoorgânicos ocorrem com maior frequência nas intoxicações por cocaína anfetaminas atropínicos corticoides alucinógenos etc nas síndromes de abstinência álcool benzodiazepínicos barbitúricos etc e após trauma craniencefálico Agitação nas demências Pacientes com demência doença de Alzheimer demência frontotemporal demência vascular entre outros tipos não raramente apresentam quadros de agitação psicomotora às vezes intensos Essas condições podem estar associadas a episódios paranoides com muita desconfiança medos difusos sensação de que se está sendo roubado ou assaltado Tais episódios podem ocorrer também em associação com reduções transitórias do nível de consciência em que há piora das capacidades cognitivas já deterioradas e dificuldade de compreender os estímulos ambientais Agitação nos quadros de deficiência intelectual com transtornos mentais e de comportamento Segundo Bastos 1997 o paciente com deficiência intelectual pode desenvolver temporariamente agitação psicomotora devido a dificuldades em compreender questões sutis e complexas relacionadas a normas e valores sociais Nessas situações vêse constrangido sem saber lidar com as dificuldades desesperandose e entrando em estado de agitação Às vezes chora grita faz birras foge de casa podendo mesmo apresentarse heteroagressivo Agitação explosiva associada a transtornos da personalidade Pacientes com transtornos da personalidade de tipo borderline histriônico antissocial tendem a reagir a frustrações às vezes mínimas de forma explosiva e agressiva A agitação surge repentinamente e desaparece quando o indivíduo obtém o que quer Esse pode ser um padrão comportamental repetitivo pois com certa frequência o paciente obtém o que quer ou seja a agitação psicomotora é reforçada pelo ambiente Tal padrão muitas vezes encontrase no ambiente familiar dessas pessoas onde a reação explosiva e agressiva transformouse em forma de comunicação e de obtenção do desejado Agitação histriônica Como nota Bastos 1997 essa agitação é mais teatral demonstrativa escandalosa O indivíduo busca chamar atenção mobilizar as pessoas estar no centro do palco As agitações histéricas surgem comumente como forma de lidar com frustrações e de obter coisas portanto também têm sentido comunicativo Agitação ansiosa Indivíduos em estado de ansiedade intensa de angústia profunda podem apresentarse consideravelmente agitados andando de um lado para outro esfregando as mãos roendo as unhas Mostramse muito irritados e podem reagir de forma hostil e agressiva De modo geral a ansiedade vem associada a todos os estados de agitação Nesse caso porém ela é seu elemento central Também podem apresentar agitação psicomotora pacientes com formas acentuadas de depressão ansiosa denominada depressão agitada nesses casos o risco de suicídio deve ser sempre considerado Alterações da volição e homicídio Embora o homicídio seja um fenômeno social complexo ele tem certamente algumas implicações psicopatológicas Cerca de um terço dos indivíduos que praticam homicídio pode apresentar algum transtorno psiquiátrico Sims 1995 Porém tal dado talvez seja distinto menor proporção com transtorno mental no contexto social brasileiro contemporâneo Embora haja controvérsias em torno desses fenômenos e suas classificações o homicídio praticado no contexto de um estado mental gravemente alterado ou que está intimamente relacionado ao transtorno mental do homicida é denominado homicídio patológico Tal forma de homicídio por exemplo pode ser praticada por mulheres no contexto de quadro depressivo grave psicótico cujas vítimas são crianças geralmente os próprios filhos Em depressões delirantes pode ocorrer o chamado homicídio piedoso no qual o indivíduo mata o filho para livrálo do enorme sofrimento do qual acredita com frequência delirantemente que este padecerá ao longo de sua vida Homicídios patológicos praticados por homens geralmente se associam ao diagnóstico de esquizofrenia e ocorrem no contexto de intensa atividade delirante paranoide o indivíduo pratica um ataque homicida sobre o suposto perseguidor O matricídio também com frequência é uma forma de homicídio patológico realizada por pacientes psicóticos Em homicídios comuns não decorrentes diretamente de transtornos mentais com frequência o indivíduo que pratica o ato está alcoolizado no momento do crime Em todo o mundo cerca de 30 dos crimes estão relacionados ao consumo de álcool As pesquisas revelam que independentemente de fatores socioeconômicos e demográficos o maior acesso a bebidas alcoólicas se relaciona a taxas mais altas de crimes ataques violentos destruição de propriedade e dirigir alcoolizado Fitterer Nelson 2015 Além do álcool o uso de substâncias como cocaína maconha e anfetaminas tem sido associado à atividade criminosa sobretudo em adolescentes e jovens Diagnósticos de transtornos disruptivos também colaboram para aumentar o risco de atos criminosos cometidos por essa população Devese lembrar entretanto que cerca de 88 dos jovens com transtornos mentais não praticam nenhum tipo crime Kendell et al 2014 SÍNDROMES DE ESTUPOR EOU CATATONIA Em relação aos construtos psicopatológicos estupor e catatonia há algumas confusões conceituais e terminológicas revisão em Berrios 1981 Na tradição médica os quadros em que existe imobilidade ausência de reatividade e sintomas como mutismo e negativismo geralmente com preservação do nível da consciência são chamados de estupor Entretanto o sistema do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais DSM optou por designar tais quadros como catatonia Para o DSM o estupor definido como ausência de atividade psicomotora é apenas um dos sintomas da catatonia Utilizaremos o termo estupor mas lembramos ao leitor que onde se lê aqui estupor no sistema DSM equivaleria a catatonia Cabe lembrar que na CID11 a categoria catatonia é considerada uma síndrome psicopatológica autônoma GA4 que pode ocorrer em associação a outros transtornos mentais como esquizofrenia depressão autismo etc As síndromes de estupor incluem quadros de diferentes etiologias com retardo psicomotor em graus variáveis e ausência de reatividade com preservação de consciência Rasmussen et al 2016 De modo geral caracterizase pela recusa absoluta ou incapacidade do indivíduo de responder reagir ou comportarse de acordo com as solicitações do ambiente Com frequência o indivíduo em estupor está em mutismo não se comunica verbalmente restringese a sua cama ou a uma cadeira não interage com as pessoas por meio da mímica do olhar ou de gestos e recusase a alimentarse apresentandose no mais das vezes com hipertonia generalizada os músculos estão tensos resistindo à mobilização passiva O estupor é um estado involuntário o paciente não se comporta assim por birra ou para obter algo É como se estivesse congelado freezing e imobilidade psiquicamente não podendo reagir aos diversos estímulos ambientais O estado de estupor denota profunda alteração da esfera volitiva Existem quatro subtipos de estupor relacionados a quadros nosológicos específicos ou distintos mecanismos produtores Existem quatro subtipos de estupor relacionados a quadros nosológicos específicos ou distintos mecanismos produtores estupor depressivo estupor na esquizofrenia estupor psicogênico e estupor orgânico Como assinalado no capítulo sobre volição os sintomas mais frequentes nos quadros de estuporcatatonia são a imobilidade e o mutismo em 97 dos casos seguidos de recusa a se alimentar a ter contato com pessoas e a manter o olhar fixo em cerca de 90 dos casos Outros sintomas como negativismo e postura bizarra ocorrem em cerca de metade dos pacientes Por fim em um quarto desses indivíduos podese encontrar flexibilidade cerácea estereotipias e ecolalia Rasmussen et al 2016 O estuporcatatonia pode eventualmente ser revertido com o uso de benzodiazepínicos em doses altas ou eletroconvulsoterapia Estuporcatatonia depressiva Neste caso temse um quadro de estupor secundário a um estado depressivo muito intenso O indivíduo além de estar em mutismo imóvel sem se alimentar pode apresentar fácies triste e desanimada Muitas vezes é difícil saber o estado afetivo do paciente durante o episódio de estupor Apenas pela história da doença ou retrospectivamente após o indivíduo sair do quadro de mutismo é que se tem acesso ao seu verdadeiro estado mental Devese inquirir junto a familiares e pessoas amigas sobre o estado mental do paciente antes de entrar no quadro de estupor Nos quadros de estuporcatatonia depressiva geralmente se relata que o quadro se iniciou com sintomas depressivos tristeza desânimo perda do apetite sentimentos de menosvalia anedonia progrediu com lentificação psicomotora desejo de ficar isolado das pessoas até entrar propriamente no quadro de estuporcatatonia Estupor catatônico na esquizofrenia No estupor catatônico há além de ausência de reatividade e imobilidade mutismo rigidez hipertônica negativismo passivo indivíduo não faz o que lhe é solicitado ou ativo opõese ativamente às solicitações Também podem ser observados flexibilidade cerácea paciente permanece na posição em que é colocado fenômenos em eco ecolalia ecopraxia ecomimia e eventualmente repentes abruptos de agitação e explosões agressivas chamados de furor catatônico Estuporcatatonia psicogênica traumático de choque psicológico ou estupor histérico Nesse caso observase um quadro de instalação geralmente aguda com frequência após trauma psíquico ou evento vital de importante significado emocional para o indivíduo O paciente se encontra em mutismo em estado de choque emocional Além disso essa forma de estupor pode assemelharse ao estupor catatônico ou depressivo o que às vezes torna difícil o diagnóstico diferencial Estuporcatatonia orgânica Decorre de grande número de distúrbios neurológicos ou sistêmicos metabólicos eletrolíticos endócrinos neoplásicos inflamatórios entre outros que afetam o cérebro de forma grave e geralmente difusa No estupor orgânico temse com frequência alteração do nível de consciência com sonolência déficit de atenção e flutuação temporal Verificam se além disso reflexos neurológicos primitivos indicativos de encefalopatia como o grasping o snout e o reflexo palmomentual Pode haver hipotonia generalizada em vez de hipertonia que é o estado mais comum no estupor depressivo esquizofrênico e psicogênico O eletrencefalograma pode revelar lentificação global SÍNDROMES DE COMPORTAMENTOS DISRUPTIVOS E AGRESSIVOS NA INFÂNCIA E NA ADOLESCÊNCIA Transtornos agressivos ou disruptivos são relativamente frequentes na infância e na adolescência e se relacionam com o autocontrole das emoções e do comportamento Crianças e adolescentes com tais transtornos têm problemas na regulação emocional revelam comportamentos agressivos que violam os direitos dos outros além de apresentarem conflitos com normas sociais e figuras de autoridade e atitudes destrutivas com os outros e consigo mesmos Os transtornos disruptivos do controle de impulsos e da conduta tendem a ser mais frequentes em meninos ocorrem em vários ambientes não são restritos a um único ambiente como escola lar clube etc e são relativamente duradouros em geral com duração de vários anos Transtorno disruptivo da desregulação do humor DSM5 Nesse transtorno o sintoma central é a irritabilidade crônica grave O diagnóstico geralmente é feito antes dos 10 anos de idade e não pode pela primeira vez ser feito depois dos 18 anos e tal categoria diagnóstica não deve ser aplicada a crianças com menos de 6 anos de idade A criança tem explosões de raiva que não se explicam pela sua idade e estágio de desenvolvimento as explosões são frequentes de três ou mais vezes por semana e o humor entre as explosões é persistentemente irritável ou zangado As explosões geralmente ocorrem em diversos ambientes mas para o diagnóstico devem ser graves em pelo menos um dos ambientes Estimase que a prevalência do transtorno no período de seis meses a um ano esteja em torno de 2 a 5 Transtorno de oposição desafiante DSM5 e CID11 Nessa condição observase em crianças e adolescentes humor de base irritável ou raivoso assim como comportamento frequentemente desafiante ou questionador e índole vingativa A prevalência na vida varia de 1 a 11 e a média estimada fica em torno de 33 Assim são crianças que em seu humor raivoso ou irritável perdem com frequência a calma são muito sensíveis ou facilmente incomodadas e se apresentam também frequentemente raivosas ou ressentidas O comportamento desafiante eou questionador revela frequente questionamento de figuras de autoridade pais professores pessoas adultas com papel de educador ou disciplinar recusa a obedecer a regras ou pedidos de tais figuras e atitude desafiadora dirigida a tais pessoas Crianças com o transtorno com frequência culpam outros por seus erros ou mau comportamento e incomodam deliberadamente as demais pessoas Por fim cabe mencionar que nesse transtorno é frequente uma índole vingativa raivosa e com níveis altos de reatividade emocional A CID11 traz uma interessante distinção no transtorno de oposição desafiante TOD Foram incluídas duas novas dimensões que diferenciam subtipos de TOD com ou sem irritabilidade e raiva crônicas assim como os subtipos com emoções prósociais presentes ou com ausência ou limitação de emoções prósociais Esse é um esforço para individualizar subtipos de transtornos disruptivos mais específicos Tais comportamentos para se fazer o diagnóstico pelo DSM5 devem estar presentes pelo menos uma vez por semana por pelo menos seis meses Transtorno da conduta DSM5 e CID11 O transtorno da conduta DSM5 ou transtorno dissocial de conduta CID11 se caracteriza por um padrão de comportamentos agressivos e transgressivos repetitivos e persistentes devem estar presentes por pelo menos um ano para o diagnóstico Os direitos básicos dos outros são desrespeitados e as normas as regras sociais e as leis são violadas A criança ou adolescente apresenta comportamento agressivo geralmente sádico para com os outros muitas vezes menores ou com animais Também pode estar presente a destruição de propriedades mentiras são comuns assim como roubos O transtorno em geral é de longa duração anos e prejudica gravemente a vida da criança e de seus familiares Atos violentos criminosos ou antissociais isolados não devem receber esse diagnóstico É comum nessas crianças e adolescentes o fracasso escolar e diagnósticos comórbidos frequentes são transtorno de déficit de atençãohiperatividade TDAH deficiência intelectual leve ou inteligência limítrofe e na adolescência os transtornos por uso de substâncias A CID11 introduziu uma interessante distinção no transtorno da conduta diferenciando aqueles com emoções prósociais presentes de um subtipo com ausência ou limitação de emoções prósociais Transtorno explosivo intermitente DSM5 e CID11 Nesse caso há explosões comportamentais recorrentes a criança ou adolescente apresenta uma falha básica em controlar os impulsos agressivos Produz agressões verbais em acessos de raiva xingamentos discussões violentas Nas explosões pode quebrar objetos e bater em animais ou em outras pessoas A dimensão da agressividade expressa durante as explosões é claramente desproporcional em relação às provocações ou aos estressores psicossociais desencadeantes Devese atentar aqui para o fato de as explosões de agressividade não poderem ser premeditadas não terem objetivos de atingir a um fim predeterminado tangível obter dinheiro intimidar os outros ou obter mais poder São explosões impulsivas e não instrumentais para obter ganhos desejados Esse diagnóstico pode ser difícil de diferenciar do transtorno disruptivo da desregulação do humor Neste último o básico é a irritabilidade crônica grave enquanto no transtorno explosivo intermitente a falha básica é em controlar os impulsos agressivos De toda forma há sobreposição conceitual entre esses dois construtos Advanced Technical Support Active Diagnostics 34 Síndromes relacionadas ao comportamento alimentar O COMPORTAMENTO ALIMENTAR O comportamento alimentar apesar de sua aparente banalidade na vida cotidiana é um fenômeno humano complexo e de importância central nas sociedades humanas e na experiência subjetiva das pessoas Segundo os psicopatólogos Bernard e Trouvé 1976 e o historiador italiano Paolo Rossi 2014 o comportamento alimentar reúne algumas dimensões básicas Dimensão fisiológiconutritiva Relacionase a aspectos metabólicos endócrinos neuroquímicos e neuronais que regulam os mecanismos de fome e saciedade a demanda e a satisfação das necessidades nutricionais Dimensão afetiva e relacional A fome e a alimentação vinculamse à satisfação e ao prazer O prazer alimentar oral tem segundo a psicanálise uma conotação nitidamente libidinal No desenvolvimento da criança a zona bucal e a amamentação são os mediadores da primeira relação interpessoal fundamental a relação mãebebê O alimentar seu filho para a mãe é muito mais que uma tarefa fisiológica tem sentido afetivo especial pode exprimir sentimentos e participar da construção de um dos vínculos humanos mais importantes Dara et al 2009 Dimensão social e cultural Ao longo da história da humanidade todas as sociedades e culturas estabelecem regras tabus e rituais em relação aos alimentos e aos comportamentos alimentares Por exemplo é muito comum que se prefira fazer refeições com pessoas e grupos por quem se tem particular afeição Os mais importantes momentos da vida pessoal e social são demarcados por encontros nos quais a alimentação é ponto central como jantares de formatura noivado almoços de família de aniversário cerimônias de casamento e em muitas sociedades mesmo os funerais são marcados por refeições cerimoniais Flandrin Montanari 2015 A conduta alimentar é motivada pelas sensações básicas de fome sede e saciedade Estas são geradas controladas e monitoradas por diversas áreas do organismo o hipotálamo centro da saciedade e várias estruturas límbicas e corticais mediadas por substâncias como a insulina a leptina e a grelina Além disso mudanças sociais e culturais relacionadas ao padrão de beleza sobretudo feminina beleza magra têm tido impacto internacional sobre a prevalência e o curso das síndromes de comportamento alimentar que têm aumentado em muitas regiões do mundo Gerbasi et al 2014 No Brasil os transtornos do comportamento alimentar são frequentes e cada vez mais reconhecidos como um problema de saúde pública Em um estudo epidemiológico em seis cidades pequenas do interior de Minas Gerais com 1807 crianças e adolescentes 719 anos estudantes de escolas públicas a prevalência de comportamentos alimentares alterados que indicavam risco para transtornos alimentares teste de atitudes alimentares EAT 20 foi de 133 Vilela et al 2002 Em Porto Alegre RS um estudo epidemiológico com amostra representativa em domicílios com 1525 mulheres de 12 a 29 anos de idade revelou a prevalência de comportamentos alimentares alterados EAT 20 em 165 das adolescentes e jovens adultas Nunes et al 2003 TRANSTORNOS ALIMENTARES Anorexia nervosa DSM5 e CID11 A anorexia nervosa caracterizase pela presença de peso muito baixo em relação à altura devido à restrição de ingesta calórica em relação às necessidades o que leva à perda de peso autoinduzida Tal perda se dá portanto por abstenção de alimentos que engordam ou por comportamentos como vômitos eou purgação autoinduzidos exercício excessivo e uso de anorexígenos eou laxantes e diuréticos Fichter 2005 Wilson Shafran 2005 A anorexia nervosa ocorre bem mais em mulheres proporção mulhereshomens de 101 com prevalência nos últimos 12 meses de 04 entre jovens do sexo feminino APA 2014 Há busca implacável de magreza e medo intenso e mórbido de parecer ou ficar gordao Nunes Abuchaim 1995 Para o diagnóstico o índice de massa corporal deve ser menor do que 185 em adultos ou abaixo do quinto percentil em crianças e adolescentes Essa perda de peso corporal não deve ser devida a outra doença CID11 2018 Pode haver vômitos autoinduzidos uso de laxantes e gastos excessivos de energia tipicamente associados ao medo de ganhar peso O baixo peso e a forma do corpo estar bem magra são centrais para a autoavaliação da pessoa e frequentemente percebidos de forma distorcida como se fossem normais ou mesmo obesas ou com partes do corpo muito gordas em uma pessoa que de fato está extremamente magra CID11 2018 Quando a perda de peso marcante ocorre surgem alterações endócrinas como amenorreia hipotalâmica suspensão da menstruação hipercortisolemia relativa resistência nutricialmente adquirida ao hormônio do crescimento baixo nível de fator 1 de crescimento insulinalike queda da leptina da insulina da amilina e outras incretinas assim como aumento da grelina resistência à grelina do PYY e da adiponectina Há também queda importante da densidade óssea e podem ocorrer fraturas e mudanças na microarquitetura dos ossos Misra Klibanski 2014 Tem sido sugerido que a anorexia nervosa possa ser compreendida como uma perturbação das vias de recompensa ou uma tentativa de preservar a homeostase equilíbrio fundamental mental Tem sido dada ênfase especial à resistência à grelina e à importância de peptídeos orexígenos no hipotálamo lateral além de à intervenção da microbiota e do sistema de sinalização de neuropeptídeos ver Gorwood et al 2016 Do ponto de vista psicopatológico é característica da anorexia nervosa a distorção da imagem corporal apesar de muito emagrecida a paciente percebese gorda sente que algumas partes de seu corpo como o abdome as coxas e as nádegas estão muito gordas O pavor de engordar persiste como uma ideia permanente mesmo que a paciente esteja com o peso bem abaixo do normal Essa distorção da imagem corporal é uma ideia prevalente típica mas não obrigatória na anorexia nervosa Não é incomum que a pessoa com anorexia apresente episódios de bulimia comer compulsivo seguido de vômitos eou purgação Eles ocorrem com mais frequência em garotas adolescentes e mulheres jovens e muitos casos se iniciam com dietas aparentemente inocentes que evoluem para graves quadros anoréticos Parece haver prevalência bem maior do transtorno em sociedades industrializadas ocidentais nas quais especialmente em relação às mulheres ser atraente está ligado à magreza Gerbasi et al 2014 Outro mecanismo envolvido é a luta obstinada por controle total A paciente busca tenazmente controlar sua vida por meio da alimentação do peso e das formas corporais Tenta controlar conflitos na área do relacionamento com os pais com amigos no campo da sexualidade etc por meio do controle do peso e da imagem corporal A mortalidade é variável em torno de 5 devido a complicações cardiovasculares hidreletrolíticas metabólicas e endocrinológicas Atualmente o Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais DSM5 reconhece dois subtipos de anorexia nervosa o tipo restritivo no qual a paciente se torna e permanece anorética pela restrição de alimentos podendo apresentar ou não sintomas obsessivocompulsivos e o tipo compulsão alimentar purgativa no qual além de evitar ingerir alimentos calóricos a pessoa tem comportamentos ativos de perda de calorias como vômitos autoinduzidos exercícios excessivos e uso de laxantes diuréticos e enemas Keel Fichter Quadflieg 2004 Devese diferenciar a anorexia nervosa do transtorno alimentar restritivoevitativo CID11 e DSM5 Este se caracteriza por esquiva ou restrição graves na área da alimentação produzidas em certo sentido pela aversão a alimentos pela pessoa acometida não por falta de alimentos Geralmente o padrão começa a desenvolverse na fase de criança lactente ou na primeira infância 03 anos e pode persistir ao longo da infância da adolescência e do período adulto O comportamento alimentar restritivo resulta em aporte inadequado e insuficiente de quantidade e variedade de alimentos para o gasto energético e as necessidades nutricionais A restrição alimentar causa perda de peso significativa falha em ganhar peso adequado para o desenvolvimento infantil ou na gestante para o desenvolvimento da gestação A alimentação pode depender de suplemento nutricional ou nutrição enteral por sonda Importante salientar aqui que o padrão alimentar restritivo diferentemente do que ocorre na anorexia nervosa não reflete preocupações com o peso ou com as formas corporais O comportamento está centrado em evitar alimentos não em parecer magro ou no pavor de engordar Bulimia nervosa DSM5 e CID11 A bulimia nervosa BN caracterizase por preocupação persistente com o comer e desejo irresistível de se alimentar com o paciente sucumbindo a repetidos episódios de hiperfagia ou binge eating ataques à geladeira à despensa com sensação de perda do controle no comer Caracterizase ainda por preocupação excessiva com controle do peso corporal que leva o paciente a tomar medidas extremas como vômitos autoinduzidos purgação enemas e 1 2 3 4 diuréticos a fim de mitigar os efeitos do aumento de peso decorrente da ingestão de alimentos Mehler 2003 Os indivíduos com BN estão geralmente dentro da faixa de peso normal embora alguns possam apresentarse levemente acima ou abaixo dela mas na obesidade mórbida ela também está presente O comportamento purgativo pode produzir alterações hidreletrolíticas hipocalemia hiponatremia e hipocloremia A perda de ácido gástrico por meio dos vômitos pode ocasionar alcalose metabólica e a frequente indução de diarreia pelo abuso de laxantes pode causar acidose metabólica O vômito recorrente pode acarretar perda significativa e permanente do esmalte dentário o que pode levar à perda dos dentes Da mesma forma que a anorexia nervosa a bulimia ocorre em cerca de 90 dos casos em mulheres proporção mulhereshomens de 101 iniciandose no fim da adolescência ou no início da idade adulta A prevalência global em jovens do sexo feminino é de 1 a 15 APA 2014 Os indivíduos com BN tipicamente se envergonham de seus problemas alimentares e procuram ocultar seus sintomas Há um sentimento importante de falta de controle No Brasil em um estudo epidemiológico realizado em Minas Gerais mencionado anteriormente com 1807 crianças e adolescentes 719 anos a prevalência de possível BN BITE 20 foi de 11 Vilela et al 2002 Na cidade de São Paulo um estudo epidemiológico com 1464 pessoas revelou a prevalência de BN de 24 em mulheres e de 03 em homens Andrade et al 2002 No estudo epidemiológico referido de Porto Alegre com amostra representativa de 1525 mulheres de 12 a 29 anos de idade a prevalência de possível BN BITE 20 foi de 29 Nunes et al 2003 Assim esse transtorno não só está presente em nossa sociedade como tem níveis no mínimo semelhantes aos da população norteamericana Como a BN é um comportamento socialmente condenável as pacientes costumam negar os sintomas quando inquiridas por profissionais de saúde O DSM5 indica quatro níveis de gravidade da BN leve com média de 1 a 3 episódios de bulimia e comportamentos compensatórios inapropriados vômitos autoinduzidos uso de laxantes diuréticos entre outros por semana moderada com 4 a 7 episódios semanais grave com 8 a 13 episódios por semana extrema com mais de 14 episódios semanais Por fim é importante citar que o transtorno de compulsão alimentar DSM5 e CID11 se caracteriza por episódios frequentes e recorrentes de comer compulsivo binge eating pelo menos uma vez por semana por vários meses O indivíduo tem a sensação subjetiva de perda do controle em comer não consegue na compulsão parar de comer Sente muito sofrimento com isso acompanhado de sentimentos de culpa e repulsa de seus comportamentos Entretanto nesse caso diferentemente da BN não há comportamentos purgativos após a compulsão alimentar A pessoa não produz vômito autoinduzido não faz exercícios extremos e não abusa de laxantes ou enemas ela apresenta apenas a compulsão alimentar Outros transtornos do comportamento alimentar O transtorno denominado pica DSM5 e CID11 já descrito por Hipócrates 400 anos antes de Cristo que a descreveu como ânsia por comer terra devido a uma alteração sanguínea caracterizase pela ingestão persistente e regular de substâncias não alimentares muitas vezes bizarras como geofagia comer argila terra ou comer reboco giz gesso plástico metal papel ou ainda ingredientes crus dos alimentos como grande quantidade de sal ou farinha durante o período mínimo de um mês O curioso nome pica foi dado a esse transtorno em alusão ao nome científico de uma ave a pegarabuda ou pegarabilonga nome científico em latim Pica pica em inglês magpie um tipo de corvo de 45 cm que por ser extremamente voraz come quase de tudo Alguns autores sugerem incluir a coprofagia comer fezes e a potomania ingerir grandes quantidades de água como variantes desse transtorno Kouidrat et al 2014 A ingestão de substâncias deve ser inapropriada para o estágio de desenvolvimento da criança para o diagnóstico a criança deve ter mais de 2 anos e não faz parte de uma prática culturalmente sancionada e compartilhada a geofagia sobretudo argila já foi prática cultural em algumas regiões da África A pica é um transtorno observado com maior frequência em crianças pequenas gestantes lactantes pessoas com deficiência intelectual autismo ou esquizofrenia Kouidrat et al 2014 Tokue et al 2015 O transtorno causa danos à saúde prejuízo do funcionamento social ou risco significativo devido à frequência à quantidade ou à natureza das substâncias ou objetos ingeridos A relação entre pica e déficits de micronutrientes tem sido postulada mas não confirmada pois há com frequência anemia e níveis baixos de hemoglobina do hematócrito e de zinco entretanto os sentidos causais não puderam ser esclarecidos Miao et al 2015 No transtorno de ruminação DSM5 e CID11 há o comportamento repetido e intencional de regurgitar do estômago para a boca novamente o alimento ingerido O alimento regurgitado pode ser remastigado e reengolido ou pode simplesmente ser cuspido ejetado para fora da boca não como vômito Para esse diagnóstico o comportamento deve ocorrer com frequência em geral várias vezes por semana durante pelo menos um mês Esse comportamento não é explicado por causas físicas gastrintestinais como refluxo gastresofágico ou estenose do piloro e não ocorre exclusivamente durante o curso de outro transtorno alimentar anorexia BN compulsão ou evitação alimentar Em crianças a idade mínima para o diagnóstico do transtorno é de 2 anos Obesidade Embora a obesidade não seja classificada como um transtorno do comportamento alimentar será abordada aqui devido a sua frequência e grande importância para a saúde física e mental Ela é uma condição complexa determinada por fatores genéticos desenvolvimento psicológico familiares e culturais A obesidade é mais frequente em indivíduos de baixo nível socioeconômico e do sexo feminino e em sociedades industrializadas e urbanas bem como culturas nas quais a atividade física não é predominante A pandemia da obesidade que cresce a cada ano em muitos países tem tido marcante impacto na vida contemporânea Wadden 1995 Swinburn et al 2011 Além disso a condição tem grande importância para a saúde pública pois associase a taxas elevadas de Halpern 1998 Kolotkin Andersen 2017 Morbidade Aumento na prevalência de diabetes melito tipo 2 hipertensão arterial apneia do sono problemas ortopédicos e dermatológicos Em mulheres ocorrem irregularidades menstruais hiperandrogenismo e infertilidade Em homens ocorre diminuição dos níveis de testosterona e disfunção erétil Mortalidade Ocorre por distúrbios cardiovasculares respiratórios e endócrinos assim como pelo risco aumentado de tumores de mama útero ovário próstata intestino grosso e vias biliares Piora na qualidade de vida A obesidade impacta seriamente na qualidade de vida das pessoas Tem sido demonstrado que o tratamento exitoso da obesidade mórbida com cirurgia bariátrica ou tratamento clínico tem importante efeito positivo sobre a qualidade de vida Um dos pontos fundamentais da obesidade é a disfunção dos mecanismos de saciedade do indivíduo De modo geral o indivíduo não se alimenta apenas de forma precipitada ou voraz ele faz suas refeições de forma contínua enquanto houver alimento disponível não é capaz ou tem dificuldade de parar de comer O indivíduo com obesidade é muito sensível a assuntos alimentares e preocupado com a comida com os diferentes sabores dos alimentos com sua disponibilidade e aparência entre outros aspectos Lenovo Advanced Technical Support 35 Transtornos devidos ou relacionados a substâncias e comportamentos aditivos Diferentes usos e modos de relação dos seres humanos com substâncias psicoativas com ação incisiva sobre o cérebro e em função disso sobre o psiquismo e o comportamento remontam à origem das sociedades humanas Meyer 1996 Camí Farré 2003 Britto Pereira 2013 As substâncias com ação no cérebro e repercussões no psiquismocomportamento que fazem parte deste capítulo da psicopatologia são álcool cafeína tabaco Cannabis ou maconha psicoestimulantes como cocaína pó ou crack e anfetamínicos opioides alucinógenos inalantes sedativos hipnóticos e ansiolíticos Essas substâncias produzem de modo geral sensações de prazer ou excitação respostas de recompensa cuja correspondência cerebral está vinculada às chamadas áreas e circuitos de recompensa do cérebro As principais estruturas desses circuitos são o nucleus accumbens NAc a área tegmental ventral e a amígdala e o principal neurotransmissor envolvido é a dopamina Gardner 2011 Pessoas com transtornos mentais graves são mais propensas a fazer uso e a desenvolver dependência de substâncias particularmente de maconha e álcool Segundo a Classificação internacional de doenças e problemas relacionados à saúde CID11 os transtornos devidos a substâncias são ordenados em categoria única para cada tipo de substância álcool cocaína maconha etc Nessa categoria p ex transtorno devido ao álcool para cada tipo de problema devese quando necessário acrescentar os especificadores ou subtipos por exemplo transtorno devido ao álcool intoxicação dependência abstinência e quadros psicopatológicos induzidos Já no Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais DSM5 os transtornos relacionados a substâncias são classificados em dois grandes grupos 1 2 3 4 1 transtornos por uso de substâncias e 2 transtornos induzidos por substâncias A seguir são apresentados esses dois grupos TRANSTORNOS POR USO DE SUBSTÂNCIAS DSM5 Nessa categoria temse o uso contínuo e recorrente de uma substância que deve ser especificada no diagnóstico mantido apesar de problemas significativos que dele decorrem O indivíduo apresenta dificuldade importante ou baixo controle sobre tal uso prejuízos psicossociais e sociais evidentes riscos físicos e psicológicos fenômenos farmacológicos como tolerância e abstinência A categoria transtorno por uso de substâncias vem substituir no DSM5 a noção mais restrita de dependência química que é fenômeno farmacológico podendo ou não estar rigorosamente presente nesses transtornos O baixo controle sobre o uso é um elemento básico desses transtornos Ele se expressa pelo fracasso em relação a tentativas de reduzir ou regular o consumo O indivíduo pode gastar muito tempo para obter a droga e grande parte se não todas das atividades diárias gira em torno da substância Há em geral fissura forte desejo ou necessidade intensa de usar a droga para o uso normalmente desencadeada por um ambiente onde a droga foi consumida ou obtida anteriormente O prejuízo psicossocial ou social se verifica pelas dificuldades em cumprir as obrigações nos estudos no trabalho ou em casa bem como pelo abandono de importantes atividades sociais profissionais estudantis e recreacionais em virtude do uso da substância O indivíduo continua a usar a droga apesar dos problemas interpessoais e sociais relacionados ao consumo Além disso o uso envolve riscos à integridade física eou psicológica da pessoa O indivíduo apesar de tais riscos não consegue manterse abstinente Por fim pode haver também critérios farmacológicos que caracterizam o transtorno por uso de substâncias mas que não são necessários para o diagnóstico pelo DSM5 a tolerância e a abstinência A tolerância se verifica pela necessidade de doses acentuadamente maiores da substância para obter o efeito desejado ou o efeito da substância nas mesmas doses é acentuadamente reduzido com o passar do tempo Algumas drogas como álcool opioides e benzodiazepínicos revelam com frequência o fenômeno da tolerância Já a abstinência ou síndrome de abstinência pode ocorrer quando a concentração da droga no organismo da pessoa diminui e o indivíduo passa a apresentar sintomas como tremores ansiedade sudorese insônia ou sonolência os sintomas específicos dependem muito do tipo específico de substância A abstinência ocorre com frequência em relação a álcool opioides cafeína tabaco estimulantes como cocaína e anfetamínicos e sedativos como benzodiazepínicos TRANSTORNOS INDUZIDOS POR SUBSTÂNCIAS DSM5 Nessa categoria são considerados transtornos induzidos a intoxicação e a síndrome de abstinência da substância além dos vários quadros psicopatológicos que podem ser induzidos pelo uso como psicoses quadros de humor mania ou depressão quadros ansiosos delirium e transtorno neurocognitivo Os transtornos induzidos são portanto devidos aos efeitos fisiológicos da substância no cérebro Há uma relação específica entre o uso e a síndrome induzida Tratase de quadros geralmente reversíveis que podem durar horas ou dias mas que não ultrapassam de modo geral um mês sem o uso da substância A intoxicação é definida como uma síndrome reversível específica com alterações comportamentais ou mentais como prejuízo do nível de consciência embriaguez sedação torpor perturbação da percepção da atenção do pensamento do julgamento e do comportamento psicomotor além de agressividade beligerância ou humor instável causados por uma substância recentemente ingerida Com o termo binge descrevemse os episódios de consumo intenso rápido e compulsivo que se relaciona intimamente à intoxicação Ribeiro Andrade 2007 De particular interesse no trabalho clínico com pacientes é a diferenciação entre os quadros psicopatológicos graves induzidos por substâncias ou menos frequentemente por síndrome de abstinência e episódios de esquizofrenia 1 2 mania depressão entre outros independentes do efeito delas Aqui usamse dois parâmetros importantes Nos quadros induzidos por substâncias ou pela síndrome de abstinência da substância os sintomas devem regredir em no máximo até 30 dias após o indivíduo ter cessado o uso Em geral o quadro vai regredindo após alguns dias sem o consumo ou da passagem da abstinência e em uma ou duas semanas todos os sintomas desaparecem Os quadros induzidos dependem diretamente da ação da substância ou dos efeitos da síndrome de abstinência no cérebro do paciente Por exemplo aquelas que com mais frequência produzem quadros psicóticos induzidos são os alucinógenos como a dietilamida do ácido lisérgico LSD a cocaína a maconha e as anfetaminas Nos quadros independentes é comum que o episódio já tenha surgido outra vez na vida independentemente do uso da substância De modo geral nos quadros independentes como um surto de esquizofrenia ou um episódio de mania a duração é superior a 30 dias Uma dificuldade importante aqui é que com frequência episódios independentes de por exemplo esquizofrenia mania ou depressão podem ser desencadeados pelo uso intenso de substâncias ou piorados em sua intensidade A diferença entre desencadeado o transtorno básico fundamental é a esquizofrenia ou a mania e induzido o transtorno de base é relacionado à substância pode ser difícil de se estabelecer mas é muito importante do ponto de vista psicopatológico INÍCIO E DESENVOLVIMENTO DE TRANSTORNOS POR USO DE SUBSTÂNCIAS Não há uma razão única que explique para todas as pessoas por que se passa a usar substâncias ou quando e por que tal uso se torna um transtorno destrutivo para o indivíduo e para a sociedade Dawes et al 2000 Para muitas pessoas sobretudo adolescentes verificase que o início do uso de substâncias está relacionado aos seguintes fatores curiosidade convivência e pressão de pares ou companheirosas que já fazem uso da substância tentativa de ser aceito pelo grupo sensação de fazer parte de uma subcultura excitação por estar fazendo algo ilegal secreto expressão de hostilidade e independência em relação aos pais ou professores tentativa de reduzir sensações desagradáveis tensão ansiedade solidão tristeza sensação de impotência A diminuição da autoestima é um ponto importante nos transtornos por uso de substâncias Ela ocorre associada com redução dos interesses deterioração dos cuidados consigo mesmo perda de vínculos sociais não relacionados à obtenção e ao uso da substância e eventualmente envolvimento em atividades ilegais e criminosas para obtenção da substância Essa diminuição da autoestima relacionase também com perda do autorrespeito sentimentos de vazio e de solidão Alguns indivíduos no curso do transtorno p ex nos transtornos por uso de álcool cocaína em forma do pó ou crack descuidam do vestuário da higiene e dos dentes tornamse desnutridos e podem vir a ter vida sexual promíscua para obtenção da substância como por exemplo no caso do transtorno relacionado ao uso de crack Isso pode ser um fator importante para a contaminação por doenças sexualmente transmissíveis como a aids e a sífilis Assim como o envolvimento com a substância acaba por tornarse algo compulsório o processo de recuperação implica envolverse afetivamente em outras atividades e desenvolver vínculos com pessoas significativas a fim de se reconquistar desse modo a autoestima a sociabilidade positiva e o desejo de viver Alverson Alverson Drahe 2000 As teorias sobre adição ou dependência de substâncias versam a respeito de possíveis mecanismos neurobiológicos teorias de comportamento aprendido e mecanismos de memória até teorias psicanalíticas psicossociais sociológicas e antropológicas Camí Farré 2003 Entretanto atualmente há ênfase nas bases neurobiológicas do uso de substâncias as quais apontam para a importância de regiões corticais pré frontais por meio de sua ação de modulação comportamental e do processo de tomada de decisões Essas regiões interagem com estruturas subcorticais como o sistema límbico e o sistema de recompensa o NAc que estão relacionadas a recompensas imediatas A ativação do sistema de recompensa é modulada pelos níveis de dopamina não apenas durante a realização de atividades percebidas como prazerosas mas também em sua antecipação Não poderemos no espaço deste livro abordar todas as substâncias envolvidas nos transtornos Optamos então por apresentar as mais importantes por sua frequência em nosso meio e por sua relevância psicopatológica álcool maconha e cocaínacrack o tabaco e a cafeína apesar de representarem uso importante do ponto de vista epidemiológico não acarretam consequências psicopatológicas na mesma intensidade que essas três substâncias ÁLCOOL TRANSTORNOS POR USO E TRANSTORNOS INDUZIDOS DSM5 E CID11 Bebidas alcoólicas têm sido utilizadas pelos seres humanos desde a préhistória Room Babor Rehm 2005 Os graves problemas relacionados ao álcool entretanto ganharam proporções epidêmicas nos últimos três séculos Britto Pereira 2013 No Brasil segundo o estudo epidemiológico de transtornos mentais coordenado por Jair J Mari da Universidade Federal de São Paulo Unifesp feito entre 2007 e 2008 com 3744 pessoas entrevistadas de 15 a 75 anos a prevalência de dependência de álcool na vida foi em São Paulo de 58 e no Rio de Janeiro de 62 Ribeiro et al 2013 A prevalência nos últimos 12 meses que melhor se aproximaria da prevalência atual situase nessas duas cidades entre 10 e 22 Andrade et al 2012 Ribeiro et al 2013 De acordo com o II Levantamento Nacional de Álcool e Drogas II LENAD estudo realizado em todo o Brasil em 2012 com 149 municípios sorteados e 4607 pessoas entrevistadas com 14 anos ou mais a prevalência de dependência de álcool na vida foi de 68 em homens 105 e em mulheres 36 Esse estudo mostra ainda que houve crescimento nas taxas de binge drinking beber de uma vez grande quantidade de álcool e associação de uso com acidentes e violência INPAD 2014 Assim é possível concluir que segundo todos os estudos revisados a prevalência de dependência de álcool na vida no Brasil situase entre 6 e 7 e tal dependência tem implicações gravíssimas para a vida das pessoas e para a sociedade Segundo a CID11 os transtornos devidos ao uso de álcool expressam um padrão de consequências negativas decorrente do uso da substância inclusive intoxicação alcoólica uso perigoso dependência síndrome de abstinência e transtornos mentais induzidos pelo álcool A CID11 mantém o construto dependência de álcool como a incapacidade de poder regular ou controlar o uso de bebidas alcoólicas que pode surgir a partir de uso repetido ou contínuo importante O elemento central aqui é a forte necessidade ou compulsão de usar o álcool associada à incapacidade de controlar o consumo com aumento de sua prioridade em relação a outras atividades e persistência de tal prioridade apesar de suas consequências danosas As pessoas com dependência de álcool geralmente desenvolvem sintomas de tolerância e abstinência Os transtornos por uso ou devido ao álcool DSM5 e CID11 revelam de modo geral um estado psíquico e físico resultante da ingestão repetitiva de álcool durante um período de pelo menos 12 meses O fenômeno de tolerância está frequentemente presente mas não é obrigatório O indivíduo em geral passa a apresentar o comportamento de beber logo pela manhã para aliviar o desconforto de uma abstinência incipiente A relevância da bebida vai crescendo o indivíduo não obtém gratificação de outras fontes apenas do álcool e muito tempo é gasto em atividades para obtenção da substância na sua utilização ou na recuperação de seus efeitos É comum que o indivíduo negue terminantemente ou minimize que o álcool seja um problema em sua vida que usa bebidas alcoólicas de forma claramente perigosa e prejudicial que não consegue parar de beber ou que perdeu o controle sobre seu padrão de ingesta Duffy 1995 Síndromes associadas aos transtornos devidos ao álcool O delirium tremens é uma forma grave de síndrome de abstinência de álcool em que ocorrem além dos sintomas clássicos do delirium rebaixamento do nível de consciência alteração da atenção confusão mental desorientação temporoespacial flutuação dos sintomas ao longo do dia intensas manifestações autonômicas como tremores febre sudorese profusa entre outras ilusões e alucinações visuais e táteis marcantes principalmente com insetos e pequenos animais zoopsias A alucinose alcoólica pode ocorrer durante a síndrome de abstinência ou em períodos independentes dela com o indivíduo sóbrio com o sensório claro ou alcoolizado Caracterizase por alucinações audioverbais de vozes que tipicamente falam do paciente na terceira pessoa O João é mesmo um sem vergonha um frouxo etc ou o humilham e desprezam O indivíduo pode ou não ter crítica de tal experiência alucinatória A alucinose alcoólica pode durar apenas horas ou dias mas também pode persistir por meses e até algum tempo mesmo após o paciente ter parado de beber O delírio de ciúmes associado aos transtornos devidos ao álcool é também bastante típico Em geral o indivíduo mais frequente em homens passa a acreditar plenamente no fato de que sua esposa parceira ou parceiro o trai de modo vil com muitos homens com seu melhor amigo com toda a vizinhança Sentese profundamente humilhado com tal traição Muitas vezes esse delírio se insere em uma dinâmica social e conjugal particular de deterioração dos relacionamentos O paciente já dependente de álcool há meses ou anos perde o interesse afetivo e sexual pela esposa sua paixão tende para o álcool mesmo pode apresentar dificuldades de ereção por neuropatia alcoólica é hostilizado pela companheira pois com frequência a agride verbal ou fisicamente perde o emprego está desmoralizado diante dos filhos e dos amigos Nesse contexto portanto o delírio de ciúmes ganha um sentido psicológico pelo menos em parte compreensível Não é raro que tal delírio termine com o homicídio da mulher eou com o suicídio do indivíduo com dependência A chamada embriaguez patológica intoxicação idiossincrática mania à potu embora descrita há muito tempo desperta controvérsias conceituais e não é aceita por todos Caracterizase por uma resposta paradoxal intensa à ingestão de pequena quantidade de álcool A compreensão de seus possíveis mecanismos também é ainda precária O paciente pode tornarse muito excitado violento às vezes paranoide e mesmo homicida fúria alcoólica Tal agitação surge de forma inexplicável dura várias horas é seguida de exaustão e termina comumente com sono profundo e amnésia posterior em relação ao evento O quadro costuma ocorrer entre indivíduos que revelam pouca capacidade para lidar com seus impulsos agressivos MACONHA TRANSTORNOS POR USO E TRANSTORNOS INDUZIDOS DSM5 E CID11 A Cannabis ou substâncias canabinoides extraídas da planta Cannabis sativa é a droga ilícita mais utilizada no mundo APA 2014 No Brasil é denominada maconha baseado beck erva bagulho Maria Joana fininho fuminho ganja ou baura Entre as cerca de 60 substâncias canabinoides o princípio ativo mais importante para os transtornos por uso de maconha é o delta9tetra hidrocanabinol delta9THC Os canabinoides agem sobre os receptores de canabinoides CB1 e CB2 encontrados em todo o sistema nervoso central A maconha em geral é fumada e seu uso produz efeitos muito variáveis mas os mais comuns relatados por usuários são relaxamento sensação de prazer de brisa ou barato risos espontâneos sem motivos e fome larica pode haver também distorções da percepção do tempo e do espaço de leves a moderadas dificuldade na atenção e na concentração sensação de que os sentidos estão aguçados hiperemia da mucosa conjuntival olhos vermelhos e boca seca Nos primeiros usos parte dos usuários pode sentir ansiedade mais ou menos intensa e ter crises de pânico taquicardia perturbação da coordenação motora fina ou pensamentos confusos A potência da Cannabis revela variações pronunciadas a concentração no material vegetal típico de um cigarro de maconha varia de 1 a 15 no haxixe resina extraída das flores e inflorescências de Cannabis sativa ou Cannabis indica de 10 a 20 e no óleo de haxixe de 15 a 60 No Brasil o uso da droga nos últimos 12 meses foi de 21 para a população em geral e ser do sexo masculino ter melhor nível educacional estar desempregado e morar nas Regiões Sul e Sudeste associaramse aos maiores índices de consumo Jungerman et al 2010 De acordo com o II LENAD a prevalência de pessoas que já experimentaram maconha na vida foi de 7 ou seja para todo o Brasil em pessoas com 14 anos ou mais estimouse que 8 milhões de pessoas já tenham experimentado a substância Dessa população 42 ou 34 milhões usaramna nos últimos 12 meses e destas 37 ou 13 milhão de pessoas são dependentes da droga INPAD 2018 Assim a maconha além de representar a principal droga ilícita usada entre a população brasileira produz dependência em um contingente importante de pessoas sobretudo adolescentes e jovens Pessoas com transtorno por uso de Cannabis podem usar a substância o dia inteiro ao longo de um período de meses ou anos passando muitas horas do dia sob sua influência Surgem problemas recorrentes relacionados à família à escola ou ao trabalho como ausências repetidas e negligência de obrigações familiares DSM5 Em indivíduos que usam maconha persistentemente tem sido relatada tolerância farmacológica e comportamental à maioria de seus efeitos A interrupção abrupta do uso diário ou quase diário da droga frequentemente resulta em síndrome de abstinência da substância com ansiedade inquietação irritabilidade raiva ou agressividade humor deprimido insônia redução do apetite Tal síndrome embora não seja grave como no caso do álcool pode produzir sofrimento significativo e dificuldade em cessar o uso DSM5 A progressão de uso esporádico para transtorno por uso de Cannabis é mais rápida em adolescentes do que em adultos Nos adolescentes observamse também com mais frequência alterações no humor no nível de energia e em padrões de alimentação Há geralmente queda acentuada nas notas na escola faltas às aulas e menor interesse nas atividades e no rendimento escolares Nos casos mais graves há progressão para o uso solitário ou ao longo de todo o dia o que interfere gravemente no funcionamento diário no estado psicológico e nas relações sociais do indivíduo DSM5 O início precoce do uso dessa droga particularmente antes dos 15 anos é um forte preditor de desenvolvimento do transtorno por uso de Cannabis Fatores de risco incluem também situação familiar instável ou violenta fracasso escolar tabagismo e uso de maconha por familiares próximos A facilidade de acesso à substância também representa fator de risco DSM 5 Debatese nos últimos anos sobre as potenciais consequências positivas e negativas da legalização da maconha em muitos países assim como no Brasil Tratase de debate complexo com níveis e perspectivas distintos inclusive aspectos psicopatológicos farmacológicos sociológicos antropológicos políticos criminológicos e filosóficos Transtornos induzidos pela maconha e consequências do uso crônico Em fases mais avançadas do transtorno por uso de maconha há prejuízo psicossocial e das funções cognitivas com comprometimento das funções executivas frontais o que dificulta ainda mais a vida do indivíduo na escola no trabalho e nas relações sociais DSM5 Pesquisas epidemiológicas têm revelado nas últimas décadas uma associação clara entre o uso de Cannabis na adolescência e o risco de desenvolver transtorno psicótico em particular esquizofrenia Nesse sentido a associação entre uso da droga na adolescência e desenvolvimento de psicose ao longo da vida apresenta os índices necessários para a atribuição de causalidade como relação temporal gradiente biológico plausibilidade neurobiológica evidência experimental consistência e coerência ver revisão em Radhakrishnan et al 2014 Além disso a fumaça do cigarro de maconha contém altos níveis de compostos carcinogênicos o que produz risco semelhante ao do tabaco no sentido de causarem doenças pulmonares e câncer associados a tal uso Além disso uma parte das pessoas com consumo crônico da substância desenvolve um quadro apáticodepressivo semelhante a uma distimia às vezes denominado síndrome amotivacional da maconha DSM5 COCAÍNACRACK TRANSTORNOS POR USO E TRANSTORNOS INDUZIDOS DSM5 E CID11 A cocaína substância extraída das folhas da planta Erythroxylon coca é utilizada no Brasil de três modos principais inalada injetada na veia ou fumada A cocaína em forma de pó que geralmente é branco pois o cloridrato de cocaína em pó é misturado pelos produtores e traficantes com talco areia fina pó de giz cal ou leite em pó para render mais costuma ser inalada mas pode ser também diluída em água e injetada atualmente um modo menos frequente de uso A cocaína fumada se apresenta como crack que é mistura de cloridrato de cocaína com bicarbonato de sódio e água por cozimento da pasta básica combinada com bicarbonato solidificada em cristais e vendida em forma de pequenas pedras que são geralmente aquecidas o crack vaporiza a 90ºC e fumadas em cachimbos ou dispositivos semelhantes O nome crack parece ter sido dado pelo fato de o cristal de cocaína ao ser fumado produzir um estalido um crack Quando aspirada a cocaínapó leva de 1 a 2 minutos para iniciar sua ação que se prolonga por 30 a 45 minutos Já a cocaínacrack fumada é absorvida muito rapidamente agindo no cérebro logo após à inalação da fumaça cujo efeito intenso perdura por volta de 10 minutos barato imediato e intenso mas de curta duração Em função disso a fissura por voltar a usar o crack é muito intensa e a dependência produzida por ele é uma das mais graves No Brasil em estudo coordenado por Ronaldo Laranjeira da Unifesp em 20112012 com 4607 pessoas com 14 anos ou mais o consumo de qualquer forma de cocaína pó e crack pelo menos uma vez no último ano ocorreu em 22 das pessoas o uso de cocaína cheirada pó na vida em 39 e no último ano em 17 O uso na vida de crack foi de 15 e no último ano de 08 Entre todos os usuários de cocaína estimouse que 414 apresentavam o quadro de dependência da substância Abdalla et al 2014 Estimouse também que no Brasil 26 milhões de pessoas usaram alguma forma de cocaína pó ou crack no último ano ocupando o lugar de segundo país do mundo atrás dos Estados Unidos em usuários de cocaína O crack foi usado por 244 mil adolescentes nos últimos 12 meses LENAD 2012 Assim do ponto de vista numérico e humano o problema da cocaína pó eou crack é indubitavelmente relevante e assustador Os efeitos imediatos mais frequentes da cocaína pó ou crack são sensação subjetiva de bemestar ou euforia de estar mais ativo mais alerta autoconfiante ou forte com mais energia e pensamento acelerado Fisicamente pode haver taquicardia aumento da frequência respiratória sudorese dilatação das pupilas tremores leves de mãos e pés tiques e contrações musculares de língua e mandíbula Em algumas pessoas ou em doses mais altas podem ocorrer desconfiança mais ou menos intensa ideias eou forte sensação de perseguição a chamada noia ansiedade e crises de pânico Alguns usuários relatam aumento do desejo sexual e pode haver também irritabilidade agressividade e comportamento violento além de instabilidade emocional e perturbação da atenção e da concentração Doses mais altas costumam produzir além da sensação de perseguição aceleração marcante do pensamento ideias de referência zumbidos alucinações auditivas e alucinações táteis que geralmente o indivíduo reconhece como efeito da droga Com tais doses irritabilidade ameaças e comportamento agressivo se tornam mais frequentes Tais alterações em geral remitem em um prazo de horas a dias após a interrupção do uso da substância mais raramente podem perdurar por poucas semanas A cocaína pode produzir um transtorno psicótico induzido pela ação da droga que é sintomaticamente parecido com um surto esquizofrênico ou um episódio de mania psicótica A cocaína representa um risco importante para a saúde física sobretudo em jovens Sua ação no coração está relacionada a risco aumentado de infarto do miocárdio arritmias dor torácica acidentes vasculares cerebrais e morte súbita em jovens usuários A utilização da forma fumada crack associase a quadros respiratórios de variada intensidade entre eles o chamado pulmão de crack insuficiência respiratória associada a alterações de opacidade pulmonar A síndrome de abstinência da cocaína geralmente não é grave expressandose com apatia tristeza e sonolência nos dias após a interrupção podendo mimetizar um quadro depressivo Os transtornos por uso de cocaína sobretudo na forma de crack que produz dependência mais grave que aquela associada ao pó têm ganhado marcante relevância social em muitos países inclusive no Brasil O crack surgiu no início dos anos de 1980 nos Estados Unidos como uma forma mais barata de cocaína vendida em áreas pobres e centrais de grandes cidades No Brasil o uso fumado de um preparado com crack e maconha conhecido como mesclado temse difundindo marcadamente Gonçalves Nappo 2015 A dependência de crack é das mais intensas ela leva os indivíduos dependentes a praticarem comportamentos extremos para obter dinheiro e poder comprar ou obter mais pedras como tráfico mendicância prostituição furto ou assalto com violência A saúde física é muitas vezes totalmente descuidada e o indivíduo pode perder vínculos importantes em sua vida refazendo apenas aqueles que o levam a obter novamente a droga No Brasil o crack chegou no início dos anos de 1990 e seu uso cresceu vertiginosamente em algumas regiões da cidade de São Paulo assim como em outras cidades passando a reunir usuários e traficantes em espaços públicos que foram então chamados de cracolândias A partir de 2010 a quase totalidade das cidades brasileiras já apresentava população dependente de crack e muitas cracolândias Em 2005 estimouse que 07 das pessoas nas grandes cidades brasileiras já haviam experimentado pelo menos uma vez o crack em 2011 esse número foi para 15 pouco mais que o dobro Em 2011 estimouse que haveria cerca de 370 mil pessoas usuárias de crack nas capitais dos Estados brasileiros Abdalla et al 2014 Em um estudo publicado em 2011 um grupo de 131 adultos jovens dependentes de crack na cidade de São Paulo foi seguido por 12 anos 107 foram encontrados até o fim do estudo Dos 131 iniciais 43 33 estavam abstinentes havia 12 meses 22 17 se mantiveram usando crack nos últimos 12 meses 13 10 estavam presos e 2 desaparecidos Dos 131 27 21 haviam morrido desses 27 16 morreram em decorrência de homicídio 6 de HIVaids 3 de overdose 1 de afogamento e 1 de hepatite B Dias et al 2011 Assim violências de variados tipos e sofrimentos extremos marcam a vida de boa parte dos usuários de crack Formas específicas e inusitadas de sociabilidade violência e sofrimento convivem nesses espaços chamados cracolândias Rui 2014 e causam profundo impacto na vida social desencadeando marcantes e difíceis controvérsias sobre como a sociedade poderia ou deveria lidar com tal realidade Além dos quadros de dependência as consequências do uso de drogas são percebidas cotidianamente nos serviços médicos de emergência Um estudo que avaliou 437 indivíduos com mais de 18 anos atendidos em unidade de emergência em Campinas SP de 2012 a 2014 em decorrência de traumas acidentes automobilísticos atropelamentos quedas entre outras causas apontou que 171 39 apresentaram screening positivo para substâncias psicoativas as mais frequentes álcool cocaína e maconha Diniz Oliveira 2015 SEMIOTÉCNICA DE AVALIAÇÃO EM PESSOAS COM PROBLEMAS OU TRANSTORNOS RELACIONADOS A ÁLCOOL E OUTRAS SUBSTÂNCIAS O Quadro 351 apresenta itens a serem avaliados na abordagem inicial de pacientes com uso eou dependência de substâncias Quadro 351 Semiotécnica de avaliação em pessoas com problemas ou transtornos relacionados a álcool e outras substâncias INICIAR AVALIAÇÃO DO PACIENTE Queixa principal e história do problema atual para pessoas com envolvimento ou dependência de substâncias verificar na história clínica tipo de substância utilizado idade de início e padrão de uso quantidade e frequência substâncias de escolha em ordem de preferência e de quantidade vias de administração circunstâncias de uso reações ao consumo estado emocional antes durante e depois do uso quantidade de consumo nos últimos meses e semanas último uso fatores reforçadores e atenuadores do consumo manifestação de sintomas de abstinência e tolerância Contextomotivos que levaram ao uso de substâncias Avaliar se há envolvimento e apoio de família e rede social Verificar também história de tratamento em ambulatórios Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas CAPSAD comunidades terapêuticas e internações psiquiátricas consequências sociais legais comorbidades familiares maior período de sobriedade fatores de risco e de contenção para o consumo como precipitantes emocionais história familiar de uso de substâncias se for o caso ambiente e circunstâncias familiares de uso da substância Sinais e sintomas psicopatológicos atuais e identificação de comorbidades psicopatológicas depressão mania psicose transtornos da personalidade etc HISTÓRICO DE SAÚDE FÍSICA História médica história de uso de medicamentos Testagem para HIV hepatites e sífilis História familiar inclusive de uso de substâncias História psicopatológica e história de vida Sinais e sintomas médicos somáticos atuais AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA PSICOSSOCIAL E SOCIOCULTURAL Avaliação do padrão de relações interpessoais e da dinâmica familiar Avaliação da rede de contatos sociais do subgrupo cultural ao qual o paciente pertence valores ethos do grupo História legal brigas roubos problemas com a polícia processos prisões crimes cometidos etc INÍCIO E DESENVOLVIMENTO DE TRATAMENTO Verificar a motivação do indivíduo para mudança e investir no estabelecimento de vínculo Verificar problemas com intoxicação sintomáticos e reversores e abstinência desmame substituição tolerância cruzada e uso de atenuadores sintomáticos Elaborar com o paciente os objetivos pessoais quanto ao tratamento Incluir família e amigos Verificar se há necessidade de tratamento de emergência ou de problemas mais agudos Pensar em intervenção breve inicial com avaliação dos principais problemas triagem estabelecimento de metas com paciente e familiares e amigos discussão de prós e contras do uso de substâncias para o indivíduo pensar no desenvolvimento da autoeficácia do sujeito Intervenção no médio e no longo prazo abordagens psicoterápicas aceitáveis e viáveis para o paciente abordagens farmacológicas Manutenção da abstinência técnicas anticraving redutor de efeito reforçador fatores aversivos acentuadores de sintomas comorbidades Utilizar grupos de mútua ajuda como alcoólicos anônimos AA e narcóticos anônimos NA O instrumento mais utilizado para a avaliação padronizada do uso de bebidas alcoólicas e da gravidade dos problemas eou transtorno por uso de álcool é o Teste de Identificação de Problemas Relacionados ao Uso de Álcool AUDIT disponível no hotsite do livro e para a avaliação do uso de álcool e outras substâncias o instrumento padronizado é o ASSISTOMS também no hotsite do livro DEPENDÊNCIAS COMPORTAMENTAIS OU TRANSTORNOS ADITIVOS NÃO RELACIONADOS A SUBSTÂNCIAS CID11 E DSM5 Nas últimas décadas expandiuse a noção de dependência das dependências químicas para outras dependências comportamentais como jogo compras internet sexo entre outras Tratase de quadros de dependência que embora não tenham o elemento bioquímico de uma substância agindo no cérebro têm muitos elementos semelhantes às dependências químicas e implicam estruturas e circuitos cerebrais análogos Infelizmente por razões de espaço serão abordadas algumas dessas outras dependências de modo resumido ver Razzouk 1998 Silveira Vieira Palomo 2000 Tavares 2000 APA 2014 TRANSTORNO DO JOGO E DE APOSTAS CID11 E DSM5 E TRANSTORNO DE DEPENDÊNCIA DA INTERNET Os comportamentos de jogo problemático sejam eles em jogos comuns de azar sejam eles em apostas do tipo offline jogos presenciais a dinheiro de baralho bingos caçaníqueis roletas etc ou online na internet se caracterizam por padrão persistente de comportamento de jogo no qual há prejuízo na capacidade de autocontrole ou seja há perda do controle em relação a começar a jogar eou na frequência intensidade duração ou término das partidas Além disso há crescente prioridade do jogo na vida da pessoa que ganha precedência sobre outras áreas importantes de interesse e atividades diárias como relacionamentos família amizades estudo trabalho etc O indivíduo com tal dependência continua ou aumenta o jogar apesar das consequências Também tende a negar seu envolvimento com os jogos e as consequências de tal dependência Atividades na internet que podem ou não envolver o jogar digital gaming ou vídeogaming não necessariamente a dinheiro têm sido reconhecidas como uma forma importante de adição ou dependência comportamental Block 2008 Kuss LopezFernandez 2016 Aqui pode haver também a perda de controle e a intensidade crescente de prioridade de tal atividade o que prejudica significativamente outras dimensões importantes da vida como relacionamentos família amizades estudos trabalho entre outras Observase além disso que nas últimas décadas uma porcentagem significativa de adolescentes e jovens se torna dependente de atividades na internet eou na tela ephones smartphones tablets computadores etc o que implica dificuldades psicopatológicas relevantes para suas vidas Ho et al 2014 Como instrumento de avaliação padronizada de dependência da internet está disponível no hotsite do livro o Teste de Dependência da Internet TDI Outras dependências comportamentais importantes são o comprar compulsivo e o sexo compulsivo que podem ter consequências muito danosas à vida das pessoas acometidas Love 1 2 3 4 5 6 7 36 Síndromes relacionadas ao sono Há grande variabilidade individual em relação ao padrão e à necessidade de sono Algumas pessoas sentemse descansadas e ativas durante o dia dormindo 5 horas por noite outras necessitam de 10 a 12 horas de sono para se sentirem bem durante o dia Com frequência problemas com o sono são acompanhados de depressão ansiedade e alterações cognitivas o que revela comorbidades frequentes que agravam os transtornos Os transtornos do sono pela sua frequência e impacto representam um importante desafio à saúde pública Colten Altevogt 2006 Segundo a Classificação internacional dos distúrbios do sono CIDS2 existem mais de 81 distúrbios estudados pela chamada medicina do sono Thorpy 2012 Entretanto essa classificação é feita para uso de especialistas nesses transtornos Para os profissionais da saúde não especialistas em sono em geral os transtornos do sono mais importantes devem ser apresentados de forma mais acessível APA 2014 transtorno de insônia transtorno de hipersonolência síndrome das pernas inquietas transtornos do sono relacionados à respiração apneias do sono transtornos do sonovigília do ritmo circadiano tipo fase do sono atrasada e fase do sono avançada narcolepsia parassonias sonambulismo terror noturno bruxismo O diagnóstico dos transtornos do sono é realizado por meio de anamnese detalhada referente aos comportamentos relacionados ao sono e à sonolência sempre que possível com o paciente e pessoa que convive com ele e observa com frequência seu tipo e padrão de sono e vigília Devese também sempre que possível utilizar o laboratório de sono no qual são feitas as polissonografias com avaliações global fisiológica e comportamental do sono por meio de exames como eletrencefalograma eletrocardiograma eletroculograma avaliação do fluxo aéreo oral e nasal gases sanguíneos saturação de oxigênio concentração de dióxido de carbono monitoração de movimentos corporais como eletromiograma tibial entre outros TRANSTORNO DE INSÔNIA DSM5 A insônia é um dos sintomas mais comuns em saúde mental calculase que cerca de um terço da população adulta tenha pelo menos alguns dias de insônia clinicamente significativa durante um ano e que 6 a 10 da população adulta apresentem o transtorno de insônia APA 2014 O transtorno de insônia caracterizase pela dificuldade em adormecer insônia inicial em permanecer adormecido ou por despertares frequentes sono entrecortado ou despertar muito precoce com o indivíduo acordando de madrugada geralmente por volta das 3 às 5 horas da manhã e não conseguindo voltar a dormir Silber 2005 APA 2014 Não importa só a redução da quantidade de sono mas também de sua qualidade e sobretudo a sensação de ter tido um sono reparador De acordo com o Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais DSM5 as dificuldades com o sono devem ocorrer por pelo menos três noites por semana e permanecer por pelo menos três meses Ter insônia implica prejuízo no funcionamento diário e piora na qualidade de vida em decorrência do sono ruim Ainda para o diagnóstico o transtorno de insônia não deve ser causado pelo efeito fisiológico de alguma substância ingerida ou por condição médica dor insuficiência cardíaca congestiva doença pulmonar obstrutiva crônica A coexistência de outros transtornos mentais e transtorno de insônia é frequente O diagnóstico deste último com transtorno depressivo maior por exemplo pode eventualmente ser mantido se a insônia desenvolver seu próprio curso ao longo da vida da pessoa podendo inclusive precipitar novos episódios do outro transtorno mental depressão mania esquizofrenia entre outros Nos Estados Unidos em torno de 10 dos adultos apresentam transtorno de insônia sendo esta mais frequente no sexo feminino com razão de 141 Ohayon 2002 No Brasil em um amplo estudo com jovens adultos e idosos pessoas com mais de 16 anos coordenado por Sergio Tufik da Universidade Federal de São Paulo Unifesp foram entrevistadas 2110 pessoas de 150 cidades das diferentes Regiões do País erro amostral 2 em março de 2008 Do total 63 relatavam alguma queixa relacionada ao sono Queixas de problemas de sono mais frequentes do que três vezes por semana estiveram presentes nas seguintes frequências 61 de roncos 53 de pernas inquietas 37 de pausas respiratórias e 17 de pesadelos A queixa de insônia em mais de três vezes por semana foi relatada por 35 das pessoas Bittencourt et al 2009 Em outro estudo na cidade de São Paulo publicado em 2013 com 1042 pessoas de 20 a 80 anos de idade a prevalência de insônia subjetiva relatada pelos participantes segundo o DSMIV foi de 15 Entretanto utilizandose avaliação polissonográfica verificouse que a prevalência de insônia objetiva era de 32 o dobro portanto Castro et al 2013 Dessa forma podese concluir que os transtornos do sono e em particular o de insônia são frequentes na população de nosso país Do ponto de vista epidemiológico a insônia ocorre mais comumente em mulheres idosos pessoas de baixo nível socioeconômico divorciados viúvos e em indivíduos internados em hospitais ou em prisões Cerca de metade dos quadros de insônia se associa a transtornos psicopatológicos depressão ansiedade fobias dependência química transtorno bipolar entre outros ou doenças ou condições médicas obesidade síndromes dolorosas refluxo gastresofágico doenças pulmonares que implicam dificuldades respiratórias insuficiência cardíaca congestiva e hipertrofia prostática Alguns hábitos e fatores relacionados à insônia são hábitos inadequados como dormir muito durante o dia ou acordar em horas diferentes a cada dia tomar quantidades excessivas de café durante o período noturno ingerir excessivamente álcool ou outras substâncias psicoativas comer excessivamente à noite além de realizar tarefas e atividades muito tensas no período noturno Para melhorar o padrão de sono fazemse recomendações de higiene do sono com base nas orientações apresentadas no Quadro 361 Quadro 361 Orientações que os profissionais da saúde podem fornecer aos indivíduos que têm insônia ou dificuldade para dormir higiene do sono FATORES ASSOCIADOS À INSÔNIA FATORES FACILITADORES DO SONO Ingestão de café à tarde ou à noite Hábito de acordar todos os dias na mesma hora Ingestão de bebidas alcoólicas à noite Não forçar o sono e retirar o despertador do lado da cama Alimentação copiosa à noite Atividades relaxantes no período noturno como tomar banho beber um chá quente com uma pessoa amiga etc Trabalhos difíceis e estressantes no período noturno Quarto escuro fresco e silencioso Atividade tensa no período noturno trabalho intelectual difícil uso do computador esportes competitivos etc Peso corporal adequado Televisão no quarto Atividade física regular Hábito de despertar e levantar da cama a cada dia em horários muito diferentes Trabalho em turnos TRANSTORNO DE HIPERSONOLÊNCIA DSM5 No transtorno de hipersonolência o sujeito relata sonolência excessiva apesar de dormir pelo menos 7 horas por dia Durante o dia há períodos recorrentes de sono ou de cair no sono ou de sentir que o sono não é reparador mesmo depois de haver dormido bem Há queixas de não se sentir totalmente acordado depois de um despertar abrupto Pessoas com esse transtorno conseguem dormir rapidamente e há boa eficiência do sono 90 entretanto podem ter dificuldade para acordar pela manhã e às vezes parecem confusas ou atáxicas desequilíbrio motor ao acordar Ao despertar do sono da noite ou depois de um cochilo o indivíduo pode apresentar declínio da habilidade motora lapsos de memória desorientação no tempo e no espaço e sensação de atordoamento Estimase que cerca de 1 da população na Europa e nos Estados Unidos apresente esse transtorno DSM 5 SÍNDROME DAS PERNAS INQUIETAS DSM5 Essa síndrome se caracteriza pela necessidade de mover as pernas em geral acompanhada pela sensação de desconforto nelas ou dentro delas mais raramente pode acometer os braços e todo o corpo Podem ocorrer sensações parestésicas formigamentos sensação de peso ou de pinicar etc nas pernas entre o tornozelo e o joelho Esse desconforto se intensifica com o repouso e melhora com o movimento A sensação se agrava durante período de repouso ou inatividade e é pior no final da tarde ou à noite prejudicando gravemente o sono A necessidade de movimentar as pernas é aliviada completa ou parcialmente pelo movimento Para o diagnóstico ela deve ocorrer por pelo menos três vezes por semana e persistir por pelo menos três meses DSM5 Estimase que a síndrome das pernas inquietas ocorra em 15 a 5 da população aumentando com a idade Quando se exige para o diagnóstico que ocorra pelo menos três vezes por semana a taxa é de 16 e pelo menos uma vez por semana de 45 APA 2014 Fatores de risco incluem sexo feminino envelhecimento e história familiar Há associações genômicas descritas e o gene BTBD9 confere risco elevado 80 A resposta terapêutica positiva a agentes dopaminérgicos levodopa bromocriptina pergolida ajuda no diagnóstico Na síndrome das pernas inquietas são comuns as mioclonias noturnas 8090 dos casos que são movimentos das pernas repetitivos e estereotipados que predominam durante o estágio 2 do sono não REM APA 2014 TRANSTORNOS DO SONO RELACIONADOS À RESPIRAÇÃO APNEIAS DO SONO De modo geral a apneia do sono caracterizase pela ocorrência de muitas pausas respiratórias curtas de 10 a 50 segundos durante o sono Nos episódios de apneia o indivíduo pode roncar a saturação sanguínea de oxigênio cai e com frequência ocorre breve despertar O DSM5 subdivide os transtornos do sono relacionados à respiração TSRR em apneia e hipopneia obstrutivas do sono apneia central do sono e hipoventilação relacionada ao sono Apneia e hipopneia obstrutivas do sono Tratase de um tipo de apneiahipopneia pausa respiratória causado pela obstrução das vias aéreas superiores VAS ocorrendo periodicamente o colabamento das VAS Tal distúrbio associase com frequência a sobrepeso ou obesidade pescoço curto eou alterações estruturais da cavidade orofaríngea como palato rebaixado Há com frequência o relato de roncos altos interrompidos periodicamente por pausas respiratórias A apneia obstrutiva frequentemente é acompanhada de sonolência diurna mais ou menos intensa fadiga e sensação de sono não reparador Havendo os sintomas de roncos eou respiração difícil durante a noite deve também haver para o diagnóstico evidências polissonográficas de pelo menos cinco apneiashipopneias obstrutivas por hora de sono Se não houver os sintomas relatados caso a polissonografia identifique 15 ou mais apneiashipopneias por hora de sono fazse também o diagnóstico de apneiahipopneia obstrutiva do sono ou seja com base mais em evidência laboratorial do que clínica DSM5 Nos Estados Unidos a prevalência de apneiahipopneia obstrutivas do sono é de 1 a 2 em crianças de 2 a 15 em adultos de meiaidade e de 20 ou mais em idosos É também de 2 a 4 vezes mais frequente em homens do que em mulheres APA 2014 No Brasil realizouse em 2005 um estudo epidemiológico transversal com amostra representativa da cidade de Pelotas RS em 1957 domicílios elegíveis com 3136 adultos com 20 anos ou mais Esse estudo revelou que 505 das pessoas apresentavam ronco habitual e 99 apneia obstrutiva do sono definida como pausas respiratórias durante o sono e relato concomitante de roncos A apneia obstrutiva do sono foi mais frequente em homens idosos tabagistas e obesos Noali et al 2008 Apneia central do sono A apneia central do sono caracterizase por episódios repetidos de apneia pausas respiratórias breves e hipopneia enquanto o paciente dorme causados pela variabilidade no esforço respiratório involuntário É assim um transtorno do controle involuntário ventilatório em eventos que ocorrem em padrão periódico ou intermitente O paciente apresenta despertares frequentes durante a noite às vezes associados com sensação de sufocamento As principais queixas são de sono não reparador sonolência insônia e cansaço pela manhã O sobrepeso não é tão frequente e o ronco quando observado não é de forte intensidade Quando a apneia central do sono acomete pessoas com insuficiência cardíaca acidente vascular cerebral ou insuficiência renal pode apresentar um padrão respiratório denominado respiração de CheyneStokes Esta se caracteriza por um padrão periódico do tipo crescendodecrescendo no volume corrente de ar relacionado a apneias e hipopneias centrais que ocorre com frequência de pelo menos cinco eventos por hora acompanhados de despertares frequentes DSM5 Também se descreve a hipoventilação relacionada ao sono HRS na qual a polissonografia revela respiração no sono reduzida associada a níveis elevados de CO2 Com frequência as pessoas com HRS relatam sonolência excessiva durante o dia excitações e despertares frequentes durante o sono cefaleias matutinas e insônia TRANSTORNOS DO SONOVIGÍLIA DO RITMO CIRCADIANO Nesse caso verificase um padrão persistente ou recorrente de perturbação do sono devido a alterações do sistema circadiano regulação fisiológica do ritmo sonovigília em um dia de 24 horas em que há desequilíbrio entre o ritmo circadiano endógeno o ritmo biológico do indivíduo ao longo do dia e os horários de sono e de vigília impostos ou normatizados pelo ambiente físico luminosidade e social sejam as normas da família sejam as exigências do trabalho eou escola Tipo fase do sono atrasada e tipo fase do sono avançada DSM5 O transtorno do sono tipo fase do sono atrasada se manifesta por histórias de atraso no horário principal do sono em geral mais que 2 horas em relação aos horários desejados de dormir e despertar o que acaba resultando em sintomas de insônia e sonolência excessiva durante o dia A prevalência nos Estados Unidos é de cerca de 017 na população em geral mas em adolescentes pode situarse entre 7 e 16 O curso é persistente com duração superior a três meses Zhu Zee 2012 APA 2014 De modo geral o indivíduo não consegue dormir na mesma hora que seus familiares ou pares ou que deseja podendo atrasar progressivamente o horário em que adormece Tem de despertar nos horários relacionados a estudo trabalho ou outra atividade social apresentando então importante fadiga e sonolência ao longo do dia um paciente de 22 anos relatava não consigo dormir na hora que desejo cada dia adormeço mais tarde e passo os dias de forma imprestável com um cansaço enorme O transtorno tipo fase do sono avançada se caracteriza pelos horários de adormecer e despertar estarem várias horas avançadas em relação aos horários desejados ou convencionais São os indivíduos chamados tipos matutinos com horários de dormir de 2 a 4 horas mais cedo que o habitual em seu grupo Há hipóteses de que tal transtorno se relacione além de a fatores neurobiológicos ao padrão cultural de adolescentes e jovens como os estímulos excitantes de participação noturna na internet em videogames e redes sociais Os fenômenos de transtornos do sono relacionados ao trabalho em turnos shift work disorder e às grandes viagens aéreas fenômeno do jet lag são também estudados nesse capítulo do DSM5 dos transtornos do sonovigília do ritmo circadiano revisão em Zhu Zee 2012 NARCOLEPSIA DSM5 A narcolepsia descrita inicialmente em 1877 e renascida para as pesquisas nos anos de 1970 e 1980 caracterizase por ataques ou períodos recorrentes de necessidade irresistível de dormir cair no sono ou cochilar em um mesmo dia Os ataques do transtorno devem ocorrer por pelo menos três vezes por semana durante pelo menos três meses DSM5 Os ataques de narcolepsia são ataques diurnos de sono REM com sonolência intensa e abrupta como se a atividade neurofisiológica característica desse tipo de sono invadisse a vigília revisão em Mignot 2014 Além da sonolência diurna a narcolepsia manifestase clinicamente por ataques de cataplexia que é uma crise breve de segundos a minutos de perda bilateral de tônus muscular com manutenção da consciência geralmente desencadeados por risos ou brincadeiras O indivíduo cai repentinamente ao chão Crianças podem ter uma forma parcial da cataplexia com hipotonia sem queda abertura da mandíbula e projeção da língua Para o diagnóstico também é importante verificar a deficiência do neuropeptídeo produzido na área hipotalâmica lateral hipocretina1 no líquor líquido cerebrospinal Os níveis de hipocretina1 devem ser iguais ou inferiores a um terço dos valores obtidos em indivíduos saudáveis A polissonografia do sono noturno demonstra latência do sono REM inferior ou igual a 15 minutos Podem ocorrer também alucinações hipnagógicas ao adormecer ou hipnopômpicas ao despertar Dauvilliers Arnulf Mignot 2007 A causa da narcolepsia foi identificada por neurocientistas da Stanford University W C Dement C Guilleminault e E J M Mignot entre outros Ela ocorre devido à perda de cerca de 70 mil neurônios hipotalâmicos produtores de neuropeptídeos denominados hipocretinas particularmente da hipocretina1 Isso está associado a um mecanismo autoimune pois foram identificadas alterações e marcadores genéticos e imunológicos HLA subtipo DR2 e DQ602 nos indivíduos com narcolepsia PARASSONIAS As parassonias caracterizamse por eventos comportamentais ou fisiológicos anormais associados a estágios específicos do sono ou da transição sonovigília alterações do despertar ou despertar incompleto revisão em Howell 2012 O sonambulismo é um transtorno de despertar do sono não REM caracterizado por levantarse da cama durante o sono com olhar fixo e rosto vazio O indivíduo não responde aos esforços de comunicação feitos pelos outros e pode executar comportamentos complexos durante o episódio geralmente iniciados na fase 3 ou 4 do sono não REM sono profundo de ondas lentas O comportamento complexo pode incluir atos automáticos como andar trocar de roupa urinar no armário O indivíduo pode ser acordado apenas com muita dificuldade É relativamente comum na infância e na adolescência principalmente em crianças entre 4 e 8 anos tendendo a desaparecer na fase adulta O terror noturno caracterizase por despertar de uma fase de sono profundo sono de ondas lentas geralmente na fase 4 com um grito lancinante de pânico acompanhado de manifestações de medo intenso e sintomas autonômicos taquicardia respiração rápida sudorese e midríase A crise costuma durar de 5 a 20 minutos Não se trata de um pesadelo que é um tipo de sonho ocorrendo mais frequentemente na fase REM Em geral após o grito o indivíduo se senta na cama agitado e aparentemente com muito medo apresentando midríase e taquipneia depois volta a dormir Há poucas respostas aos esforços dos outros de confortar a pessoa Tanto para o sonambulismo como para o terror noturno no dia seguinte o indivíduo não se lembra de nada ou quase nada do que ocorreu havendo portanto amnésia em relação ao episódio O sonilóquio falar dormindo é a produção de sons palavras ou mesmo frases durante a noite sem a tomada momentânea de consciência do indivíduo que as produz e sem a lembrança no dia seguinte de ter falado ou do conteúdo daquilo que foi dito A paralisia do sono consiste em um despertar ou adormecer incompleto O indivíduo ao despertar ou ao adormecer apresenta fraqueza muscular importante e é incapaz de realizar atividade motora voluntária Por alguns segundos sentese muito angustiado por não poder mover um só dedo apesar de já estar consciente logo então desperta Podem ocorrer alucinações hipnagógicas alucinações geralmente visuais ao adormecer ou hipnopômpicas o mesmo ao despertar O bruxismo também pode ser considerado um transtorno do despertar parcial a partir de um período de sono profundo fase 3 ou 4 Dormindo o indivíduo range vigorosamente os dentes devido à atividade rítmica do músculo masseter As consequências são desgaste dos dentes dor local cefaleias disfunção da articulação temporomandibular e sono de má qualidade Azevedo Alóe Tavares 2007 A enurese noturna também ocorre durante o sono profundo geralmente em crianças com mais de 4 anos de idade até essa idade a enurese não é considerada anormal Acomete mais crianças de até 6 anos 25 dos meninos e 15 das meninas e ocorre em 2 dos adultos Há micção involuntária durante a noite em geral no primeiro terço com mais frequência no estágio 2 do sono não REM devido ao relaxamento do esfincter urinário Tanto tendência hereditária há muita recorrência familiar do transtorno como conflitos emocionais insegurança hostilidade medo separação ou doença dos pais ou avós estão associados à enurese na infância A condição tende a desaparecer com o passar dos anos porém um número considerável de crianças enuréticas sente muita vergonha culpa ou ansiedade por apresentar tal transtorno Os pesadelos são sonhos ansiosos com conteúdos ameaçadores e terroríficos que ocorrem na maior parte das vezes durante o sono REM no terço final da noite O indivíduo pode acordar durante o episódio e muitas vezes lembrarse com clareza de seu conteúdo no dia seguinte Os pesadelos podem estar associados a conflitos emocionais inconscientes ou conscientes períodos de ansiedade e tensão preocupações e temores antigos ou atuais Devese buscar diferenciar claramente os pesadelos sono REM último terço da noite do terror noturno sono profundo primeiro terço da noite Quando há recorrência dos pesadelos extremamente disfóricos com sensação de ameaça à sobrevivência ou à integridade física e a experiência causa sofrimento significativo ou prejuízo no funcionamento social profissional ou em outras áreas da vida do indivíduo o DSM5 propõe denominar transtorno do pesadelo Think 37 Sexualidade e psicopatologia O que será que me dá Que me queima por dentro será que me dá Que me perturba o sono será que me dá Que todos os tremores me vem agitar Que todos os ardores me vem atiçar Que todos os suores me vem encharcar Que todos os meus nervos estão a rogar Que todos os meus órgãos estão a clamar E uma aflição medonha me faz implorar O que não tem vergonha nem nunca terá O que não tem governo nem nunca terá O que não tem juízo Chico Buarque de Hollanda A SEXUALIDADE HUMANA A sexualidade desejo fundamental do ser ocupa um lugar central em nossa condição existencial Ela compreende três dimensões básicas biológicas psicológicas e socioculturais Basson 2006 As dimensões biológicas da sexualidade reúnem principalmente aspectos neuronais hormonais e anatomofisiológicos genitais Os aspectos neuronais se revelam pela ativação de áreas e circuitos de estruturas subcorticais e do córtex cerebral relacionados com o desejo a resposta e o comportamento sexuais São ativados na resposta sexual por exemplo circuitos relacionados à área septal ao hipotálamo ao hipocampo e à amígdala assim como ao córtex do cíngulo Federman 2006 Yang Shah 2014 Os aspectos hormonais da biologia da sexualidade incluem a ação dos hormônios esteroides sexuais no organismo As implicações comportamentais e sexuais desses hormônios são extremamente complexas e continuamente ocorrem controvérsias científicas em torno de suas ações no psiquismo Yang Shah 2014 Os principais hormônios sexuais são o estrógeno relacionado aos caracteres sexuais femininos secundários e a progesterona precursora na síntese de estrógeno e testosterona prepara a mucosa do útero para receber o óvulo inibe contrações uterinas e prepara as mamas para a produção de leite A testosterona é um hormônio com muitas e complexas implicações comportamentais Ela está relacionada aos caracteres sexuais masculinos secundários e à resposta sexual em homens e em mulheres Tem sido estudado e debatido seu possível papel na agressividade e em comportamentos de dominação e competição tanto em homens como em mulheres van Anders Steiger Goldey 2015 Os hormônios vasopressina e oxitocina estão relacionados à experiência de ligação afetiva também implicada na resposta sexual As dimensões psicológicas dizem respeito aos aspectos particulares e individuais do desejo erótico das fantasias sexuais e da dimensão subjetiva de prazer que a vida sexual pode produzir As dimensões socioculturais se relacionam ao conjunto de valores culturais práticas repertórios e proibições que cada sociedade produz no campo da sexualidade Com sentido mais especificamente humano e subjetivo da experiência sexual temse o vasto e fascinante campo do erótico Bataille 1987 Enquanto o impulso e o comportamento sexuais no plano biológico são relativamente restritos em seus repertórios pois se sustentam sobre aspectos instintivos e biológicos que têm um fim determinado a reprodução o desejo e o comportamento eróticos são extremamente plásticos e comportam uma infinidade de variações Assim a vida erótica e sexual humana é extremamente vinculada à vida afetiva do sujeito a sua personalidade total e aos símbolos valores práticas e padrões culturais que geram e conformam as fantasias e as práticas sexuais mais variadas Gregersen 1983 Segundo Carmelo Monedero 1973 a sexualidade não é uma simples tensão orgânica anônima e disforme Muito pelo contrário toda a vivência humana está carregada de intencionalidade de desejos que buscam de uma forma ou outra a satisfação A forma específica diz ainda Monedero pela qual cada um realiza sua sexualidade e seu erotismo é também característica de sua existência no mundo Portanto para ele a sexualidade o erotismo compõe um daqueles terrenos um daqueles palcos onde se lançam e ganham vida todos os elementos conflitos e peculiaridades dos seres humanos Diferenças entre homens e mulheres As expectativas os papéis e os valores que as sociedades e culturas estabelecem para mulheres e homens variam de época para época e de cultura para cultura Stearns 2010 A criança nas diversas culturas é socializada de forma mais ou menos marcante para pertencer a um gênero ou a outro introjetando papéis valores e atitudes de gênero que existem e circulam em cada sociedade Giddens 1993 Nas últimas décadas nas sociedades ocidentais urbanizadas e industrializadas têm sido questionadas por vários grupos sociais como feministas militantes lésbicas gays bissexuais travestis transexuais e transgêneros LGBT entre outros a rigidez e a estereotipia das demarcações entre o feminino e o masculino Tais demarcações estão relacionadas a formas de discriminação e valoração pejorativa e injusta em relação às mulheres e às pessoas LGBT Irineu Froemming 2012 Além de todos os aspectos relacionados a valores papéis sociais e padrões de socialização de homens e mulheres de relevância para a psicopatologia são também as diferenças neuropsicológicas associadas aos cérebros de ambos os sexos A diferenciação do cérebro feminino e do masculino o chamado dimorfismo sexual começa a ocorrer muito cedo no desenvolvimento do feto No início do período prénatal os hormônios sexuais produzidos pelas gônadas do feto direcionam a diferenciação de seu cérebro Posteriormente os hormônios sexuais na criança e no adolescente continuam a agir sobre esse órgão que tem grande quantidade de receptores para tais hormônios Variações pronunciadas nessa ação hormonal sobre o cérebro ocorrem na puberdade nas fases do ciclo menstrual na menopausa e na andropausa e nos casos em que a pessoa recebe hormônios exógenos Nos últimos anos tem sido salientado por pesquisas neurobiológicas que os hormônios não apenas influenciam comportamentos diferenciais entre os gêneros mas o sentido inverso também é verdadeiro Fatores sociais e modos de socialização no gênero masculino por exemplo aumentam os níveis e as ações da testosterona o que indica que não só a neurobiologia influencia comportamentos sociais mas que também estes agem sobre a neurobiologia van Anders Steiger Goldey 2015 Em relação ao cérebro um amplo número de pesquisas científicas tem identificado diferenças entre os sexosgêneros em relação à morfologia anatomia à conectividade e às funções cerebrais para uma boa revisão ver Kreukels Guillamon 2016 Tais diferenças podem pelo menos em parte estar associadas a distinções quanto ao funcionamento mental e ao comportamento à psicopatologia e ao padrão cognitivo em algumas tarefas neuropsicológicas Homens tendem a ter cérebros um pouco maiores que as mulheres simplesmente em razão de seu maior volume corporal global O desenvolvimento do córtex cerebral difere em meninas e meninos o que resulta em sua espessura maior nas garotas em comparação à dos garotos No nível subcortical as mulheres têm hipocampos maiores do que os homens com maior densidade de receptores de hormônios estrogênicos Por sua vez a amígdala é maior nos homens e tem maior densidade de receptores de hormônios androgênicos do que receptores estrogênicos Kreukels Guillamon 2016 O padrão de conectividade cerebral também difere entre os sexos Homens têm maior conectividade intrahemisférica ou seja entre as áreas de cada hemisfério internamente e mulheres têm maior conectividade inter hemisférica ou seja entre os hemisférios direito e esquerdo Kreukels Guillamon 2016 Diferenças entre os gêneros feminino e masculino também são notadas em relação às funções cognitivas e suas respectivas ativações cerebrais Demonstrado de forma muito consistente e validado transculturalmente garotas têm melhor performance em tarefas relacionadas à linguagem e garotos em tarefas visuoespaciais Kreukels Guillamon 2016 Fases do ciclo ou ato sexual Um dos aspectos relevantes da sexualidade humana é aquele estudado ao se analisar as fases distintas do ato ou ciclo sexual São quatro fases desejo sexual excitação física orgasmo e resolução Sadock Sadock 2007 A fase do desejo sexual é a mais complexa do ponto de vista psicológico Ela depende intimamente do mundo de fantasias eróticas das representações sociais e dos símbolos culturais relacionados à sexualidade Kaplan 1983 Além disso o desejo sexual tem também um componente biológico influenciado por fatores hormonais e neuronais Basson Schultz 2007 Nessa fase o indivíduo pode já ter sensações físicas relacionadas à atração que uma pessoa ou imagem desperta nele A fase da excitação física é a etapa inicial da relação sexual propriamente dita com modificações corporais preparatórias do intercurso sexual O homem apresenta ereção peniana vasodilatação reflexa e preenchimento sanguíneo dos corpos cavernosos do pênis Na mulher ocorre congestão sanguínea do órgão genital com aumento do volume dos genitais externos e do tamanho do clitóris e secreção de líquido lubrificante da vagina relacionada à possibilidade de penetração Os mamilos em ambos os sexos se tornam eretos mas de forma mais intensa nas mulheres A fase de excitação pode durar de alguns minutos a várias horas Entretanto uma excitação mais intensa que precede o orgasmo dura de modo geral de 30 segundos a alguns minutos Basson Schultz 2007 A fase de orgasmo é o pico do prazer sexual em que há liberação da tensão sexual e contração rítmica dos músculos do períneo e dos órgãos reprodutivos pélvicos O orgasmo masculino está intimamente relacionado à ejaculação Já no orgasmo feminino ocorrem de 3 a 12 contrações rítmicas em volta da entrada da vagina acompanhadas de forte sensação de prazer O orgasmo dura em média de 3 a 25 segundos e está associado geralmente à sensação intensa de prazer e a um estado particular da consciência Sadock Sadock 2007 A fase de resolução é a etapa de retorno às condições normais do organismo voltando as frequências cardíaca e respiratória a pressão arterial e as condições dos genitais gradativamente ao estado anterior ao ato sexual A sexualidade humana varia entre as sociedades culturas e períodos históricos Para situar o perfil de alguns aspectos do comportamento sexual da população brasileira são apresentados nas Tabelas 371 e 372 dados relativos a comportamentos e experiências sexuais na sua evolução nas últimas quatro décadas Tabela 371 Dados sobre comportamento sexual da população no Brasil CAVALLIERI E COLABORADORES 1983 3356 ADULTOS 18 ANOS 20 GRANDES CIDADES BRASILEIRAS DATAFOLHA 1998 2054 ADULTOS DE 18 A 60 ANOS 94 CIDADES BRASILEIRAS 1980 1998 Início da vida sexual Homens 1217 anos Mulheres 1720 anos Homens 15 anos Mulheres 18 anos Frequência Maioria 1020 relações sexuais por mês 18 todos os dias 47 pelo menos uma vez por semana 13 pelo menos uma vez por mês 2 algumas vezes ao ano 6 não tiveram relações sexuais Orgasmo Não investigado Sempre tem orgasmo Homens 61 Mulheres 31 Raramente ou nunca tem orgasmo Homens 7 Mulheres 16 Parceiroa fixoa 137 maioria homens mais de uma parceira Homens 63 Mulheres 81 Masturbação 17 vezessemana Homens 26 Mulheres 11 Relações homossexuais Já tiveram relações homossexuais 10 quase todos homens Já tiveram relações homossexuais Homens 14 Mulheres 5 Sexo oral e anal Rejeitam sexo oral 19 Já praticaram sexo anal 42 Sexo anal prática mais aceita por homens Praticam sexo oral 53 Praticam sexo anal 39 Fontes Cavallieri et al 1983 Datafolha1998 Tabela 372 Dados sobre comportamento sexual da população no Brasil ABDO 2004 7103 ADULTOS DE 18 A 80 ANOS CIDADES DAS 5 REGIÕES ABDO 2016 3000 ADULTOS 18 A 70 ANOS 1530 HOMENS E 1470 MULHERES DE 7 GRANDES CIDADES DAS 5 REGIÕES 2003 2016 Início da vida sexual Homens heterossexuais 147164 anos Homens homossexuais 153225 anos Mulheres heterossexuais 172223 anos Mulheres homossexuais 165217 anos Homens 17 anos Mulheres 185 anos Frequência Mulheres 23 relações sexuais por semana Homens 32 relações sexuais por semana Mulheres 27 relações sexuais por semana Homens 32 relações sexuais por semana Orgasmo Não tem orgasmo Mulheres 262 Homens 49 3 em cada 10 brasileirosas têm dificuldades para chegar ao orgasmo Dificuldades para alcançar o orgasmo Mulheres 444 403 das mulheres afirmam ter dor durante o ato sexual Número de parceiros nos últimos 12 meses Homens heterossexuais 27 Homens homossexuais 46 Mulheres heterossexuais 13 Mulheres homossexuais 21 Homens 21 Mulheres 13 Mulheres bissexuais 85 Caso extraconjugal Homens 506 Mulheres 257 Homossexualidade e bissexualidade Consideramse homossexuais Homens 61 Mulheres 24 Consideramse bissexuais Homens 18 Mulheres 09 Homossexualidade e bissexualidade em 2008 Já tiveram relações homossexuais Homens 14 Mulheres 5 Sexo oral e anal Sexo oral faz parte do ato sexual Homens 668 Mulheres 624 Sexo anal faz parte do ato sexual Homens 284 Mulheres 15 Dificuldades sexuais nos homens Dificuldades para manter a ereção 324 Baixo desejo sexual 31 Dificuldade na ejaculação 29 Provavelmente os homens têm com mais frequência relações com mais de uma pessoa Fontes Abdo 2004 Abdo 2016 Abdo 2008 SOBRE OS CHAMADOS TRANSTORNOS OU DISFUNÇÕES SEXUAIS A partir da 11ª edição da Classificação internacional de doenças e problemas relacionados à saúde CID11 os chamados transtornos sexuais não integram mais o capítulo Transtornos mentais e comportamentais Isso é válido tanto para a incongruência de gênero anteriormente chamada de transexualidade e no DSM5 de disforia de gênero como para os transtornos relacionados ao ciclo ou ato sexual transtornos da excitação sexual do orgasmo disfunção erétil entre outros No Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais DSM5 foi mantido junto com os outros capítulos de transtornos mentais o capítulo Disfunções sexuais que inclui todas as disfunções relacionadas ao ato sexual A disforia de gênero foi mantida no manual colocada em capítulo separado logo após o de disfunções sexuais Optamos neste livro por apresentar brevemente as disfunções sexuais disfunções relacionadas ao ato sexual assim como as parafilias considerando as como disfunções ou transtornos Já tanto a chamada disforia de gênero como as orientações do desejo erótico homossexuais ou bissexuais serão abordadas em item separado considerandoas 1 2 3 não como transtornos ou disfunções mas como variabilidades não patológicas da sexualidade humana Assim abordaremos a incongruência de gênero a homossexualidade e a bissexualidade como possibilidades normais no amplo leque de formas que a sexualidade humana pode tomar nas diferentes sociedades e momentos históricos TRANSTORNOS OU DISFUNÇÕES SEXUAIS APA 2014 As disfunções sexuais são síndromes que incluem as várias formas pelas quais indivíduos adultos apresentam dificuldades na experiência pessoal de atividade sexual não coercitiva Na CID11 para se considerar uma síndrome como disfunção sexual os seguintes fatores devem estar presentes ocorrência frequente do transtorno ou disfunção podendo estar ausente em algumas situações o transtorno deve estar presente por pelo menos alguns meses o transtorno deve estar associado a sofrimento ou disfunção clinicamente significativos Transtornos ou disfunções do desejo e da resposta sexual Em qualquer momento do ciclo de desejo e resposta sexuais podem ocorrer disfunções que comprometam a atividade sexual satisfatória Basson Schultz 2007 APA 2014 Os distúrbios mais comuns são apresentados a seguir Desejo sexual inibido transtorno do interesseexcitação sexual feminino e transtorno do desejo sexual masculino hipoativo A inibição persistente de qualquer tipo de desejo de natureza sexual fantasias ou interesse por temas ou pela atividade sexual relacionase a padrões culturais à faixa etária e à situação de vida da pessoa acometida É relevante do ponto de vista prático quando a ausência de desejo sexual desperta sofrimento no sujeito ou em seu parceiroa Fatores relacionados ao desejo sexual inibido são determinados por conflitos intrapsíquicos repressão exacerbada relacionada à temática sexual padrões educacionais e culturais que associam fortemente a sexualidade ao pecado à culpa e à sujeira e conflitos interpessoais particularmente a hostilidade no relacionamento do casal que acaba se convertendo em inibição do desejo Disfunções fisiológicas hormonais metabólicas medicamentosas etc também podem contribuir para a inibição do desejo sexual Segundo as pesquisadoras Basson e Schultz 2007 estudos indicam que embora o desejo sexual ou drive sexual costume ser sentido diariamente por homens jovens e de meiaidade e por mulheres que estão nas fases iniciais de seus relacionamentos amorosos ele parece tornarse menos frequente em mulheres de meiaidade apesar de muitas delas a despeito disso relatarem satisfação em suas vidas sexuais Igualmente em tais pesquisas muitas mulheres relatam que apesar de não sentirem desejo no início da relação sexual suas relações terminam sendo satisfatórias Por esse motivo Basson e Schultz 2007 acreditam que tal perfil diferencial entre os dois gêneros deva ser levado em conta para a definição de transtorno do desejo sexual inibido Transtorno da dor gênitopélvicapenetração Na mulher o transtorno da dor gênitopélvicapenetração anteriormente chamada de dispareunia caracterizase por dificuldades persistentes ou recorrentes com a penetração vaginal durante o ato sexual A mulher pode sentir intensa dor vulvovaginal ou pélvica durante a relação ou ter por antecipação medo ou ansiedade intensa de dor vulvovaginal ou pélvica Ocorre tensão ou contração marcante dos músculos do assoalho pélvico durante as tentativas de penetração vaginal O transtorno da dor gênitopélvicapenetração e o transtorno de excitação e orgasmo são comumente condições crônicas e estão de modo geral relacionadas a muitos problemas ginecológicos vulvovestibulite atrofia vulvovaginal dor abdominal crônica sintomas do trato geniturinário baixo etc além de haver com frequência dificuldades psicológicas e psicopatológicas associadas Basson Schultz 2007 Transtorno do orgasmo feminino O retardo acentuado ou a ausência de excitação sexual designada no passado como frigidez termo errôneo pois a mulher com tal dificuldade não é fria manifestamse pela dificuldade ou incapacidade em atingir o orgasmo ou ainda por intensidade muito reduzida de sensações orgásmicas Relacionados a dificuldades ou ausência de excitação e orgasmo feminino identificamse fatores intrapsíquicos como ansiedade diminuição da autoestima frustrações crônicas sentimentos de medo de culpa irritabilidade e depressão bem como fatores interpessoais geralmente da relação íntima do casal como histórico de ter sofrido violência hostilidade inconsciente ou consciente luta pelo controle e por poder na relação conjugal desprezo pelo parceiro entre outros Particularmente importante é a qualidade do relacionamento afetivo do casal Frequentemente o homem alcança nível de excitação ejaculação e orgasmo mais cedo que a mulher e com certa frequência abandona a relação sexual antes de ela ter atingido o grau de excitação suficiente para que sejam desencadeadas as reações fisiológicas e emocionais do orgasmo Não é rara a insensibilidade do homem em relação a desejos fantasias e ritmo de resposta sexual da mulher O homem muitas vezes não sabe ou não consegue acariciar e excitar a mulher não quer ou não consegue esperar que ela alcance no seu ritmo o patamar de excitação necessário ao orgasmo Podem contribuir para a disfunção de excitação eou do orgasmo feminino fatores orgânicos como dor pélvica ou abdominal corrimentos e pruridos vaginais bem como o uso de medicamentos como sedativos e antidepressivos principalmente os serotonérgicos que podem inibir a excitação e o orgasmo na mulher e no homem Transtorno erétil O termo transtorno erétil antes chamado de impotentia coeundi tem sido preferido ao termo impotência sexual para não se confundir a dificuldade em obter uma ereção devida geralmente a ansiedade e conflitos psicológicos ou a doenças orgânicas com as conotações pejorativas associadas à ideia de impotência fraqueza de caráter eou pouca masculinidade Tais conotações além de imprecisas podem ser muito desmoralizantes para o homem em nosso contexto cultural Podese definir a disfunção erétil pela falha parcial ou total do homem em alcançar eou manter a ereção até o fim do ato sexual ou ainda pela diminuição acentuada na rigidez erétil Tal disfunção deve durar no mínimo seis meses e causar sofrimento clinicamente significativo A ereção reflexa é controlada pelo plexo sacral pelos nervos pudendo e erigente A ereção mediada por mecanismos psicogênicos por sua vez é influenciada pelo córtex cerebral e plexos simpáticos toracolombares e parassimpáticos sacrais Também no cérebro o sistema límbico desempenha importante papel na ereção o que explica a poderosa ação inibitória da ansiedade sobre a ereção 1 2 3 4 5 6 7 8 9 Tradicionalmente diferenciavase a disfunção erétil de base psicogênica daquela de base orgânica entretanto sabese que em muitos casos há a somatória dos dois componentes Aquelas de base psicogênica tendem a ser mais situacionais e transitórias as orgânicas mais constantes e inespecíficas De modo geral a disfunção erétil persistente resulta de uma interação complexa de fatores psicológicos psicopatológicos neurológicos vasculares endócrinos e mecânicos Quadro 371 Quadro 371 Causas orgânicas mais frequentes de disfunção erétil Endócrinas Diabetes neuropatia diabética cistograma anormal obesidade disfunções do eixo hipofisário hipogonadismo adenomas secretores de prolactina baixos níveis de testosterona 45 das disfunções eréteis Substâncias psicoativas Álcool pelo uso agudo no ato sexual ou crônico pela neuropatia periférica associada ao alcoolismo crônico fármacos com ação anticolinérgica ou simpaticolítica antihipertensivos antidepressivos antipsicóticos sedativos de modo geral Vasculares e cardiovasculares Hipertensão arterial doença arterial coronariana insuficiência cardíaca insuficiência renal arterites priapismo tromboembolismos etc Sequelas de cirurgias Prostatectomia radical cistectomia ressecção abdominal do reto esfincterotomia externa etc Disfunções medulares Trauma ou tumores Outros distúrbios neurológicos Doença de Parkinson esclerose múltipla sífilis Disfunções autonômicas não diabéticas Síndromes de ShyDrager e de RileyDay Outras causas urológicas Uretrites prostatites cistites fimose hidrocele ruptura de uretra Outras causas Neoplasias É comum e normal a ocorrência transitória de episódios ou períodos de dificuldade ou incapacidade erétil em uma grande porcentagem dos homens Frequentemente quando o indivíduo está muito ansioso com muitas expectativas em relação ao ato sexual a ansiedade acaba por produzir intensa inibição sobre o reflexo de ereção Quanto mais ele deseja e se esforça maior a ansiedade e maior a inibição do reflexo Além disso fatores como hostilidade inconsciente em relação à parceira sentimentos de culpa de inferioridade ou depressão podem contribuir significativamente para as dificuldades eréteis do homem No homem a disfunção erétil está também associada a condições como depressão abuso de álcool hipertensão diabetes patologia vascular insuficiência renal insuficiência cardíaca apneia do sono e mais raramente baixos níveis de testosterona Transtornos da ejaculação A ejaculação precoce rápida ou prematura ocorre de forma muito rápida geralmente em menos de um minuto antes de o homem desejála por dificuldade significativa no controle voluntário mínimo que tem sobre ela durante a atividade sexual A causa da ejaculação precoce é predominantemente de base psicológica e psicodinâmica na maioria dos casos Um forte componente de ansiedade tem papel importante na sua gênese Em adolescentes e jovens o fato de o indivíduo ter suas primeiras relações sexuais em circunstâncias estressantes rodeado de medos e tabus é em muitos casos um elemento ansiogênico que apressa a ejaculação resolvendose assim a ansiedade quanto a ter ou não ter a relação sexual É comum o indivíduo amadurecido após algum tempo no que concerne a sua sexualidade e mesmo por certo treino e aprendizado em lidar com suas reações físicas no ato sexual aprender a adiar a ejaculação e alcançála quando deseja A ejaculação precoce também pode estar associada a condições médicas como prostatites epididimites e uretrites Basson Schultz 2007 Já a ejaculação retardada se caracteriza por atraso acentuado da ejaculação sem o indivíduo desejálo ou baixa frequência ou mesmo ausência da ejaculação Pode haver tentativas prolongadas de atingir o orgasmo a ponto de o indivíduo apresentar exaustão ou desconforto genital O uso de antidepressivos serotonérgicos e a perda de nervos sensoriais periféricos de condução rápida assim como cirurgia de bexiga e a redução na secreção de hormônios esteroides sexuais fenômenos geralmente associados à idade acima dos 50 anos são fatores mais comuns nessa condição Transtornos parafílicos e parafilias CID11 e DSM5 Os transtornos parafílicos dizem respeito a padrões de fantasias impulsos e comportamentos sexuais que implicam sofrimento ou prejuízo significativos à pessoa com tal transtorno ou cuja satisfação da fantasiaimpulso sexual causa dano ou risco de dano a outros como crianças na pedofilia ou mulheres vítimas de homens com transtorno exibicionista ou ainda quando não há consentimento doa outroa na realização do comportamento sexual O termo parafilia diz respeito a qualquer interesse sexual intenso e persistente que difira da estimulação genital ou das carícias preliminares com parceiros humanos que consentem e que tenham maturidade física ie que não sejam crianças Por sua vez os transtornos parafílicos são parafilias que implicam sofrimento dano ou prejuízo significativos para os indivíduos que as apresentam ou cuja satisfação da parafilia implica dano ou risco de dano a outra pessoa Os transtornos parafílicos eram chamados no passado de perversões sexuais termo abandonado já que na linguagem corriqueira a palavra perversão é rapidamente associada com maldade ruindade erro moral que vincularia tais transtornos imediatamente a uma condenação moral Em certos casos as fronteiras entre o normal e o patológico nos transtornos parafílicos são um tanto arbitrárias visto que nem sempre é fácil a discriminação entre o gostar e integrar determinada fantasia ou prática em meio à atividade sexual geral e o fixarse de forma intensa a um padrão sexual frequente muitas vezes exclusivo e que traz sofrimento ou dano significativo É importante ressaltar que se exige para o diagnóstico de transtornos parafílicos sua associação com sofrimento significativo ou com dano ou lesão para si eou para outros De modo geral para esse diagnóstico os comportamentos devem estar presentes por período de pelo menos seis meses Quadro 372 Quadro 372 Os transtornos parafílicos segundo a CID11 Segundo a CID11 os transtornos parafílicos se caracterizam por padrões intensos e atípicos de excitação sexual que se manifestam por pensamentos fantasias fissuras e comportamentos cujo foco envolve outras pessoas que não aceitam a atividade sexual ou por serem crianças não podem consentir com maturidade A atividade sexual lhes foi imposta ou elas se sentiram marcadamente incomodadas ou em sofrimento Apenas são considerados transtornos parafílicos padrões de excitação e atividade sexual que ocorrem em comportamentos solitários ou com indivíduos que consentem se tal comportamento sexual se associa a sofrimento significativo ou implica risco significativo à pessoa ou possibilidade de morte Alguns dos principais transtornos parafílicos O transtorno exibicionista caracterizase pela compulsão e prazer em mostrar os genitais quase sempre homens a uma pessoa que não espera o fato quase sempre mulher criança adolescente ou jovem do gênero feminino que geralmente está desprevenida e sente essa exposição como marcante violência Já o transtorno voyeurista é a compulsão em observar uma pessoa frequentemente mulher se despindo ou tendo relações sexuais que ignora estar sendo observada No transtorno do sadismo sexual o prazer e a excitação encontramse ligados ao ato de produzir na realidade ou na fantasia dor eou humilhação no parceiro ou abusar dele e subjugálo Por sua vez no transtorno do masoquismo sexual a excitação e o prazer ocorrem ao ser o indivíduo subjugado humilhado torturado ou ameaçado pelo parceiro O transtorno pedofílico ou pedofilia é entre todas as parafilias uma das mais perturbadoras do ponto de vista do sofrimento humano implicado Caracterizase por fantasias sexualmente excitantes impulsos sexuais ou comportamentos intensos e recorrentes que envolvem atividade sexual com criança ou crianças prépúberes em geral com 13 anos ou menos Além disso para o diagnóstico exigese que ou o indivíduo tenha colocado em prática tais impulsos sexuais ou que os impulsos ou fantasias sexuais tenham causado para si sofrimento intenso ou dificuldades interpessoais significativas O transtorno pedofílico pode ser heterossexual homossexual ou bissexual o agressor e a vítima podem ser membros da mesma família conhecidos ou pessoas estranhas entre si O transtorno pode incluir apenas jogos sexuais com a criança observar ou despir a criança ou despirse na frente dela masturbação ou relação sexual completa com penetração vaginal ou anal No DSM5 salientase que o indivíduo com o transtorno deve ter pelo menos 16 anos de idade e que seja pelo menos cinco anos mais velho que a criança ou crianças envolvidas O transtorno fetichista se caracteriza pela obtenção de prazer e excitação pelo uso particular de adornos peças de vestuário ou objetos Geralmente o indivíduo com transtorno fetichista utiliza na masturbação ou no ato sexual objetos relacionados ao corpo como sapatos meias lingerie luvas etc masturbandose ao contato de tais objetos Para o diagnóstico desse transtorno as fantasias impulsos eou comportamentos devem causar sofrimento marcante e significativo ou prejuízo importante no funcionamento social profissional ou em outras áreas importantes da vida da pessoa Na zoofilia um ou mais animais são utilizados para a atividade sexual que pode incluir a masturbação o contato oralgenital ou o coito completo O transtorno transvéstico é marcado pela excitação sexual recorrente e intensa que o indivíduo obtém em vestirse como o sexo oposto Tal comportamento apenas será considerado transtorno se causar sofrimento clinicamente significativo para o indivíduo ou prejuízo importante no funcionamento social profissional ou em outras áreas relevantes de sua vida O transtorno frotteurista se caracteriza pela excitação sexual intensa e recorrente que resulta de tocar ou esfregarse em pessoas que não consentiram tais atos Para o diagnóstico é necessário que o indivíduo tenha colocado em prática tais comportamentos ou que as fantasias e os impulsos não realizados de tocar ou esfregarse em pessoas que não consentem tragam sofrimento importante para ele Transtornos do desenvolvimento sexual Os transtornos do desenvolvimento sexual TDSs são definidos como uma variedade de condições físicas de patologias resultantes de anomalias cromossômicas e do desenvolvimento sexual pex síndrome de insensibilidade aos andrógenos hiperplasia adrenal congênita que resultam em características sexuais anatômicas mistas infertilidade e mais raramente genitália ambígua Nos dias atuais usase preferencialmente na literatura médica o termo transtornos do desenvolvimento sexual para tais condições substituindo o antigo intersexo ou intersexualidade Também são incluídas no grupo dos TDSs síndromes genéticas como por exemplo as de Turner cariótipo X0 e de Klinefelter cariótipo XXY Devese alertar para não confundir a condição médica TDS com a incongruênciadisforia de gênero que será abordada a seguir Há entretanto maior frequência de disforia de gênero em pessoas com TDS do que na população em geral Por exemplo em um estudo com 250 mulheres com cariótipo feminino XX e hiperplasia adrenal congênita 52 delas apresentavam disforia de gênero em comparação a taxas de menos de 1 na população em geral Dessens et al 2005 Hipersexualidade Hipersexualidade é a condição em que há impulso e comportamentos sexuais excessivos que geram sofrimento importante tanto em homens como em mulheres Pode implicar preocupações intensas e repetitivas com fantasias sexuais necessidade constante e intensa de sexo e comportamentos sexuais excessivos que produzem sofrimento e prejuízo psicossocial ao indivíduo revisão em Derbyshire Grant 2015 A hipersexualidade para ser considerada patológica deve ser disfuncional e causar sofrimento significativo Alguns termos para essa condição foram sugeridos na história da psicopatologia como Don Juanismo e satiríase hipersexualidade em homens e ninfomania hipersexualidade em mulheres A hipersexualidade pode ser sintoma de outra condição ou pode ser um transtorno primário Neste último caso é definida como um transtorno não parafílico do desejo e da impulsividade sexuais Nesse transtorno há desregulação e aumento pronunciado da excitação do desejo eou do impulso sexuais também pode haver dependência de sexo eou sexo compulsivo Tal condição não foi incluída no DSM5 mas deve ser incluída na CID11 Como sintoma de outra condição o mais frequente é a hipersexualidade associada à desinibição nos quadros de mania aguda do transtorno bipolar TB Estudos empíricos indicam que a hipersexualidade está presente em cerca de 51 a 57 dos pacientes em fase maníaca Podem ocorrer aumento dos pensamentos e das fantasias sexuais atividade sexual desinibida e delírios com conteúdos sexuais Heare Barsky Faziola 2016 Também pode ocorrer hipersexualidade em pessoas que abusam de anfetaminas em pacientes com doença de Parkinson após o uso de Ldopa ou após cirurgia de estimulação de núcleos subtalâmicos em quadros orgânicos com hipofrontalidade lesões das áreas préfrontais do cérebro em quadros demenciais em torno de 7 das pessoas com demência apresentam hipersexualidade e em alguns adolescentes com deficiência intelectual Crianças que sofrem abuso sexual podem apresentar comportamento hipersexualizado em períodos após o abuso Series Dégano 2005 VARIABILIDADES DA SEXUALIDADE HUMANA Incongruência de gênero CID11 ou disforia de gênero DSM5 Os termos sexo e gênero são utilizados atualmente com algumas conotações diferentes e algumas que se sobrepõem O termo sexo é mais utilizado no sentido biológico como a dimensão estritamente biológica que caracteriza os animais sexuados inclusive os humanos na sua dimensão biológica O termo gênero é utilizado para caracterizar os aspectos comportamentais psicológicos sociológicos culturais e políticos diferenciais entre o gênero feminino e masculino ou mesmo a ausência ou negação desses dois gêneros Muitos autores entretanto usam os dois termos como sinônimos Contudo para seres humanos o termo preferível é gênero a não ser quando se deseja referir a aspectos estritamente biológicos quando então se prefere o termo sexo ver Money 1985 As chamadas minorias sexuais ou população LGBT tiveram sua existência e presença na sociedade mais visíveis nas últimas décadas A importância de abordálas neste livro se relaciona não somente ao fato de esse grupo ser numericamente significativo na população em geral algo no total em torno de 3 a 10 mas também porque esses grupos apresentam com frequência sofrimento emocional marcante relacionado à discriminação à rejeição ao ódio e à ignorância A primeira forma de variabilidade que abordaremos é a incongruência de gênero CID11 ou disforia de gênero DSM5 caracterizada por incongruência marcante e persistente entre a experiência de gênero do indivíduo como eleela se percebe sente vivencia seu gênero e o chamado gênero designado que frequentemente se correlaciona com o sexo biológico de nascimento A incongruência ou disforia de gênero é uma condição relacionada à identidade de gênero ver revisão histórica em Saadeh 2004 Por exemplo apresenta incongruência ou disforia de gênero uma criança de 8 anos que ao nascer por apresentar determinada anatomia genital apresenta pênis testículos cariótipo XY teve seu gênero designado como masculino mas que ao longo dos anos se sente se percebe e deseja ser uma menina experiência de gênero Apesar de ser genética e anatomicamente um menino ela tem forte desejo de pertencer ao gênero feminino se percebe e se identifica como garota tem forte preferência por roupas e papéis femininos e pode ter forte desgosto com a própria anatomia sexual Também apresenta incongruência de gênero uma pessoa adulta que nasceu com o sexo biológico feminino com vagina útero cariótipo XX mas que se sente e se percebe um rapaz tem uma identidade masculina prefere vestirse como um homem e ter o corpo e papéis sociais convencionalmente atribuídos aos homens Tal caracterização independe de a pessoa ter feito ou não ou desejar fazer tratamento hormonal ou cirurgias de redesignação sexual também chamadas de cirurgias de reconstrução sexual de reconstrução genital de redesignação de gênero de confirmação de gênero ou de afirmação de sexo Tais procedimentos implicam mudanças das características anatômicas sexuais que podem envolver seios feminilização da face lipoaspiração histerectomia e cirurgias dos genitais genitoplastias de feminilização ou de masculinização como a faloplastia e a construção de neovagina Esses procedimentos visam adequar características anatômicas ao gênero desejado em conformidade com a experiência e a identidade de gênero do sujeito Tais tratamentos também exigem nos sistemas de assistência à saúde um diagnóstico p ex no Brasil pela CID sendo essa outra razão para incluirmos esse tema complexo neste capítulo O DSM5 denomina essa condição disforia de gênero tal designação é às vezes criticada pois uma parte das pessoas se percebe como de um gênero diferente do sexo de nascimento mas tal percepção não vem acompanhada de disforia ou sofrimento subjetivo mas essa é uma pequena minoria Alguns também sugerem que a disforia seja considerada transtorno e a identidade transgênero não seja assim identificada de forma que o papel dos serviços de saúde se atenha a ajudar tais pessoas no seu sofrimento decorrente da disforia sem medicalizar questões de identidade O grupo de trabalho da CID11 sobre o tema a partir de discussões com grupos de profissionais da saúde e pessoas transgênero por entender que as próprias pessoas com tal condição preferem o termo incongruência de gênero optou por estabelecer esse termo na designação atual Beek CohenKettenis Bouman et al 2016 Quadro 373 Glossário de termos relacionados a questões LGBT Pontochave identidade de gênero é condição distinta de orientação sexual A orientação sexual implica atração sexual e amorosa envolvendo fantasias desejos afetos e práticas dirigidos a pessoas do mesmo gênero ou de gênero diferente Por sua vez a identidade de gênero envolve a experiência identitária de gênero ou seja sentirse e identificarse como mulher menina ou homem menino Como todas as pessoas as pessoas transgênero apresentam uma variedade de orientações e comportamentos sexuais TERMINOLOGIA RELACIONADA A TRANSGÊNERO Mulheres transgênero ou transexuais mulheres trans são mulheres que embora tivessem o gênero designado de nascimento masculino pela anatomia ao nascer têm identidadeexperiência de gênero feminina Uma mulher trans pode buscar ou não tratamentos e intervenções para sua feminilização física também pode buscar aspectos parciais não completos de tal feminilização Por exemplo uma garota trans pode escolher colocar prótese mamária e manter sua genitália masculina Homens transgênero ou transexuais homens trans são homens que embora tivessem o gênero designado de nascimento feminino pela anatomia ao nascer têm identidadeexperiência de gênero masculina Um homem trans pode buscar ou não tratamentos e intervenções para sua masculinização física também pode buscar aspectos parciais não completos de tal masculinização Por exemplo um rapaz trans pode escolher fazer ressecção das mamas e manter sua genitália feminina Mulheres cis são mulheres cuja identidade de gênero é igual à do gênero designado ao nascer à do sexo biológico Homens cis são homens cuja identidade de gênero é igual à do gênero designado ao nascer à do sexo biológico Transexualtransgênero para a literatura de língua inglesa transexual é termo que teve sua origem na literatura médica e psicológica para descrever o então transtorno de identidade quando a identidade de gênero é oposta ao sexo anatômico retendo certa conotação biologizante ou patologizante Consequentemente no contexto anglosaxão o termo transgênero é mais bem aceito que transexual No Brasil entretanto o termo transexual tem sido usado para designar pessoas cuja experiência de gênero difere do gênero designado ao nascimento pelo sexo biológico e o Ministério da Saúde recomenda esse uso nos documentos voltados a políticas de inclusão Crossdresser é uma pessoa que se veste como do outro sexo anatômico que pode ou não buscar mudanças físicas em seu corpo As pessoas podem vestirse dessa forma por uma variedade de razões inclusive diversão entretenimento ou objetivos artísticos p ex as drag queens e os drag kings ou simplesmente porque usar tais roupas lhes traz prazer e gratificação Andrógino é uma pessoa que pode se apresentar com poucas características definidoras de gênero ou que busca ter características dos dois gêneros Bigêneros e não binários uma pessoa bigênero tem identidade de gênero que inclui os dois gêneros Pessoas bigênero podem mudar de papéis e roupas de um gênero para outro de forma mais ou menos rápida e fluida Não binários são pessoas que rejeitam a obrigação de se situar em um gênero ou outro rejeitam ser definidas como mulher ou homem Transição de gênero ou transicionar é um processo vivenciado por muitas pessoas trans que buscam alinhar seus corpos com suas mentes identidade e sentimentos Há muitos aspectos da transição de gênero que podem ocorrer sequencial ou simultaneamente A transição pode incluir as dimensões social psicológica linguística o gênero que deseja ser tratadao legal incluindo nome social e gênero que constam nos documentos de identificação a dimensão física uso de hormônios cirurgias intelectual eou espiritual todas elas compondo o self do indivíduo O termo transição ou transicionar deve ser preferido a mudança de sexo e sexo pré cirúrgico ou póscirúrgico termos inadequados dado que indicam que uma pessoa trans obrigatoriamente deveria fazer tais procedimentos para realmente ser do gênero com o qual se identifica Termos pejorativos alguns termos são experimentados como formas de acusação de valoração pejorativa ou deslegitimização Eles variam muito podendo ser para alguns por exemplo travesti traveco hermafrodita bicha veado etc Embora os profissionais da saúde não devam usar termos pejorativos membros da própria comunidade LGBT podem eventualmente utilizálos como uma gíria ou forma de identificação grupal Os termos transgênero e transexual são utilizados no Brasil muitas vezes de forma intercambiável para designar pessoas geralmente adultos ou adolescentes e crianças com incongruência de gênerodisforia de gênero Entretanto transgênero é um termo guardachuva amplo que abrange mais subgrupos de pessoas cuja identidade de gênero muitas vezes ultrapassa os paradigmas convencionais do sexo ou do gênero O termo transgênero pode incluir por exemplo além de homens e mulheres com incongruência de gênero pessoas crossdressers drag queens drag kings travestis andróginos e indivíduos bigêneros O termo travesti é geralmente utilizado por pessoas cujo sexo biológico ao nascer era masculino mas que vivenciam papéis de gênero feminino podendo eventualmente não se reconhecer nem como homens nem como mulheres mas como um terceiro gênero ou um não gênero O texto do DSM5 alerta que essa área que envolve sexo e gênero é altamente sujeita a controvérsias debates e tensões relacionadas aos usos de termos linguísticos Resulta nesse campo uma proliferação de termos cujos significados variam ao longo do tempo entre as disciplinas acadêmicas e científicas e entre os grupos sociais que se identificam como população LGBT Por isso neste capítulo é apresentado um pequeno glossário de termos relacionados a esse assunto Papel ou expressão de gênero é o modo como a pessoa se comporta expressando socialmente seu gênero Por identidade de gênero entendese o senso íntimo pessoal de perceberse sentirse e desejar ser e viver como uma pessoa do gênero feminino ou masculino Devese chamar atenção para o fato de a incongruência de gênerodisforia de gênero ser condição relacionada à identidade de gênero incluindo geralmente também o papel de gênero e a homossexualidade se referir à orientação do desejo sexual Coerentemente com a ideia de que incongruência de gênero não é um transtorno mental o grupo de trabalho da CID11 liderado por Geoffrey M Reed e Peggy T CohenKettenis optou por não incluir a incongruência de gênero no capítulo de transtornos mentais mas alocála no capítulo denominado condições relacionadas à saúde sexual Reed et al 2016 Isso permite e facilita que pessoas incluídas na condição incongruência de gênero recebam apoio e intervenções médicas e psicológicas quando desejadas e que tais intervenções sejam oferecidas pelos sistemas de saúde público e privado dos diversos países processo também chamado de despatologização sem desmedicalização A prevalência de pessoas com incongruência de gênero na população em geral varia consideravelmente entre os estudos dependendo do desenho metodológico do estudo e da definição de disforiaincongruência de gênero ou transgênero Por exemplo em levantamentos populacionais que definiram pessoas transgênero como aquelas que solicitam a cirurgia de redesignação sexual a prevalência estimada foi de 1 a 30 por 100 mil habitantes 0001 0003 para uma boa revisão ver Collin et al 2016 Por sua vez em levantamentos que consideraram todos aqueles que se identificam simplesmente como transgênero independentemente de desejarem ou não fazer hormonização eou cirurgia de redesignação sexual a prevalência ficou entre 1 e 7 por mil pessoas ou seja de 01 a 07 Collin et al 2016 Em uma revisão ampla sobre a prevalência de incongruência de gênero em adolescentes e jovens nos Estados Unidos idades entre 12 e 29 anos a prevalência foi de 017 a 13 ou seja de cerca de 2 a 13 pessoas por mil adolescentes e jovens Na Nova Zelândia a prevalência foi de 12 em cada mil adolescentes e jovens que se identificaram como tendo incongruência de gênero Connolly et al 2016 Crianças podem manifestar preferência por ser e se comportar como o gênero oposto ao seu sexo de nascimento relativamente cedo desde os 3 ou 4 anos de vida Tais indivíduos com disforia de gênero apresentam mais sofrimento emocional e mais transtornos mentais internalizantes como ansiedade fobias e depressão do que a população geral de crianças Saadeh Gagliotti 2016 Os dados de que se dispõe sobre a evolução da incongruência de gênero da infância para a vida adulta revelam que de 10 estudos de seguimento com coortes de crianças com incongruência de gênero que somaram 317 indivíduos já estudados apenas em torno de 15 se mantêm um adulto com incongruência de gênero Esses 15 que mantiveram a incongruência de gênero eram as crianças cuja incongruência de gênero na infância fora mais marcante Os cerca de 85 que não mantêm a incongruência de gênero no período adulto em sua maior parte se tornam adultos cisgênero com orientação sexual homossexual ou bissexual e uma pequena parte apresenta orientação heterossexual Ristori Steensma 2016 De modo geral as crianças com incongruência que não a mantiveram tendiam a afirmar que desejavam ser do gênero oposto ao sexo biológico de nascimento e aquelas que se mantiveram com a incongruência afirmavam que eram do gênero oposto Ristori Steensma 2016 Um dado intrigante é o de possível associação em alguns casos entre incongruência de gênero e transtornos do espectro autista TEA Um estudo na Holanda com 108 crianças com incongruência de gênero revelou que 64 delas apresentavam TEA em comparação com as taxas de 06 a 1 na população geral Ristori Steensma 2016 Tal associação necessita de mais estudos para ser ou não confirmada e se for deverá ser mais estudada para ser mais bem compreendida Não se conhecem os fatores que estão na origem causal da incongruência de gênero Fatores biológicos assim como fatores psicológicos e socioculturais têm sido investigados Há evidências para fatores genéticos pois estudos com gêmeos revelam concordância significativamente maior entre gêmeos monozigóticos quando comparados a dizigóticos Em uma revisão dos casos publicados Heylens e colaboradores 2012 encontraram em 23 pares de gêmeas monozigóticas concordância de 391 e em 21 pares de gêmeas dizigóticas concordantes para gênero feminino nenhuma concordância Os fatores genéticos influenciam a diferenciação do cérebro e genes situados nos cromossomos X e Y se tornaram por isso os principais candidatos para tais efeitos Heylens et al 2012 Uma das mais estudadas entre as hipóteses causais se refere à exposição atípica aos hormônios gonadais no período fetal O período genético de diferenciação das gônadas precede o de diferenciação cerebral Além disso uma série de estudos postmortem identificou que vários núcleos hipotalâmicos apresentavam tamanho e número de neurônios compatíveis com o gênero da identidade e não com o gênero designado sexo biológico ao nascimento Swaab GarciaFalgueras 2009 Os achados de neuroimagem estrutural e funcional em pessoas com incongruência de gênero são intrigantes ver excelente revisão em Kreukels Guillamon 2016 Por exemplo mulheres e homens trans apresentam estrutura anatômica cerebral que em algumas áreas e estruturas se assemelha àquela do sexo de nascimento e outras áreas e estruturas se assemelham ao gênero atual da experiência de gênero Investigações recentes Kreukels Guillamon 2016 revelam que mulheres transgênero e cisgênero tanto adultas como adolescentes apresentaram respostas semelhantes de ativação do hipotálamo a sinais químicossexuais estimulação com androstenediona masculinos ou seja o hipotálamo tem padrão de resposta feminina semelhante sejam elas mulheres trans sejam elas mulheres cis Tais investigações também revelam padrões semelhantes de ativação de áreas cerebrais por filmes eróticos tanto em mulheres trans como em mulheres cis Foram estudados também alguns padrões de ativação por ouvir voz masculina ou feminina assim como em tarefas visuoespaciais de rotação e funções frontais executivas Tais estudos indicam que pessoas transgênero parecem ter uma ativação cerebral que difere daquela das pessoas de seu sexo de nascimento situandose no caso das funções frontais executivas em um ponto intermediário entre os dois sexos Outro achado dessas pesquisas cerebrais é do efeito de hormônios sexuais sobretudo testosterona e seu bloqueio produzindo modificações tanto da estrutura morfológica como dos padrões de ativação cerebral Pessoas transgênero pelas marcantes dificuldades psicossociais que têm na vida causadas por discriminação bullying e violência muitas vezes explícita e física acabam por apresentar mais sofrimento mental e desenvolver alguns transtornos mentais como os de ansiedade e depressivos bem como comportamentos suicidas No levantamento norteamericano sobre a população transgênero de 2015 National Center for Transgender Equality 2015 27715 pessoas transgênero responderam aos questionários A Tabela 373 resume os achados sobre essa população de transgêneros nos Estados Unidos infelizmente não há estudos desse tipo para a população brasileira Tabela 373 Para amostra de população transgênero norteamericana em 2015 n 27715 VARIÁVEL ESTUDADA NA POPULAÇÃO TRANSGÊNERO NA POPULAÇÃO EM GERAL Apresentaram sofrimento psicológico importante serious psychological distress no mês anterior à pesquisa 39 5 Tentaram suicídio uma ou mais vezes na vida 40 46 Tentaram suicídio no ano anterior 7 06 Quando na escola sofreram violência verbal 54 Quando na escola sofreram ataques físicos 24 Vivem em situação de pobreza 29 14 Não têm seu nome social nos documentos 68 Entre aqueles que solicitaram emprego ou estavam empregados não conseguiram a vaga ou foram demitidos por serem transgêneros 27 Viveram em situação de rua homelessness alguma vez na vida 30 Trabalharam com sexo prostituição alguma vez na vida para se sustentar taxas mais altas para mulheres trans negras 12 Sofreram maustratos por policiais no último ano 58 A Tabela 374 apresenta de forma resumida alguns trabalhos sobre a saúde mental de pessoas transgênero Tabela 374 Transtornos e problemas de saúde mental da população transgênero AUTOR ANO E PAÍS NÚMERO DE PESSOAS ESTUDADAS PRINCIPAIS RESULTADOS Bockting e colaboradores 2013 Levantamento feito nos Estados Unidos por contato online em 2003 1093 pessoas transgênero mulheres e homens estratificadas por gênero Depressão clínica 441 ansiedade 332 e somatização 275 O estigma social se correlacionou com o estresse psicológico Horvath 2014 Levantamento feito nos Estados Unidos por contato online em 2003 1229 adultos rurais e urbanos que se identificaram como transgêneros Mulheres trans 25 tentaram suicídio pelo menos 1 vez na vida e 15 usaram maconha no último mês contra 6 na população em geral de adultos Homens trans 38 tentaram suicídio pelo menos 1 vez na vida e 29 usaram maconha no último mês contra 6 na população em geral de adultos Connolly e colaboradores 2016 Ampla revisão sobre transtornos mentais em adolescentes e jovens 1229 anos com Depressão 1264 mas na maior parte dos estudos taxas entre 3550 incongruência de gênero Tentativas de suicídio na vida 93 30 mas na maior parte dos estudos taxas entre 1220 Automutilações 1353 mas na maior parte dos estudos taxas entre 20 45 Transtornos alimentares anorexia e bulimia 216 mas na maior parte dos estudos taxas entre 513 Connolly e colaboradores 2016 Mesma revisão que a citada anteriormente mas aqui são colocados os dados com comparações com a população em geral Revisão sobre transtornos mentais em adolescentes e jovens 1229 anos com incongruência de gênero em comparação com a população em geral de mesma idade Na Nova Zelândia n 8166 pessoas trans Depressão 41 pop trans e 118 pop cis Tentativas de suicídio na vida 191 pop trans e 41 pop cis Automutilações 455 pop trans e 234 pop cis Em Boston Estados Unidos n 360 Depressão 506 pop trans e 206 pop cis Tentativas de suicídio na vida 31 pop trans e 11 pop cis Automutilações 30 pop trans e 8 pop cis Fontes Bockting et al 2013 Horvath 2014 Connolly et al 2016 Pop trans população transgênero pop cis população cisgênero ou em geral Nas comparações na Nova Zelândia as diferenças estatísticas foram de p 00001 Nas comparações em Boston as diferenças estatísticas foram de p 002 Em uma revisão ampla de artigos internacionais publicados entre 2005 e 2015 sobre comportamento suicida na população transgênero identificouse que na Índia 50 tentaram o suicídio pelo menos uma vez antes dos 20 anos de idade nos Estados Unidos 41 tentaram pelo menos uma vez na vida o suicídio na Austrália 50 na Inglaterra 48 As tentativas de suicídio e o suicídio completo foram associados aos seguintes fatores rejeição e ausência de suporte pela família e sociedade abuso sexual na infância abandono escolar precoce casamentos forçados exploração sexual e financeira por parceiros e polícia e falta de medidas legais de proteção Virupaksha et al 2016 Estudos internacionais revelam que a população transgênero sobretudo as mulheres trans apresentou risco significativo de contaminação por HIV Enquanto nos Estados Unidos aproximadamente 28 da população transgênero estão infectados pelo vírus nos diversos países do mundo essa prevalência na população transgênero varia de 11 na China a 34 na Argentina Poteat et al 2016 No Brasil enquanto a prevalência de HIV na população em geral de 15 a 49 anos é de 06 as prevalências na população transgênero foram de 12 em Fortaleza de 24 em Campo Grande e de 25 em um pool de várias cidades Estimase que um percentual de pessoas transgênero de 10 até 50 sobretudo mulheres trans recorrem ao trabalho sexual em algum momento de suas vidas para subsistência básica como obter alimentação moradia ou substâncias das quais se tornaram dependentes Poteat et al 2016 Homossexualidade e bissexualidade A homossexualidade referese à condição na qual o interesse e o desejo erótico orientamse em direção a pessoas do mesmo gênero Em geral mas não sempre é um padrão duradouro de estruturação do desejo sexual Byne Parsons 1993 A bissexualidade por sua vez se refere a pessoas que sentem interesse e desejos eróticos por pessoas dos dois gêneros seja simultânea ou alternadamente em suas vidas A homossexualidade e a bissexualidade estão presentes em quase todas as culturas e épocas históricas pouquíssimas sociedades não as registram Elas apresentam contornos e formas marcadamente diferentes entre as distintas culturas sejam elas tribais rurais sejam elas urbanas e industrializadas Há tendência majoritária a considerar a heterossexualidade o padrão mais aceito entretanto muitas culturas guardam formas de aceitação ritualização eou valorização tanto de comportamentos homossexuais como da homossexualidade da bissexualidade e da transgeneridade ver revisão em Endleman 1986 A homossexualidade e a bissexualidade não são consideradas transtornos mentais desde os anos de 1970 São formas de variabilidade da vida sexual humana Todavia apesar de não representar um transtorno mental pessoas com orientação homossexual e bissexual tendem a apresentar mais sofrimento mental mais sintomas ansiosos depressivos ideias e atos suicidas etc relacionado sobretudo à intensa discriminação e violência que sofrem na sociedade em geral e em ambientes como por exemplo escola trabalho ambientes públicos família e igreja Warner et al 2004 Levounis Drescher Barber 2014 A Tabela 375 apresenta alguns estudos sobre sofrimento e transtornos mentais na população de gays lésbicas e bissexuais Tabela 375 Estudos sobre transtornos e problemas de saúde mental da população homossexual e bissexual AUTOR ANO E PAÍS NÚMERO DE PESSOAS ESTUDADAS PRINCIPAIS RESULTADOS Warner e colaboradores 1285 gays lésbicas e 43 sofriam de algum transtorno mental e 31 já haviam tentado suicídio na vida Isso foi associado estatisticamente a experiência de bullying na escola e agressões físicas recentes 2004 Inglaterra e País de Gales Levantamento feito entre 2000 e 2002 bissexuais Bolton e Sareen 2011Estados Unidos National Epidemiologic Survey on Alcohol and Related Conditions 2001 2005 34653 pessoas 2 gays lésbicas e bissexuais Em relação aos heterossexuais tentativas de suicídio foram 3 vezes mais frequentes em bissexuais Lésbicas e mulheres bissexuais tiveram o triplo de probabilidade de apresentar transtornos por uso de substâncias e gays e homens bissexuais 2 vezes mais chance de ter transtornos de ansiedade e psicoses Oswalt e Wyatt 2011 Estados Unidos Censo Universitário de 2009 27454 estudantes de 55 universidades do Censo Universitário de 2009 19 homossexuais e 29 bissexuais Estudantes homossexuais e bissexuais apresentaram significativamente mais estresse e depressão Também sofreram mais agressão física e sexual Sandfort e colaboradores 2014 Holanda Levantamento de 20072009 6646 holandeses de 18 a 64 anos 22 dos homens e 20 das mulheres tinham relações homossexuais Homens com relações homossexuais apresentaram maior chance de ter transtornos de ansiedade Mulheres com relações homossexuais apresentaram maior chance de ter dependência de álcool eou drogas Lunn e colaboradores 2017 Estados Unidos National Health Interview Survey 20132015 Levantamento nacional com 229 milhões de pessoas 24 tinham orientação sexual minoritária gays lésbicas e bissexuais Gays lésbicas e bissexuais apresentaram melhor escolaridade e mais tabagismo Bissexuais apresentaram mais binge drinking beber compulsivo Fontes Warner et al 2004 Oswalt Wyatt 2011 Lunn et al 2017 Bolton Sareen 2011 Sandfort et al 2014 A frequência da homossexualidade e da bissexualidade na população varia consideravelmente entre os estudos Há grandes dificuldades e problemas metodológicos em torno desse tema por causa da homofobia ainda é difícil para as pessoas se identificarem abertamente além de haver o problema da utilização de diferentes definições e formas de captar e abordar as populações estudadas Os estudos populacionais internacionais mais bem conduzidos metodologicamente têm revelado prevalências de 2 a 9 para a homossexualidade feminina e de 05 a 15 para a homossexualidade masculina Para ambos os gêneros considerados em conjunto a homossexualidade tem prevalências em torno de 2 a 7 Camperio Ciani et al 2015 No Brasil em 1998 uma pesquisa do Datafolha indicou que já tiveram alguma relação homossexual 14 dos homens e 5 das mulheres Segundo dados das investigações de Carmita Abdo e sua equipe do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo USP em 2004 cerca de 61 dos homens se declararam gays e 24 das mulheres se declararam lésbicas Declararamse bissexuais 18 dos homens e 09 das mulheres Em 2008 em uma pesquisa em 10 grandes cidades brasileiras que envolveu 8200 pessoas investigadas 78 dos homens e 49 das mulheres se afirmaram homossexuais e disseram ser bissexuais 26 dos homens e 14 das mulheres Abdo et al 2008 Ainda não é possível saber se tal aumento de prevalência é real ou decorrente da maior possibilidade de as pessoas se identificarem com mais liberdade Assim como para a transgeneridade para a homossexualidade e a bissexualidade não se sabe o que está causalmente associado a ter esta ou aquela orientação do desejo sexual ver James 2005 Fatores biológicos sobretudo genéticos parecem ter seu papel na preferência sexual das pessoas mas certamente não explicam a totalidade do comportamento sexual dos seres humanos Camperio Ciani et al 2015 Estudos indicam que a homossexualidade tende a ter recorrência em famílias cerca de 9 dos irmãos de homossexuais masculinos são também homens homossexuais Estudos genéticos que compararam homens gêmeos monozigóticos e dizigóticos indicam concordância nos monozigóticos de 20 a 60 ficando a maior parte dos estudos entre 45 e 50 enquanto entre gêmeos dizigóticos a concordância vai de 0 a 22 ficando a maior parte dos estudos entre 14 e 15 Em mulheres homossexuais a concordância em monozigóticas é de 25 a 66 ficando a maior parte entre 30 e 50 Em dizigóticas as taxas variam entre 12 e 30 Portanto os dados sugerem uma participação da genética não desprezível na origem da homossexualidade Dawood et al 2009 Há indícios de que a homossexualidade masculina tenha uma base genética maior que a feminina que por sua vez estaria mais relacionada a fatores sociais e culturais Camperio Ciani et al 2015 Em relação à genética interagindo com o ambiente fetal além de os homens gays tenderem a ter mais irmãos do que a população em geral eles também tendem a ser o irmão caçula o que talvez indique um fator imunológico hipótese de que o sistema imune materno bloquearia a ação de hormônios masculinos no cérebro do feto Balthazart 2011 Entretanto devese realçar que os fatores causais tanto da homossexualidade como da bissexualidade e da transgeneridade estão muito longe de ser claramente identificados e bem compreendidos HOMOFOBIA E TRANSFOBIA CHARDA ET AL 2015 COSTA ET AL 2017 Homofobia é o conjunto de discursos e ideologias comportamentos atitudes e ações sistemáticas de ódio rejeição eou desprezo contra pessoas homossexuais pelo simples fato de serem homossexuais ou bissexuais Transfobia é o mesmo para a população transgênero muitas vezes de forma mais intensa São formas de preconceito e discriminação hediondas e inaceitáveis e que devem ser claramente combatidas Crianças e adolescentes homossexuais bissexuais ou com incongruência de gênero sofrem bullying qualquer agressão ou intimidação sistemática seja verbal física ou psicológica escolar na infância e adolescência com extrema frequência Ao longo da vida a maioria se não a totalidade das pessoas LGBT são recorrentemente vítimas de comentários boatos piadas xingamentos fofocas e apelidos ofensivos Além de serem com frequência excluídas de seus pares na escola ou no trabalho sofrem cyberbullying mediante mensagens por email redes sociais indo tal violência até agressão física ameaça de morte espancamentos e homicídios Em 68 países apurouse ONG Transgender Europe que entre 01 de janeiro de 2008 e 30 de setembro de 2016 foram assassinadas 2264 pessoas transgênero destas cerca de 900 foram no Brasil Em 2006 no Brasil estima se que foram mortas em torno de 340 pessoas LGBT e em 2015 318 Estimase que o Brasil seja o país onde há mais assassinatos em números absolutos de pessoas transgênero ONG Transgender Europe a maioria dos homicídios relatados constitui crimes de ódio as pessoas são mortas pelo simples fato de serem LGBT Mott L Grupo Gay da BahiaGGB Em muitos países cerca de 60 países no mundo a maioria da África e do Oriente Médio mas também a Jamaica e a vizinha Guiana no continente americano a homossexualidade é legalmente proibida Em pelo menos 13 países como Arábia Saudita Dubai Iêmen Irã Maldivas Mauritânia Paquistão Nigéria e Somália uma pessoa homossexual pode receber a pena de morte pelo simples fato de ser identificada como homossexual A homofobia internalizada e a transfobia internalizada também denominadas homonegatividade ou transnegatividade internalizada se referem a processos nos quais valores mensagens e ideologias socioculturais e políticas negativas de rejeição e ódio às pessoas LGBT e suas identidades sentimentos e práticas são internalizadas muitas vezes inconscientemente pelas próprias pessoas LGBT que com isso constroem uma autoimagem negativa o que resulta em sentimentos de culpa vergonha baixa autoestima e outras vivências negativas voltadas para si mesmas ver revisão em Berg MuntheKaasa Ross 2016 Devese reconhecer que no passado a psiquiatria a psicopatologia a psicologia clínica e a psicanálise desenvolveram em alguns momentos teorias preconceituosas e não científicas sobre a homossexualidade e a transgeneridade Bulamah 2016 Essas nossas disciplinas deveriam fazer uma decidida autocrítica por ter direta ou indiretamente contribuído no sentido de reforçar preconceitos sociais e de uma ou outra forma legitimar uma visão negativa das chamadas minorias sexuais homossexuais bissexuais e transgêneros OUTROS PROBLEMAS RELACIONADOS À SEXUALIDADE O abuso sexual e o estupro são fenômenos trágicos e extremamente dolorosos que infelizmente fazem parte da vida diária da maioria das sociedades atuais OMS 2005 Por parte do agressor é uma forma de descarregar a tensão a agressividade ou o sadismo sobre uma vítima que não pode lhe oferecer resistência Durante o estupro a vítima geralmente sente grande medo e pânico podendo experimentar estado de choque Dias a meses depois a vítima pode sentirse muito envergonhada deprimida humilhada com raiva e medo A violência sexual é fenômeno que lamentavelmente se mantém frequente na sociedade brasileira Em 2014 o índice brasileiro de estupros foi de 235 casos por 100 mil habitantes por ano mas estimase que 35 dos casos não tenham sido relatados Os dados apresentados a seguir têm as seguintes fontes IPEA 2014 Datafolha 2014 Cerqueira Santa Cruz Coelho 2017 Embora haja problemas metodológicos nos diferentes levantamentos taxas internacionais mais altas são registradas no continente africano na África do Sul em Botswana e Lesotho de 80 a 130 por 100 milano e as mais baixas com menos de 3 por 100 milano em países como Polônia Espanha Canadá HongKong no Japão seria menos de 1 por 100 milano Assim os 235 por 100 milano no Brasil indicam taxas altas no panorama internacional Também se estima que 90 das mulheres e 42 dos homens da população geral brasileira tenham medo de ser vítimas de agressão sexual Cerca de 90 das vítimas de estupro no Brasil são do sexo feminino Cerca de 70 são crianças ou adolescentes Estimase que 24 dos agressores das crianças sejam seus pais ou padrastos e que 32 sejam amigos ou conhecidos da vítima Quanto mais avança a idade maior é a frequência de estupros cometidos por pessoa desconhecida Em adultos estimase que cerca de 60 dos estupros sejam realizados por desconhecidos da vítima Por volta de 15 dos estupros notificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação SINAN foram coletivos ou seja envolveram dois ou mais estupradores Sobre a evolução do estupro no Brasil segundo dados do Ministério da Saúde coligidos pelo jornal Folha de São Paulo edição do dia 2382017 no País há dados que indicam que o estupro está aumentando marcadamente em 2011 foram notificados 12087 estupros em 2013 19129 e em 2016 22804 destes 3526 foram coletivos Em torno de 40 dos estupros foram sofridos por crianças 24 por adolescentes e 36 por mulheres adultas Cerca de 15 dos estupros são coletivos São dados horrorosos que revelam um aspecto sombrio de nossa sociedade em particular da violência extrema praticada contra crianças e mulheres ver pesquisas do grupo coordenado por Renata C S Azevedo da UNICAMP As consequências psicológicas e psicopatológicas do estupro podem ser catastróficas Estudos indicam forte relação entre ter sofrido abuso sexualestupro na infância e apresentar transtornos da conduta na adolescência assim como no período adulto ter depressão transtornos alimentares transtornos da personalidade em especial borderline ou histriônica e transtornos relacionados a substâncias Charam 1997 Por fim cabe mencionar a misoginia ódio e repulsa às mulheres e a tudo que seja ligado ao feminino e seu aspecto mais extremo o feminicídio o crime de ódio no qual o assassinato de mulheres ocorre por questões de gênero ou seja a mulher é assassinada simplesmente por ser mulher Esse crime com maior frequência é perpetrado por parceiros ou exparceiros no âmbito doméstico o homicídio ocorre geralmente após anos de violência doméstica estupro agressões e ofensas Tratase de crime motivado por desprezo ódio ou sensação de perda do controle e de propriedade sobre a mulher Estimase que em torno de 13 a 15 mulheres sejam assassinadas por dia no Brasil homicídios devido a violência por gênero e tal violência incide mais ainda em mulheres negras Em 2013 o Brasil registrou a taxa de 48 feminicídios por 100 mil mulheresano Embora a qualidade das estatísticas possa variar de país para país nos dados disponíveis o Brasil ocupa a quinta pior posição no ranking de 83 nações atrás apenas de El Salvador 89 Colômbia 63 Guatemala 62 e Federação Russa 53 As taxas mais baixas são observadas em países como Reino Unido 01 Singapura 02 Dinamarca 02 e Japão 03 por 100 mil mulheresano ver revisão em Waiselfisz 2015 Do 38 Transtornos neurocognitivos síndromes mentais orgânicas As síndromes denominadas pela tradição da psicopatologia como síndromes mentais orgânicas entre elas delirium demências transtorno amnéstico etc foram reagrupadas nos sistemas diagnósticos atuais DSM5 CID11 e atualmente são denominadas transtornos neurocognitivos TNCs Todos os TNCs apesar de terem necessariamente uma causa etiologia orgânica indiscutível e muitas vezes identificável doenças ou condições como Alzheimer Parkinson encefalite insuficiências renal ou hepática etc são estudados pela psicopatologia e abordados pela psiquiatria e pela psicologia clínica e não apenas pela neurologia pelo fato de suas manifestações clínicas serem predominantemente mentais que inclui a cognição e comportamentais Os TNCs foram subdivididos em dois grandes grupos de um lado o delirium quadros agudos de curta duração e de outro lado os TNCs de longa duração ou crônicos demências síndrome amnéstica TNC leve etc Estes últimos de longa duração foram subdivididos de forma nova pelos sistemas diagnósticos em maiores e leves Na denominação TNC leve também designado comprometimento cognitivo leve CCL estão reunidos quadros semelhantes aos TNCs maiores mas com menor gravidade ou em fase inicial O importante é que para serem classificados como TNCs leves os déficits neurocognitivos não podem interferir na capacidade de ser independente do indivíduo ou nas suas atividades cotidianas autonomia básica para a vida diária e o prejuízo cognitivo deve ser de modo geral de pouca gravidade Uma porcentagem maior de pacientes com TNCs leves do que pessoas sem tais transtornos com o tempo evolui para demência é a chamada conversão de TNC leve para TNC maior a taxa de conversão anual de TNC leve para demência é de aproximadamente 5 a 20 Langa Levine 2014 Para o Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais DSM5 os TNCs maiores devem ser agrupados juntos de modo a fundir as demências e as síndromes amnésticas no grupo único TNCs maiores A Classificação internacional de doenças e problemas relacionados à saúde CID11 porém mantém o esquema que separa as demências de um lado o transtorno amnéstico de outro e um terceiro grupo de transtornos agrupados em outro capítulo vizinho denominado Síndromes mentais e comportamentais associadas a outras doenças ou transtornos médicos no qual devem ser situados os transtornos conhecidos como alucinose orgânica transtorno delirante orgânico catatonia orgânica transtorno de humor orgânico entre outros A seguir serão abordados os TNCs por meio do delirium um TNC agudo de curta duração DELIRIUM Delirium é o TNC encontrado com mais frequência no dia a dia da prática clínica em hospitais gerais enfermarias e lares de idosos Trzepacz Meagher Wise 2006 Essa síndrome é aguda dura em média uma semana e ocorre frequentemente com alteração da atenção e do nível de consciência desorientação e pensamento confuso O quadro clínico do delirium recebe às vezes por diferentes especialidades médicas com que se deparam no dia a dia denominações diferentes o que dificulta a comunicação clínica e a pesquisa sobre o tema Os termos mais comumente utilizados são delirium estado confusional agudo paciente confuso síndrome confusional aguda síndrome orgânicocerebral aguda e encefalopatia metabólica De todos esses sinônimos mencionados o termo delirium é o mais adequado por ser o termo utilizado na CID e no DSM e por ser o mais utilizado na grande maioria das publicações científicas Atenção Em livros e artigos antigos muitos autores se referem ao delirium como delírio adjetivado com por exemplo delírio onírico febril tóxico infeccioso agudo orgânico Isso pode causar confusão e enganos para quem está estudando o tema Para a psicopatologia contemporânea o termo delírio ingl delusion fr délire esp delírio al Wahn it delirio designa um sintoma psicopatológico a ideia delirante que é alteração do juízo de realidade visto no Cap 21 totalmente separado em termos de classificação do delirium que é um TNC ou síndrome mental orgânica aguda que estamos abordando nesta parte do livro Características principais do delirium Trzepacz Meagher Wise 2006 APA 2014 1 2 3 4 5 6 O delirium pode ser causado tanto por distúrbios próprios do cérebro infecções e inflamações do cérebro neoplasia acidentes vasculares etc como por distúrbios com origem fora dele mas com envolvimento sistêmico e impacto sobre esse órgão ou seja alterações que mesmo ocorrendo fora do cérebro p ex em fígado rins coração pulmão com as respectivas insuficiências hepática renal cardiorrespiratória acarretam repercussões significativas sobre o funcionamento cerebral Portanto no delirium sempre há alteração cerebral direta ou indireta funcional eou estrutural Há instalação aguda ou subaguda horas a dias com duração geralmente de uma semana de forma menos frequente pode se prolongar até um mês delirium mais prolongado que um mês é bem mais raro Existem evidências de disfunção difusa do tecido cerebral normalmente envolvendo os hemisférios cerebrais sobretudo o córtex préfrontal o parietal não dominante e o giro fusiforme anterior o sistema reticular ativador ascendente e o sistema nervoso autônomo Do ponto de vista neurobioquímico na base dos sintomas do delirium há disfunção na interação de vários neurotransmissores como acetilcolina dopamina noradrenalina glutamato e GABA De modo geral podese resumir de forma didática tais alterações como deficiência no sistema colinérgico de neurotransmissão com hipoatividade das vias colinérgicas da acetilcolina e hiperatividade das vias dopaminérgicas Além disso parece ocorrer no delirium resposta aberrante ao estresse inclusive hiperatividade do eixo hipotálamohipófiseadrenal Cerejeira Nogueira Luís VazSerra MukaetovaLadinska 2012 A disfunção do tecido cerebral é potencialmente reversível se a causa for tratada com sucesso ou remitir espontaneamente Entretanto a possibilidade de os quadros de delirium cursarem com sequelas cognitivas mais ou menos notáveis tem sido crescentemente aventada e é tema de discussão na literatura Inouye et al 2016 As manifestações clínicas podem variar de paciente para paciente e de um episódio para outro No delirium o traçado do eletrencefalograma EEG está tipicamente lentificado com exceção do delirium tremens forma grave de abstinência alcoólica situação em que o EEG se apresenta em geral acelerado Quadro clínico do delirium 1 2 3 4 5 No delirium verificase o rebaixamento do nível da consciência pela sonolência evidente ou por sinais indiretos como desorientação temporoespacial e alterações da atenção Rebaixamento do nível da consciência e alteração da atenção São as alterações básicas que podem ser acompanhadas secundariamente de outras mudanças psicopatológicas como do pensamento da sensopercepção da psicomotricidade e do humor Verificase o rebaixamento do nível da consciência pela sonolência evidente face sonolenta com pálpebras um pouco caídas e pouca reatividade do indivíduo revelando tal sonolência ou por sinais indiretos como desorientação principalmente temporal mas também frequentemente espacial perplexidade mudança no estado de alerta e da atenção As alterações da atenção são notadas pela dificuldade em focalizar direcionar e manter a atenção e a concentração Orientação e memória É muito frequente a desorientação alopsíquica temporal e espacial nos quadros de delirium A desorientação temporal é a primeira a ocorrer seguida muitas vezes por desorientação espacial Pode ocorrer prejuízo na identificação espacial e no reconhecimento o paciente confunde o quarto do hospital com seu quarto em casa ou identifica um enfermeiro desconhecido como um velho amigo falso reconhecimento Pensamento ilógico confuso e desorganização do discurso De forma característica o paciente com delirium apresentase confuso seu pensamento é ilógico e seu discurso é pouco compreensível com ideias que se articulam apenas frouxamente produzindo conteúdos inusitados e com frequência bizarros Alterações da sensopercepção Depende da alteração do nível de consciência Geralmente ocorrem ilusões visuais mais frequentes em ambientes com pouca luminosidade ou alucinações visuais eou táteis É frequente no caso de ilusõesalucinações visuais figurar animais sobretudo pequenos como aranhas baratas formigas cobras lagartos etc essas ilusõesalucinações são chamadas de zoopsias Humor Em geral a ansiedade pode ser intensa e o paciente pode apresentar estados de perplexidade intensa e patológica irritação terror e pavor Pode haver eventualmente ideação paranoide ideias de perseguição pouco organizada A labilidade afetiva também é frequente no delirium Na subforma hipoativa de delirium ver adiante pode ocorrer apatia em vez de ansiedade 6 7 8 Psicomotricidade Ocorre mais frequentemente a agitação psicomotora mas também podem ser observadas na subforma hipoativa lentificação motora pouca movimentação e hipersonolência Flutuação do quadro ao longo das 24 horas É muito típica no delirium a flutuação do quadro clínico ao longo do dia Por exemplo às vezes se entrevista uma paciente às 11 horas da manhã e ela está aparentemente bem conversando relativamente orientada e atenta Ao entrevistála às 6 horas da tarde entretanto ela parece outra pessoa apresentase marcadamente sonolenta com pensamento muito confuso desorientada com alucinações visuais No dia seguinte pela manhã ela pode voltar a se apresentar bem novamente piorando outra vez à tarde Perturbação do ciclo sonovigília É muito comum haver no delirium inversão do ciclo sonovigília ciclo normal vigilância durante o dia e sono durante a noite Assim ocorrem insônia e certa agitação no período noturno e sonolência no período diurno Em geral o paciente apresenta estado de hipervigilância à tarde e no início e meio da noite e dorme durante a manhã às vezes até o início da tarde fica muito ativo e confuso durante o fim da tarde e da noite dormindo no fim da madrugada e pela manhã Devese chamar atenção aqui para o fenômeno denominado sundowning pôr do sol que ocorre frequentemente em idosos com demência Em geral no fim da tarde e início da noite perto do pôr do sol quando a luminosidade diminui a pessoa fica inquieta podendo ficar bem agitada ansiosa irritada até a agressividade desorientada e bastante confusa O sundowning é considerado uma manifestação de demência ou mais propriamente de delirium sobreposto à demência Uma das hipóteses principais é a de que o fenômeno decorra de alteração da ritmicidade do ciclo sonovigília por possível disfunção do núcleo supraquiasmático do hipotálamo e diminuição da produção de melatonina Khachiyants et al 2011 A Tabela 381 apresenta os principais sintomas do delirium em ordem de frequência Observase que os sintomas mais frequentes são desorientação nível de consciência alterado déficit de atenção e perturbação do ciclo sonovigília Tabela 381 Sintomas mais frequentes no delirium segundo revisão de Trzepacz Meagher e Wise 2006 estudos de Meagher e colaboradores 2007 e Grover 2014 FUNÇÃO ALTERADA OU SINTOMA REVISÃO DE TRZEPACZ MEAGHER E WISE 2006 MEAGHER E COLABORADORES 2007 N GROVER 2014 N 321 1 100 Desorientação 43100 76 99 Nível de consciência alterado 58100 98 Déficit de atenção 17100 97 100 Perturbação do ciclo sono vigília 2596 97 98 Pensamento ilógico confuso 95 54 85 Déficits cognitivos difusos 77 8789 6396 Prejuízo da memória 6490 88 5396 Déficits de linguagem 4193 57 87 Labilidade afetiva 4363 53 86 Alterações psicomotoras 3893 62 5190 Alucinações e outros transtornos da sensopercepção 2541 50 79 Delírios pensamento delirante 1868 31 45 Os critérios para delirium foram revistos no DSM5 Cabe notar que quando comparados às definições anteriores como do DSMIV os novos critérios parecem ser menos inclusivos e deixam de diagnosticar entre 11 e 70 dos casos englobados pelas diretrizes anteriores Meaguer et al 2014 A ênfase dada a perturbação da atenção em primeiro lugar colocandose consciência depois de atenção resulta em maior foco para alterações de atenção Isso pode estreitar o conceito e diminuir o número de pacientes diagnosticados Se for utilizado o DSM5 recomendase que se dê ênfase a uma noção mais ampla de desatenção incluindo pacientes que saíram do coma e são difíceis de avaliar cognitivamente para não se deixar de fazer o diagnóstico de delirium em indivíduos que de fato apresentem a síndrome classicamente descrita Siddiqui et al 2014 Evolução temporal do delirium No início nas fases prodrômicas o paciente pode sentirse ansioso e apresentar dificuldade para se concentrar está inquieto com medo e um 2 3 4 tanto perplexo Pode apresentar hipersensibilidade a luz e sons dificuldade para adormecer e sonhos ameaçadores ou pesadelos Com o evoluir do quadro geralmente no fim da tarde e no início da noite começam a surgir ilusões visuais e táteis roupas penduradas na parede parecem monstros bichos e a ansiedade e a agitação psicomotora se intensificam Podem ocorrer fenômenos do sistema nervoso autonômico simpático e parassimpático como suar profusamente apresentar febre taquicardia e tremores às vezes grosseiros inclusive flapping ou asteríxis que é um reflexo desencadeado ao se empurrar levemente as pontas dos dedos da mão bem aberta estendida e a resposta obtida são movimentos alternados de flexão e extensão para frente e para trás como um bater de asas O delirium manifestase com mais intensidade ao entardecer à noite e de madrugada Depois de alguns dias o paciente retorna a seu estado normal de vigília desaparecendo todos os sintomas do delirium geralmente permanecem apenas reminiscências vagas do que ocorreu É importante atentar que no delirium com frequência ocorre essa variação temporal marcante que pode inclusive causar dificuldades diagnósticas consideráveis Em relação à duração do delirium o DSM5 propõe subdividilo em agudo duração de poucas horas a dias ou persistente duração de semana a meses Subtipos de delirium hiperativo hipoativo e misto Camus Burtin Simeone et al 2000 Trzepacz Meagher Wise 2006 Considerase atualmente que o delirium pode ser dividido em três formas clínicas de acordo com o nível de atividade psicomotora Trzepacz Meaghen Wise 2006 O delirium hiperativo é a forma mais saliente e exuberante da condição e é relativamente frequente em torno de 3045 dos casos Nesse caso verificase considerável aumento da atividade psicomotora com inquietação ou mesmo agitação pode ocorrer também oscilação do humor com ansiedade agressividade ilusões ou alucinações visuais e discurso confuso Essa forma de delirium ocorre tipicamente no delirium tremens e em outros casos associados a intoxicação e abstinência de substâncias O delirium hiperativo apesar de aparentemente mais grave tem prognóstico melhor Já o delirium hipoativo manifestase por redução da atividade psicomotora sendo a forma menos comum em torno de 1525 dos casos O paciente apresentase com pouca expressão motora e afetiva permanece apático em seu leito retraído movendose e falando pouco e geralmente considerável sonolência Essa subforma de delirium implica maior dificuldade diagnóstica e pode ser confundida com depressão grave Costuma ocorrer associada a encefalopatias metabólicas e lesões neurológicas mais graves O delirium hipoativo tem prognóstico pior e implica com mais frequência que o hiperativo e o misto a morte do paciente Por fim o subtipo de delirium misto é a forma mais comum em torno de 4050 O indivíduo apresenta períodos em que o nível de atividade psicomotora está hiperativo e outros em que está hipoativo há portanto oscilação de quadros hiperativos em um momento e de quadros hipoativos em outro não predominando nenhum dos dois subtipos O interesse nessa classificação de delirium em hiperativo hipoativo e misto se deve à possível associação com diferenças na neuropatogenia e no prognóstico com implicações para o diagnóstico e o tratamento Trzepacz et al 2010 Classificação de subtipos de delirium de acordo com os fatores causais etiologia Inicialmente devese esclarecer que muitas vezes o delirium não tem uma causa única ele representa a somatória de fatores que em seu conjunto agridem o cérebro e causam o quadro Há fatores predisponentes fatores já estabelecidos que aumentam o risco de delirium e precipitantes que desencadeiam o quadro atual de delirium Consideramse fatores predisponentes idade avançada presença de demência sobretudo de moderada a grave ou de declínio cognitivo história anterior de um ou vários episódios de delirium lesões cerebrais prévias trauma craniencefálico encefalite acidentes vasculares cerebrais etc presença de doença sistêmica grave déficits sensoriais múltiplos história de dependência ou uso pesado prolongado de álcool ou outras drogas Esses fatores predisponentes favorecem de modo somatório o desenvolvimento de delirium Podemse dividir os fatores precipitantes em alguns grupos fatores tóxicos e fatores metabólicos e traumáticos Nos fatores tóxicos temse o uso de psicofármacos sobretudo medicações com ação anticolinérgica e benzodiazepínicos uso concomitante de muitos psicofármacos e em doses altas uso de corticosteroides e de drogas como álcool alucinógenos entre outras A abstinência de substâncias álcool benzodiazepínicos opioides também pode desencadear delirium Entre os fatores metabólicos e traumáticos devemse citar aqueles que diminuem o aporte energético para o cérebro como hipoxia hipoglicemia déficits cardiovasculares anemia Outras condições importantes são infecções agudas e estado toxêmico e febril distúrbios hidreletrolíticos estresses operatórios e pósoperatórios sobretudo em grandes cirurgias trauma craniencefálico carências vitamínicas sobretudo de vitamina B12 ácido fólico tiamina e ácido nicotínico Por fim podem desencadear delirium situações como estar em unidade de terapia intensiva UTI e para pessoas muito vulneráveis ou com déficit cognitivodemência mudanças ambientais repentinas internações entre outras Os fatores predisponentes mencionados implicam o que se denomina reserva cerebral funcional limitada ou diminuída Pessoas com tal reserva diminuída têm cérebros com menos recursos compensatórios perante novas agressões novas lesões alterações funcionais e perdas neuronais Dessa forma um cérebro lesado atrofiado e com pouca reserva funcional condições predisponentes é muito mais vulnerável a desenvolver delirium pela ação dos fatores precipitantes mesmo após alterações leves ambientais ou psicológicas como mudança de ambiente diário de cidade domicílio ou mesmo do quarto onde dorme Além disso nos indivíduos muito vulneráveis com reserva cerebral limitada estresses biológicos aparentemente pouco intensos como infecção urinária desidratação cirurgias pequenas ou mesmo doses baixas de uma medicação também podem desencadear quadros de delirium Estudos em idosos hospitalizados revelam que o risco para delirium é proporcional ao número e à gravidade de fatores de risco presentes quanto mais fatores quanto maior sua gravidade maior o risco Fatores como infecção desidratação medicamentos sobretudo com efeito anticolinérgico e dor podem se somar para precipitar a condição Elie Cole Primeau et al 1998 Inouye Charpentier 1996 Pesquisa da etiologia e manejo dos quadros 1 2 3 4 de delirium Na investigação das etiologias do delirium devese realizar pesquisa exaustiva de todas as suas possíveis causas Não se deve interromper a investigação quando uma primeira causa tiver sido identificada pois é importante lembrar que na maioria das vezes os quadros são precipitados por mais de um fator com efeito somatório e todos eles devem ser abordados no tratamento Independentemente da rápida identificação das diversas causas do delirium devese estar atento a quatro possíveis fatores etiológicos que são particularmente importantes pois podem causar lesões cerebrais irreversíveis Hipoglicemia É fator importante de lesão irreversível ao sistema nervoso central SNC Muitas vezes o paciente não tem história anterior de diabetes Na suspeita de hipoglicemia devese sempre colher rapidamente a glicemia e repor a glicose por via intravenosa Hipoxia ou anoxia Podem causar danos irreversíveis no SNC Ocorrem por duas causas Hipoperfusão Embora o sangue esteja bem oxigenado o cérebro é inadequadamente perfundido pelo sangue por déficit cardiovascular Hipoxia por déficit de oxigenação pulmonar Quando a perfusão cerebral é normal mas o sangue não é adequadamente oxigenado Devese identificar rapidamente a causa da hipoxia no caso de hipoperfusão pode ser infarto do miocárdio arritmia ou parada cardíaca no caso de oxigenação inadequada do sangue pode ser função ventilatória inadequada anemia grave hemorragias graves etc Hipertermia febre e desidratação Hipertermia grave é causa frequente de delirium Quando grave e prolongada pode causar dano cerebral Deve ser tratada imediatamente por métodos farmacológicos e físicos A desidratação é um fator comum para desencadear delirium sobretudo em idosos Deficiências de vitaminas B1 B12 etc A deficiência de tiamina vitamina B1 causa a síndrome de Wernicke ver adiante que caso não tratada prontamente pode produzir perdas de memória irreversíveis Essa síndrome caracterizase por delirium ataxia distúrbio do equilíbrio distúrbios dos movimentos oculares nistagmo e fraqueza muscular Ocorre com frequência em alcoolistas crônicos desnutridos na hiperêmese gravídica vômitos excessivos na gestação e em quadros graves de desnutrição eou 1 2 3 consumpção Em indivíduos com déficits nutricionais sobretudo de alimentos de origem animal pode haver também deficiência de vitamina B12 associada a quadros de delirium e de demência Diagnóstico diferencial do delirium Esquizofrenia Seu surgimento tende a ser mais lento e insidioso que o do delirium o indivíduo apresenta personalidade prémórbida para o transtorno personalidade esquizoide ou esquizotípica Na esquizofrenia há pouca flutuação do quadro clínico não há distúrbio do ciclo sonovigília nem alteração do nível de consciência Também cabe lembrar que nesse transtorno a orientação está comumente preservada as alucinações em geral são auditivas no delirium predominam as ilusões e alucinações visuais e o delírio persecutório costuma ser personalizado o perigo dirigese exclusivamente contra o paciente No delirium não há embotamento afetivo na esquizofrenia não há alterações autonômicas hipertermia sudorese alterações rápidas da frequência cardíaca e da pressão arterial Da mesma forma na esquizofrenia não há o asteríxis ou flapping teste neurológico em que após estímulo das mãos estendidas há o reflexo de flexãoextensão da mão como o bater de asas de um pássaro e as mioclonias multifocais abalos musculares bruscos breves e involuntários Transtornos dissociativos histeria ou dissociação em outros quadros Diferentemente do que ocorre nos transtornos dissociativos no delirium os antecedentes psicológicos do paciente não indicam problemas nas relações interpessoais Os transtornos dissociativos geralmente envolvem desorientação autopsíquica e no caso de alucinações ou ilusões estas podem ter caráter mais teatral TNCs maiores demências Às vezes é difícil diferenciar sobretudo em idosos um quadro de delirium e um quadro de demência O curso e a instalação das demências são geralmente lentos insidiosos surgindo em meses ou anos Diferentemente a instalação e o curso do delirium são mais rápidos horas a dias e circunscritos no tempo Essa diferenciação é muitas vezes difícil pois pessoas com demência têm com muito maior frequência do que pessoas sadias quadros de delirium No caso de haver as duas condições presentes ao mesmo tempo denominase delirium sobreposto à demência condição muito frequente Nesses casos 4 5 6 para se identificar o que é mais importante clinicamente o delirium ou a demência devese verificar se rebaixamento do nível de consciência início agudo e flutuação circadiana dominam o quadro aí se dará prioridade ao delirium ou se perdas de memória e outras funções cognitivas de surgimento lento e progressivo é que predominam aí se dará prioridade à demência Nessas situações o EEG pode ser útil pois tende a estar lentificado quando há delirium Afasias A afasia de compreensão afasia fluente de Wernicke pode ser confundida com a confusão mental associada a delirium O indivíduo afásico geralmente utiliza construções gramaticais estranhas incomuns além de neologismos Não há alteração do nível de consciência e esses pacientes afásicos em geral apresentam outras alterações do exame neurológico como hemiparesia ou hemiplegia à direita Mania Em idosos podese confundir com o delirium principalmente nas fases iniciais com quadros de mania Não há alteração do nível de consciência na mania e o quadro se caracteriza por euforia irritabilidade e agitação psicomotora que são mais estáveis ao longo do tempo em comparação ao delirium Entretanto é relativamente comum que idosos com mania se apresentem confusos e desorientados Na mania esses sintomas desaparecem paralelamente à redução do taquipsiquismo geral aceleração geral das funções psíquicas e motoras Depressão O delirium sobretudo do subtipo hipoativo com marcante apatia e redução da psicomotricidade pode ser confundido com quadros depressivos graves No Quadro 381 são apresentados aspectos clínicos significativos para o diagnóstico diferencial entre delirium demência depressão e esquizofrenia modificado de Trzepacz Meagher Wise 2006 Quadro 381 Características clínicas do delirium em comparação a demência mania ou depressão e esquizofrenia CARACTERÍSTICAS DELIRIUM DEMÊNCIA MANIA OU DEPRESSÃO ESQUIZOFRENIA Início Agudo em horas ou semanas Lento insidioso geralmente em anos Variável mas os episódios tendem a ser mais agudos Variável mas tende a ser insidioso Curso Quadro flutuante dura cerca de uma semana Progressivo com perdas cognitivas Episódios que se repetem geralmente sem Surtos com possível deterioração mas menos raramente mais que um mês cumulativas Em geral irreversível vai se agravando ao longo dos meses e anos deterioração cognitiva intensa que nas demências Reversibilidade Sim é frequente o retorno à normalidade Não apenas muito raramente se encontram demências reversíveis Sim nos períodos de eutimia Pode ou não haver prejuízos cognitivos ou eles podem ser discretos Em parte Com prejuízos sintomas negativos eou cognitivos Nível de consciência Está sempre rebaixado mas flutua ao longo do dia Normal Normal nos quadros agudos pode haver perplexidade Normal em quadros agudos pode haver perplexidade Atenção memória Déficit de atenção e memória Alterações de atenção e memória de evolução lenta e progressiva Atenção prejudicada Memória algo prejudicada mas só nos quadros agudos Atenção e memória prejudicadas mas há muito tempo Ideias delirantes e alucinações Fenômeno efêmero fragmentado e desorganizado Conteúdo geralmente paranoide pouco organizado e elaborado Sintomas geralmente congruentes com o humor às vezes incongruentes Frequentemente presentes O conteúdo pode ser organizado e elaborado INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO Um dos principais instrumentos desenvolvidos para auxiliar na identificação de delirium é o Confusion Assessment Method CAM Em virtude de sua acurácia rápida aplicação e facilidade tornouse o instrumento padronizado mais amplamente utilizado na prática clínica e na pesquisa Apresenta sensibilidade de 94 e especificidade de 89 Wei 2008 A versão em português do CAM está disponível no hotsite do livro Welcome to Saint Marys University Halifax Nova Scotia 39 Demências e outros transtornos neurocognitivos de longa duração Neste capítulo serão abordados os transtornos neurocognitivos TNCs crônicos de longa duração ie que não o delirium Os TNCs crônicos são transtornos psicopatológicos nos quais as alterações clínicas principais são déficits cognitivos adquiridos referentes aos domínios cognitivos apresentados no Quadro 391 Aqui é portanto onde se situa o grande capítulo das demências além do transtorno amnéstico e dos TNCs leves comprometimento cognitivo leveCCL Quadro 391 Domínios neurocognitivos DSM5 e CID11 dos declínios nos TNCs demências DOMÍNIO COGNITIVO FUNÇÕES COGNITIVAS ESPECÍFICAS EXEMPLOS DE ALTERAÇÕES Memória e aprendizagem1 Memória imediata Memória recente Memória de fixação Não se lembra de eventos recentes repetese nas conversas esquece compromissos Não consegue recordar pequenas listas de compras Não se lembra de quem o visitou ontem ou de como foi o último fim de semana Atenção2 Atenção sustentada Atenção seletiva Atenção dividida Não consegue manter a atenção ao longo do tempo em ambientes com muitos estímulos quando há estímulos concorrentes ou distraidores Leva mais tempo do que anteriormente para realizar tarefas rotineiras Velocidade de processamento11 information processing speed muito relacionado à atenção Quão rápido o indivíduo é para realizar tarefas cognitivas simples ou automáticas geralmente em testes sob pressão do tempo Aqui estão inclusos foco e sustentação da atenção e elementos não atencionais como percepção e motivação O indivíduo apresenta lentificação na velocidade de resolução de tarefas cognitivas assim como aumento no tempo de reação em testes como trilhas Velocidade psicomotora11 psychomotor speed Velocidade e eficiência do output global da motricidade É o tempo necessário para processar um sinal e realizar a resposta motora adequada Lentificação das respostas motoras Fala e movimentos voluntários lentificados Avaliase por exemplo por meio da máxima velocidade em que o indivíduo consegue bater os dedos da mão Função executiva3 Planejamento Flexibilidade cognitiva Memória de trabalho Tomada de decisão Uso de feedbacks para corrigir a ação Inibição e substituição de hábitos quando necessário Muita dificuldade em atividades sequenciais que exigem planejamento e monitoração da ação Dificuldade em organizar planejar tomar decisões e corrigilas quando necessário Dificuldade em retomar uma tarefa interrompida em manter informações em um período curto de tempo Julgamento10 Capacidade de compreender lidar e avaliar informações e situações complexas e multidimensionais da vida real Dificuldade ou incapacidade de julgar situações cotidianas avaliar e decidir em relação a demandas relacionadas a si e ao mundo Linguagem4 Linguagem expressiva Linguagem receptiva Gramática e sintaxe Pragmática Dificuldade para encontrar palavras Linguagem se torna menos específica usa mais termos genéricos como aquela coisa aquele homem Não lembra o nome de familiares e amigos conhecidos Erros gramaticais palavras idiossincráticas e palavras deformadas parafasias ecolalia Percepção5 habilidadesatividades visuoespaciais visuoconstrutivas6 praxia7 e gnosia8 Percepção visual Habilidades visuoconstrutivas Habilidades perceptuomotoras Praxia Gnosia Dificuldade em reconhecer padrões espaciais com perspectiva falha em desenhar ou copiar figuras em dirigir veículos de forma orientada no espaço não consegue imitar gestos para escovar os dentes como se dá adeus com as mãos como se usa um martelo não consegue reconhecer faces conhecidas e reconhecer cores Cognição social9 Reconhecer emoções em si mesmo e nos outros e lidar com elas Reconhecer e lidar com situações sociais complexas Teoria da mente Atribuição de causalidade viés de atribuição Dificuldade em reconhecer emoções positivas e negativas nos rostos de outros Prejuízo na teoria da mente não identifica como pode estar o estado mental de outra pessoa desejos pensamentos intenções Perde o tato e a habilidade na relação com as demais pessoas Não consegue lidar com situações sociais minimamente complexas Fonte Adaptado do DSM5 APA 2014 da CID11 2018 1Ver capítulo sobre memória 2ver capítulo sobre atenção 3ver capítulos sobre volição 4ver capítulo sobre linguagem 5ver capítulo sobre sensopercepção 6 e 7ver capítulo sobre volição 8ver capítulo sobre memória 9ver capítulo sobre inteligência e cognição social 10julgamento é domínio cognitivo considerado apenas na CID11 não no DSM5 11a CID11 denomina o domínio velocidade psicomotora e o DSM5 velocidade de processamento são dois construtos neuropsicológicos que muito se sobrepõem É importante ressaltar o que esses transtornos não são e o que não incluem Não são transtornos do desenvolvimento que surgem na infância adolescência ou juventude e permanecem ao longo da vida como a deficiência intelectual Além disso embora haja alterações cognitivas em outros transtornos mentais graves como esquizofrenia e transtorno bipolar TB não é dessa alteração cognitiva que se trata nas demências Na grande maioria das vezes as demências são transtornos que surgem na senilidade após os 65 anos mas também ocorrem embora bem menos frequentemente na forma présenil entre os 5065 anos As perdas cognitivas nas demências evoluem para déficits bem mais marcantes do que em transtornos como esquizofrenia e TB Estimase que no mundo cerca de 35 milhões de pessoas tenham demência No grupo de pessoas com mais de 65 anos a condição afeta cerca de 5 e no grupo com mais de 90 anos cerca de 50 Assim em pessoas idosas a demência aumenta sua frequência à medida que a idade avança World Health Organization WHO 2012 Nas demências o curso das perdas cognitivas e da limitação da vida funcional é quase sempre progressivo na esquizofrenia por exemplo as perdas tendem a ser precoces e mais estáveis Os TNCs demências são causados por doenças neurodegenerativas e cerebrovasculares ou seja têm uma etiologia neuropatológica específica e bem estabelecida Para a realização do diagnóstico de um TNC maior demência ou leve CCL é necessário que haja perda ou declínio de alguma função cognitiva de um dos diversos domínios cognitivos apresentados no Quadro 391 em relação aos estágios anteriores da vida quando essa função ou domínio estava normal ou se já reduzida desde a infância sofreu clara redução em relação ao seu nível anterior Por exemplo uma pessoa que quando criança e ao longo da vida teve deficiência intelectual associada a síndrome de Down ou síndrome alcoólica fetal pode desenvolver na velhice demência por doença de Alzheimer DA ou por outra causa caso apresente declínio cognitivo significativo em relação ao seu nível prévio nos períodos infantil e adulto nesse estágio da vida Na tradição psicopatológica e neurológica a função ou domínio cognitivo classicamente alterada nas demências TNC maior foi a memória além de outras funções cognitivas alteradas que acompanhavam o declínio da memória Entretanto nos sistemas diagnósticos atuais CID11 e DSM5 para se diagnosticar a demência não se exige mais que seja especificamente a memória o domínio cognitivo alterado embora em grande parte dos casos ela esteja alterada e na DA essa alteração seja proeminente desde o início O Quadro 391 apresenta os vários domínios cognitivos que podem estar alterados nos TNCs Sempre que possível quando se constata um TNC devese fazer o esforço para detectar a etiologia subjacente p ex doença cerebrovascular DA degeneração lobar frontotemporal doença com corpos de Lewy DCL doença de Parkinson DP entre outras É bastante relevante fazer o esforço para se identificar os domínios cognitivos mais comprometidos por meio da história clínica e de testes neuropsicológicos Isso permite que se estabeleçam hipóteses diagnósticas anatômicas e neuropsicológicas ou seja que se compreendam quais circuitos e regiões no cérebro podem apresentar disfunções que resultam nos sintomas do paciente Por sua vez o diagnóstico anatômico e neuropsicológico contribui para a elaboração de hipóteses etiológicas já que determinadas condições neuropatológicas acometem inicialmente regiões e estruturas específicas do cérebro Por exemplo o declínio da memória episódica recente está associado à 1 atrofia dos hipocampos e dos córtices entorrinais localizados na região mesial dos lobos temporais Essas alterações anatômicas são típicas dos estágios iniciais da DA DEMÊNCIAS OU TRANSTORNO NEUROCOGNITIVO MAIOR Nas demências ou síndromes demenciais TNCs maiores costuma haver de modo geral empobrecimento e simplificação progressiva de todos os processos psíquicos cognitivos e afetivos Segundo a CID11 2018 e o DSM5 a demência se caracteriza por ser uma síndrome mental orgânica na qual o indivíduo apresenta Declínio do funcionamento cognitivo prévio em domínios cognitivos como memória linguagem funções executivas julgamento atenção velocidade de processamento cognição social velocidade psicomotora e habilidades visuoespaciais ou visuoperceptivas apresentados no Quadro 391 Esse declínio surge frequentemente como preocupação de uma pessoa que convive com o paciente esposa marido filhos amigos entre outras que nota seu declínio Pode ser mas é menos frequente que o declínio seja notado pelo próprio paciente isso ocorre sobretudo no CCL que precede a demência ou nos estágios iniciais de demência leve Também é importante que o declínio seja avaliado e documentado por meio de testes neuropsicológicos padronizados realizados por profissional com formação adequada de modo geral psicólogo com alguma formação em diagnóstico neuropsicológico Como mencionado anteriormente a CID11 assim como o DSM5 não mais exige que haja perda da memória para o diagnóstico de demência entretanto o declínio da memória é frequentemente um dos elementos centrais da maior parte desses quadros com exceção da demência por degeneração lobar frontotemporal na qual sobretudo em suas fases iniciais há preservação relativa da memória da aprendizagem e da função perceptomotora O déficit de memória implica a memória imediata conceituada por alguns autores como memória de trabalho e a memória recente classicamente 2 3 4 incluídas na memória de fixação Apenas em fases avançadas há perda da memória remota e da capacidade de evocação As perdas de memória seguem de modo geral a lei de Ribot ver capítulo sobre memória O declínio cognitivo não deve ser atribuído ao envelhecimento normal O declínio cognitivo do envelhecimento normal afeta principalmente a velocidade de processamento Devese sempre suspeitar de declínio cognitivo patológico quando ele afeta outros domínios cognitivos além da velocidade de processamento Para diferenciar mais minuciosamente o declínio cognitivo normal do patológico são necessários testes cognitivos validados e calibrados para idade sexo e escolaridade do paciente O declínio cognitivo deve interferir significativamente na independência do indivíduo em sua vida diária em sua autonomia O paciente precisa de ajuda para realizar atividades diárias mais complexas como lidar com finanças planejar e executar uma reunião de família controlar uso de medicamentos fazer compras pagar contas etc O declínio cognitivo é atribuído a uma causa neuronal subjacente DA vasculopatia cerebral degeneração lobar frontotemporal neuroinfecção trauma craniencefálico uso crônico de substâncias etc Embora o DSM5 exija que haja apenas declínio em um dos domínios cognitivos a CID11 exige dois domínios de modo geral vários domínios cognitivos são afetados na demência Além da memória pode haver alterações da linguagem que no início se manifestam como dificuldade em encontrar as palavras mas posteriormente se revelam com o crescente uso de termos genéricos e inespecíficos aquela coisa para se referir ao liquidificador ou aquele homem para se referir ao médico e substituição de palavras específicas por termos dêiticos isso ele aquilo lá ali Com o evoluir da demência ocorrem parafasias fonêmicas usa bolo em vez de lobo ou grápis em vez de lápis parafasias verbais ou semânticas falhas de nomeação no processo de seleção linguística trocando por exemplo mãe por irmã livro por caderno copo por garrafa e parafasias narrativas erros de substituição de categorias narrativas introduzindo em certa história elementos de uma outra sem relação necessária Tais alterações da linguagem podem se acentuar com a evolução da demência o que pode levar ao surgimento de quadros graves de afasias ecolalia ou perda total da linguagem O paciente pode também apresentar dificuldades em lembrar nome de familiares e amigos próximos devido ao declínio da memória ou a agnosias p ex prosopagnosia ou dificuldadeincapacidade de reconhecer faces conhecidas relacionadas ao reconhecimento de locais de sua cidade ou de cores Pode apresentar também apraxias ou seja déficit em processos pragmáticos das atividades gestuais no vestirse construir objetos mostreme como se escova os dentes como se usa um martelo Surgem ainda dificuldades crescentes para o raciocínio complexo de habilidades aritméticas acalculia do julgamento da compreensão de problemas e de novas situações ambientais da capacidade de aprendizagem e da orientação direitaesquerda Alterações das funções executivas associadas ao lobo frontal são bastante comuns e importantes perda da capacidade de planejamento e monitoração de atos complexos da capacidade para solução de problemas novos diminuição da fluência verbal perseveração perda da flexibilidade cognitiva dificuldades com o pensamento abstrato Sintomas neuropsiquiátricos e alterações da personalidade são também frequentes nas demências como ideias paranoides os filhos estão roubando seus pertences a cuidadora rouba seu dinheiro etc depressão ansiedade disforia alucinações e heteroagressividade Em muitos casos notase a perda dos hábitos sociais e do controle emocional com prejuízo do tato social e atitudes às vezes grosseiras e inadequadas uma pessoa anteriormente gentil e respeitosa passa a contar piadas fora de contexto piadas e palavras grosseiras dá cantadas e faz aproximações eróticas inadequadas como com parentes próximos ou esposamarido de amigos Verificase também progressivo desleixo com higiene pessoal vestimenta alimentação atividades fisiológicas e de toalete Pode haver tendência à desinibição da personalidade e à deterioração do comportamento social global Em geral o curso das demências é insidioso e progressivo frequentemente também irreversível Embora representem uma pequena minoria existem formas tratáveis e em parte reversíveis de demência p ex demência por hidrocefalia de pressão normal demência por déficit de vitamina B12 Há presença de alterações geralmente difusas do tecido cerebral sobretudo do córtex dos hemisférios cerebrais mas há também acometimento do tálamo dos núcleos da base da substância branca subcortical e da glia A síndrome demencial é portanto decorrente de doença cerebral difusa crônica e na maior parte dos casos é progressiva e irreversível 1 Em geral o nível de consciência apresentase normal o paciente está desperto vígil seu sensório é claro Não há obnubilação da consciência ausência de delirium na maior parte do tempo Nos casos de demência por DCL há episódios de alteração do nível de consciência semelhantes ao delirium deliriumlike que inclusive precedem os outros sintomas psicopatológicos e neurocognitivos dessa forma de demência As demências implicam portanto progressiva e com o tempo profunda desorganização da vida mental e social do sujeito Gil et al 2001 Há a dolorosa perda da vida psíquica sentida sobretudo por pessoas mais próximas do paciente Garner 1997 O Quadro 392 apresenta de forma resumida o que especialistas de diversas áreas com grande experiência clínica neuropsicológica e social concordam a respeito do tema demências Quadro 392 Pontos de concordância sobre demência indicados por profissionais experientes da Austrália do Reino Unido e dos Estados Unidos utilizandose a metodologia de estudos Delphi A demência não é parte do envelhecimento normal A demência afeta as pessoas em cinco domínios cognitivo funcionamento na vida psiquiátrico psicológicocomportamental e físico A avaliação clínica cuidadosa em pessoa com demência é importante para se identificar se ela está sofrendo também de outras condições médicas psiquiátricas e psicológicas tratáveis Mudanças comportamentais fazem parte dos sintomas de demência Intervenções não farmacológicas geralmente são mais apropriadas para se tratar de problemas comportamentais relacionados com a demência A dor física em uma pessoa com demência mesmo avançada deve ser cuidadosamente investigada identificada e tratada Depressão e delirium devem ser atentamente identificados e tratados nas pessoas com demência Medicação psicofarmacológica pode causar dano em uma pessoa com demência se prescrita de forma inadequada por profissional que não está devidamente capacitado Intervenções psicossociais podem melhorar a qualidade de vida das pessoas com demência Os cuidadores de pessoas com demência necessitam de apoio Pessoas com demência podem captar e entender melhor do que podem expressar É possível se comunicar mesmo com pessoas com demência avançada elas podem ser capazes de se comunicar por exemplo com meios não verbais Os desejos de uma pessoa com demência devem ser levados em conta quando se planeja seu tratamento e cuidado psicossocial Fonte Annear et al 2015 Diagnóstico diferencial da síndrome demencial Transtorno depressivo que produz alterações cognitivas transitórias e funcionalmente derivável da alteração do humor Denominase pseudodemência depressiva a perda de memória de pacientes deprimidos secundária a déficit de atenção concentração e motivação As perdas de memória da atenção da concentração e da motivação são revertidas após o tratamento exitoso da depressão 2 3 O quadro de delirium também implica déficits cognitivos sobretudo da atenção da concentração e da memória Entretanto nele há quase sempre alteração do nível de consciência que está na base das alterações cognitivas da condição assim como flutuação do quadro no período circadiano geralmente com piora ao anoitecer Deficiência intelectual leve ou moderada quando não se tem a história clínica do indivíduo podese cair no equívoco de atribuir as dificuldades cognitivas de um paciente com deficiência intelectual congênita a uma suposta síndrome demencial Além disso na deficiência intelectual as dificuldades cognitivas são mais homogêneas que nas demências No indivíduo com deficiência intelectual as alterações da cognição e da adaptação social podem ser rastreadas desde sua infância nas demências o passado do sujeito revela uma vida cognitiva geralmente normal TRANSTORNOS NEUROCOGNITIVOS LEVES CID11 E DSM5 OU COMPROMETIMENTO COGNTIVO LEVE LANGA LEVINE 2014 SACHS ERICSSON BLAZER 2015 No TNC leve ou CCL ocorre a experiência subjetiva de um declínio cognitivo a partir do nível prévio de funcionamento cognitivo Segundo a CID 11 esse declínio deve ser notado pelo paciente já o DSM5 admite que o prejuízo possa ser notado pelo indivíduo ou por um informante ou clínico que o conheça bem Tal declínio subjetivo deve ser acompanhado por evidências objetivas de declínio no desempenho de uma ou mais funções dos diversos domínios cognitivos Quadro 391 de preferência documentado por testes neuropsicológicos padronizados e validados na cultura do paciente cujos resultados devem ser analisados considerandose idade sexo e escolaridade da pessoa O declínio objetivo é referente ao que se espera para o indivíduo em termos de idade e nível de funcionamento intelectual prévio Ele também não pode ser tão grave que comprometa significativamente a independência e a autonomia do indivíduo em sua vida diária sua funcionalidade O declínio cognitivo objetivo não é inteiramente explicado pelo envelhecimento normal ele é causado por fatores neuronais DA ou doença cerebrovascular em suas fases iniciais DCL DP degeneração lobar frontotemporal alcoolismo trauma craniencefálico etc que afetam partes específicas do cérebro A experiência subjetiva de declínio cognitivo inclui mais frequentemente preocupações com a memória a atenção e as funções executivas como por exemplo não consigo guardar o nome de pessoas conhecidas esqueçome em demasia de compromissos de onde coloquei as chaves os documentos não consigo acompanhar o desenrolar de um programa na TV tenho dificuldade de retomar uma tarefa quando interrompida não consigo guardar uma pequena lista de compras organizar um almoço de família no domingo ou fazer meu imposto de renda Rabin et al 2015 ETIOLOGIAS MAIS FREQUENTES DOS TNCs MAIORES DEMÊNCIAS E LEVES Por definição os TNCs maiores ou leves têm necessariamente uma ou mais causas orgânicas relacionadas à função cerebral Dessa forma é importante poder identificar a etiologia que está na base de um desses transtornos A seguir serão expostas algumas das principais características das doenças que mais frequentemente causam essas condições A Tabela 391 apresenta em ordem de frequência as principais causas de TNC sobretudo maior Tabela 391 Principais causas de demência em ordem de frequência em porcentagem de todas os TNCs por faixa etária DOENÇA OU CONDIÇÃO QUE CAUSA DEMÊNCIA FAIXA ETÁRIA 65 ANOS FAIXA ETÁRIA 65 ANOS INDEPENDENTEMENTE DA FAIXA ETÁRIA Doença de Alzheimer 2739 5571 3575 Doença cerebrovascular 6291 1130 1530 Doença com corpos de Lewy e doença de Parkinson 2075 720 515 Degeneração lobar frontotemporal 4252 211 310 TNC por álcool alcoolismo 512 13 28 Outras 19 520 1120 Fontes Dados com base em BermejoPareja BenitoLeón Vega et al 2008 Jefferies Agrawal 2009 Grinberg et al 2013 Devineni Onyike 2015 Brunnström 2017 Em relação à faixa etária quanto mais avançada a idade oitava e nona décadas de vida mais as etiologias mistas se tornam frequentes 1Frequências discordantes há um estudo no Japão com 43 de demência por doença cerebrovascular com n 617 pessoas 2estudo francês com taxa de 80 de demência por degeneração lobar frontotemporal em pessoas com menos de 65 anos n 811 pessoas Doença de Alzheimer DSM5 transtorno neurocognitivo maior ou leve devido à doença de Alzheimer Cummings 2004 Jack Jr et al 2011 Scheltens Blennow Breteler et al 2016 A DA é uma condição de início insidioso e evolução lenta gradual e constantemente progressiva sem platôs prolongados Os déficits de memória episódica para fatos recentes são os sintomas principais e iniciais da maior parte dos casos A DA é uma doença decorrente de processo neurodegenerativo que se manifesta por perdas cognitivas em particular da memória episódica sobretudo para eventos autobiográficos recentes e da aprendizagem Também estão prejudicadas sobretudo a partir das fases intermediárias da doença a linguagem a capacidade visuoconstrutiva e perceptomotora assim como as funções executivas com empobrecimento progressivo da vida mental e cognitiva nas atividades diárias Em relação à linguagem pacientes com DA revelam alterações e falhas importantes em aspectos léxicosemânticos por deterioração do estoque semântico o dicionário individual de cada pessoa ou por falha em acessar tal estoque e pragmáticos havendo assim dificuldades no processo de nomeação e de fluência verbal sobretudo para categorias semânticas Contudo há certa preservação dos aspectos fonológicosintáticos até fases relativamente avançadas da demência Pacientes com DA têm por isso linguagem relativamente fluente mas com conteúdo empobrecido por não apresentarem dificuldades fonéticofonológicas Na doença a cognição social assim como a memória de procedimentos dançar fazer tricô tocar instrumentos musicais etc tendem a ficar mais preservadas sobretudo nas fases iniciais e intermediárias do que em outros tipos de demência A sobrevida após o diagnóstico é de em média cerca de 10 anos entretanto há pacientes que sobrevivem até cerca de 20 anos ou mais A DA é na velhice a etiologia mais comum para TNC É questionável se com o avançar da idade a DA seria algo inexorável se envelhecêssemos o suficiente todos chegaríamos a têla Ritchie 1997 As incidências e as prevalências da doença por faixa etária mostram aumento exponencial com o avançar da idade ou seja quanto mais avançado for o grupo etário que se aborda maior será a frequência da DA Entretanto devese atentar para o fato de que alterações neuropatológicas da doença podem ser identificadas até 15 anos antes do início dos sintomas Por isso atualmente enfatizase o diagnóstico precoce préclínico da doença por meio dos biomarcadores estudo no liquor de substância amiloide beta42 que se correlaciona com a deposição no córtex de amiloide da proteína tau que se relaciona com a intensidade da neurodegeneração da tau fosforilada que se relaciona com as mudanças patológicas neurofibrilares ressonância magnética do cérebro de modo a avaliar atrofia temporal medial e volume do hipocampo tomografia por emissão de pósitrons PET de amiloide e de tau Scheltens et al 2016 Alterações neuroquímicas e patológicas características da DA são principalmente a produção e o acúmulo anormais de duas proteínas no cérebro o depósito de betaamiloide no espaço extracelular e a hiperfosforilação de proteína tau no espaço intracelular Inicialmente a partir de fatores genéticos e ambientais o processamento da APP proteína precursora de amiloide resulta na liberação de peptídeos amiloides AB 4042 no espaço extracelular que em conjunto com a redução do clearance limpeza desses peptídeos geneticamente determinado pelos polimorfismos da alipoproteína E apoE causa a agregação desses peptídeos formando proteínas amiloides as quais se acumulam no espaço extracelular resultando nas placas senis para aspectos neuropatológicos e fisiopatológicos da DA ver os trabalhos do grupo do Prof Wagner F Gattaz da USPSP As proteínas amiloides interferem no funcionamento das sinapses e da glia bem como disparam processos inflamatórios que contribuem para a perda de sinapses e da integridade dos neurônios e por fim para a morte neuronal e a atrofia cerebral Os peptídeos amiloides são neurotóxicos e disparam sinais intracelulares que também contribuem para a morte neuronal Além disso por meio desses sinais os peptídeos amiloides induzem dentro do neurônio a hiperfosforilação da proteína tau proteína de sustentação dos microtúbulos neuronais Há então a desestruturação e o colabamento dos microtúbulos celulares com formação dentro do neurônio dos emaranhados neurofibrilares Com isso há prejuízo do transporte celular de nutrientes proteínas e neurotransmissores e por fim morte neuronal Com a perda neuronal ocorre progressivamente atrofia cerebral a qual se inicia na maioria dos casos em hipocampos e regiões mesiais parte interna dos lobos temporais Também ocorre morte celular no núcleo de Meynert levando ao déficit de acetilcolina principal disfunção neuroquímica da DA Kovacs 2016 Scheltens et al 2016 O fator genético mais bem estudado na DA é o polimorfismo da apoE no cromossomo 19 O alelo apoE4 se associa a maior risco da condição mas também de várias outras doenças como Parkinson corpos de Lewy demências vascular e frontotemporal Indivíduos homozigotos para apoE4 têm risco aumentado de desenvolver demência e o alelo apoE2 é protetivo Sintomas neuropsiquiátricos não cognitivos ocorrem com frequência na DA depressão e apatia no início e nas fases mais avançadas irritabilidade agitação sintomas psicóticos agressividade e perambulação assim como alterações da personalidade ocorrem associadas ao processo degenerativo do tecido cerebral A ocorrência de depressão ou psicose superposta à demência na DA é mais comum na variante frontal dessa doença A forma típica da DA é aquela em que predominam o déficit de memória episódica e múltiplas perdas cognitivas em outros domínios porém perdas menos relevantes que a de memória episódica Têm sido relatadas nos últimos anos formas ou variantes atípicas ou não amnésticas da DA ou seja variantes em que a perda da memória episódica não ocupa o primeiro plano ou é modesta e outras perdas cognitivas e comportamentais são mais importantes Elas são comuns na DA de início precoce 65 anos na qual se estima que até um terço dos pacientes pode apresentar variantes atípicas São as seguintes as variantes atípicas variante com atrofia cortical posterior ou visual com alterações progressivas e proeminentes da percepção e das habilidades visuais variante afásica com afasias fluentes ou não fluentes variante com atrofia frontal com manifestações predominantemente comportamentais variante disexecutiva perda das funções executivas e variantes motoras que se assemelham à síndrome corticobasal com déficits motores rigidez e espasmo dos músculos lentidão e mobilidade reduzida Galton et al 2000 Dickerson et al 2017 Doença cerebrovascular DSM5 transtorno neurocognitivo vascular maior ou leve Engelhardt et al 2006 Battistin Cagnin 2010 O termo demência vascular ou TNC vascular se refere ao conjunto de quadros de perdas cognitivas que configuram um TNC maior ou leve e nos quais a doença cerebrovascular seja decorrente de acidentes vasculares em grandes vasos seja de doença microvascular é o principal fator a patologia dominante ou exclusiva que determina o declínio cognitivo e a demência O diagnóstico de TNC vascular é facilitado quando há evidências neuroimagem com evidências de acidentes vasculares infartos subcorticais leucoencefalopatia ou microangiopatia muitas vezes pronunciadas de que ocorreu lesão no cérebro associada à doença cerebrovascular Além disso nos pacientes com TNC vascular são mais frequentes condições associadas à patologia vascular disseminada como hipertensão arterial diabetes e obesidade dislipidemias além de sopro carotídeo e doença cardíaca O diagnóstico de TNC maior ou leve TNC vascular é mais evidente quando o surgimento dos déficits cognitivos é temporalmente relacionado a um ou mais eventos cardiovasculares p ex acidentes vasculares isquêmicos ou hemorrágicos Porém isso é válido para doenças de grandes vasos e os respectivos acidentes vasculares desses vasos A evolução dessas demências de grandes vasos com acidentes vasculares cerebrais AVCs repetidos devido aos períodos alternados de piora rápida após o AVC e posterior estabilização revela com certa frequência o perfil de evolução do tipo em escada diferindo portanto da evolução de outras demências degenerativas como DA cujas perdas cognitivas são mais insidiosas homogêneas e progressivas Para doenças vasculares de pequenos vasos doença microvascular o padrão de progressão é gradativo mais parecido com o padrão da DA Assim na doença de pequenos vasos ocorre efeito cumulativo decorrente de alterações degenerativas desses pequenos vasos arteriais que produzem lesões pequenas e múltiplas que se somam no tecido cerebral Clinicamente na demência por doença de pequenos vasos os circuitos cerebrais mais afetados são os da conexão córticosubcortical préfrontal de forma que os domínios cognitivos mais comprometidos são as funções executivas planejamento e monitorização das ações flexibilidade cognitiva perseverações a memória de trabalho a atenção complexa atenção sustentada seletiva ou dividida e a velocidade de processamento Além disso ocorrem também sintomas neuropsiquiátricos de depressão e apatia O que caracteriza portanto clinicamente uma demência por doença microvascular é uma síndrome disexecutivoapática ou seja a combinação de déficits nas funções executivas e apatiadepressão Por sua vez os domínios cognitivos afetados pela demência de grandes vasos pósAVC dependem da região cerebral acometida Entretanto é relativamente comum encontrarse nesses casos afasia motora labilidade emocional e déficits motores lateralizados Degeneração lobar frontotemporal ou demência frontotemporal DSM5 transtorno neurocognitivo frontotemporal maior ou leve AskinEdgar White Cummings 2006 Warrem et al 2013 Embora na degeneração lobar frontotemporal haja preservação relativa sobretudo nas fases iniciais da memória e da aprendizagem assim como das funções perceptomotoras gnosia praxia nessas demências há acometimento já nas fases iniciais das funções executivas da memória de trabalho da atenção e da cognição social além de prejuízo no controle dos impulsos Essas demências produzem alterações marcantes da personalidade perda da empatia desinibição eou apatia mudanças no paladar e do comportamento comportamentos perseverantes compulsivos hiperoralidade Há declínio na cognição social reconhecimento das emoções nos outros perda da teoria da mente e nas funções executivas do lobo frontal perda em planejamento monitoração da ação e flexibilidade cognitiva Distúrbios significativos da linguagem são muito importantes nas variantes linguísticas dificuldade em encontrar palavras nomear objetos compreender palavras e em habilidades gramaticais Clinicamente chama a atenção nas alterações de personalidade a perda do tato social incapacidade de entender e interpretar sinais sociais Baldwin Förstl 1993 Warrem et al 2013 As demências na degeneração lobar frontotemporal são de modo geral quadros muito graves p ex o declínio cognitivo é mais rápido do que na DA e são relativamente comuns na faixa etária abaixo de 65 anos A sobrevida é de 6 a 11 anos após o surgimento dos sintomas e geralmente de 3 a 4 anos após o diagnóstico Existem duas grandes variantes de demência frontotemporal Na primeira há predomínio de alterações comportamentais e da personalidade variante comportamental com apatia ou desinibição e prejuízo nos autocuidados e na higiene dificuldade para se vestir tomar banho se arrumar Nessa variante comportamental também se observam hiperoralidade comer em excesso ingerir substâncias não comestíveis comportamento estereotipado e repetitivo esfregar as mãos reler o mesmo livro cantar a mesma canção ir ao mesmo lugar repetidamente comportamentos socialmente inadequados como comportamento hipersexual piadas com conteúdo sexual fora de contexto masturbação compulsiva comportamentos impulsivos irritabilidade excessiva assim como alteração importante na responsabilidade social e perda grosseira do tato social Na segunda variante ocorre predomínio de declínio linguístico na verdade duas subvariantes linguísticas Nessas variantes linguísticas há duas subvariantes afasia progressiva primária fluente demência semântica e afasia progressiva primária não fluente Mesulam 2003 Na afasia progressiva primária fluente há produção de linguagem mas perda do significado das palavras e da capacidade de nomeação de objetos e pessoas Mais tardiamente ocorre perda de discriminação de odores e sabores A outra subvariante é a afasia progressiva primária não fluente nela há progressiva perda da produção de linguagem mesmo com esforço Na produção da fala empobrecida ocorrem muitos erros gramaticais com frases grosseiramente telegráficas e alterações fonêmicas no som do discurso e fonéticas na articulação das sílabas e das palavras AskinEdgar White Cummings 2006 Warrem et al 2013 Mesulam MM et al 2014 Doença com corpos de Lewy DSM5 transtorno neurocognitivo maior ou leve com corpos de lewy Walker Possin Boeve et al 2015 Hogan Fiest Roberts et al 2016 Essa demência é uma alfasinucleidopatia pois do ponto de vista neurobioquímico e neuropatológico há duplicações errôneas e agregação de uma proteína a alfasinucleína as sinucleidopatias são DCL e DP há debates sobre se a atrofia sistêmica múltipla também estaria incluída aqui A DCL ocorre devido a alteração patológica nos neurônios em forma de inclusões citoplasmáticas esféricas intraneuronais os corpos de Lewy 1 2 3 4 5 6 localizadas predominantemente em neurônios do córtex cerebral concentrando se em regiões paralímbicas mas também espalhadas por núcleos subcorticais e substância negra AskinEdgar White Cummings 2006 Na demência por DCL ela representa de 37 de todas as demências ocorrem os seguintes sinais e sintomas Prejuízo cognitivo flutuante deliriumlike Há nesses pacientes a história prodrômica de episódios de flutuação dos sintomas cognitivos delirium like frequentemente desencadeados por doenças estresses orgânicos Os episódios de deliriumlike frequentemente antecedem o declínio cognitivo Alucinações visuais Essas alucinações são recorrentes tipicamente de contornos nítidos detalhadas e bem formadas Ransmayr et al 2000 Declínio cognitivo progressivo Na DCL o declínio cognitivo deve preceder pelo menos em um ano os sintomas motores parkinsonianos se os sintomas parkinsonianos precedem o declínio cognitivo devese pensar em demência por DP e não em demência por DCL Após o surgimento de declínio cognitivo progressivo ocorrem sintomas de parkinsonismo o qual é entretanto um tanto distinto daquele da DP Na DCL ocorrem também rigidez redução e lentificação dos movimentos hipocinesia porém os sintomas parkinsonianos aqui se caracterizam por serem um quadro simétrico bilateral a DP com frequência se inicia com quadros assimétricos predominantemente axial do tronco afetando menos os membros e sem resposta ao tratamento com levodopa É muito comum e muitas vezes pode anteceder ou ser sintoma muito precoce na doença o transtorno comportamental do sono REM TCSREM sono do movimento rápido dos olhos No TCSREM geralmente 90 minutos depois de ter adormecido mas o predomínio é no final do período de sono o indivíduo ainda dormindo apresenta vocalizações e comportamentos motores complexos pode saltar cair da cama esmurrar empurrar chutar relacionados a sonhos cheios de ação eventualmente com violência Logo em seguida o indivíduo desperta e está alerta e orientado e com frequência consegue lembrarse do sonho Os pacientes com DCL são extremamente sensíveis aos efeitos colaterais dos antipsicóticos sobretudo os de primeira geração Às vezes é difícil diferenciar a demência por DCL da demência associada à DP No caso da DP obrigatoriamente seus sintomas motores característicos rigidez tremores lentificação motora devem anteceder o surgimento do declínio cognitivo Além disso na DCL ocorrem os episódios deliriumlike que precedem o declínio cognitivo e mais frequentemente alucinações nítidas e bem formadas Cerca de 50 dos pacientes com DCL são extremamente sensíveis aos efeitos colaterais dos antipsicóticos neurolépticos de primeira geração como haloperidol penfluridol clorpromazina entre outros Os indivíduos com demência por DP podem também apresentar alucinações porém nesse caso elas são frequentemente secundárias ao uso de medicamentos antiparkinsonianos como levodopa Por fim cabe mencionar as demências associadas a duas condições neurológicas importantes DP e doença de Huntington A DP como a DCL é uma alfasinucleidopatia Além disso representa risco significativo para o desenvolvimento de TNC leve e maior Com o curso da doença até 75 das pessoas acometidas podem desenvolver um TNC maior O padrão cognitivo é variável mas com frequência há prejuízo das funções executivas frontais da memória e das habilidades visuoespaciais com lentificação do processamento de informações Características associadas são sintomas como depressão muito comum na DP e ansiedade alucinações delírios mudanças na personalidade sonolência excessiva durante o dia e transtorno de comportamento associado ao sono REM A doença de Huntington é uma doença neurodegenerativa grave decorrente de mutação autossômica dominante com repetições CAG no cromossomo 4 É comum haver evidente história familiar para essa doença A sobrevida é de 15 a 20 anos após o diagnóstico A evolução para demência é praticamente inevitável Antecedem a demência o declínio das funções executivas e alterações comportamentais como depressão ansiedade apatia e sintomas psicóticos que podem surgir antes dos sintomas motores movimentos coreicos e lentificação motora Outras formas de demência Um número muito grande de condições pode produzir quadros demenciais sobretudo em idosos Denominase demência mista a coocorrência de duas ou mais causas para declínio cognitivo e demência A coocorrência mais comum é de DA e doenças vasculares compatíveis com demência vascular mas pode ocorrer qualquer combinação de doenças que causam demência Outras condições associadas às demências são demência relacionada ao alcoolismo crônico paralisia supranuclear progressiva doença de HallervordenSpatz degeneração corticobasal atrofias de múltiplos sistemas demência por hidrocefalia de pressão normal encefalopatias espongiformes subagudas a mais comum é a doença de CreutzfeldtJakob Quadro 393 Quadro 393 Outras causas de demência Demências associadas a substâncias tóxicas Alcoolismo crônico metais pesados como mercúrio chumbo arsênico tálio etc Demências por deficiências vitamínicas Deficiência de vitamina B12 cianocobalamina ácido fólico vitamina B1 tiamina ácido nicotínico deficiência causa a pelagra associada à demência etc Demências por infecções do SNC Neurossífilis neurocisticercose demência como sequela de encefalites p ex herpes simples Demências por hidrocefalias Hidrocefalia de pressão normal outras hidrocefalias Demências por traumas físicos Trauma craniencefálico choque elétrico choque térmico hipertermia hipotermia Demências por tumores intracranianos e outras lesões expansivas Neoplasias cerebrais meningiomas hematoma subdural crônico Demências por endocrinopatias e causas metabólicas Hipotireoidismo hipo ou hiperparatireoidismo hiperinsulinismo demência dialítica etc Demências secundárias à infecção pelo HIV Complexo cognitivomotor da aids leucoencefalopatia multifocal progressiva LEMP neurotoxoplasmose neurotuberculose meningoencefalite por citomegalovírus linfoma do SNC etc PERGUNTAS DE RASTREAMENTO AOS FAMILIARES ACOMPANHANTES OU CUIDADORES SOBRE POSSÍVEL TNC MAIOR DEMÊNCIA O Quadro 394 apresenta possibilidades de perguntas de rastreamento a serem feitas aos familiares acompanhantes ou cuidadores do paciente sobre possível TNC maior Quadro 394 Possíveis perguntas de rastreamento para familiares e cuidadores de paciente com suspeita de TNC maior Comparando o comportamento a memória e as habilidades do paciente no momento atual em relação a 5 ou 10 anos atrás quando ele ainda estava bem você diria que Ele tem dificuldades para lembrar coisas que aconteceram recentemente Tem dificuldades para lembrar onde as coisas costumam ser guardadas Tem dificuldades para lembrar coisas sobre a família e os amigos como nomes profissões aniversários e endereços Às vezes confunde pessoas não sabe quem é uma pessoa previamente conhecida sobrinho neto conhecido da família ou mesmo filho ou o cônjuge Tem dificuldades para lidar com questões financeiras controlar a conta no banco lidar com dinheiro conferir trocos pagar as contas Tem dificuldades para achar a palavra certa quando está falando sobre as coisas Usa termos mais inespecíficos como aquela coisa aquela pessoa aquele lugar Tem dificuldades para fazer as coisas rotineiras da casa como cozinhar limpar fazer as compras Já se perdeu na cidade E no seu bairro Já se perdeu em sua casa Para instrumentos padronizados para avaliar demências ver os instrumentos Miniexame do Estado Mental MOCA e Teste de Pfeffer no hotsite do livro OUTROS TRANSTORNOS NEUROCOGNTIVOS CRÔNICOS DE LONGA DURAÇÃO PREVIAMENTE DENOMINADOS SÍNDROMES MENTAIS ORGÂNICAS FOCAIS OU LOCALIZADAS Transtorno amnéstico síndrome amnéstica Spiers Maguire Burgess 2001 Szabo 2014 Small Butler Zabar Barash 2016 Essa é uma condição que permanece autônoma na CID11 mas que no DSM5 foi agrupada com as demências nos TNC maiores desaparecendo portanto do DSM5 O transtorno amnéstico se caracteriza por declínio grave da memória em relação à idade do indivíduo acometido e seu nível intelectual Há declínio desproporcional da memória em relação aos outros domínios cognitivos Ocorre declínio muito grave na capacidade de reter novas informações memória de fixação e de aprender conteúdos novos Pode haver também muita dificuldade ou incapacidade de evocar informações previamente aprendidas Não deve haver alterações do nível de consciência e da cognição considerada de forma mais ampla Assim a memória recente é bem mais atingida que a memória tardia de evocação e a atenção e a memória imediata podem estar relativamente preservadas O declínio da memória no transtorno amnéstico é decorrente de alterações neuronais como neuroinfecção p ex encefalite herpética deficiência vitamínica principalmente de vitamina B1 a tiamina trauma craniencefálico tumor ou outras doenças ou de uso de substâncias que acometam áreas cerebrais específicas relacionadas à memória Na tradição médica e neuropsiquiátrica o transtorno amnéstico é também chamado de síndrome de WernickeKorsakoff SWK e caracterizase pela perda da memória de fixação Nos casos graves o paciente é incapaz de reter qualquer nova informação não aprende nada Segundos após ser apresentado ao médico não sabe dizer quem ele é e qual seu nome Entretanto a CID11 prefere restringir o uso do termo SWK quando se estão usando categorias diagnósticas do capítulo de transtornos nutricionais 5B5A pela principal causa da SWK ser a deficiência grave de vitamina B1 tiamina Neste livro usamos SWK e síndrome amnéstica como sinônimos A SWK é constituída por duas subsíndromes que com frequência sucedemse temporalmente a síndrome de Wernicke e a de Korsakoff A síndrome de Wernicke corresponde ao quadro agudo e manifestase pela tríade 1 oftalmoplegias paresias de diversos músculos dos globos oculares com ou sem nistagmo 2 ataxia alteração do equilíbrio e 3 confusão mental O quadro ocorre com grande frequência em decorrência da deficiência de vitamina B1 tiamina em geral em indivíduos desnutridos alcoolistas crônicos pessoas com caquexia com anorexia nervosa gestantes que apresentam vômitos muito graves hiperêmese gravídica entre outros quadros Sechi Serra 2007 Já a síndrome de Korsakoff Kopelman 1995 que corresponde ao componente crônico sequelar da SWK é classicamente definida pela tríade 1 perda da memória de fixação geralmente memória episódica anterógrada de curto prazo 2 desorientação temporoespacial e 3 confabulações Tanto a desorientação como as confabulações são hipoteticamente consideradas como consequências da grave incapacidade do paciente em reter novas informações Ele se desorienta pois não assimila a passagem do tempo não fixa os lugares por onde passa ele confabula pois perplexo diante de suas falhas de memória lacunas mnêmicas preenche inadvertidamente de forma não consciente e não voluntária tais falhas com material inventado conteúdos colhidos de suas fantasias A confabulação pode ter um caráter de grandeza ver mais sobre confabulação no Cap 17 sobre a memória Do ponto de vista cerebral podese afirmar que a SWK resulta de lesões no sistema límbico associadas à memória localizadas nas regiões mesiais dos lobos temporais Há assim lesões nos corpos mamilares nos núcleos dorsomediais do tálamo no hipocampo no fórnix ou no trato mamilotalâmico Spiers e colaboradores 2001 revisaram 147 casos de 179 publicações de alterações de memória relacionadas ao transtorno amnéstico por lesões no hipocampo e no fórnix Verificaram que era consistente o déficit de memória episódica anterógrada com relativa preservação da memória de procedimentos e da memória de trabalho O Quadro 395 apresenta diversos fatores etiológicos associados ao transtorno amnéstico e seus respectivos locais lesionados a partir de Cummings 1995 Quadro 395 Fatores etiológicos e locais de lesão nas síndromes amnésticas SÍNDROME OU FATOR ETIOLÓGICO LOCAL DA LESÃO Déficit de tiamina vitamina B1 Hipocampo fórnix corpos mamilares tálamo Encefalite por herpes simples Hipocampo Distúrbios cerebrovasculares principalmente da artéria cerebral posterior Hipocampo tálamo Trauma craniencefálico Hipocampo Anoxia Hipocampo Hipoglicemia Hipocampo Hemorragia subaracnoidea ruptura de aneurisma da artéria cerebral anterior Fórnix Neoplasias Fórnix hipocampo tálamo lobo temporal Amnésia global transitória Isquemias do hipocampo Cirurgia Lobo temporal OUTRAS SÍNDROMES MENTAIS ORGÂNICAS Síndromes mentais e comportamentais associadas a outras doenças transtornos ou condições biomédicas classificados em outro lugar No DSM5 as anteriormente denominadas síndromes mentais orgânicas focais alucinose orgânica transtorno delirante orgânico transtorno catatônico orgânico transtorno orgânico do humor etc foram reagrupadas em dois capítulos Elas podem ser especificadores dos TNCs maiores ou leves Ou seja se o paciente apresenta declínio neurocognitivo maior ou leve e quadro delirante ou alucinatório de base orgânica o diagnóstico será TNC maior ou leve com o especificador perturbação comportamental incluindo sintomas neuropsiquiátricos e comportamentos alterados Essa perturbação diz respeito a sintomas psicopatológicos e comportamentais nesses casos denominados sintomas neuropsiquiátricos que com frequência podem ser depressão ou mania alucinação delírio estupor catatônico entre outros Ainda no DSM5 caso o paciente apresente um quadro alucinatório ou delirante catatonia alteração do humor transtorno obsessivocompulsivo TOC entre outros e esses quadros decorrerem de doença física ou de substâncias sem um TNC concomitante sugerese que sejam diagnosticados como por exemplo transtorno psicótico por condição médica p ex tumor cerebral insuficiência hepática etc ou por substânciamedicamento Já a CID11 decidiu por agrupar esses transtornos psicopatológicos decorrentes de doenças físicas e substâncias em um capítulo separado denominado Síndromes mentais e comportamentais associadas a doenças ou transtornos classificados em outros lugares Pela CID11 os quadros psicopatológicos com comprovada causa orgânica cerebral como alucinose orgânica transtorno delirante esquizofreniforme orgânico transtorno catatônico orgânico transtorno orgânico do humor transtorno orgânico da personalidade são colocados nesse capítulo Deve haver evidências objetivas da história clínica do exame físico eou de exames laboratoriais e de neuroimagem de que o quadro psicopatológico p ex as alucinações o delírio a alteração de humor etc é causado por doenças ou condições físicas como lúpus tumores cerebrais infecções cerebrais alterações da tireoide ou paratireoide entre outras Os sintomas não são explicáveis por delirium ou outra doença mental e não são repercussões nem consequências psicológicas da patologia ou condição física como ansiedade ou depressão decorrentes de saber que tem uma doença física grave ou da dor e da incapacitação causadas pela condição Quadro 396 Quadro 396 Síndromes mentais e comportamentais orgânicas secundárias associadas a doenças ou transtornos classificados em outros lugares SMCD SMCD CID11 CARACTERÍSTICAS Síndrome psicótica secundária Alucinose orgânica transtorno delirante orgânico e transtorno catatônico orgânico Quadros de alucinação auditiva eou visual delírios ou catatonia persistentes ou recorrentes com fator cerebral causal identificável ou fortemente provável Síndrome de humor secundária Transtornos do humor com alterações depressivas maníacas ou bipolares nos quais o fator cerebral é identificável ou fortemente presumido Síndrome ansiosa secundária Transtornos de ansiedade ansiedade generalizada eou pânico nos quais o fator cerebral é identificável ou fortemente presumido Síndrome obsessiva compulsiva secundária Transtornos obsessivocompulsivos nos quais o fator cerebral é identificável ou fortemente presumido Síndrome dissociativa secundária Quadros de dissociação ou de conversão nos quais o fator cerebral é identificável ou fortemente presumido Síndrome de controle de impulso secundária Quadros de perda do controle de impulsos recorrentes e significativos clinicamente nos quais o fator cerebral é identificável ou fortemente presumido Síndrome de personalidade secundária Transtornos da personalidade decorrentes de doença ou fator cerebral identificável ou fortemente presumido Síndrome do neurodesenvolvimento secundária Transtornos do neurodesenvolvimento TEA entre outros decorrentes de doença ou fator cerebral identificável ou fortemente presumido Síndrome neurocognitiva secundária Na CID11 quando ocorrerem síndromes com alterações neurocognitivas que não preenchem os critérios para TNC maior ou leve devem ser classificadas dessa maneira TEA transtorno do espectro autista DI deficiência intelectual Saint Marys University Halifax Nova Scotia Canada B3H 3C3 902 4918888 Fax 902 4918844 40 Síndromes relacionadas à cultura PSICOPATOLOGIA E CULTURA O universo cultural no qual o indivíduo se desenvolveu traz consigo um conjunto de valores símbolos atitudes modos de sentir de sofrer enfim formas de organizar a subjetividade e a vida social que são fundamentais na constituição do sujeito das suas relações interpessoais e de seu adoecer O ser humano deve ser compreendido em suas duas dimensões básicas sua constituição seu funcionamento biológico natureza e o conjunto de experiências interpessoais e sua história e o contexto social no qual vive e foi formado cultura A significação dos fenômenos naturais fisiologia doenças físicas alterações neuronais é sempre produto de uma reinterpretação de um constituir sentidos à luz do contexto cultural a chamada segunda natureza Essa dupla dimensão da experiência humana é reconhecida desde a Antiguidade assim o filósofo estoico de Roma Cícero 10643 aC afirmava que pelo uso das nossas próprias mãos criamos dentro do reino da natureza uma segunda natureza para nós mesmos Essa segunda natureza cultura que o ser humano cria para si próprio tornase o instrumento pelo qual ele interpreta a natureza biologia que ele não fez Ou seja a significação dos fenômenos naturais fisiologia doenças físicas alterações neuronais é sempre produto de uma reinterpretação de um constituir sentidos à luz do contexto cultural a segunda natureza Dalgalarrondo 2013 Cultura é algo difícil de definir pois tem sido concebida de inúmeras maneiras por seus estudiosos ver revisão crítica e abrangente em Cunha 2009 Para o antropólogo Clifford Geertz 19262006 tratase de um padrão de significados transmitido historicamente incorporado em símbolos um sistema de concepções herdadas expressas em formas simbólicas por meio das quais os seres humanos comunicam perpetuam e desenvolvem seu conhecimento e suas atividades em relação à vida Geertz 1978 Ele cita o seguinte exemplo bastante elucidativo Geertz 1978 p 16 Consideremos dois garotos piscando rapidamente o olho direito Num deles esse é um tique involuntário no outro é uma piscadela conspiratória a um amigo Assim este último o piscador executou duas ações contrair a pálpebra ato neurológico e piscar ato cultural enquanto o que tem um tique nervoso apenas executou uma contraiu as pálpebras ato neurológico Contrair as pálpebras de propósito quando existe um código público no qual agir assim significa um sinal conspiratório é piscar um gesto pleno de história e significado um sinal de cultura Há muitas décadas os pesquisadores em psicopatologia têmse interessado vivamente pela relação entre os transtornos mentais e a cultura Têm sido descritas algumas síndromes culturalmente relacionadas ou seja determinados quadros sintomáticos que ocorrem em apenas certos grupos culturais Tais síndromes seriam próprias e circunscritas a apenas alguns grupos culturais e de alguma forma resultariam de repertórios comportamentais específicos para se lidar com o sofrimento característicos de cada cultura Leff 1988 LantériLaura 2004 APA 2014 O Quadro 401 apresenta de forma resumida as principais dessas síndromes observadas por diversos psicopatólogos em diferentes culturas desde o fim do século XIX até os dias atuais ver revisão em Kohrt et al 2014 Quadro 401 Síndromes relacionadas à cultura no contexto internacional SÍNDROME GRUPO CULTURAL CARACTERÍSTICAS Ataque de nervios América Latina principalmente hispânica Ataque de desespero intenso choro berros descontrolados tremores calor no tórax agressividade desmaios que ocorrem em brigas familiares funerais e outras situações de sofrimento intenso Descrito pela primeira vez na Costa Rica mas difundido na América Latina Susto América Latina principalmente hispânica Após grande susto a alma deixa o corpo o que resulta em infelicidade e doença O indivíduo passa a apresentar malestar generalizado perda do prazer desânimo Latah Malásia Quadro de extrema sugestionabilidade acompanhado de obediência automática ecopraxia ecomimia ecolalia tiques motores pequenos saltos etc Amok Malásia Um período horas ou dias de recolhimento ou tristeza é seguido por episódio intenso de agitação psicomotora o sujeito sai correndo atacando e destruindo tudo que se encontra ao seu alcance inclusive cometendo homicídios Termina com exaustão e amnésia do ocorrido Koro Sudeste asiático Crença de que o pênis irá encolher retraindose em direção ao abdome causando a morte do infeliz Dhat Sul da Ásia Rapazes que sentem sintomas diversos angústia fraqueza fadiga disfunção erétil pois acreditam que devido à perda do sêmen perdem um dos sete fluidos da medicina Ayurveda essenciais ao equilíbrio Taijin Kyofusho Japão Taihin kyofusho significa medo interpessoal em japonês É uma síndrome em que há ansiedade e evitação das pessoas pois o indivíduo sente que sua aparência e suas atitudes são ofensivas aos outros Shenjing shuairuo China Shenjing shuairuo significa fraqueza do sistema nervoso em mandarim Na medicina tradicional chinesa é uma síndrome de fadiga irritabilidade misturada com aflição e sofrimento acerca de pensamentos conflitantes e desejos não satisfeitos Pibloktoq Inuítes do Círculo Polar Ártico Irritabilidade seguida de intensa agitação psicomotora indivíduo jogase no chão rola pela neve etc convulsões sono profundo e amnésia do ocorrido Windigo Algonkians do Canadá Medo intenso e convicção de tornarse canibal por meio da possessão pelo windigo uma criatura mítica maligna Brain Fag África subsaariana Cansaço crônico cefaleia dificuldades visuais e cognitivas Tende a ocorrer em grupos recém urbanizados Voodoo e Maladi moun Haiti Feitiçaria ou inveja contra a vítima que pode passar a ser rejeitada pelo meio social tornandose deprimida apática inapetente podendo morrer por tal quadro a chamada morte voodoo Couvade choco Difundido pelo mundo É o resguardo tomado pelo pai antes durante ou depois do parto da mulher O pai pode ter sintomas semelhantes aos da mulher grávida náuseas indisposição dores nas costas etc Os diferentes modos de experimentação e representação do sofrimento mental e os diversos transtornos mentais que cada cultura expressa ou desenvolve têm sido objeto de interesse da psicopatologia Nos últimos dois séculos os psicopatólogos apreenderam a importância que se deve dar à linguagem das emoções termos das línguas locais e formas verbais e não verbais de expressar os diferentes sentimentos e emoções de cada povo etnia ou grupo cultural para se acessar os sintomas e os transtornos mentais em cada região e grupo social Da mesma forma verificouse que no campo da saúde e da psicopatologia é preciso captar como é e como se desenvolve o chamado idioma de sofrimento padrões de expressão de afetos dolorosos de conflitos pessoais familiares e sociais e as formas de expressar sofrimento subjetivo psíquico e social em cada contexto sociocultural Além disso no trabalho clínico e na pesquisa é fundamental procurar compreender os processos simbólicos de cura e tratamento e os modos de abordagem popular para o sofrimento mental o desvio comportamental e os transtornos mentais por meio das formas de religiosidade das tradições sociais e familiares e da ação dos agentes populares de cura Kleinman 1988 Recentemente tem crescido o interesse pela identificação da influência que variáveis socioculturais exercem sobre a frequência a constituição e as formas de manifestação das diversas síndromes psicopatológicas As dimensões mais estudadas têm sido migração e urbanização recente exílio político eou econômico pobreza filiação religiosa e religiosidade assim como violência e criminalidade Os pesquisadores têm investigado em que grau os transtornos mentais clássicos depressão esquizofrenia fobias entre outros variam de um contexto cultural para outro As comparações têm sido feitas principalmente entre dois polos básicos o das sociedades industrializadas e o das sociedades rurais ou semirrurais Quadro 402 Quadro 402 Diferença do padrão de transtornos e sintomas mentais nos polos de sociedades mais modernas e industrializadas e daquelas mais rurais e tradicionais TRANSTORNO MENTAL SOCIEDADES MAIS INDUSTRIALIZADAS E URBANIZADAS SOCIEDADES MAIS RURAIS E TRADICIONAIS Depressão Predominam Humor triste Delírios de ruína Redução da autoestima Ideias de culpa Autoacusação Predominam Sintomas somáticos cefaleias corpalgia Agitação psicomotora Confusão mental Sintomas histéricos A depressão endógena seria mais rara entre grupos indígenas e na África Síndromes ansiosas Mais sintomas psíquicos Mais sintomas somáticos Esquizofrenia Pior prognóstico Mais sintomas afetivos principalmente depressão Mais inserção e publicação do pensamento Em alguns países desenvolvidos minorias étnicas com muitos adolescentes que usam maconha têm maior incidência de esquizofrenia Nos Estados Unidos negros teriam mais sintomas paranoides do que brancos Na Inglaterra filhos e netos de afrocaribenhos apresentam significativamente mais esquizofrenia Melhor prognóstico Mais alucinações visuais e auditivas Mais vozes que comentam a ação Formas confusionais seriam quadros orgânicos Formas paranoides desorganizadas Delírios místicos de possessão e de missão Delírios hipocondríacos Delírios com ancestrais Psicoses reativas Menos frequentes Mais frequentes Haveria de fato um número significativo desses casos em países subdesenvolvidos Transtorno bipolar Nos Estados Unidos parece haver entre os negros uma proporção maior de esquizofrenia e menor de transtorno bipolar em comparação com os brancos Formas de mania reativa seriam mais frequentes Anorexia nervosa Seria mais frequente em sociedades urbanas ricas e ocidentais Nessas sociedades embora ocorram casos seriam mais raros em negros e grupos migrantes do Terceiro Mundo Seria rara em sociedades rurais e pobres 1 2 Transtorno obsessivo compulsivo Mais frequente nos países ocidentais Seria mais raro na África Histeria ou transtornos dissociativos Menos frequente em países como a Inglaterra e a Escandinávia Mais frequente em sociedades não industrializadas Mais frequente nos países árabes Sociedades mais industrializadas e urbanizadas p ex países da Europa Ocidental e da América do Norte imersas na cultura da modernidade e hiper ou pósmodernidade Nessas sociedades predominam a família nuclear pouca influência da religião e da tradição sobre os valores e as atitudes dos indivíduos maior nível escolar menos assimetria de poder nas relações homemmulher e maior separação entre o domínio da vida privada e o da vida pública Sociedades tradicionais rurais ou semirrurais p ex muitos países africanos determinadas áreas dos países asiáticos da Oceania e da América Latina imersas na cultura da tradição nas quais predominam família extensa forte influência da religião sobre as decisões pessoais e sobre a subjetividade baixa escolaridade formal marcante assimetria de poder nas relações homemmulher e interpenetração dos domínios privado e público Obviamente o contexto sociocultural brasileiro também oferece formas particulares de organização do sofrimento mental Nesse sentido são expostas no Quadro 403 de modo resumido algumas síndromes relacionadas à cultura bem como seus sintomas observados em diferentes grupos culturais da realidade brasileira São Paulo 1936 Araújo 1979 Quadro 403 Síndromes relacionadas à cultura no contexto brasileiro SÍNDROME CULTURAL GRUPO RELIGIOSO OU CULTURAL CARACTERÍSTICAS Dom da fala ou glossolalia Principalmente em grupos pentecostais ou neopentecostais Em estado de transe de beatitude o crente passa a falar uma linguagem incompreensível como se fosse uma língua estrangeira às vezes gutural O fenômeno é interpretado como um dom oferecido ao crente pelo Espírito Santo Obsessão ou estar obsedado ou obsidiado No espiritismo kardecista Geralmente um espírito obsessor exerce ação negativa sobre o indivíduo causando sintomas muito variados como angústia depressão fobias dependências químicas ideias suicidas psicoses etc Os espíritas preconizam a cura pelo tratamento espiritual da desobsessão Estados de possessão Nas religiões afrobrasileiras candomblé umbanda eventualmente no pentecostalismo em outras Estado de transe que dura de minutos a horas com alteração da consciência perda temporária da identidade pessoal movimentos rítmicos do tronco caretas e gestos estereotipados O indivíduo tem a sensação de ter sido possuído por uma entidade no religiões evangélicas e no catolicismo Candomblé ou Umbanda um dos Orixás na Umbanda Pomba gira Exu Caboclos etc Gastura Populações rurais ou recentemente urbanizadas Malestar sensação desagradável por ver ou ouvir alguma coisa que não se pode suportar Também ansiedade e irritabilidade aflição sentida principalmente no corpo como indisposição estomacal e azia Quebranto ou mauolhado Generalizado na cultura popular mas mais difundido em populações rurais Produzido por indivíduo maldoso invejoso com uma irradiação maléfica A vítima pode apresentar os olhos lacrimejantes bocejar constante moleza no corpo inapetência tristeza Pode ficar doente definhar e até morrer Animal com mau olhado fica jururu ave encoruja Tratase com benzedura defumação com palha de alho por nove dias seguidos Espinhela caída Populações rurais ou recentemente urbanizadas A reentrância do apêndice xifoide segundo a crença popular produz sintomatologia multiforme mas especialmente vômitos astenia estado de fraqueza e apatia generalizada dor nas costas epigastralgia tosse seca Calundu Nordeste brasileiro Estado disfórico de irritação repentina mau humor e depressão Caruara ou tremetreme Nordeste principalmente na Bahia registros históricos Forma de histeria conversiva geralmente de natureza epidêmica com fraqueza ou paralisia nas pernas desequilíbrio astasiaabasia dura de 3 a 15 meses desaparecendo de forma repentina ou gradual Tangolomango Crença trazida ao Brasil pelos escravos africanos mais difundida no Nordeste registro histórico Mal súbito geralmente incurável e causado por sortilégio feitiçaria Faz o indivíduo definhar Banzo ou banza Em escravos negros e em índios escravizados entidade histórica não se observa mais atualmente Nostalgia melancolia estado progressivo de apatia tristeza desânimo inapetência podendo evoluir até o estupor e a morte No contexto da psicopatologia contemporânea fazse necessário o esforço contínuo de integração de conhecimentos e construtos das neurociências cognitivas da epidemiologia clínica e da farmacologia em acentuado desenvolvimento e crescente influência com a perspectiva de se valorizar de forma cuidadosa e hábil a importância indelével e decisiva da cultura e dos processos sociais na experiência subjetiva e interpessoal intrínsecas aos transtornos mentais ver revisão em Choudhury Kirmayer 2009 STUDENT ADMINISTRATION AND REGISTRATION REGISTRATION FOR UNDERGRADUATE COURSES UNDERGRADUATE STUDENT REGISTRATION All students must register for their undergraduate courses either as new students or as returning students All students must pay tuition fees at the time of registration Registration for classes opens according to the dates outlined in the Academic Calendar ONLINE REGISTRATION Most students register for their courses online using the Mikmaw eRegistrar system available on the Saint Marys Website New undergraduate students will be given their login credentials during orientation or during early registration Note that students must register for their courses in the semesters designated course registration period Those who miss their registration period may be assessed a late registration fee REGISTRATION RESTRICTIONS Some courses require prerequisites or permission of the instructor which must be obtained prior to registration Students may not register in courses for which they lack prerequisites Students must remain in good academic standing in order to be eligible to register for courses at Saint Marys University FULLTIME STATUS Fulltime undergraduates are those registered for at least 9 credit hours per semester and fulltime status is required to remain eligible for some scholarships bursaries and student loans PARTTIME STATUS Parttime undergraduates are those registered for fewer than 9 credit hours per semester COURSE LOAD The maximum course load for an undergraduate is 18 credit hours per semester Any request to exceed this limit must be filed with Student Administration and receive academic advisor approval CHANGING YOUR COURSE REGISTRATION Students may change their course registration during the AddDrop period each term as specified in the Academic Calendar This includes adding new courses or dropping courses without academic penalty Cancellations dropping or withdrawing from classes may affect tuition fees and financial aid eligibility WITHDRAWAL FROM COURSES Students may withdraw from courses according to withdrawal deadlines specified in the Academic Calendar After the withdrawal deadline withdrawals may be reported as W on the transcript depending on the timing and circumstances WITHDRAWAL FROM THE UNIVERSITY Students withdrawing entirely from the University during a semester must complete a formal withdrawal process with Student Administration REFUND POLICY Refunds on tuition fees depend on the timing of withdrawal and is outlined in the Tuition Fees section of the Academic Calendar For further information visit the Academic Calendar or the Student Administration Office in the McNally Building or contact studentadminsmuca or call 902 4918888 Referências ABDALLA R R et al Prevalence of cocaine use in Brazil data from the II Brazilian national alcohol and drugs survey BNADS Addict Behav v 39 n 1 p297301 2014 ABDO C Descobrimento sexual do Brasil São Paulo Summus 2004 ABDO C H N Diagnóstico em psiquiatria e relação médicopaciente Revista da Associação Médica do Brasil n 42 p 222228 1996 ABDO C Pesquisa Mosaico 20 São Paulo ProSex IPq USPSP 2016 ABDO C Pesquisa Mosaico 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pragmatismo em psiquiatria um debate Rev Latinoam Psicopat Fund v 19 n3 p 527543 2016 ZORZANELLI R T et al Um panorama sobre as variações em torno do conceito de medicalização entre 19502010 Ciência Saúde Coletiva v 19 n6 p 18591868 2014 ZUCCO G M PRIFTIS K STEVENSON R J From blindsignt to blind smell a mini review Translational neuroscience v 6 p 812 2015 Conheça Também Materiais complementares online Inclui entre outros Questões para revisão Glossário de denominações populares relacionadas a comportamentos estados e transtornos mentais substâncias psicoativas e psicopatologia em geral Breve atlas de imagens neuroanatômicas Instrumentos escalas e modelos de histórias clínicas Para quem adquiriu o ebook entrar em contato através do email sacgrupo acombr e solicitar o seu código de acesso aos materiais que estão disponibilizados em httpapoiogrupoacombrpsicopatologia3ed Tenha em mãos a nota fiscal de compra e o seu CPF Livrotexto referência na área esta obra chega à sua 3ª edição totalmente revista e atualizada Contemplando a tradição psicopatológica e os conhecimentos científicos contemporâneos mais relevantes sobre a mente humana e seus transtornos este livro mantém o caráter didático e a linguagem acessível que o caracterizam desde a 1ª edição Direcionado sobretudo a estudantes de graduação das áreas relacionadas à saúde mental e a residentes de psiquiatria neurologia medicina de família e comunidade pediatria e medicina interna além de ser fonte introdutória aos conceitos básicos da psicopatologia este livro aborda o exame acurado do paciente sendo útil ao profissional na identificação dos diferentes sintomas vivências comportamentos e transtornos mentais com os quais se depara em sua prática clínica Sobre o Grupo A O Grupo A está preparado para ajudar pessoas e instituições a encontrarem respostas para os desafios da educação Estudantes professores médicos engenheiros psicólogos Profissionais das carreiras que ainda não têm nome Universidades escolas hospitais e empresas das mais diferentes áreas O Grupo A está ao lado de cada um E também está nas suas mãos Nos seus conteúdos virtuais E no lugar mais importante nas suas mentes Acesse 0800 703 3444 sacgrupoacombr Av Jerônimo de Ornelas 670 Santana CEP 90040340 Porto Alegre RS Aborda os conhecimentos psicopatológicos atuais articulandoos com os achados contemporâneos de pesquisas neurocientíficas neuropsicologia neuroimagem estrutural e funcional etc Contempla estudos recentes e as classificações DSM5 e CID11 Inclui capítulo Aspecto geral do paciente e comunicação não verbal Atualiza a frequência a distribuição e a importância dos diferentes sintomas psicopatológicos Acesse httpapoiogrupoacombrpsicopatologia3ed e confira o material exclusivo que contém questões para testar os conhecimentos adquiridos em cada capítulo glossário de denominações populares relacionadas à área entre outros recursos CAPÍTULO 1 A semiologia é a ciência dos signos aplicável em diversos campos como linguagem música e medicina Na medicina ela se divide em semiologia médica e psicopatológica que estudam os sinais e sintomas das doenças e transtornos mentais respectivamente Esses sinais podem ser observados objetivamente ou relatados pelo paciente A semiologia analisa o signo que é um tipo especial de sinal com significado Segundo Saussure o signo é estudado em sua relação com a vida social A teoria de Jakobson e Peirce descreve três tipos de signos o ícone que se assemelha ao seu significado o indicador que aponta para o significado por contiguidade e o símbolo cuja relação com o significado é convencional e arbitrária dependendo do sistema simbólico total DiscuteSE a natureza dupla dos sintomas psicopatológicos que funcionam tanto como indicadores de disfunções orgânicas ou psíquicas quanto como símbolos culturais Enquanto índices os sintomas sugerem uma disfunção relacionada a outra parte do organismo ou mente muitas vezes por contiguidade Por exemplo a febre pode indicar uma infecção Por outro lado ao serem nomeados e inseridos em um contexto cultural os sintomas se tornam símbolos linguísticos adquirindo significados convencionais e arbitrários Assim a interpretação dos sintomas requer consideração tanto de sua dimensão indicadora quanto simbólica Aborda as divisões da semiologia destacando a semiotécnica que envolve técnicas de observação e coleta de sinais e sintomas e a semiogênese que investiga a origem produção significado e valor clínico dos sinais e sintomas Além disso são discutidas as síndromes que são conjuntos de sinais e sintomas recorrentes e as entidades nosológicas que são transtornos específicos com etiologia curso e evolução bem definidos O reconhecimento dessas entidades é fundamental para o desenvolvimento de intervenções terapêuticas e preventivas eficazes CAPÍTULO 2 Explorase a definição e o escopo da psicopatologia considerandoa como um ramo da ciência que aborda a natureza essencial das doenças mentais suas causas mudanças estruturais e funcionais e formas de manifestação Embora muitos estudos psicopatológicos busquem seguir uma abordagem científica rigorosa a psicopatologia em sua amplitude referese ao conjunto de conhecimentos sobre o adoecimento mental humano sem incluir critérios de valor ou aceitar dogmas pré estabelecidos O campo da psicopatologia abrange uma variedade de fenômenos associados à doença mental com raízes tanto na tradição médica quanto na tradição humanística e universitária Embora se beneficie das contribuições da neurologia psicologia e filosofia a psicopatologia é considerada uma ciência autônoma Karl Jaspers enfatiza sua função como ciência básica que auxilia a psiquiatria e a psicologia clínica mas reconhece que seus limites residem na impossibilidade de reduzir completamente o ser humano a conceitos psicopatológicos Na prática clínica além do conhecimento científico intervêm intuições pessoais e habilidades clínicas que não podem ser plenamente comunicadas Assim a psicopatologia como ciência perde aspectos essenciais do ser humano especialmente nas dimensões existenciais estéticas éticas e metafísicas permanecendo sempre um domínio de mistério A obra de arte e a experiência clínica são vistas como instâncias que incitam a consciência científica a reconhecer seus próprios limites Dois aspectos são fundamentais no estudo dos sintomas psicopatológicos a forma e o conteúdo A forma dos sintomas referese à estrutura básica comum a diversos pacientes e culturas como alucinações delírios fobias entre outros Essa forma é estudada na patogênese que representa o processo de formação e estruturação dos diferentes sintomasPor outro lado o conteúdo dos sintomas diz respeito ao que preenche essa estrutura como o tema específico de um delírio ou alucinação Esse preenchimento é denominado patoplastia e depende da história de vida única do paciente sua cultura e sua personalidade prévia ao adoecimento Enquanto a forma é mais universal o conteúdo é mais pessoal e singular Os conteúdos dos sintomas são frequentemente relacionados a temas centrais da existência humana como sobrevivência sexualidade ameaças e temores básicos religiosidade entre outros Esses temas desempenham um papel fundamental na constituição da experiência psicopatológica fornecendo um substrato para os sintomas manifestados É abordado a ordenação dos fenômenos em psicopatologia destacando a importância da observação cuidadosa e da classificação dos sintomas Seguindo uma abordagem aristotélica definir um fenômeno envolve identificar sua semelhança com outros gênero próximo e suas diferenças específicas Na psicopatologia os fenômenos são classificados em três tipos os fenômenos semelhantes em todas ou quase todas as pessoas que incluem experiências psicológicas e fisiológicas normais como fome sede e sonofenômenos parcialmente semelhantes e parcialmente diferentes nos quais ocorre uma sobreposição entre o normal e o patológico exemplos incluem a tristeza normal em comparação com a depressão grave fenômenos qualitativamente novos distintos das vivências normais característicos de doenças mentais específicas como alucinações e delírios na psicose Essa classificação ajuda a compreender a variedade de experiências humanas e a distinguir entre o normal e o patológico CAPÍTULO 3 Neste capítulo é apresentado os principais campos e tipos de psicopatologia destacando a diversidade de abordagens teóricas e a necessidade de debate constante no campoÉ discutido que a multiplicidade de teorias não é uma fraqueza mas uma característica natural da psicopatologia dada sua complexidade Tentar impor uma única explicação seria simplista e distorceria a compreensão do fenômeno psicopatológico Algumas das principais correntes da psicopatologia são apresentadas em pares antagônicos como a psicopatologia descritiva versus a psicopatologia dinâmica Enquanto a primeira se concentra na descrição das formas de alterações psíquicas a segunda se interessa pelo conteúdo das vivências e pelos movimentos internos do indivíduo A prática em saúde mental exige uma combinação habilidosa dessas abordagens tanto descritiva e diagnóstica quanto dinâmica e subjetiva Eugen Bleuler enfatiza a importância de ouvir o paciente como um amigo de confiança buscando compreender sua singularidade e covivenciar suas experiências Existem diferentes abordagens em psicopatologia Como a Psicopatologia Médica versus Psicopatologia Existencial A abordagem médiconaturalista enfoca o adoecimento mental como uma disfunção biológica Já a perspectiva existencial considera o paciente como uma existência singular destacando sua experiência particular e sua relação com o mundo Psicopatologia Comportamental e Cognitivista versus Psicopatologia Psicanalítica A visão comportamental e cognitivista analisa o ser humano em termos de comportamentos observáveis e representações cognitivasPor outro lado a psicanálise enfatiza os conflitos inconscientes e a influência dos desejos na psique humana Psicopatologia Categorial versus Psicopatologia Dimensional A abordagem categorial concebe as doenças mentais como entidades individuais com fronteiras bem definidasEnquanto isso a perspectiva dimensional propõe entender os transtornos em termos de dimensões contínuas permitindo uma compreensão mais flexível e contextualizada Psicopatologia Biológica versus Psicopatologia Sociocultural A perspectiva biológica destaca os aspectos cerebrais e neuroquímicos das doenças mentais Por outro lado a visão sociocultural enfoca os transtornos mentais como comportamentos desviantes influenciados por fatores sociais e culturais Psicopatologia Operacional Pragmática versus Psicopatologia Fundamental Na abordagem operacional pragmática as definições de transtornos mentais são formuladas de maneira arbitrária com foco na utilidade clínica e na pesquisa Em contrapartida a psicopatologia fundamental investiga os fundamentos históricos e conceituais de cada conceito psicopatológico incluindo tradições médicas literárias e artísticas Essas dicotomias refletem a diversidade de perspectivas teóricas e aplicativas na psicopatologia destacando a importância de abordagens integrativas para uma compreensão mais abrangente dos transtornos mentais Existem várias contribuições da Psicologia à Psicopatologia A psicologia em suas diversas áreas fornece insights fundamentais para a compreensão dos fenômenos psicopatológicos suas contribuições são vastas e abrangem áreas como psicologia experimental social do desenvolvimento entre outras Além disso existem relações da psicopatologia com a psicologia geral como diferentes visões sobre a posição da psicopatologia em relação à psicologia geral Algumas visões incluem a psicopatologia como uma patologia do psicológico uma psicologia do patológico uma semiótica psiquiátrica e uma propedêutica psiquiátrica Como patologia do psicológico a psicopatologia é vista como um ramo da psicologia geral estudando os fenômenos anormais como desvios do normalComo psicologia do patológico a psicopatologia é considerada uma ciência autônoma estudando fenômenos específicos que não são simples desvios do normal mas sim produções novas Como semiótica psiquiátrica a psicopatologia se concentra na descrição e no estudo dos sintomas e sinais dos transtornos mentais Como propedêutica psiquiátrica a psicopatologia é vista como uma disciplina introdutória que prepara o terreno para os estudos em psiquiatria e psicologia clínica elucidando os princípios e métodos de estudo do adoecimento mental CAPÍTULO 4 É abordado a complexa questão da normalidade em psicopatologia destacando diversos pontos de controvérsia e reflexão com a carga valorativa que define o que é normal ou anormal em psicopatologia historicamente esteve ligado a valores sociais sendo associado ao que é considerado desejável ou indesejável bom ou ruim A Subjetividade é o comportamento e o estado mental das pessoas não são neutros mas influenciados por interesses e preocupações humanas o que torna a definição de normalidade ainda mais subjetiva O Impacto na Vida Real determina o que é normal ou anormal em psicopatologia pode ter um impacto significativo na vida das pessoas especialmente em questões como orientação sexual e identidade de gênero que afetam diretamente a vida de milhares de pessoas Existem problemas de delimitação em casos menos intensos e delimitados além dos limítrofes e complexos a distinção entre comportamentos e estados mentais normais e patológicos é difícil e problemática o que destaca a importância do conceito de normalidade em psicopatologia O debate sobre normalidade em psicopatologia é relevante em áreas como psiquiatria e psicologia legal epidemiologia dos transtornos mentais psiquiatria cultural planejamento em saúde mental orientação profissional e prática clínica O estabelecimento de critérios de normalidade é crucial para orientar políticas de saúde mental e planejamento em saúde incluindo a determinação das necessidades de serviços e o direcionamento de recursos Na prática clínica é essencial distinguir entre fenômenos normais e patológicos para fornecer intervenções adequadas considerando que nem todas as pessoas que sofrem mentalmente têm necessariamente um transtorno mental Existem diversos critérios de normalidade e anormalidade em psicopatologia como a ausência de doença que define normalidade como a ausência de sintomas ou sinais de doença mental No entanto esse critério é falho por ser baseado em uma definição negativa A Normalidade Ideal que estabelece uma norma ideal arbitrariamente muitas vezes influenciada por critérios socioculturais e ideológicos como adaptação às normas morais e políticas da sociedade A Normalidade Estatística que considera como normal o que é observado com mais frequência na população No entanto nem tudo que é frequente é necessariamente saudável O BemEstar define saúde como completo bemestar físico mental e social mas é criticável por ser amplo e difícil de definir objetivamente A Normalidade Funcional que baseiase na funcionalidade e no bemestar do indivíduo considerando patológico o fenômeno que causa disfunção e sofrimento A Normalidade como Processo que considera os aspectos dinâmicos do desenvolvimento psicossocial ao longo do tempo sendo útil na psicopatologia do desenvolvimento A Normalidade Subjetiva que leva em conta a percepção subjetiva do próprio indivíduo em relação ao seu estado de saúde mas pode falhar ao ignorar casos em que a percepção subjetiva não corresponde à realidade A Normalidade como Liberdade que define doença mental como perda da liberdade existencial onde a saúde mental está relacionada à capacidade de transitar com graus distintos de liberdade sobre o mundo e sobre o próprio destino A Normalidade Operacional que assume critérios arbitrários com finalidades pragmáticas definindo previamente o que é normal e patológico e trabalhando com esses conceitos de forma operacional Os critérios de normalidade e doença em psicopatologia variam conforme os fenômenos específicos e as opções filosóficas dos profissionais ou instituições podendo ser utilizada uma combinação de critérios dependendo dos objetivos A área requer uma postura crítica e reflexiva dos profissionais A Definição de Medicalização referese ao processo em que problemas não médicos são tratados como médicos frequentemente em termos de doenças ou transtornos No campo da psicopatologia isso implica transformar comportamentos desviantes em doenças ou transtornos mentais envolvendo o controle e poder médico sobre essas condiçõesInicialmente o termo era usado para denunciar o poder médico sobre comportamentos considerados desviantes O processo ideológico e político de rotular esses comportamentos como doenças visa monitorar regular e controlálos melhor ou desqualificar as pessoas rotuladas Atualmente a medicalização tornouse mais problemática e complexa devido à busca por identidades relacionadas a condições médicas e à apropriação de categorias médicas pela população em geral Embora a denúncia da medicalização seja importante há controvérsias Em alguns países há o paradoxo de pessoas com transtornos mentais graves não terem acesso a cuidados de saúde mental adequados enquanto outros grupos mais privilegiados são medicalizados para condições não médicas CAPÍTULO 5 O cérebro humano contém cerca de 100 bilhões de neurônios cada um estabelecendo várias conexões sinápticas Os circuitos e conexões neurais são considerados a unidade funcional do cérebro influenciados pela genética e pelas experiências individuais do sujeito O cérebro é o produto de uma longa história de evolução filogenética com partes mais antigas associadas a funções vitais e emoções e partes mais recentes relacionadas a funções cognitivas complexas como planejamento e execução de ações Neurônios podem desempenhar múltiplas funções dependendo das demandas ambientais O reuso neuronal é comum e as conexões cerebrais são moldadas pelas experiências individuais fato chamado de plasticidade neural As células da glia desempenham um papel crucial no processamento de informações no cérebro influenciando as sinapses e participando de processos neurológicos e psiquiátricos O cérebro humano nasce prematuro com grande parte do seu desenvolvimento ocorrendo após o nascimento A migração neuronal fetal e a exuberância sináptica na infância são seguidas pela poda sináptica na adolescência A mielinização é crucial para a eficiência do sistema nervoso Com o envelhecimento ocorre uma diminuição no número de neurônios e no tamanho do cérebro resultando em declínio cognitivo No entanto o engajamento em atividades cognitivas e físicas pode compensar esse declínio em certa medida A porção posterior incluindo lobos occipitais parietais e temporais está relacionada à percepção sensorial e à organização do ambiente A porção anterior frontal está relacionada às atividades motoras e à interação com o meio incluindo o planejamento de ações a resolução de problemas e a monitoração dos resultados das ações O hemisfério esquerdo está associado a funções linguísticas verbais enquanto o hemisfério direito está relacionado a habilidades visuoespaciais aspectos prosódicos da linguagem e percepção musical A dominância hemisférica para a linguagem é esquerda para a maioria dos indivíduos destros mas pode variar em canhotos ambidestros ou em casos de lateralidade ambígua A Neuropsicologia estuda as relações entre funções psicológicas e atividade cerebral focando em funções cognitivas como memória linguagem raciocínio entre outras Destacase o estudo de alterações como afasias agnosias amnésias e apraxias além de outras funções como habilidades visuoespaciais e musicais Alexander R Luria propõe substituir a noção tradicional de sintoma por uma abordagem mais dinâmica e complexa Luria sugere que as funções cognitivas são construídas durante o desenvolvimento pela interação do indivíduo com seu meio Ele introduz o conceito de Sistema Funcional Complexo SFC composto por diferentes áreas cerebrais que atuam de forma coordenada para produzir uma função mental complexaApesar de sua importância a neuropsicologia apresenta limitações quando aplicada à psiquiatria Os testes neuropsicológicos não medem funções absolutamente específicas e o desempenho anormal em um teste não indica necessariamente uma disfunção cerebral regional específica Além disso quanto mais complexa a tarefa mais provável é que o déficit esteja relacionado a múltiplos fatores dificultando a interpretação dos resultados O cérebro possui a capacidade de se transformar e adaptar às exigências ambientais ao longo da vida não apenas na fase inicial A experiência é um elemento fundamental que estimula essa plasticidade promovendo o nascimento de novos neurônios alterações no tamanho dos dendritos formação de sinapses e aumento da atividade glial Experiências negativas como estresse prolongado depressão e ansiedade grave podem ter um efeito prejudicial sobre a plasticidade neuronal Isso pode levar a danos neuronais redução do volume cerebral e padrões neuronais disfuncionais aumentando a vulnerabilidade a transtornos mentais Mecanismos epigenéticos no cérebro humano são influenciados por experiências pessoais e estímulos ambientais podendo ativar ou silenciar genes relacionados a processos psicológicos e psicopatológicos A atividade gênica no cérebro é relativamente homogênea em diferentes áreas cerebrais mas difere entre tipos de células neuronais A forma como os neurônios estão conectados e o histórico de experiências do indivíduo influenciam o comportamento cortical O mapeamento genético do cérebro humano está em andamento e promete trazer mais insights nos próximos anos CAPÍTULO 6 Desde a Antiguidade a relação entre a mente ou alma e o cérebro tem sido objeto de reflexão e debate filosófico especialmente na Filosofia da Mente contemporânea Questionase se a mente é apenas um produto do cérebro ou se possui autonomia em relação a ele Além disso levantase a questão de como experiências mentais conscientes podem indicar a experiência de ser um ser diferente de si mesmo Aristóteles distingue as funções sensitivas locomotoras nutritivas e reprodutivas da alma das funções intelectuais Ele postula a existência de uma parte pensante da alma chamada de espírito que não se mistura com o corpoAs principais abordagens sobre a relação mentecérebro são divididas em dualistas que defendem duas realidades distintas e monistas que afirmam uma única realidade Essas visões são apresentadas de forma didática e simplificada no texto Existem diferentes perspectivas dualistas da relação mentecérebro O Dualismo Interacionista defendido por Descartes postula uma interação constante entre a mente e o corpo A mente ou alma e o corpo são considerados duas substâncias distintas mas influenciamse mutuamente Essa visão sustenta a existência de uma alma imaterial no ser humano embora seja questionada pela ciência moderna No Dualismo Paralelista alma e corpo são considerados realidades autônomas e independentes sem interações recíprocas Coexistem e transcorrem paralelamente sem influenciar um ao outro Essa visão é criticada devido à correlação íntima entre fenômenos mentais e ocorrências cerebrais A abordagem do dualismo epifenomenista é mais próxima do monismo materialista e argumenta que o cérebro produz os fenômenos mentais que são considerados epifenômenos do cérebro sem influenciálo Essa visão também é questionada devido às alterações funcionais e estruturais no cérebro associadas a fenômenos mentais Embora as perspectivas dualistas forneçam diferentes explicações sobre a relação mentecérebro todas enfrentam críticas e desafios especialmente diante das descobertas científicas sobre o funcionamento do cérebro e da mente Existem perspectivas monistas na relação mentecérebro que postulam a existência de uma única substância ou realidade O Monismo Espiritualista defende que apenas o espírito é real em uma forma extrema de idealismo subjetivo George Berkeley foi um de seus principais defensores Os Monismos Materialistas são materialistas afirmando que só a matéria física é real Desde os filósofos da Antiguidade até os fisicalistas contemporâneos essa visão ganhou força com o avanço das neurociências Abordase o problema da verdade na psicopatologia considerando três conceitos de verdade convencionalista pragmático e realista Enquanto o convencionalismo enfatiza a coerência lógica das teorias o pragmatismo foca nos resultados práticos e a correspondência com a realidade Idealmente uma teoria científica em psicopatologia deve ser coerente pragmática e corresponder à realidade factual Além disso deve ter poder de previsão e qualidade heurística O texto também destaca os preceitos sugeridos por Roger Bacon para se aproximar da verdade incluindo evitar referências a autoridades inadequadas e influências dos costumes Os valores na prática e teoria psiquiátrica e psicopatológica são de suma importância destacando que esses valores estão profundamente imbricados nos fatos objetivos da área Os valores podem ser mais ou menos perceptíveis mas surgem claramente em áreas diagnósticas delicadas como sexualidade e uso de substâncias Todas as decisões clínicas repousam em fatos e valores e conflitos de valores frequentemente surgem em situações como internações involuntárias uso de psicofármacos e manejo da agressividade É crucial ouvir atentamente as perspectivas dos pacientes e familiares especialmente os menos empoderados no sistema de saúde A resolução de conflitos de valores requer consideração balanceada negociação e linguagem adequada por parte dos profissionais sem uma aplicação cega das leis e códigos de ética que possa desconsiderar as perspectivas dos envolvidos CAPÍTULO 7 Apesar das críticas à rotulação e controle social defendese a importância do diagnóstico para compreender o paciente e escolher estratégias terapêuticas adequadas Aristóteles é citado para destacar a necessidade de generalização na arte do diagnóstico O diagnóstico é fundamental para o avanço científico a previsão de prognósticos e a comunicação entre profissionais Não há sintomas específicos para transtornos mentais e o diagnóstico é baseado em dados clínicos incluindo história do transtorno e curso evolutivo A confiabilidade e validade do diagnóstico são discutidas destacando a importância de procedimentos válidos e sensíveis para uma prática clínica eficaz CAPÍTULO 8 A avaliação psicopatológica permite a coleta de informações valiosas para o diagnóstico clínico compreensão da dinâmica afetiva e planejamento terapêutico adequado Além da entrevista a avaliação física do paciente com transtorno mental é fundamental pois esses pacientes apresentam uma variedade de condições riscos e doenças físicas com maior frequência do que a população em geral No entanto as patologias físicas nesses pacientes são subdiagnosticadas devido a várias razões incluindo dificuldades de acesso aos serviços de saúde e estigma social Portanto é essencial realizar exames físicos adequados juntamente com a anamnese para uma avaliação completa do paciente com transtorno mental A avaliação neurológica depende de uma anamnese detalhada e de um exame objetivo para identificar possíveis lesões ou disfunções no sistema nervoso central eou periférico São enfatizados os sinais neurológicos patológicos e os reflexos primitivos que podem indicar lesões cerebrais difusas ou encefalopatias São discutidos vários desses reflexos como o reflexo de preensão reflexo de sucção e reflexo palmomentual Recomendase a revisão de livros de propedêutica neurológica para um estudo mais aprofundado Além disso destacase a importância do exame neuropsicológico como parte integrante da avaliação psicopatológica Testes de personalidade inteligência cognição social atenção e memória são frequentemente utilizados na prática clínica para avaliação psicológica Além disso exames complementares como exames laboratoriais neurofisiológicos e de neuroimagem desempenham um papel crucial na detecção de disfunções e patologias neurológicas e sistêmicas que podem manifestar sintomas psiquiátricos São destacados exames como hemograma completo glicemia hormônio tireoestimulante TSH entre outros assim como a importância da avaliação do líquido cerebrospinal e do eletrencefalograma EEG Também são mencionados exames de neuroimagem estrutural e funcional como tomografia computadorizada e ressonância magnética como ferramentas sofisticadas para o diagnóstico diferencial em psicopatologia CAPÍTULO 9 É abordado a importância da habilidade do profissional de saúde mental em conduzir entrevistas com os pacientes Destacase que a técnica e a habilidade na realização das entrevistas são essenciais para o diagnóstico e para os efeitos terapêuticos sobre os pacientesA habilidade do entrevistador se revela pelas perguntas formuladas pela capacidade de estabelecer uma relação empática e tecnicamente útil além de estabelecer limites quando necessário São discutidas posturas inadequadas do entrevistador como rigidez neutralidade excessiva reações emotivas intensas hostilidade entre outras A paciência e o respeito são destacados como fundamentais mesmo em situações de falta de tempo O profissional deve estar preparado para conhecer cada novo paciente sem saber previamente quantas entrevistas serão necessárias para isso A primeira entrevista é a mais importante na prática da saúde mental visto que um bom começo pode gerar confiança e esperança no paciente enquanto uma entrevista inicial inadequada pode levar ao abandono do tratamento São ressaltados aspectos da comunicação não verbal como o olhar gestos e postura que influenciam na impressão inicial O profissional deve se apresentar ao paciente garantindo a confidencialidade e o sigilo das informações compartilhadas Na primeira entrevista é essencial coletar dados sociodemográficos básicos e permitir que o paciente relate livremente sua queixa ou sofrimento O entrevistador deve ouvir mais do que falar facilitando a fala do paciente mas também sendo ativo na introdução de perguntas esclarecedoras A duração e o número de entrevistas iniciais podem variar dependendo do contexto e da complexidade do caso A transferência envolve a projeção inconsciente de sentimentos do passado do paciente para o profissional de saúde enquanto a contratransferência é a projeção inconsciente do profissional para o paciente Ambos os fenômenos são importantes para compreender a dinâmica da relação terapêutica Em seguida o texto descreve a avaliação psicopatológica que inclui a anamnese o exame psíquico o exame físico geral e neurológico a avaliação psicológicapsicodiagnóstico e exames complementares A anamnese é detalhada incluindo dados sociodemográficos história médica e familiar e a descrição dos sintomas e vivências subjetivas do paciente Também é importante compreender as reações do paciente durante a anamnese e discutir as dificuldades que podem surgir quando os pacientes não reconhecem ou não aceitam seus problemas mentais O texto aborda a importância dos dados fornecidos por informantes como familiares e amigos na avaliação de um indivíduo Essas informações embora subjetivas podem revelar aspectos significativos sobre o paciente O profissional de saúde precisa discernir a confiabilidade dos relatos considerando a coerência plausibilidade e forma como são apresentados São discutidos também os conceitos de dissimulação e simulação por parte dos pacientes destacando a importância de distinguir entre informações verdadeiras e falsas Além disso abordase o insight do paciente em relação aos seus sintomas e transtornos enfatizando que alguns pacientes podem não reconhecer a gravidade de sua condição A avaliação do paciente é descrita como tendo uma dimensão longitudinal e transversal necessitando de uma compreensão ampla da personalidade e do contexto sociocultural do indivíduo Por fim destacase a importância de redigir um relato claro conciso e compreensível da entrevista que além de ter valor clínico também pode ter implicações legais Destacase a necessidade de proporcionar um ambiente confortável e privado para o paciente seguido pela apresentação do entrevistador e explicação sucinta do propósito da entrevista Iniciase a entrevista com perguntas gerais sobre a identidade do paciente seu histórico pessoal e profissional estado civil entre outras São sugeridas também perguntas abertas para pacientes com bom nível intelectual e perguntas mais fechadas para aqueles com déficit intelectual A observação atenta da linguagem não verbal e do impacto emocional do paciente no entrevistador também é destacada Além disso existem entrevistas padronizadas em psicopatologia como o Mini International Neuropsychiatric Interview Plus MINI Plus e o Present State Examination enfatizando a importância da flexibilidade na abordagem clínica Além disso o Standard for Clinicians Interview in Psychiatry SCIP é um método amplo de avaliação psicopatológica embora não haja tradução validada para o português do Brasil até o momento CAPÍTULO 10 Destacase que os primeiros três minutos da entrevista são cruciais para identificar padrões de sintomas e formular hipóteses diagnósticas preliminares A primeira impressão do paciente é influenciada por sua aparência tom de voz postura entre outros fatores além da experiência clínica e intuição do entrevistador São discutidos aspectos como a expressão facial gestos postura corporal e vestimentas que podem revelar muito sobre o estado mental do paciente A comunicação não verbal é abordada como um sistema comunicacional tão valioso quanto a comunicação verbal sendo mais espontânea e sincera e representando até 65 do significado social em interações A história da pesquisa sobre comunicação não verbal é brevemente revisada destacandose a relevância dessa área para a compreensão da psicopatologia e a importância de sua consideração na prática clínica Existem cinco elementos principais da comunicação não verbal CNV o ambiente da comunicação que considera como fatores do ambiente físico tamanho iluminação ruído etc influenciam a comunicação entre as pessoas a Aparência Física explora como aspectos como o corpo aparência vestimenta e até mesmo odores podem comunicar informações sobre uma pessoa A Proxêmica referese ao uso e percepção do espaço entre as pessoas e como isso afeta as interações sociais incluindo posicionamento e movimentação no ambiente Os Movimentos do corpo analisa gestos relacionados à fala gestos independentes da fala postura e comportamento tátil destacando como esses elementos expressam emoções e intenções As Expressões faciais e comportamento ocular exploram como o rosto olhos e boca revelam emoções e atitudes assim como os movimentos oculares e expressões faciais em geral Além disso aborda a paralinguagem que inclui características vocais e vocalizações latências de resposta pausas e entonações na fala ressaltando a importância do contexto cultural na interpretação desses sinais É discutido a relação entre comunicação não verbal CNV e psicopatologia destacando o estudo realizado pelo psicopatólogo alemão Karl Leonhard Leonhard divide os gestos faciais e corporais em intencionais e expressivos este último sendo de maior interesse para a semiologia psicopatológica Ele enfatiza a expressão facial como uma verdadeira linguagem composta por sinais que comunicam estados emocionais volitivos e cognitivos Seu tratado Linguagem expressiva da alma detalha a expressão mímica de diferentes estados afetivos A CNV em psicopatologia abrange aspectos emocionais volitivos e sociointerativos do comportamento humano No contexto da depressão observase uma redução da expressividade afetiva com diminuição do contato visual expressão facial triste e redução global das interações sociais A pesquisa também revela alterações posturais associadas à gravidade e recorrência do quadro depressivo Estudos mostram que a expressão triste não apenas reflete o estado interno da pessoa mas pode intensificar esse estado A intensidade da depressão relacionase com a redução da CNV incluindo expressão facial e movimentos expressivos da cabeça e das mãos Na ansiedade observase uma expressão facial tensa e preocupada com sinais como tremores e suor frio Na esquizofrenia os pacientes podem ter dificuldades em expressar emoções apresentando uma redução da expressão afetiva e comportamentos estereotipados Já no autismo há déficits significativos na expressão e na compreensão da CNV incluindo ausência de contato ocular e dificuldade em expressar emoções Na mania ocorre um conjunto de elementos característicos como comportamento hiperativo riso excessivo e expansão do discurso Essas características da CNV podem auxiliar no diagnóstico e no entendimento dos transtornos mentais CAPÍTULO 11 Destaca0se as limitações de uma abordagem psicopatológica que divide as funções mentais em áreas isoladas enfatizando que essa separação é uma convenção útil mas que pode levar a simplificações inadequadas O autor argumenta que as funções mentais não existem de forma independente umas das outras e que é a pessoa como um todo que adoece Minkowski propõe uma psicopatologia que estude o ser humano em sua interação social primordial argumentando que os sintomas não devem ser estudados isoladamente mas sim compreendidos em seu contexto interhumano Ele critica a abordagem tradicional da psicopatologia que se concentra na descrição mecânica dos sintomas sem considerar sua significação mais profunda É enfatizado a necessidade de uma abordagem mais holística que reconheça a interconexão entre os diferentes aspectos da vida mental e os situe dentro de um contexto mais amplo da pessoa como um todo Bleuler adverte contra a tendência de fragmentar a vida psíquica em uma soma de manifestações isoladas enfatizando que cada função mental e aspecto da realidade psíquica só podem ser compreendidos em relação à totalidade da vida psíquica e à realidade como um todo CAPÍTULO 12 A definição neuropsicológica relaciona a consciência ao estado de vigília e clareza sensorial Já a definição psicológica a conceitua como a soma total das experiências conscientes de um indivíduo em determinado momento relacionada à percepção e conhecimento da realidade Por fim a definição éticofilosófica referese à capacidade de tomar ciência dos deveres éticos e assumir responsabilidades A fenomenologia especialmente representada por Husserl propõe uma visão ativa da consciência enfatizando sua intencionalidade e produção de sentido John Searle destaca a importância de correlacionar a consciência com os estudos neurocientíficos contemporâneos ressaltando suas características subjetivas qualitativas e unificadas O texto por fim indica que se concentrará nos aspectos psicológicos e neuropsicológicos da consciência deixando de lado as discussões filosóficas mais profundas sobre o tema Na neuropsicologia da consciência destacase os sistemas reguladores propostos pelo Research Domain Criteria RDoC relacionados ao nível de consciência Esses sistemas são responsáveis por regular a atividade neural nos diferentes contextos da vida como vigília e sono O nível de consciência é definido como o continuum de sensibilidade e alerta do organismo frente aos estímulos internos e externos Suas principais características incluem a interação adequada com o ambiente modulação por estímulos e motivação e variação ao longo de um continuum que vai desde o estado total de alerta até o coma As bases neuroanatômicas e neurofuncionais do nível de consciência são discutidas com destaque para o sistema reticular ativador ascendente SRAA que se origina no tronco cerebral e se estende até o córtex influenciando a ativação cortical Além do SRAA outras estruturas do telencéfalo como o lobo parietal direito e as áreas préfrontais também são importantes na gênese do nível de consciência A hipótese de Crick e Koch sobre os disparos sincronizados dos neurônios do tálamo e do córtex cerebral é mencionada embora sua comprovação seja desafiadora Alterações no nível de consciência como no delirium estão associadas a regiões específicas do cérebro incluindo o córtex parietal posterior direito o córtex préfrontal bilateral e o tálamo O tálamo desempenha um papel crucial na regulação das informações que chegam ao córtex cerebral e lesões nessa região podem resultar em graves alterações do nível de consciência A consciência como um campo onde existe uma parte central iluminada e uma margem menos iluminada onde surgem os automatismos mentais e os estados subliminares Ao discutir o inconsciente destacase sua importância na psicanálise com Freud identificando duas classes o verdadeiro inconsciente e o préconsciente O verdadeiro inconsciente é inacessível à evocação voluntária e só se revela por meio de subprodutos na consciência como sonhos e sintomas neuróticos O texto também aborda as características funcionais do inconsciente como sua atemporalidade isenção de contradição e orientação pelo princípio do prazer Além disso destaca o caráter dinâmico do inconsciente que exerce uma influência contínua sobre a vida psíquica manifestandose por meio de resistência e produção renovada de derivados do recalcado Os ritmos circadianos e do sono são importantes nas alterações normais da consciência Os ritmos circadianos são oscilações endógenas autossustentadas que organizam a temporalidade dos sistemas biológicos do organismo O sono é caracterizado por estados comportamentais endógenos e recorrentes que expressam mudanças dinâmicas na função cerebral Ele se divide em sono não REM e sono REM cada um com características neurofisiológicas distintas O sono REM é marcado por movimentos oculares rápidos atonia muscular e atividade cerebral associada a sonhos O texto também explora a importância do sono para a saúde e o papel do sono REM na regulação emocional e no processamento de memórias Além disso discute o fenômeno do sonho sua interpretação ao longo da história e as teorias psicanalíticas de Freud sobre o conteúdo e a função dos sonhos destacando o trabalho do sonho como um processo de transformação dos desejos inconscientes em conteúdos manifestos durante o sono As alterações patológicas da consciência podem ocorrer tanto por processos fisiológicos normais quanto por processos patológicos As alterações quantitativas da consciência incluem o rebaixamento do nível de consciência que pode variar desde a obnubilação leve turvação da consciência até o coma perda completa da consciência Esses estados são caracterizados por diferentes graus de sonolência e diminuição da capacidade de resposta a estímulos externos com alterações observáveis no traçado eletrencefalográfico O coma é o estado mais profundo de rebaixamento da consciência no qual não há atividade consciente e podem ocorrer sinais neurológicos específicos As perdas abruptas e transitórias da consciência incluem a lipotimia perda parcial e rápida da consciência a síncope perda completa da consciência com queda ao chão e os desmaios termo genérico não médico para descrever uma perda abrupta da consciência Essas condições podem ser reversíveis ou irreversíveis dependendo das causas subjacentes Existem síndromes psicopatológicas associadas ao rebaixamento prolongado do nível de consciência como o delirium que é o termo preferencial para descrever síndromes confusionais agudas caracterizadas por rebaixamento leve a moderado da consciência desorientação dificuldade de concentração agitação ou lentificação psicomotora discurso confuso ilusões eou alucinações visuais O delirium oscila ao longo do dia e pode ser confundido com o termo delírio que se refere a uma alteração do juízo de realidade encontrada principalmente em psicosesOutras síndromes próximas ao delirium incluem o estado onírico caracterizado por um estado semelhante a um sonho vívido e a amência que descreve confusão mental por rebaixamento do nível de consciência excitação psicomotora incoerência do pensamento e alucinações com aspecto de sonho Essas síndromes podem ser atribuídas a causas orgânicas ou psicogenéticas Têmse alterações qualitativas da consciência como os estados crepusculares caracterizados por uma obnubilação leve da consciência acompanhada de atividade motora coordenada e atos automáticos o estado segundo semelhante ao estado crepuscular mas com atos incongruentes com a personalidade habitual a dissociação da consciência caracterizada pela fragmentação do campo da consciência e a suspensão parcial dos movimentos voluntários o transe associado a contextos religiosos e culturais e o estado hipnótico induzido por outra pessoa e caracterizado por atenção concentrada e sugestionabilidade aumentada A perplexidade patológica é descrita como uma intensa sensação de estranheza diante do ambiente perdendo a sensação de naturalidade na experiência cotidiana Essa experiência é frequentemente observada em pacientes com quadros psicóticos agudos como esquizofrenia transtornos do humor com sintomas psicóticos e psicoses breves É caracterizada por uma atitude de estranhamento radical em relação ao ambiente acompanhada de angústia e incerteza A experiência de quasemorte EQM ocorre em situações críticas de ameaça à vida como parada cardíaca acidentes graves entre outros Essas experiências são vivenciadas por alguns sobreviventes e são marcadas por sensações como paz sensação de estar fora do corpo luz intensa sensação de estar em outro mundo entre outras Estudos sugerem que as EQMs podem ser resultado de uma invasão maciça de atividade cerebral do tipo sono REM embora também haja considerações socioculturais e históricas sobre essas experiências CAPÍTULO 13 William James ressalta que a atenção envolve a seleção clara e vívida de um objeto entre muitos A atenção é essencial para selecionar filtrar e organizar informações significativas Os componentes principais incluem o início da atividade consciente atenção sustentada atenção seletiva e capacidade de mudar o foco O sistema RDoC conceitua a atenção como um conjunto de processos mentais que regulam o acesso a sistemas cognitivos Eugen Bleuler destacou a tenacidade e a vigilância como qualidades fundamentais da atenção Freud introduziu o conceito de atenção flutuante Além disso discutese o hábito e a sensibilização na resposta à orientação A neuropsicologia contemporânea identifica subtipos de atenção incluindo concentração seletividade divisão alternância sustentação e controle executivo A atenção seletiva é destacada como a capacidade de selecionar estímulos relevantes em meio a distrações A atenção dividida referese à habilidade de processar múltiplos estímulos simultaneamente A atenção alternada envolve mudar o foco de atenção entre diferentes estímulos conforme necessário A atenção sustentada diz respeito à capacidade de manter a atenção ao longo do tempo especialmente durante atividades contínuas Por fim a seleção de resposta e o controle executivo são essenciais para direcionar a atenção para a ação planejada e adaptar as respostas às demandas do ambiente No que concerne a relação entre a atenção e as funções executivas que são processadas nos lobos frontais e englobam habilidades cognitivas relacionadas ao planejamento execução e monitoramento de comportamentos com objetivos Essas funções incluem processos emocionais e volicionais quentes e atividades cognitivas sem envolvimento emocional frias A atenção é considerada por alguns como parte das funções executivas sendo essencial para a memória de trabalho que permite manter itens percepções e tarefas ativos na mente A atenção filtra o que entra no sistema da memória de trabalho e contribui para sua manutenção Além disso a velocidade de processamento medida em alguns testes de atenção é essencial para avaliar a capacidade cognitiva do indivíduo Estruturas como o sistema reticular ativador ascendente o locus ceruleus noradrenérgico o tálamo e o córtex parietal estão envolvidas na regulação da atenção As áreas frontais dorsolaterais são cruciais para a seleção de resposta e controle seletivo enquanto as áreas préfrontais orbitomediais estão ligadas à modulação dos impulsos e da memória de trabalho Lesões nessas áreas podem causar alterações na atenção como distraibilidade e impulsividade Além disso as estruturas límbicas nos lobos temporais medianos influenciam aspectos afetivos e motivacionais da atenção Na psicopatologia distúrbios como hipoprosexia aprosexia hiperprosexia distração e distraibilidade são discutidos como manifestações de desequilíbrios na atenção Em distúrbios neuropsiquiátricos e neuropsicológicos como delirium encefalopatias metabólicas meningoencefalites acidentes vasculares cerebrais e demências as alterações na atenção são comuns e muitas vezes estão relacionadas a déficits em funções executivas No transtorno cognitivo leve há uma demora maior na realização de tarefas diárias devido ao déficit de atenção enquanto nas demências como a de Alzheimer e a vascular a atenção seletiva e a capacidade de concentração são prejudicadas desde as fases iniciais Em transtornos mentais como TDAH transtornos do humor TOC e esquizofrenia a atenção também é afetada No TDAH há dificuldade em direcionar e manter a atenção a estímulos além de perturbação na inibição de respostas Nos transtornos do humor como depressão e mania ocorrem tanto diminuição quanto aumento da atenção dependendo do estado do paciente No TOC há atenção excessiva e desregulada enquanto na esquizofrenia há dificuldade em filtrar informações irrelevantes e uma tendência à distração Essas alterações na atenção têm implicações significativas no funcionamento diário e na qualidade de vida dos pacientes destacando a importância do reconhecimento e tratamento desses distúrbios Os Continuous Performance Tests CPTs ou Testes de Desempenho Contínuo são usados para avaliar a atenção sustentada e o nível de alerta Eles envolvem a rápida apresentação de estímulos com um estímuloalvo que o indivíduo deve identificar corretamente Os escores do CPT incluem detecções corretas tempo de reação erros por omissão e erros por coomissão sendo que cada um fornece informações sobre a capacidade de atenção do sujeito Além disso outros testes de atenção são discutidos como o Teste de Dígitos das baterias WISCIII e WAISIII que avalia a atenção geral e focalizada bem como a memória de trabalho Este teste envolve a repetição de sequências de números tanto na ordem direta quanto na inversa sendo que valores abaixo da mediana indicam dificuldades atencionais Recomendase a aplicação de uma bateria de testes para avaliar diferentes aspectos da atenção mas caso não seja possível o Teste de Dígitos e o Teste de Códigos podem ser utilizados como uma avaliação mínima da atenção CAPÍTULO 14 A avaliação da orientação é útil para verificar perturbações do nível de consciência percepção atenção memória e cognição A desorientação pode ser causada por déficits cognitivos graves doenças cerebrais e transtornos mentais A capacidade de orientarse é classificada em autopsíquica relativa ao próprio indivíduo e alopsíquica relativa ao mundo exterior incluindo orientação espacial e temporal A orientação espacial envolve diversos subtipos como localização atual topográfica geográfica julgamento de distância e habilidades de navegação A orientação temporal referese à compreensão do tempo cronológico incluindo noções de horas dias semanas meses e anos A orientação espacial é investigada por meio de perguntas sobre a localização atual e conhecimento do ambiente circundante enquanto a orientação temporal envolve questões sobre a noção de tempo e sequência temporal A capacidade de orientarse temporalmente é adquirida mais tardiamente na evolução neuropsicológica da criança e é mais facilmente prejudicada por transtornos mentais e neurológicos O texto explora a neuropsicologia da orientação abordando tanto a orientação espacial quanto a orientação temporal e as áreas cerebrais envolvidas em cada aspecto A Desorientação temporoespacial geralmente ocorre em quadros psicoorgânicos com comprometimento de áreas encefálicas como lesões corticais difusas lesões mesotemporais do sistema límbico e patologias que afetam o tronco cerebral e o sistema reticular ativador ascendente A Neuropsicologia da orientação espacial indica que lesões ou disfunções bilaterais ou unilaterais nas áreas posteriores do córtex cerebral especialmente nas regiões retrorolândicas estão associadas à desorientação espacial Estruturas como hipocampo córtex para hipocampal amígdala e regiões cerebrais posteriores também estão envolvidas Na Neuropsicologia da orientação temporal a orientação temporal depende da percepção da passagem do tempo do registro e da discriminação dos intervalos temporais assim como da capacidade de apreender o tempo passado e antever o tempo futuro Estudos indicam que diferentes áreas cerebrais estão envolvidas no processamento do tempo incluindo córtices frontal parietal e temporal ínsula núcleos da base cerebelo e núcleo olivar inferiorA compreensão da orientação temporal e espacial é crucial para entender as alterações cognitivas associadas a diversos transtornos neurológicos e psiquiátricos Existem diversos tipos de desorientação sendo eles a desorientação por redução do nível de consciência que é a forma mais comum de desorientação e ocorre quando há turvação ou rebaixamento da consciência afetando a atenção concentração e memória recente A Desorientação por déficit de memória imediata e recente ocorre quando o indivíduo não consegue reter informações básicas em sua memória recente levando à perda da noção do tempo e do espaço A Desorientação apática ou abúlica decorre de profunda apatia ou desinteresse geralmente associada a um quadro depressivo grave resultando na falta de motivação para interagir com o ambiente A Desorientação delirante surge em indivíduos imersos em um estado delirante intenso onde ideias delirantes dominam sua percepção coexistindo às vezes com a orientação correta A Desorientação por déficit intelectual ocorre em pessoas com deficiência intelectual grave dificultando a compreensão do ambiente e a interpretação das convenções sociais A desorientação por dissociação é associada a quadros dissociativos graves frequentemente acompanhada de alterações na identidade pessoal e da consciência A Desorientação por desagregação está presente em pacientes com psicose especialmente esquizofrenia crônica onde a desorganização profunda do pensamento impede a orientação adequada A desorientação quanto à própria idade é caracterizada pela discrepância entre a idade real e a idade percebida pelo indivíduo podendo ser um indicativo de déficit cognitivo na esquizofrenia O processo de recuperação da orientação em pacientes com lesão ou disfunção cerebral geralmente segue uma sequência começando pela orientação quanto a si mesmo seguida pela orientação espacial e por último a orientação temporal Em casos de amnésia a recuperação da orientação pode ocorrer antes ou depois da recuperação da memória dependendo da gravidade da lesão Além disso pacientes com doenças como Parkinson Huntington TDAH e esquizofrenia podem apresentar alterações na percepção e processamento do tempo independentemente do nível de consciência CAPÍTULO 15 É explorado vivências do tempo e do espaço destacando sua importância fundamental para todas as experiências humanas Iniciase com reflexões de filósofos como Aristóteles Santo Agostinho Isaac Newton Gottfried Leibniz Immanuel Kant e Henri Bergson sobre a natureza e a percepção do tempo e do espaço Aristóteles questiona se o tempo é constituído por momentos presentes sucessivos enquanto Santo Agostinho pondera sobre a natureza do tempo passado presente e futuro Newton e Leibniz consideram o tempo e o espaço como realidades objetivas independentes do ser humano enquanto Kant introduz a dimensão subjetiva do tempo e do espaço vendoos como fundamentos do conhecimento humano Bergson critica a visão de tempo como uma extensão espacial e propõe uma compreensão do tempo como um fluxo contínuo e indivisível Heidegger destaca a temporalidade como essencial para compreender a condição humana especialmente na relação entre a vida e a morte Além disso o texto aborda os ritmos biológicos como o circadiano mensais e sazonais e os grandes marcos da vida humana destacando sua influência na determinação do estado mental do indivíduo Esses ritmos estão relacionados tanto a flutuações hormonais e bioquímicas quanto a símbolos culturais contribuindo para as experiências humanas e para a psicopatologia A vivência do tempo é composta por diversos elementos incluindo percepção estimação de intervalos experiência da duração e da passagem do tempo todos influenciados por estados afetivos emoções e vivências corporais A distinção entre tempo subjetivo e objetivo é ressaltada assim como a possibilidade de descompasso entre ambos Na perspectiva religiosa sobre o espaço e o tempo Mircea Eliade fala que para o homem religioso o espaço sagrado é significativo e real enquanto os ritos religiosos proporcionam uma conexão com um tempo mítico e primordial reatualizando eventos sagrados do passado Nas depressões graves a passagem do tempo é percebida como lenta enquanto nos estados maníacos é sentida como rápida O ritmo psíquico também varia com aceleração na mania e lentificação na depressão Existem várias alterações na percepção do tempo como ilusão sobre a duração do tempo atomização do tempo e inibição da sensação de fluir do tempo com exemplos clínicos e associações a diferentes condições psicológicas Na esquizofrenia por exemplo ocorrem fragmentação e desintegração da sensação do tempo e do espaço Além disso são exploradas as anormalidades da vivência do espaço como a perda das fronteiras entre o eu e o mundo exterior no estado de êxtase a dilatação do espaço na mania a contração do espaço na depressão e a percepção de ameaça no espaço exterior em casos de paranoia e agorafobia CAPÍTULO 16 A sensação referese à resposta neuronal aos estímulos físicos ou químicos enquanto a percepção envolve a consciência do estímulo sensorial e sua interpretação neuropsicológica e psicológica Enquanto a sensação é considerada um fenômeno passivo a percepção é ativa envolvendo a síntese dos estímulos sensoriais com experiências passadas e o contexto sociocultural do indivíduo Atualmente entendese que a percepção é uma construção pessoal e criativa resultante de experiências que reinterpretam os estímulos sensoriais Além disso o texto explora a distinção entre percepção e apercepção introduzida por Leibniz e desenvolvida por Jung onde a apercepção envolve o reconhecimento claro e pleno de um objeto percebido No entanto muitos autores não fazem essa distinção preferindo usar o termo sensopercepção para descrever o fenômeno como um todo A imagem representação e imaginação são elementos fundamentais no processo de sensopercepção A imagem referese à percepção real e sensorial de um objeto caracterizada por nitidez corporeidade estabilidade extrojeção influenciabilidade voluntária e completude A representação é a revivescência de uma imagem anteriormente percebida sem a presença física do objeto original As representações são menos nítidas menos corpóreas instáveis introjetadas e frequentemente incompletas A imaginação consiste na evocação de imagens percebidas no passado ou na criação de novas imagens na ausência de estímulos sensoriais A fantasia é uma forma de imaginação que pode ser consciente ou inconsciente originada de desejos temores e conflitos Existem subtipos de imagem representativa como a imagem eidética caracterizada pela evocação precisa de uma imagem guardada na memória e as pareidolias imagens visualizadas a partir de estímulos imprecisos do ambiente A fantasia desempenha um papel importante na vida psicológica ajudando as pessoas a lidar com frustrações e conflitos e é fundamental para atividades criativas É discutido alterações quantitativas da sensopercepção como hiperestesia hiperpatia hipoestesia anestesia e analgesia Essas alterações podem ocorrer em diversas condições neurológicas e psicopatológicas afetando a intensidade e a qualidade das percepções sensoriais tanto táteis quanto dolorosas É realizado a diferenciação entre ilusões e alucinações Esquirol propôs essa distinção definindo alucinação como a percepção de um objeto sem a presença real do estímulo correspondente Já a ilusão ocorre quando há um objeto real presente mas a percepção é deformada por fatores patológicos diversos As ilusões podem surgir em condições de rebaixamento da consciência fadiga ou estados afetivos intensos Elas são comuns em quadros de delirium e podem ser visuais ou auditivas Além disso a psicologia experimental utiliza ilusões dos sentidos para investigar processos sensoperceptivos em diferentes transtornos mentais Por sua vez as alucinações são caracterizadas pela percepção clara de um objeto sem a presença real do estímulo correspondente Elas podem ocorrer em pessoas sem transtorno mental sendo mais comuns em populações urbanas As alucinações podem ser desencadeadas por fatores como estresse ansiedade e problemas de sono sendo mais frequentes em pessoas vulneráveis ou em episódios de psicose As alucinações auditivas são mais comuns nos transtornos mentais podendo ser simples apenas ruídos primários ou complexas Essas complexas são de maior interesse para a psicopatologia e podem incluir vozes acusativas humilhantes ou ameaçadoras As alucinações auditivas simples especialmente o tinnitus que é a percepção de ruídos nos ouvidos sem a presença de estímulo real O tinnitus é comum e pode estar associado a problemas no sistema auditivo frequentemente acompanhado por perda auditiva e comorbidades psiquiátricasAlém disso são abordadas as alucinações auditivas complexas com destaque para as alucinações áudio verbais em que o paciente ouve vozes sem estímulo real Essas vozes podem ser depreciativas ou persecutórias comumente associadas à esquizofrenia O insight sobre essas alucinações geralmente é limitado e elas podem estar acompanhadas de delírios O texto também menciona fenômenos próximos às alucinações áudio verbais como a sonorização do pensamento e a publicação do pensamento que ocorrem em transtornos do espectro da esquizofrenia Além disso aborda a ocorrência de alucinações auditivas em outros transtornos como transtornos do humor e transtornos da personalidade borderline Nas fases iniciais de muitos quadros psicóticos há um fenômeno perceptivo difuso de estranheza do mundo percebido caracterizado pela alteração na percepção do mundo como um todo As alucinações musicais é um fenômeno intrigante no qual o paciente ouve tons musicais melodias e ritmos sem estímulo auditivo externo correspondente Essas alucinações são menos comuns que outros tipos como alucinações visuais ou tinnitus Podem ser contínuas ou intermitentes e geralmente ocorrem em pacientes com consciência clara e crítica Existem dois tipos as alucinações musicais idiopáticas sem associação a transtornos neurológicos ou psicopatológicos e as alucinações musicais sintomáticas associadas a esses transtornosAs alucinações musicais são mais prevalentes em mulheres idosas com perda auditiva progressiva e também podem ocorrer em distúrbios neurológicos neuropsicológicos e psicopatológicos O texto destaca que apesar de causarem desconforto e piora na qualidade de vida as alucinações musicais podem ser associadas ao medo de demência de AlzheimerNo contexto diagnóstico as alucinações musicais são relacionadas à privação sensorial e podem envolver um circuito neural específico O texto também menciona estudos de casos de pacientes com alucinações musicais destacando a associação com perdas auditivas tumores cerebrais e epilepsia As alucinações visuais podem ser simples como fotopsias ou complexas envolvendo figuras e cenas detalhadas Essas alucinações são mais comuns em condições oftalmológicas mas também podem ocorrer em acidentes vasculares esquizofrenia e outras condições neurológicas e neuropsicológicas O diagnóstico diferencial inclui a síndrome de Charles Bonnet que envolve alucinações visuais complexas em pacientes com déficits visuais especialmente em idosos Em geral as alucinações visuais podem ocorrer em contextos normais mas são mais frequentes em condições neurológicas e neuropsicológicas Quando um paciente relata alucinações visuais especialmente se for idoso ou apresentar problemas de saúde específicos é importante considerar causas orgânicas Nas alucinações táteis o paciente sente espetadas choques ou a sensação de insetos ou pequenos animais correndo sobre sua pele muitas vezes associadas ao delírio de infestação Já as alucinações olfativas e gustativas envolvem sensações de cheiros e sabores inexistentes podendo estar relacionadas a condições neurológicas psiquiátricas ou causas orgânicas como epilepsia esquizofrenia e uso de drogas Além disso são abordadas as alucinações cenestésicas e cinestésicas que envolvem sensações corporais anormais como sentir órgãos encolhendo dores ou movimentos incomuns Essas alucinações podem estar presentes em condições psiquiátricas como esquizofrenia e depressão grave As alucinações funcionais reflexas e combinadas podem ocorrer em várias modalidades sensoriais ao mesmo tempo ou em resposta a estímulos sensoriais externos Essas alucinações podem estar associadas a transtornos psiquiátricos como esquizofrenia ou a condições neurológicas como epilepsia As alucinações autoscópicas onde o paciente enxerga a si mesmo fora do corpo e as alucinações extracampinas que ocorrem fora do campo sensorial habitual como ver imagens atrás de uma parede Essas últimas podem estar relacionadas a condições neurológicas ou situações extremas de risco à vida O fenômeno do duplo é descrito como a sensação de uma presença acompanhando o indivíduo podendo ocorrer em diferentes condições neuropsiquiátricas como lesões cerebrais esquizofrenia e intoxicações por alucinógenos Essa sensação pode ser semelhante à alucinação extracampina onde o paciente percebe imagens ou sons fora do campo perceptivo habitual As alucinações hipnagógicas e hipnopômpicas ocorrem durante a transição entre o sono e a vigília sendo comuns na narcolepsia Elas podem incluir alucinações visuais auditivas ou somáticas muitas vezes associadas a sentimentos de medo Essas alucinações são frequentemente confundidas com pesadelos e sonhos desprazerosos A alucinose é descrita como uma alteração da sensopercepção na qual o paciente reconhece a experiência alucinatória como estranha e inadequada Ela pode ocorrer em quadros psicoorgânicos e é frequentemente associada a intoxicações por substâncias alucinógenas Um exemplo específico é a alucinose peduncular de Lhermitte caracterizada por experiências alucinatórias vívidas e brilhantes geralmente de natureza visual associadas a lesões nas porções superiores do tronco cerebral A alucinose alcoólica ocorre em indivíduos com dependência crônica de álcool e é caracterizada por vozes que falam do paciente na terceira pessoa Essa forma de alucinose geralmente é acompanhada pela preservação do nível de consciência e pode ocorrer tanto em estado embriagado quanto sóbrio Sobre as possíveis causas e teorias etiológicas das alucinações existem controvérsias que persistem entre médicos psicólogos e neurocientistas sobre seus mecanismos neurofisiológicos neuropsicológicos e psicológicos No entanto a eficácia dos medicamentos antipsicóticos na redução das alucinações sugere a existência de mecanismos comuns subjacentes a esses fenômenos Na abordagem fenomenológica as alucinações são vistas como parte de uma transformação profunda da experiência subjetiva do sujeito durante a psicose resultando em um senso de passividade e perda de controle sobre a própria vida As perspectivas psicanalíticas enfatizam a base das alucinações em conflitos inconscientes sendo vistas como uma forma de defesa do ego através da projeção de conteúdos recalcados Uma teoria neurobiológica sugere que as alucinações podem surgir de lesões irritativas ou disfuncionais em áreas cerebrais relacionadas à percepção complexa como regiões associativas da linguagem e da memória semântica Estudos também indicam a presença de um estado de hipervigilância em pessoas com quadros psicóticos agudos sugerindo uma hiperexcitabilidade geral do sistema nervoso como fator relevante para o surgimento das alucinações Alucinações especialmente auditivas visuais e olfativas são vistas como fenômenos de liberação neuronal relacionados à privação de estímulos sensoriais externos Indivíduos com déficits sensoriais podem experimentar alucinações que são atenuadas ou desaparecem com a introdução de estímulos sensoriais A Teoria da Desorganização Global do Funcionamento Cerebral e diz que alterações globais no funcionamento cerebral levam à perda das inibições superiores permitindo que circuitos normalmente inibidos causem alucinações e outros sintomas psicóticos Isso resulta em uma indiferenciação entre o mundo interno e externo Na Teorias Neurobioquímicas diversas substâncias químicas incluindo aquelas relacionadas à serotonina dopamina e acetilcolina podem causar alucinações Agentes dopaminérgicos serotonérgicos e anticolinérgicos podem levar a diferentes tipos de alucinações dependendo do estado de consciência e da clareza das alucinações A Teoria da Alucinação como Transtorno da Linguagem Interna diz que as alucinações auditivas verbais são explicadas como pensamentos verbais do próprio paciente erroneamente percebidos como vozes externas Isso resulta da incapacidade do paciente de discriminar entre sua linguagem interna e percepções externas Cada uma dessas teorias oferece uma perspectiva única sobre as causas das alucinações abrangendo desde alterações sensoriais até disfunções neuroquímicas e cognitivas Existem estudos de neurociências e neuroimagem funcional que buscam identificar os mecanismos neurais associados às alucinações especialmente as alucinações audioverbais A Ativação de Áreas Cerebrais Associadas à Linguagem diz que durante as alucinações audioverbais áreas temporais parietais e frontais relacionadas à produção e recepção da linguagem são hiperativadas Isso inclui as áreas de Wernicke e Broca além de regiões límbicas e subcorticais Na Hipótese da Linguagem Interna Inner Speeché sugerido que as alucinações audioverbais podem surgir da linguagem interna do paciente Ativações nas áreas de Broca antes do início das alucinações e nas áreas de Wernicke durante as alucinações apoiam essa hipótese Os Correlatos Neurofuncionais das Alucinações Visuais fornecem insights sobre as alucinações visuais destacando a ativação de áreas cerebrais específicas durante esses fenômenosEsses estudos indicam que áreas corticais relacionadas à linguagem desempenham um papel fundamental nas alucinações com disfunções nessas áreas podendo contribuir para a ocorrência desses fenômenos A neuroimagem funcional oferece uma maneira poderosa de investigar os substratos neurais das alucinações e pode ajudar a desenvolver abordagens terapêuticas mais eficazes no futuro Existem ferramentas para avaliar alterações da sensopercepção como a Psychotic Symptom Rating Scales PSYRATS a LaunaySlade Hallucinations Scale LSHS e o Beliefs about Voices Questionnaire BAVQ Esses instrumentos ajudam a avaliar detalhadamente as alucinações auditivas e outras modalidades de alucinações bem como as crenças e reações emocionais relacionadas a elas CAPÍTULO 17 A memória é importante para codificar armazenar e evocar experiências fatos e impressões ao longo da vida de uma pessoa A memória é contextualizada como um processo altamente integrado e influenciado por diversos fatores como nível de consciência atenção estado emocional e contexto Diferentes tipos de memória são explorados incluindo a psicológica genética e epigenética imunológica e coletiva esta última relacionada aos conhecimentos e práticas sociais e culturais de um grupo Enfatizase que a memória não é um processo unitário mas composto por múltiplos elementos e estruturas cerebrais e que é um processo ativo e dinâmico sujeito a reinterpretações ao longo do tempo Existem três elementos básicos da memória psicológica codificação armazenamento e recuperação ou evocação Na fase de codificação as informações são captadas e adquiridas enquanto na fase de armazenamento elas são retidas de forma fidedigna Já na fase de recuperação as informações são acessadas para diferentes propósitos Esses processos são comparados metaforicamente a uma biblioteca onde a codificação é a escrita do livro o armazenamento é a classificação e conservação do livro na estante e a recuperação é a capacidade de acessar e ler o livro A memória é descrita em relação ao tempo de aquisição armazenamento e evocação dividindose em quatro momentos temporais memória sensorial até 1 segundo memória imediata ou de curtíssimo prazo poucos segundos até 13 minutos memória recente ou de curto prazo poucos minutos até 36 horas e memória de longo prazo ou remota dias meses até muitos anos Cada fase da memória possui características e substratos neurais específicos desde a percepção inicial até a consolidação e recuperação de informações ao longo do tempo No que diz respeito às bases neurobiológicas da memória destacase a importância das estruturas límbicas temporomediais como o hipocampo a amígdala e o córtex entorrinal na formação das unidades de memória e na consolidação dos registros Enquanto o hipocampo desempenha um papel crucial na consolidação das memórias recentes o córtex cerebral especialmente as áreas de associação neocorticais é fundamental para a memória de longo prazo Além disso são discutidos os fatores associados ao processo de memorização incluindo o nível de consciência atenção focal organização temporal interesse emocional conhecimento prévio compreensão do significado da informação contexto elaborado e codificação da informação em múltiplas vias sensoriais e cognitivas Esses elementos são essenciais para otimizar o processo de aprendizado e memorização Existem diferentes tipos de memória que dividem se com base na consciência do processo mnêmico e nas áreas cerebrais envolvidasA memória explícita envolve o conhecimento consciente e é acessada com esforço como lembrar eventos autobiográficos Por outro lado a memória implícita é adquirida e usada sem consciência como habilidades motoras automáticas O Priming é um tipo de memória implícita o priming é quando estímulos previamente expostos afetam o desempenho cognitivo futuro mesmo sem consciência do estímulo original Isso pode incluir completar palavras ou reconhecer objetos mais rapidamente após exposição prévia O devaneio ou mind wandering envolve a construção de histórias mentais enquanto a viagem mental no tempo permite reviver o passado e imaginar o futuro Esses processos ativados principalmente pelos hipocampos e lobos frontais são cruciais para formar memórias autobiográficas e para a teoria da mente A Memória de Trabalho é situada entre a atenção e a memória imediata a memória de trabalho é explícita e consciente exigindo esforço para manter e manipular informações temporariamente Composta por três componentes alça fonológica esboço visuoespacial e sistema executivo é fundamental para a seleção e a manipulação de informações sobretudo por curtos períodos Lesões em áreas cerebrais específicas como as préfrontais podem afetar a memória de trabalho resultando em dificuldades em tarefas sequenciais e de atenção A Memória Episódica é uma memória explícita de médio e longo prazos relacionada a eventos específicos da experiência pessoal do indivíduo Depende de áreas cerebrais como o hipocampo e os córtices temporais Sua perda geralmente afeta eventos autobiográficos recentes seguindo a lei de Ribot A investigação semiológica inclui testes de retenção de informações recentes e entrevista com familiares para avaliar a evolução temporal das falhas de memória A Memória Semântica referese ao aprendizado e utilização do arquivo geral de conceitos e conhecimentos do indivíduo sobre o mundo É uma memória de longo prazo compartilhada socialmente e depende de áreas específicas dos lobos temporais especialmente no hemisfério esquerdo A investigação semiológica envolve testes de nomeação e categorização de itens conhecidos A memória episódica e a memória semântica podem ser afetados em transtornos neurocognitivos como demência de Alzheimer e síndrome de Wernicke Korsakoff mas de maneiras distintas Enquanto a memória episódica é prejudicada em casos de demência a memória semântica pode permanecer relativamente preservada Na demência de Alzheimer ocorrem alterações pronunciadas devido à deterioração das regiões mediais e ventrais dos lobos temporais e temporoparietais do hemisfério esquerdo Na variante semântica da demência frontotemporal DFT há uma significativa perda da memória semântica enquanto na variante comportamental da DFT a memória semântica pode estar menos comprometida Na demência com corpos de Lewy apesar dos déficits nas funções executivas a memória semântica é relativamente preservada A investigação semiológica da memória de procedimentos envolve observar a perda de habilidades motoras ou visuoespaciais previamente aprendidas e a dificuldade em aprender novas habilidades Condições como doença de Parkinson doença de Huntington paralisia supranuclear progressiva e degeneração olivopontocerebelar são exemplos em que a memória de procedimentos é comprometida Pacientes nas fases iniciais dessas doenças podem apresentar desempenho quase normal em testes de memória episódica mas revelam dificuldades em aprender novas habilidades motoras visuoespaciais e linguísticas Existem diversas formas de memória patológica como as hipermnésias que representam um excesso na evocação de informações ou imagens na memória Podem ocorrer em casos de mania ou hipomania refletindo uma aceleração do ritmo psíquico ou de forma mais específica como a hipermnésia autobiográfica caracterizada por uma memória autobiográfica quase perfeita como exemplificado no caso de HK um rapaz cego de nascença Este tipo de hipermnésia está associado a alterações na amígdala e na conectividade entre a amígdala e o hipocampo As Amnésias ou hipomnésias refletem a perda da memória podendo afetar a capacidade de fixar manter e evocar conteúdos mnêmicos Segundo a Lei da regressão mnêmica de Théodule Ribot a perda de elementos mnêmicos segue regularidades como a perda dos elementos recentemente adquiridos antes dos mais antigos Podem ser classificadas como dissociativas ou psicogênicas relacionadas a traumas emocionais ou orgânicas associadas a condições neurológicas Na Amnésia anterógrada e retrógrada o indivíduo tem dificuldade em fixar novas memórias após um evento causador do dano cerebral enquanto na retrógrada ocorre a perda de memórias de eventos anteriores ao transtorno As Alterações qualitativas paramnésias envolvem distorções no processo de evocação de conteúdos mnêmicos previamente fixados Podem se manifestar como ilusões mnêmicas que adicionam elementos falsos a memórias reais ou alucinações mnêmicas criações imaginativas que se assemelham a lembranças As paramnésias podem ser o substrato para a formação de delírios As Confabulações são relatos involuntariamente incongruentes com a história passada do indivíduo caracterizadas por lembranças falsas que são consideradas plausíveis Podem ocorrer em diversas condições neurológicas como síndrome de WernickeKorsakoff traumatismo cranioencefálico e esquizofrenia e estão associadas a lesões em áreas específicas do cérebro como os corpos mamilares o núcleo dorsomedial do tálamo e o córtex orbitofrontal As alterações qualitativas da memória incluem a pseudologia fantástica que referese à mentira patológica onde o sujeito cria histórias fantasiosas misturadas com a realidade às vezes tão intensas que ele próprio quase acredita nelas Esse fenômeno será abordado em detalhes em outro capítulo sobre juízo de realidade As Criptomnésias são falsificações da memória em que lembranças aparecem como eventos novos para o paciente que não as reconhece como memórias vivendoas como descobertas Por exemplo um indivíduo com demência pode contar uma história conhecida como se fosse nova mesmo que tenha sido relatada recentemente por outra pessoa A Ecmnésia é a recapitulação intensa e abreviada de muitos eventos passados uma recordação condensada que ocorre em um curto período de tempo Na ecmnésia o indivíduo experimenta a vivência perceptiva de cenas passadas como se estivessem acontecendo no presente Pode ocorrer em alguns pacientes com crises epilépticas A Lembrança obsessiva é a manifestação espontânea de imagens da memória ou conteúdos ideativos do passado que não podem ser voluntariamente repelidos pelo indivíduo Mesmo reconhecidas como indesejáveis essas lembranças persistem na consciência do paciente São comuns em indivíduos com transtornos do espectro obsessivocompulsivo O texto aborda duas grandes categorias de alterações do reconhecimento as agnosias que são déficits no reconhecimento de estímulos sensoriais sem causa sensorial óbvia e as alterações de reconhecimento psicopatológicas frequentemente associadas a transtornos mentais As Agnosias Visuais são déficits no reconhecimento de objetos faces cores etc por via visual Os pacientes podem descrever os objetos mas não sabem o que são até que sejam tocados ou cheirados Incluem a prosopagnosia incapacidade de reconhecer faces humanas e a agnosia para cores incapacidade de nomear ou apontar cores As Agnosias Auditivas São déficits no reconhecimento de sons sem perda auditiva Podem incluir agnosia verbal incapacidade de entender palavras faladas e amusia sensorial incapacidade de reconhecer e apreciar sons musicaisEssas agnosias podem resultar de lesões cerebrais específicas que afetam áreas associativas visuais ou auditivas Além disso o texto aborda debates sobre se as agnosias são fundamentalmente transtornos da percepção ou da memória e explora as diferentes manifestações e causas desses distúrbios É abordado diversas alterações do reconhecimento tanto de origem orgânica quanto associadas a transtornos mentais A Anosognosia é a incapacidade de reconhecer um déficit ou uma doença que afeta o indivíduo Por exemplo o paciente pode não reconhecer que tem um membro paralisado A Simultanagnosia é a incapacidade de reconhecer mais de um objeto ao mesmo tempo A Grafestesia é o reconhecimento da escrita pelo tato O comprometimento da grafestesia pode indicar problemas na integração sensóriomotora no nível cortical Os falsos desconhecimentos e falsos reconhecimentos são fenômenos delirantes em que o paciente não reconhece pessoas familiares ou identifica estranhos como conhecidos A Síndrome de Capgras ocorre quando o paciente acredita que pessoas próximas são sósias impostores A Síndrome de Frégoli ocorre quando o paciente identifica estranhos como pessoas conhecidas Na Paramnésia reduplicativa a pessoa acredita que lugares familiares pessoas ou objetos foram duplicados Os Fenômenos déjàvu são caracterizados como sensações de já ter vivenciado uma experiência no passado comumente associada à epilepsia do lobo temporal Os Fenômenos jamaisvu são sensações de que uma experiência já vivida é nova ou estranha Todas essas alterações podem estar relacionadas a condições neurológicas psicopatológicas ou serem observadas em indivíduos saudáveis em certas circunstâncias como fadiga ou ansiedade CAPÍTULO 18 O texto explora a importância da afetividade na experiência humana destacando suas diversas formas como humor emoções sentimentos afetos e paixões O autor Emílio Mira y López enfatiza como os estímulos ambientais influenciam o indivíduo afetando sua percepção e sentido de si mesmo Ele distingue entre humor emoções e sentimentos descrevendo cada um e sua relação com a experiência psicossomática Os sentimentos são apresentados como estados afetivos estáveis associados a conteúdos intelectuais e culturais variando de acordo com a linguagem e a sociedade O texto também menciona diferentes tipos de sentimentos como tristeza alegria agressividade atração pelo outro perigo e narcisismo ilustrando com exemplos de poetas e filósofos É abordado conceitos de afetos e paixões Afeto é definido como a qualidade emocional ligada a uma ideia ou representação mental sendo o componente emocional destas Já paixão é descrita como um estado afetivo extremamente intenso que domina a atividade psíquica direcionando a atenção e interesse do indivíduo em uma única direção muitas vezes inibindo outros interesses Destacase que paixões intensas podem interferir na lógica imparcial Na relação entre emoção e razão destacase diferentes perspectivas na tradição do pensamento ocidental Uma visão considera a emoção como um obstáculo à clareza e sensatez do pensamento enquanto outra defende que a dimensão emocional pode contribuir para uma compreensão mais profunda da realidade Autores como Berdiaeff e Scheller argumentam que as emoções ajudam o ser humano a perceber melhor as coisas enquanto existencialistas como Berdyaev hipervalorizam a emoção no processo de conhecimento Mesmo para aqueles que priorizam a razão reconhecemse dimensões da vida acessíveis apenas através das lentes da emoção e do sentimento Além disso o texto explora a reatividade da vida afetiva destacando a capacidade de sintonização afetiva em que o indivíduo é influenciado por estímulos externos e a irradiação afetiva em que o indivíduo transmite seu estado afetivo aos outros Existem diferentes formas de classificação das emoções começando com uma polarização entre emoções positivas e negativas Em seguida destaca a abordagem do Research Domain Criteria RDoC que propõe a organização das emoções em sistemas de valência negativa e positiva Discutese também a hipótese da universalidade das emoções contrastando com correntes contemporâneas que enfatizam sua relatividade cultural O trabalho de Paul Ekman sobre expressões faciais universais é apresentado como evidência de emoções básicas e universais inicialmente identificadas como seis alegria tristeza medo raiva nojo e surpresa mas posteriormente expandidas para onze Ekman também observa que as expressões faciais podem variar sutilmente dentro de cada emoção sugerindo a existência de famílias de emoções São abordadas diferentes categorias de emoções começando com as emoções secundárias ou sociais que são mais complexas e aprendidas socialmente Exemplos incluem vergonha culpa simpatia compaixão entre outras Em seguida discutese as emoções de fundo que são estados basais que constituem o colorido do estado afetivo de uma pessoa como sensações de bem estar ou malestar O debate sobre emoções universais versus culturais é mencionado com algumas correntes enfatizando a dimensão histórica e cultural das emoções Existem ainda as emoções não conscientes que ocorrem automaticamente e sem controle consciente mas ainda influenciam o comportamento e as tomadas de decisão das pessoas Essas emoções são detectadas através de mudanças neurofisiológicas mesmo quando os indivíduos não estão cientes da presença dos estímulos emocionais Explorase diversas teorias sobre a natureza e a origem das emoções A teoria de JamesLange postula que as emoções surgem como uma percepção das mudanças fisiológicas do corpo em resposta a eventos externos Em contrapartida a teoria de CannonBard sugere que a experiência emocional e as respostas fisiológicas ocorrem simultaneamente coordenadas pelo tálamo A teoria de SchachterSinger ou dos dois fatores destaca a interação entre estimulação fisiológica e avaliação cognitiva na experiência emocional A abordagem de Lazarus enfatiza a avaliação cognitiva da situação como precursora da experiência emocional Por outro lado a teoria de Zajonc sugere que as emoções podem ocorrer independentemente da cognição Além disso a teoria da perspectiva contextual das emoções destaca a importância do ambiente social na formação e expressão das emoções Outros estudos enfatizam a natureza corporal das emoções destacando como as sensações físicas e expressões corporais influenciam a experiência emocional Sobre as bases cerebrais das emoções Papez propôs uma estrutura cerebral envolvendo o hipotálamo o hipocampo os corpos mamilares os núcleos talâmicos anteriores e áreas dos lobos temporais e frontais denominada sistema límbico MacLean seguindo essa linha ampliou essa ideia incluindo estruturas como a amígdala os núcleos septais e certas regiões corticais como o córtex límbico frontotemporal e o giro cingulado Essas estruturas são fundamentais para o processamento emocional integrando aspectos psicofisiológicos e cognitivos das emoções Estudos recentes têm investigado detalhadamente essas estruturas cerebrais revelando sua importância nas respostas emocionais A amígdala e outras estruturas cerebrais possuem papel central na regulação das emoções A amígdala localizada na região temporal medial desempenha um papel fundamental nas respostas emocionais especialmente no medo condicionado Ela recebe informações sensoriais de várias regiões do cérebro e desencadeia respostas mentais comportamentais e fisiológicas associadas ao medo e à agressão Além disso está envolvida na modulação de outras emoções e funções cognitivas como aprendizado atenção e tomada de decisão Lesões na amígdala podem levar a distúrbios emocionais como ansiedade e depressão Além da amígdala outras áreas cerebrais como o córtex orbitofrontal e o córtex frontal ventromedial também desempenham papéis importantes na regulação emocional Essas áreas estão envolvidas na modulação das respostas da amígdala e na regulação de comportamentos sociais adequados Lesões nessas regiões podem resultar em comportamentos impulsivos e dificuldades de interação social Outras estruturas como a ínsula e o giro do cíngulo também estão relacionadas à experiência emocional A ínsula desempenha um papel crucial na percepção de sensações corporais associadas às emoções enquanto o giro do cíngulo está envolvido na regulação das emoções especialmente na experiência de tristeza e em comportamentos de cuidado Estímulos elétricos no córtex do cíngulo anterior têm sido associados à melhora de sintomas de depressão em pacientes Essas descobertas ressaltam a complexidade do sistema neural subjacente às emoções e sua interconexão com outras funções cognitivas e comportamentais sendo que lesões ou disfunções nessas regiões cerebrais podem levar a uma variedade de distúrbios emocionais e comportamentais O lobo parietal direito e o circuito septohipocampal também possuem um papel na regulação das emoções Pacientes com lesões no lobo parietal direito podem apresentar agnosia do lado esquerdo do corpo e heminegligência visual além de uma falta de consciência dos seus déficits anosognosia Curiosamente podem exibir um humor expansivo em contraste com a tristeza observada em lesões nas áreas frontais anteriores esquerdas O lobo parietal direito recebe projeções da amígdala o que permite a integração de estímulos emocionais com aspectos conscientes e de memória declarativa Lesões nessa área podem resultar em uma falta de reconhecimento emocional da situação O circuito septohipocampal está associado às experiências de ansiedade enquanto outros circuitos envolvendo o hipotálamo o tronco cerebral o córtex rinal e o telencéfalo basal também são importantes para diferentes experiências emocionais Estudos de neuroimagem funcional têm revelado correlações significativas entre a experiência emocional e a ativação de áreas e circuitos cerebrais específicos Esses correlatos não indicam que uma emoção esteja localizada em uma área cerebral específica mas sim que a ocorrência de uma determinada experiência emocional requer certos correlatos anatômicos e funcionais Freud e Melanie Klein possuem um papel importante na compreensão da afetividade humana Segundo Freud a angústia desempenha um papel central na teoria dos afetos resultando do conflito entre os impulsos instintivos do indivíduo e as restrições impostas pela cultura Inicialmente Freud postulou que a angústia era um subproduto da libido não descarregada mas mais tarde ele a considerou como um sinal de perigo desencadeando mecanismos de defesa para evitar situações ameaçadoras Além disso Freud associou a depressão ou melancolia à perda de objetos significativos levando a autoacusações sentimentos de culpa e comportamentos autopunitivos Por sua vez Melanie Klein enfatizou os afetos primários como ódio e inveja e sua relação com as fantasias primitivas e as relações de objeto Ela argumentou que os afetos são influenciados pelas relações do sujeito com seus objetos internos resultando em sentimentos de medo ansiedade e gratidão dependendo da qualidade dessas relações É citado alterações psicopatológicas da afetividade como distimia depressão hipertimia e irritabilidade patológica Distimia referese a uma alteração do humor enquanto depressão e mania são associadas a estados depressivos e exaltados respectivamente Ideias suicidas devem ser cuidadosamente investigadas em pacientes com humor triste Além disso o texto descreve termos como disforia puerilidade moria êxtase e irritabilidade patológica indicando sua associação com transtornos mentais e disfunções cerebrais A catatimia foi cunhada pelo psiquiatra suíço Paul Eugen Bleuler que se refere à influência constante da vida afetiva especialmente do estado de humor sobre as demais funções psíquicas A pesquisa psicopatológica demonstra o quão profunda é essa influência da afetividade na vida mental tanto normal quanto patológica A catatimia afeta a atenção o tempo a memória a sensopercepção e até mesmo os pensamentos e decisões que tendem a ser moldados pelos imperativos emocionais e afetivos conscientes ou não Existem diferenças entre ansiedade que sendo frequentemente usados como sinônimos A ansiedade é descrita como um estado de apreensão negativa em relação ao futuro acompanhado por manifestações somáticas e psíquicas enquanto a angústia se relaciona mais diretamente a sensações corporais de aperto ou sufocamento com uma conotação mais existencial e ligada ao passado Dentro da psicanálise são delineados diferentes tipos de angústia e ansiedade como a de castração de morte persecutória de separação entre outras Na abordagem existencialista a angústia é vista como uma condição fundamental do ser humano diante de situações inescapáveis da vida como estarnomundo estarcomooutro e serparaamorte Na psicologia clínica são destacados dois tipos de ansiedade de desempenho e antecipatória enquanto na análise do comportamento a ansiedade é vista como uma condição psicofisiológica produzida por contingências específicas de reforçamento O texto aborda diversas alterações nas emoções e nos sentimentos começando com a descrição do medo como uma reação universal de insegurança e angústia diante de algo temido Além disso são discutidas as fobias caracterizadas por medos desproporcionais em relação a objetos ou situações específicas como animais ou espaços amplos As crises de pânico são detalhadas como episódios agudos de ansiedade intensa muitas vezes acompanhados por sintomas físicos como taquicardia e sudorese A explicação do surgimento das crises está ligada ao sentimento de desamparo primário A anedonia a apatia e a falta de sentimentos são sintomas de transtornos mentais descrevendo como esses estados afetivos podem afetar negativamente a qualidade de vida das pessoas A labilidade e a incontinência afetiva se manifestam por mudanças súbitas e imotivadas no humor e nas emoções podendo estar associadas a condições neurológicas O riso e o choro patológicos também são discutidos como sintomas de lesões ou disfunções neuronais Nas psicoses especialmente na esquizofrenia podem ocorrer diferentes tipos de redução dos afetos incluindo hipomodulação distanciamento e pobreza embotamento e devastação afetiva A hipomodulação do afeto se refere à incapacidade do paciente de modular suas respostas emocionais de acordo com a situação indicando rigidez na relação com o mundo É mais comum na esquizofrenia mas também pode ocorrer em quadros depressivos graves e outros transtornos O distanciamento afetivo e a pobreza de sentimentos envolvem uma perda progressiva e patológica das vivências emocionais resultando em um empobrecimento na capacidade de experimentar variações sutis nos sentimentos Isso é observado em síndromes psicoorgânicas demências e alguns casos de esquizofrenia O embotamento afetivo e a devastação afetiva indicam uma perda profunda de toda vivência emocional que pode ser observada na expressão facial postura e comportamento do paciente Essa condição é mais comum nas formas negativas e deficitárias da esquizofrenia Nas psicoses particularmente na esquizofrenia ocorrem diversas alterações nos afetos que se distinguem da experiência emocional normal Estas incluem ambivalência afetiva inadequação do afeto paratimia e neotimia A ambivalência afetiva descreve a experiência de sentir sentimentos opostos simultaneamente em relação ao mesmo estímulo como amor e ódio por alguém Na esquizofrenia isso pode indicar uma cisão radical do Eu e uma desarmonia profunda das vivências psíquicas A inadequação do afeto ou paratimia referese a reações emocionais incongruentes com as situações vivenciadas revelando uma profunda desarmonia entre a esfera emocional e ideativa É observada na esquizofrenia e no transtorno da personalidade esquizotípica A neotimia é a experiência de sentimentos e vivências emocionais totalmente novos e estranhos para o paciente em estado psicótico Esses afetos bizarros são parte da experiência radicalmente diferente da esquizofrenia muitas vezes associada ao surgimento iminente de um delírio As alterações afetivas desempenham um papel crucial no diagnóstico de transtornos mentais afetando primariamente ou secundariamente o sistema emocional No transtorno depressivo os sintomas incluem tristeza intensa culpa autoacusação desesperança e ideias suicidas Na mania observase um humor alegre ou exaltado muitas vezes acompanhado de uma sensação de poder e expansão do Eu Na esquizofrenia os pacientes podem experienciar sentimentos de estranhamento neotimia e ambivalência afetiva durante os surtos agudos seguidos de períodos de insegurança e desconfiança persistentes Com a progressão da doença pode ocorrer uma redução qualitativa da afetividade manifestada pela apatia e anedonia embora haja uma paradoxal hipersensibilidade a estímulos emocionais Nos transtornos da personalidade como o borderline o humor disfórico e a sensação de vazio interno são comuns enquanto no transtorno histriônico podese observar um humor infantilizado e superficial Nos transtornos neurocognitivos como demências e condições neuropsiquiátricas as alterações afetivas são frequentes incluindo sintomas como apatia depressão irritabilidade e labilidade afetiva podendo ser difíceis de serem identificadas especialmente em estágios avançados da doença É citado ainda as emoções não conscientes ENCs em pessoas com transtornos mentais com base em estudos revisados por Lee e colaboradores 2016 Pacientes com transtornos de ansiedade mostraram uma atenção direcionada para estímulos emocionais negativos como raiva e medo em testes de palavras apresentadas rapidamente enquanto pacientes com esquizofrenia não apresentaram diferenças significativas em relação a controles saudáveis mas mostraram maior ativação da amígdala em resposta a faces emocionais Indivíduos com transtorno bipolar exibiram hiperativação de áreas cerebrais relacionadas a emoções em resposta a faces alegres ou tristes dependendo da fase do transtorno Por outro lado pacientes com depressão unipolar mostraram um viés para perceber e responder a faces tristes com respostas mais rápidas e precisas além de respostas automáticas mais elaboradas para essas faces CAPÍTULO 19 A vontade ou volição é uma dimensão complexa da vida mental influenciada por diversos aspectos como instintos emoções intelecto e valores culturais Filósofos como Kant Schopenhauer e Nietzsche contribuíram com diferentes perspectivas sobre a vontade O instinto é definido como respostas comportamentais padronizadas que favorecem a sobrevivência de uma espécie enquanto a psicanálise concebe a pulsão como uma força que impulsiona o sujeito em direção à vida ou à morte O desejo por sua vez é um anseio consciente ou inconsciente em busca de satisfação diferenciandose das necessidades fixas e inatas A inclinação referese à tendência duradoura e estável de desejar buscar ou gostar influenciada pela personalidade e em certa medida pela genética A motivação tanto na psicologia clássica quanto na contemporânea é um construto chave para compreender os fatores que energizam e orientam o comportamento humano sendo tanto intencional quanto reguladora O ato volitivo conforme descrito pelo psicopatólogo Augusto Luiz Nobre de Melo é caracterizado pelas expressões típicas do eu quero ou eu não quero que representam a vontade humana Esse processo envolve a distinção entre motivos intelectuais e móveis afetivos que influenciam a decisão O processo volitivo consiste em quatro etapas cronologicamente seguidas a intenção ou propósito a deliberação a decisão e a execução Na fase de intenção impulsos desejos e temores inconscientes influenciam a decisão Na deliberação ocorre uma ponderação consciente dos motivos e móveis envolvidos A decisão marca o início da ação e a execução finaliza o processo colocando em prática o que foi decidido A ação voluntária é guiada por essas quatro fases nas quais a reflexão precede a execução motora O debate sobre o quanto a vontade humana influencia as ações em contraposição aos determinismos genéticos sociais e culturais é uma questão antiga na tradição ocidental Nos últimos anos pesquisadores têm identificado estruturas cerebrais relacionadas aos processos psicológicos envolvidos em julgamentos e comportamentos morais além de comportamentos impulsivos e agressivos Lesões no córtex préfrontal ventromedial foram associadas a uma diminuição da empatia compaixão e sentimentos de culpa mesmo em decisões que causam dano a outras pessoas Além disso o hipotálamo e a amígdala têm sido relacionados à agressividade enquanto hiperatividade neural em certas áreas cerebrais está ligada a compulsões O córtex préfrontal é central na regulação desses comportamentos sendo responsável pela identificação planejamento e monitoramento das ações além de permitir o adiamento de gratificações As funções executivas frontais processadas principalmente pelo córtex pré frontal dorsolateral incluem a identificação de problemas planejamento de estratégias execução de tarefas e flexibilidade cognitiva Lesões nessa região podem levar a déficits na capacidade de planejamento solução de problemas e flexibilidade cognitiva além de comportamentos como perseveração e impulsividade As síndromes frontais relacionadas às lesões nos lobos préfrontais incluem a síndrome orbitofrontal caracterizada pela falta de inibição social e comportamentos impulsivos a síndrome frontalmedial marcada pela indiferença afetiva e diminuição da motivação e a síndrome da convexidade frontal que apresenta sintomas cognitivos relacionados às funções executivas como dificuldade na resolução de problemas e planejamento do futuro A depressão também pode estar presente nessas síndromes especialmente em lesões no hemisfério esquerdo Segundo Marc Hauser o Homo sapiens possui a capacidade evolutiva de realizar julgamentos morais e atos de vontade baseados em regras universais Essas capacidades incluem a distinção entre ações intencionais e acidentais bem como o valor atribuído a ações protetoras ou destrutivas Esses elementos seriam universais da espécie humana e parcialmente presentes em outros primatas No entanto a universalidade desses comportamentos e valores é debatida na antropologia Uma alteração da vontade é a hipobuliaabulia caracterizada pela diminuição ou abolição da volição onde o indivíduo se sente desanimado sem energia e com dificuldade de decisão geralmente associada à depressão grave Abulia não deve ser confundida com ataraxia um estado de indiferença volitiva e afetiva buscado ativamente por alguns como místicos e ascetas Este estado é almejado como uma libertação ativa e desejada Atos impulsivos são ações que ocorrem sem uma fase prévia de deliberação e decisão muitas vezes de forma egossintônica onde o indivíduo não percebe o ato como inadequado Esses atos são associados a impulsos patológicos inconscientes ou à incapacidade de tolerância à frustração Em contraste os atos compulsivos ou compulsões são reconhecidos como indesejáveis e inadequados pelo indivíduo havendo uma tentativa de refreálos ou adiálos Eles podem envolver desde ações simples até rituais complexos geralmente acompanhados de desconforto subjetivo e seguidos por uma sensação de alívio temporário seguido pelo retorno do desconforto e da urgência de repetir o ato compulsivo Os construtos de impulsividade e compulsividade historicamente considerados opostos compartilham mecanismos neuropsicológicos e frequentemente coocorrem em transtornos mentais resultando em casos mais graves Os circuitos neurais envolvidos nessas condições abrangem processos neuropsicológicos como atenção percepção e coordenação de respostas motoras e cognitivas relacionados aos lobos frontais e corpos estriatais Enquanto o subcircuito da impulsividade envolve o striatum ventral e o nucleus accumbens ativando comportamentos impulsivos o subcircuito da compulsividade envolve o núcleo caudado e putame modulado pelo córtex orbitofrontal A hiperatividade no striatum e anormalidades préfrontais podem favorecer a emergência de atos impulsivos eou compulsivos Diversos tipos de impulsos e compulsões patológicas são observados incluindo automutilação frangofilia e piromania muitas vezes associados a transtornos mentais específicos como esquizofrenia transtorno de personalidade borderline e dependência de álcool ou drogas A ideação e os impulsos suicidas também devem ser investigados cuidadosamente especialmente em pacientes com transtornos de humor dependência de substâncias e transtornos de personalidade Existem tipos diferentes de impulsos e compulsões alimentares e relacionados à ingestão de substâncias como a bulimia que é o impulso de ingerir grandes quantidades de alimentos seguido de sentimentos de culpa levando à indução de vômitos ou uso de laxantes A Dipsomania que é a compulsão periódica para ingerir grandes quantidades de álcool frequentemente resultando em perda de consciência A Potomania compulsão para beber água excessivamente sem sede exagerada podendo levar a complicações metabólicas No que concerne atos e compulsões sexuais existem diversos atos impulsivos e compulsivos de natureza sexual como pedofilia exibicionismo voyeurismo fetichismo sadismo masoquismo zoofilia necrofilia e coprofilia entre outros A poriomania é o impulso de andar sem rumo ou viajar sem destino específico observado em pacientes com esquizofrenia deficiência intelectual entre outros A Cleptomania é o impulso ou compulsão para furtar objetos muitas vezes precedido de ansiedade e seguido de alívio temporário O jogo patológico é a compulsão por jogos de azar mesmo com prejuízos financeiros e sociais A Compulsão por compras é a necessidade premente de comprar objetos seguida de sentimentos de culpa e arrependimento A Compulsão e dependência de internet e videogames diz respeito à crescente dependência de atividades online como jogos redes sociais e compras principalmente entre adolescentes e jovensEsses impulsos e compulsões podem estar associados a diversos transtornos mentais e comportamentais e podem ter graves consequências para a saúde física e mental dos indivíduos afetados Abordase também as alterações da vontade como o negativismo que é caracterizado pela oposição do indivíduo às solicitações do ambiente Pode se manifestar de forma ativa fazendo o oposto do solicitado ou passiva simplesmente não fazendo nada É observado na esquizofrenia depressão grave e transtornos da personalidade podendo incluir recusa sistemática de alimentos sitiofobia A obediência automática que é o oposto do negativismo em que o paciente obedece automaticamente às solicitações de outras pessoas sem autonomia ou capacidade de conduzir seus próprios atos Os Fenômenos em eci que é Repetição automática durante uma entrevista ou outras situações das últimas palavras gestos ou reações do interlocutor Pode ocorrer na esquizofrenia transtornos neurocognitivos e transtornos do espectro autista Os Automatismos que incluem sintomas psicomotores automáticos associados a crises epilépticas bem como fenômenos psíquicos em que o paciente sente que seus pensamentos e comportamentos não são controlados por ele mesmo mas por forças externas Explorase várias alterações da psicomotricidade como a agitação psicomotora caracterizada pela aceleração e exaltação da atividade motora do indivíduo muitas vezes acompanhada de hostilidade e heteroagressividade É comum em quadros maníacos episódios esquizofrênicos agudos e transtornos psicoorgânicosA Lentificação psicomotora que reflete uma lentificação geral da atividade psíquica tornando a movimentação voluntária lenta e difícil Pode incluir períodos de latência entre solicitações ambientais e respostas motoras do paciente podendo chegar a um estado de inibição psicomotora profunda O estupor é caracterizado pela perda de toda atividade psicomotora espontânea enquanto a catatonia é uma síndrome que envolve estupor junto com uma série de outros sintomas psicomotores como catalepsia flexibilidade cerácea mutismo negativismo entre outros A catatonia pode estar presente em uma variedade de transtornos mentais e condições neurológicas sendo potencialmente grave e requerendo tratamento imediato Existem dois construtos importantes na compreensão das respostas humanas a situações de perigo a cascata de defesa e o desamparo aprendido A Cascata de defesa é um sistema de comportamentos e reações defensivas diante de perigos presente em animais incluindo humanos Inclui estágios como reação de alerta reação de fuga ou luta e se essas falham ocorre o freezing uma imobilidade atenta Esse estado pode evoluir para imobilidade tônica colapsada ou quiescente A cascata de defesa é coordenada por vias neurais específicas principalmente envolvendo o córtex límbico amígdala e hipotálamoJá o desamparo aprendido é a falência em escapar de eventos aversivos não controláveis como choques ou estresse Surge devido à falta de controle sobre estímulos aversivos no ambiente Por exemplo uma criança com pais abusivos pode desenvolver desamparo aprendido Isso pode levar a dificuldades emocionais e volitivas significativas ao longo da vida O desamparo aprendido tem sido relacionado a condições psicopatológicas como depressão e TEPT Ambos os conceitos oferecem insights sobre as respostas humanas a traumas e estresses intensos sendo fundamentais para compreender e abordar diversas condições psicopatológicas Ademais o texto aborda diferentes tipos de comportamentos motores repetitivos e anormais como as estereotipias motoras que ão repetições automáticas e uniformes de um determinado ato motor complexo indicando perda do controle voluntário sobre a esfera motora Podem ser observadas na esquizofrenia e na deficiência intelectual O maneirismo que é um tipo de estereotipia motora caracterizado por movimentos bizarros e repetitivos geralmente complexos que parecem buscar um objetivo mesmo que esdrúxulo Pode ocorrer na esquizofrenia na histeria grave e na deficiência intelectual Os Tiques múltiplos motores eou vocais que são atos coordenados repetitivos e breves geralmente associados à ansiedade Podem ocorrer em crianças ansiosas ou como parte do transtorno de Tourette que também pode envolver coprolalia fala involuntária de palavrões e copropraxia gestos involuntários de palavrões A Conversão que é o surgimento abrupto de sintomas físicos de origem psicogênica como paralisias anestesias ou cegueira em situações estressantes ou de conflito intrapsíquico ou interpessoal significativo Por exemplo uma pessoa pode desenvolver paralisia após uma discussão violenta ou descoberta de infidelidade Esses comportamentos motores anormais são frequentemente associados a condições psicopatológicas e podem ter origens diversas desde problemas neuropsiquiátricos até conflitos emocionais e interpessoais Pacientes com transtornos dissociativos e conversivos podem apresentar marcha irregular mutável e bizarra com elementos de ataxia e espasticidade mas sem um padrão neurológico preciso Podem ocorrer movimentos supérfluos balanceio excessivo e tremores semelhantes a quedas mas raramente resultando em lesões graves Alguns apresentam camptocormia e uma forma de hemiplegia que se distingue da paralisia orgânica Termos como astasia e abasia eram usados para descrever a incapacidade de andar ou ficar em pé sem causa orgânica Na esquizofrenia a marcha pode ser bizarra com maneirismos e estereotipias motoras Alguns pacientes psicóticos em uso de neurolépticos podem desenvolver distonias A marcha de pacientes deprimidos é geralmente lenta e difícil Essas alterações devem ser diferenciadas dos padrões de marcha alterados encontrados em doenças neurológicas A hiperventilação psicogênica é caracterizada por respiração acelerada e suspiros não obstrutivos associados à ansiedade O hipopragmatismo referese à incapacidade de realizar atividades diárias mínimas devido a alterações nas esferas volitivas e afetivas comumente observado em pacientes psicóticos crônicos As apraxias são dificuldades ou incapacidades de realizar gestos complexos sem déficits motores primários com diferentes tipos como apraxia ideativa ideomotora de movimento de membros e construcional resultantes de lesões corticais A apraxia da marcha é caracterizada pela dificuldade em iniciar e organizar o movimento da marcha geralmente associada a lesões nos lobos frontais e subcorticais Os neurolépticos de primeira geração usados no tratamento de psicoses frequentemente causam alterações no tônus muscular na postura e nos movimentos voluntários e involuntários Por outro lado várias doenças neurológicas também podem levar a alterações motoras e movimentos involuntários devido a lesões neuronais Além disso são discutidos instrumentos padronizados de avaliação da volição como a Escala de Impulsividade de Barratt para avaliar impulsividade e o Teste de Dependência da Internet para avaliar o uso excessivo da rede CAPÍTULO 20 O pensamento possui três características fundamentais conceitos juízos e raciocínio Os conceitos são descritos como formações cognitivas abstratas e gerais que surgem a partir de percepções e representações sensoriais mas que não possuem elementos sensoriais em si mesmos Eles são formados por meio da eliminação dos caracteres sensoriais e da generalização das características essenciais dos objetos ou fenômenos O debate entre a natureza das representações como imagens ou proposições também é mencionado Os conceitos são vistos como a unidade básica do pensamento e do conhecimento sendo essenciais para a manipulação cognitiva e compreensão do mundo Os conceitos são vistos como unidades básicas que se articulam entre si formando uma rede complexa de relações Os juízos por sua vez surgem da articulação entre conceitos estabelecendo relações significativas entre eles como na formação de frases ou proposições Por exemplo o juízo a cadeira é útil estabelece uma relação entre os conceitos de cadeira e utilidade Já o raciocínio é descrito como a função que conecta conceitos e juízos formando narrativas ou argumentações e permitindo o desenvolvimento do pensamento através do encadeamento de conhecimentos São apresentadas alterações nos conceitos juízos e raciocínio como desintegração e transformação dos conceitos condensação dos conceitos juízo deficiente ou prejudicado e juízos de realidade ou existência Por exemplo na desintegração dos conceitos palavras podem ter significados pessoais idiossincráticos enquanto na condensação dos conceitos duas ou mais ideias são fundidas em um único conceito Juízos de realidade como delírios são destacados como as alterações mais relevantes em psicopatologia sendo tratados em capítulo separado devido à sua importância e extensão Existem diversos tipos alterados de pensamento incluindo juízo e raciocínio como o Pensamento Mágico PM que é caracterizado pela associação subjetiva de ideias a relações objetivas de fatos desconsiderando a lógica e a realidade Exemplos incluem crenças em associações fortuitas como causas reais de eventos O Pensamento Dereístico PD que é oposto ao pensamento crítico e realista distorce a realidade para se adequar aos desejos do indivíduo muitas vezes associado à fantasia e devaneio A Wishful Thinking WT que é Identificação errônea dos desejos com a realidade baseandose mais nos desejos do que em fatos concretos O Pensamento Inibido caracterizado por um raciocínio lento e pouco produtivo observado em quadros demenciais e depressivos graves O Pensamento Vago caracterizado pela falta de clareza e precisão no raciocínio pode ser um sinal inicial de esquizofrenia O Pensamento Prolixo que é a dificuldade em chegar a conclusões sobre um tema com digressões irrelevantes Exemplos incluem tangencialidade e circunstancialidade O Pensamento Concreto a falta de distinção entre dimensão abstrata e concreta com dificuldade em entender metáforasO Pensamento Deficitário com uma estrutura pobre e rudimentar com escassez de conceitos abstratos e dificuldade na aplicação de regras O Pensamento Demencial que é o empobrecimento variável do pensamento é desigual ao longo do tempo O Pensamento Confusional que é a incoerência devido ao rebaixamento da consciência com dificuldade em estabelecer vínculos entre conceitosO Pensamento Desagregado que é uma incoerência extrema com mistura aleatória de palavras O Pensamento Obsessivo cuja predominância de ideias absurdas ou repulsivas que se impõem à consciência de forma persistente As ruminações que são pensamentos negativos recorrentes associados a transtornos de ansiedade depressão e compulsões Todos esses tipos de pensamento podem ocorrer em diversos transtornos mentais incluindo ansiedade depressão transtorno bipolar e esquizofrenia além de serem observados em préadolescentes e adolescentes em fase inicial de transtornos do humor No que concerne às alterações no curso forma e conteúdo do pensamento destacamse a aceleração em que o pensamento flui rapidamente dificultando acompanhar o ritmo ocorrendo em mania esquizofrenia e ansiedade intensa A Lentificação que o pensamento progride lentamente com latência entre perguntas e respostas observado em quadros depressivos graves e intoxicações O Bloqueio caracterizado pela interrupção abrupta do pensamento durante uma conversa quase exclusiva da esquizofrenia O Roubo do Pensamento que há a sensação de que o pensamento foi roubado por uma força estranha característico da esquizofrenia A Fuga de Ideias que é a aceleração extrema do pensamento com ideias se sucedendo rapidamente perturbando as associações lógicas observada em quadros maníacos do transtorno bipolar O Afrouxamento das Associações que são enlaces associativos menos articulados manifestado nas fases iniciais da esquizofrenia O Descarrilhamento do Pensamento que é o extravio do curso normal do pensamento associado a marcante distraibilidade observado na esquizofrenia e em transtornos maníacos A Dissociação e Incoerência do Pensamento caracterizada pela desorganização do pensamento com sequências não lógicas e falta de articulação entre os juízos característico da esquizofrenia A Desagregação do Pensamento que é a perda radical dos enlaces associativos sem coerência típico de formas avançadas de esquizofrenia e quadros demenciais Essas alterações estão relacionadas à psicopatologia significativa e impactam negativamente a vida das pessoas associadas a dificuldades nas funções executivas frontais Elas podem ocorrer em esquizofrenia transtornos afetivos transtorno do espectro autista entre outros sendo indicadores da gravidade do quadro clínico Os conteúdos mais prevalentes na psicopatologia das alterações do conteúdo do pensamento são os persecutórios que incluem vivências de perseguição ligadas à sobrevivência em um mundo potencialmente ameaçador Os Depreciativos com sentimentos de menosvalia e desvalorização frequentes em estados depressivosO Poder Riqueza Grandeza ou Missão relacionados à segurança narcisismo e negação das dificuldades da vida Os Religiosos e Místicos presentes em todas as culturas devido ao papel central da religião na organização da representação do mundo Os Eróticos e Sexuais que são temas de interesse humano primordial revelados por Freud como importantes para a esfera mental e social Os Hipocondríacos relacionados à importância do corpo na experiência humana incluindo preocupações somáticas e medo de adoecer Os Eventos Futuros Negativos expressos por pessoas com ansiedade generalizada e depressão ansiosa CAPÍTULO 21 O texto aborda o juízo da realidade e suas alterações enfatizando que o ato de julgar é uma atividade humana fundamental Os juízos estão relacionados à percepção da verdade da existência de objetos e à distinção entre qualidades Na psicopatologia os juízos de realidade são de grande interesse pois refletem a relação do indivíduo com a realidade compartilhada As alterações no juízo de realidade são consideradas alterações do pensamento e são destacadas devido à sua importância na psicopatologia especialmente no contexto dos delírios Juízos falsos podem surgir de diversas formas mas a distinção crucial em psicopatologia é entre erros simples não causados por transtornos mentais e formas de juízos falsos causados por transtornos mentais sendo o delírio o mais significativo deles É realizado a distinção entre erro simples e delírio ressaltando que não há uma fronteira clara entre eles O erro ocorre por ignorância julgamento apressado ou uso de premissas falsas enquanto o delírio é incompreensível e não pode ser corrigido pela experiência ou lógica Os erros simples são compreensíveis social e psicologicamente e podem surgir de situações afetivas intensas Por outro lado o delírio é caracterizado pela incompreensibilidade e não pode ser entendido psicologicamente Além disso são discutidos tipos de erros comuns como preconceitos e superstições e alterações patológicas do juízo como ideias prevalentes ou sobrevaloradas Essas ideias são sustentadas com forte convicção são egossintônicas e geralmente causam sofrimento ou disfunção no indivíduo Algumas delas podem progredir para delírios verdadeiros mas outras podem não ter significado patológico sendo consideradas parte da psicologia normal O delírio é definido por Karl Jaspers como juízos patologicamente falsos originados de transtornos mentais Suas características incluem uma convicção extraordinária imutabilidade diante da realidade e frequentemente um conteúdo irreal Além disso é vivenciado como evidente pelo paciente e muitas vezes é associal divergindo do contexto cultural As dimensões do delírio incluem o grau de convicção a extensão do envolvimento nas áreas da vida do paciente a bizarrice ou implausibilidade a desorganização a pressão ou preocupação a resposta afetiva e o comportamento resultante Também é discutida a diferença entre delírios primários que são incompreensíveis psicologicamente e delírios secundários que são derivados de outras alterações mentais O texto ainda aborda os delírios compartilhados onde mais de uma pessoa acaba compartilhando dos delírios de uma pessoa verdadeiramente psicótica Os delírios são classificados de acordo com sua estrutura em simples ou complexos e sistematizados ou não sistematizados Os delírios simples envolvem apenas um tema enquanto os complexos abrangem vários temas simultaneamente Os não sistematizados carecem de consistência e podem variar enquanto os sistematizados são bem organizados e mantêm os mesmos conteúdos ao longo do tempo O surgimento dos delírios geralmente segue um período prédelirante chamado humor delirante caracterizado por aflição e ansiedade intensas Após essa fase ocorre a revelação do delírio onde o paciente descobre o que está acontecendo e muitas vezes se acalma Klaus Konrad propôs cinco fases no desenvolvimento do delírio trema apofania fase apocalíptica consolidação e fase de resíduo Os delírios podem ter um curso agudo surgindo rapidamente e desaparecendo em pouco tempo ou crônico persistindo por longos períodos sem muita modificação ao longo do tempo O delírio é formado por uma interação complexa de fatores cerebrais psicológicos afetivos de personalidade e socioculturais Embora não haja evidências consistentes sobre sua etiologia podem ser identificados alguns mecanismos constitutivos como a interpretação distorcida dos fatos é fundamental na formação do delírio gerando histórias delirantes que embora irracionais possuem certa lógica O delírio intuitivo ocorre quando o paciente percebe repentinamente uma nova realidade sem a necessidade de fundamentação lógica A imaginação acompanha a atividade interpretativa na construção do delírio onde o paciente elabora eventos fictícios como parte de sua realidade A afetividade cujo delírios catatímicos são influenciados por estados afetivos intensos como nas depressões graves e mania onde o paciente vive em um mundo marcado por suas emoções O delírio mnêmico é construído a partir de elementos verdadeiros ou falsos da memória onde o paciente incorpora experiências passadas em sua narrativa delirante Delírios oníricos estão associados a estados de turvação da consciência ricos em experiências oníricas e confusão do pensamento O delírio pode surgir de experiências alucinatórias intensas onde o paciente integra a atividade alucinatória em sua vida por meio do delírio A percepção delirante descrita por Kurt Schneider é especialmente importante onde uma percepção normal recebe imediatamente um significado delirante vivenciado como uma revelação abruptaEsses mecanismos embora não sejam engendradores puros do delírio contribuem para sua formação destacando a complexidade desse fenômeno psicopatológico As relações entre delírio e alucinação são complexas e bidirecionais com ambas as manifestações muitas vezes interagindo de maneira intricada Estudos sugerem que as alucinações podem preceder os delírios influenciando seu surgimento No entanto o oposto também pode ocorrer com delírios influenciando a percepção sensorial e levando a alucinações Além disso delírios e alucinações podem se reforçar mutuamente fornecendo uma prova de realidade um ao outro Por exemplo alucinações de vozes ameaçadoras podem confirmar o delírio de que o sujeito está sendo perseguido Essa retroalimentação pode sustentar o estado delirantealucinatório da psicose A estabilização e a manutenção do delírio ao longo do tempo podem ser influenciadas por diversos fatores incluindo a inércia em mudar as próprias ideias a falta de comunicação interpessoal satisfatória e o comportamento agressivo resultante do delírio que pode levar ao isolamento social e reforçar o ciclo de paranoia e hostilidade Além disso o delírio pode afetar a maneira como o paciente é percebido pelos outros levandoo a construir novas interpretações delirantes para manter sua autoestima Existem os delírios de perseguição nos quais o indivíduo acredita estar sendo perseguido por outras pessoas e sujeito a ameaças Em seguida há o delírio de referência no qual o paciente interpreta eventos cotidianos como referências pessoais depreciativas Outro tipo abordado é o delírio de relação onde o indivíduo cria conexões delirantes entre eventos aparentemente sem relação muitas vezes com um tom persecutório O delírio de grandeza religioso erótico de identificação falsa e de conteúdo depressivo são caracterizados por crenças delirantes específicas São discutidos delírios hipocondríacos e cenestopáticos nos quais o indivíduo acredita ter doenças graves ou sentir sensações corporais estranhas respectivamente Esses delírios são frequentemente associados a transtornos psicóticos depressão grave e esquizofrenia No delírio de influência ou controle o paciente sentese controlado por forças externas como máquinas ou seres extraterrestres enquanto no delírio de grandeza a pessoa acredita ter poderes especiais e uma missão grandiosa Já o delírio religioso ou místico envolve crenças em divindades mensagens espirituais e missões sagradas sendo difícil distinguilo de crenças religiosas intensas No delírio de ciúmes o indivíduo sentese traído pelo parceiro de forma intensa podendo levar a atos de violência Já o delírio erótico envolve a crença de que alguém famoso ou importante está apaixonado pelo paciente Os delírios de falsa identificação como a síndrome de Capgras e Frégoli levam o paciente a acreditar que pessoas conhecidas foram substituídas por sósias ou que diferentes pessoas são na verdade a mesma pessoa disfarçada Esses delírios são observados em várias condições psiquiátricas como esquizofrenia transtornos delirantes transtorno bipolar e demências Os delírios de conteúdo depressivo apresentam temáticas tristes como ruína culpa autoacusação e até mesmo negação de órgãos No delírio de ruína o indivíduo acredita que está condenado ao sofrimento e fracasso Já no delírio de culpa e auto acusação o paciente se sente responsável por tudo de ruim que acontece O delírio de negação de órgãos conhecido como síndrome de Cotard envolve a crença de que partes do corpo estão mortas ou desaparecidas Além disso há o delírio hipocondríaco no qual o paciente crê ter uma doença grave apesar de evidências contrárias Por fim o delírio cenestopático referese a sensações estranhas nos órgãos internos interpretadas de forma delirante Esses tipos de delírios estão associados a quadros de depressão grave esquizofrenia e transtornos delirantes Os delírios mais comuns representando cerca de três quartos dos casos são os de perseguição que englobam não apenas os delírios persecutórios propriamente ditos mas também os de referência relação e influência todos com um tom persecutório Outros tipos de delírio como invenção infestação cenestopático e fantástico são menos frequentes embora ainda possam ocorrer Estudos históricos mostram que ao longo dos últimos 100 a 200 anos os delírios de perseguição têm sido consistentemente os mais comuns Pesquisas em arquivos franceses e eslovenos revelaram essa predominância com uma tendência crescente dos delírios de perseguição ao longo do tempo Um estudo realizado nos Estados Unidos também mostrou uma alta prevalência de delírios de perseguição com uma tendência de aumento após os anos de 1950 CAPÍTULO 1 CAPÍTULO 1 Analisa o signo que é um tipo especial de sinal com significado Natureza dupla dos sintomas psicopatológicos que funcionam tanto como indicadores de disfunções orgânicas ou psíquicas quanto como símbolos culturais SEMIOLOGIA SEMIOLOGIA Descreve três tipos de signos o ícone que se assemelha ao seu significado o indicador que aponta para o significado por contiguidade e o símbolo cuja relação com o significado é convencional e arbitrária dependendo do sistema simbólico total TEORIA JAKOBSON E PIERRE TEORIA JAKOBSON E PIERRE Semiotêcnica envolve técnicas de observação e coleta de sinais e sintomas Semiogênese investiga a origem produção significado e valor clínico dos sinais e sintomas Síndrome são conjuntos de sinais e sintomas recorrentes e as entidades nosológicas que são transtornos específicos com etiologia curso e evolução bem definidos DIVISÕES DA SEMIOLOGIA DIVISÕES DA SEMIOLOGIA CAPÍTULO 2 CAPÍTULO 2 Fenômenos semelhantes em todas ou quase todas as pessoas que incluem experiências psicológicas e fisiológicas normais como fome sede e sono Fenômenos parcialmente semelhantes e parcialmente diferentes nos quais ocorre uma sobreposição entre o normal e o patológico Exemplos incluem a tristeza normal em comparação com a depressão grave Fenômenos qualitativamente novos distintos das vivências normais característicos de doenças mentais específicas como alucinações e delírios na psicose Referese ao conjunto de conhecimentos sobre o adoecimento mental humano sem incluir critérios de valor ou aceitar dogmas pré estabelecidos Ciência autônoma PSICOPATOLOGIA PSICOPATOLOGIA Referese à estrutura básica comum a diversos pacientes e culturas como alucinações delírios fobias entre outros Essa forma é estudada na patogênese que representa o processo de formação e estruturação dos diferentes sintomas É mais universal o conteúdo é mais pessoal e singular FORMA DOS SINTOMAS FORMA DOS SINTOMAS Diz respeito ao que preenche essa estrutura como o tema específico de um delírio ou alucinação Esse preenchimento é denominado patoplastia e depende da história de vida única do paciente sua cultura e sua personalidade prévia ao adoecimento CONTEÚDO DOS SINTOMAS CONTEÚDO DOS SINTOMAS Definir um fenômeno envolve identificar sua semelhança com outros gênero próximo e suas diferenças específicas FENÔMENOS FENÔMENOS CONTEÚDO DOS SINTOMAS CONTEÚDO DOS SINTOMAS Relacionados a temas centrais da existência humana como sobrevivência sexualidade ameaças e temores básicos religiosidade entre outros CAPÍTULO 3 CAPÍTULO 3 A perspectiva biológica destaca os aspectos cerebrais e neuroquímicos das doenças mentais Por outro lado a visão sociocultural enfoca os transtornos mentais como comportamentos desviantes influenciados por fatores sociais e culturais PSICOPATOLOGIA BIOLÓGICA VS CULTURAL PSICOPATOLOGIA BIOLÓGICA VS CULTURAL Enfatiza a importância de ouvir o paciente como um amigo de confiança buscando compreender sua singularidade e co vivenciar suas experiências EUGEN BLEULER EUGEN BLEULER A abordagem médiconaturalista enfoca o adoecimento mental como uma disfunção biológica Já a perspectiva existencial considera o paciente como uma existência singular destacando sua experiência particular e sua relação com o mundo PSICOPATOLOGIA MÉDICA VS EXISTENCIAL PSICOPATOLOGIA MÉDICA VS EXISTENCIAL A visão comportamental e cognitivista analisa o ser humano em termos de comportamentos observáveis e representações cognitivas Por outro lado a psicanálise enfatiza os conflitos inconscientes e a influência dos desejos na psique humana PSICOPATOLOGIA COMPORTAMENTAL VS PSICNALÍTICA PSICOPATOLOGIA COMPORTAMENTAL VS PSICNALÍTICA A abordagem categorial concebe as doenças mentais como entidades individuais com fronteiras bem definidas Enquanto isso a perspectiva dimensional propõe entender os transtornos em termos de dimensões contínuas permitindo uma compreensão mais flexível e contextualizada PSICOPATOLOGIA CATEGOTIAL VS PSICOPATOLOGIA DIMENSIONAL PSICOPATOLOGIA CATEGOTIAL VS PSICOPATOLOGIA DIMENSIONAL Na abordagem operacionalpragmática as definições de transtornos mentais são formuladas de maneira arbitrária com foco na utilidade clínica e na pesquisa Em contrapartida a psicopatologia fundamental investiga os fundamentos históricos e conceituais de cada conceito psicopatológico incluindo tradições médicas literárias e artísticas PSICOPATOLOGIA OPERACIONALPRAGMÁTICA VS FUNDAMENTAL PSICOPATOLOGIA OPERACIONALPRAGMÁTICA VS FUNDAMENTAL CAPÍTULO 4 CAPÍTULO 4 Definir o que é normal ou anormal em psicopatologia historicamente esteve ligado a valores sociais sendo associado ao que é considerado desejável ou indesejável bom ou ruim CARGA VALORATIVA CARGA VALORATIVA Na prática clínica é essencial distinguir entre fenômenos normais e patológicos para fornecer intervenções adequadas considerando que nem todas as pessoas que sofrem mentalmente têm necessariamente um transtorno mental PRÁTICA CLÍNICA PRÁTICA CLÍNICA O comportamento e o estado mental das pessoas não são neutros mas influenciados por interesses e preocupações humanas o que torna a definição de normalidade ainda mais subjetiva SUBJETIVIDADE SUBJETIVIDADE Determinar o que é normal ou anormal em psicopatologia pode ter um impacto significativo na vida das pessoas especialmente em questões como orientação sexual e identidade de gênero que afetam diretamente a vida de milhares de pessoas IMPACTO NA VIDA REAL IMPACTO NA VIDA REAL Em casos menos intensos e delimitados além dos limítrofes e complexos a distinção entre comportamentos e estados mentais normais e patológicos é difícil e problemática o que destaca a importância do conceito de normalidade em psicopatologia PROBLEMAS DE DELIMITAÇÃO PROBLEMAS DE DELIMITAÇÃO Estabelecer critérios de normalidade é crucial para orientar políticas de saúde mental e planejamento em saúde incluindo a determinação das necessidades de serviços e o direcionamento de recursos IMPACTO NAS POLÍTICAS DE SAÚDE IMPACTO NAS POLÍTICAS DE SAÚDE CAPÍTULO 4 CAPÍTULO 4 Define normalidade como a ausência de sintomas ou sinais de doença mental No entanto esse critério é falho por ser baseado em uma definição negativa AUSÊNCIA DE DOENÇA AUSÊNCIA DE DOENÇA Define doença mental como perda da liberdade existencial onde a saúde mental está relacionada à capacidade de transitar com graus distintos de liberdade sobre o mundo e sobre o próprio destino NORMALIDADE COMO LIBERDADE NORMALIDADE COMO LIBERDADE Estabelece uma norma ideal arbitrariamente muitas vezes influenciada por critérios socioculturais e ideológicos como adaptação às normas morais e políticas da sociedade NORMALIDADE IDEAL NORMALIDADE IDEAL Considera como normal o que é observado com mais frequência na população No entanto nem tudo que é frequente é necessariamente saudável NORMALIDADE ESTATÍSTICA NORMALIDADE ESTATÍSTICA Baseiase na funcionalidade e no bemestar do indivíduo considerando patológico o fenômeno que causa disfunção e sofrimento NORMALIDADE FUNCIONAL NORMALIDADE FUNCIONAL Leva em conta a percepção subjetiva do próprio indivíduo em relação ao seu estado de saúde mas pode falhar ao ignorar casos em que a percepção subjetiva não corresponde à realidade NORMALIDADE SUBJETIVA NORMALIDADE SUBJETIVA Define saúde como completo bemestar físico mental e social mas é criticável por ser amplo e difícil de definir objetivamente BEMESTAR BEMESTAR Considera os aspectos dinâmicos do desenvolvimento psicossocial ao longo do tempo sendo útil na psicopatologia do desenvolvimento NORMALIDADE COMO PROCESSO NORMALIDADE COMO PROCESSO CAPÍTULO 5 CAPÍTULO 5 Neurônios podem desempenhar múltiplas funções dependendo das demandas ambientais O reuso neuronal é comum e as conexões cerebrais são moldadas pelas experiências individuais PLASTICIDADE NEURAL PLASTICIDADE NEURAL O hemisfério esquerdo está associado a funções linguísticas verbais enquanto o hemisfério direito está relacionado a habilidades visuoespaciais aspectos prosódicos da linguagem e percepção musical A dominância hemisférica para a linguagem é esquerda para a maioria dos indivíduos destros mas pode variar em canhotos ambidestros ou em casos de lateralidade ambígua HEMISFÉRIO ESQUERDO VS DIREITO HEMISFÉRIO ESQUERDO VS DIREITO As células da glia desempenham um papel crucial no processamento de informações no cérebro influenciando as sinapses e participando de processos neurológicos e psiquiátricos IMPORTÂNCIA DA GLIA IMPORTÂNCIA DA GLIA O cérebro humano nasce prematuro com grande parte do seu desenvolvimento ocorrendo após o nascimento A migração neuronal fetal e a exuberância sináptica na infância são seguidas pela poda sináptica na adolescência A mielinização é crucial para a eficiência do sistema nervoso DESENVOLVIMENTO DO CÉREBRO DESENVOLVIMENTO DO CÉREBRO Com o envelhecimento ocorre uma diminuição no número de neurônios e no tamanho do cérebro resultando em declínio cognitivo No entanto o engajamento em atividades cognitivas e físicas pode compensar esse declínio em certa medida ENVELHECIMENTO CEREBRAL ENVELHECIMENTO CEREBRAL A porção posterior incluindo lobos occipitais parietais e temporais está relacionada à percepção sensorial e à organização do ambiente A porção anterior frontal está relacionada às atividades motoras e à interação com o meio incluindo o planejamento de ações a resolução de problemas e a monitoração dos resultados das ações PORÇÃO ANTERIOR VS POSTERIOR PORÇÃO ANTERIOR VS POSTERIOR CAPÍTULO 5 CAPÍTULO 5 O cérebro possui a capacidade de se transformar e adaptar às exigências ambientais ao longo da vida não apenas na fase inicial A experiência é um elemento fundamental que estimula essa plasticidade promovendo o nascimento de novos neurônios alterações no tamanho dos dendritos formação de sinapses e aumento da atividade glial NEUROPLASTICIDADE POSITIVA NEUROPLASTICIDADE POSITIVA Experiências negativas como estresse prolongado depressão e ansiedade grave podem ter um efeito prejudicial sobre a plasticidade neuronal Isso pode levar a danos neuronais redução do volume cerebral e padrões neuronais disfuncionais aumentando a vulnerabilidade a transtornos mentais NEUROPLASTICIDADE NEGATIVA NEUROPLASTICIDADE NEGATIVA A atividade gênica no cérebro é relativamente homogênea em diferentes áreas cerebrais mas difere entre tipos de células neuronais A forma como os neurônios estão conectados e o histórico de experiências do indivíduo influenciam o comportamento cortical O mapeamento genético do cérebro humano está em andamento e promete trazer mais insights nos próximos anos GENÉTICA MOLECULAR E PSICOPATOLOGIA GENÉTICA MOLECULAR E PSICOPATOLOGIA Mecanismos epigenéticos no cérebro humano são influenciados por experiências pessoais e estímulos ambientais podendo ativar ou silenciar genes relacionados a processos psicológicos e psicopatológicos EPIGENÉTICA E NEUROPLASTICIDADE EPIGENÉTICA E NEUROPLASTICIDADE CAPÍTULO 6 CAPÍTULO 6 Defendido por Descartes postula uma interação constante entre a mente e o corpo A mente ou alma e o corpo são considerados duas substâncias distintas mas influenciamse mutuamente Essa visão sustenta a existência de uma alma imaterial no ser humano embora seja questionada pela ciência moderna DUALISMO INTERACIONISTA DUALISMO INTERACIONISTA Defende que apenas o espírito é real em uma forma extrema de idealismo subjetivo George Berkeley foi um de seus principais defensores MONISMO ESPIRITUALISTA MONISMO ESPIRITUALISTA Nesta perspectiva alma e corpo são considerados realidades autônomas e independentes sem interações recíprocas Coexistem e transcorrem paralelamente sem influenciar um ao outro Essa visão é criticada devido à correlação íntima entre fenômenos mentais e ocorrências cerebrais DUALISMO PARALELISTA DUALISMO PARALELISTA Essa abordagem mais próxima do monismo materialista argumenta que o cérebro produz os fenômenos mentais que são considerados epifenômenos do cérebro sem influenciálo Essa visão também é questionada devido às alterações funcionais e estruturais no cérebro associadas a fenômenos mentais DUALISMO EPIFENOMENISTA DUALISMO EPIFENOMENISTA A maioria das perspectivas monistas é materialista afirmando que só a matéria física é real Desde os filósofos da Antiguidade até os fisicalistas contemporâneos essa visão ganhou força com o avanço das neurociências MONISMOS MATERIALISTAS MONISMOS MATERIALISTAS CAPÍTULO 7 CAPÍTULO 7 Defendese a importância do diagnóstico para compreender o paciente e escolher estratégias terapêuticas adequadas Aristóteles é citado para destacar a necessidade de generalização na arte do diagnóstico DIAGNÓSTICO PSICOPATOLÓGICO DIAGNÓSTICO PSICOPATOLÓGICO O diagnóstico é fundamental para o avanço científico a previsão de prognósticos e a comunicação entre profissionais Não há sintomas específicos para transtornos mentais e o diagnóstico é baseado em dados clínicos incluindo história do transtorno e curso evolutivo CAPÍTULO 8 CAPÍTULO 8 A entrevista é o principal instrumento para conhecer o paciente Pois permite a coleta de informações valiosas para o diagnóstico clínico compreensão da dinâmica afetiva e planejamento terapêutico adequado Além da entrevista a avaliação física do paciente com transtorno mental é fundamental pois esses pacientes apresentam uma variedade de condições riscos e doenças físicas com maior frequência do que a população em geral AVALIAÇÃO PSICOPATOLÓGICA AVALIAÇÃO PSICOPATOLÓGICA Exames laboratoriais neurofisiológicos e de neuroimagem desempenham um papel crucial na detecção de disfunções e patologias neurológicas e sistêmicas que podem manifestar sintomas psiquiátricos EXAMES COMPLEMENTARES EXAMES COMPLEMENTARES É essencial realizar exames físicos adequados juntamente com a anamnese para uma avaliação completa do paciente com transtorno mental Depende de uma anamnese detalhada e de um exame objetivo para identificar possíveis lesões ou disfunções no sistema nervoso central eou periférico São enfatizados os sinais neurológicos patológicos e os reflexos primitivos que podem indicar lesões cerebrais difusas ou encefalopatias Vários desses reflexos devem ser analisados como o reflexo de preensão reflexo de sucção e reflexo palmomentual AVALIAÇÃO NEUROLÓGICA AVALIAÇÃO NEUROLÓGICA Complemento fundamental ao diagnóstico psicopatológico Testes de personalidade inteligência cognição social atenção e memória são frequentemente utilizados na prática clínica para essa finalidade AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA CAPÍTULO 9 CAPÍTULO 9 A habilidade do entrevistador se revela pelas perguntas formuladas pela capacidade de estabelecer uma relação empática e tecnicamente útil além de estabelecer limites quando necessário Paciência e respeito HABILIDADE DO ENTREVISTADOR HABILIDADE DO ENTREVISTADOR A transferência envolve a projeção inconsciente de sentimentos do passado do paciente para o profissional de saúde enquanto a contratransferência é a projeção inconsciente do profissional para o paciente TRANSFERÊNCIA E CONTRATRANSFERÊNCIA TRANSFERÊNCIA E CONTRATRANSFERÊNCIA É essencial coletar dados sociodemográficos básicos e permitir que o paciente relate livremente sua queixa ou sofrimento O entrevistador deve ouvir mais do que falar facilitando a fala do paciente mas também sendo ativo na introdução de perguntas esclarecedoras PRIMEIRA ENTREVISTA PRIMEIRA ENTREVISTA Rigidez neutralidade excessiva reações emotivas intensas hostilidade entre outras POSTURAS INADEQUADAS POSTURAS INADEQUADAS Inclui a anamnese o exame psíquico o exame físico geral e neurológico a avaliação psicológicapsicodiagnóstico e exames complementares AVALIAÇÃO PSICOPATOLÓGICA AVALIAÇÃO PSICOPATOLÓGICA Mini International Neuropsychiatric Interview Plus MINI Plus Present State Examination Standard for Clinicians Interview in Psychiatry SCIP ENTREVISTAS PADRONIZADAS ENTREVISTAS PADRONIZADAS CAPÍTULO 10 CAPÍTULO 10 A primeira impressão do paciente é influenciada por sua aparência tom de voz postura entre outros fatores além da experiência clínica e intuição do entrevistador COMUNICAÇÃO NÃO VERBAL CNV COMUNICAÇÃO NÃO VERBAL CNV Depressão redução da CNV incluindo expressão facial e movimentos expressivos da cabeça e das mãos Ansiedade expressão facial tensa e preocupada com sinais como tremores e suor frio Esquizofrenia ter dificuldades em expressar emoções apresentando uma redução da expressão afetiva e comportamentos estereotipados EXPRESSÕES CORPORAIS EXPRESSÕES CORPORAIS Ambiente da comunicação Considera como fatores do ambiente físico tamanho iluminação ruído etc influenciam a comunicação entre as pessoas Aparência física Explora como aspectos como o corpo aparência vestimenta e até mesmo odores podem comunicar informações sobre uma pessoa Proxêmica Referese ao uso e percepção do espaço entre as pessoas e como isso afeta as interações sociais incluindo posicionamento e movimentação no ambiente ELEMENTOS DA CNV ELEMENTOS DA CNV Autismo há déficits significativos na expressão e na compreensão da CNV incluindo ausência de contato ocular e dificuldade em expressar emoções Maniaocorre um conjunto de elementos característicos como comportamento hiperativo riso excessivo e expansão do discurso Movimentos do corpo Analisa gestos relacionados à fala gestos independentes da fala postura e comportamento tátil destacando como esses elementos expressam emoções e intenções Expressões faciais e comportamento ocular Explora como o rosto olhos e boca revelam emoções e atitudes assim como os movimentos oculares e expressões faciais em geral CAPÍTULO 11 CAPÍTULO 11 Propõe uma psicopatologia que estude o ser humano em sua interação social primordial argumentando que os sintomas não devem ser estudados isoladamente mas sim compreendidos em seu contexto interhumano MINKOWSKI MINKOWSKI Ele critica a abordagem tradicional da psicopatologia que se concentra na descrição mecânica dos sintomas sem considerar sua significação mais profunda Enfatiza a necessidade de uma abordagem mais holística que reconheça a interconexão entre os diferentes aspectos da vida mental e os situe dentro de um contexto mais amplo da pessoa como um todo Divisão das funções mentais em áreas isoladas enfatizando que essa separação é uma convenção útil mas que pode levar a simplificações inadequadas As funções mentais não existem de forma independente umas das outras e que é a pessoa como um todo que adoece LIMITAÇÕES PSICOPATOLÓGICAS LIMITAÇÕES PSICOPATOLÓGICAS CAPÍTULO 12 CAPÍTULO 12 O nível de consciência é definido como o continuum de sensibilidade e alerta do organismo frente aos estímulos internos e externos Suas principais características incluem a interação adequada com o ambiente modulação por estímulos e motivação e variação ao longo de um continuum que vai desde o estado total de alerta até o coma NEUROPSICOLOGIA DA CONSCIÊNCIA NEUROPSICOLOGIA DA CONSCIÊNCIA Consciência um campo onde existe uma parte central iluminada e uma margem menos iluminada onde surgem os automatismos mentais e os estados subliminares Inconsciente atemporalidade isenção de contradição e orientação pelo princípio do prazer Destacase o caráter dinâmico do inconsciente que exerce uma influência contínua sobre a vida psíquica manifestandose por meio de resistência e produção renovada de derivados do recalcado Neuropsicológica relaciona a consciência ao estado de vigília e clareza sensorial Psicológica conceitua como a soma total das experiências conscientes de um indivíduo em determinado momento relacionada à percepção e conhecimento da realidade PERSPECTIVAS DA CONSCIÊNCIA PERSPECTIVAS DA CONSCIÊNCIA Éticofilosófica referese à capacidade de tomar ciência dos deveres éticos e assumir responsabilidades CONSCIÊNCIA E INCONSCIENTE CONSCIÊNCIA E INCONSCIENTE Os ritmos circadianos são oscilações endógenas autossustentadas que organizam a temporalidade dos sistemas biológicos do organismo O sono é de suma importância para a saúde e o papel do sono REM na regulação emocional e no processamento de memórias ALTERAÇÕES NORMAIS DA CONSCIÊNCIA ALTERAÇÕES NORMAIS DA CONSCIÊNCIA Podem ocorrer tanto por processos fisiológicos normais quanto por processos patológicos As alterações quantitativas da consciência incluem o rebaixamento do nível de consciência que pode variar desde a obnubilação leve turvação da consciência até o coma perda completa da consciência ALTERAÇÕES PATOLÓGICAS DA CONSCIÊNCIA ALTERAÇÕES PATOLÓGICAS DA CONSCIÊNCIA CAPÍTULO 13 CAPÍTULO 13 Direção da consciência e a concentração da atividade mental em um objeto específico É essencial para selecionar filtrar e organizar informações significativas Subtipos de atenção concentração seletividade divisão alternância sustentação e controle executivo ATENÇÃO ATENÇÃO Delirium encefalopatias metabólicas meningoencefalites acidentes vasculares cerebrais e demências as alterações na atenção são comuns e muitas vezes estão relacionadas a déficits em funções executivas Transtorno cognitivo leve há uma demora maior na realização de tarefas diárias devido ao déficit de atenção Demâncias a atenção seletiva e a capacidade de concentração são prejudicadas desde as fases iniciais TDAHhá dificuldade em direcionar e manter a atenção a estímulos além de perturbação na inibição de respostas Atenção seletiva destacada como a capacidade de selecionar estímulos relevantes em meio a distrações Atenção divididareferese à habilidade de processar múltiplos estímulos simultaneamente Atenção alternada envolve mudar o foco de atenção entre diferentes estímulos conforme necessário Atenção sustentadadiz respeito à capacidade de manter a atenção ao longo do tempo especialmente durante atividades contínuas TIPOS DE ATENÇÃO TIPOS DE ATENÇÃO DISTÚRBIOS DISTÚRBIOS Transtornos de humor ocorre tanto diminuição quanto aumento da atenção dependendo do estado do paciente TOC há atenção excessiva e desregulada enquanto na esquizofrenia há dificuldade em filtrar informações irrelevantes e uma tendência à distração Testes de desempenho contínuo Teste de dígitos das baterias WISCIII e WAISII Teste de códigos TESTES PARA AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO TESTES PARA AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO Estruturas como o sistema reticular ativador ascendente o locus ceruleus noradrenérgico o tálamo e o córtex parietal estão envolvidas na regulação da atenção Além disso as estruturas límbicas nos lobos temporais medianos influenciam aspectos afetivos e motivacionais da atenção NEUROANATOMIA DA ATENÇÃO NEUROANATOMIA DA ATENÇÃO CAPÍTULO 14 CAPÍTULO 14 A capacidade de orientarse é classificada em autopsíquica relativa ao próprio indivíduo e alopsíquica relativa ao mundo exterior incluindo orientação espacial e temporal Orientação espacial envolve diversos subtipos como localização atual topográfica geográfica julgamento de distância e habilidades de navegação ORIENTAÇÃO ORIENTAÇÃO Desorientação por redução do nível de consciência ocorre quando há turvação ou rebaixamento da consciência afetando a atenção concentração e memória recente Desorientação por déficit de memória imediata e recente o indivíduo não consegue reter informações básicas em sua memória recente levando à perda da noção do tempo e do espaço Desorientação apática ou abúlica Decorre de profunda apatia ou desinteresse geralmente associada a um quadro depressivo grave resultando na falta de motivação para interagir com o ambiente TIPOS DE DESORIENTAÇÃO TIPOS DE DESORIENTAÇÃO Desorientação delirante Surge em indivíduos imersos em um estado delirante intenso onde ideias delirantes dominam sua percepção coexistindo às vezes com a orientação correta Desorientação por déficit intelectual Ocorre em pessoas com deficiência intelectual grave dificultando a compreensão do ambiente e a interpretação das convenções sociais Desorientação por dissociação Associada a quadros dissociativos graves frequentemente acompanhada de alterações na identidade pessoal e da consciência Desorientação por desagregação Presente em pacientes com psicose especialmente esquizofrenia crônica onde a desorganização profunda do pensamento impede a orientação adequada Desorientação temporoespacial ocorre áreas encefálicas como lesões corticais difusas lesões mesotemporais do sistema límbico e patologias que afetam o tronco cerebral e o sistema reticular ativador ascendente Neuropsicologia da orientação espacial lesões ou disfunções bilaterais ou unilaterais nas áreas posteriores do córtex cerebral especialmente nas regiões retrorolândicas Neuropsicologia da orientação temporal córtices frontal parietal e temporal ínsula núcleos da base etc NEUROPSICOLOGIA DA ORIENTAÇÃO NEUROPSICOLOGIA DA ORIENTAÇÃO Orientação temporal referese à compreensão do tempo cronológico incluindo noções de horas dias semanas meses e anos Desorientação quanto à própria idade Caracterizada pela discrepância entre a idade real e a idade percebida pelo indivíduo podendo ser um indicativo de déficit cognitivo na esquizofrenia CAPÍTULO 15 CAPÍTULO 15 A vivência do tempo é composta por diversos elementos incluindo percepção estimação de intervalos experiência da duração e da passagem do tempo todos influenciados por estados afetivos emoções e vivências corporais A distinção entre tempo subjetivo e objetivo é ressaltada assim como a possibilidade de descompasso entre ambos TEMPO TEMPO Depressãoa passagem do tempo é percebida como lenta contração do espaço na depressão Mania passagem do tempo é sentida como rápida dilatação do espaço na mania Esquizofrenia ocorrem fragmentação e desintegração da sensação do tempo e do espaço Paranoia e agorafobia percepção de ameaça no espaço exterior ANORMALIDADES DA VIVÊNCIA DO TEMPO ANORMALIDADES DA VIVÊNCIA DO TEMPO A vivência do tempo é composta por diversos elementos incluindo percepção estimação de intervalos experiência da duração e da passagem do tempo todos influenciados por estados afetivos emoções e vivências corporais A distinção entre tempo subjetivo e objetivo é ressaltada assim como a possibilidade de descompasso entre ambos TEMPO TEMPO Para o homem religioso o espaço sagrado é significativo e real enquanto os ritos religiosos proporcionam uma conexão com um tempo mítico e primordial reatualizando eventos sagrados do passado PERSPECTIVA RELIGIOSA DE TEMPO PERSPECTIVA RELIGIOSA DE TEMPO CAPÍTULO 16 CAPÍTULO 16 TEMPO TEMPO A alucinação como a percepção de um objeto sem a presença real do estímulo correspondente Já a ilusão ocorre quando há um objeto real presente mas a percepção é deformada por fatores patológicos diversos DIFERENÇA ENTRE ILUSÃO E ALUCINAÇÃO DIFERENÇA ENTRE ILUSÃO E ALUCINAÇÃO Sensação referese à resposta neuronal aos estímulos físicos ou químicos Percepção envolve a consciência do estímulo sensorial e sua interpretação neuropsicológica e psicológica SENSAÇÃO E PERCEPÇÃO SENSAÇÃO E PERCEPÇÃO Imagem Referese à percepção real e sensorial de um objeto caracterizada por nitidez corporeidade estabilidade extrojeção ininfluenciabilidade voluntária e completude Representação É a revivescência de uma imagem anteriormente percebida sem a presença física do objeto original São menos nítidas menos corpóreas instáveis introjetadas e frequentemente incompletas Imaginação Consiste na evocação de imagens percebidas no passado ou na criação de novas imagens na ausência de estímulos sensoriais ELEMENTOS FUNDAMENTAIS NA SENSOPERCEPÇÃO ELEMENTOS FUNDAMENTAIS NA SENSOPERCEPÇÃO Auditivasvozes acusativas humilhantes ou ameaçadoras Audioverbais o paciente ouve vozes sem estímulo real Podem ser depreciativas ou persecutórias Musicais o paciente ouve tons musicais melodias e ritmos sem estímulo auditivo externo correspondente Visuais podem ser simples como fotopsias ou complexas envolvendo figuras e cenas detalhadas Táteis paciente sente espetadas choques ou a sensação de insetos ou pequenos animais correndo sobre sua pele Olfativas e gustativas envolvem sensações de cheiros e sabores inexistentes podendo estar relacionadas a condições neurológicas ou causas orgânicas TIPOS DE ALUCINAÇÕES TIPOS DE ALUCINAÇÕES Liberação neuronal Alucinações auditivas visuais e olfativas são vistas como fenômenos de liberação neuronal relacionados à privação de estímulos sensoriais externos Teoria da Desorganização Global do Funcionamento Cerebral e Mental alterações globais no funcionamento cerebral levam à perda das inibições superiores permitindo que circuitos normalmente inibidos causem alucinações e outros sintomas psicóticos Teorias Neurobioquímicas Diversas substâncias químicas incluindo aquelas relacionadas à serotonina dopamina e acetilcolina podem causar alucinações CAUSAS CAUSAS CAPÍTULO 17 CAPÍTULO 17 TEMPO TEMPO Estruturas límbicas temporomediais como o hipocampo a amígdala e o córtex entorrinal são importantes na formação das unidades de memória e na consolidação dos registros O hipocampo desempenha um papel crucial na consolidação das memórias recentes o córtex cerebral especialmente as áreas de associação neocorticais é fundamental para a memória de longo prazo BASES NEUROBIOLÓGICAS BASES NEUROBIOLÓGICAS A memória é contextualizada como um processo altamente integrado e influenciado por diversos fatores como nível de consciência atenção estado emocional e contexto Não é um processo unitário mas composto por múltiplos elementos e estruturas cerebrais e que é um processo ativo e dinâmico sujeito a reinterpretações ao longo do tempo MEMÓRIA MEMÓRIA Hipermnésias Representam um excesso na evocação de informações ou imagens na memória Podem ocorrer em casos de mania ou hipomania refletindo uma aceleração do ritmo psíquico Amnésias Refletem a perda da memória podendo afetar a capacidade de fixar manter e evocar conteúdos mnêmicos ParamnésiasEnvolvem distorções no processo de evocação de conteúdos mnêmicos previamente fixados ConfabulaçõesSão relatos involuntariamente incongruentes com a história passada do indivíduo caracterizadas por lembranças falsas que são consideradas plausíveis PRINCIPAIS ALTERAÇÕES PATOLÓGICAS DA MEMÓRIA PRINCIPAIS ALTERAÇÕES PATOLÓGICAS DA MEMÓRIA Memória ExplícitaDeclarativa vs Memória ImplícitaNão Declarativa A memória explícita envolve o conhecimento consciente e é acessada com esforço como lembrar eventos autobiográficos Por outro lado a memória implícita é adquirida e usada sem consciência como habilidades motoras automáticas Priming o priming é quando estímulos previamente expostos afetam o desempenho cognitivo futuro mesmo sem consciência do estímulo original Devaneio e Viagem Mental no Tempo O devaneio envolve a construção de histórias mentais enquanto a viagem mental no tempo permite reviver o passado e imaginar o futuro Esses processos ativados principalmente pelos hipocampos e lobos frontais são cruciais para formar memórias autobiográficas e para a teoria da mente TIPOS DE MEMÓRIA TIPOS DE MEMÓRIA Memória de trabalho a memória de trabalho é explícita e consciente exigindo esforço para manter e manipular informações temporariamente Memória episódica É uma memória explícita de médio e longo prazos relacionada a eventos específicos da experiência pessoal do indivíduo Memória semântica Referese ao aprendizado e utilização do arquivo geral de conceitos e conhecimentos do indivíduo sobre o mundo Mémoria de procedimentos Trata se de um tipo de memória automática não consciente relacionada a habilidades motoras perceptuais e linguísticas CAPÍTULO 18 CAPÍTULO 18 TEMPO TEMPO A angústia desempenha um papel central na teoria dos afetos resultando do conflito entre os impulsos instintivos do indivíduo e as restrições impostas pela cultura Inicialmente Freud postulou que a angústia era um subproduto da libido não descarregada mas mais tarde ele a considerou como um sinal de perigo desencadeando mecanismos de defesa para evitar situações ameaçadoras Além disso Freud associou a depressão ou melancolia à perda de objetos significativos levando a autoacusações sentimentos de culpa e comportamentos autopunitivos FREUD NA COMPREENSÃO DA AFETIVIDADE FREUD NA COMPREENSÃO DA AFETIVIDADE Afeto é definido como a qualidade emocional ligada a uma ideia ou representação mental sendo o componente emocional destas Já paixão é descrita como um estado afetivo extremamente intenso que domina a atividade psíquica direcionando a atenção e interesse do indivíduo em uma única direção muitas vezes inibindo outros interesses AFETOS E PAIXÕES AFETOS E PAIXÕES Autores como Berdiaeff e Scheller argumentam que as emoções ajudam o ser humano a perceber melhor as coisas enquanto existencialistas como Berdyaev hipervalorizam a emoção no processo de conhecimento Exemplos incluem vergonha culpa simpatia compaixão entre outras EMOÇÃO EMOÇÃO A amígdala desempenha um papel fundamental nas respostas emocionais especialmente no medo condicionado Ela recebe informações sensoriais de várias regiões do cérebro e desencadeia respostas mentais comportamentais e fisiológicas associadas ao medo e à agressão Além disso está envolvida na modulação de outras emoções e funções cognitivas como aprendizado atenção e tomada de decisão O córtex orbitofrontal e o córtex frontal ventromedial também desempenham papéis importantes na regulação emocional A ínsula e o giro do cíngulo também estão relacionadas à experiência emocional A ínsula desempenha um papel crucial na percepção de sensações corporais associadas às emoções enquanto o giro do cíngulo está envolvido na regulação das emoções ESTRUTURAS CEREBRAIS NA REGULAÇÃO DAS EMOÇÕES ESTRUTURAS CEREBRAIS NA REGULAÇÃO DAS EMOÇÕES CAPÍTULO 19 CAPÍTULO 19 TEMPO TEMPO Hipobulia caracterizada pela diminuição ou abolição da volição onde o indivíduo se sente desanimado sem energia e com dificuldade de decisão Abulia um estado de indiferença volitiva e afetiva buscado ativamente por alguns Atos impulsivos são ações que ocorrem sem uma fase prévia de deliberação e decisão ALTERAÇÕES DA VONTADE ALTERAÇÕES DA VONTADE É uma dimensão complexa da vida mental influenciada por diversos aspectos como instintos emoções intelecto e valores culturais É caracterizado pelas expressões típicas do eu quero ou eu não quero que representam a vontade humana Esse processo envolve a distinção entre motivos intelectuais e móveis afetivos que influenciam a decisão VONTADE VONTADE Intenção impulsos desejos e temores inconscientes influenciam a decisão 1 Deliberação ocorre uma ponderação consciente dos motivos e móveis envolvido 2 Decisão marca o início da ação 3 Execução finaliza o processo colocando em prática o que foi decidido 4 PROCESSO VOLITIVO PROCESSO VOLITIVO Bulimia Impulso de ingerir grandes quantidades de alimentos seguido de sentimentos de culpa levando à indução de vômitos ou uso de laxantes Dipsomania Compulsão periódica para ingerir grandes quantidades de álcool frequentemente resultando em perda de consciência Potomania Compulsão para beber água excessivamente sem sede exagerada podendo levar a complicações metabólicas Atos impulsivos de natureza sexual pedofilia exibicionismo voyeurismo fetichismo sadismo masoquismo zoofilia necrofilia e coprofilia entre outros Poriomania Impulso de andar sem rumo ou viajar sem destino específico observado em pacientes com esquizofrenia deficiência intelectual entre outros IMPULSOS E COMPULSÕES ALIMENTARES IMPULSOS E COMPULSÕES ALIMENTARES Cleptomania Impulso ou compulsão para furtar objetos muitas vezes precedido de ansiedade e seguido de alívio temporário Jogo patológico Compulsão por jogos de azar mesmo com prejuízos financeiros e sociais Compulsão por compras Necessidade premente de comprar objetos seguida de sentimentos de culpa e arrependimento Compulsão e dependência de internet e videogames Crescente dependência de atividades online como jogos redes sociais e compras principalmente entre adolescentes e jovens CAPÍTULO 20 CAPÍTULO 20 TEMPO TEMPO Conceitoformações cognitivas abstratas e gerais que surgem a partir de percepções e representações sensoriais mas que não possuem elementos sensoriais em si mesmos Juízos surgem da articulação entre conceitos estabelecendo relações significativas entre eles como na formação de frases ou proposições Raciocíniofunção que conecta conceitos e juízos formando narrativas ou argumentações e permitindo o desenvolvimento do pensamento através do encadeamento de conhecimentos CARACTERÍSTICAS DO PENSAMENTO CARACTERÍSTICAS DO PENSAMENTO Desintegração dos conceitos palavras podem ter significados pessoais idiossincráticos enquanto na condensação dos conceitos duas ou mais ideias são fundidas em um único conceito Juízos de realidade delírios Pensamento Mágico PM Caracterizado pela associação subjetiva de ideias a relações objetivas de fatos desconsiderando a lógica e a realidade Pensamento Dereístico PD Oposto ao pensamento crítico e realista distorce a realidade para se adequar aos desejos do indivíduo muitas vezes associado à fantasia e devaneio Wishful Thinking WT Identificação errônea dos desejos com a realidade baseandose mais nos desejos do que em fatos concretos ALTERAÇÕES DO PENSAMENTO ALTERAÇÕES DO PENSAMENTO TIPOS DE PENSAMENTO TIPOS DE PENSAMENTO Pensamento Inibido Raciocínio lento e pouco produtivo observado em quadros demenciais e depressivos graves Pensamento Vago Caracterizado pela falta de clareza e precisão no raciocínio podendo ser um sinal inicial de esquizofrenia Pensamento Prolixo Dificuldade em chegar a conclusões sobre um tema com digressões irrelevantes Exemplos incluem tangencialidade e circunstancialidade Pensamento Concreto Falta de distinção entre dimensão abstrata e concreta com dificuldade em entender metáforas Pensamento Deficitário Estrutura pobre e rudimentar com escassez de conceitos abstratos e dificuldade na aplicação de regras Pensamento Demencial Empobrecimento variável do pensamento desigual ao longo do tempo Pensamento Confusional Incoerência devido ao rebaixamento da consciência com dificuldade em estabelecer vínculos entre conceitos Pensamento Desagregado Incoerência extrema com mistura aleatória de palavras Pensamento Obsessivo Predominância de ideias absurdas ou repulsivas que se impõem à consciência de forma persistente Ruminações Pensamentos negativos recorrentes associados a transtornos de ansiedade depressão e compulsões Persecutórios Vivências de perseguição ligadas à sobrevivência em um mundo potencialmente ameaçador Depreciativos Sentimentos de menosvalia e desvalorização frequentes em estados depressivos Religiosos e Místicos Presentes em todas as culturas devido ao papel central da religião na organização da representação do mundo Eróticos e Sexuais Temas de interesse humano primordial revelados por Freud como importantes para a esfera mental e social CONTEÚDOS DOS PENSAMENTOS CONTEÚDOS DOS PENSAMENTOS CAPÍTULO 21 CAPÍTULO 21 TEMPO TEMPO Os juízos estão relacionados à percepção da verdade da existência de objetos e à distinção entre qualidades Os juízos de realidade são de grande interesse pois refletem a relação do indivíduo com a realidade compartilhada JUÍZOS DE REALIDADE JUÍZOS DE REALIDADE Simples envolvem apenas um tema Complexosabrangem vários temas simultaneamente Sistematizados são bem organizados e mantêm os mesmos conteúdos ao longo do tempo Não sistematizados carecem de consistência e podem variar CLASSIFICAÇÃO DOS DELÍRIOS CLASSIFICAÇÃO DOS DELÍRIOS MECANISMOS CONSTITUTIVOS DO DELÍRIO MECANISMOS CONSTITUTIVOS DO DELÍRIO Interpretação A interpretação distorcida dos fatos é fundamental na formação do delírio gerando histórias delirantes que embora irracionais possuem certa lógica Intuição O delírio intuitivo ocorre quando o paciente percebe repentinamente uma nova realidade sem a necessidade de fundamentação lógica Imaginação acompanha a atividade interpretativa na construção do delírio onde o paciente elabora eventos fictícios como parte de sua realidade Afetividade Delírios catatímicos são influenciados por estados afetivos intensos como nas depressões graves e mania onde o paciente vive em um mundo marcado por suas emoções Memória O delírio mnêmico é construído a partir de elementos verdadeiros ou falsos da memória onde o paciente incorpora experiências passadas em sua narrativa delirante São alterações do pensamento Existem os erros simpkes causados por transtornos mentais e formas de juízos falsos causados por transtornos mentais como o delírio Erro simples ocorre por ignorância julgamento apressado ou uso de premissas falsas Delírioé incompreensível e não pode ser corrigido pela experiência ou lógica Juízos patologicamente falsos originados de transtornos mentais Características incluem uma convicção extraordinária imutabilidade diante da realidade e frequentemente um conteúdo irreal Dimensões do delírio grau de convicção a extensão do envolvimento nas áreas da vida do paciente a bizarrice ou implausibilidade a desorganização a pressão ou preocupação a resposta afetiva e o comportamento resultante DELÍRIO DELÍRIO ALTERAÇÕES NO JUÍZO DE REALIDADE ALTERAÇÕES NO JUÍZO DE REALIDADE CAPÍTULO 1 A semiologia é a ciência dos signos aplicável em diversos campos como linguagem música e medicina Na medicina ela se divide em semiologia médica e psicopatológica que estudam os sinais e sintomas das doenças e transtornos mentais respectivamente Esses sinais podem ser observados objetivamente ou relatados pelo paciente A semiologia analisa o signo que é um tipo especial de sinal com significado Segundo Saussure o signo é estudado em sua relação com a vida social A teoria de Jakobson e Peirce descreve três tipos de signos o ícone que se assemelha ao seu significado o indicador que aponta para o significado por contiguidade e o símbolo cuja relação com o significado é convencional e arbitrária dependendo do sistema simbólico total DiscuteSE a natureza dupla dos sintomas psicopatológicos que funcionam tanto como indicadores de disfunções orgânicas ou psíquicas quanto como símbolos culturais Enquanto índices os sintomas sugerem uma disfunção relacionada a outra parte do organismo ou mente muitas vezes por contiguidade Por exemplo a febre pode indicar uma infecção Por outro lado ao serem nomeados e inseridos em um contexto cultural os sintomas se tornam símbolos linguísticos adquirindo significados convencionais e arbitrários Assim a interpretação dos sintomas requer consideração tanto de sua dimensão indicadora quanto simbólica Aborda as divisões da semiologia destacando a semiotécnica que envolve técnicas de observação e coleta de sinais e sintomas e a semiogênese que investiga a origem produção significado e valor clínico dos sinais e sintomas Além disso são discutidas as síndromes que são conjuntos de sinais e sintomas recorrentes e as entidades nosológicas que são transtornos específicos com etiologia curso e evolução bem definidos O reconhecimento dessas entidades é fundamental para o desenvolvimento de intervenções terapêuticas e preventivas eficazes CAPÍTULO 2 Explorase a definição e o escopo da psicopatologia considerandoa como um ramo da ciência que aborda a natureza essencial das doenças mentais suas causas mudanças estruturais e funcionais e formas de manifestação Embora muitos estudos psicopatológicos busquem seguir uma abordagem científica rigorosa a psicopatologia em sua amplitude referese ao conjunto de conhecimentos sobre o adoecimento mental humano sem incluir critérios de valor ou aceitar dogmas préestabelecidos O campo da psicopatologia abrange uma variedade de fenômenos associados à doença mental com raízes tanto na tradição médica quanto na tradição humanística e universitária Embora se beneficie das contribuições da neurologia psicologia e filosofia a psicopatologia é considerada uma ciência autônoma Karl Jaspers enfatiza sua função como ciência básica que auxilia a psiquiatria e a psicologia clínica mas reconhece que seus limites residem na impossibilidade de reduzir completamente o ser humano a conceitos psicopatológicos Na prática clínica além do conhecimento científico intervêm intuições pessoais e habilidades clínicas que não podem ser plenamente comunicadas Assim a psicopatologia como ciência perde aspectos essenciais do ser humano especialmente nas dimensões existenciais estéticas éticas e metafísicas permanecendo sempre um domínio de mistério A obra de arte e a experiência clínica são vistas como instâncias que incitam a consciência científica a reconhecer seus próprios limites Dois aspectos são fundamentais no estudo dos sintomas psicopatológicos a forma e o conteúdo A forma dos sintomas referese à estrutura básica comum a diversos pacientes e culturas como alucinações delírios fobias entre outros Essa forma é estudada na patogênese que representa o processo de formação e estruturação dos diferentes sintomasPor outro lado o conteúdo dos sintomas diz respeito ao que preenche essa estrutura como o tema específico de um delírio ou alucinação Esse preenchimento é denominado patoplastia e depende da história de vida única do paciente sua cultura e sua personalidade prévia ao adoecimento Enquanto a forma é mais universal o conteúdo é mais pessoal e singular Os conteúdos dos sintomas são frequentemente relacionados a temas centrais da existência humana como sobrevivência sexualidade ameaças e temores básicos religiosidade entre outros Esses temas desempenham um papel fundamental na constituição da experiência psicopatológica fornecendo um substrato para os sintomas manifestados É abordado a ordenação dos fenômenos em psicopatologia destacando a importância da observação cuidadosa e da classificação dos sintomas Seguindo uma abordagem aristotélica definir um fenômeno envolve identificar sua semelhança com outros gênero próximo e suas diferenças específicas Na psicopatologia os fenômenos são classificados em três tipos os fenômenos semelhantes em todas ou quase todas as pessoas que incluem experiências psicológicas e fisiológicas normais como fome sede e sonofenômenos parcialmente semelhantes e parcialmente diferentes nos quais ocorre uma sobreposição entre o normal e o patológico exemplos incluem a tristeza normal em comparação com a depressão grave fenômenos qualitativamente novos distintos das vivências normais característicos de doenças mentais específicas como alucinações e delírios na psicose Essa classificação ajuda a compreender a variedade de experiências humanas e a distinguir entre o normal e o patológico CAPÍTULO 3 Neste capítulo é apresentado os principais campos e tipos de psicopatologia destacando a diversidade de abordagens teóricas e a necessidade de debate constante no campoÉ discutido que a multiplicidade de teorias não é uma fraqueza mas uma característica natural da psicopatologia dada sua complexidade Tentar impor uma única explicação seria simplista e distorceria a compreensão do fenômeno psicopatológico Algumas das principais correntes da psicopatologia são apresentadas em pares antagônicos como a psicopatologia descritiva versus a psicopatologia dinâmica Enquanto a primeira se concentra na descrição das formas de alterações psíquicas a segunda se interessa pelo conteúdo das vivências e pelos movimentos internos do indivíduo A prática em saúde mental exige uma combinação habilidosa dessas abordagens tanto descritiva e diagnóstica quanto dinâmica e subjetiva Eugen Bleuler enfatiza a importância de ouvir o paciente como um amigo de confiança buscando compreender sua singularidade e covivenciar suas experiências Existem diferentes abordagens em psicopatologia Como a Psicopatologia Médica versus Psicopatologia Existencial A abordagem médiconaturalista enfoca o adoecimento mental como uma disfunção biológica Já a perspectiva existencial considera o paciente como uma existência singular destacando sua experiência particular e sua relação com o mundo Psicopatologia Comportamental e Cognitivista versus Psicopatologia Psicanalítica A visão comportamental e cognitivista analisa o ser humano em termos de comportamentos observáveis e representações cognitivasPor outro lado a psicanálise enfatiza os conflitos inconscientes e a influência dos desejos na psique humana Psicopatologia Categorial versus Psicopatologia Dimensional A abordagem categorial concebe as doenças mentais como entidades individuais com fronteiras bem definidasEnquanto isso a perspectiva dimensional propõe entender os transtornos em termos de dimensões contínuas permitindo uma compreensão mais flexível e contextualizada Psicopatologia Biológica versus Psicopatologia Sociocultural A perspectiva biológica destaca os aspectos cerebrais e neuroquímicos das doenças mentais Por outro lado a visão sociocultural enfoca os transtornos mentais como comportamentos desviantes influenciados por fatores sociais e culturais Psicopatologia OperacionalPragmática versus Psicopatologia Fundamental Na abordagem operacionalpragmática as definições de transtornos mentais são formuladas de maneira arbitrária com foco na utilidade clínica e na pesquisa Em contrapartida a psicopatologia fundamental investiga os fundamentos históricos e conceituais de cada conceito psicopatológico incluindo tradições médicas literárias e artísticas Essas dicotomias refletem a diversidade de perspectivas teóricas e aplicativas na psicopatologia destacando a importância de abordagens integrativas para uma compreensão mais abrangente dos transtornos mentais Existem várias contribuições da Psicologia à Psicopatologia A psicologia em suas diversas áreas fornece insights fundamentais para a compreensão dos fenômenos psicopatológicos suas contribuições são vastas e abrangem áreas como psicologia experimental social do desenvolvimento entre outras Além disso existem relações da psicopatologia com a psicologia geral como diferentes visões sobre a posição da psicopatologia em relação à psicologia geral Algumas visões incluem a psicopatologia como uma patologia do psicológico uma psicologia do patológico uma semiótica psiquiátrica e uma propedêutica psiquiátrica Como patologia do psicológico a psicopatologia é vista como um ramo da psicologia geral estudando os fenômenos anormais como desvios do normalComo psicologia do patológico a psicopatologia é considerada uma ciência autônoma estudando fenômenos específicos que não são simples desvios do normal mas sim produções novas Como semiótica psiquiátrica a psicopatologia se concentra na descrição e no estudo dos sintomas e sinais dos transtornos mentais Como propedêutica psiquiátrica a psicopatologia é vista como uma disciplina introdutória que prepara o terreno para os estudos em psiquiatria e psicologia clínica elucidando os princípios e métodos de estudo do adoecimento mental CAPÍTULO 4 É abordado a complexa questão da normalidade em psicopatologia destacando diversos pontos de controvérsia e reflexão com a carga valorativa que define o que é normal ou anormal em psicopatologia historicamente esteve ligado a valores sociais sendo associado ao que é considerado desejável ou indesejável bom ou ruim A Subjetividade é o comportamento e o estado mental das pessoas não são neutros mas influenciados por interesses e preocupações humanas o que torna a definição de normalidade ainda mais subjetiva O Impacto na Vida Real determina o que é normal ou anormal em psicopatologia pode ter um impacto significativo na vida das pessoas especialmente em questões como orientação sexual e identidade de gênero que afetam diretamente a vida de milhares de pessoas Existem problemas de delimitação em casos menos intensos e delimitados além dos limítrofes e complexos a distinção entre comportamentos e estados mentais normais e patológicos é difícil e problemática o que destaca a importância do conceito de normalidade em psicopatologia O debate sobre normalidade em psicopatologia é relevante em áreas como psiquiatria e psicologia legal epidemiologia dos transtornos mentais psiquiatria cultural planejamento em saúde mental orientação profissional e prática clínica O estabelecimento de critérios de normalidade é crucial para orientar políticas de saúde mental e planejamento em saúde incluindo a determinação das necessidades de serviços e o direcionamento de recursos Na prática clínica é essencial distinguir entre fenômenos normais e patológicos para fornecer intervenções adequadas considerando que nem todas as pessoas que sofrem mentalmente têm necessariamente um transtorno mental Existem diversos critérios de normalidade e anormalidade em psicopatologia como a ausência de doença que define normalidade como a ausência de sintomas ou sinais de doença mental No entanto esse critério é falho por ser baseado em uma definição negativa A Normalidade Ideal que estabelece uma norma ideal arbitrariamente muitas vezes influenciada por critérios socioculturais e ideológicos como adaptação às normas morais e políticas da sociedade A Normalidade Estatística que considera como normal o que é observado com mais frequência na população No entanto nem tudo que é frequente é necessariamente saudável O BemEstar define saúde como completo bemestar físico mental e social mas é criticável por ser amplo e difícil de definir objetivamente A Normalidade Funcional que baseiase na funcionalidade e no bemestar do indivíduo considerando patológico o fenômeno que causa disfunção e sofrimento A Normalidade como Processo que considera os aspectos dinâmicos do desenvolvimento psicossocial ao longo do tempo sendo útil na psicopatologia do desenvolvimento A Normalidade Subjetiva que leva em conta a percepção subjetiva do próprio indivíduo em relação ao seu estado de saúde mas pode falhar ao ignorar casos em que a percepção subjetiva não corresponde à realidade A Normalidade como Liberdade que define doença mental como perda da liberdade existencial onde a saúde mental está relacionada à capacidade de transitar com graus distintos de liberdade sobre o mundo e sobre o próprio destino A Normalidade Operacional que assume critérios arbitrários com finalidades pragmáticas definindo previamente o que é normal e patológico e trabalhando com esses conceitos de forma operacional Os critérios de normalidade e doença em psicopatologia variam conforme os fenômenos específicos e as opções filosóficas dos profissionais ou instituições podendo ser utilizada uma combinação de critérios dependendo dos objetivos A área requer uma postura crítica e reflexiva dos profissionais A Definição de Medicalização referese ao processo em que problemas não médicos são tratados como médicos frequentemente em termos de doenças ou transtornos No campo da psicopatologia isso implica transformar comportamentos desviantes em doenças ou transtornos mentais envolvendo o controle e poder médico sobre essas condiçõesInicialmente o termo era usado para denunciar o poder médico sobre comportamentos considerados desviantes O processo ideológico e político de rotular esses comportamentos como doenças visa monitorar regular e controlálos melhor ou desqualificar as pessoas rotuladas Atualmente a medicalização tornouse mais problemática e complexa devido à busca por identidades relacionadas a condições médicas e à apropriação de categorias médicas pela população em geral Embora a denúncia da medicalização seja importante há controvérsias Em alguns países há o paradoxo de pessoas com transtornos mentais graves não terem acesso a cuidados de saúde mental adequados enquanto outros grupos mais privilegiados são medicalizados para condições não médicas CAPÍTULO 5 O cérebro humano contém cerca de 100 bilhões de neurônios cada um estabelecendo várias conexões sinápticas Os circuitos e conexões neurais são considerados a unidade funcional do cérebro influenciados pela genética e pelas experiências individuais do sujeito O cérebro é o produto de uma longa história de evolução filogenética com partes mais antigas associadas a funções vitais e emoções e partes mais recentes relacionadas a funções cognitivas complexas como planejamento e execução de ações Neurônios podem desempenhar múltiplas funções dependendo das demandas ambientais O reuso neuronal é comum e as conexões cerebrais são moldadas pelas experiências individuais fato chamado de plasticidade neural As células da glia desempenham um papel crucial no processamento de informações no cérebro influenciando as sinapses e participando de processos neurológicos e psiquiátricos O cérebro humano nasce prematuro com grande parte do seu desenvolvimento ocorrendo após o nascimento A migração neuronal fetal e a exuberância sináptica na infância são seguidas pela poda sináptica na adolescência A mielinização é crucial para a eficiência do sistema nervoso Com o envelhecimento ocorre uma diminuição no número de neurônios e no tamanho do cérebro resultando em declínio cognitivo No entanto o engajamento em atividades cognitivas e físicas pode compensar esse declínio em certa medida A porção posterior incluindo lobos occipitais parietais e temporais está relacionada à percepção sensorial e à organização do ambiente A porção anterior frontal está relacionada às atividades motoras e à interação com o meio incluindo o planejamento de ações a resolução de problemas e a monitoração dos resultados das ações O hemisfério esquerdo está associado a funções linguísticas verbais enquanto o hemisfério direito está relacionado a habilidades visuoespaciais aspectos prosódicos da linguagem e percepção musical A dominância hemisférica para a linguagem é esquerda para a maioria dos indivíduos destros mas pode variar em canhotos ambidestros ou em casos de lateralidade ambígua A Neuropsicologia estuda as relações entre funções psicológicas e atividade cerebral focando em funções cognitivas como memória linguagem raciocínio entre outras Destacase o estudo de alterações como afasias agnosias amnésias e apraxias além de outras funções como habilidades visuoespaciais e musicais Alexander R Luria propõe substituir a noção tradicional de sintoma por uma abordagem mais dinâmica e complexa Luria sugere que as funções cognitivas são construídas durante o desenvolvimento pela interação do indivíduo com seu meio Ele introduz o conceito de Sistema Funcional Complexo SFC composto por diferentes áreas cerebrais que atuam de forma coordenada para produzir uma função mental complexaApesar de sua importância a neuropsicologia apresenta limitações quando aplicada à psiquiatria Os testes neuropsicológicos não medem funções absolutamente específicas e o desempenho anormal em um teste não indica necessariamente uma disfunção cerebral regional específica Além disso quanto mais complexa a tarefa mais provável é que o déficit esteja relacionado a múltiplos fatores dificultando a interpretação dos resultados O cérebro possui a capacidade de se transformar e adaptar às exigências ambientais ao longo da vida não apenas na fase inicial A experiência é um elemento fundamental que estimula essa plasticidade promovendo o nascimento de novos neurônios alterações no tamanho dos dendritos formação de sinapses e aumento da atividade glial Experiências negativas como estresse prolongado depressão e ansiedade grave podem ter um efeito prejudicial sobre a plasticidade neuronal Isso pode levar a danos neuronais redução do volume cerebral e padrões neuronais disfuncionais aumentando a vulnerabilidade a transtornos mentais Mecanismos epigenéticos no cérebro humano são influenciados por experiências pessoais e estímulos ambientais podendo ativar ou silenciar genes relacionados a processos psicológicos e psicopatológicos A atividade gênica no cérebro é relativamente homogênea em diferentes áreas cerebrais mas difere entre tipos de células neuronais A forma como os neurônios estão conectados e o histórico de experiências do indivíduo influenciam o comportamento cortical O mapeamento genético do cérebro humano está em andamento e promete trazer mais insights nos próximos anos CAPÍTULO 6 Desde a Antiguidade a relação entre a mente ou alma e o cérebro tem sido objeto de reflexão e debate filosófico especialmente na Filosofia da Mente contemporânea Questionase se a mente é apenas um produto do cérebro ou se possui autonomia em relação a ele Além disso levantase a questão de como experiências mentais conscientes podem indicar a experiência de ser um ser diferente de si mesmo Aristóteles distingue as funções sensitivas locomotoras nutritivas e reprodutivas da alma das funções intelectuais Ele postula a existência de uma parte pensante da alma chamada de espírito que não se mistura com o corpoAs principais abordagens sobre a relação mentecérebro são divididas em dualistas que defendem duas realidades distintas e monistas que afirmam uma única realidade Essas visões são apresentadas de forma didática e simplificada no texto Existem diferentes perspectivas dualistas da relação mentecérebro O Dualismo Interacionista defendido por Descartes postula uma interação constante entre a mente e o corpo A mente ou alma e o corpo são considerados duas substâncias distintas mas influenciamse mutuamente Essa visão sustenta a existência de uma alma imaterial no ser humano embora seja questionada pela ciência moderna No Dualismo Paralelista alma e corpo são considerados realidades autônomas e independentes sem interações recíprocas Coexistem e transcorrem paralelamente sem influenciar um ao outro Essa visão é criticada devido à correlação íntima entre fenômenos mentais e ocorrências cerebrais A abordagem do dualismo epifenomenista é mais próxima do monismo materialista e argumenta que o cérebro produz os fenômenos mentais que são considerados epifenômenos do cérebro sem influenciálo Essa visão também é questionada devido às alterações funcionais e estruturais no cérebro associadas a fenômenos mentais Embora as perspectivas dualistas forneçam diferentes explicações sobre a relação mentecérebro todas enfrentam críticas e desafios especialmente diante das descobertas científicas sobre o funcionamento do cérebro e da mente Existem perspectivas monistas na relação mentecérebro que postulam a existência de uma única substância ou realidade O Monismo Espiritualista defende que apenas o espírito é real em uma forma extrema de idealismo subjetivo George Berkeley foi um de seus principais defensores Os Monismos Materialistas são materialistas afirmando que só a matéria física é real Desde os filósofos da Antiguidade até os fisicalistas contemporâneos essa visão ganhou força com o avanço das neurociências Abordase o problema da verdade na psicopatologia considerando três conceitos de verdade convencionalista pragmático e realista Enquanto o convencionalismo enfatiza a coerência lógica das teorias o pragmatismo foca nos resultados práticos e a correspondência com a realidade Idealmente uma teoria científica em psicopatologia deve ser coerente pragmática e corresponder à realidade factual Além disso deve ter poder de previsão e qualidade heurística O texto também destaca os preceitos sugeridos por Roger Bacon para se aproximar da verdade incluindo evitar referências a autoridades inadequadas e influências dos costumes Os valores na prática e teoria psiquiátrica e psicopatológica são de suma importância destacando que esses valores estão profundamente imbricados nos fatos objetivos da área Os valores podem ser mais ou menos perceptíveis mas surgem claramente em áreas diagnósticas delicadas como sexualidade e uso de substâncias Todas as decisões clínicas repousam em fatos e valores e conflitos de valores frequentemente surgem em situações como internações involuntárias uso de psicofármacos e manejo da agressividade É crucial ouvir atentamente as perspectivas dos pacientes e familiares especialmente os menos empoderados no sistema de saúde A resolução de conflitos de valores requer consideração balanceada negociação e linguagem adequada por parte dos profissionais sem uma aplicação cega das leis e códigos de ética que possa desconsiderar as perspectivas dos envolvidos CAPÍTULO 7 Apesar das críticas à rotulação e controle social defendese a importância do diagnóstico para compreender o paciente e escolher estratégias terapêuticas adequadas Aristóteles é citado para destacar a necessidade de generalização na arte do diagnóstico O diagnóstico é fundamental para o avanço científico a previsão de prognósticos e a comunicação entre profissionais Não há sintomas específicos para transtornos mentais e o diagnóstico é baseado em dados clínicos incluindo história do transtorno e curso evolutivo A confiabilidade e validade do diagnóstico são discutidas destacando a importância de procedimentos válidos e sensíveis para uma prática clínica eficaz CAPÍTULO 8 A avaliação psicopatológica permite a coleta de informações valiosas para o diagnóstico clínico compreensão da dinâmica afetiva e planejamento terapêutico adequado Além da entrevista a avaliação física do paciente com transtorno mental é fundamental pois esses pacientes apresentam uma variedade de condições riscos e doenças físicas com maior frequência do que a população em geral No entanto as patologias físicas nesses pacientes são subdiagnosticadas devido a várias razões incluindo dificuldades de acesso aos serviços de saúde e estigma social Portanto é essencial realizar exames físicos adequados juntamente com a anamnese para uma avaliação completa do paciente com transtorno mental A avaliação neurológica depende de uma anamnese detalhada e de um exame objetivo para identificar possíveis lesões ou disfunções no sistema nervoso central eou periférico São enfatizados os sinais neurológicos patológicos e os reflexos primitivos que podem indicar lesões cerebrais difusas ou encefalopatias São discutidos vários desses reflexos como o reflexo de preensão reflexo de sucção e reflexo palmomentual Recomendase a revisão de livros de propedêutica neurológica para um estudo mais aprofundado Além disso destacase a importância do exame neuropsicológico como parte integrante da avaliação psicopatológica Testes de personalidade inteligência cognição social atenção e memória são frequentemente utilizados na prática clínica para avaliação psicológica Além disso exames complementares como exames laboratoriais neurofisiológicos e de neuroimagem desempenham um papel crucial na detecção de disfunções e patologias neurológicas e sistêmicas que podem manifestar sintomas psiquiátricos São destacados exames como hemograma completo glicemia hormônio tireoestimulante TSH entre outros assim como a importância da avaliação do líquido cerebrospinal e do eletrencefalograma EEG Também são mencionados exames de neuroimagem estrutural e funcional como tomografia computadorizada e ressonância magnética como ferramentas sofisticadas para o diagnóstico diferencial em psicopatologia CAPÍTULO 9 É abordado a importância da habilidade do profissional de saúde mental em conduzir entrevistas com os pacientes Destacase que a técnica e a habilidade na realização das entrevistas são essenciais para o diagnóstico e para os efeitos terapêuticos sobre os pacientesA habilidade do entrevistador se revela pelas perguntas formuladas pela capacidade de estabelecer uma relação empática e tecnicamente útil além de estabelecer limites quando necessário São discutidas posturas inadequadas do entrevistador como rigidez neutralidade excessiva reações emotivas intensas hostilidade entre outras A paciência e o respeito são destacados como fundamentais mesmo em situações de falta de tempo O profissional deve estar preparado para conhecer cada novo paciente sem saber previamente quantas entrevistas serão necessárias para isso A primeira entrevista é a mais importante na prática da saúde mental visto que um bom começo pode gerar confiança e esperança no paciente enquanto uma entrevista inicial inadequada pode levar ao abandono do tratamento São ressaltados aspectos da comunicação não verbal como o olhar gestos e postura que influenciam na impressão inicial O profissional deve se apresentar ao paciente garantindo a confidencialidade e o sigilo das informações compartilhadas Na primeira entrevista é essencial coletar dados sociodemográficos básicos e permitir que o paciente relate livremente sua queixa ou sofrimento O entrevistador deve ouvir mais do que falar facilitando a fala do paciente mas também sendo ativo na introdução de perguntas esclarecedoras A duração e o número de entrevistas iniciais podem variar dependendo do contexto e da complexidade do caso A transferência envolve a projeção inconsciente de sentimentos do passado do paciente para o profissional de saúde enquanto a contratransferência é a projeção inconsciente do profissional para o paciente Ambos os fenômenos são importantes para compreender a dinâmica da relação terapêutica Em seguida o texto descreve a avaliação psicopatológica que inclui a anamnese o exame psíquico o exame físico geral e neurológico a avaliação psicológicapsicodiagnóstico e exames complementares A anamnese é detalhada incluindo dados sociodemográficos história médica e familiar e a descrição dos sintomas e vivências subjetivas do paciente Também é importante compreender as reações do paciente durante a anamnese e discutir as dificuldades que podem surgir quando os pacientes não reconhecem ou não aceitam seus problemas mentais O texto aborda a importância dos dados fornecidos por informantes como familiares e amigos na avaliação de um indivíduo Essas informações embora subjetivas podem revelar aspectos significativos sobre o paciente O profissional de saúde precisa discernir a confiabilidade dos relatos considerando a coerência plausibilidade e forma como são apresentados São discutidos também os conceitos de dissimulação e simulação por parte dos pacientes destacando a importância de distinguir entre informações verdadeiras e falsas Além disso abordase o insight do paciente em relação aos seus sintomas e transtornos enfatizando que alguns pacientes podem não reconhecer a gravidade de sua condição A avaliação do paciente é descrita como tendo uma dimensão longitudinal e transversal necessitando de uma compreensão ampla da personalidade e do contexto sociocultural do indivíduo Por fim destacase a importância de redigir um relato claro conciso e compreensível da entrevista que além de ter valor clínico também pode ter implicações legais Destacase a necessidade de proporcionar um ambiente confortável e privado para o paciente seguido pela apresentação do entrevistador e explicação sucinta do propósito da entrevista Iniciase a entrevista com perguntas gerais sobre a identidade do paciente seu histórico pessoal e profissional estado civil entre outras São sugeridas também perguntas abertas para pacientes com bom nível intelectual e perguntas mais fechadas para aqueles com déficit intelectual A observação atenta da linguagem não verbal e do impacto emocional do paciente no entrevistador também é destacada Além disso existem entrevistas padronizadas em psicopatologia como o Mini International Neuropsychiatric Interview Plus MINI Plus e o Present State Examination enfatizando a importância da flexibilidade na abordagem clínica Além disso o Standard for Clinicians Interview in Psychiatry SCIP é um método amplo de avaliação psicopatológica embora não haja tradução validada para o português do Brasil até o momento CAPÍTULO 10 Destacase que os primeiros três minutos da entrevista são cruciais para identificar padrões de sintomas e formular hipóteses diagnósticas preliminares A primeira impressão do paciente é influenciada por sua aparência tom de voz postura entre outros fatores além da experiência clínica e intuição do entrevistador São discutidos aspectos como a expressão facial gestos postura corporal e vestimentas que podem revelar muito sobre o estado mental do paciente A comunicação não verbal é abordada como um sistema comunicacional tão valioso quanto a comunicação verbal sendo mais espontânea e sincera e representando até 65 do significado social em interações A história da pesquisa sobre comunicação não verbal é brevemente revisada destacandose a relevância dessa área para a compreensão da psicopatologia e a importância de sua consideração na prática clínica Existem cinco elementos principais da comunicação não verbal CNV o ambiente da comunicação que considera como fatores do ambiente físico tamanho iluminação ruído etc influenciam a comunicação entre as pessoas a Aparência Física explora como aspectos como o corpo aparência vestimenta e até mesmo odores podem comunicar informações sobre uma pessoa A Proxêmica referese ao uso e percepção do espaço entre as pessoas e como isso afeta as interações sociais incluindo posicionamento e movimentação no ambiente Os Movimentos do corpo analisa gestos relacionados à fala gestos independentes da fala postura e comportamento tátil destacando como esses elementos expressam emoções e intenções As Expressões faciais e comportamento ocular exploram como o rosto olhos e boca revelam emoções e atitudes assim como os movimentos oculares e expressões faciais em geral Além disso aborda a paralinguagem que inclui características vocais e vocalizações latências de resposta pausas e entonações na fala ressaltando a importância do contexto cultural na interpretação desses sinais É discutido a relação entre comunicação não verbal CNV e psicopatologia destacando o estudo realizado pelo psicopatólogo alemão Karl Leonhard Leonhard divide os gestos faciais e corporais em intencionais e expressivos este último sendo de maior interesse para a semiologia psicopatológica Ele enfatiza a expressão facial como uma verdadeira linguagem composta por sinais que comunicam estados emocionais volitivos e cognitivos Seu tratado Linguagem expressiva da alma detalha a expressão mímica de diferentes estados afetivos A CNV em psicopatologia abrange aspectos emocionais volitivos e sociointerativos do comportamento humano No contexto da depressão observase uma redução da expressividade afetiva com diminuição do contato visual expressão facial triste e redução global das interações sociais A pesquisa também revela alterações posturais associadas à gravidade e recorrência do quadro depressivo Estudos mostram que a expressão triste não apenas reflete o estado interno da pessoa mas pode intensificar esse estado A intensidade da depressão relacionase com a redução da CNV incluindo expressão facial e movimentos expressivos da cabeça e das mãos Na ansiedade observase uma expressão facial tensa e preocupada com sinais como tremores e suor frio Na esquizofrenia os pacientes podem ter dificuldades em expressar emoções apresentando uma redução da expressão afetiva e comportamentos estereotipados Já no autismo há déficits significativos na expressão e na compreensão da CNV incluindo ausência de contato ocular e dificuldade em expressar emoções Na mania ocorre um conjunto de elementos característicos como comportamento hiperativo riso excessivo e expansão do discurso Essas características da CNV podem auxiliar no diagnóstico e no entendimento dos transtornos mentais CAPÍTULO 11 Destaca0se as limitações de uma abordagem psicopatológica que divide as funções mentais em áreas isoladas enfatizando que essa separação é uma convenção útil mas que pode levar a simplificações inadequadas O autor argumenta que as funções mentais não existem de forma independente umas das outras e que é a pessoa como um todo que adoece Minkowski propõe uma psicopatologia que estude o ser humano em sua interação social primordial argumentando que os sintomas não devem ser estudados isoladamente mas sim compreendidos em seu contexto interhumano Ele critica a abordagem tradicional da psicopatologia que se concentra na descrição mecânica dos sintomas sem considerar sua significação mais profunda É enfatizado a necessidade de uma abordagem mais holística que reconheça a interconexão entre os diferentes aspectos da vida mental e os situe dentro de um contexto mais amplo da pessoa como um todo Bleuler adverte contra a tendência de fragmentar a vida psíquica em uma soma de manifestações isoladas enfatizando que cada função mental e aspecto da realidade psíquica só podem ser compreendidos em relação à totalidade da vida psíquica e à realidade como um todo CAPÍTULO 12 A definição neuropsicológica relaciona a consciência ao estado de vigília e clareza sensorial Já a definição psicológica a conceitua como a soma total das experiências conscientes de um indivíduo em determinado momento relacionada à percepção e conhecimento da realidade Por fim a definição éticofilosófica referese à capacidade de tomar ciência dos deveres éticos e assumir responsabilidades A fenomenologia especialmente representada por Husserl propõe uma visão ativa da consciência enfatizando sua intencionalidade e produção de sentido John Searle destaca a importância de correlacionar a consciência com os estudos neurocientíficos contemporâneos ressaltando suas características subjetivas qualitativas e unificadas O texto por fim indica que se concentrará nos aspectos psicológicos e neuropsicológicos da consciência deixando de lado as discussões filosóficas mais profundas sobre o tema Na neuropsicologia da consciência destacase os sistemas reguladores propostos pelo Research Domain Criteria RDoC relacionados ao nível de consciência Esses sistemas são responsáveis por regular a atividade neural nos diferentes contextos da vida como vigília e sono O nível de consciência é definido como o continuum de sensibilidade e alerta do organismo frente aos estímulos internos e externos Suas principais características incluem a interação adequada com o ambiente modulação por estímulos e motivação e variação ao longo de um continuum que vai desde o estado total de alerta até o coma As bases neuroanatômicas e neurofuncionais do nível de consciência são discutidas com destaque para o sistema reticular ativador ascendente SRAA que se origina no tronco cerebral e se estende até o córtex influenciando a ativação cortical Além do SRAA outras estruturas do telencéfalo como o lobo parietal direito e as áreas préfrontais também são importantes na gênese do nível de consciência A hipótese de Crick e Koch sobre os disparos sincronizados dos neurônios do tálamo e do córtex cerebral é mencionada embora sua comprovação seja desafiadora Alterações no nível de consciência como no delirium estão associadas a regiões específicas do cérebro incluindo o córtex parietal posterior direito o córtex préfrontal bilateral e o tálamo O tálamo desempenha um papel crucial na regulação das informações que chegam ao córtex cerebral e lesões nessa região podem resultar em graves alterações do nível de consciência A consciência como um campo onde existe uma parte central iluminada e uma margem menos iluminada onde surgem os automatismos mentais e os estados subliminares Ao discutir o inconsciente destacase sua importância na psicanálise com Freud identificando duas classes o verdadeiro inconsciente e o préconsciente O verdadeiro inconsciente é inacessível à evocação voluntária e só se revela por meio de subprodutos na consciência como sonhos e sintomas neuróticos O texto também aborda as características funcionais do inconsciente como sua atemporalidade isenção de contradição e orientação pelo princípio do prazer Além disso destaca o caráter dinâmico do inconsciente que exerce uma influência contínua sobre a vida psíquica manifestandose por meio de resistência e produção renovada de derivados do recalcado Os ritmos circadianos e do sono são importantes nas alterações normais da consciência Os ritmos circadianos são oscilações endógenas autossustentadas que organizam a temporalidade dos sistemas biológicos do organismo O sono é caracterizado por estados comportamentais endógenos e recorrentes que expressam mudanças dinâmicas na função cerebral Ele se divide em sono não REM e sono REM cada um com características neurofisiológicas distintas O sono REM é marcado por movimentos oculares rápidos atonia muscular e atividade cerebral associada a sonhos O texto também explora a importância do sono para a saúde e o papel do sono REM na regulação emocional e no processamento de memórias Além disso discute o fenômeno do sonho sua interpretação ao longo da história e as teorias psicanalíticas de Freud sobre o conteúdo e a função dos sonhos destacando o trabalho do sonho como um processo de transformação dos desejos inconscientes em conteúdos manifestos durante o sono As alterações patológicas da consciência podem ocorrer tanto por processos fisiológicos normais quanto por processos patológicos As alterações quantitativas da consciência incluem o rebaixamento do nível de consciência que pode variar desde a obnubilação leve turvação da consciência até o coma perda completa da consciência Esses estados são caracterizados por diferentes graus de sonolência e diminuição da capacidade de resposta a estímulos externos com alterações observáveis no traçado eletrencefalográfico O coma é o estado mais profundo de rebaixamento da consciência no qual não há atividade consciente e podem ocorrer sinais neurológicos específicos As perdas abruptas e transitórias da consciência incluem a lipotimia perda parcial e rápida da consciência a síncope perda completa da consciência com queda ao chão e os desmaios termo genérico não médico para descrever uma perda abrupta da consciência Essas condições podem ser reversíveis ou irreversíveis dependendo das causas subjacentes Existem síndromes psicopatológicas associadas ao rebaixamento prolongado do nível de consciência como o delirium que é o termo preferencial para descrever síndromes confusionais agudas caracterizadas por rebaixamento leve a moderado da consciência desorientação dificuldade de concentração agitação ou lentificação psicomotora discurso confuso ilusões eou alucinações visuais O delirium oscila ao longo do dia e pode ser confundido com o termo delírio que se refere a uma alteração do juízo de realidade encontrada principalmente em psicosesOutras síndromes próximas ao delirium incluem o estado onírico caracterizado por um estado semelhante a um sonho vívido e a amência que descreve confusão mental por rebaixamento do nível de consciência excitação psicomotora incoerência do pensamento e alucinações com aspecto de sonho Essas síndromes podem ser atribuídas a causas orgânicas ou psicogenéticas Têmse alterações qualitativas da consciência como os estados crepusculares caracterizados por uma obnubilação leve da consciência acompanhada de atividade motora coordenada e atos automáticos o estado segundo semelhante ao estado crepuscular mas com atos incongruentes com a personalidade habitual a dissociação da consciência caracterizada pela fragmentação do campo da consciência e a suspensão parcial dos movimentos voluntários o transe associado a contextos religiosos e culturais e o estado hipnótico induzido por outra pessoa e caracterizado por atenção concentrada e sugestionabilidade aumentada A perplexidade patológica é descrita como uma intensa sensação de estranheza diante do ambiente perdendo a sensação de naturalidade na experiência cotidiana Essa experiência é frequentemente observada em pacientes com quadros psicóticos agudos como esquizofrenia transtornos do humor com sintomas psicóticos e psicoses breves É caracterizada por uma atitude de estranhamento radical em relação ao ambiente acompanhada de angústia e incerteza A experiência de quasemorte EQM ocorre em situações críticas de ameaça à vida como parada cardíaca acidentes graves entre outros Essas experiências são vivenciadas por alguns sobreviventes e são marcadas por sensações como paz sensação de estar fora do corpo luz intensa sensação de estar em outro mundo entre outras Estudos sugerem que as EQMs podem ser resultado de uma invasão maciça de atividade cerebral do tipo sono REM embora também haja considerações socioculturais e históricas sobre essas experiências CAPÍTULO 13 William James ressalta que a atenção envolve a seleção clara e vívida de um objeto entre muitos A atenção é essencial para selecionar filtrar e organizar informações significativas Os componentes principais incluem o início da atividade consciente atenção sustentada atenção seletiva e capacidade de mudar o foco O sistema RDoC conceitua a atenção como um conjunto de processos mentais que regulam o acesso a sistemas cognitivos Eugen Bleuler destacou a tenacidade e a vigilância como qualidades fundamentais da atenção Freud introduziu o conceito de atenção flutuante Além disso discutese o hábito e a sensibilização na resposta à orientação A neuropsicologia contemporânea identifica subtipos de atenção incluindo concentração seletividade divisão alternância sustentação e controle executivo A atenção seletiva é destacada como a capacidade de selecionar estímulos relevantes em meio a distrações A atenção dividida referese à habilidade de processar múltiplos estímulos simultaneamente A atenção alternada envolve mudar o foco de atenção entre diferentes estímulos conforme necessário A atenção sustentada diz respeito à capacidade de manter a atenção ao longo do tempo especialmente durante atividades contínuas Por fim a seleção de resposta e o controle executivo são essenciais para direcionar a atenção para a ação planejada e adaptar as respostas às demandas do ambiente No que concerne a relação entre a atenção e as funções executivas que são processadas nos lobos frontais e englobam habilidades cognitivas relacionadas ao planejamento execução e monitoramento de comportamentos com objetivos Essas funções incluem processos emocionais e volicionais quentes e atividades cognitivas sem envolvimento emocional frias A atenção é considerada por alguns como parte das funções executivas sendo essencial para a memória de trabalho que permite manter itens percepções e tarefas ativos na mente A atenção filtra o que entra no sistema da memória de trabalho e contribui para sua manutenção Além disso a velocidade de processamento medida em alguns testes de atenção é essencial para avaliar a capacidade cognitiva do indivíduo Estruturas como o sistema reticular ativador ascendente o locus ceruleus noradrenérgico o tálamo e o córtex parietal estão envolvidas na regulação da atenção As áreas frontais dorsolaterais são cruciais para a seleção de resposta e controle seletivo enquanto as áreas préfrontais orbitomediais estão ligadas à modulação dos impulsos e da memória de trabalho Lesões nessas áreas podem causar alterações na atenção como distraibilidade e impulsividade Além disso as estruturas límbicas nos lobos temporais medianos influenciam aspectos afetivos e motivacionais da atenção Na psicopatologia distúrbios como hipoprosexia aprosexia hiperprosexia distração e distraibilidade são discutidos como manifestações de desequilíbrios na atenção Em distúrbios neuropsiquiátricos e neuropsicológicos como delirium encefalopatias metabólicas meningoencefalites acidentes vasculares cerebrais e demências as alterações na atenção são comuns e muitas vezes estão relacionadas a déficits em funções executivas No transtorno cognitivo leve há uma demora maior na realização de tarefas diárias devido ao déficit de atenção enquanto nas demências como a de Alzheimer e a vascular a atenção seletiva e a capacidade de concentração são prejudicadas desde as fases iniciais Em transtornos mentais como TDAH transtornos do humor TOC e esquizofrenia a atenção também é afetada No TDAH há dificuldade em direcionar e manter a atenção a estímulos além de perturbação na inibição de respostas Nos transtornos do humor como depressão e mania ocorrem tanto diminuição quanto aumento da atenção dependendo do estado do paciente No TOC há atenção excessiva e desregulada enquanto na esquizofrenia há dificuldade em filtrar informações irrelevantes e uma tendência à distração Essas alterações na atenção têm implicações significativas no funcionamento diário e na qualidade de vida dos pacientes destacando a importância do reconhecimento e tratamento desses distúrbios Os Continuous Performance Tests CPTs ou Testes de Desempenho Contínuo são usados para avaliar a atenção sustentada e o nível de alerta Eles envolvem a rápida apresentação de estímulos com um estímuloalvo que o indivíduo deve identificar corretamente Os escores do CPT incluem detecções corretas tempo de reação erros por omissão e erros por coomissão sendo que cada um fornece informações sobre a capacidade de atenção do sujeito Além disso outros testes de atenção são discutidos como o Teste de Dígitos das baterias WISCIII e WAISIII que avalia a atenção geral e focalizada bem como a memória de trabalho Este teste envolve a repetição de sequências de números tanto na ordem direta quanto na inversa sendo que valores abaixo da mediana indicam dificuldades atencionais Recomendase a aplicação de uma bateria de testes para avaliar diferentes aspectos da atenção mas caso não seja possível o Teste de Dígitos e o Teste de Códigos podem ser utilizados como uma avaliação mínima da atenção CAPÍTULO 14 A avaliação da orientação é útil para verificar perturbações do nível de consciência percepção atenção memória e cognição A desorientação pode ser causada por déficits cognitivos graves doenças cerebrais e transtornos mentais A capacidade de orientarse é classificada em autopsíquica relativa ao próprio indivíduo e alopsíquica relativa ao mundo exterior incluindo orientação espacial e temporal A orientação espacial envolve diversos subtipos como localização atual topográfica geográfica julgamento de distância e habilidades de navegação A orientação temporal referese à compreensão do tempo cronológico incluindo noções de horas dias semanas meses e anos A orientação espacial é investigada por meio de perguntas sobre a localização atual e conhecimento do ambiente circundante enquanto a orientação temporal envolve questões sobre a noção de tempo e sequência temporal A capacidade de orientarse temporalmente é adquirida mais tardiamente na evolução neuropsicológica da criança e é mais facilmente prejudicada por transtornos mentais e neurológicos O texto explora a neuropsicologia da orientação abordando tanto a orientação espacial quanto a orientação temporal e as áreas cerebrais envolvidas em cada aspecto A Desorientação temporoespacial geralmente ocorre em quadros psicoorgânicos com comprometimento de áreas encefálicas como lesões corticais difusas lesões mesotemporais do sistema límbico e patologias que afetam o tronco cerebral e o sistema reticular ativador ascendente A Neuropsicologia da orientação espacial indica que lesões ou disfunções bilaterais ou unilaterais nas áreas posteriores do córtex cerebral especialmente nas regiões retrorolândicas estão associadas à desorientação espacial Estruturas como hipocampo córtex parahipocampal amígdala e regiões cerebrais posteriores também estão envolvidas Na Neuropsicologia da orientação temporal a orientação temporal depende da percepção da passagem do tempo do registro e da discriminação dos intervalos temporais assim como da capacidade de apreender o tempo passado e antever o tempo futuro Estudos indicam que diferentes áreas cerebrais estão envolvidas no processamento do tempo incluindo córtices frontal parietal e temporal ínsula núcleos da base cerebelo e núcleo olivar inferiorA compreensão da orientação temporal e espacial é crucial para entender as alterações cognitivas associadas a diversos transtornos neurológicos e psiquiátricos Existem diversos tipos de desorientação sendo eles a desorientação por redução do nível de consciência que é a forma mais comum de desorientação e ocorre quando há turvação ou rebaixamento da consciência afetando a atenção concentração e memória recente A Desorientação por déficit de memória imediata e recente ocorre quando o indivíduo não consegue reter informações básicas em sua memória recente levando à perda da noção do tempo e do espaço A Desorientação apática ou abúlica decorre de profunda apatia ou desinteresse geralmente associada a um quadro depressivo grave resultando na falta de motivação para interagir com o ambiente A Desorientação delirante surge em indivíduos imersos em um estado delirante intenso onde ideias delirantes dominam sua percepção coexistindo às vezes com a orientação correta A Desorientação por déficit intelectual ocorre em pessoas com deficiência intelectual grave dificultando a compreensão do ambiente e a interpretação das convenções sociais A desorientação por dissociação é associada a quadros dissociativos graves frequentemente acompanhada de alterações na identidade pessoal e da consciência A Desorientação por desagregação está presente em pacientes com psicose especialmente esquizofrenia crônica onde a desorganização profunda do pensamento impede a orientação adequada A desorientação quanto à própria idade é caracterizada pela discrepância entre a idade real e a idade percebida pelo indivíduo podendo ser um indicativo de déficit cognitivo na esquizofrenia O processo de recuperação da orientação em pacientes com lesão ou disfunção cerebral geralmente segue uma sequência começando pela orientação quanto a si mesmo seguida pela orientação espacial e por último a orientação temporal Em casos de amnésia a recuperação da orientação pode ocorrer antes ou depois da recuperação da memória dependendo da gravidade da lesão Além disso pacientes com doenças como Parkinson Huntington TDAH e esquizofrenia podem apresentar alterações na percepção e processamento do tempo independentemente do nível de consciência CAPÍTULO 15 É explorado vivências do tempo e do espaço destacando sua importância fundamental para todas as experiências humanas Iniciase com reflexões de filósofos como Aristóteles Santo Agostinho Isaac Newton Gottfried Leibniz Immanuel Kant e Henri Bergson sobre a natureza e a percepção do tempo e do espaço Aristóteles questiona se o tempo é constituído por momentos presentes sucessivos enquanto Santo Agostinho pondera sobre a natureza do tempo passado presente e futuro Newton e Leibniz consideram o tempo e o espaço como realidades objetivas independentes do ser humano enquanto Kant introduz a dimensão subjetiva do tempo e do espaço vendoos como fundamentos do conhecimento humano Bergson critica a visão de tempo como uma extensão espacial e propõe uma compreensão do tempo como um fluxo contínuo e indivisível Heidegger destaca a temporalidade como essencial para compreender a condição humana especialmente na relação entre a vida e a morte Além disso o texto aborda os ritmos biológicos como o circadiano mensais e sazonais e os grandes marcos da vida humana destacando sua influência na determinação do estado mental do indivíduo Esses ritmos estão relacionados tanto a flutuações hormonais e bioquímicas quanto a símbolos culturais contribuindo para as experiências humanas e para a psicopatologia A vivência do tempo é composta por diversos elementos incluindo percepção estimação de intervalos experiência da duração e da passagem do tempo todos influenciados por estados afetivos emoções e vivências corporais A distinção entre tempo subjetivo e objetivo é ressaltada assim como a possibilidade de descompasso entre ambos Na perspectiva religiosa sobre o espaço e o tempo Mircea Eliade fala que para o homem religioso o espaço sagrado é significativo e real enquanto os ritos religiosos proporcionam uma conexão com um tempo mítico e primordial reatualizando eventos sagrados do passado Nas depressões graves a passagem do tempo é percebida como lenta enquanto nos estados maníacos é sentida como rápida O ritmo psíquico também varia com aceleração na mania e lentificação na depressão Existem várias alterações na percepção do tempo como ilusão sobre a duração do tempo atomização do tempo e inibição da sensação de fluir do tempo com exemplos clínicos e associações a diferentes condições psicológicas Na esquizofrenia por exemplo ocorrem fragmentação e desintegração da sensação do tempo e do espaço Além disso são exploradas as anormalidades da vivência do espaço como a perda das fronteiras entre o eu e o mundo exterior no estado de êxtase a dilatação do espaço na mania a contração do espaço na depressão e a percepção de ameaça no espaço exterior em casos de paranoia e agorafobia CAPÍTULO 16 A sensação referese à resposta neuronal aos estímulos físicos ou químicos enquanto a percepção envolve a consciência do estímulo sensorial e sua interpretação neuropsicológica e psicológica Enquanto a sensação é considerada um fenômeno passivo a percepção é ativa envolvendo a síntese dos estímulos sensoriais com experiências passadas e o contexto sociocultural do indivíduo Atualmente entendese que a percepção é uma construção pessoal e criativa resultante de experiências que reinterpretam os estímulos sensoriais Além disso o texto explora a distinção entre percepção e apercepção introduzida por Leibniz e desenvolvida por Jung onde a apercepção envolve o reconhecimento claro e pleno de um objeto percebido No entanto muitos autores não fazem essa distinção preferindo usar o termo sensopercepção para descrever o fenômeno como um todo A imagem representação e imaginação são elementos fundamentais no processo de sensopercepção A imagem referese à percepção real e sensorial de um objeto caracterizada por nitidez corporeidade estabilidade extrojeção influenciabilidade voluntária e completude A representação é a revivescência de uma imagem anteriormente percebida sem a presença física do objeto original As representações são menos nítidas menos corpóreas instáveis introjetadas e frequentemente incompletas A imaginação consiste na evocação de imagens percebidas no passado ou na criação de novas imagens na ausência de estímulos sensoriais A fantasia é uma forma de imaginação que pode ser consciente ou inconsciente originada de desejos temores e conflitos Existem subtipos de imagem representativa como a imagem eidética caracterizada pela evocação precisa de uma imagem guardada na memória e as pareidolias imagens visualizadas a partir de estímulos imprecisos do ambiente A fantasia desempenha um papel importante na vida psicológica ajudando as pessoas a lidar com frustrações e conflitos e é fundamental para atividades criativas É discutido alterações quantitativas da sensopercepção como hiperestesia hiperpatia hipoestesia anestesia e analgesia Essas alterações podem ocorrer em diversas condições neurológicas e psicopatológicas afetando a intensidade e a qualidade das percepções sensoriais tanto táteis quanto dolorosas É realizado a diferenciação entre ilusões e alucinações Esquirol propôs essa distinção definindo alucinação como a percepção de um objeto sem a presença real do estímulo correspondente Já a ilusão ocorre quando há um objeto real presente mas a percepção é deformada por fatores patológicos diversos As ilusões podem surgir em condições de rebaixamento da consciência fadiga ou estados afetivos intensos Elas são comuns em quadros de delirium e podem ser visuais ou auditivas Além disso a psicologia experimental utiliza ilusões dos sentidos para investigar processos sensoperceptivos em diferentes transtornos mentais Por sua vez as alucinações são caracterizadas pela percepção clara de um objeto sem a presença real do estímulo correspondente Elas podem ocorrer em pessoas sem transtorno mental sendo mais comuns em populações urbanas As alucinações podem ser desencadeadas por fatores como estresse ansiedade e problemas de sono sendo mais frequentes em pessoas vulneráveis ou em episódios de psicose As alucinações auditivas são mais comuns nos transtornos mentais podendo ser simples apenas ruídos primários ou complexas Essas complexas são de maior interesse para a psicopatologia e podem incluir vozes acusativas humilhantes ou ameaçadoras As alucinações auditivas simples especialmente o tinnitus que é a percepção de ruídos nos ouvidos sem a presença de estímulo real O tinnitus é comum e pode estar associado a problemas no sistema auditivo frequentemente acompanhado por perda auditiva e comorbidades psiquiátricasAlém disso são abordadas as alucinações auditivas complexas com destaque para as alucinações áudio verbais em que o paciente ouve vozes sem estímulo real Essas vozes podem ser depreciativas ou persecutórias comumente associadas à esquizofrenia O insight sobre essas alucinações geralmente é limitado e elas podem estar acompanhadas de delírios O texto também menciona fenômenos próximos às alucinações áudio verbais como a sonorização do pensamento e a publicação do pensamento que ocorrem em transtornos do espectro da esquizofrenia Além disso aborda a ocorrência de alucinações auditivas em outros transtornos como transtornos do humor e transtornos da personalidade borderline Nas fases iniciais de muitos quadros psicóticos há um fenômeno perceptivo difuso de estranheza do mundo percebido caracterizado pela alteração na percepção do mundo como um todo As alucinações musicais é um fenômeno intrigante no qual o paciente ouve tons musicais melodias e ritmos sem estímulo auditivo externo correspondente Essas alucinações são menos comuns que outros tipos como alucinações visuais ou tinnitus Podem ser contínuas ou intermitentes e geralmente ocorrem em pacientes com consciência clara e crítica Existem dois tipos as alucinações musicais idiopáticas sem associação a transtornos neurológicos ou psicopatológicos e as alucinações musicais sintomáticas associadas a esses transtornosAs alucinações musicais são mais prevalentes em mulheres idosas com perda auditiva progressiva e também podem ocorrer em distúrbios neurológicos neuropsicológicos e psicopatológicos O texto destaca que apesar de causarem desconforto e piora na qualidade de vida as alucinações musicais podem ser associadas ao medo de demência de AlzheimerNo contexto diagnóstico as alucinações musicais são relacionadas à privação sensorial e podem envolver um circuito neural específico O texto também menciona estudos de casos de pacientes com alucinações musicais destacando a associação com perdas auditivas tumores cerebrais e epilepsia As alucinações visuais podem ser simples como fotopsias ou complexas envolvendo figuras e cenas detalhadas Essas alucinações são mais comuns em condições oftalmológicas mas também podem ocorrer em acidentes vasculares esquizofrenia e outras condições neurológicas e neuropsicológicas O diagnóstico diferencial inclui a síndrome de Charles Bonnet que envolve alucinações visuais complexas em pacientes com déficits visuais especialmente em idosos Em geral as alucinações visuais podem ocorrer em contextos normais mas são mais frequentes em condições neurológicas e neuropsicológicas Quando um paciente relata alucinações visuais especialmente se for idoso ou apresentar problemas de saúde específicos é importante considerar causas orgânicas Nas alucinações táteis o paciente sente espetadas choques ou a sensação de insetos ou pequenos animais correndo sobre sua pele muitas vezes associadas ao delírio de infestação Já as alucinações olfativas e gustativas envolvem sensações de cheiros e sabores inexistentes podendo estar relacionadas a condições neurológicas psiquiátricas ou causas orgânicas como epilepsia esquizofrenia e uso de drogas Além disso são abordadas as alucinações cenestésicas e cinestésicas que envolvem sensações corporais anormais como sentir órgãos encolhendo dores ou movimentos incomuns Essas alucinações podem estar presentes em condições psiquiátricas como esquizofrenia e depressão grave As alucinações funcionais reflexas e combinadas podem ocorrer em várias modalidades sensoriais ao mesmo tempo ou em resposta a estímulos sensoriais externos Essas alucinações podem estar associadas a transtornos psiquiátricos como esquizofrenia ou a condições neurológicas como epilepsia As alucinações autoscópicas onde o paciente enxerga a si mesmo fora do corpo e as alucinações extracampinas que ocorrem fora do campo sensorial habitual como ver imagens atrás de uma parede Essas últimas podem estar relacionadas a condições neurológicas ou situações extremas de risco à vida O fenômeno do duplo é descrito como a sensação de uma presença acompanhando o indivíduo podendo ocorrer em diferentes condições neuropsiquiátricas como lesões cerebrais esquizofrenia e intoxicações por alucinógenos Essa sensação pode ser semelhante à alucinação extracampina onde o paciente percebe imagens ou sons fora do campo perceptivo habitual As alucinações hipnagógicas e hipnopômpicas ocorrem durante a transição entre o sono e a vigília sendo comuns na narcolepsia Elas podem incluir alucinações visuais auditivas ou somáticas muitas vezes associadas a sentimentos de medo Essas alucinações são frequentemente confundidas com pesadelos e sonhos desprazerosos A alucinose é descrita como uma alteração da sensopercepção na qual o paciente reconhece a experiência alucinatória como estranha e inadequada Ela pode ocorrer em quadros psicoorgânicos e é frequentemente associada a intoxicações por substâncias alucinógenas Um exemplo específico é a alucinose peduncular de Lhermitte caracterizada por experiências alucinatórias vívidas e brilhantes geralmente de natureza visual associadas a lesões nas porções superiores do tronco cerebral A alucinose alcoólica ocorre em indivíduos com dependência crônica de álcool e é caracterizada por vozes que falam do paciente na terceira pessoa Essa forma de alucinose geralmente é acompanhada pela preservação do nível de consciência e pode ocorrer tanto em estado embriagado quanto sóbrio Sobre as possíveis causas e teorias etiológicas das alucinações existem controvérsias que persistem entre médicos psicólogos e neurocientistas sobre seus mecanismos neurofisiológicos neuropsicológicos e psicológicos No entanto a eficácia dos medicamentos antipsicóticos na redução das alucinações sugere a existência de mecanismos comuns subjacentes a esses fenômenos Na abordagem fenomenológica as alucinações são vistas como parte de uma transformação profunda da experiência subjetiva do sujeito durante a psicose resultando em um senso de passividade e perda de controle sobre a própria vida As perspectivas psicanalíticas enfatizam a base das alucinações em conflitos inconscientes sendo vistas como uma forma de defesa do ego através da projeção de conteúdos recalcados Uma teoria neurobiológica sugere que as alucinações podem surgir de lesões irritativas ou disfuncionais em áreas cerebrais relacionadas à percepção complexa como regiões associativas da linguagem e da memória semântica Estudos também indicam a presença de um estado de hipervigilância em pessoas com quadros psicóticos agudos sugerindo uma hiperexcitabilidade geral do sistema nervoso como fator relevante para o surgimento das alucinações Alucinações especialmente auditivas visuais e olfativas são vistas como fenômenos de liberação neuronal relacionados à privação de estímulos sensoriais externos Indivíduos com déficits sensoriais podem experimentar alucinações que são atenuadas ou desaparecem com a introdução de estímulos sensoriais A Teoria da Desorganização Global do Funcionamento Cerebral e diz que alterações globais no funcionamento cerebral levam à perda das inibições superiores permitindo que circuitos normalmente inibidos causem alucinações e outros sintomas psicóticos Isso resulta em uma indiferenciação entre o mundo interno e externo Na Teorias Neurobioquímicas diversas substâncias químicas incluindo aquelas relacionadas à serotonina dopamina e acetilcolina podem causar alucinações Agentes dopaminérgicos serotonérgicos e anticolinérgicos podem levar a diferentes tipos de alucinações dependendo do estado de consciência e da clareza das alucinações A Teoria da Alucinação como Transtorno da Linguagem Interna diz que as alucinações auditivas verbais são explicadas como pensamentos verbais do próprio paciente erroneamente percebidos como vozes externas Isso resulta da incapacidade do paciente de discriminar entre sua linguagem interna e percepções externas Cada uma dessas teorias oferece uma perspectiva única sobre as causas das alucinações abrangendo desde alterações sensoriais até disfunções neuroquímicas e cognitivas Existem estudos de neurociências e neuroimagem funcional que buscam identificar os mecanismos neurais associados às alucinações especialmente as alucinações audioverbais A Ativação de Áreas Cerebrais Associadas à Linguagem diz que durante as alucinações audioverbais áreas temporais parietais e frontais relacionadas à produção e recepção da linguagem são hiperativadas Isso inclui as áreas de Wernicke e Broca além de regiões límbicas e subcorticais Na Hipótese da Linguagem Interna Inner Speeché sugerido que as alucinações audioverbais podem surgir da linguagem interna do paciente Ativações nas áreas de Broca antes do início das alucinações e nas áreas de Wernicke durante as alucinações apoiam essa hipótese Os Correlatos Neurofuncionais das Alucinações Visuais fornecem insights sobre as alucinações visuais destacando a ativação de áreas cerebrais específicas durante esses fenômenosEsses estudos indicam que áreas corticais relacionadas à linguagem desempenham um papel fundamental nas alucinações com disfunções nessas áreas podendo contribuir para a ocorrência desses fenômenos A neuroimagem funcional oferece uma maneira poderosa de investigar os substratos neurais das alucinações e pode ajudar a desenvolver abordagens terapêuticas mais eficazes no futuro Existem ferramentas para avaliar alterações da sensopercepção como a Psychotic Symptom Rating Scales PSYRATS a LaunaySlade Hallucinations Scale LSHS e o Beliefs about Voices Questionnaire BAVQ Esses instrumentos ajudam a avaliar detalhadamente as alucinações auditivas e outras modalidades de alucinações bem como as crenças e reações emocionais relacionadas a elas CAPÍTULO 17 A memória é importante para codificar armazenar e evocar experiências fatos e impressões ao longo da vida de uma pessoa A memória é contextualizada como um processo altamente integrado e influenciado por diversos fatores como nível de consciência atenção estado emocional e contexto Diferentes tipos de memória são explorados incluindo a psicológica genética e epigenética imunológica e coletiva esta última relacionada aos conhecimentos e práticas sociais e culturais de um grupo Enfatizase que a memória não é um processo unitário mas composto por múltiplos elementos e estruturas cerebrais e que é um processo ativo e dinâmico sujeito a reinterpretações ao longo do tempo Existem três elementos básicos da memória psicológica codificação armazenamento e recuperação ou evocação Na fase de codificação as informações são captadas e adquiridas enquanto na fase de armazenamento elas são retidas de forma fidedigna Já na fase de recuperação as informações são acessadas para diferentes propósitos Esses processos são comparados metaforicamente a uma biblioteca onde a codificação é a escrita do livro o armazenamento é a classificação e conservação do livro na estante e a recuperação é a capacidade de acessar e ler o livro A memória é descrita em relação ao tempo de aquisição armazenamento e evocação dividindose em quatro momentos temporais memória sensorial até 1 segundo memória imediata ou de curtíssimo prazo poucos segundos até 13 minutos memória recente ou de curto prazo poucos minutos até 36 horas e memória de longo prazo ou remota dias meses até muitos anos Cada fase da memória possui características e substratos neurais específicos desde a percepção inicial até a consolidação e recuperação de informações ao longo do tempo No que diz respeito às bases neurobiológicas da memória destacase a importância das estruturas límbicas temporomediais como o hipocampo a amígdala e o córtex entorrinal na formação das unidades de memória e na consolidação dos registros Enquanto o hipocampo desempenha um papel crucial na consolidação das memórias recentes o córtex cerebral especialmente as áreas de associação neocorticais é fundamental para a memória de longo prazo Além disso são discutidos os fatores associados ao processo de memorização incluindo o nível de consciência atenção focal organização temporal interesse emocional conhecimento prévio compreensão do significado da informação contexto elaborado e codificação da informação em múltiplas vias sensoriais e cognitivas Esses elementos são essenciais para otimizar o processo de aprendizado e memorização Existem diferentes tipos de memória que dividem se com base na consciência do processo mnêmico e nas áreas cerebrais envolvidasA memória explícita envolve o conhecimento consciente e é acessada com esforço como lembrar eventos autobiográficos Por outro lado a memória implícita é adquirida e usada sem consciência como habilidades motoras automáticas O Priming é um tipo de memória implícita o priming é quando estímulos previamente expostos afetam o desempenho cognitivo futuro mesmo sem consciência do estímulo original Isso pode incluir completar palavras ou reconhecer objetos mais rapidamente após exposição prévia O devaneio ou mind wandering envolve a construção de histórias mentais enquanto a viagem mental no tempo permite reviver o passado e imaginar o futuro Esses processos ativados principalmente pelos hipocampos e lobos frontais são cruciais para formar memórias autobiográficas e para a teoria da mente A Memória de Trabalho é situada entre a atenção e a memória imediata a memória de trabalho é explícita e consciente exigindo esforço para manter e manipular informações temporariamente Composta por três componentes alça fonológica esboço visuoespacial e sistema executivo é fundamental para a seleção e a manipulação de informações sobretudo por curtos períodos Lesões em áreas cerebrais específicas como as préfrontais podem afetar a memória de trabalho resultando em dificuldades em tarefas sequenciais e de atenção A Memória Episódica é uma memória explícita de médio e longo prazos relacionada a eventos específicos da experiência pessoal do indivíduo Depende de áreas cerebrais como o hipocampo e os córtices temporais Sua perda geralmente afeta eventos autobiográficos recentes seguindo a lei de Ribot A investigação semiológica inclui testes de retenção de informações recentes e entrevista com familiares para avaliar a evolução temporal das falhas de memória A Memória Semântica referese ao aprendizado e utilização do arquivo geral de conceitos e conhecimentos do indivíduo sobre o mundo É uma memória de longo prazo compartilhada socialmente e depende de áreas específicas dos lobos temporais especialmente no hemisfério esquerdo A investigação semiológica envolve testes de nomeação e categorização de itens conhecidos A memória episódica e a memória semântica podem ser afetados em transtornos neurocognitivos como demência de Alzheimer e síndrome de WernickeKorsakoff mas de maneiras distintas Enquanto a memória episódica é prejudicada em casos de demência a memória semântica pode permanecer relativamente preservada Na demência de Alzheimer ocorrem alterações pronunciadas devido à deterioração das regiões mediais e ventrais dos lobos temporais e temporoparietais do hemisfério esquerdo Na variante semântica da demência frontotemporal DFT há uma significativa perda da memória semântica enquanto na variante comportamental da DFT a memória semântica pode estar menos comprometida Na demência com corpos de Lewy apesar dos déficits nas funções executivas a memória semântica é relativamente preservada A investigação semiológica da memória de procedimentos envolve observar a perda de habilidades motoras ou visuoespaciais previamente aprendidas e a dificuldade em aprender novas habilidades Condições como doença de Parkinson doença de Huntington paralisia supranuclear progressiva e degeneração olivopontocerebelar são exemplos em que a memória de procedimentos é comprometida Pacientes nas fases iniciais dessas doenças podem apresentar desempenho quase normal em testes de memória episódica mas revelam dificuldades em aprender novas habilidades motoras visuoespaciais e linguísticas Existem diversas formas de memória patológica como as hipermnésias que representam um excesso na evocação de informações ou imagens na memória Podem ocorrer em casos de mania ou hipomania refletindo uma aceleração do ritmo psíquico ou de forma mais específica como a hipermnésia autobiográfica caracterizada por uma memória autobiográfica quase perfeita como exemplificado no caso de HK um rapaz cego de nascença Este tipo de hipermnésia está associado a alterações na amígdala e na conectividade entre a amígdala e o hipocampo As Amnésias ou hipomnésias refletem a perda da memória podendo afetar a capacidade de fixar manter e evocar conteúdos mnêmicos Segundo a Lei da regressão mnêmica de Théodule Ribot a perda de elementos mnêmicos segue regularidades como a perda dos elementos recentemente adquiridos antes dos mais antigos Podem ser classificadas como dissociativas ou psicogênicas relacionadas a traumas emocionais ou orgânicas associadas a condições neurológicas Na Amnésia anterógrada e retrógrada o indivíduo tem dificuldade em fixar novas memórias após um evento causador do dano cerebral enquanto na retrógrada ocorre a perda de memórias de eventos anteriores ao transtorno As Alterações qualitativas paramnésias envolvem distorções no processo de evocação de conteúdos mnêmicos previamente fixados Podem se manifestar como ilusões mnêmicas que adicionam elementos falsos a memórias reais ou alucinações mnêmicas criações imaginativas que se assemelham a lembranças As paramnésias podem ser o substrato para a formação de delírios As Confabulações são relatos involuntariamente incongruentes com a história passada do indivíduo caracterizadas por lembranças falsas que são consideradas plausíveis Podem ocorrer em diversas condições neurológicas como síndrome de WernickeKorsakoff traumatismo cranioencefálico e esquizofrenia e estão associadas a lesões em áreas específicas do cérebro como os corpos mamilares o núcleo dorsomedial do tálamo e o córtex orbitofrontal As alterações qualitativas da memória incluem a pseudologia fantástica que referese à mentira patológica onde o sujeito cria histórias fantasiosas misturadas com a realidade às vezes tão intensas que ele próprio quase acredita nelas Esse fenômeno será abordado em detalhes em outro capítulo sobre juízo de realidade As Criptomnésias são falsificações da memória em que lembranças aparecem como eventos novos para o paciente que não as reconhece como memórias vivendoas como descobertas Por exemplo um indivíduo com demência pode contar uma história conhecida como se fosse nova mesmo que tenha sido relatada recentemente por outra pessoa A Ecmnésia é a recapitulação intensa e abreviada de muitos eventos passados uma recordação condensada que ocorre em um curto período de tempo Na ecmnésia o indivíduo experimenta a vivência perceptiva de cenas passadas como se estivessem acontecendo no presente Pode ocorrer em alguns pacientes com crises epilépticas A Lembrança obsessiva é a manifestação espontânea de imagens da memória ou conteúdos ideativos do passado que não podem ser voluntariamente repelidos pelo indivíduo Mesmo reconhecidas como indesejáveis essas lembranças persistem na consciência do paciente São comuns em indivíduos com transtornos do espectro obsessivocompulsivo O texto aborda duas grandes categorias de alterações do reconhecimento as agnosias que são déficits no reconhecimento de estímulos sensoriais sem causa sensorial óbvia e as alterações de reconhecimento psicopatológicas frequentemente associadas a transtornos mentais As Agnosias Visuais são déficits no reconhecimento de objetos faces cores etc por via visual Os pacientes podem descrever os objetos mas não sabem o que são até que sejam tocados ou cheirados Incluem a prosopagnosia incapacidade de reconhecer faces humanas e a agnosia para cores incapacidade de nomear ou apontar cores As Agnosias Auditivas São déficits no reconhecimento de sons sem perda auditiva Podem incluir agnosia verbal incapacidade de entender palavras faladas e amusia sensorial incapacidade de reconhecer e apreciar sons musicaisEssas agnosias podem resultar de lesões cerebrais específicas que afetam áreas associativas visuais ou auditivas Além disso o texto aborda debates sobre se as agnosias são fundamentalmente transtornos da percepção ou da memória e explora as diferentes manifestações e causas desses distúrbios É abordado diversas alterações do reconhecimento tanto de origem orgânica quanto associadas a transtornos mentais A Anosognosia é a incapacidade de reconhecer um déficit ou uma doença que afeta o indivíduo Por exemplo o paciente pode não reconhecer que tem um membro paralisado A Simultanagnosia é a incapacidade de reconhecer mais de um objeto ao mesmo tempo A Grafestesia é o reconhecimento da escrita pelo tato O comprometimento da grafestesia pode indicar problemas na integração sensóriomotora no nível cortical Os falsos desconhecimentos e falsos reconhecimentos são fenômenos delirantes em que o paciente não reconhece pessoas familiares ou identifica estranhos como conhecidos A Síndrome de Capgras ocorre quando o paciente acredita que pessoas próximas são sósias impostores A Síndrome de Frégoli ocorre quando o paciente identifica estranhos como pessoas conhecidas Na Paramnésia reduplicativa a pessoa acredita que lugares familiares pessoas ou objetos foram duplicados Os Fenômenos déjàvu são caracterizados como sensações de já ter vivenciado uma experiência no passado comumente associada à epilepsia do lobo temporal Os Fenômenos jamaisvu são sensações de que uma experiência já vivida é nova ou estranha Todas essas alterações podem estar relacionadas a condições neurológicas psicopatológicas ou serem observadas em indivíduos saudáveis em certas circunstâncias como fadiga ou ansiedade CAPÍTULO 18 O texto explora a importância da afetividade na experiência humana destacando suas diversas formas como humor emoções sentimentos afetos e paixões O autor Emílio Mira y López enfatiza como os estímulos ambientais influenciam o indivíduo afetando sua percepção e sentido de si mesmo Ele distingue entre humor emoções e sentimentos descrevendo cada um e sua relação com a experiência psicossomática Os sentimentos são apresentados como estados afetivos estáveis associados a conteúdos intelectuais e culturais variando de acordo com a linguagem e a sociedade O texto também menciona diferentes tipos de sentimentos como tristeza alegria agressividade atração pelo outro perigo e narcisismo ilustrando com exemplos de poetas e filósofos É abordado conceitos de afetos e paixões Afeto é definido como a qualidade emocional ligada a uma ideia ou representação mental sendo o componente emocional destas Já paixão é descrita como um estado afetivo extremamente intenso que domina a atividade psíquica direcionando a atenção e interesse do indivíduo em uma única direção muitas vezes inibindo outros interesses Destacase que paixões intensas podem interferir na lógica imparcial Na relação entre emoção e razão destacase diferentes perspectivas na tradição do pensamento ocidental Uma visão considera a emoção como um obstáculo à clareza e sensatez do pensamento enquanto outra defende que a dimensão emocional pode contribuir para uma compreensão mais profunda da realidade Autores como Berdiaeff e Scheller argumentam que as emoções ajudam o ser humano a perceber melhor as coisas enquanto existencialistas como Berdyaev hipervalorizam a emoção no processo de conhecimento Mesmo para aqueles que priorizam a razão reconhecemse dimensões da vida acessíveis apenas através das lentes da emoção e do sentimento Além disso o texto explora a reatividade da vida afetiva destacando a capacidade de sintonização afetiva em que o indivíduo é influenciado por estímulos externos e a irradiação afetiva em que o indivíduo transmite seu estado afetivo aos outros Existem diferentes formas de classificação das emoções começando com uma polarização entre emoções positivas e negativas Em seguida destaca a abordagem do Research Domain Criteria RDoC que propõe a organização das emoções em sistemas de valência negativa e positiva Discutese também a hipótese da universalidade das emoções contrastando com correntes contemporâneas que enfatizam sua relatividade cultural O trabalho de Paul Ekman sobre expressões faciais universais é apresentado como evidência de emoções básicas e universais inicialmente identificadas como seis alegria tristeza medo raiva nojo e surpresa mas posteriormente expandidas para onze Ekman também observa que as expressões faciais podem variar sutilmente dentro de cada emoção sugerindo a existência de famílias de emoções São abordadas diferentes categorias de emoções começando com as emoções secundárias ou sociais que são mais complexas e aprendidas socialmente Exemplos incluem vergonha culpa simpatia compaixão entre outras Em seguida discutese as emoções de fundo que são estados basais que constituem o colorido do estado afetivo de uma pessoa como sensações de bemestar ou malestar O debate sobre emoções universais versus culturais é mencionado com algumas correntes enfatizando a dimensão histórica e cultural das emoções Existem ainda as emoções não conscientes que ocorrem automaticamente e sem controle consciente mas ainda influenciam o comportamento e as tomadas de decisão das pessoas Essas emoções são detectadas através de mudanças neurofisiológicas mesmo quando os indivíduos não estão cientes da presença dos estímulos emocionais Explorase diversas teorias sobre a natureza e a origem das emoções A teoria de JamesLange postula que as emoções surgem como uma percepção das mudanças fisiológicas do corpo em resposta a eventos externos Em contrapartida a teoria de CannonBard sugere que a experiência emocional e as respostas fisiológicas ocorrem simultaneamente coordenadas pelo tálamo A teoria de SchachterSinger ou dos dois fatores destaca a interação entre estimulação fisiológica e avaliação cognitiva na experiência emocional A abordagem de Lazarus enfatiza a avaliação cognitiva da situação como precursora da experiência emocional Por outro lado a teoria de Zajonc sugere que as emoções podem ocorrer independentemente da cognição Além disso a teoria da perspectiva contextual das emoções destaca a importância do ambiente social na formação e expressão das emoções Outros estudos enfatizam a natureza corporal das emoções destacando como as sensações físicas e expressões corporais influenciam a experiência emocional Sobre as bases cerebrais das emoções Papez propôs uma estrutura cerebral envolvendo o hipotálamo o hipocampo os corpos mamilares os núcleos talâmicos anteriores e áreas dos lobos temporais e frontais denominada sistema límbico MacLean seguindo essa linha ampliou essa ideia incluindo estruturas como a amígdala os núcleos septais e certas regiões corticais como o córtex límbico frontotemporal e o giro cingulado Essas estruturas são fundamentais para o processamento emocional integrando aspectos psicofisiológicos e cognitivos das emoções Estudos recentes têm investigado detalhadamente essas estruturas cerebrais revelando sua importância nas respostas emocionais A amígdala e outras estruturas cerebrais possuem papel central na regulação das emoções A amígdala localizada na região temporal medial desempenha um papel fundamental nas respostas emocionais especialmente no medo condicionado Ela recebe informações sensoriais de várias regiões do cérebro e desencadeia respostas mentais comportamentais e fisiológicas associadas ao medo e à agressão Além disso está envolvida na modulação de outras emoções e funções cognitivas como aprendizado atenção e tomada de decisão Lesões na amígdala podem levar a distúrbios emocionais como ansiedade e depressão Além da amígdala outras áreas cerebrais como o córtex orbitofrontal e o córtex frontal ventromedial também desempenham papéis importantes na regulação emocional Essas áreas estão envolvidas na modulação das respostas da amígdala e na regulação de comportamentos sociais adequados Lesões nessas regiões podem resultar em comportamentos impulsivos e dificuldades de interação social Outras estruturas como a ínsula e o giro do cíngulo também estão relacionadas à experiência emocional A ínsula desempenha um papel crucial na percepção de sensações corporais associadas às emoções enquanto o giro do cíngulo está envolvido na regulação das emoções especialmente na experiência de tristeza e em comportamentos de cuidado Estímulos elétricos no córtex do cíngulo anterior têm sido associados à melhora de sintomas de depressão em pacientes Essas descobertas ressaltam a complexidade do sistema neural subjacente às emoções e sua interconexão com outras funções cognitivas e comportamentais sendo que lesões ou disfunções nessas regiões cerebrais podem levar a uma variedade de distúrbios emocionais e comportamentais O lobo parietal direito e o circuito septohipocampal também possuem um papel na regulação das emoções Pacientes com lesões no lobo parietal direito podem apresentar agnosia do lado esquerdo do corpo e heminegligência visual além de uma falta de consciência dos seus déficits anosognosia Curiosamente podem exibir um humor expansivo em contraste com a tristeza observada em lesões nas áreas frontais anteriores esquerdas O lobo parietal direito recebe projeções da amígdala o que permite a integração de estímulos emocionais com aspectos conscientes e de memória declarativa Lesões nessa área podem resultar em uma falta de reconhecimento emocional da situação O circuito septohipocampal está associado às experiências de ansiedade enquanto outros circuitos envolvendo o hipotálamo o tronco cerebral o córtex rinal e o telencéfalo basal também são importantes para diferentes experiências emocionais Estudos de neuroimagem funcional têm revelado correlações significativas entre a experiência emocional e a ativação de áreas e circuitos cerebrais específicos Esses correlatos não indicam que uma emoção esteja localizada em uma área cerebral específica mas sim que a ocorrência de uma determinada experiência emocional requer certos correlatos anatômicos e funcionais Freud e Melanie Klein possuem um papel importante na compreensão da afetividade humana Segundo Freud a angústia desempenha um papel central na teoria dos afetos resultando do conflito entre os impulsos instintivos do indivíduo e as restrições impostas pela cultura Inicialmente Freud postulou que a angústia era um subproduto da libido não descarregada mas mais tarde ele a considerou como um sinal de perigo desencadeando mecanismos de defesa para evitar situações ameaçadoras Além disso Freud associou a depressão ou melancolia à perda de objetos significativos levando a autoacusações sentimentos de culpa e comportamentos autopunitivos Por sua vez Melanie Klein enfatizou os afetos primários como ódio e inveja e sua relação com as fantasias primitivas e as relações de objeto Ela argumentou que os afetos são influenciados pelas relações do sujeito com seus objetos internos resultando em sentimentos de medo ansiedade e gratidão dependendo da qualidade dessas relações É citado alterações psicopatológicas da afetividade como distimia depressão hipertimia e irritabilidade patológica Distimia referese a uma alteração do humor enquanto depressão e mania são associadas a estados depressivos e exaltados respectivamente Ideias suicidas devem ser cuidadosamente investigadas em pacientes com humor triste Além disso o texto descreve termos como disforia puerilidade moria êxtase e irritabilidade patológica indicando sua associação com transtornos mentais e disfunções cerebrais A catatimia foi cunhada pelo psiquiatra suíço Paul Eugen Bleuler que se refere à influência constante da vida afetiva especialmente do estado de humor sobre as demais funções psíquicas A pesquisa psicopatológica demonstra o quão profunda é essa influência da afetividade na vida mental tanto normal quanto patológica A catatimia afeta a atenção o tempo a memória a sensopercepção e até mesmo os pensamentos e decisões que tendem a ser moldados pelos imperativos emocionais e afetivos conscientes ou não Existem diferenças entre ansiedade que sendo frequentemente usados como sinônimos A ansiedade é descrita como um estado de apreensão negativa em relação ao futuro acompanhado por manifestações somáticas e psíquicas enquanto a angústia se relaciona mais diretamente a sensações corporais de aperto ou sufocamento com uma conotação mais existencial e ligada ao passado Dentro da psicanálise são delineados diferentes tipos de angústia e ansiedade como a de castração de morte persecutória de separação entre outras Na abordagem existencialista a angústia é vista como uma condição fundamental do ser humano diante de situações inescapáveis da vida como estarnomundo estarcomooutro e serparaamorte Na psicologia clínica são destacados dois tipos de ansiedade de desempenho e antecipatória enquanto na análise do comportamento a ansiedade é vista como uma condição psicofisiológica produzida por contingências específicas de reforçamento O texto aborda diversas alterações nas emoções e nos sentimentos começando com a descrição do medo como uma reação universal de insegurança e angústia diante de algo temido Além disso são discutidas as fobias caracterizadas por medos desproporcionais em relação a objetos ou situações específicas como animais ou espaços amplos As crises de pânico são detalhadas como episódios agudos de ansiedade intensa muitas vezes acompanhados por sintomas físicos como taquicardia e sudorese A explicação do surgimento das crises está ligada ao sentimento de desamparo primário A anedonia a apatia e a falta de sentimentos são sintomas de transtornos mentais descrevendo como esses estados afetivos podem afetar negativamente a qualidade de vida das pessoas A labilidade e a incontinência afetiva se manifestam por mudanças súbitas e imotivadas no humor e nas emoções podendo estar associadas a condições neurológicas O riso e o choro patológicos também são discutidos como sintomas de lesões ou disfunções neuronais Nas psicoses especialmente na esquizofrenia podem ocorrer diferentes tipos de redução dos afetos incluindo hipomodulação distanciamento e pobreza embotamento e devastação afetiva A hipomodulação do afeto se refere à incapacidade do paciente de modular suas respostas emocionais de acordo com a situação indicando rigidez na relação com o mundo É mais comum na esquizofrenia mas também pode ocorrer em quadros depressivos graves e outros transtornos O distanciamento afetivo e a pobreza de sentimentos envolvem uma perda progressiva e patológica das vivências emocionais resultando em um empobrecimento na capacidade de experimentar variações sutis nos sentimentos Isso é observado em síndromes psicoorgânicas demências e alguns casos de esquizofrenia O embotamento afetivo e a devastação afetiva indicam uma perda profunda de toda vivência emocional que pode ser observada na expressão facial postura e comportamento do paciente Essa condição é mais comum nas formas negativas e deficitárias da esquizofrenia Nas psicoses particularmente na esquizofrenia ocorrem diversas alterações nos afetos que se distinguem da experiência emocional normal Estas incluem ambivalência afetiva inadequação do afeto paratimia e neotimia A ambivalência afetiva descreve a experiência de sentir sentimentos opostos simultaneamente em relação ao mesmo estímulo como amor e ódio por alguém Na esquizofrenia isso pode indicar uma cisão radical do Eu e uma desarmonia profunda das vivências psíquicas A inadequação do afeto ou paratimia referese a reações emocionais incongruentes com as situações vivenciadas revelando uma profunda desarmonia entre a esfera emocional e ideativa É observada na esquizofrenia e no transtorno da personalidade esquizotípica A neotimia é a experiência de sentimentos e vivências emocionais totalmente novos e estranhos para o paciente em estado psicótico Esses afetos bizarros são parte da experiência radicalmente diferente da esquizofrenia muitas vezes associada ao surgimento iminente de um delírio As alterações afetivas desempenham um papel crucial no diagnóstico de transtornos mentais afetando primariamente ou secundariamente o sistema emocional No transtorno depressivo os sintomas incluem tristeza intensa culpa autoacusação desesperança e ideias suicidas Na mania observase um humor alegre ou exaltado muitas vezes acompanhado de uma sensação de poder e expansão do Eu Na esquizofrenia os pacientes podem experienciar sentimentos de estranhamento neotimia e ambivalência afetiva durante os surtos agudos seguidos de períodos de insegurança e desconfiança persistentes Com a progressão da doença pode ocorrer uma redução qualitativa da afetividade manifestada pela apatia e anedonia embora haja uma paradoxal hipersensibilidade a estímulos emocionais Nos transtornos da personalidade como o borderline o humor disfórico e a sensação de vazio interno são comuns enquanto no transtorno histriônico podese observar um humor infantilizado e superficial Nos transtornos neurocognitivos como demências e condições neuropsiquiátricas as alterações afetivas são frequentes incluindo sintomas como apatia depressão irritabilidade e labilidade afetiva podendo ser difíceis de serem identificadas especialmente em estágios avançados da doença É citado ainda as emoções não conscientes ENCs em pessoas com transtornos mentais com base em estudos revisados por Lee e colaboradores 2016 Pacientes com transtornos de ansiedade mostraram uma atenção direcionada para estímulos emocionais negativos como raiva e medo em testes de palavras apresentadas rapidamente enquanto pacientes com esquizofrenia não apresentaram diferenças significativas em relação a controles saudáveis mas mostraram maior ativação da amígdala em resposta a faces emocionais Indivíduos com transtorno bipolar exibiram hiperativação de áreas cerebrais relacionadas a emoções em resposta a faces alegres ou tristes dependendo da fase do transtorno Por outro lado pacientes com depressão unipolar mostraram um viés para perceber e responder a faces tristes com respostas mais rápidas e precisas além de respostas automáticas mais elaboradas para essas faces CAPÍTULO 19 A vontade ou volição é uma dimensão complexa da vida mental influenciada por diversos aspectos como instintos emoções intelecto e valores culturais Filósofos como Kant Schopenhauer e Nietzsche contribuíram com diferentes perspectivas sobre a vontade O instinto é definido como respostas comportamentais padronizadas que favorecem a sobrevivência de uma espécie enquanto a psicanálise concebe a pulsão como uma força que impulsiona o sujeito em direção à vida ou à morte O desejo por sua vez é um anseio consciente ou inconsciente em busca de satisfação diferenciandose das necessidades fixas e inatas A inclinação referese à tendência duradoura e estável de desejar buscar ou gostar influenciada pela personalidade e em certa medida pela genética A motivação tanto na psicologia clássica quanto na contemporânea é um construto chave para compreender os fatores que energizam e orientam o comportamento humano sendo tanto intencional quanto reguladora O ato volitivo conforme descrito pelo psicopatólogo Augusto Luiz Nobre de Melo é caracterizado pelas expressões típicas do eu quero ou eu não quero que representam a vontade humana Esse processo envolve a distinção entre motivos intelectuais e móveis afetivos que influenciam a decisão O processo volitivo consiste em quatro etapas cronologicamente seguidas a intenção ou propósito a deliberação a decisão e a execução Na fase de intenção impulsos desejos e temores inconscientes influenciam a decisão Na deliberação ocorre uma ponderação consciente dos motivos e móveis envolvidos A decisão marca o início da ação e a execução finaliza o processo colocando em prática o que foi decidido A ação voluntária é guiada por essas quatro fases nas quais a reflexão precede a execução motora O debate sobre o quanto a vontade humana influencia as ações em contraposição aos determinismos genéticos sociais e culturais é uma questão antiga na tradição ocidental Nos últimos anos pesquisadores têm identificado estruturas cerebrais relacionadas aos processos psicológicos envolvidos em julgamentos e comportamentos morais além de comportamentos impulsivos e agressivos Lesões no córtex préfrontal ventromedial foram associadas a uma diminuição da empatia compaixão e sentimentos de culpa mesmo em decisões que causam dano a outras pessoas Além disso o hipotálamo e a amígdala têm sido relacionados à agressividade enquanto hiperatividade neural em certas áreas cerebrais está ligada a compulsões O córtex préfrontal é central na regulação desses comportamentos sendo responsável pela identificação planejamento e monitoramento das ações além de permitir o adiamento de gratificações As funções executivas frontais processadas principalmente pelo córtex préfrontal dorsolateral incluem a identificação de problemas planejamento de estratégias execução de tarefas e flexibilidade cognitiva Lesões nessa região podem levar a déficits na capacidade de planejamento solução de problemas e flexibilidade cognitiva além de comportamentos como perseveração e impulsividade As síndromes frontais relacionadas às lesões nos lobos préfrontais incluem a síndrome orbitofrontal caracterizada pela falta de inibição social e comportamentos impulsivos a síndrome frontalmedial marcada pela indiferença afetiva e diminuição da motivação e a síndrome da convexidade frontal que apresenta sintomas cognitivos relacionados às funções executivas como dificuldade na resolução de problemas e planejamento do futuro A depressão também pode estar presente nessas síndromes especialmente em lesões no hemisfério esquerdo Segundo Marc Hauser o Homo sapiens possui a capacidade evolutiva de realizar julgamentos morais e atos de vontade baseados em regras universais Essas capacidades incluem a distinção entre ações intencionais e acidentais bem como o valor atribuído a ações protetoras ou destrutivas Esses elementos seriam universais da espécie humana e parcialmente presentes em outros primatas No entanto a universalidade desses comportamentos e valores é debatida na antropologia Uma alteração da vontade é a hipobuliaabulia caracterizada pela diminuição ou abolição da volição onde o indivíduo se sente desanimado sem energia e com dificuldade de decisão geralmente associada à depressão grave Abulia não deve ser confundida com ataraxia um estado de indiferença volitiva e afetiva buscado ativamente por alguns como místicos e ascetas Este estado é almejado como uma libertação ativa e desejada Atos impulsivos são ações que ocorrem sem uma fase prévia de deliberação e decisão muitas vezes de forma egossintônica onde o indivíduo não percebe o ato como inadequado Esses atos são associados a impulsos patológicos inconscientes ou à incapacidade de tolerância à frustração Em contraste os atos compulsivos ou compulsões são reconhecidos como indesejáveis e inadequados pelo indivíduo havendo uma tentativa de refreálos ou adiálos Eles podem envolver desde ações simples até rituais complexos geralmente acompanhados de desconforto subjetivo e seguidos por uma sensação de alívio temporário seguido pelo retorno do desconforto e da urgência de repetir o ato compulsivo Os construtos de impulsividade e compulsividade historicamente considerados opostos compartilham mecanismos neuropsicológicos e frequentemente coocorrem em transtornos mentais resultando em casos mais graves Os circuitos neurais envolvidos nessas condições abrangem processos neuropsicológicos como atenção percepção e coordenação de respostas motoras e cognitivas relacionados aos lobos frontais e corpos estriatais Enquanto o subcircuito da impulsividade envolve o striatum ventral e o nucleus accumbens ativando comportamentos impulsivos o subcircuito da compulsividade envolve o núcleo caudado e putame modulado pelo córtex orbitofrontal A hiperatividade no striatum e anormalidades préfrontais podem favorecer a emergência de atos impulsivos eou compulsivos Diversos tipos de impulsos e compulsões patológicas são observados incluindo automutilação frangofilia e piromania muitas vezes associados a transtornos mentais específicos como esquizofrenia transtorno de personalidade borderline e dependência de álcool ou drogas A ideação e os impulsos suicidas também devem ser investigados cuidadosamente especialmente em pacientes com transtornos de humor dependência de substâncias e transtornos de personalidade Existem tipos diferentes de impulsos e compulsões alimentares e relacionados à ingestão de substâncias como a bulimia que é o impulso de ingerir grandes quantidades de alimentos seguido de sentimentos de culpa levando à indução de vômitos ou uso de laxantes A Dipsomania que é a compulsão periódica para ingerir grandes quantidades de álcool frequentemente resultando em perda de consciência A Potomania compulsão para beber água excessivamente sem sede exagerada podendo levar a complicações metabólicas No que concerne atos e compulsões sexuais existem diversos atos impulsivos e compulsivos de natureza sexual como pedofilia exibicionismo voyeurismo fetichismo sadismo masoquismo zoofilia necrofilia e coprofilia entre outros A poriomania é o impulso de andar sem rumo ou viajar sem destino específico observado em pacientes com esquizofrenia deficiência intelectual entre outros A Cleptomania é o impulso ou compulsão para furtar objetos muitas vezes precedido de ansiedade e seguido de alívio temporário O jogo patológico é a compulsão por jogos de azar mesmo com prejuízos financeiros e sociais A Compulsão por compras é a necessidade premente de comprar objetos seguida de sentimentos de culpa e arrependimento A Compulsão e dependência de internet e videogames diz respeito à crescente dependência de atividades online como jogos redes sociais e compras principalmente entre adolescentes e jovensEsses impulsos e compulsões podem estar associados a diversos transtornos mentais e comportamentais e podem ter graves consequências para a saúde física e mental dos indivíduos afetados Abordase também as alterações da vontade como o negativismo que é caracterizado pela oposição do indivíduo às solicitações do ambiente Pode se manifestar de forma ativa fazendo o oposto do solicitado ou passiva simplesmente não fazendo nada É observado na esquizofrenia depressão grave e transtornos da personalidade podendo incluir recusa sistemática de alimentos sitiofobia A obediência automática que é o oposto do negativismo em que o paciente obedece automaticamente às solicitações de outras pessoas sem autonomia ou capacidade de conduzir seus próprios atos Os Fenômenos em eci que é Repetição automática durante uma entrevista ou outras situações das últimas palavras gestos ou reações do interlocutor Pode ocorrer na esquizofrenia transtornos neurocognitivos e transtornos do espectro autista Os Automatismos que incluem sintomas psicomotores automáticos associados a crises epilépticas bem como fenômenos psíquicos em que o paciente sente que seus pensamentos e comportamentos não são controlados por ele mesmo mas por forças externas Explorase várias alterações da psicomotricidade como a agitação psicomotora caracterizada pela aceleração e exaltação da atividade motora do indivíduo muitas vezes acompanhada de hostilidade e heteroagressividade É comum em quadros maníacos episódios esquizofrênicos agudos e transtornos psicoorgânicosA Lentificação psicomotora que reflete uma lentificação geral da atividade psíquica tornando a movimentação voluntária lenta e difícil Pode incluir períodos de latência entre solicitações ambientais e respostas motoras do paciente podendo chegar a um estado de inibição psicomotora profunda O estupor é caracterizado pela perda de toda atividade psicomotora espontânea enquanto a catatonia é uma síndrome que envolve estupor junto com uma série de outros sintomas psicomotores como catalepsia flexibilidade cerácea mutismo negativismo entre outros A catatonia pode estar presente em uma variedade de transtornos mentais e condições neurológicas sendo potencialmente grave e requerendo tratamento imediato Existem dois construtos importantes na compreensão das respostas humanas a situações de perigo a cascata de defesa e o desamparo aprendido A Cascata de defesa é um sistema de comportamentos e reações defensivas diante de perigos presente em animais incluindo humanos Inclui estágios como reação de alerta reação de fuga ou luta e se essas falham ocorre o freezing uma imobilidade atenta Esse estado pode evoluir para imobilidade tônica colapsada ou quiescente A cascata de defesa é coordenada por vias neurais específicas principalmente envolvendo o córtex límbico amígdala e hipotálamoJá o desamparo aprendido é a falência em escapar de eventos aversivos não controláveis como choques ou estresse Surge devido à falta de controle sobre estímulos aversivos no ambiente Por exemplo uma criança com pais abusivos pode desenvolver desamparo aprendido Isso pode levar a dificuldades emocionais e volitivas significativas ao longo da vida O desamparo aprendido tem sido relacionado a condições psicopatológicas como depressão e TEPT Ambos os conceitos oferecem insights sobre as respostas humanas a traumas e estresses intensos sendo fundamentais para compreender e abordar diversas condições psicopatológicas Ademais o texto aborda diferentes tipos de comportamentos motores repetitivos e anormais como as estereotipias motoras que ão repetições automáticas e uniformes de um determinado ato motor complexo indicando perda do controle voluntário sobre a esfera motora Podem ser observadas na esquizofrenia e na deficiência intelectual O maneirismo que é um tipo de estereotipia motora caracterizado por movimentos bizarros e repetitivos geralmente complexos que parecem buscar um objetivo mesmo que esdrúxulo Pode ocorrer na esquizofrenia na histeria grave e na deficiência intelectual Os Tiques múltiplos motores eou vocais que são atos coordenados repetitivos e breves geralmente associados à ansiedade Podem ocorrer em crianças ansiosas ou como parte do transtorno de Tourette que também pode envolver coprolalia fala involuntária de palavrões e copropraxia gestos involuntários de palavrões A Conversão que é o surgimento abrupto de sintomas físicos de origem psicogênica como paralisias anestesias ou cegueira em situações estressantes ou de conflito intrapsíquico ou interpessoal significativo Por exemplo uma pessoa pode desenvolver paralisia após uma discussão violenta ou descoberta de infidelidade Esses comportamentos motores anormais são frequentemente associados a condições psicopatológicas e podem ter origens diversas desde problemas neuropsiquiátricos até conflitos emocionais e interpessoais Pacientes com transtornos dissociativos e conversivos podem apresentar marcha irregular mutável e bizarra com elementos de ataxia e espasticidade mas sem um padrão neurológico preciso Podem ocorrer movimentos supérfluos balanceio excessivo e tremores semelhantes a quedas mas raramente resultando em lesões graves Alguns apresentam camptocormia e uma forma de hemiplegia que se distingue da paralisia orgânica Termos como astasia e abasia eram usados para descrever a incapacidade de andar ou ficar em pé sem causa orgânica Na esquizofrenia a marcha pode ser bizarra com maneirismos e estereotipias motoras Alguns pacientes psicóticos em uso de neurolépticos podem desenvolver distonias A marcha de pacientes deprimidos é geralmente lenta e difícil Essas alterações devem ser diferenciadas dos padrões de marcha alterados encontrados em doenças neurológicas A hiperventilação psicogênica é caracterizada por respiração acelerada e suspiros não obstrutivos associados à ansiedade O hipopragmatismo referese à incapacidade de realizar atividades diárias mínimas devido a alterações nas esferas volitivas e afetivas comumente observado em pacientes psicóticos crônicos As apraxias são dificuldades ou incapacidades de realizar gestos complexos sem déficits motores primários com diferentes tipos como apraxia ideativa ideomotora de movimento de membros e construcional resultantes de lesões corticais A apraxia da marcha é caracterizada pela dificuldade em iniciar e organizar o movimento da marcha geralmente associada a lesões nos lobos frontais e subcorticais Os neurolépticos de primeira geração usados no tratamento de psicoses frequentemente causam alterações no tônus muscular na postura e nos movimentos voluntários e involuntários Por outro lado várias doenças neurológicas também podem levar a alterações motoras e movimentos involuntários devido a lesões neuronais Além disso são discutidos instrumentos padronizados de avaliação da volição como a Escala de Impulsividade de Barratt para avaliar impulsividade e o Teste de Dependência da Internet para avaliar o uso excessivo da rede CAPÍTULO 20 O pensamento possui três características fundamentais conceitos juízos e raciocínio Os conceitos são descritos como formações cognitivas abstratas e gerais que surgem a partir de percepções e representações sensoriais mas que não possuem elementos sensoriais em si mesmos Eles são formados por meio da eliminação dos caracteres sensoriais e da generalização das características essenciais dos objetos ou fenômenos O debate entre a natureza das representações como imagens ou proposições também é mencionado Os conceitos são vistos como a unidade básica do pensamento e do conhecimento sendo essenciais para a manipulação cognitiva e compreensão do mundo Os conceitos são vistos como unidades básicas que se articulam entre si formando uma rede complexa de relações Os juízos por sua vez surgem da articulação entre conceitos estabelecendo relações significativas entre eles como na formação de frases ou proposições Por exemplo o juízo a cadeira é útil estabelece uma relação entre os conceitos de cadeira e utilidade Já o raciocínio é descrito como a função que conecta conceitos e juízos formando narrativas ou argumentações e permitindo o desenvolvimento do pensamento através do encadeamento de conhecimentos São apresentadas alterações nos conceitos juízos e raciocínio como desintegração e transformação dos conceitos condensação dos conceitos juízo deficiente ou prejudicado e juízos de realidade ou existência Por exemplo na desintegração dos conceitos palavras podem ter significados pessoais idiossincráticos enquanto na condensação dos conceitos duas ou mais ideias são fundidas em um único conceito Juízos de realidade como delírios são destacados como as alterações mais relevantes em psicopatologia sendo tratados em capítulo separado devido à sua importância e extensão Existem diversos tipos alterados de pensamento incluindo juízo e raciocínio como o Pensamento Mágico PM que é caracterizado pela associação subjetiva de ideias a relações objetivas de fatos desconsiderando a lógica e a realidade Exemplos incluem crenças em associações fortuitas como causas reais de eventos O Pensamento Dereístico PD que é oposto ao pensamento crítico e realista distorce a realidade para se adequar aos desejos do indivíduo muitas vezes associado à fantasia e devaneio A Wishful Thinking WT que é Identificação errônea dos desejos com a realidade baseandose mais nos desejos do que em fatos concretos O Pensamento Inibido caracterizado por um raciocínio lento e pouco produtivo observado em quadros demenciais e depressivos graves O Pensamento Vago caracterizado pela falta de clareza e precisão no raciocínio pode ser um sinal inicial de esquizofrenia O Pensamento Prolixo que é a dificuldade em chegar a conclusões sobre um tema com digressões irrelevantes Exemplos incluem tangencialidade e circunstancialidade O Pensamento Concreto a falta de distinção entre dimensão abstrata e concreta com dificuldade em entender metáforasO Pensamento Deficitário com uma estrutura pobre e rudimentar com escassez de conceitos abstratos e dificuldade na aplicação de regras O Pensamento Demencial que é o empobrecimento variável do pensamento é desigual ao longo do tempo O Pensamento Confusional que é a incoerência devido ao rebaixamento da consciência com dificuldade em estabelecer vínculos entre conceitosO Pensamento Desagregado que é uma incoerência extrema com mistura aleatória de palavras O Pensamento Obsessivo cuja predominância de ideias absurdas ou repulsivas que se impõem à consciência de forma persistente As ruminações que são pensamentos negativos recorrentes associados a transtornos de ansiedade depressão e compulsões Todos esses tipos de pensamento podem ocorrer em diversos transtornos mentais incluindo ansiedade depressão transtorno bipolar e esquizofrenia além de serem observados em préadolescentes e adolescentes em fase inicial de transtornos do humor No que concerne às alterações no curso forma e conteúdo do pensamento destacamse a aceleração em que o pensamento flui rapidamente dificultando acompanhar o ritmo ocorrendo em mania esquizofrenia e ansiedade intensa A Lentificação que o pensamento progride lentamente com latência entre perguntas e respostas observado em quadros depressivos graves e intoxicações O Bloqueio caracterizado pela interrupção abrupta do pensamento durante uma conversa quase exclusiva da esquizofrenia O Roubo do Pensamento que há a sensação de que o pensamento foi roubado por uma força estranha característico da esquizofrenia A Fuga de Ideias que é a aceleração extrema do pensamento com ideias se sucedendo rapidamente perturbando as associações lógicas observada em quadros maníacos do transtorno bipolar O Afrouxamento das Associações que são enlaces associativos menos articulados manifestado nas fases iniciais da esquizofrenia O Descarrilhamento do Pensamento que é o extravio do curso normal do pensamento associado a marcante distraibilidade observado na esquizofrenia e em transtornos maníacos A Dissociação e Incoerência do Pensamento caracterizada pela desorganização do pensamento com sequências não lógicas e falta de articulação entre os juízos característico da esquizofrenia A Desagregação do Pensamento que é a perda radical dos enlaces associativos sem coerência típico de formas avançadas de esquizofrenia e quadros demenciais Essas alterações estão relacionadas à psicopatologia significativa e impactam negativamente a vida das pessoas associadas a dificuldades nas funções executivas frontais Elas podem ocorrer em esquizofrenia transtornos afetivos transtorno do espectro autista entre outros sendo indicadores da gravidade do quadro clínico Os conteúdos mais prevalentes na psicopatologia das alterações do conteúdo do pensamento são os persecutórios que incluem vivências de perseguição ligadas à sobrevivência em um mundo potencialmente ameaçador Os Depreciativos com sentimentos de menosvalia e desvalorização frequentes em estados depressivosO Poder Riqueza Grandeza ou Missão relacionados à segurança narcisismo e negação das dificuldades da vida Os Religiosos e Místicos presentes em todas as culturas devido ao papel central da religião na organização da representação do mundo Os Eróticos e Sexuais que são temas de interesse humano primordial revelados por Freud como importantes para a esfera mental e social Os Hipocondríacos relacionados à importância do corpo na experiência humana incluindo preocupações somáticas e medo de adoecer Os Eventos Futuros Negativos expressos por pessoas com ansiedade generalizada e depressão ansiosa CAPÍTULO 21 O texto aborda o juízo da realidade e suas alterações enfatizando que o ato de julgar é uma atividade humana fundamental Os juízos estão relacionados à percepção da verdade da existência de objetos e à distinção entre qualidades Na psicopatologia os juízos de realidade são de grande interesse pois refletem a relação do indivíduo com a realidade compartilhada As alterações no juízo de realidade são consideradas alterações do pensamento e são destacadas devido à sua importância na psicopatologia especialmente no contexto dos delírios Juízos falsos podem surgir de diversas formas mas a distinção crucial em psicopatologia é entre erros simples não causados por transtornos mentais e formas de juízos falsos causados por transtornos mentais sendo o delírio o mais significativo deles É realizado a distinção entre erro simples e delírio ressaltando que não há uma fronteira clara entre eles O erro ocorre por ignorância julgamento apressado ou uso de premissas falsas enquanto o delírio é incompreensível e não pode ser corrigido pela experiência ou lógica Os erros simples são compreensíveis social e psicologicamente e podem surgir de situações afetivas intensas Por outro lado o delírio é caracterizado pela incompreensibilidade e não pode ser entendido psicologicamente Além disso são discutidos tipos de erros comuns como preconceitos e superstições e alterações patológicas do juízo como ideias prevalentes ou sobrevaloradas Essas ideias são sustentadas com forte convicção são egossintônicas e geralmente causam sofrimento ou disfunção no indivíduo Algumas delas podem progredir para delírios verdadeiros mas outras podem não ter significado patológico sendo consideradas parte da psicologia normal O delírio é definido por Karl Jaspers como juízos patologicamente falsos originados de transtornos mentais Suas características incluem uma convicção extraordinária imutabilidade diante da realidade e frequentemente um conteúdo irreal Além disso é vivenciado como evidente pelo paciente e muitas vezes é associal divergindo do contexto cultural As dimensões do delírio incluem o grau de convicção a extensão do envolvimento nas áreas da vida do paciente a bizarrice ou implausibilidade a desorganização a pressão ou preocupação a resposta afetiva e o comportamento resultante Também é discutida a diferença entre delírios primários que são incompreensíveis psicologicamente e delírios secundários que são derivados de outras alterações mentais O texto ainda aborda os delírios compartilhados onde mais de uma pessoa acaba compartilhando dos delírios de uma pessoa verdadeiramente psicótica Os delírios são classificados de acordo com sua estrutura em simples ou complexos e sistematizados ou não sistematizados Os delírios simples envolvem apenas um tema enquanto os complexos abrangem vários temas simultaneamente Os não sistematizados carecem de consistência e podem variar enquanto os sistematizados são bem organizados e mantêm os mesmos conteúdos ao longo do tempo O surgimento dos delírios geralmente segue um período prédelirante chamado humor delirante caracterizado por aflição e ansiedade intensas Após essa fase ocorre a revelação do delírio onde o paciente descobre o que está acontecendo e muitas vezes se acalma Klaus Konrad propôs cinco fases no desenvolvimento do delírio trema apofania fase apocalíptica consolidação e fase de resíduo Os delírios podem ter um curso agudo surgindo rapidamente e desaparecendo em pouco tempo ou crônico persistindo por longos períodos sem muita modificação ao longo do tempo O delírio é formado por uma interação complexa de fatores cerebrais psicológicos afetivos de personalidade e socioculturais Embora não haja evidências consistentes sobre sua etiologia podem ser identificados alguns mecanismos constitutivos como a interpretação distorcida dos fatos é fundamental na formação do delírio gerando histórias delirantes que embora irracionais possuem certa lógica O delírio intuitivo ocorre quando o paciente percebe repentinamente uma nova realidade sem a necessidade de fundamentação lógica A imaginação acompanha a atividade interpretativa na construção do delírio onde o paciente elabora eventos fictícios como parte de sua realidade A afetividade cujo delírios catatímicos são influenciados por estados afetivos intensos como nas depressões graves e mania onde o paciente vive em um mundo marcado por suas emoções O delírio mnêmico é construído a partir de elementos verdadeiros ou falsos da memória onde o paciente incorpora experiências passadas em sua narrativa delirante Delírios oníricos estão associados a estados de turvação da consciência ricos em experiências oníricas e confusão do pensamento O delírio pode surgir de experiências alucinatórias intensas onde o paciente integra a atividade alucinatória em sua vida por meio do delírio A percepção delirante descrita por Kurt Schneider é especialmente importante onde uma percepção normal recebe imediatamente um significado delirante vivenciado como uma revelação abruptaEsses mecanismos embora não sejam engendradores puros do delírio contribuem para sua formação destacando a complexidade desse fenômeno psicopatológico As relações entre delírio e alucinação são complexas e bidirecionais com ambas as manifestações muitas vezes interagindo de maneira intricada Estudos sugerem que as alucinações podem preceder os delírios influenciando seu surgimento No entanto o oposto também pode ocorrer com delírios influenciando a percepção sensorial e levando a alucinações Além disso delírios e alucinações podem se reforçar mutuamente fornecendo uma prova de realidade um ao outro Por exemplo alucinações de vozes ameaçadoras podem confirmar o delírio de que o sujeito está sendo perseguido Essa retroalimentação pode sustentar o estado delirantealucinatório da psicose A estabilização e a manutenção do delírio ao longo do tempo podem ser influenciadas por diversos fatores incluindo a inércia em mudar as próprias ideias a falta de comunicação interpessoal satisfatória e o comportamento agressivo resultante do delírio que pode levar ao isolamento social e reforçar o ciclo de paranoia e hostilidade Além disso o delírio pode afetar a maneira como o paciente é percebido pelos outros levandoo a construir novas interpretações delirantes para manter sua autoestima Existem os delírios de perseguição nos quais o indivíduo acredita estar sendo perseguido por outras pessoas e sujeito a ameaças Em seguida há o delírio de referência no qual o paciente interpreta eventos cotidianos como referências pessoais depreciativas Outro tipo abordado é o delírio de relação onde o indivíduo cria conexões delirantes entre eventos aparentemente sem relação muitas vezes com um tom persecutório O delírio de grandeza religioso erótico de identificação falsa e de conteúdo depressivo são caracterizados por crenças delirantes específicas São discutidos delírios hipocondríacos e cenestopáticos nos quais o indivíduo acredita ter doenças graves ou sentir sensações corporais estranhas respectivamente Esses delírios são frequentemente associados a transtornos psicóticos depressão grave e esquizofrenia No delírio de influência ou controle o paciente sentese controlado por forças externas como máquinas ou seres extraterrestres enquanto no delírio de grandeza a pessoa acredita ter poderes especiais e uma missão grandiosa Já o delírio religioso ou místico envolve crenças em divindades mensagens espirituais e missões sagradas sendo difícil distinguilo de crenças religiosas intensas No delírio de ciúmes o indivíduo sentese traído pelo parceiro de forma intensa podendo levar a atos de violência Já o delírio erótico envolve a crença de que alguém famoso ou importante está apaixonado pelo paciente Os delírios de falsa identificação como a síndrome de Capgras e Frégoli levam o paciente a acreditar que pessoas conhecidas foram substituídas por sósias ou que diferentes pessoas são na verdade a mesma pessoa disfarçada Esses delírios são observados em várias condições psiquiátricas como esquizofrenia transtornos delirantes transtorno bipolar e demências Os delírios de conteúdo depressivo apresentam temáticas tristes como ruína culpa autoacusação e até mesmo negação de órgãos No delírio de ruína o indivíduo acredita que está condenado ao sofrimento e fracasso Já no delírio de culpa e auto acusação o paciente se sente responsável por tudo de ruim que acontece O delírio de negação de órgãos conhecido como síndrome de Cotard envolve a crença de que partes do corpo estão mortas ou desaparecidas Além disso há o delírio hipocondríaco no qual o paciente crê ter uma doença grave apesar de evidências contrárias Por fim o delírio cenestopático referese a sensações estranhas nos órgãos internos interpretadas de forma delirante Esses tipos de delírios estão associados a quadros de depressão grave esquizofrenia e transtornos delirantes Os delírios mais comuns representando cerca de três quartos dos casos são os de perseguição que englobam não apenas os delírios persecutórios propriamente ditos mas também os de referência relação e influência todos com um tom persecutório Outros tipos de delírio como invenção infestação cenestopático e fantástico são menos frequentes embora ainda possam ocorrer Estudos históricos mostram que ao longo dos últimos 100 a 200 anos os delírios de perseguição têm sido consistentemente os mais comuns Pesquisas em arquivos franceses e eslovenos revelaram essa predominância com uma tendência crescente dos delírios de perseguição ao longo do tempo Um estudo realizado nos Estados Unidos também mostrou uma alta prevalência de delírios de perseguição com uma tendência de aumento após os anos de 1950