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Platão O BANQUETE Vozes de Bolso Platão O Banquete Tradução introdução e notas de Anderson de Paula Borges Vozes de Bolso Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Câmara Brasileira do Livro SP Brasil Platão O Banquete Platão tradução introdução e notas de Anderson de Paula Borges Petrópolis RJ Vozes 2017 Coleção Vozes de Bolso ISBN 9788532654816 Edição digital 1 Filosofia antiga 2 Literatura grega I Borges Anderson de Paula II Título III Série 1608805 CDD184 Índices para catálogo sistemático 1 Filosofia platônica 184 2 Platão Obras filosóficas 184 Título original em grego ΣΥΜΠΟΣΙΟΝ Traduzido a partir da edição de Burnet John Platonis Opera volume II Oxford Oxford University Press 1901 desta tradução 2017 Editora Vozes Ltda Rua Frei Luís 100 25689900 Petrópolis RJ wwwvozescombr Brasil Todos os direitos reservados Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma eou quaisquer meios eletrônico ou mecânico incluindo fotocópia e gravação ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da editora CONSELHO EDITORIAL Diretor Gilberto Gonçalves Garcia Editores Aline dos Santos Carneiro Edrian Josué Pasini José Maria da Silva Marilac Loraine Oleniki Conselheiros Francisco Morás Leonardo ART dos Santos Ludovico Garmus Teobaldo Heidemann Volney J Berkenbrock Secretário executivo João Batista Kreuch Editoração Fernando Sergio Olivetti da Rocha Diagramação Sheilandre Desenv Gráfico Revisão gráfica Nilton Braz da Rocha Capa visivacombr Artefinalização Ygor Moretti Ilustração de capa O Banquete de Platão Anselm Feuerbach 1873 Alte National Galerie Berlim ISBN 9788532654816 Edição digital Editado conforme o novo acordo ortográfico Sumário Introdução Banquete Introdução O ateniense Platão 427347 aC é o filósofo que sistematizou o gênero de conhecimento que ainda hoje chamamos filosofia Como observou Richard Kraut1 Platão tornou a filosofia uma disciplina munida de um método distintivo usandoa para fazer investigações radicais e submeter os pressupostos de outras áreas a escrutínio A quase totalidade de sua obra é constituída de diálogos O Banquete considerado um diálogo da fase madura do seu pensamento foi escrito provavelmente entre 384 e 379 aC cf DOVER 1980 p 10 Um traço notável do Banquete é a complexidade de sua composição Platão escolhe cuidadosamente alguns representantes da intelectualidade da Atenas de seu tempo e concebe discursos para que profiram durante um banquete na casa do poeta Agatão O texto é um testemunho de como Platão dominava o método de filosofia que concebeu investigações discursivas sobre temas de interesse geral Amor Justiça Conhecimento por meio de diálogos fictícios com personagens históricos muitos dos quais defensores de fato das ideias vinculadas a seus nomes A fórmula típica de um diálogo platônico é um texto que desenvolve argumentos por meio de conversas No Banquete Platão emprega essa fórmula para compor uma trama de discursos personagens fatos históricos costumes da Atenas clássica humor e ironia O tema do Banquete é uma investigação filosófica sobre Erōs termo que traduzimos por Amor Embora tenhamos adotado essa opção de tradução em todas as ocorrências de Erōs no texto é importante notar que o termo grego tem um sentido mais amplo do que o amor interpessoal talvez o termo desejo seja mais apropriado em algumas partes do texto Na verdade a progressiva exposição da complexidade e amplitude da noção de Erōs é o que constitui o próprio tema do diálogo sendo delineada aos poucos pelos próprios oradores Nesse sentido nenhum discurso é suficiente e todos são complementares ao tema desenvolvido no Banquete Do ponto de vista dramático o Banquete se passa na casa do poeta trágico Agatão em algum momento do ano de 416 aC Mas a narrativa começa mais tarde talvez uns 10 ou 15 anos numa cena com Apolodoro narrador principal conversando com um amigo cujo nome não sabemos Apolodoro menciona um episódio no qual encontrou Glauco e outros amigos de Sócrates Glauco queria saber sobre os eventos ocorridos na casa de Agatão Apolodoro diz a Glauco que não estava presente pois o evento ocorreu há bastante tempo 173a mas vai contálo já que como foi dito na primeira sentença do diálogo ele está efetivamente preparado para tal Apolodoro começa então a descrever o evento a partir do que ouviu do ateniense Aristodemo um seguidor de Sócrates presente ele mesmo no jantar Assim por meio de narrativas indiretas a partir de 174a o leitor acompanha o relato que Apolodoro faz do que ouviu de Aristodemo Aristodemo conta que encontrou Sócrates se dirigindo para a casa de Agatão com a intenção de participar de um jantar Há cerca de dois dias Agatão tinha vencido sua primeira competição de tragédias e vários convidados estariam em sua casa para celebrar o feito entre eles Fedro Pausânias Erixímaco Aristófanes e Sócrates Alcibíades chegaria depois embriagado mas lúcido o bastante para ser aceito como participante A tradição destes jantares o título em grego do Banquete é Sūmposion espécie de jantar festivo era servir a comida primeiro Quando todos já estavam saciados os servos retiravam os alimentos lavavam as mãos dos convidados e o simposiarca mestre de cerimônias mandava trazer a bebida No Banquete Pausânias propõe que a bebedeira seja moderada pois alguns dos presentes tinham exagerado no dia anterior quando já comemoravam a conquista de Agatão Então Erixímaco assumindo a função de simposiarca acolhe a proposta de Pausânias e pede para que Agatão dispense a garota que está executando a música Assim num clima depurado de outras distrações Erixímaco acolhe uma sugestão dada em outro momento por Fedro que era preciso produzir um discurso de louvor do Amor Todos concordam com a proposta de fazer o elogio do Amor e a partir daí o leitor acompanha um banquete de discursos A concepção de elogio enkōmion é uma fórmula já consagrada na literatura grega clássica São discursos que visam descrever as características positivas de um objeto tema ou pessoa Esses discursos tinham critérios definidos Basicamente deviase falar 1 da origem estrutura da família força beleza e riqueza 2 das virtudes distintas das qualidades da origem como sabedoria justiça coragem e ocupações que justificam sua reputação 3 dos antepassados 4 das realizações e influências benéficas incluindo o que causou através de outros agentes cf DOVER 1980 p 12 A seguir oferecemos um breve comentário de cada discurso Fedro 178a180b enfatiza que quanto à origem Erōs é o deus mais antigo e quanto aos benefícios é o único capaz de levar um indivíduo a agir em proveito do outro Sem prestar muita atenção à distinção que vigora à época entre o amante o parceiro mais velho e o amado o mais jovem Fedro defende que o Amor é capaz de incutir virtude seja naquele que desenvolve o desejo pelo amado seja naquele que sendo transformado por esse desejo tornase virtuoso Assim já no primeiro discurso O Banquete trata da relação entre Amor e educação uma abordagem que predomina em todos os demais discursos Pausânias 180c185c explora a natureza dupla do Amor e seus efeitos nas relações amorosas entre indivíduos do mesmo sexo e indivíduos de sexos diferentes Como nota Christopher Gill Plato The Symposium 1999 é neste discurso que o amor entre homens do mesmo sexo é mais diretamente tematizado se bem que todos os demais oradores mencionam essa forma O discurso de Pausânias chama a atenção para os diferentes níveis de aceitação dessa opção nas cidades gregas Em Atenas as regras são complexas ele diz pois os homens mais velhos são encorajados a buscar o amor dos mais jovens mas os pais em contraste esforçamse para evitar que seus filhos se envolvam nesse tipo de relação Pausânias atribui essa ambiguidade à diferença entre o que ele chama de Amor Popular e Amor Celestial O primeiro é o amor físico predominante no desejo do homem pela mulher e viceversa mas também em casais de homens ou de mulheres Pausânias explica que a rejeição dos pais se deve aos efeitos nocivos que essa forma apresenta especialmente por ser focada exclusivamente na gratificação sexual mútua O segundo tipo é o Amor cujo objetivo é a educação da alma e o desenvolvimento da virtude Para Pausânias esse Amor deveria vigorar em Atenas como uma forma de troca na relação amorosa o jovem receberia a formação intelectual do mais velho e ofereceria em troca se for o caso a gratificação sexual cf 184d185c Christopher Gill 1999 defendeu que o discurso de Pausânias contém uma crítica indireta de Platão às práticas sexuais atenienses pois no discurso de SócratesDiotima 199c212b o aspecto educativo e moral do Amor entre homens será novamente mencionado mas sem a gratificação sexual cf 209bc 210bc Com Erixímaco 186a188e Erōs é posto numa perspectiva mais ampla O médico argumenta como Fedro e Pausânias que a melhor forma de Amor é a que incentiva o desenvolvimento da excelência moral ou virtude aretē Além disso Erixímaco sustenta a tese de que o Amor é um deus presente em todo o universo e que o Amor adequado ou harmônico só é possível por meio da medicina Como a medicina é a técnica relacionada à saciedade e vacuidade dos corpos o Amor está relacionado ao modo como os elementos são combinados ou dissociados Sem a medicina Erōs manifestase sob a forma de doenças e separação de elementos Mas quando os indivíduos envolvidos por Erōs se valem do conhecimento médico promovem a harmonia e permitem uma experiência amorosa efetiva e com benefícios O discurso de Aristófanes 189c193d introduz uma ideia nova a natureza essencialmente carente do ser humano O Amor que para Aristófanes significa desejo por outra pessoa é o efeito mais visível de uma carência essencial que a natureza humana carrega desde que por obra de um ato divino foi despojada de sua condição originária O comediógrafo introduz um mito para explicar como era essa condição e como os indivíduos estão agora Conforme o mito antigamente os gêneros eram 3 masculino feminino e o andrógino Todos tinham uma cabeça duas faces quatro braços quatro pernas e assim por diante Os homens eram fortes e ambiciosos o que acabou despertando neles a vontade de tomar conta do Olimpo Para punir sua arrogância Zeus ordenou que fossem cortados ao meio Assim o mito pretende explicar a origem do desejo inato que um ser humano sente por outro ser humano Depois de cortado cada indivíduo conforme seu gênero vive unicamente em busca daquele outro ser que irá restituir sua integralidade Para Aristófanes em claro contraste com os discursos anteriores mas não com o de Sócrates a seguir o desejo sexual e o anseio de convivência são expressões da incompletude original de uma natureza humana que um dia já foi completa e feliz Aristófanes enfatiza ainda que a necessidade que cada pessoa tem de partilhar uma vida comum vai além do desejo sexual pois é um desejo real de viver com o outro a existência completa que cada um teria se não fosse o corte original O mito permite a Aristófanes uma extraordinária dinâmica na explicação das formas de preferência sexual a preferência pelo sexo oposto teria surgido do corte do ser originariamente andrógino enquanto que as demais opções sexuais foram cortes dos seres completamente masculinos ou dos seres completamente femininos Notemos também que a ideia básica do mito a carência natural é semelhante ao ponto que será desenvolvido por Sócrates sobre o desejo adiante na seção 199c201c O discurso de Agatão 194e197e segue de perto as regras dos discursos elogiosos embora tenha a intenção de ser inovador pois começa com a defesa de um princípio Agatão diz que pretende falar primeiro da natureza de Erōs para só então tratar de seus efeitos Ele parece se referir ao princípio socrático comum nos diálogos ditos da juventude de Platão segundo o qual devemos sempre enunciar os atributos de x com base no conhecimento da natureza essencial de x Agatão passa a descrever e defender dois atributos centrais de Erōs suprema beleza e suprema bondade Para cada um ele menciona uma lista de evidências cujo propósito é mostrar que o atributo em questão é de fato verdadeiro de Erōs Naturalmente por ser um poeta exímio em oratória tais evidências não passam de recursos retóricos construídos sobre imagens e analogias retiradas da poesia e da arte como nota Bury 1932 Introdução p 35 O discurso se fecha com a menção aos efeitos daqueles atributos paz prazer admiração guia excelente em várias atividades entre outros O discurso de Sócrates 199c212b de longe o mais elaborado filosoficamente pode ser dividido em três partes Primeiro há um diálogo com Agatão 199c201c no qual Sócrates estabelece um ponto acerca da noção de desejo Todo desejo tem dois aspectos i é relacional pois é desejo de algo ii é carência pois é desejo de algo que não se possui atualmente Agatão tinha argumentado em seu discurso que a natureza de Erōs possui o atributo da beleza e que tal posse permite ao Amor transferir seu atributo às coisas com as quais se relaciona Sócrates faz Agatão assentir que essa afirmação não se sustenta pois Erōs é desejo de beleza e o que deseja x não possui x Portanto o Amor em si não transfere a beleza Ele é uma busca pela beleza cujo efeito psíquico é levar o indivíduo a apreender quais meios permitem obter as coisas belas Tendo exposto isso Sócrates passa para a segunda parte de seu discurso uma das mais sugestivas de todo o diálogo Em toda a seção 201e209e são relatados os pontos efetivamente defendidos por Diotima Antes de tudo Erōs é um espírito com natureza situada entre dois opostos seres humanos e divindades É um ser intermediário um daimōn espírito Isso completa o argumento desenvolvido anteriormente na conversa entre Sócrates e Agatão quando Sócrates defendeu que Erōs é desejo do que não se possui Agora Sócrates complementa Erōs não é carência completa pois nesse caso quem estivesse sob efeito de Erōs sequer poderia identificar o objeto do seu desejo Erōs é um desejo interposto entre o estado psicológico de ter x e o oposto não possuir absolutamente nada de x O ponto é arrematado pelo relato de um mito sobre a origem de Erōs 203b203e O mito enfatiza dois traços básicos Erōs é carente de um lado mas é cheio de recursos e artimanhas quando se trata de perseguir seu objeto de outro Na sequência 204d206a Diotima expõe o objeto de Erōs é um desejo de posse do que é bom e belo cujo fim telos é a felicidade cf 205d Esse aspecto dá corpo ao restante da argumentação de Diotima pois ao estabelecer que a meta de Erōs é a felicidade eudaimonia por meio da posse do que é bom e do que é belo Diotima amplia definitivamente o sentido do Amor sem contudo afastarse do amor trivial dos amantes pois eles não irão discordar que em última instância a felicidade é de fato o objetivo do Amor Na seção 206b208b Diotima acrescenta mais um aspecto à natureza de Erōs sua função ergon é parir no belo tanto no corpo como na alma 206b Esse aspecto é explorado por meio da imagem da gravidez o Amor é antes de tudo um desejo de procriar Desejamos procriar como forma de perpetuar nossa existência pois nossa condição terrena é transitória e finita A geração de filhos é o meio disponível ao indivíduo para perdurar sua existência Por isso dedicamos parte importante de nossa vida e de nossos esforços aos filhos e o mesmo se verifica no reino animal A seção 208c209e desenvolve o tema da imortalidade como função do Amor num sentido mais amplo desejo por fama por realizações e por atos que perpetuem o nome do indivíduo são testemunhos segundo Diotima do desejo de ser imortal Diotima dá destaque aqui a atos que indicam gravidez psíquica como heroísmo ensino de excelência moral legislação produção poética e outros São todos contextos em que Erōs exerce sua função do ponto de vista da alma dos indivíduos em oposição aos casos em que Erōs busca imortalidade por meio da reprodução sexual Nos casos voltados à alma o objetivo é a imortalidade porque o indivíduo quer preservar sua memória por meio daqueles atos cf 208c 209e O leitor deve notar que há um elemento comum que unifica todas essas instâncias de geração com vistas à imortalidade Apesar da plasticidade da metáfora da gravidez que permite ir do sexo à legislação Diotima nunca se afasta da tese de que o Amor é um desejo essencialmente relacionado à beleza Além disso é crucial não interpretar equivocadamente essa conexão entre Amor e Beleza pois ela é dominante na investigação desenvolvida no Banquete Na leitura de Diotima o Amor é um desejo de parir nos objetos que manifestam instâncias de beleza como a beleza de uma mulher ou de um homem a beleza da alma de uma pessoa a beleza de uma cidade ou de uma lei a beleza de uma obra ou de uma ideia e assim por diante Diotima parece sustentar que pelo menos no âmbito humano racional nenhum ser deseja conceber ou se associar com o que não exibe aspectos dignos de serem desejados reproduzidos e imortalizados Nesse sentido um físico não belo uma alma abjeta uma cidade feia uma lei injusta uma obra ruim e uma ideia falsa são todos casos que não vão despertar qualquer nível de interesse por parte de Erōs Por fim a seção 210a212b constitui a terceira e última parte do discurso Diotima descreve aí o processo intelectual de compreenssão definitiva do atributo mais importante relacionado a Erōs o belo Diotima defende que um indivíduo interessado em adquirir conhecimento substancial das questões relacionadas ao Amor como Sócrates deve encarar todo o processo de aprendizado como uma ascensão de níveis de menor generalidade a níveis de maior generalidade teórica Tratase portanto de uma questão de conhecer o Amor num nível abstrato e informativo pois como vem sendo destacado desde o início do diálogo o Banquete é uma proposta de expressão discursiva da natureza de Erōs Vamos comentar apenas alguns aspectos dessa seção deixando os demais para que o leitor aprecie e avalie por si mesmo Primeiro a seção não parece tratar de toda forma de conhecimento das ideias apenas do conhecimento do belo tou kalou Claro que o procedimento de conhecer outras ideias é semelhante mas é preciso colocar a passagem em seu contexto Diotima revela a Sócrates que o conhecimento do belo se dá por degraus O primeiro degrau ocorre já na juventude quando o jovem desenvolve amor por um corpo uma pessoa Diotima diz que se bem orientado o indivíduo pode aproveitar essa ocasião para desenvolver belos discursos isto é para desenvolver conhecimentos por meio desse envolvimento emocional com uma pessoa que detém saber vimos anteriormente que esse tipo de relação é um ideal recomendado por outros oradores Depois o progresso intelectual irá levar o jovem a perceber por si mesmo 210b que há uma semelhança em todos os casos de beleza física Nesse estágio o jovem já poderá perceber que a causa dessa semelhança é a Forma eidos da beleza e que é muita tolice não considerar a beleza de todos os corpos uma só e a mesma Esse conhecimento irá leválo a abandonar a beleza de um só corpo para se dedicar à beleza de todos Isso indica que o jovem já começa a ver a beleza abstratamente É um avanço considerável pois implica notar a diferença entre uma visão da beleza a partir de um caso de amor concreto ainda que bem orientado e a visão da beleza de todos os corpos O recuo ou abandono da beleza de um só para contemplar a beleza de todos os corpos nada mais é do que o efeito do conhecimento no nível informativo dos conceitos Nesse nível a alma do indivíduo já começa a ser orientada pelo conhecimento do que de fato está envolvido em Erōs Adiante quando Alcibíades relatar o comportamento de Sócrates em face das investidas amorosas é possível perceber como Sócrates pratica esse abandono do amor de um só corpo Há muito mais detalhes e questões em aberto na seção em 210a 212b Alguns intérpretes acham por exemplo que a seção exibe um aparente desprezo de Platão pelo amor interpessoal e uma exagerada valorização do amor filosófico impessoal voltado exclusivamente ao estudo das ideias daí por que a tradição cunhou a expressão amor platônico Outros entendem que a seção apenas mostra que Platão considera o conhecimento mais elevado nomeado por ele filosofia bastante difícil pois tem como derradeiro degrau uma visão direta das ideias ou Formas Mesmo supondo que Platão pensa que esse conhecimento é difícil a passagem indica que é possível Quando finalmente chega nesse estágio cognitivo o indivíduo voluntariamente passa a se interessar menos pelo mundo empírico de Erōs mundo este que abriga todo aquele festival de imagens mentais muitas vezes falsas com forte apelo físico e emocional Nesse sentido uma das mensagens do Banquete é a de que o conhecimento filosófico permite ao indivíduo mais liberdade e mais felicidade lembremos que Diotima ensinou que a felicidade é o telos do Amor em sua própria experiência com Erōs O último discurso é o de Alcibíades 214e222b um político e general ateniense no auge de sua reputação com cerca de 34 anos na época do jantar A fala de Alcibíades foge do padrão das demais pois não trata de Erōs mas de Sócrates Fundamentalmente o discurso relata como Alcibíades e Sócrates tinham visões diferentes sobre os objetivos da associação que mantinham entre si Embora Alcibíades desejasse obter de Sócrates educação filosófica o jovem político ainda pensava como Pausânias e outros membros da alta sociedade ateniense que em troca devia oferecer favores sexuais Mas o relato deixa claro que Sócrates rejeita esse modelo o que explica o completo fracasso das investidas de Alcibíades cujos detalhes compõem um dos momentos mais cômicos do Banquete De outro lado parte do discurso se ocupa dos atributos que Alcibíades considera dignos de louvor em Sócrates a coragem nas batalhas a firmeza de caráter sua excepcional singularidade como indivíduo entre outros O discurso representa um contraponto ao de SócratesDiotima Este último descreve todos os passos de um conhecimento erótico bemsucedido em termos de explicação geral da natureza e dos efeitos de Erōs O discurso de Alcibíades em contraste representa uma instância do amor que toma conta do típico jovem ateniense autoconsciente de sua beleza e de sua capacidade como indivíduo Alcibíades se associou a Sócrates com pretensão de saber mas suas intenções eram a glória pessoal e o prazer da gratificação sexual Por isso a participação de Alcibíades no Banquete entre outros aspectos ressalta uma condição emocional que enquanto tal não desperta desejo de imitação ou desejo de geração se a virmos sob a perspectiva dos traços que segundo Diotima provocam a manifestação de Erōs Assim como um exemplo de pessoa cujos atos e pensamentos são definidos pelo amor apaixonado unilateral por outro Alcibíades pode despertar curiosidade comiseração riso simpatia e até mesmo empatia mas diferentemente de Sócrates não desperta Erōs 1 KRAUT R Introdução ao estudo de Platão In KRAUT R org Platão Aparecida Ideias Letras 2013 Banquete 2 Apolodoro e um companheiro3 172a Apolodoro Acredito que não estou sem preparo para descrever os eventos sobre os quais me interrogas pois no dia anterior a ontem estava indo de minha casa em Falero4 para Atenas quando um conhecido me viu por trás e chamandome a distância disse em tom de brincadeira Falerino5 Ei Apolodoro Não vais me esperar Parei e esperei Então ele disse Apolodoro há pouco te procurava Queria me informar sobre 172b tudo o que aconteceu no encontro entre Agatão Sócrates Alcibíabes e outros que naquele momento tomaram parte no banquete para ouvir quais foram os discursos proferidos em honra do Amor6 Ouvi uma versão de alguém que a ouvira de Fênix o filho de Filipe e que disse que tu também tinhas conhecimento do assunto Mas tal pessoa não proferiu nada de muito claro de modo que tu deves relatarme pois és o que mais propriamente podes reportar as palavras do teu amigo7 Antes porém disse ele falame tu mesmo estavas no encontro ou não Eu disse parece que absolutamente nada de claro teu narrador te relatou se 172c supões que o encontro sobre o qual interrogas aconteceu recentemente de forma a permitir minha presença Penso que sim disse ele Mas como pode Glauco Não sabes que há muitos anos Agatão está ausente de Atenas e que não se passaram três anos desde que comecei a ter contato com Sócrates assumindo como tarefa diária saber o que ele fala e faz Antes disso eu costumava 173a pensar que fazia algo quando de fato me conduzia ao acaso sendo mais miserável do que qualquer outro Não era mais digno do que tu és agora pois pensava que a filosofia deveria ser a última coisa com a qual deveria me ocupar Não brinques comigo ele disse mas dizeme quando esse encontro aconteceu Na época que nós ainda éramos crianças eu disse quando Agatão ganhou o prêmio por sua primeira tragédia8 no dia posterior àquele em que ele e seus coreutas ofereceram sacrifícios pela vitória Muito bem então faz muito tempo ao que parece disse ele Mas quem te contou o próprio Sócrates 173b Não por Zeus eu disse Mas aquele mesmo que o relatou a Fênix Aristodemo9 de Cidateneão um homem pequeno que anda sempre de pés descalços estava presente à reunião e à época não havia maior fã10 de Sócrates do que ele penso eu Mas é claro interroguei Sócrates depois sobre algumas coisas que ouvi de Aristodemo e Sócrates concordou que foi tal como aquele reportou Por que então não me contas disse ele De qualquer modo o caminho até a cidade nos dá uma ótima oportunidade para falar e ouvir enquanto seguimos Assim enquanto íamos pelo caminho tornamos aqueles discursos objeto de nossa conversa 173c de modo que como disse no início não estou sem preparo para o tema Se devo então também relatálo a vós é o que farei Aliás quando eu mesmo faço discursos filosóficos ou quando os ouço sem contar o proveito que me trazem tenho como que um prazer extraordinário mas quando se trata de outros temas particularmente dos assuntos daqueles entre vós que são ricos e negociantes fico entediado e sinto piedade de vós meus companheiros porque acreditais estar realizando alguma coisa mas não realizais nada 173d Por outro lado talvez também vós acrediteis que sou um desafortunado11 o que julgo ser uma opinião verdadeira Mas eu quanto a vós não penso que sois desafortunados sei que sois Companheiro És sempre o mesmo Apolodoro Sempre acusas a ti mesmo e aos outros e me parece que de fato julgas que todos começando de ti são miseráveis exceto Sócrates12 De onde pegou esse apelido o mole pelo qual és chamado eu mesmo não sei mas és sempre assim em tuas conversas mostraste irritado contigo e com os outros mas não com Sócrates 173e Apolodoro Meu caríssimo amigo é realmente evidente que eu por pensar assim de mim e de vós me enfureço e fico descontrolado Companheiro Não vale a pena se incomodar com isso agora Apolodoro mas não retardes mais o assunto e relata conforme te pedimos quais foram os discursos Apolodoro Muito bem aqueles discursos foram mais ou menos assim mas espera Devo começar do princípio e tentar reportálos 174a como Aristodemo os relatou a mim Aristodemo disse que ele e Sócrates se encontraram quando este tinha acabado de tomar banho e estava de sandálias dois eventos raros Aristodemo então perguntoulhe aonde ia assim tão bonito Sócrates disse Para o jantar de Agatão Ontem fugi dele e das celebrações da vitória por causa do medo que tenho da multidão Concordei no entanto em estar presente hoje Por isso me arrumei assim tão bem para ir belo à casa de um belo Mas e 174b tu ele disse Estás disposto a ir sem convite ao jantar E Aristodemo contou que respondeu Irei aonde quiseres que eu vá Sócrates Vamos lá então disse Sócrates e vamos falsear o provérbio alterandoo13 para dizer que afinal de contas à festa de bons agathōn14 os bons vão por conta própria Homero aliás não só se aproxima de destruir o provérbio mas também o despreza pois representa Agamênon como o mais valioso dos homens e a Menelau como um lanceiro fraco15 174c Quando Agamênon está dando um banquete depois de ter oferecido sacrifícios Homero faz Menelau entrar na festa sem ser convidado e assim temos um homem inferior indo à festa de um superior Aristodemo disse que tendo ouvido estas coisas respondeu Contudo temo que meu caso Sócrates esteja mais próximo do exemplo de Menelau em Homero do que do teu relato serei um medíocre indo à festa de sábios sem ser convidado Certificate portanto de qual desculpa darás se me levares pois não concordarei em ir sem ser convidado direi que fui chamado por ti 174d Enquanto nós dois nos pomos a caminho disse Sócrates decidiremos o que falar Andemos Aristodemo disse que seguiram em frente após essa conversa Então à medida que caminham de algum modo Sócrates volta seu espírito sobre si mesmo e fica para trás quando Aristodemo o espera Sócrates pede para ele continuar à frente e seguir Ao chegar à casa de Agatão Aristodemo encontra a porta aberta 174e e sente que está disse ele numa situação engraçada16 De dentro da casa um escravo o recebe imediatamente e o conduz à sala onde os demais convidados estão reclinados17 sendo que todos já estão prestes a começar o jantar Quando Agatão o viu exclamou Aristodemo Chegaste no momento certo para jantar conosco Se vieste por outro motivo deixa para depois Ontem fiquei procurandote para chamarte mas não fui capaz de te ver Mas como é que não trouxeste Sócrates contigo E Aristodemo contou que quando olhou para trás não viu Sócrates em lugar algum Disse então a Agatão que tinha vindo com Sócrates e que foi ele de fato quem o convidou para o jantar Fizeste muito bem disse Agatão Mas e ele onde está 175a Estava há pouco atrás de mim Eu mesmo me pergunto espantado onde será que poderia estar Não vais procurálo e trazêlo aqui escravo disse Agatão Quanto a ti Aristodemo reclinate ao lado de Erixímaco Aristodemo disse que enquanto um servo lhe lavava os pés e as mãos para poder acomodarse no divã outro servo chegou anunciando Este Sócrates de que falais está plantado imóvel em frente ao portão dos vizinhos e embora o tenha chamado não quer entrar Estranho o que dizes disse Agatão Então chamao e não permitas que vá embora 175b E Aristodemo disse De jeito nenhum Deixao Esse é um hábito que ele tem Algumas vezes se põe afastado não importa em que lugar e permanece assim parado Não demorará para estar aqui penso eu Não o perturbes deixao assim Então é o que faremos se assim te parece melhor disse Agatão E vós servos entretende os demais pois de toda forma sempre servis o que quereis quando ninguém vos supervisiona algo que aliás nunca fiz Desta vez contudo imaginais que eu e os outros somos vossos convidados para o jantar e cuidai de nós para que fiquemos 175c gratos Depois disso todos começaram a jantar disse Aristodemo mas Sócrates não chegava Agatão várias vezes ordenava que fossem buscálo mas Aristodemo impediao Enfim Sócrates chega não muito depois como era seu costume quando já estavam no meio da refeição Então Agatão que se reclinou no lugar mais afastado disse Aqui Sócrates acomodate perto de mim para que pelo toque do sábio eu possa experimentar aquela forma de sabedoria que se instalou em ti quando estavas nos portões externos É evidente que a encontraste e agora a possuis pois de outro modo não terias suspendido a busca 175d Sócrates senta e diz Seria muito bom Agatão se a sabedoria fosse de tal modo que do mais carente para o mais cheio de nós ela fluísse por mero contato como a água dos copos que através do fio de lã flui de um copo cheio para um vazio Se desse modo também advém a sabedoria terei muita honra em sentarme contigo junto à mesa 175e pois imagino que vinda de ti uma bela e intensa sabedoria irá me preencher A minha é provavelmente inútil ou talvez disputável como em um sonho mas a tua é radiante e tem condições de se desenvolver muito considerando que sendo ainda jovem outro dia a vimos brilhar com tal intensidade e visibilidade diante de mais de trinta mil gregos És uma pessoa insolente Sócrates disse Agatão Mas logo mais eu e tu vamos argumentar sobre essa questão da sabedoria tomaremos a Dioniso como juiz Agora porém voltate antes de mais nada para o jantar 176a Depois disso disse Aristodemo Sócrates reclinouse no divã e comeu junto com os demais Eles fizeram as libações e cantaram um hino ao deus cumprindo com o costume e depois se voltaram para a bebida Pausânias18 então começa o discurso desse modo Bem homens qual é o modo mais confortável para bebermos Vou dizervos que na verdade não estou numa boa condição devido à bebedeira de ontem devo respirar um pouco como a maioria de vós penso pois estáveis presentes nas celebrações 176b Examinai então como podemos beber do modo mais confortável possível Aristófanes19 então disse Tratase mesmo de uma excelente ideia Pausânias arranjarmos de toda maneira um jeito de pegarmos leve com a bebida pois eu também sou um dos que mergulharam fundo nela ontem Erixímaco o filho de Acúmeno ao ouvilos disse Falais muito bem Mas de um de vós devo ainda saber em qual estado se encontra quanto a suportar bem a bebida não é Agatão Absolutamente nem eu mesmo estou em condições disse Agatão 176c Um golpe de sorte para nós ao que parece para mim Aristodemo Fedro20 e para os demais se vós os mais fortes na bebida agora renunciais pois nós com efeito somos sempre fracos Faço uma exceção para Sócrates nesse discurso pois de fato ele se adapta a ambos os modos de forma que ficará bem seja lá o que fizermos Visto que me parece então que nenhum dos presentes está ansioso por beber muito vinho talvez não seja deselegante eu falar a verdade sobre o que é a embriaguez Como 176d praticante da medicina tornouse muito claro para mim que a bebedeira é prejudicial aos homens e nem eu próprio se puder decidir me permitiria beber muito nem o aconselharia a outro especialmente quando alguém está de ressaca da véspera Muito bem disse Fedro de Mirrinote estou acostumado a dar te crédito particularmente sobre qualquer assunto que trates como médico no caso presente se pensarem com acerto também o farão os demais 176e Ouvindo isso todos concordaram em não tornar o presente encontro uma ocasião de embriaguez mas simplesmente beber com vistas ao prazer Já que está estabelecido disse Erixímaco que cada um beberá conforme sua medida não havendo nenhuma obrigação a próxima coisa que proponho é que dispensemos a aulētris21 que acaba de chegar ela que toque para si mesma ou se desejar para as mulheres lá de dentro enquanto nós hoje conversaremos uns com os outros E se for do vosso agrado quero propor para nós o tipo de conversa 177a Todos disseram que assim o desejam e pediram para Erixímaco propor o tema Ele então disse O princípio do meu discurso é conforme a Melanipa de Eurípedes22 pois o mito que quero contar não é meu mas vem deste Fedro aqui Fedro de fato sempre reclama comigo e diz Não é estranho Erixímaco que para outros deuses hinos e louvores tenham sido compostos pelos poetas enquanto que para Amor um deus tão antigo e grandioso não foi composto um encômio23 sequer por nenhum dos poetas que vieram a existir 177b Veja os bons sofistas a Hércules e a outros heróis prestam homenagens com textos em prosa como o excelente Pródico24 o que é menos espantoso do que o fato de eu já ter encontrado um livro de um sábio em que a utilidade do sal é tema de um extraordinário elogio e se poderia encontrar uma porção de outras coisas desse tipo sendo celebradas Assim surpreende que a tais ninharias é dado 177c um valor demasiado mas até hoje nenhum homem jamais se atreveu a elogiar o Amor de modo digno É desse modo que se negligencia um grande deus Penso que essas coisas foram bem ditas meu caro Fedro Desejo então oferecerte a minha contribuição e satisfazêlo como também penso que quanto a nós que estamos aqui é o momento adequado para prestarmos homenagens ao deus Assim se estais de acordo comigo teríamos nos discursos um objeto suficiente para nos mantermos ocupados 177d Penso pois que cada um de nós começando da esquerda para a direita deve exprimir um discurso em louvor do Amor o mais belo que puder fazêlo e já que Fedro ocupa o primeiro lugar e é também o pai do tema de nossa conversa ele deve começar Ninguém irá votar contra ti Erixímaco disse Sócrates Suponho que nem eu poderia recusar pois afirmo que o único objeto acerca do qual tenho conhecimento são 177e os assuntos do Amor nem Agatão ou Pausânias tampouco Aristófanes cuja ocupação é inteiramente sobre Dioniso e Afrodite Nem qualquer outro destes aqui que estou vendo Contudo é diferente a condição dos que estaremos a falar por último Mas se os primeiros falarem de modo adequado e belo bastará para nós Então deixemos que Fedro com boa sorte seja o primeiro e preste elogios ao Amor 178a Estas palavras foram acolhidas por todos os demais que ecoaram o pedido de Sócrates Mas a totalidade do que cada um disse não foi inteiramente recordada por Aristodemo assim como eu também não me lembro de tudo o que ele me contou Vou dizer porém de cada discurso o que é mais importante e me parece mais digno de menção Como estava dizendo Aristodemo me contou que Fedro foi o primeiro a falar mais ou menos nesses termos que o Amor é um grande deus particularmente admirado pelos homens e pelos deuses de muitos e diferentes modos sobretudo por sua origem 178b Pois está entre os mais antigos o que é honroso para ele e a prova disso é o seguinte não existem genitores do Amor e nem há relatos de ninguém sobre isso seja de indivíduos comuns ou de poetas Assim Hesíodo afirma que primeiro surgiu o Caos depois A terra de seios largos eterno assento de tudo o que existe e Amor25 E Acusilau26 se alinha com Hesíodo ao dizer que após o Caos vieram a Terra e o Amor Com respeito à origem Parmênides diz Antes de todos os deuses ela27 concebeu 178c Amor Desse modo de muitas fontes se concorda que Amor está entre os deuses mais antigos Como o mais velho é também para nós causa de muitos bens Não sei se consigo dizer que bem maior há aos que acabam de entrar na juventude do que um bom amante e ao amante um amado igualmente virtuoso28 A verdade é que a linhagem a honra a riqueza ou qualquer outra coisa não podem fornecer tão excelentemente o necessário para guiar a vida dos homens que desejam vivêla de modo belo como o Amor o pode 178d Acerca do que estou falando Sobre a feiura do que é vergonhoso e a honra do que é belo sem essas coisas não há cidade ou indivíduo que possa empreender grandes e belas obras Vou te dizer que qualquer homem apaixonado quando flagrado praticando algo vergonhoso ou submetendose de uma forma indigna a alguém sem defenderse nem se for visto pelo pai companheiro ou qualquer outro sentirá a dor que 178e vai sentir se for visto pelos amados O mesmo se dá no caso do amado fica particularmente envergonhado diante dos que o amam quando é visto fazendo algo reprovável E se houver algum meio de constituir uma cidade ou exército de amantes e de amados não haveria outra forma de conviverem como cidadãos além desta abstendose de toda desgraça e cultivando entre si a honra Além disso se tais homens estivessem na batalha um ao lado do outro 179a venceriam virtualmente todos os demais ainda que em menor número Pois um homem apaixonado certamente aceitaria menos ser visto por seu amado deixando o posto ou jogando as armas do que sêlo visto por qualquer outro escolheria no lugar disso morrer muitas vezes E quanto a deixar para trás o amado ou não ajudálo se estiver em perigo não há ninguém tão covarde que o Amor não possa inspirálo para a virtude de modo que se assemelhe ao mais excelente por natureza e tal 179b como resume Homero ao dizer que o deus inspira força em alguns heróis29 eis o que o Amor infunde nos amantes como algo que brota de si mesmo E quanto a morrer pelo outro é só o que querem os que amam não apenas homens mas também as mulheres Alceste filha de Pélias30 confirma muito bem para todos os helenos o que estou dizendo Somente ela se dispôs a morrer por seu marido mesmo este 179c tendo um pai e uma mãe Ela os ultrapassou de tal modo em afeição por meio do amor que os fez parecerem estranhos ao próprio filho sendo aparentados apenas em nome E esse ato se afigurou tão nobre não apenas aos homens mas também aos deuses que embora vários tenham praticado muitas ações belas foi a bem poucos que os deuses permitiram que a alma retornasse do Hades mas a dela fizeram subir por causa dos seus 179d atos E assim também os deuses prestam uma honra particular ao zelo e à virtude relacionados ao Amor Já Orfeu31 filho de Eagro32 teve que voltar do Hades sem completar sua tarefa os deuses lhe mostraram apenas uma aparição da mulher que ele foi buscar lá Não lha deram por ter se revelado fraco pois tocador de cítara não teve a ousadia de morrer em nome do Amor como Alceste mas planejou entrar vivo no Hades33 Por essa razão impuseramlhe uma punição o fizeram morrer nas mãos das mulheres Não 179e foi honrado como Aquiles34 o filho de Tétis que foi enviado para a Ilha dos BemAventurados De fato tendo descoberto por meio de sua mãe que morreria se matasse Heitor mas não o matando voltaria para casa e teria seu fim na velhice teve a coragem de escolher ao ajudar seu amante Pátroclo vingandoo não apenas morrer por alguém 180a mas por alguém que já tinha morrido Disso se segue que os deuses excessivamente admirados o honraram de modo distinto porque deu grande importância ao amante Ésquilo aliás fala bobagem quando diz que Aquiles era o amante de Pátroclo ele era mais belo não somente mais belo do que Pátroclo mas também do que todos os heróis era ainda sem barba e portanto muito mais jovem como diz Homero Mas em todo caso se atualmente os deuses honram particularmente esse tipo de virtude em torno do Amor 180b muito mais admiram estimam e fazem o bem quando o jovem amado mostra seu sentimento pelo amante do que quando ocorre o contrário O amante é mais semelhante a deus do que o jovem amado pois tem a divindade dentro dele Por isso Aquiles foi mais honrado do que Alceste e enviado à Ilha dos BemAventurados Desse modo portanto digo que o Amor é o mais antigo dos deuses e também o mais honrado e poderoso para a aquisição da virtude e da felicidade pelos homens tanto em vida como na morte 180c Este foi o discurso que Fedro pronunciou Depois de Fedro outros discursos foram proferidos mas Aristodemo absolutamente não se recordava muito bem dos detalhes Passando por cima deles relatou então o discurso de Pausânias que disse o seguinte Não penso ser bela Fedro a forma como nos apresentou o discurso desse modo contado simplesmente como um elogio do Amor Pois se o Amor fosse um só o discurso estaria bem colocado Mas o fato é que o Amor não é uma unidade e se tal é o caso o correto será antes de tudo dizer qual espécie 180d se deve elogiar Tentarei corrigir isso dizendo primeiro qual Amor deve ser elogiado e depois elogiandoo como é digno a um deus Todos sabemos pois que não há Afrodite sem Amor Se ela fosse una o Amor também o seria Mas dado que há duas deusas é necessário também haver dois Amores E como não haveria duas deusas Uma com certeza a mais velha não tem mãe e é filha de Urano A esta nomeamos Urânia Quanto à mais nova que é filha de Zeus e Dione nós a chamamos Pandêmia Assim é necessário que o amor que opera com a última Afrodite seja 180e corretamente chamado de Popular Pandēmon enquanto que o outro de Celestial Ouranion Devese elogiar ambos os deuses mas o que cada um tem como sua esfera particular é o que tentarei dizer Com efeito toda ação se dá do seguinte modo quando desempenhada em si mesma não é nem bela nem feia Por exemplo o que agora estamos 181a fazendo beber cantar e conversar Nenhuma dessas coisas é em si bela mas se tornará ao ser praticada e pelo modo como o for Sendo desempenhado de modo belo e com correção tornase belo mas do contrário tornase feio Assim acontece também com o amar e com o Amor não é qualquer um de seus casos que é belo e digno de ser elogiado mas apenas o que impulsiona o amor de forma bela 181b De modo que o Amor Popular de Afrodite é verdadeiramente popular e se perfaz seja lá o que ocorrer É a ele que os homens comuns amam primeiramente mulheres não menos do que os rapazes depois seus corpos mais do que suas almas e em seguida amam os mais tolos o quanto forem capazes olhando apenas para a realização do ato sem qualquer preocupação se é belo ou não De onde se segue que fazem o que lhes aprouver no momento sem se importar se é bom ou se é o contrário Este Amor 181c é de fato da deusa que é de longe a mais jovem das duas cuja geração possui características tanto da fêmea quanto do macho O outro é o de Urânia Antes de tudo este não participa da fêmea apenas do macho é o amor dos rapazes Além disso é a mais velha não tendo nenhuma participação em arroubos violentos Por essa razão os que estão inspirados por esse amor se voltam para o masculino e tomam afeição pelo que é mais forte por natureza e possui mais inteligência De fato mesmo entre homens que amam 181d membros do próprio sexo se poderia reconhecer a pureza do que envolve os que estão sob esse tipo de amor Amam os jovens apenas quando já começaram a desenvolver a razão o que se dá no momento que lhes sai a barba Penso pois que os que começam a amar nessa etapa estão preparados para passar toda a vida juntos e a viver em comum sem ludibriar o jovem em seu êxtase juvenil e sem zombar dele enquanto já se sentem dispostos a partir em busca de outro Deveria existir uma lei que não permita 181e o amor dos jovens garotos de modo que não se dispenda tanto esforço para um propósito incerto Pois de fato não é claro o destino dos rapazes nos fins a que chegam a parte de vício e de virtude que recebem em seu corpo e alma Então se os bons amantes por conta própria impõem a si mesmos esta lei os praticantes do amor popular devem também ser forçados a isso do mesmo modo que nós os impedimos na medida 182a em que podemos de amar as mulheres de condição livre35 Estes são os responsáveis pela reprovação a ponto de alguns falarem que é vergonhoso dar consentimento aos amantes Falam isso tendo em mira estes homens sobretudo ao verem todo o seu despropósito e comportamento inadequado pois certamente qualquer coisa que for feita de modo harmonioso e com regra não será com justiça objeto de censura Além do mais a lei sobre o amor nas outras cidades é fácil de ser entendida pois foi definida de modo simples mas aqui e na Lacedemônia são complexas 182b Na Élida e na Beócia cujos habitantes não são hábeis no falar foi estabelecido que é belo consentir aos amantes e ninguém jovem ou velho diria que é feio o que penso ter sido decidido no propósito de evitar as dificuldades da persuasão aos jovens pela palavra dado que nisso são deficientes Dentro da Jônia e em tantos outros lugares contudo a visão que possuem os que vivem sob o domínio dos bárbaros36 é a de que se trata de um hábito vergonhoso De fato entre os bárbaros a forma de governo tirânica os faz conceberem esse amor como feio e 182c também os leva a condenar a filosofia e a prática dos ginásios37 Não acho que os governantes encarem como útil o nascimento de pensamentos grandiosos entre seus governados e tampouco amizades e associações firmes justo o que o Amor mais do que tudo se esforça para criar Isso aliás é algo que os déspotas daqui aprenderam pela experiência o amor de Aristogitão por Harmódio e a amizade que este nutria por aquele tornaramse tão fortes que levaram à derrocada da tirania38 Assim onde foi estabelecido que é vergonhoso ceder aos amantes tratase de uma regra gerada pela 182d maldade dos que a propuseram em razão do desejo desenfreado de poder dos que governam e da covardia dos governados De outro lado onde se acreditou simplesmente que é belo foi pela inércia dos que estabeleceram Aqui contudo as normas propostas são muito superiores a estas mas como eu disse não são fáceis de serem apreendidas Pois considere o seguinte foi dito ser mais belo amar às claras do que em segredo especialmente os nobres e melhores ainda que não sejam tão bonitos como os outros além disso o encorajamento dado por todos ao amante é espantoso não se considera que 182e ele esteja fazendo algo reprovável pois obter êxito na conquista é visto como belo e não obtêlo é visto como feio e ainda no que se refere aos esforços de conquista a lei deu ao amante oportunidade de ser louvado pelos atos extraordinários que cometeu enquanto que se outra pessoa ousasse com esses mesmos atos desejar e buscar a 183a realização de qualquer outra coisa que não seja isso seria objeto das mais fortes censuras39 Se pois querendo obter dinheiro de alguém ou um posto de trabalho ou qualquer outra posição de poder que deseje queira se comportar como os amantes diante dos amados que fazem súplicas e preces em seus pedidos juras solenes permitindose dormir a portas fechadas sujeitandose a subserviências que nem mesmo os escravos iriam admitir ele seria compelido a não agir desse modo tanto pelos 183b amigos quanto pelos inimigos alguns acusandoo de adulação e servilismo outros aconselhandoo e sentindose envergonhados pelo que ele está fazendo O amante de seu lado fazendo isso tudo é visto como responsável por um ato charmoso E tem a garantia da lei de fazêlo sem censura como se estivesse envolvido em algo de absoluta importância E o que é mais extraordinário conforme o que muitos dizem é que ao quebrar um juramento somente ele é perdoado pelos deuses pois estes consideram que juras de amor 183c não têm validade Assim como diz a lei daqui tanto deuses quanto homens providenciaram toda a oportunidade para o Amor de modo que se poderia pensar que nesta cidade estar apaixonado ou demonstrar afeição pelos amantes é considerado um feito belíssimo De outro lado quando os jovens atraem amantes os pais encarregam tutores da educação dos filhos e dão instruções expressas para que os tutores não permitam que os jovens conversem com os amantes Além disso os jovens da mesma idade e seus companheiros manifestam reprovação quando veem que esse tipo de coisa está acontecendo Os que 183d praticam tal reprovação por seu lado não são impedidos pelos mais velhos e nem repreendidos como quem não age corretamente de modo que ao atentar para isso alguém pode pensar ao contrário que esse comportamento é visto aqui como o mais vergonhoso Mas penso que ocorre o seguinte como foi dito no começo em si mesmo não há ação bela ou feia mas é belo o que é belamente praticado e é feio o que é praticado com fealdade O ato de ceder a uma pessoa vil com vileza é um caso do que é praticado com fealdade e o ato de ceder a uma pessoa boa com bondade é um caso do que é praticado de modo belo Então 183e vil é aquele amante popular que ama sobretudo o corpo à alma pois não é um amor constante uma vez que também não é constante seu objeto No mesmo momento que cessa a flor do corporal precisamente o que ele amava o amante também alça voo40 revelando o despropósito de tantas palavras e promessas Já o amante que tem o bom caráter como objeto do seu amor permanece durante a vida posto que se fundiu com 184a o que é constante Desses amantes portanto nossa lei quer fazer um bom e belo exame a uns aquiescer mas de outros escapar Por isso os amantes são encorajados a perseguir e os amados encorajados a fugir pois se instala uma competição ou teste para se verificar a qual das duas classes amante e amado pertencem Essa é a razão pela qual antes de tudo ser conquistado rapidamente por um amante é considerado por nós vergonhoso Entendemos que o tempo precisa se estabelecer pois este nos parece afinal um excelente teste para todas as coisas Além disso também consideramos indecente se 184b deixar conquistar pelo efeito do dinheiro ou da posição política seja quando os amantes sofrem ameaças e submissões sem reação como também nos casos em que tratados amavelmente com apoio financeiro e político não demonstram o devido menosprezo dessas coisas Nenhum desses dois casos pois parece ser firme ou constante sem mencionar que nenhuma amizade genuína nasce dessas situações Portanto um só caminho resta em nosso costume se o amado quiser aquiescer de modo decente ao amante É uma norma que nós temos a saber assim como no caso dos amantes havia uma lei que não considerava adulação ou motivo de reprovação desejar se 184c submeter voluntariamente não importa de que forma do mesmo modo só resta uma única servidão voluntária que não é objeto de censura tratase da que concerne à virtude De fato entre nós se convencionou que se alguém deseja se pôr sob os cuidados de outro por acreditar que através deste se tornará melhor em alguma forma de sabedoria ou em qualquer outra parte da virtude seguese por sua vez que essa escravidão voluntária não é vergonhosa nem adulatória Estes dois costumes o amor 184d dos jovens e o amor da filosofia e de qualquer outra arte devem portanto resultar em um só caso se queira dar beleza ao ato do amado no momento que cede ao amor do amante E quando amante e amado chegam ao mesmo ponto cada um mantendo sua norma de um lado o amante estará justificado ao oferecer qualquer serviço ao amado que lhe gratificar De outro o amado irá acreditar que ao ajudar de qualquer forma o que estiver tornandoo sábio e bom ele também por sua parte estará fazendolhe justiça Assim um terá a capacidade de contribuir quanto à inteligência 184e ou qualquer outra virtude enquanto que o outro sentirá desejo de obtêlas com vista à educação e outras habilidades Então quando estas duas normas convergirem para o mesmo fim somente nesse momento se dará o caso de ser belo o aquiescer do amado ao amante De outra forma jamais Neste caso também o ser enganado não será vergonhoso Mas em todos os demais casos gratificar amantes será 185a vergonhoso haja ou não o engano Se alguém portanto supondo que o amante é rico gratificálo por causa da riqueza mas depois se ver enganado sem dinheiro a obter porque a pobreza do amante foi revelada isso não será objeto de menor vergonha Pois parece que um indivíduo desse tipo revela seu próprio caráter e mostra estar disposto a oferecer qualquer serviço para qualquer um por causa de dinheiro o que não é belo Pelo mesmo argumento se um indivíduo estiver gratificando alguém que supõe ser bom de modo que pense que ele próprio irá se tornar melhor pela amizade daquele mas for enganado no caso em 185b que o amante venha a se mostrar mau e não possuidor de virtude igualmente bela será a fraude Pois aqui também parece se dar o caso anterior revelase a tendência interna do sujeito mostrando que estaria disposto a fazer qualquer coisa por causa da virtude e para se tornar melhor o que ao contrário é o que há de mais belo Assim de qualquer forma é absolutamente belo gratificar um amante por causa da excelência moral Esse é o Amor de Urânia em si celestial de muito valor para a cidade e para os cidadãos Ele exige que 185c se empreenda muito esforço tanto do amante no cuidado de sua própria excelência quanto do amado As demais formas de amor são todas da outra deusa a popular Tal é a contribuição Fedro o quanto posso na presente cena que te dou sobre o Amor Pausando então Pausânias os especialistas me ensinam a falar assim em termos simétricos41 Aristodemo disse que Aristófanes deveria então falar mas não se sabe se foi pelo excesso de comida ou por outra coisa ocorreulhe um acesso de soluço que o impediu de fazer o discurso No divã abaixo dele reclinavase o médico Erixímaco e 185d Aristófanes lhe disse Erixímaco tu és a pessoa certa ou para interromper o meu soluço ou para falar no meu lugar enquanto tento eu mesmo pará lo E Erixímaco respondeu Na verdade vou fazer as duas coisas Vou falar na tua vez e tu quando tiveres acabado o soluço na minha Durante minha fala vejamos se o soluço cessa 185e enquanto segura tua respiração Se não der certo gargareja com água Mas se ainda assim se mostrar muito forte pega alguma coisa que permita coçar o nariz e espirra Se fizeres isso uma ou duas vezes mesmo o mais severo soluço irá parar Começa a falar tão logo puderes disse Aristófanes pois farei o que recomendaste Erixímaco42 então disse o seguinte Pareceme agora ser necessário uma vez que Pausânias estabeleceu adequadamente seu discurso mas não com completude suficiente que eu deva tentar impor ao argumento um 186a acabamento telos Penso ter sido bemescolhida a distinção quanto à natureza dupla do Amor Contudo que não há somente amor no caso das almas dos homens atraídos pela beleza dos corpos43 mas também com relação a muitos outros aspectos e em muitas coisas nos corpos de todos os animais no que é produzido pela terra e por assim dizer em todas as coisas que existem é o que eu mesmo observei da perspectiva da arte da 186b medicina cuja prática exerço e de onde se pode ver o quão grande e admirável o deus é estendendose tanto à área das coisas humanas como também nos assuntos divinos Vou começar falando portanto do ponto de vista da medicina também para que lhe demos um lugar de honra Estão na natureza dos corpos estas duas formas de Amor e nós concordamos que as partes sadia e doente dos mesmos são coisas distintas e dessemelhantes com efeito o dessemelhante tem desejo e amor pelas coisas dessemelhantes Portanto no caso do corpo sadio o amor é um no caso do corpo doente o amor é outro E assim como há pouco Pausânias dizia que é nobre gratificar os bons 186c homens mas vergonhoso gratificar os incorrigíveis o mesmo se dá nos corpos É nobre e mesmo necessário gratificar as partes boas e sadias dos corpos e é isto que recebe o nome de medicina mas é vergonhoso dar gratificação às partes ruins e alguém que queira ser um verdadeiro praticante da medicina deve se abster disso Pois a medicina para falar de modo resumido é o conhecimento das operações do amor no que respeita à saciedade e vacuidade44 O homem capaz de distinguir nos corpos o amor nobre 186d e o amor reprovável este é o verdadeiro médico E o homem que sabe como operar uma mudança a ponto de fazer o corpo possuir um amor no lugar do outro engendrálo onde não existe ou extirpálo se for o caso será um bom profissional De fato ele precisa ser capaz de tornar amigos os elementos do corpo mais hostis e fazêlos se amarem mutuamente Os mais hostis são os mais opostos o frio ao quente o amargo ao doce o seco ao úmido e assim por diante Foi porque chegou a saber como dar a tais opostos amor e unidade que nosso ancestral Asclépio como dizem estes poetas aqui45 e eu mesmo 187a acredito constituiu a nossa profissão A arte da medicina portanto como estou dizendo é plenamente governada por este deus do Amor assim como também é a ginástica e a agricultura É claro a todos mesmo aos que prestam pouca atenção no assunto que a música está na mesma condição que acabo de descrever o que talvez também Heráclito quisesse dizer embora não tenha usado bem os termos Ele diz com efeito que o Um nele mesmo se diferenciando está de acordo consigo como a harmonia do arco e da lira Há de fato muita irracionalidade em dizer que a harmonia está em desacordo consigo mesma ou que vem 187b a ser a partir de elementos discordantes Mas provavelmente ele desejava dizer isto graças à técnica musical a harmonia foi gerada do grave e do agudo os quais num primeiro momento estavam em desacordo mas depois se combinaram Pois não é com certeza a partir do agudo e do grave em discordância que a harmonia vem a ser harmonia é consonância46 e consonância é certo acordo sendo que será impossível haver acordo de elementos que variam enquanto estão neste estado De outro lado é impossível harmonizar o que não cessa de variar e não concorda como ocorre aliás com o ritmo que provém do 187c rápido e do lento os quais num primeiro momento estão diferenciados e depois são postos em acordo E o acordo em todos esses casos como o que eu disse se dar na medicina neste caso aqui é a música que estabelece impondo concórdia e amor mútuos A música por sua vez no que se refere à harmonia e ritmo é conhecimento dos fenômenos amorosos De resto não é nada difícil identificar os fenômenos amorosos na própria construção do ritmo e da harmonia embora ainda não tenhamos aqui a presença do amor duplo47 No entanto quando for preciso aplicar ritmo e harmonia à vida social dos homens seja criando música nova o que chamamos 187d composição musical seja quando se faz uso apropriado nos tons e medidas já compostos a chamada educação é então nestes casos que há dificuldade e haverá necessidade de um bom profissional O mesmo argumento novamente nos detém que aos homens bemordenados e para que possam se tornar mais bemordenados os que ainda não são devese gratificar e zelar por seu amor Isso é o belo o celestial o Amor da 187e deusa Urânia quanto ao amor popular que provém da musa Polímia o indivíduo deve ser cauteloso em qualquer coisa que for aplicálo de modo que o prazer proveniente dele possa ser experimentado sem que nenhuma licenciosidade seja implantada De modo similar em nossa técnica médica no que toca aos apetites da arte culinária é uma grande tarefa lidar com eles de modo apropriado a fim de que o prazer seja sentido sem efeitos nocivos E assim na música na arte médica e em todas as demais tarefas sejam humanas ou divinas devese o quanto se permite zelar pelas duas formas de amor pois ambas 188a estão presentes mesmo as composições das estações dos anos têm uma boa medida destes dois amores E quando aqueles elementos que acabo de mencionar48 o quente e o frio o seco e o úmido são tomados de amor bemordenado um pelo outro eles recebem harmonia e proporção adequada levando assim saúde e ótimos resultados aos homens animais e plantas sem danos Mas se é o Amor violento que se torna 188b dominante nas estações do ano há muita destruição e prejuízo Pragas tendem a surgir desses efeitos e também muitas e diferentes formas de doenças nos animais e plantas E dos excessos e desordem verificados na relação destes amores entre si surgem geadas chuvas de granizo e ferrugem cujo conhecimento sobre os movimentos dos astros e das estações do ano chamamos astronomia E além disso todos os sacrifícios além do que 188c constitui o campo de aplicação da arte divinatória a saber a associação mútua entre deuses e homens tudo isso não é outra coisa do que temas relacionados à proteção e cura do Amor E toda forma de impiedade tende a surgir se ao invés de gratificar o Amor bemordenado prestandolhe honra e reverenciandoo em toda ação o indivíduo se volta para o outro Amor seja a impiedade dirigida aos pais vivos ou mortos seja a que se dirige aos deuses De fato com respeito a isso tem sido uma função atribuída à arte divinatória examinar os que estão sob efeito do amor e curálos De outro lado a arte divinatória é 188d também criadora de boas relações entre deuses e homens Ela o faz por meio do entendimento do quanto os assuntos amorosos entre os homens propagam aspectos de justiça e piedade Desse modo grandioso e poderoso ou antes em síntese o Amor em sua completude possui todo o poder Mas o Amor que se volta às coisas boas e se realiza nelas com temperança e justiça entre nós como entre os deuses é o que possui o poder mais grandioso é este que nos prepara toda a felicidade capacitandonos a conviver e sermos amigos uns dos outros e com os mais fortes que nós os deuses Assim talvez eu 188e também tenha deixado muita coisa de lado ao elogiar o Amor mas foi absolutamente sem querer Contudo se algo omiti é tua tarefa Aristófanes completar o discurso Se porém tens em mente outro modo de fazer o elogio ao deus elogiao já que fizeste parar o teu soluço 189a Segundo Aristodemo assumindo o discurso Aristófanes disse O soluço com certeza fez pausa apesar de não ter sido antes de aplicarlhe o espirro de modo a me espantar que a boa ordem do corpo deseje tais ruídos e coceiras como é o caso do espirro pois de fato parou por completo assim que o apliquei E Erixímaco respondeulhe Meu bom homem observa o que estás fazendo Produzes gracejos no momento em que vais começar a falar e me obrigas a vigiar tuas 189b palavras para ver se dirás algo engraçado quando te é permitido falar de modo tranquilo e sem interrupção Aristófanes riu e disse Falaste bem Erixímaco De minha parte que seja ignorado o que foi dito Não há necessidade de que me vigies pelo que vou dizer pois eu mesmo estou ansioso sobre isso e não temo que seja engraçado o que vai ser dito o que seria proveitoso e típico de nossa musa mas meu temor é que seja desprezível E Erixímaco disse Tu realmente pensas que poderás escapar apenas por terme lançado uma flecha Aristófanes Presta atenção no modo como irás fornecer a explicação 189c do tema Assim talvez se me agradar eu te libertarei Pois bem Erixímaco disse Aristófanes tenho a intenção de seguir uma linha de exposição diferente desta que tu e Pausânias adotastes De fato pareceme que os homens absolutamente não entenderam o poder do Amor pois se tivessem percebido seguramente iriam construir para ele grandes templos e altares e lhe ofereceriam vultosos sacrifícios Não seria como agora quando não se faz nada disso em nome dele apesar de o merecer mais do que qualquer outro Tratase na verdade do mais filantrópico dos 189d deuses nosso ajudante e médico daqueles males cuja cura proporciona grandiosa felicidade ao gênero humano Vou tentar portanto explicarvos os poderes do Amor e vós de seu lado podereis ensinar a outros Devese antes de tudo apreender a anatomia humana e o que ela veio a suportar O fato é que antigamente nossa anatomia era diferente da que se vê hoje Primeiro não havia apenas dois sexos masculino e feminino como 189e agora mas três Do terceiro que tinha elementos comuns a ambos restanos apenas o nome posto que não existe mais Naquele tempo então existia o andrógino distinto dos demais sexos na forma e na designação tendo partes do macho e da fêmea Hoje ele é conservado apenas como um nome objeto de desprezo49 Depois a forma de 190a qualquer indivíduo do gênero humano era um todo circular com as costas e os lados em círculo tendo quatro mãos e o mesmo número de pernas Tinha duas faces sobre o pescoço torneado em tudo semelhantes e uma cabeça sustentando as duas faces as quais estavam voltadas para direções opostas Tinha ainda quatro orelhas dois sexos e outras características que se pode imaginar a partir destas Locomoviamse de modo ereto como fazemos hoje em qualquer direção que quisessem E quando lançavam a si mesmos numa rápida corrida se apoiavam nos oito membros e giravam com velocidade da mesma forma que os acrobatas dão cambalhotas com as pernas eretas em movimentos circulares A razão de serem três sexos e de apresentarem tais características é a seguinte 190b Originariamente o masculino era filho do sol o feminino da terra e o que tinha uma parte de ambos era filho da lua uma vez que a lua também tem características do sol e da terra Assim porque se assemelhavam a seus genitores eles próprios eram redondos e sua locomoção era circular Eram portanto temíveis na força no vigor e tinham pensamentos ambiciosos Mas fizeram uma investida contra os deuses e o que Homero diz de Elfiates e de Otes50 foi dito em referência a eles sobre como fizeram uma tentativa 190c de escalada ao céu com o propósito de atacar os deuses Então Zeus e outras divindades deliberaram sobre o que fazer com eles o que gerou um impasse Sentiam que não podiam matálos e aniquilar a raça inteira com raios como fizeram com os gigantes porque as honras e sacrifícios que recebiam dos homens também iriam desaparecer De outro lado não podiam tolerar a insolência Assim depois de muito esforço Zeus teve uma ideia Penso ter encontrado um plano disse sobre como os homens podem ao mesmo tempo existir e se livrarem da insolência É preciso enfraquecêlos Agora com 190d efeito continuou vou cortar cada um deles em dois o que ao mesmo tempo irá tornálos mais fracos além de úteis a nós pois são em maior número Andarão eretos sobre duas pernas Caso insistam em se comportar de modo ultrajante e não queiram manter a calma novamente disse vou cortálos em dois de forma que andarão sobre uma só perna pulando Tendo dito essas coisas ele começou a cortar os homens 190e em dois como se partem as sorvas para conserva ou como os que cortam ovos com cabelo51 E a cada vez que cortava alguém pedia a Apolo para voltar o rosto e a parte do pescoço na direção do corte a fim de que contemplando sua própria mutilação tivesse um comportamento mais moderado Ele também pediu a Apolo para que curasse as demais feridas Apolo então girava a face e puxava a pele de todos os lados para o que agora chamamos ventre e como se faz com uma bolsa lacrada por um cordão ele amarrava a pele numa abertura feita no meio do ventre que hoje chamam umbigo Deu 191a polimento às outras numerosas rugas e modelou os peitos com um instrumento semelhante ao que os sapateiros usam para dar forma às pregas dos sapatos Deixou contudo algumas rugas as que estão em torno do ventre e do umbigo para que seja uma lembrança das características que tinham anteriormente Então desde que a anatomia original de cada ser humano foi cortada em duas cada uma das partes desejava a outra metade de si mesma e a ela buscava se unir Uma jogava os braços em volta da outra enlaçandose mutuamente num desejo de permanecerem para sempre juntas Começaram 191b a morrer de fome e de inatividade por não quererem fazer nada longe uma da outra E sempre que uma das duas morria deixando a outra sozinha a que restava procurava outra e com esta se envolvia seja a metade encontrada que pertencia originalmente ao todo de uma mulher como nós hoje a chamamos ou a metade original de um homem E desse modo a espécie ia se aniquilando Então Zeus tomado por piedade providencia outro expediente muda seus genitais para a frente Até então eles tinham os genitais alojados no lado exterior de seus corpos e a geração e a reprodução 191c não se dava por contato físico mas na terra como as cigarras Ao colocar o sexo na frente deles Zeus permitiu que a reprodução fosse por intercurso mútuo através dos genitais o macho na fêmea tendo em vista o seguinte No intercurso mútuo se um homem encontrasse uma mulher poderia conceber nela e continuar a raça mas se fosse um intercurso de um homem com outro homem que ao menos pudessem encontrar satisfação e relaxamento nesta união para então se voltarem às suas tarefas e se dedicarem aos demais aspectos de suas vidas Assim é de muito tempo atrás que o amor 191d de um pelo outro tem sido inato entre os seres humanos É um amor restaurador de nossa antiga anatomia ao mesmo tempo em que tenta fazer uno o que é duplo e curar a natureza humana Cada um de nós é portanto uma peça partida52 de um ser humano uma vez que cada um de nós foi cortado como as partes dos peixes que são talhados ao meio uma metade de um todo Cada peça partida está constantemente procurando portanto sua outra metade Assim todos os homens que são um corte do gênero combinado os que então eram chamados andróginos sentem amor por mulheres e muitos dos adultérios são originados dessa espécie assim como de seu lado as mulheres que gostam de homens 191e e as adúlteras surgem desse tipo Todas as mulheres que são corte de um todo originalmente feminino não prestam muita atenção nos homens mas estão sobretudo voltadas às mulheres e é dessa espécie que nascem as lésbicas De seu lado os machos que são cortados originalmente de um todo masculino perseguem os homens Uma vez que são uma fatia do masculino enquanto são jovenzinhos desenvolvem afeição pelos homens e se regozijam em se deitar e se entrelaçar com eles E estes ainda na 192a juventude e na flor da idade do ser macho são os melhores por serem corajosos por natureza Alguns aliás falam que estes jovens são despudorados mas isso não é verdade pois não é por falta de vergonha que agem assim mas por autoconfiança coragem e masculinidade acolhendo em sua conduta o que é semelhante a eles Há uma evidência substancial disso são unicamente estes que quando amadurecem se tornam homens capazes de se encaminhar para a política E quando se tornam adultos enamoramse de 192b jovens não dando importância por inclinação natural ao casamento e à produção de filhos embora sejam forçados a tal pelo costume Mas é o bastante para eles passar a vida um com o outro sem matrimônio Em todo caso um homem desse tipo se torna amante de jovens ou objeto de desejo de homens adultos sempre acolhendo com prazer os da própria estirpe E quando um deles se encontra com a outra parte atual de si mesmo tanto o amante de jovens quanto qualquer outro é nesse momento então que extraordinárias emoções 192c de afeição intimidade e amor os atordoam e eles não querem por assim dizer se afastar um do outro por um momento que seja São estes os casais que passam toda a vida unidos apesar de nem serem capazes de dizer o que um quer do outro Ninguém iria pensar que esse amor é puramente físico como se fosse por essa razão que cada um se regozijasse na companhia do outro com tão grande entusiasmo Claramente é outra coisa que a alma de cada um quer algo que não pode ser expresso em palavras é um desejo que a alma 192d apreende instintivamente e comunica por enigmas Supõe que Hefesto53 com seus instrumentos se ponha diante deles no lugar em que estão deitados juntos e pergunte Homens o que é que quereis obter um do outro Eles terão dificuldade para responder E se novamente ele perguntar É isto afinal o que desejais estardes sempre juntos o quanto for possível de modo que dia e noite um não irá abandonar o outro Pois se é isso que quereis estou disposto a fundirvos e forjarvos no 192e mesmo ser de forma que de dois vos torneis um e enquanto durar vossa existência sendo um só possais ambos viver a vida em comum E quando morrerdes em vez de dois sereis um também lá no Hades e partilhareis a mesma morte Agora observai se esse é o tipo de amor pelo qual ansiais e se ficaríeis satisfeitos de obtêlo Nós sabemos que ninguém tendo ouvido essas palavras iria objetar a seu conteúdo ou mostrarse como alguém que procura outra coisa mas simplesmente iria pensar ter ouvido isso que afinal há muito vem desejando unirse e fundirse com o amado de forma a se tornar um de dois A razão disso é de fato que nossa antiga natureza era essa que descrevemos e 193a éramos um todo Portanto é ao desejo e procura do todo que se dá o nome de Amor Anteriormente como estou dizendo éramos um mas agora por causa de nossos atos errados estamos separados por uma ação do deus como os árcades o foram pelos lacedemônios54 Assim há o temor de que se não formos bem comportados diante dos deuses sejamos novamente divididos em dois e andemos por aí parecendo as pessoas retratadas em baixorelevo nas estelas serrados na linha do nariz ou partidos como os símbolos55 Por essa razão todo homem deve exortar a reverência 193b aos deuses em todas as coisas a fim de que evitemos o pior destino e acolhamos o melhor abraçando o Amor como nosso guia e líder Que ninguém aja se opondo ao Amor e age de tal modo todo aquele que se torna odioso aos deuses pois nos tornando amigos do deus e reconciliados com ele encontraremos e nos uniremos a nossos próprios amados algo que hoje poucos conseguem Espero que Erixímaco não interprete meu discurso como comédia como se estivesse me referindo a Pausânias e Agatão talvez também estes pertençam a essa 193c categoria e sejam ambos na origem verdadeiramente masculinos mas meu discurso toma a todos como objeto homens e mulheres no sentido de que é assim que nos tornaremos felizes se pudermos realizar plenamente aquele amor no qual cada um de nós encontra seu amado e retorna a seu estado original Se isso é o ideal então é necessário que o que mais se aproxima dele seja o melhor nas presentes circunstâncias isso significa portanto encontrar um amado cuja natureza está de acordo com nosso 193d próprio caráter Se formos efetivamente glorificar o deus responsável por isso é ao Amor que mais justamente devemos oferecer homenagens É o Amor que no momento presente nos concede os maiores benefícios conduzindo nos ao que nos pertence originalmente E no que concerne ao futuro ele nos dá grandes expectativas de que se nos mantivermos piedosos com os deuses seremos reconduzidos a nossa verdadeira natureza e depois de nos curar ele nos fará abençoados e felizes Esse Erixímaco é meu discurso sobre o Amor diferente do teu disse Aristófanes Como eu te pedi não o tomes como comédia de modo que também ouçamos cada um dos restantes ou melhor cada um dos dois pois restam somente Agatão e 193e Sócrates Serei persuadido pelo que tu pedes disse Erixímaco de acordo com Aristodemo De fato achei muito prazeroso o que foi dito Se eu não soubesse que Sócrates e Agatão são admiravelmente hábeis nos temas de amor teria grande temor de que não encontrassem mais argumentos tendo em vista a extensão e diversidade já expressas Mas estou confiante neles 194a Sócrates então disse É que competiste belamente nos discursos Erixímaco Mas se estivesses na posição em que estou agora ou melhor na qual talvez estarei quando também Agatão tiver falado bem tu estarias de fato muito preocupado e em completo desespero como estou no momento Tu queres me enfeitiçar Sócrates disse Agatão a fim de que eu me perturbe no pensamento de que a audiência tem grande expectativa com base no que vou dizer 194b Quão desmemoriado eu seria Agatão disse Sócrates se tendo visto tua bravura e autoconfiança ao subir na plataforma do teatro com os demais atores olhando diretamente para a enorme multidão à tua frente sem esboçar qualquer surpresa estando prestes a exibir ali teu discurso eu agora fosse imaginar que ficarias confuso por causa de tão poucos homens como nós Como assim Sócrates disse Agatão Certamente não pensas que estou tão obcecado com o teatro a ponto de ignorar que a quem tem juízo a sensatez de poucos é mais temível do que uma multidão de insensatos 194c Não seria uma atitude digna de minha parte disse Sócrates pensar de ti algo assim impolido Ao contrário bem sei que se te deparasses com pessoas a quem tomasses como inteligentes irias dedicarlhes mais atenção do que à multidão Contudo talvez nós não sejamos desse tipo estávamos pois lá na audiência e éramos da multidão mas se fosse com outros digamos inteligentes pode bem ser que viesses a sentir vergonha diante deles se talvez pensasses estar fazendo algo errado não é Dizes a verdade respondeu Agatão E não sentirias vergonha do público em geral se imaginasses estar fazendo algo reprovável 194d Nesse momento disse Aristodemo Fedro tomou a palavra Meu caro Agatão se responderes a Sócrates não fará nenhuma diferença para ele qualquer das coisas que venham a ser propostas aqui contanto que ele tenha alguém com quem conversar especialmente se for um belo Eu mesmo gosto de ouvilo discursar mas é preciso que eu me dedique ao elogio do Amor e apreenda a exposição exata de cada um aqui Quando cada um de vós tiverdes dado ao deus o que é devido então poderão dialogar 194e Falaste bem Fedro disse Agatão Nada me impede de falar e haverá muitas oportunidades mais tarde para Sócrates dialogar Quero primeiro dizer como devo proceder no meu discurso e só então fazêlo Pareceume que todos os expositores anteriores não estavam elogiando o deus mas congratulando os homens pelas boas coisas acerca das quais ele é a causa Sobre que tipo 195a de natureza ele tem que o torna capaz de conceder tais coisas ninguém falou Mas o único modo correto de fazer um elogio a qualquer um é discorrer primeiro sobre que espécie de natureza no objeto do discurso tornao responsável pelas coisas que nele elogiamos56 Sendo assim no caso do Amor é justo agora que primeiro digamos o que ele é e só depois falemos de seus dons Eu sustento que enquanto todos os deuses são felizes o Amor se me concedem dizer isso sem incorrer em ofensa é o mais feliz de todos eles pois é o mais belo e o mais excelente É o mais belo por isso primeiro 195b tratase do deus mais jovem Fedro57 Uma prova importante disso é fornecida por ele próprio quando se afasta em fuga da velhice e é evidente que esta avança com rapidez De todo modo chega até nós mais rápida do que devia Mas por natureza o Amor a odeia de fato e dela sempre mantém grande distância Com os jovens contudo está sempre em 195c contato e é um deles como bem coloca o antigo provérbio O semelhante sempre anda com o semelhante Pois embora eu concorde com Fedro em muitas coisas não concordo com isso que Amor é mais velho do que Crono e Jápeto mas digo que é o mais jovem dos deuses e sua juventude perdura Quanto àquelas antigas histórias que Hesíodo e Parmênides contam sobre os deuses ocorreram por Necessidade não por Amor se é que falaram a verdade Não teriam pois ocorrido castrações prisões e outros atos violentos se Amor estivesse entre eles Haveria amizade e paz como tem sido agora desde o tempo que Erōs é o rei entre os deuses Assim ele é jovem e além disso é delicado Ele não tem porém um poeta como Homero para apresentar a extensão de sua 195d delicadeza Pois Homero afirma que Ate é uma deusa que é delicada e que pelo menos seus pés são delicados Ele diz seus pés são verdadeiramente delicados pois não se aproxima sobre o solo mas anda sobre a cabeça dos homens Desse modo com uma bela prova Homero revela a delicadeza da deusa Ela não caminha sobre nada duro 195e mas sobre o que é macio A mesma prova nós efetivamente usaremos para indicar que o amor é delicado Com efeito ele não caminha sobre a terra ou sobre cabeças que nem são absolutamente macias mas anda e faz sua morada nas coisas mais macias que existem Assim nos costumes e nas almas de deuses e homens ele estabeleceu sua casa E nem o fez em todas as almas que se apresentam para tal pois se afasta de qualquer uma que revele um costume rude e inflexível Mas quando encontra uma alma que apresenta leveza ali ele se estabelece Desse modo ele sempre está tocando com seus pés e com o todo de si mesmo o que é macio sobretudo nos lugares de maior 196a maciez sendo que necessariamente ele é o que há de mais delicado Assim é muito jovem e muito terno e além disso sua forma é maleável Pois se fosse inflexível não poderia de nenhum modo encobrir a todos nós nem entrar e sair secretamente de toda alma como ele faz Um sinal de sua excelente forma e fluidez é a graciosidade qualidade que todos reconhecem que o Amor possui de modo distinto Pois a falta de modos e o Amor estão sempre em guerra um com o outro Além disso a beleza de sua pele testemunha que o deus vive entre as flores pois ele não se estabelece em nada seja alma ou corpo que não possa ter 196b florescimento ou que tenha fenecido Mas onde quer que haja abundância de flores e de fragrância lá ele se instala e permanece Sobre a beleza do deus isso é suficiente embora ainda reste muito a ser dito Depois disso falta tratarmos da excelência moral do deus58 O ponto mais relevante é que o Amor não comete injustiça contra homem ou deus e nem sofre injustiça de ambos Nada feito a ele o é por força quando ele faz algo tampouco age por força Força e Amor não se relacionam entre si pois todos desempenham qualquer serviço ao Amor de modo 196c voluntário e as leis reais da cidade59 declaram ser justo o que alguém voluntariamente consente com alguém Junto com a justiça o Amor possui temperança60 em grande medida Há pois consenso de que a temperança é o domínio sobre prazeres e desejos e que nenhum prazer é superior ao Amor Se os prazeres fossem fracos seríamos dominados por Amor e ele teria sobre eles o poder Justamente porque o Amor domina prazeres e desejos ele se diferencia excepcionalmente em temperança No 196d que se refere à coragem61 nem mesmo Ares lhe faz oposição62 Pois Ares não consegue aprisionar o Amor mas é o Amor que captou Ares o Amor de Afrodite ao menos conforme conta a lenda63 O que aprisiona é mais forte do que o que é aprisionado e o que domina aquele que mostra mais bravura entre todos deve ser ele próprio o mais corajoso Assim estive falando sobre a justiça temperança e coragem do deus faltando falar contudo sobre sua sabedoria64 Na medida do possível vou tentar fazer um discurso livre de omissões sobre esse tema Antes de tudo para que também eu possa honrar minha técnica como Erixímaco honrou a dele permitime dizer que o deus é tão excelente 196e na poesia que transforma outros em poetas De toda forma qualquer um se torna um poeta por seu toque mesmo se for estranho às musas65 o que é efetivamente apropriado para usar como evidência de que o Amor é um criador habilidoso em cada criação referente às artes Pois o que não se possui ou não se sabe não poderia ser cedido ou ensinado a outro E quem vai negar que é pela sabedoria do Amor que 197a nascem e crescem todos os animais Será que não sabemos que na prática das técnicas todo homem que tem esse deus como professor tornase famoso e brilhante ao passo que o que não é tocado pelo deus torna se obscuro E foi sob a orientação do Amor e do desejo que Apolo inventou a arte do arqueiro da medicina e da adivinhação de modo que até mesmo ele pode ser considerado um pupilo do Amor Do mesmo modo o são a 197b arte das musas a metalurgia de Hefesto a tecelagem de Atena e o governo de Zeus sobre deuses e homens De onde se vê que os assuntos dos deuses foram regrados com o surgimento de Amor obviamente o amor da beleza pois não há nenhum desejo no feio E no tempo anterior a isso como dissemos no começo muitas coisas terríveis foram cometidas entre os deuses como se conta dado que eram regidos pela Necessidade Mas uma vez que esse deus veio ao mundo tudo o que é bom passou a existir para os deuses e para os homens a partir do amor das belas coisas 197c Assim penso caro Fedro que o Amor não só é ele mesmo supremo em beleza e excelência mas também é a causa dessas qualidades em todas as demais coisas E agora vem sobre mim o desejo de dizer algo em versos que ele é o que cria Paz entre os homens calmaria no mar aberto Descanso para os ventos e sono nos problemas 197d Pois é ele que nos arranca o sentimento de estranheza e nos preenche com afeição Ele é a causa de nossa associação um com o outro em reuniões como essa na qual estamos Ele é o espírito guia em festas coros e sacrifícios Movenos para a gentileza e afasta de nós a rudeza É pródigo de bemquerer e incapaz de malquerer É propício e bom observado pelos sábios e admirado pelos deuses É invejado pelos excluídos conquistado pelos incluídos É o pai da luxúria esplendor delicadeza requinte desejo e ardor É esforçado no que é bom e negligente no que é mau No trabalho no temor no ardor ou nos discursos 197e é timoneiro combatente companheiro em armas e salvador sem igual que concede ordem a todos os deuses e homens O mais belo e excelente guia alguém que todo homem deveria seguir cantando belamente seus hinos e tomando parte nas canções cantadas por ele com o propósito de seduzir o pensamento de deuses e homens Este é então Fedro meu discurso a ser dedicado ao Deus Em alguns aspectos é engraçado mas em outros é também sério o quanto sou capaz 198a Aristodemo disse que quando Agatão terminou todos os presentes aplaudiram por ter o jovem falado de modo adequado a si mesmo e ao deus Sócrates então disse olhando para Erixímaco Muito bem filho de Acúmeno então te parece que foi indevido o temor que senti anteriormente Não fui profético quando há pouco disse que Agatão iria falar de modo espetacular ao passo que eu o faria com embaraço Penso que por um lado profetizaste ao dizer que Agatão falaria bem disse Erixímaco mas quanto a te embaraçares não creio 198b Mas querido amigo disse Sócrates como não vou pensar que ficarei embaraçado eu e qualquer outro sabendo que devo falar após ver proferido tão belo e multifacetado discurso Não que outras partes não sejam igualmente espantosas mas quem não ficaria perturbado ouvindo a parte final por causa da beleza dos termos e frases Como fiquei refletindo que eu mesmo não seria capaz de fornecer um discurso nem sequer perto da beleza deste foi por pouco que não ia me retirando por vergonha 198c se tivesse algum modo de fazêlo Esse discurso me lembrou o de Górgias tanto que senti o que Homero66 descreve tive medo que Agatão ao concluir seu discurso desafiasse o meu com a eloquência de Górgias e me enviasse a cabeça do sofista esse magnífico orador de forma a me transformar em pedra incapaz de proferir palavra E foi quando percebi o quanto fui tolo por ter concordado convosco em tomar parte no elogio 198d do Amor e em dizer que eu era expert nas questões eróticas67 mesmo não sabendo nada do tema ou sobre como se deve produzir um encômio68 de qualquer coisa Pois por ingenuidade eu acreditava que se devia falar a verdade sobre cada tópico do encômio e que isso deveria ser a base Daí então tendo como referência essa verdade escolher as propriedades mais belas e arranjálas do modo mais atrativo possível Assim estava plenamente convencido pensando que sabia como elogiar bem e que conhecia a verdade de qualquer tema de encômio Mas de fato como parece agora não foi isso que se revelou o elogiar belamente a qualquer coisa O que se viu aqui é a atribuição das 198e mais relevantes e refinadas qualidades estejam ou não presentes no tema Se forem falsas não importa Com efeito nosso acordo original era ao que consta que cada um parecesse elogiar o amor não que realmente o elogiasse É por essa razão acredito efetivamente que vós colocastes em movimento toda palavra para qualificar o Amor e declarastes por exemplo que ele é de tal tipo ou é causa de tais e tais coisas de modo que venha a parecer o mais belo e o mais excelente Essa impressão tem efeito evidentemente aos que não o 199a conhecem e com certeza não aos que o conhecem e assim o encômio soa belo e solene Contudo parece que eu sequer tive conhecimento do método de fazer um elogio e portanto não foi senão por ignorância que concordei convosco em participar disso Então a língua prometeu mas não a mente69 Mas digamos adeus a isso70 Não vou elogiar dessa 199b maneira eu não poderia com certeza mas se desejardes vou expressar a verdade ao meu estilo Não o farei em competição com o vosso pois não quero cair no ridículo Vê Fedro se tens qualquer necessidade de um discurso desse tipo que propõe ouvir a verdade acerca do Amor posto no arranjo de palavras e expressões que me ocorrerem no momento Segundo Aristodemo Fedro e os demais disseram a Sócrates que ele poderia discursar nesse estilo que julga adequado seja qual for Bem então há ainda mais uma coisa Fedro disse Sócrates Permiteme interrogar Agatão sobre alguns pequenos pontos de modo que obtendo dele acordo sobre esses detalhes eu possa basear neles meu discurso 199c Claro que permito disse Fedro Pergunta Depois disso disse Aristodemo Sócrates começou aproximadamente nestes termos É certo caro Agatão que iniciaste teu discurso de modo magnífico dizendo que tinhas primeiro que exibir a espécie de coisa que o Amor é e só então suas realizações Esse é o tipo de começo que eu aprecio muito Mas vamos lá já que em outros aspectos descreveste o Amor de forma bela e com magnificência falame também sobre isso é o 199d Amor tal que é amor de algo ou de nada Não pergunto pois se Amor é amor de alguma mãe ou de algum pai a questão posta neste sentido seria ridícula71 mas como se eu fosse te perguntar isso sobre pai em si mesmo se é pai de algo ou de nada Se quisesses me responder corretamente tu certamente dirias que pai é pai de um filho ou de uma filha Não é isso Com certeza disse Agatão E dirias o mesmo no caso de mãe Agatão concordou também com isso 199e Pois bem continua respondendo um pouco mais disse Sócrates a fim de que compreendas melhor o que quero Se eu te perguntasse sobre isso irmão aquilo que é por si é irmão de algo ou não Agatão respondeu que é irmão de algo Irmão de um irmão de uma irmã Ele concordou Tenta assim disse Sócrates também dizer sobre o Amor É amor de nada ou de algo De algo absolutamente 200a Então guarda isso72 contigo e lembrate do que é que Amor é amor Dizeme agora o seguinte Amor deseja aquilo para o qual há amor ou não Claro respondeu Agatão E é o caso de que deseja e ama na medida em que possui isto que deseja e ama Ou deseja e ama quando não o possui Quando não o possui como é bem provável disse Agatão Então considera se em vez de ser provavelmente disse Sócrates não é necessariamente verdadeiro que quem deseja deseja o que lhe falta e que não há nenhum 200b desejo da parte de quem não tem carência de nada A mim parece uma verdade extraordinariamente forte que isso seja necessário O que achas A mim também parece Muito bem Agora achas que alguém que é alto desejaria ser alto ou alguém que é forte desejaria ser forte Acho impossível na linha do que concordamos até aqui Pois ninguém terá necessidade daquelas coisas que já tem Verdade Supõe continuou Sócrates que o forte desejasse ser forte o veloz desejasse ser veloz ou o sadio desejasse ser sadio pois alguém pode pensar que no que respeita a 200c esses e em todos os casos desse tipo aqueles que são tais coisas e possuem tais qualidades também desejam possuir os atributos que possuem e estou dizendo isso para que não nos enganemos no tema Se contudo pensares acerca disso Agatão deverás perceber que tais pessoas já possuem no momento presente os respectivos atributos quer queiram quer não E nesse caso por qual razão desejariam possuir o que já possuem Contudo quando alguém diz Eu sou sadio e quero ser sadio ou Eu sou rico e quero ser 200d rico ou Desejo as coisas que tenho iremos dizer a ele Homem já possuis riqueza ou saúde e força O fato é que o que realmente desejas é a continuidade desses bens pois no momento presente queiras ou não já os possuis Quando dizes eu desejo o que possuo considera se não queres dizer isso Desejo continuar tendo no futuro o que já possuo no presente Não achas que ele iria admitir isso Agatão concordou disse Aristodemo Sócrates então prosseguiu O amar não é portanto o seguinte querer que para o tempo futuro estejam preservadas e presentes aquelas coisas que ainda não estão disponíveis e que não se tem Perfeitamente disse Agatão 200e E esse indivíduo ou qualquer um que sente desejo deseja o que não está em sua posse ou não está presente de forma que o que não tem o que ele mesmo não é e aquilo de que tem carência são as espécies de coisas que serão objeto de amor e desejo Perfeitamente disse Vamos então disse Sócrates Recapitulemos o que concordamos até aqui Amor não é antes de tudo amor de algo e em segundo lugar amor de coisas que lhe faltam no momento 201a Sim disse Em acréscimo a estas coisas relembra o que disseste em teu discurso sobre o objeto do Amor Se quiseres te ajudarei Penso que foi algo nessa linha que os assuntos dos deuses foram construídos tendo em vista seu amor das coisas belas pois afirmaste que não havia nenhum amor de coisas feias73 Não era isso que estavas dizendo Foi o que eu disse falou Agatão E falaste adequadamente amigo Desse modo se isso se dá assim então Amor não é outra coisa do que amor do belo e nunca do feio Agatão concordou 201b E não foi acordado que o que ele ama é o que lhe falta e não possui Sim foi dito Portanto o que falta ao Amor e ele não possui é o belo Necessariamente disse Mas como então Você afirma ser belo algo que tem necessidade do belo e não possui a beleza de forma alguma Não com certeza E se as coisas são assim ainda dirás que o Amor é belo Agatão respondeu Parece que eu não sei nada acerca das coisas que tratava naquele momento 201c E contudo te expressaste muito bem disse Sócrates Mas dizeme só mais uma coisinha as coisas boas não te parecem também belas Sim Se o Amor é carência de beleza e as coisas boas são belas então o Amor também será carência das coisas boas De minha parte disse Agatão eu não seria capaz de te contradizer Deixemos que seja como dizes É à verdade amado Agatão disse que não poderás contradizer uma vez que a Sócrates não é difícil fazêlo 201d E agora vou deixarte ir para que eu possa proceder com o discurso sobre o Amor que certa vez ouvi de uma mulher de Mantineia chamada Diotima Ela era sábia neste e em muitos outros assuntos Numa ocasião nos sacrifícios feitos pelos atenienses para a peste74 foi responsável por um retardamento da doença em dez anos75 Foi ela quem efetivamente me instruiu nas questões sobre o Amor e o que ela dizia em seu discurso vou tentar reproduzir para vós Vou seguir os pontos acordados entre mim e Agatão mas discursarei por conta própria na medida do que sou capaz Como tu 201e explicaste primeiro é preciso descrever o que é o Amor e que tipo de atributo possui76 para só então tratar de suas realizações Penso que será muito mais fácil seguir o modo como a estrangeira de Mantineia percorreu o tema comigo na ocasião por perguntas e respostas Eu disse para ela praticamente as mesmas coisas que Agatão acabou de dizer para mim que o Amor era um grande deus e seu objeto era o que é belo77 Ela então me refutou com os mesmos argumentos que eu usei com Agatão a saber que o Amor segundo meu próprio argumento não era nem belo nem bom Então eu perguntei O que queres dizer Diotima É o Amor feio e mau E ela disse Por que não te calas Pensas que qualquer item que não for belo necessariamente será feio 202a Certamente penso E suponho que também pensas que se não é sábio é ignorante Não percebes que há algo intermediário entre sabedoria e ignorância E o que é isso Tu não sabes que opinar corretamente78 sem ser capaz de dar uma razão disse Diotima nem é conhecimento pois como poderia ser conhecimento um assunto acerca do qual não se possui a razão e tampouco é ignorância pois como seria ignorância o que atinge a verdade Portanto é muito claro que a opinião correta ocupa esse estado intermediário entre o conhecimento79 e a ignorância Verdade eu disse 202b Não queiras portanto forçar o ponto de que o não belo é feio ou que o não bom é mau De modo similar com o Amor tendo admitido que ele não é nem belo e nem bom não há motivo algum para pensar que é feio ou mau Ele é algo intermediário entre estes dois disse Diotima Pelo menos é certo que todos estão de acordo que ele é um grande deus eu disse Por todos te referes aos que não conhecem ou incluis também os que conhecem perguntou Diotima Certamente todos eles 202c Diotima riu e disse Como o Amor poderá ser admitido como um grande deus por estes que dizem que ele não é um deus Quem são estes perguntei Um és tu e outra sou eu ela respondeu Mas como chegaste a essa conclusão tornei a perguntar E ela Isso é fácil Dizeme o seguinte Tu não admites que todos os deuses são felizes e belos Ou terias a audácia de negar a felicidade e a beleza a algum deles Por Zeus eu não E o que de fato entendes por felizes não se refere aos que possuem coisas boas e belas Certamente 202d Mas concordaste que é devido à carência de coisas boas e belas que o Amor deseja tais coisas pois lhe faltam Concordei de fato E como poderá ser um deus o que não participa do que é belo e bom De modo algum como parece agora Estas vendo ela disse que também tu não consideras que o Amor seja um deus E eu disse Mas o que então será o Amor um mortal Isso muito menos Certo mas o quê Como eu disse previamente ela respondeu é um intermediário entre o mortal e o imortal Mas o que é Diotima 202e Um grande espírito80 Sócrates Todo espírito é um intermediário entre o divino e o mortal Que poder ele possui perguntei O de interpretar e comunicar aos deuses as mensagens dos homens e aos homens as mensagens dos deuses Dos homens as orações e os sacrifícios Dos deuses as imposições e as recompensas pelos sacrifícios Dado que está no meio de ambos ele preenche esse espaço entre os dois de tal forma que o conjunto81 fica ele mesmo ligado 203a numa unidade É por meio dos espíritos que opera toda a arte da profecia a técnica dos sacerdotes com seus sacrifícios ritos e encantações bem como todas as adivinhações e magia Nota que os deuses não se misturam com os homens mas por meio desses espíritos passa a ser possível qualquer associação e diálogo dos primeiros com os últimos estejam estes acordados ou dormindo O homem que é sábio nestes assuntos é um indivíduo de gênio ao passo que o homem que tem conhecimento em outra coisa técnica ou habilidade manual é apenas um entendido em assuntos de menor valor Tais espíritos são abundantes e de diferentes espécies Um deles é o Amor E vem de que pai e de que mãe perguntei 203b Essa é uma longa história ela disse Mas vou contála mesmo assim Quando Afrodite nasceu os deuses celebraram o evento e entre eles estava Poros Recurso82 filho de Metis83 Sabedoria Quando o encontro acabou Penia Penúria veio com a intenção de pedir comida já que era uma festa e ficou plantada nos portões Ocorreu que Poros já embriagado pelo néctar não havia ainda vinho nessa época entrou no jardim e sentindose chumbado adormeceu Então Penia por conta de sua própria condição de penúria elaborou um plano para ter um filho de Poros deitouse com ele e 203c ficou grávida de Amor É por isso que Amor se tornou seguidor e servo de Afrodite por ter sido concebido no aniversário de nascimento daquela e ao mesmo tempo por ser por natureza amante do belo pois Afrodite é bela De outro lado dado que Amor não é apenas filho de Poros mas também de Penia ele se encontra nessa condição antes de tudo é sempre desprovido de recursos e lhe falta muito da ternura e beleza que 203d muitos costumam ver nele Na verdade ele é duro áspero descalço e desabrigado Está sempre dormindo no chão ao relento ou estendido nas portas e calçadas Devido à natureza da mãe a necessidade é sua constante companheira Mas ele também tem atributos do pai é ardiloso com o que é belo e bom arrojado ávido pronto para a ação caçador hábil sempre tecendo maquinações ardente por sabedoria cheio de soluções por toda a vida amante da filosofia esperto com magia poções e também um 203e sofista Sua natureza não é a do imortal tampouco a do mortal mas no mesmo dia floresce e vive por um tempo quando prospera em recursos e em outro momento começa a murchar apenas para voltar à vida novamente graças à natureza do pai E no entanto suas conquistas estão sempre se esvaindo de modo que nem empobrece nem enriquece Está sempre entre os dois da mesma forma que se situa entre a sabedoria e a ignorância 204a As coisas com efeito se dão desse modo Os deuses não desejam filosofar84 nem se tornar sábios pois já são Tampouco outro qualquer se for sábio desejará filosofar Nem sequer os ignorantes filosofam ou desejam se tornar sábios pois a ignorância é nociva nesse aspecto embora não seja belo bom ou inteligente o ignorante vê a si mesmo como suficiente em todas essas características O que não tem consciência de sua carência não irá obviamente desejar o que não julga ter necessidade Nesse caso Diotima quem são os que amam a sabedoria se não são nem os sábios e nem os ignorantes 204b Isso é evidente ela disse Até mesmo a uma criança é óbvio que os que amam a sabedoria estão entre estes dois extremos e o Amor é um deles A sabedoria tem por objeto as coisas mais belas e o Amor é amor do belo de forma que ele também deve ser um amigo da sabedoria85 e como tal estar entre o ser sábio e o ser ignorante A causa desses atributos é sua origem um pai sábio e possuidor de recursos86 de um lado e uma mãe que não tem nada disso de outro Esta é portanto caro Sócrates a natureza 204c desse espírito Assim quem pensaste ser Amor não se revelou nada surpreendente Considerando o que disseste pareceme que o concebeste como aquilo que é amado não aquilo que ama Por isso penso ele te pareceu absolutamente belo Mas é o amado que realmente é belo gracioso completo e absolutamente feliz O amante de seu lado tem um atributo muito diferente como eu relatei E eu disse Muito bem Diotima Falaste de fato de forma bela Mas se o Amor é tal como dizes que função ele tem para os homens 204d Isso é o que vou tentar te ensinar na sequência Sócrates ela disse Se por um lado ele é de fato dessa natureza e tem sido gerado da forma como estive te relatando por outro ele está também entre as coisas belas como tu disseste Mas e se alguém nos perguntasse Sócrates e Diotima o que significa o Amor ser das coisas belas Ou para colocar de modo mais claro O que deseja aquele que tem desejo pelas coisas belas Respondi Que as coisas belas passem a existir para ele Tua questão ainda anseia por outra O que ele ganhará com a posse de coisas belas E eu disse Absolutamente não estou em condições de dar uma resposta pronta a essa questão 204e E ela disse Mas é como se alguém tivesse mudado a questão e no lugar do belo perguntasse sobre o bom dizendo Vamos Sócrates O que deseja as coisas boas deseja o quê Possuílas eu disse E o que ganhará aquele que tiver a posse das coisas boas E eu disse Essa é uma questão que tenho condições de responder mais facilmente Ele será feliz87 205a Sim E os felizes são felizes por causa da posse das coisas boas E não há qualquer necessidade adicional de perguntar pelo propósito de querer ser feliz aquele que o quer Assim essa resposta parece conter o objeto último da questão88 Dizes a verdade falei E quanto a essa vontade ou esse amor tu pensas que são comuns a todos os homens e que querem ter consigo sempre89 todas as coisas boas ou o que dizes Precisamente isso eu disse É comum a todos E por que então Sócrates não dizemos que todo indivíduo é um amante uma 205b vez que todos sempre amam as mesmas coisas ao invés de dizermos que alguns são amantes e outros não Também eu me espanto com isso disse Mas não te espantes O fato é que estamos pegando um certo tipo de amor e atribuindolhe um nome que se aplica a todos Amor E para as demais formas aplicamos outros nomes Como o quê eu disse Como o que segue tu sabes que poesia90 é um termo de uso amplo Sabes além do mais que quando algo seja o que for passa do não ser ao a ser a causa plena 205c disso é poesia de forma que as criações de todas as técnicas são poesia e os produtores dessas coisas são todos poetas Falas a verdade E contudo ela continuou estás informado de que estes não são chamados poetas mas têm outros nomes Assim da classe inteira da poesia foi delimitada uma parte dedicada à música e aos versos sendo denominada com o nome do todo Somente isso é poesia hoje e os que possuem essa parcela da poesia são chamados poetas Dizes a verdade 205d O mesmo se dá com o amor Em geral para todo indivíduo todo o desejo por coisas boas e por ser feliz é o grandioso e traiçoeiro amor91 Mas uns o perseguem de diferentes maneiras seja através do amor pelo dinheiro pela ginástica ou pela filosofia e destes nem se diz que estão amando tampouco que são amantes Somente aqueles que vão ao encontro e perseguem com ardor um tipo particular de amor atraem os nomes que pertencem ao todo amor amar e amantes Tu estás provavelmente falando a verdade eu disse De fato há um certo relato ela disse segundo o qual os amantes são pessoas 205e que buscam sua própria metade92 Mas o que estou dizendo meu amigo é que o Amor não é nem amor da metade que falta nem do todo a não ser que seu objeto seja bom o que só ocorre em certas circunstâncias E digo isso porque até seus próprios pés e mãos os homens querem cortar caso estes lhes pareçam defeituosos Portanto não penso que cada um de nós esteja enlaçado com suas próprias características a não ser que 206a alguém chame o que pertence a si mesmo e é particularmente seu de bom enquanto chama de estranho o que é mau O fato é que o único objeto de amor para os homens é o bem Ou pensas que há algo mais Por Zeus penso que não respondi Bem então ela continuou podemos simplesmente dizer que os homens amam o bem Sim eu disse Mas não se deve acrescentar disse ela que o que amam é ter o bem consigo Devese acrescentálo E ela continuou Não apenas ter mas ter para sempre Isso também Então podemos concluir que o amor é o desejo de ter o bem consigo para sempre ela disse Isso é muito verdadeiro afirmeilhe 206b Agora que foi admitido que o amor sempre tem isso como objeto ela disse podes dizerme de que maneira eles o perseguem e em que atividades o entusiasmo e o esforço recebem o nome de amor Em que consiste realmente a função93 do amor Tens condições de me dizer Posso te assegurar Diotima que se o pudesse eu não estaria admirado por tua sabedoria e não te frequentaria pretendendo aprender estas coisas Mas eu te direi ela falou A função do Amor é parir no94 belo95 tanto no corpo como na alma Seja lá o que for que tu queres dizer Diotima eu falei isso requer um poder profético para decifrar pois não compreendo 206c Mas vou te explicar mais claramente ela disse Todos os seres humanos fecundam96 Sócrates no corpo e na alma e quando chegamos a certa idade nossa natureza deseja dar à luz Mas não é possível dar à luz na fealdade97 Somente na beleza98 Sim o intercurso sexual de um homem e uma mulher é um tipo de nascimento Esse processo de gravidez e geração é divino é o imortal fazendose presente numa criatura mortal sendo impossível que ocorra no que está em desarmonia O que é feio de seu lado não se harmoniza com nada que seja divino Já o que é belo está sempre em harmonia 206d com a divindade Por conta desse nascimento a beleza assume a função de Moira e Ilítia99 Por isso quando o que está gestante100 se aproxima do belo tornase gracioso relaxa com deleite dá à luz e gera Mas quando se aproxima do feio fica carrancudo e aflito contraise afastase e se recolhe sem gerar Ao reter seu feto carregao com dificuldade Essa é a razão pela qual o gestante e já prestes a dar à luz sente 206e tanta excitação na presença do belo pois aquele será libertado de uma grande dor Desse modo o objeto do amor Sócrates ela disse não é como pensas o belo Bem é o que então É o desejo de reprodução101 e de dar à luz no belo Muito bem eu disse Com toda certeza ela disse Mas por que de fato o amor é desejo de reprodução Porque a reprodução é uma forma de perpetuação e imortalidade ao menos para o mortal Se o amor é efetivamente o desejo de possuir o que é bom sempre consigo como 207a concordamos seguese que ele deve desejar a imortalidade com o que é bom Portanto de acordo com esse argumento o objeto do amor deve também ser a imortalidade Todas essas coisas ela me ensinava nas ocasiões em que expunha seus argumentos sobre questões amorosas Certa vez ela me perguntou Sócrates o que pensas ser a causa desse amor e desse desejo Já percebeste como é terrível a condição dos animais os que andam e os que voam que sentem o desejo de reproduzir Adoecem quando 207b eroticamente excitados o que os faz quererem primeiro a cópula e só então alimentar a cria Até mesmo o mais fraco dos animais está pronto para lutar com o mais forte e morrer pela prole Ficam esgotados de fome apenas para alimentálos e fazem tudo o mais que for preciso Quanto aos homens ela disse alguém pode supor que fazem isso por reflexão 207c Mas o que causa essa disposição amorosa nos animais Podes dizerme E eu de meu lado dizia que não sabia Ela então disse Tu achas que te tornarás algum dia brilhante em questões de amor se não souberes estas coisas Mas foi por isso que vim estudar contigo Diotima como disse agora há pouco pois percebi que precisava de professores Então me fale sobre essa causa e também acerca dos demais aspectos concernentes ao amor Muito bem ela disse Se acreditas que o amor tem como objeto por natureza aquilo acerca de que entramos em acordo tantas vezes não te espantes com o que vou dizer Aquele mesmo princípio sobre os seres humanos vigora também no reino animal 207d a natureza mortal procura na medida em que pode existir sempre e ser imortal Isso só é possível de um modo pela geração processo por meio do qual ela deixa um ser novo no lugar do antigo Isso se aplica também no período em que cada criatura é considerada viva e o mesmo indivíduo Por exemplo o homem é dito o mesmo desde criança até se tornar velho Apesar de ser tomado como a mesma pessoa ele jamais comporta as mesmas características pois está sempre renovando alguns aspectos e 207e perdendo outros nos cabelos carnes ossos sangue enfim no corpo inteiro Não apenas em seu físico Também na alma atributos traços do caráter opiniões desejos prazeres dores medos Nenhum destes traços jamais permanece o mesmo em nós pois alguns vêm a ser outros são destruídos E muito mais extraordinário do que isso é o fato de que a mudança 208a envolve também as ciências Não é apenas o caso de que alguns itens emergem em nós enquanto outros desaparecem mas também que jamais somos os mesmos em relação aos saberes e além disso cada uma das ciências passa pelo mesmo processo O que é chamado estudo102 existe porque o conhecimento se esvai de nós Assim esquecer é a perda de conhecimento enquanto o estudo na medida em que coloca uma nova memória no lugar da que está se esvaindo preserva o conhecimento de forma que este parece ser o mesmo Por esse expediente todo mortal é preservado mas não por 208b permanecer inteiramente sempre o mesmo como os deuses mas porque a parte mortal envelhece e parte deixando para trás um ser novo do mesmo tipo que era Esse é o mecanismo Sócrates por meio do qual o mortal participa na imortalidade fisicamente e nos demais aspectos O imortal contudo existe de outra forma Não te espantes portanto se tudo por natureza tem o valor da própria espécie É por causa da imortalidade que este zelo está presente em tudo e isso é o Amor Quando ouvi o discurso dela fiquei surpreso e disse Muito bem ó sábia Diotima mas as coisas são verdadeiramente do modo como falaste 208c E ela como os sofistas reais disse Fica certo que sim Sócrates Porque de fato se quiseres olhar para o amor que a humanidade nutre pela honra te espantarias com sua irracionalidade nos assuntos acerca dos quais tratei a não ser que reflita sobre isso considerando como eles são intensamente afetados pelo desejo de se tornarem famosos e amealharem para a eternidade uma fama imortal103 Por causa disso estão prontos para correrem todos os riscos ainda mais do que o fariam pelos 208d filhos e também se dispõem a gastar dinheiro sofrer qualquer tipo de privação e até morrer pela honra E ela continuou Pois realmente acreditas que Alceste104 teria morrido por Admeto Aquiles sacrificaria sua vida por Pátroclo105 ou ainda vosso Rei Codro morreria cedo para favorecer sua linhagem a menos que pensassem que a memória de sua virtude que ainda conservamos seria eterna Longe disso ela disse Penso que é por causa da virtude imortal e desse tipo de fama gloriosa que eles fazem todas essas 208e coisas e quanto melhores são tanto mais se empenham pois é a imortalidade que desejam Com efeito aqueles fecundados no corpo se voltam sobretudo às mulheres e dessa maneira expressam seu amor e seu desejo Eles imaginam que por meio da procriação de filhos irão obter para si mesmos a imortalidade a memória e a felicidade 209a para todo o tempo futuro E quanto aos da alma há de fato os que fecundam mais na alma do que no corpo coisas propícias à alma fecundar e gerar E o que é mais adequado a ela do que a inteligência e as outras virtudes das quais tanto os poetas são tidos como genitores como também todos os artesãos que são considerados inventivos De longe a mais importante e bela forma dessa inteligência é a que está relacionada ao bom ordenamento das cidades e das casas a que tem o nome de temperança e justiça 209b Assim quando alguém é fecundado na alma desde a juventude com essas virtudes ainda solteiro106 e sendo da idade certa já deseja dar nascimento e gerar Penso que ele passa de fato a procurar ao redor este belo em cujo seio possa procriar pois jamais poderia procriar no feio E ao fecundar acolhe sobretudo os corpos belos ignorando os feios mas se ele se depara com alguém cuja alma é bela nobre e naturalmente dotada efetivamente acolhe essa combinação Diante de uma pessoa assim ele prontamente ganha recursos linguísticos para falar sobre a virtude sobre como um homem bom deve ser e o 209c que deve praticar pondose a educálo Penso que pelo contato com este belo e por se associar a ele o que será mantido vivo em sua memória na presença e na ausência deste aquele dá à luz e gera o que vinha gestando há muito tempo E em comunhão com aquela outra parte ele alimenta o rebento gerado Essas pessoas possuem uma ligação entre si e laços de amizade muito mais fortes do que os que existem entre os pais dos filhos mortais visto que os filhos107 que possuem em comum são mais belos e eternos Qualquer um iria preferir gerar para si filhos como esses em vez de serem pais de crianças naturais Nota além do mais como as pessoas olham com inveja para 209d Homero Hesíodo e outros bons poetas pelo tipo de prole que deixaram para trás por conferirlhes fama imortal e memória o que os torna também eternos Se quiseres toma os filhos que Licurgo108 deixou como salvação de Esparta ou por assim dizer de toda a Grécia Entre vós Solon109 também é honrado por ser o genitor de vossas leis Há outros 209e em muitos lugares diferentes tanto entre os gregos como entre os bárbaros cujas várias realizações belíssimas procriaram virtudes de todos os tipos Em honra deles já foram feitos muitos cultos devido às propriedades de seus filhos enquanto que em honra dos filhos naturais não se viu nenhum até agora Esses são portanto os tópicos do amor sobre os quais mesmo tu Sócrates 210a poderias ser iniciado Mas quanto aos ritos finais da preparação do iniciado110 em vista dos quais as explicações acima são introduções àquele que está no caminho certo já não sei se serias capaz Contudo vou te explicar e fazer o máximo para nada omitir Quanto a ti tenta acompanhar na medida do que podes Aquele que procede corretamente nesse assunto ela disse deve começar em sua juventude a se dirigir aos belos corpos Sobretudo se seu guia111 o conduz bem ele deve amar um corpo e nele gerar belos discursos112 Em seguida deve perceber por si 210b mesmo que a beleza relativa a um corpo qualquer é muito similar à beleza relativa a outro e que se é o caso de perseguir a Forma113 do belo é muita tolice não considerar a beleza de todos os corpos uma só e a mesma114 Tendo entendido isso deve se tornar amante da beleza física em geral e abandonar esse amor intenso por um só corpo agora que o vê com desprezo e o toma por trivial Depois deve considerar o belo das almas mais valioso do que o dos corpos de tal modo que se a alma de uma pessoa for decente mas sua beleza física escassa isso baste e não o impeça de amála de 210c preocupar se com sua educação e de buscar produzir discursos do tipo que tornam os jovens melhores Tudo isso a fim de que seja compelido a contemplar o belo nas atividades e leis o que significa ver que toda forma de belo tem a mesma origem que qualquer outra115 e que portanto o belo relativo a um corpo é insignificante Depois disso seu guia deve arrastálo para contemplar os saberes em suas várias formas de modo que veja também o belo nos conhecimentos Com efeito olhando para 210d a variedade atual de belo e não mais para as instâncias não se sujeitará como um servo à beleza de um jovem de outra pessoa ou de uma ciência particular escravidão que o torna simplório e de razão estreita Ao contrário voltado ao amplo mar do belo e contemplandoo irá gerar por meio uma filosofia abundante uma variedade de discursos excelentes e pensamentos magníficos até que aí robustecido e desenvolvido passe a 210e discernir certo conhecimento unitário o belo cuja descrição farei agora Tenta portanto ela disse prestar atenção no que vou dizer o máximo que for possível a ti Com efeito quem tiver sido instruído até esse ponto no que concerne aos temas amorosos tendo contemplado os itens belos numa sucessão correta e ordenada à medida que se encaminha para a finalidade do tema perceberá subitamente algo maravilhosamente belo em sua natureza116 aquilo mesmo Sócrates em vista de que efetivamente foram empreendidos todos os esforços precedentes Tratase de algo que 211a antes de tudo sempre é117 não tendo a característica de vir a ser ou de perecer tampouco de aumentar ou diminuir Depois não é belo em um aspecto e feio em outro ou belo num momento e feio em outro ou belo numa determinada relação mas feio em outra relação nem belo num lugar e feio em outro por ser belo a algumas pessoas e feio a outras O belo também não aparecerá a ele como a beleza de uma face de uma mão ou de qualquer outra parte do corpo nem de certo discurso ou de certa ciência nem como estando em alguma coisa diferente de si mesmo como num animal na terra no céu ou 211b em qualquer outra coisa Ao contrário de tudo isso o belo lhe aparecerá em si por si e consigo mesmo possuindo sempre uma forma única118 Todas as demais coisas belas por sua vez partilham do ser do belo num sentido tal que enquanto elas ganham ser ou são destruídas em absolutamente nada aquele se torna maior ou menor nem sofre modificação de qualquer tipo Assim quando alguém por meio de um correto119 amor aos jovens ascende dessas instâncias de beleza e começa a ver claramente aquele belo está no ponto por assim dizer de atingir o fim do aprendizado Esse120 é de fato o método 211c correto de se dirigir aos temas amorosos ou por outro ser conduzido iniciando daquelas instâncias do belo subir sempre com o propósito de alcançar aquele belo em si Como quem está se servindo de degraus ir de um só para dois e de dois para a beleza de todos os corpos e da beleza de todos os corpos para a beleza das atividades e destas para a beleza das formas de conhecimento Das formas de conhecimento ele deve terminar naquela espécie de conhecimento cujo objeto não é outra coisa que o saber do próprio belo para que121 finalmente venha a conhecer a essência do belo 211d E a estrangeira de Mantineia disse Nesse momento da vida caro Sócrates se é que há um momento especial a vida humana vale a pena pela contemplação do próprio belo Se alguma vez vires essa beleza ela não te parecerá comparável à do ouro da roupa ou à dos belos garotos e homens jovens cuja visão deixa a ti e a muitos outros absorvidos Aliás se pudesses vêlos e frequentálos continuamente estarias disposto se possível a não mais comer e beber somente vêlos e ficar com eles Então o que imaginamos que aconteceria àquele que pudesse ver o próprio 211e belo puro limpo não misturado destituído de carnes humanas cores e outras tantas frivolidades mortais Ou seja que pudesse ter uma visão clara do belo ele mesmo divino e em sua forma unitária Ou tu pensas ela continuou que se torna medíocre a vida 212a do homem que dirige seu olhar para aquele belo e com o que é necessário122 contemplao e convive com ele Não consideras que somente esse indivíduo poderá gerar não imagens de virtudes porque não está em contato com imagens mas virtudes verdadeiras porque está em contato com a verdade Tendo produzido e alimentado a verdadeira virtude terá a chance de ser amado pelos deuses e de se tornar imortal ele mesmo se isso for possível para alguém 212b Pois bem Fedro e demais convivas estas são as coisas ditas a mim por Diotima Fui persuadido por seus argumentos E dado que estou convencido tento também persuadir os outros de que em se tratando da obtenção dessas coisas pela natureza humana alguém não encontrará parceiro melhor do que o Amor Por isso declaro que é necessário que todo homem honre o Amor Eu mesmo o honro no que se refere aos temas amorosos e o pratico em um nível especial Encorajo ainda todos os demais a fazerem o mesmo Agora e sempre faço elogios sobre o poder e a coragem que emanam do Amor no nível mais elevado que me 212c é permitido fazêlo Assim caro Fedro se quiseres considera esse discurso como meu encômio proferido em homenagem ao Amor Ou então o que e como te aprouver nomeiao assim Quando terminou de falar essas coisas alguns se puseram a elogiálo disse Aristodemo enquanto Aristófanes tentava dizer alguma coisa porque Sócrates o tinha mencionado quanto a um aspecto de seu discurso Então subitamente a porta do pátio repercutiu um estrondoso barulho parecendo algazarra de foliões Podiase ouvir a voz da aulētris 212d123 ao que Agatão disse Escravos não ireis ver o que é Se for um de meus amigos chamai o Mas se não for dizeilhe que não estamos mais bebendo e já nos recolhemos Não demorou muito e ouviuse a voz de Alcibíades124 no pátio muito bêbado e falando alto Perguntava sobre Agatão e queria ser conduzido até ele É levado para dentro carregado pela aulētris e por alguns seguidores quando se detém na 212e porta Usando uma espessa grinalda de hera e violeta com abundantes laços sobre a cabeça disse Saudações senhores Aceitaríeis como companheiro de bebida um homem absolutamente bêbado Ou devemos apenas coroar Agatão125 motivo pelo qual viemos aqui e partir Ontem eu estava impossibilitado de vir disse mas estou aqui agora com estas fitas sobre a cabeça porque devo transferilas da minha para a cabeça do mais sábio e belo se assim eu puder proclamálo Por acaso ireis zombar de 213a mim porque estou bêbado Mesmo que caiais na gargalhada sei bem que o que vou dizer é verdade Mas falaime logo Nos termos enunciados devo entrar ou não Ireis beber comigo ou não Todos efusivamente o saudaram pedindolhe para que entrasse e se reclinasse Agatão o chamou e Alcibíades então se aproximou ajudado pelos demais Estava desamarrando as fitas da cabeça para passálas a Agatão e tendoas à frente dos olhos não percebeu Sócrates que se afastou assim que o viu Alcibíades sentou entre Sócrates e 213b Agatão Acomodado abraçou Agatão e o coroou Depois disso Agatão disse Servos tirai os calçados de Alcibíades a fim de que ele possa ocupar um terceiro lugar aqui Muito bem obrigado Mas quem é esse nosso terceiro companheiro de bebida Enquanto pergunta isso voltase para o lado e vê Sócrates Tem um sobressalto e diz Por Héracles mas o que é isso aqui És tu Sócrates Estavas reclinado aí para me 213c surpreender novamente e aparecer de repente como é teu costume lá onde eu menos espero Mas o que te trouxe a este evento E ainda por cima reclinado aqui hein Noto que não estás do lado de Aristófanes ou de alguém que tal como ele é cômico e gosta de sê lo Não tu maquinaste sentar ao lado do mais belo entre os que estão no recinto E Sócrates disse Agatão vê se vais me defender Porque meu amor por ele não é coisa leve De fato desde o momento que comecei a amálo não me foi permitido 213d voltar meu olhar e nem conversar com um jovem sequer de boa aparência Se o faço este aqui enciumado e invejoso faz coisas absurdas discute comigo e mal consegue manter suas mãos afastadas de mim Vê se ele não vai agir assim também aqui e tenta manter a reconciliação entre nós Se ao invés disso ele tentar à força defendeme pois eu fico muito apavorado com esse tipo de loucura e devoção ao amado Mas não há reconciliação entre mim e ti falou Alcibíades E quanto a essas 213e coisas que disseste vingarmeei mais tarde Para o momento Agatão por favor devolveme algumas das fitas para que eu coroe também a cabeça deste homem espantosa que é a fim de que não me censure por têlas dado a ti e não têlo coroado também ele que vence todos os homens em competições de discursos não apenas uma vez como tu antes de ontem mas sempre Dizendo isso Alcibíades pegou algumas das fitas coroou Sócrates e voltou a reclinarse no divã126 Já reclinado disse Muito bem senhores Mas o que é isso me pareceis sóbrios Isso não pode ser permitido e sim que bebais é o que foi acordado entre nós127 Assim escolho eu mesmo como mestre de cerimônias até que tenhais bebido o suficiente Agatão se tiveres um copo grande que o tragam Mas espera não é preciso Escravo trazeme aquele jarro de refrigerar vinho128 exclamou ao ver um que tinha espaço para cerca 214a de oito taças129 Encheu o foi o primeiro a beber e depois mandou servir Sócrates Enquanto isso falou Senhores meu truque não tem qualquer efeito sobre Sócrates Não importa o quanto alguém o sirva ele beberá sem que jamais fique bêbado130 O escravo encheu e Sócrates bebeu mais quando Erixímaco disse Mas o que estamos fazendo Alcibíades Assim enquanto o vinho vai passando não 214b estamos falando nada e nem cantando Iremos simplesmente beber como homens sedentos Alcibíades disse Caro Erixímaco o melhor filho do melhor e mais prudente dos pais salve Sim também tu salve respondeu Erixímaco Mas o que faremos O que ordenares devemos te obedecer pois um homem que é médico é tão importante quanto qualquer outro homem131 Então dizenos o que queres Ouve então disse Erixímaco Nós decidimos antes de tua chegada que cada 214c um devia proferir um discurso sobre o Amor o mais belo de que fosse capaz e dessa forma honrálo começando pela direita e na vez de cada um Todos aqui já falamos mas tu como ainda não discursaste e já bebeste tudo é justo que fales Tendo discursado poderás então prescrever a Sócrates o que bem quiseres E este ordenar o mesmo ao da direita e assim por diante É uma ótima ideia Erixímaco Mas talvez não seja justo comparar os discursos de um homem bêbado com os de um homem sóbrio E além do mais caro amigo está 214d Sócrates te persuadindo de alguma coisa do que disse há pouco Ou sabes que se dá inteiramente o oposto do que ele falou Pois é ele que não irá tirar as mãos de mim caso eu venha louvar qualquer outro deus ou mortal em sua presença Por que não te calas Sócrates disse Por Poseidon disse Alcibíades Não digas uma palavra contra isso Enquanto estiveres por perto jamais vou elogiar outro Então faz isso se preferires disse Erixímaco louva Sócrates 214e Como assim disse Alcibíades Estão convictos que é isso que farei Atacar o homem e me vingar dele na frente de vós todos Alto lá disse Sócrates O que tens em mente Irás me dirigir um encômio me expondo ao ridículo Ou o que pretendes Direi a verdade Vais me deixar fazêlo Mas claro Não apenas permito mas te exorto a dizer a verdade Vou falar logo disse Alcibíades mas antes aqui está o que preciso que façais se eu disser algo não verdadeiro podeis me interromper se quiserdes e apontar 215a o que é falso em meu discurso embora eu esteja disposto a não proferir falsidades De outro lado não fiqueis espantados se eu trocar um evento por outro enquanto tento recordálos pois não é fácil para alguém na minha condição enumerálos com a devida fluência e ordem Vou louvar Sócrates senhores empreendendo um método por meio de imagens Ao proceder assim vai parecer que faço uma caricatura para expôlo ao riso mas estarei me valendo de imagens com vistas à verdade não para ridicularizálo Em minha opinião 215b ele é semelhante aos bustos dos silenos132 dispostos nas oficinas de fabricantes de estátuas os quais são talhados pelos artesãos segurando pequenas flautas ou auloi133 Quando partidos ao meio revelam estátuas de deuses em seu interior Penso também que ele se assemelha ao sátiro Mársias134 O fato é que caro Sócrates pelo menos quanto à forma assemelhaste a estas figuras citadas o que suponho que nem mesmo tu irás contestar E atenta para ouvir depois disso tua semelhança nos demais traços Comportaste com insolência135 não é Se pois não concordares providenciarei testemunhas E tu não és um aulētēs136 Claro que és mais impressionante do que 215c Mársias Este usando seus instrumentos costumava encantar a todos pelo poder que vinha de sua boca e ainda hoje quem executa suas músicas provoca esse encanto E eu digo as músicas de Mársias porque penso que as melodias de Olimpo137 foram criadas por Mársias que as ensinou a Olimpo Somente estas músicas não importa se executadas por um bom aulētēs ou por uma aulētris138 ordinária são capazes de possuir a alma por serem divinas revelam quais pessoas estão na necessidade dos deuses e dos ritos de iniciação139 Já tu Sócrates és diferente de Mársias apenas nisso produzes esse mesmo efeito 215d sem instrumentos apenas por meros discursos E nós quando ouvimos alguém falando sobre um tópico qualquer mesmo que seja um indivíduo muito bom em discursar não se vê por assim dizer nenhum efeito em nós Mas quando alguém te ouve diretamente ou escuta tuas palavras através de outra pessoa não importa se for um orador absolutamente medíocre o fato é que ficamos todos mulher homem e adolescente na mesma medida encantados e maravilhados ao te ouvirmos E quanto a mim senhores se não fosse o risco de parecer estar irremediavelmente sob efeito da bebida eu iria sob juramento falar sobre como efetivamente fui afetado pelas palavras desse homem e 215e de como elas ainda mexem comigo Quando o escuto fico num frenesi mais intenso do que o dos coribantes140 o coração bate e lágrimas escorrem sob o efeito de suas palavras Noto também que muitos outros são igualmente afetados Quando ouvia Péricles141 e outros bons oradores costumava pensar que falavam bem mas esse tipo de efeito nunca senti ouvindoos nem minha alma foi arrastada em confusão ou fiquei chateado pelo estado miserável de servidão a que minha vida foi submetida Mas sob o 216a jugo deste Mársias aqui muitas vezes de fato estive num tal estado que chegava a pensar se valia a pena ter a vida que estava levando E isso Sócrates não poderás dizer que não é verdade Mesmo agora estou ciente de que se eu próprio consentisse em darlhe ouvidos não conseguiria resistir mas sofreria as mesmas paixões Ele me força a concordar que sendo muito deficiente negligencio minha própria alma e em vez de me educar voltome às atividades da política ateniense Por isso me forço a fechar os ouvidos e a fugir do seu canto de sereia o quanto posso de modo a não ficar sentado junto dele até a velhice Eu 216b experimentei com esse homem o sentimento que ninguém pensaria que poderia existir em mim em relação a quem quer que seja a vergonha o sentirse inferior Estou consciente de que não sou capaz de argumentar contra suas ideias pretendendo não fazer o que ele ordena e quando me afasto dele sei que me rebaixo à condição de quem apenas busca a admiração das massas Por isso me evado de sua presença e saio em disparada E sempre que o vejo envergonho me dos assentimentos que lhe dei Na verdade em várias 216c ocasiões eu teria ficado feliz em saber que ele não está mais entre os homens Por outro lado se isso de fato ocorresse sei bem que muito maior seria meu luto do que minha alegria Assim não sei o que devo fazer com esse homem Isso é então o que eu e outros tantos experimentamos por causa da música desse sátiro aqui Agora ouvime como ele é semelhante àqueles com os quais eu o comparei e o quão espantoso é o poder que ele possui Sabei bem que de fato ninguém de vós o 216d conhece Vou contudo revelálo já que comecei Notai pois que Sócrates tem inclinação amorosa pelos belos sempre os tem perto de si e por eles fica atordoado Além disso ignora tudo e nada sabe E assim na medida destas aparências ele não é como um sileno Com certeza o é Ele tem na superfície o aspecto gravado do sileno mas dentro de si uma vez que se abriu vós não imaginais meus caros simposiarcas a temperança142 que há nele Saibam que ele não tem nenhuma preocupação em saber se 216e alguém é belo Ao contrário vós não tendes ideia do quanto ele despreza isso ou se alguém é rico ou possui qualquer destas distinções que a maioria tanto preza Ele considera que todas essas posses não possuem valor E nós vós podeis acreditar não significamos nada para ele Ele passa a vida inteira simulando ignorância e brincando com as pessoas De outro lado quando está sério e se deixa ver não sei se alguém já notou as estátuas que carrega dentro de si Eu já as vi uma vez e me pareceram de tal 217a modo divinas e douradas tão belas e extraordinárias que para dizer em poucas palavras faço tudo o que Sócrates me mandar fazer Dessa forma quando pensei que ele ficou seriamente envolvido por minha beleza tomei isso como um presente divino e um golpe de sorte pois a partir daí teria a meu dispor após gratificálo tudo o que Sócrates sabia Eu tinha de fato certa impressão exagerada sobre minha beleza juvenil Mas com tais propósitos em mente eu que até então não tinha o costume de frequentar Sócrates desacompanhado dispensei o 217b acompanhante e comecei a frequentálo sozinho é preciso pois que eu vos diga toda a verdade Assim prestai atenção e se eu proferir falsidades Sócrates contestame De fato eu o encontrava a sós senhores sem mais ninguém E achava que ele iria então sem mais delongas dialogar comigo precisamente o tipo de conversa que um amante teria em particular com o amado Fiquei em júbilo Mas nada disso absolutamente ocorreu Ele conversaria na forma que tinha me acostumado e tão logo tivesse passado o dia comigo iria embora 217c Depois disso chameio para fazer ginástica e nos exercitamos juntos na esperança de que nessa atividade eu finalmente fosse alcançar meu objetivo143 Assim ele praticava comigo e travamos lutas várias vezes sem ninguém presente Mas o que dizer disso Efetivamente não consegui nada E dado que não obtive coisa alguma com tais tentativas decidi que devia atacar o homem pela força e não desistir da luta uma vez iniciada Tinha que saber naquela altura qual era a nossa condição Convideio então para um jantar exatamente como um amante preparando armadilhas para o objeto de suas 217d pretensões amorosas Mas nem nisso ele foi rápido em me aceitar embora tenha sido persuadido depois Na primeira vez que veio quis partir logo após o jantar Na ocasião sentindome embaraçado deixeio ir Mas quando novamente planejei o segundo encontro depois da comida mantive o sob conversa noite adentro Quando ele quis partir aleguei que estava muito tarde e insisti para ficar no que tive êxito Ele então deitouse no divã próximo do meu o mesmo no qual jantara há pouco Ninguém mais dormia no recinto 217e além de nós Bom até esse ponto do meu discurso de fato eu poderia muito bem relatálo a qualquer um Mas o que é dito a partir daqui vocês não iriam ouvilo de mim se não fosse o caso que antes de tudo como diz o provérbio no vinho com ou sem as crianças está a verdade144 Depois pareceme injusto omitir o gesto de excepcional desdenho de Sócrates quando me lancei num discurso em seu louvor Além do mais o estado do que foi picado pela serpente é de fato igual ao meu Dizem pois que qualquer um que foi picado não tem vontade de descrever o que sentiu exceto aos que também 218a sofreram o mesmo pois somente estes irão compreender e simpatizar com tudo o que a vítima disser ou fizer em sua agonia Eu contudo fui mordido por algo ainda mais doloroso e na parte mais sensível o coração mente ou como preferir chamar Fui atingido e picado pelos discursos filosóficos os quais cravam com mais virulência do que o veneno da víbora quando tomam a alma dos jovens com talentos levandoos a fazer e dizer todo tipo de coisa De outro lado olhando para os Fedros os Agatões os Erixímacos os 218b Pausânias os Aristodemos os Aristófanes e o próprio Sócrates por que não o mencionar além de vários outros vejo que vós todos partilhastes da loucura e frenesi da filosofia Por isso ireis me ouvir e sei que me perdoareis pelo que então fiz e agora vos relato Quanto aos servos ou alguém mais que seja não iniciado e inculto recomendo que coloque em seus ouvidos portas bem largas 218c Quando então senhores a lâmpada se extinguiu e os servos deixaram a sala decidi que eu não devia mais falarlhe de modo ambíguo mas dizer livremente o que estava pensando Então eu o chacoalhei e disse Sócrates estás dormindo Por certo que não por quê Por acaso sabes o que pensei Não do que se trata Que para mim tu és o único digno de se tornar meu amante Tenho a impressão contudo de verte hesitar em falar comigo a respeito Mas eis como me sinto considero um completo contrassenso não te gratificar tanto nisto como em outros casos 218d nos quais possas precisar de minhas posses ou de meus amigos Para mim com efeito nada é mais importante do que me tornar tão excelente quanto possível e ninguém é tão capaz de ajudarme nessa tarefa do que tu Devo dizer ainda que me sentiria muito mais envergonhado diante do que um homem inteligente diria se eu não te gratificasse do que em face da multidão inculta ao ver me fazêlo Ele ouviu essas minhas palavras e com ostensiva ironia muito característica dele retrucou Meu caro Alcibíades parece realmente que tu não és um tolo se o que dizes a 218e meu respeito for verdade e existir em mim certa capacidade por intermédio da qual poderias te tornar melhor Provavelmente vês em mim uma beleza inconcebível deveras distinta da linda aparência que tens Mas se a visão disso está te fazendo empreender uma barganha comigo para trocar uma beleza por outra então teu plano não é ter pouca vantagem sobre mim pois o que estás querendo é adquirir a verdade do que é realmente belo em troca do que é aparentemente belo Na verdade pensas obter ouro 219a em troca de bronze145 Contudo meu jovem examina melhor se não é o caso de que te escapou que não tenho valor algum Sabes que a percepção da inteligência começa a ver com agudeza quando a visão dos olhos declina146 e tu ainda estás um bocado longe disso Ouvindo isso respondi De minha parte é isso que está acontecendo e não expressei nada além do que realmente penso Que tu agora decidas sobre o que consideras o melhor para nós dois Muito bem no que acabas de dizer pelo menos estás corretíssimo 219b ele respondeu No futuro avaliaremos e faremos o que for o melhor para nós dois nesse e em outros temas Então eu que ouvia e também dizia tais coisas e tinha como se diz lançado minhas flechas pensava têlo acertado Assim sem deixálo dizer nada mais levantei e pus meu manto pesado sobre a roupa leve que ele usava embora fosse inverno Deiteime sob o manto e abraceio com as duas mãos este homem extraordinário e 219c verdadeiramente um semideus Assim permaneci com ele por toda a noite Não poderás de teu lado Sócrates dizer que estou mentindo Contudo mesmo fazendo tudo isso este Sócrates saiu ileso das minhas investidas e ainda desprezou zombou e insultou minha beleza física justo aquele atributo que eu pensava me conceder alguma substância senhores juízes De fato sois vós que ireis atuar como juízes da arrogância de Sócrates Pois sabei bem que por todos os deuses e deusas juro que ao me levantar não achei mais interessante 219d ter passado a noite com Sócrates do que tê lo feito com meu pai ou com meu irmão mais velho Então depois disso com que sentimentos imaginais que fiquei De um lado considerava que fui desonrado mas de outro estava ainda admirando o caráter deste homem sua temperança e coragem Tinha encontrado uma tal espécie de ser humano voltado à sabedoria e perseverança como jamais pensaria encontrar Contudo não podia irritarme com ele ou privarme de sua companhia tampouco tinha os meios de como 219e deixálo vencido Eu sabia bem que ele era ainda mais incorruptível pelo dinheiro do que Ajax pela espada De fato no que pensei ser meu único meio de pegálo ele escapoume Estava sem meios perambulando a esmo sentindo me subjugado por este Sócrates como jamais alguém o foi por outro Tudo isso com efeito já tinha acontecido quando participamos juntos de um serviço militar em Potideia onde partilhamos a mesma mesa147 Percebi antes de tudo que ele não só me superava nos esforços empreendidos nos navios como também superava todos os demais E sempre que éramos privados de suprimentos e obrigados a seguir sem 220a comida como ocorre nas campanhas os outros não eram nada comparados à sua resistência no jejum Nos banquetes todavia era único na capacidade de aproveitálos Em particular apesar de preferir não beber quando forçado costumava bater todos O que acho mais surpreendente é que nenhuma pessoa jamais viu Sócrates bêbado disso aliás o veremos sob teste a qualquer momento hoje Sua resistência ao inverno e as tempestades locais eram terríveis também foi espantosa Certo dia em que sobreveio uma neve das 220b mais severas todos os soldados evitavam sair ou caso arriscassem envolviamse numa quantidade absurda de roupas com os pés bem calçados amarrados em feltros e peles de ovelhas Já este homem nestas condições do tempo ia para fora com o mesmo manto que usava antes e mesmo andando descalço percorria o gelo com mais facilidade do que os que estavam calçados Os soldados olhavam desconfiados achando que ele os 220c rebaixava Bom para tais eventos basta mas também que exemplo o resistente soldado demonstrou e suportou148 certa vez lá na campanha vale a pena ouvir Certa manhã ele se pôs a refletir sobre um problema e se plantou no lugar examinandoo Quando viu que não avançava na questão não desistiu mas continuava lá parado e pensando em algo Já era meio dia quando os homens notaram o fato espantados falavam entre si que Sócrates tinha estado lá desde a aurora de pé refletindo sobre alguma coisa Finalmente já de tarde alguns dos jônicos que já tinham jantado trouxeram 220d para fora seus leitos de dormir pois nessa época já era verão de modo que podiam dormir ao ar fresco e ao mesmo tempo observar Sócrates para ver se permaneceria ali noite adentro E de fato ele ficou até amanhecer e o sol se levantar Depois caminhou para longe dali não sem antes fazer uma prece ao Sol Se desejais ouvir sobre as batalhas o que segue me permitirá fazer justiça ao renderlhe um tributo no curso do embate pelo qual os generais me concederam o prêmio pelo 220e desempenho nenhum homem salvou minha vida além de Sócrates Fui ferido e ele não quis me deixar para trás mas recolheume juntamente com minhas armas149 Na verdade Sócrates naquele momento solicitei aos generais que dessem a ti a recompensa Não poderás me censurar por contar isso nem dizer que não falo a verdade Contudo quando os generais estavam considerando me dar o prêmio em parte por minha posição social tu mesmo foste mais insistente do que eles em defender que eu o devia levar em vez de ti E ainda em outra ocasião senhores vós teríeis apreciado observar Sócrates 221a quando o exército estava se retirando em fuga na batalha de Delio150 Ocorreu que eu servi na cavalaria e Sócrates como hoplita151 O exército já havia se dispersado e Sócrates se retirava juntamente com Laques152 quando me aproximei Ao vêlos imediatamente encorajeios a manteremse firmes e disselhes que não os deixaria para trás Foi aí então que Sócrates me pareceu ainda mais nobre do que em Potideia eu tinha menos a temer pois estava a cavalo Primeiro de tudo notei o quanto ele superava Laques 221b no que respeita a manterse centrado Depois me pareceu como tu aí Aristófanes naquela tua expressão153 que ele se portava lá como aqui em Atenas impondo se e lançando os dois olhos de um lado a outro com calma examinando amigos e inimigos para ser evidente a qualquer um mesmo a distância que se alguém pusesse a mão nesse homem ele se defenderia com muita força Por isso ele e seus companheiros partiram em segurança Pois como regra os inimigos sequer tocam aqueles que exibem esse tipo de atitude na guerra São os precipitados em fuga que eles 221c perseguem Assim certamente em louvor de Sócrates alguém poderia mencionar muitos outros casos extraordinários E embora talvez haja aspectos desse tipo a se dizer também de outras pessoas no que respeita a outras atividades o fato de ele não ter semelhança com nenhum outro ser humano tanto com os de antigamente como com os de hoje é o mais digno de toda admiração O tipo de homem que Aquiles se tornou alguém poderia tomálo como referência e medir Brasidas154 e outros ou Nestor e Antenor155 com o que Péricles veio a ser e assim por diante E do mesmo modo alguém poderia produzir 221d comparações em outros casos Mas este aqui se tornou de tal forma um homem não convencional que se alguém for procurar não irá encontrar ninguém sequer próximo para compará lo nem entre os de hoje e tampouco entre os de outrora exceto talvez se fosse comparado àqueles sobre os quais estou falando não com qualquer homem mas com os silenos e sátiros Há um detalhe que omiti no começo que também os discursos dele são 221e semelhantes aos bustos abertos dos silenos Se alguém estivesse disposto a ouvilos iriam parecer muito ridículos na primeira impressão por fora esses discursos são totalmente revestidos por palavras e frases de fato um tipo de couro de sátiro insolente Ele fala de animais de carga ferreiros sapateiros curtidores parecendo sempre dizer as mesmas coisas com os mesmos termos de modo que qualquer homem inexperiente e tolo 222a zombaria de seus discursos Qualquer um que os vir abertos e olhar dentro deles primeiro irá descobrir que esses discursos são os únicos que possuem um significado próprio Depois verão também que são os mais divinos e contêm em si mesmos um grande número de imagens de virtude Além disso esses discursos se estendem a muita coisa ou antes a tudo que convém ser considerado por quem tem a intenção de se tornar belo e bom Isso é o que tenho a oferecer senhores em louvor de Sócrates Também acrescentei ao discurso o que recrimino nele e contei como ele me insultou Aliás isso não foi feito 222b apenas comigo mas também com Cármides156 filho de Glauco com Eutidemo157 filho de Díocles e com vários outros aos quais ele enganou fazendose de amante de jovens quando ao invés de amante ele se torna o objeto do amor158 deles Assim com respeito a estas coisas efetivamente te alerto Agatão para que não sejas enganado por ele e tendo apreendido as lições precedentes estejas atento e não sejas tolo como diz o provérbio por aprender apenas pelo sofrimento 222c Tendo dito então estas coisas houve risos pela franqueza de Alcibíades pois parecia ainda envolvido amorosamente com Sócrates Sócrates então falou Penso que tu estás sóbrio Alcibíades pois do contrário não terias tentado embalarte tão astutamente sob a capa do teu discurso para encobrir a razão de tudo isso que disseste Fazendo parecer se tratar de um aspecto secundário tu estabeleceste o alvo no fim do discurso como se tudo não tivesse sido expresso por 222d esse motivo criar desavença entre mim e Agatão Pois pensas que devo amar a ti e a nenhum outro e que Agatão deve ser amado por ti e por mais ninguém Isso com efeito não me escapou e o propósito desse teu drama de sátiros e silenos ficou evidente Então meu caro Agatão não deixes nada mais ser concedido a Alcibíades Cuida para que ninguém nos divida 222e Agatão então respondeu Acredito mesmo que estás certo Sócrates Dou como evidência aliás que ele se deitou entre mim e ti no divã de modo a nos manter separados Nada mais será concedido a Alcibíades e eu vou me reclinar aqui junto de ti Por favor faz isso disse Sócrates Reclinate aqui à minha direita Por Zeus disse Alcibíades Olha o modo como sou tratado de novo por esse homem Ele pensa que deve em tudo obter o melhor de mim Mas maravilhoso amigo se nada mais o for permite que Agatão se deite entre nós dois Isso não é possível disse Sócrates Pois tu me elogiaste159 Devo pois na minha vez elogiar o que está à direita Mas se Agatão estiver entre nós serei por certo novamente elogiado em vez de ele receber o elogio de mim não é160 Então concede 223a isso divino amigo e não invejes o elogio que o jovem receberá de mim pois de fato é grande o meu desejo de fazêlo Uau exclamou Agatão Alcibíades não há como eu ficar aqui Antes de qualquer outra coisa vou mudar de lugar para ser elogiado por Sócrates Lá vamos nós de novo disse Alcibíades Com Sócrates presente é impossível outro receber um olhar dos belos E que fluente e persuasiva eloquência ele achou para este aqui sentarse a seu lado 223b Assim Agatão se levanta para deitarse à direita de Sócrates De repente foliões em grande número chegam às portas deixadas abertas enquanto alguém saía Vão direto para a sala de jantar e tomam seus lugares Havia barulho por todo lado todos foram compelidos a beber muito vinho e já não restava nenhuma ordem Aristodemo contou que Erixímaco Fedro e outros foram embora dali enquanto ele próprio caiu no sono 223c adormecendo por horas porque as noites nessa época eram longas vindo a despertar no raiar do dia com os galos cantando Ainda acordando Aristodemo viu que alguns dormiam e outros tinham ido embora mas Agatão Aristófanes e Sócrates eram os únicos a estarem despertos Estavam bebendo de uma grande jarra que passavam da esquerda para a direita Sócrates ainda discursava para eles Quanto aos detalhes do 223d discurso Aristodemo disse que não se lembrava por não ter presenciado o começo e ainda estar meio sonolento No geral ele disse Sócrates os forçava a admitirem que o mesmo homem pode reunir o conhecimento necessário para produzir comédias e tragédias e que o verdadeiro compositor de tragédias é também um compositor de comédias Assim Sócrates os levava a admitirem essas coisas mas seguiam mal o argumento por causa do sono Aristófanes adormeceu primeiro e já começava a surgir o dia quando Agatão também dormiu Então Sócrates depois de têlos arrastado para o leito levantouse e saiu dali Aristodemo como de costume seguiuo Ao chegar no Liceu Sócrates asseouse e ocupou seu tempo ali o resto do dia como sempre fazia E assim à tardezinha foi para casa repousar 2 A edição do texto grego que usamos é a de John Burnet Oxford Classical Text Os números 172a 172b são conhecidos como paginação de Stephanus em referência à numeração que acompanha todas as obras de Platão introduzida na edição latimgrego de 1578 por Henricus Stephanus Utilizamos também com bastante proveito a edição de Kenneth Dover DOVER K Plato Symposium Cambridge CUP 1980 especialmente os comentários e as informações históricas bem como a versão do texto de Burnet comentada por Geoffrey Steadman STEADMAN G Platos Symposium 1999 Também consultamos as seguintes traduções modernas PLATÃO O Banquete São Paulo Abril 1983 1972 Coleção Os Pensadores Tradução de José C de Souza SCHÜLER D Platão O Banquete Porto Alegre LPM 2009 Tradução notas e comentários de Donaldo Schüler HOWATSON SHEFFIELD ed Plato The Symposium Cambridge CUP 2008 Tradução de MC Howatson GILL C Plato The Symposium Londres Penguin 1999 VICAIRE LABORDERIE Platon Le Banquet Paris Les Belles Lettres 2008 O leitor que desejar aprofundar a interpretação do diálogo pode consultar BURY RG The Symposium of Plato With introduction critical notes and Comentary Cambridge W Heffer and Sons 1932 O volume de Christopher Gill acima traz uma excelente introdução e uma bibliografia atualizada sobre vários tópicos do Banquete Para interpretação de temas gerais da filosofia platônica indicamos a tradução brasileira do The Cambridge Companion to Plato KRAUT R org Platão São Paulo Ideias Letras 2013 Nas notas de rodapé colocamos informações mínimas sobre alguns termos nomes e fatos históricos citados Informações mais completas sobre personagens e eventos históricos citados no Banquete ou que rondam seu contexto dramático podem ser encontradas em NAILS D The People of Plato IndianápolisCambridge Hackett 2002 3 As informações que temos sobre Apolodoro além do que está no diálogo são escassas o companheiro citado é desconhecido 4 Falero é um porto a aproximadamente 6km de Atenas 5 Não temos informações claras sobre que tipo de brincadeira se trata Para especulações a respeito cf Bury 1932 Souza JC 1983 p 7 6 Amor traduz Erōs substantivo derivado do verbo eran amar apaixonadamente estar apaixonado ter desejo por algo 7 Este amigo é Sócrates 8 A vitória de Agatão no concurso de tragédias se deu em 416 aC Platão devia ter de 10 a 12 anos nessa época Famoso por sua beleza Agatão tinha um relacionamento de longa data com Pausânias também presente no Banquete Tinha cerca de 30 anos na época dramática do diálogo Para mais detalhes cf Nails 2002 p 910 9 Pouco se sabe deste personagem além das informações relatadas no Banquete 10 Erastēs amante O termo erastēs no Banquete é usado para o parceiro mais velho na relação amorosa entre homens Mas na presente passagem é provável que erastēs não tenha a conotação de amante mas de um tipo de devoção afetiva Aristodemo tinha forte admiração por Sócrates Cf uso semelhante em Protágoras 317c Sócrates e Hipócrates são erastai fãs de Protágoras Cf DOVER 1980 p 4 11 Kakodaimōn desafortunado infeliz desprovido de eudaimonia felicidade 12 Sócrates filósofo ateniense mestre de Platão Viveu entre 469 e 399 aC ano em que foi condenado à morte num julgamento orquestrado por seus inimigos em Atenas Não deixou nada escrito A obra de Platão é a fonte principal das ideias socráticas mas é difícil sabermos o que nos textos platônicos é um pensamento de Platão atribuído a Sócrates ou é um pensamento genuinamente socrático Para um relato histórico da relação entre as ideias de Sócrates e as de Platão cf ARISTÓTELES Metafísica 987b 1078b1079a e 1086ab 13 Segundo Sheffield Howatson 2008 Sócrates teria em mente um provérbio que diz À festa de homens inferiores os bons vão sem serem convidados 14 Brincadeira de Sócrates com o nome de Agatão o plural agathōn significa dos bons 15 Cf HOMERO Ilíada 17 588 Agamênon é o chefe do exército grego na Guerra de Troia Menelau é seu irmão casado com a belíssima Helena O motivo declarado da guerra é o rapto de Helena pelo troiano Páris Helena e Páris se apaixonaram o que desencadeou a fúria de Menelau e deu oportunidade a Agamênon para convocar os gregos a lançaremse contra os troianos 16 Aristodemo se refere ao fato de chegar sozinho pois ele e Sócrates tinham combinado que encontrariam uma forma de justificar a presença de Aristodemo na casa de Agatão já que aquele não foi convidado Notemos como Agatão logo justifica que teria chamado Aristodemo no dia anterior mas não conseguiu encontrálo 17 Os convidados se deitam num tipo de divã voltam a parte superior do corpo para a esquerda apoiando o cotovelo em almofadas o que permite que possam com a mão direita se servirem de bebida e comida numa mesa ao lado do divã 18 Pausânias era amante de Agatão Os dados históricos sobre sua vida são escassos Cf Nails 2002 p 222 19 Aristófanes 450386 aC é um célebre comediógrafo grego nascido em Atenas Temos apenas 11 das cerca de 40 peças que escreveu Uma das mais conhecidas é As nuvens na qual satiriza Sócrates Para detalhes cf Nails 2002 p 5457 20 Originário do distrito de Mirrinote Fedro pertencia ao círculo de Sócrates Esteve envolvido em 415 aC no episódio conhecido como profanação dos mistérios de Elêusis cf NAILS 2002 p 232 pelo qual foi exilado Faleceu em 393 aC Platão dedicoulhe o diálogo Fedro 21 Jovem mulher instrumentista de aulos um instrumento musical de sopro constituído de um ou mais tubos É similar à flauta e geralmente traduzido por esse termo mas optamos por manter o termo original Mulheres podiam ser contratadas nos sūmposia para tocarem esses instrumentos algumas vezes se tornavam parceiras sexuais dos convidados cf DOVER 1980 p 87 22 Melanipa a Sábia tragédia perdida de Eurípedes O verso mencionado por Erixímaco é não é minha a história mas de minha mãe cf SOUZA 1983 p 11 23 Enkōmion discurso em louvor de um objeto ou pessoa Também chamado de epainos louvor 24 Filósofo ateniense de Ceos 25 HESÍODO Teogonia 116120 26 Compositor de genealogias do século V aC 27 Não é claro quem é ela Talvez a deusa Justiça cf SOUZA JC 1983 p 13 Outras sugestões em Dover 1980 p 91 Cf tb Parmênides B 13 DielsKranz 28 Traduzimos erōmenos e paidikos por amado e erastēs por amante Os dois primeiros termos se referem ao indivíduo mais jovem na relação normalmente o objeto do amor O último é quem desenvolve o desejo pela pessoa amada Para uma análise sucinta do tema cf Gill 1999 p xiiixv Dover e Foucault exploraram o tema respectivamente em DOVER KJ A homossexualidade na Grécia antiga São Paulo Nova Alexandria 2007 FOUCAULT M História da sexualidade 2 o uso dos prazeres Rio de Janeiro Graal 1984 29 Ilíada X 482 XV 262 Odisseia IX 381 30 Para detalhes cf a tragédia Alceste de Eurípedes 31 Músico grego 32 Poeta grego 33 A versão popular do mito de Orfeu é um pouco diferente 34 Aquiles é o principal personagem da Ilíada de Homero 35 As mulheres não escravas de Atenas viviam sob um regime de vigilância por parte dos homens pais maridos parentes para que não tivessem sobretudo envolvimentos sexuais com outros homens cf HOWATSON SHEFFIELD 2008 36 Mais precisamente sob o domínio dos persas se Platão está escrevendo o Banquete depois de 385 aC cf HOWATSON SHEFFIELD 2008 37 Os ginásios são os locais públicos frequentados por jovens atenienses para exercícios físicos mas também para conversações filosóficas 38 Ambos mataram Hiparco irmão de Hípias tirano de Atenas o que precipitou a queda do governo deste último 39 O texto em 183a1 diz que essas censuras são feitas pela filosofia termo que omitimos na tradução O problema é que não faz sentido dizer que é a filosofia que faz tais censuras Talvez o termo filosofia seja um acréscimo posterior 40 Referência a HOMERO Ilíada II 71 41 A referência é a pausaniou pausamenou termos semelhantes e mesmo número de sílabas conforme a tradição retórica Aqui é Apolodoro narrador principal que menciona essa regra 42 Erixímaco era médico e amigo de Fedro Para detalhes de sua vida cf Nails 2002 p 143144 43 Erixímaco se refere a homens e mulheres 44 Para Erixímaco a medicina é a ciência sobre o equilíbrio dos elementos no organismo um caso de doença é visto como excesso da presença de alguns elementos e ausência de outros Por isso traduzimos o par plēsmonēkenōsis como saciedadevacuidade 45 Aristófanes e Agatão Asclépio é patrono da medicina 46 Sumphonia Provavelmente Platão não tem em mente a concepção de sinfonia como audição simultânea de notas diferentes cf DOVER 1980 p 108 47 Erixímaco quer dizer que na constituição da música só se manifesta a forma sadia de amor conforme a distinção posta por Pausânias no discurso anterior 48 Cf 186d 49 Aristófanes se refere às características efeminadas dos que são chamados por esse nome 50 Ilíada V 385 Odisseia IX 305 51 Cf PLUTARCO Moralia 770b 52 Sūmbolon no original indica uma moeda ou pedaço partido de um objeto que representava compromisso entre duas pessoas 53 Hefesto é o deus da fundição 54 Segundo Xenofonte Helênicas 5 2 os espartanos destruíram Mantineia na Arcádia em 385 aC e dispersaram seus habitantes Há aqui um anacronismo pois o diálogo se passa em 416 aC Essa referência serve contudo para termos uma ideia aproximada da data de composição do Banquete 55 Cf sūmbolon acima 56 Devese notar aqui a relevância filosófica desse princípio Tratase de uma tese semelhante ao que ensina Sócrates nos textos de Platão uma investigação sobre o que é algo deve se dirigir primeiro à essência do tema para só então se debruçar sobre seus efeitos Em 199c Sócrates elogia Agatão por ter proposto isso Em 201e o procedimento é retomado por Sócrates no contexto da descrição de Diotima 57 Comparar com 178ab onde Fedro diz que o Amor é o mais velho dos deuses 58 Aretē virtude excelência de algo 59 Essa expressão é do retórico Alcidamas cf ARISTÓTELES Retórica 1406a1723 60 Sōphrosūnē 61 Andreia 62 Cf SÓFOCLES Thūestes fr 235 Agatão coloca Amor no lugar do termo Necessidade presente no texto de Sófocles 63 Cf Odisseia 8 266366 64 Sophia 65 Sentença de Stenobeia tragédia perdida de Eurípedes que significa não importa quão estranho à poesia tenha sido antes 66 Odisseia 633635 67 O sentido desse termo aqui é amplo questões do amor 68 Cf enkōmion na Introdução 69 Cf EURÍPEDES Hipólito 612 70 Sócrates se refere a seu compromisso de se juntar aos elogios seguindo o método tradicional pois constata que as características desse método não se adequam bem a seu estilo 71 Sócrates descarta um aspecto do termo de em referência à origem como um filho é filho de um determinado pai para destacar o objeto do amor Assim amor é de alguma coisa da mesma forma que fome é fome de comida saudade é falta de alguém ou de algo pai é pai de alguém e assim por diante 72 Há alguma discussão entre os leitores do Banquete sobre a referência do termo isso no texto Entendemos que Sócrates está pedindo a Agatão para considerar como um ponto de acordo a tese de que o amor tem sempre um objeto é amor de alguma coisa 73 Cf 197b 74 Tratase da epidemia de 430 aC no início da Guerra do Peloponeso cf BURY 1932 75 Sócrates está dizendo que ela concebeu os ritos feitos pelos atenienses para afastar a doença 76 As perguntas tis estin e poios tis aqui são complementares mas distintas Agatão tinha sugerido em 194e195a que se deve tratar primeiro do ponto de vista da questão Que tipo de coisa é poios tis Sócrates introduz aqui sua tradicional pergunta pela essência de algo O que é tis esti ou ti esti 77 No texto eiē de tōn kalōn pode significar i que o Amor tem as coisas belas como objeto ou ii que a beleza é um dos atributos do Amor Agatão expressou as duas possibilidades Cf 197b e 201a para a primeira e 195a para a segunda Diotima irá criticar a tese de que o Amor tem a beleza como um atributo próprio 78 Para uma discussão mais ampla nos textos de Platão sobre a distinção entre opinião correta conhecimento e ignorância cf República 477480 Mênon 9799 Teeteto 187210 79 Aqui Platão segue uma prática habitual muda os termos para não se repetir Antes usou epistasthai para conhecimento agora usa prhonēsis Ambos são sinônimos nesse contexto 80 daimōn espírito ou gênio 81 Isto é o todo constituído por espíritos homens e deuses 82 A história que segue apresenta ideias abstratas pobreza recurso sabedoria representadas por deuses uma característica da cultura mítica dos gregos O expediente permite a explicação dos atributos do Amor como resultado da fusão de determinadas características das entidades que o conceberam 83 Deusa da sabedoria primeira esposa de Zeus Significa também perspicácia astúcia prudência 84 Philosopheō buscar o saber esforçarse para se tornar instruído meditar refletir ocuparse de forma metódica com algo científico 85 Philosophos filósofo quem tem afinidade amizade com a sabedoria Quem ama pratica uma arte ou ciência 86 Euporos detentor de recursos materiais ou intelectuais algo praticável com relativa facilidade 87 Eudaimōn feliz indivíduo bemaventurado 88 A resposta fornece um telos fim acabamento finalização fim último à pergunta sobre o que motiva o desejo de coisas boas é a felicidade que isso proporciona Não há uma meta a ser buscada além da felicidade Para um desenvolvimento posterior da tese de que a felicidade eudaimonia é um fim último cf ARISTÓTELES EN I 7 89 O natural em grego seria tomar aei com boulesthai mas conforme o que Diotima diz em 206a é perfeitamente aceitável tomar aei com einai Em 206a Diotima diz que o Amor é o desejo de possuir o que é bom para sempre 90 Poiēsis ação de fazer de produzir algo Alguns tradutores optam por termos como composição ou produção Preferimos manter o original mas o leitor deve ter em mente que nosso termo poesia já não guarda quase nenhuma relação com o termo grego Até mesmo o sentido específico citado por Diotima a poesia dos versos tal como os gregos a faziam é muito diferente da poesia moderna 91 Talvez uma citação de um poeta mas ninguém sabe de quem 92 É o relato de Aristófanes em 191d193d 93 Ergon função ou tarefa 94 Vários leitores alegam que há uma ambiguidade na preposição grega en no em aqui pode significar que o Amor é dar à luz em dentro de algo que é belo ou na presença de algo que é belo Penso que o segundo sentido é muito fraco pois a metáfora enfatiza que o desejo amoroso se volta aos objetos belos com o desejo de procriar neles Isso significa sobretudo ter a posse desses objetos e produzir ações ou realizações 95 Tokos en kalōi Diotima usará a partir daqui uma linguagem de concepção e geração tokos gennēsis tiktein kuēsis É a chamada metáfora da gravidez o Amor como um processo de concepção gestação e nascimento no belo O termo tokos pode se referir tanto à ação de parir ou gerar quanto ao produto gerado cria filho O que Diotima está dizendo é que o Amor tem como desejo último a geração de um filho ou um produto no belo isto é no que possui beleza 96 Kuosin O verbo kueō aqui significa levar em seu seio ficar grávida Não deixa de ser surpreendente o uso desse verbo característico da gestação feminina para retratar a gravidez no corpo e na alma de todos os seres humanos pantes anthrōpoi Importante notar que a metáfora da gravidez na descrição de Diotima enfatiza que homens e mulheres são fecundos e querem dar à luz a diferentes espécies de filhos como veremos adiante 97 Aischros significa fealdade em sentido físico e moral 98 En de tōi kalōi Como aischros kalos belo também tem sentido estético e moral 99 Eileithyia e Moira são deusas dos nascimentos 100 to kuoun fecundo germinante grávido fértil A metáfora da gravidez usada por Diotima e os vários termos correlatos tiktein gennan tokos gennēsis se aplicam a diferentes contextos de procriação e geração Mas provavelmente o texto de 206d está se referindo ao processo físico da ejaculação masculina tokos é usado para o parto da mulher mas poderia também indicar a concepção como fruto da fecundação masculina Notese que em 208e Diotima diz que os homens que estão fecundos em seus corpos buscam sobretudo as mulheres De outro lado o início do relato em 206c diz que todos os seres humanos são capazes de fecundar Há portanto uma ambiguidade entre um uso geral da imagem da gravidez cujo exemplo natural é a mulher e a aparente escolha do macho como responsável pela procriação Uma alternativa para escapar da ambiguidade talvez seja tomar a metáfora do ponto de vista de sua função no texto Diotima não quer enfatizar a concepção natural e seus desdobramentos físicos ainda que em 206c ela provavelmente esteja usando reações sexuais masculinas para indicar uma instância de concepção no belo cf DOVER 1980 p 147 Seu objetivo tem um escopo maior defender que dar à luz tiktein no belo tem diferentes formas e suas instâncias ocorrem no corpo e na alma de diferentes seres vivos 101 Tēs gennēseōs Gennēsis é geração produção criação 102 Melete tem também o sentido de revisão ou prática 103 A fonte dessa citação é desconhecida 104 Cf o discurso de Fedro em 179bd 105 Cf 179e180a 106 Os manuscritos medievais do Banquete traziam outro termo aqui theios divino inspirado divinamente corrigido para ēitheos não casado solteiro por Parmentier pois theios parece não fazer muito sentido nesse contexto 107 O exemplo de Homero e Hesíodo mencionado a seguir indica que aqui o sentido de filhos é bem amplo qualquer produção obras seguidores ações gloriosas 108 Famoso legislador espartano criador das instituições legais e militares daquela cidade Os filhos de Licurgo são essas realizações 109 Poeta moralista e legislador ateniense Suas leis permitiram o estabelecimento efetivo da democracia em Atenas no século VI 110 Ta de teleia kai epoptika são os estágios finais na preparação dos mistérios de Elêusis O segundo termo é um refinamento do primeiro Cf Bury 1932 p 124 111 Ho egoumenos guia condutor líder 112 José Cavalcante 1983 p 41 notou acertadamente que nesse degrau da compreensão do belo não há amor físico entre os parceiros De fato o amor sexual foi discutido em 209c 210a no contexto do argumento da imortalidade buscada através da produção de filhos sejam os naturais ou as obras concebidas pelo trabalho intelectual Ali a relação sexual não é como pode parecer mero expediente para um indivíduo perpetuar mas é descrita como uma força natural cujo propósito escapa a quem não reflete como Diotima sobre isso Mas a partir da solene introdução de Sócrates aos altos mistérios epoptica 210a212b tratase de explicar como uma pessoa pode passar da percepção de instâncias do belo o belo nos corpos nas obras nas ações para a compreensão de sua unidade essencial a Forma do belo 113 Eidos Provavelmente Platão está usando o termo em seu sentido filosófico o aspecto unitário que um objeto possui quando pensado sob a perspectiva de suas propriedades essenciais 114 Alternativa considerar a beleza de todos os corpos sob a forma de sua unidade e identidade hen te kai tauton hēgeisthai 115 O sentido do adjetivo sūngenes aqui é todas as instâncias de belo possuem a mesma origem comum Cf Dover o belo manifesto em todas as coisas belas é em última instância um 1980 p 156 116 Platão usa aqui termos que sugerem percepção direta ou visão instantânea katopsetai exaiphnēs da Forma do belo Mas devese notar que Diotima enfatiza no contexto o progresso intelectual desse processo Assim não é propriamente uma visão direta sem mais mas uma compreensão filosófica sobre a distinção entre instâncias de beleza e a própria Forma da beleza A compreensão dessa ideia se dá no último estágio quando o progresso intelectual se transforma num esclarecimento súbito e simples possível somente àquele que empreendeu os difíceis passos anteriores 117 Aei on cf tb 211b notar o contraste da Forma do belo cujo ser é sempre o mesmo e não sofre geração destruição acréscimo ou diminuição com itens que dependem de uma forma de ver do tempo do lugar da medida de comparação da visão das pessoas de traços físicos ou das espécies de objetos tomados como belos cf 211ab Outros textos de Platão apresentam uma descrição similar das Formas Cf sobretudo Fédon 65d66a 78c89e Para exemplos de Formas cf Fédon 65d 75c 75e 100b 103e 104ac 105d 106d Para um exame crítico cf Parmênides 129135 118 Monoeides aei on Alternativa é sempre unitário na espécie ou na forma Cf Fédon 78d5 119 Em diferentes lugares 210a2 a4 a6 e3 211b5 b7 Diotima enfatiza que essa forma de amor aos jovens deve ser usada de modo adequado o que significa que seu objetivo deve ser a educação filosófica cf DOVER 1980 p 158 120 Aqui temos uma recapitulação de 210a211b 121 Lendo hina gnōi cf Dover em 211c8 122 Diotima sugere uma faculdade como a inteligência Cf República 490b 518c 519b 123 Cf 176e 124 Alcibíades 451404 aC de família nobre e rica de Atenas destacouse na política Tinha acentuada beleza e personalidade além de um talento em oratória Teve atuação importante na Guerra do Peloponeso mas caiu em desgraça perante a opinião pública ateniense por ter sido um dos incentivadores da fracassada campanha militar na Sicília no ano de 415 aC Para mais detalhes cf Nails 2002 p 1017 125 Alcibíades referese à coroa que está usando em sua própria cabeça destinada a Agatão 126 Desde que viu Sócrates Alcibíades esteve falando de pé 127 Cf 213a 128 Pūkteros grande jarro usado para conservar o vinho e outros líquidos 129 Kotūlē equivale a mais ou menos 14 de litro 130 Cf 176c 220a 131 Cf HOMERO Ilíada XI 514 a frase original é dita no contexto em que Idomeneu insiste para que Nestor retire um médico ferido do campo de batalha 132 Silenos ou sátiros criaturas míticas que integravam a entourage de Dioniso deus do vinho Exibiam obscenidade embriaguez malícia Alguns utensílios antigos os retratam com características de animais com orelhas e rabos de cavalos ou traços de bodecervo Também desenhados com nariz arrebitado e olhos protuberantes como Sócrates em Teeteto 143e 133 Auloi Cf nota 21 134 Excelente profissional de aulos aulētēs teria disputado uma competição musical com Apolo quando perdeu e foi esfolado pelo deus 135 Não é a mesma insolência hūbris dos sátiros que assaltam sexualmente as pessoas em parte impulsionados pelo efeito da bebida A insolência socrática será descrita por Alcibíades adiante 136 Aulētēs profissional do aulos 137 Segundo a mitologia Olimpo é o inventor do aulos e de várias melodias antigas 138 Cf nota 21 139 Para o uso da música na religião cf Ion 533534 Minos 318b em Platão Política 1340a em Aristóteles 140 Seguidores dos cultos orgiásticos da deusa frígia Cibele Os coribantes dançavam intensamente e seus movimentos tinham efeitos catárticos sobre quem assistia em especial sobre os doentes 141 Influente político ateniense 495429 aC considerado o pai da democracia em Atenas Foi excelente orador com uma capacidade inigualável de levar a audiência a seguir os argumentos e as escolhas políticas que julgava as mais acertadas 142 Sōphrosūnē Alternativas de tradução autocontrole inteligência 143 Esses exercícios de ginástica eram feitos nos ginásios com os homens frequentemente nus 144 O provérbio original é oinos kai paides alētheis o vinho e as crianças mostram a verdade Mas como o termo para crianças é o mesmo para escravos ou garotos paides o sentido do provérbio pode variar Cf Dover 1980 p 169 para um breve comentário 145 HOMERO Ilíada 6 322326 146 O sentido é claro mas o texto grego aqui é incerto 147 Cidade da costa noroeste da Grécia Em 432 aC houve uma revolta contra o controle ateniense e a cidade foi sitiada por dois anos 148 HOMERO Odisseia 4 242 149 Por que resgatar também as armas Porque voltar da batalha sem as armas poderia levantar suspeitas de abandono antecipado já que o guerreiro poderia têlas jogado para fugir mais rápido 150 A Beócia foi invadida pelos atenienses em 424 aC Pouco depois da invasão os atenienses foram derrotados perto de Delio sudeste da Beócia quando voltavam para casa 151 Combatente a pé Usava armas pesadas como escudo lança e uma espada curta 152 General ateniense amigo de Sócrates Morto em 418 aC Platão escreveu um diálogo sobre a coragem andreia e intitulouo com o nome desse general 153 As nuvens 362 154 Comandante espartano de muita habilidade e coragem Atuou sobretudo no início da Guerra do Peloponeso 431404 aC e foi morto numa batalha em 422 aC 155 Na Ilíada Nestor e Antenor são conselheiros respectivamente dos gregos e troianos 156 Jovem aristocrata ateniense admirador de Sócrates e irmão da mãe de Platão O diálogo de Platão sobre a noção de sōphrosūnē temperança recebeu o nome de Cármides 157 Este Eutidemo não é o sofista que nomeia outro diálogo de Platão mas um jovem frequentador do círculo de Sócrates 158 Kathistatai se torna paidika objeto do amor jovem amado 159 Isto é produziu um epainos discurso elogioso em honra de Sócrates como os demais convivas o fizeram para o Amor 160 Cf 213a Selo Vozes de Bolso Assim falava Zaratustra Friedrich Nietzsche O príncipe Nicolau Maquiavel Confissões Santo Agostinho Brasil nunca mais Mitra Arquidiocesana de São Paulo A arte da guerra Sun Tzu O conceito de angústia Søren Aabye Kierkegaard Manifesto do Partido Comunista Friedrich Engels e Karl Marx Imitação de Cristo Tomás de Kempis O homem à procura de si mesmo Rollo May O existencialismo é um humanismo JeanPaul Sartre Além do bem e do mal Friedrich Nietzsche O abolicionismo Joaquim Nabuco Filoteia São Francisco de Sales Jesus Cristo Libertador Leonardo Boff A Cidade de Deus Parte I Santo Agostinho A Cidade de Deus Parte II Santo Agostinho O conceito de ironia constantemente referido a Sócrates Søren Aabye Kierkegaard Tratado sobre a clemência Sêneca O ente e a essência Tomás de Aquino Sobre a potencialidade da alma De quantitate animae Santo Agostinho Sobre a vida feliz Santo Agostinho Contra os acadêmicos Santo Agostinho A Cidade do Sol Tommaso Campanella Crepúsculo dos ídolos ou como se filosofa com o martelo Friedrich Nietzsche A essência da filosofia Wilhelm Dilthey Elogio da loucura Erasmo de Roterdã Linguagem corporal em 30 minutos Monika Matschnig Utopia Thomas Morus Do contrato social JeanJacques Rousseau Discurso sobre a economia política JeanJacques Rousseau Vontade de potência Friedrich Nietzsche A genealogia da moral Friedrich Nietzsche O Banquete Platão Textos de capa Contracapa Um traço notável do Banquete é a complexidade de sua composição Platão escolhe cuidadosamente alguns representantes da intelectualidade da Atenas de seu tempo e concebe discursos para que profiram durante um banquete na casa do poeta Agatão O texto é um testemunho de como Platão dominava o método de filosofia que concebeu investigações discursivas sobre temas de interesse geral Amor Justiça Conhecimento por meio de diálogos fictícios com personagens históricos muitos dos quais defensores de fato das ideias vinculadas a seus nomes A fórmula típica de um diálogo platônico é um texto que desenvolve argumentos por meio de conversas No Banquete Platão emprega essa fórmula para compor uma trama de discursos personagens fatos históricos costumes da Atenas clássica humor e ironia Verso da capa Platão viveu nos séculos V e IV aC Filósofo e matemático do período clássico da Grécia antiga foi o fundador da Academia em Atenas a primeira instituição de educação superior do mundo ocidental Juntamente com seu mentor Sócrates e seu pupilo Aristóteles Platão ajudou a construir os alicerces da filosofia natural da ciência e da filosofia ocidental É autor de diversos diálogos filosóficos e pai das principais ideias que inspiram as grandes correntes filosóficas até hoje Jogos de poder Fexeus Henrik 9788532653574 280 páginas Compre agora e leia Este livro inclinará a balança ao seu favor Não importa se você for vendedor advogado garçom professor cuidador gerente estratégico estudante ou encantador de cães a meta é ajudálo a dominar a arte de conseguir o que quer e não o que os outros querem Deixeos envolvidos em aulas e pesquisas Atividades assim podem ser interessantes e divertidas mas não são realmente necessárias Mais fácil é parar de ser um seguidor e tornarse um líder Compre agora e leia A linguagem corporal dos lideres Goman Carol Kinsey 9788532648686 304 páginas Compre agora e leia A linguagem corporal é a administração do tempo do espaço da aparência da postura do gesto da prosódia vocal do toque do cheiro da expressão facial e do contato visual A mais recente pesquisa na neurociência e psicologia provou que a linguagem corporal é crucial para a eficácia da liderança e este livro vai mostrar a você exatamente como ela impacta a capacidade dos líderes em negociar administrar a mudança estabelecer a confiança projetar o carisma e promover a colaboração Compre agora e leia Apologia de Sócrates Ed Bolso Platão 9786557131084 56 páginas Compre agora e leia Esta obra escrita por Platão é um dos primeiros relatos da defesa de Sócrates que foi acusado de corromper a juventude não cultuar os deuses que a cidade cultua e criar uma nova divindade É o registro de uma das defesas mais famosas e polêmicas da história do direito e da justiça ocidentais Sócrates foi considerado culpado e morreu após ingestão de um poderoso veneno Compre agora e leia A arte de ter razão Schopenhauer Arthur 9788532656933 64 páginas Compre agora e leia Neste livro Schopenhauer apresenta 38 estratégias sobre a arte de vencer um oponente num debate não importando os meios utilizando a maior ferramenta que possuímos a palavra É possível recorrer a estes estratagemas lícitos e ilícitos para obter razão e defendêla quando ela estiver do nosso lado ou conquistála quando estiver do lado do adversário Com frieza classificatória Schopenhauer indica os caminhos oblíquos e os truques de que se serve a natureza humana em geral para ocultar seus defeitos Compre agora e leia Compaixão Nouwen Henri 9786557133637 176 páginas Compre agora e leia Neste ensaio provocativo sobre a virtude menos compreendida a compaixão os autores desafiam a si mesmos e a nós com estas questões Onde colocamos compaixão em nossas vidas É suficiente viver uma vida em que nos machucamos o mínimo possível Nosso ideal é uma vida de máximo prazer e mínima dor Compaixão responde não Depois de anos de estudo e discussão entre si com outros religiosos e com homens e mulheres no centro da política nacional os autores analisam a compaixão com uma nova perspectiva vigorosa Eles colocam a compaixão no coração da vida cristã em um mundo governado durante muito tempo por princípios de poder e controle destrutivo A compaixão não mais meramente a pagadora de erros humanos é uma força de oração e ação é a expressão do amor de Deus por nós e nosso amor por Deus e uns pelos outros Compaixão Uma reflexão sobre a vida cristã é um livro que diz não à compaixão de culpa e fracasso e sim a um amor compassivo que permeia nosso espírito e nos leva à ação Trecho da obra Compre agora e leia PLATÃO O Banquete tradução introdução e notas de Anderson de Paula Borges Petrópolis RJ Vozes 2017 Coleção Vozes de Bolso Amar Que pode uma criatura senão entre criaturas amar amar e esquecer amar e malamar amar desamar amar sempre e até de olhos vidrados amar Que pode pergunto o ser amoroso sozinho em rotação universal senão rodar também e amar amar o que o mar traz à praia e o que ele sepulta e o que na brisa marinha é sal ou precisão de amor ou simples ânsia Amar solenemente as palmas do deserto o que é entrega ou adoração expectante e amar o inóspito o áspero um vaso sem flor um chão de ferro e o peito inerte e a rua vista em sonho e uma ave de rapina Este o nosso destino amor sem conta distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas doação ilimitada a uma completa ingratidão e na concha vazia do amor a procura medrosa paciente de mais e mais amor Amar a nossa falta mesma de amor e na secura nossa amar a água implícita e o beijo tácito e a sede infinita Carlos Drummond de Andrade O que pode uma criatura entre criaturas senão amar Essa pergunta que inicia o poema de Drummond coloca questões mais profundas se quisermos ir além do poema e consequentemente para além do sentimento de amor por outra pessoa O amor é muito mais O amor é indecifrável mas também é banal é grandioso e também motivação de dor O amor é algo de que se fala e ao mesmo tempo pode ser apenas palavras O amor nunca ficou tão vazio e nunca foi tão necessário nesses tempos de amor líquido onde liquidez humana é a medida na superficialidade das relações Falamos de amor porque o capitalismo se tornou sentimental Não Somos sentimentais e amamos o capitalismo Mas voltando a Itabira este ensaio sobre o amor busca a resposta que o poeta não deu mas parece indicar no poema que o nosso destino é o amor a razão pela qual estamos no mundo Talvez um dia saberemos se a solidão a angústia pelo amor ou a falta dele são mesmo a condição de tremor nesse paradoxo da existência Somos kierkgaardianos responsáveis por nossa existência e pelas escolhas certos de que também o amor nos escolhe Se não deu certo é porque não tinha que dar Por isso talvez seja tão claro entender que a vida só pode ser compreendida olhandose para trás mas só pode ser vivida olhandose para a frente O amor talvez seja esse futuro de cada um de nós que buscamos compreender a existência No mundo capitalista onde o amor se compra talvez fosse necessário investigar se não continuamos pagando o preço de nosso infortúnio viver e amar e nesse meio tempo entre decisões e projetos de uma vida boa vamos sofrendo entre amores e desamores ao longo da vida No entanto se uns amam pelo que lhes falta outros amam pelo que lhes sobra Os que amam a falta amam a razão do que são seres de carência imperfeitos fadados ao destino humano de procurar algo ou alguém para lhes fartarem Amam a falta daquilo que são do que procuram se tornar De toda forma entendo que essas pessoas amam o reflexo do que não são Justificam o amor na necessidade da vida que é uma pungente caminhada para o abismo Quem nunca sofreu por um amor não correspondido Na juventude sofrer por amor é a prova viva de que tudo perde sentido Uma pessoa que ama a falta pode ser carente de amigos de dinheiro de objetivos Pode ser completa na vida mas lhe falta na alma Essas pessoas buscam no amor aquilo que lhes dá sentido pois sua carência é pura falta E isso é muito Faltarnos um propósito na vida é perder toda a chance de fazer diferente Outros amam o que lhes sobra Sobra o desejo a vontade insatisfeita a necessidade de reconhecimento A vida é uma incessante busca por amar alguma coisa Amam coisas afazeres amam o fútil e o supérfluo Amam o dinheiro e tudo aquilo que entendem caber na sua medíocre existência São ricos e pobres ao mesmo tempo Desejam tanto amar o objeto de desejo que amam apenas sem saber por quê A vida é apenas isso Viver todo dia em função do relógio do tempo do dinheiro das contas e do que acumulam Sobram sentimentos desejos sobra a desnecessidade de buscar algo além de si mesmos Se uma vida a dois é enfadonha amam o desconhecido buscam aventuras Vivem para amar a vida que tem porque se não a tem melhor pretendem Se a tem pior buscam amar alguma coisa para lhes dar sentido Dito isso o amor se trata disso que não sabemos Um algo que aí está e não conseguimos definir Nem nós mesmos sabemos quem somos se existe uma essência humana Nossas escolhas ao longo da vida nos tornam livres para as burradas cotidianas Quantas vezes nos enganamos com o amor e mesmo assim tentamos Se soubéssemos não haveria razão para cantores sertanejos e novelas Não haveria razão para querer compreender a vida Mas a vida mesma foge à compreensão do amor Tantas pessoas em nome do amor se matam e matam Em nome do amor de Deus muitos começam guerras religiosas ou perseguições Em nome do amor a uma ideia nos tornamos preconceituosos e racistas Em verdade o amor pode se dar de várias maneiras mas a compreensão do que ele realmente é se mistura entre nossa opinião e a verdadeira realidade das coisas Entre o que achamos doxa e aquilo que corresponde à realidade o ser do amor verdadeiro Mas então como saber o que é o amor Partindo de um clássico da literatura a obra O Banquete um dos diálogos de Platão ali encontramos uma das primeiras análises sobre o amor Em algum momento do século 416 A C o debate em torno do amor nos dá indicação de que essa questão é premente e necessária Senão porque ainda estamos como sociedade tão preocupados com o amor Naquela obra saber o que é o amor eros está além do amor a dois do amor hetero homo pan ou demissexual As complexas classificações de hoje seriam incompreensíveis para os gregos porque naquele tempo o amor entre pessoas do mesmo sexo era tão natural como é para nós hoje as relações heterossexuais Em certa passagem quando é chegado o esperado momento do discurso de Sócrates o filósofo rememora os ensinamentos de Diotima1 a quem lhe concedeu grandes ensinamentos sobre o amor esta lhe responde 1 ob cit pag 71 se quiseres olhar para o amor que a humanidade nutre pela honra te espantarias com sua irracionalidade nos assuntos acerca dos quais tratei a não ser que reflita sobre isso considerando como eles são intensamente afetados pelo desejo de se tornarem famosos e amealharem para a eternidade uma fama imortal Por causa disso estão prontos para correrem todos os riscos ainda mais do que o fariam pelos filhos e também se dispõem a gastar dinheiro sofrer qualquer tipo de privação e até morrer pela honra Se não somos deuses mas talvez semideuses decaídos de algum puxadinho do Olimpo dos tempos modernos o certo é que de tudo há referências para amar e não amamos Ao tratar do amor como algo mais sublime que o sentimento Diotima explica a Sócrates que muitos homens amam a honra mais que os próprios filhos Ela demonstra que que aquele que age movido por um verdadeiro amor se torna imortal É preciso considerar contudo que essa imortalidade deve ser tomada no sentido de que nos tornamos encantados como diria Guimarães Rosa Ao morrer por amor damos sentido à ação pela qual morremos A vida passa a um significado maior quando existem amor Em tempos sombrios como os nossos não vemos demonstrações de amor verdadeiro senão entre pais e filhos ou algumas outras em raríssimas exceções Por isso cabe falar do amor de Deus Independentemente de qualquer religião que tenhamos o amor de Deus nos indica que somos seres terrenos provindos de alguma força maior da qual não sabemos Somos finitos contingentes e limitadamente capazes de compreender a nossa existência A esperança por uma vida além desta ou a dúvida sobre outros planos nos remete à finitude É possível duvidar dessa verdade inconteste Morremos A morte é o desfecho o fim para o qual todo o amor deveria ser satisfatoriamente realizado Quanto amor desperdiçado numa vida fútil de brigas desnecessárias e discussões banais O amor de Deus é o amor pelo qual deveríamos dar sentido à existência pela simples razão de que nossa humanidade nos chama ao amor A vida não é uma viagem de férias Deveríamos de algum modo nos fazer mais amorosos pacientes mais humanos Com tanto mal no mundo e de guerras novas e velhas a humanidade não aprender a amar Mas então o amor é a suprema felicidade Não Um amor correspondido não vive as labutas diárias a humanidade concreta do indivíduo com chulé mal hálito e contas para pagar A vida diária não alimenta a barriga com amor pois a fome é apenas de desejo Falo dos amantes O amor por outra pessoa é sim uma grande razão para o sentido da vida Mas não é tudo O amor entre amantes é ou deveria ser o amor da compaixão companheirismo amizade acima de tudo Amantes que se amam também se matam brigam e se odeiam Entendo que o amor pelo sexo oposto é uma necessidade orgânica moldada por substâncias cerebrais desconhecidas pois quem nunca não ficou louco de amor O amor que se acaba apenas foi um amor de fim de tarde de solidão que se cansa do desejo de companhia Se amamos de verdade entendemos a natureza das coisas e que muitas vezes as pessoas desconhecem suas próprias razões Há mistérios maiores em magoar quem se ama mesmo sem saber As palavras e as conversas atravessadas são dispóticas Eu falo A a pessoa entende não a briga começa e só acaba no fim do dia E não suficiente aparece ainda o desejar um outro a permanente fonte inesgotável de querer a grama mais verde A beleza a dúvida o mistério que se confunde com paixão A necessidade de ter o impossível até tornalo possível O amor se corrompe pela necessidade humana de trocarmos de parceiros Uma necessidade biológica para a manutenção da espécie Talvez não mas o fato é que por isso se justifica que o amor também acaba A beleza do amor que ficou é seguir em frente e poder se descobrir novamente numa pessoa que se foi num relacionamento que não deu certo O problema é a pessoa não amada Essa sim pode compreender que o seu amor justifica a injustificável atitude de confundir sentimento com propriedade Não é por que se casam que alguém detém a vida do outro para depois do fim do casamento Esse sim é o perigo de levar o amor ao abismo dos sentimentos para tornar a pessoa nãoamada abominável E então se não sabemos distinguir os sentimentos que por tantas vezes nos confundem e enganam devemos separar por exemplo o amor fraterno o paterno o amor à Deus Amor entre familiares queiramos ou não nos é dado não escolhido Neles o amor nasce da convivência e do cuidado Talvez nunca haja irmãos que não se odeiem Já o amor de pai e mãe esse nunca morre Mesmo com dura convivência um dia o rancor se esvai e cede espaço para o perdão Se existe algo tão demasiadamente humano é o amor dos pais pelos seus filhos Queremos amálos sem fazelos sofrer mas a vida é a própria experiência do sofrimento Como podemos crialos bem O amor pelos filhos é com certeza uma das limitações humanas Que pai ou mãe nunca sofreu por criar os filhos O amor exige regras a dura educação moderna no mundo irreal das frivolidades Como amar uma parte tão diferente de você sem ter medo do futuro O amor é assim uma doença tratável mas incurávelfilhos bons tiveram pais ótimos Filhos não tão bons também tiveram pais que buscaram o possível Aí está a prova de que a vida e o amor não nem sempre se encontram Por essa razão talvez tenhamos que nos voltar ao amor como meio para a evolução do espírito tomado aqui numa concepção filosófica O espírito humano se eleva na medida em que busca o autoconhecimento a consciência sobre o próprio mundo e a sua identidade sobre quem se é e o que pode se tornar Tornamonos melhores à medida que amamos a vida e tudo que ela carrega As dificuldades as dores angústias e a própria alegria efêmera de momentos efêmeros O amor talvez seja o caminho embora nem sempre saibamos para onde ir E na perspectiva platônica da ideia do Sumo Bem o amor é mesmo o ato de educar para uma ética do bem viver do todo que nos alcança Só podemos evoluir se amamos aquilo que nos dá sentido e não apenas preocuparmos com a superficialidade da vida Por isso mesmo os discursos sobre o amor não tratam de amor Uma separação idealizada entre o que esperamos que o amor seja e aquilo que ele realmente é O materialismo da vida não nos impede de viver o amor como ele embora muitas vezes queremos apenas idealizalo A força da linguagem muito mais que tempos passados nos coloca reféns do que dizemos E ao declarar sentimentos somos marcados pelas incapacidades de lidar com o sentido que assumem Nem sempre correspondem às palavras o sentido de um eu te amo Nem sempre corresponde ao emissor o sentido daquilo que quer expressar Talvez por isso se fala tanto de amor sem amar Por essa razão e coincidentemente falando de discurso os personagens dO Banquete dialogam sobre o amor dentro de sua temporalidade Nós em tempos modernos não compreendemos o sentido do discurso amoroso para o nosso tempo Como forma de demonstrar a complexidade dos discursos sobre o amor tanto para os antigos como para os modernos cabe rememorar as principais passagens dos interlocutores no tempo de Platão O primeiro deles de Fedro usa o argumento de que Eros a personificação do amor é dos mais antigos deuses Ele é o responsável pelos maiores bens aos seres humanos e inspira à nobreza à virtude O segundo discurso de Pausânias já vai na direção oposta e argumenta que Eros não é um mas dois um Eros Popular carnal e um Eros Celestial O primeiro é o amor vulgar ligado à sexualidade e ao prazer corporal Já o segundo Eros Celestial é o amor bom que se refere à alma à inteligência No terceiro discurso o de Erixímaco um experiente médico vai compreender Eros a partir de sua prática profissional onde toda doença é uma forma de excesso O amor é o responsável pela harmonia do corpo Aristófanes o dramaturgo dá sua contribuição marcadamente influenciado pelo teatro O autor traz o mito do Andrógino em que Zeus dividiuos em dois na atual aparência humana Sentindose incompletos anseiam e buscam sua metade Agatão o anfitrião onde o banquete se realiza afirma que todos os anteriores focaram nos dons do amor o sentimento Ele foca no semelhante sempre em busca do semelhante O amor se realiza entre jovens pois Eros é jovem Por fim o mais aguardado discurso o de Sócrates o amor é amor à beleza O amor é carente do que é belo e o que é bom é belo também do que é bom seria ele carente O amor seria como uma pulsão criadora inventiva que nos mobiliza em direção à criação daquilo que amamos Para o filósofo que acaba por sintetizar também sua filosofia relaciona o amor à ética em que a suprema forma de amar é se dedicar aos negócios da cidade e à justiça E então a quem poderia hoje discutir o amor sob estas perspectivas O discurso sobre o amor não nos diz o que o amor é mas apenas o que pensamos sobre ele a partir de nossa realidade Se somos amados pensamos no amor com expressão de um sentimento embora sem nenhuma certeza de até quando ele perdura O amor é a memória que o temo não mata já disse Vinicius de Moraes E assim podemos acabar este pequeno ensaio sobre o amor ensaiando uma resposta de que ainda continuamos sem compreendelo Talvez com Clarice Lispector quando disse Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado pensava que somando as compreensões eu amava Não sabia que somando as incompreensões é que se ama verdadeiramente Porque eu só por ter tido carinho pensei que amar é fácil Fim
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Platão O BANQUETE Vozes de Bolso Platão O Banquete Tradução introdução e notas de Anderson de Paula Borges Vozes de Bolso Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Câmara Brasileira do Livro SP Brasil Platão O Banquete Platão tradução introdução e notas de Anderson de Paula Borges Petrópolis RJ Vozes 2017 Coleção Vozes de Bolso ISBN 9788532654816 Edição digital 1 Filosofia antiga 2 Literatura grega I Borges Anderson de Paula II Título III Série 1608805 CDD184 Índices para catálogo sistemático 1 Filosofia platônica 184 2 Platão Obras filosóficas 184 Título original em grego ΣΥΜΠΟΣΙΟΝ Traduzido a partir da edição de Burnet John Platonis Opera volume II Oxford Oxford University Press 1901 desta tradução 2017 Editora Vozes Ltda Rua Frei Luís 100 25689900 Petrópolis RJ wwwvozescombr Brasil Todos os direitos reservados Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma eou quaisquer meios eletrônico ou mecânico incluindo fotocópia e gravação ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da editora CONSELHO EDITORIAL Diretor Gilberto Gonçalves Garcia Editores Aline dos Santos Carneiro Edrian Josué Pasini José Maria da Silva Marilac Loraine Oleniki Conselheiros Francisco Morás Leonardo ART dos Santos Ludovico Garmus Teobaldo Heidemann Volney J Berkenbrock Secretário executivo João Batista Kreuch Editoração Fernando Sergio Olivetti da Rocha Diagramação Sheilandre Desenv Gráfico Revisão gráfica Nilton Braz da Rocha Capa visivacombr Artefinalização Ygor Moretti Ilustração de capa O Banquete de Platão Anselm Feuerbach 1873 Alte National Galerie Berlim ISBN 9788532654816 Edição digital Editado conforme o novo acordo ortográfico Sumário Introdução Banquete Introdução O ateniense Platão 427347 aC é o filósofo que sistematizou o gênero de conhecimento que ainda hoje chamamos filosofia Como observou Richard Kraut1 Platão tornou a filosofia uma disciplina munida de um método distintivo usandoa para fazer investigações radicais e submeter os pressupostos de outras áreas a escrutínio A quase totalidade de sua obra é constituída de diálogos O Banquete considerado um diálogo da fase madura do seu pensamento foi escrito provavelmente entre 384 e 379 aC cf DOVER 1980 p 10 Um traço notável do Banquete é a complexidade de sua composição Platão escolhe cuidadosamente alguns representantes da intelectualidade da Atenas de seu tempo e concebe discursos para que profiram durante um banquete na casa do poeta Agatão O texto é um testemunho de como Platão dominava o método de filosofia que concebeu investigações discursivas sobre temas de interesse geral Amor Justiça Conhecimento por meio de diálogos fictícios com personagens históricos muitos dos quais defensores de fato das ideias vinculadas a seus nomes A fórmula típica de um diálogo platônico é um texto que desenvolve argumentos por meio de conversas No Banquete Platão emprega essa fórmula para compor uma trama de discursos personagens fatos históricos costumes da Atenas clássica humor e ironia O tema do Banquete é uma investigação filosófica sobre Erōs termo que traduzimos por Amor Embora tenhamos adotado essa opção de tradução em todas as ocorrências de Erōs no texto é importante notar que o termo grego tem um sentido mais amplo do que o amor interpessoal talvez o termo desejo seja mais apropriado em algumas partes do texto Na verdade a progressiva exposição da complexidade e amplitude da noção de Erōs é o que constitui o próprio tema do diálogo sendo delineada aos poucos pelos próprios oradores Nesse sentido nenhum discurso é suficiente e todos são complementares ao tema desenvolvido no Banquete Do ponto de vista dramático o Banquete se passa na casa do poeta trágico Agatão em algum momento do ano de 416 aC Mas a narrativa começa mais tarde talvez uns 10 ou 15 anos numa cena com Apolodoro narrador principal conversando com um amigo cujo nome não sabemos Apolodoro menciona um episódio no qual encontrou Glauco e outros amigos de Sócrates Glauco queria saber sobre os eventos ocorridos na casa de Agatão Apolodoro diz a Glauco que não estava presente pois o evento ocorreu há bastante tempo 173a mas vai contálo já que como foi dito na primeira sentença do diálogo ele está efetivamente preparado para tal Apolodoro começa então a descrever o evento a partir do que ouviu do ateniense Aristodemo um seguidor de Sócrates presente ele mesmo no jantar Assim por meio de narrativas indiretas a partir de 174a o leitor acompanha o relato que Apolodoro faz do que ouviu de Aristodemo Aristodemo conta que encontrou Sócrates se dirigindo para a casa de Agatão com a intenção de participar de um jantar Há cerca de dois dias Agatão tinha vencido sua primeira competição de tragédias e vários convidados estariam em sua casa para celebrar o feito entre eles Fedro Pausânias Erixímaco Aristófanes e Sócrates Alcibíades chegaria depois embriagado mas lúcido o bastante para ser aceito como participante A tradição destes jantares o título em grego do Banquete é Sūmposion espécie de jantar festivo era servir a comida primeiro Quando todos já estavam saciados os servos retiravam os alimentos lavavam as mãos dos convidados e o simposiarca mestre de cerimônias mandava trazer a bebida No Banquete Pausânias propõe que a bebedeira seja moderada pois alguns dos presentes tinham exagerado no dia anterior quando já comemoravam a conquista de Agatão Então Erixímaco assumindo a função de simposiarca acolhe a proposta de Pausânias e pede para que Agatão dispense a garota que está executando a música Assim num clima depurado de outras distrações Erixímaco acolhe uma sugestão dada em outro momento por Fedro que era preciso produzir um discurso de louvor do Amor Todos concordam com a proposta de fazer o elogio do Amor e a partir daí o leitor acompanha um banquete de discursos A concepção de elogio enkōmion é uma fórmula já consagrada na literatura grega clássica São discursos que visam descrever as características positivas de um objeto tema ou pessoa Esses discursos tinham critérios definidos Basicamente deviase falar 1 da origem estrutura da família força beleza e riqueza 2 das virtudes distintas das qualidades da origem como sabedoria justiça coragem e ocupações que justificam sua reputação 3 dos antepassados 4 das realizações e influências benéficas incluindo o que causou através de outros agentes cf DOVER 1980 p 12 A seguir oferecemos um breve comentário de cada discurso Fedro 178a180b enfatiza que quanto à origem Erōs é o deus mais antigo e quanto aos benefícios é o único capaz de levar um indivíduo a agir em proveito do outro Sem prestar muita atenção à distinção que vigora à época entre o amante o parceiro mais velho e o amado o mais jovem Fedro defende que o Amor é capaz de incutir virtude seja naquele que desenvolve o desejo pelo amado seja naquele que sendo transformado por esse desejo tornase virtuoso Assim já no primeiro discurso O Banquete trata da relação entre Amor e educação uma abordagem que predomina em todos os demais discursos Pausânias 180c185c explora a natureza dupla do Amor e seus efeitos nas relações amorosas entre indivíduos do mesmo sexo e indivíduos de sexos diferentes Como nota Christopher Gill Plato The Symposium 1999 é neste discurso que o amor entre homens do mesmo sexo é mais diretamente tematizado se bem que todos os demais oradores mencionam essa forma O discurso de Pausânias chama a atenção para os diferentes níveis de aceitação dessa opção nas cidades gregas Em Atenas as regras são complexas ele diz pois os homens mais velhos são encorajados a buscar o amor dos mais jovens mas os pais em contraste esforçamse para evitar que seus filhos se envolvam nesse tipo de relação Pausânias atribui essa ambiguidade à diferença entre o que ele chama de Amor Popular e Amor Celestial O primeiro é o amor físico predominante no desejo do homem pela mulher e viceversa mas também em casais de homens ou de mulheres Pausânias explica que a rejeição dos pais se deve aos efeitos nocivos que essa forma apresenta especialmente por ser focada exclusivamente na gratificação sexual mútua O segundo tipo é o Amor cujo objetivo é a educação da alma e o desenvolvimento da virtude Para Pausânias esse Amor deveria vigorar em Atenas como uma forma de troca na relação amorosa o jovem receberia a formação intelectual do mais velho e ofereceria em troca se for o caso a gratificação sexual cf 184d185c Christopher Gill 1999 defendeu que o discurso de Pausânias contém uma crítica indireta de Platão às práticas sexuais atenienses pois no discurso de SócratesDiotima 199c212b o aspecto educativo e moral do Amor entre homens será novamente mencionado mas sem a gratificação sexual cf 209bc 210bc Com Erixímaco 186a188e Erōs é posto numa perspectiva mais ampla O médico argumenta como Fedro e Pausânias que a melhor forma de Amor é a que incentiva o desenvolvimento da excelência moral ou virtude aretē Além disso Erixímaco sustenta a tese de que o Amor é um deus presente em todo o universo e que o Amor adequado ou harmônico só é possível por meio da medicina Como a medicina é a técnica relacionada à saciedade e vacuidade dos corpos o Amor está relacionado ao modo como os elementos são combinados ou dissociados Sem a medicina Erōs manifestase sob a forma de doenças e separação de elementos Mas quando os indivíduos envolvidos por Erōs se valem do conhecimento médico promovem a harmonia e permitem uma experiência amorosa efetiva e com benefícios O discurso de Aristófanes 189c193d introduz uma ideia nova a natureza essencialmente carente do ser humano O Amor que para Aristófanes significa desejo por outra pessoa é o efeito mais visível de uma carência essencial que a natureza humana carrega desde que por obra de um ato divino foi despojada de sua condição originária O comediógrafo introduz um mito para explicar como era essa condição e como os indivíduos estão agora Conforme o mito antigamente os gêneros eram 3 masculino feminino e o andrógino Todos tinham uma cabeça duas faces quatro braços quatro pernas e assim por diante Os homens eram fortes e ambiciosos o que acabou despertando neles a vontade de tomar conta do Olimpo Para punir sua arrogância Zeus ordenou que fossem cortados ao meio Assim o mito pretende explicar a origem do desejo inato que um ser humano sente por outro ser humano Depois de cortado cada indivíduo conforme seu gênero vive unicamente em busca daquele outro ser que irá restituir sua integralidade Para Aristófanes em claro contraste com os discursos anteriores mas não com o de Sócrates a seguir o desejo sexual e o anseio de convivência são expressões da incompletude original de uma natureza humana que um dia já foi completa e feliz Aristófanes enfatiza ainda que a necessidade que cada pessoa tem de partilhar uma vida comum vai além do desejo sexual pois é um desejo real de viver com o outro a existência completa que cada um teria se não fosse o corte original O mito permite a Aristófanes uma extraordinária dinâmica na explicação das formas de preferência sexual a preferência pelo sexo oposto teria surgido do corte do ser originariamente andrógino enquanto que as demais opções sexuais foram cortes dos seres completamente masculinos ou dos seres completamente femininos Notemos também que a ideia básica do mito a carência natural é semelhante ao ponto que será desenvolvido por Sócrates sobre o desejo adiante na seção 199c201c O discurso de Agatão 194e197e segue de perto as regras dos discursos elogiosos embora tenha a intenção de ser inovador pois começa com a defesa de um princípio Agatão diz que pretende falar primeiro da natureza de Erōs para só então tratar de seus efeitos Ele parece se referir ao princípio socrático comum nos diálogos ditos da juventude de Platão segundo o qual devemos sempre enunciar os atributos de x com base no conhecimento da natureza essencial de x Agatão passa a descrever e defender dois atributos centrais de Erōs suprema beleza e suprema bondade Para cada um ele menciona uma lista de evidências cujo propósito é mostrar que o atributo em questão é de fato verdadeiro de Erōs Naturalmente por ser um poeta exímio em oratória tais evidências não passam de recursos retóricos construídos sobre imagens e analogias retiradas da poesia e da arte como nota Bury 1932 Introdução p 35 O discurso se fecha com a menção aos efeitos daqueles atributos paz prazer admiração guia excelente em várias atividades entre outros O discurso de Sócrates 199c212b de longe o mais elaborado filosoficamente pode ser dividido em três partes Primeiro há um diálogo com Agatão 199c201c no qual Sócrates estabelece um ponto acerca da noção de desejo Todo desejo tem dois aspectos i é relacional pois é desejo de algo ii é carência pois é desejo de algo que não se possui atualmente Agatão tinha argumentado em seu discurso que a natureza de Erōs possui o atributo da beleza e que tal posse permite ao Amor transferir seu atributo às coisas com as quais se relaciona Sócrates faz Agatão assentir que essa afirmação não se sustenta pois Erōs é desejo de beleza e o que deseja x não possui x Portanto o Amor em si não transfere a beleza Ele é uma busca pela beleza cujo efeito psíquico é levar o indivíduo a apreender quais meios permitem obter as coisas belas Tendo exposto isso Sócrates passa para a segunda parte de seu discurso uma das mais sugestivas de todo o diálogo Em toda a seção 201e209e são relatados os pontos efetivamente defendidos por Diotima Antes de tudo Erōs é um espírito com natureza situada entre dois opostos seres humanos e divindades É um ser intermediário um daimōn espírito Isso completa o argumento desenvolvido anteriormente na conversa entre Sócrates e Agatão quando Sócrates defendeu que Erōs é desejo do que não se possui Agora Sócrates complementa Erōs não é carência completa pois nesse caso quem estivesse sob efeito de Erōs sequer poderia identificar o objeto do seu desejo Erōs é um desejo interposto entre o estado psicológico de ter x e o oposto não possuir absolutamente nada de x O ponto é arrematado pelo relato de um mito sobre a origem de Erōs 203b203e O mito enfatiza dois traços básicos Erōs é carente de um lado mas é cheio de recursos e artimanhas quando se trata de perseguir seu objeto de outro Na sequência 204d206a Diotima expõe o objeto de Erōs é um desejo de posse do que é bom e belo cujo fim telos é a felicidade cf 205d Esse aspecto dá corpo ao restante da argumentação de Diotima pois ao estabelecer que a meta de Erōs é a felicidade eudaimonia por meio da posse do que é bom e do que é belo Diotima amplia definitivamente o sentido do Amor sem contudo afastarse do amor trivial dos amantes pois eles não irão discordar que em última instância a felicidade é de fato o objetivo do Amor Na seção 206b208b Diotima acrescenta mais um aspecto à natureza de Erōs sua função ergon é parir no belo tanto no corpo como na alma 206b Esse aspecto é explorado por meio da imagem da gravidez o Amor é antes de tudo um desejo de procriar Desejamos procriar como forma de perpetuar nossa existência pois nossa condição terrena é transitória e finita A geração de filhos é o meio disponível ao indivíduo para perdurar sua existência Por isso dedicamos parte importante de nossa vida e de nossos esforços aos filhos e o mesmo se verifica no reino animal A seção 208c209e desenvolve o tema da imortalidade como função do Amor num sentido mais amplo desejo por fama por realizações e por atos que perpetuem o nome do indivíduo são testemunhos segundo Diotima do desejo de ser imortal Diotima dá destaque aqui a atos que indicam gravidez psíquica como heroísmo ensino de excelência moral legislação produção poética e outros São todos contextos em que Erōs exerce sua função do ponto de vista da alma dos indivíduos em oposição aos casos em que Erōs busca imortalidade por meio da reprodução sexual Nos casos voltados à alma o objetivo é a imortalidade porque o indivíduo quer preservar sua memória por meio daqueles atos cf 208c 209e O leitor deve notar que há um elemento comum que unifica todas essas instâncias de geração com vistas à imortalidade Apesar da plasticidade da metáfora da gravidez que permite ir do sexo à legislação Diotima nunca se afasta da tese de que o Amor é um desejo essencialmente relacionado à beleza Além disso é crucial não interpretar equivocadamente essa conexão entre Amor e Beleza pois ela é dominante na investigação desenvolvida no Banquete Na leitura de Diotima o Amor é um desejo de parir nos objetos que manifestam instâncias de beleza como a beleza de uma mulher ou de um homem a beleza da alma de uma pessoa a beleza de uma cidade ou de uma lei a beleza de uma obra ou de uma ideia e assim por diante Diotima parece sustentar que pelo menos no âmbito humano racional nenhum ser deseja conceber ou se associar com o que não exibe aspectos dignos de serem desejados reproduzidos e imortalizados Nesse sentido um físico não belo uma alma abjeta uma cidade feia uma lei injusta uma obra ruim e uma ideia falsa são todos casos que não vão despertar qualquer nível de interesse por parte de Erōs Por fim a seção 210a212b constitui a terceira e última parte do discurso Diotima descreve aí o processo intelectual de compreenssão definitiva do atributo mais importante relacionado a Erōs o belo Diotima defende que um indivíduo interessado em adquirir conhecimento substancial das questões relacionadas ao Amor como Sócrates deve encarar todo o processo de aprendizado como uma ascensão de níveis de menor generalidade a níveis de maior generalidade teórica Tratase portanto de uma questão de conhecer o Amor num nível abstrato e informativo pois como vem sendo destacado desde o início do diálogo o Banquete é uma proposta de expressão discursiva da natureza de Erōs Vamos comentar apenas alguns aspectos dessa seção deixando os demais para que o leitor aprecie e avalie por si mesmo Primeiro a seção não parece tratar de toda forma de conhecimento das ideias apenas do conhecimento do belo tou kalou Claro que o procedimento de conhecer outras ideias é semelhante mas é preciso colocar a passagem em seu contexto Diotima revela a Sócrates que o conhecimento do belo se dá por degraus O primeiro degrau ocorre já na juventude quando o jovem desenvolve amor por um corpo uma pessoa Diotima diz que se bem orientado o indivíduo pode aproveitar essa ocasião para desenvolver belos discursos isto é para desenvolver conhecimentos por meio desse envolvimento emocional com uma pessoa que detém saber vimos anteriormente que esse tipo de relação é um ideal recomendado por outros oradores Depois o progresso intelectual irá levar o jovem a perceber por si mesmo 210b que há uma semelhança em todos os casos de beleza física Nesse estágio o jovem já poderá perceber que a causa dessa semelhança é a Forma eidos da beleza e que é muita tolice não considerar a beleza de todos os corpos uma só e a mesma Esse conhecimento irá leválo a abandonar a beleza de um só corpo para se dedicar à beleza de todos Isso indica que o jovem já começa a ver a beleza abstratamente É um avanço considerável pois implica notar a diferença entre uma visão da beleza a partir de um caso de amor concreto ainda que bem orientado e a visão da beleza de todos os corpos O recuo ou abandono da beleza de um só para contemplar a beleza de todos os corpos nada mais é do que o efeito do conhecimento no nível informativo dos conceitos Nesse nível a alma do indivíduo já começa a ser orientada pelo conhecimento do que de fato está envolvido em Erōs Adiante quando Alcibíades relatar o comportamento de Sócrates em face das investidas amorosas é possível perceber como Sócrates pratica esse abandono do amor de um só corpo Há muito mais detalhes e questões em aberto na seção em 210a 212b Alguns intérpretes acham por exemplo que a seção exibe um aparente desprezo de Platão pelo amor interpessoal e uma exagerada valorização do amor filosófico impessoal voltado exclusivamente ao estudo das ideias daí por que a tradição cunhou a expressão amor platônico Outros entendem que a seção apenas mostra que Platão considera o conhecimento mais elevado nomeado por ele filosofia bastante difícil pois tem como derradeiro degrau uma visão direta das ideias ou Formas Mesmo supondo que Platão pensa que esse conhecimento é difícil a passagem indica que é possível Quando finalmente chega nesse estágio cognitivo o indivíduo voluntariamente passa a se interessar menos pelo mundo empírico de Erōs mundo este que abriga todo aquele festival de imagens mentais muitas vezes falsas com forte apelo físico e emocional Nesse sentido uma das mensagens do Banquete é a de que o conhecimento filosófico permite ao indivíduo mais liberdade e mais felicidade lembremos que Diotima ensinou que a felicidade é o telos do Amor em sua própria experiência com Erōs O último discurso é o de Alcibíades 214e222b um político e general ateniense no auge de sua reputação com cerca de 34 anos na época do jantar A fala de Alcibíades foge do padrão das demais pois não trata de Erōs mas de Sócrates Fundamentalmente o discurso relata como Alcibíades e Sócrates tinham visões diferentes sobre os objetivos da associação que mantinham entre si Embora Alcibíades desejasse obter de Sócrates educação filosófica o jovem político ainda pensava como Pausânias e outros membros da alta sociedade ateniense que em troca devia oferecer favores sexuais Mas o relato deixa claro que Sócrates rejeita esse modelo o que explica o completo fracasso das investidas de Alcibíades cujos detalhes compõem um dos momentos mais cômicos do Banquete De outro lado parte do discurso se ocupa dos atributos que Alcibíades considera dignos de louvor em Sócrates a coragem nas batalhas a firmeza de caráter sua excepcional singularidade como indivíduo entre outros O discurso representa um contraponto ao de SócratesDiotima Este último descreve todos os passos de um conhecimento erótico bemsucedido em termos de explicação geral da natureza e dos efeitos de Erōs O discurso de Alcibíades em contraste representa uma instância do amor que toma conta do típico jovem ateniense autoconsciente de sua beleza e de sua capacidade como indivíduo Alcibíades se associou a Sócrates com pretensão de saber mas suas intenções eram a glória pessoal e o prazer da gratificação sexual Por isso a participação de Alcibíades no Banquete entre outros aspectos ressalta uma condição emocional que enquanto tal não desperta desejo de imitação ou desejo de geração se a virmos sob a perspectiva dos traços que segundo Diotima provocam a manifestação de Erōs Assim como um exemplo de pessoa cujos atos e pensamentos são definidos pelo amor apaixonado unilateral por outro Alcibíades pode despertar curiosidade comiseração riso simpatia e até mesmo empatia mas diferentemente de Sócrates não desperta Erōs 1 KRAUT R Introdução ao estudo de Platão In KRAUT R org Platão Aparecida Ideias Letras 2013 Banquete 2 Apolodoro e um companheiro3 172a Apolodoro Acredito que não estou sem preparo para descrever os eventos sobre os quais me interrogas pois no dia anterior a ontem estava indo de minha casa em Falero4 para Atenas quando um conhecido me viu por trás e chamandome a distância disse em tom de brincadeira Falerino5 Ei Apolodoro Não vais me esperar Parei e esperei Então ele disse Apolodoro há pouco te procurava Queria me informar sobre 172b tudo o que aconteceu no encontro entre Agatão Sócrates Alcibíabes e outros que naquele momento tomaram parte no banquete para ouvir quais foram os discursos proferidos em honra do Amor6 Ouvi uma versão de alguém que a ouvira de Fênix o filho de Filipe e que disse que tu também tinhas conhecimento do assunto Mas tal pessoa não proferiu nada de muito claro de modo que tu deves relatarme pois és o que mais propriamente podes reportar as palavras do teu amigo7 Antes porém disse ele falame tu mesmo estavas no encontro ou não Eu disse parece que absolutamente nada de claro teu narrador te relatou se 172c supões que o encontro sobre o qual interrogas aconteceu recentemente de forma a permitir minha presença Penso que sim disse ele Mas como pode Glauco Não sabes que há muitos anos Agatão está ausente de Atenas e que não se passaram três anos desde que comecei a ter contato com Sócrates assumindo como tarefa diária saber o que ele fala e faz Antes disso eu costumava 173a pensar que fazia algo quando de fato me conduzia ao acaso sendo mais miserável do que qualquer outro Não era mais digno do que tu és agora pois pensava que a filosofia deveria ser a última coisa com a qual deveria me ocupar Não brinques comigo ele disse mas dizeme quando esse encontro aconteceu Na época que nós ainda éramos crianças eu disse quando Agatão ganhou o prêmio por sua primeira tragédia8 no dia posterior àquele em que ele e seus coreutas ofereceram sacrifícios pela vitória Muito bem então faz muito tempo ao que parece disse ele Mas quem te contou o próprio Sócrates 173b Não por Zeus eu disse Mas aquele mesmo que o relatou a Fênix Aristodemo9 de Cidateneão um homem pequeno que anda sempre de pés descalços estava presente à reunião e à época não havia maior fã10 de Sócrates do que ele penso eu Mas é claro interroguei Sócrates depois sobre algumas coisas que ouvi de Aristodemo e Sócrates concordou que foi tal como aquele reportou Por que então não me contas disse ele De qualquer modo o caminho até a cidade nos dá uma ótima oportunidade para falar e ouvir enquanto seguimos Assim enquanto íamos pelo caminho tornamos aqueles discursos objeto de nossa conversa 173c de modo que como disse no início não estou sem preparo para o tema Se devo então também relatálo a vós é o que farei Aliás quando eu mesmo faço discursos filosóficos ou quando os ouço sem contar o proveito que me trazem tenho como que um prazer extraordinário mas quando se trata de outros temas particularmente dos assuntos daqueles entre vós que são ricos e negociantes fico entediado e sinto piedade de vós meus companheiros porque acreditais estar realizando alguma coisa mas não realizais nada 173d Por outro lado talvez também vós acrediteis que sou um desafortunado11 o que julgo ser uma opinião verdadeira Mas eu quanto a vós não penso que sois desafortunados sei que sois Companheiro És sempre o mesmo Apolodoro Sempre acusas a ti mesmo e aos outros e me parece que de fato julgas que todos começando de ti são miseráveis exceto Sócrates12 De onde pegou esse apelido o mole pelo qual és chamado eu mesmo não sei mas és sempre assim em tuas conversas mostraste irritado contigo e com os outros mas não com Sócrates 173e Apolodoro Meu caríssimo amigo é realmente evidente que eu por pensar assim de mim e de vós me enfureço e fico descontrolado Companheiro Não vale a pena se incomodar com isso agora Apolodoro mas não retardes mais o assunto e relata conforme te pedimos quais foram os discursos Apolodoro Muito bem aqueles discursos foram mais ou menos assim mas espera Devo começar do princípio e tentar reportálos 174a como Aristodemo os relatou a mim Aristodemo disse que ele e Sócrates se encontraram quando este tinha acabado de tomar banho e estava de sandálias dois eventos raros Aristodemo então perguntoulhe aonde ia assim tão bonito Sócrates disse Para o jantar de Agatão Ontem fugi dele e das celebrações da vitória por causa do medo que tenho da multidão Concordei no entanto em estar presente hoje Por isso me arrumei assim tão bem para ir belo à casa de um belo Mas e 174b tu ele disse Estás disposto a ir sem convite ao jantar E Aristodemo contou que respondeu Irei aonde quiseres que eu vá Sócrates Vamos lá então disse Sócrates e vamos falsear o provérbio alterandoo13 para dizer que afinal de contas à festa de bons agathōn14 os bons vão por conta própria Homero aliás não só se aproxima de destruir o provérbio mas também o despreza pois representa Agamênon como o mais valioso dos homens e a Menelau como um lanceiro fraco15 174c Quando Agamênon está dando um banquete depois de ter oferecido sacrifícios Homero faz Menelau entrar na festa sem ser convidado e assim temos um homem inferior indo à festa de um superior Aristodemo disse que tendo ouvido estas coisas respondeu Contudo temo que meu caso Sócrates esteja mais próximo do exemplo de Menelau em Homero do que do teu relato serei um medíocre indo à festa de sábios sem ser convidado Certificate portanto de qual desculpa darás se me levares pois não concordarei em ir sem ser convidado direi que fui chamado por ti 174d Enquanto nós dois nos pomos a caminho disse Sócrates decidiremos o que falar Andemos Aristodemo disse que seguiram em frente após essa conversa Então à medida que caminham de algum modo Sócrates volta seu espírito sobre si mesmo e fica para trás quando Aristodemo o espera Sócrates pede para ele continuar à frente e seguir Ao chegar à casa de Agatão Aristodemo encontra a porta aberta 174e e sente que está disse ele numa situação engraçada16 De dentro da casa um escravo o recebe imediatamente e o conduz à sala onde os demais convidados estão reclinados17 sendo que todos já estão prestes a começar o jantar Quando Agatão o viu exclamou Aristodemo Chegaste no momento certo para jantar conosco Se vieste por outro motivo deixa para depois Ontem fiquei procurandote para chamarte mas não fui capaz de te ver Mas como é que não trouxeste Sócrates contigo E Aristodemo contou que quando olhou para trás não viu Sócrates em lugar algum Disse então a Agatão que tinha vindo com Sócrates e que foi ele de fato quem o convidou para o jantar Fizeste muito bem disse Agatão Mas e ele onde está 175a Estava há pouco atrás de mim Eu mesmo me pergunto espantado onde será que poderia estar Não vais procurálo e trazêlo aqui escravo disse Agatão Quanto a ti Aristodemo reclinate ao lado de Erixímaco Aristodemo disse que enquanto um servo lhe lavava os pés e as mãos para poder acomodarse no divã outro servo chegou anunciando Este Sócrates de que falais está plantado imóvel em frente ao portão dos vizinhos e embora o tenha chamado não quer entrar Estranho o que dizes disse Agatão Então chamao e não permitas que vá embora 175b E Aristodemo disse De jeito nenhum Deixao Esse é um hábito que ele tem Algumas vezes se põe afastado não importa em que lugar e permanece assim parado Não demorará para estar aqui penso eu Não o perturbes deixao assim Então é o que faremos se assim te parece melhor disse Agatão E vós servos entretende os demais pois de toda forma sempre servis o que quereis quando ninguém vos supervisiona algo que aliás nunca fiz Desta vez contudo imaginais que eu e os outros somos vossos convidados para o jantar e cuidai de nós para que fiquemos 175c gratos Depois disso todos começaram a jantar disse Aristodemo mas Sócrates não chegava Agatão várias vezes ordenava que fossem buscálo mas Aristodemo impediao Enfim Sócrates chega não muito depois como era seu costume quando já estavam no meio da refeição Então Agatão que se reclinou no lugar mais afastado disse Aqui Sócrates acomodate perto de mim para que pelo toque do sábio eu possa experimentar aquela forma de sabedoria que se instalou em ti quando estavas nos portões externos É evidente que a encontraste e agora a possuis pois de outro modo não terias suspendido a busca 175d Sócrates senta e diz Seria muito bom Agatão se a sabedoria fosse de tal modo que do mais carente para o mais cheio de nós ela fluísse por mero contato como a água dos copos que através do fio de lã flui de um copo cheio para um vazio Se desse modo também advém a sabedoria terei muita honra em sentarme contigo junto à mesa 175e pois imagino que vinda de ti uma bela e intensa sabedoria irá me preencher A minha é provavelmente inútil ou talvez disputável como em um sonho mas a tua é radiante e tem condições de se desenvolver muito considerando que sendo ainda jovem outro dia a vimos brilhar com tal intensidade e visibilidade diante de mais de trinta mil gregos És uma pessoa insolente Sócrates disse Agatão Mas logo mais eu e tu vamos argumentar sobre essa questão da sabedoria tomaremos a Dioniso como juiz Agora porém voltate antes de mais nada para o jantar 176a Depois disso disse Aristodemo Sócrates reclinouse no divã e comeu junto com os demais Eles fizeram as libações e cantaram um hino ao deus cumprindo com o costume e depois se voltaram para a bebida Pausânias18 então começa o discurso desse modo Bem homens qual é o modo mais confortável para bebermos Vou dizervos que na verdade não estou numa boa condição devido à bebedeira de ontem devo respirar um pouco como a maioria de vós penso pois estáveis presentes nas celebrações 176b Examinai então como podemos beber do modo mais confortável possível Aristófanes19 então disse Tratase mesmo de uma excelente ideia Pausânias arranjarmos de toda maneira um jeito de pegarmos leve com a bebida pois eu também sou um dos que mergulharam fundo nela ontem Erixímaco o filho de Acúmeno ao ouvilos disse Falais muito bem Mas de um de vós devo ainda saber em qual estado se encontra quanto a suportar bem a bebida não é Agatão Absolutamente nem eu mesmo estou em condições disse Agatão 176c Um golpe de sorte para nós ao que parece para mim Aristodemo Fedro20 e para os demais se vós os mais fortes na bebida agora renunciais pois nós com efeito somos sempre fracos Faço uma exceção para Sócrates nesse discurso pois de fato ele se adapta a ambos os modos de forma que ficará bem seja lá o que fizermos Visto que me parece então que nenhum dos presentes está ansioso por beber muito vinho talvez não seja deselegante eu falar a verdade sobre o que é a embriaguez Como 176d praticante da medicina tornouse muito claro para mim que a bebedeira é prejudicial aos homens e nem eu próprio se puder decidir me permitiria beber muito nem o aconselharia a outro especialmente quando alguém está de ressaca da véspera Muito bem disse Fedro de Mirrinote estou acostumado a dar te crédito particularmente sobre qualquer assunto que trates como médico no caso presente se pensarem com acerto também o farão os demais 176e Ouvindo isso todos concordaram em não tornar o presente encontro uma ocasião de embriaguez mas simplesmente beber com vistas ao prazer Já que está estabelecido disse Erixímaco que cada um beberá conforme sua medida não havendo nenhuma obrigação a próxima coisa que proponho é que dispensemos a aulētris21 que acaba de chegar ela que toque para si mesma ou se desejar para as mulheres lá de dentro enquanto nós hoje conversaremos uns com os outros E se for do vosso agrado quero propor para nós o tipo de conversa 177a Todos disseram que assim o desejam e pediram para Erixímaco propor o tema Ele então disse O princípio do meu discurso é conforme a Melanipa de Eurípedes22 pois o mito que quero contar não é meu mas vem deste Fedro aqui Fedro de fato sempre reclama comigo e diz Não é estranho Erixímaco que para outros deuses hinos e louvores tenham sido compostos pelos poetas enquanto que para Amor um deus tão antigo e grandioso não foi composto um encômio23 sequer por nenhum dos poetas que vieram a existir 177b Veja os bons sofistas a Hércules e a outros heróis prestam homenagens com textos em prosa como o excelente Pródico24 o que é menos espantoso do que o fato de eu já ter encontrado um livro de um sábio em que a utilidade do sal é tema de um extraordinário elogio e se poderia encontrar uma porção de outras coisas desse tipo sendo celebradas Assim surpreende que a tais ninharias é dado 177c um valor demasiado mas até hoje nenhum homem jamais se atreveu a elogiar o Amor de modo digno É desse modo que se negligencia um grande deus Penso que essas coisas foram bem ditas meu caro Fedro Desejo então oferecerte a minha contribuição e satisfazêlo como também penso que quanto a nós que estamos aqui é o momento adequado para prestarmos homenagens ao deus Assim se estais de acordo comigo teríamos nos discursos um objeto suficiente para nos mantermos ocupados 177d Penso pois que cada um de nós começando da esquerda para a direita deve exprimir um discurso em louvor do Amor o mais belo que puder fazêlo e já que Fedro ocupa o primeiro lugar e é também o pai do tema de nossa conversa ele deve começar Ninguém irá votar contra ti Erixímaco disse Sócrates Suponho que nem eu poderia recusar pois afirmo que o único objeto acerca do qual tenho conhecimento são 177e os assuntos do Amor nem Agatão ou Pausânias tampouco Aristófanes cuja ocupação é inteiramente sobre Dioniso e Afrodite Nem qualquer outro destes aqui que estou vendo Contudo é diferente a condição dos que estaremos a falar por último Mas se os primeiros falarem de modo adequado e belo bastará para nós Então deixemos que Fedro com boa sorte seja o primeiro e preste elogios ao Amor 178a Estas palavras foram acolhidas por todos os demais que ecoaram o pedido de Sócrates Mas a totalidade do que cada um disse não foi inteiramente recordada por Aristodemo assim como eu também não me lembro de tudo o que ele me contou Vou dizer porém de cada discurso o que é mais importante e me parece mais digno de menção Como estava dizendo Aristodemo me contou que Fedro foi o primeiro a falar mais ou menos nesses termos que o Amor é um grande deus particularmente admirado pelos homens e pelos deuses de muitos e diferentes modos sobretudo por sua origem 178b Pois está entre os mais antigos o que é honroso para ele e a prova disso é o seguinte não existem genitores do Amor e nem há relatos de ninguém sobre isso seja de indivíduos comuns ou de poetas Assim Hesíodo afirma que primeiro surgiu o Caos depois A terra de seios largos eterno assento de tudo o que existe e Amor25 E Acusilau26 se alinha com Hesíodo ao dizer que após o Caos vieram a Terra e o Amor Com respeito à origem Parmênides diz Antes de todos os deuses ela27 concebeu 178c Amor Desse modo de muitas fontes se concorda que Amor está entre os deuses mais antigos Como o mais velho é também para nós causa de muitos bens Não sei se consigo dizer que bem maior há aos que acabam de entrar na juventude do que um bom amante e ao amante um amado igualmente virtuoso28 A verdade é que a linhagem a honra a riqueza ou qualquer outra coisa não podem fornecer tão excelentemente o necessário para guiar a vida dos homens que desejam vivêla de modo belo como o Amor o pode 178d Acerca do que estou falando Sobre a feiura do que é vergonhoso e a honra do que é belo sem essas coisas não há cidade ou indivíduo que possa empreender grandes e belas obras Vou te dizer que qualquer homem apaixonado quando flagrado praticando algo vergonhoso ou submetendose de uma forma indigna a alguém sem defenderse nem se for visto pelo pai companheiro ou qualquer outro sentirá a dor que 178e vai sentir se for visto pelos amados O mesmo se dá no caso do amado fica particularmente envergonhado diante dos que o amam quando é visto fazendo algo reprovável E se houver algum meio de constituir uma cidade ou exército de amantes e de amados não haveria outra forma de conviverem como cidadãos além desta abstendose de toda desgraça e cultivando entre si a honra Além disso se tais homens estivessem na batalha um ao lado do outro 179a venceriam virtualmente todos os demais ainda que em menor número Pois um homem apaixonado certamente aceitaria menos ser visto por seu amado deixando o posto ou jogando as armas do que sêlo visto por qualquer outro escolheria no lugar disso morrer muitas vezes E quanto a deixar para trás o amado ou não ajudálo se estiver em perigo não há ninguém tão covarde que o Amor não possa inspirálo para a virtude de modo que se assemelhe ao mais excelente por natureza e tal 179b como resume Homero ao dizer que o deus inspira força em alguns heróis29 eis o que o Amor infunde nos amantes como algo que brota de si mesmo E quanto a morrer pelo outro é só o que querem os que amam não apenas homens mas também as mulheres Alceste filha de Pélias30 confirma muito bem para todos os helenos o que estou dizendo Somente ela se dispôs a morrer por seu marido mesmo este 179c tendo um pai e uma mãe Ela os ultrapassou de tal modo em afeição por meio do amor que os fez parecerem estranhos ao próprio filho sendo aparentados apenas em nome E esse ato se afigurou tão nobre não apenas aos homens mas também aos deuses que embora vários tenham praticado muitas ações belas foi a bem poucos que os deuses permitiram que a alma retornasse do Hades mas a dela fizeram subir por causa dos seus 179d atos E assim também os deuses prestam uma honra particular ao zelo e à virtude relacionados ao Amor Já Orfeu31 filho de Eagro32 teve que voltar do Hades sem completar sua tarefa os deuses lhe mostraram apenas uma aparição da mulher que ele foi buscar lá Não lha deram por ter se revelado fraco pois tocador de cítara não teve a ousadia de morrer em nome do Amor como Alceste mas planejou entrar vivo no Hades33 Por essa razão impuseramlhe uma punição o fizeram morrer nas mãos das mulheres Não 179e foi honrado como Aquiles34 o filho de Tétis que foi enviado para a Ilha dos BemAventurados De fato tendo descoberto por meio de sua mãe que morreria se matasse Heitor mas não o matando voltaria para casa e teria seu fim na velhice teve a coragem de escolher ao ajudar seu amante Pátroclo vingandoo não apenas morrer por alguém 180a mas por alguém que já tinha morrido Disso se segue que os deuses excessivamente admirados o honraram de modo distinto porque deu grande importância ao amante Ésquilo aliás fala bobagem quando diz que Aquiles era o amante de Pátroclo ele era mais belo não somente mais belo do que Pátroclo mas também do que todos os heróis era ainda sem barba e portanto muito mais jovem como diz Homero Mas em todo caso se atualmente os deuses honram particularmente esse tipo de virtude em torno do Amor 180b muito mais admiram estimam e fazem o bem quando o jovem amado mostra seu sentimento pelo amante do que quando ocorre o contrário O amante é mais semelhante a deus do que o jovem amado pois tem a divindade dentro dele Por isso Aquiles foi mais honrado do que Alceste e enviado à Ilha dos BemAventurados Desse modo portanto digo que o Amor é o mais antigo dos deuses e também o mais honrado e poderoso para a aquisição da virtude e da felicidade pelos homens tanto em vida como na morte 180c Este foi o discurso que Fedro pronunciou Depois de Fedro outros discursos foram proferidos mas Aristodemo absolutamente não se recordava muito bem dos detalhes Passando por cima deles relatou então o discurso de Pausânias que disse o seguinte Não penso ser bela Fedro a forma como nos apresentou o discurso desse modo contado simplesmente como um elogio do Amor Pois se o Amor fosse um só o discurso estaria bem colocado Mas o fato é que o Amor não é uma unidade e se tal é o caso o correto será antes de tudo dizer qual espécie 180d se deve elogiar Tentarei corrigir isso dizendo primeiro qual Amor deve ser elogiado e depois elogiandoo como é digno a um deus Todos sabemos pois que não há Afrodite sem Amor Se ela fosse una o Amor também o seria Mas dado que há duas deusas é necessário também haver dois Amores E como não haveria duas deusas Uma com certeza a mais velha não tem mãe e é filha de Urano A esta nomeamos Urânia Quanto à mais nova que é filha de Zeus e Dione nós a chamamos Pandêmia Assim é necessário que o amor que opera com a última Afrodite seja 180e corretamente chamado de Popular Pandēmon enquanto que o outro de Celestial Ouranion Devese elogiar ambos os deuses mas o que cada um tem como sua esfera particular é o que tentarei dizer Com efeito toda ação se dá do seguinte modo quando desempenhada em si mesma não é nem bela nem feia Por exemplo o que agora estamos 181a fazendo beber cantar e conversar Nenhuma dessas coisas é em si bela mas se tornará ao ser praticada e pelo modo como o for Sendo desempenhado de modo belo e com correção tornase belo mas do contrário tornase feio Assim acontece também com o amar e com o Amor não é qualquer um de seus casos que é belo e digno de ser elogiado mas apenas o que impulsiona o amor de forma bela 181b De modo que o Amor Popular de Afrodite é verdadeiramente popular e se perfaz seja lá o que ocorrer É a ele que os homens comuns amam primeiramente mulheres não menos do que os rapazes depois seus corpos mais do que suas almas e em seguida amam os mais tolos o quanto forem capazes olhando apenas para a realização do ato sem qualquer preocupação se é belo ou não De onde se segue que fazem o que lhes aprouver no momento sem se importar se é bom ou se é o contrário Este Amor 181c é de fato da deusa que é de longe a mais jovem das duas cuja geração possui características tanto da fêmea quanto do macho O outro é o de Urânia Antes de tudo este não participa da fêmea apenas do macho é o amor dos rapazes Além disso é a mais velha não tendo nenhuma participação em arroubos violentos Por essa razão os que estão inspirados por esse amor se voltam para o masculino e tomam afeição pelo que é mais forte por natureza e possui mais inteligência De fato mesmo entre homens que amam 181d membros do próprio sexo se poderia reconhecer a pureza do que envolve os que estão sob esse tipo de amor Amam os jovens apenas quando já começaram a desenvolver a razão o que se dá no momento que lhes sai a barba Penso pois que os que começam a amar nessa etapa estão preparados para passar toda a vida juntos e a viver em comum sem ludibriar o jovem em seu êxtase juvenil e sem zombar dele enquanto já se sentem dispostos a partir em busca de outro Deveria existir uma lei que não permita 181e o amor dos jovens garotos de modo que não se dispenda tanto esforço para um propósito incerto Pois de fato não é claro o destino dos rapazes nos fins a que chegam a parte de vício e de virtude que recebem em seu corpo e alma Então se os bons amantes por conta própria impõem a si mesmos esta lei os praticantes do amor popular devem também ser forçados a isso do mesmo modo que nós os impedimos na medida 182a em que podemos de amar as mulheres de condição livre35 Estes são os responsáveis pela reprovação a ponto de alguns falarem que é vergonhoso dar consentimento aos amantes Falam isso tendo em mira estes homens sobretudo ao verem todo o seu despropósito e comportamento inadequado pois certamente qualquer coisa que for feita de modo harmonioso e com regra não será com justiça objeto de censura Além do mais a lei sobre o amor nas outras cidades é fácil de ser entendida pois foi definida de modo simples mas aqui e na Lacedemônia são complexas 182b Na Élida e na Beócia cujos habitantes não são hábeis no falar foi estabelecido que é belo consentir aos amantes e ninguém jovem ou velho diria que é feio o que penso ter sido decidido no propósito de evitar as dificuldades da persuasão aos jovens pela palavra dado que nisso são deficientes Dentro da Jônia e em tantos outros lugares contudo a visão que possuem os que vivem sob o domínio dos bárbaros36 é a de que se trata de um hábito vergonhoso De fato entre os bárbaros a forma de governo tirânica os faz conceberem esse amor como feio e 182c também os leva a condenar a filosofia e a prática dos ginásios37 Não acho que os governantes encarem como útil o nascimento de pensamentos grandiosos entre seus governados e tampouco amizades e associações firmes justo o que o Amor mais do que tudo se esforça para criar Isso aliás é algo que os déspotas daqui aprenderam pela experiência o amor de Aristogitão por Harmódio e a amizade que este nutria por aquele tornaramse tão fortes que levaram à derrocada da tirania38 Assim onde foi estabelecido que é vergonhoso ceder aos amantes tratase de uma regra gerada pela 182d maldade dos que a propuseram em razão do desejo desenfreado de poder dos que governam e da covardia dos governados De outro lado onde se acreditou simplesmente que é belo foi pela inércia dos que estabeleceram Aqui contudo as normas propostas são muito superiores a estas mas como eu disse não são fáceis de serem apreendidas Pois considere o seguinte foi dito ser mais belo amar às claras do que em segredo especialmente os nobres e melhores ainda que não sejam tão bonitos como os outros além disso o encorajamento dado por todos ao amante é espantoso não se considera que 182e ele esteja fazendo algo reprovável pois obter êxito na conquista é visto como belo e não obtêlo é visto como feio e ainda no que se refere aos esforços de conquista a lei deu ao amante oportunidade de ser louvado pelos atos extraordinários que cometeu enquanto que se outra pessoa ousasse com esses mesmos atos desejar e buscar a 183a realização de qualquer outra coisa que não seja isso seria objeto das mais fortes censuras39 Se pois querendo obter dinheiro de alguém ou um posto de trabalho ou qualquer outra posição de poder que deseje queira se comportar como os amantes diante dos amados que fazem súplicas e preces em seus pedidos juras solenes permitindose dormir a portas fechadas sujeitandose a subserviências que nem mesmo os escravos iriam admitir ele seria compelido a não agir desse modo tanto pelos 183b amigos quanto pelos inimigos alguns acusandoo de adulação e servilismo outros aconselhandoo e sentindose envergonhados pelo que ele está fazendo O amante de seu lado fazendo isso tudo é visto como responsável por um ato charmoso E tem a garantia da lei de fazêlo sem censura como se estivesse envolvido em algo de absoluta importância E o que é mais extraordinário conforme o que muitos dizem é que ao quebrar um juramento somente ele é perdoado pelos deuses pois estes consideram que juras de amor 183c não têm validade Assim como diz a lei daqui tanto deuses quanto homens providenciaram toda a oportunidade para o Amor de modo que se poderia pensar que nesta cidade estar apaixonado ou demonstrar afeição pelos amantes é considerado um feito belíssimo De outro lado quando os jovens atraem amantes os pais encarregam tutores da educação dos filhos e dão instruções expressas para que os tutores não permitam que os jovens conversem com os amantes Além disso os jovens da mesma idade e seus companheiros manifestam reprovação quando veem que esse tipo de coisa está acontecendo Os que 183d praticam tal reprovação por seu lado não são impedidos pelos mais velhos e nem repreendidos como quem não age corretamente de modo que ao atentar para isso alguém pode pensar ao contrário que esse comportamento é visto aqui como o mais vergonhoso Mas penso que ocorre o seguinte como foi dito no começo em si mesmo não há ação bela ou feia mas é belo o que é belamente praticado e é feio o que é praticado com fealdade O ato de ceder a uma pessoa vil com vileza é um caso do que é praticado com fealdade e o ato de ceder a uma pessoa boa com bondade é um caso do que é praticado de modo belo Então 183e vil é aquele amante popular que ama sobretudo o corpo à alma pois não é um amor constante uma vez que também não é constante seu objeto No mesmo momento que cessa a flor do corporal precisamente o que ele amava o amante também alça voo40 revelando o despropósito de tantas palavras e promessas Já o amante que tem o bom caráter como objeto do seu amor permanece durante a vida posto que se fundiu com 184a o que é constante Desses amantes portanto nossa lei quer fazer um bom e belo exame a uns aquiescer mas de outros escapar Por isso os amantes são encorajados a perseguir e os amados encorajados a fugir pois se instala uma competição ou teste para se verificar a qual das duas classes amante e amado pertencem Essa é a razão pela qual antes de tudo ser conquistado rapidamente por um amante é considerado por nós vergonhoso Entendemos que o tempo precisa se estabelecer pois este nos parece afinal um excelente teste para todas as coisas Além disso também consideramos indecente se 184b deixar conquistar pelo efeito do dinheiro ou da posição política seja quando os amantes sofrem ameaças e submissões sem reação como também nos casos em que tratados amavelmente com apoio financeiro e político não demonstram o devido menosprezo dessas coisas Nenhum desses dois casos pois parece ser firme ou constante sem mencionar que nenhuma amizade genuína nasce dessas situações Portanto um só caminho resta em nosso costume se o amado quiser aquiescer de modo decente ao amante É uma norma que nós temos a saber assim como no caso dos amantes havia uma lei que não considerava adulação ou motivo de reprovação desejar se 184c submeter voluntariamente não importa de que forma do mesmo modo só resta uma única servidão voluntária que não é objeto de censura tratase da que concerne à virtude De fato entre nós se convencionou que se alguém deseja se pôr sob os cuidados de outro por acreditar que através deste se tornará melhor em alguma forma de sabedoria ou em qualquer outra parte da virtude seguese por sua vez que essa escravidão voluntária não é vergonhosa nem adulatória Estes dois costumes o amor 184d dos jovens e o amor da filosofia e de qualquer outra arte devem portanto resultar em um só caso se queira dar beleza ao ato do amado no momento que cede ao amor do amante E quando amante e amado chegam ao mesmo ponto cada um mantendo sua norma de um lado o amante estará justificado ao oferecer qualquer serviço ao amado que lhe gratificar De outro o amado irá acreditar que ao ajudar de qualquer forma o que estiver tornandoo sábio e bom ele também por sua parte estará fazendolhe justiça Assim um terá a capacidade de contribuir quanto à inteligência 184e ou qualquer outra virtude enquanto que o outro sentirá desejo de obtêlas com vista à educação e outras habilidades Então quando estas duas normas convergirem para o mesmo fim somente nesse momento se dará o caso de ser belo o aquiescer do amado ao amante De outra forma jamais Neste caso também o ser enganado não será vergonhoso Mas em todos os demais casos gratificar amantes será 185a vergonhoso haja ou não o engano Se alguém portanto supondo que o amante é rico gratificálo por causa da riqueza mas depois se ver enganado sem dinheiro a obter porque a pobreza do amante foi revelada isso não será objeto de menor vergonha Pois parece que um indivíduo desse tipo revela seu próprio caráter e mostra estar disposto a oferecer qualquer serviço para qualquer um por causa de dinheiro o que não é belo Pelo mesmo argumento se um indivíduo estiver gratificando alguém que supõe ser bom de modo que pense que ele próprio irá se tornar melhor pela amizade daquele mas for enganado no caso em 185b que o amante venha a se mostrar mau e não possuidor de virtude igualmente bela será a fraude Pois aqui também parece se dar o caso anterior revelase a tendência interna do sujeito mostrando que estaria disposto a fazer qualquer coisa por causa da virtude e para se tornar melhor o que ao contrário é o que há de mais belo Assim de qualquer forma é absolutamente belo gratificar um amante por causa da excelência moral Esse é o Amor de Urânia em si celestial de muito valor para a cidade e para os cidadãos Ele exige que 185c se empreenda muito esforço tanto do amante no cuidado de sua própria excelência quanto do amado As demais formas de amor são todas da outra deusa a popular Tal é a contribuição Fedro o quanto posso na presente cena que te dou sobre o Amor Pausando então Pausânias os especialistas me ensinam a falar assim em termos simétricos41 Aristodemo disse que Aristófanes deveria então falar mas não se sabe se foi pelo excesso de comida ou por outra coisa ocorreulhe um acesso de soluço que o impediu de fazer o discurso No divã abaixo dele reclinavase o médico Erixímaco e 185d Aristófanes lhe disse Erixímaco tu és a pessoa certa ou para interromper o meu soluço ou para falar no meu lugar enquanto tento eu mesmo pará lo E Erixímaco respondeu Na verdade vou fazer as duas coisas Vou falar na tua vez e tu quando tiveres acabado o soluço na minha Durante minha fala vejamos se o soluço cessa 185e enquanto segura tua respiração Se não der certo gargareja com água Mas se ainda assim se mostrar muito forte pega alguma coisa que permita coçar o nariz e espirra Se fizeres isso uma ou duas vezes mesmo o mais severo soluço irá parar Começa a falar tão logo puderes disse Aristófanes pois farei o que recomendaste Erixímaco42 então disse o seguinte Pareceme agora ser necessário uma vez que Pausânias estabeleceu adequadamente seu discurso mas não com completude suficiente que eu deva tentar impor ao argumento um 186a acabamento telos Penso ter sido bemescolhida a distinção quanto à natureza dupla do Amor Contudo que não há somente amor no caso das almas dos homens atraídos pela beleza dos corpos43 mas também com relação a muitos outros aspectos e em muitas coisas nos corpos de todos os animais no que é produzido pela terra e por assim dizer em todas as coisas que existem é o que eu mesmo observei da perspectiva da arte da 186b medicina cuja prática exerço e de onde se pode ver o quão grande e admirável o deus é estendendose tanto à área das coisas humanas como também nos assuntos divinos Vou começar falando portanto do ponto de vista da medicina também para que lhe demos um lugar de honra Estão na natureza dos corpos estas duas formas de Amor e nós concordamos que as partes sadia e doente dos mesmos são coisas distintas e dessemelhantes com efeito o dessemelhante tem desejo e amor pelas coisas dessemelhantes Portanto no caso do corpo sadio o amor é um no caso do corpo doente o amor é outro E assim como há pouco Pausânias dizia que é nobre gratificar os bons 186c homens mas vergonhoso gratificar os incorrigíveis o mesmo se dá nos corpos É nobre e mesmo necessário gratificar as partes boas e sadias dos corpos e é isto que recebe o nome de medicina mas é vergonhoso dar gratificação às partes ruins e alguém que queira ser um verdadeiro praticante da medicina deve se abster disso Pois a medicina para falar de modo resumido é o conhecimento das operações do amor no que respeita à saciedade e vacuidade44 O homem capaz de distinguir nos corpos o amor nobre 186d e o amor reprovável este é o verdadeiro médico E o homem que sabe como operar uma mudança a ponto de fazer o corpo possuir um amor no lugar do outro engendrálo onde não existe ou extirpálo se for o caso será um bom profissional De fato ele precisa ser capaz de tornar amigos os elementos do corpo mais hostis e fazêlos se amarem mutuamente Os mais hostis são os mais opostos o frio ao quente o amargo ao doce o seco ao úmido e assim por diante Foi porque chegou a saber como dar a tais opostos amor e unidade que nosso ancestral Asclépio como dizem estes poetas aqui45 e eu mesmo 187a acredito constituiu a nossa profissão A arte da medicina portanto como estou dizendo é plenamente governada por este deus do Amor assim como também é a ginástica e a agricultura É claro a todos mesmo aos que prestam pouca atenção no assunto que a música está na mesma condição que acabo de descrever o que talvez também Heráclito quisesse dizer embora não tenha usado bem os termos Ele diz com efeito que o Um nele mesmo se diferenciando está de acordo consigo como a harmonia do arco e da lira Há de fato muita irracionalidade em dizer que a harmonia está em desacordo consigo mesma ou que vem 187b a ser a partir de elementos discordantes Mas provavelmente ele desejava dizer isto graças à técnica musical a harmonia foi gerada do grave e do agudo os quais num primeiro momento estavam em desacordo mas depois se combinaram Pois não é com certeza a partir do agudo e do grave em discordância que a harmonia vem a ser harmonia é consonância46 e consonância é certo acordo sendo que será impossível haver acordo de elementos que variam enquanto estão neste estado De outro lado é impossível harmonizar o que não cessa de variar e não concorda como ocorre aliás com o ritmo que provém do 187c rápido e do lento os quais num primeiro momento estão diferenciados e depois são postos em acordo E o acordo em todos esses casos como o que eu disse se dar na medicina neste caso aqui é a música que estabelece impondo concórdia e amor mútuos A música por sua vez no que se refere à harmonia e ritmo é conhecimento dos fenômenos amorosos De resto não é nada difícil identificar os fenômenos amorosos na própria construção do ritmo e da harmonia embora ainda não tenhamos aqui a presença do amor duplo47 No entanto quando for preciso aplicar ritmo e harmonia à vida social dos homens seja criando música nova o que chamamos 187d composição musical seja quando se faz uso apropriado nos tons e medidas já compostos a chamada educação é então nestes casos que há dificuldade e haverá necessidade de um bom profissional O mesmo argumento novamente nos detém que aos homens bemordenados e para que possam se tornar mais bemordenados os que ainda não são devese gratificar e zelar por seu amor Isso é o belo o celestial o Amor da 187e deusa Urânia quanto ao amor popular que provém da musa Polímia o indivíduo deve ser cauteloso em qualquer coisa que for aplicálo de modo que o prazer proveniente dele possa ser experimentado sem que nenhuma licenciosidade seja implantada De modo similar em nossa técnica médica no que toca aos apetites da arte culinária é uma grande tarefa lidar com eles de modo apropriado a fim de que o prazer seja sentido sem efeitos nocivos E assim na música na arte médica e em todas as demais tarefas sejam humanas ou divinas devese o quanto se permite zelar pelas duas formas de amor pois ambas 188a estão presentes mesmo as composições das estações dos anos têm uma boa medida destes dois amores E quando aqueles elementos que acabo de mencionar48 o quente e o frio o seco e o úmido são tomados de amor bemordenado um pelo outro eles recebem harmonia e proporção adequada levando assim saúde e ótimos resultados aos homens animais e plantas sem danos Mas se é o Amor violento que se torna 188b dominante nas estações do ano há muita destruição e prejuízo Pragas tendem a surgir desses efeitos e também muitas e diferentes formas de doenças nos animais e plantas E dos excessos e desordem verificados na relação destes amores entre si surgem geadas chuvas de granizo e ferrugem cujo conhecimento sobre os movimentos dos astros e das estações do ano chamamos astronomia E além disso todos os sacrifícios além do que 188c constitui o campo de aplicação da arte divinatória a saber a associação mútua entre deuses e homens tudo isso não é outra coisa do que temas relacionados à proteção e cura do Amor E toda forma de impiedade tende a surgir se ao invés de gratificar o Amor bemordenado prestandolhe honra e reverenciandoo em toda ação o indivíduo se volta para o outro Amor seja a impiedade dirigida aos pais vivos ou mortos seja a que se dirige aos deuses De fato com respeito a isso tem sido uma função atribuída à arte divinatória examinar os que estão sob efeito do amor e curálos De outro lado a arte divinatória é 188d também criadora de boas relações entre deuses e homens Ela o faz por meio do entendimento do quanto os assuntos amorosos entre os homens propagam aspectos de justiça e piedade Desse modo grandioso e poderoso ou antes em síntese o Amor em sua completude possui todo o poder Mas o Amor que se volta às coisas boas e se realiza nelas com temperança e justiça entre nós como entre os deuses é o que possui o poder mais grandioso é este que nos prepara toda a felicidade capacitandonos a conviver e sermos amigos uns dos outros e com os mais fortes que nós os deuses Assim talvez eu 188e também tenha deixado muita coisa de lado ao elogiar o Amor mas foi absolutamente sem querer Contudo se algo omiti é tua tarefa Aristófanes completar o discurso Se porém tens em mente outro modo de fazer o elogio ao deus elogiao já que fizeste parar o teu soluço 189a Segundo Aristodemo assumindo o discurso Aristófanes disse O soluço com certeza fez pausa apesar de não ter sido antes de aplicarlhe o espirro de modo a me espantar que a boa ordem do corpo deseje tais ruídos e coceiras como é o caso do espirro pois de fato parou por completo assim que o apliquei E Erixímaco respondeulhe Meu bom homem observa o que estás fazendo Produzes gracejos no momento em que vais começar a falar e me obrigas a vigiar tuas 189b palavras para ver se dirás algo engraçado quando te é permitido falar de modo tranquilo e sem interrupção Aristófanes riu e disse Falaste bem Erixímaco De minha parte que seja ignorado o que foi dito Não há necessidade de que me vigies pelo que vou dizer pois eu mesmo estou ansioso sobre isso e não temo que seja engraçado o que vai ser dito o que seria proveitoso e típico de nossa musa mas meu temor é que seja desprezível E Erixímaco disse Tu realmente pensas que poderás escapar apenas por terme lançado uma flecha Aristófanes Presta atenção no modo como irás fornecer a explicação 189c do tema Assim talvez se me agradar eu te libertarei Pois bem Erixímaco disse Aristófanes tenho a intenção de seguir uma linha de exposição diferente desta que tu e Pausânias adotastes De fato pareceme que os homens absolutamente não entenderam o poder do Amor pois se tivessem percebido seguramente iriam construir para ele grandes templos e altares e lhe ofereceriam vultosos sacrifícios Não seria como agora quando não se faz nada disso em nome dele apesar de o merecer mais do que qualquer outro Tratase na verdade do mais filantrópico dos 189d deuses nosso ajudante e médico daqueles males cuja cura proporciona grandiosa felicidade ao gênero humano Vou tentar portanto explicarvos os poderes do Amor e vós de seu lado podereis ensinar a outros Devese antes de tudo apreender a anatomia humana e o que ela veio a suportar O fato é que antigamente nossa anatomia era diferente da que se vê hoje Primeiro não havia apenas dois sexos masculino e feminino como 189e agora mas três Do terceiro que tinha elementos comuns a ambos restanos apenas o nome posto que não existe mais Naquele tempo então existia o andrógino distinto dos demais sexos na forma e na designação tendo partes do macho e da fêmea Hoje ele é conservado apenas como um nome objeto de desprezo49 Depois a forma de 190a qualquer indivíduo do gênero humano era um todo circular com as costas e os lados em círculo tendo quatro mãos e o mesmo número de pernas Tinha duas faces sobre o pescoço torneado em tudo semelhantes e uma cabeça sustentando as duas faces as quais estavam voltadas para direções opostas Tinha ainda quatro orelhas dois sexos e outras características que se pode imaginar a partir destas Locomoviamse de modo ereto como fazemos hoje em qualquer direção que quisessem E quando lançavam a si mesmos numa rápida corrida se apoiavam nos oito membros e giravam com velocidade da mesma forma que os acrobatas dão cambalhotas com as pernas eretas em movimentos circulares A razão de serem três sexos e de apresentarem tais características é a seguinte 190b Originariamente o masculino era filho do sol o feminino da terra e o que tinha uma parte de ambos era filho da lua uma vez que a lua também tem características do sol e da terra Assim porque se assemelhavam a seus genitores eles próprios eram redondos e sua locomoção era circular Eram portanto temíveis na força no vigor e tinham pensamentos ambiciosos Mas fizeram uma investida contra os deuses e o que Homero diz de Elfiates e de Otes50 foi dito em referência a eles sobre como fizeram uma tentativa 190c de escalada ao céu com o propósito de atacar os deuses Então Zeus e outras divindades deliberaram sobre o que fazer com eles o que gerou um impasse Sentiam que não podiam matálos e aniquilar a raça inteira com raios como fizeram com os gigantes porque as honras e sacrifícios que recebiam dos homens também iriam desaparecer De outro lado não podiam tolerar a insolência Assim depois de muito esforço Zeus teve uma ideia Penso ter encontrado um plano disse sobre como os homens podem ao mesmo tempo existir e se livrarem da insolência É preciso enfraquecêlos Agora com 190d efeito continuou vou cortar cada um deles em dois o que ao mesmo tempo irá tornálos mais fracos além de úteis a nós pois são em maior número Andarão eretos sobre duas pernas Caso insistam em se comportar de modo ultrajante e não queiram manter a calma novamente disse vou cortálos em dois de forma que andarão sobre uma só perna pulando Tendo dito essas coisas ele começou a cortar os homens 190e em dois como se partem as sorvas para conserva ou como os que cortam ovos com cabelo51 E a cada vez que cortava alguém pedia a Apolo para voltar o rosto e a parte do pescoço na direção do corte a fim de que contemplando sua própria mutilação tivesse um comportamento mais moderado Ele também pediu a Apolo para que curasse as demais feridas Apolo então girava a face e puxava a pele de todos os lados para o que agora chamamos ventre e como se faz com uma bolsa lacrada por um cordão ele amarrava a pele numa abertura feita no meio do ventre que hoje chamam umbigo Deu 191a polimento às outras numerosas rugas e modelou os peitos com um instrumento semelhante ao que os sapateiros usam para dar forma às pregas dos sapatos Deixou contudo algumas rugas as que estão em torno do ventre e do umbigo para que seja uma lembrança das características que tinham anteriormente Então desde que a anatomia original de cada ser humano foi cortada em duas cada uma das partes desejava a outra metade de si mesma e a ela buscava se unir Uma jogava os braços em volta da outra enlaçandose mutuamente num desejo de permanecerem para sempre juntas Começaram 191b a morrer de fome e de inatividade por não quererem fazer nada longe uma da outra E sempre que uma das duas morria deixando a outra sozinha a que restava procurava outra e com esta se envolvia seja a metade encontrada que pertencia originalmente ao todo de uma mulher como nós hoje a chamamos ou a metade original de um homem E desse modo a espécie ia se aniquilando Então Zeus tomado por piedade providencia outro expediente muda seus genitais para a frente Até então eles tinham os genitais alojados no lado exterior de seus corpos e a geração e a reprodução 191c não se dava por contato físico mas na terra como as cigarras Ao colocar o sexo na frente deles Zeus permitiu que a reprodução fosse por intercurso mútuo através dos genitais o macho na fêmea tendo em vista o seguinte No intercurso mútuo se um homem encontrasse uma mulher poderia conceber nela e continuar a raça mas se fosse um intercurso de um homem com outro homem que ao menos pudessem encontrar satisfação e relaxamento nesta união para então se voltarem às suas tarefas e se dedicarem aos demais aspectos de suas vidas Assim é de muito tempo atrás que o amor 191d de um pelo outro tem sido inato entre os seres humanos É um amor restaurador de nossa antiga anatomia ao mesmo tempo em que tenta fazer uno o que é duplo e curar a natureza humana Cada um de nós é portanto uma peça partida52 de um ser humano uma vez que cada um de nós foi cortado como as partes dos peixes que são talhados ao meio uma metade de um todo Cada peça partida está constantemente procurando portanto sua outra metade Assim todos os homens que são um corte do gênero combinado os que então eram chamados andróginos sentem amor por mulheres e muitos dos adultérios são originados dessa espécie assim como de seu lado as mulheres que gostam de homens 191e e as adúlteras surgem desse tipo Todas as mulheres que são corte de um todo originalmente feminino não prestam muita atenção nos homens mas estão sobretudo voltadas às mulheres e é dessa espécie que nascem as lésbicas De seu lado os machos que são cortados originalmente de um todo masculino perseguem os homens Uma vez que são uma fatia do masculino enquanto são jovenzinhos desenvolvem afeição pelos homens e se regozijam em se deitar e se entrelaçar com eles E estes ainda na 192a juventude e na flor da idade do ser macho são os melhores por serem corajosos por natureza Alguns aliás falam que estes jovens são despudorados mas isso não é verdade pois não é por falta de vergonha que agem assim mas por autoconfiança coragem e masculinidade acolhendo em sua conduta o que é semelhante a eles Há uma evidência substancial disso são unicamente estes que quando amadurecem se tornam homens capazes de se encaminhar para a política E quando se tornam adultos enamoramse de 192b jovens não dando importância por inclinação natural ao casamento e à produção de filhos embora sejam forçados a tal pelo costume Mas é o bastante para eles passar a vida um com o outro sem matrimônio Em todo caso um homem desse tipo se torna amante de jovens ou objeto de desejo de homens adultos sempre acolhendo com prazer os da própria estirpe E quando um deles se encontra com a outra parte atual de si mesmo tanto o amante de jovens quanto qualquer outro é nesse momento então que extraordinárias emoções 192c de afeição intimidade e amor os atordoam e eles não querem por assim dizer se afastar um do outro por um momento que seja São estes os casais que passam toda a vida unidos apesar de nem serem capazes de dizer o que um quer do outro Ninguém iria pensar que esse amor é puramente físico como se fosse por essa razão que cada um se regozijasse na companhia do outro com tão grande entusiasmo Claramente é outra coisa que a alma de cada um quer algo que não pode ser expresso em palavras é um desejo que a alma 192d apreende instintivamente e comunica por enigmas Supõe que Hefesto53 com seus instrumentos se ponha diante deles no lugar em que estão deitados juntos e pergunte Homens o que é que quereis obter um do outro Eles terão dificuldade para responder E se novamente ele perguntar É isto afinal o que desejais estardes sempre juntos o quanto for possível de modo que dia e noite um não irá abandonar o outro Pois se é isso que quereis estou disposto a fundirvos e forjarvos no 192e mesmo ser de forma que de dois vos torneis um e enquanto durar vossa existência sendo um só possais ambos viver a vida em comum E quando morrerdes em vez de dois sereis um também lá no Hades e partilhareis a mesma morte Agora observai se esse é o tipo de amor pelo qual ansiais e se ficaríeis satisfeitos de obtêlo Nós sabemos que ninguém tendo ouvido essas palavras iria objetar a seu conteúdo ou mostrarse como alguém que procura outra coisa mas simplesmente iria pensar ter ouvido isso que afinal há muito vem desejando unirse e fundirse com o amado de forma a se tornar um de dois A razão disso é de fato que nossa antiga natureza era essa que descrevemos e 193a éramos um todo Portanto é ao desejo e procura do todo que se dá o nome de Amor Anteriormente como estou dizendo éramos um mas agora por causa de nossos atos errados estamos separados por uma ação do deus como os árcades o foram pelos lacedemônios54 Assim há o temor de que se não formos bem comportados diante dos deuses sejamos novamente divididos em dois e andemos por aí parecendo as pessoas retratadas em baixorelevo nas estelas serrados na linha do nariz ou partidos como os símbolos55 Por essa razão todo homem deve exortar a reverência 193b aos deuses em todas as coisas a fim de que evitemos o pior destino e acolhamos o melhor abraçando o Amor como nosso guia e líder Que ninguém aja se opondo ao Amor e age de tal modo todo aquele que se torna odioso aos deuses pois nos tornando amigos do deus e reconciliados com ele encontraremos e nos uniremos a nossos próprios amados algo que hoje poucos conseguem Espero que Erixímaco não interprete meu discurso como comédia como se estivesse me referindo a Pausânias e Agatão talvez também estes pertençam a essa 193c categoria e sejam ambos na origem verdadeiramente masculinos mas meu discurso toma a todos como objeto homens e mulheres no sentido de que é assim que nos tornaremos felizes se pudermos realizar plenamente aquele amor no qual cada um de nós encontra seu amado e retorna a seu estado original Se isso é o ideal então é necessário que o que mais se aproxima dele seja o melhor nas presentes circunstâncias isso significa portanto encontrar um amado cuja natureza está de acordo com nosso 193d próprio caráter Se formos efetivamente glorificar o deus responsável por isso é ao Amor que mais justamente devemos oferecer homenagens É o Amor que no momento presente nos concede os maiores benefícios conduzindo nos ao que nos pertence originalmente E no que concerne ao futuro ele nos dá grandes expectativas de que se nos mantivermos piedosos com os deuses seremos reconduzidos a nossa verdadeira natureza e depois de nos curar ele nos fará abençoados e felizes Esse Erixímaco é meu discurso sobre o Amor diferente do teu disse Aristófanes Como eu te pedi não o tomes como comédia de modo que também ouçamos cada um dos restantes ou melhor cada um dos dois pois restam somente Agatão e 193e Sócrates Serei persuadido pelo que tu pedes disse Erixímaco de acordo com Aristodemo De fato achei muito prazeroso o que foi dito Se eu não soubesse que Sócrates e Agatão são admiravelmente hábeis nos temas de amor teria grande temor de que não encontrassem mais argumentos tendo em vista a extensão e diversidade já expressas Mas estou confiante neles 194a Sócrates então disse É que competiste belamente nos discursos Erixímaco Mas se estivesses na posição em que estou agora ou melhor na qual talvez estarei quando também Agatão tiver falado bem tu estarias de fato muito preocupado e em completo desespero como estou no momento Tu queres me enfeitiçar Sócrates disse Agatão a fim de que eu me perturbe no pensamento de que a audiência tem grande expectativa com base no que vou dizer 194b Quão desmemoriado eu seria Agatão disse Sócrates se tendo visto tua bravura e autoconfiança ao subir na plataforma do teatro com os demais atores olhando diretamente para a enorme multidão à tua frente sem esboçar qualquer surpresa estando prestes a exibir ali teu discurso eu agora fosse imaginar que ficarias confuso por causa de tão poucos homens como nós Como assim Sócrates disse Agatão Certamente não pensas que estou tão obcecado com o teatro a ponto de ignorar que a quem tem juízo a sensatez de poucos é mais temível do que uma multidão de insensatos 194c Não seria uma atitude digna de minha parte disse Sócrates pensar de ti algo assim impolido Ao contrário bem sei que se te deparasses com pessoas a quem tomasses como inteligentes irias dedicarlhes mais atenção do que à multidão Contudo talvez nós não sejamos desse tipo estávamos pois lá na audiência e éramos da multidão mas se fosse com outros digamos inteligentes pode bem ser que viesses a sentir vergonha diante deles se talvez pensasses estar fazendo algo errado não é Dizes a verdade respondeu Agatão E não sentirias vergonha do público em geral se imaginasses estar fazendo algo reprovável 194d Nesse momento disse Aristodemo Fedro tomou a palavra Meu caro Agatão se responderes a Sócrates não fará nenhuma diferença para ele qualquer das coisas que venham a ser propostas aqui contanto que ele tenha alguém com quem conversar especialmente se for um belo Eu mesmo gosto de ouvilo discursar mas é preciso que eu me dedique ao elogio do Amor e apreenda a exposição exata de cada um aqui Quando cada um de vós tiverdes dado ao deus o que é devido então poderão dialogar 194e Falaste bem Fedro disse Agatão Nada me impede de falar e haverá muitas oportunidades mais tarde para Sócrates dialogar Quero primeiro dizer como devo proceder no meu discurso e só então fazêlo Pareceume que todos os expositores anteriores não estavam elogiando o deus mas congratulando os homens pelas boas coisas acerca das quais ele é a causa Sobre que tipo 195a de natureza ele tem que o torna capaz de conceder tais coisas ninguém falou Mas o único modo correto de fazer um elogio a qualquer um é discorrer primeiro sobre que espécie de natureza no objeto do discurso tornao responsável pelas coisas que nele elogiamos56 Sendo assim no caso do Amor é justo agora que primeiro digamos o que ele é e só depois falemos de seus dons Eu sustento que enquanto todos os deuses são felizes o Amor se me concedem dizer isso sem incorrer em ofensa é o mais feliz de todos eles pois é o mais belo e o mais excelente É o mais belo por isso primeiro 195b tratase do deus mais jovem Fedro57 Uma prova importante disso é fornecida por ele próprio quando se afasta em fuga da velhice e é evidente que esta avança com rapidez De todo modo chega até nós mais rápida do que devia Mas por natureza o Amor a odeia de fato e dela sempre mantém grande distância Com os jovens contudo está sempre em 195c contato e é um deles como bem coloca o antigo provérbio O semelhante sempre anda com o semelhante Pois embora eu concorde com Fedro em muitas coisas não concordo com isso que Amor é mais velho do que Crono e Jápeto mas digo que é o mais jovem dos deuses e sua juventude perdura Quanto àquelas antigas histórias que Hesíodo e Parmênides contam sobre os deuses ocorreram por Necessidade não por Amor se é que falaram a verdade Não teriam pois ocorrido castrações prisões e outros atos violentos se Amor estivesse entre eles Haveria amizade e paz como tem sido agora desde o tempo que Erōs é o rei entre os deuses Assim ele é jovem e além disso é delicado Ele não tem porém um poeta como Homero para apresentar a extensão de sua 195d delicadeza Pois Homero afirma que Ate é uma deusa que é delicada e que pelo menos seus pés são delicados Ele diz seus pés são verdadeiramente delicados pois não se aproxima sobre o solo mas anda sobre a cabeça dos homens Desse modo com uma bela prova Homero revela a delicadeza da deusa Ela não caminha sobre nada duro 195e mas sobre o que é macio A mesma prova nós efetivamente usaremos para indicar que o amor é delicado Com efeito ele não caminha sobre a terra ou sobre cabeças que nem são absolutamente macias mas anda e faz sua morada nas coisas mais macias que existem Assim nos costumes e nas almas de deuses e homens ele estabeleceu sua casa E nem o fez em todas as almas que se apresentam para tal pois se afasta de qualquer uma que revele um costume rude e inflexível Mas quando encontra uma alma que apresenta leveza ali ele se estabelece Desse modo ele sempre está tocando com seus pés e com o todo de si mesmo o que é macio sobretudo nos lugares de maior 196a maciez sendo que necessariamente ele é o que há de mais delicado Assim é muito jovem e muito terno e além disso sua forma é maleável Pois se fosse inflexível não poderia de nenhum modo encobrir a todos nós nem entrar e sair secretamente de toda alma como ele faz Um sinal de sua excelente forma e fluidez é a graciosidade qualidade que todos reconhecem que o Amor possui de modo distinto Pois a falta de modos e o Amor estão sempre em guerra um com o outro Além disso a beleza de sua pele testemunha que o deus vive entre as flores pois ele não se estabelece em nada seja alma ou corpo que não possa ter 196b florescimento ou que tenha fenecido Mas onde quer que haja abundância de flores e de fragrância lá ele se instala e permanece Sobre a beleza do deus isso é suficiente embora ainda reste muito a ser dito Depois disso falta tratarmos da excelência moral do deus58 O ponto mais relevante é que o Amor não comete injustiça contra homem ou deus e nem sofre injustiça de ambos Nada feito a ele o é por força quando ele faz algo tampouco age por força Força e Amor não se relacionam entre si pois todos desempenham qualquer serviço ao Amor de modo 196c voluntário e as leis reais da cidade59 declaram ser justo o que alguém voluntariamente consente com alguém Junto com a justiça o Amor possui temperança60 em grande medida Há pois consenso de que a temperança é o domínio sobre prazeres e desejos e que nenhum prazer é superior ao Amor Se os prazeres fossem fracos seríamos dominados por Amor e ele teria sobre eles o poder Justamente porque o Amor domina prazeres e desejos ele se diferencia excepcionalmente em temperança No 196d que se refere à coragem61 nem mesmo Ares lhe faz oposição62 Pois Ares não consegue aprisionar o Amor mas é o Amor que captou Ares o Amor de Afrodite ao menos conforme conta a lenda63 O que aprisiona é mais forte do que o que é aprisionado e o que domina aquele que mostra mais bravura entre todos deve ser ele próprio o mais corajoso Assim estive falando sobre a justiça temperança e coragem do deus faltando falar contudo sobre sua sabedoria64 Na medida do possível vou tentar fazer um discurso livre de omissões sobre esse tema Antes de tudo para que também eu possa honrar minha técnica como Erixímaco honrou a dele permitime dizer que o deus é tão excelente 196e na poesia que transforma outros em poetas De toda forma qualquer um se torna um poeta por seu toque mesmo se for estranho às musas65 o que é efetivamente apropriado para usar como evidência de que o Amor é um criador habilidoso em cada criação referente às artes Pois o que não se possui ou não se sabe não poderia ser cedido ou ensinado a outro E quem vai negar que é pela sabedoria do Amor que 197a nascem e crescem todos os animais Será que não sabemos que na prática das técnicas todo homem que tem esse deus como professor tornase famoso e brilhante ao passo que o que não é tocado pelo deus torna se obscuro E foi sob a orientação do Amor e do desejo que Apolo inventou a arte do arqueiro da medicina e da adivinhação de modo que até mesmo ele pode ser considerado um pupilo do Amor Do mesmo modo o são a 197b arte das musas a metalurgia de Hefesto a tecelagem de Atena e o governo de Zeus sobre deuses e homens De onde se vê que os assuntos dos deuses foram regrados com o surgimento de Amor obviamente o amor da beleza pois não há nenhum desejo no feio E no tempo anterior a isso como dissemos no começo muitas coisas terríveis foram cometidas entre os deuses como se conta dado que eram regidos pela Necessidade Mas uma vez que esse deus veio ao mundo tudo o que é bom passou a existir para os deuses e para os homens a partir do amor das belas coisas 197c Assim penso caro Fedro que o Amor não só é ele mesmo supremo em beleza e excelência mas também é a causa dessas qualidades em todas as demais coisas E agora vem sobre mim o desejo de dizer algo em versos que ele é o que cria Paz entre os homens calmaria no mar aberto Descanso para os ventos e sono nos problemas 197d Pois é ele que nos arranca o sentimento de estranheza e nos preenche com afeição Ele é a causa de nossa associação um com o outro em reuniões como essa na qual estamos Ele é o espírito guia em festas coros e sacrifícios Movenos para a gentileza e afasta de nós a rudeza É pródigo de bemquerer e incapaz de malquerer É propício e bom observado pelos sábios e admirado pelos deuses É invejado pelos excluídos conquistado pelos incluídos É o pai da luxúria esplendor delicadeza requinte desejo e ardor É esforçado no que é bom e negligente no que é mau No trabalho no temor no ardor ou nos discursos 197e é timoneiro combatente companheiro em armas e salvador sem igual que concede ordem a todos os deuses e homens O mais belo e excelente guia alguém que todo homem deveria seguir cantando belamente seus hinos e tomando parte nas canções cantadas por ele com o propósito de seduzir o pensamento de deuses e homens Este é então Fedro meu discurso a ser dedicado ao Deus Em alguns aspectos é engraçado mas em outros é também sério o quanto sou capaz 198a Aristodemo disse que quando Agatão terminou todos os presentes aplaudiram por ter o jovem falado de modo adequado a si mesmo e ao deus Sócrates então disse olhando para Erixímaco Muito bem filho de Acúmeno então te parece que foi indevido o temor que senti anteriormente Não fui profético quando há pouco disse que Agatão iria falar de modo espetacular ao passo que eu o faria com embaraço Penso que por um lado profetizaste ao dizer que Agatão falaria bem disse Erixímaco mas quanto a te embaraçares não creio 198b Mas querido amigo disse Sócrates como não vou pensar que ficarei embaraçado eu e qualquer outro sabendo que devo falar após ver proferido tão belo e multifacetado discurso Não que outras partes não sejam igualmente espantosas mas quem não ficaria perturbado ouvindo a parte final por causa da beleza dos termos e frases Como fiquei refletindo que eu mesmo não seria capaz de fornecer um discurso nem sequer perto da beleza deste foi por pouco que não ia me retirando por vergonha 198c se tivesse algum modo de fazêlo Esse discurso me lembrou o de Górgias tanto que senti o que Homero66 descreve tive medo que Agatão ao concluir seu discurso desafiasse o meu com a eloquência de Górgias e me enviasse a cabeça do sofista esse magnífico orador de forma a me transformar em pedra incapaz de proferir palavra E foi quando percebi o quanto fui tolo por ter concordado convosco em tomar parte no elogio 198d do Amor e em dizer que eu era expert nas questões eróticas67 mesmo não sabendo nada do tema ou sobre como se deve produzir um encômio68 de qualquer coisa Pois por ingenuidade eu acreditava que se devia falar a verdade sobre cada tópico do encômio e que isso deveria ser a base Daí então tendo como referência essa verdade escolher as propriedades mais belas e arranjálas do modo mais atrativo possível Assim estava plenamente convencido pensando que sabia como elogiar bem e que conhecia a verdade de qualquer tema de encômio Mas de fato como parece agora não foi isso que se revelou o elogiar belamente a qualquer coisa O que se viu aqui é a atribuição das 198e mais relevantes e refinadas qualidades estejam ou não presentes no tema Se forem falsas não importa Com efeito nosso acordo original era ao que consta que cada um parecesse elogiar o amor não que realmente o elogiasse É por essa razão acredito efetivamente que vós colocastes em movimento toda palavra para qualificar o Amor e declarastes por exemplo que ele é de tal tipo ou é causa de tais e tais coisas de modo que venha a parecer o mais belo e o mais excelente Essa impressão tem efeito evidentemente aos que não o 199a conhecem e com certeza não aos que o conhecem e assim o encômio soa belo e solene Contudo parece que eu sequer tive conhecimento do método de fazer um elogio e portanto não foi senão por ignorância que concordei convosco em participar disso Então a língua prometeu mas não a mente69 Mas digamos adeus a isso70 Não vou elogiar dessa 199b maneira eu não poderia com certeza mas se desejardes vou expressar a verdade ao meu estilo Não o farei em competição com o vosso pois não quero cair no ridículo Vê Fedro se tens qualquer necessidade de um discurso desse tipo que propõe ouvir a verdade acerca do Amor posto no arranjo de palavras e expressões que me ocorrerem no momento Segundo Aristodemo Fedro e os demais disseram a Sócrates que ele poderia discursar nesse estilo que julga adequado seja qual for Bem então há ainda mais uma coisa Fedro disse Sócrates Permiteme interrogar Agatão sobre alguns pequenos pontos de modo que obtendo dele acordo sobre esses detalhes eu possa basear neles meu discurso 199c Claro que permito disse Fedro Pergunta Depois disso disse Aristodemo Sócrates começou aproximadamente nestes termos É certo caro Agatão que iniciaste teu discurso de modo magnífico dizendo que tinhas primeiro que exibir a espécie de coisa que o Amor é e só então suas realizações Esse é o tipo de começo que eu aprecio muito Mas vamos lá já que em outros aspectos descreveste o Amor de forma bela e com magnificência falame também sobre isso é o 199d Amor tal que é amor de algo ou de nada Não pergunto pois se Amor é amor de alguma mãe ou de algum pai a questão posta neste sentido seria ridícula71 mas como se eu fosse te perguntar isso sobre pai em si mesmo se é pai de algo ou de nada Se quisesses me responder corretamente tu certamente dirias que pai é pai de um filho ou de uma filha Não é isso Com certeza disse Agatão E dirias o mesmo no caso de mãe Agatão concordou também com isso 199e Pois bem continua respondendo um pouco mais disse Sócrates a fim de que compreendas melhor o que quero Se eu te perguntasse sobre isso irmão aquilo que é por si é irmão de algo ou não Agatão respondeu que é irmão de algo Irmão de um irmão de uma irmã Ele concordou Tenta assim disse Sócrates também dizer sobre o Amor É amor de nada ou de algo De algo absolutamente 200a Então guarda isso72 contigo e lembrate do que é que Amor é amor Dizeme agora o seguinte Amor deseja aquilo para o qual há amor ou não Claro respondeu Agatão E é o caso de que deseja e ama na medida em que possui isto que deseja e ama Ou deseja e ama quando não o possui Quando não o possui como é bem provável disse Agatão Então considera se em vez de ser provavelmente disse Sócrates não é necessariamente verdadeiro que quem deseja deseja o que lhe falta e que não há nenhum 200b desejo da parte de quem não tem carência de nada A mim parece uma verdade extraordinariamente forte que isso seja necessário O que achas A mim também parece Muito bem Agora achas que alguém que é alto desejaria ser alto ou alguém que é forte desejaria ser forte Acho impossível na linha do que concordamos até aqui Pois ninguém terá necessidade daquelas coisas que já tem Verdade Supõe continuou Sócrates que o forte desejasse ser forte o veloz desejasse ser veloz ou o sadio desejasse ser sadio pois alguém pode pensar que no que respeita a 200c esses e em todos os casos desse tipo aqueles que são tais coisas e possuem tais qualidades também desejam possuir os atributos que possuem e estou dizendo isso para que não nos enganemos no tema Se contudo pensares acerca disso Agatão deverás perceber que tais pessoas já possuem no momento presente os respectivos atributos quer queiram quer não E nesse caso por qual razão desejariam possuir o que já possuem Contudo quando alguém diz Eu sou sadio e quero ser sadio ou Eu sou rico e quero ser 200d rico ou Desejo as coisas que tenho iremos dizer a ele Homem já possuis riqueza ou saúde e força O fato é que o que realmente desejas é a continuidade desses bens pois no momento presente queiras ou não já os possuis Quando dizes eu desejo o que possuo considera se não queres dizer isso Desejo continuar tendo no futuro o que já possuo no presente Não achas que ele iria admitir isso Agatão concordou disse Aristodemo Sócrates então prosseguiu O amar não é portanto o seguinte querer que para o tempo futuro estejam preservadas e presentes aquelas coisas que ainda não estão disponíveis e que não se tem Perfeitamente disse Agatão 200e E esse indivíduo ou qualquer um que sente desejo deseja o que não está em sua posse ou não está presente de forma que o que não tem o que ele mesmo não é e aquilo de que tem carência são as espécies de coisas que serão objeto de amor e desejo Perfeitamente disse Vamos então disse Sócrates Recapitulemos o que concordamos até aqui Amor não é antes de tudo amor de algo e em segundo lugar amor de coisas que lhe faltam no momento 201a Sim disse Em acréscimo a estas coisas relembra o que disseste em teu discurso sobre o objeto do Amor Se quiseres te ajudarei Penso que foi algo nessa linha que os assuntos dos deuses foram construídos tendo em vista seu amor das coisas belas pois afirmaste que não havia nenhum amor de coisas feias73 Não era isso que estavas dizendo Foi o que eu disse falou Agatão E falaste adequadamente amigo Desse modo se isso se dá assim então Amor não é outra coisa do que amor do belo e nunca do feio Agatão concordou 201b E não foi acordado que o que ele ama é o que lhe falta e não possui Sim foi dito Portanto o que falta ao Amor e ele não possui é o belo Necessariamente disse Mas como então Você afirma ser belo algo que tem necessidade do belo e não possui a beleza de forma alguma Não com certeza E se as coisas são assim ainda dirás que o Amor é belo Agatão respondeu Parece que eu não sei nada acerca das coisas que tratava naquele momento 201c E contudo te expressaste muito bem disse Sócrates Mas dizeme só mais uma coisinha as coisas boas não te parecem também belas Sim Se o Amor é carência de beleza e as coisas boas são belas então o Amor também será carência das coisas boas De minha parte disse Agatão eu não seria capaz de te contradizer Deixemos que seja como dizes É à verdade amado Agatão disse que não poderás contradizer uma vez que a Sócrates não é difícil fazêlo 201d E agora vou deixarte ir para que eu possa proceder com o discurso sobre o Amor que certa vez ouvi de uma mulher de Mantineia chamada Diotima Ela era sábia neste e em muitos outros assuntos Numa ocasião nos sacrifícios feitos pelos atenienses para a peste74 foi responsável por um retardamento da doença em dez anos75 Foi ela quem efetivamente me instruiu nas questões sobre o Amor e o que ela dizia em seu discurso vou tentar reproduzir para vós Vou seguir os pontos acordados entre mim e Agatão mas discursarei por conta própria na medida do que sou capaz Como tu 201e explicaste primeiro é preciso descrever o que é o Amor e que tipo de atributo possui76 para só então tratar de suas realizações Penso que será muito mais fácil seguir o modo como a estrangeira de Mantineia percorreu o tema comigo na ocasião por perguntas e respostas Eu disse para ela praticamente as mesmas coisas que Agatão acabou de dizer para mim que o Amor era um grande deus e seu objeto era o que é belo77 Ela então me refutou com os mesmos argumentos que eu usei com Agatão a saber que o Amor segundo meu próprio argumento não era nem belo nem bom Então eu perguntei O que queres dizer Diotima É o Amor feio e mau E ela disse Por que não te calas Pensas que qualquer item que não for belo necessariamente será feio 202a Certamente penso E suponho que também pensas que se não é sábio é ignorante Não percebes que há algo intermediário entre sabedoria e ignorância E o que é isso Tu não sabes que opinar corretamente78 sem ser capaz de dar uma razão disse Diotima nem é conhecimento pois como poderia ser conhecimento um assunto acerca do qual não se possui a razão e tampouco é ignorância pois como seria ignorância o que atinge a verdade Portanto é muito claro que a opinião correta ocupa esse estado intermediário entre o conhecimento79 e a ignorância Verdade eu disse 202b Não queiras portanto forçar o ponto de que o não belo é feio ou que o não bom é mau De modo similar com o Amor tendo admitido que ele não é nem belo e nem bom não há motivo algum para pensar que é feio ou mau Ele é algo intermediário entre estes dois disse Diotima Pelo menos é certo que todos estão de acordo que ele é um grande deus eu disse Por todos te referes aos que não conhecem ou incluis também os que conhecem perguntou Diotima Certamente todos eles 202c Diotima riu e disse Como o Amor poderá ser admitido como um grande deus por estes que dizem que ele não é um deus Quem são estes perguntei Um és tu e outra sou eu ela respondeu Mas como chegaste a essa conclusão tornei a perguntar E ela Isso é fácil Dizeme o seguinte Tu não admites que todos os deuses são felizes e belos Ou terias a audácia de negar a felicidade e a beleza a algum deles Por Zeus eu não E o que de fato entendes por felizes não se refere aos que possuem coisas boas e belas Certamente 202d Mas concordaste que é devido à carência de coisas boas e belas que o Amor deseja tais coisas pois lhe faltam Concordei de fato E como poderá ser um deus o que não participa do que é belo e bom De modo algum como parece agora Estas vendo ela disse que também tu não consideras que o Amor seja um deus E eu disse Mas o que então será o Amor um mortal Isso muito menos Certo mas o quê Como eu disse previamente ela respondeu é um intermediário entre o mortal e o imortal Mas o que é Diotima 202e Um grande espírito80 Sócrates Todo espírito é um intermediário entre o divino e o mortal Que poder ele possui perguntei O de interpretar e comunicar aos deuses as mensagens dos homens e aos homens as mensagens dos deuses Dos homens as orações e os sacrifícios Dos deuses as imposições e as recompensas pelos sacrifícios Dado que está no meio de ambos ele preenche esse espaço entre os dois de tal forma que o conjunto81 fica ele mesmo ligado 203a numa unidade É por meio dos espíritos que opera toda a arte da profecia a técnica dos sacerdotes com seus sacrifícios ritos e encantações bem como todas as adivinhações e magia Nota que os deuses não se misturam com os homens mas por meio desses espíritos passa a ser possível qualquer associação e diálogo dos primeiros com os últimos estejam estes acordados ou dormindo O homem que é sábio nestes assuntos é um indivíduo de gênio ao passo que o homem que tem conhecimento em outra coisa técnica ou habilidade manual é apenas um entendido em assuntos de menor valor Tais espíritos são abundantes e de diferentes espécies Um deles é o Amor E vem de que pai e de que mãe perguntei 203b Essa é uma longa história ela disse Mas vou contála mesmo assim Quando Afrodite nasceu os deuses celebraram o evento e entre eles estava Poros Recurso82 filho de Metis83 Sabedoria Quando o encontro acabou Penia Penúria veio com a intenção de pedir comida já que era uma festa e ficou plantada nos portões Ocorreu que Poros já embriagado pelo néctar não havia ainda vinho nessa época entrou no jardim e sentindose chumbado adormeceu Então Penia por conta de sua própria condição de penúria elaborou um plano para ter um filho de Poros deitouse com ele e 203c ficou grávida de Amor É por isso que Amor se tornou seguidor e servo de Afrodite por ter sido concebido no aniversário de nascimento daquela e ao mesmo tempo por ser por natureza amante do belo pois Afrodite é bela De outro lado dado que Amor não é apenas filho de Poros mas também de Penia ele se encontra nessa condição antes de tudo é sempre desprovido de recursos e lhe falta muito da ternura e beleza que 203d muitos costumam ver nele Na verdade ele é duro áspero descalço e desabrigado Está sempre dormindo no chão ao relento ou estendido nas portas e calçadas Devido à natureza da mãe a necessidade é sua constante companheira Mas ele também tem atributos do pai é ardiloso com o que é belo e bom arrojado ávido pronto para a ação caçador hábil sempre tecendo maquinações ardente por sabedoria cheio de soluções por toda a vida amante da filosofia esperto com magia poções e também um 203e sofista Sua natureza não é a do imortal tampouco a do mortal mas no mesmo dia floresce e vive por um tempo quando prospera em recursos e em outro momento começa a murchar apenas para voltar à vida novamente graças à natureza do pai E no entanto suas conquistas estão sempre se esvaindo de modo que nem empobrece nem enriquece Está sempre entre os dois da mesma forma que se situa entre a sabedoria e a ignorância 204a As coisas com efeito se dão desse modo Os deuses não desejam filosofar84 nem se tornar sábios pois já são Tampouco outro qualquer se for sábio desejará filosofar Nem sequer os ignorantes filosofam ou desejam se tornar sábios pois a ignorância é nociva nesse aspecto embora não seja belo bom ou inteligente o ignorante vê a si mesmo como suficiente em todas essas características O que não tem consciência de sua carência não irá obviamente desejar o que não julga ter necessidade Nesse caso Diotima quem são os que amam a sabedoria se não são nem os sábios e nem os ignorantes 204b Isso é evidente ela disse Até mesmo a uma criança é óbvio que os que amam a sabedoria estão entre estes dois extremos e o Amor é um deles A sabedoria tem por objeto as coisas mais belas e o Amor é amor do belo de forma que ele também deve ser um amigo da sabedoria85 e como tal estar entre o ser sábio e o ser ignorante A causa desses atributos é sua origem um pai sábio e possuidor de recursos86 de um lado e uma mãe que não tem nada disso de outro Esta é portanto caro Sócrates a natureza 204c desse espírito Assim quem pensaste ser Amor não se revelou nada surpreendente Considerando o que disseste pareceme que o concebeste como aquilo que é amado não aquilo que ama Por isso penso ele te pareceu absolutamente belo Mas é o amado que realmente é belo gracioso completo e absolutamente feliz O amante de seu lado tem um atributo muito diferente como eu relatei E eu disse Muito bem Diotima Falaste de fato de forma bela Mas se o Amor é tal como dizes que função ele tem para os homens 204d Isso é o que vou tentar te ensinar na sequência Sócrates ela disse Se por um lado ele é de fato dessa natureza e tem sido gerado da forma como estive te relatando por outro ele está também entre as coisas belas como tu disseste Mas e se alguém nos perguntasse Sócrates e Diotima o que significa o Amor ser das coisas belas Ou para colocar de modo mais claro O que deseja aquele que tem desejo pelas coisas belas Respondi Que as coisas belas passem a existir para ele Tua questão ainda anseia por outra O que ele ganhará com a posse de coisas belas E eu disse Absolutamente não estou em condições de dar uma resposta pronta a essa questão 204e E ela disse Mas é como se alguém tivesse mudado a questão e no lugar do belo perguntasse sobre o bom dizendo Vamos Sócrates O que deseja as coisas boas deseja o quê Possuílas eu disse E o que ganhará aquele que tiver a posse das coisas boas E eu disse Essa é uma questão que tenho condições de responder mais facilmente Ele será feliz87 205a Sim E os felizes são felizes por causa da posse das coisas boas E não há qualquer necessidade adicional de perguntar pelo propósito de querer ser feliz aquele que o quer Assim essa resposta parece conter o objeto último da questão88 Dizes a verdade falei E quanto a essa vontade ou esse amor tu pensas que são comuns a todos os homens e que querem ter consigo sempre89 todas as coisas boas ou o que dizes Precisamente isso eu disse É comum a todos E por que então Sócrates não dizemos que todo indivíduo é um amante uma 205b vez que todos sempre amam as mesmas coisas ao invés de dizermos que alguns são amantes e outros não Também eu me espanto com isso disse Mas não te espantes O fato é que estamos pegando um certo tipo de amor e atribuindolhe um nome que se aplica a todos Amor E para as demais formas aplicamos outros nomes Como o quê eu disse Como o que segue tu sabes que poesia90 é um termo de uso amplo Sabes além do mais que quando algo seja o que for passa do não ser ao a ser a causa plena 205c disso é poesia de forma que as criações de todas as técnicas são poesia e os produtores dessas coisas são todos poetas Falas a verdade E contudo ela continuou estás informado de que estes não são chamados poetas mas têm outros nomes Assim da classe inteira da poesia foi delimitada uma parte dedicada à música e aos versos sendo denominada com o nome do todo Somente isso é poesia hoje e os que possuem essa parcela da poesia são chamados poetas Dizes a verdade 205d O mesmo se dá com o amor Em geral para todo indivíduo todo o desejo por coisas boas e por ser feliz é o grandioso e traiçoeiro amor91 Mas uns o perseguem de diferentes maneiras seja através do amor pelo dinheiro pela ginástica ou pela filosofia e destes nem se diz que estão amando tampouco que são amantes Somente aqueles que vão ao encontro e perseguem com ardor um tipo particular de amor atraem os nomes que pertencem ao todo amor amar e amantes Tu estás provavelmente falando a verdade eu disse De fato há um certo relato ela disse segundo o qual os amantes são pessoas 205e que buscam sua própria metade92 Mas o que estou dizendo meu amigo é que o Amor não é nem amor da metade que falta nem do todo a não ser que seu objeto seja bom o que só ocorre em certas circunstâncias E digo isso porque até seus próprios pés e mãos os homens querem cortar caso estes lhes pareçam defeituosos Portanto não penso que cada um de nós esteja enlaçado com suas próprias características a não ser que 206a alguém chame o que pertence a si mesmo e é particularmente seu de bom enquanto chama de estranho o que é mau O fato é que o único objeto de amor para os homens é o bem Ou pensas que há algo mais Por Zeus penso que não respondi Bem então ela continuou podemos simplesmente dizer que os homens amam o bem Sim eu disse Mas não se deve acrescentar disse ela que o que amam é ter o bem consigo Devese acrescentálo E ela continuou Não apenas ter mas ter para sempre Isso também Então podemos concluir que o amor é o desejo de ter o bem consigo para sempre ela disse Isso é muito verdadeiro afirmeilhe 206b Agora que foi admitido que o amor sempre tem isso como objeto ela disse podes dizerme de que maneira eles o perseguem e em que atividades o entusiasmo e o esforço recebem o nome de amor Em que consiste realmente a função93 do amor Tens condições de me dizer Posso te assegurar Diotima que se o pudesse eu não estaria admirado por tua sabedoria e não te frequentaria pretendendo aprender estas coisas Mas eu te direi ela falou A função do Amor é parir no94 belo95 tanto no corpo como na alma Seja lá o que for que tu queres dizer Diotima eu falei isso requer um poder profético para decifrar pois não compreendo 206c Mas vou te explicar mais claramente ela disse Todos os seres humanos fecundam96 Sócrates no corpo e na alma e quando chegamos a certa idade nossa natureza deseja dar à luz Mas não é possível dar à luz na fealdade97 Somente na beleza98 Sim o intercurso sexual de um homem e uma mulher é um tipo de nascimento Esse processo de gravidez e geração é divino é o imortal fazendose presente numa criatura mortal sendo impossível que ocorra no que está em desarmonia O que é feio de seu lado não se harmoniza com nada que seja divino Já o que é belo está sempre em harmonia 206d com a divindade Por conta desse nascimento a beleza assume a função de Moira e Ilítia99 Por isso quando o que está gestante100 se aproxima do belo tornase gracioso relaxa com deleite dá à luz e gera Mas quando se aproxima do feio fica carrancudo e aflito contraise afastase e se recolhe sem gerar Ao reter seu feto carregao com dificuldade Essa é a razão pela qual o gestante e já prestes a dar à luz sente 206e tanta excitação na presença do belo pois aquele será libertado de uma grande dor Desse modo o objeto do amor Sócrates ela disse não é como pensas o belo Bem é o que então É o desejo de reprodução101 e de dar à luz no belo Muito bem eu disse Com toda certeza ela disse Mas por que de fato o amor é desejo de reprodução Porque a reprodução é uma forma de perpetuação e imortalidade ao menos para o mortal Se o amor é efetivamente o desejo de possuir o que é bom sempre consigo como 207a concordamos seguese que ele deve desejar a imortalidade com o que é bom Portanto de acordo com esse argumento o objeto do amor deve também ser a imortalidade Todas essas coisas ela me ensinava nas ocasiões em que expunha seus argumentos sobre questões amorosas Certa vez ela me perguntou Sócrates o que pensas ser a causa desse amor e desse desejo Já percebeste como é terrível a condição dos animais os que andam e os que voam que sentem o desejo de reproduzir Adoecem quando 207b eroticamente excitados o que os faz quererem primeiro a cópula e só então alimentar a cria Até mesmo o mais fraco dos animais está pronto para lutar com o mais forte e morrer pela prole Ficam esgotados de fome apenas para alimentálos e fazem tudo o mais que for preciso Quanto aos homens ela disse alguém pode supor que fazem isso por reflexão 207c Mas o que causa essa disposição amorosa nos animais Podes dizerme E eu de meu lado dizia que não sabia Ela então disse Tu achas que te tornarás algum dia brilhante em questões de amor se não souberes estas coisas Mas foi por isso que vim estudar contigo Diotima como disse agora há pouco pois percebi que precisava de professores Então me fale sobre essa causa e também acerca dos demais aspectos concernentes ao amor Muito bem ela disse Se acreditas que o amor tem como objeto por natureza aquilo acerca de que entramos em acordo tantas vezes não te espantes com o que vou dizer Aquele mesmo princípio sobre os seres humanos vigora também no reino animal 207d a natureza mortal procura na medida em que pode existir sempre e ser imortal Isso só é possível de um modo pela geração processo por meio do qual ela deixa um ser novo no lugar do antigo Isso se aplica também no período em que cada criatura é considerada viva e o mesmo indivíduo Por exemplo o homem é dito o mesmo desde criança até se tornar velho Apesar de ser tomado como a mesma pessoa ele jamais comporta as mesmas características pois está sempre renovando alguns aspectos e 207e perdendo outros nos cabelos carnes ossos sangue enfim no corpo inteiro Não apenas em seu físico Também na alma atributos traços do caráter opiniões desejos prazeres dores medos Nenhum destes traços jamais permanece o mesmo em nós pois alguns vêm a ser outros são destruídos E muito mais extraordinário do que isso é o fato de que a mudança 208a envolve também as ciências Não é apenas o caso de que alguns itens emergem em nós enquanto outros desaparecem mas também que jamais somos os mesmos em relação aos saberes e além disso cada uma das ciências passa pelo mesmo processo O que é chamado estudo102 existe porque o conhecimento se esvai de nós Assim esquecer é a perda de conhecimento enquanto o estudo na medida em que coloca uma nova memória no lugar da que está se esvaindo preserva o conhecimento de forma que este parece ser o mesmo Por esse expediente todo mortal é preservado mas não por 208b permanecer inteiramente sempre o mesmo como os deuses mas porque a parte mortal envelhece e parte deixando para trás um ser novo do mesmo tipo que era Esse é o mecanismo Sócrates por meio do qual o mortal participa na imortalidade fisicamente e nos demais aspectos O imortal contudo existe de outra forma Não te espantes portanto se tudo por natureza tem o valor da própria espécie É por causa da imortalidade que este zelo está presente em tudo e isso é o Amor Quando ouvi o discurso dela fiquei surpreso e disse Muito bem ó sábia Diotima mas as coisas são verdadeiramente do modo como falaste 208c E ela como os sofistas reais disse Fica certo que sim Sócrates Porque de fato se quiseres olhar para o amor que a humanidade nutre pela honra te espantarias com sua irracionalidade nos assuntos acerca dos quais tratei a não ser que reflita sobre isso considerando como eles são intensamente afetados pelo desejo de se tornarem famosos e amealharem para a eternidade uma fama imortal103 Por causa disso estão prontos para correrem todos os riscos ainda mais do que o fariam pelos 208d filhos e também se dispõem a gastar dinheiro sofrer qualquer tipo de privação e até morrer pela honra E ela continuou Pois realmente acreditas que Alceste104 teria morrido por Admeto Aquiles sacrificaria sua vida por Pátroclo105 ou ainda vosso Rei Codro morreria cedo para favorecer sua linhagem a menos que pensassem que a memória de sua virtude que ainda conservamos seria eterna Longe disso ela disse Penso que é por causa da virtude imortal e desse tipo de fama gloriosa que eles fazem todas essas 208e coisas e quanto melhores são tanto mais se empenham pois é a imortalidade que desejam Com efeito aqueles fecundados no corpo se voltam sobretudo às mulheres e dessa maneira expressam seu amor e seu desejo Eles imaginam que por meio da procriação de filhos irão obter para si mesmos a imortalidade a memória e a felicidade 209a para todo o tempo futuro E quanto aos da alma há de fato os que fecundam mais na alma do que no corpo coisas propícias à alma fecundar e gerar E o que é mais adequado a ela do que a inteligência e as outras virtudes das quais tanto os poetas são tidos como genitores como também todos os artesãos que são considerados inventivos De longe a mais importante e bela forma dessa inteligência é a que está relacionada ao bom ordenamento das cidades e das casas a que tem o nome de temperança e justiça 209b Assim quando alguém é fecundado na alma desde a juventude com essas virtudes ainda solteiro106 e sendo da idade certa já deseja dar nascimento e gerar Penso que ele passa de fato a procurar ao redor este belo em cujo seio possa procriar pois jamais poderia procriar no feio E ao fecundar acolhe sobretudo os corpos belos ignorando os feios mas se ele se depara com alguém cuja alma é bela nobre e naturalmente dotada efetivamente acolhe essa combinação Diante de uma pessoa assim ele prontamente ganha recursos linguísticos para falar sobre a virtude sobre como um homem bom deve ser e o 209c que deve praticar pondose a educálo Penso que pelo contato com este belo e por se associar a ele o que será mantido vivo em sua memória na presença e na ausência deste aquele dá à luz e gera o que vinha gestando há muito tempo E em comunhão com aquela outra parte ele alimenta o rebento gerado Essas pessoas possuem uma ligação entre si e laços de amizade muito mais fortes do que os que existem entre os pais dos filhos mortais visto que os filhos107 que possuem em comum são mais belos e eternos Qualquer um iria preferir gerar para si filhos como esses em vez de serem pais de crianças naturais Nota além do mais como as pessoas olham com inveja para 209d Homero Hesíodo e outros bons poetas pelo tipo de prole que deixaram para trás por conferirlhes fama imortal e memória o que os torna também eternos Se quiseres toma os filhos que Licurgo108 deixou como salvação de Esparta ou por assim dizer de toda a Grécia Entre vós Solon109 também é honrado por ser o genitor de vossas leis Há outros 209e em muitos lugares diferentes tanto entre os gregos como entre os bárbaros cujas várias realizações belíssimas procriaram virtudes de todos os tipos Em honra deles já foram feitos muitos cultos devido às propriedades de seus filhos enquanto que em honra dos filhos naturais não se viu nenhum até agora Esses são portanto os tópicos do amor sobre os quais mesmo tu Sócrates 210a poderias ser iniciado Mas quanto aos ritos finais da preparação do iniciado110 em vista dos quais as explicações acima são introduções àquele que está no caminho certo já não sei se serias capaz Contudo vou te explicar e fazer o máximo para nada omitir Quanto a ti tenta acompanhar na medida do que podes Aquele que procede corretamente nesse assunto ela disse deve começar em sua juventude a se dirigir aos belos corpos Sobretudo se seu guia111 o conduz bem ele deve amar um corpo e nele gerar belos discursos112 Em seguida deve perceber por si 210b mesmo que a beleza relativa a um corpo qualquer é muito similar à beleza relativa a outro e que se é o caso de perseguir a Forma113 do belo é muita tolice não considerar a beleza de todos os corpos uma só e a mesma114 Tendo entendido isso deve se tornar amante da beleza física em geral e abandonar esse amor intenso por um só corpo agora que o vê com desprezo e o toma por trivial Depois deve considerar o belo das almas mais valioso do que o dos corpos de tal modo que se a alma de uma pessoa for decente mas sua beleza física escassa isso baste e não o impeça de amála de 210c preocupar se com sua educação e de buscar produzir discursos do tipo que tornam os jovens melhores Tudo isso a fim de que seja compelido a contemplar o belo nas atividades e leis o que significa ver que toda forma de belo tem a mesma origem que qualquer outra115 e que portanto o belo relativo a um corpo é insignificante Depois disso seu guia deve arrastálo para contemplar os saberes em suas várias formas de modo que veja também o belo nos conhecimentos Com efeito olhando para 210d a variedade atual de belo e não mais para as instâncias não se sujeitará como um servo à beleza de um jovem de outra pessoa ou de uma ciência particular escravidão que o torna simplório e de razão estreita Ao contrário voltado ao amplo mar do belo e contemplandoo irá gerar por meio uma filosofia abundante uma variedade de discursos excelentes e pensamentos magníficos até que aí robustecido e desenvolvido passe a 210e discernir certo conhecimento unitário o belo cuja descrição farei agora Tenta portanto ela disse prestar atenção no que vou dizer o máximo que for possível a ti Com efeito quem tiver sido instruído até esse ponto no que concerne aos temas amorosos tendo contemplado os itens belos numa sucessão correta e ordenada à medida que se encaminha para a finalidade do tema perceberá subitamente algo maravilhosamente belo em sua natureza116 aquilo mesmo Sócrates em vista de que efetivamente foram empreendidos todos os esforços precedentes Tratase de algo que 211a antes de tudo sempre é117 não tendo a característica de vir a ser ou de perecer tampouco de aumentar ou diminuir Depois não é belo em um aspecto e feio em outro ou belo num momento e feio em outro ou belo numa determinada relação mas feio em outra relação nem belo num lugar e feio em outro por ser belo a algumas pessoas e feio a outras O belo também não aparecerá a ele como a beleza de uma face de uma mão ou de qualquer outra parte do corpo nem de certo discurso ou de certa ciência nem como estando em alguma coisa diferente de si mesmo como num animal na terra no céu ou 211b em qualquer outra coisa Ao contrário de tudo isso o belo lhe aparecerá em si por si e consigo mesmo possuindo sempre uma forma única118 Todas as demais coisas belas por sua vez partilham do ser do belo num sentido tal que enquanto elas ganham ser ou são destruídas em absolutamente nada aquele se torna maior ou menor nem sofre modificação de qualquer tipo Assim quando alguém por meio de um correto119 amor aos jovens ascende dessas instâncias de beleza e começa a ver claramente aquele belo está no ponto por assim dizer de atingir o fim do aprendizado Esse120 é de fato o método 211c correto de se dirigir aos temas amorosos ou por outro ser conduzido iniciando daquelas instâncias do belo subir sempre com o propósito de alcançar aquele belo em si Como quem está se servindo de degraus ir de um só para dois e de dois para a beleza de todos os corpos e da beleza de todos os corpos para a beleza das atividades e destas para a beleza das formas de conhecimento Das formas de conhecimento ele deve terminar naquela espécie de conhecimento cujo objeto não é outra coisa que o saber do próprio belo para que121 finalmente venha a conhecer a essência do belo 211d E a estrangeira de Mantineia disse Nesse momento da vida caro Sócrates se é que há um momento especial a vida humana vale a pena pela contemplação do próprio belo Se alguma vez vires essa beleza ela não te parecerá comparável à do ouro da roupa ou à dos belos garotos e homens jovens cuja visão deixa a ti e a muitos outros absorvidos Aliás se pudesses vêlos e frequentálos continuamente estarias disposto se possível a não mais comer e beber somente vêlos e ficar com eles Então o que imaginamos que aconteceria àquele que pudesse ver o próprio 211e belo puro limpo não misturado destituído de carnes humanas cores e outras tantas frivolidades mortais Ou seja que pudesse ter uma visão clara do belo ele mesmo divino e em sua forma unitária Ou tu pensas ela continuou que se torna medíocre a vida 212a do homem que dirige seu olhar para aquele belo e com o que é necessário122 contemplao e convive com ele Não consideras que somente esse indivíduo poderá gerar não imagens de virtudes porque não está em contato com imagens mas virtudes verdadeiras porque está em contato com a verdade Tendo produzido e alimentado a verdadeira virtude terá a chance de ser amado pelos deuses e de se tornar imortal ele mesmo se isso for possível para alguém 212b Pois bem Fedro e demais convivas estas são as coisas ditas a mim por Diotima Fui persuadido por seus argumentos E dado que estou convencido tento também persuadir os outros de que em se tratando da obtenção dessas coisas pela natureza humana alguém não encontrará parceiro melhor do que o Amor Por isso declaro que é necessário que todo homem honre o Amor Eu mesmo o honro no que se refere aos temas amorosos e o pratico em um nível especial Encorajo ainda todos os demais a fazerem o mesmo Agora e sempre faço elogios sobre o poder e a coragem que emanam do Amor no nível mais elevado que me 212c é permitido fazêlo Assim caro Fedro se quiseres considera esse discurso como meu encômio proferido em homenagem ao Amor Ou então o que e como te aprouver nomeiao assim Quando terminou de falar essas coisas alguns se puseram a elogiálo disse Aristodemo enquanto Aristófanes tentava dizer alguma coisa porque Sócrates o tinha mencionado quanto a um aspecto de seu discurso Então subitamente a porta do pátio repercutiu um estrondoso barulho parecendo algazarra de foliões Podiase ouvir a voz da aulētris 212d123 ao que Agatão disse Escravos não ireis ver o que é Se for um de meus amigos chamai o Mas se não for dizeilhe que não estamos mais bebendo e já nos recolhemos Não demorou muito e ouviuse a voz de Alcibíades124 no pátio muito bêbado e falando alto Perguntava sobre Agatão e queria ser conduzido até ele É levado para dentro carregado pela aulētris e por alguns seguidores quando se detém na 212e porta Usando uma espessa grinalda de hera e violeta com abundantes laços sobre a cabeça disse Saudações senhores Aceitaríeis como companheiro de bebida um homem absolutamente bêbado Ou devemos apenas coroar Agatão125 motivo pelo qual viemos aqui e partir Ontem eu estava impossibilitado de vir disse mas estou aqui agora com estas fitas sobre a cabeça porque devo transferilas da minha para a cabeça do mais sábio e belo se assim eu puder proclamálo Por acaso ireis zombar de 213a mim porque estou bêbado Mesmo que caiais na gargalhada sei bem que o que vou dizer é verdade Mas falaime logo Nos termos enunciados devo entrar ou não Ireis beber comigo ou não Todos efusivamente o saudaram pedindolhe para que entrasse e se reclinasse Agatão o chamou e Alcibíades então se aproximou ajudado pelos demais Estava desamarrando as fitas da cabeça para passálas a Agatão e tendoas à frente dos olhos não percebeu Sócrates que se afastou assim que o viu Alcibíades sentou entre Sócrates e 213b Agatão Acomodado abraçou Agatão e o coroou Depois disso Agatão disse Servos tirai os calçados de Alcibíades a fim de que ele possa ocupar um terceiro lugar aqui Muito bem obrigado Mas quem é esse nosso terceiro companheiro de bebida Enquanto pergunta isso voltase para o lado e vê Sócrates Tem um sobressalto e diz Por Héracles mas o que é isso aqui És tu Sócrates Estavas reclinado aí para me 213c surpreender novamente e aparecer de repente como é teu costume lá onde eu menos espero Mas o que te trouxe a este evento E ainda por cima reclinado aqui hein Noto que não estás do lado de Aristófanes ou de alguém que tal como ele é cômico e gosta de sê lo Não tu maquinaste sentar ao lado do mais belo entre os que estão no recinto E Sócrates disse Agatão vê se vais me defender Porque meu amor por ele não é coisa leve De fato desde o momento que comecei a amálo não me foi permitido 213d voltar meu olhar e nem conversar com um jovem sequer de boa aparência Se o faço este aqui enciumado e invejoso faz coisas absurdas discute comigo e mal consegue manter suas mãos afastadas de mim Vê se ele não vai agir assim também aqui e tenta manter a reconciliação entre nós Se ao invés disso ele tentar à força defendeme pois eu fico muito apavorado com esse tipo de loucura e devoção ao amado Mas não há reconciliação entre mim e ti falou Alcibíades E quanto a essas 213e coisas que disseste vingarmeei mais tarde Para o momento Agatão por favor devolveme algumas das fitas para que eu coroe também a cabeça deste homem espantosa que é a fim de que não me censure por têlas dado a ti e não têlo coroado também ele que vence todos os homens em competições de discursos não apenas uma vez como tu antes de ontem mas sempre Dizendo isso Alcibíades pegou algumas das fitas coroou Sócrates e voltou a reclinarse no divã126 Já reclinado disse Muito bem senhores Mas o que é isso me pareceis sóbrios Isso não pode ser permitido e sim que bebais é o que foi acordado entre nós127 Assim escolho eu mesmo como mestre de cerimônias até que tenhais bebido o suficiente Agatão se tiveres um copo grande que o tragam Mas espera não é preciso Escravo trazeme aquele jarro de refrigerar vinho128 exclamou ao ver um que tinha espaço para cerca 214a de oito taças129 Encheu o foi o primeiro a beber e depois mandou servir Sócrates Enquanto isso falou Senhores meu truque não tem qualquer efeito sobre Sócrates Não importa o quanto alguém o sirva ele beberá sem que jamais fique bêbado130 O escravo encheu e Sócrates bebeu mais quando Erixímaco disse Mas o que estamos fazendo Alcibíades Assim enquanto o vinho vai passando não 214b estamos falando nada e nem cantando Iremos simplesmente beber como homens sedentos Alcibíades disse Caro Erixímaco o melhor filho do melhor e mais prudente dos pais salve Sim também tu salve respondeu Erixímaco Mas o que faremos O que ordenares devemos te obedecer pois um homem que é médico é tão importante quanto qualquer outro homem131 Então dizenos o que queres Ouve então disse Erixímaco Nós decidimos antes de tua chegada que cada 214c um devia proferir um discurso sobre o Amor o mais belo de que fosse capaz e dessa forma honrálo começando pela direita e na vez de cada um Todos aqui já falamos mas tu como ainda não discursaste e já bebeste tudo é justo que fales Tendo discursado poderás então prescrever a Sócrates o que bem quiseres E este ordenar o mesmo ao da direita e assim por diante É uma ótima ideia Erixímaco Mas talvez não seja justo comparar os discursos de um homem bêbado com os de um homem sóbrio E além do mais caro amigo está 214d Sócrates te persuadindo de alguma coisa do que disse há pouco Ou sabes que se dá inteiramente o oposto do que ele falou Pois é ele que não irá tirar as mãos de mim caso eu venha louvar qualquer outro deus ou mortal em sua presença Por que não te calas Sócrates disse Por Poseidon disse Alcibíades Não digas uma palavra contra isso Enquanto estiveres por perto jamais vou elogiar outro Então faz isso se preferires disse Erixímaco louva Sócrates 214e Como assim disse Alcibíades Estão convictos que é isso que farei Atacar o homem e me vingar dele na frente de vós todos Alto lá disse Sócrates O que tens em mente Irás me dirigir um encômio me expondo ao ridículo Ou o que pretendes Direi a verdade Vais me deixar fazêlo Mas claro Não apenas permito mas te exorto a dizer a verdade Vou falar logo disse Alcibíades mas antes aqui está o que preciso que façais se eu disser algo não verdadeiro podeis me interromper se quiserdes e apontar 215a o que é falso em meu discurso embora eu esteja disposto a não proferir falsidades De outro lado não fiqueis espantados se eu trocar um evento por outro enquanto tento recordálos pois não é fácil para alguém na minha condição enumerálos com a devida fluência e ordem Vou louvar Sócrates senhores empreendendo um método por meio de imagens Ao proceder assim vai parecer que faço uma caricatura para expôlo ao riso mas estarei me valendo de imagens com vistas à verdade não para ridicularizálo Em minha opinião 215b ele é semelhante aos bustos dos silenos132 dispostos nas oficinas de fabricantes de estátuas os quais são talhados pelos artesãos segurando pequenas flautas ou auloi133 Quando partidos ao meio revelam estátuas de deuses em seu interior Penso também que ele se assemelha ao sátiro Mársias134 O fato é que caro Sócrates pelo menos quanto à forma assemelhaste a estas figuras citadas o que suponho que nem mesmo tu irás contestar E atenta para ouvir depois disso tua semelhança nos demais traços Comportaste com insolência135 não é Se pois não concordares providenciarei testemunhas E tu não és um aulētēs136 Claro que és mais impressionante do que 215c Mársias Este usando seus instrumentos costumava encantar a todos pelo poder que vinha de sua boca e ainda hoje quem executa suas músicas provoca esse encanto E eu digo as músicas de Mársias porque penso que as melodias de Olimpo137 foram criadas por Mársias que as ensinou a Olimpo Somente estas músicas não importa se executadas por um bom aulētēs ou por uma aulētris138 ordinária são capazes de possuir a alma por serem divinas revelam quais pessoas estão na necessidade dos deuses e dos ritos de iniciação139 Já tu Sócrates és diferente de Mársias apenas nisso produzes esse mesmo efeito 215d sem instrumentos apenas por meros discursos E nós quando ouvimos alguém falando sobre um tópico qualquer mesmo que seja um indivíduo muito bom em discursar não se vê por assim dizer nenhum efeito em nós Mas quando alguém te ouve diretamente ou escuta tuas palavras através de outra pessoa não importa se for um orador absolutamente medíocre o fato é que ficamos todos mulher homem e adolescente na mesma medida encantados e maravilhados ao te ouvirmos E quanto a mim senhores se não fosse o risco de parecer estar irremediavelmente sob efeito da bebida eu iria sob juramento falar sobre como efetivamente fui afetado pelas palavras desse homem e 215e de como elas ainda mexem comigo Quando o escuto fico num frenesi mais intenso do que o dos coribantes140 o coração bate e lágrimas escorrem sob o efeito de suas palavras Noto também que muitos outros são igualmente afetados Quando ouvia Péricles141 e outros bons oradores costumava pensar que falavam bem mas esse tipo de efeito nunca senti ouvindoos nem minha alma foi arrastada em confusão ou fiquei chateado pelo estado miserável de servidão a que minha vida foi submetida Mas sob o 216a jugo deste Mársias aqui muitas vezes de fato estive num tal estado que chegava a pensar se valia a pena ter a vida que estava levando E isso Sócrates não poderás dizer que não é verdade Mesmo agora estou ciente de que se eu próprio consentisse em darlhe ouvidos não conseguiria resistir mas sofreria as mesmas paixões Ele me força a concordar que sendo muito deficiente negligencio minha própria alma e em vez de me educar voltome às atividades da política ateniense Por isso me forço a fechar os ouvidos e a fugir do seu canto de sereia o quanto posso de modo a não ficar sentado junto dele até a velhice Eu 216b experimentei com esse homem o sentimento que ninguém pensaria que poderia existir em mim em relação a quem quer que seja a vergonha o sentirse inferior Estou consciente de que não sou capaz de argumentar contra suas ideias pretendendo não fazer o que ele ordena e quando me afasto dele sei que me rebaixo à condição de quem apenas busca a admiração das massas Por isso me evado de sua presença e saio em disparada E sempre que o vejo envergonho me dos assentimentos que lhe dei Na verdade em várias 216c ocasiões eu teria ficado feliz em saber que ele não está mais entre os homens Por outro lado se isso de fato ocorresse sei bem que muito maior seria meu luto do que minha alegria Assim não sei o que devo fazer com esse homem Isso é então o que eu e outros tantos experimentamos por causa da música desse sátiro aqui Agora ouvime como ele é semelhante àqueles com os quais eu o comparei e o quão espantoso é o poder que ele possui Sabei bem que de fato ninguém de vós o 216d conhece Vou contudo revelálo já que comecei Notai pois que Sócrates tem inclinação amorosa pelos belos sempre os tem perto de si e por eles fica atordoado Além disso ignora tudo e nada sabe E assim na medida destas aparências ele não é como um sileno Com certeza o é Ele tem na superfície o aspecto gravado do sileno mas dentro de si uma vez que se abriu vós não imaginais meus caros simposiarcas a temperança142 que há nele Saibam que ele não tem nenhuma preocupação em saber se 216e alguém é belo Ao contrário vós não tendes ideia do quanto ele despreza isso ou se alguém é rico ou possui qualquer destas distinções que a maioria tanto preza Ele considera que todas essas posses não possuem valor E nós vós podeis acreditar não significamos nada para ele Ele passa a vida inteira simulando ignorância e brincando com as pessoas De outro lado quando está sério e se deixa ver não sei se alguém já notou as estátuas que carrega dentro de si Eu já as vi uma vez e me pareceram de tal 217a modo divinas e douradas tão belas e extraordinárias que para dizer em poucas palavras faço tudo o que Sócrates me mandar fazer Dessa forma quando pensei que ele ficou seriamente envolvido por minha beleza tomei isso como um presente divino e um golpe de sorte pois a partir daí teria a meu dispor após gratificálo tudo o que Sócrates sabia Eu tinha de fato certa impressão exagerada sobre minha beleza juvenil Mas com tais propósitos em mente eu que até então não tinha o costume de frequentar Sócrates desacompanhado dispensei o 217b acompanhante e comecei a frequentálo sozinho é preciso pois que eu vos diga toda a verdade Assim prestai atenção e se eu proferir falsidades Sócrates contestame De fato eu o encontrava a sós senhores sem mais ninguém E achava que ele iria então sem mais delongas dialogar comigo precisamente o tipo de conversa que um amante teria em particular com o amado Fiquei em júbilo Mas nada disso absolutamente ocorreu Ele conversaria na forma que tinha me acostumado e tão logo tivesse passado o dia comigo iria embora 217c Depois disso chameio para fazer ginástica e nos exercitamos juntos na esperança de que nessa atividade eu finalmente fosse alcançar meu objetivo143 Assim ele praticava comigo e travamos lutas várias vezes sem ninguém presente Mas o que dizer disso Efetivamente não consegui nada E dado que não obtive coisa alguma com tais tentativas decidi que devia atacar o homem pela força e não desistir da luta uma vez iniciada Tinha que saber naquela altura qual era a nossa condição Convideio então para um jantar exatamente como um amante preparando armadilhas para o objeto de suas 217d pretensões amorosas Mas nem nisso ele foi rápido em me aceitar embora tenha sido persuadido depois Na primeira vez que veio quis partir logo após o jantar Na ocasião sentindome embaraçado deixeio ir Mas quando novamente planejei o segundo encontro depois da comida mantive o sob conversa noite adentro Quando ele quis partir aleguei que estava muito tarde e insisti para ficar no que tive êxito Ele então deitouse no divã próximo do meu o mesmo no qual jantara há pouco Ninguém mais dormia no recinto 217e além de nós Bom até esse ponto do meu discurso de fato eu poderia muito bem relatálo a qualquer um Mas o que é dito a partir daqui vocês não iriam ouvilo de mim se não fosse o caso que antes de tudo como diz o provérbio no vinho com ou sem as crianças está a verdade144 Depois pareceme injusto omitir o gesto de excepcional desdenho de Sócrates quando me lancei num discurso em seu louvor Além do mais o estado do que foi picado pela serpente é de fato igual ao meu Dizem pois que qualquer um que foi picado não tem vontade de descrever o que sentiu exceto aos que também 218a sofreram o mesmo pois somente estes irão compreender e simpatizar com tudo o que a vítima disser ou fizer em sua agonia Eu contudo fui mordido por algo ainda mais doloroso e na parte mais sensível o coração mente ou como preferir chamar Fui atingido e picado pelos discursos filosóficos os quais cravam com mais virulência do que o veneno da víbora quando tomam a alma dos jovens com talentos levandoos a fazer e dizer todo tipo de coisa De outro lado olhando para os Fedros os Agatões os Erixímacos os 218b Pausânias os Aristodemos os Aristófanes e o próprio Sócrates por que não o mencionar além de vários outros vejo que vós todos partilhastes da loucura e frenesi da filosofia Por isso ireis me ouvir e sei que me perdoareis pelo que então fiz e agora vos relato Quanto aos servos ou alguém mais que seja não iniciado e inculto recomendo que coloque em seus ouvidos portas bem largas 218c Quando então senhores a lâmpada se extinguiu e os servos deixaram a sala decidi que eu não devia mais falarlhe de modo ambíguo mas dizer livremente o que estava pensando Então eu o chacoalhei e disse Sócrates estás dormindo Por certo que não por quê Por acaso sabes o que pensei Não do que se trata Que para mim tu és o único digno de se tornar meu amante Tenho a impressão contudo de verte hesitar em falar comigo a respeito Mas eis como me sinto considero um completo contrassenso não te gratificar tanto nisto como em outros casos 218d nos quais possas precisar de minhas posses ou de meus amigos Para mim com efeito nada é mais importante do que me tornar tão excelente quanto possível e ninguém é tão capaz de ajudarme nessa tarefa do que tu Devo dizer ainda que me sentiria muito mais envergonhado diante do que um homem inteligente diria se eu não te gratificasse do que em face da multidão inculta ao ver me fazêlo Ele ouviu essas minhas palavras e com ostensiva ironia muito característica dele retrucou Meu caro Alcibíades parece realmente que tu não és um tolo se o que dizes a 218e meu respeito for verdade e existir em mim certa capacidade por intermédio da qual poderias te tornar melhor Provavelmente vês em mim uma beleza inconcebível deveras distinta da linda aparência que tens Mas se a visão disso está te fazendo empreender uma barganha comigo para trocar uma beleza por outra então teu plano não é ter pouca vantagem sobre mim pois o que estás querendo é adquirir a verdade do que é realmente belo em troca do que é aparentemente belo Na verdade pensas obter ouro 219a em troca de bronze145 Contudo meu jovem examina melhor se não é o caso de que te escapou que não tenho valor algum Sabes que a percepção da inteligência começa a ver com agudeza quando a visão dos olhos declina146 e tu ainda estás um bocado longe disso Ouvindo isso respondi De minha parte é isso que está acontecendo e não expressei nada além do que realmente penso Que tu agora decidas sobre o que consideras o melhor para nós dois Muito bem no que acabas de dizer pelo menos estás corretíssimo 219b ele respondeu No futuro avaliaremos e faremos o que for o melhor para nós dois nesse e em outros temas Então eu que ouvia e também dizia tais coisas e tinha como se diz lançado minhas flechas pensava têlo acertado Assim sem deixálo dizer nada mais levantei e pus meu manto pesado sobre a roupa leve que ele usava embora fosse inverno Deiteime sob o manto e abraceio com as duas mãos este homem extraordinário e 219c verdadeiramente um semideus Assim permaneci com ele por toda a noite Não poderás de teu lado Sócrates dizer que estou mentindo Contudo mesmo fazendo tudo isso este Sócrates saiu ileso das minhas investidas e ainda desprezou zombou e insultou minha beleza física justo aquele atributo que eu pensava me conceder alguma substância senhores juízes De fato sois vós que ireis atuar como juízes da arrogância de Sócrates Pois sabei bem que por todos os deuses e deusas juro que ao me levantar não achei mais interessante 219d ter passado a noite com Sócrates do que tê lo feito com meu pai ou com meu irmão mais velho Então depois disso com que sentimentos imaginais que fiquei De um lado considerava que fui desonrado mas de outro estava ainda admirando o caráter deste homem sua temperança e coragem Tinha encontrado uma tal espécie de ser humano voltado à sabedoria e perseverança como jamais pensaria encontrar Contudo não podia irritarme com ele ou privarme de sua companhia tampouco tinha os meios de como 219e deixálo vencido Eu sabia bem que ele era ainda mais incorruptível pelo dinheiro do que Ajax pela espada De fato no que pensei ser meu único meio de pegálo ele escapoume Estava sem meios perambulando a esmo sentindo me subjugado por este Sócrates como jamais alguém o foi por outro Tudo isso com efeito já tinha acontecido quando participamos juntos de um serviço militar em Potideia onde partilhamos a mesma mesa147 Percebi antes de tudo que ele não só me superava nos esforços empreendidos nos navios como também superava todos os demais E sempre que éramos privados de suprimentos e obrigados a seguir sem 220a comida como ocorre nas campanhas os outros não eram nada comparados à sua resistência no jejum Nos banquetes todavia era único na capacidade de aproveitálos Em particular apesar de preferir não beber quando forçado costumava bater todos O que acho mais surpreendente é que nenhuma pessoa jamais viu Sócrates bêbado disso aliás o veremos sob teste a qualquer momento hoje Sua resistência ao inverno e as tempestades locais eram terríveis também foi espantosa Certo dia em que sobreveio uma neve das 220b mais severas todos os soldados evitavam sair ou caso arriscassem envolviamse numa quantidade absurda de roupas com os pés bem calçados amarrados em feltros e peles de ovelhas Já este homem nestas condições do tempo ia para fora com o mesmo manto que usava antes e mesmo andando descalço percorria o gelo com mais facilidade do que os que estavam calçados Os soldados olhavam desconfiados achando que ele os 220c rebaixava Bom para tais eventos basta mas também que exemplo o resistente soldado demonstrou e suportou148 certa vez lá na campanha vale a pena ouvir Certa manhã ele se pôs a refletir sobre um problema e se plantou no lugar examinandoo Quando viu que não avançava na questão não desistiu mas continuava lá parado e pensando em algo Já era meio dia quando os homens notaram o fato espantados falavam entre si que Sócrates tinha estado lá desde a aurora de pé refletindo sobre alguma coisa Finalmente já de tarde alguns dos jônicos que já tinham jantado trouxeram 220d para fora seus leitos de dormir pois nessa época já era verão de modo que podiam dormir ao ar fresco e ao mesmo tempo observar Sócrates para ver se permaneceria ali noite adentro E de fato ele ficou até amanhecer e o sol se levantar Depois caminhou para longe dali não sem antes fazer uma prece ao Sol Se desejais ouvir sobre as batalhas o que segue me permitirá fazer justiça ao renderlhe um tributo no curso do embate pelo qual os generais me concederam o prêmio pelo 220e desempenho nenhum homem salvou minha vida além de Sócrates Fui ferido e ele não quis me deixar para trás mas recolheume juntamente com minhas armas149 Na verdade Sócrates naquele momento solicitei aos generais que dessem a ti a recompensa Não poderás me censurar por contar isso nem dizer que não falo a verdade Contudo quando os generais estavam considerando me dar o prêmio em parte por minha posição social tu mesmo foste mais insistente do que eles em defender que eu o devia levar em vez de ti E ainda em outra ocasião senhores vós teríeis apreciado observar Sócrates 221a quando o exército estava se retirando em fuga na batalha de Delio150 Ocorreu que eu servi na cavalaria e Sócrates como hoplita151 O exército já havia se dispersado e Sócrates se retirava juntamente com Laques152 quando me aproximei Ao vêlos imediatamente encorajeios a manteremse firmes e disselhes que não os deixaria para trás Foi aí então que Sócrates me pareceu ainda mais nobre do que em Potideia eu tinha menos a temer pois estava a cavalo Primeiro de tudo notei o quanto ele superava Laques 221b no que respeita a manterse centrado Depois me pareceu como tu aí Aristófanes naquela tua expressão153 que ele se portava lá como aqui em Atenas impondo se e lançando os dois olhos de um lado a outro com calma examinando amigos e inimigos para ser evidente a qualquer um mesmo a distância que se alguém pusesse a mão nesse homem ele se defenderia com muita força Por isso ele e seus companheiros partiram em segurança Pois como regra os inimigos sequer tocam aqueles que exibem esse tipo de atitude na guerra São os precipitados em fuga que eles 221c perseguem Assim certamente em louvor de Sócrates alguém poderia mencionar muitos outros casos extraordinários E embora talvez haja aspectos desse tipo a se dizer também de outras pessoas no que respeita a outras atividades o fato de ele não ter semelhança com nenhum outro ser humano tanto com os de antigamente como com os de hoje é o mais digno de toda admiração O tipo de homem que Aquiles se tornou alguém poderia tomálo como referência e medir Brasidas154 e outros ou Nestor e Antenor155 com o que Péricles veio a ser e assim por diante E do mesmo modo alguém poderia produzir 221d comparações em outros casos Mas este aqui se tornou de tal forma um homem não convencional que se alguém for procurar não irá encontrar ninguém sequer próximo para compará lo nem entre os de hoje e tampouco entre os de outrora exceto talvez se fosse comparado àqueles sobre os quais estou falando não com qualquer homem mas com os silenos e sátiros Há um detalhe que omiti no começo que também os discursos dele são 221e semelhantes aos bustos abertos dos silenos Se alguém estivesse disposto a ouvilos iriam parecer muito ridículos na primeira impressão por fora esses discursos são totalmente revestidos por palavras e frases de fato um tipo de couro de sátiro insolente Ele fala de animais de carga ferreiros sapateiros curtidores parecendo sempre dizer as mesmas coisas com os mesmos termos de modo que qualquer homem inexperiente e tolo 222a zombaria de seus discursos Qualquer um que os vir abertos e olhar dentro deles primeiro irá descobrir que esses discursos são os únicos que possuem um significado próprio Depois verão também que são os mais divinos e contêm em si mesmos um grande número de imagens de virtude Além disso esses discursos se estendem a muita coisa ou antes a tudo que convém ser considerado por quem tem a intenção de se tornar belo e bom Isso é o que tenho a oferecer senhores em louvor de Sócrates Também acrescentei ao discurso o que recrimino nele e contei como ele me insultou Aliás isso não foi feito 222b apenas comigo mas também com Cármides156 filho de Glauco com Eutidemo157 filho de Díocles e com vários outros aos quais ele enganou fazendose de amante de jovens quando ao invés de amante ele se torna o objeto do amor158 deles Assim com respeito a estas coisas efetivamente te alerto Agatão para que não sejas enganado por ele e tendo apreendido as lições precedentes estejas atento e não sejas tolo como diz o provérbio por aprender apenas pelo sofrimento 222c Tendo dito então estas coisas houve risos pela franqueza de Alcibíades pois parecia ainda envolvido amorosamente com Sócrates Sócrates então falou Penso que tu estás sóbrio Alcibíades pois do contrário não terias tentado embalarte tão astutamente sob a capa do teu discurso para encobrir a razão de tudo isso que disseste Fazendo parecer se tratar de um aspecto secundário tu estabeleceste o alvo no fim do discurso como se tudo não tivesse sido expresso por 222d esse motivo criar desavença entre mim e Agatão Pois pensas que devo amar a ti e a nenhum outro e que Agatão deve ser amado por ti e por mais ninguém Isso com efeito não me escapou e o propósito desse teu drama de sátiros e silenos ficou evidente Então meu caro Agatão não deixes nada mais ser concedido a Alcibíades Cuida para que ninguém nos divida 222e Agatão então respondeu Acredito mesmo que estás certo Sócrates Dou como evidência aliás que ele se deitou entre mim e ti no divã de modo a nos manter separados Nada mais será concedido a Alcibíades e eu vou me reclinar aqui junto de ti Por favor faz isso disse Sócrates Reclinate aqui à minha direita Por Zeus disse Alcibíades Olha o modo como sou tratado de novo por esse homem Ele pensa que deve em tudo obter o melhor de mim Mas maravilhoso amigo se nada mais o for permite que Agatão se deite entre nós dois Isso não é possível disse Sócrates Pois tu me elogiaste159 Devo pois na minha vez elogiar o que está à direita Mas se Agatão estiver entre nós serei por certo novamente elogiado em vez de ele receber o elogio de mim não é160 Então concede 223a isso divino amigo e não invejes o elogio que o jovem receberá de mim pois de fato é grande o meu desejo de fazêlo Uau exclamou Agatão Alcibíades não há como eu ficar aqui Antes de qualquer outra coisa vou mudar de lugar para ser elogiado por Sócrates Lá vamos nós de novo disse Alcibíades Com Sócrates presente é impossível outro receber um olhar dos belos E que fluente e persuasiva eloquência ele achou para este aqui sentarse a seu lado 223b Assim Agatão se levanta para deitarse à direita de Sócrates De repente foliões em grande número chegam às portas deixadas abertas enquanto alguém saía Vão direto para a sala de jantar e tomam seus lugares Havia barulho por todo lado todos foram compelidos a beber muito vinho e já não restava nenhuma ordem Aristodemo contou que Erixímaco Fedro e outros foram embora dali enquanto ele próprio caiu no sono 223c adormecendo por horas porque as noites nessa época eram longas vindo a despertar no raiar do dia com os galos cantando Ainda acordando Aristodemo viu que alguns dormiam e outros tinham ido embora mas Agatão Aristófanes e Sócrates eram os únicos a estarem despertos Estavam bebendo de uma grande jarra que passavam da esquerda para a direita Sócrates ainda discursava para eles Quanto aos detalhes do 223d discurso Aristodemo disse que não se lembrava por não ter presenciado o começo e ainda estar meio sonolento No geral ele disse Sócrates os forçava a admitirem que o mesmo homem pode reunir o conhecimento necessário para produzir comédias e tragédias e que o verdadeiro compositor de tragédias é também um compositor de comédias Assim Sócrates os levava a admitirem essas coisas mas seguiam mal o argumento por causa do sono Aristófanes adormeceu primeiro e já começava a surgir o dia quando Agatão também dormiu Então Sócrates depois de têlos arrastado para o leito levantouse e saiu dali Aristodemo como de costume seguiuo Ao chegar no Liceu Sócrates asseouse e ocupou seu tempo ali o resto do dia como sempre fazia E assim à tardezinha foi para casa repousar 2 A edição do texto grego que usamos é a de John Burnet Oxford Classical Text Os números 172a 172b são conhecidos como paginação de Stephanus em referência à numeração que acompanha todas as obras de Platão introduzida na edição latimgrego de 1578 por Henricus Stephanus Utilizamos também com bastante proveito a edição de Kenneth Dover DOVER K Plato Symposium Cambridge CUP 1980 especialmente os comentários e as informações históricas bem como a versão do texto de Burnet comentada por Geoffrey Steadman STEADMAN G Platos Symposium 1999 Também consultamos as seguintes traduções modernas PLATÃO O Banquete São Paulo Abril 1983 1972 Coleção Os Pensadores Tradução de José C de Souza SCHÜLER D Platão O Banquete Porto Alegre LPM 2009 Tradução notas e comentários de Donaldo Schüler HOWATSON SHEFFIELD ed Plato The Symposium Cambridge CUP 2008 Tradução de MC Howatson GILL C Plato The Symposium Londres Penguin 1999 VICAIRE LABORDERIE Platon Le Banquet Paris Les Belles Lettres 2008 O leitor que desejar aprofundar a interpretação do diálogo pode consultar BURY RG The Symposium of Plato With introduction critical notes and Comentary Cambridge W Heffer and Sons 1932 O volume de Christopher Gill acima traz uma excelente introdução e uma bibliografia atualizada sobre vários tópicos do Banquete Para interpretação de temas gerais da filosofia platônica indicamos a tradução brasileira do The Cambridge Companion to Plato KRAUT R org Platão São Paulo Ideias Letras 2013 Nas notas de rodapé colocamos informações mínimas sobre alguns termos nomes e fatos históricos citados Informações mais completas sobre personagens e eventos históricos citados no Banquete ou que rondam seu contexto dramático podem ser encontradas em NAILS D The People of Plato IndianápolisCambridge Hackett 2002 3 As informações que temos sobre Apolodoro além do que está no diálogo são escassas o companheiro citado é desconhecido 4 Falero é um porto a aproximadamente 6km de Atenas 5 Não temos informações claras sobre que tipo de brincadeira se trata Para especulações a respeito cf Bury 1932 Souza JC 1983 p 7 6 Amor traduz Erōs substantivo derivado do verbo eran amar apaixonadamente estar apaixonado ter desejo por algo 7 Este amigo é Sócrates 8 A vitória de Agatão no concurso de tragédias se deu em 416 aC Platão devia ter de 10 a 12 anos nessa época Famoso por sua beleza Agatão tinha um relacionamento de longa data com Pausânias também presente no Banquete Tinha cerca de 30 anos na época dramática do diálogo Para mais detalhes cf Nails 2002 p 910 9 Pouco se sabe deste personagem além das informações relatadas no Banquete 10 Erastēs amante O termo erastēs no Banquete é usado para o parceiro mais velho na relação amorosa entre homens Mas na presente passagem é provável que erastēs não tenha a conotação de amante mas de um tipo de devoção afetiva Aristodemo tinha forte admiração por Sócrates Cf uso semelhante em Protágoras 317c Sócrates e Hipócrates são erastai fãs de Protágoras Cf DOVER 1980 p 4 11 Kakodaimōn desafortunado infeliz desprovido de eudaimonia felicidade 12 Sócrates filósofo ateniense mestre de Platão Viveu entre 469 e 399 aC ano em que foi condenado à morte num julgamento orquestrado por seus inimigos em Atenas Não deixou nada escrito A obra de Platão é a fonte principal das ideias socráticas mas é difícil sabermos o que nos textos platônicos é um pensamento de Platão atribuído a Sócrates ou é um pensamento genuinamente socrático Para um relato histórico da relação entre as ideias de Sócrates e as de Platão cf ARISTÓTELES Metafísica 987b 1078b1079a e 1086ab 13 Segundo Sheffield Howatson 2008 Sócrates teria em mente um provérbio que diz À festa de homens inferiores os bons vão sem serem convidados 14 Brincadeira de Sócrates com o nome de Agatão o plural agathōn significa dos bons 15 Cf HOMERO Ilíada 17 588 Agamênon é o chefe do exército grego na Guerra de Troia Menelau é seu irmão casado com a belíssima Helena O motivo declarado da guerra é o rapto de Helena pelo troiano Páris Helena e Páris se apaixonaram o que desencadeou a fúria de Menelau e deu oportunidade a Agamênon para convocar os gregos a lançaremse contra os troianos 16 Aristodemo se refere ao fato de chegar sozinho pois ele e Sócrates tinham combinado que encontrariam uma forma de justificar a presença de Aristodemo na casa de Agatão já que aquele não foi convidado Notemos como Agatão logo justifica que teria chamado Aristodemo no dia anterior mas não conseguiu encontrálo 17 Os convidados se deitam num tipo de divã voltam a parte superior do corpo para a esquerda apoiando o cotovelo em almofadas o que permite que possam com a mão direita se servirem de bebida e comida numa mesa ao lado do divã 18 Pausânias era amante de Agatão Os dados históricos sobre sua vida são escassos Cf Nails 2002 p 222 19 Aristófanes 450386 aC é um célebre comediógrafo grego nascido em Atenas Temos apenas 11 das cerca de 40 peças que escreveu Uma das mais conhecidas é As nuvens na qual satiriza Sócrates Para detalhes cf Nails 2002 p 5457 20 Originário do distrito de Mirrinote Fedro pertencia ao círculo de Sócrates Esteve envolvido em 415 aC no episódio conhecido como profanação dos mistérios de Elêusis cf NAILS 2002 p 232 pelo qual foi exilado Faleceu em 393 aC Platão dedicoulhe o diálogo Fedro 21 Jovem mulher instrumentista de aulos um instrumento musical de sopro constituído de um ou mais tubos É similar à flauta e geralmente traduzido por esse termo mas optamos por manter o termo original Mulheres podiam ser contratadas nos sūmposia para tocarem esses instrumentos algumas vezes se tornavam parceiras sexuais dos convidados cf DOVER 1980 p 87 22 Melanipa a Sábia tragédia perdida de Eurípedes O verso mencionado por Erixímaco é não é minha a história mas de minha mãe cf SOUZA 1983 p 11 23 Enkōmion discurso em louvor de um objeto ou pessoa Também chamado de epainos louvor 24 Filósofo ateniense de Ceos 25 HESÍODO Teogonia 116120 26 Compositor de genealogias do século V aC 27 Não é claro quem é ela Talvez a deusa Justiça cf SOUZA JC 1983 p 13 Outras sugestões em Dover 1980 p 91 Cf tb Parmênides B 13 DielsKranz 28 Traduzimos erōmenos e paidikos por amado e erastēs por amante Os dois primeiros termos se referem ao indivíduo mais jovem na relação normalmente o objeto do amor O último é quem desenvolve o desejo pela pessoa amada Para uma análise sucinta do tema cf Gill 1999 p xiiixv Dover e Foucault exploraram o tema respectivamente em DOVER KJ A homossexualidade na Grécia antiga São Paulo Nova Alexandria 2007 FOUCAULT M História da sexualidade 2 o uso dos prazeres Rio de Janeiro Graal 1984 29 Ilíada X 482 XV 262 Odisseia IX 381 30 Para detalhes cf a tragédia Alceste de Eurípedes 31 Músico grego 32 Poeta grego 33 A versão popular do mito de Orfeu é um pouco diferente 34 Aquiles é o principal personagem da Ilíada de Homero 35 As mulheres não escravas de Atenas viviam sob um regime de vigilância por parte dos homens pais maridos parentes para que não tivessem sobretudo envolvimentos sexuais com outros homens cf HOWATSON SHEFFIELD 2008 36 Mais precisamente sob o domínio dos persas se Platão está escrevendo o Banquete depois de 385 aC cf HOWATSON SHEFFIELD 2008 37 Os ginásios são os locais públicos frequentados por jovens atenienses para exercícios físicos mas também para conversações filosóficas 38 Ambos mataram Hiparco irmão de Hípias tirano de Atenas o que precipitou a queda do governo deste último 39 O texto em 183a1 diz que essas censuras são feitas pela filosofia termo que omitimos na tradução O problema é que não faz sentido dizer que é a filosofia que faz tais censuras Talvez o termo filosofia seja um acréscimo posterior 40 Referência a HOMERO Ilíada II 71 41 A referência é a pausaniou pausamenou termos semelhantes e mesmo número de sílabas conforme a tradição retórica Aqui é Apolodoro narrador principal que menciona essa regra 42 Erixímaco era médico e amigo de Fedro Para detalhes de sua vida cf Nails 2002 p 143144 43 Erixímaco se refere a homens e mulheres 44 Para Erixímaco a medicina é a ciência sobre o equilíbrio dos elementos no organismo um caso de doença é visto como excesso da presença de alguns elementos e ausência de outros Por isso traduzimos o par plēsmonēkenōsis como saciedadevacuidade 45 Aristófanes e Agatão Asclépio é patrono da medicina 46 Sumphonia Provavelmente Platão não tem em mente a concepção de sinfonia como audição simultânea de notas diferentes cf DOVER 1980 p 108 47 Erixímaco quer dizer que na constituição da música só se manifesta a forma sadia de amor conforme a distinção posta por Pausânias no discurso anterior 48 Cf 186d 49 Aristófanes se refere às características efeminadas dos que são chamados por esse nome 50 Ilíada V 385 Odisseia IX 305 51 Cf PLUTARCO Moralia 770b 52 Sūmbolon no original indica uma moeda ou pedaço partido de um objeto que representava compromisso entre duas pessoas 53 Hefesto é o deus da fundição 54 Segundo Xenofonte Helênicas 5 2 os espartanos destruíram Mantineia na Arcádia em 385 aC e dispersaram seus habitantes Há aqui um anacronismo pois o diálogo se passa em 416 aC Essa referência serve contudo para termos uma ideia aproximada da data de composição do Banquete 55 Cf sūmbolon acima 56 Devese notar aqui a relevância filosófica desse princípio Tratase de uma tese semelhante ao que ensina Sócrates nos textos de Platão uma investigação sobre o que é algo deve se dirigir primeiro à essência do tema para só então se debruçar sobre seus efeitos Em 199c Sócrates elogia Agatão por ter proposto isso Em 201e o procedimento é retomado por Sócrates no contexto da descrição de Diotima 57 Comparar com 178ab onde Fedro diz que o Amor é o mais velho dos deuses 58 Aretē virtude excelência de algo 59 Essa expressão é do retórico Alcidamas cf ARISTÓTELES Retórica 1406a1723 60 Sōphrosūnē 61 Andreia 62 Cf SÓFOCLES Thūestes fr 235 Agatão coloca Amor no lugar do termo Necessidade presente no texto de Sófocles 63 Cf Odisseia 8 266366 64 Sophia 65 Sentença de Stenobeia tragédia perdida de Eurípedes que significa não importa quão estranho à poesia tenha sido antes 66 Odisseia 633635 67 O sentido desse termo aqui é amplo questões do amor 68 Cf enkōmion na Introdução 69 Cf EURÍPEDES Hipólito 612 70 Sócrates se refere a seu compromisso de se juntar aos elogios seguindo o método tradicional pois constata que as características desse método não se adequam bem a seu estilo 71 Sócrates descarta um aspecto do termo de em referência à origem como um filho é filho de um determinado pai para destacar o objeto do amor Assim amor é de alguma coisa da mesma forma que fome é fome de comida saudade é falta de alguém ou de algo pai é pai de alguém e assim por diante 72 Há alguma discussão entre os leitores do Banquete sobre a referência do termo isso no texto Entendemos que Sócrates está pedindo a Agatão para considerar como um ponto de acordo a tese de que o amor tem sempre um objeto é amor de alguma coisa 73 Cf 197b 74 Tratase da epidemia de 430 aC no início da Guerra do Peloponeso cf BURY 1932 75 Sócrates está dizendo que ela concebeu os ritos feitos pelos atenienses para afastar a doença 76 As perguntas tis estin e poios tis aqui são complementares mas distintas Agatão tinha sugerido em 194e195a que se deve tratar primeiro do ponto de vista da questão Que tipo de coisa é poios tis Sócrates introduz aqui sua tradicional pergunta pela essência de algo O que é tis esti ou ti esti 77 No texto eiē de tōn kalōn pode significar i que o Amor tem as coisas belas como objeto ou ii que a beleza é um dos atributos do Amor Agatão expressou as duas possibilidades Cf 197b e 201a para a primeira e 195a para a segunda Diotima irá criticar a tese de que o Amor tem a beleza como um atributo próprio 78 Para uma discussão mais ampla nos textos de Platão sobre a distinção entre opinião correta conhecimento e ignorância cf República 477480 Mênon 9799 Teeteto 187210 79 Aqui Platão segue uma prática habitual muda os termos para não se repetir Antes usou epistasthai para conhecimento agora usa prhonēsis Ambos são sinônimos nesse contexto 80 daimōn espírito ou gênio 81 Isto é o todo constituído por espíritos homens e deuses 82 A história que segue apresenta ideias abstratas pobreza recurso sabedoria representadas por deuses uma característica da cultura mítica dos gregos O expediente permite a explicação dos atributos do Amor como resultado da fusão de determinadas características das entidades que o conceberam 83 Deusa da sabedoria primeira esposa de Zeus Significa também perspicácia astúcia prudência 84 Philosopheō buscar o saber esforçarse para se tornar instruído meditar refletir ocuparse de forma metódica com algo científico 85 Philosophos filósofo quem tem afinidade amizade com a sabedoria Quem ama pratica uma arte ou ciência 86 Euporos detentor de recursos materiais ou intelectuais algo praticável com relativa facilidade 87 Eudaimōn feliz indivíduo bemaventurado 88 A resposta fornece um telos fim acabamento finalização fim último à pergunta sobre o que motiva o desejo de coisas boas é a felicidade que isso proporciona Não há uma meta a ser buscada além da felicidade Para um desenvolvimento posterior da tese de que a felicidade eudaimonia é um fim último cf ARISTÓTELES EN I 7 89 O natural em grego seria tomar aei com boulesthai mas conforme o que Diotima diz em 206a é perfeitamente aceitável tomar aei com einai Em 206a Diotima diz que o Amor é o desejo de possuir o que é bom para sempre 90 Poiēsis ação de fazer de produzir algo Alguns tradutores optam por termos como composição ou produção Preferimos manter o original mas o leitor deve ter em mente que nosso termo poesia já não guarda quase nenhuma relação com o termo grego Até mesmo o sentido específico citado por Diotima a poesia dos versos tal como os gregos a faziam é muito diferente da poesia moderna 91 Talvez uma citação de um poeta mas ninguém sabe de quem 92 É o relato de Aristófanes em 191d193d 93 Ergon função ou tarefa 94 Vários leitores alegam que há uma ambiguidade na preposição grega en no em aqui pode significar que o Amor é dar à luz em dentro de algo que é belo ou na presença de algo que é belo Penso que o segundo sentido é muito fraco pois a metáfora enfatiza que o desejo amoroso se volta aos objetos belos com o desejo de procriar neles Isso significa sobretudo ter a posse desses objetos e produzir ações ou realizações 95 Tokos en kalōi Diotima usará a partir daqui uma linguagem de concepção e geração tokos gennēsis tiktein kuēsis É a chamada metáfora da gravidez o Amor como um processo de concepção gestação e nascimento no belo O termo tokos pode se referir tanto à ação de parir ou gerar quanto ao produto gerado cria filho O que Diotima está dizendo é que o Amor tem como desejo último a geração de um filho ou um produto no belo isto é no que possui beleza 96 Kuosin O verbo kueō aqui significa levar em seu seio ficar grávida Não deixa de ser surpreendente o uso desse verbo característico da gestação feminina para retratar a gravidez no corpo e na alma de todos os seres humanos pantes anthrōpoi Importante notar que a metáfora da gravidez na descrição de Diotima enfatiza que homens e mulheres são fecundos e querem dar à luz a diferentes espécies de filhos como veremos adiante 97 Aischros significa fealdade em sentido físico e moral 98 En de tōi kalōi Como aischros kalos belo também tem sentido estético e moral 99 Eileithyia e Moira são deusas dos nascimentos 100 to kuoun fecundo germinante grávido fértil A metáfora da gravidez usada por Diotima e os vários termos correlatos tiktein gennan tokos gennēsis se aplicam a diferentes contextos de procriação e geração Mas provavelmente o texto de 206d está se referindo ao processo físico da ejaculação masculina tokos é usado para o parto da mulher mas poderia também indicar a concepção como fruto da fecundação masculina Notese que em 208e Diotima diz que os homens que estão fecundos em seus corpos buscam sobretudo as mulheres De outro lado o início do relato em 206c diz que todos os seres humanos são capazes de fecundar Há portanto uma ambiguidade entre um uso geral da imagem da gravidez cujo exemplo natural é a mulher e a aparente escolha do macho como responsável pela procriação Uma alternativa para escapar da ambiguidade talvez seja tomar a metáfora do ponto de vista de sua função no texto Diotima não quer enfatizar a concepção natural e seus desdobramentos físicos ainda que em 206c ela provavelmente esteja usando reações sexuais masculinas para indicar uma instância de concepção no belo cf DOVER 1980 p 147 Seu objetivo tem um escopo maior defender que dar à luz tiktein no belo tem diferentes formas e suas instâncias ocorrem no corpo e na alma de diferentes seres vivos 101 Tēs gennēseōs Gennēsis é geração produção criação 102 Melete tem também o sentido de revisão ou prática 103 A fonte dessa citação é desconhecida 104 Cf o discurso de Fedro em 179bd 105 Cf 179e180a 106 Os manuscritos medievais do Banquete traziam outro termo aqui theios divino inspirado divinamente corrigido para ēitheos não casado solteiro por Parmentier pois theios parece não fazer muito sentido nesse contexto 107 O exemplo de Homero e Hesíodo mencionado a seguir indica que aqui o sentido de filhos é bem amplo qualquer produção obras seguidores ações gloriosas 108 Famoso legislador espartano criador das instituições legais e militares daquela cidade Os filhos de Licurgo são essas realizações 109 Poeta moralista e legislador ateniense Suas leis permitiram o estabelecimento efetivo da democracia em Atenas no século VI 110 Ta de teleia kai epoptika são os estágios finais na preparação dos mistérios de Elêusis O segundo termo é um refinamento do primeiro Cf Bury 1932 p 124 111 Ho egoumenos guia condutor líder 112 José Cavalcante 1983 p 41 notou acertadamente que nesse degrau da compreensão do belo não há amor físico entre os parceiros De fato o amor sexual foi discutido em 209c 210a no contexto do argumento da imortalidade buscada através da produção de filhos sejam os naturais ou as obras concebidas pelo trabalho intelectual Ali a relação sexual não é como pode parecer mero expediente para um indivíduo perpetuar mas é descrita como uma força natural cujo propósito escapa a quem não reflete como Diotima sobre isso Mas a partir da solene introdução de Sócrates aos altos mistérios epoptica 210a212b tratase de explicar como uma pessoa pode passar da percepção de instâncias do belo o belo nos corpos nas obras nas ações para a compreensão de sua unidade essencial a Forma do belo 113 Eidos Provavelmente Platão está usando o termo em seu sentido filosófico o aspecto unitário que um objeto possui quando pensado sob a perspectiva de suas propriedades essenciais 114 Alternativa considerar a beleza de todos os corpos sob a forma de sua unidade e identidade hen te kai tauton hēgeisthai 115 O sentido do adjetivo sūngenes aqui é todas as instâncias de belo possuem a mesma origem comum Cf Dover o belo manifesto em todas as coisas belas é em última instância um 1980 p 156 116 Platão usa aqui termos que sugerem percepção direta ou visão instantânea katopsetai exaiphnēs da Forma do belo Mas devese notar que Diotima enfatiza no contexto o progresso intelectual desse processo Assim não é propriamente uma visão direta sem mais mas uma compreensão filosófica sobre a distinção entre instâncias de beleza e a própria Forma da beleza A compreensão dessa ideia se dá no último estágio quando o progresso intelectual se transforma num esclarecimento súbito e simples possível somente àquele que empreendeu os difíceis passos anteriores 117 Aei on cf tb 211b notar o contraste da Forma do belo cujo ser é sempre o mesmo e não sofre geração destruição acréscimo ou diminuição com itens que dependem de uma forma de ver do tempo do lugar da medida de comparação da visão das pessoas de traços físicos ou das espécies de objetos tomados como belos cf 211ab Outros textos de Platão apresentam uma descrição similar das Formas Cf sobretudo Fédon 65d66a 78c89e Para exemplos de Formas cf Fédon 65d 75c 75e 100b 103e 104ac 105d 106d Para um exame crítico cf Parmênides 129135 118 Monoeides aei on Alternativa é sempre unitário na espécie ou na forma Cf Fédon 78d5 119 Em diferentes lugares 210a2 a4 a6 e3 211b5 b7 Diotima enfatiza que essa forma de amor aos jovens deve ser usada de modo adequado o que significa que seu objetivo deve ser a educação filosófica cf DOVER 1980 p 158 120 Aqui temos uma recapitulação de 210a211b 121 Lendo hina gnōi cf Dover em 211c8 122 Diotima sugere uma faculdade como a inteligência Cf República 490b 518c 519b 123 Cf 176e 124 Alcibíades 451404 aC de família nobre e rica de Atenas destacouse na política Tinha acentuada beleza e personalidade além de um talento em oratória Teve atuação importante na Guerra do Peloponeso mas caiu em desgraça perante a opinião pública ateniense por ter sido um dos incentivadores da fracassada campanha militar na Sicília no ano de 415 aC Para mais detalhes cf Nails 2002 p 1017 125 Alcibíades referese à coroa que está usando em sua própria cabeça destinada a Agatão 126 Desde que viu Sócrates Alcibíades esteve falando de pé 127 Cf 213a 128 Pūkteros grande jarro usado para conservar o vinho e outros líquidos 129 Kotūlē equivale a mais ou menos 14 de litro 130 Cf 176c 220a 131 Cf HOMERO Ilíada XI 514 a frase original é dita no contexto em que Idomeneu insiste para que Nestor retire um médico ferido do campo de batalha 132 Silenos ou sátiros criaturas míticas que integravam a entourage de Dioniso deus do vinho Exibiam obscenidade embriaguez malícia Alguns utensílios antigos os retratam com características de animais com orelhas e rabos de cavalos ou traços de bodecervo Também desenhados com nariz arrebitado e olhos protuberantes como Sócrates em Teeteto 143e 133 Auloi Cf nota 21 134 Excelente profissional de aulos aulētēs teria disputado uma competição musical com Apolo quando perdeu e foi esfolado pelo deus 135 Não é a mesma insolência hūbris dos sátiros que assaltam sexualmente as pessoas em parte impulsionados pelo efeito da bebida A insolência socrática será descrita por Alcibíades adiante 136 Aulētēs profissional do aulos 137 Segundo a mitologia Olimpo é o inventor do aulos e de várias melodias antigas 138 Cf nota 21 139 Para o uso da música na religião cf Ion 533534 Minos 318b em Platão Política 1340a em Aristóteles 140 Seguidores dos cultos orgiásticos da deusa frígia Cibele Os coribantes dançavam intensamente e seus movimentos tinham efeitos catárticos sobre quem assistia em especial sobre os doentes 141 Influente político ateniense 495429 aC considerado o pai da democracia em Atenas Foi excelente orador com uma capacidade inigualável de levar a audiência a seguir os argumentos e as escolhas políticas que julgava as mais acertadas 142 Sōphrosūnē Alternativas de tradução autocontrole inteligência 143 Esses exercícios de ginástica eram feitos nos ginásios com os homens frequentemente nus 144 O provérbio original é oinos kai paides alētheis o vinho e as crianças mostram a verdade Mas como o termo para crianças é o mesmo para escravos ou garotos paides o sentido do provérbio pode variar Cf Dover 1980 p 169 para um breve comentário 145 HOMERO Ilíada 6 322326 146 O sentido é claro mas o texto grego aqui é incerto 147 Cidade da costa noroeste da Grécia Em 432 aC houve uma revolta contra o controle ateniense e a cidade foi sitiada por dois anos 148 HOMERO Odisseia 4 242 149 Por que resgatar também as armas Porque voltar da batalha sem as armas poderia levantar suspeitas de abandono antecipado já que o guerreiro poderia têlas jogado para fugir mais rápido 150 A Beócia foi invadida pelos atenienses em 424 aC Pouco depois da invasão os atenienses foram derrotados perto de Delio sudeste da Beócia quando voltavam para casa 151 Combatente a pé Usava armas pesadas como escudo lança e uma espada curta 152 General ateniense amigo de Sócrates Morto em 418 aC Platão escreveu um diálogo sobre a coragem andreia e intitulouo com o nome desse general 153 As nuvens 362 154 Comandante espartano de muita habilidade e coragem Atuou sobretudo no início da Guerra do Peloponeso 431404 aC e foi morto numa batalha em 422 aC 155 Na Ilíada Nestor e Antenor são conselheiros respectivamente dos gregos e troianos 156 Jovem aristocrata ateniense admirador de Sócrates e irmão da mãe de Platão O diálogo de Platão sobre a noção de sōphrosūnē temperança recebeu o nome de Cármides 157 Este Eutidemo não é o sofista que nomeia outro diálogo de Platão mas um jovem frequentador do círculo de Sócrates 158 Kathistatai se torna paidika objeto do amor jovem amado 159 Isto é produziu um epainos discurso elogioso em honra de Sócrates como os demais convivas o fizeram para o Amor 160 Cf 213a Selo Vozes de Bolso Assim falava Zaratustra Friedrich Nietzsche O príncipe Nicolau Maquiavel Confissões Santo Agostinho Brasil nunca mais Mitra Arquidiocesana de São Paulo A arte da guerra Sun Tzu O conceito de angústia Søren Aabye Kierkegaard Manifesto do Partido Comunista Friedrich Engels e Karl Marx Imitação de Cristo Tomás de Kempis O homem à procura de si mesmo Rollo May O existencialismo é um humanismo JeanPaul Sartre Além do bem e do mal Friedrich Nietzsche O abolicionismo Joaquim Nabuco Filoteia São Francisco de Sales Jesus Cristo Libertador Leonardo Boff A Cidade de Deus Parte I Santo Agostinho A Cidade de Deus Parte II Santo Agostinho O conceito de ironia constantemente referido a Sócrates Søren Aabye Kierkegaard Tratado sobre a clemência Sêneca O ente e a essência Tomás de Aquino Sobre a potencialidade da alma De quantitate animae Santo Agostinho Sobre a vida feliz Santo Agostinho Contra os acadêmicos Santo Agostinho A Cidade do Sol Tommaso Campanella Crepúsculo dos ídolos ou como se filosofa com o martelo Friedrich Nietzsche A essência da filosofia Wilhelm Dilthey Elogio da loucura Erasmo de Roterdã Linguagem corporal em 30 minutos Monika Matschnig Utopia Thomas Morus Do contrato social JeanJacques Rousseau Discurso sobre a economia política JeanJacques Rousseau Vontade de potência Friedrich Nietzsche A genealogia da moral Friedrich Nietzsche O Banquete Platão Textos de capa Contracapa Um traço notável do Banquete é a complexidade de sua composição Platão escolhe cuidadosamente alguns representantes da intelectualidade da Atenas de seu tempo e concebe discursos para que profiram durante um banquete na casa do poeta Agatão O texto é um testemunho de como Platão dominava o método de filosofia que concebeu investigações discursivas sobre temas de interesse geral Amor Justiça Conhecimento por meio de diálogos fictícios com personagens históricos muitos dos quais defensores de fato das ideias vinculadas a seus nomes A fórmula típica de um diálogo platônico é um texto que desenvolve argumentos por meio de conversas No Banquete Platão emprega essa fórmula para compor uma trama de discursos personagens fatos históricos costumes da Atenas clássica humor e ironia Verso da capa Platão viveu nos séculos V e IV aC Filósofo e matemático do período clássico da Grécia antiga foi o fundador da Academia em Atenas a primeira instituição de educação superior do mundo ocidental Juntamente com seu mentor Sócrates e seu pupilo Aristóteles Platão ajudou a construir os alicerces da filosofia natural da ciência e da filosofia ocidental É autor de diversos diálogos filosóficos e pai das principais ideias que inspiram as grandes correntes filosóficas até hoje Jogos de poder Fexeus Henrik 9788532653574 280 páginas Compre agora e leia Este livro inclinará a balança ao seu favor Não importa se você for vendedor advogado garçom professor cuidador gerente estratégico estudante ou encantador de cães a meta é ajudálo a dominar a arte de conseguir o que quer e não o que os outros querem Deixeos envolvidos em aulas e pesquisas Atividades assim podem ser interessantes e divertidas mas não são realmente necessárias Mais fácil é parar de ser um seguidor e tornarse um líder Compre agora e leia A linguagem corporal dos lideres Goman Carol Kinsey 9788532648686 304 páginas Compre agora e leia A linguagem corporal é a administração do tempo do espaço da aparência da postura do gesto da prosódia vocal do toque do cheiro da expressão facial e do contato visual A mais recente pesquisa na neurociência e psicologia provou que a linguagem corporal é crucial para a eficácia da liderança e este livro vai mostrar a você exatamente como ela impacta a capacidade dos líderes em negociar administrar a mudança estabelecer a confiança projetar o carisma e promover a colaboração Compre agora e leia Apologia de Sócrates Ed Bolso Platão 9786557131084 56 páginas Compre agora e leia Esta obra escrita por Platão é um dos primeiros relatos da defesa de Sócrates que foi acusado de corromper a juventude não cultuar os deuses que a cidade cultua e criar uma nova divindade É o registro de uma das defesas mais famosas e polêmicas da história do direito e da justiça ocidentais Sócrates foi considerado culpado e morreu após ingestão de um poderoso veneno Compre agora e leia A arte de ter razão Schopenhauer Arthur 9788532656933 64 páginas Compre agora e leia Neste livro Schopenhauer apresenta 38 estratégias sobre a arte de vencer um oponente num debate não importando os meios utilizando a maior ferramenta que possuímos a palavra É possível recorrer a estes estratagemas lícitos e ilícitos para obter razão e defendêla quando ela estiver do nosso lado ou conquistála quando estiver do lado do adversário Com frieza classificatória Schopenhauer indica os caminhos oblíquos e os truques de que se serve a natureza humana em geral para ocultar seus defeitos Compre agora e leia Compaixão Nouwen Henri 9786557133637 176 páginas Compre agora e leia Neste ensaio provocativo sobre a virtude menos compreendida a compaixão os autores desafiam a si mesmos e a nós com estas questões Onde colocamos compaixão em nossas vidas É suficiente viver uma vida em que nos machucamos o mínimo possível Nosso ideal é uma vida de máximo prazer e mínima dor Compaixão responde não Depois de anos de estudo e discussão entre si com outros religiosos e com homens e mulheres no centro da política nacional os autores analisam a compaixão com uma nova perspectiva vigorosa Eles colocam a compaixão no coração da vida cristã em um mundo governado durante muito tempo por princípios de poder e controle destrutivo A compaixão não mais meramente a pagadora de erros humanos é uma força de oração e ação é a expressão do amor de Deus por nós e nosso amor por Deus e uns pelos outros Compaixão Uma reflexão sobre a vida cristã é um livro que diz não à compaixão de culpa e fracasso e sim a um amor compassivo que permeia nosso espírito e nos leva à ação Trecho da obra Compre agora e leia PLATÃO O Banquete tradução introdução e notas de Anderson de Paula Borges Petrópolis RJ Vozes 2017 Coleção Vozes de Bolso Amar Que pode uma criatura senão entre criaturas amar amar e esquecer amar e malamar amar desamar amar sempre e até de olhos vidrados amar Que pode pergunto o ser amoroso sozinho em rotação universal senão rodar também e amar amar o que o mar traz à praia e o que ele sepulta e o que na brisa marinha é sal ou precisão de amor ou simples ânsia Amar solenemente as palmas do deserto o que é entrega ou adoração expectante e amar o inóspito o áspero um vaso sem flor um chão de ferro e o peito inerte e a rua vista em sonho e uma ave de rapina Este o nosso destino amor sem conta distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas doação ilimitada a uma completa ingratidão e na concha vazia do amor a procura medrosa paciente de mais e mais amor Amar a nossa falta mesma de amor e na secura nossa amar a água implícita e o beijo tácito e a sede infinita Carlos Drummond de Andrade O que pode uma criatura entre criaturas senão amar Essa pergunta que inicia o poema de Drummond coloca questões mais profundas se quisermos ir além do poema e consequentemente para além do sentimento de amor por outra pessoa O amor é muito mais O amor é indecifrável mas também é banal é grandioso e também motivação de dor O amor é algo de que se fala e ao mesmo tempo pode ser apenas palavras O amor nunca ficou tão vazio e nunca foi tão necessário nesses tempos de amor líquido onde liquidez humana é a medida na superficialidade das relações Falamos de amor porque o capitalismo se tornou sentimental Não Somos sentimentais e amamos o capitalismo Mas voltando a Itabira este ensaio sobre o amor busca a resposta que o poeta não deu mas parece indicar no poema que o nosso destino é o amor a razão pela qual estamos no mundo Talvez um dia saberemos se a solidão a angústia pelo amor ou a falta dele são mesmo a condição de tremor nesse paradoxo da existência Somos kierkgaardianos responsáveis por nossa existência e pelas escolhas certos de que também o amor nos escolhe Se não deu certo é porque não tinha que dar Por isso talvez seja tão claro entender que a vida só pode ser compreendida olhandose para trás mas só pode ser vivida olhandose para a frente O amor talvez seja esse futuro de cada um de nós que buscamos compreender a existência No mundo capitalista onde o amor se compra talvez fosse necessário investigar se não continuamos pagando o preço de nosso infortúnio viver e amar e nesse meio tempo entre decisões e projetos de uma vida boa vamos sofrendo entre amores e desamores ao longo da vida No entanto se uns amam pelo que lhes falta outros amam pelo que lhes sobra Os que amam a falta amam a razão do que são seres de carência imperfeitos fadados ao destino humano de procurar algo ou alguém para lhes fartarem Amam a falta daquilo que são do que procuram se tornar De toda forma entendo que essas pessoas amam o reflexo do que não são Justificam o amor na necessidade da vida que é uma pungente caminhada para o abismo Quem nunca sofreu por um amor não correspondido Na juventude sofrer por amor é a prova viva de que tudo perde sentido Uma pessoa que ama a falta pode ser carente de amigos de dinheiro de objetivos Pode ser completa na vida mas lhe falta na alma Essas pessoas buscam no amor aquilo que lhes dá sentido pois sua carência é pura falta E isso é muito Faltarnos um propósito na vida é perder toda a chance de fazer diferente Outros amam o que lhes sobra Sobra o desejo a vontade insatisfeita a necessidade de reconhecimento A vida é uma incessante busca por amar alguma coisa Amam coisas afazeres amam o fútil e o supérfluo Amam o dinheiro e tudo aquilo que entendem caber na sua medíocre existência São ricos e pobres ao mesmo tempo Desejam tanto amar o objeto de desejo que amam apenas sem saber por quê A vida é apenas isso Viver todo dia em função do relógio do tempo do dinheiro das contas e do que acumulam Sobram sentimentos desejos sobra a desnecessidade de buscar algo além de si mesmos Se uma vida a dois é enfadonha amam o desconhecido buscam aventuras Vivem para amar a vida que tem porque se não a tem melhor pretendem Se a tem pior buscam amar alguma coisa para lhes dar sentido Dito isso o amor se trata disso que não sabemos Um algo que aí está e não conseguimos definir Nem nós mesmos sabemos quem somos se existe uma essência humana Nossas escolhas ao longo da vida nos tornam livres para as burradas cotidianas Quantas vezes nos enganamos com o amor e mesmo assim tentamos Se soubéssemos não haveria razão para cantores sertanejos e novelas Não haveria razão para querer compreender a vida Mas a vida mesma foge à compreensão do amor Tantas pessoas em nome do amor se matam e matam Em nome do amor de Deus muitos começam guerras religiosas ou perseguições Em nome do amor a uma ideia nos tornamos preconceituosos e racistas Em verdade o amor pode se dar de várias maneiras mas a compreensão do que ele realmente é se mistura entre nossa opinião e a verdadeira realidade das coisas Entre o que achamos doxa e aquilo que corresponde à realidade o ser do amor verdadeiro Mas então como saber o que é o amor Partindo de um clássico da literatura a obra O Banquete um dos diálogos de Platão ali encontramos uma das primeiras análises sobre o amor Em algum momento do século 416 A C o debate em torno do amor nos dá indicação de que essa questão é premente e necessária Senão porque ainda estamos como sociedade tão preocupados com o amor Naquela obra saber o que é o amor eros está além do amor a dois do amor hetero homo pan ou demissexual As complexas classificações de hoje seriam incompreensíveis para os gregos porque naquele tempo o amor entre pessoas do mesmo sexo era tão natural como é para nós hoje as relações heterossexuais Em certa passagem quando é chegado o esperado momento do discurso de Sócrates o filósofo rememora os ensinamentos de Diotima1 a quem lhe concedeu grandes ensinamentos sobre o amor esta lhe responde 1 ob cit pag 71 se quiseres olhar para o amor que a humanidade nutre pela honra te espantarias com sua irracionalidade nos assuntos acerca dos quais tratei a não ser que reflita sobre isso considerando como eles são intensamente afetados pelo desejo de se tornarem famosos e amealharem para a eternidade uma fama imortal Por causa disso estão prontos para correrem todos os riscos ainda mais do que o fariam pelos filhos e também se dispõem a gastar dinheiro sofrer qualquer tipo de privação e até morrer pela honra Se não somos deuses mas talvez semideuses decaídos de algum puxadinho do Olimpo dos tempos modernos o certo é que de tudo há referências para amar e não amamos Ao tratar do amor como algo mais sublime que o sentimento Diotima explica a Sócrates que muitos homens amam a honra mais que os próprios filhos Ela demonstra que que aquele que age movido por um verdadeiro amor se torna imortal É preciso considerar contudo que essa imortalidade deve ser tomada no sentido de que nos tornamos encantados como diria Guimarães Rosa Ao morrer por amor damos sentido à ação pela qual morremos A vida passa a um significado maior quando existem amor Em tempos sombrios como os nossos não vemos demonstrações de amor verdadeiro senão entre pais e filhos ou algumas outras em raríssimas exceções Por isso cabe falar do amor de Deus Independentemente de qualquer religião que tenhamos o amor de Deus nos indica que somos seres terrenos provindos de alguma força maior da qual não sabemos Somos finitos contingentes e limitadamente capazes de compreender a nossa existência A esperança por uma vida além desta ou a dúvida sobre outros planos nos remete à finitude É possível duvidar dessa verdade inconteste Morremos A morte é o desfecho o fim para o qual todo o amor deveria ser satisfatoriamente realizado Quanto amor desperdiçado numa vida fútil de brigas desnecessárias e discussões banais O amor de Deus é o amor pelo qual deveríamos dar sentido à existência pela simples razão de que nossa humanidade nos chama ao amor A vida não é uma viagem de férias Deveríamos de algum modo nos fazer mais amorosos pacientes mais humanos Com tanto mal no mundo e de guerras novas e velhas a humanidade não aprender a amar Mas então o amor é a suprema felicidade Não Um amor correspondido não vive as labutas diárias a humanidade concreta do indivíduo com chulé mal hálito e contas para pagar A vida diária não alimenta a barriga com amor pois a fome é apenas de desejo Falo dos amantes O amor por outra pessoa é sim uma grande razão para o sentido da vida Mas não é tudo O amor entre amantes é ou deveria ser o amor da compaixão companheirismo amizade acima de tudo Amantes que se amam também se matam brigam e se odeiam Entendo que o amor pelo sexo oposto é uma necessidade orgânica moldada por substâncias cerebrais desconhecidas pois quem nunca não ficou louco de amor O amor que se acaba apenas foi um amor de fim de tarde de solidão que se cansa do desejo de companhia Se amamos de verdade entendemos a natureza das coisas e que muitas vezes as pessoas desconhecem suas próprias razões Há mistérios maiores em magoar quem se ama mesmo sem saber As palavras e as conversas atravessadas são dispóticas Eu falo A a pessoa entende não a briga começa e só acaba no fim do dia E não suficiente aparece ainda o desejar um outro a permanente fonte inesgotável de querer a grama mais verde A beleza a dúvida o mistério que se confunde com paixão A necessidade de ter o impossível até tornalo possível O amor se corrompe pela necessidade humana de trocarmos de parceiros Uma necessidade biológica para a manutenção da espécie Talvez não mas o fato é que por isso se justifica que o amor também acaba A beleza do amor que ficou é seguir em frente e poder se descobrir novamente numa pessoa que se foi num relacionamento que não deu certo O problema é a pessoa não amada Essa sim pode compreender que o seu amor justifica a injustificável atitude de confundir sentimento com propriedade Não é por que se casam que alguém detém a vida do outro para depois do fim do casamento Esse sim é o perigo de levar o amor ao abismo dos sentimentos para tornar a pessoa nãoamada abominável E então se não sabemos distinguir os sentimentos que por tantas vezes nos confundem e enganam devemos separar por exemplo o amor fraterno o paterno o amor à Deus Amor entre familiares queiramos ou não nos é dado não escolhido Neles o amor nasce da convivência e do cuidado Talvez nunca haja irmãos que não se odeiem Já o amor de pai e mãe esse nunca morre Mesmo com dura convivência um dia o rancor se esvai e cede espaço para o perdão Se existe algo tão demasiadamente humano é o amor dos pais pelos seus filhos Queremos amálos sem fazelos sofrer mas a vida é a própria experiência do sofrimento Como podemos crialos bem O amor pelos filhos é com certeza uma das limitações humanas Que pai ou mãe nunca sofreu por criar os filhos O amor exige regras a dura educação moderna no mundo irreal das frivolidades Como amar uma parte tão diferente de você sem ter medo do futuro O amor é assim uma doença tratável mas incurávelfilhos bons tiveram pais ótimos Filhos não tão bons também tiveram pais que buscaram o possível Aí está a prova de que a vida e o amor não nem sempre se encontram Por essa razão talvez tenhamos que nos voltar ao amor como meio para a evolução do espírito tomado aqui numa concepção filosófica O espírito humano se eleva na medida em que busca o autoconhecimento a consciência sobre o próprio mundo e a sua identidade sobre quem se é e o que pode se tornar Tornamonos melhores à medida que amamos a vida e tudo que ela carrega As dificuldades as dores angústias e a própria alegria efêmera de momentos efêmeros O amor talvez seja o caminho embora nem sempre saibamos para onde ir E na perspectiva platônica da ideia do Sumo Bem o amor é mesmo o ato de educar para uma ética do bem viver do todo que nos alcança Só podemos evoluir se amamos aquilo que nos dá sentido e não apenas preocuparmos com a superficialidade da vida Por isso mesmo os discursos sobre o amor não tratam de amor Uma separação idealizada entre o que esperamos que o amor seja e aquilo que ele realmente é O materialismo da vida não nos impede de viver o amor como ele embora muitas vezes queremos apenas idealizalo A força da linguagem muito mais que tempos passados nos coloca reféns do que dizemos E ao declarar sentimentos somos marcados pelas incapacidades de lidar com o sentido que assumem Nem sempre correspondem às palavras o sentido de um eu te amo Nem sempre corresponde ao emissor o sentido daquilo que quer expressar Talvez por isso se fala tanto de amor sem amar Por essa razão e coincidentemente falando de discurso os personagens dO Banquete dialogam sobre o amor dentro de sua temporalidade Nós em tempos modernos não compreendemos o sentido do discurso amoroso para o nosso tempo Como forma de demonstrar a complexidade dos discursos sobre o amor tanto para os antigos como para os modernos cabe rememorar as principais passagens dos interlocutores no tempo de Platão O primeiro deles de Fedro usa o argumento de que Eros a personificação do amor é dos mais antigos deuses Ele é o responsável pelos maiores bens aos seres humanos e inspira à nobreza à virtude O segundo discurso de Pausânias já vai na direção oposta e argumenta que Eros não é um mas dois um Eros Popular carnal e um Eros Celestial O primeiro é o amor vulgar ligado à sexualidade e ao prazer corporal Já o segundo Eros Celestial é o amor bom que se refere à alma à inteligência No terceiro discurso o de Erixímaco um experiente médico vai compreender Eros a partir de sua prática profissional onde toda doença é uma forma de excesso O amor é o responsável pela harmonia do corpo Aristófanes o dramaturgo dá sua contribuição marcadamente influenciado pelo teatro O autor traz o mito do Andrógino em que Zeus dividiuos em dois na atual aparência humana Sentindose incompletos anseiam e buscam sua metade Agatão o anfitrião onde o banquete se realiza afirma que todos os anteriores focaram nos dons do amor o sentimento Ele foca no semelhante sempre em busca do semelhante O amor se realiza entre jovens pois Eros é jovem Por fim o mais aguardado discurso o de Sócrates o amor é amor à beleza O amor é carente do que é belo e o que é bom é belo também do que é bom seria ele carente O amor seria como uma pulsão criadora inventiva que nos mobiliza em direção à criação daquilo que amamos Para o filósofo que acaba por sintetizar também sua filosofia relaciona o amor à ética em que a suprema forma de amar é se dedicar aos negócios da cidade e à justiça E então a quem poderia hoje discutir o amor sob estas perspectivas O discurso sobre o amor não nos diz o que o amor é mas apenas o que pensamos sobre ele a partir de nossa realidade Se somos amados pensamos no amor com expressão de um sentimento embora sem nenhuma certeza de até quando ele perdura O amor é a memória que o temo não mata já disse Vinicius de Moraes E assim podemos acabar este pequeno ensaio sobre o amor ensaiando uma resposta de que ainda continuamos sem compreendelo Talvez com Clarice Lispector quando disse Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado pensava que somando as compreensões eu amava Não sabia que somando as incompreensões é que se ama verdadeiramente Porque eu só por ter tido carinho pensei que amar é fácil Fim