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Engenharia Ambiental ·

Sustentabilidade e Desenvolvimento

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Justiça ambiental e construção social do risco Environmental justice and social construction Henri ACSELRAD RESUMO 1 ação coletiva contra uma ordem ambiental tida por injusta manifestase simultaneamente em dois planos a no plano da distribuição objetiva dos efeitos ambientais das prátieas sociais que exprime a diferença de poder sobre os reeursos ambientais entre os distintos grupos soeiais e b no plano diseursivo no qual vigoram distintos esquemas k representação do mundo do ambiente da justiça ete E neste último plano que eoloease emjogo a legitimidade do padrão de distribuição do poder sobre os reeursos ambientais O presente trabalho procura analisar o modo eomo os movimentos por justiça ambiental operam nos planos prátieo e diseursivo reeusando a reprodução da desigualdade de poder e denuneiando as relações de dominação assoeiadas à imposição desigual de danos ambientais Palavraschave riseojustiça ambiental movimentos soeiais ABSTRACf The eolleetive aetion against Vhat is denouneed as an unfair environmental order expresses itselfat tVo kvels a at the levei of the objeetive distribution of environmenlal elTects of the social praetiees relleeting the distinet amounts of poVer over environmental resourees betVeen the dilTerent social groups and b at the levei ofdiseolrse Ilhere are established dilTerent represenlations ofthe Iorld the environmenL justiee ete I this last leveI Velllind the debate about the legitimaey ofthe distribution pattern of poVer over resourees The present text analyses the Vay through Vhieh the movements for environmentaljustiee aet at the praetieal and diseursive leveis rcfusing the reproduetion ofthe inequality of poVer over resourees and protesting against domination relations resulting fram the discriminatory imposition of environmental harms levlIlls risk environmental justiee soeialmovements Paper apresentado lO XIII Encontro Nacional da Associaílo Brasileira de Estudos Populacionais Caíllllbu novembro 2002 Professor do Inslitulo de Pesquisa e PlaneFlll1ento Urbano e Regional da UIl1ersidade Federal do Rio de Janeiro IIIPIHUUIRI pesquisador do CNPq Desel1olimenlo e Meio Ambiente n 5 r 496üjanjun 2002 Editora UFPR 49 ACSELRAD 11 Jusiça ambienlal e consruçào social do risco Introdução Ante os indicadores do que um pensamento economicista dominante considera o núcleo do proble ma ambiental o desperdício de matéria e energia empresas e governos tendem a propugnar ações da cha mada modernização ecológica destinadas essencial mente a promover ganhos de eficiência e a ativar merca dos Tratam assim de agir no âmbito da lógica econômi ca atribuindo ao mercado a capacidade institucional de resolver a degradação ambiental economizando o meio ambiente e abrindo mercados para novas tecnologias ditas limpas Celebrase o mercado consagrase o con senso político e promovese o progresso técnico I Tem se como dada a capacidade de superar a crise ambiental fazendo uso das instituições da modernidade sem aban donar o padrão da modernização O pressuposto bási co de tal modernização é o da possibilidade de um apren dizado institucional frente à crise ecológica Diante desta abordagem conservadora do que se apresenta como crise ecológica alguns autores sugeri ram que a teoria da Sociedade de Risco de Ulrich Beck representaria uma alternativa crítica radical por consi derar a existência do conflito ecológico e da desigualda de de poder sobre as técnicas e por justificar a ação crítica do ecologismo sobre instituições que não seriam por si sós capazes de aprender como lidar com o caráter ampliado dos riscos Segundo Beck a chamada Socie dade de Risco teria surgido no momento em que os rIS cos se desconectam dos fundamentos da calculabilidade do seguro de acordo com ele elementos típicos das sociedades industriais do século XIX Nesta perspecti va a crise ecológica contemporânea decorreria do fra casso das instituições responsáveis pelo controle e pela segurança que sancionam na prática a normalização legal de riscos que são incontroláveis Em tal sociedade a proteção declinaria com o crescimento do perigo ca bendo aos atores do ecologismo organizado a denúncia da irresponsabilidade organizada e da confusão paradigmática pela qual se estaria enfrentando os peri OS do século XXI com conceitos anacrônicos típicos b do que Beck chama de risco protoindustrial Apesar de ser referida como uma versão mais pro ressista da terceira via de Giddens a teoria de Beck b vem levantando inúmeras dúvidas quanto à sua capacI dade de oferecer clareza sobre a natureza do conflito ecológico bem como de identificar de forma focalizada a potência transformadora do mesmo Se para a moderni zação ecológica a questão ambiental pode ser apropria damente internalizada pelas próprias instâncias do capi tal de modo a absorver e neutralizar as virtualidades transformadoras do ecologismo para a teoria de Beck por sua vez o conflito ecológico não remete à categoria capital Como observa seu crítico Rustin haveria uma Iigação entre o caráter abstrato dos riscos tratados pela teoria de Beck e a sua relutância em atentar para as propriedades sistêmicas das sociedades capitalistas de mercado Segundo este autor os teóricos da sociedade de risco desviaram a atenção política das críticas ao ca pitalismo ignorando que toda consideração séria so bre os perigos ambientais aponta imediatamente para a necessidade de se conter e controlar a operação dos mercados como uma de suas primeiras causas Falta à análise um princípio central organizador do mundo soci al quando não se examinam as conexões causais e os lócus de poder que condicionam as escolhas e os pro cessos técnicos Mas a crítica desenvolvida por Beck dirigese contra a racionalidade técnicocientífica e não contra o poder institucional do capital posto que ele considera que é no modo científico de pensar e não na lógica capitalista que o mobiliza que encontrase o foco do risco É por isso que a esfera econômica é por ele ft freqUentemente referida como sistema tecnlcoecono I A de J11odcmizaçào ecológica segundo Blowers designa o processo pelo qUrll as instituilyõcs políticas iI1ICrnaliz1ll Inocllpalycs ccológica no lia onciliar o crescimento econômico com a resolução dos problemas ambienlais dandose ênlise adaplçüo teenologleaa eelebraçao daeeonom de propOSIO e c I b CI 13l0WERS A Fnvironmental Poliey Ecoloeie1 ModenllzallOn OI llie Rlsk Soelcly Ir 1111 I 31 mercado a crença na co a OI açao e no consenso n56 p 815871 p 853851 1997 k I 1 I FNZ C I I TOli SomI sob o Cf MOl A Tllc Relinement 01 Productiou Eeologieal Modelllization amlllie Clleulleal Industl Utrcdll Van 11 e apue o c Sign Ecoígio a Illodemizaçilo ecológica lIcnle llllodcrnizaç1o rcllciva d IlIt1l11 GiddcllS c Ulrich I3cck UCIIo dc lslfldos ImhlcJlIUls HIIJJCIOll 2 n I p 66 e 75 janlabr 2000 3 MOl oI eit p 75 I I I 11 If fI 9 P 97J5 4 Cf BECK U From Industrial to Risk Society qucstions of sUfial social slruclurc alui ccologlca cn Ig ltclll1lCnt ICOI1 11 11ft 1992 5 cr RUSTlN M Relllterprctlllg R k I SCOTT J W KETES Eds clOols oi lllOIIIf twentvlivc ars 01 interpretative SOCial seienee Prinecton 15 n c Princeton University Press 2001 p 357 50 Desenolvimento C Meio Ambiente n 5 r 4960janljun 2002 Editora lJFPR mico e não como campo políticoeconômico onde os processos decisórios se desenrolam Para Rustin ao contrário do que pretende a teoria da sociedade de risco não seria uma racionalidade abstrata a força motora do que se entende por crise ambiental mas a racionalidade instrumental própria do capita6 Brian Wynne7 por sua vez critica em Beck a con sideração excessivamente realista da geração de uma nova consciência cultural decorrente de riscos reais uni versais que introduziriam o ceticismo público e conse qüentemente a autorefutação na modernidade e em suas instituições Nesta mesma direção HajerK considera que a modernização reflexiva tal como caracterizada por Beck restringese equivocamente à ação dos homens sobre o mundo negligeciando o que nela se apl ica às categorias de percepção da realidade incluindose por tanto a própria categoria risco Em Beck com efeito a despeito de afirmações pontuais de que o risco é cultu ralmente determinado a construção teórica supõe que este é dado pelas técnicas Beck não incorpora analitica mente a presença de lutas simbólicas em torno à sua caracterização enquanto tal Desconsiderando a cate goria capital e concentrando a ação reflexiva sobre o controle das tecnologias o aoutor configura como sus tenta Hajer não uma concepção oposta à modernização ecológica mas uma espécie de vertente crítica desta mo dern ização 10 De acordo com as considerações criticas aqui su cintamente apontadas portanto nem os defensores da modernização ecológica nem os teóricos da Sociedade de Risco incorporam analiticamente a diversidade social na construção do risco e a presença de uma lógica polí tica a orientar a distribuição desigual dos danos ambientais Do lado dos atores da modernização ecoló gica ambientalistas conservadores ou empresários ambientalizados nenhuma referência é feita por exem plo à possibilidade de existir uma articulação significati va entre degradação ambiental e injustiça social Nenhu ACSELRAD 11 Justiça ambiental e construção social do risco ma disposição demonstram tampouco estes atores em aceitar que a crítica ecologista resulte em mudança na distribuição do poder sobre os recursos ambientais Do lado dos teóricos da sociedade de risco por sua vez nenhuma referência é feita aos distintos modos pelos quais os agentes sociais evocam a noção de risco nem às dinâmicas da acumulação que subordinam as esco lhas técnicas nem tampouco ao trabalho de construção discursiva do qual depende a configuração das alianças no âmbito das lutas sociais inclusive na formulação diversificada da própria crítica ecologista Os sujeitos sociais que procuram evidenciar a im portância de uma relação lógica entre injustiça social e degradação ambiental são aqueles que não confiam no mercado como instrumento de superação da desigual dade ambiental e da promoção dos princípios do que se entenderia por justiça ambienta Estes atores conside ram que há clara desigualdade social na exposição aos riscos ambientais decorrente de uma lógica que extrapola a simples racionalidade abstrata das tecnologias Para eles o enfrentamento da degradação do meio ambiente é o momento da obtenção de ganhos de democratização e não apenas de ganhos de eficiência e ampliação de mer cado Isto porque supõem existir uma ligação lógica en tre o exercício da democracia e a capacidade da socieda de se defender da injustiça ambienta11 Ao contrário portanto tanto da perspectiva da modernização ecoló gica como da teoria da Sociedade de Risco não haveria nesta ótica como separar os problemas ambientais da forma como se distribui desigualmente o poder sobre os recursos políticos materiais e simbólicos Formas simul tâneas de opressão seriam responsáveis por injustiças ambientais decorrentes da natureza inseparável das opressões de dasse raça e gêneroI2 Inúmeros autores destacam o fato de que os movi mentos por justiça ambiental que apontam o caráter socialmente desigual das condições de acesso à prote ção ambiental são os que mais ganharam força desde o 6 cr RUSTIN M Incompclc Modelllity Urich Becks Risk Society Iladutlllllosoll1l n 67 p 9 Summer 1994 7 cr WYNNE B May the Shccp Safcly Grazc A reflcive vie orlhc Epertay Knowedge Divide In LASII S SZERSZYNSKI 13 WYNNE 13 Eds IIsk J1rOlllJ1elll fJ Aderl1i LOlldon Snlc Publicntions 1996 8 Cr HAlER M lhe Iolfles oi IIolIIICIIal seOlIse eeologieal modelllization and poliey processo Orord Clarendon Press 1995 9 Cr ACSELRAD 11 MELO C C A Conflito social e risco ambiental o caso de um vazamento de óleo na l3aia de Guanabara In ALI MONDA H Org hcgia loliflUl Natnraleza Soeiedad y Utopia Buenos Aires CLACSO 2002 p 293317 10 Cf IIAJER opei I1 Cr ACSELRAD 11 Justiça Ambienla novas articulaçães entre meio ambiente e democracia In IrlASECUTRJIPPURUFRJ MOIIIICIO SIlcal e eiesa do Moo illlIIe o debate intelllaeional Rio de Janeiro sn 2000 p 712 12 Cf TAYLOR D E lhe Rise Df the cllvirOlll1lCntal justilC paradigm illjuslicc thlllling lIld lhe socinl conslruction 01 cllvirolll11Cntal discourse AlllellClfll HelwlwlIro U11I v 43 11 1 p 523 jall 2000 Dcscnvolvimcnto C MClo Ambicntc n 5 r 4960janJjun 2l02 Iditora UFPR 51 ACSELRAD 11 Jusliça all1bienlal e conslrução social do risco início dos anos 90 erigindo visão alternativa à hegemonia da modernização ecológica alterando a configuração do movimento ambientalista e sendo vistos até por alguns como potencialmente capazes de vir a liderar um novo ciclo de movimentos por mudança social Na perspec tiva da sociologia dos problemas sociais sendo a agen da pública objeto de disputa este relativo sucesso dos movimentos por justiça ambiental teria resultado basica mente da capacidade dos mesmos influenciarem pautas políticas nacionais 1 O poder destes movimentos em influenciar decisivamente o debate político onde isto se verificou teria decorrido da aceitação da retórica pela qual seus portavozes promoveram uma construção par ticular da noção de bem público cuja amplitude pode ria ser estimada inclusive pela intensidade da reação con servadora que empenhouse em descaracterizar a lógica social denunciada como fonte das injustiças ambien taisil O que procuramos discutir no presente texto é o modo pelo qual agentes sociais envolvidos na denúncia de injustiças ambientais acionam um quadro discursivo que contesta ao mesmo tempo a modernização ecológi ca e os pressupostos da teoria da Sociedade de Risco evidenciando a lógica social que associa a dinâmica da acumulação capitalista à distribuição discriminatória dos riscos ambientais A evidenciação de uma agenda submersa Já se assinalou que a prática de se alocar instala ções de esgoto e lixo em áreas habitadas por populações trabalhadoras pobres desprovidas e pertencentes a mi norias étnicas não é recente tendo sido observada des de a remota Antiguidade 7 Lembrouse também que ain da que sem tal nomeação a noção de injustiça ambiental esteve subjacente no que alguns chamam de quadro analítico submerso de inúmeras lutas sociais por justi ça lx E certo porém que o movimento dejustiça ambiental nascido nos Estados Unidos nos anos 80 contribuiu decisivamente para tornar expresso tal quadro analítico evidenciando de forma persuasiva a ligação entre degra dação ambiental e injustiça social O Movimento de Justiça Ambiental constituiuse nos EUA a partir de uma articulação criativa entre lutas de caráter social territorial ambiental e de direitos civis Já a partir do final dos anos 60 redcfiniuse em termos ambientais um conjunto de embates contra as condi ções inadequadas de saneamento de contaminação quí mica de locais de moradia e trabalho e disposição indevida de lixo tóxico e perigoso Foi então acionada a noção de eqüidade geográfica como referente à configuração espacial e local de comunidades em sua proximidade a fontes de contaminação ambiental instalações perigo sas usos indesejáveis do solo como depósito de lixo tóxico inci neradores estações de tratamento de esgoto refinarias etcI Nos anos 70 sindicatos preocupados com saúde ocupacional grupos ambientalistas e organi zações de minorias étnicas articularamse para elaborar em suas respectivas pautas o que entendiam por ques tões ambientais urbanas Alguns estudos apontavam já a distribuição espacialmente desigual da poluição se gundo a raça das populações a ela mais expostas sem no entanto que se tivesse conseguido a partir das evi dências reunidas mudar a agenda pública Em 197677 13 Cf SZASZ A The Icollography 01 hazardous lVaste 111 DARNOVSKY M EPSTEIN Il FLACKS R Eds III1rlllllIllIIs lIlId SIIClIl tIIItII1I Philadclphia Temple Ullív Press 1995 p 197222 14 Aquele que determina os assuntos da política afirma Schattschllcidcr dirige o país porque a ddiniçiio das nltcmativas significa a escolha dos conflitos e a escolha dos ÇQllllitos aloca poder Cf SCIlATTSCIINEIDER 1960 apud FUKS M Artlllls de Aúll e delIles 11Ílms Rio k Jallciro 1997 Tese Doutorado IUPERJ p 32 15 WILLlAMS 1995 apud SANDWEISS S The Social wllstructioll 01 cllvirollmelltal juslicc 111 CAMACIIO D Ed FIIIIOIIIlellllllllllSlce IIIIlcal slmggles DurhamLolldoll Duke Ulliversity Press 1998 p 3158 16 Várias têm sido as iniciativas de justificar a desigulldadc ambiental argüindo que o mercado necessariamente faní coincidir terrenos mais baratos de moradia popular com espaços de alocação de instalações ambientalmente indesejácis OlllllCSIllO csfonos em sustcntar que a ksproporcionalidadc na distriblliçilu dos riscos nào deveria scr vista em termos da penalização de certos grupos sociais mas sim de indivíduos dcscaractcrizados de seus atributos grupais este foi o argumento avançado para condenar a Ordem Executiva n 12898 assinada pelo presidente Clinton em fcv de 1994 pela qual inauguraramse nos EUA ações federais destinadas a assegurar justiça ambiental a minorias c populações de baixa rcnda Cr PERHAC R M Environmcntal jllslice thc issllc 01 disproportiollality I1IIW1I1Hl1la Fllllcs v 21 p 8192 Sprillg 1999 17 Cf MELOSI 1981 apud PELLOW D N Environl1lental inequality IOllllation loward a theory 01 environl1lcntal injutice lIIelcall HelailJllra SClellls v 43 n 4 p 591 jan 1000 18 Cf TAYLOR D E The Rise 01 lhe cnvironl1lcntal justice paradigl1l illjuslice fral1ling and lhe social constructioll 01 environl1lental discourse AIItI1I IIIJI SCelllist v 43 n 4 p 534 jan 2000 19 Cf BULLARD R D Environl1lental Justice Stralegies for buildillg healthy alld sustainable çOnnl1lll1ilies In WORLD SOCIAL FORUM 1 2002 Porto Alegre p 8 52 Desenvolvimento e Meio Ambiente n 5 p 4960janjun 2002 Editora llFIR diversas negociações foram realizadas tentando montar coalizões destinadas a fazer entrar na pauta das entida des ambientalistas tradicionais o combate à localização inadequada de lixo tóxico e perigoso predominantemen te em áreas de concentração residencial de população negra A constituição deste movimento afirmouse po rém a partir de experiência concreta de luta desenvolvi da em Afton no condado de Warren na Carolina do Norte em 1982 A partir de lutas de base contra iniqüida des ambientais no plano local similares à de Afton o movimento elevou a justiça ambiental à condição de questão central na luta pelos direitos civis Ao mesmo tempo induziu a incorporação da desigualdade ambiental na agenda do movimento ambientalista tradicional Como o conhecimento cientifico foi correntemente evocado pelos que pretendem reduzir as politicas ambientais à adoção de meras soluções técnicas o movimento de jus tiça ambiental estruturou suas estratégias de resistência recorrendo de forma inovadora à própria produção de conhecimento Notadamente recorreuse aos resultados de pesquisas multidisciplinares promovidas sobre as condições da desigualdade ambiental no pais Momen to crucial desta experiência foi a pesquisa mandada rea lizar em 1987 pela Comissão de Justiça Racial da Unled Chllrch ol Chrsl que mostrou que a composição racial de uma comunidade é a variável mais apta a explicar a existência ou inexistência de depósitos de rejeitos peri gosos de origem comercial em uma área Evidenciou se então que a proporção de residentes que pertencem a minorias étnicas em comunidades que abrigam depósi tos de resíduos perigosos é igual ao dobro da proporção de minorias nas comunidades desprovidas de tais insta lações O fator raça revelouse mais fortemente correlacionado à distribuição local dos rejeitos perigo sos do que o próprio fator baixa renda Portanto embora os fatores raça e classe de renda tenham se mostrado fortemente interligados a raça revelouse um indicador mais potente da coincidência entre os locais onde as pessoas vivem e aqueles onde os residuos tóxicos são depositados ACSURADI Juslça allblenlal e COl1sll1lçüo social do risco Foi a partir desta pesquisa que o reverendo Benja min Chavis cunhou a expressão racismo ambiental para designar a imposição desproporcional intencional ou não de rejeitos perigosos às comunidades de cor Dentre os fatores explicativos de tal fato foram alinha dos a disponibilidade de terras baratas em comunidades de minorias e suas vizinhanças a falta de oposição da população local por fraqueza organizativa e carência de recursos políticos típicas das comunidades de minori as a ausência de mobilidade espacial das minorias em razão de discriminação residencial e por fim a subre presentação das minorias nas agências governamentais responsáveis por decisões de localização dos rejeitos Ou seja procurouse tornar evidente que forças de mer cado e práticas discriminatórias das agências governa mentais concorriam de forma articulada para a produção das desigualdades ambientais E que a viabilização da atribuição desigual dos riscos encontrase na suposta fraqueza política dos grupos sociais residentes nas áre as de destino das instalações perigosas comunidades ditas carentes de conhecimento sem preocupações ambientais ou fáceis de manejar na expressão dos consultores detentores da ciência da resistência das populações à implantação de fontes de risco A partir de 1987 organizações de base começaram a discutir mais intensamente as ligações entre raça po breza e poluição e pesquisadores iniciaram estudos so bre as ligações entre problemas ambientais e desigual dade social procurando elaborar os instrumentos de uma Avaliação de Eqüidade Ambiental que procurasse in troduzir variáveis sociais nos tradicionais estudos de avaliação de impacto Neste novo tipo de avaliação a pesquisa participativa envolveria como coprodutores do conhecimento os próprios grupos sociais ambiental mente desvantajados viabilizando uma apropriada integração analítica entre processos biofísicos e sociais Procuravase postular assim que aquilo que os trabalha dores grupos étnicos e comunidades residenciais sa bem sobre seus ambientes deve ser visto como parte do conhecimento relevante para a elaboração não discriminatória das politicas ambientais 10 LJITURl M KIRI3Y Fillding Fairncss in Â1llcrica Cities Til Scanh ror CllirollllHlItal Equily in Ecryday Lire 1ollllIU ojocllIllsSlIS v 50 11 p 1251 11 Cc PINDLRIIUeJlIES J Tilc Illlpact oI Racc Oll Ellirolllllclllal uality ÂIl empírical anti thcuntiíal discussioll oClglculrlClIIS 39 11 2 p 141 196 12 Cf Cercll Jssociaks Pulitical dinicultics Hing wlslctocllcrgy lonnrsioll plalll sitillg LI CÃ 19XI aplld DICIIIRO Cio Ia juslicia social y la juslicia amhillltall1l los lstadus lJnidos la nlturallla como cOl1lllllidad JcoJgd JJllftU 11 17 p 105 Jl99 lcscl1o ímcnto C IVIcio Ambicntc n 5 p l960janllIn 20lP Editora UFIR 53 ACSELRAD 11 Jusliça alllbiellla e cOl1slruçào socia do risco Mudanças se fizeram então sentir em termos do próprio Estado Pressionado pelo Congressiona Back Calcls em 1990 a Enlironl11enfa Protection Agency do governo dos EUA criou um grupo de trabalho para estudar o risco ambiental em comunidades de baixa ren da Dois anos mais tarde este grupo concluiria que ha via falta de dados para uma discussão da relação entre eqüidade e meio ambiente e reconhecia que os dados disponíveis apontavam tendências perturbadoras su gerindo por esta razão maior participação das comuni dades de baixa renda e minorias no processo decisório relativo às políticas ambientais Em 1991 os 600 delegados presentes à I Cúpula Nacional de Lideranças Ambientalistas de Povos de Cor aprovaram os 17 Princípios da Justiça Ambiental es tabelecendo uma agenda nacional para redesenhar a política ambiental dos EUA de modo a incorporar a pau ta das minorias comunidades ameríndias latinas afro americanas e asioamericanas tentando mudar o eixo de gravidade da atividade ambientalista nos EUAY O mo vimento de justiça ambiental consolidouse assim como uma rede multicultural e multirracial nacional e mais re centemente internacional2 articulando entidades de direitos civis grupos comunitários organizações de tra balhadores igrejas e intelectuais no enfrentamento do racismo ambiental visto como uma forma de racismo institucional Buscouse assim fundir direitos civis e pre ocupações ambientais em uma mesma agenda superan do 20 anos de dissociação e suspeita entre ambientalistas e movimento negro A luta pelo reconhecimento da desigualdade ambiental nos EUA deu passos importantes para a con testação do próprio modelo de desenvolvimento que orienta a distribuição espacial das atividades O lema do movimento é poluição tóxica para ninguém e não sim plesmente o de acarretar um deslocamento espacial da poluição exportando a injustiça ambiental para os países onde os trabalhadores estejam menos organiza dos Tratouse assim de discutir a pauta da chamada transição justa de modo que a luta contra a poluição desigual não destruísse o emprego dos trabalhadores das indústrias poluentes ou penalizasse as populações dos países menos industrializados para onde as transnacionais tenderiam a transferir suas fábricas su jas O movimento de justiça ambiental procurou por via de conseqüência se internacionalizar para construir uma resistência global às dimensões mundiais da reestruturação espacial da poluição Se por um lado sabese que os mecanismos de mercado trabalham no sentido da produção da desigual dade ambiental os mais baixos custos de localização de instalações com resíduos tóxicos apontam para as áreas onde os pobres moram o discurso dos movimen tos não deixa de considerar por outro lado o papel da omissão das políticas públicas favorecendo a ação per versa do mercado A experiência do Movimento de Jus tiça Ambiental procurou assim organizar as populações para exigir políticas públicas capazes de impedir que tam bém no meio ambiente vigorem os determinantes da de sigualdade social e racial Momentos subjetivistas e objetivistas A noção de justiça ambiental promove uma articu lação discursiva distinta daquela prevalecente no deba te ambiental corrente entre meio ambiente e escassez Neste último o meio ambiente tende a ser visto como uno homogêneo e quantitativamente limitado A idéia de Justiça ao contrário remete a uma distribuição equâ nime de partes e à diferenciação qualitativa do meio am biente Nesta perspectiva a interatividade e o interrela cionamento entre os diferentes elementos do ambiente não querem dizer indivisão A denúncia da desigualda de ambiental sugere uma distribuição desigual das par tes de um meio ambiente de diferentes qualidades e in justamente dividido Uma série de précondições antecede a ação práti ca coletiva dos movimentos sociaisY I certos aspec tos do sistema de poder perdem legitimidade e a aceita ção da autoridade é substituída pelo entendimento de que suas ações não se apóiam em princípios comparti lhados de justificação não são mais vistas como justi ficáveis 2 grupos sociais que eram de ordinário fata 23 Cf BRADEN A Juslilt hlirollllclllcntalc et Justicc Socialc lU tats lJllis COOlIl jJolIlIIl 11 lO p 10 ék 1991 21 Representantes do movimento dos EUA c das Filipinas cstiraIll110 Rio dt Janeiro ClIl 1998 dcscllIcndo lontalos com ONGs c grupos acadêmicos 1 em O I e 2002 no I c 11 Fórul1l Social Mundial Um colóquio internacional realizouse em Iohlllnesburg durante a Confirêllcia Rio 10 em scltmbro de 2002 25 Cf IIVEN F 1 CIOWRD R A 1001 Icoples ilIIIIIIS why thcy slIccccd ho thcy 11 Nc York Villtagc Ilooks 1i77 p 54 Desenvolvimento e Meio Ambiente n 5 r 4960janljun 2002 Editora UFPR listas que acreditavam que os arranjos de poder eram inevitáveis começam a afirmar princípios de justiça que implicam demandas por mudança 3 indivíduos que se consideravam impotentes passam a acreditar serem ca pazes de mudar a ordem das coisas Esta ação coletiva quando dirigida contra a ordem ambiental tida por injusta manifestase simultaneamen te em dois planos 1 no plano da distribuição objetiva dos efeitos ambientais das práticas sociais esta distri buição exprime a diferença de poder sobre os recursos ambientais entre os distintos grupos sociais e 2 no plano discursivo em que vigoram distintos esquemas de representação do mundo do ambiente da justiça etc neste plano colocase em jogo a legitimidade do modo de distribuição do poder sobre os recursos ambientais Por analogia ao procedimento de Pierre Bourdieu na ca racterização das condições de existência teórica e práti ca dos grupos sociais denominaremos a estes dois pIa nos respectivamente de momentos objetivista e subjetivista da análise No momento objetivista en contraremos os grupos sociais distribuídos no espaço social em função de sua disposição diferencial sobre elementos de poder Estaremos aí tratando do espaço relacional das posições sociais ocupadas pelos agentes sociais em função da estrutura de distribuição de tipos específicos de meios de poder No momento subjetivista identificaremos as representações que os atores fazem do mundo social pontos de vista que contribuem para a construção deste mesmo mundo inclusive da diferenci ação social dos indivíduos que o caracteriza Estaremos aí observando a configuração dos esquemas classifi catórios princípios de classificação de visão e divisão do mundo social 27 Os movimentos sociais podem ser analisados por sua intervenção nestes dois níveis do espaço social o espaço da distribuição do poder sobre as coisas e o espaço da luta discursiva O Movimento dos Trabalha dores Rurais Sem Terra M5T por exemplo avança na disposição prática sobre a terra pelas ocupações e ao mesmo tempo disputa espaço na esfera pública com uma estratégia discursiva de aplicação dos dispositivos cons titucionais sobre a função social da propriedade Pode ACSELRADII Jusliça ambienlal e conslruçào social do risco mos dizer que todos os movimentos sociais que não se articulam de forma direta com a esfera produtiva não dispõem de uma capacidade de influir diretamente na configuração de forças pela pressão sobre o processo de acumulação Tais movimentos são levados assim a configurar seu poder de barganha na esfera simbólica acumulando força no plano da legitimidade e colocando em causa o conteúdo das noções prevalecentes de j us tiça Para a análise da dinâmica do movimento de justi ça ambiental destacaremos a seguir uma seqüência de momentos objetivistas e subjetivistas ao longo dos quais a noção de justiça ambiental proporcionou no caso dos EUA uma articulação de forças sociais dotada de legitimidade no espaço público ifomenlo objetilista I configurouse inicialmen te um confronto de forças no terreno prático A consti tuição do movimento deuse a partir de experiências con cretas de luta como aquela de Afton no condado de Warren na Carolina do Norte em 1982 Nesta ocasião a comunidade organizada manifestou concretamente sua vontade de recusar a reprodução da desigualdade de poder e a subordinação continuada à dominação exercida pela imposição desigual dos danos ambientais Ao to marem conhecimento da iminente contaminação da rede de abastecimento de água da cidade caso fosse nela instalado um depósito de bifenil policlorinado os habi tantes do condado organizaram protestos maciços dei tandose diante dos caminhões que para lá traziam a pe rigosa carga Naquele momento manifestavase a cons tituição de uma força coletiva que se opunha a uma prá tica que lhe aparecia como de desapropriação ambiental e de imposição do poder decisório de terceiros sobre os atributos qualitativos de seu ambiente ifomento slIbjetiista I com a percepção de que o critério racial estava fortemente presente na escolha da localização do depósito daquela carga tóxica a luta radicalizouse A população de Afton era composta de 84 de negros o condado de Warren de 64 e o estado da Carolina do Norte de 24 1 Em face de tais evidências criaramse condições para o estreitamento das convergências entre o movimento dos direitos civis 26 Cf 130URDIEU P Quc Es lo Que Haee una Clase Soeial Acerca dc la Existência Teórica y Practica de las Clascs flells lamIIY de SOClOlo n 89 p 721 mar abr 1991 27 Cf 130URDIEU P ho SOCial e ejo slIlIhico Razões Práticas sobre a teoria da ação Campinas Papims 19 p 22 28 Cf HARTLEY T W Environmental Justice An Environmcntal Civil Rights Value Acccptable to Ali World Views IÚIOOIIIIIeIIIIIlIcs v 17 p 278 Fali 1995 Desenvolvimento e Meio Ambiente n 5 r 4960janjun 2002 Editora UFPR 55 ACSELRAD H Jusliça amhienlal e conslruçào social do risco e dos direitos ambientais Construíramse assim insights e inventaramse categorias como racismo ambiental desigualdade ambiental injustiça ambiental discrimina ção ambiental política ambiental discriminatória extor são ambiental pela chantagem do desemprego custos ambientais desproporcional mente distribuídos zonas de sacrifício todas elas associadas à percepção dos limites impostos à escolha ambiental daqueles que so frem a segregação espacial ou seja de sua impossibili dade de votar com os pés colonialismo tóxico inter no a segregação espacial exprime subjugação política de certos grupos sociais por instituições que os domi nados não podem controlar racismo ambiental de mer cado e racismo ambiental planejado analogia entre a poluição e o crime por envenenamento já instituído20 Denunciouse igualmente a traição das promessas do sonho americano posteriores à ascensão das lutas por direitos civis Este sonho mostravase então suplantado pelo pesadelo de uma cidadania de segunda classe caracterizada pelo fato que materiais fora do lugar são destinados a grupos sociais fora do lugar considera dos nos termos da violência simbólica racialmente im puroS1 Uma ordem de justificação é afirmada 2 a da igualdade substantiva de condições materiais de exis tência não mediadas diretamente pelo mercado A crítica de que o movimento de justiça ambiental seria vulnerá vel por recorrer mais à indignação moral do que à ciên cia dos impactos pode ser entendida como parte da luta simbólica através da qual pretendese retirar legitimida de às denúncias de desigualdade ambiental Juntase a esta critica cientificista um conjunto de outros artifícios retóricos tais como a desqualificação dos testemunhos leigos pela remissão a linguagens técnicas a considera ção dos sintomas de intoxicação como estatisticamente insignificantes a diluição das causalidades pela suges tão de que os sintomas de contam inação observados decorrem de doenças hereditárias a referência à traição aos interesses da cidade e à destruição de empregos locais em conseqüência das denúncias Aproveitase também para afirmar a crença liberal de que a alocação espacial de pessoas e coisas pelo mercado exprime com fidelidade a imprevidência dos indivíduos espacialmen te mal situados que não teriam investido em seu próprio capital humano para ganhar mobilidade espacial E su gerese que qualquer medida de descontaminação tende a resultar em elevação dos aluguéis e expulsão dos po bres de suas moradias o que configura o recurso à tese reacionária analisada por HirschmanJ3 a qual alega re correntemente a perversidade das políticas sociais ou seja que qualquer ação política destinada a combater o desemprego os baixos salários ou a degradação ambiental resulta no aumento destes males As denún cias sobre racismo ambiental por sua vez configuram o que Bourdieu chama de classe teórica no papel apontando um critério que divide a sociedade entre os que sofrem os danos ambientais e os que deles conse guem escapar Momento objetilista 2 os indicadores construí dos pelas assessorias do movimento social evidenciam a objetividade das desigualdades de poder tornase visível a relação de superposição entre as posições nas classes de poder sobre o ambiente e nas classes de origem racial a classe teórica se explicita no espaço social e as pessoas reconhecem a pertinência desta clas sificação a a desigualdade ambiental tem especificidade ra cial A raça é um fator independente e não redutível a classe de renda Evidenciase no espaço social e em particular no campo da distribuição de poder sobre os recursos ambientais a coincidência entre a localização de grupos raciais e as local izações mais expostas a fon tes poluentes A classe teórica explicitase no espaço 29 cr CAPEK S The Environmenlal Justice Frame a Conceptual Discussion and an Applicatiou SocIIIOhellll v 40 n I p 521 Feb 1993 30 Opcit 31 cr HARVEY D lllllce Nallre 1 lhe ieogralhv oIJIferellc SI Blackwell Publ 1996 p 366402 32 cr THÉVENOT L LAFAYE C Une Justifieation Écologique Conllits dans I Ameuagement de la Nature Ilele 1ÍIIllle de SoclOlogle v 34 p 495524 1993 33 cr HIRSCHMAN A lIelrJlf da ilral1llgêllclO perversidade Iiltihdade ameaça S1o Paulo Cia das Letras 1992 34 cr 30URDIEU P Ioder SIIlIíIIW LisboaRio de Janeiro DirelHertrand 1989 35 Diversos tipos de conhctimcntos fortes njudaram os ativistas a conceber seus temas e desenvolver a comensurabilidadc da experiência e a fidelidade da narrativa Um recurso crítico que ajudou os ativistas a prover evidência empírica para apoiar as demandas por justiça ambiental foram os dados do Inventário de Rejeitas Tóxicos e a crescente disponibilidade de iwas de sistemas geogrMicos de inforJnaç1o para realizar análises de dados espaciais c dCl11ognllicos Ativistas recebcram treinamcnto em técnicas de 311llise de dados espaciais e recebermn apoio financeiro para fazer estudos de cOlllunidades cr TAYLOR D E The Rise 01 the environmentaljusticc paradiglll injustice tiíuning and the social constructioll of environlllenta discourse imerim HeluluJllra cielllist v 43 n 4 p 564 565 jan 2000 56 Desenvolvimento e Meio Ambiente n 5 p 4960 janjun 2002 Editora UFPR social a variável racial adquire no caso relevância mai or do que a coincidência entre a localização de grupos pobres e a localização de fontes poluentes b as decisões de alocação de lixo tóxico têm por critério relevante a falta de poder das comunidades in fluenciarem as decisões resistirem às mesmas e se des locarem para áreas não poluidas baixa renda raça e distância do poder político Ou seja os mais prejudica dos tendem a ser os que menos influenciam por meios diretos e indiretos as decisões Um elemento de poder diferencial se evidencia no espaço social a capacidade de certos agentes sociais se subtraírem espacialmente à proximidade da localiza ção das fontes de contaminação O capital por seu lado mostrase cada vez mais móvel acionando sua capaci dade de escolher seus ambientes preferenciais e de for çar os sujeitos menos móveis a aceitar a degradação de seus ambientes ou submeteremse a um deslocamento forçado para liberar ambientes favoráveis para os em preendimentos Os atores com menos força para esco lher seus ambientes por sua vez organizamse para re sistir à degradação forçada que é imposta a seus ambi entes ou ao deslocamento forçado a que são submeti dos quando seus ambientes interessam à valorização capitalista Configurase assim uma espécie de divisão social do ambiente definida pelo que poderíamos chamar de sua composição técnica O meio ambiente funcionaria como condição geral de produção de que depende a reprodução do capital tanto o variável como o constan te O ambiente do capital variável seria aquele que justi ficou o higienismo e outras modalidades de interven ção pelas quais se buscou assegurar historicamente a adequada reprodução da força de trabalho O ambiente do capital constante seria aquele a justificar a preocupa ção empresarial com a corrosão de máquinas e equipa mentos com a erosão da terra e com a durabilidade dos imóveis processos cuidados por uma variedade de téc nicas de manutenção Um ambiente do capital em geral por seu turno justificaria preocupações com a mudança climática e a biodiversidade que se tentaria equacionar como vimos pe los mecanismos da modernização eco lógica sob a forma dominante do chamado desenvol vimento sustentável Finalmente um ambiente de que não dependem nem o capital variável nem o constante seria aquele pertinente às terras desvalorizadas e indis poníveis para a produção de riqueza onde tenderiam a iCSELRiD II fustiça ambiental e construção social do risco habitar classes ambientais espacialmente segregadas e dotadas de pouca mobilidade espacial Momento slbjetilista 2 A apresentação de ex plicações para as situações de desigualdade ambiental passa a Integrar as estrateglas argumentatlvas que con correm para a constituição de alianças potenciais com outros grupos sociais A lógica segregadora é apresen tada como o resultado da operação regular de dois me canismos evidenciados por duas proposições De acor do com a primeira a desigualdade social e de poder so bre os recursos ambientais estaria presente na raiz dos processos de degradação ambiental quando os benefí cios de uso do meio am bi ente estão concentrados em poucas mãos do mesmo modo que concentrada apre sentase a capacidade de transferir custos ambientais para os mais fracos o nível geral de pressão sobre o meio ambiente tende a não se reduzir De onde decorre ria logicamente que a proteção do meio ambiente depen de do combate à desigualdade ambiental não se poderia enfrentar a crise ambiental sem promover a justiça soci al A segunda proposição sustenta que em condições de desigualdade social e de poder sobre os recursos ambientais bem como de liberdade irrestrita de movi mento para os capitais os instrumentos correntes de controle ambiental tendem a aumentar a desigualdade ambiental sancionando a transferência de atividades predatórias para áreas onde é menor a resistência social A solidariedade interlocal eventualmente internacional é justificada como forma de cvitar a exportação da injus tiça ambiental e de dificultar a mobilidade do capital o qual tende correntemente a abandonar áreas de maior organização política e dirigirse para áreas com menor nível de organização e capacidade de resistência Consideraçjes finais Da análise dos momentos que chamamos de subjetivistas e objetivistas na denúncia da desigualda de ambiental e na construção dos atores da resistência à sua reprodução podemos afirmar em síntese que a os dados da desigualdade de poder no espaço social tal como denunciados pelos agentes sociais do mencionado caso nOl1eamericano já existiam mas foi a luta social lhes deu visibilidade e contestou sua legitimi dade Como em toda produção simbólica préfigurativa as denúncias fizeram ver o que estava não percebido ACSELRAD 11 Justiça ambiental e construção social do risco b O olhar dos movimentos sociais produziu uma classificação dos grupos sociais e evidenciou o elemen to diferencial de poder em jogo entre eles no caso a capacidade objetiva de escapar aos riscos ambientais Foi elaborada assim uma classificação compatível com a posição reconhecível dos indivíduos no espaço social e evidenciouse que além da lógica mercanti I que asso cia fortemente valor da terra e pobreza dos residentes a segregação residencial dos negros os imobil iza ainda mais independentemente de sua condição de renda A força simbólica do movimento de justiça ambiental dos EUA decorreu assim de sua capacidade de a estender a matriz dos direitos civis ao campo do meio ambiente fundando a noção de justiça ambiental como alternativa à oposição discursiva corrente entre HomemNatureza b politizar nacionalizar e unificar uma multiplicidade de embates localizados c elaborar apro priadamente uma classificação dos grupos sociais compatível com a posição diferencial reconhecível dos indivíduos no espaço social Contestando na prática os pressupostos do proje to de modernização ecológica e da teoria da sociedade de risco as lutas empreendidas pelo movimento de jus tiça ambiental configuram conseqüentemente um em bate de mobilidade através do qual as desigualdades ambientais constituemse e se alteram continuamente ao longo do tempo à medida que tanto as fontes de perigo como as populações mudam sua alocação espacial e sua visibilidade Como afirmam Boltanski e Chiapello o diferencial de mobilidade é hoje uma nova mercadoria muito apreciada fundando relações de exploração variadas mercados financeiros rerIIS países mercados financeiros rerllIS empresas multinacionais lerSIII paí ses peritos mundiais erslIs empresas empresas versus pessoal precário O capital retiraria portanto boa par te de sua força contemporânea da capacidade de se deslocai izar enfraquecendo os agentes sociais menos móveis governos locais e sindicatos por exemplo e desfazendo pela chantagem da localização normas go vernamentais urbanas ou ambientais bem como as con quistas sociais Pois por sua maior mobilidade o capital especializa gradualmente os espaços produzindo uma divisão espacial da degradação ambiental e gerando uma crescente coincidência entre a localização de áreas de gradadas e de residência de classes ambientais dota das de menor capacidade de se deslocalizar Os grupos sociais que resistem a esta divisão espacial da degrada ção ambiental dificultam conseqüentemente a rentabilização esperada dos capitais ao reduzir para es tes a liberdade de escolha local e o índice de mobilidade de seus componentes técnicos As lutas por justiça ambiental mostram neste contexto toda a sua potência como barreira organizada a este instrumento de subordi nação política próprio à acumulação em sua forma flexí vel a mobilidade espacial dos capitais 36 Cf PELLOW DN Environll1cntal incqnalily fOllnation lowaru a lhcory 01 cnvironll1cntal injllslicc AlllellCill liehl1l1 SClelflxl v 43 n 4 p 590 jan 2000 37Cf BOLTANSKI L CIIIAPELLO E Ie NIIIIIxfrl tllI allalmllc Paris NRF Essais Gallill1aru 1999 p 459 sx DCSCl1oilillcnto c Mcio Amhlcntc n 5 r 4960jan Ijlln 2002 Editora JFPR REFERENCIAS ACSELRAD II Justiça Ambiental novas articulações entre meio ambiente e democracia IBASECUTRJIPPURUFRJ Movimento Sindical e Defesa do Meio Imbiente o debate internacional Rio de Janeiro 2000 v 3 p 712 Sindicalismo e Justiça Ambiental ACSELRAD 11 MELLO C C A Conflito social e risco ambientalo caso de um vazamento de óleo na Baía de Guanabara In ALlMONDA II Org Icologia Política Naturaleza Sociedad y Utopia Buenos Aires CLACSO 2002 p 293317 BLOWERS A Environmental Poliey Ecological Modernization OI the Risk Soeiety Urban Studies v 34 n 5 6 p 845871 1997 BOLrANSKI L CIIIAPELLO E Le Nouvel Isprit du Capitalisme Paris NRF Essais Gallimard 1999 BOURDIEU P O oder Simbólico LisboaRio de Janeiro DirelBcrtrand 1989 o Que es lo que hace una clase social Acerca de la existcncia Teórica y Prúctica de las Clascs Revista amguaa de Sociologia n 89 p 72 I marlabr 1994 BRADEN A Justice Environnementale et Justice Socialc aux Etats Unis fcologie olitique n 10 p 10 été 1994 BULLARD R D Environmental Justice Strategies ror building healthy and sustainable communities In WORLD SOCIAL FORUM 2 Porto Alegre Feb 2002 p 8 o DlIIllping in Diie Race class and environmental quality Boulder CO Westview lress 1990 CAPEK S The Environmental Justice Frame a Conceptual Discussion and an Application Social mblems v 40 n p 521 Feb 1993 DICIIIRO G Lajusticia social y lajusticia ambiental en los Estados Unidos la naturaleza como comunidad Icologia 0 lítica n 7 p 105118 1999 FOREMAN JUNIOR C 11 The romise and fJeril 0 environlllental Justice Washington Brookings Institute Press 1998 FUKS M Irenas de ao e debates públicos Rio de Janeiro 1997 Tese Doutorado lupelj IIAJER M The olitics 01 1111Ircillmental Discourse ecologicalmodernization and policy processo Oxl1I1 Clarcndon Prcss 1995 HARTLEYT W Environmental Justice An Environmental Civil Rights Value Acceptable to Ali World Views Envimnmental Lthics V 17 p 177 289 Fali 1995 IIARVEY D Justice Nature the Geography olDifJerence ISII I3lackwell Publ 1996 111 RSCHMAN A Retórica da Intmnsigência perversidade rutilidade e ameaça São Paulo Cia das Letras 1992 LAITURI M KIR13Y A Finding Fairness in Americas Cities The Search Ir environmental equity in everyday lite Journal ofSociallssues V 50 n 3 p 125 1994 LENZ C L A Teoria Social sob o Signo Ecológico a moderni zação ccológica Ihntc à modernização rellexiva de Anthony Giddens e Ulrich 13eck Revista de Estudos Ambientais 13lumenau V 2 n I p 6178 janlabr 2000 PELLOW D N Environmental inequality rormation toward a theory 01 environmental injustice llIIerical1 Behaviollral Scientist v 43 n 4 p 590 jan 2000 PERIIAC R M Environmental justice the issue 01 disproportionality lnvirol1l11el1tallthics v 21 p 8 I92 Spring 1999 PINDERIHJGIIES R The Impact ofRace on Environmental Quality An empirical and theoretical disclission Sociological erspectives v 39 n 2 p 23 1248 1996 PIVEN F F CLOWARD RA 001 Peoples Movements why they succeed how they rail New York Vintage 13ooks 1977 RUSTIN M Reinterpreting Risk In SCOTT Jw IJATIS D Eds Schools 01 Thought twentyfive years 01 interpretative social science Princeton Princeton University Press 200 I p 348363 Incomplcte Modernity Ulrich Becks Risk Society Radicalhilosophy v 67 p 312 Summer 1994 SANDWIISS S The Social construction 01 environmental justice In CAMACIIO D Ed Environmental injllstice politicalstruggles DurhamLondon Duke University Press 1998 p 3158 SZASZ A Thc Iconography 01 hazardous Vaste In DARNOVSKY M EPSTEIN 13 FLACKS R Eds Cul tumlolitics andSocial Movements Philadelphia 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