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Texto de pré-visualização
Literatura Ocidental II Liliana Reales Rogério Confortin Florianópolis 2009 3 Período Governo Federal Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva Ministro de Educação Fernando Haddad Secretário de Ensino a Distância Carlos Eduardo Bielschowky Coordenador Nacional da Universidade Aberta do Brasil Celso Costa Universidade Federal de Santa Catarina Reitor Alvaro Toubes Prata Vicereitor Carlos Alberto Justo da Silva Secretário de Educação a Distância Cícero Barbosa Próreitora de Ensino de Graduação Yara Maria Rauh Muller Próreitora de Pesquisa e Extensão Débora Peres Menezes Próreitora de PósGraduação Maria Lúcia de Barros Camargo Próreitor de Desenvolvimento Humano e Social Luiz Henrique Vieira da Silva Próreitor de InfraEstrutura João Batista Furtuoso Próreitor de Assuntos Estudantis Cláudio José Amante Centro de Ciências da Educação Wilson Schmidt Curso de Licenciatura em LetrasEspanhol na Modalidade a Distância Diretor Unidade de Ensino Felício Wessling Margutti Chefe do Departamento Rosana Denise Koerich Coordenadoras de Curso Maria José Damiani Costa Vera Regina de A Vieira Coordenador de Tutoria Felipe Vieira Pacheco Coordenação Pedagógica LANTECCED Coordenação de Ambiente Virtual HiperlabCCE Projeto Gráfico Coordenação Luiz Salomão Ribas Gomez Equipe Gabriela Medved Vieira Pricila Cristina da Silva Adaptação Laura Martins Rodrigues Comissão Editorial Adriana Kuerten Dellagnello Maria José Damiani Costa Meta Elisabeth Zipser Rosana Denise Koerich Vera Regina de Aquino Vieira Equipe de Desenvolvimento de Materiais Laboratório de Novas Tecnologias LANTECCED Coordenação Geral Andrea Lapa Coordenação Pedagógica Roseli Zen Cerny Material Impresso e Hipermídia Coordenação Thiago Rocha Oliveira Laura Martins Rodrigues Diagramação Eduardo Malaguti Santaella Jessé Torres Tratamento de imagens Thiago Rocha Oliveira Gabriel Nietsche Revisão gramatical Rosangela Santos de Souza Design Instrucional Coordenação Isabella Benfica Barbosa Designer Instrucional Felipe Vieira Pacheco Copyright2009 Universidade Federal de Santa Catarina Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida transmitida e gravada sem a prévia autorização por escrito da Universidade Federal de Santa Catarina Ficha catalográfica Catalogação na fonte elaborada na DECTI da Biblioteca Universitária da Universidade Federal de Santa Catarina R288l Reales Liliana Literatura ocidental II Liliana Reales Rogério Confortin Florianópolis LLECCEUFSC 2009 110 p ISBN 9788561483142 1 Literatura ocidental 2 Século XX I Confortin Rogério IITítulo CDU 82 Sumário Unidade A 9 1 O literário e os conceitos de Afecção e Duração 11 11 O literário 11 12 O conceito de afecção 12 13 O conceito de duração 17 2 A narração em primeira pessoa 19 2 1 A passagem da narração em terceira pessoa à narração em primeira pessoa 19 Unidade B 23 3 A dessacralização da obra de arte 25 31 Retomando algumas questões da Unidade anterior 25 32 As contribuições teóricas deWalter Benjamin 28 33 O narrador 30 Unidade C 35 4 A experimentação narrativa 37 41 Em busca de uma nova temporalidade ficcional 37 Unidade D 45 Introdução 47 5 A experiência figurativa do tempo e do espaço ficcionais 49 51 Marcel Proust 49 52 Marcel Proust crítico 53 6 Franz Kafka 57 61 Kafka e a transformação da literatura 57 62 A exigência da obra em Kafka 61 63 O papel fundamental da imagem do topógrafo na obra de Kafka 65 7 Um novo caminho contra a ilusão realista69 71 Virginia Woolf 69 72 Uma inovadora 70 8 A paixão da escritura 77 81 Samuel Beckett 77 82 Paixão melancólica 80 9 Um inovador 85 91 James Joyce breve biografia 85 92 Uma abordagem sobre o caráter parodístico do Ulisses 86 10 Uma crítica à teoria e à prática literárias 95 101 Alain RobbeGrillet 95 11 Um escritor erudito 99 111 Fama mundial 99 112 Uma biografia intelectual 100 113 Tlön metáfora do mundo 105 Referências 109 Apresentação Caro aluno A preparação deste livro didático Literatura Ocidental II apresentouse para nós não só como uma tarefa especialmente prazerosa mas também como um grande desafio A produção literária do Ocidente do século pas sado deu ao mundo uma extraordinária quantidade de obras de excelen te qualidade Em termos quantitativos teria que se ter promovido uma pesquisa exaustiva de catalogação das mais importantes publicações do século passado Em termos qualitativos a dificuldade da escolha é ainda maior devido às implicações teóricas que a Literatura Ocidental do Século XX passa a suscitar especialmente a narrativa Se a quantidade e a qualidade do material de uma Literatura Ocidental do Século XX são importantes em um estudo literário teríamos como outra questão implicada a dimensão da crítica enquanto construtora e legitima dora de modelos de apreciação dessa literatura Do mesmo modo como é densa a qualidade das obras literárias no ocidente no século XX também há uma visível variedade de escolas críticas que se empenharam em des crever e valorizar saberes dessa experiência literária Dada a diversidade e a densidade do objeto de nosso livro didático preten demos relacionar em dois tempos a escolha dos autores que aqui serão tra tados com uma observação geral sobre a qualidade da experiência literária enquanto experiência estética e a potência crítica de algumas escolas que se desenvolveram junto aos ritmos e aos desdobramentos de uma literatu ra que se instituiu como verdadeira experimentação e contraponto a um certo modelo de linguagem literária do século XIX Nesse sentido observamos também que o eixo principal de nossa propos ta será o de descrever em linhas gerais o desenvolvimento de uma certa passagem de um modelo de romance mimético apoiado numa estrutura narrativa em terceira pessoa que tende a esconder sutilmente o narrador através da ilusão retórica de um narrador onisciente à valorização de um narrador em primeira pessoa que traz consigo uma série de estratégias nar rativas diferenciadas e que elabora modelos diferenciados de tratamento do foco narrativo instituindo uma série de reelaborações da experiência narrativa do tempo e do espaço na Literatura Ocidental II Por outro lado levando em conta que há disciplinas específicas para tratar da lírica e do teatro decidimos nos concentrar no romance que traz desde o século XIX uma herança de valorização e na narrativa curta ou o conto muito valorizado também durante o século XX Para nossa disciplina com carga horária de 60 horasaulas dividimos o ma terial didático em quatro Unidades Na Unidade A propomos uma reflexão sobre a questão literária relacionada aos conceitos de afecção e de duração Na Unidade B estudaremos as contribuições de Walter Benjamin para se entender a arte e a literatura do século XX Na Unidade C estudaremos a busca da literatura por uma nova temporalidade ficcional e seu mergulho na experimentação narrativa Na Unidade D estudaremos alguns dos re presentantes mais importantes da literatura do século XX Desejamos a você um bom estudo Os autores Unidade A A questão literária e a questão crítica O literário e os conceitos de Afecção e Duração 11 CAPÍTULO 01 O literário e os conceitos de Afecção e Duração Neste Capitulo vamos ref etir sobre a questão literária os modos e as prá ticas singulares de experiência que ela elabora por meio da linguagem Também estudaremos o conceito de afecção entendido como operador de sentido da arte e o de duração enquanto conceito de f uxo de consciência do tempo 11 O literário A literatura se apresenta como verdadeiro tecido de formas e mo dos de expressão do sentido estético e cultural de uma sociedade em uma época Em outras palavras a escritura ou a textualidade literárias expressam no jogo de suas formas e na prática que fazem da linguagem as questões econômicas políticas f losóf cas e históricas presentes num determinado período histórico e em um determinado espaço Além de operar como um certo canal de exploração crítica dos acontecimentos históricos de um momento ou de uma época em nosso caso o século XX a literatura pode apresentar questões ainda não tematizadas pela ciência ou pela f losof a pois a escritura literária tem características pró prias que são os modos e as práticas singulares de experiência que ela elabora por meio da linguagem De um modo ou de outro a literatura tem relação com os fatos e desenvolvimentos culturais de um período os quais estão intimamente relacionados tanto à ciência quanto à f losof a Mas podemos af rmar que a literatura se dá enquanto tal ou seja enquanto fenômeno e expressão artística por meio de uma linguagem diferenciada da linguagem por meio da qual a ciência e a f losof a se tornam possíveis Isso não signif ca que a literatura não se interseccione a partir de uma estrutura comum de linguagem com a ciência e com a f losof a A linguagem como es trutura de signif cação constitui e institui modelos de compreensão do mundo Tanto a ciência quanto a f losof a e a arte se desdobram em pos 1 Literatura Ocidental II 12 síveis modelos através dos quais o mundo se apresenta de forma múlti pla e interseccionada Finalmente diríamos que os modelos mesmos se interpenetram gerando e transformandose a si próprios Segundo o f lósofo Gilles Deleuze enquanto a ciência operaria por meio de funções e percepções dos fenômenos a f losof a operaria a par tir de conceitos e proposições e a arte de modo geral como a literatura de modo particular operaria a partir de afecções ou modos expressivos específ cos de ordem estética 12 O conceito de afecção O conceito de afecção entendido como operador de sentido da arte seria grosso modo toda relação sempre mediada e intrínseca material e subjetiva que se estabeleceria de forma dinâmica na produção da obra de arte Nesse sentido ao qual remete Deleuze em relação à afecção a obra de arte é experimentada a partir de níveis de sensação que se dão no próprio trabalho de elaboração do artista e que continuam coexistindo como relações sensórias dinâmicas com uma idéia de arte compartilha da socialmente e corporalmente vale dizer que são vivenciadas no jogo de nossa subjetividade e de nossa coletividade Gilles Deleuze Não entraremos em uma discussão propriamente teórica dessas di ferenças conceituais Optaremos por apresentar por meio de links os autores e teóricos que são fundamentais para uma compreensão da variedade e da singularidade das transformações da linguagem literária no século XX Você pode acessar o endereço httpwww dossiedeleuzebloggercombr para obter informações sobre este importante f lósofo francês Nessa mesma página de Internet há outros links interessantes que possibilitam a leitura de textos e cur sos de Gilles Deleuze Não se preocupe em entender tudo logo de início o conhecimento é algo que se faz de forma progressiva e sempre com perseverança e curiosidade Consulte um bom dicio nário e sites com credibilidade para elaborar para você mesmo um conhecimento sempre mais detalhado e nuançado sobre os con ceitos teóricos O literário e os conceitos de Afecção e Duração 13 CAPÍTULO 01 Ora essas vivências subjetivas e coletivas a um só tempo e que di zem respeito à arte moderna e contemporânea incluindo aí a literatura são a própria experiência corpórea da arte São a experiência afectiva proporcionada aos corpos que vivenciam a arte como espectadores e atores dessa mesma situação artística se assim podemos dizer Os cor pos os nossos corpos afetam e são afetados pelas afecções proporciona das pela situação artística da obra de arte Nesse sentido contemporâneo de uma teoria da arte a própria obra de arte deixa de ser apenas um objeto artístico a ser interpretado pelo espectador ou leitor para ser pensada como coexistência junto ao es pectador ou leitor fazendo parte de um complexo de fatores que inf ui e é inf uenciado como situação ou performação artística A arte passa a ser percebida e mesmo afetada e não apenas a signif car simbolicamen te Ou seja a partir dessa noção de afecção podemos pensar a arte não apenas como objeto belo ou estranho ou diferente mas como ver dadeira possibilidade de expor uma relação complexa de forças afectivas que transitam por todo o processo de coexistência entre a experiência da arte e a multiplicidade das relações sócioculturais Um exemplo da operatória dessa noção de afecção pode ser obser vado na pintura impressionista que passa a desejar captar todo o mo vimento de transformação da luz durante o passar das horas A partir dessa relação perceptivaafectiva o impressionismo tenta dar conta de uma certa performance de afecção dessa transição luminosa enquanto interpretação dinâmica entre a passagem do tempo e sua possibilidade de f guração como experiência de representação nãorealista do real O fato de se colocar o termo representação entre aspas indica justamen te que o que se entende por representação pode ser percebido de forma afectiva ou seja que no trabalho de cópia de uma paisagem essa có pia não será e nunca o foi algo que poderia chegar a mimetizar sua origem real Isso porque justamente não é nunca uma cópia mas sim um processo que performa toda uma situação artística É sempre um complexo de relações que acontece numa multiplicidade de opções e escolhas Por exemplo o movimento da luz sobre os objetos a mudança da aparência da paisagem em função do jogo de sombras que ai se pro duz a escolha das cores e sua vacilação como ato na tela as interrupções de todo tipo exteriores ao trabalho do pintor etc Para saber mais sobre pin tura impressionista acesse a seguinte página http eswikipediaorgwikiImpre sionismo Também acesse a página onde você poderá ler sobre pósimpressionismo e sobre importantes pintores considerados por alguns críticos pertencentes a essa tendência tais como Vincent Van Gogh e Paul Gauguin httpeswikipediaorgwiki Postimpresionismo e httpwwwmonografi as comtrabajosimpresionismo impresionismoshtml Literatura Ocidental II 14 O trabalho do pintor passa da preocupação com um tipo de mode lo representativo para o exercício de outra forma de experiência plástica do real As artes plásticas tendem a partir desse momento situado a partir da segunda metade do século XIX e início do século XX a um processo dinâmico e intrinsecamente vinculado a uma nova atitude per ceptiva e de concepção do real Nesse sentido sujeito pintor e objeto de pintura se confundem e não representam mais pólos absolutamente opostos do ponto de vista físico e f losóf co O momento histórico de emergência do impressionismo nas artes plásticas se dá concomitantemente ao desenvolvimento da fotogra f a como técnica cada vez mais elaborada de reprodução de ima gens tornando possível toda uma nova experiência de reprodução pictórica do real As particularidades técnicas e o efeito realista da fotograf a inf uenciam diretamente na transformação dos modelos de representação das artes plásticas Uma nova revolução indus trial surgia instituindo formas inovadoras de leitura do mundo A questão tecnológica exemplif cada pela reprodução técnica em série fordismo na indústria automobilística e fotograf a e cine ma nas artes será um elemento importante de transformação do mundo Vale lembrar que o contexto histórico do f m do século XIX e começo do século XX mostra a emergência de correntes de pensamento econômico e social como o comunismo e o socialis mo baseadas na leitura de Marx e as ideologias nacionalistas de cunho fascista Nesse contexto de transformação radical dos meios de produção há todo um efervecimento das questões ideológicas que se trans formam a si próprias ao atravessarem as relações sociais Essas tensões sociais e políticas de um novo mundo maquinizado tan to produtor de ideologias socialistas quanto nacionalistas que se encrudeleceram como o stalinismo ou nazismo de Hitler numa Europa que passara pelas duas maiores guerras da história recente de 1914 a 1918 e de 1937 a 1945 constituem o panorama histórico complexo e multifacetado do que podemos a principio entender por Literatura Ocidental do século XX O literário e os conceitos de Afecção e Duração 15 CAPÍTULO 01 Dentre outras correntes estéticas o impressionismo se contraporia a um modelo de pintura realista que se conf guraria a partir de certas regras de perspectiva de enquadramento de uso das cores e de toda uma herança f gurativa O impressionismo surge como outro modelo de representação pictórica alicerçado por outros elementos perspectivos e f gurativos que se elaborarão como alternativa na pintura a busca de uma relação de representação dinâmica da luz a necessidade de uma liberação do realismo da pintura prémoderna inf uencia a transfor mação advinda do surgimento da técnica fotográf ca no contexto mais amplo de toda a revolução das técnicas do começo do séc XX Dessa contextualização geral das transformações políticas sociais técnicas e estéticas ocorridas na passagem do séc XIX ao séc XX e que implicam uma transformação profunda nos modos de interpretação f gu rativa da realidade poderíamos dizer que do mesmo modo como existi ram modelos estéticos específ cos nas artes plásticas e que foram radical mente contestados na virada do século a partir das diversas vanguardas artísticas como por exemplo o impressionismo o cubismo o expres sionismo o dadaísmo e o surrealismo também um certo modelo esté tico do romance do séc XIX e que se tornou diríamos hegemônico será contestado e superado de forma crescente e contundente durante todo o séc XX Nesse sentido em contraponto ao modelo preponderante do ro mance do século XIX calcado em um narrador em terceira pessoa modelo desenvolvido e levado a um grau de elaboração altíssimo por grandes escritores franceses como Victor Hugo Balzac Flaubert e ou tros e que almejava como entidade narrativa desaparecer para o lei tor por trás de uma espécie de ilusão retórica criada a partir das minú cias detalhistas de um narrador onisciente Marcel Proust no começo do século XX colocará em prática outro modelo estético baseado em diferentes procedimentos narrativos De fato Proust não irá estabelecer algo absolutamente inédito ao passar a narrar em primeira pessoa a história de sua obra mestra La Recherche du temps perdu traduzida para o português como Em busca do tempo perdido Nesse movimento de passagem da narrativa em ter ceira pessoa para uma narrativa em primeira pessoa há muito mais do Literatura Ocidental II 16 que um gesto autobiográf co Em outras palavras poderíamos dizer que com a entrada desse Eu que conta a história há toda uma construção estratégica da narrativa que envolverá uma nova relação com a descri ção do tempo e do espaço na história Para Proust fora fundamental conseguir contar a história da bus ca de uma experiência de suas memórias de vida ou seja para o escritor Proust a busca de um tempo perdido passado escoado ou f nalmente vivenciado enquanto lembrança exposta pela escritura e pela experiên cia literária seria a busca de um tipo de narrativa que superasse um certo modelo narrativo denominado mimético Esse modelo justamente por se caracterizar por uma idéia de re presentação ou de imitação f dedigna do real mimesis é um vocábulo latino mimēsis que vem do grego μίμησις mimeisis e signif ca imitação será o padrão canônico de descrição narrativa em termos li terários no séc XIX Vale lembrar que do mesmo modo como nas artes plásticas há toda uma transformação dos modos de representação da realidade e dos objetos do mundo o modo mimético de descrição nar rativa é um modo específ co organizado e determinado historicamente a partir do uso de certas formas e estratégias narrativas consagradas no séc XIX Esse modelo mimético consagrado pelas obras de escritores como Balzac e Flaubert será então aos poucos transgredido de modo que a própria experiência do tempo possa ser tematizada e elaborada em sua relação paradoxal com a memória a rememoração e o entroncamento dessas relações com o espaço Tratase de toda a discussão teórica que atravessa a problemática da literatura como representação específ ca da experiência do homem no mundo na forma do relato f ccional ou tes temunhal Para um quadro geral histórico de uma evolução da repre sentação da realidade na Literatura Ocidental ver o f lósofo Erich Auer bach Auerbach escreveu um livro importante Mimesis A representação da realidade na literatura ocidental traduzido para o português em 1953 e para o espanhol em 1951 httpwwwpanfl etonegro comtreintaydoslibrosshtml O literário e os conceitos de Afecção e Duração 17 CAPÍTULO 01 13 O conceito de duração Seria necessário agora remetermonos à importância que tiveram as pesquisas de Bergson nas várias transformações dos modelos artísti cos e literários do começo do século XX O f lósofo francês Henry Berg son nascido em Paris em 1859 e morto na mesma cidade em 1941 teve sua produção intelectual preponderante no começo do século XX Berg son desenvolveu uma ref exão f losóf ca sobre a duração durée do tem po enquanto f uxo de consciência em contraposição ao tempo enquanto variável científ ca Para ele o tempo vivido da consciência é outra coisa que o tempo relacionado ao espaço em função de uma compreensão científ ca O tempo vivido da consciência a duração tem outro sentido que o tempo calculado como função do espaço O tempo enquanto con ceito científ co está relacionado a uma medida de deslocamento de um corpo no espaço segundo o tempo de seu intervalo Esse intervalo para Bergson pode ser pensado como tempo científ co ou como duração de um f uxo de consciência Para a consciência o que importa é justamente o que escorre entre as bordas da abstração matemática que opera a ciência em relação ao tempo Bergson inf uenciou muito a construção de outros modelos de des crição narrativa do tempo da história como o que ocorre na obra de Marcel Proust Em Busca do tempo perdido Veremos que toda uma rela ção da descrição do tempo em relação ao espaço na literatura do século XX está relacionada às pesquisas sobre a duração enquanto conceito de f uxo de consciência do tempo Da complexidade das descrições sen sórias de um narrador que conta a história de sua vida como romance de si mesmo como em Proust à desf guração e despersonalização do narrador que se refere a um mundo onde as fronteiras do inteligível e do sensível já não são mais tão discerníveis como nas narrativas do Nouve au roman que estudaremos mais tarde observase um denso processo de transformação do discurso narrativo O historiador da literatura Henri Godard identif ca na obra mes tra de Proust para além do uso da narração em primeira pessoa e das complicações autobiográf cas que daí emergem uma série de estratégias discursivas que vão criar toda a complexidade do trabalho romanesco Henry Bergson Literatura Ocidental II 18 proustiano sobre a questão da memória e da possibilidade de constru ção de outro modelo narrativo Em seu livro Le roman modes demploi que poderíamos traduzir por O Romance modos de uso ou Romance manual prático Henri Godard apresenta a tese de um certo desenvol vimento estético do romance no século XX na França como uma série de experimentações narrativas tendendo todas à crítica e mesmo ao rechaço do modelo de representação mimética do romance do séc XIX exemplif cado principalmente por Balzac e Flaubert dentre outros es critores canônicos no séc XIX A idéia de modo de uso ou de manual prático que se pode ler a partir do título do livro de Godard aponta para o tema do desenvolvi mento do romance na França no sentido de se pensar o romance como um verdadeiro aparelho de linguagem como máquina de linguagem ou máquina narrativa Podemos perceber que essa máquina de linguagem que é o romance ou num sentido mais amplo o texto narrativo ou o re lato f ccional no século XX passa a ter como motivação e interesse funda mental o questionamento da própria linguagem enquanto possibilidade de representação do real em toda a sua complexidade ou seja do real pensado e experienciado como texto naturalmente possível de ser lido e conseqüentemente aberto a uma multiplicidade interpretativa O conceito de cânone diz respeito a uma determinada norma de gosto e de importância de escritores que teriam uma certa pre ponderância por suas regras de estilo e pela amplitude de sua qua lidade estética Há toda uma discussão muito calorosa sobre este assunto e sobre a validade teórica de um conceito desse tipo É a discussão mesma que abre nosso livro didático nos termos de uma ref exão sobre a quantidade e a qualidade da produção literária no século XX ocidental Procuraremos desenvolver uma discussão sobre esse tema indicando e elaborando durante a apresentação um panorama históricocrítico que possa sustentar algumas linhas gerais de explicação para a escolha dos autores que serão trabalha dos nas Unidades dedicadas aos escritores escolhidos e que possi velmente poderão ser enquadrados na acepção do termo Cânone no século XX A narração em primeira pessoa CAPÍTULO 02 19 A narração em primeira pessoa Neste capítulo estudaremos a passagem da estrutura da ilusão retórica e referencial de um narrador em 3ª pessoa à prática narrativa em 1ª pessoa Estudaremos que a literatura no século XX de um modo ou de outro far seá escritura de campos de subjetividade por meio de uma abordagem f ccional porém cada vez mais impulsionada por um desejo autobiográf co que em última instância não revelará jamais um Eu verdadeiro do escritor mas uma gama enorme de relações ou de construções subjetivas 2 1 A passagem da narração em terceira pessoa à narração em primeira pessoa Em outras palavras a literatura no século XX é marcada pela con f guração de uma ruptura entre um modo de representação mimético do real assentado numa estrutura narrativa em 3ª pessoa e na ilusão retórica de um sutil desaparecimento referencial desse narrador e o sur gimento de uma experiência narrativa calcada no uso da 1ª pessoa pelo narrador personagem sendo que este pode em alguns casos ser repre sentado como o escritor f ccional do mesmo texto que o narra O século XX observará a emergência de uma complicação e aden samento da instância de um narradorpersonagem no sentido que a passagem da estrutura da ilusão retórica e referencial de um narrador em 3ª pessoa à prática narrativa em 1ª pessoa pressupõe em sua con textualização e emergência estética nada mais nem nada menos do que toda a caudalosa complexidade das transformações políticas técnicas e culturais que a história do século XX dif cilmente poderá esgotar A literatura do séc XX pode ser lida enquanto espaço ou território de experiência afectiva e cognitiva onde se reúnem os elementos absolu tamente interseccionados de uma experiência histórica e estética da rea lidade O pensamento do criador da psicanálise Sigmund Freud inf uen ciou fortemente para o advento do tipo de literatura que no século XX adquiriria um tom mais intimista e estratégias de f uxo de consciência 2 Para saber mais sobre o pai da psicanálise acesse as seguintes páginas http wwwbiografi asyvidascom monografi afreud e http eswikipediaorgwikiSig mundFreud Literatura Ocidental II 20 É a partir do conhecimento de um determinado esquema ou con f guração das forças afectivas desenvolvidas desde o nascimento que se pode estabelecer um conhecimento entre um certo quadro psíquico do indivíduo e um nível de consciência ou de linguagem capaz de com preender seu próprio desenvolvimento Naturalmente essa produção de conhecimento está também atravessada por uma multiplicidade de fatores que poderíamos chamar em grandes linhas fatores psicosocio econômicos Existiriam estruturas desse desenvolvimento que estariam mais ou menos fadadas a um certo esquecimento traumático como forma de de fesa da própria signif cação de um determinado evento na constituição da personalidade do indivíduo Toda uma dimensão de conhecimento sobre os modos de operação entre inconsciência e consciência a partir da conf guração psíquica do individuo passa a fazer parte do conhecimen to psicológico Na verdade o que Freud desenvolve é um conhecimento sobre a possibilidade de desmascarar certos efeitos de forças afectivas no desenvolvimento psíquico de certos indivíduos A esse método de investigação e de interpretação das conf gurações subjetivas dadas na relação do inconsciente e do consciente se nomeara de psicanálise Freud estabelecera na passagem do séc XIX ao séc XX as bases para o conhecimento do inconsciente entendido como verdadei ra dimensão das relações de afecção no homem O conhecimento sobre o desenvolvimento psíquico humano estaria daí em diante atrelado a toda uma pesquisa contínua da função do desenvolvi mento da sexualidade junto aos ritmos afetivos que o ser humano desenvolveria desde seu nascimento Como uma espécie de escri tura afectiva dimensionada a partir do inconsciente e funciona lizada na construção de modos de comportamento mais ou me nos condizentes com certas estruturas afectivas dadas a partir de processos ou fases do desenvolvimento psíquico Freud desenvolve uma verdadeira revolução no conhecimento a partir de uma lei tura do inconsciente interpretado enquanto estrutura arquetípica fundamental Saiba mais sobre o conceito de arquétipo visitando a página httpeswikipediaorgwikiArquetipo A narração em primeira pessoa CAPÍTULO 02 21 As anotações que acabamos de fazer sobre Freud procuram ape nas situar o acontecimento científ co das investigações freudianas no plano de conf guração da Literatura Ocidental do século XX Diversos serão os herdeiros e críticos da obra de Freud como por exemplo para citar apenas dois nomes Carl Jung e Jacques Lacan este último sendo aquele que desenvolve a idéia de um inconsciente estruturado como lin guagem Na verdade a obra de Freud por sua vasta dimensão e alcance epis temológico atravessará como um todo praticamente todas as áreas do conhecimento humano A literatura jamais será a mesma após o adven to da psicanálise pois de algum modo a escritura literária pode ser pen sada como verdadeiro trabalho de interpenetração e desdobramento da linguagem pensada a partir desse momento como dimensão de expo sição e retraimento de forças tanto afectivas quanto perceptivas da reali dade A literatura no século XX de um modo ou de outro se fará escri tura de campos de subjetividade por meio de uma abordagem f ccional porém cada vez mais impulsionada por um desejo autobiográf co que em última instância não revelará jamais um Eu verdadeiro do es critor mas uma gama enorme de relações ou de construções subjetivas que partem da subjetivização ou f ccionalização desse Eu à destinação f gurativa descritiva e narrativa de um Ele Este será a instância de diferença absoluta encarnada como Outro como o fora de mim aquele que não sou ou seja dimensão de negatividade ou de contraponto com a possibilidade de construção de identidade do sujeito Para saber mais sobre Carl Jung acesse httpwww psicomundoorgjung O site httpeswikipediaorg wikiJacquesLacan lhe aju dará a obter mais informação sobre Jacques Lacan A propósito dessa aparente força identitária a literatu ra do séc XX irá pouco a pouco e de forma sutil a um só tempo temática e semanticamente elabora da mostrar que ao mesmo tempo em que um Eu fi ctício é atravessado por questões autobiográfi cas ele se remete a si mesmo ou aos outros a sua volta a partir da exploração dos meandros muitas vezes ca óticos de sua subjetividade Essa subjetividade já não será a de um sujeito deter minado por uma analogia biográfi ca mas declarará a verdadeira complexidade de um mundo atravessado por questões tão densas quanto a própria dimensão do inconsciente em sua re lação indissociável com o que entendemos por cons ciência É nesse ponto bru moso onde se cruzam as questões fi losófi cas éticas e estéticas que nosso tem po procura estabelecer os nexos possíveis de entendi mento e onde procuramos observar também como a literatura ai se apresenta Unidade B A dessacralização da obra de arte Walter Benjamin A dessacralização da obra de arte 25 CAPÍTULO 03 A dessacralização da obra de arte Neste capitulo veremos como a arte não estando mais associada à valora ção de um caráter único e sagrado passa a ser considerada em relação ao seu valor de comércio de exposição de troca e de uso As transformações técnicas e materiais que passam a refundar a própria compreensão do mundo estão também relacionadas com uma transformação da signif cação simbólica e sociológica que a arte traduz como meio singular de interpretação histórica 31 Retomando algumas questões da Unidade anterior Tentaremos agora resumir o que delineamos até aqui como eixo crítico para se pensar o complexo e amplo tema de nossa disciplina Literatura Ocidental do século XX Não se poderia deixar de observar a complexidade quantitativa e qualitativa de um corpus que compreen de um século absolutamente conturbado por sua variedade de fatos e a emergência de toda uma indústria de reprodução técnica que transforma e multiplica vertiginosamente a obra de arte e a própria produção literá ria Lembremos o papel da fotograf a e do cinema como fundamentais em relação às inf uências técnicas e estéticas que terão sobre a literatura Lembremos também a complexidade do contexto histórico e político da passagem do séc XIX ao séc XX marcado por árduas lutas sociais e a formação das ideologias social nacionalistas que junto ao aconte cimento traumático das duas grandes guerras na primeira metade do século XX puseram a nu uma série de outras problemáticas históricas e culturais profundas que serão tematizadas a partir de conf gurações estéticas variadas nas obras literárias que trataremos mais adiante Verif cada a amplitude do corpus literário do século XX determi namos então como eixo organizador de análise da Literatura Ocidental desse século a passagem de uma estrutura narrativa mimética baseada 3 A noção de corpus se refere ao material documental e bi bliográfi co relacionado a um determinado tema de pesqui sa e que corresponde sempre a uma escolha metodológica que exige a delimitação de uma hipótese de trabalho cujo desenvolvimento tenta responder a determinadas questões Literatura Ocidental II 26 no uso da 3ª pessoa pelo narrador às estruturas e modos de descrição narrativa em 1ª pessoa Esse fenômeno estabelece uma experiência de exploração subjetiva do narrador que poderíamos compreender como a entrada em uma dimensão subjetivante e uma valorização da cena autobiográf ca da literatura do séc XX Em última análise essa dimensão autobiográf ca da literatura será também a abertura da narrativa a um desenvolvimento maior de suas próprias possibilidades formais e temáticas de contextualização críti ca estética e histórica do século XX O desdobramento da investigação subjetiva elaborada pelo narrador em 1ª pessoa não signif ca de forma alguma e é preciso que isso f que claro a eliminação do uso dis cursivo de um narrador em 3ª pessoa no desenvolvimento da literatura mas sim o deslocamento do foco narrativo a uma instância de subjetivi zação que passa a elaborar de outro modo a complexidade das questões que atravessam de forma inédita a literatura no séc XX Observado esse quadro de desenvolvimento estéticoformal da li teratura conf gurase na modernidade Para saber mais sobre o con ceito de Modernidade você pode consultar as seguintes páginas httpwwwmerca baorgDicPCMmodernidad htm e httpeswikipediaorg wikiModernidad O conceito de modernidade é chave para a compreensão da Li teratura Ocidental do séc XX Em linhas muito gerais podería mos marcar alguns traços descritivos do que se poderia chamar modernidade A Momento histórico mais ou menos delimitado entre a revolução francesa e a primeira metade do século XX B Essa circunscrição histórica e cronológica deve servir apenas para delimitar um espaço de análise que se relaciona em última instân cia à historia do conhecimento ocidental situado entre o advento do iluminismo e a continuidade da revolução industrial de f ns do século XIX também chamada pelos historiadores segunda e ter ceira revoluções industriais C Em termos f losóf cos a moder nidade se caracteriza como um amplo movimento de idéias que elabora uma crítica dos modos de pensamento moderno e anti go e que tem como eixo de análise um entendimento da natureza políticosocial do homem fundado na razão como controladora da sociedade em toda sua extensão Nesse sentido a razão antes de A dessacralização da obra de arte 27 CAPÍTULO 03 tudo passa a ser imposta como norma fundamental da socieda de D A modernidade carrega um sentido particular de crise dos parâmetros teóricos e históricos pois em seu sentido mais geral é o período no qual se desenvolve um pensamento que ao mesmo tempo em que situa a razão como guia do homem em direção aos ideais do iluminismo estampados nos lemas da revolução france sa Liberdade Igualdade e Fraternidade enfrentase com os pro blemas inerentes ao desenvolvimento histórico e social do próprio mundo ocidental quando a razão e a técnica não puderam superar inteiramente os desaf os de uma sociedade mais justa ou quando a ciência e as técnicas que surgem a partir do trabalho da razão como baluarte de uma emancipação social se tornam elas mesmas a ciência e a técnica formas de dominação e de exploração do ho mem Vale lembrar a crítica marxistasocialista da opressão das classes trabalhadoras do colonialismo e do imperialismo sobre os países alheios à hegemonia capitalista européia E No que concer ne à teoria literária propriamente dita a questão da modernidade está vinculada em seu espectro conceitual à produção e ao desen volvimento da literatura do século XX como experimentação de modos e de estratégias narrativas e estéticas que dêem conta da du pla relação complexa de construção da subjetividade desse homem moderno e suas relações intrínsecas à exterioridade do mundo social e político do qual ele faz parte Esse movimento apresenta os meios e os temas que a própria modernidade não deixa de conti nuar a elaborar como sua singular força histórica e f losóf ca uma postura literária de f ccionalização do Eu que operará um verda deiro cruzamento entre as preocupações estéticas e f losóf cas que engendram enquanto crise de paradigmas a cena do pensamento contemporâneo Literatura Ocidental II 28 32 As contribuições teóricas de Walter Benjamin Não poderíamos deixar de comentar em alguns parágrafos a im portância do ensaio A obra de arte na era da reprodutibilidade técnica de Walter Benjamim De fato esse ensaio tem uma importância muito grande por trazer uma ref exão acurada sobre as relações sociológicas e simbólicas que atravessam na modernidade o sentido da obra de arte na passagem do século XIX ao século XX Vimos anteriormente como a fotograf a e o cinema representaram uma transformação importante nas formas de representação das artes plásticas e como já antes o mo vimento impressionista passara a representar o real a partir de outros modos de interpretação da luz e do movimento Benjamim em seu ensaio observa que com o advento de novas tecnologias e o surgimento de uma cultura baseada na reprodução téc nica de produtos e bens de consumo ocorrerá uma transformação no conceito de obra de arte A idéia central do ensaio é uma crítica a uma determinada evolução e derrocada do conceito de aura na obra de arte Com efeito para Benjamim a obra de arte operaria uma signif cação profunda relacionada com a idéia do sagrado e do divino desde a pré história Uma certa aura pairaria sobre a obra de arte implicando nes ta uma relação específ ca de poder vinculada às classes dominantes e aos modos como certas funções simbólicas são operadas na relação do artista com a obra e com o meio político e econômico que envolve a produção artística O caráter único da obra de arte remeteria a um certo ideal de poder das classes que poderiam ter acesso ou proximidade às obras que em sua caracterização profunda continuavam a emitir uma espécie de aura sagrada Com o advento dos meios de reprodução de massa como na indústria maquinizada e a produção de imagens em sé rie como ocorre com a técnica fotográf ca esse caráter de unicidade da obra se torna relativo Essas relações de reprodução técnica a partir do f m do século XIX terão papel fundamental na queda de uma idéia sagrada da obra de arte que Benjamim desenvolve junto à obra de Charles Baudelaire notadamente em relação ao poema La perte daureole A perda da aura Para saber sobre Walter Benjamin acesse http wwwepdlpcomescritor phpid1461 e httpwww infoamericaorgteoriabenja min1htm Para saber sobre este impor tante poeta e crítico francês acesse httpwwwbaudelai regaleoncom A dessacralização da obra de arte 29 CAPÍTULO 03 publicado originalmente em Spleen de Paris em 1862 no qual o poe ta francês descreve as transformações do meio urbano na cidade como ressonâncias incontornáveis de transformações no próprio trabalho de interpretação poética elaborado pelo artista Em resumo para Benjamim uma certa idéia de arte enquanto por tadora de uma aura simbólica é transformada em sua signif cação his tórica a partir do momento em que a arte não estando mais associada à valoração de um caráter único e sagrado passa a ser considerada em relação ao seu valor de comércio de exposição de troca e de uso As transformações técnicas e materiais que passam a refundar a própria compreensão do mundo estão também relacionadas com uma transfor mação da signif cação simbólica e sociológica que a arte traduz como meio singular de interpretação histórica Em última análise poderemos então pensar o tema da Literatura Ocidental no século XX a partir da leitura desse fundamental ensaio de Walter Benjamin A obra de arte na era da reprodutibilidade técnica Diríamos para f nalizar que o ensaio de Benjamin pode ser lido como uma ref exão tributária de uma analítica dos meios de produção técnicos e econômicos associada a uma profunda compreensão socioló gica da arte enquanto atividade material e simbólica a um só tempo e que informa por sua experiência representativa e performativa da realidade a possibilidade de uma compreensão dinâmica do desenvolvimento his tórico do ocidente contextualizando um verdadeiro impasse político e cultural representado pelo advento das duas grandes guerras mundiais e que marcam de forma peremptória todo o século XX O ensaio de Benjamin trata essencialmente a discussão crítica do que poderíamos chamar análise históricosociológica do advento da cultura de massas Finalmente é do contexto do surgimento das massas populares proletárias e da constituição das multidões ou seja do contexto de emergência de uma dimensão do anonimato e do controle estatístico da população pelo estado que emerge como advento de uma nova etapa de industrialização e da constituição de ideologias de mercado voltadas para a produção e o controle do consumo qualquer consumo inclusive o consumo estético pelas multidões de que trata em última análise o ensaio de Benjamin Você poderá ler a íntegra deste ensaio de Benjamin em espanhol na página eletrôni ca que segue e que também contém em formato eletrô nico além de outros textos do fi lósofo outros importan tes textos de vários outros fi lósofos e críticos reconhe cidos historicamente neste tema fascinante da arte e de suas relações com a histó ria a sociedade a fi losofi a e a cultura no século XX httptijuanaartesblogspot com200503elarteenla eradelareproduccionhtml Charles Baudelaire Literatura Ocidental II 30 Podemos perceber nesse sentido a partir da ref exão benjaminia na o grau de importância que se estabelece entre uma compreensão sociológica do contexto político e econômico na primeira metade do século XX e o tema do estudo da literatura nesse início de século A constituição de modos diferentes de composição narrativa que se desen volve de forma diversif cada na literatura desse período se relaciona não apenas com uma vontade de inovação estilística ou estética por parte dos autores e artistas mas sobretudo impõese gradativamente como verdadeira necessidade crítica perante um mundo que emerge pleno de contradições de ordem política e econômica 33 O narrador Ao lado de A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica podemos situar um outro importante ensaio de Benjamin O narrador De fato esse ensaio escrito no mesmo ano 1936 que o ensaio sobre a obra de arte é uma ref exão que tem como mérito estabelecer nexos profundos entre a atividade narrativa e as transformações políticas téc nicas e sociais que passam a descrever o mundo no século XX Esses nexos são fundamentais para podermos pensar os modos de construção de estratégias narrativas cada vez mais focadas numa fragmentação do sujeito enquanto entidade de papel que elabora seu próprio papel f c cional como narrador a meio caminho entre a f ccionalidade que o real empreende ao ser recortado em sua complexidade e a realidade da f cção enquanto processo de experimentação estética Para Benjamin há uma relação muito estreita entre a atividade de narrar enquanto fato imemorial e uma perda da experiência dessa mesma atividade no seio da sociedade moderna Na verdade Benjamin coloca essa perda de experiência como perda da capacidade de troca ou intercâmbio de experiências Essa perda da capacidade de troca de experiência é resultado de um desenvolvimento da técnica e da estru tura econômica capitalista bem como num sentido mais particular re sultado do verdadeiro trauma individual e coletivo que a experiência de guerra mundial apoiada por técnicas militares avassaladoras uso do avião de novos explosivos de bombas químicas etc deixara como A leitura de O narrador é fun damental para a compreen são das sutilezas e dos desen volvimentos de uma refl exão sobre o papel da estrutura da narração e de suas funções na história da literatura do século XX Você encontrará o ensaio na seguinte página httptijuanaartesblogspot com200503elnarrador html A dessacralização da obra de arte 31 CAPÍTULO 03 herança Por outro lado a antiga ética dos combates militares passa a ser substituída por uma estratégica e tática de guerra que transforma a própria lógica do combate que existia até então O homem que retornava da guerra em lugar de ter muitas experi ências para contar retornava emudecido e traumatizado A radicaliza ção das transformações que os avanços e o desenvolvimento da técnica que se mostram de forma traumática já na 1ª guerra mundial trou xeram transformará a atividade narrativa que se conhecia até então A experiência da narrativa oral ou seja da capacidade de narrar que se desenvolvia a partir do dizer e da fala entre os indivíduos de uma comunidade e da conseqüente transmissão de conhecimentos conse lhos e experiências entre eles passa por uma profunda transformação e desvalorização Pois como af rma Benjamin En todos los casos el que narra es un hombre que tiene consejos para el que escucha Y aunque hoy el saber dar consejo nos suene pasado de moda eso se debe a la circunstancia de una menguante comunicabili dad de la experiencia Consecuentemente estamos desasistidos de con sejo tanto en lo que nos concierne a nosotros mismos como a los demás El consejo no es tanto la respuesta a una cuestión como una propuesta referida a la continuación de una historia en curso Para procurárnoslo sería ante todo necesario ser capaces de narrarla Sin contar con que el ser humano sólo se abre a un consejo en la medida en que es capaz de articular su situación en palabras Benjamin 1936 Essa mudança que passa a ser percebida na experiência de narrar não se remete de forma nenhuma a uma decadência da atividade nar rativa e não se limita a ser pensada como fenômeno moderno ela faz parte de toda uma série de transformações materiais profundas que po dem ser situadas historicamente e que tem nessa mesma historicidade sua capacidade de ser pensada como complexo de relações tanto mate riais e técnicas como simbólicas e ideológicas Essas transformações em última instância irão deslocar a experiência da narração oral para outras formas de narrar seja a partir de suas mudança em nível simbólico seja a partir das novas tecnologias materiais de reprodução que advêm dos novos processos produtivos baseados na reprodutibilidade técnica lembremos do desenvolvimento da fotograf a e do cinema como verda deiros baluartes da nova industrialização Literatura Ocidental II 32 Essa mudança no estatuto da narração no começo do século XX não implica uma destituição total das formas tradicionais de narração mas sim numa mudança de suas formas de seus modos e de suas estra tégias narrativas É o caso do surgimento do romance que Benjamin coloca como exemplo De fato o romance depende em certa medida do desenvolvimento de uma imprensa baseada na reprodutibilidade e de exigências mate riais ou de suporte muito diferentes daquelas que sustentam a existên cia do gênero épico e que se apresenta como vimos atrelado às formas de intercâmbio do patrimônio de uma experiência de oralidade na for ma do conselho Na verdade o romance moderno representa a passagem de uma forma de narração baseada na experiência de intercâmbio das práticas narrativas coletivas à experiência narrativa baseada na segregação do indivíduo O narrador do romance narra experiências em sua origem baseadas em sua compreensão já apartada do sentido de narração fun dada na oralidade e na prática de uma experiência compartilhada como oralidade A análise de Benjamin em O narrador a respeito das transforma ções da experiência narrativa é sem dúvida uma das melhores ref exões sobre um tema que abarca para além dos temas relacionados à literatu ra do séc XX a amplitude de uma teoria geral da comunicação Nesse sentido o que devemos reter a partir dessa importante ref exão se refere ao relacionado ao paradigma de uma passagem de uma estrutura nar rativa calcada em um narrador em 3ª pessoa estabelecida no romance mimético do séc XIX aos desenvolvimentos diversif cados por todo o séc XX de outras estruturas narrativas baseadas numa introspecção e numa transformação muitas vezes radical do modelo mimético Nesse sentido ressaltaremos aqui em relação ao ensaio de Benja min sua aguda percepção sobre a mudança da forma de articulação de uma narrativa épica baseada na oralidade e uma narrativa que migra na modernidade chegando já no século XX à exploração de uma di mensão psicológica e explicativa sobre os fatos ou os núcleos de sentido da narrativa Desse modo aquilo que marca a contundência de uma A dessacralização da obra de arte 33 CAPÍTULO 03 narrativa baseada numa experiência de oralidade é sua estrutura bási ca subtraída de toda especulação explicativa e ou psicologizante Como af rma Benjamin Nada puede encomendar las historias a la memoria con mayor insisten cia que la continente concisión que las sustrae del análisis psicológico Y cuanto más natural sea esa renuncia a matizaciones psicológicas por parte del narrador tanto mayor la expectativa de aquélla de encontrar un lugar en la memoria del oyente y con mayor gusto tarde o tempra no éste la volverá a su vez a narrar Benjamin 1936 VIII Cf hiperlink O narrador que emerge na literatura do século XX é a f gura que corresponde ao contraponto mais expressivo do narrador oral Para Benjamin uma das garantias da transmissibilidade das histórias narra das estaria fundamentada na subtração de desdobramentos psicológi cos o que contrariamente é elevado à máxima potência pelo narrador em 1ª pessoa Esses fatos evocados na ref exão de Benjamin servirão para situar o contexto no qual se insere nossa ref exão sobre a Literatura Ocidental no século XX Veremos como cada vez mais haverá uma preocupação por parte dos escritores do século XX de aceder a outras formas e mo dos de se remeter ao tema da experiência narrativa e que em muitos casos ao invés de ocorrer a narração de acontecimentos ao modo de uma narrativa tradicional essa nova fase literária e f ccional muitas ve zes autobiográf ca ou que toma como referência operações textuais da autobiograf a passa a construir universos literários onde ocorre uma experiência de fragmentação e despersonalização do sujeito encarnado na f gura móvel e paradoxal do narrador presente na literatura desse século
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Texto de pré-visualização
Literatura Ocidental II Liliana Reales Rogério Confortin Florianópolis 2009 3 Período Governo Federal Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva Ministro de Educação Fernando Haddad Secretário de Ensino a Distância Carlos Eduardo Bielschowky Coordenador Nacional da Universidade Aberta do Brasil Celso Costa Universidade Federal de Santa Catarina Reitor Alvaro Toubes Prata Vicereitor Carlos Alberto Justo da Silva Secretário de Educação a Distância Cícero Barbosa Próreitora de Ensino de Graduação Yara Maria Rauh Muller Próreitora de Pesquisa e Extensão Débora Peres Menezes Próreitora de PósGraduação Maria Lúcia de Barros Camargo Próreitor de Desenvolvimento Humano e Social Luiz Henrique Vieira da Silva Próreitor de InfraEstrutura João Batista Furtuoso Próreitor de Assuntos Estudantis Cláudio José Amante Centro de Ciências da Educação Wilson Schmidt Curso de Licenciatura em LetrasEspanhol na Modalidade a Distância Diretor Unidade de Ensino Felício Wessling Margutti Chefe do Departamento Rosana Denise Koerich Coordenadoras de Curso Maria José Damiani Costa Vera Regina de A Vieira Coordenador de Tutoria Felipe Vieira Pacheco Coordenação Pedagógica LANTECCED Coordenação de Ambiente Virtual HiperlabCCE Projeto Gráfico Coordenação Luiz Salomão Ribas Gomez Equipe Gabriela Medved Vieira Pricila Cristina da Silva Adaptação Laura Martins Rodrigues Comissão Editorial Adriana Kuerten Dellagnello Maria José Damiani Costa Meta Elisabeth Zipser Rosana Denise Koerich Vera Regina de Aquino Vieira Equipe de Desenvolvimento de Materiais Laboratório de Novas Tecnologias LANTECCED Coordenação Geral Andrea Lapa Coordenação Pedagógica Roseli Zen Cerny Material Impresso e Hipermídia Coordenação Thiago Rocha Oliveira Laura Martins Rodrigues Diagramação Eduardo Malaguti Santaella Jessé Torres Tratamento de imagens Thiago Rocha Oliveira Gabriel Nietsche Revisão gramatical Rosangela Santos de Souza Design Instrucional Coordenação Isabella Benfica Barbosa Designer Instrucional Felipe Vieira Pacheco Copyright2009 Universidade Federal de Santa Catarina Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida transmitida e gravada sem a prévia autorização por escrito da Universidade Federal de Santa Catarina Ficha catalográfica Catalogação na fonte elaborada na DECTI da Biblioteca Universitária da Universidade Federal de Santa Catarina R288l Reales Liliana Literatura ocidental II Liliana Reales Rogério Confortin Florianópolis LLECCEUFSC 2009 110 p ISBN 9788561483142 1 Literatura ocidental 2 Século XX I Confortin Rogério IITítulo CDU 82 Sumário Unidade A 9 1 O literário e os conceitos de Afecção e Duração 11 11 O literário 11 12 O conceito de afecção 12 13 O conceito de duração 17 2 A narração em primeira pessoa 19 2 1 A passagem da narração em terceira pessoa à narração em primeira pessoa 19 Unidade B 23 3 A dessacralização da obra de arte 25 31 Retomando algumas questões da Unidade anterior 25 32 As contribuições teóricas deWalter Benjamin 28 33 O narrador 30 Unidade C 35 4 A experimentação narrativa 37 41 Em busca de uma nova temporalidade ficcional 37 Unidade D 45 Introdução 47 5 A experiência figurativa do tempo e do espaço ficcionais 49 51 Marcel Proust 49 52 Marcel Proust crítico 53 6 Franz Kafka 57 61 Kafka e a transformação da literatura 57 62 A exigência da obra em Kafka 61 63 O papel fundamental da imagem do topógrafo na obra de Kafka 65 7 Um novo caminho contra a ilusão realista69 71 Virginia Woolf 69 72 Uma inovadora 70 8 A paixão da escritura 77 81 Samuel Beckett 77 82 Paixão melancólica 80 9 Um inovador 85 91 James Joyce breve biografia 85 92 Uma abordagem sobre o caráter parodístico do Ulisses 86 10 Uma crítica à teoria e à prática literárias 95 101 Alain RobbeGrillet 95 11 Um escritor erudito 99 111 Fama mundial 99 112 Uma biografia intelectual 100 113 Tlön metáfora do mundo 105 Referências 109 Apresentação Caro aluno A preparação deste livro didático Literatura Ocidental II apresentouse para nós não só como uma tarefa especialmente prazerosa mas também como um grande desafio A produção literária do Ocidente do século pas sado deu ao mundo uma extraordinária quantidade de obras de excelen te qualidade Em termos quantitativos teria que se ter promovido uma pesquisa exaustiva de catalogação das mais importantes publicações do século passado Em termos qualitativos a dificuldade da escolha é ainda maior devido às implicações teóricas que a Literatura Ocidental do Século XX passa a suscitar especialmente a narrativa Se a quantidade e a qualidade do material de uma Literatura Ocidental do Século XX são importantes em um estudo literário teríamos como outra questão implicada a dimensão da crítica enquanto construtora e legitima dora de modelos de apreciação dessa literatura Do mesmo modo como é densa a qualidade das obras literárias no ocidente no século XX também há uma visível variedade de escolas críticas que se empenharam em des crever e valorizar saberes dessa experiência literária Dada a diversidade e a densidade do objeto de nosso livro didático preten demos relacionar em dois tempos a escolha dos autores que aqui serão tra tados com uma observação geral sobre a qualidade da experiência literária enquanto experiência estética e a potência crítica de algumas escolas que se desenvolveram junto aos ritmos e aos desdobramentos de uma literatu ra que se instituiu como verdadeira experimentação e contraponto a um certo modelo de linguagem literária do século XIX Nesse sentido observamos também que o eixo principal de nossa propos ta será o de descrever em linhas gerais o desenvolvimento de uma certa passagem de um modelo de romance mimético apoiado numa estrutura narrativa em terceira pessoa que tende a esconder sutilmente o narrador através da ilusão retórica de um narrador onisciente à valorização de um narrador em primeira pessoa que traz consigo uma série de estratégias nar rativas diferenciadas e que elabora modelos diferenciados de tratamento do foco narrativo instituindo uma série de reelaborações da experiência narrativa do tempo e do espaço na Literatura Ocidental II Por outro lado levando em conta que há disciplinas específicas para tratar da lírica e do teatro decidimos nos concentrar no romance que traz desde o século XIX uma herança de valorização e na narrativa curta ou o conto muito valorizado também durante o século XX Para nossa disciplina com carga horária de 60 horasaulas dividimos o ma terial didático em quatro Unidades Na Unidade A propomos uma reflexão sobre a questão literária relacionada aos conceitos de afecção e de duração Na Unidade B estudaremos as contribuições de Walter Benjamin para se entender a arte e a literatura do século XX Na Unidade C estudaremos a busca da literatura por uma nova temporalidade ficcional e seu mergulho na experimentação narrativa Na Unidade D estudaremos alguns dos re presentantes mais importantes da literatura do século XX Desejamos a você um bom estudo Os autores Unidade A A questão literária e a questão crítica O literário e os conceitos de Afecção e Duração 11 CAPÍTULO 01 O literário e os conceitos de Afecção e Duração Neste Capitulo vamos ref etir sobre a questão literária os modos e as prá ticas singulares de experiência que ela elabora por meio da linguagem Também estudaremos o conceito de afecção entendido como operador de sentido da arte e o de duração enquanto conceito de f uxo de consciência do tempo 11 O literário A literatura se apresenta como verdadeiro tecido de formas e mo dos de expressão do sentido estético e cultural de uma sociedade em uma época Em outras palavras a escritura ou a textualidade literárias expressam no jogo de suas formas e na prática que fazem da linguagem as questões econômicas políticas f losóf cas e históricas presentes num determinado período histórico e em um determinado espaço Além de operar como um certo canal de exploração crítica dos acontecimentos históricos de um momento ou de uma época em nosso caso o século XX a literatura pode apresentar questões ainda não tematizadas pela ciência ou pela f losof a pois a escritura literária tem características pró prias que são os modos e as práticas singulares de experiência que ela elabora por meio da linguagem De um modo ou de outro a literatura tem relação com os fatos e desenvolvimentos culturais de um período os quais estão intimamente relacionados tanto à ciência quanto à f losof a Mas podemos af rmar que a literatura se dá enquanto tal ou seja enquanto fenômeno e expressão artística por meio de uma linguagem diferenciada da linguagem por meio da qual a ciência e a f losof a se tornam possíveis Isso não signif ca que a literatura não se interseccione a partir de uma estrutura comum de linguagem com a ciência e com a f losof a A linguagem como es trutura de signif cação constitui e institui modelos de compreensão do mundo Tanto a ciência quanto a f losof a e a arte se desdobram em pos 1 Literatura Ocidental II 12 síveis modelos através dos quais o mundo se apresenta de forma múlti pla e interseccionada Finalmente diríamos que os modelos mesmos se interpenetram gerando e transformandose a si próprios Segundo o f lósofo Gilles Deleuze enquanto a ciência operaria por meio de funções e percepções dos fenômenos a f losof a operaria a par tir de conceitos e proposições e a arte de modo geral como a literatura de modo particular operaria a partir de afecções ou modos expressivos específ cos de ordem estética 12 O conceito de afecção O conceito de afecção entendido como operador de sentido da arte seria grosso modo toda relação sempre mediada e intrínseca material e subjetiva que se estabeleceria de forma dinâmica na produção da obra de arte Nesse sentido ao qual remete Deleuze em relação à afecção a obra de arte é experimentada a partir de níveis de sensação que se dão no próprio trabalho de elaboração do artista e que continuam coexistindo como relações sensórias dinâmicas com uma idéia de arte compartilha da socialmente e corporalmente vale dizer que são vivenciadas no jogo de nossa subjetividade e de nossa coletividade Gilles Deleuze Não entraremos em uma discussão propriamente teórica dessas di ferenças conceituais Optaremos por apresentar por meio de links os autores e teóricos que são fundamentais para uma compreensão da variedade e da singularidade das transformações da linguagem literária no século XX Você pode acessar o endereço httpwww dossiedeleuzebloggercombr para obter informações sobre este importante f lósofo francês Nessa mesma página de Internet há outros links interessantes que possibilitam a leitura de textos e cur sos de Gilles Deleuze Não se preocupe em entender tudo logo de início o conhecimento é algo que se faz de forma progressiva e sempre com perseverança e curiosidade Consulte um bom dicio nário e sites com credibilidade para elaborar para você mesmo um conhecimento sempre mais detalhado e nuançado sobre os con ceitos teóricos O literário e os conceitos de Afecção e Duração 13 CAPÍTULO 01 Ora essas vivências subjetivas e coletivas a um só tempo e que di zem respeito à arte moderna e contemporânea incluindo aí a literatura são a própria experiência corpórea da arte São a experiência afectiva proporcionada aos corpos que vivenciam a arte como espectadores e atores dessa mesma situação artística se assim podemos dizer Os cor pos os nossos corpos afetam e são afetados pelas afecções proporciona das pela situação artística da obra de arte Nesse sentido contemporâneo de uma teoria da arte a própria obra de arte deixa de ser apenas um objeto artístico a ser interpretado pelo espectador ou leitor para ser pensada como coexistência junto ao es pectador ou leitor fazendo parte de um complexo de fatores que inf ui e é inf uenciado como situação ou performação artística A arte passa a ser percebida e mesmo afetada e não apenas a signif car simbolicamen te Ou seja a partir dessa noção de afecção podemos pensar a arte não apenas como objeto belo ou estranho ou diferente mas como ver dadeira possibilidade de expor uma relação complexa de forças afectivas que transitam por todo o processo de coexistência entre a experiência da arte e a multiplicidade das relações sócioculturais Um exemplo da operatória dessa noção de afecção pode ser obser vado na pintura impressionista que passa a desejar captar todo o mo vimento de transformação da luz durante o passar das horas A partir dessa relação perceptivaafectiva o impressionismo tenta dar conta de uma certa performance de afecção dessa transição luminosa enquanto interpretação dinâmica entre a passagem do tempo e sua possibilidade de f guração como experiência de representação nãorealista do real O fato de se colocar o termo representação entre aspas indica justamen te que o que se entende por representação pode ser percebido de forma afectiva ou seja que no trabalho de cópia de uma paisagem essa có pia não será e nunca o foi algo que poderia chegar a mimetizar sua origem real Isso porque justamente não é nunca uma cópia mas sim um processo que performa toda uma situação artística É sempre um complexo de relações que acontece numa multiplicidade de opções e escolhas Por exemplo o movimento da luz sobre os objetos a mudança da aparência da paisagem em função do jogo de sombras que ai se pro duz a escolha das cores e sua vacilação como ato na tela as interrupções de todo tipo exteriores ao trabalho do pintor etc Para saber mais sobre pin tura impressionista acesse a seguinte página http eswikipediaorgwikiImpre sionismo Também acesse a página onde você poderá ler sobre pósimpressionismo e sobre importantes pintores considerados por alguns críticos pertencentes a essa tendência tais como Vincent Van Gogh e Paul Gauguin httpeswikipediaorgwiki Postimpresionismo e httpwwwmonografi as comtrabajosimpresionismo impresionismoshtml Literatura Ocidental II 14 O trabalho do pintor passa da preocupação com um tipo de mode lo representativo para o exercício de outra forma de experiência plástica do real As artes plásticas tendem a partir desse momento situado a partir da segunda metade do século XIX e início do século XX a um processo dinâmico e intrinsecamente vinculado a uma nova atitude per ceptiva e de concepção do real Nesse sentido sujeito pintor e objeto de pintura se confundem e não representam mais pólos absolutamente opostos do ponto de vista físico e f losóf co O momento histórico de emergência do impressionismo nas artes plásticas se dá concomitantemente ao desenvolvimento da fotogra f a como técnica cada vez mais elaborada de reprodução de ima gens tornando possível toda uma nova experiência de reprodução pictórica do real As particularidades técnicas e o efeito realista da fotograf a inf uenciam diretamente na transformação dos modelos de representação das artes plásticas Uma nova revolução indus trial surgia instituindo formas inovadoras de leitura do mundo A questão tecnológica exemplif cada pela reprodução técnica em série fordismo na indústria automobilística e fotograf a e cine ma nas artes será um elemento importante de transformação do mundo Vale lembrar que o contexto histórico do f m do século XIX e começo do século XX mostra a emergência de correntes de pensamento econômico e social como o comunismo e o socialis mo baseadas na leitura de Marx e as ideologias nacionalistas de cunho fascista Nesse contexto de transformação radical dos meios de produção há todo um efervecimento das questões ideológicas que se trans formam a si próprias ao atravessarem as relações sociais Essas tensões sociais e políticas de um novo mundo maquinizado tan to produtor de ideologias socialistas quanto nacionalistas que se encrudeleceram como o stalinismo ou nazismo de Hitler numa Europa que passara pelas duas maiores guerras da história recente de 1914 a 1918 e de 1937 a 1945 constituem o panorama histórico complexo e multifacetado do que podemos a principio entender por Literatura Ocidental do século XX O literário e os conceitos de Afecção e Duração 15 CAPÍTULO 01 Dentre outras correntes estéticas o impressionismo se contraporia a um modelo de pintura realista que se conf guraria a partir de certas regras de perspectiva de enquadramento de uso das cores e de toda uma herança f gurativa O impressionismo surge como outro modelo de representação pictórica alicerçado por outros elementos perspectivos e f gurativos que se elaborarão como alternativa na pintura a busca de uma relação de representação dinâmica da luz a necessidade de uma liberação do realismo da pintura prémoderna inf uencia a transfor mação advinda do surgimento da técnica fotográf ca no contexto mais amplo de toda a revolução das técnicas do começo do séc XX Dessa contextualização geral das transformações políticas sociais técnicas e estéticas ocorridas na passagem do séc XIX ao séc XX e que implicam uma transformação profunda nos modos de interpretação f gu rativa da realidade poderíamos dizer que do mesmo modo como existi ram modelos estéticos específ cos nas artes plásticas e que foram radical mente contestados na virada do século a partir das diversas vanguardas artísticas como por exemplo o impressionismo o cubismo o expres sionismo o dadaísmo e o surrealismo também um certo modelo esté tico do romance do séc XIX e que se tornou diríamos hegemônico será contestado e superado de forma crescente e contundente durante todo o séc XX Nesse sentido em contraponto ao modelo preponderante do ro mance do século XIX calcado em um narrador em terceira pessoa modelo desenvolvido e levado a um grau de elaboração altíssimo por grandes escritores franceses como Victor Hugo Balzac Flaubert e ou tros e que almejava como entidade narrativa desaparecer para o lei tor por trás de uma espécie de ilusão retórica criada a partir das minú cias detalhistas de um narrador onisciente Marcel Proust no começo do século XX colocará em prática outro modelo estético baseado em diferentes procedimentos narrativos De fato Proust não irá estabelecer algo absolutamente inédito ao passar a narrar em primeira pessoa a história de sua obra mestra La Recherche du temps perdu traduzida para o português como Em busca do tempo perdido Nesse movimento de passagem da narrativa em ter ceira pessoa para uma narrativa em primeira pessoa há muito mais do Literatura Ocidental II 16 que um gesto autobiográf co Em outras palavras poderíamos dizer que com a entrada desse Eu que conta a história há toda uma construção estratégica da narrativa que envolverá uma nova relação com a descri ção do tempo e do espaço na história Para Proust fora fundamental conseguir contar a história da bus ca de uma experiência de suas memórias de vida ou seja para o escritor Proust a busca de um tempo perdido passado escoado ou f nalmente vivenciado enquanto lembrança exposta pela escritura e pela experiên cia literária seria a busca de um tipo de narrativa que superasse um certo modelo narrativo denominado mimético Esse modelo justamente por se caracterizar por uma idéia de re presentação ou de imitação f dedigna do real mimesis é um vocábulo latino mimēsis que vem do grego μίμησις mimeisis e signif ca imitação será o padrão canônico de descrição narrativa em termos li terários no séc XIX Vale lembrar que do mesmo modo como nas artes plásticas há toda uma transformação dos modos de representação da realidade e dos objetos do mundo o modo mimético de descrição nar rativa é um modo específ co organizado e determinado historicamente a partir do uso de certas formas e estratégias narrativas consagradas no séc XIX Esse modelo mimético consagrado pelas obras de escritores como Balzac e Flaubert será então aos poucos transgredido de modo que a própria experiência do tempo possa ser tematizada e elaborada em sua relação paradoxal com a memória a rememoração e o entroncamento dessas relações com o espaço Tratase de toda a discussão teórica que atravessa a problemática da literatura como representação específ ca da experiência do homem no mundo na forma do relato f ccional ou tes temunhal Para um quadro geral histórico de uma evolução da repre sentação da realidade na Literatura Ocidental ver o f lósofo Erich Auer bach Auerbach escreveu um livro importante Mimesis A representação da realidade na literatura ocidental traduzido para o português em 1953 e para o espanhol em 1951 httpwwwpanfl etonegro comtreintaydoslibrosshtml O literário e os conceitos de Afecção e Duração 17 CAPÍTULO 01 13 O conceito de duração Seria necessário agora remetermonos à importância que tiveram as pesquisas de Bergson nas várias transformações dos modelos artísti cos e literários do começo do século XX O f lósofo francês Henry Berg son nascido em Paris em 1859 e morto na mesma cidade em 1941 teve sua produção intelectual preponderante no começo do século XX Berg son desenvolveu uma ref exão f losóf ca sobre a duração durée do tem po enquanto f uxo de consciência em contraposição ao tempo enquanto variável científ ca Para ele o tempo vivido da consciência é outra coisa que o tempo relacionado ao espaço em função de uma compreensão científ ca O tempo vivido da consciência a duração tem outro sentido que o tempo calculado como função do espaço O tempo enquanto con ceito científ co está relacionado a uma medida de deslocamento de um corpo no espaço segundo o tempo de seu intervalo Esse intervalo para Bergson pode ser pensado como tempo científ co ou como duração de um f uxo de consciência Para a consciência o que importa é justamente o que escorre entre as bordas da abstração matemática que opera a ciência em relação ao tempo Bergson inf uenciou muito a construção de outros modelos de des crição narrativa do tempo da história como o que ocorre na obra de Marcel Proust Em Busca do tempo perdido Veremos que toda uma rela ção da descrição do tempo em relação ao espaço na literatura do século XX está relacionada às pesquisas sobre a duração enquanto conceito de f uxo de consciência do tempo Da complexidade das descrições sen sórias de um narrador que conta a história de sua vida como romance de si mesmo como em Proust à desf guração e despersonalização do narrador que se refere a um mundo onde as fronteiras do inteligível e do sensível já não são mais tão discerníveis como nas narrativas do Nouve au roman que estudaremos mais tarde observase um denso processo de transformação do discurso narrativo O historiador da literatura Henri Godard identif ca na obra mes tra de Proust para além do uso da narração em primeira pessoa e das complicações autobiográf cas que daí emergem uma série de estratégias discursivas que vão criar toda a complexidade do trabalho romanesco Henry Bergson Literatura Ocidental II 18 proustiano sobre a questão da memória e da possibilidade de constru ção de outro modelo narrativo Em seu livro Le roman modes demploi que poderíamos traduzir por O Romance modos de uso ou Romance manual prático Henri Godard apresenta a tese de um certo desenvol vimento estético do romance no século XX na França como uma série de experimentações narrativas tendendo todas à crítica e mesmo ao rechaço do modelo de representação mimética do romance do séc XIX exemplif cado principalmente por Balzac e Flaubert dentre outros es critores canônicos no séc XIX A idéia de modo de uso ou de manual prático que se pode ler a partir do título do livro de Godard aponta para o tema do desenvolvi mento do romance na França no sentido de se pensar o romance como um verdadeiro aparelho de linguagem como máquina de linguagem ou máquina narrativa Podemos perceber que essa máquina de linguagem que é o romance ou num sentido mais amplo o texto narrativo ou o re lato f ccional no século XX passa a ter como motivação e interesse funda mental o questionamento da própria linguagem enquanto possibilidade de representação do real em toda a sua complexidade ou seja do real pensado e experienciado como texto naturalmente possível de ser lido e conseqüentemente aberto a uma multiplicidade interpretativa O conceito de cânone diz respeito a uma determinada norma de gosto e de importância de escritores que teriam uma certa pre ponderância por suas regras de estilo e pela amplitude de sua qua lidade estética Há toda uma discussão muito calorosa sobre este assunto e sobre a validade teórica de um conceito desse tipo É a discussão mesma que abre nosso livro didático nos termos de uma ref exão sobre a quantidade e a qualidade da produção literária no século XX ocidental Procuraremos desenvolver uma discussão sobre esse tema indicando e elaborando durante a apresentação um panorama históricocrítico que possa sustentar algumas linhas gerais de explicação para a escolha dos autores que serão trabalha dos nas Unidades dedicadas aos escritores escolhidos e que possi velmente poderão ser enquadrados na acepção do termo Cânone no século XX A narração em primeira pessoa CAPÍTULO 02 19 A narração em primeira pessoa Neste capítulo estudaremos a passagem da estrutura da ilusão retórica e referencial de um narrador em 3ª pessoa à prática narrativa em 1ª pessoa Estudaremos que a literatura no século XX de um modo ou de outro far seá escritura de campos de subjetividade por meio de uma abordagem f ccional porém cada vez mais impulsionada por um desejo autobiográf co que em última instância não revelará jamais um Eu verdadeiro do escritor mas uma gama enorme de relações ou de construções subjetivas 2 1 A passagem da narração em terceira pessoa à narração em primeira pessoa Em outras palavras a literatura no século XX é marcada pela con f guração de uma ruptura entre um modo de representação mimético do real assentado numa estrutura narrativa em 3ª pessoa e na ilusão retórica de um sutil desaparecimento referencial desse narrador e o sur gimento de uma experiência narrativa calcada no uso da 1ª pessoa pelo narrador personagem sendo que este pode em alguns casos ser repre sentado como o escritor f ccional do mesmo texto que o narra O século XX observará a emergência de uma complicação e aden samento da instância de um narradorpersonagem no sentido que a passagem da estrutura da ilusão retórica e referencial de um narrador em 3ª pessoa à prática narrativa em 1ª pessoa pressupõe em sua con textualização e emergência estética nada mais nem nada menos do que toda a caudalosa complexidade das transformações políticas técnicas e culturais que a história do século XX dif cilmente poderá esgotar A literatura do séc XX pode ser lida enquanto espaço ou território de experiência afectiva e cognitiva onde se reúnem os elementos absolu tamente interseccionados de uma experiência histórica e estética da rea lidade O pensamento do criador da psicanálise Sigmund Freud inf uen ciou fortemente para o advento do tipo de literatura que no século XX adquiriria um tom mais intimista e estratégias de f uxo de consciência 2 Para saber mais sobre o pai da psicanálise acesse as seguintes páginas http wwwbiografi asyvidascom monografi afreud e http eswikipediaorgwikiSig mundFreud Literatura Ocidental II 20 É a partir do conhecimento de um determinado esquema ou con f guração das forças afectivas desenvolvidas desde o nascimento que se pode estabelecer um conhecimento entre um certo quadro psíquico do indivíduo e um nível de consciência ou de linguagem capaz de com preender seu próprio desenvolvimento Naturalmente essa produção de conhecimento está também atravessada por uma multiplicidade de fatores que poderíamos chamar em grandes linhas fatores psicosocio econômicos Existiriam estruturas desse desenvolvimento que estariam mais ou menos fadadas a um certo esquecimento traumático como forma de de fesa da própria signif cação de um determinado evento na constituição da personalidade do indivíduo Toda uma dimensão de conhecimento sobre os modos de operação entre inconsciência e consciência a partir da conf guração psíquica do individuo passa a fazer parte do conhecimen to psicológico Na verdade o que Freud desenvolve é um conhecimento sobre a possibilidade de desmascarar certos efeitos de forças afectivas no desenvolvimento psíquico de certos indivíduos A esse método de investigação e de interpretação das conf gurações subjetivas dadas na relação do inconsciente e do consciente se nomeara de psicanálise Freud estabelecera na passagem do séc XIX ao séc XX as bases para o conhecimento do inconsciente entendido como verdadei ra dimensão das relações de afecção no homem O conhecimento sobre o desenvolvimento psíquico humano estaria daí em diante atrelado a toda uma pesquisa contínua da função do desenvolvi mento da sexualidade junto aos ritmos afetivos que o ser humano desenvolveria desde seu nascimento Como uma espécie de escri tura afectiva dimensionada a partir do inconsciente e funciona lizada na construção de modos de comportamento mais ou me nos condizentes com certas estruturas afectivas dadas a partir de processos ou fases do desenvolvimento psíquico Freud desenvolve uma verdadeira revolução no conhecimento a partir de uma lei tura do inconsciente interpretado enquanto estrutura arquetípica fundamental Saiba mais sobre o conceito de arquétipo visitando a página httpeswikipediaorgwikiArquetipo A narração em primeira pessoa CAPÍTULO 02 21 As anotações que acabamos de fazer sobre Freud procuram ape nas situar o acontecimento científ co das investigações freudianas no plano de conf guração da Literatura Ocidental do século XX Diversos serão os herdeiros e críticos da obra de Freud como por exemplo para citar apenas dois nomes Carl Jung e Jacques Lacan este último sendo aquele que desenvolve a idéia de um inconsciente estruturado como lin guagem Na verdade a obra de Freud por sua vasta dimensão e alcance epis temológico atravessará como um todo praticamente todas as áreas do conhecimento humano A literatura jamais será a mesma após o adven to da psicanálise pois de algum modo a escritura literária pode ser pen sada como verdadeiro trabalho de interpenetração e desdobramento da linguagem pensada a partir desse momento como dimensão de expo sição e retraimento de forças tanto afectivas quanto perceptivas da reali dade A literatura no século XX de um modo ou de outro se fará escri tura de campos de subjetividade por meio de uma abordagem f ccional porém cada vez mais impulsionada por um desejo autobiográf co que em última instância não revelará jamais um Eu verdadeiro do es critor mas uma gama enorme de relações ou de construções subjetivas que partem da subjetivização ou f ccionalização desse Eu à destinação f gurativa descritiva e narrativa de um Ele Este será a instância de diferença absoluta encarnada como Outro como o fora de mim aquele que não sou ou seja dimensão de negatividade ou de contraponto com a possibilidade de construção de identidade do sujeito Para saber mais sobre Carl Jung acesse httpwww psicomundoorgjung O site httpeswikipediaorg wikiJacquesLacan lhe aju dará a obter mais informação sobre Jacques Lacan A propósito dessa aparente força identitária a literatu ra do séc XX irá pouco a pouco e de forma sutil a um só tempo temática e semanticamente elabora da mostrar que ao mesmo tempo em que um Eu fi ctício é atravessado por questões autobiográfi cas ele se remete a si mesmo ou aos outros a sua volta a partir da exploração dos meandros muitas vezes ca óticos de sua subjetividade Essa subjetividade já não será a de um sujeito deter minado por uma analogia biográfi ca mas declarará a verdadeira complexidade de um mundo atravessado por questões tão densas quanto a própria dimensão do inconsciente em sua re lação indissociável com o que entendemos por cons ciência É nesse ponto bru moso onde se cruzam as questões fi losófi cas éticas e estéticas que nosso tem po procura estabelecer os nexos possíveis de entendi mento e onde procuramos observar também como a literatura ai se apresenta Unidade B A dessacralização da obra de arte Walter Benjamin A dessacralização da obra de arte 25 CAPÍTULO 03 A dessacralização da obra de arte Neste capitulo veremos como a arte não estando mais associada à valora ção de um caráter único e sagrado passa a ser considerada em relação ao seu valor de comércio de exposição de troca e de uso As transformações técnicas e materiais que passam a refundar a própria compreensão do mundo estão também relacionadas com uma transformação da signif cação simbólica e sociológica que a arte traduz como meio singular de interpretação histórica 31 Retomando algumas questões da Unidade anterior Tentaremos agora resumir o que delineamos até aqui como eixo crítico para se pensar o complexo e amplo tema de nossa disciplina Literatura Ocidental do século XX Não se poderia deixar de observar a complexidade quantitativa e qualitativa de um corpus que compreen de um século absolutamente conturbado por sua variedade de fatos e a emergência de toda uma indústria de reprodução técnica que transforma e multiplica vertiginosamente a obra de arte e a própria produção literá ria Lembremos o papel da fotograf a e do cinema como fundamentais em relação às inf uências técnicas e estéticas que terão sobre a literatura Lembremos também a complexidade do contexto histórico e político da passagem do séc XIX ao séc XX marcado por árduas lutas sociais e a formação das ideologias social nacionalistas que junto ao aconte cimento traumático das duas grandes guerras na primeira metade do século XX puseram a nu uma série de outras problemáticas históricas e culturais profundas que serão tematizadas a partir de conf gurações estéticas variadas nas obras literárias que trataremos mais adiante Verif cada a amplitude do corpus literário do século XX determi namos então como eixo organizador de análise da Literatura Ocidental desse século a passagem de uma estrutura narrativa mimética baseada 3 A noção de corpus se refere ao material documental e bi bliográfi co relacionado a um determinado tema de pesqui sa e que corresponde sempre a uma escolha metodológica que exige a delimitação de uma hipótese de trabalho cujo desenvolvimento tenta responder a determinadas questões Literatura Ocidental II 26 no uso da 3ª pessoa pelo narrador às estruturas e modos de descrição narrativa em 1ª pessoa Esse fenômeno estabelece uma experiência de exploração subjetiva do narrador que poderíamos compreender como a entrada em uma dimensão subjetivante e uma valorização da cena autobiográf ca da literatura do séc XX Em última análise essa dimensão autobiográf ca da literatura será também a abertura da narrativa a um desenvolvimento maior de suas próprias possibilidades formais e temáticas de contextualização críti ca estética e histórica do século XX O desdobramento da investigação subjetiva elaborada pelo narrador em 1ª pessoa não signif ca de forma alguma e é preciso que isso f que claro a eliminação do uso dis cursivo de um narrador em 3ª pessoa no desenvolvimento da literatura mas sim o deslocamento do foco narrativo a uma instância de subjetivi zação que passa a elaborar de outro modo a complexidade das questões que atravessam de forma inédita a literatura no séc XX Observado esse quadro de desenvolvimento estéticoformal da li teratura conf gurase na modernidade Para saber mais sobre o con ceito de Modernidade você pode consultar as seguintes páginas httpwwwmerca baorgDicPCMmodernidad htm e httpeswikipediaorg wikiModernidad O conceito de modernidade é chave para a compreensão da Li teratura Ocidental do séc XX Em linhas muito gerais podería mos marcar alguns traços descritivos do que se poderia chamar modernidade A Momento histórico mais ou menos delimitado entre a revolução francesa e a primeira metade do século XX B Essa circunscrição histórica e cronológica deve servir apenas para delimitar um espaço de análise que se relaciona em última instân cia à historia do conhecimento ocidental situado entre o advento do iluminismo e a continuidade da revolução industrial de f ns do século XIX também chamada pelos historiadores segunda e ter ceira revoluções industriais C Em termos f losóf cos a moder nidade se caracteriza como um amplo movimento de idéias que elabora uma crítica dos modos de pensamento moderno e anti go e que tem como eixo de análise um entendimento da natureza políticosocial do homem fundado na razão como controladora da sociedade em toda sua extensão Nesse sentido a razão antes de A dessacralização da obra de arte 27 CAPÍTULO 03 tudo passa a ser imposta como norma fundamental da socieda de D A modernidade carrega um sentido particular de crise dos parâmetros teóricos e históricos pois em seu sentido mais geral é o período no qual se desenvolve um pensamento que ao mesmo tempo em que situa a razão como guia do homem em direção aos ideais do iluminismo estampados nos lemas da revolução france sa Liberdade Igualdade e Fraternidade enfrentase com os pro blemas inerentes ao desenvolvimento histórico e social do próprio mundo ocidental quando a razão e a técnica não puderam superar inteiramente os desaf os de uma sociedade mais justa ou quando a ciência e as técnicas que surgem a partir do trabalho da razão como baluarte de uma emancipação social se tornam elas mesmas a ciência e a técnica formas de dominação e de exploração do ho mem Vale lembrar a crítica marxistasocialista da opressão das classes trabalhadoras do colonialismo e do imperialismo sobre os países alheios à hegemonia capitalista européia E No que concer ne à teoria literária propriamente dita a questão da modernidade está vinculada em seu espectro conceitual à produção e ao desen volvimento da literatura do século XX como experimentação de modos e de estratégias narrativas e estéticas que dêem conta da du pla relação complexa de construção da subjetividade desse homem moderno e suas relações intrínsecas à exterioridade do mundo social e político do qual ele faz parte Esse movimento apresenta os meios e os temas que a própria modernidade não deixa de conti nuar a elaborar como sua singular força histórica e f losóf ca uma postura literária de f ccionalização do Eu que operará um verda deiro cruzamento entre as preocupações estéticas e f losóf cas que engendram enquanto crise de paradigmas a cena do pensamento contemporâneo Literatura Ocidental II 28 32 As contribuições teóricas de Walter Benjamin Não poderíamos deixar de comentar em alguns parágrafos a im portância do ensaio A obra de arte na era da reprodutibilidade técnica de Walter Benjamim De fato esse ensaio tem uma importância muito grande por trazer uma ref exão acurada sobre as relações sociológicas e simbólicas que atravessam na modernidade o sentido da obra de arte na passagem do século XIX ao século XX Vimos anteriormente como a fotograf a e o cinema representaram uma transformação importante nas formas de representação das artes plásticas e como já antes o mo vimento impressionista passara a representar o real a partir de outros modos de interpretação da luz e do movimento Benjamim em seu ensaio observa que com o advento de novas tecnologias e o surgimento de uma cultura baseada na reprodução téc nica de produtos e bens de consumo ocorrerá uma transformação no conceito de obra de arte A idéia central do ensaio é uma crítica a uma determinada evolução e derrocada do conceito de aura na obra de arte Com efeito para Benjamim a obra de arte operaria uma signif cação profunda relacionada com a idéia do sagrado e do divino desde a pré história Uma certa aura pairaria sobre a obra de arte implicando nes ta uma relação específ ca de poder vinculada às classes dominantes e aos modos como certas funções simbólicas são operadas na relação do artista com a obra e com o meio político e econômico que envolve a produção artística O caráter único da obra de arte remeteria a um certo ideal de poder das classes que poderiam ter acesso ou proximidade às obras que em sua caracterização profunda continuavam a emitir uma espécie de aura sagrada Com o advento dos meios de reprodução de massa como na indústria maquinizada e a produção de imagens em sé rie como ocorre com a técnica fotográf ca esse caráter de unicidade da obra se torna relativo Essas relações de reprodução técnica a partir do f m do século XIX terão papel fundamental na queda de uma idéia sagrada da obra de arte que Benjamim desenvolve junto à obra de Charles Baudelaire notadamente em relação ao poema La perte daureole A perda da aura Para saber sobre Walter Benjamin acesse http wwwepdlpcomescritor phpid1461 e httpwww infoamericaorgteoriabenja min1htm Para saber sobre este impor tante poeta e crítico francês acesse httpwwwbaudelai regaleoncom A dessacralização da obra de arte 29 CAPÍTULO 03 publicado originalmente em Spleen de Paris em 1862 no qual o poe ta francês descreve as transformações do meio urbano na cidade como ressonâncias incontornáveis de transformações no próprio trabalho de interpretação poética elaborado pelo artista Em resumo para Benjamim uma certa idéia de arte enquanto por tadora de uma aura simbólica é transformada em sua signif cação his tórica a partir do momento em que a arte não estando mais associada à valoração de um caráter único e sagrado passa a ser considerada em relação ao seu valor de comércio de exposição de troca e de uso As transformações técnicas e materiais que passam a refundar a própria compreensão do mundo estão também relacionadas com uma transfor mação da signif cação simbólica e sociológica que a arte traduz como meio singular de interpretação histórica Em última análise poderemos então pensar o tema da Literatura Ocidental no século XX a partir da leitura desse fundamental ensaio de Walter Benjamin A obra de arte na era da reprodutibilidade técnica Diríamos para f nalizar que o ensaio de Benjamin pode ser lido como uma ref exão tributária de uma analítica dos meios de produção técnicos e econômicos associada a uma profunda compreensão socioló gica da arte enquanto atividade material e simbólica a um só tempo e que informa por sua experiência representativa e performativa da realidade a possibilidade de uma compreensão dinâmica do desenvolvimento his tórico do ocidente contextualizando um verdadeiro impasse político e cultural representado pelo advento das duas grandes guerras mundiais e que marcam de forma peremptória todo o século XX O ensaio de Benjamin trata essencialmente a discussão crítica do que poderíamos chamar análise históricosociológica do advento da cultura de massas Finalmente é do contexto do surgimento das massas populares proletárias e da constituição das multidões ou seja do contexto de emergência de uma dimensão do anonimato e do controle estatístico da população pelo estado que emerge como advento de uma nova etapa de industrialização e da constituição de ideologias de mercado voltadas para a produção e o controle do consumo qualquer consumo inclusive o consumo estético pelas multidões de que trata em última análise o ensaio de Benjamin Você poderá ler a íntegra deste ensaio de Benjamin em espanhol na página eletrôni ca que segue e que também contém em formato eletrô nico além de outros textos do fi lósofo outros importan tes textos de vários outros fi lósofos e críticos reconhe cidos historicamente neste tema fascinante da arte e de suas relações com a histó ria a sociedade a fi losofi a e a cultura no século XX httptijuanaartesblogspot com200503elarteenla eradelareproduccionhtml Charles Baudelaire Literatura Ocidental II 30 Podemos perceber nesse sentido a partir da ref exão benjaminia na o grau de importância que se estabelece entre uma compreensão sociológica do contexto político e econômico na primeira metade do século XX e o tema do estudo da literatura nesse início de século A constituição de modos diferentes de composição narrativa que se desen volve de forma diversif cada na literatura desse período se relaciona não apenas com uma vontade de inovação estilística ou estética por parte dos autores e artistas mas sobretudo impõese gradativamente como verdadeira necessidade crítica perante um mundo que emerge pleno de contradições de ordem política e econômica 33 O narrador Ao lado de A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica podemos situar um outro importante ensaio de Benjamin O narrador De fato esse ensaio escrito no mesmo ano 1936 que o ensaio sobre a obra de arte é uma ref exão que tem como mérito estabelecer nexos profundos entre a atividade narrativa e as transformações políticas téc nicas e sociais que passam a descrever o mundo no século XX Esses nexos são fundamentais para podermos pensar os modos de construção de estratégias narrativas cada vez mais focadas numa fragmentação do sujeito enquanto entidade de papel que elabora seu próprio papel f c cional como narrador a meio caminho entre a f ccionalidade que o real empreende ao ser recortado em sua complexidade e a realidade da f cção enquanto processo de experimentação estética Para Benjamin há uma relação muito estreita entre a atividade de narrar enquanto fato imemorial e uma perda da experiência dessa mesma atividade no seio da sociedade moderna Na verdade Benjamin coloca essa perda de experiência como perda da capacidade de troca ou intercâmbio de experiências Essa perda da capacidade de troca de experiência é resultado de um desenvolvimento da técnica e da estru tura econômica capitalista bem como num sentido mais particular re sultado do verdadeiro trauma individual e coletivo que a experiência de guerra mundial apoiada por técnicas militares avassaladoras uso do avião de novos explosivos de bombas químicas etc deixara como A leitura de O narrador é fun damental para a compreen são das sutilezas e dos desen volvimentos de uma refl exão sobre o papel da estrutura da narração e de suas funções na história da literatura do século XX Você encontrará o ensaio na seguinte página httptijuanaartesblogspot com200503elnarrador html A dessacralização da obra de arte 31 CAPÍTULO 03 herança Por outro lado a antiga ética dos combates militares passa a ser substituída por uma estratégica e tática de guerra que transforma a própria lógica do combate que existia até então O homem que retornava da guerra em lugar de ter muitas experi ências para contar retornava emudecido e traumatizado A radicaliza ção das transformações que os avanços e o desenvolvimento da técnica que se mostram de forma traumática já na 1ª guerra mundial trou xeram transformará a atividade narrativa que se conhecia até então A experiência da narrativa oral ou seja da capacidade de narrar que se desenvolvia a partir do dizer e da fala entre os indivíduos de uma comunidade e da conseqüente transmissão de conhecimentos conse lhos e experiências entre eles passa por uma profunda transformação e desvalorização Pois como af rma Benjamin En todos los casos el que narra es un hombre que tiene consejos para el que escucha Y aunque hoy el saber dar consejo nos suene pasado de moda eso se debe a la circunstancia de una menguante comunicabili dad de la experiencia Consecuentemente estamos desasistidos de con sejo tanto en lo que nos concierne a nosotros mismos como a los demás El consejo no es tanto la respuesta a una cuestión como una propuesta referida a la continuación de una historia en curso Para procurárnoslo sería ante todo necesario ser capaces de narrarla Sin contar con que el ser humano sólo se abre a un consejo en la medida en que es capaz de articular su situación en palabras Benjamin 1936 Essa mudança que passa a ser percebida na experiência de narrar não se remete de forma nenhuma a uma decadência da atividade nar rativa e não se limita a ser pensada como fenômeno moderno ela faz parte de toda uma série de transformações materiais profundas que po dem ser situadas historicamente e que tem nessa mesma historicidade sua capacidade de ser pensada como complexo de relações tanto mate riais e técnicas como simbólicas e ideológicas Essas transformações em última instância irão deslocar a experiência da narração oral para outras formas de narrar seja a partir de suas mudança em nível simbólico seja a partir das novas tecnologias materiais de reprodução que advêm dos novos processos produtivos baseados na reprodutibilidade técnica lembremos do desenvolvimento da fotograf a e do cinema como verda deiros baluartes da nova industrialização Literatura Ocidental II 32 Essa mudança no estatuto da narração no começo do século XX não implica uma destituição total das formas tradicionais de narração mas sim numa mudança de suas formas de seus modos e de suas estra tégias narrativas É o caso do surgimento do romance que Benjamin coloca como exemplo De fato o romance depende em certa medida do desenvolvimento de uma imprensa baseada na reprodutibilidade e de exigências mate riais ou de suporte muito diferentes daquelas que sustentam a existên cia do gênero épico e que se apresenta como vimos atrelado às formas de intercâmbio do patrimônio de uma experiência de oralidade na for ma do conselho Na verdade o romance moderno representa a passagem de uma forma de narração baseada na experiência de intercâmbio das práticas narrativas coletivas à experiência narrativa baseada na segregação do indivíduo O narrador do romance narra experiências em sua origem baseadas em sua compreensão já apartada do sentido de narração fun dada na oralidade e na prática de uma experiência compartilhada como oralidade A análise de Benjamin em O narrador a respeito das transforma ções da experiência narrativa é sem dúvida uma das melhores ref exões sobre um tema que abarca para além dos temas relacionados à literatu ra do séc XX a amplitude de uma teoria geral da comunicação Nesse sentido o que devemos reter a partir dessa importante ref exão se refere ao relacionado ao paradigma de uma passagem de uma estrutura nar rativa calcada em um narrador em 3ª pessoa estabelecida no romance mimético do séc XIX aos desenvolvimentos diversif cados por todo o séc XX de outras estruturas narrativas baseadas numa introspecção e numa transformação muitas vezes radical do modelo mimético Nesse sentido ressaltaremos aqui em relação ao ensaio de Benja min sua aguda percepção sobre a mudança da forma de articulação de uma narrativa épica baseada na oralidade e uma narrativa que migra na modernidade chegando já no século XX à exploração de uma di mensão psicológica e explicativa sobre os fatos ou os núcleos de sentido da narrativa Desse modo aquilo que marca a contundência de uma A dessacralização da obra de arte 33 CAPÍTULO 03 narrativa baseada numa experiência de oralidade é sua estrutura bási ca subtraída de toda especulação explicativa e ou psicologizante Como af rma Benjamin Nada puede encomendar las historias a la memoria con mayor insisten cia que la continente concisión que las sustrae del análisis psicológico Y cuanto más natural sea esa renuncia a matizaciones psicológicas por parte del narrador tanto mayor la expectativa de aquélla de encontrar un lugar en la memoria del oyente y con mayor gusto tarde o tempra no éste la volverá a su vez a narrar Benjamin 1936 VIII Cf hiperlink O narrador que emerge na literatura do século XX é a f gura que corresponde ao contraponto mais expressivo do narrador oral Para Benjamin uma das garantias da transmissibilidade das histórias narra das estaria fundamentada na subtração de desdobramentos psicológi cos o que contrariamente é elevado à máxima potência pelo narrador em 1ª pessoa Esses fatos evocados na ref exão de Benjamin servirão para situar o contexto no qual se insere nossa ref exão sobre a Literatura Ocidental no século XX Veremos como cada vez mais haverá uma preocupação por parte dos escritores do século XX de aceder a outras formas e mo dos de se remeter ao tema da experiência narrativa e que em muitos casos ao invés de ocorrer a narração de acontecimentos ao modo de uma narrativa tradicional essa nova fase literária e f ccional muitas ve zes autobiográf ca ou que toma como referência operações textuais da autobiograf a passa a construir universos literários onde ocorre uma experiência de fragmentação e despersonalização do sujeito encarnado na f gura móvel e paradoxal do narrador presente na literatura desse século