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CARTA ENCÍCLICA LAUDATO SI DO SANTO PADRE FRANCISCO SOBRE O CUIDADO DA CASA COMUM 3 1 Laudato si mi Signore Louvado se jas meu Senhor cantava São Francisco de As sis Neste gracioso cântico recordavanos que a nossa casa comum se pode comparar ora a uma irmã com quem partilhamos a existência ora a uma boa mãe que nos acolhe nos seus braços Louvado sejas meu Senhor pela nossa irmã a mãe terra que nos sustenta e governa e produz variados frutos com flores coloridas e verduras 1 2 Esta irmã clama contra o mal que lhe provo camos por causa do uso irresponsável e do abuso dos bens que Deus nela colocou Crescemos a pensar que éramos seus proprietários e domina dores autorizados a saqueála A violência que está no coração humano ferido pelo pecado vis lumbrase nos sintomas de doença que notamos no solo na água no ar e nos seres vivos Por isso entre os pobres mais abandonados e maltratados contase a nossa terra oprimida e devastada que geme e sofre as dores do parto Rm 8 22 Es quecemonos de que nós mesmos somos terra cf Gn 2 7 O nosso corpo é constituído pelos elementos do planeta o seu ar permitenos respi rar e a sua água vivificanos e restauranos 1 Cantico delle creature Fonti Francescane 263 4 Nada deste mundo nos é indiferente 3 Mais de cinquenta anos atrás quando o mundo estava oscilando sobre o fio duma cri se nuclear o Santo Papa João XXIII escreveu uma encíclica na qual não se limitava a rejeitar a guerra mas quis transmitir uma proposta de paz Dirigiu a sua mensagem Pacem in terris a todo o mundo católico mas acrescentava e a todas as pessoas de boa vontade Agora à vista da dete rioração global do ambiente quero dirigirme a cada pessoa que habita neste planeta Na minha exortação Evangelii gaudium escrevi aos membros da Igreja a fim de os mobilizar para um proces so de reforma missionária ainda pendente Nesta encíclica pretendo especialmente entrar em diá logo com todos acerca da nossa casa comum 4 Oito anos depois da Pacem in terris em 1971 o Beato Papa Paulo VI referiuse à problemática ecológica apresentandoa como uma crise que é consequência dramática da actividade descon trolada do ser humano Por motivo de uma ex ploração inconsiderada da natureza o ser huma no começa a correr o risco de a destruir e de vir a ser também ele vítima dessa degradação 2 E dirigindose à FAO falou da possibilidade duma catástrofe ecológica sob o efeito da explosão da civilização industrial sublinhando a necessida de urgente duma mudança radical no comporta 2 Carta ap Octogesima adveniens 14 de Maio de 1971 21 AAS 63 1971 416417 5 mento da humanidade porque os progressos científicos mais extraordinários as invenções téc nicas mais assombrosas o desenvolvimento eco nómico mais prodigioso se não estiverem unidos a um progresso social e moral voltamse neces sariamente contra o homem 3 5 São João Paulo II debruçouse com interes se sempre maior sobre este tema Na sua primei ra encíclica advertiu que o ser humano parece não darse conta de outros significados do seu ambiente natural para além daqueles que servem somente para os fins de um uso ou consumo imediatos 4 Mais tarde convidou a uma conversão ecológica global5 Entretanto fazia notar o pouco empenho que se põe em salvaguardar as con dições morais de uma autêntica ecologia huma na 6 A destruição do ambiente humano é um facto muito grave porque por um lado Deus confiou o mundo ao ser humano e por outro a própria vida humana é um dom que deve ser protegido de várias formas de degradação Toda a pretensão de cuidar e melhorar o mundo re quer mudanças profundas nos estilos de vida 3 Discurso à FAO no seu XXV aniversário 16 de Novembro de 1970 4 AAS 62 1970 833 LOsservatore Romano ed portuguesa de 22XI1970 6 4 Carta enc Redemptor hominis 4 de Março de 1979 15 AAS 71 1979 287 5 Cf Catequese 17 de Janeiro de 2001 4 Insegnamenti 241 2001 179 LOsservatore Romano ed portuguesa de 20I2001 8 6 Carta enc Centesimus annus 1 de Maio de 1991 38 AAS 83 1991 841 6 nos modelos de produção e de consumo nas es truturas consolidadas de poder que hoje regem as sociedades 7 O progresso humano autêntico possui um carácter moral e pressupõe o pleno respeito pela pessoa humana mas deve prestar atenção também ao mundo natural e ter em conta a natureza de cada ser e as ligações mútuas entre todos num sistema ordenado 8 Assim a capacidade do ser humano transformar a reali dade deve desenvolverse com base na doação originária das coisas por parte de Deus9 6 O meu predecessor Bento XVI renovou o convite a eliminar as causas estruturais das dis funções da economia mundial e corrigir os mo delos de crescimento que parecem incapazes de garantir o respeito do meio ambiente 10 Lem brou que o mundo não pode ser analisado con centrandose apenas sobre um dos seus aspectos porque o livro da natureza é uno e indivisível incluindo entre outras coisas o ambiente a vida a sexualidade a família as relações sociais É que a degradação da natureza está estreitamente li gada à cultura que molda a convivência huma na 11 O Papa Bento XVI propôsnos reconhe 7 Ibid 58 o c 863 8 João Paulo II Carta enc Sollicitudo rei socialis 30 de Dezembro de 1987 34 AAS 80 1988 559 9 Cf idem Carta enc Centesimus annus 1 de Maio de 1991 37 AAS 83 1991 840 10 Discurso ao Corpo Diplomático acreditado junto da Santa Sé 8 de Janeiro de 2007 AAS 99 2007 73 11 Carta enc Caritas in veritate 29 de Junho de 2009 51 AAS 101 2009 687 7 cer que o ambiente natural está cheio de chagas causadas pelo nosso comportamento irresponsá vel o próprio ambiente social tem as suas cha gas Mas fundamentalmente todas elas se ficam a dever ao mesmo mal isto é à ideia de que não existem verdades indiscutíveis a guiar a nossa vida pelo que a liberdade humana não tem limi tes Esquecese que o homem não é apenas uma liberdade que se cria por si própria O homem não se cria a si mesmo Ele é espírito e vontade mas é também natureza 12 Com paterna solicitude convidounos a reconhecer que a criação resulta comprometida onde nós mesmos somos a úl tima instância onde o conjunto é simplesmente nossa propriedade e onde o consumimos somente para nós mesmos E o desperdício da criação co meça onde já não reconhecemos qualquer instân cia acima de nós mas vemonos unicamente a nós mesmos 13 Unidos por uma preocupação comum 7 Estas contribuições dos Papas recolhem a reflexão de inúmeros cientistas filósofos teólo gos e organizações sociais que enriqueceram o pensamento da Igreja sobre estas questões Mas não podemos ignorar que também fora da Igreja 12 Discurso ao Bundestag Berlim 22 de Setembro de 2011 AAS 103 2011 664 LOsservatore Romano ed portuguesa de 24IX2011 5 13 Bento XVI Discurso ao clero da diocese de BolzanoBressa none 6 de Agosto de 2008 AAS 100 2008 634 LOsservatore Romano ed portuguesa de 16VIII2008 5 8 Católica noutras Igrejas e Comunidades cristãs bem como noutras religiões se tem desenvol vido uma profunda preocupação e uma reflexão valiosa sobre estes temas que a todos nos estão a peito Apenas para dar um exemplo particular mente significativo quero retomar brevemente parte da contribuição do amado Patriarca Ecu ménico Bartolomeu com quem partilhamos a esperança da plena comunhão eclesial 8 O Patriarca Bartolomeu temse referido par ticularmente à necessidade de cada um se arre pender do próprio modo de maltratar o plane ta porque todos na medida em que causamos pequenos danos ecológicos somos chamados a reconhecer a nossa contribuição pequena ou grande para a desfiguração e destruição do ambiente 14 Sobre este ponto ele pronunciouse repetidamente de maneira firme e encorajadora convidandonos a reconhecer os pecados contra a criação Quando os seres humanos destroem a biodiversidade na criação de Deus quando os seres humanos comprometem a integridade da terra e contribuem para a mudança climática desnudando a terra das suas florestas naturais ou destruindo as suas zonas húmidas quando os se res humanos contaminam as águas o solo o ar tudo isso é pecado 15 Porque um crime contra 14 Mensagem para o Dia de Oração pela salvaguarda da criação 1 de Setembro de 2012 15 Discurso em Santa Bárbara Califórnia 8 de Novembro de 1997 cf John Chryssavgis On Earth as in Heaven Ecological 9 a natureza é um crime contra nós mesmos e um pecado contra Deus 16 9 Ao mesmo tempo Bartolomeu chamou a atenção para as raízes éticas e espirituais dos problemas ambientais que nos convidam a en contrar soluções não só na técnica mas também numa mudança do ser humano caso contrário estaríamos a enfrentar apenas os sintomas Pro pôsnos passar do consumo ao sacrifício da avi dez à generosidade do desperdício à capacidade de partilha numa ascese que significa aprender a dar e não simplesmente renunciar É um modo de amar de passar pouco a pouco do que eu quero àquilo de que o mundo de Deus precisa É libertação do medo da avidez da dependên cia 17 Além disso nós cristãos somos chamados a aceitar o mundo como sacramento de comu nhão como forma de partilhar com Deus e com o próximo numa escala global É nossa humilde convicção que o divino e o humano se encon tram no menor detalhe da túnica inconsútil da criação de Deus mesmo no último grão de poei ra do nosso planeta 18 Vision and Initiatives of Ecumenical Patriarch Bartholomew Bronx Nova Iorque 2012 16 Ibidem 17 Conferência no Mosteiro de Utstein Noruega 23 de Junho de 2003 18 Bartolomeu Discurso Global Responsibility and Ecological Sustainability Closing Remarks I Cimeira de Halki Istambul 20 de Junho de 2012 São Francisco de Assis 10 Não quero prosseguir esta encíclica sem in vocar um modelo belo e motivador Tomei o seu nome por guia e inspiração no momento da mi nha eleição para Bispo de Roma Acho que Fran cisco é o exemplo por excelência do cuidado pelo que é frágil e por uma ecologia integral vivida com alegria e autenticidade É o santo padroeiro de todos os que estudam e trabalham no campo da ecologia amado também por muitos que não são cristãos Manifestou uma atenção particular pela criação de Deus e pelos mais pobres e aban donados Amava e era amado pela sua alegria a sua dedicação generosa o seu coração universal Era um místico e um peregrino que vivia com simplicidade e numa maravilhosa harmonia com Deus com os outros com a natureza e consigo mesmo Nele se nota até que ponto são insepa ráveis a preocupação pela natureza a justiça para com os pobres o empenhamento na sociedade e a paz interior 11 O seu testemunho mostranos também que uma ecologia integral requer abertura para cate gorias que transcendem a linguagem das ciências exactas ou da biologia e nos põem em contacto com a essência do ser humano Tal como acon tece a uma pessoa quando se enamora por ou tra a reacção de Francisco sempre que olhava o sol a lua ou os minúsculos animais era cantar envolvendo no seu louvor todas as outras cria turas Entrava em comunicação com toda a cria ção chegando mesmo a pregar às flores convi 10 11 dandoas a louvar o Senhor como se gozassem do dom da razão 19 A sua reacção ultrapassava de longe uma mera avaliação intelectual ou um cálculo económico porque para ele qualquer criatura era uma irmã unida a ele por laços de carinho Por isso sentiase chamado a cuidar de tudo o que existe São Boaventura seu discípulo contava que ele enchendose da maior ternura ao considerar a origem comum de todas as coi sas dava a todas as criaturas por mais desprezí veis que parecessem o doce nome de irmãos e irmãs 20 Esta convicção não pode ser desvalori zada como romantismo irracional pois influi nas opções que determinam o nosso comportamen to Se nos aproximarmos da natureza e do meio ambiente sem esta abertura para a admiração e o encanto se deixarmos de falar a língua da frater nidade e da beleza na nossa relação com o mun do então as nossas atitudes serão as do domina dor do consumidor ou de um mero explorador dos recursos naturais incapaz de pôr um limite aos seus interesses imediatos Pelo contrário se nos sentirmos intimamente unidos a tudo o que existe então brotarão de modo espontâneo a so briedade e a solicitude A pobreza e a austeridade de São Francisco não eram simplesmente um as cetismo exterior mas algo de mais radical uma renúncia a fazer da realidade um mero objecto de uso e domínio 19 tomás de Celano Vita prima di San Francesco XXIX 81 Fonti Francescane 460 20 Legenda Maior VIII 6 Fonti Francescane 1145 12 12 Por outro lado São Francisco fiel à Sagra da Escritura propõenos reconhecer a natureza como um livro esplêndido onde Deus nos fala e transmite algo da sua beleza e bondade Na grandeza e na beleza das criaturas contemplase por analogia o seu Criador Sab 13 5 e o que é invisível nEle o seu eterno poder e divindade tornouse visível à inteligência desde a criação do mundo nas suas obras Rm 1 20 Por isso Francisco pedia que no convento se deixasse sempre uma parte do horto por cultivar para aí crescerem as ervas silvestres a fim de que quem as admirasse pudesse elevar o seu pensamento a Deus autor de tanta beleza21 O mundo é algo mais do que um problema a resolver é um mis tério gozoso que contemplamos na alegria e no louvor O meu apelo 13 O urgente desafio de proteger a nossa casa comum inclui a preocupação de unir toda a fa mília humana na busca de um desenvolvimento sustentável e integral pois sabemos que as coi sas podem mudar O Criador não nos abandona nunca recua no seu projecto de amor nem Se ar repende de nos ter criado A humanidade possui ainda a capacidade de colaborar na construção da nossa casa comum Desejo agradecer encorajar e manifestar apreço a quantos nos mais variados 21 Cf tomás de Celano Vita seconda di San Francesco CXXIV 165 Fonti Francescane 750 13 sectores da actividade humana estão a trabalhar para garantir a protecção da casa que partilha mos Uma especial gratidão é devida àqueles que lutam com vigor por resolver as dramáticas consequências da degradação ambiental na vida dos mais pobres do mundo Os jovens exigem de nós uma mudança interrogamse como se pode pretender construir um futuro melhor sem pen sar na crise do meio ambiente e nos sofrimentos dos excluídos 14 Lanço um convite urgente a renovar o diá logo sobre a maneira como estamos a construir o futuro do planeta Precisamos de um debate que nos una a todos porque o desafio ambiental que vivemos e as suas raízes humanas dizem respeito e têm impacto sobre todos nós O movimento ecológico mundial já percorreu um longo e rico caminho tendo gerado numerosas agregações de cidadãos que ajudaram na consciencialização Infelizmente muitos esforços na busca de solu ções concretas para a crise ambiental acabam com frequência frustrados não só pela recusa dos poderosos mas também pelo desinteresse dos outros As atitudes que dificultam os cami nhos de solução mesmo entre os crentes vão da negação do problema à indiferença à resignação acomodada ou à confiança cega nas soluções téc nicas Precisamos de nova solidariedade univer sal Como disseram os bispos da África do Sul são necessários os talentos e o envolvimento de todos para reparar o dano causado pelos humanos 14 sobre a criação de Deus 22 Todos podemos co laborar como instrumentos de Deus no cuidado da criação cada um a partir da sua cultura expe riência iniciativas e capacidades 15 Espero que esta carta encíclica que se inse re no magistério social da Igreja nos ajude a re conhecer a grandeza a urgência e a beleza do de safio que temos pela frente Em primeiro lugar farei uma breve resenha dos vários aspectos da actual crise ecológica com o objectivo de assu mir os melhores frutos da pesquisa científica ac tualmente disponível deixarse tocar por ela em profundidade e dar uma base concreta ao per curso ético e espiritual seguido A partir desta pa norâmica retomarei algumas argumentações que derivam da tradição judaicocristã a fim de dar maior coerência ao nosso compromisso com o meio ambiente Depois procurarei chegar às raí zes da situação actual de modo a individuar não apenas os seus sintomas mas também as causas mais profundas Poderemos assim propor uma ecologia que nas suas várias dimensões integre o lugar específico que o ser humano ocupa neste mundo e as suas relações com a realidade que o rodeia À luz desta reflexão quereria dar mais um passo verificando algumas das grandes linhas de diálogo e de acção que envolvem seja cada um de nós seja a política internacional Finalmente con 22 ConferênCia dos BisPos CatóliCos da áfriCa do sul Pastoral Statement on the Environmental Crisis 5 de Setembro de 1999 15 vencido como estou de que toda a mudança tem necessidade de motivações e dum caminho educativo proporei algumas linhas de maturação humana inspiradas no tesouro da experiência es piritual cristã 16 Embora cada capítulo tenha a sua temáti ca própria e uma metodologia específica o su cessivo retoma por sua vez a partir duma nova perspectiva questões importantes abordadas nos capítulos anteriores Isto diz respeito especial mente a alguns eixos que atravessam a encíclica inteira Por exemplo a relação íntima entre os pobres e a fragilidade do planeta a convicção de que tudo está estreitamente interligado no mun do a crítica do novo paradigma e das formas de poder que derivam da tecnologia o convite a procurar outras maneiras de entender a econo mia e o progresso o valor próprio de cada criatu ra o sentido humano da ecologia a necessidade de debates sinceros e honestos a grave responsa bilidade da política internacional e local a cultura do descarte e a proposta dum novo estilo de vida Estes temas nunca se dão por encerrados nem se abandonam mas são constantemente retomados e enriquecidos 17 CAPÍTULO I O QUE ESTÁ A ACONTECER À NOSSA CASA 17 As reflexões teológicas ou filosóficas sobre a situação da humanidade e do mundo podem soar como uma mensagem repetida e vazia se não forem apresentadas novamente a partir dum confronto com o contexto actual no que este tem de inédito para a história da humanidade Por isso antes de reconhecer como a fé traz novas motivações e exigências face ao mundo de que fazemos parte proponho que nos detenhamos brevemente a considerar o que está a acontecer à nossa casa comum 18 A contínua aceleração das mudanças na hu manidade e no planeta juntase hoje à intensifica ção dos ritmos de vida e trabalho que alguns em espanhol designam por rapidación Embora a mudança faça parte da dinâmica dos sistemas complexos a velocidade que hoje lhe impõem as acções humanas contrasta com a lentidão natu ral da evolução biológica A isto vem juntarse o problema de que os objectivos desta mudan ça rápida e constante não estão necessariamen te orientados para o bem comum e para um de senvolvimento humano sustentável e integral A mudança é algo desejável mas tornase preocu 18 pante quando se transforma em deterioração do mundo e da qualidade de vida de grande parte da humanidade 19 Depois dum tempo de confiança irracional no progresso e nas capacidades humanas uma parte da sociedade está a entrar numa etapa de maior consciencialização Notase uma crescente sensibilidade relativamente ao meio ambiente e ao cuidado da natureza e cresce uma sincera e sentida preocupação pelo que está a acontecer ao nosso planeta Façamos uma resenha certamen te incompleta das questões que hoje nos causam inquietação e já não se podem esconder debaixo do tapete O objectivo não é recolher informa ções ou satisfazer a nossa curiosidade mas tomar dolorosa consciência ousar transformar em so frimento pessoal aquilo que acontece ao mundo e assim reconhecer a contribuição que cada um lhe pode dar 1 Poluição e mudanças ClimátiCas Poluição resíduos e cultura do descarte 20 Existem formas de poluição que afectam diariamente as pessoas A exposição aos po luentes atmosféricos produz uma vasta gama de efeitos sobre a saúde particularmente dos mais pobres e provocam milhões de mortes prematu ras Adoecem por exemplo por causa da inala ção de elevadas quantidades de fumo produzido pelos combustíveis utilizados para cozinhar ou 19 aquecerse A isto vem juntarse a poluição que afecta a todos causada pelo transporte pelos fu mos da indústria pelas descargas de substâncias que contribuem para a acidificação do solo e da água pelos fertilizantes insecticidas fungicidas pesticidas e agrotóxicos em geral Na realidade a tecnologia que ligada à finança pretende ser a única solução dos problemas é incapaz de ver o mistério das múltiplas relações que existem entre as coisas e por isso às vezes resolve um proble ma criando outros 21 Devemos considerar também a poluição produzida pelos resíduos incluindo os perigosos presentes em variados ambientes Produzemse anualmente centenas de milhões de toneladas de resíduos muitos deles não biodegradáveis re síduos domésticos e comerciais detritos de de molições resíduos clínicos electrónicos e indus triais resíduos altamente tóxicos e radioactivos A terra nossa casa parece transformarse cada vez mais num imenso depósito de lixo Em mui tos lugares do planeta os idosos recordam com saudade as paisagens de outrora que agora vêem submersas de lixo Tanto os resíduos industriais como os produtos químicos utilizados nas cida des e nos campos podem produzir um efeito de bioacumulação nos organismos dos moradores nas áreas limítrofes que se verifica mesmo quan do é baixo o nível de presença dum elemento tóxico num lugar Muitas vezes só se adoptam medidas quando já se produziram efeitos irrever síveis na saúde das pessoas 20 22 Estes problemas estão intimamente ligados à cultura do descarte que afecta tanto os seres humanos excluídos como as coisas que se con vertem rapidamente em lixo Notese por exem plo como a maior parte do papel produzido se desperdiça sem ser reciclado Custanos a reco nhecer que o funcionamento dos ecossistemas naturais é exemplar as plantas sintetizam subs tâncias nutritivas que alimentam os herbívoros estes por sua vez alimentam os carnívoros que fornecem significativas quantidades de resíduos orgânicos que dão origem a uma nova geração de vegetais Ao contrário o sistema industrial no final do ciclo de produção e consumo não desen volveu a capacidade de absorver e reutilizar resí duos e escórias Ainda não se conseguiu adoptar um modelo circular de produção que assegure recursos para todos e para as gerações futuras e que exige limitar o mais possível o uso dos re cursos nãorenováveis moderando o seu consu mo maximizando a eficiência no seu aproveita mento reutilizando e reciclandoos A resolução desta questão seria uma maneira de contrastar a cultura do descarte que acaba por danificar o pla neta inteiro mas notase que os progressos neste sentido são ainda muito escassos O clima como bem comum 23 O clima é um bem comum um bem de to dos e para todos A nível global é um sistema complexo que tem a ver com muitas condições 21 essenciais para a vida humana Há um consen so científico muito consistente indicando que estamos perante um preocupante aquecimento do sistema climático Nas últimas décadas este aquecimento foi acompanhado por uma elevação constante do nível do mar sendo difícil não o re lacionar ainda com o aumento de acontecimentos meteorológicos extremos embora não se possa atribuir uma causa cientificamente determinada a cada fenómeno particular A humanidade é chamada a tomar consciência da necessidade de mudanças de estilos de vida de produção e de consumo para combater este aquecimento ou pelo menos as causas humanas que o produzem ou acentuam É verdade que há outros factores tais como o vulcanismo as variações da órbita e do eixo terrestre o ciclo solar mas numerosos estudos científicos indicam que a maior parte do aquecimento global das últimas décadas é devida à alta concentração de gases com efeito de estufa anidrido carbónico metano óxido de azoto e outros emitidos sobretudo por causa da activi dade humana A sua concentração na atmosfera impede que o calor dos raios solares reflectidos pela terra se dilua no espaço Isto é particular mente agravado pelo modelo de desenvolvimen to baseado no uso intensivo de combustíveis fósseis que está no centro do sistema energético mundial E incidiu também a prática crescente de mudar a utilização do solo principalmente o des florestamento para finalidade agrícola 22 24 Por sua vez o aquecimento influi sobre o ciclo do carbono Cria um ciclo vicioso que agra va ainda mais a situação e que incidirá sobre a disponibilidade de recursos essenciais como a água potável a energia e a produção agrícola das áreas mais quentes e provocará a extinção de par te da biodiversidade do planeta O derretimento das calotas polares e dos glaciares a grande alti tude ameaça com uma libertação de alto risco de gás metano e a decomposição da matéria or gânica congelada poderia acentuar ainda mais a emissão de anidrido carbónico Entretanto a per da das florestas tropicais piora a situação pois estas ajudam a mitigar a mudança climática A poluição produzida pelo anidrido carbónico au menta a acidez dos oceanos e compromete a ca deia alimentar marinha Se a tendência actual se mantiver este século poderá ser testemunha de mudanças climáticas inauditas e duma destruição sem precedentes dos ecossistemas com graves consequências para todos nós Por exemplo a su bida do nível do mar pode criar situações de ex trema gravidade se se considera que um quarto da população mundial vive à beiramar ou muito perto dele e a maior parte das megacidades estão situadas em áreas costeiras 25 As mudanças climáticas são um problema global com graves implicações ambientais so ciais económicas distributivas e políticas cons tituindo actualmente um dos principais desafios para a humanidade Provavelmente os impactos 23 mais sérios recairão nas próximas décadas so bre os países em vias de desenvolvimento Mui tos pobres vivem em lugares particularmente afectados por fenómenos relacionados com o aquecimento e os seus meios de subsistência de pendem fortemente das reservas naturais e dos chamados serviços do ecossistema como a agri cultura a pesca e os recursos florestais Não pos suem outras disponibilidades económicas nem outros recursos que lhes permitam adaptarse aos impactos climáticos ou enfrentar situações catas tróficas e gozam de reduzido acesso a serviços sociais e de protecção Por exemplo as mudanças climáticas dão origem a migrações de animais e vegetais que nem sempre conseguem adaptarse e isto por sua vez afecta os recursos produti vos dos mais pobres que são forçados também a emigrar com grande incerteza quanto ao futuro da sua vida e dos seus filhos É trágico o aumento de emigrantes em fuga da miséria agravada pela degradação ambiental que não sendo reconhe cidos como refugiados nas convenções interna cionais carregam o peso da sua vida abandonada sem qualquer tutela normativa Infelizmente ve rificase uma indiferença geral perante estas tra gédias que estão acontecendo agora mesmo em diferentes partes do mundo A falta de reacções diante destes dramas dos nossos irmãos e irmãs é um sinal da perda do sentido de responsabilidade pelos nossos semelhantes sobre o qual se funda toda a sociedade civil 24 26 Muitos daqueles que detêm mais recursos e poder económico ou político parecem con centrarse sobretudo em mascarar os problemas ou ocultar os seus sintomas procurando apenas reduzir alguns impactos negativos de mudanças climáticas Mas muitos sintomas indicam que tais efeitos poderão ser cada vez piores se continuar mos com os modelos actuais de produção e con sumo Por isso tornouse urgente e imperioso o desenvolvimento de políticas capazes de fazer com que nos próximos anos a emissão de ani drido carbónico e outros gases altamente poluen tes se reduza drasticamente por exemplo substi tuindo os combustíveis fósseis e desenvolvendo fontes de energia renovável No mundo é exíguo o nível de acesso a energias limpas e renováveis Mas ainda é necessário desenvolver adequadas tecnologias de acumulação Entretanto nalguns países registaramse avanços que começam a ser significativos embora estejam longe de atingir uma proporção importante Houve também al guns investimentos em modalidades de produ ção e transporte que consomem menos energia exigindo menor quantidade de matériasprimas bem como em modalidades de construção ou restruturação de edifícios para se melhorar a sua eficiência energética Mas estas práticas promis soras estão longe de se tornar omnipresentes 2 a questão da água 27 Outros indicadores da situação actual têm a ver com o esgotamento dos recursos naturais É 25 bem conhecida a impossibilidade de sustentar o nível actual de consumo dos países mais desen volvidos e dos sectores mais ricos da sociedade onde o hábito de desperdiçar e jogar fora atinge níveis inauditos Já se ultrapassaram certos limi tes máximos de exploração do planeta sem ter mos resolvido o problema da pobreza 28 A água potável e limpa constitui uma ques tão de primordial importância porque é indis pensável para a vida humana e para sustentar os ecossistemas terrestres e aquáticos As fontes de água doce fornecem os sectores sanitários agro pecuários e industriais A disponibilidade de água mantevese relativamente constante duran te muito tempo mas agora em muitos lugares a procura excede a oferta sustentável com graves consequências a curto e longo prazo Grandes cidades que dependem de importantes reservas hídricas sofrem períodos de carência do recurso que nos momentos críticos nem sempre se ad ministra com uma gestão adequada e com impar cialidade A pobreza da água pública verificase especialmente na África onde grandes sectores da população não têm acesso a água potável se gura ou sofrem secas que tornam difícil a produ ção de alimento Nalguns países há regiões com abundância de água enquanto outras sofrem de grave escassez 29 Um problema particularmente sério é o da qualidade da água disponível para os pobres que diariamente ceifa muitas vidas Entre os pobres 26 são frequentes as doenças relacionadas com a água incluindo as causadas por microorganis mos e substâncias químicas A diarreia e a cólera devidas a serviços de higiene e reservas de água inadequados constituem um factor significativo de sofrimento e mortalidade infantil Em mui tos lugares os lençóis freáticos estão ameaçados pela poluição produzida por algumas actividades extractivas agrícolas e industriais sobretudo em países desprovidos de regulamentação e contro les suficientes Não pensamos apenas nas descar gas provenientes das fábricas os detergentes e produtos químicos que a população utiliza em muitas partes do mundo continuam a ser derra mados em rios lagos e mares 30 Enquanto a qualidade da água disponível piora constantemente em alguns lugares cresce a tendência para se privatizar este recurso escas so tornandose uma mercadoria sujeita às leis do mercado Na realidade o acesso à água potável e segura é um direito humano essencial fundamental e universal porque determina a sobrevivência das pessoas e portanto é condição para o exercício dos outros direi tos humanos Este mundo tem uma grave dívida social para com os pobres que não têm acesso à água potável porque isto é negarlhes o direito à vida radicado na sua dignidade inalienável Esta dívida é parcialmente saldada com maiores contribuições económicas para prover de água limpa e sanea mento as populações mais pobres Entretanto notase um desperdício de água não só nos países 27 desenvolvidos mas também naqueles em vias de desenvolvimento que possuem grandes reservas Isto mostra que o problema da água é em parte uma questão educativa e cultural porque não há consciência da gravidade destes comportamen tos num contexto de grande desigualdade 31 Uma maior escassez de água provocará o aumento do custo dos alimentos e de vários pro dutos que dependem do seu uso Alguns estudos assinalaram o risco de sofrer uma aguda escassez de água dentro de poucas décadas se não forem tomadas medidas urgentes Os impactos ambien tais poderiam afectar milhares de milhões de pes soas sendo previsível que o controle da água por grandes empresas mundiais se transforme numa das principais fontes de conflitos deste século23 3 Perda de Biodiversidade 32 Os recursos da terra estão a ser depreda dos também por causa de formas imediatistas de entender a economia e a actividade comercial e produtiva A perda de florestas e bosques implica simultaneamente a perda de espécies que pode riam constituir no futuro recursos extremamen te importantes não só para a alimentação mas também para a cura de doenças e vários serviços As diferentes espécies contêm genes que podem 23 Cf franCisCo Saudação aos funcionários da FAO 20 de Novembro de 2014 AAS 106 2014 985 LOsservatore Romano ed portuguesa de 27XI2014 3 28 ser recursoschave para resolver no futuro algu ma necessidade humana ou regular algum pro blema ambiental 33 Entretanto não basta pensar nas diferentes espécies apenas como eventuais recursos ex ploráveis esquecendo que possuem um valor em si mesmas Anualmente desaparecem milhares de espécies vegetais e animais que já não pode remos conhecer que os nossos filhos não pode rão ver perdidas para sempre A grande maioria delas extinguese por razões que têm a ver com alguma actividade humana Por nossa causa mi lhares de espécies já não darão glória a Deus com a sua existência nem poderão comunicarnos a sua própria mensagem Não temos direito de o fazer 34 Possivelmente perturbanos saber da extin ção dum mamífero ou duma ave pela sua maior visibilidade mas para o bom funcionamento dos ecossistemas também são necessários os fun gos as algas os vermes os pequenos insectos os répteis e a variedade inumerável de microor ganismos Algumas espécies pouco numerosas que habitualmente nos passam despercebidas desempenham uma função censória fundamen tal para estabelecer o equilíbrio dum lugar É verdade que o ser humano deve intervir quando um geosistema cai em estado crítico mas hoje o nível de intervenção humana numa realidade tão complexa como a natureza é tal que os desas tres constantes causados pelo ser humano pro 29 vocam uma nova intervenção dele de modo que a actividade humana tornase omnipresente com todos os riscos que isto implica Normalmente criase um círculo vicioso no qual a intervenção humana para resolver uma dificuldade muitas vezes ainda agrava mais a situação Por exemplo muitos pássaros e insectos que desaparecem por causa dos agrotóxicos criados pela tecnologia são úteis para a própria agricultura e o seu de saparecimento deverá ser compensado por outra intervenção tecnológica que possivelmente trará novos efeitos nocivos São louváveis e às vezes admiráveis os esforços de cientistas e técnicos que procuram dar solução aos problemas criados pelo ser humano Mas contemplando o mundo damonos conta de que este nível de interven ção humana muitas vezes ao serviço da finança e do consumismo faz com que esta terra onde vivemos se torne realmente menos rica e bela cada vez mais limitada e cinzenta enquanto ao mesmo tempo o desenvolvimento da tecnologia e das ofertas de consumo continua a avançar sem limites Assim parece que nos iludimos de poder substituir uma beleza insuprível e irrecuperável por outra criada por nós 35 Quando se analisa o impacto ambiental de qualquer iniciativa económica costumase olhar para os seus efeitos no solo na água e no ar mas nem sempre se inclui um estudo cuidadoso do impacto na biodiversidade como se a perda de al gumas espécies ou de grupos animais ou vegetais 30 fosse algo de pouca relevância As estradas os novos cultivos as reservas as barragens e outras construções vão tomando posse dos habitats e por vezes fragmentamnos de tal maneira que as populações de animais já não podem migrar nem moverse livremente pelo que algumas espécies correm o risco de extinção Existem alternati vas que pelo menos mitigam o impacto destas obras como a criação de corredores biológicos mas são poucos os países em que se adverte este cuidado e prevenção Quando se explora comer cialmente algumas espécies nem sempre se estu da a sua modalidade de crescimento para evitar a sua diminuição excessiva e consequente desequi líbrio do ecossistema 36 O cuidado dos ecossistemas requer uma perspectiva que se estenda para além do imedia to porque quando se busca apenas um ganho económico rápido e fácil já ninguém se importa realmente com a sua preservação Mas o custo dos danos provocados pela negligência egoísta é muitíssimo maior do que o benefício económico que se possa obter No caso da perda ou dano grave dalgumas espécies falase de valores que excedem todo e qualquer cálculo Por isso pode mos ser testemunhas mudas de gravíssimas desi gualdades quando se pretende obter benefícios significativos fazendo pagar ao resto da huma nidade presente e futura os altíssimos custos da degradação ambiental 37 Alguns países fizeram progressos na con servação eficaz de certos lugares e áreas na terra 31 e nos oceanos proibindo aí toda a intervenção humana que possa modificar a sua fisionomia ou alterar a sua constituição original No cuida do da biodiversidade os especialistas insistem na necessidade de prestar uma especial atenção às áreas mais ricas em variedade de espécies em es pécies endémicas raras ou com menor grau de efectiva protecção Há lugares que requerem um cuidado particular pela sua enorme importância para o ecossistema mundial ou que constituem significativas reservas de água assegurando assim outras formas de vida 38 Mencionemos por exemplo os pulmões do planeta repletos de biodiversidade que são a Amazónia e a bacia fluvial do Congo ou os gran des lençóis freáticos e os glaciares A importância destes lugares para o conjunto do planeta e para o futuro da humanidade não se pode ignorar Os ecossistemas das florestas tropicais possuem uma biodiversidade de enorme complexidade quase impossível de conhecer completamente mas quando estas florestas são queimadas ou derrubadas para desenvolver cultivos em poucos anos perdemse inúmeras espécies ou tais áreas transformamse em áridos desertos Todavia ao falar sobre estes lugares impõese um delicado equilíbrio porque não é possível ignorar também os enormes interesses económicos internacio nais que a pretexto de cuidar deles podem aten tar contra as soberanias nacionais Com efeito há propostas de internacionalização da Amazó nia que só servem aos interesses económicos das 32 corporações internacionais 24 É louvável a tare fa de organismos internacionais e organizações da sociedade civil que sensibilizam as populações e colaboram de forma crítica inclusive utilizando legítimos mecanismos de pressão para que cada governo cumpra o dever próprio e nãodelegá vel de preservar o meio ambiente e os recursos naturais do seu país sem se vender a espúrios interesses locais ou internacionais 39 Habitualmente também não se faz objecto de adequada análise a substituição da flora silves tre por áreas florestais com árvores que geral mente são monoculturas É que pode afectar gra vemente uma biodiversidade que não é albergada pelas novas espécies que se implantam Também as zonas húmidas que são transformadas em ter renos agrícolas perdem a enorme biodiversidade que abrigavam É preocupante nalgumas áreas costeiras o desaparecimento dos ecossistemas constituídos por manguezais 40 Os oceanos contêm não só a maior parte da água do planeta mas também a maior parte da vasta variedade dos seres vivos muitos de les ainda desconhecidos para nós e ameaçados por diversas causas Além disso a vida nos rios lagos mares e oceanos que nutre grande parte da população mundial é afectada pela extracção 24 v ConferênCia geral do ePisCoPado latinoAme riCano e do CariBe Documento de Aparecida 29 de Junho de 2007 86 33 descontrolada dos recursos ictíicos que provo ca drásticas diminuições dalgumas espécies E no entanto continuam a desenvolverse modali dades selectivas de pesca que descartam grande parte das espécies apanhadas Particularmente ameaçados estão organismos marinhos que não temos em consideração como certas formas de plâncton que constituem um componente muito importante da cadeia alimentar marinha e de que dependem em última instância espécies que se utilizam para a alimentação humana 41 Passando aos mares tropicais e subtropi cais encontramos os recifes de coral que equi valem às grandes florestas da terra firme porque abrigam cerca de um milhão de espécies incluin do peixes caranguejos moluscos esponjas algas e outras Hoje muitos dos recifes de coral no mundo já são estéreis ou encontramse num esta do contínuo de declínio Quem transformou o maravilhoso mundo marinho em cemitérios su baquáticos despojados de vida e de cor 25 Este fenómeno devese em grande parte à poluição que chega ao mar resultante do desflorestamen to das monoculturas agrícolas das descargas industriais e de métodos de pesca destrutivos nomeadamente os que utilizam cianeto e dina mite É agravado pelo aumento da temperatura dos oceanos Tudo isso nos ajuda a compreen 25 ConferênCia dos BisPos CatóliCos das filiPinas Carta pastoral What is Happening to our Beautiful Land 29 de Janeiro de 1988 34 der como qualquer acção sobre a natureza pode ter consequências que não advertimos à primeira vista e como certas formas de exploração de re cursos se obtêm à custa duma degradação que acaba por chegar até ao fundo dos oceanos 42 É preciso investir muito mais na pesquisa para se entender melhor o comportamento dos ecossistemas e analisar adequadamente as dife rentes variáveis de impacto de qualquer modifi cação importante do meio ambiente Visto que todas as criaturas estão interligadas deve ser re conhecido com carinho e admiração o valor de cada uma e todos nós seres criados precisamos uns dos outros Cada território detém uma par te de responsabilidade no cuidado desta família pelo que deve fazer um inventário cuidadoso das espécies que alberga a fim de desenvolver pro gramas e estratégias de protecção cuidando com particular solicitude das espécies em vias de ex tinção 4 deterioração da qualidade de vida humana e degradação soCial 43 Tendo em conta que o ser humano tam bém é uma criatura deste mundo que tem direito a viver e ser feliz e além disso possui uma digni dade especial não podemos deixar de considerar os efeitos da degradação ambiental do modelo actual de desenvolvimento e da cultura do des carte sobre a vida das pessoas 35 44 Notase hoje por exemplo o crescimento desmedido e descontrolado de muitas cidades que se tornaram pouco saudáveis para viver de vido não só à poluição proveniente de emissões tóxicas mas também ao caos urbano aos proble mas de transporte e à poluição visiva e acústica Muitas cidades são grandes estruturas que não funcionam gastando energia e água em excesso Há bairros que embora construídos recente mente apresentamse congestionados e desor denados sem espaços verdes suficientes Não é conveniente para os habitantes deste planeta vi ver cada vez mais submersos de cimento asfalto vidro e metais privados do contacto físico com a natureza 45 Nalguns lugares rurais e urbanos a privati zação dos espaços tornou difícil o acesso dos cida dãos a áreas de especial beleza noutros criaramse áreas residenciais ecológicas postas à disposição só de poucos procurandose evitar que outros entrem a perturbar uma tranquilidade artificial Muitas vezes encontrase uma cidade bela e cheia de espaços verdes e bem cuidados nalgumas áreas seguras mas não em áreas menos visíveis onde vivem os descartados da sociedade 46 Entre os componentes sociais da mudança global incluemse os efeitos laborais dalgumas inovações tecnológicas a exclusão social a desi gualdade no fornecimento e consumo da energia e doutros serviços a fragmentação social o au mento da violência e o aparecimento de novas 36 formas de agressividade social o narcotráfico e o consumo crescente de drogas entre os mais jovens a perda de identidade São alguns sinais entre outros que mostram como o crescimen to nos últimos dois séculos não significou em todos os seus aspectos um verdadeiro progres so integral e uma melhoria da qualidade de vida Alguns destes sinais são ao mesmo tempo sin tomas duma verdadeira degradação social duma silenciosa ruptura dos vínculos de integração e comunhão social 47 A isto vêm juntarse as dinâmicas dos mas smedia e do mundo digital que quando se tor nam omnipresentes não favorecem o desenvolvi mento duma capacidade de viver com sabedoria pensar em profundidade amar com generosida de Neste contexto os grandes sábios do passado correriam o risco de ver sufocada a sua sabedoria no meio do ruído dispersivo da informação Isto exige de nós um esforço para que esses meios se traduzam num novo desenvolvimento cultural da humanidade e não numa deterioração da sua riqueza mais profunda A verdadeira sabedoria fruto da reflexão do diálogo e do encontro ge neroso entre as pessoas não se adquire com uma mera acumulação de dados que numa espécie de poluição mental acabam por saturar e con fundir Ao mesmo tempo tendem a substituir as relações reais com os outros com todos os desa fios que implicam por um tipo de comunicação mediada pela internet Isto permite seleccionar 37 ou eliminar a nosso arbítrio as relações e deste modo frequentemente gerase um novo tipo de emoções artificiais que têm a ver mais com dis positivos e monitores do que com as pessoas e a natureza Os meios actuais permitemnos comu nicar e partilhar conhecimentos e afectos Mas às vezes também nos impedem de tomar contacto directo com a angústia a trepidação a alegria do outro e com a complexidade da sua experiência pessoal Por isso não deveria surpreendernos o facto de a par da oferta sufocante destes pro dutos ir crescendo uma profunda e melancólica insatisfação nas relações interpessoais ou um no civo isolamento 5 desigualdade Planetária 48 O ambiente humano e o ambiente natural degradamse em conjunto e não podemos en frentar adequadamente a degradação ambiental se não prestarmos atenção às causas que têm a ver com a degradação humana e social De facto a deterioração do meio ambiente e a da socie dade afectam de modo especial os mais frágeis do planeta Tanto a experiência comum da vida quotidiana como a investigação científica de monstram que os efeitos mais graves de todas as agressões ambientais recaem sobre as pessoas mais pobres 26 Por exemplo o esgotamento das reservas ictíicas prejudica especialmente as pes 26 ConferênCia ePisCoPal da Bolívia Carta pastoral El universo don de Dios para la vida 2012 17 38 soas que vivem da pesca artesanal e não possuem qualquer maneira de a substituir a poluição da água afecta particularmente os mais pobres que não têm possibilidades de comprar água engar rafada e a elevação do nível do mar afecta prin cipalmente as populações costeiras mais pobres que não têm para onde se transferir O impacto dos desequilíbrios actuais manifestase também na morte prematura de muitos pobres nos con flitos gerados pela falta de recursos e em muitos outros problemas que não têm espaço suficiente nas agendas mundiais27 49 Gostaria de assinalar que muitas vezes falta uma consciência clara dos problemas que afectam particularmente os excluídos Estes são a maioria do planeta milhares de milhões de pessoas Hoje são mencionados nos debates políticos e econó micos internacionais mas com frequência parece que os seus problemas se coloquem como um apêndice como uma questão que se acrescenta quase por obrigação ou perifericamente quan do não são considerados meros danos colaterais Com efeito na hora da implementação concreta permanecem frequentemente no último lugar Isto devese em parte ao facto de que muitos profissionais formadores de opinião meios de comunicação e centros de poder estão localiza dos longe deles em áreas urbanas isoladas sem ter contacto directo com os seus problemas Vi 27 Cf ConferênCia ePisCoPal alemã Comissão Para a Pastoral soCial Der Klimawandel Brennpunkt globaler intergenera tioneller und ökologischer Gerechtigkeit Setembro de 2006 2830 39 vem e reflectem a partir da comodidade dum de senvolvimento e duma qualidade de vida que não está ao alcance da maioria da população mun dial Esta falta de contacto físico e de encontro às vezes favorecida pela fragmentação das nossas cidades ajuda a cauterizar a consciência e a igno rar parte da realidade em análises tendenciosas Isto às vezes coexiste com um discurso verde Mas hoje não podemos deixar de reconhecer que uma verdadeira abordagem ecológica sempre se torna uma abordagem social que deve integrar a justiça nos debates sobre o meio ambiente para ouvir tanto o clamor da terra como o clamor dos pobres 50 Em vez de resolver os problemas dos po bres e pensar num mundo diferente alguns limi tamse a propor uma redução da natalidade Não faltam pressões internacionais sobre os países em vias de desenvolvimento que condicionam as ajudas económicas a determinadas políticas de saúde reprodutiva Mas se é verdade que a desigual distribuição da população e dos recursos disponíveis cria obstáculos ao desenvolvimento e ao uso sustentável do ambiente devese reco nhecer que o crescimento demográfico é ple namente compatível com um desenvolvimento integral e solidário 28 Culpar o incremento de mográfico em vez do consumismo exacerbado e selectivo de alguns é uma forma de não enfren tar os problemas Pretendese assim legitimar o 28 PontifíCio Conselho Justiça e Paz Compêndio da Doutrina Social da Igreja 483 40 modelo distributivo actual no qual uma minoria se julga com o direito de consumir numa pro porção que seria impossível generalizar porque o planeta não poderia sequer conter os resíduos de tal consumo Além disso sabemos que se des perdiça aproximadamente um terço dos alimen tos produzidos e a comida que se desperdiça é como se fosse roubada da mesa do pobre 29 Em todo o caso é verdade que devemos prestar aten ção ao desequilíbrio na distribuição da população pelo território tanto a nível nacional como a nível mundial porque o aumento do consumo levaria a situações regionais complexas pelas combina ções de problemas ligados à poluição ambiental ao transporte ao tratamento de resíduos à perda de recursos à qualidade de vida 51 A desigualdade não afecta apenas os indiví duos mas países inteiros e obriga a pensar numa ética das relações internacionais Com efeito há uma verdadeira dívida ecológica particular mente entre o Norte e o Sul ligada a desequilí brios comerciais com consequências no âmbito ecológico e com o uso desproporcionado dos recursos naturais efectuado historicamente por alguns países As exportações de algumas maté riasprimas para satisfazer os mercados no Norte industrializado produziram danos locais como por exemplo a contaminação com mercúrio na extracção minerária do ouro ou com o dióxido 29 franCisCo Catequese 5 de Junho de 2013 Insegnamenti 11 2013 280 LOsservatore Romano ed portuguesa de 9 VI2013 16 41 de enxofre na do cobre De modo especial é pre ciso calcular o espaço ambiental de todo o pla neta usado para depositar resíduos gasosos que se foram acumulando ao longo de dois séculos e criaram uma situação que agora afecta todos os países do mundo O aquecimento causado pelo enorme consumo de alguns países ricos tem repercussões nos lugares mais pobres da terra especialmente na África onde o aumento da temperatura juntamente com a seca tem efei tos desastrosos no rendimento das cultivações A isto acrescentamse os danos causados pela exportação de resíduos sólidos e líquidos tóxi cos para os países em vias de desenvolvimento e pela actividade poluente de empresas que fazem nos países menos desenvolvidos aquilo que não podem fazer nos países que lhes dão o capital Constatamos frequentemente que as empresas que assim procedem são multinacionais que fa zem aqui o que não lhes é permitido em países desenvolvidos ou do chamado primeiro mundo Geralmente quando cessam as suas actividades e se retiram deixam grandes danos humanos e ambientais como o desemprego aldeias sem vida esgotamento dalgumas reservas naturais desflorestamento empobrecimento da agricultu ra e pecuária local crateras colinas devastadas rios poluídos e qualquer obra social que já não se pode sustentar 30 30 BisPos da região da PatagóniaComahue argenti na Mensaje de Navidad Dezembro de 2009 2 42 52 A dívida externa dos países pobres trans formouse num instrumento de controle mas não se dá o mesmo com a dívida ecológica De várias maneiras os povos em vias de desenvolvi mento onde se encontram as reservas mais im portantes da biosfera continuam a alimentar o progresso dos países mais ricos à custa do seu presente e do seu futuro A terra dos pobres do Sul é rica e pouco contaminada mas o acesso à propriedade de bens e recursos para satisfazerem as suas carências vitais élhes vedado por um sis tema de relações comerciais e de propriedade es truturalmente perverso É necessário que os paí ses desenvolvidos contribuam para resolver esta dívida limitando significativamente o consumo de energia não renovável e fornecendo recursos aos países mais necessitados para promover po líticas e programas de desenvolvimento sustentá vel As regiões e os países mais pobres têm me nos possibilidade de adoptar novos modelos de redução do impacto ambiental porque não têm a preparação para desenvolver os processos ne cessários nem podem cobrir os seus custos Por isso devese manter claramente a consciência de que a mudança climática tem responsabilidades di versificadas e como disseram os bispos dos Esta dos Unidos é oportuno concentrarse especial mente sobre as necessidades dos pobres fracos e vulneráveis num debate muitas vezes dominado pelos interesses mais poderosos 31 É preciso re 31 ConferênCia dos BisPos CatóliCos dos estados unidos da amériCa Global Climate Change A Plea for Dialogue Prudence and the Common Good 15 de Junho de 2001 43 vigorar a consciência de que somos uma única família humana Não há fronteiras nem barreiras políticas ou sociais que permitam isolarnos e por isso mesmo também não há espaço para a globalização da indiferença 6 a fraqueza das reaCções 53 Estas situações provocam os gemidos da irmã terra que se unem aos gemidos dos aban donados do mundo com um lamento que re clama de nós outro rumo Nunca maltratámos e ferimos a nossa casa comum como nos últimos dois séculos Mas somos chamados a tornarnos os instrumentos de Deus Pai para que o nosso planeta seja o que Ele sonhou ao criálo e corres ponda ao seu projecto de paz beleza e plenitude O problema é que não dispomos ainda da cultura necessária para enfrentar esta crise e há necessida de de construir lideranças que tracem caminhos procurando dar resposta às necessidades das ge rações actuais todos incluídos sem prejudicar as gerações futuras Tornase indispensável criar um sistema normativo que inclua limites invioláveis e assegure a protecção dos ecossistemas antes que as novas formas de poder derivadas do paradig ma tecnoeconómico acabem por arrasálos não só com a política mas também com a liberdade e a justiça 54 Preocupa a fraqueza da reacção política in ternacional A submissão da política à tecnologia e à finança demonstrase na falência das cimeiras 44 mundiais sobre o meio ambiente Há demasiados interesses particulares e com muita facilidade o interesse económico chega a prevalecer sobre o bem comum e manipular a informação para não ver afectados os seus projectos Nesta linha o Documento de Aparecida pede que nas interven ções sobre os recursos naturais não predomi nem os interesses de grupos económicos que arrasam irracionalmente as fontes da vida 32 A aliança entre economia e tecnologia acaba por deixar de fora tudo o que não faz parte dos seus interesses imediatos Deste modo poderseá es perar apenas algumas proclamações superficiais acções filantrópicas isoladas e ainda esforços por mostrar sensibilidade para com o meio ambiente enquanto na realidade qualquer tentativa das or ganizações sociais para alterar as coisas será vista como um distúrbio provocado por sonhadores românticos ou como um obstáculo a superar 55 Pouco a pouco alguns países podem mos trar progressos significativos o desenvolvimento de controles mais eficientes e uma luta mais sin cera contra a corrupção Cresceu a sensibilidade ecológica das populações mas é ainda insuficien te para mudar os hábitos nocivos de consumo que não parecem diminuir antes expandemse e desenvolvemse É o que acontece só para dar um exemplo simples com o crescente aumen to do uso e intensidade dos condicionadores de 32 v ConferênCia geral do ePisCoPado latinoame riCano e do CariBe Documento de Aparecida 29 de Junho de 2007 471 45 ar os mercados apostando num ganho imediato estimulam ainda mais a procura Se alguém ob servasse de fora a sociedade planetária maravi lharseia com tal comportamento que às vezes parece suicida 56 Entretanto os poderes económicos conti nuam a justificar o sistema mundial actual onde predomina uma especulação e uma busca de re ceitas financeiras que tendem a ignorar todo o contexto e os efeitos sobre a dignidade huma na e sobre o meio ambiente Assim se manifesta como estão intimamente ligadas a degradação ambiental e a degradação humana e ética Muitos dirão que não têm consciência de realizar acções imorais porque a constante distracção nos tira a coragem de advertir a realidade dum mundo limitado e finito Por isso hoje qualquer reali dade que seja frágil como o meio ambiente fica indefesa face aos interesses do mercado diviniza do transformados em regra absoluta 33 57 É previsível que perante o esgotamento de alguns recursos se vá criando um cenário favo rável para novas guerras disfarçadas sob nobres reivindicações A guerra causa sempre danos graves ao meio ambiente e à riqueza cultural dos povos e os riscos avolumamse quando se pensa nas armas nucleares e nas armas biológicas Com efeito não obstante haver acordos internacio 33 franCisCo Exort ap Evangelii gaudium 24 de Novem bro de 2013 56 AAS 105 2013 1043 46 nais que proíbem a guerra química bacteriológica e biológica subsiste o facto de continuarem nos laboratórios as pesquisas para o desenvolvimen to de novas armas ofensivas capazes de alterar os equilíbrios naturais 34 Exigese da política uma maior atenção para prevenir e resolver as causas que podem dar origem a novos conflitos Entre tanto o poder ligado com a finança é o que maior resistência põe a tal esforço e os projectos políti cos carecem muitas vezes de amplitude de hori zonte Para que se quer preservar hoje um poder que será recordado pela sua incapacidade de inter vir quando era urgente e necessário fazêlo 58 Nalguns países há exemplos positivos de resultados na melhoria do ambiente tais como o saneamento de alguns rios que foram poluí dos durante muitas décadas a recuperação de florestas nativas o embelezamento de paisagens com obras de saneamento ambiental projectos de edifícios de grande valor estético progressos na produção de energia limpa na melhoria dos transportes públicos Estas acções não resolvem os problemas globais mas confirmam que o ser humano ainda é capaz de intervir de forma po sitiva Como foi criado para amar no meio dos seus limites germinam inevitavelmente gestos de generosidade solidariedade e desvelo 59 Ao mesmo tempo cresce uma ecologia superficial ou aparente que consolida um certo 34 João Paulo ii Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1990 12 AAS 82 1990 154 47 torpor e uma alegre irresponsabilidade Como frequentemente acontece em épocas de cri ses profundas que exigem decisões corajosas somos tentados a pensar que aquilo que está a acontecer não é verdade Se nos detivermos na superfície para além de alguns sinais visíveis de poluição e degradação parece que as coisas não estejam assim tão graves e que o planeta poderia subsistir ainda por muito tempo nas condições actuais Este comportamento evasivo servenos para mantermos os nossos estilos de vida de produção e consumo É a forma como o ser hu mano se organiza para alimentar todos os vícios autodestrutivos tenta não os ver luta para não os reconhecer adia as decisões importantes age como se nada tivesse acontecido 7 diversidade de oPiniões 60 Finalmente reconhecemos a propósito da situação e das possíveis soluções que se desen volveram diferentes perspectivas e linhas de pen samento Num dos extremos alguns defendem a todo o custo o mito do progresso afirmando que os problemas ecológicos resolverseão simples mente com novas aplicações técnicas sem con siderações éticas nem mudanças de fundo No extremo oposto outros pensam que o ser hu mano com qualquer uma das suas intervenções só pode ameaçar e comprometer o ecossistema mundial pelo que convém reduzir a sua presença no planeta e impedirlhe todo o tipo de inter venção Entre estes extremos a reflexão deveria identificar possíveis cenários futuros porque não existe só um caminho de solução Isto deixaria espaço para uma variedade de contribuições que poderiam entrar em diálogo a fim de se chegar a respostas abrangentes 61 Sobre muitas questões concretas a Igreja não tem motivo para propor uma palavra defi nitiva e entende que deve escutar e promover o debate honesto entre os cientistas respeitando a diversidade de opiniões Basta porém olhar a realidade com sinceridade para ver que há uma grande deterioração da nossa casa comum A es perança convidanos a reconhecer que sempre há uma saída sempre podemos mudar de rumo sempre podemos fazer alguma coisa para resol ver os problemas Todavia parece notarse sin tomas dum ponto de ruptura por causa da alta velocidade das mudanças e da degradação que se manifestam tanto em catástrofes naturais regio nais como em crises sociais ou mesmo financei ras uma vez que os problemas do mundo não se podem analisar nem explicar de forma isolada Há regiões que já se encontram particularmente em risco e prescindindo de qualquer previsão ca tastrófica o certo é que o actual sistema mundial é insustentável a partir de vários pontos de vista porque deixamos de pensar nas finalidades da ac ção humana Se o olhar percorre as regiões do nosso planeta apercebemonos depressa de que a humanidade frustrou a expectativa divina 35 35 Idem Catequese 17 de Janeiro de 2001 3 Insegnamen ti 241 2001 178 LOsservatore Romano ed portuguesa de 20I2001 8 48 49 CAPÍTULO II O EVANGELHO DA CRIAÇÃO 62 Por que motivo incluir neste documento dirigido a todas as pessoas de boa vontade um capítulo referido às convicções de fé Não igno ro que alguns no campo da política e do pen samento rejeitam decididamente a ideia de um Criador ou consideramna irrelevante chegando ao ponto de relegar para o reino do irracional a riqueza que as religiões possam oferecer para uma ecologia integral e o pleno desenvolvimento do género humano outras vezes supõese que elas constituam uma subcultura que se deve sim plesmente tolerar Todavia a ciência e a religião que fornecem diferentes abordagens da realida de podem entrar num diálogo intenso e frutuoso para ambas 1 a luz que a fé ofereCe 63 Se tivermos presente a complexidade da crise ecológica e as suas múltiplas causas deve remos reconhecer que as soluções não podem vir duma única maneira de interpretar e transfor mar a realidade É necessário recorrer também às diversas riquezas culturais dos povos à arte e à poesia à vida interior e à espiritualidade Se qui 50 sermos de verdade construir uma ecologia que nos permita reparar tudo o que temos destruí do então nenhum ramo das ciências e nenhuma forma de sabedoria pode ser transcurada nem sequer a sabedoria religiosa com a sua linguagem própria Além disso a Igreja Católica está aberta ao diálogo com o pensamento filosófico o que lhe permite produzir várias sínteses entre fé e ra zão No que diz respeito às questões sociais po dese constatar isto mesmo no desenvolvimento da doutrina social da Igreja chamada a enrique cerse cada vez mais a partir dos novos desafios 64 Por outro lado embora esta encíclica se abra a um diálogo com todos para juntos bus carmos caminhos de libertação quero mostrar desde o início como as convicções da fé ofere cem aos cristãos e em parte também a outros crentes motivações altas para cuidar da natureza e dos irmãos e irmãs mais frágeis Se pelo simples facto de ser humanas as pessoas se sentem mo vidas a cuidar do ambiente de que fazem parte os cristãos em particular advertem que a sua tarefa no seio da criação e os seus deveres em re lação à natureza e ao Criador fazem parte da sua fé 36 Por isso é bom para a humanidade e para o mundo que nós crentes conheçamos melhor os compromissos ecológicos que brotam das nossas convicções 36 João Paulo ii Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1990 15 AAS 82 1990 156 51 2 a saBedoria das narrações BíBliCas 65 Sem repropor aqui toda a teologia da Cria ção queremos saber o que nos dizem as gran des narrações bíblicas sobre a relação do ser hu mano com o mundo Na primeira narração da obra criadora no livro do Génesis o plano de Deus inclui a criação da humanidade Depois da criação do homem e da mulher dizse que Deus vendo a sua obra consideroua muito boa Gn 1 31 A Bíblia ensina que cada ser humano é criado por amor feito à imagem e semelhança de Deus cf Gn 1 26 Esta afirmação mostra nos a imensa dignidade de cada pessoa humana que não é somente alguma coisa mas alguém É capaz de se conhecer de se possuir e de livre mente se dar e entrar em comunhão com outras pessoas 37 São João Paulo II recordou que o amor muito especial que o Criador tem por cada ser humano conferelhe uma dignidade infini ta 38 Todos aqueles que estão empenhados na defesa da dignidade das pessoas podem encon trar na fé cristã as razões mais profundas para tal compromisso Como é maravilhosa a certeza de que a vida de cada pessoa não se perde num caos desesperador num mundo regido pelo puro acaso ou por ciclos que se repetem sem sentido O Criador pode dizer a cada um de nós Antes 37 Catecismo da Igreja Católica 357 38 Angelus com os inválidos Osnabrük Alemanha 16 de Novembro de 1980 Insegnamenti 32 1980 1232 LOsservatore Romano ed portuguesa de 23XI1980 20 52 de te haver formado no ventre materno Eu já te conhecia Jr 1 5 Fomos concebidos no co ração de Deus e por isso cada um de nós é o fruto de um pensamento de Deus Cada um de nós é querido cada um de nós é amado cada um é necessário 39 66 As narrações da criação no livro do Génesis contêm na sua linguagem simbólica e narrativa ensinamentos profundos sobre a existência hu mana e a sua realidade histórica Estas narrações sugerem que a existência humana se baseia sobre três relações fundamentais intimamente ligadas as relações com Deus com o próximo e com a terra Segundo a Bíblia estas três relações vitais romperamse não só exteriormente mas tam bém dentro de nós Esta ruptura é o pecado A harmonia entre o Criador a humanidade e toda a criação foi destruída por termos pretendido ocu par o lugar de Deus recusando reconhecernos como criaturas limitadas Este facto distorceu também a natureza do mandato de dominar a terra cf Gn 1 28 e de a cultivar e guardar cf Gn 2 15 Como resultado a relação origi nariamente harmoniosa entre o ser humano e a natureza transformouse num conflito cf Gn 3 1719 Por isso é significativo que a harmonia vivida por São Francisco de Assis com todas as criaturas tenha sido interpretada como uma sana 39 Bento Xvi Homilia no início solene do Ministério Petrino 24 de Abril de 2005 AAS 97 2005 711 LOsservatore Romano ed portuguesa de 30IV2015 5 53 ção daquela ruptura Dizia São Boaventura que através da reconciliação universal com todas as criaturas Francisco voltara de alguma forma ao estado de inocência original40 Longe deste mo delo o pecado manifestase hoje com toda a sua força de destruição nas guerras nas várias for mas de violência e abuso no abandono dos mais frágeis nos ataques contra a natureza 67 Não somos Deus A terra existe antes de nós e foinos dada Isto permite responder a uma acusação lançada contra o pensamento ju daicocristão foi dito que a narração do Génesis que convida a dominar a terra cf Gn 1 28 favoreceria a exploração selvagem da natureza apresentando uma imagem do ser humano como dominador e devastador Mas esta não é uma in terpretação correcta da Bíblia como a entende a Igreja Se é verdade que nós cristãos algumas ve zes interpretámos de forma incorrecta as Escritu ras hoje devemos decididamente rejeitar que do facto de ser criados à imagem de Deus e do man dato de dominar a terra se deduza um domínio absoluto sobre as outras criaturas É importante ler os textos bíblicos no seu contexto com uma justa hermenêutica e lembrar que nos convidam a cultivar e guardar o jardim do mundo cf Gn 2 15 Enquanto cultivar quer dizer lavrar ou trabalhar um terreno guardar significa pro teger cuidar preservar velar Isto implica uma 40 Cf Legenda Maior VIII 1 Fonti Francescane 1134 54 relação de reciprocidade responsável entre o ser humano e a natureza Cada comunidade pode to mar da bondade da terra aquilo de que necessita para a sua sobrevivência mas tem também o de ver de a proteger e garantir a continuidade da sua fertilidade para as gerações futuras Em última análise ao Senhor pertence a terra Sl 2423 1 a Ele pertence a terra e tudo o que nela exis te Dt 10 14 Por isso Deus proíbenos toda a pretensão de posse absoluta Nenhuma terra será vendida definitivamente porque a terra per tenceMe e vós sois apenas estrangeiros e meus hóspedes Lv 25 23 68 Esta responsabilidade perante uma terra que é de Deus implica que o ser humano dotado de inteligência respeite as leis da natureza e os delicados equilíbrios entre os seres deste mundo porque Ele deu uma ordem e tudo foi criado Ele fixou tudo pelos séculos sem fim e estabele ceu leis a que não se pode fugir Sl 148 5b6 Consequentemente a legislação bíblica detémse a propor ao ser humano várias normas relativas não só às outras pessoas mas também aos res tantes seres vivos Se vires o jumento do teu irmão ou o seu boi caídos no caminho não te desvies deles mas ajudaos a levantaremse Se encontrares no caminho em cima de uma ár vore ou no chão um ninho de pássaros com fi lhotes ou ovos cobertos pela mãe não apanharás a mãe com a ninhada Dt 22 46 Nesta linha o descanso do sétimo dia não é proposto só para o 55 ser humano mas para que descansem o teu boi e o teu jumento Ex 23 12 Assim nos damos conta de que a Bíblia não dá lugar a um antro pocentrismo despótico que se desinteressa das outras criaturas 69 Ao mesmo tempo que podemos fazer um uso responsável das coisas somos chamados a reconhecer que os outros seres vivos têm um valor próprio diante de Deus e pelo simples facto de existirem eles O bendizem e Lhe dão glória 41 porque o Senhor Se alegra em suas obras Sl 104103 31 Precisamente pela sua dignidade única e por ser dotado de inteligência o ser humano é chamado a respeitar a criação com as suas leis internas já que o Senhor fun dou a terra com sabedoria Pr 3 19 Hoje a Igreja não diz de forma simplicista que as ou tras criaturas estão totalmente subordinadas ao bem do ser humano como se não tivessem um valor em si mesmas e fosse possível dispor delas à nossa vontade mas ensina como fizeram os bispos da Alemanha que nas outras criaturas se poderia falar da prioridade do ser sobre o ser úteis 42 O Catecismo põe em questão de forma muito directa e insistente um antropocentrismo desordenado Cada criatura possui a sua bon dade e perfeição próprias As diferentes cria 41 Catecismo da Igreja Católica 2416 42 ConferênCia ePisCoPal alemã Zukunft der Schöpfung Zukunft der Menschheit Erklärung der Deutschen Bischofskonferenz zu Fragen der Umwelt und der Energieversorgung 1980 II 2 56 turas queridas pelo seu próprio ser reflectem cada qual a seu modo uma centelha da sabedoria e da bondade infinitas de Deus É por isso que o homem deve respeitar a bondade própria de cada criatura para evitar o uso desordenado das coisas 43 70 Na narração de Caim e Abel vemos que a inveja levou Caim a cometer a injustiça extrema contra o seu irmão Isto por sua vez provocou uma ruptura da relação entre Caim e Deus e en tre Caim e a terra da qual foi exilado Esta pas sagem aparece sintetizada no dramático colóquio de Deus com Caim Deus pergunta Onde está o teu irmão Abel Caim responde que não sabe e Deus insiste com ele Que fizeste A voz do sangue do teu irmão clama da terra até Mim De futuro serás amaldiçoado pela terra Serás vagabundo e fugitivo sobre a terra Gn 4 912 O descuido no compromisso de cultivar e man ter um correcto relacionamento com o próximo relativamente a quem sou devedor da minha so licitude e custódia destrói o relacionamento in terior comigo mesmo com os outros com Deus e com a terra Quando todas estas relações são negligenciadas quando a justiça deixa de habitar na terra a Bíblia diznos que toda a vida está em perigo Assim nolo ensina a narração de Noé quando Deus ameaça acabar com a humanidade pela sua persistente incapacidade de viver à altura 43 Catecismo da Igreja Católica 339 57 das exigências da justiça e da paz O fim de toda a humanidade chegou diante de Mim pois ela encheu a terra de violência Gn 6 13 Nestas narrações tão antigas ricas de profundo simbo lismo já estava contida a convicção actual de que tudo está interrelacionado e o cuidado autêntico da nossa própria vida e das nossas relações com a natureza é inseparável da fraternidade da justiça e da fidelidade aos outros 71 Embora Deus reconhecesse que a malda de dos homens era grande na terra Gn 6 5 arrependendoSe de ter criado o homem sobre a terra Gn 6 6 Ele decidiu abrir um caminho de salvação através de Noé que ainda se man tinha íntegro e justo Assim deu à humanidade a possibilidade de um novo início Basta um ho mem bom para haver esperança A tradição bí blica estabelece claramente que esta reabilitação implica a redescoberta e o respeito dos ritmos inscritos na natureza pela mão do Criador Isto está patente por exemplo na lei do Shabbath No sétimo dia Deus descansou de todas as suas obras Deus ordenou a Israel que cada sétimo dia devia ser celebrado como um dia de descanso um Shabbath cf Gn 2 23 Ex 16 23 20 10 Além disso de sete em sete anos instaurouse também um ano sabático para Israel e a sua terra cf Lv 2514 durante o qual se dava descanso completo à terra não se semeava e só se colhia o indispensável para sobreviver e oferecer hos pitalidade cf Lv 25 46 Por fim passadas sete semanas de anos ou seja quarenta e nove anos ce 58 lebravase o jubileu um ano de perdão universal proclamando na vossa terra a liberdade de todos os que a habitam Lv 25 10 O desenvolvimento desta legislação procurou assegurar o equilíbrio e a equidade nas relações do ser humano com os outros e com a terra onde vivia e trabalhava Mas ao mesmo tempo era um reconhecimento de que a dádiva da terra com os seus frutos pertence a todo o povo Aqueles que cultivavam e guardavam o território deviam partilhar os seus frutos espe cialmente com os pobres as viúvas os órfãos e os estrangeiros Quando procederes à ceifa das vos sas terras não ceifarás as espigas até à extremidade do campo e não apanharás as espigas caídas Não rebuscarás também a tua vinha e não apanharás os bagos caídos Deixálosás para o pobre e para o estrangeiro Lv 19 910 72 Os Salmos convidam frequentemente o ser humano a louvar a Deus criador Estendeu a terra sobre as águas porque o seu amor é eterno Sl 136135 6 E convidam também as outras criaturas a louváLo LouvaiO sol e lua lou vaiO estrelas luminosas LouvaiO alturas dos céus e águas que estais acima dos céus Louvem todos o nome do Senhor porque Ele deu uma ordem e tudo foi criado Sl 148 35 Existimos não só pelo poder de Deus mas também na sua presença e companhia Por isso O adoramos 73 Os escritos dos profetas convidam a re cuperar forças nos momentos difíceis contem plando a Deus poderoso que criou o universo O poder infinito de Deus não nos leva a escapar da 59 sua ternura paterna porque nEle se conjugam o carinho e a força Na verdade toda a sã espiritua lidade implica simultaneamente acolher o amor divino e adorar com confiança o Senhor pelo seu poder infinito Na Bíblia o Deus que liberta e salva é o mesmo que criou o universo e estes dois mo dos de agir divino estão íntima e inseparavelmente ligados Ah Senhor Deus foste Tu que fizeste o céu e a terra com o teu grande poder e o teu braço estendido Para Ti nada é impossível Tu fizes te sair do Egipto o teu povo Israel com prodígios e milagres Jr 32 1721 O Senhor é um Deus eterno que criou os confins da terra Não se cansa nem perde as forças É insondável a sua sabedoria Ele dá forças ao cansado e enche de vigor o fraco Is 40 28b29 74 A experiência do cativeiro em Babilónia ge rou uma crise espiritual que levou a um aprofun damento da fé em Deus explicitando a sua omni potência criadora para animar o povo a recuperar a esperança no meio da sua situação infeliz Sécu los mais tarde noutro momento de prova e per seguição quando o Império Romano procurou impor um domínio absoluto os fiéis voltaram a encontrar consolação e esperança aumentando a sua confiança em Deus omnipotente e cantavam Grandes e admiráveis são as tuas obras Senhor Deus todopoderoso Justos e verdadeiros são os teus caminhos Ap 15 3 Se Deus pôde criar o universo a partir do nada também pode intervir neste mundo e vencer qualquer forma de mal Por isso a injustiça não é invencível 60 75 Não podemos defender uma espiritualida de que esqueça Deus todopoderoso e criador Neste caso acabaríamos por adorar outros po deres do mundo ou colocarnosíamos no lugar do Senhor chegando à pretensão de espezinhar sem limites a realidade criada por Ele A melhor maneira de colocar o ser humano no seu lugar e acabar com a sua pretensão de ser dominador ab soluto da terra é voltar a propor a figura de um Pai criador e único dono do mundo caso contrá rio o ser humano tenderá sempre a querer impor à realidade as suas próprias leis e interesses 3 o mistério do universo 76 Na tradição judaicocristã dizer criação é mais do que dizer natureza porque tem a ver com um projecto do amor de Deus onde cada criatura tem um valor e um significado A natu reza entendese habitualmente como um sistema que se analisa compreende e gere mas a criação só se pode conceber como um dom que vem das mãos abertas do Pai de todos como uma reali dade iluminada pelo amor que nos chama a uma comunhão universal 77 A palavra do Senhor criou os céus Sl 3332 6 Deste modo indicase que o mundo procede não do caos nem do acaso mas duma decisão o que o exalta ainda mais Há uma opção livre ex pressa na palavra criadora O universo não apare ceu como resultado duma omnipotência arbitrá ria duma demonstração de força ou dum desejo 61 de autoafirmação A criação pertence à ordem do amor O amor de Deus é a razão fundamental de toda a criação Tu amas tudo quanto existe e não detestas nada do que fizeste pois se odiasses alguma coisa não a terias criado Sab 11 24 Então cada criatura é objecto da ternura do Pai que lhe atribui um lugar no mundo Até a vida efémera do ser mais insignificante é objecto do seu amor e naqueles poucos segundos de exis tência Ele envolveo com o seu carinho Dizia São Basílio Magno que o Criador é também a bondade sem cálculos 44 e Dante Alighieri falava do amor que move o sol e as outras estrelas 45 Por isso das obras criadas podese subir à sua amorosa misericórdia 46 78 Ao mesmo tempo o pensamento judaico cristão desmitificou a natureza Sem deixar de a admirar pelo seu esplendor e imensidão já não lhe atribui um carácter divino Deste modo res salta ainda mais o nosso compromisso para com ela Um regresso à natureza não pode ser feito à custa da liberdade e da responsabilidade do ser humano que é parte do mundo com o dever de cultivar as próprias capacidades para o proteger e desenvolver as suas potencialidades Se reconhe cermos o valor e a fragilidade da natureza e ao 44 Hom in Hexaemeron 1 2 10 PG 29 9 45 Divina Commedia Paradiso Canto XXXIII 145 46 Bento Xvi Catequese 9 de Novembro de 2005 3 Insegnamenti 1 2005 768 LOsservatore Romano ed portuguesa de 12XI2005 24 62 mesmo tempo as capacidades que o Criador nos deu isto permitenos acabar hoje com o mito moderno do progresso material ilimitado Um mundo frágil com um ser humano a quem Deus confia o cuidado do mesmo interpela a nossa inteligência para reconhecer como deveremos orientar cultivar e limitar o nosso poder 79 Neste universo composto por sistemas abertos que entram em comunicação uns com os outros podemos descobrir inumeráveis formas de relação e participação Isto levanos também a pensar o todo como aberto à transcendência de Deus dentro da qual se desenvolve A fé permi tenos interpretar o significado e a beleza miste riosa do que acontece A liberdade humana pode prestar a sua contribuição inteligente para uma evolução positiva como pode também acrescen tar novos males novas causas de sofrimento e verdadeiros atrasos Isto dá lugar à apaixonante e dramática história humana capaz de transfor marse num desabrochamento de libertação en grandecimento salvação e amor ou pelo contrá rio num percurso de declínio e mútua destruição Por isso a Igreja com a sua acção procura não só lembrar o dever de cuidar da natureza mas também e sobretudo proteger o homem da des truição de si mesmo 47 80 Apesar disso Deus que deseja actuar con nosco e contar com a nossa cooperação é capaz 47 idem Carta enc Caritas in veritate 29 de Junho de 2009 51 AAS 101 2009 687 63 também de tirar algo de bom dos males que pra ticamos porque o Espírito Santo possui uma inventiva infinita própria da mente divina que sabe prover a desfazer os nós das vicissitudes humanas mais complexas e impenetráveis 48 De certa maneira quis limitarSe a Si mesmo crian do um mundo necessitado de desenvolvimento onde muitas coisas que consideramos males pe rigos ou fontes de sofrimento na realidade fa zem parte das dores de parto que nos estimulam a colaborar com o Criador49 Ele está presente no mais íntimo de cada coisa sem condicionar a au tonomia da sua criatura e isto dá lugar também à legítima autonomia das realidades terrenas50 Esta presença divina que garante a permanência e o desenvolvimento de cada ser é a continuação da acção criadora 51 O Espírito de Deus encheu o universo de potencialidades que permitem que do próprio seio das coisas possa brotar sempre algo de novo A natureza nada mais é do que a razão de certa arte concretamente a arte divina inscrita nas coisas pela qual as próprias coisas se movem para um fim determinado Como se o mestre construtor de navios pudesse conceder à 48 João Paulo II Catequese 24 de Abril de 1991 6 Inseg namenti 141 1991 856 LOsservatore Romano ed portuguesa de 28IV1991 12 49 O Catecismo ensina que Deus quis criar um mundo em caminho para a perfeição última o que implica a presença da imperfeição e do mal físico ver Catecismo da Igreja Católica 310 50 Cf ConC eCum vat ii Const past sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes 36 51 tomás de Aquino Summa theologiae I q 104 art 1 ad 4 64 madeira a possibilidade de se mover a si mesma para tomar a forma da nave 52 81 Embora suponha também processos evo lutivos o ser humano implica uma novidade que não se explica cabalmente pela evolução doutros sistemas abertos Cada um de nós tem em si uma identidade pessoal capaz de entrar em diálogo com os outros e com o próprio Deus A capa cidade de reflexão o raciocínio a criatividade a interpretação a elaboração artística e outras ca pacidades originais manifestam uma singularida de que transcende o âmbito físico e biológico A novidade qualitativa implicada no aparecimento dum ser pessoal dentro do universo material pressupõe uma acção directa de Deus uma cha mada peculiar à vida e à relação de um Tu com outro tu A partir dos textos bíblicos considera mos o ser humano como sujeito que nunca pode ser reduzido à categoria de objecto 82 Mas seria errado também pensar que os outros seres vivos devam ser considerados como meros objectos submetidos ao domínio arbitrá rio do ser humano Quando se propõe uma visão da natureza unicamente como objecto de lucro e interesse isso comporta graves consequências também para a sociedade A visão que consolida o arbítrio do mais forte favoreceu imensas de sigualdades injustiças e violências para a maior 52 idem In octo libros Physicorum Aristotelis expositio lib II lectio 14 65 parte da humanidade porque os recursos tor namse propriedade do primeiro que chega ou de quem tem mais poder o vencedor leva tudo O ideal de harmonia justiça fraternidade e paz que Jesus propõe situase nos antípodas de tal modelo como Ele mesmo Se expressou ao com parálo com os poderes do seu tempo Sabeis que os chefes das nações as governam como seus senhores e que os grandes exercem sobre elas o seu poder Não seja assim entre vós Pelo contrá rio quem entre vós quiser fazerse grande seja o vosso servo Mt 20 2526 83 A meta do caminho do universo situase na plenitude de Deus que já foi alcançada por Cristo ressuscitado fulcro da maturação uni versal53 E assim juntamos mais um argumento para rejeitar todo e qualquer domínio despótico e irresponsável do ser humano sobre as outras criaturas O fim último das restantes criaturas não somos nós Mas todas avançam juntamente connosco e através de nós para a meta comum que é Deus numa plenitude transcendente onde Cristo ressuscitado tudo abraça e ilumina Com efeito o ser humano dotado de inteligência e amor e atraído pela plenitude de Cristo é chama do a reconduzir todas as criaturas ao seu Criador 53 Colocase nesta perspectiva a contribuição do P Tei lhard de Chardin vejase Paulo vi Discurso numa fábrica quími cofarmacêutico 24 de Fevereiro de 1966 Insegnamenti 4 1966 992993 João Paulo ii Carta ao reverendo P George V Coyne 1 de Junho de 1988 Insegnamenti 112 1988 1715 Bento Xvi Homilia na Celebração das Vésperas em Aosta 24 de Julho de 2009 Insegnamenti 52 2009 60 66 4 a mensagem de Cada Criatura na harmonia de toda a Criação 84 O facto de insistir na afirmação de que o ser humano é imagem de Deus não deveria fa zernos esquecer que cada criatura tem uma função e nenhuma é supérflua Todo o universo material é uma linguagem do amor de Deus do seu carinho sem medida por nós O solo a água as montanhas tudo é carícia de Deus A histó ria da própria amizade com Deus desenrolase sempre num espaço geográfico que se torna um sinal muito pessoal e cada um de nós guarda na memória lugares cuja lembrança nos faz muito bem Quem cresceu no meio de montes quem na infância se sentava junto do riacho a beber ou quem jogava numa praça do seu bairro quando volta a esses lugares sentese chamado a recupe rar a sua própria identidade 85 Deus escreveu um livro estupendo cujas letras são representadas pela multidão de criaturas presentes no universo 54 E justamente afirma ram os bispos do Canadá que nenhuma criatura fica fora desta manifestação de Deus Desde os panoramas mais amplos às formas de vida mais frágeis a natureza é um manancial incessante de encanto e reverência Tratase duma contínua revelação do divino 55 Os bispos do Japão por 54 João Paulo ii Catequese 30 de Janeiro de 2002 6 Insegnamenti 251 2002 140 LOsservatore Romano ed portuguesa de 2II2002 12 55 ConferênCia ePisCoPal do Canadá Comissão Para a Pastoral soCial You love all that exists All things are yours God Lover of Life 4 de Outubro de 2003 1 67 sua vez disseram algo muito sugestivo Sentir cada criatura que canta o hino da sua existência é viver jubilosamente no amor de Deus e na espe rança 56 Esta contemplação da criação permite nos descobrir qualquer ensinamento que Deus nos quer transmitir através de cada coisa porque para o crente contemplar a criação significa também escutar uma mensagem ouvir uma voz paradoxal e silenciosa 57 Podemos afirmar que ao lado da revelação propriamente dita conti da nas Sagradas Escrituras há uma manifestação divina no despontar do sol e no cair da noite 58 Prestando atenção a esta manifestação o ser hu mano aprende a reconhecerse a si mesmo na re lação com as outras criaturas Eu expressome exprimindo o mundo exploro a minha sacralida de decifrando a do mundo 59 86 O conjunto do universo com as suas múl tiplas relações mostra melhor a riqueza inesgo tável de Deus São Tomás de Aquino sublinhava sabiamente que a multiplicidade e a varieda de provêm da intenção do primeiro agente 56 ConferênCia dos BisPos CatóliCos do JaPão Reverence for Life A Message for the TwentyFirst Century 1 de Janeiro de 2001 89 57 João Paulo ii Catequese 26 de Janeiro de 2000 5 Insegnamenti 231 2000 123 LOsservatore Romano ed portuguesa de 29I2000 8 58 idem Catequese 2 de Agosto de 2000 3 Insegnamenti 232 2000 112 LOsservatore Romano ed portuguesa de 5 VIII2000 8 59 Paul riCoeur Philosophie de la volonté 2ª parte Finitude et culpabilité Paris 2009 216 68 o Qual quis que o que falta a cada coisa para representar a bondade divina seja suprido pe las outras 60 pois a sua bondade não pode ser convenientemente representada por uma só cria tura 61 Por isso precisamos de individuar a va riedade das coisas nas suas múltiplas relações62 Assim compreendese melhor a importância e o significado de qualquer criatura se a contem plarmos no conjunto do plano de Deus Tal é o ensinamento do Catecismo A interdependência das criaturas é querida por Deus O sol e a lua o cedro e a florzinha a águia e o pardal o espectá culo das suas incontáveis diversidades e desigual dades significa que nenhuma criatura se basta a si mesma Elas só existem na dependência umas das outras para se completarem mutuamente no serviço umas das outras 63 87 Quando nos damos conta do reflexo de Deus em tudo o que existe o coração experi menta o desejo de adorar o Senhor por todas as suas criaturas e juntamente com elas como se vê neste gracioso cântico de São Francisco de Assis Louvado sejas meu Senhor com todas as tuas criaturas especialmente o meu senhor irmão sol o qual faz o dia e por ele nos alumia E ele é belo e radiante com grande esplendor 60 Summa theologiae I q 47 art 1 61 Ibidem 62 Cf ibid art 2 ad 1 art 3 63 Catecismo da Igreja Católica 340 69 de Ti Altíssimo nos dá ele a imagem Louvado sejas meu Senhor pela irmã lua e pelas estrelas que no céu formaste claras preciosas e belas Louvado sejas meu Senhor pelo irmão vento pelo ar pela nuvem pelo sereno e todo o tempo com o qual às tuas criaturas dás o sustento Louvado sejas meu Senhor pela irmã água que é tão útil e humilde e preciosa e casta Louvado sejas meu Senhor pelo irmão fogo pelo qual iluminas a noite ele é belo e alegre vigoroso e forte 64 88 Os bispos do Brasil sublinharam que toda a natureza além de manifestar Deus é lugar da sua presença Em cada criatura habita o seu Espírito vivificante que nos chama a um relacionamento com Ele65 A descoberta desta presença estimula em nós o desenvolvimento das virtudes ecoló gicas 66 Mas quando dizemos isto não esqueça mos que há também uma distância infinita pois as coisas deste mundo não possuem a plenitu de de Deus Esquecêlo aliás também não faria bem às criaturas porque não reconheceríamos o seu lugar verdadeiro e próprio acabando por lhes exigir indevidamente aquilo que na sua pe quenez não nos podem dar 64 Cantico delle creature Fonti Francescane 263 65 Cf ConferênCia naCional dos BisPos do Brasil A Igreja e a questão ecológica 1992 5354 66 Ibid 61 70 5 uma Comunhão universal 89 As criaturas deste mundo não podem ser consideradas um bem sem dono Todas são tuas ó Senhor que amas a vida Sab 11 26 Isto gera a convicção de que nós e todos os se res do universo sendo criados pelo mesmo Pai estamos unidos por laços invisíveis e formamos uma espécie de família universal uma comunhão sublime que nos impele a um respeito sagrado amoroso e humilde Quero lembrar que Deus uniunos tão estreitamente ao mundo que nos rodeia que a desertificação do solo é como uma doença para cada um e podemos lamentar a ex tinção de uma espécie como se fosse uma muti lação 67 90 Isto não significa igualar todos os seres vi vos e tirar ao ser humano aquele seu valor pecu liar que simultaneamente implica uma tremen da responsabilidade Também não requer uma divinização da terra que nos privaria da nossa vocação de colaborar com ela e proteger a sua fragilidade Estas concepções acabariam por criar novos desequilíbrios na tentativa de fugir da realidade que nos interpela68 Às vezes nota se a obsessão de negar qualquer preeminência à pessoa humana conduzindose uma luta em prol das outras espécies que não se vê na hora 67 franCisCo Exort ap Evangelii gaudium 24 de Novem bro de 2013 215 AAS 105 2013 1109 68 Cf Bento Xvi Carta enc Caritas in veritate 29 de Ju nho de 2009 14 AAS 101 2009 650 71 de defender igual dignidade entre os seres huma nos Devemos certamente ter a preocupação de que os outros seres vivos não sejam tratados de forma irresponsável mas deveriam indignarnos sobretudo as enormes desigualdades que existem entre nós porque continuamos a tolerar que al guns se considerem mais dignos do que outros Deixamos de notar que alguns se arrastam numa miséria degradante sem possibilidades reais de melhoria enquanto outros não sabem sequer que fazer ao que têm ostentam vaidosamente uma suposta superioridade e deixam atrás de si um nível de desperdício tal que seria impossível generalizar sem destruir o planeta Na prática continuamos a admitir que alguns se sintam mais humanos que outros como se tivessem nascido com maiores direitos 91 Não pode ser autêntico um sentimento de união íntima com os outros seres da natureza se ao mesmo tempo não houver no coração ternura compaixão e preocupação pelos seres humanos É evidente a incoerência de quem luta contra o tráfico de animais em risco de extinção mas fica completamente indiferente perante o tráfico de pessoas desinteressase dos pobres ou procura destruir outro ser humano de que não gosta Isto compromete o sentido da luta pelo meio ambien te Não é por acaso que São Francisco no cân tico onde louva a Deus pelas criaturas acrescen ta o seguinte Louvado sejas meu Senhor por aqueles que perdoam por teu amor Tudo está interligado Por isso exigese uma preocupação 72 pelo meio ambiente unida ao amor sincero pelos seres humanos e a um compromisso constante com os problemas da sociedade 92 Além disso quando o coração está verdadei ramente aberto a uma comunhão universal nada e ninguém fica excluído desta fraternidade Por tanto é verdade também que a indiferença ou a crueldade com as outras criaturas deste mundo sempre acabam de alguma forma por repercu tirse no tratamento que reservamos aos outros seres humanos O coração é um só e a própria miséria que leva a maltratar um animal não tarda a manifestarse na relação com as outras pessoas Todo o encarniçamento contra qualquer criatura é contrário à dignidade humana 69 Não pode mos considerarnos grandes amantes da realidade se excluímos dos nossos interesses alguma parte dela Paz justiça e conservação da criação são três questões absolutamente ligadas que não se poderão separar tratandoas individualmente sob pena de cair novamente no reducionismo 70 Tudo está relacionado e todos nós seres humanos ca minhamos juntos como irmãos e irmãs numa pe regrinação maravilhosa entrelaçados pelo amor que Deus tem a cada uma das suas criaturas e que nos une também com terna afeição ao irmão sol à irmã lua ao irmão rio e à mãe terra 69 Catecismo da Igreja Católica 2418 70 ConferênCia do ePisCoPado dominiCano Carta pas toral Sobre la relación del hombre con la naturaleza 21 de Janeiro de 1987 73 6 o destino Comum dos Bens 93 Hoje crentes e nãocrentes estão de acor do que a terra é essencialmente uma herança comum cujos frutos devem beneficiar a todos Para os crentes isto tornase uma questão de fi delidade ao Criador porque Deus criou o mundo para todos Por conseguinte toda a abordagem ecológica deve integrar uma perspectiva social que tenha em conta os direitos fundamentais dos mais desfavorecidos O princípio da subordina ção da propriedade privada ao destino universal dos bens e consequentemente o direito univer sal ao seu uso é uma regra de ouro do compor tamento social e o primeiro princípio de toda a ordem éticosocial 71 A tradição cristã nunca reconheceu como absoluto ou intocável o direito à propriedade privada e salientou a função social de qualquer forma de propriedade privada São João Paulo II lembrou esta doutrina com grande ênfase dizendo que Deus deu a terra a todo o género humano para que ela sustente todos os seus membros sem excluir nem privilegiar ninguém 72 São palavras densas e fortes Insistiu que não seria verdadeiramente digno do homem um tipo de desenvolvimento que não respeitasse e pro movesse os direitos humanos pessoais e sociais económicos e políticos incluindo os direitos 71 João Paulo ii Carta enc Laborem exercens 14 de Se tembro de 1981 19 AAS 73 1981 626 72 Carta enc Centesimus annus 1 de Maio de 1991 31 AAS 83 1991 831 74 das nações e dos povos 73 Com grande clareza explicou que a Igreja defende sim o legítimo direito à propriedade privada mas ensina com não menor clareza que sobre toda a propriedade particular pesa sempre uma hipoteca social para que os bens sirvam ao destino geral que Deus lhes deu 74 Por isso afirma que não é segun do o desígnio de Deus gerir este dom de modo tal que os seus benefícios aproveitem só a alguns poucos 75 Isto põe seriamente em discussão os hábitos injustos duma parte da humanidade76 94 O rico e o pobre têm igual dignidade por que quem os fez a ambos foi o Senhor Pr 22 2 Ele criou o pequeno e o grande Sab 6 7 e faz com que o sol se levante sobre os bons e os maus Mt 5 45 Isto tem consequências prá ticas como explicitaram os bispos do Paraguai Cada camponês tem direito natural de possuir um lote razoável de terra onde possa estabele cer o seu lar trabalhar para a subsistência da sua família e gozar de segurança existencial Este di reito deve ser de tal forma garantido que o seu exercício não seja ilusório mas real Isto significa 73 Carta enc Sollicitudo rei socialis 30 de Dezembro de 1987 33 AAS 80 1988 557 74 Discurso aos indígenas e agricultores do México em Cuilapán 29 de Janeiro de 1979 6 AAS 71 1979 209 LOsservatore Romano ed portuguesa de 11II1979 4 75 Homilia na Missa celebrada para os agricultores em Recife Brasil 7 de Julho de 1980 4 AAS 72 1980 926 LOsservatore Romano ed portuguesa de 20VII1980 13 76 Cf Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1990 8 AAS 82 1990 152 75 que além do título de propriedade o camponês deve contar com meios de formação técnica em préstimos seguros e acesso ao mercado 77 95 O meio ambiente é um bem colectivo pa trimónio de toda a humanidade e responsabili dade de todos Quem possui uma parte é apenas para a administrar em benefício de todos Se não o fizermos carregamos na consciência o peso de negar a existência aos outros Por isso os bispos da Nova Zelândia perguntavamse que signifi cado possa ter o mandamento não matarás quando uns vinte por cento da população mun dial consomem recursos numa medida tal que roubam às nações pobres e às gerações futuras aquilo de que necessitam para sobreviver 78 7 o olhar de Jesus 96 Jesus retoma a fé bíblica no Deus criador e destaca um dado fundamental Deus é Pai cf Mt 11 25 Em colóquio com os seus discípulos Jesus convidavaos a reconhecer a relação paterna que Deus tem com todas as criaturas e recorda valhes com comovente ternura como cada uma delas era importante aos olhos dEle Não se vendem cinco pássaros por duas pequeninas moe das Contudo nenhum deles passa despercebido diante de Deus Lc 12 6 Olhai as aves do céu 77 ConferênCia ePisCoPal do Paraguai Carta pastoral El campesino paraguayo y la tierra 12 de Junho de 1983 2 4 d 78 ConferênCia ePisCoPal da nova zelândia Statement on Environmental Issues 1 de Setembro de 2006 76 não semeiam nem ceifam nem recolhem em celei ros e o vosso Pai celeste alimentaas Mt 6 26 97 O Senhor podia convidar os outros a es tar atentos à beleza que existe no mundo porque Ele próprio vivia em contacto permanente com a natureza e prestavalhe uma atenção cheia de carinho e admiração Quando percorria os qua tro cantos da sua terra detinhaSe a contemplar a beleza semeada por seu Pai e convidava os discí pulos a individuarem nas coisas uma mensagem divina Levantai os olhos e vede os campos que estão doirados para a ceifa Jo 4 35 O Reino dos Céus é semelhante a um grão de mostarda que um homem tomou e semeou no seu campo É a menor de todas as sementes mas depois de crescer tornase a maior planta do horto e trans formase numa árvore Mt 13 3132 98 Jesus vivia em plena harmonia com a cria ção com grande maravilha dos outros Quem é este a quem até o vento e o mar obedecem Mt 8 27 Não Se apresentava como um asceta se parado do mundo ou inimigo das coisas aprazíveis da vida Falando de Si mesmo declarou Veio o Filho do Homem que come e bebe e dizem Aí está um glutão e bebedor de vinho Mt 11 19 EncontravaSe longe das filosofias que despreza vam o corpo a matéria e as realidades deste mun do Todavia ao longo da história estes dualismos combalidos tiveram notável influência nalguns pensadores cristãos e desfiguraram o Evangelho Jesus trabalhava com suas mãos entrando diaria 77 mente em contacto com matéria criada por Deus para a moldar com a sua capacidade de artesão É digno de nota que a maior parte da sua exis tência terrena tenha sido consagrada a esta tarefa levando uma vida simples que não despertava ma ravilha alguma Não é Ele o carpinteiro o filho de Maria Mc 6 3 Assim santificou o trabalho atribuindolhe um valor peculiar para o nosso amadurecimento São João Paulo II ensinava que suportando o que há de penoso no trabalho em união com Cristo crucificado por nós o homem colabora de alguma forma com o Filho de Deus na redenção da humanidade 79 99 Segundo a compreensão cristã da realidade o destino da criação inteira passa pelo mistério de Cristo que nela está presente desde a origem Todas as coisas foram criadas por Ele e para Ele Cl 1 1680 O prólogo do Evangelho de João 1 118 mostra a actividade criadora de Cristo como Palavra divina Logos Mas o mes mo prólogo surpreende ao afirmar que esta Pala vra Se fez carne Jo 1 14 Uma Pessoa da San tíssima Trindade inseriuSe no universo criado partilhando a própria sorte com ele até à cruz Desde o início do mundo mas de modo peculiar a partir da encarnação o mistério de Cristo ope 79 Carta enc Laborem exercens 14 de Setembro de 1981 27 AAS 73 1981 645 80 Por isso São Justino podia falar de sementes do Verbo no mundo Cf II Apologia 8 12 13 36 PG 6 457458 467 78 ra veladamente no conjunto da realidade natural sem com isso afectar a sua autonomia 100 O Novo Testamento não nos fala só de Je sus terreno e da sua relação tão concreta e amo rosa com o mundo mostranoLo também como ressuscitado e glorioso presente em toda a cria ção com o seu domínio universal Foi nEle que aprouve a Deus fazer habitar toda a plenitude e por Ele e para Ele reconciliar todas as coisas tanto as que estão na terra como as que estão no céu Cl 1 1920 Isto lançanos para o fim dos tempos quando o Filho entregar ao Pai todas as coisas a fim de que Deus seja tudo em todos 1 Cor 15 28 Assim as criaturas deste mundo já não nos aparecem como uma realidade meramen te natural porque o Ressuscitado as envolve mis teriosamente e guia para um destino de plenitude As próprias flores do campo e as aves que Ele admirado contemplou com os seus olhos huma nos agora estão cheias da sua presença luminosa 79 CAPÍTULO III A RAIZ HUMANA DA CRISE ECOLÓGICA 101 Para nada serviria descrever os sintomas se não reconhecêssemos a raiz humana da crise ecológica Há um modo desordenado de conce ber a vida e a acção do ser humano que contradiz a realidade até ao ponto de a arruinar Não pode remos deternos a pensar nisto mesmo Propo nho pois que nos concentremos no paradigma tecnocrático dominante e no lugar que ocupa nele o ser humano e a sua acção no mundo 1 a teCnologia Criatividade e Poder 102 A humanidade entrou numa nova era em que o poder da tecnologia nos põe diante duma encruzilhada Somos herdeiros de dois sécu los de ondas enormes de mudanças a máquina a vapor a ferrovia o telégrafo a electricidade o automóvel o avião as indústrias químicas a medicina moderna a informática e mais recen temente a revolução digital a robótica as bio tecnologias e as nanotecnologias É justo que nos alegremos com estes progressos e nos entusias memos à vista das amplas possibilidades que nos abrem estas novidades incessantes porque a ciência e a tecnologia são um produto estupendo 80 da criatividade humana que Deus nos deu 81 A transformação da natureza para fins úteis é uma característica do género humano desde os seus primórdios e assim a técnica exprime a tensão do ânimo humano para uma gradual superação de certos condicionamentos materiais 82 A tec nologia deu remédio a inúmeros males que afli giam e limitavam o ser humano Não podemos deixar de apreciar e agradecer os progressos al cançados especialmente na medicina engenha ria e comunicações Como não havemos de re conhecer todos os esforços de tantos cientistas e técnicos que elaboraram alternativas para um desenvolvimento sustentável 103 A tecnociência bem orientada pode pro duzir coisas realmente valiosas para melhorar a qualidade de vida do ser humano desde os ob jectos de uso doméstico até aos grandes meios de transporte pontes edifícios espaços públicos É capaz também de produzir coisas belas e fazer o ser humano imerso no mundo material dar o salto para o âmbito da beleza Poderseá ne gar a beleza de um avião ou de alguns arranha céus Há obras pictóricas e musicais de valor obtidas com o recurso aos novos instrumentos técnicos Assim no desejo de beleza do artífice e em quem contempla esta beleza dáse o salto para uma certa plenitude propriamente humana 81 João Paulo ii Discurso aos representantes da ciência da cultura e dos estudos superiores na Universidade das Nações Unidas em Hiroxima 25 de Fevereiro de 1981 3 AAS 73 1981 422 82 Bento Xvi Carta enc Caritas in veritate 29 de Junho de 2009 69 AAS 101 2009 702 81 104 Não podemos porém ignorar que a ener gia nuclear a biotecnologia a informática o co nhecimento do nosso próprio DNA e outras po tencialidades que adquirimos nos dão um poder tremendo Ou melhor dão àqueles que detêm o conhecimento e sobretudo o poder económico para o desfrutar um domínio impressionante so bre o conjunto do género humano e do mundo inteiro Nunca a humanidade teve tanto poder sobre si mesma e nada garante que o utilizará bem sobretudo se se considera a maneira como o está a fazer Basta lembrar as bombas atómi cas lançadas em pleno século XX bem como a grande exibição de tecnologia ostentada pelo nazismo o comunismo e outros regimes totalitá rios e que serviu para o extermínio de milhões de pessoas sem esquecer que hoje a guerra dispõe de instrumentos cada vez mais mortíferos Nas mãos de quem está e pode chegar a estar tanto poder É tremendamente arriscado que resida numa pequena parte da humanidade 105 Tendese a crer que toda a aquisição de poder seja simplesmente progresso aumento de segurança de utilidade de bemestar de força vital de plenitude de valores 83 como se a reali dade o bem e a verdade desabrochassem espon taneamente do próprio poder da tecnologia e da economia A verdade é que o homem moderno não foi educado para o recto uso do poder 84 83 romano guardini Das Ende der Neuzeit Würzburg 91965 87 84 Ibidem 82 porque o imenso crescimento tecnológico não foi acompanhado por um desenvolvimento do ser humano quanto à responsabilidade aos valores à consciência Cada época tende a desenvolver uma reduzida autoconsciência dos próprios limi tes Por isso é possível que hoje a humanidade não se dê conta da seriedade dos desafios que se lhe apresentam e cresce continuamente a pos sibilidade de o homem fazer mau uso do seu po der quando não existem normas de liberdade mas apenas pretensas necessidades de utilidade e segurança 85 O ser humano não é plenamen te autónomo A sua liberdade adoece quando se entrega às forças cegas do inconsciente das necessidades imediatas do egoísmo da violência brutal Neste sentido ele está nu e exposto fren te ao seu próprio poder que continua a crescer sem ter os instrumentos para o controlar Talvez disponha de mecanismos superficiais mas pode mos afirmar que carece de uma ética sólida uma cultura e uma espiritualidade que lhe ponham realmente um limite e o contenham dentro dum lúcido domínio de si 2 a gloBalização do Paradigma teCnoCrátiCo 106 Mas o problema fundamental é outro e ainda mais profundo o modo como realmente a humanidade assumiu a tecnologia e o seu desen volvimento juntamente com um paradigma homogéneo e unidimensional Neste paradigma sobressai uma concepção do sujeito que progressivamente no 85 Ibid 8788 processo lógicoracional compreende e assim se apropria do objecto que se encontra fora Um tal sujeito desenvolvese ao estabelecer o méto do científico com a sua experimentação que já é explicitamente uma técnica de posse domínio e transformação É como se o sujeito tivesse à sua frente a realidade informe totalmente dis ponível para a manipulação Sempre se verificou a intervenção do ser humano sobre a natureza mas durante muito tempo teve a característica de acompanhar secundar as possibilidades ofereci das pelas próprias coisas tratavase de receber o que a realidade natural por si permitia como que estendendo a mão Mas agora o que interessa é extrair o máximo possível das coisas por im posição da mão humana que tende a ignorar ou esquecer a realidade própria do que tem à sua frente Por isso o ser humano e as coisas dei xaram de se dar amigavelmente a mão tornan dose contendentes Daqui passase facilmente à ideia dum crescimento infinito ou ilimitado que tanto entusiasmou os economistas os teóricos da finança e da tecnologia Isto supõe a mentira da disponibilidade infinita dos bens do planeta que leva a espremêlo até ao limite e para além do mesmo Tratase do falso pressuposto de que existe uma quantidade ilimitada de energia e de recursos a serem utilizados que a sua regenera ção é possível de imediato e que os efeitos nega tivos das manipulações da ordem natural podem ser facilmente absorvidos 86 86 PontifíCio Conselho Justiça e Paz Compêndio da Doutrina Social da Igreja 462 83 84 107 Assim podemos afirmar que na origem de muitas dificuldades do mundo actual está principalmente a tendência nem sempre cons ciente de elaborar a metodologia e os objecti vos da tecnociência segundo um paradigma de compreensão que condiciona a vida das pessoas e o funcionamento da sociedade Os efeitos da aplicação deste modelo a toda a realidade hu mana e social constatamse na degradação do meio ambiente mas isto é apenas um sinal do reducionismo que afecta a vida humana e a so ciedade em todas as suas dimensões É preciso reconhecer que os produtos da técnica não são neutros porque criam uma trama que acaba por condicionar os estilos de vida e orientam as pos sibilidades sociais na linha dos interesses de de terminados grupos de poder Certas opções que parecem puramente instrumentais na realidade são opções sobre o tipo de vida social que se pre tende desenvolver 108 Não se consegue pensar que seja possível sustentar outro paradigma cultural e servirse da técnica como mero instrumento porque hoje o paradigma tecnocrático tornouse tão dominan te que é muito difícil prescindir dos seus recur sos e mais difícil ainda é utilizar os seus recursos sem ser dominados pela sua lógica Tornouse anticultural a escolha dum estilo de vida cujos objectivos possam ser pelo menos em parte in dependentes da técnica dos seus custos e do seu poder globalizante e massificador Com efeito a 85 técnica tem tendência a fazer com que nada fique fora da sua lógica férrea e o homem que é o seu protagonista sabe que em última análise não se trata de utilidade nem de bemestar mas de domínio domínio no sentido extremo da pala vra 87 Por isso procura controlar os elementos da natureza e conjuntamente os da existência humana 88 Reduzemse assim a capacidade de decisão a liberdade mais genuína e o espaço para a criatividade alternativa dos indivíduos 109 O paradigma tecnocrático tende a exer cer o seu domínio também sobre a economia e a política A economia assume todo o desenvolvi mento tecnológico em função do lucro sem pres tar atenção a eventuais consequências negativas para o ser humano A finança sufoca a economia real Não se aprendeu a lição da crise financeira mundial e muito lentamente se aprende a lição do deterioramento ambiental Nalguns círculos defendese que a economia actual e a tecnolo gia resolverão todos os problemas ambientais do mesmo modo que se afirma com linguagens não académicas que os problemas da fome e da miséria no mundo serão resolvidos simples mente com o crescimento do mercado Não é uma questão de teorias económicas que hoje talvez já ninguém se atreva a defender mas da sua instalação no desenvolvimento concreto da 87 romano guardini Das Ende der Neuzeit Würzburg 91965 6364 88 Ibid 64 86 economia Aqueles que não o afirmam em pala vras defendemno com os factos quando parece não preocuparse com o justo nível da produção uma melhor distribuição da riqueza um cuidado responsável do meio ambiente ou os direitos das gerações futuras Com os seus comportamentos afirmam que é suficiente o objectivo da maximi zação dos ganhos Mas o mercado por si mesmo não garante o desenvolvimento humano integral nem a inclusão social89 Entretanto temos um superdesenvolvimento dissipador e consumista que contrasta de modo inadmissível com per duráveis situações de miséria desumanizadora 90 mas não se criam de forma suficientemente rápi da instituições económicas e programas sociais que permitam aos mais pobres terem regular mente acesso aos recursos básicos Não temos suficiente consciência de quais sejam as raízes mais profundas dos desequilíbrios actuais estes têm a ver com a orientação os fins o sentido e o contexto social do crescimento tecnológico e económico 110 A especialização própria da tecnologia comporta grande dificuldade para se conseguir um olhar de conjunto A fragmentação do saber realiza a sua função no momento de se obter aplicações concretas mas frequentemente leva a perder o sentido da totalidade das relações que 89 Cf Bento Xvi Carta enc Caritas in veritate 29 de Junho de 2009 35 AAS 101 2009 671 90 Ibid 22 o c 657 87 existem entre as coisas do horizonte alargado um sentido que se torna irrelevante Isto impede de individuar caminhos adequados para resolver os problemas mais complexos do mundo actual sobretudo os do meio ambiente e dos pobres que não se podem enfrentar a partir duma úni ca perspectiva nem dum único tipo de interesses Uma ciência que pretenda oferecer soluções para os grandes problemas deveria necessariamente ter em conta tudo o que o conhecimento gerou nas outras áreas do saber incluindo a filosofia e a ética social Mas este é actualmente um proce dimento difícil de seguir Por isso também não se consegue reconhecer verdadeiros horizontes éticos de referência A vida passa a ser uma ren dição às circunstâncias condicionadas pela téc nica entendida como o recurso principal para interpretar a existência Na realidade concreta que nos interpela aparecem vários sintomas que mostram o erro tais como a degradação ambien tal a ansiedade a perda do sentido da vida e da convivência social Assim se demonstra uma vez mais que a realidade é superior à ideia 91 111 A cultura ecológica não se pode reduzir a uma série de respostas urgentes e parciais para os problemas que vão surgindo à volta da degrada ção ambiental do esgotamento das reservas na turais e da poluição Deveria ser um olhar diferen te um pensamento uma política um programa 91 franCisCo Exort ap Evangelii gaudium 24 de Novem bro de 2013 231 AAS 105 2013 1114 88 educativo um estilo de vida e uma espiritualidade que oponham resistência ao avanço do paradig ma tecnocrático Caso contrário até as melhores iniciativas ecologistas podem acabar bloqueadas na mesma lógica globalizada Buscar apenas um remédio técnico para cada problema ambiental que aparece é isolar coisas que na realidade es tão interligadas e esconder os problemas verda deiros e mais profundos do sistema mundial 112 Todavia é possível voltar a ampliar o olhar e a liberdade humana é capaz de limitar a técni ca orientála e colocála ao serviço doutro tipo de progresso mais saudável mais humano mais social mais integral De facto verificase a liberta ção do paradigma tecnocrático nalgumas ocasiões Por exemplo quando comunidades de pequenos produtores optam por sistemas de produção me nos poluentes defendendo um modelo nãocon sumista de vida alegria e convivência Ou quando a técnica tem em vista prioritariamente resolver os problemas concretos dos outros com o compro misso de os ajudar a viver com mais dignidade e menor sofrimento E ainda quando a busca cria dora do belo e a sua contemplação conseguem superar o poder objectivador numa espécie de sal vação que acontece na beleza e na pessoa que a contempla A humanidade autêntica que convida a uma nova síntese parece habitar no meio da civi lização tecnológica de forma quase imperceptível como a neblina que filtra por baixo da porta fecha da Será uma promessa permanente que apesar de tudo desbrocha como uma obstinada resistência daquilo que é autêntico 89 113 Além disso as pessoas parecem já não acreditar num futuro feliz nem confiam cega mente num amanhã melhor a partir das condi ções actuais do mundo e das capacidades técni cas Tomam consciência de que o progresso da ciência e da técnica não equivale ao progresso da humanidade e da história e vislumbram que os caminhos fundamentais para um futuro feliz são outros Apesar disso também não se imagi nam renunciando às possibilidades que oferece a tecnologia A humanidade mudou profunda mente e o avolumarse de constantes novida des consagra uma fugacidade que nos arrasta à superfície numa única direcção Tornase difícil parar para recuperarmos a profundidade da vida Se a arquitectura reflecte o espírito duma época as megaestruturas e as casas em série expressam o espírito da técnica globalizada onde a perma nente novidade dos produtos se une a um tédio enfadonho Não nos resignemos a isto nem re nunciemos a perguntarnos pelos fins e o sentido de tudo Caso contrário apenas legitimaremos o estado de facto e precisaremos de mais sucedâ neos para suportar o vazio 114 O que está a acontecer põenos perante a urgência de avançar numa corajosa revolução cultural A ciência e a tecnologia não são neutrais mas podem desde o início até ao fim dum pro cesso envolver diferentes intenções e possibilida des que se podem configurar de várias maneiras Ninguém quer o regresso à Idade da Pedra mas é indispensável abrandar a marcha para olhar a rea 90 lidade doutra forma recolher os avanços positi vos e sustentáveis e ao mesmo tempo recuperar os valores e os grandes objectivos arrasados por um desenfreamento megalómano 3 Crise do antroPoCentrismo moderno e suas ConsequênCias 115 O antropocentrismo moderno acabou paradoxalmente por colocar a razão técnica aci ma da realidade porque este ser humano já não sente a natureza como norma válida nem como um refúgio vivente Sem se pôr qualquer hipóte se vêa objectivamente como espaço e matéria onde realizar uma obra em que se imerge com pletamente sem se importar com o que possa suceder a ela 92 Assim debilitase o valor intrín seco do mundo Mas se o ser humano não re descobre o seu verdadeiro lugar compreendese mal a si mesmo e acaba por contradizer a sua própria realidade Não só a terra foi dada por Deus ao homem que a deve usar respeitando a intenção originária de bem segundo a qual lhe foi entregue mas o homem é doado a si mesmo por Deus devendo por isso respeitar a estrutura natural e moral de que foi dotado 93 116 Nos tempos modernos verificouse um notável excesso antropocêntrico que hoje com 92 romano guardini Das Ende der Neuzeit Würzburg 91965 63 93 João Paulo ii Carta enc Centesimus annus 1 de Maio de 1991 38 AAS 83 1991 841 91 outra roupagem continua a minar toda a refe rência a algo de comum e qualquer tentativa de reforçar os laços sociais Por isso chegou a hora de prestar novamente atenção à realidade com os limites que a mesma impõe e que por sua vez constituem a possibilidade dum desenvolvimen to humano e social mais saudável e fecundo Uma apresentação inadequada da antropologia cristã acabou por promover uma concepção er rada da relação do ser humano com o mundo Muitas vezes foi transmitido um sonho prome teico de domínio sobre o mundo que provocou a impressão de que o cuidado da natureza fosse actividade de fracos Mas a interpretação correcta do conceito de ser humano como senhor do uni verso é entendêlo no sentido de administrador responsável94 117 A falta de preocupação por medir os da nos à natureza e o impacto ambiental das deci sões é apenas o reflexo evidente do desinteresse em reconhecer a mensagem que a natureza traz inscrita nas suas próprias estruturas Quando na própria realidade não se reconhece a importân cia dum pobre dum embrião humano duma pes soa com deficiência só para dar alguns exem plos dificilmente se saberá escutar os gritos da própria natureza Tudo está interligado Se o ser 94 Cf Declaração Love for Creation An Asian Response to the Ecological Crisis Colóquio promovido pela Federação das Conferências Episcopais da Ásia Tagaytay 31 de Janeiro a 5 de Fevereiro de 1993 332 92 humano se declara autónomo da realidade e se constitui dominador absoluto desmoronase a própria base da sua existência porque em vez de realizar o seu papel de colaborador de Deus na obra da criação o homem substituise a Deus e deste modo acaba por provocar a revolta da natureza 95 118 Esta situação levanos a uma esquizo frenia permanente que se estende da exaltação tecnocrática que não reconhece aos outros seres um valor próprio até à reacção de negar qualquer valor peculiar ao ser humano Contudo não se pode prescindir da humanidade Não haverá uma nova relação com a natureza sem um ser huma no novo Não há ecologia sem uma adequada antropologia Quando a pessoa humana é con siderada apenas mais um ser entre outros que provém de jogos do acaso ou dum determinismo físico corre o risco de atenuarse nas consciên cias a noção da responsabilidade 96 Um antro pocentrismo desordenado não deve necessaria mente ser substituído por um biocentrismo porque isto implicaria introduzir um novo dese quilíbrio que não só não resolverá os problemas existentes mas acrescentará outros Não se pode exigir do ser humano um compromisso para com o mundo se ao mesmo tempo não se reconhe 95 João Paulo ii Carta enc Centesimus annus 1 de Maio de 1991 37 AAS 83 1991 840 96 Bento Xvi Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2010 2 AAS 102 2010 41 93 cem e valorizam as suas peculiares capacidades de conhecimento vontade liberdade e respon sabilidade 119 A crítica do antropocentrismo desorde nado não deveria deixar em segundo plano tam bém o valor das relações entre as pessoas Se a crise ecológica é uma expressão ou uma mani festação externa da crise ética cultural e espiri tual da modernidade não podemos iludirnos de sanar a nossa relação com a natureza e o meio ambiente sem curar todas as relações humanas fundamentais Quando o pensamento cristão reivindica para o ser humano um valor peculiar acima das outras criaturas suscita a valorização de cada pessoa humana e assim estimula o re conhecimento do outro A abertura a um tu capaz de conhecer amar e dialogar continua a ser a grande nobreza da pessoa humana Por isso para uma relação adequada com o mundo criado não é necessário diminuir a dimensão social do ser humano nem a sua dimensão transcendente a sua abertura ao Tu divino Com efeito não se pode propor uma relação com o ambiente prescindindo da relação com as outras pessoas e com Deus Seria um individualismo romântico disfarçado de beleza ecológica e um confinamen to asfixiante na imanência 120 Uma vez que tudo está relacionado tam bém não é compatível a defesa da natureza com a justificação do aborto Não parece viável um percurso educativo para acolher os seres frágeis 94 que nos rodeiam e que às vezes são molestos e inoportunos quando não se dá protecção a um embrião humano ainda que a sua chegada seja causa de incómodos e dificuldades Se se perde a sensibilidade pessoal e social ao acolhimento duma nova vida definham também outras for mas de acolhimento úteis à vida social 97 121 Esperase ainda o desenvolvimento duma nova síntese que ultrapasse as falsas dialécticas dos últimos séculos O próprio cristianismo mantendose fiel à sua identidade e ao tesouro de verdade que recebeu de Jesus Cristo não cessa de se repensar e reformular em diálogo com as novas situações históricas deixando desabrochar assim a sua eterna novidade 98 O relativismo prático 122 Um antropocentrismo desordenado gera um estilo de vida desordenado Na exortação apostólica Evangelii gaudium referime ao rela tivismo prático que caracteriza a nossa época e que é ainda mais perigoso que o doutrinal 99 Quando o ser humano se coloca no centro acaba por dar prioridade absoluta aos seus interesses 97 idem Carta enc Caritas in veritate 29 de Junho de 2009 28 AAS 101 2009 663 98 Cf viCente de lerins Commonitorium primum cap 23 PL 50 668 Ut annis scilicet consolidetur dilatetur tempore sublimetur aetate Fortalecese com o decorrer dos anos desenvolvese com o andar dos tempos cresce através das idades 99 N 80 AAS 105 2013 1053 95 contingentes e tudo o mais se torna relativo Por isso não deveria surpreender que juntamente com a omnipresença do paradigma tecnocrático e a adoração do poder humano sem limites se desenvolva nos indivíduos este relativismo no qual tudo o que não serve os próprios interesses imediatos se torna irrelevante Nisto há uma ló gica que permite compreender como se alimen tam mutuamente diferentes atitudes que provo cam ao mesmo tempo a degradação ambiental e a degradação social 123 A cultura do relativismo é a mesma pato logia que impele uma pessoa a aproveitarse de outra e a tratála como mero objecto obrigando a a trabalhos forçados ou reduzindoa à escra vidão por causa duma dívida É a mesma lógica que leva à exploração sexual das crianças ou ao abandono dos idosos que não servem os interes ses próprios É também a lógica interna daqueles que dizem Deixemos que as forças invisíveis do mercado regulem a economia porque os seus efeitos sobre a sociedade e a natureza são danos inevitáveis Se não há verdades objectivas nem princípios estáveis fora da satisfação das aspira ções próprias e das necessidades imediatas que limites pode haver para o tráfico de seres huma nos a criminalidade organizada o narcotráfico o comércio de diamantes ensanguentados e de pe les de animais em vias de extinção Não é a mes ma lógica relativista a que justifica a compra de órgãos dos pobres com a finalidade de os vender 96 ou utilizar para experimentação ou o descarte de crianças porque não correspondem ao desejo de seus pais É a mesma lógica do usa e joga fora que produz tantos resíduos só pelo desejo de sordenado de consumir mais do que realmente se tem necessidade Portanto não podemos pen sar que os programas políticos ou a força da lei sejam suficientes para evitar os comportamentos que afectam o meio ambiente porque quando é a cultura que se corrompe deixando de reco nhecer qualquer verdade objectiva ou quaisquer princípios universalmente válidos as leis só se poderão entender como imposições arbitrárias e obstáculos a evitar A necessidade de defender o trabalho 124 Em qualquer abordagem de ecologia in tegral que não exclua o ser humano é indispen sável incluir o valor do trabalho tão sabiamente desenvolvido por São João Paulo II na sua encí clica Laborem excercens Recordemos que segundo a narração bíblica da criação Deus colocou o ser humano no jardim recémcriado cf Gn 2 15 não só para cuidar do existente guardar mas também para trabalhar nele a fim de que pro duzisse frutos cultivar Assim os operários e os artesãos asseguram uma criação perpétua Sir 38 34 Na realidade a intervenção huma na que favorece o desenvolvimento prudente da criação é a forma mais adequada de cuidar dela porque implica colocarse como instrumento de Deus para ajudar a fazer desabrochar as poten cialidades que Ele mesmo inseriu nas coisas O 97 Senhor produziu da terra os medicamentos e o homem sensato não os desprezará Sir 38 4 125 Se procurarmos pensar quais possam ser as relações adequadas do ser humano com o mundo que o rodeia surge a necessidade duma concepção correcta do trabalho porque falando da relação do ser humano com as coisas impõe senos a questão relativa ao sentido e finalidade da acção humana sobre a realidade Não fala mos apenas do trabalho manual ou do trabalho da terra mas de qualquer actividade que impli que alguma transformação do existente desde a elaboração dum balanço social até ao projecto dum progresso tecnológico Qualquer forma de trabalho pressupõe uma concepção sobre a rela ção que o ser humano pode ou deve estabelecer com o outro diverso de si mesmo A espiritua lidade cristã a par da admiração contemplativa das criaturas que encontramos em São Francisco de Assis desenvolveu também uma rica e sadia compreensão do trabalho como podemos en contrar por exemplo na vida do Beato Carlos de Foucauld e seus discípulos 126 Algo se pode recolher também da longa tradição monástica Nos primórdios esta favo recia de certo modo a fuga do mundo procu rando afastarse da decadência urbana Por isso os monges buscavam o deserto convencidos de que fosse o lugar adequado para reconhecer a presença de Deus Mais tarde São Bento de Núrsia quis que os seus monges vivessem em comunidade unindo oração e estudo com o tra 98 balho manual Ora et labora Esta introdução do trabalho manual impregnada de sentido es piritual revelouse revolucionária Aprendeuse a buscar o amadurecimento e a santificação na compenetração entre o recolhimento e o tra balho Esta maneira de viver o trabalho torna nos mais capazes de ter cuidado e respeito pelo meio ambiente impregnando de sadia sobrieda de a nossa relação com o mundo 127 Afirmamos que o homem é o protago nista o centro e o fim de toda a vida económico social 100 Apesar disso quando no ser humano se deteriora a capacidade de contemplar e res peitar criamse as condições para se desfigurar o sentido do trabalho101 Convém recordar sempre que o ser humano é capaz de por si próprio ser o agente responsável do seu bemestar ma terial progresso moral e desenvolvimento espi ritual 102 O trabalho deveria ser o âmbito deste multiforme desenvolvimento pessoal onde estão em jogo muitas dimensões da vida a criatividade a projectação do futuro o desenvolvimento das capacidades a exercitação dos valores a comu nicação com os outros uma atitude de adoração Por isso a realidade social do munda actual exige que acima dos limitados interesses das empresas 100 ConC eCum vat ii Const past sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes 63 101 Cf João Paulo ii Carta enc Centesimus annus 1 de Maio de 1991 37 AAS 83 1991 840 102 Paulo vi Carta enc Populorum progressio 26 de Março de 1967 34 AAS 59 1967 274 99 e duma discutível racionalidade económica se continue a perseguir como prioritário o objectivo do acesso ao trabalho para todos 103 128 Somos chamados ao trabalho desde a nos sa criação Não se deve procurar que o progresso tecnológico substitua cada vez mais o trabalho humano procedendo assim a humanidade pre judicarseia a si mesma O trabalho é uma neces sidade faz parte do sentido da vida nesta terra é caminho de maturação desenvolvimento hu mano e realização pessoal Neste sentido ajudar os pobres com o dinheiro deve ser sempre um remédio provisório para enfrentar emergências O verdadeiro objectivo deveria ser sempre con sentirlhes uma vida digna através do trabalho Mas a orientação da economia favoreceu um tipo de progresso tecnológico cuja finalidade é redu zir os custos de produção com base na diminui ção dos postos de trabalho que são substituídos por máquinas É mais um exemplo de como a acção do homem se pode voltar contra si mesmo A diminuição dos postos de trabalho tem tam bém um impacto negativo no plano económico com a progressiva corrosão do capital social isto é daquele conjunto de relações de confian ça de credibilidade de respeito das regras indis pensável em qualquer convivência civil 104 Em suma os custos humanos são sempre também custos 103 Bento Xvi Carta enc Caritas in veritate 29 de Junho de 2009 32 AAS 101 2009 666 104 Ibidem 100 económicos e as disfunções económicas acarretam sempre também custos humanos 105 Renunciar a investir nas pessoas para se obter maior receita imediata é um péssimo negócio para a sociedade 129 Para se conseguir continuar a dar empre go é indispensável promover uma economia que favoreça a diversificação produtiva e a criativi dade empresarial Por exemplo há uma grande variedade de sistemas alimentares rurais de pe quena escala que continuam a alimentar a maior parte da população mundial utilizando uma por ção reduzida de terreno e de água e produzindo menos resíduos quer em pequenas parcelas agrí colas e hortas quer na caça e recolha de produtos silvestres quer na pesca artesanal As economias de larga escala especialmente no sector agríco la acabam por forçar os pequenos agricultores a vender as suas terras ou a abandonar as suas culturas tradicionais As tentativas feitas por al guns deles no sentido de desenvolverem outras formas de produção mais diversificadas resul tam inúteis por causa da dificuldade de ter acesso aos mercados regionais e globais ou porque a in fraestrutura de venda e transporte está ao servi ço das grandes empresas As autoridades têm o direito e a responsabilidade de adoptar medidas de apoio claro e firme aos pequenos produtores e à diversificação da produção Às vezes para que haja uma liberdade económica da qual todos real mente beneficiem pode ser necessário pôr limi 105 Ibidem 101 tes àqueles que detêm maiores recursos e poder financeiro A simples proclamação da liberdade económica enquanto as condições reais impe dem que muitos possam efectivamente ter aces so a ela e ao mesmo tempo se reduz o acesso ao trabalho tornase um discurso contraditório que desonra a política A actividade empresarial que é uma nobre vocação orientada para produ zir riqueza e melhorar o mundo para todos pode ser uma maneira muito fecunda de promover a região onde instala os seus empreendimentos sobretudo se pensa que a criação de postos de trabalho é parte imprescindível do seu serviço ao bem comum A inovação biológica a partir da pesquisa 130 Na visão filosófica e teológica do ser hu mano e da criação que procurei propor aparece claro que a pessoa humana com a peculiaridade da sua razão e da sua sabedoria não é um fac tor externo que deva ser totalmente excluído No entanto embora o ser humano possa intervir no mundo vegetal e animal e fazer uso dele quando é necessário para a sua vida o Catecismo ensina que as experimentações sobre os animais só são legí timas desde que não ultrapassem os limites do razoável e contribuam para curar ou poupar vidas humanas 106 Recorda com firmeza que o poder humano tem limites e que é contrário à digni dade humana fazer sofrer inutilmente os animais 106 Catecismo da Igreja Católica 2417 102 e dispor indiscriminadamente das suas vidas 107 Todo o uso e experimentação exige um respeito religioso pela integridade da criação 108 131 Quero recolher aqui a posição equilibra da de São João Paulo II pondo em destaque os benefícios dos progressos científicos e tecnológi cos que manifestam quanto é nobre a vocação do homem para participar de modo responsável na acção criadora de Deus mas ao mesmo tem po recordava que toda e qualquer intervenção numa área determinada do ecossistema não pode prescindir da consideração das suas consequên cias noutras áreas 109 Afirmava que a Igreja apre cia a contribuição do estudo e das aplicações da biologia molecular completada por outras disci plinas como a genética e a sua aplicação tecno lógica na agricultura e na indústria 110 embora dissesse também que isto não deve levar a uma indiscriminada manipulação genética 111 que ignore os efeitos negativos destas intervenções Não é possível frenar a criatividade humana Se não se pode proibir a um artista que exprima a sua capacidade criativa também não se pode 107 Ibid 2418 108 Ibid 2415 109 Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1990 6 AAS 82 1990 150 110 Discurso à Pontifícia Academia das Ciências 3 de Outubro de 1981 3 Insegnamenti 42 1981 333 LOsservatore Romano ed portuguesa de 11X1981 8 111 Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1990 7 AAS 82 1990 151 103 obstaculizar quem possui dons especiais para o progresso científico e tecnológico cujas capaci dades foram dadas por Deus para o serviço dos outros Ao mesmo tempo não se pode deixar de considerar os objectivos os efeitos o contexto e os limites éticos de tal actividade humana que é uma forma de poder com grandes riscos 132 Neste quadro deveria situarse toda e qualquer reflexão acerca da intervenção huma na sobre o mundo vegetal e animal que implique hoje mutações genéticas geradas pela biotecnolo gia a fim de aproveitar as possibilidades presen tes na realidade material O respeito da fé pela razão pede para se prestar atenção àquilo que a própria ciência biológica desenvolvida indepen dentemente dos interesses económicos possa ensinar a propósito das estruturas biológicas e das suas possibilidades e mutações Em todo o caso é legítima uma intervenção que actue sobre a natureza para a ajudar a desenvolverse na sua própria linha a da criação querida por Deus 112 133 É difícil emitir um juízo geral sobre o de senvolvimento de organismos modificados gene ticamente OMG vegetais ou animais para fins medicinais ou agropecuários porque podem ser muito diferentes entre si e requerer distintas considerações Além disso os riscos nem sem 112 João Paulo II Discurso à 35ª Assembleia Geral da Associa ção Médica Mundial 29 de Outubro de 1983 6 AAS 76 1984 394 LOsservatore Romano ed portuguesa de 13XI1983 7 104 pre se devem atribuir à própria técnica mas à sua aplicação inadequada ou excessiva Na realidade muitas vezes as mutações genéticas foram e con tinuam a ser produzidas pela própria natureza E mesmo as provocadas pelo ser humano não são um fenómeno moderno A domesticação de ani mais o cruzamento de espécies e outras práticas antigas e universalmente seguidas podem incluir se nestas considerações É oportuno recordar que o início dos progressos científicos sobre ce reais transgénicos foi a observação de bactérias que de forma natural e espontânea produziam uma modificação no genoma dum vegetal Mas na natureza estes processos têm um ritmo len to que não se compara com a velocidade impos ta pelos avanços tecnológicos actuais mesmo quando estes avanços se baseiam num desenvol vimento científico de vários séculos 134 Embora não disponhamos de provas defi nitivas acerca do dano que poderiam causar os ce reais transgénicos aos seres humanos e apesar de nalgumas regiões a sua utilização ter produzido um crescimento económico que contribuiu para resolver determinados problemas há dificulda des importantes que não devem ser minimizadas Em muitos lugares na sequência da introdução destas culturas constatase uma concentração de terras produtivas nas mãos de poucos devido ao progressivo desaparecimento de pequenos pro dutores que em consequência da perda das ter ras cultivadas se viram obrigados a retirarse da 105 produção directa 113 Os mais frágeis deles tor namse trabalhadores precários e muitos assala riados agrícolas acabam por emigrar para miserá veis aglomerados das cidades A expansão destas culturas destrói a complexa trama dos ecossiste mas diminui a diversidade na produção e afecta o presente ou o futuro das economias regionais Em vários países notase uma tendência para o desenvolvimento de oligopólios na produção de sementes e outros produtos necessários para o cultivo e a dependência agravase quando se pensa na produção de sementes estéreis que aca bam por obrigar os agricultores a comprálas às empresas produtoras 135 Sem dúvida há necessidade duma atenção constante que tenha em consideração todos os aspectos éticos implicados Para isso é preciso assegurar um debate científico e social que seja responsável e amplo capaz de considerar toda a informação disponível e chamar as coisas pelo seu nome Às vezes não se coloca sobre a mesa a informação completa mas é seleccionada de acordo com os próprios interesses sejam eles políticos económicos ou ideológicos Isto torna difícil elaborar um juízo equilibrado e prudente sobre as várias questões tendo presente todas as variáveis em jogo É necessário dispor de espaços de debate onde todos aqueles que poderiam de algum modo verse directa ou indirectamente 113 ConferênCia ePisCoPal da argentina Comissão de Pastoral soCial Una tierra para todos Junho de 2005 19 106 afectados agricultores consumidores autorida des cientistas produtores de sementes popu lações vizinhas dos campos tratados e outros tenham possibilidade de expor as suas problemá ticas ou ter acesso a uma informação ampla e fi dedigna para adoptar decisões tendentes ao bem comum presente e futuro A questão dos OMG é uma questão de carácter complexo que requer ser abordada com um olhar abrangente de todos os aspectos isto exigiria pelo menos um maior esforço para financiar distintas linhas de pesqui sa autónoma e interdisciplinar que possam trazer nova luz 136 Além disso é preocupante constatar que alguns movimentos ecologistas defendem a in tegridade do meio ambiente e com razão recla mam a imposição de determinados limites à pes quisa científica mas não aplicam estes mesmos princípios à vida humana Muitas vezes justifica se que se ultrapassem todos os limites quando se faz experiências com embriões humanos vivos Esquecese que o valor inalienável do ser huma no é independente do seu grau de desenvolvi mento Aliás quando a técnica ignora os grandes princípios éticos acaba por considerar legítima qualquer prática Como vimos neste capítulo a técnica separada da ética dificilmente será capaz de autolimitar o seu poder 107 CAPÍTULO IV UMA ECOLOGIA INTEGRAL 137 Dado que tudo está intimamente relacio nado e que os problemas actuais requerem um olhar que tenha em conta todos os aspectos da crise mundial proponho que nos detenhamos agora a reflectir sobre os diferentes elementos duma ecologia integral que inclua claramente as di mensões humanas e sociais 1 eCologia amBiental eConómiCa e soCial 138 A ecologia estuda as relações entre os or ganismos vivos e o meio ambiente onde se desen volvem E isto exige sentarse a pensar e discutir acerca das condições de vida e de sobrevivência duma sociedade com a honestidade de pôr em questão modelos de desenvolvimento produção e consumo Nunca é demais insistir que tudo está interligado O tempo e o espaço não são inde pendentes entre si nem os próprios átomos ou as partículas subatómicas se podem considerar se paradamente Assim como os vários componen tes do planeta físicos químicos e biológicos estão relacionados entre si assim também as es pécies vivas formam uma trama que nunca aca baremos de individuar e compreender Boa parte da nossa informação genética é partilhada com 108 muitos seres vivos Por isso os conhecimentos fragmentários e isolados podem tornarse uma forma de ignorância quando resistem a integrar se numa visão mais ampla da realidade 139 Quando falamos de meio ambiente fa zemos referência também a uma particular rela ção a relação entre a natureza e a sociedade que a habita Isto impedenos de considerar a natureza como algo separado de nós ou como uma mera moldura da nossa vida Estamos incluídos nela somos parte dela e compenetramonos As ra zões pelas quais um lugar se contamina exigem uma análise do funcionamento da sociedade da sua economia do seu comportamento das suas maneiras de entender a realidade Dada a ampli tude das mudanças já não é possível encontrar uma resposta específica e independente para cada parte do problema É fundamental buscar soluções integrais que considerem as interacções dos sistemas naturais entre si e com os sistemas sociais Não há duas crises separadas uma am biental e outra social mas uma única e comple xa crise sócioambiental As directrizes para a solução requerem uma abordagem integral para combater a pobreza devolver a dignidade aos ex cluídos e simultaneamente cuidar da natureza 140 Devido à quantidade e variedade de ele mentos a ter em conta na hora de determinar o impacto ambiental dum empreendimento con creto tornase indispensável dar aos pesquisa dores um papel preponderante e facilitar a sua 109 interacção com uma ampla liberdade académica Esta pesquisa constante deveria permitir reco nhecer também como as diferentes criaturas se relacionam formando aquelas unidades maiores que hoje chamamos ecossistemas Temolos em conta não só para determinar qual é o seu uso razoável mas também porque possuem um valor intrínseco independente de tal uso Assim como cada organismo é bom e admirável em si mesmo pelo facto de ser uma criatura de Deus o mesmo se pode dizer do conjunto harmónico de organismos num determinado espaço funcio nando como um sistema Embora não tenhamos consciência disso dependemos desse conjunto para a nossa própria existência Convém recor dar que os ecossistemas intervêm na retenção do anidrido carbónico na purificação da água na contraposição a doenças e pragas na compo sição do solo na decomposição dos resíduos e muitíssimos outros serviços que esquecemos ou ignoramos Quando se dão conta disto muitas pessoas voltam a tomar consciência de que vi vemos e agimos a partir duma realidade que nos foi previamente dada que é anterior às nossas capacidades e à nossa existência Por isso quan do se fala de uso sustentável é preciso incluir sempre uma consideração sobre a capacidade re generativa de cada ecossistema nos seus diversos sectores e aspectos 141 Além disso o crescimento económico tende a gerar automatismos e a homogeneizar a 110 fim de simplificar os processos e reduzir os cus tos Por isso é necessária uma ecologia económi ca capaz de induzir a considerar a realidade de forma mais ampla Com efeito a protecção do meio ambiente deverá constituir parte integrante do processo de desenvolvimento e não poderá ser considerada isoladamente 114 Mas ao mes mo tempo tornase actual a necessidade impe riosa do humanismo que faz apelo aos distintos saberes incluindo o económico para uma visão mais integral e integradora Hoje a análise dos problemas ambientais é inseparável da análise dos contextos humanos familiares laborais ur banos e da relação de cada pessoa consigo mes ma que gera um modo específico de se relacio nar com os outros e com o meio ambiente Há uma interacção entre os ecossistemas e entre os diferentes mundos de referência social e assim se demonstra mais uma vez que o todo é supe rior à parte 115 142 Se tudo está relacionado também o es tado de saúde das instituições duma sociedade tem consequências no ambiente e na qualidade de vida humana toda a lesão da solidariedade e da amizade cívica provoca danos ambientais 116 Neste sentido a ecologia social é necessariamen 114 Declaração do Rio sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento Rio de Janeiro 14 de Junho de 1992 princípio 4 115 franCisCo Exort ap Evangelii gaudium 24 de Novem bro de 2013 237 AAS 105 2013 1116 116 Bento Xvi Carta enc Caritas in veritate 29 de Junho de 2009 51 AAS 101 2009 687 111 te institucional e progressivamente alcança as di ferentes dimensões que vão desde o grupo social primário a família até à vida internacional pas sando pela comunidade local e a nação Dentro de cada um dos níveis sociais e entre eles desen volvemse as instituições que regulam as relações humanas Tudo o que as danifica comporta efei tos nocivos como a perda da liberdade a injusti ça e a violência Vários países são governados por um sistema institucional precário à custa do so frimento do povo e para benefício daqueles que lucram com este estado de coisas Tanto dentro da administração do Estado como nas diferentes expressões da sociedade civil ou nas relações dos habitantes entre si registamse com demasiada frequência comportamentos ilegais As leis po dem estar redigidas de forma correcta mas mui tas vezes permanecem letra morta Poderseá assim esperar que a legislação e as normativas relativas ao meio ambiente sejam realmente efi cazes Sabemos por exemplo que países dota dos duma legislação clara sobre a protecção das florestas continuam a ser testemunhas mudas da sua frequente violação Além disso o que aconte ce numa região influi directa ou indirectamente nas outras regiões Assim por exemplo o consu mo de drogas nas sociedades opulentas provoca uma constante ou crescente procura de produtos que provêm de regiões empobrecidas onde se corrompem comportamentos se destroem vidas e se acaba por degradar o meio ambiente 112 2 eCologia Cultural 143 A par do património natural encontrase igualmente ameaçado um património histórico artístico e cultural Faz parte da identidade co mum de um lugar servindo de base para cons truir uma cidade habitável Não se trata de des truir e criar novas cidades hipoteticamente mais ecológicas onde nem sempre resulta desejável viver É preciso integrar a história a cultura e a arquitectura dum lugar salvaguardando a sua identidade original Por isso a ecologia envol ve também o cuidado das riquezas culturais da humanidade no seu sentido mais amplo Mais directamente pede que se preste atenção às cul turas locais quando se analisam questões relacio nadas com o meio ambiente fazendo dialogar a linguagem técnicocientífica com a linguagem popular É a cultura entendida não só como os monumentos do passado mas especialmente no seu sentido vivo dinâmico e participativo que não se pode excluir na hora de repensar a relação do ser humano com o meio ambiente 144 A visão consumista do ser humano incen tivada pelos mecanismos da economia globaliza da actual tende a homogeneizar as culturas e a debilitar a imensa variedade cultural que é um tesouro da humanidade Por isso pretender re solver todas as dificuldades através de normati vas uniformes ou por intervenções técnicas leva a negligenciar a complexidade das problemáticas locais que requerem a participação activa dos ha 113 bitantes Os novos processos em gestação nem sempre se podem integrar dentro de modelos estabelecidos do exterior mas hãode ser prove nientes da própria cultura local Assim como a vida e o mundo são dinâmicos assim também o cuidado do mundo deve ser flexível e dinâmico As soluções meramente técnicas correm o ris co de tomar em consideração sintomas que não correspondem às problemáticas mais profun das É preciso assumir a perspectiva dos direitos dos povos e das culturas dando assim provas de compreender que o desenvolvimento dum gru po social supõe um processo histórico no âmbito dum contexto cultural e requer constantemente o protagonismo dos actores sociais locais a par tir da sua própria cultura Nem mesmo a noção da qualidade de vida se pode impor mas deve ser entendida dentro do mundo de símbolos e hábi tos próprios de cada grupo humano 145 Muitas formas de intensa exploração e de gradação do meio ambiente podem esgotar não só os meios locais de subsistência mas também os recursos sociais que consentiram um modo de viver que sustentou durante longo tempo uma identidade cultural e um sentido da existência e da convivência social O desaparecimento duma cultura pode ser tanto ou mais grave do que o de saparecimento duma espécie animal ou vegetal A imposição dum estilo hegemónico de vida liga do a um modo de produção pode ser tão nocivo como a alteração dos ecossistemas 114 146 Neste sentido é indispensável prestar uma atenção especial às comunidades aborígenes com as suas tradições culturais Não são apenas uma minoria entre outras mas devem tornarse os principais interlocutores especialmente quan do se avança com grandes projectos que afectam os seus espaços Com efeito para eles a terra não é um bem económico mas dom gratuito de Deus e dos antepassados que nela descansam um es paço sagrado com o qual precisam de interagir para manter a sua identidade e os seus valores Eles quando permanecem nos seus territórios são quem melhor os cuida Em várias partes do mundo porém são objecto de pressões para que abandonem suas terras e as deixem livres para projectos extractivos e agropecuários que não prestam atenção à degradação da natureza e da cultura 3 eCologia da vida quotidiana 147 Para se poder falar de autêntico progres so será preciso verificar que se produza uma me lhoria global na qualidade de vida humana isto implica analisar o espaço onde as pessoas trans correm a sua existência Os ambientes onde vi vemos influem sobre a nossa maneira de ver a vida sentir e agir Ao mesmo tempo no nosso quarto na nossa casa no nosso lugar de traba lho e no nosso bairro usamos o ambiente para exprimir a nossa identidade Esforçamonos por nos adaptar ao ambiente e quando este aparece desordenado caótico ou cheio de poluição visiva 115 e acústica o excesso de estímulos põe à prova as nossas tentativas de desenvolver uma identidade integrada e feliz 148 Admirável é a criatividade e generosidade de pessoas e grupos que são capazes de dar a volta às limitações do ambiente modificando os efeitos adversos dos condicionalismos e apren dendo a orientar a sua existência no meio da de sordem e precariedade Por exemplo nalguns lu gares onde as fachadas dos edifícios estão muito deterioradas há pessoas que cuidam com muita dignidade o interior das suas habitações ou que se sentem bem pela cordialidade e amizade das pessoas A vida social positiva e benfazeja dos habitantes enche de luz um ambiente à primei ra vista inabitável É louvável a ecologia humana que os pobres conseguem desenvolver no meio de tantas limitações A sensação de sufocamento produzida pelos aglomerados residenciais e pe los espaços com alta densidade populacional é contrastada se se desenvolvem calorosas relações humanas de vizinhança se se criam comunida des se as limitações ambientais são compensadas na interioridade de cada pessoa que se sente inse rida numa rede de comunhão e pertença Deste modo qualquer lugar deixa de ser um inferno e tornase o contexto duma vida digna 149 Inversamente está provado que a penú ria extrema vivida nalguns ambientes privados de harmonia magnanimidade e possibilidade de integração facilita o aparecimento de comporta 116 mentos desumanos e a manipulação das pessoas por organizações criminosas Para os habitantes de bairros periféricos muito precários a experiên cia diária de passar da superlotação ao anonima to social que se vive nas grandes cidades pode provocar uma sensação de desenraizamento que favorece comportamentos antisociais e violên cia Todavia tenho a peito reiterar que o amor é mais forte Muitas pessoas nestas condições são capazes de tecer laços de pertença e convivência que transformam a superlotação numa experiên cia comunitária onde se derrubam os muros do eu e superam as barreiras do egoísmo Esta ex periência de salvação comunitária é o que muitas vezes suscita reacções criativas para melhorar um edifício ou um bairro 117 150 Dada a relação entre os espaços urbani zados e o comportamento humano aqueles que projectam edifícios bairros espaços públicos e cidades precisam da contribuição dos vários sa beres que permitem compreender os processos o simbolismo e os comportamentos das pessoas Não é suficiente a busca da beleza no projecto porque tem ainda mais valor servir outro tipo de beleza a qualidade de vida das pessoas a sua 117 Alguns autores puseram em evidência os valores que muitas vezes se vivem por exemplo nas villas chabolas ou favelas da América Latina ver Juan Carlos sCannone SI La irrupción del pobre y la lógica de la gratuidad in Juan Carlos sCannone e marCelo Perine eds Irrupción del pobre y quehacer filosófico Hacia una nueva racionalidad Buenos Aires 1993 225 230 117 harmonia com o ambiente o encontro e ajuda mútua Por isso também é tão importante que o ponto de vista dos habitantes do lugar contribua sempre para a análise da planificação urbanista 151 É preciso cuidar dos espaços comuns dos marcos visuais e das estruturas urbanas que melhoram o nosso sentido de pertença a nossa sensação de enraizamento o nosso sentimento de estar em casa dentro da cidade que nos en volve e une É importante que as diferentes par tes duma cidade estejam bem integradas e que os habitantes possam ter uma visão de conjunto em vez de se encerrarem num bairro renunciando a viver a cidade inteira como um espaço próprio partilhado com os outros Toda a intervenção na paisagem urbana ou rural deveria considerar que os diferentes elementos do lugar formam um todo sentido pelos habitantes como um con texto coerente com a sua riqueza de significados Assim os outros deixam de ser estranhos e po demos sentilos como parte de um nós que construímos juntos Pela mesma razão tanto no meio urbano como no rural convém preservar alguns espaços onde se evitem intervenções hu manas que os alterem constantemente 152 A falta de habitação é grave em muitas partes do mundo tanto nas áreas rurais como nas grandes cidades nomeadamente porque os orçamentos estatais em geral cobrem apenas uma pequena parte da procura E não só os po bres mas uma grande parte da sociedade encon 118 tra sérias dificuldades para ter uma casa própria A propriedade da casa tem muita importância para a dignidade das pessoas e o desenvolvimento das famílias Tratase duma questão central da ecolo gia humana Se num lugar concreto já se desen volveram aglomerados caóticos de casas precárias tratase primariamente de urbanizar estes bairros não de erradicar e expulsar os habitantes Mas quando os pobres vivem em subúrbios poluídos ou aglomerados perigosos no caso de ter de se proceder à sua deslocação para não acrescentar mais sofrimento ao que já padecem é necessário fornecerlhes uma adequada e prévia informação oferecerlhes alternativas de alojamentos dignos e envolver directamente os interessados 118 Ao mesmo tempo a criatividade deveria levar à inte gração dos bairros precários numa cidade acolhe dora Como são belas as cidades que superam a desconfiança doentia e integram os que são dife rentes fazendo desta integração um novo factor de progresso Como são encantadoras as cidades que já no seu projecto arquitectónico estão cheias de espaços que unem relacionam favorecem o re conhecimento do outro 119 153 Nas cidades a qualidade de vida está larga mente relacionada com os transportes que mui tas vezes são causa de grandes tribulações para 118 PontifíCio Conselho Justiça e Paz Compêndio da Doutrina Social da Igreja 482 119 franCisCo Exort ap Evangelii gaudium 24 de Novem bro de 2013 210 AAS 105 2013 1107 119 os habitantes Nelas circulam muitos carros utili zados por uma ou duas pessoas pelo que o tráfi co tornase intenso elevase o nível de poluição consomemse enormes quantidades de energia nãorenovável e tornase necessário a construção de mais estradas e parques de estacionamento que prejudicam o tecido urbano Muitos especialistas estão de acordo sobre a necessidade de dar prio ridade ao transporte público Mas é difícil que algumas medidas consideradas necessárias sejam pacificamente acolhidas pela sociedade sem uma melhoria substancial do referido transporte que em muitas cidades comporta um tratamento in digno das pessoas devido à superlotação ao des conforto ou à reduzida frequência dos serviços e à insegurança 154 O reconhecimento da dignidade peculiar do ser humano contrasta frequentemente com a vida caótica que têm de fazer as pessoas nas nos sas cidades Mas isto não deveria levar a esquecer o estado de abandono e desleixo que sofrem tam bém alguns habitantes das áreas rurais onde não chegam os serviços essenciais e há trabalhadores reduzidos a situações de escravidão sem direitos nem expectativas duma vida mais dignificante 155 A ecologia humana implica também algo de muito profundo que é indispensável para se poder criar um ambiente mais dignificante a re lação necessária da vida do ser humano com a lei moral inscrita na sua própria natureza Bento XVI dizia que existe uma ecologia do homem por 120 que também o homem possui uma natureza que deve respeitar e não pode manipular como lhe apetece 120 Nesta linha é preciso reconhecer que o nosso corpo nos põe em relação directa com o meio ambiente e com os outros seres vi vos A aceitação do próprio corpo como dom de Deus é necessária para acolher e aceitar o mun do inteiro como dom do Pai e casa comum pelo contrário uma lógica de domínio sobre o pró prio corpo transformase numa lógica por vezes subtil de domínio sobre a criação Aprender a aceitar o próprio corpo a cuidar dele e a respeitar os seus significados é essencial para uma verda deira ecologia humana Também é necessário ter apreço pelo próprio corpo na sua feminilidade ou masculinidade para se poder reconhecer a si mesmo no encontro com o outro que é diferen te Assim é possível aceitar com alegria o dom específico do outro ou da outra obra de Deus criador e enriquecerse mutuamente Portanto não é salutar um comportamento que pretenda cancelar a diferença sexual porque já não sabe confrontarse com ela 121 4 o PrinCíPio do Bem Comum 156 A ecologia humana é inseparável da noção de bem comum princípio este que desempenha 120 Discurso ao Bundestag Berlim 22 de Setembro de 2011 AAS 103 2011 668 LOsservatore Romano ed portuguesa de 24IX2011 5 121 franCisCo Catequese 15 de Abril de 2015 LOsservatore Romano ed portuguesa de 16IV2015 20 121 um papel central e unificador na ética social É o conjunto das condições da vida social que permitem tanto aos grupos como a cada mem bro alcançar mais plena e facilmente a própria perfeição 122 157 O bem comum pressupõe o respeito pela pessoa humana enquanto tal com direitos fun damentais e inalienáveis orientados para o seu desenvolvimento integral Exige também os dispositivos de bemestar e segurança social e o desenvolvimento dos vários grupos intermédios aplicando o princípio da subsidiariedade Entre tais grupos destacase de forma especial a famí lia enquanto célula basilar da sociedade Por fim o bem comum requer a paz social isto é a esta bilidade e a segurança de uma certa ordem que não se realiza sem uma atenção particular à justi ça distributiva cuja violação gera sempre violên cia Toda a sociedade e nela especialmente o Estado tem obrigação de defender e promover o bem comum 158 Nas condições actuais da sociedade mun dial onde há tantas desigualdades e são cada vez mais numerosas as pessoas descartadas privadas dos direitos humanos fundamentais o princípio do bem comum tornase imediatamente como consequência lógica e inevitável um apelo à so lidariedade e uma opção preferencial pelos mais 122 ConC eCum vat ii Const past sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes 26 122 pobres Esta opção implica tirar as consequên cias do destino comum dos bens da terra mas como procurei mostrar na exortação apostólica Evangelii gaudium123 exige acima de tudo con templar a imensa dignidade do pobre à luz das mais profundas convicções de fé Basta obser var a realidade para compreender que hoje esta opção é uma exigência ética fundamental para a efectiva realização do bem comum 5 a Justiça intergeneraCional 159 A noção de bem comum engloba também as gerações futuras As crises económicas inter nacionais mostraram de forma atroz os efeitos nocivos que traz consigo o desconhecimento de um destino comum do qual não podem ser ex cluídos aqueles que virão depois de nós Já não se pode falar de desenvolvimento sustentável sem uma solidariedade intergeneracional Quando pensamos na situação em que se deixa o planeta às gerações futuras entramos noutra lógica a do dom gratuito que recebemos e comunicamos Se a terra nos é dada não podemos pensar apenas a partir dum critério utilitarista de eficiência e pro dutividade para lucro individual Não estamos a falar duma atitude opcional mas duma questão essencial de justiça pois a terra que recebemos pertence também àqueles que hãode vir Os bis pos de Portugal exortaram a assumir este dever 123 Cf nn 186201 AAS 105 2013 10981105 123 de justiça O ambiente situase na lógica da re cepção É um empréstimo que cada geração rece be e deve transmitir à geração seguinte 124 Uma ecologia integral possui esta perspectiva ampla 160 Que tipo de mundo queremos deixar a quem vai sucedernos às crianças que estão a crescer Esta pergunta não toca apenas o meio ambiente de maneira isolada porque não se pode pôr a questão de forma fragmentária Quando nos interrogamos acerca do mundo que queremos dei xar referimonos sobretudo à sua orientação geral ao seu sentido aos seus valores Se não pulsa nelas esta pergunta de fundo não creio que as nossas preocupações ecológicas possam alcançar efeitos importantes Mas se esta pergunta é posta com coragem levanos inexoravelmente a outras ques tões muito directas Com que finalidade passamos por este mundo Para que viemos a esta vida Para que trabalhamos e lutamos Que necessidade tem de nós esta terra Por isso já não basta dizer que devemos preocuparnos com as gerações futuras exigese ter consciência de que é a nossa própria dignidade que está em jogo Somos nós os primei ros interessados em deixar um planeta habitável para a humanidade que nos vai suceder Tratase de um drama para nós mesmos porque isto cha ma em causa o significado da nossa passagem por esta terra 124 ConferênCia ePisCoPal Portuguesa Carta pastoral Responsabilidade solidária pelo bem comum 15 de Setembro de 2003 20 124 161 As previsões catastróficas já não se po dem olhar com desprezo e ironia Às próximas gerações poderíamos deixar demasiadas ruínas desertos e lixo O ritmo de consumo desperdí cio e alteração do meio ambiente superou de tal maneira as possibilidades do planeta que o estilo de vida actual por ser insustentável só pode desembocar em catástrofes como aliás já está a acontecer periodicamente em várias regiões A atenuação dos efeitos do desequilíbrio actual depende do que fizermos agora sobretudo se pensarmos na responsabilidade que nos atribui rão aqueles que deverão suportar as piores con sequências 162 A dificuldade em levar a sério este desafio tem a ver com uma deterioração ética e cultu ral que acompanha a deterioração ecológica O homem e a mulher deste mundo pósmoderno correm o risco permanente de se tornar pro fundamente individualistas e muitos problemas sociais de hoje estão relacionados com a busca egoísta duma satisfação imediata com as crises dos laços familiares e sociais com as dificuldades em reconhecer o outro Muitas vezes há um con sumo excessivo e míope dos pais que prejudica os próprios filhos que sentem cada vez mais di ficuldade em comprar casa própria e fundar uma família Além disso esta falta de capacidade para pensar seriamente nas futuras gerações está liga da com a nossa incapacidade de alargar o hori zonte das nossas preocupações e pensar naqueles 125 que permanecem excluídos do desenvolvimento Não percamos tempo a imaginar os pobres do futuro é suficiente que recordemos os pobres de hoje que poucos anos têm para viver nesta terra e não podem continuar a esperar Por isso para além de uma leal solidariedade entre as gerações há que reafirmar a urgente necessidade moral de uma renovada solidariedade entre os indivíduos da mesma geração 125 125 Bento Xvi Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2010 8 AAS 102 2010 45 127 CAPÍTULO V ALGUMAS LINHAS DE ORIENTAÇÃO E ACÇÃO 163 Procurei examinar a situação actual da hu manidade tanto nas brechas do planeta que ha bitamos como nas causas mais profundamente humanas da degradação ambiental Embora esta contemplação da realidade em si mesma já nos indique a necessidade duma mudança de rumo e sugira algumas acções procuremos agora de linear grandes percursos de diálogo que nos aju dem a sair da espiral de autodestruição onde es tamos a afundar 1 o diálogo soBre o meio amBiente na PolítiCa internaCional 164 Desde meados do século passado e supe rando muitas dificuldades foise consolidando a tendência de conceber o planeta como pátria e a humanidade como povo que habita uma casa co mum Um mundo interdependente não significa unicamente compreender que as consequências danosas dos estilos de vida produção e consumo afectam a todos mas principalmente procurar que as soluções sejam propostas a partir duma perspectiva global e não apenas para defesa dos interesses de alguns países A interdependência 128 obriganos a pensar num único mundo num projecto comum Mas a mesma inteligência que foi utili zada para um enorme desenvolvimento tecno lógico não consegue encontrar formas eficazes de gestão internacional para resolver as graves dificuldades ambientais e sociais Para enfrentar os problemas de fundo que não se podem resol ver com acções de países isolados tornase in dispensável um consenso mundial que leve por exemplo a programar uma agricultura sustentá vel e diversificada desenvolver formas de ener gia renováveis e pouco poluidoras fomentar uma maior eficiência energética promover uma ges tão mais adequada dos recursos florestais e ma rinhos garantir a todos o acesso à água potável 165 Sabemos que a tecnologia baseada nos combustíveis fósseis altamente poluentes sobretudo o carvão mas também o petróleo e em menor medida o gás deve ser progressi vamente e sem demora substituída Enquanto aguardamos por um amplo desenvolvimento das energias renováveis que já deveria ter começa do é legítimo optar pelo mal menor ou recorrer a soluções transitórias Todavia na comunidade internacional não se consegue suficiente acor do sobre a responsabilidade de quem deve su portar os maiores custos da transição energéti ca Nas últimas décadas as questões ambientais deram origem a um amplo debate público que fez crescer na sociedade civil espaços de notável compromisso e generosa dedicação A política e 129 a indústria reagem com lentidão longe de estar à altura dos desafios mundiais Neste sentido po dese dizer que enquanto a humanidade do pe ríodo pósindustrial talvez fique recordada como uma das mais irresponsáveis da história espera se que a humanidade dos inícios do século XXI possa ser lembrada por ter assumido com gene rosidade as suas graves responsabilidades 166 O movimento ecológico mundial já per correu um longo caminho enriquecido pelo es forço de muitas organizações da sociedade civil Não seria possível mencionálas todas aqui nem repassar a história das suas contribuições Mas graças a tanta dedicação as questões ambientais têm estado cada vez mais presentes na agenda pública e tornaramse um convite permanente a pensar a longo prazo Apesar disso as cimei ras mundiais sobre o meio ambiente dos últimos anos não corresponderam às expectativas por que não alcançaram por falta de decisão política acordos ambientais globais realmente significati vos e eficazes 167 Dentre elas há que recordar a Cimeira da Terra celebrada em 1992 no Rio de Janeiro Lá se proclamou que os seres humanos constituem o centro das preocupações relacionadas com o desenvolvimento sustentável 126 Retomando alguns conteúdos da Declaração de Estocolmo 126 Declaração do Rio sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento Rio de Janeiro 14 de Junho de 1992 princípio 1 130 1972 sancionou entre outras coisas a coope ração internacional no cuidado do ecossistema de toda a terra a obrigação de quem contaminar assumir economicamente os custos derivados o dever de avaliar o impacto ambiental de toda e qualquer obra ou projecto Propôs o objectivo de estabilizar as concentrações de gases com efeito de estufa na atmosfera para inverter a tendência do aquecimento global Também elaborou uma agenda com um programa de acção e uma con venção sobre biodiversidade declarou princípios em matéria florestal Embora tal cimeira marcas se um passo em frente e fosse verdadeiramente profética para a sua época os acordos tiveram um baixo nível de implementação porque não se estabeleceram adequados mecanismos de con trole revisão periódica e sanção das violações Os princípios enunciados continuam a requerer caminhos eficazes e ágeis de realização prática 168 Como experiências positivas podese mencionar por exemplo a Convenção de Basi leia sobre os resíduos perigosos com um sistema de notificação níveis estipulados e controles e também a Convenção vinculante sobre o comér cio internacional das espécies da fauna e da flora selvagens ameaçadas de extinção que prevê mis sões de verificação do seu efectivo cumprimento Graças à Convenção de Viena para a protecção da camada de ozono e a respectiva implementa ção através do Protocolo de Montreal e as suas emendas o problema da diminuição da referida camada parece ter entrado numa fase de solução 131 169 No cuidado da biodiversidade e no con traste à desertificação os avanços foram muito menos significativos Relativamente às mudanças climáticas os progressos são infelizmente muito escassos A redução de gases com efeito de estu fa requer honestidade coragem e responsabilida de sobretudo dos países mais poderosos e mais poluentes A Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável chamada Rio20 Rio de Janeiro 2012 emitiu uma De claração Final extensa mas ineficaz As negocia ções internacionais não podem avançar significa tivamente por causa das posições dos países que privilegiam os seus interesses nacionais sobre o bem comum global Aqueles que hãode sofrer as consequências que tentamos dissimular re cordarão esta falta de consciência e de responsa bilidade Durante o período de elaboração desta encíclica o debate adquiriu particular intensida de Nós crentes não podemos deixar de rezar a Deus pela evolução positiva nos debates actuais para que as gerações futuras não sofram as con sequências de demoras imprudentes 170 Algumas das estratégias para a baixa emis são de gases poluentes apostam na internaciona lização dos custos ambientais com o perigo de impor aos países de menores recursos pesados compromissos de redução de emissões com paráveis aos dos países mais industrializados A imposição destas medidas penaliza os países mais necessitados de desenvolvimento Assim 132 acrescentase uma nova injustiça sob a capa do cuidado do meio ambiente Como sempre a corda quebra pelo ponto mais fraco Uma vez que os efeitos das mudanças climáticas se farão sentir durante muito tempo mesmo que agora sejam tomadas medidas rigorosas alguns países com escassos recursos precisarão de ajuda para se adaptar a efeitos que já estão a produzirse e afectam as suas economias É verdade que há responsabilidades comuns mas diferenciadas pelo simples motivo como disseram os bispos da Bolívia que os países que foram beneficia dos por um alto grau de industrialização à custa duma enorme emissão de gases com efeito de estufa têm maior responsabilidade em contribuir para a solução dos problemas que causaram 127 171 A estratégia de compravenda de crédi tos de emissão pode levar a uma nova forma de especulação que não ajudaria a reduzir a emissão global de gases poluentes Este sistema parece ser uma solução rápida e fácil com a aparência dum certo compromisso com o meio ambien te mas que não implica de forma alguma uma mudança radical à altura das circunstâncias Pelo contrário pode tornarse um diversivo que per mite sustentar o consumo excessivo de alguns países e sectores 172 Para os países pobres as prioridades de vem ser a erradicação da miséria e o desenvol 127 ConferênCia ePisCoPal da Bolívia Carta pastoral El universo don de Dios para la vida 2012 86 133 vimento social dos seus habitantes ao mesmo tempo devem examinar o nível escandaloso de consumo de alguns sectores privilegiados da sua população e contrastar melhor a corrupção Sem dúvida devem também desenvolver formas me nos poluentes de produção de energia mas para isso precisam de contar com a ajuda dos países que cresceram muito à custa da actual poluição do planeta O aproveitamento directo da ener gia solar tão abundante exige que se estabele çam mecanismos e subsídios tais que os países em vias de desenvolvimento possam ter acesso à transferência de tecnologias assistência técnica e recursos financeiros mas sempre prestando aten ção às condições concretas pois nem sempre se avalia adequadamente a compatibilidade dos sis temas com o contexto para o qual são projecta dos 128 Os custos seriam baixos se comparados com os riscos das mudanças climáticas Em todo o caso tratase primariamente duma decisão éti ca fundada na solidariedade de todos os povos 173 Urgem acordos internacionais que se cumpram dada a escassa capacidade das instân cias locais para intervirem de maneira eficaz As relações entre os Estados devem salvaguardar a soberania de cada um mas também estabelecer caminhos consensuais para evitar catástrofes locais que acabariam por danificar a todos São necessários padrões reguladores globais que im 128 PontifíCio Conselho Justiça e Paz Doc Energia Giustizia e Pace Cidade do Vaticano 2013 56 134 ponham obrigações e impeçam acções inaceitá veis como o facto de países poderosos descarre garem sobre outros países resíduos e indústrias altamente poluentes 174 Mencionemos também o sistema de go vernança dos oceanos Com efeito embora tenha havido várias convenções internacionais e regio nais a fragmentação e a falta de severos mecanis mos de regulamentação controle e sanção aca bam por minar todos os esforços O problema crescente dos resíduos marinhos e da protecção das áreas marinhas para além das fronteiras na cionais continua a representar um desafio espe cial Em definitivo precisamos de um acordo so bre os regimes de governança para toda a gama dos chamados bens comuns globais 175 A lógica que dificulta a tomada de decisões drásticas para inverter a tendência ao aquecimen to global é a mesma que não permite cumprir o objectivo de erradicar a pobreza Precisamos duma reacção global mais responsável que im plique enfrentar contemporaneamente a redu ção da poluição e o desenvolvimento dos países e regiões pobres O século XXI mantendo um sistema de governança próprio de épocas passa das assiste a uma perda de poder dos Estados nacionais sobretudo porque a dimensão econó micofinanceira de carácter transnacional tende a prevalecer sobre a política Neste contexto tor nase indispensável a maturação de instituições internacionais mais fortes e eficazmente organi zadas com autoridades designadas de maneira 135 imparcial por meio de acordos entre os gover nos nacionais e dotadas de poder de sancionar Com afirmou Bento XVI na linha desenvolvida até agora pela doutrina social da Igreja para o governo da economia mundial para sanar as eco nomias atingidas pela crise de modo a prevenir o agravamento da mesma e consequentes maio res desequilíbrios para realizar um oportuno e integral desarmamento a segurança alimentar e a paz para garantir a salvaguarda do ambiente e para regulamentar os fluxos migratórios urge a presença de uma verdadeira Autoridade polí tica mundial delineada já pelo meu predecessor São João XXIII 129 Nesta perspectiva a diplo macia adquire uma importância inédita chamada a promover estratégias internacionais para pre venir os problemas mais graves que acabam por afectar a todos 2 o diálogo Para novas PolítiCas naCionais e loCais 176 Há vencedores e vencidos não só entre os países mas também dentro dos países pobres onde se devem identificar as diferentes responsa bilidades Por isso as questões relacionadas com o meio ambiente e com o desenvolvimento eco nómico já não se podem olhar apenas a partir das diferenças entre os países mas exigem que se preste atenção às políticas nacionais e locais 129 Carta enc Caritas in veritate 29 de Junho de 2009 67 AAS 101 2009 700 136 177 Perante a possibilidade duma utilização irresponsável das capacidades humanas são fun ções inadiáveis de cada Estado planificar coor denar vigiar e sancionar dentro do respectivo território Como pode a sociedade organizar e salvaguardar o seu futuro num contexto de cons tantes inovações tecnológicas Um factor que actua como moderador efectivo é o direito que estabelece as regras para as condutas permitidas à luz do bem comum Os limites que uma socie dade sã madura e soberana deve impor têm a ver com previsão e precaução regulamentações adequadas vigilância sobre a aplicação das nor mas contraste da corrupção acções de controle operacional sobre o aparecimento de efeitos não desejados dos processos de produção e opor tuna intervenção perante riscos incertos ou po tenciais Existe uma crescente jurisprudência que visa reduzir os efeitos poluentes dos empreendi mentos Mas a estrutura política e institucional não existe apenas para evitar malversações mas para incentivar as boas práticas estimular a cria tividade que busca novos caminhos facilitar as iniciativas pessoais e colectivas 178 O drama duma política focalizada nos re sultados imediatos apoiada também por popu lações consumistas torna necessário produzir crescimento a curto prazo Respondendo a inte resses eleitorais os governos não se aventuram facilmente a irritar a população com medidas que possam afectar o nível de consumo ou pôr em 137 risco investimentos estrangeiros A construção míope do poder frena a inserção duma agenda ambiental com visão ampla na agenda pública dos governos Esquecese assim que o tem po é superior ao espaço 130 e que sempre somos mais fecundos quando temos maior preocupação por gerar processos do que por dominar espaços de poder A grandeza política mostrase quando em momentos difíceis se trabalha com base em grandes princípios e pensando no bem comum a longo prazo O poder político tem muita difi culdade em assumir este dever num projecto de nação 179 Nalguns lugares estão a desenvolverse cooperativas para a exploração de energias reno váveis que consentem o autoabastecimento lo cal e até mesmo a venda da produção em exces so Este exemplo simples indica que enquanto a ordem mundial existente se revela impotente para assumir responsabilidades a instância local pode fazer a diferença Com efeito aqui é possí vel gerar uma maior responsabilidade um forte sentido de comunidade uma especial capacidade de solicitude e uma criatividade mais generosa um amor apaixonado pela própria terra tal como se pensa naquilo que se deixa aos filhos e netos Estes valores têm um enraizamento muito pro fundo nas populações aborígenes Dado que o direito por vezes se mostra insuficiente devido 130 franCisCo Exort ap Evangelii gaudium 24 de Novem bro de 2013 222 AAS 105 2013 1111 138 à corrupção requerse uma decisão política sob pressão da população A sociedade através de organismos nãogovernamentais e associações intermédias deve forçar os governos a desenvol ver normativas procedimentos e controles mais rigorosos Se os cidadãos não controlam o poder político nacional regional e municipal tam bém não é possível combater os danos ambien tais Além disso as legislações municipais podem ser mais eficazes se houver acordos entre popu lações vizinhas para sustentarem as mesmas po líticas ambientais 180 Não se pode pensar em receitas unifor mes porque há problemas e limites específicos de cada país ou região Também é verdade que o realismo político pode exigir medidas e tecnolo gias de transição desde que estejam acompanha das pelo projecto e a aceitação de compromissos graduais vinculativos Ao mesmo tempo porém a nível nacional e local há sempre muito que fa zer como por exemplo promover formas de poupança energética Isto implica favorecer mo dalidades de produção industrial com a máxima eficiência energética e menor utilização de ma tériasprimas retirando do mercado os produtos pouco eficazes do ponto de vista energético ou mais poluentes Podemos mencionar também uma boa gestão dos transportes ou técnicas de construção e restruturação de edifícios que redu zam o seu consumo energético e o seu nível de poluição Além disso a acção política local pode 139 orientarse para a alteração do consumo o de senvolvimento duma economia de resíduos e re ciclagem a protecção de determinadas espécies e a programação duma agricultura diversificada com a rotação de culturas É possível favorecer a melhoria agrícola de regiões pobres através de investimentos em infraestruturas rurais na organização do mercado local ou nacional em sistemas de irrigação no desenvolvimento de técnicas agrícolas sustentáveis Podemse facilitar formas de cooperação ou de organização comu nitária que defendam os interesses dos pequenos produtores e salvaguardem da predação os ecos sistemas locais É tanto o que se pode fazer 181 Indispensável é a continuidade porque não se podem modificar as políticas relativas às alterações climáticas e à protecção ambiental to das as vezes que muda um governo Os resulta dos requerem muito tempo e comportam cus tos imediatos com efeitos que não poderão ser exibidos no período de vida dum governo Por isso sem a pressão da população e das institui ções haverá sempre relutância a intervir e mais ainda quando houver urgências a resolver Para um político assumir estas responsabilidades com os custos que implicam não corresponde à lógica eficientista e imediatista actual da economia e da política mas se ele tiver a coragem de o fazer poderá novamente reconhecer a dignidade que Deus lhe deu como pessoa e deixará depois da sua passagem por esta história um testemunho 140 de generosa responsabilidade Importa dar um lugar preponderante a uma política salutar capaz de reformar as instituições coordenálas e dotá las de bons procedimentos que permitam supe rar pressões e inércias viciosas Todavia é preciso acrescentar que os melhores dispositivos acabam por sucumbir quando faltam as grandes metas os valores uma compreensão humanista e rica de significado capazes de conferir a cada sociedade uma orientação nobre e generosa 3 diálogo e transParênCia nos ProCessos deCisórios 182 A previsão do impacto ambiental dos empreendimentos e projectos requer processos políticos transparentes e sujeitos a diálogo en quanto a corrupção que esconde o verdadeiro impacto ambiental dum projecto em troca de fa vores frequentemente leva a acordos ambíguos que fogem ao dever de informar e a um debate profundo 183 Um estudo de impacto ambiental não de veria ser posterior à elaboração dum projecto produtivo ou de qualquer política plano ou pro grama Háde inserirse desde o princípio e ela borarse de forma interdisciplinar transparente e independente de qualquer pressão económica ou política Deve aparecer unido à análise das condi ções de trabalho e dos possíveis efeitos na saúde física e mental das pessoas na economia local na segurança Assim os resultados económicos poderseão prever de forma mais realista tendo 141 em conta os cenários possíveis e eventualmen te antecipando a necessidade dum investimento maior para resolver efeitos indesejáveis que pos sam ser corrigidos É sempre necessário alcan çar consenso entre os vários actores sociais que podem trazer diferentes perspectivas soluções e alternativas Mas no debate devem ter um lugar privilegiado os moradores locais aqueles mesmos que se interrogam sobre o que desejam para si e para os seus filhos e podem ter em consideração as finalidades que transcendem o interesse eco nómico imediato É preciso abandonar a ideia de intervenções sobre o meio ambiente para dar lugar a políticas pensadas e debatidas por todas as partes interessadas A participação requer que todos sejam adequadamente informados sobre os vários aspectos e os diferentes riscos e possi bilidades e não se reduza à decisão inicial sobre um projecto mas implique também acções de controle ou monitoramento constante É neces sário haver sinceridade e verdade nas discussões científicas e políticas sem se limitar a considerar o que é permitido ou não pela legislação 184 Quando surgem eventuais riscos para o meio ambiente que afectam o bem comum pre sente e futuro esta situação exige que as deci sões sejam baseadas num confronto entre riscos e benefícios previsíveis para cada opção alternativa possível 131 Isto vale sobretudo quando um pro 131 PontifíCio Conselho Justiça e Paz Compêndio da Doutrina Social da Igreja 469 142 jecto pode causar um incremento na exploração dos recursos naturais nas emissões ou descargas na produção de resíduos ou então uma mudança significativa na paisagem no habitat de espécies protegidas ou num espaço público Alguns pro jectos não apoiados por uma análise bem cui dada podem afectar profundamente a qualidade de vida dum lugar devido a questões muito di ferentes entre si como por exemplo uma polui ção acústica não prevista a redução do horizonte visual a perda de valores culturais os efeitos do uso da energia nuclear A cultura consumista que dá prioridade ao curto prazo e aos interesses pri vados pode favorecer análises demasiado rápidas ou consentir a ocultação de informação 185 Em qualquer discussão sobre um em preendimento deverseia pôr uma série de per guntas para poder discernir se o mesmo levará a um desenvolvimento verdadeiramente integral Para que fim Por qual motivo Onde Quando De que maneira A quem ajuda Quais são os riscos A que preço Quem paga as despesas e como o fará Neste exame há questões que de vem ter prioridade Por exemplo sabemos que a água é um recurso escasso e indispensável sendo um direito fundamental que condiciona o exer cício doutros direitos humanos Isto está sem dúvida acima de toda a análise de impacto am biental duma região 186 Na Declaração do Rio de 1992 afirma se que quando existem ameaças de danos 143 graves ou irreversíveis a falta de certezas cien tíficas absolutas não poderá constituir um moti vo para adiar a adopção de medidas eficazes 132 que impeçam a degradação do meio ambiente Este princípio de precaução permite a protecção dos mais fracos que dispõem de poucos meios para se defender e fornecer provas irrefutáveis Se a informação objectiva leva a prever um dano grave e irreversível mesmo que não haja uma comprovação indiscutível seja o projecto que for deverá suspenderse ou modificarse Assim invertese o ónus da prova já que nestes casos é preciso fornecer uma demonstração objectiva e contundente de que a actividade proposta não vai gerar danos graves ao meio ambiente ou às pessoas que nele habitam 187 Isto não implica oporse a toda e qualquer inovação tecnológica que permita melhorar a qualidade de vida duma população Mas em todo o caso deve permanecer de pé que a rentabilida de não pode ser o único critério a ter em conta e na hora em que aparecessem novos elemen tos de juízo a partir de ulteriores dados infor mativos deveria haver uma nova avaliação com a participação de todas as partes interessadas O resultado do debate pode ser a decisão de não avançar num projecto mas poderia ser também a sua modificação ou a elaboração de propostas alternativas 132 Declaração do Rio sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento 14 de Junho de 1992 princípio 15 144 188 Há discussões sobre problemas relativos ao meio ambiente onde é difícil chegar a um consen so Repito uma vez mais que a Igreja não preten de definir as questões científicas nem substituirse à política mas convido a um debate honesto e transparente para que as necessidades particulares ou as ideologias não lesem o bem comum 4 PolítiCa e eConomia em diálogo Para a Plenitude humana 189 A política não deve submeterse à econo mia e esta não deve submeterse aos ditames e ao paradigma eficientista da tecnocracia Pensan do no bem comum hoje precisamos imperiosa mente que a política e a economia em diálogo se coloquem decididamente ao serviço da vida especialmente da vida humana A salvação dos bancos a todo o custo fazendo pagar o preço à população sem a firme decisão de rever e refor mar o sistema inteiro reafirma um domínio ab soluto da finança que não tem futuro e só poderá gerar novas crises depois duma longa custosa e aparente cura A crise financeira dos anos 2007 e 2008 era a ocasião para o desenvolvimento duma nova economia mais atenta aos princípios éticos e para uma nova regulamentação da actividade financeira especulativa e da riqueza virtual Mas não houve uma reacção que fizesse repensar os critérios obsoletos que continuam a governar o mundo A produção não é sempre racional e muitas vezes está ligada a variáveis económicas que atribuem aos produtos um valor que não 145 corresponde ao seu valor real Isto leva frequen temente a uma superprodução dalgumas merca dorias com um impacto ambiental desnecessário que simultaneamente danifica muitas economias regionais133 Habitualmente a bolha financeira é também uma bolha produtiva Em suma o que não se enfrenta com energia é o problema da economia real aquela que torna possível por exemplo que se diversifique e melhore a produ ção que as empresas funcionem adequadamente que as pequenas e médias empresas se desenvol vam e criem postos de trabalho 190 Neste contexto sempre se deve recordar que a protecção ambiental não pode ser asse gurada somente com base no cálculo financei ro de custos e benefícios O ambiente é um dos bens que os mecanismos de mercado não estão aptos a defender ou a promover adequadamen te 134 Mais uma vez repito que convém evitar uma concepção mágica do mercado que tende a pensar que os problemas se resolvem apenas com o crescimento dos lucros das empresas ou dos indivíduos Será realista esperar que quem está obcecado com a maximização dos lucros se detenha a considerar os efeitos ambientais que deixará às próximas gerações Dentro do esque 133 Cf ConferênCia ePisCoPal do méXiCo Comissão de Pastoral soCial Jesucristo vida y esperanza de los indígenas y campesinos 14 de Janeiro de 2008 134 PontifíCio Conselho Justiça e Paz Compêndio da Doutrina Social da Igreja 470 146 ma do ganho não há lugar para pensar nos ritmos da natureza nos seus tempos de degradação e re generação e na complexidade dos ecossistemas que podem ser gravemente alterados pela inter venção humana Além disso quando se fala de biodiversidade no máximo pensase nela como um reservatório de recursos económicos que po deria ser explorado mas não se considera seria mente o valor real das coisas o seu significado para as pessoas e as culturas os interesses e as necessidades dos pobres 191 Quando se colocam estas questões alguns reagem acusando os outros de pretender parar irracionalmente o progresso e o desenvolvimen to humano Mas temos de nos convencer que reduzir um determinado ritmo de produção e consumo pode dar lugar a outra modalidade de progresso e desenvolvimento Os esforços para um uso sustentável dos recursos naturais não são gasto inútil mas um investimento que pode rá proporcionar outros benefícios económicos a médio prazo Se não temos vista curta podemos descobrir que pode ser muito rentável a diver sificação duma produção mais inovadora e com menor impacto ambiental Tratase de abrir ca minho a oportunidades diferentes que não im plicam frenar a criatividade humana nem o seu sonho de progresso mas orientar esta energia por novos canais 192 Por exemplo um percurso de desenvolvi mento produtivo mais criativo e melhor orienta 147 do poderia corrigir a disparidade entre o exces sivo investimento tecnológico no consumo e o escasso investimento para resolver os problemas urgentes da humanidade poderia gerar formas inteligentes e rentáveis de reutilização recupe ração funcional e reciclagem poderia melhorar a eficiência energética das cidades A diversifi cação produtiva oferece à inteligência humana possibilidades muito amplas de criar e inovar ao mesmo tempo que protege o meio ambiente e cria mais oportunidades de trabalho Esta se ria uma criatividade capaz de fazer reflorescer a nobreza do ser humano porque é mais dignifi cante usar a inteligência com audácia e respon sabilidade para encontrar formas de desenvolvi mento sustentável e equitativo no quadro duma concepção mais ampla da qualidade de vida Ao contrário é menos dignificante e criativo e mais superficial insistir na criação de formas de espo liação da natureza só para oferecer novas possibi lidades de consumo e de ganho imediato 193 Assim se nalguns casos o desenvolvi mento sustentável implicará novas modalidades para crescer noutros casos face ao crescimen to ganancioso e irresponsável que se verificou ao longo de muitas décadas devemos pensar também em abrandar um pouco a marcha pôr alguns limites razoáveis e até mesmo retroceder antes que seja tarde Sabemos que é insustentá vel o comportamento daqueles que consomem e destroem cada vez mais enquanto outros ainda 148 não podem viver de acordo com a sua dignidade humana Por isso chegou a hora de aceitar um certo decréscimo do consumo nalgumas partes do mundo fornecendo recursos para que se pos sa crescer de forma saudável noutras partes Ben to XVI dizia que é preciso que as sociedades tecnologicamente avançadas estejam dispostas a favorecer comportamentos caracterizados pela sobriedade diminuindo as próprias necessidades de energia e melhorando as condições da sua uti lização 135 194 Para que apareçam novos modelos de progresso precisamos de converter o mode lo de desenvolvimento global 136 e isto impli ca reflectir responsavelmente sobre o sentido da economia e dos seus objectivos para corri gir as suas disfunções e deturpações 137 Não é suficiente conciliar a meio termo o cuidado da natureza com o ganho financeiro ou a preserva ção do meio ambiente com o progresso Neste campo os meiostermos são apenas um pequeno adiamento do colapso Tratase simplesmente de redefinir o progresso Um desenvolvimento tec nológico e económico que não deixa um mundo melhor e uma qualidade de vida integralmen te superior não se pode considerar progresso Além disso muitas vezes a qualidade real de vida 135 Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2010 9 AAS 102 2010 46 136 Ibidem 137 Ibid 5 o c 43 149 das pessoas diminui pela deterioração do am biente a baixa qualidade dos produtos alimen tares ou o esgotamento de alguns recursos no contexto dum crescimento da economia Então muitas vezes o discurso do crescimento susten tável tornase um diversivo e um meio de justifi cação que absorve valores do discurso ecologista dentro da lógica da finança e da tecnocracia e a responsabilidade social e ambiental das empresas reduzse na maior parte dos casos a uma série de acções de publicidade e imagem 195 O princípio da maximização do lucro que tende a isolarse de todas as outras considera ções é uma distorção conceptual da economia desde que aumente a produção pouco interes sa que isso se consiga à custa dos recursos futu ros ou da saúde do meio ambiente se o derru be duma floresta aumenta a produção ninguém insere no respectivo cálculo a perda que implica desertificar um território destruir a biodiversida de ou aumentar a poluição Por outras palavras as empresas obtêm lucros calculando e pagando uma parte ínfima dos custos Poderseia consi derar ético somente um comportamento em que os custos económicos e sociais derivados do uso dos recursos ambientais comuns sejam reco nhecidos de maneira transparente e plenamente suportados por quem deles usufrui e não por ou tras populações nem pelas gerações futuras 138 138 Bento XVI Carta enc Caritas in veritate 29 de Junho de 2009 50 AAS 101 2009 686 150 A mentalidade utilitária que fornece apenas uma análise estática da realidade em função de neces sidades actuais está presente tanto quando é o mercado que atribui os recursos como quando o faz um Estado planificador 196 Qual é o lugar da política Recordemos o princípio da subsidiariedade que dá liberdade para o desenvolvimento das capacidades presen tes a todos os níveis mas simultaneamente exige mais responsabilidade pelo bem comum a quem tem mais poder É verdade que hoje alguns sec tores económicos exercem mais poder do que os próprios Estados Mas não se pode justificar uma economia sem política porque seria incapaz de promover outra lógica para governar os vários aspectos da crise actual A lógica que não deixa espaço para uma sincera preocupação pelo meio ambiente é a mesma em que não encontra espa ço a preocupação por integrar os mais frágeis porque no modelo do êxito e individualis ta em vigor parece que não faz sentido investir para que os lentos fracos ou menos dotados pos sam também singrar na vida 139 197 Precisamos duma política que pense com visão ampla e leve por diante uma reformulação integral abrangendo num diálogo interdiscipli nar os vários aspectos da crise Muitas vezes a própria política é responsável pelo seu descré dito devido à corrupção e à falta de boas po 139 franCisCo Exort ap Evangelii gaudium 24 de Novembro de 2013 209 AAS 105 2013 1107 151 líticas públicas Se o Estado não cumpre o seu papel numa região alguns grupos económicos podemse apresentar como benfeitores e apro priarse do poder real sentindose autorizados a não observar certas normas até se chegar às diferentes formas de criminalidade organizada tráfico de pessoas narcotráfico e violência muito difícil de erradicar Se a política não é capaz de romper uma lógica perversa e perdese também em discursos inconsistentes continuaremos sem enfrentar os grandes problemas da humanidade Uma estratégia de mudança real exige repensar a totalidade dos processos pois não basta incluir considerações ecológicas superficiais enquanto não se puser em discussão a lógica subjacente à cultura actual Uma política sã deveria ser capaz de assumir este desafio 198 A política e a economia tendem a culpar se reciprocamente a respeito da pobreza e da degradação ambiental Mas o que se espera é que reconheçam os seus próprios erros e encontrem formas de interacção orientadas para o bem co mum Enquanto uns se afanam apenas com o ganho económico e os outros estão obcecados apenas por conservar ou aumentar o poder o que nos resta são guerras ou acordos espúrios onde o que menos interessa às duas partes é pre servar o meio ambiente e cuidar dos mais fracos Vale aqui também o princípio de que a unidade é superior ao conflito 140 140 Ibid 228 o c 1113 152 5 as religiões no diálogo Com as CiênCias 199 Não se pode sustentar que as ciências em píricas expliquem completamente a vida a essên cia íntima de todas as criaturas e o conjunto da realidade Isto seria ultrapassar indevidamente os seus confins metodológicos limitados Se se re flecte dentro deste quadro restrito desaparecem a sensibilidade estética a poesia e ainda a capa cidade da razão perceber o sentido e a finalidade das coisas141 Quero lembrar que os textos reli giosos clássicos podem oferecer um significado para todas as épocas possuem uma força motiva dora que abre sempre novos horizontes Será razoável e inteligente relegálos para a obscurida de só porque nasceram no contexto duma cren ça religiosa 142 Realmente é ingénuo pensar que os princípios éticos possam ser apresentados de modo puramente abstracto desligados de todo 141 Cf franCisCo Carta enc Lumen fidei 29 de Junho de 2013 34 AAS 105 2013 577 Enquanto unida à verdade do amor a luz da fé não é alheia ao mundo material porque o amor vivese sempre com corpo e alma a luz da fé é luz encarnada que dimana da vida luminosa de Jesus A fé ilumina também a matéria confia na sua ordem sabe que nela se abre um caminho cada vez mais amplo de harmonia e compreensão Deste modo o olhar da ciência tira benefício da fé esta convida o cientista a permanecer aberto à realidade em toda a sua riqueza inesgotável A fé desperta o sentido crítico enquanto impede a pesquisa de se deter satisfeita nas suas fórmulas e ajudaa a compreender que a natureza sempre as ultrapassa Convidando a maravilharse diante do mistério da criação a fé alarga os horizontes da razão para iluminar melhor o mundo que se abre aos estudos da ciência 142 idem Exort ap Evangelii gaudium 24 de Novembro de 2013 256 AAS 105 2013 1123 153 o contexto e o facto de aparecerem com uma linguagem religiosa não lhes tira valor algum no debate público Os princípios éticos que a razão é capaz de perceber sempre podem reaparecer sob distintas roupagens e expressos com linguagens diferentes incluindo a religiosa 200 Além disso qualquer solução técnica que as ciências pretendam oferecer será impotente para resolver os graves problemas do mundo se a humanidade perde o seu rumo se esquece as grandes motivações que tornam possível a con vivência social o sacrifício a bondade Em todo o caso será preciso fazer apelo aos crentes para que sejam coerentes com a sua própria fé e não a contradigam com as suas acções será necessário insistir para que se abram novamente à graça de Deus e se nutram profundamente das próprias convicções sobre o amor a justiça e a paz Se às vezes uma má compreensão dos nossos princí pios nos levou a justificar o abuso da natureza ou o domínio despótico do ser humano sobre a criação ou as guerras a injustiça e a violência nós crentes podemos reconhecer que então fo mos infiéis ao tesouro de sabedoria que devía mos guardar Muitas vezes os limites culturais de distintas épocas condicionaram esta consciência do próprio património ético e espiritual mas é precisamente o regresso às respectivas fontes que permite às religiões responder melhor às ne cessidades actuais 201 A maior parte dos habitantes do planeta declarase crente e isto deveria levar as religiões a estabelecerem diálogo entre si visando o cui dado da natureza a defesa dos pobres a constru ção duma trama de respeito e de fraternidade De igual modo é indispensável um diálogo entre as próprias ciências porque cada uma costuma fe charse nos limites da sua própria linguagem e a especialização tende a converterse em isolamen to e absolutização do próprio saber Isto impede de enfrentar adequadamente os problemas do meio ambiente Tornase necessário também um diálogo aberto e respeitador dos diferentes movi mentos ecologistas entre os quais não faltam as lutas ideológicas A gravidade da crise ecológica obriganos a todos a pensar no bem comum e a prosseguir pelo caminho do diálogo que requer paciência ascese e generosidade lembrandonos sempre que a realidade é superior à ideia 143 143 Ibid 231 o c 1114 154 155 CAPÍTULO VI EDUCAÇÃO E ESPIRITUALIDADE ECOLÓGICAS 202 Muitas coisas devem reajustar o próprio rumo mas antes de tudo é a humanidade que precisa de mudar Falta a consciência duma ori gem comum duma recíproca pertença e dum futuro partilhado por todos Esta consciência ba silar permitiria o desenvolvimento de novas con vicções atitudes e estilos de vida Surge assim um grande desafio cultural espiritual e educativo que implicará longos processos de regeneração 1 aPontar Para outro estilo de vida 203 Dado que o mercado tende a criar um mecanismo consumista compulsivo para ven der os seus produtos as pessoas acabam por ser arrastadas pelo turbilhão das compras e gastos supérfluos O consumismo obsessivo é o refle xo subjectivo do paradigma tecnoeconómico Está a acontecer aquilo que já assinalava Roma no Guardini o ser humano aceita os objectos comuns e as formas habituais da vida como lhe são impostos pelos planos nacionais e pelos pro dutos fabricados em série e em geral age assim com a impressão de que tudo isto seja razoável 156 e justo 144 O referido paradigma faz crer a to dos que são livres pois conservam uma supos ta liberdade de consumir quando na realidade apenas possui a liberdade a minoria que detém o poder económico e financeiro Nesta confu são a humanidade pósmoderna não encontrou uma nova compreensão de si mesma que a possa orientar e esta falta de identidade é vivida com angústia Temos demasiados meios para escassos e raquíticos fins 204 A situação actual do mundo gera um sen tido de precariedade e insegurança que por sua vez favorece formas de egoísmo colectivo 145 Quando as pessoas se tornam autoreferenciais e se isolam na própria consciência aumentam a sua voracidade quanto mais vazio está o cora ção da pessoa tanto mais necessita de objectos para comprar possuir e consumir Em tal con texto parece não ser possível para uma pessoa aceitar que a realidade lhe assinale limites neste horizonte não existe sequer um verdadeiro bem comum Se este é o tipo de sujeito que tende a predominar numa sociedade as normas serão respeitadas apenas na medida em que não con tradigam as necessidades próprias Por isso não pensemos só na possibilidade de terríveis fenó menos climáticos ou de grandes desastres natu rais mas também nas catástrofes resultantes de 144 Das Ende der Neuzeit Würzburg 91965 6667 145 João Paulo ii Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1990 1 AAS 82 1990 147 157 crises sociais porque a obsessão por um estilo de vida consumista sobretudo quando poucos têm possibilidades de o manter só poderá provocar violência e destruição recíproca 205 Mas nem tudo está perdido porque os se res humanos capazes de tocar o fundo da degra dação podem também superarse voltar a esco lher o bem e regenerarse para além de qualquer condicionalismo psicológico e social que lhes seja imposto São capazes de se olhar a si mes mos com honestidade externar o próprio pesar e encetar caminhos novos rumo à verdadeira li berdade Não há sistemas que anulem por com pleto a abertura ao bem à verdade e à beleza nem a capacidade de reagir que Deus continua a animar no mais fundo dos nossos corações A cada pessoa deste mundo peço para não esque cer esta sua dignidade que ninguém tem o direito de lhe tirar 206 Uma mudança nos estilos de vida poderia chegar a exercer uma pressão salutar sobre quan tos detêm o poder político económico e social Verificase isto quando os movimentos de con sumidores conseguem que se deixe de adquirir determinados produtos e assim se tornam efica zes na mudança do comportamento das empre sas forçandoas a reconsiderar o impacto am biental e os modelos de produção É um facto que quando os hábitos da sociedade afectam os ganhos das empresas estas vêemse pressionadas a mudar a produção Isto lembranos a respon 158 sabilidade social dos consumidores Comprar é sempre um acto moral para além de econó mico 146 Por isso hoje o tema da degradação ambiental põe em questão os comportamentos de cada um de nós 147 207 A Carta da Terra convidavanos a todos a começar de novo deixando para trás uma etapa de autodestruição mas ainda não desenvolvemos uma consciência universal que o torne possível Por isso atrevome a propor de novo aquele con siderável desafio Como nunca antes na histó ria o destino comum obriganos a procurar um novo início Que o nosso seja um tempo que se recorde pelo despertar duma nova reverência face à vida pela firme resolução de alcançar a sustentabilidade pela intensificação da luta em prol da justiça e da paz e pela jubilosa celebração da vida 148 208 Sempre é possível desenvolver uma nova capacidade de sair de si mesmo rumo ao outro Sem tal capacidade não se reconhece às outras criaturas o seu valor não se sente interesse em cuidar de algo para os outros não se consegue impor limites para evitar o sofrimento ou a de gradação do que nos rodeia A atitude basilar 146 Bento Xvi Carta enc Caritas in veritate 29 de Junho de 2009 66 AAS 101 2009 699 147 IDEM Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2010 11 AAS 102 2010 48 148 Carta da Terra Haia 29 de Junho de 2000 159 de se autotranscender rompendo com a cons ciência isolada e a autoreferencialidade é a raiz que possibilita todo o cuidado dos outros e do meio ambiente e faz brotar a reacção moral de ter em conta o impacto que possa provocar cada acção e decisão pessoal fora de si mesmo Quan do somos capazes de superar o individualismo podese realmente desenvolver um estilo de vida alternativo e tornase possível uma mudança re levante na sociedade 2 eduCar Para a aliança entre a humanidade e o amBiente 209 A consciência da gravidade da crise cul tural e ecológica precisa de traduzirse em novos hábitos Muitos estão cientes de que não basta o progresso actual e a mera acumulação de ob jectos ou prazeres para dar sentido e alegria ao coração humano mas não se sentem capazes de renunciar àquilo que o mercado lhes oferece Nos países que deveriam realizar as maiores mu danças nos hábitos de consumo os jovens têm uma nova sensibilidade ecológica e um espírito generoso e alguns deles lutam admiravelmente pela defesa do meio ambiente mas cresceram num contexto de altíssimo consumo e bemes tar que torna difícil a maturação doutros hábitos Por isso estamos perante um desafio educativo 210 A educação ambiental tem vindo a am pliar os seus objectivos Se no começo estava muito centrada na informação científica e na 160 consciencialização e prevenção dos riscos am bientais agora tende a incluir uma crítica dos mitos da modernidade baseados na razão ins trumental individualismo progresso ilimitado concorrência consumismo mercado sem regras e tende também a recuperar os distintos níveis de equilíbrio ecológico o interior consigo mesmo o solidário com os outros o natural com todos os seres vivos o espiritual com Deus A educação ambiental deveria predispornos para dar este salto para o Mistério do qual uma ética ecológica recebe o seu sentido mais profundo Além disso há educadores capazes de reordenar os itinerá rios pedagógicos duma ética ecológica de modo que ajudem efectivamente a crescer na solidarie dade na responsabilidade e no cuidado assente na compaixão 211 Às vezes porém esta educação chamada a criar uma cidadania ecológica limitase a in formar e não consegue fazer maturar hábitos A existência de leis e normas não é suficiente a lon go prazo para limitar os maus comportamentos mesmo que haja um válido controle Para a norma jurídica produzir efeitos importantes e duradou ros é preciso que a maior parte dos membros da sociedade a tenha acolhido com base em motiva ções adequadas e reaja com uma transformação pessoal A doação de si mesmo num compromis so ecológico só é possível a partir do cultivo de virtudes sólidas Se uma pessoa habitualmente se resguarda um pouco mais em vez de ligar o 161 aquecimento embora as suas economias lhe per mitam consumir e gastar mais isso supõe que ad quiriu convicções e modos de sentir favoráveis ao cuidado do ambiente É muito nobre assumir o dever de cuidar da criação com pequenas acções diárias e é maravilhoso que a educação seja capaz de motivar para elas até dar forma a um estilo de vida A educação na responsabilidade ambiental pode incentivar vários comportamentos que têm incidência directa e importante no cuidado do meio ambiente tais como evitar o uso de plástico e papel reduzir o consumo de água diferenciar o lixo cozinhar apenas aquilo que razoavelmente se poderá comer tratar com desvelo os outros seres vivos servirse dos transportes públicos ou partilhar o mesmo veículo com várias pessoas plantar árvores apagar as luzes desnecessárias Tudo isto faz parte duma criatividade generosa e dignificante que põe a descoberto o melhor do ser humano Voltar com base em motivações profundas a utilizar algo em vez de o desperdi çar rapidamente pode ser um acto de amor que exprime a nossa dignidade 212 E não se pense que estes esforços são in capazes de mudar o mundo Estas acções espa lham na sociedade um bem que frutifica sempre para além do que é possível constatar provocam no seio desta terra um bem que sempre tende a difundirse por vezes invisivelmente Além disso o exercício destes comportamentos restituinos o sentimento da nossa dignidade levanos a uma 162 maior profundidade existencial permitenos ex perimentar que vale a pena a nossa passagem por este mundo 213 Vários são os âmbitos educativos a esco la a família os meios de comunicação a cate quese e outros Uma boa educação escolar em tenra idade coloca sementes que podem produzir efeitos durante toda a vida Mas quero salientar a importância central da família porque é o lugar onde a vida dom de Deus pode ser convenien temente acolhida e protegida contra os múltiplos ataques a que está exposta e pode desenvolver se segundo as exigências de um crescimento humano autêntico Contra a denominada cultu ra da morte a família constitui a sede da cultura da vida 149 Na família cultivamse os primeiros hábitos de amor e cuidado da vida como por exemplo o uso correcto das coisas a ordem e a limpeza o respeito pelo ecossistema local e a protecção de todas as criaturas A família é o lu gar da formação integral onde se desenvolvem os distintos aspectos intimamente relacionados entre si do amadurecimento pessoal Na família aprendese a pedir licença sem servilismo a dizer obrigado como expressão duma sentida avalia ção das coisas que recebemos a dominar a agres sividade ou a ganância e a pedir desculpa quando fazemos algo de mal Estes pequenos gestos de sincera cortesia ajudam a construir uma cultura 149 João Paulo ii Carta enc Centesimus annus 1 de Maio de 1991 39 AAS 83 1991 842 163 da vida compartilhada e do respeito pelo que nos rodeia 214 Compete à política e às várias associações um esforço de formação das consciências da po pulação Naturalmente compete também à Igre ja Todas as comunidades cristãs têm um papel importante a desempenhar nesta educação Es pero também que nos nossos Seminários e Ca sas Religiosas de Formação se eduque para uma austeridade responsável a grata contemplação do mundo o cuidado da fragilidade dos pobres e do meio ambiente Tendo em conta o muito que está em jogo do mesmo modo que são ne cessárias instituições dotadas de poder para punir os danos ambientais também nós precisamos de nos controlar e educar uns aos outros 215 Neste contexto não se deve descurar nunca a relação que existe entre uma educação estética apropriada e a preservação de um am biente sadio 150 Prestar atenção à beleza e amá la ajudanos a sair do pragmatismo utilitarista Quando não se aprende a parar a fim de admirar e apreciar o que é belo não surpreende que tudo se transforme em objecto de uso e abuso sem es crúpulos Ao mesmo tempo se se quer conseguir mudanças profundas é preciso ter presente que os modelos de pensamento influem realmente nos comportamentos A educação será ineficaz 150 idem Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1990 14 AAS 82 1990 155 164 e os seus esforços estéreis se não se preocupar também por difundir um novo modelo relativo ao ser humano à vida à sociedade e à relação com a natureza Caso contrário continuará a perdurar o modelo consumista transmitido pe los meios de comunicação social e através dos mecanismos eficazes do mercado 3 a Conversão eCológiCa 216 A grande riqueza da espiritualidade cris tã proveniente de vinte séculos de experiências pessoais e comunitárias constitui uma magnífica contribuição para o esforço de renovar a humani dade Desejo propor aos cristãos algumas linhas de espiritualidade ecológica que nascem das con vicções da nossa fé pois aquilo que o Evangelho nos ensina tem consequências no nosso modo de pensar sentir e viver Não se trata tanto de propor ideias como sobretudo falar das motivações que derivam da espiritualidade para alimentar uma paixão pelo cuidado do mundo Com efeito não é possível empenharse em coisas grandes apenas com doutrinas sem uma mística que nos anima sem uma moção interior que impele motiva encoraja e dá sentido à acção pessoal e comuni tária 151 Temos de reconhecer que nós cristãos nem sempre recolhemos e fizemos frutificar as riquezas dadas por Deus à Igreja nas quais a es piritualidade não está desligada do próprio corpo 151 franCisCo Exort ap Evangelii gaudium 24 de Novembro de 2013 261 AAS 105 2013 1124 165 nem da natureza ou das realidades deste mundo mas vive com elas e nelas em comunhão com tudo o que nos rodeia 217 Se os desertos exteriores se multipli cam no mundo porque os desertos interiores se tornaram tão amplos 152 a crise ecológica é um apelo a uma profunda conversão interior Entre tanto temos de reconhecer também que alguns cristãos até comprometidos e piedosos com o pretexto do realismo pragmático frequentemente se burlam das preocupações pelo meio ambiente Outros são passivos não se decidem a mudar os seus hábitos e tornamse incoerentes Faltalhes pois uma conversão ecológica que comporta deixar emergir nas relações com o mundo que os ro deia todas as consequências do encontro com Jesus Viver a vocação de guardiões da obra de Deus não é algo de opcional nem um aspecto se cundário da experiência cristã mas parte essen cial duma existência virtuosa 218 Recordemos o modelo de São Francisco de Assis para propor uma sã relação com a cria ção como dimensão da conversão integral da pes soa Isto exige também reconhecer os próprios erros pecados vícios ou negligências e arrepen derse de coração mudar a partir de dentro A Igreja na Austrália soube expressar a conversão 152 Bento Xvi Homilia no solene início do Ministério Petrino 24 de Abril de 2005 AAS 97 2005 710 LOsservatore Romano ed portuguesa de 30IV2005 5 166 em termos de reconciliação com a criação Para realizar esta reconciliação devemos examinar as nossas vidas e reconhecer de que modo ofende mos a criação de Deus com as nossas acções e com a nossa incapacidade de agir Devemos fazer a experiência duma conversão duma mudança do coração 153 219 Todavia para se resolver uma situação tão complexa como esta que enfrenta o mundo ac tual não basta que cada um seja melhor Os indi víduos isolados podem perder a capacidade e a li berdade de vencer a lógica da razão instrumental e acabam por sucumbir a um consumismo sem ética nem sentido social e ambiental Aos proble mas sociais respondese não com a mera soma de bens individuais mas com redes comunitárias As exigências desta obra serão tão grandes que as possibilidades das iniciativas individuais e a cooperação dos particulares formados de ma neira individualista não serão capazes de lhes dar resposta Será necessária uma união de forças e uma unidade de contribuições 154 A conversão ecológica que se requer para criar um dinamis mo de mudança duradoura é também uma con versão comunitária 220 Esta conversão comporta várias atitudes que se conjugam para activar um cuidado ge 153 ConferênCia dos BisPos CatóliCos da austrália A New Earth The Environmental Challenge 2002 154 romano guardini Das Ende der Neuzeit Würzburg 91965 72 167 neroso e cheio de ternura Em primeiro lugar implica gratidão e gratuidade ou seja um reco nhecimento do mundo como dom recebido do amor do Pai que consequentemente provoca disposições gratuitas de renúncia e gestos gene rosos mesmo que ninguém os veja nem agrade ça Que a tua mão esquerda não saiba o que faz a tua direita e teu Pai que vê o oculto háde premiarte Mt 6 34 Implica ainda a consciência amorosa de não estar separado das outras criaturas mas de formar com os outros seres do universo uma estupenda comunhão uni versal O crente contempla o mundo não como alguém que está fora dele mas dentro reconhe cendo os laços com que o Pai nos uniu a todos os seres Além disso a conversão ecológica fazendo crescer as peculiares capacidades que Deus deu a cada crente levao a desenvolver a sua criati vidade e entusiasmo para resolver os dramas do mundo oferecendose a Deus como sacrifício vivo santo e agradável Rm 12 1 Não vê a sua superioridade como motivo de glória pessoal nem de domínio irresponsável mas como uma capacidade diferente que por sua vez lhe impõe uma grave responsabilidade derivada da sua fé 221 Ajudam a enriquecer o sentido de tal con versão várias convicções da nossa fé desenvolvi das ao início desta encíclica como por exemplo a consciência de que cada criatura reflecte algo de Deus e tem uma mensagem para nos transmitir ou a certeza de que Cristo assumiu em Si mesmo este mundo material e agora ressuscitado habita 168 no íntimo de cada ser envolvendoo com o seu carinho e penetrandoo com a sua luz e ainda o reconhecimento de que Deus criou o mundo inscrevendo nele uma ordem e um dinamismo que o ser humano não tem o direito de ignorar Porventura uma pessoa ouvindo no Evangelho Jesus dizer a propósito dos pássaros que ne nhum deles passa despercebido diante de Deus Lc 12 6 será capaz de os maltratar ou causar lhes dano Convido todos os cristãos a explici tar esta dimensão da sua conversão permitindo que a força e a luz da graça recebida se estendam também à relação com as outras criaturas e com o mundo que os rodeia e suscite aquela sublime fraternidade com a criação inteira que viveu de maneira tão elucidativa São Francisco de Assis 4 alegria e Paz 222 A espiritualidade cristã propõe uma forma alternativa de entender a qualidade de vida en corajando um estilo de vida profético e contem plativo capaz de gerar profunda alegria sem estar obcecado pelo consumo É importante adoptar um antigo ensinamento presente em distintas tradições religiosas e também na Bíblia Trata se da convicção de que quanto menos tanto mais Com efeito a acumulação constante de possibilidades para consumir distrai o coração e impede de dar o devido apreço a cada coisa e a cada momento Pelo contrário tornarse sere namente presente diante de cada realidade por mais pequena que seja abrenos muitas mais pos 169 sibilidades de compreensão e realização pessoal A espiritualidade cristã propõe um crescimento na sobriedade e uma capacidade de se alegrar com pouco É um regresso à simplicidade que nos permite parar a saborear as pequenas coisas agradecer as possibilidades que a vida oferece sem nos apegarmos ao que temos nem entriste cermos por aquilo que não possuímos Isto exige evitar a dinâmica do domínio e da mera acumu lação de prazeres 223 A sobriedade vivida livre e consciente mente é libertadora Não se trata de menos vida nem vida de baixa intensidade é precisamente o contrário Com efeito as pessoas que saboreiam mais e vivem melhor cada momento são aque las que deixam de debicar aqui e ali sempre à procura do que não têm e experimentam o que significa dar apreço a cada pessoa e a cada coi sa aprendem a familiarizar com as coisas mais simples e sabem alegrarse com elas Deste modo conseguem reduzir o número das necessidades insatisfeitas e diminuem o cansaço e a ansieda de É possível necessitar de pouco e viver mui to sobretudo quando se é capaz de dar espaço a outros prazeres encontrando satisfação nos encontros fraternos no serviço na frutificação dos próprios carismas na música e na arte no contacto com a natureza na oração A felicida de exige saber limitar algumas necessidades que nos entorpecem permanecendo assim disponí veis para as múltiplas possibilidades que a vida oferece 170 224 A sobriedade e a humildade não gozaram de positiva consideração no século passado Mas quando se debilita de forma generalizada o exer cício dalguma virtude na vida pessoal e social isso acaba por provocar variados desequilíbrios mesmo ambientais Por isso não basta falar ape nas da integridade dos ecossistemas é preciso ter a coragem de falar da integridade da vida huma na da necessidade de incentivar e conjugar todos os grandes valores O desaparecimento da hu mildade num ser humano excessivamente entu siasmado com a possibilidade de dominar tudo sem limite algum só pode acabar por prejudicar a sociedade e o meio ambiente Não é fácil de senvolver esta humildade sadia e uma sobriedade feliz se nos tornamos autónomos se excluímos Deus da nossa vida fazendo o nosso eu ocupar o seu lugar se pensamos ser a nossa subjectividade que determina o que é bem e o que é mal 225 Por outro lado ninguém pode amadure cer numa sobriedade feliz se não estiver em paz consigo mesmo E parte duma adequada com preensão da espiritualidade consiste em alargar a nossa compreensão da paz que é muito mais do que a ausência de guerra A paz interior das pes soas tem muito a ver com o cuidado da ecologia e com o bem comum porque autenticamente vivida reflectese num equilibrado estilo de vida aliado com a capacidade de admiração que leva à profundidade da vida A natureza está cheia de palavras de amor mas como poderemos ouvilas no meio do ruído constante da distracção per 171 manente e ansiosa ou do culto da notoriedade Muitas pessoas experimentam um desequilíbrio profundo que as impele a fazer as coisas a toda a velocidade para se sentirem ocupadas numa pressa constante que por sua vez as leva a atro pelar tudo o que têm ao seu redor Isto tem inci dência no modo como se trata o ambiente Uma ecologia integral exige que se dedique algum tempo para recuperar a harmonia serena com a criação reflectir sobre o nosso estilo de vida e os nossos ideais contemplar o Criador que vive entre nós e naquilo que nos rodeia e cuja pre sença não precisa de ser criada mas descoberta desvendada 155 226 Falamos aqui duma atitude do coração que vive tudo com serena atenção que sabe man terse plenamente presente diante duma pessoa sem estar a pensar no que virá depois que se entrega a cada momento como um dom divino que se deve viver em plenitude Jesus ensinou nos esta atitude quando nos convidava a olhar os lírios do campo e as aves do céu ou quan do na presença dum homem inquieto fitando nele o olhar sentiu afeição por ele Mc 10 21 De certeza que Ele estava plenamente presente diante de cada ser humano e de cada criatura mostrandonos assim um caminho para superar a ansiedade doentia que nos torna superficiais agressivos e consumistas desenfreados 155 franCisCo Exort ap Evangelii gaudium 24 de Novem bro de 2013 71 AAS 105 2013 1050 172 227 Uma expressão desta atitude é parar a agradecer a Deus antes e depois das refeições Proponho aos crentes que retomem este hábito importante e o vivam profundamente Este mo mento da bênção da mesa embora muito breve recordanos que a nossa vida depende de Deus fortalece o nosso sentido de gratidão pelos dons da criação dá graças por aqueles que com o seu trabalho fornecem estes bens e reforça a solida riedade com os mais necessitados 5 amor Civil e PolítiCo 228 O cuidado da natureza faz parte dum esti lo de vida que implica capacidade de viver juntos e de comunhão Jesus lembrounos que temos Deus como nosso Pai comum e que isto nos tor na irmãos O amor fraterno só pode ser gratuito nunca pode ser uma paga a outrem pelo que rea lizou nem um adiantamento pelo que esperamos venha a fazer Por isso é possível amar os inimi gos Esta mesma gratuidade levanos a amar e aceitar o vento o sol ou as nuvens embora não se submetam ao nosso controle Assim podemos falar duma fraternidade universal 229 É necessário voltar a sentir que precisa mos uns dos outros que temos uma responsabi lidade para com os outros e o mundo que vale a pena ser bons e honestos Vivemos já muito tem po na degradação moral baldandonos à ética à bondade à fé à honestidade chegou o momento de reconhecer que esta alegre superficialidade de 173 pouco nos serviu Uma tal destruição de todo o fundamento da vida social acaba por colocarnos uns contra os outros na defesa dos próprios in teresses provoca o despertar de novas formas de violência e crueldade e impede o desenvolvimen to duma verdadeira cultura do cuidado do meio ambiente 230 O exemplo de Santa Teresa de Lisieux convidanos a pôr em prática o pequeno cami nho do amor a não perder a oportunidade duma palavra gentil dum sorriso de qualquer pequeno gesto que semeie paz e amizade Uma ecologia integral é feita também de simples gestos quoti dianos pelos quais quebramos a lógica da violên cia da exploração do egoísmo Pelo contrário o mundo do consumo exacerbado é simultanea mente o mundo que maltrata a vida em todas as suas formas 231 O amor cheio de pequenos gestos de cui dado mútuo é também civil e político manifes tandose em todas as acções que procuram cons truir um mundo melhor O amor à sociedade e o compromisso pelo bem comum são uma forma eminente de caridade que toca não só as relações entre os indivíduos mas também as macrorrela ções como relacionamentos sociais económicos políticos 156 Por isso a Igreja propôs ao mundo 156 Bento Xvi Carta enc Caritas in veritate 29 de Junho de 2009 2 AAS 101 2009 642 174 o ideal duma civilização do amor 157 O amor social é a chave para um desenvolvimento autên tico Para tornar a sociedade mais humana mais digna da pessoa é necessário revalorizar o amor na vida social nos planos político económico cultural fazendo dele a norma constante e su prema do agir 158 Neste contexto juntamente com a importância dos pequenos gestos diários o amor social impelenos a pensar em grandes estratégias que detenham eficazmente a degrada ção ambiental e incentivem uma cultura do cuidado que permeie toda a sociedade Quando alguém reconhece a vocação de Deus para intervir jun tamente com os outros nestas dinâmicas sociais deve lembrarse que isto faz parte da sua espiri tualidade é exercício da caridade e deste modo amadurece e se santifica 232 Nem todos são chamados a trabalhar de forma directa na política mas no seio da socieda de floresce uma variedade inumerável de associa ções que intervêm em prol do bem comum de fendendo o meio ambiente natural e urbano Por exemplo preocupamse com um lugar público um edifício uma fonte um monumento aban donado uma paisagem uma praça para prote ger sanar melhorar ou embelezar algo que é de todos Ao seu redor desenvolvemse ou recupe 157 Paulo vi Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1977 AAS 68 1976 709 158 PontifíCio Conselho Justiça e Paz Compêndio da Doutrina Social da Igreja 582 175 ramse vínculos fazendo surgir um novo tecido social local Assim uma comunidade libertase da indiferença consumista Isto significa também cultivar uma identidade comum uma história que se conserva e transmite Desta forma cuida se do mundo e da qualidade de vida dos mais pobres com um sentido de solidariedade que é ao mesmo tempo consciência de habitar numa casa comum que Deus nos confiou Estas acções comunitárias quando exprimem um amor que se doa podem transformarse em experiências es pirituais intensas 6 os sinais saCramentais e o desCanso CeleBrativo 233 O universo desenvolvese em Deus que o preenche completamente E portanto há um mistério a contemplar numa folha numa vere da no orvalho no rosto do pobre159 O ideal não é só passar da exterioridade à interioridade para descobrir a acção de Deus na alma mas também chegar a encontráLo em todas as coisas como 159 Um mestre espiritual Ali AlKhawwas partindo da sua própria experiência assinalava a necessidade de não separar demasiado as criaturas do mundo e a experiência de Deus na interioridade Dizia ele Não é preciso criticar preconceituosa mente aqueles que procuram o êxtase na música ou na poesia Há um segredo subtil em cada um dos movimentos e dos sons deste mundo Os iniciados chegam a captar o que dizem o vento que sopra as árvores que se curvam a água que corre as moscas que zunem as portas que rangem o canto dos pássa ros o dedilhar de cordas o silvo da flauta o suspiro dos enfer mos o gemido dos aflitos eva de vitraymeyerovitCh ed Anthologie du soufisme Paris 1978 200 176 ensinava São Boaventura A contemplação é tan to mais elevada quanto mais o homem sente em si mesmo o efeito da graça divina ou quanto mais sabe reconhecer Deus nas outras criaturas 160 234 São João da Cruz ensinava que tudo o que há de bom nas coisas e experiências do mundo encontrase eminentemente em Deus de ma neira infinita ou melhor Ele é cada uma destas grandezas que se pregam 161 E isto não porque as coisas limitadas do mundo sejam realmente divinas mas porque o místico experimenta a li gação íntima que há entre Deus e todos os seres vivos e deste modo sente que Deus é para ele todas as coisas 162 Quando admira a grandeza duma montanha não pode separar isto de Deus e percebe que tal admiração interior que ele vive deve finalizar no Senhor As montanhas têm cumes são altas imponentes belas graciosas floridas e perfumadas Como estas montanhas é o meu Amado para mim Os vales solitários são tranquilos amenos frescos sombreados ricos de doces águas Pela variedade das suas árvores e pelo canto suave das aves oferecem grande di vertimento e encanto aos sentidos e na sua so lidão e silêncio dão refrigério e repouso como estes vales é o meu Amado para mim 163 160 In II Sententiarum 23 2 3 161 Cántico Espiritual XIV 5 162 Ibidem 163 Ibid XIV 67 177 235 Os sacramentos constituem um modo privilegiado em que a natureza é assumida por Deus e transformada em mediação da vida so brenatural Através do culto somos convidados a abraçar o mundo num plano diferente A água o azeite o fogo e as cores são assumidas com toda a sua força simbólica e incorporamse no louvor A mão que abençoa é instrumento do amor de Deus e reflexo da proximidade de Cristo que veio para Se fazer nosso companheiro no caminho da vida A água derramada sobre o corpo da criança baptizada é sinal de vida nova Não fugimos do mundo nem negamos a natureza quando quere mos encontrarnos com Deus Notase isto parti cularmente na espiritualidade do Oriente cristão A beleza que no Oriente é um dos nomes mais queridos para exprimir a harmonia divina e o modelo da humanidade transfigurada mostrase em toda a parte nas formas do templo nos sons nas cores nas luzes nos perfumes 164 Segundo a experiência cristã todas as criaturas do universo material encontram o seu verdadeiro sentido no Verbo encarnado porque o Filho de Deus incor porou na sua pessoa parte do universo material onde introduziu um gérmen de transformação definitiva O cristianismo não rejeita a matéria pelo contrário a corporeidade é valorizada ple namente no acto litúrgico onde o corpo humano mostra sua íntima natureza de templo do Espí 164 João Paulo ii Carta ap Orientale lumen 2 de Maio de 1995 11 AAS 87 1995 757 178 rito Santo e chega a unirse a Jesus Senhor feito também Ele corpo para a salvação do mundo 165 236 A criação encontra a sua maior elevação na Eucaristia A graça que tende a manifestarse de modo sensível atinge uma expressão maravi lhosa quando o próprio Deus feito homem che ga ao ponto de fazerSe comer pela sua criatura No apogeu do mistério da Encarnação o Senhor quer chegar ao nosso íntimo através dum pedaço de matéria Não o faz de cima mas de dentro para podermos encontráLo a Ele no nosso pró prio mundo Na Eucaristia já está realizada a ple nitude sendo o centro vital do universo centro transbordante de amor e de vida sem fim Unido ao Filho encarnado presente na Eucaristia todo o cosmos dá graças a Deus Com efeito a Euca ristia é por si mesma um acto de amor cósmico Sim cósmico Porque mesmo quando tem lugar no pequeno altar duma igreja da aldeia a Euca ristia é sempre celebrada de certo modo sobre o altar do mundo 166 A Eucaristia une o céu e a terra abraça e penetra toda a criação O mundo saído das mãos de Deus volta a Ele em feliz e plena adoração no Pão Eucarístico a criação propen de para a divinização para as santas núpcias para a unificação com o próprio Criador 167 Por isso 165 Ibidem 166 idem Carta enc Ecclesia de Eucharistia 17 de Abril de 2003 8 AAS 95 2003 438 167 Bento Xvi Homilia na Missa de Corpus Christi 15 de Junho de 2006 AAS 98 2006 513 LOsservatore Romano ed portuguesa de 24VI2006 3 179 a Eucaristia é também fonte de luz e motivação para as nossas preocupações pelo meio ambien te e levanos a ser guardiões da criação inteira 237 A participação na Eucaristia é especial mente importante ao domingo Este dia à seme lhança do sábado judaico énos oferecido como dia de cura das relações do ser humano com Deus consigo mesmo com os outros e com o mundo O domingo é o dia da Ressurreição o primeiro dia da nova criação que tem as suas primícias na humanidade ressuscitada do Senhor garantia da transfiguração final de toda a realida de criada Além disso este dia anuncia o des canso eterno do homem em Deus 168 Assim a espiritualidade cristã integra o valor do repouso e da festa O ser humano tende a reduzir o descan so contemplativo ao âmbito do estéril e do inútil esquecendo que deste modo se tira à obra rea lizada o mais importante o seu significado Na nossa actividade somos chamados a incluir uma dimensão receptiva e gratuita o que é diferente da simples inactividade Tratase doutra maneira de agir que pertence à nossa essência Assim a acção humana é preservada não só do activismo vazio mas também da ganância desenfreada e da consciência que se isola buscando apenas o bene fício pessoal A lei do repouso semanal impunha absterse do trabalho no sétimo dia para que descansem o teu boi e o teu jumento e tomem 168 Catecismo da Igreja Católica 2175 180 fôlego o filho da tua serva e o estrangeiro resi dente Ex 23 12 O repouso é uma ampliação do olhar que permite voltar a reconhecer os di reitos dos outros Assim o dia de descanso cujo centro é a Eucaristia difunde a sua luz sobre a semana inteira e encorajanos a assumir o cuida do da natureza e dos pobres 7 a trindade e a relação entre as Criaturas 238 O Pai é a fonte última de tudo fundamen to amoroso e comunicativo de tudo o que exis te O Filho que O reflecte e por Quem tudo foi criado uniuSe a esta terra quando foi forma do no seio de Maria O Espírito vínculo infinito de amor está intimamente presente no coração do universo animando e suscitando novos ca minhos O mundo foi criado pelas três Pessoas como um único princípio divino mas cada uma delas realiza esta obra comum segundo a própria identidade pessoal Por isso quando admira dos contemplamos o universo na sua grandeza e beleza devemos louvar a inteira Trindade 169 239 Para os cristãos acreditar num Deus úni co que é comunhão trinitária leva a pensar que toda a realidade contém em si mesma uma marca propriamente trinitária São Boaventura chega a dizer que o ser humano antes do pecado conse 169 João Paulo ii Catequese 2 de Agosto de 2000 4 In segnamenti 232 2000 112 LOsservatore Romano ed portugue sa de 5VIII2000 8 181 guia descobrir como cada criatura testemunha que Deus é trino O reflexo da Trindade podia se reconhecer na natureza quando esse livro não era obscuro para o homem nem a vista do homem se tinha turvado 170 Este santo francis cano ensinanos que toda a criatura traz em si uma estrutura propriamente trinitária tão real que poderia ser contemplada espontaneamente se o olhar do ser humano não estivesse limitado obscurecido e fragilizado Indicanos assim o desafio de tentar ler a realidade em chave trinitária 240 As Pessoas divinas são relações subsisten tes e o mundo criado segundo o modelo divi no é uma trama de relações As criaturas tendem para Deus e é próprio de cada ser vivo tender por sua vez para outra realidade de modo que no seio do universo podemos encontrar uma sé rie inumerável de relações constantes que secre tamente se entrelaçam171 Isto convidanos não só a admirar os múltiplos vínculos que existem entre as criaturas mas levanos também a desco brir uma chave da nossa própria realização Na verdade a pessoa humana cresce amadurece e santificase tanto mais quanto mais se relaciona sai de si mesma para viver em comunhão com Deus com os outros e com todas as criaturas Assim assume na própria existência aquele dina mismo trinitário que Deus imprimiu nela desde a 170 Quaestiones disputatae de Mysterio Trinitatis 1 2 concl 171 Cf tomás de aquino Summa theologiae I q 11 art 3 q 21 art 1 ad 3 q 47 art 3 182 sua criação Tudo está interligado e isto convida nos a maturar uma espiritualidade da solidarie dade global que brota do mistério da Trindade 8 a rainha de toda a Criação 241 Maria a mãe que cuidou de Jesus agora cuida com carinho e preocupação materna deste mundo ferido Assim como chorou com o cora ção trespassado a morte de Jesus assim também agora Se compadece do sofrimento dos pobres crucificados e das criaturas deste mundo exter minadas pelo poder humano Ela vive com Jesus completamente transfigurada e todas as criaturas cantam a sua beleza É a Mulher vestida de sol com a lua debaixo dos pés e com uma coroa de doze estrelas na cabeça Ap 12 1 Elevada ao céu é Mãe e Rainha de toda a criação No seu corpo glorificado juntamente com Cristo ressus citado parte da criação alcançou toda a plenitude da sua beleza Maria não só conserva no seu co ração toda a vida de Jesus que guardava cuida dosamente cf Lc 2 51 mas agora compreende também o sentido de todas as coisas Por isso podemos pedirLhe que nos ajude a contemplar este mundo com um olhar mais sapiente 242 E ao lado dEla na sagrada família de Na zaré destacase a figura de São José Com o seu trabalho e presença generosa cuidou e defendeu Maria e Jesus e livrouos da violência dos injus tos levandoos para o Egipto No Evangelho aparece descrito como um homem justo traba 183 lhador forte mas da sua figura emana também uma grande ternura própria não de quem é fraco mas de quem é verdadeiramente forte atento à realidade para amar e servir humildemente Por isso foi declarado protector da Igreja universal Também Ele nos pode ensinar a cuidar pode motivarnos a trabalhar com generosidade e ter nura para proteger este mundo que Deus nos confiou 9 Para além do sol 243 No fim encontrarnosemos face a face com a beleza infinita de Deus cf 1 Cor 13 12 e poderemos ler com jubilosa admiração o mis tério do universo o qual terá parte connosco na plenitude sem fim Estamos a caminhar para o sábado da eternidade para a nova Jerusalém para a casa comum do Céu Diznos Jesus Eu renovo todas as coisas Ap 21 5 A vida eter na será uma maravilha compartilhada onde cada criatura esplendorosamente transformada ocu pará o seu lugar e terá algo para oferecer aos po bres definitivamente libertados 244 Na expectativa da vida eterna unimonos para tomar a nosso cargo esta casa que nos foi confiada sabendo que aquilo de bom que há nela será assumido na festa do Céu Juntamente com todas as criaturas caminhamos nesta terra à procura de Deus porque se o mundo tem um princípio e foi criado procura quem o criou procura quem lhe deu início aquele que é o seu 184 Criador 172 Caminhemos cantando que as nos sas lutas e a nossa preocupação por este planeta não nos tirem a alegria da esperança 245 Deus que nos chama a uma generosa en trega e a oferecerLhe tudo também nos dá as forças e a luz de que necessitamos para prosse guir No coração deste mundo permanece pre sente o Senhor da vida que tanto nos ama Não nos abandona não nos deixa sozinhos porque Se uniu definitivamente à nossa terra e o seu amor sempre nos leva a encontrar novos cami nhos Que Ele seja louvado 246 Depois desta longa reflexão jubilosa e ao mesmo tempo dramática proponho duas ora ções uma que podemos partilhar todos quantos acreditamos num Deus Criador Omnipotente e outra pedindo que nós cristãos saibamos assu mir os compromissos para com a criação que o Evangelho de Jesus nos propõe Oração pela nossa terra Deus Omnipotente que estais presente em todo o universo e na mais pequenina das vossas criaturas Vós que envolveis com a vossa ternura tudo o que existe derramai em nós a força do vosso amor 172 Basílio magno Hom in Hexaemeron 1 2 6 PG 29 8 185 para cuidarmos da vida e da beleza Inundainos de paz para que vivamos como irmãos e irmãs sem prejudicar ninguém Ó Deus dos pobres ajudainos a resgatar os abandonados e esquecidos desta terra que valem tanto aos vossos olhos Curai a nossa vida para que protejamos o mundo e não o depredemos para que semeemos beleza e não poluição nem destruição Tocai os corações daqueles que buscam apenas benefícios à custa dos pobres e da terra Ensinainos a descobrir o valor de cada coisa a contemplar com encanto a reconhecer que estamos profundamente unidos com todas as criaturas no nosso caminho para a vossa luz infinita Obrigado porque estais connosco todos os dias Sustentainos por favor na nossa luta pela justiça o amor e a paz Oração cristã com a criação Nós Vos louvamos Pai com todas as vossas criaturas que saíram da vossa mão poderosa São vossas e estão repletas da vossa presença e da vossa ternura Louvado sejais 186 Filho de Deus Jesus por Vós foram criadas todas as coisas Fostes formado no seio materno de Maria fizestesVos parte desta terra e contemplastes este mundo com olhos humanos Hoje estais vivo em cada criatura com a vossa glória de ressuscitado Louvado sejais Espírito Santo que com a vossa luz guiais este mundo para o amor do Pai e acompanhais o gemido da criação Vós viveis também nos nossos corações a fim de nos impelir para o bem Louvado sejais Senhor Deus Uno e Trino comunidade estupenda de amor infinito ensinainos a contemplarVos na beleza do universo onde tudo nos fala de Vós Despertai o nosso louvor e a nossa gratidão por cada ser que criastes Dainos a graça de nos sentirmos intimamente unidos a tudo o que existe Deus de amor mostrainos o nosso lugar neste mundo como instrumentos do vosso carinho por todos os seres desta terra porque nem um deles sequer é esquecido por Vós Iluminai os donos do poder e do dinheiro 187 para que não caiam no pecado da indiferença amem o bem comum promovam os fracos e cuidem deste mundo que habitamos Os pobres e a terra estão bradando Senhor tomainos sob o vosso poder e a vossa luz para proteger cada vida para preparar um futuro melhor para que venha o vosso Reino de justiça paz amor e beleza Louvado sejais Amen Dado em Roma junto de São Pedro no dia 24 de Maio Solenidade de Pentecostes de 2015 terceiro ano do meu Pontificado 189 ÍNDICE laudato si mi Signore 12 3 Nada deste mundo nos é indiferente 36 4 Unidos por uma preocupação comum 79 7 São Francisco de Assis 1012 10 O meu apelo 1316 12 CaPítulo I O QUE ESTÁ A ACONTECER À NOSSA CASA 1 Poluição e mudanças ClimátiCas 18 Poluição resíduos e cultura do descarte 2022 18 O clima como bem comum 2326 20 2 a questão da água 2731 24 3 Perda de Biodiversidade 3242 27 4 deterioração da qualidade de vida humana e degradação soCial 4347 34 5 desigualdade Planetária 4852 37 6 a fraqueza das reaCções 5359 43 7 diversidade de oPiniões 6061 47 CaPítulo II O EVANGELHO DA CRIAÇÃO 1 a luz que a fé ofereCe 6364 49 2 a saBedoria das narrações BíBliCas 6575 51 3 o mistério do universo 7683 60 4 a mensagem de Cada Criatura na har monia de toda a Criação 8488 66 5 uma Comunhão universal 8992 70 190 6 o destino Comum dos Bens 9395 73 7 o olhar de Jesus 96100 75 CaPítulo iii A RAIZ HUMANA DA CRISE ECOLÓGICA 1 a teCnologia Criatividade e Poder 102105 79 2 a gloBalização do Paradigma teCno CrátiCo 106114 82 3 Crise do antroPoCentrismo moderno e suas ConsequênCias 115121 90 O relativismo prático 122123 94 A necessidade de defender o trabalho 124129 96 A inovação biológica a partir da pesquisa 130136 101 CaPítulo iv UMA ECOLOGIA INTEGRAL 1 eCologia amBiental eConómiCa e so Cial 138142 107 2 eCologia Cultural 143146 112 3 eCologia da vida quotidiana 147155 114 4 o PrinCíPio do Bem Comum 156158 120 5 a Justiça intergeneraCional 159162 122 CaPítulo V ALGUMAS LINHAS DE ORIENTAÇÃO E ACÇÃO 1 o diálogo soBre o meio amBiente na PolítiCa internaCional 164175 127 2 o diálogo Para novas PolítiCas na Cionais e loCais 176181 135 3 diálogo e transParênCia nos ProCes sos deCisórios 182188 140 4 PolítiCa e eConomia em diálogo Para a Plenitude humana 189198 144 5 as religiões no diálogo Com as Ciên Cias 199201 152 CaPítulo VI EDUCAÇÃO E ESPIRITUALIDADE ECOLÓGICAS 1 aPontar Para outro estilo de vida 203208 155 2 eduCar Para a aliança entre a huma nidade e o amBiente 209215 159 3 a Conversão eCológiCa 216221 164 4 alegria e Paz 222227 168 5 amor Civil e PolítiCo 228232 172 6 os sinais saCramentais e o desCanso CeleBrativo 233237 175 7 a trindade e a relação entre as Cria turas 238240 180 8 a rainha de toda a Criação 241242 182 9 Para além do sol 243246 183 Oração pela nossa terra 184 Oração cristã com a criação 185 TIPOGRAFIA VATICANA
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CARTA ENCÍCLICA LAUDATO SI DO SANTO PADRE FRANCISCO SOBRE O CUIDADO DA CASA COMUM 3 1 Laudato si mi Signore Louvado se jas meu Senhor cantava São Francisco de As sis Neste gracioso cântico recordavanos que a nossa casa comum se pode comparar ora a uma irmã com quem partilhamos a existência ora a uma boa mãe que nos acolhe nos seus braços Louvado sejas meu Senhor pela nossa irmã a mãe terra que nos sustenta e governa e produz variados frutos com flores coloridas e verduras 1 2 Esta irmã clama contra o mal que lhe provo camos por causa do uso irresponsável e do abuso dos bens que Deus nela colocou Crescemos a pensar que éramos seus proprietários e domina dores autorizados a saqueála A violência que está no coração humano ferido pelo pecado vis lumbrase nos sintomas de doença que notamos no solo na água no ar e nos seres vivos Por isso entre os pobres mais abandonados e maltratados contase a nossa terra oprimida e devastada que geme e sofre as dores do parto Rm 8 22 Es quecemonos de que nós mesmos somos terra cf Gn 2 7 O nosso corpo é constituído pelos elementos do planeta o seu ar permitenos respi rar e a sua água vivificanos e restauranos 1 Cantico delle creature Fonti Francescane 263 4 Nada deste mundo nos é indiferente 3 Mais de cinquenta anos atrás quando o mundo estava oscilando sobre o fio duma cri se nuclear o Santo Papa João XXIII escreveu uma encíclica na qual não se limitava a rejeitar a guerra mas quis transmitir uma proposta de paz Dirigiu a sua mensagem Pacem in terris a todo o mundo católico mas acrescentava e a todas as pessoas de boa vontade Agora à vista da dete rioração global do ambiente quero dirigirme a cada pessoa que habita neste planeta Na minha exortação Evangelii gaudium escrevi aos membros da Igreja a fim de os mobilizar para um proces so de reforma missionária ainda pendente Nesta encíclica pretendo especialmente entrar em diá logo com todos acerca da nossa casa comum 4 Oito anos depois da Pacem in terris em 1971 o Beato Papa Paulo VI referiuse à problemática ecológica apresentandoa como uma crise que é consequência dramática da actividade descon trolada do ser humano Por motivo de uma ex ploração inconsiderada da natureza o ser huma no começa a correr o risco de a destruir e de vir a ser também ele vítima dessa degradação 2 E dirigindose à FAO falou da possibilidade duma catástrofe ecológica sob o efeito da explosão da civilização industrial sublinhando a necessida de urgente duma mudança radical no comporta 2 Carta ap Octogesima adveniens 14 de Maio de 1971 21 AAS 63 1971 416417 5 mento da humanidade porque os progressos científicos mais extraordinários as invenções téc nicas mais assombrosas o desenvolvimento eco nómico mais prodigioso se não estiverem unidos a um progresso social e moral voltamse neces sariamente contra o homem 3 5 São João Paulo II debruçouse com interes se sempre maior sobre este tema Na sua primei ra encíclica advertiu que o ser humano parece não darse conta de outros significados do seu ambiente natural para além daqueles que servem somente para os fins de um uso ou consumo imediatos 4 Mais tarde convidou a uma conversão ecológica global5 Entretanto fazia notar o pouco empenho que se põe em salvaguardar as con dições morais de uma autêntica ecologia huma na 6 A destruição do ambiente humano é um facto muito grave porque por um lado Deus confiou o mundo ao ser humano e por outro a própria vida humana é um dom que deve ser protegido de várias formas de degradação Toda a pretensão de cuidar e melhorar o mundo re quer mudanças profundas nos estilos de vida 3 Discurso à FAO no seu XXV aniversário 16 de Novembro de 1970 4 AAS 62 1970 833 LOsservatore Romano ed portuguesa de 22XI1970 6 4 Carta enc Redemptor hominis 4 de Março de 1979 15 AAS 71 1979 287 5 Cf Catequese 17 de Janeiro de 2001 4 Insegnamenti 241 2001 179 LOsservatore Romano ed portuguesa de 20I2001 8 6 Carta enc Centesimus annus 1 de Maio de 1991 38 AAS 83 1991 841 6 nos modelos de produção e de consumo nas es truturas consolidadas de poder que hoje regem as sociedades 7 O progresso humano autêntico possui um carácter moral e pressupõe o pleno respeito pela pessoa humana mas deve prestar atenção também ao mundo natural e ter em conta a natureza de cada ser e as ligações mútuas entre todos num sistema ordenado 8 Assim a capacidade do ser humano transformar a reali dade deve desenvolverse com base na doação originária das coisas por parte de Deus9 6 O meu predecessor Bento XVI renovou o convite a eliminar as causas estruturais das dis funções da economia mundial e corrigir os mo delos de crescimento que parecem incapazes de garantir o respeito do meio ambiente 10 Lem brou que o mundo não pode ser analisado con centrandose apenas sobre um dos seus aspectos porque o livro da natureza é uno e indivisível incluindo entre outras coisas o ambiente a vida a sexualidade a família as relações sociais É que a degradação da natureza está estreitamente li gada à cultura que molda a convivência huma na 11 O Papa Bento XVI propôsnos reconhe 7 Ibid 58 o c 863 8 João Paulo II Carta enc Sollicitudo rei socialis 30 de Dezembro de 1987 34 AAS 80 1988 559 9 Cf idem Carta enc Centesimus annus 1 de Maio de 1991 37 AAS 83 1991 840 10 Discurso ao Corpo Diplomático acreditado junto da Santa Sé 8 de Janeiro de 2007 AAS 99 2007 73 11 Carta enc Caritas in veritate 29 de Junho de 2009 51 AAS 101 2009 687 7 cer que o ambiente natural está cheio de chagas causadas pelo nosso comportamento irresponsá vel o próprio ambiente social tem as suas cha gas Mas fundamentalmente todas elas se ficam a dever ao mesmo mal isto é à ideia de que não existem verdades indiscutíveis a guiar a nossa vida pelo que a liberdade humana não tem limi tes Esquecese que o homem não é apenas uma liberdade que se cria por si própria O homem não se cria a si mesmo Ele é espírito e vontade mas é também natureza 12 Com paterna solicitude convidounos a reconhecer que a criação resulta comprometida onde nós mesmos somos a úl tima instância onde o conjunto é simplesmente nossa propriedade e onde o consumimos somente para nós mesmos E o desperdício da criação co meça onde já não reconhecemos qualquer instân cia acima de nós mas vemonos unicamente a nós mesmos 13 Unidos por uma preocupação comum 7 Estas contribuições dos Papas recolhem a reflexão de inúmeros cientistas filósofos teólo gos e organizações sociais que enriqueceram o pensamento da Igreja sobre estas questões Mas não podemos ignorar que também fora da Igreja 12 Discurso ao Bundestag Berlim 22 de Setembro de 2011 AAS 103 2011 664 LOsservatore Romano ed portuguesa de 24IX2011 5 13 Bento XVI Discurso ao clero da diocese de BolzanoBressa none 6 de Agosto de 2008 AAS 100 2008 634 LOsservatore Romano ed portuguesa de 16VIII2008 5 8 Católica noutras Igrejas e Comunidades cristãs bem como noutras religiões se tem desenvol vido uma profunda preocupação e uma reflexão valiosa sobre estes temas que a todos nos estão a peito Apenas para dar um exemplo particular mente significativo quero retomar brevemente parte da contribuição do amado Patriarca Ecu ménico Bartolomeu com quem partilhamos a esperança da plena comunhão eclesial 8 O Patriarca Bartolomeu temse referido par ticularmente à necessidade de cada um se arre pender do próprio modo de maltratar o plane ta porque todos na medida em que causamos pequenos danos ecológicos somos chamados a reconhecer a nossa contribuição pequena ou grande para a desfiguração e destruição do ambiente 14 Sobre este ponto ele pronunciouse repetidamente de maneira firme e encorajadora convidandonos a reconhecer os pecados contra a criação Quando os seres humanos destroem a biodiversidade na criação de Deus quando os seres humanos comprometem a integridade da terra e contribuem para a mudança climática desnudando a terra das suas florestas naturais ou destruindo as suas zonas húmidas quando os se res humanos contaminam as águas o solo o ar tudo isso é pecado 15 Porque um crime contra 14 Mensagem para o Dia de Oração pela salvaguarda da criação 1 de Setembro de 2012 15 Discurso em Santa Bárbara Califórnia 8 de Novembro de 1997 cf John Chryssavgis On Earth as in Heaven Ecological 9 a natureza é um crime contra nós mesmos e um pecado contra Deus 16 9 Ao mesmo tempo Bartolomeu chamou a atenção para as raízes éticas e espirituais dos problemas ambientais que nos convidam a en contrar soluções não só na técnica mas também numa mudança do ser humano caso contrário estaríamos a enfrentar apenas os sintomas Pro pôsnos passar do consumo ao sacrifício da avi dez à generosidade do desperdício à capacidade de partilha numa ascese que significa aprender a dar e não simplesmente renunciar É um modo de amar de passar pouco a pouco do que eu quero àquilo de que o mundo de Deus precisa É libertação do medo da avidez da dependên cia 17 Além disso nós cristãos somos chamados a aceitar o mundo como sacramento de comu nhão como forma de partilhar com Deus e com o próximo numa escala global É nossa humilde convicção que o divino e o humano se encon tram no menor detalhe da túnica inconsútil da criação de Deus mesmo no último grão de poei ra do nosso planeta 18 Vision and Initiatives of Ecumenical Patriarch Bartholomew Bronx Nova Iorque 2012 16 Ibidem 17 Conferência no Mosteiro de Utstein Noruega 23 de Junho de 2003 18 Bartolomeu Discurso Global Responsibility and Ecological Sustainability Closing Remarks I Cimeira de Halki Istambul 20 de Junho de 2012 São Francisco de Assis 10 Não quero prosseguir esta encíclica sem in vocar um modelo belo e motivador Tomei o seu nome por guia e inspiração no momento da mi nha eleição para Bispo de Roma Acho que Fran cisco é o exemplo por excelência do cuidado pelo que é frágil e por uma ecologia integral vivida com alegria e autenticidade É o santo padroeiro de todos os que estudam e trabalham no campo da ecologia amado também por muitos que não são cristãos Manifestou uma atenção particular pela criação de Deus e pelos mais pobres e aban donados Amava e era amado pela sua alegria a sua dedicação generosa o seu coração universal Era um místico e um peregrino que vivia com simplicidade e numa maravilhosa harmonia com Deus com os outros com a natureza e consigo mesmo Nele se nota até que ponto são insepa ráveis a preocupação pela natureza a justiça para com os pobres o empenhamento na sociedade e a paz interior 11 O seu testemunho mostranos também que uma ecologia integral requer abertura para cate gorias que transcendem a linguagem das ciências exactas ou da biologia e nos põem em contacto com a essência do ser humano Tal como acon tece a uma pessoa quando se enamora por ou tra a reacção de Francisco sempre que olhava o sol a lua ou os minúsculos animais era cantar envolvendo no seu louvor todas as outras cria turas Entrava em comunicação com toda a cria ção chegando mesmo a pregar às flores convi 10 11 dandoas a louvar o Senhor como se gozassem do dom da razão 19 A sua reacção ultrapassava de longe uma mera avaliação intelectual ou um cálculo económico porque para ele qualquer criatura era uma irmã unida a ele por laços de carinho Por isso sentiase chamado a cuidar de tudo o que existe São Boaventura seu discípulo contava que ele enchendose da maior ternura ao considerar a origem comum de todas as coi sas dava a todas as criaturas por mais desprezí veis que parecessem o doce nome de irmãos e irmãs 20 Esta convicção não pode ser desvalori zada como romantismo irracional pois influi nas opções que determinam o nosso comportamen to Se nos aproximarmos da natureza e do meio ambiente sem esta abertura para a admiração e o encanto se deixarmos de falar a língua da frater nidade e da beleza na nossa relação com o mun do então as nossas atitudes serão as do domina dor do consumidor ou de um mero explorador dos recursos naturais incapaz de pôr um limite aos seus interesses imediatos Pelo contrário se nos sentirmos intimamente unidos a tudo o que existe então brotarão de modo espontâneo a so briedade e a solicitude A pobreza e a austeridade de São Francisco não eram simplesmente um as cetismo exterior mas algo de mais radical uma renúncia a fazer da realidade um mero objecto de uso e domínio 19 tomás de Celano Vita prima di San Francesco XXIX 81 Fonti Francescane 460 20 Legenda Maior VIII 6 Fonti Francescane 1145 12 12 Por outro lado São Francisco fiel à Sagra da Escritura propõenos reconhecer a natureza como um livro esplêndido onde Deus nos fala e transmite algo da sua beleza e bondade Na grandeza e na beleza das criaturas contemplase por analogia o seu Criador Sab 13 5 e o que é invisível nEle o seu eterno poder e divindade tornouse visível à inteligência desde a criação do mundo nas suas obras Rm 1 20 Por isso Francisco pedia que no convento se deixasse sempre uma parte do horto por cultivar para aí crescerem as ervas silvestres a fim de que quem as admirasse pudesse elevar o seu pensamento a Deus autor de tanta beleza21 O mundo é algo mais do que um problema a resolver é um mis tério gozoso que contemplamos na alegria e no louvor O meu apelo 13 O urgente desafio de proteger a nossa casa comum inclui a preocupação de unir toda a fa mília humana na busca de um desenvolvimento sustentável e integral pois sabemos que as coi sas podem mudar O Criador não nos abandona nunca recua no seu projecto de amor nem Se ar repende de nos ter criado A humanidade possui ainda a capacidade de colaborar na construção da nossa casa comum Desejo agradecer encorajar e manifestar apreço a quantos nos mais variados 21 Cf tomás de Celano Vita seconda di San Francesco CXXIV 165 Fonti Francescane 750 13 sectores da actividade humana estão a trabalhar para garantir a protecção da casa que partilha mos Uma especial gratidão é devida àqueles que lutam com vigor por resolver as dramáticas consequências da degradação ambiental na vida dos mais pobres do mundo Os jovens exigem de nós uma mudança interrogamse como se pode pretender construir um futuro melhor sem pen sar na crise do meio ambiente e nos sofrimentos dos excluídos 14 Lanço um convite urgente a renovar o diá logo sobre a maneira como estamos a construir o futuro do planeta Precisamos de um debate que nos una a todos porque o desafio ambiental que vivemos e as suas raízes humanas dizem respeito e têm impacto sobre todos nós O movimento ecológico mundial já percorreu um longo e rico caminho tendo gerado numerosas agregações de cidadãos que ajudaram na consciencialização Infelizmente muitos esforços na busca de solu ções concretas para a crise ambiental acabam com frequência frustrados não só pela recusa dos poderosos mas também pelo desinteresse dos outros As atitudes que dificultam os cami nhos de solução mesmo entre os crentes vão da negação do problema à indiferença à resignação acomodada ou à confiança cega nas soluções téc nicas Precisamos de nova solidariedade univer sal Como disseram os bispos da África do Sul são necessários os talentos e o envolvimento de todos para reparar o dano causado pelos humanos 14 sobre a criação de Deus 22 Todos podemos co laborar como instrumentos de Deus no cuidado da criação cada um a partir da sua cultura expe riência iniciativas e capacidades 15 Espero que esta carta encíclica que se inse re no magistério social da Igreja nos ajude a re conhecer a grandeza a urgência e a beleza do de safio que temos pela frente Em primeiro lugar farei uma breve resenha dos vários aspectos da actual crise ecológica com o objectivo de assu mir os melhores frutos da pesquisa científica ac tualmente disponível deixarse tocar por ela em profundidade e dar uma base concreta ao per curso ético e espiritual seguido A partir desta pa norâmica retomarei algumas argumentações que derivam da tradição judaicocristã a fim de dar maior coerência ao nosso compromisso com o meio ambiente Depois procurarei chegar às raí zes da situação actual de modo a individuar não apenas os seus sintomas mas também as causas mais profundas Poderemos assim propor uma ecologia que nas suas várias dimensões integre o lugar específico que o ser humano ocupa neste mundo e as suas relações com a realidade que o rodeia À luz desta reflexão quereria dar mais um passo verificando algumas das grandes linhas de diálogo e de acção que envolvem seja cada um de nós seja a política internacional Finalmente con 22 ConferênCia dos BisPos CatóliCos da áfriCa do sul Pastoral Statement on the Environmental Crisis 5 de Setembro de 1999 15 vencido como estou de que toda a mudança tem necessidade de motivações e dum caminho educativo proporei algumas linhas de maturação humana inspiradas no tesouro da experiência es piritual cristã 16 Embora cada capítulo tenha a sua temáti ca própria e uma metodologia específica o su cessivo retoma por sua vez a partir duma nova perspectiva questões importantes abordadas nos capítulos anteriores Isto diz respeito especial mente a alguns eixos que atravessam a encíclica inteira Por exemplo a relação íntima entre os pobres e a fragilidade do planeta a convicção de que tudo está estreitamente interligado no mun do a crítica do novo paradigma e das formas de poder que derivam da tecnologia o convite a procurar outras maneiras de entender a econo mia e o progresso o valor próprio de cada criatu ra o sentido humano da ecologia a necessidade de debates sinceros e honestos a grave responsa bilidade da política internacional e local a cultura do descarte e a proposta dum novo estilo de vida Estes temas nunca se dão por encerrados nem se abandonam mas são constantemente retomados e enriquecidos 17 CAPÍTULO I O QUE ESTÁ A ACONTECER À NOSSA CASA 17 As reflexões teológicas ou filosóficas sobre a situação da humanidade e do mundo podem soar como uma mensagem repetida e vazia se não forem apresentadas novamente a partir dum confronto com o contexto actual no que este tem de inédito para a história da humanidade Por isso antes de reconhecer como a fé traz novas motivações e exigências face ao mundo de que fazemos parte proponho que nos detenhamos brevemente a considerar o que está a acontecer à nossa casa comum 18 A contínua aceleração das mudanças na hu manidade e no planeta juntase hoje à intensifica ção dos ritmos de vida e trabalho que alguns em espanhol designam por rapidación Embora a mudança faça parte da dinâmica dos sistemas complexos a velocidade que hoje lhe impõem as acções humanas contrasta com a lentidão natu ral da evolução biológica A isto vem juntarse o problema de que os objectivos desta mudan ça rápida e constante não estão necessariamen te orientados para o bem comum e para um de senvolvimento humano sustentável e integral A mudança é algo desejável mas tornase preocu 18 pante quando se transforma em deterioração do mundo e da qualidade de vida de grande parte da humanidade 19 Depois dum tempo de confiança irracional no progresso e nas capacidades humanas uma parte da sociedade está a entrar numa etapa de maior consciencialização Notase uma crescente sensibilidade relativamente ao meio ambiente e ao cuidado da natureza e cresce uma sincera e sentida preocupação pelo que está a acontecer ao nosso planeta Façamos uma resenha certamen te incompleta das questões que hoje nos causam inquietação e já não se podem esconder debaixo do tapete O objectivo não é recolher informa ções ou satisfazer a nossa curiosidade mas tomar dolorosa consciência ousar transformar em so frimento pessoal aquilo que acontece ao mundo e assim reconhecer a contribuição que cada um lhe pode dar 1 Poluição e mudanças ClimátiCas Poluição resíduos e cultura do descarte 20 Existem formas de poluição que afectam diariamente as pessoas A exposição aos po luentes atmosféricos produz uma vasta gama de efeitos sobre a saúde particularmente dos mais pobres e provocam milhões de mortes prematu ras Adoecem por exemplo por causa da inala ção de elevadas quantidades de fumo produzido pelos combustíveis utilizados para cozinhar ou 19 aquecerse A isto vem juntarse a poluição que afecta a todos causada pelo transporte pelos fu mos da indústria pelas descargas de substâncias que contribuem para a acidificação do solo e da água pelos fertilizantes insecticidas fungicidas pesticidas e agrotóxicos em geral Na realidade a tecnologia que ligada à finança pretende ser a única solução dos problemas é incapaz de ver o mistério das múltiplas relações que existem entre as coisas e por isso às vezes resolve um proble ma criando outros 21 Devemos considerar também a poluição produzida pelos resíduos incluindo os perigosos presentes em variados ambientes Produzemse anualmente centenas de milhões de toneladas de resíduos muitos deles não biodegradáveis re síduos domésticos e comerciais detritos de de molições resíduos clínicos electrónicos e indus triais resíduos altamente tóxicos e radioactivos A terra nossa casa parece transformarse cada vez mais num imenso depósito de lixo Em mui tos lugares do planeta os idosos recordam com saudade as paisagens de outrora que agora vêem submersas de lixo Tanto os resíduos industriais como os produtos químicos utilizados nas cida des e nos campos podem produzir um efeito de bioacumulação nos organismos dos moradores nas áreas limítrofes que se verifica mesmo quan do é baixo o nível de presença dum elemento tóxico num lugar Muitas vezes só se adoptam medidas quando já se produziram efeitos irrever síveis na saúde das pessoas 20 22 Estes problemas estão intimamente ligados à cultura do descarte que afecta tanto os seres humanos excluídos como as coisas que se con vertem rapidamente em lixo Notese por exem plo como a maior parte do papel produzido se desperdiça sem ser reciclado Custanos a reco nhecer que o funcionamento dos ecossistemas naturais é exemplar as plantas sintetizam subs tâncias nutritivas que alimentam os herbívoros estes por sua vez alimentam os carnívoros que fornecem significativas quantidades de resíduos orgânicos que dão origem a uma nova geração de vegetais Ao contrário o sistema industrial no final do ciclo de produção e consumo não desen volveu a capacidade de absorver e reutilizar resí duos e escórias Ainda não se conseguiu adoptar um modelo circular de produção que assegure recursos para todos e para as gerações futuras e que exige limitar o mais possível o uso dos re cursos nãorenováveis moderando o seu consu mo maximizando a eficiência no seu aproveita mento reutilizando e reciclandoos A resolução desta questão seria uma maneira de contrastar a cultura do descarte que acaba por danificar o pla neta inteiro mas notase que os progressos neste sentido são ainda muito escassos O clima como bem comum 23 O clima é um bem comum um bem de to dos e para todos A nível global é um sistema complexo que tem a ver com muitas condições 21 essenciais para a vida humana Há um consen so científico muito consistente indicando que estamos perante um preocupante aquecimento do sistema climático Nas últimas décadas este aquecimento foi acompanhado por uma elevação constante do nível do mar sendo difícil não o re lacionar ainda com o aumento de acontecimentos meteorológicos extremos embora não se possa atribuir uma causa cientificamente determinada a cada fenómeno particular A humanidade é chamada a tomar consciência da necessidade de mudanças de estilos de vida de produção e de consumo para combater este aquecimento ou pelo menos as causas humanas que o produzem ou acentuam É verdade que há outros factores tais como o vulcanismo as variações da órbita e do eixo terrestre o ciclo solar mas numerosos estudos científicos indicam que a maior parte do aquecimento global das últimas décadas é devida à alta concentração de gases com efeito de estufa anidrido carbónico metano óxido de azoto e outros emitidos sobretudo por causa da activi dade humana A sua concentração na atmosfera impede que o calor dos raios solares reflectidos pela terra se dilua no espaço Isto é particular mente agravado pelo modelo de desenvolvimen to baseado no uso intensivo de combustíveis fósseis que está no centro do sistema energético mundial E incidiu também a prática crescente de mudar a utilização do solo principalmente o des florestamento para finalidade agrícola 22 24 Por sua vez o aquecimento influi sobre o ciclo do carbono Cria um ciclo vicioso que agra va ainda mais a situação e que incidirá sobre a disponibilidade de recursos essenciais como a água potável a energia e a produção agrícola das áreas mais quentes e provocará a extinção de par te da biodiversidade do planeta O derretimento das calotas polares e dos glaciares a grande alti tude ameaça com uma libertação de alto risco de gás metano e a decomposição da matéria or gânica congelada poderia acentuar ainda mais a emissão de anidrido carbónico Entretanto a per da das florestas tropicais piora a situação pois estas ajudam a mitigar a mudança climática A poluição produzida pelo anidrido carbónico au menta a acidez dos oceanos e compromete a ca deia alimentar marinha Se a tendência actual se mantiver este século poderá ser testemunha de mudanças climáticas inauditas e duma destruição sem precedentes dos ecossistemas com graves consequências para todos nós Por exemplo a su bida do nível do mar pode criar situações de ex trema gravidade se se considera que um quarto da população mundial vive à beiramar ou muito perto dele e a maior parte das megacidades estão situadas em áreas costeiras 25 As mudanças climáticas são um problema global com graves implicações ambientais so ciais económicas distributivas e políticas cons tituindo actualmente um dos principais desafios para a humanidade Provavelmente os impactos 23 mais sérios recairão nas próximas décadas so bre os países em vias de desenvolvimento Mui tos pobres vivem em lugares particularmente afectados por fenómenos relacionados com o aquecimento e os seus meios de subsistência de pendem fortemente das reservas naturais e dos chamados serviços do ecossistema como a agri cultura a pesca e os recursos florestais Não pos suem outras disponibilidades económicas nem outros recursos que lhes permitam adaptarse aos impactos climáticos ou enfrentar situações catas tróficas e gozam de reduzido acesso a serviços sociais e de protecção Por exemplo as mudanças climáticas dão origem a migrações de animais e vegetais que nem sempre conseguem adaptarse e isto por sua vez afecta os recursos produti vos dos mais pobres que são forçados também a emigrar com grande incerteza quanto ao futuro da sua vida e dos seus filhos É trágico o aumento de emigrantes em fuga da miséria agravada pela degradação ambiental que não sendo reconhe cidos como refugiados nas convenções interna cionais carregam o peso da sua vida abandonada sem qualquer tutela normativa Infelizmente ve rificase uma indiferença geral perante estas tra gédias que estão acontecendo agora mesmo em diferentes partes do mundo A falta de reacções diante destes dramas dos nossos irmãos e irmãs é um sinal da perda do sentido de responsabilidade pelos nossos semelhantes sobre o qual se funda toda a sociedade civil 24 26 Muitos daqueles que detêm mais recursos e poder económico ou político parecem con centrarse sobretudo em mascarar os problemas ou ocultar os seus sintomas procurando apenas reduzir alguns impactos negativos de mudanças climáticas Mas muitos sintomas indicam que tais efeitos poderão ser cada vez piores se continuar mos com os modelos actuais de produção e con sumo Por isso tornouse urgente e imperioso o desenvolvimento de políticas capazes de fazer com que nos próximos anos a emissão de ani drido carbónico e outros gases altamente poluen tes se reduza drasticamente por exemplo substi tuindo os combustíveis fósseis e desenvolvendo fontes de energia renovável No mundo é exíguo o nível de acesso a energias limpas e renováveis Mas ainda é necessário desenvolver adequadas tecnologias de acumulação Entretanto nalguns países registaramse avanços que começam a ser significativos embora estejam longe de atingir uma proporção importante Houve também al guns investimentos em modalidades de produ ção e transporte que consomem menos energia exigindo menor quantidade de matériasprimas bem como em modalidades de construção ou restruturação de edifícios para se melhorar a sua eficiência energética Mas estas práticas promis soras estão longe de se tornar omnipresentes 2 a questão da água 27 Outros indicadores da situação actual têm a ver com o esgotamento dos recursos naturais É 25 bem conhecida a impossibilidade de sustentar o nível actual de consumo dos países mais desen volvidos e dos sectores mais ricos da sociedade onde o hábito de desperdiçar e jogar fora atinge níveis inauditos Já se ultrapassaram certos limi tes máximos de exploração do planeta sem ter mos resolvido o problema da pobreza 28 A água potável e limpa constitui uma ques tão de primordial importância porque é indis pensável para a vida humana e para sustentar os ecossistemas terrestres e aquáticos As fontes de água doce fornecem os sectores sanitários agro pecuários e industriais A disponibilidade de água mantevese relativamente constante duran te muito tempo mas agora em muitos lugares a procura excede a oferta sustentável com graves consequências a curto e longo prazo Grandes cidades que dependem de importantes reservas hídricas sofrem períodos de carência do recurso que nos momentos críticos nem sempre se ad ministra com uma gestão adequada e com impar cialidade A pobreza da água pública verificase especialmente na África onde grandes sectores da população não têm acesso a água potável se gura ou sofrem secas que tornam difícil a produ ção de alimento Nalguns países há regiões com abundância de água enquanto outras sofrem de grave escassez 29 Um problema particularmente sério é o da qualidade da água disponível para os pobres que diariamente ceifa muitas vidas Entre os pobres 26 são frequentes as doenças relacionadas com a água incluindo as causadas por microorganis mos e substâncias químicas A diarreia e a cólera devidas a serviços de higiene e reservas de água inadequados constituem um factor significativo de sofrimento e mortalidade infantil Em mui tos lugares os lençóis freáticos estão ameaçados pela poluição produzida por algumas actividades extractivas agrícolas e industriais sobretudo em países desprovidos de regulamentação e contro les suficientes Não pensamos apenas nas descar gas provenientes das fábricas os detergentes e produtos químicos que a população utiliza em muitas partes do mundo continuam a ser derra mados em rios lagos e mares 30 Enquanto a qualidade da água disponível piora constantemente em alguns lugares cresce a tendência para se privatizar este recurso escas so tornandose uma mercadoria sujeita às leis do mercado Na realidade o acesso à água potável e segura é um direito humano essencial fundamental e universal porque determina a sobrevivência das pessoas e portanto é condição para o exercício dos outros direi tos humanos Este mundo tem uma grave dívida social para com os pobres que não têm acesso à água potável porque isto é negarlhes o direito à vida radicado na sua dignidade inalienável Esta dívida é parcialmente saldada com maiores contribuições económicas para prover de água limpa e sanea mento as populações mais pobres Entretanto notase um desperdício de água não só nos países 27 desenvolvidos mas também naqueles em vias de desenvolvimento que possuem grandes reservas Isto mostra que o problema da água é em parte uma questão educativa e cultural porque não há consciência da gravidade destes comportamen tos num contexto de grande desigualdade 31 Uma maior escassez de água provocará o aumento do custo dos alimentos e de vários pro dutos que dependem do seu uso Alguns estudos assinalaram o risco de sofrer uma aguda escassez de água dentro de poucas décadas se não forem tomadas medidas urgentes Os impactos ambien tais poderiam afectar milhares de milhões de pes soas sendo previsível que o controle da água por grandes empresas mundiais se transforme numa das principais fontes de conflitos deste século23 3 Perda de Biodiversidade 32 Os recursos da terra estão a ser depreda dos também por causa de formas imediatistas de entender a economia e a actividade comercial e produtiva A perda de florestas e bosques implica simultaneamente a perda de espécies que pode riam constituir no futuro recursos extremamen te importantes não só para a alimentação mas também para a cura de doenças e vários serviços As diferentes espécies contêm genes que podem 23 Cf franCisCo Saudação aos funcionários da FAO 20 de Novembro de 2014 AAS 106 2014 985 LOsservatore Romano ed portuguesa de 27XI2014 3 28 ser recursoschave para resolver no futuro algu ma necessidade humana ou regular algum pro blema ambiental 33 Entretanto não basta pensar nas diferentes espécies apenas como eventuais recursos ex ploráveis esquecendo que possuem um valor em si mesmas Anualmente desaparecem milhares de espécies vegetais e animais que já não pode remos conhecer que os nossos filhos não pode rão ver perdidas para sempre A grande maioria delas extinguese por razões que têm a ver com alguma actividade humana Por nossa causa mi lhares de espécies já não darão glória a Deus com a sua existência nem poderão comunicarnos a sua própria mensagem Não temos direito de o fazer 34 Possivelmente perturbanos saber da extin ção dum mamífero ou duma ave pela sua maior visibilidade mas para o bom funcionamento dos ecossistemas também são necessários os fun gos as algas os vermes os pequenos insectos os répteis e a variedade inumerável de microor ganismos Algumas espécies pouco numerosas que habitualmente nos passam despercebidas desempenham uma função censória fundamen tal para estabelecer o equilíbrio dum lugar É verdade que o ser humano deve intervir quando um geosistema cai em estado crítico mas hoje o nível de intervenção humana numa realidade tão complexa como a natureza é tal que os desas tres constantes causados pelo ser humano pro 29 vocam uma nova intervenção dele de modo que a actividade humana tornase omnipresente com todos os riscos que isto implica Normalmente criase um círculo vicioso no qual a intervenção humana para resolver uma dificuldade muitas vezes ainda agrava mais a situação Por exemplo muitos pássaros e insectos que desaparecem por causa dos agrotóxicos criados pela tecnologia são úteis para a própria agricultura e o seu de saparecimento deverá ser compensado por outra intervenção tecnológica que possivelmente trará novos efeitos nocivos São louváveis e às vezes admiráveis os esforços de cientistas e técnicos que procuram dar solução aos problemas criados pelo ser humano Mas contemplando o mundo damonos conta de que este nível de interven ção humana muitas vezes ao serviço da finança e do consumismo faz com que esta terra onde vivemos se torne realmente menos rica e bela cada vez mais limitada e cinzenta enquanto ao mesmo tempo o desenvolvimento da tecnologia e das ofertas de consumo continua a avançar sem limites Assim parece que nos iludimos de poder substituir uma beleza insuprível e irrecuperável por outra criada por nós 35 Quando se analisa o impacto ambiental de qualquer iniciativa económica costumase olhar para os seus efeitos no solo na água e no ar mas nem sempre se inclui um estudo cuidadoso do impacto na biodiversidade como se a perda de al gumas espécies ou de grupos animais ou vegetais 30 fosse algo de pouca relevância As estradas os novos cultivos as reservas as barragens e outras construções vão tomando posse dos habitats e por vezes fragmentamnos de tal maneira que as populações de animais já não podem migrar nem moverse livremente pelo que algumas espécies correm o risco de extinção Existem alternati vas que pelo menos mitigam o impacto destas obras como a criação de corredores biológicos mas são poucos os países em que se adverte este cuidado e prevenção Quando se explora comer cialmente algumas espécies nem sempre se estu da a sua modalidade de crescimento para evitar a sua diminuição excessiva e consequente desequi líbrio do ecossistema 36 O cuidado dos ecossistemas requer uma perspectiva que se estenda para além do imedia to porque quando se busca apenas um ganho económico rápido e fácil já ninguém se importa realmente com a sua preservação Mas o custo dos danos provocados pela negligência egoísta é muitíssimo maior do que o benefício económico que se possa obter No caso da perda ou dano grave dalgumas espécies falase de valores que excedem todo e qualquer cálculo Por isso pode mos ser testemunhas mudas de gravíssimas desi gualdades quando se pretende obter benefícios significativos fazendo pagar ao resto da huma nidade presente e futura os altíssimos custos da degradação ambiental 37 Alguns países fizeram progressos na con servação eficaz de certos lugares e áreas na terra 31 e nos oceanos proibindo aí toda a intervenção humana que possa modificar a sua fisionomia ou alterar a sua constituição original No cuida do da biodiversidade os especialistas insistem na necessidade de prestar uma especial atenção às áreas mais ricas em variedade de espécies em es pécies endémicas raras ou com menor grau de efectiva protecção Há lugares que requerem um cuidado particular pela sua enorme importância para o ecossistema mundial ou que constituem significativas reservas de água assegurando assim outras formas de vida 38 Mencionemos por exemplo os pulmões do planeta repletos de biodiversidade que são a Amazónia e a bacia fluvial do Congo ou os gran des lençóis freáticos e os glaciares A importância destes lugares para o conjunto do planeta e para o futuro da humanidade não se pode ignorar Os ecossistemas das florestas tropicais possuem uma biodiversidade de enorme complexidade quase impossível de conhecer completamente mas quando estas florestas são queimadas ou derrubadas para desenvolver cultivos em poucos anos perdemse inúmeras espécies ou tais áreas transformamse em áridos desertos Todavia ao falar sobre estes lugares impõese um delicado equilíbrio porque não é possível ignorar também os enormes interesses económicos internacio nais que a pretexto de cuidar deles podem aten tar contra as soberanias nacionais Com efeito há propostas de internacionalização da Amazó nia que só servem aos interesses económicos das 32 corporações internacionais 24 É louvável a tare fa de organismos internacionais e organizações da sociedade civil que sensibilizam as populações e colaboram de forma crítica inclusive utilizando legítimos mecanismos de pressão para que cada governo cumpra o dever próprio e nãodelegá vel de preservar o meio ambiente e os recursos naturais do seu país sem se vender a espúrios interesses locais ou internacionais 39 Habitualmente também não se faz objecto de adequada análise a substituição da flora silves tre por áreas florestais com árvores que geral mente são monoculturas É que pode afectar gra vemente uma biodiversidade que não é albergada pelas novas espécies que se implantam Também as zonas húmidas que são transformadas em ter renos agrícolas perdem a enorme biodiversidade que abrigavam É preocupante nalgumas áreas costeiras o desaparecimento dos ecossistemas constituídos por manguezais 40 Os oceanos contêm não só a maior parte da água do planeta mas também a maior parte da vasta variedade dos seres vivos muitos de les ainda desconhecidos para nós e ameaçados por diversas causas Além disso a vida nos rios lagos mares e oceanos que nutre grande parte da população mundial é afectada pela extracção 24 v ConferênCia geral do ePisCoPado latinoAme riCano e do CariBe Documento de Aparecida 29 de Junho de 2007 86 33 descontrolada dos recursos ictíicos que provo ca drásticas diminuições dalgumas espécies E no entanto continuam a desenvolverse modali dades selectivas de pesca que descartam grande parte das espécies apanhadas Particularmente ameaçados estão organismos marinhos que não temos em consideração como certas formas de plâncton que constituem um componente muito importante da cadeia alimentar marinha e de que dependem em última instância espécies que se utilizam para a alimentação humana 41 Passando aos mares tropicais e subtropi cais encontramos os recifes de coral que equi valem às grandes florestas da terra firme porque abrigam cerca de um milhão de espécies incluin do peixes caranguejos moluscos esponjas algas e outras Hoje muitos dos recifes de coral no mundo já são estéreis ou encontramse num esta do contínuo de declínio Quem transformou o maravilhoso mundo marinho em cemitérios su baquáticos despojados de vida e de cor 25 Este fenómeno devese em grande parte à poluição que chega ao mar resultante do desflorestamen to das monoculturas agrícolas das descargas industriais e de métodos de pesca destrutivos nomeadamente os que utilizam cianeto e dina mite É agravado pelo aumento da temperatura dos oceanos Tudo isso nos ajuda a compreen 25 ConferênCia dos BisPos CatóliCos das filiPinas Carta pastoral What is Happening to our Beautiful Land 29 de Janeiro de 1988 34 der como qualquer acção sobre a natureza pode ter consequências que não advertimos à primeira vista e como certas formas de exploração de re cursos se obtêm à custa duma degradação que acaba por chegar até ao fundo dos oceanos 42 É preciso investir muito mais na pesquisa para se entender melhor o comportamento dos ecossistemas e analisar adequadamente as dife rentes variáveis de impacto de qualquer modifi cação importante do meio ambiente Visto que todas as criaturas estão interligadas deve ser re conhecido com carinho e admiração o valor de cada uma e todos nós seres criados precisamos uns dos outros Cada território detém uma par te de responsabilidade no cuidado desta família pelo que deve fazer um inventário cuidadoso das espécies que alberga a fim de desenvolver pro gramas e estratégias de protecção cuidando com particular solicitude das espécies em vias de ex tinção 4 deterioração da qualidade de vida humana e degradação soCial 43 Tendo em conta que o ser humano tam bém é uma criatura deste mundo que tem direito a viver e ser feliz e além disso possui uma digni dade especial não podemos deixar de considerar os efeitos da degradação ambiental do modelo actual de desenvolvimento e da cultura do des carte sobre a vida das pessoas 35 44 Notase hoje por exemplo o crescimento desmedido e descontrolado de muitas cidades que se tornaram pouco saudáveis para viver de vido não só à poluição proveniente de emissões tóxicas mas também ao caos urbano aos proble mas de transporte e à poluição visiva e acústica Muitas cidades são grandes estruturas que não funcionam gastando energia e água em excesso Há bairros que embora construídos recente mente apresentamse congestionados e desor denados sem espaços verdes suficientes Não é conveniente para os habitantes deste planeta vi ver cada vez mais submersos de cimento asfalto vidro e metais privados do contacto físico com a natureza 45 Nalguns lugares rurais e urbanos a privati zação dos espaços tornou difícil o acesso dos cida dãos a áreas de especial beleza noutros criaramse áreas residenciais ecológicas postas à disposição só de poucos procurandose evitar que outros entrem a perturbar uma tranquilidade artificial Muitas vezes encontrase uma cidade bela e cheia de espaços verdes e bem cuidados nalgumas áreas seguras mas não em áreas menos visíveis onde vivem os descartados da sociedade 46 Entre os componentes sociais da mudança global incluemse os efeitos laborais dalgumas inovações tecnológicas a exclusão social a desi gualdade no fornecimento e consumo da energia e doutros serviços a fragmentação social o au mento da violência e o aparecimento de novas 36 formas de agressividade social o narcotráfico e o consumo crescente de drogas entre os mais jovens a perda de identidade São alguns sinais entre outros que mostram como o crescimen to nos últimos dois séculos não significou em todos os seus aspectos um verdadeiro progres so integral e uma melhoria da qualidade de vida Alguns destes sinais são ao mesmo tempo sin tomas duma verdadeira degradação social duma silenciosa ruptura dos vínculos de integração e comunhão social 47 A isto vêm juntarse as dinâmicas dos mas smedia e do mundo digital que quando se tor nam omnipresentes não favorecem o desenvolvi mento duma capacidade de viver com sabedoria pensar em profundidade amar com generosida de Neste contexto os grandes sábios do passado correriam o risco de ver sufocada a sua sabedoria no meio do ruído dispersivo da informação Isto exige de nós um esforço para que esses meios se traduzam num novo desenvolvimento cultural da humanidade e não numa deterioração da sua riqueza mais profunda A verdadeira sabedoria fruto da reflexão do diálogo e do encontro ge neroso entre as pessoas não se adquire com uma mera acumulação de dados que numa espécie de poluição mental acabam por saturar e con fundir Ao mesmo tempo tendem a substituir as relações reais com os outros com todos os desa fios que implicam por um tipo de comunicação mediada pela internet Isto permite seleccionar 37 ou eliminar a nosso arbítrio as relações e deste modo frequentemente gerase um novo tipo de emoções artificiais que têm a ver mais com dis positivos e monitores do que com as pessoas e a natureza Os meios actuais permitemnos comu nicar e partilhar conhecimentos e afectos Mas às vezes também nos impedem de tomar contacto directo com a angústia a trepidação a alegria do outro e com a complexidade da sua experiência pessoal Por isso não deveria surpreendernos o facto de a par da oferta sufocante destes pro dutos ir crescendo uma profunda e melancólica insatisfação nas relações interpessoais ou um no civo isolamento 5 desigualdade Planetária 48 O ambiente humano e o ambiente natural degradamse em conjunto e não podemos en frentar adequadamente a degradação ambiental se não prestarmos atenção às causas que têm a ver com a degradação humana e social De facto a deterioração do meio ambiente e a da socie dade afectam de modo especial os mais frágeis do planeta Tanto a experiência comum da vida quotidiana como a investigação científica de monstram que os efeitos mais graves de todas as agressões ambientais recaem sobre as pessoas mais pobres 26 Por exemplo o esgotamento das reservas ictíicas prejudica especialmente as pes 26 ConferênCia ePisCoPal da Bolívia Carta pastoral El universo don de Dios para la vida 2012 17 38 soas que vivem da pesca artesanal e não possuem qualquer maneira de a substituir a poluição da água afecta particularmente os mais pobres que não têm possibilidades de comprar água engar rafada e a elevação do nível do mar afecta prin cipalmente as populações costeiras mais pobres que não têm para onde se transferir O impacto dos desequilíbrios actuais manifestase também na morte prematura de muitos pobres nos con flitos gerados pela falta de recursos e em muitos outros problemas que não têm espaço suficiente nas agendas mundiais27 49 Gostaria de assinalar que muitas vezes falta uma consciência clara dos problemas que afectam particularmente os excluídos Estes são a maioria do planeta milhares de milhões de pessoas Hoje são mencionados nos debates políticos e econó micos internacionais mas com frequência parece que os seus problemas se coloquem como um apêndice como uma questão que se acrescenta quase por obrigação ou perifericamente quan do não são considerados meros danos colaterais Com efeito na hora da implementação concreta permanecem frequentemente no último lugar Isto devese em parte ao facto de que muitos profissionais formadores de opinião meios de comunicação e centros de poder estão localiza dos longe deles em áreas urbanas isoladas sem ter contacto directo com os seus problemas Vi 27 Cf ConferênCia ePisCoPal alemã Comissão Para a Pastoral soCial Der Klimawandel Brennpunkt globaler intergenera tioneller und ökologischer Gerechtigkeit Setembro de 2006 2830 39 vem e reflectem a partir da comodidade dum de senvolvimento e duma qualidade de vida que não está ao alcance da maioria da população mun dial Esta falta de contacto físico e de encontro às vezes favorecida pela fragmentação das nossas cidades ajuda a cauterizar a consciência e a igno rar parte da realidade em análises tendenciosas Isto às vezes coexiste com um discurso verde Mas hoje não podemos deixar de reconhecer que uma verdadeira abordagem ecológica sempre se torna uma abordagem social que deve integrar a justiça nos debates sobre o meio ambiente para ouvir tanto o clamor da terra como o clamor dos pobres 50 Em vez de resolver os problemas dos po bres e pensar num mundo diferente alguns limi tamse a propor uma redução da natalidade Não faltam pressões internacionais sobre os países em vias de desenvolvimento que condicionam as ajudas económicas a determinadas políticas de saúde reprodutiva Mas se é verdade que a desigual distribuição da população e dos recursos disponíveis cria obstáculos ao desenvolvimento e ao uso sustentável do ambiente devese reco nhecer que o crescimento demográfico é ple namente compatível com um desenvolvimento integral e solidário 28 Culpar o incremento de mográfico em vez do consumismo exacerbado e selectivo de alguns é uma forma de não enfren tar os problemas Pretendese assim legitimar o 28 PontifíCio Conselho Justiça e Paz Compêndio da Doutrina Social da Igreja 483 40 modelo distributivo actual no qual uma minoria se julga com o direito de consumir numa pro porção que seria impossível generalizar porque o planeta não poderia sequer conter os resíduos de tal consumo Além disso sabemos que se des perdiça aproximadamente um terço dos alimen tos produzidos e a comida que se desperdiça é como se fosse roubada da mesa do pobre 29 Em todo o caso é verdade que devemos prestar aten ção ao desequilíbrio na distribuição da população pelo território tanto a nível nacional como a nível mundial porque o aumento do consumo levaria a situações regionais complexas pelas combina ções de problemas ligados à poluição ambiental ao transporte ao tratamento de resíduos à perda de recursos à qualidade de vida 51 A desigualdade não afecta apenas os indiví duos mas países inteiros e obriga a pensar numa ética das relações internacionais Com efeito há uma verdadeira dívida ecológica particular mente entre o Norte e o Sul ligada a desequilí brios comerciais com consequências no âmbito ecológico e com o uso desproporcionado dos recursos naturais efectuado historicamente por alguns países As exportações de algumas maté riasprimas para satisfazer os mercados no Norte industrializado produziram danos locais como por exemplo a contaminação com mercúrio na extracção minerária do ouro ou com o dióxido 29 franCisCo Catequese 5 de Junho de 2013 Insegnamenti 11 2013 280 LOsservatore Romano ed portuguesa de 9 VI2013 16 41 de enxofre na do cobre De modo especial é pre ciso calcular o espaço ambiental de todo o pla neta usado para depositar resíduos gasosos que se foram acumulando ao longo de dois séculos e criaram uma situação que agora afecta todos os países do mundo O aquecimento causado pelo enorme consumo de alguns países ricos tem repercussões nos lugares mais pobres da terra especialmente na África onde o aumento da temperatura juntamente com a seca tem efei tos desastrosos no rendimento das cultivações A isto acrescentamse os danos causados pela exportação de resíduos sólidos e líquidos tóxi cos para os países em vias de desenvolvimento e pela actividade poluente de empresas que fazem nos países menos desenvolvidos aquilo que não podem fazer nos países que lhes dão o capital Constatamos frequentemente que as empresas que assim procedem são multinacionais que fa zem aqui o que não lhes é permitido em países desenvolvidos ou do chamado primeiro mundo Geralmente quando cessam as suas actividades e se retiram deixam grandes danos humanos e ambientais como o desemprego aldeias sem vida esgotamento dalgumas reservas naturais desflorestamento empobrecimento da agricultu ra e pecuária local crateras colinas devastadas rios poluídos e qualquer obra social que já não se pode sustentar 30 30 BisPos da região da PatagóniaComahue argenti na Mensaje de Navidad Dezembro de 2009 2 42 52 A dívida externa dos países pobres trans formouse num instrumento de controle mas não se dá o mesmo com a dívida ecológica De várias maneiras os povos em vias de desenvolvi mento onde se encontram as reservas mais im portantes da biosfera continuam a alimentar o progresso dos países mais ricos à custa do seu presente e do seu futuro A terra dos pobres do Sul é rica e pouco contaminada mas o acesso à propriedade de bens e recursos para satisfazerem as suas carências vitais élhes vedado por um sis tema de relações comerciais e de propriedade es truturalmente perverso É necessário que os paí ses desenvolvidos contribuam para resolver esta dívida limitando significativamente o consumo de energia não renovável e fornecendo recursos aos países mais necessitados para promover po líticas e programas de desenvolvimento sustentá vel As regiões e os países mais pobres têm me nos possibilidade de adoptar novos modelos de redução do impacto ambiental porque não têm a preparação para desenvolver os processos ne cessários nem podem cobrir os seus custos Por isso devese manter claramente a consciência de que a mudança climática tem responsabilidades di versificadas e como disseram os bispos dos Esta dos Unidos é oportuno concentrarse especial mente sobre as necessidades dos pobres fracos e vulneráveis num debate muitas vezes dominado pelos interesses mais poderosos 31 É preciso re 31 ConferênCia dos BisPos CatóliCos dos estados unidos da amériCa Global Climate Change A Plea for Dialogue Prudence and the Common Good 15 de Junho de 2001 43 vigorar a consciência de que somos uma única família humana Não há fronteiras nem barreiras políticas ou sociais que permitam isolarnos e por isso mesmo também não há espaço para a globalização da indiferença 6 a fraqueza das reaCções 53 Estas situações provocam os gemidos da irmã terra que se unem aos gemidos dos aban donados do mundo com um lamento que re clama de nós outro rumo Nunca maltratámos e ferimos a nossa casa comum como nos últimos dois séculos Mas somos chamados a tornarnos os instrumentos de Deus Pai para que o nosso planeta seja o que Ele sonhou ao criálo e corres ponda ao seu projecto de paz beleza e plenitude O problema é que não dispomos ainda da cultura necessária para enfrentar esta crise e há necessida de de construir lideranças que tracem caminhos procurando dar resposta às necessidades das ge rações actuais todos incluídos sem prejudicar as gerações futuras Tornase indispensável criar um sistema normativo que inclua limites invioláveis e assegure a protecção dos ecossistemas antes que as novas formas de poder derivadas do paradig ma tecnoeconómico acabem por arrasálos não só com a política mas também com a liberdade e a justiça 54 Preocupa a fraqueza da reacção política in ternacional A submissão da política à tecnologia e à finança demonstrase na falência das cimeiras 44 mundiais sobre o meio ambiente Há demasiados interesses particulares e com muita facilidade o interesse económico chega a prevalecer sobre o bem comum e manipular a informação para não ver afectados os seus projectos Nesta linha o Documento de Aparecida pede que nas interven ções sobre os recursos naturais não predomi nem os interesses de grupos económicos que arrasam irracionalmente as fontes da vida 32 A aliança entre economia e tecnologia acaba por deixar de fora tudo o que não faz parte dos seus interesses imediatos Deste modo poderseá es perar apenas algumas proclamações superficiais acções filantrópicas isoladas e ainda esforços por mostrar sensibilidade para com o meio ambiente enquanto na realidade qualquer tentativa das or ganizações sociais para alterar as coisas será vista como um distúrbio provocado por sonhadores românticos ou como um obstáculo a superar 55 Pouco a pouco alguns países podem mos trar progressos significativos o desenvolvimento de controles mais eficientes e uma luta mais sin cera contra a corrupção Cresceu a sensibilidade ecológica das populações mas é ainda insuficien te para mudar os hábitos nocivos de consumo que não parecem diminuir antes expandemse e desenvolvemse É o que acontece só para dar um exemplo simples com o crescente aumen to do uso e intensidade dos condicionadores de 32 v ConferênCia geral do ePisCoPado latinoame riCano e do CariBe Documento de Aparecida 29 de Junho de 2007 471 45 ar os mercados apostando num ganho imediato estimulam ainda mais a procura Se alguém ob servasse de fora a sociedade planetária maravi lharseia com tal comportamento que às vezes parece suicida 56 Entretanto os poderes económicos conti nuam a justificar o sistema mundial actual onde predomina uma especulação e uma busca de re ceitas financeiras que tendem a ignorar todo o contexto e os efeitos sobre a dignidade huma na e sobre o meio ambiente Assim se manifesta como estão intimamente ligadas a degradação ambiental e a degradação humana e ética Muitos dirão que não têm consciência de realizar acções imorais porque a constante distracção nos tira a coragem de advertir a realidade dum mundo limitado e finito Por isso hoje qualquer reali dade que seja frágil como o meio ambiente fica indefesa face aos interesses do mercado diviniza do transformados em regra absoluta 33 57 É previsível que perante o esgotamento de alguns recursos se vá criando um cenário favo rável para novas guerras disfarçadas sob nobres reivindicações A guerra causa sempre danos graves ao meio ambiente e à riqueza cultural dos povos e os riscos avolumamse quando se pensa nas armas nucleares e nas armas biológicas Com efeito não obstante haver acordos internacio 33 franCisCo Exort ap Evangelii gaudium 24 de Novem bro de 2013 56 AAS 105 2013 1043 46 nais que proíbem a guerra química bacteriológica e biológica subsiste o facto de continuarem nos laboratórios as pesquisas para o desenvolvimen to de novas armas ofensivas capazes de alterar os equilíbrios naturais 34 Exigese da política uma maior atenção para prevenir e resolver as causas que podem dar origem a novos conflitos Entre tanto o poder ligado com a finança é o que maior resistência põe a tal esforço e os projectos políti cos carecem muitas vezes de amplitude de hori zonte Para que se quer preservar hoje um poder que será recordado pela sua incapacidade de inter vir quando era urgente e necessário fazêlo 58 Nalguns países há exemplos positivos de resultados na melhoria do ambiente tais como o saneamento de alguns rios que foram poluí dos durante muitas décadas a recuperação de florestas nativas o embelezamento de paisagens com obras de saneamento ambiental projectos de edifícios de grande valor estético progressos na produção de energia limpa na melhoria dos transportes públicos Estas acções não resolvem os problemas globais mas confirmam que o ser humano ainda é capaz de intervir de forma po sitiva Como foi criado para amar no meio dos seus limites germinam inevitavelmente gestos de generosidade solidariedade e desvelo 59 Ao mesmo tempo cresce uma ecologia superficial ou aparente que consolida um certo 34 João Paulo ii Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1990 12 AAS 82 1990 154 47 torpor e uma alegre irresponsabilidade Como frequentemente acontece em épocas de cri ses profundas que exigem decisões corajosas somos tentados a pensar que aquilo que está a acontecer não é verdade Se nos detivermos na superfície para além de alguns sinais visíveis de poluição e degradação parece que as coisas não estejam assim tão graves e que o planeta poderia subsistir ainda por muito tempo nas condições actuais Este comportamento evasivo servenos para mantermos os nossos estilos de vida de produção e consumo É a forma como o ser hu mano se organiza para alimentar todos os vícios autodestrutivos tenta não os ver luta para não os reconhecer adia as decisões importantes age como se nada tivesse acontecido 7 diversidade de oPiniões 60 Finalmente reconhecemos a propósito da situação e das possíveis soluções que se desen volveram diferentes perspectivas e linhas de pen samento Num dos extremos alguns defendem a todo o custo o mito do progresso afirmando que os problemas ecológicos resolverseão simples mente com novas aplicações técnicas sem con siderações éticas nem mudanças de fundo No extremo oposto outros pensam que o ser hu mano com qualquer uma das suas intervenções só pode ameaçar e comprometer o ecossistema mundial pelo que convém reduzir a sua presença no planeta e impedirlhe todo o tipo de inter venção Entre estes extremos a reflexão deveria identificar possíveis cenários futuros porque não existe só um caminho de solução Isto deixaria espaço para uma variedade de contribuições que poderiam entrar em diálogo a fim de se chegar a respostas abrangentes 61 Sobre muitas questões concretas a Igreja não tem motivo para propor uma palavra defi nitiva e entende que deve escutar e promover o debate honesto entre os cientistas respeitando a diversidade de opiniões Basta porém olhar a realidade com sinceridade para ver que há uma grande deterioração da nossa casa comum A es perança convidanos a reconhecer que sempre há uma saída sempre podemos mudar de rumo sempre podemos fazer alguma coisa para resol ver os problemas Todavia parece notarse sin tomas dum ponto de ruptura por causa da alta velocidade das mudanças e da degradação que se manifestam tanto em catástrofes naturais regio nais como em crises sociais ou mesmo financei ras uma vez que os problemas do mundo não se podem analisar nem explicar de forma isolada Há regiões que já se encontram particularmente em risco e prescindindo de qualquer previsão ca tastrófica o certo é que o actual sistema mundial é insustentável a partir de vários pontos de vista porque deixamos de pensar nas finalidades da ac ção humana Se o olhar percorre as regiões do nosso planeta apercebemonos depressa de que a humanidade frustrou a expectativa divina 35 35 Idem Catequese 17 de Janeiro de 2001 3 Insegnamen ti 241 2001 178 LOsservatore Romano ed portuguesa de 20I2001 8 48 49 CAPÍTULO II O EVANGELHO DA CRIAÇÃO 62 Por que motivo incluir neste documento dirigido a todas as pessoas de boa vontade um capítulo referido às convicções de fé Não igno ro que alguns no campo da política e do pen samento rejeitam decididamente a ideia de um Criador ou consideramna irrelevante chegando ao ponto de relegar para o reino do irracional a riqueza que as religiões possam oferecer para uma ecologia integral e o pleno desenvolvimento do género humano outras vezes supõese que elas constituam uma subcultura que se deve sim plesmente tolerar Todavia a ciência e a religião que fornecem diferentes abordagens da realida de podem entrar num diálogo intenso e frutuoso para ambas 1 a luz que a fé ofereCe 63 Se tivermos presente a complexidade da crise ecológica e as suas múltiplas causas deve remos reconhecer que as soluções não podem vir duma única maneira de interpretar e transfor mar a realidade É necessário recorrer também às diversas riquezas culturais dos povos à arte e à poesia à vida interior e à espiritualidade Se qui 50 sermos de verdade construir uma ecologia que nos permita reparar tudo o que temos destruí do então nenhum ramo das ciências e nenhuma forma de sabedoria pode ser transcurada nem sequer a sabedoria religiosa com a sua linguagem própria Além disso a Igreja Católica está aberta ao diálogo com o pensamento filosófico o que lhe permite produzir várias sínteses entre fé e ra zão No que diz respeito às questões sociais po dese constatar isto mesmo no desenvolvimento da doutrina social da Igreja chamada a enrique cerse cada vez mais a partir dos novos desafios 64 Por outro lado embora esta encíclica se abra a um diálogo com todos para juntos bus carmos caminhos de libertação quero mostrar desde o início como as convicções da fé ofere cem aos cristãos e em parte também a outros crentes motivações altas para cuidar da natureza e dos irmãos e irmãs mais frágeis Se pelo simples facto de ser humanas as pessoas se sentem mo vidas a cuidar do ambiente de que fazem parte os cristãos em particular advertem que a sua tarefa no seio da criação e os seus deveres em re lação à natureza e ao Criador fazem parte da sua fé 36 Por isso é bom para a humanidade e para o mundo que nós crentes conheçamos melhor os compromissos ecológicos que brotam das nossas convicções 36 João Paulo ii Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1990 15 AAS 82 1990 156 51 2 a saBedoria das narrações BíBliCas 65 Sem repropor aqui toda a teologia da Cria ção queremos saber o que nos dizem as gran des narrações bíblicas sobre a relação do ser hu mano com o mundo Na primeira narração da obra criadora no livro do Génesis o plano de Deus inclui a criação da humanidade Depois da criação do homem e da mulher dizse que Deus vendo a sua obra consideroua muito boa Gn 1 31 A Bíblia ensina que cada ser humano é criado por amor feito à imagem e semelhança de Deus cf Gn 1 26 Esta afirmação mostra nos a imensa dignidade de cada pessoa humana que não é somente alguma coisa mas alguém É capaz de se conhecer de se possuir e de livre mente se dar e entrar em comunhão com outras pessoas 37 São João Paulo II recordou que o amor muito especial que o Criador tem por cada ser humano conferelhe uma dignidade infini ta 38 Todos aqueles que estão empenhados na defesa da dignidade das pessoas podem encon trar na fé cristã as razões mais profundas para tal compromisso Como é maravilhosa a certeza de que a vida de cada pessoa não se perde num caos desesperador num mundo regido pelo puro acaso ou por ciclos que se repetem sem sentido O Criador pode dizer a cada um de nós Antes 37 Catecismo da Igreja Católica 357 38 Angelus com os inválidos Osnabrük Alemanha 16 de Novembro de 1980 Insegnamenti 32 1980 1232 LOsservatore Romano ed portuguesa de 23XI1980 20 52 de te haver formado no ventre materno Eu já te conhecia Jr 1 5 Fomos concebidos no co ração de Deus e por isso cada um de nós é o fruto de um pensamento de Deus Cada um de nós é querido cada um de nós é amado cada um é necessário 39 66 As narrações da criação no livro do Génesis contêm na sua linguagem simbólica e narrativa ensinamentos profundos sobre a existência hu mana e a sua realidade histórica Estas narrações sugerem que a existência humana se baseia sobre três relações fundamentais intimamente ligadas as relações com Deus com o próximo e com a terra Segundo a Bíblia estas três relações vitais romperamse não só exteriormente mas tam bém dentro de nós Esta ruptura é o pecado A harmonia entre o Criador a humanidade e toda a criação foi destruída por termos pretendido ocu par o lugar de Deus recusando reconhecernos como criaturas limitadas Este facto distorceu também a natureza do mandato de dominar a terra cf Gn 1 28 e de a cultivar e guardar cf Gn 2 15 Como resultado a relação origi nariamente harmoniosa entre o ser humano e a natureza transformouse num conflito cf Gn 3 1719 Por isso é significativo que a harmonia vivida por São Francisco de Assis com todas as criaturas tenha sido interpretada como uma sana 39 Bento Xvi Homilia no início solene do Ministério Petrino 24 de Abril de 2005 AAS 97 2005 711 LOsservatore Romano ed portuguesa de 30IV2015 5 53 ção daquela ruptura Dizia São Boaventura que através da reconciliação universal com todas as criaturas Francisco voltara de alguma forma ao estado de inocência original40 Longe deste mo delo o pecado manifestase hoje com toda a sua força de destruição nas guerras nas várias for mas de violência e abuso no abandono dos mais frágeis nos ataques contra a natureza 67 Não somos Deus A terra existe antes de nós e foinos dada Isto permite responder a uma acusação lançada contra o pensamento ju daicocristão foi dito que a narração do Génesis que convida a dominar a terra cf Gn 1 28 favoreceria a exploração selvagem da natureza apresentando uma imagem do ser humano como dominador e devastador Mas esta não é uma in terpretação correcta da Bíblia como a entende a Igreja Se é verdade que nós cristãos algumas ve zes interpretámos de forma incorrecta as Escritu ras hoje devemos decididamente rejeitar que do facto de ser criados à imagem de Deus e do man dato de dominar a terra se deduza um domínio absoluto sobre as outras criaturas É importante ler os textos bíblicos no seu contexto com uma justa hermenêutica e lembrar que nos convidam a cultivar e guardar o jardim do mundo cf Gn 2 15 Enquanto cultivar quer dizer lavrar ou trabalhar um terreno guardar significa pro teger cuidar preservar velar Isto implica uma 40 Cf Legenda Maior VIII 1 Fonti Francescane 1134 54 relação de reciprocidade responsável entre o ser humano e a natureza Cada comunidade pode to mar da bondade da terra aquilo de que necessita para a sua sobrevivência mas tem também o de ver de a proteger e garantir a continuidade da sua fertilidade para as gerações futuras Em última análise ao Senhor pertence a terra Sl 2423 1 a Ele pertence a terra e tudo o que nela exis te Dt 10 14 Por isso Deus proíbenos toda a pretensão de posse absoluta Nenhuma terra será vendida definitivamente porque a terra per tenceMe e vós sois apenas estrangeiros e meus hóspedes Lv 25 23 68 Esta responsabilidade perante uma terra que é de Deus implica que o ser humano dotado de inteligência respeite as leis da natureza e os delicados equilíbrios entre os seres deste mundo porque Ele deu uma ordem e tudo foi criado Ele fixou tudo pelos séculos sem fim e estabele ceu leis a que não se pode fugir Sl 148 5b6 Consequentemente a legislação bíblica detémse a propor ao ser humano várias normas relativas não só às outras pessoas mas também aos res tantes seres vivos Se vires o jumento do teu irmão ou o seu boi caídos no caminho não te desvies deles mas ajudaos a levantaremse Se encontrares no caminho em cima de uma ár vore ou no chão um ninho de pássaros com fi lhotes ou ovos cobertos pela mãe não apanharás a mãe com a ninhada Dt 22 46 Nesta linha o descanso do sétimo dia não é proposto só para o 55 ser humano mas para que descansem o teu boi e o teu jumento Ex 23 12 Assim nos damos conta de que a Bíblia não dá lugar a um antro pocentrismo despótico que se desinteressa das outras criaturas 69 Ao mesmo tempo que podemos fazer um uso responsável das coisas somos chamados a reconhecer que os outros seres vivos têm um valor próprio diante de Deus e pelo simples facto de existirem eles O bendizem e Lhe dão glória 41 porque o Senhor Se alegra em suas obras Sl 104103 31 Precisamente pela sua dignidade única e por ser dotado de inteligência o ser humano é chamado a respeitar a criação com as suas leis internas já que o Senhor fun dou a terra com sabedoria Pr 3 19 Hoje a Igreja não diz de forma simplicista que as ou tras criaturas estão totalmente subordinadas ao bem do ser humano como se não tivessem um valor em si mesmas e fosse possível dispor delas à nossa vontade mas ensina como fizeram os bispos da Alemanha que nas outras criaturas se poderia falar da prioridade do ser sobre o ser úteis 42 O Catecismo põe em questão de forma muito directa e insistente um antropocentrismo desordenado Cada criatura possui a sua bon dade e perfeição próprias As diferentes cria 41 Catecismo da Igreja Católica 2416 42 ConferênCia ePisCoPal alemã Zukunft der Schöpfung Zukunft der Menschheit Erklärung der Deutschen Bischofskonferenz zu Fragen der Umwelt und der Energieversorgung 1980 II 2 56 turas queridas pelo seu próprio ser reflectem cada qual a seu modo uma centelha da sabedoria e da bondade infinitas de Deus É por isso que o homem deve respeitar a bondade própria de cada criatura para evitar o uso desordenado das coisas 43 70 Na narração de Caim e Abel vemos que a inveja levou Caim a cometer a injustiça extrema contra o seu irmão Isto por sua vez provocou uma ruptura da relação entre Caim e Deus e en tre Caim e a terra da qual foi exilado Esta pas sagem aparece sintetizada no dramático colóquio de Deus com Caim Deus pergunta Onde está o teu irmão Abel Caim responde que não sabe e Deus insiste com ele Que fizeste A voz do sangue do teu irmão clama da terra até Mim De futuro serás amaldiçoado pela terra Serás vagabundo e fugitivo sobre a terra Gn 4 912 O descuido no compromisso de cultivar e man ter um correcto relacionamento com o próximo relativamente a quem sou devedor da minha so licitude e custódia destrói o relacionamento in terior comigo mesmo com os outros com Deus e com a terra Quando todas estas relações são negligenciadas quando a justiça deixa de habitar na terra a Bíblia diznos que toda a vida está em perigo Assim nolo ensina a narração de Noé quando Deus ameaça acabar com a humanidade pela sua persistente incapacidade de viver à altura 43 Catecismo da Igreja Católica 339 57 das exigências da justiça e da paz O fim de toda a humanidade chegou diante de Mim pois ela encheu a terra de violência Gn 6 13 Nestas narrações tão antigas ricas de profundo simbo lismo já estava contida a convicção actual de que tudo está interrelacionado e o cuidado autêntico da nossa própria vida e das nossas relações com a natureza é inseparável da fraternidade da justiça e da fidelidade aos outros 71 Embora Deus reconhecesse que a malda de dos homens era grande na terra Gn 6 5 arrependendoSe de ter criado o homem sobre a terra Gn 6 6 Ele decidiu abrir um caminho de salvação através de Noé que ainda se man tinha íntegro e justo Assim deu à humanidade a possibilidade de um novo início Basta um ho mem bom para haver esperança A tradição bí blica estabelece claramente que esta reabilitação implica a redescoberta e o respeito dos ritmos inscritos na natureza pela mão do Criador Isto está patente por exemplo na lei do Shabbath No sétimo dia Deus descansou de todas as suas obras Deus ordenou a Israel que cada sétimo dia devia ser celebrado como um dia de descanso um Shabbath cf Gn 2 23 Ex 16 23 20 10 Além disso de sete em sete anos instaurouse também um ano sabático para Israel e a sua terra cf Lv 2514 durante o qual se dava descanso completo à terra não se semeava e só se colhia o indispensável para sobreviver e oferecer hos pitalidade cf Lv 25 46 Por fim passadas sete semanas de anos ou seja quarenta e nove anos ce 58 lebravase o jubileu um ano de perdão universal proclamando na vossa terra a liberdade de todos os que a habitam Lv 25 10 O desenvolvimento desta legislação procurou assegurar o equilíbrio e a equidade nas relações do ser humano com os outros e com a terra onde vivia e trabalhava Mas ao mesmo tempo era um reconhecimento de que a dádiva da terra com os seus frutos pertence a todo o povo Aqueles que cultivavam e guardavam o território deviam partilhar os seus frutos espe cialmente com os pobres as viúvas os órfãos e os estrangeiros Quando procederes à ceifa das vos sas terras não ceifarás as espigas até à extremidade do campo e não apanharás as espigas caídas Não rebuscarás também a tua vinha e não apanharás os bagos caídos Deixálosás para o pobre e para o estrangeiro Lv 19 910 72 Os Salmos convidam frequentemente o ser humano a louvar a Deus criador Estendeu a terra sobre as águas porque o seu amor é eterno Sl 136135 6 E convidam também as outras criaturas a louváLo LouvaiO sol e lua lou vaiO estrelas luminosas LouvaiO alturas dos céus e águas que estais acima dos céus Louvem todos o nome do Senhor porque Ele deu uma ordem e tudo foi criado Sl 148 35 Existimos não só pelo poder de Deus mas também na sua presença e companhia Por isso O adoramos 73 Os escritos dos profetas convidam a re cuperar forças nos momentos difíceis contem plando a Deus poderoso que criou o universo O poder infinito de Deus não nos leva a escapar da 59 sua ternura paterna porque nEle se conjugam o carinho e a força Na verdade toda a sã espiritua lidade implica simultaneamente acolher o amor divino e adorar com confiança o Senhor pelo seu poder infinito Na Bíblia o Deus que liberta e salva é o mesmo que criou o universo e estes dois mo dos de agir divino estão íntima e inseparavelmente ligados Ah Senhor Deus foste Tu que fizeste o céu e a terra com o teu grande poder e o teu braço estendido Para Ti nada é impossível Tu fizes te sair do Egipto o teu povo Israel com prodígios e milagres Jr 32 1721 O Senhor é um Deus eterno que criou os confins da terra Não se cansa nem perde as forças É insondável a sua sabedoria Ele dá forças ao cansado e enche de vigor o fraco Is 40 28b29 74 A experiência do cativeiro em Babilónia ge rou uma crise espiritual que levou a um aprofun damento da fé em Deus explicitando a sua omni potência criadora para animar o povo a recuperar a esperança no meio da sua situação infeliz Sécu los mais tarde noutro momento de prova e per seguição quando o Império Romano procurou impor um domínio absoluto os fiéis voltaram a encontrar consolação e esperança aumentando a sua confiança em Deus omnipotente e cantavam Grandes e admiráveis são as tuas obras Senhor Deus todopoderoso Justos e verdadeiros são os teus caminhos Ap 15 3 Se Deus pôde criar o universo a partir do nada também pode intervir neste mundo e vencer qualquer forma de mal Por isso a injustiça não é invencível 60 75 Não podemos defender uma espiritualida de que esqueça Deus todopoderoso e criador Neste caso acabaríamos por adorar outros po deres do mundo ou colocarnosíamos no lugar do Senhor chegando à pretensão de espezinhar sem limites a realidade criada por Ele A melhor maneira de colocar o ser humano no seu lugar e acabar com a sua pretensão de ser dominador ab soluto da terra é voltar a propor a figura de um Pai criador e único dono do mundo caso contrá rio o ser humano tenderá sempre a querer impor à realidade as suas próprias leis e interesses 3 o mistério do universo 76 Na tradição judaicocristã dizer criação é mais do que dizer natureza porque tem a ver com um projecto do amor de Deus onde cada criatura tem um valor e um significado A natu reza entendese habitualmente como um sistema que se analisa compreende e gere mas a criação só se pode conceber como um dom que vem das mãos abertas do Pai de todos como uma reali dade iluminada pelo amor que nos chama a uma comunhão universal 77 A palavra do Senhor criou os céus Sl 3332 6 Deste modo indicase que o mundo procede não do caos nem do acaso mas duma decisão o que o exalta ainda mais Há uma opção livre ex pressa na palavra criadora O universo não apare ceu como resultado duma omnipotência arbitrá ria duma demonstração de força ou dum desejo 61 de autoafirmação A criação pertence à ordem do amor O amor de Deus é a razão fundamental de toda a criação Tu amas tudo quanto existe e não detestas nada do que fizeste pois se odiasses alguma coisa não a terias criado Sab 11 24 Então cada criatura é objecto da ternura do Pai que lhe atribui um lugar no mundo Até a vida efémera do ser mais insignificante é objecto do seu amor e naqueles poucos segundos de exis tência Ele envolveo com o seu carinho Dizia São Basílio Magno que o Criador é também a bondade sem cálculos 44 e Dante Alighieri falava do amor que move o sol e as outras estrelas 45 Por isso das obras criadas podese subir à sua amorosa misericórdia 46 78 Ao mesmo tempo o pensamento judaico cristão desmitificou a natureza Sem deixar de a admirar pelo seu esplendor e imensidão já não lhe atribui um carácter divino Deste modo res salta ainda mais o nosso compromisso para com ela Um regresso à natureza não pode ser feito à custa da liberdade e da responsabilidade do ser humano que é parte do mundo com o dever de cultivar as próprias capacidades para o proteger e desenvolver as suas potencialidades Se reconhe cermos o valor e a fragilidade da natureza e ao 44 Hom in Hexaemeron 1 2 10 PG 29 9 45 Divina Commedia Paradiso Canto XXXIII 145 46 Bento Xvi Catequese 9 de Novembro de 2005 3 Insegnamenti 1 2005 768 LOsservatore Romano ed portuguesa de 12XI2005 24 62 mesmo tempo as capacidades que o Criador nos deu isto permitenos acabar hoje com o mito moderno do progresso material ilimitado Um mundo frágil com um ser humano a quem Deus confia o cuidado do mesmo interpela a nossa inteligência para reconhecer como deveremos orientar cultivar e limitar o nosso poder 79 Neste universo composto por sistemas abertos que entram em comunicação uns com os outros podemos descobrir inumeráveis formas de relação e participação Isto levanos também a pensar o todo como aberto à transcendência de Deus dentro da qual se desenvolve A fé permi tenos interpretar o significado e a beleza miste riosa do que acontece A liberdade humana pode prestar a sua contribuição inteligente para uma evolução positiva como pode também acrescen tar novos males novas causas de sofrimento e verdadeiros atrasos Isto dá lugar à apaixonante e dramática história humana capaz de transfor marse num desabrochamento de libertação en grandecimento salvação e amor ou pelo contrá rio num percurso de declínio e mútua destruição Por isso a Igreja com a sua acção procura não só lembrar o dever de cuidar da natureza mas também e sobretudo proteger o homem da des truição de si mesmo 47 80 Apesar disso Deus que deseja actuar con nosco e contar com a nossa cooperação é capaz 47 idem Carta enc Caritas in veritate 29 de Junho de 2009 51 AAS 101 2009 687 63 também de tirar algo de bom dos males que pra ticamos porque o Espírito Santo possui uma inventiva infinita própria da mente divina que sabe prover a desfazer os nós das vicissitudes humanas mais complexas e impenetráveis 48 De certa maneira quis limitarSe a Si mesmo crian do um mundo necessitado de desenvolvimento onde muitas coisas que consideramos males pe rigos ou fontes de sofrimento na realidade fa zem parte das dores de parto que nos estimulam a colaborar com o Criador49 Ele está presente no mais íntimo de cada coisa sem condicionar a au tonomia da sua criatura e isto dá lugar também à legítima autonomia das realidades terrenas50 Esta presença divina que garante a permanência e o desenvolvimento de cada ser é a continuação da acção criadora 51 O Espírito de Deus encheu o universo de potencialidades que permitem que do próprio seio das coisas possa brotar sempre algo de novo A natureza nada mais é do que a razão de certa arte concretamente a arte divina inscrita nas coisas pela qual as próprias coisas se movem para um fim determinado Como se o mestre construtor de navios pudesse conceder à 48 João Paulo II Catequese 24 de Abril de 1991 6 Inseg namenti 141 1991 856 LOsservatore Romano ed portuguesa de 28IV1991 12 49 O Catecismo ensina que Deus quis criar um mundo em caminho para a perfeição última o que implica a presença da imperfeição e do mal físico ver Catecismo da Igreja Católica 310 50 Cf ConC eCum vat ii Const past sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes 36 51 tomás de Aquino Summa theologiae I q 104 art 1 ad 4 64 madeira a possibilidade de se mover a si mesma para tomar a forma da nave 52 81 Embora suponha também processos evo lutivos o ser humano implica uma novidade que não se explica cabalmente pela evolução doutros sistemas abertos Cada um de nós tem em si uma identidade pessoal capaz de entrar em diálogo com os outros e com o próprio Deus A capa cidade de reflexão o raciocínio a criatividade a interpretação a elaboração artística e outras ca pacidades originais manifestam uma singularida de que transcende o âmbito físico e biológico A novidade qualitativa implicada no aparecimento dum ser pessoal dentro do universo material pressupõe uma acção directa de Deus uma cha mada peculiar à vida e à relação de um Tu com outro tu A partir dos textos bíblicos considera mos o ser humano como sujeito que nunca pode ser reduzido à categoria de objecto 82 Mas seria errado também pensar que os outros seres vivos devam ser considerados como meros objectos submetidos ao domínio arbitrá rio do ser humano Quando se propõe uma visão da natureza unicamente como objecto de lucro e interesse isso comporta graves consequências também para a sociedade A visão que consolida o arbítrio do mais forte favoreceu imensas de sigualdades injustiças e violências para a maior 52 idem In octo libros Physicorum Aristotelis expositio lib II lectio 14 65 parte da humanidade porque os recursos tor namse propriedade do primeiro que chega ou de quem tem mais poder o vencedor leva tudo O ideal de harmonia justiça fraternidade e paz que Jesus propõe situase nos antípodas de tal modelo como Ele mesmo Se expressou ao com parálo com os poderes do seu tempo Sabeis que os chefes das nações as governam como seus senhores e que os grandes exercem sobre elas o seu poder Não seja assim entre vós Pelo contrá rio quem entre vós quiser fazerse grande seja o vosso servo Mt 20 2526 83 A meta do caminho do universo situase na plenitude de Deus que já foi alcançada por Cristo ressuscitado fulcro da maturação uni versal53 E assim juntamos mais um argumento para rejeitar todo e qualquer domínio despótico e irresponsável do ser humano sobre as outras criaturas O fim último das restantes criaturas não somos nós Mas todas avançam juntamente connosco e através de nós para a meta comum que é Deus numa plenitude transcendente onde Cristo ressuscitado tudo abraça e ilumina Com efeito o ser humano dotado de inteligência e amor e atraído pela plenitude de Cristo é chama do a reconduzir todas as criaturas ao seu Criador 53 Colocase nesta perspectiva a contribuição do P Tei lhard de Chardin vejase Paulo vi Discurso numa fábrica quími cofarmacêutico 24 de Fevereiro de 1966 Insegnamenti 4 1966 992993 João Paulo ii Carta ao reverendo P George V Coyne 1 de Junho de 1988 Insegnamenti 112 1988 1715 Bento Xvi Homilia na Celebração das Vésperas em Aosta 24 de Julho de 2009 Insegnamenti 52 2009 60 66 4 a mensagem de Cada Criatura na harmonia de toda a Criação 84 O facto de insistir na afirmação de que o ser humano é imagem de Deus não deveria fa zernos esquecer que cada criatura tem uma função e nenhuma é supérflua Todo o universo material é uma linguagem do amor de Deus do seu carinho sem medida por nós O solo a água as montanhas tudo é carícia de Deus A histó ria da própria amizade com Deus desenrolase sempre num espaço geográfico que se torna um sinal muito pessoal e cada um de nós guarda na memória lugares cuja lembrança nos faz muito bem Quem cresceu no meio de montes quem na infância se sentava junto do riacho a beber ou quem jogava numa praça do seu bairro quando volta a esses lugares sentese chamado a recupe rar a sua própria identidade 85 Deus escreveu um livro estupendo cujas letras são representadas pela multidão de criaturas presentes no universo 54 E justamente afirma ram os bispos do Canadá que nenhuma criatura fica fora desta manifestação de Deus Desde os panoramas mais amplos às formas de vida mais frágeis a natureza é um manancial incessante de encanto e reverência Tratase duma contínua revelação do divino 55 Os bispos do Japão por 54 João Paulo ii Catequese 30 de Janeiro de 2002 6 Insegnamenti 251 2002 140 LOsservatore Romano ed portuguesa de 2II2002 12 55 ConferênCia ePisCoPal do Canadá Comissão Para a Pastoral soCial You love all that exists All things are yours God Lover of Life 4 de Outubro de 2003 1 67 sua vez disseram algo muito sugestivo Sentir cada criatura que canta o hino da sua existência é viver jubilosamente no amor de Deus e na espe rança 56 Esta contemplação da criação permite nos descobrir qualquer ensinamento que Deus nos quer transmitir através de cada coisa porque para o crente contemplar a criação significa também escutar uma mensagem ouvir uma voz paradoxal e silenciosa 57 Podemos afirmar que ao lado da revelação propriamente dita conti da nas Sagradas Escrituras há uma manifestação divina no despontar do sol e no cair da noite 58 Prestando atenção a esta manifestação o ser hu mano aprende a reconhecerse a si mesmo na re lação com as outras criaturas Eu expressome exprimindo o mundo exploro a minha sacralida de decifrando a do mundo 59 86 O conjunto do universo com as suas múl tiplas relações mostra melhor a riqueza inesgo tável de Deus São Tomás de Aquino sublinhava sabiamente que a multiplicidade e a varieda de provêm da intenção do primeiro agente 56 ConferênCia dos BisPos CatóliCos do JaPão Reverence for Life A Message for the TwentyFirst Century 1 de Janeiro de 2001 89 57 João Paulo ii Catequese 26 de Janeiro de 2000 5 Insegnamenti 231 2000 123 LOsservatore Romano ed portuguesa de 29I2000 8 58 idem Catequese 2 de Agosto de 2000 3 Insegnamenti 232 2000 112 LOsservatore Romano ed portuguesa de 5 VIII2000 8 59 Paul riCoeur Philosophie de la volonté 2ª parte Finitude et culpabilité Paris 2009 216 68 o Qual quis que o que falta a cada coisa para representar a bondade divina seja suprido pe las outras 60 pois a sua bondade não pode ser convenientemente representada por uma só cria tura 61 Por isso precisamos de individuar a va riedade das coisas nas suas múltiplas relações62 Assim compreendese melhor a importância e o significado de qualquer criatura se a contem plarmos no conjunto do plano de Deus Tal é o ensinamento do Catecismo A interdependência das criaturas é querida por Deus O sol e a lua o cedro e a florzinha a águia e o pardal o espectá culo das suas incontáveis diversidades e desigual dades significa que nenhuma criatura se basta a si mesma Elas só existem na dependência umas das outras para se completarem mutuamente no serviço umas das outras 63 87 Quando nos damos conta do reflexo de Deus em tudo o que existe o coração experi menta o desejo de adorar o Senhor por todas as suas criaturas e juntamente com elas como se vê neste gracioso cântico de São Francisco de Assis Louvado sejas meu Senhor com todas as tuas criaturas especialmente o meu senhor irmão sol o qual faz o dia e por ele nos alumia E ele é belo e radiante com grande esplendor 60 Summa theologiae I q 47 art 1 61 Ibidem 62 Cf ibid art 2 ad 1 art 3 63 Catecismo da Igreja Católica 340 69 de Ti Altíssimo nos dá ele a imagem Louvado sejas meu Senhor pela irmã lua e pelas estrelas que no céu formaste claras preciosas e belas Louvado sejas meu Senhor pelo irmão vento pelo ar pela nuvem pelo sereno e todo o tempo com o qual às tuas criaturas dás o sustento Louvado sejas meu Senhor pela irmã água que é tão útil e humilde e preciosa e casta Louvado sejas meu Senhor pelo irmão fogo pelo qual iluminas a noite ele é belo e alegre vigoroso e forte 64 88 Os bispos do Brasil sublinharam que toda a natureza além de manifestar Deus é lugar da sua presença Em cada criatura habita o seu Espírito vivificante que nos chama a um relacionamento com Ele65 A descoberta desta presença estimula em nós o desenvolvimento das virtudes ecoló gicas 66 Mas quando dizemos isto não esqueça mos que há também uma distância infinita pois as coisas deste mundo não possuem a plenitu de de Deus Esquecêlo aliás também não faria bem às criaturas porque não reconheceríamos o seu lugar verdadeiro e próprio acabando por lhes exigir indevidamente aquilo que na sua pe quenez não nos podem dar 64 Cantico delle creature Fonti Francescane 263 65 Cf ConferênCia naCional dos BisPos do Brasil A Igreja e a questão ecológica 1992 5354 66 Ibid 61 70 5 uma Comunhão universal 89 As criaturas deste mundo não podem ser consideradas um bem sem dono Todas são tuas ó Senhor que amas a vida Sab 11 26 Isto gera a convicção de que nós e todos os se res do universo sendo criados pelo mesmo Pai estamos unidos por laços invisíveis e formamos uma espécie de família universal uma comunhão sublime que nos impele a um respeito sagrado amoroso e humilde Quero lembrar que Deus uniunos tão estreitamente ao mundo que nos rodeia que a desertificação do solo é como uma doença para cada um e podemos lamentar a ex tinção de uma espécie como se fosse uma muti lação 67 90 Isto não significa igualar todos os seres vi vos e tirar ao ser humano aquele seu valor pecu liar que simultaneamente implica uma tremen da responsabilidade Também não requer uma divinização da terra que nos privaria da nossa vocação de colaborar com ela e proteger a sua fragilidade Estas concepções acabariam por criar novos desequilíbrios na tentativa de fugir da realidade que nos interpela68 Às vezes nota se a obsessão de negar qualquer preeminência à pessoa humana conduzindose uma luta em prol das outras espécies que não se vê na hora 67 franCisCo Exort ap Evangelii gaudium 24 de Novem bro de 2013 215 AAS 105 2013 1109 68 Cf Bento Xvi Carta enc Caritas in veritate 29 de Ju nho de 2009 14 AAS 101 2009 650 71 de defender igual dignidade entre os seres huma nos Devemos certamente ter a preocupação de que os outros seres vivos não sejam tratados de forma irresponsável mas deveriam indignarnos sobretudo as enormes desigualdades que existem entre nós porque continuamos a tolerar que al guns se considerem mais dignos do que outros Deixamos de notar que alguns se arrastam numa miséria degradante sem possibilidades reais de melhoria enquanto outros não sabem sequer que fazer ao que têm ostentam vaidosamente uma suposta superioridade e deixam atrás de si um nível de desperdício tal que seria impossível generalizar sem destruir o planeta Na prática continuamos a admitir que alguns se sintam mais humanos que outros como se tivessem nascido com maiores direitos 91 Não pode ser autêntico um sentimento de união íntima com os outros seres da natureza se ao mesmo tempo não houver no coração ternura compaixão e preocupação pelos seres humanos É evidente a incoerência de quem luta contra o tráfico de animais em risco de extinção mas fica completamente indiferente perante o tráfico de pessoas desinteressase dos pobres ou procura destruir outro ser humano de que não gosta Isto compromete o sentido da luta pelo meio ambien te Não é por acaso que São Francisco no cân tico onde louva a Deus pelas criaturas acrescen ta o seguinte Louvado sejas meu Senhor por aqueles que perdoam por teu amor Tudo está interligado Por isso exigese uma preocupação 72 pelo meio ambiente unida ao amor sincero pelos seres humanos e a um compromisso constante com os problemas da sociedade 92 Além disso quando o coração está verdadei ramente aberto a uma comunhão universal nada e ninguém fica excluído desta fraternidade Por tanto é verdade também que a indiferença ou a crueldade com as outras criaturas deste mundo sempre acabam de alguma forma por repercu tirse no tratamento que reservamos aos outros seres humanos O coração é um só e a própria miséria que leva a maltratar um animal não tarda a manifestarse na relação com as outras pessoas Todo o encarniçamento contra qualquer criatura é contrário à dignidade humana 69 Não pode mos considerarnos grandes amantes da realidade se excluímos dos nossos interesses alguma parte dela Paz justiça e conservação da criação são três questões absolutamente ligadas que não se poderão separar tratandoas individualmente sob pena de cair novamente no reducionismo 70 Tudo está relacionado e todos nós seres humanos ca minhamos juntos como irmãos e irmãs numa pe regrinação maravilhosa entrelaçados pelo amor que Deus tem a cada uma das suas criaturas e que nos une também com terna afeição ao irmão sol à irmã lua ao irmão rio e à mãe terra 69 Catecismo da Igreja Católica 2418 70 ConferênCia do ePisCoPado dominiCano Carta pas toral Sobre la relación del hombre con la naturaleza 21 de Janeiro de 1987 73 6 o destino Comum dos Bens 93 Hoje crentes e nãocrentes estão de acor do que a terra é essencialmente uma herança comum cujos frutos devem beneficiar a todos Para os crentes isto tornase uma questão de fi delidade ao Criador porque Deus criou o mundo para todos Por conseguinte toda a abordagem ecológica deve integrar uma perspectiva social que tenha em conta os direitos fundamentais dos mais desfavorecidos O princípio da subordina ção da propriedade privada ao destino universal dos bens e consequentemente o direito univer sal ao seu uso é uma regra de ouro do compor tamento social e o primeiro princípio de toda a ordem éticosocial 71 A tradição cristã nunca reconheceu como absoluto ou intocável o direito à propriedade privada e salientou a função social de qualquer forma de propriedade privada São João Paulo II lembrou esta doutrina com grande ênfase dizendo que Deus deu a terra a todo o género humano para que ela sustente todos os seus membros sem excluir nem privilegiar ninguém 72 São palavras densas e fortes Insistiu que não seria verdadeiramente digno do homem um tipo de desenvolvimento que não respeitasse e pro movesse os direitos humanos pessoais e sociais económicos e políticos incluindo os direitos 71 João Paulo ii Carta enc Laborem exercens 14 de Se tembro de 1981 19 AAS 73 1981 626 72 Carta enc Centesimus annus 1 de Maio de 1991 31 AAS 83 1991 831 74 das nações e dos povos 73 Com grande clareza explicou que a Igreja defende sim o legítimo direito à propriedade privada mas ensina com não menor clareza que sobre toda a propriedade particular pesa sempre uma hipoteca social para que os bens sirvam ao destino geral que Deus lhes deu 74 Por isso afirma que não é segun do o desígnio de Deus gerir este dom de modo tal que os seus benefícios aproveitem só a alguns poucos 75 Isto põe seriamente em discussão os hábitos injustos duma parte da humanidade76 94 O rico e o pobre têm igual dignidade por que quem os fez a ambos foi o Senhor Pr 22 2 Ele criou o pequeno e o grande Sab 6 7 e faz com que o sol se levante sobre os bons e os maus Mt 5 45 Isto tem consequências prá ticas como explicitaram os bispos do Paraguai Cada camponês tem direito natural de possuir um lote razoável de terra onde possa estabele cer o seu lar trabalhar para a subsistência da sua família e gozar de segurança existencial Este di reito deve ser de tal forma garantido que o seu exercício não seja ilusório mas real Isto significa 73 Carta enc Sollicitudo rei socialis 30 de Dezembro de 1987 33 AAS 80 1988 557 74 Discurso aos indígenas e agricultores do México em Cuilapán 29 de Janeiro de 1979 6 AAS 71 1979 209 LOsservatore Romano ed portuguesa de 11II1979 4 75 Homilia na Missa celebrada para os agricultores em Recife Brasil 7 de Julho de 1980 4 AAS 72 1980 926 LOsservatore Romano ed portuguesa de 20VII1980 13 76 Cf Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1990 8 AAS 82 1990 152 75 que além do título de propriedade o camponês deve contar com meios de formação técnica em préstimos seguros e acesso ao mercado 77 95 O meio ambiente é um bem colectivo pa trimónio de toda a humanidade e responsabili dade de todos Quem possui uma parte é apenas para a administrar em benefício de todos Se não o fizermos carregamos na consciência o peso de negar a existência aos outros Por isso os bispos da Nova Zelândia perguntavamse que signifi cado possa ter o mandamento não matarás quando uns vinte por cento da população mun dial consomem recursos numa medida tal que roubam às nações pobres e às gerações futuras aquilo de que necessitam para sobreviver 78 7 o olhar de Jesus 96 Jesus retoma a fé bíblica no Deus criador e destaca um dado fundamental Deus é Pai cf Mt 11 25 Em colóquio com os seus discípulos Jesus convidavaos a reconhecer a relação paterna que Deus tem com todas as criaturas e recorda valhes com comovente ternura como cada uma delas era importante aos olhos dEle Não se vendem cinco pássaros por duas pequeninas moe das Contudo nenhum deles passa despercebido diante de Deus Lc 12 6 Olhai as aves do céu 77 ConferênCia ePisCoPal do Paraguai Carta pastoral El campesino paraguayo y la tierra 12 de Junho de 1983 2 4 d 78 ConferênCia ePisCoPal da nova zelândia Statement on Environmental Issues 1 de Setembro de 2006 76 não semeiam nem ceifam nem recolhem em celei ros e o vosso Pai celeste alimentaas Mt 6 26 97 O Senhor podia convidar os outros a es tar atentos à beleza que existe no mundo porque Ele próprio vivia em contacto permanente com a natureza e prestavalhe uma atenção cheia de carinho e admiração Quando percorria os qua tro cantos da sua terra detinhaSe a contemplar a beleza semeada por seu Pai e convidava os discí pulos a individuarem nas coisas uma mensagem divina Levantai os olhos e vede os campos que estão doirados para a ceifa Jo 4 35 O Reino dos Céus é semelhante a um grão de mostarda que um homem tomou e semeou no seu campo É a menor de todas as sementes mas depois de crescer tornase a maior planta do horto e trans formase numa árvore Mt 13 3132 98 Jesus vivia em plena harmonia com a cria ção com grande maravilha dos outros Quem é este a quem até o vento e o mar obedecem Mt 8 27 Não Se apresentava como um asceta se parado do mundo ou inimigo das coisas aprazíveis da vida Falando de Si mesmo declarou Veio o Filho do Homem que come e bebe e dizem Aí está um glutão e bebedor de vinho Mt 11 19 EncontravaSe longe das filosofias que despreza vam o corpo a matéria e as realidades deste mun do Todavia ao longo da história estes dualismos combalidos tiveram notável influência nalguns pensadores cristãos e desfiguraram o Evangelho Jesus trabalhava com suas mãos entrando diaria 77 mente em contacto com matéria criada por Deus para a moldar com a sua capacidade de artesão É digno de nota que a maior parte da sua exis tência terrena tenha sido consagrada a esta tarefa levando uma vida simples que não despertava ma ravilha alguma Não é Ele o carpinteiro o filho de Maria Mc 6 3 Assim santificou o trabalho atribuindolhe um valor peculiar para o nosso amadurecimento São João Paulo II ensinava que suportando o que há de penoso no trabalho em união com Cristo crucificado por nós o homem colabora de alguma forma com o Filho de Deus na redenção da humanidade 79 99 Segundo a compreensão cristã da realidade o destino da criação inteira passa pelo mistério de Cristo que nela está presente desde a origem Todas as coisas foram criadas por Ele e para Ele Cl 1 1680 O prólogo do Evangelho de João 1 118 mostra a actividade criadora de Cristo como Palavra divina Logos Mas o mes mo prólogo surpreende ao afirmar que esta Pala vra Se fez carne Jo 1 14 Uma Pessoa da San tíssima Trindade inseriuSe no universo criado partilhando a própria sorte com ele até à cruz Desde o início do mundo mas de modo peculiar a partir da encarnação o mistério de Cristo ope 79 Carta enc Laborem exercens 14 de Setembro de 1981 27 AAS 73 1981 645 80 Por isso São Justino podia falar de sementes do Verbo no mundo Cf II Apologia 8 12 13 36 PG 6 457458 467 78 ra veladamente no conjunto da realidade natural sem com isso afectar a sua autonomia 100 O Novo Testamento não nos fala só de Je sus terreno e da sua relação tão concreta e amo rosa com o mundo mostranoLo também como ressuscitado e glorioso presente em toda a cria ção com o seu domínio universal Foi nEle que aprouve a Deus fazer habitar toda a plenitude e por Ele e para Ele reconciliar todas as coisas tanto as que estão na terra como as que estão no céu Cl 1 1920 Isto lançanos para o fim dos tempos quando o Filho entregar ao Pai todas as coisas a fim de que Deus seja tudo em todos 1 Cor 15 28 Assim as criaturas deste mundo já não nos aparecem como uma realidade meramen te natural porque o Ressuscitado as envolve mis teriosamente e guia para um destino de plenitude As próprias flores do campo e as aves que Ele admirado contemplou com os seus olhos huma nos agora estão cheias da sua presença luminosa 79 CAPÍTULO III A RAIZ HUMANA DA CRISE ECOLÓGICA 101 Para nada serviria descrever os sintomas se não reconhecêssemos a raiz humana da crise ecológica Há um modo desordenado de conce ber a vida e a acção do ser humano que contradiz a realidade até ao ponto de a arruinar Não pode remos deternos a pensar nisto mesmo Propo nho pois que nos concentremos no paradigma tecnocrático dominante e no lugar que ocupa nele o ser humano e a sua acção no mundo 1 a teCnologia Criatividade e Poder 102 A humanidade entrou numa nova era em que o poder da tecnologia nos põe diante duma encruzilhada Somos herdeiros de dois sécu los de ondas enormes de mudanças a máquina a vapor a ferrovia o telégrafo a electricidade o automóvel o avião as indústrias químicas a medicina moderna a informática e mais recen temente a revolução digital a robótica as bio tecnologias e as nanotecnologias É justo que nos alegremos com estes progressos e nos entusias memos à vista das amplas possibilidades que nos abrem estas novidades incessantes porque a ciência e a tecnologia são um produto estupendo 80 da criatividade humana que Deus nos deu 81 A transformação da natureza para fins úteis é uma característica do género humano desde os seus primórdios e assim a técnica exprime a tensão do ânimo humano para uma gradual superação de certos condicionamentos materiais 82 A tec nologia deu remédio a inúmeros males que afli giam e limitavam o ser humano Não podemos deixar de apreciar e agradecer os progressos al cançados especialmente na medicina engenha ria e comunicações Como não havemos de re conhecer todos os esforços de tantos cientistas e técnicos que elaboraram alternativas para um desenvolvimento sustentável 103 A tecnociência bem orientada pode pro duzir coisas realmente valiosas para melhorar a qualidade de vida do ser humano desde os ob jectos de uso doméstico até aos grandes meios de transporte pontes edifícios espaços públicos É capaz também de produzir coisas belas e fazer o ser humano imerso no mundo material dar o salto para o âmbito da beleza Poderseá ne gar a beleza de um avião ou de alguns arranha céus Há obras pictóricas e musicais de valor obtidas com o recurso aos novos instrumentos técnicos Assim no desejo de beleza do artífice e em quem contempla esta beleza dáse o salto para uma certa plenitude propriamente humana 81 João Paulo ii Discurso aos representantes da ciência da cultura e dos estudos superiores na Universidade das Nações Unidas em Hiroxima 25 de Fevereiro de 1981 3 AAS 73 1981 422 82 Bento Xvi Carta enc Caritas in veritate 29 de Junho de 2009 69 AAS 101 2009 702 81 104 Não podemos porém ignorar que a ener gia nuclear a biotecnologia a informática o co nhecimento do nosso próprio DNA e outras po tencialidades que adquirimos nos dão um poder tremendo Ou melhor dão àqueles que detêm o conhecimento e sobretudo o poder económico para o desfrutar um domínio impressionante so bre o conjunto do género humano e do mundo inteiro Nunca a humanidade teve tanto poder sobre si mesma e nada garante que o utilizará bem sobretudo se se considera a maneira como o está a fazer Basta lembrar as bombas atómi cas lançadas em pleno século XX bem como a grande exibição de tecnologia ostentada pelo nazismo o comunismo e outros regimes totalitá rios e que serviu para o extermínio de milhões de pessoas sem esquecer que hoje a guerra dispõe de instrumentos cada vez mais mortíferos Nas mãos de quem está e pode chegar a estar tanto poder É tremendamente arriscado que resida numa pequena parte da humanidade 105 Tendese a crer que toda a aquisição de poder seja simplesmente progresso aumento de segurança de utilidade de bemestar de força vital de plenitude de valores 83 como se a reali dade o bem e a verdade desabrochassem espon taneamente do próprio poder da tecnologia e da economia A verdade é que o homem moderno não foi educado para o recto uso do poder 84 83 romano guardini Das Ende der Neuzeit Würzburg 91965 87 84 Ibidem 82 porque o imenso crescimento tecnológico não foi acompanhado por um desenvolvimento do ser humano quanto à responsabilidade aos valores à consciência Cada época tende a desenvolver uma reduzida autoconsciência dos próprios limi tes Por isso é possível que hoje a humanidade não se dê conta da seriedade dos desafios que se lhe apresentam e cresce continuamente a pos sibilidade de o homem fazer mau uso do seu po der quando não existem normas de liberdade mas apenas pretensas necessidades de utilidade e segurança 85 O ser humano não é plenamen te autónomo A sua liberdade adoece quando se entrega às forças cegas do inconsciente das necessidades imediatas do egoísmo da violência brutal Neste sentido ele está nu e exposto fren te ao seu próprio poder que continua a crescer sem ter os instrumentos para o controlar Talvez disponha de mecanismos superficiais mas pode mos afirmar que carece de uma ética sólida uma cultura e uma espiritualidade que lhe ponham realmente um limite e o contenham dentro dum lúcido domínio de si 2 a gloBalização do Paradigma teCnoCrátiCo 106 Mas o problema fundamental é outro e ainda mais profundo o modo como realmente a humanidade assumiu a tecnologia e o seu desen volvimento juntamente com um paradigma homogéneo e unidimensional Neste paradigma sobressai uma concepção do sujeito que progressivamente no 85 Ibid 8788 processo lógicoracional compreende e assim se apropria do objecto que se encontra fora Um tal sujeito desenvolvese ao estabelecer o méto do científico com a sua experimentação que já é explicitamente uma técnica de posse domínio e transformação É como se o sujeito tivesse à sua frente a realidade informe totalmente dis ponível para a manipulação Sempre se verificou a intervenção do ser humano sobre a natureza mas durante muito tempo teve a característica de acompanhar secundar as possibilidades ofereci das pelas próprias coisas tratavase de receber o que a realidade natural por si permitia como que estendendo a mão Mas agora o que interessa é extrair o máximo possível das coisas por im posição da mão humana que tende a ignorar ou esquecer a realidade própria do que tem à sua frente Por isso o ser humano e as coisas dei xaram de se dar amigavelmente a mão tornan dose contendentes Daqui passase facilmente à ideia dum crescimento infinito ou ilimitado que tanto entusiasmou os economistas os teóricos da finança e da tecnologia Isto supõe a mentira da disponibilidade infinita dos bens do planeta que leva a espremêlo até ao limite e para além do mesmo Tratase do falso pressuposto de que existe uma quantidade ilimitada de energia e de recursos a serem utilizados que a sua regenera ção é possível de imediato e que os efeitos nega tivos das manipulações da ordem natural podem ser facilmente absorvidos 86 86 PontifíCio Conselho Justiça e Paz Compêndio da Doutrina Social da Igreja 462 83 84 107 Assim podemos afirmar que na origem de muitas dificuldades do mundo actual está principalmente a tendência nem sempre cons ciente de elaborar a metodologia e os objecti vos da tecnociência segundo um paradigma de compreensão que condiciona a vida das pessoas e o funcionamento da sociedade Os efeitos da aplicação deste modelo a toda a realidade hu mana e social constatamse na degradação do meio ambiente mas isto é apenas um sinal do reducionismo que afecta a vida humana e a so ciedade em todas as suas dimensões É preciso reconhecer que os produtos da técnica não são neutros porque criam uma trama que acaba por condicionar os estilos de vida e orientam as pos sibilidades sociais na linha dos interesses de de terminados grupos de poder Certas opções que parecem puramente instrumentais na realidade são opções sobre o tipo de vida social que se pre tende desenvolver 108 Não se consegue pensar que seja possível sustentar outro paradigma cultural e servirse da técnica como mero instrumento porque hoje o paradigma tecnocrático tornouse tão dominan te que é muito difícil prescindir dos seus recur sos e mais difícil ainda é utilizar os seus recursos sem ser dominados pela sua lógica Tornouse anticultural a escolha dum estilo de vida cujos objectivos possam ser pelo menos em parte in dependentes da técnica dos seus custos e do seu poder globalizante e massificador Com efeito a 85 técnica tem tendência a fazer com que nada fique fora da sua lógica férrea e o homem que é o seu protagonista sabe que em última análise não se trata de utilidade nem de bemestar mas de domínio domínio no sentido extremo da pala vra 87 Por isso procura controlar os elementos da natureza e conjuntamente os da existência humana 88 Reduzemse assim a capacidade de decisão a liberdade mais genuína e o espaço para a criatividade alternativa dos indivíduos 109 O paradigma tecnocrático tende a exer cer o seu domínio também sobre a economia e a política A economia assume todo o desenvolvi mento tecnológico em função do lucro sem pres tar atenção a eventuais consequências negativas para o ser humano A finança sufoca a economia real Não se aprendeu a lição da crise financeira mundial e muito lentamente se aprende a lição do deterioramento ambiental Nalguns círculos defendese que a economia actual e a tecnolo gia resolverão todos os problemas ambientais do mesmo modo que se afirma com linguagens não académicas que os problemas da fome e da miséria no mundo serão resolvidos simples mente com o crescimento do mercado Não é uma questão de teorias económicas que hoje talvez já ninguém se atreva a defender mas da sua instalação no desenvolvimento concreto da 87 romano guardini Das Ende der Neuzeit Würzburg 91965 6364 88 Ibid 64 86 economia Aqueles que não o afirmam em pala vras defendemno com os factos quando parece não preocuparse com o justo nível da produção uma melhor distribuição da riqueza um cuidado responsável do meio ambiente ou os direitos das gerações futuras Com os seus comportamentos afirmam que é suficiente o objectivo da maximi zação dos ganhos Mas o mercado por si mesmo não garante o desenvolvimento humano integral nem a inclusão social89 Entretanto temos um superdesenvolvimento dissipador e consumista que contrasta de modo inadmissível com per duráveis situações de miséria desumanizadora 90 mas não se criam de forma suficientemente rápi da instituições económicas e programas sociais que permitam aos mais pobres terem regular mente acesso aos recursos básicos Não temos suficiente consciência de quais sejam as raízes mais profundas dos desequilíbrios actuais estes têm a ver com a orientação os fins o sentido e o contexto social do crescimento tecnológico e económico 110 A especialização própria da tecnologia comporta grande dificuldade para se conseguir um olhar de conjunto A fragmentação do saber realiza a sua função no momento de se obter aplicações concretas mas frequentemente leva a perder o sentido da totalidade das relações que 89 Cf Bento Xvi Carta enc Caritas in veritate 29 de Junho de 2009 35 AAS 101 2009 671 90 Ibid 22 o c 657 87 existem entre as coisas do horizonte alargado um sentido que se torna irrelevante Isto impede de individuar caminhos adequados para resolver os problemas mais complexos do mundo actual sobretudo os do meio ambiente e dos pobres que não se podem enfrentar a partir duma úni ca perspectiva nem dum único tipo de interesses Uma ciência que pretenda oferecer soluções para os grandes problemas deveria necessariamente ter em conta tudo o que o conhecimento gerou nas outras áreas do saber incluindo a filosofia e a ética social Mas este é actualmente um proce dimento difícil de seguir Por isso também não se consegue reconhecer verdadeiros horizontes éticos de referência A vida passa a ser uma ren dição às circunstâncias condicionadas pela téc nica entendida como o recurso principal para interpretar a existência Na realidade concreta que nos interpela aparecem vários sintomas que mostram o erro tais como a degradação ambien tal a ansiedade a perda do sentido da vida e da convivência social Assim se demonstra uma vez mais que a realidade é superior à ideia 91 111 A cultura ecológica não se pode reduzir a uma série de respostas urgentes e parciais para os problemas que vão surgindo à volta da degrada ção ambiental do esgotamento das reservas na turais e da poluição Deveria ser um olhar diferen te um pensamento uma política um programa 91 franCisCo Exort ap Evangelii gaudium 24 de Novem bro de 2013 231 AAS 105 2013 1114 88 educativo um estilo de vida e uma espiritualidade que oponham resistência ao avanço do paradig ma tecnocrático Caso contrário até as melhores iniciativas ecologistas podem acabar bloqueadas na mesma lógica globalizada Buscar apenas um remédio técnico para cada problema ambiental que aparece é isolar coisas que na realidade es tão interligadas e esconder os problemas verda deiros e mais profundos do sistema mundial 112 Todavia é possível voltar a ampliar o olhar e a liberdade humana é capaz de limitar a técni ca orientála e colocála ao serviço doutro tipo de progresso mais saudável mais humano mais social mais integral De facto verificase a liberta ção do paradigma tecnocrático nalgumas ocasiões Por exemplo quando comunidades de pequenos produtores optam por sistemas de produção me nos poluentes defendendo um modelo nãocon sumista de vida alegria e convivência Ou quando a técnica tem em vista prioritariamente resolver os problemas concretos dos outros com o compro misso de os ajudar a viver com mais dignidade e menor sofrimento E ainda quando a busca cria dora do belo e a sua contemplação conseguem superar o poder objectivador numa espécie de sal vação que acontece na beleza e na pessoa que a contempla A humanidade autêntica que convida a uma nova síntese parece habitar no meio da civi lização tecnológica de forma quase imperceptível como a neblina que filtra por baixo da porta fecha da Será uma promessa permanente que apesar de tudo desbrocha como uma obstinada resistência daquilo que é autêntico 89 113 Além disso as pessoas parecem já não acreditar num futuro feliz nem confiam cega mente num amanhã melhor a partir das condi ções actuais do mundo e das capacidades técni cas Tomam consciência de que o progresso da ciência e da técnica não equivale ao progresso da humanidade e da história e vislumbram que os caminhos fundamentais para um futuro feliz são outros Apesar disso também não se imagi nam renunciando às possibilidades que oferece a tecnologia A humanidade mudou profunda mente e o avolumarse de constantes novida des consagra uma fugacidade que nos arrasta à superfície numa única direcção Tornase difícil parar para recuperarmos a profundidade da vida Se a arquitectura reflecte o espírito duma época as megaestruturas e as casas em série expressam o espírito da técnica globalizada onde a perma nente novidade dos produtos se une a um tédio enfadonho Não nos resignemos a isto nem re nunciemos a perguntarnos pelos fins e o sentido de tudo Caso contrário apenas legitimaremos o estado de facto e precisaremos de mais sucedâ neos para suportar o vazio 114 O que está a acontecer põenos perante a urgência de avançar numa corajosa revolução cultural A ciência e a tecnologia não são neutrais mas podem desde o início até ao fim dum pro cesso envolver diferentes intenções e possibilida des que se podem configurar de várias maneiras Ninguém quer o regresso à Idade da Pedra mas é indispensável abrandar a marcha para olhar a rea 90 lidade doutra forma recolher os avanços positi vos e sustentáveis e ao mesmo tempo recuperar os valores e os grandes objectivos arrasados por um desenfreamento megalómano 3 Crise do antroPoCentrismo moderno e suas ConsequênCias 115 O antropocentrismo moderno acabou paradoxalmente por colocar a razão técnica aci ma da realidade porque este ser humano já não sente a natureza como norma válida nem como um refúgio vivente Sem se pôr qualquer hipóte se vêa objectivamente como espaço e matéria onde realizar uma obra em que se imerge com pletamente sem se importar com o que possa suceder a ela 92 Assim debilitase o valor intrín seco do mundo Mas se o ser humano não re descobre o seu verdadeiro lugar compreendese mal a si mesmo e acaba por contradizer a sua própria realidade Não só a terra foi dada por Deus ao homem que a deve usar respeitando a intenção originária de bem segundo a qual lhe foi entregue mas o homem é doado a si mesmo por Deus devendo por isso respeitar a estrutura natural e moral de que foi dotado 93 116 Nos tempos modernos verificouse um notável excesso antropocêntrico que hoje com 92 romano guardini Das Ende der Neuzeit Würzburg 91965 63 93 João Paulo ii Carta enc Centesimus annus 1 de Maio de 1991 38 AAS 83 1991 841 91 outra roupagem continua a minar toda a refe rência a algo de comum e qualquer tentativa de reforçar os laços sociais Por isso chegou a hora de prestar novamente atenção à realidade com os limites que a mesma impõe e que por sua vez constituem a possibilidade dum desenvolvimen to humano e social mais saudável e fecundo Uma apresentação inadequada da antropologia cristã acabou por promover uma concepção er rada da relação do ser humano com o mundo Muitas vezes foi transmitido um sonho prome teico de domínio sobre o mundo que provocou a impressão de que o cuidado da natureza fosse actividade de fracos Mas a interpretação correcta do conceito de ser humano como senhor do uni verso é entendêlo no sentido de administrador responsável94 117 A falta de preocupação por medir os da nos à natureza e o impacto ambiental das deci sões é apenas o reflexo evidente do desinteresse em reconhecer a mensagem que a natureza traz inscrita nas suas próprias estruturas Quando na própria realidade não se reconhece a importân cia dum pobre dum embrião humano duma pes soa com deficiência só para dar alguns exem plos dificilmente se saberá escutar os gritos da própria natureza Tudo está interligado Se o ser 94 Cf Declaração Love for Creation An Asian Response to the Ecological Crisis Colóquio promovido pela Federação das Conferências Episcopais da Ásia Tagaytay 31 de Janeiro a 5 de Fevereiro de 1993 332 92 humano se declara autónomo da realidade e se constitui dominador absoluto desmoronase a própria base da sua existência porque em vez de realizar o seu papel de colaborador de Deus na obra da criação o homem substituise a Deus e deste modo acaba por provocar a revolta da natureza 95 118 Esta situação levanos a uma esquizo frenia permanente que se estende da exaltação tecnocrática que não reconhece aos outros seres um valor próprio até à reacção de negar qualquer valor peculiar ao ser humano Contudo não se pode prescindir da humanidade Não haverá uma nova relação com a natureza sem um ser huma no novo Não há ecologia sem uma adequada antropologia Quando a pessoa humana é con siderada apenas mais um ser entre outros que provém de jogos do acaso ou dum determinismo físico corre o risco de atenuarse nas consciên cias a noção da responsabilidade 96 Um antro pocentrismo desordenado não deve necessaria mente ser substituído por um biocentrismo porque isto implicaria introduzir um novo dese quilíbrio que não só não resolverá os problemas existentes mas acrescentará outros Não se pode exigir do ser humano um compromisso para com o mundo se ao mesmo tempo não se reconhe 95 João Paulo ii Carta enc Centesimus annus 1 de Maio de 1991 37 AAS 83 1991 840 96 Bento Xvi Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2010 2 AAS 102 2010 41 93 cem e valorizam as suas peculiares capacidades de conhecimento vontade liberdade e respon sabilidade 119 A crítica do antropocentrismo desorde nado não deveria deixar em segundo plano tam bém o valor das relações entre as pessoas Se a crise ecológica é uma expressão ou uma mani festação externa da crise ética cultural e espiri tual da modernidade não podemos iludirnos de sanar a nossa relação com a natureza e o meio ambiente sem curar todas as relações humanas fundamentais Quando o pensamento cristão reivindica para o ser humano um valor peculiar acima das outras criaturas suscita a valorização de cada pessoa humana e assim estimula o re conhecimento do outro A abertura a um tu capaz de conhecer amar e dialogar continua a ser a grande nobreza da pessoa humana Por isso para uma relação adequada com o mundo criado não é necessário diminuir a dimensão social do ser humano nem a sua dimensão transcendente a sua abertura ao Tu divino Com efeito não se pode propor uma relação com o ambiente prescindindo da relação com as outras pessoas e com Deus Seria um individualismo romântico disfarçado de beleza ecológica e um confinamen to asfixiante na imanência 120 Uma vez que tudo está relacionado tam bém não é compatível a defesa da natureza com a justificação do aborto Não parece viável um percurso educativo para acolher os seres frágeis 94 que nos rodeiam e que às vezes são molestos e inoportunos quando não se dá protecção a um embrião humano ainda que a sua chegada seja causa de incómodos e dificuldades Se se perde a sensibilidade pessoal e social ao acolhimento duma nova vida definham também outras for mas de acolhimento úteis à vida social 97 121 Esperase ainda o desenvolvimento duma nova síntese que ultrapasse as falsas dialécticas dos últimos séculos O próprio cristianismo mantendose fiel à sua identidade e ao tesouro de verdade que recebeu de Jesus Cristo não cessa de se repensar e reformular em diálogo com as novas situações históricas deixando desabrochar assim a sua eterna novidade 98 O relativismo prático 122 Um antropocentrismo desordenado gera um estilo de vida desordenado Na exortação apostólica Evangelii gaudium referime ao rela tivismo prático que caracteriza a nossa época e que é ainda mais perigoso que o doutrinal 99 Quando o ser humano se coloca no centro acaba por dar prioridade absoluta aos seus interesses 97 idem Carta enc Caritas in veritate 29 de Junho de 2009 28 AAS 101 2009 663 98 Cf viCente de lerins Commonitorium primum cap 23 PL 50 668 Ut annis scilicet consolidetur dilatetur tempore sublimetur aetate Fortalecese com o decorrer dos anos desenvolvese com o andar dos tempos cresce através das idades 99 N 80 AAS 105 2013 1053 95 contingentes e tudo o mais se torna relativo Por isso não deveria surpreender que juntamente com a omnipresença do paradigma tecnocrático e a adoração do poder humano sem limites se desenvolva nos indivíduos este relativismo no qual tudo o que não serve os próprios interesses imediatos se torna irrelevante Nisto há uma ló gica que permite compreender como se alimen tam mutuamente diferentes atitudes que provo cam ao mesmo tempo a degradação ambiental e a degradação social 123 A cultura do relativismo é a mesma pato logia que impele uma pessoa a aproveitarse de outra e a tratála como mero objecto obrigando a a trabalhos forçados ou reduzindoa à escra vidão por causa duma dívida É a mesma lógica que leva à exploração sexual das crianças ou ao abandono dos idosos que não servem os interes ses próprios É também a lógica interna daqueles que dizem Deixemos que as forças invisíveis do mercado regulem a economia porque os seus efeitos sobre a sociedade e a natureza são danos inevitáveis Se não há verdades objectivas nem princípios estáveis fora da satisfação das aspira ções próprias e das necessidades imediatas que limites pode haver para o tráfico de seres huma nos a criminalidade organizada o narcotráfico o comércio de diamantes ensanguentados e de pe les de animais em vias de extinção Não é a mes ma lógica relativista a que justifica a compra de órgãos dos pobres com a finalidade de os vender 96 ou utilizar para experimentação ou o descarte de crianças porque não correspondem ao desejo de seus pais É a mesma lógica do usa e joga fora que produz tantos resíduos só pelo desejo de sordenado de consumir mais do que realmente se tem necessidade Portanto não podemos pen sar que os programas políticos ou a força da lei sejam suficientes para evitar os comportamentos que afectam o meio ambiente porque quando é a cultura que se corrompe deixando de reco nhecer qualquer verdade objectiva ou quaisquer princípios universalmente válidos as leis só se poderão entender como imposições arbitrárias e obstáculos a evitar A necessidade de defender o trabalho 124 Em qualquer abordagem de ecologia in tegral que não exclua o ser humano é indispen sável incluir o valor do trabalho tão sabiamente desenvolvido por São João Paulo II na sua encí clica Laborem excercens Recordemos que segundo a narração bíblica da criação Deus colocou o ser humano no jardim recémcriado cf Gn 2 15 não só para cuidar do existente guardar mas também para trabalhar nele a fim de que pro duzisse frutos cultivar Assim os operários e os artesãos asseguram uma criação perpétua Sir 38 34 Na realidade a intervenção huma na que favorece o desenvolvimento prudente da criação é a forma mais adequada de cuidar dela porque implica colocarse como instrumento de Deus para ajudar a fazer desabrochar as poten cialidades que Ele mesmo inseriu nas coisas O 97 Senhor produziu da terra os medicamentos e o homem sensato não os desprezará Sir 38 4 125 Se procurarmos pensar quais possam ser as relações adequadas do ser humano com o mundo que o rodeia surge a necessidade duma concepção correcta do trabalho porque falando da relação do ser humano com as coisas impõe senos a questão relativa ao sentido e finalidade da acção humana sobre a realidade Não fala mos apenas do trabalho manual ou do trabalho da terra mas de qualquer actividade que impli que alguma transformação do existente desde a elaboração dum balanço social até ao projecto dum progresso tecnológico Qualquer forma de trabalho pressupõe uma concepção sobre a rela ção que o ser humano pode ou deve estabelecer com o outro diverso de si mesmo A espiritua lidade cristã a par da admiração contemplativa das criaturas que encontramos em São Francisco de Assis desenvolveu também uma rica e sadia compreensão do trabalho como podemos en contrar por exemplo na vida do Beato Carlos de Foucauld e seus discípulos 126 Algo se pode recolher também da longa tradição monástica Nos primórdios esta favo recia de certo modo a fuga do mundo procu rando afastarse da decadência urbana Por isso os monges buscavam o deserto convencidos de que fosse o lugar adequado para reconhecer a presença de Deus Mais tarde São Bento de Núrsia quis que os seus monges vivessem em comunidade unindo oração e estudo com o tra 98 balho manual Ora et labora Esta introdução do trabalho manual impregnada de sentido es piritual revelouse revolucionária Aprendeuse a buscar o amadurecimento e a santificação na compenetração entre o recolhimento e o tra balho Esta maneira de viver o trabalho torna nos mais capazes de ter cuidado e respeito pelo meio ambiente impregnando de sadia sobrieda de a nossa relação com o mundo 127 Afirmamos que o homem é o protago nista o centro e o fim de toda a vida económico social 100 Apesar disso quando no ser humano se deteriora a capacidade de contemplar e res peitar criamse as condições para se desfigurar o sentido do trabalho101 Convém recordar sempre que o ser humano é capaz de por si próprio ser o agente responsável do seu bemestar ma terial progresso moral e desenvolvimento espi ritual 102 O trabalho deveria ser o âmbito deste multiforme desenvolvimento pessoal onde estão em jogo muitas dimensões da vida a criatividade a projectação do futuro o desenvolvimento das capacidades a exercitação dos valores a comu nicação com os outros uma atitude de adoração Por isso a realidade social do munda actual exige que acima dos limitados interesses das empresas 100 ConC eCum vat ii Const past sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes 63 101 Cf João Paulo ii Carta enc Centesimus annus 1 de Maio de 1991 37 AAS 83 1991 840 102 Paulo vi Carta enc Populorum progressio 26 de Março de 1967 34 AAS 59 1967 274 99 e duma discutível racionalidade económica se continue a perseguir como prioritário o objectivo do acesso ao trabalho para todos 103 128 Somos chamados ao trabalho desde a nos sa criação Não se deve procurar que o progresso tecnológico substitua cada vez mais o trabalho humano procedendo assim a humanidade pre judicarseia a si mesma O trabalho é uma neces sidade faz parte do sentido da vida nesta terra é caminho de maturação desenvolvimento hu mano e realização pessoal Neste sentido ajudar os pobres com o dinheiro deve ser sempre um remédio provisório para enfrentar emergências O verdadeiro objectivo deveria ser sempre con sentirlhes uma vida digna através do trabalho Mas a orientação da economia favoreceu um tipo de progresso tecnológico cuja finalidade é redu zir os custos de produção com base na diminui ção dos postos de trabalho que são substituídos por máquinas É mais um exemplo de como a acção do homem se pode voltar contra si mesmo A diminuição dos postos de trabalho tem tam bém um impacto negativo no plano económico com a progressiva corrosão do capital social isto é daquele conjunto de relações de confian ça de credibilidade de respeito das regras indis pensável em qualquer convivência civil 104 Em suma os custos humanos são sempre também custos 103 Bento Xvi Carta enc Caritas in veritate 29 de Junho de 2009 32 AAS 101 2009 666 104 Ibidem 100 económicos e as disfunções económicas acarretam sempre também custos humanos 105 Renunciar a investir nas pessoas para se obter maior receita imediata é um péssimo negócio para a sociedade 129 Para se conseguir continuar a dar empre go é indispensável promover uma economia que favoreça a diversificação produtiva e a criativi dade empresarial Por exemplo há uma grande variedade de sistemas alimentares rurais de pe quena escala que continuam a alimentar a maior parte da população mundial utilizando uma por ção reduzida de terreno e de água e produzindo menos resíduos quer em pequenas parcelas agrí colas e hortas quer na caça e recolha de produtos silvestres quer na pesca artesanal As economias de larga escala especialmente no sector agríco la acabam por forçar os pequenos agricultores a vender as suas terras ou a abandonar as suas culturas tradicionais As tentativas feitas por al guns deles no sentido de desenvolverem outras formas de produção mais diversificadas resul tam inúteis por causa da dificuldade de ter acesso aos mercados regionais e globais ou porque a in fraestrutura de venda e transporte está ao servi ço das grandes empresas As autoridades têm o direito e a responsabilidade de adoptar medidas de apoio claro e firme aos pequenos produtores e à diversificação da produção Às vezes para que haja uma liberdade económica da qual todos real mente beneficiem pode ser necessário pôr limi 105 Ibidem 101 tes àqueles que detêm maiores recursos e poder financeiro A simples proclamação da liberdade económica enquanto as condições reais impe dem que muitos possam efectivamente ter aces so a ela e ao mesmo tempo se reduz o acesso ao trabalho tornase um discurso contraditório que desonra a política A actividade empresarial que é uma nobre vocação orientada para produ zir riqueza e melhorar o mundo para todos pode ser uma maneira muito fecunda de promover a região onde instala os seus empreendimentos sobretudo se pensa que a criação de postos de trabalho é parte imprescindível do seu serviço ao bem comum A inovação biológica a partir da pesquisa 130 Na visão filosófica e teológica do ser hu mano e da criação que procurei propor aparece claro que a pessoa humana com a peculiaridade da sua razão e da sua sabedoria não é um fac tor externo que deva ser totalmente excluído No entanto embora o ser humano possa intervir no mundo vegetal e animal e fazer uso dele quando é necessário para a sua vida o Catecismo ensina que as experimentações sobre os animais só são legí timas desde que não ultrapassem os limites do razoável e contribuam para curar ou poupar vidas humanas 106 Recorda com firmeza que o poder humano tem limites e que é contrário à digni dade humana fazer sofrer inutilmente os animais 106 Catecismo da Igreja Católica 2417 102 e dispor indiscriminadamente das suas vidas 107 Todo o uso e experimentação exige um respeito religioso pela integridade da criação 108 131 Quero recolher aqui a posição equilibra da de São João Paulo II pondo em destaque os benefícios dos progressos científicos e tecnológi cos que manifestam quanto é nobre a vocação do homem para participar de modo responsável na acção criadora de Deus mas ao mesmo tem po recordava que toda e qualquer intervenção numa área determinada do ecossistema não pode prescindir da consideração das suas consequên cias noutras áreas 109 Afirmava que a Igreja apre cia a contribuição do estudo e das aplicações da biologia molecular completada por outras disci plinas como a genética e a sua aplicação tecno lógica na agricultura e na indústria 110 embora dissesse também que isto não deve levar a uma indiscriminada manipulação genética 111 que ignore os efeitos negativos destas intervenções Não é possível frenar a criatividade humana Se não se pode proibir a um artista que exprima a sua capacidade criativa também não se pode 107 Ibid 2418 108 Ibid 2415 109 Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1990 6 AAS 82 1990 150 110 Discurso à Pontifícia Academia das Ciências 3 de Outubro de 1981 3 Insegnamenti 42 1981 333 LOsservatore Romano ed portuguesa de 11X1981 8 111 Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1990 7 AAS 82 1990 151 103 obstaculizar quem possui dons especiais para o progresso científico e tecnológico cujas capaci dades foram dadas por Deus para o serviço dos outros Ao mesmo tempo não se pode deixar de considerar os objectivos os efeitos o contexto e os limites éticos de tal actividade humana que é uma forma de poder com grandes riscos 132 Neste quadro deveria situarse toda e qualquer reflexão acerca da intervenção huma na sobre o mundo vegetal e animal que implique hoje mutações genéticas geradas pela biotecnolo gia a fim de aproveitar as possibilidades presen tes na realidade material O respeito da fé pela razão pede para se prestar atenção àquilo que a própria ciência biológica desenvolvida indepen dentemente dos interesses económicos possa ensinar a propósito das estruturas biológicas e das suas possibilidades e mutações Em todo o caso é legítima uma intervenção que actue sobre a natureza para a ajudar a desenvolverse na sua própria linha a da criação querida por Deus 112 133 É difícil emitir um juízo geral sobre o de senvolvimento de organismos modificados gene ticamente OMG vegetais ou animais para fins medicinais ou agropecuários porque podem ser muito diferentes entre si e requerer distintas considerações Além disso os riscos nem sem 112 João Paulo II Discurso à 35ª Assembleia Geral da Associa ção Médica Mundial 29 de Outubro de 1983 6 AAS 76 1984 394 LOsservatore Romano ed portuguesa de 13XI1983 7 104 pre se devem atribuir à própria técnica mas à sua aplicação inadequada ou excessiva Na realidade muitas vezes as mutações genéticas foram e con tinuam a ser produzidas pela própria natureza E mesmo as provocadas pelo ser humano não são um fenómeno moderno A domesticação de ani mais o cruzamento de espécies e outras práticas antigas e universalmente seguidas podem incluir se nestas considerações É oportuno recordar que o início dos progressos científicos sobre ce reais transgénicos foi a observação de bactérias que de forma natural e espontânea produziam uma modificação no genoma dum vegetal Mas na natureza estes processos têm um ritmo len to que não se compara com a velocidade impos ta pelos avanços tecnológicos actuais mesmo quando estes avanços se baseiam num desenvol vimento científico de vários séculos 134 Embora não disponhamos de provas defi nitivas acerca do dano que poderiam causar os ce reais transgénicos aos seres humanos e apesar de nalgumas regiões a sua utilização ter produzido um crescimento económico que contribuiu para resolver determinados problemas há dificulda des importantes que não devem ser minimizadas Em muitos lugares na sequência da introdução destas culturas constatase uma concentração de terras produtivas nas mãos de poucos devido ao progressivo desaparecimento de pequenos pro dutores que em consequência da perda das ter ras cultivadas se viram obrigados a retirarse da 105 produção directa 113 Os mais frágeis deles tor namse trabalhadores precários e muitos assala riados agrícolas acabam por emigrar para miserá veis aglomerados das cidades A expansão destas culturas destrói a complexa trama dos ecossiste mas diminui a diversidade na produção e afecta o presente ou o futuro das economias regionais Em vários países notase uma tendência para o desenvolvimento de oligopólios na produção de sementes e outros produtos necessários para o cultivo e a dependência agravase quando se pensa na produção de sementes estéreis que aca bam por obrigar os agricultores a comprálas às empresas produtoras 135 Sem dúvida há necessidade duma atenção constante que tenha em consideração todos os aspectos éticos implicados Para isso é preciso assegurar um debate científico e social que seja responsável e amplo capaz de considerar toda a informação disponível e chamar as coisas pelo seu nome Às vezes não se coloca sobre a mesa a informação completa mas é seleccionada de acordo com os próprios interesses sejam eles políticos económicos ou ideológicos Isto torna difícil elaborar um juízo equilibrado e prudente sobre as várias questões tendo presente todas as variáveis em jogo É necessário dispor de espaços de debate onde todos aqueles que poderiam de algum modo verse directa ou indirectamente 113 ConferênCia ePisCoPal da argentina Comissão de Pastoral soCial Una tierra para todos Junho de 2005 19 106 afectados agricultores consumidores autorida des cientistas produtores de sementes popu lações vizinhas dos campos tratados e outros tenham possibilidade de expor as suas problemá ticas ou ter acesso a uma informação ampla e fi dedigna para adoptar decisões tendentes ao bem comum presente e futuro A questão dos OMG é uma questão de carácter complexo que requer ser abordada com um olhar abrangente de todos os aspectos isto exigiria pelo menos um maior esforço para financiar distintas linhas de pesqui sa autónoma e interdisciplinar que possam trazer nova luz 136 Além disso é preocupante constatar que alguns movimentos ecologistas defendem a in tegridade do meio ambiente e com razão recla mam a imposição de determinados limites à pes quisa científica mas não aplicam estes mesmos princípios à vida humana Muitas vezes justifica se que se ultrapassem todos os limites quando se faz experiências com embriões humanos vivos Esquecese que o valor inalienável do ser huma no é independente do seu grau de desenvolvi mento Aliás quando a técnica ignora os grandes princípios éticos acaba por considerar legítima qualquer prática Como vimos neste capítulo a técnica separada da ética dificilmente será capaz de autolimitar o seu poder 107 CAPÍTULO IV UMA ECOLOGIA INTEGRAL 137 Dado que tudo está intimamente relacio nado e que os problemas actuais requerem um olhar que tenha em conta todos os aspectos da crise mundial proponho que nos detenhamos agora a reflectir sobre os diferentes elementos duma ecologia integral que inclua claramente as di mensões humanas e sociais 1 eCologia amBiental eConómiCa e soCial 138 A ecologia estuda as relações entre os or ganismos vivos e o meio ambiente onde se desen volvem E isto exige sentarse a pensar e discutir acerca das condições de vida e de sobrevivência duma sociedade com a honestidade de pôr em questão modelos de desenvolvimento produção e consumo Nunca é demais insistir que tudo está interligado O tempo e o espaço não são inde pendentes entre si nem os próprios átomos ou as partículas subatómicas se podem considerar se paradamente Assim como os vários componen tes do planeta físicos químicos e biológicos estão relacionados entre si assim também as es pécies vivas formam uma trama que nunca aca baremos de individuar e compreender Boa parte da nossa informação genética é partilhada com 108 muitos seres vivos Por isso os conhecimentos fragmentários e isolados podem tornarse uma forma de ignorância quando resistem a integrar se numa visão mais ampla da realidade 139 Quando falamos de meio ambiente fa zemos referência também a uma particular rela ção a relação entre a natureza e a sociedade que a habita Isto impedenos de considerar a natureza como algo separado de nós ou como uma mera moldura da nossa vida Estamos incluídos nela somos parte dela e compenetramonos As ra zões pelas quais um lugar se contamina exigem uma análise do funcionamento da sociedade da sua economia do seu comportamento das suas maneiras de entender a realidade Dada a ampli tude das mudanças já não é possível encontrar uma resposta específica e independente para cada parte do problema É fundamental buscar soluções integrais que considerem as interacções dos sistemas naturais entre si e com os sistemas sociais Não há duas crises separadas uma am biental e outra social mas uma única e comple xa crise sócioambiental As directrizes para a solução requerem uma abordagem integral para combater a pobreza devolver a dignidade aos ex cluídos e simultaneamente cuidar da natureza 140 Devido à quantidade e variedade de ele mentos a ter em conta na hora de determinar o impacto ambiental dum empreendimento con creto tornase indispensável dar aos pesquisa dores um papel preponderante e facilitar a sua 109 interacção com uma ampla liberdade académica Esta pesquisa constante deveria permitir reco nhecer também como as diferentes criaturas se relacionam formando aquelas unidades maiores que hoje chamamos ecossistemas Temolos em conta não só para determinar qual é o seu uso razoável mas também porque possuem um valor intrínseco independente de tal uso Assim como cada organismo é bom e admirável em si mesmo pelo facto de ser uma criatura de Deus o mesmo se pode dizer do conjunto harmónico de organismos num determinado espaço funcio nando como um sistema Embora não tenhamos consciência disso dependemos desse conjunto para a nossa própria existência Convém recor dar que os ecossistemas intervêm na retenção do anidrido carbónico na purificação da água na contraposição a doenças e pragas na compo sição do solo na decomposição dos resíduos e muitíssimos outros serviços que esquecemos ou ignoramos Quando se dão conta disto muitas pessoas voltam a tomar consciência de que vi vemos e agimos a partir duma realidade que nos foi previamente dada que é anterior às nossas capacidades e à nossa existência Por isso quan do se fala de uso sustentável é preciso incluir sempre uma consideração sobre a capacidade re generativa de cada ecossistema nos seus diversos sectores e aspectos 141 Além disso o crescimento económico tende a gerar automatismos e a homogeneizar a 110 fim de simplificar os processos e reduzir os cus tos Por isso é necessária uma ecologia económi ca capaz de induzir a considerar a realidade de forma mais ampla Com efeito a protecção do meio ambiente deverá constituir parte integrante do processo de desenvolvimento e não poderá ser considerada isoladamente 114 Mas ao mes mo tempo tornase actual a necessidade impe riosa do humanismo que faz apelo aos distintos saberes incluindo o económico para uma visão mais integral e integradora Hoje a análise dos problemas ambientais é inseparável da análise dos contextos humanos familiares laborais ur banos e da relação de cada pessoa consigo mes ma que gera um modo específico de se relacio nar com os outros e com o meio ambiente Há uma interacção entre os ecossistemas e entre os diferentes mundos de referência social e assim se demonstra mais uma vez que o todo é supe rior à parte 115 142 Se tudo está relacionado também o es tado de saúde das instituições duma sociedade tem consequências no ambiente e na qualidade de vida humana toda a lesão da solidariedade e da amizade cívica provoca danos ambientais 116 Neste sentido a ecologia social é necessariamen 114 Declaração do Rio sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento Rio de Janeiro 14 de Junho de 1992 princípio 4 115 franCisCo Exort ap Evangelii gaudium 24 de Novem bro de 2013 237 AAS 105 2013 1116 116 Bento Xvi Carta enc Caritas in veritate 29 de Junho de 2009 51 AAS 101 2009 687 111 te institucional e progressivamente alcança as di ferentes dimensões que vão desde o grupo social primário a família até à vida internacional pas sando pela comunidade local e a nação Dentro de cada um dos níveis sociais e entre eles desen volvemse as instituições que regulam as relações humanas Tudo o que as danifica comporta efei tos nocivos como a perda da liberdade a injusti ça e a violência Vários países são governados por um sistema institucional precário à custa do so frimento do povo e para benefício daqueles que lucram com este estado de coisas Tanto dentro da administração do Estado como nas diferentes expressões da sociedade civil ou nas relações dos habitantes entre si registamse com demasiada frequência comportamentos ilegais As leis po dem estar redigidas de forma correcta mas mui tas vezes permanecem letra morta Poderseá assim esperar que a legislação e as normativas relativas ao meio ambiente sejam realmente efi cazes Sabemos por exemplo que países dota dos duma legislação clara sobre a protecção das florestas continuam a ser testemunhas mudas da sua frequente violação Além disso o que aconte ce numa região influi directa ou indirectamente nas outras regiões Assim por exemplo o consu mo de drogas nas sociedades opulentas provoca uma constante ou crescente procura de produtos que provêm de regiões empobrecidas onde se corrompem comportamentos se destroem vidas e se acaba por degradar o meio ambiente 112 2 eCologia Cultural 143 A par do património natural encontrase igualmente ameaçado um património histórico artístico e cultural Faz parte da identidade co mum de um lugar servindo de base para cons truir uma cidade habitável Não se trata de des truir e criar novas cidades hipoteticamente mais ecológicas onde nem sempre resulta desejável viver É preciso integrar a história a cultura e a arquitectura dum lugar salvaguardando a sua identidade original Por isso a ecologia envol ve também o cuidado das riquezas culturais da humanidade no seu sentido mais amplo Mais directamente pede que se preste atenção às cul turas locais quando se analisam questões relacio nadas com o meio ambiente fazendo dialogar a linguagem técnicocientífica com a linguagem popular É a cultura entendida não só como os monumentos do passado mas especialmente no seu sentido vivo dinâmico e participativo que não se pode excluir na hora de repensar a relação do ser humano com o meio ambiente 144 A visão consumista do ser humano incen tivada pelos mecanismos da economia globaliza da actual tende a homogeneizar as culturas e a debilitar a imensa variedade cultural que é um tesouro da humanidade Por isso pretender re solver todas as dificuldades através de normati vas uniformes ou por intervenções técnicas leva a negligenciar a complexidade das problemáticas locais que requerem a participação activa dos ha 113 bitantes Os novos processos em gestação nem sempre se podem integrar dentro de modelos estabelecidos do exterior mas hãode ser prove nientes da própria cultura local Assim como a vida e o mundo são dinâmicos assim também o cuidado do mundo deve ser flexível e dinâmico As soluções meramente técnicas correm o ris co de tomar em consideração sintomas que não correspondem às problemáticas mais profun das É preciso assumir a perspectiva dos direitos dos povos e das culturas dando assim provas de compreender que o desenvolvimento dum gru po social supõe um processo histórico no âmbito dum contexto cultural e requer constantemente o protagonismo dos actores sociais locais a par tir da sua própria cultura Nem mesmo a noção da qualidade de vida se pode impor mas deve ser entendida dentro do mundo de símbolos e hábi tos próprios de cada grupo humano 145 Muitas formas de intensa exploração e de gradação do meio ambiente podem esgotar não só os meios locais de subsistência mas também os recursos sociais que consentiram um modo de viver que sustentou durante longo tempo uma identidade cultural e um sentido da existência e da convivência social O desaparecimento duma cultura pode ser tanto ou mais grave do que o de saparecimento duma espécie animal ou vegetal A imposição dum estilo hegemónico de vida liga do a um modo de produção pode ser tão nocivo como a alteração dos ecossistemas 114 146 Neste sentido é indispensável prestar uma atenção especial às comunidades aborígenes com as suas tradições culturais Não são apenas uma minoria entre outras mas devem tornarse os principais interlocutores especialmente quan do se avança com grandes projectos que afectam os seus espaços Com efeito para eles a terra não é um bem económico mas dom gratuito de Deus e dos antepassados que nela descansam um es paço sagrado com o qual precisam de interagir para manter a sua identidade e os seus valores Eles quando permanecem nos seus territórios são quem melhor os cuida Em várias partes do mundo porém são objecto de pressões para que abandonem suas terras e as deixem livres para projectos extractivos e agropecuários que não prestam atenção à degradação da natureza e da cultura 3 eCologia da vida quotidiana 147 Para se poder falar de autêntico progres so será preciso verificar que se produza uma me lhoria global na qualidade de vida humana isto implica analisar o espaço onde as pessoas trans correm a sua existência Os ambientes onde vi vemos influem sobre a nossa maneira de ver a vida sentir e agir Ao mesmo tempo no nosso quarto na nossa casa no nosso lugar de traba lho e no nosso bairro usamos o ambiente para exprimir a nossa identidade Esforçamonos por nos adaptar ao ambiente e quando este aparece desordenado caótico ou cheio de poluição visiva 115 e acústica o excesso de estímulos põe à prova as nossas tentativas de desenvolver uma identidade integrada e feliz 148 Admirável é a criatividade e generosidade de pessoas e grupos que são capazes de dar a volta às limitações do ambiente modificando os efeitos adversos dos condicionalismos e apren dendo a orientar a sua existência no meio da de sordem e precariedade Por exemplo nalguns lu gares onde as fachadas dos edifícios estão muito deterioradas há pessoas que cuidam com muita dignidade o interior das suas habitações ou que se sentem bem pela cordialidade e amizade das pessoas A vida social positiva e benfazeja dos habitantes enche de luz um ambiente à primei ra vista inabitável É louvável a ecologia humana que os pobres conseguem desenvolver no meio de tantas limitações A sensação de sufocamento produzida pelos aglomerados residenciais e pe los espaços com alta densidade populacional é contrastada se se desenvolvem calorosas relações humanas de vizinhança se se criam comunida des se as limitações ambientais são compensadas na interioridade de cada pessoa que se sente inse rida numa rede de comunhão e pertença Deste modo qualquer lugar deixa de ser um inferno e tornase o contexto duma vida digna 149 Inversamente está provado que a penú ria extrema vivida nalguns ambientes privados de harmonia magnanimidade e possibilidade de integração facilita o aparecimento de comporta 116 mentos desumanos e a manipulação das pessoas por organizações criminosas Para os habitantes de bairros periféricos muito precários a experiên cia diária de passar da superlotação ao anonima to social que se vive nas grandes cidades pode provocar uma sensação de desenraizamento que favorece comportamentos antisociais e violên cia Todavia tenho a peito reiterar que o amor é mais forte Muitas pessoas nestas condições são capazes de tecer laços de pertença e convivência que transformam a superlotação numa experiên cia comunitária onde se derrubam os muros do eu e superam as barreiras do egoísmo Esta ex periência de salvação comunitária é o que muitas vezes suscita reacções criativas para melhorar um edifício ou um bairro 117 150 Dada a relação entre os espaços urbani zados e o comportamento humano aqueles que projectam edifícios bairros espaços públicos e cidades precisam da contribuição dos vários sa beres que permitem compreender os processos o simbolismo e os comportamentos das pessoas Não é suficiente a busca da beleza no projecto porque tem ainda mais valor servir outro tipo de beleza a qualidade de vida das pessoas a sua 117 Alguns autores puseram em evidência os valores que muitas vezes se vivem por exemplo nas villas chabolas ou favelas da América Latina ver Juan Carlos sCannone SI La irrupción del pobre y la lógica de la gratuidad in Juan Carlos sCannone e marCelo Perine eds Irrupción del pobre y quehacer filosófico Hacia una nueva racionalidad Buenos Aires 1993 225 230 117 harmonia com o ambiente o encontro e ajuda mútua Por isso também é tão importante que o ponto de vista dos habitantes do lugar contribua sempre para a análise da planificação urbanista 151 É preciso cuidar dos espaços comuns dos marcos visuais e das estruturas urbanas que melhoram o nosso sentido de pertença a nossa sensação de enraizamento o nosso sentimento de estar em casa dentro da cidade que nos en volve e une É importante que as diferentes par tes duma cidade estejam bem integradas e que os habitantes possam ter uma visão de conjunto em vez de se encerrarem num bairro renunciando a viver a cidade inteira como um espaço próprio partilhado com os outros Toda a intervenção na paisagem urbana ou rural deveria considerar que os diferentes elementos do lugar formam um todo sentido pelos habitantes como um con texto coerente com a sua riqueza de significados Assim os outros deixam de ser estranhos e po demos sentilos como parte de um nós que construímos juntos Pela mesma razão tanto no meio urbano como no rural convém preservar alguns espaços onde se evitem intervenções hu manas que os alterem constantemente 152 A falta de habitação é grave em muitas partes do mundo tanto nas áreas rurais como nas grandes cidades nomeadamente porque os orçamentos estatais em geral cobrem apenas uma pequena parte da procura E não só os po bres mas uma grande parte da sociedade encon 118 tra sérias dificuldades para ter uma casa própria A propriedade da casa tem muita importância para a dignidade das pessoas e o desenvolvimento das famílias Tratase duma questão central da ecolo gia humana Se num lugar concreto já se desen volveram aglomerados caóticos de casas precárias tratase primariamente de urbanizar estes bairros não de erradicar e expulsar os habitantes Mas quando os pobres vivem em subúrbios poluídos ou aglomerados perigosos no caso de ter de se proceder à sua deslocação para não acrescentar mais sofrimento ao que já padecem é necessário fornecerlhes uma adequada e prévia informação oferecerlhes alternativas de alojamentos dignos e envolver directamente os interessados 118 Ao mesmo tempo a criatividade deveria levar à inte gração dos bairros precários numa cidade acolhe dora Como são belas as cidades que superam a desconfiança doentia e integram os que são dife rentes fazendo desta integração um novo factor de progresso Como são encantadoras as cidades que já no seu projecto arquitectónico estão cheias de espaços que unem relacionam favorecem o re conhecimento do outro 119 153 Nas cidades a qualidade de vida está larga mente relacionada com os transportes que mui tas vezes são causa de grandes tribulações para 118 PontifíCio Conselho Justiça e Paz Compêndio da Doutrina Social da Igreja 482 119 franCisCo Exort ap Evangelii gaudium 24 de Novem bro de 2013 210 AAS 105 2013 1107 119 os habitantes Nelas circulam muitos carros utili zados por uma ou duas pessoas pelo que o tráfi co tornase intenso elevase o nível de poluição consomemse enormes quantidades de energia nãorenovável e tornase necessário a construção de mais estradas e parques de estacionamento que prejudicam o tecido urbano Muitos especialistas estão de acordo sobre a necessidade de dar prio ridade ao transporte público Mas é difícil que algumas medidas consideradas necessárias sejam pacificamente acolhidas pela sociedade sem uma melhoria substancial do referido transporte que em muitas cidades comporta um tratamento in digno das pessoas devido à superlotação ao des conforto ou à reduzida frequência dos serviços e à insegurança 154 O reconhecimento da dignidade peculiar do ser humano contrasta frequentemente com a vida caótica que têm de fazer as pessoas nas nos sas cidades Mas isto não deveria levar a esquecer o estado de abandono e desleixo que sofrem tam bém alguns habitantes das áreas rurais onde não chegam os serviços essenciais e há trabalhadores reduzidos a situações de escravidão sem direitos nem expectativas duma vida mais dignificante 155 A ecologia humana implica também algo de muito profundo que é indispensável para se poder criar um ambiente mais dignificante a re lação necessária da vida do ser humano com a lei moral inscrita na sua própria natureza Bento XVI dizia que existe uma ecologia do homem por 120 que também o homem possui uma natureza que deve respeitar e não pode manipular como lhe apetece 120 Nesta linha é preciso reconhecer que o nosso corpo nos põe em relação directa com o meio ambiente e com os outros seres vi vos A aceitação do próprio corpo como dom de Deus é necessária para acolher e aceitar o mun do inteiro como dom do Pai e casa comum pelo contrário uma lógica de domínio sobre o pró prio corpo transformase numa lógica por vezes subtil de domínio sobre a criação Aprender a aceitar o próprio corpo a cuidar dele e a respeitar os seus significados é essencial para uma verda deira ecologia humana Também é necessário ter apreço pelo próprio corpo na sua feminilidade ou masculinidade para se poder reconhecer a si mesmo no encontro com o outro que é diferen te Assim é possível aceitar com alegria o dom específico do outro ou da outra obra de Deus criador e enriquecerse mutuamente Portanto não é salutar um comportamento que pretenda cancelar a diferença sexual porque já não sabe confrontarse com ela 121 4 o PrinCíPio do Bem Comum 156 A ecologia humana é inseparável da noção de bem comum princípio este que desempenha 120 Discurso ao Bundestag Berlim 22 de Setembro de 2011 AAS 103 2011 668 LOsservatore Romano ed portuguesa de 24IX2011 5 121 franCisCo Catequese 15 de Abril de 2015 LOsservatore Romano ed portuguesa de 16IV2015 20 121 um papel central e unificador na ética social É o conjunto das condições da vida social que permitem tanto aos grupos como a cada mem bro alcançar mais plena e facilmente a própria perfeição 122 157 O bem comum pressupõe o respeito pela pessoa humana enquanto tal com direitos fun damentais e inalienáveis orientados para o seu desenvolvimento integral Exige também os dispositivos de bemestar e segurança social e o desenvolvimento dos vários grupos intermédios aplicando o princípio da subsidiariedade Entre tais grupos destacase de forma especial a famí lia enquanto célula basilar da sociedade Por fim o bem comum requer a paz social isto é a esta bilidade e a segurança de uma certa ordem que não se realiza sem uma atenção particular à justi ça distributiva cuja violação gera sempre violên cia Toda a sociedade e nela especialmente o Estado tem obrigação de defender e promover o bem comum 158 Nas condições actuais da sociedade mun dial onde há tantas desigualdades e são cada vez mais numerosas as pessoas descartadas privadas dos direitos humanos fundamentais o princípio do bem comum tornase imediatamente como consequência lógica e inevitável um apelo à so lidariedade e uma opção preferencial pelos mais 122 ConC eCum vat ii Const past sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes 26 122 pobres Esta opção implica tirar as consequên cias do destino comum dos bens da terra mas como procurei mostrar na exortação apostólica Evangelii gaudium123 exige acima de tudo con templar a imensa dignidade do pobre à luz das mais profundas convicções de fé Basta obser var a realidade para compreender que hoje esta opção é uma exigência ética fundamental para a efectiva realização do bem comum 5 a Justiça intergeneraCional 159 A noção de bem comum engloba também as gerações futuras As crises económicas inter nacionais mostraram de forma atroz os efeitos nocivos que traz consigo o desconhecimento de um destino comum do qual não podem ser ex cluídos aqueles que virão depois de nós Já não se pode falar de desenvolvimento sustentável sem uma solidariedade intergeneracional Quando pensamos na situação em que se deixa o planeta às gerações futuras entramos noutra lógica a do dom gratuito que recebemos e comunicamos Se a terra nos é dada não podemos pensar apenas a partir dum critério utilitarista de eficiência e pro dutividade para lucro individual Não estamos a falar duma atitude opcional mas duma questão essencial de justiça pois a terra que recebemos pertence também àqueles que hãode vir Os bis pos de Portugal exortaram a assumir este dever 123 Cf nn 186201 AAS 105 2013 10981105 123 de justiça O ambiente situase na lógica da re cepção É um empréstimo que cada geração rece be e deve transmitir à geração seguinte 124 Uma ecologia integral possui esta perspectiva ampla 160 Que tipo de mundo queremos deixar a quem vai sucedernos às crianças que estão a crescer Esta pergunta não toca apenas o meio ambiente de maneira isolada porque não se pode pôr a questão de forma fragmentária Quando nos interrogamos acerca do mundo que queremos dei xar referimonos sobretudo à sua orientação geral ao seu sentido aos seus valores Se não pulsa nelas esta pergunta de fundo não creio que as nossas preocupações ecológicas possam alcançar efeitos importantes Mas se esta pergunta é posta com coragem levanos inexoravelmente a outras ques tões muito directas Com que finalidade passamos por este mundo Para que viemos a esta vida Para que trabalhamos e lutamos Que necessidade tem de nós esta terra Por isso já não basta dizer que devemos preocuparnos com as gerações futuras exigese ter consciência de que é a nossa própria dignidade que está em jogo Somos nós os primei ros interessados em deixar um planeta habitável para a humanidade que nos vai suceder Tratase de um drama para nós mesmos porque isto cha ma em causa o significado da nossa passagem por esta terra 124 ConferênCia ePisCoPal Portuguesa Carta pastoral Responsabilidade solidária pelo bem comum 15 de Setembro de 2003 20 124 161 As previsões catastróficas já não se po dem olhar com desprezo e ironia Às próximas gerações poderíamos deixar demasiadas ruínas desertos e lixo O ritmo de consumo desperdí cio e alteração do meio ambiente superou de tal maneira as possibilidades do planeta que o estilo de vida actual por ser insustentável só pode desembocar em catástrofes como aliás já está a acontecer periodicamente em várias regiões A atenuação dos efeitos do desequilíbrio actual depende do que fizermos agora sobretudo se pensarmos na responsabilidade que nos atribui rão aqueles que deverão suportar as piores con sequências 162 A dificuldade em levar a sério este desafio tem a ver com uma deterioração ética e cultu ral que acompanha a deterioração ecológica O homem e a mulher deste mundo pósmoderno correm o risco permanente de se tornar pro fundamente individualistas e muitos problemas sociais de hoje estão relacionados com a busca egoísta duma satisfação imediata com as crises dos laços familiares e sociais com as dificuldades em reconhecer o outro Muitas vezes há um con sumo excessivo e míope dos pais que prejudica os próprios filhos que sentem cada vez mais di ficuldade em comprar casa própria e fundar uma família Além disso esta falta de capacidade para pensar seriamente nas futuras gerações está liga da com a nossa incapacidade de alargar o hori zonte das nossas preocupações e pensar naqueles 125 que permanecem excluídos do desenvolvimento Não percamos tempo a imaginar os pobres do futuro é suficiente que recordemos os pobres de hoje que poucos anos têm para viver nesta terra e não podem continuar a esperar Por isso para além de uma leal solidariedade entre as gerações há que reafirmar a urgente necessidade moral de uma renovada solidariedade entre os indivíduos da mesma geração 125 125 Bento Xvi Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2010 8 AAS 102 2010 45 127 CAPÍTULO V ALGUMAS LINHAS DE ORIENTAÇÃO E ACÇÃO 163 Procurei examinar a situação actual da hu manidade tanto nas brechas do planeta que ha bitamos como nas causas mais profundamente humanas da degradação ambiental Embora esta contemplação da realidade em si mesma já nos indique a necessidade duma mudança de rumo e sugira algumas acções procuremos agora de linear grandes percursos de diálogo que nos aju dem a sair da espiral de autodestruição onde es tamos a afundar 1 o diálogo soBre o meio amBiente na PolítiCa internaCional 164 Desde meados do século passado e supe rando muitas dificuldades foise consolidando a tendência de conceber o planeta como pátria e a humanidade como povo que habita uma casa co mum Um mundo interdependente não significa unicamente compreender que as consequências danosas dos estilos de vida produção e consumo afectam a todos mas principalmente procurar que as soluções sejam propostas a partir duma perspectiva global e não apenas para defesa dos interesses de alguns países A interdependência 128 obriganos a pensar num único mundo num projecto comum Mas a mesma inteligência que foi utili zada para um enorme desenvolvimento tecno lógico não consegue encontrar formas eficazes de gestão internacional para resolver as graves dificuldades ambientais e sociais Para enfrentar os problemas de fundo que não se podem resol ver com acções de países isolados tornase in dispensável um consenso mundial que leve por exemplo a programar uma agricultura sustentá vel e diversificada desenvolver formas de ener gia renováveis e pouco poluidoras fomentar uma maior eficiência energética promover uma ges tão mais adequada dos recursos florestais e ma rinhos garantir a todos o acesso à água potável 165 Sabemos que a tecnologia baseada nos combustíveis fósseis altamente poluentes sobretudo o carvão mas também o petróleo e em menor medida o gás deve ser progressi vamente e sem demora substituída Enquanto aguardamos por um amplo desenvolvimento das energias renováveis que já deveria ter começa do é legítimo optar pelo mal menor ou recorrer a soluções transitórias Todavia na comunidade internacional não se consegue suficiente acor do sobre a responsabilidade de quem deve su portar os maiores custos da transição energéti ca Nas últimas décadas as questões ambientais deram origem a um amplo debate público que fez crescer na sociedade civil espaços de notável compromisso e generosa dedicação A política e 129 a indústria reagem com lentidão longe de estar à altura dos desafios mundiais Neste sentido po dese dizer que enquanto a humanidade do pe ríodo pósindustrial talvez fique recordada como uma das mais irresponsáveis da história espera se que a humanidade dos inícios do século XXI possa ser lembrada por ter assumido com gene rosidade as suas graves responsabilidades 166 O movimento ecológico mundial já per correu um longo caminho enriquecido pelo es forço de muitas organizações da sociedade civil Não seria possível mencionálas todas aqui nem repassar a história das suas contribuições Mas graças a tanta dedicação as questões ambientais têm estado cada vez mais presentes na agenda pública e tornaramse um convite permanente a pensar a longo prazo Apesar disso as cimei ras mundiais sobre o meio ambiente dos últimos anos não corresponderam às expectativas por que não alcançaram por falta de decisão política acordos ambientais globais realmente significati vos e eficazes 167 Dentre elas há que recordar a Cimeira da Terra celebrada em 1992 no Rio de Janeiro Lá se proclamou que os seres humanos constituem o centro das preocupações relacionadas com o desenvolvimento sustentável 126 Retomando alguns conteúdos da Declaração de Estocolmo 126 Declaração do Rio sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento Rio de Janeiro 14 de Junho de 1992 princípio 1 130 1972 sancionou entre outras coisas a coope ração internacional no cuidado do ecossistema de toda a terra a obrigação de quem contaminar assumir economicamente os custos derivados o dever de avaliar o impacto ambiental de toda e qualquer obra ou projecto Propôs o objectivo de estabilizar as concentrações de gases com efeito de estufa na atmosfera para inverter a tendência do aquecimento global Também elaborou uma agenda com um programa de acção e uma con venção sobre biodiversidade declarou princípios em matéria florestal Embora tal cimeira marcas se um passo em frente e fosse verdadeiramente profética para a sua época os acordos tiveram um baixo nível de implementação porque não se estabeleceram adequados mecanismos de con trole revisão periódica e sanção das violações Os princípios enunciados continuam a requerer caminhos eficazes e ágeis de realização prática 168 Como experiências positivas podese mencionar por exemplo a Convenção de Basi leia sobre os resíduos perigosos com um sistema de notificação níveis estipulados e controles e também a Convenção vinculante sobre o comér cio internacional das espécies da fauna e da flora selvagens ameaçadas de extinção que prevê mis sões de verificação do seu efectivo cumprimento Graças à Convenção de Viena para a protecção da camada de ozono e a respectiva implementa ção através do Protocolo de Montreal e as suas emendas o problema da diminuição da referida camada parece ter entrado numa fase de solução 131 169 No cuidado da biodiversidade e no con traste à desertificação os avanços foram muito menos significativos Relativamente às mudanças climáticas os progressos são infelizmente muito escassos A redução de gases com efeito de estu fa requer honestidade coragem e responsabilida de sobretudo dos países mais poderosos e mais poluentes A Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável chamada Rio20 Rio de Janeiro 2012 emitiu uma De claração Final extensa mas ineficaz As negocia ções internacionais não podem avançar significa tivamente por causa das posições dos países que privilegiam os seus interesses nacionais sobre o bem comum global Aqueles que hãode sofrer as consequências que tentamos dissimular re cordarão esta falta de consciência e de responsa bilidade Durante o período de elaboração desta encíclica o debate adquiriu particular intensida de Nós crentes não podemos deixar de rezar a Deus pela evolução positiva nos debates actuais para que as gerações futuras não sofram as con sequências de demoras imprudentes 170 Algumas das estratégias para a baixa emis são de gases poluentes apostam na internaciona lização dos custos ambientais com o perigo de impor aos países de menores recursos pesados compromissos de redução de emissões com paráveis aos dos países mais industrializados A imposição destas medidas penaliza os países mais necessitados de desenvolvimento Assim 132 acrescentase uma nova injustiça sob a capa do cuidado do meio ambiente Como sempre a corda quebra pelo ponto mais fraco Uma vez que os efeitos das mudanças climáticas se farão sentir durante muito tempo mesmo que agora sejam tomadas medidas rigorosas alguns países com escassos recursos precisarão de ajuda para se adaptar a efeitos que já estão a produzirse e afectam as suas economias É verdade que há responsabilidades comuns mas diferenciadas pelo simples motivo como disseram os bispos da Bolívia que os países que foram beneficia dos por um alto grau de industrialização à custa duma enorme emissão de gases com efeito de estufa têm maior responsabilidade em contribuir para a solução dos problemas que causaram 127 171 A estratégia de compravenda de crédi tos de emissão pode levar a uma nova forma de especulação que não ajudaria a reduzir a emissão global de gases poluentes Este sistema parece ser uma solução rápida e fácil com a aparência dum certo compromisso com o meio ambien te mas que não implica de forma alguma uma mudança radical à altura das circunstâncias Pelo contrário pode tornarse um diversivo que per mite sustentar o consumo excessivo de alguns países e sectores 172 Para os países pobres as prioridades de vem ser a erradicação da miséria e o desenvol 127 ConferênCia ePisCoPal da Bolívia Carta pastoral El universo don de Dios para la vida 2012 86 133 vimento social dos seus habitantes ao mesmo tempo devem examinar o nível escandaloso de consumo de alguns sectores privilegiados da sua população e contrastar melhor a corrupção Sem dúvida devem também desenvolver formas me nos poluentes de produção de energia mas para isso precisam de contar com a ajuda dos países que cresceram muito à custa da actual poluição do planeta O aproveitamento directo da ener gia solar tão abundante exige que se estabele çam mecanismos e subsídios tais que os países em vias de desenvolvimento possam ter acesso à transferência de tecnologias assistência técnica e recursos financeiros mas sempre prestando aten ção às condições concretas pois nem sempre se avalia adequadamente a compatibilidade dos sis temas com o contexto para o qual são projecta dos 128 Os custos seriam baixos se comparados com os riscos das mudanças climáticas Em todo o caso tratase primariamente duma decisão éti ca fundada na solidariedade de todos os povos 173 Urgem acordos internacionais que se cumpram dada a escassa capacidade das instân cias locais para intervirem de maneira eficaz As relações entre os Estados devem salvaguardar a soberania de cada um mas também estabelecer caminhos consensuais para evitar catástrofes locais que acabariam por danificar a todos São necessários padrões reguladores globais que im 128 PontifíCio Conselho Justiça e Paz Doc Energia Giustizia e Pace Cidade do Vaticano 2013 56 134 ponham obrigações e impeçam acções inaceitá veis como o facto de países poderosos descarre garem sobre outros países resíduos e indústrias altamente poluentes 174 Mencionemos também o sistema de go vernança dos oceanos Com efeito embora tenha havido várias convenções internacionais e regio nais a fragmentação e a falta de severos mecanis mos de regulamentação controle e sanção aca bam por minar todos os esforços O problema crescente dos resíduos marinhos e da protecção das áreas marinhas para além das fronteiras na cionais continua a representar um desafio espe cial Em definitivo precisamos de um acordo so bre os regimes de governança para toda a gama dos chamados bens comuns globais 175 A lógica que dificulta a tomada de decisões drásticas para inverter a tendência ao aquecimen to global é a mesma que não permite cumprir o objectivo de erradicar a pobreza Precisamos duma reacção global mais responsável que im plique enfrentar contemporaneamente a redu ção da poluição e o desenvolvimento dos países e regiões pobres O século XXI mantendo um sistema de governança próprio de épocas passa das assiste a uma perda de poder dos Estados nacionais sobretudo porque a dimensão econó micofinanceira de carácter transnacional tende a prevalecer sobre a política Neste contexto tor nase indispensável a maturação de instituições internacionais mais fortes e eficazmente organi zadas com autoridades designadas de maneira 135 imparcial por meio de acordos entre os gover nos nacionais e dotadas de poder de sancionar Com afirmou Bento XVI na linha desenvolvida até agora pela doutrina social da Igreja para o governo da economia mundial para sanar as eco nomias atingidas pela crise de modo a prevenir o agravamento da mesma e consequentes maio res desequilíbrios para realizar um oportuno e integral desarmamento a segurança alimentar e a paz para garantir a salvaguarda do ambiente e para regulamentar os fluxos migratórios urge a presença de uma verdadeira Autoridade polí tica mundial delineada já pelo meu predecessor São João XXIII 129 Nesta perspectiva a diplo macia adquire uma importância inédita chamada a promover estratégias internacionais para pre venir os problemas mais graves que acabam por afectar a todos 2 o diálogo Para novas PolítiCas naCionais e loCais 176 Há vencedores e vencidos não só entre os países mas também dentro dos países pobres onde se devem identificar as diferentes responsa bilidades Por isso as questões relacionadas com o meio ambiente e com o desenvolvimento eco nómico já não se podem olhar apenas a partir das diferenças entre os países mas exigem que se preste atenção às políticas nacionais e locais 129 Carta enc Caritas in veritate 29 de Junho de 2009 67 AAS 101 2009 700 136 177 Perante a possibilidade duma utilização irresponsável das capacidades humanas são fun ções inadiáveis de cada Estado planificar coor denar vigiar e sancionar dentro do respectivo território Como pode a sociedade organizar e salvaguardar o seu futuro num contexto de cons tantes inovações tecnológicas Um factor que actua como moderador efectivo é o direito que estabelece as regras para as condutas permitidas à luz do bem comum Os limites que uma socie dade sã madura e soberana deve impor têm a ver com previsão e precaução regulamentações adequadas vigilância sobre a aplicação das nor mas contraste da corrupção acções de controle operacional sobre o aparecimento de efeitos não desejados dos processos de produção e opor tuna intervenção perante riscos incertos ou po tenciais Existe uma crescente jurisprudência que visa reduzir os efeitos poluentes dos empreendi mentos Mas a estrutura política e institucional não existe apenas para evitar malversações mas para incentivar as boas práticas estimular a cria tividade que busca novos caminhos facilitar as iniciativas pessoais e colectivas 178 O drama duma política focalizada nos re sultados imediatos apoiada também por popu lações consumistas torna necessário produzir crescimento a curto prazo Respondendo a inte resses eleitorais os governos não se aventuram facilmente a irritar a população com medidas que possam afectar o nível de consumo ou pôr em 137 risco investimentos estrangeiros A construção míope do poder frena a inserção duma agenda ambiental com visão ampla na agenda pública dos governos Esquecese assim que o tem po é superior ao espaço 130 e que sempre somos mais fecundos quando temos maior preocupação por gerar processos do que por dominar espaços de poder A grandeza política mostrase quando em momentos difíceis se trabalha com base em grandes princípios e pensando no bem comum a longo prazo O poder político tem muita difi culdade em assumir este dever num projecto de nação 179 Nalguns lugares estão a desenvolverse cooperativas para a exploração de energias reno váveis que consentem o autoabastecimento lo cal e até mesmo a venda da produção em exces so Este exemplo simples indica que enquanto a ordem mundial existente se revela impotente para assumir responsabilidades a instância local pode fazer a diferença Com efeito aqui é possí vel gerar uma maior responsabilidade um forte sentido de comunidade uma especial capacidade de solicitude e uma criatividade mais generosa um amor apaixonado pela própria terra tal como se pensa naquilo que se deixa aos filhos e netos Estes valores têm um enraizamento muito pro fundo nas populações aborígenes Dado que o direito por vezes se mostra insuficiente devido 130 franCisCo Exort ap Evangelii gaudium 24 de Novem bro de 2013 222 AAS 105 2013 1111 138 à corrupção requerse uma decisão política sob pressão da população A sociedade através de organismos nãogovernamentais e associações intermédias deve forçar os governos a desenvol ver normativas procedimentos e controles mais rigorosos Se os cidadãos não controlam o poder político nacional regional e municipal tam bém não é possível combater os danos ambien tais Além disso as legislações municipais podem ser mais eficazes se houver acordos entre popu lações vizinhas para sustentarem as mesmas po líticas ambientais 180 Não se pode pensar em receitas unifor mes porque há problemas e limites específicos de cada país ou região Também é verdade que o realismo político pode exigir medidas e tecnolo gias de transição desde que estejam acompanha das pelo projecto e a aceitação de compromissos graduais vinculativos Ao mesmo tempo porém a nível nacional e local há sempre muito que fa zer como por exemplo promover formas de poupança energética Isto implica favorecer mo dalidades de produção industrial com a máxima eficiência energética e menor utilização de ma tériasprimas retirando do mercado os produtos pouco eficazes do ponto de vista energético ou mais poluentes Podemos mencionar também uma boa gestão dos transportes ou técnicas de construção e restruturação de edifícios que redu zam o seu consumo energético e o seu nível de poluição Além disso a acção política local pode 139 orientarse para a alteração do consumo o de senvolvimento duma economia de resíduos e re ciclagem a protecção de determinadas espécies e a programação duma agricultura diversificada com a rotação de culturas É possível favorecer a melhoria agrícola de regiões pobres através de investimentos em infraestruturas rurais na organização do mercado local ou nacional em sistemas de irrigação no desenvolvimento de técnicas agrícolas sustentáveis Podemse facilitar formas de cooperação ou de organização comu nitária que defendam os interesses dos pequenos produtores e salvaguardem da predação os ecos sistemas locais É tanto o que se pode fazer 181 Indispensável é a continuidade porque não se podem modificar as políticas relativas às alterações climáticas e à protecção ambiental to das as vezes que muda um governo Os resulta dos requerem muito tempo e comportam cus tos imediatos com efeitos que não poderão ser exibidos no período de vida dum governo Por isso sem a pressão da população e das institui ções haverá sempre relutância a intervir e mais ainda quando houver urgências a resolver Para um político assumir estas responsabilidades com os custos que implicam não corresponde à lógica eficientista e imediatista actual da economia e da política mas se ele tiver a coragem de o fazer poderá novamente reconhecer a dignidade que Deus lhe deu como pessoa e deixará depois da sua passagem por esta história um testemunho 140 de generosa responsabilidade Importa dar um lugar preponderante a uma política salutar capaz de reformar as instituições coordenálas e dotá las de bons procedimentos que permitam supe rar pressões e inércias viciosas Todavia é preciso acrescentar que os melhores dispositivos acabam por sucumbir quando faltam as grandes metas os valores uma compreensão humanista e rica de significado capazes de conferir a cada sociedade uma orientação nobre e generosa 3 diálogo e transParênCia nos ProCessos deCisórios 182 A previsão do impacto ambiental dos empreendimentos e projectos requer processos políticos transparentes e sujeitos a diálogo en quanto a corrupção que esconde o verdadeiro impacto ambiental dum projecto em troca de fa vores frequentemente leva a acordos ambíguos que fogem ao dever de informar e a um debate profundo 183 Um estudo de impacto ambiental não de veria ser posterior à elaboração dum projecto produtivo ou de qualquer política plano ou pro grama Háde inserirse desde o princípio e ela borarse de forma interdisciplinar transparente e independente de qualquer pressão económica ou política Deve aparecer unido à análise das condi ções de trabalho e dos possíveis efeitos na saúde física e mental das pessoas na economia local na segurança Assim os resultados económicos poderseão prever de forma mais realista tendo 141 em conta os cenários possíveis e eventualmen te antecipando a necessidade dum investimento maior para resolver efeitos indesejáveis que pos sam ser corrigidos É sempre necessário alcan çar consenso entre os vários actores sociais que podem trazer diferentes perspectivas soluções e alternativas Mas no debate devem ter um lugar privilegiado os moradores locais aqueles mesmos que se interrogam sobre o que desejam para si e para os seus filhos e podem ter em consideração as finalidades que transcendem o interesse eco nómico imediato É preciso abandonar a ideia de intervenções sobre o meio ambiente para dar lugar a políticas pensadas e debatidas por todas as partes interessadas A participação requer que todos sejam adequadamente informados sobre os vários aspectos e os diferentes riscos e possi bilidades e não se reduza à decisão inicial sobre um projecto mas implique também acções de controle ou monitoramento constante É neces sário haver sinceridade e verdade nas discussões científicas e políticas sem se limitar a considerar o que é permitido ou não pela legislação 184 Quando surgem eventuais riscos para o meio ambiente que afectam o bem comum pre sente e futuro esta situação exige que as deci sões sejam baseadas num confronto entre riscos e benefícios previsíveis para cada opção alternativa possível 131 Isto vale sobretudo quando um pro 131 PontifíCio Conselho Justiça e Paz Compêndio da Doutrina Social da Igreja 469 142 jecto pode causar um incremento na exploração dos recursos naturais nas emissões ou descargas na produção de resíduos ou então uma mudança significativa na paisagem no habitat de espécies protegidas ou num espaço público Alguns pro jectos não apoiados por uma análise bem cui dada podem afectar profundamente a qualidade de vida dum lugar devido a questões muito di ferentes entre si como por exemplo uma polui ção acústica não prevista a redução do horizonte visual a perda de valores culturais os efeitos do uso da energia nuclear A cultura consumista que dá prioridade ao curto prazo e aos interesses pri vados pode favorecer análises demasiado rápidas ou consentir a ocultação de informação 185 Em qualquer discussão sobre um em preendimento deverseia pôr uma série de per guntas para poder discernir se o mesmo levará a um desenvolvimento verdadeiramente integral Para que fim Por qual motivo Onde Quando De que maneira A quem ajuda Quais são os riscos A que preço Quem paga as despesas e como o fará Neste exame há questões que de vem ter prioridade Por exemplo sabemos que a água é um recurso escasso e indispensável sendo um direito fundamental que condiciona o exer cício doutros direitos humanos Isto está sem dúvida acima de toda a análise de impacto am biental duma região 186 Na Declaração do Rio de 1992 afirma se que quando existem ameaças de danos 143 graves ou irreversíveis a falta de certezas cien tíficas absolutas não poderá constituir um moti vo para adiar a adopção de medidas eficazes 132 que impeçam a degradação do meio ambiente Este princípio de precaução permite a protecção dos mais fracos que dispõem de poucos meios para se defender e fornecer provas irrefutáveis Se a informação objectiva leva a prever um dano grave e irreversível mesmo que não haja uma comprovação indiscutível seja o projecto que for deverá suspenderse ou modificarse Assim invertese o ónus da prova já que nestes casos é preciso fornecer uma demonstração objectiva e contundente de que a actividade proposta não vai gerar danos graves ao meio ambiente ou às pessoas que nele habitam 187 Isto não implica oporse a toda e qualquer inovação tecnológica que permita melhorar a qualidade de vida duma população Mas em todo o caso deve permanecer de pé que a rentabilida de não pode ser o único critério a ter em conta e na hora em que aparecessem novos elemen tos de juízo a partir de ulteriores dados infor mativos deveria haver uma nova avaliação com a participação de todas as partes interessadas O resultado do debate pode ser a decisão de não avançar num projecto mas poderia ser também a sua modificação ou a elaboração de propostas alternativas 132 Declaração do Rio sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento 14 de Junho de 1992 princípio 15 144 188 Há discussões sobre problemas relativos ao meio ambiente onde é difícil chegar a um consen so Repito uma vez mais que a Igreja não preten de definir as questões científicas nem substituirse à política mas convido a um debate honesto e transparente para que as necessidades particulares ou as ideologias não lesem o bem comum 4 PolítiCa e eConomia em diálogo Para a Plenitude humana 189 A política não deve submeterse à econo mia e esta não deve submeterse aos ditames e ao paradigma eficientista da tecnocracia Pensan do no bem comum hoje precisamos imperiosa mente que a política e a economia em diálogo se coloquem decididamente ao serviço da vida especialmente da vida humana A salvação dos bancos a todo o custo fazendo pagar o preço à população sem a firme decisão de rever e refor mar o sistema inteiro reafirma um domínio ab soluto da finança que não tem futuro e só poderá gerar novas crises depois duma longa custosa e aparente cura A crise financeira dos anos 2007 e 2008 era a ocasião para o desenvolvimento duma nova economia mais atenta aos princípios éticos e para uma nova regulamentação da actividade financeira especulativa e da riqueza virtual Mas não houve uma reacção que fizesse repensar os critérios obsoletos que continuam a governar o mundo A produção não é sempre racional e muitas vezes está ligada a variáveis económicas que atribuem aos produtos um valor que não 145 corresponde ao seu valor real Isto leva frequen temente a uma superprodução dalgumas merca dorias com um impacto ambiental desnecessário que simultaneamente danifica muitas economias regionais133 Habitualmente a bolha financeira é também uma bolha produtiva Em suma o que não se enfrenta com energia é o problema da economia real aquela que torna possível por exemplo que se diversifique e melhore a produ ção que as empresas funcionem adequadamente que as pequenas e médias empresas se desenvol vam e criem postos de trabalho 190 Neste contexto sempre se deve recordar que a protecção ambiental não pode ser asse gurada somente com base no cálculo financei ro de custos e benefícios O ambiente é um dos bens que os mecanismos de mercado não estão aptos a defender ou a promover adequadamen te 134 Mais uma vez repito que convém evitar uma concepção mágica do mercado que tende a pensar que os problemas se resolvem apenas com o crescimento dos lucros das empresas ou dos indivíduos Será realista esperar que quem está obcecado com a maximização dos lucros se detenha a considerar os efeitos ambientais que deixará às próximas gerações Dentro do esque 133 Cf ConferênCia ePisCoPal do méXiCo Comissão de Pastoral soCial Jesucristo vida y esperanza de los indígenas y campesinos 14 de Janeiro de 2008 134 PontifíCio Conselho Justiça e Paz Compêndio da Doutrina Social da Igreja 470 146 ma do ganho não há lugar para pensar nos ritmos da natureza nos seus tempos de degradação e re generação e na complexidade dos ecossistemas que podem ser gravemente alterados pela inter venção humana Além disso quando se fala de biodiversidade no máximo pensase nela como um reservatório de recursos económicos que po deria ser explorado mas não se considera seria mente o valor real das coisas o seu significado para as pessoas e as culturas os interesses e as necessidades dos pobres 191 Quando se colocam estas questões alguns reagem acusando os outros de pretender parar irracionalmente o progresso e o desenvolvimen to humano Mas temos de nos convencer que reduzir um determinado ritmo de produção e consumo pode dar lugar a outra modalidade de progresso e desenvolvimento Os esforços para um uso sustentável dos recursos naturais não são gasto inútil mas um investimento que pode rá proporcionar outros benefícios económicos a médio prazo Se não temos vista curta podemos descobrir que pode ser muito rentável a diver sificação duma produção mais inovadora e com menor impacto ambiental Tratase de abrir ca minho a oportunidades diferentes que não im plicam frenar a criatividade humana nem o seu sonho de progresso mas orientar esta energia por novos canais 192 Por exemplo um percurso de desenvolvi mento produtivo mais criativo e melhor orienta 147 do poderia corrigir a disparidade entre o exces sivo investimento tecnológico no consumo e o escasso investimento para resolver os problemas urgentes da humanidade poderia gerar formas inteligentes e rentáveis de reutilização recupe ração funcional e reciclagem poderia melhorar a eficiência energética das cidades A diversifi cação produtiva oferece à inteligência humana possibilidades muito amplas de criar e inovar ao mesmo tempo que protege o meio ambiente e cria mais oportunidades de trabalho Esta se ria uma criatividade capaz de fazer reflorescer a nobreza do ser humano porque é mais dignifi cante usar a inteligência com audácia e respon sabilidade para encontrar formas de desenvolvi mento sustentável e equitativo no quadro duma concepção mais ampla da qualidade de vida Ao contrário é menos dignificante e criativo e mais superficial insistir na criação de formas de espo liação da natureza só para oferecer novas possibi lidades de consumo e de ganho imediato 193 Assim se nalguns casos o desenvolvi mento sustentável implicará novas modalidades para crescer noutros casos face ao crescimen to ganancioso e irresponsável que se verificou ao longo de muitas décadas devemos pensar também em abrandar um pouco a marcha pôr alguns limites razoáveis e até mesmo retroceder antes que seja tarde Sabemos que é insustentá vel o comportamento daqueles que consomem e destroem cada vez mais enquanto outros ainda 148 não podem viver de acordo com a sua dignidade humana Por isso chegou a hora de aceitar um certo decréscimo do consumo nalgumas partes do mundo fornecendo recursos para que se pos sa crescer de forma saudável noutras partes Ben to XVI dizia que é preciso que as sociedades tecnologicamente avançadas estejam dispostas a favorecer comportamentos caracterizados pela sobriedade diminuindo as próprias necessidades de energia e melhorando as condições da sua uti lização 135 194 Para que apareçam novos modelos de progresso precisamos de converter o mode lo de desenvolvimento global 136 e isto impli ca reflectir responsavelmente sobre o sentido da economia e dos seus objectivos para corri gir as suas disfunções e deturpações 137 Não é suficiente conciliar a meio termo o cuidado da natureza com o ganho financeiro ou a preserva ção do meio ambiente com o progresso Neste campo os meiostermos são apenas um pequeno adiamento do colapso Tratase simplesmente de redefinir o progresso Um desenvolvimento tec nológico e económico que não deixa um mundo melhor e uma qualidade de vida integralmen te superior não se pode considerar progresso Além disso muitas vezes a qualidade real de vida 135 Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2010 9 AAS 102 2010 46 136 Ibidem 137 Ibid 5 o c 43 149 das pessoas diminui pela deterioração do am biente a baixa qualidade dos produtos alimen tares ou o esgotamento de alguns recursos no contexto dum crescimento da economia Então muitas vezes o discurso do crescimento susten tável tornase um diversivo e um meio de justifi cação que absorve valores do discurso ecologista dentro da lógica da finança e da tecnocracia e a responsabilidade social e ambiental das empresas reduzse na maior parte dos casos a uma série de acções de publicidade e imagem 195 O princípio da maximização do lucro que tende a isolarse de todas as outras considera ções é uma distorção conceptual da economia desde que aumente a produção pouco interes sa que isso se consiga à custa dos recursos futu ros ou da saúde do meio ambiente se o derru be duma floresta aumenta a produção ninguém insere no respectivo cálculo a perda que implica desertificar um território destruir a biodiversida de ou aumentar a poluição Por outras palavras as empresas obtêm lucros calculando e pagando uma parte ínfima dos custos Poderseia consi derar ético somente um comportamento em que os custos económicos e sociais derivados do uso dos recursos ambientais comuns sejam reco nhecidos de maneira transparente e plenamente suportados por quem deles usufrui e não por ou tras populações nem pelas gerações futuras 138 138 Bento XVI Carta enc Caritas in veritate 29 de Junho de 2009 50 AAS 101 2009 686 150 A mentalidade utilitária que fornece apenas uma análise estática da realidade em função de neces sidades actuais está presente tanto quando é o mercado que atribui os recursos como quando o faz um Estado planificador 196 Qual é o lugar da política Recordemos o princípio da subsidiariedade que dá liberdade para o desenvolvimento das capacidades presen tes a todos os níveis mas simultaneamente exige mais responsabilidade pelo bem comum a quem tem mais poder É verdade que hoje alguns sec tores económicos exercem mais poder do que os próprios Estados Mas não se pode justificar uma economia sem política porque seria incapaz de promover outra lógica para governar os vários aspectos da crise actual A lógica que não deixa espaço para uma sincera preocupação pelo meio ambiente é a mesma em que não encontra espa ço a preocupação por integrar os mais frágeis porque no modelo do êxito e individualis ta em vigor parece que não faz sentido investir para que os lentos fracos ou menos dotados pos sam também singrar na vida 139 197 Precisamos duma política que pense com visão ampla e leve por diante uma reformulação integral abrangendo num diálogo interdiscipli nar os vários aspectos da crise Muitas vezes a própria política é responsável pelo seu descré dito devido à corrupção e à falta de boas po 139 franCisCo Exort ap Evangelii gaudium 24 de Novembro de 2013 209 AAS 105 2013 1107 151 líticas públicas Se o Estado não cumpre o seu papel numa região alguns grupos económicos podemse apresentar como benfeitores e apro priarse do poder real sentindose autorizados a não observar certas normas até se chegar às diferentes formas de criminalidade organizada tráfico de pessoas narcotráfico e violência muito difícil de erradicar Se a política não é capaz de romper uma lógica perversa e perdese também em discursos inconsistentes continuaremos sem enfrentar os grandes problemas da humanidade Uma estratégia de mudança real exige repensar a totalidade dos processos pois não basta incluir considerações ecológicas superficiais enquanto não se puser em discussão a lógica subjacente à cultura actual Uma política sã deveria ser capaz de assumir este desafio 198 A política e a economia tendem a culpar se reciprocamente a respeito da pobreza e da degradação ambiental Mas o que se espera é que reconheçam os seus próprios erros e encontrem formas de interacção orientadas para o bem co mum Enquanto uns se afanam apenas com o ganho económico e os outros estão obcecados apenas por conservar ou aumentar o poder o que nos resta são guerras ou acordos espúrios onde o que menos interessa às duas partes é pre servar o meio ambiente e cuidar dos mais fracos Vale aqui também o princípio de que a unidade é superior ao conflito 140 140 Ibid 228 o c 1113 152 5 as religiões no diálogo Com as CiênCias 199 Não se pode sustentar que as ciências em píricas expliquem completamente a vida a essên cia íntima de todas as criaturas e o conjunto da realidade Isto seria ultrapassar indevidamente os seus confins metodológicos limitados Se se re flecte dentro deste quadro restrito desaparecem a sensibilidade estética a poesia e ainda a capa cidade da razão perceber o sentido e a finalidade das coisas141 Quero lembrar que os textos reli giosos clássicos podem oferecer um significado para todas as épocas possuem uma força motiva dora que abre sempre novos horizontes Será razoável e inteligente relegálos para a obscurida de só porque nasceram no contexto duma cren ça religiosa 142 Realmente é ingénuo pensar que os princípios éticos possam ser apresentados de modo puramente abstracto desligados de todo 141 Cf franCisCo Carta enc Lumen fidei 29 de Junho de 2013 34 AAS 105 2013 577 Enquanto unida à verdade do amor a luz da fé não é alheia ao mundo material porque o amor vivese sempre com corpo e alma a luz da fé é luz encarnada que dimana da vida luminosa de Jesus A fé ilumina também a matéria confia na sua ordem sabe que nela se abre um caminho cada vez mais amplo de harmonia e compreensão Deste modo o olhar da ciência tira benefício da fé esta convida o cientista a permanecer aberto à realidade em toda a sua riqueza inesgotável A fé desperta o sentido crítico enquanto impede a pesquisa de se deter satisfeita nas suas fórmulas e ajudaa a compreender que a natureza sempre as ultrapassa Convidando a maravilharse diante do mistério da criação a fé alarga os horizontes da razão para iluminar melhor o mundo que se abre aos estudos da ciência 142 idem Exort ap Evangelii gaudium 24 de Novembro de 2013 256 AAS 105 2013 1123 153 o contexto e o facto de aparecerem com uma linguagem religiosa não lhes tira valor algum no debate público Os princípios éticos que a razão é capaz de perceber sempre podem reaparecer sob distintas roupagens e expressos com linguagens diferentes incluindo a religiosa 200 Além disso qualquer solução técnica que as ciências pretendam oferecer será impotente para resolver os graves problemas do mundo se a humanidade perde o seu rumo se esquece as grandes motivações que tornam possível a con vivência social o sacrifício a bondade Em todo o caso será preciso fazer apelo aos crentes para que sejam coerentes com a sua própria fé e não a contradigam com as suas acções será necessário insistir para que se abram novamente à graça de Deus e se nutram profundamente das próprias convicções sobre o amor a justiça e a paz Se às vezes uma má compreensão dos nossos princí pios nos levou a justificar o abuso da natureza ou o domínio despótico do ser humano sobre a criação ou as guerras a injustiça e a violência nós crentes podemos reconhecer que então fo mos infiéis ao tesouro de sabedoria que devía mos guardar Muitas vezes os limites culturais de distintas épocas condicionaram esta consciência do próprio património ético e espiritual mas é precisamente o regresso às respectivas fontes que permite às religiões responder melhor às ne cessidades actuais 201 A maior parte dos habitantes do planeta declarase crente e isto deveria levar as religiões a estabelecerem diálogo entre si visando o cui dado da natureza a defesa dos pobres a constru ção duma trama de respeito e de fraternidade De igual modo é indispensável um diálogo entre as próprias ciências porque cada uma costuma fe charse nos limites da sua própria linguagem e a especialização tende a converterse em isolamen to e absolutização do próprio saber Isto impede de enfrentar adequadamente os problemas do meio ambiente Tornase necessário também um diálogo aberto e respeitador dos diferentes movi mentos ecologistas entre os quais não faltam as lutas ideológicas A gravidade da crise ecológica obriganos a todos a pensar no bem comum e a prosseguir pelo caminho do diálogo que requer paciência ascese e generosidade lembrandonos sempre que a realidade é superior à ideia 143 143 Ibid 231 o c 1114 154 155 CAPÍTULO VI EDUCAÇÃO E ESPIRITUALIDADE ECOLÓGICAS 202 Muitas coisas devem reajustar o próprio rumo mas antes de tudo é a humanidade que precisa de mudar Falta a consciência duma ori gem comum duma recíproca pertença e dum futuro partilhado por todos Esta consciência ba silar permitiria o desenvolvimento de novas con vicções atitudes e estilos de vida Surge assim um grande desafio cultural espiritual e educativo que implicará longos processos de regeneração 1 aPontar Para outro estilo de vida 203 Dado que o mercado tende a criar um mecanismo consumista compulsivo para ven der os seus produtos as pessoas acabam por ser arrastadas pelo turbilhão das compras e gastos supérfluos O consumismo obsessivo é o refle xo subjectivo do paradigma tecnoeconómico Está a acontecer aquilo que já assinalava Roma no Guardini o ser humano aceita os objectos comuns e as formas habituais da vida como lhe são impostos pelos planos nacionais e pelos pro dutos fabricados em série e em geral age assim com a impressão de que tudo isto seja razoável 156 e justo 144 O referido paradigma faz crer a to dos que são livres pois conservam uma supos ta liberdade de consumir quando na realidade apenas possui a liberdade a minoria que detém o poder económico e financeiro Nesta confu são a humanidade pósmoderna não encontrou uma nova compreensão de si mesma que a possa orientar e esta falta de identidade é vivida com angústia Temos demasiados meios para escassos e raquíticos fins 204 A situação actual do mundo gera um sen tido de precariedade e insegurança que por sua vez favorece formas de egoísmo colectivo 145 Quando as pessoas se tornam autoreferenciais e se isolam na própria consciência aumentam a sua voracidade quanto mais vazio está o cora ção da pessoa tanto mais necessita de objectos para comprar possuir e consumir Em tal con texto parece não ser possível para uma pessoa aceitar que a realidade lhe assinale limites neste horizonte não existe sequer um verdadeiro bem comum Se este é o tipo de sujeito que tende a predominar numa sociedade as normas serão respeitadas apenas na medida em que não con tradigam as necessidades próprias Por isso não pensemos só na possibilidade de terríveis fenó menos climáticos ou de grandes desastres natu rais mas também nas catástrofes resultantes de 144 Das Ende der Neuzeit Würzburg 91965 6667 145 João Paulo ii Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1990 1 AAS 82 1990 147 157 crises sociais porque a obsessão por um estilo de vida consumista sobretudo quando poucos têm possibilidades de o manter só poderá provocar violência e destruição recíproca 205 Mas nem tudo está perdido porque os se res humanos capazes de tocar o fundo da degra dação podem também superarse voltar a esco lher o bem e regenerarse para além de qualquer condicionalismo psicológico e social que lhes seja imposto São capazes de se olhar a si mes mos com honestidade externar o próprio pesar e encetar caminhos novos rumo à verdadeira li berdade Não há sistemas que anulem por com pleto a abertura ao bem à verdade e à beleza nem a capacidade de reagir que Deus continua a animar no mais fundo dos nossos corações A cada pessoa deste mundo peço para não esque cer esta sua dignidade que ninguém tem o direito de lhe tirar 206 Uma mudança nos estilos de vida poderia chegar a exercer uma pressão salutar sobre quan tos detêm o poder político económico e social Verificase isto quando os movimentos de con sumidores conseguem que se deixe de adquirir determinados produtos e assim se tornam efica zes na mudança do comportamento das empre sas forçandoas a reconsiderar o impacto am biental e os modelos de produção É um facto que quando os hábitos da sociedade afectam os ganhos das empresas estas vêemse pressionadas a mudar a produção Isto lembranos a respon 158 sabilidade social dos consumidores Comprar é sempre um acto moral para além de econó mico 146 Por isso hoje o tema da degradação ambiental põe em questão os comportamentos de cada um de nós 147 207 A Carta da Terra convidavanos a todos a começar de novo deixando para trás uma etapa de autodestruição mas ainda não desenvolvemos uma consciência universal que o torne possível Por isso atrevome a propor de novo aquele con siderável desafio Como nunca antes na histó ria o destino comum obriganos a procurar um novo início Que o nosso seja um tempo que se recorde pelo despertar duma nova reverência face à vida pela firme resolução de alcançar a sustentabilidade pela intensificação da luta em prol da justiça e da paz e pela jubilosa celebração da vida 148 208 Sempre é possível desenvolver uma nova capacidade de sair de si mesmo rumo ao outro Sem tal capacidade não se reconhece às outras criaturas o seu valor não se sente interesse em cuidar de algo para os outros não se consegue impor limites para evitar o sofrimento ou a de gradação do que nos rodeia A atitude basilar 146 Bento Xvi Carta enc Caritas in veritate 29 de Junho de 2009 66 AAS 101 2009 699 147 IDEM Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2010 11 AAS 102 2010 48 148 Carta da Terra Haia 29 de Junho de 2000 159 de se autotranscender rompendo com a cons ciência isolada e a autoreferencialidade é a raiz que possibilita todo o cuidado dos outros e do meio ambiente e faz brotar a reacção moral de ter em conta o impacto que possa provocar cada acção e decisão pessoal fora de si mesmo Quan do somos capazes de superar o individualismo podese realmente desenvolver um estilo de vida alternativo e tornase possível uma mudança re levante na sociedade 2 eduCar Para a aliança entre a humanidade e o amBiente 209 A consciência da gravidade da crise cul tural e ecológica precisa de traduzirse em novos hábitos Muitos estão cientes de que não basta o progresso actual e a mera acumulação de ob jectos ou prazeres para dar sentido e alegria ao coração humano mas não se sentem capazes de renunciar àquilo que o mercado lhes oferece Nos países que deveriam realizar as maiores mu danças nos hábitos de consumo os jovens têm uma nova sensibilidade ecológica e um espírito generoso e alguns deles lutam admiravelmente pela defesa do meio ambiente mas cresceram num contexto de altíssimo consumo e bemes tar que torna difícil a maturação doutros hábitos Por isso estamos perante um desafio educativo 210 A educação ambiental tem vindo a am pliar os seus objectivos Se no começo estava muito centrada na informação científica e na 160 consciencialização e prevenção dos riscos am bientais agora tende a incluir uma crítica dos mitos da modernidade baseados na razão ins trumental individualismo progresso ilimitado concorrência consumismo mercado sem regras e tende também a recuperar os distintos níveis de equilíbrio ecológico o interior consigo mesmo o solidário com os outros o natural com todos os seres vivos o espiritual com Deus A educação ambiental deveria predispornos para dar este salto para o Mistério do qual uma ética ecológica recebe o seu sentido mais profundo Além disso há educadores capazes de reordenar os itinerá rios pedagógicos duma ética ecológica de modo que ajudem efectivamente a crescer na solidarie dade na responsabilidade e no cuidado assente na compaixão 211 Às vezes porém esta educação chamada a criar uma cidadania ecológica limitase a in formar e não consegue fazer maturar hábitos A existência de leis e normas não é suficiente a lon go prazo para limitar os maus comportamentos mesmo que haja um válido controle Para a norma jurídica produzir efeitos importantes e duradou ros é preciso que a maior parte dos membros da sociedade a tenha acolhido com base em motiva ções adequadas e reaja com uma transformação pessoal A doação de si mesmo num compromis so ecológico só é possível a partir do cultivo de virtudes sólidas Se uma pessoa habitualmente se resguarda um pouco mais em vez de ligar o 161 aquecimento embora as suas economias lhe per mitam consumir e gastar mais isso supõe que ad quiriu convicções e modos de sentir favoráveis ao cuidado do ambiente É muito nobre assumir o dever de cuidar da criação com pequenas acções diárias e é maravilhoso que a educação seja capaz de motivar para elas até dar forma a um estilo de vida A educação na responsabilidade ambiental pode incentivar vários comportamentos que têm incidência directa e importante no cuidado do meio ambiente tais como evitar o uso de plástico e papel reduzir o consumo de água diferenciar o lixo cozinhar apenas aquilo que razoavelmente se poderá comer tratar com desvelo os outros seres vivos servirse dos transportes públicos ou partilhar o mesmo veículo com várias pessoas plantar árvores apagar as luzes desnecessárias Tudo isto faz parte duma criatividade generosa e dignificante que põe a descoberto o melhor do ser humano Voltar com base em motivações profundas a utilizar algo em vez de o desperdi çar rapidamente pode ser um acto de amor que exprime a nossa dignidade 212 E não se pense que estes esforços são in capazes de mudar o mundo Estas acções espa lham na sociedade um bem que frutifica sempre para além do que é possível constatar provocam no seio desta terra um bem que sempre tende a difundirse por vezes invisivelmente Além disso o exercício destes comportamentos restituinos o sentimento da nossa dignidade levanos a uma 162 maior profundidade existencial permitenos ex perimentar que vale a pena a nossa passagem por este mundo 213 Vários são os âmbitos educativos a esco la a família os meios de comunicação a cate quese e outros Uma boa educação escolar em tenra idade coloca sementes que podem produzir efeitos durante toda a vida Mas quero salientar a importância central da família porque é o lugar onde a vida dom de Deus pode ser convenien temente acolhida e protegida contra os múltiplos ataques a que está exposta e pode desenvolver se segundo as exigências de um crescimento humano autêntico Contra a denominada cultu ra da morte a família constitui a sede da cultura da vida 149 Na família cultivamse os primeiros hábitos de amor e cuidado da vida como por exemplo o uso correcto das coisas a ordem e a limpeza o respeito pelo ecossistema local e a protecção de todas as criaturas A família é o lu gar da formação integral onde se desenvolvem os distintos aspectos intimamente relacionados entre si do amadurecimento pessoal Na família aprendese a pedir licença sem servilismo a dizer obrigado como expressão duma sentida avalia ção das coisas que recebemos a dominar a agres sividade ou a ganância e a pedir desculpa quando fazemos algo de mal Estes pequenos gestos de sincera cortesia ajudam a construir uma cultura 149 João Paulo ii Carta enc Centesimus annus 1 de Maio de 1991 39 AAS 83 1991 842 163 da vida compartilhada e do respeito pelo que nos rodeia 214 Compete à política e às várias associações um esforço de formação das consciências da po pulação Naturalmente compete também à Igre ja Todas as comunidades cristãs têm um papel importante a desempenhar nesta educação Es pero também que nos nossos Seminários e Ca sas Religiosas de Formação se eduque para uma austeridade responsável a grata contemplação do mundo o cuidado da fragilidade dos pobres e do meio ambiente Tendo em conta o muito que está em jogo do mesmo modo que são ne cessárias instituições dotadas de poder para punir os danos ambientais também nós precisamos de nos controlar e educar uns aos outros 215 Neste contexto não se deve descurar nunca a relação que existe entre uma educação estética apropriada e a preservação de um am biente sadio 150 Prestar atenção à beleza e amá la ajudanos a sair do pragmatismo utilitarista Quando não se aprende a parar a fim de admirar e apreciar o que é belo não surpreende que tudo se transforme em objecto de uso e abuso sem es crúpulos Ao mesmo tempo se se quer conseguir mudanças profundas é preciso ter presente que os modelos de pensamento influem realmente nos comportamentos A educação será ineficaz 150 idem Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1990 14 AAS 82 1990 155 164 e os seus esforços estéreis se não se preocupar também por difundir um novo modelo relativo ao ser humano à vida à sociedade e à relação com a natureza Caso contrário continuará a perdurar o modelo consumista transmitido pe los meios de comunicação social e através dos mecanismos eficazes do mercado 3 a Conversão eCológiCa 216 A grande riqueza da espiritualidade cris tã proveniente de vinte séculos de experiências pessoais e comunitárias constitui uma magnífica contribuição para o esforço de renovar a humani dade Desejo propor aos cristãos algumas linhas de espiritualidade ecológica que nascem das con vicções da nossa fé pois aquilo que o Evangelho nos ensina tem consequências no nosso modo de pensar sentir e viver Não se trata tanto de propor ideias como sobretudo falar das motivações que derivam da espiritualidade para alimentar uma paixão pelo cuidado do mundo Com efeito não é possível empenharse em coisas grandes apenas com doutrinas sem uma mística que nos anima sem uma moção interior que impele motiva encoraja e dá sentido à acção pessoal e comuni tária 151 Temos de reconhecer que nós cristãos nem sempre recolhemos e fizemos frutificar as riquezas dadas por Deus à Igreja nas quais a es piritualidade não está desligada do próprio corpo 151 franCisCo Exort ap Evangelii gaudium 24 de Novembro de 2013 261 AAS 105 2013 1124 165 nem da natureza ou das realidades deste mundo mas vive com elas e nelas em comunhão com tudo o que nos rodeia 217 Se os desertos exteriores se multipli cam no mundo porque os desertos interiores se tornaram tão amplos 152 a crise ecológica é um apelo a uma profunda conversão interior Entre tanto temos de reconhecer também que alguns cristãos até comprometidos e piedosos com o pretexto do realismo pragmático frequentemente se burlam das preocupações pelo meio ambiente Outros são passivos não se decidem a mudar os seus hábitos e tornamse incoerentes Faltalhes pois uma conversão ecológica que comporta deixar emergir nas relações com o mundo que os ro deia todas as consequências do encontro com Jesus Viver a vocação de guardiões da obra de Deus não é algo de opcional nem um aspecto se cundário da experiência cristã mas parte essen cial duma existência virtuosa 218 Recordemos o modelo de São Francisco de Assis para propor uma sã relação com a cria ção como dimensão da conversão integral da pes soa Isto exige também reconhecer os próprios erros pecados vícios ou negligências e arrepen derse de coração mudar a partir de dentro A Igreja na Austrália soube expressar a conversão 152 Bento Xvi Homilia no solene início do Ministério Petrino 24 de Abril de 2005 AAS 97 2005 710 LOsservatore Romano ed portuguesa de 30IV2005 5 166 em termos de reconciliação com a criação Para realizar esta reconciliação devemos examinar as nossas vidas e reconhecer de que modo ofende mos a criação de Deus com as nossas acções e com a nossa incapacidade de agir Devemos fazer a experiência duma conversão duma mudança do coração 153 219 Todavia para se resolver uma situação tão complexa como esta que enfrenta o mundo ac tual não basta que cada um seja melhor Os indi víduos isolados podem perder a capacidade e a li berdade de vencer a lógica da razão instrumental e acabam por sucumbir a um consumismo sem ética nem sentido social e ambiental Aos proble mas sociais respondese não com a mera soma de bens individuais mas com redes comunitárias As exigências desta obra serão tão grandes que as possibilidades das iniciativas individuais e a cooperação dos particulares formados de ma neira individualista não serão capazes de lhes dar resposta Será necessária uma união de forças e uma unidade de contribuições 154 A conversão ecológica que se requer para criar um dinamis mo de mudança duradoura é também uma con versão comunitária 220 Esta conversão comporta várias atitudes que se conjugam para activar um cuidado ge 153 ConferênCia dos BisPos CatóliCos da austrália A New Earth The Environmental Challenge 2002 154 romano guardini Das Ende der Neuzeit Würzburg 91965 72 167 neroso e cheio de ternura Em primeiro lugar implica gratidão e gratuidade ou seja um reco nhecimento do mundo como dom recebido do amor do Pai que consequentemente provoca disposições gratuitas de renúncia e gestos gene rosos mesmo que ninguém os veja nem agrade ça Que a tua mão esquerda não saiba o que faz a tua direita e teu Pai que vê o oculto háde premiarte Mt 6 34 Implica ainda a consciência amorosa de não estar separado das outras criaturas mas de formar com os outros seres do universo uma estupenda comunhão uni versal O crente contempla o mundo não como alguém que está fora dele mas dentro reconhe cendo os laços com que o Pai nos uniu a todos os seres Além disso a conversão ecológica fazendo crescer as peculiares capacidades que Deus deu a cada crente levao a desenvolver a sua criati vidade e entusiasmo para resolver os dramas do mundo oferecendose a Deus como sacrifício vivo santo e agradável Rm 12 1 Não vê a sua superioridade como motivo de glória pessoal nem de domínio irresponsável mas como uma capacidade diferente que por sua vez lhe impõe uma grave responsabilidade derivada da sua fé 221 Ajudam a enriquecer o sentido de tal con versão várias convicções da nossa fé desenvolvi das ao início desta encíclica como por exemplo a consciência de que cada criatura reflecte algo de Deus e tem uma mensagem para nos transmitir ou a certeza de que Cristo assumiu em Si mesmo este mundo material e agora ressuscitado habita 168 no íntimo de cada ser envolvendoo com o seu carinho e penetrandoo com a sua luz e ainda o reconhecimento de que Deus criou o mundo inscrevendo nele uma ordem e um dinamismo que o ser humano não tem o direito de ignorar Porventura uma pessoa ouvindo no Evangelho Jesus dizer a propósito dos pássaros que ne nhum deles passa despercebido diante de Deus Lc 12 6 será capaz de os maltratar ou causar lhes dano Convido todos os cristãos a explici tar esta dimensão da sua conversão permitindo que a força e a luz da graça recebida se estendam também à relação com as outras criaturas e com o mundo que os rodeia e suscite aquela sublime fraternidade com a criação inteira que viveu de maneira tão elucidativa São Francisco de Assis 4 alegria e Paz 222 A espiritualidade cristã propõe uma forma alternativa de entender a qualidade de vida en corajando um estilo de vida profético e contem plativo capaz de gerar profunda alegria sem estar obcecado pelo consumo É importante adoptar um antigo ensinamento presente em distintas tradições religiosas e também na Bíblia Trata se da convicção de que quanto menos tanto mais Com efeito a acumulação constante de possibilidades para consumir distrai o coração e impede de dar o devido apreço a cada coisa e a cada momento Pelo contrário tornarse sere namente presente diante de cada realidade por mais pequena que seja abrenos muitas mais pos 169 sibilidades de compreensão e realização pessoal A espiritualidade cristã propõe um crescimento na sobriedade e uma capacidade de se alegrar com pouco É um regresso à simplicidade que nos permite parar a saborear as pequenas coisas agradecer as possibilidades que a vida oferece sem nos apegarmos ao que temos nem entriste cermos por aquilo que não possuímos Isto exige evitar a dinâmica do domínio e da mera acumu lação de prazeres 223 A sobriedade vivida livre e consciente mente é libertadora Não se trata de menos vida nem vida de baixa intensidade é precisamente o contrário Com efeito as pessoas que saboreiam mais e vivem melhor cada momento são aque las que deixam de debicar aqui e ali sempre à procura do que não têm e experimentam o que significa dar apreço a cada pessoa e a cada coi sa aprendem a familiarizar com as coisas mais simples e sabem alegrarse com elas Deste modo conseguem reduzir o número das necessidades insatisfeitas e diminuem o cansaço e a ansieda de É possível necessitar de pouco e viver mui to sobretudo quando se é capaz de dar espaço a outros prazeres encontrando satisfação nos encontros fraternos no serviço na frutificação dos próprios carismas na música e na arte no contacto com a natureza na oração A felicida de exige saber limitar algumas necessidades que nos entorpecem permanecendo assim disponí veis para as múltiplas possibilidades que a vida oferece 170 224 A sobriedade e a humildade não gozaram de positiva consideração no século passado Mas quando se debilita de forma generalizada o exer cício dalguma virtude na vida pessoal e social isso acaba por provocar variados desequilíbrios mesmo ambientais Por isso não basta falar ape nas da integridade dos ecossistemas é preciso ter a coragem de falar da integridade da vida huma na da necessidade de incentivar e conjugar todos os grandes valores O desaparecimento da hu mildade num ser humano excessivamente entu siasmado com a possibilidade de dominar tudo sem limite algum só pode acabar por prejudicar a sociedade e o meio ambiente Não é fácil de senvolver esta humildade sadia e uma sobriedade feliz se nos tornamos autónomos se excluímos Deus da nossa vida fazendo o nosso eu ocupar o seu lugar se pensamos ser a nossa subjectividade que determina o que é bem e o que é mal 225 Por outro lado ninguém pode amadure cer numa sobriedade feliz se não estiver em paz consigo mesmo E parte duma adequada com preensão da espiritualidade consiste em alargar a nossa compreensão da paz que é muito mais do que a ausência de guerra A paz interior das pes soas tem muito a ver com o cuidado da ecologia e com o bem comum porque autenticamente vivida reflectese num equilibrado estilo de vida aliado com a capacidade de admiração que leva à profundidade da vida A natureza está cheia de palavras de amor mas como poderemos ouvilas no meio do ruído constante da distracção per 171 manente e ansiosa ou do culto da notoriedade Muitas pessoas experimentam um desequilíbrio profundo que as impele a fazer as coisas a toda a velocidade para se sentirem ocupadas numa pressa constante que por sua vez as leva a atro pelar tudo o que têm ao seu redor Isto tem inci dência no modo como se trata o ambiente Uma ecologia integral exige que se dedique algum tempo para recuperar a harmonia serena com a criação reflectir sobre o nosso estilo de vida e os nossos ideais contemplar o Criador que vive entre nós e naquilo que nos rodeia e cuja pre sença não precisa de ser criada mas descoberta desvendada 155 226 Falamos aqui duma atitude do coração que vive tudo com serena atenção que sabe man terse plenamente presente diante duma pessoa sem estar a pensar no que virá depois que se entrega a cada momento como um dom divino que se deve viver em plenitude Jesus ensinou nos esta atitude quando nos convidava a olhar os lírios do campo e as aves do céu ou quan do na presença dum homem inquieto fitando nele o olhar sentiu afeição por ele Mc 10 21 De certeza que Ele estava plenamente presente diante de cada ser humano e de cada criatura mostrandonos assim um caminho para superar a ansiedade doentia que nos torna superficiais agressivos e consumistas desenfreados 155 franCisCo Exort ap Evangelii gaudium 24 de Novem bro de 2013 71 AAS 105 2013 1050 172 227 Uma expressão desta atitude é parar a agradecer a Deus antes e depois das refeições Proponho aos crentes que retomem este hábito importante e o vivam profundamente Este mo mento da bênção da mesa embora muito breve recordanos que a nossa vida depende de Deus fortalece o nosso sentido de gratidão pelos dons da criação dá graças por aqueles que com o seu trabalho fornecem estes bens e reforça a solida riedade com os mais necessitados 5 amor Civil e PolítiCo 228 O cuidado da natureza faz parte dum esti lo de vida que implica capacidade de viver juntos e de comunhão Jesus lembrounos que temos Deus como nosso Pai comum e que isto nos tor na irmãos O amor fraterno só pode ser gratuito nunca pode ser uma paga a outrem pelo que rea lizou nem um adiantamento pelo que esperamos venha a fazer Por isso é possível amar os inimi gos Esta mesma gratuidade levanos a amar e aceitar o vento o sol ou as nuvens embora não se submetam ao nosso controle Assim podemos falar duma fraternidade universal 229 É necessário voltar a sentir que precisa mos uns dos outros que temos uma responsabi lidade para com os outros e o mundo que vale a pena ser bons e honestos Vivemos já muito tem po na degradação moral baldandonos à ética à bondade à fé à honestidade chegou o momento de reconhecer que esta alegre superficialidade de 173 pouco nos serviu Uma tal destruição de todo o fundamento da vida social acaba por colocarnos uns contra os outros na defesa dos próprios in teresses provoca o despertar de novas formas de violência e crueldade e impede o desenvolvimen to duma verdadeira cultura do cuidado do meio ambiente 230 O exemplo de Santa Teresa de Lisieux convidanos a pôr em prática o pequeno cami nho do amor a não perder a oportunidade duma palavra gentil dum sorriso de qualquer pequeno gesto que semeie paz e amizade Uma ecologia integral é feita também de simples gestos quoti dianos pelos quais quebramos a lógica da violên cia da exploração do egoísmo Pelo contrário o mundo do consumo exacerbado é simultanea mente o mundo que maltrata a vida em todas as suas formas 231 O amor cheio de pequenos gestos de cui dado mútuo é também civil e político manifes tandose em todas as acções que procuram cons truir um mundo melhor O amor à sociedade e o compromisso pelo bem comum são uma forma eminente de caridade que toca não só as relações entre os indivíduos mas também as macrorrela ções como relacionamentos sociais económicos políticos 156 Por isso a Igreja propôs ao mundo 156 Bento Xvi Carta enc Caritas in veritate 29 de Junho de 2009 2 AAS 101 2009 642 174 o ideal duma civilização do amor 157 O amor social é a chave para um desenvolvimento autên tico Para tornar a sociedade mais humana mais digna da pessoa é necessário revalorizar o amor na vida social nos planos político económico cultural fazendo dele a norma constante e su prema do agir 158 Neste contexto juntamente com a importância dos pequenos gestos diários o amor social impelenos a pensar em grandes estratégias que detenham eficazmente a degrada ção ambiental e incentivem uma cultura do cuidado que permeie toda a sociedade Quando alguém reconhece a vocação de Deus para intervir jun tamente com os outros nestas dinâmicas sociais deve lembrarse que isto faz parte da sua espiri tualidade é exercício da caridade e deste modo amadurece e se santifica 232 Nem todos são chamados a trabalhar de forma directa na política mas no seio da socieda de floresce uma variedade inumerável de associa ções que intervêm em prol do bem comum de fendendo o meio ambiente natural e urbano Por exemplo preocupamse com um lugar público um edifício uma fonte um monumento aban donado uma paisagem uma praça para prote ger sanar melhorar ou embelezar algo que é de todos Ao seu redor desenvolvemse ou recupe 157 Paulo vi Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1977 AAS 68 1976 709 158 PontifíCio Conselho Justiça e Paz Compêndio da Doutrina Social da Igreja 582 175 ramse vínculos fazendo surgir um novo tecido social local Assim uma comunidade libertase da indiferença consumista Isto significa também cultivar uma identidade comum uma história que se conserva e transmite Desta forma cuida se do mundo e da qualidade de vida dos mais pobres com um sentido de solidariedade que é ao mesmo tempo consciência de habitar numa casa comum que Deus nos confiou Estas acções comunitárias quando exprimem um amor que se doa podem transformarse em experiências es pirituais intensas 6 os sinais saCramentais e o desCanso CeleBrativo 233 O universo desenvolvese em Deus que o preenche completamente E portanto há um mistério a contemplar numa folha numa vere da no orvalho no rosto do pobre159 O ideal não é só passar da exterioridade à interioridade para descobrir a acção de Deus na alma mas também chegar a encontráLo em todas as coisas como 159 Um mestre espiritual Ali AlKhawwas partindo da sua própria experiência assinalava a necessidade de não separar demasiado as criaturas do mundo e a experiência de Deus na interioridade Dizia ele Não é preciso criticar preconceituosa mente aqueles que procuram o êxtase na música ou na poesia Há um segredo subtil em cada um dos movimentos e dos sons deste mundo Os iniciados chegam a captar o que dizem o vento que sopra as árvores que se curvam a água que corre as moscas que zunem as portas que rangem o canto dos pássa ros o dedilhar de cordas o silvo da flauta o suspiro dos enfer mos o gemido dos aflitos eva de vitraymeyerovitCh ed Anthologie du soufisme Paris 1978 200 176 ensinava São Boaventura A contemplação é tan to mais elevada quanto mais o homem sente em si mesmo o efeito da graça divina ou quanto mais sabe reconhecer Deus nas outras criaturas 160 234 São João da Cruz ensinava que tudo o que há de bom nas coisas e experiências do mundo encontrase eminentemente em Deus de ma neira infinita ou melhor Ele é cada uma destas grandezas que se pregam 161 E isto não porque as coisas limitadas do mundo sejam realmente divinas mas porque o místico experimenta a li gação íntima que há entre Deus e todos os seres vivos e deste modo sente que Deus é para ele todas as coisas 162 Quando admira a grandeza duma montanha não pode separar isto de Deus e percebe que tal admiração interior que ele vive deve finalizar no Senhor As montanhas têm cumes são altas imponentes belas graciosas floridas e perfumadas Como estas montanhas é o meu Amado para mim Os vales solitários são tranquilos amenos frescos sombreados ricos de doces águas Pela variedade das suas árvores e pelo canto suave das aves oferecem grande di vertimento e encanto aos sentidos e na sua so lidão e silêncio dão refrigério e repouso como estes vales é o meu Amado para mim 163 160 In II Sententiarum 23 2 3 161 Cántico Espiritual XIV 5 162 Ibidem 163 Ibid XIV 67 177 235 Os sacramentos constituem um modo privilegiado em que a natureza é assumida por Deus e transformada em mediação da vida so brenatural Através do culto somos convidados a abraçar o mundo num plano diferente A água o azeite o fogo e as cores são assumidas com toda a sua força simbólica e incorporamse no louvor A mão que abençoa é instrumento do amor de Deus e reflexo da proximidade de Cristo que veio para Se fazer nosso companheiro no caminho da vida A água derramada sobre o corpo da criança baptizada é sinal de vida nova Não fugimos do mundo nem negamos a natureza quando quere mos encontrarnos com Deus Notase isto parti cularmente na espiritualidade do Oriente cristão A beleza que no Oriente é um dos nomes mais queridos para exprimir a harmonia divina e o modelo da humanidade transfigurada mostrase em toda a parte nas formas do templo nos sons nas cores nas luzes nos perfumes 164 Segundo a experiência cristã todas as criaturas do universo material encontram o seu verdadeiro sentido no Verbo encarnado porque o Filho de Deus incor porou na sua pessoa parte do universo material onde introduziu um gérmen de transformação definitiva O cristianismo não rejeita a matéria pelo contrário a corporeidade é valorizada ple namente no acto litúrgico onde o corpo humano mostra sua íntima natureza de templo do Espí 164 João Paulo ii Carta ap Orientale lumen 2 de Maio de 1995 11 AAS 87 1995 757 178 rito Santo e chega a unirse a Jesus Senhor feito também Ele corpo para a salvação do mundo 165 236 A criação encontra a sua maior elevação na Eucaristia A graça que tende a manifestarse de modo sensível atinge uma expressão maravi lhosa quando o próprio Deus feito homem che ga ao ponto de fazerSe comer pela sua criatura No apogeu do mistério da Encarnação o Senhor quer chegar ao nosso íntimo através dum pedaço de matéria Não o faz de cima mas de dentro para podermos encontráLo a Ele no nosso pró prio mundo Na Eucaristia já está realizada a ple nitude sendo o centro vital do universo centro transbordante de amor e de vida sem fim Unido ao Filho encarnado presente na Eucaristia todo o cosmos dá graças a Deus Com efeito a Euca ristia é por si mesma um acto de amor cósmico Sim cósmico Porque mesmo quando tem lugar no pequeno altar duma igreja da aldeia a Euca ristia é sempre celebrada de certo modo sobre o altar do mundo 166 A Eucaristia une o céu e a terra abraça e penetra toda a criação O mundo saído das mãos de Deus volta a Ele em feliz e plena adoração no Pão Eucarístico a criação propen de para a divinização para as santas núpcias para a unificação com o próprio Criador 167 Por isso 165 Ibidem 166 idem Carta enc Ecclesia de Eucharistia 17 de Abril de 2003 8 AAS 95 2003 438 167 Bento Xvi Homilia na Missa de Corpus Christi 15 de Junho de 2006 AAS 98 2006 513 LOsservatore Romano ed portuguesa de 24VI2006 3 179 a Eucaristia é também fonte de luz e motivação para as nossas preocupações pelo meio ambien te e levanos a ser guardiões da criação inteira 237 A participação na Eucaristia é especial mente importante ao domingo Este dia à seme lhança do sábado judaico énos oferecido como dia de cura das relações do ser humano com Deus consigo mesmo com os outros e com o mundo O domingo é o dia da Ressurreição o primeiro dia da nova criação que tem as suas primícias na humanidade ressuscitada do Senhor garantia da transfiguração final de toda a realida de criada Além disso este dia anuncia o des canso eterno do homem em Deus 168 Assim a espiritualidade cristã integra o valor do repouso e da festa O ser humano tende a reduzir o descan so contemplativo ao âmbito do estéril e do inútil esquecendo que deste modo se tira à obra rea lizada o mais importante o seu significado Na nossa actividade somos chamados a incluir uma dimensão receptiva e gratuita o que é diferente da simples inactividade Tratase doutra maneira de agir que pertence à nossa essência Assim a acção humana é preservada não só do activismo vazio mas também da ganância desenfreada e da consciência que se isola buscando apenas o bene fício pessoal A lei do repouso semanal impunha absterse do trabalho no sétimo dia para que descansem o teu boi e o teu jumento e tomem 168 Catecismo da Igreja Católica 2175 180 fôlego o filho da tua serva e o estrangeiro resi dente Ex 23 12 O repouso é uma ampliação do olhar que permite voltar a reconhecer os di reitos dos outros Assim o dia de descanso cujo centro é a Eucaristia difunde a sua luz sobre a semana inteira e encorajanos a assumir o cuida do da natureza e dos pobres 7 a trindade e a relação entre as Criaturas 238 O Pai é a fonte última de tudo fundamen to amoroso e comunicativo de tudo o que exis te O Filho que O reflecte e por Quem tudo foi criado uniuSe a esta terra quando foi forma do no seio de Maria O Espírito vínculo infinito de amor está intimamente presente no coração do universo animando e suscitando novos ca minhos O mundo foi criado pelas três Pessoas como um único princípio divino mas cada uma delas realiza esta obra comum segundo a própria identidade pessoal Por isso quando admira dos contemplamos o universo na sua grandeza e beleza devemos louvar a inteira Trindade 169 239 Para os cristãos acreditar num Deus úni co que é comunhão trinitária leva a pensar que toda a realidade contém em si mesma uma marca propriamente trinitária São Boaventura chega a dizer que o ser humano antes do pecado conse 169 João Paulo ii Catequese 2 de Agosto de 2000 4 In segnamenti 232 2000 112 LOsservatore Romano ed portugue sa de 5VIII2000 8 181 guia descobrir como cada criatura testemunha que Deus é trino O reflexo da Trindade podia se reconhecer na natureza quando esse livro não era obscuro para o homem nem a vista do homem se tinha turvado 170 Este santo francis cano ensinanos que toda a criatura traz em si uma estrutura propriamente trinitária tão real que poderia ser contemplada espontaneamente se o olhar do ser humano não estivesse limitado obscurecido e fragilizado Indicanos assim o desafio de tentar ler a realidade em chave trinitária 240 As Pessoas divinas são relações subsisten tes e o mundo criado segundo o modelo divi no é uma trama de relações As criaturas tendem para Deus e é próprio de cada ser vivo tender por sua vez para outra realidade de modo que no seio do universo podemos encontrar uma sé rie inumerável de relações constantes que secre tamente se entrelaçam171 Isto convidanos não só a admirar os múltiplos vínculos que existem entre as criaturas mas levanos também a desco brir uma chave da nossa própria realização Na verdade a pessoa humana cresce amadurece e santificase tanto mais quanto mais se relaciona sai de si mesma para viver em comunhão com Deus com os outros e com todas as criaturas Assim assume na própria existência aquele dina mismo trinitário que Deus imprimiu nela desde a 170 Quaestiones disputatae de Mysterio Trinitatis 1 2 concl 171 Cf tomás de aquino Summa theologiae I q 11 art 3 q 21 art 1 ad 3 q 47 art 3 182 sua criação Tudo está interligado e isto convida nos a maturar uma espiritualidade da solidarie dade global que brota do mistério da Trindade 8 a rainha de toda a Criação 241 Maria a mãe que cuidou de Jesus agora cuida com carinho e preocupação materna deste mundo ferido Assim como chorou com o cora ção trespassado a morte de Jesus assim também agora Se compadece do sofrimento dos pobres crucificados e das criaturas deste mundo exter minadas pelo poder humano Ela vive com Jesus completamente transfigurada e todas as criaturas cantam a sua beleza É a Mulher vestida de sol com a lua debaixo dos pés e com uma coroa de doze estrelas na cabeça Ap 12 1 Elevada ao céu é Mãe e Rainha de toda a criação No seu corpo glorificado juntamente com Cristo ressus citado parte da criação alcançou toda a plenitude da sua beleza Maria não só conserva no seu co ração toda a vida de Jesus que guardava cuida dosamente cf Lc 2 51 mas agora compreende também o sentido de todas as coisas Por isso podemos pedirLhe que nos ajude a contemplar este mundo com um olhar mais sapiente 242 E ao lado dEla na sagrada família de Na zaré destacase a figura de São José Com o seu trabalho e presença generosa cuidou e defendeu Maria e Jesus e livrouos da violência dos injus tos levandoos para o Egipto No Evangelho aparece descrito como um homem justo traba 183 lhador forte mas da sua figura emana também uma grande ternura própria não de quem é fraco mas de quem é verdadeiramente forte atento à realidade para amar e servir humildemente Por isso foi declarado protector da Igreja universal Também Ele nos pode ensinar a cuidar pode motivarnos a trabalhar com generosidade e ter nura para proteger este mundo que Deus nos confiou 9 Para além do sol 243 No fim encontrarnosemos face a face com a beleza infinita de Deus cf 1 Cor 13 12 e poderemos ler com jubilosa admiração o mis tério do universo o qual terá parte connosco na plenitude sem fim Estamos a caminhar para o sábado da eternidade para a nova Jerusalém para a casa comum do Céu Diznos Jesus Eu renovo todas as coisas Ap 21 5 A vida eter na será uma maravilha compartilhada onde cada criatura esplendorosamente transformada ocu pará o seu lugar e terá algo para oferecer aos po bres definitivamente libertados 244 Na expectativa da vida eterna unimonos para tomar a nosso cargo esta casa que nos foi confiada sabendo que aquilo de bom que há nela será assumido na festa do Céu Juntamente com todas as criaturas caminhamos nesta terra à procura de Deus porque se o mundo tem um princípio e foi criado procura quem o criou procura quem lhe deu início aquele que é o seu 184 Criador 172 Caminhemos cantando que as nos sas lutas e a nossa preocupação por este planeta não nos tirem a alegria da esperança 245 Deus que nos chama a uma generosa en trega e a oferecerLhe tudo também nos dá as forças e a luz de que necessitamos para prosse guir No coração deste mundo permanece pre sente o Senhor da vida que tanto nos ama Não nos abandona não nos deixa sozinhos porque Se uniu definitivamente à nossa terra e o seu amor sempre nos leva a encontrar novos cami nhos Que Ele seja louvado 246 Depois desta longa reflexão jubilosa e ao mesmo tempo dramática proponho duas ora ções uma que podemos partilhar todos quantos acreditamos num Deus Criador Omnipotente e outra pedindo que nós cristãos saibamos assu mir os compromissos para com a criação que o Evangelho de Jesus nos propõe Oração pela nossa terra Deus Omnipotente que estais presente em todo o universo e na mais pequenina das vossas criaturas Vós que envolveis com a vossa ternura tudo o que existe derramai em nós a força do vosso amor 172 Basílio magno Hom in Hexaemeron 1 2 6 PG 29 8 185 para cuidarmos da vida e da beleza Inundainos de paz para que vivamos como irmãos e irmãs sem prejudicar ninguém Ó Deus dos pobres ajudainos a resgatar os abandonados e esquecidos desta terra que valem tanto aos vossos olhos Curai a nossa vida para que protejamos o mundo e não o depredemos para que semeemos beleza e não poluição nem destruição Tocai os corações daqueles que buscam apenas benefícios à custa dos pobres e da terra Ensinainos a descobrir o valor de cada coisa a contemplar com encanto a reconhecer que estamos profundamente unidos com todas as criaturas no nosso caminho para a vossa luz infinita Obrigado porque estais connosco todos os dias Sustentainos por favor na nossa luta pela justiça o amor e a paz Oração cristã com a criação Nós Vos louvamos Pai com todas as vossas criaturas que saíram da vossa mão poderosa São vossas e estão repletas da vossa presença e da vossa ternura Louvado sejais 186 Filho de Deus Jesus por Vós foram criadas todas as coisas Fostes formado no seio materno de Maria fizestesVos parte desta terra e contemplastes este mundo com olhos humanos Hoje estais vivo em cada criatura com a vossa glória de ressuscitado Louvado sejais Espírito Santo que com a vossa luz guiais este mundo para o amor do Pai e acompanhais o gemido da criação Vós viveis também nos nossos corações a fim de nos impelir para o bem Louvado sejais Senhor Deus Uno e Trino comunidade estupenda de amor infinito ensinainos a contemplarVos na beleza do universo onde tudo nos fala de Vós Despertai o nosso louvor e a nossa gratidão por cada ser que criastes Dainos a graça de nos sentirmos intimamente unidos a tudo o que existe Deus de amor mostrainos o nosso lugar neste mundo como instrumentos do vosso carinho por todos os seres desta terra porque nem um deles sequer é esquecido por Vós Iluminai os donos do poder e do dinheiro 187 para que não caiam no pecado da indiferença amem o bem comum promovam os fracos e cuidem deste mundo que habitamos Os pobres e a terra estão bradando Senhor tomainos sob o vosso poder e a vossa luz para proteger cada vida para preparar um futuro melhor para que venha o vosso Reino de justiça paz amor e beleza Louvado sejais Amen Dado em Roma junto de São Pedro no dia 24 de Maio Solenidade de Pentecostes de 2015 terceiro ano do meu Pontificado 189 ÍNDICE laudato si mi Signore 12 3 Nada deste mundo nos é indiferente 36 4 Unidos por uma preocupação comum 79 7 São Francisco de Assis 1012 10 O meu apelo 1316 12 CaPítulo I O QUE ESTÁ A ACONTECER À NOSSA CASA 1 Poluição e mudanças ClimátiCas 18 Poluição resíduos e cultura do descarte 2022 18 O clima como bem comum 2326 20 2 a questão da água 2731 24 3 Perda de Biodiversidade 3242 27 4 deterioração da qualidade de vida humana e degradação soCial 4347 34 5 desigualdade Planetária 4852 37 6 a fraqueza das reaCções 5359 43 7 diversidade de oPiniões 6061 47 CaPítulo II O EVANGELHO DA CRIAÇÃO 1 a luz que a fé ofereCe 6364 49 2 a saBedoria das narrações BíBliCas 6575 51 3 o mistério do universo 7683 60 4 a mensagem de Cada Criatura na har monia de toda a Criação 8488 66 5 uma Comunhão universal 8992 70 190 6 o destino Comum dos Bens 9395 73 7 o olhar de Jesus 96100 75 CaPítulo iii A RAIZ HUMANA DA CRISE ECOLÓGICA 1 a teCnologia Criatividade e Poder 102105 79 2 a gloBalização do Paradigma teCno CrátiCo 106114 82 3 Crise do antroPoCentrismo moderno e suas ConsequênCias 115121 90 O relativismo prático 122123 94 A necessidade de defender o trabalho 124129 96 A inovação biológica a partir da pesquisa 130136 101 CaPítulo iv UMA ECOLOGIA INTEGRAL 1 eCologia amBiental eConómiCa e so Cial 138142 107 2 eCologia Cultural 143146 112 3 eCologia da vida quotidiana 147155 114 4 o PrinCíPio do Bem Comum 156158 120 5 a Justiça intergeneraCional 159162 122 CaPítulo V ALGUMAS LINHAS DE ORIENTAÇÃO E ACÇÃO 1 o diálogo soBre o meio amBiente na PolítiCa internaCional 164175 127 2 o diálogo Para novas PolítiCas na Cionais e loCais 176181 135 3 diálogo e transParênCia nos ProCes sos deCisórios 182188 140 4 PolítiCa e eConomia em diálogo Para a Plenitude humana 189198 144 5 as religiões no diálogo Com as Ciên Cias 199201 152 CaPítulo VI EDUCAÇÃO E ESPIRITUALIDADE ECOLÓGICAS 1 aPontar Para outro estilo de vida 203208 155 2 eduCar Para a aliança entre a huma nidade e o amBiente 209215 159 3 a Conversão eCológiCa 216221 164 4 alegria e Paz 222227 168 5 amor Civil e PolítiCo 228232 172 6 os sinais saCramentais e o desCanso CeleBrativo 233237 175 7 a trindade e a relação entre as Cria turas 238240 180 8 a rainha de toda a Criação 241242 182 9 Para além do sol 243246 183 Oração pela nossa terra 184 Oração cristã com a criação 185 TIPOGRAFIA VATICANA