• Home
  • Chat IA
  • Guru IA
  • Tutores
  • Central de ajuda
Home
Chat IA
Guru IA
Tutores

·

Filosofia ·

Filosofia

Envie sua pergunta para a IA e receba a resposta na hora

Recomendado para você

Fazer um Fichamento

154

Fazer um Fichamento

Filosofia

PUC

Arte Sacra

45

Arte Sacra

Filosofia

PUC

Elogio da Loucura - Erasmo de Rotterdam - eBook Completo

219

Elogio da Loucura - Erasmo de Rotterdam - eBook Completo

Filosofia

PUC

o Problema do Poder em o Príncipe de Maquiavel

40

o Problema do Poder em o Príncipe de Maquiavel

Filosofia

PUC

Manual do Estágio Supervisionado III - Curso de Filosofia

46

Manual do Estágio Supervisionado III - Curso de Filosofia

Filosofia

UNIFAVENI

Principios Matematicos de Newton e Obras de Leibniz - Filosofia e Mecanica

473

Principios Matematicos de Newton e Obras de Leibniz - Filosofia e Mecanica

Filosofia

UCDB

A Religião no Mundo Romano: Politeísmo e Sincretismo

55

A Religião no Mundo Romano: Politeísmo e Sincretismo

Filosofia

UNIP

Artigo sobre Hobbes e Bacon

312

Artigo sobre Hobbes e Bacon

Filosofia

UFPA

Filosofia da Ciencia - Consciencia em Maquinas e Funcionalismo

8

Filosofia da Ciencia - Consciencia em Maquinas e Funcionalismo

Filosofia

USP

Direitos Humanos: Princípios, Teorias e Preconceitos

51

Direitos Humanos: Princípios, Teorias e Preconceitos

Filosofia

UNIP

Texto de pré-visualização

ERASMO de Rotterdam elogio da loucura wwweBooksBrasilorg Elogio da Loucura Encomium Moriae Erasmo de Rotterdam 1466 1536 Tradução base Paulo M Oliveira Versão para eBook eBooksBrasilcom Fonte Digital Digitalização de edição em papel Atena Editora sd Imagem interna clendeningkumcedu 2002 Desiderius Erasmo ÍNDICE Notícia Biográfica 4 ELOGIO DA LOUCURA 7 Erasmo a Tomás More 8 Declamação de Erasmo de Rotterdam 13 Notas 200 NOTÍCIA BIOGRÁFICA FILHO de Geraldo Elia e de Margarida Zerembergen nasceu Erasmo no dia 27 de outubro de 1465 na cidade de Rotterdam O seu primitivo nome de Geraldo herdado do pai traduziuo ele mais tarde em latim e em grego tornandose célebre com o de Desidério Erasmo Seu pai em virtude da perseguição da família de Margarida por não ter o casal recebido a bênção da Igreja fora constrangido a refugiarse em Roma Em seguida desesperado com a falsa notícia da morte de Margarida entrou num convento e fezse padre Ao saber porém que Margarida ainda vivia voltou à Alemanha e recuperou a sua felicidade passando a viver em companhia da esposa e do filho Aos onze anos de idade Erasmo já lia perfeitamente Horácio e Terêncio Tendo perdido os pais ainda muito jovem o seu tutor internouo no convento de Stein onde Erasmo desgostoso entregouse apaixonadamente aos estudos Tinha apenas vinte anos quando escreveu sua primeira obra O Desprezo do Mundo Em seguida publicou um discurso intitulado O Bem da Paz Esses dois trabalhos logo se tornaram muito conhecidos e celebrizaram o seu autor O bispo de Cambrai mandou chamar Erasmo e o teve em sua companhia Seguiu ele depois para Paris e entrou no colégio de Montegu mas aí se deu tão mal com a alimentação que a sua saúde ficou seriamente prejudicada Regressando à Holanda teve a proteção da marquesa de Nassau Ana de Brosselen A fidalga castelhana forneceulhe recursos para as suas viagens Erasmo foi então para a Inglaterra onde esteve em companhia de Lord Montjoye que mandara chamálo Daí partiu ele para a Itália onde se doutorou pela Universidade de Bolonha Na Itália Erasmo travou relações com os homens mais famosos da época Conheceu cardeais e papas entre estes Júlio II Esteve em seguida em Veneza com Aldo Manuzio depois em Pádua onde foi preceptor do filho bastardo de James Stuart mais tarde tornou à inglaterra onde teve em Thomas More um dos seus melhores amigos O Elogio da Loucura Encomium Moriae que ora editamos foi publicado em Paris em 1509 É uma sátira extraordinariamente interessante na qual os potentados da época e sobretudo os homens da Igreja são impiedosamente escalpelados pela ironia incomparável do grande escritor Sempre inquieto e insatisfeito percorreu Erasmo vários países até se instalar definitivamente na Basileia onde morreu aos setentas anos de idade no dia 11 de julho de 1536 ERASMO A THOMAS MORE SAÚDE ACHANDOME dias atrás de regresso da Itália à Inglaterra a fim de não gastar todo o tempo da viagem em insípidas fábulas preferi recrearme ora volvendo o espírito aos nossos comuns estudos ora recordando os doutíssimos e ao mesmo tempo dulcíssimos amigos que deixara ao partir E foste tu meu caro More o primeiro a aparecer aos meus olhos pois que malgrado tanta distância eu via e falava contigo com o mesmo prazer que costumava ter em tua presença e que juro não ter experimentado maior em minha vida Não desejando naquele intervalo passar por indolente e não me parecendo as circunstâncias adequadas aos pensamentos sérios julguei conveniente divertirme com um elogio da Loucura Porque essa inspiração1 perguntarmeás Pelo seguinte a princípio dominoume essa fantasia por causa do teu gentil sobrenome tão parecido com a Mória2 quanto realmente estás longe dela e decerto ainda mais longe do conceito que em geral dela se faz Em seguida lisonjeoume a idéia de que essa engenhosa pilhéria pudesse merecer a tua aprovação se é verdade que divertimentos tão ELOGIO DA LOUCURA ERASMO de ROTTERDAM artificiais não me parecendo plebeus naturalmente nem de todo insulsos te possam deleitar3 permitindo que como um novo Demócrito observes e ridicularizes os acontecimentos da vida humana Mas assim como pela excelência do gênio e de talentos estás acima da maioria dos homens assim também pela rara suavidade do costume e pela singular afabilidade sabes e gostas sempre e em toda parte de habituarte a todos e a todos parecer amável e grato Por conseguinte gostarás agora não só de aceitar de bom grado esta minha pequena arenga como um presente do teu bom amigo mas também de colocála sob o teu patrocínio como coisa sagrada para ti e na verdade mais tua do que minha Já prevejo que não faltarão detratores para insurgirse contra ela acusandoa de frivolidade indigna de um teólogo de sátira indecente para a moderação cristã em suma clamando e cacarejando contra o fato de eu ter ressuscitado a antiga comédia4 e qual novo Luciano5 ter magoado a todos sem piedade Mas os que se desgostarem com a ligeireza do argumento e com o seu ridículo devem ficar avisados de que não sou eu o seu autor pois que com o seu uso se familiarizaram numerosos grandes homens Com efeito muitos séculos antes Homero escreveu a sua Batraquiomaquia Virgílio cantou o mosquito e a amoreira e Ovídio a nogueira Polícrates chegou a fazer o elogio de Busiris mais tarde impugnado e corrigido por Isócrates Glauco enalteceu a injustiça o filósofo Favorino louvou Tersites e a febre quartã Sinésio a calvície e Luciano a mosca parasita finalmente Sêneca ridicularizou a apoteose de Cláudio Plutarco escreveu o diálogo do grilo com Ulisses Luciano e Apuleio falaram do burro e um tal Grunnio Corocotta fez o testamento do porco citado por São Jerônimo Saibam pois esses censores que também para divertirme já joguei xadrez e montei em cavalo de pau como um menino Na verdade haverá maior injustiça do que sendo permitida uma brincadeira adequada a cada idade e condição não poder pilheriar um literato principalmente quando a pilhéria tem um fundo de seriedade sendo as facécias manejadas apenas como disfarce de forma que quem as lê quando não seja um solene bobalhão mas possua algum faro encontre nelas ainda mais proveito do que em profundos e luminosos temas Que dizer então de alguém que com um longo discurso depois de muito estudar e fatigar as costas elogiasse a retórica ou a filosofia ou de alguém que escrevesse o elogio de um príncipe outro uma exortação contra os turcos outro fizesse horóscopos e predições baseado nos planetas outro questões de lana caprina e investigações futilíssimas Portanto assim como não há nada mais inepto do que abordar graves argumentos puerilmente assim também é bastante agradável e plausível tratar de igual forma as pilhérias não têm aqui outro objetivo senão o de pilheriar Quanto a mim deixo que os outros julguem esta minha tagarelice mas se o meu amorpróprio não deixar que eu o perceba contentarmeei de ter elogiado a Loucura sem estar inteiramente louco Quanto à imputação de sarcasmo não deixarei de dizer que há muito tempo existe a liberdade de estilo com a qual se zomba da maneira por que vive e conversa o homem a não ser que se caia no cinismo e no veneno Assim pergunto se se deve estimar o que magoa ou antes o que ensina e instrui censurando a vida e os costumes humanos sem pessoalmente ferir ninguém Se assim não fosse precisaria eu mesmo fazer uma sátira a meu respeito com todas as particularidades que atribuo aos outros Além disso quem se insurge em geral contra todos os aspectos da vida não deve ser inimigo de ninguém mas unicamente do vício em toda a sua extensão e totalidade Se houver pois alguém que se sinta ofendido por isso deverá procurar descobrir as suas próprias mazelas porque do contrário se tornará suspeito ao mostrar receio de ser objeto da minha censura Muito mais livre e acerbo nesse gênero literário foi São Jerônimo que nem sequer perdoava os nomes das pessoas Nós porém além de calarmos absolutamente os nomes temperámos o estilo de forma que o leitor honesto verá por si mesmo que o meu propósito foi mais divertir do que magoar Seguindo o exemplo de Juvenal em nenhum ponto tocámos na oculta cloaca de vícios da humanidade nem relevámos as suas torpezas e infâmias limitandonos a mostrar o que nos pareceu ridículo Se apesar de tudo ainda houver ranzinzas e descontentes que ao menos observem como é bonito e vantajoso ser acusado de loucura Com efeito na boca da que trouxemos à cena e fizemos falar foi necessário pôr os juízos e as palavras que mais se coadunam com o seu caráter Mas para que hei de te dizer todas essas coisas se és emérito advogado capaz de defender egregiamente mesmo as causas menos favoráveis Sem mais eloquêntissimo More estimo que estejas são e tomes animosamente a parte de tua loucura Vila 10 de junho de 1508 DECLAMAÇÃO DE ERASMO DE ROTTERDAM EMBORA os homens costumem ferir a minha reputação e eu saiba muito bem quanto o meu nome soa mal aos ouvidos dos mais tolos orgulhome de vos dizer que esta Loucura sim esta Loucura que estais vendo é a única capaz de alegrar os deuses e os mortais A prova incontestável do que afirmo está em que não sei que súbita e desusada alegria brilhou no rosto de todos ao aparecer eu diante deste numerosíssimo auditório De fato ergustes logo a fronte satisfeitos e com tão prazenteiro e amável sorriso me aplaudistes que na verdade todos os que distingo ao meu redor me parecem outros tantos deuses de Homero embriagados pelo néctar com nepente8 No entanto antes estivestes sentados tristes e inquietos como se há pouco tivésseis saído da caverna de Trofônio9 Com efeito como no instante em que surge no céu a brilhante figura do sol ou como quando após um rígido inverno retorna a primavera com suas doces aragens e vemos todas as coisas tomarem logo um novo aspecto matizandose de novas cores contribuindo tudo para de certo modo rejuvenescer a natureza assim também logo que me vistes transformastes inteiramente as vossas fisionomias Bastou pois a minha simples presença para eu obter o que valentes oradores mal teriam podido conseguir com um longo e longamente meditado discurso expulsar a tristeza de vossa alma Se agora fazeis questão de saber por que motivo me agrada aparecer diante de vós com uma roupa tão extravagante eu volo direi em seguida se tiverdes a gentileza de me prestar atenção não a atenção que costumais prestar aos oradores sacros mas a que prestais aos charlatães aos intrujões e aos bobos das ruas numa palavra a que o nosso Midas10 prestava ao canto do deus Pã E isso porque me agrada ser convosco um tanto sofista não da espécie dos que hoje não fazem senão imbuir as mentes juvenis de inúteis e difíceis bagatelas ensinandoos a discutir com uma pertinácia mais do que feminina Ao contrário pretendo imitar os antigos que evitando o infame nome de filósofos preferiram chamarse sofistas11 cuja principal cogitação consistia em elogiar os deuses e os heróis Ireis pois ouvir o elogio não de um Hércules ou de um Solon mas de mim mesma isto é da Loucura Para dizer a verdade não nutro nenhuma simpatia pelos sábios que consideram tolo e impudente o autoelogio Poderão julgar que seja isso uma insensatez mas deverão concordar que uma coisa muito decorosa é zelar pelo próprio nome De fato que mais poderia convir à Loucura do que ser o arauto do próprio mérito e fazer ecoar por toda parte os seus próprios louvores Quem poderá pintarme com mais fidelidade do que eu mesma Haverá talvez quem reconheça melhor em mim o que eu mesma não reconheço De resto esta minha conduta me parece muito mais modesta do que a que costuma ter a maior parte dos grandes e dos sábios do mundo É que estes calcando o pudor aos pés subornam qualquer panegirista adulador ou um poetastro tagarela que à custa do ouro recita os seus elogios que não passam afinal de uma rede de mentiras E enquanto o modestíssimo homem fica a escutálo o adulador ostenta penas de pavão levanta a crista modula uma voz de timbre descarado comparando aos deuses o homenzinho de nada apresentandoo como modelo absoluto de todas as virtudes muito embora saiba estar ele muito longe disso enfeitando com penas não suas a desprezível gralha esforçandose por alvejar as peles da Etiópia e finalmente fazendo de uma mosca um elefante Assim pois sigo aquele conhecido provérbio que diz Não tens quem te elogïe Elogiate a ti mesmo Não posso deixar neste momento de manifestar um grande desprezo não sei se pela ingratidão ou pelo fingimento dos mortais É certo que nutrem por mim uma veneração muito grande e apreciam bastante as minhas boas ações mas parece incrível desde que o mundo é mundo nunca houve um só homem que manifestando o reconhecimento fizesse o elogio da Loucura Não faltou contudo quem com grande perda de azeite e de sono exaltasse com elogios estudatíssimos os Busiris12 e os Falaris13 a febre quartã e a mosca a calvície e outras pestes semelhantes Ireis pois ouvir de mim mesma o meu panegírico o qual não sendo oportuno nem estudado será por isso mesmo muito mais sincero Não julgueis que assim vos fale por ostentação de engenho como costuma fazer a maior parte dos oradores Estes como bem sabeis depois de se esfalfarem bem uns trinta anos em cima de um discurso talvez surrupiado de outrem são tão impudentes que procuram impingir que o fizeram por divertimento em três dias ou então que o ditaram Eu ao contrário sempre gostei muito de dizer tudo o que me vem à boca Não espereis que de acordo com o costume dos retóricos vulgares eu vos dê a minha definição e mito menos a minha divisão Com efeito que é definir É encerrar a idéia de uma coisa nos seus justos limites E que é dividir É separar uma coisa em suas diversas partes Ora nem uma nem outra me convém Como poderia limitarme quando o meu poder se estende a todo o gênero humano E como poderia dividirme quando tudo concorre em geral para sustentar a minha divindade Além disso porque haveria de me pintar como sombra e imagem numa definição quando estou diante dos vossos olhos e me vedes em pessoa Sou eu mesma como vedes sim sou eu aquela verdadeira dispenseira de bens a que os italianos chamam Pazzia e os gregos Mória E que necessidade havia de volo dizer O meu rosto já não o diz bastante Se há alguém que desastradamente se tenha iludido tomandome por Minerva ou pela Sabedoria bastará olharme de frente para logo me conhecer a fundo sem que eu me sirva das palavras que são a imagem sincera do pensamento Não existe em mim simulação alguma mostrandome eu por fora o que sou no coração Sou sempre igual a mim mesma de tal forma que se alguns dos meus sequazes presumes não passar por tais disfarçandose sob a máscara e o nome de sábios não serão eles mais do que macacos vestidos de púrpura do que burros vestidos com pele de leão Qualquer pois que seja o raciocínio feito para se mostrarem diferentes do que são dois compridos orelhões descobrirão sempre o seu Midas Para dizer a verdade não estou nada satisfeita com essa gente ingrata com esses perversos velhacos porque embora pertençam mais do que os outros ao nosso império não só publicamente se envergonham de usar o meu nome como muitas vezes chegam a aplicálo aos outros como título oprobioso Portanto sendo eles loucos e arquiloucos embora assumam a atitude de sábios e de Tales14 não teremos razão de chamálos loucamente de sábios A esse respeito pareceume igualmente oportuno imitar os retóricos dos nossos dias que se reputam outras tantas divindades uma vez que podem gabarse de outras línguas como a sanguessuga15 e consideram coisa maravilhosa inserir nos seus discursos de cambulhada mesmo fora de propósito palavrinhas gregas a fim de formarem belíssimos mosaicos E quando acontece que um desses oradores não conhece as línguas estrangeiras desentranha ele de rançosos papéis quatro ou cinco vocábulos com os quais lança poeira aos olhos do leitor de forma que os que o entendem se compadeçam do próprio saber e os que não o compreendem o admirem na proporção da própria ignorância Para nós os tolos um dos maiores prazeres não consistirá em admirar com a máxima surpresa tudo o que nos vem dos países ultramontanos Finalmente se houver alguns que embora não entendendo nada desses velhos idiomas queiram dar mostras de que os compreendem nesse caso devem aparentar uma fisionomia satisfeita aprovar abanando a cabeça ou simplesmente as longas orelhas de burro e dizer com um ar de importância Bravo Bravo Muito bem Justamente Mas retomemos o fio do nosso raciocínio Portanto sabeis agora o meu nome homens Mas que epíteto poderei aplicarvos Sem dúvida que o de estultíssimos Que vos parece Poderia acaso a deusa Loucura dar epíteto mais digno aos seus adoradores aos iniciados nos seus mistérios Como porém poucos dentre vós conhecem a minha genealogia vou procurar informarvos a respeito com auxílio das musas16 os matrimônios os tratados as confederações as leis as artes o ridículo o sério ai não posso mais faltame a respiração concluamos por cujo talento se regulam todos os negócios públicos e privados dos mortais Plutão sem cujo braço toda a turba das divindades poéticas falemos com mais franqueza os próprios deuses de primeira ordem18 não existiriam ou pelo menos passariam muito mal Plutão finalmente cujo desprezo é tão terrível que a própria Palas19 não seria capaz de proteger bastante os que o provocassem mas cujo favor ao contrário é tão poderoso que quem o obtém pode rirse de Júpiter e de suas setas Pois bem é justamente esse o meu pai de quem tanto me orgulho pois me gerou não do cérebro como fez Júpiter com a torva e feroz Minerva mas de Neotetes20 a mais bonita e alegre ninfa do mundo Além disso os meus progenitores não eram ligados pelo matrimônio nem nasci como o defeituoso Vulcano filho da fastidiosíssima ligação de Júpiter com Juno Sou filha do prazer e o amor livre presidiu ao meu nascimento para falar com nosso Homero foi Plutão dominado por um transporte de ternura amorosa Assim para não incorrerdes em erro declarovos que já não falo daquele decrépito Plutão que nos descreveu Aristófanes agora caduco e cego mas de Plutão ainda robusto cheio de calor na flor da juventude e não só moço mas também exaltado como nunca pelo néctar a ponto de num jantar com os deuses por extravagância o ter bebido puro e aos grandes goles Se além disso fazeis questão de saber ainda qual a minha pátria uma vez que em nossos dias é como uma prova de nobreza notificar ao público o lugar no qual demos os nossos primeiros vagidos ficai sabendo que não nasci nem na ilha Natante de Delos como Apolo nem da espuma do agitado Oceano como Vênus nem das escuras cavernas Nasci nas ilhas Fortunadas onde a natureza não tem necessidade alguma da arte Não se sabe ali o que sejam o trabalho a velhice as doenças nunca se vêem nos campos nem asfódelo nem malva nem lilá nem lúpulo nem fava nem outros semelhantes e desprezíveis vegetais Ali ao contrário a terra produz tudo quanto possa deleitar a vista e embriagar o olfato mólio21 panacéia nepente mangerona ambrosia lotus rosas violetas jacintos anêmonas Nascida no meio de tantas delícias não saudei a luz com o pranto como quase todos os homens mal fui parida comecei a rir gostosamente na cara de minha mãe Não invejo pois ao supremo Júpiter o ter sido amamentado pela cabra Amaltéia pois que duas graciosíssimas ninfas me deram de mamar Mete22 filha de Baco e Apedia23 filha de Pã Ainda podeis vêlas aqui no consórcio das outras minhas sequazes e companheiras Se por Júpiter também quereis saber os seus nomes eu volo direi mas somente em grego Estais vendo esta de olhar altivo É Filavutia isto é o amorpróprio E esta de olhos risonhos que aplaude batendo palmas É Kolaxia isto é a adulação E a outra de pálpebras cerradas parecendo dormir É Lethes isto é o esquecimento E aquela que se acha apoiada nos cotovelos com as mãos cruzadas É Misoponia isto é o horror à fadiga E esta que tem a cabeça engrinaldada de rosas exalando essências e perfumes É Idonis isto é a volúpia E a outra que está revirando os olhos lúbricos e incertos e parece dominada por convulsões É Ania isto é a irreflexão Finalmente aquela de pele alabastrina gorducha e bem nutrida é Trofís isto é a delícia Entre essas ninfas podeis distinguir ainda dois deuses um é Komo isto é o riso e o prazer da mesa o outro é Nigreton hypnon isto é o sono profundo Acompanhada pois e servida fielmente por esse séquito de criados estendo o meu domínio sobre todas as coisas e até os monarcas mais absolutos estão submetidos ao meu império Já conheceis portanto o meu nascimento a minha educação e a minha corte Agora para que ninguém julgue não haver razão para eu usurpar o nome de deusa quero demonstrarvos quanto sou útil aos deuses e aos homens e até onde chega o meu divino poder desde que me presteis ouvidos com bastante atenção Já escreveu sensatamente alguém que ser deus consiste em favorecer os mortais Ora se com razão foram incluídos no rol dos deuses os que introduziram na sociedade o vinho a cerveja e outras tantas vantagens proporcionadas ao homem porque não serei eu proclamada e venerada como a primeira das divindades eu que a todos prodigamente dispenso sozinha tantos bens Antes de tudo disseme haverá no mundo coisa mais doce e mais preciosa do que a vida E quem mais do que eu contribui para a concepção dos mortais Nem a lança poderosa de Palas nem a égide24 do fulminante Júpiter nada valem para produzir e propagar o gênero humano O próprio pai dos deuses e rei dos homens a um gesto do qual treme todo o Olimpo faria bem em depor o seu fulmineo trissuleo em deixar aquele ar terrível e majestoso com o qual aterroriza toda aquela multidão de deuses e em apresentarse o pobrezinho como bom cômico sob uma forma inteiramente nova quando quiser desempenhar a função por ele já tantas vezes desempenhada de procriar pequenos Júpíters Vejamos agora os bobalhões dos estóicos que se reputam tão próximos e afins dos deuses Mostraime apenas um dentre eles que mesmo sendo mil vezes estoico nunca tendo feito a barba distintivo da sabedoria se bem que tal distintivo seja também comum aos bodes precisará deixar o seu ar cheio de orgulho assumir uns ares de fidalgo abandonar a sua moral austera e inflexível fazer asneiras e loucuras Em suma será forçoso que esse filósofo se dirija a mim e se recomende se quiser tornarse pai E porque segundo o meu costume não hei de vos falar mais livremente Dizeime por favor serão talvez a cabeça a cara o peito as mãos as orelhas como partes do corpo reputadas honestas que geram os deuses e os homens Ora meus senhores eu acho que não o instrumento propagador do gênero humano é aquela parte tão deselegante e ridícula que não se lhe pode dizer o nome sem provocar o riso Aquela sim é justamente aquela a fonte sagrada de onde provêm os deuses e os mortais Pois bem quem desejaria sacrificarse ao laço matrimonial se antes como costumam fazer em geral os filósofos refletisse bem nos incômodos que acompanham essa condição Qual é a mulher que se submeteria ao dever conjugal se todas conhecessem ou tivessem em mente as perigosas dores do parto e as penas da educação Se portanto deveis a vida ao matrimônio e o matrimônio à Irreflexão que é uma das minhas sequazes avaliai quanto me deveis Além disso uma mulher que já passou uma vez pelos espinhos do indissolúvel laço e que anseia por tornar a passar por eles não o fará talvez em virtude da assistência da ninfa Esquecimento minha cara companheira É preciso dizer pois a despeito do poeta Lucrécio e a própria Vênus não ousaria negálo que sem a nossa pujança e a nossa proteção a sua força e a sua virtude langueceriam e se desvaneceriam completamente25 Foi por conseguinte dessa agradável brincadeira por mim temperada com o riso o prazer e a amorosa embriaguez que saíram os carrancudos filósofos agora substituídos pelos homens vulgarmente chamados frades os purpúreos monarcas os pios sacerdotes e os pontífices três vezes santíssimos Finalmente dessa brincadeira é que também surgiu toda a turba das divindades poéticas turba tão imensa que o céu embora muito espaçoso mal pode contêla Mas pouco amiga seria eu da verdade se depois de vos provar que de mim tivestes o gérmen e o desenvolvimento da vida não vos demonstrasse ainda que provêm da minha liberalidade todos os bens que a vida encerra Que seria esta vida se é que de vida merece o nome sem os prazeres da volúpia Oh Oh Vós me aplaudis Já vejo que não há aqui nenhum insensato que não possua esse sentimento Sois todos muito sábios uma vez que a meu ver loucura é o mesmo que sabedoria Podeis pois estar certos de que também os estóicos não desprezam a volúpia embora astutamente se finjam alheios a ela e a ultrajem com mil injúrias diante do povo a fim de que amendontrando os outros possam gozála mais freqüentemente Mas admitindo que esses hipócritas declamem de boa fé dizeime por Júpiter sim dizeime se há acaso um só dia na vida que não seja triste desagradável fastidioso enfadonho aborrecido quando não é animado pela volúpia isto é pelo condimento da loucura Tomo Sóflocles por testemunho irrefragável Sóflocles26 nunca bastante louvado Oh nunca se me fez tanta justiça Diz ele para minha honra e minha glória Como é bom viver mas sem sabedoria porque esta é o veneno da vida Procuremos explicar essa proposição Todos sabem que a infância é a idade mais alegre e agradável Mas que é que torna os meninos tão amados Que é que nos leva a beijálos abraçálos e amálos com tanta afeição Ao ver esses pequenos inocentes até um inimigo se enternece e os socorre Qual é a causa disso É a natureza que procedendo com sabedoria deu às crianças um certo ar de loucura pelo qual elas obtêm a redução dos castigos dos seus educadores e se tornam merecedoras do afeto de quem as tem ao seu cudado Amase a primeira juventude que se sucede à infância sentese prazer em serlhe útil iniciála socorrêla Mas de quem recebe a meninice os seus atrativos De quem se não de mim que lhe concedo a graça de ser amaluacada e por conseguinte de gozar e de brincar Quero que me chamem de mentirosa se não for verdade que os jovens mudam inteiramente de caráter logo que principiam a ficar homens e orientados pelas lições e pela experiência do mundo entram na infeliz carreira da sabedoria Vemos então desvanecerse aos poucos a sua beleza diminuir a sua vivacidade desaparecerem aquela simplicidade e aquela candura tão apreciadas E acaba por extinguirse neles o natural vigor Por tudo isso observai senhores que quanto mais o homem se afasta de mim tanto menos goza dos bens da vida avançando de tal maneira nesse sentido que logo chega à fastidiosa e incômoda velhice tão insuportável para si como para os outros E já que falámos de velhice não fiqueis aborrecidos se por um momento chamo para ela a vossa atenção Oh como os homens seriam lastimáveis sem mim no fim dos seus dias Mas tenho pena deles e estendolhes a mão Não raro as divindades poéticas socorrem piedosamente com o divino segredo da metamorfose os que estão prestes a morrer Fetonte transformase em cisne Alcion em pássaro etc Também eu até certo ponto imito essas benéficas divindades Quando a trôpega velhice coloca os homens à beira da sepultura então na medida do que sei e do que posso eu os faço de novo meninos De onde o provérbio Os velhos são duas vezes crianças Perguntarmeeis sem dúvida como o consigo Da seguinte forma levo essas caducas cabeças ao nosso Letes porque entre parênteses sabeis que esse rio tem sua nascente nas ilhas Fortunadas e que um seu pequeno afluente corre nas proximidades do Averno e façoas beber a grandes goles a água do Esquecimento E é assim que dissipam insensivelmente as suas mágoas e recuperam a juventude Alegarseá contudo que deliram e enlouquecem pois é isso mesmo justamente nisso consiste o tornar a ser criança O delírio e a loucura não serão talvez próprios das crianças Que é que a vosso ver mais agrada nas crianças A falta de juízo Um menino que falasse e agisse como um adulto não seria um pequeno monstro Pelo menos não poderíamos deixar de odiálo e de ter por ele um certo horror Há muitos séculos é trivial o provérbio Odeio o menino de saber precoce Quem por outro lado poderia fazer negócios ou ter relações com um velho se este aliasse a uma longa experiência todo o vigor do espírito e a força do discernimento Por conseguinte por obra da minha bondade o velho se torna criança devendome a libertação de todas as fastidiosas aflições que atormentam o sábio Além disso o meu criançola não desagrada companhia nem sente aversão pela vida dificilmente suportada na idade robusta Torna a soletrar muitas vezes as três letras daquele tolo velho a que alude Flauto A M O Ora se ele fosse um pouquinho sábio não é certo que seria o mais infeliz dos mortais Mas por efeito da minha bondade uma vez isento de todo aborrecimento e inquietação recreia os amigos e é agradável na conversação E não vemos em Homero o velho Nestor falar mais doce do que o mel enquanto o feroz Aquiles prorrompe em excessos de furor O mesmo poeta não nos pinta alguns velhos sentados nos muros e fazendo lépidos discursos Afirmo pois de acordo com esse raciocínio que a felicidade da velhice supera a da meninice Não se pode negar que a infância é muito feliz mas nessa idade não se tem o prazer de tagarelar de resmungar por trás de todos como fazem os velhos prazer que constitui o principal condimento da vida Outra prova do meu confronto é a recíproca inclinação que se nota nos velhos e nos meninos e o instinto que os leva a manterem entre si boas relações Assim é que se verifica que todo semelhante ama o seu semelhante De fato essas duas idades têm uma grande relação entre si e não vejo nelas outra diferença senão as rugas da velhice e a porção de carnavais que os primeiros têm sobre a corcunda Quanto ao mais a brancura dos cabelos a falta dos dentes o abandono do corpo o balbucio a garrulice as asneiras a falta de memória a irreflexão numa palavra tudo coincide nas duas idades Enfim quanto mais entra na velhice tanto mais se aproxima o homem da infância a tal ponto que sai deste mundo como as crianças sem desejar a vida e sem temer a morte Julgueme agora quem quiser e confronte o bom serviço que prestei aos homens com a metamorfose dos deuses Não preciso recordar aqui os horríveis efeitos do seu ódio falarei apenas dos seus benefícios Que graças concedem eles aos que estão para morrer Transformam um em árvore outro em pássaro este em cigarra aquele em serpente etc que são na verdade grandes esforços de beneficência Chega a parecer que a passagem de um ser para o outro é o mesmo que morrer Quanto a mim é o homem em pessoa que eu reconduzo à idade mais bela e mais feliz Se os mortais se abstivessem totalmente da sabedoria e só quisessem viver submetidos às minhas leis é certo que não conheceriam a velhice e gozariam felizes de uma perpétua juventude Observai por favor aquelas fisionomias sombrias aqueles rostos torturados e sem cor mergulhados na contemplação da natureza ou em outras sérias e difíceis ocupações parecem envelhecidos antes de terminada a juventude e isso porque um trabalho mental assíduo penoso violento profundo faz com que aos poucos se esgotem os espíritos e a seiva da vida Reparai agora um pouco como os meus tolos são gordos lúcidos e bem nutridos ao ponto de parecerem verdadeiros porcos acarnânios27 Esses felizes mortais não sentiriam nenhum incômodo na velhice se nenhum contato tivessem com os sábios Infelizmente porém isso acontece Que fazer Vêse claramente que o homem não nasceu para gozar aqui na terra de uma felicidade perfeita Tenho ainda em meu favor o importante testemunho de um famoso provérbio que diz Só a loucura tem a virtude de prolongar a juventude embora fugacíssima e de retardar bastante a malfadada velhice Compreendese pois o que em geral se diz dos belgas ao passo que em todos os outros homens a prudência cresce na proporção dos anos neles ao contrário a loucura está na proporção da velhice Podese dizer portanto que não há no mundo nenhuma nação mais jovial nem mais alegre do que essa no comércio da vida nem que sinta menos o aborrecimento dos anos Citemos porém além dos belgas os povos que vivem sob o mesmo clima e cujos costumes são quase os mesmos quero referirme aos meus holandeses que eu posso gabarme de ter entre os meus mais fiéis adoradores Nutrem por mim tanto afeto e tanto zelo que foram julgados dignos de um epíteto derivado do meu nome e muito longe de se envergonharem o consideram sua glória principal Invoquem tudo isso os estultíssimos mortais invoquem Circe Medéia Vênus a Aurora e procurem também aquela não sei que fortuna que tem a virtude de rejuvenescer virtude que somente eu contudo posso e costumo praticar Só eu possuo o elixir admirável com o qual a filha de Menão prolongou a juventude de Titão seu avô Fui eu quem rejuvenesceu Vênus assim como Faão por quem Safo andou perdidamente apaixonada São minhas aquelas ervas se é que existem meus aqueles encantamentos minha aquela fonte que não só restituem a passada juventude mas o que é mais desejável a tornam perpétua Se portanto concordais que não há nada mais precioso do que a juventude e mais detestável do que a velhice posso concluir que reconheceis a dívida que tendes para comigo sim para comigo pois que para vos tornar felizes sei prolongar tamanho bem e retardar um mal tão grande Mas porque falar ainda mais dos mortais Percorrei todo o céu analisai todas as divindades ficarei satisfeita por me insultarem o belo nome que tenho a honra de trazer se for encontrada uma só divindade que não deva exclusivamente a mim todo o seu poder Por favor por que Baco tem sempre como um rapazinho o rosto rubicundo e a longa cabeleira loura É porque passa a vida fora de si embriagado nos banquetes nos bailes nas festas nos folguedos recusando qualquer relação com Minerva E tão alheio é à ambição de trazer o nome de sábio que gosta de ser venerado com escárnios e zombarias Nem mesmo se ofende com o provérbio que lhe dá o sobrenome de Ridículo sobrenome que mereceu porque sentado à porta do templo e divertindose os camponeses em emporcalhálo de mosto e de figos frescos ele se ria de arrebentar os queixos E quantos golpes satíricos não desferiu contra esse deus a Comédia Antiga28 O estólido o insulso deus exclamavase Indigno de nascer no meio da rua Mas dizeime sem simulação quem de vós a ser esse deus estólido e insulso mas sempre alegre sempre jovem sempre feliz sempre motivo de prazer e alegria gerais preferiria ser aquele Júpiter simulador terror do mundo inteiro ou o velho Pã que com o seu barulho espalha temores pânicos ou o defeituoso Vulcano todo enfumarado e cansado do estafante trabalho ou a própria Palas terrível pela lança e pela cabeça de Medusa e que a todos encara com um olhar feroz Passemos a outras divindades Sabeis porque Cupido se conserva sempre moço É porque só se ocupa com bagatelas porque está sempre brincando e rindo sem juízo e sem reflexão alguma correndo puerilmente de um lado para outro sem saber ao menos o que se faz ou o que se diz Porque a áurea Vênus mantém sempre florida a sua beleza Não o sabeis É porque é minha parente próxima conservando sempre no rosto a áurea cor de meu pai Plutão Além disso se devemos prestar fé aos poetas e aos seus rivais os escultores essa deusa aparece sempre com uma expressão risonha e satisfeita sendo com razão chamada por Homero de áurea Vênus E Flora mãe das delícias não era talvez um dos principais objetos da religião dos romanos Das divindades dos prazeres já falámos bastante Fazeis questão agora de conhecer a vida dos deuses tétricos e melancólicos Interrogai Homero e os outros poetas e eles poderão dizervos a esse respeito belíssimas coisas fazendovos ver que os deuses são pelo menos tão loucos quanto os mortais Júpiter deixa os seus raios abandona as rédeas do universo para entregarse aos amores o que para vós não constitui novidade Esquece o seu as ninfas E daqueles sátiros semibodes que em suas danças praticam cem atos imodéstissimos Pã provoca o riso dos deuses com suas insípidas cantilenas eles o escutam com grande atenção e preferem cem vezes a sua música à das musas principalmente quando os vapores do néctar principiam a perturbarlhes a cabeça Mas porque não hei de recordar as extravagâncias que fazem as divindades depois dos banquetes sobretudo depois de terem bebido muito Assegurovos por Deus que embora eu seja a Loucura e esteja por conseguinte habituada a toda espécie de extravagâncias muitas vezes não consigo conter o riso Mas é melhor que me cale porque se algum deus desconfiado e prevenido me escutasse também eu poderia ter a mesma sorte de Momo Mas já é tempo de que seguindo o exemplo de Homero passemos alternadamente dos habitantes do céu aos da terra onde nada se descobre de feliz e de alegre que não seja obra minha Primeiro vós bem vedes com que providência a natureza esta mãe produtora do gênero humano dispôs que em coisa alguma faltasse o condimento da loucura Segundo a definição dos estoicos o sábio é aquele que vive de acordo com as regras da razão prescrita e o louco ao contrário é o que se deixa arrastar ao sabor de sexo a altiva e inacessível Diana para consagrarse inteiramente à caça o que não impede que se apaixone loucamente por seu ardoroso Endimião a ponto de se dar muitas vezes ao incômodo de descer do céu em forma de Lua para cumulálo com seus favores Mas prefiro que as suas indecências sejam reprovadas por Momo29 cujas censuras são eles os únicos a ouvir Foi pois bem feito que os deuses enraivecidos o precipitassem à terra juntamente com Ates30 porque importuno com a sua sabedoria ele perturbava sua felicidade E longe de encontrar acolhimento nos paços monárquicos não acha uma alma que lhe preste hospitalidade em seu exílio ao passo que a Adulação minha companheira ocupa sempre o primeiro lugar essa mesma Adulação que sempre esteve de acordo com Momo como o lobo com o cordeiro E assim livres da importuna censura de Momo os deuses se entregaram com maior liberdade e alegria a toda sorte de prazeres Com efeito quantas palavras chistosas não pronuncia aquele Priapo de uma figa Quanto não faz rir Mercúrio com suas ladroeiras e seus feitiços Que não faz Vulcano31 nos banquetes dos deuses Põese a correr para chamar a atenção sobre o seu andar claudicante brinca diz asneiras em suma faz tudo para tornar o banquete alegre E que direi daquele velho imbecil que se apaixonou por Sinele e gosta de dançar com Polifemo e com suas paixões Eis porque Júpiter com receio de que a vida do homem se tornasse triste e infeliz achou conveniente aumentar muito mais a dose das paixões que a da razão de forma que a diferença entre ambas é pelo menos de um para vinte e quatro Além disso relegou a razão para um estreito cantinho da cabeça deixando todo o resto do corpo presa das desordens e da confusão Depois ainda não satisfeito com isso uniu Júpiter à razão que está sozinha duas fortíssimas paixões que são como dois impetuosíssimos tiranos uma é a Cólera que domina o coração centro das vísceras e fonte da vida a outra é a Concupiscência que estende o seu império desde a mais tenra juventude até à idade mais madura Quanto ao que pode a razão contra esses dois tiranos demonstrao bem a conduta normal dos homens Prescreve os deveres da honestidade grita contra os vícios a ponto de ficar rouca e é tudo o que pode fazer mas os vícios riemse de sua rainha gritam ainda mais forte e mais imperiosamente do que ela até que a pobre soberana não tendo mais fôlego é constrangida a ceder e a concordar com os seus rivais De resto tendo o homem nascido para o manejo e a administração dos negócios era justo aumentar um pouco para esse fim a sua pequeníssima dose de razão mas querendo Júpiter prevenir melhor esse inconveniente achou de me consultar a respeito como aliás costuma fazer quanto ao resto Deilhe uma opinião verdadeiramente digna de mim Senhor disselhe eu dê uma mulher ao homem porque embora seja a mulher um animal inepto e estúpido não deixa contudo de ser mais alegre e suave e vivendo familiarmente com o homem saberá temperar com sua loucura o humor áspero e triste do mesmo Quando Plutão pareceu hesitar se devia incluir a mulher no gênero dos animais racionais ou no dos brutos não quis com isso significar que a mulher fosse um verdadeiro bicho mas pretendeu ao contrário exprimir com essa dúvida a imensa dose de loucura do querido animal Se porventura alguma mulher meter na cabeça a idéia de passar por sábia só fará mostrarse duplamente louca procedendo mais ou menos como quem tentasse untar um boi malgrado seu com o mesmo óleo com que costumam ungirse os atletas Acreditaime pois que todo aquele que agindo contra a natureza se cobre com o manto da virtude ou afeta uma falsa inclinação ou não faz senão multiplicar os próprios defeitos E isso porque segundo o provérbio dos gregos o macaco é sempre macaco mesmo vestido de púrpura Assim também a mulher é sempre mulher isto é é sempre louca seja qual for a máscara sob a qual se apresente Não quero todavia acreditar jamais que o belo sexo seja tolo ao ponto de se aborrecer comigo pelo que eu lhe disse pois também sou mulher e sou a Loucura Ao contrário tenho a impressão de que nada pode honrar tanto as mulheres como o associálas à minha glória de forma que se julgarem direito as coisas espero que saibam agradecerme o fato de eu as ter tornado mais felizes do que os homens Antes de tudo têm elas o atrativo da beleza que com razão preferem a todas as outras coisas pois é graças a esta que exercem uma absoluta tirania mesmo sobre os mais bárbaros tiranos Sabereis de que provém aquele feio aspecto aquela pele híspida aquela barba cerrada que muitas vezes fazem parecer velho um homem que se ache ainda na flor dos anos Eu volo direi provém do maldito vício da prudência do qual são privadas as mulheres que por isso conservam sempre a frescura da face a sutileza da voz a maciez da carne parecendo não acabar nunca para elas a flor da juventude Além disso que outra preocupação têm as mulheres a não ser a de proporcionar aos homens o maior prazer possível Não será essa a única razão dos enfeites do carmim dos banhos dos penteados dos perfumes das essências aromáticas e tantos outros artifícios e modas sempre diferentes de vestirse e disfarçar os defeitos realçando a graça do rosto dos olhos da cor Quereis prova mais evidente de que só a loucura constitui o ascendente das mulheres sobre os homens Os homens tudo concedem às mulheres por causa da volúpia e por conseguinte é só com a loucura que as mulheres agradam aos homens Para confirmar ainda mais essa conclusão basta refletir nas tolices que se dizem nas loucuras que se fazem com as mulheres quando se anseia por extinguir o fogo do amor Já vos revelei portanto a fonte do primeiro e supremo prazer da vida Concordo que alguns existam sobretudo certos velhos mais bebedores que mulherengos cujo supremo prazer seja a devassidão Deixo indecisa a questão de saber se é possível um bom banquete sem mulheres O que é certo é que mesa alguma nos pode agradar sem o condimento da loucura E tanto isso é verdade que quando nenhum dos convidados se julga maluco ou pelo menos não finge sêlo é pago um bobo ou convidado um engraçado filante que com suas piadas suas brincadeiras suas bobagens expulse da mesa o silêncio e a melancolia Com efeito que nos adiantaria encher o estômago com tão suntuosas esquisitas e apetitosas iguarias se os olhos os ouvidos o espírito e o coração não se nutrissem também de diversões risadas e agradáveis conceitos Ora sou eu a inventora exclusiva de tais delícias Teriam sido porventura os sete sábios da Grécia os descobridores de todos os prazeres de um banquete como sejam tirar a sorte para se saber quem deve ser o rei da mesa jogar dado beberem todos no mesmo copo cantar um de cada vez com o ramo de murta na mão32 dançar pular ficar em várias atitudes Decerto que não somente eu podia inventálos para a felicidade do gênero humano Todas as coisas são de tal natureza que quanto mais abundante é a dose de loucura que encerram tanto maior é o bem que proporcionam aos mortais Sem alegria a vida humana nem sequer merece o nome de vida Mergulharíamos na tristeza todos os nossos dias se com essa espécie de prazeres não dissipássemos o tédio que parece ter nascido conosco Talvez haja pessoas que à falta de tais passatempos limitem toda a sua felicidade às relações com verdadeiros amigos repetindo sem cessar que a doçura de uma terna e fiel amizade ultrapassa todos os outros prazeres sendo tão necessária à vida como o ar a água o fogo Tão agradável é a amizade acrescentam que afastála do mundo equivale a afastar o sol em suma é ela tão honesta vocábulo sem significado para mim que os próprios filósofos não hesitam em incluíla entre os principais bens da vida Mas que se dirá quando eu provar que sou também a única fonte criadora de semelhante bem Vou pois demonstrálo não com sofismas nem com caprichosos argumentos tão ao gosto de retóricos mas à boa maneira e com toda a clareza Coragem vamos Dissimular enganar fingir fechar os olhos aos defeitos dos amigos ao ponto de apreciar e admirar grandes vícios como grandes virtudes não será acaso avizinharse da loucura Beijar num transporte uma mancha da amiga ou sentir com prazer o fedor do seu nariz e pretender um pai que o filho zarolho tenha dois olhos de Vênus33 não será isso uma verdadeira loucura Bradem pois quando quiserem ser uma grande loucura e acrescentarei que essa loucura é a única que cria e conserva a amizade Falo aqui unicamente dos homens dos quais não há um só que tenha nascido sem defeitos e admitindo que para nós o homem melhor seja o que tem menores vícios É por isso que os sábios pretendendo divinizarse com sua filosofia ou não contraem nenhuma amizade ou tornam a sua uma ligação áspera e desagradável Além disso só costumam gostar sinceramente de raríssimas pessoas de forma que nenhum escrúpulo me impede de asseverar que não gostam absolutamente de ninguém pela razão que vou apresentar Quase todos os homens são loucos mas porque quase todos Não há quem não faça suas loucuras e a esse respeito por conseguinte todos se assemelham ora a semelhança é justamente o principal fundamento de toda estreita amizade Quando porventura nasce entre esses austeros filósofos uma recíproca benevolência decerto que não é sincera nem durável Todos eles são de humor volúvel e intratável além de serem penetrantes demais têm olhos de lince para descobrir os defeitos dos amigos e de toupeira para ver os próprios Portanto como os homens estão sujeitos a muitas imperfeições e podeis acrescentar a estas a diferença de idade e de inclinações os numerosos erros passos em falso e vicissitudes da vida humana como poderia por um só instante subsistir entre esses Argos o laço da amizade se a evithia como a chamam os gregos que em latim eqüivale a estupidez ou conivência não o reforçasse Servivos do amor para julgar da amizade que é mais ou menos a mesma coisa Não traz Cupido esse autor esse pai de toda ternura uma venda nos olhos que lhe faz confundir o belo com o feio Não é ele porventura que faz cada um achar belo o que é seu de forma que o velho é tão apaixonado por sua velha quanto o jovem por sua donzela Essas coisas se verificam em toda parte mas em toda parte são motivo de riso Pois são justamente essas coisas ridículas que formam o principal laço da sociedade e que mais do que tudo contribuem para a alegria da vida O que dissemos da amizade também pensamos e com mais razão dizemos do matrimônio Tratase como deveis estar fartos de saber de um laço que só pode ser dissolvido pela morte Deuses eternos Quantos divórcios não se verificariam ou coisas ainda piores do que o divórcio se a união do homem com a mulher não se apoiasse não fosse alimentada pela adulação pelas carícias pela complacência pela volúpia pela simulação em suma por todas as minhas sequazes e auxiliares Ah como seriam poucos os matrimônios se o noivo prudentemente investigasse a vida e os segredos de sua futura cara metade que lhe parece o retrato da discrição da pudicícia e da simplicidade Ainda menos numerosos seriam os matrimônios duráveis se os maridos por interesse por complacência ou por burrice não ignorassem a vida secreta de suas esposas Costumase achar isso uma loucura e com razão mas é justamente essa loucura que torna o esposo querido da mulher e a mulher do esposo mantendo a paz doméstica e a unidade da família Corneiase um marido Toda a gente ri e o chama de corno enquanto o bom homem todo atencioso fica a consolar a carametade e a enxugar com seus ternos beijos as lágrimas fingidas da mulher adúltera Pois não é melhor ser enganado dessa forma do que roerse de bílis fazer barulho pôr tudo de pernas para o ar ficar furioso abandonandose a um ciúme funesto e inútil Afinal de contas nenhuma sociedade nenhuma união grata e durável poderia existir na vida sem a minha intervenção o povo não suportaria por muito tempo o príncipe nem o patrão o servo nem a patroa a criada nem o professor o aluno nem o amigo o amigo nem o marido a mulher nem o hospedeiro o hóspede nem o senhorio o inquilino etc se não se enganassem reciprocamente não se adulassem não fossem prudentemente cúmplices temperando tudo com um grãozinho de loucura Não duvido que tudo o que até agora vos disse vos tenha parecido da máxima importância E de que duvida a Loucura Mas muitas outras coisas deveis ainda escutar de mim Redrobrai pois vossa gentil atenção Dizeime por obséquio um homem que odeia a si mesmo poderá acaso amar alguém Um homem que discorda de si mesmo poderá acaso concordar com outro Será capaz de inspirar alegria aos outros quem tem em si mesmo a aflição e o tédio Só um louco mais louco ainda do que a própria Loucura admitireis que possa sustentar a afirmativa de tal opinião Ora se me excluirdes da sociedade não só o homem se tornará intolerável ao homem como também toda vez que olhar para dentro de si não poderá deixar de experimentar o desgosto de ser o que é de se achar aos próprios olhos imundo e disforme e por conseguinte de odiar a si mesmo A natureza que em muitas coisas é mais madrasta do que mãe imprimiu nos homens sobretudo nos mais sensatos uma fatal inclinação no sentido de cada qual não se contentar com o que tem admirando e almejando o que não possui daí o fato de todos os bens todos os prazeres todas as belezas da vida se corromperem e reduzirem a nada Que adianta um rosto bonito que é o melhor presente que podem fazer os deuses imortais quando contaminado pelo mau cheiro De que serve a juventude quando corrompida pelo veneno de uma hipocondria senil Como finalmente podereis agir em todos os deveres da vida quer no que diz respeito aos outros quer a vós mesmos como repito podereis agir com decoro pois que agir com decoro constitui o artifício e a base principal de toda ação se não fordes auxiliados por esse amor próprio que vedes à minha direita e que merecidamente me faz as vezes de irmã não hesitando em tomar sempre o meu partido em qualquer desavença Vivendo sob a sua proteção ficais encantados pela excelência do vosso mérito e vos apaixonais por vossas exímias qualidades o que vos proporciona a vantagem de alcançardes o supremo grau de loucura Mais uma vez repito se vos desgostais de vós mesmos persuadivos de que nada podereis fazer de belo de gracioso de decente Roubada à vida essa alma languesce o orador em sua declamação inspira piedade o músico com suas notas e seu compasso verseá o cômico vaiado em seu papel provocarão o riso o poeta e as suas musas o melhor pintor não conquistará senão críticas e desprezo morrerá de fome o médico com todas as suas receitas em suma Nereu34 aparecerá como Tersites Faão como Nestor Minerva como uma porca o eloquente como um menino o civilizado como um bronco Portanto é necessário que cada qual lisonjeie e adule a si mesmo fazendo a si mesmo uma boa coleção de elogios em lugar de ambicionar os de outrem Finalmente a felicidade consiste sobretudo em se querer ser o que se é Ora só o divino amor próprio pode conceder tamanho bem Em virtude do amor próprio cada qual está contente com seu aspecto com seu talento com sua família com seu emprego com sua profissão com seu país de forma que nem os irlandeses desejariam ser italianos nem os trácios atenienses nem os citas habitantes das ilhas Fortunadas Oh surpreendente providência da natureza Em meio a uma infinita variedade de coisas ela soube pôr tudo no mesmo nível E se não se mostrou avara na concessão de dons aos seus filhos mais pródiga se revelou ainda ao concederlhes o amor próprio Que direi dos seus dons É uma pergunta tola Com efeito não será o amor próprio o maior de todos os bens Mas para vos mostrar que tudo quanto entre os homens existe de célebre estupendo de glorioso é tudo obra minha quero começar pela guerra Não se pode negar que essa grande arte seja a fonte e o fruto das mais estrepitosas ações No entanto que coisa se poderia imaginar de mais estúpido que a guerra Dois exércitos se batem sabe Deus por que motivo e da sua animosidade obtêm muito mais prejuízo do que vantagem Os que morrem inutilmente na guerra são incontáveis como os megarese s35 Além disso disseime que serviço poderiam prestar os sábios quando os exércitos se estendem em ordem de combate e reboam no espaço o rouco som das cometas e o rufar dos tambores ao passo que eles definhados pelo estudo e pela meditação arrastam com dificuldade uma vida que se tornou enferma pelo pouco sangue frio e sutil que lhes circula nas veias36 São necessários homens troncudos e grosseiros robustos e audazes mas de muito pouco talento sim são necessárias justamente semelhantes máquinas para o mister das armas Quem poderá conter o riso ao ver Demóstenes fardado para que seguindo o sábio conselho de Arquíloco37 mal aviste inimigo jogue fora o escudo e se ponha a correr sem parar pouco lhe importando que se revele assim um soldado tão covarde quanto excelente orador Podereis dizerme que a guerra exige grande prudência Concordo convosco mas somente quanto aos generais e feita a ressalva de que se trata apenas de uma prudência toda especial relativa ao mister das armas e que nenhuma relação tem com a sabedoria filosófica É por isso E depois de tudo quanto dissemos será possível decantar a célebre máxima de Platão segundo a qual as repúblicas seriam felizes se governadas pelos filósofos ou se os príncipes filosofassem Tenho a honra de vos dizer que a coisa é justamente o oposto Se consultardes os historiadores verificareis sem dúvida que os príncipes mais nocivos à república foram os que amaram as letras e a filosofia Pareceme que os dois Catões38 bastam como prova do que afirmo um perturbou a tranqüilidade de Roma com numerosas delegações estúpidas e o outro por ter querido defender com excessiva sabedoria os interesses da república destruindo pela base a liberdade do povo romano Acrescentai a estes os Brutos39 os Cássios os Gracos e o próprio Cícero que não causou menor dano à república de Roma do que Demóstenes à de Atenas40 Quero lembrar que Antonino foi um bom príncipe embora haja fortes indícios em contrário e justamente porque tendo sido excessivamente filósofo acabou se tornando importuno e odioso aos cidadãos mas ao lembrar que foi bom devo recordar sem me contradizer que foi ainda mais nocivo ao império por ter deixado como sucessor o seu filho Cômodo do que o favoreceu com sua administração Os homens que se consagram ao estudo da ciência são em geral infelicíssimos em tudo sobretudo com os filhos Suponho que isso provenha de uma precaução da natureza que perdendo em admirar o zumbido do pernilongo descuidouse esse filósofo do estudo e do conhecimento dos homens bem como da arte sumamente necessária de se adaptar a eles Aí tendes nesse retrato o que também diz respeito a muitos dos nossos Platão que foi discípulo de Sócrates ao ver o mestre ameaçado do último suplício empenhouse em tratar a sua causa como valente defensor abriu a boca para realizar o seu digno papel mas perturbado pelo barulho da assembléia perdeuse na metade do primeiro período Que direi de Teofrasto discípulo de Aristóteles que mereceu tal nome por sua eloqüência Ao pretender falar ao povo perdeu a voz de tal forma que se diria ter visto o lobo Pergunto agora se esses homens seriam capazes de encorajar os soldados Isócrates que sabia compor tão belas orações desejou acaso falar em público O próprio Cícero pai da eloqüência romana costumava tremer e gaguejar como um menino no início de suas orações É verdade que Fábio interpreta essa timidez como o traço distintivo do orador penetrante e que conhece o perigo a que se acha exposto mas esse simples fato não será a confissão de que a filosofia é absolutamente incompatível com os negócios públicos Como pois poderiam esses sábios sustentar o ferro e o fogo da guerra se morrem de medo toda a vez que não se trata de combater apenas com a língua que os parasitas os proxenetas os ladrões os sicários os boçais os estúpidos os falidos e em geral toda a escória social pode aspirar muito mais à imortalidade da guerra do que os homens que vivem dia e noite absorvidos na contemplação Quereis um grande exemplo da inutilidade desses filósofos Tomai o incomparável Sócrates declarado pelo oráculo de Apolo como o primeiro e único sábio Estúpida declaração Mas não importa não sabendo eu o que tenha esse filósofo empreendido em benefício público deveis deixála abandonada ao escárnio universal É que esse homem não era de todo louco tendo constantemente recusado o título de sábio e respondido que semelhante título só era conveniente à divindade Era também de opinião que qualquer que desejasse passar por sábio devia absterse totalmente do regime da república Se porém tivesse acrescentado que quem deseja ser tido em conta de homem deve absterse de tudo o que se chama sabedoria então eu teria concebido a seu respeito alguma opinião Mas afinal de contas porque é que esse grande homem foi acusado perante os magistrados Porque foi ele condenado a beber cicuta Não teria sido talvez a sua sabedoria a causa de todos os seus males e finalmente de sua morte Tendo passado toda a vida a raciocinar em torno das nuvens e das idéias ocupandose em medir o pé de uma pulga e se dessa forma procura impedir que a peste da sabedoria se difunda em excesso entre os mortais O filho de Cícero degenerou e quanto aos dois filhos do sábio Sócrates mais se pareciam com a mãe do que com o pai isto é como foi acertadamente interpretado por alguém eram ambos idiotas Isso não seria nada se esses filósofos só fossem incapazes de exercer os cargos e empregos públicos o pior porém é que estão longe de ser melhores para as funções e os deveres da vida Convidai um sábio para um banquete e vereis que ou conservará um profundo silêncio ou interromperá os demais convidados com frívolas e importunas perguntas Convidaio para um baile e dançará com a agilidade de um camelo Levaio a um espetáculo e bastará o seu aspecto para impedir que o povo se divirta Por se ter recusado obstinadamente a abandonar sua imponente gravidade é que o sábio Catão41 foi constrangido a retirarse Entra o sábio em alguma palestra alegre Logo todos se calam como se tivessem visto o lobo Tratase porém de comprar de vender de concluir um contrato em suma de fazer uma dessas coisas que diariamente sucedem a cada um Tomareis o sábio mais por uma estátua do que por um homem a tal ponto se mostra ele embaraçado em cada negócio Assim o filósofo não é bom nem para si nem para o seu país nem para os seus Mostrandose sempre novo no mundo em oposição às opiniões e aos costumes da universalidade dos cidadãos atrai o ódio de todos com sua diferença de sentimentos e de maneiras Tudo o que fazem os homens está cheio de loucura São loucos tratando com loucos Por conseguinte se houver uma única cabeça que pretenda opor obstáculo à torrente da multidão só lhe posso dar um conselho que a exemplo de Timão42 se retire para um deserto a fim de aí gozar à vontade dos frutos de sua sabedoria Mas voltando ao assunto que virtude que poder já reuniu no recinto de uma cidade homens naturalmente rudes indômitos e selvagens Quem já pôde humanizar esses ferozes animais A adulação Nesse sentido é que se devem entender a fábula de Anfião43 e a citara de Orfeu Quem reanimou e reuniu a plebe romana quando ameaçava dissolverse Foi acaso uma oração filosófica Decerto que não foi um ridículo um pueril apólogo sobre a revolta dos membros contra o estômago44 Temístocles45 produziu o mesmo efeito com o seu apólogo da raposa e o ouriço Empregue pois o sábio os mais tolos conceitos da filosofia e jamais triunfará como um Sertório46 com sua imaginária corça ou o engraçado ardil da cauda dos dois cavalos Não alcançará nunca o seu objetivo como o alcançaram os dois cães do célebre legislador de Esparta47 Já não falo de Minos nem de Numa48 que por meio de fabulosas invenções souberam tirar proveito da ignorância popular É sempre com semelhante puerilidades que se faz mover a grande e estúpida besta que se chama povo Dizeime se houve uma única cidade que tenha adotado as leis de Platão e de Aristóteles ou as máximas de Sócrates49 Respondeime que motivo levou os Décios pai e filho a se consagrarem aos deuses infernais Que ganhou Cúrcio precipitanduse na voragem50 Tudo foi obra da glória dessa dulcíssima sereia que por isso foi muito condenada por nossos sábios É por isso que eles exclamam Pode haver maior loucura que a de um candidato que adula suplicentemente o povo para conquistar honras e que compra o seu favor à custa de liberalismo que a daquele que recebe servil e humildemente os aplausos dos mentecaptos daquele que fica lisonjeado com as aclamações populares daquele que se deixa carregar em triunfo como uma estátua para ser visto pelo povo ou que é efigiado em bronze no foro A todas essas loucuras acrescentai a da adoção dos nomes e sobrenomes acrescentai as honras divinas prestadas a um homem sem mérito algum acrescentai finalmente as cerimônias públicas levadas a efeito para colocar no número dos deuses os mais celerados tiranos51 Quem será capaz de negar que não há coisa mais tola Não bastaria um Demócrito para rir bastante disso Mas não será também verdade que a Loucura foi a autora de todas as famosas proezas dos valorosos heróis que tantos literatos eloquentes elevaram às estrelas É a Loucura que forma as cidades graças a ela é que subsistem os governos a religião os conselhos os tribunais e é mesmo lícito asseverar que a vida humana não passa afinal de uma espécie de divertimento da Loucura Mas passemos agora a falar das artes Quem anima os homens a descobrir a transmitir aos seus pósteros tantas produções ao parecer excelentes se não a sede de glória Acharam esses homens na verdade bastante tolos que não deviam poupar nem velas nem suor nem esforços de fadiga para conquistar não sei que imortalidade a qual não passa em última análise de uma belíssima quimera Deveis pois à Loucura todos os bens que já se introduziram no mundo todos esses bens que estais gozando e que tanto contribuem para a felicidade da vida Pois bem que direis senhores se depois de vos ter provado que a mim se devem todos os louvores atribuídos à força e ao engenho humanos eu vos provar que a mim também pertencem os que recebe a prudência Essa é boa dirá talvez alguém Pretendeis misturar o fogo com a água pois a Loucura e a Prudência não são menos opostas que esses dois elementos contrários Não obstante sentirmeei lisonjeada por vos convencer disso desde que continueis a prestarme vossa gentil atenção Se a prudência consiste no uso comedido das coisas eu desejaria saber qual dos dois merece mais ser honrado com o título de prudente o sábio que parte por modéstia parte por medo nada realiza ou o louco que nem o pudor pois não o conhece nem o perigo porque não o vê podem demover de qualquer empreendimento O sábio absorvese no estudo dos autores antigos mas que proveito tira ele dessa constante leitura Raros conceitos espirituosos alguns pensamentos requintados algumas simples puerilidades eis todo o fruto de sua fadiga O louco ao contrário tomando a iniciativa de tudo arrostando todos os perigos pareceme alcançar a verdadeira prudência Homero embora cego enxergava muito bem essas verdades O tolo disse ele aprende à própria custa e só abre os olhos depois do fato Duas coisas sobretudo impedem que o homem saiba ao certo o que deve fazer uma é a vergonha que cega a inteligência e arrefece a coragem a outra é o medo que indicando o perigo obriga a preferir a inércia à ação Ora é próprio da Loucura dirimir todas essas dificuldades Raros são os que sabem que para fazer fortuna é preciso não ter vergonha de nada e arriscar tudo Quero observarvos além disso que os que preferem a prudência fundada no julgamento das coisas estão muito longe de possuírem a verdadeira prudência Todas as coisas humanas têm dois aspectos à maneira dos Silenos de Alcibíades52 que tinham duas caras completamente opostas Por isso é que muitas vezes o que à primeira vista parece ser a morte na realidade observado com atenção é a vida E assim muitas vezes o que parece ser a vida é a morte o que parece belo é disforme o que parece rico é pobre o que parece infame é glorioso o que parece douto é ignorante o que parece robusto é fraco o que parece nobre é ignóbil o que parece alegre é triste o que parece favorável é contrário o que parece amigo é inimigo o que parece salutar é nocivo em suma virado o Sileno logo muda a cena Estarei falando muito filosoficamente Pois vou explicarme com maior clareza Todos vós estais convencidos por exemplo de que um rei além de muito rico é o senhor dos seus súditos Mas se ele tiver no peito um coração brutal se for insaciável na sua cobiça se nunca se mostrar satisfeito com o que possui não concordareis comigo que é miserabilíssimo Se ele se deixar transportar por seus vícios e por suas paixões não se tornará um dos escravos mais vis O mesmo se poderia dizer de tudo mais Basta porém esse exemplo E com que fim podeis perguntarme nos dizeis tudo isso Um pouco de paciência e vereis aonde quero chegar Se alguém se aproximasse de um cômico mascarado no instante em que estivesse desempenhando o seu papel e tentasse arrancarlhe a máscara para que os espectadores lhe vissem o rosto não perturbaria assim toda a cena Não mereceria ser expulso a pedradas como um estúpido e petulante No entanto os cômicos mascarados tornariam a aparecer verseia que a mulher era um homem a criança um velho o rei um infeliz e Deus um sujeito àtoa Querer porém acabar com essa ilusão importaria em perturbar inteiramente a cena pois os olhos dos espectadores se divertiam justamente com a troca das roupas e das fisionomias Vamos à aplicação que é afinal a vida humana Uma comédia Cada qual aparece diferente de si mesmo cada qual representa o seu papel sempre mascarado pelo menos enquanto o chefe dos comediantes não o faz descer do palco O mesmo ator aparece sob várias figuras e o que estava sentado no trono soberbamente vestido surge em seguida disfarçado em escravo coberto por miseráveis andrajos Para dizer a verdade tudo neste mundo não passa de uma sombra e de uma aparência mas o fato é que esta grande e longa comédia não pode ser representada de outra forma Prossigamos Se algum sábio caído do céu surgisse entre nós e se pusesse a gritar Não Aquele que venerais vosso Deus e Senhor53 não é sequer um homem não passando de um animal dominado pelo impulso do instinto de um escravo dos mais abjetos pois serve a tantos vis tiranos quantas são as suas paixões se esse sábio dirigindose a alguém que chorasse a morte do pai o exortasse a rir dizendolhe que esta vida não passa na realidade de uma contínua morte e que por conseguinte seu pai só fez cessar de morrer se enfurecendose com algum vaidoso soberbo de sua genealogia o tratasse de ignóbil e de bastardo por estar totalmente afastado da virtude que é a única e exclusiva fonte da verdadeira nobreza e se dessa maneira o nosso filósofo fosse falando de todas as outras coisas humanas pergunto eu que resultado obteria ele de suas declamações Passaria decerto para todos por louco furioso Portanto ficai certos de que assim como não há maior estupidez do que querer passar por sábio fora do tempo assim também não há nada mais ridículo e imprudente do que uma prudência mal compreendida e inoportuna Na verdade nós nos enganamos redondamente quando queremos distinguirnos no gênero humano recusandonos a nos adaptar aos tempos Nunca se deveria esquecer esta lei que os gregos estabeleceram para os seus banquetes Bebei e idevos embora54 O contrário seria pretender que a comédia deixasse de ser comédia Além disso se a natureza vos fez homens a verdadeira prudência exige que não vos eleveis acima da condição humana Em poucas palavras de duas uma ou dissimular intencionalmente com os seus semelhantes ou correr ingenuamente o risco de se enganar com eles E não será esta indagam os sábios outra espécie de loucura Quem o nega Que me concedam porém que é essa a única maneira de cada qual fazer a sua pessoa aparecer na comédia do mundo Quanto ao resto Deuses imortais Devo falar Devo calarme E porque devo calarme se tudo o que quero dizer é mais verdadeiro do que a própria verdade Ajudaime porém em assunto de tão relevante importância a me dirigir às Musas e pedirlhes que me auxiliem dispondose a vir do seu Helicão até a mim tanto mais quanto os poetas tantas vezes cometem a indiscrição de fazêlas descer por meras frioleiras Vinde pois por um instante oh filhas de Júpiter pois quero provar que essa sabedoria tão gabada e que enfaticamente se chama o baluarte da felicidade só é acessível aos que são orientados pela Loucura Antes de mais nada sustento que em geral as paixões são reguladas pela Loucura Com efeito que é que distingue o sábio do louco Não será DISCIPLINA HISTÓRIA DA FILOSOFIA MODERNA PROFESSOR PADRE ALEXSANDER ENSAIO FILOSÓFICO ERASMO DE ROTTERDAM ELOGIO DA LOUCURA Alan Araújo Campos Paracatu MG Agosto 2025 ALAN ARAÚJO CAMPOS ENSAIO FILOSÓFICO ERASMO DE ROTTERDAM ELOGIO DA LOUCURA Ensaio Filosófico apresentado como requisito de avaliação da matéria Projeto Monográfico do Seminário Maior Diocesano São João XXIII Orientador Prof Dr Marcelo Siqueira Guilherme Paracatu MG Agosto 2025 SUMÁRIO TOC h o 12HYPERLINK l Toc2067548531Introdução PAGEREF Toc206754853 h 2 2 DESENVOLVIMENTO 5 21 A LOUCURA COMO VOZ E FIGURA FILOSÓFICA 5 22 A CRÍTICA ÀS INSTITUIÇÕES RELIGIOSAS E ACADÊMICAS 7 23 A SÁTIRA SOCIAL E POLÍTICA NO ELOGIO DA LOUCURA 8 24 A RELAÇÃO ENTRE LOUCURA E SABEDORIA CRISTÃ 10 25 ERASMO HUMANISMO E A CRÍTICA À RAZÃO ABSOLUTA 12 3 CONCLUSÃO 15 REFERÊNCIAS 17 4 1 INTRODUÇÃO O Elogio da Loucura escrito por Erasmo de Roterdã em 1509 e publicado em 1511 inserese no coração do humanismo renascentista expondo em forma de sátira uma crítica abrangente às instituições costumes e pretensões da sociedade de sua época A obra pronunciada pela voz alegórica da Loucura não é apenas um exercício literário mas uma intervenção filosófica que confronta a razão como medida suprema revelando suas contradições e limites A crítica erasmiana revestida de ironia tensiona a fronteira entre o riso e a reflexão inaugurando um discurso que ao mesmo tempo em que diverte desvela a fragilidade dos sistemas que se arrogam detentores da verdade absoluta Erasmo 15112023 O contexto em que Erasmo compôs o Elogio da Loucura foi marcado pelas tensões entre a tradição escolástica medieval e os ideais emergentes do humanismo Como pensador cristão e humanista ele procurava retornar às fontes originais do saber e da fé valorizando tanto os autores clássicos quanto os textos bíblicos Essa atitude o colocava em posição ambígua por um lado mantinhase fiel à espiritualidade cristã por outro não deixava de satirizar a pompa clerical a retórica vazia dos doutores e os vícios das universidades Sua ironia não visava destruir a religião mas expor os desvios que a afastavam de sua essência evangélica Nesse sentido o livro revela uma crítica que se constrói dentro do próprio horizonte da fé tornandose como observou Huizinga 19242014 uma obra emblemática do humanismo cristão que conciliava erudição e espiritualidade Além disso a obra encontra ressonâncias duradouras na história da filosofia Ao colocar a Loucura como narradora Erasmo subverte a hierarquia entre razão e insensatez antecipando questões que séculos mais tarde Michel Foucault analisaria em História da Loucura na Idade Clássica 1978 Para Foucault a marginalização da loucura é constitutiva da racionalidade ocidental Erasmo de forma distinta expõe como a loucura é elemento vital da vida humana seja pela ilusão necessária à felicidade seja pela crítica corrosiva que a ironia possibilita Essa ambivalência confere ao texto não apenas valor literário mas densidade filosófica singular Foucault 19611978 5 2 DESENVOLVIMENTO 21 A LOUCURA COMO VOZ E FIGURA FILOSÓFICA A construção do Elogio da Loucura iniciase com um recurso literário incomum a inversão do lugar da razão pelo da insensatez Ao entregar a palavra à Loucura Erasmo de Roterdã desmonta a expectativa de um tratado sério e racional e dá espaço a um discurso festivo impregnado de ironia A narradora autoproclamada fonte de felicidade e sustentáculo da vida social subverte o estatuto da racionalidade como guia absoluto da conduta humana Como afirma Erasmo 15112023 é a Loucura quem governa os homens pois sem suas ilusões e fantasias não haveria amizade prazer ou esperança Essa escolha literária dá à obra não apenas leveza cômica mas também densidade filosófica pois a crítica não se apresenta de forma direta mas sob o disfarce da sátira A inspiração desse expediente remonta à tradição clássica sobretudo a Luciano de Samósata cuja retórica satírica ecoa nas páginas do texto erasmiano O autor entretanto não se restringe à imitação ele incorpora o riso como ferramenta para desnudar os vícios da sociedade de seu tempo expondo a vaidade da erudição a pompa clerical e a arrogância dos que se dizem sábios Nesse sentido o riso opera como recurso filosófico pois obriga o leitor a perceber no exagero cômico uma crítica mais profunda às convenções sociais Como observa Bakhtin 19651987 o cômico e o grotesco desempenham um papel de libertação simbólica questionando hierarquias rígidas e revelando as fissuras do poder Erasmo ao adotar essa estratégia desloca a filosofia do registro solene para o espaço lúdico mas sem perder sua força crítica Esse deslocamento coloca em evidência a ambivalência do conceito de loucura Se por um lado ela é apresentada como sinônimo de engano e vaidade por outro constitui condição necessária à própria vida A Loucura no discurso erasmiano não destrói a sociabilidade mas a alimenta garantindo as ilusões que sustentam o convívio humano Essa visão encontra ressonância nas análises de Foucault 19611978 para quem a loucura antes de ser confinada pela modernidade era compreendida como parte constitutiva da experiência coletiva Ao dar voz à Loucura Erasmo não a trata como patologia mas como princípio vital e 6 até espiritual capaz de iluminar os limites da razão e de revelar a dependência humana das paixões A vitalidade da Loucura no texto também se associa à dimensão literária da paródia Ao adotar o formato de um discurso encomiástico gênero retórico tradicionalmente usado para louvar figuras ilustres Erasmo inverte sua função em vez de exaltar reis guerreiros ou sábios coloca no centro a própria Loucura Essa ironia estrutural amplia a força crítica da obra pois sublinha a hipocrisia dos discursos oficiais que sob o pretexto de louvor apenas legitimavam o poder instituído Como observa Curtius 19481957 a paródia humanista recuperava modelos clássicos para desmascarar valores fossilizados e o Elogio da Loucura é exemplo notável dessa prática Nesse gesto Erasmo mostra que a retórica pode ser utilizada não só para enaltecer mas também para subverter Outro aspecto central é o caráter universal da Loucura que não distingue classes ou posições sociais Reis clérigos juristas filósofos e até mesmo teólogos aparecem como dependentes dela em maior ou menor grau Essa universalidade reforça o alcance da crítica pois sugere que não há esfera da vida humana livre da ilusão e do autoengano Segundo Huizinga 19242014 o mérito de Erasmo foi mostrar que a sátira não se dirige a um grupo específico mas ao próprio tecido da civilização cristã europeia exposto em suas contradições entre ideal e prática A Loucura nesse sentido é figura filosófica porque revela que a condição humana é marcada pela insuficiência da razão e pela necessidade do engano para manter a coesão social A Loucura emerge como recurso pedagógico ainda que disfarçado O riso longe de ser mero entretenimento assume função de correção moral pois obriga o leitor a reconhecer em meio ao exagero satírico a proximidade entre sua própria vida e os vícios denunciados Ao articular crítica e humor Erasmo cumpre a função humanista de provocar reflexão sem romper com o horizonte da fé cristã Como lembra Maravall 19751997 a sátira humanista operava como instrumento de renovação cultural ao mesmo tempo em que mantinha a preocupação com a formação ética do indivíduo Assim ao dar voz à Loucura Erasmo não apenas diverte educa revela e transforma 7 22 A CRÍTICA ÀS INSTITUIÇÕES RELIGIOSAS E ACADÊMICAS Um dos aspectos mais contundentes do Elogio da Loucura é a crítica às instituições religiosas sobretudo ao clero e à hierarquia eclesiástica Pela voz da Loucura Erasmo expõe a pompa dos prelados a avareza dos monges e a superficialidade das práticas devocionais revelando como o formalismo ritual havia se distanciado da simplicidade evangélica O ataque não é feito em tom destrutivo mas pela via do sarcasmo que revela os contrastes entre o ideal cristão e a realidade vivida A sátira ao ridicularizar a ostentação de bispos e a retórica vazia dos pregadores mostrase como uma forma de reforma moral antecipando em muitos aspectos o clima intelectual que desembocaria na Reforma protestante Erasmo 15112023 Ao estender sua crítica às universidades e ao saber escolástico Erasmo denuncia a erudição estéril que se limitava a debates formais e a distinções sutis sem relevância prática Para ele a busca por glória acadêmica afastavase da verdadeira sabedoria que deveria estar a serviço da vida e da fé Essa denúncia ecoa a tensão entre o humanismo renascentista voltado ao retorno às fontes clássicas e bíblicas e a rigidez das escolas medievais Como observa Skinner 19961978 o humanismo erasmiano representava um projeto de revitalização cultural no qual a crítica às instituições era parte essencial do esforço de reorientar o saber para a formação ética e espiritual Nesse sentido o Elogio da Loucura vai além do humor constituindose como manifesto contra a degeneração do conhecimento É notável entretanto que Erasmo não abandona a dimensão cristã de sua crítica Ao ridicularizar os teólogos que multiplicam sutilezas vazias ele recorda que a mensagem do Evangelho é acessível e simples fundada mais na prática da caridade do que no acúmulo de raciocínios abstratos A sátira à teologia escolástica portanto não é um ataque à fé mas à deformação intelectual que obscurecia seu núcleo espiritual Como ressalta Bataillon 19661996 a crítica erasmiana dirigese à pedanteria e ao abuso da autoridade não ao cristianismo em si que o autor buscava renovar pela via de um humanismo evangélico Dessa forma a Loucura é instrumento de revelação que denuncia o afastamento entre a Igreja institucional e o Evangelho que deveria inspirála 8 A sátira de Erasmo também se volta contra a corrupção moral de membros do clero cuja vida de luxo contrastava com a humildade recomendada pelas Escrituras A Loucura em seu discurso ironiza a veneração das relíquias o culto exteriorizado e as práticas supersticiosas que ocupavam espaço maior que a fé interior Essa crítica revela a preocupação humanista em retornar ao núcleo do cristianismo marcado pela simplicidade e pela moral evangélica Como observa Delumeau 19712003 a religiosidade do final da Idade Média e do início da modernidade era atravessada por uma tensão entre devoções externas e a busca por uma espiritualidade mais íntima Erasmo com sua ironia inserese nesse movimento de crítica expondo as contradições da prática religiosa de sua época Não menos severa é sua visão das ordens monásticas frequentemente apresentadas como redutos de ociosidade e formalismo A Loucura denuncia a hipocrisia de monges que sob a aparência de vida devocional buscavam privilégios materiais ou status social Esse ataque não deve ser lido apenas como hostilidade mas como um esforço de reforma pois Erasmo reconhecia a importância da vida religiosa ao mesmo tempo em que satirizava suas deformações A crítica erasmiana contribuiu para o clima de questionamento que permeou o século XVI alimentando debates sobre a necessidade de regenerar as instituições sem romper com a unidade da fé cristã A ironia portanto atua como espelho devolvendo à Igreja a imagem de seus próprios desvios Ao estender essa crítica também ao campo acadêmico Erasmo mostra que a loucura não se restringe à esfera religiosa mas penetra em todos os espaços onde a vaidade e o poder se sobrepõem à verdade A sátira à retórica pedante dos doutores à busca por títulos e à obsessão por disputas teóricas evidencia a esterilidade de um saber desconectado da vida Nesse ponto sua crítica aproxima se da tradição socrática que valorizava a filosofia como exercício ético mais do que como especulação abstrata Como sublinha Garin 19652001 o humanismo renascentista procurava restituir à educação e à ciência sua função moral e cívica e Erasmo foi um dos seus principais representantes Assim o Elogio da Loucura não apenas denuncia mas propõe implicitamente uma nova orientação do saber fundada na ética e na fé 23 A SÁTIRA SOCIAL E POLÍTICA NO ELOGIO DA LOUCURA 9 A crítica de Erasmo não se limita ao campo religioso ou acadêmico ela se expande para as esferas sociais e políticas revelando a presença da Loucura nos mecanismos de poder e na vida pública Reis e príncipes são alvo de ironia apresentados como dependentes da adulação de cortesãos e de ilusões que sustentam sua autoridade A Loucura denuncia que a glória política sustentada pela vaidade e pela bajulação não passa de um artifício para manter o controle sobre os súditos Como afirma Erasmo 15112023 governantes se cercam de ilusões para manter a aparência de grandeza ignorando as fragilidades de sua condição A sátira nesse caso tem função de desvelamento ao mostrar que o poder não se apoia na razão ou na virtude mas na ficção social que legitima a dominação Esse aspecto conecta o texto erasmiano a uma tradição mais ampla da crítica política do Renascimento Autores como Maquiavel em O Príncipe 15322014 também revelaram os bastidores da autoridade embora em registro distinto Enquanto Maquiavel descreve a política como campo de cálculo e prudência Erasmo pela voz da Loucura enfatiza a dimensão ilusória que sustenta a obediência e a glória dos poderosos Como observa Skinner 19961978 ambos os autores partilham o interesse em desmascarar a retórica oficial mas Erasmo conserva uma perspectiva moralizante em que a sátira serve para expor a distância entre o ideal de governo justo e a realidade da prática política Essa divergência confere ao Elogio da Loucura uma singularidade não é tratado de ciência política mas sátira moral que ilumina os vícios do poder Outro alvo da ironia erasmiana é a corte apresentada como espaço privilegiado da vaidade e da superficialidade Cortesãos são descritos como especialistas em bajulação mais preocupados em manter o favor dos príncipes do que em cultivar virtudes Essa crítica aproxima Erasmo de tradições cômicas que desde a Antiguidade retratavam a corte como ambiente de teatralidade onde todos representam papéis para sobreviver Como destaca Elias 19692001 a corte europeia dos séculos XVI e XVII era marcada por códigos rígidos de etiqueta e dependência do favor real tornandose lugar de encenação permanente O Elogio da Loucura antecipa essa percepção ao revelar que por trás do verniz da cortesia predominam interesses e ilusões que a Loucura sustenta A sátira de Erasmo também se estende aos juristas e advogados descritos como sustentadores de disputas intermináveis e retóricas vazias Pela voz da 10 Loucura ele ironiza a prolixidade do direito e a tendência de transformar a justiça em instrumento de prestígio ou enriquecimento pessoal O exagero retórico tem função crítica pois revela como a complexidade excessiva das leis pode obscurecer sua finalidade primeira a promoção da equidade Como observa Koselleck 19592020 a modernidade europeia testemunhou a expansão do aparato jurídico e administrativo mas também a crítica à sua burocratização vista muitas vezes como alienada do bem comum O texto de Erasmo antecipa essa percepção mostrando que a justiça quando separada da ética tornase palco da vaidade e da insensatez Outro elemento recorrente é a crítica às guerras frequentemente justificadas por razões de glória honra ou religião A Loucura ridiculariza príncipes e soldados que se lançam em batalhas movidos por ilusões de heroísmo ignorando a destruição e a miséria que produzem Essa denúncia coloca Erasmo em oposição a um dos valores mais exaltados de sua época a glória militar Como enfatiza Febvre 19242009 o humanismo renascentista trouxe consigo uma visão mais crítica da guerra em contraste com a tradição cavaleiresca medieval O Elogio da Loucura participa dessa mudança expondo a violência das guerras como manifestação suprema da insensatez humana sustentada por ideais vazios e pela manipulação da honra A crítica social e política da obra encontra seu ponto mais profundo no reconhecimento de que a Loucura é indispensável à manutenção da ordem Governantes cortesãos juristas e guerreiros necessitam de ilusões para exercerem seus papéis e manterem a obediência dos demais Essa conclusão longe de ser meramente negativa revela a ambiguidade central do texto se por um lado a Loucura denuncia a corrupção e a vaidade por outro mostra que sem ela a vida social se tornaria inviável Como lembra Burke 19972010 a cultura política da Renascença era atravessada por rituais e representações que sustentavam o poder mesmo quando baseados em ilusões Erasmo com ironia refinada não apenas satiriza mas evidencia a estrutura simbólica sobre a qual se ergue a sociedade de seu tempo 24 A RELAÇÃO ENTRE LOUCURA E SABEDORIA CRISTÃ 11 No Elogio da Loucura a dimensão cristã da sátira ocupa papel central Ao mesmo tempo em que ironiza práticas eclesiásticas Erasmo recupera a tradição paulina que vê na loucura da cruz a verdadeira sabedoria O apóstolo Paulo na Primeira Carta aos Coríntios1 já havia afirmado que a sabedoria divina se manifesta como loucura aos olhos do mundo pois subverte os critérios humanos de poder e glória Erasmo 15112023 retoma essa herança para mostrar que a fé cristã não se apoia na lógica racional ou no cálculo político mas na experiência de entrega e humildade Nesse sentido a Loucura tornase metáfora da fé que exige confiança em verdades que a razão não é capaz de demonstrar plenamente A ironia portanto não visa destruir a religião mas recuperar seu núcleo evangélico Ao denunciar teólogos pedantes e clérigos vaidosos a Loucura expõe como a institucionalização da fé se distanciou da simplicidade de Cristo e dos apóstolos Essa crítica longe de ser anticristã deve ser entendida como esforço de regeneração espiritual Como afirma Bataillon 19661996 o humanismo erasmiano estava enraizado em um cristianismo interiorizado que valorizava a leitura direta das Escrituras e a prática da caridade acima de rituais externos Assim a loucura celebrada por Erasmo não é apenas a insensatez mundana mas a loucura divina que desafia a lógica terrena em nome de uma verdade mais alta Ao unir sátira e espiritualidade o texto também dialoga com a tradição mística que valorizava a experiência do paradoxo A Loucura nesse registro não é apenas figura retórica mas chave de leitura do cristianismo enquanto caminho que desafia convenções sociais e valores de poder Como observa Huizinga 19242014 Erasmo deu forma literária a uma tensão permanente entre o mundo e o Evangelho se a sociedade valoriza a glória e a sabedoria mundana o cristianismo autenticamente vivido se apresenta como loucura aos olhos de todos Desse modo a obra ainda que satírica preserva uma dimensão devocional em que a ironia e a fé se encontram A centralidade da loucura cristã em Erasmo deve também ser compreendida como reação ao espírito do tempo em que a religião se confundia com interesses de poder e prestígio A Loucura ao zombar da busca por cargos eclesiásticos e pela erudição vaidosa recorda que a verdadeira sabedoria evangélica não se mede por honrarias mas pela prática da humildade Nesse ponto Erasmo se aproxima de um 11Cor 11825 12 ideal franciscano de pobreza e simplicidade sem contudo abdicar de sua formação humanista Como aponta Delumeau 19712003 a espiritualidade do período oscilava entre exterioridade ritual e recolhimento interior Erasmo com sua sátira inclinavase claramente para a segunda via ao propor uma religiosidade marcada mais pela interioridade que pela pompa Outro elemento fundamental é a concepção de fé como confiança inseparável da dimensão paradoxal da Loucura Para crer é necessário aceitar aquilo que excede a razão e desafia os critérios de utilidade Essa perspectiva já presente em Paulo ganha em Erasmo uma roupagem literária em que a Loucura se torna portavoz da sabedoria cristã que escapa à lógica mundana Segundo Foucault 19611978 a Idade Clássica progressivamente isolou a loucura como desrazão mas no período anterior ela ainda podia ser lida como revelação ou verdade superior O Elogio da Loucura inserese nesse momento liminar preservando a ambivalência de um discurso que é ao mesmo tempo crítico e devocional A valorização da Loucura como sabedoria cristã confere à obra seu caráter profundamente pedagógico Ao ridicularizar vícios sociais e intelectuais Erasmo recorda ao leitor que a verdadeira vida cristã não está no acúmulo de títulos ou na ostentação religiosa mas na capacidade de viver a humildade e a caridade Como destaca Maravall 19751997 a sátira humanista tinha uma função ética orientada à formação do sujeito em consonância com valores espirituais Nesse sentido o Elogio da Loucura não é apenas um exercício literário ou crítico é também uma exortação à redescoberta da sabedoria do Evangelho compreendida como loucura diante dos critérios do mundo 25 ERASMO HUMANISMO E A CRÍTICA À RAZÃO ABSOLUTA A crítica de Erasmo à razão absoluta deve ser compreendida dentro do horizonte mais amplo do humanismo renascentista Diferente da escolástica medieval que buscava organizar o saber em sistemas rígidos o humanismo valorizava o retorno às fontes clássicas e bíblicas promovendo uma visão mais flexível da razão O Elogio da Loucura ao dar voz à insensatez denuncia o risco de absolutizar a racionalidade mostrando como ela pode se converter em dogmatismo 13 e vaidade Como lembra Garin 19652001 o humanismo renascentista não rejeitou a razão mas lhe atribuiu uma função ética e educativa subordinada ao bem da vida humana Nesse sentido Erasmo inscrevese na tradição que vê na razão um meio não um fim em si mesma O recurso à Loucura como narradora revela de forma literária a limitação da racionalidade quando convertida em critério único de verdade A sátira mostra que a vida humana é sustentada por ilusões paixões e esperanças que a razão por si só não pode fornecer Erasmo 15112023 sugere que sem certo grau de engano e insensatez a existência se tornaria intolerável pois a pura racionalidade exporia ao homem sua fragilidade e finitude Essa percepção confere ao texto uma densidade filosófica que antecipa de certo modo críticas posteriores ao racionalismo moderno indicando que o humanismo não se construiu sobre a rejeição da fé ou da imaginação mas sobre sua integração à vida intelectual Essa crítica também tem dimensão pedagógica ao ironizar os doutores da razão e os teólogos escolásticos Erasmo recorda que a finalidade do conhecimento não é a acumulação de disputas estéreis mas a formação ética do indivíduo Como destaca Kristeller 19612019 os humanistas viam o estudo das letras como instrumento de cultivo moral em contraste com a lógica formal da escolástica O Elogio da Loucura ilustra esse princípio ao mostrar que a razão quando absolutizada produz pedantismo e orgulho mas quando moderada pela fé e pela humanidade pode se tornar instrumento de sabedoria Nesse equilíbrio encontrase a marca distintiva do pensamento erasmiano A crítica erasmiana à razão absoluta também reflete sua preocupação com a relação entre saber e poder O racionalismo escolástico ao se organizar em sistemas rígidos servia de base para legitimar autoridades acadêmicas e eclesiásticas criando um ambiente em que o prestígio intelectual se confundia com hierarquia social Pela voz da Loucura Erasmo denuncia essa instrumentalização do conhecimento revelando que quando dissociada da humildade e da caridade a razão se converte em vaidade Como ressalta Burke 19972010 o humanismo atuou como força de democratização cultural pois valorizava a circulação do saber e a leitura direta das fontes em oposição ao monopólio erudito das universidades Assim o Elogio da Loucura questiona a função social da razão sublinhando a necessidade de reconduzila ao horizonte do humano 14 Nesse ponto é relevante destacar a sutileza da posição erasmiana Diferente de correntes radicais que rejeitavam o papel da razão ele não propõe sua destruição mas sua moderação A razão deve ser acompanhada de imaginação fé e experiência concreta elementos que juntos garantem a vitalidade da existência humana Como observa Cassirer 19272001 o Renascimento operou uma síntese criativa entre racionalidade e simbolismo afastandose tanto do racionalismo estrito quanto do irracionalismo puro O texto de Erasmo é exemplo dessa síntese pois ao louvar a Loucura reconhece os limites da razão sem negar sua utilidade Por fim a crítica erasmiana à razão absoluta deve ser lida como advertência ética Ao mostrar que a racionalidade pode se transformar em dogma Erasmo antecipa debates que atravessariam a modernidade especialmente em torno da relação entre saber e liberdade Sua obra recorda que o pensamento quando desvinculado da dimensão moral corre o risco de degenerar em instrumento de opressão Como aponta Foucault 19611978 a história da razão é também a história de exclusões como a da loucura O Elogio da Loucura escrito três séculos antes já sinalizava esse perigo ao revelar que o excesso de racionalidade quando isolado da humanidade gera monstruosidades Nesse equilíbrio entre crítica e moderação reside a atualidade do pensamento erasmiano 15 3 CONCLUSÃO O Elogio da Loucura escolhe uma via deliberadamente oblíqua para dizer o que precisa ser dito Em vez do tratado uma peça encomiástica em lugar do douto que arenga a personagem que se louva Essa inversão não é capricho retórico É um método ao permitir que a Loucura fale Erasmo desloca o centro do discurso abre espaço para que a crítica opere por contraste e para que a ironia ao invés de enfeite funcione como exame O livro sustenta do início ao fim essa escolha formal e é ela que dá coesão ao conjunto sem o didatismo que fecharia a leitura num único sentido A narradora chega com nome ascendência corte e ofício Traz à cena suas companheiras philautía kolakeía lth hdon e com elas monta o mapa das dependências humanas A felicidade diz precisa de véus a amizade de benevolências que a razão pura não concede a esperança de certa suspensão do cálculo Quando a Loucura percorre profissões e estados não enumera por mero inventário demonstra caso a caso como a vida coletiva se organiza em torno de pequenas ficções úteis e como essas ficções quando ganham corpo demais produzem caricaturas A graça do texto nasce dessa proximidade entre o que sustenta e o que deforma Há ainda uma lição sobre o próprio conhecimento O alvo não é a razão mas o seu absolutismo Quando convertida em tribunal que julga tudo de fora a razão tornase estéril multiplica distinções que pouco distinguem degrada o estudo em competição de engenho Quando aceita limites e companhia imaginação afeto experiência caridade volta a servir A sátira nesse sentido tem função pedagógica corrige sem humilhar ensina sem entorpecer convida sem impor É o docere delectando praticado com rigor não com complacência Por isso o livro não envelhece Suas cenas reaparecem sob outras formas a linguagem do mérito recobre hierarquias a tecnicidade do discurso escamoteia interesses a devoção se rende à exterioridade o debate culto se satisfaz com a vitrine O Elogio da Loucura não oferece uma receita contra tudo isso e talvez esteja aí a sua força Ele solicita vigilância e medida Mostra que a vida comum precisa de alguma hdon de algum esquecimento de uma cota de ficção e que ao mesmo tempo precisa de freios que a salvem de si Reconhecer essa dupla necessidade 16 não é conciliação fácil é trabalho de maturidade E é exatamente a ele que a leitura uma vez concluída nos convoca 17 REFERÊNCIAS BAKHTIN Mikhail Mikhaĭlovich VIEIRA Yara Frateschi A cultura popular na Idade Média e no Renascimento o contexto de François Rabelais Hucitec 1987 BATAILLON Marcel Erasmo y España Estudios sobre la historia espiritual del siglo XVI México Fondo de Cultura Económica 2ª edição 1966 2ª reimpressão 1996 BURKE Peter Cultura popular na idade moderna Europa 15001800 Editora Companhia das Letras 2010 CASSIRER E Indivíduo e cosmos na filosofia do renascimento São Paulo Martins Fontes 2001 CURTIUS Ernst Robert Literatura européia e Idade Média latina Instituto Nacional do Livro 1957 DELUMEAU Jean O pecado e o medo a culpabilização no Ocidente séculos XIIIXVIII 2 volumes Bauru Edusc 2003 ELIAS Norbert A sociedade de corte Zahar 2001 FEBVRE Lucien O problema da incredulidade no século XVI a religião de Rabelais Editora Companhia das Letras 2009 FOUCAULT Michel História da Loucura na Idade Clássica Perspectiva 1978 GARIN Eugênio Ciência e vida civil no Renascimento italiano Unesp 2001 HUIZINGA Johan Erasmus and the Age of Reformation Princeton University Press 2014 KOSELLECK Reinhart BRANCO Luciana VillasBoas Castello Crítica e crise uma contribuição à patogênese do mundo burguês Contraponto Editora 2020 KRISTELLER Paul Oskar BOGÉA Anderson O sistema moderno das artes Artefilosofia v 14 n 27 p 226 2019 MAQUIAVEL Nicolau O príncipe Escritos políticos 2014 MARAVALL José Antonio GARCIA Silvana A cultura do barroco análise de uma estrutura histórica edusp 1997 ROTTERDAM Erasmo de Elogio da loucura Edipro 2023 SKINNER Quentin As fundações do pensamento político moderno Tradução de 1978 Resultado da análise Arquivo l86wepSJv Ensaio Filosófico Erasmo Elogio da Loucuradocx Estatísticas Suspeitas na Internet 279 Percentual do texto com expressões localizadas na internet Suspeitas confirmadas 223 Percentual do texto onde foi possível verificar a existência de trechos iguais nos endereços encontrados Suspeita de texto gerado por IA 132 Percentual do texto com padrão semelhante a IA Texto analisado 8564 Percentual do texto efetivamente analisado imagens frases curtas caracteres especiais texto quebrado não são analisados Sucesso da análise 100 Percentual das pesquisas com sucesso indica a qualidade da análise quanto maior melhor Endereços mais relevantes encontrados Endereço URL Ocorrências Semelhança httpsrepositoriouspbritem001244870 8 021 httpsbooksgooglecombrbooksaboutErasmoyEspaC3B1ahtmlidZOCMgEACAAJredirescy 7 028 httpsojsrevistacontribucionescomojsindexphpclcsarticleview4218 6 032 httpsdokumenpubcriticaecriseumacontribuiaoapatogenesedomundoburgues85859102599788585910259html 5 021 httpswwwestantevirtualcombrbuscaoproblemadaincredulidadenoseculoxvi 5 018 httpswwwgutenbergorgebooks22900 5 009 httpsrepositorioufpebrbitstream123456789322351DISSERTAÇÃO Mariana Cavalcanti Albuquerquepdf 5 328 httpswwwgoodreadscombookshow869817ErasmusandtheAgeofReformation 5 009 Texto analisado DISCIPLINA HISTÓRIA DA FILOSOFIA MODERNA PROFESSOR PADRE ALEXSANDER Palavras insuficientes para análise de IA ENSAIO FILOSÓFICO ERASMO DE ROTTERDAM ELOGIO DA LOUCURA Nenhum padrão de escrita reconhecido Alan Araújo Campos Paracatu MG Agosto 2025 ALAN ARAÚJO CAMPOS ENSAIO FILOSÓFICO ERASMO DE ROTTERDAM ELOGIO DA LOUCURA Ensaio Filosófico apresentado como requisito de avaliação da matéria Projeto Monográfico do Seminário Maior Diocesano São João XXIII Nenhum padrão de escrita reconhecido Orientador Prof Dr Marcelo Siqueira Guilherme Paracatu MG Agosto 2025 Sumário TOC h o 121 Introdução PAGEREF Toc206754853 h 2 2 Desenvolvimento PAGEREF Toc206754854 h 3 2 Palavras insuficientes para análise de IA 1 A Loucura como voz e figura filosófica PAGEREF Toc206754855 h 3 Palavras insuficientes para análise de IA 22 A crítica às instituições religiosas e acadêmicas PAGEREF Toc206754856 h 4 Nenhum padrão de escrita reconhecido 23 A sátira social e política no Elogio da Loucura PAGEREF Toc206754857 h 6 Nenhum padrão de escrita reconhecido 24 A relação entre loucura e sabedoria cristã PAGEREF Toc206754858 h 8 Nenhum padrão de escrita reconhecido 25 Erasmo humanismo e a crítica à razão absoluta PAGEREF Toc206754859 h 10 Nenhum padrão de escrita reconhecido 3 Conclusão PAGEREF Toc206754860 h 13 ReferênciAs PAGEREF Toc206754861 h 15 Introdução Palavras insuficientes para análise de IA O Elogio da Loucura escrito por Erasmo de Roterdã em 1509 e publicado em 1511 inserese no coração do humanismo renascentista expondo em forma de sátira uma crítica abrangente às instituições costumes e pretensões da sociedade de sua época A obra pronunciada pela voz alegórica da Loucura não é apenas um exercício literário mas uma intervenção filosófica que confronta a razão como medida suprema revelando suas contradições e limites A crítica erasmiana revestida de ironia tensiona a fronteira entre o riso e a reflexão inaugurando um discurso que ao mesmo tempo em que diverte desvela a fragilidade dos sistemas que se arrogam detentores da verdade absoluta Erasmo 15112023 Nenhum padrão de escrita reconhecido O contexto em que Erasmo compôs o Elogio da Loucura foi marcado pelas tensões entre a tradição escolástica medieval e os ideais emergentes do humanismo Como pensador cristão e humanista ele procurava retornar às fontes originais do saber e da fé valorizando tanto os autores clássicos quanto os textos bíblicos Essa atitude o colocava em posição ambígua por um lado mantinhase fiel à espiritualidade cristã por outro não deixava de satirizar a pompa clerical a retórica vazia dos doutores e os vícios das universidades Sua ironia não visava destruir a religião mas expor os desvios que a afastavam de sua essência evangélica Nesse sentido o livro revela uma crítica que se constrói dentro do próprio horizonte da fé tornandose como observou Huizinga 19242014 uma obra emblemática do humanismo cristão que conciliava erudição e espiritualidade Nenhum padrão de escrita reconhecido Além disso a obra encontra ressonâncias duradouras na história da filosofia Ao colocar a Loucura como narradora Erasmo subverte a hierarquia entre razão e insensatez antecipando questões que séculos mais tarde Michel Foucault analisaria em História da Loucura na Idade Clássica 1978 Para Foucault a marginalização da loucura é constitutiva da racionalidade ocidental Erasmo de forma distinta expõe como a loucura é elemento vital da vida humana seja pela ilusão necessária à felicidade seja pela crítica corrosiva que a ironia possibilita Essa ambivalência confere ao texto não apenas valor literário mas densidade filosófica singular Foucault 19611978 Nenhum padrão de escrita reconhecido Desenvolvimento A Loucura como voz e figura filosófica Palavras insuficientes para análise de IA A construção do Elogio da Loucura iniciase com um recurso literário incomum a inversão do lugar da razão pelo da insensatez Ao entregar a palavra à Loucura Erasmo de Roterdã desmonta a expectativa de um tratado sério e racional e dá espaço a um discurso festivo impregnado de ironia A narradora autoproclamada fonte de felicidade e sustentáculo da vida social subverte o estatuto da racionalidade como guia absoluto da conduta humana Como afirma Erasmo 15112023 é a Loucura quem governa os homens pois sem suas ilusões e fantasias não haveria amizade prazer ou esperança Essa escolha literária dá à obra não apenas leveza cômica mas também densidade filosófica pois a crítica não se apresenta de forma direta mas sob o disfarce da sátira Nenhum padrão de escrita reconhecido A inspiração desse expediente remonta à tradição clássica sobretudo a Luciano de Samósata cuja retórica satírica ecoa nas páginas do texto erasmiano O autor entretanto não se restringe à imitação ele incorpora o riso como ferramenta para desnudar os vícios da sociedade de seu tempo expondo a vaidade da erudição a pompa clerical e a arrogância dos que se dizem sábios Nesse sentido o riso opera como recurso filosófico pois obriga o leitor a perceber no exagero cômico uma crítica mais profunda às convenções sociais Como observa Bakhtin 19651987 o cômico e o grotesco desempenham um papel de libertação simbólica questionando hierarquias rígidas e revelando as fissuras do poder Erasmo ao adotar essa estratégia desloca a filosofia do registro solene para o espaço lúdico mas sem perder sua força crítica Nenhum padrão de escrita reconhecido Esse deslocamento coloca em evidência a ambivalência do conceito de loucura Se por um lado ela é apresentada como sinônimo de engano e vaidade por outro constitui condição necessária à própria vida A Loucura no discurso erasmiano não destrói a sociabilidade mas a alimenta garantindo as ilusões que sustentam o convívio humano Essa visão encontra ressonância nas análises de Foucault 19611978 para quem a loucura antes de ser confinada pela modernidade era compreendida como parte constitutiva da experiência coletiva Ao dar voz à Loucura Erasmo não a trata como patologia mas como princípio vital e até espiritual capaz de iluminar os limites da razão e de revelar a dependência humana das paixões Nenhum padrão de escrita reconhecido A vitalidade da Loucura no texto também se associa à dimensão literária da paródia Ao adotar o formato de um discurso encomiástico gênero retórico tradicionalmente usado para louvar figuras ilustres Erasmo inverte sua função em vez de exaltar reis guerreiros ou sábios coloca no centro a própria Loucura Essa ironia estrutural amplia a força crítica da obra pois sublinha a hipocrisia dos discursos oficiais que sob o pretexto de louvor apenas legitimavam o poder instituído Como observa Curtius 19481957 a paródia humanista recuperava modelos clássicos para desmascarar valores fossilizados e o Elogio da Loucura é exemplo notável dessa prática Nesse gesto Erasmo mostra que a retórica pode ser utilizada não só para enaltecer mas também para subverter Nenhum padrão de escrita reconhecido Outro aspecto central é o caráter universal da Loucura que não distingue classes ou posições sociais Reis clérigos juristas filósofos e até mesmo teólogos aparecem como dependentes dela em maior ou menor grau Essa universalidade reforça o alcance da crítica pois sugere que não há esfera da vida humana livre da ilusão e do autoengano Segundo Huizinga 19242014 o mérito de Erasmo foi mostrar que a sátira não se dirige a um grupo específico mas ao próprio tecido da civilização cristã europeia exposto em suas contradições entre ideal e prática A Loucura nesse sentido é figura filosófica porque revela que a condição humana é marcada pela insuficiência da razão e pela necessidade do engano para manter a coesão social Nenhum padrão de escrita reconhecido A Loucura emerge como recurso pedagógico ainda que disfarçado O riso longe de ser mero entretenimento assume função de correção moral pois obriga o leitor a reconhecer em meio ao exagero satírico a proximidade entre sua própria vida e os vícios denunciados Ao articular crítica e humor Erasmo cumpre a função humanista de provocar reflexão sem romper com o horizonte da fé cristã Como lembra Maravall 19751997 a sátira humanista operava como instrumento de renovação cultural ao mesmo tempo em que mantinha a preocupação com a formação ética do indivíduo Assim ao dar voz à Loucura Erasmo não apenas diverte educa revela e transforma Nenhum padrão de escrita reconhecido A crítica às instituições religiosas e acadêmicas Padrão de escrita semelhante a texto gerado por IA Um dos aspectos mais contundentes do Elogio da Loucura é a crítica às instituições religiosas sobretudo ao clero e à hierarquia eclesiástica Pela voz da Loucura Erasmo expõe a pompa dos prelados a avareza dos monges e a superficialidade das práticas devocionais revelando como o formalismo ritual havia se distanciado da simplicidade evangélica O ataque não é feito em tom destrutivo mas pela via do sarcasmo que revela os contrastes entre o ideal cristão e a realidade vivida A sátira ao ridicularizar a ostentação de bispos e a retórica vazia dos pregadores mostrase como uma forma de reforma moral antecipando em muitos aspectos o clima intelectual que desembocaria na Reforma protestante Erasmo 15112023 Nenhum padrão de escrita reconhecido Ao estender sua crítica às universidades e ao saber escolástico Erasmo denuncia a erudição estéril que se limitava a debates formais e a distinções sutis sem relevância prática Para ele a busca por glória acadêmica afastavase da verdadeira sabedoria que deveria estar a serviço da vida e da fé Essa denúncia ecoa a tensão entre o humanismo renascentista voltado ao retorno às fontes clássicas e bíblicas e a rigidez das escolas medievais Como observa Skinner 19961978 o humanismo erasmiano representava um projeto de revitalização cultural no qual a crítica às instituições era parte essencial do esforço de reorientar o saber para a formação ética e espiritual Nesse sentido o Elogio da Loucura vai além do humor constituindose como manifesto contra a degeneração do conhecimento Nenhum padrão de escrita reconhecido É notável entretanto que Erasmo não abandona a dimensão cristã de sua crítica Ao ridicularizar os teólogos que multiplicam sutilezas vazias ele recorda que a mensagem do Evangelho é acessível e simples fundada mais na prática da caridade do que no acúmulo de raciocínios abstratos A sátira à teologia escolástica portanto não é um ataque à fé mas à deformação intelectual que obscurecia seu núcleo espiritual Como ressalta Bataillon 19661996 a crítica erasmiana dirigese à pedanteria e ao abuso da autoridade não ao cristianismo em si que o autor buscava renovar pela via de um humanismo evangélico Dessa forma a Loucura é instrumento de revelação que denuncia o afastamento entre a Igreja institucional e o Evangelho que deveria inspirála Nenhum padrão de escrita reconhecido A sátira de Erasmo também se volta contra a corrupção moral de membros do clero cuja vida de luxo contrastava com a humildade recomendada pelas Escrituras A Loucura em seu discurso ironiza a veneração das relíquias o culto exteriorizado e as práticas supersticiosas que ocupavam espaço maior que a fé interior Essa crítica revela a preocupação humanista em retornar ao núcleo do cristianismo marcado pela simplicidade e pela moral evangélica Como observa Delumeau 19712003 a religiosidade do final da Idade Média e do início da modernidade era atravessada por uma tensão entre devoções externas e a busca por uma espiritualidade mais íntima Erasmo com sua ironia inserese nesse movimento de crítica expondo as contradições da prática religiosa de sua época Nenhum padrão de escrita reconhecido Não menos severa é sua visão das ordens monásticas frequentemente apresentadas como redutos de ociosidade e formalismo A Loucura denuncia a hipocrisia de monges que sob a aparência de vida devocional buscavam privilégios materiais ou status social Esse ataque não deve ser lido apenas como hostilidade mas como um esforço de reforma pois Erasmo reconhecia a importância da vida religiosa ao mesmo tempo em que satirizava suas deformações A crítica erasmiana contribuiu para o clima de questionamento que permeou o século XVI alimentando debates sobre a necessidade de regenerar as instituições sem romper com a unidade da fé cristã A ironia portanto atua como espelho devolvendo à Igreja a imagem de seus próprios desvios Nenhum padrão de escrita reconhecido Ao estender essa crítica também ao campo acadêmico Erasmo mostra que a loucura não se restringe à esfera religiosa mas penetra em todos os espaços onde a vaidade e o poder se sobrepõem à verdade A sátira à retórica pedante dos doutores à busca por títulos e à obsessão por disputas teóricas evidencia a esterilidade de um saber desconectado da vida Nesse ponto sua crítica aproximase da tradição socrática que valorizava a filosofia como exercício ético mais do que como especulação abstrata Como sublinha Garin 19652001 o humanismo renascentista procurava restituir à educação e à ciência sua função moral e cívica e Erasmo foi um dos seus principais representantes Assim o Elogio da Loucura não apenas denuncia mas propõe implicitamente uma nova orientação do saber fundada na ética e na fé Nenhum padrão de escrita reconhecido A sátira social e política no Elogio da Loucura Padrão de escrita semelhante a texto gerado por IA A crítica de Erasmo não se limita ao campo religioso ou acadêmico ela se expande para as esferas sociais e políticas revelando a presença da Loucura nos mecanismos de poder e na vida pública Reis e príncipes são alvo de ironia apresentados como dependentes da adulação de cortesãos e de ilusões que sustentam sua autoridade A Loucura denuncia que a glória política sustentada pela vaidade e pela bajulação não passa de um artifício para manter o controle sobre os súditos Como afirma Erasmo 15112023 governantes se cercam de ilusões para manter a aparência de grandeza ignorando as fragilidades de sua condição A sátira nesse caso tem função de desvelamento ao mostrar que o poder não se apoia na razão ou na virtude mas na ficção social que legitima a dominação Nenhum padrão de escrita reconhecido Esse aspecto conecta o texto erasmiano a uma tradição mais ampla da crítica política do Renascimento Autores como Maquiavel em O Príncipe 15322014 também revelaram os bastidores da autoridade embora em registro distinto Enquanto Maquiavel descreve a política como campo de cálculo e prudência Erasmo pela voz da Loucura enfatiza a dimensão ilusória que sustenta a obediência e a glória dos poderosos Como observa Skinner 19961978 ambos os autores partilham o interesse em desmascarar a retórica oficial mas Erasmo conserva uma perspectiva moralizante em que a sátira serve para expor a distância entre o ideal de governo justo e a realidade da prática política Essa divergência confere ao Elogio da Loucura uma singularidade não é tratado de ciência política mas sátira moral que ilumina os vícios do poder Nenhum padrão de escrita reconhecido Outro alvo da ironia erasmiana é a corte apresentada como espaço privilegiado da vaidade e da superficialidade Cortesãos são descritos como especialistas em bajulação mais preocupados em manter o favor dos príncipes do que em cultivar virtudes Essa crítica aproxima Erasmo de tradições cômicas que desde a Antiguidade retratavam a corte como ambiente de teatralidade onde todos representam papéis para sobreviver Como destaca Elias 19692001 a corte europeia dos séculos XVI e XVII era marcada por códigos rígidos de etiqueta e dependência do favor real tornandose lugar de encenação permanente O Elogio da Loucura antecipa essa percepção ao revelar que por trás do verniz da cortesia predominam interesses e ilusões que a Loucura sustenta Nenhum padrão de escrita reconhecido A sátira de Erasmo também se estende aos juristas e advogados descritos como sustentadores de disputas intermináveis e retóricas vazias Pela voz da Loucura ele ironiza a prolixidade do direito e a tendência de transformar a justiça em instrumento de prestígio ou enriquecimento pessoal O exagero retórico tem função crítica pois revela como a complexidade excessiva das leis pode obscurecer sua finalidade primeira a promoção da equidade Como observa Koselleck 19592020 a modernidade europeia testemunhou a expansão do aparato jurídico e administrativo mas também a crítica à sua burocratização vista muitas vezes como alienada do bem comum O texto de Erasmo antecipa essa percepção mostrando que a justiça quando separada da ética tornase palco da vaidade e da insensatez Detecção de IA inconclusiva Outro elemento recorrente é a crítica às guerras frequentemente justificadas por razões de glória honra ou religião A Loucura ridiculariza príncipes e soldados que se lançam em batalhas movidos por ilusões de heroísmo ignorando a destruição e a miséria que produzem Essa denúncia coloca Erasmo em oposição a um dos valores mais exaltados de sua época a glória militar Como enfatiza Febvre 19242009 o humanismo renascentista trouxe consigo uma visão mais crítica da guerra em contraste com a tradição cavaleiresca medieval O Elogio da Loucura participa dessa mudança expondo a violência das guerras como manifestação suprema da insensatez humana sustentada por ideais vazios e pela manipulação da honra Nenhum padrão de escrita reconhecido A crítica social e política da obra encontra seu ponto mais profundo no reconhecimento de que a Loucura é indispensável à manutenção da ordem Governantes cortesãos juristas e guerreiros necessitam de ilusões para exercerem seus papéis e manterem a obediência dos demais Essa conclusão longe de ser meramente negativa revela a ambiguidade central do texto se por um lado a Loucura denuncia a corrupção e a vaidade por outro mostra que sem ela a vida social se tornaria inviável Como lembra Burke 19972010 a cultura política da Renascença era atravessada por rituais e representações que sustentavam o poder mesmo quando baseados em ilusões Erasmo com ironia refinada não apenas satiriza mas evidencia a estrutura simbólica sobre a qual se ergue a sociedade de seu tempo Nenhum padrão de escrita reconhecido A relação entre loucura e sabedoria cristã Padrão de escrita semelhante a texto gerado por IA No Elogio da Loucura a dimensão cristã da sátira ocupa papel central Ao mesmo tempo em que ironiza práticas eclesiásticas Erasmo recupera a tradição paulina que vê na loucura da cruz a verdadeira sabedoria O apóstolo Paulo na Primeira Carta aos Coríntios já havia afirmado que a sabedoria divina se manifesta como loucura aos olhos do mundo pois subverte os critérios humanos de poder e glória Erasmo 15112023 retoma essa herança para mostrar que a fé cristã não se apoia na lógica racional ou no cálculo político mas na experiência de entrega e humildade Nesse sentido a Loucura tornase metáfora da fé que exige confiança em verdades que a razão não é capaz de demonstrar plenamente Nenhum padrão de escrita reconhecido A ironia portanto não visa destruir a religião mas recuperar seu núcleo evangélico Ao denunciar teólogos pedantes e clérigos vaidosos a Loucura expõe como a institucionalização da fé se distanciou da simplicidade de Cristo e dos apóstolos Essa crítica longe de ser anticristã deve ser entendida como esforço de regeneração espiritual Como afirma Bataillon 19661996 o humanismo erasmiano estava enraizado em um cristianismo interiorizado que valorizava a leitura direta das Escrituras e a prática da caridade acima de rituais externos Assim a loucura celebrada por Erasmo não é apenas a insensatez mundana mas a loucura divina que desafia a lógica terrena em nome de uma verdade mais alta Nenhum padrão de escrita reconhecido Ao unir sátira e espiritualidade o texto também dialoga com a tradição mística que valorizava a experiência do paradoxo A Loucura nesse registro não é apenas figura retórica mas chave de leitura do cristianismo enquanto caminho que desafia convenções sociais e valores de poder Como observa Huizinga 19242014 Erasmo deu forma literária a uma tensão permanente entre o mundo e o Evangelho se a sociedade valoriza a glória e a sabedoria mundana o cristianismo autenticamente vivido se apresenta como loucura aos olhos de todos Desse modo a obra ainda que satírica preserva uma dimensão devocional em que a ironia e a fé se encontram Nenhum padrão de escrita reconhecido A centralidade da loucura cristã em Erasmo deve também ser compreendida como reação ao espírito do tempo em que a religião se confundia com interesses de poder e prestígio A Loucura ao zombar da busca por cargos eclesiásticos e pela erudição vaidosa recorda que a verdadeira sabedoria evangélica não se mede por honrarias mas pela prática da humildade Nesse ponto Erasmo se aproxima de um ideal franciscano de pobreza e simplicidade sem contudo abdicar de sua formação humanista Como aponta Delumeau 19712003 a espiritualidade do período oscilava entre exterioridade ritual e recolhimento interior Erasmo com sua sátira inclinavase claramente para a segunda via ao propor uma religiosidade marcada mais pela interioridade que pela pompa Nenhum padrão de escrita reconhecido Outro elemento fundamental é a concepção de fé como confiança inseparável da dimensão paradoxal da Loucura Para crer é necessário aceitar aquilo que excede a razão e desafia os critérios de utilidade Essa perspectiva já presente em Paulo ganha em Erasmo uma roupagem literária em que a Loucura se torna portavoz da sabedoria cristã que escapa à lógica mundana Segundo Foucault 19611978 a Idade Clássica progressivamente isolou a loucura como desrazão mas no período anterior ela ainda podia ser lida como revelação ou verdade superior O Elogio da Loucura inserese nesse momento liminar preservando a ambivalência de um discurso que é ao mesmo tempo crítico e devocional Nenhum padrão de escrita reconhecido A valorização da Loucura como sabedoria cristã confere à obra seu caráter profundamente pedagógico Ao ridicularizar vícios sociais e intelectuais Erasmo recorda ao leitor que a verdadeira vida cristã não está no acúmulo de títulos ou na ostentação religiosa mas na capacidade de viver a humildade e a caridade Como destaca Maravall 19751997 a sátira humanista tinha uma função ética orientada à formação do sujeito em consonância com valores espirituais Nesse sentido o Elogio da Loucura não é apenas um exercício literário ou crítico é também uma exortação à redescoberta da sabedoria do Evangelho compreendida como loucura diante dos critérios do mundo Nenhum padrão de escrita reconhecido Erasmo humanismo e a crítica à razão absoluta Nenhum padrão de escrita reconhecido A crítica de Erasmo à razão absoluta deve ser compreendida dentro do horizonte mais amplo do humanismo renascentista Diferente da escolástica medieval que buscava organizar o saber em sistemas rígidos o humanismo valorizava o retorno às fontes clássicas e bíblicas promovendo uma visão mais flexível da razão O Elogio da Loucura ao dar voz à insensatez denuncia o risco de absolutizar a racionalidade mostrando como ela pode se converter em dogmatismo e vaidade Como lembra Garin 19652001 o humanismo renascentista não rejeitou a razão mas lhe atribuiu uma função ética e educativa subordinada ao bem da vida humana Nesse sentido Erasmo inscrevese na tradição que vê na razão um meio não um fim em si mesma Nenhum padrão de escrita reconhecido O recurso à Loucura como narradora revela de forma literária a limitação da racionalidade quando convertida em critério único de verdade A sátira mostra que a vida humana é sustentada por ilusões paixões e esperanças que a razão por si só não pode fornecer Erasmo 15112023 sugere que sem certo grau de engano e insensatez a existência se tornaria intolerável pois a pura racionalidade exporia ao homem sua fragilidade e finitude Essa percepção confere ao texto uma densidade filosófica que antecipa de certo modo críticas posteriores ao racionalismo moderno indicando que o humanismo não se construiu sobre a rejeição da fé ou da imaginação mas sobre sua integração à vida intelectual Nenhum padrão de escrita reconhecido Essa crítica também tem dimensão pedagógica ao ironizar os doutores da razão e os teólogos escolásticos Erasmo recorda que a finalidade do conhecimento não é a acumulação de disputas estéreis mas a formação ética do indivíduo Como destaca Kristeller 19612019 os humanistas viam o estudo das letras como instrumento de cultivo moral em contraste com a lógica formal da escolástica O Elogio da Loucura ilustra esse princípio ao mostrar que a razão quando absolutizada produz pedantismo e orgulho mas quando moderada pela fé e pela humanidade pode se tornar instrumento de sabedoria Nesse equilíbrio encontrase a marca distintiva do pensamento erasmiano Nenhum padrão de escrita reconhecido A crítica erasmiana à razão absoluta também reflete sua preocupação com a relação entre saber e poder O racionalismo escolástico ao se organizar em sistemas rígidos servia de base para legitimar autoridades acadêmicas e eclesiásticas criando um ambiente em que o prestígio intelectual se confundia com hierarquia social Pela voz da Loucura Erasmo denuncia essa instrumentalização do conhecimento revelando que quando dissociada da humildade e da caridade a razão se converte em vaidade Como ressalta Burke 19972010 o humanismo atuou como força de democratização cultural pois valorizava a circulação do saber e a leitura direta das fontes em oposição ao monopólio erudito das universidades Assim o Elogio da Loucura questiona a função social da razão sublinhando a necessidade de reconduzila ao horizonte do humano Nenhum padrão de escrita reconhecido Nesse ponto é relevante destacar a sutileza da posição erasmiana Diferente de correntes radicais que rejeitavam o papel da razão ele não propõe sua destruição mas sua moderação A razão deve ser acompanhada de imaginação fé e experiência concreta elementos que juntos garantem a vitalidade da existência humana Como observa Cassirer 19272001 o Renascimento operou uma síntese criativa entre racionalidade e simbolismo afastandose tanto do racionalismo estrito quanto do irracionalismo puro O texto de Erasmo é exemplo dessa síntese pois ao louvar a Loucura reconhece os limites da razão sem negar sua utilidade Nenhum padrão de escrita reconhecido Por fim a crítica erasmiana à razão absoluta deve ser lida como advertência ética Ao mostrar que a racionalidade pode se transformar em dogma Erasmo antecipa debates que atravessariam a modernidade especialmente em torno da relação entre saber e liberdade Sua obra recorda que o pensamento quando desvinculado da dimensão moral corre o risco de degenerar em instrumento de opressão Como aponta Foucault 19611978 a história da razão é também a história de exclusões como a da loucura O Elogio da Loucura escrito três séculos antes já sinalizava esse perigo ao revelar que o excesso de racionalidade quando isolado da humanidade gera monstruosidades Nesse equilíbrio entre crítica e moderação reside a atualidade do pensamento erasmiano Nenhum padrão de escrita reconhecido Conclusão O Elogio da Loucura escolhe uma via deliberadamente oblíqua para dizer o que precisa ser dito Em vez do tratado uma peça encomiástica em lugar do douto que arenga a personagem que se louva Essa inversão não é capricho retórico É um método ao permitir que a Loucura fale Erasmo desloca o centro do discurso abre espaço para que a crítica opere por contraste e para que a ironia ao invés de enfeite funcione como exame O livro sustenta do início ao fim essa escolha formal e é ela que dá coesão ao conjunto sem o didatismo que fecharia a leitura num único sentido Nenhum padrão de escrita reconhecido A narradora chega com nome ascendência corte e ofício Traz à cena suas companheiras philautía kolakeía lth hdon e com elas monta o mapa das dependências humanas A felicidade diz precisa de véus a amizade de benevolências que a razão pura não concede a esperança de certa suspensão do cálculo Quando a Loucura percorre profissões e estados não enumera por mero inventário demonstra caso a caso como a vida coletiva se organiza em torno de pequenas ficções úteis e como essas ficções quando ganham corpo demais produzem caricaturas A graça do texto nasce dessa proximidade entre o que sustenta e o que deforma Nenhum padrão de escrita reconhecido Há ainda uma lição sobre o próprio conhecimento O alvo não é a razão mas o seu absolutismo Quando convertida em tribunal que julga tudo de fora a razão tornase estéril multiplica distinções que pouco distinguem degrada o estudo em competição de engenho Quando aceita limites e companhia imaginação afeto experiência caridade volta a servir A sátira nesse sentido tem função pedagógica corrige sem humilhar ensina sem entorpecer convida sem impor É o docere delectando praticado com rigor não com complacência Nenhum padrão de escrita reconhecido Por isso o livro não envelhece Suas cenas reaparecem sob outras formas a linguagem do mérito recobre hierarquias a tecnicidade do discurso escamoteia interesses a devoção se rende à exterioridade o debate culto se satisfaz com a vitrine O Elogio da Loucura não oferece uma receita contra tudo isso e talvez esteja aí a sua força Ele solicita vigilância e medida Mostra que a vida comum precisa de alguma hdon de algum esquecimento de uma cota de ficção e que ao mesmo tempo precisa de freios que a salvem de si Reconhecer essa dupla necessidade não é conciliação fácil é trabalho de maturidade E é exatamente a ele que a leitura uma vez concluída nos convoca Nenhum padrão de escrita reconhecido ReferênciAs BAKHTIN Mikhail Mikhalovich VIEIRA Yara Frateschi A cultura popular na Idade Média e no Renascimento o contexto de François Rabelais Hucitec 1987 Padrão de escrita semelhante a texto gerado por IA BATAILLON Marcel Erasmo y España Estudios sobre la historia espiritual del siglo XVI México Fondo de Cultura Económica 2ª edição 1966 2ª reimpressão 1996 Nenhum padrão de escrita reconhecido BURKE Peter Cultura popular na idade moderna Europa 15001800 Editora Companhia das Letras 2010 Nenhum padrão de escrita reconhecido CASSIRER E Indivíduo e cosmos na filosofia do renascimento São Paulo Martins Fontes 2001 Nenhum padrão de escrita reconhecido CURTIUS Ernst Robert Literatura européia e Idade Média latina Instituto Nacional do Livro 1957 Padrão de escrita semelhante a texto gerado por IA DELUMEAU Jean O pecado e o medo a culpabilização no Ocidente séculos XIIIXVIII 2 volumes Bauru Edusc 2003 Nenhum padrão de escrita reconhecido ELIAS Norbert A sociedade de corte Zahar 2001 Palavras insuficientes para análise de IA FEBVRE Lucien O problema da incredulidade no século XVI a religião de Rabelais Editora Companhia das Letras 2009 Nenhum padrão de escrita reconhecido FOUCAULT Michel História da Loucura na Idade Clássica Perspectiva 1978 Nenhum padrão de escrita reconhecido GARIN Eugênio Ciência e vida civil no Renascimento italiano Unesp 2001 Nenhum padrão de escrita reconhecido HUIZINGA Johan Erasmus and the Age of Reformation Princeton University Press 2014 KOSELLECK Reinhart BRANCO Luciana VillasBoas Castello Palavras insuficientes para análise de IA Crítica e crise uma contribuição à patogênese do mundo burguês Contraponto Editora 2020 KRISTELLER Paul Oskar BOGÉA Anderson O sistema moderno das artes Artefilosofia v 14 n 27 p 226 2019 MAQUIAVEL Nicolau O príncipe Escritos políticos 2014 Palavras insuficientes para análise de IA MARAVALL José Antonio GARCIA Silvana A cultura do barroco análise de uma estrutura histórica edusp 1997 Detecção de IA inconclusiva ROTTERDAM Erasmo de Elogio da loucura Edipro 2023 Palavras insuficientes para análise de IA SKINNER Quentin As fundações do pensamento político moderno Tradução de 1978 Nenhum padrão de escrita reconhecido PAGE1 Aviso Não é recomendado utilizar percentuais para medição de plágio os valores exibidos são apenas dados estatísticos Essa análise considera citações como trechos suspeitos apenas uma revisão manual pode afirmar plágio Clique aqui para saber mais Estatísticas Expressões analisadas 452 Buscas Realizadas na Internet 570 Buscas Realizadas na Computador 0 Downloads de páginas 83 Downloads de páginas malsucedidos 81 Comparações diretas com páginas da internet 89 Total de endereços localizados 104 Quantidade média de palavras por busca 907 Legenda Endereço validado confirmada a existência do texto no endereço marcado Expressão não analisada Expressão sem suspeita de plágio Expressão ignorada Ocorrência não considerada não confiável Algumas ocorrências na internet Muitas ocorrências na internet Contém ocorrência confirmada Ocorrências na base local Configurações da análise Limite mínimo e máximo de palavras por frase pesquisada 8 a 13 Nível da Análise quantas vezes o documento foi analisado 1 Analisado por Plagius Detector de Plágio 298 sextafeira 22 de agosto de 2025 1159

Envie sua pergunta para a IA e receba a resposta na hora

Recomendado para você

Fazer um Fichamento

154

Fazer um Fichamento

Filosofia

PUC

Arte Sacra

45

Arte Sacra

Filosofia

PUC

Elogio da Loucura - Erasmo de Rotterdam - eBook Completo

219

Elogio da Loucura - Erasmo de Rotterdam - eBook Completo

Filosofia

PUC

o Problema do Poder em o Príncipe de Maquiavel

40

o Problema do Poder em o Príncipe de Maquiavel

Filosofia

PUC

Manual do Estágio Supervisionado III - Curso de Filosofia

46

Manual do Estágio Supervisionado III - Curso de Filosofia

Filosofia

UNIFAVENI

Principios Matematicos de Newton e Obras de Leibniz - Filosofia e Mecanica

473

Principios Matematicos de Newton e Obras de Leibniz - Filosofia e Mecanica

Filosofia

UCDB

A Religião no Mundo Romano: Politeísmo e Sincretismo

55

A Religião no Mundo Romano: Politeísmo e Sincretismo

Filosofia

UNIP

Artigo sobre Hobbes e Bacon

312

Artigo sobre Hobbes e Bacon

Filosofia

UFPA

Filosofia da Ciencia - Consciencia em Maquinas e Funcionalismo

8

Filosofia da Ciencia - Consciencia em Maquinas e Funcionalismo

Filosofia

USP

Direitos Humanos: Princípios, Teorias e Preconceitos

51

Direitos Humanos: Princípios, Teorias e Preconceitos

Filosofia

UNIP

Texto de pré-visualização

ERASMO de Rotterdam elogio da loucura wwweBooksBrasilorg Elogio da Loucura Encomium Moriae Erasmo de Rotterdam 1466 1536 Tradução base Paulo M Oliveira Versão para eBook eBooksBrasilcom Fonte Digital Digitalização de edição em papel Atena Editora sd Imagem interna clendeningkumcedu 2002 Desiderius Erasmo ÍNDICE Notícia Biográfica 4 ELOGIO DA LOUCURA 7 Erasmo a Tomás More 8 Declamação de Erasmo de Rotterdam 13 Notas 200 NOTÍCIA BIOGRÁFICA FILHO de Geraldo Elia e de Margarida Zerembergen nasceu Erasmo no dia 27 de outubro de 1465 na cidade de Rotterdam O seu primitivo nome de Geraldo herdado do pai traduziuo ele mais tarde em latim e em grego tornandose célebre com o de Desidério Erasmo Seu pai em virtude da perseguição da família de Margarida por não ter o casal recebido a bênção da Igreja fora constrangido a refugiarse em Roma Em seguida desesperado com a falsa notícia da morte de Margarida entrou num convento e fezse padre Ao saber porém que Margarida ainda vivia voltou à Alemanha e recuperou a sua felicidade passando a viver em companhia da esposa e do filho Aos onze anos de idade Erasmo já lia perfeitamente Horácio e Terêncio Tendo perdido os pais ainda muito jovem o seu tutor internouo no convento de Stein onde Erasmo desgostoso entregouse apaixonadamente aos estudos Tinha apenas vinte anos quando escreveu sua primeira obra O Desprezo do Mundo Em seguida publicou um discurso intitulado O Bem da Paz Esses dois trabalhos logo se tornaram muito conhecidos e celebrizaram o seu autor O bispo de Cambrai mandou chamar Erasmo e o teve em sua companhia Seguiu ele depois para Paris e entrou no colégio de Montegu mas aí se deu tão mal com a alimentação que a sua saúde ficou seriamente prejudicada Regressando à Holanda teve a proteção da marquesa de Nassau Ana de Brosselen A fidalga castelhana forneceulhe recursos para as suas viagens Erasmo foi então para a Inglaterra onde esteve em companhia de Lord Montjoye que mandara chamálo Daí partiu ele para a Itália onde se doutorou pela Universidade de Bolonha Na Itália Erasmo travou relações com os homens mais famosos da época Conheceu cardeais e papas entre estes Júlio II Esteve em seguida em Veneza com Aldo Manuzio depois em Pádua onde foi preceptor do filho bastardo de James Stuart mais tarde tornou à inglaterra onde teve em Thomas More um dos seus melhores amigos O Elogio da Loucura Encomium Moriae que ora editamos foi publicado em Paris em 1509 É uma sátira extraordinariamente interessante na qual os potentados da época e sobretudo os homens da Igreja são impiedosamente escalpelados pela ironia incomparável do grande escritor Sempre inquieto e insatisfeito percorreu Erasmo vários países até se instalar definitivamente na Basileia onde morreu aos setentas anos de idade no dia 11 de julho de 1536 ERASMO A THOMAS MORE SAÚDE ACHANDOME dias atrás de regresso da Itália à Inglaterra a fim de não gastar todo o tempo da viagem em insípidas fábulas preferi recrearme ora volvendo o espírito aos nossos comuns estudos ora recordando os doutíssimos e ao mesmo tempo dulcíssimos amigos que deixara ao partir E foste tu meu caro More o primeiro a aparecer aos meus olhos pois que malgrado tanta distância eu via e falava contigo com o mesmo prazer que costumava ter em tua presença e que juro não ter experimentado maior em minha vida Não desejando naquele intervalo passar por indolente e não me parecendo as circunstâncias adequadas aos pensamentos sérios julguei conveniente divertirme com um elogio da Loucura Porque essa inspiração1 perguntarmeás Pelo seguinte a princípio dominoume essa fantasia por causa do teu gentil sobrenome tão parecido com a Mória2 quanto realmente estás longe dela e decerto ainda mais longe do conceito que em geral dela se faz Em seguida lisonjeoume a idéia de que essa engenhosa pilhéria pudesse merecer a tua aprovação se é verdade que divertimentos tão ELOGIO DA LOUCURA ERASMO de ROTTERDAM artificiais não me parecendo plebeus naturalmente nem de todo insulsos te possam deleitar3 permitindo que como um novo Demócrito observes e ridicularizes os acontecimentos da vida humana Mas assim como pela excelência do gênio e de talentos estás acima da maioria dos homens assim também pela rara suavidade do costume e pela singular afabilidade sabes e gostas sempre e em toda parte de habituarte a todos e a todos parecer amável e grato Por conseguinte gostarás agora não só de aceitar de bom grado esta minha pequena arenga como um presente do teu bom amigo mas também de colocála sob o teu patrocínio como coisa sagrada para ti e na verdade mais tua do que minha Já prevejo que não faltarão detratores para insurgirse contra ela acusandoa de frivolidade indigna de um teólogo de sátira indecente para a moderação cristã em suma clamando e cacarejando contra o fato de eu ter ressuscitado a antiga comédia4 e qual novo Luciano5 ter magoado a todos sem piedade Mas os que se desgostarem com a ligeireza do argumento e com o seu ridículo devem ficar avisados de que não sou eu o seu autor pois que com o seu uso se familiarizaram numerosos grandes homens Com efeito muitos séculos antes Homero escreveu a sua Batraquiomaquia Virgílio cantou o mosquito e a amoreira e Ovídio a nogueira Polícrates chegou a fazer o elogio de Busiris mais tarde impugnado e corrigido por Isócrates Glauco enalteceu a injustiça o filósofo Favorino louvou Tersites e a febre quartã Sinésio a calvície e Luciano a mosca parasita finalmente Sêneca ridicularizou a apoteose de Cláudio Plutarco escreveu o diálogo do grilo com Ulisses Luciano e Apuleio falaram do burro e um tal Grunnio Corocotta fez o testamento do porco citado por São Jerônimo Saibam pois esses censores que também para divertirme já joguei xadrez e montei em cavalo de pau como um menino Na verdade haverá maior injustiça do que sendo permitida uma brincadeira adequada a cada idade e condição não poder pilheriar um literato principalmente quando a pilhéria tem um fundo de seriedade sendo as facécias manejadas apenas como disfarce de forma que quem as lê quando não seja um solene bobalhão mas possua algum faro encontre nelas ainda mais proveito do que em profundos e luminosos temas Que dizer então de alguém que com um longo discurso depois de muito estudar e fatigar as costas elogiasse a retórica ou a filosofia ou de alguém que escrevesse o elogio de um príncipe outro uma exortação contra os turcos outro fizesse horóscopos e predições baseado nos planetas outro questões de lana caprina e investigações futilíssimas Portanto assim como não há nada mais inepto do que abordar graves argumentos puerilmente assim também é bastante agradável e plausível tratar de igual forma as pilhérias não têm aqui outro objetivo senão o de pilheriar Quanto a mim deixo que os outros julguem esta minha tagarelice mas se o meu amorpróprio não deixar que eu o perceba contentarmeei de ter elogiado a Loucura sem estar inteiramente louco Quanto à imputação de sarcasmo não deixarei de dizer que há muito tempo existe a liberdade de estilo com a qual se zomba da maneira por que vive e conversa o homem a não ser que se caia no cinismo e no veneno Assim pergunto se se deve estimar o que magoa ou antes o que ensina e instrui censurando a vida e os costumes humanos sem pessoalmente ferir ninguém Se assim não fosse precisaria eu mesmo fazer uma sátira a meu respeito com todas as particularidades que atribuo aos outros Além disso quem se insurge em geral contra todos os aspectos da vida não deve ser inimigo de ninguém mas unicamente do vício em toda a sua extensão e totalidade Se houver pois alguém que se sinta ofendido por isso deverá procurar descobrir as suas próprias mazelas porque do contrário se tornará suspeito ao mostrar receio de ser objeto da minha censura Muito mais livre e acerbo nesse gênero literário foi São Jerônimo que nem sequer perdoava os nomes das pessoas Nós porém além de calarmos absolutamente os nomes temperámos o estilo de forma que o leitor honesto verá por si mesmo que o meu propósito foi mais divertir do que magoar Seguindo o exemplo de Juvenal em nenhum ponto tocámos na oculta cloaca de vícios da humanidade nem relevámos as suas torpezas e infâmias limitandonos a mostrar o que nos pareceu ridículo Se apesar de tudo ainda houver ranzinzas e descontentes que ao menos observem como é bonito e vantajoso ser acusado de loucura Com efeito na boca da que trouxemos à cena e fizemos falar foi necessário pôr os juízos e as palavras que mais se coadunam com o seu caráter Mas para que hei de te dizer todas essas coisas se és emérito advogado capaz de defender egregiamente mesmo as causas menos favoráveis Sem mais eloquêntissimo More estimo que estejas são e tomes animosamente a parte de tua loucura Vila 10 de junho de 1508 DECLAMAÇÃO DE ERASMO DE ROTTERDAM EMBORA os homens costumem ferir a minha reputação e eu saiba muito bem quanto o meu nome soa mal aos ouvidos dos mais tolos orgulhome de vos dizer que esta Loucura sim esta Loucura que estais vendo é a única capaz de alegrar os deuses e os mortais A prova incontestável do que afirmo está em que não sei que súbita e desusada alegria brilhou no rosto de todos ao aparecer eu diante deste numerosíssimo auditório De fato ergustes logo a fronte satisfeitos e com tão prazenteiro e amável sorriso me aplaudistes que na verdade todos os que distingo ao meu redor me parecem outros tantos deuses de Homero embriagados pelo néctar com nepente8 No entanto antes estivestes sentados tristes e inquietos como se há pouco tivésseis saído da caverna de Trofônio9 Com efeito como no instante em que surge no céu a brilhante figura do sol ou como quando após um rígido inverno retorna a primavera com suas doces aragens e vemos todas as coisas tomarem logo um novo aspecto matizandose de novas cores contribuindo tudo para de certo modo rejuvenescer a natureza assim também logo que me vistes transformastes inteiramente as vossas fisionomias Bastou pois a minha simples presença para eu obter o que valentes oradores mal teriam podido conseguir com um longo e longamente meditado discurso expulsar a tristeza de vossa alma Se agora fazeis questão de saber por que motivo me agrada aparecer diante de vós com uma roupa tão extravagante eu volo direi em seguida se tiverdes a gentileza de me prestar atenção não a atenção que costumais prestar aos oradores sacros mas a que prestais aos charlatães aos intrujões e aos bobos das ruas numa palavra a que o nosso Midas10 prestava ao canto do deus Pã E isso porque me agrada ser convosco um tanto sofista não da espécie dos que hoje não fazem senão imbuir as mentes juvenis de inúteis e difíceis bagatelas ensinandoos a discutir com uma pertinácia mais do que feminina Ao contrário pretendo imitar os antigos que evitando o infame nome de filósofos preferiram chamarse sofistas11 cuja principal cogitação consistia em elogiar os deuses e os heróis Ireis pois ouvir o elogio não de um Hércules ou de um Solon mas de mim mesma isto é da Loucura Para dizer a verdade não nutro nenhuma simpatia pelos sábios que consideram tolo e impudente o autoelogio Poderão julgar que seja isso uma insensatez mas deverão concordar que uma coisa muito decorosa é zelar pelo próprio nome De fato que mais poderia convir à Loucura do que ser o arauto do próprio mérito e fazer ecoar por toda parte os seus próprios louvores Quem poderá pintarme com mais fidelidade do que eu mesma Haverá talvez quem reconheça melhor em mim o que eu mesma não reconheço De resto esta minha conduta me parece muito mais modesta do que a que costuma ter a maior parte dos grandes e dos sábios do mundo É que estes calcando o pudor aos pés subornam qualquer panegirista adulador ou um poetastro tagarela que à custa do ouro recita os seus elogios que não passam afinal de uma rede de mentiras E enquanto o modestíssimo homem fica a escutálo o adulador ostenta penas de pavão levanta a crista modula uma voz de timbre descarado comparando aos deuses o homenzinho de nada apresentandoo como modelo absoluto de todas as virtudes muito embora saiba estar ele muito longe disso enfeitando com penas não suas a desprezível gralha esforçandose por alvejar as peles da Etiópia e finalmente fazendo de uma mosca um elefante Assim pois sigo aquele conhecido provérbio que diz Não tens quem te elogïe Elogiate a ti mesmo Não posso deixar neste momento de manifestar um grande desprezo não sei se pela ingratidão ou pelo fingimento dos mortais É certo que nutrem por mim uma veneração muito grande e apreciam bastante as minhas boas ações mas parece incrível desde que o mundo é mundo nunca houve um só homem que manifestando o reconhecimento fizesse o elogio da Loucura Não faltou contudo quem com grande perda de azeite e de sono exaltasse com elogios estudatíssimos os Busiris12 e os Falaris13 a febre quartã e a mosca a calvície e outras pestes semelhantes Ireis pois ouvir de mim mesma o meu panegírico o qual não sendo oportuno nem estudado será por isso mesmo muito mais sincero Não julgueis que assim vos fale por ostentação de engenho como costuma fazer a maior parte dos oradores Estes como bem sabeis depois de se esfalfarem bem uns trinta anos em cima de um discurso talvez surrupiado de outrem são tão impudentes que procuram impingir que o fizeram por divertimento em três dias ou então que o ditaram Eu ao contrário sempre gostei muito de dizer tudo o que me vem à boca Não espereis que de acordo com o costume dos retóricos vulgares eu vos dê a minha definição e mito menos a minha divisão Com efeito que é definir É encerrar a idéia de uma coisa nos seus justos limites E que é dividir É separar uma coisa em suas diversas partes Ora nem uma nem outra me convém Como poderia limitarme quando o meu poder se estende a todo o gênero humano E como poderia dividirme quando tudo concorre em geral para sustentar a minha divindade Além disso porque haveria de me pintar como sombra e imagem numa definição quando estou diante dos vossos olhos e me vedes em pessoa Sou eu mesma como vedes sim sou eu aquela verdadeira dispenseira de bens a que os italianos chamam Pazzia e os gregos Mória E que necessidade havia de volo dizer O meu rosto já não o diz bastante Se há alguém que desastradamente se tenha iludido tomandome por Minerva ou pela Sabedoria bastará olharme de frente para logo me conhecer a fundo sem que eu me sirva das palavras que são a imagem sincera do pensamento Não existe em mim simulação alguma mostrandome eu por fora o que sou no coração Sou sempre igual a mim mesma de tal forma que se alguns dos meus sequazes presumes não passar por tais disfarçandose sob a máscara e o nome de sábios não serão eles mais do que macacos vestidos de púrpura do que burros vestidos com pele de leão Qualquer pois que seja o raciocínio feito para se mostrarem diferentes do que são dois compridos orelhões descobrirão sempre o seu Midas Para dizer a verdade não estou nada satisfeita com essa gente ingrata com esses perversos velhacos porque embora pertençam mais do que os outros ao nosso império não só publicamente se envergonham de usar o meu nome como muitas vezes chegam a aplicálo aos outros como título oprobioso Portanto sendo eles loucos e arquiloucos embora assumam a atitude de sábios e de Tales14 não teremos razão de chamálos loucamente de sábios A esse respeito pareceume igualmente oportuno imitar os retóricos dos nossos dias que se reputam outras tantas divindades uma vez que podem gabarse de outras línguas como a sanguessuga15 e consideram coisa maravilhosa inserir nos seus discursos de cambulhada mesmo fora de propósito palavrinhas gregas a fim de formarem belíssimos mosaicos E quando acontece que um desses oradores não conhece as línguas estrangeiras desentranha ele de rançosos papéis quatro ou cinco vocábulos com os quais lança poeira aos olhos do leitor de forma que os que o entendem se compadeçam do próprio saber e os que não o compreendem o admirem na proporção da própria ignorância Para nós os tolos um dos maiores prazeres não consistirá em admirar com a máxima surpresa tudo o que nos vem dos países ultramontanos Finalmente se houver alguns que embora não entendendo nada desses velhos idiomas queiram dar mostras de que os compreendem nesse caso devem aparentar uma fisionomia satisfeita aprovar abanando a cabeça ou simplesmente as longas orelhas de burro e dizer com um ar de importância Bravo Bravo Muito bem Justamente Mas retomemos o fio do nosso raciocínio Portanto sabeis agora o meu nome homens Mas que epíteto poderei aplicarvos Sem dúvida que o de estultíssimos Que vos parece Poderia acaso a deusa Loucura dar epíteto mais digno aos seus adoradores aos iniciados nos seus mistérios Como porém poucos dentre vós conhecem a minha genealogia vou procurar informarvos a respeito com auxílio das musas16 os matrimônios os tratados as confederações as leis as artes o ridículo o sério ai não posso mais faltame a respiração concluamos por cujo talento se regulam todos os negócios públicos e privados dos mortais Plutão sem cujo braço toda a turba das divindades poéticas falemos com mais franqueza os próprios deuses de primeira ordem18 não existiriam ou pelo menos passariam muito mal Plutão finalmente cujo desprezo é tão terrível que a própria Palas19 não seria capaz de proteger bastante os que o provocassem mas cujo favor ao contrário é tão poderoso que quem o obtém pode rirse de Júpiter e de suas setas Pois bem é justamente esse o meu pai de quem tanto me orgulho pois me gerou não do cérebro como fez Júpiter com a torva e feroz Minerva mas de Neotetes20 a mais bonita e alegre ninfa do mundo Além disso os meus progenitores não eram ligados pelo matrimônio nem nasci como o defeituoso Vulcano filho da fastidiosíssima ligação de Júpiter com Juno Sou filha do prazer e o amor livre presidiu ao meu nascimento para falar com nosso Homero foi Plutão dominado por um transporte de ternura amorosa Assim para não incorrerdes em erro declarovos que já não falo daquele decrépito Plutão que nos descreveu Aristófanes agora caduco e cego mas de Plutão ainda robusto cheio de calor na flor da juventude e não só moço mas também exaltado como nunca pelo néctar a ponto de num jantar com os deuses por extravagância o ter bebido puro e aos grandes goles Se além disso fazeis questão de saber ainda qual a minha pátria uma vez que em nossos dias é como uma prova de nobreza notificar ao público o lugar no qual demos os nossos primeiros vagidos ficai sabendo que não nasci nem na ilha Natante de Delos como Apolo nem da espuma do agitado Oceano como Vênus nem das escuras cavernas Nasci nas ilhas Fortunadas onde a natureza não tem necessidade alguma da arte Não se sabe ali o que sejam o trabalho a velhice as doenças nunca se vêem nos campos nem asfódelo nem malva nem lilá nem lúpulo nem fava nem outros semelhantes e desprezíveis vegetais Ali ao contrário a terra produz tudo quanto possa deleitar a vista e embriagar o olfato mólio21 panacéia nepente mangerona ambrosia lotus rosas violetas jacintos anêmonas Nascida no meio de tantas delícias não saudei a luz com o pranto como quase todos os homens mal fui parida comecei a rir gostosamente na cara de minha mãe Não invejo pois ao supremo Júpiter o ter sido amamentado pela cabra Amaltéia pois que duas graciosíssimas ninfas me deram de mamar Mete22 filha de Baco e Apedia23 filha de Pã Ainda podeis vêlas aqui no consórcio das outras minhas sequazes e companheiras Se por Júpiter também quereis saber os seus nomes eu volo direi mas somente em grego Estais vendo esta de olhar altivo É Filavutia isto é o amorpróprio E esta de olhos risonhos que aplaude batendo palmas É Kolaxia isto é a adulação E a outra de pálpebras cerradas parecendo dormir É Lethes isto é o esquecimento E aquela que se acha apoiada nos cotovelos com as mãos cruzadas É Misoponia isto é o horror à fadiga E esta que tem a cabeça engrinaldada de rosas exalando essências e perfumes É Idonis isto é a volúpia E a outra que está revirando os olhos lúbricos e incertos e parece dominada por convulsões É Ania isto é a irreflexão Finalmente aquela de pele alabastrina gorducha e bem nutrida é Trofís isto é a delícia Entre essas ninfas podeis distinguir ainda dois deuses um é Komo isto é o riso e o prazer da mesa o outro é Nigreton hypnon isto é o sono profundo Acompanhada pois e servida fielmente por esse séquito de criados estendo o meu domínio sobre todas as coisas e até os monarcas mais absolutos estão submetidos ao meu império Já conheceis portanto o meu nascimento a minha educação e a minha corte Agora para que ninguém julgue não haver razão para eu usurpar o nome de deusa quero demonstrarvos quanto sou útil aos deuses e aos homens e até onde chega o meu divino poder desde que me presteis ouvidos com bastante atenção Já escreveu sensatamente alguém que ser deus consiste em favorecer os mortais Ora se com razão foram incluídos no rol dos deuses os que introduziram na sociedade o vinho a cerveja e outras tantas vantagens proporcionadas ao homem porque não serei eu proclamada e venerada como a primeira das divindades eu que a todos prodigamente dispenso sozinha tantos bens Antes de tudo disseme haverá no mundo coisa mais doce e mais preciosa do que a vida E quem mais do que eu contribui para a concepção dos mortais Nem a lança poderosa de Palas nem a égide24 do fulminante Júpiter nada valem para produzir e propagar o gênero humano O próprio pai dos deuses e rei dos homens a um gesto do qual treme todo o Olimpo faria bem em depor o seu fulmineo trissuleo em deixar aquele ar terrível e majestoso com o qual aterroriza toda aquela multidão de deuses e em apresentarse o pobrezinho como bom cômico sob uma forma inteiramente nova quando quiser desempenhar a função por ele já tantas vezes desempenhada de procriar pequenos Júpíters Vejamos agora os bobalhões dos estóicos que se reputam tão próximos e afins dos deuses Mostraime apenas um dentre eles que mesmo sendo mil vezes estoico nunca tendo feito a barba distintivo da sabedoria se bem que tal distintivo seja também comum aos bodes precisará deixar o seu ar cheio de orgulho assumir uns ares de fidalgo abandonar a sua moral austera e inflexível fazer asneiras e loucuras Em suma será forçoso que esse filósofo se dirija a mim e se recomende se quiser tornarse pai E porque segundo o meu costume não hei de vos falar mais livremente Dizeime por favor serão talvez a cabeça a cara o peito as mãos as orelhas como partes do corpo reputadas honestas que geram os deuses e os homens Ora meus senhores eu acho que não o instrumento propagador do gênero humano é aquela parte tão deselegante e ridícula que não se lhe pode dizer o nome sem provocar o riso Aquela sim é justamente aquela a fonte sagrada de onde provêm os deuses e os mortais Pois bem quem desejaria sacrificarse ao laço matrimonial se antes como costumam fazer em geral os filósofos refletisse bem nos incômodos que acompanham essa condição Qual é a mulher que se submeteria ao dever conjugal se todas conhecessem ou tivessem em mente as perigosas dores do parto e as penas da educação Se portanto deveis a vida ao matrimônio e o matrimônio à Irreflexão que é uma das minhas sequazes avaliai quanto me deveis Além disso uma mulher que já passou uma vez pelos espinhos do indissolúvel laço e que anseia por tornar a passar por eles não o fará talvez em virtude da assistência da ninfa Esquecimento minha cara companheira É preciso dizer pois a despeito do poeta Lucrécio e a própria Vênus não ousaria negálo que sem a nossa pujança e a nossa proteção a sua força e a sua virtude langueceriam e se desvaneceriam completamente25 Foi por conseguinte dessa agradável brincadeira por mim temperada com o riso o prazer e a amorosa embriaguez que saíram os carrancudos filósofos agora substituídos pelos homens vulgarmente chamados frades os purpúreos monarcas os pios sacerdotes e os pontífices três vezes santíssimos Finalmente dessa brincadeira é que também surgiu toda a turba das divindades poéticas turba tão imensa que o céu embora muito espaçoso mal pode contêla Mas pouco amiga seria eu da verdade se depois de vos provar que de mim tivestes o gérmen e o desenvolvimento da vida não vos demonstrasse ainda que provêm da minha liberalidade todos os bens que a vida encerra Que seria esta vida se é que de vida merece o nome sem os prazeres da volúpia Oh Oh Vós me aplaudis Já vejo que não há aqui nenhum insensato que não possua esse sentimento Sois todos muito sábios uma vez que a meu ver loucura é o mesmo que sabedoria Podeis pois estar certos de que também os estóicos não desprezam a volúpia embora astutamente se finjam alheios a ela e a ultrajem com mil injúrias diante do povo a fim de que amendontrando os outros possam gozála mais freqüentemente Mas admitindo que esses hipócritas declamem de boa fé dizeime por Júpiter sim dizeime se há acaso um só dia na vida que não seja triste desagradável fastidioso enfadonho aborrecido quando não é animado pela volúpia isto é pelo condimento da loucura Tomo Sóflocles por testemunho irrefragável Sóflocles26 nunca bastante louvado Oh nunca se me fez tanta justiça Diz ele para minha honra e minha glória Como é bom viver mas sem sabedoria porque esta é o veneno da vida Procuremos explicar essa proposição Todos sabem que a infância é a idade mais alegre e agradável Mas que é que torna os meninos tão amados Que é que nos leva a beijálos abraçálos e amálos com tanta afeição Ao ver esses pequenos inocentes até um inimigo se enternece e os socorre Qual é a causa disso É a natureza que procedendo com sabedoria deu às crianças um certo ar de loucura pelo qual elas obtêm a redução dos castigos dos seus educadores e se tornam merecedoras do afeto de quem as tem ao seu cudado Amase a primeira juventude que se sucede à infância sentese prazer em serlhe útil iniciála socorrêla Mas de quem recebe a meninice os seus atrativos De quem se não de mim que lhe concedo a graça de ser amaluacada e por conseguinte de gozar e de brincar Quero que me chamem de mentirosa se não for verdade que os jovens mudam inteiramente de caráter logo que principiam a ficar homens e orientados pelas lições e pela experiência do mundo entram na infeliz carreira da sabedoria Vemos então desvanecerse aos poucos a sua beleza diminuir a sua vivacidade desaparecerem aquela simplicidade e aquela candura tão apreciadas E acaba por extinguirse neles o natural vigor Por tudo isso observai senhores que quanto mais o homem se afasta de mim tanto menos goza dos bens da vida avançando de tal maneira nesse sentido que logo chega à fastidiosa e incômoda velhice tão insuportável para si como para os outros E já que falámos de velhice não fiqueis aborrecidos se por um momento chamo para ela a vossa atenção Oh como os homens seriam lastimáveis sem mim no fim dos seus dias Mas tenho pena deles e estendolhes a mão Não raro as divindades poéticas socorrem piedosamente com o divino segredo da metamorfose os que estão prestes a morrer Fetonte transformase em cisne Alcion em pássaro etc Também eu até certo ponto imito essas benéficas divindades Quando a trôpega velhice coloca os homens à beira da sepultura então na medida do que sei e do que posso eu os faço de novo meninos De onde o provérbio Os velhos são duas vezes crianças Perguntarmeeis sem dúvida como o consigo Da seguinte forma levo essas caducas cabeças ao nosso Letes porque entre parênteses sabeis que esse rio tem sua nascente nas ilhas Fortunadas e que um seu pequeno afluente corre nas proximidades do Averno e façoas beber a grandes goles a água do Esquecimento E é assim que dissipam insensivelmente as suas mágoas e recuperam a juventude Alegarseá contudo que deliram e enlouquecem pois é isso mesmo justamente nisso consiste o tornar a ser criança O delírio e a loucura não serão talvez próprios das crianças Que é que a vosso ver mais agrada nas crianças A falta de juízo Um menino que falasse e agisse como um adulto não seria um pequeno monstro Pelo menos não poderíamos deixar de odiálo e de ter por ele um certo horror Há muitos séculos é trivial o provérbio Odeio o menino de saber precoce Quem por outro lado poderia fazer negócios ou ter relações com um velho se este aliasse a uma longa experiência todo o vigor do espírito e a força do discernimento Por conseguinte por obra da minha bondade o velho se torna criança devendome a libertação de todas as fastidiosas aflições que atormentam o sábio Além disso o meu criançola não desagrada companhia nem sente aversão pela vida dificilmente suportada na idade robusta Torna a soletrar muitas vezes as três letras daquele tolo velho a que alude Flauto A M O Ora se ele fosse um pouquinho sábio não é certo que seria o mais infeliz dos mortais Mas por efeito da minha bondade uma vez isento de todo aborrecimento e inquietação recreia os amigos e é agradável na conversação E não vemos em Homero o velho Nestor falar mais doce do que o mel enquanto o feroz Aquiles prorrompe em excessos de furor O mesmo poeta não nos pinta alguns velhos sentados nos muros e fazendo lépidos discursos Afirmo pois de acordo com esse raciocínio que a felicidade da velhice supera a da meninice Não se pode negar que a infância é muito feliz mas nessa idade não se tem o prazer de tagarelar de resmungar por trás de todos como fazem os velhos prazer que constitui o principal condimento da vida Outra prova do meu confronto é a recíproca inclinação que se nota nos velhos e nos meninos e o instinto que os leva a manterem entre si boas relações Assim é que se verifica que todo semelhante ama o seu semelhante De fato essas duas idades têm uma grande relação entre si e não vejo nelas outra diferença senão as rugas da velhice e a porção de carnavais que os primeiros têm sobre a corcunda Quanto ao mais a brancura dos cabelos a falta dos dentes o abandono do corpo o balbucio a garrulice as asneiras a falta de memória a irreflexão numa palavra tudo coincide nas duas idades Enfim quanto mais entra na velhice tanto mais se aproxima o homem da infância a tal ponto que sai deste mundo como as crianças sem desejar a vida e sem temer a morte Julgueme agora quem quiser e confronte o bom serviço que prestei aos homens com a metamorfose dos deuses Não preciso recordar aqui os horríveis efeitos do seu ódio falarei apenas dos seus benefícios Que graças concedem eles aos que estão para morrer Transformam um em árvore outro em pássaro este em cigarra aquele em serpente etc que são na verdade grandes esforços de beneficência Chega a parecer que a passagem de um ser para o outro é o mesmo que morrer Quanto a mim é o homem em pessoa que eu reconduzo à idade mais bela e mais feliz Se os mortais se abstivessem totalmente da sabedoria e só quisessem viver submetidos às minhas leis é certo que não conheceriam a velhice e gozariam felizes de uma perpétua juventude Observai por favor aquelas fisionomias sombrias aqueles rostos torturados e sem cor mergulhados na contemplação da natureza ou em outras sérias e difíceis ocupações parecem envelhecidos antes de terminada a juventude e isso porque um trabalho mental assíduo penoso violento profundo faz com que aos poucos se esgotem os espíritos e a seiva da vida Reparai agora um pouco como os meus tolos são gordos lúcidos e bem nutridos ao ponto de parecerem verdadeiros porcos acarnânios27 Esses felizes mortais não sentiriam nenhum incômodo na velhice se nenhum contato tivessem com os sábios Infelizmente porém isso acontece Que fazer Vêse claramente que o homem não nasceu para gozar aqui na terra de uma felicidade perfeita Tenho ainda em meu favor o importante testemunho de um famoso provérbio que diz Só a loucura tem a virtude de prolongar a juventude embora fugacíssima e de retardar bastante a malfadada velhice Compreendese pois o que em geral se diz dos belgas ao passo que em todos os outros homens a prudência cresce na proporção dos anos neles ao contrário a loucura está na proporção da velhice Podese dizer portanto que não há no mundo nenhuma nação mais jovial nem mais alegre do que essa no comércio da vida nem que sinta menos o aborrecimento dos anos Citemos porém além dos belgas os povos que vivem sob o mesmo clima e cujos costumes são quase os mesmos quero referirme aos meus holandeses que eu posso gabarme de ter entre os meus mais fiéis adoradores Nutrem por mim tanto afeto e tanto zelo que foram julgados dignos de um epíteto derivado do meu nome e muito longe de se envergonharem o consideram sua glória principal Invoquem tudo isso os estultíssimos mortais invoquem Circe Medéia Vênus a Aurora e procurem também aquela não sei que fortuna que tem a virtude de rejuvenescer virtude que somente eu contudo posso e costumo praticar Só eu possuo o elixir admirável com o qual a filha de Menão prolongou a juventude de Titão seu avô Fui eu quem rejuvenesceu Vênus assim como Faão por quem Safo andou perdidamente apaixonada São minhas aquelas ervas se é que existem meus aqueles encantamentos minha aquela fonte que não só restituem a passada juventude mas o que é mais desejável a tornam perpétua Se portanto concordais que não há nada mais precioso do que a juventude e mais detestável do que a velhice posso concluir que reconheceis a dívida que tendes para comigo sim para comigo pois que para vos tornar felizes sei prolongar tamanho bem e retardar um mal tão grande Mas porque falar ainda mais dos mortais Percorrei todo o céu analisai todas as divindades ficarei satisfeita por me insultarem o belo nome que tenho a honra de trazer se for encontrada uma só divindade que não deva exclusivamente a mim todo o seu poder Por favor por que Baco tem sempre como um rapazinho o rosto rubicundo e a longa cabeleira loura É porque passa a vida fora de si embriagado nos banquetes nos bailes nas festas nos folguedos recusando qualquer relação com Minerva E tão alheio é à ambição de trazer o nome de sábio que gosta de ser venerado com escárnios e zombarias Nem mesmo se ofende com o provérbio que lhe dá o sobrenome de Ridículo sobrenome que mereceu porque sentado à porta do templo e divertindose os camponeses em emporcalhálo de mosto e de figos frescos ele se ria de arrebentar os queixos E quantos golpes satíricos não desferiu contra esse deus a Comédia Antiga28 O estólido o insulso deus exclamavase Indigno de nascer no meio da rua Mas dizeime sem simulação quem de vós a ser esse deus estólido e insulso mas sempre alegre sempre jovem sempre feliz sempre motivo de prazer e alegria gerais preferiria ser aquele Júpiter simulador terror do mundo inteiro ou o velho Pã que com o seu barulho espalha temores pânicos ou o defeituoso Vulcano todo enfumarado e cansado do estafante trabalho ou a própria Palas terrível pela lança e pela cabeça de Medusa e que a todos encara com um olhar feroz Passemos a outras divindades Sabeis porque Cupido se conserva sempre moço É porque só se ocupa com bagatelas porque está sempre brincando e rindo sem juízo e sem reflexão alguma correndo puerilmente de um lado para outro sem saber ao menos o que se faz ou o que se diz Porque a áurea Vênus mantém sempre florida a sua beleza Não o sabeis É porque é minha parente próxima conservando sempre no rosto a áurea cor de meu pai Plutão Além disso se devemos prestar fé aos poetas e aos seus rivais os escultores essa deusa aparece sempre com uma expressão risonha e satisfeita sendo com razão chamada por Homero de áurea Vênus E Flora mãe das delícias não era talvez um dos principais objetos da religião dos romanos Das divindades dos prazeres já falámos bastante Fazeis questão agora de conhecer a vida dos deuses tétricos e melancólicos Interrogai Homero e os outros poetas e eles poderão dizervos a esse respeito belíssimas coisas fazendovos ver que os deuses são pelo menos tão loucos quanto os mortais Júpiter deixa os seus raios abandona as rédeas do universo para entregarse aos amores o que para vós não constitui novidade Esquece o seu as ninfas E daqueles sátiros semibodes que em suas danças praticam cem atos imodéstissimos Pã provoca o riso dos deuses com suas insípidas cantilenas eles o escutam com grande atenção e preferem cem vezes a sua música à das musas principalmente quando os vapores do néctar principiam a perturbarlhes a cabeça Mas porque não hei de recordar as extravagâncias que fazem as divindades depois dos banquetes sobretudo depois de terem bebido muito Assegurovos por Deus que embora eu seja a Loucura e esteja por conseguinte habituada a toda espécie de extravagâncias muitas vezes não consigo conter o riso Mas é melhor que me cale porque se algum deus desconfiado e prevenido me escutasse também eu poderia ter a mesma sorte de Momo Mas já é tempo de que seguindo o exemplo de Homero passemos alternadamente dos habitantes do céu aos da terra onde nada se descobre de feliz e de alegre que não seja obra minha Primeiro vós bem vedes com que providência a natureza esta mãe produtora do gênero humano dispôs que em coisa alguma faltasse o condimento da loucura Segundo a definição dos estoicos o sábio é aquele que vive de acordo com as regras da razão prescrita e o louco ao contrário é o que se deixa arrastar ao sabor de sexo a altiva e inacessível Diana para consagrarse inteiramente à caça o que não impede que se apaixone loucamente por seu ardoroso Endimião a ponto de se dar muitas vezes ao incômodo de descer do céu em forma de Lua para cumulálo com seus favores Mas prefiro que as suas indecências sejam reprovadas por Momo29 cujas censuras são eles os únicos a ouvir Foi pois bem feito que os deuses enraivecidos o precipitassem à terra juntamente com Ates30 porque importuno com a sua sabedoria ele perturbava sua felicidade E longe de encontrar acolhimento nos paços monárquicos não acha uma alma que lhe preste hospitalidade em seu exílio ao passo que a Adulação minha companheira ocupa sempre o primeiro lugar essa mesma Adulação que sempre esteve de acordo com Momo como o lobo com o cordeiro E assim livres da importuna censura de Momo os deuses se entregaram com maior liberdade e alegria a toda sorte de prazeres Com efeito quantas palavras chistosas não pronuncia aquele Priapo de uma figa Quanto não faz rir Mercúrio com suas ladroeiras e seus feitiços Que não faz Vulcano31 nos banquetes dos deuses Põese a correr para chamar a atenção sobre o seu andar claudicante brinca diz asneiras em suma faz tudo para tornar o banquete alegre E que direi daquele velho imbecil que se apaixonou por Sinele e gosta de dançar com Polifemo e com suas paixões Eis porque Júpiter com receio de que a vida do homem se tornasse triste e infeliz achou conveniente aumentar muito mais a dose das paixões que a da razão de forma que a diferença entre ambas é pelo menos de um para vinte e quatro Além disso relegou a razão para um estreito cantinho da cabeça deixando todo o resto do corpo presa das desordens e da confusão Depois ainda não satisfeito com isso uniu Júpiter à razão que está sozinha duas fortíssimas paixões que são como dois impetuosíssimos tiranos uma é a Cólera que domina o coração centro das vísceras e fonte da vida a outra é a Concupiscência que estende o seu império desde a mais tenra juventude até à idade mais madura Quanto ao que pode a razão contra esses dois tiranos demonstrao bem a conduta normal dos homens Prescreve os deveres da honestidade grita contra os vícios a ponto de ficar rouca e é tudo o que pode fazer mas os vícios riemse de sua rainha gritam ainda mais forte e mais imperiosamente do que ela até que a pobre soberana não tendo mais fôlego é constrangida a ceder e a concordar com os seus rivais De resto tendo o homem nascido para o manejo e a administração dos negócios era justo aumentar um pouco para esse fim a sua pequeníssima dose de razão mas querendo Júpiter prevenir melhor esse inconveniente achou de me consultar a respeito como aliás costuma fazer quanto ao resto Deilhe uma opinião verdadeiramente digna de mim Senhor disselhe eu dê uma mulher ao homem porque embora seja a mulher um animal inepto e estúpido não deixa contudo de ser mais alegre e suave e vivendo familiarmente com o homem saberá temperar com sua loucura o humor áspero e triste do mesmo Quando Plutão pareceu hesitar se devia incluir a mulher no gênero dos animais racionais ou no dos brutos não quis com isso significar que a mulher fosse um verdadeiro bicho mas pretendeu ao contrário exprimir com essa dúvida a imensa dose de loucura do querido animal Se porventura alguma mulher meter na cabeça a idéia de passar por sábia só fará mostrarse duplamente louca procedendo mais ou menos como quem tentasse untar um boi malgrado seu com o mesmo óleo com que costumam ungirse os atletas Acreditaime pois que todo aquele que agindo contra a natureza se cobre com o manto da virtude ou afeta uma falsa inclinação ou não faz senão multiplicar os próprios defeitos E isso porque segundo o provérbio dos gregos o macaco é sempre macaco mesmo vestido de púrpura Assim também a mulher é sempre mulher isto é é sempre louca seja qual for a máscara sob a qual se apresente Não quero todavia acreditar jamais que o belo sexo seja tolo ao ponto de se aborrecer comigo pelo que eu lhe disse pois também sou mulher e sou a Loucura Ao contrário tenho a impressão de que nada pode honrar tanto as mulheres como o associálas à minha glória de forma que se julgarem direito as coisas espero que saibam agradecerme o fato de eu as ter tornado mais felizes do que os homens Antes de tudo têm elas o atrativo da beleza que com razão preferem a todas as outras coisas pois é graças a esta que exercem uma absoluta tirania mesmo sobre os mais bárbaros tiranos Sabereis de que provém aquele feio aspecto aquela pele híspida aquela barba cerrada que muitas vezes fazem parecer velho um homem que se ache ainda na flor dos anos Eu volo direi provém do maldito vício da prudência do qual são privadas as mulheres que por isso conservam sempre a frescura da face a sutileza da voz a maciez da carne parecendo não acabar nunca para elas a flor da juventude Além disso que outra preocupação têm as mulheres a não ser a de proporcionar aos homens o maior prazer possível Não será essa a única razão dos enfeites do carmim dos banhos dos penteados dos perfumes das essências aromáticas e tantos outros artifícios e modas sempre diferentes de vestirse e disfarçar os defeitos realçando a graça do rosto dos olhos da cor Quereis prova mais evidente de que só a loucura constitui o ascendente das mulheres sobre os homens Os homens tudo concedem às mulheres por causa da volúpia e por conseguinte é só com a loucura que as mulheres agradam aos homens Para confirmar ainda mais essa conclusão basta refletir nas tolices que se dizem nas loucuras que se fazem com as mulheres quando se anseia por extinguir o fogo do amor Já vos revelei portanto a fonte do primeiro e supremo prazer da vida Concordo que alguns existam sobretudo certos velhos mais bebedores que mulherengos cujo supremo prazer seja a devassidão Deixo indecisa a questão de saber se é possível um bom banquete sem mulheres O que é certo é que mesa alguma nos pode agradar sem o condimento da loucura E tanto isso é verdade que quando nenhum dos convidados se julga maluco ou pelo menos não finge sêlo é pago um bobo ou convidado um engraçado filante que com suas piadas suas brincadeiras suas bobagens expulse da mesa o silêncio e a melancolia Com efeito que nos adiantaria encher o estômago com tão suntuosas esquisitas e apetitosas iguarias se os olhos os ouvidos o espírito e o coração não se nutrissem também de diversões risadas e agradáveis conceitos Ora sou eu a inventora exclusiva de tais delícias Teriam sido porventura os sete sábios da Grécia os descobridores de todos os prazeres de um banquete como sejam tirar a sorte para se saber quem deve ser o rei da mesa jogar dado beberem todos no mesmo copo cantar um de cada vez com o ramo de murta na mão32 dançar pular ficar em várias atitudes Decerto que não somente eu podia inventálos para a felicidade do gênero humano Todas as coisas são de tal natureza que quanto mais abundante é a dose de loucura que encerram tanto maior é o bem que proporcionam aos mortais Sem alegria a vida humana nem sequer merece o nome de vida Mergulharíamos na tristeza todos os nossos dias se com essa espécie de prazeres não dissipássemos o tédio que parece ter nascido conosco Talvez haja pessoas que à falta de tais passatempos limitem toda a sua felicidade às relações com verdadeiros amigos repetindo sem cessar que a doçura de uma terna e fiel amizade ultrapassa todos os outros prazeres sendo tão necessária à vida como o ar a água o fogo Tão agradável é a amizade acrescentam que afastála do mundo equivale a afastar o sol em suma é ela tão honesta vocábulo sem significado para mim que os próprios filósofos não hesitam em incluíla entre os principais bens da vida Mas que se dirá quando eu provar que sou também a única fonte criadora de semelhante bem Vou pois demonstrálo não com sofismas nem com caprichosos argumentos tão ao gosto de retóricos mas à boa maneira e com toda a clareza Coragem vamos Dissimular enganar fingir fechar os olhos aos defeitos dos amigos ao ponto de apreciar e admirar grandes vícios como grandes virtudes não será acaso avizinharse da loucura Beijar num transporte uma mancha da amiga ou sentir com prazer o fedor do seu nariz e pretender um pai que o filho zarolho tenha dois olhos de Vênus33 não será isso uma verdadeira loucura Bradem pois quando quiserem ser uma grande loucura e acrescentarei que essa loucura é a única que cria e conserva a amizade Falo aqui unicamente dos homens dos quais não há um só que tenha nascido sem defeitos e admitindo que para nós o homem melhor seja o que tem menores vícios É por isso que os sábios pretendendo divinizarse com sua filosofia ou não contraem nenhuma amizade ou tornam a sua uma ligação áspera e desagradável Além disso só costumam gostar sinceramente de raríssimas pessoas de forma que nenhum escrúpulo me impede de asseverar que não gostam absolutamente de ninguém pela razão que vou apresentar Quase todos os homens são loucos mas porque quase todos Não há quem não faça suas loucuras e a esse respeito por conseguinte todos se assemelham ora a semelhança é justamente o principal fundamento de toda estreita amizade Quando porventura nasce entre esses austeros filósofos uma recíproca benevolência decerto que não é sincera nem durável Todos eles são de humor volúvel e intratável além de serem penetrantes demais têm olhos de lince para descobrir os defeitos dos amigos e de toupeira para ver os próprios Portanto como os homens estão sujeitos a muitas imperfeições e podeis acrescentar a estas a diferença de idade e de inclinações os numerosos erros passos em falso e vicissitudes da vida humana como poderia por um só instante subsistir entre esses Argos o laço da amizade se a evithia como a chamam os gregos que em latim eqüivale a estupidez ou conivência não o reforçasse Servivos do amor para julgar da amizade que é mais ou menos a mesma coisa Não traz Cupido esse autor esse pai de toda ternura uma venda nos olhos que lhe faz confundir o belo com o feio Não é ele porventura que faz cada um achar belo o que é seu de forma que o velho é tão apaixonado por sua velha quanto o jovem por sua donzela Essas coisas se verificam em toda parte mas em toda parte são motivo de riso Pois são justamente essas coisas ridículas que formam o principal laço da sociedade e que mais do que tudo contribuem para a alegria da vida O que dissemos da amizade também pensamos e com mais razão dizemos do matrimônio Tratase como deveis estar fartos de saber de um laço que só pode ser dissolvido pela morte Deuses eternos Quantos divórcios não se verificariam ou coisas ainda piores do que o divórcio se a união do homem com a mulher não se apoiasse não fosse alimentada pela adulação pelas carícias pela complacência pela volúpia pela simulação em suma por todas as minhas sequazes e auxiliares Ah como seriam poucos os matrimônios se o noivo prudentemente investigasse a vida e os segredos de sua futura cara metade que lhe parece o retrato da discrição da pudicícia e da simplicidade Ainda menos numerosos seriam os matrimônios duráveis se os maridos por interesse por complacência ou por burrice não ignorassem a vida secreta de suas esposas Costumase achar isso uma loucura e com razão mas é justamente essa loucura que torna o esposo querido da mulher e a mulher do esposo mantendo a paz doméstica e a unidade da família Corneiase um marido Toda a gente ri e o chama de corno enquanto o bom homem todo atencioso fica a consolar a carametade e a enxugar com seus ternos beijos as lágrimas fingidas da mulher adúltera Pois não é melhor ser enganado dessa forma do que roerse de bílis fazer barulho pôr tudo de pernas para o ar ficar furioso abandonandose a um ciúme funesto e inútil Afinal de contas nenhuma sociedade nenhuma união grata e durável poderia existir na vida sem a minha intervenção o povo não suportaria por muito tempo o príncipe nem o patrão o servo nem a patroa a criada nem o professor o aluno nem o amigo o amigo nem o marido a mulher nem o hospedeiro o hóspede nem o senhorio o inquilino etc se não se enganassem reciprocamente não se adulassem não fossem prudentemente cúmplices temperando tudo com um grãozinho de loucura Não duvido que tudo o que até agora vos disse vos tenha parecido da máxima importância E de que duvida a Loucura Mas muitas outras coisas deveis ainda escutar de mim Redrobrai pois vossa gentil atenção Dizeime por obséquio um homem que odeia a si mesmo poderá acaso amar alguém Um homem que discorda de si mesmo poderá acaso concordar com outro Será capaz de inspirar alegria aos outros quem tem em si mesmo a aflição e o tédio Só um louco mais louco ainda do que a própria Loucura admitireis que possa sustentar a afirmativa de tal opinião Ora se me excluirdes da sociedade não só o homem se tornará intolerável ao homem como também toda vez que olhar para dentro de si não poderá deixar de experimentar o desgosto de ser o que é de se achar aos próprios olhos imundo e disforme e por conseguinte de odiar a si mesmo A natureza que em muitas coisas é mais madrasta do que mãe imprimiu nos homens sobretudo nos mais sensatos uma fatal inclinação no sentido de cada qual não se contentar com o que tem admirando e almejando o que não possui daí o fato de todos os bens todos os prazeres todas as belezas da vida se corromperem e reduzirem a nada Que adianta um rosto bonito que é o melhor presente que podem fazer os deuses imortais quando contaminado pelo mau cheiro De que serve a juventude quando corrompida pelo veneno de uma hipocondria senil Como finalmente podereis agir em todos os deveres da vida quer no que diz respeito aos outros quer a vós mesmos como repito podereis agir com decoro pois que agir com decoro constitui o artifício e a base principal de toda ação se não fordes auxiliados por esse amor próprio que vedes à minha direita e que merecidamente me faz as vezes de irmã não hesitando em tomar sempre o meu partido em qualquer desavença Vivendo sob a sua proteção ficais encantados pela excelência do vosso mérito e vos apaixonais por vossas exímias qualidades o que vos proporciona a vantagem de alcançardes o supremo grau de loucura Mais uma vez repito se vos desgostais de vós mesmos persuadivos de que nada podereis fazer de belo de gracioso de decente Roubada à vida essa alma languesce o orador em sua declamação inspira piedade o músico com suas notas e seu compasso verseá o cômico vaiado em seu papel provocarão o riso o poeta e as suas musas o melhor pintor não conquistará senão críticas e desprezo morrerá de fome o médico com todas as suas receitas em suma Nereu34 aparecerá como Tersites Faão como Nestor Minerva como uma porca o eloquente como um menino o civilizado como um bronco Portanto é necessário que cada qual lisonjeie e adule a si mesmo fazendo a si mesmo uma boa coleção de elogios em lugar de ambicionar os de outrem Finalmente a felicidade consiste sobretudo em se querer ser o que se é Ora só o divino amor próprio pode conceder tamanho bem Em virtude do amor próprio cada qual está contente com seu aspecto com seu talento com sua família com seu emprego com sua profissão com seu país de forma que nem os irlandeses desejariam ser italianos nem os trácios atenienses nem os citas habitantes das ilhas Fortunadas Oh surpreendente providência da natureza Em meio a uma infinita variedade de coisas ela soube pôr tudo no mesmo nível E se não se mostrou avara na concessão de dons aos seus filhos mais pródiga se revelou ainda ao concederlhes o amor próprio Que direi dos seus dons É uma pergunta tola Com efeito não será o amor próprio o maior de todos os bens Mas para vos mostrar que tudo quanto entre os homens existe de célebre estupendo de glorioso é tudo obra minha quero começar pela guerra Não se pode negar que essa grande arte seja a fonte e o fruto das mais estrepitosas ações No entanto que coisa se poderia imaginar de mais estúpido que a guerra Dois exércitos se batem sabe Deus por que motivo e da sua animosidade obtêm muito mais prejuízo do que vantagem Os que morrem inutilmente na guerra são incontáveis como os megarese s35 Além disso disseime que serviço poderiam prestar os sábios quando os exércitos se estendem em ordem de combate e reboam no espaço o rouco som das cometas e o rufar dos tambores ao passo que eles definhados pelo estudo e pela meditação arrastam com dificuldade uma vida que se tornou enferma pelo pouco sangue frio e sutil que lhes circula nas veias36 São necessários homens troncudos e grosseiros robustos e audazes mas de muito pouco talento sim são necessárias justamente semelhantes máquinas para o mister das armas Quem poderá conter o riso ao ver Demóstenes fardado para que seguindo o sábio conselho de Arquíloco37 mal aviste inimigo jogue fora o escudo e se ponha a correr sem parar pouco lhe importando que se revele assim um soldado tão covarde quanto excelente orador Podereis dizerme que a guerra exige grande prudência Concordo convosco mas somente quanto aos generais e feita a ressalva de que se trata apenas de uma prudência toda especial relativa ao mister das armas e que nenhuma relação tem com a sabedoria filosófica É por isso E depois de tudo quanto dissemos será possível decantar a célebre máxima de Platão segundo a qual as repúblicas seriam felizes se governadas pelos filósofos ou se os príncipes filosofassem Tenho a honra de vos dizer que a coisa é justamente o oposto Se consultardes os historiadores verificareis sem dúvida que os príncipes mais nocivos à república foram os que amaram as letras e a filosofia Pareceme que os dois Catões38 bastam como prova do que afirmo um perturbou a tranqüilidade de Roma com numerosas delegações estúpidas e o outro por ter querido defender com excessiva sabedoria os interesses da república destruindo pela base a liberdade do povo romano Acrescentai a estes os Brutos39 os Cássios os Gracos e o próprio Cícero que não causou menor dano à república de Roma do que Demóstenes à de Atenas40 Quero lembrar que Antonino foi um bom príncipe embora haja fortes indícios em contrário e justamente porque tendo sido excessivamente filósofo acabou se tornando importuno e odioso aos cidadãos mas ao lembrar que foi bom devo recordar sem me contradizer que foi ainda mais nocivo ao império por ter deixado como sucessor o seu filho Cômodo do que o favoreceu com sua administração Os homens que se consagram ao estudo da ciência são em geral infelicíssimos em tudo sobretudo com os filhos Suponho que isso provenha de uma precaução da natureza que perdendo em admirar o zumbido do pernilongo descuidouse esse filósofo do estudo e do conhecimento dos homens bem como da arte sumamente necessária de se adaptar a eles Aí tendes nesse retrato o que também diz respeito a muitos dos nossos Platão que foi discípulo de Sócrates ao ver o mestre ameaçado do último suplício empenhouse em tratar a sua causa como valente defensor abriu a boca para realizar o seu digno papel mas perturbado pelo barulho da assembléia perdeuse na metade do primeiro período Que direi de Teofrasto discípulo de Aristóteles que mereceu tal nome por sua eloqüência Ao pretender falar ao povo perdeu a voz de tal forma que se diria ter visto o lobo Pergunto agora se esses homens seriam capazes de encorajar os soldados Isócrates que sabia compor tão belas orações desejou acaso falar em público O próprio Cícero pai da eloqüência romana costumava tremer e gaguejar como um menino no início de suas orações É verdade que Fábio interpreta essa timidez como o traço distintivo do orador penetrante e que conhece o perigo a que se acha exposto mas esse simples fato não será a confissão de que a filosofia é absolutamente incompatível com os negócios públicos Como pois poderiam esses sábios sustentar o ferro e o fogo da guerra se morrem de medo toda a vez que não se trata de combater apenas com a língua que os parasitas os proxenetas os ladrões os sicários os boçais os estúpidos os falidos e em geral toda a escória social pode aspirar muito mais à imortalidade da guerra do que os homens que vivem dia e noite absorvidos na contemplação Quereis um grande exemplo da inutilidade desses filósofos Tomai o incomparável Sócrates declarado pelo oráculo de Apolo como o primeiro e único sábio Estúpida declaração Mas não importa não sabendo eu o que tenha esse filósofo empreendido em benefício público deveis deixála abandonada ao escárnio universal É que esse homem não era de todo louco tendo constantemente recusado o título de sábio e respondido que semelhante título só era conveniente à divindade Era também de opinião que qualquer que desejasse passar por sábio devia absterse totalmente do regime da república Se porém tivesse acrescentado que quem deseja ser tido em conta de homem deve absterse de tudo o que se chama sabedoria então eu teria concebido a seu respeito alguma opinião Mas afinal de contas porque é que esse grande homem foi acusado perante os magistrados Porque foi ele condenado a beber cicuta Não teria sido talvez a sua sabedoria a causa de todos os seus males e finalmente de sua morte Tendo passado toda a vida a raciocinar em torno das nuvens e das idéias ocupandose em medir o pé de uma pulga e se dessa forma procura impedir que a peste da sabedoria se difunda em excesso entre os mortais O filho de Cícero degenerou e quanto aos dois filhos do sábio Sócrates mais se pareciam com a mãe do que com o pai isto é como foi acertadamente interpretado por alguém eram ambos idiotas Isso não seria nada se esses filósofos só fossem incapazes de exercer os cargos e empregos públicos o pior porém é que estão longe de ser melhores para as funções e os deveres da vida Convidai um sábio para um banquete e vereis que ou conservará um profundo silêncio ou interromperá os demais convidados com frívolas e importunas perguntas Convidaio para um baile e dançará com a agilidade de um camelo Levaio a um espetáculo e bastará o seu aspecto para impedir que o povo se divirta Por se ter recusado obstinadamente a abandonar sua imponente gravidade é que o sábio Catão41 foi constrangido a retirarse Entra o sábio em alguma palestra alegre Logo todos se calam como se tivessem visto o lobo Tratase porém de comprar de vender de concluir um contrato em suma de fazer uma dessas coisas que diariamente sucedem a cada um Tomareis o sábio mais por uma estátua do que por um homem a tal ponto se mostra ele embaraçado em cada negócio Assim o filósofo não é bom nem para si nem para o seu país nem para os seus Mostrandose sempre novo no mundo em oposição às opiniões e aos costumes da universalidade dos cidadãos atrai o ódio de todos com sua diferença de sentimentos e de maneiras Tudo o que fazem os homens está cheio de loucura São loucos tratando com loucos Por conseguinte se houver uma única cabeça que pretenda opor obstáculo à torrente da multidão só lhe posso dar um conselho que a exemplo de Timão42 se retire para um deserto a fim de aí gozar à vontade dos frutos de sua sabedoria Mas voltando ao assunto que virtude que poder já reuniu no recinto de uma cidade homens naturalmente rudes indômitos e selvagens Quem já pôde humanizar esses ferozes animais A adulação Nesse sentido é que se devem entender a fábula de Anfião43 e a citara de Orfeu Quem reanimou e reuniu a plebe romana quando ameaçava dissolverse Foi acaso uma oração filosófica Decerto que não foi um ridículo um pueril apólogo sobre a revolta dos membros contra o estômago44 Temístocles45 produziu o mesmo efeito com o seu apólogo da raposa e o ouriço Empregue pois o sábio os mais tolos conceitos da filosofia e jamais triunfará como um Sertório46 com sua imaginária corça ou o engraçado ardil da cauda dos dois cavalos Não alcançará nunca o seu objetivo como o alcançaram os dois cães do célebre legislador de Esparta47 Já não falo de Minos nem de Numa48 que por meio de fabulosas invenções souberam tirar proveito da ignorância popular É sempre com semelhante puerilidades que se faz mover a grande e estúpida besta que se chama povo Dizeime se houve uma única cidade que tenha adotado as leis de Platão e de Aristóteles ou as máximas de Sócrates49 Respondeime que motivo levou os Décios pai e filho a se consagrarem aos deuses infernais Que ganhou Cúrcio precipitanduse na voragem50 Tudo foi obra da glória dessa dulcíssima sereia que por isso foi muito condenada por nossos sábios É por isso que eles exclamam Pode haver maior loucura que a de um candidato que adula suplicentemente o povo para conquistar honras e que compra o seu favor à custa de liberalismo que a daquele que recebe servil e humildemente os aplausos dos mentecaptos daquele que fica lisonjeado com as aclamações populares daquele que se deixa carregar em triunfo como uma estátua para ser visto pelo povo ou que é efigiado em bronze no foro A todas essas loucuras acrescentai a da adoção dos nomes e sobrenomes acrescentai as honras divinas prestadas a um homem sem mérito algum acrescentai finalmente as cerimônias públicas levadas a efeito para colocar no número dos deuses os mais celerados tiranos51 Quem será capaz de negar que não há coisa mais tola Não bastaria um Demócrito para rir bastante disso Mas não será também verdade que a Loucura foi a autora de todas as famosas proezas dos valorosos heróis que tantos literatos eloquentes elevaram às estrelas É a Loucura que forma as cidades graças a ela é que subsistem os governos a religião os conselhos os tribunais e é mesmo lícito asseverar que a vida humana não passa afinal de uma espécie de divertimento da Loucura Mas passemos agora a falar das artes Quem anima os homens a descobrir a transmitir aos seus pósteros tantas produções ao parecer excelentes se não a sede de glória Acharam esses homens na verdade bastante tolos que não deviam poupar nem velas nem suor nem esforços de fadiga para conquistar não sei que imortalidade a qual não passa em última análise de uma belíssima quimera Deveis pois à Loucura todos os bens que já se introduziram no mundo todos esses bens que estais gozando e que tanto contribuem para a felicidade da vida Pois bem que direis senhores se depois de vos ter provado que a mim se devem todos os louvores atribuídos à força e ao engenho humanos eu vos provar que a mim também pertencem os que recebe a prudência Essa é boa dirá talvez alguém Pretendeis misturar o fogo com a água pois a Loucura e a Prudência não são menos opostas que esses dois elementos contrários Não obstante sentirmeei lisonjeada por vos convencer disso desde que continueis a prestarme vossa gentil atenção Se a prudência consiste no uso comedido das coisas eu desejaria saber qual dos dois merece mais ser honrado com o título de prudente o sábio que parte por modéstia parte por medo nada realiza ou o louco que nem o pudor pois não o conhece nem o perigo porque não o vê podem demover de qualquer empreendimento O sábio absorvese no estudo dos autores antigos mas que proveito tira ele dessa constante leitura Raros conceitos espirituosos alguns pensamentos requintados algumas simples puerilidades eis todo o fruto de sua fadiga O louco ao contrário tomando a iniciativa de tudo arrostando todos os perigos pareceme alcançar a verdadeira prudência Homero embora cego enxergava muito bem essas verdades O tolo disse ele aprende à própria custa e só abre os olhos depois do fato Duas coisas sobretudo impedem que o homem saiba ao certo o que deve fazer uma é a vergonha que cega a inteligência e arrefece a coragem a outra é o medo que indicando o perigo obriga a preferir a inércia à ação Ora é próprio da Loucura dirimir todas essas dificuldades Raros são os que sabem que para fazer fortuna é preciso não ter vergonha de nada e arriscar tudo Quero observarvos além disso que os que preferem a prudência fundada no julgamento das coisas estão muito longe de possuírem a verdadeira prudência Todas as coisas humanas têm dois aspectos à maneira dos Silenos de Alcibíades52 que tinham duas caras completamente opostas Por isso é que muitas vezes o que à primeira vista parece ser a morte na realidade observado com atenção é a vida E assim muitas vezes o que parece ser a vida é a morte o que parece belo é disforme o que parece rico é pobre o que parece infame é glorioso o que parece douto é ignorante o que parece robusto é fraco o que parece nobre é ignóbil o que parece alegre é triste o que parece favorável é contrário o que parece amigo é inimigo o que parece salutar é nocivo em suma virado o Sileno logo muda a cena Estarei falando muito filosoficamente Pois vou explicarme com maior clareza Todos vós estais convencidos por exemplo de que um rei além de muito rico é o senhor dos seus súditos Mas se ele tiver no peito um coração brutal se for insaciável na sua cobiça se nunca se mostrar satisfeito com o que possui não concordareis comigo que é miserabilíssimo Se ele se deixar transportar por seus vícios e por suas paixões não se tornará um dos escravos mais vis O mesmo se poderia dizer de tudo mais Basta porém esse exemplo E com que fim podeis perguntarme nos dizeis tudo isso Um pouco de paciência e vereis aonde quero chegar Se alguém se aproximasse de um cômico mascarado no instante em que estivesse desempenhando o seu papel e tentasse arrancarlhe a máscara para que os espectadores lhe vissem o rosto não perturbaria assim toda a cena Não mereceria ser expulso a pedradas como um estúpido e petulante No entanto os cômicos mascarados tornariam a aparecer verseia que a mulher era um homem a criança um velho o rei um infeliz e Deus um sujeito àtoa Querer porém acabar com essa ilusão importaria em perturbar inteiramente a cena pois os olhos dos espectadores se divertiam justamente com a troca das roupas e das fisionomias Vamos à aplicação que é afinal a vida humana Uma comédia Cada qual aparece diferente de si mesmo cada qual representa o seu papel sempre mascarado pelo menos enquanto o chefe dos comediantes não o faz descer do palco O mesmo ator aparece sob várias figuras e o que estava sentado no trono soberbamente vestido surge em seguida disfarçado em escravo coberto por miseráveis andrajos Para dizer a verdade tudo neste mundo não passa de uma sombra e de uma aparência mas o fato é que esta grande e longa comédia não pode ser representada de outra forma Prossigamos Se algum sábio caído do céu surgisse entre nós e se pusesse a gritar Não Aquele que venerais vosso Deus e Senhor53 não é sequer um homem não passando de um animal dominado pelo impulso do instinto de um escravo dos mais abjetos pois serve a tantos vis tiranos quantas são as suas paixões se esse sábio dirigindose a alguém que chorasse a morte do pai o exortasse a rir dizendolhe que esta vida não passa na realidade de uma contínua morte e que por conseguinte seu pai só fez cessar de morrer se enfurecendose com algum vaidoso soberbo de sua genealogia o tratasse de ignóbil e de bastardo por estar totalmente afastado da virtude que é a única e exclusiva fonte da verdadeira nobreza e se dessa maneira o nosso filósofo fosse falando de todas as outras coisas humanas pergunto eu que resultado obteria ele de suas declamações Passaria decerto para todos por louco furioso Portanto ficai certos de que assim como não há maior estupidez do que querer passar por sábio fora do tempo assim também não há nada mais ridículo e imprudente do que uma prudência mal compreendida e inoportuna Na verdade nós nos enganamos redondamente quando queremos distinguirnos no gênero humano recusandonos a nos adaptar aos tempos Nunca se deveria esquecer esta lei que os gregos estabeleceram para os seus banquetes Bebei e idevos embora54 O contrário seria pretender que a comédia deixasse de ser comédia Além disso se a natureza vos fez homens a verdadeira prudência exige que não vos eleveis acima da condição humana Em poucas palavras de duas uma ou dissimular intencionalmente com os seus semelhantes ou correr ingenuamente o risco de se enganar com eles E não será esta indagam os sábios outra espécie de loucura Quem o nega Que me concedam porém que é essa a única maneira de cada qual fazer a sua pessoa aparecer na comédia do mundo Quanto ao resto Deuses imortais Devo falar Devo calarme E porque devo calarme se tudo o que quero dizer é mais verdadeiro do que a própria verdade Ajudaime porém em assunto de tão relevante importância a me dirigir às Musas e pedirlhes que me auxiliem dispondose a vir do seu Helicão até a mim tanto mais quanto os poetas tantas vezes cometem a indiscrição de fazêlas descer por meras frioleiras Vinde pois por um instante oh filhas de Júpiter pois quero provar que essa sabedoria tão gabada e que enfaticamente se chama o baluarte da felicidade só é acessível aos que são orientados pela Loucura Antes de mais nada sustento que em geral as paixões são reguladas pela Loucura Com efeito que é que distingue o sábio do louco Não será DISCIPLINA HISTÓRIA DA FILOSOFIA MODERNA PROFESSOR PADRE ALEXSANDER ENSAIO FILOSÓFICO ERASMO DE ROTTERDAM ELOGIO DA LOUCURA Alan Araújo Campos Paracatu MG Agosto 2025 ALAN ARAÚJO CAMPOS ENSAIO FILOSÓFICO ERASMO DE ROTTERDAM ELOGIO DA LOUCURA Ensaio Filosófico apresentado como requisito de avaliação da matéria Projeto Monográfico do Seminário Maior Diocesano São João XXIII Orientador Prof Dr Marcelo Siqueira Guilherme Paracatu MG Agosto 2025 SUMÁRIO TOC h o 12HYPERLINK l Toc2067548531Introdução PAGEREF Toc206754853 h 2 2 DESENVOLVIMENTO 5 21 A LOUCURA COMO VOZ E FIGURA FILOSÓFICA 5 22 A CRÍTICA ÀS INSTITUIÇÕES RELIGIOSAS E ACADÊMICAS 7 23 A SÁTIRA SOCIAL E POLÍTICA NO ELOGIO DA LOUCURA 8 24 A RELAÇÃO ENTRE LOUCURA E SABEDORIA CRISTÃ 10 25 ERASMO HUMANISMO E A CRÍTICA À RAZÃO ABSOLUTA 12 3 CONCLUSÃO 15 REFERÊNCIAS 17 4 1 INTRODUÇÃO O Elogio da Loucura escrito por Erasmo de Roterdã em 1509 e publicado em 1511 inserese no coração do humanismo renascentista expondo em forma de sátira uma crítica abrangente às instituições costumes e pretensões da sociedade de sua época A obra pronunciada pela voz alegórica da Loucura não é apenas um exercício literário mas uma intervenção filosófica que confronta a razão como medida suprema revelando suas contradições e limites A crítica erasmiana revestida de ironia tensiona a fronteira entre o riso e a reflexão inaugurando um discurso que ao mesmo tempo em que diverte desvela a fragilidade dos sistemas que se arrogam detentores da verdade absoluta Erasmo 15112023 O contexto em que Erasmo compôs o Elogio da Loucura foi marcado pelas tensões entre a tradição escolástica medieval e os ideais emergentes do humanismo Como pensador cristão e humanista ele procurava retornar às fontes originais do saber e da fé valorizando tanto os autores clássicos quanto os textos bíblicos Essa atitude o colocava em posição ambígua por um lado mantinhase fiel à espiritualidade cristã por outro não deixava de satirizar a pompa clerical a retórica vazia dos doutores e os vícios das universidades Sua ironia não visava destruir a religião mas expor os desvios que a afastavam de sua essência evangélica Nesse sentido o livro revela uma crítica que se constrói dentro do próprio horizonte da fé tornandose como observou Huizinga 19242014 uma obra emblemática do humanismo cristão que conciliava erudição e espiritualidade Além disso a obra encontra ressonâncias duradouras na história da filosofia Ao colocar a Loucura como narradora Erasmo subverte a hierarquia entre razão e insensatez antecipando questões que séculos mais tarde Michel Foucault analisaria em História da Loucura na Idade Clássica 1978 Para Foucault a marginalização da loucura é constitutiva da racionalidade ocidental Erasmo de forma distinta expõe como a loucura é elemento vital da vida humana seja pela ilusão necessária à felicidade seja pela crítica corrosiva que a ironia possibilita Essa ambivalência confere ao texto não apenas valor literário mas densidade filosófica singular Foucault 19611978 5 2 DESENVOLVIMENTO 21 A LOUCURA COMO VOZ E FIGURA FILOSÓFICA A construção do Elogio da Loucura iniciase com um recurso literário incomum a inversão do lugar da razão pelo da insensatez Ao entregar a palavra à Loucura Erasmo de Roterdã desmonta a expectativa de um tratado sério e racional e dá espaço a um discurso festivo impregnado de ironia A narradora autoproclamada fonte de felicidade e sustentáculo da vida social subverte o estatuto da racionalidade como guia absoluto da conduta humana Como afirma Erasmo 15112023 é a Loucura quem governa os homens pois sem suas ilusões e fantasias não haveria amizade prazer ou esperança Essa escolha literária dá à obra não apenas leveza cômica mas também densidade filosófica pois a crítica não se apresenta de forma direta mas sob o disfarce da sátira A inspiração desse expediente remonta à tradição clássica sobretudo a Luciano de Samósata cuja retórica satírica ecoa nas páginas do texto erasmiano O autor entretanto não se restringe à imitação ele incorpora o riso como ferramenta para desnudar os vícios da sociedade de seu tempo expondo a vaidade da erudição a pompa clerical e a arrogância dos que se dizem sábios Nesse sentido o riso opera como recurso filosófico pois obriga o leitor a perceber no exagero cômico uma crítica mais profunda às convenções sociais Como observa Bakhtin 19651987 o cômico e o grotesco desempenham um papel de libertação simbólica questionando hierarquias rígidas e revelando as fissuras do poder Erasmo ao adotar essa estratégia desloca a filosofia do registro solene para o espaço lúdico mas sem perder sua força crítica Esse deslocamento coloca em evidência a ambivalência do conceito de loucura Se por um lado ela é apresentada como sinônimo de engano e vaidade por outro constitui condição necessária à própria vida A Loucura no discurso erasmiano não destrói a sociabilidade mas a alimenta garantindo as ilusões que sustentam o convívio humano Essa visão encontra ressonância nas análises de Foucault 19611978 para quem a loucura antes de ser confinada pela modernidade era compreendida como parte constitutiva da experiência coletiva Ao dar voz à Loucura Erasmo não a trata como patologia mas como princípio vital e 6 até espiritual capaz de iluminar os limites da razão e de revelar a dependência humana das paixões A vitalidade da Loucura no texto também se associa à dimensão literária da paródia Ao adotar o formato de um discurso encomiástico gênero retórico tradicionalmente usado para louvar figuras ilustres Erasmo inverte sua função em vez de exaltar reis guerreiros ou sábios coloca no centro a própria Loucura Essa ironia estrutural amplia a força crítica da obra pois sublinha a hipocrisia dos discursos oficiais que sob o pretexto de louvor apenas legitimavam o poder instituído Como observa Curtius 19481957 a paródia humanista recuperava modelos clássicos para desmascarar valores fossilizados e o Elogio da Loucura é exemplo notável dessa prática Nesse gesto Erasmo mostra que a retórica pode ser utilizada não só para enaltecer mas também para subverter Outro aspecto central é o caráter universal da Loucura que não distingue classes ou posições sociais Reis clérigos juristas filósofos e até mesmo teólogos aparecem como dependentes dela em maior ou menor grau Essa universalidade reforça o alcance da crítica pois sugere que não há esfera da vida humana livre da ilusão e do autoengano Segundo Huizinga 19242014 o mérito de Erasmo foi mostrar que a sátira não se dirige a um grupo específico mas ao próprio tecido da civilização cristã europeia exposto em suas contradições entre ideal e prática A Loucura nesse sentido é figura filosófica porque revela que a condição humana é marcada pela insuficiência da razão e pela necessidade do engano para manter a coesão social A Loucura emerge como recurso pedagógico ainda que disfarçado O riso longe de ser mero entretenimento assume função de correção moral pois obriga o leitor a reconhecer em meio ao exagero satírico a proximidade entre sua própria vida e os vícios denunciados Ao articular crítica e humor Erasmo cumpre a função humanista de provocar reflexão sem romper com o horizonte da fé cristã Como lembra Maravall 19751997 a sátira humanista operava como instrumento de renovação cultural ao mesmo tempo em que mantinha a preocupação com a formação ética do indivíduo Assim ao dar voz à Loucura Erasmo não apenas diverte educa revela e transforma 7 22 A CRÍTICA ÀS INSTITUIÇÕES RELIGIOSAS E ACADÊMICAS Um dos aspectos mais contundentes do Elogio da Loucura é a crítica às instituições religiosas sobretudo ao clero e à hierarquia eclesiástica Pela voz da Loucura Erasmo expõe a pompa dos prelados a avareza dos monges e a superficialidade das práticas devocionais revelando como o formalismo ritual havia se distanciado da simplicidade evangélica O ataque não é feito em tom destrutivo mas pela via do sarcasmo que revela os contrastes entre o ideal cristão e a realidade vivida A sátira ao ridicularizar a ostentação de bispos e a retórica vazia dos pregadores mostrase como uma forma de reforma moral antecipando em muitos aspectos o clima intelectual que desembocaria na Reforma protestante Erasmo 15112023 Ao estender sua crítica às universidades e ao saber escolástico Erasmo denuncia a erudição estéril que se limitava a debates formais e a distinções sutis sem relevância prática Para ele a busca por glória acadêmica afastavase da verdadeira sabedoria que deveria estar a serviço da vida e da fé Essa denúncia ecoa a tensão entre o humanismo renascentista voltado ao retorno às fontes clássicas e bíblicas e a rigidez das escolas medievais Como observa Skinner 19961978 o humanismo erasmiano representava um projeto de revitalização cultural no qual a crítica às instituições era parte essencial do esforço de reorientar o saber para a formação ética e espiritual Nesse sentido o Elogio da Loucura vai além do humor constituindose como manifesto contra a degeneração do conhecimento É notável entretanto que Erasmo não abandona a dimensão cristã de sua crítica Ao ridicularizar os teólogos que multiplicam sutilezas vazias ele recorda que a mensagem do Evangelho é acessível e simples fundada mais na prática da caridade do que no acúmulo de raciocínios abstratos A sátira à teologia escolástica portanto não é um ataque à fé mas à deformação intelectual que obscurecia seu núcleo espiritual Como ressalta Bataillon 19661996 a crítica erasmiana dirigese à pedanteria e ao abuso da autoridade não ao cristianismo em si que o autor buscava renovar pela via de um humanismo evangélico Dessa forma a Loucura é instrumento de revelação que denuncia o afastamento entre a Igreja institucional e o Evangelho que deveria inspirála 8 A sátira de Erasmo também se volta contra a corrupção moral de membros do clero cuja vida de luxo contrastava com a humildade recomendada pelas Escrituras A Loucura em seu discurso ironiza a veneração das relíquias o culto exteriorizado e as práticas supersticiosas que ocupavam espaço maior que a fé interior Essa crítica revela a preocupação humanista em retornar ao núcleo do cristianismo marcado pela simplicidade e pela moral evangélica Como observa Delumeau 19712003 a religiosidade do final da Idade Média e do início da modernidade era atravessada por uma tensão entre devoções externas e a busca por uma espiritualidade mais íntima Erasmo com sua ironia inserese nesse movimento de crítica expondo as contradições da prática religiosa de sua época Não menos severa é sua visão das ordens monásticas frequentemente apresentadas como redutos de ociosidade e formalismo A Loucura denuncia a hipocrisia de monges que sob a aparência de vida devocional buscavam privilégios materiais ou status social Esse ataque não deve ser lido apenas como hostilidade mas como um esforço de reforma pois Erasmo reconhecia a importância da vida religiosa ao mesmo tempo em que satirizava suas deformações A crítica erasmiana contribuiu para o clima de questionamento que permeou o século XVI alimentando debates sobre a necessidade de regenerar as instituições sem romper com a unidade da fé cristã A ironia portanto atua como espelho devolvendo à Igreja a imagem de seus próprios desvios Ao estender essa crítica também ao campo acadêmico Erasmo mostra que a loucura não se restringe à esfera religiosa mas penetra em todos os espaços onde a vaidade e o poder se sobrepõem à verdade A sátira à retórica pedante dos doutores à busca por títulos e à obsessão por disputas teóricas evidencia a esterilidade de um saber desconectado da vida Nesse ponto sua crítica aproxima se da tradição socrática que valorizava a filosofia como exercício ético mais do que como especulação abstrata Como sublinha Garin 19652001 o humanismo renascentista procurava restituir à educação e à ciência sua função moral e cívica e Erasmo foi um dos seus principais representantes Assim o Elogio da Loucura não apenas denuncia mas propõe implicitamente uma nova orientação do saber fundada na ética e na fé 23 A SÁTIRA SOCIAL E POLÍTICA NO ELOGIO DA LOUCURA 9 A crítica de Erasmo não se limita ao campo religioso ou acadêmico ela se expande para as esferas sociais e políticas revelando a presença da Loucura nos mecanismos de poder e na vida pública Reis e príncipes são alvo de ironia apresentados como dependentes da adulação de cortesãos e de ilusões que sustentam sua autoridade A Loucura denuncia que a glória política sustentada pela vaidade e pela bajulação não passa de um artifício para manter o controle sobre os súditos Como afirma Erasmo 15112023 governantes se cercam de ilusões para manter a aparência de grandeza ignorando as fragilidades de sua condição A sátira nesse caso tem função de desvelamento ao mostrar que o poder não se apoia na razão ou na virtude mas na ficção social que legitima a dominação Esse aspecto conecta o texto erasmiano a uma tradição mais ampla da crítica política do Renascimento Autores como Maquiavel em O Príncipe 15322014 também revelaram os bastidores da autoridade embora em registro distinto Enquanto Maquiavel descreve a política como campo de cálculo e prudência Erasmo pela voz da Loucura enfatiza a dimensão ilusória que sustenta a obediência e a glória dos poderosos Como observa Skinner 19961978 ambos os autores partilham o interesse em desmascarar a retórica oficial mas Erasmo conserva uma perspectiva moralizante em que a sátira serve para expor a distância entre o ideal de governo justo e a realidade da prática política Essa divergência confere ao Elogio da Loucura uma singularidade não é tratado de ciência política mas sátira moral que ilumina os vícios do poder Outro alvo da ironia erasmiana é a corte apresentada como espaço privilegiado da vaidade e da superficialidade Cortesãos são descritos como especialistas em bajulação mais preocupados em manter o favor dos príncipes do que em cultivar virtudes Essa crítica aproxima Erasmo de tradições cômicas que desde a Antiguidade retratavam a corte como ambiente de teatralidade onde todos representam papéis para sobreviver Como destaca Elias 19692001 a corte europeia dos séculos XVI e XVII era marcada por códigos rígidos de etiqueta e dependência do favor real tornandose lugar de encenação permanente O Elogio da Loucura antecipa essa percepção ao revelar que por trás do verniz da cortesia predominam interesses e ilusões que a Loucura sustenta A sátira de Erasmo também se estende aos juristas e advogados descritos como sustentadores de disputas intermináveis e retóricas vazias Pela voz da 10 Loucura ele ironiza a prolixidade do direito e a tendência de transformar a justiça em instrumento de prestígio ou enriquecimento pessoal O exagero retórico tem função crítica pois revela como a complexidade excessiva das leis pode obscurecer sua finalidade primeira a promoção da equidade Como observa Koselleck 19592020 a modernidade europeia testemunhou a expansão do aparato jurídico e administrativo mas também a crítica à sua burocratização vista muitas vezes como alienada do bem comum O texto de Erasmo antecipa essa percepção mostrando que a justiça quando separada da ética tornase palco da vaidade e da insensatez Outro elemento recorrente é a crítica às guerras frequentemente justificadas por razões de glória honra ou religião A Loucura ridiculariza príncipes e soldados que se lançam em batalhas movidos por ilusões de heroísmo ignorando a destruição e a miséria que produzem Essa denúncia coloca Erasmo em oposição a um dos valores mais exaltados de sua época a glória militar Como enfatiza Febvre 19242009 o humanismo renascentista trouxe consigo uma visão mais crítica da guerra em contraste com a tradição cavaleiresca medieval O Elogio da Loucura participa dessa mudança expondo a violência das guerras como manifestação suprema da insensatez humana sustentada por ideais vazios e pela manipulação da honra A crítica social e política da obra encontra seu ponto mais profundo no reconhecimento de que a Loucura é indispensável à manutenção da ordem Governantes cortesãos juristas e guerreiros necessitam de ilusões para exercerem seus papéis e manterem a obediência dos demais Essa conclusão longe de ser meramente negativa revela a ambiguidade central do texto se por um lado a Loucura denuncia a corrupção e a vaidade por outro mostra que sem ela a vida social se tornaria inviável Como lembra Burke 19972010 a cultura política da Renascença era atravessada por rituais e representações que sustentavam o poder mesmo quando baseados em ilusões Erasmo com ironia refinada não apenas satiriza mas evidencia a estrutura simbólica sobre a qual se ergue a sociedade de seu tempo 24 A RELAÇÃO ENTRE LOUCURA E SABEDORIA CRISTÃ 11 No Elogio da Loucura a dimensão cristã da sátira ocupa papel central Ao mesmo tempo em que ironiza práticas eclesiásticas Erasmo recupera a tradição paulina que vê na loucura da cruz a verdadeira sabedoria O apóstolo Paulo na Primeira Carta aos Coríntios1 já havia afirmado que a sabedoria divina se manifesta como loucura aos olhos do mundo pois subverte os critérios humanos de poder e glória Erasmo 15112023 retoma essa herança para mostrar que a fé cristã não se apoia na lógica racional ou no cálculo político mas na experiência de entrega e humildade Nesse sentido a Loucura tornase metáfora da fé que exige confiança em verdades que a razão não é capaz de demonstrar plenamente A ironia portanto não visa destruir a religião mas recuperar seu núcleo evangélico Ao denunciar teólogos pedantes e clérigos vaidosos a Loucura expõe como a institucionalização da fé se distanciou da simplicidade de Cristo e dos apóstolos Essa crítica longe de ser anticristã deve ser entendida como esforço de regeneração espiritual Como afirma Bataillon 19661996 o humanismo erasmiano estava enraizado em um cristianismo interiorizado que valorizava a leitura direta das Escrituras e a prática da caridade acima de rituais externos Assim a loucura celebrada por Erasmo não é apenas a insensatez mundana mas a loucura divina que desafia a lógica terrena em nome de uma verdade mais alta Ao unir sátira e espiritualidade o texto também dialoga com a tradição mística que valorizava a experiência do paradoxo A Loucura nesse registro não é apenas figura retórica mas chave de leitura do cristianismo enquanto caminho que desafia convenções sociais e valores de poder Como observa Huizinga 19242014 Erasmo deu forma literária a uma tensão permanente entre o mundo e o Evangelho se a sociedade valoriza a glória e a sabedoria mundana o cristianismo autenticamente vivido se apresenta como loucura aos olhos de todos Desse modo a obra ainda que satírica preserva uma dimensão devocional em que a ironia e a fé se encontram A centralidade da loucura cristã em Erasmo deve também ser compreendida como reação ao espírito do tempo em que a religião se confundia com interesses de poder e prestígio A Loucura ao zombar da busca por cargos eclesiásticos e pela erudição vaidosa recorda que a verdadeira sabedoria evangélica não se mede por honrarias mas pela prática da humildade Nesse ponto Erasmo se aproxima de um 11Cor 11825 12 ideal franciscano de pobreza e simplicidade sem contudo abdicar de sua formação humanista Como aponta Delumeau 19712003 a espiritualidade do período oscilava entre exterioridade ritual e recolhimento interior Erasmo com sua sátira inclinavase claramente para a segunda via ao propor uma religiosidade marcada mais pela interioridade que pela pompa Outro elemento fundamental é a concepção de fé como confiança inseparável da dimensão paradoxal da Loucura Para crer é necessário aceitar aquilo que excede a razão e desafia os critérios de utilidade Essa perspectiva já presente em Paulo ganha em Erasmo uma roupagem literária em que a Loucura se torna portavoz da sabedoria cristã que escapa à lógica mundana Segundo Foucault 19611978 a Idade Clássica progressivamente isolou a loucura como desrazão mas no período anterior ela ainda podia ser lida como revelação ou verdade superior O Elogio da Loucura inserese nesse momento liminar preservando a ambivalência de um discurso que é ao mesmo tempo crítico e devocional A valorização da Loucura como sabedoria cristã confere à obra seu caráter profundamente pedagógico Ao ridicularizar vícios sociais e intelectuais Erasmo recorda ao leitor que a verdadeira vida cristã não está no acúmulo de títulos ou na ostentação religiosa mas na capacidade de viver a humildade e a caridade Como destaca Maravall 19751997 a sátira humanista tinha uma função ética orientada à formação do sujeito em consonância com valores espirituais Nesse sentido o Elogio da Loucura não é apenas um exercício literário ou crítico é também uma exortação à redescoberta da sabedoria do Evangelho compreendida como loucura diante dos critérios do mundo 25 ERASMO HUMANISMO E A CRÍTICA À RAZÃO ABSOLUTA A crítica de Erasmo à razão absoluta deve ser compreendida dentro do horizonte mais amplo do humanismo renascentista Diferente da escolástica medieval que buscava organizar o saber em sistemas rígidos o humanismo valorizava o retorno às fontes clássicas e bíblicas promovendo uma visão mais flexível da razão O Elogio da Loucura ao dar voz à insensatez denuncia o risco de absolutizar a racionalidade mostrando como ela pode se converter em dogmatismo 13 e vaidade Como lembra Garin 19652001 o humanismo renascentista não rejeitou a razão mas lhe atribuiu uma função ética e educativa subordinada ao bem da vida humana Nesse sentido Erasmo inscrevese na tradição que vê na razão um meio não um fim em si mesma O recurso à Loucura como narradora revela de forma literária a limitação da racionalidade quando convertida em critério único de verdade A sátira mostra que a vida humana é sustentada por ilusões paixões e esperanças que a razão por si só não pode fornecer Erasmo 15112023 sugere que sem certo grau de engano e insensatez a existência se tornaria intolerável pois a pura racionalidade exporia ao homem sua fragilidade e finitude Essa percepção confere ao texto uma densidade filosófica que antecipa de certo modo críticas posteriores ao racionalismo moderno indicando que o humanismo não se construiu sobre a rejeição da fé ou da imaginação mas sobre sua integração à vida intelectual Essa crítica também tem dimensão pedagógica ao ironizar os doutores da razão e os teólogos escolásticos Erasmo recorda que a finalidade do conhecimento não é a acumulação de disputas estéreis mas a formação ética do indivíduo Como destaca Kristeller 19612019 os humanistas viam o estudo das letras como instrumento de cultivo moral em contraste com a lógica formal da escolástica O Elogio da Loucura ilustra esse princípio ao mostrar que a razão quando absolutizada produz pedantismo e orgulho mas quando moderada pela fé e pela humanidade pode se tornar instrumento de sabedoria Nesse equilíbrio encontrase a marca distintiva do pensamento erasmiano A crítica erasmiana à razão absoluta também reflete sua preocupação com a relação entre saber e poder O racionalismo escolástico ao se organizar em sistemas rígidos servia de base para legitimar autoridades acadêmicas e eclesiásticas criando um ambiente em que o prestígio intelectual se confundia com hierarquia social Pela voz da Loucura Erasmo denuncia essa instrumentalização do conhecimento revelando que quando dissociada da humildade e da caridade a razão se converte em vaidade Como ressalta Burke 19972010 o humanismo atuou como força de democratização cultural pois valorizava a circulação do saber e a leitura direta das fontes em oposição ao monopólio erudito das universidades Assim o Elogio da Loucura questiona a função social da razão sublinhando a necessidade de reconduzila ao horizonte do humano 14 Nesse ponto é relevante destacar a sutileza da posição erasmiana Diferente de correntes radicais que rejeitavam o papel da razão ele não propõe sua destruição mas sua moderação A razão deve ser acompanhada de imaginação fé e experiência concreta elementos que juntos garantem a vitalidade da existência humana Como observa Cassirer 19272001 o Renascimento operou uma síntese criativa entre racionalidade e simbolismo afastandose tanto do racionalismo estrito quanto do irracionalismo puro O texto de Erasmo é exemplo dessa síntese pois ao louvar a Loucura reconhece os limites da razão sem negar sua utilidade Por fim a crítica erasmiana à razão absoluta deve ser lida como advertência ética Ao mostrar que a racionalidade pode se transformar em dogma Erasmo antecipa debates que atravessariam a modernidade especialmente em torno da relação entre saber e liberdade Sua obra recorda que o pensamento quando desvinculado da dimensão moral corre o risco de degenerar em instrumento de opressão Como aponta Foucault 19611978 a história da razão é também a história de exclusões como a da loucura O Elogio da Loucura escrito três séculos antes já sinalizava esse perigo ao revelar que o excesso de racionalidade quando isolado da humanidade gera monstruosidades Nesse equilíbrio entre crítica e moderação reside a atualidade do pensamento erasmiano 15 3 CONCLUSÃO O Elogio da Loucura escolhe uma via deliberadamente oblíqua para dizer o que precisa ser dito Em vez do tratado uma peça encomiástica em lugar do douto que arenga a personagem que se louva Essa inversão não é capricho retórico É um método ao permitir que a Loucura fale Erasmo desloca o centro do discurso abre espaço para que a crítica opere por contraste e para que a ironia ao invés de enfeite funcione como exame O livro sustenta do início ao fim essa escolha formal e é ela que dá coesão ao conjunto sem o didatismo que fecharia a leitura num único sentido A narradora chega com nome ascendência corte e ofício Traz à cena suas companheiras philautía kolakeía lth hdon e com elas monta o mapa das dependências humanas A felicidade diz precisa de véus a amizade de benevolências que a razão pura não concede a esperança de certa suspensão do cálculo Quando a Loucura percorre profissões e estados não enumera por mero inventário demonstra caso a caso como a vida coletiva se organiza em torno de pequenas ficções úteis e como essas ficções quando ganham corpo demais produzem caricaturas A graça do texto nasce dessa proximidade entre o que sustenta e o que deforma Há ainda uma lição sobre o próprio conhecimento O alvo não é a razão mas o seu absolutismo Quando convertida em tribunal que julga tudo de fora a razão tornase estéril multiplica distinções que pouco distinguem degrada o estudo em competição de engenho Quando aceita limites e companhia imaginação afeto experiência caridade volta a servir A sátira nesse sentido tem função pedagógica corrige sem humilhar ensina sem entorpecer convida sem impor É o docere delectando praticado com rigor não com complacência Por isso o livro não envelhece Suas cenas reaparecem sob outras formas a linguagem do mérito recobre hierarquias a tecnicidade do discurso escamoteia interesses a devoção se rende à exterioridade o debate culto se satisfaz com a vitrine O Elogio da Loucura não oferece uma receita contra tudo isso e talvez esteja aí a sua força Ele solicita vigilância e medida Mostra que a vida comum precisa de alguma hdon de algum esquecimento de uma cota de ficção e que ao mesmo tempo precisa de freios que a salvem de si Reconhecer essa dupla necessidade 16 não é conciliação fácil é trabalho de maturidade E é exatamente a ele que a leitura uma vez concluída nos convoca 17 REFERÊNCIAS BAKHTIN Mikhail Mikhaĭlovich VIEIRA Yara Frateschi A cultura popular na Idade Média e no Renascimento o contexto de François Rabelais Hucitec 1987 BATAILLON Marcel Erasmo y España Estudios sobre la historia espiritual del siglo XVI México Fondo de Cultura Económica 2ª edição 1966 2ª reimpressão 1996 BURKE Peter Cultura popular na idade moderna Europa 15001800 Editora Companhia das Letras 2010 CASSIRER E Indivíduo e cosmos na filosofia do renascimento São Paulo Martins Fontes 2001 CURTIUS Ernst Robert Literatura européia e Idade Média latina Instituto Nacional do Livro 1957 DELUMEAU Jean O pecado e o medo a culpabilização no Ocidente séculos XIIIXVIII 2 volumes Bauru Edusc 2003 ELIAS Norbert A sociedade de corte Zahar 2001 FEBVRE Lucien O problema da incredulidade no século XVI a religião de Rabelais Editora Companhia das Letras 2009 FOUCAULT Michel História da Loucura na Idade Clássica Perspectiva 1978 GARIN Eugênio Ciência e vida civil no Renascimento italiano Unesp 2001 HUIZINGA Johan Erasmus and the Age of Reformation Princeton University Press 2014 KOSELLECK Reinhart BRANCO Luciana VillasBoas Castello Crítica e crise uma contribuição à patogênese do mundo burguês Contraponto Editora 2020 KRISTELLER Paul Oskar BOGÉA Anderson O sistema moderno das artes Artefilosofia v 14 n 27 p 226 2019 MAQUIAVEL Nicolau O príncipe Escritos políticos 2014 MARAVALL José Antonio GARCIA Silvana A cultura do barroco análise de uma estrutura histórica edusp 1997 ROTTERDAM Erasmo de Elogio da loucura Edipro 2023 SKINNER Quentin As fundações do pensamento político moderno Tradução de 1978 Resultado da análise Arquivo l86wepSJv Ensaio Filosófico Erasmo Elogio da Loucuradocx Estatísticas Suspeitas na Internet 279 Percentual do texto com expressões localizadas na internet Suspeitas confirmadas 223 Percentual do texto onde foi possível verificar a existência de trechos iguais nos endereços encontrados Suspeita de texto gerado por IA 132 Percentual do texto com padrão semelhante a IA Texto analisado 8564 Percentual do texto efetivamente analisado imagens frases curtas caracteres especiais texto quebrado não são analisados Sucesso da análise 100 Percentual das pesquisas com sucesso indica a qualidade da análise quanto maior melhor Endereços mais relevantes encontrados Endereço URL Ocorrências Semelhança httpsrepositoriouspbritem001244870 8 021 httpsbooksgooglecombrbooksaboutErasmoyEspaC3B1ahtmlidZOCMgEACAAJredirescy 7 028 httpsojsrevistacontribucionescomojsindexphpclcsarticleview4218 6 032 httpsdokumenpubcriticaecriseumacontribuiaoapatogenesedomundoburgues85859102599788585910259html 5 021 httpswwwestantevirtualcombrbuscaoproblemadaincredulidadenoseculoxvi 5 018 httpswwwgutenbergorgebooks22900 5 009 httpsrepositorioufpebrbitstream123456789322351DISSERTAÇÃO Mariana Cavalcanti Albuquerquepdf 5 328 httpswwwgoodreadscombookshow869817ErasmusandtheAgeofReformation 5 009 Texto analisado DISCIPLINA HISTÓRIA DA FILOSOFIA MODERNA PROFESSOR PADRE ALEXSANDER Palavras insuficientes para análise de IA ENSAIO FILOSÓFICO ERASMO DE ROTTERDAM ELOGIO DA LOUCURA Nenhum padrão de escrita reconhecido Alan Araújo Campos Paracatu MG Agosto 2025 ALAN ARAÚJO CAMPOS ENSAIO FILOSÓFICO ERASMO DE ROTTERDAM ELOGIO DA LOUCURA Ensaio Filosófico apresentado como requisito de avaliação da matéria Projeto Monográfico do Seminário Maior Diocesano São João XXIII Nenhum padrão de escrita reconhecido Orientador Prof Dr Marcelo Siqueira Guilherme Paracatu MG Agosto 2025 Sumário TOC h o 121 Introdução PAGEREF Toc206754853 h 2 2 Desenvolvimento PAGEREF Toc206754854 h 3 2 Palavras insuficientes para análise de IA 1 A Loucura como voz e figura filosófica PAGEREF Toc206754855 h 3 Palavras insuficientes para análise de IA 22 A crítica às instituições religiosas e acadêmicas PAGEREF Toc206754856 h 4 Nenhum padrão de escrita reconhecido 23 A sátira social e política no Elogio da Loucura PAGEREF Toc206754857 h 6 Nenhum padrão de escrita reconhecido 24 A relação entre loucura e sabedoria cristã PAGEREF Toc206754858 h 8 Nenhum padrão de escrita reconhecido 25 Erasmo humanismo e a crítica à razão absoluta PAGEREF Toc206754859 h 10 Nenhum padrão de escrita reconhecido 3 Conclusão PAGEREF Toc206754860 h 13 ReferênciAs PAGEREF Toc206754861 h 15 Introdução Palavras insuficientes para análise de IA O Elogio da Loucura escrito por Erasmo de Roterdã em 1509 e publicado em 1511 inserese no coração do humanismo renascentista expondo em forma de sátira uma crítica abrangente às instituições costumes e pretensões da sociedade de sua época A obra pronunciada pela voz alegórica da Loucura não é apenas um exercício literário mas uma intervenção filosófica que confronta a razão como medida suprema revelando suas contradições e limites A crítica erasmiana revestida de ironia tensiona a fronteira entre o riso e a reflexão inaugurando um discurso que ao mesmo tempo em que diverte desvela a fragilidade dos sistemas que se arrogam detentores da verdade absoluta Erasmo 15112023 Nenhum padrão de escrita reconhecido O contexto em que Erasmo compôs o Elogio da Loucura foi marcado pelas tensões entre a tradição escolástica medieval e os ideais emergentes do humanismo Como pensador cristão e humanista ele procurava retornar às fontes originais do saber e da fé valorizando tanto os autores clássicos quanto os textos bíblicos Essa atitude o colocava em posição ambígua por um lado mantinhase fiel à espiritualidade cristã por outro não deixava de satirizar a pompa clerical a retórica vazia dos doutores e os vícios das universidades Sua ironia não visava destruir a religião mas expor os desvios que a afastavam de sua essência evangélica Nesse sentido o livro revela uma crítica que se constrói dentro do próprio horizonte da fé tornandose como observou Huizinga 19242014 uma obra emblemática do humanismo cristão que conciliava erudição e espiritualidade Nenhum padrão de escrita reconhecido Além disso a obra encontra ressonâncias duradouras na história da filosofia Ao colocar a Loucura como narradora Erasmo subverte a hierarquia entre razão e insensatez antecipando questões que séculos mais tarde Michel Foucault analisaria em História da Loucura na Idade Clássica 1978 Para Foucault a marginalização da loucura é constitutiva da racionalidade ocidental Erasmo de forma distinta expõe como a loucura é elemento vital da vida humana seja pela ilusão necessária à felicidade seja pela crítica corrosiva que a ironia possibilita Essa ambivalência confere ao texto não apenas valor literário mas densidade filosófica singular Foucault 19611978 Nenhum padrão de escrita reconhecido Desenvolvimento A Loucura como voz e figura filosófica Palavras insuficientes para análise de IA A construção do Elogio da Loucura iniciase com um recurso literário incomum a inversão do lugar da razão pelo da insensatez Ao entregar a palavra à Loucura Erasmo de Roterdã desmonta a expectativa de um tratado sério e racional e dá espaço a um discurso festivo impregnado de ironia A narradora autoproclamada fonte de felicidade e sustentáculo da vida social subverte o estatuto da racionalidade como guia absoluto da conduta humana Como afirma Erasmo 15112023 é a Loucura quem governa os homens pois sem suas ilusões e fantasias não haveria amizade prazer ou esperança Essa escolha literária dá à obra não apenas leveza cômica mas também densidade filosófica pois a crítica não se apresenta de forma direta mas sob o disfarce da sátira Nenhum padrão de escrita reconhecido A inspiração desse expediente remonta à tradição clássica sobretudo a Luciano de Samósata cuja retórica satírica ecoa nas páginas do texto erasmiano O autor entretanto não se restringe à imitação ele incorpora o riso como ferramenta para desnudar os vícios da sociedade de seu tempo expondo a vaidade da erudição a pompa clerical e a arrogância dos que se dizem sábios Nesse sentido o riso opera como recurso filosófico pois obriga o leitor a perceber no exagero cômico uma crítica mais profunda às convenções sociais Como observa Bakhtin 19651987 o cômico e o grotesco desempenham um papel de libertação simbólica questionando hierarquias rígidas e revelando as fissuras do poder Erasmo ao adotar essa estratégia desloca a filosofia do registro solene para o espaço lúdico mas sem perder sua força crítica Nenhum padrão de escrita reconhecido Esse deslocamento coloca em evidência a ambivalência do conceito de loucura Se por um lado ela é apresentada como sinônimo de engano e vaidade por outro constitui condição necessária à própria vida A Loucura no discurso erasmiano não destrói a sociabilidade mas a alimenta garantindo as ilusões que sustentam o convívio humano Essa visão encontra ressonância nas análises de Foucault 19611978 para quem a loucura antes de ser confinada pela modernidade era compreendida como parte constitutiva da experiência coletiva Ao dar voz à Loucura Erasmo não a trata como patologia mas como princípio vital e até espiritual capaz de iluminar os limites da razão e de revelar a dependência humana das paixões Nenhum padrão de escrita reconhecido A vitalidade da Loucura no texto também se associa à dimensão literária da paródia Ao adotar o formato de um discurso encomiástico gênero retórico tradicionalmente usado para louvar figuras ilustres Erasmo inverte sua função em vez de exaltar reis guerreiros ou sábios coloca no centro a própria Loucura Essa ironia estrutural amplia a força crítica da obra pois sublinha a hipocrisia dos discursos oficiais que sob o pretexto de louvor apenas legitimavam o poder instituído Como observa Curtius 19481957 a paródia humanista recuperava modelos clássicos para desmascarar valores fossilizados e o Elogio da Loucura é exemplo notável dessa prática Nesse gesto Erasmo mostra que a retórica pode ser utilizada não só para enaltecer mas também para subverter Nenhum padrão de escrita reconhecido Outro aspecto central é o caráter universal da Loucura que não distingue classes ou posições sociais Reis clérigos juristas filósofos e até mesmo teólogos aparecem como dependentes dela em maior ou menor grau Essa universalidade reforça o alcance da crítica pois sugere que não há esfera da vida humana livre da ilusão e do autoengano Segundo Huizinga 19242014 o mérito de Erasmo foi mostrar que a sátira não se dirige a um grupo específico mas ao próprio tecido da civilização cristã europeia exposto em suas contradições entre ideal e prática A Loucura nesse sentido é figura filosófica porque revela que a condição humana é marcada pela insuficiência da razão e pela necessidade do engano para manter a coesão social Nenhum padrão de escrita reconhecido A Loucura emerge como recurso pedagógico ainda que disfarçado O riso longe de ser mero entretenimento assume função de correção moral pois obriga o leitor a reconhecer em meio ao exagero satírico a proximidade entre sua própria vida e os vícios denunciados Ao articular crítica e humor Erasmo cumpre a função humanista de provocar reflexão sem romper com o horizonte da fé cristã Como lembra Maravall 19751997 a sátira humanista operava como instrumento de renovação cultural ao mesmo tempo em que mantinha a preocupação com a formação ética do indivíduo Assim ao dar voz à Loucura Erasmo não apenas diverte educa revela e transforma Nenhum padrão de escrita reconhecido A crítica às instituições religiosas e acadêmicas Padrão de escrita semelhante a texto gerado por IA Um dos aspectos mais contundentes do Elogio da Loucura é a crítica às instituições religiosas sobretudo ao clero e à hierarquia eclesiástica Pela voz da Loucura Erasmo expõe a pompa dos prelados a avareza dos monges e a superficialidade das práticas devocionais revelando como o formalismo ritual havia se distanciado da simplicidade evangélica O ataque não é feito em tom destrutivo mas pela via do sarcasmo que revela os contrastes entre o ideal cristão e a realidade vivida A sátira ao ridicularizar a ostentação de bispos e a retórica vazia dos pregadores mostrase como uma forma de reforma moral antecipando em muitos aspectos o clima intelectual que desembocaria na Reforma protestante Erasmo 15112023 Nenhum padrão de escrita reconhecido Ao estender sua crítica às universidades e ao saber escolástico Erasmo denuncia a erudição estéril que se limitava a debates formais e a distinções sutis sem relevância prática Para ele a busca por glória acadêmica afastavase da verdadeira sabedoria que deveria estar a serviço da vida e da fé Essa denúncia ecoa a tensão entre o humanismo renascentista voltado ao retorno às fontes clássicas e bíblicas e a rigidez das escolas medievais Como observa Skinner 19961978 o humanismo erasmiano representava um projeto de revitalização cultural no qual a crítica às instituições era parte essencial do esforço de reorientar o saber para a formação ética e espiritual Nesse sentido o Elogio da Loucura vai além do humor constituindose como manifesto contra a degeneração do conhecimento Nenhum padrão de escrita reconhecido É notável entretanto que Erasmo não abandona a dimensão cristã de sua crítica Ao ridicularizar os teólogos que multiplicam sutilezas vazias ele recorda que a mensagem do Evangelho é acessível e simples fundada mais na prática da caridade do que no acúmulo de raciocínios abstratos A sátira à teologia escolástica portanto não é um ataque à fé mas à deformação intelectual que obscurecia seu núcleo espiritual Como ressalta Bataillon 19661996 a crítica erasmiana dirigese à pedanteria e ao abuso da autoridade não ao cristianismo em si que o autor buscava renovar pela via de um humanismo evangélico Dessa forma a Loucura é instrumento de revelação que denuncia o afastamento entre a Igreja institucional e o Evangelho que deveria inspirála Nenhum padrão de escrita reconhecido A sátira de Erasmo também se volta contra a corrupção moral de membros do clero cuja vida de luxo contrastava com a humildade recomendada pelas Escrituras A Loucura em seu discurso ironiza a veneração das relíquias o culto exteriorizado e as práticas supersticiosas que ocupavam espaço maior que a fé interior Essa crítica revela a preocupação humanista em retornar ao núcleo do cristianismo marcado pela simplicidade e pela moral evangélica Como observa Delumeau 19712003 a religiosidade do final da Idade Média e do início da modernidade era atravessada por uma tensão entre devoções externas e a busca por uma espiritualidade mais íntima Erasmo com sua ironia inserese nesse movimento de crítica expondo as contradições da prática religiosa de sua época Nenhum padrão de escrita reconhecido Não menos severa é sua visão das ordens monásticas frequentemente apresentadas como redutos de ociosidade e formalismo A Loucura denuncia a hipocrisia de monges que sob a aparência de vida devocional buscavam privilégios materiais ou status social Esse ataque não deve ser lido apenas como hostilidade mas como um esforço de reforma pois Erasmo reconhecia a importância da vida religiosa ao mesmo tempo em que satirizava suas deformações A crítica erasmiana contribuiu para o clima de questionamento que permeou o século XVI alimentando debates sobre a necessidade de regenerar as instituições sem romper com a unidade da fé cristã A ironia portanto atua como espelho devolvendo à Igreja a imagem de seus próprios desvios Nenhum padrão de escrita reconhecido Ao estender essa crítica também ao campo acadêmico Erasmo mostra que a loucura não se restringe à esfera religiosa mas penetra em todos os espaços onde a vaidade e o poder se sobrepõem à verdade A sátira à retórica pedante dos doutores à busca por títulos e à obsessão por disputas teóricas evidencia a esterilidade de um saber desconectado da vida Nesse ponto sua crítica aproximase da tradição socrática que valorizava a filosofia como exercício ético mais do que como especulação abstrata Como sublinha Garin 19652001 o humanismo renascentista procurava restituir à educação e à ciência sua função moral e cívica e Erasmo foi um dos seus principais representantes Assim o Elogio da Loucura não apenas denuncia mas propõe implicitamente uma nova orientação do saber fundada na ética e na fé Nenhum padrão de escrita reconhecido A sátira social e política no Elogio da Loucura Padrão de escrita semelhante a texto gerado por IA A crítica de Erasmo não se limita ao campo religioso ou acadêmico ela se expande para as esferas sociais e políticas revelando a presença da Loucura nos mecanismos de poder e na vida pública Reis e príncipes são alvo de ironia apresentados como dependentes da adulação de cortesãos e de ilusões que sustentam sua autoridade A Loucura denuncia que a glória política sustentada pela vaidade e pela bajulação não passa de um artifício para manter o controle sobre os súditos Como afirma Erasmo 15112023 governantes se cercam de ilusões para manter a aparência de grandeza ignorando as fragilidades de sua condição A sátira nesse caso tem função de desvelamento ao mostrar que o poder não se apoia na razão ou na virtude mas na ficção social que legitima a dominação Nenhum padrão de escrita reconhecido Esse aspecto conecta o texto erasmiano a uma tradição mais ampla da crítica política do Renascimento Autores como Maquiavel em O Príncipe 15322014 também revelaram os bastidores da autoridade embora em registro distinto Enquanto Maquiavel descreve a política como campo de cálculo e prudência Erasmo pela voz da Loucura enfatiza a dimensão ilusória que sustenta a obediência e a glória dos poderosos Como observa Skinner 19961978 ambos os autores partilham o interesse em desmascarar a retórica oficial mas Erasmo conserva uma perspectiva moralizante em que a sátira serve para expor a distância entre o ideal de governo justo e a realidade da prática política Essa divergência confere ao Elogio da Loucura uma singularidade não é tratado de ciência política mas sátira moral que ilumina os vícios do poder Nenhum padrão de escrita reconhecido Outro alvo da ironia erasmiana é a corte apresentada como espaço privilegiado da vaidade e da superficialidade Cortesãos são descritos como especialistas em bajulação mais preocupados em manter o favor dos príncipes do que em cultivar virtudes Essa crítica aproxima Erasmo de tradições cômicas que desde a Antiguidade retratavam a corte como ambiente de teatralidade onde todos representam papéis para sobreviver Como destaca Elias 19692001 a corte europeia dos séculos XVI e XVII era marcada por códigos rígidos de etiqueta e dependência do favor real tornandose lugar de encenação permanente O Elogio da Loucura antecipa essa percepção ao revelar que por trás do verniz da cortesia predominam interesses e ilusões que a Loucura sustenta Nenhum padrão de escrita reconhecido A sátira de Erasmo também se estende aos juristas e advogados descritos como sustentadores de disputas intermináveis e retóricas vazias Pela voz da Loucura ele ironiza a prolixidade do direito e a tendência de transformar a justiça em instrumento de prestígio ou enriquecimento pessoal O exagero retórico tem função crítica pois revela como a complexidade excessiva das leis pode obscurecer sua finalidade primeira a promoção da equidade Como observa Koselleck 19592020 a modernidade europeia testemunhou a expansão do aparato jurídico e administrativo mas também a crítica à sua burocratização vista muitas vezes como alienada do bem comum O texto de Erasmo antecipa essa percepção mostrando que a justiça quando separada da ética tornase palco da vaidade e da insensatez Detecção de IA inconclusiva Outro elemento recorrente é a crítica às guerras frequentemente justificadas por razões de glória honra ou religião A Loucura ridiculariza príncipes e soldados que se lançam em batalhas movidos por ilusões de heroísmo ignorando a destruição e a miséria que produzem Essa denúncia coloca Erasmo em oposição a um dos valores mais exaltados de sua época a glória militar Como enfatiza Febvre 19242009 o humanismo renascentista trouxe consigo uma visão mais crítica da guerra em contraste com a tradição cavaleiresca medieval O Elogio da Loucura participa dessa mudança expondo a violência das guerras como manifestação suprema da insensatez humana sustentada por ideais vazios e pela manipulação da honra Nenhum padrão de escrita reconhecido A crítica social e política da obra encontra seu ponto mais profundo no reconhecimento de que a Loucura é indispensável à manutenção da ordem Governantes cortesãos juristas e guerreiros necessitam de ilusões para exercerem seus papéis e manterem a obediência dos demais Essa conclusão longe de ser meramente negativa revela a ambiguidade central do texto se por um lado a Loucura denuncia a corrupção e a vaidade por outro mostra que sem ela a vida social se tornaria inviável Como lembra Burke 19972010 a cultura política da Renascença era atravessada por rituais e representações que sustentavam o poder mesmo quando baseados em ilusões Erasmo com ironia refinada não apenas satiriza mas evidencia a estrutura simbólica sobre a qual se ergue a sociedade de seu tempo Nenhum padrão de escrita reconhecido A relação entre loucura e sabedoria cristã Padrão de escrita semelhante a texto gerado por IA No Elogio da Loucura a dimensão cristã da sátira ocupa papel central Ao mesmo tempo em que ironiza práticas eclesiásticas Erasmo recupera a tradição paulina que vê na loucura da cruz a verdadeira sabedoria O apóstolo Paulo na Primeira Carta aos Coríntios já havia afirmado que a sabedoria divina se manifesta como loucura aos olhos do mundo pois subverte os critérios humanos de poder e glória Erasmo 15112023 retoma essa herança para mostrar que a fé cristã não se apoia na lógica racional ou no cálculo político mas na experiência de entrega e humildade Nesse sentido a Loucura tornase metáfora da fé que exige confiança em verdades que a razão não é capaz de demonstrar plenamente Nenhum padrão de escrita reconhecido A ironia portanto não visa destruir a religião mas recuperar seu núcleo evangélico Ao denunciar teólogos pedantes e clérigos vaidosos a Loucura expõe como a institucionalização da fé se distanciou da simplicidade de Cristo e dos apóstolos Essa crítica longe de ser anticristã deve ser entendida como esforço de regeneração espiritual Como afirma Bataillon 19661996 o humanismo erasmiano estava enraizado em um cristianismo interiorizado que valorizava a leitura direta das Escrituras e a prática da caridade acima de rituais externos Assim a loucura celebrada por Erasmo não é apenas a insensatez mundana mas a loucura divina que desafia a lógica terrena em nome de uma verdade mais alta Nenhum padrão de escrita reconhecido Ao unir sátira e espiritualidade o texto também dialoga com a tradição mística que valorizava a experiência do paradoxo A Loucura nesse registro não é apenas figura retórica mas chave de leitura do cristianismo enquanto caminho que desafia convenções sociais e valores de poder Como observa Huizinga 19242014 Erasmo deu forma literária a uma tensão permanente entre o mundo e o Evangelho se a sociedade valoriza a glória e a sabedoria mundana o cristianismo autenticamente vivido se apresenta como loucura aos olhos de todos Desse modo a obra ainda que satírica preserva uma dimensão devocional em que a ironia e a fé se encontram Nenhum padrão de escrita reconhecido A centralidade da loucura cristã em Erasmo deve também ser compreendida como reação ao espírito do tempo em que a religião se confundia com interesses de poder e prestígio A Loucura ao zombar da busca por cargos eclesiásticos e pela erudição vaidosa recorda que a verdadeira sabedoria evangélica não se mede por honrarias mas pela prática da humildade Nesse ponto Erasmo se aproxima de um ideal franciscano de pobreza e simplicidade sem contudo abdicar de sua formação humanista Como aponta Delumeau 19712003 a espiritualidade do período oscilava entre exterioridade ritual e recolhimento interior Erasmo com sua sátira inclinavase claramente para a segunda via ao propor uma religiosidade marcada mais pela interioridade que pela pompa Nenhum padrão de escrita reconhecido Outro elemento fundamental é a concepção de fé como confiança inseparável da dimensão paradoxal da Loucura Para crer é necessário aceitar aquilo que excede a razão e desafia os critérios de utilidade Essa perspectiva já presente em Paulo ganha em Erasmo uma roupagem literária em que a Loucura se torna portavoz da sabedoria cristã que escapa à lógica mundana Segundo Foucault 19611978 a Idade Clássica progressivamente isolou a loucura como desrazão mas no período anterior ela ainda podia ser lida como revelação ou verdade superior O Elogio da Loucura inserese nesse momento liminar preservando a ambivalência de um discurso que é ao mesmo tempo crítico e devocional Nenhum padrão de escrita reconhecido A valorização da Loucura como sabedoria cristã confere à obra seu caráter profundamente pedagógico Ao ridicularizar vícios sociais e intelectuais Erasmo recorda ao leitor que a verdadeira vida cristã não está no acúmulo de títulos ou na ostentação religiosa mas na capacidade de viver a humildade e a caridade Como destaca Maravall 19751997 a sátira humanista tinha uma função ética orientada à formação do sujeito em consonância com valores espirituais Nesse sentido o Elogio da Loucura não é apenas um exercício literário ou crítico é também uma exortação à redescoberta da sabedoria do Evangelho compreendida como loucura diante dos critérios do mundo Nenhum padrão de escrita reconhecido Erasmo humanismo e a crítica à razão absoluta Nenhum padrão de escrita reconhecido A crítica de Erasmo à razão absoluta deve ser compreendida dentro do horizonte mais amplo do humanismo renascentista Diferente da escolástica medieval que buscava organizar o saber em sistemas rígidos o humanismo valorizava o retorno às fontes clássicas e bíblicas promovendo uma visão mais flexível da razão O Elogio da Loucura ao dar voz à insensatez denuncia o risco de absolutizar a racionalidade mostrando como ela pode se converter em dogmatismo e vaidade Como lembra Garin 19652001 o humanismo renascentista não rejeitou a razão mas lhe atribuiu uma função ética e educativa subordinada ao bem da vida humana Nesse sentido Erasmo inscrevese na tradição que vê na razão um meio não um fim em si mesma Nenhum padrão de escrita reconhecido O recurso à Loucura como narradora revela de forma literária a limitação da racionalidade quando convertida em critério único de verdade A sátira mostra que a vida humana é sustentada por ilusões paixões e esperanças que a razão por si só não pode fornecer Erasmo 15112023 sugere que sem certo grau de engano e insensatez a existência se tornaria intolerável pois a pura racionalidade exporia ao homem sua fragilidade e finitude Essa percepção confere ao texto uma densidade filosófica que antecipa de certo modo críticas posteriores ao racionalismo moderno indicando que o humanismo não se construiu sobre a rejeição da fé ou da imaginação mas sobre sua integração à vida intelectual Nenhum padrão de escrita reconhecido Essa crítica também tem dimensão pedagógica ao ironizar os doutores da razão e os teólogos escolásticos Erasmo recorda que a finalidade do conhecimento não é a acumulação de disputas estéreis mas a formação ética do indivíduo Como destaca Kristeller 19612019 os humanistas viam o estudo das letras como instrumento de cultivo moral em contraste com a lógica formal da escolástica O Elogio da Loucura ilustra esse princípio ao mostrar que a razão quando absolutizada produz pedantismo e orgulho mas quando moderada pela fé e pela humanidade pode se tornar instrumento de sabedoria Nesse equilíbrio encontrase a marca distintiva do pensamento erasmiano Nenhum padrão de escrita reconhecido A crítica erasmiana à razão absoluta também reflete sua preocupação com a relação entre saber e poder O racionalismo escolástico ao se organizar em sistemas rígidos servia de base para legitimar autoridades acadêmicas e eclesiásticas criando um ambiente em que o prestígio intelectual se confundia com hierarquia social Pela voz da Loucura Erasmo denuncia essa instrumentalização do conhecimento revelando que quando dissociada da humildade e da caridade a razão se converte em vaidade Como ressalta Burke 19972010 o humanismo atuou como força de democratização cultural pois valorizava a circulação do saber e a leitura direta das fontes em oposição ao monopólio erudito das universidades Assim o Elogio da Loucura questiona a função social da razão sublinhando a necessidade de reconduzila ao horizonte do humano Nenhum padrão de escrita reconhecido Nesse ponto é relevante destacar a sutileza da posição erasmiana Diferente de correntes radicais que rejeitavam o papel da razão ele não propõe sua destruição mas sua moderação A razão deve ser acompanhada de imaginação fé e experiência concreta elementos que juntos garantem a vitalidade da existência humana Como observa Cassirer 19272001 o Renascimento operou uma síntese criativa entre racionalidade e simbolismo afastandose tanto do racionalismo estrito quanto do irracionalismo puro O texto de Erasmo é exemplo dessa síntese pois ao louvar a Loucura reconhece os limites da razão sem negar sua utilidade Nenhum padrão de escrita reconhecido Por fim a crítica erasmiana à razão absoluta deve ser lida como advertência ética Ao mostrar que a racionalidade pode se transformar em dogma Erasmo antecipa debates que atravessariam a modernidade especialmente em torno da relação entre saber e liberdade Sua obra recorda que o pensamento quando desvinculado da dimensão moral corre o risco de degenerar em instrumento de opressão Como aponta Foucault 19611978 a história da razão é também a história de exclusões como a da loucura O Elogio da Loucura escrito três séculos antes já sinalizava esse perigo ao revelar que o excesso de racionalidade quando isolado da humanidade gera monstruosidades Nesse equilíbrio entre crítica e moderação reside a atualidade do pensamento erasmiano Nenhum padrão de escrita reconhecido Conclusão O Elogio da Loucura escolhe uma via deliberadamente oblíqua para dizer o que precisa ser dito Em vez do tratado uma peça encomiástica em lugar do douto que arenga a personagem que se louva Essa inversão não é capricho retórico É um método ao permitir que a Loucura fale Erasmo desloca o centro do discurso abre espaço para que a crítica opere por contraste e para que a ironia ao invés de enfeite funcione como exame O livro sustenta do início ao fim essa escolha formal e é ela que dá coesão ao conjunto sem o didatismo que fecharia a leitura num único sentido Nenhum padrão de escrita reconhecido A narradora chega com nome ascendência corte e ofício Traz à cena suas companheiras philautía kolakeía lth hdon e com elas monta o mapa das dependências humanas A felicidade diz precisa de véus a amizade de benevolências que a razão pura não concede a esperança de certa suspensão do cálculo Quando a Loucura percorre profissões e estados não enumera por mero inventário demonstra caso a caso como a vida coletiva se organiza em torno de pequenas ficções úteis e como essas ficções quando ganham corpo demais produzem caricaturas A graça do texto nasce dessa proximidade entre o que sustenta e o que deforma Nenhum padrão de escrita reconhecido Há ainda uma lição sobre o próprio conhecimento O alvo não é a razão mas o seu absolutismo Quando convertida em tribunal que julga tudo de fora a razão tornase estéril multiplica distinções que pouco distinguem degrada o estudo em competição de engenho Quando aceita limites e companhia imaginação afeto experiência caridade volta a servir A sátira nesse sentido tem função pedagógica corrige sem humilhar ensina sem entorpecer convida sem impor É o docere delectando praticado com rigor não com complacência Nenhum padrão de escrita reconhecido Por isso o livro não envelhece Suas cenas reaparecem sob outras formas a linguagem do mérito recobre hierarquias a tecnicidade do discurso escamoteia interesses a devoção se rende à exterioridade o debate culto se satisfaz com a vitrine O Elogio da Loucura não oferece uma receita contra tudo isso e talvez esteja aí a sua força Ele solicita vigilância e medida Mostra que a vida comum precisa de alguma hdon de algum esquecimento de uma cota de ficção e que ao mesmo tempo precisa de freios que a salvem de si Reconhecer essa dupla necessidade não é conciliação fácil é trabalho de maturidade E é exatamente a ele que a leitura uma vez concluída nos convoca Nenhum padrão de escrita reconhecido ReferênciAs BAKHTIN Mikhail Mikhalovich VIEIRA Yara Frateschi A cultura popular na Idade Média e no Renascimento o contexto de François Rabelais Hucitec 1987 Padrão de escrita semelhante a texto gerado por IA BATAILLON Marcel Erasmo y España Estudios sobre la historia espiritual del siglo XVI México Fondo de Cultura Económica 2ª edição 1966 2ª reimpressão 1996 Nenhum padrão de escrita reconhecido BURKE Peter Cultura popular na idade moderna Europa 15001800 Editora Companhia das Letras 2010 Nenhum padrão de escrita reconhecido CASSIRER E Indivíduo e cosmos na filosofia do renascimento São Paulo Martins Fontes 2001 Nenhum padrão de escrita reconhecido CURTIUS Ernst Robert Literatura européia e Idade Média latina Instituto Nacional do Livro 1957 Padrão de escrita semelhante a texto gerado por IA DELUMEAU Jean O pecado e o medo a culpabilização no Ocidente séculos XIIIXVIII 2 volumes Bauru Edusc 2003 Nenhum padrão de escrita reconhecido ELIAS Norbert A sociedade de corte Zahar 2001 Palavras insuficientes para análise de IA FEBVRE Lucien O problema da incredulidade no século XVI a religião de Rabelais Editora Companhia das Letras 2009 Nenhum padrão de escrita reconhecido FOUCAULT Michel História da Loucura na Idade Clássica Perspectiva 1978 Nenhum padrão de escrita reconhecido GARIN Eugênio Ciência e vida civil no Renascimento italiano Unesp 2001 Nenhum padrão de escrita reconhecido HUIZINGA Johan Erasmus and the Age of Reformation Princeton University Press 2014 KOSELLECK Reinhart BRANCO Luciana VillasBoas Castello Palavras insuficientes para análise de IA Crítica e crise uma contribuição à patogênese do mundo burguês Contraponto Editora 2020 KRISTELLER Paul Oskar BOGÉA Anderson O sistema moderno das artes Artefilosofia v 14 n 27 p 226 2019 MAQUIAVEL Nicolau O príncipe Escritos políticos 2014 Palavras insuficientes para análise de IA MARAVALL José Antonio GARCIA Silvana A cultura do barroco análise de uma estrutura histórica edusp 1997 Detecção de IA inconclusiva ROTTERDAM Erasmo de Elogio da loucura Edipro 2023 Palavras insuficientes para análise de IA SKINNER Quentin As fundações do pensamento político moderno Tradução de 1978 Nenhum padrão de escrita reconhecido PAGE1 Aviso Não é recomendado utilizar percentuais para medição de plágio os valores exibidos são apenas dados estatísticos Essa análise considera citações como trechos suspeitos apenas uma revisão manual pode afirmar plágio Clique aqui para saber mais Estatísticas Expressões analisadas 452 Buscas Realizadas na Internet 570 Buscas Realizadas na Computador 0 Downloads de páginas 83 Downloads de páginas malsucedidos 81 Comparações diretas com páginas da internet 89 Total de endereços localizados 104 Quantidade média de palavras por busca 907 Legenda Endereço validado confirmada a existência do texto no endereço marcado Expressão não analisada Expressão sem suspeita de plágio Expressão ignorada Ocorrência não considerada não confiável Algumas ocorrências na internet Muitas ocorrências na internet Contém ocorrência confirmada Ocorrências na base local Configurações da análise Limite mínimo e máximo de palavras por frase pesquisada 8 a 13 Nível da Análise quantas vezes o documento foi analisado 1 Analisado por Plagius Detector de Plágio 298 sextafeira 22 de agosto de 2025 1159

Sua Nova Sala de Aula

Sua Nova Sala de Aula

Empresa

Central de ajuda Contato Blog

Legal

Termos de uso Política de privacidade Política de cookies Código de honra

Baixe o app

4,8
(35.000 avaliações)
© 2025 Meu Guru®