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186 DE UM LADO COMO DO OUTRO PAULO ARANTES GUERRA FRONTEIRAS E O FIM DA HISTÓRIA On one Side as on the Other Paulo Arantes War Borders and the End of History FREDERICO LYRA DE CARVALHO lyrafredgmailcom Data de recepção 31 de maio de 2023 Data de aceitação 2 de dezembro de 2023 RESUMO Partiremos da leitura crítica elaborada por Paulo Arantes da obra de Francis Fukuyama para analisarmos o lugar da guerra da atualidade da noção de fron teira e a compreensão de que houve um fim da história mas que ele é outro e como esta constelação conceitual é determinante para a maneira com a qual o filósofo brasileiro interpreta dialeticamente o tempo presente tal qual ele vem se configurando desde o fim da União Soviética até hoje Palavraschave guerra fronteira fim da história periferia ABSTRACT We will start from the critical reading of the work of Francis Fukuyama pro posed by Paulo Arantes to analyze the place of war the relevance of the no tion of frontier and the understanding that there was an end of history but that it is a different one and how this conceptual constellation is decisive for the way in which the Brazilian philosopher dialectically interprets the present time as it has been configured since the end of the Soviet Union until today Keywords war frontier end of history periphery Université de Picardie Jules Verne Amiens Francia DE UM LADO COMO DO OUTRO PAULO ARANTES ARTÍCULO Pp 186204 FREDERICO LYRA DE CARVALHO 187 I Paulo Arantes parece ter sido um dos poucos autores a levar em consideração a ela boração sobre O Fim da História e o Último Homem do filósofo norteamericano Fran cis Fukuyama 19921 A sua reação no entanto não parece ter se dado imedia tamente após a queda do muro de Berlim ela se concretiza efetivamente na esteira do 11 de setembro de 2001 Isto é como se após o ataque às duas torres algo que estava maturando há mais de uma década revelou a sua forma definitiva O 11 de Setembro apenas precipitou a cristalização de uma síndrome aliando crueldade e impotência política que há muito tempo vinha pedindo passagem Arantes 2007 161 O mais curioso notou Paulo Arantes 2007 6263 é que com a publicação dO Fim da história e o Último Homem Fukuyama reintroduziu um gênero filosófico clássico que se encontrava um tanto fora de moda após de ter sido duramente ata cado por décadas em especial por aquilo que o mesmo filósofo batizou de ideologia francesa 2021 Se tratava de uma interpretação apologética do presente na forma de uma filosofia da história Quando Hegel elaborou a filosofia da história dos tem pos modernos ela pressupunha o seu fim Falar em História implica necessariamen te em uma conclusão Uma História não é algo que tende a repetir o sempre igual e se reproduzir indefinidamente Aos olhos do nosso filósofo um dos aspectos mais curioso dessa ressurreição é que era a direita puramente orgânica do núcleo duro do establishment na figura de um funcionário do Pentágono que retomava à sua maneira o discurso moderno da filosofia da história para enunciar em alto e bom som que a história de fato estava acabada Isto é os Estados Unidos haviam ganho a Guerra Fria e agora só lhes restava administrar os louros da vitória Não havia mais luta política apenas administração e isto não era uma pura falsidade ideológi ca sugere Arantes De certa maneira havia um forte conteúdo de verdade no diag nóstico mainstream tal qual enunciado por Fukuyama embora o paraíso depois do fim estivesse longe de ser um destino universal Esse fabuloso Fim da História seria a rigor uma redenção para poucos da entropia temporal basicamente apenas o núcleo orgânico do sistema ingressaria na zona da luz da póshistória cujo princi pal eixo de interação entre seus múltiplos espaçosdefluxos seria econômico rele gando cada vez mais aos museus das curiosidades precisamente históricas as ve lhas regras da política de poder aos Estados baseados em armas Arantes 2014 62 1 Um outro autor importante a levar Fukuyama a sério foi Perry Anderson 1992 DE UM LADO COMO DO OUTRO PAULO ARANTES ARTÍCULO Pp 186204 FREDERICO LYRA DE CARVALHO 188 Ao contrário de apologistas puros como Samuel Huntington Fukuyama não era triunfalista Uma das inovações conceituais de Fukuyama se encontra na maneira com a qual ele interpretava a resolução proposta por Kojève da dialética entre o Mêstre e o Escravo Este momento que anunciava o dimanche de la vie será interpretado por Fukuyama com uma boa dose de ingredientes do Último Homem nietzschiano e o seu fecho conclusivo associa a guerra póshistórica ao deserto em que reinará a mais completa insignificância nela incluídos todos os ritos de uma civilidade puramente formal Arantes 2014 65 Além de um discurso da guerra a filosofia da história elaborada pelo lado vencedor sugeria que um modo de vida absolutamente niilista tendia a ser tornar hegemônico no lado entrincheirado da fronteira O livro descreve de fato com categorias pouco usuais uma clivagem no processo de modernização capitalista a formação de uma fronteira entre sociedades ressentidas porque perdedoras ainda nacionais e históricas e o mundo lumi noso da riqueza capitalista obviamente póstudo Arantes 2014 274 Mobilizan do categorias da filosofia da luta pelo reconhecimento elaborada por Alexandre Kojève como também fazendo um uso pouco habitual da categoria platônica de thymòs Fukuyama fornecia apesar de tudo uma imagem coerente da configuração do mundo que tomava forma no processo de globalização A configuração do mundo que emergia do pósguerra fria não era unitária ele estava dividido por uma fronteira onde um lado aparece como iluminado e pós histórico enquanto o outro repleto de antagonismos se encontraria ainda na era das trevas sem horizonte de saída pois a história teria de fato acabado Quem se deteve apenas no título não notou que não se tratava de um livro descrevendo um mar de rosas Pelo contrário o fim da história que emerge no apagar das luzes da Guerra Fria é uma época de guerra um novo tipo de guerra na qual a distinção entre o estado de paz e guerra tende a se tornar cada vez mais fluído Esse estado de paz implica estar de prontidão e armado até os dentes pronto para afir a qual quer momento Tratase de um discurso e prática belicista sob a égide da pacifica ção Paz a qualquer custo Era esse o desfecho da História Esse desfecho inaugu rado com a queda da URSS não engendrou uma sociedade igualitária e livre tal qual imaginada pelo melhor do liberalismo e do socialismo desde a Revolução Francesa e durante todo o século XX pelo contrário nunca o globo foi efetiva mente tão desigual e dividido como na póshistória Parcelas enormes dos terri tórios e populações por todo o mundo estão desde então sendo rifadas pelo capital vencedor Arantes 2014 141198 A história acabou pois nada de novo vai emer DE UM LADO COMO DO OUTRO PAULO ARANTES ARTÍCULO Pp 186204 FREDERICO LYRA DE CARVALHO 189 gir foi o sistema capitalista no seu momento de hegemonia norteamericana que venceu não haveria mais alternativa e esta situação durará para sempre parecia sugerir Fukuyama Tratavase então de governar essa situação O problema se encontrava do outro lado Pois o lado sombrio e histórico é em última instância uma zona de vazio jurídico onde impera a exceção e a guerra per manente É neste outro lado da fronteira que se encontra a maior parte da energia fóssil e das matérias primas necessárias para a produção de todo o aparato tecno lógico demandado pelo capitalismo contemporâneo É também lá que se encontra a massa incontável de população sobrante e cada vez mais obsoleta que não con segue mais ser efetivamente empregada como força de trabalho para a reprodução do capital O mais importante para as sociedades do mundo iluminado passou a ser a implementação dos mais variados dispositivos para evitar a qualquer custo o contato entre estes dois mundos Entre outras coisas a proliferação massiva de campos de retenção aparece como um preço moral necessário a se pagar Como o capitalismo é global nota Arantes essa fronteira abarca todo o globo o que resulta literalmente em um mundofronteira 2022b A metade turbulenta do mundo é a periferia do sistema Nesse território exterior o espírito cosmopolita e liberal da sociedade vencedora ainda não criou raízes e lá ainda impera o sentimento nacio nal como também o ressentimento a luta social e o conflito O confronto pacifica dor que se desenhava nesta situação é o de uma guerra policial pela ordem Um tipo de guerra que pede uma polícia de fronteira por assim dizer eclética variando das zonas tampão às guerras ofensivas preventivas Arantes 2007 65 pois se tra ta de gerir de todas as formas possíveis as zonas turbulentas de fronteiras É desta maneira que a nova filosofia da história que intencionava prefigurar a paz perpé tua uma pacificação total do mundo enuncia no fundo um Discurso da Guerra Arantes 2014 2742 no fundo guerras do fim da história Arantes 2023 II De fato Paulo Arantes retoma a contrapelo a tese do fim da história ressuscitada por Fukuyama Tratase de um discurso da guerra com um fundo bem concreto O diagnóstico era em boa parte correto mas vinha na má direção Estávamos diante 2 De certa forma este estudo pode ser lido como uma primeira parte de uma pesquisa e meditação sobre as diversas dimensões da guerra tal qual ela é pensada por Paulo Arantes e demanda ser com pletado com mais um ensaio futuro DE UM LADO COMO DO OUTRO PAULO ARANTES ARTÍCULO Pp 186204 FREDERICO LYRA DE CARVALHO 190 de uma guerra cosmopolita Arantes 2007 31 Um tipo de conflito que era ao mesmo tempo policial e intervencionista Além de uma grave crise econômica os países centrais e vitoriosos conduzidos pelos Estados Unidos e pela OTAN se depa raram com a missão de gerir o desmanche do antigo segundo mundo que gerou uma série de guerras civis e crises humanitárias estas últimas que vinham se multiplicando sobretudo no continente africano desde a virada da década de 1980 Fassin 2010 das quais as mais assustadoras foram a desintegração da Iugoslávia e o genocídio de Ruanda O marco principal no entanto são as duas Guerras do Golfo Na figura de George Bush Pai assistimos à inauguração da guerra interven cionista cujo objetivo era a pura destruição do Estado iraquiano sem que nada fosse ambicionado colocar no lugar Como observa Paulo Arantes tirante a para fernália nuclear a tecnologia e as armas que os Estados Unidos e seus aliados pre pararam contra a União Soviética foram enviadas para o Oriente Médio e direcio nadas para a versão iraquiana do arsenal soviético 2007 6465 Esta desmedida absoluta como se sabe continuaria por mais de dez anos com ataques ditos cirúrgi cos coordenados por Bill Clinton até a destruição final do Iraque comandada por George Bush Filho em 2003 Entre outras coisas a guerra cosmopolita trouxe de volta consigo a ideia de guerra justa ideia esta endossada inclusive por parte da Teoria Crítica contempo rânea Pensadores do calibre de Habermas3 Honneth Michael Walzer e Norberto Bobbio se engajaram na elaboração de um discurso da guerra 2007 32 que vinha se afirmando como o pano de fundo para tentar ressuscitar a ideia de Ocidente e a ereção das fronteiras que passariam a separar o mundo em duas partes desiguais Guerra justa é guerra de pacificação onde paz é guerra e viceversa O mais impor tante nota Paulo Arantes é sinalizar a mutação na guerra em nível global e o res paldo que ela terá pela comunidade global e da opinião pública incluindo parte considerável da esquerda mundial que aderiu ao capitalismo pois as guerras se digirem principalmente contra os expropriados da terra que estão do lado de fora dessa comunidade vencedora A ideia da guerra justa tem origem na doutrina teo lógica de Santo Agostinho Ele precisava organizar as disputas entre os bons cris 3 Este argumento da guerra justo voltou à tona em nota recente sobre a intervenção militar de Israel na Faixa de Gaza em outubro e novembro 2023 na qual Jürgen Habermas juntamente com Nicole Deitelhoff Rainer Forst Klaus Günther sustenta entre outas coisas que O modo como essa retaliação que é justificada em princípio é realizada é objeto de um debate controverso Cf httpswwwnormativeordersnet2023grundsatzedersolidaritat Data de acesso 17 novembro 2023 DE UM LADO COMO DO OUTRO PAULO ARANTES ARTÍCULO Pp 186204 FREDERICO LYRA DE CARVALHO 191 tãos mas isso supunha que também era necessário uma regra para lidar com os nãocristãos A guerra justa foi a solução encontrada Esta era a guerra contra o outro aqueles que podiam ser massacrados sem peso na consciência e sem sentir a ameaça da condução da alma ao inferno como destino certo pelo sangue nas mãos Por ser justa a guerra era limpa de pecados Não espanta que a doutrina da guerra justa tenha conhecido uma segunda juventude durante os genocídios co loniais que marcaram a primeira expansão marítima dos Estados europeus Aran tes 2007 37 Além de justa a guerra na colônia era uma guerra santa Arantes 2022b 21 endereçada àqueles apareciam como eventuais obstáculos ao processo de colonização Afinal se eles resistirem ao comércio e portanto se eles resistirem a que europeus se assentem naquele território para pacificamente comerciar co mo esta resistência contraria as leis da natureza que estão assentadas sobre a so ciabilidade humana e portanto sobre a hospitalidade essa resistência a hospedar aqueles que querem apenas comerciar e portanto a resistência à evangelização e a resistência ao comércio é uma razão para deflagrar uma guerra justa contra aqueles que se opõem 2022b 21 As Cruzadas assim como a Jihad são outros exemplos de guerras santas A guerra cosmopolita sobre a qual dou esta breve notícia nada mais é do que a manifestação mais contundente do regime de estado de sítio planetário no qual estamos desde então nos instalando Arantes 2007 40 O Estado de sítio4 é um dispositivo constitucional que tem origem duplamente contrarevolucionária Na esteira de Domenico Losurdo Paulo Arantes nota que o estado de sítio surge na Revolução norteamericana para logo em seguida ser aperfeiçoado e difundido com a Revolução francesa Os seus usos mais renomados no entanto foram para inte rromper a força popular na Revolução de 1848 na França e quase um século de pois do outro lado do Reno assegurar a ascensão do poder nazista A novidade dos nossos tempos segundo Paulo Arantes é que se trata de um estado de sítio global que se instalou sem que houvesse nenhuma Revolução a ser parada no ho rizonte5 Uma situação que carrega uma contradição em seu interior pois embora 4 A maneira como Paulo Arantes teoriza o Estado de sítio ou Estado de exceção é um problema teórico em sí mesmo e mereceria um estudo aprofundado devido à sua maneira original de articular Marx Carl Schmitt Walter Benjamin Giorgio Agamben além de vários autores brasileiros todos lidos e pensados sob o filtro do ponto de vista da periferia e da experiência colonial o que resulta em uma teoria própria deste conceito fundamental para os nossos tempos 5 O primeiro a notar que o capitalismo tendia a instalar um estado de contrarevolução permanente foi Marcuse na esteira do rescaldo da derrota do pós1968 A contrarrevolução é no geral ampla mente preventiva no mundo ocidental ela o é exclusivamente Não há revolução recente à des DE UM LADO COMO DO OUTRO PAULO ARANTES ARTÍCULO Pp 186204 FREDERICO LYRA DE CARVALHO 192 haja estado de sítio planetário não existe nenhuma constituição mundial para ser posta de lado Esta situação é puramente policial Ela se caracteriza sobretudo por uma externalização de práticas políticas e policiais para fora da jurisdição legal do território norteamericano e do núcleo orgânico do sistema Por exemplo a tortura segue sendo ilegal nos Estados Unidos mas toda uma parcela da opinião pública passou a defender o seu uso sob a justificativa de conter a ameaça fantasma terro rista Logo a tortura seria abertamente exercida pelas forças armadas do país ou por forças mercenárias ao seu serviço especialmente no Iraque Afeganistão e em Guan tánamo Isto é não é permitido do lado de dentro mas podese torturar do lado de fora A tortura é externalizada para além da fronteira nacional passando a funcio nar normalmente na periferia Assim como o capital em expansão reinventou em sua franja colonial a escravidão moderna podese dizer que o sistema imperial em formação sob nossos olhos está inaugurando uma nova divisão internacional do trabalho da tortura Arantes 2007 162 Na era colonial como também no pre sente às classes confortáveis do núcleo orgânico correspondiam como um com plemento exato às classes torturáveis nas zonas periféricas do sistema Arantes 2007 163 No limite toda colônia é penal nota Arantes 2014 322 Na peri feria desde sempre é guerra a tortura é norma e a ordem é o estado de exceção O capitalismo vencedor com o aparelho militar norteamericano encarnando o poder soberano mundial configurou um imperialismo de tipo novo Segundo Arantes Globalização significa entre outras coisas tornar o capitalismo seguro e o núcleo desse capitalismo seguro é americano 2022b 20 Este imperialismo tem como função fundamental e estrutural dar lastro ao dinheiro do mundo isto é assegurar a emissão e reconhecimento do dólar como a moeda mundial Ele é ga rantido pelo poder militar e cujo poder está na moeda e nas finanças e não na do minação direta de territórios Sem esquecer além de tudo das dezenas de bases militares espalhadas por todo o planeta que possibilitam a intervenção imediata deste poder militar em praticamente qualquer lugar do planeta Não me parece excessivo concluir que a lógica econômica do tributetaking inerente ao regime dólar flexível enquanto moeda financeira mundial não coincide por acaso com a estréia da nova máquina de guerra norteamericana devidamente reaparelhada por uma truir e nenhuma em perspectiva Ora é portanto o medo da revolução que unifica os interesses e associa as várias fases e formas da contrarrevolução Ela cobre toda a gama da democracia par lamentar à ditadura declarada passando pelo Estado policial O capitalismo se reorganiza para enfrentar a ameaça de uma revolução que seria a mais radical de todas as revoluções históricas Que seria verdadeiramente a primeira revolução histórica mundial Marcuse 1973 10 DE UM LADO COMO DO OUTRO PAULO ARANTES ARTÍCULO Pp 186204 FREDERICO LYRA DE CARVALHO 193 surpreendente revolução nos assuntos militares no mercado internacional de compra e venda de proteção Arantes 2007 186 Desta maneira estas guerras e intervenções policiais ocorrem depois do fim da histórica no fundo com o intuito de sustentar o consumo interno americano assegurar a volatilidade da dívida pú blica e assegurar a correta emissão de dinheiro Uma das novidades da época é que os serviços de segurança aparecem como um dos principais produtos de exportação dos Estados Unidos Seja através das bases militares e das frotas navais espalhadas por todo o planeta ou na forma de empresas de mercenários que como a Black water e a Halliburton embora privadas trabalham diretamente associadas ao go verno norteamericano Esta configuração trouxe consigo algumas coisas antigas travestidas com nova roupagem Por exemplo aquilo que convencionouse chamar de globalização seria na realidade segundo Paulo Arantes um nome ideológico para o que ele identifica como sendo uma nova rodada de aprofundamento da acumulação primitiva que ele nomeia de capitalismo de acesso 2007 167 Este termo tem o intuito de ecoar a semelhança formal pois com novos conteúdos e aparência entre os antigos enclosures e os novos cercamentos dos bens comuns Desta vez ao invés de terras se tratava principalmente de enxugar o patrimônio e financeirizar todas as esferas da vida para com isso criar toda uma série de monopólios para o acesso aos mais diversos bens de consumo e insumos básicos para a vida como para induzir que toda e qualquer ação que seja a mais simples subsistência seja mediada pelo di nheiro e pelo mercado No presente o cercamento se dá sobretudo naquilo que é conhecido como realidade virtual a internet e a informação que nela circula O destino da falsa mercadoria informação repete a violência expropriadora dos enclo sures Arantes 2007 169 O princípio do acesso é o do controle basicamente de quem entra e de quem sai a sua lógica é a da barreira e a do nicho 2007 168 O fundamento é por ele nomeado de lógica do capitalinformação que tem como objetivo organizar economicamente o acesso à dimensão virtual da realida de apropriarse do futuro em suma Arantes 2007 168 Outros acessos são dis cutidos por Paulo Arantes como o lobby de empresas junto ao Estado com o intui to de organizar as ditas parcerias públicoprivadas Um exemplo paradigmático é a família Bush com os seus tentáculos nos mais diversos negócios A origem dessa prática no entanto é antiga remonta ao mercantilismo e às diversas Companhias das Índias O curioso é que isso aparece como uma configuração ainda mais con sequente hoje em dia o que nos faz lembrar que Paulo Arantes elaborou estas DE UM LADO COMO DO OUTRO PAULO ARANTES ARTÍCULO Pp 186204 FREDERICO LYRA DE CARVALHO 194 ideias antes da exponencialização que a explosão massificada do mundo virtual fez do capitalinformação6 e que o monopólio do mundo virtual se tornasse tão con centrado e de controle tão estrito que muitos já chamam de novo feudalismo7 Dos bens públicos às corporações privadas passando pela guerra tudo pode ser potencialmente privatizado embora venha quase sempre acompanhado de uma mão estatal O novo modelo de imbricações e parcerias entre o Estado e as Empre sas no qual é cada vez mais difícil distinguir quem exerce qual função parece ter como destino fenomênico o estadomáfia8 Pouco a pouco ele vai sendo obrigado a descartar parcelas do seu território que são cada vez mais ingovernáveis sob as regras jurídicas dos Estados Estas verdadeiras zonas territoriais excedentes espalha das pelo globo junto de suas populações ocupantes se encontraram em estado de anomia permanente e passam a ser governadas por milícias enquanto aqueles que ainda se encontram dentro dos muros do sistema tentam se proteger de todas as formas possíveis daqueles que estão do outro lado da fronteira oferecendolhes ajuda humanitária transformando populações inteiras em negócios ou simples mente com o uso abusivo da violência policial pura e direta Assim não é nada implausível que se possa também considerar o novo imperialismo como a certidão de nascimento de uma sociedade terminal que a partir de um núcleo oligárquico central vai se espraiando pelo fundo na forma de luta entre gangues em torno dos recursos mundiais Arantes 2007 190 Não seria exagero dizer que o governo Bolsonaro deu um novo impulso contribuindo para a aceleração da transformação do Brasil em um estadomáfia III Fukuyama foi imediatamente rejeitado e pouco foram aqueles na esquerda mun dial que tentaram entender o que ele estava tentando dizer no momento mesmo da queda do muro Essa ignorância pode ser entendida como um sintoma da de rrota que sofreram Pois embora o cadáver do socialismo real já estivesse apodre cendo há várias décadas nada justifica a adesão espontânea e convicta das esquer das ao capitalismo dominante Como insiste Slavoj Žižek embora seja fácil ridi 6 Para um aprofundamento radical desta ideia que chega a sugerir de maneira polêmica que a in formação já estaria cumprindo função análoga ao capital no processo de produção e com isto já es taríamos entrando em um póscapitalismo ver McKenzye Wark 2021 7 Cf Durand 2020 8 Não por acaso o paradigma é a Rússia Luke Harding 2012 DE UM LADO COMO DO OUTRO PAULO ARANTES ARTÍCULO Pp 186204 FREDERICO LYRA DE CARVALHO 195 cularizar a noção de Fukuyama sobre o fim da história a maioria hoje é fukuya maísta O capitalismo liberaldemocrático é aceito como a fórmula finalmente en contrada da melhor sociedade possível tudo o que se pode fazer é tornála mais justa tolerante e assim por diante 2009 É possível que a esquerda liberal seja a última a ter ainda alguma fé numa suposta civilização capitalista Bastaria lembrar entre outras coisas que Fukuyama nunca disse que não haveria mais conflito nem antagonismos ou mesmo luta de classe É também neste sentido que Paulo Arantes se coloca de acordo com o filósofo norteamericano isto é de fato houve um fim da história Este fim no entanto não foi o triunfo que os mais ferventes ideólogos prósistema imaginavam como também não se configurou o governo de paz arma da imaginado por Fukuyama O seu conteúdo de verdade se encontra sobretudo na configuração emergente de um mundo de fronteiras fraturado em duas zonas separadas porém interdependentes uma da outra É necessário então que se es tabeleça novamente uma linha global a qual coloca perfeitamente dois lados e pode abarcar os clientes europeus ou americanos mas o outro lado dessa linha global é uma terra de fronteira de modo que nós temos uma espécie de fronteira sem mundo Arantes 2022 20 O problema inesperado para o governo cosmo polita do mundo que se instalou no fim da história é o fato de ser objetivamente impossível estabilizar esta configuração9 Parece que um processo contínuo de pacificação se tornou necessário pelo fato de uma paz efetiva aparecer como impos sível Lá onde Fukuyama imaginou haver uma dualidade absolutamente separada na qual uma polícia de fronteira fora da lei garantiria que a distância entre os polos fosse a todo custo mantida estável havia de fato um forte vínculo que po deríamos chamar de dialético Não uma dialética que permitiria ao processo avan çar na direção da superação das desigualdades ao contrário pois desde que o pro cesso do colapso da modernização Kurz 1992 vem se desencadeando ainda nos anos oitenta com a crise do terceiro mundo o curso do mundo mudou e assisti mos a um processo reverso que Paulo Arantes identifica como uma periferização do centro As últimas décadas parecem mostrar que a zona responsável pela gestão paci ficadora do mundo não consegue mais conter a expansão da zona sombria sobre a zona luminosa Há muito que Paulo Arantes vem sugerindo que a condição 9 Uma outra face deste mesmo modo de governo que é próprio do neoliberalismo e que caberia estudar e articular em detalhes com a guerra cosmopolita e policial em uma outra ocasião é aquilo que foi chamado por Dardot e Laval 2010 na esteira de Foucault de nova razão do mundo DE UM LADO COMO DO OUTRO PAULO ARANTES ARTÍCULO Pp 186204 FREDERICO LYRA DE CARVALHO 196 periférica10 tende a se tornar dominante no mundo Não vou diz Paulo Arantes enumerar os sintomas basta olhar à volta pois acho que há uma geração esse estado de emergência se alastra da periferia para o centro Lyra 2021 274 O fim da história não resultou na vitória do sistema capitalista pelo contrário o estado de guerra cosmopolita e processo de periferização que se instalou é um sinal da sua instabilidade natural e pode ser interpretado como anúncio do seu iminente des moronamento que tende a ocorrer devido às suas contradições internas Resta saber o que virá depois se algo sobrar de pé Contrariamente à paz perpétua ou ao dimanche de la vie prometido foi um processo que se articula sob uma lógica de desintegração11 Arantes 2014 336 cada vez mais acelerada que tomou forma A vantagem se é que se pode falar assim de assistir a este processo a partir de um país periférico que não pôde ainda ser descartado do sistemamundo como é o caso do Brasil é que lá as fronteiras descritas por Fukuyama atravessam desde sem pre a integralidade do território Como sugeriu em 2001 a fratura brasileira do mundo Arantes 2004 2577 aparece como a vanguarda da situação que se ins tala mundo afora Lembremos que neste ensaio já clássico são tratadas em deta lhes como sociedades já em decomposição acelerada a sociedade francesa o mo delo principal do estado de bemestar social do pósguerra e a sociedade norteame ricana que se afirma como o eixo do mundo no pós segundaguerra mundial e que saíra vitoriosa da Guerra fria durante a década de 1990 era vivida como apíce da vitória do capitalismo o momento preciso do auge do fim da história IV Podemos afirmar que desde a crise dos subprimes que eclodiu entre 2007 e 2008 o movimento tendencial de periferização do centro se acelerou O colapso final mente chegou com força no centro do coração do sistema como o 11 de setembro de certa forma antecipara A decomposição sóciopolítica dos Estados Unidos Ja pão e dos países europeus já se tornou uma evidência social12 Pensando bem o ca ráter destrutivo do sistema se tornou um senso comum na sociedade contempo 10 Conceito e situação elaboradas detalhadamente por Thiago Canettieri 2020 11 Para dar a citação completa na qual Paulo Arantes descorre sobre a experiência contemporânea em uma sociedade periférica como brasileira Numa sociedade que se reproduz segundo a lógica da desintegração o horizonte de expectativas que antes empurrava para a frente o tempo social se sobrepôs hoje ao campo de experiência presente daí o caráter dramático de uma conjuntura que não passa 2014 336 12 Cf Arlie Russell Hochschild 2016 Christophe Guilluy 2014 DE UM LADO COMO DO OUTRO PAULO ARANTES ARTÍCULO Pp 186204 FREDERICO LYRA DE CARVALHO 197 rânea ao menos no nível discursivo Em um país como a França a chamada collapsologie13 virou uma ideologia de classe dominante e conta inclusive com livros de autoajuda indicando como educar as crianças para se adequarem ao colapso que vem se anunciando no horizonte Como não dá mais para evitar o colapso me lhor mesmo se adaptar de maneira resiliente aos tempos vindouros Basta abrir qualquer jornal ou melhor navegar por qualquer uma das redes sociais que em bora todos se apresentem como eternamente felizes são os horrores da sociedade que aparecem e que mediam esta situação generalizada de letargia e denegação geral O problema é que toda esta situação de espera catastrófica se integra como normalidade social por aparecer como um horizonte sem nenhuma resolução prá tica possível desta maneira o jogo tende a prosseguir rumo ao seu destino segue sem maiores interrupções O fim da história apareceu como uma redenção perversa e provisória para uma parcela bastante reduzida da população mundial O vínculo social mesmo nos paí ses centrais estava se se reduzindo cada vez mais ao puro vínculo econômico Aque les que estão sendo jogados para fora do sistema são principalmente os que não tem mais como conseguir trabalho lembrando sempre que embora o trabalho continue a ser o vínculo fundamental da sociedade capitalista e o trabalho vivo a única fonte substancial para a criação de valor a contradição em processo Marx 2011 desencadeada principalmente pelo crescimento exponencial das forças pro dutivas e da tecnologia traz consigo a contradição fundamental do sistema que eli minando a necessidade de trabalho vivo para o processo de produção termina por expulsar parte considerável da população mundial do trabalho tornando esta cada vez mais obsoleta para a reprodução da sociedade O valor é viciado em sí mesmo e tal qual o Rei Midas contamina a todos que toca no seu caminho A depen dência dessa substância cada vez mais escassa que é o valor cuja síntese social in duz compulsivamente à competição de todos contra todos tende a desencadear uma guerra generalizada que passa por todos os níveis da sociedade e embora se manifeste em diferentes escalas não deixará nenhum país nem nenhum indivíduo ileso Olhando para a situação do mundo no póscrise de 2008 Wolfgang Streeck dirá que sociedades que não são capazes de incluir ou de assegurar a integridade das suas populações tendem a se transformar em algo que é menos que uma sociedade 2016 13 Um exemplo desta situação pode ser encontrada no fato dos 13 Para uma crítica da collapsologie Benoît BohyBunel 2023 DE UM LADO COMO DO OUTRO PAULO ARANTES ARTÍCULO Pp 186204 FREDERICO LYRA DE CARVALHO 198 Estados Unidos terem se transformado em uma sociedade autofágica onde os assassinatos de massa amok se tornaram uma epidemia social o que explícitaria em um nível micrológico entre outras coisas a tendência suicida da sociedade ca pitalista como um todo desde o seu centro dinâmico Jappe 2017 No fundo se guindo o raciocínio de Jappe os amoks seriam quase que uma consequência lógica do processo de desintegração social em marcha e portanto o seu excesso não deveria nos surpreender Christopher Lasch lembra Paulo Arantes reconheceu ainda nos anos 1980 uma individualidade sitiada nessa estrutura social cujo nexo social narcísico era o mínimo eu 1990 Fazendo eco desta configuração social Fukuyama endossava sem pestanejar o enunciado de Thatcher there is no alternative sem no entanto afirmar que o paraíso havia descido na terra Niilistas todos aqueles vivendo no fim da história deveriam se conformar com o fato de não haver nenhum sinal de uma outra Ideia ou Ideologia no horizonte capaz de rivalizar com o capital vitorioso A realidade de fato se transformou na sua própria ideologia como previra Adorno 2022 Não é mero acaso que o modo de vida niilista se transformaria mais tarde no modo de vida dominante atravessando todas as classes sociais e países do mundo Modo de vida que também é modo de do minação e se transformou em segunda natureza principalmente devido à prolife ração em massa de dispositivos tecnológicos capazes de unir e conectar a todos os indivíduos precisamente pela separação dos seus corpos Crary 2014 Como sugere Barbara Stiegler você tem de se adaptar 2019 O mundo ultra tecno lógico que emergiu na esteira do mundo de guerras de intervenção e policiamento por todos os lados só é possível pelo fato da maioria dos indivíduos estarem conformados com o mundo que lhes foi entregue V Paulo Arantes interpreta o capitalismo como um sistema fundamentalmente des trutivo e não de fundamento produtivo como continuam a pensar a maior parte dos marxistas e assim sendo Schumpeter embora absolutamente apologeta tinha lá suas razões embora seja difícil achar algo de efetivamente criativo neste amon toado de destruição Nenhuma prática e acontecimento produzido pela humani dade sintetiza melhor a sua capacidade destrutiva como a guerra Embora tenha a idade da préhistória da humanidade é com o desenvolvimento exponencial das tecnologias destrutivas na forma dos mais diversos armamentos de fogo que atinge DE UM LADO COMO DO OUTRO PAULO ARANTES ARTÍCULO Pp 186204 FREDERICO LYRA DE CARVALHO 199 um primeiro ápice no início do século XX com a Primeira Guerra mundial que a guerra se torna total Menegat 2019 Como bem notou Marildo Menegat A re corrência ao imago da guerra não é gratuita nem arbitrária nela está adormecida uma forma abstrata originária um a priori desta sociedade 2021 7 Robert Kurz 1997 chega mesmo a identificar que as origens destrutivas do capitalismo de vem ser encontradas principalmente na revolução armamentista que ocorreu e ace lerou o final da idade média14 O capitalismo é guerra permanente não cansa de repetir Paulo Arantes em diversas de suas falas15 Essa sua verdadeira face se revê lou com tudo na Primeira com a tecnologicação absoluta da guerra e sobretudo na Segunda guerra mundial principalmente com a invenção da Bomba Atômica De fato parece que apenas o dinheiro e a guerra são capazes de criar um laço entre os três pilares fundamentais do sistema capitalista a saber o Capital o Estado e o tra balho Há tempos se sabe que o capitalismo é um sistema com tendências suicidas mas como ele se reproduz por uma matéria abstrata porém real e cada vez mais escassa que devido ao seu funcionamento tautológico que tem como único fundamento o de acumular por acumular Desde a crise de 2008 o dinheiro mundial se encontra cada vez mais dessubstancializado e tem com isso perdido ainda mais o seu valor tornando os Estados Unidos cada vez menos apto a cumprir com suas ambições políticas de controlar os fluxos financeiros do mundo e com suas obrigações de financiar o Estado e as empresas norte americanas como também para além das fronteiras deste país Embora a contrapelo do que havia sido enunciado algo da natureza do que Fukuyama havia pressentido se realizou A onda avassaladora de insurreições mundiais conhecidas como Primaveras Árabes o Brexit Trump Bol sonaro e sobretudo a pandemia do Covid19 e a Guerra da Rússia contra a Ucrâ nia parecem selar em definitivo uma virada na situação mundial Isto é em outras palavras o que assistimos no presente pode ser entendido como algo como o fim do fim da história ou uma aceleração exponencial rumo ao fim Se apoiando no livro The End of The End of History Hochuli Hoare e Cunliffe 2021 Arantes observa que por um lado depois de mapearem as marchas e contramarchas do perene 14 Para um comentário de Paulo Arantes sobre este ensaio no qual o nosso autor afina a tese kurziana articulandoa com a tese de Giovanni Arrighi 2010 no qual este autor trata entre outras coisas da formação dos Estados e da concentração do poder na mão destes autores como sendo fundamental para pensar as origens do capitalismo Zero à Esquerda uma coleção da hora 2004 245255 15 Cf Arantes 2022a DE UM LADO COMO DO OUTRO PAULO ARANTES ARTÍCULO Pp 186204 FREDERICO LYRA DE CARVALHO 200 tumulto político inintegráveis na Era Pacífica prometida por mais um adeus às armas de uns anos para cá está claro que o Fim da História chegou ao fim sem que no entanto a História tenha recomeçado a sua escalada 2023 Por outro lado sendo a Periferia o lugar em que o futuro se revela chegamos todos juntos ao Fim do Fim da História passamo a pulsar na mesma temporalidade cuja mola propul sora voltou a acelerar no vazio de um regime de historicidade que alguns estão chamando de apocalípticos Lazzarato querendo dizer com isso entre tantas outras coisas que se perdem na noite dos tempos vontade de apertar o gatilho Arantes 2023 Embora haja um agravamento no processo de colapso que vem se desen cadeando há várias décadas algo mudou sensivelmente de um lado e de outro da fronteiro assim que esse novo limiar foi ultrapassado VI Desconfio que para Paulo Arantes não se trata mais de simplesmente evitar o pior Essa ainda era a ideia guia de pensadores como Adorno ou Günther Anders que na contramão do otimismo que se instalava no mundo após o fim da segunda gue rra mundial imaginavam que a tarefa política era evitar que uma variação dos ho rrores de Auschwitz ou que o apocalipse atômico terminal ocorresse No presente a desintegração total do mundo já aparece como um dado imanente à realidade Com o acúmulo de crises sociais políticas climáticas e guerras de todos os tipos o pior aparece como algo praticamente inevitável Este destino vem sendo anunciado há muito tempo Não por acaso em várias de suas falas Paulo Arantes insiste que continuar a denominar tal situação com o conceito de crise ainda carregaria com sigo um certo rescaldo otimista e progressista Arantes Krenak 202016 No caso de Adorno e Anders eles foram os responsáveis por enunciar os diagnósticos mais coerentes e radicais em sua época Porém um veio a falecer logo após o Maio 68 marco político inaugural da contra revolução conhecida como Era neoliberal que se inaugurou logo em seguida com o acúmulo da crise do petróleo do fim do padrão ouro e do relatório do Clube de Roma de 1972 sobre os limites do cres cimento e o outro logo após o fim da guerra fria O tempo do mundo agora é ou tro O ponto de vista da periferia conceitualização desenvolvida por um conjunto 16 A fala de Paulo Arantes se inicia aos 49 minutos e 50 segundo deste vídeo A resposta a uma questão do público que se inicia à 2 horas e 36 minutos e segue até o final é também importante para alguns dos argumentos aqui tratados DE UM LADO COMO DO OUTRO PAULO ARANTES ARTÍCULO Pp 186204 FREDERICO LYRA DE CARVALHO 201 estreito de autores mas que se cristaliza com maior consistência naquilo que pode ser chamado de obra de Paulo Arantes aparece como uma vacina crítica e alavanca negativa na tentativa de imaginar como parar o curso desastroso do mundo Ela no entanto é cética até mesmo com a possibilidade de elaborar ideias para adiar mes mo que indefinidamente o fim do mundo como sugere um pensador radical e importante como Ailton Krenak 2020 Em razão da velocidade com que trans corre o novo tempo de emergência que assola o mundo a possibilidade de adiar indefinidamente o seu fim contém ainda uma dose de otimismo Cantar dançar e contra histórias não é suficiente diante da amplitude da urgência da situação O sujeito automático que conduz o processo social nas costas da população mundial estando ela no andar de cima ou de baixo da sociedade global tende de fato a selar o seu destino catastrófico Saída Como bem notaram Felipe Catalani e Luiz de Caux 2019 no final das contas a busca por uma saída não mudou muito de uma época para a outra a pas sagem do dois ao zero continua sendo a mesma há mais de dois século e nesse aspectos ainda somos contemporâneos de todo um passado que pesa isto é ainda estamos a espera de uma Revolução radical capaz de varrer do mapa essa estrutura demoníaca que repete indefinidamente o mesmo processo de acumulação sem fim porém a cada volta em um nível mais rebaixado devido ao esgotamento da terra que já não aguenta mais esse processo destrutivo Pouco importa se Paulo Arantes acredite ou não na sua possibilidade ela é enunciada No estágio agudo do pre sente onde falta conceito para bem caracterizar as múltiplas crises sobrepostas na qual estamos inseridos embora todas tenham como ponto de origem comum o sistema capitalista17 um acontecimento desta dimensão à sua maneira catas trófico aparece quase que como uma necessidade vital para a humanidade como para além dela pois é toda a vida animal e o que conhecemos como natureza que está em risco O fim do fim se anuncia a todo momento Vale destacar com maior ênfase que a passagem do dois ao zero é ela mesma dupla Logo há dois zeros O zero para o qual passa o dois pode muito bem vir a ser a mais pura destruição o nada absoluto O encolhimento do horizonte de expectativas aparece como uma im bricação superposta entre o horizonte da espera da Revolução o horizonte de espera da Guerra e finalmente a expectativa do Grande Acidente Arantes 2014 17 Para uma crítica ao conceito de policrise que é no fundo uma ideologia que escamoteia a centra lidade da desvalorização do valor que é o pano de fundo comum a todas as outras crises sobre postas Godin 2023 DE UM LADO COMO DO OUTRO PAULO ARANTES ARTÍCULO Pp 186204 FREDERICO LYRA DE CARVALHO 202 94 Sem esquecer que guerra e revolução tendem a emergir juntas e que o Acidente é um dado do presente devido à impossibilidade de se desinventar e se desativar o arsenal nucleas Anders 2006 Alain Baidou 2022 como Paulo Arantes tem insistido que nos encontramos em uma situação liminar que impõe uma bifurca ção inédita na sua dimensão na qual a única saída seria uma revolução que evitará a guerra se antecipando a esta como uma fera que em um único salto decepa de uma só vez todas as cabeças da Hidra levando consigo também o seu corpo sem deixar restos pois uma nova guerra total seria certamente o fim Se no horizonte objetivo do mundo há Guerras por todos os lados haveria perdida por aí uma pequena chama na qual poderia se reconhecer a sua contraparte que tanto procu ramos enquanto se espera embora a sua imagem e forma seja absolutamente des conhecida seria ela agora pura expectativa informe e sem imagem REFERÊNCIAS ADORNO Theodor W 2022 Philosophy and Sociology 1960 Cambridge Polity ANDERS Günther 2006 La Menace nucléaire Considérations radicales sur lâge atomique Paris Le Serpent à plumes ANDERSON Perry 1992 O fim da história de Hegel a Fukuyama Rio de Janeiro Zahar ARANTES Paulo 1997 Extinção São Paulo Boitempo ARANTES Paulo 2021 Formação e Desconstrução Uma visita no museu da ideologia francesa São Paulo 34 ARANTES Paulo 2022a Neoextrativismo depois da catástrofe Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvqfbzK9cTDhQ Data de acesso 28 novem bro 2023 ARANTES PAULO 2022b O mundofronteira Princípios Revista de Filosofia v 29 n 60 1032 ARANTES Paulo 2014 O Novo tempo do mundo E outros ensaios sobre a era da emergência São Paulo Boitempo ARANTES Paulo KRENAK Ailton 2020 Mesa Perspectivas anticoloniais MITsp Disponível em httpswwwyoutubecomwatchv2tjX2VodDYs Data de acesso 16 novembro 2023 ARRIGHI Giovanni 2010 The Long Twentieth CenturyMoney Power and the Origins of Our Times LondonNew York Verso BADIOU Alain 2022 Treize thèses et quelques commentaires sur la politique aujourdhui LObs Disponível em httpswwwnouvelobscomidees20220902OBS62676treizetheseset quelquescommentairessurlapolitiqueaujourdhuiparalainbadiouhtml Data de acesso 16 novembro 2023 DE UM LADO COMO DO OUTRO PAULO ARANTES ARTÍCULO Pp 186204 FREDERICO LYRA DE CARVALHO 203 BOHYBUNEL Benoît 2023 Une critique anticapitaliste de la collapsologie Paris LHarmattan CANETTIERI Thiago 2020 A condição periférica Rio de Janeiro Consequência CAUX Luiz Philipe de CATALANI Felipe 2019 A passagem do dois ao zero dualidade e desintegração no pensamento dialético brasileiro Paulo Arantes leitor de Roberto Schwarz Revista do Instituto de Estudos Brasileiros n 74 119 146 CRARY Jonathan 2014 247 Lodon New York Verso DARDOT Pierre LAVAL Christian 2010 La nouvelle raison du monde Paris La Découverte DURAND Cédric 2020 Technoféudalisme Critique de léconomie numérique Paris La Découverte FASSIN Didier 2010 La raison humanitaire Une histoire morale du présent Paris Seuil FUKUYAMA Francis 1992 O fim da História e o último homem Rio de Janeiro Rocco GODIN Romaric 2023 Vive la polycrise Grandeur et misère dune notion à la mode Revue Le Crieur n 23 6679 GUILLUY Christophe 2014 La France périphérique Comment on a sacrifié les classes populaires Paris Flammariom HARDING Luke 2012 Mafia State How One Reporter Became an Enemy of the Brutal New Russia London Guardian Books HOCHSCHILD Arlie Russell 2016 Strangers in Their Own Land Anger and Mourning on theAmerican Right New York The New Press HOCHULI Alex HOARE George e CUNLIFFE Philip 2021 The End of The End of History London Zero Books JAPPE Anselm 2017 La Société Autophage Paris La Découverte KRENAK Ailton 2020 Ideias para adiar o fim do mundo São Paulo Companhia das Letras KURZ Robert 1997 A origem destrutiva do capitalismo Últimos combates São Paulo Vozes KURZ Robert 1992 O Colapso da modernização São Paulo Paz e Terra LYRA Frederico 2021 Entrevista Paulo Arantes o outro sentido Uma teoria crítica na periferia do capitalismo Passages de Paris n 21 p 261275 MARCUSE Herbert 1973 Contrerévolution et révolte Paris Seuil MARX Karl 2011 Grundrisse São Paulo Boitempo MENEGAT Marildo 2019 A crítica do capitalismo em tempos de catástrofe Rio de Janeiro Consequência MENEGAT Marildo 2021 Tremor e cataclisma da segunda natureza A Guerra como modelo da dissociação catastrófica do capitalismo Passages de Paris n 21 p 622 STIEGLER Barbara 2019 Il faut sadapter Sur un nouvel impératif politique Paris Gallimard DE UM LADO COMO DO OUTRO PAULO ARANTES ARTÍCULO Pp 186204 FREDERICO LYRA DE CARVALHO 204 STREECK Wolfgang 2016 How will capitalism end LondonNew York Verso WARK McKenzye Capital Is DeadIs This Something Worse LondonNew York Verso ŽIŽEK Slavoj 2009 How to begin from the begining New Left Review n 57 Disponível em httpsnewleftrevieworgissuesii57articlesslavojzizekhow tobeginfromthebeginning Data de acesso 17 novembro 2023