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Psicologia ·

Psicologia Social

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Sumário Apresentação Lilian Meyer Frazão e Karina Okajima Fukumitsu 1 Um pouco da história um pouco dos bastidores Lilian Meyer Frazão 2 Fenomenologia e Gestaitterapia Ari Rehfeld 3 O método fenomenológico em pesquisa gestáltica Karina Okajima Fukumitsu 4 A face existencial da Gestaltterapia Claudia Lins Cardoso 5 A psicologia humanista e a abordagem gestáltica Marisete Malaguth Mendonça 6 Psicologia da Gestalt Lilian Meyer Frazão 7 Relações entre a teoria de campo de Kurt Lewin e a Gestaltterapia Hugo Elídio Rodrigues 8 A Gestaltterapia holística organísmica e ecológica Patrícia Valle de Albuquerque Lima Ticha 9 A influência do pensamento oriental na Gestaltterapia Roberto Peres Veras Apresentação LILIAN MEYER FRAZÃO KARINA OKAJIMA FUKUMITSU Apresentar um livro não é tarefa fácil principalmente quando se trata de um projeto cuja expectativa acompanha o desejo de têlo há muito tempo Como professoras e treinadoras em cursos de formação em Gestaltterapia temos identificado há algum tempo a falta de bibliografia que pudesse apresentar de forma simples mas não simplista os fundamentos da nossa abordagem Essa constatação nos motivou a procurar a Summus Editorial com a proposta de dar início a uma nova coleção de livros que pudesse suprir de modo consistente essa lacuna Surgiu assim a Coleção Gestaltterapia fundamentos e práticas Neste primeiro volume decidimos apresentar os fundamentos epistemológicos e as influências filosóficas que norteiam a abordagem e compõem os alicerces sobre os quais se desenvolveu a abordagem gestáltica Nem sempre esses alicerces foram claramente explicitados pelos fundadores da Gestaltterapia Perls Hefferline e Goodman e os demais membros do Grupo dos Sete embora possam ser percebidos e até inferidos no percurso acadêmico e profissional de cada um dos fundadores Entendemos ser de fundamental importância a articulação coerente e consistente da visão de homem da Gestaltterapia com as bases teóricas que a fundamentam uma vez que estas definem o manejo e a prática clínica da abordagem Assim este livro tem o objetivo de oferecer à comunidade gestáltica estudantes de psicologia especializados profissionais de Gestalt informações claras e organizadas para o aprofundamento e a ampliação do saber gestáltico utilizando uma linguagem simples e acessível Propor esta obra como a primeira da Coleção Gestaltterapia fundamentos e práticas e organizála é ao mesmo tempo motivo de orgulho e preocupação Orgulho porque julgamos que a Gestaltterapia merecidamente precisa de um livro destinado a apresentar algumas de suas influências Já a preocupação se deve ao fato de sabermos que não poderíamos contemplar a totalidade de influências da abordagem Influência significa ação que uma pessoa ou coisa exerce sobre outra Novo dicionário Aurélio Nova Fronteira 1977 p 267 Neste volume serão abordadas as ações que mereceram destaque na proposta da Gestaltterapia Esta desde 1951 ano que marca seu surgimento tem percorrido uma jornada profícua configurandose como uma abordagem psicológica que por sua concepção de homem e de mundo e por sua forma horizontal de relação suscitou o interesse crescente de psicólogos psiquiatras e outros profissionais da saúde Os capítulos foram cuidadosamente escritos para que se enfatizassem as influências teóricas que fundamentam a abordagem gestáltica e seus digníssimos influenciadores Husserl Kierkegaard Buber Heidegger Sartre Kõhler Wertheimer e Koffka entre outros Para tanto No primeiro capítulo Lilian Meyer Frazão oferece um panorama histórico do período em que a Gestaltterapia foi fundada ressaltando o pano de fundo que nos permite compreender o entrelaçamento das diferentes influências teóricas e filosóficas sofridas pela abordagem No segundo capítulo Ari Rehfeld apresenta a fenomenologia proposta por Edmund Husserl como uma revolução paradigmática na ciência particularmente nas ciências humanas e elucida de modo claro e profundo suas correlações com a Gestaltterapia No terceiro capítulo Karina Okajima Fukumitsu expõe de maneira clara e didática a forma como a fenomenologia pode ser utilizada como método de pesquisa qualitativa de acordo com a releitura feita por Clark Moustakas dos escritos de Edmund Husserl Claudia Lins Cardoso no quarto capítulo aborda os pressupostos do existencialismo que apresentam consideráveis repercussões na fundamentação antropológica visão de homem teórica e prática da Gestaltterapia No quinto capítulo Marisete Malaguth Mendonça introduz o conceito de humanismo destacando importantes distinções entre este e a psicologia humanista e suas relações com a Gestaltterapia Lilian Meyer Frazão no sexto capítulo explica a psicologia da GestaIt e como esta ao apresentar uma nova e revolucionária teoria da percepção influencia a Gestaltterapia No sétimo capítulo Hugo Elídio Rodrigues discorre sobre a teoria de campo de Kurt Lewin um dos teóricos mais fortemente influenciados pela psicologia da Gestalt que afirma que as ações dos indivíduos se coadunam com a relação deles com o meio Aborda também os estudos de Bluma Zeigarnik sobre fatores que afetam a rememoração de fatos Patrícia Valle de Albuquerque Lima Ticha no oitavo capítulo fala sobre a Gestaltterapia holística organísmica e ecológica tecendo de maneira sensível e congruentes articulações entre a teoria organísmica e as concepções holística e ecológica No nono capítulo Roberto Peres Veras finaliza a obra de forma clara e profunda mostrando como o pensamento oriental influenciou Fritz Perls e falando acerca da similaridade entre a filosofia oriental e a Gestaltterapia no que diz respeito ao método e à visão de homem Esperamos que este livro possa contribuir para uma melhor articulação das fontes de influências filosóficas e teóricas de nossa abordagem bem como sirva de suporte para o aprofundamento dos estudos em Gestaltterapia São Paulo fevereiro de 2013 As ORGANIZADORAS 1 Um pouco da história um pouco dos bastidores LILIAN MEYER FRAZÃO Em 2012 a Gestaltterapia completou 60 anos de existência Boa parte de sua história e da trajetória de seus fundadores é amplamente conhecida Neste capítulo decidi apresentar um pouco daquilo que nâo é tão conhecido a respeito da abordagem seus bastidores e algumas histórias pitorescas O ano de 1951 é considerado o marco do surgimento da Gestaltterapia com a publicação de Gestalttherapy excitement and growth in the human personality escrito por Frederick Perls Paul Goodman e Ralph Hefferline O livro era fruto de anotações que Perls trouxera da África e também dos debates ocorridos no chamado Grupo dos Sete composto por Isadore From Paul Goodman Paul Weisz Sylvester Eastman Elliot Shapiro Laura Perls e Fritz Perls tendo Richard Kitzler posteriormente se integrado ao grupo Seus membros se reuniam no apartamento de Fritz e Laura em Nova York A Gestaltterapia surge em meio à psicologia humanista que traz para a psicologia uma nova visão de homem significativamente diferente das disseminadas pela psicanálise e pelo behaviorismo abordagens na época bastante deterministas r A psicologia humanista enfatiza a autorrealizaçâo por meio do desenvolvimento das potencialidades humanas de crescimento e criatividade O homem se autodetermina inte rage ativamente com seu ambiente é livre e pode fazer escolhas sendo responsável por elas no universo interrelacional no qual vive o que constitui um novo paradigma Como dizia Sartre não importa o que fizeram a você mas o que você faz com o que lhe fizeram Nascido na Alemanha em 1893 Perls imigrou para a África do Sul em 1934 fugindo das nascentes perseguições em seu país de origem Em 1946 decidiu abandonar a África do Sul por temer que o apartheid tivesse desdobramentos semelhantes aos do nazismo Instalouse então em Nova York e logo passou a frequentar os locais em que se reuniam boêmios intelectuais e ativistas da contracultura da época Foi nesse mesmo ano de 1946 em um café em Nova York que Perls ouviu um casal discutindo política mundial Interessado na conversa não teve dúvidas e se aproximou perguntando em seu inglês carregado de sotaque alemão se poderia sentarse com eles e participar da conversa Foi assim que conheceu Holley Cantine e Dachine Rauber editores da revista anarquista Retort Durante a conversa surgiu o nome de Dwight MacDonald editor da importante revista Politics na qual Perls lera ainda na África do Sul um artigo sobre Wilhelm Reich escrito por um tal de Paul Goodman a quem Perls ansiava por conhecer Tentou localizálo na lista telefônica mas não foi bemsucedido Goodman era um ativista gay anarquista bastante conhecido nos Estados Unidos Ele escreveu um capítulo no livro Os grandes escritos anarquistas Woodcock 1981 sendo também autor de um dos clássicos do anarquismo contemporâneo Growing up absurd 1962 Cantine e Rauber levaram Perls ao apartamento de Goodman mas este não estava Apesar de desapontado Perls não desistiu e pouco tempo depois voltou ao local obtendo êxito Perls pagou US 500 soma significativa à época para que Goodman desse forma às idéias que ele rascunhara num manuscrito que trouxera da África Este daria origem ao livro que considero o mais importante e complexo de nossa abordagem Gestaltterapia o qual em inglês tinha o subtítulo Excitment and growth in the human personality Excitação e crescimento na personalidade humana enfatizando assim que a Gestaltterapia não se preocupa apenas com a cura e sim com o desenvolvimento do ser humano e com seu crescimento incluídas aí suas potencialidades Goodman já tivera algum contato com as idéias de Perls por meio do livro Ego fome e agressão Uma revisão da teoria e do método de Freud 19452002 que conhecera por intermédio de seu amigo Isadore From e segundo muitos intelectuais americanos da época trazia novas e importantes contribuições à psicanálise Nesse primeiro livro Perls ampliava as idéias de seu exanalista Wilhelm Reich de quem tomou emprestado o termo terapia da concentração que foi inclusive um dos nomes aventados pelo Grupo dos Sete para nomear nossa abordagem Goodman por sua vez tivera contato com o pensamento de Reich por intermédio de seu terapeuta Alexandre Lowen que fora discípulo de Reich Perls e Goodman consideravam importante o conceito reichiano de autorregulação organísmica o qual aliado à ideia de ajustamento criativo poderia ser uma tradução para a perspectiva organísmica da perspectiva econômica enunciada por Marx De cada um de acordo com suas habilidades a cada um de acordo com suas necessidades Levadas para o campo da educação das relações sociais da cultura etc as propostas da Gestaltterapia implicariam grandes mudanças o que ia ao encontro do pensamento de John Dewey um dos fundadores da escola filosófica do pragmatismo e um dos mais destacados pensadores na área da educação contemporânea muito citado por Goodman e por Michael Vincent Miller Ele defendia a educação progressiva e a escola ativa na qual são valorizadas a iniciativa a originalidade e a atitude cooperativa do aluno Goodman reconheceu no trabalho de Perls a influência de Otto Rank o primeiro a utilizar a expressão aqui e agora e a enfatizar seu valor no trabalho clínico Vem também de Rank a ideia de considerar cada elemento do sonho uma projeção Perls e Goodman desenvolveram e aprimoraram amplamente esses dois conceitos de Rank Além de Perls e Goodman um importante nome da Gestaltterapia é o de Laura Perls Ela estudara os existencialistas Kierkegaard e Heidegger e os fenomenólogos Husserl e Scheler Além disso trabalhou muitos anos com Paul Tillich Foi analisanda cinco vezes por semana por dois anos e meio de Karl Landauer um dos fundadores do Instituto de Psicanálise de Frankfurt e amigo pessoal de Buber Como Goodman Landauer estava ativamente envolvido em movimentos políticos revolucionários e acabou assassinado pelos nazistas razão pela qual Laura acreditava que ele tivesse ficado tão pouco conhecido Laura conhecia bastante bem as idéias da psicologia da Gestalt uma vez que fora aluna de Wertheimer um dos pais dessa vertente e fizera seu doutorado sobre percepção visual nessa área Nas palavras de Laura muito antes de ser psicanalista ela fora gestaltista Laura trabalhou com Kurt Goldstein por alguns anos tendo conhecido assim seu marido Fritz Perls que também trabalhou com Goldstein por um breve período Goldstein era um nome bastante importante e conhecido na Alemanha e posteriormente nos Estados Unidos para onde emigrou em virtude do nazismo e onde teve aulas de inglês com Paul Goodman Para além do estudo da percepção ele ampliou a psicologia da Gestalt para a compreensão do organismo em sua totalidade Era psiquiatra e neurologista tendo trabalhado e escrito inúmeros artigos com Adhemar Gelb filósofo e psicólogo estudioso da psicologia da Gestalt Lecionou em universidades na Alemanha e nos Estados Unidos tendo atuado em hospitais norte americanos e alemães Estudou o efeito dos danos cerebrais em soldados e constatou que embora eles fossem circunscritos a uma área cerebral específica ocorria uma fabulosa reorganização geral do comportamento Para evitar situações imprevisíveis e fora da rotina os pacientes passaram a desenvolver grande preocupação com ordem e limpeza Goldstein também observou que pacientes com lesões cerebrais graves na área do pensamento abstrato regrediam à fase concreta na área sexual Goldstein é considerado criador da teoria organísmica a qual influenciada pela psicologia da Gestalt encara o organismo como uma totalidade interativa isto é qualquer coisa que ocorra em parte do organismo o afeta em sua totalidade independentemente da área atingida Em 1933 publicou em Amsterdã Der Aufbau des Organismus traduzido para o inglês em 1939 como The Organism 2 Como já vimos de todo o grupo que deu origem à Gestaltterapia Laura era a que mais conhecia psicologia da Gestalt e embora achasse inadequado o nome Gestaltterapia para nossa abordagem este acabou sendo o escolhido talvez em virtude de ser um epíteto chamativo na época O próprio Kõhler um dos mais importantes expoentes da psicologia da Gestalt pensava como a mulher de Perls A experiência e os estudos de Laura a respeito de amamentação e desmame deram origem ao polêmico trabalho sobre resistências orais que Perls levou em 1936 ao Congresso Internacional de Psicanálise e foi mal aceito pelos psicanalistas da época com exceção de Landauer Além disso influenciada por sua experiência anterior com dança Laura desenvolveu a questão do suporte corporal para o contato e a atenção cuidadosa aos campos organismoambiente e social Um dos primeiros pacientes de Perls em Nova York em 1945 foi um jovem com poucos recursos financeiros a quem Perls não quis atender porque precisava receber honorários razão pela qual disse ao moço que o procurasse mais tarde O jovem foi enfático ao responder que não poderia esperar ao que Perls retrucou placidamente que teria de ser assim Pouco depois Perls perguntou ao jovem o que ele estudava e ao ouvir fenomenologia em resposta mudou de atitude imediatamente e disse Deitese no divã O jovem era Isadore From membro do Grupo dos Sete e uma das pessoas que melhor compreenderam e articularam as idéias da Gestaltterapia From lembravase pouco da época em que foi paciente de Perls exceto por uma ou duas passagens engraçadas Em uma delas Perls perguntou a ele se nunca tivera fantasias sexuais com ele Perls ao que From respondeu Não você é muito velho e feio para isso Infelizmente Isadore From escreveu pouquíssimo Afora um artigo publicado em um Gestalt Journal de 1984 há uma entrevista com ele no mesmo periódico publicada em 1982 na qual diz que a única diferença entre a análise de Perls e a freudiana era o fato de que Perls pedia ao paciente que iniciasse as associações livres com a expressão aqui e agora No artigo de 1984 From menciona uma das divergências de Perls em relação à psicanálise freudiana enquanto esta afirmava que a introjeção era necessária até os 6 anos Perls achava que Freud dera pouca atenção às implicações psicológicas e emocionais do surgimento da dentição na criança o que possibilitava a ela parar de introjetar acriticamente bem antes dos 6 anos Depois de um ano e meio de análise Perls encaminhou From para sua esposa Laura recém chegada aos Estados Unidos a quem From se refere como uma psicoterapeuta excelente e competente Ele relata que embora ela usasse o divã sentavase em frente ao paciente era muito acolhedora e estabelecia contato direto Depois de passar 18 meses na Europa por sugestão de Fritz e Laura From tomouse Gestalt terapeuta quando Perls mudouse para a Califórnia levouo consigo Perls ficou apenas um ano na Califórnia e ao voltar para Nova York deixou seus pacientes aos cuidados de From que lá permaneceu por mais um ano Quando o livro Gestalt therapy estava prestes a ser publicado os autores o enviaram a From que sugeriu que na parte dos experimentos realizados por Hefferline com seus alunos também fossem apresentados resultados que não tivessem sido tão bemsucedidos o que Hefferline não aceitou Hefferline também fora paciente de Perls e na condição de professor da Columbia University aplicou os exercícios do Gestalt therapy a seus alunos o que o tornou um dos coautores do livro embora ele nunca tivesse efetivamente se engajado com a Gestaltterapia Hefferline era um behaviorista skinneriano que trabalhara com Keller um dos pioneiros da psicologia experimental From teve importante participação no primeiro treinamento oferecido ao grupo de Cleveland e manteve por 30 anos em Nova York grupos de estudo nos quais com base em seus conhecimentos de fenomenologia aprofundava os fundamentos da Gestaltterapia Desses grupos participaram Gestaltterapeutas americanos e europeus muitos dos quais são hoje nomes reconhecidos na abordagem Jean Marie Robine França Marguerita Spannuolo Lobb Itália Bertram Mueller Alemanha e Michael Vincent Miller Estados Unidos entre outros Em 1968 no auge do movimento hippie enquanto os Estados Unidos estavam em guerra no Vietnã e em todo mundo aconteciam movimentos políticos e culturais em busca da liberdade Fritz tornouse o rei dos hippies tendo sido objeto de uma matéria da Life importante revista da época Se para Perls os vários elementos do sonho representavam uma projeção que deveria ser assimilada From acreditava que poderiam ser também retroflexões das quais o paciente não se dá conta Sonhos que o paciente tem nas noites anterior e posterior à sessão de terapia podem se referir a perturbações na fronteira de contato de paciente e terapeuta e indicar o caminho a ser explorado na terapia Além disso dois outros aspectos são significativos na visão de Isadore From primeiro a concepção de que o narcisismo é uma retroflexão e as implicações clínicas disso segundo a ideia de que existe relação entre as interrupções de contato e a sequência do ciclo de contato DUAS CORRENTES E A DISSEMINAÇÃO PELO MUNDO Nos Estados Unidos a Gestaltterapia quase desde seus primórdios teve duas fortes correntes a primeira muito bem representada por Perls em seus workshops de demonstração nos anos 1960 e 1970 a segunda mais restrita a Nova York tendo se espalhado de lá para a Europa que se preocupava em aprofundar as bases teóricas e filosóficas da abordagem Seus principais representantes foram Laura que dirigia o Instituto de Gestalt de Nova York Isadore From e Paul Goodman responsável pelo eixo teórico do Instituto até sua morte em 1972 Nem sempre Perls concordava com as idéias do grupo de Nova York e tendo desenvolvido um estilo próprio de trabalho na Califórnia Foram seus alunos Jim Simkin Gary Yontef Bob Resnick e Cláudio Naranjo entre outros Observo que certa tendência por uma ou outra dessas duas correntes existe também na Europa e na América Latina com alguns tentando integrálas Foi a partir dos Estados Unidos que na década de 1970 a Gestaltterapia passou a ser conhecida na Europa e América Latina em alguns lugares pela corrente de Perls e em outros pelo grupo ligado a Laura Goodman e From Marty From paciente de Perls com quem ele teve um relacionamento amoroso significativo foi uma das pessoas que levaram a Gestaltterapia à Inglaterra assim como Isadore From que manteve um grupo de estudos nesse país por seis meses Nos seus primórdios o treinamento era bastante heterogêneo e na maior parte dos lugares ocorria principalmente com workshops vivenciais com pouca ou nenhuma elaboração teórica seguindo o modelo californiano de Perls No entanto com o passar do tempo a influência do grupo novaiorquino se fez notar na maior parte do mundo A partir da década de 1980 à luz do pósmodemismo alguns Gestaltterapeutas trocaram o modelo tradicional de açao do terapeuta sobre o paciente por outro no qual ambos são função do campo relacionai chamandoo de Gestaltterapia relacionai A inspiração foi a filosofia de Martin Buber Fazem parte desse grupo Richard Hycner Lynne Jacobs Gary Yontef e Gordon Wheeler além de muitos colegas brasileiros O modelo relacionai suscita importantes questões no campo da ética o que tem levado alguns Gestaltterapeutas americanos e brasileiros contemporâneos a estudar Levinas um dos mais brilhantes autores a tratar desse tema Além disso temse retomado o interesse pela fenomenologia e pelo pragmatismo americano de John Dewey como método e fundamento para a Gestaltterapia Atualmente existem Gestaltterapeutas em quase todos os países do mundo inclusive Austrália Bósnia China Costa do Marfim Emirados Árabes Eslováquia índia Japão Líbano Nova Zelândia República Tcheca Romênia Rússia Taiwan Turquia etc EM TERRAS TUPINIQUINS No Brasil a Gestaltterapia começou a ser conhecida no início da década de 1970 anos difíceis e sombrios em virtude da ditadura militar e da repressão Por sua concepção de homem e de mundo e por sua forma horizontal de relação a Gestaltterapia imediatamente suscitou o interesse de um grupo de psicólogos que passou a estudar essa nova abordagem Falar da Gestaltterapia no Brasil nos coloca diante de uma equação insolúvel quanto mais nossa abordagem cresce mais profissionais merecem ser citados e destacados São tantos que para não correr o risco da injustiça esquecendo alguém prefiro não citar nomes deixando claro no entanto meu reconhecimento ao trabalho e à dedicação dos colegas brasileiros na expansão e no aprofundamento de nossa abordagem Não foi difícil reconhecer a influência de Reich nos primeiros treinamentos em Gestaltterapia no Brasil nos anos 1970 Bob Martin nos seus workshops fazia uma leitura das energias corporais dava atenção à respiração e ao uso da hiperventilação semelhante ao que fazia Perls A primeira publicação da área em terras tupiniquins data de 1976 embora por motivos legais somente mais de 20 anos depois em 1997 tenhamos conseguido traduzir para o português o mais importante livro da abordagem Gestaltterapia de Perls Hefferline e Goodman Atualmente existem mais de 60 livros publicados além de inúmeras revistas artigos e capítulos em livros Vale destacar também o número crescente de teses de mestrado e doutorado e de obras inteiramente brasileiras como é o caso desta Jano A imagem do deus Jano com a face do velho olhando para o passado e a face do novo olhando para o futuro reflete o espírito deste livro Que ele possa contribuir para o futuro como aqueles que criaram nosso passado REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Barlow A R Gestaitantecedent influence or historical accident The Gestalt Journal v IV n 21981 From I Reflections on Gestalt therapy after thirty two years of practicc a requiem for Gestalt The Gestalt Journal v VII n 1 1984 Goldstein K The organism a holistic approach to biology derived from pathological data in man Prefácio de Oliver Sacks Nova York Zone Books 1995 Goodman Paul Growing up absurd Nova York Vintage 1962 Henle M Gestalt psychology and Gestalt therapy Journal ofthe History ofthe Behavioural Sciences n 141978 p 2332 Knapp T Ralph F Hefferline the other Gestalt therapist The Gestalt Journal v XX n 11997 Perls F 1945 Ego fome e agressão Uma revisão da teoria e do método de Freud São Paulo Summus 2002 Perls F Hefferline R Goodman P Gestalt therapy excitement and growth in the human personality 22 ed Nova York Dell 1951 Em português Gestaltterapia São Paulo Summus 1997 Rosenfeld E An oral history of Gestalt therapy Part one a conversation with Laura Perls The Gestalt Journal v 21982 An oral history of Gestalt therapy Part two a conversation with Isadore From The Gestalt Journal v 21982 Sherril R E Gestalt therapy and Gestalt psychology The Gestalt Journal v 9 n 2 1986 Stoehr T Here now and next Paul Goodman and the origins of Gestalt therapy São Francisco JosseyBass 1994 Woodcock G Os grandes escritos anarquistas Porto Alegre LPM 1981 Wulf R The historical roots of Gestalt therapy The Gestalt Journal v 21 n 1 1998 2 Fenomenologia e Gestaltterapia ARI REHFELD FENOMENOLOGIA O filósofo é um funcionário da humanidade MerleauPonty 1973 p 17 Assim Husserl entendia o sentido de sua dedicação e de sua existência pelas quais se destinou a definir e tornar conscientes as condições de uma humanidade e também buscar uma verdade comum que pudesse dar suporte às diversas ciências em seus caminhos de descoberta do mundo Nascido em 8 de abril de 1859 em Prosnitz cidade pequena da Morávia atualmente República Tcheca Edmund Husserl vinha de uma família judia Estudou astronomia em Leipzig e matemática em Berlim e posteriormente em Viena Em 1884 conheceu Franz Brentano e começou a frequentar seus cursos na Universidade de Viena onde recebeu uma influência de tal magnitude que o fez mudar completamente de rota A partir daí dedicouse a pensar a teoria do conhecimento e filosofia da ciência buscando criar um método que pudesse fundamentar as ciências Estas passavam por uma profunda crise resultante da falta de prática por parte dos cientistas de colocar verdadeiramente em questão os objetos de seus estudos sua metodologia e a ideia de rigor É preciso dizer que não há originalidade plena na construção de uma corrente ou abordagem filosófica Todo pensamento é tributário aos que o antecederam No entanto o que faz um filósofo ser reconhecidamente importante é a introdução de uma perspectiva nova às vezes um novo método e sua dimensão pode ser avaliada pela repercussão de suas idéias e por seu efeito multiplicador ou seja pelos desdobramentos subsequentes Nesse sentido a obra de Husserl revolucionou todo o pensamento das ciências humanas do século XX e da própria filosofia até o presente Nas diversas áreas das ciências humanas uma grande quantidade de pensadores filósofos sociólogos antropólogos e psicólogos cuja atividade vem marcando decisivamente a história do pensamento contemporâneo menciona de modo inconteste a grande influência que receberam de Husserl Entre eles podemos citar alguns representantes da psicologia da forma Wertheimer Kõhler Koffka Goldstein e Lewin e Jaspers que antes de tornarse filósofo publicou Psicopatologia geral 2002 no qual reconheceu a influência direta de Husserl além de Binswanger Minkowski Lacan e pensadores como Sartre Derrida Deleuze Foucault Levinas entre tantos outros Depois da grande crise das ciências europeias ocorrida na segunda metade do século XIX Husserl se encantou com as idéias de Brentano e partiu para a construção de uma tentativa de fundamentação das ciências colocando em questão seus pressupostos objetos de estudo e metodologias Nesse caminhar apresentou uma nova concepção de rigor demonstrando de modo inequívoco que não se podia pensar em um método único justamente pelo fato de não haver uma mas várias ciências cada uma com sua especificidade quanto ao seu objeto ou seja variandose o objeto variamse também sua apreensão seu método e sua metodologia O impacto maior dessa ideia será a demonstração de que as ciências humanas não podem ser medidas pelo rigor das ciências naturais Mais ainda que o método científico natural Husserl denominava naturalismo o ideal das ciências ditas exatas de construção de um método universal para todo pensamento sem questionar a fundo seus pressupostos é ineficiente para as ciências do espírito e completamente ineficaz quando se trata da vivência humana Assim o psicólogo não pode se subordinar de modo imediato às leis da lógica Mostra também a insustentabilidade da Weltanschaung visão de mundo ou concepção hegemônica de sua época surgida no final do século XIX início do século XX de que à ciência caberiam a objetividade a substancialidade e a exterioridade restando à filosofia e à psicologia a subjetividade e a interioridade Tal concepção advinda do positivismo promoveu sua própria crise à medida que descobriu ser inviável o conhecimento com pretensão à validade universal provocando assim um ceticismo de enormes proporções Ao desvelar a tentativa husserliana de propor a fundação de uma nova ciência rigorosa com base na regionalidade de cada uma das ciências construindo assim uma atitude nova que se desdobrará numa fundamentação das ciências humanas percebemos a história do próprio Husserl que se antecipa ao que em seguida acontece na Europa movida substancialmente por sua própria influência Partindo de um ideal de origem positivista que depois veio a criticar e da ideia de rigor da matemática Husserl procura a princípio pela epoqué redução eidética e fenomenológica chegar a um Eu e a um Objeto puros em suas propriedades essenciais retirando todas as qualidades circunstanciais ou acidentais com o fim de estando de posse de um Eu e de um Objeto puros fundar uma nova teoria do conhecimento de modo sólido e inquestionável Para isso é imprescindível uma mudança radical de atitude a redução fenomenológica ou epoché vai consistir em pôr entre parênteses a realidade do senso comum Não se deve permanecer ao nível das impressões sensíveis mas sim captar a essência ou o sentido das coisas Por isso é que a intuição recebe o qualificativo de eidética ou seja é a visão das essências Nessa jornada HusserL descobre que as qualidades circunstanciais ou acidentais são fundamentais ou seja que não há Objeto sem elas que não há Eu sem o Mundo ou Mundo sem Euj sendo portanto um constitutivo do outro Assim não se pode jamais pensar em um dos polos da relação em si mesmo E mais ainda que precedente à reflexão de cada um deles há um pré refletido fundamento de qualquer interrogação Assim Husserl refez em sua trajetória o próprio caminho da crise das ciências europeias e foi além ao descortinar a origem dessa crise a ingenuidade do cientista que não filosofa acerca de sua atividade objeto de estudo e metodologia e procurar fundar um modo de chegar às coisas mesmas buscando prescindir das especulações hipóteses e leis gerais para entrar em contato com a especificidade a originalidade e a singularidade de cada fenômeno que se mostra Fenomenologia no seu termo literal significa estudo dos fenômenos isto é daquilo que é dado à consciência Consciência é muito mais do que apontavam até então a filosofia a psicologia e principalmente o senso comum que a viam como um lugar onde de alguma maneira se prende o conhecido Husserl vê a consciência como uma síntese em fluxo que não tem nenhuma substancialidade sendo mais uma dinâmica entre Sujeito e Objeto onde todo ser recebe seu sentido e valor Nada tem valor se não se apresentar como sentido e nessa relação entre Conhecedor e Objeto a ser conhecido uma série de formas de apreensão de mundo que não somente a razão ou o pensamento se oferece a nós tais como intuição sensibilidade e também como préreflexivo A fenomenologia pretende explorar esses dados intuitivos relação préreflexiva diretamente evitando estabelecer quaisquer hipóteses a seu respeito Daí a noção de fenomenologia como recomeço como retorno às coisas mesmas Uma das primeiras tarefas a que a fenomenologia se propõe é justamente a de elucidar o reino das essências segundo seus diversos domínios ou regiões dito de outro modo toda e qualquer ciência deverá ser precedida de uma análise fenomenológica visando estabelecer a essência do objeto de seu estudo antes de formular hipóteses ou leis A perspectiva fenomenológica constata o caráter intencional da consciência esta é sempre consciência de alguma coisa Existe aí a superação da dicotomia sujeitoobjeto a velha questão da teoria do conhecimento já que fora da correlação consciênciaobjeto não existiria nem um nem outro Noesis ato da consciência visando ao objeto e noema objeto visado pela consciência são somente polos dessa correlação Fazse necessário ressaltar que a intuição e a percepção não são as únicas formas pelas quais a consciência se dirige aos objetos a imaginação a memória os sentimentos o sonho também são modalidades da consciência em sua atividade A fenomenologia em seu desenvolvimento não se satisfaz portanto com a estreiteza da concepção clássica da consciência herdeira da psicologia tradicional e concebe o homem essencialmente como ser no mundo A consciência é então consciência no mundo e vinculase a ele por meio do corpo Com efeito é pela mediação desse mesmo corpo que podemos nos relacionar com as coisas e com os outros seres humanos A existência eksistere ser para fora só pode ser entendida tendo como base seu duplo enraizamento no mundo e com o outro Toda consciência é absoluta Dessa forma existem apenas exterioridades O interseccionismo mostrase assim uma especulação impossível Todo objeto é imanente à consciência inclusive a transcendência Método de aproximação e compreensão dos fenômenos a fenomenologia exige uma nova atitude diante do conhecimento e da filosofia da ciência Sua tarefa é elucidar não o mundo e a realidade tomados em si mesmos mas as relações vividas e efetivas que se estabelecem ao mesmo tempo necessária e livremente entre homem e mundo Para Husserl não se pode conhecer jamais aquilo que se dá por si mesmo a coisa em si Se for necessário pressupor ou especular não é mais fenomenologia E para que se faça realmente fenomenologia é preciso suspender todo e qualquer posicionamento ontológico e toda realidade empírica Assim tudo que for aparente óbvio e preconcebido é colocado em questão FENOMENOLOGIA E GESTALTTERAPIA Como apreender um homem Não o homem em geral nem o homem em si mas aquele à sua frente com toda a sua singularidade unicidade e originalidade Se formos olhálo do prisma de um préconceito de uma préreflexão de uma prédefinição ou de um diagnóstico prévio não o enxergaremos em sua particularidade nem em sua complexidade mas somente naquilo que já pré vimos E como escapar dessas definições a priori Colocandoas em questão não aceitando o pré dado por mais óbvio que pareça Ao questionálas imediatamente são postos em suspensão o senso comum as estruturas prévias de interpretação e a tradição sedimentada Sair de uma posição prévia de visão de uma rede referencial para buscar uma nova compreensão já é um fazer fenomenológico e gestáltico Exemplo maior de tradição sedimentada é a palavra Esta quase nunca é vista como uma expressão corporal Na maioria das vezes aparece com seu conteúdo fornecido pela rede referencial de visão tradicional segmentada Evidentemente é possível escapar de uma leitura única e restrita do conteúdo de uma palavra mas mesmo com enorme esforço quase sempre nos deixamos deslizar para o senso comum e perdemos a especificidade da fala deste que está à nossa frente Comparemos com a expressão de uma emoção MerleauPonty 1973 p 37 apontanos a modificação em nossas relações com o mundo que ocorre quando renunciamos a uma ação ordenada consciente dos vínculos de causalidade e verdadeira para passar a uma transformação imediata mági ca e fictícia da situação Fictícia claramente tem como referência uma leitura factual e não fenomênica No interior da expressão vivida e emocional do paciente existe a possibilidade de uma proximidade de maior densidade na apresentação de seu mundo Já não estamos aqui falando sobre modo de relação representacional de um elemento passado mas relacionandonos vivida e efetivamente com todo o vigor que a presentificação da situação nos oferece como emoção A partir daí ao refletirmos já de posse da claridade de um novo olhar muito mais próximo da coisa mesma como dizia Husserl novas significações ou possibilidades emergem Tal reflexão é muito mais do que a observação de um fato há um esforço em compreender que é bem diferente da passividade de um sujeito ao contemplar sua vivência Tratase de um esforço em apreender a significação de sua experiência A compreensão é mais originária que a interpretação Assim toda intervenção que não precisa nem deve ter a forma de uma interpretação buscando evitar um encurtamento embora advenha de uma leitura interpretativa só pode emergir num horizonte compreensivo Toda interpretação já foi demarcada por um horizonte compreensivo Na fala sem uma expressão emocionada a história já é uma leitura encurtada Quando o paciente a conta ao psicoterapeuta já o fez a si mesmo inúmeras vezes Em seu início a Gestaltterapia ciente desse veio a expressão emocional desenvolve uma grande quantidade de técnicas com a finalidade de facilitar a expressão Mas com o passar do tempo percebese que tais técnicas induziam o paciente ao olhar prévio do terapeuta ou seja buscavam conduzilo para determinada percepção ou posição que o terapeuta já tinha Com isso incorriase novamente no erro de induzir o paciente em sua expressão perdendose assim sua singularidade e originalidade A Gestaltterapia contemporânea tende a partir de então a valorizar o experimento em detrimento da técnica Se esta última conduzia o paciente a um ponto em que o terapeuta já se encontrava o experimento por sua vez não tem tal ponto de modo que paciente e terapeuta caminham juntos em direção ao novo novo para os dois O fundamento desse caminhar é que todo sofrimento que em geral é o que leva o paciente à psicoterapia é um encurtamento de seu mundo de suas possibilidades Ao buscar o novo outras possibilidades aparecem ampliando o mundo com novas significações e sentido independentemente das escolhas feitas A base desse fundamento é a ideia de que na fenomenologia a consciência é síntese em fluxo é dinâmica e não tem substancialidade Essa ideia aparentemente simples vai se confrontar com a atitude natural o naturalismo em que a psicologia tende a ver o homem como uma coisa entre coisas A consciência é na maioria das vezes entendida como um fato entificada e substancializada transformando portanto o homem em uma coisa entre coisas Ao investigar fatos e relações entre fatos a psicologia perde o homem A fenomenologia junto com a hermenêutica resgatará esse homem descrevendo seu modo de ser escapando de concepções religiosas biológicas e até ontológicas prévias indo ao encontro deste que está à sua frente Desencurtamento de mundo pode ser também chamado de ampliação de mundo ampliação de consciência e um dos principais pilares do trabalho clínico fenomenológico e gestáltico é a awareness essa consciência em fluxo em sua expressão correlata Nesse mesmo caminho a Gestaltterapia ao propiciar a expressão do fenômeno que se mostra no que aparece tem contribuído para a descrição desse modo de ser Rigorosamente falando então podemos afirmar com tranquilidade que a Gestaltterapia em seu modo de ser mais originário possibilita escapar desse naturalismo objetificante Nada mais fenomenológico REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS JASPERKarl Investigações lógicas 6 ed Tradução Zeliko Loparic e Andréa MAC Loparic São Paulo Abril Cultural 1985 MerleauPonty Maurice Ciências do homem e fenomenologia São Paulo Saraiva 1973 3 O método fenomenológico em pesquisa gestáltica KARINA OKAJIMA FUKUMITSU O presente capítulo tem como objetivo apresentar a pesquisa qualitativa embasada no modelo fenomenológico proposto por Edmund Husserl 18591938 e adaptado por Clark Moustakas 1994 como possibilidade de compreensão das vivências que utilizam a Gestalt terapia como aporte em pesquisas Por epistemologia fenomenológica ressalta se que Edmund Husserl considerou a fenomenologia como a reflexão sobre o fenômeno ou seja a reflexão sobre aquilo que se mostra como se mostra Assim o estudo sobre teorias de conhecimento ou epistemologia pôde ser repensado por outro viés o fenomenológico Sabadini Sampaio e Kõller 2009 p 141 mencionam que na abordagem qualitativa os pesquisadores procuram a partir de observações e de análises abertas descobrir as tendências e os processos que explicam o como e o porquê dos fenômenos Delimitar o objeto de estudo de qualquer pesquisa que se pretende realizar é uma das primeiras tarefas do pesquisador bem como direcionar a maneira pela qual o estudo acontecerá Dessa maneira tanto o objetivo quanto o método devem ter congruência e em um estudo fenomenológico o pesquisador pretenderá compreender descrever e mostrar os fenômenos desvelados nas vivências Keen 1979 p 32 afirma Isso posto cabe ressaltar que ao fazermos um estudo fenomenológico precisamos saber que o conhecimento obtido nas entrevistas e no processo de análise dos depoimentos tem duração contextualizada e depende da situação que o colaborador experiência naquele momento Em outras palavras o que cada entrevistado percebe naquele momento sobre determinada vivência pode ser diferente em outro momento de sua vida As ideias de Clark Moustakas derivam das concepções de Edmund Husserl influenciado por sua vez principalmente por Wilhelm Dilthey que preconizava que toda experiência está originalmente relacionada com a consciência e por Franz Brentano estudioso da distinção entre fenômenos psí quicos que comportam a intencionalidade da consciência e fenômenos físicos Moustakas tornouse nos Estados Unidos um ícone do movimento humanista que utiliza o método fenomenológico e embora no Brasil o método proposto por Giorgi 1985 seja o mais utilizado considerase que a adaptação de Clark Moustakas em seu livro Phenomenological research methods 1994 oferece ao leitor informações mais claras sobre o manejo dos dados da pesquisa fenomenológica Além disso tratase de proposta atual e a meu ver mais rica pois inclui as sete condições preconizadas pelo existencialismo São elas temporalizar espacializar aspectos relacionados ao corpo motivação materialidade relacionamento com o mundo próprio relacionamento com outros e com as coisas circundantes Clark Moustakas junto com Maslow e Goldstein entre outros é um dos pioneiros da psicologia humanista SOBRE A FENOMENOLOGIA Fenomenologia é método epistemologia e filosofia Como vimos no Capítulo 2 deste livro os estudos husserlianos buscam elucidar o real fundamento das representações científicas lembrando que em 1900 realidade significava objetividade enquanto as representações científicas eram vistas como o próprio conhecimento É o que revela Husserl 2000 p 87 O que a diferencia das ciências aprióricas objetivantes é o seu método e o seu objetivo A fenomenologia procede elucidando visualmente determinando e distinguindo o sentido Compara distingue enlaça põe em relação separa em partes ou segrega momentos Fenomenologia significa o estudo do conhecimento da maneira como conhecemos e pressupõe o retorno às coisas mesmas à intuição originária ou voltarse a um ato intencional Como Ribeiro Jr 1991 p 24 aponta a fenomenologia é uma direção de nosso olhar se voltando das realidades experimentadas para o caráter de ser experimentadas Edmund Husserl dedica seus esforços a organizar uma proposta de investigação de conhecimento que almejava ampliar o caminho da verdade e questionar criticamente o psico logismo Como salienta Bello 2000 p 645 A palavra fenomenologia remete a duas expressões gregas phainómenon que faz referência aos acontecimentos celestes e significa aquilo que se mostra por si mesmo e ogos que designa a proposição de se perceber algo e considera a compreensão do discurso a respeito daquilo que se mostra por si mesmo A fenomenologia surgiu na época em que as explicações eram oferecidas pela objetividade das ciências naturais e sua preocupação vai ao encontro de uma realidade a fim de descrevêla como experiência significativa até sua essência ou seja até o retorno às coisas mesmas Para Bruns e Holanda 2003 p 42 a fenomenologia é um método de acesso à realidade concreta do mundo Matemático e estudioso de filosofia Husserl argumentou que todo problema de conhecimento envolve reflexão dessa maneira retornar às coisas mesmas implica a busca das essências e sua relação com a intencionalidade da consciência A palavra intenção designa uma referência um fim a que se dirige É a direção portanto envolve um processo de busca do eidos essência e por esse motivo não pode ser compreendida somente do ponto de vista ôntico estudo daquilo que se mostra como se mostra mas também do ponto de vista transcendental representado na tabela a seguir Quando tudo começou Positivismo Quando tudo começou fenomenologia Ôntico diz respeito aos Ontológico diz respeito aos entes em sua existência própria Chaui 1995dd p 2389 Exemplo Botânica entes tomados como objetos de conhecimento Chaui 1995 3 p 2389 Exemplo Daseinsanalyse Ocupação ente Ente aquilo que é mas não existe ou qualquer coisa claramente definida Ocupação ser do ente Sein ser que existe e não apenas é ente O interesse principal de Husserl era refletir sobre uma teoria do conhecimento que buscasse a verdade e portanto uma teoria radical e científica que considerasse a universalidade e a necessidade do conhecimento Por esse motivo é por meio do método fenomenológico que acontece a mudança dos modelos epistemológicos o que para muitos representou um marco epistemológico e uma verdadeira revolução paradigmática da realidade científica principalmente no que diz respeito à relação entre sujeito e objeto que estão intrinsecamente relacionados Dessa maneira a intencionalidade da consciência demarca a relação direta imediata e sem distanciamento entre observador e observado Husserl argumentou que se nossa consciência fosse definidora fechada a importante relação entre sujeito objeto e as relações que estabelecem com o mundo poderia ser esquecida Para ele a consciência é aberta ativa criativa e intuitiva por isso quando percebemos o objeto ele se torna ima nente Ou como Ewald 2008 p 151 menciona partindo da experiência é possível atingir o concreto e o mundo da consciência até então visto como algo basicamente vago destituído de qualquer positividade controle e possibilidade de previsão sem qualquer fundamento empírico no sentido reinante no período tornase acessível através dos atos intencionais da consciência e de seus modos de relação com o mundo A fenomenologia é considerada transcendência da investiI gação do conhecimento pois se preocupa em ir além do objeto existente com a finalidade de compreender o objeto percebido Isto é sabese que todo comportamento considerado o mais insignificante é na verdade significativo quando explicitado e compreendido em sua experiência originária Capalbo 2002 p 19 O comportamento humano não é desprovido de significações pois toda consciência é consciência de algo e todo ato é direcionado para um objeto O pesquisador deve portanto evitar a crença de que o objeto entra passivamente na consciência devendo adotar uma atitude perceptiva a fim de promover a reflexão e mostrar que a consciência é uma atividade constituída por atos tais como percepção lembrança imaginação simbolização etc A fenomenologia preocupase mais com a investigação do conhecimento do que com o próprio teor filosófico Como alertam Bruns e Holanda 2003 p 42 fazer filosofia fenomenológica é uma coisa e fazer psicologia fenomenológica é outra Contudo é necessário não esquecer a importância filosófica na construção do modelo epistemológico e da reflexão filosófica cuja direção deriva ao próprio pensamento Chaui 1995 p 14 assinala A reflexão é o movimento pelo qual o pensamento voltase para si mesmo interrogando a si mesmo Fundamentalmente o que importa para a fenomenologia é compreender o processo intrínseco entre ato perceptivo e objeto percebido Todo fenômeno deve ser compreendido em seu contexto seguindo a ampliação abrangente de que primeiramente é necessário que se desvele o fenômeno no campo perceptivo do sujeito e em seguida compreendase o campo perceptivo e sua relação com o mundo Concomitantemente a proposta de Husserl coloca as atividades do sujeito pensante em ligação direta com o mundo INSTRUMENTOS E PROCEDIMENTOS DE COLETA DOS DADOS DA PESQUISA Convite aos participantes O pesquisador deve entrar em contato com pessoas de sua rede de relacionamentos amigos familiares e alunos para convidar possíveis colaboradores e divulgar seu projeto Posteriormente entrará em contato com os colaboradores e fará o convite da entrevista apresentando a pesquisa e seus objetivos bem como solicitando o preenchimento dos termos de consentimento Nesse contato com os colaboradores a entrevista será previamente agendada e realizada individualmente em local e horário convenientes para o entrevistado Cabe salientar que o entrevistado terá a liberdade de participar e de se retirar da pesquisa se achar apropriado Colaboradores e critérios de aceitação O número de colaboradores não é previamente definido e dependerá do interesse em participar da pesquisa durante o período da coleta de dados O participante deve estar disposto a compartilhar sua experiência Nesse sentido os critérios de exclusão dos colaboradores devem estar claros Questões éticas envolvidas e procedimentos adotados A pesquisa é desenvolvida considerandose os princípios éticos de que o pesquisador manterá privacidade confidencialidade e sigilo dos dados do colaborador Sendo assim o entrevistado participa voluntariamente e pode retirarse da pesquisa quando quiser sem que isso lhe traga qualquer prejuízo d ou ônus Buscase o mínimo de riscos pois o método fenomenológico não se utiliza de nenhuma técnica invasiva ao corpo e não se pretende infligir sofrimento psicológico No entanto a entrevista poderia suscitar lembranças que mesmo momentâneas provocam sofrimento Se for necessário deve ser oferecido acolhimento ao colaborador da pesquisa As entrevistas Os depoimentos são gravados com a anuência dos entrevistados São realizados uma entrevista para a coleta de depoimento de aproximadamente três horas de duração e dois contatos pessoalmente ou por email o primeiro para enviar a transcrição das entrevistas o segundo depois da análise dos dados para compartilhar com o colaborador a compreensão do pesquisador No caso retratado aqui tratouse de entrevista aberta de cerca de três horas de duração para coleta do depoimento utilizandose a afirmação desencadeadora Compartilhe sua experiência de X A entrevista iniciase com base na apresentação do objetivo da pesquisa e o participante fala livremente Só há intervenção na forma de perguntas quando é necessário aprofundar algumas questões explorar ou esclarecer o que foi dito Dados da pesquisa As entrevistas são transcritas e editadas Dados relevantes são utilizados na pesquisa e as citações sem identificação ficam disponíveis para o público bem como para ensino publicação em periódicos livros eou apresentações em encontros científicos O colaborador tem garantia de privacidade durante toda a participação e o sigilo de sua identidade é preservado em toda e qualquer situação Benefícios para o colaborador para a pesquisadora e relevância Acreditase principalmente nos benefícios que os participantes recebem ao compartilhar com o pesquisador suas vivências ao receber acolhimento e experienciar a escuta do pesquisador A relevância dessa investigação contribui para a psicoterapia bem como aprofunda e oferece temas para reflexão sobre as vivências validando dados qualitativos sobre os fenômenos da vida De modo específico acreditase que o estudo fenomenológico ajude a aprofundar outros estudos Cientificamente esse estudo constituiu um campo teórico e de pesquisa reconhecido em diversas áreas da psicologia e da saúde podendo os dados obtidos ser utilizados posteriormente para instrumentalizar profissionais na compreensão das vivências humanas Análise intencional e compreensão dos depoimentos a proposta de Moustakas para o método fenomenológico O conteúdo foi organizado e analisado pelo método fenomenológico proposto por Clark Moustakas em seu livro Phenomenological research metbods 1994 Ressaltase que ao utilizar o método fenomenológico os resultados não são preditivos nem generalizáveis a situações que outros participantes possam experimentar Sobre a proposta de Moustakas 1994 Holanda 2006 p 3689 menciona que a partir do estudo desses elementos e de suas interrelações desenvolvese uma teoria que torna o pesquisador apto a entender a natureza e o sentido de uma experiência para um grupo particular de pessoas num contexto particular A compreensão dos depoimentos apresenta a seguinte sequência 1 Os depoimentos são transcritos mantendose a fala original do depoente Os textos são numerados conforme a sequência das entrevistas sendo o depoente também referido pelo número da sequência da entrevista isto é texto 1 colaborador 1 Cl Após as entrevistas agrupamse os depoimentos transcritos Cabe salientar que as interrupções e pausas durante as entrevistas não são incluídas no texto para facilitar a leitura 2 A entrevista transcrita é enviada por email ou pessoalmente ao colaborador anexada ao seguinte texto Olá nome doa colaboradora Conforme combinei com você envio anexada sua entrevista transcrita Iniciei o estudo feno menológico e o enviarei posteriormente para que possa verificar se consegui compreender sua experiência Mais uma vez agradeço pela disponibilidade para ser colaboradora da minha pesquisa e por compartilhar sua vivência comigo Um grande abraço Nome do pesquisadora 3 Ao distanciarse dos dados por algum tempo a fim de suspender preconceitos e juízos o pesquisador exercita o procedimento proposto por Edmund Husserl epoché palavra grega da filosofia medieval que significa cessação estado de repouso mental pelo qual nada se afirma ou nega Em todo o processo da análise o pesquisador deverá suspender conceitos prévios 4 Redução fenomenológica redução aqui significa voltar à coisa mesma Lêse cada texto a fim de identificar signifcados singulares Para derivar os temas individuais são assinalados sublinhados e selecionados os temas mais representativos da vivência do entrevistado considerando as repetições dos temas pelo menos duas vezes e os aspectos significativos para a questão da pesquisa Ou seja é preciso observar as categorias que se depreenderam do texto sem o a priori A redução fenomenológica subdividese em a engajamento inicial b agrupamento focalizar na experiência do fenômeno estudado e agrupar as repetições c delimitação considerar o que se repete e delimitar o conteúdo d horizontalização aproximar as palavras e afirmações que permanecem depois da delimitação e agrupamento das principais unidades de significados e dos temas são as frases que representam o agrupamento dos temas O objetivo dessa fase é compreender o que é dito Os depoimentos representam o conteúdo a parte noemática o objeto do ato o o quê Ao final da redução fenomenológica esperamse temas e descrições individuais dos depoimentos compreensão das unidades de significados composição das unidades de significados de todos os entrevistados é apresentada após as entrevistas 5 A adaptação de Clark Moustakas 1994 p 99 começa na fase de variação eidética ou imaginativa Assim é preciso considerar as estruturas universais que descrevam sentimentos e pensamentos ligados ao fenômeno tais como a estrutura do tempo espaço relações com corpo materialidade causalidade relacionamento com o mundo próprio ou com outros tradução nossa Variação eidética é a descriçãoampliação que visa à busca da essência Eidos é a experiência que influencia a configuração do fenômeno e segundo Moustakas 1994 p 99 começa na variação sistemática dos possíveis sentidos das estruturas universais latentes nas significações dos depoimentos Assim Moustakas adota a visão existencialista segundo a qual todo ser humano apresenta sete condições humanas ou sete estruturas universais Devemse procurar as afirmações que estão relacionadas aos aspectos estruturais dos depoimentos 1 Temporalização apresentação das experiências ligadas ao tempo Por exemplo quando o colaborador relata sentirse atrasado em suas atividades ou revela a sensação de ter perdido tempo ao investir em uma relação amorosa 2 Espacialização apresentação da vivência do espaço Por exemplo quando o entrevistado menciona sentirse sempre um peixe fora dágua em grupos 3 Aspectos relacionados ao corpo quando a entrevistada diz sentir que a dificuldade de cuidar do corpo provoca a necessidade de escondêlo por não se sentir mulher pois desde pequena precisou lidar com o fato de sua mãe ter cometido suicídio e por isso sente não ter tido referências femininas 4 Motivação apresentação da compreensão do fenômeno justificando a por casualidade a pessoa cometeu suicídio porque sofria de transtorno bipolar b assumindo a responsabilidade culpando o outro ou fazendo autoacusações o marido cometeu suicídio porque não aguentou a traição da esposa c por crença no destino o depoente afirma que é seu destino passar pela experiência 5 Materialidade uso de figuras de linguagem que remetem à compreensão do que o depoente sente por meio de exemplos concretos Expressão de algo concreto como se fosse abstrato Por exemplo quando o filho da pessoa que cometeu o suicídio destaca a marca psíquica dizendo sentirse como se tivesse sido marcado com ferro em brasa 6 Relacionamento com o mundo próprio abarca a maneira como a pessoa se percebe Por exemplo quando o entrevistado se descreve como inseguro solitário etc 7 Relacionamento com outros e com o meio apresenta a maneira como a pessoa interage com os outros e com os objetos Por exemplo quando a pessoa evita as relações interpessoais ou afirma que o cigarro é o seu melhor companheiro O objetivo dessa etapa é a apreensão das análises que representam o processo daquilo que aconteceu woeszs o ato a forma como se deu a experiência o significado da experiência a informação estrutural o que não foi falado o velado e o implícito Segundo Flewelling 2008 p 98 9 tradução nossa a variação imaginativa porém não é um processo sem estrutura mas conduzido pelas estruturas existenciais universais do temporalizar espacializar corpo materialidade motivação e relacionamento com o mundo próprio e com outros Finalizada a fase da variação imaginativa podemse esperar Temas e descrições individuais das condições humanas Compreensão das condições humanas Composição das condições humanas de todos os entrevistados apresentada após as entrevistas Cabe salientar que o pesquisador apresenta a compreensão das sete estruturas universais na análise intencional e a compreensão da entrevista de cada participante Nesse momento outro contato por email ou pessoalmente é realizado para que pesquisador e entrevistado compartilhem a compreensão desvelada com base na articulação entre conteúdos textual e estrutural O contato com o colaborador é necessário para validar o que foi captado pelo pesquisador As perguntas norteadoras são direcionadas para verificar Consegui captar sua experiência O que escrevi aqui é verdadeiro para você Faz sentido para você A análise é enviada por email aoà colaboradora anexada ao seguinte texto Nome doa colaboradora envio a análise que fiz do seu valioso depoimento Por favor verifique se concorda e se sente que foi vistoa e compreendidoa por mim Aguardo seu feedback Nome doa colaboradora Em seguida o feedback do colaborador e a resposta da pesquisadora são acrescentados à análise Depois fazse a síntese composição das análises intencionais dos colaboradores na qual todas as compreensões foram integradas Por último na fase de followup o pesquisador acompanha as eventuais ocorrências e necessidades dos colaboradores relacionadas aos possíveis sentimentos e pensamentos que emergirem nas entrevistas e depois delas A seguir apresento parte de um exemplo 4 do manejo de dados da entrevista de um dos colaboradores A análise intencional apresentou um resumo das principais unidades de significado e das condições humanas posteriormente ofereceu a compreensão geral do depoimento As citações dos depoimentos foram apresentadas em itálico C1 42 anos 2012 Sexo masculino Idade quando o suicídio aconteceu 17 anos 8121986 Pessoa que cometeu o suicídio pai Método do suicídio choque elétrico Local da entrevista casa do colaborador Tempo total de entrevista 1h25 Análise enviada em 13 de julho de 2012 Feedback do colaborador 14 de julho de 2012 TEMAS E DESCRIÇÕES INDIVIDUAIS DO DEPOIMENTO O primeiro colaborador é francês psicólogo professor de língua estrangeira divorciado sem filhos Seus pais já estavam divorciados na época em que o suicídio do progenitor aconteceu Tem um irmão filho de seu pai e um meioirmão filho de sua mãe com o segundo marido A palavra culpa surgiu repetidamente no depoimento C1considera a culpa um processo irracional e percebe que se encarregou das autoacusações Menciona que os assuntos levados a sessões de psicoterapia circundam o suicídio de seu pai destacando que a responsabilidade pelos filhos é dos pais Imagina que o modus operandi do suicídio choque elétrico possa ter sido uma mensagem como C1cursava eletrotécnica e foi a última pessoa a ver o pai antes de morrer acredita que talvez seu pai quisesse dizer que se lembrara dele na hora da morte Seguem os recortes do depoimento que sustentam o tema Embora eu tenha trabalhado muito essa questão da culpa durante esses anos todos nunca parei para pensar muito se o meu pai podia ter me culpado no gesto Eu me encarreguei de me culpar mas nunca nunca pensei que ele pudesse ter pensado isso Ah eu não sei olhos marejados É claro que racionalmente vejo que eu não tenho culpa nenhuma no entanto me culpo Mas se alguém ousar me culpar por isso reajo até com violência Afinal de contas eu não era maior de idade e se há algum responsável pelos filhos são os pais sorriso O gesto em si já é suficientemente doloroso Mas enfim é um tanto quanto original pelo menos como maneira de fazer e de uma maneira que realmente dizia respeito ao que eu estava fazendo Posso interpretar que simplesmente fui a última pigarreia pessoa a ter ficado com ele Portanto a conexão comigo era forte Apesar de o suicídio ter acontecido há 15 anos estou há 15 anos em terapia Toco frequentemente no assunto do meu pai falo do suicídio falo da minha relação com ele falo da culpa O meu pai não me culpa Não me culpou Acredito Toda minha família tentou me poupar Não sei se foi mais uma coisa de sensação de escuta lembrei de você quando fiz isso Acho que a questão do abandono eu ter abandonado entre aspas claro que ele sentiu claro que ele deve ter sentido algo Algum tipo de decepção tristeza alguma coisa pelo fato de eu ter saído de casa ANÁLISE INTENCIONAL E COMPREENSÃO DA ENTREVISTA C1 é uma das pessoas que mais influenciaram a realização da pesquisa por esse motivo convideio para ser o primeiro entrevistado Conhecemonos desde fevereiro de 2004 quando fui sua professora e a relação construída entre nós ao longo desses anos parece ter contribuído para um depoimento sensível minucioso e cuidadoso Assim a entrevista pôde ser a escuta de um grito Olha o que eu passei Olha a que sobrevivi Olha de onde eu vim Compartilhar seu processo de luto com abertura e disponibilidade parece ter proporcionado a C1a oportunidade de revisar resumir revisitar e redescobrir sua história Ele salientou a crença de cura ao expressar o que sente Parece perceber a entrevista como momento de acolhimento pelo fato de alguém se interessar pelo que aconteceu com ele interesse que não vê em outras pesquisas Quatro temas foram desvelados no processo de luto em decorrência de seu pai ter cometido o suicídio Foram eles culpa necessidade de salvar pessoas e interesse por histórias de sobreviventes situações Gestalten inacabadas intensidade de sentimentos C1 parece ter várias perguntas sem resposta e situações incompreendidas o que serviu de alicerce para a presente análise Segundo a Gestaltterapia aquilo que acontece ao humano torna se parte dele pela assimilação ou se torna uma situação inacabada Gestalt incompleta Embora não compreenda o motivo real da morte do pai C1associa o suicídio ao transtorno bipolar Assim percepções sobre doença e suicídio se misturam C1entende o suicídio como falta de opção e como se fosse uma ferida num lugar difícil de curar O suicídio é sempre uma história assim o entrevistado aponta que não foi o suicídio o fator precipitante mas o processo como um todo Embora o suicídio do pai tenha sido transformador visto que C1tornouse uma pessoa consciente humana e sensível ele destaca a marca psíquica dizendo que sente como se tivesse sido marcado com ferro em brasa Um dado importante sobre a elaboração do luto é o fato de o entrevistado mencionar que até hoje os assuntos trabalhados em terapia estão diretamente relacionados ao pai Aponta diferenças entre luto por acidente e por suicídio indicando que este último é mais doloroso Perder alguém dessa maneira me parece muito mais pesado é muito mais dolorido é muito mais difícil de dar um sentido Há de se refletir sobre o fato de o suicídio ser um acontecimento trágico que provoca uma ferida profunda e por esse motivo ocupa um lugar preciso na existência do enlutado Quem mata quem quando acontece o suicídio O fato de ter um pai que se mata abre uma ferida difícil de cicatrizar ou que talvez nunca cicatrize De sua afirmação Faz sentido racionalmente faz Emocionalmente não faz Como eu falei eu procuro um jeito de ainda salválo De achar solução para isso várias questões surgem São elas 1 Seria possível encontrar um sentido para o suicídio 2 Dá para dividir o sentido entre racional e emocional 3 O que quer dizer racionalizar com sentido 4 O que significa lidar com aspectos emocionais sem sentido 5 Existe uma solução para sua fantasia de salvar o pai 6 O suicídio poderia ser evitado É possível ter o controle sobre a morte do outro O suicídio do pai parece ter influenciado a maneira de Cl se relacionar principalmente com mulheres salváveis e com seus cães Ele se percebe como cuidador compreendendo que sua forma de se relacionar é expressa pela constante necessidade de salvar pessoas em especial as mulheres que conheceu até o momento Escolheu estudar psicologia mas como estudar psicologia o ajudou em sua história É um sobrevivente e por essa razão demonstra interesse também por histórias de sobreviventes Durante a entrevista Cl tirou uma pulga do seu cachorro e até no ato de acariciar cuidou O ponto convergente entre salvar e ajudar é que em ambos ele é o cuidador Isso posto cabe ressaltar a diferença entre cuidar ajudar e salvar pois ao cuidar Cl oscila entre ajudar e salvar Seu lado cuidador ficou evidente desde o momento em que a entrevista foi agendada pois se preocupou tanto em disponibilizar uma vaga da garagem para que a pesquisadora pudesse estacionar o carro quanto em preparar uma mesa farta Acrescenta que sua participação na entrevista não tinha relação com a necessidade de salvar a pesquisadora mas com o fato de ser uma ótima oportunidade de rever a própria vida Parece ter se ajustado criativamente para lidar com o fato de não ter conseguido impedir a morte do pai salvandoo Concomitantemente surgem as indagações seria possível realmente salvar seu pai Podese pensar que o ato de ajudar mulheres salváveis representa um manejo possível ou uma das maneiras de elaborar seu processo de luto Como a salvação não aconteceu o ato de ajudar parece provocar a sensação de poder fazer algo por alguém Portanto ajudar parece ter sido a maneira que Cl encontrou para se autorregular e para lidar com o sentimento fantasioso de querer a todo custo impedir a morte Ao relatar as brigas entre pai mãe e irmão nas quais não estava incluído percebe que foi resguardado também por ser o caçula Como recebeu esse cuidado parece repetir aquilo que aprendeu cuidar poupando os outros nos relacionamentos Inferese pois que transcendeu querendo além de proteger cuidar do outro Aquele que salva se torna conhecido não se culpa pois não abandona nem provoca tristezas e decepções Ao salvar as pessoas ele ocupa o espaço de salvador e passa a ter sentido na vida das pessoas Destacase o fato de ele não apresentar motivação para se relacionar com quem não pode salvar pois alega que não vê sentido Tais relacionamentos talvez o reconduzam ao lugar de impotência e daquele que não pôde salvar inclusive naqueles que não desejava mais manter como com sua exmulher Evita as relações interpessoais dizendo que há um ano percebe seu isolamento sinalizando solidão e medo de seguir os passos do pai Mesmo que identifique o temor de repetir o isolamento do progenitor salienta que prefere ficar com seus cachorros que se tornaram tudo para ele Os cães Mandela e Gandhi nomes de personalidades que fizeram sentido para a humanidade parecem amenizar sua solidão Cl parece ver neles a possibilidade de se cuidar e cuida deles como gostaria que agissem com ele Começar o primeiro namoro duas semanas após a morte de seu pai e achar que este tenha se eletrocutado no momento em que cursava eletricidade revela a crença de que o método escolhido pelo pai pode ter sido uma mensagem para ele O que significaria ter sido a última pessoa que viu o pai Significaria Mais amor Mais culpa Mais responsabilidades Sabendo que não é o fato que traumatiza mas o processo como um todo mostra as nuanças da intensidade das emoções ao mencionar dores culpa raiva vergonha e dúvidas sobre o controle da própria vida Como é possível ter raiva de quem já morreu A raiva não teve espaço na relação entre pai e filho e o rompimento do vínculo dos dois configurouse antes da morte pois toda a vivência anterior com seu pai parece ter sido mais marcante do que o impacto do suicídio Nesse momento a frase Ele conseguiu finalmente quando soube da morte do pai desvela o sentido de que depois de tanto sofrimento provocado pelas várias brigas entre pai e mãe irmão e mãe tentativas prévias de suicídio e pelo transtorno bipolar pôde experimentar alívio Além disso podese questionar se a má qualidade da relação entre pai e filho tornou mais difícil a elaboração do suicídio Depois de dizer sempre havia um cuidado comigo Cl pede para interromper a entrevista e ao voltai retoma falando sobre o fato de seu pai o culpar Atenta para o desvio do discurso no qual parece ter modificado a direção dos sentimentos Como nem todo contato é saudável nem toda fuga é doentia Perls 1988 p 35 Cl direcionou a energia para outro assunto Outro fato que o surpreendeu foi a crença de que as datas podem ser repetições ou seja parece acreditar em um traço familiar e em um destino no qual elas acontecem Mesmo vivenciando uma fase boa e de coisas produtivas o que virá depois será ruim A passagem dos 39 para os 40 anos foi vivenciada com muita angústia pois além de sua exmulher ter recebido o diagnóstico de transtorno bipolar teve receio de repetir o suicídio Demonstra acreditar que as coincidências podem configurar o destino e entra em confluência com o pai principalmente ao reconhecer a solidão e o fato de identificar seu isolamento acentuado há um ano Reflete sobre o medo de ser igual ao pai pois aprendemos com os modelos No entanto parece ter a fantasia do efeito imitativo de cometer também o suicídio quando afirma ter plena consciência do dia que ultrapassaria o pai em termos de longevidade Inferese que a experiência tenha sido confirmatória para que percebesse que não é a mesma pessoa que seu pai foi Há de se acreditar em transmissões e não em determinismos de comportamentos mais especificamente em efeitos imitativos Dessa maneira o fato de receber de seu pai o modelo de autodestruição não significa que ele fará deverá ou precisará fazer o mesmo Afinal de contas eu não era maior de idade e se bâ algum responsável pelos filhos são os pais sinaliza a crença de que os filhos aprendem e internalizam os conhecimentos oferecidos pelos pais Aprendeu a se proteger das ameaças reais e fantasiosas antecipando salvando e fumando O ato de fumar oferece preenchimento e esvaziamento principalmente em momentos em que depara com a solidão e a necessidade de se isolar Surpreendeuse por ter fumado apenas três cigarros ao contar sua história dizendo que em outras situações teria fumado pelo menos dez cigarros ou mais C1 percebe seu pai como uma pessoa que queria seu bem pois identifica alguns momentos em que ele cozinhava macarrão na manteiga e relembra que mesmo em crise conseguia controlar o tom de voz para falar mais gentilmente com ele Se o pai não tivesse cuidado dele haveria culpa Sua constante necessidade de salvar pessoas talvez seja a estratégia utilizada para lidar com a expiação da culpa por não ter salvado o pai O depoente assinala a necessidade de lidar com as autoacusações pela morte do pai e embora saiba que a culpa não seja algo racional percebeu que seu pai nunca o culpara e que ele se encarregou de fazêlo por si Cl não associa o suicídio aos atos de covardia ou de coragem Embora seu berço seja a França é no Brasil que tenta construir a vida Ao final da entrevista comentou que não consegue exercer a profissão de psicólogo na mesma proporção em que atua como professor de língua estrangeira e afirmou que precisa despender mais energia para seu papel de psicólogo Levantase então a possibilidade de essa dificuldade estar também relacionada ao fato de como professor não ter de cuidar de pessoas salváveis Em contrapartida ao constatar que a relação com sua exmulher tinha se tornado muito destrutiva parece discriminar as relações de que deseja se aproximar e se distanciar e modifica a maneira padronizada e repetitiva de se relacionar com as pessoas ao seu redor Se para a Gestaltterapia aprender significa viver experiências novas podese considerar que Cl as teve e estas o auxiliaram na ressignificação de seus relacionamentos Ao se divorciar indica a necessidade de ocupar seus espaços e de cumprir a missão consigo mesmo e não mais com outros O entrevistado amadureceu e parece estar em processo de se salvar para ocupar um lugar no mundo consciente de não ser responsável pela vida pela doença e pelas escolhas de outrem percebendose responsável por sua existência REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Bello A A A fenomenologia do ser humano Bauru Edusc 2000 Bruns M A de T Holanda A F orgs Psicologia e fenomenologia reflexões e perspectivas Campinas Alínea 2003 Capalbo C Fenomenologia e ciência Edmund Husserl e Maurice MerleauPonty In Castro D S P de et al Existência e saúde São Bernardo do Campo Umesp 2002 Chaui M Convite à filosofia São Paulo Ática 1995 Ewald A Fenomenologia e existencialismo articulando nexos costurando Estudos e pesquisas em psicologia Rio de Janeiro ano 8 n 22008 p 14965 Disponível em httpwwwrevispsiuerjbrv8n2artigospdfv8n2a02pdf Acesso em 21 jan 2012 Flewelljng R A different senescence the experience of transcending the expectation of aging by individuais 80 years of age and older a phenomenological investigation 2008 Degree Doctor of Psychology Michigan School of Professional Psychology Michigan EUA 2008 Giorgi A Phenomenology and psychological research Pittsburg Duquesne University Press 1985 Holanda A Questões sobre pesquisa qualitativa e pesquisa fenomenológica Análise Psicológica n 3 ano XXIV 2006 p 36372 Husserl E A ideia da fenomenologia Lisboa Edições 70 2000 Keen E Introdução à psicologia fenomenológica Rio de Janeiro Interamericana 1979 Moustakas C Phenomenological research methods Thousand Oaks Sage Publications 1994 Perls F S A abordagem gestáltica e testemunha ocular da terapia 2 ed Rio de Janeiro Zahar 1988 Ribeiro Jr J Fenomenologia São Paulo Pancast 1991 Sabadini A A Z R Sampaio M I C Koller S H orgs Publicar em psicologia um enfoque para a revista científica São Paulo Associação Brasileira de Editores Científicos de Psicologia Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo 2009 4 A face existencial da Gestaltterapia CLAUDIA LINS CARDOSO Oséculo 19 foi marcado pelo avanço tecnológico e pelo progresso da ciência o que atribuiu extraordinário valor ao conceito de razão e ao método científico como formas de conhecimento legítimo tanto do mundo quanto do ser humano Entretanto na primeira metade do século 20 após duas guerras mundiais a humanidade se vê mergulhada em sofrimento e desespero e diversos pensadores começam a duvidar de que o racionalismo defendido até então seria a única solução para os problemas e as tribulações atravessadas pela sociedade naquele período É nesse contexto que o existencialismo surge e se desenvolve especialmente na Europa Ocidental por meio de reflexões sobre o homem e seu modo próprio de ser no mundo propostas por Sõren Kierkegaard Martin Heidegger JeanPaul Sartre e Martin Buber entre outros A palavra existência deriva do latim exsistere que significa surgir exibirse movimento para fora estar em tensão para adiante Nesse sentido o existencialismo pode ser enten dido como um conjunto de doutrinas filosóficas cujo tema central é a existência humana em sua concepção individual e particular tendo por objetivo compreender o homem como ser concreto nas suas circunstâncias e no seu viver conforme se mostra na sua realidade Cada pensador existencial aborda o ser humano partindo da valorização de uma questão particular do homem em sua relação com o mundo e consigo mesmo mas todos eles têm algo em comum a preocupação em compreender a existência humana Opropósito do presente capítulo é apresentar os pressupostos do existencialismo que tiveram consideráveis repercussões na fundamentação antropológica visão de homem teórica e prática da Gestaltterapia Na perspectiva existencial o homem é concebido como um ser livre e responsável por construir a própria existência Tal concepção foi sintetizada por Sartre 2012 p 25 ao afirmar que a existência precede a essência Isso significa que o homem surge no mundo como um ser particular sem a possibilidade de definição prévia e somente depois poderá vir a sen Portanto ele não é como uma semente que traz em si características imutáveis não podendo ser nada além do que está determinado no cerne de seu ser Ao contrário ele é entendido como um ser livre para escolher sua essência a cada instante consumando assim seu projeto de vida e de ser no mundo Ao fazêlo tornase o único responsável por sua existência Nascemos como seres de possibilidades e escolhemos a todo instante ao longo de toda a nossa existência aquilo que queremos ser Só existindo o ser humano poderá ser Portanto o homem é um ser de gerúndio que designa ação movimento e não de particípio que indica uma ação já finalizada ele nunca é mas sempre está sendo Mais do que ajustarse a condição humana está relacionada à responsabilidade de escolher Mesmo quando não explicitamos ao mundo nossa opção ou deixamos que o outro decida por nós ainda se trata de uma escolha pela qual continuamos respondendo Assim o existencialismo opõese a toda concepção universal ou segmentada de homem que priorize qualquer característica humana em detrimento de outras como a razão por exemplo defendida por pensadores da época Apesar de nossa condição existencial se caracterizar por um contexto que também nos impõe limitações físicas sociais espaciais e temporais estas não nos determinam pois cada um de nós é resultado daquilo que escolheu para si incluindo o modo como lidamos com esse contexto Isso pode ser ilustrado pela seguinte máxima sartreana O importante não é aquilo que fazem de nós mas o que fazemos do que os outros fizeram de nós Entretanto a liberdade não está apenas vinculada à escolha Os existencialistas sustentam que o ser humano não pode ser concebido como uma substância uma coisa pensante fechada em si e isolada Ao contrário ele é abertura para o mundo e só se constitui como homem enquanto está em conexão com o mundo dandolhe um sentido o que sempre acontece por determinado tempo Portanto em última instância ele não está conectado a nada em definitivo Nesse sentido o homem é liberdade condição promotora da angústia Esta diferentemente do medo não se refere a algo específico sendo um sentimento originado no fato de o homem viver num mundo de possibilidades sem qualquer garantia de realização sucesso ou segurança Antes para os existencialistas o homem é um ser para a morteí A angústia é então o sentimento conectado ao reconhecimento dessa condiçãoHeidegger 2008 Tratase de uma concepção complexa e densa que Giles 1989 p 19 descreve nas seguintes palavras Esses pressupostos do existencialismo se refletem de modo fundamental na teoria e na prática da Gestaltterapia Ao considerar o cliente um ser particular consciente e responsável livre para construir seu projeto existencial a proposta do Gestaltterapeuta é leválo a tomar conhecimento do seu projeto de vida e a assumir a responsabilidade pela direção do sentido de sua existência Essa reflexão se dá sempre com base no próprio referencial da pessoa como ser em relação em consonância com suas potencialidades e respeitando seus limites facilitando a integração dos diversos aspectos de si mesma e de sua ligação com o mundo Em termos práticos isso significa que só se pode compreender o homem com base em seu modo de existir no aqui e agora incluindo a sua forma de ser e de experienciar o mundo e as várias situações de sua vida Com isso de acordo com o pensamento existencial a Gestaltterapia concebe o homem como o melhor intérprete de si mesmo de sua individualidade complexa e dinâmica o que é possível mediante o princípio da presentificação da experiência awareness ou seja no modo como seu passado e seu futuro são experienciados no aqui e agora Perls 1977 e 1988 Nesse sentido a Gestaltterapia é uma abordagem existencial por ser uma proposta de reflexão sobre a existência humana buscando auxiliar a pessoa a ampliar sua consciência de si no mundo ou seja sua awareness a fim de capacitála a fazer escolhas autênticas e responsáveis e a organizar sua vida de maneira significativa para si Sua prática é sustentada pela concepção de homem como ser no mundo em relação num perene vir a ser sempre aberto para consumar seu projeto existencial No entanto a repercussão do existencialismo não se restringe à sua visão do ser humano Para Yontef 1998 a Gestaltterapia é existencial em dois sentidos na concepção de ser humano ao valorizar sua liberdade e responsabilidade pelas escolhas ao longo de sua existência e também na ênfase sobre a relação A GESTALTTERAPIA DIALÓGICA Martin Buber foi um filósofo existencial que enfatizou a importância do interhumano do encontro do diálogo e da relação na constituição do ser humano Para ele todo viver verdadeiro é encontro e o evento dialógico é o que ocorre na esfera do entre Suas idéias influenciaram de modo intenso o pensamento de teóricos contemporâneos da abordagem gestáltica Esses autores reconhecem a Gestaltterapia como dialógica ao considerar a relação terapêutica um encontro existencial constituinte do solo que sustentará todo o processo de experimentação e reconhecimento de si conforme vivenciado pela pessoa em psicoterapia Hycner e Jacobs 1997 Yontef 2002 Hycner 1995 enfatiza a dimensão do entre como a categoria ontológica na qual ocorrem a aceitação e a confirmação dos dois polos envolvidos na relação Desse modo d homem é antropologicamente existente na qualidade da relação estabelecida com outro homem É no evento do interhumano que ocorre o encontro dialógico caracterizado pela reciprocidade das partes que se relacionam pela presença confirmadora da pessoa do outro pela abertura para a totalidade do ser do outro que de outra maneira permanecería desconhecida É essa conversação genuína que permite o tornarse presente da pessoa Afirma Buber 1982 p 147 Esses pressupostos do existencialismo dialógico têm repercussões diretas na teoria e na prática da Gestaltterapia Perls Hefferline e Goodman 1997 referemse ao entre como a fronteira de contato a fronteira na qual a pessoa e o ambiente se encontram e interagem É aí que se dá o contato decorrente das trocas com o meio que promovem o crescimentoAssim contato implica relação não apenas para o de senvolvimento das potencialidades humanas mas também para a própria constituição de si mesmo sendo a awarenes entendida como contato pleno fundamental para o estabelecimento de uma relação autêntica Na prática isso requer uma condição para que o cliente possa ser reconhecido em sua autenticidade Tratase de uma postura de abertura e de acolhimento à pessoa do cliente esvaziandose num primeiro momento de quaisquer a priori utilizando para tanto o método fenomenológico o qual será discutido em profundidade no capítulo referente à fenomenologia Essa é a condição básica para que a pessoa do cliente possa ser reconhecida no seu constante vir a ser como um fenômeno que se revela à pessoa do psicoterapeuta fundando então o encontro dialógico Yontef 2002 enfatiza a dimensão relacionai da Gestaltterapia em sua fundamentação teórica e metodológica sustentando inclusive que a perspectiva relacionai é tão central na abordagem que sem ela não haveria a raiz coerente da teoria e da prática da Gestaltterapia Por conseguinte o autor ressalta a postura do Gestaltterapeuta em sua dimensão existencial a qual deve respeitar os princípios básicos do diálogo inclusão confirmação presença e entrega ao entre A inclusão referese à postura de se colocar no lugar da pessoa sem que o psicoterapeuta perca sua própria perspectiva Como afirma Yontef 2002 p 24 Ao entrar em contato com o paciente desta forma e não objetivando mudálo ao encontrálo sem tentar tornálo diferente ele é suportado em seu crescimento mediante a identificação com sua própria experiência Essa postura encoraja a expressão da pessoa e a confirma em suas vivências O autor ressalta também que o diálogo implica a presença do psicoterapeuta como uma qualidade do encontro com a pessoa como um todo o que requer abertura compaixão gentileza e humildade de sua parte Isso está intrinsecamente ligado à postura de entrega ao entre quando psicoterapeuta e cliente entram em contato um com o outro sem metas preestabelecidas pelo profissional Essa presença autêntica e a confiança no contato estabelecido entre ambos fundada na awareness proporcionam à pessoa a experiência de uma relação promotora de crescimento mediante a confirmação de si como ser no mundo diferente das relações nas quais ela só é aceita ao adotar condutas preestabelecidas pelo outro ou seja ao desempenhar um script Indo ao encontro dessa vertente relacionai da abordagem gestáltica Yontef 2002 ressalta seu caráter dialógico na utilização da metodologia terapêutica de cunho fenomenológico considerando que o sentido brota da relação entre consciência e objeto No âmbito da psicoterapia a ênfase no diálogo entendido como fenomenologia compartilhada configura a relação terapeutacliente como uma modalidade interpessoal mais do que meramente técnica Quando o psicoterapeuta assume uma postura receptiva e facilitadora da expressão dos modos de existir da pessoa do seu cliente encorajandoo a perceber a diversidade do seu agir do seu pensar e do seu sentir e a refletir sobre as novas perspectivas que se abrem são criadas as condições necessárias para o crescimento pessoal Tratase da confirmação da totalidade da pessoa atitude fundamental para que ela desenvolva um senso de segurança autossuporte e disponibilidade para relacionarse Ao contrário quando a pessoa não experi menta a confirmação por parte daqueles que lhe são significativos sua autoimagem e autoestima se enfraquecem e sua habilidade para entrar em relação fica comprometida Hycner e Jacobs 1997 p 15 compartilham dessa1 importância de relações de confirmação e reciprocidade na formação da pessoa ao sustentar que o paradoxo do espírito humano é que não sou completamente eu mesmo até que seja reconhecido em minha singularidade pelo outro e esse outro precisa do meu reconhecimento a fim de se tomar completamente a pessoa única que ela é Somos inextricavelmente entrelaçados Tratase de uma postura de respeito que facilita o encontro da pessoa consigo mesma por meio da aceitação do diálogo da presença respeitosa e confirmadora do psicoterapeuta Por outro lado na situação psicoterápica o estabelecimento da relação dialógica promotora dos contatos necessários ao reconhecimento de si e ao desenvolvimento do autossuporte pode ser sintetizado como cuidado A GESTALTTERAPIA E A ARTE DE CUIDAR Etimologicamente a palavra cuidado deriva do latim cura Boff 2008 ressalta também que cura no latim mais antigo era grafada como coera e utilizada em contextos de relações de amor e de amizade numa alusão ao cuidado como uma ocorrência vinculada à importância que a existência da outra pessoa tem para aquele que cuida Assim cuidar é uma atitude que traz implicitamente o desprendimento de si e um voltarse para o outro numa relação de afetividade de interesse genuíno e de atenção para com a pessoa de quem se cuidafCuidar está intrinsecamente ligado à presença e à relação Quem cuida cuida de alguém ou de alguma coisa No âmbito da psicoterapia a concepção de cuidar está intimamente vinculada à fundamentação antropológica Visões variadas do Mser de quem se cuida apontarão diferentes caminhos do cuidado Se a perspectiva que tenho da pessoa que por mim será cuidada é de alguém que sofre por apresentar comportamentos mal adaptados ao seu ambiente cuidar implicará intervenções que facilitem a aprendizagem de novos comportamentos a fim de adaptála melhor ao meio Por outro lado se minha concepção de pessoa envolve a esfera do inconsciente e os conflitos das instâncias intrapsíquicas cuidar envolverá o desenvolvimento de uma metodologia terapêutica com o objetivo de trazer à consciência a dinâmica e as variáveis de tais conflitos o que facilitaria a resolução destes Na perspectiva das abordagens fenomenológicoexistenciais como a gestáltica Heidegger é uma referência fundamental para a concepção de homem implícita na práxis psicoterápica Preocupado em investigar o ontológico do ser ou seja visando conhecêlo no sentido mais profundo de sua existência o autor propõe que esta só pode ser compreendida pela análise do Dasein do ser aí lançado no mundo Conforme explicitado anteriormente o homem é concebido como um ser de possibilidades ou seja um ser que nasce com um feixe de potencialidades que podem ou não ser consumadas em função das relações que ele estabelece e das experiências que ele adquire ao longo da vida Outro aspecto da condição humana na perspectiva existencial com repercussões na Gestalt terapia referese ao fato de o homem ser dotado de liberdade para fazer escolhas na vida pelas quais se torna responsável ainda que limitadas por características de sua existência Tem uma consciência intencional para a qual só há uma consciência voltada para um objeto o qual nunca é um objetoemsi mas sempre para uma consciência doadora de sentido Assim ele está fadado a um eterno viraser em busca de sentido Portanto uma das tarefas do psicoterapeuta é ajudar a pessoa a discriminar as facticidades situações das quais não se tem nenhum controle das escolhas que vêm fazendo ao longo de sua existência Em sua condição o Dasein é constantemente lançado para além de si para o aberto e para o desconhecido e se orienta preocupado com sua existência Michelazzo 1999 p 128 compreende o Dasein como Ainda no que se refere ao Dasein Michelazzo 1999 ressalta os três modos de ser no mundo propostos na obra Ser e tempo de Heidegger projeto lançado e decaído No modo projeto o ser é um feixe de possibilidades que se mostram na medida em que se desdobra a presença do homem com seus semelhantes e no seu contexto numa condição de autenticidade Nesse caso o homem é capaz de fazer escolhas coerentes com sua perspectiva ou seja há uma lógica entre seu pensamento suas emoções e suas ações sendo a vida dotada de um sentido Como lançado o ser depara também com impossibilidades e limitações as quais ele não escolheu ao ser jogado num mundo anterior à sua existência Esse modo de ser no mundo referese àquelas características que lhe foram dadas no início da vida sem possibilidade de escolha como contexto socioeconômico época e local do seu nascimento cor de pele ou determinadas limitações físicas Finalmente como decaído o ser encontrase num estado de existência inautêntica caracterizada pela banalidade do cotidiano e pela superficialidade na qual o homem se perde de si mesmo Nesse modo peculiar de existir o ser aí experimenta o vazio existencial decorrente da falta de sentido da vida No cotidiano esse vazio pode ser entendido pelos valores referências e perspectivas que orientam a nossa vida e dão sustento à nossa frágil condição de ser no mundo A necessidade de dar um sentido à vida é inerente a todo ser humano Quando nos afastamos de nós mesmos há uma perda na qualidade do nosso contato conosco e com o mundo e começamos a nos privar do sentido que norteia a nossa existência A perda do sentido da vida caracteriza então o vazio existencial o qual pode assumir uma diversidade de sintomas tais como depressão ansiedade pânico e fobias entre outros Perls 1988 ilustra essa inautenticidade como o modo do shouldism traduzido livremente como deveriaísmo ou seja situações nas quais a pessoa se conecta com outras referências distintas das suas próprias e age como se fosse a expressão mais autêntica de si E como se ela desempenhasse um script elaborado por outros e acreditasse tratarse de uma situação autêntica quando na verdade seu nível de insatisfação se eleva pois suas necessidades mais básicas não podem ser satisfeitas nesse modo inautêntico de existir Na situação psicoterapêutica em geral o ser de quem se cuida é aquele que se encontra no modo de inautenticidade é a pessoa cuja existência é malograda alienada reduzida à condição de objeto aos sintomas a partes fragmentadas que por ser vistas isoladamente perdem o sentido São aqueles momentos descritos por Heidegger 2008 nos quais o homem como ser no mundo entra em decadência ou seja o estado de queda da existência humana no qual ele se torna alheio de si e se entrega ao modo de ser impessoal e desconectado do si mesmo Ou nas palavras de Perls 1977 quando nas situações em que pensamentos sentimentos ou ações são inaceitáveis e na tentativa de negálos a pessoa se aliena de partes valiosas de si restringe sua fronteira de contato com o mundo e se impede de ser autenticamente É nessa forma de existir que ela se descuida Heidegger 1981 distingue dois modos de cuidar um é aquele no qual o cuidador assume as escolhas pelo outro e guia orienta controla e se ocupa O foco está no resultado que se espera que o outro alcance por meio do cuidado O outro é uma postura de voltarse para o outro e ajudálo a se reconhecer e a fazer escolhas próprias Nesse caso a ênfase do cuidado recai sobre a relação e a sua forma de estar no mundo Essa é ou deveria ser a maneira de cuidar do Gestaltterapeuta Como salienta Sapienza 2004 p 56 o cuidado terapêutico tem a ver com devolver recuperar ou resgatar para aquilo que é cuidado algo que diz respeito a ele e por algum motivo foi perdido ou prejudicado Nesse sentido cuidar consistiría em pensar o ser e o sentido da sua existência nas suas várias dimensões Esse cuidado se faz necessário porque a existência é instável e frágil por natureza e por isso o ser sofre Portanto cuidar é fazer com não fazer por É uma proposta de capacitação não de orientação É oferecer o apoio necessário para que o outro se reconheça nas suas possibilidades e referências e se erga fortalecendo seu senso de autossuporte A palavra homem tem a mesma etimologia da palavra húmus que significa terra fértil Sobre isso Pompéia e Sapienza 2004 p 28 dizem o seguinte A peculiaridade da terra fértil é sua abertura para acolher a semente que cai sobre ela Esse solo recolhe a semente para que o grão venha a ser Pois a semente é sempre um poder ser uma promessa daquilo que ainda não é mas poderá ser e chegará a ser quando encontrar a terra fértil Não será aquilo que a terra possa querer que ela seja mas aquilo mesmo que ela semente já traz como poder ser Estar em relação com o outro a quem se quer ajudar é oferecerse como terra fértil para que o outro floresça E isso é parte do cuidado terapêutico que requer presença entendida como o encontro de pessoas que se abrem para o contato entre si propiciando o fluir dos processos humanos Assim cuidar não é técnica é uma postura é a arte de estar com que reconhece a pessoa funda o encontro e singulariza o saber e os recursos técnicos de que dispõe o psicoterapeuta cuidador para auxiliar aquele de quem cuida Por isso mesmo requer habilidades interpessoais como a capacidade de acolher de escutar de questionar de dialogar e com isso convidar a pessoa a refletir sobre tudo que for importante para ela de modo que seja possível compreender e ressignificar suas vivências Sem tais habilidades o relacionamento estabelecido entre o psicoterapeuta e o cliente configurase pela impessoalidade e esterilidade na contramão do que caracteriza a postura de cuidado O conhecimento teórico e as técnicas são fundamentais no ofício do psicoterapeuta Porém só atenderão aos objetivos da psicoterapia concebida como uma oportunidade de reflexão de busca e de compreensão do sentido da existência se sustentados pelas habilidades necessárias ao verdadeiro encontro terapêutico Portanto na perspectiva da abordagem gestáltica a técnica pela técnica não é válida por si só Cuidar envolve o reconhecimento do outro na sua singularidade e nao como imagem e semelhança do terapeuta ou do projeto que este imbuído das melhores intenções elaborou para seu cliente Implica o despojamento de si e o disponibilizarse para o outro numa postura de atenção de reconhecimento e de confirmação da pessoa de quem se cuida Quem cuida precisa olhar a pessoa por inteiro o que não condiz com reduzila a partes carentes doentes ou ainda a classificações diagnosticas Quando me disponho a cuidar do outro como Gestaltterapeuta procuro encontrálo e encorajálo a ser por si sem imporlhe scripts ou exigirlhe resultados ajudandoo a reconhecer suas possibilidades a respeitar suas fragilidades e a desvelar o sentido da sua existência Com isso exercito a espera do jardineiro que cuida de seu canteiro acompanhando o desabrochar das flores É a espera do inesperado tão importante no nosso ofício de psicoterapeutas no sentido atribuído por Rehfeld 2004 p 8 Se não souberes esperar não encontrarás o inesperado O inesperado presenteia quem sabe esperar Somente quem sabe esperar acolhe Quem não sabe esperar se desespera Ao que acrescento quem não sabe esperar descuida Assim cuidar é respeitar o tempo e o ritmo do outro tarefa tão difícil nesses dias de urgências e de exigências de resultados imediatos nos quais vivemos cujos efeitos nefastos se dão especialmente quando essa pressa parte do psicoterapeuta Cuidar então é confirmar o íntimo no sentido daquilo que é mais singular na pessoa na contramão das aparências superficiais e vazias de sentido tantas vezes supervalorizadas na nossa sociedade É inspirar no outro a confiança necessária para que ele acredite em si mesmo e se reconheça como alguém digno capaz e de valor O cuidado terapêutico é portanto um exercício complexo e às vezes difícil porque reside em ajudar o outro a crescer na sua diferença o que esbarra nas convicções e crenças do psicoterapeuta pondoas à prova tanto como profissional quanto como pessoa E abrir mão das próprias referências desequilibra quem precisa da ilusão das certezas e da eterna segurança Por todas essas considerações o existencialismo refletese na postura do Gestaltterapeuta não como um conjunto de técnicas mas em seu interesse por compreender o modo como a pessoa experiencia a si mesma no mundo seja em seus momentos de existência plena ou de crise Dito dessa forma pode parecer simples mas certamente exige do profissional uma atenção zelosa e inspiradora da confiança necessária para o encontro facilitador da expressão autêntica da pessoa do cliente REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Boff L Saber cuidar ética do humano Compaixão pela terra 15 ed Petrópolis Vozes 2008 Buber M Eu e tu São Paulo Moraes 1979 Do diálogo ao dialógico São Paulo Perspectiva 1982 Giles T R História do existencialismo e da fenomenologia São Paulo EPU 1989 Heidegger M Todos nós ninguém um enfoque fenomenológico do social São Paulo Moraes 1981 Ser e tempo 3 ed Petrópolis Vozes 2008 Hycner R De Pessoa a pessoa Psicoterapia dialógica São Paulo Summus 1995 Hycner R Jacobs L Relação e cura em Gestaltterapia São Paulo Summus 1997 Michelazzo J C Do um como princípio ao dois como unidade Heidegger e a reconstrução ontológica do real São Paulo FapespAnnablume 1999 Perls F Abordagem gestáltica e testemunha ocular da terapia Rio de Janeiro Zahar 1977 Gestaltterapia explicada São Paulo Summus 1988 Perls F Hefferline R Goodman P Gestaltterapia São Paulo Summus 1997 Pompéia J A Sapienza B T Na presença do sentido uma aproximação fenomenológica a questões existenciais básicas São Paulo EducPaulus 2004 Rehfeld A Acerca das generosas curvas da espera Revista do X Encontro Goiano da Abordagem gestáltica v 12004 p 78 Sapienza BT Conversa sobre terapia São Paulo EducPaulus 2004 Sartre J P O ser e o nada ensaio de ontologia fenomenológica Petrópolis Vozes 2012 Yontef G Processo diálogo e awareness ensaios em Gestaltterapia São Paulo Summus 1998 The relational attitude in Gestalt therapy theory and practice International Gestalt Journal v 25 n 12002 p 1536 5 A psicologia humanista e a abordagem gestáltica MARISETE MALAGUTH MENDONÇA Ao estudar a história da psicologia percebemos que por muitos séculos essa disciplina esteve vinculada à filosofia No final do século 19 os acadêmicos da época resolvem distanciar uma da outra dando origem ao que se chamou de psicologia moderna que hoje tem um campo conceituai e teórico próprio Segundo Lima 2009 uma corrente da nova ciência se voltou para a fisiologia tentando dar um cunho experimental e científico à disciplina outra de menor realce se voltou para um entendimento mais sociológico das questões humanas dedicandose ao estudo dos grupos e tentando identificar seus padrões de funcionamento O primeiro grupo de maior influência na nova disciplina concebia a psicologia como um ramo das ciências naturais e tomou como modelo os padrões da ciência médica voltandose para o entendimento e para propostas de cura dos desajustes de ordem psicológica Esse modelo cientificista vigorou até meados do século passado quando os desenvolvimentos tanto da psicanálise como do behaviorismo acadêmico eram muito tributários desse espírito e constituíam as duas forças mais relevantes dentro da psicologia da época Na década de 1960 surgiu na psicologia americana o movimento chamado de terceira força em psicologia reflexo do sentimento de descontentamento que predominava contra os aspectos mecanicistas e materialistas da cultura ocidental os quais instruíam também a nossa profissão Esje movimento visava humanizar a atividade psicológica sem se limitar a ser apenas mais uma revisão da teoria cie outras abordagens mas questionar algumas teses psicológicas da psicanálise e do behaviorismo sistemas dominantes na época Os psicólogos humanistas eram contrários a essas duas correntes por considerar que ambas concentravamse apenas em partes do ser humano desatentos à complexidade da pessoa pela ênfase nas partes um no comportamento observável a outra na dimensão inconsciente Assim afirma Holanda 1997 p 16 a psicologia humanista nasce pois da necessidade de ampliar a visão do homem que se achava limitada e restrita a apenas alguns aspectos a alguns elementos segundo as perspectivas behaviorista e psicanalítica Tributária do pensamento holístico que também vicejava nessa década a vertente humanista da psicologia afirmou ser a dimensão não consciente assim como o comportamento observável apenas uma perspectiva da realidade do homem e não sua totalidade A consideração pela dimensão consciente do homem retomou a questão da liberdade e do presente e foi muito influenciada pela contribuição filosófica da fenomenologia e do existencialismo que ganhavam vulto na época Os humanistas também se opuseram às ideias da psicanálise pelo fato de Freud ter se baseado apenas em estudos de neuróticos e psicóticos sem observar as possibilidades do indivíduo saudável Para eles quando se abria mão dos aspectos positivos do ser humano focando apenas lado obscuro da personalidade a psicologia ignorava forças e potencialidades da pessoa que os humanistas se empenharam cm recuperar em conceitos como tendência à autorrealização status de homem consciente e ao retomar a questão da liberdade como extensão conceitual importância do momento presente Seus maiores representantes foram Abraham Maslow Clark Moustakas e Carl Rogers entre outros Maslow é considerado o pai espiritual da psicologia humanista e foi quem mais contribuiu para incentivar o desenvolvimento dessa vertente e conferirlhe certo grau de respeitabilidade acadêmica Acreditava que todos os indivíduos tinham uma força inata que os conduzia à autorrealização característica usada de forma ativa em todas as suas habilidades na aplicação plena do potencial Carl Rogers é mais conhecido por sua abordagem de psicoterapia chamada de abordagem centrada na pessoa Ele também utilizou um conceito semelhante ao da autorrealização de Maslow porém diferentemente deste as idéias de Rogers não resultaram do estudo de pessoas emocionalmente saudáveis e sim da aplicação da terapia centrada nos seus pacientes Sua experiência clínica o convenceu de que as pessoas seriam capazes de mudar pensamentos e comportamentos do indesejável para o desejável de forma consciente e racional desde que encontrassem um campo propício principalmente a aceitação incondicional pelo terapeuta Rogers acreditava que a personalidade é constituída no presente pela maneira como o indivíduo percebe as circunstâncias assim a qualidade da ambiência relacionai terapêutica ganhou enorme importância Em resumo o foco da psicanálise no inconsciente e seu determinismo e o foco na observação apenas do comportamento pelo behaviorismo foram as críticas mais fortes dos novos movimentos de psicologia surgidos em meados do século 20 É útil informar que a psicologia humanista não é uma escola de pensamento mas um conjunto de diversas correntes teóricas que têm em comum a convergência humanizadora da abordagem do homem Por suas origens fenomenológicoexistenciais e holísticas a Gestaltterapia que se enquadra nessa abordagem chegou ao Brasil somente no final dos anos 1960 O espírito de contracultura dessa época foi construindo práticas alternativas no âmbito psicológico como o movimento do potencial humano surgido nos Estados Unidos e outras opções diferenciadas do modus operandi vigente Essas alternativas entre elas a Gestaltterapia chamadas de terceira força em psicologia já bebiam da fonte do existencialismo e do humanismo A visão fenomenológicoexistencial traz um extenso modelo de idéias em especial o valor do mundo vivido como fonte do conhecimento e da consciência e a concepção de ser humano como detentor de liberdade de escolha processo que acontece a cada momento A volta à experiência presente e imediata tão cara à Gestaltterapia tem também sua ancoragem no preceito fenomenológico de voltar às coisas mesmas o que no âmbito terapêutico se refere ao vivido pelo cliente A Gestaltterapia está especialmente associada ao humanismo pela sua visão holística do homem Na prática terapêutica é preciso entender o homem como um ser inteiro embora como diz a fenomenologia ele se apresente por perfis Acreditar que existe na pessoa um potencial que ultrapassa sua existência presente que é o impulso para o crescimento para o processo de atualização como um todo cada vez mais integrado é a contrapartida psicológica do vir a ser existencial Esse preceito positivo é o que move o esforço dessa abordagem A autonomia do espírito humano capaz de encontrar por si mesmo a melhor alternativa para suas dificuldades é o ponto de encontro entre o humanismo e a Gestaltterapia Ambos veem o homem como possuidor de um valor positivo capaz de se autogerir e de se autorregular sem a tutela de autoridade externa inclusive a do terapeuta Contudo notamse na prática gestáltica atitudes que revelam alguns remanescentes do humanismo individualista antropocêntrico O malentendido sobre o homem como centro de todas as coisas tem encontrado aprovação terapêutica em frases tais como Vou cuidar de mim e o resto que se dane Minha família não tem nada a ver com a drogadição do meu irmão ele sempre foi difícil É um problema meu e você não deve se preocupar Não vou mudar minha atitude para ajudar ninguém pois quem vai me ajudar Essas frases têm sua legitimidade na experiência presente do cliente e seu sentido atual deve ser compreendido profundamente pelo profissional Nada de julgamentos apriorísticos na abordagem gestáltica Julgamentos morais fechados à investigação do sentido são a meu ver a maior debilidade e a grande falência de uma escuta terapêutica Não estamos nos referindo à desatenção pela compreensão do ponto de vista do cliente atitude central para a fertilidade do encontro terapêutico apreensão do não dito naquilo que é dito é segundo penso a essência do fazer fenomenológicodialógico humanista da Gestalt Perceber que sob essa camada autocentrada existe uma aguda e dolorosa frustração da necessidade do encontro previne duplamente o terapeuta de ver de forma superficial e parcial o ser humano à sua frente e de apoiar padrões egocêntricos defensivos Justamente por estarem nesse patamar infelicitam a pessoa Não é propósito deste trabalho descrever a metodologia fenomenológicadialógica da Gestalt Porém quero adiantar que essa posição embora respeite como sagradas a experiência é a individualidade do cliente jamais é conivente e reforçadora daquilo que aparece como individualismo autocentrado e vem trazendo infortúnio à existência da pessoa A escuta não judicativa curiosa investigativa sintonizada e confirmadora é a awareness fundamental exigida do terapeuta para promover a abertura do cliente às suas próprias possibilidades dialógicas abrangentes e centradas na sua convivência interhumana A compreensão dos motivos geradores da existência egocentrada do cliente é tributária da compaixão humana do terapeuta Mas essa mesma compaixão vai se esforçar para que ele não fique ai Mesmo entre os profissionais nem sempre conseguimos escapar a esse antigo condicionamento individualista Quando damos cursos ou fazemos supervisão na abordagem vemos com frequência nossos terapeutas questionarem o cliente quando este traz à sessão suas preocupações com outros filhos cônjuges parentes amigos ou colegas A pergunta quase automática é E você como fica nisso Você está olhando para os outros e não está olhando para as suas neces sidades Ou Você está falando da sua filha Não está falando de você Intervenções desse tipo incorrem em dois equívocos fundamentais relativos às bases teóricas e filosóficas da Gestaltterapia primeiro desvinculam o Eu do Outro contrariando a premissa radical da tese dialógica buberiana assumida pela abordagem e caindo num solipsismo ultrapassado por essa tese segundo ignoram um conhecimento básico da teoria organísmica ou holística gestáltica a noção de que a preocupação do sujeito lhe pertence e tem sua razão de ser na totalidade mais ampla de suas motivações existenciais presentes estando Vinculadas a si mesmo e não alheias ao seu ser como a questão sugere Esses simples exemplos me permitem ilustrar a subjacente atitude apoiada no humanismo que se tornou centrado em si mesmo e portanto individualista Esse humanismo que pode orienta embora com toda boa vontade e de forma não reflexiva a conduta do terapeuta humanismo gestáltico deve se nortear pelas bases holísticas da sua gênese Quase todas as disciplinas acadêmicas e filosofias nas quais espelhou sua construção teórica e metodológica são herdeiras do pensamento holístico iniciado por Jan C Smuts na obra Holism and evolution 1926 ou que com ele se afinam a Gestaltteoria a teoria organísmica a teoria de campo a fenomenologia o existencialismo heideggeriano e sartreano a dialógica o zenbudismo Contudo no cenário atual da nossa consciência humana e social vemos a necessidade de dar um passo adiante e ampliar o holismo da Gestalt do seu papel clinicamente pragmático para além da totalidade da pessoa das fronteiras familiares e dos pequenos grupos Devemos estender nosso olhar para a comunidade como prenunciava Buber E mesmo que nossa ação como terapeutas e como clientes aconteça no limitado terreno de nossa sessão de nossas famílias de nossas parcerias e de nosso grupo social ela se reveste de uma significação comunitária Não é a dimensão do espaço em que atuamos que dá sentido à nossa ação É a atitude para com as coisas do mundo que lhe confere o sinal de um ou outro modelo de homem e de humanidade No nosso pequeno consultório no humilde espaço do nosso lar no curto trajeto para o trabalho no pequeno parque de nossa cidadezinha habita toda a humanidade nas pessoas e espécies viventes que se apresentam como concretude cotidiana do mesmo espírito gerado da Terra Creio que no âmbito da clínica psicoterápica a ética humanista ou consideração pela dignidade humana se norteia por dois vetores 1 A reverência fenomenológica do terapeuta pela experiência do cliente seja ela qual for encantamento com aquilo que é abrindo mão da arrogância cientificista de alterar a natureza das coisas do espírito acreditando firmemente que aquilo que está sendo é o que tem de ser E o que ainda está sendo o que tem de ser ao defrontarse no encontro no qual tem permissão para ser não é aquilo que já é como somos tentados a pensar mas entre as várias possibilidades de sua plenitude da sua totalização uma possibilidade resulta do encontro criador do interhumano terapeutacliente Porque o que tem de ser o que está exigindo ser não é a essência ou forma prévia da vivência interrompida mas possibilidades expressivas ou de manifestação da vivência que no encontro terapêutico no momento criador do entre se atualizam pela mobilização energética dos parceiros Entre os dois atores fundemse a natureza específica da vivência e a natureza do encontro Enquanto a primeira determina suas várias possibilidades de completarse ou as várias possibilidades de perspectiva que a vivência pode ter da realidade a natureza do encontro direciona para uma das awareness possíveis Quando o encontro é permissivo e sintônico com a meta teleológica do ser do cliente a possibilidade de completude na direção do crescimento e evolução do ser é aquela que será realizada Essa crença humanista do profissional no poder do entre dois no fazer terapêutico é indispensável para a permissão e o encorajamento para que emerja aquilo que está sendo e para que aquilo que é solitário ou parcial se torne conjugado ou inteiro na parceria e só assim possa aparecer como realidade fenomênica psicológica em uma das suas possibilidades Talvez na melhor das suas possibilidades 2 A preocupação do terapeuta com a comunidade próxima do cliente A compreensão da experiência vivida pode se tornar inadvertidamente a aprovação de uma existência autocentrada Caminhamos como temia e alertava Buber por uma vereda estreita e o risco de cair no despenhadeiro do individualismo terapêutico nos ronda a cada passo A ética humanista herdeira também do existencialismo nos atribui a condição de ser com Se essa é uma determinação ontológica alienarmonos dela é sofrer a queda no modo de ser inautêntico portanto deficitário Assim a ética humanista da sua abordagem obriga o terapeuta gestáltico a ultrapassar a tarefa inicial e essencial de compreender o cliente e suas razões A profunda empatia e a compaixão para com a dor e a situação da pessoa condição necessária ao espírito humanista do terapeuta quando autenticamente sentidas e não meramente funcionais compõem um modelo humano poderoso que tende a promover no cliente um novo olhar para o outro ampliando nessa pessoa pela sua e pela nossa semelhança com a condição humana comum o despertar da sua empatia e da compreensão dos seus parceiros humanosE quando me refiro à compreensão entre os pares não estou prescrevendo a conivência com atitudes abusivas ou aviltantes da dignidade própriaSer consciente é saber distinguir entre a limitação psicológica atual do outro e a atitude intencionada de prejudicar utilizar ou ignorar os demais pelo individualismo egoísta de poder ou de sucesso tão vigente nas nossas instituições A empatia a que me refiro assemelhase à inclusão da dialógica buberiana Consideroa a mais poderosa via de acesso ao conhecimento do homemNenhum contato racional por mais disciplinado que seja seu método de observação por mais refinados seus postulados teóricos ou requintados seus instrumentos investigativos pode prescindir da empatia para ter um conhecimento real do outro A empatia vista como inclusão é um conhecimento imediato sem nenhum tipo de mediação no qual o estado vivido por alguém é imaginado e sentido no próprio corpo do observador de maneira tal que a evidência do que está se passando no mundo subjetivo do outro é apreendida ao vivo como jamais poderá ser pelo processo de apreensão intelectual Quanto ao projeto terapêutico que a meu ver pode ser reputado como genuinamente humanista deve também ser guiado pelo propósito de promover duas dimensões da cura existencial A permissão dada pela pessoa do cliente de deixar ser aquilo que está sendo Na nomenclatura gestáltica é permitir que emerjam as Gestalten que estão sendo interrompidas não no sentido do pragmatismo imediato de fazer algo com aquilo que emergiu mas no sentido dado pela nossa visão de awareness como um processo vivencial da consciência em que é alterada a visão de si mesmo e do mundo próprio na direção de uma das perspectivas possíveis de ajustamento criativo à realidade A Gestalt que emerge é atualizada e transformada no encontro terapêutico o acesso do cliente à capacidade de estabelecer relações de intimidade ou dialogais no espaço próximo da convivência A primeira dimensão evolui necessariamente para a segunda desde que não tenha sido uma simples simulação Todos os nossos autores afirmam a awareness como uma experiência transformadora E ambas só podem ser conseguidas na tarefa terapêutica da nossa abordagem se for criada entre nós e nosso cliente uma autêntica relação de sintonia e intimidade ou seja o entre dialógico Nesse particular Messa 2009 contribui com uma conceituação muito útil para nosso argumento Considerando que o processo da relação paisfilhos exige o estabelecimento da intimidade ele esclarece que a intimidade entre estes e os parceiros em geral não é uma ocorrência necessária e sim uma possibilidade Acentua também que uma relação de grande intimidade convive em perfeita harmonia com a individualidade mas essa intimidade entra em oposição franca om o individualismo Queremos ser ainda mais incisivos acreditando que a natureza do relacionamento íntimo é justamente aquela que promove o respeito e a apreciação pela individualidade do outro É indubitável em contrapartida que a intimidade é inteiramente antagônica ao individualismo não podendo coexistir com essa atitude já que por definição ele é solitário e fechado ao outro enquanto intimidade significa essencialmente conceder abertura e compartilhar isto é tomar parte e deixar o outro tomar parte naquilo que está no mais oculto e íntimo da pessoa O nosso humanismo é ainda aquele que preserva a dignidade do paciente numa ação terapêutica isenta de todo uso ou exploração da sua pessoa a exploração se dá até mesmo quando o bajulamos em vista de nossos interesses mercantis ou psicológico O respeito humanista à sua dignidade aparece ainda no nosso esforço para que ele alcance o máximo de suas possibilidades humanas que são inseparáveis da consciência da sua interdependência socioambiental e como corolário da awareness ampliada do seu compromisso com a construção em cada atitude cotidiana de uma humanidade mais comprometida que o padrão considerado normal de humanos individualistas artificialmente isolados das suas raízes e de seu compromisso com outros humanos e com a natureza Nesse esforço de ampliar a consciência das possibilidades de ser com vemos uma vertente da poética humanista da Gestalt de natureza similar ao valor desempenhado pela criação artística conforme Ricoeur 1977 p 57 Pela ficção pela poesia abremse novas possibilidades de ser no mundo na realidade cotidiana Ficção e poesia visam ao ser não mais sob o modo de ser dado mas sob a maneira do poder ser Buber 1982 p 44 assegura Vemos ainda a poética humanista gestáltica em outra vertente clínica quando ante o apelo do incurável abrimos mão das certezas para operar com a esperança É também por meio dessa poética que ao encontrar o outro à sua frente não se pergunta como fazer para tratálo e sim como recebêlo sem rótulos como escutar a voz do seu silêncio como reconhecer nele a mesma humanidade que me atormenta me eleva e me permite seguir confiante na evidência da nossa identidade Porém quando diante do sobressalto inesperado da sua singularidade essa mesma poética faz que se calem e se recolham todas as vozes da minha ciência na escuta reverente do mistério que se anuncia Assim meu testemunho privilegiado levará à construção de um saber visceralmente enraizado no fenômeno humano O HUMANISMO Em virtude da constante confusão entre humanismo e psicologia humanista e por serem teorias diferentes apresentase a seguir uma sinopse sobre o humanismo seu histórico e algumas definições De forma genérica a expressão humanismo pode ser definida como um conjunto de princípios que estabelecem a valorização e a dignidade inerentes à pessoa independentemente de qual seja a sua condição atual no mundo prescrevendo que cada homem deve ser tratado por qualquer outro homem e por todas as instituições sociais sob a regência de valores morais como respeito justiça honra amor liberdade solidariedade etc Embora tenha antecedentes nos filósofos gregos antigos o humanismo como doutrina é algo recente Esse movimento foi iniciado no século 15 com o interesse dos sábios do Renascimento pelos textos da Antiguidade Clássica em latim e grego e em oposição à escolástica medieval cujos dogmas religiosos eram dominantes Somente no Renascimento ante a insustentabilidade da cultura teológica medieval o desenvolvimento da consciência humana se revela na arte na música na literatura na filosofia Com o florescimento das grandes navegações a alternativa humanista foi exposta publicamente como contrapartida a uma existência centrada nos dogmatismos da visão religiosa Também promoveu o crescimento científico com o nascimento do método empírico que foi fundamental para dar credibilidade à ciência Duarte 2001 Assim se pronuncia Nogare 1985 p 63 sobre o caráter central da consciência da época Os homens da Renascença mais que os de qualquer outra época passada tomaram consciência de que o homem não é um simples expectador do universo mas que o pode modificar melhorar recriar Foi esse aspecto criativo do homem que empolgou os humanistas e fez com que começasse a ser modificada profundamente a avaliação do engajamento terreno e das atividades temporais antes subestimadas em comparação com a ascese e o isolamento Podem ser identificados os seguintes tipos dessa doutrina 1 O humanismo grecolatino Grécia e Roma colocou o homem como o centro de todas as coisas Revelouse principalmente na filosofia e nas artes plásticas 2 O humanismo renascentista também chamado de humanismo clássico nos séculos 15 e 16 caracterizase justamente pelo resgate da dignidade humana presente nos valores humanistas da cultura grecoromana e abandonados na Idade Média Assumiu a forma de antropocentrismo o homem é o centro de tudo que norteou o desenvolvimento intelectual e artístico dessa fase e das seguintes no mundo ocidental 3 O humanismo iluminista foi um movimento cultural de intelectuais europeus do século 17 que buscava realçar a razão para transformar a sociedade 4 O humanismo positivista que se desenvolveu na segunda metade do século 19 valorizava o pensamento científico destacandoo como única forma de progresso Teve em Auguste Comte seu principal idealizador 5 O humanismo contemporâneo está dividido em diversas vertentes O humanismo marxista é baseado nos manuscritos da juventude de Marx nos quais ele critica o idealismo hegeliano que coloca o homem como ser espiritual Para Marx o homem é antes de tudo um ser natural e histórico manifestandose sua consciência histórica como saber da sua condição de ser histórico O humanismo cristão desenvolveuse principalmente no norte da Europa centralizado na figura de Erasmo de Roterdã Segundo essa vertente o cristianismo deveria centrarse na leitura do Evangelho no exemplo da vida de Cristo no amor desprendido na simplicidade da fé e na reflexão interior O humanismo existencialista tornouse popular nos anos posteriores às duas guerras mundiais reafirmando a importância da liberdade e da individualidade humana e considerando o homem como construtor do seu próprio projeto de vida O humanismo secular também conhecido por humanismo laico desenvolvido nos últimos 40 anos assume uma posição mais racionalista e empirista e menos espiritual que o cristão Seus adeptos têm como os demais preocupação com a ética e afirmam a dignidade do ser humano recusando porém explicações transcendentais e preferindo a racionalidade Nogare 1985 ainda nos fala de um humanismo éticosociológico que visa se tornar um modo de convivência social O humanismo afirmava assim desde o início a autonomia do espírito humano Tomando o homem como valor em si mesmo essa corrente filosófica foi se empenhando para que a razão substituísse gradativamente as crenças religiosas na tentativa de compreender a realidade O Iluminismo do século 17 é referência histórica muito importante porque o racionalismo próprio da cultura moderna encontra o seu principal ponto de ancoragem nesse movimento Sob sua tutela artistas cientistas e filósofos puderam finalmente envolverse no que se tornou conhecido como o movimento do livrepensamento ou livrepensador Iniciado no século 19 na América do Norte e na Europa Ocidental tornou possível para o cidadão comum a rejeição da fé cega e da superstição sem o risco de perseguição Diante do exposto até então podemos em acordo com Andrade 2000 identificar o humanismo ocidental contemporâneo como expressivo de três princípios 1 O homem visto como o centro no mundo cuja raiz encontrase na célebre proposição de Protágoras O homem é a medida de todas as coisas 2 A exaltação da razão como atributo maior e exclusivo do homem 3 O homem pensado como fim e nunca como meio ou como instrumento sendo tomado como valor absoluto A despeito da importante diversidade contemporânea a nosso ver dos três princípios enunciados o terceiro nos parece ser o elo entre todas as formas de humanismo O humanismo antropocêntrico a matriz moderna do individualismo O pensamento humanista foi ao lado das descobertas científicas do século 17 extremamente importante ao libertar o homem das amarras obscurantistas do autoritarismo religioso e autocrático Poder ser um livrepensador é talvez a maior conquista da espécie humana ocidental Hoje ninguém é mais condenado aprisionado ou morto por expressar idéias diferentes de qualquer doutrina política ou religiosa O cidadão comum deve se sentir vitorioso ante a falência do poder e do arbítrio que o levava pelo medo a negar a própria razão ou a submeterse àquilo que sua consciência ou sua experiência recusavam No transcurso da sua evolução em especial pelo endeusamento do aspecto racional a ideologia antropocêntrica foi tomando vulto Ao naturalizar o antropocentrismo como condição inerente à natureza humana e não como construção ideológica do próprio homem o ser humano viuse por extensão pragmática no direito de ser o mandatário legítimo dos que habitam a natureza determinante racional do seu destino e senhor exclusivo dos mistérios da vida A megalomania da sua episteme levou toda a Terra a ser violentamente devastada à extinção maciça das outras espécies e ao desequilíbrio de diversos ecossistemas Ademais do ponto de vista da convivência social o humanismo antropocêntrico alienante foi evoluindo de forma inevitável para o individualismo de nossos dias Entende Guénon 1977 p 18 que o individualismo é a negação de quaisquer princípio superior à individualidade e por consequência a redução da civilização em todos os domínios apenas aos elementos humanos E acrescenta que no fundo tratase dos mesmos pressupostos que na época do Renascimento foram chamados de humanismo Outro desvio do humanismo antropocêntrico constituise num paradoxo deveras surpreendente o próprio pensamento racional louvado como um potencial criador humano desa guou na desvalorização da subjetividade por cuja recuperação foi travada a grandiosa batalha renascentista Temos pensado que a ideia humana de homem como o centro do universo não é exatamente o que explica o caráter nocivo e malévolo do antropocentrismo Não é ser o centro das coisas a doença epistêmica da visão do homem sobre si mesmo Para o ser humano e todo discurso humano sobre o mundo incluindo o científico é uma visão humana o gênero humano é e sempre será prioridade É e sempre será a categoria mais importante no mundo da vidaA grande enfermidade cultural é esse homem que ocupa lugar central entre as espécies irse tornando arrogante e infantilmente autocentrado abraçando o mundo como uma criança egocêntrica abraça o pai que chega à família dizendo É meu A imaturidade sociocultural da posição antropocentrada ignora que o seu evidente poder humano sobre a natureza o obriga ao cuidado amoroso para com ela e não só consigo mesmo sob pena de que sua despreocupação egocêntrica e alienada das outras formas de vida lhe mine sorrateiramente o próprio poder no qual se sustenta O novo humanismo a ampliação do paradigma sobre a humanidade1 5 No final de abril de 2012 assistiuse nas redes sociais da internet a uma manifestação pública mostrando pessoas vestidas de preto usando luvas cirúrgicas e carregando bichos mortos ou torturados A cena intencionalmente sinistra visava denunciar à população mundial o enorme desrespeito à vida animal Esse ato público não apenas expressa o repúdio à crueldade e a compaixão pela vida mas significa essencialmente a ampliação da consciência humana e nos remete à emergência similar do humanismo clássico do qual descendemos Com o espantoso crescimento da ciência e da tecnologia o homem ficou deslumbrado consigo mesmo Além disso vimos que na esteira desse antropocentrismo foise desenvolvendo um individualismo crescente a ponto de nossa época ter sido caracterizada como a época da solidão Frazão 2006 O avanço tecnológico informacional e industrial da sociedade tem gerado metas produtivas segundo as quais a prescrição de êxito parece ser a utilização de um comportamento competitivo e uma mentalidade utilitarista que vê o outro como um objeto intermediário para satisfazer seus propósitos Cada vez mais pessoas têm assumido essa meta para sua existência ficando subordinadas a uma lógica e a um ritmo de trabalho rotinizante e padronizado que as mantêm confinadas abrindo mão do espaço e das oportunidades para o encontro interhumano íntimo e portanto para a criação da sua humanidade potencial Vão construindo assim um individualismo e pragmatismo também desmedidos que são sustentados no fundo pelo culto ao eu ao triunfalismo e ao sucesso a qualquer preço Essa cultura da produção desenfreada e do mercado voraz tem decretado o extermínio das árvores dizimado os animais poluído as águas aquecido a Terra e lançado no isolamento as pessoas Tudo indica que a consciência humana começou a perceber essa destrutividade do uso antropocêntrico e praticamente entrou em pânico Está nascendo dessa consciência compartilhada um novo humanismo contemporâneo Podemos ver sinais de um novo humanismo na preocupação com o destino do homem Em nosso auxílio recorremos a Werle 2003 p 98 que comenta a proposta de Heidegger para uma filosofia da existência afirmando que o que distingue o homem é a sua relação com o ser e o modo como ele resguarda o ser e não na medida em que é definido como um dotado de razão Essa temática do cuidado com o ser é a que estamos tentando mostrar como inerente ao novo humanismo O novo humanismo está nascendo sob a égide e liderança da ecologia movimento de máxima oportunidade nos dias atuais Mas temos visto que o discurso ecológico tem se limitado à vertente antropocêntrica corporativista referindose à preocupação do homem com o próprio homem o cuidado com a natureza se expressa apenas diante do receio da falência da própria espécie Essa tendência é compreensível em vista do seu surgimento ainda recente mas a nosso ver esse foco não exprime com justiça aquilo que o novo humanismo potencialmente pode gerar A nova revolução humanista é a que valoriza a vida das i demais espécies e não somente a da humana É a revolução do espírito humano incorporando toda a vida em si pela percepção ampliada do seu enraizamento diário essencial ao meio em que vive e pela percepção empática do vínculo de parentesco biológico e portanto da sujeição de todas as espécies viventes à mesma condição de vulnerabilidade ao sofrimento Sonhamos a humanidade caminhando para além de um humanismo reduzido ao atual pragmatismo ecológico do homem em vista do risco rondando a sua morada Quando o homem é o foco o espírito humanista verdadeiro é o que faz que vejamos cada pessoa como importante em si mesma independentemente da classe social do nível de cultura ou instrução da etnia do status econômico ou científico e até do próprio valor da pessoa para a comunidade É o espírito humanista que nos faz compreender que além da situação provisória todo homem é potencialmente disponível para a evolução e a aquisição da ciência e da técnica A diferença entre o erudito e o ignorante é meramente circunstancial não decorrendo da essência prévia de uma dupla natureza Daí sermos tomados por uma sensação secreta de ridículo e vergonha diante da pessoa que ostenta uma postura de soberba acadêmica ou social Para finalizar qual é o nosso humanismo Então de que humanismo falamos quando o vinculamos à Gestaltterapia Esse é um tópico essencial para aquele que denomina de humanista a sua abordagem É necessário examinar se adotamos de forma inadvertida o humanismo antropocêntrico individualista centrado no Eu ainda completamente vigente nas ciências na psicologia na educação e nas igrejas ou se nosso humanismo inclui a awareness da identidade essencial da condição humana awareness capaz de ultrapassar a categorização do nosso cliente mesmo quando d utilidade prática para nosso fazer terapêutico vendo nessa categorização apenas um esforço precário da ciência humana busca de entendimento do ser Entendimento inevitavelmente provisório e parcial ao extremo embora necessário quando ainda lhe escapa a apreensão amorosa da sua totalidade Um humanismo enfim que pretende libertar o ser humano das tendências antropocentradas e individualistas foi nasce da expansão da consciência empática que de forma vigorosa nos impulsiona à aceitação de todos homens animai e plantas como membros de uma única família universal tratando com compaixão as diferentes espécies e buscando a fraternidade entre elas REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Andrade M O Humanismo no segundo milênio um rápido balanço In Miele N Andrade M O orgs O velho e o novo em mil anos João Pessoa Manufatura 2000 p 14758 Buber M Do diálogo e do dialógico São Paulo Perspectiva 1982 Duarte M C Breve introdução à história do humanismo secular Lisboa ISCTE 2001 FrazãO L M A solidão na contemporaneidade Revista do XII Encontro Goiano da Abordagem Gestáltica 2006 Guénon R A crise do mundo moderno Lisboa Vega 1977 Holanda A F Diálogos e psicoterapia Correlação entre Carl Rogers e Martin Buber São Paulo Lemos 1997 Lima P V A Psicoterapia e mudança Uma reflexão Tese Doutorado em Psicologia Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro Rio de Janeiro RJ 2009 Mkssa C O poder dos pais no desenvolvimento emocional e cognitivo dos filhos São Paulo Sua Editora 2009 Nociakk P D Humanismo e antibumanismo introdução à antropologia filosófica Pctrópolis Vozes 1985 Kicouuit I Interpretação e ideologias Rio de Janeiro Francisco Alves 1977 WnuK M A A angústia o nada e a morte em Heidegger TransFormAção Marinela Chauí v 2hu I 2003 p 97113 6 Psicologia da Gestalt LILIAN MEYER FRAZÃO A psicologia da Gestalt surge no início do século 20 sendo seus principais expoentes Wertheimer Kõhler e Koffka Ao afirmar que percebemos totalidades que são diferentes da soma das partes esses autores revolucionaram as teorias a respeito da maneira como as coisas são percebidas Até então a psicologia adotava o modelo positivista proposto pelo filósofo Augusto Comte 17981857 que defendia a necessidade de encontrar leis invariáveis de ordenação dos fenômenos devendo estes ser passíveis de controle experimental Essa concepção sofreu uma reviravolta quando o filósofo Franz Brentano 18381917 criou a psicologia do ato segundo a qual os fenômenos mentais são atos que implicam objetos externos devendo a psicologia estudar os processos mentais e não seus conteúdos A noção de intencionalidade a consciência é sempre a consciência de algo foi introduzida por ele e influenciou além do filósofo Husserl Meinong e Von Ehrenfels que ao lado de Rubin podem ser considerados os precursores da psicologia da Gestalt Edgar Rubin 18861951 fenomenólogo dinamarquês e exaluno de Husserl foi o primeiro a afirmar que a percepção visual se organiza em figura e fundo fato esse ilustrado pela conhecida imagem das duas faces que podem ser percebidas como um cálice Figura 1 Christian Von Ehrenfels 18591932 filósofo austríaco que foi aluno de Brentano e Meinong e professor de Wertheimer afirmou a existência de uma qualidade perceptiva da forma Gestaltqualitãt que pertence à configuração e não a cada um de seus elementos ou mesmo à soma destes Tratase da qualidade da configuração como um todo os objetos por nós percebidos constituem formas que são mais do que a soma das sensações Sugere o termo alemão Gestalt que significa forma configuração para designar tal qualidade tendo escrito o livro Über Gestalt Qualitaten Sobre as qualidades da forma em 1891 O trabalho de Von Ehrenfels deu origem às investigações de dois outros estudiosos Meinong 18531920 e Benussi 18781927 que constituíram aquilo que viria a ser conhecido na psicologia da Gestalt como Escola de Graz Para esses autores as sensações seriam anteriores às percepções e a Gestaltqualitát resultaria da síntese das sensações Wertheimer Köhler e Koffka da Escola de Berlim discordaram dessa visão dualista de que primeiro viriam as sensações e só depois as percepções e afirmaram que percebemos totalidades que não resultam de uma síntese de sensações mas convergem em uma integração imediata dos estímulos f Afirmaram também que não podemos separar interior sensações e exterior percepções Uma Gestalt ou configuração não se reduz à simples soma de partes nem mesmo à justaposição delas Se qualquer parte da configuração for alterada teremos uma configuração diferente Na Figura 2 observamos que embora as duas linhas sejam integradas pelos mesmos elementos em quantidade igual a maneira como cada um deles está disposto resulta numa configuração diferente Segundo Köhler apud Koffka 1975 p 691 a palavra Gestalt tem o significado de uma entidade concreta individual e característica que existe como algo destacado e tem uma forma ou configuração como um de seus atributos Ainda de acordo com Koffka 1975 p 691 Em uma de suas pesquisas Wertheimer estudou o fenômeno Phi ou efeito de movimento aparente que demonstrou que podemos ter a sensação de movimento sem que ele ocorra Projetou sobre uma tela dois pontos de luz que se acendiam e apagavam num curto intervalo entre cada uma das luzes e observou que a percepção era a de um ponto se movendo na tela No entanto tratavase de uma rápida sucessão de momentos de luz acesa e apagada como se pode observar em anúncios de neon ou nos enfeites das árvores de Natal A psicologia da Gestalt tal como já anunciado por Rubin afirma que nossa percepção se organiza pelo princípio de figurafundo percebemos totalidades e dependendo das circunstâncias algo se destaca tornase mais proeminente fica em primeiro plano a figura enquanto o restante permanece em segundo plano o fundo Figura e fundo integram o que chamamos de Gestalt configuração ou totalidade Não se pode falar numa Gestalt sem considerar figura e fundo Apenas a figura não constitui uma Gestalt uma configuração Figura e fundo não são fixas nem estáticas elas se modificam são reversíveis e podem se alternar conforme as circunstâncias Tratase de um processo contínuo de formação e destruição de Gestalten Por exemplo no momento em que escrevo este texto para mim a figura é o que está na tela do computador enquanto todas as outras coisas ficam em segundo plano os demais objetos da minha escrivaninha o telefone a agenda a janela a claridade do dia etc Porém se o telefone tocai pode passar a ser a figura virando o restante fundo até o que antes era figura o que eu escrevia na tela do computador Uma vez atendido o telefone este pode voltar a ser fundo e se eu retomar o meu texto este voltará a ser figura Se nesse meiotempo eu sentir sede esta pode passar a ser a figura e tanto o telefone quanto o texto passam a integrar o fundo E assim por diante No trabalho clínico em Gestaltterapia devese observar que nem o terapeuta nem o cliente se dão conta de tudo que integra o fundo eles podem perceber parte do fundo e ainda que não percebam a totalidade do que está lá isso é considerado parte do fundo Podemos pensar a história de vida da pessoa suas experiências seus conflitos suas dificuldades suas potencialidades etc como parte do fundo embora não estejamos em contato com isso o tempo todo Também é preciso considerar que o sentido da figura emerge da relação figurafundo Não é a figura nem o fundo em si mesmos que determinam o significado e sim a relação figurafundo é a relação figurafundo que dá sentido à figura Por exemplo num incêndio a água tem um sentido o de apagar o fogo em outra situação o líquido tem outro sentido aplacar a sede por exemplo Se lembrarmos do cálice de Rubin constataremos que quando percebemos o cálice ele constitui a figura enquanto as duas faces constituem o fundo Quando percebemos as duas faces elas são a figura e o cálice é o fundo Nesse caso podemos observar a reversibilidade de figura e fundo Além do princípio de figurafundo outros princípios regem a organização da nossa percepção Ainda que alguns autores se refiram a eles como leis creio ser mais condizente com a Gestaltterapia pensar neles como princípios O mais importante que rege todos os outros é o princípio da pregnância ou princípio da boa forma segundo o qual a organização psicológica será sempre tão boa quanto as condições reinantes permitirem Essa noção de boa não é algo definido a priori como um conceito estático Boa organização é aquela que está de acordo com as condições reinantes no momento em que o percepto é percebido A organização psicológica à qual o princípio da pregnância ou da boa forma se refere não tem que ver com justaposição Segundo Wertheimer apud Koffka 1975 p 691 a organização como uma categoria é diametralmente oposta à mera justaposição ou distribuição ao acaso No processo de organização o que acontece a uma parte do todo é determinado por leis intrínsecas a esse todo A essa colocação Koffka 1975 p 691 acrescenta que O princípio da pregnância pode ser identificado na noção de ajustamento criativo da Gestalt terapia conceito que se refere à capacidade de ajustarse ao ambiente considerando simultaneamente nossas possibilidades e as possibilidades deste nesse sentido é o ajuste tão bom quanto as condições da pessoa e do ambiente permitem É também segundo os escritos de Frazão a respeito de pensamento diagnóstico processual a maneira de compreender funcionamento não saudável O princípio do fechamento se refere ao fato de que figuras completas são mais facilmente percebidas razão pela qual tendemos a fechar ou completar figuras que na realidade estão incompletas Assim por exemplo se olharmos a Figura 3 tenderemos a dizer que vemos um círculo quando na verdade tratase de uma linha curva que termina antes que seu final se encontre com seu início o que seria necessário para formar um círculo Figura 3 Além disso se por alguma razão as Gestalten não podem se fechar ou completar e se mantêm abertas perturbarão e eventualmente até impedirão a fluidez do processo contínuo de formação e destruição figurafundo Isso se deve também à descoberta feita por Bluma Zeigarnik colaboradora de Kurt Lewin que foi fortemente influenciado pela psicologia da Gestalt O efeito Zeigarnik postula que ações ou situações incompletas são fortemente registradas e carregadas de tensão e assim que houver uma oportunidade o indivíduo buscará aliviála Afirma também que as situações inacabadas ou Gestalten abertas serão mais facilmente lembradas do que as acabadas Gestalten fechadas 6 Segundo o princípio da semelhança percebemos mais facilmente objetos semelhantes entre si do que objetos diferentes uns dos outros ou seja agrupamos objetos por semelhança de cor forma textura tamanho etc Figura 4 Tendemos a agrupar as linhas da Figura 4 em duas categorias as que não têm preenchimento e as que têm preenchimento cinza nesse caso o agrupamento ocorre pela semelhança de cor do preenchimento Segundo o princípio da proximidade coisas que estão próximas umas das outras são percebidas como pertencentes a um mesmo agrupamento Embora tenhamos acima 12 grupos verticais de letras X vemos mais facilmente três linhas horizontais de letras X pois os Xs das linhas horizontais estão mais próximos uns dos outros do que os Xs das linhas verticais Segundo o princípio da simetria tendemos a perceber objetos como simétricos a partir do centro Na Figura 6 vemos mais facilmente três pares de colchetes quando poderiamos ver seis colchetes isolados ou mesmo dois pares de colchetes e dois colchetes isolados De acordo com o princípio da continuidade vemos mais facilmente continuidade em determinada direção nos elementos que compõem uma figura Na Figura 7 poderíamos ver muitas composições diferentes das linhas mas a tendência é vermos 102 como uma linha e 03 como outra São os caminhos por assim dizer mais simples para nossa percepção Da mesma forma na Figura 8 vemos mais facilmente duas linhas retas que se cruzam do que quatro linhas que convergem para o centro ou mesmo quatro ângulos retos justapostos Todos os princípios anteriormente abordados figura fundo pregnância fechamento semelhança proximidade simetria ou continuidade implicam o princípio da pregnância quer a organização perceptual se dê por proximidade por semelhança por simetria etc a organização será sempre tão boa quanto as condições reinantes o permitirem Os estudos dos psicólogos da Gestalt não se aplicam apenas aos fenômenos da percepção mas também à memória aos processos de aprendizagem de pensamento etc Praticamente na mesma época em que os psicólogos da Gestalt estudavam os fenômenos da percepção Kurt Goldstein com quem Fritz Perls trabalhara desenvolvia sua teoria organísmica que foi fortemente influenciada pela psicologia da Gestalt Enquanto para os psicólogos da Gestalt percebemos totalidades Goldstein afirmava que nosso organismo funciona como uma totalidade implicando alterações nas partes uma reconfiguração organísmica Essa afirmação resultou de estudos feitos com soldados que haviam sofrido algum tipo de lesão cerebral o que impedia ou limitava determinadas funções Goldstein observou que em virtude desses danos tais soldados demonstravam toda uma nova organização de comportamento a fim de dar conta das dificuldades oriundas das lesões cerebrais Eles por exemplo se tornavam mais sistemáticos e metódicos Goldstein chamou esse processo de autorregulação organísmica 7 Entre os fundadores da Gestaltterapia a única que efetivamente estudou a psicologia da Gestalt foi a esposa de Fritz Laura Perls que havia sido aluna de Wertheimer e fez seu doutorado acerca de percepção visual Laura assim como Fritz trabalhou com Kurt Goldstein em cujo laboratório conheceu o marido 8 Fritz Perls utiliza as idéias da psicologia da Gestalt para compreender o funcionamento psíquico afirmando que este em sua totalidade não pode ser entendido pelo estudo de suas partes rompendo dessa forma com a tradição causalista para explicar os fenômenos psíquicos Perls como ele mesmo afirma 1979 p 81 não foi um estudioso da psicologia da Gestalt 1 Kurt Lewin pode ser visto como um dos seguidores da psicologia da Gestalt utilizandoa para explicar alguns fenômenos de campo mas não pode ser considerado propriamente um dos psicólogos da Gestalt 2 Quando Perls menciona Lewin Wertheimer e Kõhler como autores da psicologia da Gestalt parece confundir Lewin com Koffka este sim um dos três importantes autores dessa escola de psicologia Outra declaração de Perls 1979 p 82 que sugere a inconsistência de seus estudos a respeito da psicologia da Gestalt surge quando ele criticando os gestaltistas afirma que estes Os gestaltistas não diziam que o todo é mais do que as partes e sim que o todo é diferente da soma das partes o todo não é nem mais nem maior que elas A afirmação de Perls de que os gestaltistas acadêmicos nunca o aceitaram também é corroborada por Stoehr 1994 Diz ele que Kõhler antes da publicação do livro de Perls Hefferline e Goodman Gestalttherapy excitement and growth in the human personality havia recebido um exemplar para avaliação o qual só chegou a suas mãos tardiamente quando restavam apenas dois dias para que ele opinasse Ainda assim Kõhler apttd Stoehr 1994 p 101 escreveu que achava inadequada a aplicação da psicologia da Gestalt da maneira como era feita no livro e recomendava a mudança de título Os psicólogos da Gestalt estão sendo criticados no texto exatamente porque não fizeram o que os autores acreditam que deveria ser feito Por que então emprestar o nome de uma psicologia que de acordo com eles desconsiderou os principais pontos Paul Goodman apud Stoehr 1994 p 101 um dos fundadores da Gestaitterapia responde a essa carta dizendo O segundo volume de nosso livro tenta esboçar essa teoria o que não me parece irrelevante para a psicologia da Gestalt e sim uma contribuição a ela Em sua autobiografia Perls 1979 p 814 sublinha quatro aspectos considerados por ele os mais importantes na psicologia da Gestalt A ideia de situação inacabada O fato de que uma Gestalt é um fenômeno irredutível É uma essência que está aí e que desaparece se o todo for fragmentado em seus componentes A diferenciação da Gestalt em figura e fundo O princípio de que uma Gestalt forte tem necessidade de se fechar Além do questionamento de Kõhler autores contemporâneos Barlow Henle Sherril Wulf e Walter entre outros também discutem o uso que nossa abordagem faz das descobertas da psicologia da Gestalt postulando que as idéias dessa vertente apresentadas no livro Gestalt terapia Perls Hefferline e Goodman 1997 estão mais próximas das formuladas por Kurt Goldstein Kurt Lewin e sua assistente Bluma Zeigarnick do que das idéias originais de Wertheimeç Kõhler e Koffka considerados os pais da psicologia da Gestalt Existe atualmente na Alemanha e na Áustria uma modalidade psicoterápica intitulada Gestalt theoretical psychotherapy formada por um grupo de profissionais que busca uma sistematização mais fiel dos conceitos da psicologia da Gestalt aplicados à psicoterapia Embora Perls Hefferline e Goodman tenham inovado e antecipado questionamentos que muitas outras abordagens psicoterápicas só fariam posteriormente o fato de Perls não ter se aprofundado no estudo da psicologia da Gestalt o levou inclusive a cometer alguns enganos em sua compreensão como sugere sua autobiografia razão pela qual é aconselhável recorrer aos escritos de Wertheimer Kõhler e Koffka sempre que se quiser estudar o tema REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Barlow A R Gestaltantecedent influence or historical accident The Gestalt Journal v IV n 21981 Frazão L M A compreensão do funcionamento saudável e não saudável a serviço do pensamento diagnóstico processual em Gestaltterapia Palestra proferida no evento Gestalt na Ilha Encontro Anual de Gestaltterapia promovido pelo Centro de Estudos e Atividades Gestálticas Florianópolis SC outnov 1998 Sessenta anos de Gestaltterapia Trabalho apresentado no XIII Encontro Nacional de Gestaltterapia e X Congresso Nacional de Gestaltterapia São Pedro SP out 2011 Henle M Gestalt psychology and Gestalt therapy Journal ofthe History ofthe Behavioural Sciences n 141978 p 2332 Koffka K Princípios de psicologia da Gestalt São Paulo CultríxEdusp 1975 Kühler W Psicologia da Gestalt Belo Horizonte Itatiaia 1968 Perls F S Escarafunchando Fritz dentro e fora da lata de lixo São Paulo Summus 1979 Sherkil R E Gestalt therapy and Gestalt psychology The Gestalt Journal v IX n 21986 Stoehr T Here now and next Paul Goodman and the origins of Gestalt therapy Cleveland Gestalt Institute of Cleveland 1994 Walter H J p What do Gestalt therapy and Gestalt theory have to do wirh each other The Gestalt Journal v XXII n 1 1999 Wulf R The historical roots of Gestalt therapy The Gestalt Journal v XXI n 11998 7 Relações entre a teoria de campo de Kurt Lewin e a Gestaltterapia HUGO ELÍDIO RODRIGUES Frederick S Perls citou algumas vezes que seria necessária uma teoria de campo para fundamentar a compreensão da atmosfera que se cria no encontro entre o psicoterapeuta e a pessoa que o procura Ele diz Minha ambição tem sido criar uma teoria de campo unificada na psicologia Perls apud Stevens 1977 p 99 Com a expressão teoria de campo unificada Perls 1981 p 26 nos mostra uma correlação entre pensar e agir afirmando que quando o ser humano pensa ele está agindo em imagem Está fazendo simbolicamente o que poderia fazer fisicamente Ele pondera que pensamento pode ser substituído por um termo mais amplo que englobe as várias atividades mentais do ser humano como imaginar sonhar etc e propõe usar o termo fantasia para isso Daí quando fantasiamos estamos agindo simbolicamente com menos gasto de energia do que quando agimos fisicamente Podemos então ir de um nível fantasia para outro ação e viceversa dependendo da intensidade energética que empregamos Dessa maneira Perls valida a inclusão durante o encontro terapêutico não apenas do que a pessoa pensa ou fala mas também do que e como ela faz Entre o fantasiar e o agir ele dirá que existe uma zona intermediária o fazer de conta na terapia Perls 1981 p 30 que por meio do experimento vivido na situação presente do atendimento colaborará para o próprio indivíduo compreenderse melhor A pessoa poderá experimentar na segurança do ambiente terapêutico aquilo que suas fantasias ou ações não se arriscam a experimentar e uma vez fazendoo conhecerá mais profundamente a si mesma por intermédio daquilo que viveu Esses argumentos fundamentam o uso do experimento como técnica terapêutica na Gestaltterapia A intenção dessa contribuição de Perls é louvável e sua ideia de utilizar uma teoria de campo unificada poderia ser ampliada com o emprego da teoria de campo de Kurt Lewin 18901947 em virtude de sua ampla aplicação em experimentos psicológicos e de tantas contribuições metodológicas para a psicologia em geral e para a psicologia social em particular No final da década de 1970 Festinger apud Rodrigues 1979 afirmou que a teoria de campo de Kurt Lewin foi utilizada em mais de 95 de todo o trabalho teórico na psicologia social A teoria de campo de Kurt Lewin se propõe a fundamentar nossa compreensão sobre como o sentido das ações de uma pessoa é algo que se coaduna à relação dela com seu meio Segundo essa teoria meio ou campo referemse a quando e onde algo pode produzir uma diferença na percepção da pessoa Além disso a noção de tempo se apresenta como unidade situacional com foco no presente que se articula com os dados a ele anteriores e aponta para possibilidades futuras Lewin critica a visão da psicologia da época influenciada pelo paradigma aristotélico que impregna nossa cultura não apenas a ciência paradigma esse baseado em um pensamento classificatório estatísticohistórico e abstrato De acordo com Lewin a psicologia até então não enxergava o ser humano de forma integrada Para ilustrar a influência desse tipo de pensamento em nosso cotidiano notemos o exemplo a seguir de uma conversa entre mãe e filha Poxa mãe o João meu namorado aquele infeliz me traiu Ah filha Mas o que você esperava Homem é assim mesmo A ênfase aqui é sobre o que subsiste ontologicamente ou o que fundamenta a lógica da frase Homem é assim mesmo O que torna possível que uma comunicação dessa natureza seja feita Na frase Homem é assim mesmo João desapareceu tendo sido substituído por uma classe homens Em outros termos quando a mãe responde não importa quem é João quem é sua namorada o que aconteceu ou ainda acontece na relação entre ambos O que importa é que aquele homem agiu da mesma forma como supostamente todos os homens agem O pensamento classificatório exigirá a certeza de que sempre ou na maior parte das vezes um elemento daquela classe agirá conforme as características inerentes a ela Tal certeza é amparada pelo pensamento estatísticohistórico em que algo que muitas vezes aconteceu tende a ser visto como algo que se repetirá no futuro Muitos homens de fato já traíram e tal comportamento passa a ser algo esperado Porém acontecer algo com frequência ainda que alta não é critério suficiente para assegurar que volte a acontecer no futuro Logo mesmo que muitos homens já tenham traído não necessariamente todo homem trairá Dessa forma a experiência concreta entre João e sua namorada é substituída por uma generalização Na frase Homem é assim mesmo encontramos o pensamento classificatório classe dos homens traidores estatísticohistórico a frequência ocorrida que funda a tal classe e abstrato que generaliza e retira a implicação de cada pessoa na situação elementos criticados por Lewin Para compreender a crítica lewiniana e sua proposta de pensar uma metodologia alternativa será necessário destacar alguns dados históricos Lewin atribui o paradigma criticado ao filósofo grego Aristóteles 384322 aC Este dizia que para que algo fosse considerado objeto da ciência deveria estar sempre presente ou com muita frequência na natureza Fenômenos fortuitos não seriam objeto da atenção científica Uma vez constatado o fato por exemplo de que todo objeto pesado cai Aristóteles passaria a estudar abstratamente a classe objetos pesados ignorando a concretude de cada objeto e seu peso Com a base estatísticohistórica cada objeto pesado que eu segure nas mãos como uma pedra ao ser largado necessariamente cairá Não preciso testar isso com cada pedra o que me permite otimizar a possibilidade de estudo focando apenas nas características inerentes à classe objetos pesa dos Por que a pedra cai Ela cai porque é pesada resposta coerente com esse pensamento Por analogia por que João trai Ele trai porque é homem Mas tomemos esse mesmo exemplo da pedra para inspirados na crítica de Lewin começarmos a nos aproximar de outra forma de pensamento Suponhamos uma situação em que tal pedra segurada pela mão não caia quando largada O que contrariaria esse histórico Caso a pedra esteja no espaço sideral longe de um campo gravitacional ela simplesmente nlo cairá porque nada a empurra para baixo O que importa aqui é perceber que a característica peso não é algo inerente ao objeto pedra representante da classe objetos pesados É sim algo inerente à relação do objeto com um campo gravitacional Peso é fruto de uma relação entre dois corpos dotados de massa em que se leva em conta a distância entre eles de modo que aqui na Terra a pedra cai mas na Lua cairia seis vezes mais lentamente e no espaço sideral longe de outro corpo dotado de massa simplesmente não cairia No exemplo original do ponto de vista lewiniano diriamos que João trai não porque ele é homem É necessário perceber a relação entre ele e sua namorada na qual a traição um aspecto circunstancial surge como um comportamento que tem algum sentido em existir Em outros termos há de se inquirir o que estruturalmente na relação a torna propensa à traição Desse modo em vez de um pensamento estatísticohistórico buscamos uma ação descritiva que focaliza o que está acontecendo presentemente na relação entre João sua namorada e o contexto de vida da relação deles Em vez de lidarmos com uma classe e com um pensamento abstrato generalizante apontaremos o caso único que está aqui e agora à nossa frente foi este João que traiu esta namorada segundo o que ela conta à mãe Lewin procurou ao criticar o paradigma aristotélico preparar as pessoas para assimilar sua metodologia não a enquadrando nos moldes do paradigma vigente Com uma metodologia que visa compreender descritivamente as situações únicas vividas sempre tendo como ponto central o contexto no qual a situação emerge e o foco no presente Lewin ergueu as bases de sua teoria de campo AS BASES DA TEORIA DE CAMPO DE KURT LEWIN Sobre o conceito de teoria e de campo Lewin nos dirá que seu trabalho estaria mais próximo do conceito de método do que propriamente de uma teoria conforme definido na citação Segundo ele a teoria de campo provavelmente se caracteriza melhor como um método isto é um método de analisar relações causais e de criar construções científicas Lewin 1965 p 51 Consequentemente poderíamos dizer que o conceito de teoria de Lewin seria mais próximo da teoria executiva pela forma de lidar primeiro com os fatos para depreender a partir deles e gradativamente suposições teóricas Sobre o conceito de campo que Lewin 1973 p 29 também chamará de espaço vital psicológico temos uma sintética definição O espaço vital psicológico indica a totalidade de fatos que determinam o comportamento do indivíduo num certo momento sendo dotado de duas regiões a pessoa e o ambiente Lewin buscou um método mais próximo da descrição dos fatos do que um que se baseasse em hipóteses prévias sobre eles tendo como foco de seu trabalho o campo psicológico e a totalidade de forças que podem interferir no comportamento de uma pessoa ou de várias pessoas em determinado tempo e lugar As principais características da teoria de campo Segundo Lewin 1965 p 69 Podese compreender o método de construção contrapondoo ao classificatório Este se preocupa com uma forma comparativa de analisar os problemas organizando os dados conforme suas semelhanças Já a representação de um caso individual com o auxílio de alguns elementos de construção constitui a essência do método de construção Lewin 1965 p 70 Lewin dirá que com base em elementos de construção como posição psicológica e forças psicológicas é possível estabelecer afirmações sobre relações entre tais elementos ou entre algumas de suas propriedades empiricamente comprovadas O método de construção será portanto uma representação simbólica em uma situação posição psicológica de uma pessoa ou várias pessoas sobre a qual sobre as quais incidem forças do campo vivencial naquele momento O método de construção será mais comentado adiante Quanto aos aspectos dinâmicos estes se referem especificamente ao estudo das forças presentes na relação da pessoa com seu meio conforme observamos na etimologia da própria palavra dinâmica proveniente do termo grego dynamis que significa força Lewin terá interesse em descrever as forças presentes em dado momento de vida da pessoa ou das pessoas para que determinado comportamento ocorra Porém uma vez que as forças são inerentes aos momentos de vida podem variar neutralizandose aumentando ou diminuindo de intensidade Em outros termos a dinâmica também estabelece que com o fluir das forças do campo o próprio processo estudado se altera Em todo e qualquer processo as forças no meio interno e externo são modificadas pelo próprio processo Lewin 1975 p 55 Quanto à perspectiva psicológica e não física Lewin alude ao fato de que sua teoria procura descrever o que acontece não apenas no que se refere a uma objetividade fiscalista mas levando em conta que o importante é como o indivíduo experiência o que acontece no momento considerado Um professor nunca será capaz de dar orientação apropriada a uma criança se não aprende a compreender o mundo psicológico no qual aquela criança vive Lewin 1965 p 71 Uma vez que é o aspecto psicológico que deve ser considerado é preciso aceitálo conforme a pessoa o percebe ou seja fenomenologicamente Assim qualquer aspecto particular focalizado deverá levar em conta a relação com a totalidade aquilo que em psicologia da Gestalt e em Gestaltterapia se chama relação figurafundo Quanto à distinção entre problemas sistemáticos e históricos Lewin ressalta a importância de considerar o que está acontecendo num campo vivencial no momento em que o comportamento analisado ocorre ou seja o comportamento passado só pode influenciar o comportamento presente por aspectos que tornam no presente tal influência possível Dessa forma o comportamento é resultante de um conjunto de fatores presentes no campo como várias forças que atuam compondo um sistema a ser descrito e analisável Já os problemas históricos dependem de um conhecimento do passado que nem sempre está disponível Lewin nos dá um exemplo utilizando a metáfora do piano sobre o piso de madeira caso tentássemos confirmar se um piso antigo suporta ou não o peso de um piano poderiamos analisar historicamente esse piso observando dados como o tempo em que ele está lá o tipo de madeira utilizado em sua confecção e sua expectativa de durabilidade Porém mesmo de posse desses dados poderemos ter absoluta certeza de que o piso aguentará o peso do piano O desgaste da madeira é um dado intangível numa análise histórica uma vez que talvez não tenhamos acesso a ele Já a análise do problema em termos sistemáticos nos faria com a ajuda de cordas e roldanas apoiar o piano gradativamente e ver como o piso reage O histórico sendo conhecido ou não é presentificado no método sistemático de análise pois se o piso estiver velho ou tiver sido indevidamente utilizado por exemplo na hora do teste do peso o sistema de forças presentes na situação evidenciará a resposta Por último Lewin fala da importância de obter em psicologia uma linguagem que reduza os problemas dos conceitos que apresentam multiplicidade de sentidos Para isso defenderá o uso da linguagem matemática descrita por ele como uma linguagem que é logicamente estrita e ao mesmo tempo de acordo com os métodos de construção Lewin 1965 p 74 Após a apresentação dessas características é importante não subsumir que Lewin preocupouse apenas com a formalização ou com o uso da matemática na psicologia Vale lembrar que essas características se referem à sua teoria mas não são suficientes para compreender a fundo suas aplicações assim como conhecer os movimentos das peças de xadrez não é o bastante para entender a complexidade e a engenhosidade de um jogo em andamento Lewin 1965 p 7 ressalta que sua preocupação assim como a de qualquer psicólogo é conhecer melhor e compreender mais profundamente os processos psicológicos Este é e sempre foi o princípio orientador Do formal ao prático a noção de tensão e o trabalho de B Zeigarnik Vejamos agora como a teoria de campo de Lewin estabelece sua correlação com os fatos focalizados em suas análises Como estender a teoria para a prática Formalmente Lewin toma como base para sua teoria a análise do comportamento da pessoa considerada um ponto de atuação de forças que mobiliza então uma fonte de energia para novos comportamentos A essa fonte de energia proveniente das necessidades que a pessoa procurará satisfazei na relação com o campo que é consequentemente geradora de ações Lewin 1965 p 14 chamará de tensão A tensão será considerada o estado de um sistema em relação ao estado dos sistemas que o rodeiam O termo designa o nível de energia com a qual uma região do campo se relaciona com outra região nada apresenta tensão em si mas sempre em relação a algo Em direção a esse algo a tensão tende a se aproximar no caso de valência positiva ou a se afastar no caso de valência negativa Segundo Lewin o conceito de valência referese ao que mobiliza a pessoa para um potencial movimento sempre pensando em uma situação vivida A valência é uma espécie de pedido ou de ordem para a aproximação ou o distanciamento sempre com base em um contexto referencial por isso não deve ser confundida com a ideia de estímulo como na relação estímuloresposta Lewin fundamenta sua argumentação na premissa de que em um campo psicológico uma tensão como correlato das forças presentes no campo se concretiza como busca de locomoção psicológica afastandose ou aproximandose de um referencial qualquer A fim de comprovar sua premissa Lewin recorrerá ao trabalho de B Zeigarnik sobre os experimentos relacionados à incidência de fatores que afetam a rememoração de fatos Em resumo a pesquisa de Zeigarnik consistiu nas seguintes etapas iniciais 1 Uma pessoa em um campo psicológico experimenta sobre si a incidência de forças externas presentes nesse campo 2 Eventualmente tais forças podem provocar uma tensão interna gerando uma locomoção rumo ao objetivo almejado 3 Em paralelo à locomoção há uma atividade no nível do pensamento pois a pessoa também pensará naquilo que almeja Com base nessas etapas Zeigarnik elaborou um experimento que operacionalmente consistiu em dar várias tarefas a voluntários ao longo de um dia Algumas dessas tarefas foram intencionalmente interrompidas pelos experimentadores e ficaram incompletas Outras foram concluídas normalmente ou seja chegando ao objetivo Considerando as premissas a e b se há tensão até o cumprimento de um objetivo podemos depreender que essa tensão não se esgota quando o objetivo não é alcançado devido às interrupções alheias à vontade da pessoa Dessa forma somando a premissa wc podemos concluir que a pessoa tende a lembrarse mais das tarefas interrompidas devido à tensão não esgotada do que das tarefas concluídas pelo motivo inverso a tensão esgotouse Para constatar tal conclusão no experimento ao final do dia pediuse aos voluntários que se recordassem de todas as tarefas que receberam independentemente de estas terem sido concluídas ou não Zeigarnik mediu o número de recordações das tarefas incompletas RI e o número das recordações das tarefas completas RC e obteve o significativo quociente da divisão RIRC de 19 Ou seja lembramos quase duas vezes mais de algo que foi interrompido do que de algo que conseguimos concluir Os setores de propaganda e marketing utilizam esse estudo que ficou conhecido como Efeito Zeigarnik nos teasers estilo de comunicação que mobiliza o público com uma informação incompleta promovendo uma retenção maior da informação na memória das pessoas A Gestaltterapia também considera até que ponto uma situação incompleta provoca uma tensão interna que eventualmente pode contribuir para um comportamento neurótico recorrente que busca o fechamento de tal situação Com esses dados Lewin afirmou que a tensão interna provoca uma tendência à locomoção no sentido psicológico que é análoga ao pensar em algo de acordo com a premissa c visando a um equilíbrio com o meio Do conceito de tensão depreendese o conceito de campo que se refere ao espaço psicológico no qual tal tensão flui Porém se a relação da pessoa com o meio fosse completamente fluida a tensão logo escoaria e a pessoa não a experimentaria Logo depreendese que há no campo algo que interfere no fluxo das tensões contribuindo dinamicamente para o seu escoamento ou retenção É o conceito de fronteira que pode ser definido dinamicamente como o que permite fluir ou reter as descargas das tensões entre a pessoa e o meio e também no sentido inverso Há ainda situações em que a tensão busca um comportamento cujo sentido satisfaça às próprias necessidades Tal comportamento no entanto pode ser impedido ou dificultado Lewin chamará de barreira àquilo que produzirá esse efeito A fronteira demarca uma região mas não necessariamente é vivida como algo que impede a locomoção como é o caso da barreira Lewin 1973 p 144 Retomando ainda o conceito de locomoção Lewin esclarecerá que esta se dá quando a pessoa pode alcançar ou acessar novos dados que antes não podia Lembrando a definição de espaço vital psicológico a locomoção se dá quando novos fatos imediatamente se disponibilizam para gerar novos comportamentos do indivíduo em certo momento Também não é algo restrito à relação com um espaço material e concreto Vejamos um exemplo um coordenador de equipe sentado à sua mesa recebe o diretor de seu setor Este anuncia ao coordenador que a partir daquele instante ele passa a ser gerente recebendo para tanto um salário maior O coordenador não se mexe mas seu campo se locomoveu ampliandose Entre outras mudanças imediatas oriundas do novo cargo ele passa a ter acesso financeiro a bens materiais a que antes não tinha Novos fatos sua rápida ascensão financeira determinam novos comportamentos Com isso temos aqui operacionalmente definidas as bases do pensamento lewiniano O comportamento C possível em dado momento deverá ser uma função f da totalidade dos fatos coexistentes que emergem da relação entre a pessoa p e seu espaço de vida ou meio m Daí Lewin 1975 p 7583 concluirá que C f p m Os conceitos de espaço hodológico e de diferenciação do campo O comportamento depreendido pela correlação C f pmse dará em um espaço vivencial e não em um espaço submetido às leis da lógica matemática que poderia conforme a geometria euclidiana dividilo infinitamente Lewin 1985 p 806 explica sua concepção de espaço com um exemplo prático como uma pessoa reage ao chegar a uma cidade que não conhece para então se dirigir ao trabalho Numa época sem GPS mapas virtuais smartphones etc a pessoa chegava a um espaço que lhe parecia apenas um a cidade onde nada conhece À medida que perguntava obtinha informações com a população local e a unidade cidade que não conhece passava a se diferenciar pois agora o local de trabalho fica em uma direção não interessando o restante da cidade que passa a ser o resto Porém conforme se dirige para o local do trabalho o simples ir naquela direção e não ir na direção contrária que havia dividido a cidade em duas gradativamente se diferencia ainda mais No caminho surge a visão de um restaurante agradável próximo do trabalho aparecem o banco utilizado por ele o hotel um bar Com isso um campo vivido como uma unidade a cidade diferenciase em regiões que ainda podem se subdividir O restaurante por exemplo pode comportar uma área com vista para a rua e outra com vista para o jardim e assim por diante Temos aqui dois conceitos que se articulam no pensamento de Lewin e ainda podem trazer grande contribuição prática para a Gestaltterapia Como Lewin trabalhará topologicamente com áreas regiões ambientes etc ele precisará pensar em um espaço coerente com a maneira como o ser humano percebe tais espaços e em como estes se diferenciam à medida que a pessoa aprende algo sobre eles Como já vimos a geometria euclidiana coerente com o uso matemático permite a divisão de espaços ao infinito O espaço humano não é visto assim O ser humano sai do trabalho uma região chega à sua casa outra Dentro de casa pode haver os quartos dos filhos subregiões da região casa mas seu quarto é seu quarto uma subregião que não é mais passível de subdivisão Ou seja fazse necessário um espaço que permita trabalhar com divisões ou subdivisões que fazem sentido sempre apresentando finitude limite O Espaço hodológico é finitamente estruturado isto é suas partes não são infinitamente divisíveis mas compostas de determinadas unidades ou regiões Lewin 1965 p 30 O conceito de espaço hodológico também se refere às regiões que a pessoa percebe diferenciarse nela mesma pois ela experiencia regiões mais internas mais íntimas que pouco se expõem Lewin chamará essa região de central Outras regiões mais fáceis de expor são chamadas de periféricas Quanto às de maior contato com a fronteira do meio externo ele chamará de região perceptomotora Lewin criou uma ilustração para demonstrar esses aspectos A Figura i mostra a região perceptomotora i que entra em contato com o meio Há ainda as regiões periféricas 2 que envolvem as camadas mais centrais mais íntimas do indivíduo 3 Lewin 1973 p 199 Voltando ao exemplo no espaço hodológico a pessoa pode vivenciar a cidade como uma unidade Com o tempo porém aquela unidade vaise diferenciando em regiões e subregiões até a pessoa ter familiaridade com a cidade e poder se movimentar com segurança Esse processo de diferenciação é dinamicamente o mesmo para toda situação nova que a pessoa quer conhecer Assim podemos aplicar essa compreensão dinâmica a vários processos diferentes Por exemplo 1 Como se dá a aprendizagem o aluno vê primeiro a unidade chamada matemática que depois se divide em regiões como álgebra aritmética e geometria e com o tempo aprende que em cada uma delas surgirão novas subregiões como álgebra linear álgebra booleana etc Com a diferenciação o aluno ganha mais familiaridade com a nova região 2 Como se dá a intimidade uma mulher vê primeiro um homem por quem se interessa Com o tempo ela o vê se diferenciando em várias regiões como gostos sobre o que gosta de conversar onde gosta de ir o que gosta de comer e desgostos assuntos em que não gosta de tocar pessoas de quem não gosta de se aproximar etc 3 Como se dá o amadurecimento a pessoa se percebe tendo sempre o mesmo tipo de reação ruim diante de uma situação recorrente na vida e com o tempo nota que tal reação vaise diferenciando em novas possibilidades mais satisfatórias ou atuais Assim o que antes era uma única reação neuroticamente compulsória se diferencia em novas escolhas Na Gestaltterapia o conceito de diferenciação pode ser aplicado por exemplo nas queixas de pessoas em atendimento que se referem às situações de vida muito abstratas que podem ser energizadas conforme o conceito de teoria de campo unificada de Perls citado no início deste capítulo e transformadas em ação É o caso dos experimentos em Gestaltterapia Com o processo de diferenciação em mente o Gestaltterapeuta pode ampliar o potencial de operacionalização do tema que o cliente precisa trabalhar obtendo maior grau de convergência entre a proposta do experimento e aquilo de que a pessoa precisa Como isso se dá A pessoa em terapia pode trazer suas questões de forma abstrata e aparentemente inexequível para um experimento questões como Minha vida não tem sentido Eu não me admiro ou Sou um estranho para mim mesmo Na frase Minha vida não tem sentido a palavra sentido tem também relação com direcionamento O Gestalt terapeuta pode pedir à pessoa que represente seu campo de vida no momento seja desenhando ou usando o próprio espaço da sala etc Como é estar nesse campo de vida O que vê Como se diferenciam as possibilidades do seu campo existencial naquele momento Talvez a pessoa se confronte com vários sentidos disponíveis e com a própria dificuldade de escolher e de ter de lidar com as consequências de acertos e erros Já na frase Eu não me admiro a palavra admiração tem também relação com aproximação enquanto rejeição vai pelo caminho oposto Como é estar num campo ainda apoiado pelo mesmo tipo de desenho ou usando o espaço da sala e diferenciar as coisas das quais se aproxima ou se afasta Como é se ver como alguém que está lá e não quer se aproximar de si mesmo Pode surgir aqui o contato com o que realmente a pessoa rejeita diferenciando melhor os espaços hodológicos em si mesma ajudandoa a diferenciar sua totalidade da parte rejeitada Na frase Sou um estranho para mim mesmo a palavra estranho tem também relação com não familiaridade podendo apresentar uma dinâmica psicológica semelhante à do trabalho com a palavra admiração O conceito de temporalidade em Lewin Lewin esclarece que o comportamento sempre acontece dinamicamente em processos cujo sentido é dado em virtude da relação da pessoa com o meio sendo o tempo uma dimensão fundamental para essa compreensão O tempo terá sua extensão limitada ao tema focalizado porém não se restringirá apenas ao exato segundo presente sendo o passado e as possibilidades futuras inclusos na situação considerada É necessário ainda articular o conceito de unidade situacional com a crítica anterior de Lewin ao paradigma aristotélico Trabalhar com o tempo presente é também não limitar as investigações somente ao que ocorre com frequência ou sempre Temos até aqui uma compreensão mais clara daquilo com que a teoria de campo trabalha de como ela visa às situações temporais e espaciais em que emerge o comportamento trabalhando descritivamente sempre em relação aos seus contextos referenciais totais e únicos vividos no presente que inclui passado e futuro psicológicos Discutiremos a seguir como Lewin sugere operacionalizar seus conceitos Método geométrico topológico da construção Tendo recebido forte influência da psicologia da Gestalt Lewin indiretamente por meio desta muito se aproximou da metodologia fenomenológica de Edmund Husserl Husserl 2000 nos apresenta em sua primeira redução a necessidade de não naturalizarmos nossa relação com a realidade e constatarmos que na verdade em vez de lidarmos com a percepção de que há um mundo lá lidamos com uma realidade indireta pois só ouvimos o que escutamos só olhamos o que vemos só percebemos nossa percepção Não percebemos diretamente o mundo Logo é vital a atitude descritiva perante o que percebemos perceber e não uma atitude explicativa do mundo como se ele estivesse dado posicionado e sempre sendo daquele jeito Van Dusen apud Stevens 1977 p 124 diz que na abordagem fenomenológica simplesmente tentase descobrir o mundo do paciente tal como este é para ele sem reduzilo a nenhuma categoria pseudocientífica obsessiva anal etc Em vez de a teoria explicar o que é o homem Lewin nos 1 traz uma descrição de como ele vive para então nos dizer quem ele está sendo O método geométrico da construção é í uma analogia entre como a pessoa age e uma forma de representar isso Independentemente de medida e tamanho a geometria topológica lida com formas geométricas que poderão representar a pessoa ou grupos de pessoas nas situações vividas em seus campos psicológicos Para aquilo que simboliza a intensidade do motivo para a ação ou as forças presentes no campo Lewin utilizará vetores setas que apontam para a direção do objetivo desejado valência positiva ou no sentido contrário valência negativa As possibilidades de horizontes ou caminhos serão representadas emergindo em um espaço hodológico diferenciadas por fronteiras e aquilo que dinamicamente dificulta ou impossibilita a ação será representado como uma barreira Digamos por exemplo que a pessoa chegue ao consultório com a queixa de ter de lidar com a timidez no trabalho pois para se destacar precisa mostrar o que faz ao chefe que poderá futuramente promovêla ou não Porém ao se aproximar do chefe se sente paralisada sem conseguir prosseguir Poderíamos supor que essa pessoa talvez esteja projetando sobre o chefe uma imagem parental repressora agindo com ele da mesma forma que agia com o pai foco no passado Poderíamos igualmente supor que a pessoa tenha uma elevada expectativa de si mesma Diante da possibilidade de se colocar perante alguém que possa avaliála seu temor de um não reconhecimento futuro e a consequente não confirmação de sua autoimagem elevada a fazem travar foco no futuro Ambas as suposições são bem plausíveis Agora aplicaremos o método geométrico da construção fazendo a analogia entre a situação da pessoa e a simbolização da geometria topológica A pessoa que quer se aproximar do chefe no ambiente de trabalho será representada por uma região P e o chefe por uma região C A seta vetor representa a tensão que pressiona P em direção a C que corresponde à necessidade de ter seu trabalho reconhecido Essa tensão decorre das forças presentes no campo onde socialmente se pressiona a pessoa a agij pois todos esperam que cada um faça seu próprio marketing adulando o chefe sendo mais competitivo etc Nesse espaço há uma linha que podería ser traçada perpendicularmente entre P e C que simbolizaria o que a pessoa descreve como timidez e a paralisa impedindoa de atingir C Chamaremos essa linha de barreira A Figura 2 mostra essa situação É importante ressaltar que essa descrição é coerente com qualquer um dos dois modelos psicológicos explicativos supramencionados sobre a projeção parental ou sobre o medo de não confirmação da autoimagem Lewin operacionaliza sua metodologia com construções topológicas como a da Figura 2 que representa uma situação que tanto pode se enquadrar em visões teóricas orientadas temporalmente para o passado ou para o futuro com ações em movimento dinamicamente considerando a totalidade do campo psicológico envolvido o ambiente de trabalho RECURSOS DA TEORIA DE CAMPO APLICADOS À GESTALTTERAPIA Técnica de dar voz aliada à descrição topológica 9 Partindo da situação topologicamente descrita no exemplo anterior no atendimento psicoterapêutico poderiamos propor à pessoa um experimento baseado na queixa sobre sua timidez para com o chefe Pediriamos a ela que posicionasse no espaço do consultório as partes descritas por ela simbolizandoas por objetos da sala Um objeto escolhido e posicionado para simbolizar o chefe outro para ela mesma outros para os colegas No experimento as pessoas envolvidas como o chefe a própria pessoa os outro colegas etc são naturalmente mais fáceis de emergir como figuras A contribuição de Lewin ocorre para o que não é tão visualmente tangível porém sensivelmente perceptível os vetores que representam as forças assim como as barreiras Nesse caso a existência de tensão sobre o objeto pode ser simbolizada por um simples barbante ligando o objeto pessoa ao objeto chefe sendo interrompida por outro barbante que representaria a barreira da timidez que torna o chefe inatingível Temos então uma situação de vida representada por elementos que simbolizam a dinâmica do que a pessoa está vivendo Essa situação se mostra como algo descritível que amplia para a própria pessoa em atendimento as possibilidades compreensivas sobre seu processo existencial Ao propor um experimento considero importante antes de pedir que a pessoa experiências partes representadas na situação que ela descreva o clima da situação a atmosfera psicológica da totalidade do ambiente Pergunto O que você está sentindo agora quando olha para isso que você representou Segundo Lewin 1965 1970 a atmosfera psicológica descreve uma propriedade do campo poder ser visto como uma unidade coesa a partir de um sentido dado como um afeto Pode ser momentânea por exemplo a atmosfera que se dá quando alguém entra no elevador com outras pessoas ou até durar anos como após vários anos uma pessoa volta a visitar a casa dos pais e sente as mesmas emoções de antes A atmosfera psicológica nos permite conhecer a noção que a pessoa tem do todo que está ali vivendo como ela compreende o fundo referencial a partir do qual emerge a figura da situação entre ela e o chefe A pessoa pode ser convidada a entrar na situação representada e dar voz a cada elemento ou seja pode trocar de lugar com cada objeto escolhido e ser aquele objeto da situação total É frequente nesse tipo de trabalho a pessoa expressar grande familiaridade com o ponto de vista das pessoas envolvidas mas raramente ela teria experimentado dar voz à própria tensão dar voz ao Tenho de falar com o chefe ou à própria timidez dar voz à barreira o que poderá trazer pontos de vista ainda não explorados Com base nesse exemplo podemos descrever algumas contribuições dessa metodologia Há um nítido ganho em relação ao espaço hodológico simbolizado com as informações que passam a ficar disponíveis Ao posicionar as partes daquele todo vivido a pessoa indica na distância entre tais partes um dado concreto a ser por ela mesma descrito Os elementos estão próximos ou distantes demais Alguns mais próximos e outros não O que significam tais posicionamentos para a pessoa A barreira é representada como forte demais ou o oposto A tensão é representada como fraca demais ou o oposto Em consequência da possibilidade concreta descritível decorrente da montagem da situação vivida a pessoa se torna independente do terapeuta para elucidar os conteúdos do seu vivido A situação está ali e a própria pessoa poderá encontrar dando voz às partes em contraste com o todo do campo psicológico o sentido existencial do que está acontecendo O terapeuta está junto presente acompanha de forma sensível o processo de ampliação de autodescoberta e de autossuporte Esse método é um recurso facilitador no que se refere à sua assimilação pela pessoa que o experimenta pois esta tem diante de si um referencial descritível para interagir quando antes apenas no pensamento e no verbal as palavras poderiam ter tantas significações distorcidas quanto a fixação neurótica pudesse permitir Apenas falando a pessoa reduz o acesso às informações presentes no campo e corre o risco de manterse enredada nas tramas de sua própria história Na situação vivencial isso não ocorre pois muitas outras informações aparecem a expressão corporal gestos olhares jeito de caminhar tons de voz diante de cada parte do campo a presentificação das formas dos objetos escolhidos para a simbolização a ordem na qual são posicionados a distância entre eles etc A pessoa pode identificarse com as partes da situação vivida e experimentar quando no lugar do outro uma visão ampliada de sua própria percepção projetada no olhar do outro sentindo as forças presentes no campo como por exemplo presenças imaginárias de outras pessoas Explorando novos pontos de vista pode surgir um tipo de gesto que é particularmente importante os olhares como se a pessoa enxergasse alguém De fato o campo é o horizonte de sentido de uma situação e eventualmente isso inspira movimentos da pessoa em relação à existência de outras do seu contexto atual ou não aparecendo olhares em direção aos espaços vazios onde ela via pessoas como a mãe o pai o marido a esposa o professor a turma de colegas da escola etc Isso amplia a abertura mais social ao contexto preponderantemente individualizante da terapia Como a situação como um todo pode ser representada no campo os conflitos e suas possíveis soluções também estarão naquela unidade situacional O campo permite que a pessoa visualize o conflito como uma parte desse campo e uma possível solução ou conclusão em outra parte E em vez de só viver um simples resolvo ou não resolvo próprio de um pensamento reducionista a pessoa pode experimentar aproximarse mais de uma parte voltar afastarse um pouco ou se aproximar Ela ganha assim uma mobilidade com a qual ela pode se permitir gradativamente explorar pontos seguros ou mais ousados correr riscos retroceder tudo isso até perceberse em contato com a possibilidade de confrontarse com o antes evitado dando o encaminhamento que ela quiser ao conflito vivido Poderá confrontarse diretamente desistir do conflito ou ignorálo Lembrando o que a pessoa entende por solução é sempre inerente à sua idiossincrasia é algo dela e não algo para atender à expectativa do terapeuta No caso da timidez para com o chefe a pessoa em vez de só experimentar um falar com o chefe versus não falar pode experimentar gradativamente se aproximar dele manterse em contato com a experiência de cada passo mais próximo pode permitirse voltar atrás e tentar outro dia e ir ganhando familiaridade com cada etapa experimentada Contribuições da teoria de campo para a Gestaltterapia segundo Parlett Latner e Yontef Parlett 1991 escreveu um artigo sobre os aspectos cruciais do trabalho de Lewin que especificou mais detalhadamente em cinco princípios Esse material também se encontra em português citado nos livros de Robine 2006 e Silveira e Peixoto 2012 Inicialmente Parlett destacou o princípio de organização todo campo se organiza em função do que acontece nele e tudo que acontece no campo tem um sentido que precisa ser compreendido nessa interação Nada deve ser compreendido como um em si tudo que ocorre no campo está relacionado com seus elementos A partir do foco presentificante do princípio da contemporaneidade de Lewin Parlett destacou que o que afeta o campo sempre é algo presente pois até o passado é tido como o que está sendo agora lembrado e o futuro como o que está sendo agora antecipado Ressaltase que o aqui e agora tão caro à Gestaltterapia igualmente nunca pode ser tomado de forma simplista como se a pessoa atendida na clínica só pudesse falar sobre o que está acontecendo durante a terapia Mesmo que fale do passado como recordação ou do futuro como antecipação isso é algo que acontece no presente Com base nessa questão temporal focada no presente Parlett também destacou outro princípio chamado por ele de princípio do processo de transformação o que acontece no campo é sempre algo em andamento nunca fixo pela simples impossibilidade de o próprio tempo se fixar Como já vimos presente se refere a um horizonte temporal a partir do momento vivido para as lembranças que são trazidas à tona em direção a um futuro com um número de possibilidades finitas limitadas pelo presente Lewin nos lembra disso quando comenta que em suas pesquisas percebeu que o que nos impulsiona é o sentido do campo iluminado pelo presente o onde estamos a partir do de onde viemos em direção às finitas possibilidades o para onde iremos Retomando partindo do enfoque lewiniano sobre os casos únicos Parlett destacou o princípio de singularidade cada situação vivida é única e devemos com isso tolerar as ambiguidades e incertezas de lidar com situações nas quais nenhuma experiência anterior pode substituir o que está surgindo agora Por último com base na metodologia descritiva de Lewin que Parlett chamou de princípio da possível relevância depreendemos que ao lidar com o campo vivencial todos os elementos que estão presentes podem ser relevantes mesmo aqueles de suposição contrária ou aqueles que sempre estiveram lá como tiques ou trejeitos que poderíam não ter relação com o que estava sendo presentemente vivenciado Caso algo esteja presente em uma situação mesmo que se repita em várias outras situações sempre é importante considerar o ensejo desse algo na vivência atual Entre os princípios acima o tema lewiniano da contemporaneidade recebeu um desdobramento teórico de Yontef 1998 Às vezes um Gestaltterapeuta recebe perguntas de pessoas que baseadas em um pensamento causallinear não compreendem a ênfase que a Gestaitterapia dá ao presente e se indagam como pode um acontecimento passado como um trauma não ser objeto de conversa na abordagem gestáltica só porque faz parte do passado A questão é que em conformidade com o que foi dito antes sobre contemporaneidade fatos igualmente importantes do passado só existem como passado na medida em que se ligam a algo que está acontecendo como a uma tristeza ainda sentida O que faz o passado aparecer é algo no presente pois não há outro tempo onde ele possa surgir Logo é importante perguntar como a pessoa está vivendo aqui e agora de tal forma que aquele passado retorne como figura para ela Segundo Perls Hefferline e Goodman 1997 p 425 quando pensamos em um organismo devemos vêlo inserido em uma situação pois ele sempre existe em um campo orga nismoambiente sendo a fronteira de contato um órgão específico de awareness da situação nova que se presentifica no campo Joel Latner 1983 ressalta que Perls Hefferline e Goodman se referiam à concepção de campo como uma unidade não algo em cujo centro as coisas aconteciam mas sendo ele próprio o campo o acontecimento O campo não é algo que comporta o acontecimento como se este fosse parte do campo O campo é o que acontece Na Gestaitterapia encontramos uma sintética definição de campo na obra de Yontef 1993 p 297 tradução nossa para quem campo significa uma totalidade de forças que se influenciam mutuamente e juntas formam um todo unificado interativo Esse autor também nos lembra de que um campo pode ser ampliado ou reduzido dependendo do interesse em foco de forma que sempre podemos ver o campo como uma teia de relacionamentos num contexto de teias de relacionamentos ainda maior ou menor Concluindo o trabalho de Kurt Lewin é bem amplo com inúmeras possibilidades de aplicação e enorme potencial de convergência com a Gestaltterapia Esperamos que com este capítulo possamos contribuir para que esse trabalho de aproximação gere cada vez mais frutos REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Dorsch F Dicionário de psicologia Petrópolis Vozes 2001 Husserl E A ideia da fenomettologia Lisboa Edições 70 2000 Latner J Field and systems theories in Gestalt therapy The Gestalt Journal v VI 1983 Lewin K Teoria de campo em ciência social São Paulo Pioneira 1965 Problemas de dinâmica de grupo São Paulo Cultrix 1970 Princípios de psicologia topológica São Paulo Cultrix 1973 Teoria dinâmica da personalidade São Paulo Culrnx 1975 Parlett M Reflections on field theory The British Gestalt Journal 1991 v 1 p 6891 Disponível em httpwwwelemenrsukcomlibraryofarticlesfield theorypdf Acesso em 4 nov 2012 Perls F S A abordagem gestáltica e testemunha ocular da terapia 2 ed Rio de Janeiro Zahar 1981 Perls F Hefferline R Goodman P Gestaltterapia São Paulo Summus 1997 Robine J M O seif desdobrado São Pauto Summus 2006 Rodrigues A Psicologia social 8 ed Petrópolis Vozes 1979 Silveira T M Peixoto P T A estética do contato Rio de Janeiro Arquimedes 2012 Stevens J O org Isto é Gestalt São Paulo Summus 1977 Yontef G M Awareness dialogue process essays on Gestalt therapy Gouldsboro The Gestalt Journal Press 1993 Em português Processo diálogo e atvareness São Paulo Summus 1998J 8 A Gestaltterapia holística organísmica e ecológica PATRÍCIA VALLE DE ALBUQUERQUE LIMA TICHA Pensar as bases teóricas e filosóficas sobre as quais se ancora uma abordagem é como pensar os solos nos quais se realiza o plantio de uma lavoura alguns tipos de solo são mais adequados a determinadas espécies vegetais As árvores quando plantadas de acordo com as características as quais demandam o chão em que fincam suas raízes crescem mais saudáveis com mais força e vitalidade Desse mesmo modo quando pensamos nos fundamentos que embasam uma corrente podemos projetar que essa abordagem terá tanta vitalidade e força quanto seus postulados forem coerentes entre si permitindo um amplo desenvolvimento dos conceitos que serão erigidos bem como dos pressupostos técnicos Desde meus primeiros contatos com a Gestaltterapia ainda enquanto estudante universitária uma crítica corrente e bastante difundida era particularmente incômoda a de que ela era apenas uma colcha de retalhos uma miscelânea de diferentes influências teóricas costuradas de modo apressado e mal alinhavado Foi um grande alívio ouvir uma colega se pronunciar a esse respeito não saberia dizer em qual evento mas certamente numa fala proferida em mesa redonda de algum dos congressos nacionais da abordagem A Gestaltterapeuta Fátima Barroso falou sobre o enorme valor que pode ser pago por uma colcha de patchwork dependendo do modo como os retalhos são dispostos determinadas composições formam um mosaico belíssimo de grande valor estético A partir desse momento foi essa a imagem que passei a fazer da Gestalt terapia que para mim se evidencia num amarrado estético de influências várias Alguns destacam mais umas que outras mas sem deixar de reconhecer os pontos cardeais constitutivos dessa costura Assim por ser a Gestaltterapia rica em contribuições que estiveram presentes no momento de sua criação e vêm sendo desenvolvidas e aprimoradas pelos autores contemporâneos podemos alinhála de diversas formas entre as escolas de psicologia e psicoterapia sem que uma seja incompatível com as outras É comum pensar a Gestaltterapia como circunscrita ao grupo das escolas de psicologia de terceira força o que a colocaria no terreno das abordagens humanistas fenomenológicas e existenciais Sobre esse assunto há artigos publicados e outros capítulos tratando do tema neste mesmo livro Outros autores dão destaque ao caráter corporal da técnica gestáltica o qual a aproxima de Reich e do teatro expressionista alemão ambos muito influentes na formação de Fritz Perls seu pai e criador Do mesmo modo é coerente pensar a Gestaltterapia como uma escola de psicologia holística e ecológica sendo para a compreensão de seus pressupostos fundamentais as influências do pensamento de campo da visão de mundo do holismo e das bases conceituais da teoria organísmica É sobre esse terceiro eixo que pretendo desenvolver este capítulo no qual destacarei o holismo e a teoria organísmica como constitutivos e essenciais para compreender o solo sobre o qual as sementes da Gestaltterapia foram plantadas solo esse que permitiu que crescesse amplamente até dar numa árvore frondosa de onde muitos frutos ainda poderão ser recolhidos Um dos grandes motivos de críticas internas e externas foi a falta de maior aprofundamento teórico a carência de interlocução com as elaborações filosóficas as quais lhe serviam de útero Considerando os primeiros livros e mais especificamente a obra inicial de Perls Hefferline e Goodman 1997 publicada na década de 1950 muito foi considerado sem clareza quanto às fontes de que se utilizavam No caso das bases fenomenológicas e existenciais isso fica bastante evidente o Dicionário de Gestaltterapia Gestaltês DAcri Lima e Orgler 2007 oferece nos verbetes respectivos uma revisão do que essa obra trazia a respeito da influência do existencialismo e da fenomenologia No entanto esse não é o caso da teoria organísmica e do pensamento holístico Perls destaca a grande influência sofrida tanto de Goldstein e da sua obra The organism 1995 quanto de Jan Smuts e de seu livro Holism and evolution 1996 Na obra Ego fome e agressão 2002 Perls aponta aspectos do holismo imprescindíveis para romper com a perspectiva isolacionista criticada mas ainda muito presente na psicanálise da época Indica ainda por outro lado os elementos os quais não desejava considerar nas contribuições para a construção de sua teoria psicológica Ele afirmava não pretender eguilo naquilo que nomeou de holismo idealista mas assumia seus aspectos estruturais a organização de totalidades tanto na área das ciências biológicas quanto em outros ramos Nessa obra Perls 2002 p 61 ele ainda define o holismo conforme o termo cunhado por Smuts como uma atitude que compreende que o mundo consiste per se não apenas em átomos mas em estruturas que têm um significado diferente da soma das suas partes Desse modo aderir ao paradigma holístico significava uma tentativa de romper com o paradigma reducionista e isolacionista com o qual as ciências médicas e biológicas da época estavam comprometidas Proporse a entender a organização dos todos segundo um ponto de vista holístico estrutural não era apenas a adoção de mais um conceito mas a adesão a um novo paradigma em franco atrito com os alicerces fundamentais da teoria psicanalítica na qual Perls havia sido formado Do mesmo modo falar nas contribuições da teoria organísmica para a Gestaltterapia é ainda ter o holismo como novo referencial epistemológico para as ciências biológicas pois como destaca o próprio Goldstein o holismo era a base estrutural para o pensamento organísmico Goldstein buscou um modelo holístico para entender a realidade dos pacientes vítimas de lesões cerebrais após a Primeira Guerra Mundial os quais acompanhava como neurologista Para ele as mudanças que esses pacientes apresentavam não se davam apenas nas áreas atingidas e em suas correlações diretas com as funções corporais eles se reorganizavam como um todo para lidar da melhor forma possível com sua nova conjuntura Ou seja um paciente lesionado em uma área do cérebro ligada a certa habilidade motora não apresentava mudanças comportamentais apenas nesses aspecos motores havendo total reestruturação de seus modos de agir como se ele se reorganizasse como um todo perante sua nova realidade física Goldstein nomeou esse todo estrutural de organismo entendendo ser ele composto por todos os fatores constitutivos dessa pessoa tanto no corpo empírico quanto no campo das emoções e também nos seus padrões de relação com o ambiente e com as pessoas que o cercam Um dos fundamentos da teoria organísmica conforme concebida por Goldstein é esse caráter interacional do ser humano em relação ao contexto que o cerca Goldstein profundamente influenciado pelas teorias da psicologia da Gestalt considerava o homem uma totalidade sempre diferente do que a mera soma das suas funções que até então eram estudadas pela medicina e pela psicologia da época de modo dissociado Estudar o pensamento a memória o desenvolvimento da personalidade como objetos de estudo em si sem considerar que quem pensa é sempre uma pessoa e que entender como são os seus processos cognitivos só é possível olhando para a realidade dessa pessoa como um todo eis a posição contra a qual Goldstein se opunha quando pensava o homem como um organismo sempre em relação com o meio o contexto geográfico sociocultural e físico do qual é um elemento indissociável O autor entendia que para estudar o homem desse modo era necessário adotar outro método distinto do adotado pela medicina de então Chamou esse método de compreensão do homem como totalidade de método holístico per se A adoção da teoria organísmica colocava a Gestaltterapia também dentro do contexto das abordagens sistêmicas em psicologia Talvez seja importante para o desenvolvimento teórico da abordagem gestáltica ter mais claro o que significa epistemologicamente afirmar que uma abordagem parte de pressupostos organísmicos e sistêmicos Goldstein quando da criação da teoria organísmica afirmou que a lei que regeria o funcionamento dos organismos seria a lei da autorregulação organísmica por meio de uma tendência do organismo de se autoatualizar Segundo suas palavras Adotar um ponto de vista organísmico é portanto admitir a existência de uma lei que opera no funcionamento desse sistema lei essa que afirma a busca de todo e qualquer organismo de se atualizar por um princípio autorregulador inerente à sua natureza Essa afirmação nos indica que a teoria organísmica parte de um pressuposto sobre o qual todo um arcabouço teórico é construído E quando Perls diz que a Gestaltterapia é uma abordagem associada ao pensamento organísmico afirma com isso também a assunção desse pressuposto a autorregulação organísmica como uma lei regedora do funcionamento do organismo Eis as bases conceituais que estão no solo da criação daquilo que hoje conhecemos como abordagem gestáltica Isso nos denuncia haver uma amarra teórica e conceituai clara na teoria da Gestaltterapia Dentro dessa colcha de retalhos composta por muitas e diferentes contribuições existe logo uma linha que perpassa e alinhava todas as contribuições o pensamento organísmico Sem esse alinhavo não estamos falando de Gestalt terapia porquanto essa marca a crença no processo autorregulador como inerente à condição do ser humano é constitutiva de nosso campo epistemológico O conceito de organismo de Goldstein o descrevia como uma unidade interacional na qual dentro e fora são meras abstrações dandose a autorregulação no entre como um fenômeno de fronteira Segundo essa visão o ser humano não só deve ser compreendido como um sistema biopsicossocial no qual mentecorpo e a interação com o meio seja este físico cultural ou social estão em permanente intercâmbio e compõem uma totalidade em busca de autorregulação como é impossível pensálo isoladamente pois somos criadores e criaturas ativas no processo de transformação do universo Holisticamente não é correto dizer que o ser humano está inserido na natureza ele é em si manifestação da natureza Isso muda completamente a visão de homem da ciência moderna que acreditava ser papel do ser humano compreender as leis do funcionamento da natureza e dominálas O universo se manifesta em nós e somos constantemente atravessados pelo fluxo energético cósmico em busca de harmonia Assim é mais fácil compreender por que o holismo tenha sido tão pouco estudado na psicologia pois ele se distanciava dos temas mais considerados por essa ciência O próprio Smuts teve pouco destaque nos meios filosóficos e psicológicos de sua época mas é até hoje pesquisado por profissionais da área da ecologia e ligados às ciências ambientais Desse modo essa marca epistemológica aproxima a abordagem gestáltica das escolas ecológicas que pensam as relações do homem com a natureza do ponto de vista da ecologia social e cultural Pinto 2009 p 81 referindose à visão gestáltica diz que esta entende o ser humano como um todo unificado ou seja por um lado uma unidade psiquecorpoespírito e por outro uma unidade indivíduomeio Perls não se propunha a adotar o holismo de Smuts em toda a sua abrangência de formulações sobre o modo como ocorre o funcionamento dos todos Mesmo assim ao assumir a conexão da Gestaltterapia com a teoria organísmica implicou necessariamente a adoção também de um ponto de vista holístico pois a base teórica e filosófica da qual Goldstein partiu para contextualizar o pensamento organísmico foi declaradamente o holismo O pensamento organísmicoholístico opõese portanto diretamente ao ponto de vista do paralelismo psicofísico porque indica um funcionamento absolutamente integrado entre mente corpo e meio No entanto a área de estudos de Goldstein eram as ciências médicas e biológicas mais especificamente a observação de pacientes vítimas de lesões cerebrais Goldstein não tinha a intenção inicial de estudar os processos psicológicos de todo e qualquer paciente fosse ele lesionado ou não Porém ao fundamentar a teoria organísmica ele começa a perceber que aquilo que observava nos pacientes por ele estudados parecia ser algo comum a todo e qualquer ser humano a constante busca de autorrealização dentro das melhores condições possíveis que se fossem criando na relação do homem com o meio circundante Foi Perls quem fez uma transposição direta da teoria organísmica para o campo da psicologia usandoa como ferramenta para pensar um método de psicoterapia A visão de homem e de mundo adotada na Gestaltterapia pensava todo e qualquer ser humano como um organismo holisticamente guiado e em processo autorregulador Essa concepção modifica absolutamente os conceitos de saúde e de doença sobre os quais a maior parte das escolas em psicologia operava pois a doença passa a ser pensada como uma tentativa de busca de autorregulação Todo e qualquer sintoma é uma tentativa primeira de adaptação do organismo diante das prioridades que este discrimina no seu momento atual e a busca de atender a elas da melhor forma possível na negociação necessária com as condições existentes no meio Considerando a conexão absoluta entre organismo e meio não há como conceber a noção de um organismo em si fora da relação com o contexto do qual faz parte A psicologia deve pensar o adoecimento como um processo que se dá nessa dinâmica relacionai Segundo as palavras de Alvim apud DAcri Lima e Orgler 2007 p 213 a Gestaltterapia de PHG 1951 propõe conceber o humano como uma totalidade organísmica que não pode ser considerada isoladamente que está expressa na noção de campo organismoambiente Desse modo não existiriam sujeitos doentes ou doenças de ordem intrapsíquica Aliás a noção de uma subjetividade intrapsíquica é absolutamente abalada com o pensamento holístico e organísmico na medida em que a subjetividade deixa de ser compreendida como algo interno mas como fundamentalmente constituída pela relação homemmundo Ainda que a teoria organísmica de Goldstein tenha sofrido críticas por sua vinculação excessiva com uma leitura fisicalista do funcionamento humano ela rompe com uma série de pressupostos que se faziam presentes nas principais correntes teóricas das ciências psicológicas da época Em obra recente Delacroix 2009 destaca as bases holísticas que compõem uma visão global de homem o organismo pensado como uma totalidade psicossomática totalidade essa que engloba os aspectos corporais mentais espirituais e muitos outros sempre em relação com os outros com o entorno e seu contexto de vida Assim fica clara a visão de homem da Gestalt terapia que o pensa como um sistema complexo em permanente interação entre suas partes e o contexto e portanto em contínua transformação Delacroix destaca que com isso quando pensamos no processo de crescimento e maturação do ser humano esse crescimento se dá em todos os aspectos que compõem essa globalidade de ser homem e também na interrelação com o campo Apesar dessa tão importante contribuição do pensamento holístico e organísmico à Gestalt terapia muito pouco foi desenvolvido e escrito sobre o tema tanto por Perls quanto pelos autores posteriores Portanto é fundamental conhecer as obras de Smuts e Goldstein para compreender melhor a relevância de suas contribuições e quanto a Gestaltterapia pode ser aprimorada se os conceitos holísticos e organísmicos forem revistos à luz das contribuições mais recentes das teorias sistêmicas e ecológicas Em artigo publicado em 2005 p 15 destaco que A teoria geral dos sistemas possibilitou a criação de um novo modelo de homem homem este cuja personalidade deveria ser entendida de forma ativa e dentro de um enfoque holístico A função homeostática seria apenas uma metáfora e não um critério de comparação com os sistemas biológicos Mesmo admitindo que as reações psicofisiológicas humanas seguem um padrão de regulação homeostático ainda assim fica evidente a inadequação da aplicação deste nos processos criativos de crescimento etc Talvez este seja um dos grandes desafios atuais da Gestaltterapia entender a relevância da autorregulação organísmica mas sempre a considerando uma busca de equilíbrio equilíbrio esse sempre instável A função autorreguladora não pode ser reduzida a um mecanismo de regulação fisiológica porque ela ocorre na interação do homem com o meio portanto quanto mais fluido for o funcionamento maior será a harmonia entre todos os sistemas ecológicos envolvidos Não há um padrão fixo mas uma constante busca de equilíbrio de modo dinâmico E como a função primeira do organismo é a autorregulação entendida como um processo no campoorganismomeio a autorregulação é pensada como holisticamente orientada não podendo a vinculação com o meio ser deixada de lado Esse sentido de conexão de que somos parte do Todo e portanto criaturas mundanas é o cerne da visão de homem e de mundo da Gestaltterapia REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DAcri G Lima P Orgler S orgs Dicionário de Gestaltterapia Gestaltés 2 ed São Paulo Summus 2012 Delacroix J Encuentro con la psicoterapia 2 ed Santiago Cuatro Vientos 2009 The organism Nova York Zone Books 1995 Lima P Teoria organísmica Revista IGT na rede v I 2005 p 11 29 Perls F Ego fome e agressão São Paulo Summus 2002 Perls F Hefferline R Goodman P Gestalttherapy excitement and growth in the human personality Nova York Bantam 1980 Em português Gestaltterapia São Paulo Summus 1997 Pinto E Psicoterapia de curta duração na abordagem gestáltica Elementos para a prática clínica São Paulo Summus 2009 Smuts J Holism and evolution Nova York Gestalt Journal Press 1996 9 A influência do pensamento oriental na Gestaltterapia ROBERTO PERES VERAS Precursor da Gestaltterapia o psicoterapeuta e neuropsiquiatra Frederick Salomon Perls em sua incessante busca de compreender o ser humano encontrou em vários lugares os conhecimentos necessários para desenvolver seu objetivo Sofreu assim a influência de diversas teorias envolvendose pessoalmente com alguns movimentos terapêuticos e também com a filosofia oriental O contato com essa corrente filosófica serviu de constante fonte de inspiração e colaborou com o desenvolvimento de alguns conceitos na Gestaltterapia Observase a influência do pensamento oriental em sua obra desde seu primeiro livro Ego fome e agressão 2002 Ela se faz presente por meio de elementos imagens e ideias desse universo e também pelo paradoxo do pensamento oriental Na Gestaltterapia quando se aborda a influência do pensamento oriental fazse referência remonta ao taoísmo e ao zenbudismo Mas afinal o que propõem essas duas vertentes filosóficas milenares que permitiram um encontro tão fecundo a ponto de instigar Perls a desenvolver um método psicoterapêutico que possibilitasse ao homem ocidental o mesmo tipo de abertura à autotranscendência humana que ele experimentara com a filosofia oriental Perls 1979 Este capítulo pretende investigar o pensamento oriental o contato de Perls com ele e sua presença na Gestaltterapia Buscamse ainda as aproximações entre o método e a visão de homem da filosofia oriental e da nossa abordagem De início é importante destacar alguns aspectos de fundo do pensamento oriental na medida em que se diferencia do ocidental O pensar oriental exige ultrapassar a lógica formal o reconhecimento da existência como um viver paradoxal e propõe uma ampliação dos conceitos de tempo e espaço ao mesmo tempo que apresenta a compreensão do tempo como um eterno aqui e agora Herrigel 2001 O taoísmo surge na China e encontra na figura de Lao Tsé que viveu entre o final do século VII aC e meados do século VI aC seu maior expoente De forma sintética podese dizer que para Lao Tsé a realidade é sempre formada por opostos Polos opostos que não se excluem mas ao contrário compõemse reciprocamente constituindo uma harmonia equilibrada e ativa ao mesmo tempo que se condicionam e se limitam Dessa forma a compreensão da realidade se afasta de uma visão uni lateral para compartilhar uma visão completa da experiência Uma visão dialética que procura em sua síntese apreender a totalidade da realidade por meio da recomposição de opostos tese e antítese que a formam Podese assim dizer Se o mundo concorda sobre a beleza c porque existe a feiúra Se todos concordam sobre o bem é porque existe o mal O ser e o não ser nascem um do outro o difícil e o fácil são complementares o longo e o curto nascem por comparação o alto e o baixo são interdependentes o som e o silêncio estão em mútua harmonia o anterior e o posterior são correlativos É por isso que o Sábio entregase ao não agir e ensina silenciosamente As coisas inumeráveis são feitas sem a menor palavra A natureza dá nascimento mas nada possui Ela age mas não exige nenhuma submissão Ela tem mérito mas não reclama O fato de que ela nada pretende a torna indispensável Sábio é aquele que busca conhecer o Tao e viver de acordo com ele Tsé 2001 aqui compreendido como o mistério que escapa a qualquer investigação ou lógica discursiva e portanto só pode ser atingível pela intuição mística o Uno o eterno o absoluto o todo Este reúne ao mesmo tempo o yin e o yang a luz e a treva o masculino e o feminino o positivo e o negativo e todos os demais opostos Aquele que coloca em harmonia seu modo de ser e de agir age não pelo seu eu mas deixa que o Tao aja nele e por meio dele sem que seu pequeno eu interfira O budismo surge na índia no século VI aC e assimila uma série de conceitos do hinduísmo quando chega à China Em virtude de sua flexibilidade e tolerância o budismo rapidamente incorpora elementos do taoísmo e se transforma ao mesmo tempo que muda também a cultura chinesa Surge então o Cfratt vertente que posteriormente originará o zenbudismo Cban deriva do sânscrito dhyatia e quer dizer meditação A meditação é um dos pilares da prática budista e na medida em que o povo chinês apresentava como característica o pragmatismo em relação aos indianos ele encontrou grande dificuldade na prática meditativa formal Em função disso uma transformação surge associando o trabalho e as tarefas do cotidiano chinês à prática meditativa desde que elas fossem realizadas com vivacidade atenção e inteireza Quando o budismo chega ao Japão novamente leva parte de suas peculiaridades ao povo do sol nascente e assimila alguns elementos dessa nova cultura Surge então o zenbudismo que para muitos autores trouxe ao budismo parte do frescor original que se perdera durante seu processo de expansão Pinto 1980 O zen consegue alcançar um diálogo significativo com a cultura japonesa ao integrar muitos elementos da arte em sua prática e ao mesmo tempo influenciar toda a arte nipônica Podese perceber tal influência na poesia na dança na caligrafia na pintura como por exemplo o sumiê e nos arranjos florais o iquebana entre outros Nas artes marciais o zenbudismo revelou aspectos de sua visão paradoxal na medida em que justapõe a leveza da arte à densidade das lutas realçando a importância da convivência desses dois aspectos no enfrentamento da vida ALGUMAS IDEIAS SOBRE O BUDISMO Quando comparado com os grandes sistemas religiosos o budismo apresenta uma proposta distinta uma vez que não aborda uma concepção a respeito de Deus aspecto central presente nos outros sistemas religiosos A proposta central do budismo não converge para a busca do religare a religação do homem ao divino mas focase na questão do sofrimento O budismo propõe portanto a compreensão das raízes do sofrimento e o caminho para a superação deste Partindo da premissa básica de que o sofrimento é inerente à condição humana o budismo expande essa percepção para a constatação de que o sofrimento é inerente a todos os seres Por meio da compreensão e da superação do sofrimento o budismo vislumbra uma transformação na consciência de seu praticante Dessa forma podemos compreendêlo como uma filosofia de caráter essencialmente psicológico uma filosofia de vida No pensamento oriental não existe a divisão entre filosofia e religião que vivemos no Ocidente sendo esse aspecto que permite ao interlocutor dialogar com esse sistema como filosofia ou como religião Pinto 1980 Em resumo podemos dizer que o budismo se ocupa das questões centrais da condição humana o nascimento o crescimento o envelhecimento o adoecimento a morte e o sofrimento sendo este último inerente a todos os outros aspectos da condição do ser Outro conceito a ser destacado é o da impermanência a não permanência dos fenômenos do próprio fluxo da vida que está em constante movimento no qual nada para tudo é devir Para o budismo estamos diante do fato de que nada se mantém ou permanece Tudo que existe em algum momento deixará de existir Tudo na existência humana e no mundo é transitório Podemos portanto dizer que tudo é fluir só existindo o porvir No budismo o anseio pela permanência das experiências é denominado apego O apego desvela uma das facetas do sofrimento humano pois o desejo de reter o fluxo dinâmico da vida pode desencadear a aversão a resistência a não aceitação e um fechamento existencial diante das mudanças na vida a perda da abertura para o novo Cabe esclarecer que o budismo não propõe uma abordagem niilista O reconhecimento da impermanência por exemplo permite a ampliação do sentido existencial em direção ao saborear a riqueza de cada momento e à aceitação da chegada de uma nova experiência com o encerramento da anterior Com relação ao conceito de eu o budismo parte da premissa de que a noção de um eu permanente é outro aspecto que também gera sofrimento Para Dogen apud Silva e Homenko 2002 p 237 estudar o budismo ê estudar o eu Estudar o eu é esquecerse de si mesmo Esquecerse de si mesmo significa ver o verdadeiro eu em todas as outras coisas do mundo A impermanência ou transitoriedade que permeia a existência e o mundo também está presente no eu que como todas as coisas está fadado a decair Dessa maneira o eu é constituído de fatores existenciais impessoais formando combinações que se transformarão constantemente num eterno recombinar de configurações e mudanças Gaarder Hellern e Notaker 2001 Portanto é possível concluir que para o budismo o que aparenta ser um eu nada mais é do que um agregado impessoal de fatores existenciais em processos que aparecem e desaparecem A ignorância diante da compreensão desses aspectos da condição humana e a fixação em uma única forma de ser ou um engessamento existencial que aprisiona o homem numa autodefiniçao de si mesmo promovem o apego instauram a dualidade criam um modo restrito de ser levandoo também ao sofrimento Contase que Sidarta Gautama o Buda era bastante cuidadoso e evitava qualquer descrição conceituai sobre o processo da iluminação Quando indagado sobre ele ou sobre os mistérios do universo mantinha um nobre silêncio repetindo que sua doutrina o darma estava apenas preocupada com o caminho para a iluminação Watts 2000 A iluminação satori no zen às vezes também chamada de estado desperto é outro conceito importante e um tanto quanto complexo difícil de ser descrito ou mesmo indefinível algo que só pode ser abordado de forma tangencial Suzuki Fromm e De Martino 1970 Podese compreendêla ainda como a aquisição de um novo ponto de vista um olhar intuitivo ao âmago das coisas em contraposição à compreensão intelectual ou lógica o desabrochar de um novo mundo até então despercebido em face da confusão da mente dualista Suzuki 2002 p 113 Com a iluminação despertase para a natureza búdica natureza que habita todos os seres como plena potencialidade Ao tornarse budas os seres despertam para a natureza verdadeira do ser O que se destaca aqui é uma espécie de abertura que possibilita ao homem um elevado estado de consciência no qual encontra a união com a realidade definitiva do universo rompendo assim qualquer compreensão dualista Para o zen o satori é essencialmente uma experiência súbita que só pode ser encontrada na vida do mundo e não no afastamento do mundo Em outras palavras é na práxis no existir cotidiano com sua fonte primordial de inspiração e provocação que se pode encontrar a centelha para iluminação Para chegar a tal estado o primeiro passo é voltarse para si mesmo para o mundo cotidiano e concreto no qual toda busca principia e ao mesmo tempo se encerra A filosofia budista também ensina que a mente é composta por duas partes uma superficial excitada pelos sentidos e estímulos do ambiente e outra profunda tranquila e imóvel Toda prática meditativa formal ou não visa acalmar essa superfície mais agitada e alcançar essa esfera mais profunda da mente Gaarder Hellern e Notaker 2001 O zenbudismo sustenta todos os elementos do budismo porém enfatiza uma ruptura com a via racional com o pensamento lógico explicativo e com todos os processos mentais Sua proposta é uma captação direta da realidade o reconhecimento da existência como um viver paradoxal visando assim ao alargamento dos conceitos de tempo e espaço Propõe uma faceta mais irreverente provocativa e contraditória que busca promover no praticante uma experiência direta da realidade sem o filtro do intelecto No intuito de alcançar seus objetivos o zen recorre a recursos como koans mondos e a meditação Espécie de enigmas que não podem ser respondidos por raciocínio lógicolinear os koans exigem um exercício de criatividade pois não apresentam uma solução final Ao engajar o praticante no movimento de criação de uma resposta o koan promove uma mudança em sua perspectiva e em sua visão favorecendo o amadurecimento e transformações em sua personalidade Tomemse os seguintes koans como era a sua fisionomia antes de nascer Quando o arqueiro zen lança a flecha o alvo atingido é ele mesmo Quando se bate palma com uma só mão que som se produz Gaarder Hellern e Notaker 2001 Podese dizer que o problema proposto pelo koan não muda mas diante dele a atitude da pessoa se transforma Nesse sentido ao ampliarmos essa ideia a existência humana pode ser vista como um enorme koan no qual com base no vivido cada ser precisa aprender a construir suas respostas criativamente Como o zen preconiza a vida bem como suas grandes questões é para ser vivida e não para ser explicada Um koan a ser decifrado Suzuki 2002 Fritz Perls 1977 p 65 ao desenvolver a ideia do aqui e agora na Gestaltterapia nos apresenta essa proposta por meio de um interessante koan Nada existe a não ser o aqui e o agora O agora é o presente é o fenômeno é o que você percebe E eu digo que não é possível viver no aqui e agora e entretanto nada existe exceto o aqui e agora Já os mondos historietas que abordam aspectos da dimensão universal da condição humana abrem ao praticante a possibilidade de expandir a consciência É o que se pode observar em um trecho de A iluminação da onda Duas ondas conversam Oh como eu sofro As outras ondas são grandes e eu sou pequena Algumas estão em ótima situação e eu sou tão desprezível A segunda responde Você acha que sofre porque não percebeu claramente sua forma original Não sou uma onda Então o que sou Uma onda é apenas sua forma temporária Você é água Água Quando perceber que sua essência é água não ficará confusa em relação a ser uma onda e deixará de sofrer Ah entendi Sou você e você é eu Somos parte de um eu maior As pessoas de forma egoísta julgam pertencer apenas a si mesmas Por isso comparamse umas as outras e acham que sofrem Na verdade todas elas são parte da natureza Pense sobre isso Tsai 1996 p 17 Meditação é uma prática que propõe de certa forma acalmar a superfície agitada da mente a superfície excitada pelos sentidos o que pode ser obtido por meio de treino e exercício constantes que lançam mão de inúmeros recursos No zen a meditação é denominada zazen O zen enfatiza que podemos viver o cotidiano como uma prática meditativa a partir do momento em que esse cotidiano é vivido com presença e atenção constantes em cada experiência Tal consciência cotidiana pode ser entendida como o próprio zen pois é nessas diversas situações que a mente pode ser ampliada Suzuki 2002 Assim o zen revela sua grande ênfase existencial uma vez que o aprendizado também se faz nas vivências diretas e nas circunstâncias concretas do cotidiano Vejamos a seguinte passagem zen Certa vez perguntaram a um distinto instrutor Fazeis qualquer esforço para vos tomardes disciplinado na verdade Sim faço Como vos exercitais Quando estou com fome como Quando estou cansado durmo Isto é o que todo mundo faz Assim podemos considerar que eles estão também se exercitando da mesma forma por que o fazeis Não Por que não Porque quando eles comem não estão comendo e sim pensando em várias coisas deixandose portanto perturbar por vários pensamentos Esta é a razão por que não são como eu Suzuki 2002 p 110 Com base nos elementos citados podemos desenvolver uma teoria sobre o adoecimento humano ele é dado pela própria impermanência O homem está ontologicamente doente pois vive aprisionado à ilusão de reter o fluxo da vida que não para Carregar água em uma cesta de vime é a imagem que podemos usar para ilustrar esse apego essa tentativa do homem de conter o movimento da vida Adoecimento portanto é fruto do fechamento ao porvir do apego que em seu anseio de reter o fluxo da vida restringese ou cristalizase diante do devir O ENVOLVIMENTO DE PERLS COM O ZENBUDISMO Ao avaliar a trajetória de Perls e sua aproximação com o zen é possível distinguir três fases Num primeiro momento seu interesse se deu na África do Sul possivelmente motivado por uma crise pessoal e profissional Existe a hipótese de que a busca de Perls do zen estava mais ligada à necessidade de novos pontos de apoio em decorrência da profunda crise existencial desencadeada pelas frustrações profissionais oriundas dos desencontros da não confirmação e da experiência de não pertencimento vividas no Congresso de Praga evento marcado pelo decepcionante encontro com Freud Figueiroa 1996 Posteriormente nos Estados Unidos com a colaboração de Paul Weisz um dos membros do Grupo dos Sete Perls vive uma fase de aprofundamento e fascínio pelo zen destacando sua sabedoria seu potencial e sua atitude não moral Perls 1979 p 136 Finalmente o entusiasmo de Perls pelo zen levouo ao Japão na expectativa de conhecêlo de forma mais vivencial ao mesmo tempo que pretendia avaliar a eficácia dessa prática em sua viagem Ginger e Ginger 1995 É importante também ressaltar que nessa trajetória Perls nunca aderiu ao zenbudismo como religião Para Loffredo 1994 foi com base nas concepções de Friedlaender filósofo expressionista autor de A indiferença criativa que Perls pôde estabelecer um elo entre a psicologia da Gestalt e o pensamento oriental Posteriormente esses conceitos formarão um todo coeso unificado que estará presente em noções centrais da Gestaltterapia O pensamento oriental parece ter funcionado como um dos fios condutores que colaboraram tanto com o surgimento como com a confirmação de algumas idéias da nossa abordagem Segundo Friedlaender todos os eventos estão relacionados a um ponto zero a partir do qual acontece a diferenciação em opostos É com base nesse estado indiferenciado que se pode pensar por opostos por meio de uma perspectiva paradoxal é possível desenvolver o pensamento diferencial Ressaltese que esses opostos apresentarão uma grande afinidade entre si uma vez que são dimensões de um único fenômeno Permanecendo no centro ou no ponto zero que não é necessariamente um zero absoluto mas um ponto de equilíbrio desenvolvese a capacidade criativa para observar ambos os lados de um mesmo campo evitando uma visão unilateral Abrese a possibilidade de completar uma metade incompleta configurandose assim uma compreensão muito mais abrangente da situação A indiferença criativa não representa desinteresse ao contrário ela é plena de interesse em ambas as direções das diferenciações Perls 2002 O zenbudismo e o budismo chamam esse estado de vacuidade ou vazio que é difícil de captar e consagram a ele vários escritos Suzuki 2002 Suzuki Fromm e De Martino 1970 Vacuidade ou vazio sunyata em sânscrito o vazio de todos os seres separados Na vida o único princípio permanente é a natureza búdica De maneira objetiva podemos dizer que o vazio é a base do ser sendo essa base abertura ou potencialidade No nível básico do ser existe o vazio de características definíveis a abertura infinita que permite a qualquer coisa surgir transformarse desaparecer ou reaparecer Nesse contexto abrese a potencialidade à experimentação de todas as possibilidades na medida em que não existe uma definição do ser baseada em experiências passadas presentes ou por prospec ções futuras Para o budismo a natureza de todos os fenômenos é vazia uma vez que não há um sentido permanente o significado é sempre atribuído por quem o percebe O conceito de polaridades que se fundamenta na com preensão da dinâmica polar de todo e qualquer acontecimento surge da aliança entre o pensamento diferencial com sua proposta de integração de opostos e a ideia da convivência simultânea de opostos que constitui uma harmonia equilibrada e ativa postulada pelo pensamento oriental De acordo com Perls 1979 p 96 Na prática gestáltica o conflito pode ser visto como expressão de polaridades em antagonismo e ao mesmo tempo transformarse num meio para o crescimento e a expansão do selfAo lançar mão da perspectiva do ponto zero o trabalho terapêutico permite a abertura de um espaço no campo que possibilite transcender a perspectiva dualista a estagnação e a acomodação Assim a busca do equilíbrio é possível favorecendo o movimento rumo à integração a partir da reorganização do campo Souto 2007 Outro conceito surgido desse encontro é o de vazio fértil constantemente utilizado por Perls vazio fecundo de possibilidades e criatividade estado posterior ao fechamento de uma Gestalt e anterior à formação de uma nova figura encontro da vacuidade ou vazio do zenbudismo com a indiferença criativa de Friedlaender Considerando o ciclo do contato vazio fértil é a fase intermediária entre o póscontato e o précontato subsequente Ele é sinônimo de abertura do self abertura a todas as possibilidades revelando o potencial criativo que permitirá o emergir de uma nova experiência Brito 2012 Para Ribeiro 1985 p 128 vazio fértil é aquele momento supremo de abandono de entrega a si mesmo como única resposta possível e a partir do qual tudo pode acontecer Também é possível perceber conceitos da filosofia oriental que reafirmam a perspectiva de Perls com base nos elementos da Gestalt Por exemplo o processo de formação de figurafundo e a Gestalt emergente e toda a fluidez desse processo ilustram a maneira como o organismo vive suas relações com o meio ou como os fenômenos acontecem Tais noções encontram similaridade no pensamento oriental O zen insiste em reiterar que todos os fenômenos assim como a vida estão em um constante fluir no qual nada permanece a não ser a própria fluidez em outras palavras um eterno processo de formação e destruição de Gestalten Perls revelava uma preferência pelo uso do termo satori ou mini satori em substituição ao termo gestáltico insight para descrever situações de descobertas súbitas e intensas que explicitariam com mais propriedade o vislumbrar repentino de uma nova relação de significados que até então não havia sido percebida Para Ribeiro 1985 o sentido de abertura de fuga do domínio do pensamento o abandono de si próprio a volta ao corpo e às emoções a fuga dos rituais da não espera programada e do deixar acontecer são influências nítidas do zen e do taoísmo Essas influências transmitiram à Gestalt um modo de estar na realidade e de a ela reagir que tornam nossa abordagem mais que uma teoria uma filosofia de vida A investigação a respeito das aproximações entre a estratégia da meditação zen e o continuum de awareness na Gestaltterapia abordada por vários autores Figueiroa 1996 Hycner 1995 Lofredo 1994 permite observar que ambos favorecem uma visão interna que possibilita o emergir de aspectos da própria vida do próprio ser e a realização de ambos da forma o mais direta possível A meditação e a awareness apresentam foco na atenção do aqui agora possibilitando por meio da concentração e do acompanhamento de cada vivência a descoberta daquilo que sempre esteve presente mas não plenamente consciente e portanto não apropriado Diante das duas práticas não há necessidade de uma busca externa mas simplesmente a possibilidade de um maior contato com a situação com a experiência vivida Nela desvelamse o próprio ser os processos de expansão da consciência e de transformação humana Outro aspecto importante dessas propostas é a atitude que fundamenta e sustenta suas práticas Na Gestaltterapia o continuum de awareness ou presentificação possibilita a investigação da própria experiência por meio de um olhar ingênuo que suspende temporariamente seu saber na tentativa de assim apreender o vivido em sua essência e na busca de um sentido singular e peculiar para aquela pessoa Já na meditação essa atitude aparece no chamado olhar de principiante que visa à manutenção da mente vazia e aberta Esse olhar abandona o conhecimento e o domínio das coisas Para o zen ambos poderiam obstruir a capacidade de abertura e de receptividade para o novo e para a construção de novos sentidos Suzuki 1996 E a atitude de principiante diante da vida que de fato possibilita a aprendizagem Essas idéias e atitudes do zen e da Gestaltterapia encontram correspondência na fenomenologia que sugere a colocação de valores e préconcepções entre parênteses suspendendo a crença no mundo natural e olhando para os fenômenos com um olhar ingênuo As práticas do zen e da Gestalt terapia preconizam a mesma postura ante a possibilidade de aproximação e compreensão das experiências humanas e do processo de autoconhecimento A meditação é compreendida como uma prática que possibilita um estado de abertura necessária à apreensão das sutilezas da vida cujo sonambulismo do cotidiano com seu véu não nos permite usufruir Em outras palavras a meditação propõe a expansão da consciência ou ampliação da mente que desenvolve um maior senso de presença e inteireza no viver de cada situação O continuum de awareness que se estrutura por meio do aqui e agora e do contato também visa à expansão da consciência gerando um maior senso de presença e inteireza no viver a centralidade no presente e consequentemente uma melhor apropriação da condição existencial da pessoa Assim tanto a meditação quanto o método de awareness são similares em sua estrutura sua prática e aparentemente em seu objetivo na medida em que ambos se propõem a auxiliar o ser humano a se alojar no presente e a se apropriar melhor do viver A investigação a respeito das visões do homem e das concepções de cura tanto na Gestalt terapia quanto no zen remete à confiança no ser e é nessa perspectiva que ambas se desenvolvem ancoradas na crença do potencial humano de integração e desenvolvimento Enfatizam a liberdade do homem sua responsabilidade perante a existência sua capacidade de escolha seu poder sobre si mesmo e sobre o próprio existir Valorizam também a capacidade de expansão da consciência e a busca incessante da transcendência entendida como o movimento humano de ir mais além de si mesmo Na perspectiva budista a liberdade não é outorgada mas cultivada independentemente das condições ou do ambiente em que o indivíduo se encontra A liberdade expõe a capacidade do ser humano de lidar com as adversidades possível a partir do momento em que ele conhece seus sentimentos raiva inveja orgulho desespero e angústia e aprende a se relacionar com eles A transformação de tais sentimentos instrumentaliza os indivíduos perante qualquer acontecimento do cotidiano tornandoos mais fortalecidos firmes capazes de residir no aqui e agora sem se deixar absorver pelos acontecimentos do passado ou do futuro Serão pessoas mais livres capazes de lidar melhor com qualquer situação independentemente das circunstâncias Para a Gestaltterapia a noção de liberdade está muito próxima à da perspectiva budista O homem não escolhe o local de seu nascimento mas uma vez lançado ao mundo cabe a ele construir o próprio projeto existencial dentro das limitações do meio em que está inserido O homem sempre terá liberdade de escolha e de ação dentro desse campo liberdade compreendida como a capacidade de criação dentro do possível Mas a própria noção de liberdade impõe diferenças entre as duas perspectivas envolvendo a compreensão e a visão do conceito de angústia Na perspectiva fenomenológica característica da Gestaltterapia em sua vertente existencial o homem é apresentado como abertura Ante essa abertura ele não reúne condições de prever e consequentemente não tem garantias para suas escolhas Sua trajetória será sempre marcada pela angústia e impossibilidade de realizar todas as suas potencialidades e também pela precariedade da existência humana pois invariavelmente caminhamos para a morte É a vivência da angústia que desvela ao homem suas possibilidades colocandoo em contato com o nada com o não ser com aquilo que ainda não é no entanto poderá ou não ser Nessa abordagem a angústia não pode ser superada pelo homem mas sustentada por ele Em última instância o homem pode caminhar para a morte sem medo mas não sem angústia uma vez que esta traz a própria possibilidade da impossibilidade Para o budismo o ser humano também é abertura O sofrimento assim como a angústia faz parte da condição humana e se apresenta como oportunidade para o autoconhecimento para a descoberta de si mesmo e para a transcendência Contudo o budismo acena para a possibilidade da supressão dos desejos e para o desapego ao eu movimento por meio do qual se pode chegar à eliminação do sofrimento e da própria angústia Tal desprendimento permite a continuidade dos ciclos do nascer e do morrer mas sob a perspectiva de ultrapassagem do sofrimento e da angústia Isto é desse ângulo a angústia pode sim ser superada Gestaltterapia e zenbudismo acreditam na transformação do ser humano rumo ao desabrochar de sua verdadeira natureza Ambos privilegiam o fundamento relacionai da existência humana Na Gestaltterapia este surge na noção do entre do dialógico do relacionai Buber 1979 No zen aparece no conceito de interser ou da interdependência A quebra dos pontos de apoio1 proposta pelo zen pode ser comparada à restauração dos processos de cristalização na Gestaltterapia No zen esses pontos podem revelar futuros impedimentos e restrições ao existir fluido11 do ser humano Na Gestaltterapia possibilitam corresponder aos próprios processos cristalizados em situações de engessamento que estariam estagnando o processo maturacional humano Muito embora a Gestaltterapia e o zen destaquem a importância do desabrochar humano a compreensão de nossa própria e mais íntima natureza o entrar em contato com nosso sábio interior suas concepções de natureza humana apresentam diferenciações Ribeiro 1998 p 57 A Gestaltterapia não apresenta um acervo fechado e definido para as possíveis facetas do humano uma vez que ele é um ser aberto às infinitas possibilidades num constante vir a ser Não define a planta que a semente carrega embora acredite na planta que habita a semente como potencial a se desenvolver Já para o budismo há um alvo claro para a flecha natureza humana o homem é Buda aquele que pode superar o sofrimento bastando para isso despertar essa natureza do seu verdadeiro ser Sua concepção de natureza humana parece encampar toda a proposta da Gestalt terapia mas a modifica e a ultrapassa na medida em que revela uma continuidade para a perspectiva de homem da Gestalt quando prevê a valorização e até a idealização do ser humano com um objetivo claro e atingível ou alcançável a respeito do seu fim último REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Brito M A Q Vazio fértil In DAcri G Lima P Orgler S orgs Dicionário de Gestalt terapia gestaltês 2 ed São Paulo Summus 2012 Buber M Eh e tu São Paulo Cortez 1979 Figueiroa M Reorientese Revista de Gestalt Departamento de Gestaltterapia do Instituto Sedes Sapientiae São Paulo v 51996 Gaarder J Hellern V Notaker H O livro das religiões São Paulo Companhia das Letras 2001 Ginger S Ginger A Gestalt uma terapia do contato São Paulo Summus 1995 Hall C S Lindzey G Teorias da personalidade 18 ed São Paulo EPU 1984 Herrigel E A arte cavalheiresca do arqueiro zen São Paulo Pensamento 2001 Hycner R De pessoa a pessoa psicoterapia dialógica São Paulo Summus 1995 Loffredo A M A cara e o rosto ensaio sobre Gestaltterapia São Paulo Escuta 1994 Perls F S Gestaltterapia explicada 2 ed São Paulo Summus 1977 Escarafunchando Fritz dentro e fora da lata de lixo São Paulo Summus 1979 Ego fome e agressão uma revisão da teoria e do método de Freud São Paulo Summus 2002 Pinto G A C O zen e as artes japonesas Cadernos Cândido Mendes Centro de Estudos AfroAsiáticos Rio de Janeiro n 331980 Ribeiro J P Gestaltterapia refazendo um caminho São Paulo Summus 1985 Ribeiro W Existênciaessência desafios teóricos e práticos das psicoterapias relacionaisSão Paulo Summus 1998 Silva G Homenko R Budismo psicologia do autoconhechnento São Paulo Pensamento 2002 Souto M C P Polaridades opostos forças opostas In DAcri G Lima P Orgler S orgs Dicionário de Gestaltterapia gestaltês 2 ed São Paulo Summus 2012 Suzuki D T Mente zen mente de principiante 2 ed São Paulo Palas Athena 1996 Introdução ao zenbudismo 8 ed São Paulo Pensamento 2002 Suzuki D T Fromm E De Martino R Zenbudismo e psicanálise São Paulo Cultrix 1970 Tellegen T A Gestalt e grupos uma perspectiva sistêmica São Paulo Summus 1984 TsaIjCC Zen em quadrinhos Rio de Janeiro Ediouro 1996 Tsé L Tao te ching São Paulo Paulus 2001 Watts A W O espírito do zen São Paulo Cultrix 2000 Os autores Ari Rehfeld Psicólogo e psicoterapeuta é professor e coordenador da Abordagem Fenomenológico Existencial na Faculdade de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUCSP sendo precursor dessa abordagem na Gestaltterapia brasileira Além de professor da pós graduação da Faculdade de Economia e Administração de Belo Horizonte Fead é diretor e coordenador do Centro de Formação e Coordenação de Grupos em Fenomenologia Fenô e Grupos Dedicouse também à educação tendo atuado como diretor da área pedagógica da rede de 15 escolas da comunidade judaica de São Paulo Claudia Lins Cardoso Doutora em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro PUC Rio é professoraadjunta do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia c Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais UFMG Gestaltterapeuta é professora convidada do curso de pósgraduação em Psicologia Clínica Análise Existencial e Abordagem Gestáltica da Faculdade de Economia e Administração de Belo Horizonte Fead Hugo Elídio Rodrigues Mestre em Psicologia Social pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro Uerj é Gestalt terapeuta Atua em consultório particular atendendo adultos casais e grupos Professor universitário entre 2006 e 2009 é sóciofundador e diretor do Instituto de Psicologia Gestalt em Figura Professor formador e palestrante em diversos temas na abordagem gestáltica coordena workshops terapêuticos e workshops de treinamento Autor de Introdução à Gestaltterapia Vozes 2000 escreveu também o verbete Teoria de campo no Dicionário de Gestaltterapia Summus 2007 Karina Okajima Fukumitsu Psicóloga e psicoterapeuta é professora do curso de Psicologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie Doutoranda em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade São Paulo USP é mestre em Psicologia Clínica pela Michigan School of Professional Psychology EUA especialista em Psicopedagogia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUCSP e em Gestaltterapia pelo Instituto Sedes Sapientiae É autora dos livros Suicídio e Gestaltterapia e Perdas no desenvolvimento humano um estudo fenomenológico DPP 2011 Lilian Meyer Frazão Uma das pioneiras na abordagem gestáltica no Brasil é mestre em Psicologia Clínica pela Universidade de São Paulo USP professora do Instituto de Psicologia da mesma instituição e docente do Departamento de Gestaltterapia do Instituto Sedes Sapientiae Colaboradora em treinamentos de Gestaltterapeutas no Brasil e no exterior é autora de artigos em revistas e responsável pela tradução de artigos e livros de Gestalt para o português Marisete Malaguth Mendonça Especialista em abordagem gestáltica é mestre em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica de Goiânia PUCGO Fundadora do Instituto de Treinamento e Pesquisa em Gestaltterapia de Goiânia ITGT onde é professora diretora acadêmica e orientadora de pesquisas clínicas temse dedicado aos seguintes temas relação entre fenomenologia e dialógica significação e manejo dos sintomas e importância do não dito na psicoterapia Patrícia Valle de Albuquerque Lima Ticha Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ é psicoterapeuta e supervisora na abordagem gestáltica Professoraadjunta do curso de Psicologia do Polo Universitário de Rio das Ostras Puro da Universidade Federal Fluminense UFF colabora com os cursos de especialização em Psicologia Clínica do Instituto Carioca de Gestalt terapia do Instituto de Gestaltterapia e Atendimento familiar IGT e do Comunidade Gestáltica É ainda colaboradora do Instituto de Gestaltterapia de São Paulo e membro do conselho consultivo dos periódicos IGT na Rede e Revista da Abordagem Gestáltica Roberto Peres Veras Psicólogo clínico é mestre em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUCSP e especialista em Gestaltterapia pelo Instituto Sedes Sapientiae Profes sorsupervisor clínico na Universidade de Santo Amaro Unisa é professor colaborador do Instituto Gestalt de São Paulo além de professor convidado do departamento de Gestaltterapia do Instituto Sedes Sapientiae do curso de especialização em Gestaltterapia de MaringáNúcleo de Educação Continuada do Paraná e do Instituto de Aconselhamento e Terapia do Sentido do Ser Iates Notes 1 2 3 4 5 6 7 8 9