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Psicologia Social

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Serge e Anne Ginger GESTALT UMA TERAPIA DO CONTATO 5a edição SUMUS editorial 100199 W057WÏIODD0 DO B R A SIL DDO OaOO 235 09 Dados internacionais de Catalogação na Publicação c i p Câmara Brasileira do Livro c i p Brasil Ginger Serge Gestalt uma terapia do contato Serge Ginger e Anne Gin ger tradução Sonia de Souza Rangel São Paulo Sum mus 1995 Bibliografia ISBN 8532304524 1 GestaltTerapia I Ginger Anne II Título 950405 c d d 61689143 índices para catálogo sistemático 1 Gestalt Psicoterapia Medicina 61689143 2 GestaltTerapia Medicina 61689143 Do original em língua francesa La Gestalt Une thérapie du contact Copyright 1987 Hommes et Groupes Editéurs Tradução de Sonia Rangel Revisão técnica de Jean Clark Juliano Capa de Isabel Carballo Proibida a reprodução total ou parcial deste livro por qualquer meio e sistema sem o prévio consentimento da Editora Direitos para a língua portuguesa adquiridos por SUMMUS EDITORIAL LTDA Rua Cardoso de Almeida 1287 05013001 São Paulo SP Telefone 011 8723322 Caixa Postal 62505 CEP 01214970 que se reserva a propriedade desta tradução Impresso no Brasil Sumário Apresentação à edição brasileira 7 Prefácio da edição francesa 9 Capítulo 1 Um primeiro olhar sobre a Gestalt 13 Primeira parte Fundamentos conceituais da Gestalt Capítulo 2 A árvore genealógica da Gestalt 33 Capítulo 3 Fritz Perls 43 Capítulo 4 A Gestalt e a psicanálise 62 Capítulo 5 O parentesco oriental 83 Capítulo 6 A psicologia humanista e a Gestalt 93 Capítulo 7 Abordagem sistêmica e Gestalt 105 Segunda parte Métodos e técnicas da Gestalt Capítulo 8 A teoria do self 125 Capítulo 9 A relação terapêutica em Gestalt 143 Capítulo 10 O corpo e as emoções em Gestalt 160 I Capítulo 11 O cérebro e a Gestalt 175 Capítulo 12 O imaginário em Gestalt 195 Capítulo 13 O desenvolvimento da Gestalt 213 Anexos 1 Depoimento de uma estagiária 242 2 Bibliografia resumida de algumas das obras consultadas 245 3 Bibliografia sumária de algumas publicações sobre Gestalt em língua francesa 247 4 Bibliografia de algumas obras de Gestalt em outras línguas 250 5 Glossário 254 6 Quadro cronológico sinótico 264 7 Árvore genealógica da Gestalt 269 Apresentação à edição brasileira A Gestaltterapia chegou até nós brasileiros há cerca de vinte anos Os primeiros textos foram trazidos dos Estados Unidos por alguns de nós movidos pelo entusiasmo de conhecer algo muito novo no cenário das psicoterapias Eles foram traduzidos e assim tanto os profissionais da área de psicoterapia bem como o público em geral tomaram conta to com a riqueza desta abordagem Alguns fizeram uma leitura simplista e utilitária dos textos então disponíveis Não se deram conta de que o momento culminante e efer vescente da Gestaltterapia nos Estados Unidos foi liderado pessoalmente por Fritz Perls então com 70 anos bem vividos e vasta bagagem clínica As sessões ou os trabalhos descritos nos livros eram tirados de de monstrações públicas em que os clientes eram profissionais em fase de treinamento Foi somente algum tempo depois que pudemos ter acesso aos relatos de processos psicoterápicos de maior duração Para os leitores incautos os resultados pareciam mágicos e que havia sidodescoberta uma forma de terapia instantânea Em conse qüência disso muitos se entusiasmaram com as técnicas de Gestalt e começaram a aplicálas sem o menor critério e entendimento do seu contexto e finalidade com resultados pouco eficientes para não dizer danosos Dizia Joseph Campbell Aqueles que não conseguem ver além dos símbolos e aparências me parecem comensais que ao entrarem num res taurante comem o cardápio e não sabem esperar para saborear as igua rias ali descritas E acrescenta Parece que estamos vivendo numa épo ca em que muitos cardápios são mastigados e o resultado é um senti mento de vazio e de empobrecimento do espírito 7 Serge e Anne Ginger Gestaltterapeutas franceses se preocuparam em veicular com seriedade a abordagem gestáltica sem perder uma lin guagem coloquial e bemhumorada Isso facilita a apreensão dos con ceitos tanto para os terapeutas de outras orientações como para um pú blico leigo interessado na área psicológica Eles foram cuidadosos com os leitores anexando um glossário explicativo dos termos técnicos utilizados Os especialistas em Gestaltterapia ganharam uma excelente visão panorâmica do contexto maior em que se insere nosso trabalho nomea das que foram as principais influências filosóficas e psicológicas que mol dam o nosso arcabouço além disso foi introduzido um capítulo muito bemvindo sobre as bases neurofisiológicas do comportamento tema atualmente muito discutido As tabelas cronológicas apresentadas sintetizam esse conjunto e as sim podemos visualizar a ebulição e a riqueza do pensamento europeu na primeira metade deste século remonta a esta época o surgimento do psicodrama da análise existencial da terapia centrada na pessoa só para citar as tendências mais próximas da Gestalt Os conceitos são colocados de maneira clara e simples Os exem plos dados trechos de sessões relatados emprestam um tempero espe cial ao texto São também apresentados exemplos de aplicação dos prin cípios da Gestaltterapia em outras áreas que não o trabalho clínico de consultório ampliando sua utilização no campo da educação empresas e instituições de diversos tipos Quero também ressaltar a importância da apresentação atualizada das contribuições de diferentes autores europeus contemporâneos para nós desconhecidos até este momento Os autores incluíram também um roteiro bem sinalizado de artigos em francês inglês espanhol italiano Resumindo este livro nos proporciona um caminho muito vivo e ágil que ajuda a elucidar questões com que somos confrontados no dia adia do exercício de nossa profissão Bom proveito Jean Clark Juliano Psicoterapeuta pioneira da Gestaltterapia no Brasil Prefácio da primeira edição1 Por que este livro certamente esta não seria uma pergunta muito gestaltista2 Para quem já seria mais aceitável porque em Gestalt des confiamos das comunicações anônimas ou não direcionadas incentiva mos principalmente as mensagens diretas personalizadas orientadas sem ambigüidades Este livro como seria enfim a pergunta gestaltista mais orto doxa A resposta é um livro sobre Gestalt escrito em estilo gestaltis ta ou seja com o coração e a cabeça espontaneamente no aqui e agora do que sinto deixando que meu cérebro direito se expresse na emergência da relação imaginária que se estabelece no momento en tre você e eu ou antes entre você e nós pois este livro que escrevi com minha mão e minhas palavras traduz de fato uma experiência comum idéias compartilhadas tecidas com fios multicoloridos entre laçados nem verdadeiramente paralelos nem verdadeiramente cru zados por Anne e eu há 35 anos na mesma tripulação dividindo apesar dos conselhos de muitos colegas esclarecidos nosso traves seiro e nosso trabalho trazendo nossa alegria de viver para nosso tra balho e nosso trabalho sob nosso teto 1 Este livro é uma edição resumida pela metade aproximadamente do texto original publicado por Hommes e Groupes Ed Paris que teve sua primeira edição em 1987 e a quarta em 1992 com cerca de 500 páginas 2 De inspiração fenomenológica a Gestalt de fato se interessa mais pelo como do que pelo porque das coisas e dos comportamentos procurando observar e descrever os fenômenos com uma visão sem preconceitos antes de tentar entendêlos ou interpretálos 9 Por respeito à autenticidade e desejando uma troca mais direta com o leitor quase sempre me expressei na primeira pessoa mas não houve uma página que não tenha sido debatida com Anne às vezes durante horas Resisti mais ou menos à pressão de alguns de nossos alunos que insistiam para que eu redigisse um tratado ou seja um manual de Ges talt claro e completo ordenado como um museu com suas vitri nes etiquetadas Preferi apresentar um depoimento pessoal comprometido alimen tado tanto por uma vivência cotidiana quanto por teorias convidando vocês para um passeio ao acaso entre as atrações da paisagem percorri da Eu me permiti sair por alguns momentos da estrada em breves es capadas ao sabor de minha fantasia nunca suportei os itinerários fi xos em que acabamos sonolentos com a cadência dos passos Assim sendo haverá neste livro algumas digressões aparentes e re petições deliberadas porque há coisas que gostamos de repetir há vere das familiares incessantemente retomadas Desta forma não empreenderemos juntos uma escavação arqueo lógica sistemática e entediante de cada sítio gestaltista visitado não nos esgotaremos passando o pente fino em cada noção escavada Antes aca riciaremos com ternura algumas formas encontradas e que nos conve nham e deixaremos outras pelo caminho preferindo o prazer da busca a saciar prematuramente a sede de descoberta O procedimento será circular ou melhor em espiral aberta peram bularemos pelas regiões da Gestalt passando várias vezes pelos mesmos lugares escavando mais em cada ocasião em vez de raspar metódica e laboriosamente o terreno a cada etapa antes de seguir adiante Essa abordagem nos parece mais conforme a realidade de qualquer existên cia e mais coerente além disso com nossa percepção da Gestalt que se inspira não em um procedimento lógico mas analógico não siste mático mas sistêmico em constante interdependência com o meio ali mentada por uma rede abundante de interconexões de todos os tipos e níveis sensoriais emocionais imaginárias verbaisindividuais culturais ou cósmicas Este livro é feito para ser lido e compreendido Portanto foi re digido em uma linguagem que pretende ser acessível a todos e me es forcei para evitar a armadilha do jargão psi flagelo endêmico de uma confraria de iniciados que se satisfaz placidamente em pregar só para os convertidos A Gestalt está em plena evolução tanto mais que ela teve a sorte de não se cristalizar prematuramente em um dogma intocável Seu prin cipal mentor Fritz Perls tinha repugnância por qualquer teorização 10 Loose your head come to your senses gostava ele de repetir Nós não o acompanharemos em seus excessos reacionais e provoca dores que consideravam qualquer atividade intelectual uma merda bullshit mas não queremos tampouco nos tornar cúmplices de uma sociedade que nos condena à hemiplegia ao supervalorizar o he misfério cerebral esquerdo analítico lógico e científico negligen ciando de forma crônica o hemisfério direito sintético analógico e artístico De fato para nós A gestalt é tanto uma arte quanto uma ciência e todos podem praticála à sua própria maneira traduzindo sua perso nalidade sua experiência e sua filosofia de vida Não seria supérfluo enfim assinalar a evolução fundamental das idéias e a recente revolução das formas de pensamento e de comunica ção ocorridas após a época de Péris e dos primeiros teóricos da Gestalt como Paul Goodman Assimpor exemplo surgiram no horizonte a cibernética a teoria geral dos sistemas e a revolução da informática a hipótese da relativi dade complexa em física as neurociências psicofisiologia do cérebro e quimioterapia etc Todos esses trabalhos e pesquisas causaram um impacto conside rável na biologia na psicologia na psiquiatria na sociologia na filo sofia e de forma mais geral em tudo que se refere ao ser humano e seus sistemas de contato e de comunicação Suas conseqüências so bre as ciências humanas não podem ser mais negligenciadas e não é mais possível aderir cegamente e sem reservas ao conjunto das hipóte ses de Freud ou Perls elaboradas há muitos anos na primeira metade deste século É claro que reivindico a responsabilidade por todas as afirmações e hipóteses deste livro e prefiro a eventual contestação de alguns cole gas a um conformismo estático a Gestalt nos lembra aliás que é preci so destruir para digerir que é preciso morder rasgar mastigar e remas tigar pacientemente e não introjetar uma alimentação constituída de pratos cozidos e já prontos raramente adaptados ao estômago e ao gosto individual Sou responsável por minhas formulações escolhas obrigatória e de liberadamente subjetivas e também por meus erros preço da liberda de mas no sou o autor dos materiais propriamente ditos desta obra Este livro foi construído a partir de uma rede permanente de tro cas intelectuais e emocionais às vezes apaixonadas 11 com nossos amigos e colegas do ifepp3 há mais de vinte anos com nossos professores americanos de Gestalt e principalmente Joan Fiore Abraham Levitsky Jack Downing Richard Price Frank e liana Rubenfeld Paul Rebillot Alan Schwartz Gedeon Schwartz Joe Cam hi Seymour Carter Barry Goodfield George Thomson e muitos outros com nossos colegas da Société Française de Gestalt4 desde sua fun dação em 1981 também e principalmente trocas profundas com nos sos alunos da École Parisienne de Gestalt5 que confiaram em nós o bas tante para ousarem sempre nos interpelar até criticar numa exigência incansável levandonos a explorar continuamente em conjunto novas pistas Gallardon 1987 3 i f e p p Institut de Formation et dÉtudes Psychosociologiques et Pédagogiques As sociação fundada em 1965 140bis Rue de Rennes 75006 Paris Tel 1 42229550 Fax 1 45443599 4 Société Française de Gestalt s f g Associação fundada em 1981 Reúne gestaltistas profissionais de todas as tendências Em 1992 54 membros titulares e mais de 200 mem bros associados 5 École Parisienne de Gestalt e p g ligada ao i e f p p fundada em 1981 Os mesmos telefones do Instituto ou diretamente com os Ginger Tel 33 37314559 fax 33 37315574 12 Ca p í t u l o 1 Um primeiro olhar sobre a Gestalt Mas o que é de fato a Gestalt Was ist das 1 Gestalt é uma palavra alemã2 hoje adotada no mundo inteiro pois não há equivalente em outras línguas Gestalten significa dar forma dar uma estrutura significante Na realidade mais do que Gestalt exato seria dizer Gestaltung pa lavra que indica uma ação prevista em curso ou acabada que implica um processo de dar forma uma formação Nossos dicionários comuns só registraram até agora o primeiro sentido histórico de psicologia da Gestalt teoria segundo a qual nosso campo perceptivo se organiza espontaneamente sob a forma des con juntos estruturados e significantes formas boas ou gestalts fortes e plenas A percepção de uma totalidade por exemplo um rosto hu mano não pode se reduzir à soma dos estímulos percebidos pois o todo é diferente da soma de suas partes 1 Was ist das Em alemão o que é 2 A palavra Gestalt apareceu em 1523 em uma tradução da Bíblia Ela é formada a par tir de um particípio passado vor Augen gestallt colocada diante dos olhos exposta aos olhares e tem então a mesma etimologia de prostituta colocada na frente exposta aos olhares sic A raiz indoeuropéia sta estar em pé deu margem a um enorme campo semântico por exemplo grego statos rígido latim stare em pé alemão stall posição domicí lio stehem em pé inglês stay stand em pé francês stage estágio station postura stable estável installer instalar établir estabelecer état estado rester ficar arrêt parada exister existir etc 13 assim a água é diferente do oxigênio e do hidrogênio Da mesma maneira uma parte num todo é algo bem diferente desta mesma parte isolada ou incluída num outro todo porque ela extrai propriedades particulares de seu lugar e função em ca da um deles assim num jogo um grito é diferente de um grito numa rua deserta estar nu embaixo do chuveiro não tem o mesmo sentido que passear nu pela rua Para compreender um comportamento o que conta então não é somente analisálo mas sobretudo ter dele uma visão sintética percebê lo no conjunto mais amplo do contexto global ter uma visão não tanto aguda mas ampla A terapia unidade saúde santidade Voltarei mais adiante à psicologia da Gestalt ou teoria da forma Este livro trata da Gestaltterapia Gestalt Therapy em inglês freqüen temente abreviada como GT e para evitar qualquer confusão eu não deveria omitir o segundo termo Mas é de propósito que não o mencio no sistematicamente De fato a palavra terapia costuma ter para a maio ria das pessoas um sentido restrito O dicionário ainda a define como O conjunto das ações epráticas destinadas a curar ou tratar as doen ças enquanto a própria OMS Organização Mundial da Saúde lem bra já em seu preâmbulo que A saúde não é a ausência de doença ou de enfermidade mas um estado de completo bemestar físico mental e social Portanto nessa perspectiva global holística 3 a terapia visa a manutenção e o desenvolvimento desse bemestar harmonioso e não a cura a reparação de qualquer distúrbio que subentenderia uma 3 Do grego holos tudo de que derivaram entre outros no latim solidus inteiro sólido salvus intacto são e daí salve saudação cumprimento solidare unido etc En contramos esta raiz em inúmeras línguas indoeuropéias e semíticas inglês to heal curar holy santo unificado alemão heilen curar e daí heil vivo heilig santo Ainda a en contramos no persa saiam saudações cumprimento em hebreu shalom O francês só conservou esta raiz em holocauste sacrifício em que a vítima é intei ramente queimada e catholique universal Pareceme significativo assinalar o parentesco etimológico entre saúde e as noções de unificação de integridade e assim de Gestalt forma global integrada e seu campo semântico comum com santidade outra forma de unificação do ser 14 referência implícita a um estado de normalidade posição oposta ao próprio espírito da Gestalt que valoriza o direito à diferença a origina lidade irredutível de cada ser Essa terapia então reúne a noção de desenvolvimento pessoal de formação4 e a de plenitude do potencial humano que difere explici tamente das visões normalizadoras centradas na adaptação social As sim para o gestaltista Goldstein um dos primeiros professores de Perls e sobretudo de sua mulher Laura O normal não deve ser definido pela adaptação mas ao contrário pela capacidade de inventar novas normas 5 A quem então se destina a Gestalt A Gestalt é hoje praticada em contextos e com objetivos muito di ferentes em psicoterapia individual face a face em terapia de casais com a presença simultânea dos dois parceiros em terapia familiar em gru pos contínuos de terapia com sessões semanais eou um fim de semana por mês mas também em grupos de desenvolvimento pessoal do po tencial individual assim como em instituições escolas estabelecimen tos para jovens desajustados hospitais psiquiátricos etc ou ainda em empresas do setor industrial ou comercial Ela diz respeito às pessoas que sofrem de distúrbios físicos psicos somáticos ou psíquicos classificados de patológicos mas também às pessoas que enfrentam dificuldades com problemas existenciais infeliz mente comuns conflito rompimento solidão luto depressão desem prego sentimento de inutilidade ou impotência etc ou ainda mais am plamente qualquer pessoa ou organização que esteja procurando desabrochar melhor seu potencial latente não só um melhorser mas um maisser uma qualidade de vida melhor Há patologias pesadas e há doentes profundamente perturbados psicóticos angustiados e neuróticos desesperados Recebemos pessoas co mo essas todos os dias em terapia individual e de grupo Mas há por outro lado problemas existenciais mais comuns e há muito tempo as estatísticas de todos os países nos lembram que os suici das são bem mais numerosos entre os chamados normais do que en tre os doentes mentais declarados Onde acaba o normal onde começa a patologia Como discernir entre a coerção excessiva de um manicômio e a antipsiquiatria romântica 4 No sentido etimológico de dar forma nova ou Gestaltung 5 Goldstein K The structure o f organism Nova York 1934 15 Quem poderá dizer se o luto por um ente querido ou um rompi mento amoroso importante são mais fáceis do que uma neurose obses siva ou uma frigidez primária Não temos parâmetros para avaliar a pro fundidade dos problemas e enfim pouco importa a nosografia erudi ta medida pelo peso das palavras Recusome a optar entre doença e malestar existencial e não sou contra a terapia para normais preconizada por Perls que achava uma pena só reservar seu método aos doentes e marginais História e geografia da Gestalt Mas o que é enfim essa Nova Terapia de contornos ainda indefi nidos para o grande público e que foi batizada sucessivamente por uns e outros de terapia da concentração terapia do aqui e agora psicaná lise existencial terapia integrativa psicodrama imaginário e de tantas outras maneiras E que chamo aqui simplesmente de terapia do contato Até recentemente é verdade a Gestalt era ainda bem pouco conhe cida na França enquanto nos Estados Unidos ela se tornou um dos mé todos de terapia de desenvolvimento pessoal e de formação mais difun didos bem mais do que a psicanálise o psicodrama e a abordagem nãodiretiva rogeriana centrada no cliente Ela foi objeto de infinitas publicações Há atualmente nos e u a várias dezenas de institutos de for mação em Gestalt espalhados por todas as grandes cidades e seu ensi no é regularmente ministrado aos psicólogos e trabalhadores sociais aos pastores e responsáveis pelos movimentos de jovens Calculase que vá rias centenas de milhares de pessoas já fizeram terapia individual ou em grupo ou participaram de um grupo de desenvolvimento pessoal através da Gestalt Atualmente a Gestalt cuja fonte aliás foi inicialmente euro péia se difundiu rapidamente nos países germânicos e anglosaxões e penetra em todos os continentes Canadá México América do Sul Austrália Japão etc Foi introduzida na Alemanha a partir de 1969 e ensinada desde 1972 em vários institutos Há aí mais de 1500 gestal tistas profissionais entre psiquiatras psicólogos trabalhadores sociais etc enquanto que na França para uma população semelhante eles não são mais de algumas centenas6 Até bem recentemente a totali dade dos gestaltistas franceses se formava com especialistas estrangei 6 Em 1991 foram avaliados em cerca de 300 no total os franceses que tinham completa do uma formação profissional específica em Gestalt com duração de três a quatro anos 500 a 600 horas de formação teórica e prática seguidas de uma supervisão clínica pro longada Esses profissionais exercem sua atividade em diversos campos terapia forma ção setor sócioeducativo etc 16 ros7 mas a partir de 1981 particularmente sob o impulso da Société Française de Gestalt surgiram vários institutos de formação A Gestalt foi elaborada sobretudo a partir das intuições de Fritz Perls psicanalista judeu de origem alemã que imigrou aos 53 anos para os Estados Unidos Podemos situar a concepção da Gestalt em torno dos anos 40 na Áfri ca do Sul mas seu nascimento e seu batismo oficial datam de 1951 em Nova York Ela teve aí uma infância relativamente obscura e um desen volvimento limitado Foi bem mais tarde na Califórnia que ela ficou cé lebre durante o amplo movimento da contracultura de 1968 que de via sacudir todo o planeta em busca de novos valores humanistas de cria tividade dando a cada um sua parte na responsabilidade e procurando revalorizar o ser em relação ao ter emancipar o saber em relação ao poder A Gestalt para além de uma simples psicoterapia apresentase co mo uma verdadeira filosofia existencial uma arte de viver uma for ma particular de conceber as relações do ser vivo com o mundo A genialidade de Perls e de seus colaboradores Laura Perls e Paul Goodman principalmente foi elaborar uma síntese coerente de várias correntes filosóficas metodológicas e terapêuticas européias america nas e orientais constituindo assim uma nova Gestalt na qual o to do é diferente da soma de suas partes A Gestalt se situa na intersecção entre a psicanálise as terapias psi cocorporais de inspiração reichiana o psicodrama o sonhodesperto os grupos de encontro as abordagens fenomenológica e existencial as filosofias orientais Ela dá ênfase à tomada de consciência da experiência atual o aqui e agora que inclui o ressurgimento eventual de uma vivência antiga c reabilita a percepção emocional e corporal ainda muito censurada na cultura ocidental que coíbe severamente a expressão pública da cólera da tristeza da angústia mas também da ternura do amor ou da alegria A Gestalt desenvolve uma perspectiva unificadora do ser humano integrando ao mesmo tempo as dimensões sensoriais afetivas intelec tuais sociais e espirituais permitindo uma experiência global em que o corpo possa falar e a palavra encarnar Anne Rosier Ela favorece um contato autêntico com os outros e consigo mes mo um ajustamento criador do organismo ao meio assim como uma 7 I in e Anne fizemos nossa formação essencialmente nos Estados Unidos em sete per tminôncias sucessivas a partir de 1970 17 consciência dos mecanismos interiores que nos levam bem freqüente mente a condutas repetitivas Ela coloca em destaque nossos processos de bloqueio ou de interrupção no ciclo normal de satisfação de nossas necessidades e desmascara nossas evitações medos e inibições assim co mo nossas ilusões A Gestalt não objetiva simplesmente explicar as origens de nossas dificuldades mas experimentar pistas para soluções novas ela prefere o sentir como mobilizador de mudança à procura lancinante do saber por quê jf Em Gestalt cada um é responsável por suas escolhas e suas evita ções Cada um trabalha no ritmo e no nível que lhe convém a partir daquilo que emerge para si no momento quer se trate de uma percep ção emoção ou preocupação atual da revivescência de uma situação passada mal resolvida ou inacabada ou ainda de perspectivas incer tas de futuro O trabalho é geralmente individualizado mesmo quando em grupo este é então utilizado como suporte ou como eco amplificador A Gestalt integra e combina de forma original um conjunto de técnicas variadas verbais e nãoverbais tak como despertar sensorial trabalho com a energia a respiração o corpo ou a voz expressão da emoção trabalho a partir dos sonhos criatividade desenho modela gem música dança etc 1 Voltarei mais detalhadamente neste livro aos fundamentos teóri cos aos princípios metodológicos e às numerosas variantes técnicas de estilo e de práticas mas gostaria a partir de agora de tentar resumir em uma frase o que parece caracterizar a abordagem da Gestalt não se trata de compreender analisar ou interpretar os acontecimentos com portamentos ou sentimentos mas sobretudo de favorecer a tomada de consciência global da forma como funcionamos e de nossos processos de ajustamento criador ao meio de integração da experiência presente de nossas evitações e de nossos mecanismos de defesa ou resistências8 É uma atitude básica que se diferencia ao mesmo tempo da psica nálise ou do comportamentalismo constituindo uma terceira via ori ginal compreender e aprender mas sobretudo experimentar para alar gar ao máximo nosso campo vivido e nossa liberdade de escolha tentar escapar ao determinismo aliénante do passado e do meio à carga de nos sos condicionamentos históricos ou geográficos e encontrar assim um território de liberdade e de responsabilidade 8 Na acepção gestaltista específica do termo as resistências são mecanismos de defesa ou de evitação distorções ou interrupções no ciclo de contato introjeção projeção retroflexão etc Ver capítulo 8 18 Se me permitisse parafrasear Sartre psicologizando uma de suas declarações9 eu diria o importante não é o que fizeram de mim mas o que eu faço do que fizeram de mim Não se trata no eritânto de negar ingenuamente a herança bioló gica nem as experiências da primeira infância tampouco de minimizar a pressão cultural do meio social mas sobretudo de buscar a coerência interna de meu estarnomundo global para descobrir e elaborar minha torre de liberdade meu próprio estilo de vida em sua especificidade e originalidade A Gestalt me incita sobretudo num primeiro momento a me co nhecer melhor e a me aceitar tal como sou e não a querer mudar para me adaptar a um modelo de referência explicativo ou idealizado seja ele individual ou social interno ou externo filosófico moral político ou religioso Ser o que sou antes de ser de outra maneira é a teoria paradoxal da mudança Beisser 197010 A Gestalt me encoraja de certa maneira a navegar no sentido de minha própria corrente e não a me exaurir lutando contra ele observar as profundas correntes internas de minha personalidade explorar os ven tos variáveis de meu meio e ainda mantendo a responsabilidade vigi lante pelas velas e pelo leme para realizar aquilo que sou e traçar meu rastro efêmero na superfície do oceano conforme o caminho que esco lhi para mim Na prática estes princípios desembocam em um método específico de trabalho de inspiração fenomenológica apoiado num certo número de técnicas às vezes chamadas de jogos exercícios ou ex perimentos 11 Mas é muito freqüente que essas técnicas algumas inspiradas no psicodrama e várias outras emprestadas de outras abordagens análise transacional por exemplo sejam confundidas com Gestalt por pes soas que ignoram praticamente tudo a respeito de seus princípios fun damentais alguns imaginam ou pretendem estar fazendo Gestalt sob o simples pretexto de utilizarem a cadeira vazia ou fazerem alguém l Sur ire desenvolve de fato uma idéia análoga mas em um contexto muito diferente Como indagação sobre a praxis a filosofia é ao mesmo tempo uma indagação sobre o homem o essencial não é o que se fez do homem mas o que ele faz do que fizeram dele O que fizeram do homem são as estruturas os conjuntos significantes estudados pe Iun ciências humanas O que ele faz é a própria história Entrevista concedida à revista IArc cm outubro de 1966 10 Jicisscr desenvolve em um artigo clássico uma idéia de fato formulada por Cari Ro tters cm 1956 e publicada por ele em 1961 É no momento em que me aceito como sou que mc torno capaz de mudar On becoming a person Boston 1961 II Cf Levitzky A The Rules and the Games of Gestalt Therapy in Fagan e She purd Gestalt therapy now Nova York Science Behavior Books 1970 19 falar com uma almofada Como sé fosse suficiente para fazer psico drama representar ou deitarse em um divã para fazer psicaná lise12 As técnicas da Gestalt só têm sentido em seu contexto global isto é integradas em um método coerente e praticadas de acordo com uma filosofia geral que este livro tenta traduzir Nunca seria demais repetir que o essencial da Gestalt não está em suas técnicas mas no espírito geral do qual ela procede e que as justifica Algumas técnicas Entretanto para dar um resumo mais concreto aos leitores que nun ca praticaram este método vou expor rapidamente algumas das técni cas mais utilizadas entre várias centenas exercício de awareness hot seat dramatização amplificação interpelação direta trabalho com so nho expressão metafórica Um exercício de awareness Neste momento estou consciente de meus ombros tensos estou curvado concentrado em meu computador Meu olhar está fixo Te nho consciência de estar fascinado pelas letras que dançam na tela Per cebo que prendo minha respiração Tomo consciência de uma atitude de bloqueio e de isolamento Agora virei a cabeça Anne está aqui lê perto de mim no sofá e eu não estava consciente de sua presença Sorrio mas é ela que não me vê está absorta em sua própria leitura Sinto um ligeiro malestar por estarmos assim num mesmo cô modo sem prestar atenção um ao outro a todo instante Uma ima gem emerge agora em minha mente dividi o mesmo quarto com meu irmão durante anos e havia adquirido o hábito de desenvolver uma indiferença deliberada por suas ocupações para me sentir mais livre Eu fazia como se ele não existisse De fato hoje como estará meu irmão Não tenho notícias dele há uma eternidade no entanto não estamos brigados Levantome e telefono para ele Tratase de estar atento ao fluxo permanente de minhas sensações físicas exteroceptivas e proprioceptivas de meus sentimentos de to mar consciência da sucessão ininterrupta de figuras que aparecem no 12 Ic fulo un iiormuN uliiuiH dii maioria dos institutos de Gestalt impõem uma experiên dn proflNNloiml umit lonuuvflo c um conlrolo que pressupõem pelo menos dez anos dc trulmllui ou ncJii iio mlnlino Ire unos dc estudo c dois anos de prática em uma profis flo puleoNNodul dois ou Ir6 hiion dc terupin pessoal três a quatro anos de formação eupedflctt cm OcnIiiII um u dois imos dc exerdeio profissional sob controle supervisão 20 primeiro plano sobre o fundo constituído pelo conjunto da situação que vivo e da pessoa que sou no plano corporal emocional imaginá rio racional ou comportamental Este exercício clássico costuma ser utilizado como aquecimento fa vorecendo se for o caso a partir do que sinto no momento a emergên cia de uma situação inacabada anterior A atitude fundamental de awareness responde às quatro questõeschave preconizadas por Perls O que você está fazendo agora O que você sente neste momento O que está evitando O que você quer o que espera de mim O hot seat e a cadeira vazia Hot seat significa literalmente cadeira quente às vezes também chamada de open seat13 cadeira aberta Era uma técnica particular mente apreciada por Fritz Perls no fim de sua vida em suas demonstra ções Ele reservava para isso uma cadeira perto da sua sobre um pra ticável e o cliente que desejasse trabalhar vinha nela se instalar vo luntariamente dando a entender com isto que estava pronto para se en volver num processo com o terapeuta Em uma cadeira vazia diante de le podia conforme sua vontade projetar um personagem imaginário com o qual desejasse se relacionar Nós na École Parisienne de Gestalt geralmente trabalhamos mais com grandes almofadas do que com uma cadeira vazia o grupo fica sen lado no chão num carpete ou em colchões cercados de almofadas de vários formatos textura variável e cores diversas Esta disposição favo rece uma certa intimidade permite que cada qual busque seu conforto c mude de posição favorece o contato a expressão espontânea dos mo vimentos do corpo assim como o eventual desenvolvimento de uma dra matização seja ela individual ou coletiva O ambiente criado e o clima emocional são muito diferentes con forme a posição dos corpos dispostos abrigados atrás de uma mesa num grupo de discussão expostos em roda em cadeiras num grupo de base ou T Impo sentados no chão num grupo de trabalho psicocorporal como a Gestalt Convém no entanto esclarecer que a Gestalt não é fundamental mente uma terapia psicocorporal ao contrário de uma opinião mui 11 Ntlo confundir com empty chair cadeira vazia reservada a um ou aos parceiros Inmitinitrios 21 to difundida e que há terapeutas e escolas em que o trabalho con tinua sendo essencialmente verbal com uma mobilidade corporal res trita O próprio Perls no início de sua prática em Gestalt em Nova York propunha que seus pacientes deitassem em um divã e no fim de sua prá tica em Esalen Califórnia ele estava bastante idoso e se deslocava com dificuldade nunca sentava no chão e fazia muito pouco trabalho cor poral propriamente dito ao contrário de seus sucessores califor nianos Mas voltemos a nós Utilizamos as almofadas mas também qual quer outro objeto como uma roupa uma bolsa uma jóia etc como objetos transicionais 14 podendo simbolizar sucessivamente perso nagens partes do corpo até entidades abstratas Deixamos o cliente escolher por si mesmo o objeto que lhe convém Ele pode visualizar interiormente comunicar verbalmente ou interagir no presente com parceiros imaginários uma almofada por exemplo representará sua mulher uma outra seu pai falecido a quem ele ainda tem algumas coisas a dizer e que poderá conforme sua vontade interpelar inju riar socar estrangular ou ainda abraçar acariciar ou cobrir de lá grimas Mas esta almofada pode também representar a solidão a au tonomia ou o ciúme e ser como tal rejeitada carregada em triunfo ou pisoteada No entanto qualquer objeto transicional utilizado abusivamente pode inversamente comprometer o contato direto entre o cliente e o terapeuta ào interpor um elemento estranho Ora a evolução desse contato constitui a própria essência da Gestaltterapia como destaca com razão Isadore From15 O recurso eventual a uma almofada im plica assim a manutenção de um vaivém constante entre a relação fantasiada e a relação efetiva em curso no aqui e agora Lembremos que um mesmo produto conforme a dose pode ser um remédio um veneno ou um simples perfume dependendo da moda Tais dramatizações de sentimentos recalcados na vida comum ou ainda verbalizados de forma muito rápida como que para livrarse deles costumam ser utilizadas em Gestalt e permitem progressiva mente a expressão a abreação e a liquidação de um certo número de situações inacabadas geradoras de comportamentos neuróticos re petitivos de roteiros16 impróprios ou anacrônicos O mecanismo desse tipo de terapia emocional ou catártica dá mar gem a diversas hipóteses às quais teremos ocasião de voltar nesta 14 Num sentido um pouco mais amplo do que o de Winnicott 15 Isadore From A Requiem for Gestalt in The Gestalt Journal Vol VII n 11984 16 No sentido em que este termo é usado em análise transacional AT plano de vida formado no mais das vezes na primeira infância geralmente não inconsciente mas pré consciente ou ignorado atuando à revelia do interessado em função de injunções pa rentais anacrônicas 22 obra17 Eu gostaria apenas de destacar por agora que qualquer inter venção psicoterapêutica não visa transformar a situação exterior modi ficar as coisas os outros ou os acontecimentos mas sobretudo trans formar a percepção interna que o cliente tem dos fatos de suas inter relações e de seus múltiplos significados possíveis Assim o trabalho ob jetiva favorecer uma nova experiência pessoal uma reelaboração do sis tema individual de percepção e representação mental de cada um Dramatização Inicialmente quero salientar que a dramatização enactment em inglês de situações vividas ou fantasiadas usualmente preconizada em Gestalt se opõe à exteriorização impulsiva ou defensiva ac ting out denunciada pela psicanálise e com razão enquanto a exterio rização é uma evitação que de certa forma compromete a conscienti zação a ação substitui a análise verbal a dramatização bem pelo contrário é uma ênfase que favorece a conscientização a awareness propondo uma ação visível e tangível encarnada que mobiliza o corpo e a emoção e permite assim que o cliente viva a situação mais intensamente que a represente no sentido de tornála presente de novo experimente e explore sentimentos mal identificados esquecidos recalcados até desconhecidos18 Vejamos dois exemplos resumidos situação iniciai exteriorização dramatização Ninlome rejeitado ou incom preendido pelos outros deixo bruscamente o grupo batendo a porta e vou me iso lar alimentando pensamentos mórbidos me propõem que me afaste do grupo deliberadamente o grupo segue trabalhando sem mim depois expresso o que sinto fuga mantendo meu senti mento de rejeição simbolização da rejeição permitindo sua análise um participante tomou o lugar que cu queria eu o agarro e sacudo e juro o orientador sugere uma luta corpo a corpo seguida de con versa sobre a forma como o combate se desenvolveu violência que mantém a rai va e mascara os componentes psicológicos da situação simbolização da rivalidade e se for o caso feedback do grupo 17 Ver principalmente o capítulo 11 O cérebro e a Gestalt e as hipóteses sobre reações bioquímicas epsicofisiológicas no âmbito central interhemisférico e subcortical modifi cundo as conexões sinápticas interneurais e associando a vivência somática atual a mobi llução emocional límbica e a representação mental cortical 18 Cf artigo de Perls Acting out vs acting through Exteriorizar vs Assimilar in Gestalt is Isto é Gestalt São Paulo Summus 1977 textos reunidos por John Stevens Real People Press 1975 23 Cabe especificar que nós proibimos qualquer exteriorização violenta ou sexual durante as sessões embora autorizemos manifestações físi cas de agressividade controlada ou de ternura19 O monodrama O monodrama é uma variante do psicodrama variante já pratica da por Moreno em que o próprio protagonista desempenha alterna damente os diferentes papéis da situação evocada por ele assim por exemplo poderá representar sucessivamente ele mesmo e sua mulher ou ainda sua mãe severa e rejeitadora ao lado desta mesma mãe dispo nível e amorosa poderá fazer sua própria cabeça falar em conflito com seu sexo e encarnar alternadamente essas duas instâncias poderá ence nar noções mais abstratas como sua necessidade de segurança dialo gando com seu desejo de independência e de aventura Para que a situação fique clara para ele e para as eventuais teste munhas geralmente o incentivamos a trocar de lugar sempre que tro car de papel O monodrama facilita a encenação do meu próprio sentimento à medida em que este emerge da situação e isso sem interferência even tual na problemática pessoal de um parceiro exterior que pode não es tar forçosamente na mesma sintonia como acontece às vezes no psicodrama clássico O que me importa com efeito não é representar minha verdadeira mãe mas desemaranhar minhas próprias represen tações internas subjetivas e contraditórias a seu respeito dar uma for ma nova à minha imago materna no sentido junguiano do termo Ora a ou o parceira o que desempenhará este papel por um lado ignora quase tudo sobre minha mãe e sobre a idéia que tenho dela e por ou tro bem pode misturar seus próprios sentimentos em relação à sua mãe real ou fantasiada assim como aquilo que ela mesma sente como mãe As polaridades O monodrama permite assim de diversas maneiras explorar re conhecer e melhor integrar as polaridades opostas de uma relação sem pretender reduzila arbitrariamente a um injusto meiotermo artifi cial falacioso e empobrecido posso de fato sentir ao mesmo tempo uma agressividade violenta contra alguém e um amor apaixonado Ca da um desses sentimentos merece ser esclarecido ao máximo sentido em profundidade e ilustrado se for o caso por uma atuação simbólica experimentada em suas diversas conotações e não neutralizada por uma atitude de amor relativo reduzido a uma mescla pela arbitrária soma algébrica de sentimentos violentos e contraditórios que na reali dade mais se somam do que se anulam 19 Ver discussão técnica sobre esses aspectos nos capítulos 9 e 10 24 À procura tradicional do equilíbrio estático e acanhado do justo meiotermo eu prefiro a conquista de um equilíbrio dinâmico am pliado aos extremos Seguindo o exemplo do equilibrista que ganha equi líbrio aumentando sua vara a Gestalt nos incita a abrir nossas asas em toda a sua amplitude Como o pássaro entre as nuvens e até mesmo como o humilde ciclista a Vida só encontra seu equilíbrio no movimento Georges Duhamel A amplificação Um dos temas mais importantes da Gestalt é tornar mais explícito o que está implícito projetando na cena exterior aquilo que ocorre na cena interior permitindo assim que todos tenham mais consciência da maneira como se comportam aqui e agora na fronteira de contato20 com seu meio Tratase assim de seguir o processo em curso observando atenta mente os fenômenos de superfície e não mergulhando nas profunde zas obscuras e hipotéticas do inconsciente que só podem ser explora das com a ajuda da iluminação artificial da interpretação Paralelamente às pesquisas contemporâneas da biologia celular que atribuem uma importância capital às funções da membrana de qualquer célula viva concomitantemente barreira de proteção e lugar privilegia do de trocas os trabalhos dos gestaltistas têm enfatizado o papel real e metafórico da pele que nos protege nos delimita e nos caracteriza mas constitui ao mesmo tempo um órgão privilegiado de contato e de trocas com nosso meio através das terminações nervosas sensoriais e de suas miríades de poros Podese dizer a este respeito que Freud interessouse principalmente por três orifícios de nosso corpo oral anal e genital enquanto Perls levava em conta além disso o conjunto dos orifícios dos órgãos dos sentidos e da pele Assim como o geopolítico o gestaltista observa atentamente tudo que acontece nas regiões de fronteira O Gestaltterapeuta procede da superfície para o fundo isso não significa que ele permaneça na superficiel Na realidade a experiência confirma que a Gestalt atinge mais facilmente do que as abordagens de suporte essencialmente verbal as camadas profundas arcaicas da per sonalidade aliás constituídas num período préverbal do desenvolvi mento da pessoa 20 Ver capítulo 8 25 O gestaltista está atento aos diversos indícios comuns de reações emocionais subjacentes tais como discretos fenômenos de vasodilata ção no rosto ou no pescoço traduzidos em ligeiras e efêmeras modifica ções da cor da pele minicontrações do maxilar mudanças no ritmo da respiração ou da deglutição mudanças bruscas no tom de voz mudan ças na direção do olhar e é claro aquilo que chamo de microgestos automáticos das mãos pés ou dedos Em geral o Gestaltterapeuta sugere amplificar esses gestos incons cientes considerados de certa forma como lapsos do corpo revela dores do processo em curso imperceptíveis para o cliente Terapeuta O que faz a sua mão enquanto você fala Cristiane Ah Não sei não estava prestando atenção Terapeuta Sugiro que você continue este mesmo gesto am plificandoo Cristiane mexe maquinalmente em sua aliança fazendoa deslizar pelo dedo Amplificando seu movimento a aliança sai do anularf Cristiane Bem É verdade estou cheia desta prisão Ele pensa que sou sua empregada não tenho uma vida pessoal minha etc De uma maneira mais geral tratase de experimentar a fundo o que acontece de entrar em uma sensação ou sentimento seja ele agradável ou penoso acompanhar o processo sem preconceito e so bretudo escutar o corpo e não reduzilo ao silêncio De fato aquele que não escutamos tende mais a gritar do que a se calar e a tentativa de domínio do corpo em geral obriga este último a se manifestar por sintomas somáticos inesperados Para nós a saúde não é o funcionamento silencioso dos órgãos conforme a célebre definição do cirurgião René Leriche mas princi palmente o funcionamento harmonioso das trocas internas e externas ou seja um sentimento de plenitude existencial não é o esquecimento do corpo no silêncio mas a consciência do corpo na alegria de viver A ampliação progressiva de uma percepção corporal ou emocional pode ser também encorajada pela técnica clássica da rodada o clien te é convidado a dirigirse sucessivamente a cada membro do grupo re petindo um mesmo gesto ou uma mesma frase mas com algumas va riações correspondente ao seu sentimento autêntico por cada um Assim se explora mais e com maior profundidade o sentimento ex presso graças a um efeito de ressonância que às vezes leva a um insight21 21 Insight em inglês ou satori em hindi conscientização repentina e evidente como que por iluminação 26 Em geral a repetição é acompanhada não só de uma aceleração do ritmo mas de um aumento da intensidade com abreação emocional Não vou mais ceder à sua vontade Estou cheia Não vou mais ceder à sua vontade Não vou mais ceder à vontade desse idiota Estou cheia c h e i a V o u lhe dizer que a c a b o u A partir de AMANHÃ Falar em altos brados permite que aquele que fala ouça o que está dizendo Ambrosi22 Ouvirse afirmando alguma coisa em voz alta diante de um grupo de testemunhas é uma experiência importante muito diferente da evo cação confusa préconsciente da mesma hipótese esboçada em pa lavras numa névoa mental interna e flutuante diferente também de uma confissão em uma sessão de terapia individual Exemplo típico é a declaração Pretendo suicidarme cujo al cance é completamente diferente conforme seja dita em foro íntimo ou a alguém ou afirmada publicamente A interpelação direta falar com e não falar de Em Gestalt evitamos falar cfe23 alguém presente ou ausente di rigimos a palavra diretamente à pessoa e isso permite passar de uma reflexão interna de ordem intelectual a um contato relacional de or dem emocional Acho que Pierre não me ajudou agora há pouco A quem você está dizendo isso Pierre estou com raiva de você porque não me ajudou agora há pouco sei que você estava me achando ridícula Você tem vontade de verificar sua impressão Pierre você me achou ridícula há pouco quando me desmanchei em soluços Nessa ocasião os participantes são convidados a confrontar sua per cepção com a dos envolvidos para tornar evidente o jogo sutil e perma nente das projeções das quais nos cercamos inconscientemente Esse con fronto permite que eu compare minhas fantasias com a realidade do outro que eu avalie melhor meus temores e esperanças evite censurar em meu vizinho minhas próprias projeções nele 22 Jean Ambrosi La Gestalt thérapie revisitée Toulouse Privat 1984 23 To gossip em inglês que podemos traduzir por fofocar 27 Somos todos exímios nesse jogo de carnaval ardiloso em que vestimos nosso parceiro com uma máscara para logo em seguida criticálo Parece que você não concorda com minha proposta O que vo cê tem contra ela Todas essas técnicas favorecem um contato mais autêntico e mais direto não se trata de concordar em uma confluência superficial sus peita mas de se esclarecer Nem se justificar nem convencer nem se explicar nem explicar simplesmente expressarse mantendose atentas ambas as partes não aos múltiplos porquês mas aos como de nossa ação e de nossas escolhas Não é preciso dizer que os participantes são convidados a respon der honestamente sem trapacear sem temer afirmar se for o caso seu aborrecimento seu desacordo ou sua agressividade Em todos os casos tratase em suma de constatar a realidade dos fatos atuais o que é atitude que Perls batizou de isism e não de se refugiar em considerações sobre os acontecimentos aboutism ou do que eles deveriam ser shouldism O trabalho com sonho Bem antes de Freud os sonhos sempre foram objeto de tentativas de compreensão O Talmud da Babilônia assinala que na época havia em Jerusalém vinte e quatro intérpretes oficiais de sonhos Um dia o rei os consultou a respeito de um sonho que tivera cada um predisse um acontecimento diferente mas todos se realizaram Bela metafóra da polissemia fundamental do sonho Em Gestalt não se aborda o sonho por livres associações ou inter pretações mas por uma descrição seguida da dramatização sucessi va dos diversos elementos do sonho com os quais o cliente é convidado a se identificar sucessivamente em palavras e gestos sendo cada um desses elementos considerado uma Gestalt inacabada ou uma expres são parcial do próprio sonhador24 Sobre este tema contam a seguinte anedota Uma senhora sonha estar sendo perseguida por um negro muito ousado Ela tenta escapar correndo mas ele corre mais rápido do que ela Exausta ela se vira e grita 24 Ver o livro mais conhecido de Perls Gestalt therapy verbatim publicado nos Estado Unidos em 1969 Ele reproduz gravações não de sessões de terapia propriamente dita mas de breves demonstrações públicas de seu método Ver adiante capítulo 12 28 Mas afinal o que você quer Eu sei lá É o seu sonho senhora Durante o trabalho com um sonho o cliente poderá ser convidado por exemplo a encarnar sucessivamente a pessoa que anda na estra da a mala que ela carrega o conteúdo desta mala o caminho que ela faz um obstáculo neste caminho etc Caminho por uma estrada reta sem limite ou margens Não sei onde ela leva Não sei para onde vou caminho por esta estrada como um autômato Sou a mala me carregam me largam no chão me pegam no vamente me abrem me enchem me esvaziam Não sou responsá vel pelo que me acontece Sou o conteúdo dessa mala há um monte de coisas empilha das dentro de mim há muito tempo coisas úteis mas também coisas inúteis que pesam e atravancam É teirpo de fazer uma triagem pa ra só ficar com o essencial O essencial para mim é que eu fique leve e livre e não entulhada de lembranças anacrônicas e saberes inúteis Agora viro a própria estrada estou tranqüila estou aí e sigo reta sem me ocupar com nada Não é preciso nenhuma sinalização visível para os outros azar dos que não confiam em mim Eu sei para onde vou e posso confiar em mim em vez de indicar tudo com ante cedência para os outros Posso construir minha vida de acordo com as circunstâncias e até improvisála com risco e criatividade e não me enterrar viva como um funcionário esforçado cuja estrada já es tá sinalizada até a aposentadoria Não é simplesmente associar palavras ou idéias nem montar hipó teses mas sentir em meu corpo e em minhas emoções o impacto das ima gens eventualmente encenálas assim experienciando a encarnação do verbo aqui e agora A expressão metafórica A linguagem verbal e a do corpo não são as únicas utilizadas em Gestalt também apelamos muito como já se pôde notar à linguagem simbólica ou metafórica sobretudo por meio de uma ampla gama de técnicas de expressão artística desenho ou pintura modelagem ou es cultura produção musical dança etc Assim por exemplo podemos sugerir aos participantes que se re presentem sob a forma de um desenho metafórico uma espécie de man data que depoisservirá de suporte para uma meditação ou com a qual cada um estabelecerá uma relação simbólica como faria com uma al mofada com qualquer outro objeto escolhido utilizado como objeto 29 transicional ou ainda com um sonho poderá então falar com toda ou com parte de sua obra fazer com que se expresse encenála etc Even tualmente fará um comentário a respeito com o terapeuta ou um par ceiro mas sempre evitando uma descrição fria cronológica ou expli cativa preferindo compartilhar o sentimento atual por sua produção25 A arte não é um conjunto de técnicas Termino aqui esta longa enumeração apesar de incompleta de al gumas das técnicas mais comuns em Gestalt Voltaremos a isso mais de talhadamente em outros capítulos É claro que essas técnicas são em sua maioria utilizáveis tanto em situação de grupo como na maior parte dos exemplos relatados antes quanto na relação terapêutica dual e até no caso de algumas no contexto de uma instituição ou de uma empresa por exemplo amplificação e rodada interpelação direta ou metáfo ras etc De fato cada um pode inventar sem parar novas variantes e com binações originais mesmo porque cada gestaltista trabalha com o que ele é tanto quanto com aquilo que sabe em seu próprio estilo integrando sua experiência pessoal e profissional anterior e confiando em sua pró pria sensibilidade e criatividade específicas Contrariamente à psicaná lise a Gestalt não reivindica o estatuto de ciência mas tem a honra de permanecer uma arte 25 Ver exemplos mais detalhados nos capítulos 12 e 13 30 PRIMEIRA PARTE FUNDAMENTOS CONCEITUAIS DA GESTALT Ca p í t u l o 2 A árvore genealógica da Gestalt Algumas raízes fenomenologia existencialismo psicologia da Gestalt A árvore genealógica da Gestalt A árvore genealógica da Gestaltterapia se ergue sobre várias raí zes1 algumas evidentes outras menos aparentes ou mais profundas É difícil portanto definir os fundamentos teóricos de forma muito preci sa Como já mencionei no capítulo anterior a Gestaltterapia se nu triu explícita ou implicitamente da combinação de numerosas corren tes filosóficas e terapêuticas de diversas fontes européias americanas ou orientais Evocarei aqui sobretudo aquelas que me parecem ter deixado os vestígios mais importantes na Gestalt atual a fenomenologia o existen cialismo e a psicologia da Gestalt neste capítulo a psicanálise as filo sofias orientais e a corrente humanista nos capítulos seguintes em se guida enumeraremos algumas outras correntes ao abordar a movimen tada vida do próprio Fritz Perls A princípio seria inexato considerar como ouvimos repetidas ve zes que é um método tipicamente americano Mesmo que tenha se desenvolvido principalmente nos EUA é importante salientar logo de início que o essencial da filosofia da Gestalt foi extraído do pensa mento europeu especialmente germânico foram sobretudo os filóso fos psicólogos psiquiatras escritores e artistas judeus alemães e aus tríacos que alimentaram o pensamento e a prática de Friedrich Salomon Perls que aliás só se instalou nos EUA aos 53 anos 1 Ver esquema no Anexo 7 página 269 33 Os precursores em língua alemã Entre eles poderemos citar pelo menos na fenomenologia e no existencialismo Brentano Husserl Heideg ger Scheler Jaspers Büber Tillich Binswanger na teoria da Gestalt Von Ehrenfels Wertheimer Koffka Köhler Goldstein Lewin Zeigarnik na psicanálise Freud Ferenczi Groddeck Rank Adler Jung Reich Horney no psicodrama Moreno Não caberia aqui tentar uma detalhada análise histórica da gesta ção emergência e das inúmeras manifestações de cada uma dessas di versas escolas Renunciando deliberadamente a qualquer exegese filo sófica contentarmeei com um quadro sumário ver página seguinte indicando alguns autores que tiveram uma influência direta e explícita sobre Perls ou Goodman Acrescentei ao quadro para ajudar na me morização alguns temas ou conceitoschave escolhidos entre aqueles que me parecem fundamentar a Gestaltterapia atual Na realidade é particularmente difícil estabelecer as filiações de pen samento desemaranhar os empréstimos reconhecidos e as convergên cias fortuitas pois a maioria desses pensadores ou profissionais são quase contemporâneos e se influenciaram mutuamente com inúmeros efeitos retroativos Poderseia falar propriamente de um banho ideoló gico no qual Perls se viu mergulhado Fenomenologia e existencialismo Faremos agora uma sinopse de alguns autores representativos das correntes fenomenológica e existencialista ambas muito intrincadas Poderseia dizer para simplificar que a fenomenologia é fundamen talmente um método de pensamento enquanto o existencialismo é uma filosofia Perls demonstrava desprezo deliberado pela filosofia alimentando assim sua imagem provocadora de homem inculto mas é importante as sinalar que de fato ele lera a maior parte desses autores nos textos originais Gestaltterapia canal terapêutico do existencialismo 2 Antes de passar à psicologia da Gestalt mãe putativa que aciden talmente herdou o bebê gostaria de recapitular rapidamente algumas 2 Noel Salathe La gestalt une philosophie clinique in Gestalt Actes du Premier Col loque International d Expression Française Paris SFG 1983 34 Alguns fenomenologistas ou existencialistas e a Gestalt autores nasc morte alguns temas que influenciaram diretamente a Gestalt Sören Kierkegaard 1813 1855 filósofo dinamarquês precursor do existencialismo o valor da subjetividade e da contradição Quanto mais eu penso menos sou e quanto menos eu penso mais eu sou Frantz Bentano 1838 1917 precursor da fenomenologia psicologia descritiva o como precede o porquê intencionalidade dos fatos psíquicos a consciência não é um recipiente mas um farol Edmund Husserl 1859 1938 o pai da fenomenologia 1907 descrever e não explicar os fenômenos voltar do dis curso para as coisas as próprias coisas tais como apa recem na verdade no nível dos fatos vividos antes de qualquer elaboração conceituai deformadora interdependência do sujeito e do objeto experiência original de cada um na relação vivida no mundo Max Scheler 1874 1928 fenomenologia da afetividade são a intuição emocional e a simpatia que permitem o contato profundo Martin Biiber 1878 1965 prega o encontro autêntico a relação direta e fraterna publicou o Eu e o Tu em 1923 Ludwig Binswanger 1881 1966 fundador da Sociedade Suíça de Psicanálise criador da análise existencial Daseinanalyse o homem é responsável por sua própria existência por sua presença no mundo importância da vivência corporal do cliente e de seu meio publicou O Sonho e a Existência em 1930 Eugène Minkowski 1885 1972 psiquiatra francês de origem polonesa importância fenomenológica do contato e da função do toque Karl Jaspers 1889 1969 psicopatologia fenomenológica existencialista aperfeiçoar a consciência de sua existência em relação ao mundo Martin Heidegger 1889 1976 análise existencial do estaraqui Dasein valorização da angústia e da dúvida existencial A fini tude do ser Nada mais se pode fazer pelo homem senão Tornálo ansioso Gabriel Marcel 1889 1973 filósofo existencialista cristão Se falo dos outros nego a eles uma existência real milita por uma filosofia concreta alimentada pelo diá logo entre dois tu 1 Paul Snrtrc 1905 1980 análise existencial fenomenológica Existir é jogar responsabilidade pela escolha de seu projeto de sua parte de liberdade Miiuricc McrlcnuIonly 1908 1961 valoriza a experiência vivida e a percepção corporal imediata publicou Fenomenologia da percepção em 1945 Serge linger 35 das noções fundamentais que a Gestaltterapia emprestou das duas cor rentes que acabamos de abordar correntes verdadeiramente nutridoras da fenomenologia ela reteve em especial que é mais importante descrever do que explicar o como precede o porquê que o essencial é a vivência imediata tal como é percebida ou sentida corporalmente até imaginada assim como o processo que está se desenvolvendo aqui e agora que nossa percepção do mundo e do que nos rodeia é dominada por fatores subjetivos irracionais que lhe conferem um sentido diferente para cada um isso conduz particularmente à importância de uma tomada de cons ciência do corpo e do tempo vivido como experiência única de cada ser humano estranha a qualquer teorização preestabelecida do existencialismo muito próximo da fenomenologia a Gestaltterapia reteve entre outras coisas o primado da vivência concreta em relação aos princípios abstratos Pode ser considerado existencial tudo que diz respeito à forma como o homem experimenta sua existência a assume a orienta a dirige A autocompreensão para viver para existir sem se colocar questões de fi losofia teórica é existencial é espontânea vivida não erudita refleti mos mas só para agir a singularidade de cada existência humana a originalidade irredutível da experiência individual objetiva e subjetiva a noção de responsabilidade de cada pessoa que participa ativamente da construção de seu projeto existencial e confere um sentido original ao que acontece e ao mundo que a rodeia criando inelutavelmente a cada dia sua relativa liberdade Assim fica claro que a Gestaltterapia é uma abordagem fenome nológica clínica3 isto é centrada na descrição subjetiva do sentimento do cliente sua awareness em cada caso particular e na tomada de cons ciência intersubjetiva que está acontecendo entre ele e o terapeuta pro cesso de contato e suas eventualidades Assim esse primado da vivên cia subjetiva se opõe ao comportamentalismo que valoriza o compor tamento objetivável Noël Salathe não hesita em considerar a Gestalt um canal tera pêutico do existencialismo que aborda cinco proposições existen 3 Cf Gary Yontef La gestaltthérapie une phénoménologie clinique in The Gestalt Journal VolII Tomo I 1979 Ver também JM Robine La gestaltthéraphie une théorie et une clinique phénoménologiques in Gestalt Actes du Premier Colloque Internatio nal de la SFG Paris 1983 36 ciais fundamentais e mobilizadoras a finitude a responsabilidade a solidão a imperfeição e o absurdo Batismo agitado de uma criança bastarda Penso ter insistido o suficiente para que ninguém conteste que a Gestaltterapia é uma abordagem fenomenológica e existencialista de origem essencialmente européia Em 1951 por ocasião do batismo oficial dessa nova terapia no lan çamento do livro GestaltTheraphy4 ela deveria chamarse psicanálise existencial proposta de Laura Perls mas este nome infelizmente não foi aceito por razões de oportunidade comercial pois a filosofia de Sartre era então considerada pessimista demais até nihilista nos Estados Unidos Hefferline principal autor do primeiro tomo propunha o título de terapia integrativa O nome terapia experiencial foi também cogitado por um momento pelo Grupo dos Sete ver próximo capítulo Fritz Perls inicialmente batizara seu método de terapia da con centração5 opondose assim ao método da livre associação da psica nálise ortodoxa De fato sugeria ao cliente que se concentrasse na expe riência vivida no aqui e agora que focalizasse toda sua atenção concentrese em sua tensão na nuca nessa sensação de sufoco na gar ganta etc mas em 1951 isso já não passava de um aspecto técnico me nor e era preciso encontrar um nome mais global para o novo método Foi então que Fritz Perls sugeriu Gestaltterapia o que suscitou de bates particularmente agitados com seus colegas Laura Perls que defen dera um doutorado em psicologia da Gestalt achava que o método não ti nha muita relação com essa teoria que conhecia bem melhor do que ele No começo eu era gestaltista depois me tornei analista Fritz era a princípio analista depois veio para a teoria da Gestalt mas de fato nunca mergulhou nela Fritz foi assistente de Goldstein por al guns meses mas eu fui sua aluna por vários anos6 Paul Goodman por seu lado autor da parte essencial Tomo 2 da obra fundamental Gestalt Therapy considerava este termo estran geiro e esotérico demais mas era precisamente isso que agradava Perls por razões de provocação e de marketing 4 Perls Hefferline e Goodman Gestalt therapy Excitement and growth in the human personality Nova York Julien Press 1951 V 1rlnclpalmcnte em referência aos trabalhos de Matthias Alexander sobre a conscienti yHçSo do corpo e das tensões musculares ft Friedrich Perls que em seguida americanizou seu nome para Frederick e depois para Wt conheceu sua futura mulher Lore Posner que virou Laura nos EUA na casa de Ktirl Goldstein em Frankfurt em 1926 O dr Perls então um jovem psiquiatra de 33 uno ern assistente de Goldstein em trabalhos sobre lesões cerebrais enquanto Lore era mmi Jovem estudante de 21 anos que se iniciava nos conceitos da teoria da Gestalt 37 Finalmente Goodman passou a participar e mergulhou em uma vi va polêmica com os psicólogos gestaltistas emigrados para os EUA Köh ler Koffka Goldstein Lewin teve até a arrogância de predizer en tão que a psicologia da Gestalt tradicional se beneficiará mais com a utilização desse termo em nosso livro do que nós mesmos O futuro lhe daria razão Apesar dos protestos veementes dos pesquisadores gestaltistas o ter mo prevaleceu e agora se impôs em todo o mundo De minha parte não vejo nele só inconvenientes apesar das difi culdades crônicas que encontro para explicar do que se trata de fato esse termo obscuro incita o leitor ou o ouvinte a se perguntar e se infor mar Ninguém pode adivinhar por si mesmo o que essa palavra encobre e assim se arriscar a forjar uma idéia errada ou simplista à priori como poderia ocorrer no caso de um termo mais comum A psicologia da Gestalt Examinemos agora a psicologia da Gestalt ou teoria da Gestalt is so nos permitirá avaliar melhor os fundamentos das querelas em torno da paternidade O primeiro estudo oficial que fundou esta nova escola apareceu em 1912 com a assinatura conjunta de Max Wertheimer 18801943 Kurt Koffka 18861941 e Wolfang Köhler 188719677 São pois tra balhos contemporâneos à corrente fenomenológica alemã Os psicólogos gestaltistas continuando os trabalhos de Christian von Ehrenfels 18591932 um dos precursores da Gestalt que enfati zara desde o início do século que o todo é uma realidade diferente da soma de suas partes estudaram essencialmente num primeiro momen to os mecanismos fisiológicos e psicológicos da percepção e as relações do organismo com seu meio Em seguida estenderam seu trabalho à memória à inteligência à expressão e finalmente à personalidade como um todo Salientam os paralelismos entre o domínio físico e o domínio psíquico que em geral obedecem leis análogas e se ergueram contra o dualismo entre matéria e espírito entre o objeto e seu princípio o objeto não tem uma forma é uma forma uma Gestalt um todo específico delimitado estrutura do significante Todo campo perceptivo se diferencia em um fundo e em uma for ma ou figura A forma é fechada estruturada É a ela que o contorno parece pertencer Não podemos distinguir a figura sem um fundo a Ges talt se interessa por ambos mas sobretudo por sua interrelação 7 Koffka interessouse particularmente pelas relações entre o organismo e seu meio tema central em Gestaltterapia em que esse meio é constituído principalmente pelos ou tros e sobretudo pelo terapeuta 38 A percepção depende ao mesmo tempo de fatores objetivos e de fatores subjetivos cuja importância relativa pode variar A pessoa ten de a isolar as boas formas ou as formas plenas que regem as rela ções entre o organismo e o meio Por meio de célebres experiências de laboratório os gestaltistas mos traram a relação dialética entre sujeito e objeto dando um golpe fatal nas crenças da época relativas à pretensa objetividade científica de monstraram que o aspecto do objeto depende das necessidades do sujei to e inversamente que a necessidade do sujeito depende do aspecto do objeto Assim por exemplo a sede farmeá distinguir de imediato uma fonte longínqua em uma paisagem e paralelamente a visão da fonte atiçará minha sede Só o claro reconhecimento da figura dominante para mim num dado instante permitirá a satisfação de minha necessidade e depois disso sua dissolução ou retração tornarmeá disponível para uma nova ati vidade física ou mental Sabemos que o fluxo sem entrave desses ciclos sucessivos define em Gestaltterapia o estado de boa saúde 8 A terapia incentiva a formação flexível de Gestalts sucessivas adap tadas à relação sempre flutuante do organismo com seu meio num ajus tamento criador permanente A Gestaltterapia poderia ser assim defi nida como a arte da formação de boas formas Não é meu propósito expor aqui em detalhes a psicologia da Ges talt Contentarmeei com algumas indicações sumárias algumas pou cas palavras sobre três autores gestaltistas já evocados de passagem e três temas de reflexão Em 1927 Bluma Zeigarnik psicóloga da Gestalt alemã publicou suas pesquisas sobre necessidades não satisfeitas e sobre as tarefas in terrompidas prematuramente em pleno trabalho Ela relaciona a per sistência da tensão assim criada a uma quase necessidade de termi nar a tarefa de fechar a Gestalt inacabada A pressão psíquica cau sada por um trabalho inacabado acarreta uma acentuação maciça da preocupação vigente assim por exemplo a taxa de memorização é mais de duas vezes superior à de um trabalho acabado portanto classifica do logo esquecido é o efeito Zeigarnik muito utilizado em pe dagogia e publicidade princípio do folhetim Mas a persistência des sas pressões psíquicas cria a longo prazo uma tensão crônica na qual Perls verá uma das fontes da neurose Kurt Goldstein 18781965 por seu lado deu seqüência às obser vações sobre pessoas atingidas por lesões cerebrais ou afasia Elaborou uma teoria global do organismo em suas relações com o meio9 Ele ne tt Ver capitulo 8 y Kurt Goldstein A estrutura do organismo publicado nos EUA em 1934 39 gou a dicotomia entre o biológico e o psíquico assim como entré o nor mal e o patológico Aí vemos esboçadas certas noções básicas dos movi mentos ulteriores da psicologia humanista Maslow 1954 e da antipsi quiatria Cooper Laing Londres 1960 Como veremos mais adiante Goldstein foi um dos professores de Fritz Perls e principalmente de sua mulher Laura Kurt Lewin 18901947 extrapolou os princípios da teoria da Ges talt para uma teoria geral do campo psíquico estudando a interdepen dência entre a pessoa e seu meio social trabalhos que desembocaram na criação da dinâmica de grupos e o tornaram célebre no mundo intei ro A teoria do campo eletromagnético de Maxwell acabava de ser gene ralizada pela física einsteniana e Lewin a extrapolou apoiandose nos trabalhos de Minkowski relativos ao espaçotempo psicológico neles in tegrando os conceitos psicanalíticos Depois ele generalizou suas hipó teses do campo individual para o campo psicossocial e as confirmou por meio de experiências a partir de então célebres sobre a atmosfera de mocrática dos grupos e as formas de comando Hoje esta teoria de cam po em geral está integrada à teoria geral dos sistemas A polissemia das formas Meu poder é insuspeito posso criar constelações inteiras De fato é minha visão subjetiva que confere uma forma simbólica e arbitrária às estrelas na realidade esparsas no espaço sideral a milhões de quilô metros umas das outras algumas não existem mais há milênios Na sua busca de coerência e controle o homem dá sentido àquilo que não tinha ou ainda àquilo que poderia ter vários sentidos Uma Gestalt é um conjunto significativo não necessariamente por si mesmo mas sobretudo para mim Tomemos um exemplo Quando traço este desenho você vê nele sem dúvida um quadrado Mas o que acontece agora com estes quatro pontos 40 Num primeiro olhar levado pelo hábito você neles verá sem dú vida um quadrado novamente No entanto estes quatros pontos poderiam representar da mesma forma um círculo uma cruz ou um Z r 1 I I I 1 X 1 I 1 I L A primeira forma que me vem espontaneamente é a mais simples obedecendo a um certo número de leis bem definidas pelos psicólogos gestaltistas simetria estrutura eixos homogeneidade etc mas como qualquer linguagem esta forma é polissêmica ou seja comporta simul taneamente vários significados nãoexcludentes mas que aparecem em função de um cânone usado explícita ou implicitamente em vez de pro curar formas geométricas poderseia da mesma maneira ver flores animais rostos O mesmo acontece como sabemos com os textos sagrados que a tradição decifra em quatro níveis sentido literal anedótico acessível a todos sentido alusivo simbólico acessível à maioria sentido oculto reservado a alguns e enfim sentido iniciático que só é revelado excep cionalmente De fato essa percepção personalizada da realidade exterior está sempre presente em nosso cotidiano em que cada gesto e cada uma de nossas palavras contém ao mesmo tempo múltiplos sentidos em múlti plos níveis e para cada um dos parceiros presentes10 A Gestalt se es força para nos introduzir nesse espesso tecido polissêmico que faz a den sidade e a infinita riqueza de nossa vida cotidiana e implica uma leitura plural de nossa existência multidimensional Os gestaltistas multiplicaram as experiências de laboratório sobre a subjetividade da percepção e a escolha consciente ou inconsciente da figura e do fundo Podemos ver na página seguinte duas clássicas fi guras ambíguas às quais o observador pode conferir significados dife rentes conforme sua intenção ou à sua revelia Assinalemos de passagem que o vaso que separa os dois perfis tornouse símbolo corrente da psicologia da Gestalt e por extensão da Gestaltterapia Então qualquer fenômeno observado nunca é uma realidade obje tiva em si mas uma interrelação global entre o próprio fenômeno e seu meio momentâneo portanto o observador Tudo está ligado como ensina o Tao 10 Um exemplo simples seria Eu estou cansado que pode significar Deixeme em puzl ou ainda o contrário Preste atenção em mim ou ainda Sempre sou eu que Irnbnlha para todo mundo e vários outros subentendidos 41 vaso de Rubin vaso branco em am bígua m ulher de Laevitt um a fundo negro ou dois perfis em velha de nariz adunco e queixo fundo branco com prido ou um a jovem de nariz arrebitado Todo o mar sobe com uma pedra que se lhe atire Pouco importa a objetividade não é nossa realidade Estou escrevendo em uma mesa diz Perls11 De acordo com a física contemporânea ela é um espaço ocupado por milhões de elé trons móveis No entanto ajo como se a mesa fosse sólida Num pla no científico mesa tem uma acepção diferente daquela do plano prá tico Para mim em meu campo de ocupação atual ela é um sólido elemento do mobiliário Enfim nossa busca não deve incidir sobre as coisas ou seres mas sobre as relações entre as coisas ou seres porque o sentido emerge tanto do contexto quanto do texto 11 Ego hunger and agression de 1942 já citado 42 Ca p í t u l o 3 Fritz Perls O pai da Gestalt um enfant terrible Conviria agora de acordo com a lógica cartesiana apresentar os outros fundamentos da Gestaltterapia e sobretudo da psicanálise de Freud e seus sucessores e dissidentes mas também o expressionismo de Friedlaender o holismo de Smuts a semântica geral de Korzybski o transcendentalismo de Emerson e é claro o psicodrama de Moreno Não esquecer os métodos análogos que o influenciaram como a psicos síntese de Assagioli o sonhodesperto de Desoille a terapia centrada no cliente de Rogers a análise transacional de Berne a dinâmica de gru pos de Lewin os grupos de encontro de Schutz assim como a vegetote rapia de Reich a bioenergética de Lowen a conscientização sensorial de Charlotte Selver o rolfing de Ida Rolf assim como o anarquismo de Proudhon ou de Kropotkine a cientologia ou dianética de Ron Hub bard o judaísmo o taoismo o zen e muitos outros que esqueço De fato Perls leu as obras e encontrou a maioria dos fundadores citados acima até praticou mais ou menos todas essas ideologias teo rias métodos técnicas e emprestou deles idéias que reformulou em seu estilo pessoal amplamente enriquecido pelas contribuições essenciais dc sua mulher Laura de Paul Goodman e vários outros Partir disso e considerar a Gestalt uma mistura heteróclita não é difícil algumas más línguas não hesitaram em fazêlo No entanto nílo é nada dissoj na verdade é uma síntese específica e coerente mes mo que constituída empiricamente em grande parte por muitos encon tros e lentos tateios ainda aqui o todo é bem diferente da soma de suas partes 43 Em nenhum caso somos levados a ver a Gestaltterapia como uma composição de diversas abordagens ou como uma simples abor dagem eclética assinala Claudio Naranjo Não consideramos a músi ca de Bach uma composição de estilos anteriores italiano alemão e francês que no entanto ela é num certo sentido Pelo contrário ficamos ainda mais tocados pela originalidade de uma síntese que emer ge da observação de seus componentes Da mesma forma a nova construção da Gestaltterapia nos impressiona mais do que os velhos tijolos utilizados 1 Para o inferno então com a lógica analítica universitária Expor um encadeamento de teorias poderia sugerir que a Gestalt nasceu de uma crítica racional das riquezas e das lacunas das outras abordagens ou de uma síntese combinada Nem uma coisa nem outra Não se trata de for ma alguma de uma elaboração metódica de uma exploração organiza da e sistemática a partir de caminhos já traçados e que se esforça para colocar pontes nas fendas e rachaduras A Gestalt deve seu surgimento às intuições gemais e às crises pes soais daquele que devemos considerar seu principal fundador Fritz Perls De fato ela foi amplamente articulada e formalizada por Laura Perls e Paul Goodman e também por seus primeiros colaboradores e pelos continuadores de segunda e terceira geração cujas contribuições es senciais evocaremos a seguir Isadore From Jim Simkin Joseph Zin ker Ervin e Miriam Polster etc mas não podemos ir muito mais longe sem introduzir agora ó pai da Gestalt o enfant terrible da psica nálise o velho homem indigno da Califórnia dos beatniks Fritz Perls tão mencionado e nunca apresentado Na verdade não é por acaso que ainda não o fiz como a maioria dos gestaltistas atuais tenho ao mesmo tempo orgulho e vergonha de nosso chefe e fico sempre dividido entre o desejo de apresentálo e apreciálo e o de dissimulálo Conforme a cor dos projetores com os quais o iluminamos e conforme os vários períodos de sua vida pode mos fazer dele um gênio inspirado ou a encarnação do diabo em pes soa Ele era de fato capaz de se mostrar egoísta narcisista orgulho so e avarento impulsivo colérico e paranóico polimorfo perverso no plano sexual ele se autodefinia assim sedutor impenitente embo ra fisicamente pouco atraente cabotino exibicionista e voyeur to mou LSD e outras drogas psicodélicas fumava três maços de Camel por dia foi mau filho um marido bem mesquinho e um pai indigno 1 Claudio Naranjo The techniques of Gestalt Therapy Berkeley 1973 Reproduzido no Gestalt Journal 1980 44 no plano profissional se reconhecia como psicanalista medíocre e es critor confuso2 Em suma se eu me deixasse levar pela amplificação do que sinto de acordo com um hábito caro à Gestalt chegaria a concluir que Fritz Perls era a encarnação viva dos sete pecados capitais avareza gula inveja luxúria orgulho preguiça e raiva classificoos por or dem alfabética para evitar qualquer tentação de hierarquizar Pelo menos estamos prevenidos contra um risco comum o de querer imitar o Mestre promovêlo a guru embora os comporta mentos neuróticos de Freud tenham criado tantos adeptos por exem plo sua fobia do contato3 E no entanto não é nada fácil contestar a genialidade de Fritz seu penetrante senso de observação sua intuição muitas vezes sur preendente sua ampla cultura deliberadamente camuflada sob uma imagem rústica sua criatividade e vitalidade transbordantes seu humor e seu sentido de autocrítica refinados sua autenticidade provo cadora em seu comportamento cotidiano chegaram até a afirmar que ele era o único homem verdadeiro do século Ao falar dele sua mulher dizia que ele era uma mistura de pro feta e coitado que Fritz considerava exato e citava com orgulho Conhecemos melhor suas demonstrações públicas pós68 do que suas sessões de terapia mas é reconhecida sua arte consumada de perceber de imediato o problema existencial central de todos os seus clientes é ver dade que a maioria deles já tinha um longo passado de terapia pessoal Ele era antes de mais nada um artista e na verdade como se sabe os maiores artistas do mundo nunca foram puritanos e raramen te respeitáveis 4 Pensemos em Mozart Wagner Victor Hugo e tantos outros Fritz Perls teve uma vida muito movimentada tanto em termos de seus sentimentos e ressentimentos interiores quanto de seu compor tamento exterior suas relações sociais e deslocamentos geográficos 2 Muitas das obras assinadas por ele foram escritas em parte por alguns de seus colabo radores Ego hunger and agression foi completado em grande parte por sua mulher Laura os dois tomos de Gestalttherapy a bíblia da Gestalt foram redigidos um por Hefferli ne c o outro por Goodman a partir de abundantes notas de Perls é verdade Group therapy today styles methods and techniques por Abraham Levitzky Gestalt therapy verbatim é uma transcrição literal das gravações de seus seminários de demonsração Gestaltterapia explicada São Paulo Summus 1977 Iti and out the garbage pail Escarafunchando Fritz dentro e fora da lata de lixo São liiulo Summits 1979 é um diário íntimo autobiográfico às vezes poético em inglês mtN no gcrul bastante confuso A obrn iiu iín elaborada de Perls The Gestalt aproach and eye witness to therapy apare ceu pm 1973 liíis anos após sua morte I hem l holí ia entre outras de uma patologia pessoal histerofóbica com medo de qual iUí i tmilitlo Tísico ou olhar e é inegável que seus próprios problemas infuenciaram so limimnrlni nuh técnica de tratamento I II I Mcmkni citado por Jack Gaines em sua biografia sobre Perls 45 dinha vai acabar mal Mais tarde Fritz nem falaria mais com o pai e nem iria a seu enterro Por toda a vida Fritz mostrarseá muito hos til perante figuras paternas Freud por exemplo por volta de 1903 Fritz tinha dez anos Tornarase cada vez mais insuportável fazia bagunça na escola recusavase a fazer os deveres falsificava os boletins mexia nos objetos pessoais do pai e olhava por baixo das saias das mulheres A mãe batia nele com freqüência com palmatória ou um batedor de tapetes mas Fritz resistia cortava as cor reias do chicote quebrava as palmatórias e chegou a atirar coisas no rosto dela em 1906 aos treze anos finalmente foi expulso da escola por conduta inqualificável e começou a vagabundear com um amigo que o iniciou na masturbação e o levou a uma prostituta Seu pai colocouo como aprendiz numa loja de bombons e gulosei mas mas no ano seguinte Fritz decidiu voltar a estudar e se inscreveu por si mesmo com seu companheiro numa escola muito liberal on de se interessavam muito mais pelos alunos do que pelos programas Ali ele desenvolveu em especial seu gosto pelo teatro interesse que manteria por toda a vida e que transparecerá claramente na Ges talt6 Durante toda sua adolescência ele faria cursos de arte dramática e continuaria a atuar como figurante mesmo quando mais tarde pas sou a estudar medicina na Universidade de Berlim Perls foi profunda mente marcado pelo contato assíduo com o grande diretor expressionis ta Max Reinhardt do Deutsche Theater que defendia o envolvimento total do ator em seu papel Ficou fascinado com um grupo de artistas esquerdistas que freqüentava Declarou mais tarde que o teatro fora seu primeiro grande amor e que o sonho de sua vida fora tornarse dire tor de teatro Na realidade ele confessou não ter sido um bom ator Só no fim da vida aos 75 anos em Esalen pôde encontrar seu próprio estilo no que ele chamava seu circo em 1914 quando da declaração da guerra foi reformado por má formação cardíaca e alocado num serviço auxiliar No ano seguinte aos 22 anos inscreveuse como voluntário na Cruz Vermelha em 1916 foi enviado ao front na Bélgica e participou da guerra de trincheiras por nove meses em condições particularmente traumati zantes viu seus camaradas matarem um a um a golpes de martelo os 6 Cabe notar o paralelismo com Moreno em quem ele se inspirou de forma freqüente e explícita É interessante que os dois principais colaboradores de Perls sua mulher Laura e Paul Goodman fossem muito ligados às técnicas de expressão Laura praticou desde a infância dança e piano ver capítulo 10 Goodman escreveu várias peças anarquistas para o Living Theater 48 soldados inimigos intoxicados Como judeu foi perseguido e enviado aos postos avançados mais perigosos se intoxicou e foi ferido na testa7 pela explosão de um obus antes de ser repatriado e hospitalizado Con servaria por muito tempo seqüelas desses traumas chegando a manifes tar sinais de despersonalização e indiferença total pelo meio em 1920 depois da guerra Fritz retomou seus estudos e obteve seu doutorado em medicina aos 27 anos em 3 de abril de 1920 Era neuropsiquiatra mas de fato continuava interessado por teatro e fre qüentava regularmente os cafés esquerdistas de Berlim onde encon trava filósofos poetas e artistas anarquistas da contracultura Aí Perls encontraria Salomon Friedlaender filósofo expressionista autor de A indiferença criadora ensaio visando superar o dualismo kantiano que desenvolve o conceito de vazio ou vazio fértil8 ou ainda esta do indiferenciado O ponto zero seria um estado que segue o da retração e precede o da emergência de uma nova sensação estado em que não há mais nem figura nem fundo O zen chama de ku esse estado dc vacuidade difícil de captar e consagra a ele numerosos escritos e koans Encontramos um tema semelhante na noção taoísta de equilíbrio entre polaridades opostas tema amplamente retomado em Gestalt9 Fritz sempre conservaria um fascínio pelos marginalizados e por Ioda a vida seria encontrado em círculos e grupos anarquistas em No vu York com Paul Goodman e o Living Theater dos Beck em Israel com as comunidades de pintores beatniks na Califórnia como um dos papas da contracultura hippie A Gestalt seria marcada por essa hostilidade contra se deixar en clausurar dentro das normas burguesas contra se submeter à pres srto social do stablishment fosse ele mundano psicanalítico ou políti co individualismo orgulhoso dos gestaltistas seria mesmo um obs táculo durante décadas à constituição de associações profissionais na cionais10 pelo temor talvez justificado de que elas logo viessem a criar iiiDii normalização esclerosante dc outubro de 1923 a abril de 1924 Fritz partiu para Nova York na esperança de obter uma equivalência americana para seu diploma ale inílo dc doutor cm Medicina mas enfrentou dificuldades lingüísticas11 c iiliiís nflo sc deu bem com a atmosfera de dura competição da mega 7 Ciiwlitvii dc comparar sua cicatriz com um terceiro olho H O iic conta em um vaso é o vazio do meio diz Sartre reformulando um pensa mento de I aoTsé A utilidade da argila na fabricação de um vaso vem do oco deixado por mu i aiisinda i Vei capitulo 5 10 1aieec que u Société Française de Gestalt SFG criada por iniciativa nossa em 1IHI é uniu das primeiras senão a primeira no mundo 11 líle no entanto havia estudado latim grego hebraico e falava francês fluentemente 49 lópole Voltou para a Alemanha sem obter seu título e despeitado com a cultura americana que não deixaria de criticar por toda a vida em 1925 Fritz tinha 32 anos Ainda morava com a mãe Era to talmente inseguro feio fraco arqueado desprezado pelo pai apaga do num torpor crônico desde a guerra Duvidava de sua potência se xual e se dizia embrutecido pela masturbação Foi quando encontrou Lucy uma esplêndida jovem casada que o seduziu em dez minutos no leito do hospital e lhe mostrou depois um rico sortimento de variações eróticas amor a dois a três a quatro exi bicionismo voyerismo homossexualidade etc Ela estava disposta às ex periências mais ousadas e Fritz por seu lado exultava em transgredir todos os tabus em 1926 aos 33 anos sentiu necessidade de entender todas essas emoções novas que o excitavam e culpavam ao mesmo tempo e deci diu começar uma psicanálise com Karen Horney Foi logo conquistado e pretendeu tornarse psicanalista Karen Horney sugeriu que se afastasse de Lucy e deixasse Berlim Depois de alguns meses mudouse para Frankfurt onde encontrou trabalho como médicoassistente de Kurt Goldstein que pesquisava distúrbios perceptivos em pessoas com problemas cerebrais ä partir dos trabalhos da psicologia da Gestalt Ali encontrou Lore Posner que se tornaria sua mulher após um período de três anos como sua amante em 1927 em Frankfurt ele continuou sua análise com uma se gunda psicanalista Clara Happel que declarou inesperadamente termi nada sua análise após um ano quando ele não tinha mais um centavo e sugeriu que ele se instalasse imediatamente como psicanalista12 Fritz foi para Viena a capital da psicanálise e lá recebeu seus primeiros clien tes sob o controle de Hélène Deutsch com reputação de mulher glacial i em 1928 voltou a estabelecerse em Berlim como psicanalista e retomou então uma terceira etapa da análise com Eugen Harnick um psicanalista húngaro particularmente ortodoxo quanto à regra da absti nência pois defendia a neutralidade e cultivava a frustração a tal pon to que evitava dar a mão aos clientes ao cumprimentálos e não pro nunciava muito mais do que uma frase por semana Para mostrar que a sessão tinha acabado sem precisar usar a voz limitavase a esfregar o pé no chão13 12 Essa precipitação era comum na época 13 Morreu em um manicômio 50 Como relata o próprio Fritz em suas memórias In and out the gar bage pail ele continuou conscienciosamente a análise diária com Har nick por dezoito meses cinco vezes por semana14 deitei no seu divã sem ser analisado De acordo com um princípio então corrente entre os psicanalistas Harnick proibia seus clientes de tomarem qualquer de cisão importante durante o tratamento Assim quando Fritz falou de sua intenção de se casar com Lore Harnick ameaçou interromper ime diatamente a análise15 Fritz aproveitou essa chantagem para livrar se do analista e trocou o divã psicanalítico pelo leito conjugal em 1929 23 de agosto apesar das proibições de seu analista e de uma grande reserva da família de Lore Fritz casouse com ela Ele ti nha 36 anos e ela 24 em 1930 a conselho de Karen Horney iniciou uma quarta análi se desta vez com Wilhelm Reich Fritz sentiuse enfim compreendido e energizado Tinha grande admiração por Reich e sua Gestaltterapia seria notavelmente inspirada nele Reich havia sido admitido em outubro de 1920 aos 23 anos na Sociedade Psicanalítica de Viena e logo autorizado como era hábi tual na época a receber seus primeiros clientes Em 1927 publicou A função do orgasmo que sofreria em seguida várias revisões De 1924 a 1930 a pedido de Freud ele dirigiu o seminário de técnica psicanalíti ca c redigiu os textos que constituiriam A análise do caráter Reich se interessava mais pelo presente do que pelas escavações arqueológicas da primeira infância De fato preocupavao que freqüentemente no final de uma análise a origem e significado inconsciente de um sintoma estivessem esclarecidos mas que apesar disso este último não desa parecesse Ele procurou então descobrir processos de cura Fez uma aná lise ativa não hesitando em tocar o corpo de seus pacientes para cha mar sua atenção para as tensões de sua couraça do caráter Abordou diretamente a agressividade a sexualidade e a política Seria excluído du Sociedade Psicanalítica de Viena em 1933 e depois da Associação IMcunuIftica Internacional em 1934 em 1931 nasceu o primeiro filho de Perls uma menina Renate 0 orgulho de Fritz foi ainda maior porque temia ser estéril Seria muito npegudo u clu durante os primeiros quatro anos até o nascimento do filho Sieve Depois negligenciaria totalmente a ambos até o fim de sua vkln 14 Innp ritmo dirtrio continuou habitual nos Estados Unidos 1 V D c v c iu o n ttcrcN ccn U ir que Harnick também era analista de Lore e temia que o casa incnlo liilciTOMipcssc seus estudos antes que ela obtivesse seu doutorado em psicologia 51 Sua clientela berlinense florescia mas logo o Reichstag foi incen diado e os nazistas tomaram o poder em abril de 1933 Fritz Perls fugiu da Alemanha onde a perse guição aos judeus já começara Escapou para a Holanda abandonando todos os seus bens exceto uma nota de 100 marcos dissimulada no is queiro Mas pôde obter permissão para trabalhar em Amsterdã e foi então que Ernest Jones amigo e biógrafo de Freud lhe propôs um em prego na África do Sul 2 África do Sul em 1934 após aproveitar as três semanas da viagem de navio pa ra aperfeiçoar seu inglês Perls instalouse em Joannesburgo onde fun dou o Instituto SulAfricano de Psicanálise16 Fritz e Lore17 tinham mui tos clientes em tratamento e alguns outros em formação didática para psicanalistas Logo se tornaram ricos e célebres Compraram uma sun tuosa casa com quadra de tênis piscina pista de patinação no gelo sic etc tinham uma numerosa criadagem Fritz vestia terno e gravata e le vava uma vida burguesa e mundana muito trabalho durante a semana alternado com o repouso do fimdesemana quando se dedicava às suas distrações favoritas natação patinação no gelo pilotagem de um avião particular filatelia xadrez etc18 Nessa época Fritz ainda respeitava as normas rígidas da psicanáli se cinco sessões por semana de 50 minutos cada sem nenhum contato físico visual ou social com seus clientes Sentia que se tornava pouco a pouco como diria mais tarde um cadáver calculador como a maio ria dos analistas que conhecia em 1936 aconteceu o Congresso Internacional de Psicanálise de Praga Perls sonhava ir pilotando seu próprio avião e tornarse assim o primeiro analista voador Isso não pôde se realizar mas esse Con gresso lhe reservava outros inconvenientes Ele preparara uma comunicação sobre As resistências orais com pletando as idéias de Freud sobre as resistências anais ligadas ao trei namento dos hábitos de higiene Esperava encontrar Freud e submeter lhe seu texto mas a acolhida deste constituiu um trauma do qual nun ca se recuperou Em suas próprias palavras Em 1936 acreditei que era chegada a hora Afinal não estava eu na origem da criação de um de seus institutos e não atravessara 6500 16 Do qual aliás seria o único membro 17 Apesar dos temores de Harnick ela terminou o doutorado e sua formação psicanalítica 18 Lore declarou que nessa época trabalhava 16 horas por dia sete dias da semana além das responsabilidades familiares 52 km para vir ao seu Congresso Marquei encontro Fui recebido por uma mulher de certa idade sua irmã creio e esperei Depois uma porta se entreabriu uns 60 cm e o Mestre apareceu diante de meus olhos Achei curioso que ele não deixasse o vão da porta mas naquele momento eu nada sabia de suas fobias Vim da África do Sul para dar uma conferência no Congresso e para vêlo Ah sim E quando vai partir disse ele Não me lembro mais do resto da conversa que durou talvez qua tro minutos Eu estava abatido e decepcionado19 Meu rompimento com Freud e sua escola foi definitivo alguns anos mais tarde mas o fantasma nunca foi completamente exorciza do A segunda decepção do Congresso foi seu encontro com Wilhelm Reich que o recebera em análise cotidiana durante mais de dois anos mas que mal o reconheceu e não se interessou de forma nenhuma por sua trajetória envolvido que estava em suas próprias pesquisas Enfim o terceiro choque foi provocado pela acolhida glacial reser vada pelo conjunto de seus colegas psicanalistas à sua comunicação so bre a importância da oralidade e das modalidades de ingestão de alimento pelo bebê primeiro modelo de sua futura relação com o mundo Ele fazia um paralelo entre a fome instinto de conservação do indivíduo e a sexualidade instinto de conservação da espécie a necessidade e o desejo em 1940 desenvolveu suas teses e terminou a redação de seu pri meiro livro Ego hunger and agression escrito em colaboração com a mulher que discutiu o conteúdo corrigiu a forma e redigiu alguns capí tulos Aliás ele agradecepor isso no prólogo da primeira edição pu blicada em Durban África do Sul em 1942 mas suprimiria essa passa gem nas edições posteriores feitas na GrãBretanha 1947 e depois nos Estados Unidos 1966 e reivindicaria posteriormente a total paterni dade desta obra Desde esse primeiro livro começam se esboçar várias noções que de sembocariam nove anos mais tarde no nascimento oficial da Gestalt terapia a importância do momento presente a do corpo a procura de uma abordagem mais sintética do que analítica a contestação da neu rose de transferência que lhe parece uma complicação inútil e uma perda de tempo Ele já preconizava um contato direto e autêntico en tre o paciente e seu analista e não um pseudocontato com suas proje ções Tratava também de uma abordagem holística do organismo e IV lim tlclcsa de lïeud Laura Perls lembra que ele já estava velho e gravemente doente dc um dlnicr no maxilar Usava um maxilar artificial e tinha muita dificuldade para fa lai Nilo ciisiiiavn mais e só se relacionava com as pessoas próximas 53 de seu meio das resistências da introjeção e da projeção das emo ções incompletas e a obra termina com a exposição de uma terapia da concentração compreendendo técnicas de visualização de utiliza ção da primeira pessoa do singular responsabilidade pelos sentimentos concentração no corpo e nas sensações e observação das evitações De fato ele aí defende teses nitidamente heréticas contestando já o essencial da psicanálise o inconsciente o primado da sexualidade infantil e da libido a utilização da transferência como motor do trata mento etc e não é de surpreender a reação de Marie Bonaparte que lhe sugeriu claramente que se retirasse da Associação Psicanalítica In ternacional a que Perls se recusou Talvez não tenhamos enfatizado bastante a influência sobre o pri meiro livro de Perls das idéias de Jan Christiaan Smuts 18701950 antigo aluno de Cambridge primeiroministro da África do Sul de 1919 a 1924 e de 1939 a 1948 e ministro da Justiça de 1933 a 1939 Smuts foi um dos fundadores da Sociedade das Nações em 1919 e das Nações Unidas em 1945 Ele é considerado além disso fundador do holismo teoria elaborada especialmente a partir das idéias de Darwin de Berg son A evolução criadora e de Einstein Fritz Perls que havia lido Berg son no original e que o citava com freqüência era um admirador fer voroso de Smuts e aceitara a proposta de partir para a África do Sul em parte por causa dele Perls assinala que o livro de Smuts era um livro básico estudado pelos assistentes de Goldstein De fato ele ia mais além deste último ao considerar não só o próprio organismo como um todo coerente mas um todo em interdependência estreita com seu meio e com o universo Smuts já definia a introjeção como a experiência de outrem aceita sem ter sido assimilada Durante sua permanência na África do Sul Perls iniciase também na semântica geral de Alfred Korzybski 18791959 que procurava de senvolver o pensamento intuitivo não aristotélico Perls citavao com muita freqüência e mais tarde colaboraria regularmente assim co mo Goldman com a Revue de Sémantique Générale Para Korzybski todas as experiências são multidimensionais po demos assim atribuir fatores emocionais a qualquer manifestação inte lectual e viceversa A terapia integrativa deve englobar a língua e seu contexto semântico falar é agir e agir em um contexto cultural dado em 1942 a Segunda Guerra Mundial causou grande desordem Perls se alistou no exército como oficial médico e serviu durante qua tro anos como psiquiatra na África do Sul Estava sempre ausente multiplicava suas aventuras sexuais desinteressavase cada vez mais da mulher e dos filhos enfureciase com freqüência e não hesitava em bater neles reproduzindo assim o comportamento de seu pró prio pai 54 3 Nova York no verão de 1946 aos 53 anos ele decidiu abandonar tudo nova mente sua família sua luxuosa mansão sua rica clientela e partiu pa ra outras paragens Em Nova York não apreciou a agitação e a competição Além dis so teve má acolhida dos psicanalistas ortodoxos que discordavam de suas idéias desviantes e de seu comportamento antisocial ou seja provocante Ele era realmente sujo e desarrumado não respeitava ne nhuma das convenções sociais de polidez elementar nunca teria dito obrigado e paquerava abertamente inclusive suas clientes No entanto obteve o apoio de sua expsicanalista que se tornara uma ami ga fiel Karen Horney assim como de Erich Fromm20 e de Clara Thomp son aluna de Ferenczi Assim pôde refazer rapidamente uma nova clien tela e um ano mais tarde sua família reuniuse a ele no novo continente Ele prosseguiu em Nova York a última etapa de seus 23 anos de carreira psicanalítica até 1951 data do aparecimento da obra coletiva Gestalt Therapy que marcou o início oficial da nova prática Apesar de algumas ocasionais sessões face a face continuava utili zando o divã e aliás continuaria a recorrer a ele nos primeiros anos de sua prática em Gestaltterapia por exemplo de 1952 a 1955 com um de seus primeiros discípulos Jim Simkin como por seu lado Reich também No entanto ele se interessa cada vez mais pela terapia em grupo à qual consagraria mais tarde o essencial de sua atividade até final mente considerar a terapia individual obsoleta Na introdução da no va edição de Ego hunger and agression em 1969 ele chegou a declarar A maioria dos terapeutas e de seus pacientes ainda não percebeu que é preciso provavelmente renunciar às terapias individuais e às terapias de longa duração Paralelamente às suas atividades terapêuticas Perls freqüentava no vamente os meios artísticos e boêmios os intelectuais de esquerda do pósguerra anarquistas e revoltados escritores pintores músicos bailarinos e sobretudo os atores do Living Theater que defendiam como ele a expressão direta do sentimento aqui e agora mediante um contato espontâneo com o público mais do que a aprendizagem tra dicional por repetição Todo este meio alardeava uma grande liberdade de costumes a maioria praticava abertamente a bissexualidade21 e o sexo grupai pro 20 Não confundir com seu futuro discípulo Isadore From com um só m 21 Paul Goodman escreveu eu era bissexual desde os 12 anos e achava absurdo iic a sociedade se metesse a legislar em matéria de sexualidade privada 55 curando incessantemente explorar seus limites e transgredir os da socie dade Foi aí que Perls encontrou Paul Goodman poeta e escritor pole mista revolucionário anarquista militante que Lore agora Laura recebeu em terapia e depois em formação e que logo se tornaria um dos pensadores da nova Escola22 Aí encontrou também Isadore From estudante de fenomenologia também homossexual que receberia em terapia em troca de algumas aulas de filosofia e que depois foi um dos pilares do célebre Instituto de Gestalt de Cleveland em 1950 foi constituído o Grupo dos Sete composto por Isado re From Paul Goodman Paul Weisz psicoterapeuta que iniciaria Perls no zen Elliot Shapiro Sylvester Eastman Fritz e Laura Perls Mais tarde Ralph Hefferline foi chamado porque sua posição de professor universitário talvez pudesse avalizar o Grupo que queria publicar suas teses em 1951 foi lançado Gestalt Therapy cujo conteúdo foi um pou co americanizado pela colaboração ativa e pela estruturação dos dois coautores americanos Goodman e Hefferline e pela apresentação do editor que iniciou a obra pela parte dos exercícios práticos em 1952 Fritz e Laura criaram o primeiro instituto de Gestalt The Gestalt Institute of New York seguido em 1954 pelo de Cleveland23 Logo Fritz entregaria a direção a Laura e aos dois Paul Goodman e Weisz enquanto começava uma interminável peregrina ção pelos Estados Unidos para divulgar seu novo método que aliás só teve por mais de quinze anos uma repercussão muito modesta Criou e dirigiu grupos descontínuos e seminários pontuais de demonstra ção em toda parte Chicago Detroit Toronto Canadá Miami Los Angeles etc Durante esses deslocamentos encontrou terapeutas eminen tes dos quais emprestou idéias e técnicas inspirouse assim na tomada de consciência sensorial do corpo sensorial awareness de Charlotte Selver com quem faz cursos regula res durante quase dezoito meses praticou o psicodrama de Moreno e principalmente sua varian te o monodrama ou monoterapia em que o protagonista interpre ta sozinho os diferentes personagens que evoca 22 Aliás Goodman já tinha feito análise com Lowen aluno de Reich 23 Perto de Detroit às margens dos Grandes Lagos a meio caminho entre Nova York e Chicago 56 iniciouse na dianética ou cientologia24 de Ron Hubbard que preconizava em especial a catarse emocional dos traumas passados re vividos com intensidade no presente e insistia na responsabilidade de cada um por seus próprios sentimentos Fritz rejeitava o espírito geral mas adaptou algumas técnicas Nessa época Perls não imaginara ainda o procedimento do hot seat e trabalhava principalmente de modo verbal procurando a conscienti zação do vivido aqui e agora preconizando a identificação sucessiva com cada elemento dos sonhos assim como o contato direto e autênti co entre cliente e terapeuta apontando as projeções que parasitam essa relação Sua pesquisa empírica e experimental era bastante criticada pelos puros e duros da Gestalt Paul Goodman e Laura Perls e Fritz passou lhes progressivamente a direção dos dois institutos que haviam fundado juntos em Nova York e Cleveland onde logo nasceu uma segunda geração de gestaltistas entre eles Isadore From Joseph Zinker Ervin e Miriam Polster etc Perls se interessou também de perto pela semântica geral de Korzybski já mencionada 4 Flórida em 1956 Fritz Perls estava desanimado e cansado de pregar num semideserto Estava enfadado de sua relação com Laura Estava cardía co Tinha 63 anos e achava que sua vida acabava na indiferença ge ral Sonhava em aposentarse para terminar seus dias em Miami na costa ensolarada da Flórida nas margens do Golfo do México Ali se instalou arredio ignorado por todos triste e deprimido num pequeno apartamento de aluguel barato e pouca luz Dirigiu alguns gru pos esporádicos de oito a nove pessoas na exígua sala de estar que nunca era limpa Almoçava solitário num pequeno restaurante judai co do bairro Não tinha amigos Pela primeira vez em sua vida renun ciou às atividades sexuais com medo de uma crise cardíaca em dezembro de 1957 aconteceu o milagre uma de suas clientes Marty Fromm 32 anos fazia terapia com ele de quatro a cinco vezes por semana Era tímida neurótica frígida e nunca fazia amor com o marido E eís que um dia depois de uma sessão Fritz colocou os bra ços em torno de seu pescoço e a beijou Logo os dois recobraram o 24 A cientologia alardeia 7000000 de adeptos no mundo É atualmente considerada uma seita e foi condenada por tribunais de diversos países 57 gosto pela vida e se tornaram amantes apaixonados Foi disse Perls a mulher mais importante de minha vida Ele a iniciou em todas as alegrias do sexo e realizou com ela suas fantasias mais ousadas conti nuando sua terapia e depois sua formação de terapeuta Depois disso à procura de experiências sempre novas entregouse às drogas psicodélicas e viajava a cada dois dias com LSD ou psilo cibina estrato de cogumelos sagrados mexicanos Sua paranóia crônica latente então eclodiu abertamente Queria vi ver sua loucura até o fim e a droga lhe dava uma consciência cós mica De qualquer maneira ele se considerava acabado e vivia sem limites Mas Marty teve dificuldade para suportar seu mergulho no delírio e na psicose e sobretudo seu ciúme que se tornara patológico Além disso ele sofreu duas cirurgias sucessivas hemorróidas e próstata e Marty acabou deixandoo por um amante mais jovem 5 Viagens Então um novo período errante recomeçou para Fritz em 1959 e 1960 foi várias vezes à Califórnia a São Francisco a con vite de Van Dusen e a Los Angeles a convite de Jim Simkin um de seus primeiros clientes que fizera terapia em Nova York de 1952 a 1955 Viveu ali como vagabundo instável sem endereço fixo vagando de um lado para outro dia e noite Mas Simkin conseguiu convencêlo a renunciar à droga em 1962 e 1963 aos 70 anos começou um périplo de dezoito me ses ao redor do mundo e ficou alguns meses em Israel em Ein Hod numa pequena aldeia de jovens artistas beatniks Ficou fascinado com seu modo de vida nada fazer explicitamente sem sentirse culpado mas feliz Dedicouse à pintura deliciado Foi em seguida ao Japão onde permaneceu em um mosteiro zen por curiosidade mas com a secreta esperança de experimentar o satori a ilu minação Perls tinha praticado um pouco o zen nos Estados Unidos com seu amigo Paul Weisz e o zen o atraía como religião sem Deus mas ficou decepcionado e surpreso ao ver que antes de cada sessão era preciso invo car uma estátua de Buda e se prostrar diante dela Assim concluiu Do ponto de vista zen minha estadia no Japão foi um fracasso o que reforçou em mim a convicção de que como na psicanálise há algo errado se forem necessários anos e décadas para chegar a nada O melhor que se pode dizer é que a psicanálise engendra psicanalistas como o estudo do zen produz monges 58 Experimentei os dois em posição de lótus na quietude do zendo ou deitado num divã cuspindo rios verborrágicos Ambos agora re pousam sob sua pedra tumular no fundo de minha lata de lixo 6 Esalen em dezembro de 1963 Fritz Perls encontrou Michael Murphy que acabava de herdar uma magnífica propriedade em Big Sur na costa ca liforniana 300 km ao sul de São Francisco caracterizada pela presen ça de fontes de águas quentes e sulfurosas Ele havia batizado o lugar de Esalen nome de uma tribo indígena que freqüentava o lugar para suas cerimônias rituais Michael Murphy e seu colega de universidade Richard Price so nhavam criar ali um Centro de Desenvolvimento do Potencial Huma no mas dois anos após a abertura do local para conferencistas famo sos ele mais parecia um albergue local do que um Centro Internacional de Seminários Ali conversavam bebiam fumavam mas nada aconte cia de extraordinário De fato é preciso reconhecer que em grande parte foi Perls que despertou Esalen para a celebridade e Esalen retribuiu lhe transformando o velho crocodilo que esperava a morte num bri lhante e badalado terapeuta em abril de 1964 apesar dos primeiros contatos reservados Fritz concordou em se instalar em Esalen como residente e propôs labora tórios de demonstração e em seguida um programa de formação profis sional em Gestalt Mas seu sucesso foi lento seus primeiros laboratórios não atraíram mais de quatro ou cinco participantes Isso apesar de um filme feito em 1964 que comparava as abordagens de Rogers Ellis terapia racionalemotiva e Perls em uma mesma cliente Glória em 1965 Perls tinha 72 anos Estava ainda muito cansado e com problemas cardíacos Para descer aos banhos à fonte termal natu ral depois reformada distante uns 100 metros ele ia de carro Foi então que uma fisioterapeuta Ida Rolf lhe aplicou uma série de 50 massagens profundas de integração estrutural rolfing e manipu lações vertebrais de osteopatia ele logo perdeu as costas arqueadas e o peito cavo e reencontrou uma nova juventude Dois anos mais tarde seus laboratórios e seminários continuavam monótonos e podiam ser contados no máximo uma dúzia de estagiários em cada um No entanto uma magnífica mansão circular de madeira foi construída para ele perto do penhasco e ele ali promovia seus laborató rios em uma grande sala envidraçada com um espesso carpete logo coberto de pontas de cigarro e queimado pelas cinzas numa atmosfera constantemente enfumaçada porque ele nunca arejava o ambiente 59 Foi aí que em 1967 ele começou a redigir suas memórias publica das em 1969 In and out the garbage pail 1968 foi o grande momento do protesto jovem a crise do Viet nã estava no auge os estudantes e depois os hippies californianos reivin dicavam o direito de viver em liberdade a queda dos tabus o prazer dos corpos o direito à nudez o Amor não a Guerra e O Paraíso já 25 Esse movimento de liberação estendeuse pelo mundo inteiro co mo um rastro de pólvora Nossa sociedade estava pronta para acolher enfim a mensagem da psicologia humanista e da Gestalt Fritz Perls tinha então 75 anos Sua foto apareceu nos grandes se manários americanos Ele foi capa de Life Foi eleito rei dos hippies Era a glória Todos os fins de semana ele apresentava o que chamou de seu cir co Várias centenas de pessoas se aglomeravam para ver seu núme ro ele chamava alguns voluntários na multidão lhes atribuía um nú mero e os fazia sentar pela ordem no lugar quente diante de uma cadeira vazia e em alguns minutos acabava com seus problemas exis tenciais latentes por intermédio de suas atitudes ou de seus sonhos Pro blemas que tinham resistido a anos de psicanálise desapareciam ao que parece para sempre como por encanto Mas não se tratava de terapia profunda mas de demonstrações espetaculares Ele foi filmado e gravado e extratos dessas sessões apareceram em 1969 na obra Gestalttherapy verbatim Especialistas eminentes se deslocavam de todas as partes para Esa len ali podiam ser vistos por exemplo Gregory Bateson ecologia do espírito e double bind Alexander Lowen bioenergética Eric Berne análise transacional John Lilly caixa de isolamento sensorial Alan Watts orientalismo Stanislas Grof psicologia transpessoal John Grin der e Richard Bandler programação neurolingüística etc Mas Perls continuava irascível e com inveja do sucesso paralelo de alguns de seus colegas como Will Schutz que dirigia grupos de encon tro nãoverbal e publicou Alegria livro que teve enorme sucesso Ber nie Gunther Virginia Satir etc Fritz queria ser o único senhor a bordo incontestado e sem rivais e sonhava inaugurar enfim um Gestaltkibutz uma comunidade onde se pudesse viver a Gestalt 24 horas por dia e onde ele se sentisse real mente em casa Era uma idéia que Perls sempre acalentara e que seu contato com Goodman reforçara este último era como se sabe mili tante anarquista leitor assíduo de Fourier e Kropotkine e amigo de Ivan Illich e fantasiava um mundo pacífico composto de comunidades au togeridas baseadas na ajuda mútua coletivista e espontânea 25 O Living Theater do qual Perls e Goodman eram muito próximos representava na época Paradise Now happening provocador cujo sucesso foi considerável 60 Antes de pôr em prática esse velho sonho Fritz declarou Eu já disse que a terapia individual está ultrapassada Hoje vou além penso que todas as terapias de grupo também estão e procurou realizar a Gestalt na vida 7 Cowichan Canadá em junho de 1969 ele adquiriu um velho hotel de pescadores à beira do lago Cowichan na ilha de Vancouver na costa oeste do Cana dá Cerca 30 de discípulos fiéis juntaramse a ele Perls impôs sua lei Nada de crianças nem cachorros nada de perturbadores ele era o Mestre absoluto Todos viviam em comuni dade participavam do trabalho coletivo assim como das sessões de te rapia ou de formação Fritz viveu enfim feliz e descontraído como uma criança joga va xadrez colecionava selos brincava e chegava até a convidar seus colegas ao restaurante justo ele que sempre estava com o dinheiro contado Ele declarou Pela primeira vez na vida estou em paz Não preciso brigar com os outros No inverno seguinte voltando de uma viagem de passeio à Europa Berlim Paris e Londres parou em Chicago para dirigir alguns labora tórios e lá faleceu em 14 de março de 1970 aos 77 anos de infarto do miocárdio A autópsia revelou além disso um câncer no pâncreas Em sua elegia fúnebre Paul Goodman criticouo dizendo que ele tinha traído a Gestalt isso atiçou ainda mais a querela latente entre seus antigos amigos da costa leste e os da Califórnia que desapro varam esses sórdidos acertos de conta a tal ponto que Abraham Le vitzky organizou pouco depois uma segunda cerimónia fúnebre de reparação Assim viveu Fritz Perls que devemos queiramos ou não con siderar o principal criador e portavoz da Gestaltterapia mesmo não tendo sido propriamente seu teórico Foi criticado e até contestado por certos gestaltistas contemporâneos mas nem por isso podemos ignorar que deixou sua forte marca pessoal nessa nova abordagem considera da nos Estados Unidos a inovação mais importante em psiquiatria desde Freud e que lá conquistou desde então um dos primeiros luga res senão o primeiro entre os métodos de terapia e de desenvolvi mento pessoal 61 Ca p i t u l o 4 A Gestalt e a psicanálise Perls e a psicanálise É claro que a Gestaltterapia é filha da psicanálise assim como as terapias reichianas e neoreichianas vegetoterapia orgonomia bioe nergética radix etc ou ainda a análise transacional mas é uma filha rebelde que herdou muito pelo menos no princípio da rebelião crôni ca de Perls contra Freud Com acabamos de ver Fritz Perls fez quatro psicanálises sucessi vas mas todas em condições inabituais a primeira com Karen Homey só durou um ano a segunda com Clara Happel foi bruscamente interrompida a terceira com Eugen Harnick durou mais tempo mas vimos até que ponto este último era caricaturalmente passivo a quarta foi com Wilhelm Reich que pelo contrário era particular mente intervencionista e cada vez menos ortodoxo Aliás depois Karen Horney e Reich vieram a se tornar discípulos contestadores de Freud como comprovam seus trabalhos posteriores publicados após sua emigração para os Estados Unidos Enfim é importante salientar um fato freqüentemente negligencia do a importante influência indireta de Sandor F erenczi especialmente de sua técnica ativa e de suas intervenções físicas calorosas influência esta transmitida por vários de seus discípulos ou admiradores que mar caram Fritz ou Laura Perls durante sua formação didática inicial e suas pesquisas posteriores Landauer Hitschmann Otto Rank Erich Fromm Clara Thompson Gregory Bateson Heinz Kohut e a própria Karen Hor 62 ney Esta influência pode explicar amplamente a analogia várias ve zes evocada entre a prática de Perls e a de Winnicott aluno de Fe renczi assim como seus colegas Melanie Klein e Michael Balint Em resumo é preciso assinalar que Perls não teve uma experiência clássica tradicional da psicanálise apesar dos seis anos de análise e de formação didática de 1926 a 1932 e de seus vinte e três anos de prá tica como psicanalista de 1928 a 1951 Suas críticas constantes à psicanálise tradicional de sua época de vem pois ser situadas nesse contexto agravado pela brutal ferida nar císica que sofreu no Congresso de Praga em 1936 em sua entrevista abortada com Freud Olhandose mais de perto Perls critica sobretudo a idéia carica tural que ele próprio forjou da psicanálise e hoje muitos analistas não se reconhecem muito nessa imagem da análise que ele contesta É preciso não esquecer enfim que Perls e Goodman como todos os inovadores queriam o reconhecimento da especificidade de seu mé todo ora só nos afirmamos nos opondo Wallon e a conquista de uma identidade implica um reforço aparente das fron teiras e uma ênfase nas diferenças Controvérsias Como não tenho vocação para kamikaze não tentarei uma com paração sistemática e profunda entre a psicanálise e a Gestalt tarefa ar riscada e que atrairia críticas violentas e motivadas de todos tanto mais variadas quantas forem as leituras dos princípios de cada um dos espe cialistas para justificar a posteriori os componentes mais ou menos específicos de sua prática pessoal Como observou CGJung As diferenças teóricas remetem em última análise às diferenças entre as personalidades cada um escolhe um modelo que corresponde à sua estrutura psíquica E por falar em modelo Perls gostava de uma história contada por seu aluno Abraham Levitsky Era uma vez um americano que fabricava xícaras de chá Ele criara uma original mas que ficaria caro produzir nos Estados Uni dos Decidiu então mandar fabricála no Japão em escala indus trial Durante o transporte a asa se quebrou Os japoneses que imi tam com perfeição produziram xícaras cuja asa era da mesma for ma quebrada 63 Assim segundo Fritz Perls Freud que tinha fobia de olhar as pessoas de frente resolvera o problema colocando seus pacientes de frente para a parede E a partir de então os psicanalistas copiaram a asa quebrada da xícara da mesma forma E algumas das falhas de Fritz por sua vez também influen ciaram vários gestaltterapeutas É claro que no rápido resumo da psicanálise que se seguirá não tive a pretensão de resumir as teses principais dos autores evocados po rém mais modestamente apenas assinalar alguns pontos de convergên cia ou de divergência em relação à Gestalt Fritz contesta Sigmund A cada um o que lhe é de direito Comecemos então por Sigmund Freud 18561939 antes de interpelar seus amigos fiéis ou infiéis De fato Perls contesta vários pontos fundamentais tanto da teo ria quanto da técnica freudiana ortodoxa o inconsciente o primado da sexualidade infantil o papel do recalque na gênese das neuroses o com plexo de Édipo a angústia da castração o instinto de morte a utiliza ção da neurose da transferência no tratamento a neutralidade benevo lente a regra da abstinência etc O inconsciente O inconsciente freudiano parecelhe reunir abusivamente por um lado sentimentos antes conscientes depois recalcados por outro impressões que nunca atingiram a consciência enfim sen sações fisiológicas que não podem ser conscientizadas tais como pro cessos vegetativos ou de crescimento Ele prefere então falar de não consciente no momento e estudar o processo atual de recalque mais do que o conteúdo do material recalcado É evidente no entanto que Perls não nega o inconsciente co mo às vezes alegam pessoas mal informadas ou mal intencionadas Ele apenas propõe o acesso a ele por outras vias diferentes das associa ções verbais ou do sonho especialmente pela escuta do corpo das sen sações da emoção Em suma Perls acha que com a observação atenta dos fenômenos de superfície1 atuais podese aprender tanto sobre eles quanto nas len 1 Os movimentos na superfície permitem supor os movimentos das profundezas E quando se tem água na torneira porque se estafar tirando água de um poço profundo Perls Como metáfora podese também assinalar que o conhecimento de uma circunferência permite determinar o centro com precisão mas a recíproca não é verdadeira 64 tas escavações arqueológicas que tendem a exumar pseudo recordações da infância de qualquer forma amplamente falseadas pelas reelaborações ulteriores A neurose Além disso Perls dá muita importância às necessidades fisiológi cas orais e cutâneas fome e necessidade de contato fundamentais à sobrevivência individual e anteriores à pulsão sexual propriamente dita Para ele a neurose é consecutiva à soma das Gestalts inacabadas ou seja às necessidades interrompidas ou insatisfeitas mais do que aos de sejos proibidos pela sociedade ou recalcados pela censura do superego ou do ego A neurose nasceria então essencialmente de um conflito entre o urxunismo e seu meio a mãe o pai os outros e por isso revelase princi pulmenle na fronteira de contato entre o indivíduo e o meio em que vive A Irmisferência A transformação deliberada da transferência espontânea do cliente cm neurose de transferência supostamente análoga à neurose infantil c uri i ficialmcnte sustentada pelo analista cuja atitude de distanciamento cm u m a neutralidade benevolente ela justifica lhe parece um desvio inútil c nlé perigoso2 Ela contribui para prolongar consideravelmente o trata mento induzindo uma dependência excessiva que pode alienar o cliente tluntnlc unos proibindolhe por exemplo de assumir decisões importantes em Nua vida cotidiana Por outro lado pode favorecer e alimentar meca nismos projetivos que Perls considera uma resistência em ver a reali dade social de frente e uma fuga diante da responsabilidade I tie preconiza então aquilo que chamo de envolvimento controla do que permite um contato mais mobilizador de pessoa para pessoa No entanto as interferências da transferência não são negadas mas apon liidns íi medida em que aparecem e ela não constitui o motor principal du terapia ó então a estratégia terapêutica que difere low and Now3 De modo mais geral ele acha que qualquer busca explicativa das amsas dc uma perturbação nos traumas da primeira infância pode cons mu veremos mais adiante capítulo 9 essa desconfiança excessiva em relação à trans Jerfiin iii nflo é mais compartilhada pela maioria dos gestaltistas muitos deles com uma I i h c Iò i í u psicanaltica Eles a levam em consideração porém explorando mais a contra IrutixcrOm ia ou transferência do terapeuta do que a transferência do cliente Cf Jus liin I e transfer en Gestaltthérapie et en psychanalyse Ed Pandore Lille t luni lcrls a Gestalt pode ser resumida em quatro palavras que rimam em inglês und Thou How and Now Eu e Tu Agora e Como 65 tituir uma justificativa defensiva que reforça a neurose em vez de combatêla Assim por exemplo se chego à conclusão de que sou im potente porque minha mãe me superprotegeu e porque ela esmagava meu pai isso desculpa minhas dificuldades atuais e permite que eu me acomode em um determinismo fatalista Como Lacan podese dizer A interpretação alimenta o sintoma ou seja ela o sustenta e o aumenta num primeiro momento conferindo lhe um sentido enquanto uma análise atenta da maneira como a pertur bação se manifesta hoje e dos eventuais benefícios secundários que me proporciona agora pode me incentivar a renunciar a ele mais facilmente é o como e o para que em vez do por que o presente em vez do passado a responsabilidade em vez da submissão pessimista a um fatalismo oneroso Entretanto o próprio Perls assinala Em nenhum caso nego que tudo tenha uma origem no passado e tenda para um desenvolvimento ulterior mas o que eu gostaria de deixar claro é que o passado e o futuro se referem continuamente ao presente e devem voltar a ser ligados a ele Sem referência ao presen te perdem seu sentido 4 Além disso a análise do passado mesmo bem sucedida nem sempre é suficiente pois os sintomas costumam se manter apesar da conscientização da representação recalcada Reich Análise do Cará ter 1933 Poderseia dizer que a Gestalt propõe de certa forma uma inver são do processo de cura em psicanálise se supõe que a conscientização acarrete uma modificação do vivido enquanto em Gestalt as modifica ções do vivido por meio da experiência permitem uma mudança do comportamento acompanhada de uma eventual conscientização Para os psicanalistas o desaparecimento do sintoma é um luxo para os gestaltistas é a conscientização que é assim considerada Psicoterapia individual e em grupo Palavra e interação Em análise a relação dual verbal na privacidade do consultório pode vir a dar margem ao desenvolvimento de pensamentos mórbidos depressivos por exemplo ou ainda à evocação de fantasias às ve 4 Perls F Ego hunger and agression Durban África do Sul 1942 66 zes no limite do delírio isso sem nenhum confronto com a realida de social exterior Assim por exemplo posso me perceber e me descrever como parti cularmente sedutor e empreendedor com toda boa fé enquanto que numa situação real de grupo envolvendo a fala e a interação poderiam rapidamente aparecer traços bem diferentes Tomemos um exemplo comum como se pode discernir numa te rapia individual ainda mais quando ela tem um suporte exclusivamente verbal uma propensão narcísica exagerada para monopolizar a todo o instante a atenção geral com um falatório permanente Não é raro que aquilo que é falado esteja em discordância patente com o comportamento gestual ou social Ora este último encontrase reduzido ao mínimo na situação psicanalítica costumeira em que o pa ciente fica passivamente deitado num divã privado de qualquer mo vimento e até do simples contato visual com o terapeuta A neutralidade benevolente Na realidade a psicanálise nunca é neutra o cliente percebe intui tivamente seus sentimentos profundos mesmo se estiverem sob contro le O psicanalista Sacha Nacht observa a respeito Durante muito tempo os analistas estiveram persuadidos de que podiam dominar e até eliminar suas próprias reações contratransfe renciais inconscientes com a atitude de neutralidade Sabemos hoje que a contratransferência é tão fecunda no trabalho analítico quanto a transferência 5 Além disso o cliente procura satisfazer inconscientemente as ex pectativas de seu terapeuta que ele sente ou projeta nele por exemplo leva belos sonhos ou ainda uma situação edipiana padrão O peso da teoria e das normas Na prática o analista que pressupostamente sabe interpretar cos tuma ser vivenciado como mais apto a julgar apesar de seu silên cio e da neutralidade alardeada do que o terapeuta gestaltista que compartilha seu sentimento pessoal e até seu ponto de vista se expon do assim deliberadamente à eventual contestação do cliente Como a psicanálise se fundamenta num corpo dogmático solida mente elaborado o cliente sentese às vezes com ou sem razão cata logado etiquetado numa categoria nosográfica determinada Ele 3 Nacht S La thérapeutique psychanalytique Paris 1967 67 deve encontrar seu lugar na teoria considerada universal e nem sempre se sente respeitado em sua singularidade Sobre isso Perls fala de forma meio caricatural de apatia freudiana abstinência neutralidade até frieza empatia rogeriana vibrar com o outro se pôr em seu lugar simpatia gestaltista relação autêntica EuTu entre duas pessoas em que cada uma tem seu espaço Assim com suas regras numerosas e estritas a psicanálise parece às vezes normativa propondo objetivos de socialização e de adapta ção por exemplo a homossexualidade ainda é chamada por ela de perversão A Gestalt pelo contrário apresentase claramente mais liberal sem a prioris classificações ou expectativas implícitas do terapeuta em rela ção ao cliente É preciso reconhecer entretanto que essa atitude anô mica arriscase a constituir paradoxalmente uma nova norma Deve mos não ter normas levando assim a uma espécie de conformis mo do anticonformismol Elitismo e democracia Enfim como não enfatizar o limitado impacto terapêutico da psi canálise que só é acessível a uma camada social restrita uma espécie de aristocracia não só por razões financeiras mas também porque re quer uma aptidão suficiente para a verbalização do vivido A Gestalt pelo contrário como a maioria das outras abordagens da psicologia humanista utiliza uma linguagem mais espontânea e po livalente verbal e não verbal e além disso o recurso freqüente à tera pia em grupo tornaa acessível a todos os meios e a todas as idades Pu de participar em São Francisco de laboratórios abertos aos passantes nos quais hippies mendigos ou drogados jovens ou idosos entravam no começo por curiosidade e depois voltando regularmente para pro curar à sua maneira seu equilíbrio interior em troca de alguns dólares Assinalemos ainda de passagem que um psicanalista clássico só pode tratar durante toda sua carreira de um número restrito de pacientes a maioria de uma mesma camada social este número raramente ultra passa uma ou duas centenas à razão de três a quatro sessões por se mana durante quatro a cinco anos em média Um gestaltista por sua vez praticando terapia individual ou em grupo pode conhecer e tratar de um a vários milhares de pessoas à razão de por exemplo um gru po por semana ou de um laboratório intensivo por mês por um ou dois anos em média paralelamente a uma clientela individual Após essas diversas críticas à psicanálise lembremos agora alguns pontos ein qúe Perls se mantém próximo de Freud 68 Perls retém a noção freudiana de compulsão de repetição mas esta tendência estaria ligada segundo ele às necessidades insatisfeitas às Gestalts inacabadas cuja propensão intrínseca a se fecharem loi mostrada por Zeigarnik A ambivalência O tema freudiano da ambivalência desenvolvido aliás por Jung tem seu corolário em Gestalt no trabalho de integração de polari dades opostas tais como amoródio violênciaternura autonomiade pendência aventurasegurança masculinidadefeminilidade etc O sonho Já assinalamos que o sonho é largamente utilizado nas duas abor dagens embora de formas diferentes em análise ele serve de base às associações verbais e eventualmente dá margem a uma interpretação Em Gestalt a identificação sucessiva com os diversos elementos do sonho também acarreta associações em geral acompanhadas de reações emocionais eventualmente ampliadas por uma atuação psicodramática deliberada As resistências Durante toda sua vida Freud não deixou de considerar a inter pretação da resistência e a da transferência como características es pecificas de sua técnica Mais ainda a transferência deve ser parcial mente contida por uma resistência na medida em que substitui a ex teriorização repetida pela lembrança verbalizada Freud distingue cinco formas de resistência o recalque a resis tência à transferência o benefício secundário da doença a resistência ao inconsciente e ao superego 6 Laplanche e Pontalis Também em Gestalt é evocada a noção de resistência mas sua de finição é diferente Em nossa perspectiva a resistência merece ser le vudu em consideração ela não é um muro a ser derrubado mas uma força criadora na abordagem de um mundo difícil 7 A compulsão de repetição f Jiiimlo nos mecanismos de defesa Anna Freud relaciona vários deles recalque re Hitviflo 1ommçAo reucional isolamento anulação retroativa projeção introjeção re im nu Nobi p si iTviravolIa sublimação negação fantasiosa idealização identificação com h ttiiirsNoi plc 7 1oInIci lí A M lestait therapy integrated Nova York Vintage Books 1973 69 Assinalemos ainda por enquanto a interpretação oposta quanto aos desvios do cliente em relação à instrução terapêutica básica ou regra em psicanálise o gesto é geralmente considerado uma resistência à ver balização actingout ou exteriorização durante a sessão prejudicando a análise verbal em Gestalt pelo contrário em geral é a verbalização prematura que é considerada uma resistência contra se deixar levar pelo sentimento que permitiria a emergência da vivência profunda associada racionaliza ção defensiva A catarse por abreação emocional De fato o trabalho em Gestalt se ancora em geral na sensação cor poral do aqui e agora mas esta evoca em geral cenas passadas que sobem à superfície e são revividas no presente Enquanto em psicanálise é a evocação verbal de uma lembrança que pode induzir uma emoção atual em Gestalt é principalmente a sen sação corporal presente que induz a emoção a qual por sua vez evoca uma lembrança Robert Sinto uma opressão no peito Terapeuta Guarde essa impressão Intensifiquea Descrevaa Robert Sintome esmagado Sufocado Sintome impotente Te nho medo Terapeuta Tente fechar os olhos Continue a sentir essa sensação de opressão e esses sentimentos ainda mais forte Deixe vir o que vier Robert fecha os olhos sua respiração se acelera dirseia que sufo ca seus braços se estendem dedos afastados Robert Sintome sufocado Não posso mais respirar como em minhas crises de asma Terapeuta Deixe vir tudo sem tentar compreender por enquanto Deixe seu corpo agir deixe as mãos se moverem Suas mãos exploram ao redor tateando Robert Estou sufocado Tenho medo Estou no escuro Me sin to como que fechado em uma cela Quando eu era pequeno minha mãe me fechava sempre em um quarto quando eu fazia alguma bes teira Uma vez eu devia ter uns seis anos ela me esqueceu lá ou me deixou de propósito por toda a noite Terapeuta Sim Fale no presente você tem seis anos você está aí sozinho num quarto escuro e se sente sufocado Robert Sim Tenho medo Me sinto abandonado suspiro Vou morrer Terapeuta Você ainda tem seis anos Diga tudo isso diretamente à sua mãe Mamãe vou morrer não me abandone 70 Robert Gritando Mãe Onde está você Deixeme sair Estou sufo cando Estou sufocando Vou morrer Terapeuta Mais alto Não tenha medo de gritar se quizer Chame a mais se tiver vontade Digalhe tudo o que lhe vem na cabeça Seguese um longo trabalho cerca de uma hora de revivescên cia de uma situação infantil traumatizante e outras seqüências associadas De fato assim como na psicanálise pouco importa se as lem branças são exatas ou reelaboradas o importante é que a situação seja vivida com uma intensidade emocional suficiente despertando as an gústias ocultas associadas a sensações corporais atuais8 O próprio Freud declarou em 1893 antes de ficar chocado com as reações catárticas de alguns de seus clientes que ele não sabia contro lar A revivescência de uma lembrança traumatizante só é curativa se for emocional assim o efeito catártico reside em uma abreação afetiva Gestalt psicanálise e comportamentalismo A Gestalt se situa com toda a corrente chamada de humanis ta em uma terceira via em relação à psicanálise e ao comporta mentalismo Assim por exemplo em psicanálise tradicional o sintoma é às vezes relegado ao segundo plano considerado de certa forma como uma sim ples sinalização no caminho da autodescoberta Buscase a conscienti zação progressiva do recalcado por uma abordagem global da persona lidade profunda por meio da análise da transferência e das resistências e graças à interpretação A cura viria supostamente por conseqüên cia e Freud recomendava desconfiança do furor de curar A visão do homem é subjetiva e principalmente pessimista deter minismo esmagador da primeira infância tendências perversas poli mórficas naturais etc Na abordagem comportamentalista pelo contrário só o sintoma é tra tado devido à preocupação com a eficácia e por respeito à demanda explícita do cliente que veio consultarse por causa disso e em geral não pede mais nada Não se propõe um terno completo e caro ao cliente que entrou para comprar uma gravata Técnicas precisas de descondicionamento e de dessensibilização Wolpe permitem em geral o desaparecimento rápido do sintoma por 8 Ver no capítulo 11 nossas hipóteses sobre uma fenda límbica no cérebro ligada á revivescência emocional de lembranças 71 exemplo no caso de fobias ou problemas sexuais mas isso sem remo delação global da personalidade Acrescentemos de passagem que os deslocamentos sintomáticos aparecimento de novos sintomas em substituição às vezes apontados são estatisticamente bem mais raros do que os analistas levam a supor Apontamse pelo contrário freqüen tes reações em cadeia positivas9 A visão do homem se pretende objetiva e realista pressão forte mas modificável do meio e das aprendizagens Em Gestalt o sintoma é considerado um chamado específico da pes soa é a linguagem que ela escolheu mesmo inconscientemente Nós o ouvimos assim com atenção e respeito Encorajamos mesmo sua ex pressão máxima intensificandoa para melhor escutálo O sintoma es pecialmente o corporal será geralmente a porta de entrada que per mite um contato mais profundo com o cliente A visão do homem é aqui intersubjetiva e deliberadamente otimis ta acentuando a riqueza do potencial explorável em cada um A Gestalt como prolongamento da psicanálise Podese dizer afinal de contas que a Gestalt longe de oporse à psicanálise retoma esta última em sua fonte e dá continuidade a ela se gundo sua ótica original que o contexto cultural da época assim co mo a personalidade de Freud não permitiam explorar mais a fundo É uma posição sedutora De fato Perls propunha uma revisão da teoria de Freud de acordo com o subtítulo inicial de sua primeira obra Ego hunger and agression publicada pela primeira vez em 1942 na África do Sul10 No entanto se nos referirmos às condições mínimas colocadas pe lo próprio Freud a Gestalt não pode ser considerada honestamente uma abordagem psicanalítica De fato Freud escreveu em 1922 num artigo intitulado As pedras angulares da terapêutica psicanalítica A afirmação concernente à existência de processos mentais in conscientes a adesão à teoria da resistência e do recalque a impor tância atribuída à sexualidade e ao complexo de Édipo esses são os pontos essenciais de que trata a psicanálise e também os fundamen tos de sua teoria Quem não os aceita de forma global não poderá se incluir no rol dos psicanalistas 9 Assim por exemplo a cura de uma impotência sexual pode ser seguida do desapareci mento de acidentes de carro ligados a um malestar do esquema corporal e de crises de cólera que davam uma ilusão de poder 10 Este subtítulo foi suprimido na segunda edição publicada em Londres 1947 e nas seguintes publicadas nos EUA 1966 e 1969 72 Eis Perls riscado da lista sem apelação Mas afinal ele não foi o único excomungado pelo Mestre Adler Jung Stekel Rank Reich e vários outros compartilharam a mesma sorte Hoje no entanto a psicanálise está em plena evolução e até pode mos imaginar daqui a algum tempo uma recuperação da Gestalt terapia em seu seio Alguns colaboradores sucessores ou dissidentes de Freud O âmbito desta obra infelizmente não me permite discutir o con junto de suas contribuições assim limitarmeei a lembrar num qua dro muito sumário ver página seguinte alguns pontos específicos rela tivos ao nosso tema este quadro não visa assim de forma alguma re sumir o essencial de suas obras mas simplesmente apontar algumas ana logias com a teoria e a prática da Gestaltterapia Depois disso voltarei mais detalhadamente aos trabalhos de qua tro autores próximos da Gestalt Ferenczi Jung Winnicott e Reich Sàndor Ferenczi 18731933 Agradame contribuir para a reabilitação desse malamado en tre os psicanalistas cujos escritos controvertidos datam de mais de 50 anos e tratam de temas atualmente no cerne da pesquisa psicanalítica Pareceme de fato como já disse que ele é um dos verdadeiros precur sores da Gestaltterapia o avô da Gestalt Infelizmente por muito tempo sua lembrança foi empanada pelas querelas internas relacionadas sobretudo à análise leiga ou profa na 11 assim como pelo ciúme de Ernest Jones12 biógrafo oficial de Freud Não resisto ao prazer de citar longos trechos de um texto de Sàndor Lorandt extraído do livro de Einsenstein Psychoanalytic Pioneers13 Ferenczi era o romântico entre os psicanalistas considerado como criança rebelde por seus colegas Freud chamavao de meu querido filho Freud considerava suas contribuições ouro puro A partir de 1908 eles se tornaram amigos íntimos o que duraria até o fim da vida de Ferenczi Ele fez sua análise pessoal com Freud e 11 Ou seja destinada a nãomédicos Ferenczi acreditava realmente que os educadores deveriam fazer uma análise e não colocava objeções a que um educador se tornasse um terapeuta qualificado Essas posições lhe custaram muitas inimizades sobretudo nos EUA 12 Ernest Jones acreditava que Ferenczi conspirava contra ele Chamavao de o louco de Freud enquanto este o considerava seu grãovizir secreto Freud 1929 13 Eisenstein F M Psychoanalytic pioneers Nova York Ed Nova YorkLondres Basic Books 1960 73 Alguns psicanalistas e a Gestalt psicanalistas nasc morte idéias e práticas análogas à Gestaltterapia Sigmund Freud 1856 1939 ver acimae por todo o livro Georg Groddeck 1866 1934 abordagem holística e psicossomática do doente o corpo está nas palavras e inversamente o inconsciente é somá tico acompanhamento do cliente evitando qualquer interpretação não há limite normalpatológico doença criação positiva Alfred Adler 1870 1937 terapia educativa que visa desenvolver a autonomia e a afirm a ção pessoal Sàndor Ferenczi 1873 1933 atenção às reações do corpo do cliente funda a bioanálise neoca tarse técnica ativa atuação corporal gratificação maternagem para casos borderline ou psicóticos importância da introjeção elasticidade técnica cada um procura seu próprio estilo C G Jung 1875 1961 atitude ativa e envolvida do terapeuta espelho e parceiro importância da equação pessoal do terapeuta estilo próprio abordagem mais clínica e humanista do que teórica inconsciente reservatório de potencialidades e não passado recalcado procura a individuação recurso ao diálogo interno experiência vivida atenção dada ao processo autoregulação orientalismo simbolismo imaginário polaridades Melanie Klein 1882 1960 importância das pulsões orais agressivas precoces importância do corpo e da contratransferência corporal introdu ção da terapia pelo jogo ambivalência am oródio objeto bom objeto mau polaridades Otto Rank 1884 1939 abreviar a duração do tratamento abreação do traum a de nascimento elementos do sonho como projeções do adormecido neurose obra de arte fracassada daí a terapia da criatividade Karen Horney 1885 1952 importância do meio cultural dos fatores atuais angústia existencial básica daí o clima caloroso de segurança perspectiva finalista benefícios secundários dos distúrbios Donald Winnicott 1896 1971 esclarecimento fenomenológico processo experiência vivida rela ção precoce com o meio noção de necessidades utilidade das in tervenções de apoio holding handling lugar do jogoda criati vidade objetos e espaços transicionais o self e o falsoself Wilhelm Reich 1897 1957 lembranças e emoções registradas no corpo que fala reunificar as partes separadas sexualidade genital e agressividade como pulsões vitais primado do como sobre o porque da form a sobre o conteúdo da experiência do aqui e agora sobre o passado Serge Ginger 1986 74 passaram juntos muitos verões14 Em 1909 Freud pediu a Ferenczi que o acompanhasse aos EUA Lá com muita freqüência caminha vam juntos pela manhã antes da conferência de Freud e muitas ve zes Ferenczi lhe sugeria o tema do dia Freud 1933 De todos os discípulos de Freud Ferenczi foi aquele que deu o maior número de contribuições originais à psicanálise Não foi só um grande mestre que como dizia Freud fez de nós todos seus alunos mas também um organizador ímpar Foi ele que propôs em 1910 por sugestão de Freud a criação da Associação Psicanalítica Internacional Ele criou também a primeira cá tedra mundial de ensino universitário de psicanálise Mas é preciso voltar à Gestalt enumerando rapidamente algumas das inúmeras idéias e práticas de Ferenczi emprestadas desenvolvidas ou recuperadas por Perls e seus sucessores Em 1908 Ferenczi enunciou o conceito de introjeção retomado por Freud em 1921 Ferenczi era muito atento ao corpo observava os pequenos movi mentos as modificações corporais as mudanças de voz que acompa nham as associações e interpretações verbais Sem dúvida foi o primei ro a falar de inconsciente biológico e fundou o que chamou de bioaná lise Não hesitou em propor exercícios físicos durante o tratamento entre os quais o enraizamento ou grounding caro aos bioenergé ticos e alguns gestaltistas Praticou a neocatarse e seus clientes chega vam a níveis próximos do transe15 Ferenczi sempre enfatizou que o psicanalista devia trabalhar com os componentes próprios à sua personalidade com elasticidade técni ca Este princípio continua sendo caro a todos os Gestaltterapeutas que buscam deliberadamente seu estilo pessoal específico Em 1920 a conselho de Freud ele inaugurou sua técnica ativa que lhe valeria depois muitas críticas de fato suas intervenções eram orientadas de acordo com as necessidades do cliente e quase sempre apre sentadas sob a forma de sugestões abertas ou proposições de dramatiza ção corporal simbólica das fantasias É preciso destacar que Ferenczi especializouse progressivamente em casos difíceis casos limite ou bor derline recusados pela maioria de seus colegas analistas16 e que reque riam evidentemente adaptações específicas da técnica ortodoxa de tratamento 14 E viajaram muitas vezes juntos aos EUA Holanda Itália e França Sabemos que Freud no início não separava a psicanálise de suas relações pessoais Aliás ele analisou sua pró pria filha Anna assim como Jung analisou sua própria mulher 15 Transe do latim transire ir ao outro lado ultrapassar Tratase de uma tran sição de uma passagem de uma espécie de iniciação e não forçosamente de uma crise histeriforme 16 Muitos de seus clientes já tinham feito com outros analistas e sem sucesso longas Icrapias de mais de dez anos 75 É preciso lembrar aqui que o próprio Freud estava longe de ser sem pre neutro ou frustrante ele falava bastante durante as sessões even tualmente dava conselhos e às vezes até ajuda financeira Ele entrava em controvérsia a esse respeito com Ernest Jones que considerava muito radical e escreveu em 1918 Não podemos evitar receber em análise pessoas tão fracas de caráter tão incapazes de se adaptarem à vida que nos obrigam a as sociar em função delas a influência educativa à influência analítica Para a maioria de nossos pacientes nos vemos obrigados a agir às vezes como educadores e conselheiros 17 Assim a partir de 1927 Ferenczi renunciou à posição tradicional sistematicamente frustante para aparecer ao contrário se fosse o ca so como uma imagem gratificante deliberadamente positiva até ma ternal e dava aos seus clientes sinais de afeição verbais e físicos que podiam chegar à troca de beijos numa ternura erotizada propondo lhes assim experiências narcísicas reparadoras compensando uma ca rência precoce de ternura Durante sua análise didática com Landauer e Hitschmann Fritz e Lau ra Perls foram iniciados nas técnicas ativas de maternagem e reparenta gem principalmente para clientes gravemente perturbados e Laura Perls praticavaas nos anos 1940 no contexto de suas psicanálises Encontramos atitudes mais ou menos similares em Winnicott hol ding em Casriel bonding em Frans Veldman haptonomia e em vá rios gestaltistas principalmente aqueles formados na Califórnia18 Talvez não seja inútil para finalizar essa relação assinalar que foi ainda Ferenczi que mais insistiu19 na instauração da análise obrigatória pessoal chamada de didática para todo futuro analista vendo aí a segunda regra fundamental da psicanálise 1927 Inclusive instituiu exi gência de um controle ou de uma supervisão para os clínicos iniciantes Carl Gustav Jung 18751961 Conheceu Freud em 1907 e foi fulminante Tornouse seu amigo seu discípulo preferido e depois seu delfim Freud o escolheu com 17 Freud S Os novos caminhos da terapêutica 18 O bonding consiste em encostar em alguém por um certo tempo corpo contra corpo em posição em pé ou deitada A haptonomia ciência do toque visa obter um senti mento de segurança básica por um contato nãoverbal que pode se estabelecer principal mente com o feto no útero Assinalemos de passagem que Jacques Lacan sem falar muito disso não parou de pra ticar também o contato físico protetor assim como C G Jung Sacha Nacht analisado por Freud em 1936 desenvolve a idéia da bondade incondicional do médico e citando Fe renczi da importância para o doente de encontrar no analista o amor que lhe faltou nos pais 19 A idéia inicial parece ter sido sugerida por C G Jung 76 Ferenczi para acompanhálo aos EUA por sete semanas Mas em 1912 veio o rompimento Não cabe aqui resumir sua obra monumental mais de 20 volumes mas devemos assinalar a importância particular de seu impacto sobre os gestaltistas de hoje que encontram nele inúmeras noções e conceitos que lhes são mais ou menos familiares tais como a atitude ativa do terapeuta ao mesmo tempo espelho e parceiro que se permite sair de sua reserva e dialogar com o cliente informando o sobre o que sente O paciente não é para ele um ser subordinado que estendemos num divã enquanto nos mantemos atrás como um deus que de vez em quando pronuncia uma palavra Ele é um ser humano que podemos ajudar e amar inclusive fora do tratamento Podese di zer que a psicologia de Jung é uma psicologia da mãe enquanto a de Freud é a do pai20 o psicanalista junguiano trabalha com sua equação pessoal da qual não deve procurar livrarse mas pelo contrário deve se esforçar para levála em consideração ele mesmo participa da experiência e não pro cura uma objetividade ilusória mas uma subjetividade esclarecida a abordagem clínica e humanista prevalece sobre a metapsicologia teó rica A terapia vai ao encontro do desenvolvimento pessoal e da busca da sabedoria Ela é possível em qualquer idade A psicoterapia não trata de neuroses mas de seres humanos 21 no que diz respeito à neurose sua posiçãoé semelhante à de Perls Uma neurose é sinal de um acúmulo de energia no inconsciente a ponto de se tornar uma carga capaz de explodir 22 Para ele a neurose está ligada à recusa em reconhecer a autonomia e a riqueza criadora do in consciente individual e coletivo A cura decorre de uma reunificação da pessoa ou individuação Aqui como em Gestalt o inconsciente é considerado um reservatório de potencialidades futuras e não um depó sito de material passado recalcado Jung se aproximou das filosofias orientais estudou longamente o bu dismo zen o taoísmo o tantrismo o Livro Tibetano dos Mortos o Ching Os traços dessa proximidade natural com o Oriente podem ser encontrados em sua obra sob várias formas concepção nãovoluntarista não puramente intelectual do trabalho pessoal ênfase na experiência vivida 20 Expressão relatada por A Nataf em Jung Col Le monde de Paris M A ed 1985 21 Jung C G A cura psicológica 22 lung C G Metamorfoses e símbolos da libido 11 receptividade aos sinais exteriores como reflexos das disposições interiores referência constante à complementariedade dos opostos pensamento simbólico em imagens mais do que em conceitos Para terminar essa relação bem incompleta cito ainda rapidamen te alguns outros pontos comuns no domínio dos métodos e técnicas Jung como Perls interessavase mais pelo processo psíquico em curso do que pelas estruturas profundas Atribuía um lugar central à projeção da qual a transferência pode ser uma manifestação Preconizava o diálogo interior numa espécie de teatro interior com as partes personificadas do cliente por exemplo personagens dos so nhos ou ainda o animus e a anima Poderseia evocar ainda a utilização do sonhodesperto das man dalas dos símbolos as técnicas de amplificação preconizadas no tra balho com sonhos a inflação do eu como etapa do tratamento cf ego tismo em Gestalt assim como de maneira mais geral todo o interesse pelo sintoma como linguagem atual significativa pela autoregulação interna homeostase dos biólogos termo amplamente retomado por Perls e pela dialética entre a pessoa e o mundo exterior fronteira de contato da Gestalt Donald W Winnicott 18961971 Um dos psicanalistas contemporâneos cujas teses são as mais pró ximas das teses da Gestalt Emprestarei de J Marie Delacroix23 a formulação de alguns ele mentos comuns entre as duas abordagens Fica claro na obra de Winnicott que ele é influenciado pela fenomenologia baseia sua clínica nas relações entre a criança pequena e seu meio concede tanto espaço senão mais às necessidades quanto às pulsões e por isso foi rejeitado por certos psicanalistas dá um valor significativo à experiência ao seu desenrolar e assim ao processo atribui um certo lugar ao corpo real e não considera forçosamente como exteriorização agir no contexto terapêutico usa a interpretação com prudência e parcimônia 23 Delacroix JM De la psychanalyse selon Winnicott à la psychothérapie gestaltiste in La Gestatt en tant que psychotérapie Bordeaux SFG 1984 78 privilegia o jogo e a criatividade e com isso um certo tipo de rela ção entre ele e seu cliente nunca faz referência ao mito edipiano mencionao apenas uma vez ou outra Winnicott é muito atento à maneira como o paciente se expressa e não somente ao conteúdo do que diz um discurso bem estruturado com uma voz artificial desabitada pode denunciar um falso se lf adaptado e submisso simples casca que tenta substituir um núcleo frá gil para protegêlo Winnicott como Karen Horney enfatiza a necessidade primordial de segurança e de aprovação que antecede qualquer aspiração à inde pendência e precede a capacidade de ser só que para o bebê é a cer teza interior do Retorno iminente da mãe Partindo da mesma hipótese implícita encontramos sempre nos grupos contínuos de Gestalt a preocupação de criar nas primeiras ses sões um clima caloroso de confiança e segurança24 que permite pos teriormente um eventual risco maior nos profundos mergulhos regressivos ou ainda nos confrontos agressivos no aqui e agora do grupo Assim como ao escalar uma montanha ou numa excursão espe leológica nos aventuramos mais facilmente na exploração de um cami nho novo quando temos confiança no guia e nos camaradas de corda e quando estamos previamente seguros da solidez do vínculo repre sentado pela corda Enfim lembrarei o conceito winnicotiano de objeto transicional bi cho de pelúcia ponta do cobertor etc que representa a mãe Parece me que a utilização eventual em Gestalt de uma almofada ou de um objeto que pode representar um personagem ausente investido afetiva mente um dos pais por exemplo ou o cônjuge tem certa analogia com essa noção Assim em suma os pontos de convergência entre Perls e Winni cott são múltiplos tanto no plano teórico quanto metodológico ou téc nico e podese considerar que ele estabelece uma ponte entre psica nálise e Gestalt nosso amigo gestaltista espanhol Alberto Rams não hesita em propor uma síntese dessas duas abordagens no que ele batiza de terapia transicional 1983 Wilhelm Reich 18971957 Começou muito jovem como psicanalista pois era ainda estudante de medicina e tinha somente 23 anos quando foi admitido em 1920 na Sociedade Psicanalítica de Viena pouco depois de ter encontrado Freud 24 Que não deve é claro resvalar para uma ilusão grupai Anzieu fusionai favo recendo a confluência em vez de preparar a segurança necessária à independência 79 Como isso era comum na época logo recebeu seus primeiros clientes muitos deles enviados pelo próprio Freud Mais tarde como vimos seria o quarto analista de Perls logo an tes da sua exclusão da Sociedade Psicanalítica Internacional 1934 Nessa época ele ainda se considerava fiel a Freud que aliás lhe confiara pessoalmente a responsabilidade pela formação didática de psi canalistas mas logo ele se sentiu traído pelo Freud pós 1920 en quanto seguia com obstinação os passos de seu próprio Mestre dando à sexualidade no sentido próprio a importância que conhecemos Ele atribuiu ao acúmulo de tensão sexual genital a origem da agressivi dade e das neuroses e insistiu na função do orgasmo Mas preocupava Reich o fato de que muitas vezes no fim de uma análise o esclarecimento do sentido inconsciente de um sintoma não acar retava automaticamente seu desaparecimento e isso parecia não inco modar nem um pouco a maioria de seus colegas psicanalistas Propôs então a análise do caráter e procurou dissipar a coura ça do caráter ou couraça muscular resistência constituída contra a angústia e restabelecer a livre circulação do fluxo energético Achava que é preciso encorajar uma forma de expressão total do cliente e não só seu discurso verbal mas ao contrário de seu aluno Ale xander Lowen fundador da análise bioenergética25 nunca intervinha corporalmente durante o tratamento o paciente ficava deitado no divã Reich observava atentamente sua respiração sua postura as inflexões de sua voz mas só excepcionalmente tocava em seu maxilar ou seu esterno Insistia também na primazia do como sobre o porquê na forma e não só no conteúdo das mensagens A obra de Reich é muito conhecida para que eu a desenvolva aqui quis somente lembrar o parentesco evidente com o trabalho de Perls Conclusão Gestalt prolongamento revisão ou traição à psicanálise Com a multiplicação dessas referências eu quis mostrar a relação ambígua da Gestalt com as diversas correntes psicanalíticas ela tanto se inspira quanto se opõe a elas Seria vão aliás estabelecer uma competição entre essas diversas abordagens cada vez mais complementares e cujas indicações específi cas deveriam ser precisadas 25 Reich analisou Lowen de 1942 a 1945 ou seja dez anos depois de Perls Lowen era então advogado 80 be assinalar que atualmente inúmeros gestaltistas têm uma for inuçfio psicanalítica seja ela prévia seja posterior à sua formação em lestait2 Infelizmente para aumentar os muitos equívocos os jargões téc nicos alimentam a ambigüidade e dão margem a confusões permanen tes devido ao emprego dos mesmos termos com significados ou co notações diferentes conforme o autor Mas essas querelas teóricas sflo relativamente acadêmicas progressivamente relegadas ao segun do plano pela maioria dos gestaltistas contemporâneos da chamada ter ceira geração ti primeira geração é constituída pelos fundadores ou seja Fritz c I aura Perls assim como Goodman que precisavam afirmar a espe cificidade de seu método às vezes às custas de algumas caricaturas it segunda geração compreende os teóricos dos anos 50 a 70 que lent aram extrair de uma prática ainda em parte empírica alguns prin cípios fundamentais elaborados em uma teoria coerente firmando um método e técnicas específicos Podemos citar os pioneiros dos Institutos de Cleveland e de Nova York Isadore From Erving e Miriam Polster Joseph Zinker assim como Jim Simkin Joel Latner e alguns outros a lerceira geração é a dos profissionais atuais entre os quais me sit no Tentamos prosseguir a elaboração da teoria integrando ao mes mo tempo nossa formação na maioria das vezes oriunda de escolas di ferentes e nossa prática clínica Assim cada um de nós a partir da pró pria personalidade e de sua clientela habitual interessase especialmen te por um ou outro aspecto corpo expressão das emoções hot seat expressão verbal criatividade interrupções no ciclo de contatoretração trabalho com os sonhos trabalho individual ou em grupo etc No que me concerne essa riqueza e variedade de estilos me alegram porque insisto na idéia já assinalada que ao contrário da psicanálise a Gestalt não reivindica o estatuto de ciência mas orgulhase de permanecer uma arte Uual de nós pode pretender praticar uma Gestalt pura e ortodo xa sc ó que ela pode ser assim definida A genialidade de Perls foi justamente integrar múltiplas influências cm uniu Gestalt coerente e nova alimentando uma prática eficaz que Jfi Im exemplo loi esle o caso em 1991 de um terço dos gestaltistas profissionais mem limn titulam autorizados pela Sociedade Francesa de Gestalt SFG No que me diz leupelln II iinitllw freudiana clássica antes de me orientar para a Gestalt Anna minha mulher Ir uiulUse jiinxuiana depois 81 associa as principais correntes terapêuticas e filosóficas desta segunda metade do século Quanto à especificidade e à solidez a teoria da Gestalt ainda é ob jeto de certas contestações uns achamna perfeitamente elaborada ou tros bastante confusa até decepcionante A mim esse estado de fato tranqüiliza pois Tudo começa no entusiasmo e acaba na organização E Herriot e desconfio da rigidez dogmática que ameaça qualquer teoria e só pode afinal levála à esclerose e à morte Quanto a mim adoro explorar os espaços vazios de um mapa cujo traçado é incerto desde que disponha de alguns pontos de orientação que me proporcionem segurança mesmo que ao longe 82 Ca p í t u l o 5 O parentesco oriental Costumamos ouvir que Perls emprestou muitas coisas das filoso fias orientais mas é raro que digam o quê exatamente No jogo tão difundido de apropriação de filhos naturais até encontram para ele inú meros pais putativos psicanálise psicodrama bioenergética etc Mas fiquem tranqüilos Não vou me lançar numa tentativa de aná lise exaustiva de todas as influências detectáveis aliás melhor seria dizer interferências porque ninguém pode dizer exatamente quem influenciou quem assim como se ignora na maioria das vezes quem foi o primeiro a atirar num conflito internacional É claro que houve e continua a haver inúmeros cruzamentos en tre a Gestalt e as várias correntes já enumeradas Mas pouco importa afinal distribuir senhas de prioridade tanto é verdade que cada uma das escolas se enriqueceu e continua a se enriquecer no contato com todas as outras O que nos importa não é descobrir de qual mina foi extraída uma pedra preciosa mas se ela encontrou seu lugar no colar é a coerência e não a origem das técnicas que constitui o valor dos métodos Hoje ninguém mais ignora que a mestiçagem das raças é fonte de dinamismo1 por mais que a estrutura social impeça a integração Pa I evllur qualquer polêmica estéril entre os irmãos inimigos da psicolo I ttxuolo o célebre iroddeck Ele ousou escrever Nossos contemporâneos não hesitam etll irromper o n u iib iic puro com casamentos mistos com raças de cor O casamento 83 gia prefiro voltarme de início e resolutamente para um ancestral me nos controvertido o pensamento oriental que demonstra no mundo inteiro um rejuvenescimento incontestável apesar de sua história mile nar pois acaba de se casar recentemente com a jovem física quântica contemporânea O Tao da Física2 Sabemos que alguns dos grandes físicos contemporâneos estão mu dando completamente os conceitos mais clássicos tais como os de ma téria objeto espaço tempo causa e efeito etc indo assim ao encontro ao pensamento tradicional dos místicos orientais que nuijca dissocia ram a matéria do espírito e sempre conceberam todos os objetos e todos os fenômenos do mundo como aspectos diferentes mas estritamente in terdependentes de uma mesma realidade dinâmica última em eterno movimento viva orgânica ao mesmo tempo espiritual e material Capra O peixe não pode ser concebido sem a água A visão holística da Gestalt se insere é evidente nessa percepção do mundo que poderíamos qualificar de taoísta em que nunca in teressa ao terapeuta um sinal isolado um gesto ou uma palavra até um comportamento complexo mais elaborado mas antes a interconexão per manente do indivíduo global com seu meio geral social e cósmico o todo num fluxo incessante que só podemos apreender por uma vigilân cia constante no aqui e agora com seu cortejo ininterrupto de Gestalts que se formam se realizam e se dissolvem num processo em perpétua turbulência Sabemos que não há repouso na natureza que todos os corpos do infinitamente grande ao infinitamente pequeno estão ao mesmo tem po em vibração intrínseca incessante e são levados por um movimento cósmico vertiginoso que associa a presença à ausência3 ou seja o cor púsculo de matéria à onda de probabilidade a manifestação aparente à energia que a move assim como o gesto visível do paciente só adquire sentido pela energia imperceptível subjacente e que escapa a qualquer medida refugiada no aleatório da liberdade que mistura as cores é uma blasfêmia que deveria ser expiada pelo menos com a perda dos direitos civis dos esposos e seus filhos O sangue dos malásios está mais próximo do sangue dos macacos do que do sangue do homem Ainda seria preciso provar isso em relação aos chineses aos negros e aos japoneses e afixar em todas as esquinas 2 Fritjof Capra professor de física das partículas elementares na Universidade de Berke ley Califórnia The tao ofphysics ed americana 1975 e The turning point Nova York 1983 3 Ou mais exatamente a presença real à presença potencial 84 Os maiores físicos contemporâneos alguns anos depois dos feno menologistas e dos gestaltistas reencontram assim alguns temas caros aos chineses da Antigüidade e sabem agora que não há na natureza fenômeno material independente do pensamento e do olhar humano eles decidiram embora lamentando abandonar o mito do observador neutro e objetivo para reconhecer nele o estatuto de participante com prometido A idéiamestra da teoria quântica é que o observador é neces sário não só para observar as propriedades de um fenômeno atômi co mas ainda para provocálas O elétron não tem propriedade objetiva independentemente de meu espírito F Capra É também a opção deliberada do terapeuta gestaltista perante seu cliente do qual ele não observa o comportamento em si mas com quem entra em interrelação explícita ou implícita num envolvimento controlado num espaço entremeado movendo os fios discretos do EuTu de Buber eles mesmos envolvidos no EuIsso do universo O tema gestaltista do continuum de consciência e da sucessão de Gestalts aparecimento e desaparecimento das figuras sobre um fun do lembra o do mundo fluido em permanente transformação simbo lizado pelo I Ching o Livro das Mutações chinês É bem evidente que a análise mecanicista de tipo newtoniano con siderada como a única científica não tem mais validade num univer so mutante em que todas as coisas estão vinculadas a todo o resto c onde se considerarmos uma porção qualquer suas propriedades não obedecem nenhuma lei essencial mas são determinadas pelas proprie dades de todas as outras Capra Convém entretanto especificar que em todos os tempos a maioria dos pesquisadores científicos pressentiu esse estado de coisas Newton que estabeleceu a gravitação universal explicou o fenômeno das marés inventou o telescópio e isolou as cores escreveu mais sobre alquimia do que sobre a mecânica e a ótica juntas Freud declarou em 1921 que se tivesse que refazer sua vida ele a consagraria ao estudo dos fenôme nos ocultos Enfim Einstein por sua vez interessavase muito pela parapsico logia e pelos chamados fenômenos paranormais chegou a prefaciar um livro de Upton Sinclair sobre telepatia Mental Radio É inevitável tentar uma apreensão global dos fenômenos sintética pela experiência da intuição com a aprovação poética de nosso hemisfério direito e não sob a vigilância desconfiada e tirânica de nosso cérebro esquerdo ávido por classificações obsoletas Ouçamos Hubert Reeves diretor de pesquisas do Centro Nacional dc Pesquisas Científicas da França e do Instituto de Astrofísica 85 O homem antigo falava com um universo que lhe respondia A ciência de hoje pretende que o universo seja vazio e mudo Era esta a mensagem de Monod que foi seu principal intérprete assim como de vários outros racionalistas Pessoalmente não creio que o univer so seja mudo mas que a ciência tenha problemas de audição No entanto é surpreendente que sejam os físicos tão tipicamen te na vanguarda da conduta racional a sentirem inicialmente esse mal estar no próprio âmbito de sua conduta Aos biólogos que lhes di zem Ajudemnos a encontrar no elétron as raízes da consciência os físicos respondem hoje Mas estamos procurando as raízes do elé tron na consciência No presente é preciso reconciliar em nós as duas condutas não negar uma pela outra mas proceder de tal modo que o olho que investiga analisa e disseca viva em harmonia com aquele que con templa e venera Precisamos agora aprender a viver praticando ao mesmo tempo ciência e poesia precisamos aprender a manter os dois olhos abertos ao mesmo tempo 4 Mas aqui não posso me estender mais apesar da tentação sobre as relações entre ciência e filosofia física e metafísica e volto então à tradição oriental hinduísta chinesa tibetana e japonesa e vou tentar deduzir certas convergências e algumas especificidades entre o taoísmo o tantrismo e o zen limitandome uma vez mais a alguns pontos re lacionados com a filosofia gestaltista desenvolvida por Perls O taoísmo O Tao Té Ching ou Livro do Caminho Perfeito teria sido escrito por LaoTsé contemporâneo de Confúçio por volta do fim do século V aC É o livro mais traduzido no mundo depois da Bíblia O taoísmo é uma metafísica da espontaneidade da tolerância da liberdade Esta última é obtida quando se desposa o amplo movimento natural do uni verso não atrapalhando a harmonia do mundo cultivando o wuwei não intervir no curso das coisas deixarse levar Ao contrário do confucionismo não apregoa uma ética particular e não se concentra na busca do Bem pois tudo é natural tanto o Bem como o Mal pois os contrários emergem automaticamente um do ou tro assim que alguma coisa é nomeada seja lá o que for seu oposto aparece de imediato Assim sendo há especialmente dois grandes princípios fundamen tais inseparáveis o yin feminino simbolizando a Beleza a doçura a quietude a terra a Lua etc às vezes representado por um quadrado exprimindo a estabilidade 4 Colóquio de Córdoba outubro de 1979 in Science et conscience Paris Stock 1980 86 o yang masculino simbolizando a Verdade forte e penetrante o céu o Sol etc às vezes representado por um círculo exprimindo o movimento Sabemos que em sua representação mais clássica os dois estão se parados por uma linha sinuosa e enlaçados de modo que o contorno de cada um deles coincide com o contorno total dos dois e que a meta de yin negra contém um ponto yang branco e viceversa são dois con trários fundamentalmente complementares Esse tema das polaridades opostas e complementares já apontado agressividadeternura masculinidadefeminilidade autonomiade pendência perfeccionismoespontaneidade etc é freqüentemente tra balhado em Gestalt O taoísta venera o corpo que não considera uma prisão para o espírito mas sua morada ele não se entrega à ascese que abrigaria a alma num corpo devastado mas procura pelo contrário práticas vi vificantes Aliás um esforço só é frutífero se realizado com alegria Tratase de viver intensamente o aqui e agora porque o passa do é um peso morto e só o presente está vivo O tao tem nutrido todo o pensamento chinês e oriental há séculos e exerceu uma influência considerável sobre as diversas correntes budis tas posteriores No que se refere à Gestalt só lembrarei aqui rapidamente para evi tar repetições o estreito parentesco desses conceitos com a expressão livre e espontânea no sentido daquilo que vem a importância do corpo como morada do espírito a libertação das introjeções moralizantes devemos o trabalho de integração das polaridades contrárias a concentração no aqui e agora a teoria paradoxal da mudança Beisser 1970 que implica num primeiro momento a aceitação daquilo que é o princípio do continuum de consciência fluxos permanentes de cons Irução e destruição de Gestalts 87 Por outro lado ao contrário da Gestalt o taoísmo valoriza o ina cabado considerando que tudo que é imperfeito é mobilizador de mudança5 e por outro lado não se interessa pelas imagens fornecidas pelos senti dos e considera que toda emoção exacerbada rompe a harmonia natu ral e propõe então que o homem se torne imperturbável mesmo que todo o universo desmorone O tantrismo Sem entrar em detalhes gostaria de lembrar agora em algumas pa lavras o caminho relativamente pouco conhecido na Europa e em geral caricaturado do budismo vajrayana ou tantrismo que assim como o budismo zen busca a iluminação o satori aqui e agora mas diversamente do precedente apóiase em vários suportes sensoriais os yantras representações geométricas lineares do cosmo os mantras sílabas ou sons rituais vibrações sagradas OM etc as mandatas composições gráficas mais complexas baseadas no círculo6 em geral contido em um quadrado utilizadas como su porte simbólico da instrução e da meditação os mudras gestos rituais sagrados em geral com as mãos etc O método tântrico tem algo de único7 a riqueza das técnicas utiliza para esse fim todas as coisas boas ou más Como no judô o adepto aprende a servirse do peso do antagonista em seu próprio be nefício Os obstáculos convertemse em instrumentos para fornecer o prodigioso impulso necessário Na maior parte dos outros caminhos espirituais é preciso voltarse das trevas para a luz enquanto os io guis do vajrayana acolhem anjos e demônios como seus aliados A conduta de um adepto será sem dúvida bem pouco ortodo xa determinado a empregar tudo na vida como meio de realização ele não exclui os processos animais como comer dormir evacuar e se não for monge ter relações sexuais A energia dos desejos e das paixões não deve ser perdida Este aspecto do budismo tântrico levou ao grande erro de confundilo com licenciosidade de costumes Embora todas as coisas sirvam como meio devem ser empregadas de forma correta 5 Que corresponde ao efeito Zeigarnik de pressão de uma tarefa inacabada 6 Mandala significa círculo em sânscrito A coexistência do círculo e do quadrado sim boliza a quadratura do círculo arquétipo da totalidade e do equilíbrio quaternidade 7 mas muito próximo de certas práticas da Gestalt O simbolismo sexual amplamente utilizado nos textos e a na iconografia tântrica fonte de numerosos malentendidos deve ser compreendido como uma franca aceitação do sexo como a mais poderosa das forças que motivam os seres vivos Ele simboliza a união dos opostos a doutrina que forma a própria base de todo o sistema tântrico8 Tratase de fato de despertar todas as energias disponíveis no cor po nas emoções e no espírito O elo vital de acesso à Verdade é o corpo humano com o conjunto de seus sentidos e sua experiência do mundo exterior Tantrismo Poderseia crer estar lendo uma definição da Gestalt Para finalizar essa rápida abordagem do tantrismo que me intri gou e seduziu vivamente durante nossa estadia no Nepal9 não resisto à tentação de reproduzir uma última citação da notável análise de John Blofeld Os budistas determinados a seguir o caminho da libertação se preocupam mais com o como da prática do que com os porquês da existência O espírito humano em seu estado de consciência co mum provavelmente é incapaz de perceber os mistérios derradeiros da vida e o tempo gasto na especulação seria melhor utilizado em pro gredir para alcançar a iluminação 10 O zen O Chan11 é uma outra corrente de budismo importada da Chi na pelo hindu Bodhidharma no século vi dC ou seja mil anos após o nascimento do taoísmo Seiscentos anos mais tarde no século xm ela chegou ao Japão onde adotou o nome mais conhecido no Ociden te de zen Sete séculos depois está aparecendo por aqui Certas ideo logias caminham com calma O livro que C G Jung lia em seu leito de morte era sobre o zen e estava tão entusiasmado que pediu expressamente à sua secretária que escrevesse para o autor e lhe dissesse que ele mesmo poderia ter dito exatamente a mesma coisa 8 John Blofeld Le bouddhisme tantrique du Tibet Paris Seuil 1976 9 Devo assinalar que meu pai de origem judaica era orientalista e budista praticante c militante 10 Cf as expressões provocadoras caras a Perls para qualificar a especulação bullshit cocô de vaca fucking mind masturbação intelectual etc 11 Chan significa em chinês meditação 89 A seguinte frase foi atribuída a Martin Heidegger Se é que com preendo corretamente o ensinamento zen é o que tentei dizer em todos os meus escritos O zen ensina que o despertar satori12 é o resultado final da esperaatenta smrti que deve ser uma vigilância sem objeto Não há nada a esperar o que acontece acontece Não há leis regras e fins na natureza ou nos pensamentos Reconhecemos nisso uma postura análoga à atitude fundamental do gestaltista em awareness confiante e atento Dont push the river it flows by itself Barry Stevens13 Basta praticar a nãoação e passar sem cessar de uma coisa a outra a cada instante com total desapego cf ciclo de contatoretração da Gestalt Aliás como poderíamos nos apegar a um mundo em perpé tua transformação Nada é permanente só a impermanência é permanente Não podemos nos banhar duas vezes no mesmo rio Aceitar a realidade que é essencialmente impermanente é tam bém um princípio fundamental e uma experimentação do zen na prática da concentração do zazen14 e na vida cotidiana Observar a emergência e a fuga de seus próprios pensamentos não fugir de nada e nada procurar Não fugir das ilusões Não procurar a verdade Voltamos a encontrar aqui a oposição assinalada por Perls entre isism e shouldism Mesmo que amemos as flores elas murcham Mesmo que odiemos o joio ele cresce O zen cultiva por outro lado o hishiryo o nãopensamento que parece emanar das camadas profundas subconscientes do cérebro central funcionando então em ritmo alfa Esse exercício compreende de 12 Buda significa o Desperto Ou seja aquele que está em permanente awareness O zen comporta duas escolas principais o rinzai que espera a iluminação súbita e o so to que procura a iluminação progressiva gradual 13 Dont push the river it flows itself Não apresse o rio ele corre sozinho São Paulo Summus 1978 título do livro de Barry Stevens onde ela descreve sua estadia no Gestalt Kibutz do lago Cowichan Canadá durante os últimos meses da vida de Fritz Perls 14 Zazen postura básica daquele que medita sentado em posição de lótus em uma almo fada espessa a coluna vertebral ereta sem rigidez nem relaxamento a imobilidade deriva de movimentos ínfimos 90 exercício compreende de fato três tempos deixar acontecer a produção mental concentrar a atenção no que sobrevêm sem forçar nada abandonar o fenômeno assim que ele se dissipa Encontramos aqui a sucessão ininterrupta de formações e destrui ções de Gestalts no continuum de consciência Um dos objetivos da surpreendente disciplina dos koans15 visa dis solver progressivamente o espírito lógico do discípulo para permitir que ele tenha acesso ao pensamento translógico e unificador do zen que reencontramos digase de passagem na filosofia e na ciência contempo râneas por exemplo no fenomenologista MerleauPonty que definiu o espírito como o outro lado do corpo ou ainda no físicopoeta J Charon que não hesita em declarar que toda matéria é portadora de espírito 16 Essa unificação acontece na total presença de si na concentração sem limite do corpo e do espírito na plenitude do aqui e agora em que o instante pode tornarse eternida de pois passado e futuro são só sonhos e imaginação quimera Não é Perls que diz mas o mestre zen Deshimaru No zen dizemos que o homem só conhece o frio e o quente pe lo contato com as coisas Aqui tudo se explica pela experiência vivi da Kosho Uchiyama E o mestre Suzuki acrescenta17 A abordagem zen da realidade consiste em penetrar diretamen te no coração do próprio objeto em apreendêlo do interior tal co mo ele é realmente Conhecer a flor é tornarse a flor florir como ela e como ela usufruir do sol e da chuva Então a flor nos fala nos entrega toda sua vida tal como ela é vibrante no mais fundo dela mesma O zen mergulha na fonte da criatividade O sábio mata mas o artista tenta recriar pois sabe que a realidade não pode ser atingida pela dissecação 15 Koan enigma ou paradoxo insolúvel pela lógica Existiriam 1700 16 Jean Charon La Physique identifie lesprit in L Esprit et la Science Colóquio de lez Paris Albin Michel 1983 ou ainda J ai vécu quinze milliards d année Paris 1983 17 Suzuki D T Le Bouddhisme Zen in Bouddhisme zen et psychanalyse 1971 Rela lório do seminário internacional sobre zen e psicanálise Universidade de Cuernavaca Mé xico 91 Não se pode pedir a todos que se tornem sábios mas por natu reza todos podemos ser artistas não no sentido estrito do termo pin tor escultor músico poeta mas no sentido amplo artista da vida O artista da vida não precisa procurar fora dele mesmo Seu ser total corpo e espírito será a matéria e o instrumento de seu tra balho Encontramos aqui temas amplamente desenvolvidos pelo psicana lista Otto Rank em A arte e o artista livro que Perls e Goodman apre ciavam particularmente Afinal quais seriam as diferenças principais entre o zen e a Ges talt Não me sinto muito qualificado para analisálas mas arriscarei fa zer as seguintes observações é difícil conceber o procedimento zen sem a ajuda de um mestre gu ru e ele comprende um período de total submissão à sua autoridade embora tenha sido escrito para os discípulos mais avançados Se você encontrar Buda em seu caminho mateo18 o que constitui em suma um alerta contra a introjecção de qualquer modelo O processo de Gestalt pressupõe em princípio a responsabilidade autônoma do cliente desde o início que é preciso reconhecer parece às vezes um pouco utópico o zen insiste na riqueza da imobilidade equilíbrio dinâmico do zazeri enquanto a Gestalt valoriza mais o movimento a prática do zen requer uma disciplina constante mesmo quando visa em ultima instância favorecer a nãoação e um abandono do ego en quanto a Gestalt às vezes autoriza um certo hedonismo eventualmente podendo até passar por períodos de egotismo caricaturado de forma provocadora pela famosíssima oração de Perls 19 quanto a saber se o zen é também um método terapêutico e se a Gestalt é também uma filosofia de vida o debate continua em aberto e afinal envolve definição dos termos 18 Esse adágio foi retomado como título em um livro sobre psicoterapia escrito por S Kopp I f you meet the Buddha on the road kill himm The pilgrimage o f psychotherapy patients Palo Alto Sc and Behavior Books 1972 19 Ver capítulo 8 92 C a p í t u l o 6 A psicologia humanista e a Gestalt Visita a Esalen Histórico da psicologia humanista Por ter uma rica hereditariedade formada por vertentes filosó ficas diversas a Gestalt participou da corrente precursora daquilo que se convencionou chamar de psicologia humanista mas devemos assina lar que Perls nunca militou pessoalmente nesse movimento A psicologia humanista nasceu informalmente nos anos 50 em torno de Abraham Maslow 19081970 Rollo May psicanalista didáti co de origem vienense Carl Rogers 19021987 Charlotte Buhler 18931973 Allport Anthony Sutich e alguns outros a maioria forte mente influenciada pela corrente existencialista européia sobretudo alemã e francesa Heidegger Buber Binswanger Sartre MerleauPonty Gabriel Marcel etc Para eles tratavase de recolocar o homem no centro da psicologia que se tornara cada vez mais científica fria e desumanizada O objetivo era criar uma terceira força que permitisse delimitar ao mesmo tempo os dois imperialismos invasores da psicanálise ortodo xa e do comportamentalismo behaviorismo ambos acusados de tra tar o homem como produto de sua bioquímica celular e de seu meio fa miliar e social e de têlo reduzido a um objeto de estudo em vez de conferir lhe um estatuto de sujeito responsável por suas escolhas e crenças Era preciso muita coragem nessa época nos EUA para ousar de safiar o stablishment psicanalítico que conquistara todos os postos 93 chave do setor de saúde mental e para ir contra o comportamentalismo que invadira as universidades arrogandose o papel de única abordagem cien tífica estritamente objetiva com resultados estatisticamente controlados Aliás nenhum editor americano aceitava o risco de publicar um li vro anticientífico e retrógrado que não interessaria a ninguém As primeiras publicações circularam então em forma de documentos mimeografados que deixavam sorrisos condescendentes em seu rastro mais agressivos do que a falsa indiferença atualmente demonstrada por alguns psicanalistas em relação às novas terapias ainda considera das às vezes modismo O movimento tomou corpo em 1954 quando Maslow reuniu uma lista de endereços de pessoas interessadas umas 30 no início uma cen tena algum tempo depois às quais ele enviava um pequeno boletim periódico em forma de circular mimeografada1 Em 1957 Maslow acertou com Sutich a publicação regular de uma revista cujo primeiro número sairia quatro anos depois em 1961 ou seja sete anos depois da primeira circular com o título de Journal o f Humanistic Psychology De fato a psicologia humanista nunca foi objeto de uma definição rigorosa Pelo contrário é apenas uma orientação uma tendência ge ral que por princípio se mantém aberta para poder adaptarse à evolução dos valores e se nega a se fixar em qualquer doutrina precisa demais que acabaria caindo como várias outras num dogmatis mo escolástico condenado rapidamente a se tornar anacrônico O primeiro congresso internacional ocorreu em 1960 mas de fato já em 1958 no Congresso Internacional de Psiquiatria Existencial em Barcelona Rollo May Moreno e Binswanger já tinham desenvolvido publicamente os principais conceitos da psicologia humanista Como ninguém é profeta em sua terra os psicólogos humanis tas enfrentaram uma oposição feroz de seus colegas psicólogos O apoio chegou de forma inesperada do setor industrial as conferências de Mas low sobre o desenvolvimento do potencial criativo chamara a atenção no início dos anos 50 dos dirigentes da indústria sobretudo no setor da eletrônica em plena expansão e foi assim que as técnicas de criativi dade logo se tornaram um setor florescente da pesquisa de início na in dústria depois na educação e enfim no setor psicológico e terapêutico Uma ramificação de métodos Editado em 1971 nos EUA A catalog o f the ways People grow de Severin Peterson2 já detalhava cerca de quarenta métodos princi 1 Guardadas as devidas proporções tomei uma iniciativa comparável 27 anos mais tar de em julho de 1981 endereçando uma circular a cerca de 30 terapeutas visando consti tuir a Sociedade Francesa de Gestalt SFG que hoje distribui um boletim a mais de 200 membros e organiza colóquios nacionais e internacionais regularmente 2 Peterson S A catalog o f the ways people grow Nova York Ballantine Books 1971 94 pais Edmond Marc em Le guide pratique des Nouvelles Thérapies pu blicado na França em 1982 citava por sua vez uma quantia equivalente3 Na realidade podemos contar hoje nos EUA várias centenas de métodos ou variantes mais ou menos específicas cada uma com um nome original tais como Radix Arica Synanon etc Para recapitular aqui estão em ordem alfabética alguns dos méto dos hoje mais difundidos na Europa de meu conhecimento Análise transacional Eric Berne Arteterapia desenho música dança etc Biodinâmica Gerda Boysen Bioenergética Alexander Löwen Coconselho reavaliação ou apoio mútuo H Jackins Eutonia G Alexander Gestaltterapia F Perls Grupos de encontro Carl Rogers W Schutz Ginásticas leves principalmente Alexander Feldenkrais Mèzieres etc Haptonomia F Yeldman Hipnose ericksoniana Milton Erickson Iluminação sessões intensivas para a C Berner Integração postural J Painter Massagens reichianas californianas orientais doin shiatsu etc Meditação estáticas ou dinâmicas orientais ou ocidentais Método Gordon Método Vittoz Psicodrama Jacob Levy Moreno Psicologia transpessoal Stanislav Grof Psicossíntese R Assagioli Psicoterapia existencial L Biswanger Rollo May Programação neurolingüística John Grinder e Richard Bandler Rebirthing L Orr Relaxamento sobretudo E Jacobson etc Sonhodespertodirigido R Desoilles Rolfing ou integração estrutural I Rolf Semântica geral A Korzybski Sexoterapia Masters Johnson Michel Meignant etc Sofrologia A Caycedo Sugestopedia G Lozanov Técnicas orientais meditação taichichuan yoga zen tantrismo etc Terapia familiar sistêmica psicanalítica gestaltista etc Terapia do grito primai A Janov Treinamento autógeno J H Schultz Vegetoterapia W Reich Visualização Carl Simonton 3 Marc E Le guide pratique des nouvelles thérapies Paris Retz 1982 95 O que há então em comum entre esses métodos ou abordagens chamados de novas terapias O que nos autoriza a classificálos jun tos no movimento do potencial humano chamado também de psicolo gia humanista Não haveria uma redundância inútil nesse título pode se imaginar uma psicologia que não seja humanista 4 E antes de mais nada por que a escolha do termo humanismo que dá margem à confusão e principalmente lembra à maioria o perío do do Renascimento Esse termo foi finalmente adotado em 1961 após longos debates na ocasião da escolha do título da nova revista O humanismo é qualquer teoria ou doutrina que tenha como ob jetivo a pessoa humana e seu desenvolvimento Inúmeros humanistas balizaram a história da filosofia e das letras Contentarmeei em lembrar rapidamente algumas grandes figuras Entre os antigos Sócrates e Protágoras século v aC para os quais o homem é a medida de todas as coisas o poeta latino Terên cio século il aC a quem devemos a célebre fórmula Sou homem e nada do que é humano me é estranho Mas é claroque o humanismo desabrochou durante o Renascimen to período de otimismo e de fé renovada no ser humano nariqüeza inexplorada de todas as suas possibilidades Podemos citar especialmen te Rabelais Montaigne e vários outros Mais próximo de nós citemos o filósofo inglês Schiller em seus Estudos sobre o humanismo E Marx escreveu em 1844 O homem é o bem supremo para o homem Ele achava que o comunismo pressu punha acima de tudo o desenvolvimento livre e completo de todos os indivíduos Em 1946 Sartre publicou uma obrachave É o existencialismo um humanismo No ano seguinte 1947 Heidegger publicou Carta sobre o Humanismo Uma dezena de anos mais tarde foi o filósofo alemão Mar cuse que denunciava a sobrerepressão cultural que visava transfor mar o homem em máquina de produção social confiável esmagando a vida emocional e corporal a espontaneidade e a criatividade indivi duais Ele seria uma das figuras marcantes da onda mundial de liberta ção humanista de maio de 68 que seguiu o verão do amor The Sum mer o f love de 1967 Eu gostaria de destacar agora o estreito parentesco entre os valores periodicamente defendidos por pensadores de todos os tempos que se proclamavam humanistas e a atual corrente da psicologia humanista PH também chamada de novas terapias e muito particularmen te a Gestalt 4 Acabamos de ver que era justamente isso que acontecia sobretudo nos Estados Uni dos e foi então de forma deliberadamente provocadora que os promotores dessa tendên cia mantiveram esse termo 96 Íí uma forma de devolver ao homem toda sua dignidade seu direi to ao respeito em todas as suas dimensões direito dc valorizar seu corpo e suas sensações satisfazer suas necessi dades vitais fundamentais expressar suas emoções direito dc construir sua unicidade respeitando a especificidade de ca da um direito à diferença direito de se desenvolver e se realizar sem limitarse ao ter e ao I n z e r de criar seus próprios fins de ultrapassar sem cessar seus pró prios limites de elaborar seus próprios valores individuais sociais e es pirituais Pura Will Schutz fundador dos grupos de encontro aberto em Ksalen as necessidades fundamentais do homem são alimentação e abrigo inclusão pertencer ou integrar um grupo onde se sinta em seu lugar controle necessidade de competência de domínio ou pelo menos tie controle da situação em que se encontra afeição desenvolvimento de relações de intimidade e sentimento de ser digno de amor Abraham Maslow estabeleceu em 1954 sua célebre hierarquia das necessidades em que cada categoria aparece quando as necessidades mais poderosas de nível inferior estão suficientemente satisfeitas necessidades orgânicas respiração sede fome necessidade dé urinar etc necessidade de segurança ou de proteção material e psicológica necessidade de pertencer a um grupo inclusão necessidade de estima e de reconhecimento social competência pres tljílo sucesso necessidade de realização pessoal e de seu potencial I surpreendente observar a importância das necessidades não ma teriais mas psicológicas sociais ou morais freqüentemente negligen ciadas em psicologia clássica O normiil c o patológico Para 1ieud o homem normal ou curado é aquele que ama I traluiha B e m podemos avaliar a relatividade e a variabilidade dos valores culturais prisioneiros do tempo e do espaço Os trabalhos dos antropólogos culturais americanos R Benedict M Mead A Kardi uei O Haleson etc apontaram a fragilidade do conceito de normali dade varliWel dc um país a outro de uma época a outra 97 Assim esqueceríamos facilmente por exemplo que os atletas olím picos competiam completamente nus daí o termo ginástica de gymnos nu ou ainda que na França no começo do século chegavase a operar jovens que se masturbavam5 e tratavase as mulhe res que tinham orgasmo pois a frigidez era então considerada norma física e moral e qualquer manifestação de prazer na mulher era consi derada sintoma de histeria Lembremos que ainda ontem na União Soviética a homossexualidade era passível de condenação a cinco anos de prisão Quando a normalidade foi questionada os contornos da patolo gia por sua vez se tornaram fluidos A psicologia humanista vai então abandonar qualquer categorização nosográfica e se interessar pela ga ma quase ilimitada dos comportamentos individuais considerados nor mais por princípio Essa atitude alimentaria o movimento humanista da antipsiquiatria nascido nos anos 60 na Inglaterra em torno de Laing Cooper e alguns outros em estreita relação com os Estados Unidos e também relaciona dos com os filósofos existencialistas Kierkegaard Heidegger Sartre Esse movimento prosperaria sobretudo na Itália com Bassaglia e sua equipe e levaria a uma corrente mundial de desinstitucionaliza ção da psiquiatria cujo exemplo mais espetacular seria dado por Ro nald Reagan então governador da Califórnia que reduziu para 7000 o número de internos em psiquiatria em 1974 contra 37500 em 1956 ou seja uma redução de 80 sic dos doentes mentais em menos de vinte anos simplesmente para reduzir os impostos e implemen tar o falido mercado de motéis onde foram amontoados sem cuida dos os doentes saídos doS manicômios6 Mas voltemos à psicologia humanista ela dedicouse portanto à terapia dos normais no sentido amplo da palavra terapia Assim enquanto a psicanálise inicialmente se interessou pela psicopatologia dos doentes para depois extrapolar suas descobertas para a personalidade dos normais a psicologia humanista ao con trário renunciou a essa clivagem por princípio e se interessou 5 Cabe lembrar a Lei de 1923 do estado do Missouri EUA Quando alguém for culpado por assassinato violação roubo em estradas roubo de ga linhas uso de explosivo ou roubo de carros o juiz de instrução designará imediatamente um médico competente residente na região onde o delito foi cometido para fazer uma vasectomia ou salpingectomia para esterilizar o culpado tirando para sempre o poder de procriar Assim até 1944 e se só levarmos em consideração os numéros oficiais foram feitas cerca de 42000 esterilizações legais nos EUA Mas também um número quase idêntico de lobotomias préfrontais entre 1945 e 1955 e várias centenas ainda em 1970 números citados por Castel F R e Lovell A em La société psychiatrique avancée le modèle américain Paris Grasset 1979 6 É preciso acrescentar que uma pesquisa mostrou que sua evolução nessas novas condi ções não foi melhor nem pior do que no hospital psiquiátrico 98 de imediato pelo desenvolvimento máximo individual Perls gostava de repetir que A Gestaltterapia é um método muito operante para ser reservado unicamente aos doentes Após superar a clivagem sujeito objeto da ciência tradicional e a clivagem normalpatológico do modelo médico a psicologia humanis ta renunciaria também à clivagem cartesiana causaconseqüência para adotar um ponto de vista sistêmico em que todos os fenômenos são con siderados em interdependência circular o homem é um sistema global aberto que inclui subsistemas órgãos células moléculas etc e está ele mesmo incluído em sistemas mais amplos família sociedade humani dade cosmo em suma tema bem antigo já ilustrado por exemplo no século XIII pelo poeta místico persa Rumi Se abres um grão de areia encontrarás nele o sol e os planetas Chegamos assim a uma abordagem global totalizadora que inte gra todo o universo é a orientação transpessoal que busca a unidade subjacente ao homem e ao mundo e apregoa o desenvolvimento de uma consciência planetária1 é uma pesquisa interdisciplinar que tende a mostrar que o homem só pode ser compreendido participando de um Real transpessoal Nesse novo humanismo ampliado podem ser encon trados pesquisadores em psicologia física biologia mas também filó sofos escritores teólogos e místicos que procuram dar um sentido à vida unindo fenômenos díspares na aparência Esalen Essa busca de novos valores de síntese deu lugar a um grande nú mero de centros de crescimento ou de desenvolvimento pessoal Growth Centers que associam o desenvolvimento do corpo e do espí rito a mística oriental e a tecnologia ocidental a religião a arte e a ciência Agora convido vocês para que nos acompanhem Anne e eu a um verão dos anos 70 a Esalen o mais célebre desses centros considerado como berço da psicologia humanista 7 Cf por exemplo Jocl de Rosnay Le cerveau planétaire Paris Oliviei Orban 1986 O BUlor conuldem que o conjunto dos homens representa um organismo gigante e que orno Oi neurõnloi da terra As redes de comunicação via satélite ou da telemetria poifioal urgem entre os primeiros circuitos do sistema nervoso da sociedade 99 Viajamos do aeroporto de São Francisco num pequeno avião que deixamos 200 km ao sul em Monterey Lá uma limusine táxi cole tivo de Esalen veio nos buscar Perto de nós um jovem loiro e bronzeado de sandálias de couro com sola de madeira vestido com uma túnica de linho branco e colar de bronze no pescoço não é preciso ser especialista para reconhecer um dos inúmeros estudantes alemães de Gestalt que viera se aperfeiçoar em Esalen O Instituto Fritz Perls de Düsseldorf criado em 1972 foi o pri meiro produtor mundial de gestaltistas profissionais já formou em quatro anos de estudos mais de 1500 psiquiatras psicólogos e traba lhadores sociais Uma hora por uma estradinha beirando o penhasco íngreme com suas enseadas arenosas e cunhas rochosas mas ninguém se banhava no oceano Pacífico cuja superfície ondulada se movia majestosamen te a água estava congelada pelas correntes vindas do Alasca A 280 km ao sul de São Francisco fica Big Sur pequena cidade de artistas e escritores entre eles o romancista maldito Henry Mil ler censurado nos EUA até 1960 Já passamos pela placa de sinalização há 20 km e nada de cidade Big Sur assim como Los Angeles guarda das as devidas proporções é mais uma região do que uma cidade não há centro Apenas algumas casas esparsas aqui e acolá a maioria delas dissimuladas atrás das colinas e bosques A chegada E eis uma estradinha que mergulha na direção do penhasco chega mos ao domínio de Esalen do nome de uma antiga tribo indígena que ocupava o local que Michel Murphy herdou em 1962 Ele voltava en tão de uma permanência de 18 meses num ashram na índia onde se apai xonara pela tradição oriental e pela meditação Decidira transformar a magnífica propriedade em um centro permanente de desenvolvimento do potencial humano e para isso se associou com seu excolega da Uni versidade de Stanford Richard Price objetivando uma síntese da mís tica oriental com a tecnologia ocidental Esalen foi o primeiro dos grandes centros de desenvolvimento que viriam a se multiplicar na costa oeste e depois no conjunto dos EUA antes de chegar à Europa Aqui estamos no gramado de recepção onde hippies meio nus es palharam comida para vender aos visitantes dedilhando o violão en quanto uma ninhada de crianças bronzeadas rolam pela grama Mais abaixo a piscina ao ar livre onde homens mulheres e crian ças se divertem inteiramente nus enquanto outros no mesmo local se douram sobre a grama californiana muito especial espessa e compacta como um tapete de lã A beira da piscina diante do oceano negro que dormita 30 metros abaixo os estagiários na contraluz como sombras dançam em câme 100 ra lenta um rito estranho dedicado ao sol são adeptos do taichichuan que ninguém conseguiria distrair de sua meditação dinâmica A recepção Entramos na sala da recepção teremos direito desta vez por sor te a um quarto confortável com banheiro na excasa privada de Fritz Perls um chalé redondo de madeira que dá para as termas sulfurosas c sua varanda para massagens A distribuição dos quartos a maior parte com duas camas é feita por ordem de chegada Foi assim que em outra estadia em que vim sozinho me deram uma chave na recepção e ao entrar no quarto fui recebido por uma charmosa psicóloga americana que fazia a sesta nua na cama Não levam em conta o sexo na distribuição dos quartos Nessa época Esalen podia alojar cerca de uma centena de estagiá rios instalados em 15 construções de madeira espalhadas pela proprie dade cada qual com vários quartos cujo conforto era muito desigual Desde a abertura mais de 600 mil estagiários passaram por Esalen que se mantém como pólo de atração mundial há quase 30 anos Atividade do maior centro de desenvolvimento in the world O centro fica aberto durante todo o ano propõe simultaneamente de um a cinco laboratórios workshops diferentes que funcionam com um número variado de participantes de quatro ou cinco a 50 ou mais Todos os anos Esalen convida cerca de 200 especialistas diferentes quase todos americanos na maioria bem conhecidos ainda que de va lor desigual As sessões costumam durar de dois a cinco dias nos fins de semana de 1800 h de sexta feira às 1300 h de domingo durante a semana de 1800 h de domingo às 1300 h de sextafeira mas alguns estágios excepcionais de formação são bem mais longos de 15 dias a um mês E já que estou diante de minha coleção de catálogos e tenho na cabeça minha necessidade enciclopédica e minha obsessão pela exausti vidade e no coração inúmeras lembranças maravilhosas e o desejo de dividilas com vocês vamos folheálos juntos por alguns momentos pa ra Hatlsfazer os curiosos e futuros peregrinos Vejamos agora alguns títulos de estágios propostos em grande va riedade c desordem deliberada Mawagens intensivas avançadas teoria e prática Laboratórios para casais de Gestalt 101 Práticas xamanísticas dos índios americanos Sabedoria do corpo integração de Gestalt rolfing massagens etc Introdução prática à revolução informática doméstica A física quântica e o teorema de Bell Hipnose e parapsicologia Cidadãos da era solar pensamento global e ação local Gestalt e sonhos A transferência em terapia analítica junguiana A astrologia mapa da psique Laboratório para homens de negócios Morte e ressurreição Gestalt e hipnose As técnicas do sagrado A aula viva Gestalt e psicossíntese Tratamentos de urgência das crises existenciais e transpessoais O sistema energético do homem e a Gestalt Laboratório para celibatários O mundo da física contemporânea Sexualidade feminismo e homossexualidade Balanço do programa de pesquisas soviéticoamericano de Esalen Gestalt e integração estrutural Teatro Gestalt e psicodrama Para uma sexualidade criativa Medicina holística homeopatia acupuntura etc A Gestalt e a arte Laboratórios para homossexuais sós ou em casais Práticas transpessoais Jung Gestalt xamanismo tibetano etc A Gestalt e Gurdjef Laboratório para divorciados Gestalt e consciência do corpo Paro por aqui antes que fique zonzo pois há cerca de 400 labora tórios por ano Os laboratórios de Esalen são válidos para os cursos de ciências hu manas de algumas universidades americanas assim como para escolas de enfermagem e faculdades de medicina O contexto material E eis o momento da refeição temos escolha entre o refeitório inter no cujos vidros são transformados em estufas para plantar mudas de ervas de todo tipo ou mesas colocadas sob o sol no terraço de tábuas Um selfservice com uma longa mesa de saladas locais com raí zes e brotos a alimentação é essencialmente vegetariana e macrobiótica 102 Podese ir também colher algumas verduras no pé com tesouras e temperar com um dos numerosos molhos originais e saborosos A refeição assim como a estadia e o conjunto dos serviços está incluída no preço do estágio8 Hoje depois do almoço nosso grupo vai aos banhos são fontes termais naturais levemente sulfurosas conhecidas desde os tempos an I igos e transformadas em hottubs grandes cubas ou banheiras cole tivas que podem acolher cada uma dez estagiários A água é bem quente e corrente Todos se banham inteiramente nus e em grupos Há ao todo umas dez cubas ou minipiscinas Uma ala do edifício é reservada ao silêncio e à meditação durante a imersão em uma água à temperatura amniótica Na outra ala pelo contrário ressoam gritos risos e solu ços de estagiários que relaxam ou trabalham a partir de suas emo ções profundas Acima das termas fica o terraço das massagens mesas estofadas estão alinhadas e uma dezena de massagistas trabalha com aplicação untando os corpos com óleos perfumados e propondo à escolha dos clientes massagens californianas chamadas ainda de massagens sensoriais eu forizantes ou sensitiveGestaltmassages massagens Träger à base de vibrações massagens psíquicas a distância sem contato com a pele rolfing massagem dos tecidos profundos para a integração postural Ir ou não ir Eu poderia prosseguir por muito tempo ainda minhas lembranças dos passeios por Esalen de tão ingenuamente apaixonado fiquei por es sa ilha paradisíaca nesta terra atormentada um jardim do éden onde os homens teriam encontrado por algum tempo suas supostas relações originais No entanto não ignoro as críticas justificadas sim tornouse um negócio comercial muito lucrativo Sim São permanentes os riscos de resvalar para o misticismo Sim Lugares assim sustentam um mito elitista e perigoso distante da dramática realidade econômica e política do Terceiro Mundo e também dos excluídos de nossa socie dade dita civilizada Sim É um parêntese artificial ou seja etimo logicamente feito com arte Sim mesmo em Esalen a morte se infiltrou com suas overdoses e seus suicídios no abismo Sim Sim Sim 8 Como referência eis as tarifas de 1990 incluindo alojamento fim de semana US 325 lislágios de cinco dias US 630 103 Tudo isso é verdade e outras coisas mais E no entanto continua sendo fundamental que sobrevivam luga res onde se possa manter a oscilante chama da fé no homem e em seus recursos e não é inútil ter experimentado ainda que uma vez por al guns instantes fugazes umapeakexperience experiência extática de satori iluminação que permita saber para sempre que há em você algu ma coisa além e que basta assoprar a brasa para reanimála 104 Ca p í t u l o 7 Abordagem sistêmica e Gestalt O pentagrama de Ginger A revolução sistêmica Essa síntese necessária entre o oriente e o ocidente entre arte reli gião e ciência entre tradição secular e tecnologia contemporânea entre corpo coração e cabeça entre o homem e seu meio social e cósmico essa síntese de nosso tempo necessária e atual promovida especialmen te pela corrente humanista da psicologia pareceme particularmente bem ilustrada pela Gestalt Em minha perspectiva não é uma abordagem eclética que empresta daqui e dali contribuições mais ou menos fecundas não é tampouco uma simples combinação harmoniosa de elementos complementares que se somam ou se enriquecem mutuamente é mais do que issoé uma visão nova do homem e do mundo em interação permanente uma concepção sistêmica revolucionária em relação ao paradigma cartesiano newtoniano1 cuja perspectiva mecanicista dominou a ciência por mais de três séculos Não se deve subestimar a importância dessa revolução do pensa mento que invadiu subrepticiamente a maioria das ciências contem porâneas sem que se tenha ainda realizado o salto qualitativo não mais quantitativo este já realizado Assim por exemplo ainda ensinam nas faculdades cada ciência se paradamente física num prédio biologia em outro psicologia ou so 1 Paradigma conjunto de hipóteses fundamentais e críticas com base nas quais teo rias e modelos podem ser desenvolvidos ou conjunto de convicções compartilhadas pela comunidade científica mundial Thomas Kuhn que servem de base à compreensão do mundo 105 ciologia em uma faculdade diferente Enquanto isso nenhum pesquisa dor ignora mais a que ponto essas disciplinas estudam fenômenos com paráveis e sobretudo estreitamente interdependentes Como compreender quer dizer prender junto a res piração do homem ou do animal sem a fotossíntese do vegetal se uma não pode funcionar sem a outra2 Como compreender a infla ção econômica sem levar em consideração os fatores psicossociológi cos da Bolsa É como descrever um quadro analisando apenas as cores Não são mais os fatos nem a estrutura das coisas que nos interes sam mas suas interações não são mais os excorpúsculos isolados da matéria mas a energia que os anima a verdade não está mais na materialidade das coisas mas no espaçotempo que as faz viver as separa e as une não está mais nas palavras cristalizadas do dicioná rio mas nas idéias fugidias dos homens ela não está em nossos ór gãos mas em seu funcionamento em nosso estarnomundo que con diciona nossa saúde ou nossa doença Sabemos que para a física quântica póseinsteiniana as partículas subatômicas não são coisas mas interconexões entre as coisas Capra 1983 existentes num uni verso quadridimensional de espaçotempo ou que certas partículas as antipartículas não hesitam em se deslocar do futuro para o passa do sem nenhuma cadeia linear de causa e efeito Sabemos agora que a massa nada mais é do que uma forma de energia e que não é mais associada a uma substância material Assim as partículas não podem mais ser descritas como objetos tridimensionais nem como bolas de bilhar ou grãos de areia As partículas materiais podem ser criadas e destruídas sua massa pode ser transformada em energia e vice versa Enfim os átomos não são senão uma dança perpétua da ener gia 3 Gregory Bateson4 um dos líderes da escola de Palo Alto que introduziu explicitamente o pensamento sistêmico na psiquiatria con sidera que as recentes descobertas da física transformarão radicalmente nossa forma de pensar pois cada coisa deverá ser definida não pelo que ela é em si mesma mas por suas relações com outras coisas Em uma perspectiva semelhante Edward Hall relata que os japoneses só se interessam pelas intersecções deixando de lado as linhas que as de terminam No Japão são os cruzamentos que têm nome e não as ruas Em vez de serem ordenadas no espaço as casas são ordenadas no tem po e numeradas pela ordem de construção 5 2 Cf Joël de Rosnay Les chemins de la vie Paris Seuil 1983 3 Fritjof Capra Le temps du changement Col Lesprit et la matière Monaco Ed du Rocher 1983 4 Gregory Bateson Vers une écologie de lesprit Trad franc Paris Seuil 1977 5 Edward Hall La dimension cachée 1966 Paris Seuil 1971 106 As ciências do complexo A justaposição dos conhecimentos não basta Como enfatiza Joel de Rosnay Hoje as disciplinas determinantes para o futuro de nossas so ciedades chamamse de fato economia ecologia biologia Elas le vam em consideração os sistemas de extrema complexidade que for mam as empresas as sociedades os ecossistemas ou os organismos vivos O raciocínio analítico não tem influência sobre elas A comple xidade das interdependências impede qualquer solução parcial6 Como interagem as 60000 bilhões de células de nosso corpo com nossos pensamentos nossos desejos e nosso meio E não esqueçamos que cada uma dessas células é uma usina complexa reunindo várias centenas de milhares de elementos distintos cada um deles compostos por sua vez de milhares de outros elementos CausalidadeFinalidade AnáliseSíntese Que valem hoje as tentativas simplistas de explicações causais lineares Assim como eu poderia explicar porque me tornei gestaltista O acúmulo de causas virtuais possíveis das minhas escolhas profissionais ou ideológicas nunca poderia ser suficiente para explicálas todas as mi nhas condutas estão em múltiplas interações e formam uma rede inex tricável em que se misturam fatores físicos e afetivos escolhas racio nais conscientes circunstâncias sociais fortuitas preferências arbitrárias opções filosóficas ou espirituais profundas Puxando ingenuamente qualquer fio do enredado novelo de minhas motivações eu só chegaria a entrelaçálo ainda mais Precisamos abordar a realidade múltipla em todos os seus aspectos simultaneamente quer dizer começar pela síntese e não pela análise como aliás faço espontaneamente quando reconheço um rosto familiar não me dei ao trabalho de anali sar seus traços previamente um a um quando escuto uma sinfonia não distingo detalhadamente o timbre de cada instrumento ou a sucessão das notas quando me apaixono meu sentimento não é precedido de uma análise rigorosa e ponderada das qualidades do objeto amado 6 Joel de Rosnay J op cit 107 Na realidade e seja lá o que diga o método dialético tradicional tão apregoado não passo meu tempo a pesar os prós e contras e a abor dagem hegeliana que procede por tese antítese e síntese por mais se dutora que seja se confirma totalmente imprópria à realidade da vidá que opera de forma inversa ou seja de uma primeira impressão sin tética à sua justificativa analítica a posteriori Como indica sua própria etimologia a compreensão de um fenô meno ou de um objeto não provém geralmente nem da análise de seus componentes ou de sua estrutura nem da busca hipotética de suas cau sas mas bem pelo contrário da síntese geralmente intuitiva de seu conjunto assim como da concepção de sua utilidade teleológica7 Não é o estudo da união do cabo com a lâmina que me faz com preender a faca mas sobretudo sua utilização posterior Conhecer é por tanto representar um objeto significante quer dizer não analisar a rea lidade mas conceber um modelo em funcionamento É assim ainda que poderemos identificar o objeto chamado de faca mesmo se mudamos seu cabo e sua lâmina que no entanto continua sendo o mesmo ob jeto uma faca8 Mas não devemos nos deter na síntese sair de um reducionismo para cair em outro passar do mecanicismo que imaginava que o conheci mento de todas as partes e de todas as leis permitiria um dia compreen der o funcionamento do todo ao holismo que pretende que o conheci mento do todo explica o funcionamento de cada parte Vejamos a esse respeito alguns trechos da obra epistemológica fundamental de Edgard Morin La Méthode de la méthode que desenvolve amplamente as no ções básicas já esboçadas em Paradigme perdue Pareceme que a leitu ra dessas obras9 se impõe a todos os gestaltistas preocupados em refle tir profundamente sobre seu próprio método A decomposição analítica em elementos decompõe também o sistema cujas regras de composição não são aditivas mas transfor madoras Mas acreditando superar o reducionismo o holismo de fato operou uma redução ao todo daí não apenas sua cegueira em relação às partes enquanto partes mas sua miopia em relação à organização como organização sua ignorância da complexidade no âmago da unidade global O todo não é tudo O todo é bem mais do que forma global O todo sozinho nada mais é do que um buraco whole is a hole 7 Teleológica do grego télos objetivo orientada para uma meta uma finalidade 8 Cf Le Moigne La théorie du système général Théorie de la modélisation Paris PUF 1977 9 Edgard Morin Le paradigme perdue la nature humaine Paris Seuil 1973 e La mé thode cinco volumes publicados a partir de 1977 por Seuil La nature de la nature La vie de la vie La connaissance de la connaissance Le devenir du devenir L humanité de lhumanité 108 O sistema não diz respeito nem à forma nem ao conteúdo nem aos elementos considerados isoladamente nem ao todo sozinho mas a tudo isso interligado na e para a organização que os transfor ma O observador também faz parte da definição do sistema ob servado e o sistema observado faz também parte do intelecto e da cultura do observadorsistema Criase na e através de uma tal inter relação uma nova totalidade sistêmica que engloba um e outro O Discurso do Método Descartes 1637 Tratase aqui como mostra de modo brilhante Jean Louis Le Moig ne em sua notável Théorie du Système Général 1 0 de um questionamen to radical de todo o pensamento cartesiano que se apóia em quatro pre ceitos lógicos hoje ultrapassados embora tenham fundamentado o chamado pensamento científico até o início do século XXF o preceito de evidência só admitir como verdadeiro aquilo que for evidentemente verdade o preceito reducionista dividir cada uma das dificuldades em tantas parcelas quantas forem possíveis o preceito causal compreender na ordem as relações de causa e efeito o preceito de exaustão fazer em tudo arrolamentos tão completos e revisões tão profundas que se esteja certo de nada omitir4 Darei só um exemplo o segundo preceito do Discurso do Método preconiza dividir cada uma das dificuldades em tantas parcelas quan tas forem possíveis para melhor resolvêlas e esta análise quase se tornou sinônimo de métodol Ora ao dividir o problema em partes im próprias arriscase muito pelo contrário aumentar sua dificuldade Atualmente os objetos a serem explicados são considerados mais partes de todos maiores do que todos que se devem decompor em par tes Então justificase passar para vêlas melhor do microscópio tradi cional ao macroscópio de Joel de Rosnay Enquanto na mecânica clássica as propriedades e o comportamento das partes governam aque les do todo a situação é inversa em mecânica quântica é o todo que determina o comportamento das partes Capra É natural que o mes mo ocorra geralmente com o organismo humano e a Gestalt sempre enfatizou isso A direção do tempo Do mesmo modo a hipótese tão difundida de leis naturais que acar retariam conseqüências idênticas todas as coisas iguais por outra via 10 Le Moigne J L La théorie du système général já citado Ver também von Barta lunffy General system theory Nova York 1949 de Rosnay J Le macroscope Paris Seuil 1975 Capra F The turnig point op cit Edgard Morin já citado etc 109 terceiro preceito não é mais do que uma aproximação simplificadora pois nada nunca é igual pois a direção do tempo é irreversível em nossa escala cotidiana e imprime sua marca em todas as coisas e em todas as idéias Assim as mesmas causas não provocariam sempre e exatamente os mesmos efeitos Desde 1912 os psicólogos gestaltistas Wertheimer já tinham mos trado que uma combinação no tempo e no espaço de estímulos di versos conduzia a experiências cujos resultados não podiam ser preditos a partir do conhecimento de cada estímulo Prosseguindo sua reflexão sobre o impacto do fator tempo Koes tler acrescenta Se os acontecimentos não são rigorosamente governados pelos impulsos e pressões do passado não poderiam eles ser influenciados de alguma forma pela tração do futuro que é uma forma de dizer que a meta poderia ser um fator físico concreto da evolução do uni verso Chegamos assim a uma hipótese finalista conferindo uma lógica interna não apenas aos seres vivos mas também às idéias e aos obje tos Essa perspectiva teleológica é muito seriamente considerada pelos físicos contemporâneos Seja lá como for encontramos aí em suma uma experiência coti diana banal meu comportamento é no mínimo tanto causado pelo futuro quanto pelo passado Se por exemplo durmo cedo essa noite talvez seja porque estou cansado após um dia cheio mas pode ser também porque prevejo um dia sobrecarregado amanhã ou ainda se você lê este livro é porque vo cê o comprou mas é sobretudo porque você deseja saber o que ele con tém tração do futuro Passado e futuro coexistem mas não no mesmo tempo assim como América e Europa coexistem mas não no mesmo espaço 11 Assim em vez de procurar no passado o porquê das perturba ções perspectiva causal poderíamos antes perguntar sobre sua manu tenção atual seu para quê sobre os benefícios secundários trazidos ou sustentados pela doença perspectiva finalista 11 Costa de Beauregard Diretor de Pesquisa no CNRS 110 A objetividade observa como que à sua revelia Jacques Monot12 obriganos a reconhecer o caráter teleonômico dos seres vi vos a admitir que em suas estruturas e desempenhos eles realizam e perseguem um projeto Joel de Rosnay define um sistema como um conjunto de ele mentos em interação dinâmica organizados em função de uma meta A Gestalt enfatiza sem cessar a interdependência sistêmica entre o homem e seu meio o homem em seu campo assim como a polis se mia de todo comportamento processo dinâmico multifatorial Pareceme que a recentração permanente da Gestalt no aqui e ago ra ou mais exatamente no agora e como now and how enfatiza a prevalência do fator tempo mesmo uma lembrança antiga que emer ge na consciência é transformada de fato dia a dia até de hora em ho ra Sua conotação emocional é diferente conforme o contexto espacial temporal e social e portanto seu tratamento deve ser diferenciado pa ra continuar eficaz13 Só a tomada de consciência isolada racional e histórica pode ape nas reclassificar a lembrança nas estruturas mentais mais acessíveis mas sua transformação duradoura implica que ela seja remodelada no con texto do momento com uma participação multidimensional do corpo da emoção da afetividade da razão e sob o olhar reconfortante de outrem De fato o sentido emerge tanto do contexto como do texto O erro de Latner Evidentemente a Gestalt está muito próxima do pensamento sis têmico cujos princípios fundamentais acabo de recordar brevemente mas devo sem mais demora insistir no fato de que mais de um gestal tista de boa fé foi induzido em erro por um longo artigo polêmico de Joel Latner14 autor do The Gestalt Therapy Book 1973 membro da equipe de redação do Gestalt Journal e responsável pela formação 12 Monod J Prêmio Nobel de Medicina Le hasard et la nécessité Essai sur la philoso phie naturelle de la biologie moderne Paris Seuil 1970 Suas teses se contrapõem em especial às de Teilhard de Chardin um dos precursores do pensamento sistêmico 13 Outros métodos psicológicos e psicoterapêuticos referemse à abordagem sistêmica em geral aliás mais explicitamente do que a Gestalt a tal ponto que para o grande públi co elas se confundem com a própria sistêmica É o caso da Escola de Paio Alto Gregory Bateson Paul Watslawick etc Essa escola desenvolveu especialmente uma terapia fam i liar sistêmica 14 Joel Latner This is the speed of light field and systems theories in Gestalt Therapy in The Gestalt Journal VolVI n 2 1983 Tradução de Robine JM Bordeaux IGB 1985 Ill de inúmeros Gestaltterapeutas na California e na região de Nova York Esse artigo baseiase inteiramente em minha opinião numa leitura equi vocada ou tendenciosa da sistêmica que ele distorce completamente de início para depois criticar asperamente aliás num procedimento co müm utilizado sobretudo por Perls em relação à psicanálise Sua lei tura me parece no mínimo surpreendente julguemola Latner associa a física clássica e não a física contemporânea e a mecânica newtoniana à teoria dos sistemas quando justamente esta fo i concebida para oporse a elas Ele escreve15 A teoria dos sistemas é uma maneira de pensar as interrelações entre os objetos mecânicos e humanos é uma elucidação da no ção de mundo como máquina Suas características são a ordem a causalidade a noção de fronteira dos objetos uma concentração nos objetos e não no espaço entre eles um isolamento dual dos ob jetos no mundo separação de suas propriedades a existência de absolutos independentes do contexto o isolamento daquilo que é ob servado dos efeitos da presença do observador O comportamen to é dividido atomizado As paixões deslocam as pessoas como um taco de bilhar desloca a bola etc sic Não se poderia definir melhor contra o quê se ergue o pensamento sistêmico Já desenvolvi amplamente essas noções mas voltemos às fontes Ludwig von Bartalanffy em geral considerado um dos fundadores do pensamento sistêmico cuja denominação ele propôs escreve De tudo o que precede decorre uma visão entorpecedora a perspectiva de uma concepção unitária do mundo até então insus peita 1961 Mais adiante Latner definiu aquilo que chama de teoria do cam po hoje falase mais de teorias dos campos e especialmente de teorias quânticas dos campos as quais hoje levam em consideração a descoberta da antimatéria e das partículas elementares pesadas ou hadrons mas não permitem ainda explicar as massas das partículas O espaço não é vazio é um campo os objetos nele contidos são concentrações de energia no interior do campo Os campos são os estados físicos do espaço eles participam dos acon tecimentos O campo é uma concepção nãodual do espaço O campo está em toda parte etc Na teoria do campo o essencial não é a figura mas a figura no interior do campo 15 Não sem tomar alguma precaução Se 1er física o leitor competente reconhecerá com facilidade a insuficiência de minha compreensão nesse domínio 112 Como terseá percebido tudo isso se refere de fato à teoria geral do sistema na qual estão incluídas as teorias dos campos com efeito estas últimas não passam de casos particulares da primeira no âmbito dB física contemporânea enquanto que a teoria geral dos sistemas ou melhor a teoria geral do sistema é uma conceituação metodológica in terdisciplinar concernente à epistemologia do conjunto das ciências e que se desenvolve ao mesmo tempo em física química cibernética biolo gia psicologia psicoterapia lingüística sociologia economia política etc E claro que uma teoria não exclui a outra Como assinala Einstein Construir uma teoria nova não é construir um arranhacéu no lugar de uma casa velha é mais como subir uma montanha e ter pouco a pouco uma vista diferente mais ampla descobrir relações inespe radas entre nosso ponto de partida e seu rico arredor Pois o ponto de onde partimos continua a existir e permanece visível embora pa reça menor e não seja mais do que uma pequenina parte de nossa vi são ampliada 16 Dessas premissas falsas sobre a teoria sistêmica Latner extrai con siderações tendenciosas sobre as diversas correntes americanas de Ges talt e valoriza é claro sua escola atual que eu não poderia desapro var a de Nova York mas em detrimento das outras as de Cleveland e da costa oeste que ele trata com uma certa superficialidade Em con trapartida eu não poderia ficar calado diante do que considero uma ca ricatura da abordagem sistêmica caricatura que Latner ajudou a divul gar entre alguns de nossos colegas O simbolismo Para tornar mais clara esta abordagem sistêmica multidimensional creio ser útil recorrer ao simbolismo Para além da linguagem verbal que utiliza sinais cujo sentido obedece convenções em geral arbitrárias a representação simbólica sobretudo quando traduzida de maneira visual permite por uma mo bilização de nosso hemisfério direito uma visão sintética e unificadora uma abordagem polissêmica do homem e do mundo e de suas redes de relações em geral inusitadas O símbolo17 seria então um verdadeiro esperanto mental lingua gem universal ao mesmo tempo infra e supraverbal em comunicação I6i CltBdo por Mltrllyn Ferguson in Les enfants du verseau Paris CalmannLevy 1981 17 Ltmbremo que slmbôlico se opõe a diabôlico De fato diaballein em grego 4Uer dlxir Jogar entre separar desunir Enquanto quesumballein significa jogar ou pôr Junto de onde sumbolon sinal de reconhecimento objeto cortado em dois cu b dual metade eram guardadas por duas pessoas ao serem reunidas comprovavam sua rolavBo anterior 113 direta com as camadas profundas de nosso ser o que lhe confere si multaneamente uma função mediadora uma função socializante e uma função terapêutica O pentagrama de Ginger Há vários anos tentei encontrar um emblema simbólico que tra duza e torne aparente para todos sem esforço de análise a aborda gem multidimensional do homem que me parece caracterizar a Ges talt e adquiri o hábito de recorrer ao pentagrama estrelado que simboliza o homem de acordo com uma longa tradição que remonta a Pitágoras e foi divulgada sobretudo pelo célebre desenho de Leo nardo Da Vinci Cabe especificar que segundo a Tradição o pentagrama ativo com uma ponta para cima representa o Homem em pé sua cabeça seus braços abertos e suas duas pernas Invertido com a ponta para baixo ele representa o diabo homem caído sob a forma de uma cabeça de bode seus dois chifres suas duas orelhas e sua barbicha ele é neste caso considerado passivo e maléfico18 Porque uma estrela de cinco pontas A polissemia do número cin co é particularmente rica e seu significado simbólico é universalmente admitido seja na China na índia ou no Japão em terras do Islão dos ameríndios astecas maias incas ou ainda entre os celtas antigos gre gos ou francomaçons Em todas as partes o cinco representa o Homem síntese vital do princípio da vida da energia das forças complementares radiante e trans formadora feminino o dois número par e feminino do equilíbrio e masculino o três número ímpar e masculino do dinamismo Ele evoca também é claro os cinco sentidos clássicos que ligam o homem ao mundo assim como os cinco dedos da mão simbolizan do a integração do indivíduo ao grupo19 No simbolismo pitagórico retomado especialmente pelos maçons nas catedrais góticas o pentagrama ou Estrela Rutilante fica no cen tro da cruz dos outros elementos ele é a quintessência a quinta essência ou seja o princípio essencial e puro20 O cinco simboliza a realização a união equilibrada e a harmonia É o número do Centro situado entre os quatro pontos cardeais do Mundo 18 O pentagrama ativo e vermelho foi escolhido como emblema pela URSS enquanto a Ordem militar soviética tem como emblema o pentagrama invertido Os EUA escolhe ram como símbolo o pentagrama branco Registrei a presença de um ou vários pentagra mas na bandeira nacional de 53 países 19 Em persa a mesma palavra daste significa mão e grupo 20 Ver Jules Boucher La symbolique maçonnique Paris Dervy 1948 114 No centro da estrela de cinco pontas representando o homem colocase de acordo com as Tradições o coração o sexo ou a letra Q 21 Na Grécia antiga o pentagrama estrelado era consagrado a Hygia deusa da saúde e do bemestar e sua mensagem começava por uma estrela de cinco pontas à guisa de saudação com uma letra do nome da deusa em cada uma das pontas tradição retomada pelos latinos nas cinco letras do salve saúde 22 Levado por esse impulso também coloco por minha iniciativa le tras gregas mas como iniciais convencionais de palavras francesas que representam aquilo que considero as cinco principais dimensões da ati vidade humana que para mim a Gestalt exprime e unifica particu larmente bem 1 dimensão física p corpo sensorialidade motricidade sexualidade 2 dimensão afetiva a coração sentimentos relação amorosa o outro 3 dimensão racional p cabeça com seus dois hemisférios idéias e imaginário criador 4 dimensão social r relação com os outros o meio humano cultural 5 dimensão espiritual co lugar e sentido do homem no meio cósmico e no ecossistema global No centro da estrela coloco o G para mim inicial da palavra Gestalt simbolizando a interrelação das cinco dimensões fundamentais É claro que a ordem na qual dispus as diversas dimensões não é fortuita Em meu esquema o homem se ergue sobre suas duas pernas física e metafísica23 que asseguram sua ancoragem na terra e no mundo Seus dois braços lhe permitem entrar em relação com o outro c com 05 outros relação afetiva privilegiada com o braço esquerdo la do do coração e relações sociais variadas com o braço direito mais ativo Notaremos que a parte esquerda do pentagrama é concernente à vi du interior do homem seu corpo seu coração sua cabeça enquanto a parte direita é concernente ao seu meio próximo social ou global cósmico Sc passarmos de uma ponta a outra no sentido horário encontra mos sucessivamente 21 Quinta consoanlc dc nosso alfabeto que representa conforme o autor a Terra Geo Deu üod o Oraal a Geração etc e por que não a Gestalt 22 CT Serge dinner La Gestaltterapie et quelques autres approches humanistes dans la pratique IlOKpUltlIèrc in Former a lhôpital org Honore B Toulouse Privat 1983 23 Slluel a dtmenuão metafísica e espiritual perto do chão e não na cabeça para mos trar que par mim é uma raiz fundamental imanente e não uma força que transcende o homem 115 O PENTAGRAMA DE GINGER dimensão racional la cabeça o universo 1 minha relação com meu próprio corpo que só diz respeito a mim solidão 2 minha relação afetiva com uma pessoa privilegiada casal 3 minhas trocas intelectuais com várias pessoas 4 minhas trocas sociais mais amplas com grupos humanos comunidade 5 meu pertencimento ao Todo Universo que simbolizei por ou seja uma relação que se amplia progressivamente um dois vários muitos todo O homem deve se esforçar para manter durante a vida um equilíbrio entre os tempos de relação consigo reflexão leitura meditação de relação a dois amizade amor sexualidade de relações com o grupo estudos trabalho cultura de relações com a sociedade economia política de relação com o mundo ecologia filosofia espiritualidade reli gião É também a ordem da ontogênese de acordo com a qual o homem se desenvolve do nascimento à morte 1 o bebê está principalmente centrado em seu próprio corpo 2 depois ele estabelece relações afetivas privilegiadas com a mãe 3 a criança depois amplia suas relações na escola na idade da razão 116 4 depois o adolescente e o adulto participam ativamente da vida social 5 enfim o homem idoso é confrontado com sua morte e se interessa cada vez mais pela vida espiritual Subentendase que meu comportamento é induzido pelo conjunto dessas cinco dimensões por meu organismo e minhas sensações meus de sejos e relações minhas idéias ou decisões assim como pelo meio social que me cerca e que me condicionou parcialmente ele está também em in terdependência com todo o universo o clima a estação a gravitação da Terra ou a luz do Sol sem falar do inconsciente coletivo ou de Deus No entanto cada cultura valoriza mais especialmente algumas des sas dimensões assim por exemplo na França dão primazia às dimensões racional afetiva e social e nos mutilamos deliberadamente ao manter um certo tabu tanto em relação à dimensão física do corpo quanto à dimensão metafísica do espírito Efetivamente uma censura tenaz reina em rela ção às trocas físicas a ternura por exemplo é reservada à intimidade familiar enquanto o contato corporal e cutâneo é fundamental para todos os seres humanos24 e a nudez apesar de natural continua proscrita Mas uma censura reina também sobre as trocas espirituais ou ideológicas logo suspeitas de proselitismo tendencioso e freqüentemen te proibidas nos locais de trabalho e nas associações Outras culturas inversamente valorizam essas duas dimensões exem plo disso é a índia com seus exercícios corporais e espirituais hatayoga e meditação Outras ainda dão ênfase a diferentes dimensões assim os EUA e a URSS se ocupam mais do desenvolvimento do corpo da inteligência e das relações sociais que curiosamente se traduz no meu esquema em uma ponta Esquema das dimensões valorizadas por FRANÇA ÍNDIA USA E URSS M 24 Podem ser lidos com interesse a esse respeito os estudos de Harlow sobre bebêsmacacos oonfronladoi com mães artificiais 95 procuram carinho pelo contato com o pêlo OU a pele da mfle mais do que por uma mamadeira oferecida por uma mãe de metal Ver também os célebres trabalhos sobre vínculo do psicanalista J Bowlby as llm eomo O eiludoa mais recentes de Montagu La peau et le toucher Paris Seuil 1979 Taear 80 Paulo Summus Ler também as pesquisas já clássicas de Spitz e vários ou tro como WlnnleoU Pages Anzieu Le moipeau Paris Dunod 1985 117 Algumas abordagens terapêuticas Constatamos o mesmo fenômeno nas principais abordagens tera pêuticas clássicas todas visam em princípio uma compreensão global e um desenvolvimento harmonioso do homem mas de fato a maioria delas privilegia sobretudo duas vias particulares por exemplo a bioenergética utiliza sobretudo uma abordagem física e afetiva emocional buscando o vínculo entre o corpo e os traumas afetivos nele inscritos a psicanálise visa especialmente uma conscientização maior em parte intelectual da vida afetiva a dinâmica de grupo esclarece dimensão racional as interrelações sociais as religiões e certas formas de meditação constituem abordagens cole tivas da dimensão espiritual as medicinas naturais a acupuntura mas também o yoga o taichi e muitas outras técnicas dão ênfase aos estreitos vínculos entre o corpo e as energias cósmicas ou espirituais ALGUMAS ABORDAGENS TERAPÊUTICAS pólo racional p S l a n á l i e ú dinâmica de grupo pólo afetivo pólo social bioenergia religiões meditações pólo físico pólo espiritual medicinas naturais acupuntura etc ioga taichi etc 118 Eu situo a Gestalt no meio desse esquema porque ela se esforça pa ra manter uma abordagem multidimensional efetiva por intermédio de uma abordagem simultaneamente física afetiva racional social e espiritual do homem considerando não só todos esses aspectos mas principalmente suas in terrelações mútuas propondo não uma análise mas uma visão sintética global mais vinculada ao esclarecimento do como isso funciona ago ra do que do porque isso funciona assim Poderseia dizer ainda de forma mais simbólica que a Gestalt reabilita as funções do hemisfério direito enquanto nossa cultura nos fez hemiplégicos utilizando sobretudo nosso cérebro esquerdo analítico e racional Ora retomando o aforismo de Edgar Morin já citado o sonho de um homem totalmente racional é totalmente irracional e além disso o real não é racional ele é improvável e milagroso 25 Para uma sócioGestalt Queria agora assinalar que evidenciar os cinco pólos principais que distribuí pelas cinco pontas de meu pentagrama estrelado só concerne o desenvolvimento harmonioso do homem isolado mas que esta repre sentação pode ser extrapolada para várias outras situações tais como o casal a família uma instituição uma empresa toda a sociedade ou até um simples objeto como este livro que estou escrevendo ou que você está lendo Basta transpor cada um dos cinco temas conservando aquilo que constitui sua essência fundamental Para mim não é de modo algum um simples jeu d esprit nem um esquema pedagógico de explicação para uso de meus alunos mas uma fer ramenta funcional de trabalho com infalível valor heurístico26 e que sempre utilizo pessoalmente desde que o elaborei tanto para diagnósti co como para tratamento de qualquer situação Começo assim examinando se certas dimensões são super ou sub desenvolvidas depois tento imaginar uma estratégia que possa harmo nizar a situação 25 Michel Serres Le parasite Paris Grasset 1980 26 Heurístico que favorece a descoberta 119 O CASAL UM HOSPITAL interesses comuns técnicas A sociograma organograma amor relações relacional funcional sexualidade ideologia os locais os princípios os equipamentos ideológicos Ver a título de exemplo o quadro abaixo27 que ilustra os cinco pólos em alguns casos Assim certa vez fui convidado para uma jornada de intervenção institucional num internato para crianças desajustadas que vivia um pe ríodo de crise sua história e estava ameaçado de fechar Após passar algumas horas no local me pareceu que dois dos cin co eixos fundamentais estavam particularmente negligenciados os 5 pólos o homem o casal um hospital uma empresa este livro físico ou material o corpo relação física sexual contexto material arquitetura instalações equipamentos os meios materiais locais equipamentos capital sua apresentação material capa papel afetivo ou relacional o coração o outro relação afetiva amorosa sociograma relacional espontâneo vínculos e vida da equipe de trabalho o clima relacional o ambiente do trabalho de equipe o prazer de 1er estilo imagens contato com o autor racional ou intelectual a cabeça as idéias comunhão de idéias e interesses técnicas de tratamento ensino técnicas de produção e de distribuição idéias desenvolvidas sua clareza e interesse social ou cultural os homens os outros círculo de amigos relações e ativ sociais organograma funcional estruturado hierarquia as estrut sociais hierarquia vida sindical influência do meio sobre o livro impacto profissional espiritual ou ideológico o mundo compromissos ideológicos partilhados princípios ideológicos perante a morte a verdade etc objetivos subjacentes filosofia social da empresa correntes filosóficas e ideológicas desenvolvidas as instalações destinadas às crianças estavam completamente degrada das e dando impressão de tristeza e abandono pólo físico ou material 27 Quadro a ser lido de preferência no sentido vertical 120 por outro lado os educadores não acreditavam muito no valor de seu próprio trabalho achando que de nada servia disfarçar sem parar as inúmeras falhas cuja responsabilidade quase total eles imputavam à sociedade pólo ideológico no entanto as relações informais dentro da equipe são calorosas pó lo afetivo não faltam idéias pólo racional para atividades ou experiências pontuais nas quais aliás não se acredita poderíamos fazer isso ou aquilo mas de qualquer forma não servirá para nada as relações sociais instituídas são aceitáveis tanto no plano do orga nograma interno divisão de funções quanto no das trocas com o meio famílias das crianças vizinhos Esse rápido panorama me permite concentrar meus esforços ime diatamente nos dois eixos que me parecem os mais fracos o contexto material e o investimento ideológico É claro que em minha intervenção inspirada no que batizei de sócioGestalt não me entrego deliberadamente a uma análise insti tucional das supostas causas históricas da situação preocupante desse estabelecimento mesmo se chegasse a levantar hipóteses plausíveis que explicassem a degradação atual isso não levaria a nada ao contrário deprimiria ainda mais a moral da equipe ao justificar posteriormen te as dificuldades experimentadas depois de tudo o que aconteceu co mo poderia ser de outro modo Procuro ao contrário favorecer a awareness da situação atual uma tomada de consciência mais clara do presente e do que se poderia experimentar Me detenho aqui na evocação dessa intervenção um pouco especí fica É claro que inúmeras adaptações e transposições são possíveis tanto da filosofia geral quanto das técnicas específicas da Gestalt em uma si tuação em que o cliente não é mais um indivíduo isolado em dificul dade mas uma instituição inteira em disfunção Afinal de contas com um pouco de imaginação percebemos que é possível extrapolar a maioria dos princípios e métodos da Gestalt1 Assim por exemplo podemos explorar a fronteira de contato entre o estabelecimento e a sociedade os mecanismos de evitação introjeção de princípios institucionais mal integrados e confluência desmobilizadora das ideologias projeções das 28 Arnold Beisser em 1970 afirmava em seu conhecido artigo sobre La theorieparado xal du changement que essa mesma teoria da mudança era aplicável aos sistemas sociais Isso pressupõe que o sistema tome consciência de seus fragmentos alienados internos e externos para poder reintegrálos em seu funcionamento principal por um processo similar à conquista de identidade pelo indivíduo Podese 1er também de S Herman e M Korenich Authentic management a ges talt orientation to organization and their development EUA AddisonWesley 1977 121 dificuldades no meio ou na sociedade retroflexão quase suicida da agressividade que levou a instituição à beira do fechamento etc a imagem que esse internato construiu de sua própria personalida de etc podemos fazer ainda as diferentes partes da instituição dialogarem entre si restaurar a comunicação entre diversas instâncias cabeça e cor po ou favorecer a expressão emocional dos subgrupos etc Falar com e não falar de trabalhar com os sonhos coletivos fantasias institucionais patentear as Gestalts inacabadas por exemplo decisões tomadas e sem resultados e as disfunções do ciclo de contatoretração de qualquer experiência buscar a integração das polaridades contrárias respeito pela especifi cidade de cada um e inserção social etc Todo este trabalho sempre é feito é claro a partir da awareness do que emerge no aqui e agora da situação Aquilo que chamo de sócioGestalt não é portanto a aplicação da Gestalt em uma instituição ou empresa mas a aplicação da Gestalt à instituição ou empresa considerada como um organismo global em interação com seu meio 122 SEGUNDA PARTE MÉTODOS E TÉCNICAS DA GESTALT C a p í t u l o 8 A teoria do self Goodman e a teoria do self Para Perls a neurose está vinculada ao acúmulo de gestalts ina cabadas de necessidades não satisfeitas ou cuja satisfação foi prema turamente interrompida ou seja de repetidas dificuldades de ajusta mento entre o organismo e seu meio O processo permanente de adaptação criadora do homem ao seu meio interior e exterior constitui aquilo que Paul Goodman 19111972 considerado o primeiro teórico da Gestalt chama de self A teoria do seestá exposta no volume II de Gestalttherapy pu blicado em 1951 e atribuído a Perls Hefferline e Goodman Esta obra ainda constitui a Bíblia de um certo número de Gestaltterapeutas de hoje De fato o volume II foi inteirâmente organizado e redigido por Goodman a partir de esparsas notas manuscritas de Fritz Perls do qual ele foi um dos primeiros colaboradores Goodman foi o principal teórico do Grupo do Sete Foi ele que assumiu posteriormente a di reção dos dois primeiros institutos de Gestalt o de Nova York aberto em 1952 e o de Cleveland 1954 Paul Goodman era romancista e poeta crítico e anarquista polê mico bem conhecido nos meios da extrema esquerda novaiorquina por suas posições provocadoras que até o próprio Reich achava excessi vas Goodman não tinha nenhuma experiência clínica como terapeuta na época em que redigiu esse ensaio mas fora analisado por um aluno de Reich Alexander Lowen um exadvogado que se tornara médico e que viria a fundar a bioenergética Parece que ele foi apresentado a Perls por Isadore From o qual aliás não deixou de desenvolver suas idéias até os dias atuais e revalorizou recentemente sua teoria do self caída 125 em desuso há muitos anos deixada de lado por muitos grandes da Gestaltterapia como os Polster1 ou Claudio Naranjo e até mesmo ex plicitamente contestada por alguns outros autores como por exemplo Jim Simkin um dos primeiros e mais fiéis colaboradores de Perls que escreveu em correspondência recente com Joel Latner Entre 1982 e 1983 tentei em várias ocasiões 1er o volume dois de Gestalttherapy mas sem êxito O cuidado de Goodman é evi dente mas sou incapaz de captar alguns de seus saltos Uma boa par te desse material tem para mim no máximo uma relação tangencial com a Gestaltterapia e parece mais fundamentalmente psicanalíti ca Não recomendo absolutamente o volume II aos estudantes que ten tam aprender Gestaltterapia e compartilho com eles minhas próprias dificuldades com este volume2 O que é então o self Em Gestalt esse termo adquiriu um sentido muito específico dife rente do que significa em psicanálise tradicional assim como para Win nicott Kohut e outros É também com freqüência objeto de malen tendidos Acrescentemos a isso que Goodman dizem teria procurado deli beradamente permanecer um pouco esotérico para que seu método não fosse emprestado por terceiros que não tivessem feito um sério trabalho de experimentação pessoal Ele não hesita em declarar na in trodução O leitor se encontra aparentemente diante de uma tarefa impossível para compreender este livro ele precisa ter uma mentali dade gestaltista e para adquirir esta mentalidade precisa compreen der este livro É verdade que a obra não teve nenhum sucesso na ocasião de seu aparecimento Entretanto o essencial da Gestalt já aparece nela t O self portanto não é uma entidade fixa nem uma instância psí quica como o Eu ou Ego mas um processo especificamente pessoal e característico de sua maneira própria de reagir num dado mo mento e num dado campo em função de seu estilo pessoal Não é o seu ser mas seu ser no mundo variável conforme as situações Para ilustrar isso Goodman evoca o artista no trabalho ou a crian ça no jogo eles são ao mesmo tempo ativos e passivos num permanen te ajustamento criador numa awareness tanto de suas sensações exter nas provenientes do meio quanto de suas pulsões criadoras internas provenientes de seu organismo 1 Embora tenham sido eles mesmos formados por Isadore From para Latner entre os gestaltistas ainda vivos foram os Polster que mais alunos formaram tanto nos Esta dos Unidos quanto no exterior 2 Relatado em The Gestalt Journal Vol VI n 2 Outono de 1983 126 O self é nossa maneira particular de estarmos envolvidos em qualquer processo nosso modo de expressão individual em nosso contato com o meio Ele é o agente de contato com o presente que permite nosso ajustamento criador J Latner A fronteira de contato A psicopatologia diz Goodman é o estudo da interrupção da inibição ou outros acidentes no processo do ajustamento criador E Perls especificou O estudo da maneira como uma pessoa fun ciona em seu meio é o estudo do que acontece na fronteira de contato entre o indivíduo e seu meio É nessa fronteira de contato que os even tos psicológicos têm lugar Nossos pensamentos nossas ações nosso comportamento nossas emoções são nosso modo de experiência e de encontro com esses eventos de fronteira 3 A fronteira entre eu mesmo e o mundo chamase fronteira de contato Como já lembrei a pele é uma ilustração concreta e ao mesmo tempo uma metáfora por um lado ela me protege e me delimita ela é minha fronteira mas por outro lado é um órgão de trocas com meu meio através das terminações nervosas e dos poros ela é um órgão de contato O id o eu e a personalidade O self dos gestaltistas funciona em três modos o id o eu e a personalidade A função id é concernente às pulsões internas às necessidades vi tais e especialmente sua tradução corporal assim o id me indica se tenho fome se sufoco ou se estou relaxado Ele funciona em meus atos automáticos respirar andar até conduzir um carro pensando em outra coisa Meu id de certa forma age sobre mim quase à minha revelia A função eu pelo contrário é uma função ativa de escolha ou rejeição deliberada é minha própria responsabilidade limitar ou aumen tar o contato manipular meu meio a partir de uma tomada de consciên cia de minhas necessidades e de meus desejos As perturbações eventuais 3 Perls F The Gestalt approach Paio Alto Science Behavior Books 1973 127 desta função se traduzem pelo que Goodman chama de perdas da fun ção ego que alguns compararam com os mecanismos de defesa do eu ou com os mecanismos de evitação e muitos gestaltistas após os Pols ter chamam pelo termo ambíguo de resistênciasadaptação A função personalidade é a representação que o sujeito faz de si mesmo sua autoimagem que lhe permite se reconhecer como respon sável jelo que sente ou pelo que faz E a função personalidade de meu self que assegura a integração de minhas experiências anteriores a assimilação do que vivi ao longo de toda minha história é ela que constrói meu sentimento de identidade Em suas três funções o self aparece com uma intensidade ou uma pre cisão variável conforme os momentos assim às vezes eu não me reco nheço em uma reação que não é habitual em mim como quando um momento de afeto me invade Em outros momentos meu s e lf se dissolve numa intensa confluência dança êxtase orgasmo ou ao contrário num estado de férias interior de vazio fértil antes da emergência de uma nova figura que mobilizará minha atenção A psicose a neurose e a saúde mental A psicose seria sobretudo segundo Goodmantuma perturbação da função id I a sensibilidade e a disponibilidade do sujeito às excitações externas perceptivas ou internas proprioceptivas são perturbadas ele não responde claramente ao mundo exterior nem às suas próprias ne cessidades Ele está cortado da realidade nele não há mais ajustamento criador do organismo ao meio A neurose pelo contrário seria uma perda da função ego ou da função personalidade ia escolha da atitude adequada é difícil ou de sadaptada O mundo exterior e as necessidades internas são percebidas pelo id mas a resposta do eu não é satisfatória o ajustamento criador do comportamento não está de acordo com a necessária hie rarquia das necessidades As respostas não são atualizadas A neurose é pois um conjunto de respostas obsoletas ou anacrônicas em geral en rijecidas numa estrutura de caráter que reproduz comportamentos ad quiridos em outros tempos e em outros lugares4 4 Esquematizando ao extremo poderíamos assim resumir as hipóteses relativas à etiolo gia da neurose entre os seguintes autores para Freud recalque das pulsões libidinais proibidas pelo superego para Reich proibição social de expressão das pulsões sexuais genitais para Horney solução econômica provisória que se torna anacrônica trazendo um máximo de benefícios secundários numa situação de tensão para Perls acúmulo de necessidades interrompidas ou Gestalts inacabadas para Goodman perda da função eu ego de ajustamento criador 128 A fluidez normal das emoções do pensamento do comportamen to no decorrer do ciclo de experiência em sua alternância incessante d contatos e retrações é perturbada O estado saudável se caracteriza de fato para Perls por um processo permanente de homeostase interna manutenção dos equilíbrios bioquí micos vitais e de ajustamento externo às condições sempre flutuan tes do meio tanto físico quanto social D ciclo de contatoretração Perls e principalmente vários de seus colaboradores como Good man Zinker os Polster etc analisam em detalhes o desenvolvimento normal ideal do ciclo de satisfação das necessidades que ainda po de 1er chamado conforme o autor de ciclo de autoregulação orga nlsmlca ciclo de experiência ciclo de contatoretração até de maneira mais elíptica ciclo da Gestalt O homem saudável identifica sem esforço a necessidade dominante no momento sabe fazer escolhas para satisfazêlas e está assim disponí vel para a emergência de uma nova necessidade ele está sob o efeito de um fluxo permanente de formações e depois de dissoluções de Ges talts movimento ligado à hierarquia de suas necessidades perante o aparecimento sucessivo de figuras em primeiro plano sobre o fundo de sua personalidade Cada autor subdivide este ciclo de contato em um certo número de fases principais cujo recorte pode aliás prestarse à discussão Assim por exemplo os Polster distinguem oito etapas emergên cia da necessidade expressão luta interna definição impasse acme iluminação reconhecimento enquanto Zinker 1977 isola seis delas lentiaçflo tomada de consciência mobilização da energia ou excitação Kçfio contato retração e Michael Katzeff 1978 por sua vez distin gue sete ou seja uma suplementar a realização entre o contato e A retração o que lhe permite associar o número de etapas do ciclo BON etc principais chakras dos orientais No que me concerne em minha prática clínica efetiva tanto em tiriplft Individual quanto em sessões em grupo confesso não perce btr rnde interesse em tais subdivisões que atomizam excessivamente mU dadt nem sempre trazendo um refinamento aproveitável no pla AO tirapêutleo 0 principal interesse em tais recortes residiria em se poder melhor loeathar a fase do ciclo onde se produz uma interrupção um bloqueio U qualquer outra perturbação por exemplo não percepção de uma sen IKÇlO OU de uma necessidade num psicótico ou ainda identificação da tn o m id id t tnai ausência de mobilização energética num neurótico apá tiuo OU ainda impossibilidade de retração num neurótico ansioso e 129 insaciável ou num histérico fusionai ou ainda aceleração com derrapagens Goodman assinala que o momento da interrupção condiciona o ti po de perda das funções do ego Assim segundo ele antes da excitação teríamos a confluência durante a excitação a introjeção no momento de enfrentar o meio a projeção durante o conflito e a destruição a retroflexão durante o contato final o egotismo Zinker consagra um longo capítulo às diversas localizações possí veis das disfunções mas propõe um recorte diferente Pierret por sua vez especifica o tipo de resistência própria a cada momento de inter rupção do ciclo mas não as situa nos mesmos pontos que os dois au tores precedentes Estas classificações embora um pouco dogmáticas afinal mais me parecem jogos intelectuais que procuram dar uma ilusória coerência a comportamentos individuais singulares que felizmente fazem parte de todas as construções racionais generalizantes Quanto aos fatos podemos constatar o aparecimento da maioria dos mecanismos de evitação introjeção projeção retroflexão confluên cia etc em diversos momentos do ciclo Para esclarecer retomamos aqui a divisão inicial de Goodman em quatro fases principais que apresenta a vantagem de ser fácil de reter Ele distingue précontato tomar contato contacting contato pleno ou contato final póscontato ou retração5 A cada etapa do ciclo o self funciona de acordo com um modo diferente e o centro de interesse se desloca uma nova figura ou Ges talt emerge do fundo e mobiliza a atenção 1 O précontato é essencialmente uma fase de sensações durante a qual a percepção ou a excitação nascente em meu corpo geralmente por um estímulo do meio tornarseá a figura que solicita meu interesse Assim por exemplo meu coração se põe a bater mais forte com a visão da pessoa amada Meu coração é a figura e meu corpo é o fundo 5 Eu pessoalmente prefiro diferenciar dois momentos críticos em que se define a sessão terapêutica ou a relação na vida cotidiana uma fase de comprometimento análoga ao contacting e uma fase de descomprometimento após o pleno contato e antes da retra ção que leva meu ciclo a cinco fases principais 130 O self funciona essencialmente no modo id isso acontece 2 O contato ou melhor o tomar contato contacting constitui uma fase ativa no decorrer da qual o organismo vai enfrentar o meio Tratase aqui não do contato estabelecido mas do estabelecimento de contato de um processo e não de um estado É o objeto desejado ou linda as possibilidades entrevistas que vai definir a figura enquanto a excitação do corpo vai se encontrar progressivamente como fundo Ge ralmente essa fase é acompanhada de uma emoção O self funciona no modo eu permitindo uma escolha ou uma rejeição das diversas possibilidades e uma ação responsável sobre o melo No exemplo citado eu vou empreender uma ação verbal ou cor poral para entrar em contato com a pessoa que é objeto de meu de sejo 3 O contato final ou melhor o contato pleno é um momento essencial de confluência saudável de indiferenciação entre o organismo c o meio entre o e e o tu um momento de abertura ou de abolição da fronteira de contato A ação é unificada no aqui e agora há coesão entre a percepção a emoção e o movimento O self ainda funciona no modo eu mas desta vez não mais de for ma ativa mas no modo médio 6 ao mesmo tempo ativo e passivo sujeito e objeto Estabeleceuse um contato pleno fusionai uma confluência sau dável entre os dois corpos e a fronteira sujeito objeto entre eu e o ou tro se detém A intensidade do self decresce 4 O póscontato ou retração é uma fase de assimilação que favorece o crescimento Minhas experiências são digeridas O self funciona no modo personalidade integrando a experiên cia na vivência da pessoa ressituando o aqui e agora na dimensão histó rica própria a cada um Ele perde pouco a pouco sua acuidade a cons ciência diminui progressivamente e o sujeito está novamente disponível para uma outra ação a Gestalt é fechada um ciclo está terminado Vol tamoi à estaca zero ao vazio fértil da indiferença criadora Friedlaen dor de onde poderá emergir uma nova experiência Eliai quatro fases clássicas do ciclo de contatoretração podem ser iquamatlxadas como no quadro seguinte a ser lido horizontalmente ê N o nntldo da voir média da conjugação grega da qual decorre o pronome reflexi VOI IU tflt altura ao mesmo tempo a situação me alegra passivo e dela participo com pruar ativo 131 FASES DO CICLO précontato excitação contato contato final pleno contato póscontato retração função dominante id eu personalidade do self modo de modo modo modo médio diminuição funcionar passivo ativo progressiva do self do self figura o sujeito o objeto sujeito pessoa global central eu me tu te objeto nós em sua história um quadro das fases do ciclo segundo os diversos autores será encontrado no final do capítulo As resistências Na prática as coisas não acontecem de modo assim simples são numerosas as Gestalts inacabadas os ciclos interrompidos por uma per turbação na fronteira de contato perturbação de origem interna ou ex terna ao sujeito que não permite o desabrochar do self Esses mecanismos de defesa ou de evitação do contato podem ser saudáveis ou patológicos conforme sua intensidade sua maleabilida de o momento em que intervêm e de uma maneira mais geral sua oportunidade Reina uma certa confusão quanto à sua denominação de fato vá rios autores os definem com vocábulos diferentes mecanismos neuróti cos ou perturbações neuróticas na fronteira de contato Perls perdas da função ego Goodman defesas do Eu André Jacques resistências adaptação Polster distúrbios do self ou interferências na awareness Latner interrupções no ciclo de contato Zinker mecanismos neuró ticos de evitação Marie Petit Seja lá como for Goodman distingue quatro mecanismos princi pais a confluência a introjeção a projeção e a retroflexão E descreve uma quinta o egotismo mas seu estatuto é um pouco diferente Outros autores acrescentam a deflexão a proflexão etc que mais parecem constituir combinações dos primeiros do que processos originais A observação desses mecanismos cada um implica em princí pio uma estratégia terapêutica específica constitui uma preocupação essencial para o praticante da Gestalt Cabe especificar porém logo a princípio que a Gestaltterapia con trariamente a certas outras abordagens não visa atacar vencer ou su perar as resistências mas principalmente tornálas mais conscientes mais adaptadas à situação do momento O terapeuta procurará então em geral patenteálas para tornálas mais explícitas E claro que essas resistências podem ser normais e necessárias ao equilíbrio psicossocial 132 cias são no mais das vezes uma reação saudável de adaptação Somen lc Niius cxacerbações e principalmente sua cristalização em momentos impróprios constituem um comportamento neurótico I A confluência Û um estado de nãocontato de fusão por ausência de fronteira de contato O self não pode ser identificado A criança pequena está em confluência normal com sua mãe sim biose assim também o amante com a amante e também o adulto com sua comunidade e até o homem com o universo por pouco que se sinta cm harmonia mística com ele sentimento oceânico de comunhão ou ôxtase A confluência é em princípio seguida da retração permitindo ao sujeito reconquistar sua fronteira de contato reencontrar sua própria identidade marcada pela singularidade e a diferença Quando essa re tração se mostra difícil quando a confluência se torna crônica então o funcionamento pode ser qualificado de patológico neurótico até psicótico Exemplo disso é a inibição que impede romper qualquer equilíbrio conquistado e qualquer ação responsável Encontramola também en tre inúmeros casais em que nenhum dos parceiros se autoriza a menor atividade separada vivida então como traição No plano social a confluência impede qualquer confronto e qual quer contato verdadeiro que implica diferenciação entre duas pessoas distintas portanto qualquer evolução social Podemos percebêla en tre certos fanáticos ou sectaristas identificados com suas crenças ou suas seilas enquistados num sistema dogmático rígido com o qual se con fundem seja sistema religioso político metodológico ou outro Toda ruptura brutal da confluência acarreta então uma viva ansiedade em geral acompanhada de culpa podendo chegar até a decomposição psicótica A atitude terapêutica consistirá especialmente em trabalhar nas fronteiras do self no território de cada um com sua especificidade com os limites temporais com a fluidez das relações alternância de contatos e rompimentos Isso implicará um clima de confiança e de segurança suficiente autorizando o confluente a se emancipar sem o temor de se sentir abandonado ou dissolvido Vários exercícios clássicos de Gestalt corporais verbais ou simbó licos favorecem essa afirmação de identidade expressão dos limites cor porais do próprio ritmo num grupo busca do lugar específico de uma representação gráfica simbólica da pessoa por uma mandata confronto lísico com um parceiro etc Foi precisamente para denunciar a confluência que Perls compôs Nuu famosa Oração da Gestalt que fez correr muita tinta e lhe 133 atraiu muitas críticas daqueles que não souberam discenir o espírito dela Eu sigo meu caminho você segue o seu Eu não estou neste mundo para corresponder às suas expectativas E você não está neste mundo para corresponder às minhas Você é você e eu sou eu E se por acaso nos encontramos é maravilhoso Se não nada podemos fazer 2 A introjeção Ela é a própria base da educação da criança e do crescimento nós só podemos crescer assimilando o mundo exterior certos alimentos cer tas idéias certos princípios Mas se nos contentamos em engolir esses elementos exteriores sem os mastigar eles não são digeridos ficam em nós como corpos estranhos parasitas Toda assimilação começa por um processo de des truição de desestruturação nós mastigamos a maçã antes de a ingerir nós criticamos uma idéia antes de a adotar A introjeção patológica consiste em engolir inteiras as idéias os hábitos ou os princípios sem ter o cuidado de os transformar para assimilálos Por exemplo todos os épreciso você deve de nossa infân cia incorporados passivamente sem seleção nem assimilação no con texto da educação judaicocristã tradicional Lembremos que o primei ro livro de Perls Ego hunger and agression insistia no lado agressivo necessário a toda assimilação Lembremos que foi especialmente este te ma da agressividade oral oposta à agressividade anal que provo cou sua ruptura com Freud Para Perls assim como para o etologista Konrad Lorens Prêmio Nobel de fisiologia e de medicina a agressivi dade é um instinto positivo1 necessário à seleção natural e à sobrevi vência das espécies Uma vez mais a etimologia depositária da sabedoria dos povos precedeu os eruditos pois ela nos lembra que a agressão de adgredere ir em direção a diante do outro é uma progressão ir adiante que se opõe à regressão ir para trás assim como à transgressão an dar através 7 Cf Lorenz Konrad L agression une histoire naturelle du mal Paris 1969 134 Em Gestalt buscase explicitamente desenvolver a independência do cliente sua responsabilidade sua assertividade e portanto procurase explicitar qualquer refúgio ilusório na introjeção aí compreendida a introjeção dos princípios da própria Gestalt tais como devemos ex pressar livremente todas as emoções ou ainda mais substancialmente paradoxal Nunca se deve dizer devemosV Claudio Naranjo lembra a esse respeito8 uma tirada de Joe Wysong redatorchefe do Gestalt Journal Fritz ajudou os outros sendo ele mesmo e como sempre acontece alguns de seus discípulos em vez de seguirem seu exemplo e serem eles mesmos se tornaram Fritz Eis alguns outros exemplos comuns de introjeção que merecem ser mastigados com a cabeça descansada devemos amar e respeitar os pais mas devemos matar os pais para podermos crescer devemos sempre dizer a verdade ao cônjuge mas não devemos fazer o cônjuge sofrer inutilmente devemos saber nos privar em função dos filhos mas devemos principalmente estar felizes e satisfeitos para darmos aos filhos um exemplo de desenvolvimento 9 sejam espontâneos mas não acreditem no que digo exemplo clássico de doublebind 3 A projeção Perls definea como o inverso de introjeção enquanto a introje ção é a tendência a tornar o self responsável pelo que de fato cabe ao meio a projeção é a tendência a atribuir ao meio a responsabilidade por aquilo que tem origem no s e lf em outros termos enquanto na intro jeção o self é invadido pelo mundo exterior na projeção é pelo contrá rio o self que transborda e invade o mundo exterior A projeção é um mecanismo bem conhecido de todos os psicólo gos mecanismo culminante no paranóico desconfiado e persecutor que acusa todo o seu meio da agressividade que ele mesmo projeta sobre os outros Entretanto a projeção saudável continua sendo indispensável é ela que me permite o contato e a compreensão do outro Eu não posso de 8 3Î Conferência Internacional de Gestalt in The Gestalt Journal Vol V n 1 1982 V A introjeção de prescrições paradoxais doublebind ou dupla obrigação segundo Ba lcon seria a causa de certas psicoses 135 fato imaginar o que o outro sente se não me coloco mais ou menos em seu lugar A empatia se alimenta em certa medida de projeção Quan to aos meus projetos concernentes ao futuro eles também são proje ções daquilo que eu imagino É ainda a projeção que alimenta a criação artística do pintor do escultor do escritor que se identifica com sua obra ou com seu herói A projeção só pode ser qualificada de patológica se for sistemáti ca se ela se torna um mecanismo de defesa habitual e estereotipado independente do comportamento efetivo e atual dos outros Isso se tra duz em geral pela reunião arbitrária destes últimos sob um termo ge nérico vocês não me escutam nunca me compreendem ao in vés de eu acho que você não me compreendeu bem agora ou ain da nunca se pode confiar em ninguém ao invés de eu tenho a impressão de que você quis me enganar aqui desta vez Assim na projeção o mundo exterior tornase o campo de bata lha no qual se enfrentam os conflitos internos da pessoa Perls Esta é ainda uma perturbação na fronteira de contato pois atribuí mos a outrem aquilo que acontece na verdade em nosso interior Es tou vendo que vocês estão cansados diz a seus alunos o professor que desanimou A intervenção terapêutica é muito facilitada pelo trabalho em gru po De fato é possível então confrontar as posições da pessoa em questão com as dos outros membros do grupo Assim quando uma pes soa declara Estou sentindo que aborreço vocês ou ainda Vocês me rejeitam porque sou homossexual será esclarecedor fazêla nomear pre cisamente quem no grupo exprime esse sentimento e em quais sinais precisos ela se apóia para sua constatação Graças ao costumeiro clima de autenticidade instaurado nas sessões de Gestalt é raro que os membros de um grupo trapaceiem ou su perprotejam um outro participante Na prática é comum constatar en tão a surpresa do projetor que acaba por reconhecer Ora É De fato eu não encontro nenhum sinal objetivo do que estava afirmando isso deve acontecer na minha cabeça Jogos psicodramáticos com troca de papéis monodrama per nitem também com freqüência tais tomadas de consciência Em terapia individual certos mecanismos projetivos podem alimen tar a transferência atribuindo ao terapeuta diversas qualidades que lhe são estranhas dotandoo de um suposto saber ou de um poder imaginá rio que o terapeuta não deixará de confrontar com a realidade da rela ção interpessoal no aqui e agora É claro que os mecanismos transferenciais continuam freqüentes e inevitáveis mas eles não são mantidos ou cultivados como na neuro se de transferência em psicanálise e o terapeuta aponta suas mani festações à medida que aparecem confrontando a fantasia com a situa ção atual perceptível 4 A retroflexão Ela consiste em voltar contra si mesmo a energia mobilizada fazer a si aquilo que gostaria de fazer aos outros exemplo mordo os lábios ou cerro os dentes para não agredir ou ainda fazer a si aquilo que gos taria que os outros fizessem exemplos a masturbação ou ainda a lison ja Perls resume esses diversos comportamentos o introjetor faz o que os outros querem que ele faça o projetor faz aos outros o que os acusa de lhe fazer aquele que sofre de confluência patológica não sabe quem faz o que a quem e o retroflexor faz a si o que queria fazer aos outros Assim na confluência a fronteira de contato é abolida na introjeção o mundo exterior me invade na projeção eu invado o mundo exterior na retroflexão eu invado meu próprio mundo interior Por exemplo nós nos amamos com loucura é uma confluência devese amar o parceiro e só ele é uma introjeção ninguém me ama é uma projeção eu me amo traduz uma retroflexão É claro que a retroflexão saudável é necessária ela é sinal de educa ção social de maturidade e de autocontrole eu não posso me permitir a expressão espontânea até selvagem de todas as minhas tendências agressivas nem de todos os meus desejos eróticos e a sociedade cultiva em mim para isso princípios e sentimentos de culpa que moderarão mi nha raiva ou meu desejo sentimentos que eu em parte vou engolir Assim como cada uma das outras resistências a retroflexão só se torna patológica quando é crônica ou anacrônica e resulta numa per manente inibição masoquista das pulsões ou inversamente numa exa cerbação das satisfações narcísicas Não são raras as mães que se proíbem qualquer repouso e lazer pa ra se consagrar inteiramente aos filhos os quais aliás não deixam de censurála um dia pois sabem meio confusamente que o melhor que podemos fazer por aqueles que amamos ainda é ser feliz Alain10 10 Alain E Propos sur ie bonheur Paris 1925 137 Manifestar alegria e compartilhála em vez de alardear sacrifícios pessoais não será um altruísta dever de ser feliz mais valioso do que o tradicional e egoísta direito à felicidade A retroflexão com freqüência pressupõe a incessante luta interior entre duas instâncias da personalidade que Perls chamou de top dog chefe guardião de meu dever e de under dog subordinado refém do meu prazer11 Enquanto para Freud o princípio de realidade prepondera sobre o princípio do prazer para Perls o princípio do prazer é a realidade nada de construtivo pode ser elaborado na angústia na frustração ou no sacrifício É a reabilitação da criança em nós que deixa então de sei o perverso polimorfo potencial mas uma fonte de impulso vital es pontâneo e criador A retroflexão crônica estará na origem especialmente de somati zações diversas espasmos no estômago até uma úlcera de tanto domi nar minha raiva ou meu rancor Conhecemos o trabalho de Laborit so bre a inibição da ação12 e os de Simonton sobre os cânceres os quais atingem em proporção estatisticamente muito significativa as pessoas muito controladas que não manifestam muito explicitamente suas emo ções nem as negativas raiva tristeza nem as positivas alegria entusiasmo acumulando assim desgastes e usando os recursos de seus mecanismos imunológicos A terapia consistirá então em incentivar qualquer expressão das emo ções amplificar estas últimas e se for o caso até uma catarse liberta dora graças eventualmente ao recurso a objetos transicionais sim bólicos que representem um dos pais ou parceiro amado ou odia do ao qual poderseá assim expressar os sentimentos em sua intensida de máxima Estas seqüências são freqüentes em Gestalt permitindo liberar có leras ou rancores tenazes nunca formulados por exemplo raiva proi bida contra um dos pais mortos vivenciado como culpado de abando no ou inversamente uma atração libidinal incestuosa recalcada que acarreta por retroflexão uma viva culpa freqüentemente acompanha da de perturbações sexuais frigidez etc Vários autores enumeram ainda outras formas de resistências 5 A deflexão ou desvio Polster Permite evitar o contato direto desviando a energia de seu objeto primitivo É uma atitude de fuga de evitação manobras inconscientes de diversionismo 11 De fato são duas expressões comuns em inglês usadas em especial nos esportes no sentido de ganhador e perdedor A tradução meio literal por cão de guarda e cão de rua Katzeff não dá conta da conotação habitual desses termos 12 Ver capítulo 11 138 Aí ainda certos desvios podem derivar de uma estratégia de adap tação eficaz cf manobras políticas destinadas a distrair a atenção do grande público durante um período de crise mas a deflexão siste mática e imprópria impede qualquer contato verdadeiro e até pode em casos limites evocar a psicose a pessoa nunca adere à situação sempre fala paralelamente de outra coisa ou age independentemente do meio exterior 6 A proflexão Sylvia Crocker Seria uma combinação de projeção e retroflexão fazer a outro o que gostaríamos que o outro nos fizesse Por exemplo faço observa ções lisonjeiras sobre as roupas dos outros para que se interessem pelas minhas Poderseia assim inventariar outras formas ainda outras nuances ou combinações de comportamentos de evitação ou de resistência mas pareceme que o interesse na prática é limitado As quatro principais parecemme suficientemente freqüentes para justificar inúmeras intervenções terapêuticas não para proibilas mas para tomálas mais conscientes e portanto favorecer sua utilização even tual com conhecimento de causa Assim os terapeutas que reivindicam a teoria do self se colocam incessantemente estes três tipos de questões qual é a função do self atualmente ativada como ou seja qual é o tipo de resistência atuante quando ou seja qual fase em curso do ciclo de contatoretração Há ainda uma resistência um pouco particular chamada de ego tismo por Goodman na falta de termo melhor Mas antes de mais nada eis a representação gráfica esquemática dos principais mecanismos evocados O Serge Ginger 1985 139 É um reforço deliberado da fronteira de contato uma hipertrofia do ego aliás deliberadamente desenvolvida por diversas terapias espe cialmente pela Gestalt De fato todo cliente em terapia se interessa muito por si mesmo e por seus próprios problemas consagrando muitas horas a se autoobservar a se representar ou se encenar a fazer experiências a sacrificar tempo e dinheiro em seu próprio desenvolvimento e bem estar é efetivamente um período de egotismo ou egocentrismo e as famílias dos clientes em terapia não deixam de se queixar A Gestalt valoriza particularmente o senso de responsabilidade de ca da um Ela combate certas introjeções sociais normativas ela limita cer tos controles considerados como retroflexões ela denuncia as con fhiências e assim rompe equilíbrios em geral antigos mas ainda frágeis Também durante a terapia não é excepcional que o cliente se inte resse mais por si mesmo do que por seus próximos ou por seu meio permitindose especialmente satisfações por muito tempo inibidas pul sões sexuais ou agressivas por exemplo Além disso tendo o sentimento de ter conquistado mais autono mia por meio de escolhas deliberadas ele está bem satisfeito consigo mes mo e pode se permitir um narcisismo irritante Agora eu não deixo mais que me cortem a palavra tomo meu lu gar na equipe ou no casal e não deixo mais que me manipulem Eu me dei conta de que inibindo meus desejos sexuais eu me in felicitava e acabava querendo mal minha parceira Agora eu me permi to satisfazer minhas necessidades e me sinto bem mais descontraído e disponível Mas a parceira nem sempre Aí voltamos a encontrar as críticas costumeiras à Oração de Perls caricaturada como Faça o que quiser e tanto pior para os outros De fato uma fase de recuperação narcísica parece necessária du rante a terapia ela é sem dúvida um elemento motor essencial para que o cliente se encarregue de si mesmo e conquiste a autosuficiência selfsupport O egotismo seria então de certa forma análogo à neurose de trans ferência passagem obrigatória em psicanálise ortodoxa Assim como nesta última o egotismo é deliberadamente e provisoriamente cul tivado sob a forma de uma hipertrofia do eu de uma awareness sem pre desperta para seus próprios processos de ajustamento criador na fronteira de contato Mas a terapia só pode ser considerada terminada quando essas ala vancas terapêuticas provisórias voltarem ao lugar dos acessórios Assim especialmente em psicanálise quando a neurose de transferência é liquidada e o cliente sai de sua dependência excessiva do terapeuta 7 O egotismo 140 em Gestalt quando o egotismo se dissolve e o cliente não mais se com praz numa atitude de independência excessiva em relação ao terapeuta e seus próximos e volta assim de uma egologia a uma ecologia no sentido de Bateson retomando a feliz formulação de Robine13 Ele precisou percorrer sucessivamente as quatro etapas clássicas do caminho de todos os homens dependência normal da criança numa vinculação à família contradependência agressiva do adolescente independência mais ou menos egoísta do adulto conquistada através de um difícil desapego progressivo interdependência madura na conscientização de uma vinculação fun damental com o meio social e cósmico 13 JeanMarie Robine Quel avenir pour la Gestatthérapie in La Gestalt et ses diffé rents champs d application Paris SFG 1986 141 Principais fases do ciclo de contato Segundo alguns autores N d e fa s e s E s q u e m a A u to r C o m e n tá r io s re s u m id o s 3 O C D05 U Ea contato 2 1 p Noel Salathé 1987 inspirado no ciclo de Ed Smith a fase 2 de contato se subdivide em três awareness excitação emoção orientação ação interação realização ou satisfação 4 1 1 o o O Ä j CO Q P 1 2 3 4 Paul Goodman 1951 ver descrição no texto acima Nota Goodman não propõe qualquer esquema portanto no texto há uma interpretação bem pessoal de suas descrições 5 y précontato M V J com prom et oj contato a descom prom et í cn assim ilação Serge Ginger 1989 Importância de dois momentos chave em que o essencial se ata numa ses são terapêutica ou relação o comprometimento tá eu vou o descom prom etim ento tá acabou 6 3 f 4 2 j I 5 1 6 Joseph Zinker 1977 ver descrição detalhada em Se créer par la Gestalt 1 sensação 2 awareness tomada de consciência 3 mobilização da energia 4 ação 5 contato 6 retração 7 3 V Michel Katzeff 1978 a partir do ciclo de Zinker acréscimo de uma 7 fase entre o con tato e a retração realização Ginger 1991 142 Ca p í t u l o 9 A relação terapêutica em Gestalt Transferência e contratransferência Um pouco de etimologia A Gestajt é uma psicoterapia Será verdadeiramente só isso Alguns gestaltistas sustentam que sim e insistem por isso em serem chamados de Gestaltterapeutas e não de práticos1 profissionais ou gestaltistas embora falemos de psicanalistas ou de psicodramatsto Outros entre os quais me incluo acham como Perls que seria uma pena res tringir uma abordagem tão rica aos doentes e falam assim de um modo deliberadamente provocador em terapia para normais Mas de fato está a terapia reservada aos doentes Que dizer então da obrigatoriedade da terapia para os futuros te rapeutas É preciso estar doente para tornarse terapeuta O que é terapia E o que é um doente Interroguemos a etimologia palavra que vem de étymos ver dadeiro Ela trata do sentido verdadeiro de uma palavra e não como costumam pensar apenas de sua origem histórica therapéia em grego significa cuidado religioso culto aos deuses daí respeito pelos pais cuidados atentos da cuidados com o corpo a toalete daí cuidados médicos tratamentos I No original praticien pessoa que conhece a prática de uma arte ou de uma técnica no caso a Gestaltterapia Esse termo é amplo englobando aqueles que atuam em outros campos com a terapia propriamente dita por exemplo aqueles que usam a Gestalt em liiNlituições ou em empresas 143 thérapeutris é uma religiosa de religare religar ou seja uma me diadora encarregada de manter uma boa relação entre os homens e os deuses entre a terra e os céus entre a matéria e o espírito2 thérapeuticos é aquele que presta cuidados aos deuses ou a um mestre ou seja o servidor devotado serviçal o cortesão ou o escravo Como o campo semântico de terapeuta nos levou ao servidor vamos a um rápido exame da etimologia desta última palavra Servidor provém da raiz indoeuropéia swer ser ou wer que significa atenção atitude básica do gestaltista O servus ser vidor ou escravo é encarregado de observare ou seja velar por Assim portanto as palavras terapia e cura são ambas análo gas não a doença mas a serviço vigilância awareness O terapeuta portanto não é aquele que tem poder sobre o ou tro mas aquele que está em poder do outro é seu servidor Estamos longe do mito médico e paramédico do terapeuta onipo tente com poder de vida e morte tanto quanto do terapeuta protegi do aprisionado atrás de um cânone solidamente sancionado e que é aquele que sabe Estamos mais próximos do terapeuta gestaltista que é aquele que ignora e acompanha na aventura seu cliente único responsável por ele mesmo em sua experiência singular e irredu tível anômica e polissêmica ou seja que não obedece leis gerais prees tabelecidas e pode adquirir diversos significados não exclusivos entre si conforme a leitura do próprio cliente considerado em sua Gestalt particular do momento Mas de fato o que quer dizer cliente o cliente era entre os romanos um cidadão protegido por um pa trono poderoso daí aquele que recorre a alguém mediante retribuição o paciente é aquele que sofre suporta ou se submete passivamente a uma intervenção é por isso que evito empregar este termo em Gestalt pois nela o cliente nunca é passivo o sujeito subjectus também é aquele que é posto debaixo submetido subordinado é por isso etimologicamente mais desva lorizado do que o objeto que é posto adiante mostrado 2 A seita dos terapeutas foi uma comunidade de monjes judeus anacoretas de ambos os sexos contemporâneos de Cristo que se dedicavam em Alexandria Egito à exegese ale górica da Bíblia ou Torah buscando o significado oculto dos ritos e preceitos eles eram portanto intermediários mediadores entre Deus e os homens 144 Talvez afinal o gestaltista fique mais ajustado perante um parceiro pessoa com quem estamos associados com quem con versamos ou com quem estabelecemos uma relação um protagonista ator principal que desempenha o primeiro papel numa situação O envolvimento controlado Pois bem não Não há primeiro nem segundo nada de classifica ção e clivagem O terapeuta e seu cliente são dois parceiros envolvi dos numa relação dual autêntica mesmo que seus estatutos e seus pe péis sejam diferentes este é um dos pontos que caracterizam a Gestaltterapia O Gestaltterapeuta não está isolado em seu domínio murado no silêncio imutável inacessível abrigado em sua fortaleza interiormente atapetada de bibliotecas tão eruditas quanto secretas Ele tampouco está exposto a todos os ventos numa empatia oti mista condenado a uma consideração positiva incondicional por seu cliente quem quer que ele seja e seja lá o que faça Também não é um bombeiro transfundindo em caráter de urgên cia uma energia inexistente ou propondo sua reserva de oxigênio àque le que está perdendo o fôlego O Gestaltterapeuta não procura compreender o sintoma e assim procedendo não procura sustentálo justificandoo Nem procura eli minar o sintoma ou ignorálo Ele se dispõe a explorálo com seu clien te compartilhando essa aventura a dois numa relação de simpatia que Perls opõe de maneira um pouco caricatural ao que chama de em patia rogeriana e apatia psicanalítica a abordagem nãodiretiva de Carl Rogers preconiza a empatia o terapeuta se sente emocionalmente próximo de seu cliente numa atitu de de aceitação incondicional a terapia é centrada no cliente a psicanálise propõe uma atitude de neutralidade benevolente em que o terapeuta se mantém emocionalmente distante de seu cliente res peitando a regra da abstinência o que mantém uma frustração que visa favorecer os mecanismos de transferência Perls qualifica essa ati lude reservada de frustração passiva pela falta de resposta apa tia e a opõe à frustração ativa simpatia que tem valor de provoca çfto e constitui um chamado mobilizador de provocare chamar pura Exemplo Eu me dou conta de que há cinco minutos não ou ço mais o que você está dizendo 145 portantoia Gestalt estimula a simpatia o terapeuta está presente co mo pessoa numa relação atual EuTu com o cliente Ele desperta a awareness deste último para sua interrelação com o meio que no ca so é o terapeuta e explora deliberadamente sua própria contratransfe rência como motor do tratamento N Assim ele se interessa por seu parceiro e está centrado no cliente mas também podemos perfeitamente dizer que está centrado em si mesmo atento àquilo que sente pessoalmente no instante perante seu parceiro e sem hesitar em compartilhar com ele deliberadamente uma parte do que sente Paradoxal seria o gestaltista que incentivasse regularmente seu cliente a ser informal sem nunca fazer o mesmo Ele não é neutro pois mas envolvido numa autenticidade seletiva num envolvimento controlado interveniente e ativo no entanto não diretivo Ele reage e leva a agir isso quer dizer que interage embora não seja ele quem fixa a direção do trabalho Assim como o guia de monta nha ou o espeleologista ele está à disposição do cliente para acom panhálo no trajeto que este último determina Não é ele o terapeuta que empreende get out o f the way saia do caminho lembraria Goodman mas não aceita qualquer coisa passivamente Em suma seu papel é permitir e favorecer não compreender ou fazer nem preceder nem deter o cliente mas acompanhálo conservan do sua própria alteridade O catalista Ele não é um analista dissecando a situação para remontar às suas origens de ana em grego de baixo para cima ao revés mas principal mente um catalista permitindome um neologismo de cata de cima para baixo da superfície para a profundidade correspondendo em parte às cinco características clássicas dos corpos químicos catalizadores ele acelera e amplia as reações com sua presença ele age por intervenções em doses muito tênues ele não desloca o equilíbrio interno mas apenas permite atingilo mais rapidamente seu poder está fortemente ligado a seu próprio estado físico ele está inalterado quando a reação acaba Inalterado deve aqui ser entendido no sentido etimológico ele não se tornou um outro pelo contrário tornouse mais ele mesmo 146 descoberto revelado graças a interação Se estiver transformado não eitftrá dcformado terá sobretudo uma forma melhor uma fi gura forte uma boa Gestalt assim como seu parceiro Afinal esse catalista não pode ser definido em si aliás não mais do que o cliente todas as suas reações estão ligadas às interferências dos dois c u awareness do terapeuta não objetivará nem um nem o outro parceiro Isoladamente mas o espaço transicional que os separa e os une um interrelações em rede nos cinco níveis corporal emocional Intelectual social e espiritual ou transpessoal numa abordagem sis têmica que privilegia o conjunto terapeutaclienteemseumeiopróximo eUlohal A transferência Sc a interação é atual e mútua como fica na Gestalt o problema tflo freqüente e controvertido da transferência Inicialmente conviria ser prudente ao utilizar um termo isolado de seu contexto habitual transferência adquiriu um sentido específico em psicanálise e sem dúvida é abusivo utilizálo para quaisquer fins A teoria da Gestalt tem enfatizado bastante que o todo é diferen te da soma de suas partes cada uma destas só faz sentido em rela çflo fto conjunto para que haja prudência quando se usa este termo psicanalítico num contexto sensivelmente diferente Seja lá como for todos os autores concordam em enfatizar o lugar central do encontro da relação estabelecida entre o cliente e seu tera peuta Não há psicoterapia sem encontro diz Israel e chega a acrescentar a aptidão para a psicoterapia se soma à aptidão para o encontro Assinalemos que em qualquer psicoterapia esse encontro não pre tende modificar as coisas ou os eventos mas a percepção interna do clien te dos fatos e seus múltiplos significados possíveis Ê claro que as inter venções do terapeuta não pretendem transformar a situação exterior mas a experiência pessoal que dela tem o cliente O trabalho psicoterápico favorece portanto uma reelaboração do sistema perceptivo individual Mas essa nova apercepção de uma dada situação não implica for çosamente a hipótese de mecanismos transferenciais Rollo May um doi fundadores do Movimento de Psicologia Humanista descreve as ílm IU poilçflo num artigo de 1958 O que acontece realmente não é que o paciente neufótico trans fere sentimentos que experimentava pela mãe ou pelo pai para a mu lher ou para o terapeuta Diríamos que o neurótico em certos domí nios nunca ultrapassou certas modalidades estreitas e limitadas da ex periência característica da criança pequena Em conseqüência poste riormente ele percebe a mulher ou o terapeuta através das mesmas len tes delormudoras e restritivas através das quais percebia o pai e a mãe 147 Este problema deve ser compreendido em termos de percepção e de modo de se relacionar com o mundo Isso torna inútil o conceito de transferência no sentido de um deslocamento dos sentimentos de um objeto para outro E ele prossegue mais adiante Para a terapia existencial a transferência se situa no contexto novo de um evento que se produz numa relação real entre duas pes soas Quase tudo que o paciente faz em relação ao terapeuta durante uma sessão de terapia contém um elemento transferencial Mas nada é apenas transferência aritmeticamente explicável ao paciente O conceito de transferência enquanto tal em geral tem sido utilizado como uma conveniente tela protetora por trás da qual o terapeuta e o paciente se escondem para evitar a situação mais angustiante do confronto direto3 Em suma o vestígio do passado não é negado com certeza mas só tem interesse tal como se manifesta hoje no presente matizado pela situação particular do momento e pelas posições específicas dos perso nagens em relação Por isso o trabalho psicoterapêutico não objetivará apenas atuali zar as lembranças enterradas o porquê mas também observar as cir cunstâncias e as distorções da relação presente o como Enquanto o cliente no mais das vezes está focalizado no conteúdo de seu discurso ou de sua ação o Gestaltterapeuta se interessa mais pela forma pelo processo em curso notamos então entre eles uma inversão da figura e do fundo assim esquematizada por JeanMarie Robine cliente terapeuta figura o conteúdo o quê o porquê a forma o processo o como o para quê fundo a forma o processo o como o conteúdo o que o porquê Polarizado no aqui e agora da relação atual Perls assim como Ro gers adota uma posição extremada manifestamente reativa a certas for mas caricaturais da psicanálise e chega até a negar a freqüência e a im portância dos mecanismos transferenciais Não é este o ponto de vista da maioria dos gestaltistas de hoje4 eles não contestam a realidade até mesmo a importância dos fenômenos 3 May R Contributions o f existential psychotherapy in existence Nova York Basic Books 1958 4 Cf Juston D Le transfert en Gestalt et en psychanalyse Lille Pandore 1990 148 irnnNforcncias mas se perguntam e aliás divergem sobre a oportu nidade de sua exploração deliberada Tratase então claramente de uma escolha de estratégia terapêutica Não é por me decidir a ir por um caminho que ignoro a existência de outros5 mas escolho aquele que me parece o mais operacional no momento e menos aliénante para o cliente A neurose de transferência desenvolvimento deliberado de uma neurose de transferência demento central no tratamento psicanalítico tradicional não deve ser confundido com os fenômenos transferenciais espontâneos inevitáveis e indispensáveis em qualquer relação terapêutica Ora quando fa lam tie transferência fora do contexto psicanalítico às vezes mistu ram essas duas noções A propósito disso leiamos algumas passagens de Sacha Nacht6 A relação que o doente estabelecerá então com seu analista se reforçará de forma crescente mas manterá uma base ambivalente Ela se desenvolverá desabrochará progressivamente até preencher por com pleto o contexto da situação analítica Ela até transbordará esse con texto para se tornar consciente ou inconscientemente o próprio cen tro da vida da pessoa A neurose pela qual ela tinha vindo se tratar se detóm pode mesmo desaparecer e em seu lugar se instala a chamada neurosede transferênciaa nova doença substitui a antiga Freud A última fase do tratamento psicanalítico consiste na liquidação dessa neurose de transferência Mas prossegue Sacha Nacht a evolução da neurose de transferência infelizmente nem sempre segue este traçado ideal Pe lo contrário pode acontecer dela se tornar a principal fonte de difi culdades no esforço de cura uma grave complicação que pode até comprometêlo Ela é em todo caso responsável em boa parte pela duração demasiado longa de muitas análises lim princípio a utilização desta neurose de transferência visa re p r o d u z ir tornar novamente presente a neurose infantil para tornála hccnnIvcI o tratamento y lulf punit de vInIii iibrange tanto a exploração da transferência quanto a decodificação vfli IihI iIii Imiinsiifutr ou a interpretação essas diversas noções não são negadas mas de lllwiiiiluinpnlf IrlxmliiN em segundo plano fi Nm lil S l u psychanalyse daujourdhui Paris PUF 1968 Nacht foi vicepresidente iIn AmimInvAi IiiIpi iwieiomil dc Psicanálise de 57 a 69 149 Insisto em assinalar rapidamente que a psicanálise é uma terapia do aqui e agora visto que o essencial é nela analisado e interpretado com referência à transferência atual Inversamente em Gestalt e contrariamente a uma opinião di fundida o passado emerge regularmente Gestalts inacabadas e até às vezes um passado longínquo préverbal arcaico Mas ele só é abordado quando aflora espontaneamente no aqui e agora O Gestalt terapeuta não está pois em absoluto encerrado na prisão do presente Assim como o psicanalista ele está atento a tudo que emerge do pas sado como lembrança atual e que conseqüentemente deve ter algum significado agora Seria absurdo negar as raízes a pretexto de que nos interessamos pelas flores e pelos frutos Mas o Gestaltterapeuta dispõe de meiós mais diretos e sobretudo menos aliénantes para o cliente do que a instauração de uma neurose de transferência para favorecer o eventual ressurgimento de comporta mentos infantis as técnicas de mobilização corporal e emocional e o sonhodesperto permitem a rápida emergência de uma parte do mate rial arcaico e de comportamentos anacrômicos repetitivos Podemos assim evitar o longo e complexo desvio da neurose de trans ferência limitando as perturbações da vida cotidiana do cliente e abre viando o tratamento As manifestações transferenciais espontâneas Acabei de evocar a neurose de transferência e não os fenômenos espontâneos de transferência os quais é claro persistem mesmo que o terapeuta se esforce para eliminálos à medida em que vão aparecen do não sem explicitálos até explorálos de passagem Durante uma sessão de terapia individual Valéria declarou Valéria Sei que nem sempre você me leva a sério não posso entender que você não tenha vindo à minha exposição Mas ela foi um sucesso e você devia estar orgulhoso de mim Ela se dirige é bem evidente mais a uma imagem parental do que ao terapeuta presente Um banal confronto com a realidade Terapeuta Por que eu deveria estar orgulhoso de você 7 Entrevista de Laura Perls por Edward Rosenfeld The Gestalt Journal 1978 150 basta então para uma conscientização por parte da cliente dos meca nismos transferenciais infiltrados em seu comportamento e este problema ã incentiva a buscar uma autoimagem satisfatória nela mesma e não cm uma consideração parental superestimada A relação atual e a contratransferência A alternância judiciosa de atitudes terapêuticas de apoio compreen sivo e de frustração oportuna skilled frustration favorece pouco a pouco a autonomia do cliente self support Como acabo de enfatizar o Gestaltterapeuta não hesitará se for o caso em expressar o que sente na situação do momento Ele até pode se permitir na ocasião revelar seus gostos suas opções suas alegrias e suas dificuldades isso não para se explicar mas para se implicar Eu acho que você tem jeito para a pintura mas pessoalmente eu não gosto de arte abstrata prefiro as aquarelas de Dufy É a self disclosure o desvendamento deliberado da pessoa num envolvimento autêntico embora controlado e seletivo assim penso tudo que digo mas não digo tudo que penso e não faço mais tudo que quero Estou presente como pessoa específica eu mesmo aqui mas não aqui para mim mesmo Assim então estabeleço uma relação pessoal atual parcialmente in serida na realidade social intersubjetiva dos dois parceiros estando ao mesmo tempo de alguma forma em empatia com o cliente ou seja nele em congruência comigo mesmo ou seja em mim em simpatia na relação EuTu ou seja entre nós O cliente geralmente aprecia esse tipo de compartilhamento em que clc se sente reconhecido como sujeito como interlocutor válido e não como um simples objeto de interesse profissional de um terapeuta cons ciencioso mas indiferente8 O clínico utiliza sua própria vivência como ferramenta terapêutica preferindo uma exploração ofensiva de sua contratransferência a uma simples vigilância defensiva 8 0 gestaltista italiano Edoardo Giusti associa abordagem rogeriana e Gestalt no que cha mou de Gestalt Counseling 151 Em suma é quase que uma inversão das atitudes tradicionalmente preconizadas em psicanálise clássica o analista se atém principalmente a alimen tar a transferência do cliente e ainda se esforçando para controlar ao máximo a própria contratransferência em Gestaltinversamente o terapeuta se esforça para limitar a trans ferência do cliente ainda estando atento para explorar deliberadamente sua contratransferência especialmente por uma awareness permanente do que ele mesmo sente emocional e corporalmente repercutindo o com portamente verbal ou gestual do cliente Convém aliás assinalar que esta atitude positiva em relação à con tratransferência outrora criticada é cada vez mais admitida pelos psi canalistas contemporâneos Assim Nacht escreve Por muito tempo os analistas estiveram persuadidos de que po diam dominar e até eliminar suas próprias reações contratransferen ciais inconscientes com uma atitude de neutralidade Nós hoje sabemos que a contratransferência é tão fecunda no tra balho analítico quanto a transferência sob a condição é claro de que ela atue num sentido benéfico para o doente E Harold Searles declara9 meu sentimento de identidade tornouse minha fonte mais segura de informações sobre o que acontece entre o paciente e eu e ao que acontece com o paciente um instrumento científico muito sensível e instrutivo que fornece informações sobre o que acon tece no tratamento em geral em domínios verbalmente inexprimíveis pelo paciente A psicanálise hoje em dia volta assim a encontrar após a Gestalt as teses defendidas desde os anos 30 por Ferenczi um de cujos alunos Karl Landauer supervisionou a análise didática de Perls Outros psi canalistas célebres como Mélanie Klein Winnicott e Balint formados por Ferenczi ou por seus alunos desenvolveram cada qual à sua ma neira uma técnica ativa que dá grande espaço à exploração da con tratransferência particularmente em suas repercussões corporais Exteriorização sexual É claro que não se trata de passar de um excesso de neutralidade a um excesso de envolvimento e não posso endossar a posição de alguns 9 Searles H Le contretransfer Paris Gallimard 1981 152 colegas americanos que sob pretexto de uma relação autêntica e pre tensamente igualitária de pessoa para pessoa pretendem anular qual quer diferença entre o terapeuta e o cliente e se permitem abusos discu tíveis utilizando algumas sessões para sua satisfação pessoal chegando mesmo a tratar de seus próprios problemas no tempo destinado aos es tagiários ou para satisfazer seus próprios desejos sexuais a pretexto de autenticidade da relação mútua O efeito demagógico dessas práticas nem sempre é negligenciável a curto prazo pois bem que os estagiários gostam de ver as fraquezas do terapeuta que lhes parece assim mais humano e mais acessí vel Mas são abusos lastimáveis aliás excepcionais que trouxeram algum descrédito à prática da Gestalt Diversos estudos americanos relatam que de fato não épossível afirmar muito objetivamente que os efeitos secundários de tais práticas tenham sido negativos ou positivos e isso tanto para um ou outro dos parceiros envolvidos quanto para os outros membros do grupo São citados casos particulares de agravamento ou de perturbações secundárias neste tipo de relação mas são igualmente lembrados casos de melhoria por revalorização narcísica ou desdramatização de uma fantasia Não deixa de reinar na matéria uma certa hipocrisia herdada de conceitos morais e religiosos que não permitem um estudo muito obje tivo a respeito Não vai longe o tempo em que o estudo científico do comporta mento sexual por Kinsey ou Master Jonhson provocava escândalo enquanto de fato se ia percebendo que 80 da população sic man tinha práticas então rotuladas de perversas pela moral oficial Assim sendo independentemente de qualquer preconceito de ordem moral e de qualquer afirmação prévia de eventual nocividade psico lógica nós pensamos que de qualquer maneira uma relação sexual en tre terapeuta e cliente corre o risco de ser falseada pela dissimetria dos status um é pago o outro paga o terapeuta profissional tem um status de autoridade e um poder do qual ele pode ficar tentado a abusar mesmo à sua revelia inversamente a conquista afetiva do terapeuta por um a cliente nem sempre é motivada por uma atração afetiva ou sexual autêntica além disso qualquer terapeuta por sua profissão é levado a encon trar um elevado número de parceiros potenciais e isso numa situação privilegiada de fragilização emocional dos clientes o equilíbrio é pois rompido Enfim não se pode abstrair o contexto sóciocultural reprovador ainda muito atuante apesar da recente evolução dos costumes o que 153 repercute profundamente nessas exteriorizações conferindolhes um toque de culpa dissimulada ou pelo contrário de provocação osten siva Numa perspectiva gestaltista não se pode separar o indivíduo de seu meio e qualquer comportamento só faz sentido se considerado em seu campo global mesmo que os limites impostos sejam no mais das vezes arbitrários e provisórios tributários da história e da geografia Enfim a dramatização dos casos de transgressão nos parece às ve zes mais nociva do que a própria transgressão10 No outro extremo das posições liberais as posições moralistas ex tremas não nos parecem muito mais defensáveis e a experiência nos en sinou a desconfiar dos inquisidores rigorosos que pensam superar suas próprias fraquezas perseguindo as dos outros formação reacional Alguns responsáveis por grupos de terapia ou de desenvolvimento pessoal chegam até a exigir de cada estagiário um compromisso por escrito de abstinência de qualquer relação sexual não apenas com os terapeutas o que é natural mas também entre os próprios estagiá rios e isso inclusive nos intervalos das sessões Embora nos pareçam indispensáveis os repetidos alertas sobre o ca ráter artificialmente superaquecido das relações estabelecidas num gru po de trabalho psicoterápico com mediação corporal e emocional tais proibições coercitivas nos parecem um atentado à privacidade de clien tes adultos justamente aqueles que queremos tornar responsáveis Além disso inúmeros depoimentos confirmam que tais compromis sos mesmo quando assinados raramente são respeitados pela tota lidade dos membros do grupo alguns destes sendo então acuados a po sições antisociais de transgressão provocadora da lei estabelecida seja a posições hipócritas de negação ou mentira precisamente quando pre tendemos incentivar em cada um expressão autêntica de suas emoções sensações temores e desejos Uma linha divisória Nossa posição pessoal está portanto numa desconfortável linha divisória entre a queda nos extremos Ela é de uma prudência máxima em relação a todos os envolvimentos afetivos amorosos ou sexuais mas sem cogitar de proibições de tipo rígido ou ideológico que não conside rariam a singularidade de cada caso 10 Como analogia lembremos que masturbação ainda era até bem recentemente muito culpabilizada deixa louco mas em vários países ela foi usada normalmente para acal mar uma criança nervosa ou consolála quando se machucava em certas ilhas do Pacífi co permitem que um passante masturbe um garoto mesmo se for desconhecido se ele ralou o joelho assim como fazemos um agrado Poderíamos dizer o mesmo do famo so trauma da cena primitiva presenciar o coito paterno comum e anódino num gran de número de culturas 154 Achamos que no contexto atual a proibição da exteriorização se xual confere mais liberdade corporal e espontaneidade do que sua tole rância de fato se o cliente não teme escorregar pode deixarse levar mais facilmente por suas necessidades em geral insatisfeitas de ternura ou de regressão voltar a encontrar assim sensações infantis recalcadas explorar desejos inibidos e desdramatizar fantasias Os limites instaura dos no mais das vezes implicitamente protegem tanto o terapeuta quanto o cliente Em nosso espírito essas reservas quanto às relações sexuais não constituem de modo algum um obstáculo às relações mútuas amigá veis e calorosas com os clientes não numa vã procura de confluência fusionai ilusória mas simplesmente para manter um clima de trocas di retas em confiança e segurança clima este que pelo contrário permi te se for o caso frustrações deliberadas ou confrontos agressivos não deletérios assim como mergulhos profundos nas zonas arcaicas da personalidade Além do mais isso contribui para o trabalho prazeroso11 com ca lor e alegria Ora é evidente que aquilo que se faz com prazer se faz me lhor isso é válido tanto para o cliente quanto para o terapeuta Quanto a mim não vejo nenhum méritoparticular no ascetismo no sofrimento e no sacrifício e ignoro a moral de São Bento que só vê santos entre os mártires e afirma que a morte está perto da entrada do prazer regran 7 e que devem ser aprendidas todas as coisas penosas e austeras pelas quais se vai a Deus regra n 58 Sintome mais próximo dos ortodoxos entre os quais a alegria pas cal da Ressurreição prevalece sobre a paixão da Crucificação assim co mo dos tântricos que buscam a santificação por uma transmutação do desejo e do prazer ou ainda de certos sufis que dançam a Alegria do mundo Endosso Max Pages quando declara12 Contrariamente ao que prescreve a técnica freudiana o prazer que experimenta o terapeuta ou o monitor em suas trocas com os par ticipantes é necessário à mudança Ele não é nocivo não é tampouco um elemento suspeito que se deva dosar que se aceita com reticência e má consciência Ele é o motor da mudança Será preciso lembrar além disso que prazer e amor não são sinôni mos de sexualidade A própria palavra sexualidade só foi forjada no 110 calor optimo nas relações é para mim como o calor optimo de um motor a explo são permite que funcione melhor mas sob a condição de não ultrapassar uma tempe ratura limítrofe Lembremos que várias pesquisas americanas e canadenses relatam que dc 15 a 20 dos psicoterapeutas de todas as tendências teriam tido relações sexuais com um ou vários clientes 12 Max Pages Le travail amoureux Paris Dunod 1977 155 século XIX e empregada pela primeira vez no sentido atual em 1924 sic Quanto caminho percorrido desde então Os gregos mais sutis tinham três palavras totalmente distintas para designar o amor éros o desejo simbolicamente localizado no corpo ou no sexo ágápe a afeição de conotação fraterna localizado no coração philia o amor ou o interesse por um amigo pela música pela verda de localizado na cabeça Quanto a mim não hesito em afirmar que a sexualidade não deve ser recalcada nem descarregada mas gerada com atenção e respeito como energia fundamental13 Essa pulsão de vida não é um vil instinto material manchado de pe cado original mas uma manifestação do fundamental impulso vital universal A economia libidinal freudiana do começo do século tinha feito das pulsões energias quantificáveis a partir do modelo da termodinâmica clássica da época dominada pelas noções de trocas de fluidos e pelo se gundo princípio de Carnot perda de energia por entropia Em Freud os mecanismos da neurose tais como a sublimação são implicitamente baseados na mecânica dos fluidos sendo a energia supostamente limi tada ela só pode ser desviada ou transformada mas não multiplicada Assim por exemplo o interesse sexual inicial não utilizado é metaboli zado e seria a fonte da arte e da ciência Ora o amor é do Fogo e não da Água ele não obedece ao princí pio dos vasos comunicantes mas ao da chama que pode se multipli car sem limites e nada perder O malthusianismo libidinal não é mais viável não é o caso de economizar água mas de manter a chama evitando queimarse O amor a ternura e o sexo quando usados não se perdem bem pelo contrário A transferência do terapeuta A neutralidade absoluta do terapeuta é um mito acabado que aliás não é mais muito defendido nem pelos próprios psicanalistas Além disso a nãointervenção já é um posicionamento em geral fortemente indutor e a retração às vezes aliena mais do que a provocação que é um chamado 13 Poderíamos dizer que o recalque crônico produz neurose cf Freud enquanto a des carga anárquica pode provocar a psicose perda das fronteiras do eu 156 É preciso assinalar além disso que as atitudes profundas do tera peuta não são unicamente respostas às atitudes do cliente como leva ria a supor o próprio termo contratransferência compreendido co mo resposta positiva ou negativa à transferência do cliente ao analista O fenômeno chamado de transferência parece afinal singular mente complexo visto que nos encontramos esquematicamente em pre sença de seis modos de relação possíveis em geral interdependentes transferência do cliente ao terapeuta contratransferência do terapeuta em resposta a esta transferência transferência do terapeuta a alguns de seus clientes vividos como crianças pais rivais discípulos etc contratransferência do cliente em resposta à transferência do terapeuta sentimentos atuais do cliente pela pessoa do próprio terapeuta sentimentos atuais do terapeuta pelo cliente em si Confesso por meu lado que em nada lamento este meandro in trincado de relações diversas tecidas em todos os sentidos com fios às vezes invisíveis e fortemente coloridos em misteriosa trama É a inson dável riqueza das relações humanas que lhes confere uma espessura uma densidade e uma originalidade incessantemente renovadas Essa profu são evita qualquer rotina e estimula no terapeuta uma vigilância constante O controle prudência e aventura O gestaltista intensamente atento ao processo da relação que se de senvolve é assim permanentemente interpelado em todo o seu ser Com certeza o Gestaltterapeuta terá ele mesmo enfrentado lon gamente sua problemática existencial pessoal durante uma terapia apro fundada pela Gestalt pela psicanálise ou qualquer outro meio Em se guida terseá familiarizado amplamente com seus mecanismos de con tratransferência e terá analisado suas atitudes profissionais em supervi são beneficiandose assim por vários anos do controle e da experiên cia de colegas qualificados Mas não se convive impunemente todos os dias com o sofrimento e a morte o desejo e o sexo o dinheiro o poder e o conflito a depres são o delírio ou a loucura Parece pois indispensável que qualquer terapeuta reserve para si regularmente e isso ao longo de toda sua carreira períodos suficientes de trabalho pessoal consigo mesmo e de reciclagem profissional não confundir Não que o terapeuta deva ter resolvido todos os seus problemas haveria bem poucos terapeutas sobre a terra mas que os possa en frentar sem ansiedade excessiva sem ser invadido Em minha opinião 157 o clínico deve poder enfrentar com uma facilidade suficiente pelo me nos cinco tipos principais de problemas existenciais comumente evoca dos pelos clientes a solidão a sexualidade a dúvida a agressividade a morte Estes cinco eixos terão sido longamente trabalhados durante a terapia pessoal durante a formação básica e a supervisão do futuro clí nico e seu relativo domínio constituirá um teste para avaliar se o pos tulante está pronto ou não para ser terapeuta O gestaltista observará e reajustará incessantemente seus próprios limites e saberá recusar quando for o caso um acompanhamento muito perigoso assim como o guia de montanha insuficientemente experiente ou provisoriamente cansado se proíbe de partir para uma ex cursão além de suas possibilidades no momento Alguns afirmam deliberadamente que não se pode acompanhar alguém para além do itinerário que se percorreu Eu não compartilho esse ponto de vista bastante difundido posso acompanhar eficazmente uma mulher grávida ou um canceroso angustiado sem ter vivido pes soalmente essas situações enquanto que inversamente posso perder mi nha disponibilidade afetiva perante por exemplo um problema de de portação justamente porque ele desperta em mim uma Gestalt eter namente inacabada concernente a um drama existencial pessoal dificil mente cicatrizável O importante não é pois o que eu mesmo vivi mas meu sentimento atual de conforto perante os temas evocados Da mesma forma posso ser acometido pela angústia num percurso já feito em que vivi um acidente e ao contrário acompanhar uma fila de alpinistas com atenção e eficácia em uma passagem nova para mim mas que corresponda à minha competência técnica Talvez até seja ain da mais atento do que em trajetos rotineiros Confesso apreciar essas excursões com um cliente por zonas inex ploradas só me dando conta do itinerário percorrido na sessão de tera pia conforme ela avança na verdade após Não é sempre ao longo dos caminhos preparados de antemão que se fazem as descobertas mais ricas as mais belas flores e os tesouros ocultos se abrigam às margens das veredas freqüentadas Não creio que seja sempre necessário definir por princípio previa mente um contrato terapêutico preciso com o cliente Em inúmeros 158 casos suas motivações subjacentes só se revelarão pouco a pouco Al guns conhecem seu mal e sabem definir seu objetivo outros ainda não chegaram a isso ou não estão mais aí A Gestaltterapia permite e esta é uma das suas inúmeras riquezas específicas que partamos na desco berta atentos a todas as direções e não nos obriga a definir o itine rário com precisão antes de qualquer expedição Sempre me enriqueci mais em viagens improvisadas estimulado por uma awareness aprimorada ao sabor dos encontros e dos achados no aqui e agora da região do que em circuitos organizados com suas etapas cuidadosamente previstas mesmo quando pretensamente defi nidas por mim em encontros prévios e discretamente orientados com o agente de viagens Assim não é tarefa do terapeuta manter o cliente a qualquer cus to em um itinerário determinado mas ajudálo a aproveitar ao máxi mo aquilo que encontrar no caminho de sua terapia pelo menos identi ficar melhor os obstáculos e os perigos distinguir entre evitações ino portunas e desvios necessários selecionar as descobertas aproveitáveis após voltar de cada expedição i 159 C a p í t u l o 10 O corpo e as emoções em Gestalt A Gestalt é uma técnica psicocorporal ou mais do que isso uma psicoterapia com mediação corporal e emocional É isso que costu mamos ouvir Laura Perls afirma pessoalmente Há um ponto que nunca enfatizarei o bastante O trabalho cor poral é parte integrante da Gestaltterapia A Gestalt é uma terapia holística isso quer dizer que ela leva em consideração a totalidade do organismo e não simplesmente a voz o verbo a ação ou qualquer outra coisa 1 Utilizo qualquer tipo de contato físico se achar que isso pode facilitar um avanço do paciente em sua awareness da situação presen te Eu não tenho regra particular no que concerne pacientes ho mens ou mulheres Posso acender um cigarro alimentar alguém com uma colher arrumar os cabelos de uma mocinha pegar na mão ou abraçar um paciente se este me parecer o melhor meio de estabelecer uma comunicação inexistente ou interrompida Eu tanto toco os pa cientes quanto deixo que me toquem para experimentar um aumento de sua awareness corporal Parece haver uma grande divergência de opiniões e muita ansie dade a respeito da aceitabilidade do contato físico em terapia 2 Laura Perls não separa a Gestalt da expressão artística e corporal Aliás ela teve uma formação artística música e dança e uma forma 1 Laura Perls entrevistada por Edward Rosenfeld in The Gestalt Journal Vol 1 1978 2 Laura Perls no IV Congresso da Academia Americana de Psicoterapeutas Nova York 1959 congresso que reuniu terapeutas de renome de cinco orientações diferentes 160 ÇlO aipeclfica de diversas técnicas corporais Alexander FeldenKrais urltm lu de Rudolf Steiner etc paralelamente à sua formação pilcanalltica A atenção ao corpo é permanente entre todos os gestaltistas que observam postura respiração olhar voz microgestos etc mas mui to deles não interferem muito diretamente no corpo do cliente O próprio Fritz Perls que acabava de deixar a psicanálise pela Ges talt no começo de sua prática mantinha seus clientes deitados no divã ailtm como seu mestre Wilhelm Reich Já por seu lado Isadore From um dos primeiros discípulos de Perls considera a Gestalt uma terapia dialógica essencialmente baseada no diálogo verbal Outros conhecidos gestaltistas como Zinker ou Resnick nos BUA Janine Corbeil em Quebec Salathe ou Robine na Fran nó raramente utilizam o corpo de modo ativo ou interativo eles pre ferem observálo e interpelálo verbalmente De fato os princípios teóricos fundamentais e a metodologia espe cifica da Gestalt não implicam a obrigação de uma mobilização corpo ral a abordagem global fenomenológica a teoria do self a observação dai perturbações do ciclo de contato e das resistências não requerem em absoluto a intervenção ativa do corpo Entretanto a meu ver não há porque privarse de uma poderosa alavanca terapêutica que contri bui para a intensidade e a profundidade do trabalho permitindo aumen tar sua eficácia e reduzir sua duração Assim a grande maioria dos clínicos atuais em Gestalt concedem um lugar privilegiado à vivência corporal do cliente tanto quanto aliás à do próprio terapeuta Eles se interessam também pela sensoria lldade receptiva O que você está sentindo neste momento tanto quanto pela atividade motora do organismo Eu proponho que você se levante e dê alguns passos Leitura do corpo A amplificação da percepção ou dos gestos não é leitura do corpo O Gestaltterapeuta é particularmente atento a quaisquer manifes tações corporais de seu cliente posturas e movimentos aparentes vo luntários ou inconscientes microgestos semiautomáticos como que lapsos do corpo reveladores de processos em curso no mais das ve u t à revelia do cliente como por exemplo tamborilar dos dedos bftlinçar o pé minicontração do maxilar etc É claro que ele também obiorva a voz o ritmo respiratório sua amplitude ou seus bloqueios Mlim como a circulação sanguínea perceptível por exemplo pela pali áflí ou ruborei localizados Bm Geitalt o sintoma corporal é deliberadamente utilizado como porta de entrada que permite um contato direto com o cliente res peitando a via que ele mesmo escolheu embora com freqüência in voluntariamente 161 Portanto incentivarseá nele a tomada de consciência imediata awareness Sugerese eventualmente que amplifique o que sente ou seu sintoma3 para melhor percebêlo darlhe a palavra de certa for ma e isso antes mesmo de interrogar sobre seu significado Em Gestalt de fato como assinalei várias vezes não se busca a to do custo decodificar o sintoma às vezes isso acaba por alimentálo de sentido segundo a expressão já citada de Lacan qualquer explica ção pode envolver o risco de sustentálo justificandoo Assim por exemplo Eu sou fóbica porque minha mãe ficou ansiosa e superproteto ra após a morte de meu irmão mais velho pode subentender Te nho boas razões para ser assim na verdade Estou condenada a permanecer assim O Gestaltterapeuta então se precavê de qualquer interpretação do gesto ou de qualquer leitura do corpo de acordo com um código prees tabelecido Ele prefere incitar o cliente a seguir ele mesmo a pista que se apre senta espontaneamente por exemplo prosseguindo repetindo ou am plificando o gesto para tornálo cada vez mais aparente ou explícito tu do isso verbalizando o que sente pessoalmente no momento Assim por associações sucessivas de sensações gestos imagens sons e palavras em geral emerge uma súbita tomada de consciência insight ou mini satori conforme expressão que Perls costumava utilizar de com portamentos atuais ou pelo contrário de atitudes repetitivas antigas até arcaicas O corpo também mente Em geral a linguagem do corpo é profunda rica e matizada Daí a afirmar como às vezes se ouve Lowen que o corpo nunca men te há um grande passo que evitarei dar Minhas palavras podem mentir deliberadamente ou ainda denunciar meu pensamento apesar de mim mas meu corpo pode fazer o mesmo por seu lado Eu posso inflar o torso para camuflar meu medo ou minha timidez verter lágrimas de crocodilo para apiedar meu interlocutor ou camuflar minha agres sividade atrás de um sorriso agradável Posso urrar sem estar profunda mente emocionado ou ter uma ereção sem estar amando e reciproca mente Posso sofrer como um mártir por causa de uma espinha su perficial ou por um dente cariado e ignorar o desenvolvimento de um silencioso tumor canceroso 3 Atitude paradoxal pois a maior parte das terapias visam pelo contrário atenuar os sintomas 162 Se fiar no corpo não é pois nem mais nem menos razoável do que se fiar na palavra do cliente Mas por que negligenciar esta fonte per manente e considerável de mensagens complementares sejam elas con gruentes ou dicordantes das mensagens verbais explícitas Para o gestaltista a linguagem do corpo tem a vantagem de estar enraizada no aqui e agora enquanto a palavra pode se extraviar mais preocupada com o que do que com o como Em geral os sentimentos evocados repercutem na voz na respira ção e na postura O corpo e as palavras entram em ressonância sobrepondose num mútuo feedback amplificador Domar as emoções As lágrimas parecem um lubrificador natural de qualquer emoção ou seja de qualquer movimento da alma para fora 4 A expressão liberadora se opõe assim à impressão acabrunhan te pressão para o interior que pesa e deixa marca Infelizmente em nossa cultura as expressões do corpo e das emoções são censuradas e estritamente filtradas proibiramnos desde a infância de manifestar abertamente a raiva o medo a tristeza a dor o ciúme Proibiramnos também de gritar nossa alegria ou de expor nosso desej o No que me concerne geralmente incentivo a expressão espontânea de qualquer forma de emoção assim que ela aflora Com precaução eu a acolho assim que ela se arrisca fora de sua toca tento reconhecêla e lhe falar nem muito cedo nem muito tarde Se observo uma mu dança sutil no ritmo ou na inflexão da voz na deglutição ou na respira ção posso interpelar o cliente O que está acontecendo com você agora isso antes que a emoção passageira se tenha desvanecido Mas é evi dente que uma tal intervenção se prematura bem que arrisca cortar a emoção e fazêla recuar sob a terra antes que tenha verdadeiramente mostrado a ponta do nariz Em contrapartida se ela foi observada re conhecida e depois aceita sem dúvida permitirá um trabalho a quen te mais profundo e mais eficaz Como terapeuta utilizo deliberadamente a ternura e a agressivi dade terapêuticas a gratificação a frustração ou o confronto confli tante tanto na alternância brusca do clima tropical quanto na sincroni eldkde do sol que atravessa a cortina de chuva evocando o arcoíris promitsor Meu objetivo não é pois dominar as emoções ou seja reduzilas à eicravldflol mas principalmente domálas domesticálas evitando tanto sou transbordamento quanto seu ressecamento O cliente será in 4 vem do lallm emovere de exmovere mover para fora 163 centivado a abrir e fechar a torneira das emoções a cada ocasião seu comportamento maleável e regular será a garantia de uma boa saúde O gestaltista assim como o encanador vela para assegurar uma circu lação fluida para desobstruir os canais para evitar tanto a seca quanto a inundação Aprender a me conduzir sem escorregar nos caminhos lisos da exis tência sem perder o controle de meu volante devido a freadas inoportu nas conhecer melhor as reações de meu veículo e acompanhar o movi mento confiante e vigilante Seja luto ou raiva não evitálos mas ir ao seu encontro reconhecêlos como meus amálos atravessálos The only way to get out is to go th r o u g h Perls5 Raiva ou desejo qualquer paixão é como um cão de guarda que se torna perigoso se ficar preso por muito tempo mas que nem por isso posso deixar que pule sobre cada um que passa Para domálo serme á preciso seguir ao lado dele e sobretudo fazer dele um amigo Assim é com cada uma das emoções conhecêlas e amálas e não ignorálas ou estrangulálas A inibição da emoção assim como a inibição da ação alimentam neuroses e psicoses doenças psicossomáticas e perturbações sociais6 Tendo em vista a expressão optima das emoções incitamos nossos clientes a uma mobilização corporal assim que a ocasião se apresenta le vantar andar mudar a distância experimentar um contato discreto ou explícito terno ou agressivo Propomos a amplificação física das posturas ou dos gestos automáticos esboçados assim como a dramatiza ção corporal das situações verbalmente evocadas Um exemplo Por o quê substituir minhas preocupações Terapeuta Como você está sentada Muriel Estou arqueada com a cabeça caída para a frente Terapeuta Você pode tentar exagerar essa posição Muriel Sim Sintome como que esmagada Como se tivesse um imenso fardo sobre os ombros o terapeuta coloca uma grande almofada sobre seus ombros Muriel Uau Há aí bem mais do que isso o terapeuta empilha varias outras almofadas Terapeuta Você quer tentar levantar e viver a vida assim Muriel se levanta ela mantém seu monte de almofadas como fardo sobre os ombros e dá alguns passos hesitantes Muriel Isso não dá Não posso mais fazer nada ela joga raivosamente uma das almofadas no chão 5 O único meio de sair é passar por e não a inibição ou a fuga 6 Ver Henri Laborit L inhibition de laction Paris Masson 1979 E também Simon ton Guérir envers et contre tout Paris LEpi 1982 164 Pronto Me livrei disso um silêncio pensativo É meu companhei ro Lucien que me pesa cada vez mais Ele não me dá um minuto de tranqüilidade após alguns instantes ela joga espontaneamente uma segunda almofada Muriel E isso é meu trabalho de secretária que também me aborre ce Para mim chega Preciso mudar de emprego em seguida ela joga uma a uma almofadas que simbolizam a mãe idosa e exigente um projeto de grupo de pesquisa etc Terapeuta E agora Muriel Agora Não tenho mais nada nos ombros Estou livre para caminhar dá alguns passos mas não sei onde ir Nem o que fa zer Todas essas preocupações me ocupavam um bocado Eu não te nho tido tempo para fazer o menor projeto Desembaraçada como estou de todos esses aborrecimentos minha vida parece vazia Meus aborrecimentos me faziam companhia Do corpo à palavra da palavra ao corpo Aqui a partir da amplificação de uma postura atingimos progres sivamente uma tomada de consciência é um percurso do corpo à palavra Mas em Gestalt procedese também em sentido inverso ou seja da palavra ao corpo especialmente mediante técnicas de dramatiza ção É uma atitude inspirada em parte no psicodrama moreniano Assim para trabalhar com um sonho em vez de propor ao cliente que associe verbalmente a partir de imagens podemos sugerirlhe que encarne alternadamente diversos personagens ou elementos mesmo me nores de seu sonho e se expresse em nome deles assim ele poderá por exemplo representar alternadamente com palavras ou atos um pro fessor que o interpela seu aluno o caderno deste uma frase escrita neste caderno ou uma simples mancha de tinta Da mesma forma podemos sugerir a dramatização corporal sim bólica de um sentimento que tenha sido expresso Por exemplo Patrick deplora ser fechado em seus hábitos A um sinal do terapeuta o grupo simboliza a situação cercandoo corporalmente mas para surpresa geral ele nada fez para se soltar Patrick se dá conta então rapidamente e por si mesmo que seu desejo de liberdade e de iniciativa é puramente intelectual e verbal enquanto sua necessidade profunda no momento é na realidade um refúgio aconchegante na segurança do já conhecido e no calor doméstico Assim podese traduzir encarnar de maneira ao mesmo tempo vi sível e geradora de emoções os sentimentos mais diversos expressos ver balmente rejeição abandono impasse necessidade de calor de re 165 conhecimento social etc ou ainda dramatizar corporalmente expressões comuns tais como eu não vejo o fim do túnel eu sempre fico isolado em meu canto nunca consigo me soltar tenho vontade de deixar cair Pode ser uma atuação sumária realizada individualmente ou com a ajuda do grupo ou ainda uma seqüência longa Christian e seus avós Christian tem 14 anos Ele é órfão e foi criado pelos avós Estes são ido sos e antiquados Têm medo de acidentes e lhe negam a moto que ele deseja Christian reclama Eles não podem me compreender São velhos demais Veja só entre eles e eu há um espaço vazio o lugar de meus pais e este espaço estará sempre vazio Sempre haverá esse buraco aí entre eles e eu Eu lhe sugiro de imediato que materialize o que acaba de expri mir Ao lado de sua cadeira coloco outras duas vazias uma para seus pais e a outra para seus avós A experiência o diverte ele fala com os avós com as mãos em concha Ei vocês aí Vocês estão me ouvindo Vocês são muito ve lhos Vocês são surdos Depois se coloca no lugar dos avós encarnando assim a imagem que faz deles e por cima da cadeira vazia dos pais ele mesmo res ponde com uma voz doce Sim Christian te ouvimos Não somos assim tão velhos Te mos 57 anos E não somos surdos Então Christian sorri com um ar de ter compreendido Ele se levanta e espontaneamente vai arrumar as cadeiras Ao sair me diz Sabe afinal acho que se pode encontrar uma maneira de entrar num acordo vou estudar isso Na hora de sair ele se voltou e constatou É curioso há quinze dias eu respirava mal e agora veja só ele respira profundamente circula fácil Tais dramatizações metafóricas simples mostram diariamente o poder de ação da encarnação do verbo aqui e agora O jogos ou exercícios Como sabemos a Gestalt é praticada tanto em cura individual quan to em situação de grupo Neste último caso as possibilidades de utilização 166 do corpo se multiplicam Em situação dual de fato a interação corpo ral direta entre o terapeuta e seu cliente é mais limitada por razões ma teriais e por razões psicológicas ou deontológicas risco de conotação ambígua em eventuais manifestações de ternura freio ao confronto agressivo Em contrapartida vários jogos ou exercícios corporais de aquecimento ou amplificação podem ser propostos em grupo confor me a situação que emerge espontaneamente É claro que esses exercí cios não podem ser programados com precisão de antemão É essen cial de fato que correspondam à atmosfera e às preocupações do momento Eles podem se referir ao conjunto do grupo ou a um cliente em par ticular e ter objetivos muito diversos de experiência seguida de tomada de consciência vivência de abandono de soltarse de ternura de fe chamento de confronto de risco de confiança de limites etc Poderemos assim por exemplo propor que cada um procure o lu gar que mais lhe convenha na sala em relação ao conjunto ou que laça uma escultura de grupo com o corpo dos participantes para tra duzir sua vivência subjetiva de sua família ou ainda que experimente encontros com olhos fechados ou ainda defenda fisicamente seu ter ritório poderseá carregar um participante fazêlo voar acalentálo ou aprisionálo incitálo a testar sua confiança deixandose cair nos bra ços dos membros do grupo ou sua desconfiança isolandose volunta riamente etc Várias dezenas desses jogos que inicialmente visavam o reco nhecimento das dificuldades no ajustamento criador entre o indivíduo e seu meio tornaramse agora comuns e são retomados em outras si I uações fora de seu contexto de origem em geral sem justificativas me todológicas até como simples divertimento Em princípio pretendese com eles enfatizar os processos de contato retração evitação resistên cia ou conflito em nossa fronteira de contato tornar explícito o que es tü implícito 0 corpoacorpo terapêutico Em Gestalt as trocas não são unicamente verbais ou visuais o con fronto efetivo dos corpos é explorado como poderoso elemento mobili zador tanto o confronto físico agressivo controlado é claro e se 1 or o caso mediado por um colchão ou almofada quanto a troca de ternura de conotação parental prégenital e até erotizada corps ac cord conforme a expressão de Richard Meyer também controlada mas realizada num contexto terapêutico indo além da simples evoca çio discreta do como se moreniano Em geral o corpoacorpo desencadeia gradativamente uma emo ção profunda e costuma permitir a emergência de um material arcaico 167 do período infantil préverbal ao qual é difícil ter acesso por meio de terapias de mediação puramente verbal Assim não é raro que sejam vividas seqüências intensas evocando o nascimento ou ainda as primei ras mamadas Já em 1931 Ferenczi escrevia É certo que Freud tem razão quando ensina que em análise é uma vitória quando ela consegue substituir a ação pela lembrança mas acho que é igualmente vantajoso suscitar um importante material dra matizado que pode ser depois transformado em lembrança Reafirmase a importância desse material corporal dramatizado tam bém entre os vários autores da escola inglesa de psicanálise em grande parte oriunda da escola húngara e especialmente em Winnicott cu jo parentesco ideológico com Perls já foi evocado anteriormente pen so em especial nas técnicas de holding modo da mãe segurar o bebê de carregálo e de handling modo de cuidar de manipular A haptonomia de Frans Veldman desenvolve também a terapia do toque e propõe um certo número de técnicas comuns em Gestalt falar com o corpo prolongálo na direção do outro domar a dor etc É freqüente encontrarmos o tema do corpo no próprio psicanalista D Anzieu claramente marcado pela escola inglesa Ele escreve por exemplo Hoje o grande ausente o desconhecido o negado no psi cologismo de muitos terapeutas é o corpo como dimensão vital da realidade humana como dado global présexual e irredutível co mo aquilo em que se apóiam todas as funções psíquicas7 o que não o impede de promulgar a dupla proibição do toque Entretanto embora o corpoacorpo real com o terapeuta permita dar início a um trabalho desenvolvendo uma emoção concreta no aqui e agora emoção esta que pode reviver uma lembrança ternura abando no violação nem sempre permite exprimir até o fim os sentimentos experimentados Freqüentemente então introduzimos uma almofada du rante o trabalho isso permite que o cliente vá mais longe por exem plo se for o caso bater violentamente ou cuspir nela se sentir necessi dade numa catarse ao mesmo tempo libertadora e reveladora8 que se rá retomada depois num plano verbal 7 Ver Didier Anzieu Le moipeau in Le dehors et le dedans Nouvelle Revue de Psychanalyse n 9 1974 reproduzido em sua recente obra Le moipeau Paris Dunod 1985 8 Entre as tomadas de consciência repentinas e inesperadas costumamos encontrar pes soas que enfim realizam uma raiva infantil contida há anos contra a morte de um dos pais cólera cuidadosamente recalcada Assim o acesso ao simbólico por meio do corpo ou do verbo per mite ir além da realidade corporal tangível do instante mas esta favore ce a mobilização emocional e energética inicial as palavras são o mapa que permite a observação mas o corpo continua sendo o motor que faz o veículo avançar Nudez hottub piscina Pareceme que o impacto do trabalho corporal pode ser considera velmente ampliado pelo recurso à nudez Embora pratique regularmente o naturismo com toda a família9 acho que o trabalho psicoterápico de grupo com nudez pode ser trau matizante se instaurado de modo imperativo e brutal como em certos grupos de maraton nu de Paul Brindim que por exemplo propõe aos estagiários um exame público detalhado de todas as partes do cor po lhes fala e os faz falar Nós preferimos introduzir a nudez de forma mais espontânea e sempre facultativa eventualmente por ocasião de um trabalho na água quente na piscina ou no hottub O hottub é uma grande banheira coletiva geralmente redonda ou oval com capacidade para cerca de dez pessoas Habitualmente um ban co permite ficar sentado com o corpo imerso até os ombros A água é mantida à temperatura do organismo 35 a 37 graus Os hottubs aper feiçoados dispõem de um sistema de jatos que provocam bolhas e um borbulhar de intensidade regulável fazendo uma massagem relaxante O mergulho nesse novo meio provoca uma espécie de stress no senso lato do termo pois pode ser agradável ou desagradável e uma modifi cação no funcionamento de todos os nossos sistemas de adaptação res piração circulação sensorialidade gravitação eliminação transpira ção etc Decerto o conjunto evoca além disso conscientemente ou não a situação prénatal intrauterina e não é raro que alguns se aninhem es pontaneamente em posição fetal agachados entre os corpos nus imer sos num líquido amniótico quente Este setting10 favorece diversas sensações corporais de tipo regressivo e permite a emergência de várias seqüências arcaicas acompanhadas de sentimentos de bemestar oceâ nico ou pelo contrário de angústia existencial ou abandono A vasodilatação provocada pelo calor acarreta uma aceleração da circulação sanguínea e da respiração modificando a taxa de oxigênio e o pH do sangue realizando assim de certa forma uma auto intoxicação discreta do neocórtex comparável àquela provocada mais 9 Meus pais já eram militantes do movimento naturista desde o início dos anos 30 10 Em psicanálise termo que designa a disposição material das instalações durante o tra tamento com toda sua conotação simbólica 169 brutalmente pelos exercícios de hiperventilação pulmonar respiração forçada preconizada em rebirth ou em bioenergética Essa sonolên cia das funções corticais de controle induzida pela autonarcose pro gressiva favorece a expressão de camadas subcorticais liberadas límbi ca e hipotalâmica e portanto a emergência eventual de sentimentos ou de necessidades primárias armazenadas nessas zonas nãoconscientes raiva ou cólera medo ou angústia de abandono reflexos de sucção ou de procura de ternura etc Além do trabalho de regressão o meio específico constituído pela água na temperatura do corpo e pela nudez permite a exploração de vá rias situações experiência de soltarse medo de ser submerso prazer do mergulho em apnéia contato próximo com outros corpos nus tra balho com a imagem do corpo e em torno da sexualidade O trabalho pode se realizar em silêncio ou com música com ou sem palavras olhos abertos ou fechados coletiva ou individualmente O terapeuta pode sugerir exercícios de olhar de contato de flutua ção de massagem etc ou pelo contrário simplesmente acompanhar a vivência psicossomática espontânea do cliente limitandose a es timular sua awareness e incitandoo a emitir sons ou palavras ou ex primir frases Também utilizamos de forma bem similar uma piscina terapêu tica aquecida na mesma temperatura A conotação regressiva é então menor não há mais a forma redonda a proximidade e o contato dos corpos em proveito de uma conotação mais sexual favorecida pela li berdade de movimento e de escolha dos parceiros e pela atmosfera mais lúdica que a acompanha É evidente que o trabalho psicológico iniciado na água pode pros seguir ou ser retomado no chão individualmente ou em grupo A sensitive Gestalt massage Aproveitando a nudez induzida pelo banho propomos uma sessão de massagem californiana chamada sensitive Gestalt massage SGM segundo uma técnica simplificada inspirada em nossa for mação em São Francisco com Margaret Elke É uma massagem sensiti va euforizante visando um relaxamento em bemestar melhor integra ção do esquema corporal e uma relação compartilhada com concentra ção sucessiva no fato de receber ou dar calor ternura ou energia Loose your head come to your senses gostava de repetir Perls Ora o mais gigantesco de nossos órgãos dos sentidos é a pele que mobiliza dois metros quadrados de nossa superfí cie 70 de nossa circulação sanguínea e a quase totalidade de nossas terminações nervosas 170 Parecenos que a sensitive Gestalt massage se harmoniza facilmen te com a prática tradicional da Gestalt Aí encontramos de fato vários temas comuns ciclo de contatoretração trabalho na fronteira de contato abordagem holística e integradora do ser global trabalho no aqui e agora awareness da sensorialidade ativação do cérebro direito esquema corporal imagens e emoções compartilhamento do sentir e da emoção na simpatia terapêutica aceitação e respeito pelo outro e por si mesmo com as imperfeições de cada um respeito pelo ritmo pela criatividade e pelo estilo pessoal busca de bemestar e valorização sem culpa do prazer Riqueza da dissimetria Nós gostamos de propor uma variante dissimétrica um dos dois parceiros oferece a massagem e o outro a recebe por uma duração que pode ir até uma hora e isso sem reciprocidade Queremos assim rom per o equilíbrio estático do comércio social em que cada um fica obri gado a reembolsar o quanto antes o que recebeu Queremos incentivar tanto a gratuidade do dom desinteressado quanto a coragem do pedido espontâneo assim como a responsabilidade pela escolha da necessidade dominante no momento e pelas prioridades Não estará subentendido neste caso que numa próxima sessão os papéis serão automaticamente invertidos nem tampouco que os mes mos parceiros voltarão a estar juntos Cada um segue seu próprio rit mo atento às suas próprias necessidades e desejos assim como aos dos outros Eu gostaria de lembrar a este respeito o sentido geral da evolu ção que vai da assimetria da desordem original à dissimetria dinami zante do progresso passando pela simetria estática da matéria organi zada ou da vida primitiva assimetria simetria dissimetria Quanto mais um ser vivo sobe na escala evolutiva mais decres ce a simetria de acordo com o conjunto de eixos altobaixo fren teatrás direitaesquerda Numa minhoca cortada em duas a cauda fa brica uma cabeça e a cabeça fabrica uma cauda O homem desenvol veu a dissimetria das pernas e dos braços do polegar e dos dedos da direita e da esquerda Esta última dissimetria exteriormente pouco aparente é marcante no interior na maioria dos mamíferos no âmbito das vísceras cora 171 Outros entre os quais me incluo preferem a técnica mais alea tória porém mais maleável do floating hotseaf Polster em que os lugares são flutuantes e indeterminados no começo Cabe então tan to ao terapeuta quanto ao cliente procurar se preciso por tateio expe rimental deliberado a disposição espacial que mais lhes convém face a face lado a lado ou obliquamente distante ou próximo É certo que o clima psicológico do encontro é fortemente marcado por isso o cliente que se aproxima por si mesmo às vezes avança sobre meu território assume a responsabilidade de um eventual confronto ou ainda pelo contrário se coloca em posição de dependência confiante ou submissa inversamente se tomo a iniciativa de me aproximar dele minha in trusão em seu território pode induzir o confronto explícito ou implí cito ou permitir pelo contrário a instauração de um clima de seguran ça reforçado se for o caso por um contato físico a posição lateral evoca mais o acompanhamento do que o confronto ou a dependência se cada um fica distante protegido ou isolado em seu próprio territó rio daí emana uma atmosfera de prudência de desconfiança ou de res peito pela autonomia de cada um Por meio das diversas reflexões deste capítulo pudemos ver a que ponto o corpo está presente em Gestalt corpo metafórico e corpo real solicitado num diálogo multidirecional que vai do corpo ao verbo e do verbo ao corpo do cliente ao terapeuta e do terapeuta ao cliente Quanto a mim lamento que a psicanálise se tenha focalizado de mais na cabeça em detrimento do corpo e não quero por minha vez focalizar o corpo e negligenciar a cabeça como Perls que numa raiva reativa e provocadora qualificava conforme o caso de bullshit cocô de vaca elephantshit ou chickenshit cocô de galinha a maioria das tentativas de elaboração conceituai Também já é tempo de nos interessarmos pela intersecção entre o corpo e a cabeça entre a matéria e o espírito entre o exterior e o inte rior quero dizer o cérebro 174 C a p í t u l o 11 O cérebro e a Gestalt Pareceme absolutamente indispensável dar um mínimo de infor mações sobre a bioquímica e a psicofisiologia do cérebro para todos os psicoterapeutas e especialmente para aquele que quiser compreender o que acontece1 durante uma seqüência de trabalho em Gestalt mais particularmente quando nela estão implícitas reações emocionais De fato As emoções são a consciência de certas atividades ditas vegetativas ou seja resultam da atividade do sistema límbico estimulada pelo exterior ou por nossas representações internas 2 É claro que não é o caso aqui de entrar nos detalhes das recentes e apaixonantes pesquisas sobre o funcionamento do cérebro humano Entretanto pareceme impraticável numa obra que se pretende re lativamente completa sobre Gestalt não levar em consideração esse as pecto essencial dos processos com os quais trabalhamos cotidianamen te em geral sem que saibamos Então vou tentar apresentar aqui uma rápida exposição muito sucinta mas ilustrada com algumas imagens e analogias de minha auto ria de um certo número de noções elementares na maioria prove nientes das pesquisas contemporâneas dos seis últimos anos 1 É claro que se pode conduzir muito bem sem nunca erguer o capô de um carro mas é difícil imaginar um piloto profissional que ignore tudo de mecânica 2 Henri Laborit L inhibition de laction Paris Masson 1979 175 Nunca se enfatizará o bastante de fato que os mais decisivos des ses trabalhos são muito posteriores aos anos 70 e que conseqüentemente Perls e seus colaboradores da primeira geração não dispunham ain da na época dessas informações fundamentais O próprio Freud escreveu em 1920 A biologia é verdadeiramente um domínio de possibilidades ili mitadas devemos esperar dela os esclarecimentos mais surpreenden tes e não podemos adivinhar quais respostas ela dará em algumas décadas às questões que lhe propomos Talvez sejam respostas tais que farão desabar o edifício artificial de nossas hipótesesl Lembremos rapidamente que Freud sustentava em 1912 que a he rança arcaica do homem não engloba apenas disposições mas também conteúdos vestígios mnêmicos relativos ao vivido por gerações ante riores A Gestalt de hoje assim como a psicanálise não poderia negli genciar as pesquisas atuais sob o pretexto de uma pretensa ortodo xia ou de uma fidelidade ingênua a certas hipóteses parcialmente ultrapassadas Complexidade das microestruturas O cérebro é ainda um continente em vias de desenvolvimento cujos prodigiosos recursos subterrâneos só serão descobertos e explora dos muito progressivamente Com o cérebro do homem já pressentia Teillard de Chardin em 1954 aparece um terceiro infinito o infinito da complexidade De acordo com Hubert Reeves é a estrutura mais complexa de todo o Universo A extrema complexidade e a maleabilidade permanente são de fato as duas características fundamentais do cérebro humano Para dar uma pequena idéia disso bastará dizer que calcularam que os componentes de mil grandes computadores poderiam caber em um cm3 de nosso córtex Ou ainda que um computador que utilizasse as tecnologias mais contem porâneas e possuísse o mesmo número de conexões cobriria a França a Bélgica e a Suíça juntas por uma altura de 10 andares Cientistas americanos4 estimaram que cada cérebro tem uma memória com capaci dade para 125000 bilhões de unidades de informação ou seja dez vezes a capacidade dos Arquivos Nacionais dos Estados Unidos ou ainda o con teúdo de 100 milhões de livros como este que você está lendo 3 Os dois outros eram o infinitamente grande do espaço cósmico e o infinitamente pe queno da estrutura atômica 4 RCA Corporation Advanced Technology Laboratories citado por G Doman Evan Thomas Institute in Enfants le droit au génie Paris Ed Hommes et groupes 1986 176 Lembremos ainda de que este conjunto extraordinário é afinal cons tiluldo de um código genético de apenas quatro dígitos que compõem toda u matéria viva do capim à sequóia gigante e do micróbio ao elefante Mali algumas cifras Sc pudéssemos estender ponta a ponta em tamanho natural as moléculas de DNA dos 60000 bilhões de células de um homem elas se mirariam por todo o sistema solar É difícil imaginar a quantidade de Informações armazenadas em nosso organismo se todas as informa ções codificadas num vírus fossem paginadas uma bactéria representa ria uniu enciclopédia de 1000 páginas e cada célula humana representaria uma biblioteca de 1000 enciclopédias Além disso se nosso estoque de Informações fosse contido num livro a precisão do código genético se tin tul que não toleraria sequer um único erro de datilografia numa obra de 500 páginas por causa de uma única letra errada todo o livro seria Imediata e impiedosamente rejeitado aborto espontâneo Mas nem tudo está programado previamente e este livro seria muLs um caderno no qual poderíamos escrever a qualquer momento para atualizálo Os neurônios se multiplicam essencialmente entre a 10 e a 18 se muna dc vida intrauterina no ritmo alucinante de 300000 neurônios por minuto e sua fabricação termina entre o 5 e o 7 mês da vida in utero Depois disso nenhum deles se renovará pelo contrário perde mos várias dezenas de milhares deles a cada dia ao longo de nossa vida ou seja uma perda total de cerca de 20 no fim de uma vida de dura çfio média e isso não é trágico pois cada informação é estocada cm diversos pontos5 e de qualquer forma não utilizamos muito mais do que 20 a 40 de nosso potencial e até bem menos de acordo com ulguns autores e nos resta então ainda uma ampla margem não utili zudn no fim de nossos dias mais da metade Em contrapartida embora o número de neurônios seja fixo o das Interconexões pode variar do simples ao duplo durante a vida nossa ati vidade mental associativa e emocional faz brotarem incessantemente no vas espinhas nos dendrites de ligação constituindo de algumas deze nas a cerca de 20000 conexões sinápticas por neurônio lim suma as árvores de nossa inteligência são plantadas antes de nosso nascimento mas depois as ramificações brotam sem cessar for mando uma espécie de intricada floresta virgem Essa arborização per manente ou sprouting permite em especial a recuperação após um traumatismo craniano6 S Cf H Iporltl holnriftcu do neurocirurgião californiano Karl Pribram ft Rmw Ittiillldttdo dc recuperação por sprouting é particularmente grande numa pessoa JUVïlll S de bon aïklo o qutiNC nula num alcoólico porque o álcool atrofia a multiplicação dim dfiidrltcw 177 Essa plasticidade é particularmente importante durante os primei ros meses de vida daí o interesse do estímulo multisensorial dos be bês para o desenvolvimento posterior da inteligência7 Mas é importante não perder de vista que novas e múltiplas ligações interneurais conti nuam a se estabelecer durante toda a vida8 especialmente durante as sessões de Gestalt que relacionam diferentes camadas e zonas do cére bro Prudente a Natureza previu casamentos de experiência em geral as conexões entre os neurônios são inicialmente provisórias antes da eventual estabilização do casal de acordo com as condições do meio O número total dessa ligações sinapses é hoje estimado em 1015 ou seja um milhão de bilhões permitindo io2783000 combinações diversas ou seja um número que se escreveria com dois milhões e meio de zeros Detenhamonos por alguns momentos nessas cifras demasiadamente elevadas para serem compreendidas concretamente Assim para simples mente contar as sinapses que existem fisicamente ao contrário de suas combinações virtuais à razão de mil por segundo seriam necessários 10000 anos Mas isso ainda continua sendo muito abstrato pois como imaginar a contagem de 1000 elementos por segundo E o que são 10000 mil anos para nós Eu utilizaria então um exemplo mais modesto e mais eloqüente que elaborei para meus filhos Imaginemos que meu trabalho consista em distribuir folhetos em tempo integral ou seja 39 horas por semana e que esses folhetos cor respondessem a bilhetes de banco de 100 francos Eu procuraria é claro os lugares mais freqüentados como as saídas das estações ou as salas de espetáculos e daria a cada passante um bilhete de 100 fran cos à razão de um a cada dois segundos e isso sem trégua durante oito horas por dia até ficar com câimbras E cada pessoa poderia pegar sem parar quantos bilhetes quiser perguntaram sem falta as crianças É claro Até 30 bilhetes em um minuto E se um dos passantes desejar recolherá em uma hora e sem nada mais fazer do que estender amão 1800 bilhetes de 100 francos ou seja 18 milhões de centavos Pois bem no fim de toda minha carreira nesse estranho ofí cio eu teria distribuído no total 115 milhões de bilhetes de 100 fran cos ou seja apenas 11 bilhões de francos9 7 E mais geralmente o interesse do aprendizado precoce Assim em muitas famílias ju dias a criança aprende a 1er a partir dos três anos Cf também os surpreendentes traba lhos do Evan Thomas Institute para o Desenvolvimento Precoce Filadélfia EUA 8 Experiências recentes sobre o desenvolvimento da memória em pessoas da quarta ida de provam isso mas o ritmo de aquisição não é lá muito comparável com o dos dois até seis primeiros anos de vida 9 39 horas por semana cerca de 1700 horas de trabalho por ano incluipdo férias pa gas durante 37 anos e meio de carreira ou seja 63750 horas de trabalho numa carreira profissional média x 1800 folhetos por hora 114750000 folhetos 178 Voltemos agora a algumas outras cifras surpreendentes O cérebro compreenderia um total da ordem de 30 bilhões de neu rônios10 ou seja seis vezes a população da terra Mas não nos esqueçamos de que cada um desses neurônios é como uma verdadeira cidade seu corpo celular é composto de várias cen tenas de milhares de macromoléculas ou proteínas elas mesmas consti tuídas de cadeias de aminoácidos Algumas macromoléculas compor tam por sua vez várias dezenas ou centenas de milhares de átomos eles mesmos constituídos de dezenas de partículas O corpo celular é cercado por uma membrana de cinco nanômetros 5 milhonésimos de milímetro de espessura constituída de duas cama das de moléculas comportando cinco classes de proteínas específicas entre as quais proteínascanais e proteínasbombas encarregadas de manter no interior de cada célula uma concentração eletroquímica específica dez vezes mais rica em potássio e dez vezes menos rica em só dio do que o meio externo à célula O corpo celular é munido de válvu las que abrem a porta para certas substâncias químicas e fechamna pa ra outras mas isso de forma variável e adaptada ao lugar e ao momento E tudo isso é feito de modo inteligente coordenado e quase ins tantâneo Assim por exemplo em meio milésimo de segundo são liberadas 3 milhões de moléculas em cada um dos espaços intersinápticos com largura de 2 bilhonésimos de milímetro Isso quer dizer que se alguém chama por Serge basta que meu ou vido perceba a primeira letra S para que milhões de minhas sinapses já tenham secretado cada uma das 3000000 de moléculas ativas de neu romediador químico acetilcolina etc é como se o telefone tocasse si multaneamente para 3000000 de pessoas mantendoas mobilizadas para uma eventual ação Mas talvez elas tenham atendido à toa De fato não tinham cha mado por Serge mas por Simon Não importa A membrana pós sináptica terá voltado a encontrar seu potencial de repouso em uma fra ção de milhonésimo de segundo e estará assim disponível para outro cha mado Instantaneamente minhas enzimas terão transformado as molé culas do mediador químico liberado por erro em substância inativa Esse microcircuito de contatoretração terá durado menos de um milé simo de segundo Embora o influxo se desencadeie no décimo milésimo de segundo NUA propagação em contrapartida é muito menos rápida Podese dis tinguir uma propagação de tipo elétrico ao longo dos cilindroseixos 100 R 200 metros por segundo e uma propagação de tipo químico no âmbito das sinapses esta última muito mais lenta 10 tl Nuortlo com cMlnmtlvas de Changeux Para os autores este número varia de 12 R hllhAm mIi i i im n pouco bilhões 179 Contrariamente ao que se poderia imaginar essa redução de ritmo constitui um importante progresso da evolução pois em vez de funcio nar por tudo ou nada como um computador comum baseado num sistema binário a corrente passa ou não passa esse tipo de influxo é capaz de um funcionamento qualitativo sutil capaz de uma trajetó ria modulada e guiada em que cada categoria de neurotransmissor só se propaga junto a receptores específicos Esse influxo é não apenas orientado no espaço mas também no tempo ele só persiste pela du ração necessária antes de ser apagado sem deixar vestígios devorado por nossas enzimas gulosas Essa limpeza deve ser meticulosa pois certos neurotransmissores são ativos na dose de 1 bilhonésimo de gramai Vemos pois que nosso cérebro é bem mais aperfeiçoado do que um computador visto que as portas de passagem podem ser não apenas abertas ou fechadas para este ou aquele visitante mas podem ainda ser progressivamente entreabertas Vamos deixar para lá essas cifras antes que tenhamos uma verti gem Toda essa atividade bioquímica de nosso cérebro pode hoje ser fil mada através da caixa craniana Podemos assim examinar as zonas ce rebrais em atividade observando o consumo intensivo de oxigênio e de glucose Vemos então o tipo de atividade mental ou afetiva em curso na pessoa e podemos saber se ela pensa num problema de matemática numa melodia num belo quadro ou no parceiro Não estamos muito longe do famoso detetor de mentiras O inconsciente Eis aí portanto a face oculta de nosso verdadeiro inconsciente e sua indizível riquezal Estrutura viva concebida no decorrer de bilhões de anos de evolução em constante adaptação às condições flutuantes dos meios interno e externo constituída de células onde estão inscritas registradas não apenas todas as experiências de nossa curta vida mas talvez também os vestígios do que aconteceu no mundo desde sua cria ção11 em todo caso nosso patrimônio genético que é revisto às vezes reajustado todas as noites durante nossos sonhos12 Esse inconsciente implicitamente admitido e utilizado em Gestalt está aquém do inconsciente freudiano constituído essencialmente pelo material inicialmente consciente recalcado depois pela censura do siste ma préconscienteconsciente que seria estocado mais na superfície 11 Cf Jean Charon J ai vécu quinze milliards d anées Paris Albin Michel 1983 O Universo teria nascido há 15 bilhões de anos e cada elétron da matéria de acordo com Charon estaria carregado de informações tem espírito chamao de éon ou partícula de psicomatéria veiculando o inconsciente coletivo do mundo E certamen te uma hipótese sedutora mas nada científica 12 Ver capítulo seguinte 180 talvez nas interconexões corticais do hemisfério direito caso aceite mos a hipótese de Laborit O verdadeiro inconsciente profundo englobando também as ca madas subcorticais estaria então mais próximo do inconsciente coleti vo de Jung assim como dos conceitos atualmente desenvolvidos pela corrente transpessoal 13 É tempo agora de deixar as microestruturas neurais para verificar as macroestruturas de nossos quatro cérebros e suas funções especí ficas Nossos quatro cérebros Quatro Por que quatro De fato estou considerando ao mesmo tempo os três estágios tradicionalmente descritos cérebro reptiliano cérebro límbico e neo córtex mas conto à parte cada um dos dois hemisférios deste último pois suas funções são claramente diferenciadas É claro que também poderia contar seis cérebros se considerasse cinco estágios o último deles dividido em dois compartimentos reu nidos por um corredor o corpo caloso três níveis reptilianos o bulbo o cerebelo o hipotálamo um nível límbico ele mesmo divisível em dois e dois hemisférios no âmbito cortical Seja lá como for contentarmeei com uma exposição sumária recolhida especialmente entre os vários trabalhos de pesquisa de Chan geux Geschwind Herrmann Jouvet Kordon Laborit MacLean Lher mitte Neville Penfield Picat Pribram Sperry Vincent Whittaker Cada região do cérebro tem funções específicas mas cada uma es tá conectada com todas as outras É pois um estreito trabalho de equi pe em que cada uma tem seu próprio papel e sua especialidade do qual se beneficia a cada instante o conjunto dos parceiros Distinguimos tradicionalmente três estágios ou níveis ou ain da três cérebros cada um dos quais corresponde a um estágio im portante de evolução das espécies filogênese I O cérebro reptiliano compreende essencialmente a formação reticula dar que gera a vigília e o sono e o hipotálamo do tamanho da unha do polegar que coordena o conjunto de nossas funções vitais fome iiede sexualidade regulagem térmica e metabolismo Ele está além dis HO em Interaçõo direta e recíproca com a hipófise o maestro respon sável pelo equilíbrio endócrino geral embora pese menos de 1 grama II Cf NlmiUIttv Irof Psychologie transpersonelle Mónaco Ed du Rocher 1984 181 É pois o centro dos instintos que rege especialmente nossas reações agressivas alimentares e sexuais14 assegurando a sobrevivên cia do indivíduo e da espécie Ele contribui sem cessar para o equilíbrio homeostático ou seja vela pelo aqui e agora de nosso meio interior Esse estágio já existia nos precursores dos mamíferos os répteis daí o nome Ele funciona no recémnascido assim como nos estados alterados de consciência ou durante um coma Ele intervém normal mente na gênese de nossas emoções como ativador energético de nos sas funções É de certa forma a sala de máquinas que fornece a corrente elétrica regula a circulação da água e a evacuação dos detritos 2 O cérebro límbico15 aparece nos pássaros e nos mamíferos inferio res permitelhes ir além dos comportamenteos inatos estereotipados os instintos comandados pelo cérebro reptiliano e que podem se mostrar inadaptados a uma nova situação Ele compreende especialmente o hipocampo que desempenha um papel central no processo de memorização e o núcleo amigdálico que modula as emoções MacLean distingue seis emoções fundamentais o desejo a raiva o medo a tristeza a alegria e o afeto O sistema límbico possibilita as aprendizagens conferindo uma to nalidade emocional às nossas experiências os comportamentos agra dáveis serão reforçados enquanto aqueles seguidos de punição acarretarão atitudes de aversão posterior Assim são associados fundamentalmente a memória e a emoção Esta última favorece o registro de qualquer aprendizagem e a insta lação dos reflexos condicionados Por ocasião de um trabalho em Gestalt qualquer manifestação emo cional tende a fazer emergirem lembranças associadas e inversamente toda lembrança marcante é acompanhada da emoção correspondente O sistema límbico possibilita a integração de nosso passado e se for o caso a eventual regravação de experiências reparadoras de reprogramação O sistema límbico produz as endorfinas morfinas naturais do or ganismo que regulam a dor a ânsia e a vida emocional Mas se a ânsia vital se reduz demais uma doce euforia se instala acarretando indiferença e passividade nosso cérebro é uma papoula Ele secreta ainda vários neuromediadores dos quais a dopami na que regula a vigilância a atenção o equilíbrio emocional e o pra zer e seria pois um ativador polivalente do desejo desprovido de qual quer especificidade 14 Cf o primeiro livro de Perls Ego hunger and agression 15 Do latim limbus borda fronteira 182 Segundo alguns biólogos a esquizofrenia poderia estar relaciona da a um excesso de dopamina Esta última é ativada pelas anfetaminas e inibida por certos neurolépticos O LSD se fixa nos mesmos recepto res da dopamina O orgasmo é uma experiência cerebral essencialmente límbica que pode provocar até a quadruplicação da secreção de endorfina daí o sen timento de bemestar e de apaziguamento das dores O centrencéfalo Certos autores como Penfield propuseram associar as duas estruturas subcorticais cérebro reptiliano e límbicó sob o nome de centrencéfalo O cérebro central hipotálamolímbico corresponderia então àqui lo que em liguagem corrente é chamado de coração Assim nosso coração está na cabeça e não no peito O centrencéfalo é responsável pela manutenção do equilíbrio fisio lógico e psicoafetivo pela homeostase restrita ao meio interior enquan to o córtex principal suporte de nossas relações com o meio participa ria da homeostase generalizada Laborit equilíbrio de todo o organis mo em relação ao meio Sabemos que a definição de estado de saúde em Gestalt está es treitamente ligada a essas noções Poderíamos dizer de forma algo esquemática que as terapias psicocorporais e psicoemocionais mobilizam as camadas profun das do centrencéfalo enquanto as psicoterapias de suporte essencialmente verbal trabalham mais no âmbito das camadas mais superficiais do cór tex ou poderíamos distinguir ainda de modo mais figurado as psi coterapias do coração e as da cabeça 3 O neocórtex é a matéria cinzenta da camada externa do cérebro que aparece nos mamíferos superiores Sua espessura é de 2 a 4 mm e sua superfície desenrolada cercaria um quadrado de 63 cm de lado Ele é o suporte das atividades de reflexão e criatividade assim como no homem da imaginação e da vontade É aí que são registradas as diversas sensações provenientes do mundo exterior Estas são depois aí coordenadas em perceções significativas nas áreas associativas permitindo a integração do esquema corporal e a ação motriz voluntária lobo parietal É aí que se constrói nossa imagem do mundo e se elabora a linguagem verbal e escrita que permite libertar nos da experiência imediata passar da repetição à previsão depois à prospectiva A previsão se apóia nas experiências registradas no sistema límbi co extrapolando um futuro provável do passado conhecido de fato cia procede do presente para o futuro 183 ESQUEMA DOS TRÊS ESTÁGIOS DO CÉREBRO segundo MacLean nível cortical futuro límbico passado reptiliano presente No segundo tópico freudiano o eu está aprisionado entre o id e o supe rego e deve lutar nessas duas frentes A Gestalt está mais de acordo com as estruturas cerebrais o eu está li vre para se desenvolver ele extrai sua força das pulsões do id instin to e da experiência cognitiva e emo cional sistema límbico constituin do a personalidade 184 A prospectiva ou futurologia opera em sentido inverso imaginando por antecipação um futuro desejado e deduzindo daí um comportamen to presente eficaz para o preparar procede do futuro para o presente Poderíamos também assinalar em nosso córtex uma dissimetria atrásfrente áreas parietaisáreas frontais mais raramente evocada As áreas frontais particularmente desenvolvidas no homem 30 da superfície do córtex contra 17 no chimpanzé e 7 no cão são o principal órgão da atenção consciente da vontade e da liberdade é aí que se elabora nossa autocrítica nossas decisões e nossos projetos As lesões frontais acarretam uma dependência excessiva do meio exterior a fronteira é abolida numa confluência biofisiológica Os doentes adotam um comportamento quase automatizado de utilização ou de imitação16 condicionado por sua percepção do mundo exterior eles vêem um martelo e martelam uma garrafa e bebem uma cama e deitam se alguém faz um gesto imitamno As áreas frontais sjio anta gonistas das áreas parietais que nos informam sobre o meio inibindo as e permitindo assim uma escolha deliberada por seleção de um com portamento livre Eles freiam as respostas quase automáticas e cegas in duzidas por nossos condicionamentos anteriores e pelas influências ex ternas Nossa autonomia se manifesta então biologicamente na capa cidade de dizer não às solicitações externas que não nos convenham Em Gestalt trabalhamos em geral o sim e o não a responsabili dade da escolha livre É importante salientar que numerosas conexões anatômicas asse guram um vínculo estreito entre os lóbulos frontais e o sistema límbico associando assim nossas decisões e nossas emoções Se quisermos manter vestígios duradouros de um trabalho em Gestalt é portanto desejável mobilizar as camadas profundas do cen trencéfalo favorecendo a emoção paralelamente à explicitação verbal e ao seu registro que acompanha a tomada de consciência Poderíamos dizer de certa forma que é preciso préaquecer a fotocopiadora antes de poder copiar um texto Ou ainda que para gra var a fita é preciso manusear corretamente o gravador apertando o bo tão vermelho Então até poderemos tentar regravar uma nova men sagem sobre um texto antigo desde que observemos a localização exata deste último é mais ou menos isso que acontece quando uma lembran ça carregada de emoção emerge e o cliente vive em terapia uma expe riência nova e positiva associada à penosa experiência anterior Podese ir assim procedendo até refazer a posteriori antigas lem branças17 reapropriarse de sequências da infância ou reajustar imagens 16 Ou seja um comportamento desavergonhado F Lhermitte Autonomie de lhomme et lobe frontal in Bull Acádemie Nat Médec n 168 pp 224228 1984 17 Aliás esta seria uma das muitas funções do sonho especialmente sonhos repetidos desdramatizar progressivamente a carga emocional de certos estresses ver capítulo seguinte 185 parentais interiorizadas assim como hoje em dia podese reconstituir os elementos ausentes ou deteriorados de um antigo mosaico de modo a manter coerência com os traços restantes A memória e o esquecimento A memória imediata memória de trabalho lábil não estocada é constituída por ligações intersinápticas corticais de duração breve de 30 a 40 segundo é ela que permite por exemplo que eu retenha um número de telefone o tempo suficiente para discálo A memória de curto prazo que pode se manter de vários minutos a algumas horas parece codificada e armazenada no interior das estru turas límbicas hipocampo etc Mas a memória propriamente dita ou memória de longo prazo in delével implica a transferência das informações para o neocórtex onde ela parece estocada em diversos locais ao mesmo tempo O registro mnêmico é difuso e bilateral De fato ele não é conservado em estrutu ras materiais fixas como nos livros de uma biblioteca consistindo mais em um trajeto uma fenda nas vias neurais a corrente assim como os homens passa melhor por uma pista que já foi usada18 Assim o cérebro acrescentaria informação à matéria por uma nova formaliza ção Gestaltung da estrutura molecular do ARN ácido ribonucléico A memória de longo prazo inicialmente implica um registro na memória imediata ou de curto prazo no âmbito das estruturas límbi cas hipocampo etc Poderíamos dizer que fotografo com a camada sensível e frágil de meu córtex occipital revelo as fotografias no laboratório químico de meu cérebro límbico e depois disso falta ainda fixar as fotos antes de poder fazer suas várias cópias circularem por segurança por intermé dio dos diversos mensageiros que percorrem meus corredores corticais E já que estou usando metáforas por que não evocar ainda a me mória de trabalho memória ativa provisória da tela de meu computa dor que posso modificar ou apagar a qualquer momento e a memória externa transferida para o disquete onde ela é preservada mesmo se eu cortar a corrente de minha atenção É claro que tudo isso funcio na conforme o programa da memória central gravada no código ge nético de minhas células ou em meu computador e que gere os instin tos de meu cérebro reptiliano Para alguns autores essas operações de codificação e transferência visando a conservação das lembranças do dia aconteceriam a cada noi te durante o sono paradoxal sonhos19 Nesta hipótese poderse 18 Em sentido amplo poderíamos dizer que uma folha de papel conserva a memória de uma dobra 19 É assim por exemplo que a supressão do sono paradoxal impede que o rato memori ze um aprendizado Guy Lazorthes Le cerveau et lesprit Paris Flammarion 1982 186 ia dizer que de modo inesperado o sonho seria não apenas a manifes tação do inconsciente abrindo caminho para o consciente mas também do consciente abrindo um caminho para o inconsciente atualização de nosso estoque de informações Sabese além disso que um breve coma pode apagar a lembrança das horas que precederam um acidente amnésia póstraumática Uma rede de intervenção de urgência pela Gestalt Um princípio análogo não poderia ser deliberadamente explorado a título terapêutico para limitar as conseqüências psicológicas de um trauma Bastaria então apagar a lembrança penosa antes da primei ra noite Parece que isso pode ser feito sem que se recorra ao coma Recentemente tive a oportunidade de experimentar em várias oca siões um trabalho a quente em regime de urgência nas horas subse qüentes ao trauma antes que uma única noite tivesse passado sobre A revivescência imediata de um acidente de carro ou de uma viola ção acompanhada de um intenso eco emocional catártico mas desta vez no clima caloroso e seguro de uma sessão terapêutica permitiria ao que parece exprimir a angústia antes que ela se imprima e desar mar assim as imagens traumatizantes associando a elas uma emoção positiva e incitando a vítima a superar o vivido pelo agido O testemunho dos clientes é sempre surpreendente o distancia mento parece quase imediato e eles depois contam o acidente desliga dos como se tivesse acontecido a uma terceira pessoa Essa hipótese pessoal de trabalho exigiria é claro um estudo mais aprofundado mas justificaria talvez a instalação progressiva de uma rede de intervenção de urgência pela Gestalt similar à International Emer gency Network criada pelos Grof para o tratamento das crises transpessoais Não se trata é natural de contribuir para qualquer recalque do traumatismo Aliás o verdadeiro perigo do inconsciente como enfati za Laborit20 não é o material recalcado mas bem pelo contrário aque le que foi muito facilmente aceito introjetado automaticamente e nun ca depois questionado O que é preciso então despotencializar é o in consciente automático que nos aprisiona nos estereótipos e não o recalcado O inconsciente para Laborit não é o campo de um conflito mas inversamente o lugar de uma aceitação muito passiva É a decisão consciente que envolve um conflito permanente entre a pressão deter minista dos automatismos inconscientes inatos ou adquiridos de origem 20 Henri Laborit L inhibition de laction Paris Masson 1979 187 subcortical e a escolha livre e aleatória córticofrontal autorizada por nossa vontade e nossa imaginação Durante uma anestesia cirúrgica se provoca artificialmente o não registro das lembranças o doente não sente emoção nem dor e não há registro cortical21 Um caso particular merece nossa atenção é a anes tesia potencializada produzida pela associação de um analgésico e de um neuroléptico Laborit 1950 O doente perde a consciência e pode se proceder a intervenções maiores entretanto ele continua responden do a ordens verbais simples abra a boca feche os olhos etc Neste caso a linguagem atua como um estímulo físico que desencadeia no âmbito límbico um reflexo condicionado automático Em nossa experiência pessoal com Gestalt é freqüente assistirmos seqüências análogas que não deixam de surpreender os participantes de um grupo um cliente pode estar num estado anormal em regres são manifesta num comportamento préverbal tomado por uma raiva violenta ou agitado por profundos soluços mas continuar perfeitamen te acessível a ordens simples cuidado com o aquecedor você pode morder a toalha Ele funciona de fato simultaneamente em dois ní veis diferentes e uma breve seqüência comportamental de tipo reflexo não interrompe o desenvolvimento do profundo processo em curso A inibição da ação Ao contrário dessas interrupções precisas e induzidas de duração muito breve as interrupções espontâneas prolongadas e sobretudo re petidas de uma ação em curso podem acarretar com o tempo conse qüências patológicas É então um funcionamento cronicizado do sis tema de inibição da ação Esse sistema é acionado em desespero de causa quando as reações normais de defesa do organismo fuga ou luta não são possíveis ou oportunas seguidas que foram anteriormen te de resultados negativos em várias ocasiões Exemplo não respon der as repreensões do patrão Assinalemos de passagem que Laborit diferencia quatro tipos de comportamentos básicos dois comportamentos inatos o consumo beber comer copular a defesa fuga ou luta 21 Uma outra constatação também citada por Marie Petit em sua tese sobre Gestalt é a do esquecimento pelo diente de uma seqüência de trabalho pessoal particular mente importante e que tenha transformado permanentemente seu modo de vida poste rior Tenho diversas hipóteses para isso não inscrição devida a uma participação emocio nal catártica no próprio momento o abcesso foi eliminado e cicatrizou rapidamente recalque defensivo ou ainda assimilação completa da experiência assim como quando eu digeri uma informação nem sempre sei de onde a tirei ela agora faz parte de mim Esse fenômeno é freqüente e sempre surpreendente 188 dois comportamentos adquiridos a ação adequada a inibição da ação Como todo sistema de freagem esses mecanismos de inibição só estão previstos no organismo como sistema de socorro de urgência des tinado a funcionar por períodos muitos curtos Mas se andamos com os pés nos freios por um tempo muito longo o conjunto esquenta e a produção excessiva de neuromediadores nãometabolizados acarre ta perturbações das mais diversas neuroses psicoses doenças psicosso máticas úlcera de estômago hipertensão certos cânceres Para o biólogo Henri Laborit a inibição da ação seria a base de todas as doenças assim como para Fritz Perls a interrupção das Ges talts ou Gestalts inacabadas seria a origem de todas as neuroses Ainda de acordo com Laborit esse tipo de comportamento inter rompido ou proibido é particularmente freqüente em nossa socieda de de obrigações onde ele atinge ainda mais as personalidades do minadas que não conseguem exprimir suas necessidades seus de sejos sua raiva do que os chefes que embora estressados se autorizam uma atividade agressiva e sexual geralmente muito superior à média A prática de uma Gestalt com mediação corporal parece limitar os múltiplos efeitos patogênicos da inibição da ação permitindo identifi car melhor as necessidades prioritárias e sua eventual satisfação assim como a expressão ativa das emoções especialmente a raiva a ternura a tristeza e a alegria tudo isso no mais das vezes de modo metafórico A dissimetria dos hemisférios cerebrais Sabemos há muito tempo que o cérebro humano se caracteriza por uma acentuada dissimetria perceptível tanto no plano anatômico quanto no plano funcional e como já assinalei isso é um sinal evidente de evolução Enquanto entre os macacos há tantos canhotos quanto destros en tre os seres humanos estes últimos representam 92 da população22 seu hemisfério cerebral esquerdo é chamado de dominante Sabemos agora que esse desenvolvimento diferenciado dos dois he misférios começa já antes do nascimento estreitamente relacionado com a produção dos hormônios sexuais Constatouse que quando um hemisfério trabalha os olhos tendem a virar para o lado oposto Desde o nascimento 95 da população de recémnascidos quando deitados de costas viram a cabeça para a direi ta Parece que é uma programação genética da espécie uma biogra 22 Ou seja 50 dos maçados canhotos 10 dos meninos e 4 das meninas 189 Os três estágios do cérebro Cérebro reptiliano Cérebro límbico Neocórtex répteis mamíferos inferiores mamíferos superiores arquencéfalo patencéfalo neencéfalo hipótálamo apetite sexualidade form reticulada vigília hipófise regulação endócrina hipocampo memória núcleo amigdálico emoções vínculo com os lóbulos frontais áreas sensitivas áreas motrizes áreas associativas lóbulos frontais energia vital pulsões automatismos inatos experiência emocional subjetiva memória e emoções imaginação criadora pensamento funções vitais instinto eou vegetativos fome sede sono sexualidade agressividade ter ritório regulagem térmica e endrócrina Manutenção da ho meostase interna aprendizados reflexos condi cionados e automatismos ad quiridos por coloração afetiva do com portam ento recom pensa e punição prazer e dor medo ou aversão comportamento inteligente e autônomo adaptado à situa ção original do momento e imaginação que permite uma visão prospectiva do futuro reflexos inatos hábitos reações voluntárias integração do presente por autoregulação bioquímica integração do passado por coloração emocional das experiências memorizadas construção do futuro por consciência reflexiva cérebro inferior funciona no recémnascido e no coma cérebro central cérebro superior Estruturas subcorticais centrencéfalo Estruturas corticais córtex matéria branca prolongamento dos neurônios axônios de dendrite matéria cinzenta corpos celulares neurônios o coração a cabeça homeostase restrita constância do meio interior homeostase generalizada adaptação de todo o organis mo ao meio inatos comportamentos estereotipados adquiridos comportamentos livres pulsões o inconsciente automatismos o consciente Serge Ginger 1986 mática de Chateau regulando a sintaxe das relações mãefilho favo recendo o vínculo que se constrói nas dezenas de minutos que se se guem ao nascimento e se estende depois por iríeses e anos numa extraor dinária complexidade de trocas entre o pequeno e sua mãe 23 Descobrese assim todo um repertório de interações programadas anteriormente no cérebro da mãe e no da criança que se desdobra com o caráter inelutável de um destino que se define em algumas horas 23 Vincent JD Biologie des passions Paris Seuil 1986 190 Quanto mais intenso o contato nos 45primeiros minutos mais só lido será o vínculo A mãe segura espontaneamente seu bebê do lado esquerdo do peito lado do coração em 80 dos casos e também em 78 dos casos entres as canhotas Uma mãe privada do lactente pe las primeiras 24 horas após o nascimento vai segurálo anormalmente à direita Este bebê de direita depois necessitará do dobro de ajuda mé dica do que um bebê de esquerda 24 Lembremos que o hemisfério esquerdo é sobretudo verbal lógico analítico e científico enquanto o hemisfério direito é mudo espa cial analógico sintético e artístico Ele está mais relacionado à orien tação ao esquema corporal ao reconhecimento de rostos às imagens à música25 à emoção e ao sonho Por isso disseram o homem pensa com seu cérebro esquerdo e sonha com o direito Acrescentemos ainda que o hemisfério esquerdo rege a orientação no tempo portanto a sucessão linear unidirecional dos eventos seu en cadeamento ele favorece o comprometimento E o hemisfério direito rege a orientação no espaço portanto a dispersão multidirecional e fa vorece o descomprometimento Vimos que este hemisfério é muito solicitado em Gestalt enquanto o esquerdo o é mais nas psicoterapias essencialmente verbais Há no âmbito cerebral um vínculo estreito entre a mobilização cor poral a emoção e a produção de imagens e podemos considerar o con junto das psicoterapias de mediação corporal ou emocional como psi coterapias do cérebro direito Estas são noções agora admitidas por todos os pesquisadores e co nhecidas pela maioria dos clínicos Mas eu gostaria de acrescentar al guns pontos evocados com menor freqüência Inicialmente nunca se deve perder de vista que nossos dois hemis férios estão em permanente e estreita interconexão através dos 200 mi lhões de fibras do corpo caloso26 Assim nossos dois cérebros trabalham em associação constante to das as informações provenientes do mundo exterior chegam simultanea mente aos dois hemisférios Cada uma extrai o que lhe cabe e as trata em função de sua especialização Depois cada hemisfério vai comuni cando ao outro os resultados das informações assim tratadas Cada parte do cérebro tem sua própria memória e arquiva os dados sensoriais brutos e só as conclusões significativas são transmitidas ao outro hemisfério Em suma é um estreito trabalho de equipe não desprovido de com petição como na redação de um jornal cada responsável por uma ru 24 Vincent J D op cit 25 A taxa de canhotos entre os músicos é duas vezes mais elevada do que na população em geral 26 Exceto durante as fases de sono paradoxal sonhos em que a atividade da comissu ra calosa cai consideravelmente o interfone foi cortado durante a noite 191 brica seleciona as informações que lhe concernem selecionaas e as re sume depois o conjunto da equipe de redação toma conhecimento do jornal redigido e pode eventualmente fazer observações sobre o traba lho de um colega Os dados principais são estocados em arquivos cen trais enquanto cada um conserva suas notas pessoais rascunhadas Assim por exemplo os dois cérebros recebem as sensações táteis comunicadas pelas duas mãos e é a rapidez da resposta que permite sa ber de que lado é tratada a informação Daí a freqüente superioridade dos esportistas canhotos em competições rápidas de alto nível esgrima pinguepongue tênis27 pois para eles tanto o tratamento da percep ção visual do espaço quanto o comando motriz do braço esquerdo acon tecem no mesmo hemisfério e ganham assim alguns preciosos centési mos de segundo Já o centro da linguagem está localizado à esquerda em 96 da população ou seja em 98 dos destros mas também em dois terços dos canhotos contrariamente à opinião corrente Às mulheres a lógica aos homens a emoção Na mulher as conexões interhemisféricas seriam mais numerosas28 daí mais vínculos entre seu comportamento racional verbal e emocio nal enquanto a dissimetria continua mais acentuada no homem após a puberdade com um desenvolvimento relativamente mais importante do hemisfério direito Sabemos que geralmente os homens são mais bem sucedidos nas tarefas dominantemente espaciais mecânica por exemplo enquanto as mulheres ficam mais à vontade nas provas verbais comandadas pelo he misfério esquerdo Certos autores têm como hipótese que isso é um vestígio filogenéti co ligado ao fato de que os primeiros homens caçadores teriam tido que desenvolver seu sentido espacial e de orientação enquanto as mu lheres encarregadas de criar os filhos tinham mais necessidade de de senvolver a comunicação verbal Sem dúvida terseá observado de passagem que contrariamente a um preconceito tenaz o cérebro feminino é não apenas mais verbal mas também mais lógico mais analítico e mais científico enquanto na verdade o cérebro masculino é bem mais sintético mas também mais artístico e mais diretamente ligado às emoções É claro que os diversos dados neurológicos são amplamente mati zados pela educação e pela cultura Ouvese afirmar com freqüência que a criatividade faz parte das fun ções controladas pelo hemisfério direito mas este ponto de vista é con 27 Por exemplo nas finais dos Jogos Olímpicos entre quinze esgrimistas oito eram ca nhotos e entre quatro tenistas três 28 Entre os japoneses de ambos os sexos seriam iguais 192 Os dois hemisférios do cérebro ItetniiMflo ímiu rlo hemisfério direito vrthal lliigunucrn palavras soiiu 1m lliigiiiiiicm cm 96üo das pessoas 98 o r 70 dc canhotos i frutifico il Itttipo lúgico imlonal a eabeça minllllco vC a árvore mudo imagens formas cores artístico o espaço analógico intuitivo emocional o coração sintético vê a floresta nwtriM o do discurso Hnl unnHo c redação em prosa urllmóllca e cálculo mental priirmtnruio organizado e consciente iminliccimento dos nomes Ou ptNNoas icamhcciinenlo do nome dos objetos entonação da voz timbre modulação poesia pintura música matemática superior sonhos e inconsciente freudiano reconhecimento dos rostos Gestalt global reconhecimento da forma de objetos e do uso eu mi mundo quantitativo ritmo musical e seqüências temporais uno subo distinguir uma voz martailimi dc uma feminina iiAn sabe desenhar nem cantar PNCtila alfabética 0 icxto abordagem linear cartesiana apreensão de elementos novos criatividade c pesquisa o mundo em mim qualitativo timbre e melodia musical não sabe traduzir uma emoção em palavras não sabe falar nem contar ideogramas chineses hieróglifos egípcios o contexto abordagem sistêmica apreensão de um contexto familiar banal estereotipado orientação no já conhecido intuições criativas não elaboradas càcbro feminino Hlojiêncsc necessidade de comunicação verbal m ulher no lar com crianças louoiaçfío sociável feiiz otimista cérebro masculino filogênese necessidades de orientação espa ço e formas para a caça e a guerra conotação emotiva morosa pessimista psicoterapias verbais psicanálise terapias psicocorporais e emocionais testado pelas pesquisas recentes Gardner Bogen Zaidel etc que pa recem mostrar que o cérebro direito é especializado ao contrário no reconhecimento das informações banais e estereotipadas da vida coti diana e familiar enquanto o esquerdo trata os dados novos originais ou complexos e assim impulsiona a atividade criadora Afinal parece que a criatividade verdadeira implica um trabalho articulado dos dois hemisférios especialmente os lóbulos frontais energizados pelo cére bro Ktnbido uma mobilização importante do conjunto do cérebro Kntre os resultados terapêuticos concretos das pesquisas recentes assinalemos ainda que um hemisfério inibe o outro assim por exem plo sc o esquerdo está inativo a percepção das imagens e das emoções sc reforça29 e inversamente se o hemisfério direito está inativo a ver balização tornase mais fácil J ii iiicsmn forma a hiperventilação pulmonar embriagando as zonas corticais por lilpei lUldoNC libera a atividade subcortical hipotalâmica e límbica e favorece a emergên titi Ir Imagens c emoções técnica utilizada em rebirth e bioenergética 193 Lembremos as numerosas técnicas desenvolvidas pela Escola de Paio Alto30 para bloquear o hemisfério esquerdo e assim liberar o direito re laxamento visualização parasitagem do cérebro esquerdo por um fluxo rápido de palavras desconexas exercícios de logolalia 31 etc Es sa ativação do hemisfério direito favorecida especialmente na Gestalt de estilo californiano permite uma mobilização da emoção e uma nova abordagem dos problemas Constatouse além disso que a atividade do lóbulo direito apre sentava geralmente uma conotação emocional morosa às vezes pessi mista enquanto a atividade mais verbal mais comunicativa e portan to mais sociável do hemisfério esquerdo acarretava um humor mais jovial e mais otimista Eis por que a mulher é o sol do homem Assinalemos ainda as pesquisas recentes sobre o cérebro dos dislé xicos32 as dislexias severas estariam ligadas a anomalias do desenvol vimento do cérebro in utero muito mais do que às condições de apren dizagem da leitura ou às relações afetivas intrafamiliares que seriam no máximo eventuais fatores desencadeadores de uma predisposição neurológica Assim notouse uma freqüência estatisticamente muito significati va de dislexia nos meninos quatro vezes mais freqüente do que nas me ninas nos canhotos nas crianças com dom para a música artes visuais matemática33 e esporte assim com nos louros e nos alérgicos Todas essas características estariam ligadas a uma desordem da mi gração dos neurônios durante a vida fetal desordem muito aparente em todas as observações microscópicas do cérebro de crianças disléxicas Isso seria provocado por um excesso de produção de testosterona hor mônio masculino pela mãe durante a gravidez acarretando um desen volvimento anormalmente importante do hemisfério direito A Assim pois uma hipersensibilidade prénatal aos hormônios mas culinos ou sua produção excessiva durante a gestação potencializaria a predisposição não apenas para dislexia matemática arte e esportes mas também para a Gestalt 30 Paul Watzlawick Le langage du changement Paris Seuil 1978 31 Falar com palavras inventadas tentando se comunicar através da entonação 32 Geschwind e Galaburda da Universidade de Harvard Boston EUA 1984 33 Contrariamente a uma idéia difundida a matemática superior seria tratada princi palmente pelo lóbulo direito porque envolve relações e uma visão sintética das coisas mais do que uma análise lógica estereotipada O cálculo em contrapartida seria tratado essen cialmente pelo lóbulo esquerdo 34 Que pôde ser artificialmente reproduzido por injeções em ratos ou macacos mas só durante o período sensível da segunda metade da gestação e antes do nascimento 194 C a p í t u l o 12 O imaginário em Gestalt sonho desperto sonho criatividade Qual é então em Gestalt o lugar do imaginário considerandose a clássica dupla acepção do termo representação mental de imagens passadas produção de novas combinações de palavras imagens gestos ou com portamentos elaborados A Gestalt permite que eu explore a estreita praia de minha liberda de às vezes varrida pela tempestade às vezes deserta às vezes quente ensolarada e perfumada Ela me acompanha em minhas produções es pontâneas de sensações corporais nas emoções que experimento nas imagens encontradas ou fantasiadas nos sonhos noturnos ou nos deva neios despertos tudo no contexto atual da relação estabelecida Já falamos do corpo em sua realidade encarnada abordemos ago ra a fantasia em sua emergência espontânea O vaivém mental Uma das características da Gestalt é esse vaivém constante essa na veta permanente entre o corpo e as idéias entre a matéria e o espírito entre a realidade do aqui e agora do processo em curso e sua aware ness e as fantasias evocadas pela revivescência de situações inacaba das ou pelos bloqueios induzidos por mecanismos consolidados A psicanálise trabalha essencialmente no domínio da fantasia ela borada pelo paciente e raramente confrontada com a realidade O comportamentálismo inversamente se limita a superar as difi culdades ou os sintonas encontrados na realidade cotidiana 195 A Gestalt trabalha na passagem de um a outro autorizando e in centivando a escapada no imaginário sonho sonho desperto devaneio metáfora ou criatividade e ainda procurando regularmente seus vín culos com a realidade social e concreta partilhada A abordagem gestaltista dos fenômenos transferenciais é um exem plo corrente disso o terapeuta deixa que sejam expressos e até se in tensifiquem e depois incentiva o cliente a tomar consciência deles antes que se tenham instalado muito solidamente Nicolas para o terapeuta Eu não gosto de sua maneira de me fa zer trabalhar Você é seguro demais Sempre tenho a impressão de que você me toma por menininho que vai se dar mal Logo que começo a falar de minhas dificuldades em termos de autoridade com os jovens dos quais me ocupo tenho medo de que você me dê conse lhos com sua longa experiência de educador Terapeuta Já dei conselhos a você Nicolas Não Ainda Mas com certeza não demora Meu diretor também sempre faz isso ele me alerta antecipadamente con tra os erros a não serem cometidos E meu pai também fazia a mes ma coisa assim que eu saía de casa Terapeuta O que você espera de mim agora Nicolas Eu Mas não espero nada Aliás não te pedi nada Eu simplesmente falo com você sobre minhas dificuldades em me fazer ouvir Mas percebo que neste momento de novo déi a você um status de autoridade e estou outra vez me desvalorizando segue um longo trabalho com sua relação com o pai Essa naveta termo de Perls entre a fantasia e a realidade é par ticularmente rica em efeitos terapêuticos secundários quando se traba lha com clientes psicóticos ou borderline que podemos autorizar a decolar e planar em sua realidade interior e depois aterrizar no chão firme da realidade exterior do aqui e agora O terapeuta pode acom panhar provisoriamente o cliente em suas revoadas mas cuida para que sejam feitas escalas regulares de retomada de contato com o chão e para analisar o itinerário de tempos em tempos Eis um exemplo de sonho desperto desse tipo Marion é uma jovem mulher borderline Ela é celibatária e não con segue estabelecer vínculos duradouros Ela participa há vários meses de um grupo mensal contínuo Marion Não sinto coragem alguma hoje estou liquefeita Sou como um charco por terra aí um charco esbranquiçado É leite Terapeuta Olhe esse charco no carpete e descrevao Marion Sim É leite Tem a forma de uma luva Terapeuta Você pode se tornar esta luva 196 Marion se estende no chão e fecha os olhos Marion Sou uma luva de leite branco Entro dentro e olho Ah Tem uma gota dâgua Ela brilha Tem reflexos Nesses refle xos eu vejo uma grande parede Uma grande parede com janelas Terapeuta Olhe uma dessas janelas Marion Ah Sim Estou vendo bem A janela é toda negra Há um parapeito Mas não tem ninguém na janela ela está vazia e negra Terapeuta e se houvesse alguém Marion Bem seria meu pai Eu olho Espero mas ele não está ali É sua janela mas está vazia e ele não virá1 Tudo é negro ela se enrosca no chão em posição fetal Há uma espécie de buraco ne gro É um buraco negro É um tubo Ah Não Eu vejo é um pneu todo negro e redondo Estou dentro Faço sinal em silêncio para que os membros do grupo se aproxi mem e se disponham ao redor dela sentados ou ajoelhados Ao con tato de seus corpos ela se encolhe mais ainda enrolada como uma bola Marion Está quente em meu pneu Sintome bem na câmarade ar após um momento ela passa espontaneamente a forçar uma passagem com a cabeça Eu posso sair se quiser Eu quero sair Deixemme sair ela grita Após alguns minutos de esforço Marion consegue parirse num grande grito de alegria e libertação e depois compartilha suas impres sões com o terapeuta e os membros do grupo2 Estamos diante de uma espécie de sonho desperto acompanhado praticamente espontâneo De acordo com a estratégia clássica da Ges talt eu me contento em favorecer a amplificação da cadeia imaginária interior por meio de uma dramatização corporal que permita que a pes soa se identifique melhor com sua produção mental onfrica incentivan do uma encarnação das imagens e do verbo Neste caso como é uma sessão de terapia em grupo aproveito a presença do grupo e o mobilizo para encarnar o pneu uterino Observase a passagem da cena imaginária à sua representação no espaço intermediário terapêutico mais real a passagem das imagens ao verbo e ao corpo assim como a relação final com o terapeuta e o grupo que permite tecer progressivamente um vínculo polissêmico entre o imaginário o simbólico e o real3 I Marion nunca conheceu o pai 1 listu seqüência foi uma virada em sua terapia cuja coloração mudou a partir das sessta seguintes V Nossa prática do sonhodesperto lembra sob certos aspectos a do sonhodesperto ilirliiido de Desoille a qual aliás foi amplamente modificada pelas escolas francesas atuais iic utilizam a transferência numa óptica psicanalítica 197 F Essa estimulação do imaginário por meio das imagens é ainda re forçada em certas variantes da Gestalt como a vídeogestalt de Barry Goodfield que não só utiliza o gravador mas também a autohipnose de inspiração ericksoniana que induz mergulhos profundos O sonho em Gestalt Mas é claro que é na exploração do sonho noturno que a Gestalt encontra seu terreno de predileção e Perls ficou célebre a partir de suas demonstrações filmadas de trabalho com sonhos alguns deles relatados no livro Gestalt therapy verbatim Para ele assim como para Freud o sonho é uma via régia Eis co mo ele expõe sua hipótese de trabalho4 Todos os diferentes elementos do sonho são fragmentos da per sonalidade Como o objetivo de cada um de nós é tornarse uma per sonalidade saudável ou seja unificada é preciso reunir os diferentes fragmentos do sonho Nós devemos nos reapropriar desses elementos projetados fragmentados de nossa personalidade e recuperar assim o potencial escondido no sonho Em Gestaltterapia não interpretamos os sonhos Fazemos dele algo bem mais interessante Em vez de analisar autopsiar o sonho nós queremos trazêlo de volta à vida A forma de chegar a isto é re viver o sonho como se ele se desenrolasse atualmente Em vez de contá lo como se fosse uma história passada dramatizeo enceneo no pre sente de modo que ele se torne parte de você mesmo de modo que você esteja verdadeiramente envolvido nele Se você quiser traba lhar sozinho com um sonho escrevao faça a lista de todos os seus elementos de todos os seus detalhes depois trabalhe com cada um tornandose cada um deles A maioria das técnicas tradicionais de Gestalt pode ser aplicada no trabalho com um sonho awareness dramatização monodrama ampli ficação trabalho com polaridades responsabilização experiência de con tato e de retração com um elemento do sonho com o terapeuta com um elemento do grupo etc Certamente como de costume serão ob servados os mecanismos de evitação ou de ruptura do contato resis tências ou mecanismos de defesa Alguns gestaltistas como Isadore From vão mais longe e conside ram o sonho sobretudo na noite que precede ou segue uma sessão de terapia não apenas uma projeção mas também uma retroflexão ou seja uma importante perturbação da fronteiradecontato entre o cliente e o terapeuta Ao dormir a pessoa inconsciente diz coisas a si mesma para não dizêlas explicitamente a seu terapeuta 4 Hipótese já desenvolvida antes dele por Otto Rank cujas obras Perls tinha lido 198 De fato um paciente em terapia sabe em geral que se lembrar de um sonho vai contálo ao terapeuta Minha hipótese é de que este fato determina de certa forma o conteúdo do sonho do paciente não é só um sonho é um sonho que ele vai contar ao terapeuta5 Um outro nome para retroflexão poderia ser censura ou retenção o paciente fala para si mesmo diz para si mesmo coisas que não poderia ou não quereria dizer ao terapeuta 6 Assim From reintroduz mais ou menos explicitamente a noção de transferência A transferência é o equivalente do aqui e agora O inte resse da transferência é que torna possível que as situações inacaba das do passado das quais toda terapia tem que se ocupar se resolvam no presente Nós não incentivamos a transferência como ela é pra ticada com razão em psicanálise por causa do método Mas embo ra não a encorajemos isso não quer dizer que a eliminemos Seria absurdo dizer que não utilizamos a transferência Nós colocamos questões para alertar nosso paciente sobre a transferência e para des fazer essa transferência Como vemos uma vez mais cada gestaltista desenvolve seu estilo próprio embora continuando fiel àquilo que é essencial à Gestalt O sonho através da história Desde a mais remota antiguidade há interesse pelo significado dos sonhos eles foram inicialmente considerados mensagens dos deuses Encontramos menção deles na tradição chinesa do século x v i i i aC e deles Confúcio extraía sua sabedoria Na época helenística havia 420 templos de Esculápio onde se pra ticava a incubação que consistia em dormir no templo para obter um sonho que possibilitasse a cura das doenças A pessoa dormia enrolada na pele sangrenta de uma cabra ou de um carneiro que acabara de ofe recer em sacrifício aos sacerdotes enquanto grandes serpentes verdes e amarelas de dois metros de comprimento se esgueiravam lentamente por toda a noite pelo pavimento de mármore entre pétalas de flor e os corpos dos que dormiam 7 Tratamento de choque que levava a uma cura mais rápida 5 É bem sabido que os sonhos dos pacientes são mais ricos ou em imagens sexuais ou cm arquétipos espirituais conforme a orientação freudiana ou junguiana da análise 6 Entrevista de Isadore From com Edward Rosenfeld The Gestalt Journal Vol I NV 2 Outuno 1978 7 MarcAlain Descamps op cit 199 O sonho terapêutico ou profético era praticado também no Egito na Assíria e na Mesopotâmia 3000 anos antes de nossa era assim co mo pelos judeus vejam os inúmeros sonhos proféticos relatados na Bí blia pelos ameríndios gauleses e celtas Maomé todas as manhãs in terrogava seus companheiros sobre seus sonhos da noite e tomava deci sões em conformidade com eles Certo povo da selva da Malásia ainda hoje procede da mesma maneira compartilhar os sonhos constitui de longe sua principal ocupação condicionando o conjunto de sua vida so cial reputada particularmente pacífica e democrática Para Freud o sonho não é uma mensagem transcendente de cima mas uma mensagem imanente de baixo proveniente do continente ne gro das pulsões inconscientes Sua descoberta do significado dos so nhos logo lhe pareceu tão importante que quando compreendeu pela primeira vez seu mecanismo no restaurante Bellevue nas cercanias de Viena pensou em colocar ali uma placa comemorativa com a seguinte inscrição Nesta casa em 24 de julho de 1895 foi revelado ao dr Sig mund Freud o segredo dos sonhos 8 E no entanto os 600 exemplares da primeira edição de sua obra fundamental A interpretação dos sonhos simbolicamente editada no começo do século no ano de 1900 e atualmente traduzida para a maio ria das línguas levaram oito anos para serem vendidos Enquanto para Freud o sonho é em geral um sintoma neurótico Introdução à psicanálise Jung vai lhe dar um valor mais elevado atribuindolhe não somente causas psicológicas ou biográficas mas uma percepção inconsciente do fundo cultural comum da humanidade Para ele os sonhos remetem sem descontinuidade ao passado mas também ao futuro o sonho não oculta qualquer desejo recalcado mas ao con trário revela os dados do inconsciente coletivo e pode até se revestir de um significado esotérico Sonhar num laboratório É sim Aqui estamos novamente Sempre voltamos aos nossos pri meiros amores e eu nunca esquecerei meus anos de juventude nos laboratórios empoeirados da Sorbonne à procura da verdade última oculta no coração da matéria9 para mim a poesia não exclui a ciência O que sabemos hoje do sonho É claro que não é o caso aqui de detalhar as inúmeras pesquisas em curso tanto na França especialmente com Jouvet quanto nos Es tados Unidos escola de Chicago Poderemos encontrar uma exposição clara e precisa na excelente obra de Jean Picat10 da qual foi tirada uma 8 MarcAlain Descamps op cit 9 Antes de me orientar para a psicologia e a psicoterapia fiz estudos superiores de física e química 10 Picat J Le rêve et ses fonctions Paris Masson 1984 200 parte das informações que se seguem apresentada à minha maneira Contentarmeei então com algumas observações ou detalhes para somar aos resumos já fornecidos no capítulo precedente sobre o funcionamen to do cérebro em estado desperto e para desbravar um pouco a via régia e suas moitas espinhosas antes de utilizála de olhos fechados Há três estados diferentes desperto sono e sonho O sonho é mar cado por uma intensa atividade córticofrontal direita11 sob o controle do sistema límbico que gerencia em especial as emoções e a memória e hipotalâmico Os globos oculares são animados por um movimento rápido e permanente durante o sono isso inclusive é sinal clássico de seu reconhecimento no eletroencefalograma Propuseram a hipótese de que olhar sob as pálpebras segue a cena do sonho que se desenrola Quem sonha Quanto Todo mundo sonha todos hoje sabemos disso inclusive o feto a partir do 7 mês da gestação portanto antes de ter podido armazenar percepções visuais ou recalcar desejos proibidos pelo superego os cegos de nascença mas também os gatos e os pássaros apesar de não terem alma Sonhamos em média cerca de 100 minutos por dia em quatro ou cinco períodos de duração crescente no decorrer da noite e parece que o sonho é indispensável à sobrevivência bem mais do que o sono profundo Mas nem todos sonham o mesmo tanto por exemplo os esquizo frênicos em período de crise já deliraram bastante durante o dia e seus sonhos são então reduzidos em quantidade etimologicamente sonho quer dizer delírio ou perambulação em contrapartida eles são absolutamente normais na qualidade Da mesma maneira o álcool prejudica nossa taxa de sonhos e pode até chegar a suprimilos a tal ponto que os alcoólicos agudos acabam compensando seu déficit de sonho oferecendose uma crise de deli rium tremens Os soníferos à base de barbitúricos também reduzem nossa dose normal e necessária de sonho daí sua nocividade Todo mundo sonha mas nem todo mundo se lembra de seus so nhos Aliás é meu caso pessoal e por muito tempo vivi isso como uma deficiência especialmente durante minha psicanálise Depois compreendi que não precisava introjetar o modelo de outrem para tornarme plena mente eu mesmo Por que sonhamos ou melhor para quê De acordo com vários pesquisadores o sono com sonhos permite particularmente o registro do material mnêmico diurno carregado de 11 Dois terços do conjunto dos neurônios do córtex direito são mobilizados enquanto a comunicação calosa com o hemisfério esquerdo é muito reduzida quase bloqueada 201 emoções enquanto as lembranças não acompanhadas de emoção são registradas durante as fases de sono sem sonhos e seriam classificadas nas ramificações vizinhas de nosso banco privado de lembranças Seja lá como for é durante a noite afinal que se organizam e se fixam nos sas lembranças e que nossas aprendizagens são revistas por meio de um reforço de nossos registros e da reorganização de nossas sinapses Mas uma das funções essenciais do sonho parece ser a reprograma ção genética Jouvet poderíamos imaginar de certa forma que a cada noite nos instalamos no nível de uma leitura molecular para revisar as lições do Grande Livro da Vida pacientemente redigido pela es pécie há milênios herança que nos é oferecida como presente de nasci mento impressa em nossos cromossomos O sonho seria então o cordão umbilical da espécie 12 Além disso atualizamos regularmente a informação integrando aos dados fundamentais de nosso inconsciente coletivo as contribuições cul turais de nossa própria experiência diurna O sonho então assegura a integração de nossa memória individual à nossa memória coletiva13 O psiquiatra fenomenólogo Binswanger fundador da análise existencial já afirmava que era preciso despsicologizar o sonho devolvendolhe sua dimensão universal de abertura à polifonia das culturas Assim o sonho permitiria harmonizar melhor o comportamento so cial adquirido e o comportamento instintivo de base Por exemplo pu deram demonstrar que os gatos sonham com caça e ataque enquanto os ratos sonham com fuga Isso é precisamente uma revisão dos com portamentos instintivos programados para a sobrevivência da espécie Acrescentemos que até os esquimós sonham com serpentes embora não exista serpente alguma em seu clima o que vai ao encontro da tese junguiana dos arquétipos Então as noites seriam um retorno ao manuscrito original com cor reções das provas Este também seria o momento de manutenção da re de neural de reparação dos circuitos danificados assim como a cada noite discretamente é feita a manutenção da rede subterrânea de co municação do metrô Duração do sonho Encarregado que é dessas nobres tarefas de construção manu tenção revisão e aperfeiçoamento dos circuitos neurais da informa 12 Freud já dizia Cada sonho comporta pelo menos um lugar onde é insondável lugar este que é como um umbigo por meio do qual está ligado ao desconhecido 13 É por intermédio do sonho que nós então poderíamos tomar conhecimento daquilo que os orientais chamam de vidas anteriores 202 ção e da emoção o sonho é pois apanágio das espécies superiores O sonho só aparece de fato entre os animais de sangue quente a partir dos pássaros os insetos e os crustáceos nem sequer sabem o que é so no Os passarinhos aliás só sonham 05 de seu tempo de sono con tra 5 entre os mamíferos herbívoros em liberdade Mas na segurança do estábulo as vacas chegam a triplicar seu tem po de sonhos que de fato é um período de alto risco pois os estí mulos necessários para o despertar têm que ser de duas a três vezes mais elevados do que no sono sem sonho em que se está menos ocupa do 14 É verdade que o limiar de despertar também varia conforme a natureza do estímulo um ligeiro miado desperta o gato assim como o nome murmurado desperta o ser humano Eis algumas conclusões de Descamps a respeito Os mamíferos deste ponto de vista se dividem em dois os ca çados e os caçadores Os caçados herbívoros ou granívoros consa gram muito de seu tempo a se alimentarem dormem pouco e sonham menos ainda 5 de seu tempo de sono Os caçadores carnívoros se alimentam rapidamente têm um sono longo e profundo com uma parcela de sonho mais importante 20 a 30 de seu sono O homem deste ponto de vista éprogramado como um car nívoro 20 de seu tempo de sono é consagrado ao sonho e seus so nhos são fundamentalmente sonhos de agressão e de sexualidade Por tanto ele revê sem cessar seus comportamentos de ataque e sedução levado por seus dois instintos de combate e reprodução Tanatos e Eros para Freud Haveria pois durante a noite reconstituição dessas reações antes adaptadas e depois negadas e destruídas de dia pela cultura O sonho pode então ser considerado como um anteparo contra a cultura por um retorno periódico ao instintivo A cultura humana se desenvolve contra a natureza De fato os primatas e o homem se situam mais entre herbívoros e carnívoros visto que a duração total de seus sonhos é em média de 20 de seu tempo de sono contra 5 entre os primeiros e 40 entre os grandes carniceiros Mas essa duração é também variável de acordo com a idade é de 60 no recémnascido que tem muito a fazer para completar a fabri cação de seus circuitos neurais que vão condicionar seu potencial inte lectual posterior 30 do tempo de sono na idade de um ano 20 a partir dos cinco anos somente de 12 a 15 nas pessoas idosas 14 Assim o sono paradoxal com sonhos seria na realidade mais profundo do que o sono dito profundo contrariamente ao que em geral se imagina 203 A mulher grávida duplica seu tempo de sonho para acompanhar o feto e prossegue nesse sincronismo durante o período de aleitamento Quanto às pessoas qualquer que seja o sexo que simplesmente parti lham o mesmo leito não mais o mesmo corpo geralmente tam bém sonham ao mesmo tempo Sonho desejo sexual e ânsia Notase um aumento do sono paradoxal ou tempo de sonho na mulher durante a segunda metade do ciclo ovariano com um máxi mo imediatamente antes da ovulação correspondendo ao pico de secre ção da testosterona hormônio masculino interno que excita o desejo da mulher15 Os amantes bem sabem aliás que todo sonho é acompanha do de uma excitação genital congestão clitoriana na mulher e ereção no homem em 60 dos casos Essa ereção precede o aparecimento do sonho em cerca de dois minutos e se mantém por dez a vinte minutos isso tanto no recémnascido quanto no velhote Ela é ao que parece independente do conteúdo explícito do próprio sonho a despeito dos freudianos tradicionalistas Notemos enfim que a privação prolongada de sonho provoca ria após cerca de cinco dias o aparecimento de delírio paranoide e sexual com irritabilidade comportamento bulímico e hiperssexualida de O sonho constituiria então um derivativo dessas necessidades instintuais Os pesadelos que afetam 4 da população adulta são exceção em relação à maior parte dessas observações além disso eles raramente acontecem durante o período REM movimentos oculares rápidos ou seja durante o período normal de aparecimento dos sonhos O mesmo acontece com o sonambulismo Função terapêutica do sonho Chegamos assim à função terapêutica natural direta do sonho an tes mesmo de sua eventual interpretação função que aliás não implica necessariamente sua rememoração consciente Lembremos de que o sonho habitualmente cai muito rápido no es quecimento e isso parece ser um fenômeno natural assim oito minu tos após o fim da fase paradoxal não mais de 5 dos sonhadores se lembram de terem sonhado quando despertados Atualmente admite se que quanto mais um sonho é emocionalmente carregado mais ele é censurado e mal lembrado Picat o que não o impede é claro de desempenhar seu papel de autoregulação interna apesar do que diga 15 Cf Vincent JD Biologie des passions Paris Seuil 1986 204 o Talmud e os psicanalistas que considera o sonho não interpretado uma carta recebida que ficou sem ser lida Eu me inclino a confiar no meu inconsciente e imagino que ele é bem capaz de fazer seu trabalho sozinho se o inconsciente é inconscien te sem dúvida é porque foi previsto para sêlo Em vista disso por que se esforçar para cercálo forçar sua porta com indiscrição para vio lar seus segredos e por que culpar os nãosonhadores Em contra partida se o sonho emerge por si mesmo é porque precisava respirar na superfície neste caso e apenas neste caso por que não lhe dar a aten ção que reclama Freud já enfatizava que os sonhos têm o poder de curar de ali viar e Jung os definiu como agentes terapêuticos que corrigem a falsa consciência mas também ativam uma tendência latente O so nho nos permite então liquidar parcialmente as tensões diurnas o sono paradoxal dessomatiza a angústia Fisher ele tem como pressentiu o genial Ferenczi uma função de autoregulação das tensões psicoafeti vas internas uma função catártica e traumatolítica que consiste em di gerir os traumas por meio de um treinamento inconsciente para o confronto com situações estressantes Seria o caso particularmente dos sonhos repetidos a reativação de situações traumáticas não tem outra finalidade senão melhorar sua elaboração sugere Picat Somos leva dos a pensar que a repetição dos sonhos serve para atenuar e depois apagar definitivamente o halo afetivo que cerca o vestígio mnêmico da situação estressante Enquanto esse conflito interno não for resolvido o sonho que o exprime tenderá a se repetir Os sonhos ocorridos na mesma noite se encadeiam entre si numa espécie de unidade dramática Trosman De fato se despertarmos uma pessoa durante cada um de seus sonhos após dez minutos percebe mos que ela refaz todas as noite o mesmo sonho só as circunstâncias aparentes variam mas o tema continua idêntico Aí voltamos a encon trar a extraordinária redundância da Natureza pródiga que multiplica as preocupações sem conta Quando penso que a cada relação sexual ofereço 300 milhões de espermatozóides impacientes para um bebê de vez em quando Encontramos então uma justificativa para uma abordagem gestal tista do sonho no que me concerne mais do que tentar compreender o sonho interpretandoo prefiro propor ao cliente que o termine dra matizandoo para liquidar a tensão psíquica inconsciente de uma situa ção inacabada Incitoo não a andar para trás na incerta procura da lembrança passada mas a continuaram frente deixando surgirem even tuais imagens complementares e dramatizandoas num monodrama im provisado que acaba se for o caso numa catarse libertadora Essa técnica não se opõe mas se soma à exploração tradicional do sonho em Gestalt tal como é preconizada por Perls que sugere sobre tudo como vimos a encarnação sucessiva dos múltiplos elementos que 205 apareceram Assinalemos de passagem que também para Michel Fou caut o sujeito do sonho não é tanto o personagem que diz Eu é to do o sonho tudo diz Eu até os objetos e os animais até o espaço va zio Enfim distingo quatro etapas no trabalho com sonho 1 O sonho propriamente dito em suas funções inconscientes revisão genética integração da experiência digestão dos traumas 2 Eventual rememoração consciente do sonho e sobretudo o efeito ca tártico ligado a seu simples relato verbal 3 Busca de compreensão ou de interpretação do sonho 4 Continuação ou finalização do trabalho começado no sonho lembran do que sem dúvida pede uma continuação ao emergir para a cons ciência Mas sem dúvida é ainda muito cedo para avaliar com exatidão o que convém preservar e o que se confirma obsoleto nas crenças elabo radas no começo deste século Criatividade Em Gestalt a criatividade está longe de sempre se apoiar num su porte verbal ou simplesmente encenado como na maioria das seqüên cias que acabo de relatar a partir de devaneios sonhosdespertos so nhos ou visões noturnas Ela pode se expressar por meio de grande número de suportes materializados naturais ou artificiais barulhos sons ou música dan ça primitiva ou expressão corporal desenhos pinturas colagens modelagens objetos reunidos escolhidos ou fabricados pelo próprio cliente Um diálogo no tambor Jean Paul se expressa por meio de ruídos ou sons com objetos ou materiais existentes na sala de trabalho e traduz dessa maneira o estado interior que experimenta Convidoo a prosseguir sob a forma de uma troca com o terapeuta ou com outro parceiro por intermédio de batidas em um ou vários ob jetos num ritmo e intensidade variáveis numa espécie de tamtam improvisado Esse diálogo termina com uma disputa ao tambor se guida de uma reconciliação de efeito surpreendente Em suma é uma amplificação da atitude clássica do Gestalt terapeuta que sempre atribui pelo menos tanta importância ao timbre 206 da voz e ao ritmo das palavras quanto ao conteúdo verbal explícito das palavras do cliente ou seja tanto à forma Gestalt quanto ao fundo A awareness é então inteiramente do que foi sentido e não se dispersa na procura de palavras Podese variar ao infinito esse modo de expressão primitiva que mobiliza as camadas arcaicas da personalidade utilizando uma ampla gama de barulhos e sons com objetos duros ou moles vazios ou cheios alternando bater arranhar esfregar tocar ou movimentos diversos que provocam uma vibração externa e sua repercussão interna nos partici pantes Em outras ocasiões se improvisa um orquestra de grupo em que cada um tenta definir sua presença num ajustamento criador permanente e maleável de sua fronteira de contato sonora nem afogado numa con fluência anônima nem invadido pela introjeção de sons e ritmos domi nantes nem esmagando os outros sob suas projeções conquistadoras nem isolado de todos numa retroflexão em circuito fechado mas alter nando a expressão pessoal e a escuta dos outros a formulação de sua figura pessoal em relação ao fundo constituído por seu meio do mo mento Uma orquestra como esta pode servir por exemplo como exercício de aquecimento quando se constitui um novo grupo em que cada um procura definir seu lugar no conjunto16 A festa selvagem Em vez de uma expressão por sons ou paralelamente a ela podese deixar o corpo falar num movimento improvisado sozinho ou com outros membros de um grupo procurando seu ritmo interior es pontâneo e modulandoo se for o caso ao sabor dos encontros com eventuais parceiros Aqui também estaremos atentos à fronteira de contato sou insen sível ao movimento ou ao ritmo do outro sou inversamente de ime diato agarrado e levado por ele posso continuar sendo eu mesmo mas estar em relação permanente com o outro com uma awareness em vaivém atento concomitantemente às mi nhas próprias necessidades e desejos e aos de meu parceiro mediante a modulação de nossos ritmos Às vezes essa dança selvagem evoluirá para uma espécie de selva primitiva onde cada qual encarnará animais reais ou imagi nários permitindo a expressão de sentimentos ou necessidades arcai 16 O gestaltista músico e ator californiano Paul Rebillot gosta de começar assim seus seminários 207 cas de agressão de dominação de proteção de isolamento ou de teraju ra Podese imaginar é claro uma multiplicidade de outras modalida des de expressão que podem ser sugeridas se for o caso pelo terapeuta durante um trabalho em grupo mas que também podem muito bem bro tar espontaneamente do desejo de um cliente durante um trabalho de exploração pessoal do que sente no momento e isso tanto em terapia individual quanto em situação de grupo O objetofetiche Em vez de auditivo ou cinestésico o suporte de trabalho pode ser visual ou tátil Neste caso as possibilidades são infinitas Posso por exemplo começar com um objeto natural ou artificial que me represente ou me interpele e depois entrar em relação dire ta visual tátil ou verbal com este símbolo exterior de meu ser interior Posso falar com uma flor um raminho uma pedra ou ainda com um ancinho ou uma terrina e expressarlhe o que sinto e depois even tualmente responder em seu lugar Joceline Escolhi esta velha roda de carrinho de mão que encontrei no galpão porque ela me lembrou imediatamente a liberdade mas tam bém a solidez Gosto de sua madeira marcada pelo tempo Terapeuta Você pode lhe falar diretamente em vez de falar dela para mim ou descrevêla Joceline Eu gosto de você porque você teve uma vida bem cheia Você enfrentou obstáculos sofreu um de seus raios está quebrado mas seu cubo central continua inteiro Sua madeira está apodrecen do e no entanto dá vida ao musgo Terapeuta A roda poderia responder e falar Joceline Sim É verdade já estou velha Não sou mais rutilante como antes Mas esta pintura com que me cobriram em minha ju ventude não era eu verdadeiramente Me pintaram para atrair o jar dineiro Mas isso não o impediu de me negligenciar Ele acabou por me trocar por um carrinho mais moderno com um pneu oco todo estufado de ar e se foi com ele ela chora Não importa Segui meu caminho Ele me usou mas não me amava verdadeiramente Agora sou livre Estou separada do corpo do carrinho mas posso viajar sem parar E apesar da minha idade ainda posso interessar as pessoas ela chora de novo Podese assim dar vida a qualquer objeto projetar nele nossas es peranças e nossos temores nossas necessidades e nossos desejos tor nandoos assim mais palpáveis e mais acessíveis a uma rearticulação A relação com esse objetofetiche simbolicamente dotado de fa la e de poder pode assumir diversas direções Para graduar o envolvi 208 memo CU g e ra lm e n te su g iro u m a c o n ju g a ç ã o a o c o n tr á r io ele tu eu iiic d e fa to se in tr o d u z m u ito n a tu ra lm e n te comcçnsc por descrever o objeto ou o desejo na 3 pessoa depois dirigimonos diretamente a ele na 2 pessoa o que leva de Imediato a uma relação mais carregada de afeto enfim nos identificamos com o próprio objeto encarnando na 1 pes eta li própria vivência subjetiva interna projetada neste mediador Kncurnação artificial da lixeiravistadedentro íi claro que esse objeto mediador ou transicional suporte pro visório ou duradouro de nossos afetos íntimos pode ser confeccionado deliberadamente artificialmente Eu gostaria de enfatizar de passa gem que artificial quer dizer feito com arte e que este termo não tem pois em si mesmo nada de pejorativo muito pelo contrário É por ser artificial que uma ação se torna terapêutica comer cenouras não é tera pia tomar vitamina A artificialmente concentrada pode vir a sêlo Kcunirsc em grupo natural não é terapia analisar artificialmente com portamentos num grupo cujas regras não são habituais pode vir a sêlo Nós utilizamos se for o caso seqüências específicas de trabalho cria tivo para esboçar ilustrar ou reforçar a expressão de um sentimento in terno Tratase no mais das vezes de um desenho a ser feito sem ne nhuma necessidade de material sofisticado previamente preparado mas pode sc também prever explicitamente um tempo de laboratório de cria tividade que permite a cada um deixar subir do fundo de si suas preo cupações assim como seus recursos potenciais em geral ignorados Quan tos de nossos estagiários se acreditam incapazes de criar seja lá o que for de original condicionados que foram desde a escola elementar a desenhar o sol amarelo e o mar azul a reproduzir incansavelmente uma casa tradicional com teto vermelho a só construir objetos utilitários Quantos deles se surpreendem e se orgulham ao verem surgir de seus dedos quase à sua revelia obras pessoais inéditas mobiles sensíveis o menor sopro de vida formas não figurativas agradáveis aos olhos atraindo carícias ou interpelando o coração C ostumamos utilizar para essas oficinas restos domésticos de todo tipo que cada participante é convidado a trazer ao estágio pedaços de barbante novelos de lã arames rolhas trapos velhos macarrões ou legumes secos velhas revistas ilustradas restos de madeira embalagens UNadas de plástico ou cartão e muitas outras coisas Desde o começo do trabalho propomos a comunhão dos materiais em um grande monte central nutridor onde cada um pega o que o inspira e deixa que se Tiali zé o que lhe vem sem plano nem projeto préestabelecido A mis tura dos materiais evita que o estagiário realize hoje o que tinha entre vlMo ontem ao preparar seu material Possibilita portanto mais es pontaneidadeou seja uma emergência mais importante do inconsciente 209 É bem uma criação e não uma realização do latim res rei a coisa Mergulhando no inconsciente coletivo representado pela lin guagem e remontando aquém da raiz latina creatio encontramos de fato o grego créas creatos a carne e a criação e pois uma encarna ção que dá vida à obra A vertigem do móbile Arlete fez um móbile com pedaços de madeira lã papéis colo ridos e pendurouo no forro Terapeuta Você pode nos dizer o que é isso Arlete Não faço nenhuma idéia É decorativo e é tudo Ele gira Terapeuta Você pode girálo Arlete girao com seu dedo e sopra nele para acelerar a rotação Terapeuta Você poderia imaginar um diálogo com seu móbile Arlete Não sei Por exemplo ele me diria Não tão rápido Você me deixa tonto Isso vai me dar vontade de vomitar Eu res ponderia Assim pelo menos você se ocupará de mim cai em lágrimas Meu pai morreu quando eu tinha cinco anos e nunca se interessou por mim Ele só se importava com meu irmão mais velho Terapeuta Há alguma coisa que você gostaria de dizer a seu pai antes que ele morra Alguma coisa que ainda tem para lhe dizer Arlete Ah Sim Muitas coisas Pai estou brava com você vo cê nunca olhou para mim e depois você morreu de repente sem se virar você me abandonou e eu nunca compreendi o que aconte ceu Nada me explicaram Mas eu sempre amei você E amo ain da ela chora de novo Eu queria tanto me sentar no seu colo e con tar para você minhas pequenas misérias e meus grandes projetos Mas você só tinha olhos para os meninos ou para os adultos Você não me deu tempo para crescer você partiu antes Você não tinha esse direito ela grita e chora ao mesmo tempo num intrincado de raiva e ternura O trabalho ainda se prolonga por algum tempo Arlete faz associa ções entre suas tentativas de esquecer seu isolamento e dar o troco num ativismo compensador desenfreado que prossegue sob formas diversas desde a infância Nas sessões posteriores Arlete analisará por um lado os benefícios secundários que encontra em sua super ocupação e por outro acabará renunciando a esta lembrança fan tasiada de um pai idealizado e acabará por lhe dizer adeus Matar os mortos e enterrálos em geral pode ser um trabalho bem doloroso mas também necessário à espera de todo gestaltista cons ciencioso que não teme se for o caso trazer detalhadamente para a 210 ccnn situações às vezes dramáticas Gestalts inacabadas e fixas pe Nudus c aliénantes por muitos anos O inconsciente é mau aluno listas várias técnicas apelam para o imaginário e para a espontanei dade c pretendem afinal ceder a palavra ao inconsciente Este utiliza a linguagem primária que ignora o cálculo e a gramática ele não che gou ao curso elementar Quando um cliente evoca o pai ou a mãe numa seqüência de traba lho emocional não se trata no mais das vezes de um pai atual mas com certeza da imagem interior desse parente nele de sua imago pa terna ou materna constituída antes dos seis anos quando esse parente linha trinta17 O inconsciente despreza o calendário Ele ignora tanto o passado quanto o futuro vivendo como bom gestaltista sempre no presente Em sua ignorância da conjugação ele negligencia na mesma proporção a negação concentrado que está nas coisas e na ação Assim quando o terapeuta diz ao cliente em plena re gressão Não tenha medo seu inconsciente escuta medo e o efeito produzido é inverso ao pretendido Para compreender bem este fato es sencial faça a experiência seguinte feche os olhos e tente imaginar uma cor que não seja o azul e você já entrevê justamente o azul Essa linguagem específica do inconsciente é uma linguagem infan til simbólica e metafórica é a linguagem primitiva de nossos longín quos ancestrais uma espécie de esperanto filogenético constituído de hie róglifos mentais Também convém que o terapeuta o aprenda e o prati que para ser um bom intérprete e evitar assim os contrasensos e os malentendidos É comum que observadores de fora não sigam muito essa linguagem de meias palavras e imagens e também ao contrário que o cliente nem sempre compreenda os comentários de um feedback mui to intelectual por estar ele mesmo ainda pendurado em sua lingua gem interior Sim Verdadeiramente o inconsciente é um mau aluno Aliás acabamos de ver a propósito do sonho que ele era o inimigo he reditário da cultura o feroz e obstinado partidário da natureza Ainda na mesma ordem de idéias em geral fazemos todos os clientes dc língua estrangeira trabalharem na língua materna quando evocam lembranças emocionais da infância ou primeira infância tais como uma troca de ternura ou de agressividade com um dos pais Isso nos vale a admiração pasma dos eventuais espectadores que imaginam que com preendemos tanto o árabe quando o espanhol ou o armênio Na realida de seguimos o essencial da ação pela expressão não verbal como timbre 17 lor isso nas seqüências de jogo psicodramático é freqüente que o cliente solicite uma mulher mais jovem que ele para representar esta mãe de sua infância e a parceira esco lliiiln tem muita dificuldade para se subtrair a isso 211 e ritmo da voz e além disso pouco importa que não compreendamos tudo o cliente fala para si mesmo Eu me contento em acompanhálo na exploração dos subsolos de seu porão com minha lanterna e ele sim plesmente aproveita minha lâmpada frontal e meus equipamentos de so corro no caso do rio subterrâneo vir a transbordar Linguagem do imaginário Só evocarei para relembrar a utilização do desenho ou colagens em Gestalt que é feita de acordo com os mesmos princípios de qual quer objeto de criação Essas obras livres ou a partir de temas pode rão ser objeto de um trabalho a dois com o terapeuta ou outro parcei ro a três ou vários cada qual compartilhando eventualmente neste caso seu sentir pessoal espontâneo mas evitando qualquer interpreta ção intelectual relacionada a qualquer cânone Afinal de contas quer se trate de partir de um sentir corporal ver balizado no aqui e agora de um devaneio ou de um sonhodesperto acompanhado de uma visão noturna relatada ou de uma criação meta fórica desenhada ou encenada vemos que a maior parte das seqüências de trabalho em Gestalt se desenvolve parcialmente no imaginário no sonho ou na criatividade De fato é na cena interior que estão guarda das minhas emoções e meus sentimentos encarnados minhas lembran ças reconstituídas meus fantasmas temidos ou aguardados assim co mo minhas tomadas de consciência iluminadas Esclarecer esta cena interior procede do princípio da amplificação dos processos inconscientes por aquilo que C G Jung chamou de imaginação ativa incentivada em Gestalt pela participação comprometida do terapeuta e eventual mente por um eco do grupo permitindo tecer um vínculo polissêmico entre o imaginário o simbólico e o real 212 C a p í t u l o 13 O desenvolvimento da Gestalt História e Geografia Alguns campos de aplicação na atualidade A Gestalt no mundo Vou tentar agora apresentar muito sumariamente a história e a geo grafia da Gestalt seu desenvolvimento no tempo e no espaço Podese considerar que a Gestalt germinou progressivamente no es pírito de Perls nos anos 40 quando ele ainda estava na África do Sul Já salientamos os vários temas precursores presentes em sua primeira obra Ego hunger and agression lançada em 1942 Na realidade os prin cípios fundamentais da Gestalt não eram exatamente novos e o próprio Perls declarou Costumam me chamar de fundador da Gestaltterapia não é verdade Se me chamarem de descobridor ou redescobridor da Gestaltterapia concordo Pois a Gestalt é tão velha quanto o próprio mundo De fato nela tanto encontramos a maiêutica socrática quanto as tradição chinesa Nova era a exploração terapêutica desses princípios básicos elementares O avanço inicial da Gestalt foi lento só em 1951 ou seja nove anos mais tarde Goodman por um salário de 500 dólares deu uma forma coerente uma Gestalt às 100 páginas de notas manuscritas de Perls os dois primeiros institutos de Gestalt apareceram pouco depois o de Nova York em 1951 e o de Cleveland em 19541 mas o primeiro pro grama de formação estruturado só foi proposto em 1966 As manifestações californianas só se instalaram uma dúzia de anos mais tarde o Instituto de Gestalt de São Francisco em 1967 e o de Los I No qual colaboraram os maiores nomes da Gestalt Fritz e Laura Perls Paul Goodman Iuul Weiz Isadore From Erving e Miriam Polster Joseph Zinker Edwin e Sonia Nevis Joel Latner etc 810 pessoas aí se formaram de 1966 a 1987 213 Angeles em 1969 enquanto isso Jim Simkin inaugurava seu primeiro grupo de formação em 1968 e em Esalen e outros lugares soprava um vento novo Assim os primeiros diplomados só apareceram a partir de 1969 Desde a origem se desenvolveram três tipos de Gestalt que pode mos caricaturar da seguinte maneira Gestalt da cabeça de suporte principalmente verbal que se difun diu na costa leste em Nova York e Boston depois em Quebec e daí para a Europa pelo CIG ela se reporta principalmente aos trabalhos de P Goodman e I From Gestalt do coração emocional e social em Cleveland no centro oeste dos Estados Unidos onde foi formada a maior parte dos teóri cos J Zinker E e M Polster etc Gestalt das tripas emocional corporal e grupai na costa oeste na Califórnia em Esalen São Francisco e Los Angeles Desde então elas nem sempre conseguiram unificarse gestaltica mente embora vários teóricos da costa leste tenham emigrado para a Califórnia onde as diversas tendências estão se fundindo progressi vamente Após 68 veio a explosão entre 1972 e 1976 foram sucessivamente abertos nada menos de 37 institutos de formação por todas as partes na maioria das grandes cidades americanas o Gestalt Directory anuário de 1982 cita mais de 60 e a implantação continua Atualmente várias cen tenas de novos gestaltistas são formados a cada ano nos Estados Unidos Em Montreal Quebec em fevereiro de 1972 aconteceu o primei ro seminário de sensibilização em Gestalt promovido por Joseph Zin ker de Cleveland dois anos mais tarde em 1974 Janine Corbeil abriu o Centro de Crescimento e de Humanismo Aplicado e no ano seguinte 1975 foi aberto o Centro Québécois de Gestalt dirigido por Ernest Go din e Louise Noiseux Em julho de 1979 este centro criou um canal internacional chamado Centro Internacional de Gestalt ciG que inaugurou uma formação francófona na Europa2 Em 1981 foi aberto o Centro de Intervenção Gestaltista de Gilles Delisle que se tornou o instituto de formação mais importante de Quebec Enquanto isso na Alemanha terra natal de Perls Hilarion Petzold que tinha importado a Gestalt para a Europa em 1969 fundou o Fritz Perls Institute em 1972 perto de Dusselfdorf Vários outros institutos de formação em Gestalt lá funcionam atualmente 2 Depois J Corbeil deixou a direção do Centro de Crescimento e Humanismo Integrado e Godin se afastou da Gestalt 214 Na Bélgica Michael Katzeff organizou na Multiversité em Bruxe las uma formação de 500 horas em três anos essencialmente garantida por interventores estrangeiros e cuja primeira promoção começou em 1976 e terminou em 19793 Mas a Gestalt floresceu também em outras terras no México na América do Sul na Austrália o Gestalt Institute of Melbourne abriu suas portas em 1980 e até no Japão onde começou uma formação em 1978 no Gestalt Institute of Japan O Gestaltterapeuta na França e na Europa A história da Gestalt na França começou no início dos anos 70 quando mais ou menos simultaneamente vários pisicólogos franceses trouxeram de uma estadia nos Estados Unidos experiências técnicas e métodos e também perguntas Podemos citar em 1970 Jacques DurandDassier Serge e Anne Gin ger depois em 1972 JeanMichel Fourcade em 1974 Claude e Chris tine Allais JeanClaude See Jean Ambrosi e o americano Max Furlaud A Gestalt francesa já tinha um background antes de 1975 mas cada um desses terapeutas trabalhava isoladamente em geral até igno rando a existência de seus colegas Seria preciso esperar o ano de 1981 e a criação da Société Française de Gestalt s f g inciativa de Serge Ginger para que essas diver sas pessoas e outras recémchegadas se encontrassem em geral pela primeira vez e trocassem suas experiências às vezes não sem surpresa Este ano 1981 marcou uma virada na história da Gestalt na Fran ça que saiu então da sombra e da semiclandestinidade várias for mações profissionais de Gestaltclínicos ou Gestaltterapeutas foram ins taladas quase simultaneamente vindo somarse aos cursos oferecidos há pouco na França por uma equipe de profissionais do Centro Interna cional de Gestalt de Quebec dirigido por Ernest Godin formação de pois paralisada École Parisiènne de Gestalt e p g do IFEPP com Serge e Anne Ginger primeira formação promovida por franceses a e p g formou nesse tempo cerca de 300 clínicos em Gestalt de 12 nacionalidades Centre de Croissance et d Humanisme Appliqué em Nantes com Ja nine Corbeil de Montreal formação depois paralisada depois no ano seguinte uma formação em Paris com Marie Petit e Hubert Bidault no Centre d Evolution formação depois paralisada 1 Al se formaram em especial J M Robine N Paternostrede Schrevel e Moreau Mi chel Katzeff depois deixou a Bélgica e foi para a Espanha fechando a Multiversité 215 e uma outra associando o Instituto de Gestalt de Bordeaux JeanMarie Robine e o de Grenoble JeanMarie e Agnès Delacroix Todos esses institutos asseguram uma formação teórica e prática de 500 a 600 horas distribuídas geralmente por três ou quatro anos Em 1980 MariePetit publicou o primeiro livro francês sobre Ges talt La Gestalt thérapie de lici et maintenant Embora as publicações francesas sobre este método não ultrapassassem 25 no momento da cria ção da sFG elas hoje são mais de 400 A SFG edita um Bulletin re servado aos seus membros assim como uma Revue anual divulgada atra vés das grandes livrarias Várias manifestações públicas têm sido organizadas anualmente co lóquios jornadas nacionais de estudo seguidas de um Congresso Inter nacional francófono que reuniu 300 participantes de 12 países em Pa ris em 1987 Uma série de conferências acontece na maioria das cida des da França e laboratórios de sensilização ou grupos regulares de te rapia são propostos por todas as partes em cerca de 40 diferentes cida des da França isso sem falar das terapias individuais atualmente pro movidas por mais de uma centena de gestaltistas franceses qualificados Paralelamente a Gestalt foi incluída no currículo de algumas universi dades Toulouse Paris Bordeaux e é objeto de dissertações de 2 e 3 ciclo e de teses de doutorado Esta consolidação da Gestalt não deixou indiferentes os países vi zinhos a Bélgica que nos precedera logo se associou ativamente ao movimento e vários Gestaltterapeutas belgas foram eleitos para o Conselho de Administração da SFG que na realidade é mais uma associação francófona do que francesa Uma Associação Espa nhola da Gestaltterapia foi crida em 1982 e uma Sociedade Italiana de Gestalt em janeiro de 1985 Enfim uma Associação Européia foi fundada por iniciativa de Hilarion Petzold em maio de 1985 assim como uma Associação Québécoise de Gestalt A Federação Interna cional dos Órgãos de Formação em Gestalt FORGE presidia por S Ginger reúne vários institutos de formação da França Bélgica Itália Canadá etc e possibilita profícuas trocas de idéias professores e es tudantes Só o futuro dirá se este impulso vai se sustentar e dar lugar a trocas originais ricas e criativas entre as diversas correntes ideológi cas teóricas e técnicas da Gestalt européia ou se esta vai se soterrar nas querelas de capela ou se limitar a introjetar o modelo ameri cano com lentidão e passividade Eu não escondo meu otimismo e atento à evolução já esboçada estou persuadido de que proximamente surgirão novas escolas que substituirão tendências tradicionais sem no entanto trair aquilo que constitui a especificidade do movimento gestaltista 216 Enquanto isso cada um diligencia em seu setor e pesquisa espa ços disponíveis em que a Gestalt possa se implantar legitimamente e contribuir com uma nova perspectiva Podemos vêla tentar conquistar seu espaço em contextos muitos variados cuja lista indicativa muito incompleta apresento Gestalt junto a crianças e adolescentes casais em processo de di vórcio e divorciados celibatários ou solitários expansão da sexualida de grupos de mulheres homossexuais etc Preparação para a aposenta doria acompanhamento dos últimos momentos da vida Grupos espe ciais para psicóticos doenças psicossomáticas cancerosos alcoólicos toxicômanos bulímicos ou obesos desempregados imigrados etc Além disso vemos tentativas de associar a Gestalt a outras aborda gens como análise transacional rebirth bioenergética programação neurolingüística psicodrama yoga rolfing massagem haptonomia eu tonia astrologia tarô tudo isso com maior ou menor sucesso confor me o caso Registramos experiências de aplicação da Gestalt em domínios va riados hospitais psiquiátricos prisões escolas infância desajustada ser viços sociais conselhos conjugais terapia familiar empresas publici dade entre agricultores dentistas etc Eis agora alguns breves exemplos para ilustrar esta rica diversida de A Gestalt entre os trabalhadores sociais Assim que apareceu no cenário terapêutico a Gestalt suscitou um interesse manifesto entre os trabalhadores sociais educadores especiali zados assistentes sociais diretores de instituições para jovens desajus tados conselheiros conjugais etc Como explicar este sucesso significativo O que lhes trazia a Ges talt a mais ou de novo em relação às abordagens tradicionais de inspi ração psicanalítica psicossociológica ou comportamentalista Mais do que a novidade do método propriamente dito o que os atraía sim plesmente era sua particular adequação às suas necessidades profis sionais De fato em primeiro lugar tratase de um método maleável e polivalente que convém às possibilidades de expressão de uma ampla variedade de clientes graças ao recurso a linguagens ao mesmo tempo simples e múltiplas verbal corporal metafórica jogos criatividade desenho que podem ser utilizadas com crianças adolescentes ou adultos dos meios culturais mais variados Alguns campos de aplicação 217 que pode ser praticado nas situações ou contextos mais diversos en trevistas ou terapia individual consulta ou visita num subgrupo tera pia familiar num grupo em uma instituição ou serviço no meio so cial comum chamado de aberto ou contexto profissional habitual etc que leva em consideração tanto o funcionamento intrapsíquico do indivíduo quanto seu funcionamento interpsíquico em seu meio e até o funcionamento deste próprio meio sócioGestalt Em segundo lugar a Gestalt parece convir não apenas ao objeto de interesse do trabalhador social o cliente mas ainda por cima se mostra particularmente adaptada ao próprio sujeito o trabalhador social Bem mais do que a psicanálise ainda tão difundida neste meio ela proporciona um suporte teórico e metodológico diretamente transponí vel para seu trabalho cotidiano Ela encoraja especialmente a desenvolver uma presença cuja quali dade é ao mesmo tempo ativa e nãodiretiva uma atitude de acompa nhamento atento do cliente na expressão de suas necessidades e na pro cura de suas próprias soluções no esclarecimento necessário das situa ções inacabadas ou mal exploradas O trabalhador social raramente pode se acantonar numa neutrali dade benevolente ou mesmo numa empatiapositiva Em geral ele é le vado a tomar partido opinar mesmo quando claro toma cuidado pa ra não se impor Como já lembramos a Gestalt preconiza uma atitude de compartilhamento através do envolvimento controlado capaz de es timular o ponto de vista próprio do clienteparceiro O trabalhador social está centrado no presente observável e não no passado ele trabalha sobretudo a partir da relação em curso e da reali dade social cotidiana concreta e não com fantasias Ele geralmente se esforça para ajudar o cliente a descobrir e explorar seus recursos ocul tos seu potencial de riquezas inexploradas mais do que para analisar as causas de suas dificuldades de seus problemas ou fracassos Ele está mais interessado nos germes de esperança de futuro do que nas pesadas seqüelas do passado Reconhecemos aí um dos temas maiores da filoso fia e da prática gestaltista O método da Gestalt além disso preconiza que o trabalhador so cial respeite pacientemente o sistema defensivo do cliente se interesse pelos sintomas de sofrimento pessoal ou social que este último antepõe e fique atento em apontar os eventuais benefícios secundários de seus comportamentos Na ação social costumase esperar uma eficácia a médio prazo de alguns meses a alguns anos não se espera uma cura milagrosa ins tantânea mas evitase o atolamento numa relação interminável que pe reniza uma situação de assistência até mesmo de dependência mútua 218 Em resumo parece que a Gestalt pode ajudar o trabalhador social em diversos planos ele mesmo pois é de seu interesse pessoal a repercussão nele dos pro blemas com os quais convive sofrimento doença distúrbios mentais dificuldades sociais desemprego morte situado que está no ponto geo métrico dos conflitos e das contradições no cerne dos problemas indi viduais e coletivos seu trabalho pois os princípios fundamentais preconizados pela Ges talt oferecem uma coerência teórica compatível com o contexto habi tual de sua ação seus clientes pois as técnicas propostas são suficientemente maleáveis para se adaptarem às necessidades e às possibilidades pessoais e isso nas situações mais variadas Seria o caso de dizer que o trabalhador social é um Gestalt terapeuta que se ignora Eu não iria tão longe mas alguns exemplos concretos de aplicação da Gestalt no contexto cotidiano do trabalho sócioeducativo vão enfatizar a compatibilidade entre essas duas abor dagens Escolhi para narrar aqui resumidamente alguns depoimentos de intervenções simples e espontâneas a maioria das quais se desenvolve no local habitual do trabalho cotidiano sem preparo específico nem pro fissionais específicos De fato certo número de trabalhadores sociais que têm uma formação em Gestalt não pretendem mudar de profissão por exemplo tornarse psicoterapeuta mas adquirir uma competência su plementar para exercer melhor sua profissão de origem A carta do padrasto Laurent quinze anos acabou de receber uma carta muito violenta do padrasto militar aposentado Este termina assim a carta Fiquei sabendo que você se envolveu novamente num roubo Não volte nunca mais a pôr os pés em casa Não quero saber de la drões entre nós Se por acaso voltar vou apertar seus sujos dedos de ladrão no batente da porta como já fiz de outra vez mas desta vez irei até o fim para que você nunca mais possa usálos Laurent está deitado na cama de barriga para baixo punhos cer rados Chora em grandes soluços e jura Esse porco eu vou arrancar a pele dele Pra começo de con versa não é a casa dele Não tem nada que estar fazendo lá não ti nha que vir encher minha mãe É minha caa E eu vou voltar para minha casa 219 Laurente chora e grita cada vez mais alto tomado por uma ver dadeira crise de nervos Seu educador tenta acalmálo Não ligue Seu padrasto escreveu isso na hora da raiva Isso passará e ele não vai fazer nada do que diz Você não sabe de nada diz Laurent berrando ainda mais você não conhece meu padrasto é um bruto sujo Um velho sádico Ele só está esperando a oportunidade um dia vai me matar Quanto mais o educador tentava acalmálo mais Laurent se irri tava sentindose só e incompreendido A educadora gestaltista se aproximou dele e lhe propôs a atitu de inversa Chore quanto quiser Laurent Bem que você tem o direito de estar triste e irritado Se você está com raiva devia gritar e até bater Laurent ainda berrava batia e torcia o travesseiro em todos os sentidos Ele é mais forte que eu o porco Mas vou matálo Vou voltar para casa e defenderei minha mãe Porco Toma Toma isso na cara A educadora o incentiva a gritar a se expressar em altos brados e com todo o corpo Alguns minutos depois ele se acalma Respira profundamen te e fala por muito tempo sobre a mãe sobre o padrasto sobre seu próprio passado tumultuado e sobre seus projetos pessoais de auto nomia progressiva Foi utilizada aqui uma técnica clássica de amplificação do sentir que vai na direção da emoção experimentada evitando interromper pre maturamente o ciclo acompanhando o jovem em sua raiva para explorá la em vez de reprimila Os dois lados do bobo David tem onze anos Foi dado para adoção aos dois anos e acu mula asneiras quebra o calçamento fura pneus rouba galinhas põe fogo nos campos etc E nega toda as trapalhadas Foi levado para consulta no CMPP Não abre a boca e tem um sorriso zombeteiro nos lábios Eu fico observando seu rosto em silêncio depois falo em voz alta de sua dissimetria O lado esquerdo é bem diferente do direito ele tem uma narina mais alta uma pinta nos lábios etc Davi sorri Sei disso e tenho também uma pinta no rosto Então lhe proponho que se desenhe Ele se desenha inteiro re produzindo a dissimetria do rosto e admirado por têla estendido por todo o corpo Então lhe proponho que descreva estes seus dois lados Ele declara 220 O lado esquerdo não mexe não é bonito não pode andar nem pode usar a mão O direito é mais vivo pode mexer sair brincar De fato David só vive fora de casa Com os pais adotivos ele não pode se mexer como seu lado esquerdo Sugirolhe que com uma tesoura cola e lápis remodele um cor po mais harmonioso onde exista mais unidade Observo que no autoretrato ele representou a língua para fora da boca Ele banca o bobo diz então David e me mostra a língua Uma máscara de bobo parece de fato esconder o verdadeiro Da vid negando a realidade comportandose de modo negativo e se re cusando a reconhecer suas asneiras Nas sessões seguintes trabalharemos com este personagem do bobo depois com o personagem mais oposto uma velha senho ra triste depois com qualquer um que não seja bobo nem tris te Ele vai desenhar cada uma dessas diversas partes dele mesmo fazêlas falar representálas depois comentará seu próprio compor tamento diário4 Esta seqüência ilustra um trabalho com integração de polaridades opostas ou complementares com a utilização de meios de comunicação criativos e dramatização Prática da Gestalt no Centro Materno por Chantai SavatierMasquelier5 Para terminar esta série de ilustrações sobre a incidência da Gestalt no trabalho educativo especializado eis um extrato mais amplo do tes temunho de uma psicóloga que trabalha no Centro Materno de acolhi mento Este texto enfatiza o possível impacto institucional da introdu ção de uma nova abordagem Psicóloga em Centro materno há três anos pratico a Gestalt in dividualmente e em grupo com as mulheres acolhidas na instituição O estabelecimento abriga uma vintena de mães em dificuldades com seu ou seus filhos do começo da gravidez aos três anos da criança e cada mulher permanece de seis meses a um ano Essas mulheres são na maioria oriundas de um meio material cultural e socialmente muito desfavorecido Sua viência anterior é de uma sucessão de abandonos de rompimentos A chegada de uma criança em geral imprevista lhes dá uma es perança de um novo começo E no entanto apesar de seus desejos 4 P Van Damme Gestalt et psychothérapie de groupe denfants Paris EPG ju nho de 1985 5 Extrato de sua memória de fim de estudos para o certificado de gestaltista da Ecole Parisiènne da Gestalt 221 elas reproduzem com os filhos o que suas mães fizeram com elas Além disso as mulheres acolhidas no Centro Materno não são explicitamente requerentes de uma ajuda terapêutica elas sentem sua chegada na ca sa como um lugar a mais É possível numa instituição como a nossa deter essa engrenagem Como evitar a repetição inelutável deste me canismo de rejeição e abandono A Gestalt pode permitir que essas mães encontrem uma outra saída Esta terapia psicocorporal filha da psicanálise e parente das abor dagens fenomenológicas e existencialistas se revela particularmente adequada a esta etapa da vida dessas mães ou futuras mães Reabilitando a vivência corporal e emocional a Gestalt alarga consideravelmente o campo de pesquisa do terapeuta Isso é ainda mais verdade considerando que me dirijo a uma população que domina pou co ou nada a linguagem verbal para a qual o acesso à simbolização e ao imaginário é limitado Mesmo se nada for dito numa sessão sem pre acontece alguma coisa e a observação rigorosa da expressão cor poral atitudes mímicas emoção fornece um material amplamente suficiente para permitir uma tomada de consciência ou para empreen der um trabalho Assim MarieClaire entrou em meu consultório de clarando Eu não tenho vontade de falar e assim sentou com os co tovelos na mesa e as mãos cobrindo os olhos e o rosto Bastou que eu observasse Você não tem vontade de ver nem de que eu te veja Para que ela respondesse Tenho vergonha e após algum tempo de latência come çou por iniciativa própria a fazer longas considerações pessoais ex primindo claramente seu questionamento do momento A Gestalt enfatizando o aqui e agora se comprova uma terapia particularmente adaptada a esta população que tem dificuldade para se organizar prever se projetar no futuro A sociedade pede a essas mães que preparem sua inserção profissional façam projetos cons truam o futuro de seus filhos No Centro Materno a idéia da equipe é permitir que se encon trem que possam digerir um passado pesado avaliem seus dese jos de mulheres e mães Na sessão de Gestalt a única coisa que se pede é que a pessoa esteja lá à escuta de si mesma de suas sensações do que vive no momento A pessoa não se sente obrigada a abordar de imediato as lembranças penosas de uma infância difícil que faz força para esquecer O passado emerge progressivamente a partir da situação presente A abordagem específica da Gestalt consistindo em viver as si tuações passadas e futuras no aqui e agora se comprova tranqüiliza dora e confiante A Gestalt desenvolve uma perspectiva unificadora e valorizado ra do ser humano Ela respeita a evolução e as resistências da pessoa e isso é muito importante para uma categoria social desvalorizada e 222 marginalizada Essa terapia favorece a expressão de elementos apa rentemente contraditórios Eu amo meu filho mas quando ele me irrita bato nele e tenho medo de lhe fazer mal ou Eu não amo meus filhos mas não quero me separar deles Uma mulher pode ser compreendida e aceita até quando rejei ta o filho Encenar e viver esses sentimentos contraditórios por meio de diversas técnicas jogo amplificação monodrama psicodrama troca de papéis expressão com almofada desenho escrita permite explorálos até o fim e integrálos Esta possibilidade de dramatiza ção numa ação simbólica durante a sessão evita às vezes a exteriori zação catastrófica na realidade Meu envolvimento como terapeuta é ele também facilitador não alardeio neutralidade não me escondo atrás de um saber mas esta beleço uma relação direta com a pessoa que se dirige a mim Assim a entrevista se desenvolve numa interação mútua Algumas dessas mu lheres freqüentaram várias instituições como hospitais psiquiátricos e sua desconfiança dos psi é grande Elas temem ser novamente interrogadas julgadas adivinhadas Entrar em meu consultório já é um enorme passo para elas Levo isso em consideração e não deixo de as incentivar e valorizar Lembro de Nadine com quem passei lon gos momentos diante do espelho a desemaranhar o que ela pensava de sua aparência do que os outros diziam a respeito Eu me autorizei assim a dizer que a achava bonita Em termos ideais cada sessão constitui um todo fechando uma Gestalt incabada O ciclo normal de satisfação de uma necesidade que a Gestalt analisa em várias etapas clássicas se desenvolve como de costume mas se for interrompido o objetivo do trabalho pode ser ver como e onde está bloqueado Uma entrevista correta não pre cisa forçosamente ter continuidade Isso dá uma grande maleabili dade a esta forma de terapia uma mulher pode vir uma vez resolver uma questão presente e não voltar mesmo sabendo que pode fazê lo se quiser O comprometimento no tempo não é indispensável em bora continue sendo desejável para aqueles que disso sintam necessi dade Essa maleabilidade permite que uma população móvel e excluí da tenha acesso a uma psicoterapia breve população esta que de ou tra maneira não faria este esforço Na prática faço uma entrevista sistemática a cada nova admis são na casa Não volto a ver um terço delas Um outro terço acaba voltando uma vez ou outra O outro faz um trabalho continuado individualmente ou em grupo às vezes os dois ao mesmo tempo à razão de uma sessão semanal ou a cada quinze dias Num contexto como o do Centro Materno fico particularmente atenta à preparação do nascimento de uma criança e à relação mãe criança É freqüente a defasagem entre a criança imaginária fan tasiada por cada uma e a criança real de carne e osso distância entre a criança que eu queria ou quererei e aquela que aqui está ou estará 223 Para ilustrar isso escolhi um exemplo de trabalho em grupo E em situação de grupo geralmente proponho um suporte para fa cilitar o envolvimento e a expressão de cada uma associações ver bais criatividade desenho escrita imagens jogos de papéis situa ções diversas O exercício proposto neste dia consistia em recortar três formas num papel colorido uma pra si uma para o filho uma para a mãe e representar por colagem o lugar respectivo desses personagens 1 quadro antes do nascimento 2 quadro após o nascimento da criança Eis a colagem de Jeanne No primeiro quadro encontramos formas concêntricas Jeanne inclui o filho em si mesma e ela mesma está incluída na mãe ela deu a luz há uma semana No segundo quadro a criança está justaposta a ela que ainda está incluída na mãe exceto no lugar da brecha aberta pela criança Quando Jeanne comentou sua produção ela es tava muito consciente de ter posto o filho no mundo Agora ele saiu ele não faz mais parte de mim é ele mesmo Mas não estava absolutamente consciente de sua própria relação fusionai com sua mãe morta há certa de um ano Terapeuta E você Você saiu de sua mãe Jeanne espantada qo constatar seu próprio lugar no desenho Não Eu continuo ein minha mãe 224 Ela reflete A observação do terapeuta provoca nela um insight A passagem do nascimento fez com que seu filho saísse da mãe mas com você o que aconteceu Minha mãe era autoritária Eu não podia escapar ela con trolava tudo Eu era a filha mais velha Ela mandava no meu pai Olhemos seu segundo desenho Qual é seu meio para escapar de sua mãe Ah Sim É o bebê Minha mãe não me envolve mais onde a criança está A única forma de escapar era fazendo uma criança por minha vez Foi por isso que casei Essa tomada de consciência permitirá começar outro trabalho so bre a relação entre a morte da mãe e a concepção desse novo ser no âmago da depressão nervosa que sucedeu o óbito A Gestalt no hospital psiquiátrico Interferimos há vários anos na formação permanente de pessoal es pecializado enfermeiros vigilantes psicólogos assistentes sociais etc de vários hospitais psiquiátricos públicos e além disso cerca de 20 dos gestaltistas que formamos na École Parisiènne de Gestalt trabalham no setor psiquiátrico como enfermeiros psicólogos ou psiquiatras Vários deles organizaram não apenas terapias individuais mas tam bém grupos regulares de doentes hospitalizados ou em fase de póscura De fato em nosso trabalho não fazemos diferença fundamental com esse tipo particular de clientela a teoria os métodos e as técnicas que utilizamos são enfim basicamente as mesmas utilizadas com gru pos de normais ou normosados talvez nossa atitude seja simples mente mais diretiva para garantir a segurança necessária Nós acompanhamos o doente em seus medos seus delírios ou suas alucinações sem temor assim procedendo para desdramatizálos cami nhando junto nesse terreno reputado minado nós até propomos de liberadamente uma amplificação do que for sentido seja lá o que for raiva angústia dor etc mas num clima geral de profunda segurança e num meio material protegido Não hesitamos em fazer um paciente encenar sua loucura e se for o caso caricaturandoa Tratase em suma de exorcizála e domesticála mostrandoa falando dela fa lando com ela fazendoa falar alternadamente mais do que temêla ou tentar em vão reprimila ou camuflála Com os psicóticos em geral alternamos em vaivém o traba lho no imaginário com jogo dramático desenho criatividade metáfo ras verbais e o confronto com a situação real atual relação com o ou os terapeutas assim como eventualmente com os membros do grupo Insistimos bastante nas fronteiras fronteiras corporais e fronteiras sociais as proibições tais como exteriorizações violentas procurando definir melhor os territórios e os limites alargálos sem abolilos Sob esta ótica definimos claramente os lugares e os tempos de trabalho e procuramos explicitamente chegar com cada um à boa distância no 225 momento e experimentamos atentamente diversas posições mútuas dos corpos a imobilidade do face a face a cumplicidade do lado a lado o movimento ou contato prudente deixando o máximo de inciativa ao psicótico que em geral vivena angústia da violação de sua bolha espacial de proteção O trabalho corporal ocupa grande espaço como sempre em nosso estilo pessoal de Gestalt nós observamos as tensões os bloqueios mo vimentos abortados a amplitude dos gestos e da respiração trabalha mos muito com a voz para tornála mais viva expressiva habitada propomos exercícios sensoriais de ancoragem no chão de enraizamen to grounding de equilíbrio de orientação de reunificação do cor po fragmentado assim como uma domesticação do contato indivi dualmente dois a dois ou em pequenos grupos em geral com um fundo musical assegurando uma referência suplementar Intervimos freqüentemente para recentrar o cliente evitar que se fragmente ao tentar seguir várias pistas ao mesmo tempo e o levamos em todas as ocasiões a fazer escolhas Permitimos a regressão num clima de calor confiante e também a agressão num contexto protegido e desdramatizado Afinal de contas nós nada mais fazemos do que explorar as técni cas tradicionais da Gestalt mas isso num clima relacional específico Muito me admira que psicanalistas que se interessaram pelo trata mento das psicoses como Federn Nacht Racamier Searles ou Gisela Pankow tenham encontrado intuitivamente o essencial do espírito ges taltista Lembremos que Freud sempre sustentou até sua morte que a psicanálise não podia ser aplicada aos psicóticos pois considerava esses doentes incapazes de transferência Sabemos que seus sucessores recon sideraram completamente esta posição mas adaptando consideravelmente a estratégia terapêutica e as técnicas Indico a abundante literatura recen te sobre este tema limitarmeei aqui a citar um longo extrato da exce lente síntese desta questão proposta pelo psicanalista Recamier6 A posição de Freud a respeito da psicose talvez possa ser compreendida em função de sua repugnância pelo contato direto com o doente Não suporto ser olhado durante todo o dia e sua recusa em intervir ativamente sobre ele Nunca desempenhei papéis Tratando o psicótico os analistas percebem então que a aná lise não apenas agrava o estado de seu paciente mas que os procedi mentos contrários à análise que a intuição os leva a adotar trazem melhorias A realidade impôs uma adaptação da técnica analítica à maioria dos clínicos O que falta ao psicótico é a capacidade de experimentar o analista ao mesmo tempo como receptáculo de suas fantasias e como 6 Racamier P C Psychothérapie psychanalitique des psychoses in La psychanalyse d aujoudhui sob a direção de S Nacht Paris PUF 1967 226 pessoa atual real e invariável Nessas condições a neutralidade estri tamente analítica tornase tanto inútil como nefasta O analista deve pelo contrário propor ao paciente uma realidade bem viva e afável uma realidade que possa tocar com o dedo uma presença Ele con segue isso inicialmente não se escondendo E até mesmo se mostran do para não se esconder Primeiro visualmente a posição face a fa ce é nc mais das vezes necessária O analista nãoesconde quem ele é o que ele é o que ele sente Tanto quanto em geral a Au sência é uma virtude analítica a Presença também o é neste caso Ele reconhece francamente seus erros e seus defeitos diz quando se engana se explica se estiver atrasado se desculpa se foi desatento De fato a sinceridade surge como uma das exigências naturais e fundamentais da psicoterapia analítica das psicoses O analista está pessoal e humanamente engajado e envolvido quer ele queira ou não tem o encargo da alma O analista é mais ativo e mais caloroso do que de costume Além disso cabelhe manter com firmeza os limites Durante as sessões o analista deve quase sem pre abandonar a regra do silêncio expectante e também a do rigor dos horários ele responde às perguntas feitas A atitude psicoterapêutica será a da maternagem Num nível mais elevado será a do apoio de tipo paterno Um bom pai defende Ele defende o cliente tanto do mundo exterior quanto de si mesmo É importante compreender que na cura de maternagem o pa ciente não é em absoluto chamado a reviver experiências passadas a experiência da cura realiza para ele uma situação primeira atual Não é uma relação transferencial Esse psicótico vive de fato uma si tuação para ele atual e atemporal Me detenho por aqui nessas citações não sem deixar de observar que afinal de contas os gestaltterapeutas há muito tempo vêm ado tando com os neuróticos as atitudes recentemente propostas pelos psi canalistas para os psicóticos Estariam eles de acordo à sua revelia com a escola kleiniana que considera que a neurose repousa num núcleo psi cótico e que conseqüentemente um e outro são assimiláveis e justifi cam a mesma abordagem terapêutica A Gestalt uma ferramenta de formação em empresa por Gonzague Masquelier7 Nos reunimos por quatro dias num moderno hotel da periferia parisiense Este estágio se intitulou Gestão dos conflitos e a ferra menta proposta foi a Gestalt 7 Antigo aluno da École Parisiènne de Gestalt Membro titular da Société Française de Gestalt 227 Os doze estagiários são funcionários de uma mesma empresa mas vêm de serviços diferentes Estão pois impregnados da mesma cultu ra dos mesmos ritos e se conhecem pelo menos de vista Eu insisto em especial nas regras de discreção O que for dito aqui não é para ser levado para fora Após algum tempo para as apresentações reencontros e aqueci mento lhes proponho uma mandala Vou pegar uma grande folha e traçar um círculo que repre senta meu meio profissional Escolho quatro cores e lhes atribuo um significado simbólico Depois eu desenho como me der vontade e sem preocupação estética os principais personagens que interferem na minha vida profissional e as relações que tenho com eles Isso feito cada um acrescenta um título e uma legenda depois prega seu desenho no quadro desenho este que será o fio condutor do estágio Depois da pausa visitamos a exposição e cada um descreve sua atividade profissional pelo prisma de sua criação depois pro ponho que seja cercada uma parte do desenho que parece ser a ori gem do conflito ou se não houver dificuldade real ou potencial um elemento que se queira compreender melhor Tomando como ponto de partida este setor selecionado fazemos um trabalho de esclarecimento de desemaranhamento ou de reapro priação de uma relação Um exemplo mais concreto nos permitirá de senvolver isso Jacques o contador delimitou sem hesitar como terreno de con flito algo que vejo como um halteres assimétrico que cobre a metade de seu desenho 228 uma grande massa angulosa e colorida acima e à direita uma espécie de nuvem pouco densa de contornos fluidos Estes dois elementos são ligados por duas linhas paralelas tracejadas Jacques se identifica com a massa colorida de caráter pontudo e nada fácil depois apresenta a nuvem como Monique sua se cretária Jacques Ela é inodora e sem sabor Eu Você pode tomar o lugar de Monique e exprimir o que ela pen sa de Jacques Jacques representando Monique Ele nunca está contente eu não o compreendo Nós exploramos várias vezes esses dois papéis mas nada de pre ciso de depreendeu Eu E o tracejado Jacques após uma hesitação Eu não tinha pretendido mas ago ra vejo a escada que tenho que subir para ir vêla Ao pronunciar o termo escada a voz de Jacques se torna mais firme quase agressiva Haveria aí uma pista Eu Você poderia fazer a escada falar Exprimir como ela liga vo cês dois A sessão mal começava o grupo não estava acostumado a pas sar para o imaginário Eu tinha ido muito rápido Todos me olharam com grandes olhos de espanto Fazer a escada falar Esses psi são loucos Eles vão se entusiasmar perguntar os porquês e eu tratei de dar marcha a ré Apenas tente descrever a escada para que nós compreenda mos melhor onde e como você trabalha Jacques a descreve como dura e cansativa Mas logo estamos girando em círculo Mesmo assim eu bem que senti a raiva em sua voz Onde ela desapareceu Eu sinto minha própria respiração opri mida nesta escada intuo que nela acontece alguma coisa Fico in trigado com este contador cuja secretária fica no andar superior Tento uma última armadilha Eu vejo no teu desenho um degrau mais escuro que os outros Seu rosto endurece Com certeza é o xerox Ele fica na escada Pronto Encontramos o fio de sua emoção que de uma pe quena vibração na voz rapidamente se tornará uma raiva declarada Jacques detesta esse instrumento voyeyur estúpido com papagaio falastrão como um zelador Faço com que encarne sucessivamente os três papéis Jacques Monique a máquina Agora ele está aquecido e aceita sem maiores dificuldades ser o xerox Ele zomba olha com desprezao a cadeira que simboliza Jacques e lança doces olhares para a cadeira Moni que Logo emerge o lugar do xerox como instrumento de poder en tre Jacques e sua secretária Esta máquina não é de um nem de outro Está a meio caminho na escada 229 Quando redijo uma nota de serviço Monique esquece de di vulgála ou ainda reduz o número de exemplares Mas principalmen te aí Jacques passa a ter uma voz queixosa ela copia os documentos que recebo Detesto isso Faço com que ele perceba como detesta isso e como sente isso no corpo ele tem frio se sente oprimido por uma bola na garganta e se dá conta Se não sou mais o único detentor da informação os colegas não precisam mais passar por minha sala Jacques então descobriu uma tripla hostilidade contra a máqui na ela não lhe serve para aumentar seu prestígio pois suas notas de serviço são mal divulgadas ela constitui um escape que não pode con trolar em seu desejo de ser o único detentor da informação ela o dis tancia dos contatos humanos Ele ficou emocionado com essa desco berta um pouco como uma galinha olha um pato que saiu de um ovo choco Mas ele não é bobo colocar a fotocopiadora em sua sala não resolveria grande coisa Proponholhe que paremos aí nesse dia e continuamos com ou tros desenhos No dia seguinte um exercício me levou a explicar as diferentes resistências em Gestalt particularmente a deflexão Eu dou um chute numa caixa em vez de exprimir minha agressividade contra alguém Com o canto dos olhos vi que Jacques se animou ele se deu conta de que sua hostilidade antixerox não passa de símbolo de uma ri validade entre ele e a secretária e pede para trabalhar com este con flito Então lhe proponho que retomemos seu desenho com a pergunta Hoje você tem vontade de modificálo completálo Ele imedia tamente observou que faltavam os outros Sua empresa não se re duzia a Monique a escada e eu mas tinha a contabilidade e os outros Em três minutos em grandes traços ele restabeleceu as co nexões abriu passarelas reintroduziu a Direção Geral os clientes etc Sua linguagem mudou e pela primeira vez ele disse nós Eu Nós O que é nós Jacques Bem a secretária e eu Eu Pronto aí está Pouco a pouco ele se deu conta de que a informação não é uma quantidade finita um doce que diminui quando partilhado Pelo con trário quanto mais ela circula mais ela se enriquece quanto mais eu dou mais recebo Há pois uma sinergia possível entre Jacques e Mo nique e o xerox pode vir a ser mais cúmplice do que inimigo Um serviço de contabilidade não é necessariamente obscuro dis tante e secreto Pode ser o centro de vinculação onde se cruzam infor mações concernentes aos clientes fornecedores e pessoal No último dia quando propus à guisa de balanço que cada qual encenasse o que lhe pareceu importante Jacques encena com muito humor uma cerimónia nupcial em que ele desposa sua secretária pa ra regularizar a situação pois eles já têm um belo bebê a saber 230 o xerox batizado de Lucky Luke aquele que copia mais rápido do que sua sombra Em apoio a este testemunho eis alguns extratos da reflexão de um outro colega gestaltista que trabalha em empresas Daniel Grosjean8 Há um paralelo entre o funcionamento da empresa e o do ser humano Ambos devem preservar um equilíbrio dinâmico entre os três campos de energia que os animam ou seja a cabeça re fletir inventar o coração comunicar mobilizar o corpo agir concretizar Temos podido constatar nas empresas uma correlação entre elas e o funcionamento energético de seu dirigente ou entre um serviço e seu responsável a tal ponto que para um dado sintoma da empresa é possível encontrar o sintoma equivalente no responsável Não é o caso de estabelecer uma relação causaefeito um não é respon sável pelo outro tratase de um fenômeno de ressonância Este vai se ampliar se o dirigente se inclina a escolher colaboradores que apresentam as mesmas tendências que ele Ex Após uma mudança de direção numa fábrica de 2000 pes soas pudemos constatar que o pessoal em coisa de seis meses se des motivou completamente Eles se sentiam perdidos desorientados O novo dirigente com excelentes conhecimentos técnicos da fábrica era um homem completamente bloqueado no nível afetivo Algum tem po depois a fábrica foi sacudida por uma violenta greve Gestalt e sexualidade Deixemos a empresa para voltarmos à terapia eou ao desenvolvi mento pessoal a núpcia de Jacques o contador e sua secretária nos servirá de transição para apresentar uma exposição sumária de nosso trabalho sobre vida pessoal afetiva e sexual trabalho elaborado regu larmente desde 1969 Até hoje nós promovemos cerca de 300 estágios sobre este tema tendo reunido um total de mais de 5000 estagiários ge ralmente sob a forma de ciclos de quatro estágios de três dias repre sentando um total de uma centena de horas por ciclo e estágios reser vados especificamente aos casais desejosos de esclarecer sua relação Eu serei muito breve aqui pois o tema já foi objeto de diversos comuni cados9 nossos assim como de uma publicação10 8 Grosjean D Les ressources énergétiques humaines et la prospérité de lentreprise CRC 1985 9 No VIo Congresso da Assoc Européenne de Psychologie Humaniste Paris no 1 Con gresso da Assoc Espagnole de Gestalt Barcelona 1982 e no II Congresso da Assoc Eu ropéenne de Gestalt Mayence 1986 10 Vanoye e Ginger Le développementpersonel et les travailleurs sociaux Paris ESF 1985 231 Quando folheamos nossos relatórios constatamos que as dificul dades explícitas ou insuspeitas que levam os estagiários a partici par deste ciclo são ao mesmo tempo banais e variadas no registro da falta malestar relacional ou sexual depressão inibi ção anafrodisia desvalorização narcísica ninguém se interessa por mim sentimento profundo de solidão luto voto religioso de castidade pesa do de carregar desejo de ter filho antes que seja tarde demais no registro do excesso excitação social e sexual com ativismo de senfreado necessidade compulsiva de conquistas dispersão dos in vestimentos ou inversamente vinculação aliénante ao parceiro im pedindo qualquer autonomia no registro do conflito desentendimento conjugal agudo ou crônico parceiro taciturno ausente ou pelo contrário violento ciúme parali sante seqüelas de violação etc no registro das dificuldades físicas impotência ou frigidez ejacula ção precoce desgosto geral ou limitado a certas práticas somatizações diversas insônia enxaqueca medo do envelhecimento etc no registro das dificuldades sociais homossexualidade mal assumida presença invasora de uma mãe ou madrasta problemas impostos pela liberação dos costumes de crianças e adolescentes Eu poderia prosseguir até o enfado com esta lista do cortejo de di ficuldades existenciais que costumam acompanhar a vida amorosa e se xual Mas vamos à mais comum ainda não evocada pois costuma ser dissimulada às vezes negada pelos próprios parceiros é a rotina que se insinua subrepticiamente entre o casal sem o menor alarme que ve nha anunciála Então silenciosamente se instala uma vida mesquinha de trocas fixas uma compreensão estereotipada sem liberdade sem cria tividade referida com obstinação a uma norma calcificada Infelizmen te o calcário neste caso não produz pérolas Gota a gota silêncios ne gativos cansaços desiludidos dia após dia obstruem os canais de co municação11 E o Gestaltterapeuta de cliente em cliente alternará seu paciente labor de encanador procurando restabelecer uma circulação livre dos afetos internos ou relacionais bloqueados e de coveiro tentando en terrar definitivamente os vestígios do luto inacabado dos entes queridos desaparecidos e das ilusões perdidas 11 Comunicação de Anne Ginger nas 3s Journées nationales détudes de la SFG Gre noble dez 1985 in La Gestalt et ses différents champs d applications Paris SFG 1986 232 Monotonia desmobilizadora de dois trilhos prisioneiros de traves sas pregadas ou angústia de dois caminhos que divergem inexoravelmente até se perderem de vista Confluência ou conflito Eterna alternativa Com muita freqüência na escolha do parceiro se escondia a ilusão patética de que as necessidades as incompletudes de cada um iam ser preenchidas e que a nostalgia mítica de um amor materno incondicional ia encontrar enfim seu satisfação Ela procurava um pai eu procurava uma mãe e agora estamos como dois órfãos constata com certo humor desabusado um de nos sos clientes O casal confluente ignora soberbamente a dissimetria dissime tria que no entanto é o cerne de nossa vida e que assinala a evolução Surpresa ao perceber um dia que as necessidades dos dois parceiros são diferentes um ama a aventura o outro a segurança um quer tudo sa ber o outro prefere ignorar E no entanto quantos casais encontra mos que ano após ano se desgastam tentando reajustar periodicamente um ilusório contrato simétrico Quantos esforços lágrimas e desilu sões entre o diremos tudo dos primeiros anos e o melhor calar calejado de maturidade E por que não admitir afinal que em função de suas diferentes personalidades um dos dois por exemplo se sente mais seguro se fica sabendo das relações eventuais do parceiro enquan to o outro prefere manter a paz do coração ignorando deliberadamente ocasionais amores paralelos Mas a imposição do toma lá dá cá in vadiu nossa civilização comercial escondida numa democracia superfi cial onde se confundem justiça e igualdade Ora não é certo tratar igual mente pessoas diferentes Contrato dissimétrico talvez mas mesmo assim um contrato Se cada um segue seu caminho e suas inclinações no egotismo exacer bado de uma identidade enfim conquistada o casal logo estará separado Michèle acompanhou o ciclo Desenvolvimento pessoal e sexua lidade Ela se conscientizou melhor de suas necessidades e de suas carências abreagiu e elaborou uma violação ocorrida na adolescên cia que nunca contara a ninguém quase esquecida mas que lhe deixara um profunda aversão pela sexualidade Ela não se sente mais suja e indigna mas capaz de amar e então tudo reflorescia Pierre não está contente as cenas são constantes Antes ele se queixava da minha passividade agora ele não suporta minha ini ciativa Há doze anos ele desposou uma mocinha e agora eu me tor nei uma mulher Desde que fiquei desbloqueada e sinto prazer ao fa zer amor com ele ele está inquieto está convencido de que o enganei com qualquer um Mas eu de qualquer forma não posso voltar atrás Seria tentador incitar os dois parceiros de um casal a dar juntos os mesmos passos mas a experiência nos mostrou que em geral esse desejo 233 não é compartilhado na mesma proporção pelos dois envolvidos e aquele que se deixa convencer para agradar o cônjuge não se compromete profundamente Seria então preciso praticar o obscurantismo e deter pru dentemente qualquer evolução muito rápida para evitar a separação A cada um seu ritmo ficamos inclinados a responder mas nu ma terapia de grupo não se deve subestimar a pressão dos membros onde os mais liberados tentam em geral num proselitismo de boa fé levar seus camaradas mais longe do que eles mesmos desejariam Nós denunciamos então uma nova alienação sutil que consistiria em apre goar novos valores em moda tais como devemos liberar os sentimen tos a criatividade devemos ser livre introjeção paradoxal comum em certos grupos de Novas Terapias e especialmente no plano se xual devemos experimentar tudo a bissexualidade a droga etc É um neoconformismo anticonformistal Nós tememos qualquer pressão normativa qualquer que seja e não importa de onde venha e militamos pelo direito à diferença e pela livre escolha dos próprios valores pes soais inclusive no seio de um casal unido As terapias breves em Gestalt mito ou realidade Nós não pretendemos que a Gestalt seja uma terapia breve no sentido da Escola de Paio Alto por exemplo e não reduzimos a terapia ao simples desaparecimento de um sintoma específico mas afirma mos que os casos de melhoria sensível rápida e persistente do compor tamento e a clara redução do sofrimento e do malestar não são excep cionais em Gestaltterapia Hoje não tememos afirmar que esses casos de evolução clara às vezes espetacular em alguns meses até mesmo em algumas sessões se jam suficientemente numerosos para merecer mais do que um sorriso cético de defesa prévia Diante dos resultados incontestáveis e que às vezes surpreenderam a nós mesmos nos debruçamos sobre a abundante literatura escrita so bre o tema Não tenho espaço para fazer um histórico detalhado da pró pria noção de psicoterapia breve que remonta a aurora da psica nálise e cujo desenvolvimento tem sido contínuo há 40 anos relatados em numerosas pesquisas e congressos internacionais Sabemos que Freud nunca deixou de se preocupar até o fim de sua vida com o problema da duração do tratamento no início de sua práti ca ele tinha a maior dificuldade confessou em persuadir seus clien tes a prosseguir sua análise Mais tarde ele não conseguia mais persuadi los a deixar o tratamento Após ter introduzido deliberadamente a neurose de transferência que contribui para prolongar consideravelmente o tratamento Freud procurou em 1918 numerosas técnicas de psicoterapia analítica breve ainda recusando qualquer tipo de focalização da análise num sintoma 234 isolado para sempre se interessar pela organização global da personali dade e pelas resistências Enquanto isso Ferenczi por seu lado precedendo assim a Gestalt introduzia sua famosa técnica ativa baseada em provocadoras inter venções do analista injunções ou proibições visando mobilizar o cliente e priválo de certos benefícios secundários da transferência enquanto Alexander já enfatizava que não é a rememoração dos eventos antigos que cura mas sua revivescência no aqui e agora da cura ele então pro põe aos psicanalistas entrevistas diretas utilizando as situações da vida real do cliente e favorecendo uma revivescência das experiências emo cionais no contexto de uma relação diferente cujas modalidades são ana lisadas não estamos tão longe de uma abordagem gestaltista Seria preciso citar especialmente os trabalhos de Lewin Balint Ma lan Sifneos primeiro serviço de urgência em psicoterapia Mann Gil lieron Watzlawick Milton Erickson psicoterapias ultrabreves em al guns instantes Bandler e Grinder etc Assim sendo escolas muito diferentes psicanalíticas comportamen talistas sistêmicas etc se debruçaram sobre o problema e na realida de ninguém mais contesta hoje em dia que Meios muito diversos pemitem obter resultados terapêuticos mui to satisfatórios duradouros e em geral num lapso de tempo relativa mente breve em relação à psicanálise Rejeitar essa constatação por razões puramente dogmáticas é ideologia ideologia da negação e se afasta da abertura de espírito própria da psicanálise 12 É tempo de enterrar o mito popular e simplista do se não for ca ro não é bom que às vezes encontra eco no se não for longo não é profundo As controvérsias atuais se referem essencialmente não à realidade ou eficácia das psicoterapias breves mas às suas indicações específicas à sua metodologia e às hipóteses explicativas quanto aos fa tos inegavelmente observados Portanto decidimos proceder a um modesto estudo a partir de no tas detalhadas concernentes a quatro grupos contínuos de Gestaltterapia que instalamos respectivamente em Paris Toulouse e Lyon os mais antigos dos quais funcionam há doze anos agora hoje só no âmbito da EPG funcionam simultaneamente 10 grupos contínuos em Paris e l í no interior Para obter um mínimo de distanciamento e de objetividade mais do que considerar uma amostra estatística ao acaso preferimos estudar sistematicamente a evolução dos 200primeiros clientes que ingressaram em um ou outro de nossos quatro primeiros grupos terapêuticos contí nuos a partir de abril de 1979 12 E Gillieron membro da Société Suisse de Psychanalyse médicochefe da policlínica universitária de Lausanne in A ux confins de la psychanalise Psychotérapies analytiques brèves acquisitions actuelles Paris Payot 1983 235 Não entrarei no mérito da problemática dos clientes de fato ela cobre uma ampla gama de sintomas clássicos desde dificuldades exis tenciais ou relacionais provisórias luto ou separação recente conflito interpessoal ou profissional etc a alguns casos de psicose franca com delírios e alucinações passando por uma maioria de neuroses comuns Alguns desses clientes faziam paralelamente por iniciativa pró pria ou por sugestão nossa uma terapia individual nesta amostra 14 tinham feito uma psicanálise e 17 uma terapia individual em Ges talt vários portanto com alguns de nós As duas formas de terapia individual e de grupo feitas paralelamente nos pareciam em sentido geral se potencializar mutuamente Portanto procuramos explicitamente os casos de terapia breve definindoa arbitrariamente como não ultrapassando quatro sessões con secutivas intensivas de três dias a maior parte do tempo sob a forma de estágios residenciais incluindo um trabalho à noite representando em média uma centena de horas de terapia distribuídas por uma dura ção que não excedesse seis meses Na falta de critérios cientificamente objetiváveis de melhoria nós nos limitamos a apreciações clínicas retendo como casos de evolução rápida aqueles para os quais se notasse uma convergência certa de pe lo menos três apreciações de fonte diferente impressão subjetiva claramente formulada pelo próprio cliente avaliação clínica de dois coterapeutas apreciação de outros membros do grupo Nessas bases embora conscientes de que elas continuam sendo sub jetivas e sujeitas a contestação eis inicialmente os resultados em cifras de uma avaliação global dos efeitos da terapia em grupo considerando a consolidação posterior dos resultados constatada com um distancia mento de cinco anos conforme os casos 26 de evolução rápida explicitamente perceptível às vezes espeta cular constatada durante as quatro primeiras sessões seguidas por ca da um ou seja num lapso de tempo inferior a seis meses 67 de evolução positiva clara em quatro a 20 sessões de seis meses a três anos representando em suma o que se poderia chamar de uma evolução normal 7 apenas de ausência de evolução sensível que poderiam ser consi derados casos de fracasso após quatro a dez sessões A maioria des ses clientes abandonou o grupo após as primeiras sessões considerando com ou sem razão que o tipo de trabalho proposto não convinha 236 Não notamos nenhum caso de agravamento duradouro dos distúr bios mas três casos de paralisação de alguns dias durante o tratamen to Essas taxas relativamente elevadas e inesperadas de melhoria sensível rápida e duradoura permitem alguns comentários resultam de uma terapia de grupo empreendida sob a forma de está gios intensivos em geral em sessões residenciais e com uma ação con jugada de coterapeutas de ambos os sexos Os resultados não são pois em caso algum extrapoláveis para outras formas de intervenção espe cialmente para grupos semanais de curta duração ou para terapias indi viduais cujos efeitos nos parecem em geral muito mais rápidos no entanto nem sempre necessariamente mais profundos nosso estilo de Gestalt reserva um grande espaço para a expressão emo cional e corporal e ocasionalmente apela para técnicas de massagem e de trabalho Gestalt em nudez em piscina aquecida ou hottub cujos efeitos em geral parecem muito mobilizadores a maioria daqueles cuja evolução foi particularmente rápida até espe tacular sem dúvida incentivados por isso continuaram sua terapia para além de quatro sessões Eles portanto não fizeram propriamente falan do uma terapia breve embora o essencial dos progressos constatados se tenha produzido nas primeiras sessões Mas ignoramos na maioria dos casos se essas melhorias teriam persistido duradouramente se a terapia tives se sido imediatamente interrompida entretanto nada impede de supôlo num certo número de casos foi impossível para nós prever se a evolu ção seria rápida ou não a priori nos limitamos a constatálo depois A situação é então diferente em seu princípio mesmo da dos cen tros especializados em terapias breves tais como por exemplo o Brief Therapy Center de Palo Alto onde a duração do tratamento é logo no início explicitamente limitada a dez sessões de algumas horas e os objetivos procurados são claramente delimitados em comum terapias focalizadas Nessas condições o Brief Therapy Center anuncia 40 de sucessos 32 de melhorias importantes e 28 de fracassos Nós quisemos saber se os casos de evolução rápida ou muito rápida constatados em nossos grupos correspondiam a uma sintomatologia par ticular e tentamos reunilas de acordo com um pequeno número de ca tegorias simples acessíveis ao grande público evitando deliberadamen te recorrer a uma nosografia mais sofisticada de conotação psiquiátri ca ou psicanalítica que seria difícil de comunicar aos interessados e além disso pouco conforme ao próprio espírito da Gestalt Assim obtivemos quatro famílias de distúrbios que especificarei adiante mas devo inicialmente precisar que se nossos casos de me 237 lhoria rápida cabem nessas categorias a recíproca não é verdadeira fa lando de outra forma outras pessoas apresentando o mesmo tipo apa rente de dificuldades só evoluíram muito mais lentamente Fica pois por determinar os fatores de aceleração ou de freio ou por elaborar mais nossa categorização 1 35 de nossos casos de terapia breve se referem a pessoas que sofre ram um trauma preciso identificável Em vários era o caso de uma vio lação sofrida na infância ou na adolescência e seguida de uma aver são ou de uma rejeição agressiva dos homens acompanhada em geral de diversos sintomas secundários Entre os traumas evocados registra mos também lutos por acidente brutal e sobretudo por suicídio de um dos pais esposo filho irmão ou irmã às vezes tendo como circuns tância agravante a presença física do cliente durante o drama Além des ses a descoberta brutal de que um dos filhos usa drogas pesadas costu ma ser vivida como um equivalente suicidário Podemos também compatibilizar nesta categoria alguns casos de di vórcio particularmente conflituoso abandono brusco e agressivo assim como conflitos conjugais agudos com situação de crise violências amea ças de suicídio etc Nos casos em que um evento traumático preciso às vezes repetido for facilmente identificável as melhorias podem ser espetaculares Elas são ligadas a uma revivescência intensa da situação traumatizante num clima relacional terapêutico acompanhado se for o caso de uma catarse emocional seguido de uma verbalização diante de um grupo como testemunho Citemos como exemplo Nicole que inconscientemente se proibia de viver e ter prazer desde que assitira impotente ao suicídio do irmão por afogamento muitos anos antes Um trabalho de luto em que nós a fizemos encarnar sucessivamente os diversos personagens com o con sentimento tácito do grupo compreensivo permitiu uma desdramatiza ção importante e uma libertação quase imediata 2 40 de nossa amostra de evoluções rápidas compreende um amplo conjunto de casos de bloqueio relacional afetivo ou sexual por inibição massiva timidez patológica ou depressão crônica Pode ser um aban dono total da iniciativa um medo de qualquer contato físico uma im potência ou uma frigidez fobias diversas que paralisam a vida cotidia na medo de tomar trem ou de automóvel de entrar numa loja etc Esses ditúrbios evoluem às vezes muito rapidamente num clima de grupo seguro caloroso e tolerante onde o corpo é mobilizado reco nhecido e ouvido O trabalho em nudez coletiva nos parece que acelera consideravelmente os desbloqueios possibilita a renúncia à imagem mí tica de perfeição veiculada pelos meios de comunicação em proveito da conquista de uma imagem narcísica mais realista aceita por outrem 238 e aceitável pela própria pessoa O trabalho de grupo neste caso nos parece mais indicado do que uma terapia individual apesar das freqüen tes reticências iniciais desse tipo de cliente É claro que o trabalho em torno da aceitação do corpo simboliza uma recuperação narcísica mais profunda e global 3 12 de nossa amostra de referência concerne a uma categoria que pode ser sob certos aspectos comparada com a precedente é ainda o caso de desbloqueio de um potencial sufocado mas desta vez num sen tido deliberadamente criativo até artístico abrange em geral personali dades ricas mas rígidas fixas num comportamento de dever de respon sabilidades e realizações Cito como exemplo típico um médicodiretor que descobriu seus talentos artísticos literários e pictóricos e se permi tiu exprimilos inicialmente sob pseudônimo para logo se resolver a abandonar responsabilidades que lhe pesavam e tornarse rapidamente célebre expondo em galerias de vários continentes E porque não considerar um registro análogo à permissão à cria ção o caso das inúmeras mulheres de nossa clientela próximas dos 40 anos consideradas estéreis e que repentinamente se sentem prontas para pôr no mundo seu primeiro filho Diversos exercícios de energização e de criatividade corporal ou simbólica parecem lhes revelar sua capaci dade para criar algo vivo e digno de interesse Aí ainda o grupo nos parece muito mobilizador e a catarse emocional parece favore cer uma profunda mobilização psicofisiológica Tudo acontece como se houvesse uma espécie de cirurgia mental de desobstrução de efeito rápido e saudamos a vinda ao mundo de mais de um bebêGestalt por muito tempo desejado por casais prematuramente resignados à esterilidade 4 13 enfim de nossos casos de evolução rápida em menos de seis meses poderiam ser reunidos numa última categoria um pouco hetero gênea de clientes marginais ou marginalizados antisociais ou doentes mentais em geral instalados num sentimento desesperado de diferença de incompreensão ou de rejeição há muitos anos Lembro de Ivette que nunca pudera se livrar da vergonha de ter um pai condenado à prisão perpétua por assassinato premeditado lem bro de vários homossexuais de ambos os sexos rejeitados por seu meio profissional e sobretudo familiar lembro dos casos mais numerosos do que se pensa daqueles que vivem na angústia de terem herdado a loucu ra de um dos pais lembro das perturbações psicossomáticas crônicas em Renée que vomitava tudo que comia todos os dias desde a adoles cência e que nunca mais vomitou após seu primeiro estágio de Ges talt lembro ainda de Mareei que falava de si mesmo na 3 pessoa e evocava fantasias de estrangulamentos sangrentos de Charles que se despia publicamente nos restaurantes ou transportes coletivos de Jean 239 Michel que recitava num tom monocórdio litanias que só falavam de túneis sombrios com portas fechadas cuja chave fora perdida Também não ficamos surpreendidos com a rápida evolução em par te graças à presença do grupo de alguns que tinham sofrido rejeição social tipo racista por exemplo os homossexuais e também cons tatamos com admiração vários casos de curas milagrosas em alguns de nossos clientes com patologia pesada assim que nos aventuramos a acompanhálos sem preconceito ao cerne de sua loucura autorizandoos a partilhar simbolicamente a exprimir suas fantasias mais extraordiná rias a transformálas numa linguagem progressivamente decodificável no seio do grupo numa conivência explícita Todas essas cifras e essas constatações são parciais e provisórias nossa pesquisa prossegue Gostaríamos especialmente de poder defi nir antecipadamente as indicações eventuais de terapias breves levando em consideração a idade o sexo a sintomatologia a estrutura da per sonalidade Gostaríamos de delimitar melhor os fatores catalisadores que possam potencializar e acelerar o tratamento Enfim gostaríamos de deduzir hipóteses explicativas satisfatórias o trabalho emocional e especialmente a catarse leva a uma impres são neurológica que opera uma formalização Gestaltung molecular alterando as estruturas límbicas do cérebro assistimos mais simplesmente a uma reorganização dos sistemas men tais de percepção e de representação consolidado pelo eco de um grupo testemunho compreensível a experimentação permitiria uma ampliação comportamental do leque de respostas corporais e emocionais tristeza raiva medo desejo alegria paz A alternância judiciosa de frustração e apoio preciso favoreceria uma segurança relacional e uma flexibilização do ajustamento criador uma melhor exploração das resistências liberaria uma energia disponí vel que poderia ser reinvestida no fluxo vital várias outras hipóteses se apresentam com abordagem psicofisio lógica intrapsíquica social e até esotérica A princípio contentemonos em constatar sem contestar experi mentar antes de sempre querer compreender mais do que tudo com preender sem sequer ter experimentado esta nos parece a via gestal tista mobilizar nossa awareness para explorar sem tomar partido e ain da permanecendo vigilantes para não focalizar nossa atenção só nos sin tomas evocados no começo preferimos percorrer ao acaso as veredas tortuosas e as moitas espinhosas do malestar acompanhando nosso cliente com confiança mas vigilantes e sem traçar limite prévio pela 240 extensão insuspeita de seu território incitandoo a ir recolhendo suas riquezas desenterradas e no fim assinalar em seu mapa o itinerário per corrido em cada nova expedição A Gestalt uma chave de contato Assim pois a Gestalt comprova ser uma psicoterapia eficaz conco mitantemente rápida profunda e duradoura em certos casos pelo me nos embora os preconceitos ainda contraponham esses três qualificati vos Entretanto ainda falta precisar mais claramente os limites assim como as indicações principais tais como perturbações póstraumáticas psicos somáticas inibições depressões mas também personalidades borderli nes sob a condição de que se use uma Gestalt psicocorporal mobili zando diretamente as camadas límbicas profundas e os registros arcaicos Para nós a Gestalt continua sendo fundamentalmente uma psico terapia mas é bem mais do que isso ela nos parece uma ferramenta me todológica universal permitindo uma visão diferente do homem e seu meio uma chave para abrir a fronteira de contato entre o interior e o exterior entre o eu e o mundo Ela desmistifica a onipotência do pensamento e da ciência A idéia de um homem racional é totalmente irracional diz Edgard Morin a síntese intuitiva precede a análise ra cional o esclarecimento do fim procurado esclarece mais do que a com preensão das causas passadas o finalismo otimista do para quê leva a melhor sobre o causalismo pessimista do por quê a poesia criado ra da vida ultrapassa a rigidez matemática e esterotipada da matéria Assim a Gestalt se inscreve como um fenômeno de nosso tempo con temporânea de uma nova cultura que procura libertar o homem de sua condição de hemiplégico à qual por muito tempo nos condenou nossa cultura ocidental do cérebro cortical esquerdo A teorização da Gestalt continua controvertida mas nós somos da queles que se alegram com essa abertura pois o enrijecimento dogmáti co ameaça qualquer teoria ou doutrina a Gestalt tanto quanto a psica nálise o cristianismo tanto quanto o comunismo e só pode levar à escle rose e à morte A Gestalt soube integrar numa síntese harmoniosa o todo é diferente de suas partes múltiplas correntes terapêuticas e fi losóficas deste século e assim prepara à sua maneira o advento de uma nova visão do homem de um novo paradigma na aurora da era que se anuncia marcada pela passagem de uma busca do ter fragmentado e acu mulado à do ser unificado e integrado do ter mais ao ser melhor A Gestalt não reivindica o status de ciência mas tem a honra de continuar sendo uma arte acompanhando o impulso da pesquisa con temporânea que permeia a física a biologia e a filosofia todas à procu ra da unidade da matéria e da energia ou seja do corpo e do espírito A Gestalt poderia ser então uma chave de contato que permitiria empreender esta viagem apaixonante à descoberta das riquezas insus peitas da civilização da comunicação 241 A n e x o 1 Depoimento de uma estagiária Preâmbulo Cada gestaltista trabalha à sua maneira em seu próprio estilo De cada estágio emana uma atmosfera que lhe é própria em função dos membros que compõem o grupo do lugar do momento do contexto em ele que se desenvolve Cada estagiário tem sua própria percepção do mesmo estágio de acordo com sua personalidade suas expectativas sua perspectiva específica do momento Apresento agora à guisa de ilustração alguns extratos das primei ras impressões de uma de nossas estagiárias registradas ainda quen tes em seu diário Esse estágio aconteceu em 1979 Não era uma sessão terapêutica mas um estágio de sensibilização em Gestalt organizado em um hospi tal psiquiátrico público no contexto da formação permanente para uma dúzia de doentes psiquiátricos voluntários O programa proposto compreendia conforme um módulo que é habitual nesse tipo de estabelecimento uma série de três estágios de três dias com uma semana de espaço entre eles Aqui serão relatadas sim plesmente as primeiras impressões do primeiro estágio que compreen dia um certo número de exercícios de aquecimento de preparação e de criatividade Os estágios seguintes compreendiam outras seqüências de trabalho individualizado assim como discussões mais amplas acerca dos princípios fundamentais do método da Gestalt e de algumas de suas técnicas e ain da sobre os limites de sua aplicação no âmbito de uma instituição psiquiá trica bem tradicional e estruturada Também analisamos juntos um certo número de estudos de caso concretos relatados pelos estagiários 242 O objetivo era limitado não se tratava de propor aos enfermos que flzcsNcm algo além do que faziam habitualmente mas que fizessem o mcNmo de outra maneira MarieLaure Gassin tinha então 28 anos Ela trabalhava neste hos pital há vários anos como enfermeira psiquiátrica Ela nunca tinha ou vido falar de Gestaltterapia SG Meu primeiro encontro com a Gestalt por MarieLaure Gassin Sensibilização em Gestalt Este título de estágio tinha me ins pirado Eu me inscrevera bem curiosa sem saber o que estava por trás desta palavra O que eu ia encontrar ali Um espetáculo com fortes sensações Uma espécie de tourada cruel em que os participantes jogam horríveis verdades na cara um do outro Um lugar onde é indecente não se desve lar apesar das próprias hesitações Eu temia uma exibição coletiva e com certeza maldosa Talvez pelo contrário eu viesse a encontrar um círculo mais ou menos mágico preservado do sofrimento um mundo bem gentil de fra terna compaixão que sararia meus ferimentos Esta era a versão que eu esperava encontrar sem acreditar muito nisso embora também temes se encontrar um abrigo num paraíso artificial fora dos agitações do mun do sócioeconômico e político Éramos onze pessoas no encontro numa manhã de abril de 1979 às nove horas Nos instalamos numa grande sala cheia de colchões e almofadas de várias cores Simpática em princípio essa ausência de me sas e cadeiras Primeiro rompimento com o conformismo aqui as pes soas se instalam onde quiserem como quiserem Apesar disso não estou muito tranqüila Observo à minha volta sete mulheres e quatro homens de 25 a cerca de 50 anos alguns vestidos nor malmente outros de modo mais criativo O que vieram procurar Será que têm tanto medo quanto eu Alguns já praticaram este tipo de está gio mas a maioria se encaixa no meu caso absolutamente neófitos Serge o monitor propõe que aqueles que quiserem se apresentem como desejarem rápida ou longamente com palavras gestos ou ainda com desenho Novo rompimento estamos longe da lógica igualitária do cada um na sua vez e do mesmo modo Esse ambiente permissivo me surpreende com certeza não é aquele a que estou acostumada no hospital em que a rigidez das normas é algo consagrado que nos é apresentada como realidade incontornável 243 Depois dessa introdução da qual alguns não participam e ninguém os obriga a isso Serge propõem alguns exercícios de aquecimento para nos entrosar inicialmente que tomássemos conhecimento do lugar ca minhando sem palavras com todos os nossos sentidos despertos vi são audição e também tato olfato Depois ele nos propôs que conti nuássemos com os olhos fechados ao som agradável e apaziguador de uma música doce Nos envolvemos em nossos trajetos cegos Os primeiros minutos des se exercício me revelaram um corpo estranhamente bloqueado só ouso me mover dentro de um estreito perímetro em que me sinto em relativa segurança Depois vou me encorajando progressivamente em busca das paredes e das portas tateando Estarei procurando limites e ao mesmo tempo uma saída de socorro para minha ansiedade De tempos em tempos Serge nos faz algumas sugestões tomar cons ciência ao máximo de todas ás nossas percepções sem negligenciar ne nhum de nossos sentidos exceto a visão explorar tranqüila ativa pro fundamente com a ajuda de todo nosso corpo sentir escutar tocar tatear perseguir esfregar encostar nossas mãos nosso rosto nossas costas e sei lá mais o quê Sintome um pouco apaziguada então tenho permissão para usar todos os meus recursos sensoriais e não te nho mais que temer o tabu do contato Retomo meu trajeto através da sala e fico muito atenta aos odores aos sons às diferenças de calor de textura de consistência dos objetos e das pessoas Sintome devolvida a um espaço sensível quase animal Imagino uma espécie de savana on de se esgueiram quadrúpedes de todos os tipos répteis insetos cada um com seu grito seu odor sua cor sua linguagem e seu território pre ferido 244 A n e x o 2 Bibliografia resumida de algumas das obras consultadas ANCELINSCHUTZENBERGER a Vocabulaire des techniques de groupe Paris Epi H G 1971 ANZIEU D Le Moipeau Paris Dunod 1985 BERTALANFFY L von Théorie générale des systèmes Nova York 1956 Trad Paris Dunod 1983 BINSWANGER L Analyse existentielle et psychanalyse freudienne Paris Galli mard 1970 B l o f e l d J Le bouddhisme tantrique du Tibet Paris Seuil 1976 C a p r a F Le temps du changement Mônaco Ed du Rocher 1983 CHANGEUX J p L homme neuronal Paris Fayard 1983 C h a r o n j Jai vécu quinze milliards dannés Paris Albin Michel 1983 DEBRU C Neurophilosophie du rêve Paris Hermann Col SavoirSciences 1990 d e s c a m p s M a La maîtrise des rêves Paris Ed Universitaires Paris 1983 DESHIMARU T CHAUCHARD p Zen et cerveau Paris Le Courrier du Livre 1976 d u r a n d d a s s i e r j Structure et psychologie de la relation Paris Epi 1969 d u r b e n s m i t h j e d e s im o n e d Le sexe et le cerveau Otawa Ed de la Presse 1985 f e r e n c z i s Oeuvres complètes 4 tomos Paris Payot 1982 FERGUSON m Les enfants du Verseau Paris CalmannLévy 1981 f r e u d s L interpretation des rêves Paris PUF 1926 FREUD S Ma vie et la psychanalyse Paris Gallimard 1971 f r o m m E La crise de la psychanalyse Paris Anthropos 1971 GAY p Freud une vie Paris Hachette 1991 GILLIERON E Les psychotérapies brèves Paris PUF 1983 GOLDSTEIN K La structure de lorganisme Paris Gallimard 1983 GUILLAUME P La psychologie de la Forme Paris Flammarion 1937 h a l l e La dimension cachée Paris Seuil 1971 ISRAEL L Boiter nest pas pécher Paris Denoel Col Lespace analytique 1989 245 A n e x o 5 Glossário Várias palavrâs e noções específicas da Gestalt são explicitadas no capí tulo 8 A teoria do self agressividade de adgredere ir diante de se opõe a regredere recuar pulsão de vida e não pulsão de morte para Perls necessária à assimilação ativa do mundo exterior para evitar as introjeções é pre ciso antes morder a maçã e mastigála destruíla para poder digerila ajustamento criador termo proposto por Goodman para caracterizar a interação ativa e não a adaptação passiva que acontece na fronteira de contato entre a pessoa saudável e seu meio amplificação técnica clássica da Gestalt que consiste em encorajar o cliente a amplificar os gestos automáticos as sensações ou sentimentos espontâneos para tornálos mais explícitos e deles ter maior consciência aqui e agora here and now em inglês hic et nunc em latim Perls fala mais de agora e como now and how ao descrever o processo em curso na ação ou interação assertividade autoafirmação justa sem fanfarronice nem falsa humil dade Defesa dos próprios interesses ou ponto de vista sem ansiedade e sem negar os dos outros awareness tomada de consciência global no momento presente aten ção ao conjunto da percepção pessoal corporal e emocional interior e ambiental consciência de si e consciência perceptiva 254 bullshit expressão usada propositalmente por Perls para estigmatizar as intelectualizações Ele distinguia chickenshit cocô de galinha bulls hit cocô de boi e elephantshit cocô de elefante conforme a importân cia dos jogos intelectuais defensivos das racionalizações ou das longas verbalizações que geralmente considerava estéreis catarse expressão de uma emoção às vezes espetacular cólera gritos soluços que permite eventualmente uma abreação e um relaxamento ou desdramatização Em Gestalt não se busca sistematicamente a ca tarse mas ela sobrevêm em geral após a amplificação Ela é quase sem pre acompanhada de uma verbalização ciclo de contato ver cap 8 noção básica em Gestalt desenvolvida por Goodman em sua teoria do self ele distingue quatro fases principais em qualquer ação o précontato o contato contacting o contato ple no final contact o póscontato ou retração Este ciclo foi retomado com variações em especial por Zinker Polster Katzeff etc Este último distingue sete fases sensação tomada de consciência awareness exci tação ação contato realização retração As interrupções ou pertur bações no desenrolar normal do ciclo em geral são chamadas de resistências Cleveland um dos principais institutos de Gestalt dos Estados Unidos O segundo a ser criado 1954 mas o mais importante por sua influên cia teórica Faziam parte de sua equipe entre outros Laura Perls P Goodman I From J Zinker E e M Polster E e S Nevis etc como em uma perspectiva fenomenológica fundamental a Gestalt se preocupa mais com o como do que com o quê e o porquê Ou seja ela considera sobretudo o processo e a forma o significante mais do que o significado As duas palavraschave da Gestalt são now and how agora e como confluência diminuição do self abolição da fronteira entre o cliente e seu meio Uma das quatro resistências clássicas Uma mãe e seu bebê estão em confluência sadia mas uma criança de doze anos incapaz de assumir uma posição diferente da mãe sofre de confluência patológica contato idéia central em Gestaltterapia O ciclo normal de satisfação das necessidades costuma ser chamado de ciclo de contato ou de contato retração A terapia ocorre na fronteira de contato entre o organismo e seu meio continuum de consciência fluxo permanente de sensações sentimentos e idéias que constituem o fundo sobre o qual se destacam sucessivamente 255 as principais figuras emergentes Gestalts ou Gestalten de nosso inte resse Em uma pessoa que tenha boa saúde psíquica esse fluxo é maleá vel e regular contratransferência no sentido estrito conjunto de respostas conscientes sobretudo inconscientes do terapeuta induzidas pelo cliente e es pecialmente por sua transferência Em sentido mais amplo tudo da pes soa do terapeuta que possa intervir no processo terapêutico Cowichan no final de 1969 aos 76 anos Perls comprou um motel de pescadores às margens do lago Cowichan na ilha de Vancouver Cana dá e lá fundou com um núcleo de seus discípulos de Esalen um Kibutz Gestalt Ele só viveu lá por seis meses partindo então em viagem à Eu ropa e morrendo em Chicago quando estava voltando deflexão uma das resistências ou perdas da função eu A defle xão consiste em evitar o contato desviando a sensação para a zona intermediária dos processos mentais idéias fantasias ou devaneios zona que não é nem a realidade exterior nem a realidade de meu ser in terno perceptível Pode ser assim uma fuga do aqui e agora nas lem branças projetos considerações abstratas no que Perls considerava masturbação mental mind fucking dramatização enactement em inglês É uma encenação deliberada se guida de verbalização que permite perceber melhor um fenômeno tor nar explícito o que está implícito Se opõe assim à exteriorização ac ting out impulsiva que ao contrário prejudica a tomada de consciên cia verbal substituindoa por um raptus difícil de analisar efeito Zeigarnik pressão mental mobilizadora produzida pelo sentimento difuso de uma tarefa inacabada a ser terminada Utilizado em pedago gia e publicidade para manter vivo o interesse Mas a repetição exces siva de Gestalts inacabadas estaria na origem das neuroses segundo Perls egotismo resistência cujo status é um pouco específico descrita por Goodman Hipertrofia artificial do ego que visa encorajar o narcisis mo e responsabilização pessoal para preparar para a autonomia É uma alavanca terapêutica provisória Assim como a neurose de transferên cia em psicanálise esta fase transitória deve ser superada durante uma terapia em Gestalt envolvimento controlado atitude de engajamento deliberado na rela ção terapêutica preconizada em Gestalt e que pressupõe uma explora ção atenta da contratransferência Eu estou aqui eumesmo plenamente 256 como pessoa inteira e autêntica porém não estou aqui para mim mas para o cliente KnuIc ii local na Califórnia 300 km ao sul de São Francisco onde foi estabelecido um centro mundial das mais célebres novas terapias cha madas de humanistas Perls ali viveu vários anos e ali tornou a Ges talt célebre não sem transformála um pouco em espetáculo estilo pessoal a Gestalt é mais uma arte do que uma ciência e encoraja a busca individual para o cliente e para o terapeuta de seu estilo pes soal de vida o ajustamento criador e não a procura inútil de aplica ção de regras imutáveis ou receitas eu o sepode funcionar de acordo com três modos o id o eu a per sonalidade O eu é uma função ativa e implica a tomada de consciência de minhas necessidades e a responsabilidade por minhas escolhas As perdas da função eu ou ego em geral são chamadas de resistências EuTu alusão à obra de Buber O E u e o Tu 1923 Traduz a relação autêntica direta de pessoa para pessoa preconizada por Perls inclusive em situação terapêutica ver cap 9 experimentação a Gestalt é um abordagem existencial e experiencial que propõe viver experimentar sentir experienciar to experience ou experimentar deliberadamente to experiment por si mesmo sem pre em primeiro lugar de modo simbólico as situações sejam elas te midas ou desejadas feedback retorno resposta reguladora induzida por uma situação Em terapia de grupo solicitase com freqüência o feedback dos mem bros no fim de uma seqüência de trabalho individual para favorecer uma melhor tomada de consciência do cliente em questão ou sobretu 17 do a expressão das repercussões pessoais evocadas em cada um pela si tuação preparando assim um eventual trabalho posterior figurafundo noção básica da psicologia da Gestalt ou teoria da for ma retomada em GestaltTerapia A pessoa saudável deve poder dis cernir claramente a figura dominante do instante ou Gestalt que só assume pleno sentido se estiver relacionada com o fundo o plano pos terior Assim uma reação no aqui e agora figura emergente deve inserir se no conjunto da situação e da personalidade fundo ver continuum de consciência forma e conteúdo ou significante e significado A Gestalt enfa tiza a importância da forma maneira de dizer ou de fazer em geral in 257 consciente ou préconsciente o como da entonação das expressões pos turas gestos etc que enriquece ou contraria o conteúdo intencional do dizer ou do fazer formação a formação deve se distinguir do ensino ela é uma formali zação Gestaltung ou seja um processo ativo que implica uma trans formação do ser fronteira de contato ver cap 8 noção fundamental em Gestalt A te rapia acontece na fronteira de contato entre o cliente e seu meio em especial o terapeuta é aí que podem ser observadas as disfunções do contato do ciclo normal de satisfação das necessidades ou resistências A pele é um exemplo e sobretudo uma metáfora da fronteira de conta to ela me isola e ao mesmo tempo me liga hiperventilação técnica de respiração forçada ampliada eou acelera da utilizada sobretudo em bioenergética e rebirth que visa liberar as camadas subcorticais embriagando o controle cortical por intermé dio de uma hiperoxigenação A liberação das emoções enterradas geral mente provoca uma catarse eventualmente acompanhada de espasmos Em Gestalt este tipo de técnica artificial não é utilizada mas às vezes são registradas hiperventilações espontâneas desencadeadas por emo ção intensa holismo holística do grego holos o todo ver nota 3 cap 1 re lativo ao conjunto Perls havia sido profundamente seduzido pela teo ria holística de Smuts primeiroministro da África do Sul que publica ra em 1926 Holismo e Evolução a partir das idéias de Darwin Berg son Einstein e Teilhard de Chardin homeostase princípio geral de autoregulação dos organismos vivos enunciado por Cannon em 1926 Perls insiste bastante nesta noção so bretudo em sua obra póstuma The Gestalt Aproach and Eye Witness to Therapy começada em 1950 acabada em 1970 e publicada em 1973 hotseat literalmente cadeira quente ou candente ou ainda tam borete Técnica apreciada por Perls especialmente a partir de 1964 em seu período californiano e que consistia em pedir ao cliente que se instalasse deliberadamente em uma cadeira perto do terapeuta hot seat no mais das vezes diante de uma cadeira vazia empty chair na qual ele podia imaginar um personagem qualquer por exemplo seu pai a quem se dirigir Esta cadeira também pode ser representada por uma almofada id no sentido gestaltista uma das três funções do self que além de le comporta o eue a personalidade O self funciona geralmente no mo do do id no início do ciclo no período chamado de précontato impasse termo utilizado por Perls para indicar uma situação de bloqueio psíquico aparentemente sem saída levando a supor que o nó central do problema foi tocado implosão Perls distingue quatro camadas psíquicas principais ca mada superficial do jogo papéis sociais convencionais camada implo siva que leva ao impasse camada explosiva das emoções e camada au têntica profunda A implosão é uma paralisia por tensão interna de duas forças contraditórias inacabado trabalho Gestalt o acúmulo de Gestalts inacabadas seria segundo Perls uma das causas da neurose A terapia consistirá então principalmente em fechar as Gestalts inacabadas ou fixas ou seja es clarecer os problemas pendentes por exemplo trabalho de luto não liquidado inconsciente em Gestalt não se nega evidentemente a importância dos fenômenos inconscientes mas eles não constituem o ponto de apoio fun damental da ação terapêutica Esta se instaura a partir de manifesta ções aparentes corporais emocionais ou mentais partese deliberada mente da superfície para atingir as camadas mais profundas não conscientes insight satori iluminação ou tomada de consciência súbita a partir de uma experiência interna forte introjeção umas das resistências clássicas que consiste em engolir inteiro as idéias ou princípios dos outros sem que tenham sido dige ridos e assimilados de modo pessoal Tratase principalmente do de veria de toda educação tradicional kibutzgroup aplicação dos princípios da Gestalt em uma comunidade residencial de média ou longa duração de alguns dias a vários meses As seqüências terapêuticas propriamente ditas são alternadas com uma vida compartilhada de trabalho estudos ou lazer possibilitando uma exploração terapêutica em comum Perls deu preferência sucessivamente à terapia individual à terapia em grupo e depois à terapia comunitária ver Cowichan mandata palavra sânscrita que significa círculo É um desenho ou pintura simbólico baseado geralmente em um círculo ou quadrado uti 259 lizado nas diversas filosofias orientais como suporte para a meditação na busca de uma verdade imanente As mandatas foram estudadas es pecialmente por C G Jung A representação pictórica simbólica de sen timentos ou situações e diversas técnicas inspiradas na mandata são uti lizadas com freqüência por um certo número de gestaltistas massagem sGM sensitive Gestalt massage desenvolvida pela ame ricana Margaret Elke também chamada de massagem californiana sen sitiva euforizante relacional etc É uma técnica de comunicação não verbal centrada na awareness da experiência corporal de dois parceiros que de forma alternada dão ou recebem Entre seus objetivos estão a reunificação do esquema corporal e a maior conscientização da fron teira de contato microgestos são pequenos gestos automáticos em geral inconscientes ou préconscientes tamborilar dos dedos ou dos pés tiques ocasionais ou expressões faciais brincar com anéis etc A tomada de consciência depois a amplificação desses gestos em geral permite que o próprio cliente lhes confira um sentido simbólico abrindo pistas associativas ricas m odo médio para Goodman e em referência à gramática grega modo ao mesmo tempo ativo e passivo de funcionamento do self constatado sobretudo durante a chamada fase de contato pleno motor e senso rial ver cap 8 monodrama técnica de psicodrama proposta por Moreno e freqüente mente utilizada por Perls que consiste em fazer o próprio cliente repre sentar sucessivamente os diversos papéis da situação evocada por ele pode por exemplo dialogar com diversas partes de seu próprio corpo ou ainda entabular um diálogo imaginário com um de seus pais e dar as respostas que imagina teme ou deseja necessidades em Gestalt há maior interesse pela necessidade do que pelo desejo As necessidades podem ser orgânicas comer dormir psico lógicas sociais ou espirituais necessidade de inclusão em um grupo ne cessidade de dar sentido à vida etc Elas nem sempre são percebidas cla ramente nem expressas diretamente O ciclo de satisfação das necessi dades é freqüentemente interrompido ou perturbado e um dos objeti vos do trabalho Gestalt é observar essas interrupções bloqueios ou dis torções ver resistências now and how duas das quatro palavraschave da Gestalt que rimam em inglês now and how I and thou agora e como Eu e Tu resumindo a relação plena e autêntica entre duas pessoas no aqui e agora da situação terapêutica 260 oração de Perls é uma célebre citação denunciando a confluência ver cap 8 percepção corporal consciência ou awareness da sensação corporal ex teroceptiva ou proprioceptiva sensação de opressão vazio no estôma go ou nó na garganta etc E freqüentemente utilizada como ponto de partida para um trabalho mais profundo O terapeuta deve estar atento à sua própria experiência corporal que lhe permite uma consciência e uma exploração de sua contratransferência perda da função ego expressão sinônima de perda de função eu re sistência defesa do eu mecanismo de evitação interrupção do ciclo etc Cada autor adota uma terminologia própria ver resistência e 1er cap 8 personalidade ver eu A função personalidade do self é a representa ção verbal que o sujeito faz de si mesmo a autoimagem na qual ele se reconhece É portanto a função de integração da experiência base do sentimento de identidade em sua historicidade Ela se apresenta so bretudo no fim do ciclo de contato momento do fim da experiência em curso da retirada polaridades a Gestalt busca a integração harmoniosa das polaridades complementares de todo comportamento humano agressividadeternu ra mais do que a eliminação de uma em proveito da outra ou a busca ilusória de um injusto meiotermo pálida monotonia de sentimentos diluídos póscontato ou retração quarta e última fase do ciclo de contato ou de satisfação das necessidades fase essencial de assimilação graças à função personalidade précontato primeira fase do ciclo de contatoretração em Goodman O self funciona essencialmente no modo do id sensação excitação processo a Gestalt é uma terapia centrada no processo mais do que no conteúdo no que está acontecendo aqui e agora no como e não no quê proflexão termo proposto recentemente por Sylvia Crocker forma mista de resistência associando a projeção e a retroflexão e consiste em fazer ao outro o que gostaríamos que o outro nos faça projeção forma clássica de resistência que consiste em atribuir ao outro algo que nos concerne 261 proxêmica estudo científico da organização do espaço social e das dis tâncias sociais Edward Hall 1966 A procura da boa distância re lacional é um tema corrente em Gestalt psicologia da Gestalt teoria da Gestalt ou ainda teoria da forma Cor rente psicológica de inspiração fenomenológica surgida em 1912 Eh renfels Wertheimer Koffka Kohler que acentua especialmente o fa to de que o todo é diferente da soma de suas partes e resulta de suas múltiplas interações psicologia humanista termo introduzido por A Maslow 1954 Ter ceira força movimento de reação contra a tecnocracia determinista que invade a psicanálise e o comportamentalismo A PH tende a devolver ao homem a responsabilidade máxima por suas escolhas e a reabilitar seus valores espirituais resistências noção fundamental em Gestalt É observar as resistências que se opõem ao livre desenrolar do ciclo de contato ou ciclo de satisfa ção das necessidades As principais resistências são a confluência a in trojeção a projeção e a retroflexão ver cap 8 retração ou póscontato quarta e última fase do ciclo de contato seguôdo Goodman que permite a assimilação da experiência função personalidade do self e forja a noção de identidade Uma retração muito brusca ou muito lenta confluência é um indício corrente de disfunção freiando a autonomia retroflexão voltar contra si a energia mobilizada masoquismo ou soma tizações ou fazer a si o que se gostaria que os outros fizessem lisonja A retroflexão pode traduzir a luta interior entre o topdog e o underdog self em Gestalt esta palavra não designa umaentidade determinada co mo por exemplo o ego em psicanálise mas um processo o que acon tece na fronteira de contato entre o organismo e seu meio permitindo o ajustamento criador Assim o sepode diminuir em certas situações momentos de confluência por exemplo A teoria do self cap 8 de signa a elaboração feita há 35 anos por Goodman a partir das notas de Perls simpatia Perls opõe simpatia à empatia e à apatia A simpatia pressu põe o envolvimento autêntico do terapeuta em uma relação EuTu de pessoa para pessoa em que ele não se abriga atrás de um estatuto ver cap 9 sistêmica a abordagem sistêmica von Bertalanffy 1956 Goldstein Le Moigne de Rosny Morin se opõe ao procedimento racionalista newto 262 nianocartesiano ao abordar os problemas como um conjunto de uni dades em interações mútuas ver cap 7 A Gestalt é uma abordagem sistêmica que estuda as interações no campo organismomeio Uma ou tra aplicação psicoterápica é proposta pela terapia familiar sistêmica es cola de Palo Alto Bateson Watzlawick sócioGestalt denominação proposta por Serge Ginger para designar um ramo da Gestalt aplicado às instituições ou organizações consideradas em sua globalidade ver cap 7 sonho via régia para o autoconhecimento tanto para Perls como para Freud Retomando uma sugestão de Rank Perls considera qual quer personagem ou elemento do sonho uma projeção do próprio so nhador e propõe com freqüência encarnálos sucessivamente ver caps 1 11 e 12 topdog cão que vai à frente em uma parelha de trenó Por extensão chefe mentor sobretudo nos jogos esportivos Perls insiste na luta in trapsíquica entre o topàog consciência moral superego e o under dog subordinado resistência egóica transferência em psicanálise relação afetiva intensa entre paciente e te rapeuta que reproduz em parte uma atitude vivida na infância a neu rose de transferência é o motor essencial da cura Em Gestalt são ob servados também inúmeros fenômenos transferenciais espontâneos que são explorados gradativamente mas a neurose de transferência que cria dependência em relação ao terapeuta não é desenvolvida artificial mente transpessoal uma terapia pode ser intrapessoal análise dos conflitos internos interpessoal estudo das relações estabelecidas entre as pes soas ou transpessoal que leva em consideração o inconsciente coleti vo e os vínculos esotéricos que unem gênero humano e cosmo A Ges talt privilegia uma ou outra dessas dimensões ou as três ao mesmo tem po conforme o estilo pessoal do terapeuta voz o trabalho em torno da voz é essencial em Gestalt em que o modo de dizer conta tanto quanto o que é dito A voz sufocada branca ou irregular às vezes traduz um estado de alma diferente daquele que o cliente está exprimindo verbalmente dando assim uma pista de traba lho em geral fecunda A autoafirmação com assertividade segurança justificada sem fanfarronice é utilizada em Gestalt de grupo 263 A n e x o 6 Quadro cronológico sinótico algumas datas indicativas relacionadas à Gestalt I Alguns precursores Ano nascimento de morte de algumas publicações e eventos 1770 Hegel 1775 von Schelling 1803 Emerson 1813 Kierkegaard 1838 Brentano 1842 Kropotkine 1844 Nietzsche 1849 Pavlov 1856 Freud 1859 Husserl von Ehrenfels Bergson 1866 Groddeck 1870 Adler Smuts 1873 Ferenczi 1874 Scheler 1875 Jung 1878 Goldstein Nietzsche Humano demasiado humano Buber 1879 Korzybski Einstein 1880 Wertheimer 1881 Teilhard de Chardin Binswanger 1882 Mélanie Klein 1883 Jaspers Nietzsche Assim falava Zaratustra 1884 Rank Schultz 1885 Karen Horney E Minkowski Kropotkine Palavras de um revoltado 1886 Köffka 1887 Köhler Kropotkine As bases científicas da anarquia 1888 Assagioli 1889 Heidegger Gabriel Marcel Moreno data retificada quanto aos dados tradicio nais 1890 Léwin Desoile Serge Ginger 1987 264 II Nascimento dos fundadores Ano nascimento de morte de algumas publicações e eventos 1893 Perls 1894 Chari Biilher Nietzsche A vontade de poder 1895 Engels Freud Estudos sobre a histeria 1896 Winnicott Ida Rolf Freud introduz o termo psicanálise 1897 Reich 1898 Marcuse 1899 von Bartalanffy 1900 Nietzsche Freud A interpretação dos sonhos 1901 Milton Erickson Freud Psicopatologia da vida cotidiana 1902 Rogers 1904 Bateson Skinner 1905 Laura Perls Satre Mounier Freud Três ensaios sobre a teoria da sexualidade Einstein A relatividade restrita 1906 Kropotkine A entreajuda 1907 Freud encontra Jung Bergson A evolução criadora 1908 MerleauPonty Maslow Freud encontra Ferenczi 1909 Viagem de Freud aos EUA com Ferenczi e Jung 1910 Berne Freud Cinco lições sobre a psicanálise Fundação da Associação Psicanalítica Internacional 1911 Goodan Beauchant primeiro artigo francês sobre psicanálise 1912 Rompimento entre Freud e Jung 1913 Freud Tótem e tabu Husserl Idéias diretrizes para uma fenomenologia 1916 Freud Introdução à psicanálise Eistein A relatividade generalizada 1918 Friedlaender A indiferença criadora Ferenczi eleito presidente da Associação Psicanalítica Internacional 1920 Freud Além do princípio do prazer Jung Tipos psicológicos 1923 Buber O Eu e o Tu 1924 Janov Rank O trauma do nascimento 1925 Freud Minha vida e a psicanálise 1926 Bertalanffy Zur Theorie des organischen Gestalt Smuts Holismo e evolução Assagioli funda em Roma o Instituto de Psicosslntese 1927 Laing Freud O futuro de uma ilusão Heidegger O ser e o Tempo Reich A função do orgasmo 1929 Ferenczi Relaxamento e neocatarse 1930 Freud O malestar da civilização 1931 Ferenczi Análise de crianças com adultos 1932 Ferenczi Journal clinique Rank A arte e o artista Melanie Klein A psicanálise das crianças Schultz Treinamento autógeno 1933 Ferenczi Korzybski A ciência da saúde Reich A análise do caráter Serge Gmger 1987 265 III Criação da Gestalt Ano nascimento de morte de algumas publicações e eventos 1934 Jung O homem à descoberta de sua alma Goldstein A estrutura do organismo 1935 Pavlov O reflexo condicionado 1936 Pavlov Reich define a vegetoterapia 1937 Adler Anna Freud 0 eu e os mecanismos de defesa Moreno funda a revista Sociometria 1938 Husserl Korzybski funda o Instituto de Semântica Geral em Chicago 1939 Freud Freud Moisés e o monoteísmo 1941 Bergson 1942 Perls O Eu a fom e e a agressividade Rogers Aconselhamento e psicoterapia 1943 Sartre 0 Ser e o Nada 1945 MerleauPonty Fenomenologia da percepção Lewin cria a Dinâmica de Grupos traininggroups Desoille O RED em psicoterapia 1946 Chegada de Perls em Nova York Sartre É o existencialismo um humanismo Moreno Psicodrama 1947 Lewin Heidegger Cartas sobre o humanismo 1949 Mounier O personalismo 1950 Mounier Maslow Os critérios de realização de si 1951 Perls Goodman Hefferline Gestaltterapia Rogers Terapia centrada no cliente 1952 Criação do primeiro Instituto de Gestalt Nova York 1954 Criação do Movimento de Psicologia Humanista Maslow Abertura do Instituto de Gestalt de Cleveland 1955 Teilhard de Chardin Teilhard de Chardin O fenômeno humano 1956 Lowen e Pierrakos fundam o Instituto de Análise Bioenergética Bertalanffy A teoria dos sistemas abertos 1957 Reich 1958 Winnicott Da pediatria à psicanálise Lowen A linguagem do corpo Berne cria a Análise Transacional 1960 Rogers O desenvolvimento da pessoa Laing O Eu dividido Caycedo funda a sofrologia 1961 Jung Jung Memórias sonhos e reflexões Maslow 1 número do Journal o f Humanistic Psychology 1962 Esalen é aberto Murphy e Price 1964 Chegada de Perls a Esalen 1 Congresso Internacional de Psicodrama Paris 1965 Goldstein Buber Tillich Criação do IF E P P Paris Honoré Classer Reality Therapy 1966 Desoille 1967 Aberto o Instituto de Gestalt de São Francisco Lowen 0 corpo em depressão Schutz Alegria grupos de encontro Serge Ginger 19B7 266 III O avanço da Gestalt Ano nascimento de morte de algumas publicações e eventos 1968 Avanços da Gestalt Perls fica célebre em Esalen Bertalanffy Teoria geral dos sistemas 1969 Perls Gestalt terapia explicada Petzold introduz a Gestalt na Europa Alemanha DurandDassier Estrutura e psicologia da relação Criação da Multiversité em Bruxelas Katzeff 1970 Perls Berne Maslow Criação de uma formação em Gestalt na Bélgica flamenga Janov O grito primai Lévitzky As regras e os jogos da Gestatt Fagan Gestaltterapia agora 1971 Winnicott Jogo e realidade Bateson Por uma ecologia do espírito 1972 Introdução da Gestalt no Canadá Petzold introduz um a formação em Gestalt na Alemanha 1973 Gabriel Marcel Ch Biihler Perls The Gestalt approach póstumo Polster Gestatt Therapy integrated Latner The Gestalt Therapy book Abertura do Centro de Evolução DurandDassier 1974 Moreno Assagioli Anzieu Le moipeau Simkin Gestatttherapy minilectures J Corbeil introduz um a formação em Gestalt em Quebec Volta à França de Aliais Ambrosi Furlaud 1975 Shepard Le père de la Gestalt Lowen Bioenergética Grinder e Bandler The structure o f Magic 1976 Heidegger Katzeff introduz uma formação em Gestalt na Bél gica francófona 1977 Zinker Se créer par la Gestatl AncelinSchutzenberger O corpo e o grupo 1979 Ida Rolf Gestaltistas de Quebec introduzem uma formação em Gestalt na França Gaines Fritz Perls here and now Laborit A inibição da ação 1980 Bateson Sartre M ilton Erickson MariePetit A Gestalt terapia do aqui e agora 1981 Criação da Sociedade Francesa de Gestalt A berta a Escola Parisiense de Gestalt 1982 Criação da Associação Espanhola de Gestalt 1983 1 Colóquio Internacional da SFG Paris Changeux L homme neuronal 1985 Price Criação da Sociedade Italiana de Gestatl Criação da Associação Européia de Gestaltterapia 1986 Vincent Biologia das paixões 1987 Rogers 1989 Laura Perls Laura Perls morre em julho na Alemanha em sua cidade de origem 1990 Skinner Serge Ginger 1991 267 BM erlant BLAISE Chemin rÊsié 9 0 M amie R r t n i cj ALeBerre FRecoque ÜPuchey ig y 11 MR M MBoutrolle Juston Remaud Ifr jjjffJanin MLéon BMarte1 FSpindler NGardahaut 4y C Masquelier Vanoye MGonin jß Colin BorinetEgmard VanDamme Coret JAltermatt FRossignol MLGassin H Jung NANTES f Molliex p a r i Qi B Couder Dlismondf Piriou PéaronVrIIg M Combeau MRots 1 9 8 0 MASQUELIER ADW t NFollet t5atel OPodesta Moreau Pferret NDE SCHRETO GRENOBLE BORDEAUX ra m s C BRUXELAS ro bine ARosier MPetit Gros jean VANPEVENAÖE KATZEFF DELACROIX fJg SALATHE Arnbrosi GIUSTI M u Furaud S t CMQIVTRgAQ 1 9 7 0 r e b il l o t f l LOS ANGELES É SAQ FRANCISCO Pf f f i mÜü sN0VAY0RKf Mg ÇbÔSTOW if 1 9 5 mo pensamento analógico cérebro direito 1 9 0 0 Imáo esquerdal f FrrêJldnder Sm ute Einsfein JJH6 Bergson Wertheimer Psicologia da Gestalt t HUSSERL t Anarquismo f Jí vonERrenfels Kropotkine Fe0mn009l FREUD Psicanálise v mão direita 1 8 4 0 Emerson Schelling Antiguidade en Heracmí L a o T s e C T a o c Serge 6INGER 1994 Brentano Kierkegaard corrente analítica x Judaísmo Newton DESCARTES Á R V O R E G E N E A L Ó G I C A D A G E S T A L T F R A N C Ó P O N A 268 A n e x o 7 Árvore genealógica da Gestalt 1 Orientação geral à esquerda correspondente ao céfebro direito corrente sinté tica e holística sem negligenciar a dimensão emo cional e corporal corrente perlsiana à direira correspondente ao cérebro esquerdo corrente mais analítica verbal e racional corrente goodmaniana no centro método fenomenológico filosofia existencialista psi cologia da Gestalt depois teoria da Gestalt tentam uma combinação das duas abordagens 2 Nomes dos autores e de gestaltistas mais de 120 nomes Cada autor ou gestaltista foi localizado em ordenada conforme a data em que ele começou a exercer ou a ser conhecido data aproximativa em abscissa acima daqueles em que mais se inspirou seus mestres Os nomes dos principais pioneiros gestaltistas estão escritos em maiúsculas ex POLSTER DELISLE A maioria dos clínicos france ses contemporâneos foram contados entre os que exercem regular e ex plicitamente Gestalt com uma formação séria especialmente os mem bros titulares autorizados pela Sociedade Francesa de Gestalt 269 Os nomes das mulheres são precedidos da inicial de seu primeiro nome Os poucos nomes entre parênteses ex Moreno se referem a perso nalidades nãogestaltistas eles indicam a data de aparecimento de obras importantes que influenciaram diretamente a Gestalt 3 Escolas e localizações Podemos distinguir três ramos principais o ramo leste Nova York e Boston Goodman e From o ramo central Cleveland de onde saíram especialmente as escolas de Montreal e de Bruxelas tendo elas mesmas dado nascimento aos institutos de Bordeaux Grenoble e Nantes Zinker o ramo oeste Califórnia Esalen São Francisco e Los Angeles on de se formou a maioria dos práticos parisienses Perls e Polster As localizações indicadas ex Cleveland Bruxelas foram regis tradas de acordo com os mesmos princípios dos autores em ordenada período de abertura oficial em abscissa estas escolas estão colocadas acima daquelas que foram suas principais inspiradoras Os locais registrados para pessoas ou escolas às vezes se referem mais a uma filiação metodológica do que a uma indicação estritamente geográfica Além disso inúmeros gestaltistas têm uma formação mista ou mudaram de região de atividade por exemplo os Polster emigraram de Cleveland para San Diego na Califórnia enquanto os Latner pelo contrário exerciam inicialmente na Califórnia antes de se instalarem no estado de Nova York 270 41 De Van belang zijnde gegevens gegevens uit het bevolkingsregister en van of krachtens het register van de burgerlijke stand moeten worden vermeld in het gemachtigd register van de gevangenis 42 In dit register moeten met name worden opgenomen volledige naam en voornamen zelfstandige Hertelling geldig identiteitsbewijs adres datum en plaats van geboorte beroep nationaliteit inhoud en hoeveelheid de volmaking van het voor als adres opgegeven verblijfsadres de datum van en de reden voor het opgenomen worden in de gevangenis eventuele bijzondere omstandigheden met betrekking tot de verpleging gehechtenis of vrijheidsberoving 43 In het register moeten worden vermeld de datum van binnenkomst en vertrek en de plaats van bestemming ontwijken en sterven van de in het register voorkomende gedetineerden 44 Het register moet zodanig worden ingericht dat uitslagen vermeld kunnen worden van disciplinaire maatregelen en strafbaren in het register voorkomende gedetineerden 45 De wijze van opmaak van het register wordt nader bepaald door de minister 46 Uitslagen worden mede met vermelding van de datum waarop zij zijn verstrekt inschrijvingen gehouden in het register 47 Er moeten in het register met de grootste zorgvuldigheid en nauwkeurigheid worden gehouden deswege bestaat er bevoegdheid om het register jaarlijks te doen controleren Abordagem Holística na Gestalt Terapia Compreendendo e Atuando nas Demandas Relacionais no Ensino Superior INTRODUÇÃO A abordagem holística na Gestalt Terapia tem é uma ferramenta utilizada para compreender e atuar nas demandas relacionais dos estudantes do ensino superior Iremos aqui explorar os princípios da Gestalt Terapia e como eles podem ser correlacionados com as demandas sociais presentes nesse contexto Será também proposta uma dinâmica que visa estabelecer objetivos para lidar com as demandas relacionais dos estudantes em especial a falta de interação e a sensação de desunião na sala de aula 1 Conceitos da Gestalt Terapia A Gestalt Terapia é uma abordagem psicoterapêutica que se baseia na compreensão holística do ser humano Ela considera o indivíduo como um todo integrando aspectos físicos emocionais mentais e espirituais Segundo esta abordagem a pessoa só pode ser compreendida dentro do contexto em que está inserida levando em conta suas relações interpessoais seu ambiente e sua história de vida SILVEIRA DOURADO 2023 O conceito de Gestalt permite a unificação de todas as ciências de modo que a psicologia não requer divisão entre elas para existir Os gestaltistas não têm nenhum problema com a unidade psicológica pois acreditam que a natureza física social e psicológica pode ser pensada em termos de estruturas formais equivalentes conhecidas como estruturas isomórficas ou seja de estruturas formalmente equivalentes FIGUEIREDO 2011 Um dos princípios fundamentais da Gestalt Terapia conforme Ribeiro 2006 é o foco no momento presente na experiência imediata do indivíduo Isso significa que o terapeuta busca trazer à consciência do cliente aquilo que está acontecendo no aqui e agora permitindo uma maior compreensão e integração das experiências vividas A Gestalt Terapia também valoriza a autenticidade e a responsabilidade pessoal encorajando o cliente a assumir a responsabilidade por suas escolhas e ações 2 Correlação com as Demandas Sociais no Ensino Superior No contexto do ensino superior os princípios da Gestalt Terapia podem ser aplicados para compreender as demandas relacionais dos estudantes A falta de interação entre os colegas de sala a sensação de desunião e a formação de grupos isolados são questões comuns nesse ambiente COSTA 2001 Ao utilizar a abordagem holística podemos buscar compreender as dinâmicas presentes nesses relacionamentos identificar padrões de comportamento e promover uma maior consciência das experiências vividas A Gestalt Terapia como Hycner e Jacobs L 1997 afirmam pode auxiliar os estudantes a desenvolverem uma maior autenticidade e responsabilidade em suas relações interpessoais Ao perceberem suas próprias contribuições para as dinâmicas grupais os alunos podem se tornar agentes de mudança promovendo uma maior integração e cooperação no ambiente acadêmico 3 Dinâmica para Estabelecer Objetivos nas Demandas Relacionais Exercício da Percepção do Momento Presente Os estudantes serão convidados a se envolverem em atividades que os levem a perceber o momento presente como exercícios de mindfulness ou práticas de atenção plena Isso pode ajudálos a desenvolver uma maior consciência das dinâmicas presentes nas interações cotidianas Exploração das Relações Interpessoais Através de atividades em grupo os estudantes serão estimulados a explorar suas relações interpessoais identificando padrões de comportamento e comunicação Isso pode promover uma maior compreensão das dinâmicas grupais e individuais Estabelecimento de Objetivos Coletivos Ao final da dinâmica os estudantes serão incentivados a estabelecer objetivos coletivos para promover uma maior interação e união na sala de aula Eles serão desafiados a identificar ações concretas que possam ser realizadas para melhorar o ambiente relacional no contexto acadêmico CONCLUSÃO A abordagem holística na Gestalt Terapia oferece ferramentas valiosas para compreender e atuar nas demandas relacionais dos estudantes do ensino superior Ao aplicar os princípios da Gestalt Terapia os alunos podem desenvolver uma maior consciência das dinâmicas grupais promover uma maior autenticidade e responsabilidade em suas relações interpessoais e estabelecer objetivos para lidar com as demandas sociais presentes no ambiente acadêmico Esperamos que este artigo possa contribuir para uma reflexão acerca das relações interpessoais no ensino superior e para o desenvolvimento de estratégias eficazes para promover uma maior união e interação entre os estudantes REFERÊNCIAS DA COSTA Ronaldo Pamplona Um homem à frente do seu tempo o psicodrama de Moreno no século XXI Editora Agora 2001 FIGUEIREDO L C SANTI P L R Psicologia uma nova introdução uma visão histórica da psicologia como ciência São Paulo EDUC 2011 HYCNER Richard JACOBS Lynne Relação e cura em Gestaltterapia Summus Editorial 1997 RIBEIRO Jorge Ponciano Vademécum de Gestaltterapia Summus Editorial 2006 SILVEIRA JULYANA DOURADO NUBIA A ANSIEDADE PELA PERSPECTIVA DA GESTALTTERAPIA 2023 Disponível em httpsrepositoriofaculdadefamaedubrxmluihandle123456789250