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Psicologia Social

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16 A FUNÇÃO CONTINENTE E O USO DA CONTRATRANSFERÊNCIA COMO INSTRUMENTOS NA PSICOTERAPIA DE GRUPO COM PACIENTES COM SEVERAS PERTURBAÇÕES NO DESENVOLVIMENTO DO PSIQUISMO1 THE CONTAINER FUNCTION THE USE OF COUNTERTRANSFERENCE AS A TOOL OF GROUP PSYCHOTHERAPY IN PATIENTS WITH SEVERE MENTAL DISORDERS IN THE DEVELOPMENT OF THE PSYCHISM LA FUNCIÓN CONTINENTE Y EL USO DE LA CONTRATRANSFERENCIA COMO INSTRUMENTOS EN PSICOTERAPIA DE GRUPO DE LOS PACIENTES CON TRASTORNOS GRAVES EN EL DESARROLLO DE LA PSIQUE Carina Rugai Moreira de Macedo2 RESUMO O objetivo deste trabalho é identificar e descrever fenômenos e processos grupais observados durante as sessões de um grupo terapêutico com pacientes autistas e psicóticos adultos em uma instituição especializada no atendimento destas patologias O foco da observação se dirige especialmente para a importância e decorrências da função continente dos coordenadores e do próprio grupo e do uso da contratransferência como instrumento de decodificação dos afetos inerentes às interações e manifestações emergentes no decorrer das sessões avaliando a viabilidade técnica de sua utilização enquanto promotores de interações e do desenvolvimento psíquico do grupo e de seus elementos Tendo como foco a psicogênese destes quadros percorreremos o caminho inaugurado por Léo Kanner seguindo em direção a autores que posteriormente desenvolveram conhecimentos e reflexões sobre os transtornos mentais que afetam o desenvolvimento psíquico desde o início da vida da criança tendo como principal norteador teórico a psicanálise Por se tratar de uma patologia do vínculo é que buscamos recursos técnicos que ofereçam maior diversidade de situações que promovam abundância de possibilidades de iterações e vinculações Palavraschave psicanálise autismo contratransferência grupoterapia ABSTRACT The objective of this study is to identify describe phenomena and group processes observed during the sessions of group therapy with autistics and psychotic adult patients in a specialized institution in the treatment of these pathologies The focus of the study is specifically directed to the importance and the consequences of the container function of the coordinators and the group itself and the use of countertransference as a tool for decoding the inherent emotions in the interactions and events that emerged during the sessions assessing the technical feasibility of its use as promoters of interaction and psychic development of the group and its elements Focusing on the psychogenesis of these clinical disorders we will follow the opened door by Léo Kanner passing through the authors who subsequently developed knowledge and reflections on mental 1 Artigo elaborado com base no trabalho de conclusão de curso apresentado como requisito do curso de especialização do Núcleo de Estudos em Saúde Mental e Psicanálise das Configurações Vinculares NESME como requisito para obtenção do título de especialista em Psicologia Clínica Psicanálise dos Vínculos Coordenação de Grupos e Grupoterapia 2 Especialista em Psicologia Clínica Psicanálise dos Vínculos Coordenação de Grupos e Grupoterapia pelo NESME Cursando Formação em Psicanálise no GTEP Grupo de Transmissão e Estudos de Psicanálise do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae 17 disorders which affect the psychological development from the beginning of a childs life with psychoanalysis as a main theoretical guiding Because we are dealing with a bonds pathology we are looking for technical resources that offer greater diversity of situations which promote abundant opportunities of iterations and bonding Keywords Psychoanalysis Autism Countertransference Group therapy RESUMEN El objetivo de este trabajo es identificar y describir fenómenos y procesos de grupo observados durante las sesiones de terapia de grupo con pacientes adultos autistas y psicóticos en una institución especializada en el cuidado de estos trastornos El foco de la observación es específicamente la importancia y las consecuencias de la función continente de los coordinadores y el propio grupo y el uso de la contratransferencia como una herramienta para traducir las emociones inherentes a las interacciones y los acontecimientos que surjan durante las sesiones evaluando la viabilidad técnica de su uso como promovedores de la interacción y el desarrollo psíquico del grupo y de sus elementos Centrándose en la psicogénesis de estos transtornos clínicos seguiremos el camino inaugurado por Léo Kanner y en seguida por los autores que desarrollaron el conocimiento y la reflexión sobre los trastornos mentales que afectan el desarrollo psicológico desde el comienzo de la vida de un niño con el psicoanálisis como la guía teórica principal Por tratarse de una patología del vínculo es que buscamos los recursos técnicos que ofrezcan una mayor diversidad de situaciones que promuevan abundantes oportunidades de iteraciones y vinculaciones Palabras clave Psicoanálisis Autismo Contratransferencia Terapia de grupo 18 Introdução A trama deste trabalho se desenrola dentro de um contexto complexo imerso em um emaranhado de maciças projeções transferências cruzadas e sentimentos contratransferenciais intensos tendo como cenário o campo grupal no âmbito institucional O grupo ocorre desde 1996 em uma clínicaescola municipal de São José do Rio Preto SP que atende portadores de Transtornos Invasivos do Desenvolvimento Conta com duas coordenadoras e 6 pacientes entre 17 e 34 anos todos com diagnóstico de Autismo Infantil CID X F 840 com exceção do paciente mais novo que apresenta funcionamento psicótico desde tenra infância Alguns deles assim como uma das coordenadoras estão no grupo desde sua formação outros iniciaram nos anos subseqüentes e alguns há apenas poucos meses São pacientes com ausência ou sério prejuízo na comunicação verbal A maioria dos autistas não fala seus comportamentos são repetitivos e estereotipados seus interesses são restritos e a atividade simbólica e imaginativa empobrecidas Protegidos por uma barreira invisível evitam olhar nos olhos parecendo olhar através das pessoas demonstrando não se interessarem por elas KANNER 1942 Estes pacientes têm na base de sua patologia severas perturbações do desenvolvimento emocional primitivo que se expressam na forma de um isolamento extremo TUSTIN 1990 O quadro pode nos levar a pensar nas inegáveis inabilidades para a grupalidade e vinculação e para a falta de perspectiva de um bom prognóstico em grupoterapia Contudo é a severidade das dificuldades e a densidade inerente à patologia que criam a necessidade de lançarmos mão de recursos mais ricos e complexos Por ser uma patologia do vínculo é que buscamos recursos técnicos que ofereçam maior diversidade de situações que promovam abundância de possibilidades de iterações e vinculações Os grupos oferecem constantemente uma multiplicidade de contextos cenas e papéis a serem assumidos transferencialmente permitindo a vivência de uma infinidade de atualizações de conflitos angústias e sentimentos aterrorizantes freqüentemente vivenciados por estes pacientes A técnica psicanalítica clássica mesmo aquela que se destina ao tratamento de crianças ou das psicoses não abarca as condições necessárias para a clínica do autismo e das psicoses da infância seja na relação da dupla ou do grupo É na intersecção das possibilidades oferecidas pelo contexto grupal do rodamoinho da contratransferência e do olhar e da escuta psicanalítica que buscaremos compreender os processos nele vividos O autismo foi descrito pela primeira vez por Leo Kanner no artigo Os Distúrbios Autísticos do Contato Afetivo publicado em 1943 a partir da observação de um grupo de crianças com características fascinantemente peculiares constituindo uma síndrome específica Dentre as mais importantes estava a incapacidade de estabelecerem relações de maneira adequada com as pessoas e situações desde o princípio de suas vidas não reagindo a nada que viesse do exterior A necessidade de permanência completude e repetição limitavam demasiadamente a atividade espontânea e criatividade Qualquer alteração ou estímulo exterior era sentido como intrusão sendo então ignorada ou provocando crises intensas de pavor e pânico Para interagir é preciso considerar o outro abrir mão de si mesmo se deixar invadir Hoje existem diversas teorias sobre a gênese do autismo mas há duas grandes correntes em extremos opostos Uma defende a origem orgânica e outra a psicogênese do autismo porém para os psicodinamicistas independentemente da etiologia a terapia psicanalítica pode ajudar pacientes em ambos os casos ALVAREZ 1994 As concepções organicistas ao considerarem o quadro de natureza exclusivamente endógena aniquilam a possibilidade de modificálo e despotencializam o sujeito da enfermidade alienando o paciente e o ambiente na medida em que promove a dissociação entre o endógeno e o exógeno PICHON 1994 A psicogênese do autismo considera que quando não se estabelece uma demanda adequadamente do bebê em relação à mãe seja por falta de recursos de um ou de outro a dialética 19 da comunicação fica perturbada e ambos ficam à deriva em relação ao outro gerando um momento catastrófico para o bebê A frustração e o sentimento de incapacidade materna podem desencadear uma desistência da mãe em relação a ele e deste em relação a ela aumentando progressivamente o abismo entre eles O uso da contratransferência como recurso no método psicanalítico é uma prática controversa em contrapartida à posição mais tradicional de neutralidade e abstinência do analista Este conceito é usado de diversas maneiras mas atualmente a maioria dos analistas usa o termo contratransferência de forma mais ampla abrangendo todas as fantasias e sentimentos neles despertados em relação ao paciente quaisquer que sejam suas origens SEGAL 1998 p 121 Para o presente trabalho vale a seguinte reflexão Como tratar pacientes graves que não associam livremente da forma que exige a técnica tradicional Para Ferenczi a insensibilidade do analista protagonizada pela regra da abstinência era uma defesa para não ser afetado pelo encontro com seu paciente KUPERMANN 2008 p 80 Seja em decorrência da pobreza de acolhimento da mãe ou da grandeza da demanda e intensidade dos conteúdos psíquicos projetados pelo bebê as mães destas crianças não foram capazes de atingir o necessário estado de preocupação materna primária descrita por Winnicott 1956 A continência materna e a capacidade de rêverie descritas por Bion 1962 certamente foram também insatisfatórias ZIMERMAN 2004 São sujeitos marcados por uma grave falha na vinculação primeira de suas vidas Deste modo o trabalho com tais pacientes requer do terapeuta uma entrega absoluta Precisam ser providos de características pessoais que permitam uma atuação sob a influência destes processos que muitas vezes os colocam no lugar de objetos autísticos anônimos e inanimados Inicialmente Freud considerou a transferência como resistência ao tratamento depois como uma atualização necessária do inconsciente para o acesso às fantasias recalcadas da primeira infância FREUD 19121980c p 143 Reconhece então a importância da sensibilidade do analista na produção de sentido na relação transferencial e o efeito terapêutico que produz sua interpretação Figueira argumenta que Uma leitura mais rigorosa dos trabalhos de Freud ligados à técnica e à clínica mostra que sua posição em relação à contratransferência é mais complexa do que possa parecer inicialmente FIGUEIRA 2008 p 01 também o médico deve colocarse em posição de fazer uso de tudo o que lhe é dito para fins de interpretação e identificar o material inconsciente oculto sem substituir sua própria censura pela seleção de que o paciente abriu mão Para melhor formulálo ele deve voltar seu próprio inconsciente como um órgão receptor na direção do inconsciente transmissor do paciente Freud 19121980 f p154 Bion adverte para o fato de se tratar de um fenômeno de natureza prioritariamente inconsciente e questiona a possibilidade de se fazer uso terapêutico daquilo que não tem consciência nem domínio ZIMERMAN 2004 Mas Zimerman aponta que por outro lado em Experiências com Grupos 1948 Bion defende que os sentimentos contratransferenciais podem ser utilizados de forma positiva promovendo insight do analista ou reflexões analíticas posteriores à sessão Existe atualmente o reconhecimento de que os sentimentos que o analista tem em relação ao paciente durante a sessão podem indicar a forma como o paciente está se relacionando e se sentindo através das fantasias despertadas no analista Beatriz Fernandes 2003 p 237 afirma que a contratransferência ocorre em qualquer faixa etária e pode ocorrer em relação ao grupo como um todo Svartman recorre às idéias de Kohut 1984 para a compreensão da transferência na situação grupal Ela se refere à idéia de que o processo analítico ocorre na intersecção de duas subjetividades analistaanalisando configurando a psicanálise como uma ciência do intersubjetivo e não do intrapsíquico Para ela Tal formulação é útil quando se tenta compreender a complexidade do que se passa nos grupos já que se tem aí como território a interação entre os mundos subjetivos diferentemente organizados dos diversos integrantes do grupo e do terapeuta SVARTMAN 2003 p 37 Transferência recíproca é a expressão que Pichon prefere utilizar para nomear o que se chama de contratransferência Considera tal fenômeno como um elemento de valor inestimável 20 visto que alimentará no operador a capacidade de fantasiar para estabelecer hipóteses sobre o acontecer implícito do grupo E conceitua a transferência recíproca como um conjunto de reações inconscientes do operador frente ao grupo PICHON 1994 p 166 Winnicott trabalhando com bebês e pacientes gravemente comprometidos passa a atribuir grande valor à contratransferência e à personalidade do analista na sessão RAMOS 1994 Alguns autores admitem além das transferências clássicas outras formas de transferência encontradas no trabalho com pacientes com psiquismo primitivo Paulina Rocha 1996 afirma que na clínica do autismo e das psicoses infantis existem movimentos transferenciais e contratransferenciais diferentes dos encontrados nos trabalhos com outros pacientes que causam grande angústia no terapeuta decorrentes do estranhamento de si mesmo diante do silêncio mortificante do modo bizarro de agir ou da angústia aterrorizante vivenciada por estes sujeitos Material Clínico É a primeira sessão depois da morte de Regina que fez parte deste grupo por alguns anos Virgílio estava bastante agressivo como não acontecia há algum tempo Bate e cospe em todos Digo que ele está diferente questiono se está comunicando alguma coisa com isso Ewerson olha uma foto depois de algum tempo chora um choro doído porém sem lágrimas A terapeuta comunica ao grupo que a foto que ele olha é de Regina Aproveitamos para introduzir o assunto da sua morte que ocorreu poucos dias antes Assinalamos que Ewerson e alguns outros talvez já soubessem do ocorrido Ewerson intensifica seu choro à medida que as terapeutas nomeiam suas expressões Seu choro aos poucos ganha lágrimas até se converter em pranto Ele nos emociona O grupo se cala As coordenadoras falam da morte e do que ela acarreta Nunca mais ver a pessoa sentir sua falta tristeza saudades Virgílio se acalma no decorrer da sessão Edson que dormia acorda e permanece deitado perto de Ewerson Eles costumam ficar próximos À medida que falamos chora mais e mais A terapeuta se aproxima e diz que ele está triste Ele retira uma gota de lágrima dos olhos e olhando nos seus olhos entrega a ela pondo na palma da sua mão O grupo o observava em silêncio acompanhando seu sofrimento As coordenadoras se emocionam e são tomadas pela sensação de um vazio enorme de muita dor e de não terem nada a dizer apenas compartilhar Mais duas sessões se seguiram com Ewerson olhando as fotos de Regina e chorando Discussão As fantasias se expressam por meio de um ou vários portavozes que dão indícios que permitem ao coordenador a decodificação e adjudicação de papéis a confrontação do grupo com a realidade concreta PICHON 1994 p164 Ewerson é porta voz dos sentimentos decorrentes da notícia da morte de Regina Expressa a dor que o grupo nega Seu choro sem lágrimas é sentido como expressão de muita dor pelas terapeutas que passam a nomeála A dor sem nome aos poucos se transforma em sofrimento Ewerson verte lágrimas à medida que o sentimento coisa é convertido em sofrimento pela perda Sua dor é acolhida decodificada compreendida e nomeada Ele por fim pode chorar aos cântaros até que a dor se amenize como esperado no processo de luto Oferece ao grupo a possibilidade de entrar em contato com a dor negada mostra que é possível sofrer e o grupo não rejeita a experiência Observamos a continência do grupo para os intensos sentimentos Tal qual o faz a mãe com seu bebê o grupo os recebe como parte natural da experiência Os analistas tomados pelos sentimentos contratransferenciais nomeiam e apontam tanto a dor como a continência do grupo Ewerson ainda hoje olha fotos da Regina mas agora não chora mais Não negou autisticamente o objeto do sofrimento se esquivando da lembrança como poderia se esperar Ao contrário usa as fotos para lembrar o que nos fez pensar que Regina deve estar guardada em algum lugar dentro dele e do grupo Quando coloca a lágrima na mão da terapeuta entrega concretamente seu sofrimento nas mãos dela As terapeutas se sentem absolutamente tomadas pela sua dor Elas se 21 emocionam e compartilham o sofrimento com ele e com o grupo Sentem que este ato comunica a necessidade de ajuda para lidar com seus sentimentos e o reconhecimento na figura das terapeutas de uma fonte de recursos que ele ainda não construiu em si mesmo Restaura assim uma falha na formação da estrutura autística que no desenvolvimento normal levaria o bebê a buscar no outro os recursos capazes de neutralizar as tensões instintuais Nos autistas ao contrário elevamse mais e mais as tensões comprometendo mais e mais a estrutura que se torna progressivamente ineficiente para lidar com elas MAHLER 1965 Pacientes com desenvolvimento gravemente perturbado revelam tamanha peculiaridade na estrutura e funcionamento psíquicos e nas suas manifestações que exigem uma práxis igualmente peculiar em seu atendimento Uma práxis que põe o terapeuta diante de experiências viscerais ao modo daquelas vividas pela dupla mãebebê no início de suas vidas A capacidade do analista em exercer as funções de reveri e de continência segundo Bion são essenciais para o sucesso da análise É através delas que o terapeuta pode acolher conter decodificar transformar elaborar e devolver em doses apropriadas as identificações projetivas do paciente depois de nomeadas e significadas ZIMERMAN 2004 Os sentimentos rudes são projetados no analista como o fez com a mãe anteriormente O que se espera é que o analista consiga contêlos para que o paciente possa continuar a ser sem ser interrompido pela reação do analista de se sentir invadido por estes sentimentos KHAN 1943 Ao mesmo tempo em que se evidencia a importância da atenção permanente às manifestações que emergem no grupo o seu manejo deve ser igualmente sutil e cuidadoso um manejo que anteceda a interpretação fazendo frente às necessidades manifestadas e promovendo a confiança para que possam continuar a se expressar livremente Cabe aos coordenadores deixar fluir a experiência apontando a fluência delas Qualquer interpretação mais complexa interrompe o continuar a ser do paciente WINNICOTT 1945 Bion ressalta a importância da capacidade negativa que se refere à capacidade do terapeuta de conter suas angústias quando se vê na situação de não compreender o que está se passando na sessão Fazer interpretações precipitadas para aliviar suas angústias impede o paciente de deixar emergir seus sentimentos reais ZIMERMAN 2004 Pichon considera o vínculo um instrumento no trabalho terapêutico Compreende o funcionamento psíquico do paciente a partir da compreensão dos seus vínculos internos ou seja a partir dos vínculos que ele estabelece com seus objetos internos e da interferência que têm na relação do sujeito com a realidade externa Através do manejo de experiências e vínculos estabelecidos no grupo terapêutico é possível operar mudanças na relação do sujeito com a realidade externa O grupo terapêutico nesta perspectiva mostrase um instrumento técnico muito valioso no tratamento de pacientes mais regredidos Quanto mais próximos da psicose mais os pacientes funcionam através de identificações projetivas primitivas e mais ocorre manifestação da contratransferência SEGAL 1998 p123 Para compreender as experiências contratransferenciais o analista precisa ter uma disposição básica de receptividade das projeções sem se identificar com elas estando em sintonia com o paciente e em contato com sua própria experiência infantil se identificando com o continente materno Assume uma dupla função enquanto é receptivo e continente adota também uma postura observadora e interpretativa destes mesmos sentimentos Está dentro e fora ao mesmo tempo Precisa estar atento ter um olhar aguçado estar ali de corpo e alma imerso no universo que invade seus sentidos se deixando tomar pelas sensações tal como faz a mãe com seu bebê O terapeuta tem que abrir mão de seu estado organizado se flexibilizar sem perder a sanidade oferecendo a confiança e garantia necessárias ao paciente sem se esquivar da experiência Ao descrever processos primitivos da vida do bebê Winnicott 1956 levanta um aspecto já abordado por Freud no qual algumas experiências primitivas ocorridas em ambiente deficiente e insatisfatório em relação às suas necessidades foram vividas num momento em que ele só tinha a condição de registrar tais experiências por isso não é possível falar delas Pacientes regredidos não alcançaram o universo do desejo estão ainda no campo das necessidades Para Ferenczi a neutralidade do analista com pacientes graves corre o risco muitas vezes de ser sentida por eles como frieza retraumatizando o paciente KUPERMAN 2008 22 o que podemos almejar é que a atitude do analista diante de seus sentimentos não seja paranóica nem fóbica Na realidade a impermeabilização vinda daí é o maior risco da contratransferência O medo de ser inundado pelo amor pelo ódio e pela angústia que o paciente desperta pode levar à negação desses sentimentos Se a contratransferência não puder ser elaborada explicitamente pela dupla analítica o paciente poderá se identificar com o analista nesta dificuldade A contratransferência não interpretada pode ser responsável pela ruptura ou pela análise interminável A atitude do analista em relação à contratransferência reflete sua atitude para com seus próprios sentimentos e impulsos Ramos 1994 p146 Considerações Finais Ser continente nomear e promover a elaboração dos intensos e maciços conteúdos de estados mentais primitivos reconhecer sinais sutis e peculiares de interações e manifestações grupais além de não depender da gratificação narcísica da evolução do grupo consistem nas características mais importantes do terapeuta para o trabalho de ajudar estes pacientes a se tornem mais permeáveis flexíveis e continentes ampliando seu universo simbólico O grupo como um instrumento de evolução para sujeitos cujo traço mais significativo é a dificuldade em estabelecer interações se mostra eficaz em oferecer uma multiplicidade de papéis e cenas a serem vividas no contexto terapêutico favorecendo a ocorrência de uma rica rede de transferências e contratransferências que ajudam na compreensão dos afetos emergentes Neste grupo observamos a diluição das defesas autísticas de isolamento e negação do externo condições indispensáveis para o desenvolvimento psíquico Além disso no grupo o ambiente e o outro impõem sua presença e freqüentemente isso não leva à intensificação das defesas ao contrário cria condições para as mais variadas formas de interação REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVAREZ A Prefácio In Companhia Viva Porto Alegre Artes Médicas 1994 p 0306 FERNANDES B S Psicoterapia de Grupo com Crianças In FERNANDES W J et al Grupos e Configurações Vinculares Porto Alegre Artmed 2003 p 231240 FIGUEIRA S Introdução Bases freudianas da contratransferência In FIGUEIRA S et al Contratransferência de Freud aos contemporâneos São Paulo Casa do Psicólogo 1994 p 01 30 FREUD S A dinâmica da transferência 1912 Obras Completas de Sigmund Freud Trad Vera Ribeiro Rio de Janeiro Imago 2ª ed standard brasileira 1980 Vol XII p 129143 S Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise 1912 Obras Completas de Sigmund Freud Trad Vera Ribeiro Rio de Janeiro Imago 2ª ed standard brasileira 1980 Vol XII p 146159 KANNER L Os Distúrbios Autísticos do Contato Afetivo 1943 In ROCHA P S et al Autismos Trad Mônica Seincman Recife Escuta 1997 p 111170 KHAN M R Prefácio In Textos selecionados Da pediatria à psicanálise Tradução de Jane Russo Rio de Janeiro Francisco Alves 4ª ed 1993 p 07 61 KOHUT H Como cura a psicanálise Porto Alegre Artmed 1984 23 KUPERMANN D Presença sensível A experiência da transferência em Freud Ferenczi e Winnicott In Jornal de PsicanáliseInstituto de Psicanálise Durval Marcondes Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo Vol 41 no 75 p 7594 2008 MAHLER M Sobre a psicose precoce do bebê síndrome psicótica e síndrome autística 1965 As psicoses infantis e outros estudos Trad Helena Mascarenhas de Souza Porto Alegre Artmed 3ª ed 1989 p 4151 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE Classificação de transtornos mentais e de comportamento In Código Internacional de Doenças CID10 Descrições clínicas e diretrizes diagnósticas Trad Dorgival Caetano Porto Alegre Artes Médicas 2000 RAMOS H Michael Balint e Donald Winnicott In FIGUEIRA S et al Contratransferência de Freud aos contemporâneos São Paulo Casa do Psicólogo 1994 p 131151 ROCHA P S Rumo a Ítaca In ROCHA P S et al Autismos Recife Escuta 1997 p 1526 PICHONRIVIÉRE E Teoria dos Vínculos Trad Marco Aurélio Fernandes Velloso São Paulo Martins Fontes 1982 E Transferência e contratranferência na situação grupal In O Processo Grupal Trad Marco Aurélio Fernandes Velloso São Paulo Martins Fontes 5ª ed 1994 p 161166 E Uma nova problemática para a psiquiatria In O Processo Grupal Trad Marco Aurélio Fernandes Velloso São Paulo Martins Fontes 5ª ed 1994 p 0117 SEGAL H Usos e abusos da contratransferência In BARROS E et al Psicanálise Literatura e Guerra Artigos de 19721995 Rio de Janeiro Imago 1998 p 121129 SVARTMAN B Fundamentos da Psicanálise dos Vínculos In FERNANDES WJ et al Grupos e Configurações Vinculares Porto Alegre Artmed 2003 p 3342 TUSTIN F Barreiras autísticas em pacientes neuróticos Trad Maria Cristina Monteiro Porto Alegre Artes Médicas 1990 p 2325 WINNICOTT D W Desenvolvimento emocional primitivo 1945 Textos selecionados Da pediatria à psicanálise Tradução de Jane Russo Rio de Janeiro Francisco Alves 4ª ed 1993 p 269285 D W Preocupação materna primária 1956 Textos selecionados Da pediatria à psicanálise Tradução de Jane Russo Rio de Janeiro Francisco Alves 4ª ed 1993 p 491498 ZIMERMAN D E A Função de Continente do Analista e os Subcontinentes In Bion da teoria á prática uma leitura didática Porto Alegre Artmed 2ª ed 2008 p 264269 Endereço eletrônico sylcarinterracombr Recebido em 27092010 Aceito em 26112010 A reportagem discute casos de Ansiedade Coletiva entre adolescentes e crianças e mostra eventos que ecoam intensamente os desafios enfrentados na psicoterapia de grupo A análise psicodinâmica desses casos revela a complexidade das interações grupais e a profunda influência da contratransferência na dinâmica terapêutica Os sintomas de ansiedade em massa entre adolescentes refletem uma comunicação inconsciente e um compartilhamento de angústias difusas Esses episódios podem ser interpretados como expressões de um desejo coletivo de processar ansiedades individuais reprimidas Da mesma forma a automutilação entre crianças aponta para uma comunicação não verbal intensa exigindo uma abordagem sensível e receptiva A função continente emerge como um elemento crucial na terapia de grupo proporcionando um espaço seguro para a expressão e elaboração das emoções O grupo terapêutico atua como um continente para os participantes oferecendo contenção e compreensão Com a análise dos estágios de desenvolvimento do grupo terapêutico entendese que esses casos se enquadram em diferentes etapas do processo terapêutico A ocorrência de crises de ansiedade em massa pode representar uma fase inicial de formação do grupo onde as ansiedades latentes emergem para serem processadas coletivamente Por outro lado a automutilação das crianças pode indicar um estágio mais avançado no qual as defesas são desafiadas e a expressão emocional direta se torna possível Em conclusão a análise desses casos sob a lente da comunicação contratransferencial destaca a importância da sensibilidade do terapeuta e da dinâmica grupal na compreensão e intervenção terapêutica Ao reconhecer e responder aos sinais não verbais e às projeções dos participantes o terapeuta pode facilitar a transformação e o crescimento emocional dentro do grupo Referências DE MACEDO Carina Rugai Moreira A FUNÇÃO CONTINENTE E O USO DA CONTRATRANSFERÊNCIA COMO INSTRUMENTOS NA PSICOTERAPIA DE GRUPO COM PACIENTES COM SEVERAS PERTUBAÇÕES NO DESENVOLVIMENTO DO PSIQUISMO VínculoRevista do NESME v 7 n 2 p 2330 2010 JATOBÁ Joana D BASTOS Othon Depressão e ansiedade em adolescentes de escolas públicas e privadas Jornal Brasileiro de Psiquiatria v 56 p 171179 2007 SANTOS L S LEAL JOÃO PAULO MOURA SANTO BREJO Grupo Terapêutico Jovem em desenvolvimento 2017