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Direito de Família

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Revista Conversas Civilísticas Salvador v 3 n 1 janjun 2023 24 ISSN 27638448 FAMÍLIA MULTIESPÉCIE ASPECTOS JURÍDICOS DA GUARDA COMPARTILHADA DOS ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO APÓS A DISSOLUÇÃO DO CASAMENTO OU DA UNIÃO ESTÁVEL Multispecies family legal aspects of shared custody of pets after the dissolution of marriage or stable union Luiza Santana Oliveira1 Teresa Cristina Ferreira de Oliveira2 RESUMO Os animais deixaram de ser considerados como objetos de posse com função de servir aos seus donos como auxiliares nas tarefas de trabalho guardadores da integridade física e da propriedade e atualmente passaram a ocupar lugar de membros das famílias multiespécie com status afetivo de igual valor aos humanos Este estudo aborda o tema Família Multiespécie aspecto jurídico da guarda compartilhada dos animais de estimação após dissolução do casamento ou da união estável e tem como objetivo verificar de que forma se configura a guarda compartilhada desses seres nãohumanos durante os processos de dissolução dos laços conjugais Apesar da legislação ainda não ter sido adequada a situações dessa natureza isso não impede que esses animais de estimação sejam alvo de disputas judiciais Foi feito um levantamento bibliográfico sobre o assunto em questão com análise de teses dissertações artigos científicos e estudo de jurisprudências que envolveram casos de disputa por esses animais e os resultados confirmaram que as decisões dos magistrados têm sido pautadas na analogia ao direito de família considerando o bemestar de todos os envolvidos nos processos inclusive os animais que deixam de ser considerados como bens semoventes passando ao status de membro dessa nova configuração familiar PalavrasChave Família multiespécie Direito dos animais Guarda compartilhada Ordenamento jurídico ABSTRACT Animals are no longer considered as objects of possession with the function of serving their owners as assistants in work tasks guardians of physical integrity and property and currently they have taken the place of members of multispecies families with affective status of equal value to humans This study addresses the theme Multispecies Family legal aspect of the shared custody of pets after the dissolution of marriage or stable union and aims to verify how the shared custody of these nonhuman beings is configured during the dissolution processes of the marital ties Although the legislation has not yet been adapted to situations of this nature this does not prevent these pets from being the subject of legal disputes A bibliographic survey was carried out on the subject in question with the analysis of theses dissertations scientific articles and the study of jurisprudence that involved cases of dispute over these animals and the results confirmed that the decisions of 1 Graduanda em Direito Centro Universitário Nobre UNIFAN Email luizaoliveira010emailcom 2 Doutora e Mestre em Família na Sociedade Contemporânea pela Universidade Católica do Salvador Coordenadora da PósGraduação em Psicologia Jurídica e Mediação de Conflitos da Universidade Católica do Salvador Especialista em Direito Civil pela Fundação Faculdade de Direito da Bahia UFBA Especialista em FamíliaRelações Familiares e Contexto Sociais UCSAL Integrante do grupo de pesquisa Gestão Social e Políticas Públicas da Universidade Estadual de Feira de Santana Mediadora Extrajudicial Advogada Docente da UCSAL e do Centro Universitário Maurício de Nassau Email teresaoliveiraproucsalbr Revista Conversas Civilísticas Salvador v 3 n 1 janjun 2023 25 ISSN 27638448 the magistrates have been based on the analogy to family law considering the well being of all those involved in the processes including the animals that are no longer considered moving goods becoming members of this new family configuration Keywords Multispecies family Animal rights Shared custody Legal order 1 INTRODUÇÃO A sociedade contemporânea apresenta mudanças significativas nas relações familiares e tais alterações foram afetadas diretamente pelos avanços tecnológicos a globalização e a urbanização Com as transformações dos laços deafinidade das relações familiaresemerge a Família Multiespécie que admite a inclusão de seres não humanos e os considera como membros com igual significado afetivo independente da espécie a que pertencem Diante dessa realidade o presente estudo traz à tona o tema Família Multiespécie aspecto jurídico da guarda compartilhada dos animais de estimação após dissolução do casamento ou da união estável com levantamento da problemática De que forma se configura a guarda compartilhada dos animais de estimação diante da dissolução do casamento ou da união estável Os animais de estimação estão cada vez mais presentes no ambiente familiar ocupando lugar de relevância junto aos demais membros gerando laços afetivos que necessitam ser mantidos e resguardados mesmo diante dos casos de ruptura conjugal Apesar dos diversos casos de solicitação de guarda compartilhada este ainda é um assunto considerado tabu no meio jurídico Diante desse cenário fazse necessário realizar um estudo com objetivo geral de verificar de que forma se configura a guarda compartilhada dos animais de estimação nas famílias multiespécie durante a dissolução desses vínculos O estudo tem dois objetivos específicos que são identificar a evolução dos direitos dos animais no Brasil e analisar como o ordenamento jurídico brasileiro caracteriza os animais A pesquisa definiuse como estudo descritivo pois houve análise de jurisprudências a respeito do tema a fim de explicar como as decisões jurídicas têm se pautado em casos semelhantes Quanto aos procedimentosrealizouserevisão sistemática da literatura pois fez uso de estudos do ordenamento jurídico livros teses dissertações e artigos científicos que fundamentam todo o desenvolvimento da pesquisa Tratase de uma pesquisa qualitativa pois analisa de forma subjetiva os resultados encontrados no levantamento referencial que abordam essa mudança Revista Conversas Civilísticas Salvador v 3 n 1 janjun 2023 26 ISSN 27638448 de especificação familiar como o objeto de estudo é caracterizado no ordenamento jurídico e quais impactos essa ausência de legislação específica traz para as partes envolvidas Após a análise dos resultados bibliográficos e jurisprudências chegouse à conclusão de que a legislação necessita de alterações que acompanhem essa nova modalidade de construção familiar a fim de que os animais sejam considerados não pela espécie a que pertencem mas à sua condição afetiva emocional e de membro familiar nesse contexto específico para que tenham garantias legais de que seu bemestar será levado em consideração do mesmo modo em que já ocorre no direito de família em outras constituições afetivas 2 BREVE HISTÓRICO SOBRE O CONCEITO DE FAMÍLIA Para compreender como os animais se tornaram entes familiares devese entender antes de tudo o conceito de família Como instituição ela existe desde os primórdios da humanidade sendo sua estrutura modificada ao longo da evolução do contexto histórico político religioso e econômico da sociedade e como o fato antecede o direito surge a necessidade das legislações acompanharem tais mudanças Para Gonçalves 2012 o conceito de família se baseia em pessoas ligadas com vínculos afetivos ou consanguíneos norteada pela Constituição Federal 1988 e o Código Civil de 2002 mas sem definir sua essência visto que para ele esta é subjetiva Em outro entendimento Dias 2021 designa família no cenário atual como uma construção social na qual todos possuem sua função dentro desse contexto podendo ter vínculos parentais ou não pautados principalmente no princípio da afetividade ou seja um laço baseado em afeto e acolhimento entre si um lar para os que estão incluídos Além disso a estrutura familiar é tão importante que o contexto histórico em que ela é inserida modifica o direito em si Para Gagliano e Pamplona Filho 2021 a família é única e absoluta pois é impossível analisar e tipificar todos os modelos de relações entre indivíduos Portanto por ser uma entidade tão diversificada o Direito deve abrangêla como um todo em todos os seus moldes Revista Conversas Civilísticas Salvador v 3 n 1 janjun 2023 27 ISSN 27638448 Maluf e Maluf 2018 afirmam que a família foi a primeira forma de organização social conhecida sendo modificada no decorrer dos anos fazendo um aparato histórico sobre seus costumes ao longo do tempo enquanto que Roudinesco 2003 destaca a evolução da família em três importantes períodos a família tradicional a família moderna e a família contemporânea ou pósmoderna Sendo assim é possível a mesclagem entre os dois autores no que diz respeito ao entendimento de cada período Nos primórdios do ser humano o núcleo familiar não era entendido como nos dias atuais isto é o instinto sexual humano era o único preceito existente sem demais formalidades Após esse período os cultos religiosos se tornaram prioridade na sua constituição dando ênfase ao casamento religioso que tinha a finalidade de proteger essa entidade familiar para que seus herdeiros continuassem com a tradição e a preservação de seus membros com um perfil hierarquizado e patriarcal ROUDINESCO 2003 Para a autorao Código Civil de 1916 trouxe mudanças significativas no ramo do Direito de Família Porém ainda não era flexível mantendo a essência do período em que foi criado além disso houve diversas leis especiais posteriores ao Código que modificaram a instituição familiar MALUF MALUF 2018 Silva 2002 p 450451 afirma que a família do Código Civil de 1916 era uma família transpessoal hierarquizada e patriarcal logo acompanhava os ideais da época moldados principalmente às diretrizes da Igreja Católica que considerava família apenas como a de laços sanguíneos e a matrimonial heteroafetiva e patriarcal na qual o homem concentrava todo o poder pois a provia financeiramente e a mulher e filhos eram a ele subordinados Assim para o autor qualquer tipo de relação fora desta regra não era considerada legítima portanto não tinha a proteção do Estado Desse modo o conceito de família começou a se tornar expansivo com o intuito voltado à procriação de mais filhos e tendo como característica a convivência de todos os parentes numa mesma casa Logo quanto mais pessoas havia mais mão de obra para a realização do trabalho almejando o sustento entre os membros e a melhoria de condição de vida ou seja uma entidade baseada no patrimônio Dias 2021 afirma que após esse período durante a Revolução Industrial havia a necessidade de mais mão de obra e as mulheres que antes eram Revista Conversas Civilísticas Salvador v 3 n 1 janjun 2023 28 ISSN 27638448 responsáveis apenas pelas tarefas domésticas e pela criação dos filhos foram aos poucos levadas às fábricas integrando um novo modelo no mercado de trabalho na economia e consequentemente uma nova concepção de estrutura familiar na qual o homem já não era mais exclusivamente responsável pelo sustento da casa e o núcleo familiar foi reduzido Nesse momento da história a família era novamente modificada e estava na fase moderna final do século XVIII e meados do século XX marcada pela valorização do amor afeto e maior igualdade nos direitos e deveres entre homens e mulheres dentro do casamento ROUDINESCO 2003 Finalmente nos anos 1960 ocorre a fase atual da família contemporânea ou família pósmoderna sendo sua característica o afeto entre seus componentes como também a dissolução do matrimônio por falta dele deixando de se limitar apenas ao conceito tradicional do casamento e da propriedade para dar mais destaque ao ser humano como um ser individual com todas as suas particularidades e preservando sua dignidade como pessoa como explica DIAS 2021 Nessa fase em 1988 houve a promulgação da nova Constituição Federal Brasileira tornandose uma revolução em todos os âmbitos do direito brasileiro inclusive o Direito de Família MALUF MALUF 2018 Em seu artigo 226 a família é citada como a base da sociedade sendo que nela o núcleo familiar já não se respaldava mais exclusivamente ao matrimônio mas igualava homens e mulheres filhos naturais dentro ou fora do casamento e adotivos estabelecia a união estável e o núcleo monoparental formados a partir um dos pais e seus filhos A partir disso houve maior diversidade de relações familiares além da tradicional havendo também a menor influência da Igreja sobre o Estado valorizando a liberdade afetiva e consequentemente abrindo espaço para discussões para os mais variados tipos de família como discorrem Gagliano e Pamplona Filho 2021 em sua obra A família multiespécie a qual será o alvo do artigo em questão é formada entre uma relação de afeto entre humano e animal e apesar de não estar expressa na Carta Magna ou no Código Civil também se engloba à proteção do Estado pois como foi visto pelos autores supracitados o conceito de família já não se baseia somente entre membros com vínculo sanguíneo mas sim em relações afetivas baseadas no amor entre os mesmos TARTUCE SIMÃO 2012 Revista Conversas Civilísticas Salvador v 3 n 1 janjun 2023 29 ISSN 27638448 Braga e Oliveira 2021 compartilham do mesmo entendimento afirmando que o afeto não é determinado por espécies mas sim pelo amor entre as partes e ainda que os dispositivos legais não contemplem o tema família multiespécie este pode ser subentendido por conta das novas composições familiares que devem ser resguardadas tanto quanto as demais configurações existentes 21 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana O conceito de princípio segundo Barroso 1999 é um conjunto de normas que tem como espelho a Constituição Federal essenciais para o meio jurídico garantidoras de direitos por conter em seu núcleo as raízes da cidadania conquistadas na Carta Magna Esses princípios são fundamentais e inerentes ao ser humano sejam eles explícitos ou implícitos na escrita Dias 2021 afirma que a Constituição vigente é uma verdadeira carta de princípios e depois disso a maneira que a lei é interpretada foi mudada definitivamente Sendo considerados leis das leis eles foram criados para cobrir brechas que a legislação tenha deixado fazendo analogias de crenças e costumes para sua interpretação Com a promulgação da CF antigos princípios que regiam o direito de família foram abolidos surgindo assim novos princípios com novas ideologias reformando a maneira que o núcleo familiar era visto até então TARTUCE SIMÃO 2012 Acerca do Código Civil atual Gonçalves 2012 aponta que o Código Civil de 2002 buscava se atualizar a respeito sobre as mudanças sociais e as legislações anteriores no âmbito do direito de família para assim garantir um tratamento que atenda às necessidades atuais das entidades familiares na era contemporânea Dentre esses princípios está presente o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana princípio constitucional e universal pois todos os outros derivam dele Nele englobamse todos os direitos fundamentais que garantem ao homem o mínimo para uma vida digna e inerente a todas as pessoas DIAS 2021 Lobo 2018 p 42 afirma A dignidade da pessoa humana é o núcleo existencial que é essencialmente comum a todas as pessoas humanas como membros iguais do gênero humano impondose um dever geral de respeito proteção e intocabilidade Em outras palavras um conjunto de normas incluídas na CF 88 que permitem que o cidadão tenha uma vivência harmoniosa respeitosa e justa Para Lôbo Revista Conversas Civilísticas Salvador v 3 n 1 janjun 2023 30 ISSN 27638448 entendese que há certo ponto de até onde o Estado pode interferir na vida dos cidadãos sem que haja a quebra do respeito à sua dignidade além disso há uma obrigação de guarda para com os direitos fundamentais evitando assim a dissolução desse princípio que norteia os demais O direito de família se conecta diretamente à dignidade da pessoa humana devido à proteção da instituição família no artigo 226 da CF por ser algo inerente ao sujeito desde os primórdios e como já foi dito anteriormente há múltiplos tipos de família na atualidade que merecem a devida proteção do Estado não podendo haver distinções ou preferências entre elas DIAS 2021 22 Princípio da Igualdade A criação desse princípio teve intenção de igualar direitos e deveres entre homens e mulheres e foi fundamental para a superação do caráter patriarcal que vinha se mantendo anteriormente A Constituição de 1988 se atentou a definir no artigo 5 que todos são iguais perante a lei e no inciso I acentua essa igualdade entre os gêneros afirmando homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações proibindo a diferença de tratamento jurídico entre eles com exceção de alguma justificativa FARIAS ROSENVALD 2016 Além da igualdade entre os gêneros ocorreu também a igualdade entre os descendentes sejam eles filhos dentro ou fora do matrimônio como os adotados havendo ainda proibição de discriminação entre os membros como ocorria no Código anterior Para Lôbo 2018 nenhum outro princípio provocou tantas mudanças nessa área quanto este e a igualdade entre homens mulheres filhos e entidades familiares foi uma verdadeira revolução Em se tratando dos animais considerar o direito de igualdade desses seres requer segundo Tavares 2011 pensar sobre o fator espécie ou seja não pertencer à raça humana não deve ser razão suficiente para desconsiderar o direito à vida digna ao afeto e convivência e aplicar a estes tratamento desigual Caberá neste estudo tratar da questão da igualdade de direitos desses seres não humanos durante a dissolução matrimonial ou de união estável e de como a magistratura têm pautado suas decisões diante dos casos de solicitação de guarda compartilhada de animais considerados membros desta instituição tendo Revista Conversas Civilísticas Salvador v 3 n 1 janjun 2023 31 ISSN 27638448 como princípio norteador o bemestar da família multiespécie incluindo todos que fazem parte dela independente da condiçãoespécie a que pertencem 23 Princípio da Afetividade Para Lôbo 2018 o afeto é indicativo de principal fundamento de uma relação familiar uma vez que mesmo que ele esteja implícito na Constituição se faz presente nos demais princípios A afetividade não é um direito é um dever nas relações familiares nas quais os laços de sangue não são mais o centro do vínculo entre os seus membros Diante disso podese notar que o afeto decorre de uma valorização que correu da dignidade humana podendo também ser relacionado a esse princípio Dias 2021 compartilha do mesmo entendimento afirmando que o princípio da afetividade é o que norteia o direito de famíliaEla também acentua que a omissão da CF com o afeto não significa que ele não seja constitucional uma vez que os demais princípios detêm dos fundamentos que fazem parte da afetividade A autora ainda estabelece que com o reconhecimento da união estável igualdade entre irmãos biológicos e adotivos entre outros feitos houve a consolidação deste princípio na Constituição Federal Gagliano e Pamplona Filho 2021 afirmam que o amor não é passível de definição já que é algo subjetivo e essa afetividade tem diversas maneiras de serem expostas e interpretadas A família tem como o afeto seu elemento principal dado que é formada e conectada através do liame socioafetivo portanto ao interpretar a lei os juízes devem considerar não apenas a letra da lei mas também os laços formados nessa relação fazendo uma mesclagem entre eles para evitar a exclusão e discriminação de demais entidades familiares A própria constituição de família multiespécie por todas as peculiaridades que a compõem conforme o que foi explicitado já determina que a afetividade é tão ou mais importante que qualquer outra condição relacionada à espécie laços sanguíneos entre outros Conforme Gagliano e Pamplona Filho já afirmaram este é o principal elo de conexão entre os seres humanos ou não na construção dessa afetividade Desconsiderar essa realidade é fazer de conta que essas relações não estão postas Revista Conversas Civilísticas Salvador v 3 n 1 janjun 2023 32 ISSN 27638448 3 EVOLUÇÃO DOS DIREITOS DOS ANIMAIS NO BRASIL No Brasil o direito dos animais não era um assunto considerado relevante para se pôr em discussão Apenas a partir do século XIX que esse tema começou a ser debatido gradualmente no núcleo jurídico De acordo com Silva 2009 a UIPA União Internacional de Proteção Animal fundada no ano de 1895 foi a primeira organização destinada à proteção animal criada a partir de influências da Europa e Estados Unidos sobre o entendimento de maus tratos ao seres nãohumanos Essa mesma organização participou da criação do Decreto nº 165601924 que fiscalizava o tratamento que os animais recebiam em casas de diversões pelo Brasil e dez anos após em 1934 houve a promulgação do Decreto nº 246451934 que trazia artigos que proibiram atitudes que coloquem o bemestar desses seres em risco O decretotambém afirma que os animais são tutelados pelo Estado portanto passíveis de serem representados em juízo em causas cíveis ou criminais Silva 2009 ainda afirma que organizações e instituições voltadas à defesa dos animais foram grandes incentivadoras para a reflexão desse tema que antes era pouco expressivo consequentemente trazendo mais tarde a Lei das Contravenções Penais Decretolei nº 3688 de 03 de outubro de 1941 que vetava maus tratos aos animais no artigo 64 e parágrafos seguintes Rosa 2018 pontua que com a chegada da Constituição Cidadã em 1988 essa situação teve de ser novamente discutida pois a sociedade necessitava de políticas que equilibrassem o desenvolvimento social com um meio ambiente favorável O artigo 225 da Constituição Federal dispõe Art 225 Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida impondose ao poder público e à coletividade o dever de defendêlo e preserválo para as presentes e futuras gerações BRASIL 1988 Seguindo este raciocínio Ohara e Allemand 2019 interpretam que nesse artigo podese considerar que a ideia de meio ambiente equilibrado se engloba também aos animais sendo dever do Poder Público proteger esses seres ou seja o Direito Ambiental abrange diretamente o Direito Animal Miranda e Silva 2020 p 14 apontam cabe ao Estado apropriarse da figura de gestor da fauna e da flora para desenvolver políticas públicas adequadas que visem a preservação do meio ambiente Cumpre ressaltar que estas ainda estão se desenvolvendo Revista Conversas Civilísticas Salvador v 3 n 1 janjun 2023 33 ISSN 27638448 gradativamente visto que a preocupação ambiental tem aumentado ano após ano Já existem jurisprudências que os analisam como sujeitos de uma relação jurídica passíveis de guarda a exemplo dos casos de dissolução de união entre casais o animal em questão se torna alvo de disputa jurídica entretanto até o presente momento não há legislação específica sobre a situação descrita 31 Evolução do homem com seu animal doméstico significado do animal para a família A relação entre homens e animais é tão antiga quanto a própria civilização prova disso são as pinturas rupestres que podem ser observadas em cavernas pré históricas Nesse período as relações entre essas espécies eram moldadas pela exploração e qualquer animal nãohumano era visto como inferior com intuito apenas de servir ao homem em função de trabalhos que exigem força caça e alimentação em últimos dos casos era cogitada a ideia de domesticação BELCHIOR DIAS 2020 Segundo Moreira 2021 os homens se consideravam superiores aos animais e tinham convicção de que estes serviam apenas aos seus propósitos de forma a atender suas necessidades sendo domesticados para tal finalidade A vida era pautada nas atividades agrícolas e por essa questão os animais eram usados como força de trabalho parte da alimentação e atuavam na defesa de seus donos e sua propriedade Com as mudanças de comportamento da vida humana e a migração para os centros urbanos os animais começaram a ser vistos como melhores amigos do homem e mais atualmente a fazer parte do ambiente familiar como seres capazes de estabelecer relação de companhia afeto e por isso começaram a ser considerados como parte desse modelo familiar Quando a configuração desse modelo anterior altera a composição desse núcleo de membros humanos e admite a inclusão de seres de outras espécies temos uma nova formação de família que admite a possibilidade de agregar seres de espécies diferentes a essa conjuntura afetiva Tomando como base o conceito de Santos 2020 essa é a Família Multiespécie que é conceituada como aquela lastreada essencialmente na afetividade inerente na relação humanoanimal tendo a Revista Conversas Civilísticas Salvador v 3 n 1 janjun 2023 34 ISSN 27638448 percepção de que os animais são considerados como seres sencientes portanto dotados dos mais variados sentimentos A evolução dessa consciência e a adoção dessa concepção familiar faz dos animais de estimação para algumas famílias membros com igual valor dentro deste núcleo de convivência e para outras filhos de espécie diferente mas não menos importantes por essa condição nãohumana Reforçando a afirmação anterior Araújo e Neto 2016 online descrevem essa relação O que vale nessa nova configuração a família multiespécie é a formação do laço social onde se respeite a diferença e a condição de não humanos dos animais relativamente ao cuidado e ao carinho que os animais necessitam e sabem retribuir Essa relação contribui para o bem estar das pessoas e dos animais que fazem parte dessa nova constituição familiar Vale ressaltar que para se caracterizar como família multiespécie é necessário segundo Dias 2018 que o animal seja considerado como membro do núcleo familiar e seja tratado como tal Aqueles lares onde os animais têm função de prover a segurança eou guarda dos donos ou do patrimônio ou que simplesmente são tidos como objetos de posse familiar sem estabelecer o vínculo afetivo não entram nesse conceito 4 FIM DAS RELAÇÕES CONJUGAIS Já foi esclarecido como é formada a entidade familiar e as relações conjugais e discorrese agora sobre o rompimento desses laços A Lei nº 651577 lei do divórcio foi criada passou por várias transformações até chegar ao texto que figura até os dias de hoje Segundo Gagliano e Pamplona Filho 2020 o divórcio é a medida que põe fim ao vínculo estabelecido pelo matrimônio e por conta disso a extinção dos deveres conjugais Ao longo do processo de dissolução do casamento ou união estável discutese também todas as obrigações que as partes assumem diante de possíveis dependentes oriundos dessas relações Nos casos em que existem filhos menores de acordo com os artigos 1583 e 1584 do Código Civil a orientação pela guarda compartilhada tem sido a que melhor representa o direito à convivência com ambos os genitores favorecendo dessa maneira a continuidade dos vínculos afetivos e a manutenção do poder familiar mesmo após a ruptura da instituição jurídica do casamento ou união estável Segundo França e Costa 2019 as famílias estão diminuindo a quantidade ou Revista Conversas Civilísticas Salvador v 3 n 1 janjun 2023 35 ISSN 27638448 decidindo por não ter filhos naturais colocando os animais de estimação na condição de filhospet transferindo para estes todo o afeto cuidados e possíveis direitos ao longo da relação e na dissolução das mesmas esses seres têm sido cada vez mais alvos de disputas judiciais pela posse e guarda por parte dos envolvidos Em se tratando das solicitações de guarda compartilhada dos animais as decisões têm sido semelhantes às sentenças ligadas ao direito de família pela ausência de leis que tratam especificamente dessa questão e por entender que mesmo nos casos em que o animal seja um ser passível de posse não pode ser considerado mera coisa diante da importância que lhe é imputada pelos membros da família da qual faz parte 5 GUARDA COMPARTILHADA DOS ANIMAIS Com as novas possibilidades de formação familiar onde todos os envolvidos são igualmente considerados acerca de seus direitos e deveres houve mudança no entendimento da instituição guarda quando da dissolução de qualquer tipo familiar Segundo Gonçalves 2017p369 questões como a afetividade e a cooperação entre os pais passaram a ser mais analisadas que as relações de poder que eram atribuídas na maioria das vezes à figura masculina Segundo o autor o direito à vida digna assistência às necessidades básicas e à convivência igualitária com ambos os genitores deram início a uma nova modalidade de divisão de responsabilidades surgindo a partir desse entendimento a guarda compartilhada A Lei n 116982008 alterou alguns dispositivos do CC e apresenta a definição de Guarda Compartilhada no artigo 1583 caput a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres dosas pais e das mães que não vivam sob o mesmo teto concernentes ao poder familiar dos filhosas comuns A partir dessa nova concepção não existe mais o genitor guardião unilateral aquele que detém o poder de guarda e o genitor fiscal a quem cabe o papel de supervisor Não há perda do poder familiar mas uma divisão igualitária das responsabilidades para com os menores submetidos à guarda que preza essencialmente pelo direito à convivência com ambos os genitores a fim de manter os vínculos afetivos que neste contexto jurídico são mais importantes por garantir o bemestar dos envolvidos em todos os aspectos Revista Conversas Civilísticas Salvador v 3 n 1 janjun 2023 36 ISSN 27638448 Em se tratando das famílias multiespécie ponto de interesse deste trabalho no que tange à questão da guarda compartilhada de animais na ausência de uma legislação específica que trate dessa particularidade usase princípios fundamentais do direito analogias e jurisprudências De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde de 2019 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE estimase que 461 dos lares brasileiros tinham ao menos um cachorro o equivalente a 338 milhões de domicílios Esse número expressivo de famílias compostas de humanos e animais trouxe consigo questões de disputa judicial não só pela guarda de filhos naturais como também pela guarda desses membros não humanos que estabelecem tanto vínculo emocional e afetivo quanto os demais que compõem essa modalidade familiar Os animais têm sido considerados seres sencientes e portanto não devem ser tratados como objeto mas como sujeito de direito com necessidades específicas de acordo com sua natureza sui generis como descreve o Projeto de Lei PLC 272018 Partindo desse entendimento os processos de dissolução de união das famílias multiespécie levadas à juízo têm pautado suas decisões relacionadas à guarda analogamente ao direito da criança como explica Chaves 2016p21 quando afirma que com a evolução do status legal dos animais observarseá o que é melhor para o animal e o que vai lhe proporcionar maior bemestar na hora de materializar a decisão jurídica Ainda segundo a autora os aspectos físicos emocionais afetivos serão considerados como parte desse bemestar não apenas os aspectos financeiros Detalhes como divisão da visitação e convivência responsabilidades financeiras e de manutenção de alimentação saúde moradia entre outros também devem ser dirimidos durante a sentença e decisão tal como já ocorre no Direito de Família Conforme afirma Silva 2015 não tem sido fácil chegar a um consenso a respeito da decisão sobre a guarda pois em muitos casos nem sempre o animal mantém uma relação mais afetuosa com seu proprietário cabendo ao magistrado certa sensibilidade ao tomar sua decisão Diante dessa estrutura familiar os casos de disputa pela guarda têm sido ponto de discussão pois não se considera os animais nesse ambiente familiar como coisas Singer 2010 afirma que os sentimentos vivenciados por eles são equivalentes aos dos humanos O entendimento que se tem deles é de seres Revista Conversas Civilísticas Salvador v 3 n 1 janjun 2023 37 ISSN 27638448 dotados de emoções e capazes de demonstrar afetividade e contribuir para o bem estar de todos do lar Devido às considerações anteriores é que os autores já citados discorrem sobre a necessidade de se considerar a possibilidade de expansão do direito dos animais Essa evolução mudou o entendimento do papel desses seres no contexto afetivo das famílias e podese dizer que essa mudança de comportamento do homem em relação aos animais está conduzindo as alterações que precisam ser feitas no que diz respeito ao direito de família Para Singer 2010 todos os seres vivos merecem direitos condizentes com suas peculiaridades Essa afirmação corrobora com a necessidade de entrar no mérito dessa discussão e diante dos fatos e jurisprudências já existentes complementar o Código Civil fazendo todas as adequações De acordo com Guimarães 2019 nos casos de dissolução dos vínculos conjugais as decisões podem considerar a associação afetiva do animal pelas partes as questões de aquisição e manutenção do mesmo e a importância afetiva que ele tem para os litigantes Segundo as normas do CC os animais são considerados como coisa e não como sujeitos de direito o que tem levado às sentenças ao entendimento de cada magistrado de acordo com o que é apresentado pelas partes Para Rammê e Rodrigues 2019 é preciso que o direito familiar acompanhe essa evolução para que em casos como esses família Multiespécie e outros mais que possam surgir por força das mudanças ao longo do tempo tenhase uma legislação específica que esteja apta a amparar de forma adequada todos os envolvidos no processo 6 JURISPRUDÊNCIAS FAVORÁVEIS A inserção da tecnologia a diversidade de comportamentos sociais e os conceitos de família e afetividade têm mudado numa velocidade que dificulta o acompanhamento e adequação por parte do meio jurídico Visto esse novo tipo de núcleo familiar multiespécie cada vez mais os tribunais são procurados na tentativa de resolução desse tipo de conflito O artigo 4 da Lei de Introdução às normas do Direito Civil Brasileiro informa Quando a lei for omissa o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia os costumes e os princípios gerais de direito Isto posto o Revista Conversas Civilísticas Salvador v 3 n 1 janjun 2023 38 ISSN 27638448 magistrado mesmo em casos sem lei específica como no cenário apresentado deve obrigatoriamente encontrar uma solução favorável às partes Em posicionamento recente a 5ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios TJDF decide APELAÇÃO CÍVEL DIREITO CIVIL POSSE COMPARTILHADA DE ANIMAL DE ESTIMAÇÃO APÓS DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE CONJUGAL POSSIBILIDADE SENTENÇA MANTIDA1 É possível a posse compartilhada de animal de estimação após a dissolução de sociedade conjugal que deve levar em consideração além da co propriedade a capacidade das partes para a criação do animal Capacidades estas que vão desde os fatores psicológicos sentimentais financeiros tempo disponível entre outros 2 Uma vez demonstrado pela autora a copropriedade e sua capacidade para criação do animal de estimação deve ser mantida a sentença que determinou a posse compartilhada do animal 3 Apelação cível desprovida ÁGUAS CLARAS 2021 O caso tratase de Apelação Cível pela guarda compartilhada de uma gata de estimação após dissolução de sociedade conjugalA autora ajuizou a ação contra seu excompanheiro que não a permitia conviver com seu pet Em primeiro grau o juiz substituto entendeu que Na falta de tratamento normativo adequado alguns Tribunais de Justiça têm se valido das disposições acerca da guarda da prole do casal o que não importa ressaltese atribuir ao animal o complexo de direitos que se reconhecem à pessoa humana dos filhos Nessa esteira convém aplicar por analogia o disposto no art 1583 do Código Civil atentandose para as peculiaridades do caso porquanto uma vez mais não se pode perder de vista que se trata de um animal O réu apresentou apelação entretanto não foi acolhida pelo magistrado que estabeleceu então a entrega do animal reforçando a sentença já proferida a guarda alternada da gata por um período de seis meses para cada tutor com multa diária de R10000 por dia e valor máximo de R 1000000 em caso de atraso na entrega além da divisão de custos de alimentação higiene remédios exames e qualquer outra necessidade que venha a ter Outro caso que requer destaque é o da cadela Yorkshire Kimi em 2018 em que após a separação de seus tutores estava na posse da ré que não permitia a visita do autor fazendoo assim entrar com uma ação na intenção de garantir direito de visita O Superior Tribunal de Justiça STJ decidiu por 3 votos a 2 o direito à visitação do animal pelo excompanheiro da ré Revista Conversas Civilísticas Salvador v 3 n 1 janjun 2023 39 ISSN 27638448 RECURSO ESPECIAL DIREITO CIVIL DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL ANIMAL DE ESTIMAÇÃO AQUISIÇÃO NA CONSTÂNCIA DO RELACIONAMENTO INTENSO AFETO DOS COMPANHEIROS PELO ANIMAL DIREITO DE VISITAS POSSIBILIDADE A DEPENDER DO CASO CONCRETO O entendimento foi de que mesmo que os animais fossem serem passíveis de posse não deveriam ser considerados meros objetos em virtude de serem seres sencientes devendo levar em consideração o laço afetivo criado por ambas as partes e o bem estar do animal portanto o autor da ação teve seu pedido concebido no qual foram estabelecidas visitas em finais de semana alternados e datas comemorativas 7 PROJETO DE LEI 437521 Com as novas configurações familiares e a ausência de leis que atendam a todas essas mudanças várias propostas normativas foram submetidas ao Legislativo mas apreciouse neste estudo o Projeto de Lei 437521 que propõe antes de tudo que o Código Civil e o Código de Processo Civil sejam alterados a fim de acompanhar todas as mudanças pelas quais a sociedade passou e tem passado de forma tão acelerada por conta das novas concepções de comunicação interação social e novas composições familiares que inclui os animais como parte de igual importância afetiva na hora da dissolução de casamentos uniões estáveis e outras configurações de relacionamentos A proposta apresentada à Câmara pelo Deputado Federal Chiquinho Brazão em dezembro de 2021 trata da regulamentação da guarda dos animais de estimação com igual teor ao que já se aplica em relação à guarda dos filhos pois dispõe não só da questão do responsável pelo animal como também de todos os meios de garantir seus direitos em relação ao seu bem estar Essas mudanças segundo o PL devem acontecer com alterações feitas no Art 2º da Lei nº 10406 de 10 de janeiro de 2002 Código Civil acrescentando o seguinte textoArt 1590A As disposições relativas à guarda aplicamse no que couber aos animais de estimação inclusive a obrigação de auxiliar em sua manutenção Observese no texto que a descrição de responsabilidades fica equiparada resguardadas as peculiaridades dadas à condição de animal ao que já se aplica Revista Conversas Civilísticas Salvador v 3 n 1 janjun 2023 40 ISSN 27638448 aos filhos durante o processo de dissolução de união familiar seja qual for a sua configuração Subentendese que todos os direitos e responsabilidades do tutor principal aquele que vai deter a guarda regular e do tutor secundário o que manterá direito de visitação ou guarda em tempo determinado pelo acordo deve pleitear pela segurança e manutenção do bem estar do tutelado neste caso o animal de estimação Esse entendimento pode ser reforçado pelo texto que será acrescido segundo sugestão do PL 437521 ao Art 3º A Lei nº 13105 de 16 de março de 2015 Código de Processo Civil Art 693 As normas deste Capítulo aplicamse aos processos contenciosos de divórcio separação reconhecimento e extinção de união estável guarda visitação inclusive de animais de estimação e filiação A premissa contida no texto guarda visitação inclusive de animais e filiação já coloca em posição de igualdade todas as garantias aos dois objetos de direito ou seja ambos devem ser considerados igualmente durante as negociações e decisões no âmbito jurídico durante os processos de dissolução de união Já no Art 731 acrescentase ao texto original dos capítulos III e IV conforme citação abaixo informações específicas aos animais III o acordo relativo à guarda dos filhos incapazes e ao regime de visitas e se houver de animais de estimação e IV o valor da contribuição para criar e educar os filhos e também a assistência se houver animais de estimação Segundo Moreira 2021 conforme as alterações propostas para o Código Civil vigente temse o entendimento de que estamos diante da ideia de considerar a aplicação do direito de visita guarda e manutenção dos animais análoga ao direito de família levando em consideração todas as especificidades que esta condição requer Para o autor do PL como a legislação não acompanhou as mudanças de comportamento da sociedade diante de seus animais de estimação os juízes têm pautado suas decisões sem o devido amparo legal Essa discussão requer análise de todo um contexto que personifica os animais dentro dos lares e reafirma a ideia de se desfazer do paradigma antropocêntrico e incorporar o paradigma senciente isto é considerar a pessoa não por seu traço de humanidade mas por sua aptidão para sentir como bem afirmou BUOMPADRE 2015 Revista Conversas Civilísticas Salvador v 3 n 1 janjun 2023 41 ISSN 27638448 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS Retomando o objetivo geral deste trabalho que foi analisar de que forma se configura a guarda compartilhada de animais de estimação durante a dissolução do casamento ou da união estável podese concluir ter havido um avanço significativo nesta direção sem entretanto terse esgotado tal propósito A seguir serão resgatados os objetivos específicos procurandose identificar os principais dados obtidos capazes de esclarecêlos Quanto ao primeiro objetivo que trata de identificar quais os direitos dos animais constatouse através de análise bibliográfica que a partir do Séc XIX iniciouse a discussão no âmbito jurídico a respeito do direito dos animais em relação a questões de maus tratos e em 1985 criouse por influência europeia e norteamericana a primeira entidade organizada de proteção animal posteriormente outros decretos foram criados para estabelecer como crime e contravenção atitudes que ferissem a integridade física desses animais Com a promulgação da CF em 1988 que trouxe a proposta de equiparar desenvolvimento social com meio ambiente equilibrado os animais foram incluídos como parte do meio ambiente e por isso passíveis da proteção do poder público A respeito do segundo objetivo específico que tratou de analisar como o Código Civil 2002 caracteriza os animais observouse que não existe uma legislação específica que trate os animais como sujeitos de direitos e que estes ainda são considerados como bens semoventes Esta condição que ainda não foi alterada na legislação dificulta um entendimento unificado quando se trata de questões de guarda compartilhada após dissolução dos laços conjugais objeto deste estudo e abre espaço para que jurisprudências sejam usadas nas sentenças a partir da analogia ao direito de família As estratégias metodológicas utilizadas neste percurso foram a análise bibliográfica do Código Civil teses dissertações e artigos científicos que pautaram seus estudos no tema em questão e ajudaram a atingir os objetivos propostos no início desta pesquisa no que tange à trajetória histórica de como os animais eram vistos antes de serem considerados como membros de uma família que surgiu por mudança de hábitos de natureza social afetiva e epistemológica O fato de não ter acontecido pesquisa de campo pode ter limitado as descobertas práticas Revista Conversas Civilísticas Salvador v 3 n 1 janjun 2023 42 ISSN 27638448 relacionadas ao comportamento dos envolvidos nessas questões e quais as providências tomadas pelos litigantes no póssentenças caso tenham se sentido prejudicados Recomendase que a pesquisa continue adotando essa metodologia para constatação desses outros achados que fogem ao propósito inicial deste trabalho mas não deixa de ser importante Diante dos resultados encontrados certas implicações práticas podem ser consideradas fatores limitantes para obtenção de outros achados a ausência de uma legislação específica que trate de forma sistemática do assunto dando amparo legal ao sistema judiciário e que considere os animais com suas particularidades a falta de diversidade de material científico relacionado ao tema a dificuldade em acompanhar o póssentença de famílias multiespécie que passaram por essa situação Após o que foi constatado no presente estudo identificouse a necessidade de pesquisas futuras qualitativas e quantitativas que tratem da construção de políticas públicas que levem ao entendimento da necessidade de alteração no texto do CC no que se refere à concepção dos seres não humanos do seu direito à vida digna em todos os aspectos e de serem considerados pela sua capacidade de sentir independente da sua espécie que se aprofundem como os animais de estimação se comportam após a mudança de hábitos da família multiespécie da qual fazem parte e que sofreu dissolução a exemplo de possíveis alterações do ambiente de moradia tempoqualidade de convivência com os tutores quais os impactos que essas mudanças trazem para os envolvidos na situação e outros achados que possam ser pesquisados e que contribuam de forma significativa para o avanço desse tema tão presente na sociedade e que ainda é pouco discutido juridicamente REFERÊNCIAS BARROSO L R Interpretação e aplicação da Constituição fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora São Paulo Saraiva v 3 1999 BELCHIOR G P N DIAS M R M S OS ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO COMO MEMBROS DO AGRUPAMENTO FAMILIAR Revista Brasileira de Direito Animal Salvador v 15 52 p 2020 Disponível em httpsperiodicosufbabrindexphpRBDAarticleview3878821900 Acesso em 10 dez 2022 Revista Conversas Civilísticas Salvador v 3 n 1 janjun 2023 43 ISSN 27638448 BRAGA S N E OLIVEIRA P O GUARDA COMPARTILHADA DE ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO JUSTIÇA SOCIEDADE Revista do Curso de Direito do Centro Universitário Metodista IPA Vol 6 N 1 2021 47 p Disponível em httpswwwmetodistabrrevistasrevistasipaindexphpdireitoarticleview1155988 Acesso em 22 dez 2022 BRASIL Congresso Nacional Lei n 10406 de 09 de janeiro de 2002 Diário Oficial 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