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Direito ·

Processo Penal

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FRANCESCO CARNELUTTI FICHA CATALOGRÁFICA Produção Ideal Distribuidora de Livros Jurídicos Ltda Conselheiro Editorial Valentim C Romanzotti Revisão Ana Maria e Clara Elisa Romanzotti Diagramação Waldemar Romanzotti Neto e Nivaldo Resende Capa Waldemar Romanzotti Neto e Nivaldo Resende Supervisão Ana Maria Balduíno Romanzotti Proibida a reprodução total ou parcial desta obra por qualquer meio eletrônico ou mecânico inclusive por processo xerográfico sem a permissão expressa do Editor Lei Nº 9610 de 190298 DOU 200298 1ª Edição 1000 exemplares COMO SE FAZ UM PROCESSO FRANCESCA CARNELUTTI ÍNDICE GERAL PREFÁCIO COMO SE FAZ UM PROCESSO FRANCESCO CARNELUTTI Confesso que este minúsculo curso de lições me custou muito trabalho Tive consciência disso desde o início até o ponto em que se não me tivesse convencido da máxima utilidade da iniciativa que corresponde à fórmula de Aula Única velho e cansado como estou não teria assumido tal compromisso As dificuldades que tratei de superar e que não estou totalmente seguro de ter superado dependem da necessidade de uma exposição excepcionalmente sintética e simples Sientese em um duplo sentido pela amplitude do conteúdo e pela estreiteza do continente Restringir a quinze lições cada uma delas devendo durar aproximadamente quinze minutos o estudo de todo o processo abrangendo suas duas formas elementares a penal e a civil pode parecer empresa desesperada Já a exposição paralela dessas duas formas apresenta dificuldades tão graves que no campo científico ainda não se tentou seriamente enfrentar além do que pela extraordinária brevidade do espaço dentro da qual tem de se conter são levadas à simplificação Quando se considera por outro lado que uma tal exposição tem que se adaptar a um público desprovido por definição de toda a preparação jurídica surge uma nova dificuldade que torna a tarefa quase impossível Não digo que por mais uma vez não tenha sido esta minha impressão durante o trabalho mas ao final e apesar do risco sentime contente de têlo corrido COMO SE FAZ UM PROCESSO FRANCESCO CARNELUTTI Certo é que se o livro caísse por acaso diante dos olhos de algum entendido ele não poderia mais do que encontrar grande quantidade de defeitos lacunas desarmonias aproximações e até inexatidões tanto o rigor quanto a perfeição não poderiam mais do que se ver sacrificados pela brevidade da exposição e ainda mais por sua acessibilidade Porém se for um verdadeiro entendido poderá também observar que certas simplificações certos esboços certas aproximações serviramme por acaso em última análise para aprofundar e esclarecer minhas próprias ideias sobre o processo Também desta vez como sempre e mais do que sempre o esforço por me fazer compreender serviume para compreender FC COMO SE FAZ UM PROCESSO FRANCESCO CARNELUTTI NOTAS BIOGRÁFICAS COMO SE FAZ UM PROCESSO FRANCESCO CARNELUTTI Francesco Carnelutti nasceu em Údine Itália em 1879 e faleceu em 1965 aos oitenta e seis anos de idade Realizou seus estudos de jurisprudência na Universidade de Pádua na qual se doutorou em 1900 e cuja cátedra de Direito processual civil ocupou de 1919 a 1935 quando passou a lecionar dita matéria na Universidade de Milão Recém concluído o período de estágio ou de aprendizagem profissional lançase ao exercício da advocacia e poucos anos depois ou seja em 1903 inicia o cultivo teórico do Direito Carnelutti começou seu trabalho científico no campo do Direito industrial que na época se chamava na Itália Legislação do trabalho A esta primeira fase pertencem várias monografias em matéria de acidentes que logo integraram os volumes de Infortuni sul lavoro 1914 Em 1923 juntamente com Chiovenda Carnelutti fundou a famosa Rivista di Diritto Processuale civile que é sem dúvida o máximo órgão da ciência processual no mundo e uma das mais prestigiadas publicações de difusão da cultura italiana A quantidade de artigos e ensaios compostos por Carnelutti para a Revista as frequentes apostilas que na mesma dedica às colaborações estrangeiras a intervenção assídua que tem na segunda parte da revista ressenha ou crítica da jurisprudência a abertura nela de uma seção de casos clínicos de tanta utilidade para os práticos o espaço reservado em suas páginas às leis livros e autores estrangeiros e no trabalho improbo que supõe a extensa seção bibliográfica na qual Carnelutti se depara com igual autoridade quanto com severidade verdadeiras montanhas de livros pertencentes a todos os ramos do Direito mesmo que com preferência processuais é claro são provas eloquentes de seu denodo contínuo pela publicação que dirigiu COMO SE FAZ UM PROCESSO FRANCESCO CARNELUTTI O cultivo preferential do Direito processual não deixou que Carnelutti esquecesse a necessidade de alargar o campo de sua observação científica com vistas sobretudo ao exame comparativo do Direito substantivo e adjectivo Esta expansão de seu pensamento jurídico iniciase na esfera do Direito penal em 1925 com Il danno e il reato ao que se segue a Teoria generale del reato 1933 e a Teoria del falso 1935 Pertencem ao mesmo gênero de investigações a que se aplicam o método comparativo interno um estudo dedicado a explorar as novas instituições do Direito empresarial duas monografias do Direito comercial que pretende cl arborar a complexa figura dos títulos de crédito e um volume relativo ao direito sobre os bens imateriais Os três livros desta série denominados Regolamento coletivo dei rapporti di lavoro 1927 Teoria giuridica della circolazione 1933 e Teoria cambiaria 1937 Usucapione della proprietà industriale 1928 Os estudos realizados por Carnelutti em diversas áreas do Direito serviramlhe para elevarse das teorias particulares à teoria geral do Direito As primeiras tentativas dessa tendência manifestamse já no primeiro volume das Lezioni 1920 e se recolhem depois na introdução do Sistema di Diritto di Processuale Civile 1936 e com perspectiva ainda mais ampla e autônoma em Metodologia del Diritto e Teoria generale del Diritto Direito e Processo Carnelutti não foi apenas processualista mas um pensador completo que escreveu com igualável pena de mestre livros sobre Direito Penal Processo Penal Direito Civil Processo Civil Filosofia do Direito Metodologia do Direito e inúmeros ensaios e artigos Sem dúvida Francesco Carnelutti foi um dos maiores ju COMO SE FAZ UM PROCESSO FRANCESCO CARNELUTTI ristas italianos que este século produziu e um advogado de destaque que patrocinou com maestria ímpar os mais importantes casos judiciais de seu tempo obtendo grande fama na prática forense tanto na Itália quanto no exterior I O DRAMA COMO SE FAZ UM PROCESSO FRANCESCO CARNELUTTI Não se pode deixar de dizer que a RAI Rádio Italiana quando me propôs o tema das lições de direito para a renovação da Aula única tenha se inspirado em um critério que poderíamos chamar de atualidade O interesse do público pelos processos sobretudo penais mas também civis sempre existiu Hoje contudo talvez com os estímulos da imprensa e da heliogravura esse interesse chegou ao paroxismo O Palácio da Justiça em Roma nos dias do processo Muto estava mais concorrido talvez do que o estádio de futebol no dia da partida entre o time do Lácio e o Roma e a paixão não era menor entre a multidão O processo contra o jovem Muto era um processo penal mas me lembro de que quando há muitos anos defendi diante da Corte de Apelação de Florença a famosa causa civil do casal Bruneri e aquele em que outra família tinha reconhecido como o desaparecido capitão Canella os acessos à rua Cavour nas proximidades da praça de São Marcos estavam interceptados por uma companhia de soldados para conter a avalanche de pessoas que queriam assistir Porque tanta curiosidade Quer que respondamos crueamente É porque as pessoas estão ávidas de diversão Em um de meus colóquios à tarde a momentos perdidos lembrome de que me detive no conceito de diversão que é um desvio do curso normal de nossa vida uma espécie de parenteses que o homem nela introduz ou acredita que introduz a seu bel prazer Na realidade no teatro no cinema no estádio de futebol na Corte de Assises vivese a vida dos outros e se esquece da própria vida E não é mesmo assim Mas para que isto possa acontecer é necessário que a vida dos demais esteja comprometida no drama que é um rude contraste de forças de interesses de sentimentos e de paixões então produzse uma espécie de fuga da própria vida em virtude da qual o espectador identificase com os atores e até com um único deles já que cada qual termina por adotar seu herói Esta é a origem dessa participação do público que hoje toma o nome de apaixonamento e que não apenas nos espectáculos circenses encontra suas mais clamorosas e ainda mais escandalosas manifestações Até agora surgiu uma analogia entre a Corte de Assises e o teatro sobre a qual teremos oportunidade de voltar mas devese ter presente a diferença No teatro se a ficção cênica consegue seu objetivo pode se ter inclusive a ilusão de um drama verdadeiro mas pelo menos nas pausas a ilusão desaparece O contrário deveria acontecer nas competições desportivas e assim acontece por certo no Circo Máximo quando um dos gladiadores punha nisso a própria vida mas as recentes aventuras da trigésima sétima volta da Itália sugeriram a suspeita para mais de uma pessoa de que nem todos os corredores e sobretudo os preferidos pelo público o levassem a sério Pois bem uma dúvida desta natureza não se apresenta na Corte de Assises As aventuras de Rina Fort ou da condessa Bellentani eram tão dramáticas que pareciam ter sido inventadas mas ninguém dos apaixonados que assistiam àqueles processos ignorava que o que se colocava verdadeiramente em jogo era a vida Entretanto como lhe foi negada hoje à essencial crueldade da multidão a possibilidade de saciarse vendo correr o sangue na arena não lhe resta outra alternativa para gozar aquele calafrio senão a aula da Corte de Assises A comparação que até agora sustentei entre o processo e a representação cênica ou o jogo desportivo por certo não a teri inventado por mais de uma vez pelo contrário os filósofos os sociólogos e os juristas falaram dele Foi este o argumento de um diálogo entre Calamandrei um de meus sutis colegas italianos c eu Entre outros um traço comum à representação e ao processo é que cada um deles tem suas leis próprias mas se o público que assiste tanto a um quanto ao outro não as conhecer não compreenderá nada Agora se as regras não forem justas também os resultados da representação ou do processo correm o risco de não ser justos o qual quando se trata de uma partida de futebol ou de uma luta de boxe não significa uma tragédia mas quando a aposta é a propriedade ou a liberdade ameaça o mundo que tem necessidade de paz para percorrer o seu itinerário mas a paz tem necessidade de justiça como o homem tem do oxigênio para respirar e falando com exatidão regras do jogo não têm outra razão de ser do que garantir a vitória a quem a tenha merecido e é preciso saber para quem vale essa vitória para captar a importância das regras e a necessidade de ter uma ideia delas Poderia parecer a alguém que a alusão recentemente feita aos antigos combates no circo máximo em Roma em que os gladiadores arriscavam a vida é demasiadamente violenta e que não se chega a tanto no processo Verdade Suponhamos que a pena de morte na Itália tenha desaparecido integralmente se bem que não seja assim pelo menos no direito militar como tampouco desapareceu totalmente a tentação de restabelecêla Contudo a liberdade vale mais do que a vida como o sabe quem por ela recusa à vida e se bem que eu tenha dito no curso de Como nasce o direito que esta sagrada palavra deve ser tomada em sentido mais alto do que crêem aqueles para quem tal liberdade resulta na possibilidade de fazer o que bem entender e inclusive exatamente por isso o certo é que na maior parte dos processos penais inclusive naqueles que podem parecer menos graves está em jogo a liberdade do acusado E se não for a liberdade outros bens de máximo valor constituem a aposta do processo civil onde nem sempre se trata unicamente de interesses materiais por instantes está em jogo o problema próprio da personalidade humana sobre o qual se aposta com uma solenidade sem paralelo Por isso e o público italiano e até o público de todo o mundo apaixonouse tão vivamente com as alternativas judiciais do desconhecido de Collegno foi porque é coisa grave reconhecer ou negar a um homem sua própria identidade pessoal e com isso ligálo com o seu passado ou desvinculálo dele Como nos processos de paternidade em que se trata de aprofundar nos mistérios da criação e se corre os riscos de deixar um homem sem pai ou de lhe apontar um filho que não seja o seu a matéria é igualmente solene Por hipótese não tem tanta importância a discussão sobre a propriedade que constituiu a matéria costumeira dos juízos civéis os quais parece na maioria dos casos dedicados aos interesses materiais menos elevados sem dúvida do aqueles supremos interesses morais de que até agora temos falado mas seria necessário entender como a propriedade é a coisa cara da liberdade para tomarse consciência da aspereza e da tenacidade dos homens quando discutem sobre o que é meu e o que é o teu e da gravidade do perigo de que através do processo violese a fronteira entre o que é meu e o que é teu Quero dizer com isto que o interesse do público que constitui uma espécie de halo em torno do processo é o signo infalível do drama que nele se ventila assim como de seu valor para a sociedade e para a civilização Se a esse drama ou melhor ao drama em geral tratarmos de lhe colocar um nome esse é o da discórdia Também concórdia e discórdia são duas palavras que como a palavra de acordo os corações dos homens unemse ou separam a concordia ou a discórdia é o germe da paz ou da guerra O processo acima de tudo é o subrogado da guerra Em outras palavras é um modo para domesticala Pense por exemplo para lhe ajudar a compreender esta verdade fundamental sobre aquela forma de guerra legalizada que é o duelo Mais adiante veremos justamente que interesse tem o duelo no processo Pelo momento lembremonos do que dissemos no curso anterior sobre as relações entre o direito e a guerra o direito nasce para que a guerra morra Para esta finalidade não há que se fazer mais do que lhe colocar uma mordaça O duelo é uma guerra aprisionada Em lugar de bellum omnium contra omnes a guerra de todos contra todos é a guerra de um entre dois entre os cabos de guerra A tal ponto o processo é um combate que tempos atrás e entre certos povos ele era feito com armas o êxito do duelo indica o juízo de Deus Mais adiante os meios de combate transformaramse e a relação entre vencer e ter razão inverteuse não mais quem vence é o que tem razão mas que quem tem razão é o vencedor contudo o vencer e o perder que continuam significando a sorte do processo ainda expressam seu conteúdo bélico se o processo se assemble por sua estrutura ao jogo na função faz às vezes da guerra ne cives ad arma venient para que os cidadãos não peguem nas armas diziam os romanos recorrerse ao juiz para não ter que se recorrer às armas O processo é pois um jogo terrivelmente sério em uma palavra Disso tem a sensação o público que lota as salas ou lê com avidez as crônicas dos jornais policiais Nos estádios não está mais em jogo a vida dos lutadores mas nos tribunais a multidão pode apreciar de verdade o cru espetáculo da discórdia Pode ter o gozo dele mas é difícil que interiorize no drama como deveria para que pudesse se beneficiar do gozo Quase sempre a participação não passa da superfície Os cronistas judiciais que deveriam ser os espectadores mais perspicazes são infelimente responsáveis por captar unicamente os aspectos exteriores do espetáculo Suas narrações que frequentemente são ricas em pormenores e não raramente em indiscrições e petulâncias quase nunca descobrem as razões pelas quais o público se agita e se apaixona Uma legenda que deveria ser escrita nas salas dos tribunais para que as pessoas compreendessem um pouco melhor os dramas que são representados nelas poderia ser a antiga máxima Concordia minimae res crescunt discordia maximae dilabuntur pela concordia as coisas mínimas crescem pela discórdia até as maiores são desbaratadas O que ali se vê são as tristes consequências da luta entre aqueles a quem um muro e uma fossa cercam Homens contra homens cidadãos contra cidadãos esposos contra esposas irmãos contra irmãos Irmãos contra irmãos disse não apenas no sentido espiritual mas também no sentido carnal da palavra Os especialistas no processo juízes ou defensores sabem que as experiências mais sangrentas são exatamente aquelas em que entre si lutam os descendentes de um tronco comum Tudo isso quis lhes dizer à guisa de introdução aos nossos colóquios a fim de que se tornem conscientes de que o argumento deles não é tanto a lei quanto a vida em um de seus mais doentes e perigosos aspectos as leis não são mais do que instrumentos pobres e inadequados quase sempre para tratar de dominar os homens quando estes arrastados por seus interesses e suas paixões ao invés de se abraçar como irmãos tratam de se despedaçar uns aos outros como lobos O estudo de tais meios em si pode parecer árido e abstrato mas quis fazerlhes ver sempre sobre o fundo do quadro essa inquieta e doente humanidade que nossos esforços frequentemente demasiadamente em vão tratam de remediar O PROCESSO PENAL COMO SE FAZ UM PROCESSO FRANCESCO CARNELUTTI O processo penal sugere a ideia da pena e esta a ideia do delito Por isso o processo penal corresponde ao direito penal assim como o processo civil corresponde ao direito civil Mais concretamente o processo penal se faz para castigar os delitos inclusive para castigar os crimes A propósito do que há de se lembrar de que não se castigam apenas os delitos mas também essas perturbações menos graves da ordem social às quais se dá o nome de contravenções Exatamente porque os delitos perturbam a ordem e a sociedade de necessidade de ordem ao delito devese se seguir a pena para que as pessoas se abstenham de cometer outros delitos e as mesmas pessoas que o cometeram possa recuperar sua liberdade que é o domínio de si mesmo e com ela a capacidade de reprimir as tentações que infelizmente nos espreitam continuamente ao longo de nosso caminho Alguém roubou eis aqui o delito deve ser colocado na prisão eis aqui a pena Nesta simples fórmula o delito e o castigo são considerados como dois fatos equivalentes cuja equivalência inclusive restabelece a ordem social mas essa equivalência disfarça a estrutura profundamente diversa de um e de outro uma diversidade que se manifesta dentre outras coisas no plano temporal Existem determinados delitos longamente preparados certos furto por exemplo que exigem muita paciência em matéria de homicídio falase a este respeito em premeditação mas frequentemente pelo contrário o delito acontece tão rapidamente que se pode dizer que é instantâneo por exemplo um homicídio em briga ou um furto com habilidade A premeditação pelo contrário se é uma característica acidental do delito é uma característica essencial do castigo Quando ouvimos dizer que a justiça deve ser rápida cis aqui uma fórmula que se deve tomar com benefício de inventário o clí che dos chamados homens do Estado que prometem em toda discussão do balanço da justiça que esta terá um desenvolvimento rápido e seguro coloca um problema análogo ao da quadratura do círculo Infelizmente a justiça se for segura não será rápida e se for rápida não será segura É preciso ter a coragem de dizer pelo contrário também do processo quem vai devagar vai bem e vai longe Esta verdade transcende inclusive a própria palavra processo a qual alude a um desenvolvimento gradual no tempo proceder quer dizer aproximadamente dar um passo depois do outro O homicídio em briga dissemos é um exemplo de delito instantâneo mas como sempre acontece apenas o morto escapa como dizem as pessoas escapam os que brigam a polícia em nove de cada dez vezes se bem que acorra com urgência chega quando todos desapareceram então começam as investigações mas aquilo e a triste crônica destes dias oferece algum exemplo clamoroso disso é como buscar uma agulha no palheiro Quanto tempo será necessário para descobrir os que tomaram parte na briga Suponhamos que sejam capturados mas serão eles Quanto aos arrestados nove de cada dez dirão que não Testemunhos interrogatórios reconhecimentos accareações coisas todas fáceis de dizer mas difíceis de fazer E mesmo que alguém confesse se fui eu quem disparou dirá em nove de cada dez vezes mas se eu não o tivesse matado ele me teria matado e se deve provar se isto é verdade pois por sêlo o homicida não deveria ser castigado Um exemplo como este basta para demonstrar quais são as primeiras dificuldades pelas quais o castigo infelizmente não pode ser rápido como é o delito E essas exigências logicamente explicamse refletindo que castigar quer dizer antes de tudo julgar O delito depois de tudo podese fazer depressa exatamente porque frequentemente é sem juízo se quem o comete tivesse juízo não o cometeria mas um castigo sem juízo seria em vez de castigo um novo delito Pois bem o juízo é a maior dificuldade que o homem encontra em seu caminho Nossa tragédia está em que não podemos atuar sem julgar mas não sabemos julgar Quando o Senhor nos disse não julgais quis dizer exatamente isso devagar no julgar porque é muito fácil equivocarse Mas como se pode castigar alguém sem julgálo O processo penal por conseguinte é em sua essência um juízo mas se ele for chamado processo é cabalmente para dar a entender que o juízo procede ou deve proceder ou não pode ser menos proceder com pés de chumbo Paremos um pouco Uns disparos de armas de fogo chamam a atenção das pessoas estas chamam a polícia a polícia inicia suas investigações Mas a polícia não é suficiente ela é um instrumento necessário mas insuficiente para as finalidades tanto da prevenção dos delitos quanto do seu castigo e não se deve ocultar que não poucas vezes é perigosa O sargento da polícia ou o delegado de polícia depois das indagações mais urgentes deve dar passagem ao juiz E o juiz já se sabe tem que agir com cautela exame das relações inspeção do cadáver das coisas dos lugares interrogatório das testemunhas oitiva do acusado servem apenas pelo menos nos casos mais graves para lhe dar uma primeira orientação em virtude da qual lhe será possível não mais saber imediatamente se deve ou não castigar mas se deve abrir para esse fim uma investigação pública Mais adiante veremos quais são as razões que aconselham a publicidade do juízo penal se bem que esta exatamente por agravar o sofrimento e o dano do acusado não deve ser encarada a não ser quando sejam oferecidas sérias probabilidades de culpabilidade dele Eis aqui porque como diremos melhor a seguir o processo penal se desdobra normalmente naquilo em que resultam as duas partes distintas uma das quais leva o nome de instrução e outra de debate as quais servem nem tanto pra castigar mas mais para saber de deve castigar por não o fazer assim correrseia o risco de castigar inocentes Apenas que tampouco esse duplo exame que se faz normalmente por meio da instrução e do debate exime do erro judicial que pode ser tanto positivo condenação de um inocente quanto negativo absolvição de um culpável Acontece deste modo como nos cálculos matemáticos que nem tanto para estar seguro quanto para reduzir as probabilidades de erro não existe outro caminho a não ser o de voltar a realizar a operação Se nem sempre de fato pelo menos na maioria das vezes este é o caminho que se segue no processo penal Voltaremos a falar dele melhor mais adiante De qualquer modo desde já ao que se disse para descrever o processo penal se deve acrescentar que frequentemente por não dizer sempre exceto que assuma uma certa importância o processo penal depois de feito já termina na condenação ou na absolvição se refaz se bem que este refazer não seja totalmente igual a quando se o fez pela primeira vez E pode também acontecer que não seja suficiente refazêlo uma única vez pois em uma palavra a sede de justiça que deveria ser saciada antes de tudo com o processo penal não se sacia jamais Assim sendo depois destas explicações a palavra processo nos revelou por acaso um pouco do seu segredo Em honra da verdade tratase de um proceder de um caminhar de um percorrer um longo caminho cuja meta parece indicada por um ato solene com o qual o juiz declara a certeza ou seja diz que é certo o quê Uma destas duas coisas ou o que o acusado é culpado ou o que o acusado é inocente Meditemos também sobre estas duas hipóteses Se for inocente o processo na verdade estará terminado e todos terão a impressão de que terminou do melhor dos modos mas a verdade é que neste caso a máquina da justiça trabalhou com perda e a perda é constituída não apenas pelo custo do trabalho realizado mas sobretudo pelo sofrimento daquele a quem se colocou a culpa e frequentemente até que seja encarcerado quando nada disto devia se fazer com ele sem falar que não raramente para sua vida isso foi uma tragédia senão uma ruína Desde já devem compreender que a chamada absolvição do acusado é a quebra do processo penal um processo penal que se resolve com uma tal sentença é um processo que não deveria ter sido feito e o processo penal é como um fuzil que muitas vezes masca quando não solta o tiro pela culatra De todo modo dizíamos quando se encerra com a absolvição o processo penal termina verdadeiramente enquanto que assim não acontece no caso oposto quando se pronuncia uma condenação contra o acusado Também neste caso a impressão é que tornada definitiva a condenação acontece como no teatro quando no final do último ato caem as cortinas e se esvazia a sala mas não seria exagerado dizer que no teatro da justiça pelo contrário o drama não apenas continua quando dá a sensação de estar começando Condenar não quer dizer depois de tudo mais do que ordenar o castigo mas este depois de ordenado deve ser executado e a execução muito frequentemente dura anos e anos e não poucas vezes dura toda a vida do condenado Com a condenação definitiva cai a cortina em um dos teatros da justiça mas ela se levanta em outro o primeiro se chama tribunal e o segundo penitenciária E o processo prossegue seguindo seu triste caminho A condenação ao fim assemelhase ao diagnóstico do médico um homem está doente e deve ser curado diz este um homem é culpado e deve ser castigado do disse o juiz mas terminou a obrigação do médico quando diagnosticou a doença e preservou a cura Tampouco o ofício do juiz fica cumprido quando tiver pronunciado a condenação verdade é que esses doentes quando se curam ninguém sabe se curaram sequer e se alguém o sabe os demais não acreditam As pessoas os consideram ainda enfermos temem o seu contágio os repelem e os rejeitam e assim aquele retorno à vida com a qual eles sonharam para quando lhe fossem abertas as portas da prisão termina em uma desilusão atroz pois se eles se tornaram com a expiação da pena idôneos para ser incorporados à sociedade esta se nega a admitilos deste modo mesmo quando pareça que conseguiu seu fim o processo penal fracassou em seu objetivo III O PROCESSO CIVIL O processo civil distinguese a uma simples vista do processo penal por uma característica negativa não existe um delito Sendo o delito negação da civilidade poderíamos chamar o processo penal com a finalidade de o entendermos um processo não cível e ao processo civil pelo contrário o chamaríamos civil porque se realiza inter cives ou seja entre homens dotados de civilidade Esta é a aparência mas se olhar bem existe algo mais profundo que pode modificar a primeira impressão Antes de tudo é assunto de nos entendermos sobre o conceito de civilidade Civilitas é o modo de ser dos cives também da civitas ou seja do cidadão e da cidade Também deste ponto de vista surge um raio de luz da palavra civis provavelmente deriva de cum ire ir ou andar em conjunto A civilidade não é pois outra coisa senão um andar de acordo mas se os homens têm necessidade do processo isso quer dizer que falta o acordo entre eles E volta a aflorar aqui aquele conceito do acordo que já dissemos que é fundamental para o direito A litis é pois um desacordo Elemento essencial do desacordo ou um conflito de interesses se se satisfaz um interesse de uma pessoa fica sem satisfazer o interesse da outra e viceversa Sobre este elemento substancial implantase um elemento formal que consiste em um comportamento correlativo dos dois interessados um deles exige que tolere o outro e a satisfação de seu interesse e a essa exigência se dá o nome de pretensão mas o outro em vez de tolerálo se opõe litis mas a ciência jurídica que não chegou a descobrir nem tanto a distinção quanto a coordenação entre clas utiliza as duas fórmulas muito menos claras de processo contencioso e processo voluntário O processo civil voluntário que tem portanto caráter preventivo é a figura menos importante ou com mais exatidão menos complexa das duas por isso escapa facilmente à atenção de quem não se ocupa dele Entretanto é amplamente conhecido que em muitos casos recorrese ao juiz para obter permissões autorizações convalidações de determinados atos com respeito aos quais é mais grave o perigo de injustiça Por exemplo quando alguém que adotar outr com filho ou quando o esposo quer vender um bem dotal ou quando o progenitor quer realizar um negócio que ultrapassa a administração ordinária sobre os bens de seus filhos menores ou quando várias pessoas querem constituir entre si uma sociedade por ações esses atos não ficam validamente realizados sem a intervenção do juiz o qual tem necessariamente o dever de impedir que se levem a termo se não corresponderem à justiça Mas para cumprir com esse dever realiza por sua vez e ordena que se realize uma série de atos que constituem um processo esse processo não sendo evidentemente um processo penal não pode ser mais do que um processo civil A figura do processo civil que mais chama a atenção do público é a do processo repressivo ou contencioso como se queira chamálo que se desenvolve na presença de um litígio será alguém que pretende ser filho de outr enquanto este outr nega ser seu pai será alguém que sustenta ter a propriedade de um poder que outrém possui enquanto essa tal pessoa não queira reconhecer sua propriedade serão dois vizinhos que litigam acerca de uma servidão de passagem que um reclama e o outro discute serão dois sócios que não estão de acordo sobre a parcela de utilidades que a cada um deles cabe serão os herdeiros legítimos que afirmam a nulidade do testamento a favor de um estranho enquanto que este esteja convencido de sua validade será o vendedor de uma mercadoria que pede o pagamento do preço enquanto o comprador quer restituíla porque segundo ele não corresponde à qualidade pactuada Em todos estes casos e em mais de mil casos em que o egoísmo pôs em desacordo os homens que se encontraram em conflito de interesses vemos que se dirigem ao juiz para lhe pedir cada um deles que se lhe dê a razão e seja a mesma negada ao outro litigante O processo civil contencioso se caracteriza pois por um contraste entre dois homens ou entre dois grupos de homens cada um dos quais pretende ter razão ou se queixa da injustiça do outro o que dá no mesmo O processo penal se realiza mesmo quando aquele que cometeu um delito seja reconhecido culpado dele e admite que deve ser castigado não é bem assim com o processo civil Dissemos para representar esta diferença que um processo civil não pode ser promovido de ofício o juiz a fim de promovêlo deve ser provocado por quem nisso tenha interesse são raros os casos nos quais a iniciativa pode partir de um magistrado do qual falaremos mais adiante e que se chama ministério público Naturalmente quando se trata de processo contencioso esta dependência da iniciativa dos litigantes que constitui sua força motriz vem a ser uma razão por que também o processo civil assim como o processo penal esteja destinado a percorrer um lento e longo caminho não apenas a justiça penal mas também a justiça civil anda a passo de tartaruga À primeira vista pode parecer que a verdade quando se trata de contratos ou geralmente de negócios lícitos e não de delitos não se esconderá ao juiz como quando tem pelo contrário que descobrir um delito mas infelizmente os litigantes cada um dos quais acredita ter razão ou em todo caso quer vencer se bem que não a tenha procuram como se costumam dizer enrolar os papéis Por outro lado dificilmente podem encontrar um limite na proposição de suas demandas na exposição de suas razões na exibição de suas provas e na apresentação de suas reclamações Dessa forma nós os ouvimos frequentemente se queixar de que a justiça não é rápida se bem que se dessem ao trabalho de fazer um exame de consciência teriam que se convencer de que a culpa de sua lentidão recaí em grande parte sobre suas costas Eles carregam por conta de muitas outras causas entre as quais ocupa o primeiro lugar a imperfeição da máquina processual e não dissemos que não exista algo de verdade em suas queixas mas se deve confessar também que mesmo quando se eliminassem essas causas seria a natureza da litis a que retardaria o andamento da justiça civil Na verdade se um dos litigantes normalmente aquele que pede ao juiz que modifique o estado das coisas o credor que quer ser pago o proprietário que quer recuperar seu imóvel o comprador que pretende a entrega da mercadoria que lhe é devida tem interesse em que se proceda rapidamente o outro aquele que se perder terá de pagar restituir ou entregar tem interesse contrário Nenhum deles se resigna em deixar ao outro a última palavra Se uma providência do juiz não corresponde aos seus desejos cada qual buscará todos os meios para fazer que seja revogada ou modificada e se não o conseguir dificilmente se resignará em executar as ordens do juiz e então também o processo civil deve prosseguir passando como já se disse e como veremos da fase de cognição à fase de execução Assim o processo se arrasta em meio a um emaranhado de dificuldades que retardam seu andamento aumentam o custo e frequentemente comprometem seu resultado Sempre estão dispostos a jogar a culpa para os demais e com facilidade esquecem suas próprias responsabilidades COMO SE FAZ UM PROCESSO FRANCESCO CARNELUTTI IV O JUIZ COMO SE FAZ UM PROCESSO FRANCESCO CARNELUTTI Tanto o processo penal quanto o processo civil nos oferece uma distinção entre quem julga e quem é julgado Basta penetrar na sala de um tribunal para observar que tal distinção se dá entre alguém que está acima e outro que está em baixo entre um súdito e um soberano Devemos agora meditar acerca desta posição diversa Afinal de contas a necessidade do processo se deve à incapacidade de alguém para julgar por si mesmo sobre o que se deve fazer ou não fazer Se quem roubou ou matou tivesse sabido julgar por si próprio não teria roubado e nem matado e se os litigantes soubessem julgar por si mesmos não litigariam pois reconheceriam por si próprios a razão e a falta de razão O processo serve pois em uma palavra para fazer que entre em juízo aqueles que não o têm E posto que o juízo é próprio do homem para substituir o juízo de um ao juízo de outro ou outros fazendo do juízo de um a regra de conduta de outros Aquele que faz entrar em juízo ou seja aquele que fornece aos outros aquilo de que necessitam seu juízo é o juiz aqui porque a ciência do direito e em especial a ciência do processo nos coloca adiante do mais difícil dos problemas sem exagero de dizer que é o menos solucionável dos problemas Aqueles que duvidaram e duvidam ainda de que exista uma ciência verdadeira e própria do direito da mesma classe que as ciências naturais têm a intuição mais ou menos clara desta verdade a ciência do direito teria que ser a ciência do juízo e quem possuí ou quem possuirá uma ciência do juízo Na raiz dessa intuição está mesmo para aqueles que não crêem a palavra de Cristo não julgueis Se soubessem o que quer dizer julgar darseiam conta de que é o mesmo que ver o futuro mas o homem é prisioneiro do tempo e o juízo é uma fuga impossível Tudo isso eu digo para fazer compreender uma única coisa para ter uma ideia do processo o juiz para silo deverá ser mais que o homem um homem que se aproxime de Deus Desta verdade a história conserva uma lembrança ao nos mostrar uma primitiva coincidência entre o juiz e o sacerdote que pede a Deus e obtém de Deus uma capacidade superior a dos homens Mesmo ainda hoje se o juiz em que pesco o desprezo para as formas e os símbolos que é uma das características pejorativas da vida moderna veste a indumentária solene que chamamos de toga isso corresponde à necessidade de fazer visível a maestade que é um atributo divino se de acrescentar a idoneidade do homem colocando vários homens ao mesmo tempo este é o princípio do colegiado judicial ou do juiz colegiado em suas origens juiz especialmente nos processos penais era todo o povo Toda a obra da humanidade em relação à escolha do juiz se realiza à luz destas ideias Todos estão de acordo para reconhecer que deveria ser o juiz o melhor mas como se encontrar o melhor Quando o direito se separou da religião e o processo veio perdendo sua característica sagrada o problema da escolha do juiz em seu aspecto qualitativo passou a ser problema do órgão da escolha o melhor deveria buscálo aquele que tivesse a capacidade para escolher Hoje a regra consiste em que o juiz é eleito pelo Estado ou seja por determinados órgãos do Estado de acordo com certos dispositivos que se reputam idôneos para fazer a eleição Estes dispositivos são de dois tipos conforme a escolha se faça de cima para baixo ou de baixo para cima por decreto ou por eleição Na Itália não existem atualmente juízes eleitos mas existem por exemplo na Suíça Uma forma de investidura eletiva pode ser contemplada na arbitragem enquanto se consente dentro de determinados limites que se provê ao processo civil um juiz eleito por acordo entre as partes Não se deve acreditar que com isso a justiça do Estado seja substituída por uma justiça particular pelo contrário tanto o processo penal quanto o processo civil constituem sempre uma função do Estado exatamente porque tanto o delito quanto o litígio interessam à ordem social e o Estado não pode nunca permanecer indiferente com respeito a isso Naturalmente em certos casos também o exercício desta função pública pode ser consentido a um particular que não obstante esteja submetido por várias maneiras à autoridade do Estado Com este limite ou se quiser com esta exceção o juiz é eleito pelo Estado nos Estados modernos inclusive a fim de garantir sua idoneidade é um funcionário do Estado vinculado a este por uma relação de emprego em virtude da qual fica investido de poderes e gravado com uma obrigação determinada e incumbido com uma determinação determinada como meios para as finalidades para o cumprimento de sua altíssima função A intuição originária de acordo com a qual para possuir o juízo necessário para fazer justiça é preciso somar vários homens ao mesmo tempo conserva seu valor mesmo depois de se ter constituído pouco a pouco uma técnica e sobre ela uma ciência do processo O chamado colégio judicial ou juiz colegiado é mesmo nos dias de hoje um tipo de juiz que existe mas do que ao lado por cima do juiz singular em sentido de que se considera que oferece maiores garantias ao feliz cumprimento de seu ofício mas apenas em razão do maior custo para os processos penais ou civis de menor importância preferese o juiz singular ao colegiado No fundo a constituição colegial do juiz se explica pela imitação da mente humana por um lado e por sua diversidade por outro Colocando vários homens juntos conseguese ou esperase conseguir no mínimo a construção de uma espécie de superhomem que deveria possuir maiores aptidões para o juízo do que possui em singular cada um dos que o integram O fenômeno é o mesmo que aquele pelo qual se unem ao arado uma ou mais juntas de bois em vez de um só boi mas qualquer um percebe que o maior rendimento da junta está condicionado pelo trabalho efetivo de cada um de seus membros e por exigências técnicas além das razões psicológicas não é fácil obter de todos os membros do colegiado judicial uma participação igual no trabalho comum A figura mais interessante de formação colegiada do juiz é a que leva o nome de colégio heterogêneo em razão de que nem todos os juízes reunidos no colegiado têm uma mesma preparação técnica Comparase a este respeito a composição de uma Corte de Apelação ou da Corte de Cassação com a Corte de Assizes nesta além dos juízes técnicos ou seja dos juízes que são técnicos do direito participa da seção predominantemente os chamados juízes populares ou leigos chamados assim porque se prescinde em sua eleição de um tipo específico de cultura Esta formação mista do colegiado encontra sua razão profunda não apenas na necessidade da mais diversa experiência da vida quanto ao conhecimento do direito para julgar bem mas também no perigo de que o costume de julgar determine uma espécie de deformação profissional que termine por embaçar a sensibilidade do juiz e com ela sua capacidade de apreciar intuitivamente os valores humanos Assim esboçamos a colocação de um problema muito grave sobre o qual a natureza destas lições não nos permite um adequado aprofundamento para o qual tentaramse no curso da história outras soluções Os menos jovens entre aqueles que me escutam lembrarseão de que em um passado não muito remoto a Corte de Assizes experimentou uma importante transformação no sentido de que em outro tempo os juízes populares participavam no juízo com funções distintas dos juízes técnicos já que apenas lhes era reservado a comprovação dos fatos enquanto se reservava aos técnicos a aplicação do direito agora pelo contrário os juízes populares e os de direito concorrem com iguais poderes tanto na comprovação da culpabilidade quanto no castigo do culpado e se não se pode dizer que a reforma tenha satisfeito muito as exigências de justiça com respeito ao que os franceses chamam les grands crimes os grandes crimes Assim à primeira vista vemos ao lado dele duas figuras bem conhecidas que são a do secretário e a do oficial de justiça adscrito o primeiro particularmente à documentação dos atos do processo ou seja na formação dos documentos que constituem a prova dele e o segundo à notificação ou seja para fornecer as notícias que são necessárias para proporcionar ao juiz a presença e a colaboração de pessoas com respeito às quais ou no concurso das quais tem de atuar matérias dos assuntos e dos litígios que se apresentam ao juiz e também das diversas funções que relativamente se vêem obrigados os juízes a exercer ao ponto que entre os vários órgãos judiciais vêm se distribuir as responsabilidades de acordo com um plano que dá lugar ao instituto da competência judicial Se ao conjunto dos assuntos e dos litígios atribuirse um certo volume é fácil ver que a distribuição se faz em sentido horizontal e em sentido vertical ou seja principalmente em razão do território ou em razão da função assim se distingue por exemplo o tribunal de Roma do tribunal de Nápoles ou de Milão por outro lado na circunscrição de Roma o tribunal se distingue da Corte de Apelação ou da Corte de Cassação e da mesma forma o tribunal de menores ou o tribunal militar se distinguem do tribunal ordinário V AS PARTES COM OE SE FAZ UM PROCESSO FRANCESCO CARNELUTTI O juiz é soberano está sobre no alto na cátedra Abaixo diante dele está aquele que deve ser julgado Ele ou eles Perfillhase a este propósito uma diferença que prece distinguir o processo penal do processo civil neste último aqueles sobre os quais se deve julgar são sempre dois não pode o juiz dar razão a um deles sem que ela seja negada ao outro e viceversa pelo contrário no processo penal o juiz toca somente ao imputado Quando além do imputado houver também a chamada parte civil não se trata mais de processo penal puro mas de um processo misto no qual se misturam o penal com o civil Mas se presta mais atenção observase que essas diferenças nem tanto distinguem o processo penal do processo civil quanto o processo voluntário do processo contencioso e exatamente por isso o processo penal pertence à primeira destas duas categorias por exemplo mesmo quando o progenitor peça autorização para vender um bem do filho menor ou o esposo para vender um bem dotal não se trata de dar razão ou negála a um com respeito ao outro Poderíamos dizer para entendermos que o processo contencioso é especialmente binateral enquanto que o processo voluntário é ou pode ser pelo menos unilateral por isso o processo contencioso é com respeito ao processo voluntário um processo de partes A estrutura do processo contencioso permite entender porque os que devem ser julgados chamamse partes que é um nome estranho c um pouco misterioso O que tem a haver com o processo e em geral com o direito a noção de parte A parte é o resultado de uma divisão o prius da parte é um todo que se divide A noção de parte está portanto vinculada à de discórdia que por sua vez é o pressuposto psicológico do processo não haveria nem litígios nem delitos se os homens não se dividissem Com estas reflexões o nome de parte parece expressivo e feliz Os litigantes são partes porque estão divididos se vivessem em paz formariam uma unidade mas também o delito cujo conceito está estreitamente vinculado ao litígio resulta de uma divisão Compreendese pois que também o imputado diante do juiz seja uma parte e daí que a diferença entre processo penal e processo civil ou mais genericamente entre processo voluntário e processo contencioso seja unicamente no sentido de que neste último as partes comparecem em cena enquanto que no processo penal ou em geral no processo voluntário uma delas fica nos bastidores Sobre o fundo do processo as partes são pois sempre duas Quando se trata de delito distinguemse por uma razão substancial uma é a que atua e a outra é a que sofre a ação uma é o ofensor e outro é o ofendido Pelo contrário quando se tratar de litígio a distinção se funda na iniciativa uma das duas partes pretende e a outra resiste à pretensão O critério da distinção é comum agressor e agredido No processo penal dissemos o agredido não comparece como parte ou seja como justificável mas posto que quem comete um delito deve não apenas sofrer a pena mas restituir também a quem a tenha sofrido as coisas que lhe tiraram e em todo o caso reconhecimento da personalidade acontece por meio da atribuição da capacidade jurídica então são chamados de incapazes como as crianças e os doentes mentais Pode também se dar o caso da situação inversa ou seja o reconhecimento da personalidade não mais a homens mas a grupos de homens que são considerados pelo direito como um único homem e em tal caso na linguagem jurídica corrente falase em pessoas jurídicas em lugar de pessoas físicas O problema das pessoas jurídicas constitui por sua vez o passo mais delicado do problema da personalidade naturalmente não podemos fazer aqui mais do que esboçálo basta indicar que seu nó mais apertado é se a atribuição da personalidade ou seja de uma vida espiritual autônoma a um grupo de homens e não a um homem singular constitui uma ficção do direito ou o reconhecimento pelo contrário de um modo de ser desse mesmo grupo de acordo com a realidade A fórmula que há pouco empreguei imputado pode ser o homem sempre que for uma pessoa e autor ou demandado pode ser um homem se bem que não seja pessoa ou uma pessoa se bem que não seja homem expressa uma das diferenças mais destacadas entre o processo penal e o processo civil Posto que o processo penal apenas se faz para certificar e atuar a responsabilidade penal o conceito de parte está duplamente limitado com respeito a ele Não pode ser imputado porque não é penalmente imputável um menino menor de nove anos ou um doente mental como não pode ser penalmente imputável uma pessoa jurídica por exemplo uma sociedade comercial imputado pode ser quem não seja penalmente imputável apenas com a condição de que se ignore no momento da imputação que ele não é imputável e que o processo se faça para saber se é ou não é imputável Assim pode ser imputado um menino entre os nove e os quatorze anos porque sua imputabilidade depende não exclusivamente da idade mas do discernimento o qual não se pode estabelecer mais do que no processo e por meio do processo Pelo contrário posto que o processo civil se faz para reprimir ou para prevenir uma litis o conceito de parte com respeito a ele se estende a todos os homens se bem que não sejam pessoas e a todas as pessoas se bem que não sejam homens enquanto se encarnam uns dos interesses comprometidos no litígio Um menino de menos de nove anos ou um doente mental não pode ser cometido um delito mas pode ser proprietário de uma coisa assim como credor ou devedor de uma quantia da mesma forma uma sociedade comercial pode ter comprado vendido ou arrendado e encontrandose comprometida em uma litis referente a um de tais contratos Outra é a questão sobre se é como o menor ou o doente mental ou a pessoa jurídica pode fazer valer seus direitos diante do juiz Mas este é um assunto sobre o qual no momento não devemos tratar já que aqui as partes apenas são consideradas como posições de pessoas sobre as quais se deve emitir o juízo não enquanto atuam no processo mas apenas enquanto o sofrem ou seja enquanto são julgados um juízo que tem a força de um mandato como se estivesse escrito na lei A lei diz quem rouba será castigado e o juiz diz Tício roubou e portanto o castigo Isso é como se na lei estivesse escrito Tício deve ser castigado A lei diz o pai deve manter e educar o filho menor de idade e o juiz diz Caio é pai do menor de idade Semprônio isso é como se na lei estivesse escrito Caio deve manter e educar Semprônio A lei diz quem emitiu uma letra de câmbio deve pagála no seu vencimento e o juiz diz Cornélio emitiu uma letra de câmbio a Mévio isto é como se a lei disse Cornélio deve pagar a Mévio a importância consignada na letra de câmbio A lei diz o marido apenas pode vender um bem dotal no caso de necessidade ou utilidade evidente o juiz diz é necessário ou manifestamente útil que Juliano venda o imóvel entregue por dote por sua esposa isso é como se estivesse escrito na lei que Juliano pode vender aquele imóvel O juízo do juiz transforma pois o mandato genérico da lei quem quer que roube deverá ser castigado quem quer que seja pai deve manter e educar o filho menor quem quer que esteja obrigado cambialmente deve pagar no vencimento a quantia indicada na lei de câmbio quem quer que seja esposo dotal pode vender um bem dotal em caso de necessidade ou de utilidade evidente é um mandato específico dirigido à parte ou partes com respeito às quais ele é pronunciado Os juristas expressam a eficácia do juízo pronunciado pelo juiz com a fórmula de coisa julgada coisa nesta fórmula quer significar a matéria do juízo ou seja a posição da parte ou das partes que antes do juízo era incerta e em virtude do juízo converteuse em certa antes era uma coisa pendente de juízo e depois veio a ser uma coisa julgada e uma vez que tenha sido julgada não se pode mais discutir sobre ela Por isso antigamente se dizia res iudicata pro veritate habetur a coisa julgada vale como verdade o juiz se terá equivocado mas seu equívoco é irrelevante porque o juiz de acordo com a lei não pode se equivocar Por isso as partes devem submeterse e obedecer ao juízo do juiz Aqui reaparece o sentido profundo da palavra parte o juiz frente às partes representa o todo e a parte desaparece diante do todo a parte pode contradizer a outra parte mas não o juiz O juiz tem em suas mãos a balança e a espada se a balança não bastar para persuadir a espada serve para constranger Por isso quando o ladrão foi condenado deve ir para a prisão por sua própria vontade ou pela força quando o juiz exige do devedor que pague a letra de câmbio se não pagar tiremselhe tantos bens quantos forem necessários para ser transformados no dinheiro necessário para o pagamento quando o juiz ordenou a transcrição de uma venda o conservador das hipotecas cartório de imóveis a transcreve imediatamente se bem que uma das partes se oponha a isso Os juristas dizem a este propósito que o juízo do juiz tem força executiva e querem dizer com isso que mesmo se as partes não se prestem em executálo alguém intervém para fazêlo executar pela força COMo SE FAz UM PROCESSO FRANCESCO CARNELUTTI