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1 PRIMEIRAS TROVAS BURLESCAS DE GETULINO Luís da Gama Contudo se vir alguém Que deles zombe e de mim Defendeme e dize assim Cada qual dá o que tem Faustino Xavier de Novais PRÓTASE Embora um vate canhoto Dos loucos aumente a lista Seja cisne ou gafanhoto Não encontra quem resista Dos seus versos à leitura Que diverte inda que é dura Faustino Xavier de Novais No meu cantinho Encolhidinho Mansinho e quedo Banindo o medo Do torpe mundo Tão furibundo Em fria prosa Fastidiosa O que estou vendo Vou descrevendo Se de um quadrado Fizer um ovo Nisso dou provas De escritor novo Sobre as abas sentado do Parnaso Pois que subir não pude ao alto cume Qual pobre de um Mosteiro à Portaria De trovas fabriquei este volume Vazios de saber e de prosápia Não tratam de Ariosto ou Lamartine Nem rescendem as doces ambrosias De Lamires famoso ou Aretine1 São ritmos de tarelo atropeladas Sem metro sem cadência e sem bitola Que formam no papel um ziguezague Como os passos de rengo manquitola 2 Grosseiras produções dinculta mente Em horas de pachorra construídas Mas filhas de um bestunto que não rende Torpe lisonja às almas fementidas São folhas de adurente cansanção Remédio para os parvos dexcelência Que aos arroubos cedendo da loucura Aspiram do poleiro alta eminência E podem colocarse à retaguarda Os veteranos sábios da influência Que o trovista respeita submisso Honra pátria virtude inteligência Só corta com vontade nos malandros Que fazem da Nação seu Montepio No remisso empregado sacripante No lorpa no peralta no vadio À frente parvalhões heróis Quixotes Borrachudos Barões da traficância Quero ao templo levar do grão Sumano Estas arcas pejadas de ignorância LÁ VAI VERSO Quero também ser poeta Bem pouco ou nada me importa Se a minha veia é discreta Se a via que sigo é torta Faustino Xavier de Novais Alta noite sentindo o meu bestunto Pejado qual vulcão de flama ardente Leve pluma empunhei incontinente O fio das idéias fui traçando As Ninfas invoquei para que vissem Do meu estro voraz o ardimento E depois revoando ao firmamento Fossem do Vate o nome apregoando Oh Musa de Guiné cor de azeviche Estátua de granito denegrido Ante quem o Leão se põe rendido Despido do furor de atroz braveza Emprestame o cabaço durucungo2 Ensiname a brandir tua marimba Inspirame a ciência da candimba3 3 As vias me conduz dalta grandeza Quero a glória abater de antigos vates Do tempo dos heróis armipotentes Os Homeros Camões aurifulgentes Decantando os Barões da minha Pátria Quero gravar em lúcidas colunas O obscuro poder da parvoíce E a fama levar de vil sandice Às longínquas regiões da velha Báctria Quero que o mundo me encarando veja Um retumbante Orfeu de carapinha Que a Lira desprezando por mesquinha Ao som decanta da Marimba augusta E qual Arion entre os Delfins Os ávidos piratas embaindo As ferrenhas palhetas vai brandindo Com estilo que preza a Líbia adusta Com sabença profusa irei cantando Altos feitos da gente luminosa Que a trapaça movendo potentosa A mente assombra e pasma à natureza Espertos eleitores de encomenda Deputados Ministros Senadores Galfarros4 Diplomatas chuchadores De quem reza a cartilha de esperteza Caducas Tartarugas desfrutáveis Valharrões tabaquentes sem juízo Irrisórias fidalgas de improviso Finórios traficantes patriotas Espertos maganões de mão ligeira Emproados juízes de trapaça E outros que de honrados têm fumaça Mas que são refinados agiotas Nem eu próprio à festança escaparei Com foros de Africano fidalgote Montado num Barão com ar de zote Ao rufo do tambor e dos zabumbas Ao som de mil aplausos retumbantes Entre os netos da Ginga os meus parentes Pulando de prazer e de contentes Nas danças entrarei daltas caiumbas5 JUNTO À ESTÁTUA No Jardim Botânico de São Paulo 4 Já a saudosa Aurora destoucava Os seus cabelos de ouro delicados E as boninas nos campos esmaltados De cristalino orvalho borrifava Camões Sonetos Em plácida manhã serena e pura Sentado à borda de espaçoso lago O corpo recostado em frio marmor Tórridos membros sobre a terra quedos Qual túmido Tritão de amor vencido Transpondo as serras iracundos mares DAurora o berço perscrutando ousado Dolorosos suspiros exalava Meu frágil peito da natura escravo Já nas fúlgidas portas do Oriente6 Trajando púrpura majestoso assoma7 Luzeiro ardente que expandindo os raios Deslumbra os olhos e a razão sucumbe E com furtiva luz pálidas fogem8 Notívagas esferas cintilantes As brandas auras perfumadas vinham De grato aroma que invejara Meca Nos tortos ramos assoprar de manso Em nuvens brancas lá do céu caía Pranto saudoso que derrama a Aurora Que a terra orvalha que floreia os prados Volátil bando de ligeiras aves Brandindo as asas pelo ar brincavam Modulando canções ternas endechas9 Longe do mundo das escravas turbas Que o ouro compra de avarentos Cresos10 A minhalma aos delírios se entregava A sombra de ilusões de aéreos sonhos Formosa virgem de nevado colo De garços olhos de cabelos louros Sanguíneos lábios elegante porte Mimoso rosto de Ericina bela Curvando o seio de alabastro fino Mimosa imprime nos meus lábios negros Gostoso beijo de volúpia ardente Vencido de prazer nadando em gozos Já temeroso pé movendo incerto Vôo com ela às regiões etéreas Nas tênues asas de ternura infinda 5 Rasgando o véu das ilusões mentidas Que estalma frágil seduzir puderam Imóvel terra cambiantes flores Viram meus olhos no romper da Aurora E dentre os braços que cerrados tinha Gelada estátua de grosseiro mármore Cândidas boninas E purpúreas rosas Violetas roxas Do luar saudosas Verdejantes murtas Redolentes cravos Lindas papoulas Da donzela escravos Ao soprar da brisa Em balanço undoso O mortal encantam Num sonhar gostoso Mas fugindo as nuvens Que a ilusão fulgura Só vagueia à sombra Da infernal ventura SORTIMENTO DE GORRAS Para gente de grande tom Seja um sábio o fabricante Seja a fábrica mui rica Quem carapuças fabrica Sofre um dissabor constante Obra pronta voa errante Feita avulso e sem medida Mas no vôo suspendida Por qualquer que lhe apareça Lá lhe fica na cabeça Té as orelhas metidas Faustino Xavier de Novais Se o grosseiro alveitar ou charlatão Entre nós se proclama sabichão E com cartas compradas na Alemanha Por anil nos impinge ipecacuanha11 Se mata por honrar a Medicina Mais voraz do que uma ave de rapina 6 E num dia se errando na receita Pratica no mortal cura perfeita Não te espantes ó Leitor da novidade Pois tudo no Brasil é raridade Se os nobres desta terra empanturrados Em Guiné têm parentes enterrados E cedendo à prosápia ou duros vícios Esquecendo os negrinhos seus patrícios Se mulatos de cor esbranquiçada Já se julgam de origem refinada E curvos à mania que domina Desprezam a vovó que é pretamina Não te espantes ó Leitor da novidade Pois tudo no Brasil é raridade Se o Governo do Império Brasileiro Faz coisas de espantar o mundo inteiro Transcendendo o Autor da geração O jumento transforma em sor Barão Se o estúpido matuto apatetado Idolatra o papel de mascarado E fazendose o lorpa12 deputado NAssembléia vai dar seu apolhado Não te espantes ó Leitor da novidade Pois tudo no Brasil é raridade Se impera no Brasil o patronato Fazendo que o Camelo seja Gato Levando o seu domínio a ponto tal Que torna em sapiente o animal Se deslustram honrosos pergaminhos Patetas que nem servem pra meirinhos E que sendo formados Bacharéis Sabem menos do que pecos bedéis Não te espantes ó Leitor da novidade Pois que tudo no Brasil é raridade Se temos Deputados Senadores Bons Ministros e outros chuchadores Que se aferram às tetas da Nação Com mais sanha que o Tigre ou que o Leão Se já temos calçados maclama13 Novidade que esfalfa a voz da Fama Blasonando as gazetas que há progresso Quando tudo caminho pro regresso Não te espantes ó Leitor da pepineira Pois que tudo no Brasil é chuchadeira Se contamos vadios empregados 7 Porque são de potências afilhados E sucumbe à matroca abandonado O homem de critério que é honrado Se temos militares de trapaça Que da guerra jamais viram fumaça Mas que empolgam chistosos ordenados Que ao povo sem sentir são arrancados Não te espantes ó Leitor da pepineira Pois que tudo no Brasil é chuchadeira Se faz oposição o Deputado Com discurso medonho enfarruscado E pilhado a maminha da lambança Discrepa do papel e faz mudança Se esperto capadócio ou maganão Alcança de um jornal a redação E com quanto não passe de um birbante Vai fisgando o metal aurissonante Não te espantes ó Leitor da pepineira Pois que tudo no Brasil é chuchadeira Se a guarda que se diz Nacional Também tem caixapia ou musical E da qual dinheiro se evapora Como o Mal da boceta de Pandora Se depois por chamar nova pitança Se depois se conserva a Esperança E nisto resmungando o cidadão Lá vai ter ao calvário da prisão Não te espantes ó Leitor da pepineira Pois que tudo no Brasil é chuchadeira Se temos majestosas Faculdades Onde imperam egrégias potestades E apesar das luzes dos mentores Os burregos também saem Doutores Se varões de preclara inteligência Animam a defender a decadência E a Pátria sepultando14 em vil desdouro Perjuram como Judas só por ouro É que o sábio no Brasil só quer lambança Onde possa empantufar a larga pança Se a Lei fundamental Constipação Faz papel de falaz camaleão E surgindo no tempo de eleições Aos patetas ilude aos toleirões Se luzidos Ministros dalta escolha Com jeito também mascam grossa rolha E clamando que são independentes 8 Em segredo recebem bons presentes É que o sábio no Brasil só quer lambança Onde possa empantufar a larga pança Se a Justiça por ter olhos vendados É vendida por certos Magistrados Que o pudor aferrando na gaveta Sustentam que o Direito é pura peta E se os altos poderes sociais Toleram estas cenas imorais Se não mente o rifão já mui sabido Ladrão que muito furta é protegido É que o sábio no Brasil só quer lambança Onde possa empantufar a larga pança Se ardente campeão da liberdade Apregoa dos povos a igualdade15 Libelos escrevendo formidáveis Com frases de peçonha impenetráveis Já do Céu perscrutando alta eminência Abandona os troféus da inteligência Ao som daragem se curva qual vilão O nome vende a glória a posição É que o sábio no Brasil só quer lambança Onde possa empantufar a larga pança E se eu que amigo sou da patuscada Pespego no Leitor esta maçada Que já sendo avezado ao sofrimento Bonachão se tem feito pachorrento Se por mais que me esforce contra o vício Desmontar não consigo o artifício E quebrando a cabeça do Leitor De um tarelo não passo ou falador É que tudo que não cheira a pepineira Logo tacham de maçante frioleira O VELHO NAMORADO Pobre velho Estás perdido Se nesse couro tão duro Pôde ainda fazerte um furo Uma seta de Cupido Desse mal acometido Remédio te não darão Que nessa idade a paixão Bem que assim te não pareça É moléstia da cabeça Que não sente o coração Faustino Xavier de Novais 9 Um velho demente Mimoso ratão Fiado em Cupido Quis ser Maganão Janeiros sessenta Contava o patola Com rugas na cara Com ar de façola Gorducho e roliço Qual porco cacete Cabeça de coco Nariz de pivete De pança crescida Andar de garoto Franzindo sobrolho Olhar de maroto Cedendo à loucura Que dele zombava A barba e cabelo Cuidoso pintava Brunia os sapatos O fato escovava Na destra grosseira Bengala empunhava Se via à janela Mocinha dengosa De lindo semblante E lábios de rosa Então derretido O velho lapuz Saltava gingava Qual jovem de truz Se a bela formosa Por mofa sorria O pobre do punga Alentos bebia Assim pretendia Esposa encontrar Que a sua rabuge Quisesse aturar Eis chegase o dia 10 De amor inspirado Enfeitase o asno Assim preparado Da cara deidade Trepando as escadas Com fúria de bravo Dá quatro palmadas Lá corre a criada Mulata faceira De porte agradável Nos modos brejeira E vendo o basbaque A moda vestido Exclama sorrindo Que lindo Cupido Bonita casaca Colete bordado Chapéu de patente Cabelo pintado Vem tão bonitinho A quem quer falar Coa dona da casa Desejo tratar Escancramse as portas Lá entra o velhote De negra azeitona Redondo ancorote16 Eis chega a matrona Que a casa dirige Daquela visita A dona se aflige Também vem com ela Formosa menina De louros cabelos E face divina Que ordenas pergunta Ilustre mancebo Estufase o lorpa Cupido de sebo Prepara a garganta 11 Tomando postura À frente se põe Da prenda futura E qual orador Em pleno auditório O gebas começa O seu palanfrório17 Ó Venus pudibunda sem igual A teus pés aqui tens este animal Que vencido de amor pelos teus gestos Curvado te apresenta os seus protestos Vencestes do bigode autoridade Do soldado a cruel severidade Este todo que vês tão rijo e duro Em borra ficará para o futuro Este peito que bate só por ti Já rendido e quebrado o tens aqui Guerreiro das campanhas cupidárias 18 Dos mercúrios jalapas e fumárias Sou velho mas em tudo tão perfeito Que não conto sequer um só defeito Agora tu matrona ajuizada Que pariste esta prenda delicada Consente no casório desejado Não faças do velhote um desgraçado Notando a donzela Que o peco19 farfante Vencido de amores Se fez um pedante A ele se chega Com ar sedutor Que os peitos encanta Que mata de amor Com gesto femíneo Que a mente não trai Sorrindo lhe disse A bênção papai Depois prazenteira A face voltando Com garbo de fada Se foi retirando E com esta chalaça tão picante 12 O avô de Saturno delirante Não ficou homem não mas mudo e quedo Qual junto de um penedo outro penedo E depois que sentiuse codilhado Pela porta tomou muito enfiado NO ÁLBUM Do meu amigo J A da Silva Sobral Amigo Pedes um canto na lira A quem apenas lhe tira Sons de viola chuleira Insistes dessa maneira Não sabes que por desgraça Por mais esforços que faça Por ser vate é sempre em vão Não vás que mente o rifão Quem porfia mata caça Faustino Xavier de Novais Se tu queres meu amigo No teu álbum pensamento Ornado de frases finas Ditadas pelo talento Não contes comigo Que sou pobretão Em coisas mimosas Sou mesmo um ratão Não falo de flores Dos prados não falo Nem trato dos sinos Porque têm badalo Da rola que geme À borda do ninho Do tênue regato Que corre mansinho Nem das travessuras Do terno Cupido Que faz do beato Janota garrido Mas se queres que alinhave Palavras desconchavadas Desculpa com paciência Sandices que vão ritmadas 13 Desprendase a veia Comece a festança Movendo cortando Com toda chibança Ateiese a Musa Na magra cachola Com frases flamantes De chocho pachola E qual estudante Campando de sábio Que empunha a luneta Que é seu astrolábio Eu pego na pena Escrevo o que sinto Seguindo a doutrina Do grande Filinto20 Que estou a dizer Bradar contra o vício Cortar nos costumes Luiz outro ofício Não lutes com isso Trabalhas em vão E podes tocar Nalgum paspalhão Vai lá para a tenda Pegar na sovela Coser teus sapatos Com linha amarela Mordendo na sola Empunha o martelo Não queiras com brancos Meterte a tarelo Que o branco é mordaz Tem sangue azulado Se boles com ele Estás embirado Não borres um livro Tão belo e tão fino Não sejas pateta Sandeu e mofino 14 Ciências e letras Não são para ti Pretinho da Costa21 Não gente aqui Ouvindo o conselho Da minha razão22 Calei o impulso Do meu coração Se o muito que sinto Não posso dizer Do pouco que sei Não quero escrever Não quero que digam Que fui atrevido E que na ciência Sou intrometido Desculpa meu amigo Eu nada te posso dar Na terra que rege o branco Nos privam té de pensar Ao peso do cativeiro Perdemos razão e tino Sofrendo barbaridades Em nome do Ser Divino E quando lá no horizonte Despontar a Liberdade Rompendo as férreas algemas23 E proclamando a igualdade Do chocho bestunto Cabeça farei Mimosas cantigas Então te direi O GAMENHO24 Pareceme impossível que o gamenho Que cuidoso só trata do cabelo Não tenha transformado em um novelo O miolo que encobre tal sedenho O Autor 15 Lá ginga na praça Gentil namorado Vai tão adamado Que as belas mais dengues Lhe rendem mendengues Passinhos de Ninfa Mimosa engraçada Parece uma fada Nem Vênus formosa Como ele é garbosa Trejeitos femíneos Pisar delicado Andar compassado Oh céus que luxúria Que terna melúria Que ar sedutor Que todo elegante Que lindo semblante Que pé delicado Parece moldado Mas se queres Leitor ver um contraste Adonis em Morcego transformado O Cupido em figura de Macaco Aproximate ao néscio namorado É um velho farsola25 desfrutável Com fumaças de jovem repimpado Que ao ridículo se presta qual demente Figura de presepe ou mascarado MOTE E não pôde negar ser meu parente SONETO Sou nobre e de linhagem sublimada Descendo em linha reta dos Pegados Cuja lança feroz desbaratados Fez tremer os guerreiros da Cruzada Minha mãe que é de proa alcantilada Vem da raça dos Reis mais afamados Blasonara entre um bando de pasmados Certo povo de casta amorenada 16 Eis que brada um peralta retumbante Teu avô que de cor era latente Teve um neto mulato e mui pedante Irritase o fidalgo qual demente Trescala a vil catinga nauseante E não pôde negar ser meu parente A UM FABRICANTE DE PÍRULAS26 Soneto Ilmos Srs da Municipal Diz Dom Sancho careca o carraspanas Antigo charlatão politiqueiro Por força da natura cozinheiro Atual compositor de trabuzanas27 Que a bem de seus direitos sem chicanas Por honra da ciência em que é primeiro Os foros se lhe dê de calhandeiro Dos efeitos das purgas paulistanas E sendo o suplicante o sabichão Inventor do sistema da rapina Reclama uma patente de invenção Requer para seu uso uma batina De burro uma queixada por brasão Sem fundos um barril por barretina AO MESMO Soneto Qual de pedra colosso ou monte Atlante De horrenda catadura horrendo porte Rugindo se apresenta qual Mavorte Borrachudo Averróes28 ali tonante Impondo de Doutor o ruminante De catrâmbias atira a negra morte Das fauces lhe despara o vento norte Com tremendo estampido retumbante Eis que surge Chiron dalta memória 17 E vendo esse monturo de bagaço Raivoso então bradou rasgando a história Silêncio ó charlatão Nem mais um passo Que levote a vergalho à palmatória Transformote num burro e mais não faço ARREDA QUE LÁ VAI UM VATE Quis um pobre sandeu apatetado Sobre as grimpas guindarse do Parnaso Empunha uma bandurra desmanchada E nas ancas se encaixa do Pégaso As crinas se aferrando como doido No bandulho do bruto as pernas cerra Manquejando na prosa em verso rengo29 Ufanoso da glória exclama e berra Ao Parnaso Ao Parnaso subir quero Sonoroso anafil empunho ousado Para a fama elevar do sacrilégio Com meu fofo bestunto estuporado Os gatos mostrarei fugindo aos ratos Vistosos frutos em arbusto peco30 Jumentos a voar touros cantando E grandes tubarões nadando em seco Espantase o cavalo ao som da asneira E cuidando em si ter outro que tal Com saltos e corcovos desmedidos O pateta lançou num tremedal Todo em lama o coitado besuntado A bandurra tocou destemperada E por fim do descante só ficaram Asneiras e sandices patacoada A PITADA A pitada é coisa grande Vem de engenho sublimado É capaz de tirar monco Do nariz mais confiado Certo Papa altipotente Dela tendo experiência 18 Suspendeu suas tomadas Por temer sua influência Não respeita velho ou moço Seja preto ou cor de giz Sai do bote para a caixa E da caixa pra o nariz É prazer que não se explica Ardorzinho que consola Vício honesto inocentinho Protegido pela estola Contra o peso da cabeça É remédio tão gabado Que o não deixa um só momento Todo o homem que é casado Toma a velha a moça toma Toma a negra toma a branca Toma o rico toma o pobre Tendo a venta sempre franca Té nos líbicos desertos Toma o bárbaro gentio Torvo esturro cor de barro Recrestado ao sol de estio Oh Pitada milagrosa Pitadinha portentosa Eu quisera ser um Dante Ter uma harpa ressonante Pra cantar a tua glória Sobre as aras da memória Não te zangues pitadinha Pitadinha amarelinha Pobre filho da tarimba Vou cantarte na marimba Atendei oh tomadores Que eu começo os meus louvores É tão bela é tão gabada A virtude da pitada Que não há quem lhe resista Seja cego ou tenha vista Nem a velha recurvada Nem a moça enamorada Nem o padre nem o frade Seja leigo ou seja abade São capazes de fugir 19 Evitar ou resistir À tendência exacerbada Pela força da pitada Quem resiste ao bom tabaco Quer de binga quer de caco Toma o menino de escola Para ter fresquinha a bola Toma o rude lavrador Toma o sábio professor Velhos lentes jubilados Pelos anos alquebrados O vagaroso porteiro Os vigários o sineiro Toma o mestre de francês O de latim o de inglês O boçal quinda é caloiro Que o tomar não é desdoiro Veteranos bacharéis Secretários e bedéis Diretores de colégios Apesar dos privilégios Também toma por mania O que explica geometria E narizes temse visto Com prosápias de resisto Que chupitam num momento De tabaco bolorento Duas libras bem pesadas Embutidas por pitadas A pitada é coisa grande Vem de engenho sublimado É capaz de tirar monco Do nariz mais confinado Não tem bom gosto Quem fero altivo Se mostra esquivo À pitadinha Que é coisa santa Contra azedumes Negros ciúmes Tomada azinha Quer de canjica Quer de semonte Refresca a fronte Tomada azinha Por ela morre Gentil donzela 20 Formosa e bela Tão moreninha Alegre toma Morta de amores Libando as flores Qual avezinha Nívea loureira Na orlada venta Brandinha e lenta A pitadinha Toma a casada Toma a solteira A honesta freira Que é bonitinha Entre os dedinhos Alvos brunidos Com graça unidos A pitadinha Do gênio afasta Suavemente A impertinente Fera zanguinha Sara quebrantos Paixões de amores Acerbas dores Tomada azinha Qual o volátil Que inocentinho Deixando o ninho Beija a florinha Assim deidades Que as auras beijam Ternas almejam A pitadinha Lindas meninas No seu passeio Levam no seio A bocetinha Para tomarem Coas companheiras Por brincadeiras A pitadinha E se o espirro Deixando a toca Vem à taboca 21 Ligeira e rude Entoa o bando De Huris formosas Quais níveas rosas Um Deus lhe ajude O BALÃO Requeiro oh Musa Do grande Urbino Pincel divino Dalto rojão De Tasso o gênio De Homero a fama Que o mundo aclama Dáurea feição Que cantar quero Vibrando o plectro Com doce metro Ancho balão Erguendo aos ares Novas esferas Tontas megeras De rubicão Guapos rapazes Velhos caducos Sandeus malucos Por devoção Que por pacholas O siso despem E à moda vestem Lá do Japão Rompase a marcha Eis um capenga Que untada a quenga Traz de sabão Andar cadente No gesto grave E grossa trave Tem por bastão Oh que prosápia Traja com gosto Tem o composto De um figurão Vem atacado 22 E tão rotundo Que afronta o mundo Com seu balão Desfezse o homem E não é peta Fezse planeta De Escorpião Tem gás na pança Suspiro e bomba Astro de tromba Luz de alcatrão Olá que vejo Qual nívea estrela De luz singela Tem o clarão Mimosa fada Que os gênios doma Ampla redoma Do Indostão Faz mil requebros Gentil donzela Qual rosa bela Contra o tufão Salta e corcova Como charrua Quando flutua Sem capitão Silêncio é ela Tão vaporosa Vem e formosa Que treme o chão Gordo cetáceo Deixando os mares Que afronta os lares Sobre um balão Eu te saúdo Oh tartaruga Romba taruga De barracão Monstro que alojas Sob os babados Dez mil soldados Do rei Plutão Planeta aquário 23 Veloz possante Que vaga errante Sem região Farol tremente Destreita barra Que o leme emparra Do galeão Diz a gazeta Caso de fama Que certa dama Numa função Fora atacada De flato horrível Que a pôs hirtível31 No raso chão Doze mancebos A carregaram E colocaram Sobre um colchão E a castidade Sem ofenderem Para fazerem Fomentação Foram tirando Sem causar mágoas Fofas anáguas De camelão Curvadas molas Arcos de pipa Cordas de tripa E um rabecão Caixas de guerra Rouco zabumba Que além retumba Como trovão Felpuda palha Para viveiros Dois travesseiros E um trombão Eis que debaixo Do tal babado Pula espantado De supetão Tremendo gato Miando aflito 24 Mais esquisito Que um sacristão Bradaram todos Que era feitiço Ou malefício De Faetão Chamouse logo Para o sinistro Certo ministro Do Alcorão32 Chega o bojudo Doutor Trapaças Que tem fumaças De sabichão Pega na pena Lavra a receita Para maleita Chá de gervão Suspira a moça No brando leito De novo aspeito33 Se amostra então Era a doença Pobre inocente A lava ardente Do seu balão Casos de estrondo Já se tem visto Que aqui registo Do tal balão Atendam todos Não façam bulha Que tem borbulha A narração Se algum marujo Fino tratante Fazse de impante Politicão Muda de credo Vira a casaca O gás ataca No seu balão Mas se perdendo A Tramontana34 25 Qual ZéBanana Pilha o tufão Foge ao perigo Deixa a catraia Buscando a praia É charlatão Inda que berre Inda que brade Qual rubro frade Com mau sermão Um povo inteiro Lhe diz em face És um falace Camaleão Se na fachada De um bom marido Que foi traído Surge um polmão Exclama a esposa Que são esguichos Os tubos fixos Para o balão Quem tal diria Que na fachada Tão respeitada Do cidadão Se assestariam Torcidas molas Curvas bitolas Para o balão Rengas35 moçoilas De pernas finas Têm lamparinas Óleo e carvão Para empinarem O bojo enorme Do desconforme Monstro balão Também a velha De gâmbia esguia Traz por mania Fofo balão Mas rota a bomba É qual sanfona Que zune e trona 26 De cantochão Boçais donzelas Finas varetas Magros cambetas Têm seu balão Gás hidrogênio Tão sublimado Que destampado Faz de trovão Não há cegonha Torta gazela Nem magricela Que de balão Não faça rodas Com tal rebojo36 Que vence em bojo Néscio pavão Nem rapazola Parvo e pedante Que todo limpante Qual histrião Não julgue ousado Pobre pichote37 Ser Dom Quichote38 Sobre o balão E tu oh gênio Sublime e raro A quem deparo Nesta invenção Nas áureas letras Da sábia história Verás a glória Na exposição A UM FABRICANTE DE PÍRULAS Exulta oh Paulicéia a fronte eleva Sorri da Grécia e de Esculápio estulto Afronta o velho mundo ousada rompe Nas aras da memória ergue o teu vulto Cidade eterna de prodígios altos Que o gênio domas de Misrai potente Encrava em bronze com douradas letras Teu nome excelso de poder ingente 27 O Cairo a Grécia a Babilônia antiga A culta França e a Bretanha ousada Ouvindo a fama que o teu nome alteia Vacilam tombam do letargo ao nada Os vultos da ciência purgatória Osiris e Quiron o louro Apolo Vencidos de terror medrosos tremem E as frontes curvam no gretado solo Quem há que possa competir contigo Viçoso berço de varões preclaros Nem Podaliros de saber profundo Ou dáurea Praxítea os filhos caros Se alguém tentar sobrepujar teu nome De inveja prenhe e de letal veneno Soberba aponta para o vulto hercúleo Do Pirulista de assombroso aceno Herói fulgente qual não viu Atenas Em almos dias que a ciência esmaltam Professor magnus de purgantes acres Em piruletas que curando matam Impando afirma que com bravas ervas Sarou morféia e tudo mais que diz Tomou formosos carcomidos corpos Com pele e carne e magistral nariz Famintos cura de dinheiros a falta Cabeças ocas de juízo ausência Barriga dura catarral defluxo A hidropisia e perenal demência E para assombro do renome amostra Em um Correio Paulistano antigo O selo a prova desta grã verdade Depois o prega em besbelhal postigo Caducas velhas de viver cansadas Que têm na coma clarabóia imensa Tomando as doses do doutor chanfana Concebem porém sem temer doença Eis troam rugem na rotunda pança Trovões soturnos sibilantes ventos Farpados raios coruscantes ardem Na cava estreita em barrigais tormentos 28 Tomou aquela por debique ou luxo Das tais pírulas seis macitos só Da pança em fora descretou39 bramindo Maçada horrenda ventania e pó E de improviso por mistério oculto Ou providência do remédio santo Sentiu crescerlhe a barrigaça a velha Um filho teve por fatal encanto Lá mais dous casos de eternal memória Um velho rengo uma viúva anosa Purgado aquele se transforma em jovem A velha em moça virginal formosa Silêncio oh povos que lá vem milagre Repiquem sinos badalar temtem Atentos mirem da gazeta o caso Lá parem velhas de janeiros cem Estende as asas oh Galeno hercúleo Adeja em torno da virente Clio Despreza os parvos a sandice estulta Berrar de sapos e da inveja o pio Em trono calhandral erguido aos ares Entre nuvens de incenso purgantino Recebe as ovações da gente enferma Nas salvas do ribombo tiberino Exulta oh Paulicéia a fronte eleva Sorri da Grécia e de Esculápio estulto Afronta o velho mundo ousada rompe Nas aras da memória ergue o teu vulto Rasgando os ares da vitória certa Varrendo as ondas coos prodígios teus Sacode os astros as montanhas quebra Renome imprime nestes versos meus E o tal Galeno de purgar sedento Que as vidas troca por eterno sonho Eleva ao cume das esferas lúcidas Nas crespas asas do tufão medonho Em torvo monte de fecais matérias Quais dundaras montanhas solevadas Receba altivo a coruscante auréola Das mãos da fera Parca descarnadas 29 São Paulo A UM NARIZ Você perdoe Nariz nefando Que eu vou cortando E ainda fica nariz em que se assoe Gregório de Matos Aí vai leitores Um monstro esguio Que em corrupio De uma rua tem posto os moradores Maior que a proa Da nau de linha Tem camarinha Aonde à tarde se obumbra a tocha côa40 Rinoceronte De tromba enorme Mais desconforme Do que o mero a baleia o catodante Nariz bojante Recurvo e longo Que lá do Congo Alcança o Tenerife e Monte Atlante De raça eslava Tremenda espiga E há quem diga Que nela Polifemo cavalgava Nariz alado De cor bringela Que de pinguela Serviu no Amazonas celebrado E se não mente A tradição De lampião Fazia um farol da Líbia ardente Nariz de pau Com tal composto Que sobre o rosto Tem forma de bandurra ou berimbau41 Cavado e torto 30 Formal tripeça Fundido à pressa Nas forjas de Vulcano por aborto Nariz de forno De amplas badanas Que mil bananas Aloja em cada venta sem transtorno É tão famoso O tal nariz Que por um triz Não fez parte do cabo tormentoso Qual catatau Da testa pende E alguém entende Ser ninho de coruja ou picapau Nariz de barro Mas não cozido Que suspendido Sobre as grimpas da lua vai de esbarro De quanto fiz Não se enraiveça Não enrubesça Que pra dar e vender sobra nariz UMA ORQUESTRA Por certa cidade Sozinho vagando Ao mórbido corpo Alívio buscando Acorde harmonia Ao longe escutei E aos dúlios acentos Meus passos guiei Além numa rua Em casa antiquada Diviso ao luar De Euterpe a morada A ela me chego Com gesto tardio Por entre as janelas 31 Os olhos enfio Mas eis que diviso Um velho zangão Zurzindo raivoso No seu rebecão Marcava o compasso A pança empinava Que em clave de bufo Confusa roncava Mexiase todo Fazendo caretas As ventas fungavam Sonantes trombetas Na vasta batata Que tem por nariz Formara seu ninho Crescida perdiz Sobrela de encaixe Luzindo se via A vítrea cangalha Que a vista auxilia Num lado da penca Em alto degrau Sereno cantava Audaz Picapau Da luta cansado Tremendo e suando A bola afrescava Pitadas tomando As grossas cravelhas Ligeiro torcia Na banza afinada De novo zurzia Sentada num canto Bochechas inchadas De solfa na frente Em notas pausadas De venta enfunada Com ar de Sultão A dona da casa 32 Tocando trombão Formosa deidade Galante Ciprina Vestida à romana Trajando batina Tapava os suspiros De seu clarinete Soprando com fúria Dum anglo paquete A filha mais velha Do tal Corifeu Que em flauta dum tubo Tem fama dOrfeu Melíflua tocava No seu canudinho Amenos42 prelúdios Lundu miudinho A outra segunda Dione formosa Impando as bochechas Possante e raivosa Berrava na trompa Qual doida Avertana Mão dentro mão fora Da rasa campana Ridente menina Que um lustre contava Roliça baqueta Airosa empunhava Nos pratos batia Malhava o zabumba Num motocontínuo De bumbacatumba No meio da bulha Que os ares feria O velho de gosto Contente sorria A testa esfregava Coa destra enrugada Nas largas ventrechas Sorvia a pitada 33 Com voz de soprano Fazendo trejeitos Alegre exclamava Batendo nos peitos Maestros famosos Da Grécia não temo Nem Chinas ou Persas Da raça do demo A todos confundo Com meu rebecão Que ronca e rebrame Qual fero trovão Ferindo estas cordas Bezerros imito Grunhido de porcos Berrar de cabrito Zurzidos de burros Miados de gato Coaxados de sapos Em tom pizicato Oh vinde Maestros Da Itália e da França De passo ligeiro Dançar contradança Oh vinde Aretino Mozart e Rossini Deixando a rebeca Também Paganini Que todos patetas Aqui ficarão Ao som retumbante Do meu rebecão Toquemos meninas Faceiras Camenas Valsitas quadrilhas Nas brandas avenas E todos alegres Vibrando o compasso Os nomes gravemos Na lira dum Tasso 34 O GRANDE CURADOR DO MAL DAS VINHAS Cesse tudo quanto a antiga Musa canta Que outro valor mais alto se alevanta Camões Lusíadas Canto I Cá do antro negregado43 em que eu habito Envolto na pobreza que me oprime Da fatal ignorância ao duro peso Qual réu que comete horrendo crime Ao mundo não lembrado como a sombra De ignorado Pastor em ermos vales Sofrendo da miséria atroz reveses Do meu fado curtindo acerbos males Prostrado à sonolência que domina A turba dos mortais assim rendidos De repente desperto ao som medonho De brados estridentes alaridos Impávido correndo me encaminho Em busca do sucesso não cuidado Que os ares atroando se anuncia Qual fero Adamastor bramindo irado A trancos e barrancos tropeçando De súbito deparo fronte a fronte Não de susto falece comovido Com feio desgrenhado e sujo Bronte Era hirsuta a melena esfiapada Que nos ombros vergados se esparzia A boca retorcida os dentes verdes Rotunda era a cabeça mas vazia44 Trajava uma casaca que invejara Um judas ou magriço gafanhoto Presente que lhe dera em despedida O seu velho patrão que era piloto Com denodo montava um grã tonel Tinha a frente de parras enfeitada Empunhando na destra uma seringa E na sestra uma vinha já curada Diante do herói vinham saltando Uma chusma de Bacos de cornetas Também vinha Príapo enfurecido Entre velhas zanagas e cambetas Despanto dominado lhe pergunto 35 Quem és tu ó mortal que assim caminhas Respondeme o colosso insano e forte O grande curador do mal das vinhas E soprandome a testa dimproviso Por pouco me não deixa sem juízo Aos ares se elevou empavesado As abas da casaca abrindo ousado E logo que da terra se apartou Sobre as nossas cabeças espalhou Um chuveiro de anúncios em gazetas Retumbantes artigos grossas petas A caparrosa a galha a trebentina Essência de tabaco e de quinina Pontinhas de charutos já fumados Ratos mortos em vinho conservados Pomposos elogios em jornais45 Sementes pra o fabrico de animais Um tratado das coisas reunidas E mais outras cousitas esquecidas Nem César Bonaparte nem Mavorte E outros em quem poder não teve a morte Igualam no saber o pregoeiro46 Que das vinhas se aclama curandeiro Por ele se esqueçam os humanos De Assírios Persas Gregos e Romanos Que nas grimpas da glória repimpado Um abraço vai dar no sol dourado47 PACOTILHA Não ralhem não façam bulha Que eu não sei se isto é pulha Polka Se vive à janela Moçoila gorducha Qual freira capucha Mirando o janota Fazendo trejeitos De lenço abanando O olho piscando É tola idiota Se meiga donzela Damor delirante Em lábias de amante Segura se faz Põe fé no magano Lá cede um beijinho 36 Mais outro abracinho Está no carcás Se velha caduca De face rugosa Pretende ansiosa Gentil namorado Com feias caretas O dente arreganha Suspira por manha É triste pecado E tendo na boca Postiço teclado Com cera pegado Que joga e chocalha Das moças critica Com sanha de fúria Banindo a luxúria Não passa de gralha Se tolo basbaque Em prosa maçante Julgandose um Dante Se torna poeta Sem estro e sem tino De amor em furores Só fala das flores Precisa dieta E tendo na cara Trombudo focinho Qual porco de espinho Se faz namorado Metido em funduras Lá geme e suspira Qual fero Timbira É asno chapado Se guapo marido Rapaz de bom gosto Vai pelo sol posto Jogar seu pacau Deixando a metade Contente alegrinho Não vê que o vizinho Coitado é patau Mas sendo avezado À tal brincadeira 37 Quindim frioleira Lhe chama brejeiro Na frase do mundo Não passa por tolo Tem fronte e miolo De manso Cordeiro Se trôpego velho De queixo caído Dengoso e rendido Com moça se liga Lá quando mal cuida Na fronte lhe saltam Relevos que esmaltam Em forma de espiga Se rapa o que pode Finório empregado Campando de honrado Cuidando que brilha Em dia aziago Tropeça baqueia E vai na cadeia Juntarse à quadrilha Se impinge nobreza Brutal vendilhão Que sendo Barão Já pensa que é gente Aqueles que o viram Cebolas vendendo Vão sempre dizendo Que o lorpa é demente Se em peitos que fervem Infâmias tremendas Avultam comendas E prêmios de honor É que com dinheiro Os rudes cambetas Se levam das tretas E mudam de cor Se fino larápio De vícios coberto Com foros desperto De honrado se aclama É que a ladroeira Banindo o critério Firmou seu império 38 Co gente de fama Se audaz rapinante Fidalgo ou Barão Por ser figurão Triunfa da Lei É que há Magistrados Que empolgam presentes Fazendo inocentes Os manos da grei Mulato esfolado Que dizse fidalgo Porque tem de galgo O longo focinho Não perde a catinga De cheiro falace48 Ainda que passe Por bráseo cadinho E se eu que pretecio49 DAngola oriundo Alegre jucundo Nos meus vou cortando É que não tolero Falsários parentes Ferremme os dentes Por brancos passando COLEIRINHO Assim o escravo agrilhoado canta Tíbulo Canta canta Coleirinho Canta canta o mal quebranta Canta afoga mágoa tanta Nessa voz de dor partida Chora escravo na gaiola Terna esposa o teu filhinho Que sem pai no agreste ninho Lá ficou sem ti sem vida Quando a roxa aurora vinha Manso e manso além dos montes De ouro orlando os horizontes Matizando as crespas vagas Junto ao filho à meiga esposa Docemente descantavas E na luz do sol banhavas 39 Finas penas noutras plagas Hoje triste já não trinas Como outrora nos palmares Hoje escravo nos solares Não te embala a dúlia brisa Nem se casa aos teus gorjeios O gemer das gotas alvas Pelas negras rochas calvas Da cascata que desliza Não te beija o filho tenro Não te inspira a fonte amena Nem dá lua a luz serena Vem teus ferros pratear Só de sombras carregado Da gaiola no poleiro Vem o tredo cativeiro Mágoas e prantos acordar Canta canta Coleirinho Canta canta o mal quebranta Canta afoga mágoa tanta Nessa voz de dor partida Chora escravo na gaiola Terna esposa o teu filhinho Que sem pai no agreste ninho Lá ficou sem ti sem vida SONETO Retrato É renga magricela e presumida Com pele de muxiba engrovinhada50 O corpo de sumaca desarmada51 A cara de muafa52 malcosida A perna de forquilha retorcida Os ombros de cangalha um tanto usada A boca de ratões grata morada Maçante na conversa em mal sofrida Senhora de um leproso cão rafeiro Que querendo passar por mocetona Se besunta com sebo de carneiro Vestida é saracura de japona De feia catadura e de mau cheiro 40 Eis a choca perua da Amazona A UM VATE ENCICLOPÉDICO Quis um jovem marchar só por mania Das letras pela senda trabalhosa Dizse Vate mas prenda tão famosa Ninguém nos versos seus a descobria Começa a dar patada e tão bravia Que logo alçando a voz imperiosa Lhe brada a Natureza Chega à prosa E o maldito a encostarse à poesia Faustino Xavier de Novais Soneto Qual cratera lançando lava ardente De Pompéia tragando a pobre gente53 Novo Aníbal os mares agitando Arbustos e penedos derrubando Argentino Quixote se apresenta Com bulha que as cabeças atormenta É Doutor em ciências sociais Conhece toda casta de animais Em direito suplanta o Savigny Mormente quando toma a Parati E nos fastos da grã filosofia Diz tais coisas que as carnes arrepia Da Medicina o novo Chernoviz Faz xaropes do ferro tira giz E invadindo as baias do Parnaso O lugar conquistou do tal Pégaso A sabença nos cascos se lhe aninha É por todos chamado o Dom Fuinha E da torva montanha da cachola Pende a velha e cediça craminhola54 Um taful que encarou o tal portento Afirma que o coitado era jumento E querendo provar o que dizia Mostrava uma castrada poesia Dasneiras enxurrada furibunda Onde o erro falaz superabunda Era prosa cediça mui safada Asneira sobre asneira amontoada E no fim da maçante frioleira A firma do grã vate baboseira Correu em peso a sábia Academia Para ver o planeta que luzia 41 Também veio a Polícia a Medicina Discutir tanta asneira em sabatina Miraram de alto a baixo o sacripante55 E vendo que o maroto era pedante Na barca de Caronte o encaixaram Pra casa dos orates o mandaram Lá se foi o talento desmedido Todo o povo deixando espavorido Habitar os salões dum hospital Onde cura terá para o seu mal NO ÁLBUM do Sr Capitão João Soares Escrever num Álbum Credo Exporme à critica austera E se um douto me impusera Pena de longo degredo Nada nada tenho medo De ir a alguém desagradar Não ponha o meu nome a par Dos que têm estro e ciência Amigo tem paciência Quem não tem não pode dar Faustino Xavier de Novais Manda Vossa Senhoria Que o seu pobre servidor Empunhando leve pluma Seja feito um escritor E qual Nume antipotente56 Que domina os elementos Mostre aqui do encanto a força Exibindo altos talentos Nas trevas lutando Sem estro sem guia Guindado na prosa Sem ter poesia Não sei como possa Tal mando cumprir E da brincadeira Já quero me rir No Álbum do Vate Bem quero escrever Mas como fazêlo 42 Sem nada saber Meterma abelhudo Em coisas dalcance Fazer traquinadas Sofrer algum transe Dizer asneirolas Cediças maçadas Borrando o papel Com frases safadas Curvarme às dentadas De certos pedantes Quem versos e rimas São mesmo uns Atlantes Nada nada meu Senhor Não caio nessa esparrela Não quero que o mundo diga Que o Luís é tagarela Não tenho sabença Não campo de autor Apenas me conto Por um falador Das línguas estranhas Nem uma aprendi Em nosso idioma Sou Kikiriki De Euclides os riscos De Schiller a história Se os li foi por brinco Não tenho em memória E de mais além de tudo Da escola saí mui rudo Se por desenfado No meu triste lar Com penas e tinta Me ponho a brincar Se acaso uma idéia Que vaga perdida Da minha cachola Faz sua guarida Se astuto demônio 43 Finório birbante Soprando na testa Me faz delirante E se dominado Por esse rabino Algumas sandices Escrevo sem tino Depois refletindo No fofo aranzel Em mil pedacinhos Eu faço o papel Por mais que forceje Não posso escrever Quem vir este livro O que há de dizer Chamarme pateta Por grande favor E darme patente De mau palrador Se for literato Farsola brejeiro Impando dirá Sempre é sapateiro Mas eu que conheço Mesquinho que sou Da minha fachada Desfrutes não dou Suplico de vós Meu caro Senhor Não queirais o mal Do triste cantor No Álbum do Vate De grande saber Um pobre tarelo Não pode escrever Janeiro 1859 A UNS COLARINHOS Era na estação calmosa De novembro o mês corria 44 E da tarde as horas sete Da Sé no bronze batia Já do sol o clarão frouxo Desmaiava no horizonte E penumbro se esparzia Pelas cimeiras do monte Das trevas a soberana Desdobrava o pálio escuro E a dourada luz diurna Nos Alpes pairava a duro Quando a nós se dirigiram Três mancebos mui galantes Belos dengues adamados Ricos nobres e chibantes De entre os três um que gamenho Se amostrava com vigor Era um lindo figurino Com luxo garbo e primor Oh que par de colarinhos Grita ao vêlo um capadócio Vêm pendentes do cachaço Daquele pobre beócio Cala a boca tagarela Exclamou mais um terceiro Aquilo que vês é fronha Vestida num travesseiro Alto lá bradei altivo Fora a bulha isto é sofisma Não é fronha são manípulas57 Que o prelado usa no crisma Ou segundo o Cobarrúbias Que é jurista de quilate São as pernas das ceroulas Do gorducho do Mirati E se turram na disputa Semelhante ao grande Evandro Provarei que são as folhas Do projeto do Timandro Ou conforme outros autores Que nos vêm de barrafora 45 Fraldas são de ampla camisa Ou anáguas de senhora SEREI CONDE MARQUÊS E DEPUTADO Pelas ruas vagava em desatino Em busca do seu asno que fugira Um pobre paspalhão apatetado Que dizia chamarse Macambira A todos perguntava se não viram O bruto que era seu e desertara Ele é sério dizia está ferrado E tem branco o focinho é malacara Eis que encontra postado numa esquina Um esperto ardiloso capadócio Dos que mofam da pobre humanidade Vivendo por milagre em santo ócio Olá senhor meu amo lhe pergunta O pobre do matuto agoniado Por aqui não passou o meu burrego Que tem ruço o focinho o pé calçado Respondelhe o tratante em tom de mofa O seu burro Senhor aqui passou Mas um guapo Ministro fêlo presa E num parvo Barão o transformou Oh Virgem Santa exclama o tabaréu Da cabeça tirando o seu chapéu Se me pilha o Ministro neste estado Serei Conde Marquês e Deputado OS GLUTÕES Que os gáseos olhos pela mesa espalha Por ver se há mais comer que tire ou peça Entrando nele com tal fome e pressa Qual faminto frisão em branda palha Nicolau Tolentino Soneto Oh tu quadrada Musa empavesada Soberana rainha da papança Borrachuda matrona insaciável Que tens o corpo pingue e larga pança 46 Oh tu arca bojuda que resguardas O profuso fardel das comidelas Amazona terrível devorante Té capaz de engolir mil caravelas Esganiça o pescoço longoestreito Em linha põe os teus animalejos Os hórridos abutres feios lobos Porcos galinhas gatos percevejos Vem à triste morada do trovista Um canto lhe inspirar que cheire a bife Para a fama elevar dos lambareiros Sobre as grimpas do monte Tenerife Vem filha do pincel do grande Alcíato Dourar os versos meus que descorados Não podem atrair leitores sábios Amantes da lambança e bons guisados Derrama nestas linhas desbotadas O perfume odorante da linguiça Do paio português do bom salame Que a fome desafia e nos atiça Transmuda o negro véu da escuridão Que a vista me detém cerrando os olhos Um quadro me apresenta em que divise Saboroso pastel com seus refolhos Presuntos de Lamego perus cheios Roasteebiffs 58 e leitões tenras perdizes Tostado arroz de forno nabos quentes Gansos marrecos patos cordonizes Fervendo em níveas taças cristalinas Espumante Champagne jeropiga O bastardo o madeira o porto velho Que tem a via láctea na barriga Cerveja da godêmia59 marasquino O licor de Campinas decantado Que faz sua visita pelas onze À gente de focinho alcantilado Bojudos garrafões quartolas cheias Em linha de batalha a romper fogo À súcia comilona provocando A gula saciar por desafogo 47 O coro das bacantes estrondosas Em delírio bradando o evohé Num canto a negra morte esborneada Tomando uma pitada de rapé Fortalece meu estro oh grande Musa Estende os cantos meus pelo Universo Que um hino a teus alunos se consagre Se tão sublime preço cabe em verso Dos glutões já cadentes leio a fama Nas páginas de um livro quinhentista Vejo a gula amolando as férreas garras Para em guerra tenaz fazer conquista És tu valente Clódio o fero Aníbal Que rompendo na frente dos papões Vais mostrar a potência gargantona Dos xeques da bebança e comilões Refere o grão Macedo autor de nota Que só tu numa ceia chupitaste De saborosos figos uns quinhentos Além de dez melões que inda mamaste E para terminar o tal repasto De tordos seis dezenas consumiste Do fruto da videira vinte arráteis Com mais ostras quarenta que engoliste Melon Grotoniense por bazófia Um touro devorou de quatro anos Teógenes também famoso atleta Por aposta comeu três bois cabanos E Fágon em lauta mesa à custa alheia Transportou para a pança três leitões Dois carneiros um ganso um javali De centeio cem pães quatro melões Mitrídates honrou com pompa e cultos Os vivos sorvedouros ambulantes Com prêmios distinguiu canina fome Dos ávidos abutres devorantes Cambises rei da Lídia em certa noite Atracouse à consorte com tal gana Que a meteu inteirinha no bandulho Como quem embutia uma banana 48 O ébrio Filoxênio lamentava Um pescoço não ter de braças mil Onde o vinho corresse a pouco e pouco Como corre das pipas num funil A fecunda Bretanha viu com pasmo Um filho dessa Roma armipotente Que de seixos comia cinco arráteis Um bode semimorto e meio quente E tão feia a garganta se a mostrava Que em horror excedia uma cratera E tão forte o apetite que nutria Que a si próprio comera se pudera Outros muitos heróis refere a história Que deixo de narrar por carunchosos De feitos singulares tão tremendos Que os guerreiros deslustram mais famosos Desdobrese a cortina bolorenta Sobre os nomes dos filhos lá da estranja Repimpese no templo da vitória Os brasíleos heróis que comem canja60 Vinde oh Ninfas cheirosas dos outeiros De noturnas essências perfumadas Mimosas cavalgando urbanos tigres Os nomes borrifarlhes vinde oh Fadas No vasto panteão quero que brilhem Os lúcidos varões do meu país Em tela de algodão pintados sejam Com borra de café água de giz Etéreo Caravaggio trace as linhas Dos comilões de rúbidos toutiços Que o tonel das Danaides tem por pança Onde cabem sem custo mil chouriços Calemse os Celtas Gregos e Romanos Silêncio oh tuba Aônia e Lusitana Ergueivos oh glutões da minha pátria Temos coco caju temos banana E tu audaz Macedo registrante De ronceiras façanhas já caducas Vê quebraremse as guelas portentosas Quais se quebram no chão frágeis cumbucas 49 Dos Clódios e Milões prodígios altos Do ébrio Filoxênio heróicos feitos Sem viço desbotados já sem cores Por terra vão caindo em pó desfeitos Junto deles assoma ousado e forte O dente arreganhando um deputado Que com quatro apoiados retumbantes61 Nos cofres da Nação tem manducado Um longo diplomata aparvalhado62 Com pernas daranhiço extenso pé Que na Europa se fez profundo e sábio No tráfico do fumo e do café Retumbante engenheiro de compasso O lume encaixotando nos planetas Metendo em Capricónio Libra e Vênus O sonante metal chucha com tretas Centenas de empregados gente limpa Que os penedos não rói por não ter dentes Encaixando no fardel das comidelas A Pátria reduzida a dobrões quentes Famintos tubarões sedentos monstros Imortais tesoureiros dobras pias Que engolem pedras o metal devoram Sem que ronque a barriga em tais folias Os sagazes carolas dordens sacras Vigários andadores sacristães Que tragam num momento Igreja e Santos Sem meter na contenda os capelães Oh se Deus sobre a terra derramasse Moedas de quintal causando horror Inda assim saciar não poderia A fome dum voraz procurador Prestante pai da pátria homem de peso Entre rato e baleia acachapado Morde aqui rói ali lambe acolá Mete dentro do bucho o Corcovado Se quereis ó Leitor ver já por terra Cambises que engoliu sua consorte Sim prodígio maior vos apresento Um Ministro vos dou papal Mavorte Que abusando das leis da natureza 50 À mãe pátria se agarra como louco Cupita a pobre velha e logo brada Batendo no bandulho inda foi pouco Deixemos pois atrás a glória antiga Das potentes gargantas esfaimadas Hosanas entoemos furibundas As modernas barrigas sublimadas Que feitos gloriosos desta laia Gravados viverão na lauta história No perfume do vinho e dos guisados Voarão sobre as asas da memória FARMACOPÉIA Temos pimenta Grato elixir Que os vícios cura Sem afligir Também sementes De dormideiras Que impáfias cura E frioleiras Do autor Primores dalém seclo já caducos Focinhudas raposas estufadas Vinde ao vasto armazém de Citeréia Reformar as caraças desbotadas Temos carmim Que a face enrubra Sem que a velhice Fatal descubra Belos chinós Para as papalvas Que encobre a cuia Das que são calvas Para o velho que sofre denxaquecas Trovões e pataratas de barriga Em seco fuzilando sem proveito Para o fero Esculápio que o fustiga Temos seringas Lá do Pará Água de Celtz Mas feita cá Raiz saudável 51 Do almeirão Que cura tosse E catarrão Estulta rapariga apavonada Que campa de Doutora e sabichona Cuidando por saber Paulo de Kock Que os foros já não tem de toleirona Venha que temos Para lhe dar Rotos calções Pra consertar Velhas ceroulas Uma vassoura Que a fama elevem Da tal Doutora Matuto que se mete a saberete Esquecido do milho e das abobras Não sabendo escrever seu próprio nome Arrota que tem lido grandes obras Oh para este Temos arreio Albarda esporas Cabresto e freio E se contente Se não mostrar Rebenque nele Toca a marchar Marido que a consorte não recata Entregue ao desvario ao desatino Que na pândega alegre não repara A figura que faz de Constantino Tem sortimento Já reservado Grinalda e gorra Chapéuarmado Barrete à moda Com dous raminhos Para descanso Dos passarinhos Para as damas perluxas dalto bordo Que servem nos salões de figurinos Enfeitadas bonecas de vidraça Que alucinam os Vates colibrinos 52 Lindos toucados De seda fina Tendo na frente Alva cortina E outros muitos Com reposteiros Que também servem De mosquiteiros Para as belas amantes do postiço Que metem barbatanas pela saia Onde o vento brejeiro remexendo Deixa ver as perninhas de lacraia Temos balões Torcida e gás Estopa grossa Com aguarrás E de farelos Um travesseiro Para enfunar O alcatreiro Para o tolo mancebo desfrutável Que cem moças namora de pancada E julgandose Adônis na beleza De perfumes se borra e de pomada Casa de orates Dieta e bichas Crânio rapado Lambadas fixas Camisa longa Purga e sal Que a bola afresca E cura o mal Pra o torpe jornalista que não sente A pena mergulhando na desonra E de vícios coberto o saltimbancos Só trata de cuspir na alheia honra Prudência e tino Critério e siso Também vergonha Se for preciso E se esta dose Lhe não bastar Um bom cacete 53 Para o coçar Para os finos garotos e filantes De cigarros de palha ou de charutos Que levam noite e dia a pedinchar De carinha lavada e muito enxutos Um já não tenho63 Aos tais flaudérios Que a mais é bucha Fora gaudérios E se teimarem Com tal chincar Um quebraqueixos Pra os desmamar Para os velhos carolas marralheiros Que afetam de santinhos só de dia E sendo noute velha encapotados Não resistem de amor à fanfurria Cheiroso banho Dalta janela Que os ponha a trote Fugindo dEla Topada e queda Nariz quebrado Um bom vergalho Mas bem puxado Para o filho do pai agonçalado Sem brio sem saber sem criação Que os velhos venerandos não respeita Entre ovelhas mostrandose leão Quartel chibata Marinha ou praça Que um cordeirinho O lobo faça E se o tratante Não for barão Morada grátis Na Correção Pra o ancho protetor das letras pátrias Mais cacório que chisme64 no fintar E que cheio doral filantropia Os impressos chupita sem pagar Um santo breve 54 Uma defesa Um patuá Contra a esperteza E se o maçante Inda insistir Sebo nas pernas Toca a fugir Para o gênio sagaz de um pai da pátria Amante da pobreza desvalida Que lambiscar aos patetas o que pode E lá mete naljaba fementida Uma denúncia Com documentos Onde as ratadas Pulem aos centos Depois cadeia Calceta ao pé Que é coisa santa Contra o filé Mas basta oh Musa minha não prossigas Dalguém desagradar já me arreceio Termina mas falando dos trovistas Que malham com furor no vício feio Bebem do roxo Tomam café Pitam charuto Cheiram rapé Jogam pacau Truque manilha Quando Deus quer Também o pilha A BORBOLETA Sobre a açucena Que no horto alveja A borboleta Mansinha adeja Libando os pingos De orvalho brando Que a nuvem loura Vem salpicando Meneia os leques Por entre as flores 55 Que o ar perfumam Com seus olores Mimosos leques De cores finas Tela formosa Das mãos divinas Ora serena Pairando a flux Esmaltes mostra Do brilho à luz Ora nas águas Boiando vai Qual folha seca Que ao vento cai Ao vir da aurora Vai do jasmim Beijar a cútis Dalvo cetim Ao cravo à rosa Afagos presta Que a aragem sopra E o sol recresta Ao pôr da tarde Pousa em delírio Nas tenras folhas Do roxo lírio E o frágil corpo Em sono brando Que embala a brisa Que vem soprando Alívio encontra Na solidão Até que dalva Rompa o clarão QUEM SOU EU A Bodarrada65 Quem sou eu que importa quem Sou um trovador proscrito Que trago na fronte escrita Esta palavra Ninguém 56 Augusto Emílio Zaluar Dores e Flores Amo o pobre deixo o rico Vivo como o Ticotico Não me envolvo em torvelinho Vivo só no meu cantinho Da grandeza sempre longe Como vive o pobre monge Tenho mui poucos amigos Porém bons que são antigos Fujo sempre à hipocrisia À sandice à fidalguia Das manadas de Barões Anjo Bento antes trovões Faço versos não sou vate Digo muito disparate Mas só rendo obediência À virtude à inteligência Eis aqui o Getulino Que no plectro anda mofino Sei que é louco e que é pateta Quem se mete a ser poeta Que no século das luzes Os birbantes mais lapuzes Compram negros e comendas Têm brasões não das Calendas E com tretas e com furtos Vão subindo a passos curtos Fazem grossa pepineira Só pela arte do Vieira66 E com jeito e proteções Galgam altas posições Mas eu sempre vigiando Nessa súcia vou malhando De tratante bem ou mal Com semblante festival Dou de rijo no pedante De pílulas fabricante Que blasona arte divina Com sulfatos de quinina Trabuzanas xaropadas E mil outras patacoadas Que sem pingo de rubor Diz a todos que é DOUTOR Não tolero o magistrado Que do brio descuidado Vende a lei trai a justiça Faz a todos injustiça Com rigor deprime o pobre Presta abrigo ao rico ao nobre 57 E só acha horrendo crime No mendigo que deprime Neste dou com dupla força Té que a manha perca ou torça Fujo às léguas do lojista Do beato e do sacrista Crocodilos disfarçados Que se fazem muito honrados Mas que tendo ocasião São mais feros que o Leão Fujo ao cego lisonjeiro Que qual ramo de salgueiro Maleável sem firmeza Vive à lei da natureza Que conforme sopra o vento Dá mil voltas num momento O que sou e como penso Aqui vai com todo o senso Posto que já veja irados Muitos lorpas enfunados Vomitando maldições Contra as minhas reflexões Eu bem sei que sou qual Grilo De maçante e mau estilo E que os homens poderosos Desta arenga receosos Hão de chamarme tarelo Bode negro Mongibelo Porém eu que não me abalo Vou tangendo o meu badalo Com repique impertinente Pondo a trote muita gente Se negro sou ou sou bode Pouco importa O que isto pode Bodes há de toda a casta Pois que a espécie é muito vasta Há cinzentos há rajados Baios pampas e malhados Bodes negros bodes brancos E sejamos todos francos Uns plebeus e outros nobres Bodes ricos bodes pobres Bodes sábios importantes E também alguns tratantes Aqui nesta boa terra Marram todos tudo berra Nobres Condes e Duquesas Ricas Damas e Marquesas Deputados senadores Gentishomens veadores67 58 Belas Damas emproadas De nobreza empantufadas Repimpados principotes Orgulhosos fidalgotes Frades Bispos Cardeais Fanfarrões imperiais Gentes pobres nobres gentes Em todos há meus parentes Entre a brava militança Fulge e brilha alta bodança Guardas Cabos Furriéis Brigadeiros Coronéis Destemidos Marechais Rutilantes Generais Capitãesdemareguerra Tudo marra tudo berra Na suprema eternidade Onde habita a Divindade Bodes há santificados Que por nós são adorados Entre o coro dos Anjinhos Também há muitos bodinhos O amante de Siringa Tinha pêlo e má catinga O deus Mendes pelas costas Na cabeça tinha pontas Jove quando foi menino Chupitou leite caprino E segundo o antigo mito Também Fauno foi cabrito Nos domínios de Plutão Guarda um bode o Alcorão Nos lundus e nas modinhas São cantadas as bodinhas Pois se todos têm rabicho Para que tanto capricho Haja paz haja alegria Folgue e brinque a bodaria Cesse pois a matinada Porque tudo é bodarrada O JANOTA Sou bonito sou da moda Chibatão de belo gosto Sou gamenho tendo garbo Porte airoso e bem composto Vivo alegre passo à larga 59 Tenho trinta namoradas Dez viúvas seis donzelas Sete velhas não casadas Quatro negras cinco cabras Sem contar certa mulata E a vizinha que é zanaga Com seu beque68 de fragata Aias amas e criadas Das matronas que apontei Baronesas e Condessas E mais outras que eu só sei Dos janotas sou modelo Figurino abaloado Calça larga mangas fofas Cabelinho bem frisado A luneta ao olho presa Sapatinho envernizado Casaquim à Dom Murzelo E o casquete afunilado Faço andar em roda viva Mil cabeças dalto bordo Mas se um vil credor esbarro Foge o sonho então acordo E de Rodes qual colosso Fico mudo altivo e quedo Ouço a lenda impertinente Sem tugir como um penedo Após um vem grosso bando Este grasna aquele ruge Rosna o lorpa taberneiro Todo o resto orneja e muge Perfilando o colarinho Que da orelha passa além Corro a mão nas algibeiras Mas não puxo nem vintém Berra o criado Grita o barbeiro Quero dinheiro Que frioleira Eu que sem gimbo69 Ando pulando 60 Vou me safando Que pagodeira Eis que de um canto Salta raivosa A gordurosa Da cozinheira Pede os salários Fala em tomate Eu em remate Doulhe a traseira Chora de raiva Pobre coitada Que vinagreira Eu sou da moda Chupo o meu trago Como o não pago Por brincadeira E se há quem diga Que sou tratante Sagaz birbante É maroteira Porque só finto Parvos mascates Maus alfaiates Por bandalheira Também por mofa Logro os lojistas Foros cambistas De mão ligeira Abelhas mestras Ratões livreiros Os sapateiros E a engomadeira Que santa vida Meu anjo Bento Oh que portento Que pepineira Sempre folgando Sem ter cuidado Ser namorado Que pagodeira Quem deve e paga Não tem miolo É parvo é tolo 61 Não tem bom tino Viva a chibança Vá de tristeza Morra a pobreza Que isto é divino LAURA Aqui ó Laura No teu jardim Pétalas colho Dalvo jasmim Delas rescende Doce fragrância Quais meigos sonhos Da tua infância As plúmbeas nuvens Já fugitivas Os ermos buscam Serras esquivas Plácida lua Nos Céus alveja Prateia os lagos E as flores beija Aqui ó Laura Teus olhos garços Na linfa clara Nos Céus esparsos Lânguidos brilham Nestas estrelas Que as brandas ondas Retratam belas Na cor de rosa A luz da lua Risonha vejo A face tua Carmíneos lábios Nos rubros cravos Que nhástea pendem Quais melios favos Teu níveo colo Na estátua erguida 62 Do amor de Tasso Da bela Arminda Na onda breve O arfar do seio Que a aragem move Com brando enleio Dos malmequeres Áureos novelos Os anéis fingem Dos teus cabelos Da violeta Na singeleza Tua alma vejo Tua pureza Erguete ó Laura Do brando leito Dáme em teu peito De amor gozar Um volver dolhos Um beijo apenas Entre as verbenas Do teu pomar Não fujas Laura Vem a meus braços Levame vida Nos teus abraços Lá surge um Anjo Oh Céus é ela Estrela vésper De luz singela Cobrelhe os membros Alva roupagem Que manso agita Suave aragem Longos cabelos Belos se estendem E em ondas de ouro Dos ombros pendem A ela corro Tento abraçála Recurvo os braços 63 Mas sem tocála Era um Arcanjo De aéreo sonho No ar perdeuse Ledo e risonho Laura formosa No leito estava Dos meus lamentos Só desdenhava Já a luz do dia Renasce além Debalde espero Laura não vem Não têm meus versos Beleza tanta Que ouvilos possa Quem tudo encanta Naquele peito De olente flor Paixões não entram Não entra amor Era uma estátua exemplo de beleza E como ela de mármor tinha o peito QUE MUNDO É ESTE Que mundo que mundo é este Do fundo seio destalma Eu vejo que fria calma Dos humanos na fereza Vejo o livre feito escravo Pelas leis da prepotência Vejo a riqueza em demência Postergando natureza Vejo o vício entronizado Vejo a virtude caída E de coroas cingida A estátua fria do mal Vejo os traidores em chusma Vendendo as almas impuras 64 Remexendo as sepulturas Por preço dáureo metal Vejo fidalgos destopa Ostentando os seus brasões Feio enxerto de dobrões Nos troncos da fidalgia Vejo este mundo às avessas Seguindo fatal derrota Em quando farfante arrota Podres grandezas de um dia Brônzea estátua o rico surdo Aos tristes ais da pobreza Amostra com vil rudeza Uma burra aferrolhada Manequim de estupidez No orgulho vão da cobiça Tem por divisa cediça Alguns vinténs e mais nada O poder é só dos Cresos A ciência é de encomenda Sem capital e sem renda Com pouco peso o que val 70 Talentos palavrões ocos Que nunca deixaram saldo Não há sustância no caldo Que não tempera o metal Sisudez que feia máscra71 Isso é peste isso é veneno Se é pobre nasceu pequeno Quem aspira a posição Não vê que é grande toleima Querer subir sem moeda Pois não escapa de queda Quem teve um leito no chão Que se empertigue enfunado Algum sandeu que traz marca Reparem que a bisca embarca Que leva à vela o batel E o povo que o vê fulgindo Com lantejoulas brilhantes Não olha pra o que foi dantes E nem lhe enxerga o xarel72 E o mais é que zune e grasna O pateta aparvalhado 65 Parece que é deputado Os ministros fulminando Grita berra espinoteia Calunia faz intriga Mas logo fala a barriga E vai a teta chupando Digam lá o que quiserem Fale embora o maldizente Eu bem sei que tudo mente Sei que o mundo tem razão Se eu tivesse na algibeira Alguns cobres que ventura Mudava o nome a figura Ficava logo Barão O BARÃO DA BORRACHEIRA Quando pilho um desses nobres Ricos só dáureo metal Mas despírito tão nobres Que não possuem real Não lhes saio do costado Sei que é trabalho baldado Porque a pele dura tem Mas eu fico satisfeita Que o meu ferrão só respeita A virtude e mais ninguém Faustino Xavier de Novais A Vespa Na Capital do Império Brasileiro Conhecida pelo Rio de Janeiro Onde a mania grave enfermidade Já não é como dantes raridade E qualquer paspalhão endinheirado De nobreza se faz empanturrado Em a rua chamada do Ouvidor Onde brilha a riqueza o esplendor A porta de um modista de Paris Lindo carro parou Número X Conduzindo um volume na figura Que diziam alguns ser criatura Cujas formas mui toscas e brutais Assemelhamna brutos animais Mal que da sege salta73 a raridade Retumba a mais profunda hilaridade Em massa corre o povo apressuroso Para ver o volume monstruoso De espanto toda gente amotinada 66 Dizia ser coisa endiabrada Uns afirmam que o bruto é um camelo Por trazer no costado cotovelo É asno diz um outro anda de tranco Apesar do focinho dursobranco Ser jumento aquele outro declarava Porque longas orelhas abanava Recresce a confusão na inteligência O bruto não conhecem dexcelência Mandam vir do Livreiro Garnier Os volumes do grande Couvier Buffon Guliver Plínio Columela Morais Fonseca Barros e Portela Volveram dalto a baixo os tais volumes Com olhas de luzentes vagalumes E desta nunca vista raridade Não puderam notar a qualidade Vencido de voraz curiosidade O povo percorreu toda cidade As caducas farmácias livrarias As boticas e vãs secretarias E já todos a fé perdido tinham Por verem que o brutal não descobriam Quando idéia feliz e luminosa Na cachola brilhou dum Lampadosa Que excedendo em carreira os finos galgos Lá foi ter à Secreta dos fidalgos E dizem que encontrara registrado O nome do colosso celebrado Era o grande Barão da Borracheira Que seu título comprou na régia feira A CATIVA Uma graça viva Nos olhos lhe mora Para ser senhora De quem é cativa Camões Como era linda meu Deus Não tinha da neve a cor Mas no moreno semblante Brilhavam raios de amor Ledo o rosto o mais formoso De trigueira coralina De Anjo a boca os lábios breves 67 Cor de pálida cravina Em carmim rubro engastados Tinha os dentes cristalinos Doce a voz qual nunca ouviram Dúlios bardos matutinos Seus ingênuos pensamentos São de amor juras constantes Entre a nuvem das pestanas Tinha dois astros brilhantes As madeixas crespas negras Sobre o seio lhe pendiam Onde os castos pomos de ouro Amorosos se escondiam Tinha o colo acetinado Era o corpo uma pintura E no peito palpitante Um sacrário de ternura Límpida alma flor singela Pelas brisas embalada Ao dormir dalvas estrelas Ao nascer da madrugada Quis beijarlhe as mãos divinas Afastoumas não consente A seus pés de rojo pusme Tanto pode o amor ardente Não te afastes lhe suplico És do meu peito rainha Não te afastes neste peito Tens um trono mulatinha Vilhe as pálpebras tremerem Como treme a flor louçã Embalando as níveas gotas Dos orvalhos da manhã Qual na rama enlanguescida Pudibunda sensitiva Suspirando ela murmura Ai senhor eu sou cativa Deume as costas foise embora Qual da tarde do arrebol Foge a sombra de uma nuvem 68 Ao cair da luz do sol SONETO Sob a copa frondosa e recurvada De enorme gameleira Secular Sentado numa ufa a se embalar Estava certa moça enamorada Eis que rola dos ramos inflamada Tremenda jararaca a sibilar Fica a jovem na corda sem parar Como a Ninfa de amor eletrizada Anjo Bento exclamaram os circunstantes Foge a cobra de horrenda catadura Os olhos revolvendo coruscantes Mas a bela moçoila com frescura Num sorriso acrescenta é das amantes Nem das serpes temer a picadura NOVO SORTIMENTO DE GORRAS PARA A GENTE DE GRANDE TOM De repente magoado Da carapuça maldita Qual possesso o pobre grita Contra o fabricante ousado Debalde o artista coitado Já de receio convulso Quer provar que nobre impulso O move quando trabalha A carapuça que talha Ninguém crê ser feita avulso Faustino Xavier de Novais Se estudante que vive à barba longa Excedendo no grito uma araponga Braveja contra o fero despotismo No lethes sepultando o servilismo E depois quando chega a ser doutor Se transforma em cediço adulador Permuta consciência por dinheiro E se faz do Governo fraldiqueiro Não te espantes Leitor desta mudança São milagres da Deusa da pitança 69 Se vires um tratante ou embusteiro Com tretas iludindo ao mundo inteiro A todos atirando horrendo bote Sem haver quem o coce a calabrote Se vires o critério desprezado O torpe ratoneiro empoleirado Orelhudos jumentos de gravatas E homens de saber a quatro patas Não te espantes Leitor da barbaria Que é Deusa do Brasil a bruxaria Se dormem de bolor encapotadas Roídas do gusano esfarrapadas Nossas Leis sentinelas vigilantes Dempregados remissos e tratantes Se o Júri criminal da nossa terra Postergando o direito sempre aberra Punindo com rigor pobres mofinos E dando liberdade aos assassinos Chiton pio Leitor não digas nada A Lei cá no Brasil é patacoada Se perluxo e dengoso magarefe Com passinhos de dança tefetefe Entre as damas pretende ser Cupido Mas chupando codilho sai corrido Se um varão de coroa digo Padre Por obra do divino ca comadre Fabrico deu filhinho por brinquedo Impinge no marido psiu segredo É que sobre a sacristia mais constante Imperam os decretos de Tonante Se o pobre do trabalho extenuado Num dia de prazer fica monado E a ronda que tropeça e cambaleia Encaixa o miserando na cadeia Se fortes Brigadeiros Coronéis Habitam as tabernas e hotéis A gente do bomtom os Deputados Se torram e não saem encarcerados É que a pinga entre nós esta vedada Àqueles que não têm gola bordada Se o maçante orador estuporado Ardente por chupar seu apoiado Excita o apetite à parceirada Com cediça modéstia enfumaçada E depois diz que a rosa tem perfume Que esvoaça de noite o vagalume 70 Que o tabaco se toma pelas ventas E que as coisas benzidas ficam bentas É que fofa sandice os disparates Empanturram a casa dos orates Se um tolo aparvalhado sem juízo Se arvora em literato dimproviso Arrota erudição em pleno dia Esbarra de nariz na ortografia E outros que nas letras são mofinos Vão mostrando ao pateta os desatinos Curvandose ao provérbio mui sabido Que o farrapo se ri do descosido É que os cegos não andam pelos nobres Mas seguros à mão dos outros pobres Se o homem que nasceu pra sapateiro E em direito pretende ser Guerreiro Sovelando de rijo no Lobão Ferra o dente na velha Ordenação Se o lorpa que nasceu para jumento Não tendo cinco réis de entendimento Banido da ciência bestalhão Por força do dinheiro sai Barão É que a honra a virtude a inteligência Não passam de estultícia ou vil demência Se erudito doutor filosofal Querendo dar noções do animal Nos demonstra que a pata põe o ovo E dele brota o pinto ainda novo Que segundo os regimes da natura Difere do cavalo na figura E metido entre a cruz e a caldeirinha Vai dar coa explicação lá na casinha É que o néscio chegou a sabichão Por milagre de santa proteção Se torto alambazado palrador Mais tapado que chucro borrador Testo imbróglio tecendo impertinente De camelo que era se faz gente E cansando os humanos com sandices Por verdades impinge parvoíces Já roncando saber qual tempestade Ser nas letras pretende potestade É que o néscio coitado não trepida Sobre os ares formar pétrea guarida Se esquentado patola às Musas dado 71 Vai a esmo trovando sem cuidado E cedendo aos arroubos do talento Mais rápido se faz que o rijo vento E os pólos devassando mui lampeiro Sustenta que Netuno foi barbeiro Escrevendo tolices de pateta Consegue sem o Crisma ser poeta É que Apolo sustenta bizarria E cavalos precisa à estrebaria Eu que inimigo sou do fingimento Em prosa apoquentado sem talento Apenas soletrando o b a bá Empunho temeroso o maracá Não posso suportar fofos Barões Que trocam a virtude por dobrões Qual vespa esvoaçando atroz picante Com sátira mordaz sempre flamante Picando picarei por toda a parte Se a tanto me ajudar ferrão e arte RETRATO DE UM SABICHÃO Vá de retrato Por consoantes Que eu sou Timantes De um nariz de Tucano cor de Pato Gregório de Matos Telas desprezo Liso marfim Rubro carmim Para a cara pintar do estulto Creso Só quero Apeles Lápis grosseiro Negro tinteiro Que o lorpa que retrato é muito reles Em roto esquife Traço o desenho Com tal empenho Que esculpo de improviso tal patife Ventas de mono Olhar sisudo Altivo e mudo Como quem de pensar perdera o sono Fronte quadrada 72 Tendo de espeque Um curvo beque74 Pendente da caraça mal chanfrada Nariz de vara E companhia Que em pleno dia Conserva noite escura em toda cara Franzida a testa Longas beiçolas Tem o tal bolas Que os lares de Minerva horrendo empesta Grandes orelhas De burro velho E um chavelho Sobre a colmeia de áticas abelhas Hirsuto o pêlo De porcoespinho Lato o focinho Que de vaca não é nem de camelo Olhos vidrados Entre altaneira Negra viseira Que dois montes parecem recurvados Rubras bochechas Engorduradas75 E tão inchadas Que parecem de mero amplas ventrechas Rotunda a pança Azabumbada Que em trovoada Traz o gordo cetáceo em contradança Pernas de croque Atesouradas E tão vergadas Que dois arcos parecem de bodoque Fofo beócio Com ar de nico76 Grosseiro mico Entre os sábios metido a capadócio Toma juízo 73 Deixa a luneta Torto cambeta Que essa tosca figura causa riso Não sejas tolo Deixa o Baucher E Pothier Tens vazia a cachola sem miolo Não toma esturro Bruto eiviçon Larga o Rogran Que eu já vi de pensar morrer um burro Toma o conselho Que te hei dado Marcha tapado Vai mirar essa cara num espelho NUM ÁLBUM É mania Ora quer porque quer o meu amigo O perluxo e dengoso Zé Maria Que eu mil versos troveje retumbantes Num álbum que possui só por mania Não vê nem pensa O caro amigo Que a musa esquiva Não toma abrigo No teso crânio De um mau tarelo Que por miolos Só tem farelo Bem sei que a estupidez de enormes patas Qual Ícaro pateta aos ares voa Mas sem tino perdida entre as esferas Naltas nuvens tropeça e cai àtoa Assim capengas Qualificados Vão rabiscando Entusiasmados Gostosos versos Com reumatismo Que bichas pedem E sinapismo Porém o que fazer em tais apuros 74 Se o amigo reclama versalhada Traçar sobre o papel com mão singela O retrato da Bela sua amada Potentes versos Requer o caso Do grande Homero Torquato ou Naso Silêncio ó Vates Que eu vibro a lira Ciprina treme E amor suspira Tem rosto ameloado é pão de broa Nariz de funil velho acachapado Por sobrolhos altivas ribanceiras Pescoço de cegonha esgrouvinhado Limosos dentes De cor incerta A boca torta Que mal se aperta Pendidos beiços Abringelados Onde o Cazuza Põe seus cuidados O corpo é um tonel empanzinado Por pés tem duas lanchas ou saveiros Por braços mastaréus sem cordoalhas Por tetas dois terríveis travesseiros Tem barbatanas Como baleia Carão enfim De luacheia Renga de um quarto A gâmbia esguia Eis por quem morre O Zé Maria Não cores meu amigo do retrato Pois que a Ninfa é prendada tem dinheiro É filha de um Barão homem de peso Que do teu velho pai foi cozinheiro Cerra os ouvidos Aos que murmuram Parvos beócios Que a raça apuram Empolga a chelpa Fazte bizarro Dá na pobreza Um forte esbarro 75 MINHA MÃE Minha mãe era mui bela Eu me lembro tanto dela De tudo quanto era seu Tenho em meu peito guardadas Suas palavras sagradas Cos risos que ela me deu Junqueira Freire Era mui bela e formosa Era a mais linda pretinha Da adusta Líbia rainha E no Brasil pobre escrava Oh que saudades que eu tenho Dos seus mimosos carinhos Quando cos tenros ilhinhos Ela sorrindo brincava Éramos dois seus cuidados Sonhos de sua alma bela Ela a palmeira singela Na fulva areia nascida Nos roliços braços de ébano De amor o fruto apertava E à nossa boca juntava Um beijo seu que era a vida Quando o prazer entreabria Seus lábios de roixo lírio Ela fingia o martírio Nas trevas da solidão Os alvos dentes nevados Da liberdade eram mito No rosto a dor do aflito Negra a cor da escravidão Os olhos negros altivos Dois astros eram luzentes Eram estrelas cadentes Por corpo humano sustidas Foram espelhos brilhantes Da nossa vida primeira Foram a luz derradeira Das nossas crenças perdidas Tão terna como a saudade No frio chão das campinas Tão meiga como as boninas Aos raios do sol de Abril 76 No gesto grave e sombria Como a vaga que flutua Plácida a mente era a Lua Refletindo em Céus de anil Suave o gênio qual rosa Ao despontar da alvorada Quando treme enamorada Ao sopro daura fagueira Brandinha a voz sonorosa Sentida como a Rolinha Gemendo triste sozinha Ao som da aragem faceira Escuro e ledo o semblante De encantos sorria a fronte Baça nuvem no horizonte Das ondas surgindo à flor Tinha o coração de santa Era seu peito de Arcanjo Mais pura nalma que um Anjo Aos pés de seu Criador Se junto à cruz penitente A Deus orava contrita Tinha uma prece infinita Como o dobrar do sineiro As lágrimas que brotavam Eram pérolas sentidas Dos lindos olhos vertidas Na terra do cativeiro NO CEMITÉRIO DE S BENEDITO Da cidade de S Paulo Também do escravo a humilde sepultura Um gemido merece de saudade Ah caia sobre ela uma só lágrima De gratidão ao menos Dr Bernardo Guimarães Em lúgubre recinto escuro e frio Onde reina o silêncio aos mortos dado Entre quatro paredes descoradas Que o caprichoso luxo não adorna Jaz de terra coberto humano corpo Que escravo sucumbiu livre nascendo Das hórridas cadeias desprendido Que só forjam sacrílegos tiranos Dorme o sono feliz da eternidade 77 Não cercam a morada lutuosa Os salgueiros os fúnebres ciprestes Nem lhe guarda os umbrais da sepultura Pesada laje de espartano mármore Somente levantado em quadro negro Epitáfio se lê que impõe silêncio Descansam neste lar caliginoso O mísero cativo o desgraçado Aqui não vem rasteira a vil lisonja Os feitos decantar da tirania Nem ofuscando a luz da sã verdade Eleva o crime perpetua a infâmia Aqui não se ergue altar ou trono douro Ao torpe mercador de carne humana Aqui se curva o filho respeitoso Ante a lousa materna e o pranto em fio Cailhe dos olhos revelando mudo A história do passado Aqui nas sombras Da funda escuridão do horror eterno Dos braços de uma cruz pende o mistério Fazse o cetro bordão andrajo a túnica Mendigo o rei o potentado escravo 1 Atualmente o nome do poeta 14921556 costuma ser atualizado para Aretino porém neste caso perderia a rima 2 Instrumento musical africano usado no candomblé e na capoeira 3 Ciência misteriosa exclusiva dos sacerdotes do candomblé 4 Galfarros de etimologia espanhola guarda dois sentidos oficial de políciabeleguim ou comilão Considerando o primeiro sentido o verso pediria vírgula e ficaria Galfarros Diplomatas chuchadores No segundo sentido o adjetivo qualificaria o substantivo que o segue e seria grafado sem vírgula Galfarros Diplomatas chuchadores Em ambos os casos chuchadores qualificariam os espertos eleitores de encomenda e o que segue nos versos acima do destaque 5 Nota do autor Danças animadas às quais presidem os seres transcendentais 6 Na edição de 1859 Já nos fúlgidos umbrais segundo Lígia Fonseca Ferreira 7 Na edição de 1859 Trajando púrpura majestoso vinha segundo Ferreira 8 Na edição de 1859 E com furtiva luz sumidas iam segundo Ferreira 9 No original endeixas 10 Cresos rei da Lídia famoso pela sua riqueza proveniente das areias auríferas do seu reino 11 Planta com propriedades purgativas 12 Na edição de 1859 louco ao invés de lorpa 13 Alusivo a macadame calçamento de pedras para cobrir as enlameadas ruas das cidades brasileiras novidade inventada por John London MacAdams segundo Ferreira 14 Na edição de 1859 abismando no lugar de sepultando 15 Na edição de 1859 o verso está Dos povos apregoa a igualdade 16 Na edição de 1859 a estrofe tem a apresentação Abremse as portasEntra o velhoteQual de azeitonasGrosso ancorote 17 Variação de falatório 18 Por cupidinárias 19 Estúpido 20 Filinto Elísio pseudônimo árcade do padre Francisco Manuel do Nascimento 17341819 21 Na edição consultada está Cost 22 Na edição consultada o verso termina em 78 23 Na edição de 1859 Calcando as algemas férreas 24 Janota malandro indivíduo afetado 25 Fanfarrão 26 Forma antiga e popular para pílulas Notese que Morais Silva registra pírulas no plural como equivalente a pessoa tola ou esquisita 27 Compositor de trabuzanas eqüivaleria à um compositor de melodias confusas e desmedidas 28 Médico e filósofo árabe 11261198 29 Capenga 30 Raquítico 31 Relativo a hirto 32 No original em minúscula 33 Uma forma arcaica de aspecto segundo Ferreira 34 No original A tramontana 35 Manquejantes coxas 36 Rodamoinho 37 Os dicionários modernos preferem a forma pexote e aceitam pixote Entretanto foi mantida a forma da edição consultada para que se mantivesse a rima com o verso seguinte na forma proposta ali 38 O mesmo se aplica para Quixote mesmo registrandose que esta segunda forma segue a grafia do nome do herói grafada na capa da primeira edição do romance em língua espanhola 39 Tendo em vista o assunto de que tratam os versos descretou seria uma combinação entre excretou com o referido decretou para aludir aos efeitos das pírulas Corrigido para decretou por Ferreira porém ficamos com a provável licença poética 40 Equivalente à furtiva pálida 41 A forma culta contemporânea prefere berimbau porém foi mantida a forma popular 42 No original A menos 43 Na edição de 1859 está escurecido segundo Ferreira 44 Na edição de 1859 o último verso está E rotunda a cabeça mas vazia segundo Ferreira 45 Na edição de 1859 o verso está Elogios frondosos em jornais segundo Ferreira 46 Na edição de 1859 o verso está Igualam no saber o vinhateiro segundo Ferreira 47 Na edição de 1859 os dois últimos versos estão E na festa da glória o mundo veja Que do Pundo ao Panaso o cume beija segundo Ferreira 48 Enganador 49 Relativo a ficar preto ou negro 50 Magra desalinhada 51 Sumaca se refere à carneseca magreza extrema e desarmada é relativa ao verbo desestruturar desmontar 52 Trouxa de retalhos e roupas velhas 53 Na edição de 1859 o verso está Que de Pompéia sumiu a pobre gente segundo Ferreira 54 Na edição de 1859 os dois últimos versos estão E na boça rotunda da cachola Só dizem que preside a craminhola segundo Ferreira 55 Na atualidade a grafia foi corrigida para sacripanta porém neste caso a rima sofreria prejuízo 56 Antipotente como está na edição de Romão da Silva funcionaria regido pelo prefixo anti referente a contrário oposição Altipotente como indica Ferreira funcionaria regido pelo prefixo alti referente a elevado superior 57 Faixa de tecido que o sacerdote usa nas liturgias 58 Grafia utilizada na edição consultada 59 Não foi encontrado a referência para godêmia Houaiss apresenta godeme como referente a inglês habitantes da Inglaterra que vieram ao Brasil a partir da abertura dos portos e Morais Silva apresenta godenho como designando cascas de uva 60 Uma referência a d Pedro II cuja preferência gastronômica era a canja 61 Na edição de 1859 Que com quatro discursos sem tempero segundo Ferreira 62 Na edição de 1859 alargatado ao invés de aparvalhado segundo Ferreira 63 Na edição de 1859 já acabouse segundo Ferreira 64 Percevejo 65 Sob o título que vai apresentado entre parênteses este é o poema mais famoso de Luís Gama 66 Padre Antônio Vieira denunciava em seus Sermões os desmandos da colonização portuguesa Um destes textos recebeu o título de A arte de furtar 67 Servidor da corte 79 68 A edição de Romão da Silva grafa breque equivalente à freio ou carruagem Ferreira corrige para beque equivalente a narigão preferido aqui 69 Variação de jimbo aceita pelo Dicionário Houaiss 70 Val por vale para rimar com metal quatro versos adiante 71 A edição de Romão da Silva corrige para máscara Nós ficamos com a forma da edição consultada 72 O mesmo que xairel relativo à xale ordinário ou vestido velho 73 Na edição de 1859 está sai segundo Ferreira 74 Nariz grande 75 Na edição consultada está no masculino mas neste caso perderia a rima 76 No sentido bocageano nico eqüivaleria à diabo conforme o verso Faz caretas ao povo com ar de nico soneto 353 Obras Poéticas volume I
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1 PRIMEIRAS TROVAS BURLESCAS DE GETULINO Luís da Gama Contudo se vir alguém Que deles zombe e de mim Defendeme e dize assim Cada qual dá o que tem Faustino Xavier de Novais PRÓTASE Embora um vate canhoto Dos loucos aumente a lista Seja cisne ou gafanhoto Não encontra quem resista Dos seus versos à leitura Que diverte inda que é dura Faustino Xavier de Novais No meu cantinho Encolhidinho Mansinho e quedo Banindo o medo Do torpe mundo Tão furibundo Em fria prosa Fastidiosa O que estou vendo Vou descrevendo Se de um quadrado Fizer um ovo Nisso dou provas De escritor novo Sobre as abas sentado do Parnaso Pois que subir não pude ao alto cume Qual pobre de um Mosteiro à Portaria De trovas fabriquei este volume Vazios de saber e de prosápia Não tratam de Ariosto ou Lamartine Nem rescendem as doces ambrosias De Lamires famoso ou Aretine1 São ritmos de tarelo atropeladas Sem metro sem cadência e sem bitola Que formam no papel um ziguezague Como os passos de rengo manquitola 2 Grosseiras produções dinculta mente Em horas de pachorra construídas Mas filhas de um bestunto que não rende Torpe lisonja às almas fementidas São folhas de adurente cansanção Remédio para os parvos dexcelência Que aos arroubos cedendo da loucura Aspiram do poleiro alta eminência E podem colocarse à retaguarda Os veteranos sábios da influência Que o trovista respeita submisso Honra pátria virtude inteligência Só corta com vontade nos malandros Que fazem da Nação seu Montepio No remisso empregado sacripante No lorpa no peralta no vadio À frente parvalhões heróis Quixotes Borrachudos Barões da traficância Quero ao templo levar do grão Sumano Estas arcas pejadas de ignorância LÁ VAI VERSO Quero também ser poeta Bem pouco ou nada me importa Se a minha veia é discreta Se a via que sigo é torta Faustino Xavier de Novais Alta noite sentindo o meu bestunto Pejado qual vulcão de flama ardente Leve pluma empunhei incontinente O fio das idéias fui traçando As Ninfas invoquei para que vissem Do meu estro voraz o ardimento E depois revoando ao firmamento Fossem do Vate o nome apregoando Oh Musa de Guiné cor de azeviche Estátua de granito denegrido Ante quem o Leão se põe rendido Despido do furor de atroz braveza Emprestame o cabaço durucungo2 Ensiname a brandir tua marimba Inspirame a ciência da candimba3 3 As vias me conduz dalta grandeza Quero a glória abater de antigos vates Do tempo dos heróis armipotentes Os Homeros Camões aurifulgentes Decantando os Barões da minha Pátria Quero gravar em lúcidas colunas O obscuro poder da parvoíce E a fama levar de vil sandice Às longínquas regiões da velha Báctria Quero que o mundo me encarando veja Um retumbante Orfeu de carapinha Que a Lira desprezando por mesquinha Ao som decanta da Marimba augusta E qual Arion entre os Delfins Os ávidos piratas embaindo As ferrenhas palhetas vai brandindo Com estilo que preza a Líbia adusta Com sabença profusa irei cantando Altos feitos da gente luminosa Que a trapaça movendo potentosa A mente assombra e pasma à natureza Espertos eleitores de encomenda Deputados Ministros Senadores Galfarros4 Diplomatas chuchadores De quem reza a cartilha de esperteza Caducas Tartarugas desfrutáveis Valharrões tabaquentes sem juízo Irrisórias fidalgas de improviso Finórios traficantes patriotas Espertos maganões de mão ligeira Emproados juízes de trapaça E outros que de honrados têm fumaça Mas que são refinados agiotas Nem eu próprio à festança escaparei Com foros de Africano fidalgote Montado num Barão com ar de zote Ao rufo do tambor e dos zabumbas Ao som de mil aplausos retumbantes Entre os netos da Ginga os meus parentes Pulando de prazer e de contentes Nas danças entrarei daltas caiumbas5 JUNTO À ESTÁTUA No Jardim Botânico de São Paulo 4 Já a saudosa Aurora destoucava Os seus cabelos de ouro delicados E as boninas nos campos esmaltados De cristalino orvalho borrifava Camões Sonetos Em plácida manhã serena e pura Sentado à borda de espaçoso lago O corpo recostado em frio marmor Tórridos membros sobre a terra quedos Qual túmido Tritão de amor vencido Transpondo as serras iracundos mares DAurora o berço perscrutando ousado Dolorosos suspiros exalava Meu frágil peito da natura escravo Já nas fúlgidas portas do Oriente6 Trajando púrpura majestoso assoma7 Luzeiro ardente que expandindo os raios Deslumbra os olhos e a razão sucumbe E com furtiva luz pálidas fogem8 Notívagas esferas cintilantes As brandas auras perfumadas vinham De grato aroma que invejara Meca Nos tortos ramos assoprar de manso Em nuvens brancas lá do céu caía Pranto saudoso que derrama a Aurora Que a terra orvalha que floreia os prados Volátil bando de ligeiras aves Brandindo as asas pelo ar brincavam Modulando canções ternas endechas9 Longe do mundo das escravas turbas Que o ouro compra de avarentos Cresos10 A minhalma aos delírios se entregava A sombra de ilusões de aéreos sonhos Formosa virgem de nevado colo De garços olhos de cabelos louros Sanguíneos lábios elegante porte Mimoso rosto de Ericina bela Curvando o seio de alabastro fino Mimosa imprime nos meus lábios negros Gostoso beijo de volúpia ardente Vencido de prazer nadando em gozos Já temeroso pé movendo incerto Vôo com ela às regiões etéreas Nas tênues asas de ternura infinda 5 Rasgando o véu das ilusões mentidas Que estalma frágil seduzir puderam Imóvel terra cambiantes flores Viram meus olhos no romper da Aurora E dentre os braços que cerrados tinha Gelada estátua de grosseiro mármore Cândidas boninas E purpúreas rosas Violetas roxas Do luar saudosas Verdejantes murtas Redolentes cravos Lindas papoulas Da donzela escravos Ao soprar da brisa Em balanço undoso O mortal encantam Num sonhar gostoso Mas fugindo as nuvens Que a ilusão fulgura Só vagueia à sombra Da infernal ventura SORTIMENTO DE GORRAS Para gente de grande tom Seja um sábio o fabricante Seja a fábrica mui rica Quem carapuças fabrica Sofre um dissabor constante Obra pronta voa errante Feita avulso e sem medida Mas no vôo suspendida Por qualquer que lhe apareça Lá lhe fica na cabeça Té as orelhas metidas Faustino Xavier de Novais Se o grosseiro alveitar ou charlatão Entre nós se proclama sabichão E com cartas compradas na Alemanha Por anil nos impinge ipecacuanha11 Se mata por honrar a Medicina Mais voraz do que uma ave de rapina 6 E num dia se errando na receita Pratica no mortal cura perfeita Não te espantes ó Leitor da novidade Pois tudo no Brasil é raridade Se os nobres desta terra empanturrados Em Guiné têm parentes enterrados E cedendo à prosápia ou duros vícios Esquecendo os negrinhos seus patrícios Se mulatos de cor esbranquiçada Já se julgam de origem refinada E curvos à mania que domina Desprezam a vovó que é pretamina Não te espantes ó Leitor da novidade Pois tudo no Brasil é raridade Se o Governo do Império Brasileiro Faz coisas de espantar o mundo inteiro Transcendendo o Autor da geração O jumento transforma em sor Barão Se o estúpido matuto apatetado Idolatra o papel de mascarado E fazendose o lorpa12 deputado NAssembléia vai dar seu apolhado Não te espantes ó Leitor da novidade Pois tudo no Brasil é raridade Se impera no Brasil o patronato Fazendo que o Camelo seja Gato Levando o seu domínio a ponto tal Que torna em sapiente o animal Se deslustram honrosos pergaminhos Patetas que nem servem pra meirinhos E que sendo formados Bacharéis Sabem menos do que pecos bedéis Não te espantes ó Leitor da novidade Pois que tudo no Brasil é raridade Se temos Deputados Senadores Bons Ministros e outros chuchadores Que se aferram às tetas da Nação Com mais sanha que o Tigre ou que o Leão Se já temos calçados maclama13 Novidade que esfalfa a voz da Fama Blasonando as gazetas que há progresso Quando tudo caminho pro regresso Não te espantes ó Leitor da pepineira Pois que tudo no Brasil é chuchadeira Se contamos vadios empregados 7 Porque são de potências afilhados E sucumbe à matroca abandonado O homem de critério que é honrado Se temos militares de trapaça Que da guerra jamais viram fumaça Mas que empolgam chistosos ordenados Que ao povo sem sentir são arrancados Não te espantes ó Leitor da pepineira Pois que tudo no Brasil é chuchadeira Se faz oposição o Deputado Com discurso medonho enfarruscado E pilhado a maminha da lambança Discrepa do papel e faz mudança Se esperto capadócio ou maganão Alcança de um jornal a redação E com quanto não passe de um birbante Vai fisgando o metal aurissonante Não te espantes ó Leitor da pepineira Pois que tudo no Brasil é chuchadeira Se a guarda que se diz Nacional Também tem caixapia ou musical E da qual dinheiro se evapora Como o Mal da boceta de Pandora Se depois por chamar nova pitança Se depois se conserva a Esperança E nisto resmungando o cidadão Lá vai ter ao calvário da prisão Não te espantes ó Leitor da pepineira Pois que tudo no Brasil é chuchadeira Se temos majestosas Faculdades Onde imperam egrégias potestades E apesar das luzes dos mentores Os burregos também saem Doutores Se varões de preclara inteligência Animam a defender a decadência E a Pátria sepultando14 em vil desdouro Perjuram como Judas só por ouro É que o sábio no Brasil só quer lambança Onde possa empantufar a larga pança Se a Lei fundamental Constipação Faz papel de falaz camaleão E surgindo no tempo de eleições Aos patetas ilude aos toleirões Se luzidos Ministros dalta escolha Com jeito também mascam grossa rolha E clamando que são independentes 8 Em segredo recebem bons presentes É que o sábio no Brasil só quer lambança Onde possa empantufar a larga pança Se a Justiça por ter olhos vendados É vendida por certos Magistrados Que o pudor aferrando na gaveta Sustentam que o Direito é pura peta E se os altos poderes sociais Toleram estas cenas imorais Se não mente o rifão já mui sabido Ladrão que muito furta é protegido É que o sábio no Brasil só quer lambança Onde possa empantufar a larga pança Se ardente campeão da liberdade Apregoa dos povos a igualdade15 Libelos escrevendo formidáveis Com frases de peçonha impenetráveis Já do Céu perscrutando alta eminência Abandona os troféus da inteligência Ao som daragem se curva qual vilão O nome vende a glória a posição É que o sábio no Brasil só quer lambança Onde possa empantufar a larga pança E se eu que amigo sou da patuscada Pespego no Leitor esta maçada Que já sendo avezado ao sofrimento Bonachão se tem feito pachorrento Se por mais que me esforce contra o vício Desmontar não consigo o artifício E quebrando a cabeça do Leitor De um tarelo não passo ou falador É que tudo que não cheira a pepineira Logo tacham de maçante frioleira O VELHO NAMORADO Pobre velho Estás perdido Se nesse couro tão duro Pôde ainda fazerte um furo Uma seta de Cupido Desse mal acometido Remédio te não darão Que nessa idade a paixão Bem que assim te não pareça É moléstia da cabeça Que não sente o coração Faustino Xavier de Novais 9 Um velho demente Mimoso ratão Fiado em Cupido Quis ser Maganão Janeiros sessenta Contava o patola Com rugas na cara Com ar de façola Gorducho e roliço Qual porco cacete Cabeça de coco Nariz de pivete De pança crescida Andar de garoto Franzindo sobrolho Olhar de maroto Cedendo à loucura Que dele zombava A barba e cabelo Cuidoso pintava Brunia os sapatos O fato escovava Na destra grosseira Bengala empunhava Se via à janela Mocinha dengosa De lindo semblante E lábios de rosa Então derretido O velho lapuz Saltava gingava Qual jovem de truz Se a bela formosa Por mofa sorria O pobre do punga Alentos bebia Assim pretendia Esposa encontrar Que a sua rabuge Quisesse aturar Eis chegase o dia 10 De amor inspirado Enfeitase o asno Assim preparado Da cara deidade Trepando as escadas Com fúria de bravo Dá quatro palmadas Lá corre a criada Mulata faceira De porte agradável Nos modos brejeira E vendo o basbaque A moda vestido Exclama sorrindo Que lindo Cupido Bonita casaca Colete bordado Chapéu de patente Cabelo pintado Vem tão bonitinho A quem quer falar Coa dona da casa Desejo tratar Escancramse as portas Lá entra o velhote De negra azeitona Redondo ancorote16 Eis chega a matrona Que a casa dirige Daquela visita A dona se aflige Também vem com ela Formosa menina De louros cabelos E face divina Que ordenas pergunta Ilustre mancebo Estufase o lorpa Cupido de sebo Prepara a garganta 11 Tomando postura À frente se põe Da prenda futura E qual orador Em pleno auditório O gebas começa O seu palanfrório17 Ó Venus pudibunda sem igual A teus pés aqui tens este animal Que vencido de amor pelos teus gestos Curvado te apresenta os seus protestos Vencestes do bigode autoridade Do soldado a cruel severidade Este todo que vês tão rijo e duro Em borra ficará para o futuro Este peito que bate só por ti Já rendido e quebrado o tens aqui Guerreiro das campanhas cupidárias 18 Dos mercúrios jalapas e fumárias Sou velho mas em tudo tão perfeito Que não conto sequer um só defeito Agora tu matrona ajuizada Que pariste esta prenda delicada Consente no casório desejado Não faças do velhote um desgraçado Notando a donzela Que o peco19 farfante Vencido de amores Se fez um pedante A ele se chega Com ar sedutor Que os peitos encanta Que mata de amor Com gesto femíneo Que a mente não trai Sorrindo lhe disse A bênção papai Depois prazenteira A face voltando Com garbo de fada Se foi retirando E com esta chalaça tão picante 12 O avô de Saturno delirante Não ficou homem não mas mudo e quedo Qual junto de um penedo outro penedo E depois que sentiuse codilhado Pela porta tomou muito enfiado NO ÁLBUM Do meu amigo J A da Silva Sobral Amigo Pedes um canto na lira A quem apenas lhe tira Sons de viola chuleira Insistes dessa maneira Não sabes que por desgraça Por mais esforços que faça Por ser vate é sempre em vão Não vás que mente o rifão Quem porfia mata caça Faustino Xavier de Novais Se tu queres meu amigo No teu álbum pensamento Ornado de frases finas Ditadas pelo talento Não contes comigo Que sou pobretão Em coisas mimosas Sou mesmo um ratão Não falo de flores Dos prados não falo Nem trato dos sinos Porque têm badalo Da rola que geme À borda do ninho Do tênue regato Que corre mansinho Nem das travessuras Do terno Cupido Que faz do beato Janota garrido Mas se queres que alinhave Palavras desconchavadas Desculpa com paciência Sandices que vão ritmadas 13 Desprendase a veia Comece a festança Movendo cortando Com toda chibança Ateiese a Musa Na magra cachola Com frases flamantes De chocho pachola E qual estudante Campando de sábio Que empunha a luneta Que é seu astrolábio Eu pego na pena Escrevo o que sinto Seguindo a doutrina Do grande Filinto20 Que estou a dizer Bradar contra o vício Cortar nos costumes Luiz outro ofício Não lutes com isso Trabalhas em vão E podes tocar Nalgum paspalhão Vai lá para a tenda Pegar na sovela Coser teus sapatos Com linha amarela Mordendo na sola Empunha o martelo Não queiras com brancos Meterte a tarelo Que o branco é mordaz Tem sangue azulado Se boles com ele Estás embirado Não borres um livro Tão belo e tão fino Não sejas pateta Sandeu e mofino 14 Ciências e letras Não são para ti Pretinho da Costa21 Não gente aqui Ouvindo o conselho Da minha razão22 Calei o impulso Do meu coração Se o muito que sinto Não posso dizer Do pouco que sei Não quero escrever Não quero que digam Que fui atrevido E que na ciência Sou intrometido Desculpa meu amigo Eu nada te posso dar Na terra que rege o branco Nos privam té de pensar Ao peso do cativeiro Perdemos razão e tino Sofrendo barbaridades Em nome do Ser Divino E quando lá no horizonte Despontar a Liberdade Rompendo as férreas algemas23 E proclamando a igualdade Do chocho bestunto Cabeça farei Mimosas cantigas Então te direi O GAMENHO24 Pareceme impossível que o gamenho Que cuidoso só trata do cabelo Não tenha transformado em um novelo O miolo que encobre tal sedenho O Autor 15 Lá ginga na praça Gentil namorado Vai tão adamado Que as belas mais dengues Lhe rendem mendengues Passinhos de Ninfa Mimosa engraçada Parece uma fada Nem Vênus formosa Como ele é garbosa Trejeitos femíneos Pisar delicado Andar compassado Oh céus que luxúria Que terna melúria Que ar sedutor Que todo elegante Que lindo semblante Que pé delicado Parece moldado Mas se queres Leitor ver um contraste Adonis em Morcego transformado O Cupido em figura de Macaco Aproximate ao néscio namorado É um velho farsola25 desfrutável Com fumaças de jovem repimpado Que ao ridículo se presta qual demente Figura de presepe ou mascarado MOTE E não pôde negar ser meu parente SONETO Sou nobre e de linhagem sublimada Descendo em linha reta dos Pegados Cuja lança feroz desbaratados Fez tremer os guerreiros da Cruzada Minha mãe que é de proa alcantilada Vem da raça dos Reis mais afamados Blasonara entre um bando de pasmados Certo povo de casta amorenada 16 Eis que brada um peralta retumbante Teu avô que de cor era latente Teve um neto mulato e mui pedante Irritase o fidalgo qual demente Trescala a vil catinga nauseante E não pôde negar ser meu parente A UM FABRICANTE DE PÍRULAS26 Soneto Ilmos Srs da Municipal Diz Dom Sancho careca o carraspanas Antigo charlatão politiqueiro Por força da natura cozinheiro Atual compositor de trabuzanas27 Que a bem de seus direitos sem chicanas Por honra da ciência em que é primeiro Os foros se lhe dê de calhandeiro Dos efeitos das purgas paulistanas E sendo o suplicante o sabichão Inventor do sistema da rapina Reclama uma patente de invenção Requer para seu uso uma batina De burro uma queixada por brasão Sem fundos um barril por barretina AO MESMO Soneto Qual de pedra colosso ou monte Atlante De horrenda catadura horrendo porte Rugindo se apresenta qual Mavorte Borrachudo Averróes28 ali tonante Impondo de Doutor o ruminante De catrâmbias atira a negra morte Das fauces lhe despara o vento norte Com tremendo estampido retumbante Eis que surge Chiron dalta memória 17 E vendo esse monturo de bagaço Raivoso então bradou rasgando a história Silêncio ó charlatão Nem mais um passo Que levote a vergalho à palmatória Transformote num burro e mais não faço ARREDA QUE LÁ VAI UM VATE Quis um pobre sandeu apatetado Sobre as grimpas guindarse do Parnaso Empunha uma bandurra desmanchada E nas ancas se encaixa do Pégaso As crinas se aferrando como doido No bandulho do bruto as pernas cerra Manquejando na prosa em verso rengo29 Ufanoso da glória exclama e berra Ao Parnaso Ao Parnaso subir quero Sonoroso anafil empunho ousado Para a fama elevar do sacrilégio Com meu fofo bestunto estuporado Os gatos mostrarei fugindo aos ratos Vistosos frutos em arbusto peco30 Jumentos a voar touros cantando E grandes tubarões nadando em seco Espantase o cavalo ao som da asneira E cuidando em si ter outro que tal Com saltos e corcovos desmedidos O pateta lançou num tremedal Todo em lama o coitado besuntado A bandurra tocou destemperada E por fim do descante só ficaram Asneiras e sandices patacoada A PITADA A pitada é coisa grande Vem de engenho sublimado É capaz de tirar monco Do nariz mais confiado Certo Papa altipotente Dela tendo experiência 18 Suspendeu suas tomadas Por temer sua influência Não respeita velho ou moço Seja preto ou cor de giz Sai do bote para a caixa E da caixa pra o nariz É prazer que não se explica Ardorzinho que consola Vício honesto inocentinho Protegido pela estola Contra o peso da cabeça É remédio tão gabado Que o não deixa um só momento Todo o homem que é casado Toma a velha a moça toma Toma a negra toma a branca Toma o rico toma o pobre Tendo a venta sempre franca Té nos líbicos desertos Toma o bárbaro gentio Torvo esturro cor de barro Recrestado ao sol de estio Oh Pitada milagrosa Pitadinha portentosa Eu quisera ser um Dante Ter uma harpa ressonante Pra cantar a tua glória Sobre as aras da memória Não te zangues pitadinha Pitadinha amarelinha Pobre filho da tarimba Vou cantarte na marimba Atendei oh tomadores Que eu começo os meus louvores É tão bela é tão gabada A virtude da pitada Que não há quem lhe resista Seja cego ou tenha vista Nem a velha recurvada Nem a moça enamorada Nem o padre nem o frade Seja leigo ou seja abade São capazes de fugir 19 Evitar ou resistir À tendência exacerbada Pela força da pitada Quem resiste ao bom tabaco Quer de binga quer de caco Toma o menino de escola Para ter fresquinha a bola Toma o rude lavrador Toma o sábio professor Velhos lentes jubilados Pelos anos alquebrados O vagaroso porteiro Os vigários o sineiro Toma o mestre de francês O de latim o de inglês O boçal quinda é caloiro Que o tomar não é desdoiro Veteranos bacharéis Secretários e bedéis Diretores de colégios Apesar dos privilégios Também toma por mania O que explica geometria E narizes temse visto Com prosápias de resisto Que chupitam num momento De tabaco bolorento Duas libras bem pesadas Embutidas por pitadas A pitada é coisa grande Vem de engenho sublimado É capaz de tirar monco Do nariz mais confinado Não tem bom gosto Quem fero altivo Se mostra esquivo À pitadinha Que é coisa santa Contra azedumes Negros ciúmes Tomada azinha Quer de canjica Quer de semonte Refresca a fronte Tomada azinha Por ela morre Gentil donzela 20 Formosa e bela Tão moreninha Alegre toma Morta de amores Libando as flores Qual avezinha Nívea loureira Na orlada venta Brandinha e lenta A pitadinha Toma a casada Toma a solteira A honesta freira Que é bonitinha Entre os dedinhos Alvos brunidos Com graça unidos A pitadinha Do gênio afasta Suavemente A impertinente Fera zanguinha Sara quebrantos Paixões de amores Acerbas dores Tomada azinha Qual o volátil Que inocentinho Deixando o ninho Beija a florinha Assim deidades Que as auras beijam Ternas almejam A pitadinha Lindas meninas No seu passeio Levam no seio A bocetinha Para tomarem Coas companheiras Por brincadeiras A pitadinha E se o espirro Deixando a toca Vem à taboca 21 Ligeira e rude Entoa o bando De Huris formosas Quais níveas rosas Um Deus lhe ajude O BALÃO Requeiro oh Musa Do grande Urbino Pincel divino Dalto rojão De Tasso o gênio De Homero a fama Que o mundo aclama Dáurea feição Que cantar quero Vibrando o plectro Com doce metro Ancho balão Erguendo aos ares Novas esferas Tontas megeras De rubicão Guapos rapazes Velhos caducos Sandeus malucos Por devoção Que por pacholas O siso despem E à moda vestem Lá do Japão Rompase a marcha Eis um capenga Que untada a quenga Traz de sabão Andar cadente No gesto grave E grossa trave Tem por bastão Oh que prosápia Traja com gosto Tem o composto De um figurão Vem atacado 22 E tão rotundo Que afronta o mundo Com seu balão Desfezse o homem E não é peta Fezse planeta De Escorpião Tem gás na pança Suspiro e bomba Astro de tromba Luz de alcatrão Olá que vejo Qual nívea estrela De luz singela Tem o clarão Mimosa fada Que os gênios doma Ampla redoma Do Indostão Faz mil requebros Gentil donzela Qual rosa bela Contra o tufão Salta e corcova Como charrua Quando flutua Sem capitão Silêncio é ela Tão vaporosa Vem e formosa Que treme o chão Gordo cetáceo Deixando os mares Que afronta os lares Sobre um balão Eu te saúdo Oh tartaruga Romba taruga De barracão Monstro que alojas Sob os babados Dez mil soldados Do rei Plutão Planeta aquário 23 Veloz possante Que vaga errante Sem região Farol tremente Destreita barra Que o leme emparra Do galeão Diz a gazeta Caso de fama Que certa dama Numa função Fora atacada De flato horrível Que a pôs hirtível31 No raso chão Doze mancebos A carregaram E colocaram Sobre um colchão E a castidade Sem ofenderem Para fazerem Fomentação Foram tirando Sem causar mágoas Fofas anáguas De camelão Curvadas molas Arcos de pipa Cordas de tripa E um rabecão Caixas de guerra Rouco zabumba Que além retumba Como trovão Felpuda palha Para viveiros Dois travesseiros E um trombão Eis que debaixo Do tal babado Pula espantado De supetão Tremendo gato Miando aflito 24 Mais esquisito Que um sacristão Bradaram todos Que era feitiço Ou malefício De Faetão Chamouse logo Para o sinistro Certo ministro Do Alcorão32 Chega o bojudo Doutor Trapaças Que tem fumaças De sabichão Pega na pena Lavra a receita Para maleita Chá de gervão Suspira a moça No brando leito De novo aspeito33 Se amostra então Era a doença Pobre inocente A lava ardente Do seu balão Casos de estrondo Já se tem visto Que aqui registo Do tal balão Atendam todos Não façam bulha Que tem borbulha A narração Se algum marujo Fino tratante Fazse de impante Politicão Muda de credo Vira a casaca O gás ataca No seu balão Mas se perdendo A Tramontana34 25 Qual ZéBanana Pilha o tufão Foge ao perigo Deixa a catraia Buscando a praia É charlatão Inda que berre Inda que brade Qual rubro frade Com mau sermão Um povo inteiro Lhe diz em face És um falace Camaleão Se na fachada De um bom marido Que foi traído Surge um polmão Exclama a esposa Que são esguichos Os tubos fixos Para o balão Quem tal diria Que na fachada Tão respeitada Do cidadão Se assestariam Torcidas molas Curvas bitolas Para o balão Rengas35 moçoilas De pernas finas Têm lamparinas Óleo e carvão Para empinarem O bojo enorme Do desconforme Monstro balão Também a velha De gâmbia esguia Traz por mania Fofo balão Mas rota a bomba É qual sanfona Que zune e trona 26 De cantochão Boçais donzelas Finas varetas Magros cambetas Têm seu balão Gás hidrogênio Tão sublimado Que destampado Faz de trovão Não há cegonha Torta gazela Nem magricela Que de balão Não faça rodas Com tal rebojo36 Que vence em bojo Néscio pavão Nem rapazola Parvo e pedante Que todo limpante Qual histrião Não julgue ousado Pobre pichote37 Ser Dom Quichote38 Sobre o balão E tu oh gênio Sublime e raro A quem deparo Nesta invenção Nas áureas letras Da sábia história Verás a glória Na exposição A UM FABRICANTE DE PÍRULAS Exulta oh Paulicéia a fronte eleva Sorri da Grécia e de Esculápio estulto Afronta o velho mundo ousada rompe Nas aras da memória ergue o teu vulto Cidade eterna de prodígios altos Que o gênio domas de Misrai potente Encrava em bronze com douradas letras Teu nome excelso de poder ingente 27 O Cairo a Grécia a Babilônia antiga A culta França e a Bretanha ousada Ouvindo a fama que o teu nome alteia Vacilam tombam do letargo ao nada Os vultos da ciência purgatória Osiris e Quiron o louro Apolo Vencidos de terror medrosos tremem E as frontes curvam no gretado solo Quem há que possa competir contigo Viçoso berço de varões preclaros Nem Podaliros de saber profundo Ou dáurea Praxítea os filhos caros Se alguém tentar sobrepujar teu nome De inveja prenhe e de letal veneno Soberba aponta para o vulto hercúleo Do Pirulista de assombroso aceno Herói fulgente qual não viu Atenas Em almos dias que a ciência esmaltam Professor magnus de purgantes acres Em piruletas que curando matam Impando afirma que com bravas ervas Sarou morféia e tudo mais que diz Tomou formosos carcomidos corpos Com pele e carne e magistral nariz Famintos cura de dinheiros a falta Cabeças ocas de juízo ausência Barriga dura catarral defluxo A hidropisia e perenal demência E para assombro do renome amostra Em um Correio Paulistano antigo O selo a prova desta grã verdade Depois o prega em besbelhal postigo Caducas velhas de viver cansadas Que têm na coma clarabóia imensa Tomando as doses do doutor chanfana Concebem porém sem temer doença Eis troam rugem na rotunda pança Trovões soturnos sibilantes ventos Farpados raios coruscantes ardem Na cava estreita em barrigais tormentos 28 Tomou aquela por debique ou luxo Das tais pírulas seis macitos só Da pança em fora descretou39 bramindo Maçada horrenda ventania e pó E de improviso por mistério oculto Ou providência do remédio santo Sentiu crescerlhe a barrigaça a velha Um filho teve por fatal encanto Lá mais dous casos de eternal memória Um velho rengo uma viúva anosa Purgado aquele se transforma em jovem A velha em moça virginal formosa Silêncio oh povos que lá vem milagre Repiquem sinos badalar temtem Atentos mirem da gazeta o caso Lá parem velhas de janeiros cem Estende as asas oh Galeno hercúleo Adeja em torno da virente Clio Despreza os parvos a sandice estulta Berrar de sapos e da inveja o pio Em trono calhandral erguido aos ares Entre nuvens de incenso purgantino Recebe as ovações da gente enferma Nas salvas do ribombo tiberino Exulta oh Paulicéia a fronte eleva Sorri da Grécia e de Esculápio estulto Afronta o velho mundo ousada rompe Nas aras da memória ergue o teu vulto Rasgando os ares da vitória certa Varrendo as ondas coos prodígios teus Sacode os astros as montanhas quebra Renome imprime nestes versos meus E o tal Galeno de purgar sedento Que as vidas troca por eterno sonho Eleva ao cume das esferas lúcidas Nas crespas asas do tufão medonho Em torvo monte de fecais matérias Quais dundaras montanhas solevadas Receba altivo a coruscante auréola Das mãos da fera Parca descarnadas 29 São Paulo A UM NARIZ Você perdoe Nariz nefando Que eu vou cortando E ainda fica nariz em que se assoe Gregório de Matos Aí vai leitores Um monstro esguio Que em corrupio De uma rua tem posto os moradores Maior que a proa Da nau de linha Tem camarinha Aonde à tarde se obumbra a tocha côa40 Rinoceronte De tromba enorme Mais desconforme Do que o mero a baleia o catodante Nariz bojante Recurvo e longo Que lá do Congo Alcança o Tenerife e Monte Atlante De raça eslava Tremenda espiga E há quem diga Que nela Polifemo cavalgava Nariz alado De cor bringela Que de pinguela Serviu no Amazonas celebrado E se não mente A tradição De lampião Fazia um farol da Líbia ardente Nariz de pau Com tal composto Que sobre o rosto Tem forma de bandurra ou berimbau41 Cavado e torto 30 Formal tripeça Fundido à pressa Nas forjas de Vulcano por aborto Nariz de forno De amplas badanas Que mil bananas Aloja em cada venta sem transtorno É tão famoso O tal nariz Que por um triz Não fez parte do cabo tormentoso Qual catatau Da testa pende E alguém entende Ser ninho de coruja ou picapau Nariz de barro Mas não cozido Que suspendido Sobre as grimpas da lua vai de esbarro De quanto fiz Não se enraiveça Não enrubesça Que pra dar e vender sobra nariz UMA ORQUESTRA Por certa cidade Sozinho vagando Ao mórbido corpo Alívio buscando Acorde harmonia Ao longe escutei E aos dúlios acentos Meus passos guiei Além numa rua Em casa antiquada Diviso ao luar De Euterpe a morada A ela me chego Com gesto tardio Por entre as janelas 31 Os olhos enfio Mas eis que diviso Um velho zangão Zurzindo raivoso No seu rebecão Marcava o compasso A pança empinava Que em clave de bufo Confusa roncava Mexiase todo Fazendo caretas As ventas fungavam Sonantes trombetas Na vasta batata Que tem por nariz Formara seu ninho Crescida perdiz Sobrela de encaixe Luzindo se via A vítrea cangalha Que a vista auxilia Num lado da penca Em alto degrau Sereno cantava Audaz Picapau Da luta cansado Tremendo e suando A bola afrescava Pitadas tomando As grossas cravelhas Ligeiro torcia Na banza afinada De novo zurzia Sentada num canto Bochechas inchadas De solfa na frente Em notas pausadas De venta enfunada Com ar de Sultão A dona da casa 32 Tocando trombão Formosa deidade Galante Ciprina Vestida à romana Trajando batina Tapava os suspiros De seu clarinete Soprando com fúria Dum anglo paquete A filha mais velha Do tal Corifeu Que em flauta dum tubo Tem fama dOrfeu Melíflua tocava No seu canudinho Amenos42 prelúdios Lundu miudinho A outra segunda Dione formosa Impando as bochechas Possante e raivosa Berrava na trompa Qual doida Avertana Mão dentro mão fora Da rasa campana Ridente menina Que um lustre contava Roliça baqueta Airosa empunhava Nos pratos batia Malhava o zabumba Num motocontínuo De bumbacatumba No meio da bulha Que os ares feria O velho de gosto Contente sorria A testa esfregava Coa destra enrugada Nas largas ventrechas Sorvia a pitada 33 Com voz de soprano Fazendo trejeitos Alegre exclamava Batendo nos peitos Maestros famosos Da Grécia não temo Nem Chinas ou Persas Da raça do demo A todos confundo Com meu rebecão Que ronca e rebrame Qual fero trovão Ferindo estas cordas Bezerros imito Grunhido de porcos Berrar de cabrito Zurzidos de burros Miados de gato Coaxados de sapos Em tom pizicato Oh vinde Maestros Da Itália e da França De passo ligeiro Dançar contradança Oh vinde Aretino Mozart e Rossini Deixando a rebeca Também Paganini Que todos patetas Aqui ficarão Ao som retumbante Do meu rebecão Toquemos meninas Faceiras Camenas Valsitas quadrilhas Nas brandas avenas E todos alegres Vibrando o compasso Os nomes gravemos Na lira dum Tasso 34 O GRANDE CURADOR DO MAL DAS VINHAS Cesse tudo quanto a antiga Musa canta Que outro valor mais alto se alevanta Camões Lusíadas Canto I Cá do antro negregado43 em que eu habito Envolto na pobreza que me oprime Da fatal ignorância ao duro peso Qual réu que comete horrendo crime Ao mundo não lembrado como a sombra De ignorado Pastor em ermos vales Sofrendo da miséria atroz reveses Do meu fado curtindo acerbos males Prostrado à sonolência que domina A turba dos mortais assim rendidos De repente desperto ao som medonho De brados estridentes alaridos Impávido correndo me encaminho Em busca do sucesso não cuidado Que os ares atroando se anuncia Qual fero Adamastor bramindo irado A trancos e barrancos tropeçando De súbito deparo fronte a fronte Não de susto falece comovido Com feio desgrenhado e sujo Bronte Era hirsuta a melena esfiapada Que nos ombros vergados se esparzia A boca retorcida os dentes verdes Rotunda era a cabeça mas vazia44 Trajava uma casaca que invejara Um judas ou magriço gafanhoto Presente que lhe dera em despedida O seu velho patrão que era piloto Com denodo montava um grã tonel Tinha a frente de parras enfeitada Empunhando na destra uma seringa E na sestra uma vinha já curada Diante do herói vinham saltando Uma chusma de Bacos de cornetas Também vinha Príapo enfurecido Entre velhas zanagas e cambetas Despanto dominado lhe pergunto 35 Quem és tu ó mortal que assim caminhas Respondeme o colosso insano e forte O grande curador do mal das vinhas E soprandome a testa dimproviso Por pouco me não deixa sem juízo Aos ares se elevou empavesado As abas da casaca abrindo ousado E logo que da terra se apartou Sobre as nossas cabeças espalhou Um chuveiro de anúncios em gazetas Retumbantes artigos grossas petas A caparrosa a galha a trebentina Essência de tabaco e de quinina Pontinhas de charutos já fumados Ratos mortos em vinho conservados Pomposos elogios em jornais45 Sementes pra o fabrico de animais Um tratado das coisas reunidas E mais outras cousitas esquecidas Nem César Bonaparte nem Mavorte E outros em quem poder não teve a morte Igualam no saber o pregoeiro46 Que das vinhas se aclama curandeiro Por ele se esqueçam os humanos De Assírios Persas Gregos e Romanos Que nas grimpas da glória repimpado Um abraço vai dar no sol dourado47 PACOTILHA Não ralhem não façam bulha Que eu não sei se isto é pulha Polka Se vive à janela Moçoila gorducha Qual freira capucha Mirando o janota Fazendo trejeitos De lenço abanando O olho piscando É tola idiota Se meiga donzela Damor delirante Em lábias de amante Segura se faz Põe fé no magano Lá cede um beijinho 36 Mais outro abracinho Está no carcás Se velha caduca De face rugosa Pretende ansiosa Gentil namorado Com feias caretas O dente arreganha Suspira por manha É triste pecado E tendo na boca Postiço teclado Com cera pegado Que joga e chocalha Das moças critica Com sanha de fúria Banindo a luxúria Não passa de gralha Se tolo basbaque Em prosa maçante Julgandose um Dante Se torna poeta Sem estro e sem tino De amor em furores Só fala das flores Precisa dieta E tendo na cara Trombudo focinho Qual porco de espinho Se faz namorado Metido em funduras Lá geme e suspira Qual fero Timbira É asno chapado Se guapo marido Rapaz de bom gosto Vai pelo sol posto Jogar seu pacau Deixando a metade Contente alegrinho Não vê que o vizinho Coitado é patau Mas sendo avezado À tal brincadeira 37 Quindim frioleira Lhe chama brejeiro Na frase do mundo Não passa por tolo Tem fronte e miolo De manso Cordeiro Se trôpego velho De queixo caído Dengoso e rendido Com moça se liga Lá quando mal cuida Na fronte lhe saltam Relevos que esmaltam Em forma de espiga Se rapa o que pode Finório empregado Campando de honrado Cuidando que brilha Em dia aziago Tropeça baqueia E vai na cadeia Juntarse à quadrilha Se impinge nobreza Brutal vendilhão Que sendo Barão Já pensa que é gente Aqueles que o viram Cebolas vendendo Vão sempre dizendo Que o lorpa é demente Se em peitos que fervem Infâmias tremendas Avultam comendas E prêmios de honor É que com dinheiro Os rudes cambetas Se levam das tretas E mudam de cor Se fino larápio De vícios coberto Com foros desperto De honrado se aclama É que a ladroeira Banindo o critério Firmou seu império 38 Co gente de fama Se audaz rapinante Fidalgo ou Barão Por ser figurão Triunfa da Lei É que há Magistrados Que empolgam presentes Fazendo inocentes Os manos da grei Mulato esfolado Que dizse fidalgo Porque tem de galgo O longo focinho Não perde a catinga De cheiro falace48 Ainda que passe Por bráseo cadinho E se eu que pretecio49 DAngola oriundo Alegre jucundo Nos meus vou cortando É que não tolero Falsários parentes Ferremme os dentes Por brancos passando COLEIRINHO Assim o escravo agrilhoado canta Tíbulo Canta canta Coleirinho Canta canta o mal quebranta Canta afoga mágoa tanta Nessa voz de dor partida Chora escravo na gaiola Terna esposa o teu filhinho Que sem pai no agreste ninho Lá ficou sem ti sem vida Quando a roxa aurora vinha Manso e manso além dos montes De ouro orlando os horizontes Matizando as crespas vagas Junto ao filho à meiga esposa Docemente descantavas E na luz do sol banhavas 39 Finas penas noutras plagas Hoje triste já não trinas Como outrora nos palmares Hoje escravo nos solares Não te embala a dúlia brisa Nem se casa aos teus gorjeios O gemer das gotas alvas Pelas negras rochas calvas Da cascata que desliza Não te beija o filho tenro Não te inspira a fonte amena Nem dá lua a luz serena Vem teus ferros pratear Só de sombras carregado Da gaiola no poleiro Vem o tredo cativeiro Mágoas e prantos acordar Canta canta Coleirinho Canta canta o mal quebranta Canta afoga mágoa tanta Nessa voz de dor partida Chora escravo na gaiola Terna esposa o teu filhinho Que sem pai no agreste ninho Lá ficou sem ti sem vida SONETO Retrato É renga magricela e presumida Com pele de muxiba engrovinhada50 O corpo de sumaca desarmada51 A cara de muafa52 malcosida A perna de forquilha retorcida Os ombros de cangalha um tanto usada A boca de ratões grata morada Maçante na conversa em mal sofrida Senhora de um leproso cão rafeiro Que querendo passar por mocetona Se besunta com sebo de carneiro Vestida é saracura de japona De feia catadura e de mau cheiro 40 Eis a choca perua da Amazona A UM VATE ENCICLOPÉDICO Quis um jovem marchar só por mania Das letras pela senda trabalhosa Dizse Vate mas prenda tão famosa Ninguém nos versos seus a descobria Começa a dar patada e tão bravia Que logo alçando a voz imperiosa Lhe brada a Natureza Chega à prosa E o maldito a encostarse à poesia Faustino Xavier de Novais Soneto Qual cratera lançando lava ardente De Pompéia tragando a pobre gente53 Novo Aníbal os mares agitando Arbustos e penedos derrubando Argentino Quixote se apresenta Com bulha que as cabeças atormenta É Doutor em ciências sociais Conhece toda casta de animais Em direito suplanta o Savigny Mormente quando toma a Parati E nos fastos da grã filosofia Diz tais coisas que as carnes arrepia Da Medicina o novo Chernoviz Faz xaropes do ferro tira giz E invadindo as baias do Parnaso O lugar conquistou do tal Pégaso A sabença nos cascos se lhe aninha É por todos chamado o Dom Fuinha E da torva montanha da cachola Pende a velha e cediça craminhola54 Um taful que encarou o tal portento Afirma que o coitado era jumento E querendo provar o que dizia Mostrava uma castrada poesia Dasneiras enxurrada furibunda Onde o erro falaz superabunda Era prosa cediça mui safada Asneira sobre asneira amontoada E no fim da maçante frioleira A firma do grã vate baboseira Correu em peso a sábia Academia Para ver o planeta que luzia 41 Também veio a Polícia a Medicina Discutir tanta asneira em sabatina Miraram de alto a baixo o sacripante55 E vendo que o maroto era pedante Na barca de Caronte o encaixaram Pra casa dos orates o mandaram Lá se foi o talento desmedido Todo o povo deixando espavorido Habitar os salões dum hospital Onde cura terá para o seu mal NO ÁLBUM do Sr Capitão João Soares Escrever num Álbum Credo Exporme à critica austera E se um douto me impusera Pena de longo degredo Nada nada tenho medo De ir a alguém desagradar Não ponha o meu nome a par Dos que têm estro e ciência Amigo tem paciência Quem não tem não pode dar Faustino Xavier de Novais Manda Vossa Senhoria Que o seu pobre servidor Empunhando leve pluma Seja feito um escritor E qual Nume antipotente56 Que domina os elementos Mostre aqui do encanto a força Exibindo altos talentos Nas trevas lutando Sem estro sem guia Guindado na prosa Sem ter poesia Não sei como possa Tal mando cumprir E da brincadeira Já quero me rir No Álbum do Vate Bem quero escrever Mas como fazêlo 42 Sem nada saber Meterma abelhudo Em coisas dalcance Fazer traquinadas Sofrer algum transe Dizer asneirolas Cediças maçadas Borrando o papel Com frases safadas Curvarme às dentadas De certos pedantes Quem versos e rimas São mesmo uns Atlantes Nada nada meu Senhor Não caio nessa esparrela Não quero que o mundo diga Que o Luís é tagarela Não tenho sabença Não campo de autor Apenas me conto Por um falador Das línguas estranhas Nem uma aprendi Em nosso idioma Sou Kikiriki De Euclides os riscos De Schiller a história Se os li foi por brinco Não tenho em memória E de mais além de tudo Da escola saí mui rudo Se por desenfado No meu triste lar Com penas e tinta Me ponho a brincar Se acaso uma idéia Que vaga perdida Da minha cachola Faz sua guarida Se astuto demônio 43 Finório birbante Soprando na testa Me faz delirante E se dominado Por esse rabino Algumas sandices Escrevo sem tino Depois refletindo No fofo aranzel Em mil pedacinhos Eu faço o papel Por mais que forceje Não posso escrever Quem vir este livro O que há de dizer Chamarme pateta Por grande favor E darme patente De mau palrador Se for literato Farsola brejeiro Impando dirá Sempre é sapateiro Mas eu que conheço Mesquinho que sou Da minha fachada Desfrutes não dou Suplico de vós Meu caro Senhor Não queirais o mal Do triste cantor No Álbum do Vate De grande saber Um pobre tarelo Não pode escrever Janeiro 1859 A UNS COLARINHOS Era na estação calmosa De novembro o mês corria 44 E da tarde as horas sete Da Sé no bronze batia Já do sol o clarão frouxo Desmaiava no horizonte E penumbro se esparzia Pelas cimeiras do monte Das trevas a soberana Desdobrava o pálio escuro E a dourada luz diurna Nos Alpes pairava a duro Quando a nós se dirigiram Três mancebos mui galantes Belos dengues adamados Ricos nobres e chibantes De entre os três um que gamenho Se amostrava com vigor Era um lindo figurino Com luxo garbo e primor Oh que par de colarinhos Grita ao vêlo um capadócio Vêm pendentes do cachaço Daquele pobre beócio Cala a boca tagarela Exclamou mais um terceiro Aquilo que vês é fronha Vestida num travesseiro Alto lá bradei altivo Fora a bulha isto é sofisma Não é fronha são manípulas57 Que o prelado usa no crisma Ou segundo o Cobarrúbias Que é jurista de quilate São as pernas das ceroulas Do gorducho do Mirati E se turram na disputa Semelhante ao grande Evandro Provarei que são as folhas Do projeto do Timandro Ou conforme outros autores Que nos vêm de barrafora 45 Fraldas são de ampla camisa Ou anáguas de senhora SEREI CONDE MARQUÊS E DEPUTADO Pelas ruas vagava em desatino Em busca do seu asno que fugira Um pobre paspalhão apatetado Que dizia chamarse Macambira A todos perguntava se não viram O bruto que era seu e desertara Ele é sério dizia está ferrado E tem branco o focinho é malacara Eis que encontra postado numa esquina Um esperto ardiloso capadócio Dos que mofam da pobre humanidade Vivendo por milagre em santo ócio Olá senhor meu amo lhe pergunta O pobre do matuto agoniado Por aqui não passou o meu burrego Que tem ruço o focinho o pé calçado Respondelhe o tratante em tom de mofa O seu burro Senhor aqui passou Mas um guapo Ministro fêlo presa E num parvo Barão o transformou Oh Virgem Santa exclama o tabaréu Da cabeça tirando o seu chapéu Se me pilha o Ministro neste estado Serei Conde Marquês e Deputado OS GLUTÕES Que os gáseos olhos pela mesa espalha Por ver se há mais comer que tire ou peça Entrando nele com tal fome e pressa Qual faminto frisão em branda palha Nicolau Tolentino Soneto Oh tu quadrada Musa empavesada Soberana rainha da papança Borrachuda matrona insaciável Que tens o corpo pingue e larga pança 46 Oh tu arca bojuda que resguardas O profuso fardel das comidelas Amazona terrível devorante Té capaz de engolir mil caravelas Esganiça o pescoço longoestreito Em linha põe os teus animalejos Os hórridos abutres feios lobos Porcos galinhas gatos percevejos Vem à triste morada do trovista Um canto lhe inspirar que cheire a bife Para a fama elevar dos lambareiros Sobre as grimpas do monte Tenerife Vem filha do pincel do grande Alcíato Dourar os versos meus que descorados Não podem atrair leitores sábios Amantes da lambança e bons guisados Derrama nestas linhas desbotadas O perfume odorante da linguiça Do paio português do bom salame Que a fome desafia e nos atiça Transmuda o negro véu da escuridão Que a vista me detém cerrando os olhos Um quadro me apresenta em que divise Saboroso pastel com seus refolhos Presuntos de Lamego perus cheios Roasteebiffs 58 e leitões tenras perdizes Tostado arroz de forno nabos quentes Gansos marrecos patos cordonizes Fervendo em níveas taças cristalinas Espumante Champagne jeropiga O bastardo o madeira o porto velho Que tem a via láctea na barriga Cerveja da godêmia59 marasquino O licor de Campinas decantado Que faz sua visita pelas onze À gente de focinho alcantilado Bojudos garrafões quartolas cheias Em linha de batalha a romper fogo À súcia comilona provocando A gula saciar por desafogo 47 O coro das bacantes estrondosas Em delírio bradando o evohé Num canto a negra morte esborneada Tomando uma pitada de rapé Fortalece meu estro oh grande Musa Estende os cantos meus pelo Universo Que um hino a teus alunos se consagre Se tão sublime preço cabe em verso Dos glutões já cadentes leio a fama Nas páginas de um livro quinhentista Vejo a gula amolando as férreas garras Para em guerra tenaz fazer conquista És tu valente Clódio o fero Aníbal Que rompendo na frente dos papões Vais mostrar a potência gargantona Dos xeques da bebança e comilões Refere o grão Macedo autor de nota Que só tu numa ceia chupitaste De saborosos figos uns quinhentos Além de dez melões que inda mamaste E para terminar o tal repasto De tordos seis dezenas consumiste Do fruto da videira vinte arráteis Com mais ostras quarenta que engoliste Melon Grotoniense por bazófia Um touro devorou de quatro anos Teógenes também famoso atleta Por aposta comeu três bois cabanos E Fágon em lauta mesa à custa alheia Transportou para a pança três leitões Dois carneiros um ganso um javali De centeio cem pães quatro melões Mitrídates honrou com pompa e cultos Os vivos sorvedouros ambulantes Com prêmios distinguiu canina fome Dos ávidos abutres devorantes Cambises rei da Lídia em certa noite Atracouse à consorte com tal gana Que a meteu inteirinha no bandulho Como quem embutia uma banana 48 O ébrio Filoxênio lamentava Um pescoço não ter de braças mil Onde o vinho corresse a pouco e pouco Como corre das pipas num funil A fecunda Bretanha viu com pasmo Um filho dessa Roma armipotente Que de seixos comia cinco arráteis Um bode semimorto e meio quente E tão feia a garganta se a mostrava Que em horror excedia uma cratera E tão forte o apetite que nutria Que a si próprio comera se pudera Outros muitos heróis refere a história Que deixo de narrar por carunchosos De feitos singulares tão tremendos Que os guerreiros deslustram mais famosos Desdobrese a cortina bolorenta Sobre os nomes dos filhos lá da estranja Repimpese no templo da vitória Os brasíleos heróis que comem canja60 Vinde oh Ninfas cheirosas dos outeiros De noturnas essências perfumadas Mimosas cavalgando urbanos tigres Os nomes borrifarlhes vinde oh Fadas No vasto panteão quero que brilhem Os lúcidos varões do meu país Em tela de algodão pintados sejam Com borra de café água de giz Etéreo Caravaggio trace as linhas Dos comilões de rúbidos toutiços Que o tonel das Danaides tem por pança Onde cabem sem custo mil chouriços Calemse os Celtas Gregos e Romanos Silêncio oh tuba Aônia e Lusitana Ergueivos oh glutões da minha pátria Temos coco caju temos banana E tu audaz Macedo registrante De ronceiras façanhas já caducas Vê quebraremse as guelas portentosas Quais se quebram no chão frágeis cumbucas 49 Dos Clódios e Milões prodígios altos Do ébrio Filoxênio heróicos feitos Sem viço desbotados já sem cores Por terra vão caindo em pó desfeitos Junto deles assoma ousado e forte O dente arreganhando um deputado Que com quatro apoiados retumbantes61 Nos cofres da Nação tem manducado Um longo diplomata aparvalhado62 Com pernas daranhiço extenso pé Que na Europa se fez profundo e sábio No tráfico do fumo e do café Retumbante engenheiro de compasso O lume encaixotando nos planetas Metendo em Capricónio Libra e Vênus O sonante metal chucha com tretas Centenas de empregados gente limpa Que os penedos não rói por não ter dentes Encaixando no fardel das comidelas A Pátria reduzida a dobrões quentes Famintos tubarões sedentos monstros Imortais tesoureiros dobras pias Que engolem pedras o metal devoram Sem que ronque a barriga em tais folias Os sagazes carolas dordens sacras Vigários andadores sacristães Que tragam num momento Igreja e Santos Sem meter na contenda os capelães Oh se Deus sobre a terra derramasse Moedas de quintal causando horror Inda assim saciar não poderia A fome dum voraz procurador Prestante pai da pátria homem de peso Entre rato e baleia acachapado Morde aqui rói ali lambe acolá Mete dentro do bucho o Corcovado Se quereis ó Leitor ver já por terra Cambises que engoliu sua consorte Sim prodígio maior vos apresento Um Ministro vos dou papal Mavorte Que abusando das leis da natureza 50 À mãe pátria se agarra como louco Cupita a pobre velha e logo brada Batendo no bandulho inda foi pouco Deixemos pois atrás a glória antiga Das potentes gargantas esfaimadas Hosanas entoemos furibundas As modernas barrigas sublimadas Que feitos gloriosos desta laia Gravados viverão na lauta história No perfume do vinho e dos guisados Voarão sobre as asas da memória FARMACOPÉIA Temos pimenta Grato elixir Que os vícios cura Sem afligir Também sementes De dormideiras Que impáfias cura E frioleiras Do autor Primores dalém seclo já caducos Focinhudas raposas estufadas Vinde ao vasto armazém de Citeréia Reformar as caraças desbotadas Temos carmim Que a face enrubra Sem que a velhice Fatal descubra Belos chinós Para as papalvas Que encobre a cuia Das que são calvas Para o velho que sofre denxaquecas Trovões e pataratas de barriga Em seco fuzilando sem proveito Para o fero Esculápio que o fustiga Temos seringas Lá do Pará Água de Celtz Mas feita cá Raiz saudável 51 Do almeirão Que cura tosse E catarrão Estulta rapariga apavonada Que campa de Doutora e sabichona Cuidando por saber Paulo de Kock Que os foros já não tem de toleirona Venha que temos Para lhe dar Rotos calções Pra consertar Velhas ceroulas Uma vassoura Que a fama elevem Da tal Doutora Matuto que se mete a saberete Esquecido do milho e das abobras Não sabendo escrever seu próprio nome Arrota que tem lido grandes obras Oh para este Temos arreio Albarda esporas Cabresto e freio E se contente Se não mostrar Rebenque nele Toca a marchar Marido que a consorte não recata Entregue ao desvario ao desatino Que na pândega alegre não repara A figura que faz de Constantino Tem sortimento Já reservado Grinalda e gorra Chapéuarmado Barrete à moda Com dous raminhos Para descanso Dos passarinhos Para as damas perluxas dalto bordo Que servem nos salões de figurinos Enfeitadas bonecas de vidraça Que alucinam os Vates colibrinos 52 Lindos toucados De seda fina Tendo na frente Alva cortina E outros muitos Com reposteiros Que também servem De mosquiteiros Para as belas amantes do postiço Que metem barbatanas pela saia Onde o vento brejeiro remexendo Deixa ver as perninhas de lacraia Temos balões Torcida e gás Estopa grossa Com aguarrás E de farelos Um travesseiro Para enfunar O alcatreiro Para o tolo mancebo desfrutável Que cem moças namora de pancada E julgandose Adônis na beleza De perfumes se borra e de pomada Casa de orates Dieta e bichas Crânio rapado Lambadas fixas Camisa longa Purga e sal Que a bola afresca E cura o mal Pra o torpe jornalista que não sente A pena mergulhando na desonra E de vícios coberto o saltimbancos Só trata de cuspir na alheia honra Prudência e tino Critério e siso Também vergonha Se for preciso E se esta dose Lhe não bastar Um bom cacete 53 Para o coçar Para os finos garotos e filantes De cigarros de palha ou de charutos Que levam noite e dia a pedinchar De carinha lavada e muito enxutos Um já não tenho63 Aos tais flaudérios Que a mais é bucha Fora gaudérios E se teimarem Com tal chincar Um quebraqueixos Pra os desmamar Para os velhos carolas marralheiros Que afetam de santinhos só de dia E sendo noute velha encapotados Não resistem de amor à fanfurria Cheiroso banho Dalta janela Que os ponha a trote Fugindo dEla Topada e queda Nariz quebrado Um bom vergalho Mas bem puxado Para o filho do pai agonçalado Sem brio sem saber sem criação Que os velhos venerandos não respeita Entre ovelhas mostrandose leão Quartel chibata Marinha ou praça Que um cordeirinho O lobo faça E se o tratante Não for barão Morada grátis Na Correção Pra o ancho protetor das letras pátrias Mais cacório que chisme64 no fintar E que cheio doral filantropia Os impressos chupita sem pagar Um santo breve 54 Uma defesa Um patuá Contra a esperteza E se o maçante Inda insistir Sebo nas pernas Toca a fugir Para o gênio sagaz de um pai da pátria Amante da pobreza desvalida Que lambiscar aos patetas o que pode E lá mete naljaba fementida Uma denúncia Com documentos Onde as ratadas Pulem aos centos Depois cadeia Calceta ao pé Que é coisa santa Contra o filé Mas basta oh Musa minha não prossigas Dalguém desagradar já me arreceio Termina mas falando dos trovistas Que malham com furor no vício feio Bebem do roxo Tomam café Pitam charuto Cheiram rapé Jogam pacau Truque manilha Quando Deus quer Também o pilha A BORBOLETA Sobre a açucena Que no horto alveja A borboleta Mansinha adeja Libando os pingos De orvalho brando Que a nuvem loura Vem salpicando Meneia os leques Por entre as flores 55 Que o ar perfumam Com seus olores Mimosos leques De cores finas Tela formosa Das mãos divinas Ora serena Pairando a flux Esmaltes mostra Do brilho à luz Ora nas águas Boiando vai Qual folha seca Que ao vento cai Ao vir da aurora Vai do jasmim Beijar a cútis Dalvo cetim Ao cravo à rosa Afagos presta Que a aragem sopra E o sol recresta Ao pôr da tarde Pousa em delírio Nas tenras folhas Do roxo lírio E o frágil corpo Em sono brando Que embala a brisa Que vem soprando Alívio encontra Na solidão Até que dalva Rompa o clarão QUEM SOU EU A Bodarrada65 Quem sou eu que importa quem Sou um trovador proscrito Que trago na fronte escrita Esta palavra Ninguém 56 Augusto Emílio Zaluar Dores e Flores Amo o pobre deixo o rico Vivo como o Ticotico Não me envolvo em torvelinho Vivo só no meu cantinho Da grandeza sempre longe Como vive o pobre monge Tenho mui poucos amigos Porém bons que são antigos Fujo sempre à hipocrisia À sandice à fidalguia Das manadas de Barões Anjo Bento antes trovões Faço versos não sou vate Digo muito disparate Mas só rendo obediência À virtude à inteligência Eis aqui o Getulino Que no plectro anda mofino Sei que é louco e que é pateta Quem se mete a ser poeta Que no século das luzes Os birbantes mais lapuzes Compram negros e comendas Têm brasões não das Calendas E com tretas e com furtos Vão subindo a passos curtos Fazem grossa pepineira Só pela arte do Vieira66 E com jeito e proteções Galgam altas posições Mas eu sempre vigiando Nessa súcia vou malhando De tratante bem ou mal Com semblante festival Dou de rijo no pedante De pílulas fabricante Que blasona arte divina Com sulfatos de quinina Trabuzanas xaropadas E mil outras patacoadas Que sem pingo de rubor Diz a todos que é DOUTOR Não tolero o magistrado Que do brio descuidado Vende a lei trai a justiça Faz a todos injustiça Com rigor deprime o pobre Presta abrigo ao rico ao nobre 57 E só acha horrendo crime No mendigo que deprime Neste dou com dupla força Té que a manha perca ou torça Fujo às léguas do lojista Do beato e do sacrista Crocodilos disfarçados Que se fazem muito honrados Mas que tendo ocasião São mais feros que o Leão Fujo ao cego lisonjeiro Que qual ramo de salgueiro Maleável sem firmeza Vive à lei da natureza Que conforme sopra o vento Dá mil voltas num momento O que sou e como penso Aqui vai com todo o senso Posto que já veja irados Muitos lorpas enfunados Vomitando maldições Contra as minhas reflexões Eu bem sei que sou qual Grilo De maçante e mau estilo E que os homens poderosos Desta arenga receosos Hão de chamarme tarelo Bode negro Mongibelo Porém eu que não me abalo Vou tangendo o meu badalo Com repique impertinente Pondo a trote muita gente Se negro sou ou sou bode Pouco importa O que isto pode Bodes há de toda a casta Pois que a espécie é muito vasta Há cinzentos há rajados Baios pampas e malhados Bodes negros bodes brancos E sejamos todos francos Uns plebeus e outros nobres Bodes ricos bodes pobres Bodes sábios importantes E também alguns tratantes Aqui nesta boa terra Marram todos tudo berra Nobres Condes e Duquesas Ricas Damas e Marquesas Deputados senadores Gentishomens veadores67 58 Belas Damas emproadas De nobreza empantufadas Repimpados principotes Orgulhosos fidalgotes Frades Bispos Cardeais Fanfarrões imperiais Gentes pobres nobres gentes Em todos há meus parentes Entre a brava militança Fulge e brilha alta bodança Guardas Cabos Furriéis Brigadeiros Coronéis Destemidos Marechais Rutilantes Generais Capitãesdemareguerra Tudo marra tudo berra Na suprema eternidade Onde habita a Divindade Bodes há santificados Que por nós são adorados Entre o coro dos Anjinhos Também há muitos bodinhos O amante de Siringa Tinha pêlo e má catinga O deus Mendes pelas costas Na cabeça tinha pontas Jove quando foi menino Chupitou leite caprino E segundo o antigo mito Também Fauno foi cabrito Nos domínios de Plutão Guarda um bode o Alcorão Nos lundus e nas modinhas São cantadas as bodinhas Pois se todos têm rabicho Para que tanto capricho Haja paz haja alegria Folgue e brinque a bodaria Cesse pois a matinada Porque tudo é bodarrada O JANOTA Sou bonito sou da moda Chibatão de belo gosto Sou gamenho tendo garbo Porte airoso e bem composto Vivo alegre passo à larga 59 Tenho trinta namoradas Dez viúvas seis donzelas Sete velhas não casadas Quatro negras cinco cabras Sem contar certa mulata E a vizinha que é zanaga Com seu beque68 de fragata Aias amas e criadas Das matronas que apontei Baronesas e Condessas E mais outras que eu só sei Dos janotas sou modelo Figurino abaloado Calça larga mangas fofas Cabelinho bem frisado A luneta ao olho presa Sapatinho envernizado Casaquim à Dom Murzelo E o casquete afunilado Faço andar em roda viva Mil cabeças dalto bordo Mas se um vil credor esbarro Foge o sonho então acordo E de Rodes qual colosso Fico mudo altivo e quedo Ouço a lenda impertinente Sem tugir como um penedo Após um vem grosso bando Este grasna aquele ruge Rosna o lorpa taberneiro Todo o resto orneja e muge Perfilando o colarinho Que da orelha passa além Corro a mão nas algibeiras Mas não puxo nem vintém Berra o criado Grita o barbeiro Quero dinheiro Que frioleira Eu que sem gimbo69 Ando pulando 60 Vou me safando Que pagodeira Eis que de um canto Salta raivosa A gordurosa Da cozinheira Pede os salários Fala em tomate Eu em remate Doulhe a traseira Chora de raiva Pobre coitada Que vinagreira Eu sou da moda Chupo o meu trago Como o não pago Por brincadeira E se há quem diga Que sou tratante Sagaz birbante É maroteira Porque só finto Parvos mascates Maus alfaiates Por bandalheira Também por mofa Logro os lojistas Foros cambistas De mão ligeira Abelhas mestras Ratões livreiros Os sapateiros E a engomadeira Que santa vida Meu anjo Bento Oh que portento Que pepineira Sempre folgando Sem ter cuidado Ser namorado Que pagodeira Quem deve e paga Não tem miolo É parvo é tolo 61 Não tem bom tino Viva a chibança Vá de tristeza Morra a pobreza Que isto é divino LAURA Aqui ó Laura No teu jardim Pétalas colho Dalvo jasmim Delas rescende Doce fragrância Quais meigos sonhos Da tua infância As plúmbeas nuvens Já fugitivas Os ermos buscam Serras esquivas Plácida lua Nos Céus alveja Prateia os lagos E as flores beija Aqui ó Laura Teus olhos garços Na linfa clara Nos Céus esparsos Lânguidos brilham Nestas estrelas Que as brandas ondas Retratam belas Na cor de rosa A luz da lua Risonha vejo A face tua Carmíneos lábios Nos rubros cravos Que nhástea pendem Quais melios favos Teu níveo colo Na estátua erguida 62 Do amor de Tasso Da bela Arminda Na onda breve O arfar do seio Que a aragem move Com brando enleio Dos malmequeres Áureos novelos Os anéis fingem Dos teus cabelos Da violeta Na singeleza Tua alma vejo Tua pureza Erguete ó Laura Do brando leito Dáme em teu peito De amor gozar Um volver dolhos Um beijo apenas Entre as verbenas Do teu pomar Não fujas Laura Vem a meus braços Levame vida Nos teus abraços Lá surge um Anjo Oh Céus é ela Estrela vésper De luz singela Cobrelhe os membros Alva roupagem Que manso agita Suave aragem Longos cabelos Belos se estendem E em ondas de ouro Dos ombros pendem A ela corro Tento abraçála Recurvo os braços 63 Mas sem tocála Era um Arcanjo De aéreo sonho No ar perdeuse Ledo e risonho Laura formosa No leito estava Dos meus lamentos Só desdenhava Já a luz do dia Renasce além Debalde espero Laura não vem Não têm meus versos Beleza tanta Que ouvilos possa Quem tudo encanta Naquele peito De olente flor Paixões não entram Não entra amor Era uma estátua exemplo de beleza E como ela de mármor tinha o peito QUE MUNDO É ESTE Que mundo que mundo é este Do fundo seio destalma Eu vejo que fria calma Dos humanos na fereza Vejo o livre feito escravo Pelas leis da prepotência Vejo a riqueza em demência Postergando natureza Vejo o vício entronizado Vejo a virtude caída E de coroas cingida A estátua fria do mal Vejo os traidores em chusma Vendendo as almas impuras 64 Remexendo as sepulturas Por preço dáureo metal Vejo fidalgos destopa Ostentando os seus brasões Feio enxerto de dobrões Nos troncos da fidalgia Vejo este mundo às avessas Seguindo fatal derrota Em quando farfante arrota Podres grandezas de um dia Brônzea estátua o rico surdo Aos tristes ais da pobreza Amostra com vil rudeza Uma burra aferrolhada Manequim de estupidez No orgulho vão da cobiça Tem por divisa cediça Alguns vinténs e mais nada O poder é só dos Cresos A ciência é de encomenda Sem capital e sem renda Com pouco peso o que val 70 Talentos palavrões ocos Que nunca deixaram saldo Não há sustância no caldo Que não tempera o metal Sisudez que feia máscra71 Isso é peste isso é veneno Se é pobre nasceu pequeno Quem aspira a posição Não vê que é grande toleima Querer subir sem moeda Pois não escapa de queda Quem teve um leito no chão Que se empertigue enfunado Algum sandeu que traz marca Reparem que a bisca embarca Que leva à vela o batel E o povo que o vê fulgindo Com lantejoulas brilhantes Não olha pra o que foi dantes E nem lhe enxerga o xarel72 E o mais é que zune e grasna O pateta aparvalhado 65 Parece que é deputado Os ministros fulminando Grita berra espinoteia Calunia faz intriga Mas logo fala a barriga E vai a teta chupando Digam lá o que quiserem Fale embora o maldizente Eu bem sei que tudo mente Sei que o mundo tem razão Se eu tivesse na algibeira Alguns cobres que ventura Mudava o nome a figura Ficava logo Barão O BARÃO DA BORRACHEIRA Quando pilho um desses nobres Ricos só dáureo metal Mas despírito tão nobres Que não possuem real Não lhes saio do costado Sei que é trabalho baldado Porque a pele dura tem Mas eu fico satisfeita Que o meu ferrão só respeita A virtude e mais ninguém Faustino Xavier de Novais A Vespa Na Capital do Império Brasileiro Conhecida pelo Rio de Janeiro Onde a mania grave enfermidade Já não é como dantes raridade E qualquer paspalhão endinheirado De nobreza se faz empanturrado Em a rua chamada do Ouvidor Onde brilha a riqueza o esplendor A porta de um modista de Paris Lindo carro parou Número X Conduzindo um volume na figura Que diziam alguns ser criatura Cujas formas mui toscas e brutais Assemelhamna brutos animais Mal que da sege salta73 a raridade Retumba a mais profunda hilaridade Em massa corre o povo apressuroso Para ver o volume monstruoso De espanto toda gente amotinada 66 Dizia ser coisa endiabrada Uns afirmam que o bruto é um camelo Por trazer no costado cotovelo É asno diz um outro anda de tranco Apesar do focinho dursobranco Ser jumento aquele outro declarava Porque longas orelhas abanava Recresce a confusão na inteligência O bruto não conhecem dexcelência Mandam vir do Livreiro Garnier Os volumes do grande Couvier Buffon Guliver Plínio Columela Morais Fonseca Barros e Portela Volveram dalto a baixo os tais volumes Com olhas de luzentes vagalumes E desta nunca vista raridade Não puderam notar a qualidade Vencido de voraz curiosidade O povo percorreu toda cidade As caducas farmácias livrarias As boticas e vãs secretarias E já todos a fé perdido tinham Por verem que o brutal não descobriam Quando idéia feliz e luminosa Na cachola brilhou dum Lampadosa Que excedendo em carreira os finos galgos Lá foi ter à Secreta dos fidalgos E dizem que encontrara registrado O nome do colosso celebrado Era o grande Barão da Borracheira Que seu título comprou na régia feira A CATIVA Uma graça viva Nos olhos lhe mora Para ser senhora De quem é cativa Camões Como era linda meu Deus Não tinha da neve a cor Mas no moreno semblante Brilhavam raios de amor Ledo o rosto o mais formoso De trigueira coralina De Anjo a boca os lábios breves 67 Cor de pálida cravina Em carmim rubro engastados Tinha os dentes cristalinos Doce a voz qual nunca ouviram Dúlios bardos matutinos Seus ingênuos pensamentos São de amor juras constantes Entre a nuvem das pestanas Tinha dois astros brilhantes As madeixas crespas negras Sobre o seio lhe pendiam Onde os castos pomos de ouro Amorosos se escondiam Tinha o colo acetinado Era o corpo uma pintura E no peito palpitante Um sacrário de ternura Límpida alma flor singela Pelas brisas embalada Ao dormir dalvas estrelas Ao nascer da madrugada Quis beijarlhe as mãos divinas Afastoumas não consente A seus pés de rojo pusme Tanto pode o amor ardente Não te afastes lhe suplico És do meu peito rainha Não te afastes neste peito Tens um trono mulatinha Vilhe as pálpebras tremerem Como treme a flor louçã Embalando as níveas gotas Dos orvalhos da manhã Qual na rama enlanguescida Pudibunda sensitiva Suspirando ela murmura Ai senhor eu sou cativa Deume as costas foise embora Qual da tarde do arrebol Foge a sombra de uma nuvem 68 Ao cair da luz do sol SONETO Sob a copa frondosa e recurvada De enorme gameleira Secular Sentado numa ufa a se embalar Estava certa moça enamorada Eis que rola dos ramos inflamada Tremenda jararaca a sibilar Fica a jovem na corda sem parar Como a Ninfa de amor eletrizada Anjo Bento exclamaram os circunstantes Foge a cobra de horrenda catadura Os olhos revolvendo coruscantes Mas a bela moçoila com frescura Num sorriso acrescenta é das amantes Nem das serpes temer a picadura NOVO SORTIMENTO DE GORRAS PARA A GENTE DE GRANDE TOM De repente magoado Da carapuça maldita Qual possesso o pobre grita Contra o fabricante ousado Debalde o artista coitado Já de receio convulso Quer provar que nobre impulso O move quando trabalha A carapuça que talha Ninguém crê ser feita avulso Faustino Xavier de Novais Se estudante que vive à barba longa Excedendo no grito uma araponga Braveja contra o fero despotismo No lethes sepultando o servilismo E depois quando chega a ser doutor Se transforma em cediço adulador Permuta consciência por dinheiro E se faz do Governo fraldiqueiro Não te espantes Leitor desta mudança São milagres da Deusa da pitança 69 Se vires um tratante ou embusteiro Com tretas iludindo ao mundo inteiro A todos atirando horrendo bote Sem haver quem o coce a calabrote Se vires o critério desprezado O torpe ratoneiro empoleirado Orelhudos jumentos de gravatas E homens de saber a quatro patas Não te espantes Leitor da barbaria Que é Deusa do Brasil a bruxaria Se dormem de bolor encapotadas Roídas do gusano esfarrapadas Nossas Leis sentinelas vigilantes Dempregados remissos e tratantes Se o Júri criminal da nossa terra Postergando o direito sempre aberra Punindo com rigor pobres mofinos E dando liberdade aos assassinos Chiton pio Leitor não digas nada A Lei cá no Brasil é patacoada Se perluxo e dengoso magarefe Com passinhos de dança tefetefe Entre as damas pretende ser Cupido Mas chupando codilho sai corrido Se um varão de coroa digo Padre Por obra do divino ca comadre Fabrico deu filhinho por brinquedo Impinge no marido psiu segredo É que sobre a sacristia mais constante Imperam os decretos de Tonante Se o pobre do trabalho extenuado Num dia de prazer fica monado E a ronda que tropeça e cambaleia Encaixa o miserando na cadeia Se fortes Brigadeiros Coronéis Habitam as tabernas e hotéis A gente do bomtom os Deputados Se torram e não saem encarcerados É que a pinga entre nós esta vedada Àqueles que não têm gola bordada Se o maçante orador estuporado Ardente por chupar seu apoiado Excita o apetite à parceirada Com cediça modéstia enfumaçada E depois diz que a rosa tem perfume Que esvoaça de noite o vagalume 70 Que o tabaco se toma pelas ventas E que as coisas benzidas ficam bentas É que fofa sandice os disparates Empanturram a casa dos orates Se um tolo aparvalhado sem juízo Se arvora em literato dimproviso Arrota erudição em pleno dia Esbarra de nariz na ortografia E outros que nas letras são mofinos Vão mostrando ao pateta os desatinos Curvandose ao provérbio mui sabido Que o farrapo se ri do descosido É que os cegos não andam pelos nobres Mas seguros à mão dos outros pobres Se o homem que nasceu pra sapateiro E em direito pretende ser Guerreiro Sovelando de rijo no Lobão Ferra o dente na velha Ordenação Se o lorpa que nasceu para jumento Não tendo cinco réis de entendimento Banido da ciência bestalhão Por força do dinheiro sai Barão É que a honra a virtude a inteligência Não passam de estultícia ou vil demência Se erudito doutor filosofal Querendo dar noções do animal Nos demonstra que a pata põe o ovo E dele brota o pinto ainda novo Que segundo os regimes da natura Difere do cavalo na figura E metido entre a cruz e a caldeirinha Vai dar coa explicação lá na casinha É que o néscio chegou a sabichão Por milagre de santa proteção Se torto alambazado palrador Mais tapado que chucro borrador Testo imbróglio tecendo impertinente De camelo que era se faz gente E cansando os humanos com sandices Por verdades impinge parvoíces Já roncando saber qual tempestade Ser nas letras pretende potestade É que o néscio coitado não trepida Sobre os ares formar pétrea guarida Se esquentado patola às Musas dado 71 Vai a esmo trovando sem cuidado E cedendo aos arroubos do talento Mais rápido se faz que o rijo vento E os pólos devassando mui lampeiro Sustenta que Netuno foi barbeiro Escrevendo tolices de pateta Consegue sem o Crisma ser poeta É que Apolo sustenta bizarria E cavalos precisa à estrebaria Eu que inimigo sou do fingimento Em prosa apoquentado sem talento Apenas soletrando o b a bá Empunho temeroso o maracá Não posso suportar fofos Barões Que trocam a virtude por dobrões Qual vespa esvoaçando atroz picante Com sátira mordaz sempre flamante Picando picarei por toda a parte Se a tanto me ajudar ferrão e arte RETRATO DE UM SABICHÃO Vá de retrato Por consoantes Que eu sou Timantes De um nariz de Tucano cor de Pato Gregório de Matos Telas desprezo Liso marfim Rubro carmim Para a cara pintar do estulto Creso Só quero Apeles Lápis grosseiro Negro tinteiro Que o lorpa que retrato é muito reles Em roto esquife Traço o desenho Com tal empenho Que esculpo de improviso tal patife Ventas de mono Olhar sisudo Altivo e mudo Como quem de pensar perdera o sono Fronte quadrada 72 Tendo de espeque Um curvo beque74 Pendente da caraça mal chanfrada Nariz de vara E companhia Que em pleno dia Conserva noite escura em toda cara Franzida a testa Longas beiçolas Tem o tal bolas Que os lares de Minerva horrendo empesta Grandes orelhas De burro velho E um chavelho Sobre a colmeia de áticas abelhas Hirsuto o pêlo De porcoespinho Lato o focinho Que de vaca não é nem de camelo Olhos vidrados Entre altaneira Negra viseira Que dois montes parecem recurvados Rubras bochechas Engorduradas75 E tão inchadas Que parecem de mero amplas ventrechas Rotunda a pança Azabumbada Que em trovoada Traz o gordo cetáceo em contradança Pernas de croque Atesouradas E tão vergadas Que dois arcos parecem de bodoque Fofo beócio Com ar de nico76 Grosseiro mico Entre os sábios metido a capadócio Toma juízo 73 Deixa a luneta Torto cambeta Que essa tosca figura causa riso Não sejas tolo Deixa o Baucher E Pothier Tens vazia a cachola sem miolo Não toma esturro Bruto eiviçon Larga o Rogran Que eu já vi de pensar morrer um burro Toma o conselho Que te hei dado Marcha tapado Vai mirar essa cara num espelho NUM ÁLBUM É mania Ora quer porque quer o meu amigo O perluxo e dengoso Zé Maria Que eu mil versos troveje retumbantes Num álbum que possui só por mania Não vê nem pensa O caro amigo Que a musa esquiva Não toma abrigo No teso crânio De um mau tarelo Que por miolos Só tem farelo Bem sei que a estupidez de enormes patas Qual Ícaro pateta aos ares voa Mas sem tino perdida entre as esferas Naltas nuvens tropeça e cai àtoa Assim capengas Qualificados Vão rabiscando Entusiasmados Gostosos versos Com reumatismo Que bichas pedem E sinapismo Porém o que fazer em tais apuros 74 Se o amigo reclama versalhada Traçar sobre o papel com mão singela O retrato da Bela sua amada Potentes versos Requer o caso Do grande Homero Torquato ou Naso Silêncio ó Vates Que eu vibro a lira Ciprina treme E amor suspira Tem rosto ameloado é pão de broa Nariz de funil velho acachapado Por sobrolhos altivas ribanceiras Pescoço de cegonha esgrouvinhado Limosos dentes De cor incerta A boca torta Que mal se aperta Pendidos beiços Abringelados Onde o Cazuza Põe seus cuidados O corpo é um tonel empanzinado Por pés tem duas lanchas ou saveiros Por braços mastaréus sem cordoalhas Por tetas dois terríveis travesseiros Tem barbatanas Como baleia Carão enfim De luacheia Renga de um quarto A gâmbia esguia Eis por quem morre O Zé Maria Não cores meu amigo do retrato Pois que a Ninfa é prendada tem dinheiro É filha de um Barão homem de peso Que do teu velho pai foi cozinheiro Cerra os ouvidos Aos que murmuram Parvos beócios Que a raça apuram Empolga a chelpa Fazte bizarro Dá na pobreza Um forte esbarro 75 MINHA MÃE Minha mãe era mui bela Eu me lembro tanto dela De tudo quanto era seu Tenho em meu peito guardadas Suas palavras sagradas Cos risos que ela me deu Junqueira Freire Era mui bela e formosa Era a mais linda pretinha Da adusta Líbia rainha E no Brasil pobre escrava Oh que saudades que eu tenho Dos seus mimosos carinhos Quando cos tenros ilhinhos Ela sorrindo brincava Éramos dois seus cuidados Sonhos de sua alma bela Ela a palmeira singela Na fulva areia nascida Nos roliços braços de ébano De amor o fruto apertava E à nossa boca juntava Um beijo seu que era a vida Quando o prazer entreabria Seus lábios de roixo lírio Ela fingia o martírio Nas trevas da solidão Os alvos dentes nevados Da liberdade eram mito No rosto a dor do aflito Negra a cor da escravidão Os olhos negros altivos Dois astros eram luzentes Eram estrelas cadentes Por corpo humano sustidas Foram espelhos brilhantes Da nossa vida primeira Foram a luz derradeira Das nossas crenças perdidas Tão terna como a saudade No frio chão das campinas Tão meiga como as boninas Aos raios do sol de Abril 76 No gesto grave e sombria Como a vaga que flutua Plácida a mente era a Lua Refletindo em Céus de anil Suave o gênio qual rosa Ao despontar da alvorada Quando treme enamorada Ao sopro daura fagueira Brandinha a voz sonorosa Sentida como a Rolinha Gemendo triste sozinha Ao som da aragem faceira Escuro e ledo o semblante De encantos sorria a fronte Baça nuvem no horizonte Das ondas surgindo à flor Tinha o coração de santa Era seu peito de Arcanjo Mais pura nalma que um Anjo Aos pés de seu Criador Se junto à cruz penitente A Deus orava contrita Tinha uma prece infinita Como o dobrar do sineiro As lágrimas que brotavam Eram pérolas sentidas Dos lindos olhos vertidas Na terra do cativeiro NO CEMITÉRIO DE S BENEDITO Da cidade de S Paulo Também do escravo a humilde sepultura Um gemido merece de saudade Ah caia sobre ela uma só lágrima De gratidão ao menos Dr Bernardo Guimarães Em lúgubre recinto escuro e frio Onde reina o silêncio aos mortos dado Entre quatro paredes descoradas Que o caprichoso luxo não adorna Jaz de terra coberto humano corpo Que escravo sucumbiu livre nascendo Das hórridas cadeias desprendido Que só forjam sacrílegos tiranos Dorme o sono feliz da eternidade 77 Não cercam a morada lutuosa Os salgueiros os fúnebres ciprestes Nem lhe guarda os umbrais da sepultura Pesada laje de espartano mármore Somente levantado em quadro negro Epitáfio se lê que impõe silêncio Descansam neste lar caliginoso O mísero cativo o desgraçado Aqui não vem rasteira a vil lisonja Os feitos decantar da tirania Nem ofuscando a luz da sã verdade Eleva o crime perpetua a infâmia Aqui não se ergue altar ou trono douro Ao torpe mercador de carne humana Aqui se curva o filho respeitoso Ante a lousa materna e o pranto em fio Cailhe dos olhos revelando mudo A história do passado Aqui nas sombras Da funda escuridão do horror eterno Dos braços de uma cruz pende o mistério Fazse o cetro bordão andrajo a túnica Mendigo o rei o potentado escravo 1 Atualmente o nome do poeta 14921556 costuma ser atualizado para Aretino porém neste caso perderia a rima 2 Instrumento musical africano usado no candomblé e na capoeira 3 Ciência misteriosa exclusiva dos sacerdotes do candomblé 4 Galfarros de etimologia espanhola guarda dois sentidos oficial de políciabeleguim ou comilão Considerando o primeiro sentido o verso pediria vírgula e ficaria Galfarros Diplomatas chuchadores No segundo sentido o adjetivo qualificaria o substantivo que o segue e seria grafado sem vírgula Galfarros Diplomatas chuchadores Em ambos os casos chuchadores qualificariam os espertos eleitores de encomenda e o que segue nos versos acima do destaque 5 Nota do autor Danças animadas às quais presidem os seres transcendentais 6 Na edição de 1859 Já nos fúlgidos umbrais segundo Lígia Fonseca Ferreira 7 Na edição de 1859 Trajando púrpura majestoso vinha segundo Ferreira 8 Na edição de 1859 E com furtiva luz sumidas iam segundo Ferreira 9 No original endeixas 10 Cresos rei da Lídia famoso pela sua riqueza proveniente das areias auríferas do seu reino 11 Planta com propriedades purgativas 12 Na edição de 1859 louco ao invés de lorpa 13 Alusivo a macadame calçamento de pedras para cobrir as enlameadas ruas das cidades brasileiras novidade inventada por John London MacAdams segundo Ferreira 14 Na edição de 1859 abismando no lugar de sepultando 15 Na edição de 1859 o verso está Dos povos apregoa a igualdade 16 Na edição de 1859 a estrofe tem a apresentação Abremse as portasEntra o velhoteQual de azeitonasGrosso ancorote 17 Variação de falatório 18 Por cupidinárias 19 Estúpido 20 Filinto Elísio pseudônimo árcade do padre Francisco Manuel do Nascimento 17341819 21 Na edição consultada está Cost 22 Na edição consultada o verso termina em 78 23 Na edição de 1859 Calcando as algemas férreas 24 Janota malandro indivíduo afetado 25 Fanfarrão 26 Forma antiga e popular para pílulas Notese que Morais Silva registra pírulas no plural como equivalente a pessoa tola ou esquisita 27 Compositor de trabuzanas eqüivaleria à um compositor de melodias confusas e desmedidas 28 Médico e filósofo árabe 11261198 29 Capenga 30 Raquítico 31 Relativo a hirto 32 No original em minúscula 33 Uma forma arcaica de aspecto segundo Ferreira 34 No original A tramontana 35 Manquejantes coxas 36 Rodamoinho 37 Os dicionários modernos preferem a forma pexote e aceitam pixote Entretanto foi mantida a forma da edição consultada para que se mantivesse a rima com o verso seguinte na forma proposta ali 38 O mesmo se aplica para Quixote mesmo registrandose que esta segunda forma segue a grafia do nome do herói grafada na capa da primeira edição do romance em língua espanhola 39 Tendo em vista o assunto de que tratam os versos descretou seria uma combinação entre excretou com o referido decretou para aludir aos efeitos das pírulas Corrigido para decretou por Ferreira porém ficamos com a provável licença poética 40 Equivalente à furtiva pálida 41 A forma culta contemporânea prefere berimbau porém foi mantida a forma popular 42 No original A menos 43 Na edição de 1859 está escurecido segundo Ferreira 44 Na edição de 1859 o último verso está E rotunda a cabeça mas vazia segundo Ferreira 45 Na edição de 1859 o verso está Elogios frondosos em jornais segundo Ferreira 46 Na edição de 1859 o verso está Igualam no saber o vinhateiro segundo Ferreira 47 Na edição de 1859 os dois últimos versos estão E na festa da glória o mundo veja Que do Pundo ao Panaso o cume beija segundo Ferreira 48 Enganador 49 Relativo a ficar preto ou negro 50 Magra desalinhada 51 Sumaca se refere à carneseca magreza extrema e desarmada é relativa ao verbo desestruturar desmontar 52 Trouxa de retalhos e roupas velhas 53 Na edição de 1859 o verso está Que de Pompéia sumiu a pobre gente segundo Ferreira 54 Na edição de 1859 os dois últimos versos estão E na boça rotunda da cachola Só dizem que preside a craminhola segundo Ferreira 55 Na atualidade a grafia foi corrigida para sacripanta porém neste caso a rima sofreria prejuízo 56 Antipotente como está na edição de Romão da Silva funcionaria regido pelo prefixo anti referente a contrário oposição Altipotente como indica Ferreira funcionaria regido pelo prefixo alti referente a elevado superior 57 Faixa de tecido que o sacerdote usa nas liturgias 58 Grafia utilizada na edição consultada 59 Não foi encontrado a referência para godêmia Houaiss apresenta godeme como referente a inglês habitantes da Inglaterra que vieram ao Brasil a partir da abertura dos portos e Morais Silva apresenta godenho como designando cascas de uva 60 Uma referência a d Pedro II cuja preferência gastronômica era a canja 61 Na edição de 1859 Que com quatro discursos sem tempero segundo Ferreira 62 Na edição de 1859 alargatado ao invés de aparvalhado segundo Ferreira 63 Na edição de 1859 já acabouse segundo Ferreira 64 Percevejo 65 Sob o título que vai apresentado entre parênteses este é o poema mais famoso de Luís Gama 66 Padre Antônio Vieira denunciava em seus Sermões os desmandos da colonização portuguesa Um destes textos recebeu o título de A arte de furtar 67 Servidor da corte 79 68 A edição de Romão da Silva grafa breque equivalente à freio ou carruagem Ferreira corrige para beque equivalente a narigão preferido aqui 69 Variação de jimbo aceita pelo Dicionário Houaiss 70 Val por vale para rimar com metal quatro versos adiante 71 A edição de Romão da Silva corrige para máscara Nós ficamos com a forma da edição consultada 72 O mesmo que xairel relativo à xale ordinário ou vestido velho 73 Na edição de 1859 está sai segundo Ferreira 74 Nariz grande 75 Na edição consultada está no masculino mas neste caso perderia a rima 76 No sentido bocageano nico eqüivaleria à diabo conforme o verso Faz caretas ao povo com ar de nico soneto 353 Obras Poéticas volume I