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Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 1 TEORIAS DO LAZER E MODERNIDADE PROBLEMAS E DEFINIÇÕES Recebido em 10012009 Aceito em 20052009 Cleber Augusto Gonçalves Dias Universidade Federal de Goiás UFG Goiânia GO Brasil RESUMO Este trabalho quer discutir os limites e as possibilidades das proposições teóricas que apresentam o lazer enquanto um fenômeno moderno Mais particularmente o objetivo aqui é identificar as fontes intelectuais de tais teorias as concepções majoritárias em que se registra o emprego dos conceitos de modernidade ou de sociedade moderna bem como as suas respectivas implicações para os estudos do lazer especialmente no âmbito de pesquisas históricas mais especificamente PALAVRASCHAVE História Lazer Modernidade THEORIES OF THE LEISURE AND MODERNITY PROBLEMS AND DEFINITIONS ABSTRACT This work wants to argue the limits and the possibilities of the theoretical proposals that present the leisure while a modern phenomenon More particularly the objective is to identify the intellectual sources of such theories the mains conceptions where if the job of the concepts of modernity or modern society registers there as well as its respective implications for the studies of the leisure especially in the scope of historical research more specifically KEYWORDS History Leisure Modernity Esse trabalho está articulado com a pesquisa sobre a história do lazer na natureza que estou atualmente desenvolvendo para o doutoramento na Faculdade de Educação Física da Unicamp sob a orientação da Professora Heloísa Reis e com o apoio do CNPq Recentemente tentei sumariar algumas das idéias que estão apresentadas aqui numa palestra dos Ciclos de Debate sobre o Lazer realizado naquela Faculdade e cujo tema fora justamente Lazer e Modernidade Nesse sentido meus mais sinceros agradecimentos ao Grupo de Estudo e Pesquisa em Políticas Públicas e Lazer GEPL que organiza o evento e que me honrou com o convite As discussões que se seguiram além das interlocuções com toda aquela galera com quem tenho convivido muito proximamente me animaram decisivamente a escrever esse artigo Gostaria de agradecer também a meu querido amigo e mestre Victor Melo que empreendeu uma criteriosa leitura preliminar desse trabalho e endereçoulhe valiosas críticas que muito provavelmente ainda não fui capaz de incorporar Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 2 O Historiador é o Rei Nós que aqui estamos por vós esperamos No âmbito dos estudos do lazer temse geralmente associado à ascensão deste fenômeno à ascensão da própria modernidade É comum vermos afirmações que enfatizam tais vínculos dizendo que o lazer é produto de uma sociedade industrial ou ainda que foi produzido pela Revolução Industrial Do mesmo modo destacamse sempre as diferenças que o separam e o singularizam de outros fenômenos semelhantes e em certa medida equivalentes como é o caso do ocium romano ou do skholé grego O problema nesse caso não é tanto o de afirmar que o lazer é um fenômeno social especificamente moderno senão o de especificar em que medida exatamente ele o é Em outras palavras a questão principal parece ser a de definir mais precisamente o que se entende por modernidade nesses casos ou em que acepção este conceito está sendo empregado O propósito deste trabalho é justamente o de discutir os limites e as possibilidades apresentadas por questões dessa ordem Avançando pretendese aqui identificar as fontes intelectuais de tais teorizações bem como suas implicações para os estudos do lazer Lazer e modernidade A proposição de que o lazer é um fenômeno produzido e engendrado nos interstícios da sociedade moderna constituise hoje como uma tradição interpretativa majoritária podese dizer Em 1976 no momento de consolidação internacional de um campo acadêmico especializado Stanley Parker já fazia um diagnóstico nessa direção Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 3 Segundo ele a afirmação de que o lazer é essencialmente um produto da sociedade moderna tem sido apresentada por vários autores e pesquisadores PARKER 1978 p 33 Já nesse sentido poderíamos começar citando o próprio Stanley Parker que também inseria seu trabalho nesse prisma ao postular que o advento da sociedade industrial trouxe formas características de nãotrabalho assim como de trabalho a partir das quais evoluíram as atuais instituições de lazer PARKER p 1415 Mais ou menos do mesmo modo Joffre Dumazedier 1999 afirmava que o lazer possui traços específicos características da civilização nascida da Revolução Industrial p 26 Esses são dois bons exemplos pois além de emblemáticos dizem respeito a nomes que exerceram grande influência internacional na marcação teórica dos debates sobre o assunto No Brasil mais especificamente a presença mais ou menos constante de Dumazedier a partir de 1961 acompanhada pela tradução de alguns de seus livros parece ter sido decisiva para a penetrabilidade de suas idéias Mais que isso talvez sua presença encorajou a institucionalização formal de uma área investigativa e de atuação especializada De modo geral no entanto o lazer é tematizado desde o início do século XIX Inicialmente não como um objeto de estudo evidentemente pois nessa época nem a sociologia existia ainda institucionalmente como uma disciplina acadêmica Suas primeiras aparições são como um problema social Entre o final do século XVIII e início do XIX uma das principais preocupações das classes dirigentes inglesas onde o modo de produção industrial amadureceu de forma pioneira era a de como inculcar no populacho a disciplina necessária ao trabalho fabril Estratégias para a conformação a uma rotina monótona repetitiva e Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 4 mecanizada se constituíram então como o mote modernizador daquele período As casas de trabalho na Inglaterra talvez seja o melhor exemplo desse esforço disciplinador de difundir um relógio moral entre os trabalhadores cujos dispositivos resultavam justamente na autodisciplina na condenação da ociosidade e no controle de si mesmo CROWTHER 1982 DRIVER 1993 Já na segunda metade do século XIX com aquelas condições de vida e de trabalho disseminandose cada vez mais aparecem às primeiras elaborações mais sistemáticas sobre o lazer que passa a ser entendido como um tempo disponível depois das ocupações como é o caso da definição oferecido segundo Dumazedier 2004 pelo Dictionnaire de la langue Française de Maximilien Littré dos anos 1860 Apesar das inegáveis ampliações e sofisticações que tais significados testemunharam desde então seu fundamento básico e elementar se reproduziu amplamente até os dias de hoje Assim os modos de enquadramento e de definição do lazer estão e estiveram sempre estritamente relacionados ao tempo de trabalho De acordo com Alain Tomlinson 1996 O TRABALHO a partir do século XIV estava ficando mais estritamente definido como tempo pago como tarefa medida e contratada mediante salário e as atividades de tempo ocioso eram vistas como as espécies de atividade a que uma pessoa poderia dedicarse longe das obrigações de trabalho p 533 Uma vez que é a nova condição de trabalho mobilizada pela manufatura de grande escala a principal referência com a qual e contra a qual se define o que é lazer entendido sempre como resultado de forças desencadeadas pelo mundo moderno será uma implicação bastante óbvia que a indústria seja tomada como a unidade de análise mais fundamental para a sua caracterização É esse o caso das concepções que emergem das reflexões de alguns dos principais teóricos do lazer como Parker e Dumazedier por Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 5 exemplo 1978 1999 respectivamente Em ambos a sociedade moderna está concebida implicitamente como a feição do industrialismo É o advento de uma revolução ou de uma sociedade industrial que são apresentados como condição para o surgimento do lazer enquanto tal De outra forma mas dentro ainda desta perspectiva podemos identificar outra maneira de conceber a modernidade e conseqüentemente o lazer São proposições que a relacionam não tanto ao industrialismo mas muito mais ao capitalismo Partindo dessa premissa essas teorizações sobre o lazer argumentarão que o seu aparecimento está associado à instauração de uma nova disciplina do ritmo de trabalho Desse modo é quando o tempo dos homens passa a ser marcado e controlado a partir do ritmo da máquina e motivado pelos interesses do capital que vai se notar uma separação mais rígida e claramente definida entre os momentos de trabalho e de nãotrabalho caracterizando assim o lazer É justamente quando o trabalho começa a tornarse mercadoria começa a ser vendido que as questões de tempo e espaço adquirem novos significados GEBARA 1997 p 66 Pensamento sociológico e teorias do lazer Grosso modo essas formas de abordagem correspondem e podem ser relacionadas a grandes matrizes do pensamento sociológico Primeiro a noção de que o traço distintivo das sociedades modernas está no seu modo de produção industrial algo particularmente caro às teorias sociológicas de Durkheim 2008 Para ele a singularidade do mundo moderno encontrarseia na complexa divisão social do trabalho promovida pela indústria Destacando a primazia das funções econômicas Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 6 Durkheim 2008 afirmava que as nossas sociedades são ou tendem a ser essencialmente industriais p 34 Já dentro de uma inspiração marcadamente marxista a transição para uma sociedade moderna não se faz apenas do sistema manufatureiro para o industrialismo mas sim para o capitalismo industrial THOMPSON 1998 p289 Nesse caso é o sistema capitalista portanto que será tomado como o grande agente catalisador das mudanças Conseqüentemente a existência de um tempo de nãotrabalho é a implicação óbvia da existência de um tempo de trabalho modulado nesses termos pelo processo de controle divisão e medição do tempo típico ao próprio desenvolvimento capitalista Em outras palavras a profunda cisão entre trabalho e tempo livre no limite responsável pela própria constituição do lazer moderno se efetivou mediante uma nova concepção de tempo contrária aos ciclos naturais e concebida ao invés disso como uma medida abstrata capaz de ser conferida e calculada DECCA 2002 p 62 Obviamente a identificação desses elementos teóricos está sendo feita aqui de maneira bastante esquemática pois na prática alguns de seus aspectos convergem e guardam entre si algumas similaridades Durkheim 2008 por exemplo reconhecia a primazia das funções econômicas de maneira mais ou menos semelhante à Marx 2003 mas segundo ele a diferenciação das profissões e a multiplicação das ocupações não eram motivadas pelo interesse no lucro Nas suas palavras a produtividade maior é apenas uma conseqüência necessária uma contrapartida do fenômeno Se nos especializamos não é para produzir mais mas para poder viver nas novas condições de existência que surgem No sentido inverso Marx 2003 reconhecia à moda de Durkheim 2008 embora antes dele que o homem moderno era um homem especializado com formação Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 7 específica voltada a uma profissão particular Todavia suas análises comportavam uma interpretação econômica da história e nesse sentido o modo de pensar dos homens ou qualquer outro aspecto da vida social que não a economia não poderia ter supremacia explicativa É o movimento das forças produtivas e das relações de produção que estruturam a sociedade Nas suas próprias palavras A estrutura econômica da sociedade o fundamento real sobre o qual se levanta um edifício jurídico e político e ao qual respondem formas determinadas da consciência social O modo de produção da vida material domina em geral o desenvolvimento da vida social política e intelectual Não é a consciência dos homens que determina sua existência mas ao contrário é sua existência social que determina a sua consciência MARX 2003 p5 A principal diferença portanto talvez esteja na ênfase dos fundamentos mais elementares do pensamento de cada um Pois embora essas tradições de pensamento contenham aspectos análogos e mais ou menos semelhantes entre si por outro lado elas compõem em linhas gerais modelos teóricos diferentes para explicar e caracterizar a sociedade moderna Conforme afirma Anthony Giddens 1991 as tradições teóricas mais proeminentes na sociologia tem tido a tendência de cuidar de uma única e mais importante dinâmica de transformação ao interpretar a natureza da modernidade p 21 Na medida em que são essas as tradições teóricas que têm informado um considerável corpo de pesquisas sobre o lazer JARVIE MAGUIRE 1994 discutilas é em última instância discutir os próprios limites das teorias do lazer A longa história filológica De acordo com Hans Robert Jauss 1996 que empreendeu uma genealogia do conceito de modernidade o termo aparece em 1849 em Mémoires doutretombe Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 8 autobiografia de FrançoisRené de Chateaubriand 2005 escrita entre 1809 e 1841 mas publicada somente a partir de 1849 em 12 volumes após uma divulgação em série no jornal La Presse Dividida em quatro partes a obra fala respectivamente sobre sua carreira de soldado e de viajante sua carreira literária e política e sobre o fim da sua vida As memórias de Chateaubriand abordam além da sua vida privada e das suas aspirações pessoais os acontecimentos históricos e políticos de maior destaque à época aos quais ele presenciou pessoalmente Desse modo o livro constituise como uma espécie de testemunho das abruptas transformações que se processavam na sociedade francesa daqueles tempos fundindo o individual e o universal sua vida doméstica e sua existência de estadista RAMONEDA 2005 p 34 No entanto a expressão francesa la modernité foi definitivamente consagrada alguns anos depois através de um famoso ensaio do poeta Charles Baudelaire A pintura da vida moderna escrito entre 1859 e 1860 e publicado pela primeira vez em 1863 é um pequeno ensaio dedicado ao pintor Constantin Guys Nele Baudelaire celebra a obra daquele artista pela sua capacidade de apreender e representar o encanto da atualidade a beleza da vida universal nas grandes cidades e a espantosa harmonia da multidão Tratado pelo poeta como gênio tamanha admiração denuncia na verdade as concepções de modernidade do próprio Baudelaire para quem esta era o transitório o efêmero o contingente era enfim a beleza passageira e fugaz da vida presente BAUDELAIRE 1996 p 2676 A modernidade nesse sentido seria uma maneira de experimentar a própria experiência do tempo uma autoconsciência do presente livre do passado e aberto ao futuro HABERMANS 2000 Contudo conforme nos alerta Jauss 1996 p 47 O termo não foi criado para o nosso tempo e tampouco parece adequado para caracterizar Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 9 de modo inconfundível a feição única de uma época Longe disso o sentido mais primitivo da noção tem a ambição de expressar a diferença entre o que é do presente e o que é do passado entre o que é novo do que é obsoleto Dessa forma A modernité baudelariana como sinal precursor de uma nova era artística não pode no entanto fazer esquecer que ela é o rebento tardio de uma longa história filológica Mesmo o significado recente desse substantivo é tributário do adjetivo antigo modernus JAUSS 1996 p 48 Essa longa história filológica a que alude Jauss iniciase segundo os argumentos dele mesmo por volta do século V com o desmoronamento do império romano É quando teremos documentado pela primeira vez o emprego da palavra latina modernus cuja função era já naquela época designar exclusivamente a atualidade histórica do presente De acordo com Belmiro Pereira 2008 se hodiernus deriva de hodie modernus provêm de modo advérbio usado para significar agora agora mesmo recentemente E assim no século VI se forja o esboço de uma antinomia entre antigo e moderno com os homens daquele tempo percebendo que Roma e a cultura antiga eram já passado um passado modular mas separado do presente p 93 Nos tempos carolíngios nos idos do século IX vêse uma expansão da palavra promovida sob a égide do novo império universal de Carlos Magno A partir do século XI já se encontra registros de uma nova palavra modernitas Depois no século XII surgem os moderni uma nova geração de autores que escreviam em latim e em língua vulgar e que seriam fortemente marcados por uma autoconsciência histórica do seu tempo Os moderni admiravam os antiqui mas também já avaliavam suas próprias experiências como a expressão de um autoaperfeiçoamento No século XIII Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 10 personagens como Tomás de Aquino consideravam antiguos os mestres de duas ou três gerações anteriores que lecionavam na Universidade de Paris entre os anos 1220 e 1230 Em contrapartida entendiam a si próprio e a seus companheiros como modernos LE GOFF 1991 Entre os séculos XIV XV e XVI vários campos de atuação vão se remeter explicitamente e de maneira cada vez mais radical a originalidade de suas realizações É o momento em que a oposição entre antigo e moderno emerge ao primeiro plano da cena intelectual Segundo Jacques Le Goff 1991 o Renascimento convulsiona esta emergência periódica do moderno oposto ao antigo p154 A partir de 1341 começa a se fazer à distinção entre história antiga e história nova No mesmo sentido surgem publicações que pronunciam uma nova autoconsciência da experiência no tempo e no espaço Com a radicalidade do humanismo renascentista iniciase a maniera moderna uma reflexão sobre arte que se acredita superior aos modelos clássicos O Príncipe de Maquiavel 2001 pode também ser tomado de acordo com interpretação de Antônio Rodriguez 2000 como expressão da cultura do Renascimento qualificador da genealogia da querela entre antigos e modernos p 252 Ao longo do século XVII essa antinomia ganha forma mais nítida sobretudo na Inglaterra e na França É a época em que imitar os clássicos deixa de ser prova de elegância e de bom gosto Aparecem livros em que a obra de Homero é atacada dizendo tratarse de um trabalho defeituoso exemplo da inferioridade dos antigos em relação aos modernos Particularmente em 1687 diante da Academia Francesa Charles Perrault contestava os escritores que acreditavam na superioridade da literatura da antiguidade Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 11 Autor de Chapeuzinho Vermelho A Bela Adormecida Cinderela entre outros Charles Perrault estabeleceu através de seus escritos as bases para a criação de um novo gênero literário à época o conto de fadas Declarava então a decadência dos antigos a favor da produção literária francesa da sua época na culminância de uma longa disputa que ficaria conhecida dali em diante como a Querela entre os Antigos e os Modernos Sua tônica dizia respeito basicamente a defesa da liberdade criativa e inovadora do artista contemporâneo De acordo com os versos de Perrault1 A formosa antiguidade sempre foi venerável mas nunca acreditei que fosse adorável olho os antigos sem me curvar são grandes é verdade mas são homens como nós e sem medo de sermos injustos podemos comparar o século de Luiz com o grande século de Augusto Apud LE GOFF 1991 p 155 Para Francisco Falcon 2000 a partir daí tendeu a se afirmar a consciência de um tempo presente novo e transitório que não mais se pautava pelo caráter paradigmático da Antiguidade p 228 E de fato desde então moderno ou modernidade nunca mais deixariam de polarizar presente e passado Mesmo em Baudelaire 1996 cujo projeto estético era claramente orientado para uma celebração do presente notase no fim de tudo a ambição de adquirir o direito de tornarse história Para que toda Modernidade seja digna de tornarse Antiguidade é necessário que dela se extraia a beleza misteriosa que a vida humana involuntariamente lhe confere p 27 Por isso ao analisar as concepções baudelarianas Walter Benjamim 2000 afirmava que de todas as relações estabelecidas pela modernidade a mais notável é a que tem com a antiguidade p 80 1 PERRAULT Charles Festiva ad capita annulumque decursio a Rege Ludovico XIV principibus summisque aulae proceribus edita anno MDCLXII Urbana Champaign University of Illinois 1989 Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 12 Talvez em função dessas relações apontadas por Benjamim 2000 é que palavras de Baudelaire guardariam notável semelhança com as do seu xará Charles Perrault pronunciadas mais de dois séculos antes Referindose aos personagens de um escritor contemporâneo Baudelaire 1995 dizia os heróis da Ilíada não chegam aos vossos pés Vautrin Rastignac Birotteau nem aos teus Honoré de Balzac o mais singular o mais romântico o mais poético dentre todos os personagens que tua fantasia criou p694 Tal como o polêmico membro da Academia Francesa Baudelaire compara a literatura do seu momento com a do passado inclinandose fervorosamente a favor da primeira Em outra oportunidade anos depois continuaria fiel a essas convicções condenando duramente o artista que pretendesse tomar os mestres antigos como modelos Ai de quem estude na antiguidade outra coisa que não a arte pura a lógica o método geral Para ele quem por ventura o fizesse para além disso buscando qualquer tipo de inspiração estaria praticando apenas um exercício supérfluo perderia a memória do presente e abdicaria do valor dos privilégios fornecidos pela circunstância pois quase toda a nossa originalidade vem da inscrição que o tempo imprime às nossas sensações BAUDELAIRE 1996 p 28 Poderíamos então dizer que para Baudelaire a modernidade era atemporal pois todas as épocas a conheceram e cada qual teve a sua Nas suas palavras Houve uma Modernidade para cada pintor antigo a maior parte dos belos retratos que nos provêm de épocas passadas está revestida de costumes da própria época BAUDELAIRE 1996 p 26 Assim essa modernidade seria tão somente a moral e a estética capaz de apreender as peculiaridades dos seus respectivos presentes históricos porque cada século possui sua graça particular p 48 Nesse sentido a modernidade de Baudelaire Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 13 que pretendia à originalidade destacando a beleza do seu próprio tempo não fez senão repetir o esquema geral da boa e velha querela entre antigos e modernos distanciando se das gerações que lhe precederam e afirmando a realização de sua própria Moderno e modernidade Se do ponto de vista estritamente conceitual as raízes mais profundas da modernidade se encontram no século V com o advento da palavra latina modernus em que período se situa a sua emergência enquanto uma experiência histórica Há uma primeira tradição historiográfica que entende por Idade Moderna o período histórico que se segue à Idade Média e que teria se iniciado em 1453 com a tomada de Constantinopla pelos turcos otomanos Dentro dessa mesma perspectiva ainda outros eventos têm sido sugeridos mas sem nunca escaparem a essa periodização geral Citamse nesse caso a conquista de Ceuta pelos portugueses em 1415 ou de maneira ainda mais recorrente as grandes viagens de descobrimento Eventos como esses últimos conforme sugere Octavio Ianni 2003 podem e devem ser tomados como emblemas de rupturas históricas excepcionais momento primordial e seminal da modernidade como emblema do modo pelo qual se inicia um novo ciclo da história p 3839 Esses foram eventos que alteraram de maneira radical formas e estilos de pensamento teorias e epistemologias inauguraram novas crenças e convicções e alimentaram a emergência de novas visões de mundo e de uma escala de valores A descoberta e a conquista do Novo Mundo ocorrem em uma época em que estão em curso a Renascença a Reforma a ContraReforma e a Revolução Científica É toda uma configuração históricosocial de vida trabalho e cultura que está em causa nessa época IANNI 2003 p 39 Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 14 gênese do EstadoNação É o período portanto em que se inicia a modernidade no seu sentido mais amplo Mas em que medida seria correto ou conveniente tomar de fato o século XVI como marco de uma periodização para a modernidade Não existiriam diferenças entre a Idade Moderna e a Modernidade Segundo Hans Ulrich Gumbrecht 1998 quem opera com problemas e conceitos como os de modernidade e modernização não pode deixar de confrontarse com o fato de uma sobreposição desordenada entre uma série de conceitos diferentes de modernidade e modernização p 9 Os problemas em torno de uma definição histórica ou de uma periodização para a modernidade podem se resumir muito grosseiramente em dois posicionamentos De um lado uma concepção mais estreita que a concebe a partir dos meados do século XIX ou quando muito a partir do final do século XVIII com a Revolução Francesa em 1789 De outro lado uma concepção mais abrangente que adota uma periodização mais larga e que toma as viagens ao Novo Mundo ou a invenção da Impressa como marcos desse processo De certo modo essa última posição estreita os laços entre o moderno e a modernidade vendo o segundo como um desdobramento do primeiro De todo modo no momento de discutirmos as origens do espírito moderno não seria recomendável conforme aconselha Lucien Febvre 1970 acreditar em nascimentos ao estilo de Minerva isto é no surgimento repentino de doutrinas que brotam por geração espontânea do cérebro de um só homem p 254 Ao contrário a sociedade moderna é o resultado de um extenso e eclético conjunto de experiências sociais que se acumularam num período de longa duração e que podem ser subsumidos ao liberalismo no âmbito político ao mecanicismo no âmbito filosófico ao capitalismo Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 15 no âmbito econômico ao industrialismo no âmbito tecnológico e ao individualismo no âmbito ideológico Nesse sentido não seria justo atribuir ao século XIX todos os créditos pela invenção da vida moderna Acontecimentos ainda que inegavelmente importantes e em certo sentido até revolucionários não seriam capazes de tanto num espaço tão curto de tempo É bem verdade que foi no período de vida de homens como Baudelaire que a experiência da modernidade emergiu mais claramente à consciência e palavras como a dele próprio a esse respeito funcionaram como o catalisador de idéias e concepções que já existiam antes mas que se encontravam ainda dispersas e talvez pouco difundidas ou sistematizadas É esse provavelmente o verdadeiro mérito do século XIX o de ter realizado de maneira mais vigorosa aquilo que seus predecessores vinham apenas prevendo até ali Assim Recuperar o processo de construção do conceito de modernidade implica um retorno à chamada Idade Moderna uma vez que a modernidade mergulha suas raízes mais profundas no solo da cultura ocidental européia dos séculos XVIIXVIII e começos do século XX FALCON 2000 p 223 A modernidade então não é exatamente um período histórico mas muito mais um processo social que de maneira mais remota iniciouse no século XVI e se estendeu até os dias de hoje através de muitas e intensas mudanças e rupturas Tratase portanto de um processo que atravessa um extenso período de tempo e que por isso reúne idéias episódios e personagens múltiplos e por vezes divergentes Parte da reflexão teórica mais influente a esse respeito tem compreendido a modernidade como etapas de um mesmo processo em que se sucedem fases Gumbricht 1998 por exemplo fala de quatro fases o Início da Modernidade a Modernidade Epistemológica a Baixa Modernidade e a PósModernidade Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 16 Segundo ele o primeiro período diz respeito à emergência de uma subjetividade onde o homem transformase no sujeito da produção do saber Distinguindose da Idade Média o homem moderno não seria apenas parte de uma criação divina cuja verdade lhe era desconhecida por estar além da sua compreensão O homem passa enfim a ser um observador de primeira ordem Metonimicamente o período esta representado pela invenção da imprensa e pela descoberta do Novo Mundo Já o segundo período abrange as décadas em torno nos anos 1800 É o momento da diluição daquela confiança cega no conhecimento produzido pelo homem tornandoo um observador de segunda ordem que se define pela capacidade de observar as próprias observações O terceiro período é como o resultado dessa modernização epistemológica é o momento da perda definitiva na crença de uma visão objetiva de mundo marcada por uma obsessão pela inovação característica as primeiras décadas do século XX O quarto e último período seria o da PósModernidade cuja versão filosoficamente mais interessante nas palavras de Gumbricht 1998 consiste em conceber nosso presente como uma situação que desfaz neutraliza e transforma os efeitos acumulados dessas modernidades que têm se seguido uma à outra desde o século XV p 21 Marshall Berman 2007 por seu turno fala de três fases da modernidade A primeira que vai do início do século XVI até o fim do século XVIII é o momento em que as pessoas estão apenas começando a experimentar a vida moderna mal fazem idéia do que as atingiu Elas tateiam desesperadamente mas em estado de semicegueira no encalço de um vocabulário adequado p 25 A segunda começa com as revoluções da década de 1790 É quando com as repercussões da Revolução Francesa ganha vida de maneira abrupta e dramática um grande e moderno público Esse público partilha o sentimento de viver em uma era revolucionária uma era que desencadeia explosivas convulsões em Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 17 todos os níveis de vida pessoal social e política Ao mesmo tempo o público moderno do século XIX ainda se lembra do que é viver material e espiritualmente em um mundo que não chega a ser moderno por inteiro É dessa profunda dicotomia dessa sensação de viver em dois mundos simultaneamente que emerge e se desdobra a idéia de modernismo e modernização BERMAN 2007 p 26 A terceira fase é a da dilatação da modernidade que se expande a ponto de abarcar virtualmente todo o mundo BERMAN 2007 e corresponde cronologicamente ao século XX Shmuel Einstendatd 1969 para tomarmos um último exemplo classifica a modernidade em duas fases uma primeira a que ele chama limitada e uma segunda a que ele se refere como de massa Segundo ele as características mais marcantes dessa primeira fase seriam a escala relativamente reduzida de escopo de todas as organizações novas o desenvolvimento de várias organizações relativamente específicas orientadas para objetivos determinados o desenvolvimento de mercados ainda restritos e recursos de livre flutuação nas esferas institucionais principais e a predominância relativa de arranjos reguladores e distributivos públicos p 79 Em contrapartida as características mais proeminentes da segunda fase como o nome já sugere é o seu aspecto de massa isto é sua crescente tendência de intensificar a abrangência a amplitude e o ritmo de diferenciação estrutural e de especialização institucional Esta etapa de acordo com Einstendatd 1969 caracterizouse pelo desenvolvimento de grupos e associações de grande escala especializados de propósitos múltiplos Em segundo lugar é caracterizada pela contínua extensão e interpretação dos vários mercados internos nas esferas institucionais da sociedade Em terceiro lugar pela urbanização continuamente crescente e ampliada e pela contínua disseminação de meios de comunicação de massa p 80 Tempos empilhados uns sobre os outros Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 18 Nesses exemplos que dizem respeito a respeitáveis conclusões em torno desse debate a modernidade está sempre caracterizada de maneira geral e mais abrangente isto é para além do momento em que seus efeitos se manifestavam de maneira mais visível e inequívoca Assim o século XVI e até o século XV em alguns casos são mencionados como momentoschave no seu processo de formação pois se o século XIX foi prodígio em revelar suas implicações a construção de toda a sua dinâmica já estava em curso muito antes disso Para tomar um exemplo simples e até certo ponto clichê a máquina a vapor e a subseqüente industrialização móveis fundamentais da modernização que revolucionaram estilos de vida quando tiveram seus princípios aplicados e generalizados a uma série de aspectos da vida social foi patenteada na Inglaterra no fim do século XVII por Thomas Savery Tratavase do registro de um motor a vapor usado para bombear água de minas de carvão Em 1712 Thomas Newcomen aperfeiçoou o aparelho com a mesma finalidade e em 1769 James Watt registrava a patente de outra máquina do mesmo tipo com outros aprimoramentos Mas as repercussões desta autêntica revolução só se fizeram sentir de maneira óbvia e inconfundível a partir da década de 1830 Segundo Eric Hobsbawm 2006 foi somente nessa época que a literatura e as artes começaram a ser abertamente obsedadas pela ascensão da sociedade capitalista O próprio nome de revolução industrial reflete seu impacto relativamente tardio sobre a Europa A coisa existia na Inglaterra antes do termo p 4950 Em suma as condições para a sua efetivação histórica já se encontravam disponíveis há mais de um século desde que o primeiro rei tinha sido formalmente julgado e executado pelo povo e desde que o lucro privado e o desenvolvimento econômico tinham sido aceitos como os supremos objetivos da política governamental HOBSBAWM 2006 p 54 Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 19 A Revolução Francesa outro símbolo da vida moderna também vinha sendo germinada por círculos intelectuais e filosóficos há tempos O conhecimento de cunho científico e a confiança no progresso através de uma ideologia individualista secular e racional fomentaram um consenso geral de idéias que culminaram na degola das autoridades do Antigo Regime Embora tais crenças não fossem suficientemente poderosas ou disseminadas antes do século XIX é certo por outro lado que sua existência data bem antes desse período As forças econômicas e sociais as ferramentas políticas e intelectuais desta transformação já estavam preparadas HOBSBAWM 2006 p 17 No campo dos estudos do lazer no entanto a modernidade geralmente aparece concebida como algo mais estreito e específico Parte dessas limitações tem relação com a vinculação um tanto quanto exagerada da emergência do lazer à industrialização ou ao capitalismo nos seus sentidos mais restritivos As conseqüências empíricas dessas posições aparecem no momento de se operar na prática esforços para sua explicação Assim entre os poucos trabalhos dedicados a tematizar sobre a gênese dos lazeres no Brasil buscase quase sempre fazêlo a partir de um marco cronológico situado a partir do quartel final do século XIX Segundo argumentase a justificativa para a concentração nesse período dáse porque nessa época o país vive as primeiras experiências da produção capitalista no modelo urbano e industrial seus primeiros ensaios manufatureiros a federalização do Estado a modernização dos principais centros comerciais e portuários a organização da sociedade em classes sociais e o fortalecimento do operariado como um movimento político e social MARCASSA 2002 p 11 São abordagens que como disse pressupõem que a sociedade moderna ou está atrelada a industrialização ou ao advento de uma ordem capitalista Nesta perspectiva a emergência de novas práticas de lazer foi uma manifestação dessas amplas Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 20 transformações de um tradicionalismo agrário a uma sociedade industrial moderna MARCASSA 2002 p 12 E mesmo em estudos históricos mais generalistas que pretendem destacar o enraizamento das práticas de lazer sublinhando a profundidade e a antiguidade de suas origens como o organizado por Alain Corbin 2001 assumese uma periodização mais contemporânea Nesse caso a maneira como os tempos sociais eram entendidos e utilizados a partir de 1830 é apresentado como algo seminal para a história dos lazeres destacandose assim a fluidez e a porosidade do tempo cotidiano dos trabalhadores no limiar do século XIX impregnados de imprevistos abertos à espontaneidade sujeitos à interrupção fortuita ou recreativa p 6 Aqui também é a relação entre o tempo de trabalho e o de nãotrabalho que são determinantes para definição e caracterização do lazer Mais que isso ainda é uma forma de relação com o tempo supostamente típica às sociedades capitalistas industriais que serão tomadas como marco teórico e conceitual destas explicações Este tempo de relativa lentidão flexível maleável ocupado por actividades muitas vezes mal determinadas foi sendo pouco a pouco substituído pelo tempo calculado previsto ordenado precipitado da eficácia e da produtividade tempo linear estritamente medido que pode ser perdido desperdiçado recuperado ganho Foi ele que suscitou a reivindicação de autonomia de um tempo social CORBIN 2001 Tudo isso é correto mas não pode ser superestimado sob o risco de idealizarem se as concepções de tempo das sociedades industriais tanto quanto das préindustriais Ou seja tais afirmativas se constituem como verdade mas não como toda a verdade pois mesmo antes do advento da indústria moderna já se tem notícia de uma parcial e relativa artificialização dos tempos de trabalho Jacques Le Goff 1993b por exemplo comenta as transformações dos ritmos temporais à luz da crise geral do século XIV Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 21 Segundo ele a definição dos modos de relacionamento com e no trabalho nesse período davase a partir de uma concepção de tempo que em linhas gerais fazia referencia aos ciclos naturais e era marcada pelo tempo religioso A partir do fim do século XIII no entanto este tempo de trabalho é posto em causa e entra em crise Conforme se dá com o resto o tempo laboral transformase definese tornase mais eficaz não sem dificuldade p 63 Inovações tecnológicas e novas orientações filosóficas concorrem simultaneamente para o surgimento dessas novas tendências O recomeço da cunhagem do ouro a multiplicação dos sinais monetários as primeiras flutuações inflacionárias a crise dos salários a alta dos preços a ampliação das redes comerciais que vão se estendendo até a China enfim todo este alargamento do domínio monetário exige um tempo mais bem medido LE GOFF 1993a p 51 Mercadores vão então descobrindo que a lentidão ou a rapidez das viagens ou a duração do trabalho artesanal na fabricação de mercadorias interferem positiva ou negativamente no preço dos produtos e conseqüentemente dos lucros Assim descobrese também o preço do tempo Tudo indica que a justa medição do tempo interessa cada vez mais ao bom andamento dos negócios O resultado é que para o mercador o meio tecnológico sobrepõe um tempo novo mensurável quer dizer orientado e previsível ao tempo eternamente recomeçado e perpetuamente imprevisível do meio natural 1993a p 52 Paralelamente a ideologia renascentista que colocava o homem no centro do universo celebrando suas virtudes e capacidades ou autorizandoo de modo geral a ser senhor do seu próprio destino incentivava também um novo emprego do tempo que pouco a pouco deixava de ser tido como um dom de Deus passando a ser visto como propriedade do homem Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 22 Daí em diante vêse o aparecimento de iniciativas para a regulamentação do dia de trabalho especialmente do tecelão inserido no setor mais dinâmico da economia medieval Movidos pelas necessidades de se adaptar à evolução econômica resultante das primeiras mutações monetárias patrões do setor têxtil procuram regulamentar o mais rigorosamente possível o dia de trabalho Então por volta da década de 1320 aparecem os sinos de trabalho tentativas de ordenar as rotinas definindo os momentos de comer de retornar e de ir embora O que o sino de trabalho ou a utilização do sino urbano para o trabalho traz de novidade é evidentemente a substituição de um tempo factual que só episodicamente se manifesta por um tempo da igreja pelas horas certas de que falam os burgueses de Aire Tempo não de cataclismo ou de festa mas tempo do quotidiano sistema cronológico que aprisiona que enquadra a vida urbana As exigências de um trabalho melhor medido num século em que o quantitativo faz a sua tímida aparição nas estruturas administrativas e mentais são pois factor importante do processo de laicização LE GOFF 1993b p 68 O amontoado heterogêneo da história Análises históricas cuidadosamente documentadas como as de Jacques Le Goff permitem um questionamento sobre as generalizações sociológicas a respeito da natureza do trabalho e conseqüentemente do não trabalho em períodos anteriores a consolidação definitiva da modernidade ou das sociedades industriais Seu estudo sobre as concepções de tempo no fim da Idade Média permite relativizar minimamente a noção de que antes do advento da indústria capitalista moderna todo trabalho estava absolutamente submetido às intempéries climáticas e meteorológicas ao mesmo tempo em que não deixa de reconhecer que esses eram de fato aspectos hegemônicos das suas temporalidades Da mesma forma que o camponês o mercador está submetido na sua actividade profissional em primeiro lugar ao tempo meteorológico ao ciclo das estações à imprevisibilidade das intempéries e dos cataclismos naturais Mas quando se organiza uma rede comercial Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 23 o tempo tornase objecto de medida Tempo mensurável mecanizado até é o tempo do mercador mas igualmente descontínuo cortado por paragens momentos mortos afectado por acelerações ou atrasos muitas vezes em ligação com atrasos técnicos e o peso dos dados naturais a chuva ou a seca a bonança ou a tempestade LE GOFF 1993a p 51 Obviamente tratavase apenas de determinados grupos sociais ainda muito circunscritos e cujas convicções e mentalidades ainda eram em certo sentido minoritárias pouco corriqueiras e ainda muito instáveis e mal definidas O tempo novo tem muitas falhas e o relógio urbano está freqüentemente avariado Mais que um utensílio da vida quotidiana o relógio é ainda uma maravilha um ornamento um brinquedo ibid p 69 Por isso o próprio Le Goff ressalta a necessidade de não se opor muito brutalmente todas essas diferentes concepções problematizando no limite a existência de um tempo unificado e unificador que pudesse virtualmente abarcar e se impor a todos os grupos sociais Segundo ele entre o tempo natural o tempo profissional o tempo sobrenatural há pois simultaneamente separação essencial e encontros contingentes tempos de certo modo empilhados uns sobre os outros LE GOFF 1993a p 5556 Certamente é no reconhecimento da impossibilidade de definição unívoca das concepções de tempo para toda uma sociedade que está o principal alcance de sua argumentação Declaradamente inspiradas pelas reflexões de Maurice Halbwachs 2006 a idéia é a de que cada grupo localmente definido tem sua própria memória e uma representação só dele de seu tempo p 130 Assim o tempo em sua dimensão social ou enquanto uma representação coletiva condicionada pelas necessidades e hábitos específicos de cada grupo não é único Visto que nos diversos ambientes não temos a necessidade de medir o tempo com a mesma exatidão a correspondência entre o tempo do escritório o tempo de casa o tempo da rua o tempo das visitas é fixado entre limites às vezes bastante amplos O ano escolar não começa no mesmo dia do ano religioso No ano religioso o aniversário do nascimento de Cristo e o aniversario de sua morte e de Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 24 sua ressurreição determinam as principais divisões do ano cristão O ano leigo começa no dia primeiro de janeiro mas segundo as profissões e tipos de atividades comporta divisões muito diferentes As divisões do ano camponês se baseiam no ritmo dos trabalhos agrícolas que por sua vez é determinado pela alternância das estações O ano industrial ou comercial se decompõe em períodos em que se trabalha a pleno rendimento quando afluem pedidos e em outros quando os negócios andam mais devagar e até param não são os mesmos em todos os tipos de comércio ou de indústria Assim tanto existem grupos quanto origens de tempos diferentes Não há nenhum que se imponha a todos os grupos HALBWACHS 2006 p 135137 Com base nessa noção de pluralidade social de tempos poderíamos nos perguntar sobre a real abrangência dos significados hegemonicamente imputados às noções de trabalho e lazer no mundo moderno Inversamente poderíamos indagar também sobre o real nível de fusão entre trabalho e nãotrabalho em sociedades pré industriais aprimorando historicamente o modo de constituição do lazer Pois mesmo em sociedades onde a indústria já existia de maneira mais pronunciada tais categorias não se efetivaram de maneira plena e absoluta Havia em muitos casos tensões questionamentos resistências e acomodações Sidney Chalhoub 2001 por exemplo observando mais de perto o cotidiano e as redes de sociabilidade de trabalhadores das camadas populares da belle époque carioca conclui que o ideal burguês de separação rígida entre trabalho e lazer não tinha significado algum trabalho e diversão estão associados no cotidiano e não são regidos por horários fixos p 146 Já em pleno século XX em um período de profundas transformações sociais onde a constituição de uma ordem social capitalista implicava a transição de relações do tipo senhorialescravista para uma outra do tipo burguêscapitalista uma nova ideologia do trabalho não conseguia se impor inequivocamente Desse modo apesar dos esforços para disciplinar o trabalho como o projeto de repressão à ociosidade de 1888 intervalos durante a jornada de trabalho continuariam bastante comuns entre certas Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 25 ocupações como as dos carvoeiros estivadores ou carroceiros Pausas para tomar café e cachaça no botequim ou mesmo para jogar à dinheiro eram constantes naqueles trabalhos que não se viam circunscritos a um espaço fechado rigidamente disciplinado Para esses trabalhadores a jornada de trabalho estaria ainda intimamente ligada aos períodos de lazer no botequim CHALHOUB 2001 p 102 De outro lado trabalhos e trabalhadores em certos períodos do Brasil colonial como o dos engenhos açucareiros do nordeste no século XVII conheceram considerável especialização de funções Vera Ferlini 2003 analisando em particular essa forma de trabalho entre os idos de 1620 e 1650 comenta a respeito Segundo ela o engenho apareceu como conjunto produtivo peculiar novo onde as atividades necessárias para a transformação da cana em açúcar foram organizadas segundo critérios de ordem hierarquia especialização seqüência e disciplina p 139 Embora ela mesma ressalte que a presença de escravos fizesse com que a realização das condições de produção estivessem fundamentalmente baseadas em relações direta de domínio e servidão notase também uma organização manufatureira determinada pelo capital mercantil Nesse caso é principalmente o emprego de trabalhadores brancos livres e especializados como os feitores e mestres de açúcar o principal agente desse processo De maneira semelhante a pesca de baleia a extração de madeiradelei ou o garimpo nas Minas Gerais seriam todos modos de produção que em algumas etapas da sua realização anteciparam ao longo de quase todo o século XVIII formas mais agudas de racionalização e divisão do trabalho ver como exemplo entre muitos outros CABRAL 2008 ELLIS 1969 PÁDUA 1999 SILVA 2001 Em outras palavras no seio de sociedades industriais bem como no das pré industriais existem modos dinâmicos e porosos de transitar entre o mundo do trabalho e Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 26 do nãotrabalho especialmente em sociedades híbridas como a brasileira em que elementos arcaicos e modernos se combinam e se fundem numa colagem sui generis Essa fluidez e flexibilidade mesmo que relativas e contingenciais contrariam ao menos em alguma medida códigos de conduta e critérios de moralidade previstas a partir da lógica de alguns poucos grupos sociais cujos parâmetros de comportamento não necessariamente correspondem aos da sociedade em sua totalidade Com efeito a rígida demarcação entre as esferas do lazer e do trabalho é tão somente o resultado de uma idealística elaboração teórica e conceitual que apesar de estar em conformidade com as expectativas ideológicas das classes dirigentes não se confirma em muitas realidades empíricas sobretudo às das classes subalternas Por isso mesmo esses modelos teóricos representam também a distorção dessas realidades e em última instância não passam de elucubrações que carecem de fundamento histórico Parece cada vez mais difícil seguir sustentando certas proposições especialmente aquelas herdadas de uma tradição tipicamente sociológica fundadas em generalizações abstratas e aparadas por noções muitíssimo gerais e imprecisas como o trabalho o lazer ou a sociedade industrial e que obviamente não dão conta de abarcar a complexidade das realidades sociais Basta olharmos para a especificidade da experiência histórica palpável de grupos tão diversos e plurais como os dos tropeiros garimpeiros pescadores sapateiros caixeiros lavradores carroceiros estivadores padeiros prostitutas soldados enfermeiras médicos comerciantes banqueiros professores advogados ou uma infinidade de outras ocupações de ontem ou de hoje para nos convencermos de que a maneira como cada um deles se relacionava com suas diversões era na prática muito mais matizada do que supõe esses modelos explicativos Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 27 Diante das teorias do lazer correntes entre nós as desconfianças de Robert Darnton 1990 diante da sociologia antropologia ou da ciência política possivelmente ganhariam corpo e forma acabada Para ele os cientistas sociais vivem num mundo fora do alcance dos comuns mortais um mundo ordenado segundo modelos perfeitos de comportamento povoado por tipos ideais e governados por coeficientes de correlação que excluem qualquer coisa que não seja o desvio padrão mais normal Nunca se consegue vincular esse mundo ao amontoado heterogêneo da história p 70 Abandonar a pretensão de grandes sínteses generalizadoras apontando ao invés disso para particularidades mais concretas cotidianas molduradas em um quadro regional específico pode nos conduzir a análises capazes de revelar talvez de maneira um tanto surpreendente para alguns imagens extremamente distantes das caricaturas estereotipadas que se cristalizaram em torno do universo do trabalho e do lazer Tal como as mal informadas representações sobre a Idade Média que a pensam como uma época obscura ou de trevas associada à repressão e à violência ao que Henry Loyn 1997 chamou de um equívoco grosseiro o passado préindustrial do Brasil colonial às vezes tende também a ser apresentado como um momento praticamente sem vida No entanto sabemos que o período foi muito dinâmico sob vários aspectos Desde o final do século XVII o comércio de especiarias e de toda uma enorme gama de gêneros alimentícios resultou em um movimento mercantil tão amplo que foi capaz de fazer consideráveis fortunas BLAJ 1998 pouco depois no século XVIII algumas regiões tiverem crescimento demográfico superior aos 400 por essa época também com a coroação de D José I a Coroa Portuguesa passou a manifestar grande interesse pelos assuntos da Colônia deflagrando um violento esforço para a normatização dos costumes o que incluía as festas que eram muitas aliás e outros espaços de sociabilidade DEL PRIORE 1994 Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 28 A necessidade de definir historicamente com mais precisão e a partir de bases empíricas mais amplas em que medida exatamente o lazer é um fenômeno moderno parece ser um desconforto compartilhado atualmente por boa parte da comunidade acadêmica dedicada ao assunto Não por acaso a temática História e lazer tem sido pauta de discussões em alguns importantes fóruns especializados como é o Seminário O Lazer em Debate que por duas vezes nos últimos três anos apresentou uma mesa redonda sobre o assunto MELO 2009 SEMINÁRIO 2009 A desrazão dos moribundos Discursos hegemônicos sobre a modernidade costumam caracterizar os seus padrões de sociabilidade em torno de três pilares fundamentais diferenciação social secularização ou racionalização e separação entre público e privado Como vimos a identificação do período histórico a que correspondem os primórdios dessas experiências em cada um desses aspectos pode oscilar desde o século XV até os meados do XIX Entretanto na medida em que aumentam nossos conhecimentos sobre modos de vida do passado temporalmente mais distantes maior parece ser a tendência de ampliarmos também o escopo e o período abarcados pela idéia de modernidade bem como o de todos os seus correlatos tais como a indústria o capitalismo e assim por diante a esse respeito ver a título de exemplo DOBB 1977 As principais teorias do lazer a reboque dessas reflexões também se vêem diante do impasse de redefinir a circunscrição e a abrangência do seu próprio conceito Aprofundamentos dos conhecimentos sobre as condições de produção ou sobre o modo de fruição dos divertimentos em épocas préindustriais estimulam o questionamento da suposta rigidez da separação entre trabalho e nãotrabalho alargando o horizonte de Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 29 possibilidades interpretativas Até que ponto esses alargamentos devem se estender é um debate em aberto Seria o caso de aceitar que o lazer é um fenômeno que pode ser identificado em outras sociedades que não as modernas Seria o caso de dizer que sempre houve lazer Se não que contextos históricos poderíamos chamar com justeza de modernos sem incorrer em anacronismos De acordo com José Pedro Machado 1967 o início do emprego da palavra lazer em língua portuguesa de derivação latina como se sabe data do século XVI aproximadamente No entanto o registro de sua forma arcaica lezer pode ser identificado já desde o século XIII como testemunha os versos do trovador português João Soarez Somesso naquele que é provavelmente o primeiro registro do vocábulo de que se tem notícia Mas a simples existência de um signo lingüístico não necessariamente atesta a existência de um fato social Inversamente a sua ausência também não impede sua ocorrência A articulação entre as palavras e as coisas é bem mais complexa que isso Em alguns casos haverá descontinuidade de significados a despeito da permanência ininterrupta das palavras como é o caso da noção de retórica cujos sentidos foram radicalmente alterados por Cícero com relação ao emprego atribuído por Aristóteles como bem demonstra Carlo Ginzburg 2002 De outra forma a ausência da palavra de um determinado contexto não significa que o seu conteúdo também o esteja ou que a sua aplicação analítica aquelas circunstância não seja nunca possível O uso historiográfico de conceitos como o de sociologia privacidade ou feminismo são bons exemplos nesse sentido Ao analisar historicamente as etapas de evolução do pensamento sociológico Raymond Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 30 Aron 2003 inicia o empreendimento situando a obra de Montesquieu no marco da fundação da disciplina sociológica apesar de em sua época o termo sequer ter sido inventado Segundo ele Na França esse autor geralmente é considerado um precursor da sociologia e se atribui a Augusto Comte o mérito de ter fundado essa ciência o que é verdade se fundador for aquele que criou o termo Contudo se o sociólogo se define por uma intenção específica conhecer cientificamente o social Montesquieu é a meu ver um sociólogo tanto quanto Augusto Comte p 3 Georges Duby 1990 e Philippe Áries 1991 que dirigiram uma coleção de cinco volumes sobre a história da vida privada teceram comentários análogos a respeito do uso e da aplicação da noção de privacidade em contextos históricos que a rigor desconheceram a distinção moderna entre esfera pública e privada Segundo eles estudar a privacidade na história da civilização ocidental em toda a sua extensão implicava confrontarse com a adequação desse conceito em outros contextos históricos que não o empregava originalmente Philippe Áries 1991 configurava o problema da seguinte maneira É possível uma história da vida privada Ou essa noção de privado nos remete a estados ou valores demasiado heterogêneos de uma época a outra para que possamos estabelecer entre elas uma relação de continuidade e diferenças p 7 Georges Duby 1990 no mesmo sentido se pergunta se é legítimo digo mesmo legítimo e não apenas pertinente falar da vida privada na Idade Média transportar a um passado tão distante uma noção a de privacy que como sabemos formouse no decorrer do século XIX E o próprio Duby 1990 antecipa a resposta tudo bem avaliado creio que se pode responder de modo afirmativo p 9 Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 31 Para eles tal transferência anacrônica revelase de utilidade incontestável pois estimula o refinamento de certos conceitos assim como ressalta determinados aspectos da realidade social que de outro modo permaneceriam obscurecidos É o caso também da noção de feminismo que descreve uma situação muito específica ao século XX o da reivindicação por igualdade social de condições entre os sexos Mas o fato de sociedades mais antigas não terem tido qualquer reflexão a respeito das diferenças entre homens e mulheres não significa que essas diferenças não tenham existido entre eles ou alguém duvida que entre os bizantinos sumérios ou egípcios havia uma forte assimetria de poder entre esses dois grupos de gênero Nesse sentido seria perfeitamente legítimo projetar sobre esses contextos categorias de inteligibilidade que até onde sabemos não compunham seus vocabulários suas estruturas mentais ou sua cultura enfim O conceito de lazer talvez devesse também ser tensionado dessas formas O registro da palavra em língua portuguesa a partir do século XIII em sua forma arcaica atesta que a cultura que a enunciava dessa forma lhe imprimia significados análogos aos nossos Inversamente sua existência a partir do século XVI nos mesmos termos lingüísticos dos dias de hoje garante uma correspondência entre os fenômenos nesses distintos períodos históricos A partir de quando então podemos identificar realmente a gênese do lazer Qual periodização seria mais conveniente adotar nesse sentido Não foi o objetivo aqui tentar dirimir essas questões A guisa de conclusão gostaríamos apenas de sugerir que certos acontecimentos podem sim testemunhar coisas mesmo sem a intenção de fazêlo de modo que práticas de uma determinada época do passado tenham virtualmente representado um conjunto de sentidos atrelados as nossas noções de lazer mesmo que seus contemporâneos não as reconhecessem assim ou não Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 32 as expressassem em uma linguagem articulada que lhes decodificasse num vocabulário organizado nesses termos Mas independente das respostas possíveis o desafio que está anunciado então é o de repensar as teorias do lazer à luz de um maior detalhamento histórico do que se entende especificamente por modernidade e de que maneira as práticas de divertimentos se relacionaram com esse estado de coisas Aqui já não se trata apenas de adotar uma concepção de modernidade entre muitas Tratase isso sim de tentar justificálas no plano empírico tanto quanto no plano teórico evidenciando explicitamente as coerências de tais opções Isso exige além da óbvia dedicação ao estudo da história coragem para sepultarmos os nossos mortos e ousadia para abandonarmos antigas abordagens que a inércia ou as idolatrias impedem que se extingam pela fraqueza das suas próprias idéias REFERÊNCIAS ARON Raymond As etapas do pensamento sociológico 6ed Rio de Janeiro Martins Fontes 2003 ARIÈS Philippe Por uma história da vida privada In DUBY Georges Dir História da vida privada da renascença ao século das luzes v 3 São Paulo Companhia das letras 1991 p 720 BAUDELAIRE Charles Sobre a modernidade 6 ed Rio de Janeiro Paz e Terra 1996 O Salão de 1846 In BAUDELAIRE Charles Poesia e prosa Rio de Janeiro Nova Aguilar 1995 p 671731 BENJAMIN Walter Charles Baudelaire um lírico no auge do capitalismo 3 ed 2 reimpr São Paulo Brasiliense 2000 BERMAN Marshall Tudo que é sólido desmancha no ar São Paulo Companhia das letras 2007 Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 33 BLAJ Ilana Agricultores e comerciantes em São Paulo nos inícios do século XVIII o processo de sedimentação da elite paulista Revista Brasileira de História v 18 n 36 p 281296 1998 CABRAL Diogo de Carvalho Floresta política e trabalho a exploração das madeiras delei no Recôncavo da Guanabara 17601820 Revista Brasileira de História v 28 n 55 p 217241 2008 CHALHOUB Sidney Trabalho lar e botequim o cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro da belle epoque 2 ed Campinas UNICAMP 2001 CHATEUABRIAND François R Memorias de ultratumba Madrid Alianza 2005 Mémoires doutretombe Paris Garnier Freres 1947 CROWTHER Margaret A The workhouse system 18341929 the history of an English social institution Athens Univ Giorgia 1982 CORBIN Alain A história dos tempos livres In CORBIN Alain Ed História dos tempos livres o advento do lazer Lisboa Teorema 2001 p 518 DARNTON Robert O beijo de Lamourette mídia cultura e revolução São Paulo Companhia das letras 1990 DECCA Edgar de E P Thompson tempo e lazer nas sociedades modernas In BRUHNS Heloísa T Org Lazer e ciências sociais diálogos pertinentes São Paulo Chronos 2002 p 57 74 DEL PRIORE Mary Festas e utopias no Brasil colonial São Paulo 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del espíritu moderno libertinaje naturalismo y mecanicismo In Erasmo la contrareforma y el espiritu moderno Barcelona Martinez Roca 1970 p 237259 FERLINI Vera Terra trabalho e poder o mundo dos engenhos no Nordeste colonial Bauru EDUSC 2003 GEBARA Ademir Considerações para uma história do lazer no Brasil In BRUHNS Heloísa T Org Introdução aos estudos do lazer Campinas Ed da Unicamp 1997 GIDDENS Anthony As conseqüências da modernidade 6 reimp São Paulo Unesp 1991 GINZBURG Carlo Relações de força história retórica prova São Paulo Companhia das letras 2002 GUMBRECHT Hans Ulrich Modernização dos sentidos São Paulo Ed 34 1998 HABERMANS Jürgen O discurso filosófico da modernidade São Paulo Martins Fontes 2000 HALBWACHS Maurice A memória coletiva São Paulo Centauro 2006 HOBSBAWM Eric A era das revoluções 17891848 20ed Rio de Janeiro Paz e Terra 2006 IANNI Octavio Enigmas da modernidademundo 3 ed Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2003 JARVIE Grant MAGUIRE Joseph Sport and leisure in social 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muitos vocábulos estudados v 2 2 ed Lisboa Confluência 1967 MAQUIAVEL N O príncipe 6 de São Paulo Martins Fontes 2001 MARCASSA L A invenção do lazer educação cultura e tempo livre na cidade de São Paulo 18881935 Dissertação Mestrado Faculdade de Educação Universidade Federal de Goiás Goiânia 2002 MARX Karl Prefácio In Contribuição à crítica da economia política 2 ed São Paulo Martins Fontes 2003 MELO Victor Org Lazer olhares multidisciplinares São Paulo Alínea 2009 No prelo PÁDUA José Augusto Aniquilando as naturais produções crítica iluminista crise colonial e as origens do ambientalismo político no Brasil 1786 1810 Dados Rio de Janeiro v 42 n 3 p 497 538 1999 PARKER Robert A sociologia do lazer Rio de Janeiro Zahar 1978 PEREIRA Belmiro Fernandes Antigos e modernos o humanismo norteeuropeu nas retóricas peninsulares do século XVI Península Revista de Estudos Ibéricos n 5 p 93101 2008 PERRAULT Charles Festiva ad capita annulumque decursio a Rege Ludovico XIV principibus summisque aulae proceribus edita anno MDCLXII Urbana Champaign University of Illinois 1989 RAMONEDA Arturo Prólogo la obra literaria y politica de Chateaubriand In CHATEUABRIAND François R Memorias de ultratumba Madrid Alianza 2005 p 743 RODRIGUEZ Antonio A querela entre antigos e modernos genealogia da modernidade In RODRIGUEZ Antonio FALCON Francisco Tempos modernos ensaios de história cultural Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2000 p 241285 SEMINARIO O LAZER EM DEBATE 10 2009 Belo Horizonte Coletânea Belo Horizonte UFMG 2009 SILVA Luiz Geraldo A faina a festa e o rito uma etnografia histórica sobre as gentes do mar séculos XVII ao XIX Campinas Papirus 2001 Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 36 SOMESSO João CANCIONEIRO DA BIBLIOTECA NACIONAL DE LISBOA Cancioneiro da Biblioteca Nacional antigo ColocciBrancuti v 2 Lisboa Edições da R de Portugal 1949 Edição facsimilada THOMPSON Eduard P O tempo a disciplina do trabalho e o capitalismo In Costumes em comum São Paulo Companhia das Letras 1998 p 267303 TOMLINSON Alan Ócio In OUTHWAITE Tom Ed Dicionário do pensamento social do século XX Rio de Janeiro Zahar 1996 p 533534 Endereço do Autor Cleber Augusto Gonçalves Dias Universidade Federal de Goiás Faculdade de Educação Física Rodovia GoiâniaNerópolis km 12 Campus Samambaia Caixa Postal 131 CEP 74001970 Goiânia GO Endereço Eletrônico cagdiasbolcombr
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Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 1 TEORIAS DO LAZER E MODERNIDADE PROBLEMAS E DEFINIÇÕES Recebido em 10012009 Aceito em 20052009 Cleber Augusto Gonçalves Dias Universidade Federal de Goiás UFG Goiânia GO Brasil RESUMO Este trabalho quer discutir os limites e as possibilidades das proposições teóricas que apresentam o lazer enquanto um fenômeno moderno Mais particularmente o objetivo aqui é identificar as fontes intelectuais de tais teorias as concepções majoritárias em que se registra o emprego dos conceitos de modernidade ou de sociedade moderna bem como as suas respectivas implicações para os estudos do lazer especialmente no âmbito de pesquisas históricas mais especificamente PALAVRASCHAVE História Lazer Modernidade THEORIES OF THE LEISURE AND MODERNITY PROBLEMS AND DEFINITIONS ABSTRACT This work wants to argue the limits and the possibilities of the theoretical proposals that present the leisure while a modern phenomenon More particularly the objective is to identify the intellectual sources of such theories the mains conceptions where if the job of the concepts of modernity or modern society registers there as well as its respective implications for the studies of the leisure especially in the scope of historical research more specifically KEYWORDS History Leisure Modernity Esse trabalho está articulado com a pesquisa sobre a história do lazer na natureza que estou atualmente desenvolvendo para o doutoramento na Faculdade de Educação Física da Unicamp sob a orientação da Professora Heloísa Reis e com o apoio do CNPq Recentemente tentei sumariar algumas das idéias que estão apresentadas aqui numa palestra dos Ciclos de Debate sobre o Lazer realizado naquela Faculdade e cujo tema fora justamente Lazer e Modernidade Nesse sentido meus mais sinceros agradecimentos ao Grupo de Estudo e Pesquisa em Políticas Públicas e Lazer GEPL que organiza o evento e que me honrou com o convite As discussões que se seguiram além das interlocuções com toda aquela galera com quem tenho convivido muito proximamente me animaram decisivamente a escrever esse artigo Gostaria de agradecer também a meu querido amigo e mestre Victor Melo que empreendeu uma criteriosa leitura preliminar desse trabalho e endereçoulhe valiosas críticas que muito provavelmente ainda não fui capaz de incorporar Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 2 O Historiador é o Rei Nós que aqui estamos por vós esperamos No âmbito dos estudos do lazer temse geralmente associado à ascensão deste fenômeno à ascensão da própria modernidade É comum vermos afirmações que enfatizam tais vínculos dizendo que o lazer é produto de uma sociedade industrial ou ainda que foi produzido pela Revolução Industrial Do mesmo modo destacamse sempre as diferenças que o separam e o singularizam de outros fenômenos semelhantes e em certa medida equivalentes como é o caso do ocium romano ou do skholé grego O problema nesse caso não é tanto o de afirmar que o lazer é um fenômeno social especificamente moderno senão o de especificar em que medida exatamente ele o é Em outras palavras a questão principal parece ser a de definir mais precisamente o que se entende por modernidade nesses casos ou em que acepção este conceito está sendo empregado O propósito deste trabalho é justamente o de discutir os limites e as possibilidades apresentadas por questões dessa ordem Avançando pretendese aqui identificar as fontes intelectuais de tais teorizações bem como suas implicações para os estudos do lazer Lazer e modernidade A proposição de que o lazer é um fenômeno produzido e engendrado nos interstícios da sociedade moderna constituise hoje como uma tradição interpretativa majoritária podese dizer Em 1976 no momento de consolidação internacional de um campo acadêmico especializado Stanley Parker já fazia um diagnóstico nessa direção Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 3 Segundo ele a afirmação de que o lazer é essencialmente um produto da sociedade moderna tem sido apresentada por vários autores e pesquisadores PARKER 1978 p 33 Já nesse sentido poderíamos começar citando o próprio Stanley Parker que também inseria seu trabalho nesse prisma ao postular que o advento da sociedade industrial trouxe formas características de nãotrabalho assim como de trabalho a partir das quais evoluíram as atuais instituições de lazer PARKER p 1415 Mais ou menos do mesmo modo Joffre Dumazedier 1999 afirmava que o lazer possui traços específicos características da civilização nascida da Revolução Industrial p 26 Esses são dois bons exemplos pois além de emblemáticos dizem respeito a nomes que exerceram grande influência internacional na marcação teórica dos debates sobre o assunto No Brasil mais especificamente a presença mais ou menos constante de Dumazedier a partir de 1961 acompanhada pela tradução de alguns de seus livros parece ter sido decisiva para a penetrabilidade de suas idéias Mais que isso talvez sua presença encorajou a institucionalização formal de uma área investigativa e de atuação especializada De modo geral no entanto o lazer é tematizado desde o início do século XIX Inicialmente não como um objeto de estudo evidentemente pois nessa época nem a sociologia existia ainda institucionalmente como uma disciplina acadêmica Suas primeiras aparições são como um problema social Entre o final do século XVIII e início do XIX uma das principais preocupações das classes dirigentes inglesas onde o modo de produção industrial amadureceu de forma pioneira era a de como inculcar no populacho a disciplina necessária ao trabalho fabril Estratégias para a conformação a uma rotina monótona repetitiva e Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 4 mecanizada se constituíram então como o mote modernizador daquele período As casas de trabalho na Inglaterra talvez seja o melhor exemplo desse esforço disciplinador de difundir um relógio moral entre os trabalhadores cujos dispositivos resultavam justamente na autodisciplina na condenação da ociosidade e no controle de si mesmo CROWTHER 1982 DRIVER 1993 Já na segunda metade do século XIX com aquelas condições de vida e de trabalho disseminandose cada vez mais aparecem às primeiras elaborações mais sistemáticas sobre o lazer que passa a ser entendido como um tempo disponível depois das ocupações como é o caso da definição oferecido segundo Dumazedier 2004 pelo Dictionnaire de la langue Française de Maximilien Littré dos anos 1860 Apesar das inegáveis ampliações e sofisticações que tais significados testemunharam desde então seu fundamento básico e elementar se reproduziu amplamente até os dias de hoje Assim os modos de enquadramento e de definição do lazer estão e estiveram sempre estritamente relacionados ao tempo de trabalho De acordo com Alain Tomlinson 1996 O TRABALHO a partir do século XIV estava ficando mais estritamente definido como tempo pago como tarefa medida e contratada mediante salário e as atividades de tempo ocioso eram vistas como as espécies de atividade a que uma pessoa poderia dedicarse longe das obrigações de trabalho p 533 Uma vez que é a nova condição de trabalho mobilizada pela manufatura de grande escala a principal referência com a qual e contra a qual se define o que é lazer entendido sempre como resultado de forças desencadeadas pelo mundo moderno será uma implicação bastante óbvia que a indústria seja tomada como a unidade de análise mais fundamental para a sua caracterização É esse o caso das concepções que emergem das reflexões de alguns dos principais teóricos do lazer como Parker e Dumazedier por Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 5 exemplo 1978 1999 respectivamente Em ambos a sociedade moderna está concebida implicitamente como a feição do industrialismo É o advento de uma revolução ou de uma sociedade industrial que são apresentados como condição para o surgimento do lazer enquanto tal De outra forma mas dentro ainda desta perspectiva podemos identificar outra maneira de conceber a modernidade e conseqüentemente o lazer São proposições que a relacionam não tanto ao industrialismo mas muito mais ao capitalismo Partindo dessa premissa essas teorizações sobre o lazer argumentarão que o seu aparecimento está associado à instauração de uma nova disciplina do ritmo de trabalho Desse modo é quando o tempo dos homens passa a ser marcado e controlado a partir do ritmo da máquina e motivado pelos interesses do capital que vai se notar uma separação mais rígida e claramente definida entre os momentos de trabalho e de nãotrabalho caracterizando assim o lazer É justamente quando o trabalho começa a tornarse mercadoria começa a ser vendido que as questões de tempo e espaço adquirem novos significados GEBARA 1997 p 66 Pensamento sociológico e teorias do lazer Grosso modo essas formas de abordagem correspondem e podem ser relacionadas a grandes matrizes do pensamento sociológico Primeiro a noção de que o traço distintivo das sociedades modernas está no seu modo de produção industrial algo particularmente caro às teorias sociológicas de Durkheim 2008 Para ele a singularidade do mundo moderno encontrarseia na complexa divisão social do trabalho promovida pela indústria Destacando a primazia das funções econômicas Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 6 Durkheim 2008 afirmava que as nossas sociedades são ou tendem a ser essencialmente industriais p 34 Já dentro de uma inspiração marcadamente marxista a transição para uma sociedade moderna não se faz apenas do sistema manufatureiro para o industrialismo mas sim para o capitalismo industrial THOMPSON 1998 p289 Nesse caso é o sistema capitalista portanto que será tomado como o grande agente catalisador das mudanças Conseqüentemente a existência de um tempo de nãotrabalho é a implicação óbvia da existência de um tempo de trabalho modulado nesses termos pelo processo de controle divisão e medição do tempo típico ao próprio desenvolvimento capitalista Em outras palavras a profunda cisão entre trabalho e tempo livre no limite responsável pela própria constituição do lazer moderno se efetivou mediante uma nova concepção de tempo contrária aos ciclos naturais e concebida ao invés disso como uma medida abstrata capaz de ser conferida e calculada DECCA 2002 p 62 Obviamente a identificação desses elementos teóricos está sendo feita aqui de maneira bastante esquemática pois na prática alguns de seus aspectos convergem e guardam entre si algumas similaridades Durkheim 2008 por exemplo reconhecia a primazia das funções econômicas de maneira mais ou menos semelhante à Marx 2003 mas segundo ele a diferenciação das profissões e a multiplicação das ocupações não eram motivadas pelo interesse no lucro Nas suas palavras a produtividade maior é apenas uma conseqüência necessária uma contrapartida do fenômeno Se nos especializamos não é para produzir mais mas para poder viver nas novas condições de existência que surgem No sentido inverso Marx 2003 reconhecia à moda de Durkheim 2008 embora antes dele que o homem moderno era um homem especializado com formação Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 7 específica voltada a uma profissão particular Todavia suas análises comportavam uma interpretação econômica da história e nesse sentido o modo de pensar dos homens ou qualquer outro aspecto da vida social que não a economia não poderia ter supremacia explicativa É o movimento das forças produtivas e das relações de produção que estruturam a sociedade Nas suas próprias palavras A estrutura econômica da sociedade o fundamento real sobre o qual se levanta um edifício jurídico e político e ao qual respondem formas determinadas da consciência social O modo de produção da vida material domina em geral o desenvolvimento da vida social política e intelectual Não é a consciência dos homens que determina sua existência mas ao contrário é sua existência social que determina a sua consciência MARX 2003 p5 A principal diferença portanto talvez esteja na ênfase dos fundamentos mais elementares do pensamento de cada um Pois embora essas tradições de pensamento contenham aspectos análogos e mais ou menos semelhantes entre si por outro lado elas compõem em linhas gerais modelos teóricos diferentes para explicar e caracterizar a sociedade moderna Conforme afirma Anthony Giddens 1991 as tradições teóricas mais proeminentes na sociologia tem tido a tendência de cuidar de uma única e mais importante dinâmica de transformação ao interpretar a natureza da modernidade p 21 Na medida em que são essas as tradições teóricas que têm informado um considerável corpo de pesquisas sobre o lazer JARVIE MAGUIRE 1994 discutilas é em última instância discutir os próprios limites das teorias do lazer A longa história filológica De acordo com Hans Robert Jauss 1996 que empreendeu uma genealogia do conceito de modernidade o termo aparece em 1849 em Mémoires doutretombe Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 8 autobiografia de FrançoisRené de Chateaubriand 2005 escrita entre 1809 e 1841 mas publicada somente a partir de 1849 em 12 volumes após uma divulgação em série no jornal La Presse Dividida em quatro partes a obra fala respectivamente sobre sua carreira de soldado e de viajante sua carreira literária e política e sobre o fim da sua vida As memórias de Chateaubriand abordam além da sua vida privada e das suas aspirações pessoais os acontecimentos históricos e políticos de maior destaque à época aos quais ele presenciou pessoalmente Desse modo o livro constituise como uma espécie de testemunho das abruptas transformações que se processavam na sociedade francesa daqueles tempos fundindo o individual e o universal sua vida doméstica e sua existência de estadista RAMONEDA 2005 p 34 No entanto a expressão francesa la modernité foi definitivamente consagrada alguns anos depois através de um famoso ensaio do poeta Charles Baudelaire A pintura da vida moderna escrito entre 1859 e 1860 e publicado pela primeira vez em 1863 é um pequeno ensaio dedicado ao pintor Constantin Guys Nele Baudelaire celebra a obra daquele artista pela sua capacidade de apreender e representar o encanto da atualidade a beleza da vida universal nas grandes cidades e a espantosa harmonia da multidão Tratado pelo poeta como gênio tamanha admiração denuncia na verdade as concepções de modernidade do próprio Baudelaire para quem esta era o transitório o efêmero o contingente era enfim a beleza passageira e fugaz da vida presente BAUDELAIRE 1996 p 2676 A modernidade nesse sentido seria uma maneira de experimentar a própria experiência do tempo uma autoconsciência do presente livre do passado e aberto ao futuro HABERMANS 2000 Contudo conforme nos alerta Jauss 1996 p 47 O termo não foi criado para o nosso tempo e tampouco parece adequado para caracterizar Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 9 de modo inconfundível a feição única de uma época Longe disso o sentido mais primitivo da noção tem a ambição de expressar a diferença entre o que é do presente e o que é do passado entre o que é novo do que é obsoleto Dessa forma A modernité baudelariana como sinal precursor de uma nova era artística não pode no entanto fazer esquecer que ela é o rebento tardio de uma longa história filológica Mesmo o significado recente desse substantivo é tributário do adjetivo antigo modernus JAUSS 1996 p 48 Essa longa história filológica a que alude Jauss iniciase segundo os argumentos dele mesmo por volta do século V com o desmoronamento do império romano É quando teremos documentado pela primeira vez o emprego da palavra latina modernus cuja função era já naquela época designar exclusivamente a atualidade histórica do presente De acordo com Belmiro Pereira 2008 se hodiernus deriva de hodie modernus provêm de modo advérbio usado para significar agora agora mesmo recentemente E assim no século VI se forja o esboço de uma antinomia entre antigo e moderno com os homens daquele tempo percebendo que Roma e a cultura antiga eram já passado um passado modular mas separado do presente p 93 Nos tempos carolíngios nos idos do século IX vêse uma expansão da palavra promovida sob a égide do novo império universal de Carlos Magno A partir do século XI já se encontra registros de uma nova palavra modernitas Depois no século XII surgem os moderni uma nova geração de autores que escreviam em latim e em língua vulgar e que seriam fortemente marcados por uma autoconsciência histórica do seu tempo Os moderni admiravam os antiqui mas também já avaliavam suas próprias experiências como a expressão de um autoaperfeiçoamento No século XIII Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 10 personagens como Tomás de Aquino consideravam antiguos os mestres de duas ou três gerações anteriores que lecionavam na Universidade de Paris entre os anos 1220 e 1230 Em contrapartida entendiam a si próprio e a seus companheiros como modernos LE GOFF 1991 Entre os séculos XIV XV e XVI vários campos de atuação vão se remeter explicitamente e de maneira cada vez mais radical a originalidade de suas realizações É o momento em que a oposição entre antigo e moderno emerge ao primeiro plano da cena intelectual Segundo Jacques Le Goff 1991 o Renascimento convulsiona esta emergência periódica do moderno oposto ao antigo p154 A partir de 1341 começa a se fazer à distinção entre história antiga e história nova No mesmo sentido surgem publicações que pronunciam uma nova autoconsciência da experiência no tempo e no espaço Com a radicalidade do humanismo renascentista iniciase a maniera moderna uma reflexão sobre arte que se acredita superior aos modelos clássicos O Príncipe de Maquiavel 2001 pode também ser tomado de acordo com interpretação de Antônio Rodriguez 2000 como expressão da cultura do Renascimento qualificador da genealogia da querela entre antigos e modernos p 252 Ao longo do século XVII essa antinomia ganha forma mais nítida sobretudo na Inglaterra e na França É a época em que imitar os clássicos deixa de ser prova de elegância e de bom gosto Aparecem livros em que a obra de Homero é atacada dizendo tratarse de um trabalho defeituoso exemplo da inferioridade dos antigos em relação aos modernos Particularmente em 1687 diante da Academia Francesa Charles Perrault contestava os escritores que acreditavam na superioridade da literatura da antiguidade Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 11 Autor de Chapeuzinho Vermelho A Bela Adormecida Cinderela entre outros Charles Perrault estabeleceu através de seus escritos as bases para a criação de um novo gênero literário à época o conto de fadas Declarava então a decadência dos antigos a favor da produção literária francesa da sua época na culminância de uma longa disputa que ficaria conhecida dali em diante como a Querela entre os Antigos e os Modernos Sua tônica dizia respeito basicamente a defesa da liberdade criativa e inovadora do artista contemporâneo De acordo com os versos de Perrault1 A formosa antiguidade sempre foi venerável mas nunca acreditei que fosse adorável olho os antigos sem me curvar são grandes é verdade mas são homens como nós e sem medo de sermos injustos podemos comparar o século de Luiz com o grande século de Augusto Apud LE GOFF 1991 p 155 Para Francisco Falcon 2000 a partir daí tendeu a se afirmar a consciência de um tempo presente novo e transitório que não mais se pautava pelo caráter paradigmático da Antiguidade p 228 E de fato desde então moderno ou modernidade nunca mais deixariam de polarizar presente e passado Mesmo em Baudelaire 1996 cujo projeto estético era claramente orientado para uma celebração do presente notase no fim de tudo a ambição de adquirir o direito de tornarse história Para que toda Modernidade seja digna de tornarse Antiguidade é necessário que dela se extraia a beleza misteriosa que a vida humana involuntariamente lhe confere p 27 Por isso ao analisar as concepções baudelarianas Walter Benjamim 2000 afirmava que de todas as relações estabelecidas pela modernidade a mais notável é a que tem com a antiguidade p 80 1 PERRAULT Charles Festiva ad capita annulumque decursio a Rege Ludovico XIV principibus summisque aulae proceribus edita anno MDCLXII Urbana Champaign University of Illinois 1989 Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 12 Talvez em função dessas relações apontadas por Benjamim 2000 é que palavras de Baudelaire guardariam notável semelhança com as do seu xará Charles Perrault pronunciadas mais de dois séculos antes Referindose aos personagens de um escritor contemporâneo Baudelaire 1995 dizia os heróis da Ilíada não chegam aos vossos pés Vautrin Rastignac Birotteau nem aos teus Honoré de Balzac o mais singular o mais romântico o mais poético dentre todos os personagens que tua fantasia criou p694 Tal como o polêmico membro da Academia Francesa Baudelaire compara a literatura do seu momento com a do passado inclinandose fervorosamente a favor da primeira Em outra oportunidade anos depois continuaria fiel a essas convicções condenando duramente o artista que pretendesse tomar os mestres antigos como modelos Ai de quem estude na antiguidade outra coisa que não a arte pura a lógica o método geral Para ele quem por ventura o fizesse para além disso buscando qualquer tipo de inspiração estaria praticando apenas um exercício supérfluo perderia a memória do presente e abdicaria do valor dos privilégios fornecidos pela circunstância pois quase toda a nossa originalidade vem da inscrição que o tempo imprime às nossas sensações BAUDELAIRE 1996 p 28 Poderíamos então dizer que para Baudelaire a modernidade era atemporal pois todas as épocas a conheceram e cada qual teve a sua Nas suas palavras Houve uma Modernidade para cada pintor antigo a maior parte dos belos retratos que nos provêm de épocas passadas está revestida de costumes da própria época BAUDELAIRE 1996 p 26 Assim essa modernidade seria tão somente a moral e a estética capaz de apreender as peculiaridades dos seus respectivos presentes históricos porque cada século possui sua graça particular p 48 Nesse sentido a modernidade de Baudelaire Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 13 que pretendia à originalidade destacando a beleza do seu próprio tempo não fez senão repetir o esquema geral da boa e velha querela entre antigos e modernos distanciando se das gerações que lhe precederam e afirmando a realização de sua própria Moderno e modernidade Se do ponto de vista estritamente conceitual as raízes mais profundas da modernidade se encontram no século V com o advento da palavra latina modernus em que período se situa a sua emergência enquanto uma experiência histórica Há uma primeira tradição historiográfica que entende por Idade Moderna o período histórico que se segue à Idade Média e que teria se iniciado em 1453 com a tomada de Constantinopla pelos turcos otomanos Dentro dessa mesma perspectiva ainda outros eventos têm sido sugeridos mas sem nunca escaparem a essa periodização geral Citamse nesse caso a conquista de Ceuta pelos portugueses em 1415 ou de maneira ainda mais recorrente as grandes viagens de descobrimento Eventos como esses últimos conforme sugere Octavio Ianni 2003 podem e devem ser tomados como emblemas de rupturas históricas excepcionais momento primordial e seminal da modernidade como emblema do modo pelo qual se inicia um novo ciclo da história p 3839 Esses foram eventos que alteraram de maneira radical formas e estilos de pensamento teorias e epistemologias inauguraram novas crenças e convicções e alimentaram a emergência de novas visões de mundo e de uma escala de valores A descoberta e a conquista do Novo Mundo ocorrem em uma época em que estão em curso a Renascença a Reforma a ContraReforma e a Revolução Científica É toda uma configuração históricosocial de vida trabalho e cultura que está em causa nessa época IANNI 2003 p 39 Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 14 gênese do EstadoNação É o período portanto em que se inicia a modernidade no seu sentido mais amplo Mas em que medida seria correto ou conveniente tomar de fato o século XVI como marco de uma periodização para a modernidade Não existiriam diferenças entre a Idade Moderna e a Modernidade Segundo Hans Ulrich Gumbrecht 1998 quem opera com problemas e conceitos como os de modernidade e modernização não pode deixar de confrontarse com o fato de uma sobreposição desordenada entre uma série de conceitos diferentes de modernidade e modernização p 9 Os problemas em torno de uma definição histórica ou de uma periodização para a modernidade podem se resumir muito grosseiramente em dois posicionamentos De um lado uma concepção mais estreita que a concebe a partir dos meados do século XIX ou quando muito a partir do final do século XVIII com a Revolução Francesa em 1789 De outro lado uma concepção mais abrangente que adota uma periodização mais larga e que toma as viagens ao Novo Mundo ou a invenção da Impressa como marcos desse processo De certo modo essa última posição estreita os laços entre o moderno e a modernidade vendo o segundo como um desdobramento do primeiro De todo modo no momento de discutirmos as origens do espírito moderno não seria recomendável conforme aconselha Lucien Febvre 1970 acreditar em nascimentos ao estilo de Minerva isto é no surgimento repentino de doutrinas que brotam por geração espontânea do cérebro de um só homem p 254 Ao contrário a sociedade moderna é o resultado de um extenso e eclético conjunto de experiências sociais que se acumularam num período de longa duração e que podem ser subsumidos ao liberalismo no âmbito político ao mecanicismo no âmbito filosófico ao capitalismo Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 15 no âmbito econômico ao industrialismo no âmbito tecnológico e ao individualismo no âmbito ideológico Nesse sentido não seria justo atribuir ao século XIX todos os créditos pela invenção da vida moderna Acontecimentos ainda que inegavelmente importantes e em certo sentido até revolucionários não seriam capazes de tanto num espaço tão curto de tempo É bem verdade que foi no período de vida de homens como Baudelaire que a experiência da modernidade emergiu mais claramente à consciência e palavras como a dele próprio a esse respeito funcionaram como o catalisador de idéias e concepções que já existiam antes mas que se encontravam ainda dispersas e talvez pouco difundidas ou sistematizadas É esse provavelmente o verdadeiro mérito do século XIX o de ter realizado de maneira mais vigorosa aquilo que seus predecessores vinham apenas prevendo até ali Assim Recuperar o processo de construção do conceito de modernidade implica um retorno à chamada Idade Moderna uma vez que a modernidade mergulha suas raízes mais profundas no solo da cultura ocidental européia dos séculos XVIIXVIII e começos do século XX FALCON 2000 p 223 A modernidade então não é exatamente um período histórico mas muito mais um processo social que de maneira mais remota iniciouse no século XVI e se estendeu até os dias de hoje através de muitas e intensas mudanças e rupturas Tratase portanto de um processo que atravessa um extenso período de tempo e que por isso reúne idéias episódios e personagens múltiplos e por vezes divergentes Parte da reflexão teórica mais influente a esse respeito tem compreendido a modernidade como etapas de um mesmo processo em que se sucedem fases Gumbricht 1998 por exemplo fala de quatro fases o Início da Modernidade a Modernidade Epistemológica a Baixa Modernidade e a PósModernidade Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 16 Segundo ele o primeiro período diz respeito à emergência de uma subjetividade onde o homem transformase no sujeito da produção do saber Distinguindose da Idade Média o homem moderno não seria apenas parte de uma criação divina cuja verdade lhe era desconhecida por estar além da sua compreensão O homem passa enfim a ser um observador de primeira ordem Metonimicamente o período esta representado pela invenção da imprensa e pela descoberta do Novo Mundo Já o segundo período abrange as décadas em torno nos anos 1800 É o momento da diluição daquela confiança cega no conhecimento produzido pelo homem tornandoo um observador de segunda ordem que se define pela capacidade de observar as próprias observações O terceiro período é como o resultado dessa modernização epistemológica é o momento da perda definitiva na crença de uma visão objetiva de mundo marcada por uma obsessão pela inovação característica as primeiras décadas do século XX O quarto e último período seria o da PósModernidade cuja versão filosoficamente mais interessante nas palavras de Gumbricht 1998 consiste em conceber nosso presente como uma situação que desfaz neutraliza e transforma os efeitos acumulados dessas modernidades que têm se seguido uma à outra desde o século XV p 21 Marshall Berman 2007 por seu turno fala de três fases da modernidade A primeira que vai do início do século XVI até o fim do século XVIII é o momento em que as pessoas estão apenas começando a experimentar a vida moderna mal fazem idéia do que as atingiu Elas tateiam desesperadamente mas em estado de semicegueira no encalço de um vocabulário adequado p 25 A segunda começa com as revoluções da década de 1790 É quando com as repercussões da Revolução Francesa ganha vida de maneira abrupta e dramática um grande e moderno público Esse público partilha o sentimento de viver em uma era revolucionária uma era que desencadeia explosivas convulsões em Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 17 todos os níveis de vida pessoal social e política Ao mesmo tempo o público moderno do século XIX ainda se lembra do que é viver material e espiritualmente em um mundo que não chega a ser moderno por inteiro É dessa profunda dicotomia dessa sensação de viver em dois mundos simultaneamente que emerge e se desdobra a idéia de modernismo e modernização BERMAN 2007 p 26 A terceira fase é a da dilatação da modernidade que se expande a ponto de abarcar virtualmente todo o mundo BERMAN 2007 e corresponde cronologicamente ao século XX Shmuel Einstendatd 1969 para tomarmos um último exemplo classifica a modernidade em duas fases uma primeira a que ele chama limitada e uma segunda a que ele se refere como de massa Segundo ele as características mais marcantes dessa primeira fase seriam a escala relativamente reduzida de escopo de todas as organizações novas o desenvolvimento de várias organizações relativamente específicas orientadas para objetivos determinados o desenvolvimento de mercados ainda restritos e recursos de livre flutuação nas esferas institucionais principais e a predominância relativa de arranjos reguladores e distributivos públicos p 79 Em contrapartida as características mais proeminentes da segunda fase como o nome já sugere é o seu aspecto de massa isto é sua crescente tendência de intensificar a abrangência a amplitude e o ritmo de diferenciação estrutural e de especialização institucional Esta etapa de acordo com Einstendatd 1969 caracterizouse pelo desenvolvimento de grupos e associações de grande escala especializados de propósitos múltiplos Em segundo lugar é caracterizada pela contínua extensão e interpretação dos vários mercados internos nas esferas institucionais da sociedade Em terceiro lugar pela urbanização continuamente crescente e ampliada e pela contínua disseminação de meios de comunicação de massa p 80 Tempos empilhados uns sobre os outros Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 18 Nesses exemplos que dizem respeito a respeitáveis conclusões em torno desse debate a modernidade está sempre caracterizada de maneira geral e mais abrangente isto é para além do momento em que seus efeitos se manifestavam de maneira mais visível e inequívoca Assim o século XVI e até o século XV em alguns casos são mencionados como momentoschave no seu processo de formação pois se o século XIX foi prodígio em revelar suas implicações a construção de toda a sua dinâmica já estava em curso muito antes disso Para tomar um exemplo simples e até certo ponto clichê a máquina a vapor e a subseqüente industrialização móveis fundamentais da modernização que revolucionaram estilos de vida quando tiveram seus princípios aplicados e generalizados a uma série de aspectos da vida social foi patenteada na Inglaterra no fim do século XVII por Thomas Savery Tratavase do registro de um motor a vapor usado para bombear água de minas de carvão Em 1712 Thomas Newcomen aperfeiçoou o aparelho com a mesma finalidade e em 1769 James Watt registrava a patente de outra máquina do mesmo tipo com outros aprimoramentos Mas as repercussões desta autêntica revolução só se fizeram sentir de maneira óbvia e inconfundível a partir da década de 1830 Segundo Eric Hobsbawm 2006 foi somente nessa época que a literatura e as artes começaram a ser abertamente obsedadas pela ascensão da sociedade capitalista O próprio nome de revolução industrial reflete seu impacto relativamente tardio sobre a Europa A coisa existia na Inglaterra antes do termo p 4950 Em suma as condições para a sua efetivação histórica já se encontravam disponíveis há mais de um século desde que o primeiro rei tinha sido formalmente julgado e executado pelo povo e desde que o lucro privado e o desenvolvimento econômico tinham sido aceitos como os supremos objetivos da política governamental HOBSBAWM 2006 p 54 Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 19 A Revolução Francesa outro símbolo da vida moderna também vinha sendo germinada por círculos intelectuais e filosóficos há tempos O conhecimento de cunho científico e a confiança no progresso através de uma ideologia individualista secular e racional fomentaram um consenso geral de idéias que culminaram na degola das autoridades do Antigo Regime Embora tais crenças não fossem suficientemente poderosas ou disseminadas antes do século XIX é certo por outro lado que sua existência data bem antes desse período As forças econômicas e sociais as ferramentas políticas e intelectuais desta transformação já estavam preparadas HOBSBAWM 2006 p 17 No campo dos estudos do lazer no entanto a modernidade geralmente aparece concebida como algo mais estreito e específico Parte dessas limitações tem relação com a vinculação um tanto quanto exagerada da emergência do lazer à industrialização ou ao capitalismo nos seus sentidos mais restritivos As conseqüências empíricas dessas posições aparecem no momento de se operar na prática esforços para sua explicação Assim entre os poucos trabalhos dedicados a tematizar sobre a gênese dos lazeres no Brasil buscase quase sempre fazêlo a partir de um marco cronológico situado a partir do quartel final do século XIX Segundo argumentase a justificativa para a concentração nesse período dáse porque nessa época o país vive as primeiras experiências da produção capitalista no modelo urbano e industrial seus primeiros ensaios manufatureiros a federalização do Estado a modernização dos principais centros comerciais e portuários a organização da sociedade em classes sociais e o fortalecimento do operariado como um movimento político e social MARCASSA 2002 p 11 São abordagens que como disse pressupõem que a sociedade moderna ou está atrelada a industrialização ou ao advento de uma ordem capitalista Nesta perspectiva a emergência de novas práticas de lazer foi uma manifestação dessas amplas Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 20 transformações de um tradicionalismo agrário a uma sociedade industrial moderna MARCASSA 2002 p 12 E mesmo em estudos históricos mais generalistas que pretendem destacar o enraizamento das práticas de lazer sublinhando a profundidade e a antiguidade de suas origens como o organizado por Alain Corbin 2001 assumese uma periodização mais contemporânea Nesse caso a maneira como os tempos sociais eram entendidos e utilizados a partir de 1830 é apresentado como algo seminal para a história dos lazeres destacandose assim a fluidez e a porosidade do tempo cotidiano dos trabalhadores no limiar do século XIX impregnados de imprevistos abertos à espontaneidade sujeitos à interrupção fortuita ou recreativa p 6 Aqui também é a relação entre o tempo de trabalho e o de nãotrabalho que são determinantes para definição e caracterização do lazer Mais que isso ainda é uma forma de relação com o tempo supostamente típica às sociedades capitalistas industriais que serão tomadas como marco teórico e conceitual destas explicações Este tempo de relativa lentidão flexível maleável ocupado por actividades muitas vezes mal determinadas foi sendo pouco a pouco substituído pelo tempo calculado previsto ordenado precipitado da eficácia e da produtividade tempo linear estritamente medido que pode ser perdido desperdiçado recuperado ganho Foi ele que suscitou a reivindicação de autonomia de um tempo social CORBIN 2001 Tudo isso é correto mas não pode ser superestimado sob o risco de idealizarem se as concepções de tempo das sociedades industriais tanto quanto das préindustriais Ou seja tais afirmativas se constituem como verdade mas não como toda a verdade pois mesmo antes do advento da indústria moderna já se tem notícia de uma parcial e relativa artificialização dos tempos de trabalho Jacques Le Goff 1993b por exemplo comenta as transformações dos ritmos temporais à luz da crise geral do século XIV Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 21 Segundo ele a definição dos modos de relacionamento com e no trabalho nesse período davase a partir de uma concepção de tempo que em linhas gerais fazia referencia aos ciclos naturais e era marcada pelo tempo religioso A partir do fim do século XIII no entanto este tempo de trabalho é posto em causa e entra em crise Conforme se dá com o resto o tempo laboral transformase definese tornase mais eficaz não sem dificuldade p 63 Inovações tecnológicas e novas orientações filosóficas concorrem simultaneamente para o surgimento dessas novas tendências O recomeço da cunhagem do ouro a multiplicação dos sinais monetários as primeiras flutuações inflacionárias a crise dos salários a alta dos preços a ampliação das redes comerciais que vão se estendendo até a China enfim todo este alargamento do domínio monetário exige um tempo mais bem medido LE GOFF 1993a p 51 Mercadores vão então descobrindo que a lentidão ou a rapidez das viagens ou a duração do trabalho artesanal na fabricação de mercadorias interferem positiva ou negativamente no preço dos produtos e conseqüentemente dos lucros Assim descobrese também o preço do tempo Tudo indica que a justa medição do tempo interessa cada vez mais ao bom andamento dos negócios O resultado é que para o mercador o meio tecnológico sobrepõe um tempo novo mensurável quer dizer orientado e previsível ao tempo eternamente recomeçado e perpetuamente imprevisível do meio natural 1993a p 52 Paralelamente a ideologia renascentista que colocava o homem no centro do universo celebrando suas virtudes e capacidades ou autorizandoo de modo geral a ser senhor do seu próprio destino incentivava também um novo emprego do tempo que pouco a pouco deixava de ser tido como um dom de Deus passando a ser visto como propriedade do homem Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 22 Daí em diante vêse o aparecimento de iniciativas para a regulamentação do dia de trabalho especialmente do tecelão inserido no setor mais dinâmico da economia medieval Movidos pelas necessidades de se adaptar à evolução econômica resultante das primeiras mutações monetárias patrões do setor têxtil procuram regulamentar o mais rigorosamente possível o dia de trabalho Então por volta da década de 1320 aparecem os sinos de trabalho tentativas de ordenar as rotinas definindo os momentos de comer de retornar e de ir embora O que o sino de trabalho ou a utilização do sino urbano para o trabalho traz de novidade é evidentemente a substituição de um tempo factual que só episodicamente se manifesta por um tempo da igreja pelas horas certas de que falam os burgueses de Aire Tempo não de cataclismo ou de festa mas tempo do quotidiano sistema cronológico que aprisiona que enquadra a vida urbana As exigências de um trabalho melhor medido num século em que o quantitativo faz a sua tímida aparição nas estruturas administrativas e mentais são pois factor importante do processo de laicização LE GOFF 1993b p 68 O amontoado heterogêneo da história Análises históricas cuidadosamente documentadas como as de Jacques Le Goff permitem um questionamento sobre as generalizações sociológicas a respeito da natureza do trabalho e conseqüentemente do não trabalho em períodos anteriores a consolidação definitiva da modernidade ou das sociedades industriais Seu estudo sobre as concepções de tempo no fim da Idade Média permite relativizar minimamente a noção de que antes do advento da indústria capitalista moderna todo trabalho estava absolutamente submetido às intempéries climáticas e meteorológicas ao mesmo tempo em que não deixa de reconhecer que esses eram de fato aspectos hegemônicos das suas temporalidades Da mesma forma que o camponês o mercador está submetido na sua actividade profissional em primeiro lugar ao tempo meteorológico ao ciclo das estações à imprevisibilidade das intempéries e dos cataclismos naturais Mas quando se organiza uma rede comercial Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 23 o tempo tornase objecto de medida Tempo mensurável mecanizado até é o tempo do mercador mas igualmente descontínuo cortado por paragens momentos mortos afectado por acelerações ou atrasos muitas vezes em ligação com atrasos técnicos e o peso dos dados naturais a chuva ou a seca a bonança ou a tempestade LE GOFF 1993a p 51 Obviamente tratavase apenas de determinados grupos sociais ainda muito circunscritos e cujas convicções e mentalidades ainda eram em certo sentido minoritárias pouco corriqueiras e ainda muito instáveis e mal definidas O tempo novo tem muitas falhas e o relógio urbano está freqüentemente avariado Mais que um utensílio da vida quotidiana o relógio é ainda uma maravilha um ornamento um brinquedo ibid p 69 Por isso o próprio Le Goff ressalta a necessidade de não se opor muito brutalmente todas essas diferentes concepções problematizando no limite a existência de um tempo unificado e unificador que pudesse virtualmente abarcar e se impor a todos os grupos sociais Segundo ele entre o tempo natural o tempo profissional o tempo sobrenatural há pois simultaneamente separação essencial e encontros contingentes tempos de certo modo empilhados uns sobre os outros LE GOFF 1993a p 5556 Certamente é no reconhecimento da impossibilidade de definição unívoca das concepções de tempo para toda uma sociedade que está o principal alcance de sua argumentação Declaradamente inspiradas pelas reflexões de Maurice Halbwachs 2006 a idéia é a de que cada grupo localmente definido tem sua própria memória e uma representação só dele de seu tempo p 130 Assim o tempo em sua dimensão social ou enquanto uma representação coletiva condicionada pelas necessidades e hábitos específicos de cada grupo não é único Visto que nos diversos ambientes não temos a necessidade de medir o tempo com a mesma exatidão a correspondência entre o tempo do escritório o tempo de casa o tempo da rua o tempo das visitas é fixado entre limites às vezes bastante amplos O ano escolar não começa no mesmo dia do ano religioso No ano religioso o aniversário do nascimento de Cristo e o aniversario de sua morte e de Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 24 sua ressurreição determinam as principais divisões do ano cristão O ano leigo começa no dia primeiro de janeiro mas segundo as profissões e tipos de atividades comporta divisões muito diferentes As divisões do ano camponês se baseiam no ritmo dos trabalhos agrícolas que por sua vez é determinado pela alternância das estações O ano industrial ou comercial se decompõe em períodos em que se trabalha a pleno rendimento quando afluem pedidos e em outros quando os negócios andam mais devagar e até param não são os mesmos em todos os tipos de comércio ou de indústria Assim tanto existem grupos quanto origens de tempos diferentes Não há nenhum que se imponha a todos os grupos HALBWACHS 2006 p 135137 Com base nessa noção de pluralidade social de tempos poderíamos nos perguntar sobre a real abrangência dos significados hegemonicamente imputados às noções de trabalho e lazer no mundo moderno Inversamente poderíamos indagar também sobre o real nível de fusão entre trabalho e nãotrabalho em sociedades pré industriais aprimorando historicamente o modo de constituição do lazer Pois mesmo em sociedades onde a indústria já existia de maneira mais pronunciada tais categorias não se efetivaram de maneira plena e absoluta Havia em muitos casos tensões questionamentos resistências e acomodações Sidney Chalhoub 2001 por exemplo observando mais de perto o cotidiano e as redes de sociabilidade de trabalhadores das camadas populares da belle époque carioca conclui que o ideal burguês de separação rígida entre trabalho e lazer não tinha significado algum trabalho e diversão estão associados no cotidiano e não são regidos por horários fixos p 146 Já em pleno século XX em um período de profundas transformações sociais onde a constituição de uma ordem social capitalista implicava a transição de relações do tipo senhorialescravista para uma outra do tipo burguêscapitalista uma nova ideologia do trabalho não conseguia se impor inequivocamente Desse modo apesar dos esforços para disciplinar o trabalho como o projeto de repressão à ociosidade de 1888 intervalos durante a jornada de trabalho continuariam bastante comuns entre certas Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 25 ocupações como as dos carvoeiros estivadores ou carroceiros Pausas para tomar café e cachaça no botequim ou mesmo para jogar à dinheiro eram constantes naqueles trabalhos que não se viam circunscritos a um espaço fechado rigidamente disciplinado Para esses trabalhadores a jornada de trabalho estaria ainda intimamente ligada aos períodos de lazer no botequim CHALHOUB 2001 p 102 De outro lado trabalhos e trabalhadores em certos períodos do Brasil colonial como o dos engenhos açucareiros do nordeste no século XVII conheceram considerável especialização de funções Vera Ferlini 2003 analisando em particular essa forma de trabalho entre os idos de 1620 e 1650 comenta a respeito Segundo ela o engenho apareceu como conjunto produtivo peculiar novo onde as atividades necessárias para a transformação da cana em açúcar foram organizadas segundo critérios de ordem hierarquia especialização seqüência e disciplina p 139 Embora ela mesma ressalte que a presença de escravos fizesse com que a realização das condições de produção estivessem fundamentalmente baseadas em relações direta de domínio e servidão notase também uma organização manufatureira determinada pelo capital mercantil Nesse caso é principalmente o emprego de trabalhadores brancos livres e especializados como os feitores e mestres de açúcar o principal agente desse processo De maneira semelhante a pesca de baleia a extração de madeiradelei ou o garimpo nas Minas Gerais seriam todos modos de produção que em algumas etapas da sua realização anteciparam ao longo de quase todo o século XVIII formas mais agudas de racionalização e divisão do trabalho ver como exemplo entre muitos outros CABRAL 2008 ELLIS 1969 PÁDUA 1999 SILVA 2001 Em outras palavras no seio de sociedades industriais bem como no das pré industriais existem modos dinâmicos e porosos de transitar entre o mundo do trabalho e Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 26 do nãotrabalho especialmente em sociedades híbridas como a brasileira em que elementos arcaicos e modernos se combinam e se fundem numa colagem sui generis Essa fluidez e flexibilidade mesmo que relativas e contingenciais contrariam ao menos em alguma medida códigos de conduta e critérios de moralidade previstas a partir da lógica de alguns poucos grupos sociais cujos parâmetros de comportamento não necessariamente correspondem aos da sociedade em sua totalidade Com efeito a rígida demarcação entre as esferas do lazer e do trabalho é tão somente o resultado de uma idealística elaboração teórica e conceitual que apesar de estar em conformidade com as expectativas ideológicas das classes dirigentes não se confirma em muitas realidades empíricas sobretudo às das classes subalternas Por isso mesmo esses modelos teóricos representam também a distorção dessas realidades e em última instância não passam de elucubrações que carecem de fundamento histórico Parece cada vez mais difícil seguir sustentando certas proposições especialmente aquelas herdadas de uma tradição tipicamente sociológica fundadas em generalizações abstratas e aparadas por noções muitíssimo gerais e imprecisas como o trabalho o lazer ou a sociedade industrial e que obviamente não dão conta de abarcar a complexidade das realidades sociais Basta olharmos para a especificidade da experiência histórica palpável de grupos tão diversos e plurais como os dos tropeiros garimpeiros pescadores sapateiros caixeiros lavradores carroceiros estivadores padeiros prostitutas soldados enfermeiras médicos comerciantes banqueiros professores advogados ou uma infinidade de outras ocupações de ontem ou de hoje para nos convencermos de que a maneira como cada um deles se relacionava com suas diversões era na prática muito mais matizada do que supõe esses modelos explicativos Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 27 Diante das teorias do lazer correntes entre nós as desconfianças de Robert Darnton 1990 diante da sociologia antropologia ou da ciência política possivelmente ganhariam corpo e forma acabada Para ele os cientistas sociais vivem num mundo fora do alcance dos comuns mortais um mundo ordenado segundo modelos perfeitos de comportamento povoado por tipos ideais e governados por coeficientes de correlação que excluem qualquer coisa que não seja o desvio padrão mais normal Nunca se consegue vincular esse mundo ao amontoado heterogêneo da história p 70 Abandonar a pretensão de grandes sínteses generalizadoras apontando ao invés disso para particularidades mais concretas cotidianas molduradas em um quadro regional específico pode nos conduzir a análises capazes de revelar talvez de maneira um tanto surpreendente para alguns imagens extremamente distantes das caricaturas estereotipadas que se cristalizaram em torno do universo do trabalho e do lazer Tal como as mal informadas representações sobre a Idade Média que a pensam como uma época obscura ou de trevas associada à repressão e à violência ao que Henry Loyn 1997 chamou de um equívoco grosseiro o passado préindustrial do Brasil colonial às vezes tende também a ser apresentado como um momento praticamente sem vida No entanto sabemos que o período foi muito dinâmico sob vários aspectos Desde o final do século XVII o comércio de especiarias e de toda uma enorme gama de gêneros alimentícios resultou em um movimento mercantil tão amplo que foi capaz de fazer consideráveis fortunas BLAJ 1998 pouco depois no século XVIII algumas regiões tiverem crescimento demográfico superior aos 400 por essa época também com a coroação de D José I a Coroa Portuguesa passou a manifestar grande interesse pelos assuntos da Colônia deflagrando um violento esforço para a normatização dos costumes o que incluía as festas que eram muitas aliás e outros espaços de sociabilidade DEL PRIORE 1994 Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 28 A necessidade de definir historicamente com mais precisão e a partir de bases empíricas mais amplas em que medida exatamente o lazer é um fenômeno moderno parece ser um desconforto compartilhado atualmente por boa parte da comunidade acadêmica dedicada ao assunto Não por acaso a temática História e lazer tem sido pauta de discussões em alguns importantes fóruns especializados como é o Seminário O Lazer em Debate que por duas vezes nos últimos três anos apresentou uma mesa redonda sobre o assunto MELO 2009 SEMINÁRIO 2009 A desrazão dos moribundos Discursos hegemônicos sobre a modernidade costumam caracterizar os seus padrões de sociabilidade em torno de três pilares fundamentais diferenciação social secularização ou racionalização e separação entre público e privado Como vimos a identificação do período histórico a que correspondem os primórdios dessas experiências em cada um desses aspectos pode oscilar desde o século XV até os meados do XIX Entretanto na medida em que aumentam nossos conhecimentos sobre modos de vida do passado temporalmente mais distantes maior parece ser a tendência de ampliarmos também o escopo e o período abarcados pela idéia de modernidade bem como o de todos os seus correlatos tais como a indústria o capitalismo e assim por diante a esse respeito ver a título de exemplo DOBB 1977 As principais teorias do lazer a reboque dessas reflexões também se vêem diante do impasse de redefinir a circunscrição e a abrangência do seu próprio conceito Aprofundamentos dos conhecimentos sobre as condições de produção ou sobre o modo de fruição dos divertimentos em épocas préindustriais estimulam o questionamento da suposta rigidez da separação entre trabalho e nãotrabalho alargando o horizonte de Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 29 possibilidades interpretativas Até que ponto esses alargamentos devem se estender é um debate em aberto Seria o caso de aceitar que o lazer é um fenômeno que pode ser identificado em outras sociedades que não as modernas Seria o caso de dizer que sempre houve lazer Se não que contextos históricos poderíamos chamar com justeza de modernos sem incorrer em anacronismos De acordo com José Pedro Machado 1967 o início do emprego da palavra lazer em língua portuguesa de derivação latina como se sabe data do século XVI aproximadamente No entanto o registro de sua forma arcaica lezer pode ser identificado já desde o século XIII como testemunha os versos do trovador português João Soarez Somesso naquele que é provavelmente o primeiro registro do vocábulo de que se tem notícia Mas a simples existência de um signo lingüístico não necessariamente atesta a existência de um fato social Inversamente a sua ausência também não impede sua ocorrência A articulação entre as palavras e as coisas é bem mais complexa que isso Em alguns casos haverá descontinuidade de significados a despeito da permanência ininterrupta das palavras como é o caso da noção de retórica cujos sentidos foram radicalmente alterados por Cícero com relação ao emprego atribuído por Aristóteles como bem demonstra Carlo Ginzburg 2002 De outra forma a ausência da palavra de um determinado contexto não significa que o seu conteúdo também o esteja ou que a sua aplicação analítica aquelas circunstância não seja nunca possível O uso historiográfico de conceitos como o de sociologia privacidade ou feminismo são bons exemplos nesse sentido Ao analisar historicamente as etapas de evolução do pensamento sociológico Raymond Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 30 Aron 2003 inicia o empreendimento situando a obra de Montesquieu no marco da fundação da disciplina sociológica apesar de em sua época o termo sequer ter sido inventado Segundo ele Na França esse autor geralmente é considerado um precursor da sociologia e se atribui a Augusto Comte o mérito de ter fundado essa ciência o que é verdade se fundador for aquele que criou o termo Contudo se o sociólogo se define por uma intenção específica conhecer cientificamente o social Montesquieu é a meu ver um sociólogo tanto quanto Augusto Comte p 3 Georges Duby 1990 e Philippe Áries 1991 que dirigiram uma coleção de cinco volumes sobre a história da vida privada teceram comentários análogos a respeito do uso e da aplicação da noção de privacidade em contextos históricos que a rigor desconheceram a distinção moderna entre esfera pública e privada Segundo eles estudar a privacidade na história da civilização ocidental em toda a sua extensão implicava confrontarse com a adequação desse conceito em outros contextos históricos que não o empregava originalmente Philippe Áries 1991 configurava o problema da seguinte maneira É possível uma história da vida privada Ou essa noção de privado nos remete a estados ou valores demasiado heterogêneos de uma época a outra para que possamos estabelecer entre elas uma relação de continuidade e diferenças p 7 Georges Duby 1990 no mesmo sentido se pergunta se é legítimo digo mesmo legítimo e não apenas pertinente falar da vida privada na Idade Média transportar a um passado tão distante uma noção a de privacy que como sabemos formouse no decorrer do século XIX E o próprio Duby 1990 antecipa a resposta tudo bem avaliado creio que se pode responder de modo afirmativo p 9 Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 31 Para eles tal transferência anacrônica revelase de utilidade incontestável pois estimula o refinamento de certos conceitos assim como ressalta determinados aspectos da realidade social que de outro modo permaneceriam obscurecidos É o caso também da noção de feminismo que descreve uma situação muito específica ao século XX o da reivindicação por igualdade social de condições entre os sexos Mas o fato de sociedades mais antigas não terem tido qualquer reflexão a respeito das diferenças entre homens e mulheres não significa que essas diferenças não tenham existido entre eles ou alguém duvida que entre os bizantinos sumérios ou egípcios havia uma forte assimetria de poder entre esses dois grupos de gênero Nesse sentido seria perfeitamente legítimo projetar sobre esses contextos categorias de inteligibilidade que até onde sabemos não compunham seus vocabulários suas estruturas mentais ou sua cultura enfim O conceito de lazer talvez devesse também ser tensionado dessas formas O registro da palavra em língua portuguesa a partir do século XIII em sua forma arcaica atesta que a cultura que a enunciava dessa forma lhe imprimia significados análogos aos nossos Inversamente sua existência a partir do século XVI nos mesmos termos lingüísticos dos dias de hoje garante uma correspondência entre os fenômenos nesses distintos períodos históricos A partir de quando então podemos identificar realmente a gênese do lazer Qual periodização seria mais conveniente adotar nesse sentido Não foi o objetivo aqui tentar dirimir essas questões A guisa de conclusão gostaríamos apenas de sugerir que certos acontecimentos podem sim testemunhar coisas mesmo sem a intenção de fazêlo de modo que práticas de uma determinada época do passado tenham virtualmente representado um conjunto de sentidos atrelados as nossas noções de lazer mesmo que seus contemporâneos não as reconhecessem assim ou não Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 32 as expressassem em uma linguagem articulada que lhes decodificasse num vocabulário organizado nesses termos Mas independente das respostas possíveis o desafio que está anunciado então é o de repensar as teorias do lazer à luz de um maior detalhamento histórico do que se entende especificamente por modernidade e de que maneira as práticas de divertimentos se relacionaram com esse estado de coisas Aqui já não se trata apenas de adotar uma concepção de modernidade entre muitas Tratase isso sim de tentar justificálas no plano empírico tanto quanto no plano teórico evidenciando explicitamente as coerências de tais opções Isso exige além da óbvia dedicação ao estudo da história coragem para sepultarmos os nossos mortos e ousadia para abandonarmos antigas abordagens que a inércia ou as idolatrias impedem que se extingam pela fraqueza das suas próprias idéias REFERÊNCIAS ARON Raymond As etapas do pensamento sociológico 6ed Rio de Janeiro Martins Fontes 2003 ARIÈS Philippe Por uma história da vida privada In DUBY Georges Dir História da vida privada da renascença ao século das luzes v 3 São Paulo Companhia das letras 1991 p 720 BAUDELAIRE Charles Sobre a modernidade 6 ed Rio de Janeiro Paz e Terra 1996 O Salão de 1846 In BAUDELAIRE Charles Poesia e prosa Rio de Janeiro Nova Aguilar 1995 p 671731 BENJAMIN Walter Charles Baudelaire um lírico no auge do capitalismo 3 ed 2 reimpr São Paulo Brasiliense 2000 BERMAN Marshall Tudo que é sólido desmancha no ar São Paulo Companhia das letras 2007 Cleber Augusto Gonçalves Dias Licere Belo Horizonte v12 n2 jun2009 Teorias do Lazer e Modernidade 33 BLAJ Ilana Agricultores e comerciantes em São Paulo nos inícios do século XVIII o processo de sedimentação da elite paulista Revista Brasileira de História v 18 n 36 p 281296 1998 CABRAL Diogo de Carvalho Floresta política e trabalho a exploração das madeiras delei no Recôncavo da Guanabara 17601820 Revista Brasileira de História v 28 n 55 p 217241 2008 CHALHOUB Sidney Trabalho lar e botequim o cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro da belle epoque 2 ed Campinas UNICAMP 2001 CHATEUABRIAND François R Memorias de ultratumba Madrid Alianza 2005 Mémoires doutretombe Paris Garnier Freres 1947 CROWTHER Margaret A The workhouse system 18341929 the history of an English social institution Athens Univ Giorgia 1982 CORBIN Alain A história dos tempos livres In CORBIN Alain Ed História dos tempos livres o advento do lazer Lisboa Teorema 2001 p 518 DARNTON Robert O beijo de Lamourette mídia cultura e revolução São Paulo Companhia das letras 1990 DECCA Edgar de E P Thompson tempo e lazer nas sociedades modernas In BRUHNS Heloísa T Org Lazer e ciências sociais diálogos pertinentes São Paulo Chronos 2002 p 57 74 DEL PRIORE Mary Festas e utopias no Brasil colonial São Paulo 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In Costumes em comum São Paulo Companhia das Letras 1998 p 267303 TOMLINSON Alan Ócio In OUTHWAITE Tom Ed Dicionário do pensamento social do século XX Rio de Janeiro Zahar 1996 p 533534 Endereço do Autor Cleber Augusto Gonçalves Dias Universidade Federal de Goiás Faculdade de Educação Física Rodovia GoiâniaNerópolis km 12 Campus Samambaia Caixa Postal 131 CEP 74001970 Goiânia GO Endereço Eletrônico cagdiasbolcombr