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Capítulo 1 A REALIDADE DA CULTURA Todo ser humano ao vir ao mundo encontrase no interior de uma complicada trama de formas costumes sons de linguagem sistemas relacionais e instituições A essa primeira herança que o recémnascido recebe temos dado o nome de cultura Como conceitua o antropólogo C Kluckhohn É a nossa herança social em contraste com a nossa herança orgânica É um dos fatores importantes que nos permitem viver juntos numa sociedade organizada fornecendonos soluções prontas aos nossos problemas ajudandonos a prever o comportamento dos outros e permitindo que os outros saibam o que esperar de nós 1963 pp 3637 Alguém no entanto que receba uma herança não está necessariamente obrigado a manter o herdado tal como o recebeu e menos está condenado a submeterse ao que a história dos antepassados lhe destinou De posse da propriedade que lhe coube o herdeiro tem muitas vezes energia e criatividade suficientes para transformála e até melhorála Disto se retira que é quase impossível que uma herança entre em uma vida sem condicionála de algum modo bastando para tanto que o herdado seja significativo Mas em contrapartida se retira também que não são poucos os que ao entrarem em sua nova propriedade vejamna tal como é e a imaginem tal como gostariam que fosse Usamos estas imagens para frisar que toda herança foi antes construída por seres humanos por homens e transferida aos seus sucessores e estes últimos têm possibilidades de modificar ou mesmo melhorar o que receberam dos seus antepassados Esta a razão pela qual sempre se costuma lembrar que o homem é pai das suas obras e ao mesmo tempo é filho delas Estas ponderações são necessárias a fim de que a expressãochave utilizada por Kluckhohn herança social não tome a feição de 19 algo que determine drasticamente o viver humano fazendo dos homens objetos passivos de uma coisa formidavelmente manipuladora que seria a cultura Diferentemente a vida cultural é sempre a dialética que se estabelece entre a liberdade de um homem que é agente e o condicionamento sofrido por um ser humano que é paciente O mencionado antropólogo sublinha a o poder organizacional da cultura b sua capacidade de acumular conhecimentos com os quais são capitalizadas soluções que ficam à disposição dos pósteros c sua promoção da previsibilidade dentro de certos limites quanto ao que esperarmos dos outros e quanto ao que os outros podem esperar de nós Todas estas características básicas da cultura devem todavia ser consideradas no contexto ou pano de fundo de uma constante polaridade dialética que se cumpre no contraponto entre a liberdade e o condicionamento De toda forma sendo a cultura a lente através da qual enxergamos e avaliamos nosso mundo é fundamental que não negligenciemos a possibilidade de elaborar detida reflexão sobre o nosso ver a realidade e sobre o instrumento inevitável dessa ação a cultura Toda a inventividade e a capacidade de inovação individuais ainda que tenham e mantenham seu valor específico pois do contrário como lograríamos explicar as transformações históricas não atribuem à estruturação e à dinâmica de uma cultura marcas eminentemente individuais É o que nos lembra o filósofo Francisco Romero ao escrever As obras de arte do Egito antigo em que pese a singularidade dos seus autores assumem para nós o caráter unitário que acusa a denominação de arte egípcia Acaso nenhum filósofo aspirou a maior autonomia e nem se quis encerrar em mais expressiva solidão intelectual do que Descartes e poucos sistemas superam ao cartesianismo em ser a expressão fiel de uma conjuntura histórica em responder cabalmente às exigências de seu tempo 1950 p 11 E assim é em razão de que a realidade cultural não é resultado de uma somatória de pensamentos e ações individuais Afinal a matemática nos ensina que soma é operação que só podemos realizar com parcelas da mesma natureza de igual sinal e que o resultado de uma adição guarda o mesmo sinal das suas parcelas De modo muito diverso o cultural não sendo somatória é síntese vasta síntese dos pensamentos e ações individuais isto é integração dos particulares através de articulações tais que instauram a possibilidade de uma configuração unitária Em contrapartida o que resulta da aludida síntese transcende cada contribuição pessoal dando origem a realidade mais ampla e acentuadamente peculiar A compreensão dessas coisas no entanto não foi sempre fácil o que se pode ver na enorme polissemia que envolve o vocábulo cultura e a sinuosa evolução pela qual passou o conceito de cultura Assim fazse agora necessário que nos detenhamos a ver da melhor forma que nos seja possível o que se tem passado com o conceito de cultura 1 EM TORNO DO CONCEITO DE CULTURA Ao conceito técnico de cultura só se chega no século XIX o que não quer dizer que outras variadas conceituações não tenham existido muito antes disto E aqui chamo de conceito técnico a um enunciado mais completo elaborado e preciso capaz de ser útil tanto a cientistas como a filósofos artistas ou teólogos aquilo que a cultura é substantivamente sem maiores necessidades de adjetivações ou outros direcionamentos Ante tal recenticidade do conceito substantivo de cultura levantase de imediato uma legítima curiosidade nossa que pode ser expressa no seguinte questionamento Ora sendo o homem um ser que experienciou a realidade cultural desde eras tão remotas que chegam a escapar ao nosso entendimento mais minucioso por que só no século XIX chegou ao conceito de cultura Eis uma curiosidade que nos assalta e para a qual Ralph Linton tem o comentário de que muito provavelmente se habitássemos o fundo do mar talvez a última coisa que descobriríamos seria a existência da água 1967 p 125 Afinal aquilo que se torna inerente à nossa vida integrandolhe os segundos minutos meses ou anos penetra tão profundas regiões de espontaneidade e de tal modo se faz em uma nossa segunda natureza que disto só logramos darnos conta por fortes choques de contraste O fato é que desde o Mundo Antigo especialmente os romanos se utilizaram muito do vocábulo cultura ganhando este funções distintas segundo uma adjetivação que normalmente lhe era imposta Cultura juris no sentido de elaboração técnica de normas de conduta e de códigos para a avaliação destas cultura linguae apontando para os esforços de aperfeiçoamento do idioma cultura litterarum significando os expedientes de enobrecimento de literatura cultura scientiae no sentido da aquisição de novos conhecimentos e experiências agri cultura como cuidado da terra bem como no uso de Cícero cultura animi esta significando o cultivo da reflexão e por conseguinte a prática propriamente filosófica O que se vê facilmente é que nestes casos a cultura é sempre função de algo Não ultrapassa a condição de um vocábulo que 21 participa de conceitos referentes ao Direito à Ciência à Literatura etc De certo modo é um substantivo sem força substantiva A partir do crepúsculo da Antiguidade o vocábulo segue seu caminho de transformações Assim inventaria Muniz de Rezende os usos da palavra em apreço a No contexto medieval significando privilégio de classe ligado aos estudos Universitários e monges eram os que tinham acesso a estudos mais avançados e por isso mesmo tiveram grande papel sociocultural no medievo b No contexto renascentista apontando segundo o ideal do tempo para o conhecimento do passado clássico com a preocupação do bem falar e do bem escrever c No contexto enciclopedista o ambicioso sonho de tudo saber na linha de uma cultura geral exatamente enciclopédica d No contexto evolucionista e positivista do século XIX a idéia de progresso em termos de ciência e técnica que dá como conseqüências as noções de países cultivados e países nãocultivados ocasião em que se inicia o debate em torno da questão que interroga se os conceitos de cultura e de civilização apontam para coisas distintas ou indicam com dois nomes uma só realidade e Ainda no contexto do século XIX aparece com o advento da etnologia o sentido propriamente antropológico do termo em análise A forma própria de um povo viver o que deixa claro que civilizado ou não todo povo tem e vive sua cultura Isto que é hoje para nós de tão simples compreensão só depois de um caprichoso movimento conceptual foi possível esclarecer suficientemente Ainda segundo Muniz de Rezende é sobre este último fundamento que se torna possível erigir este setor tão novo da filosofia a filosofia da cultura Esta se interessa pela cultura refletida no sentido de análise e de avaliação do grau de consciência de si que uma realidade cultural é capaz de conquistar Uma espécie de julgamento constante que o tribunal social precisa fazer de sua cultura 1975 pp 7781 Embora por séculos e séculos o questionamento sociocultural possa ser verificado nos textos dos grandes filósofos foi necessário que a evolução da etnologia estabelecesse de forma tanto quanto possível precisa o conceito técnico de cultura para que ganhasse condição de maior florescimento a filosofia da cultura Isto em razão de que este ramo da filosofia com base na conceituação antropológica abandona toda possibilidade de se reduzir a uma reflexão sobre as produções culturais e eventuais instituições que as promovam assumindo sua proposta muito mais abrangente de se constituir numa reflexão sobre a forma própria de um povo viver aí incluindo as questões atinentes a como este povo faz para sobreviver como ele desenvolve as suas formas sociais de convivência e finalmente como este povo exprime a aventura de sua vida em produções religiosas artísticas filosóficas ou científicotecnológicas Em 1871 Edward B Tylor elaborou aquele que muitos considerariam o primeiro conceito científico de cultura afirmando que Cultura ou civilização tomada em seu sentido etnográfico lato é aquele todo complexo que inclui conhecimentos crenças arte moral lei costumes assim como todas as capacidades e hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade Willems 1966 p 6 Esta conceituação talvez exatamente por ser detalhada e enumerativa embora tenha satisfeito por muito tempo foi simplificada de forma muito inteligente por Herskovits o qual escreveu com grande sentido de síntese e completude Cultura é a parte do ambiente feita pelo homem Vale dizer tudo absolutamente tudo que em nosso mundo nasceu da inteligência da intencionalidade e da habilidade do ser humano se objetiva em algo que é a cultura 1964 vol I p 83 Os contatos entre culturas distintas não são coisas recentes muito ao contrário remontam a eras muito antigas De modo que há muito tempo o homem descobriu as diferenças idiomáticas de hábitos alimentares de crenças religiosas ou estruturas de parentesco as diferenças são velhas conhecidas do ser humano se bem que a sua existência só se tenha transformado em problema planetário após a modernização dos meios de transporte e de comunicação Mas tanto as ciências da cultura como a filosofia que a esta se dedica estão mais interessadas nas semelhanças na universalidade do fato cultural amplo todos os seres humanos nascem no interior de culturas e aí vivem e atuam na necessidade comum a todos os homens de erigir seu universo de valores e a partir disto ou já durante construir a sua trama simbólica Não importa tanto que a poligamia seja aplaudida em um contexto cultural e repudiada às vezes severamente em outro o que importa mais é refletir sobre como os homens lidam com seus aplausos e seus repúdios com que necessidade vivem as sanções e os interditos O filósofo da cultura pode perfeitamente se dedicar em seus estudos a uma dada manifestação cultural mas só pode fazêlo após se haver dedicado à universalidade do tema da cultura Assim deve ser também com os cientistas da cultura apenas considerandose que ambos filósofos e 23 cientistas abordam a realidade cultural com interesses especializadamente diferentes Eles não questionam o objeto vital cultura da mesma forma Em 1798 o filósofo alemão Immanuel Kant já alertava para a necessidade de uma ciência do homem uma antropologia Em notável antecipação do que viria no século seguinte Kant propôs um ramo antropológico que estudasse o que a natureza fez do homem e sugeriu que este ramo fosse chamado de fisiológico bem como propôs um outro setor antropológico que estudasse o que o homem faz de si mesmo sugerindo agora que este fosse denominado de pragmático Pois foi nesse mesmo sentido que os estudos humanos evoluíram passando a antropologia fisiológica a ser chamada de antropologia física hoje dos ramos tecnicamente mais avançados da antropologia geral e passando a antropologia pragmática a ser conhecida como antropologia cultural ou etnologia ainda que este último termo me pareça menos abrangente Todavia sobre estes fundamentos o pensamento filosófico construiu com outras possibilidades que não as científicoexperimentais um edifício reflexivo dotado de muita sutileza conceptual e fecundidade 2 CIÊNCIAS DA CULTURA E FILOSOFIA DA CULTURA Imaginandose a globalidade do humano em suas numerosíssimas manifestações vêse claro que tal todo é constituído de fatos e dados específicos de determinados aspectos A realidade humana comporta em seu todo uma assustadora multiplicidade de situações e fatos relevantes uns de natureza fisiológica outros de natureza psicológica ou sociológica ou econômica etc tudo isto sintetizado em uma dinâmica complexa que faz contrapontoarem encontros e desencontros afinidades e desafinidades numa polarização de energias que se organizam portentosamente e se estão perenemente reorganizando Um ponto de vista tradicional acentuado por algumas heranças iluministas século XVIII e propriamente cientificistas século XIX ensinou a muitas gerações que os tratamentos filosóficos são abstrativos trabalham seguidamente com princípios abstratos enquanto os tratamentos científicos são concretivos voltandose de forma mais palpável e menos nebulosa para os seus temas de investigação Tanto assim que o eminente jurista Nelson Hungria fazendo um chiste de dura ironia dizia em uma conferência o seguinte Eu diria que para mim a filosofia é algo que se assemelha a um homem que está em um quarto escuro procurando um chapéu preto que não está dentro do quarto Noutras palavras a filosofia parecialhe como um exercício que de tão abstrativo faziase inútil O fato é que tradicionalmente fomos educados em contato com estas igualdades prática filosófica é igual a abstração e prática científica é igual a concretude Ocorre porém que diante de todo ser humano psicólogos se interessam enquanto cientistas pelos aspectos e dados psicológicos economistas concentram seus estudos em dados econômicos sociólogos ligam importância investigatória a aspectos sociológicos anatomistas e fisiológos buscam as realidades anátomofisiológicas e assim por diante O que vemos é a atividade científica insistentemente abstrair da globalidade do humano os aspectos diretamente ligados aos seus interesses cognitivos o que acaba provocando do ponto de vista das estruturas mais amplas e gerais do conhecimento um comportamento abstrativo por parte exatamente dos cientistas Em contrapartida vemos as propostas de prática filosófica como propostas de reflexão de totalidade vale dizer a sempre tentativa de integração dos fenômenos particulares em sua iluminadora globalidade De tal modo que o projeto filosófico se vem apresentando como algo muito mais concretivo epistemologicamente Está claro que aqui há que distinguirse uma reflexão da totalidade de uma reflexão de totalidade a primeira da é simplesmente impossível Em outro escrito meu já disse que enquanto reflexão de totalidade é uma postura esta coisa de reflexão da totalidade é uma impostura De todo modo a particularidade em si mesma tomada em estado de isolamento nada diz às pretensões filosóficas Afinal se a questão caracterizadora da filosofia é a pergunta acerca do sentido já se vê que o fragmentário pode ser quando muito um estágio bem inicial da busca deste mesmo sentido O filósofo argentino A Sanchez Reulet refletindo ensinamentos hegelianos 1942 pp 1012 lembra que a filosofia não tem objeto próprio o que faz com que ela torne seus os objetos de preocupação das demais ciências E mais não tendo objeto próprio a filosofia não pode ter também um método próprio Escreve Reulet E se a filosofia não possui de antemão um objeto bemdefinido não tem tampouco desde o começo um método ou uma via de conhecimento Se ela não sabe aonde vai menos pode saber por onde ir p 10 De tal modo que a proposta filosófica se configura em uma forma de voltarse para vários objetos vitais de certa forma compreendendo de antemão que no que respeita ao pensamento a verdade consiste na própria forma de buscar a verdade Isto ao contrário do que se poderia pensar não é a fragilidade da filosofia mas o que nesta 24 25 há de mais fascinante pois essa indigência de objeto e método essa carência forçada dá grande avidez porque permite pressentir a possibilidade de uma caminhada plena de riquezas inesperadas Tais reflexões nos preparam para que busquemos esclarecimentos à seguinte inquietação como exatamente podemos distinguir as ciências da cultura da filosofia da cultura Eis uma questão que nos remete às diferenciações fundamentais entre os questionamentos científico e filosófico em geral É óbvio que os objetos do conhecimento emergem da vida enquanto tal vêmnos do mundo Chamemos portanto objetos vitais a realidades fundantes como educação economia direito história sociedade cultura etc Cada qual a ciência e a filosofia de ângulos distintos dirige a sua interrogação aos objetos vitais Na verdade a interrogação científica está interessada em relações de função ou dito de maneira mais antiquada em relações de causa e efeito de modo um tanto figurativo poderíamos dizer que a pergunta da ciência é COMO Já a interrogação filosófica está interessada como dissemos na circulação de sentido que perpassa o sociocultural até quando investiga questões da natureza nãohumana e de modo igualmente figurativo poderíamos afirmar que a pergunta da filosofia é POR QUÊ Assim se os objetos vitais educação economia direito etc são perspectivados desde o ângulo de interesse da ciência passarão pelos crivos dos recursos epistemológicos e metodológicos e de uma tal abordagem resultarão as ciências da educação as ciências econômicas as ciências jurídicas as ciências da cultura etc Mas invertendose o ponto de vista se os mesmos objetos vitais são perspectivados desde a ótica filosófica passarão por auxílios ontológicos antropológicos éticos etc e desta forma de abordagem resultarão as filosofias da educação da economia do direito da história da cultura etc Isto evidencia que ciência e filosofia articulamse fundamentalmente quanto aos objetos vitais e se desarticulam quanto às preocupações de cada qual com os mesmos objetos Por exemplo a observação do curso dos astros para efeito de navegação não se constitui em filosofia mas a mesma observação feita com o intento de se refletir sobre o sentido da organização cósmica isto se constitui em filosofia Afinal quem deseja ou precisa alcançar o sentido da organização cósmica O homem O homem de pensamento E precisa disto como um dos elementos que lhe permitem buscar o sentido do todo para aperfeiçoamento de sua compreensão do viver As ciências da cultura buscam também estruturas de sentido mas com um intento naturalmente mais imediatista por assim dizer Já a filosofia da cultura traz em sua procura de estruturas de sentido ambições de maior amplitude num nível que chamarei de compreensivo Então pode ser que ocorra a pergunta maliciosa Devo assim entender que as ciências da cultura são pequenas e modestas perante o amplo projeto filosófico Na verdade tal malícia não tem cabimento Não se podem estabelecer comparações entre realidades que apresentam objetivos e comportamentos tão distintos Procurando considerar cada qual em sua proposta ambas ciência e filosofia são igualmente necessárias e na mesma medida importantes Seria portanto oportuno citarmos neste ponto um incisivo comentário feito por Paul Ricoeur em seu ensaio intitulado Interrogação filosófica e engajamento Diz o filósofo A filosofia sempre esteve em constante diálogo com a ciência ou com as ciências e uma reflexão ética perde muito da sua riqueza quando se afasta das ciências Aliás vemos como os grandes filósofos estiveram em estreito contato com as ciências do seu tempo com a física com a matemática com a biologia e hoje conforme veremos com as ciências humanas A filosofia não pode ser um discurso fechado sobre si mesmo um discurso que o filósofo endereçaria só aos filósofos Eu quase diria que a filosofia não tem propriamente um objeto só seu Ela faz seu o objeto das outras ciências e é por isso que ela é sempre uma reflexão com a ciência e com as ciências 1970 pp 1213 3 NATUREZA E CULTURA UMA OPOSIÇÃO Necessariamente houve um momento na trajetória do ser humano em que se tornou inevitável uma ruptura ontológica Aquele ser que antes pulsava no oceano da consciência cósmica imerso em total indistinção com toda a natureza com certeza chegou a desenvolver um estágio de si no qual não sem atônito pasmo viuse diferente do próprio mundo no qual vivia Nascerá aí o chamado abismo ontológico entre o eu que é pensante e cognoscente e os objetos que só podem ser passivamente pensados desde que estimulem e desafiem o eu O vocábulo abismo parece ser aí uma força de retórica quando na verdade passa a se constituir de fato no nome adequadamente aplicável a essa distância não de todo transponível e sem fundo que medeia entre o eu e a coisa Sartre já dizia que seu maior desafio estava na opacidade das coisas tão metidas em si mesmas no que essencialmente podem significar e em torno das quais 26 27 o conhecimento humano só produz arranhões com sua inútil ansiedade de possuir um reino que definitivamente lhe escapou Com a palavra instituinte do mito o homem ainda manteve certa proximidade das coisas entrelaçando seus sonhos e emoções suas percepções anímicas às formas de nomear e explicar o seu mundo Essa palavra instituinte que não é só a palavra que eu digo mas é mais a palavra que eu sou com a qual envolvo em minha vida tudo que em volta de mim lhe diga respeito de algum modo Mas no complexo evolver da trajetória gnosiológica humana por motivo do triunfo histórico do logos e daquela que foi chamada a razão triunfante o homem desenvolve a palavra substituinte e passa a elaborar um discurso grandemente fundamentado em possibilidades abstrativas A palavra como presença de uma ausência como afiando instrumento que classifica ordena divide rompe e sutura Tudo isto que dito da maneira como aqui está faz um absurdo resumo de milhares de anos foi uma história necessariamente caprichosa e difícil foi a grande aventura vivida pela espécie humana no desenvolvimento de suas formas de sentir perceber e compreender o seu mundo De qualquer forma são demasiados modestos os limites deste texto para que eu me detivesse na complexidade do evolver das relações cognitivas do homem com sua nave espacial Terra e com o que a circunda Interessame que se vá chegando à forte distinção entre natureza e cultura entre as coisas naturais e as culturais Sobre esta aparente oposição a filosofia da cultura atual tem o dever de debruçarse Em um primeiro momento essas fronteiras parecem bastante estanques Na realidade na medida em que levarmos em conta o resultado do desenvolvimento histórico tais fronteiras se imporão O que caracteriza o mundo da cultura está hoje nitidamente distanciado das caracterizações do mundo da natureza Paulo Freire diz noutros termos que quando o pássaro voa com suas belas plumas tais plumas são nesta ave a voar coisas da natureza mas caso um indígena logre atingir o pássaro com sua flecha e o derrube caso utilize as plumas da ave para cocares ou tangas ou outras finalidades humanas aquelas deixam a sua condição de coisas da natureza para assumirem a nova condição de coisas da cultura 1975 p 128 Não é diferente com as peles dos nossos jacarés ou as presas de marfim dos elefantes africanos ambos contrabandeados criminosamente para os grandes centros da moda Como resultado histórico parece tudo muito claro natureza e cultura se distinguem e se opõem O teórico V Mezhúiev filósofo da cultura explicita Natureza é tudo que surgiu e existe por si mesmo por via natural independentemente da vontade e dos desejos dos homens cultura é aquilo que foi criado elaborado aperfeiçoado pelo homem acomodado por ele às suas necessidades e exigências 1980 p 150 E no mesmo ponto Mezhúiev insere um cortante comentário Semelhante representação foi solidamente enraizada na consciência dos homens Estas últimas palavras ganham uma tonalidade crítica em razão de que as coisas concebidas assim unilateralmente só do ponto de vista do resultado histórico acabam por engendrar uma concepção demasiado dualista do mundo na medida em que o separa drasticamente em duas substâncias independentes e aparentemente irredutíveis a substância natural e a nãonatural sem qualquer forma aparente de conexão entre elas Culmina por afirmar o filósofo russo que praticamente a natureza é expulsa da história ficando fora dos marcos do conhecimento histórico p 150 Bem se verifica em tais apontamentos o tom do filósofo marxista Mas na verdade o mais avançado entendimento da relação entre natureza e cultura nós ainda o devemos ao pensamento marxista Ora os teóricos desta corrente é que reclamam a necessidade de que consideremos também o processo histórico não apenas o resultado do desenvolvimento histórico para ganharmos melhor condição de refletir sobre essa dinâmica que mostra de fato uma separação superficial que esconde uma unidade que lhe subjaz Novamente Mezhúiev trabalhando conceitos de A ideologia alemã observa que a cultura não somente se diferencia da natureza senão que a pressupõe encontrase em determinada interrelação com ela A natureza não apenas antecede a cultura no tempo senão que constitui condição permanente e necessária de sua existência posterior e do seu desenvolvimento Por isso a fronteira entre natureza e cultura não é absoluta mas só relativa não as contrapõe uma à outra senão que as distingue entre si nos marcos de uma unidade mais ampla nos marcos da integridade que as relaciona ibidem p 151 Isto faz cabal sentido na medida em que nos lembramos de que para Marx a natureza é o corpo inorgânico do homem desde que toda a vida cultural se sustenta e viabiliza sempre pelos recursos que a natureza oferece aos homens recursos estes que vão além dos alimentos da água dos materiais de autoproteção humana contra a intempérie e penetram esferas psíquicas e sentimentais como adiante voltaremos a comentar Assim que embora tenhamos séria tendência por uma espécie de opção pelo menor esforço a ceder aos dualismos simplificadores há sutilezas a serem consideradas quando 28 29 tratamos do confronto entre o mundo das coisas naturais e o das coisas culturais A vida em termos propriamente de processo vital é um complexo sistema de trocas no qual se perfila um semnúmero de necessidades humanas essenciais É a interminável fome aeróbica do nosso corpo todas as células mantidas por uma forte oxigenação que o ambiente nos garante e após a qual o nosso organismo produz calor movimento e gases comburidos No sistema vital de trocas com o ambiente conquistamos sais minerais princípios vitamínicos e cadeias proteicas nos agradáveis atos de alimentarnos e dessedentános isto no mesmo passo em que alimentamos e dessedentamos um extraordinário número de microrganismos e parasitos de cuja presença o corpo humano não pode escapar Já em termos mais paisagísticos nosso meio geográfico atua sobre nós transformandonos em vários aspectos por sutis processos de adaptação mas está fora de dúvida que nós seres humanos agimos também sobre o meio natural modificamolo ora com poder de aperfeiçoamento ora com poder de destruição Afinal onde está hoje zona habitável em pleno deserto palestino o Estado de Israel isto em virtude da competência científica e da perícia do homem na década de 40 havia só um desafio arenoso e causticante de calor Da mesma forma que o sudeste brasileiro que outrora ostentou as verdes matas atlânticas e por isso viveu em clima agradável e de ar puro está hoje grandemente empobrecido por um desmatamento criminoso que quase não dá mais conta de contrabalançar as poluições fabris e do tráfego A vida do homem é constante intercâmbio com a natureza Podemos mesmo dizer que a característica maior da saúde é a possibilidade de trocas espontâneas e normais enquanto a doença é exatamente uma situação na qual por motivação exógena ou endógena um organismo se vê desequilibrado em sua capacidade de trocas vitais Nessa mesma linha de raciocínio o envelhecimento é o processo de cansaço orgânico com o qual se vai tendo dificuldades crescentes para intercambiar com o nosso mundo por um complexo de razões fisiológicas e mesmo citológicas Assim a morte se caracteriza por ser a própria cessação das possibilidades orgânismicas de trocas ambientais Penso que apesar das formas simplificadoras de explicação que acabo de oferecer fica suficientemente frisado que realmente a natureza se mostra o corpo inorgânico do homem Todavia tudo isto que dissemos e que se refere ao aspecto orgânismico não esgota a constante relação de interdependência entre a natureza e o ser humano René Dubos dos mais notáveis ecologistas do nosso século com sua especialização em medicina ambiental em seu belo livro intitulado Namorando a Terra aborda o lado psicológico das relações homemnatureza afirmando que para o ser humano o ambiente não basta pois ele precisa ter mais do que um ambiente um lugar 1981 p 96 Lembra o médico e pensador que o uso muito difundido do termo ambiente de características mais técnicas e impessoais já mostra uma certa precariedade das relações do homem com o seu mundo Ambiente é um vocábulo que aponta para exterioridades para o que se encontra ao nosso redor conjunto de coisas que agem sobre nós e sobre as quais agimos Ora os componentes puramente físicos do nosso meio são estranhos a nós e de forma semelhante nós como que os medimos avaliamos e controlamos numa atitude de certo distanciamento p 96 Dubos toma a palavra chamando nossa atenção para sutilezas muito importantes em seu texto Lugar versus ambiente Diz o cientista Entretanto do ambiente em que vivemos esperamos mais do que simples condições favoráveis à nossa saúde recursos para fazer funcionar a máquina econômica e tudo o que signifique boas condições ecológicas Queremos experimentar as satisfações sensoriais emocionais e espirituais que somente podem ser conseguidas mediante uma interação íntima ou melhor uma real identificação com os lugares onde vivemos Esta interação e identificação geram o espírito de lugar O ambiente adquire os atributos de um lugar pela fusão das ordens natural e humana Todos os seres humanos têm quase as mesmas necessidades fundamentais quanto ao bemestar biológico e econômico mas muitos de seus diversos anseios de humanidade só podem ser satisfeitos em determinados lugares p 96 A citação é longa mas bemvinda de vez que nos coloca com rara nobreza ante o fato de que o homem bebe no meio natural feito em lugar também as condições mais profundas do seu equilíbrio psicológico Retornando assim ao tema desta seção de capítulo podemos concluir que ao mesmo tempo em que há uma visível separação entre o mundo da natureza e o da cultura há uma tal interdependência entre ambos que acaba por evidenciar sua unidade essencial O ser humano depende da natureza precisa dela e a ela recorre incessantemente ele é natureza e faz parte dela Entretanto este mesmo homem transcende o reduto das realidades naturais quando ultrapassa esta sua dependência subordina a si a natureza adaptaa aos seus desideratos põena a serviço das suas próprias finalidades sem que 31 para tanto a violente É aí que aparece diante da inteligência humana a distinção de fronteiras entre natureza e cultura Embora eu não vá com Marx e Engels às consequências finais do seu materialismo histórico exatamente por trabalhar com intuições vitais e categorias de pensamento que escapam às delimitações rígidas de qualquer materialismo enxergo grande contribuição no pensamento marxistaengeliano no que se refere à noção de unidade essencial entre cultura e natureza unidade esta que se esconde por detrás de descontinuidades apresentadas à análise humana pela como que inércia do produto histórico De qualquer maneira tratase de uma unidade cujas manifestações são cambiantes em consonância com a etapa histórica É ainda Mezhúiev quem nos lembra importante passagem de O Capital na qual Karl Marx observa que a natureza tem para os seres humanos pelo menos dois significados ou ela se apresenta como riqueza natural dos meios de vida como abundância de animais e peixes fartura de frutos solos férteis bosques e florestas cheios de madeira etc ou se apresenta como riqueza natural dos meios de trabalho com terras amanháveis cataratas em movimento carvão outros combustíveis geradores de energia e movimento rios navegáveis energia dos ventos etc Para Marx nos albores do processo civilizatório é decisiva a primeira modalidade de riqueza natural a dos meios de vida enquanto avançando tal processo atinge em sua história um certo grau de progresso que a primazia passa a corresponder à segunda modalidade de riqueza natural a dos meios de trabalho 1980 pp 154155 Assim pareceme que a compreensão adequada da correlação existente entre natureza e cultura só nos pode vir de uma reflexão que não negligencie o processo histórico em sua dinâmica mais profunda A vida do homem é uma vida de comunhão com a natureza e por conseqüência a história deste homem corre junta com a história da natureza em um primeiro momento pelo só motivo de que o ser humano é parte da natureza e pelo que creio em um segundo momento em razão de que o homem transcende o espontaneamente dado e através de um tratamento cultural que dá à própria natureza mediante sua inteligência e sua criatividade elabora um mundo que tem características inteiramente suas humanas Eis por que penso que é em termos filosóficos fundamental não perdermos de vista dois aspectos de uma mesma realidade vital a que o resultado do desenvolvimento histórico fixou a distinção entre coisas naturais e coisas culturais não sendo artificial ou invertídica para o momento que vivemos tal distinção esta fixa uma separação necessária entre o inintencional e o intencional entre o âmbito da necessidade cósmica e o das necessidades especificamente humanas b mas que o processo histórico que prossegue aponta para uma profunda unidade nessa diversidade conquanto o triunfo do artificialismo no cotidiano e a percepção cada vez mais problemática que o homem tem da sua relação com a natureza tornem difícil a não ser com bom uso do potencial humano de reflexão ver clara a referida unidade Já não é possível vivermos no interior desta complexa edificação chamada cultura fazendo de conta que ela não existe Sua forte realidade tem a ver com nossa forma de instalação e de permanência no mundo em especial no mundo humano Numerosíssimas características do animal humano originariamente biológicas e instinctivas foram e vêm sendo transformadas ou por amordaçamento ou por hipertrofia pela força do cultural As relações cognitivas e as afetivas que o homem mantém com seu mundo acabam sendo de tal modo afetadas pelas exigências da cultura que o seu mundo interior se vê povoado por conhecimentos e afeições filtrados em boa medida pelos códigos coletivos de convivência ou de mera coexistência Ainda assim porém repito ser importante que não tomemos esta realidade grande e densa para apressados fazermos dela uma fonte de determinismos absolutos Afinal não se tem este ou aquele posicionamento cultural pelas mesmas razões que nos fazem ter olhos azuis castanhos ou negros há que conduzirse o pensamento a um ponto de equilíbrio no qual estejamos prontos a não fugir da importância dos pesados condicionamentos culturais mas a não fugir também das responsabilidades éticas de numerosos atos nossos os quais devem ser compreendidos na linha do raciocínio com o qual Julián Marías comenta o conceito de circunstância em Ortega y Gasset Eu sou eu e a minha circunstância Julián Marías noutras palavras questiona será a minha circunstância um círculo que me aprisiona e me determina como seu centro Isto é sou determinado inapelavelmente pela minha circunstância A que o discípulo de Ortega contesta não não posso ser determinado por uma circunstância que é minha Eu participo deste horizonte vital a circunstância e ele participa de mim há entre nós um diálogo que pela necessidade e pelo hábito fazse numa dialética 1966 pp 203204 Não temos a natureza das abelhas ou das térmitas em cujo aparato genético mora a fatalidade orgânica em seu nível mais elevado em nossas células humanas não está a rígida e fechada programação do que seremos e faremos razão pela qual nossas circunstâncias socioculturais se transformam e se transformam 33 sob o impacto das próprias ações humanas tenham os homens maior ou menor controle de consciência sobre suas possibilidades transformadoras Ora se vivêssemos sob drásticos determinismos os quais até bem pouco tempo foram defendidos por homens de ciência e de filosofia os tribunais seriam aberrações pois quem não tem um mínimo de liberdade não pode ter culpa e não seria tão próprio da história do pensamento estar o homem sempre discutindo acerca do mal e do bem do louvável e do execrável bem como produzindo longos e às vezes belos discursos sobre justiça social ou individual Não se subestime entretanto o peso condicionador da cultura Ela é a nossa morada e toda morada condiciona de modo intenso o viver dos moradores bastando para isto que não confundamos o morar com o visitar só em raros momentos para dormir ou comer cômodos de aluguel Todavia todo ser humano é também morada da cultura e não poucas vezes questiona a sua moradora e se dela acaba por discordar em alguns aspectos tenta rearranjála ou no mínimo tornála menos inaceitável isto mediante o senso crítico e a força da práxis Quando um homem ou um grupo humano não foge à sua condição de ser pensante seu poder se revela bem mais efetivo do que costumeiramente supomos Há os que criticam este ponto de vista considerandoo de um idealismo humanista que parece não dizer respeito aos tempos de agora No entanto esses mesmos críticos são muitas vezes os que se tornam caixeirosviajantes de umas tantas idéias e desenvolvem empenhos missionários que objetivam alcançar mudanças de relevo em nossa sociocultura Martin Buber o filósofo do diálogo tinha o ponto de vista segundo o qual o indivíduo em si e a coletividade em si seriam duas abstrações inúteis Indivíduos não vivem sozinhos ou não sobrevivem à mais completa solidão como seres inteiramente humanos e também não há coletividade sem indivíduos A única realidade inabalavelmente certa é a do homem como o homem 1985 p 150 Esta última expressão de Buber lembranos de novo uma forçosa dialética entre a liberdade e a interdependência pois que o homem como o homem é um enunciado que garante e legitima a tríade fundamental que constitui a esfera humana da vida o indivíduo a cultura e a sociedade Há realidades que se impõem sobranceiramente indiferentes às concordâncias e discordâncias dos teóricos Uma destas é a realidade da cultura Capítulo II A CULTURA E A PLENIFICAÇÃO HUMANA Com seus poderes filosófico e literário Ortega y Gasset apresentanos um imagístico conceito de cultura ao escrever que a cultura é um movimento natatório um bracejar do homem no mar sem fundo da sua existência com o fim de não afogarse uma tábua de salvação pela qual a insegurança radical e constitutiva da existência pode converterse provisionalmente em firmeza e segurança Por isso a cultura deve ser em última instância o que salva o homem do seu afogamento cf F Mora 1971 vol I p 391 Embora possa parecer que Ortega se debruça sobre a realidade cultural de forma não integral pois que privilegiadora do dinamismo numa reflexão com maiores cuidados vamos alcançando que o filósofo espanhol na habilidade das imagens olha abrangentemente para a cultura Afinal seu conceito aponta para o fato de que a cultura constitui o sustentáculo da vida humana porque sem ela restaria o silêncio das águas devoradoras e a mais nem sequer a lembrança dos afogados Diz mais o conceito orteguiano que só podemos imaginar a cultura enquanto processo enquanto estrutura constantemente se reestruturando como ação que o homem cumpre e em a cumprindo reinventa sem parar as possibilidades do humano Um movimento natatório um bracejar do homem uma busca de salvação do sentido contra o semsentido da negação ontológica humana Vejase que no conceito em tela se devidamente examinado encontramos a problemática global da cultura seja no que respeita à sobrevivência material seja no que concerne à trama do relacionamento humano seja ainda no que tange a produção simbólica do imaginário humano O conceito é mais denso do que apenas trágico razão pela qual devemos beneficiarnos do encanto literário nele existente sem que apressadamente venhamos a descuidar da sua profundidade reflexiva 35 a subjetividade malcompreendida pode eclipsar a importância dos processos de objetivação p 235 O fato é que quando nasce um ser humano já o acolhe um complexo de costumes normas instituições formas gerais que constitui a cultura objetiva e que será como que um segundo útero para o prosseguimento do evolver daquela vida As casas as ruas os objetos domésticos as religiões as expressões artísticas e os tomógrafos computadorizados tudo se constitui numa rede de objetos de tal forma densos de intencionalidade e significação humanas que falam conosco todo o tempo Romero observa precisely nossa vida consiste nisto em contar nas mais diversas atitudes com essas realidades e em dirigir nossa ação entre elas já que até o nosso trato com o que não é cultura os demais homens a natureza etc ocorre sempre em virtude de uma mediação cultural 1950 p 10 Nesta mesma página diz o filósofo que o homem cria a cultura e no interior desse vasto corpo cultural organiza a sua vida E ainda adverte que até muito tarde não se percebeu que a cultura se fixa e concretiza em um infinito repertório de formas ou objetividades dispostas ao redor do homem com um fundo idêntico ser objetivações psicoesprituais apesar ou mais além da sua diversidade com regulações derivadas da índole humana e que lhe são peculiares pp 1112 Romero insiste em que é um erro considerarmos a cultura objetiva como simples entorno como algo que está lá fora e é bem separável de nossa alma a qual se engaja ou não nesse entorno segundo seu desejo Defende que a nossa mais profunda intimidade o que em nós há de mais nuclear e anímico tudo isto está configurado e perpassado pela cultura objetiva e dela se alimenta p 14 É na abrangência da idéia de cultura com a noção de seu processo de objetivação que vemos desvelarse a relevância do irrelevante a surpreendente importância do cotidiano Hoje a categoria da cotidianidade ganhou espaço nos exercícios reflexivos mas há algum tempo atrás o cotidiano era tido como uma rotina desprezível não mais que isto Isso foi assim até que em 1895 o filósofo espanhol Miguel de Unamuno meditando sobre a expressão o presente momento histórico entendeu que se há um momento histórico presente é porque com certeza há um simultâneo momento presente nãohistórico Num trecho lapidar do seu ensaio A tradição eterna escreveu Unamuno Os jornais nada mencionam da vida silenciosa dos milhões de homens sem história que a todas as horas do dia e em todos os países do globo se levantam a uma ordem do sol e vão para os seus campos prosseguindo no obscuro e silencioso labor cotidiano e eterno esse labor que como o das madréporas suboceânicas deita as bases sobre as quais se levantam as ilhotas da história Sobre o silêncio augusto dizia eu apóiase e vive o som sobre a imensa humanidade silenciosa elevamse os que fazem barulho na história cf Kujawski 1988 p 37 Ao que parece é aí que Unamuno chega à categoria do intrahistórico esse fluxo cotidiano que não está na história nem fora dela mas exatamente dentro da história essa coisa que o filósofo com sua força poética apontou como sendo a entranha silenciosa e permanente do viver cotidiano idem p 37 Ora talvez o próprio processo da evolução histórica da etnologia tenha aberto a Unamuno a possibilidade de tão importante intuição Assim que na mesma esteira desenvolveram sua reflexão sobre a história e a sociedade Ortega y Gasset e no Brasil propriamente Gilberto Freyre ambos em aspectos amplos de suas obras Todavia o nosso século despertado para o tema da cotidianidade encontra nos filósofos marxistas principalmente em Lukács Agnes Heller e Karel Kosik uma grande força interpretativa interesssados que se mostram tais pensadores seja na tessitura da realidade cotidiana do trabalho humano seja na relevância daquelas vidas que se escoam no silêncio da efetiva produção dos bens sociais Tal etapa de interesse cognoscitivo tem conseqüências nada desprezíveis para as finalidades da filosofia da cultura afinal comendo vestindose desnudandose brincando trabalhando rezando e convivendo rotineiramente o homem discursa sobre suas necessidades desejos e fantasias discursa sobre os valores que acalenta sobre as crenças que tem e sobre toda a sua visão de mundo O seu imaginário em épocas específicas e o processo de simbolização que o traduz estão ambos no cerne da rotina do diaadia Poderá uma filosofia da cultura de fato interessada numa reflexão de totalidade desprezar a história nãoeventual do cotidiano Pareceme que não A cultura como forma de viver dos povos não pode ser estudada tão só nos grandes acontecimentos históricos Karel Kosik reflete a partir de uma indagação Que é então a cotidianidade A cotidianidade não significa a vida privada em oposição à vida pública Não é tampouco a chamada vida profana em oposição ao mais nobre mundo oficial na cotidianidade vive tanto o escriturário como o imperador Gerações inteiras e milhões de pessoas viveram e vivem na cotidianidade de sua vida como em uma atmosfera natural sem que lhes ocorra à mente nem de longe a idéia de indagarem qual o sentido dessa cotidianidade 1976 p 69 Este cotidiano é como que uma organização do diaadia seja na 49 repetitividade das rotinas seja nas excepcionalidades das surpresas individuais e dos feriados Kosik usa bela imagem ao dizer A cotidianidade se manifesta como a noite da desatenção da mecanicidade e da instintividade ou então como mundo da familiaridade p 69 O íntimo o familiar e o aparentemente banal parecem ser as características gerais do nosso cotidiano mas o exercício de parar o tempo em nossas pequenas festas e celebrações calendarizadas isto é também cotidianidade É um fluxo de vida multipla mente direcionado A prática filosófica que sobre este se volta não se identifica como o adverte Agnes Heller com o cotidiano o exercício filosófico assim como o científico é uma nãocotidianidade por sua atividade interpretativa e ordenadora cuja legitimação vem de sempre prosseguir se alimentando do cotidiano este último visto como um movimento de energias múltiplas e desencontradas em sua pura espontaneidade Heller 1985 pp 1742 Nossa atividade interpretativa e ordenadora devese voltar para a cotidianidade e auscultar o sentido profundo que tal pluralidade contém O banal o rotineiro o insignificante carecem de uma interpretação mais atenta pois essa nossa consciência inadvertida deles permite que aprofundem as suas raízes em obscuras regiões de nossa própria distração Essa aparente mesmidade banal se a olharmos analiticamente pode conduzirnos a uma conexão de sentido a razões que se encontram submersas nas estruturas semiapagadas do costume Penso que se considerarmos as etapas fundamentais da trajetória humana sobre a terra encontraremos grosso modo focos estruturantes do cotidiano isto se atentarmos para que o cotidiano do século XIII não deve ter semelhanças significativas com o do presente século Daí surgeme pensando em termos evolutivos muito vastos e por isso mesmo imprecisos algumas hipóteses de focos estruturantes Por exemplo a Cotidiano épico quando em cada dia o homem precisava conquistar o direito de estar vivo conseguindo comida defendendose das agressões ambientais de animais tempestades etc Quando cada dia faziao viver uma curta mas duríssima epopeia exigindolhe tenso e cotidiano heroísmo b Cotidiano sazonal com a vida já sedentariada graças não apenas à descoberta da semeadura e do plantio lavoureiro mas principalmente à invenção de processos iniciais de irrigação adubação e armazenamento o homem passa a ter o seu cotidiano regido pelas estações do ano O momento de plantar o de colher o momento de matar animais e preparar alimentos para a armazenagem a fase de hibernar Disto tudo resultando um complexo de ritos sociais amplos e religiosos mais particulares na dinâmica que culturalmente se estabelecia entre situações naturais e esperanças e desejos sobrenaturais c Cotidiano de organização comunitária as primeiras pequenas concentrações demográficas e até mesmo urbanas já nas quais o aspecto organizacional é regido pelo interesse intersubjetivo em termos de relações afetivas mais organizadas O sentido comunitário principia talvez no período sedentartista lavoureiro mas se organiza nas primeiras comunidades urbanas Aqui vige o afetivo em seu sentido mais etimológico as vidas se afetam recipro camente d Cotidiano de organização burocrática nas modernas e contemporâneas cidades e metrópoles nas quais impera o racionalismo de uma eficiência pessoal Vida fragmentária com desinteresse afetivo conseqüente agressividade e vazio existencial Está claro que os focos estruturantes aqui tão sumariamente elencados não pretendem de nenhum modo abranger as variações da cotidianidade nas épocas humanas tratase não mais do que de uma proposta dentre outras possíveis de pensamento voltada para a panorâmica trajetória do ser humano É evidente como o lembra Enrico Castelli que o sentido de um evento vai mais além da sua eventualidade 1968 p 4 de vez que o sentido é uma conquista e não uma concessão imediata das aparências E os acontecimentos rotineiros e quase imperceptíveis são os que mais nos enganam quando apreciamos a dinâmica sociocultural pois é na esteira dessa aparente insignificância que os conteúdos às vezes mais duradouros de um modo cultural de ser se vão transmitindo e transferindo Como observa lucidamente Humberto Giannini Mas isto que assim se transfere pelas costas do que faz notícia pode inclusive ser um sinal de que ali há justamente algo a ser investigado 1988 p 44 Importa interrogar o sentido dos gestos mínimos dominantes do cotidiano investigar o sentido do domicílio da rua do trabalho do lazer Uma semana de expansão ativa e retratação reflexiva trabalho e ócio domiciliar este ritmo impede que nos percamos irremediavelmente na chamada dimensão externa do mundo e na linha dispersiva do seu tempo ilusório dessacralizado Giannini 1988 p 49 O próprio Giannini faz muito rica observação ao dizer que o homo viator da teologia e o vendedor itinerante do industrialismo contemporâneo são figuras perdidas em suas tendas e hotéis 51 alienadas de uma certa circularidade do cotidiano pensada em termos de uma seqüência assim domicílio trabalho rua domicílio idem pp 4950 Atenção porém o sentido de equilíbrio e complementaridade é a garantia de análises menos tendenciosas Em razão disto aqui é bom lembrarmos Kierkegaard quando este observa ser perigoso um demasiado fascínio pelo particular fragmentário Num sentido de equilibramento as análises macroestruturais se mostrarão tanto mais ricas quanto menos desprezem os elementos pequenos e igualmente as análises microestruturais ganharão força de completude na medida em que não negligenciarem o grande contexto Se a filosofia da cultura atual faz especial defesa da cotidianidade isto é porque o pensamento ocidental desenvolveu o vezo de se exercitar quase só sobre grandes eventos O intrahistórico pequeno e anônimo e o propriamente histórico dos grandes e notáveis eventos como se o tem tradicionalmente compreendido são ambos fios indispensáveis na tessitura do cultural Conhecer o cultural e buscarlhe o sentido é debruçarse sobre a inteireza do humano tanto refletindo sobre batalhas e heróis quanto auscultando a mensagem que é veiculada pelo comer o falar e o exprimirse corporalmente dos membros de dada cultura O discurso humano é enigmático ao mesmo tempo que revela esconde eis por que é preciso estarmos atentos a todos os fios que compõem o seu tecido Reitero que a mesmidade cotidiana podeacoitar insuspeitas forças transformadoras Mas é na interpenetração que se verifica entre a cotidianidade e a história na compreensão dos gestos ínfimos e repetitivos como intrahistóricos que reside a possibilidade de uma verdadeira interrogação quanto ao sentido do cultural Capítulo III LINGUAGEM O PRINCÍPIO DA CULTURA Na língua grega há pelo menos três grandes significados para a palavra arqué princípio E todos eles a nosso ver aplicamse à realidade da linguagem em tudo que esta importa para a compreensão da cultura O primeiro sentido da palavra arqué é o de princípiocomeço aquilo no que tudo se inicia e do que tudo deriva Primeira cintilação dos seres e dos entes momento ou elemento perdido num emaranhado de hipóteses de vez que a centelha inaugural de todo o existente segue sendo para o conhecimento humano apenas objeto de conjecturas Entretanto arqué tomado na acepção de começo na acepção de princípio efetivamente principiante estabelece pelo menos a necessidade lógica de pressupor que tudo um dia começou à exceção para muitos do Absoluto Criador e do espaço infinito Pois na linguagem humana parece estar o começo do propriamente humano o fundamento e a dinâmica do que chamamos humanidade e por conseqüência o começo e os desdobramentos da realidade cultural Mas o vocábulo arqué apresenta uma outra valência apontando agora para algo como princípio fundamentante ou em tradução mais livre fundamento organizador e explicativo Anaximandro principalmente entre os présocráticos utilizavase de arqué para se referir ao caráter de um elemento ao qual todos os demais se reduzem e que uma vez conhecido poderia explicar toda a complexa organização cósmica de elementocoisa passaria a elementoiluminação no sentido de princípio regente da composição universal Não é difícil notarse que por natural desdobramento arqué passou a ser usada como princípio de organização e compreensão Os escolásticos posteriormente cunharam duas expressões interessantes principium essendi como princípio da realidade do ser e principium cognoscendi como 53 princípio que viabiliza o conhecer Também nesta segunda valência o termo arqué serve para caracterizar a linguagem humana que no fim das contas é o fundamento organizador e explicativo das visões de mundo que tipificam as culturas Já não observara Wittgenstein que os limites da nossa linguagem denotam os limites da nossa cosmovisão A linguagem é mais do que o alfa e o ômega da realidade humana ela é o princípio e o fim bem como é o elemento de sustentação de tudo o que se encontra entre o princípio e o fim Encontramos finalmente para arquÉ os sentidos de autoridade e governo Princípio que comanda os direcionamentos da vida apontando mesmo para autoridades eleitas ou escolhidas A linguagem condiciona ao mesmo tempo liberta e escraviza ela é um processo de simbolização que nos dirige muitas vezes e de vez em quando permitenos criar novos valores e vida nova Os próprios limites da compreensão e da expressão acabam governando a vida do homem este ser que vive atônito entre o dizível e o indizível entre o compreensível e o nãocompreensível Eis por que considerei apropriado pensar a linguagem como o princípio da cultura o seu arqué desta forma construindo o título do presente capítulo Começo princípio organizador e governo arché da criação da sustentação e da compreensão do cultural Tais deslinamentos do vocábulo em tela eu os obtive investigando especialistas na língua grega sobretudo conferindo interpretações com A Chassang Dictionnaire grecfrançais sd e com A Bailly Dictionnaire grecfrançais 1963 É na tríplice valência do vocábulo arché que encontro o modo de identificação do significado da linguagem no contexto da cultura E não posso deixar de confessar o meu misto de divertimento e desagrado ao ouvir um amigo dizerme que hoje em dia arché no país grego é o nome da polícia mas os termos ricos vãose fazendo polissêmicos até o desvario ou assim nos parece ocorrer 1 A GRANDE DIVERSIFICAÇÃO DA EXPRESSIVIDADE HUMANA Em sua obra A caminho da linguagem Heidegger observa O homem fala Nós falamos na vigília e no sono Falamos sempre até quando não proferimos nenhuma palavra mas escutamos ou lemos mas nos dedicamos a um trabalho ou nos perdemos no ócio De um modo ou de outro falamos ininterruptamente Falamos porque o falar nos é inato O falar não nasce de um particular ato da vontade Dizse que o homem é de natureza falante e é próprio dele ao contrário das plantas e dos animais é o ser vivente capaz de falar Dizendo isso não se pretende afirmar apenas que o homem possui ao lado de outras faculdades também a de falar S Pretendese dizer que propriamente a linguagem faz do homem o ser vivente que é enquanto homem 1973 p 27 Nesta passagem vêse que o conceito de linguagem é para Heidegger algo muito mais amplo e que transcende fartamente os limites da fala e da escrita Falamos na vigília e no sono diz o filósofo e mais falamos mesmo quando não pronunciamos nenhuma palavra Afinal a expressividade é o elemento identificador da existência do homem Noutro escrito meu lembrei que do forte verbo existir exsistere podemse tirar sentidos como ir do que é para o que pode ser colocarse para fora de si significar Ali ponderei que significar é uma exigência de caracterização do humano Daí podermos afirmar que o discurso humano é o próprio existir com suas infinitas faces de expressão Morais 1989a p 118 Eis por que somos tomados de perplexidade ao nos deter por um momento que seja nos incontáveis aspectos da expressividade humana Toda obra humana acaba sendo um depoimento sobre os desejos as predileções e os ódios os anseios e as plenitudes do homem Nas formas das edificações e na destinação do espaço urbano a arquitetura e o urbanismo discursam longa e aprofundadamente sobre os valores de determinada época É provável que muros altos nos falem de uma sociedade individualista ou apenas amedrontada enquanto muros baixos talvez nos falem de uma maior valorização da convivência humana ou simplesmente de tempos menos tensos e agressivos Antes de havermos substituído o rico hábito de caminhar momento de observação e partilha pelo imperativo agitado de rodar nós ouvíamos mais o que os nossos espaços falavam conosco Em tudo que o homem produz ou edifica há variados níveis de expressividade que se articulam Há por exemplo densa expressividade na ritualística social relações amistosas jogos amorosos formações de parentesco agrupamentos religiosos etc Todas estas coisas constituemse em depoimentos eloqüentes dos valores fundamentais do homem Em certos povos a linguagem das suas relações amorosas exterioriza a força da sua intimidade a ponto de seus comportamentos habituais parecerem a um forasteiro obscenos Em outros tal linguagem esconde quase todos os resquícios de uma vitalidade íntima e constrói aparências de rigidez Há povos estrepisotamente amigos e há outros grupos humanos que só se sentem confortáveis com relacionamentos de amizade embalados em cuidados comedimentos e discrições E os que não podem enten 55 der tais diversificações ficam sempre esticados feito corda tensa entre o certo e o errado entre o amável e o detestável Estes nem sempre sabem ouvir a linguagem da vida Hoje há muitos estudiosos dos comportamentos da moda pois que já se percebeu que nossa segunda pele a roupa que vestimos é importante instância de linguagem no discurso humano Por mais fortes que sejam os condicionamentos industriais da moda ficam sempre algumas escolhas que são muito pessoais de tal modo que a roupa que trajamos seja também depoimento da nossa personalidade a qual não é apenas um cofre com nossos segredos e peculiaridades mas é também nossa maneira subjetiva de viver e interpretar a subjetividade sociocultural Sentimonos bem com certas vestimentas porque estas nos interpretam melhor ou dão conta de auxiliarnos na exteriorização de nossa imagem idealizada enquanto outras roupas por mais finas e bemcortadas que sejam incomodamnos quando as vestimos por se disparatarem de nossos conteúdos interiores Entre os povos ditos civilizados a linguagem da segunda pele é também depoimento humano forte no mesmo modo que nossa terceira pele a casa discursa sobre nossos valores e possibilidades em suas escolhas arquitetônicas ou de mera decoração lareira O homem fala disse Heidegger Seu discurso é o seu existir De modo que até em suas discriminações preconceituosas que atingem raças homossexuais pobres da periferia social e outros há um depoimento de eleições e rejeições que nos permite constatar tempos mais abertos ou mais fechados mais declaradamente belicosos ou tolerantes E assim vaise vendo de quantas formas o homem fala sua linguagem transcendendo como já o dissemos os limites da expressão oral e da escrita Linguagem é articulação de sentido No século VI aC já Heráclito de Éfeso ensinava que o sentido se completa na palavra e no silêncio com o que no início do presente século concordava Freud ao observar que especialmente nos casos terapêuticos mas não só é igualmente importante atentarse para o que se fala e para o que se cala Os silêncios e interditos compõem parte muito importante da linguagem por isto defendia Feuerbach ao longo de sua obra a enigmaticidade e a dialética do discurso humano Já se disse que no mais das vezes falamos muito daquilo que nos falta e silenciamos a respeito daquilo que nos sobra e às vezes nos sobra incomodamente Talvez nenhuma outra época tenha falado tanto em diálogo e intersubjetividade autonomia e soberania quanto a atual provavelmente porque vivamos uma exata crise de incomunicação desde as relações familiares às relações internacionais provavelmente também porque nunca se respeitou tão pouco a autonomia e a soberania dos povos a despeito de toda uma encenação diplomáticopolítica que procura dar impressão de progresso no respeito entre as nações De outra parte procurase falar o mínimo de solidões degenerantes e de relações econômicas espoliativas através das quais se tem praticado amplamente a invasão cultural e mesmo a deculturação dos povos menos privilegiados Assim que a palavra e o silêncio completam a linguagem articulando o sentido por camadas mais explícitas e mais implícitas Também os silêncios e interditos se constituem em linguagem juntamente com a expressão gestual esta coisa tão cotidiana cuja densidade freqüentemente nos escapa O corpo sígnico está sempre carregando significados que nem sempre estamos habituados a valorizar e que às vezes nem estamos habilitados para decodificar Assim são muitas as expressividades do silêncio desde que sejamos sensíveis à amplitude do discurso humano Penso neste momento em por exemplo que grande conversa tem conosco uma sociocultura na medida em que esta vai cada vez mais aceitando a troca da convivência com a natureza por pobres contrafações que não passam às vezes de contemplações artificiais mediante o vídeo da TV ou a tela do cinema Há em um ensaio de Max Scheler intitulado O homem e a história certo trecho que dispara a minha reflexão Diz Scheler O homem é o desertor da vida dos seus valores fundamentais suas leis seu sagrado sentido cósmico ele vive numa doentia exaltação do seu próprio ser valendose de simples substitutos linguagem utensílios etc das autênticas qualidades e atividades vitais passíveis de desenvolvimento 1986 pp 8990 Este nem é o modo de pensar de Scheler de vez que no citado trecho o filósofo apenas principia a expor os pontos de vista centrais do que chama uma antropologia panromântica defendida por Klages Dacqué Frobenius Spengler Lessing e Vaihinger e contestada pelo próprio Max Scheler De qualquer forma o trecho acima citado disparame a reflexão ele fala do homem como desertor da vida e sobretudo como alguém que se contenta com substitutos do viver e estas expressões são suficientes para que me sinta provocado e solte meu pensamento numa direção que não é trabalhada por Scheler Observando e sentindo o meu tempo vejo que o homem contemporâneo está cada vez mais desertando da vida na medida em que caindo nas armadilhas da urbanização industrialista cada vez mais se resigna de fato com substitutos do viver Como já 57 mencionei o convívio com as águas árvores paisagens e processos da natureza vai sendo substituído pela contemplação artificial de uma natureza da qual o homem de hoje se vai distanciando Isto chega muitas vezes ao paroxismo de as pessoas irem às praias ou aos campos mas não se sentirem bem pois perderam lá no fundo de si o gosto pelo natural De outra parte a afetividade que é rico sentimento vai sendo substituída pela gentileza esta muito mais composta de gestos teatrais substituise como já disse o caminhar partilhante pelo rodar individualista no interior de uma bolha mecânica que é o automóvel substituise o entendimento humano no que este tem de proximidade e compreensão por normas burocratizadas e até mesmo contratuais de coexistência E assim o homem contemporâneo parece ir de fato desertando da vida das suas leis fundamentais do seu sagrado cósmico Estas considerações interessanos tudo o que o atual ser humano está falando de seus valores temores desejos frustrações e empobrecimentos e sempre com mais profundidade vamos nos certificando de que o discurso humano é o seu existir As ruas são interessantes tratados sobre coexistência e convivência ai daquele que caminha por elas sem se abrir à complexa fala que ali pode ser ouvida vivo depoimento da visão de mundo e das escolhas de vida dos homens bem como das opressões que se armaram sobre estes O homem fala disse Heidegger fala todo o tempo no sono e na vigília fala até quando não pronuncia qualquer palavra E os inumeráveis aspectos da expressividade humana nos fascinam Expressividade que cintila mesmo no ócio quando lemos nas formas de lazer e divertimento das socioculturas o depoimento do seu específico erotismo entendido este como disposição profunda para fruir prazerosamente a vida Mas o brilho mais instigante da linguagem humana portanto da sua expressividade reluz nas mensagens da fala oral e da escrita embora o mais profundo poder comunicador de emoções e idéias seja o da linguagem artística escultórica pictórica musical etc Tratemos pois um pouco desses ápices da expressividade do homem Há muito se sabe que o ser humano esse animal falante não possui surpreendentemente aparelho fonador O que nele hoje apelidamos de aparelho fonador é um conjunto de órgãos tomados de empréstimo aos aparatos respiratório e digestivo na incontida necessidade do homem de se comunicar por sons Assim a língua órgão sem o qual não se fala é elemento originário do aparelho digestivo inicialmente encarregado da distribuição dos alimentos na mastigação entre dentes cortadores perfuradores e macetadores e do processo químico de insalivação preparadora da digestão baixa Da mesma forma o osso laríngeo com suas cartilagens que é fundamental na produção e modulação dos sons da voz é reconhecido como elemento primacial de proteção da entrada da traquéia canalizadora de ar para os pulmões Ora os próprios pulmões que são o fole da fala são o que de mais fundamental há na atividade respiratória de oxigenação do organismo No entanto quando se combinam a coluna de ar emitida pelos pulmões a capacidade vibratória e moduladora da laringe bem como a elaboração articulatória da língua e da mandíbula presenciamos esse milagre que é a fala ou um milagre ainda mais fascinante que é o canto Faringe nariz e tudo o mais que a fala usa constituem um conjunto de adaptações Não temos então na verdade aparelho fonador Todavia é tão poderosa a necessidade humana de se estar comunicando a todo instante que a fala desenvolveu possibilidades espantosas que estão configuradas no perplexificante número de idiomas e dialetos existentes no mundo O poder da palavra deslumbra a alguns e aterroriza a outros Ora o grande poetafilósofo Platão chegou a alertar os governos contra os artistas poetas da palavra considerandoos muito perigosos É que como podemos retirar da ontologia da palavra desenvolvida por Martin Buber há as palavras instituíntes portadoras do ser e as palavras substituíntes comentadoras do ser As primeiras são sempre inovações e fulcros de transformação de vez que não podem instituir o que já está instituído elas desbordam da experiência na direção da esperança atiramse para fora do âmbito do havido na direção do desejado Assim na medida em que se sonhe em estabilizar e fechar a vida social num ideal de suposta harmonia há que combaterse os criadores aqueles dos quais fluem as palavras instituíntes Podese portanto ver que Platão não cometia uma sandice ou uma impropriedade com seu alerta acima referido ao contrário seus cuidados são compreensíveis e verdadeiros na exata medida da concepção cerrada de Estado ideal imobilista que desenvolveu Por volta da revolução social do período neolítico uma das maiores e mais profundas da trajetória humana os homens principiavam a encontrar a partir dos desenhos figurativos do seu cotidiano formas de codificação escrita que em breve tornarão possível a entrada do ser humano em sua fase propriamente histórica no sentido de documentada Os homens passam a poder gravar inicialmente na pedra e depois em uma série de materiais cada vez mais elaborados aquilo que falavam e até mesmo aquilo que eram obrigados a calar Se a fala significara uma explosão de humanidade a escrita imprimirá à vida humana muito maior sentido de historicidade um quase que êxtase de eternização pois agora era importante pensarse no fato de que séculos adiante poderseia comunicar com os homens futuros Inventada a grafia a coisa se desdobrou A China inventou a imprensa de páginas esculpidas no sistema de carimbos prensados Gutenberg muito para a frente século XV inventou a imprensa de tipos móveis com páginas montáveis e desmontáveis tudo isto evoluindo até os atuais sistemas eletrônicos de composição e impressão cuja modernidade e eficiência escapam à compreensão do homem comum As telecomunicações de atualmente possibilitaram uma vertiginosa circulação de informações pelo mundo submergiramnos num oceano simbólico e o que é surpreendente nele estamos ameaçados de afogamento Ocorre que todo o aludido desenvolvimento não nos fez mais felizes não nos fez melhores em razão de que nossa felicidade e nossa melhoria não podiam depender apenas de invenções e avanços tecnológicos Nenhum antepassado nosso entre os homens comuns teve o nível de informação que agora temos e também nunca o homem entendeu tão pouco de si mesmo Temos a vida fragmentada atomizada pelos ardis da comunicação Falta uma espinha dorsal capaz de articular a riqueza de dados de que dispomos falta uma nova concepção de vida e de mundo que reintegre o nosso cotidiano em um imaginário que faça sentido para o tempo no qual estamos vivendo De toda forma é com a mesma comunicação impactuosa que nos desnorteou que devemos encontrar certas modalidades de intercâmbio humano que possam devolvernos nossa face nossa identidade histórica comunitária e pessoal Porque a linguagem em sua miríade de possibilidades expressionais é o princípio arqué da vida sociocultural assim como procuramos considerar no início do presente capítulo 2 CULTURA TRAMA DE CIRCULAÇÃO DOS CONTEÚDOS HUMANOS Consideremos que como observa Peter Berger tanto a afirmação de que a sociedade é produto do homem como a de que o homem é em muito produto da sociedade ambas as assertivas estão corretas e não se contradizem 1985 pp 1516 Isto em razão da já comentada dialeticidade da sociocultura do contraponto constante entre as realidades individuais e a realidade sociocultural O ser humano tem de se tornar pessoa na intersubjetividade e sob o efeito dos processos sociais que o envolvem nenhum homem que excepcionalmente tenha sobrevivido fora do contexto da sociedade humana logrou desenvolver suas características de homem Assim que a humanidade de cada um de nós é produto da vivência social e cultural No entanto é absolutamente inegável que não há sociedade ou cultura sem que antes existam homens que as criem Isto quer dizer que tanto a individualidade como a coletividade resultam de uma relação dialética entre pólos opostos cada pólo dando condição de existência ao outro na dinâmica que os entrelaça É importante a exposição deste ponto de vista para que o leitor não tenha a impressão de que falaremos de conteúdos humanos como entidades inatas no âmago da individualidade Da mesma forma que a sociocultura é criação humana os conteúdos humanos são elementos da sociocultura Assim explica Berger O processo dialético fundamental da sociedade consiste em três momentos ou passos São a exteriorização a objetivação e a interiorização Só se poderá manter uma visão adequadamente empírica da sociedade se se entender conjuntamente esses três movimentos A exteriorização é a contínua efusão do ser humano sobre o mundo quer na atividade física quer na atividade mental dos homens A objetivação é a conquista por parte dos produtos dessa atividade física e mental de uma realidade que se defronta com os seus produtores originais como facticidade exterior e distinta deles A interiorização é a reapropiação dessa mesma realidade por parte dos homens transformandoas novamente de estruturas do mundo objetivo em estruturas da consciência subjetiva 1985 p 16 Como fica esclarecido por Berger devemos discernir os momentos correspondentes à produção enquanto processo ao produto enquanto resultado do homem e que se torna um fato dele distinto e à reapropiação com a qual os homens agora internalizam as impressões causadas pelos próprios processos socioculturais É o próprio sociólogo e pensador em foco que diz É através da exteriorização que a sociedade é um produto humano É através da objetivação que a sociedade se torna uma realidade sui generis É através da interiorização que o homem é um produto da sociedade 1985 p 16 É pois numa dinâmica tão sutil que devemos situar o conceito de conteúdos humanos evitando dar privilégios a reduções individualistas ou a reduções coletivistas na exata medida em que toda redução é uma forma de empobrecimento na compreensão das coisas humanas Nesta complexa dinâmica é que o sentido circula e na medida em que circula inventa ou constrói o mundo propriamente humano Diferentemente do que ocorre com os irracionais o homem nasce inacabado e vive seus primeiros tempos em processo de concluirse biologicamente e sem instintos especializados Como já observamos de outra forma um camundongo uma vespa uma abelha trazem uma estrutura instintiva definida que por sua vez define mundos apropriados o mundo da abelha o da vespa o do camundongo Mas o ser humano não recebe um mundo dado previamente fabricado para ele ou para o qual ele tenha sido ajustado O homem precisa fazer um mundo para si Berger 1985 p 18 como conseqüência da sua constituição biológica aberta e inconclusa Mas com que o ser humano constrói o seu mundo Com elementos materiais e nãomateriais que acabam transfeitos numa densa trama simbólica Um pedaço de pão é alimentosímbolo e símboloalimento assim como uma roupa um guardachuva ou uma casa As carências os desejos as necessidades as virtuosidades e os poderes humanos se objetivam num denso processo de simbolização o qual por sua vez objetiva a cultura A efusão do indivíduo sobre o mundo a vida sui generis das suas produções bem como a abertura humana para reabsorver as riquezas acumuladas pela comunhão dos homens tais passos são perpassados pela circulação de conteúdos humanos É trabalhando juntos que os homens fabricam instrumentos inventam línguas aderem a valores concebem instituições e assim por diante A participação individual numa cultura não só acontece num processo social a saber o processo chamado socialização mas a continuação de sua existência cultural depende da manutenção de dispositivos sociais específicos Berger 1985 pp 2021 Entendo que o imaginário social desempenhe aqui papel da maior importância Mas o que chamo de imaginário social Esclareço cuidadosamente que não abordo o conceito de imaginário segundo direções psicanalíticas ou segundo as mais conhecidas aplicações da semiótica Proponho uma compreensão muito mais singela muito mais cotidiana daquilo que se pode entender por imaginário social para tanto retornando a certas inspirações que se enraízam na fenomenologia kantiana trazendo traços desta para conceitos da vida comum Vejamos isto Escrevi noutro livro Visão de mundo não é a maneira de abrir os olhos e atentar para a realidade circundante senão que bem mais além é a forma pela qual o mundo foi percebido e transformado em representações que passaram a reger a dinâmica emocional e a estrutura cognitiva de um povo Levandose em conta a estreita relação entre linguagem e cosmovisão e ademais considerando na linguagem a distinção entre a palavra falante e a palavra falada tendemos a amadurecer a convicção de que uma cosmovisão qualquer é erigida pela palavra falante e depois na medida do possível transformase em palavra falada Morais 1989b p 15 Com isto desejei esclarecer que as visões de mundo não resultam do conhecimento do mundo em si mas das percepções e elaborações fenomênicas resultantes da relação dialética entre homem e circunstância na linha do que afirma Gouliane ao observar que as circunstâncias formam o homem na medida mesma em que os homens criam as circunstâncias 1969 p 5 Assim podese ir percebendo que aproximo as noções de cosmovisão e de imaginário A ambiência mental das épocas valores desejos predileções e rejeições é diferente razão pela qual nunca é fácil o estudo da história e menos ainda da história do pensamento pois uma coisa é aproximarnos objetivamente de textos documentais ou de objetos doutras épocas outra diferente e muitíssimo mais difícil é lograrmos aproximação real com o imaginário de tais épocas Anotam Bronowski e Mazlish Com efeito a mais difícil de todas as tarefas históricas é pensar como pensou uma outra civilização considerar razoáveis as suas explicações e natural a sua visão de mundo 1983 p 124 Há uma quantidade de fatores menores e maiores mais implícitos ou mais explícitos grosseiros ou sutis sustentando um imaginário social que distanciado daquela ambiência resta difícil ao estudioso reproduzila com exatidão intelectual Exatamente qual terá sido a ambiência mental globalizante do século XIII dC Alcançaremos mesmo saber isto Por outro lado temos claro que o imaginário do século XIX não se assemelha ao do XX em seus meados Cada época sonha vive e delira dentro de parâmetros circunstanciais que não são produzidos por um único homem mas que resultam de complexa síntese das relações intersubjetivas e das confrontações homemnatureza aí incluídas evidentemente a economia a política e a religiosidade Sobre a construção do imaginário social incidem tanto a satisfação de necessidades como a frustração perante as necessidades Satisfações de necessidades são vividas como ganhos existenciais os quais se traduzem em emoções positivas que por sua agradabilidade suscitam a tendência à repetição à permanência ao passo que frustrações ante necessidades são vividas como perdas existenciais as quais se traduzem em emoções negativas que por seu caráter sofrido e traumático cristalizam na memória inevitáveis ressentimentos que induzem a evitar terse os desejos que levam a tais frustrações São circunstâncias que exploram o traço indutivo das personalidades humanas Desse modo o negativo e o positivo como numa combi nação de luz e sombra acabam por gerar um quadro mental em cuja ambiência uma época vive Tratase de uma coleta de percepções e da sua decodificação a qual conduz a uma ampla representação fenomênica da realidade Conceituo então o imaginário como a construção fenomênica de representações que resulta da comunhão possível entre os desejos profundos do ser humano e as possibilidades que lhe são oferecidas pela circunstância ambiental Como se vê temos aí a dialética entre homem e circunstância Sendo a linguagem o fundamento do fenômeno humano como tal estabelecese uma relação triádica entre SIMBÓLICO anterior IMAGINÁRIO SIMBÓLICO posterior Na transformação dos imaginários das épocas há a dialética entre descontinuidade e continuidade Isto porque mudanças só podem ser consideradas tais em função dos elementos que não mudam Assim vejo que na estrutura geral do imaginário há subestruturas mais duráveis e outras subestruturas menos resistentes razão pela qual elementos duráveis do imaginário de uma época acabam projetandose em imaginários seguintes Se possível serão assimilados pela nova estrutura como tradição se não o for ficarão na nova paisagem como elementos artificiais de cenário sucumbindo rapidamente à sua própria inutilidade Por exemplo o imaginário marcadamente teocêntrico e hierarquizante do final da Idade Média sofrendo o impacto da derrocada do sistema feudal com agudas transformações econômicas e políticas e ainda mais deparandose com a estupenda revolução científica Galileu e religiosa Lutero do século XVI tal imaginário obviamente se transforma e muito Mas havia elementos de tal durabilidade em suas subestruturas que creio não podermos afirmar falando a sério hoje no final do século XX que não sobrevive em nós muita coisa herdada do imaginário medieval É assim que entendo e exponho sempre considerando é claro a possibilidade de que esteja equivocado de qualquer modo aí estão minhas idéias para que sejam discutidas Pois bem Tudo isto é para mim complexa trama cultural denominada linguagem Essa ciranda de signos que carregam significações signos naturais fumaça lembrando fogo e artificiais a pomba como signo da paz signos nãolinguísticos gestos sinais de trânsito etc e linguísticos da fala e da escrita signos icônicos que se parecem com aquilo que denotam configuramno e convencionais como os pontos e traços do alfabeto Morse ou a grafia das palavras tudo faz circular o sentido e em o fazendo origina sustenta e governa a realidade cultural Mondin 1980 136137 Quando mudam na vida econômica as formas de produção surgem novas relações de produção que passam a elaborar espontaneamente linguagens próprias da mesma maneira que quando determinadas forças culturais exploratórias da estética da religião ou do pensamento se esgotam e chegam à exaustão movimentos inversos têm início também estes elaborando suas formas de expressão sua linguagem Em nome da liberdade e da justiça e contra as opressões em nome de interesses reles e individualistas ou em nome de altos ideais pelas rebeliões criativas da arte ou da ciência bem como na defesa de submissões e obediências absurdas na defesa de estagnações incompreensíveis por tudo isto e por muito mais a linguagem faz humano o mundo e se mostra o princípio arqué da cultura 3 DIÁLOGOS E DISCURSOS A CONTEMPORANEIDADE Sendo a linguagem manifestação de um ser dinâmico e pluridimensional não se apresenta como um código rígido no qual cada palavra estaria imobilizada numa única significação Isto porque toda linguagem é uma estrutura em constante reestruturação dada a diversidade de combinações possíveis dos seus elementos Num quadro de parâmetros diferentes palavras antes utilizadas com um dado sentido podem ganhar sentido diferente afinal todo exercício de comunicação é também uma dinâmica de relações na qual conta muito onde e de que modo está figurando determinado vocábulo Na codificação matemática por exemplo o fato de se colocar um zero à direita de um número inteiro o multiplica por dez ao passo que o mesmo zero colocado à esquerda e seguido de uma vírgula em relação ao mesmo número inteiro divideo em décimos de modo que a posição do elemento que define sua forma de relação é mais importante na comunicação do que algum valor intrínseco que ele tenha Esta a razão pela qual podese tomar na comunicação mais complexa um mesmo vocábulo em distintas acepções isto é na variação dos esquemas conceituais está a possibilidade dos vários usos de uma mesma palavra Tudo como se a linguagem fosse um tipo de caleidoscópio em que a sucessão de estruturas imagísticas às vezes surpreendentes resulta das inumeráveis possibilidades de combinações de um número básico de elementos sob o efeito das multiplicações do prisma Faço tais considerações em razão de que no início do presente capítulo utilizeime do termo discurso de uma forma apenas positiva o discurso humano e na intenção de abranger toda a expressividade humana e agora num plano de maiores matizações e detalhamentos passarei a utilizálo de modo um tanto diverso Ocorre que desejo refletir um pouco sobre alguns pontos de vista de um pensador muito intrigante o professor Vilém Flusser cujas idéias remetem a problemas contemporâneos da comunicação e se encontram expostas num seu pequeno livro de ensaios curtos intitulado Póshistória 1983 Os textos do referido livro de Flusser abremnos para algumas preocupações com a relação entre linguagem e tempo atual Para o pensador em consideração há fundamentalmente dois modos de conhecimento que respondem por duas formas distintas de expressividade o primeiro o conhecimento objetivo fala sobre objetos gira em torno deles e entre eles e é sobre tais objetos discursivo Disto resultando propriamente o que há de discurso na comunicação humana de hoje O segundo o conhecimento intersubjetivo fala com as outras pessoas faz as pessoas falarem umas às outras é dialógico resultando deste o que devemos chamar propriamente de diálogo em nossa comunicação A partir dessas afirmações iniciais de caráter quase que didático Flusser parte para uma grave denúncia de perigos que envolvem nossa realidade sociocultural entendendo que a situação atual da sociedade ocidental é marcada pelo predomínio dos discursos sobre os diálogos e que sob o domínio dos discursos o tecido social do Ocidente vai se decompondo 1983 p 59 Opina o filósofo que a nossa queixa de uma crise comunicacional que afasta as pessoas entre si e as faz solitárias não está formulada nos termos devidos Afirma A solidão na massa que é o fundamento da queixa não é conseqüência da pobreza do tecido comunicativo Pelo contrário jamais os discursos ocidentais funcionaram tão bem quanto atualmente e sobretudo jamais funcionaram tão bem a árvore da ciência e o anfiteatro das comunicações de massa A solidão na massa é conseqüência da dificuldade crescente para entrarmos em comunicação dialógica com os outros A nossa sensação de solidão se deve à nossa incapacidade crescente de elaborarmos informações novas em diálogo com os outros p 59 Segundo o filósofo que agora nos está interessando o tecido comunicativo da sociedade humana resulta do equilíbrio dinâmico que deve existir entre diálogos e discursos daí entendendose que toda vez que um desses elementos predominar ou exercer hegemonia o equilíbrio social fica comprometido O predomínio de um elemento desvaloriza o outro enfraquecendo fios muito importantes sempre do tecido comunicativo p 58 Para Vilém Flusser o Ocidente desenvolve dois tipos de diálogos e quatro tipos de discursos e aqui se vai entrando no que este pensador tem de às vezes demasiado esquemático O Ocidente terá desenvolvido diálogos circulares que supõem comunicação direta em situação de pergunta e resposta reuniões mesasredondas parlamentos e terá desenvolvido também os chamados diálogos em rede que não implicam a relação face a face mas ainda se mostram de alguma forma criativo e dotados de algum calor humano sistemas telefônicos comunicação de opinião pública etc Evidentemente aqui diálogos são tidos como formas de real aproximação humana o que abre e mantém as possibilidades criativas Quanto aos discursos desenvolvidos pelo mundo ocidental Flusser os percebe e interpreta sob quatro formas que são a Discursos teatrais aulas conferências debates Seriam os discursos que antecederam a própria história com a comunicação oral da cultura que foi a marca precípua da préhistória Como foi dito na medida em que põem as pessoas em presença dãose em clima de perguntas e respostas o que quer dizer que supõem a força dialógica b Discursos piramidais hierarquias exércitos igrejas São discursos essencialmente antidiálogos e que um dia foram certamente iniciados em clima sacerdotal Transmissão por exemplo de mensagem divina Em lugar do convívio dialógico o poder da tradição da religiosidade ou mais tarde da palavra revestida de outros autoritarismos institucionais Escreve Flusser A partir do neolítico tardio isto o discurso teatral dialógico passa a ser desvantagem Quando se trata de empreendimentos coletivos como o são as construções de canais e de cidades o que se pretende não é diálogo mas obediência e mais adiante Tal clima do neolítico tardio continua caracterizando as pirâmides atuais como sejam a Igreja o Estado o Exército os partidos políticos as empresas 1983 p 60 Em suma o discurso piramidal leva à estagnação do tecido social e aí os beneficiários de tal ordem correm à procura de aperfeiçoamentos que se possa fazer nas relações piramidais c Discursos em árvore o mundo moderno os criou substituindo paulatinamente autoridades por especialistas numa tentativa de trocar a arrogância pela elegância superior E cada ramo de especialistas acabou codificando linguagem própria decodificável praticamente só pelos do ramo Isto resacerdotizou o discurso Ora no presente século esta modalidade de discurso foi sendo vista cada vez mais como elitista e absurda como método comunicativo global no sentido de atingir a massa crescente de partícipes do mundo da informação Sendo era inevitável o passo seguinte para os 25 d Discursos anfiteatrais ante as dificuldades criadas pelo tipo anterior surgiu o esquema anfiteatral característica da contemporaneidade Nas palavras de Flusser Os aparelhos da comunicação de massa são caixas pretas que transcodificam as mensagens provinhas das árvores da ciência da técnica da arte da politologia para códigos extremamente simples e pobres p 61 Há que baratear muito as coisas para que se alcance algum nível de comunicação com as massas Só que a transcodificação resulta na alteração da estrutura original do discurso levando a história com sua linearidade para uma póshistória com a multidimensionalidade da mídia Ao que me parece há muita coisa discutível nas afirmações de Flusser começando pela linearidade suposta da história quando observamos rupturas e surpreendentes mudanças de curso e continuando pela alegada multidimensionalidade da mídia a qual pode ser não mais que aparente na medida em que os meios de comunicação têm sido submetidos a ideologias que fazem cada rio correr num determinado leito e quase todos indo para o mar das mesmas paixões Todavia não são estes detalhes que me atraem no filósofo em questão Atraime o sentido de minúcia com que ele estuda a questão da crise do diálogo no mundo contemporâneo Se bem compreendi suas idéias os quatro tipos de discurso vigem atualmente mas os três primeiros estão ficando cada vez mais anacrônicos por sua dificuldade de se compatibilizar com as necessidades atuais de comunicação Na medida em que vamos ficando reduzidos ao anfiteatral tal como basicamente é concebido por Flusser vamos vivendo de fato a maior crise dialógica da história humana afinal se os discursos anfiteatrais objetivam diálogos em rede mas têm seus conteúdos transformados em geléia amorfa destinada a nutrir a opinião pública tudo vai caindo no declive do empobrecimento irremediável da cultura Ora isto no âmbito de um conceito amplo de linguagem não pode deixar de preocupar este final de século e de milênio a não ser que se tenha assumido por inteiro a posição de desistência Certamente a experiência aquilo que temos tende a estrangular em nosso pensamento a esperança aquilo que queremos porém não está definido que o tamanho do possível seja o tamanho do realmente dado em nosso viver atual Considero conveniente conhecermos as idéias de Vilém Flusser mas o professor Flusser levando em conta a complexidade social de agora a cibernetização das sociedades ditas civilizadas bem como a expansão da cultura de massas dá a esse movimento de uma crescente falência do diálogo certa característica de irreversibilidade Percebese isto tanto no ensaio intitulado Nossa comunicação como no de título Nosso receio 1983 Entendo porém que grandes viradas da história não nos autorizam e menos ainda nos condenam às prisões do indutivismo como lembrava Hume nem o fato de o sol ter despontado e se posto regularmente ao longo de todo o tempo conhecido pelo homem garante rigorosamente que assim será no dia de amanhã Vivemos num universo probabilístico e no campo das probabilidades é preciso considerarse também a probabilidade de que aconteça o improvável Ainda que as sinalizações históricosociais apontem para a tendência de crescente fenecimento do diálogo entre os homens sabemos que essa será uma situação cada vez mais infeliz para o ser humano e que circunstâncias agora não bem conhecidas podem levar este ser a reagir O predomínio dos discursos sobre os diálogos pode ser uma fatalidade inevitável mas também pode não o ser pois é muita veleidade supormos conhecer todas as forças expostas e subterrâneas do momento atual que estão preparando o mundo humano do futuro No rigor dialético o homem é simultaneamente agente e paciente da história talvez não cheguemos ao extremo de dizer com Chesterton que o imprevisto é a lei fundamental da história mas temos de aceitar que a recente virada histórica do leste europeu caiu sobre as nossas expectativas como grande surpresa pela rapidez e pela profundidade com que tudo ocorreu ante os nossos olhos assustados A grande verdade é que até aqui experimentamos somente dois métodos de conceber a vida o individualista nascido não se sabe quando e deificado pelos movimentos burgueses e o coletivista também mais antigo do que se imagina e divinizado pelos revolucionários antiburgueses E ambos os métodos se mostram muito problemáticos Aqui é importante atentarmos para as reflexões com que Martin Buber encerra o seu livro intitulado Qué es el hombre 1985 Comentando as reduções individualista e coletivista na interpretação de nossa realidade escreve este filósofo A crítica ao método individualista costuma partir geralmente da tendência coletivista Mas se o individualismo não abrange mais que uma parte do homem assim ocorre também ao coletivismo nenhum dos dois se encaminha à integridade do homem ao homem como um todo O individualismo não enxerga o homem mais do que em relação consigo mesmo mas o coletivismo não enxerga o homem não vê mais do que a sociedade Em um caso o rosto humano se acha desfigurado no outro oculto 1985 p 142 Segundo Buber isto conduz o homem contemporâneo a uma dupla falta de lugar em 26 seu mundo a falta de lugar cósmico e de lugar social para enraizamento trazendo tal situação como conseqüência duas modalidades de angústia a cósmica e a vital A pessoa se sente ao mesmo tempo como ser humano que foi exposto pela natureza como uma criança abandonada e como pessoa ilhada no meio do alvoroço do mundo humano A primeira reação do espírito ao conhecer a nova situação inóspita é o individualismo moderno o coletivismo é a segunda pp 142143 Fica no entanto claro que para Martin Buber essas duas alternativas não perfazem todas as alternativas possíveis ao homem Talvez ainda tenhamos pela frente muito mais a ser experimentado do que hoje supomos ao que parece hoje nos parecemos a alguém que nasce e cresce numa aldeola cercada de montanhas e por falta de horizontes e informações passa a jurar que o mundo é sua aldeia Excetuandose um golpe que extermine a espécie humana nenhum caminho pode ser o último para o homem É ainda Buber quem adverte O fato fundamental da existência humana não é nem o indivíduo enquanto tal nem a coletividade enquanto tal Ambas estas coisas consideradas em si mesmas não passam de formidáveis abstrações O indivíduo é um fato da existência na medida em que entra em relações vivas com outros indivíduos a coletividade é um fato da existência na medida em que se edifica com vivas unidades de relação O fato fundamental da existência humana é o homem com o homem 1985 146 Tais reflexões de natureza antropológica vêm prestar grande serviço a este último tema do presente capítulo quando abordamos a linguagem como princípio da cultura e inicialmente identificamos o discurso humano com o próprio existir exsistere É que esta coisa libertadora que denominamos linguagem tem também seus aspectos de cativeiro ardiloso e nós refletindo com profundidade não podemos aternos apenas ao que há de aprisionador nas perspectivas da nossa comunicação É verdade sim que os discursos estão neste momento predominando sobre os diálogos é fato que um desequilíbrio perigoso perpassa a comunicação humana e por extensão atravessa toda a nossa humanidade O diagnóstico e a denúncia de Vilém Flusser parecemme corretos Mas esse ser fugitido e que escapa às determinações indutivistas esse ser pensante que tanto e tanto tem surpreendido a si mesmo conquanto tenha tentado muitas está longe de ter esgotado todas as suas alternativas Ora como no caso do homem a sua linguagem origina ordena e governa a existência é nela que devemos buscar as possibilidades redentoras Genetic Variation in the CYP2C9 gene Figure Percentages reflect the frequency of alleles in a population and the text below the figure summarizes the effect of each polymorphism on warfarin metabolism or dose requirements Allele 1 is the wildtype allele with normal CYP2C9 activity whereas alleles 2 and 3 have decreased enzymatic activity and decreased warfarin metabolism The 2 allele results from an Arg144Cys amino acid change The 3 allele results from an Ile359Leu amino acid change and has less enzymatic activity than 2 Polymorphisms 5 6 8 and 11 which also have decreased activity are rare and mostly found in individuals of African descent Genetic variation in 2 or 3 occurs in about onethird of US persons and explains some of the variability in warfarin requirements for patients of European ancestry CYP2C92 and 3 account for about 20 of the variation in warfarin dose requirements in white patients but have less of an impact in black and Asian populations due to reduced allele frequency Specific alleles of the Vitamin K epoxide reductase VKORC1 gene which codes for the warfarin drug target are also associated with variable warfarin dose requirements CYP2C9 pronounced sip two c nine is part of the cytochrome P450 2C enzyme family There are more than 50 CYP2C9 alleles described among which CYP2C91 2 and 3 are the most frequent The CYP2C91 allele is wild type and encodes a functional enzyme with full metabolism capacity The CYP2C92 and CYP2C93 alleles encode enzymes with reduced metabolism capacity and are associated to decreased metabolism of the CYP2C9 substrates including warfarin Inhibition of CYP2C9 metabolism leads to reduced clearance of the Swarfarin enantiomer resulting in increased blood concentrations and anticoagulant effect This raises the risk for an excessive anticoagulant response and bleeding thus patients with these alleles tend to require lower doses of warfarin Polymorphism polymorphisms in the CYP2C9 gene have also been found to affect metabolism of other substrates such as phenytoin NSAIDs and losartan The clinical significance of these polymorphisms extends to the management of patients on warfarin therapy where dosing algorithms incorporating CYP2C9 genotyping have been developed to optimize dosing and improve safety RESENHA CRÍTICA Segue abaixo uma resenha crítica sobre os textos A realidade da cultura A cultura e plenificação humana e Linguagem um princípio da cultura que compõem os capítulos iniciais do Livro Estudos da Filosofia da Cultura de João Francisco Régis de Morais Será realizado um breve apontamento sobre cada texto seguido de uma análise crítica destacando seus principais pontos O texto sobre a realidade da cultura trata sobre a herança cultural que recebemos e que o indivíduo demonstra capacidade para assimilar e melhorar Recebemos cultura assim que iniciamos nosso primeiro contato com o mundo Essa cultura pode ser transmita por questões orgânicas e de genética ou assimiladas pela absorção dos elementos e fatores que compõem o ambiente e espaço que frequentamos Em todos os casos o indivíduo em condições normais de saúde tem o poder de melhorar a cultura buscando assim satisfazer suas necessidades A cultura seria uma grande integração de pensamentos e ações individuais que exercem influência em determinado momento da sociedade isso no ponto de vista de uma análise subjetiva Evidenciando cultura de forma técnica destacaríamos como conceito algo na sociedade em função de determinada coisa Em outras palavras seriam movimentações humanas que influenciam e se interagem na sociedade numa visão pessoal sobre a existência de tudo que vivemos Sobre o contexto histórico a cultura se apresenta desde os tempos mais antigos como na Grécia e Roma quanto na Idade Média como também na época do Renascimento até dos dias atuais A cultura sempre fez parte da sociedade Todas as grandes transformações e acontecimentos históricos representam marcas de cultura que serão absorvidas por determinado indivíduo As culturas não são iguais variando assim entre as sociedades e sobre os períodos e acontecimentos históricos Podemos então definir através da análise do primeiro texto que a cultura e a filosofia são elementos que se interagem buscando através de suas formas a existência do ser humano quando se misturam seus pensamentos para busca da satisfação dentro da sociedade Com a junção da filosofia podemos alinhar a criação de valores culturais que indicam a criação de elementos e valores históricos para compor a sociedade Já a natureza pode ser considerada como um elemento posto a cultura visto que ela seria ocasionada em situações de casualidade e necessidade e a cultura baseada em elementos que o indivíduo tem o direito de escolha e autonomia Segundo o texto existe então um tipo de fronteira relativa entre a natureza e a cultura justamente pelos pontos destacados anteriormente Com relação ao texto que compõe o segundo capítulo sobre a cultura e plenificaçao humana apresenta relações filosóficas sobre a realidade cultural Neste ponto o uso da filosofia implica em adquirir uma espécie de orientação para que o indivíduo possa desenvolver suas potencialidades criando assim valores que podemos chamar de cultura não somente para si como para toda a coletividade Com a filosofia o indivíduo pode compreender melhor todos os elementos que o cerca aumentando assim seu conhecimento e capacidade de interpretar e realizar seus objetivos e assim atingir sua satisfação social A cultura é criada e desenvolvida para satisfazer a existência do homem Sendo assim aceita negada transformada ou influenciada na construção da identidade social do homem no ambiente em que vive Isto posto a cultura existe para acompanhar e alimentar os níveis de satisfação do homem equilibrando com valores filosóficos para criar elementos que proporcionem ao indivíduo potencializar seus pensamentos para que novos conhecimentos hábitos e valores possam compor a cultura de determinada sociedade O homem então cria a cultura e ao mesmo tempo é criada por ela O homem consegue então adaptar e associar os elementos que achar necessário para criar a cultura de acordo com seus interesses Por isso a cultura se objetiva a partir da vontade do homem No que diz respeito ao terceiro capítulo que fala sobre a Linguagem como o princípio da cultura pois é através dela que a cultura é transmitida entre os indivíduos Os sentidos são articulados através da linguagem O poder da palavra influencia na criação da cultura e demonstra os pensamentos do indivíduo para que se represente em forma visual para outros A evolução do processo de linguagem desde a época das cavernas até o homem contemporâneo contribuiu de forma exponencial para difusão das culturas entre os povos Através da cultura entre os povos com transmissão e troca de conhecimentos que o a sociedade é um produto humano e ao mesmo que o homem é um produto da sociedade Ambos se relacionam tanto a ideia subjetiva quanto objetiva da cultura e filosofia O homem cria um ambiente para satisfazer suas necessidades mas faz parte do processo em que o ambiente é criado A sociedade e o homem dependem um do outro para sobreviver Sendo assim o homem começa a construir o mundo baseando primeiramente nas suas vontades e desejos que seriam adaptados à coletividade criando assim uma cultura representando evolução da sociedade A racionalidade humana permite então que o homem possa desenvolver suas potencialidades visando satisfazer suas necessidades Em toda a história a humanidade sempre foi marcada por indivíduos que desejam algo e com base nessa vontade realizam guerras criam experiências obras de artes descobrem inovações na ciência Tudo parte da vontade do indivíduo em procurar atender aquilo que o mesmo determina como conquista Portanto os três textos se completam no sentido de relacionar a cultura com a filosofia onde evidencia que o homem cria e ao mesmo tempo é criado pela sociedade Isso acontece devido a busca pela compreensão de adquirir conhecimentos para que suas vontades possam ser satisfeitas A cultura então aparece na sociedade como forma de representar os desejos do homem diversificando assim os elementos necessários para transformação e evolução da sociedade