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sÆculum REVISTA DE HISTÓRIA 30 João Pessoa janjun 2014 47 O PADROADO E A SUSTENTAÇÃO DO CLERO NO BRASIL COLONIAL Lana Lage da Gama Lima1 Qualquer estudo sobre o clero no Brasil colonial tem necessariamente que levar em conta a existência do padroado e suas implicações para a organização e funcionamento da Igreja no ultramar português Segundo Hoornaert o padroado constituiu a expressão prática do colonialismo em termos de instituições religiosa2 na medida em que conferia à Coroa o direito de arrecadar e redistribuir os dízimos devidos à Igreja e indicar os ocupantes de todos os cargos eclesiásticos inclusive infra episcopais Desde 1455 a bula Inter Caetera de Calixto III confirmara a administração espiritual da Ordem de Cristo sobre todas as conquistas recebendo seu grãoprior a jurisdição ordinária episcopal como prelado nulius diocesis sobre as terras descobertas e por descobrir À Ordem de Cristo cabia portanto o padroado dos benefícios infra episcopais das terras ultramarinas enquanto os episcopais permaneciam como no reino pertencendo à Coroa A verdade é que o rei acabava responsável pela indicação dos párocos das novas terras visto que como grãomestre da Ordem competialhe indicar o candidato que receberia do grãoprior ou vigário da Ordem que era o vigário do Convento de Tomar a investidura espiritual Esse privilégio foi usado nas igrejas da África e da Ásia mas não chegou a ser exercido no Brasil porque até 1514 não se criou nenhuma paróquia na Colônia E dessa data em diante com a criação do Bispado de Funchal cessou a jurisdição da Ordem sobre todas as conquistas incluindo as terras brasileiras que também passariam a fazer parte do novo bispado deixando portanto de ser nulius diocesis Não se alterou porém na prática o direito do rei sobre os cargos infra episcopais o qual passou no entanto a ser exercido mediante uma nova fórmula Em 7 de junho de 1514 a bula Dum Fidel constantiam concedia ao rei enquanto grãomestre da Ordem de Cristo a faculdade de indicálos ficando a colocação espiritual para a qual obviamente não tinha poderes a cargo do bispo de Funchal D Manoel receberia portanto um duplo padroado nas terras de alémmar Um de caráter secular pertencente ao rei enquanto rei sobre o benefício episcopal da diocese de Funchal e outro de caráter eclesiástico embora sem jurisdição espiritual sobre os benefícios menores enquanto grãomestre da Ordem de Cristo Paralelamente também a monarquia espanhola receberia do papado através de outra série de bulas e breves entre as quais se destaca a Universalis Ecclesiae de 1508 o direito de patronato sobre as suas conquistas Preocupados com as questões europeias os papas do século XVI mesmo após o Concílio de Trento abandonaram aos reis ibéricos a missão religiosa no ultramar concedendolhes enormes privilégios que no século seguinte o papado tentaria em vão recuperar Em 1551 a bula Praeclara Charissimi consolidava o poder real português sobre a Igreja ultramarina 1 Doutora em História Social pela Universidade de São Paulo Professora Adjunta aposentada da Universidade Federal Fluminense EMail lagelanagmailcom 2 HOORNAERT E A evangelização do Brasil durante a primeira época colonial In HOORNAERT E et al orgs História da Igreja no Brasil Tomo II1 Petrópolis Vozes Paulinas 1983 p 39 48 sÆculum REVISTA DE HISTÓRIA 30 João Pessoa janjun 2014 anexando definitivamente o grãomestrado da Ordem de Cristo à Coroa Nesse mesmo ano a bula Super Specula ao criar a primeira diocese do Brasil em Salvador discriminava formalmente o duplo padroado concedido a D João III Embora o direito à cobrança dos dízimos eclesiásticos das terras ultramarinas não fosse explicitamente mencionado em nenhuma das bulas papais o padroado sobre seus benefícios infra episcopais concedido primeiro ao grãomestre da Ordem de Cristo e depois ao rei na qualidade de seu grãomestre implicava o direito às rendas eclesiásticas daquelas terras Rendas essas que provinham essencialmente dos dízimos Cabia portanto à Coroa arrecadálos no Brasil Nem sempre porém esses dízimos reverteram para a Igreja Em Portugal os reis usaram as despesas da guerra contra os mouros como pretexto para usurparem parte dos rendimentos eclesiásticos canalizandoos para certas instituições de sua predileção Era comum no século XVI o desvio do terço dos dízimos para a construção e reparação de muralhas Assim como era comum que a Coroa continuasse a embolsálo mesmo após a conclusão das obras destinandoo a outros fins Por outro lado o recebimento dos dízimos fossem ou não efetivamente destinados à Igreja não se fazia sem problemas No Brasil como em Portugal seu pagamento era feito em gêneros aos rendeiros ou dizimeiros que pagavam à Fazenda Real uma quantia préfixada e faziam a cobrança por sua própria conta como era comum acontecer com outros impostos Mesmo no reino esse expediente dava margem a enormes abusos como se depreende das reclamações feitas pelo povo quando se reuniam as cortes portuguesas Nas terras coloniais os dízimos incidiam sobre produtos agrícolas como algodão açúcar cacau café e outros sobre o gado vacum e cavalar e ainda sobre galinhas leitões cabritos ovos hortaliças Os contratadores compravam do governo a preço fixo o direito de cobrar os dízimos por determinado período e obviamente o valor de seu lucro dependia da eficiência em arrancar esse tributo da população colonial já suficientemente onerada com inúmeras taxas O pagamento dos dízimos era dever de todos até dos que recebiam isenção dos tributos régios como os capitães donatários e seus sesmeiros Mesmo os comendadores e cavaleiros das ordens militares eram obrigados a pagálos e entre os religiosos somente os jesuítas estavam isentos deles por determinação papal Nem os índios escaparam totalmente dessa obrigação embora a legislação oscilasse entre a cobrança e a isenção e a sua costumeira pobreza acabasse por livrálos de fato desse tributo3 As autoridades eclesiásticas sempre se mostraram ciosas de seus direitos Pastorais dos bispos recomendavam aos pregadores e confessores que exortassem os fiéis a pagarem os dízimos devidos para a sustentação do culto Mas a existência do padroado real impedia que esse zelo produzisse resultados efetivos sob forma de aumento dos rendimentos eclesiásticos Aos descaminhos naturais de um complexo sistema de cobrança somavamse as vicissitudes financeiras da Coroa no sentido de desviar para outros fins os tributos arrecadados o que comprometia a manutenção de uma estrutura eclesiástica capaz de viabilizar uma ação pastoral eficaz no imenso território ultramarino Além de promover o culto através de 3 OLIVEIRA O de Os dízimos eclesiásticos do Brasil nos períodos da Colônia e do Império Belo Horizonte UFMG 1964 p 8083 sÆculum REVISTA DE HISTÓRIA 30 João Pessoa janjun 2014 49 dotações para construção conservação e ornamentação dos templos concedidas esporadicamente pela Real Fazenda4 os dízimos eram empregados no pagamento regular das folhas eclesiásticas O pagamento dos provimentos eclesiásticos era prioritário na distribuição dos dízimos mas mesmo assim deixava bastante a desejar Em primeiro lugar esses porque não faziam jus ao próprio nome O termo côngrua é originalmente um adjetivo Os rendimentos eclesiásticos deviam ser estimados de modo a permitir a côngrua isto é a adequada sustentação do beneficiado Com o tempo porém passou a designar o próprio rendimento O critério de adequação vinculavase à possibilidade de garantir ao clero condições materiais que lhe proporcionassem uma vida decente correspondente à dignidade da função que ocupava sem que tivesse que recorrer ao exercício dos ofícios seculares que lhe estavam proibidos Mas foram constantes as reclamações não somente contra o seu baixo valor mas também contra a irregularidade de seu pagamento O terceiro bispo de Pernambuco por exemplo chegou a fulminar censura contra o provedor da Paraíba pela demora do pagamento da côngrua de seus clérigos Essa situação levava os párocos a apelarem para a taxação abusiva dos serviços religiosos prestados Os chamados pésdealtar pagos originalmente de modo espontâneo por ocasião dos batismos enterros casamentos e missas acabaram constituindo verdadeiro sistema de tributação paralelo provocando veementes queixas dos fiéis contra os altos preços de serviços pelos quais já pagavam com seus dízimos5 A concessão das côngruas bem como o aumento do seu valor se fazia mediante ordem régia ao provedormor da Fazenda As ordens eram emitidas nominalmente para cada igreja viabilizando o controle efetivo da aplicação das rendas Além dos párocos colados isto é aqueles que recebiam a paróquia como benefício perpétuo recebiam também côngruas os coadjutores que os auxiliavam e cuja provisão era anualmente renovada os missionários que faziam a catequese do sertão ocupandose da cura dalmas em aldeias indígenas bem como os bispos cônegos e ministros diocesanos6 Em fins do século XVIII a côngrua episcopal era de 800000 anuais com mais 80000 anexos para esmolas Algumas vezes os bispos recebiam ainda ajudas de custo para se estabelecerem em seus bispados oscilando seu valor entre 800000 e um conto de réis além de auxílios financeiros para a fundação de missões e realização de visitas diocesanas7 4 Arquivo Nacional AN Ordens régias ao provedor mor da Fazenda Real concedendo dotações para obras de construção e reparo de várias igrejas século XVIII Códices 538 v2 I32 538 v2 137 538 v2 I38 538 v2 I39 538 v2 I40 538 v2 I42 538 v2 I43 538 v2 I44 538 v2 I46 538 v2 I47 538 v4 fl 57v 5 ALENCAR C A P de Roteiro dos bispos do Brasil e dos seus respectivos bispados desde os primeiros tempos até o presente Ceará sr 1864 p 156158 6 Arquivo Nacional AN Concessão e aumento de côngruas Códices 538 v1c178 538 v2I16 60 v1 fl 37 v 60 v22 fl25 60 v23 fl 92 v 61 v9 fl18 v séculos XVII e XVIII 538 c58 século XVIII 60 v7 fl16 v 61 v9 fl156 v século XVI 7 Por exemplo D José de Barros Alarcão segundo bispo do Rio de Janeiro 16801700 recebeu ajuda de custo para visitar o bispado nos valores de 20000 e 40000 destinados aos gastos com viagens por terra e mar D Fr Francisco de Lima quarto bispo de Pernambuco recebeu além de um conto de réis para se estabelecer 9000000 para auxiliar as trinta missões que fundou D José Fialho sexto bispo de Pernambuco 17251738 e depois arcebispo da Bahia foi agraciado com 800000 destinados ao arranjo da casa e mais um conto de réis em ouro como ajuda de custo Cf ALENCAR C A P de op cit p 101104 153154 e 160162 50 sÆculum REVISTA DE HISTÓRIA 30 João Pessoa janjun 2014 No final do século XVI os cônegos recebiam 30000 as dignidades 35000 e o deão do cabido 40000 Gabriel Soares de Souza que nos dá essa informação no Tratado Descritivo do Brasil 1587 comenta serem esses valores muito baixos aquém do salário dos capelães de engenho que percebiam 60000 com casa e comida sem contar os pésdealtar8 Alencar aponta que nas últimas décadas do século XVII as côngruas dos auxiliares diretos dos bispos como o provedor e o vigário geral estavam orçadas entre 110000 e 1200009 No início do século XVIII Antonil aconselha os senhores de engenho a darem 40000 ou 50000 anuais ao capelão quando tenha as missas da semana livres considerando ser esta uma porção competente que deveria ser acrescida se o capelão prestasse algum serviço extra como ensinar os filhos do senhor10 Entre os séculos XVI e XVIII os valores das côngruas de párocos oscilaram de 50000 a 20000011 Em 1718 uma carta pastoral de D Francisco de São Jerônimo bispo do Rio de Janeiro informa que a côngrua estipulada pela Coroa para pagamento do clero mineiro era de 200000 anuais12 Das 51 paróquias do Bispado de Mariana 45 tinham côngruas com esse valor reafirmado em pastoral de Fr Antonio de Guadalupe13 Em 179495 Pizarro confirma essa quantia para 32 freguesias do Rio de Janeiro acrescentando que o coadjutor recebia 25000 e os guisamentos eram orçados em 2390014 Esses valores apresentavam algumas variações de acordo com a importância das paróquias Em fins do século XVIII o pároco da Vila de Abrantes exaldeia jesuíta do Espírito Santo no baixo sertão da Bahia percebia apenas 100000 de côngrua e 25000 para os guisamentos15 Em 1759 ao determinar que os párocos da Comarca do Rio das Mortes nomeassem capelães para suas filiais dotandoos de côngruas D Fr Manoel da Cruz bispo de Mariana vincula explicitamente seu valor ao maior ou menor trabalho que cada uma das capelas tiver na administração dos sacramentos e pelas distâncias e número de seus aplicados advertindo que se não lhes fizessem côngruas suficientes haveria de estabelecêlas ao seu arbítrio16 Em 1768 o Bispo do Rio de Janeiro ao criticar o baixo valor estabelecido pelas Constituições da Bahia para as taxas relativas à confissão da quaresma observa que mesmo somadas às côngruas de 200000 não eram bastante para decente sustentação de um pároco que vive nos lugares mais povoados e cresce 8 Apud HOORNAERT A evangelização do Brasil p 287 9 ALENCAR Roteiro dos bispos p 111118 10 Esse salário equiparavao aos caixeiros purgadores feitores da moenda e banqueiros isto é aos funcionários médios dos grandes engenhos isto é aqueles que produziam entre quatro mil e cinco mil pães de açúcar Ao feitormor responsável pela administração geral do trabalho dava se 60000 e ao mestre do açúcar de quem dependia tecnicamente a produção de 100000 a 120000 Cf ANTONIL A J Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas Separata do Boletim Geográfico nº 166 a 171 Rio de Janeiro IBGE 1963 p 1419 11 ALMEIDA C M Direito do padroado no Brasil Rio de Janeiro s r 1858 p 64 12 Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana AEAM Cartas Pastorais Pasta preta 3a cópia do códice 643 fl 103 e fl 111 3v da Biblioteca Nacional de Lisboa Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro Lata 8 doc 25 13 CARRATO J F A crise dos costumes nas Minas Gerais no século XVIII Separata da Revista de Letras v 3 São Paulo FELA 1962 p 56 14 Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro ACMRJ Livro de visitas pastorais do Monsenhor Pizarro 15 Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro BNRJ Seção de manuscritos II33 26 5 16 Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana AEAM Pasta 5 gaveta 1 arquivo 1 sÆculum REVISTA DE HISTÓRIA 30 João Pessoa janjun 2014 51 a necessidade de decência em razão do mesmo ministério17 Pior era a situação dos padres que não obtinham esse benefício e que constituíam a maioria já que a Coroa foi sempre muito parcimoniosa na distribuição das côngruas temendo onerar demasiadamente as folhas eclesiásticas e diminuir sua própria parcela dos dízimos18 Para atender às necessidades da população os bispos viamse obrigados a criar paróquias não coladas cujos párocos dependiam apenas dos pésdealtar para sua sustentação Essa situação permitia vários abusos pois as igrejas filiais não coladas acabavam preenchidas com vigários encomendados cuja provisão devia ser renovada anualmente mediante acordos financeiros para a divisão dos emolumentos percebidos Sem outra fonte de renda esses vigários acabavam sendo obrigados a extorquir a população para poder sobreviver19 O padroado impedia portanto que a estrutura paroquial atendesse aos interesses da população que vendose desassistida procurava sustentar ela própria sacerdotes que provessem suas necessidades espirituais e mesmo civis já que o registro paroquial funcionava como registro civil comprovando nascimentos casamentos e óbitos Assim especialmente nas terras recémocupadas as comunidades requeriam a criação de paróquias garantindo a sua manutenção Em 1730 a descoberta de diamantes na comarca do Serro do Frio atraiu povoamento para as margens do rio Tocantins onde se acharam minas de ouro Os povoadores distribuídos em quatro paróquias solicitaram ao bispo do GrãoPará a criação de mais duas alegando serem seus moradores suficientes para manterem seu próprio pároco20 Os bispos costumavam encarregar seus visitadores de verificar as necessidades e possibilidades dos fiéis quanto à sustentação de novas paróquias Em 1746 o missionário Pe Ângelo de Sequeira recebeu na qualidade de visitador do Bispado de São Paulo um mandado de comissão determinando que averiguasse as distâncias número posses e fertilidade de seus povoados bem como suas necessidades espirituais Nos casos em que a grande distância da matriz deixasse a população desassistida devia procurar saber se para evitar tão pernicioso dano poderá em alguns desses casais que estiverem mais distantes sustentarse com a devida comodidade um sacerdote que lhes assista como pároco e acuda em tempo congruente as suas necessidades espirituais Caso a população concordasse em manter o cura o visitador devia verificar os limites da paróquia a ser criada21 A total dependência dos bispos em relação à Coroa no que tange à estruturação da rede paroquial fica patente no ofício enviado pelo bispo do Pará em 1754 a Diogo de Mendonça Corte Real D Fr Miguel de Bulhões e Souza esclarece que na visita que fez ao bispado com o objetivo de dar o último complemento à ereção das freguesias que sua Majestade foi servida mandar estabelecer em paróquias foi obrigado a erigir novas capelas para suprir as necessidades daqueles miseráveis homens que até aqui viveram inteiramente privados do pasto espiritual dos 17 Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro IHGB Correspondência dos Bispos do Rio de Janeiro 17541800 18 OLIVEIRA Os dízimos eclesiásticos p 148 19 BOSCHI C Os leigos e o poder Irmandades leigas e política colonizadora em Minas Gerais São Paulo Ática 1986 p 72 20 ALMEIDA Direito do padroado p 98 21 CAMARGO P F da S Pe Ângelo de Sequeira e sua época religiosa Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro tomo especial Rio de Janeiro IV CHN v 9 1949 p 4546 52 sÆculum REVISTA DE HISTÓRIA 30 João Pessoa janjun 2014 sacramentos Entendendo porém que algumas daquelas capelas deviam constituir se em paróquias pelo isolamento da região e pobreza de seus moradores que não tinham como sustentar capelão o bispo informa estar remetendo ao rei um pedido nesse sentido através da Mesa de Consciência e Ordens solicitando a ajuda de Corte Real por saber que ele costumava proteger semelhantes requerimentos Apelava portanto o bispo do Pará ao tráfico de influências para tentar romper os estreitos limites impostos à estrutura paroquial na colônia22 O número de paróquias coladas permaneceu bem inferior ao das não coladas O terceiro bispo do Rio de Janeiro D Francisco de São Jerônimo 17021721 só conseguiu a colação de 19 das 40 paróquias que criou em Minas Gerais23 Na época de D Fr Antonio de Guadalupe 17251739 o Bispado do Rio de Janeiro só contava com 45 paróquias coladas24 O relatório decenal de D Fr Manoel da Cruz de primeiro de julho de 1747 informa que o bispado possuía 43 igrejas paroquiais coladas 3 amovíveis e 289 filiais25 Em 1778 das 102 paróquias do Rio de Janeiro apenas 52 eram coladas Em São Paulo havia 13 coladas num total de 5926 Nessa época Goiás possuía 65 freguesias das quais 21 coladas27 O padroado sobre os benefícios infra episcopais conferia à Coroa o direito de indicar os ocupantes das paróquias coladas A escolha era feita mediante concurso pela Mesa de Consciência e Ordens ou pelo próprio rei realizandose portanto em Lisboa O escolhido era apresentado ao bispo que o investia no cargo Em 1702 a Coroa desiste desse sistema delegando seus poderes aos bispos locais O rei recebia então o nome do indicado e emitia uma carta de apresentação para que fosse empossado Em 1766 com a política regalista de D José o concurso volta à Mesa28 Com a Viradeira tornase a instituir o concurso local O alvará de 14 de abril de 1781 de D Maria I concedia aos bispos faculdade para enquanto residissem no bispado propor à rainha nomes para as dignidades conezias vigararias benefícios curados ou sem cura dalmas e mais cargos eclesiásticos que vagassem depois do primeiro dia de sua residência no Brasil excetuandose o arcediago que ela reservava para si em todo o ultramar29 Mas a maior parte do clero colonial do século XVIII permanecia à margem desse sistema fosse o concurso realizado no reino ou no seu próprio bispado Alijados das benesses dos dízimos redistribuídos sob a forma de côngruas esses sacerdotes dependiam dos emolumentos cobrados por seus serviços para sustentar 22 Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro IHGB Arquivo 113 fl 99101 Em 1718 o vicerei recebia carta régia ordenando que desse ao arcebispo da Bahia toda a ajuda e favor para erigir mais vinte paróquias no arcebispado além de aumentar as côngruas do cabido Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro BNRJ Seção de Manuscritos II 34 5 60 23 ALENCAR Roteiro dos bispos p 105111 24 TRINDADE R Arquidiocese de Mariana subsídios para a sua história vol 1 Belo Horizonte Imprensa Oficial 1955 p 67 25 Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana AEAM Relatórios Decenais do Bispado de Mariana 26 HOORNAERT A evangelização do Brasil p 285 27 Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro BNRJ Seção de Manuscritos 13 4 20 28 ALMEIDA Direito do padroado p 7071 29 Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro IHGB Repertório de Legislação Eclesiástica p 570 571 sÆculum REVISTA DE HISTÓRIA 30 João Pessoa janjun 2014 53 se Praticamente todos os serviços eram pagos Parte do dinheiro arrecadado ia para a fábrica da igreja cuja receita estava submetida ao Juízo Eclesiástico ou ao Corregedor da Comarca A fábrica compreendia as taxas por ocasião das missas festivas e fúnebres enterros multas e rendas territoriais Mas a maioria das igrejas paroquiais não tinha nenhum patrimônio em bens de raiz Em geral apenas as que tinham sido capelas possuíam casas e terras doadas por seu antigo protetor Os bens patrimoniais da Igreja no Brasil colonial estavam nas mãos das ordens religiosas30 Ao depender exclusivamente da contribuição dos fregueses os sacerdotes às vezes se excediam na cobrança das taxas chegando a cometer verdadeiras falcatruas Em 1730 uma pastoral do bispo do Rio de Janeiro D Fr Antônio de Guadalupe admoesta os párocos de Minas que por ocasião do falecimento de pessoas sem testamento ou herdeiros em vez de avisarem ao Juiz dos Defuntos para colocar seus bens em arrematação como eram obrigados a fazer metem em si os bens dos defuntos e procedem a venda deles comutandolhes em missas31 Preocupados com a recusa dos vivos em encomendar e pagar as missas os padres empurravamnas aos mortos que não tinham como reclamar As visitas de Pizarro às paróquias do Rio de Janeiro dão bem a ideia da reação da população diante dessas taxas Encontrando o Orago de Inhaúma mal cuidado precisando de obras e paramentos Pizarro explica que por ser tudo mal pago pelos devedores pouco ou nada tem com que possa refazerse do que precisa O mesmo continua o visitador acontece com os reditos do Reverendo Vigário a que alguns se lembram de contribuir com o que devem e do número destes são poucos outros são morosos na solução e na maior parte não cuida nem se lembra disso Essas queixas se repetem com relação a 11 freguesias visitadas Pizarro também reclama dos padres fabriqueiros omissos em procurar pelo que se lhe deve O visitador chega a propor que se desse ao fabriqueiro um prêmio pelo trabalho que tivesse em cada triênio para estimular suas diligências em busca do dinheiro devido à Igreja A precária situação das paróquias leva Pizarro a ordenar que se não consentisse mais enterraremse em covas das fábricas os cadáveres das pessoas pertencentes aos que atualmente se achassem devedores à mesma fábrica Ao visitar a igreja de Nossa Senhora da Guia de Mangaratiba Pizarro reclama da ingratidão daquele indiático povo A freguesia era constituída por uma população indígena gente naturalmente dada à preguiça segundo o visitador que se pergunta como satisfaria suas obrigações para com a fábrica da igreja se para si mesma não cuida com excesso no trabalho E isso salienta ainda o visitador apesar de o pároco empregar nos mesmos índios as côngruas que recebe de sua Majestade e os reditos do seu patrimônio e bens e não obstante toda esta generosidade se alguns índios se empregam no serviço do seu mesmo benfeitor são pagos com dinheiro à vista Parece que os índios além de cansados de ter seu trabalho explorado pela Igreja 30 ALMEIDA Direito do padroado p 58 31 Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana AEAM Pasta 2 gaveta 1 arquivo 1 A pena estabelecida para os confessores que impusessem missas ditas por eles próprios como penitência era suspensão ipso facto por seis meses e constando em juízo seriam presos por outros seis AEAM Pasta 4 gaveta 1 arquivo 1 54 sÆculum REVISTA DE HISTÓRIA 30 João Pessoa janjun 2014 estavam bem informados sobre os rendimentos dos sacerdotes pois também na freguesia de São Lourenço contribuíam apenas com os quarenta réis estipulados pela desobriga da quaresma recusandose a pagar taxas por outros serviços afirmando que para esse fim paga Sua Majestade os 200000 da côngrua32 Argumento aliás repetido por todo o povo como justificativa para o calote das dívidas eclesiásticas sobretudo por quem ao contrário dos índios já pagava dízimos Esses permanentes conflitos entre o clero paroquial e a população a respeito de dinheiro obrigavam os bispos a regulamentar os emolumentos de modo a impedir abusos de ambos os lados Em Minas o agravamento desses conflitos chegou a demandar a organização de uma junta para avaliar a questão Em 15 de novembro de 1735 atendendo à ordem do rei o governador Gomes Freire de Andrade reunia em seu palácio em Vila Rica as seguintes autoridades o juiz do Fisco Martinho de Mendonça de Pina Proença os intendentes de Comarca Brás do Vale e João Soares Tavares e dois procuradores do bispo Pe Manoel da Rocha vigário de Vara do Rio das Mortes e o cônego D Henrique Moreira de Carvalho A junta da qual participou também o governador examinou a taxação de serviços como funerais certidões vésperas solenes missas e também as conhecenças que incidiam sobre a confissão A ordem régia deixava clara a necessidade dessa reavaliação D João repetindo os argumentos da petição que a Câmara lhe tinha enviado observa que as taxas tinham sido estabelecidas no início da ocupação das Minas quando a exígua população a abundância de ouro e a carestia dos víveres justificavam seus valores mas que mudadas essas condições haviam se tornado exorbitantes É possível notar nas discussões duas tendências opostas A do juiz do Fisco que propõe sistematicamente a baixa dos emolumentos e a dos representantes do bispo que procuram mantêlos como estão e acabam conseguindo o apoio dos outros membros da junta perdendo pois os moradores das Minas essa demanda com o clero33 Quatorze anos depois o problema persistia O Regimento sobre os beneses do clero de Mariana de 1749 aprovado pelo rei em 1751 visava explicitamente atender a representação dos moradores desta cidade sobre o excesso de emolumentos paroquiais por cujo motivo deixavam de celebrar muito as festividades e se não fazem ofícios pelas almas dos fregueses34 A atitude dos moradores de Mariana se assemelha a dos índios da citada aldeia de São Lourenço visitada por Pizarro simplesmente se abstinham de serviços espirituais que não podiam pagar E tratandose dos moradores de uma cidade que era sede de bispado ficava difícil atribuir essa atitude a uma vocação herética generalizada como fez o vigário de São Lourenço ao declarar esta canalha índia entende não carecer de sufrágios 32 Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro ACMRJ Livro de visitas pastorais do Monsenhor Pizarro 33 Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro IHGB Termo da Junta sobre os emolumentos dos párocos das Minas Lata 10 doc 5 34 Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana AEAM Registro dos capítulos do Regimento que fez o bispo pertencentes aos beneses eclesiásticos Pasta 5 gaveta 1 arquivo 1 Provisão Régia de 27 de março de 1751 confirmando o Regimento de D Fr Manoel da Cruz Pasta 7 gaveta 1 arquivo 1 sÆculum REVISTA DE HISTÓRIA 30 João Pessoa janjun 2014 55 para se salvar estando todos justificados Nem índios com veleidades protestantes nem má vontade de uma população católica o que havia na verdade era falta de dinheiro para pagar a salvação O Regimento de 1749 deu margem a novos conflitos pois estipulava os preços dos emolumentos em oitavas de ouro cujo valor em réis oscilava Em 1752 o Regimento do bispo D Fr Manoel da Cruz é publicado também em atenção às queixas sobre os emolumentos Os preços do Regimento anterior são mantidos mas são apresentados diretamente em réis calculandose em 1500 o valor da oitava35 Em 1754 uma ordem régia atendendo a reclamações da população ordena que a oitava seja calculada em 1200 valor pelo qual andava a correr o ouro nas Minas naquela ocasião Em 14 de março de 1755 D Fr Manoel da Cruz determina que os emolumentos da Justiça Eclesiástica e os direitos paroquiais se contassem exclusivamente por réis para evitar que as oitavas fossem calculadas acima do valor corrente isto é 1200 A autoridade do rei e do bispo no entanto não foi suficiente para conter a avidez dos párocos Essa ordem não foi obedecida e os preços publicados em 1752 a partir da cotação da oitava a 1500 continuaram a ser cobrados Novos protestos levaram D José a ratificar em 1765 a ordem de 1754 encarregando o cabido de executála já que o bispado estava com a Sé vacante Por essas atitudes é que não era lá muito bom o conceito que o rei tinha do clero mineiro em matéria de dinheiro como pode ser constatado pela determinação de que em cada paróquia fosse instalado um cofre que se abrisse apenas com o uso simultâneo de três chaves guardadas respectivamente com o pároco o fabriqueiro e o escrivão Explica Sua Majestade que essa medida devia ser tomada para que não se arrisque o dinheiro das fábricas das igrejas deste bispado só no arbítrio dos párocos Em 1794 a compilação das Regras Diocesanas de Mariana sobre os emolumentos e direitos paroquiais confirmam o Regimento de D Fr Manoel da Cruz e o preço da oitava a 120036 Nesse mesmo ano de 1749 Pizarro pintava um quadro deplorável da situação da Freguesia da Santíssima Trindade no Rio de Janeiro onde conviviam quatro irmandades Nossa Senhora do Rosário Nossa Senhora da Boa Morte São Miguel das Almas e Santíssima Trindade Os irmãos a princípio zelosos viviam agora segundo o visitador esquecidos das obrigações de seus cargos e deveres e as irmandades encontravamse na mais completa decadência Os paroquianos não frequentavam a igreja nem pagavam os emolumentos respondendo diz Pizarro com um agora não posso depois satisfarei às cobranças do pároco que era obrigado a satisfazer seus ofícios de graça Sobretudo as missas pelos escravos falecidos estavam em franco desuso apesar das pastorais de D Fr João da Cruz 1742 e de D Fr Antonio do Desterro 1765 condenando essa cruel economia dos senhores A submissão financeira da Igreja ultramarina à Coroa decorrente do direito de 35 Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana AEAM Regimento do Bispado de Mariana de 13 de abril de 1752 3a pasta preta cópia do cod 643 fl 1113v da Biblioteca Nacional de Lisboa 36 Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana AEAM Cópia de ordem régia de 31 de dezembro de 1754 Pasta 7 gaveta 1 arquivo 1 Pastoral de D Fr Manoel da Cruz de 14 de março de 1755AEAM pasta 7 gaveta 1 arquivo 1 Regras Diocesanas sobre os emolumentos e beneses da fábrica deste bispado de Mariana Pasta 7 gaveta 1 arquivo 1 56 sÆculum REVISTA DE HISTÓRIA 30 João Pessoa janjun 2014 Padroado teve portanto consequências bastante perniciosas para a estruturação da Igreja na Colônia e para as relações entre o clero e sua população O controle sobre a concessão das côngruas atrelava a expansão da estrutura paroquial aos interesses do Estado e cindia o clero em dois grupos distintos Um predominantemente urbano ocupava as paróquias coladas submetendose à autoridade dos bispos e à hierarquia eclesiástica Outro mais numeroso espalhavase pelo sertão e desenvolvia estreita dependência das autoridades locais a quem servia nas capelas dedicavase a negócios às vezes rendosos mas impróprios para o sacerdócio ou se via obrigado a extorquir pésdealtar de uma população já suficientemente onerada pela exploração colonial que por sua vez não poupava veementes e reiteradas acusações de simonia à Igreja Fiéis ao espírito tridentino37 as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia de 1701 condenam com rigor a simonia definida como o ato de dar ou receber as cousas espirituais ou anexas a elas não de graça mas por dinheiro ou outra cousa temporal castigandoa com penas que vão desde prisão no aljube até degredo e galés Mas é preciso observar que a cobrança de emolumentos não constituída em si mesmo simonia termo reservado para o preço paga ou satisfação que não sejam as ofertas ordinárias e costumadas38 Portanto só o abuso ou exorbitância na cobrança dessas taxas caracterizava o crime de simonia o que obviamente deixava em aberto a questão dos valores estipulados Entre os emolumentos cujos valores foram mais contestados destacamse as conhecenças referentes à confissão da quaresma Ao contrário das outras taxas esporádicas as conhecenças eram obrigatoriamente pagas uma vez por ano transformandose num tributo regular acrescido ao dízimo Raimundo Trindade e D Oscar de Oliveira concordam em ver nas conhecenças um vestígio do antigo dízimo pessoal que outrora recaía sobre as artes profissões e ofícios e nunca foi cobrado na colônia39 As Constituições da Bahia reconhecendo serem as conhecenças antigo costume do arcebispado autorizam sua cobrança em lugar dos dízimos pessoais Aliás o termo conhecença exprime o reconhecimento a Deus pelos dotes físicos e morais dados ao homem Reconhecimento que justificava o pagamento dos dízimos pessoais sobre o lucro obtido com as artes e ofícios cuja prática afinal dependia do talento concedido por Deus a cada um Assim o sínodo baiano estabelece que se conserve o costume de pagar ao pároco na desobriga da quaresma 2 vinténs isto é 40 por confissão seguida de comunhão e 1 vintém por confissão somente40 Esses valores entretanto nem sempre foram obedecidos As condições econômicas de cada região afetavam a cobrança das conhecenças Nas Minas Gerais inflacionadas pelo ouro o visitador Lourenço Valadares estipula em 1711 em nome do Bispo do Rio de Janeiro 1 oitava de 37 LAGE L As Constituições da Bahia e a Reforma Tridentina do clero no Brasil In FEITLER B SOUZA E S orgs A Igreja no Brasil normas e práticas durante a vigência das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia São Paulo Editora Unifesp 2011 p147177 38 Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia 1707 Coimbra 1720 Livro V Título VI const 904 e título VIII const 911 39 TRINDADE Arquidiocese de Mariana vol 2 cap XII p 986 e 1035 O autor cita documento do pároco de Congonhas datado de 1788 em que consta para se fazer uma grande diminuição nas conhecenças ou dízimos pessoais 40 Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia Livro II Tít VII const 420425 sÆculum REVISTA DE HISTÓRIA 30 João Pessoa janjun 2014 57 ouro por comunhão e meia por confissão ou seja respectivamente 1600 e 800 observando ser o costume da região41 É preciso lembrar que nessa época o clero mineiro não ainda recebia côngruas e as igrejas só costumavam ser guarnecidas de vigários encomendados caso as conhecenças lhes garantissem quantia no mínimo igual à que fariam jus se fossem colados comprometendose a Câmara a contribuir com o necessário para completála42 Assim em 1716 quando D Fr Francisco de São Jerônimo pede ao rei que conceda côngruas ao clero das Minas a população já se mostrava insatisfeita com as conhecenças recorrendo também à Coroa no sentido de baixar o seu valor que considerava exorbitante Atendendo aos súditos mineiros em 16 de fevereiro de 1718 D João V escreve carta ao bispo ordenando que diminuísse o valor das conhecenças cujo pagamento segundo as queixas se tornara tão pesado para o povo quanto os quintos Obedecendo ao rei o bispo em pastoral datada de 18 de fevereiro de 1719 estabelece o valor de 6 vinténs de ouro por confissão ou comunhão ou seja 30043 esclarecendo que para compensar a queda nos seus rendimentos o rei concederia a cada um dos vigários mineiros côngrua no valor de 200000 anuais por reconhecer que os dízimos arrecadados na região eram suficientes para tanto44 Na capitania de São Paulo os moradores também se mostraram insatisfeitos com as conhecenças Em 20 de junho de 1729 a Câmara da Vila de Itu manda petição ao rei esclarecendo que naquela capitania nunca foi costume pagar essas taxas pois seus moradores já pagavam os dízimos e os párocos recebiam côngruas da Fazenda Real e outros emolumentos No entanto como explicam os párocos resolveram que os moradores suas famílias escravos e carijós da sua administração lhes pagassem conhecenças na razão de 4 vinténs ou 80 por pais de família 2 vinténs por seus filhos e escravos e um vintém pelos que só confessassem Em 28 de abril do ano seguinte D João V responde determinando ao Bispo do Rio de Janeiro ao qual estava sujeita a capitania de São Paulo que proíba o clero paulista de cobrar conhecenças45 Em Minas a taxa de 300 que se mantinha desde 1719 levantou nova onda de protestos e petições sendo porém confirmada pela junta reunida em 1735 em Vila Rica para reavaliar os 41 OLIVEIRA Os dízimos eclesiásticos p 169 TRINDADE R op cit p 41 A oitava correspondia a 18 da onça medida de peso equivalente a 30 gramas Em 1694 1 oitava de ouro valia 1650 entre 1695 e 1698 1700 Entre 1706 e 1743 conservou o valor de 1600 Cf GONÇALVES C B Casa da Moeda do Brasil 290 anos de história Rio de Janeiro Casa da Moeda 1984 p 63 p 77 p 90 42 ALMEIDA Direito do padroado p 64 43 Enquanto 1 vintém de cobre valia 20 1 vintém de ouro tinha valor de 375 Portanto 6 vinténs de ouro são 225 Cf GONÇALVES Casa da Moeda p 135 Porém ao que tudo indica esse valor era arredondado Trindade observa que há nessa matéria alguma ambiguidade pois 6 vinténs não chegam a 3 tostões esclarecendo que na mesma pastoral o bispo fala em 15 da oitava que valeria nesse tempo 1500 em vez de 1600 daí o valor de 300 que aparece citado em despacho de D Fr Antonio de Guadalupe datado de 1727 no qual o bispo faz referência à pastoral de 1718 Cf TRINDADE Arquidiocese de Mariana p 43 44 Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro IHGB Ordens sobre as Conhecenças Emolumentos Côngruas e Beneses aos Párocos das Capitanias de São Paulo Minas Gerais e Rio de Janeiro17301757 Lata 110 doc 5 45 Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro IHGB Pastoral do Bispo D Fr Francisco de São Jerônimo sobre as Conhecenças do Vigários 18 de fevereiro de 1719 Lata 69 doc 10 58 sÆculum REVISTA DE HISTÓRIA 30 João Pessoa janjun 2014 emolumentos eclesiásticos A disputa entre o clero e a população sobre as conhecenças acarretava também expedientes escusos Uma das razões que levou D Fr Francisco de São Jerônimo a igualar em 1719 o valor das taxas pagas pelos que só confessavam e pelos que confessavam e comungavam foi o fato dos senhores deixarem de instruir seus escravos na doutrina para que na confissão os sacerdotes os julgassem incapazes de comungar diminuindo assim sua despesa46 Por outro lado os confessores procuravam aumentar sua renda impondo como penitência a encomenda de missas que seriam ditas por eles próprios o que levou o bispo D Fr João da Cruz a estipular pena de suspensão e prisão para aqueles que assim se aproveitassem do sacramento47 O fato de se proibir aos párocos colados a cobrança de conhecenças por sua vez levava os fregueses das paróquias regidas por vigários encomendados a se matricularem para a desobriga da quaresma em paróquias coladas mesmo que fossem distantes do lugar de sua residência visando livrarse do pagamento da taxa Ao dar seu parecer sobre a divisão dos Bispados do Rio de Janeiro e São Paulo Pe Ângelo de Sequeira diz que nos onze anos em que andou em missões naquelas regiões percebeu que aquele era um problema grave e para sanálo recomenda a colação de todas as paróquias48 No recémcriado bispado de Mariana o bispo D Fr Manoel da Cruz presencia novos conflitos entre o clero e a população por causa das conhecenças Dessa vez são paroquianos que por viverem afastados de sua matriz são assistidos em capelas que eles mesmos construíram por capelães a quem pagam côngruas Queixamse esses fregueses moradores de Santo Antonio Santana Arraial da Passagem e São José que além disso são obrigados a pagar ao pároco titular da matriz à qual as capelas estão filiadas as conhecenças da quaresma e outros emolumentos do que decorre viverem onerados por obrigações duplicadas Reclamam ainda da atitude dos párocos que recorriam à Justiça Real para cobrarlhes juridicamente essas taxas que julgam abusivas e cuja soma considerável tornava o clero rico e poderoso às custas do dinheiro que tirava indevidamente da população49 Em vista dessas reclamações em 1755 D José ordena o bispo a exigir dos párocos que ou satisfizessem eles próprios as côngruas de seus capelães ou abrissem mão das conhecenças em seu favor isentando o povo do pagamento das côngruas da capelania Revoltado com as decisões régias o clero mineiro defendese explicando que muitas das capelas eram na verdade desnecessárias por não habitarem os que delas se serviam tão longe da matriz que não pudessem frequentála Sua construção deviase assim mais ao comodismo dos senhores em cujas terras elas se localizavam que a uma real necessidade do povo Argumentam ainda os párocos que as conhecenças e mais direitos paroquiais constituíam a maior e principal parte de seus rendimentos e que sua situação financeira era precária devido à constante flutuação do número de seus paroquianos que se deslocavam sempre 46 TRINDADE Arquidiocese de Mariana p 1043 47 Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana AEAM Pastoral de D Fr João da Cruz de 17 de fevereiro de 1754 Pasta 4 gaveta 1 arquivo 1 48 CAMARGO Pe Ângelo de Sequeira p 99 49 CARRATO J F A Igreja Iluminismo e escolas mineiras coloniais São Paulo Companhia Editora Nacional EDUSP 1986 p 60 sÆculum REVISTA DE HISTÓRIA 30 João Pessoa janjun 2014 59 em função da descoberta de novas jazidas de ouro Havia assim várias capelas que excediam em muito o número de fregueses de suas matrizes Abrir mão das conhecenças da população atendida pelos capelães poderia pois leválos à ruína e à mendicância A questão é então levada ao Tribunal da Mesa de Consciência e Ordens e em 1758 D José determina que nas capelas filiais que fossem efetivamente necessárias pela distância entre a povoação onde se encontravam e as matrizes ou por outros motivos os capelães sejam pagos exclusivamente pelos respectivos párocos argumentando que recebendo côngruas da Fazenda Real e demais direitos dos seus fregueses eram obrigados a assistir espiritualmente a todos eles por si ou quando impedidos por outrem O valor das côngruas pagas pelos párocos aos capelães devia ser estipulado pelo bispo de acordo com a opulência e o número de fregueses de cada capela50 Com esta resolução o rei atendia aos mineiros sem desagradar o clero pois os bispos é que indicariam que capelas eram efetivamente necessárias à assistência espiritual da população isto é aquelas onde os párocos seriam obrigados a pagar côngruas aos capelães Obviamente esse sistema permitia arbitrariedades tanto que justamente o povoado de São José cuja Câmara mais se empenhara nas reclamações não tem sua capela reconhecida como necessária51 A posição ambígua da Coroa a quem certamente interessava que as conhecenças substituíssem ou complementassem as côngruas que ela devia pagar alimentava os conflitos A população mineira onerada por tantos impostos ora recorre ao rei ora diretamente ao bispo e ora resolve tomar medidas por si mesma deduzindo dos dízimos o valor que pagava aos párocos pela desobriga de suas famílias e escravos O bispo D Fr Domingos da Encarnação Pontevel 17191793 reagiu com veemência contra essa prática que considerava gravíssimo e execrandíssimo pecado de furto pois o Padroado dava aos reis o direito de receber a totalidade dos dízimos da Colônia Ordenou então que os pregadores capelães e párocos exortassem os fiéis a pagarem integralmente o tributo ao rei proibindo aos confessores receberem de conhecenças uma parte dos dízimos52 Em fins do século XVIII o descontentamento da população de Minas é canalizado por D Francisco Sales de Morais que envia à rainha D Maria I uma petição reclamando da riqueza extorquida do povo pelo clero Baseandose em dados populacionais D Francisco calcula o valor arrecadado com as conhecenças sem contar outros emolumentos concluindo que só a desobriga rendia a cada um dos 32 párocos de Mariana onze mil cruzados anuais sem que tamanha despesa justo num momento de crise da mineração fosse recompensada por uma assistência espiritual condigna Requer então que enquanto deliberasse sobre a questão a rainha determinasse que as conhecenças fossem cobradas segundo 50 Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro IHGB Resolução do rei de 28 de setembro de 1758 Lata 110 doc 7 Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana AEAM Pastoral de D Fr Manoel da Cruz de 12 de julho de 1759 Pasta 5 gaveta 1 arquivo 1 Ver também o Edital de 6 de julho de 1759 Apud TRINDADE Arquidiocese de Mariana p 1047 51 TRINDADE Arquidiocese de Mariana p 10461048 52 Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana AEAM Edital de D Domingos da Encarnação Pontevel de 16 de agosto de 1780 Pasta 3 gaveta 4 arquivo 1 60 sÆculum REVISTA DE HISTÓRIA 30 João Pessoa janjun 2014 os valores estipulados pelas Constituições da Bahia sendo observada também a ordem régia de 1758 que obrigava os párocos a dar côngruas aos capelães D Maria porém ordena que até decisão final as conhecenças continuassem a ser cobradas no valor de 300 mandando que após ouvir por escrito todos os párocos da capitania o bispo se pronunciasse enviando juntamente cópias autênticas das ordens régias dimanadas do trono sobre a matéria O bispado encarrega o vigário de Congonhas Dr Quintiliano Alves Teixeira Jardim que se destacava entre o clero mineiro por seus dotes intelectuais de responder à rainha o que ele fez no mesmo ano em que a ordem real fora expedida 1788 O vigário procura defender os interesses do clero acusando o povo de se eximir do dever de prover a decente sustentação de seus párocos e afirmando que as conhecenças são indispensáveis à satisfação dos mais ônus e encargos a que eles estão sujeitos em razão dos seus mesmos benefícios Reporta se à determinação do Concílio de Trento sessão 25 cap 12 de que não sendo suficientes os dízimos prediais e mistos para garantir a côngrua sustentação do clero os povos eram obrigados a pagar também os pessoais Com firmeza o vigário de Congonhas lembra à rainha que as Ordenações do Reino reconhecem o direito privativo da Justiça Eclesiástica para julgar a obrigação do povo de fabricar igrejas ou sustentar seus ministros quando os dízimos fossem insuficientes53 Dr Quintiliano também observa que as Constituições da Bahia os Decretos de Itu ou outros regulamentos de igrejas do Bispado do Rio de Janeiro nunca tiveram validade em Mariana onde as conhecenças sempre se regeram pelas leis do Trono as quais vinham ratificando sua cobrança no valor de 300 e por isso mesmo nas diversas demandas que os paroquianos levavam à justiça contra os párocos estes últimos acabavam sempre ganhando a causa Para o vigário não tinha cabimento a petição de D Francisco de Sales ex ermitão e antigo cobrador ou ecônomo do vigário de Santa Bárbara que o despedira por maus serviços Sales sublevara o povo de muitas freguesias aproveitandose do clima de rebeldia causado pela divulgação de um acórdão da Relação do Rio de Janeiro referente a uma demanda entre Antônio Martins e o testemunho do Vigário de São José Manuel de Pinto Cândido Copiado e espalhado pelo povo o acórdão tratava os padres como simoníacos insuflando ainda mais o ânimo da população revoltada com a cobrança das conhecenças levando a população a aderir a D Francisco de Sales que como procurador dos povos se oferecera para levar uma petição à rainha Em nome do clero mineiro Dr Quintiliano contesta os argumentos de D Francisco de Sales observando para começar que o bispado de Mariana contava 53 párocos com mais 7 ou 8 que se haviam estabelecido na capitania Além disso como o número de fregueses variava muito em cada paróquia não tinha sentido calcular a média de renda obtida pelos párocos já que seus rendimentos correspondiam ao tamanho de suas paróquias O vigário de Congonhas lembrava ainda que nem todos pagavam as 53 O Código Filipino Livro I tít 62 72 determina Que naqueles casos em que os Prelados pretenderem obrigar os leigos a fabricar as igrejas ou a sustentar os ministros delas por não serem os dízimos bastantes conforme o decreto do Concílio Tridentino nossas Justiças não se intrometam nisso porque o seu conhecimento pertence ao Juízo Eclesiástico sÆculum REVISTA DE HISTÓRIA 30 João Pessoa janjun 2014 61 conhecenças muitos porque eram realmente pobres Argumenta que se os que tinham posses não pagassem as taxas o pároco seria obrigado a cobrar dos que não podiam sob pena de não ter como sobreviver Para reforçar seu raciocínio o vigário apresenta um levantamento censitário dos que não pagavam o sacramento concluindo que apesar de reconhecer as dificuldades pelas quais passava a população em decorrência da crise da mineração não considerava justo que se atribuísse às conhecenças a origem desses males pois ainda que fosse maior o valor arrecadado com elas esse dinheiro logo saía das mãos dos párocos através de seus múltiplos encargos voltando a circular dentro da própria capitania Mostrandose atualizado em relação aos ventos de rebeldia que sopravam nas Minas o vigário de Congonhas atribuía a crise econômica à situação colonial e ao envio sistemático de riquezas para Portugal e não à cobrança das conhecenças54 Mas embora o argumento do Dr Quintiliano estivesse correto quanto ao principal fator da espoliação sofrida pela população colonial não há como negar que internamente as conhecenças constituíam meio de concentração de renda nas mãos do clero mesmo nas regiões onde os módicos valores estipulados pelas Constituições da Bahia foram observados55 As conhecenças e outros emolumentos eclesiásticos davam origem a incontáveis demandas entre o clero e a população que se refletiam nas petições enviadas à Corte cuja intervenção oscilava entre um lado ou outro Afinal mesmo que reconhecesse a exorbitância de determinadas cobranças a Coroa tinha consciência de que funcionavam como substitutos para as côngruas que deviam ser pagas por ela já que pelo direito que lhe era concedido pelo padroado arrecadava os dízimos que deveriam ser empregados na sustentação da Igreja colonial 54 TRINDADE Arquidiocese de Mariana p 10501052 Trindade reproduz o documento do Vigário de Congonhas de 1788 55 Vale notar que em 1727 uma pastoral de D Fr Antonio de Guadalupe bispo do Rio de Janeiro cujo bispado incluía as capitanias de São Paulo e Minas Gerais manda que por ora se observasse em toda a diocese as Constituições da Bahia Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana AEAM Pasta 1 gaveta 1 arquivo 1 Não obstante nas Minas por essa época as conhecenças continuaram cotadas a 300 valor estabelecido desde 1719 O documento do vigário de Congonhas de 1788 afirma peremptoriamente que as Constituições da Bahia só tinham força de lei onde os prelados as mandavam observar Cf TRINDADE Ropcit p 1049 No caso das conhecenças entretanto apesar de D Fr Antonio de Guadalupe acatar em toda a sua diocese as constituições que mandavam cobrar apenas 40 pela desobriga nas Minas continuouse a taxá las em 300 como se depreende de um despacho de 27 de setembro de 1727 feito durante visita à Igreja Nova da Borda do Campo em resposta a uma petição dos moradores reclamando desse valor que o bispo por sua vez confirma TRINDADE Arquidiocese de Mariana p 1044 62 sÆculum REVISTA DE HISTÓRIA 30 João Pessoa janjun 2014 RESUMO Ao conceder à Coroa portuguesa o direito sobre a arrecadação dos dízimos nas terras ultramarinas o padroado teve graves consequências para a sustentação da Igreja no Brasil colonial Repassados de forma irregular e parcial esses valores não eram suficientes para a estruturação de uma rede paroquial que permitisse assistir espiritualmente o vasto território da Colônia comprometendo a remuneração dos serviços dos sacerdotes e obrigandoos à cobrança de emolumentos que oneravam ainda mais uma população já sacrificada pelo pagamento de inúmeros impostos Essa situação deu origem a inúmeros conflitos a respeito das taxas eclesiásticas nos quais a Coroa era chamada a intervir Palavras Chave Padroado Igreja no Brasil Colonial Emolumentos Eclesiásticos ABSTRACT When bestowing to the Portuguese Crown the right over tithes depot on ultramarine lands the patronage found serious consequences to support the Church during colonial Brazil Repassed on an irregular and partial basis these values were not enough to structure a parochial network that allowed to spiritually help the vast colonys territory jeopardizing the clergymens services remuneration obliging them to collect fees that burdened even more a population already sacrificed by countless tax payments This situation originated countless conflicts about ecclesiastical taxes on which the Crown was called to intervene Keywords Patronage Colonial Brazilian Church Ecclesial Fees Artigo recebido em 12 abr 2014 Aprovado em 27 ab r 2014