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História do Pensamento Econômico
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Capítulo 12 O ESTADO DA EXPECTATIVA A LONGO PRAZO I Vimos no capítulo anterior que o volume de investimento depende da relação entre a taxa de juros e a curva da eficiência marginal do capital correspondente aos diferentes volumes de investimento corrente ao passo que a eficiência marginal do capital depende da relação entre o preço de oferta de um ativo de capital e a sua renda esperada No presente capítulo examinaremos mais detalhadamente alguns dos fatores que determinam a renda esperada de um ativo As considerações sobre as quais se baseiam as expectativas de rendas esperadas são em parte fatos existentes que se pode supor sejam conhecidos mais ou menos com certeza e em parte eventos futuros que podem ser previstos com um maior ou menor grau de confiança Entre os primeiros destacase o volume existente dos vários tipos de bens de capital e os ativos de capital em geral bem como a intensidade da procura atual dos consumidores no tocante a artigos que requerem para que sua produção seja eficiente uma assistência maior de capital Entre os segundos figuram as mudanças do tipo e da quantidade do estoque dos bens de capital e as preferências dos consumidores a intensidade da procura efetiva nos diversos períodos da vida do investimento considerado e por fim as variações da taxa de salário em termos nominais que podem ocorrer durante o respectivo período Podemos resumir o estado da expectativa psicológica resultante dos segundos fatores na expressão estado da expectativa a longo prazo salientandose que deve ser feita a distinção da expectativa a curto praxo com base na qual os produtores fazem a estimativa do que poderão obter pelo produto acabado no caso de decidirem iniciar sua produção hoje com as instalações existentes e que examinamos no Capítulo 5 II Seria insensato na formação de nossas expectativas atribuir grande importância a tópicos que para nós são muito incertos1 É portanto razoável que nos deixemos guiar em grande parte pelos fatos que merecem nossa confiança mesmo se sua relevância for menos decisiva para os resultados esperados do que outros fatos a respeito dos quais o nosso conhecimento é vago e limitado Por essa razão os fatos atuais desempenham um papel que em certo sentido podemos julgar desproporcional na formação de nossas expectativas a longo prazo sendo que o nosso método habitual consiste em considerar a situação atual e depois projetála no futuro modificandoa apenas à medida que tenhamos razões mais ou menos definidas para esperarmos uma mudança O estado da expectativa a longo prazo que serve de base para as nossas decisões não depende portanto exclusivamente do prognóstico mais provável que possamos formular Depende também da confiança com a qual fazemos este prognóstico à medida que ponderamos a probabilidade de o nosso melhor prognóstico revelarse inteiramente falso Se esperarmos grandes mudanças mas não tivermos certeza quanto à forma precisa com que tais mudanças possam ocorrer nosso grau de confiança será então fraco O estado de confiança que é o termo comumente empregado constitui uma matéria à qual os práticos homens dedicam a mais cuidadosa e desvelada atenção Todavia os economistas não analisaram esta matéria com o devido cuidado e se limitaram no mais das vezes a discutila em termos gerais Em particular não se demonstrou com clareza que sua relevância relativamente aos problemas econômicos decorre da considerável influência que exerce sobre a curva da eficiência marginal do capital Não se trata de dois fatores distintos exercendo influência sobre o fluxo de investimento ou seja a escala de eficiência marginal do capital e o estado de confiança O estado de confiança é relevante pelo fato de ser um dos principais fatores que determinam essa escala a qual é idêntica à curva da demanda de investimento Entretanto não há muito para se falar a priori a respeito do estado de confiança Nossas conclusões devem fundamentarse principalmente na observação prática dos mercados e da psicologia dos negócios Esta é a razão pela qual a digressão que se segue está colocada em um nível diferente de abstração relativamente à maior parte do presente livro Para simplificar a exposição na discussão que se segue sobre o estado de confiança suporemos que não há nenhuma variação da taxa de juros discorreremos nas seções seguintes como se as variações dos valores de investimento fossem provenientes exclusivamente de mudanças nas expectativas de suas rendas esperadas e jamais das variações da taxa de de juros sobre cuja base estas rendas prováveis são capitalizadas É entretanto fácil sobrepor o efeito das variações da taxa de juros ao efeito das variações do estado de confiança III O fato de maior importância é a extrema precariedade da base do conhecimento sobre o qual temos que fazer os nossos cálculos das rendas esperadas O nosso conhecimento dos fatores que regularão a renda de um investimento alguns anos mais tarde é em geral muito limitado e com frequência desprezível Se falarmos com franqueza temos de admitir que as bases do nosso conhecimento para calcular a renda provável dentro de dez anos de uma estrada de ferro uma mina de cobre uma fábrica de tecidos a aceitação de um produto farmacêutico um navio transatlântico ou um imóvel no centro comercial de Londres significam e às vezes a nada levam De fato aqueles que tentam com seriedade fazer um cálculo desta natureza constituem uma pequena minoria cuja conduta não chega a influenciar o mercado Em outros tempos quando as empresas pertenciam quase todas aos que as tinham fundado ou aos seus amigos e sócios o investimento dependia da existência de um número suficiente de indivíduos de temperamento entusiástico e de impulsos construtivos que empreendessem negócios como uma maneira de viver sem realmente tomar como base os cálculos precisos de lucros prováveis Os negócios eram em parte uma loteria embora o resultado final fosse predominantemente determinado pelo fato de serem as aptidões e o temperamento dos dirigentes superiores ou inferiores à média Uns fracassariam outros seriam ben sucedidos Mas mesmo após o acontecimento ninguém ficava sabendo se a média dos resultados em relação às somas investidas era superior igual ou inferior à taxa de juros prevalecente contudo se excluirmos a exploração dos recursos naturais e a dos monopólios é provável que a média efetiva dos resultados dos investimentos mesmo em períodos de progresso e prosperidade tenha frustado as esperanças que inspiraram tal acontecimento Os homens de negócio fazem um jogo que é uma mescla de habilidade e de sorte cujos resultados médios são desconhecidos pelos jogadores que dele participam Se a natureza humana não sentisse a tentação de arriscar a sorte nem de sentir a satisfação excluindose o lucro de construir uma fábrica uma estrada de ferro de explorar uma mina ou uma fazenda provavelmente não haveria muitos investimentos como mero resultado de cálculos frios Todavia as decisões de investir em negócios privados do tipo antigo eram em grande parte irrevogáveis não só para a comunidade em geral como também para os indivíduos Com a separação entre a propriedade e a gestão que prevalece atualmente e com o desenvolvimento de mercados financeiros organizados surgiu um novo fator de grande importância que às vezes facilita o investimento mas que às vezes con tribui sobremaneira para agravar a instabilidade do sistema Na ausência de bolsas de valores não há motivo para se procurar com frequência reavaliar os investimentos que fazemos Mas a bolsa de valores reavalia todos os dias os investimentos e estas reavaliações proporcionam a oportunidade freqüente a cada indivíduo embora isto não ocorra para a comunidade como um todo de rever suas aplicações É como se um agricultor tendo examinado seu barômetro após o café da manhã pudesse decidir retirar seu capital da atividade agrícola entre as dez e as onze da manhã para reconsiderar se deveria investilo mais tarde durante a semana Todavia as reavaliações diárias da bolsa de valores embora se destinem principalmente a facilitar a transferência de investimentos já realizados entre indivíduos exercem inevitavelmente uma influência decisiva sobre o montante do investimento corrente Isso porque não há nenhum sentido em se criar uma empresa nova a um custo maior quando se pode adquirir uma empresa similar existente por um preço menor ao passo que há uma indução para se aplicarem recursos em um novo projeto que possa parecer exigir uma soma exorbitante desde que esse empreendimento possa ser liquidado na bolsa de valores com um lucro imediato¹ Destarte certas categorias de investimento são reguladas pela expectativa média dos que negociam na bolsa de valores tal como se manifesta no preço das ações em vez de expectativas genuínas do empresário² profissional Como se realizam então na prática estas reavaliações dos investimentos existentes que ocorrem todos os dias mesmo todas as horas e que são de suma importância IV Na prática concordamos geralmente em recorrer a um método que é na verdade uma convêncão A essência desta convêncão embora ela nem sempre funcione de uma forma tão simples reside em se supor que a situação existente dos negócios continuará por tempo indefinido a não ser que tenhamos razões concretas para esperar uma mudança Isto não quer dizer que na realidade acreditamos na duração indefinida do estado atual dos negócios A vasta experiência ensina que tal hipótese é muito improvável Os resultados reais de um investimento no decorrer de vários anos raras vezes coincidem com as previsões originais Também não podemos racionalizar a nossa atitude argumentando que para um homem em estado de ignorância os erros em qualquer sentido são igualmente prováveis e que portanto subiste uma esperança estatística baseada em probabilidades iguais Isso porque podemos facilmente demonstrar que a hipótese de probabilidades aritmeticamente iguais baseada em um estado de ignorância conduz a absurdos Efetivamente estamos supondo que a avaliação do mercado existente seja qual for a maneira que ela se chegou é singularmente correta em relação ao nosso conhecimento atual dos fatos que influirão sobre a renda do investimento e só mudará na proporção em que variar o dito conhecimento embora no plano filosófico essa avaliação não possa ser univocamente correta uma vez que o nosso conhecimento atual não nos fornece as bases suficientes para uma esperança matematicamente calculada De fato nas avaliações do mercado intervém toda a espécie de considerações que são de modo algum relevantes para a renda esperada Entretanto o método convencional de cálculo acima indicado será compatível com um considerável grau de continuidade e estabilidade em nossos negócios enquanto pudermos confiar na continuação do raciocínio Se existem mercados organizados de investimento e desde que possamos confiar na continuação do argumento o investidor pode legitimamente encorajarse com a idéia de que não corre outro risco senão aquele de uma variação efetiva nas condições do futuro imediato sobre cuja probabilidade pode tentar formar uma opinião pessoal e que não é provável seja cotada em alto nível Na suposição de que o raciocínio subsista estas mudanças são as únicas que podem afetar o valor do seu investimento e ele não terá de perder o sono pelo simples fato de não ter nenhuma idéia do valor que o seu investimento terá dez anos mais tarde Desse modo o investimento tornase razoavelmente seguro para o investidor individual em períodos curtos e por conseqüência para uma sucessão de tais períodos por mais numerosos que sejam desde que ele possa razoavelmente confiar na validade do raciocínio e portanto tenha a oportunidade de rever suas decisões e modificar o investimento antes que haja tempo suficiente para que ocorram grandes alterações Assim os investimentos que são fixos para a comunidade tornamse líquidos para o indivíduo Estou certo de que os nossos principais mercados de investimento se desenvolveram baseados em procedimentos parecidos Todavia não é de se surpreender que um argumento em certos aspectos tão arbitrário apresente seus pontos fracos É a sua precariedade que cria uma parte considerável do problema contemporâneo de obtenção de um volume suficiente de investimentos V Podem ser mencionados brevemente alguns dos fatores que agravam essa precariedade 1 Como resultado do aumento gradual da proporção que representam no investimento agregado de capital da comunidade as ações possuídas por pessoas que não dirigem nem têm conhecimento especial das circunstâncias reais ou esperadas dos negócios em questão há uma séria redução do elemento de real conhecimento na avaliação desses investimentos feita pelos que os possuem ou pelos que tencionam adquirilos 2 As flutuações de curto prazo dos lucros nos investimentos existentes embora sejam manifestamente efêmeras e desprovidas de significação tendem a exercer sobre o mercado uma influência excessiva e mesmo absurda Dizse por exemplo que as ações das empresas norteamericanas que fabricam gelo podem ser vendidas a um preço mais elevado no verão quando os seus lucros são sazonalmente elevados do que no inverno quando ninguém quer gelo A ocorrência de feriados bancários mais prolongados pode aumentar o valor de mercado do sistema ferroviário britânico em vários milhões de libras 3 Uma avaliação convencional fruto da psicologia de massa de grande número de indivíduos ignorantes está sujeita a modificações violentas em conseqüência de repentinas mudanças na opinião suscitada por certos fatores que na realidade pouco significam para a renda provável já que essa avaliação carece de raízes profundas que permitam sua sustentação Em períodos anormais em particular quando a hipótese de uma continuação indefinida do estado atual dos negócios é menos plausível do que usualmente mesmo que não existam motivos concretos para prever determinada mudança o mercado estará sujeito a ondas de sentimentos otimistas ou pessimistas que são pouco razoáveis e ainda assim legítimos na ausência de uma base sólida para cálculos satisfatórios 4 Há porém uma característica especial que merece a nossa atenção Talvez se tenha suposto que a concorrência entre os profissionais competentes dotados de julgamento mais seguro e de conhecimentos mais amplos do que o investidor privado médio corrigiria os devaneios do indivíduo ignorante e à mercê de sua própria iniciativa Sucede porém que as energias e as habilidades do investidor profissional e do especulador estão principalmente aplicadas de outra maneira Com efeito a maioria deles dedicase não a fazer previsões abalizadas a longo prazo sobre a renda provável de um investimento por toda sua vida mas em prever mudanças de curto prazo com certa antecedência em relação ao público em geral Não se preocupam com o que realmente significa um valor de investimento para o indivíduo que o comprou para guardar mas com o valor que lhe atribuirá o mercado dentro de três meses ou um ano sob a influência da psicologia de massas Ademais esta conduta não é o resultado de uma propensão mal direcionada mas a conseqüência inevitável de um mercado financeiro organizado segundo as normas descritas Na verdade seria insensato pagar 25 por um investimento cuja renda esperada supõese justifica um valor de 30 se por outro lado se acredita que o mercado o avaliará em 20 três meses depois Dessa maneira o investidor profissional sentese forçado a estar alerta para antecipar essas variações iminentes nas notícias ou na atmosfera que como demonstra a experiência são as que exercem maior influência sobre a psicologia coletiva do mercado Este é o resultado inevitável dos mercados financeiros organizados em torno da chamada liquidez Entre as máximas da finança ortodoxa seguramente nenhuma é mais antisocial que o fetiche da liquidez a doutrina que diz ser uma das virtudes positivas das instituições investidoras concentrar seus recursos na posse de valores líquidos Ela ignora que não existe algo como a liquidez do investimento para a comunidade como um todo A finalidade social do investimento bem orientado deveria ser o domínio das forças obscuras do tempo e da ignorância que rodeiam o nosso futuro O objetivo real e secreto dos investimentos mais habilmente efetuados em nossos dias é sair disparado na frente como se diz coloquialmente estimular a multidão e transferir adiante a moeda falsa ou em depreciação Esta luta de esperteza para prever com alguns meses de antecedência as bases da avaliação convencional muito mais do que a renda provável de um investimento durante anos nem sequer exige que haja idiotas no público para encher a pança dos profissionais a partida pode ser jogada entre estes mesmos Também não é necessário que alguns continuem acreditando ingenuamente que a base convencional de avaliação tenha qualquer validez real a longo prazo Tratase por assim dizer de brincadeiras como o jogo do anel a cabracega as cadeiras musicais É preciso passar o anel ao vizinho antes de o jogo acabar agarrar o outro para ser por este substituído encontrar uma cadeira vaga antes que a música pare Estes passatempos podem constituir agradáveis distrações e despertar muito entusiasmo embora todos os participantes saibam que é a cabracega que está dando voltas a esmo ou que quando a música pára alguém ficará sem assento Para variar um pouco de metáfora o investimento por parte de profissionais pode ser comparado aos concursos organizados pelos jornais onde os participantes têm de escolher os seis rostos mais belos entre uma centena de fotografias ganhando o prêmio o competidor cuja seleção corresponda mais aproximadamente à média das preferências dos competidores em conjunto assim cada concorrente deverá escolher não os rostos que ele próprio considere mais bonitos mas os que lhe parecem mais próprios a reunir as preferências dos outros concorrentes os quais encararam o problema do mesmo ponto de vista Não se trata de escolher os rostos que no entender de cada um são realmente os mais lindos nem mesmo aqueles que a opinião geral considere realmente como tais Alcançamos o terceiro grau no qual empregamos a nossa inteligência em antecipar o que a opinião geral espera que seja a opinião geral E há pessoas segundo creio que vão até o quarto e o quinto grau ou mais longe ainda Talvez o leitor observe que durante um período bastante longo um indivíduo inteligente e indiferente ao passatempo da moda pode realizar 128 129 grandes lucros à custa de outros jogadores se persistir fazendo investimentos de acordo com as suas mais perfeitas expectativas a longo prazo A isto convém responder desde logo que existem na verdade pessoas com este tipo de mentalidade séria e que de fato para um mercado de investimento haverá uma enorme diferença dependendo da influência que essas pessoas exerçam sobre a opinião dos jogadores Mas devemos acrescentar que diversos fatores afetam a predominância de tais pessoas nos modernos mercados de capital O investimento baseado nas previsões autênticas a longo prazo é hoje tão difícil que mal pode ser posto em prática Os que tentarem fazêlo poderão estar certos de passar dias de trabalho muito intenso e de correr riscos muito maiores que os que tentam adivinhar as reações do público melhor que o próprio público e dada igual inteligência eles podem cometer erros muito mais desastrosos Não há evidência clara a demonstrar que a política de investimento socialmente mais vantajosa coincida com a mais lucrativa É preciso mais inteligência para derrotar as forças do tempo e da nossa ignorância sobre o futuro do que para sair na frente Além disso a vida não é bastante longa para essa tarefa a natureza humana exige sucessos imediatos há um deleite especial em ganhar dinheiro rapidamente e os lucros remotos são descontados pelo homem médio a taxas muito elevadas O jogo dos investidores profissionais é intoleravelmente fastidioso e demasiado exigente para quem não tenha absolutamente o instinto de jogador quem o tem há de pagar o correspondente tributo por essa inclinação Mais ainda o investidor que se proponha a ignorar as flutuações de muito curto prazo do mercado necessita maiores recursos para a sua segurança e não deve operar em tão larga escala se é que opera em alguma com dinheiro emprestado uma razão a mais para que dada a igualdade de inteligência e de recursos lhe seja mais vantajoso dedicarse ao passatempo Finalmente o investidor a longo prazo é aquele que melhor serve o interesse público e é o que na prática incorre em maior crítica ao passo que os fundos de investimento são manejados por comissões ou bancos1 pois em essência sua conduta é excêntrica inconvencional e temerária aos olhos da opinião média Se obtém êxito isso apenas confirmará a crença geral na sua temeridade se no final de contas sofre reveses momentâneos poucos serão os que dele se compadecerão A sabedoria universal indica ser melhor para a reputação fracassar junto com o mercado do que vencer contra ele 5 Até agora tivemos em vista principalmente o estado de confiança do próprio especulador ou investidor especulativo e talvez pareça que tenhamos suposto implicitamente que se ele está satisfeito com suas próprias perspectivas tem acesso ilimitado ao dinheiro à taxa de juro do mercado Tal não é evidentemente o caso Por isso devemos considerar também outro aspecto do estado de confiança ou seja o grau de confiança que as instituições de crédito concedem às pessoas que nelas procuram empréstimos e que às vezes se denominam condições de crédito Uma baixa violenta no preço das ações que produz um efeito desastroso sobre a eficiência marginal do capital pode ser provocada pelo enfraquecimento seja da confiança especulativa seja das condições de crédito Mas enquanto o debilitamento de qualquer dos dois fatores é suficiente para determinar uma queda violenta a recuperação exige que ambos sejam restaurados pois conquanto o enfraquecimento do crédito seja bastante para levar a uma crise o seu fortalecimento embora uma condição necessária da recuperação não é condição suficiente VI Estas considerações não deveriam sair do campo da análise econômica Contudo convém colocálas em sua devida perspectiva Se me é permitido aplicar o termo especulação à atividade que consiste em prever a psicologia do mercado e o termo empreendimento à que consiste em prever a renda provável dos bens durante toda sua existência de modo algum se pode dizer que a especulação sempre prevaleça sobre o empreendimento À medida que progride a organização dos mercados de investimento o risco de um predomínio da especulação entretanto aumenta Num dos maiores mercados de investimento do mundo a saber o de New York a influência da especulação no sentido da palavra acima exposto é enorme Mesmo fora do campo das finanças a tendência dos americanos é atribuir um interesse excessivo na descoberta do que a opinião julga ser a opinião média e este pender nacional encontra seu castigo na Bolsa de Valores Dizse ser raro um americano investir como o fazem ainda muitos ingleses para obter uma renda e que somente na expectativa de um ganho de capital está disposto a adquirir um título Isto é apenas outra maneira de dizer que quando um americano compra um investimento está colocando suas esperanças não tanto em sua renda provável mas em uma mudança favorável nas bases convencionais de avaliação ou seja que ele é o sentido dado acima um especulador Os especuladores podem não causar dano quando são apenas bolhas num fluxo constante de empreendimento mas a situação tornase séria quando o empreendimento se converte em bolhas no turbilhão especulativo Quando o desenvolvimento do capital em um país se converte em suproduto das atividades de um cassino o trabalho tende a ser mal feito A medida do êxito obtido por Wall Street considerada uma instituição cuja finalidade social precipua é conduzir os novos investimentos pelos canais mais produtivos em termos de rendimento futuro não pode ser apontada como um dos mais brilhantes triunfos do capitalismo do tipo laissezfaire o que não é de surpreender se é verdade como penso que os mais brilhantes cérebros de Wall Street se orientam de fato para um fim diferente Estas tendências são uma conseqüência quase inevitável do êxito de se terem organizado os mercados de investimentos líquidos Admitese em geral que no próprio interesse do público o acesso a cassinos deve ser difícil e dispendioso E talvez o mesmo deveria acontecer no caso 130 131 das Bolsas de Valores O fato de que os pecados da Bolsa de Valores de Londres tenham sido menores do que os de Wall Street talvez não se deva tanto a diferenças nos temperamentos nacionais como à circunstância de que para o inglês mediano Throgmorton Street é inacessível e muito dispendiosa comparada com Wall Street para o mesmo tipo de norteamericano A proporção dos jogadores as altas comissões de corretagem e as pesadas taxas sobre transferências que se pagam ao Tesouro gastos que acompanham todas as transações na Bolsa de Valores de Londres reduzem a liquidez do mercado embora a prática das liquidações quinzenais opere em sentido inverso o suficiente para eliminar grande parte das operações características de Wall Street1 A criação de um elevado imposto sobre as transferências para todas as transações talvez fosse a mais salutar das medidas capazes de atenuar nos Estados Unidos o predomínio da especulação sobre o empreendimento O espetáculo dos mercados financeiros modernos levoume algumas vezes a concluir que se as operações de compra de um investimento fossem tornadas definitivas e irrevogáveis à maneira do casamento salvo em caso de morte ou por outro motivo grave os males da nossa época seriam com grande utilidade aliviados Isso obrigaria os investidores a dirigir sua atenção apenas para as perspectivas a longo prazo Basta porém um momento de reflexão para compreender que semelhante método nos leva a um dilema e nos mostra que se a liquidez do mercado financeiro às vezes dificulta um novo investimento em compensação facilitao com mais freqüência isso porque o fato de cada investidor individualmente considerado ter a ilusão de que participa de um negócio líquido embora isso não possa ser verdadeiro para todos os investidores coletivamente acalmalhe os nervos e animao muito mais a correr o risco Se as aquisições individuais de valores de investimento perdessem sua liquidez daí poderiam resultar sérias dificuldades para os investimentos novos sempre que se oferecessem aos indivíduos outros meios de conservar suas economias Aqui jaz o dilema À medida que um indivíduo possa empregar sua riqueza entesourando ou emprestando dinheiro a alternativa de adquirir bens reais de capital não seria bastante atraente sobretudo para a pessoa que não maneja esses bens e pouco sabe a respeito deles exceto organizando mercados onde esses bens possam converterse facilmente em dinheiro O único remédio radical para as crises de confiança que afligem a vida econômica do mundo moderno seria restringir a escolha do indivíduo à única alternativa de consumir a sua renda ou servirse dele para encomendar a produção de bens específicos de capital que embora com evidência precária se lhe afiguram o investimento mais interessante ao seu alcance Talvez em certos momentos quando se visse mais do que de costume assoberbado por dúvidas a respeito do futuro a perplexidade o levasse a consumir mais e a realizar menos investimentos novos mas isto evitaria as repercussões desastrosas cumulativas e de amplo alcance oriundas do fato de poder absterse de gastar a sua renda de uma ou de outra forma Os qui vinham insistindo nos perigos sociais resultantes do entesouramento da moeda tinham em vista naturalmente considerações análogas a estas Contudo não deram a devida atenção à possibilidade de que o fenômeno pode ocorrer sem modificação alguma ou pelo menos sem uma variação apreciável no entesouramento da moeda VII Além da causa devida à especulação a instabilidade econômica encontra outra causa inerente à natureza humana no fato de que grande parte das nossas atividades positivas depende mais do otimismo espontâneo do que de uma expectativa matemática seja moral hedonista ou econômica Provavelmente a maior parte das nossas decisões de fazer algo positivo cujo efeito final necessita de certo prazo para se produzir deva ser considerada como manifestação do nosso entusiasmo como um instintivo espontâneo de agir em vez de não fazer nada e não como resultado de uma média ponderada de lucros quantitativos multiplicados pelas probabilidades quantitativas O empreendedor procura convencer a si próprio de que a principal força motriz da sua atividade reside nas afirmações de seu propósito por mais ingênuas e sinceras que possam ser Basta que o empreendimento seja um pouco maior que uma expedição ao Pólo Sul para ser baseado no cálculo exato dos lucros futuros Dessa maneira ao se arrefecer o entusiasmo e ao vacilar o otimismo espontâneo ficamos na dependência apenas da previsão matemática e aí o empreendimento desfalec e morre embora o temor da perda seja tão desprovido de base lógica como eram antes as esperanças de ganhar Podese afirmar sem receio que a empresa que depende de esperanças futuras beneficia a comunidade como um todo A iniciativa individual porém somente será adequada quando a previsão razoável for secundada e sustentada pelo dinamismo de tal maneira que a idéia dos prejuízos finais que freqüentemente vence os pioneiros como a experiência prova tanto a nós quanta a eles é repelida do mesmo modo que o homem saudável repele a probabilidade de sua morte Isto significa infelizmente que não só as crises e as depressões têm a sua intensidade agravada como também que a prosperidade econômica depende excessivamente de um clima político e social que satisfaça ao tipo médio do homem de negócios Quando o temor de um governo trabalhista ou de New Deal deprime a empresa esta situação não é necessariamente conseqüência de previsões ou de manobras com finalidades políticas é o simples resultado de um transtorno no delicado equilíbrio do otimismo espontâneo Ao calcular as perspectivas que se oferecem ao investimento devemos levar em conta os nervos e a histeria além das 132 133 digestões e das reações às condições climáticas das pessoas de cuja atividade espontânea ele depende principalmente Não devemos concluir daí que tudo depende de ondas de psicologia irracional Pelo contrário o estado de expectativa a longo prazo é no mais das vezes estável e mesmo quando não o seja os outros fatores exercem seus efeitos compensatórios O que apenas desejamos lembrar é que as decisões humanas que envolvem o futuro sejam elas pessoais políticas ou econômicas não podem depender da estrita expectativa matemática uma vez que as bases para realizar semelhantes cálculos não existem e que o nosso impulso inato para a atividade é que faz girar as engrenagens sendo que a nossa inteligência faz o melhor possível para escolher o melhor que pode haver entre as diversas alternativas calculando sempre que se pode mas retraindose muitas vezes diante do capricho do sentimento ou do azar VIII Há além disso outros fatores importantes que tendem atenuar na prática os efeitos da nossa ignorância do futuro Em virtude do mecanismo do juro composto e da probabilidade de obsolescência com o correr do tempo existem numerosos investimentos individuais cuja renda provável está legitimamente dominada pelos rendimentos num futuro comparativamente próximo No caso da principal categoria de investimentos a prazo muito longo ou seja a construção o risco pode ser freqüentemente transferido do investidor para o inquilino ou pelo menos pode ser repartido entre ambos por meio de contratos a longo prazo ficando o risco compensado na mente do inquilino pela continuidade e segurança de seu direito de inquilinato No caso de outra classe importante de investimento a longo prazo as empresas de serviços públicos uma grande proporção da renda provável está praticamente garantida pelos privilégios de monopólio e pelo direito de aumentar as tarifas na medida necessária para manter certa margem estipulada Há finalmente uma categoria crescente de investimentos empreendida em sociedade ou garantida pelas autoridades públicas claramente influenciada pela presunção geral de haver vantagens sociais prováveis no investimento seja qual for seu resultado comercial dentro de uma larga margem e sem procurar saber se a esperança matemática da renda será pelo menos igual à taxa corrente de juros embora a taxa que a autoridade pública tenha de pagar possa ainda desempenhar um papel decisivo na determinação do volume das operações de investimento a que ela podese engajar Assim após haver plenamente assinalado a importância da influência das mudanças a curto prazo no estado das expectativas a longo prazo independentemente das variações na taxa de juros ainda devemos voltarnos a essa última que exerce de qualquer modo em circunstâncias normais grande influência embora não decisiva sobre o fluxo de investimento Só a experiência contudo pode mostrar até que ponto a admistração da taxa de juros é capaz de estimular continuamente um fluxo de investimento adequado Da minha parte sou presentemente algo cético quanto ao êxito de uma política meramente monetária orientada no sentido de exercer influência sobre a taxa de juros Encontrandose o Estado em situação de poder calcular a eficiência marginal dos bens de capital a longo prazo e com base nos interesses gerais da comunidade espero vêlo assumir uma responsabilidade cada vez maior na organização direta dos investimentos ainda mais considerandose que provavelmente as flutuações na estimativa do mercado da eficiência marginal dos diversos tipos de capital calculada na forma descrita antes serão demasiado grandes para que se possa compensálas por meio de mudanças viáveis na taxa de juros FA Hayek Os Usos do Conhecimento na Sociedade 1945 I Qual é o problema que buscamos resolver quando tentamos construir uma ordem econômica racional Partindo de alguns pressupostos amplamente aceitos a resposta é bastante simples Se detivéssemos todas as informações relevantes se pudéssemos tomar como ponto de partida um sistema de preferências estabelecido e se tivéssemos completo conhecimento dos meios disponíveis o resto do problema seria simplesmente uma questão de lógica Ou seja a resposta para a pergunta por qual é o melhor uso dos meios disponíveis está implícita em nossos pressupostos As condições que devem ser satisfeitas para a solução desse problema ideal foram completamente analisadas e podem ser melhor expostas em um modelo matemático sucintamente diríamos que as taxas marginais de substituição entre qualquer dois bens ou fatores devem ser as mesmas independentemente dos seus diferentes usos Este no entanto decididamente não é o problema econômico que a sociedade enfrenta e o cálculo econômico que desenvolvemos para resolver esse problema lógico embora seja um importante passo na direção da solução do problema econômico da sociedade não oferece ainda uma resposta para ele O motivo disto é que os dados totais da sociedade a partir dos quais são feitos os cálculos econômicos nunca são dados a uma única mente para que pudesse analisar as suas implicações e nunca serão O caráter peculiar do problema de uma ordem econômica racional se caracteriza justamente pelo fato de que o conhecimento das circunstâncias nas quais precisamos agir nunca existe de forma concentrada e integrada mas apenas como pedaços dispersos de conhecimento incompleto e freqüentemente contraditório distribuído por diversos indivíduos independentes O problema econômico da sociedade portanto não é meramente um problema de como alocar dados recursos se por dados entendermos algo que esteja disponível a uma única mente que possa deliberadamente resolver o problema com base nessas informações Ao invés disso o problema é de como garantir que qualquer membro da sociedade fará o melhor uso dos recursos conhecidos para fins cuja importância relativa apenas estes indivíduos conhecem Ou para dizêlo sucintamente o problema é o da utilização de um conhecimento que não está disponível a ninguém em sua totalidade O caráter fundamental desse problema tem sido infelizmente obscurecido e não iluminado por muitos dos recentes refinamentos na teoria econômica e em particular pelos usos variados da matemática Embora o problema de que eu queira tratar primordialmente nesse artigo seja o problema da organização de uma economia racional para seguir esse caminho precisarei de repetidamente chamar atenção para as ligações íntimas que esse problema possui com certas questões metodológicas Muitos dos argumentos que pretendo apresentar são de fato conclusões alcançadas por meio de diferentes caminhos de raciocínio que inesperadamente convergiram Mas do modo como eu hoje entendo essas questões essa convergência não é uma coincidência Pareceme que muitas das divergências que surgem tanto no campo da teoria econômica quanto no da política econômica possuem uma origem comum em uma má compreensão da natureza do problema econômico da sociedade Essa má compreensão por sua vez se deve a uma aplicação indevida de hábitos mentais desenvolvidos para lidar com problemas da natureza aos fenômenos sociais II Na linguagem comum definimos a palavra planejar como o conjunto das decisões interrelacionadas relativas à alocação dos nossos recursos disponíveis Toda atividade econômica nesse sentido é planejamento e em qualquer sociedade em que várias pessoas colaborem o planejamento independentemente de quem o faça terá de basear se em certos conhecimentos e esses conhecimentos não estarão disponíveis em primeira instância para o planejador mas antes para alguém que deverá retransmitilos ao planejador Os vários modos pelos quais o conhecimento chega às pessoas que o utilizam para elaborar seus planos é um problema crucial para qualquer teoria que almeje explicar o processo de mercado e o problema de qual é melhor meio de utilizar o conhecimento que está inicialmente disperso entre várias pessoas independentes é pelo menos um dos principais problemas para a política econômica ou para qualquer tentativa de conceber um sistema econômico eficiente A resposta para essa pergunta está intimamente relacionada com outra questão que emerge aqui a de quem está planejando Toda a divergência sobre planejamento econômico parte dessa questão Não está em discussão se se deve planejar ou não mas sim se o planejamento deve ser feito de forma centralizada por uma autoridade única para todo o sistema econômico ou se ele deve ser dividido entre vários indivíduos No sentido específico em que o termo é utilizado nas controvérsias contemporâneas planejamento significa necessariamente planejamento central direcionar todo o sistema econômico de acordo com um projeto unificado A competição por outro lado significa uma descentralização do planejamento que será realizado por muitas pessoas independentes O caminho do meio entre essas duas posições muito falado mas pouco apreciado quando visto em prática é a delegação do planejamento para certas indústrias organizadas isto é a instituição de monopólios A questão de qual desses sistemas será mais eficiente depende principalmente da questão de qual deles podemos esperar um uso mais completo do conhecimento existente E isto por sua vez depende de se nós temos uma probabilidade maior de conseguir colocar todo o conhecimento que está disperso entre vários indivíduos à disposição de uma autoridade central ou de dar aos indivíduos um conhecimento adicional suficiente para que eles se tornem capazes de integrar os seus planos aos dos outros III Ficará imediatamente evidente que neste ponto a resposta será diferente de acordo com os diferentes tipos de conhecimento e a resposta para a nossa pergunta irá conseqüentemente voltarse para a importância relativa de diferentes tipos de conhecimento aqueles que mais provavelmente estarão à disposição de indivíduos particulares e aqueles que teríamos mais certeza de encontrar na posse de um órgão constituído por especialistas bem escolhidos Se hoje em dia é tão amplamente aceito que a segunda opção é preferível isto ocorre porque um tipo de conhecimento o conhecimento científico ocupa nos dias de hoje um lugar tão proeminente na imaginação pública que chegamos a esquecer que esse não é o único tipo de conhecimento relevante Podese admitir que em relação ao conhecimento científico um órgão com um punhado de especialistas bem escolhidos seja a melhor opção para melhor dominar o conhecimento disponível embora isso obviamente seja meramente trocar um problema por outro o problema de como escolher esses especialistas O que desejo frisar é que mesmo presumindo que esse problema pudesse ser imediatamente resolvido ele seria apenas parte de um problema maior Hoje é quase uma heresia sugerir que o conhecimento científico não corresponde à totalidade do conhecimento Mas um pouco de reflexão irá mostrar que sem sombra de dúvida existe um corpo importantíssimo de conhecimento desorganizado que não pode ser chamado de científico entendendo científico como o conhecimento de certas regras gerais o conhecimento de certas circunstâncias particulares de tempo e lugar É em relação a isso que praticamente todo indivíduo tem alguma vantagem comparativa em relação a todos os outros pois ele possui informações únicas sobre que tipos de usos benéficos podem ser feitos com certos recursos usos estes que só acontecerão se a decisão de como utilizálos for deixada nas mãos desse indivíduo ou for tomada com sua cooperação ativa Basta apenas lembrarmos o quanto precisamos aprender em qualquer profissão depois de termos completado nossa formação teórica quão grande é a parte da nossa vida profissional em que passamos aprendendo habilidades específicas e quão valioso em todas as circunstâncias da vida é o conhecimento das pessoas das condições locais e de certas circunstâncias especiais Conhecer e saber operar uma máquina que não estava sendo adequadamente explorada ou a habilidade de alguém que poderia ser mais bem aproveitada ou estar consciente de um excedente de reservas que pode ser usado durante uma interrupção temporária do fornecimento é tão útil socialmente quanto o conhecimento das melhores técnicas alternativas O transportador que ganha sua vida descobrindo como melhor aproveitar seu espaço de carga que ficaria vazio o agente imobiliário cujo conhecimento consiste quase exclusivamente em encontrar oportunidades temporárias ou o arbitrageur que lucra a partir das diferenças locais entre os preços de certos bens todos eles realizam trabalhos eminentemente úteis que são baseados em um conhecimento especial das circunstâncias de um momento fugidio desconhecido por outros É curioso que nos dias de hoje esse tipo de conhecimento seja amplamente menosprezado e que as pessoas que fazem uso dele para alcançarem privilégios sobre pessoas com melhor preparo teórico ou técnico sejam vistas quase como se estivessem fazendo algo desonrado Mas embora conquistar privilégios usando um conhecimento superior quanto às condições de comunicação e transporte seja visto como algo quase desonesto a verdade é que para a sociedade é quase tão importante fazer o melhor uso possível dessas oportunidades quanto das últimas descobertas científicas Esse preconceito tem uma influência considerável sobre o fato de as pessoas costumarem adotar uma atitude mais desfavorável em relação ao comércio do que em relação às atividades produtivas Mesmos os economistas que se crêem totalmente imunes às rasas falácias materialistas do passado constantemente cometem os mesmos erros em relação às atividades relacionadas à aquisição de conhecimento prático e o motivo disso parece ser que segundo o modo como eles vêem o mundo esse tipo de conhecimento já deveria estar dado em vez de ser algo que precise ser buscado A idéia mais comum na atualidade parece ser a de que todo conhecimento desse tipo deveria estar constantemente disponível para todo mundo e como isso não ocorre criticase a ordem econômica atual por ser supostamente irracional Essa concepção ignora o fato de que o método de tornar esse conhecimento amplamente disponível é precisamente o problema que precisamos resolver IV Se hoje em dia está na moda minimizar a importância do conhecimento das circunstâncias particulares de tempo e espaço isso se deve em grande medida a pouca importância dada à questão da incerteza em si mesma De fato parte dos pressupostos que geralmente estão apenas implícitos adotados pelos planejadores diferem dos seus oponentes tanto em relação à capacidade de mudanças imprevistas causarem alterações substanciais nos planos de produção quanto em relação à freqüência com que isso ocorre Evidentemente se fosse possível fazer previamente planos econômicos detalhados para períodos significativamente longos e depois seguilos à risca de modo que nenhuma outra decisão econômica importante fosse necessária a tarefa de elaborar um planejamento completo para toda a atividade econômica não seria algo tão inatingível Talvez valha a pena frisar que os problemas econômicos surgem sempre e exclusivamente em decorrência de mudanças Enquanto as coisas continuam exatamente como estavam antes ou ao menos quando elas prosseguem de acordo com o que se esperava delas então não surgirão novos problemas que exijam soluções não havendo portanto necessidade de que se elabore um novo planejamento A crença de que a mudança ou ao menos os pequenos ajustes cotidianos se tornou menos importante nos tempos modernos parte do princípio de que a contenção dos problemas econômicos também se tornou menos importante Por esse motivo as pessoas que costumam menosprezar a importância da incerteza são as mesmas que argumentam que as questões econômicas já não são tão importantes quanto o conhecimento tecnológico Será verdade que graças ao sofisticado aparato da indústria moderna só é preciso tomar decisões econômicas em intervalos longos como na hora de decidir se uma nova fábrica deve ser construída ou um novo procedimento deve ser introduzido É verdade que uma vez que uma fábrica tenha sido construída o resto é mais ou menos mecânico determinado por suas características deixando pouco a ser mudado para adaptarse às eternas flutuações de cada momento A experiência prática dos homens de negócios até onde eu a conheço não sustenta essa crença amplamente aceita Pelo menos nas áreas de negócios que são competitivas e apenas essas áreas servem de modelo para essa questão a tarefa de impedir os custos de subir exige um luta constante que absorve grande parte da energia do administrador É fácil para um administrador ineficiente gastar as pequenas sobras de onde saem os lucros é um lugarcomum da experiência empresarial que com as mesmas condições técnicas a mesma produção pode ser feita dentro de uma variedade enorme de custos mas isso não é igualmente conhecido pelos que estudam apenas economia O próprio desejo freqüentemente declarado pelos produtores e engenheiros de ser autorizado a fazer seus projetos sem considerações financeiras é um testemunho eloqüente do poder que esses fatores exercem sobre seu trabalho diário Um dos motivos para a crescente incapacidade dos economistas de atentarem para as constantes pequenas mudanças que compõem o todo da atividade econômica é provavelmente que eles estão cada vez mais preocupados com dados estatísticos que passam uma imagem muito mais estável da economia do que os pequenos movimentos diários No entanto a relativa estabilidade dos grandes dados estatísticos não pode ser explicada como os estatísticos freqüentemente querem fazer crer pelas leis dos grandes números ou pela mútua compensação de pequenas mudanças aleatórias O número dos elementos com que eles lidam não é grande o suficiente para que essas forças acidentais produzam estabilidade O continuo fluxo de bens e serviços é mantido por ajustes deliberados e constantes por novas decisões tomadas diariamente à luz de circunstâncias que eram desconhecidas até o dia anterior pela decisão de B de entrar em cena quando A deixa de executar o seu papel Mesmo a maior e mais mecânica das fábricas segue adiante em grande parte por causa de um ambiente que pode lhe prover todas as suas demandas inesperadas novas telhas para seu telhado papéis para seus documentos e todos os mil e um tipos de equipamentos que não podem ser produzidos pela própria fábrica mas que para que ela continue a funcionar precisam estar facilmente disponíveis no mercado Nesse instante devo brevemente observar que o tipo de conhecimento de que tenho tratado é de um tipo que por sua própria natureza não pode ser transposto para dados estatísticos e que por isso não pode ser colocado à disposição de uma autoridade central que delibere a partir de levantamentos estatísticos As estatísticas que essa autoridade teria de utilizar surgiriam exatamente por meio das abstrações das pequenas diferenças entre as coisas juntando como se fossem elementos de um só tipo itens com diferentes características de lugar qualidade e outras características particulares que seriam muito importantes para tomar uma decisão específica Conseqüentemente planejamento central baseado em informações estatísticas por sua própria natureza não pode levar em consideração diretamente as circunstâncias de tempo e lugar precisando encontrar algum jeito de essas decisões serem deixadas para alguém que esteja no local V Se pudermos convir que o problema econômico da sociedade é basicamente uma questão de se adaptar rapidamente às mudanças das circunstâncias particulares de tempo e lugar parece ser evidente que por conseqüência as decisões fundamentais devem ser deixadas a cargo de pessoas que estejam familiarizadas com essas circunstâncias que possam conhecer diretamente as mudanças relevantes e os recursos imediatamente disponíveis para lidar com elas Não podemos esperar que essa problema seja resolvido por meio da transmissão de todo esse conhecimento para um diretório central que depois de ter integrado todo esse saber emita uma ordem Precisamos da descentralização porque apenas assim podemos garantir que o conhecimento das circunstâncias particulares de tempo e lugar sejam prontamente utilizados Mas o homem que está dentro de uma situação particular não pode tomar decisões com base apenas em seu conhecimento dos fatos relativos aos seus arredores imediatos pois apesar de este ser um conhecimento íntimo é também limitado No entanto persiste o problema de como transmitir a esse homem informações suficientes para que ele seja capaz de encaixar suas decisões no padrão geral das mudanças do sistema econômico como um todo De quanto conhecimento ele precisa para ser bem sucedido nisso Quais dos eventos que acontecerão além do seu horizonte imediato de conhecimento são relevantes para sua decisão imediata e quão bem ele precisa conhecer esses eventos Praticamente não há nada que ocorra no mundo que não possa influenciar a decisão que ele precisa tomar Mas ele não precisa conhecer esses eventos em si mesmos nem precisa conhecer todos os seus efeitos Para ele não é importante saber o porquê de um certo tipo de parafuso estar sendo mais procurado em uma época específica ou porque os sacos de papéis estão mais facilmente disponíveis que os sacos de lona ou porque trabalhadores especializados ou máquinas específicas momentaneamente se tornaram difíceis de encontrar Tudo que ele precisa saber é quão mais ou menos difícil está a aquisição de certas coisas em relação a outras coisas que também lhe interessam ou se a demanda por outras coisas que ele produz ou usa é mais ou menos urgente Ele sempre está preocupado com a importância relativa de coisas particulares enquanto os fatores que alteram essa importância relativa não lhe interessam de forma alguma exceto na medida dos próprios efeitos causados sobre as coisas concretas do seu ambiente É em relação a isso que aquilo que chamei de cálculo econômico nos ajuda ao menos por analogia a entender como esse problema pode ser resolvido na verdade como ele já está sendo resolvido pelo sistema de preços Mesmo se existisse uma única mente controladora que possuísse todos os dados sobre um sistema econômico pequeno e restrito ela não iria darse ao trabalho de repassar por todas as relações entre fins e meios que talvez possam ser afetadas a cada vez que algum pequeno ajuste na alocação recursos fosse feito De fato uma das grandes contribuições da lógica pura da escolha é ter demonstrado conclusivamente que mesmo uma única mente onisciente só poderia resolver esse tipo de problema por meio da construção e da constante utilização de taxas de equivalência ou valores ou taxas marginais de substituição ou seja por meio da atribuição de um índice numérico a cada tipo de recurso que sem ser derivado de nenhuma propriedade dessa coisa em particular ainda refletisse ou condensasse sua relevância na estrutura total dos meios e fins Para cada pequena mudança ela teria que considerar apenas esses índices quantitativos ou valores no qual a informação relevante estaria concentrada e ao ajustar as quantidades uma a uma ela poderia reorganizar todos os elementos sem precisar retomar todo o quebracabeça desde o início nem precisar parar a cada etapa para analisar novamente todos os elementos e suas ramificações Basicamente em um sistema no qual o conhecimento dos fatos relevantes está disperso entre várias pessoas os preços podem servir para coordenar as diferentes ações de várias pessoas do mesmo modo como os valores subjetivos ajudariam aquela mente onisciente a coordenar as diferentes partes do seu plano Vale a pena contemplar por um instante um exemplo muito simples e comum do sistema de preços em ação para ver exatamente o que ele pode fazer Suponha por um instante que em algum lugar do mundo uma nova oportunidade de usar alguma matéria prima surgiu tomemos o estanho como exemplo ou então que alguma das fontes de estanho tenha sido eliminada Para o nosso exemplo não importa e é muito significativo que isso não importe qual dessas duas causas tenham aumentado a escassez de estanho Tudo que os usuários de estanho precisam saber é que parte do estanho que eles costumavam consumir agora está sendo usado com mais proveito em outro lugar e em decorrência disto eles precisam ser mais econômicos em seu uso Não é preciso nem que boa parte deles saiba de onde essa demanda mais urgentemente surgiu nem mesmo em prol de quê eles irão poupar esses recursos Basta que alguns deles saibam diretamente da existência da nova demanda e transfiram recursos para ela que algumas outras pessoas percebam o vazio que foi então criado e ajam para preenchêlo com recursos de outras fontes e então o efeito irá rapidamente se espalhar por todo o sistema econômico influenciando não apenas todos os usos do estanho mas também os usos dos seus substitutos e dos substitutos desses substitutos assim como a oferta de todas as coisas feitas de estanho e a dos seus substitutos dessas coisas e assim por diante e tudo isso ocorre sem que a grande maioria daqueles que realizam essas substituições saiba nada sobre a causa original dessas mudanças O todo age como se fosse um único mercado mas isso não ocorre porque cada um dos seus membros pôde analisálo como um todo mas sim porque os campos limitados da visão de cada um tinham alcance suficiente para que através de inúmeros intermediários a informação relevante fosse comunicada para todos O mero fato de que há um preço para cada bem ou melhor dizendo que cada preço local está ligado de certa forma com o custo de transportálo para esse local e assim por diante traz a mesma solução que uma única mente dotada de todas as informações embora ela seja apenas uma possibilidade imaginária teria alcançado ainda que essas informações na verdade estejam dispersas entre todas as pessoas envolvidas no processo VI Precisamos entender o sistema de preços como um mecanismo de transmissão de informações para podermos entender sua verdadeira função uma função que ele cumpre evidentemente com menos perfeição na medida em que os preços se tornam mais rígidos Mas mesmo quando preços tabelados se tornam extremamente rígidos as forças que normalmente atuariam causando mudanças no preço permanecem agindo exercendo uma influência considerável sobre as mudanças em outros aspectos dos contratos O principal aspecto desse sistema é a economia de conhecimento com que ele opera ou em outros termos é quão pouco os participantes individuais precisam saber para ser capazes de tomar as decisões corretas De forma abreviada por meio de um certo tipo de símbolo apenas a informação mais essencial é transmitida adiante e apenas para aqueles que estão interessados nela Não seria apenas uma metáfora se disséssemos que o sistema de preços é tipo um caixa registrador ou um sistema de telecomunicações que permite aos produtores individuais observar apenas o movimento de alguns fatores do mesmo modo como um engenheiro pode se concentrar apenas nos consoles de alguns mostradores para adaptar as suas atividades às mudanças que eles conhecem apenas a partir do que é mostrado pelo movimento dos preços Evidentemente esses ajustes provavelmente nunca são perfeitos no sentido de perfeição que os economistas utilizam em suas análises sobre o equilíbrio econômico No entanto temo que nosso hábito teórico de abordar cada problema com a presunção de um conhecimento mais ou menos perfeito da parte de quase todos os envolvidos quase nos tenha cegado para a verdadeira função do mecanismo de preço levandonos a aplicar de forma enganosa padrões inadequados para julgar sua eficiência É maravilhoso que em uma situação na qual haja escassez de um tipo de matéria prima sem que nenhuma ordem seja dada sem que talvez não mais que um punhado de pessoas saibam a causa dessa escassez dezenas de milhares de pessoas cujas identidades jamais serão conhecidas mesmo depois de meses de investigação começam então a utilizar essa matéria ou seus subprodutos de maneira mais econômica ou seja todas elas agem na direção correta Isto em si mesmo é suficientemente maravilhoso mesmo que em um mundo de incertezas constantes nem tudo consiga se organizar tão perfeitamente para que suas porcentagens de lucros se mantenham constantemente no mesmo nível considerado normal Usei deliberadamente a palavra maravilha para chocar o leitor e retirálo da complacência com que costumamos dar como certo o funcionamento desse mecanismo Estou convencido de que se isso fosse o resultado de um projeto humano consciente e que as pessoas guiadas pelas mudanças dos preços soubessem que suas decisões possuem uma importância muito maior do que a realização dos seus fins imediatos então esse mecanismo seria louvado como um dos maiores triunfos da mente humana O seu azar é duplo nem ele é o fruto de um projeto humano nem as pessoas guiadas por ele costumam entender porque elas fazem as coisas que são levadas a fazer Mas aqueles que clamam por uma direção consciente e que não podem acreditar que algo que tenha sido criado sem um planejamento e de fato sem que nem mesmo alguém o compreendesse como um todo possa resolver problemas que nós mesmos não podemos resolver conscientemente devem lembrarse do seguinte o problema é precisamente de como expandir a extensão da utilização dos recursos além da extensão do entendimento de um único indivíduo e portanto tratase de um problema de como administrar a necessidade de controle consciente e de como dar incentivos para os indivíduos tomarem as decisões desejáveis sem que alguém lhes diga o que fazer O problema de que estamos tratando aqui de forma alguma diz respeito exclusivamente à economia pois ele surge junto com quase todos os outros verdadeiros fenômenos sociais com a linguagem e boa parte da nossa herança cultural constituindo de fato o problema central de toda ciência social Como Alfred Whitehead disse em relação a outra coisa Um truísmo profundamente falso repetido por todos os manuais e nos discursos das pessoas eminentes diz que devemos cultivar o hábito de pensar sobre o que estamos fazendo O oposto é que é verdadeiro A civilização progride quando aumentamos o número de trabalhos importantes que podemos realizar sem pensar neles Isso possui uma profunda importância no campo social Usamos constantemente fórmulas símbolos e regras cujo significado não entendemos mas por meio dos quais podemos ter acesso a conhecimentos que individualmente não possuímos Criamos essas práticas e instituições tomando como base os hábitos e instituições que se mostraram bem sucedidos em suas próprias esferas e que se tornaram a fundação em cima da qual construímos a civilização O sistema de preços é apenas uma dessas criações que o homem aprendeu a usar embora ele ainda esteja longe de ter aprendido a usálo perfeitamente depois que se deparou com ele mesmo antes de entendêlo Por meio dele não apenas a divisão de trabalho mas também o uso coordenado de recursos baseado em conhecimentos amplamente divulgados se tornam possíveis As pessoas que gostam de ridicularizar qualquer sugestão de que é assim que as coisas funcionam distorcem nosso argumento ao insinuar que estamos dizendo que é por algum milagre que um sistema como esse se desenvolveu espontaneamente tornandose o mais adequado para a civilização moderna Tratase exatamente do contrário o homem pode criar essa divisão do trabalho sobre a qual a nossa civilização se sustenta justamente porque ele se deparou com um método que a tornou possível Caso isso não tivesse ocorrido ele talvez tivesse desenvolvido um tipo inteiramente diferente de civilização talvez o Estadodos cupins ou outra coisa totalmente inimaginável Tudo que podemos dizer é que até agora ninguém conseguiu produzir um sistema alternativo no qual certas características do sistema existente que são respeitadas mesmo por aqueles que o atacam violentamente possam ser preservadas especialmente em relação à capacidade do indivíduo de escolher seus objetivos e conseqüentemente de dispor livremente de suas habilidades e conhecimento VII Por vários motivos é ótimo que a necessidade do sistema de preços para qualquer cálculo racional em uma sociedade complexa já não seja mais objeto de discussão apenas entre grupos com opiniões políticas distintas A tese segundo a qual sem o sistema de preços nós não poderíamos preservar uma sociedade baseada numa divisão de trabalho tão extensiva quanto a nossa foi recebida com gritos de chacota quando Mises a apresentou há vinte e cinco anos Hoje os argumentos que alguns ainda apresentam para rejeitar essa tese não são mais exclusivamente políticos e isso cria um atmosfera muito mais receptível a discussões ponderadas Quando vemos Leon Trostky argumentando que o cálculo econômico é inimaginável sem as relações de mercado quando o professor Oscar Lange promete ao professor von Mises uma estátua de mármore no futuro Diretório de Planejamento Central e quando o professor Abba P Lerner redescobre Adam Smith enfatizando que a utilidade essencial do sistema de preços consiste em induzir o indivíduo a fazer aquilo que é do interesse geral no instante em que busca realizar seus próprios interesses então as divergências já não podem ser atribuídas a preconceitos políticos Os dissidentes restantes parecem claramente divergir dessa posição por motivos puramente intelectuais e mais particularmente por causa de diferenças metodológicas Uma declaração recente do professor Joseph Schumpeter em seu Capitalismo Socialismo e Democracia Capitalism Socialism and Democracy New York Harper 1942 p 175 O professor Schumpeter é me parece o responsável pela criação do mito segundo o qual Pareto e Barone teriam resolvido o problema do cálculo econômico no socialismo O que eles e muitos outros fizeram foi apenas elencar as condições que deveriam ser satisfeita para uma alocação racional de recursos e observar que essas condições eram essencialmente as mesmas do estado de equilíbrio de um mercado competitivo Isso é inteiramente diferente de saber como a alocação de recursos segundo essas condições pode ser observada na prática O próprio Pareto de quem Barone praticamente tomou quase tudo que tinha a dizer longe de declarar ter resolvido esse problema prático de fato negou explicitamente que ele poderia ser resolvido sem o auxílio do mercado Vejam o seu Manuel déconomie pure 2d ed 1927 pp 23334 Manual de economia pura As passagens relevantes estão citadas em uma tradução inglese no início do meu artigo Socialist Calculation The Competitive Solution O cálculo socialista a solução competitiva in Economica New Series Vol VIII No 26 May 1940 p 125 Copyright 2008 by the American Economic Association Hayek Friedrich A American Economic Review XXXV No 4 Setembro de 1945 pp 51930 REDAÇÃO CONTRASTANDO OS TEXTOS DE KEYNES E HAYEK John Maynard Keynes e Friedrich August von Hayek são dois dos economistas mais influentes do século XX e suas ideias frequentemente contrastam em relação às políticas econômicas e à função do conhecimento no mercado Nos textos indicados A Teoria Geral do Emprego do Juro e da Moeda de Keynes e Os Usos do Conhecimento na Sociedade de Hayek ambos autores discutem a incerteza sobre o estado dos mercados especialmente no futuro mas derivam conclusões completamente diferentes sobre como lidar com esse fato No capítulo 12 de A Teoria Geral do Emprego do Juro e da Moeda Keynes explora como as expectativas a longo prazo influenciam o volume de investimento Ele argumenta que as expectativas sobre a renda futura de um ativo são baseadas tanto em fatos conhecidos quanto em eventos futuros incertos Keynes destaca que a formação dessas expectativas é um processo psicológico complexo onde a confiança desempenha um papel essencial Ele afirma que devido à incerteza inerente ao futuro os investidores muitas vezes baseiam suas decisões em fatos presentes projetandoos no futuro a menos que haja razões concretas para esperar mudanças Isso pode levar a uma instabilidade nas expectativas e consequentemente nos investimentos Keynes sugere que em face dessa incerteza a intervenção governamental pode ser necessária para estabilizar a economia promovendo um ambiente onde as expectativas dos investidores sejam mais previsíveis e confiáveis Por outro lado em Os Usos do Conhecimento na Sociedade Hayek argumenta que o problema econômico fundamental é a dispersão do conhecimento entre os indivíduos Ele critica a ideia de que uma única mente ou uma autoridade principal possa possuir todas as informações necessárias para tomar decisões econômicas racionais Hayek enfatiza que o conhecimento relevante para a tomada de decisões está distribuído entre muitos indivíduos cada um possuindo informações específicas sobre suas próprias circunstâncias e recursos Hayek defende que a melhor forma de utilizar esse conhecimento disperso é através de um sistema de preços em um mercado competitivo onde os preços funcionam como sinais que coordenam as ações dos indivíduos Ele argumenta que a descentralização do planejamento econômico permitindo que as decisões sejam tomadas por muitos indivíduos independentes é mais eficiente do que qualquer forma de planejamento centralizado Para Hayek a competição é o mecanismo que melhor lida com a imperfeição do conhecimento pois permite a utilização mais completa e eficiente das informações disponíveis As conclusões de Keynes e Hayek sobre como lidar com a imperfeição do conhecimento são diametralmente opostas Keynes vê a incerteza como uma justificativa para a intervenção estatal argumentando que o governo pode ajudar a estabilizar as expectativas dos investidores e assim promover um ambiente econômico mais estável Ele sugere políticas como a regulação dos mercados financeiros e a implementação de programas de investimento público para compensar a volatilidade do investimento privado Em contraste Hayek acredita que a intervenção estatal é problemática porque nenhuma autoridade principal pode possuir todo o conhecimento necessário para tomar decisões econômicas eficazes Ele defende que a descentralização e a competição são as melhores formas de lidar com a incerteza e a dispersão do conhecimento Hayek sugere que políticas que promovam a liberdade de mercado e a competição são mais eficazes para garantir a utilização eficiente dos recursos e a coordenação das ações econômicas Em resumo enquanto Keynes e Hayek concordam que o conhecimento sobre o estado dos mercados é incerto eles divergem profundamente sobre como lidar com esse fato Keynes advoga por uma maior intervenção estatal para estabilizar a economia enquanto Hayek defende a descentralização e a competição como os melhores meios para aproveitar o conhecimento disperso na sociedade Essas diferenças refletem suas visões mais amplas sobre o papel do governo e do mercado na economia e continuam a influenciar debates econômicos até hoje
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Capítulo 12 O ESTADO DA EXPECTATIVA A LONGO PRAZO I Vimos no capítulo anterior que o volume de investimento depende da relação entre a taxa de juros e a curva da eficiência marginal do capital correspondente aos diferentes volumes de investimento corrente ao passo que a eficiência marginal do capital depende da relação entre o preço de oferta de um ativo de capital e a sua renda esperada No presente capítulo examinaremos mais detalhadamente alguns dos fatores que determinam a renda esperada de um ativo As considerações sobre as quais se baseiam as expectativas de rendas esperadas são em parte fatos existentes que se pode supor sejam conhecidos mais ou menos com certeza e em parte eventos futuros que podem ser previstos com um maior ou menor grau de confiança Entre os primeiros destacase o volume existente dos vários tipos de bens de capital e os ativos de capital em geral bem como a intensidade da procura atual dos consumidores no tocante a artigos que requerem para que sua produção seja eficiente uma assistência maior de capital Entre os segundos figuram as mudanças do tipo e da quantidade do estoque dos bens de capital e as preferências dos consumidores a intensidade da procura efetiva nos diversos períodos da vida do investimento considerado e por fim as variações da taxa de salário em termos nominais que podem ocorrer durante o respectivo período Podemos resumir o estado da expectativa psicológica resultante dos segundos fatores na expressão estado da expectativa a longo prazo salientandose que deve ser feita a distinção da expectativa a curto praxo com base na qual os produtores fazem a estimativa do que poderão obter pelo produto acabado no caso de decidirem iniciar sua produção hoje com as instalações existentes e que examinamos no Capítulo 5 II Seria insensato na formação de nossas expectativas atribuir grande importância a tópicos que para nós são muito incertos1 É portanto razoável que nos deixemos guiar em grande parte pelos fatos que merecem nossa confiança mesmo se sua relevância for menos decisiva para os resultados esperados do que outros fatos a respeito dos quais o nosso conhecimento é vago e limitado Por essa razão os fatos atuais desempenham um papel que em certo sentido podemos julgar desproporcional na formação de nossas expectativas a longo prazo sendo que o nosso método habitual consiste em considerar a situação atual e depois projetála no futuro modificandoa apenas à medida que tenhamos razões mais ou menos definidas para esperarmos uma mudança O estado da expectativa a longo prazo que serve de base para as nossas decisões não depende portanto exclusivamente do prognóstico mais provável que possamos formular Depende também da confiança com a qual fazemos este prognóstico à medida que ponderamos a probabilidade de o nosso melhor prognóstico revelarse inteiramente falso Se esperarmos grandes mudanças mas não tivermos certeza quanto à forma precisa com que tais mudanças possam ocorrer nosso grau de confiança será então fraco O estado de confiança que é o termo comumente empregado constitui uma matéria à qual os práticos homens dedicam a mais cuidadosa e desvelada atenção Todavia os economistas não analisaram esta matéria com o devido cuidado e se limitaram no mais das vezes a discutila em termos gerais Em particular não se demonstrou com clareza que sua relevância relativamente aos problemas econômicos decorre da considerável influência que exerce sobre a curva da eficiência marginal do capital Não se trata de dois fatores distintos exercendo influência sobre o fluxo de investimento ou seja a escala de eficiência marginal do capital e o estado de confiança O estado de confiança é relevante pelo fato de ser um dos principais fatores que determinam essa escala a qual é idêntica à curva da demanda de investimento Entretanto não há muito para se falar a priori a respeito do estado de confiança Nossas conclusões devem fundamentarse principalmente na observação prática dos mercados e da psicologia dos negócios Esta é a razão pela qual a digressão que se segue está colocada em um nível diferente de abstração relativamente à maior parte do presente livro Para simplificar a exposição na discussão que se segue sobre o estado de confiança suporemos que não há nenhuma variação da taxa de juros discorreremos nas seções seguintes como se as variações dos valores de investimento fossem provenientes exclusivamente de mudanças nas expectativas de suas rendas esperadas e jamais das variações da taxa de de juros sobre cuja base estas rendas prováveis são capitalizadas É entretanto fácil sobrepor o efeito das variações da taxa de juros ao efeito das variações do estado de confiança III O fato de maior importância é a extrema precariedade da base do conhecimento sobre o qual temos que fazer os nossos cálculos das rendas esperadas O nosso conhecimento dos fatores que regularão a renda de um investimento alguns anos mais tarde é em geral muito limitado e com frequência desprezível Se falarmos com franqueza temos de admitir que as bases do nosso conhecimento para calcular a renda provável dentro de dez anos de uma estrada de ferro uma mina de cobre uma fábrica de tecidos a aceitação de um produto farmacêutico um navio transatlântico ou um imóvel no centro comercial de Londres significam e às vezes a nada levam De fato aqueles que tentam com seriedade fazer um cálculo desta natureza constituem uma pequena minoria cuja conduta não chega a influenciar o mercado Em outros tempos quando as empresas pertenciam quase todas aos que as tinham fundado ou aos seus amigos e sócios o investimento dependia da existência de um número suficiente de indivíduos de temperamento entusiástico e de impulsos construtivos que empreendessem negócios como uma maneira de viver sem realmente tomar como base os cálculos precisos de lucros prováveis Os negócios eram em parte uma loteria embora o resultado final fosse predominantemente determinado pelo fato de serem as aptidões e o temperamento dos dirigentes superiores ou inferiores à média Uns fracassariam outros seriam ben sucedidos Mas mesmo após o acontecimento ninguém ficava sabendo se a média dos resultados em relação às somas investidas era superior igual ou inferior à taxa de juros prevalecente contudo se excluirmos a exploração dos recursos naturais e a dos monopólios é provável que a média efetiva dos resultados dos investimentos mesmo em períodos de progresso e prosperidade tenha frustado as esperanças que inspiraram tal acontecimento Os homens de negócio fazem um jogo que é uma mescla de habilidade e de sorte cujos resultados médios são desconhecidos pelos jogadores que dele participam Se a natureza humana não sentisse a tentação de arriscar a sorte nem de sentir a satisfação excluindose o lucro de construir uma fábrica uma estrada de ferro de explorar uma mina ou uma fazenda provavelmente não haveria muitos investimentos como mero resultado de cálculos frios Todavia as decisões de investir em negócios privados do tipo antigo eram em grande parte irrevogáveis não só para a comunidade em geral como também para os indivíduos Com a separação entre a propriedade e a gestão que prevalece atualmente e com o desenvolvimento de mercados financeiros organizados surgiu um novo fator de grande importância que às vezes facilita o investimento mas que às vezes con tribui sobremaneira para agravar a instabilidade do sistema Na ausência de bolsas de valores não há motivo para se procurar com frequência reavaliar os investimentos que fazemos Mas a bolsa de valores reavalia todos os dias os investimentos e estas reavaliações proporcionam a oportunidade freqüente a cada indivíduo embora isto não ocorra para a comunidade como um todo de rever suas aplicações É como se um agricultor tendo examinado seu barômetro após o café da manhã pudesse decidir retirar seu capital da atividade agrícola entre as dez e as onze da manhã para reconsiderar se deveria investilo mais tarde durante a semana Todavia as reavaliações diárias da bolsa de valores embora se destinem principalmente a facilitar a transferência de investimentos já realizados entre indivíduos exercem inevitavelmente uma influência decisiva sobre o montante do investimento corrente Isso porque não há nenhum sentido em se criar uma empresa nova a um custo maior quando se pode adquirir uma empresa similar existente por um preço menor ao passo que há uma indução para se aplicarem recursos em um novo projeto que possa parecer exigir uma soma exorbitante desde que esse empreendimento possa ser liquidado na bolsa de valores com um lucro imediato¹ Destarte certas categorias de investimento são reguladas pela expectativa média dos que negociam na bolsa de valores tal como se manifesta no preço das ações em vez de expectativas genuínas do empresário² profissional Como se realizam então na prática estas reavaliações dos investimentos existentes que ocorrem todos os dias mesmo todas as horas e que são de suma importância IV Na prática concordamos geralmente em recorrer a um método que é na verdade uma convêncão A essência desta convêncão embora ela nem sempre funcione de uma forma tão simples reside em se supor que a situação existente dos negócios continuará por tempo indefinido a não ser que tenhamos razões concretas para esperar uma mudança Isto não quer dizer que na realidade acreditamos na duração indefinida do estado atual dos negócios A vasta experiência ensina que tal hipótese é muito improvável Os resultados reais de um investimento no decorrer de vários anos raras vezes coincidem com as previsões originais Também não podemos racionalizar a nossa atitude argumentando que para um homem em estado de ignorância os erros em qualquer sentido são igualmente prováveis e que portanto subiste uma esperança estatística baseada em probabilidades iguais Isso porque podemos facilmente demonstrar que a hipótese de probabilidades aritmeticamente iguais baseada em um estado de ignorância conduz a absurdos Efetivamente estamos supondo que a avaliação do mercado existente seja qual for a maneira que ela se chegou é singularmente correta em relação ao nosso conhecimento atual dos fatos que influirão sobre a renda do investimento e só mudará na proporção em que variar o dito conhecimento embora no plano filosófico essa avaliação não possa ser univocamente correta uma vez que o nosso conhecimento atual não nos fornece as bases suficientes para uma esperança matematicamente calculada De fato nas avaliações do mercado intervém toda a espécie de considerações que são de modo algum relevantes para a renda esperada Entretanto o método convencional de cálculo acima indicado será compatível com um considerável grau de continuidade e estabilidade em nossos negócios enquanto pudermos confiar na continuação do raciocínio Se existem mercados organizados de investimento e desde que possamos confiar na continuação do argumento o investidor pode legitimamente encorajarse com a idéia de que não corre outro risco senão aquele de uma variação efetiva nas condições do futuro imediato sobre cuja probabilidade pode tentar formar uma opinião pessoal e que não é provável seja cotada em alto nível Na suposição de que o raciocínio subsista estas mudanças são as únicas que podem afetar o valor do seu investimento e ele não terá de perder o sono pelo simples fato de não ter nenhuma idéia do valor que o seu investimento terá dez anos mais tarde Desse modo o investimento tornase razoavelmente seguro para o investidor individual em períodos curtos e por conseqüência para uma sucessão de tais períodos por mais numerosos que sejam desde que ele possa razoavelmente confiar na validade do raciocínio e portanto tenha a oportunidade de rever suas decisões e modificar o investimento antes que haja tempo suficiente para que ocorram grandes alterações Assim os investimentos que são fixos para a comunidade tornamse líquidos para o indivíduo Estou certo de que os nossos principais mercados de investimento se desenvolveram baseados em procedimentos parecidos Todavia não é de se surpreender que um argumento em certos aspectos tão arbitrário apresente seus pontos fracos É a sua precariedade que cria uma parte considerável do problema contemporâneo de obtenção de um volume suficiente de investimentos V Podem ser mencionados brevemente alguns dos fatores que agravam essa precariedade 1 Como resultado do aumento gradual da proporção que representam no investimento agregado de capital da comunidade as ações possuídas por pessoas que não dirigem nem têm conhecimento especial das circunstâncias reais ou esperadas dos negócios em questão há uma séria redução do elemento de real conhecimento na avaliação desses investimentos feita pelos que os possuem ou pelos que tencionam adquirilos 2 As flutuações de curto prazo dos lucros nos investimentos existentes embora sejam manifestamente efêmeras e desprovidas de significação tendem a exercer sobre o mercado uma influência excessiva e mesmo absurda Dizse por exemplo que as ações das empresas norteamericanas que fabricam gelo podem ser vendidas a um preço mais elevado no verão quando os seus lucros são sazonalmente elevados do que no inverno quando ninguém quer gelo A ocorrência de feriados bancários mais prolongados pode aumentar o valor de mercado do sistema ferroviário britânico em vários milhões de libras 3 Uma avaliação convencional fruto da psicologia de massa de grande número de indivíduos ignorantes está sujeita a modificações violentas em conseqüência de repentinas mudanças na opinião suscitada por certos fatores que na realidade pouco significam para a renda provável já que essa avaliação carece de raízes profundas que permitam sua sustentação Em períodos anormais em particular quando a hipótese de uma continuação indefinida do estado atual dos negócios é menos plausível do que usualmente mesmo que não existam motivos concretos para prever determinada mudança o mercado estará sujeito a ondas de sentimentos otimistas ou pessimistas que são pouco razoáveis e ainda assim legítimos na ausência de uma base sólida para cálculos satisfatórios 4 Há porém uma característica especial que merece a nossa atenção Talvez se tenha suposto que a concorrência entre os profissionais competentes dotados de julgamento mais seguro e de conhecimentos mais amplos do que o investidor privado médio corrigiria os devaneios do indivíduo ignorante e à mercê de sua própria iniciativa Sucede porém que as energias e as habilidades do investidor profissional e do especulador estão principalmente aplicadas de outra maneira Com efeito a maioria deles dedicase não a fazer previsões abalizadas a longo prazo sobre a renda provável de um investimento por toda sua vida mas em prever mudanças de curto prazo com certa antecedência em relação ao público em geral Não se preocupam com o que realmente significa um valor de investimento para o indivíduo que o comprou para guardar mas com o valor que lhe atribuirá o mercado dentro de três meses ou um ano sob a influência da psicologia de massas Ademais esta conduta não é o resultado de uma propensão mal direcionada mas a conseqüência inevitável de um mercado financeiro organizado segundo as normas descritas Na verdade seria insensato pagar 25 por um investimento cuja renda esperada supõese justifica um valor de 30 se por outro lado se acredita que o mercado o avaliará em 20 três meses depois Dessa maneira o investidor profissional sentese forçado a estar alerta para antecipar essas variações iminentes nas notícias ou na atmosfera que como demonstra a experiência são as que exercem maior influência sobre a psicologia coletiva do mercado Este é o resultado inevitável dos mercados financeiros organizados em torno da chamada liquidez Entre as máximas da finança ortodoxa seguramente nenhuma é mais antisocial que o fetiche da liquidez a doutrina que diz ser uma das virtudes positivas das instituições investidoras concentrar seus recursos na posse de valores líquidos Ela ignora que não existe algo como a liquidez do investimento para a comunidade como um todo A finalidade social do investimento bem orientado deveria ser o domínio das forças obscuras do tempo e da ignorância que rodeiam o nosso futuro O objetivo real e secreto dos investimentos mais habilmente efetuados em nossos dias é sair disparado na frente como se diz coloquialmente estimular a multidão e transferir adiante a moeda falsa ou em depreciação Esta luta de esperteza para prever com alguns meses de antecedência as bases da avaliação convencional muito mais do que a renda provável de um investimento durante anos nem sequer exige que haja idiotas no público para encher a pança dos profissionais a partida pode ser jogada entre estes mesmos Também não é necessário que alguns continuem acreditando ingenuamente que a base convencional de avaliação tenha qualquer validez real a longo prazo Tratase por assim dizer de brincadeiras como o jogo do anel a cabracega as cadeiras musicais É preciso passar o anel ao vizinho antes de o jogo acabar agarrar o outro para ser por este substituído encontrar uma cadeira vaga antes que a música pare Estes passatempos podem constituir agradáveis distrações e despertar muito entusiasmo embora todos os participantes saibam que é a cabracega que está dando voltas a esmo ou que quando a música pára alguém ficará sem assento Para variar um pouco de metáfora o investimento por parte de profissionais pode ser comparado aos concursos organizados pelos jornais onde os participantes têm de escolher os seis rostos mais belos entre uma centena de fotografias ganhando o prêmio o competidor cuja seleção corresponda mais aproximadamente à média das preferências dos competidores em conjunto assim cada concorrente deverá escolher não os rostos que ele próprio considere mais bonitos mas os que lhe parecem mais próprios a reunir as preferências dos outros concorrentes os quais encararam o problema do mesmo ponto de vista Não se trata de escolher os rostos que no entender de cada um são realmente os mais lindos nem mesmo aqueles que a opinião geral considere realmente como tais Alcançamos o terceiro grau no qual empregamos a nossa inteligência em antecipar o que a opinião geral espera que seja a opinião geral E há pessoas segundo creio que vão até o quarto e o quinto grau ou mais longe ainda Talvez o leitor observe que durante um período bastante longo um indivíduo inteligente e indiferente ao passatempo da moda pode realizar 128 129 grandes lucros à custa de outros jogadores se persistir fazendo investimentos de acordo com as suas mais perfeitas expectativas a longo prazo A isto convém responder desde logo que existem na verdade pessoas com este tipo de mentalidade séria e que de fato para um mercado de investimento haverá uma enorme diferença dependendo da influência que essas pessoas exerçam sobre a opinião dos jogadores Mas devemos acrescentar que diversos fatores afetam a predominância de tais pessoas nos modernos mercados de capital O investimento baseado nas previsões autênticas a longo prazo é hoje tão difícil que mal pode ser posto em prática Os que tentarem fazêlo poderão estar certos de passar dias de trabalho muito intenso e de correr riscos muito maiores que os que tentam adivinhar as reações do público melhor que o próprio público e dada igual inteligência eles podem cometer erros muito mais desastrosos Não há evidência clara a demonstrar que a política de investimento socialmente mais vantajosa coincida com a mais lucrativa É preciso mais inteligência para derrotar as forças do tempo e da nossa ignorância sobre o futuro do que para sair na frente Além disso a vida não é bastante longa para essa tarefa a natureza humana exige sucessos imediatos há um deleite especial em ganhar dinheiro rapidamente e os lucros remotos são descontados pelo homem médio a taxas muito elevadas O jogo dos investidores profissionais é intoleravelmente fastidioso e demasiado exigente para quem não tenha absolutamente o instinto de jogador quem o tem há de pagar o correspondente tributo por essa inclinação Mais ainda o investidor que se proponha a ignorar as flutuações de muito curto prazo do mercado necessita maiores recursos para a sua segurança e não deve operar em tão larga escala se é que opera em alguma com dinheiro emprestado uma razão a mais para que dada a igualdade de inteligência e de recursos lhe seja mais vantajoso dedicarse ao passatempo Finalmente o investidor a longo prazo é aquele que melhor serve o interesse público e é o que na prática incorre em maior crítica ao passo que os fundos de investimento são manejados por comissões ou bancos1 pois em essência sua conduta é excêntrica inconvencional e temerária aos olhos da opinião média Se obtém êxito isso apenas confirmará a crença geral na sua temeridade se no final de contas sofre reveses momentâneos poucos serão os que dele se compadecerão A sabedoria universal indica ser melhor para a reputação fracassar junto com o mercado do que vencer contra ele 5 Até agora tivemos em vista principalmente o estado de confiança do próprio especulador ou investidor especulativo e talvez pareça que tenhamos suposto implicitamente que se ele está satisfeito com suas próprias perspectivas tem acesso ilimitado ao dinheiro à taxa de juro do mercado Tal não é evidentemente o caso Por isso devemos considerar também outro aspecto do estado de confiança ou seja o grau de confiança que as instituições de crédito concedem às pessoas que nelas procuram empréstimos e que às vezes se denominam condições de crédito Uma baixa violenta no preço das ações que produz um efeito desastroso sobre a eficiência marginal do capital pode ser provocada pelo enfraquecimento seja da confiança especulativa seja das condições de crédito Mas enquanto o debilitamento de qualquer dos dois fatores é suficiente para determinar uma queda violenta a recuperação exige que ambos sejam restaurados pois conquanto o enfraquecimento do crédito seja bastante para levar a uma crise o seu fortalecimento embora uma condição necessária da recuperação não é condição suficiente VI Estas considerações não deveriam sair do campo da análise econômica Contudo convém colocálas em sua devida perspectiva Se me é permitido aplicar o termo especulação à atividade que consiste em prever a psicologia do mercado e o termo empreendimento à que consiste em prever a renda provável dos bens durante toda sua existência de modo algum se pode dizer que a especulação sempre prevaleça sobre o empreendimento À medida que progride a organização dos mercados de investimento o risco de um predomínio da especulação entretanto aumenta Num dos maiores mercados de investimento do mundo a saber o de New York a influência da especulação no sentido da palavra acima exposto é enorme Mesmo fora do campo das finanças a tendência dos americanos é atribuir um interesse excessivo na descoberta do que a opinião julga ser a opinião média e este pender nacional encontra seu castigo na Bolsa de Valores Dizse ser raro um americano investir como o fazem ainda muitos ingleses para obter uma renda e que somente na expectativa de um ganho de capital está disposto a adquirir um título Isto é apenas outra maneira de dizer que quando um americano compra um investimento está colocando suas esperanças não tanto em sua renda provável mas em uma mudança favorável nas bases convencionais de avaliação ou seja que ele é o sentido dado acima um especulador Os especuladores podem não causar dano quando são apenas bolhas num fluxo constante de empreendimento mas a situação tornase séria quando o empreendimento se converte em bolhas no turbilhão especulativo Quando o desenvolvimento do capital em um país se converte em suproduto das atividades de um cassino o trabalho tende a ser mal feito A medida do êxito obtido por Wall Street considerada uma instituição cuja finalidade social precipua é conduzir os novos investimentos pelos canais mais produtivos em termos de rendimento futuro não pode ser apontada como um dos mais brilhantes triunfos do capitalismo do tipo laissezfaire o que não é de surpreender se é verdade como penso que os mais brilhantes cérebros de Wall Street se orientam de fato para um fim diferente Estas tendências são uma conseqüência quase inevitável do êxito de se terem organizado os mercados de investimentos líquidos Admitese em geral que no próprio interesse do público o acesso a cassinos deve ser difícil e dispendioso E talvez o mesmo deveria acontecer no caso 130 131 das Bolsas de Valores O fato de que os pecados da Bolsa de Valores de Londres tenham sido menores do que os de Wall Street talvez não se deva tanto a diferenças nos temperamentos nacionais como à circunstância de que para o inglês mediano Throgmorton Street é inacessível e muito dispendiosa comparada com Wall Street para o mesmo tipo de norteamericano A proporção dos jogadores as altas comissões de corretagem e as pesadas taxas sobre transferências que se pagam ao Tesouro gastos que acompanham todas as transações na Bolsa de Valores de Londres reduzem a liquidez do mercado embora a prática das liquidações quinzenais opere em sentido inverso o suficiente para eliminar grande parte das operações características de Wall Street1 A criação de um elevado imposto sobre as transferências para todas as transações talvez fosse a mais salutar das medidas capazes de atenuar nos Estados Unidos o predomínio da especulação sobre o empreendimento O espetáculo dos mercados financeiros modernos levoume algumas vezes a concluir que se as operações de compra de um investimento fossem tornadas definitivas e irrevogáveis à maneira do casamento salvo em caso de morte ou por outro motivo grave os males da nossa época seriam com grande utilidade aliviados Isso obrigaria os investidores a dirigir sua atenção apenas para as perspectivas a longo prazo Basta porém um momento de reflexão para compreender que semelhante método nos leva a um dilema e nos mostra que se a liquidez do mercado financeiro às vezes dificulta um novo investimento em compensação facilitao com mais freqüência isso porque o fato de cada investidor individualmente considerado ter a ilusão de que participa de um negócio líquido embora isso não possa ser verdadeiro para todos os investidores coletivamente acalmalhe os nervos e animao muito mais a correr o risco Se as aquisições individuais de valores de investimento perdessem sua liquidez daí poderiam resultar sérias dificuldades para os investimentos novos sempre que se oferecessem aos indivíduos outros meios de conservar suas economias Aqui jaz o dilema À medida que um indivíduo possa empregar sua riqueza entesourando ou emprestando dinheiro a alternativa de adquirir bens reais de capital não seria bastante atraente sobretudo para a pessoa que não maneja esses bens e pouco sabe a respeito deles exceto organizando mercados onde esses bens possam converterse facilmente em dinheiro O único remédio radical para as crises de confiança que afligem a vida econômica do mundo moderno seria restringir a escolha do indivíduo à única alternativa de consumir a sua renda ou servirse dele para encomendar a produção de bens específicos de capital que embora com evidência precária se lhe afiguram o investimento mais interessante ao seu alcance Talvez em certos momentos quando se visse mais do que de costume assoberbado por dúvidas a respeito do futuro a perplexidade o levasse a consumir mais e a realizar menos investimentos novos mas isto evitaria as repercussões desastrosas cumulativas e de amplo alcance oriundas do fato de poder absterse de gastar a sua renda de uma ou de outra forma Os qui vinham insistindo nos perigos sociais resultantes do entesouramento da moeda tinham em vista naturalmente considerações análogas a estas Contudo não deram a devida atenção à possibilidade de que o fenômeno pode ocorrer sem modificação alguma ou pelo menos sem uma variação apreciável no entesouramento da moeda VII Além da causa devida à especulação a instabilidade econômica encontra outra causa inerente à natureza humana no fato de que grande parte das nossas atividades positivas depende mais do otimismo espontâneo do que de uma expectativa matemática seja moral hedonista ou econômica Provavelmente a maior parte das nossas decisões de fazer algo positivo cujo efeito final necessita de certo prazo para se produzir deva ser considerada como manifestação do nosso entusiasmo como um instintivo espontâneo de agir em vez de não fazer nada e não como resultado de uma média ponderada de lucros quantitativos multiplicados pelas probabilidades quantitativas O empreendedor procura convencer a si próprio de que a principal força motriz da sua atividade reside nas afirmações de seu propósito por mais ingênuas e sinceras que possam ser Basta que o empreendimento seja um pouco maior que uma expedição ao Pólo Sul para ser baseado no cálculo exato dos lucros futuros Dessa maneira ao se arrefecer o entusiasmo e ao vacilar o otimismo espontâneo ficamos na dependência apenas da previsão matemática e aí o empreendimento desfalec e morre embora o temor da perda seja tão desprovido de base lógica como eram antes as esperanças de ganhar Podese afirmar sem receio que a empresa que depende de esperanças futuras beneficia a comunidade como um todo A iniciativa individual porém somente será adequada quando a previsão razoável for secundada e sustentada pelo dinamismo de tal maneira que a idéia dos prejuízos finais que freqüentemente vence os pioneiros como a experiência prova tanto a nós quanta a eles é repelida do mesmo modo que o homem saudável repele a probabilidade de sua morte Isto significa infelizmente que não só as crises e as depressões têm a sua intensidade agravada como também que a prosperidade econômica depende excessivamente de um clima político e social que satisfaça ao tipo médio do homem de negócios Quando o temor de um governo trabalhista ou de New Deal deprime a empresa esta situação não é necessariamente conseqüência de previsões ou de manobras com finalidades políticas é o simples resultado de um transtorno no delicado equilíbrio do otimismo espontâneo Ao calcular as perspectivas que se oferecem ao investimento devemos levar em conta os nervos e a histeria além das 132 133 digestões e das reações às condições climáticas das pessoas de cuja atividade espontânea ele depende principalmente Não devemos concluir daí que tudo depende de ondas de psicologia irracional Pelo contrário o estado de expectativa a longo prazo é no mais das vezes estável e mesmo quando não o seja os outros fatores exercem seus efeitos compensatórios O que apenas desejamos lembrar é que as decisões humanas que envolvem o futuro sejam elas pessoais políticas ou econômicas não podem depender da estrita expectativa matemática uma vez que as bases para realizar semelhantes cálculos não existem e que o nosso impulso inato para a atividade é que faz girar as engrenagens sendo que a nossa inteligência faz o melhor possível para escolher o melhor que pode haver entre as diversas alternativas calculando sempre que se pode mas retraindose muitas vezes diante do capricho do sentimento ou do azar VIII Há além disso outros fatores importantes que tendem atenuar na prática os efeitos da nossa ignorância do futuro Em virtude do mecanismo do juro composto e da probabilidade de obsolescência com o correr do tempo existem numerosos investimentos individuais cuja renda provável está legitimamente dominada pelos rendimentos num futuro comparativamente próximo No caso da principal categoria de investimentos a prazo muito longo ou seja a construção o risco pode ser freqüentemente transferido do investidor para o inquilino ou pelo menos pode ser repartido entre ambos por meio de contratos a longo prazo ficando o risco compensado na mente do inquilino pela continuidade e segurança de seu direito de inquilinato No caso de outra classe importante de investimento a longo prazo as empresas de serviços públicos uma grande proporção da renda provável está praticamente garantida pelos privilégios de monopólio e pelo direito de aumentar as tarifas na medida necessária para manter certa margem estipulada Há finalmente uma categoria crescente de investimentos empreendida em sociedade ou garantida pelas autoridades públicas claramente influenciada pela presunção geral de haver vantagens sociais prováveis no investimento seja qual for seu resultado comercial dentro de uma larga margem e sem procurar saber se a esperança matemática da renda será pelo menos igual à taxa corrente de juros embora a taxa que a autoridade pública tenha de pagar possa ainda desempenhar um papel decisivo na determinação do volume das operações de investimento a que ela podese engajar Assim após haver plenamente assinalado a importância da influência das mudanças a curto prazo no estado das expectativas a longo prazo independentemente das variações na taxa de juros ainda devemos voltarnos a essa última que exerce de qualquer modo em circunstâncias normais grande influência embora não decisiva sobre o fluxo de investimento Só a experiência contudo pode mostrar até que ponto a admistração da taxa de juros é capaz de estimular continuamente um fluxo de investimento adequado Da minha parte sou presentemente algo cético quanto ao êxito de uma política meramente monetária orientada no sentido de exercer influência sobre a taxa de juros Encontrandose o Estado em situação de poder calcular a eficiência marginal dos bens de capital a longo prazo e com base nos interesses gerais da comunidade espero vêlo assumir uma responsabilidade cada vez maior na organização direta dos investimentos ainda mais considerandose que provavelmente as flutuações na estimativa do mercado da eficiência marginal dos diversos tipos de capital calculada na forma descrita antes serão demasiado grandes para que se possa compensálas por meio de mudanças viáveis na taxa de juros FA Hayek Os Usos do Conhecimento na Sociedade 1945 I Qual é o problema que buscamos resolver quando tentamos construir uma ordem econômica racional Partindo de alguns pressupostos amplamente aceitos a resposta é bastante simples Se detivéssemos todas as informações relevantes se pudéssemos tomar como ponto de partida um sistema de preferências estabelecido e se tivéssemos completo conhecimento dos meios disponíveis o resto do problema seria simplesmente uma questão de lógica Ou seja a resposta para a pergunta por qual é o melhor uso dos meios disponíveis está implícita em nossos pressupostos As condições que devem ser satisfeitas para a solução desse problema ideal foram completamente analisadas e podem ser melhor expostas em um modelo matemático sucintamente diríamos que as taxas marginais de substituição entre qualquer dois bens ou fatores devem ser as mesmas independentemente dos seus diferentes usos Este no entanto decididamente não é o problema econômico que a sociedade enfrenta e o cálculo econômico que desenvolvemos para resolver esse problema lógico embora seja um importante passo na direção da solução do problema econômico da sociedade não oferece ainda uma resposta para ele O motivo disto é que os dados totais da sociedade a partir dos quais são feitos os cálculos econômicos nunca são dados a uma única mente para que pudesse analisar as suas implicações e nunca serão O caráter peculiar do problema de uma ordem econômica racional se caracteriza justamente pelo fato de que o conhecimento das circunstâncias nas quais precisamos agir nunca existe de forma concentrada e integrada mas apenas como pedaços dispersos de conhecimento incompleto e freqüentemente contraditório distribuído por diversos indivíduos independentes O problema econômico da sociedade portanto não é meramente um problema de como alocar dados recursos se por dados entendermos algo que esteja disponível a uma única mente que possa deliberadamente resolver o problema com base nessas informações Ao invés disso o problema é de como garantir que qualquer membro da sociedade fará o melhor uso dos recursos conhecidos para fins cuja importância relativa apenas estes indivíduos conhecem Ou para dizêlo sucintamente o problema é o da utilização de um conhecimento que não está disponível a ninguém em sua totalidade O caráter fundamental desse problema tem sido infelizmente obscurecido e não iluminado por muitos dos recentes refinamentos na teoria econômica e em particular pelos usos variados da matemática Embora o problema de que eu queira tratar primordialmente nesse artigo seja o problema da organização de uma economia racional para seguir esse caminho precisarei de repetidamente chamar atenção para as ligações íntimas que esse problema possui com certas questões metodológicas Muitos dos argumentos que pretendo apresentar são de fato conclusões alcançadas por meio de diferentes caminhos de raciocínio que inesperadamente convergiram Mas do modo como eu hoje entendo essas questões essa convergência não é uma coincidência Pareceme que muitas das divergências que surgem tanto no campo da teoria econômica quanto no da política econômica possuem uma origem comum em uma má compreensão da natureza do problema econômico da sociedade Essa má compreensão por sua vez se deve a uma aplicação indevida de hábitos mentais desenvolvidos para lidar com problemas da natureza aos fenômenos sociais II Na linguagem comum definimos a palavra planejar como o conjunto das decisões interrelacionadas relativas à alocação dos nossos recursos disponíveis Toda atividade econômica nesse sentido é planejamento e em qualquer sociedade em que várias pessoas colaborem o planejamento independentemente de quem o faça terá de basear se em certos conhecimentos e esses conhecimentos não estarão disponíveis em primeira instância para o planejador mas antes para alguém que deverá retransmitilos ao planejador Os vários modos pelos quais o conhecimento chega às pessoas que o utilizam para elaborar seus planos é um problema crucial para qualquer teoria que almeje explicar o processo de mercado e o problema de qual é melhor meio de utilizar o conhecimento que está inicialmente disperso entre várias pessoas independentes é pelo menos um dos principais problemas para a política econômica ou para qualquer tentativa de conceber um sistema econômico eficiente A resposta para essa pergunta está intimamente relacionada com outra questão que emerge aqui a de quem está planejando Toda a divergência sobre planejamento econômico parte dessa questão Não está em discussão se se deve planejar ou não mas sim se o planejamento deve ser feito de forma centralizada por uma autoridade única para todo o sistema econômico ou se ele deve ser dividido entre vários indivíduos No sentido específico em que o termo é utilizado nas controvérsias contemporâneas planejamento significa necessariamente planejamento central direcionar todo o sistema econômico de acordo com um projeto unificado A competição por outro lado significa uma descentralização do planejamento que será realizado por muitas pessoas independentes O caminho do meio entre essas duas posições muito falado mas pouco apreciado quando visto em prática é a delegação do planejamento para certas indústrias organizadas isto é a instituição de monopólios A questão de qual desses sistemas será mais eficiente depende principalmente da questão de qual deles podemos esperar um uso mais completo do conhecimento existente E isto por sua vez depende de se nós temos uma probabilidade maior de conseguir colocar todo o conhecimento que está disperso entre vários indivíduos à disposição de uma autoridade central ou de dar aos indivíduos um conhecimento adicional suficiente para que eles se tornem capazes de integrar os seus planos aos dos outros III Ficará imediatamente evidente que neste ponto a resposta será diferente de acordo com os diferentes tipos de conhecimento e a resposta para a nossa pergunta irá conseqüentemente voltarse para a importância relativa de diferentes tipos de conhecimento aqueles que mais provavelmente estarão à disposição de indivíduos particulares e aqueles que teríamos mais certeza de encontrar na posse de um órgão constituído por especialistas bem escolhidos Se hoje em dia é tão amplamente aceito que a segunda opção é preferível isto ocorre porque um tipo de conhecimento o conhecimento científico ocupa nos dias de hoje um lugar tão proeminente na imaginação pública que chegamos a esquecer que esse não é o único tipo de conhecimento relevante Podese admitir que em relação ao conhecimento científico um órgão com um punhado de especialistas bem escolhidos seja a melhor opção para melhor dominar o conhecimento disponível embora isso obviamente seja meramente trocar um problema por outro o problema de como escolher esses especialistas O que desejo frisar é que mesmo presumindo que esse problema pudesse ser imediatamente resolvido ele seria apenas parte de um problema maior Hoje é quase uma heresia sugerir que o conhecimento científico não corresponde à totalidade do conhecimento Mas um pouco de reflexão irá mostrar que sem sombra de dúvida existe um corpo importantíssimo de conhecimento desorganizado que não pode ser chamado de científico entendendo científico como o conhecimento de certas regras gerais o conhecimento de certas circunstâncias particulares de tempo e lugar É em relação a isso que praticamente todo indivíduo tem alguma vantagem comparativa em relação a todos os outros pois ele possui informações únicas sobre que tipos de usos benéficos podem ser feitos com certos recursos usos estes que só acontecerão se a decisão de como utilizálos for deixada nas mãos desse indivíduo ou for tomada com sua cooperação ativa Basta apenas lembrarmos o quanto precisamos aprender em qualquer profissão depois de termos completado nossa formação teórica quão grande é a parte da nossa vida profissional em que passamos aprendendo habilidades específicas e quão valioso em todas as circunstâncias da vida é o conhecimento das pessoas das condições locais e de certas circunstâncias especiais Conhecer e saber operar uma máquina que não estava sendo adequadamente explorada ou a habilidade de alguém que poderia ser mais bem aproveitada ou estar consciente de um excedente de reservas que pode ser usado durante uma interrupção temporária do fornecimento é tão útil socialmente quanto o conhecimento das melhores técnicas alternativas O transportador que ganha sua vida descobrindo como melhor aproveitar seu espaço de carga que ficaria vazio o agente imobiliário cujo conhecimento consiste quase exclusivamente em encontrar oportunidades temporárias ou o arbitrageur que lucra a partir das diferenças locais entre os preços de certos bens todos eles realizam trabalhos eminentemente úteis que são baseados em um conhecimento especial das circunstâncias de um momento fugidio desconhecido por outros É curioso que nos dias de hoje esse tipo de conhecimento seja amplamente menosprezado e que as pessoas que fazem uso dele para alcançarem privilégios sobre pessoas com melhor preparo teórico ou técnico sejam vistas quase como se estivessem fazendo algo desonrado Mas embora conquistar privilégios usando um conhecimento superior quanto às condições de comunicação e transporte seja visto como algo quase desonesto a verdade é que para a sociedade é quase tão importante fazer o melhor uso possível dessas oportunidades quanto das últimas descobertas científicas Esse preconceito tem uma influência considerável sobre o fato de as pessoas costumarem adotar uma atitude mais desfavorável em relação ao comércio do que em relação às atividades produtivas Mesmos os economistas que se crêem totalmente imunes às rasas falácias materialistas do passado constantemente cometem os mesmos erros em relação às atividades relacionadas à aquisição de conhecimento prático e o motivo disso parece ser que segundo o modo como eles vêem o mundo esse tipo de conhecimento já deveria estar dado em vez de ser algo que precise ser buscado A idéia mais comum na atualidade parece ser a de que todo conhecimento desse tipo deveria estar constantemente disponível para todo mundo e como isso não ocorre criticase a ordem econômica atual por ser supostamente irracional Essa concepção ignora o fato de que o método de tornar esse conhecimento amplamente disponível é precisamente o problema que precisamos resolver IV Se hoje em dia está na moda minimizar a importância do conhecimento das circunstâncias particulares de tempo e espaço isso se deve em grande medida a pouca importância dada à questão da incerteza em si mesma De fato parte dos pressupostos que geralmente estão apenas implícitos adotados pelos planejadores diferem dos seus oponentes tanto em relação à capacidade de mudanças imprevistas causarem alterações substanciais nos planos de produção quanto em relação à freqüência com que isso ocorre Evidentemente se fosse possível fazer previamente planos econômicos detalhados para períodos significativamente longos e depois seguilos à risca de modo que nenhuma outra decisão econômica importante fosse necessária a tarefa de elaborar um planejamento completo para toda a atividade econômica não seria algo tão inatingível Talvez valha a pena frisar que os problemas econômicos surgem sempre e exclusivamente em decorrência de mudanças Enquanto as coisas continuam exatamente como estavam antes ou ao menos quando elas prosseguem de acordo com o que se esperava delas então não surgirão novos problemas que exijam soluções não havendo portanto necessidade de que se elabore um novo planejamento A crença de que a mudança ou ao menos os pequenos ajustes cotidianos se tornou menos importante nos tempos modernos parte do princípio de que a contenção dos problemas econômicos também se tornou menos importante Por esse motivo as pessoas que costumam menosprezar a importância da incerteza são as mesmas que argumentam que as questões econômicas já não são tão importantes quanto o conhecimento tecnológico Será verdade que graças ao sofisticado aparato da indústria moderna só é preciso tomar decisões econômicas em intervalos longos como na hora de decidir se uma nova fábrica deve ser construída ou um novo procedimento deve ser introduzido É verdade que uma vez que uma fábrica tenha sido construída o resto é mais ou menos mecânico determinado por suas características deixando pouco a ser mudado para adaptarse às eternas flutuações de cada momento A experiência prática dos homens de negócios até onde eu a conheço não sustenta essa crença amplamente aceita Pelo menos nas áreas de negócios que são competitivas e apenas essas áreas servem de modelo para essa questão a tarefa de impedir os custos de subir exige um luta constante que absorve grande parte da energia do administrador É fácil para um administrador ineficiente gastar as pequenas sobras de onde saem os lucros é um lugarcomum da experiência empresarial que com as mesmas condições técnicas a mesma produção pode ser feita dentro de uma variedade enorme de custos mas isso não é igualmente conhecido pelos que estudam apenas economia O próprio desejo freqüentemente declarado pelos produtores e engenheiros de ser autorizado a fazer seus projetos sem considerações financeiras é um testemunho eloqüente do poder que esses fatores exercem sobre seu trabalho diário Um dos motivos para a crescente incapacidade dos economistas de atentarem para as constantes pequenas mudanças que compõem o todo da atividade econômica é provavelmente que eles estão cada vez mais preocupados com dados estatísticos que passam uma imagem muito mais estável da economia do que os pequenos movimentos diários No entanto a relativa estabilidade dos grandes dados estatísticos não pode ser explicada como os estatísticos freqüentemente querem fazer crer pelas leis dos grandes números ou pela mútua compensação de pequenas mudanças aleatórias O número dos elementos com que eles lidam não é grande o suficiente para que essas forças acidentais produzam estabilidade O continuo fluxo de bens e serviços é mantido por ajustes deliberados e constantes por novas decisões tomadas diariamente à luz de circunstâncias que eram desconhecidas até o dia anterior pela decisão de B de entrar em cena quando A deixa de executar o seu papel Mesmo a maior e mais mecânica das fábricas segue adiante em grande parte por causa de um ambiente que pode lhe prover todas as suas demandas inesperadas novas telhas para seu telhado papéis para seus documentos e todos os mil e um tipos de equipamentos que não podem ser produzidos pela própria fábrica mas que para que ela continue a funcionar precisam estar facilmente disponíveis no mercado Nesse instante devo brevemente observar que o tipo de conhecimento de que tenho tratado é de um tipo que por sua própria natureza não pode ser transposto para dados estatísticos e que por isso não pode ser colocado à disposição de uma autoridade central que delibere a partir de levantamentos estatísticos As estatísticas que essa autoridade teria de utilizar surgiriam exatamente por meio das abstrações das pequenas diferenças entre as coisas juntando como se fossem elementos de um só tipo itens com diferentes características de lugar qualidade e outras características particulares que seriam muito importantes para tomar uma decisão específica Conseqüentemente planejamento central baseado em informações estatísticas por sua própria natureza não pode levar em consideração diretamente as circunstâncias de tempo e lugar precisando encontrar algum jeito de essas decisões serem deixadas para alguém que esteja no local V Se pudermos convir que o problema econômico da sociedade é basicamente uma questão de se adaptar rapidamente às mudanças das circunstâncias particulares de tempo e lugar parece ser evidente que por conseqüência as decisões fundamentais devem ser deixadas a cargo de pessoas que estejam familiarizadas com essas circunstâncias que possam conhecer diretamente as mudanças relevantes e os recursos imediatamente disponíveis para lidar com elas Não podemos esperar que essa problema seja resolvido por meio da transmissão de todo esse conhecimento para um diretório central que depois de ter integrado todo esse saber emita uma ordem Precisamos da descentralização porque apenas assim podemos garantir que o conhecimento das circunstâncias particulares de tempo e lugar sejam prontamente utilizados Mas o homem que está dentro de uma situação particular não pode tomar decisões com base apenas em seu conhecimento dos fatos relativos aos seus arredores imediatos pois apesar de este ser um conhecimento íntimo é também limitado No entanto persiste o problema de como transmitir a esse homem informações suficientes para que ele seja capaz de encaixar suas decisões no padrão geral das mudanças do sistema econômico como um todo De quanto conhecimento ele precisa para ser bem sucedido nisso Quais dos eventos que acontecerão além do seu horizonte imediato de conhecimento são relevantes para sua decisão imediata e quão bem ele precisa conhecer esses eventos Praticamente não há nada que ocorra no mundo que não possa influenciar a decisão que ele precisa tomar Mas ele não precisa conhecer esses eventos em si mesmos nem precisa conhecer todos os seus efeitos Para ele não é importante saber o porquê de um certo tipo de parafuso estar sendo mais procurado em uma época específica ou porque os sacos de papéis estão mais facilmente disponíveis que os sacos de lona ou porque trabalhadores especializados ou máquinas específicas momentaneamente se tornaram difíceis de encontrar Tudo que ele precisa saber é quão mais ou menos difícil está a aquisição de certas coisas em relação a outras coisas que também lhe interessam ou se a demanda por outras coisas que ele produz ou usa é mais ou menos urgente Ele sempre está preocupado com a importância relativa de coisas particulares enquanto os fatores que alteram essa importância relativa não lhe interessam de forma alguma exceto na medida dos próprios efeitos causados sobre as coisas concretas do seu ambiente É em relação a isso que aquilo que chamei de cálculo econômico nos ajuda ao menos por analogia a entender como esse problema pode ser resolvido na verdade como ele já está sendo resolvido pelo sistema de preços Mesmo se existisse uma única mente controladora que possuísse todos os dados sobre um sistema econômico pequeno e restrito ela não iria darse ao trabalho de repassar por todas as relações entre fins e meios que talvez possam ser afetadas a cada vez que algum pequeno ajuste na alocação recursos fosse feito De fato uma das grandes contribuições da lógica pura da escolha é ter demonstrado conclusivamente que mesmo uma única mente onisciente só poderia resolver esse tipo de problema por meio da construção e da constante utilização de taxas de equivalência ou valores ou taxas marginais de substituição ou seja por meio da atribuição de um índice numérico a cada tipo de recurso que sem ser derivado de nenhuma propriedade dessa coisa em particular ainda refletisse ou condensasse sua relevância na estrutura total dos meios e fins Para cada pequena mudança ela teria que considerar apenas esses índices quantitativos ou valores no qual a informação relevante estaria concentrada e ao ajustar as quantidades uma a uma ela poderia reorganizar todos os elementos sem precisar retomar todo o quebracabeça desde o início nem precisar parar a cada etapa para analisar novamente todos os elementos e suas ramificações Basicamente em um sistema no qual o conhecimento dos fatos relevantes está disperso entre várias pessoas os preços podem servir para coordenar as diferentes ações de várias pessoas do mesmo modo como os valores subjetivos ajudariam aquela mente onisciente a coordenar as diferentes partes do seu plano Vale a pena contemplar por um instante um exemplo muito simples e comum do sistema de preços em ação para ver exatamente o que ele pode fazer Suponha por um instante que em algum lugar do mundo uma nova oportunidade de usar alguma matéria prima surgiu tomemos o estanho como exemplo ou então que alguma das fontes de estanho tenha sido eliminada Para o nosso exemplo não importa e é muito significativo que isso não importe qual dessas duas causas tenham aumentado a escassez de estanho Tudo que os usuários de estanho precisam saber é que parte do estanho que eles costumavam consumir agora está sendo usado com mais proveito em outro lugar e em decorrência disto eles precisam ser mais econômicos em seu uso Não é preciso nem que boa parte deles saiba de onde essa demanda mais urgentemente surgiu nem mesmo em prol de quê eles irão poupar esses recursos Basta que alguns deles saibam diretamente da existência da nova demanda e transfiram recursos para ela que algumas outras pessoas percebam o vazio que foi então criado e ajam para preenchêlo com recursos de outras fontes e então o efeito irá rapidamente se espalhar por todo o sistema econômico influenciando não apenas todos os usos do estanho mas também os usos dos seus substitutos e dos substitutos desses substitutos assim como a oferta de todas as coisas feitas de estanho e a dos seus substitutos dessas coisas e assim por diante e tudo isso ocorre sem que a grande maioria daqueles que realizam essas substituições saiba nada sobre a causa original dessas mudanças O todo age como se fosse um único mercado mas isso não ocorre porque cada um dos seus membros pôde analisálo como um todo mas sim porque os campos limitados da visão de cada um tinham alcance suficiente para que através de inúmeros intermediários a informação relevante fosse comunicada para todos O mero fato de que há um preço para cada bem ou melhor dizendo que cada preço local está ligado de certa forma com o custo de transportálo para esse local e assim por diante traz a mesma solução que uma única mente dotada de todas as informações embora ela seja apenas uma possibilidade imaginária teria alcançado ainda que essas informações na verdade estejam dispersas entre todas as pessoas envolvidas no processo VI Precisamos entender o sistema de preços como um mecanismo de transmissão de informações para podermos entender sua verdadeira função uma função que ele cumpre evidentemente com menos perfeição na medida em que os preços se tornam mais rígidos Mas mesmo quando preços tabelados se tornam extremamente rígidos as forças que normalmente atuariam causando mudanças no preço permanecem agindo exercendo uma influência considerável sobre as mudanças em outros aspectos dos contratos O principal aspecto desse sistema é a economia de conhecimento com que ele opera ou em outros termos é quão pouco os participantes individuais precisam saber para ser capazes de tomar as decisões corretas De forma abreviada por meio de um certo tipo de símbolo apenas a informação mais essencial é transmitida adiante e apenas para aqueles que estão interessados nela Não seria apenas uma metáfora se disséssemos que o sistema de preços é tipo um caixa registrador ou um sistema de telecomunicações que permite aos produtores individuais observar apenas o movimento de alguns fatores do mesmo modo como um engenheiro pode se concentrar apenas nos consoles de alguns mostradores para adaptar as suas atividades às mudanças que eles conhecem apenas a partir do que é mostrado pelo movimento dos preços Evidentemente esses ajustes provavelmente nunca são perfeitos no sentido de perfeição que os economistas utilizam em suas análises sobre o equilíbrio econômico No entanto temo que nosso hábito teórico de abordar cada problema com a presunção de um conhecimento mais ou menos perfeito da parte de quase todos os envolvidos quase nos tenha cegado para a verdadeira função do mecanismo de preço levandonos a aplicar de forma enganosa padrões inadequados para julgar sua eficiência É maravilhoso que em uma situação na qual haja escassez de um tipo de matéria prima sem que nenhuma ordem seja dada sem que talvez não mais que um punhado de pessoas saibam a causa dessa escassez dezenas de milhares de pessoas cujas identidades jamais serão conhecidas mesmo depois de meses de investigação começam então a utilizar essa matéria ou seus subprodutos de maneira mais econômica ou seja todas elas agem na direção correta Isto em si mesmo é suficientemente maravilhoso mesmo que em um mundo de incertezas constantes nem tudo consiga se organizar tão perfeitamente para que suas porcentagens de lucros se mantenham constantemente no mesmo nível considerado normal Usei deliberadamente a palavra maravilha para chocar o leitor e retirálo da complacência com que costumamos dar como certo o funcionamento desse mecanismo Estou convencido de que se isso fosse o resultado de um projeto humano consciente e que as pessoas guiadas pelas mudanças dos preços soubessem que suas decisões possuem uma importância muito maior do que a realização dos seus fins imediatos então esse mecanismo seria louvado como um dos maiores triunfos da mente humana O seu azar é duplo nem ele é o fruto de um projeto humano nem as pessoas guiadas por ele costumam entender porque elas fazem as coisas que são levadas a fazer Mas aqueles que clamam por uma direção consciente e que não podem acreditar que algo que tenha sido criado sem um planejamento e de fato sem que nem mesmo alguém o compreendesse como um todo possa resolver problemas que nós mesmos não podemos resolver conscientemente devem lembrarse do seguinte o problema é precisamente de como expandir a extensão da utilização dos recursos além da extensão do entendimento de um único indivíduo e portanto tratase de um problema de como administrar a necessidade de controle consciente e de como dar incentivos para os indivíduos tomarem as decisões desejáveis sem que alguém lhes diga o que fazer O problema de que estamos tratando aqui de forma alguma diz respeito exclusivamente à economia pois ele surge junto com quase todos os outros verdadeiros fenômenos sociais com a linguagem e boa parte da nossa herança cultural constituindo de fato o problema central de toda ciência social Como Alfred Whitehead disse em relação a outra coisa Um truísmo profundamente falso repetido por todos os manuais e nos discursos das pessoas eminentes diz que devemos cultivar o hábito de pensar sobre o que estamos fazendo O oposto é que é verdadeiro A civilização progride quando aumentamos o número de trabalhos importantes que podemos realizar sem pensar neles Isso possui uma profunda importância no campo social Usamos constantemente fórmulas símbolos e regras cujo significado não entendemos mas por meio dos quais podemos ter acesso a conhecimentos que individualmente não possuímos Criamos essas práticas e instituições tomando como base os hábitos e instituições que se mostraram bem sucedidos em suas próprias esferas e que se tornaram a fundação em cima da qual construímos a civilização O sistema de preços é apenas uma dessas criações que o homem aprendeu a usar embora ele ainda esteja longe de ter aprendido a usálo perfeitamente depois que se deparou com ele mesmo antes de entendêlo Por meio dele não apenas a divisão de trabalho mas também o uso coordenado de recursos baseado em conhecimentos amplamente divulgados se tornam possíveis As pessoas que gostam de ridicularizar qualquer sugestão de que é assim que as coisas funcionam distorcem nosso argumento ao insinuar que estamos dizendo que é por algum milagre que um sistema como esse se desenvolveu espontaneamente tornandose o mais adequado para a civilização moderna Tratase exatamente do contrário o homem pode criar essa divisão do trabalho sobre a qual a nossa civilização se sustenta justamente porque ele se deparou com um método que a tornou possível Caso isso não tivesse ocorrido ele talvez tivesse desenvolvido um tipo inteiramente diferente de civilização talvez o Estadodos cupins ou outra coisa totalmente inimaginável Tudo que podemos dizer é que até agora ninguém conseguiu produzir um sistema alternativo no qual certas características do sistema existente que são respeitadas mesmo por aqueles que o atacam violentamente possam ser preservadas especialmente em relação à capacidade do indivíduo de escolher seus objetivos e conseqüentemente de dispor livremente de suas habilidades e conhecimento VII Por vários motivos é ótimo que a necessidade do sistema de preços para qualquer cálculo racional em uma sociedade complexa já não seja mais objeto de discussão apenas entre grupos com opiniões políticas distintas A tese segundo a qual sem o sistema de preços nós não poderíamos preservar uma sociedade baseada numa divisão de trabalho tão extensiva quanto a nossa foi recebida com gritos de chacota quando Mises a apresentou há vinte e cinco anos Hoje os argumentos que alguns ainda apresentam para rejeitar essa tese não são mais exclusivamente políticos e isso cria um atmosfera muito mais receptível a discussões ponderadas Quando vemos Leon Trostky argumentando que o cálculo econômico é inimaginável sem as relações de mercado quando o professor Oscar Lange promete ao professor von Mises uma estátua de mármore no futuro Diretório de Planejamento Central e quando o professor Abba P Lerner redescobre Adam Smith enfatizando que a utilidade essencial do sistema de preços consiste em induzir o indivíduo a fazer aquilo que é do interesse geral no instante em que busca realizar seus próprios interesses então as divergências já não podem ser atribuídas a preconceitos políticos Os dissidentes restantes parecem claramente divergir dessa posição por motivos puramente intelectuais e mais particularmente por causa de diferenças metodológicas Uma declaração recente do professor Joseph Schumpeter em seu Capitalismo Socialismo e Democracia Capitalism Socialism and Democracy New York Harper 1942 p 175 O professor Schumpeter é me parece o responsável pela criação do mito segundo o qual Pareto e Barone teriam resolvido o problema do cálculo econômico no socialismo O que eles e muitos outros fizeram foi apenas elencar as condições que deveriam ser satisfeita para uma alocação racional de recursos e observar que essas condições eram essencialmente as mesmas do estado de equilíbrio de um mercado competitivo Isso é inteiramente diferente de saber como a alocação de recursos segundo essas condições pode ser observada na prática O próprio Pareto de quem Barone praticamente tomou quase tudo que tinha a dizer longe de declarar ter resolvido esse problema prático de fato negou explicitamente que ele poderia ser resolvido sem o auxílio do mercado Vejam o seu Manuel déconomie pure 2d ed 1927 pp 23334 Manual de economia pura As passagens relevantes estão citadas em uma tradução inglese no início do meu artigo Socialist Calculation The Competitive Solution O cálculo socialista a solução competitiva in Economica New Series Vol VIII No 26 May 1940 p 125 Copyright 2008 by the American Economic Association Hayek Friedrich A American Economic Review XXXV No 4 Setembro de 1945 pp 51930 REDAÇÃO CONTRASTANDO OS TEXTOS DE KEYNES E HAYEK John Maynard Keynes e Friedrich August von Hayek são dois dos economistas mais influentes do século XX e suas ideias frequentemente contrastam em relação às políticas econômicas e à função do conhecimento no mercado Nos textos indicados A Teoria Geral do Emprego do Juro e da Moeda de Keynes e Os Usos do Conhecimento na Sociedade de Hayek ambos autores discutem a incerteza sobre o estado dos mercados especialmente no futuro mas derivam conclusões completamente diferentes sobre como lidar com esse fato No capítulo 12 de A Teoria Geral do Emprego do Juro e da Moeda Keynes explora como as expectativas a longo prazo influenciam o volume de investimento Ele argumenta que as expectativas sobre a renda futura de um ativo são baseadas tanto em fatos conhecidos quanto em eventos futuros incertos Keynes destaca que a formação dessas expectativas é um processo psicológico complexo onde a confiança desempenha um papel essencial Ele afirma que devido à incerteza inerente ao futuro os investidores muitas vezes baseiam suas decisões em fatos presentes projetandoos no futuro a menos que haja razões concretas para esperar mudanças Isso pode levar a uma instabilidade nas expectativas e consequentemente nos investimentos Keynes sugere que em face dessa incerteza a intervenção governamental pode ser necessária para estabilizar a economia promovendo um ambiente onde as expectativas dos investidores sejam mais previsíveis e confiáveis Por outro lado em Os Usos do Conhecimento na Sociedade Hayek argumenta que o problema econômico fundamental é a dispersão do conhecimento entre os indivíduos Ele critica a ideia de que uma única mente ou uma autoridade principal possa possuir todas as informações necessárias para tomar decisões econômicas racionais Hayek enfatiza que o conhecimento relevante para a tomada de decisões está distribuído entre muitos indivíduos cada um possuindo informações específicas sobre suas próprias circunstâncias e recursos Hayek defende que a melhor forma de utilizar esse conhecimento disperso é através de um sistema de preços em um mercado competitivo onde os preços funcionam como sinais que coordenam as ações dos indivíduos Ele argumenta que a descentralização do planejamento econômico permitindo que as decisões sejam tomadas por muitos indivíduos independentes é mais eficiente do que qualquer forma de planejamento centralizado Para Hayek a competição é o mecanismo que melhor lida com a imperfeição do conhecimento pois permite a utilização mais completa e eficiente das informações disponíveis As conclusões de Keynes e Hayek sobre como lidar com a imperfeição do conhecimento são diametralmente opostas Keynes vê a incerteza como uma justificativa para a intervenção estatal argumentando que o governo pode ajudar a estabilizar as expectativas dos investidores e assim promover um ambiente econômico mais estável Ele sugere políticas como a regulação dos mercados financeiros e a implementação de programas de investimento público para compensar a volatilidade do investimento privado Em contraste Hayek acredita que a intervenção estatal é problemática porque nenhuma autoridade principal pode possuir todo o conhecimento necessário para tomar decisões econômicas eficazes Ele defende que a descentralização e a competição são as melhores formas de lidar com a incerteza e a dispersão do conhecimento Hayek sugere que políticas que promovam a liberdade de mercado e a competição são mais eficazes para garantir a utilização eficiente dos recursos e a coordenação das ações econômicas Em resumo enquanto Keynes e Hayek concordam que o conhecimento sobre o estado dos mercados é incerto eles divergem profundamente sobre como lidar com esse fato Keynes advoga por uma maior intervenção estatal para estabilizar a economia enquanto Hayek defende a descentralização e a competição como os melhores meios para aproveitar o conhecimento disperso na sociedade Essas diferenças refletem suas visões mais amplas sobre o papel do governo e do mercado na economia e continuam a influenciar debates econômicos até hoje